
Delicadas coreografias: instantâneos de uma terapia ocupacional
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uma vez que envolvem diferentes exercícios de aproximação em relação ao próprio cor-
po, ao grupo, às propostas e, principalmente, a modos de funcionamento pautados pe-
la observação e criação de si, por meio de abordagens corporais que envolvem graus de
conectividades, sensações e invenções produzidas pelos encontros entre corpos.
Adentramos, assim, no terreno das sensibilidades produzidas por processos de
subjetivação que definem modos de olhar, viver e relacionar-se, com a intenção de fazer
vibrar, deslocar, problematizar ou, no mínimo, criar pequenas e potentes possibilida-
des de aproximação com o problemático campo da corporeidade.
Em minha prática profissional, a observação de si pelo e a partir do corpo, ou se-
ja, atentar, produzir experimentações corporais, refletir e fazer escolhas a partir desse fo-
co não é lugar comum. Tampouco podemos dizer que, ao tratar o corpo como digno de
atenção
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, não estaríamos entrando em um campo problemático, permeado por para-
doxos, questões em aberto e possíveis capturas, uma vez que nos últimos anos o corpo
tem sido abordado como “nova mercadoria” da subjetividade capitalística.
Procurando escapar da armadilha mercadológica do corpo como “o novo lugar da
moda” e na tentativa de procurar romper, criar vivências e exercitar um olhar crítico
sobre essas questões, os aquecimentos ou modos de aproximações, nos impõem urgen-
temente a elaboração sobre suas implicações, propostas, procedimentos e ressonâncias.
Primeiramente podemos dizer que a observação de si não está pautada por
um olhar sobre o corpo restrito a seus órgãos, sistemas e funcionalidades. Por isso, mui-
tos participantes das oficinas, cursos e workshops estranham, desconfiam ou até discor-
dam deste paradigma, que propõe um olhar permeado pelos encontros, norteado por
fluxos de desejos, criações, afetações e produções de outras sensibilidades. Entretanto,
o que torna tal clínica tão complexa e provocativa é que observamos um enorme inves-
timento que constrói e define relações que reafirmam a questão do corpo, presente des-
de sempre e particularmente em pauta no contemporâneo
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.
É certo que tocamos, assim, em um campo muito delicado. Existe um modismo,
uma infinidade de técnicas e propostas relacionadas ao corpo e um dos desafios está em,
justamente, não se deixar capturar, resistir à tentação de um novo adestramento
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, ago-
ra efetuado pelas chamadas intervenções clínicas na construção de um corpo hiper cria-
tivo, “super expressivo”, que responda muito rapidamente às velocidades impostas
pelos modos de subjetivação contemporâneos.
Procurando romper com essa tendência, na tentativa de encontrar outros percur-
sos para a elaboração e ação nesse campo, parece-me que a pergunta de Espinosa, “o que
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Esta idéia será abordada mais à frente.
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No texto “Corpo e história” de Denise Sant ‘Anna é possível acompanhar
diferentes relações estabelecidas com o corpo ao longo da história. O corpo
sempre esteve presente ora como território intocável, sagrado, imaculado,
ora como amplo lugar de nossa atenção e ação, sofrendo todo o tipo de
investimento.
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Um dos riscos possíveis é criar uma nova clínica adaptacionista, utilitária e
ortopédica, tal como aponta Eduardo Passos em prefácio do livro: Corpo e arte
em Terapia Ocupacional, de Marcus Vinicius Machado de Almeida. Enelivros : Rio
de Janeiro, 2004.