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Na parte inferior do degrau, à direita, vi uma pequena esfera furta-cor, de quase
intolerável fulgor. A princípio, julguei-a giratória; depois, compreendi que esse
movimento era uma ilusão produzida pelos vertiginosos espetáculos que encerrava.
O diâmetro do Aleph seria de dois ou três centímetros, mas o espaço cósmico
estava aí, sem diminuição de tamanho. Cada coisa (o cristal do espelho, digamos)
era infinitas coisas, porque eu a via claramente de todos os pontos do universo. Vi
o populoso mar, vi a aurora e a tarde, vi as multidões da América, vi uma prateada
teia de aranha no centro de uma negra pirâmide, vi um labirinto roto (era Londres),
vi intermináveis olhos próximos perscrutando-me como num espelho (...)vi o
Aleph, de todos os pontos, vi no Aleph a terra, e na terra outra vez o Aleph, e no
Aleph a terra, vi meu rosto e minhas vísceras, vi teu rosto e senti vertigem e chorei,
porque meus olhos haviam visto esse objeto secreto e conjetural cujo nome
usurpam os homens, mas que nenhum deles olhou: o inconcebível universo (OCI,
695-6).
Não há, neste relato, uma imagem que não esteja inserida no instante da
observação, isto é: Borges não vê, no Aleph, imagens do passado ou do futuro.
Todas as visões estão no presente e o espanto vem do fato de que são percebidas
simultaneamente. Portanto, não podemos supor que os momentos convergem no
Aleph, mas apenas que ele contém todo o espaço ou que é uma parte que contém
todas as partes, uma parte que é o todo.
O desafio aqui é, novamente, o da relação entre as partes e o todo: a
multiplicidade só se justifica ontologicamente se cada uma de suas partes – ou ao
menos uma de suas partes – contiver o todo. Se admitirmos que cada coisa é
essencialmente diversa de cada uma das outras, não podemos postular que
possuam uma origem comum, então o universo torna-se injustificável. A origem
comum, o sentido do universo, depende da unidade das coisas.
Devemos observar que não houve, neste caso, a desintegração do sujeito,
que poderíamos prever após a contemplação do Aleph. O Aleph não é a verdade
do universo, apenas sobrepõe tudo o que está no presente. Não fala do passado ou
do futuro. Ao contrário da Roda, contemplada por Tzinacan em A Escrita do
Deus, que exibia “todas as coisas que serão, que são e que foram” e, mostrando a
infinita rede de causas e efeitos, permitia “entender tudo, interminavelmente” (OC
I, 666), o Aleph não explica nada, apenas mostra. Ao longo do texto citado acima,
lemos, o tempo todo “vi (...), vi (...)”. O narrador apenas vê. O Aleph mostra
também que tudo o que há existe em um pequeno ponto do que há.
O eterno aqui não é um ponto alheio à linha seqüencial do tempo: é o
instante. Está inserido no tempo, mas é como uma dimensão paralela que permite
a observação de todo esse momento do tempo como se estivesse fora do tempo.
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