A cidadania plena do povo negro passou a ser uma meta de governo com o reconhecimento
dos mecanismos de desenvolvimento desigual a que foi submetido esse conjunto da
população nacional .
Democracia racial: O mito, o desejo, a história
A construção diferenciada da cidadania no Brasil aconteceu, como na maioria dos países,
desde o início da sua história. O encontro entre colonizadores e colonizados sempre se deu
com referência em relações hierarquizadas, com a imposição do padrão civilizatório
daqueles que ocupam o território e subordinam os povos locais. Outros povos introduzidos
em tal contexto, sejam quais forem as suas origens, seja qual for o processo de inclusão no
conjunto social - imigração livre ou planejada, escravidão etc - tendem, quase sem exceção
na história da humanidade , a ser forçados a ocupar espaços hierarquicamente inferiores. De
acordo com os conceitos contemporâneos diremos que não têm seus direitos de cidadãos
assegurados ou vivem em estado de cidadania parcial.
Assim foi quando os portugueses chegaram ao Brasil e impuseram seu modelo de
colonização aos povos indígenas e, depois, introduziram o sistema escravista como modo
de produção e de organização social.
Mais de trezentos anos de escravidão, do século XVI até o final do século XIX, como
instituição legal, social e econômica, que determinou o estilo de vida do Brasil colônia e
depois até um ano antes da República, representam uma realidade fundamental para se
compreender as desigualdades raciais no país e o aprofundamento da hierarquização dos
direitos e da própria definição de humanidade, do humano associado a direitos e das escalas
de valor social da pessoa atribuídas na nação. Responsável pelo maior translado humano da
história, de várias partes de um continente para um só país - entre 5 e 3,6 milhões (*) de
africanos foram importados para o Brasil - a escravidão gestou estruturas, relações sociais e
econômicas, valores e conceitos , visão de mundo que inclui visão de Estado, que tinha por
meta sua permanência, sobrevivência e sobrevida, e a manutenção dos privilégios, também
estratificados, resultantes.
O escravo, para que a perversidade da escravidão se justificasse, não era considerado um
ser totalmente humano por nenhuma das instituições, inclusive a igreja. Os afro-
descendentes resultantes da miscegenação, na sua maioria filhos de relações destinadas a
manter o sistema escravista. As práticas culturais e religiosas, a visão de mundo desse
conjunto humano, mesmo se integrados ao modo de ser nacional, após mais de 350 anos de
convivência cultural, assim como sua força de trabalho, responsável pelo desenvolvimento
da economia local , foram continuamente desqualificados. A aparência física dos negros,
exceto quando se tratava de servir sexualmente os senhores, foi associada à dos animais e
esteticamente desagradável ou inferior. Seu corpo era para o trabalho e sua força utilizada
como a dos animais.
Se o movimento abolicionista foi longo, heterogêneo e, por fim vitorioso, a República
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