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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
DA INVERSÃO À RE-INVERSÃO DO OLHAR: RITUAL E PERFORMANCE NA
CAPOEIRA ANGOLA
ROSA MARIA ARAÚJO SIMÕES
SÃO CARLOS
2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
DA INVERSÃO À RE-INVERSÃO DO OLHAR: RITUAL E PERFORMANCE NA
CAPOEIRA ANGOLA
ROSA MARIA ARAÚJO SIMÕES
Tese apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal de São Carlos, como
parte dos requisitos para obtenção do título
de Doutora em Ciências Sociais (Área de
Concentração: Relações Sociais, Poder e
Cultura).
Orientadora: Prof
a
. Dr
a
. MARINA DENISE
CARDOSO
SÃO CARLOS
2006
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Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária/UFSCar
S593ir
Simões, Rosa Maria Araújo.
Da inversão à re-inversão do olhar: ritual e performance
na capoeira angola / Rosa Maria Araújo Simões. -- São
Carlos : UFSCar, 2006.
200 p.
Tese (Doutorado) -- Universidade Federal de São Carlos,
2006.
1. Antropologia. 2. Capoeira angola. 3. Ritual. 4.
Performance (Arte). 5. Mestre João Pequeno de Pastinha. 6.
Mestre Pé de Chumbo. I. Título.
CDD: 301 (20
a
)
~ -r ...~..,.,
BANCA EXAMINADORADA TESE DE
9loóa JKwda ~ S~
16/05/2006
~
~O. Cardoso
Orientadora e Presidente
Universidade Federal de São Carlo~ (UFSCar)
tl/ C
Or. Luiz Henrique de Toledo
UnIVersidadeFederaldeSãoCarlos(UFSCar)
~ \ --
~ Or. Piero de Camargo Leirner -.
UniversidadeFederaldeSãoCarlos(UFSCar)
Or. Mauro Betti
UniversidadeEstadualPaulista"Júliode MesquitaFilho"(UNESP)
Dedico este trabalho ao meu filho Gabriel e ao
meu marido Márcio!
Dedico, também, a todos os camaradinhas que
deram, estão dando, ou darão a volta ao mundo
comigo...
Agradecimentos
Agradeço
em primeiro lugar a Deus, pois na nossa cultura aprendi, sobretudo via minha mãe e Mestre
Pé de Chumbo, a ‘colocá-Lo na frente em tudo o que vamos fazer’.
Agradeço
ao meu pai (in memorian) e à minha mãe por me terem colocado no mundo e me apoiado em
tudo na vida...
Agradeço
ao meu querido Mestre Pé de Chumbo e à minha querida Mestra Marina Denise Cardoso
por me darem a oportunidade de aprender muitas coisas preciosas. Tenho certeza que os
seus ensinamentos aperfeiçoarão a minha existência para o resto de minha vida.
Agradeço
ao Mestre Pastinha (in memorian) e ao Mestre João Pequeno: exemplos de disciplina,
humildade e perseverança...
Agradeço
ao Mestre Bahia, ao Prof. Mestrando Jurubeba, ao Prof. Topete, ao Prof. Pai de Santo, a
Trenel Dedê, ao Trenel Daniel, a Trenel Ana Silvia, ao Véio, ao Dani, ao Japa e a todos os
camaradinhas do Centro Esportivo de Capoeira Angola - Academia de João Pequeno de
Pastinha, pela convivência, camaradagem, vadiação e aprendizado.
Agradeço
ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar) por tornar viável a concretização desta pesquisa. Muito obrigada ao Prof.
Dr. Karl Monsma por suas contribuições (que vêm desde o meu Mestrado quando cursei sua
disciplina Sociologia Histórica no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP), aos Professores Drs. Luiz
Henrique de Toledo (Kike) e Piero de Camargo Leirner pelas discussões no Grupo de
Pesquisa ‘Modelos terapêuticos, políticas de saúde, práticas corporais e a investigação
antropológica’, pelas suas sugestões, enquanto banca de exame de qualificação. Sou muito
grata também, às contribuições dos professores Drs Márcio Pizarro Noronha, Mauro Betti,
Luiz A. N. Lima, José M. Romão da Silva.
Agradeço também à secretária Ana que, prontamente, providenciava-me, sempre que
necessário, os documentos exigidos para a obtenção de meu afastamento parcial na Unesp.
Agradeço
aos meus companheiros de Pós-graduação: o Edvaldo, a Luciana, o Sandrão, o Reginaldo, a
Paulinha, ao Edemilson e, sobretudo, à amiga Larissa Pelúcio, com quem compartilhei as
angústias e os ‘insights’ de nossas trajetórias antropológicas.
Agradeço
à Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação - FAAC/Unesp – Bauru que, desde a
gestão anterior representada pelo Prof. Dr. José Carlos Plácido da Silva (na diretoria) e a
Profa. Dra. Loriza Lacerda de Almeida (na vice-diretoria) e a atual, o Diretor Prof. Dr.
Antônio Carlos de Jesus e o Vice-Diretor Prof. Dr. Roberto Deganutti, sempre me apoiou na
minha trajetória.
Agradeço
Também à Unesp por me conceder, durante os anos de 2002 e 2003, uma Bolsa de
Capacitação Docente.
Agradeço
ao Departamento de Artes e Representação Gráfica da Faculdade de Arquitetura, Artes e
Comunicação da Unesp de Bauru e aos colegas: Profa. Dra Aniceh Farah Neves, Profa. Ms.
Solange Leão, Professora Dra. Maria Antônia Benutti Giunta, Profa Dra. Marizilda dos
Santos Menezes, Prof. Dr. José Marcos Romão da Silva, Prof. Dr. Roberto Alcarria, Profa.
Dra. Guiomar J. Biondo, Profa. Dra. Maria do Carmo Jampaulo Plácido Palhaci, Prof. Ms.
Marcos Rossi, Prof. Dr. Benedito Francisco Cabral Silva, Prof. Dr. Olímpio Pinheiro, Profa.
Dra. Maria Luiza Calim etc. Obrigada a todos que de diferentes maneiras são responsáveis
por uma parcela de contribuição nesta pesquisa: a convivência enriquecedora, o
aprendizado, as críticas construtivas, o companheirismo e a força.
Agradeço
às queridas secretárias do DARG, Leocádia Govedice, Inês e Angélica e, ao técnico de
laboratórios Adriano Andrade por algumas das fotografias contidas nesta tese.
Agradeço
aos meus alunos das disciplinas ‘Folclore’, ‘Artes Cênicas’ e ‘Expressão Musical’ do curso
de Licenciatura em Educação Artística do DARG/FAAC/Unesp – Bauru. Suas inquietações
também aguçaram a minha percepção.
Agradeço
ao Mau (integrante do grupo de capoeira pesquisado na UFSCar) que, quando veio de São
Carlos para Bauru, em 2004, para cursar o mestrado, ajudou-me a dar início ao trabalho
com capoeira angola na Unesp de Bauru.
Agradeço
aos alunos dos diversos cursos da Unesp (em especial o Danilo Abreu, meu orientando
bolsista da PROEX, o Tubarão, o Pará, a Fernanda, a Helô, o Tim, o Marcão, o Danilo
Ignácio e a Joyce) que conviveram comigo praticamente todos os dias durante o ano de 2005
ao participarem do Projeto de Extensão ‘A Capoeira Angola de Mestre João Pequeno de
Pastinha’ e às crianças dos Grupos V e VI do Centro de Convivência Infantil – CCI ‘Gente
Miúda’ da Unesp de Bauru que também participaram do referido projeto.
Agradeço
aos professores de ‘Canto’ Renato e Dusneik, ao professor de ‘Teoria e Percepção Musical’ e
‘Prática de Grupo’ Eduardo Toledo, ao professor de ‘Bateria e Percussão’ Zé Santos e a
estimulante convivência com outros professores de música do Instituto de Arte
Contemporânea, escola que contribuiu, de certa maneira, nas minhas reflexões, percepção e
análise relacionada à música na capoeira angola.
Agradeço
aos coordenadores de GRUPOS DE TRABALHOS (GTs) E FÓRUNS DE PESQUISA (FPs)
na ABANNE, ABA e RAM com os quais compartilhei (ao apresentar trabalhos) inquietações e
reflexões que surgiram no transcorrer desta pesquisa:
Edmundo Pereira e Gustavo Pacheco (Museu Nacional/UFRJ) coordenadores do GT 8:
Música, ritual e política – ABANNE/2003.
Prof. Dr. Márcio Pizarro Noronha (UFG) coordenador do FP 15 Antropologia (áudio) visual
e das imagens: meios do fazer (novos suportes), modos de fazer (métodos), objetos de estudo
e formas reflexivas (teorias) - ABA/2004;
Profa. Dr. Maria Laura Viveiros de Castro (UFRJ) e Wilson Trajano (UnB) coordenadores
do FP 4 - Ritos da cultura popularABA/2004.
Profa. Dra. Luciana Hartman (UFRJ) e Fernando Fischman (UBA) coordenadores do GT 13
– Narrativas orais no Mercosul: Performance e experiência – RAM/2005.
Profas. Alicia Martin (UBA), Deise Lucy Oliveira Montardo (UFSC) e Elizabeth Lucas
(UFRGS) coordenadoras do GT 26 Arte, cultura e sociedade: pesquisas recentes. RAM/2005.
Agradeço
aos casais de amigos ‘Eliane e Mauro’ e ‘Fray e Mareide’ pela estimulante convivência
intelectual e artística.
Agradeço
às amigas Edna e Solange pela atenção, amor e cuidado destinados ao meu filho Gabriel nas
minhas ausências.
Enfim, agradeço a toda a minha família, mas, especialmente, às minhas primas Maria da
Assunção Simões Francisco e Maria de Fátima Simões Francisco com quem também pude
compartilhar, entre outras coisas, a própria trajetória desta pesquisa.
(...) “Amigos, o corpo é um grande sistema de razão,
por detrás de nossos pensamentos acha-se um Sr.
Poderoso, um sábio desconhecido. Corrijo-me as
realidades, pela inversão natural da ordem lógica,
transformando passado em futuro”. (Mestre
Pastinha, 1960, p. 1b)
RESUMO
Da inversão à re-inversão do olhar: ritual e performance na capoeira angola
O objetivo desta tese é analisar a capoeira angola sob a perspectiva da
antropologia da performance. Para tanto, procurou-se, por meio do registro etnográfico: traçar
a trajetória dos principais mestres responsáveis pelo seu processo de formação e difusão,
particularmente no Estado de São Paulo; apreender os diversos aspectos pelos quais a
capoeira angola aparece representada pelos seus praticantes; e, a própria multiplicidade de
significados que a sua análise enquanto performance ritual pode oferecer. Sob esse aspecto, o
que instigou tal análise foram as próprias experiências multivocais e multisensoriais que a
capoeira angola reúne, e que seriam características da noção de ritual performático.
Considerando a formação dos capoeiristas dentro de uma “linhagem” específica (a de Mestre
Pastinha) foi possível observar que os “angoleiros” (adeptos da capoeira angola) do “Centro
Esportivo de Capoeira Angola – Academia de João Pequeno de Pastinha” seguiam
determinados preceitos relativos às técnicas dos movimentos corporais, havendo desta
maneira, a transmissão de um conjunto de valores que orientavam a sua prática. Ao apreender
essas técnicas, que apareceram relacionadas a múltiplos aspectos, quer na própria definição da
capoeira angola como jogo, luta, dança, esporte, arte, cultura ou filosofia de vida, quer nas
várias dimensões da sua prática que estabelece uma correlação intrínseca entre os movimentos
corporais, a música, e princípios de natureza estética e moral, foi possível alcançar o profundo
rigor estético com que se estrutura a capoeira angola, pois, ao fazer uma exegese simbólica
sob o recorte teórico da antropologia da performance, o mestre angoleiro se destaca como
“artista” e “educador”.
Palavras-chave: capoeira angola, ritual, performance, jogo, Mestre João Pequeno de Pastinha,
Mestre Pé de Chumbo
ABSTRACT
From inversion to reinversion of a view: ritual and performance in the capoeira angola
The aim of this thesis is to analyze the capoeira angola from the anthropology
of performance perspective. Through an ethnographic record, it was aimed to trace the
background of the main masters who are responsible for its development and dissemination,
mainly in the State of São Paulo; to understand the various aspects through which capoeira
angola is represented by its practitioners; and apprehend the multiplicity of meanings that its
analysis, being a ritual performance, can offer. In this aspect, the multivocal and
multisensorial experiences gathered by capoeira angola, which would be the characteristics of
the notion of ritual performance, prompted this analysis. Considering the capoeiristas
background in a specific “lineage” (Mestre Pastinha’s), it was possible to notice that
“angoleiros” (capoeira angola followers) of the “Centro Esportivo de Capoeira Angola –
Academia de João Pequeno de Pastinha” followed some precepts regarding the body
movement techniques, and thus, promoting the conveyance of a set of values that guided its
practice. These techniques were related to capoeira angola not only in its definition as a game,
fight, dance, sport, art, culture or life philosophy, but also in its several dimensions of practice
that establishes an innate relation amongst body movements, music, and moral and esthetics
nature principles. The understanding of such techniques brought to the light the capoeira
angola strict esthetics basis and, making a symbolic analysis from the anthropology of
performance view, the “mestre angoleiro” stands out as an “artist” and an “educator”.
Key-words: capoeira angola, ritual, performance, game, Mestre João Pequeno de Pastinha,
Mestre Pé de Chumbo
SUMÁRIO
Capítulo I
A performance ritual na capoeira angola: a roda 10
1. “Iê da volta ao mundo” .............................................................................................. 10
2. Capoeira angola: “um hábito cortês” ......................................................................... 19
3. Performance ritual: a capoeira angola e a “roda” ...................................................... 31
Capítulo II
Histórias de capoeira e de capoeiristas da linhagem do Centro Esportivo de Capoeira
Angola (Ceca) – Academia de João Pequeno de Pastinha (AJPP) ................................
50
1. Um breve histórico da capoeira ............................................................................... 50
2. Mestre Pastinha ........................................................................................................ 58
3. Mestre João Pequeno de Pastinha ............................................................................ 65
Capítulo III
Mestre Pé de Chumbo e a organização do Ceca – AJPP: uma etnografia a partir de
São Carlos .....................................................................................................................
72
1. Sobre Mestre Pé de Chumbo ................................................................................... 72
2. O Ceca – AJPP em São Carlos/SP: a organização do grupo ................................... 78
3. De “minino quem foi teu mestre?” para “você treina com quem?”: um dia de
treino na “Federal” ...................................................................................................
94
4. Eventos: os encontros de capoeira angola .............................................................. 117
Capítulo IV
Da inversão à re-inversão do olhar: ritual e performance na capoeira angola 125
1. A descrição da performance ritual: a roda ............................................................... 125
2. A música: bateria, canto e hierarquia na capoeira angola ....................................... 129
2.1 A confecção do berimbau .................................................................................. 131
2.2 O canto ...........................................................................................................................
136
2.3 O jogo de capoeira .........................................................................................................
146
3. A seqüência de movimentos dos jogadores e a música ........................................... 148
Adeus, adeus, boa viagem... ........................................................................................
162
Referências Bibliográficas............................................................................................
165
Apêndice A
A descrição do jogo: os movimentos corporais .............................................................
176
Anexos (A, B e C in CD musical Mestre Pé de Chumbo e Convidados que
acompanha esta tese)
A. Seja bem vindo ao nosso CD interativo ................................................................... 192
B.
Iê... Um pouco de história .................................................................................................... 193
C. Histórico da Academia de João Pequeno de Pastinha – Centro Esportivo de Capoeira
Angola ........................................................................................................................... 195
D. A árvore genealógica da Capoeira Angola pela The International Capoeira Angola
Foundation ....................................................................................................................
197
E. Cartaz e programação do evento “II Encontro de Capoeira Angola – AJPP”/Campinas ....
198
F. Escrita musical dos instrumentos que compõem a bateria da capoeira angola ...................
200
10
CAPÍTULO I
A PERFORMANCE RITUAL NA CAPOEIRA ANGOLA: A RODA
1. Iê Da Volta Ao Mundo
1
O objetivo desta tese é a análise da capoeira angola sob a perspectiva da
antropologia da performance. Para tanto, procurou-se, por meio do registro etnográfico, tanto
traçar a trajetória dos principais mestres responsáveis pelo seu processo de formação e
difusão, particularmente no Estado de São Paulo, quanto apreender os diversos aspectos pelos
quais a capoeira angola aparece representada pelos seus praticantes e a própria multiplicidade
de significados que a sua análise enquanto performance ritual pode oferecer. Sob esse aspecto,
o que instigou esta análise foram as próprias experiências multivocais e multisensoriais
(cinestésica
2
, visual, auditiva) que a capoeira angola reúne, e que seriam características da
noção de ritual performático.
1
Verso cantado na “louvação” (tipo de canto que está entre a ladainha – momento em que ainda não há jogo, e o
corrido – versos cantados durante o jogo) que autoriza o início do jogo. E, segundo Rego (1968, p. 176) “Iê!” é
uma interjeição, corrutela de ê! Afirma o autor que só temconhecimento de seu uso, exclusivamente, na
capoeira”. A partir da etnografia foi possível observar que tal interjeição é utilizada no ritual toda vez que vai
começar uma ladainha, funcionando como um aviso para que as pessoas se preparem para ouvir o
“ensinamento”. É também usada na louvação (serve como exemplo o próprio verso “Iê dá volta ao mundo”)
funcionando como um aviso e/ou chamada para a resposta de coro, ao mesmo tempo em que funciona como
autorização para início de jogo. “Iê” é também utilizada para encerramento da roda depois que se canta o corrido
“Adeus, adeus”.
2
Le Camus (1986, p. 83) ao abordar as práticas de mediação proprioceptiva considera a “estatestesia” como as
informações que o sujeito têm sobre a posição de todo o seu corpo e dos diferentes segmentos deste no espaço e,
a cinestesia, por sua vez, é relacionada à noção da amplitude, velocidade e força dos movimentos globais ou
parciais “graças à atuação de receptores especializados (fusos neuro-musculares, receptores tendinosos de
11
Para Victor Turner a multivocalidade e a experiência multisensorial são
características da performance
3
. De acordo com Schechner (in Turner, 1987, p. 7), “Turner,
ao longo de sua carreira, investigou o ritual e notou que era, especialmente, no processo
social que as pessoas resolviam crises. Depois, Turner compreendeu que o processo social
era performativo. Então, ele começou suas, detalhadas e divertidas, explorações acerca das
relações multivocais e “multiplex” entre o ritual e o teatro. Turner desenvolveu suas teorias
sobre drama social (1974) e mais tarde reuniu muito do seu pensamento sobre performance
em From Ritual to Theatre.” [tradução minha]
A noção de ritual adotada por Turner (1982) é pautada em Van Gennep (1978)
que em “Os Ritos de passagem”, como afirma Da Matta (in Van Gennep, 1978, 16- 17), o rito
deixa de ser
(...) um apêndice do mundo mágico ou religioso, para ser tratado como algo em si
mesmo. Como um fenômeno dotado de certos mecanismos recorrentes (no tempo e
no espaço), e também de certo conjunto de significados, o principal deles sendo
uma espécie de costura entre posições e domínios, pois a sociedade é concebida
pelo nosso Autor como uma totalidade dividida internamente. (...) Concebendo a
sociedade como internamente dividida, Van Gennep introduz um dinamismo no
mundo social que nem vitorianos nem os seguidores de Durkheim foram capazes de
reconhecer. Tal dinamismo foi concebido como recheado de contrastes, informado
sobretudo pela dialética do tipológico e do estrutural, da classificação e da
perspectiva combinatória, da visão estática do rito, e pelo cerimonial concebido
como seqüências. Assim, é possível perceber nitidamente como a visão tipológica,
apresentada logo nas primeiras páginas do livro, cede lugar a uma visão
estrutural, fundada não mais numa classificação exclusiva e complicada de tipos
de rituais, mas em princípios organizatórios, dos quais a necessidade de
incorporar o novo, reduzir a incerteza e realizar a passagem de posição para
posição, num deslocar constante, é fundamental (DA MATTA in VAN GENNEP,
1978, 16- 17).
Golgi, receptores articulares, receptores vestibulares constituídos pelos canais semi-circulares e pelos
otolitos)”.
3
No entanto, gostaria de apontar que, sob o enfoque da “Aprendizagem Motora”, Magil (1984, p. 54), em sua
discussão sobre “sensação e percepção”, afirma que “a informação necessária para o desempenho de uma
habilidade motora [e aqui estou considerando tanto as “habilidades motoras globais” que, no caso da capoeira,
seriam os “golpes”, quanto as “habilidades motoras finas”, os toques nos instrumentos] é sentida pelos
receptores visuais, auditivos e proprioceptivos do sistema sensorial”. No caso da capoeira angola, tais sentidos
são conscientemente, intencionalmente explorados e exercitados para que o capoeirista esteja preparado no
momento que tiver que se defender.
12
Em suma, Turner (1982) adotou a perspectiva da seqüencialidade de Van
Gennep, para entender a performance ritual como uma ação simbólica atrelada aos ritos de
transição (a fase 2 do modelo para a análise dos ritos de passagem
4
) em que se destaca a
questão da experiência da liminaridade.
Nesse sentido, não se tratou de fazer uma reconstituição historiográfica desse
processo de difusão da capoeira angola no Estado de São Paulo, mas sim o seu registro
etnográfico, dado que esse registro informaria o próprio contexto da pesquisa que foi então
realizada. Mais do que isso, esse registro apareceu como necessário porque também fazia
parte do próprio modo como os informantes reconstituíam a sua formação como capoeiristas
dentro de uma “linhagem”
5
específica e seguiam determinados preceitos relativos às técnicas
dos movimentos corporais e a transmissão de um conjunto de valores que orientariam a sua
prática.
Justamente para a apreensão dessas técnicas que apareceriam relacionadas a
múltiplos aspectos, quer na própria definição da capoeira angola como jogo, luta, dança,
esporte, arte, cultura ou filosofia de vida, quer nas várias dimensões da sua prática que
estabelece uma correlação intrínseca entre os movimentos corporais, a música, e princípios de
natureza estética e moral, que se volta esta tese.
Por isso, a contribuição original desta tese é mostrar o profundo rigor estético
com que se estrutura a capoeira angola, pois, ao fazer uma exegese simbólica sob o recorte
teórico da antropologia da performance, o mestre angoleiro se destaca como “artista” e
“educador”, categorias não comumente enfatizadas nos estudos sobre capoeira de um modo
geral, ou quando mencionadas ficam ofuscadas pelo caráter de uma abordagem romântica
herdada de uma tradição de estudos no campo da cultura popular.
4
A fase 1: ritos de separação; fase 2: ritos de transição; fase 3: ritos de reagrupação.
5
Aqui o termo linhagem não é empregado no sentido da antropologia clássica e sim como categoria nativa.
13
Para tanto, foi realizada uma pesquisa etnográfica junto ao Centro Esportivo de
Capoeira Angola - Academia de João Pequeno de Pastinha, então localizada na cidade de São
Carlos (SP), sob a direção do Mestre Pé de Chumbo
6
, que se tornou um dos principais mestres
desse processo de difusão da capoeira angola, tal como esta foi sistematizada pelo Mestre
Pastinha.
O interesse no tema da capoeira angola surgiu a partir do Projeto de Extensão
Universitária de Capoeira do Departamento de Educação Física da Unesp de Rio Claro em
1991
7
.
Do material coletado na “expedição” realizada pelo grupo que participava do
referido projeto, selecionei imagens (registradas com câmera de vídeo) de um jogo de
capoeira angola entre dois alunos de Mestre João Pequeno (os quais são atualmente mestres),
para desenvolver, então, a monografia de graduação
8
(Simões, 1993) sobre os movimentos
corporais da capoeira, fazendo uma análise comparativa entre dois estilos
9
de capoeira: a
“angola” e a “regional”.
Para tentar compreender melhor o contexto no qual se deu o jogo selecionado
para a análise, fui em dezembro de 1992 até Salvador - BA conhecer Mestre João Pequeno (e
sua academia localizada no interior do Forte Santo Antônio do Além Carmo – atualmente o
6
Mestre Pé de Chumbo atualmente mora em Malmö (Suécia). Em São Carlos ficaram responsáveis pelo
trabalho: o Trenel Daniel, a Trenel Ana Silvia e a Aluna Responsável Simone.
7
O caráter deste projeto era tanto de atender a comunidade unespiana e não-unespiana, promovendo o ensino da
capoeira angola enquanto prática corporal, bem como de grupo de estudos orientado pelo Prof. Luiz Augusto
Normanha Lima.
8
No processo deste trabalho fui exercitando o olhar atento para conseguir descrever o que eu captava das cenas
referentes a dois jogos de capoeira de diferentes estilos. Vejo que a importância deste exercício, no qual é
necessário, sentar-se na frente de um monitor de vídeo munido de controle remoto do vídeo e o tradicional diário
de “campo”, para poder transcrever tais imagens ao descrever o conteúdo da fita (para o que recorremos à
possibilidade de “dar pause” congelando a imagem e de colocar as imagens passando em câmera lenta) está no
fato de uma possibilidade a mais de permitir o alcance do domínio da linguagem corporal. Este recurso se
utilizado também nesta pesquisa.
9
Carneiro (1975, p. 9-10) apontando a existência de nove estilos de capoeira afirma “Os capoeiras distinguem
vários estilos na vadiação – pelo jeito de jogar, pela música, pela disposição dos jogadores. Assim, temos
Capoeira de Angola, Angolinha, São Bento Grande, São Bento Pequeno, Jogo de Dentro, Jogo de Fora, Santa
Maria, Conceição da Praia, Assalva Sinhô do Bonfim”. Pelo que foi constatado em campo há, na atualidade, três
estilos: Capoeira Angola, Capoeira Regional e Capoeira Contemporânea, a maioria dos nomes supracitados
como estilo, na verdade, são tipos de toques de berimbau que ditam tipos de jogo na capoeira angola, portanto,
não são considerados como estilos diferentes.
14
local é um Centro de Cultura Popular “Forte Santo Antônio”) e outros respeitados mestres de
capoeira angola tais como, Mestre Bobó, Mestre Boca Rica, Mestre Virgílio, Mestre Moraes,
Mestre Curió, Mestre Cobrinha Mansa, Mestre Renê, Mestre Augusto, Mestre Olavo, Mestre
Jogo-de-Dentro e Mestre Pé de Chumbo, sendo que, este último, conheci (mais
especificamente, em janeiro de 1993) ministrando aulas no lugar de Mestre João Pequeno (ou,
puxando os treinos para o mestre”) no “Centro Esportivo de Capoeira Angola (Ceca) -
Academia de João Pequeno de Pastinha (AJPP)” localizada no Forte supracitado. O negrito
em relação ao Mestre Pé de Chumbo é porque, no que diz respeito à disseminação da capoeira
angola no Estado de São Paulo, Estado no qual esta tese se debruça mais atentamente, sua
trajetória de vida é paradigmática nesta pesquisa desde o princípio.
Do trabalho de campo então realizado resultou também a minha dissertação de
mestrado sobre a participação feminina na capoeira.
10
Durante essa pesquisa, ao viajar com
mais freqüência para Salvador e para outros lugares em que ocorriam encontros de capoeira,
ou que havia grupo de capoeira angola, foi possível estreitar os laços com respeitados mestres
deste estilo de capoeira e, assim, aprender com quem era considerado “a nata da capoeira
baiana”, ou seja, os “respeitados mestres”
11
. Essa “nata da capoeira baiana” sempre estava nos
encontros organizados por Mestre Pé de Chumbo e por seus alunos em São Carlos - SP. Fui,
portanto, dirigindo a atenção para a questão da capoeira angola no Estado de São Paulo e,
percebi, que Mestre Pé de Chumbo seria o interlocutor imprescindível para esta tese.
10
A dissertação “Capoeira: um convite ao jogo feminino” foi defendida no Programa de Pós-graduação em
Ciências da Motricidade do Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro em 1998. Teve apoio do CNPq.
11
Dentre os respeitados mestres, além dos já citados anteriormente, gostaria de acrescentar aqui Mestre Jaime de
Mar Grande que, nas minhas idas à Bahia sempre que eu o procurava na Ilha de Itaparica, não consegui
encontrá-lo. Fui conhecê-lo em Rio Claro/SP (cidade onde eu morava) no ano de 1998 numa festa do Grupo de
Capoeira Angola “Meninos de Arembepe” de Mestre Lua de Bobó e seu Contra-Mestre, na época, André (hoje o
grupo não existe mais). Mas daqui, quero antes registrar o fato de que pude aprender com Mestre Jaime de Mar
Grande muitas coisas importantes sobre capoeira. Conheci também seu Mestre, Paulo dos Anjos, mas também
nunca o encontrei na Bahia. A primeira vez que eu o encontrei foi na V Clínica de Capoeira (27 a 29 de outubro
de 1995) organizado pelo Mestre Gladson (CEPEUSP – USP/SP) e, a outra vez, foi em Goiânia participando de
um batismo de regional. Vale salientar ainda que, na V Clínica de Capoeira estavam presentes tanto mestres de
angola (da Bahia: Mestre Paulo dos Anjos e Mestre Nô; do Rio de Janeiro: Mestre Leopoldina que foi discípulo
de Mestre Artur Emílio, o primeiro angoleiro baiano a ir para o Rio de Janeiro) quanto mestres de regional
(Mestre Itapuã, Mestre Suassuna e Mestre Brasília). Deve-se atentar para o fato de que nesta época ainda não se
fazia referência a um terceiro estilo de capoeira, a “contemporânea”.
15
Antes, considero importante informar que, no princípio, o objetivo, nesta
pesquisa, era saber o que era a capoeira angola (enquanto cultura popular) e/ou o que ela
estava se tornando na sociedade contemporânea a partir de sua disseminação no Estado de
São Paulo, a qual tinha como característica um crescente número de adeptos jovens e
provenientes da classe média, em sua maioria, universitários de universidades públicas
(Unesp/Rio Claro, UFSCar, USP – São Carlos, etc.). Na esteira das discussões suscitadas por
Vassalo
12
, e outros pesquisadores
13
, sobre a disseminação da capoeira, perpassou a hipótese
de que os grupos de capoeira angola estavam se disseminando, pautados no modelo das
“franquias”
14
, nas quais se adotava o nome do grupo “tradicional baiano” de interesse, a
logomarca, o padrão de uniforme e, presumia-se, por conseguinte, que o interesse econômico
pudesse estar à frente deste suposto novo tipo de organização da capoeira angola que passava
a atender a demanda da classe média universitária.
Com o desenvolvimento da etnografia realizada com o grupo do Centro
Esportivo de Capoeira Angola - Academia de João Pequeno de Pastinha em São Carlos - SP
(cujos integrantes, em sua maioria, universitários que treinavam na “Federal”
15
), o qual existe
sob a direção de Mestre Pé de Chumbo, pude constatar que a capoeira angola tinha o poder de
congregar pessoas, não apenas de diferentes classes sociais, mas, também, de diferentes partes
do mundo de uma maneira em que as pessoas se relacionavam exercendo fortemente a
cooperação e a união grupal. Era o princípio da “camaradagem”!
12
Vassalo (2003) ao apresentar, oralmente, seu trabalho “A transnacionalização da capoeira: etnicidade,
tradição e poder para brasileiros e franceses em Paris” (na V Reunião de Antropologia do Mercosul no GT
Antropologia do Esporte: as múltiplas dimensões de uma prática moderna no mercosul realizada em dezembro
de 2003) afirmou que o processo de internacionalização da capoeira estava ocorrendo nos moldes das
“franquias”. Tal afirmação, no caso do trabalho de Vassalo, é possível, e é visível na disseminação da capoeira
regional e da capoeira contemporânea, porém, no caso da capoeira angola, há especificidades a serem
consideradas que apontam para outra direção.
13
Em debates realizados no I Seminário Nacional de Estudos da Capoeira (I SENECA) de 8 a 9 de maio de
2004.
14
“Franquia ou franchising empresarial é o sistema pelo qual o franqueador cede ao franqueado o direito de
uso da marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou
serviços. Eventualmente, o franqueador também cede ao franqueado o direito de uso de tecnologia de
implantação e administração de negócio ou sistemas desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante
remuneração direta ou indireta, sem ficar caracterizado vínculo empregatício.” (Wikepédia, 2006).
15
Como estes se referiam à UFSCar.
16
Mesmo observando que há também uma série de conflitos entre um e outro
membro do grupo, ou de grupo para grupo é necessário estar atento a outros tipos de trocas
para além das trocas simbólicas em termos de compra e venda (como seriam as trocas
operadas se considerássemos a disseminação da capoeira angola sob a tutela do sistema de
“franquias”). Ou seja, as relações que os “angoleiros” estabelecem entre eles estão muito mais
próximas das relações de dádiva maussiana, nas quais se opera um sistema de prestações
totais (Mauss, 1974).
Posto isto, há que se frisar que esta pesquisa teve que ser re-direcionada para
compreender/apreender os modos como são integrados (e até hierarquizados) os diversos
planos de sentido na capoeira angola, pois, ao me deparar com o problema de uma observação
de múltiplos elementos dramatúrgicos e cênicos, de uma polissemia e de uma multivocalidade
(corpo, som, voz, ruído, música, dança, objetos – instrumentos musicais, uniformes -, espaço,
rito – iniciações e evoluções num corpo de grupo e, tudo isto num espaço do “tudo ao mesmo
tempo agora”), houve, então, a necessidade de enfocar seus processos de significação por
meio da análise de sua performance ritual, ou seja, de sua prática como treino, jogo/ritual e
seus respectivos valores (camaradagem, cooperação, respeito, vadiagem, disciplina etc.),
considerando, portanto, a sua multiplicidade de apropriações e significações que iam se
destacando muito além da hipótese que colocaria a questão econômica ou a de classe social no
centro da discussão.
Para tanto observei e participei de treinos, rodas e eventos, convivendo com
angoleiros
16
não só no Ceca – AJPP de São Carlos, mas também nos estabelecidos em outras
cidades de São Paulo e a própria ‘sede’ em Salvador – BA.
16
E aqui, gostaria de salientar que, nesta pesquisa, quando eu for fazer referência a algum membro específico do
grupo, não recorrerei à utilização de nomes fictícios porque consideramos (pesquisadora e interlocutores)
importante que os dados etnográficos sejam explorados, também, como registro histórico da vida dessas
personagens.
17
Na discussão sobre treino e na de jogo será possível observar algumas
especificidades relacionadas aos movimentos corporais. Em relação à música, no caso dos
treinos
17
, esta também se fará presente, porém, na maioria das vezes eles são acompanhados
por músicas de capoeira tocadas num aparelho de som no qual é colocado o cd de autoria do
próprio Mestre Pé de Chumbo
18
e/ou cds de outros respeitados mestres da capoeira angola. Na
discussão sobre o jogo na roda, a música é ao vivo e constitutiva de prescrever orientações no
processo
19
ritual da performance.
Para apreender, portanto, a respeito da performance ritual na capoeira angola e
seus respectivos símbolos e valores, ao pretender desenvolver uma análise “cultural séria”
20
,
desenvolvo neste primeiro capítulo um “desvio inicial” no qual, em busca da delimitação da
capoeira angola, algumas implicações oriundas das diferentes noções de “cultura” e de
“cultura popular” nos estudos sobre capoeira são questionadas, para, em seguida, apresentar o
referencial teórico metodológico pautado na Antropologia da Performance, inclusive, situando
à respeito de algumas definições “nativas” sobre capoeira (tais como: “capoeira é jogo”, “é
luta”, “é dança”, “arte”, “filosofia de vida”, “brincadeira” etc.).
No segundo capítulo, faço uma abordagem histórica considerando a linhagem
na capoeira angola e, por conseguinte, as biografias de Mestre Pastinha e de Mestre João
Pequeno, pois estes são a base do trabalho desenvolvido por Mestre Pé de Chumbo (o
responsável pelo grupo
21
pesquisado), o que nos auxilia na contextualização da pesquisa
etnográfica desenvolvida.
17
Na Federal, havia treino de 2
a
. a 5
a
. feira destinado aos golpes e de 6
a
. à bateria.
18
O cd “Mestre Pé de Chumbo e convidados” conta com a participação especial de Mestre João Pequeno, Mestre
Fernando e Mestre Ciro.
19
Para Turner (1974, p. 31) processo significa, meramente, “the general course of social action”.
20
Geertz (1989, p. 18) ao discutir sobre a característica do trabalho etnográfico afirma que “Cada análise
cultural séria começa com um desvio inicial e termina onde consegue chegar antes de exaurir o impulso
intelectual”.
21
Apesar de, no transcorrer da pesquisa, ser delineada a rede que se configura entre os integrantes do grupo
(“Academia de João Pequeno de Pastinha” ou Academia de João Pequeno - forma mais abreviada de seus
integrantes se referirem ao “Centro Esportivo de Capoeira Angola - Ceca – Academia de João Pequeno de
Pastinha – AJPP”) estabelecidos em diferentes espaços geográficos, que vão desde as diferentes cidades do
18
O terceiro capítulo é destinado a uma biografia de Mestre Pé de Chumbo e, na
seqüência, ao relato sobre a organização do grupo sob sua direção, a qual está atrelada à
história do Centro Esportivo de Capoeira Angola (Ceca) – Academia de João Pequeno de
Pastinha (AJJP) no Estado de São Paulo (considerando a rede que se estabelece entre os
adeptos da angola deste grupo), desde o início em Indaiatuba, passando pelo seu
estabelecimento em São Carlos ao longo de 15 anos, as dificuldades (educacionais, sócio-
econômicas etc.) enfrentadas para o desenvolvimento de um trabalho com capoeira no Brasil
até a decisão de Mestre Pé de Chumbo por morar na Suécia que, além do objetivo de
acompanhar de perto o desenvolvimento do trabalho com capoeira angola no exterior, busca
melhores condições de trabalho e de vida.
E, no quarto, ao descrever e analisar a performance ritual da roda,
considerando seus movimentos corporais na seqüência do jogo e a musicalidade (canto,
disposição dos instrumentos na bateria, toques etc.), como expressões de valores morais,
buscarei apontar para a sua dinâmica de inversão e re-inversão do olhar e/ou exercício do
olhar multiperspectival, ou ainda, para a capoeira angola enquanto uma “estética da
liminaridade”.
Ou seja, o mundo não estaria de cabeça para baixo para o capoeirista angoleiro,
ou de “pernas para o ar” como apontaria Reis (2000) fazendo referência, de maneira
generalizada, à capoeira e, conseqüentemente, ao capoeirista que veria, por sua vez, “o mundo
de pernas para o ar”, tomando como analogia os movimentos de inversão (bananeiras, aús, por
exemplo) como uma suposta maneira de ordenar um mundo em desordem para o negro ou o
pobre.
Estado de São Paulo, até outros países como México, Suécia, Espanha, Dinamarca, Portugal e Estados Unidos da
América, seus integrantes usam a categoria “grupo” e, quando se encontram, geralmente transparecem uma
intimidade quase que “familial”, pois se busca o convívio cotidiano de alguma forma entre os integrantes. E
friso, novamente que, não funciona, portanto, como uma “franquia” como alguns estudiosos apontam, de
maneira generalizada, ao que vem acontecendo com o processo de disseminação de grupos de capoeira.
19
De acordo com Turner (1974, p. 13-14), no “ínterim da liminaridade há a
possibilidade de existir para além, não apenas de uma própria posição social, mas de todas
as posições sociais e de formular uma série de potencialidades ilimitadas de arranjos
sociais” [tradução minha].
O que eu chamarei de estética da liminaridade é o que se mostra no processo
do movimento de inversão à re-inversão, pois, de um movimento corporal ao outro, em que o
olhar é explorado constantemente, o angoleiro exercita um infinito arranjo perspectival, no
qual o olhar parte de diferentes pontos de vista que vão além do “olhar que parte de cima” ou
do “olhar que parte de baixo”. O mesmo se estende à questão da escuta em sua musicalidade.
A roda de capoeira angola, enquanto performance (um paradigma do processo
e uma “estética da liminaridade”), apontará constantemente para essa “série de
potencialidades ilimitadas de arranjos sociais”.
2. Capoeira angola: “um hábito cortês
Nós capoeiristas temos
a alma grande
que cresce como alegria
há quem tenha a alma pequena
que vive como as águas em agonia.
A capoeira é amorosa,
não é perversa.
a capoeira é um costume como
outro qualquer
um hábito cortês que criamos dentro de nós,
uma coisa vagabunda...
Mestre Pastinha
22
(in Praticando
Capoeira, 1999)
22
Mestre Pastinha foi quem sistematizou a capoeira angola (um estilo de jogo-luta-dança) e quem fundou e/ou
manteve (pois há controvérsias as quais serão explanadas mais detidamente no capítulo II) o “Centro Esportivo
de Capoeira Angola”, “escola” (aqui, sinônimo de tradição) da qual faz parte o grupo de “angoleiros” (adeptos
da capoeira angola) interlocutores nesta tese. A biografia deste mestre será apresentada no capítulo II.
20
Para ilustrar a complexidade da capoeira angola, este estudo procurará
discorrer sobre a mesma, considerando-a, antes de tudo, “um costume como outro qualquer”,
um hábito cortês que criamos dentro de nós”, como aponta Mestre Pastinha, em sua poesia.
Porém, vale salientar que, considerá-la “um costume como outro qualquer
23
em busca de
ilustrar um “todo complexo”, representado pela própria performance ritual da roda de
capoeira angola, poderia ser uma opção metodológica igualmente passível da crítica que
Geertz (1989), em “A interpretação das culturas”, dirigiu a Edward Tyler e, posteriormente, a
Clyde Kluckhohn se referindo à fragilidade de uma pesquisa em antropologia que seja
realizada sem as devidas delimitações à respeito do conceito de cultura.
Geertz salienta que a noção de cultura enquanto “um todo mais complexo
24
de
Tyler, bem como as várias definições de cultura contidas em “Antropologia: O homem e o
espelho” de Klukhohn
25
poderiam confundir mais do que esclarecer, e que as infinitas
possibilidades de se conceituar cultura conduziriam, conseqüentemente, a diferentes escolhas
de direção, durante a própria trajetória da pesquisa, o que acarretaria, de certa forma, a
autodestruição do projeto científico. Ciente disto: como analisar a capoeira angola, sendo que
esta remete à noção de cultura enquanto um “todo complexo”, uma vez que a própria “roda”
23
O que poderia, conseqüentemente, do ponto de vista de uma parcela de antropólogos, remeter-nos a uma noção
muito vasta e vaga de cultura.
24
Kuper (2002, p. 83) afirma que Tyler (1832-1917) ao definir em 1871, em “Primitive Culture”,Cultura, ou
civilização, em seu sentido etnográfico mais amplo, [como] um todo complexo que abrange conhecimento,
crença, arte, princípios morais, leis, costumes e quaisquer outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem
como membro de uma sociedade”, deu início a uma revolução intelectual que ecoou nos trabalhos de Kroeber,
Kluckhohn, e assim sucessivamente, seja a partir das críticas que suscitava, seja a partir do próprio ineditismo da
formalização do conceito. Laraia (2005, p. 25), por sua vez, afirmara que Edward Tyler, a partir do vocábulo
inglês Culture realizou a síntese entre o termo germânico Kultur (que no final do século XVIII e no princípio do
seguinte era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de uma comunidade) e a palavra francesa
Civilization (que se referia principalmente às realizações materiais de um povo) para definir cultura “em seu
amplo sentido etnográfico” como este todo complexo.
25
Ainda de acordo com Kuper (p. 83) “Cultura de Kroeber e Kluckhohn representou a tentativa mais completa
de especificar com precisão o significado do conceito antropológico de cultura. Eles fizeram uma tabela e
classificaram 164 definições de cultura (“e seu quase sinônimo civilização”). Em seguida agruparam essas
idéias em duas amplas categorias: as noções elitistas, etnocêntricas e ultrapassadas dos humanistas, que eles
não aprovaram (e com que Parsons não se preocupara) e a concepção precisa para a qual os cientistas estavam
sistematicamente convergindo e que eles defendiam como a melhor.
21
simboliza o universo, “o mundo velho de Deus”? Ou ainda, e se não fosse descartada essa
noção abrangente, como seria possível apreender essa totalidade complexa?
Mestre Pastinha, em sua poesia, ao conceituar a capoeira enquanto “um
costume como outro qualquer” não estaria, antes, delimitando também um conceito específico
de cultura e de capoeira justamente a partir de uma noção, também vasta e/ou generalizada
sobre as mesmas?
Freqüentemente, no meio capoeirístico, afirma-se que capoeira é cultura. No
entanto, vale destacar que para os diversos capoeiristas a palavra cultura pode ter significados
diferentes, apesar de ela sempre expressar uma forma de legitimar sua prática.
Tendo em vista que o conceito de cultura foi definido/formalizado pela
primeira vez por Tylor e que a idéia de cultura enquanto o “todo complexo” já vinha se
afirmando dentro do contexto do pensamento intelectual antes mesmo do século XVII
26
, o
cenário dos dias atuais, neste sentido, continuaria apresentando semelhanças, pois nele há
tanto uma multiplicidade de significados oriundos da palavra cultura, quanto há uma
multiplicidade, respectivamente, de seus usuários. Como afirmaria Kuper (2002): “Todo
mundo está envolvido com cultura atualmente. Para os antropólogos, esse já foi um tema
ligado às artes. Hoje, os nativos falam de suas culturas” (como é possível observar no
discurso de Mestre Pastinha e no de outros capoeiras que se farão presentes nesta pesquisa).
Kuper, em continuidade da exposição de seu pensamento, utiliza-se da
seguinte afirmação de Sahlins: “Cultura – a própria palavra, ou equivalente local – está na
boca de todos”.
Com tal digressão não pretendo desenvolver uma discussão histórica ou teórica
sobre o conceito de cultura, mas sim, apontar, a partir da relação entre “cultura”, enquanto
26
Laraia (2005) afirma que a expansão desta idéia talvez estivesse acontecendo mesmo antes de John Locke
(1632 – 1704).
22
tema ligado à antropologia e, “cultura”, enquanto uma das definições “nativa”
27
de capoeira
(da linhagem de Mestre Pastinha) que, com este “equivalente local” de cultura (como diria
Sahlins se fizesse referência à expressão “um costume como outro qualquer”) remeto-me,
antes, à capoeira angola enquanto “cultura”
28
e não necessariamente como “cultura popular”
29
como ela é abordada em importantes estudos recentes
30
.
Resisto, em certa medida, à ênfase numa análise pautada nos modelos de
discussões vigentes sobre a mesma, nomeadamente, as que se incluem, portanto, no rol das
“culturas populares”, ou apenas no singular generalizante, “cultura popular”, pois, além de os
“angoleiros” não fazerem referência à capoeira angola, enquanto “cultura popular”, algumas
das discussões no campo científico, sob este viés, enfatizam e/ou constroem, mesmo sem
pretensão, uma visão estereotipada da capoeira (e, por extensão do capoeirista) o que, do meu
ponto de vista, dificultaria a enxergar as nuances que se mostram nesta pesquisa, não só a
partir da performance ritual da roda de capoeira, mas na própria organização do grupo do
Centro Esportivo de Capoeira Angola (Ceca) – Academia de João Pequeno de Pastinha
(AJJP).
27
Veremos, mais adiante, que outras definições “nativas” de capoeira angola são acompanhadas por adjetivos
que continuam ampliando a noção da mesma, tais como: a capoeira é jogo, é arte, é luta, é filosofia de vida, é
brincadeira etc.
28
Para, ainda, não abandonar de vez o conceito tão reivindicado pela antropologia até recentemente. Kuper
(2002, p. 12) em “Cultura: a visão dos antropólogos” chegou à conclusão de que “quanto mais se analisam os
melhores trabalhos modernos dos antropólogos sobre cultura, mais aconselhável se torna abandonar de vez a
palavra hiper referencial e passar a falar de forma mais precisa sobre conhecimento, convicção, arte,
tecnologia, tradição ou até mesmo ideologia (embora problemas semelhantes sejam levantados por esses
conceitos polivalentes). Existem problemas epistemológicos fundamentais, e não vai ser tergiversando sobre
cultura ou apurando definições que esses problemas serão resolvidos. Se a palavra hiper referencial “cultura”
apresenta problemas epistemológicos fundamentais, “cultura popular” apresenta muito mais.
29
Em se tratando de definição “nativa”, os interlocutores nesta pesquisa nunca se referem à capoeira angola
enquanto cultura popular. E, quando, raramente, a definem como “folclore”, eles estão se referindo às adaptações
que alguns capoeiristas fazem, fora do ritual da roda propriamente dita, ou aos artistas (não, necessariamente,
capoeiristas, mas, dançarinos, atores, acrobatas, músicos etc.) que, inspirados na capoeira angola ou na capoeira
de um modo geral, elaboram seus espetáculos, geralmente, para atender à demanda do turismo na Bahia.
30
Como exemplo, cito dois trabalhos nos quais podemos encontrar a expressão cultura popular já logo no título
dos mesmos: 1) “O jogo de capoeira: cultura popular no Brasil” do sociólogo e mestre de capoeira regional do
Grupo Beribazu, Luiz Renato Viera; e, 2) A tese de doutorado em Ciências Sociais aplicadas à Educação
(defendida em 2004 na Faculdade de Educação da Unicamp) pelo professor de educação física, Pedro Abib,
intitulada, “Capoeira angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda”.
23
Doses de visões “conservadoras” e/ou “românticas” podem ser encontradas nos
discursos “nativos”, mas também, e, sobretudo, nos estudos classificados como folclóricos
31
,
ou naqueles em que se acrescenta à palavra cultura, qualificativos, tais como, “popular”,
“primitiva” para discutir sobre capoeira, ou outras formas expressivas brasileiras a exemplo
dos sambas, dos maculelês, das puxadas de rede, das folias de reis, dos moçambiques, dos
bumba-bois, dos tambores de crioula, dos tambores de mina, das catiras, dos caboclinhos etc.,
que, para distingui-las das expressões oriundas de uma cultura tida como hegemônica, de
elite, classifica-as, portanto, como “folclore” e/ou “cultura popular”.
Estes tipos de abordagens: “conservadora”, “romântica”, ou mesmo
“evolucionista”, também se manifestam em algumas correntes da antropologia
32
e ainda se
manifestam, às vezes, de forma inconsciente ou consciente, disfarçada (ou não), nos diversos
campos das ciências humanas e nas artes.
Na esteira desta discussão, Magnani (2003) em “Festa no pedaço” ao realizar
um estudo sobre “cultura popular e lazer na cidade”, cuja etnografia vislumbrou o circo (uma
das “múltiplas formas de entretenimento” existentes na periferia da cidade de São Paulo e em
pequenas cidades do interior), além de mostrar a importância da realização de estudos sobre
festas, rituais, tradições populares e formas de entretenimento (ao apontá-las como espaços
31
Como observei antes: “(...) na maioria dos estudos sobre folclore predomina uma visão conservadora e
romântica, em detrimento de uma visão crítica. Baseado em Ayala & Ayala (1995), pode-se perceber que a
trajetória dos estudos realizados no Brasil e suas respectivas influências de pesquisadores estrangeiros, que vão
desde Willian John Thoms, da Inglaterra em 1856 (Brandão, 2000) o criador da palavra folk-lore, a qual
traduzida, significa saber popular, até as correntes antropológicas/sociológicas francesas, representadas por
Lévi-Strauss e Roger Bastide, ilustram a mudança na forma de abordagem do tema, qual seja, de um enfoque
romântico e nacionalista, para o qual o folclore era considerado como antiguidades produzidas por um povo
arcaico, passou-se para um enfoque crítico, no qual o folclore passa a ser considerado, sobretudo, como cultura
(popular), portanto dinâmica e não peças de museu que temos de preservar e/ou resgatar” (SIMÕES, 2004, p.
35).
32
Kluckhohn (1972, p. 16) afirma que “a antropologia sempre teve ao seu lado os românticos, aqueles que a
adotaram porque sentiam fortemente o fascínio de lugares distantes e povos exóticos”. Talvez por isso, Geertz
(1989) tenha chamado a atenção para a armadilha que representaria “o poder da imaginação científica” que
implicaria no risco de vermos o outro, muito mais como queremos vê-lo, do que como ele se mostra. Nas
pesquisas sobre as formas expressivas classificadas como “folclóricas” ou “culturas populares”, geralmente (pelo
menos no início da pesquisa), “o poder da imaginação científica” opera a partir de uma síntese entre visões
conservadora, romântica e evolucionista.
24
fecundos para a análise dos processos de mudança) criticou os estudos “folcloristas” que
tradicionalmente se debruçaram sobre tais temas, afirmando:
Descobrir festas, lendas, folguedos e objetos de antigo uso; descrever e registrar a
indumentária, os gestos e os instrumentos que os acompanham, preservar sua
“autenticidade” e denunciar suas contaminações a que estão sujeitos – eis a tarefa
daqueles pesquisadores para os quais toda a mudança é vista como deturpação de
uma forma já fixada de pureza original e considerada como elemento de
desagregação. Apresentam-se como defensores de uma cultura popular, mas
paradoxalmente são os que mais passam atestados de óbito a essa mesma cultura,
por recusar-se a assimilar suas transformações. É, pois uma visão estática e
“museológica” que encerra a cultura como um acervo de produtos acabados e
cristalizados, alheios às mudanças das condições de vida de seus portadores.
(MAGNANI, 2003, p. 26).
Concordando com a crítica de Magnani aos “folcloristas”, “conservadores” e
“românticos”, é necessário esclarecer que há, também, aquele “folclorista” (que muitas vezes
não é chamado de folclorista devido ao estigma que esta palavra suscita no meio acadêmico),
cujos estudos, os mais atuais, são pautados e/ou influenciados pelo pensamento de Gramsci
33
.
Em tais estudos, tidos como “críticos” ou, desenvolvidos a partir de uma “visão crítica”, as
culturas populares são compreendidas levando em conta a exploração simbólica dada numa
relação econômica e política desigual. Para tanto, a palavra folclore é, estrategicamente,
substituída pela expressão “cultura popular” para dar conta de apontar a existência de uma
relação desigual entre as classes. Ou seja, a cultura popular estaria relacionada às camadas
populares, que num contexto de relação desigual, seriam oprimidas pelas classes dominantes
e, daí, suas “manifestações culturais populares” seriam formas de resistir a tal dominação.
Magnani (2003) vai, igualmente, destinar a sua crítica a esse outro extremo da
visão: à “visão crítica” sobre os estudos folclóricos e/ou da cultura popular, aquela que se
restringe à questão da dominação do capital, fazendo referência à “cultura popular” como uma
manifestação de resistência à estrutura do poder vigente.
33
Ayala e Ayala (1995, p. 75) afirmam que “a noção de folclore [elaborada por Gramsci no ensaio
Observações sobre folclore” contido na obra “Literatura e vida nacional” de 1968] como “concepção do mundo
e da vida” dos grupos sociais subalternos que se contrapõe às concepções oficiais ou, mais amplamente, dos
setores culturalmente dominantes da sociedade” (...) “tem inspirado muitas reflexões teóricas conseqüentes
sobre cultura popular”.
25
Aqui gostaria de abrir um parêntese para mostrar alguns elementos que se
encontram na trajetória para a mudança de enfoque sobre folclore/cultura popular.
Apesar da contribuição de Gramsci para a mudança de enfoque nos estudos
folclóricos no Brasil (que repercutiram, por exemplo, em Roger Bastide - o qual como
professor na USP exerceu influência em alunos que passaram por ele nesta instituição) vale
ressaltar que, de acordo com Ayala e Ayala (1995) tal mudança começou a ser dada a partir
de Amadeu Amaral que, já na década de 1920 chamou a atenção para a importância de se
considerar o “contexto” e os dados concretos relativos às manifestações pesquisadas.
Mário de Andrade, assim como Amadeu Amaral, teve como projeto individual
a “contextualização das manifestações culturais populares”, mas, se configurariam, também,
como suas contribuições, o fato de: 1) debruçar-se sobre o tema da estética popular e suas
respectivas técnicas e processos criativos, preocupando-se com o rigor do registro de dados
coletados em campo
34
; 2) questionar um elemento caracterizador do folclore, a tradição, pois
acreditava que o Brasil, sendo um país novo, onde as transformações eram muito rápidas, era
complicado operar com tal categoria de análise para os estudos do folclore brasileiro; e 3)
romper com a dicotomia rural/urbano ao apontar para a necessidade de se estudar as
manifestações populares urbanas. De certa forma, ele vislumbrou o caráter dinâmico da
“cultura popular/folclore”. Fecho parêntese.
Ilustradas algumas formas diversas de se fazer referência ao folclore e/ou à
cultura popular
35
, e as contribuições de diferentes autores para os seus respectivos avanços,
acredito que, se tivéssemos que considerar a capoeira angola na atualidade, por exemplo,
como uma manifestação na qual seus praticantes sofressem a “exploração simbólica” devido a
34
Tais pesquisas de campo foram promovidas pelo Departamento de Cultura do Estado de São Paulo, onde
Mário de Andrade, a partir de 1935, instituiu um centro de documentação de manifestações culturais populares.
35
Ortiz (2001, p. 13), por sua vez, ao se referir à discussão da cultura popular e da cultura brasileira como uma
tradição entre os pesquisadores de “referência obrigatória para toda e qualquer discussão sobre cultura e
política”, resume da seguinte forma o panorama das diferentes abordagens: “as abordagens dos diversos autores
são diferenciadas: mais conservadora em Sílvio Romero e Gilberto Freyre; modernista em Mário e Oswald de
Andrade; estatal e autoritária para os representantes de “Cultura Política” durante o Estado Novo;
desenvolvimentista para os isebianos; revolucionária para os movimentos culturais e estudantis dos anos 60”.
26
uma relação política e econômica desigual, partiríamos do pressuposto de que tais capoeiristas
seriam todos oriundos das camadas populares, as quais, a priori, são as oprimidas pela classe
dominante e que sofrem as dificuldades de acesso aos bens simbólicos provenientes de uma
educação formal.
Nesta pesquisa poderemos ver, a partir da rede estabelecida na capoeira angola
do Centro Esportivo de Capoeira Angola – Academia de João Pequeno de Pastinha, que as
relações expressam elementos muito além desta simples equação.
Assim, já de início, incorreria-se num erro abordar a capoeira sob o enfoque da
“cultura popular” (reduzindo-a a qualquer um de seus extremos – “expressão de um povo
oprimido que resiste a tal opressão” de um lado ou, do outro, como uma “prática em
extinção”), pois, a partir da etnografia realizada com o grupo estabelecido em São Carlos/SP,
por exemplo, constatou-se que, nesta cidade, a maioria dos integrantes é proveniente da classe
média, universitários de diversos cursos da UFSCar, e alguns, da USP. Incorreríamos num
erro, também, se afirmássemos, simplesmente, que a capoeira angola estaria se
descaracterizando devido à presença da classe média. Por ora, o que é importante informar é
que, a relação estabelecida entre pessoas oriundas de diferentes classes, na capoeira angola,
transcende a própria questão de classe. Quando tratarmos, mais adiante, a respeito da
organização do grupo, visualizaremos com maiores detalhes tal questão.
Mas, o risco de se estereotipar a capoeira, ou de não se chegar a uma devida
compreensão sobre a mesma (a partir de uma abordagem que se pauta numa noção
“conservadora” de cultura de um lado, ou, de uma noção “crítica” de outro) não é
exclusividade das abordagens, assumidamente, enquanto e sobre culturas populares, já que
tais noções, de um extremo ao outro, perpassam o imaginário intelectual e científico das
diversas áreas.
27
No denso e rigoroso trabalho histórico “A capoeira escrava e outras tradições
rebeldes no Rio de Janeiro (1808-1850)”, por exemplo, Soares (2001, p. 25) justifica a
adoção da expressão “capoeira escrava” em seu trabalho por acreditar que ela dá conta da
trajetória histórica da capoeira no Rio de Janeiro, entre a chegada da Corte real portuguesa,
nos primórdios do século XIX, em 1808, até o fim do tráfico atlântico de escravos africanos,
em 1850.
Segundo o autor, o “sentido da denominação “capoeira escrava” não foi
forjado para definir uma prática cultural excludente de negros libertos ou livres, mas uma
tradição rebelde que tinha fortes raízes escravas, as quais davam seu recorte, e “seduzia”
aqueles de outra condição social e jurídica [aqui, o autor está se referindo aos “emigrantes
portugueses, brancos pobres, indivíduos vindos das mais diferentes províncias do país e dos
quatro cantos do mundo atlântico”] por sua maneabilidade e resistência”.
Se de um lado Soares (2001) opera com uma noção “dinâmica”, e mesmo
“crítica” de cultura, ao se propor a mostrar, a partir da capoeira, “as transformações étnicas e
culturais que envolveram escravos e libertos, africanos e crioulos, na cidade colonial, na
passagem para a metrópole imperial”, de outro, reduz, de certa maneira (mesmo sem
intenção, pois o autor se propõe a mostrá-la para além de uma forma de resistência), a
capoeira à “ato rebelde de resistência”, ao atribuir às supostas características que a capoeira
apresentava, tais como, “maneabilidade e resistência”, como fatores decisivos para a criação,
por conseguinte, de uma irmandade ligada “pelos golpes fugazes e pela camaradagem dos
grupos de rua”, referindo-se aí, à capoeira de malta carioca.
Soares, ao se pautar em fontes de arquivos que incluem os registros policiais,
para abordar a “capoeira de malta”, acabou mostrando não apenas o contexto de repressão a
esta “irmandade”, mas nos levou a ver uma capoeira tida muito mais como algo de
criminosos. Para tanto, o autor mostrou, em certa medida, como foi construída uma imagem
28
estereotipada do “capoeira de malta” ao nos relatar que os primeiros escritores (romancistas
da virada do século XIX para o XX) que se preocuparam com o tema da capoeira se
fundamentaram, justamente, em registros policiais, elaborados por escrivões de cadeia,
escriturários de prisão etc. Assim, afirma:
Durante décadas, foram estes os “literatos” que desenhavam em suas páginas os
malabarismos proverbiais do mulato capoeira, a força descomunal do negro
africano, o terror do punhal assassino na noite escura. Por mais que orientados
pelo olhar da autoridade repressiva, pelo ódio racial, pelo preconceito de classe,
eles também deixavam passar, em momentos raros e subliminares, o elogio da
coragem, da altivez, do dom de liderança, do companheirismo da malta (SOARES,
2001, p. 35).
Os “raros elogios subliminares”, pelo fato de serem, justamente, raros e
subliminares, reforçam muito mais os aspectos negativos atrelados ao capoeira do que os
aspectos dignos de tal elogio, portanto, contribuíam efetivamente para a construção de uma
imagem desmoralizante do capoeirista: o “criminoso”.
Com esta afirmação não pretendo desconsiderar a possibilidade da existência
dessa forma de capoeira, supostamente, rebelde e violenta (a de malta), mas antes questionar
se não houve uma longa construção de uma imagem negativa em torno do capoeira, para
ofuscar toda uma rica filosofia pautada em valores tais como respeito, justiça e cortesia, os
quais podem ser notados nos ensinamentos de Mestre Pastinha, quando este afirma, por
exemplo, que a capoeira é um “hábito cortês”.
Com isto também não quero estimular uma discussão maniqueísta sobre a
capoeira, que pode expressar interesses diversos, tanto de pesquisadores (lembrando que
alguns deles são, ou já foram capoeiristas) sobre o tema, quanto os dos próprios capoeiristas
da atualidade, tais como as discussões advindas da questão da origem da capoeira no Brasil,
como, por exemplo: a capoeira carioca é a melhor, ou foi a primeira a existir no Brasil, a qual
foi extinta devido a grande repressão que sofreu pela característica rebelde da capoeira de
29
malta, ou ainda, a capoeira baiana não é tão boa quanto a carioca porque não foi extinta, pois
não sofreu repressão devido ao fato de ela não lutar contra o sistema, ou ainda, a baiana é
melhor porque ela é a capoeira tradicional.
Mestre Augusto
36
ou Silva (2003, p. 22-23, 30, 36) em relação às controvérsias
que se destacam a partir da questão da origem da capoeira atrelada aos interesses diversos
(inclusive de nações diversas), em seu ensaio sócio-etimológico sobre o termo “capuêra” e a
sua inclusão ou uso na “arte da capueragem”, justifica a dificuldade de entendê-la devido à
complexidade da própria origem de seu nome, dos seus diversos significados e das
controvérsias teóricas pautadas nas três principais suposições de origem do termo - tupi-
guarani (mato renascido de mata primitiva/velha derrubada); portuguesa (cestos grandes onde
se cria ou guarda capões ou outras aves como galos), e africana (por exemplo, a da escola do
Kongo, a palavra Kikongo, Kipura/Kipula – técnica individual de luta de estrangular,
baseadas ou desenvolvidas no chão).
Como aponta, ainda, o próprio Mestre Augusto ou Silva (2003), outros países
na atualidade estão reivindicando para si a responsabilidade da criação da “arte da
capoeiragem”.
Depois de apelar para que a academia (no âmbito científico) tenha maior
cuidado ao fazer afirmações no tocante à origem do termo e, posteriormente, ao relacioná-lo
com a origem da “arte da capoeiragem”, Mestre Augusto levanta algumas conseqüências
advindas daí, afirmando:
Cuidados devem ser tomados ao versar sobre a arte da Capoeiragem deixando de
lado a emoção etnocêntrica e usando a visão científica para explicar o porquê e a
razão de seu surgimento. Haja vista que, na América do Norte, já estão intitulando
a capoeira como uma forma de expressão afro-americana, e não brasileira ou
afro-brasileira. Ainda os norte-americanos, já estão colocando a capoeira como
advinda de kunta-kentê, o negro Tobi do filme Raízes, pois, dizem ser a capoeira
36
Augusto Januário Passos da Silva é também biólogo, foi Vice-presidente de Cultura da Confederação
Brasileira de Capoeira – CBC – e foi vice-presidente da Associação Brasileira de Capoeira Angola – ABCA; ele
vem da linhagem de Mestre Pastinha via Mestre Curió.
30
muito grande para ser coisa de brasileiro, isto num certo tom de desprezo à nossa
cultura. O governo português também reclama a capoeira, pois, dizem eles que:
“se aqui [no Brasil] tem negro é porque eles os trouxeram (SILVA, 2003, p. 46).
Com a citação de Mestre Augusto é possível ilustrar, de certa maneira,
diferentes “poderes da imaginação científica”, para usar a expressão de Geertz (1989, p. 12),
o qual, por sua vez, recomenda, ao antropólogo, cuidados redobrados ao lidar com tal poder
(e, com esta orientação o autor justifica a importância da descrição densa no trabalho
antropológico).
Nas abordagens românticas e/ou evolucionistas sobre as culturas, por exemplo,
tal “poder” pode ser expresso nos textos ou discursos que se referem ao “outro” como
“exótico” ou como “sobrevivências do passado” (os quais teriam implícita uma noção de
cultura dita “popular” e até mesmo “primitiva”) como algo estanque ou atrasado, em relação a
uma cultura mais evoluída (comumente denominada de alta cultura ou cultura erudita
referentes ao civilizado).
No meio capoeirístico, vale salientar que, do ponto de vista dos adeptos da
capoeira regional e da capoeira contemporânea, a capoeira angola seria menos evoluída,
primitiva, atrasada, pois ela não forneceria condições de travar lutas com praticantes de outras
artes marciais, “não seria eficiente” por entenderem que a capoeira angola não é rápida e nem
trabalha com uma movimentação “aérea” de golpes.
Sob o ponto de vista dos adeptos da capoeira angola a noção de “evolução”
estaria atrelada à “evolução do capoeirista”, vinculada por seu turno, à própria tradição, a qual
prega, a partir de seu longo processo de aprendizagem, valores tais como respeito, paciência,
calma, cortesia, delicadeza, reverência, vadiação etc., potencialidades que seriam
desenvolvidas ao longo da vida do capoeirista (e que seriam expressas nos próprios
movimentos corporais), inclusive daqueles adeptos da capoeira regional e da capoeira
31
contemporânea que começassem a buscar pela capoeira angola, sendo que, alguns dos quais
poderiam acabar se tornando “angoleiros”
37
.
Magnani (2003), a partir de suas observações críticas nos conduz, enfim, a
considerarmos mais importante as análises das crenças, dos costumes, das festas, dos valores
e formas de entretenimento, da maneira em que se apresentam hoje, do que lamentar a perda
de uma suposta autenticidade, pois a cultura, como ele afirma, “é mais que a soma de
produtos, é o processo de sua constante recriação, num espaço socialmente determinado”.
É nesse sentido que pretendemos abordar a capoeira, como processo e
performance ritual que engloba tanto a questão dos costumes (“a capoeira é um costume
como outro qualquer” como já disse Mestre Pastinha), quanto a do entretenimento ou do
lúdico (“capoeira é uma coisa vagabunda” – no sentido de vadiação, jogo, brincadeira,
diversão), dos valores (“um hábito cortês”) etc., evitando assim, uma leitura que salienta os, e
se pauta nos parâmetros estabelecidos pelas abordagens em torno da cultura popular. E vale
frisar, evita-se, mas não é possível desconsiderar de todo tais parâmetros.
3. Performance ritual: a capoeira angola e a “roda”
Não é nada, não é nada, a roda. Se o vazio ou o traço? Bom, do vazio Deus fez este
mundão todo. Não é nada o traço? Mas a criatura só existe quando deixa marca,
traça. Para mim, o traço, o vazio, a roda é tudo. Não é nada, não é nada, é tudo.
Gosto, sim, sabe por quê? Porque seu moço, a roda não tem começo nem fim.
Começo, fim, a mesma coisa, é nada e tudo. Gosto, moço. Nela, meu corpo é meu –
parece que nele nem corre sangue, corre mel. O meu corpo, meu corpo/foi Deus
quem me deu/na roda da capoeira/Rarrá!/Grande e pequeno sou eu (SODRÉ,
1988, p. 15).
37
Na capoeira, o adepto dos diferentes estilos, “regional” (criada por Mestre Bimba em 1930) ou
“contemporânea” (Mestre Camisa) pode vir a ser um adepto da “angola” (sistematizada por Mestre Pastinha),
porém, um adepto da capoeira angola raramente passa a ser adepto da capoeira regional ou da capoeira
contemporânea.
32
Se, foi possível até aqui, esboçar o problema relativo à questão da própria
delimitação do conceito de cultura (e sua relação com o de capoeira) e, encontrar uma saída
para tal discussão a partir de uma opção metodológica que não prioriza os parâmetros
oriundos do campo da “cultura popular”, a definição de capoeira em si (se é que se pode dizer
assim, pois segundo os “velhos Mestres”, a capoeira é indefinível por ser “uma coisa
infinita”), portanto, seria possível ser clareada (e, mesmo assim, apenas parcialmente) a partir
da própria noção de performance (e de “jogo de luta dançada”, consecutivamente, enquanto
performance), pois ao tentar definir a capoeira angola, ou, ao tentar descrevê-la, deparo-me
com outros tantos adjetivos que situam formas expressivas específicas no ritual da roda
(cantos, toques, golpes, expressões faciais, metáforas - jogos de palavras - transmitidas nas
falas dos mestres etc.) os quais continuam muito mais ampliando seu conceito do que o
delimitando.
Em busca de situar os limites do termo “performance” e justificar, de certa
forma, o seu uso na literatura antropológica, Lucas (2005) em sua apresentação da Revista
Horizontes Antropológicos de número 24, que foi destinada especificamente ao tema da
Antropologia e performance”, afirmou:
Pelo menos há mais de três décadas que o termo “performance” vem adquirindo
visibilidade e espaço de interlocução na literatura antropológica internacional,
sobretudo a anglo-americana. Por outro lado, no Brasil, a sua inserção no
vocabulário cotidiano para expressar desde o bom desempenho de uma máquina,
de um político ou de uma atividade burocrática até a artisticidade de um ator, de
um cantor ou uma banda de rock, bastaria para enfatizar a pertinência do olhar
antropológico sobre tal fenômeno. Com efeito, esse termo transfronteiriço, de
poucas transparências, ora reclamado individualmente pelas artes, ora
consorciado com as humanidades, despertou o seu interesse na antropologia como
categoria artística, epistemológica, heurística, graças a observações pontuais
presentes já nos estudos etnográficos pioneiros de Malinowski, Radcliffe-Brown e
Franz Boas. Portanto, estamos falando de uma herança deixada pelos clássicos –
em estado latente, é bem verdade – que vem se reatualizando conjuntamente com
outras questões que interpelam a teoria e a prática antropológica na
contemporaneidade. Acreditamos que a variabilidade semântica e o deslizamento
conceitual da performance, como não poderia deixar de ser, em se tratando de um
termo reivindicado por uma multiplicidade de campos e vozes disciplinares,
estimula ainda mais o diálogo e o posicionamento estratégico das etnografias
antropológicas em um espaço acadêmico multissituado. (LUCAS, 2005, p. 7)
33
Para Turner (1982, p. 13) “a antropologia da performance é uma parte
essencial da antropologia da experiência” e, neste sentido, “todo tipo de performance
cultural, incluindo ritual, cerimônia, carnaval, teatro, é explanação e explicação da vida em
si, como Dilthey freqüentemente argumentou”. E, a expressão, por sua vez, é por si só, “um
processo pelo qual se compele a uma expressão que a completa”. Para melhor exemplificar
tal afirmação, o autor recorre à etimologia da palavra performance que, segundo ele, “não tem
nada a ver com “forma”, e sim, deriva do velho francês parfournir, “completar” ou
“realizar, cumprir minuciosamente/rigorosamente/totalmente”. A performance é, portanto, a
própria finalidade de uma experiência” [traduções minhas].
Posto isto, a noção de performance auxilia visualizar as características
subjacentes ao objeto desta pesquisa, pois a capoeira angola, ela própria se expressa a partir
da roda que, como processo ritual apresenta não apenas uma realização minuciosa, rigorosa
num espaço-tempo que opera com uma noção do todo, do universo, mas também se expressa
por uma variabilidade semântica e um deslizamento conceitual, como é possível observar a
partir do próprio termo capoeira e/ou a partir de diferentes discursos que a definem, tais como
jogo, cultura, luta, arte etc.
Um dos aspectos a ser salientado no tocante à variabilidade semântica e aos
deslizamentos conceituais observados na capoeira angola é a questão do olhar e,
respectivamente, a importância do exercício da observação, no qual, o angoleiro, enquanto um
astuto observador, realiza um novo olhar, ou melhor, um olhar que, na dinâmica do jogo e dos
treinos, parte de diferentes pontos e de posições do corpo de quem olha (além da cinestesia e
da escuta, como será visto mais atentamente no tocante à própria movimentação corporal no
jogo e à musicalidade), fator este que conduz, portanto, senão à elaboração de novos conceitos
34
de capoeira angola, a um refinamento ou à re-elaborações destes conceitos considerando os
diferentes momentos em que o capoeirista se encontra neste “processo iniciático
38
.
Assim, para tentar abarcar a complexidade da capoeira angola e lidar com uma
noção de sua totalidade, recorro às “definições” elaboradas pelos velhos mestres (e a nova
geração de mestres que seguem estes velhos mestres).
Eles afirmam que a capoeira angola é jogo (e, não com freqüência, também
utilizam a palavra esporte para tentar defini-la), luta, dança, ritual
39
, arte, filosofia de vida,
educação, cultura e brincadeira, mas, o que eles “dizem”, ou melhor, expressam a partir da
própria ação, ou seja, do próprio corpo em movimento no jogo, no canto, no toque, enfim, nas
atitudes cotidianas, vai muito mais além do que conseguimos imaginar quando visualizamos
todas estas categorias simultaneamente apontando para diferentes direções e/ou convergindo
para o ritual/roda.
A Sociologia do Esporte, no que diz respeito à palavra “esporte” aponta que
esta é utilizada pela tradição alemã (que denomina toda e qualquer atividade física - seja com
objetivo de condicionamento físico, de rendimento de alto nível, de lazer – como esporte) e
também, pelo senso comum, no Brasil, de várias maneiras. Ela pode ser utilizada como
sinônimo de divertimento, lazer, quando se afirma, por exemplo, que “determinada pessoa faz
dança por esporte”. No caso da capoeira angola, tal palavra é encontrada nos manuscritos de
Mestre Pastinha quando este faz referência à mesma e, no caso deste contexto, apesar do
mesmo sofrer a influência do projeto de esportivização da capoeira, expresso inclusive, na
adoção da palavra “esportivo” no renomado Centro Esportivo de Capoeira Angola (Ceca),
vale frisar que tal palavra é utilizada como sinônimo de jogo (e, é necessário destacar que
todo esporte pode ser considerado jogo, porém, nem todo jogo pode ser considerado esporte).
38
Mestre João Pequeno com os seus mais de 60 anos dedicados à capoeira, afirma: “Eu ainda estou aprendendo
a capoeira”. E, Mestre Pé de Chumbo, por sua vez, sempre se refere a esta fala de seu mestre acrescentando a
seguinte afirmação: “Eu ainda sou um bebê na capoeira, eu ainda estou engatinhando!”.
39
Mestre Bola Sete (2002: 17) afirma “Praticar Capoeira Angola é um ato ritual”.
35
Aliás, como veremos, seus valores são opostos aos apregoados pelo esporte nos moldes da
ideologia moderna.
Já a capoeira regional e, sobretudo, a capoeira contemporânea, podem ser
pensadas em termos de esporte, pois apresentam alguns elementos que caracterizam a prática
enquanto esporte moderno, tais como, a existência de espectador-torcedor. O que não
acontece na angola, pois a platéia não torce para um dos jogadores ganhar, pois quando
termina o jogo não há um ganhador, o que se tem é uma dinâmica de perguntas e respostas,
ataques e defesas que em vários momentos, um e outro jogador “é pego”, é desequilibrado.
Assim, a platéia é constituída pelos próprios jogadores que irão jogar quando chegar a sua
vez, e/ou de apreciadores que a assistem como a um espetáculo de teatro de rua, no qual
pacientemente e prazerosamente aguarda-se o desfecho desse jogo dramático.
O esporte contemporâneo é descrito como trabalho e, “uma parte cada vez
maior da indústria do lazer” (Hesling apud Betti, 1997, pp. 29 - 30), com o apoio da mídia
para o seu processo de massificação e comercialização, segue em direção a “comportamentos
desviantes”, tais como a violência, doping, fraude etc. Se for considerada esta característica
do esporte será possível notar que na capoeira angola não se faz uso de drogas para aumentar
o rendimento e/ou a massa muscular, ela não está em evidência na mídia etc. Enfim, se
tomarmos a definição de esporte de Lüschen e Weis (1979), ou seja, uma prática enquanto
(...) ação social institucionalizada – sobretudo organizado formalmente em clubes
e federações especiais - , convencionalmente regrada, que se desenvolve de forma
lúdica como competição entre duas ou mais partes oponentes, ou contra a
natureza, cujo resultado é determinado pela habilidade, tática e estratégia (...)
(
LÜSCHEN & WEIS,1979, p. 9),
na qual há uma comparação de desempenhos, designando o vencedor ou
registrando recorde, e, se considerarmos, por exemplo, só a questão da comparação de
36
desempenho e designação de vencedor, já é possível afirmar que a capoeira angola não se
enquadra nestes moldes e, desta maneira, a rigor, não poderia ser definida enquanto esporte.
Poderíamos ainda considerar a quantidade de recompensa extrínseca que,
segundo Lüshen (apud Betti, 1997, p. 35) “determina onde, num contínuo entre jogo e
trabalho, localiza-se uma atividade esportiva específica”. No entanto, acreditamos que até
aqui já foi possível ilustrar as implicações da utilização do termo “esporte” para se pensar a
capoeira angola.
Leiris (2001, p. 11), em “Espelho da tauromaquia” discorre sobre a tourada
espanhola e, consegue expressá-la para além do esporte, do jogo e da arte, ao considerá-la
(utilizando-se a metáfora de Deus de Nicolau de Cusa) como uma espécie de “encruzilhada,
interseção de linhas, bifurcação de trajetórias, plataforma ou terreno baldio onde se
encontram todos os transeuntes”, nós ou pontos críticos que constituem o universo e que,
segundo Leiris, poderiam ser representados “geometricamente como lugares onde o homem
tangencia o mundo e a si mesmo.”
À semelhança da explanação sobre a tauromaquia espanhola desenvolvida por
Leiris, a capoeira angola poderia ser considerada para além do esporte, da luta, da dança, da
arte etc, especialmente, levando em conta o ritual da roda onde ocorre o jogo de capoeira. A
roda seria um exemplo daqueles:
certos lugares, certos acontecimentos, certos objetos, certas circunstâncias muito
raros [que] suscitam, quando sobrevém que se apresentem ou que nos envolvamos
com eles, a sensação de que sua função na ordem geral das coisas consiste em nos
pôr em contato com o que há em cada qual de mais profundamente íntimo, de mais
quotidianamente turvo e mesmo de mais impenetravelmente oculto (LEIRIS, 2001,
p. 11).
Mas, definida como jogo por si só, a capoeira angola já abarcaria muitas das
outras definições/dimensões se forem consideradas as observações acerca do homo ludens de
Huizinga (1980, p. 4), o qual nos chama a atenção para o fato de que no “jogo existe alguma
37
coisa “em jogo” que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido à
ação. Todo jogo significa alguma coisa”.
O autor, para ilustrar que a intensidade do jogo e seu poder de fascinação não
podem ser explicados por análises biológicas, apresenta, antes, as divergentes tentativas de
definição da função biológica do jogo afirmando:
Umas definem as origens e o fundamento do jogo em termos de descarga da
energia vital superabundante, outras como satisfação de um certo ‘instinto de
imitação’, ou ainda simplesmente como uma ‘necessidade’ de distensão. Segundo
uma teoria, o jogo constitui uma preparação do jovem para as tarefas sérias que
mais tarde a vida dele exigirá, segundo outra, trata-se de um exercício de
autocontrole indispensável ao indivíduo. Outras vêem o princípio do jogo como um
impulso inato para exercer uma certa faculdade, ou como desejo de dominar ou
competir. Teorias há, ainda, que o consideram uma ‘ab-reação’, um escape para
impulsos prejudiciais, um restaurador de energia despendida por uma atividade
unilateral, ou ‘realização do desejo’, ou uma ficção destinada a preservar o
sentimento do valor pessoal etc. (HUIZINGA, 1980, p. 4).
Huizinga demonstra desta maneira que o elemento comum a todas as hipóteses
presentes nas teorias citadas anteriormente partem do pressuposto de que o “jogo se acha
ligado a alguma coisa que não seja o próprio jogo, que nele deve haver alguma coisa de
finalidade biológica. Todas elas se interrogam o porquê e os objetivos do jogo”. (ibid., p. 4)
Para o autor, as diversas respostas oriundas de tais questionamentos tendem mais a se
completarem do que se excluir mutuamente, podendo-se ser “perfeitamente possível aceitar
quase todas sem que isso resultasse numa grande confusão de pensamento, mas nem por isso
nos aproximaríamos de uma verdadeira compreensão do conceito de jogo. Todas as
respostas, porém, não passam de soluções parciais do problema”.
Com estas considerações Huizinga destaca que a grande maioria desses
estudos “preocupa-se apenas superficialmente em saber o que é o jogo em si mesmo e o que
ele significa para os jogadores” e, que, tais estudos não despendem a devida atenção ao seu
caráter profundamente estético” e aos seus elementos essenciais tais como, a tensão, a
alegria e o divertimento.
38
Ao considerarmos o “caráter profundamente estético” do jogo, ao qual
Huizinga nos chama a atenção, vislumbramos a dimensão artística da capoeira angola que se
mostra, à semelhança das delimitações traçadas por Leiris a respeito da tauromaquia (para
apontá-la como arte e para além da arte) que:
Tudo se passa, por um lado, como se os atores humanos devessem concatenar tão
ritmadamente quanto possível uma série de posições, mover harmoniosamente as
dobras românticas da capa, manejar suavemente a muleta – pano vermelho que,
juntamente com a espada, é instrumento do sacrifício -, tudo isso revestido do
faiscante “traje de luzes” (que situa o torero num mundo apartado, como fazem a
máscara do ator trágico ou as vestes sacerdotais), no esforço de, graças ao jogo
dos panos, integrar o touro à sua dança; por outro lado, como se a tauromaquia
em seu conjunto fosse concebida para servir de exemplo às disciplinas
propriamente estéticas: ordenamento da tourada em três tercios, cada qual
formando um todo ao mesmo tempo em que participa do equilíbrio do drama
inteiro; economia de movimentos; papel do ritmo, do desembaraço com que se dão
aos problemas técnicos “soluções elegantes”; noções de sinceridade, de
justificação de todos os atos, de sua necessidade em vista do perseguido; domínio
do perigo, tanto para o criador (que, a cada instante, deve se arriscar a se perder)
quanto para a obra (a cada momento comprometida, constantemente feita e
desfeita (LEIRIS, 2001, p. 23-24).
Na citação acima, a descrição, destacando o uso da “capa”, da “muleta”, da
“espada”, do “traje de luzes” da tourada espanhola, poderia nos remeter a uma analogia com a
própria roda de capoeira angola, na qual os jogadores também devem se mover,
harmoniosamente, para “pegar no laço” o oponente. Ou seja, é por meio da movimentação
dançada que no jogo, o outro será criteriosamente estudado e seduzido para receber o golpe
certeiro. No entanto, este golpe dever ser aplicado e, respectivamente, defendido a partir de
soluções extremamente elegantes. Há que se buscar constantemente o “domínio do perigo” ao
saber se defender” e “não dar golpe em vão”.
Assim, o “caráter profundamente estético” e seus elementos essenciais tais
como, a tensão, a alegria e o divertimento, necessários para a compreensão “do jogo em si
mesmo e o que ele significa para os jogadores”, reivindicados por Huizinga, são evidentes na
analogia que fazemos entre a tauromaquia e a capoeira angola. Nesta última, a tensão também
se encontra na existência do perigo. No entanto, os dois jogadores envolvidos no drama
39
devem ter consciência de tal perigo, o que os conduz à necessidade da coragem para enfrentar,
não explicitamente, a morte, o fracasso, a queda. A alegria e o divertimento se dão com o
processo de libertação que está atrelado ao “domínio do perigo”. Devido à existência do
divertimento
40
, este elemento essencial do jogo que “resiste a toda análise e interpretação
lógicas”, que Huizinga aponta a dificuldade de delimitação do conceito de jogo (e, por
extensão de capoeira angola – grifos nossos).
Mas, se perseguimos, aparentemente, até aqui, a delimitação de um conceito de
capoeira angola, a qual nos remete inicialmente à sua dimensão lúdica, adiantamos que o mais
próximo possível de tal conceito seria a própria interpretação de capoeira angola oriunda da
descrição e análise da performance ritual. Lembramos que é a noção de performance que
permitirá abarcar a questão do jogo, da luta, da dança, do canto, dos toques dos instrumentos,
da arte, do esporte, da brincadeira etc., aprofundando, desta maneira, um pouco mais a nossa
visão sobre a mesma, ou ainda, exercitando o olhar a partir de diferentes perspectivas, o que
nos induz, portanto, a prestar atenção nas representações dos angoleiros que apontam a “roda”
como o universo, algo de uma grandeza infinita.
Posto isto, foi com o trecho, extraído de um conto, que abriu este capítulo, no
qual Santugri, uma personagem capoeirista que Muniz Sodré escolheu para nos ilustrar o que
seria a “roda”, “o mundo todo sem limites”, que comamos a discorrer sobre algumas
representações acerca da roda de capoeira enquanto algo que resiste a tal delimitação.
Mestre Pastinha, nesta direção, referindo-se à capoeira enquanto algo infinito,
dizia: “Seu princípio não tem método e seu fim é inconcebível ao mais sábio capoeirista”. Já
40
Para Huizinga (1980, p. 5) as diversas palavras/expressões em outros idiomas equivalentes à divertimento
mostram a sua irredutibilidade, como é caso da derivação aard (natureza, essência) da palavra holandesa
aardigheid a qual mostra que tal idéia não pode ser submetida a uma explicação mais prolongada. O autor
salienta ainda que, a palavra divertimento em português também é “apenas uma maneira menos inadequada de
exprimir esse conceito”, o qual corresponde à própria essência do jogo e está ligado a noções como as de prazer,
agrado, alegria etc.
40
Mestre João Pequeno, expressando a unidade da capoeira enquanto algo infinito que
possibilita diversas apropriações, afirma:
Pode-se usar a capoeira como uma terapia, por sinal tem base para tudo que se
queira usar ela, se você quiser fazer um grupo folclórico, você pode tirar uma
parte da capoeira incluindo com outras coisas e está formado o seu grupo. Você
pode incluir a capoeira num teatro ou em um cinema, eu considero a capoeira
coisa infinita. Eu comparo a capoeira com o globo terrestre que você usa a terra
como agricultor trabalhando nela, você tira dela a alimentação, tudo o que você
quiser (MESTRE JOÃO PEQUENO in LIMA, 2000, p. 19).
Mestre João Grande
41
, um outro discípulo de Mestre Pastinha, quando
convidado a definir a capoeira, assim como Mestre João Pequeno, também afirma: “capoeira
angola é o globo terrestre”.
Na capoeira angola a própria “roda” representa “o mundo velho de Deus” no
qual o capoeirista experiencia a plenitude a partir do exercício cotidiano do equilíbrio entre a
esquerda e a direita, entre o alto e o baixo, a bondade e a maldade, a vida e a morte, a luta e a
diversão (jogo). A performance ritual da “roda”, esse “todo englobante”
42
, é ela mesma a
unidade, que tomada aqui, enquanto tal, é analisada de maneira similar à abordagem de Victor
Turner sobre drama.
Em “From Ritual do Theatre: The Human Seriosness of Play”, Turner (1982)
afirma que o ritual expressa um drama social e que este, por sua vez, como “unidade de
observação” e de “experiência concreta” possibilita relacionar processo histórico, cultural e
social num acontecimento dramático, qual seja: os “rituais performáticos”.
Turner (1986, p. 19) define ritual como “comportamentos formais prescritos
para ocasiões fora da rotina tecnológica e que tem referência às crenças em seres e poderes
41
Mestre Pastinha afirmava: “deixei dois mestres de verdade e não professores de improviso” se referindo à
Mestre João Pequeno a quem ele apelidou de Cobra Mansa (pela característica de seu jogo mais rasteiro, pela sua
tranqüilidade e humildade) e Mestre João Grande, que foi apelidado Gavião (pela característica de seu jogo mais
no alto).
42
Além de Turner, dialogaremos com Luis Dumont para trabalhar as noções de holismo, hierarquia e de
englobamento do contrário relacionadas à ‘roda’.
41
míticos”. Já o símbolo, para o autor, é a menor unidade do ritual que retém as propriedades
específicas do comportamento ritual, ele é uma estrutura específica de um contexto ritual.
Vale destacar que os símbolos observados empiricamente, em campo, por Turner, no ritual
Ndembu, foram objetos, atividades, relações, eventos, gestos e unidades espaciais na situação
ritual.
Vejamos a seguir um elemento ritual, a ladainha “Rei Zumbi dos Palmares” de
autoria de Mestre Moraes
43
(1996) do Grupo de Capoeira Angola Pelourinho (GCAP) que,
por si só, já serve como um exemplo inicial, a qual, como parte de um acontecimento
dramático (a “roda”: o “ritual performático”), indica essa relação entre processo histórico,
cultural e social.
A história nos engana
A história nos engana
Diz tudo pelo contrário
Até diz que a abolição
Aconteceu no mês de maio
A prova dessa mentira
É que da miséria eu não saio
Viva 20 de novembro
44
Momento pra se lembrar
Não vejo em 13 de maio
45
Nada pra comemorar
Muitos tempos se passaram
E o negro sempre a lutar
Zumbi é nosso herói
46
Zumbi é nosso herói
Colega velho
Do Palmares foi senhor
47
Pela causa do homem negro
Foi ele quem mais lutou
43
Mestre Moraes (Pedro Moraes Trindade) nasceu em Salvador em 1950. Sua iniciação na capoeira se deu aos
oito anos de idade com Mestre João Grande no Centro Esportivo de Capoeira Angola de Mestre Pastinha. Em
1982 fundou o Grupo de Capoeira Angola Pelourinho (GCAP). A ladainha transcrita acima foi extraída de seu
CD musical.
44
A data de falecimento de Zumbi (20/11/1695).
45
Em 13 de maio de 1888 a Princesa Isabel (29/7/1846 – 14/11/1921) assina a Lei Áurea extinguindo a
escravidão no Brasil.
46
Zumbi nasceu na comunidade de Macaco, na Serra da Barriga, capital de Palmares (região serrana localizada
entre Pernambuco e Alagoas).
47
O Quilombo dos Palmares (que durou de 1590 até 1694) teve como seu último chefe Zumbi (guerreiro). Tanto
“Palmares”, quanto “Zumbi” são símbolos da resistência negra contra a escravidão. No Quilombo dos Palmares,
além dos negros e mulatos escaparem da escravidão, tentavam também recriar sua identidade a partir de suas
raízes sociais, econômicas e culturais africanas.
42
Apesar de toda luta
Colega velho
O negro não se libertou, camarada!
(Mestre Moraes, 1996)
A partir dessa ladainha em homenagem ao Rei Zumbi dos Palmares, tornado
uma personagem mitológica que representa a resistência
48
à opressão oriunda daqueles que
não queriam a liberdade do povo negro, contesta-se a história “oficial” sobre a abolição da
escravatura (a contada pelos supostos dominadores) ao enfatizar que “A história nos engana”
(cantando duas vezes tal verso). A composição de Mestre Moraes nos remete, desta maneira, a
visualizarmos os conflitos entre brancos e negros não apenas na sociedade brasileira de um
período escravocrata, mas também, pós-abolição até os dias atuais. É interessante destacar que
tal mestre, no que diz respeito à história da formação da sociedade brasileira, alerta que, sua
elite sempre procurou, de alguma forma, cooptar os capoeiras e, uma destas formas, na
atualidade pode ser a própria inserção da capoeira no ensino de 1
o
. e 2
o
. graus.
Mestre Moraes, em sua palestra sobre “a capoeira na escola”, proferida como
parte da programação do I Seminário Nacional de Estudos da Capoeira - SENECA (Campinas
– maio de 2004), demonstrou-se preocupado com tal processo de inserção e questionou o
conteúdo que se passa para as crianças nas escolas. Frisou que a lei proveniente do Ministério
da Educação, apoiada no Ministério do Esporte exige a formação em educação física. Daí, ele
salientou que a própria história da educação física nas escolas demonstra que ela
desempenhou um papel que atendia os anseios da elite da sociedade em questão. O Projeto
48
Sodré (1983, p. 205 - 206) chama a atenção para o aspecto “resistência” presente na origem da capoeira, o qual
pode ser observado na “origem da maior parte das artes do corpo e da guerra”. De acordo com o autor (que faz
uma aproximação entre a questão da resistência e dos tipos de conflitos que perpassavam o universo da capoeira)
a “crônica da capoeira até quase o final do Império revela disposições permanentes de resistência marcial aos
dispositivos repressivos da ordem escravagista. Desde pouco antes da Abolição e durante a Primeira República,
os capoeiristas passaram a ser usados, sobretudo no Rio de Janeiro, como capangas, (às vezes contra os
próprios negros, ou contra republicanos) por políticos e pessoas de influência. Não sendo este o caso, o
capoeirista era freqüentemente apontado como autor de tropelias e desordens, suscitando mais uma vez medidas
legislativas específicas”, tais como o Código Penal de 1890, que previa desterro e castigos corporais para quem
praticasse a capoeira.
43
Nacional de Capoeira – 1975 regulamentou essa obrigatoriedade da formação em educação
física para o ensino da capoeira na escola. Assim, afirmou ele:
Existe interesses escusos do Estado para que o corpo discente seja orientado por
essa capoeira que deve ser agora “ensinada” pelo professor de educação física,
pois dessa forma, informações acerca da questão da etnicidade e a relação com a
auto-estima do negro, ou outras informações que não serão encontradas em casa,
com os pais, na tv etc., também não serão encontradas na sala de aula. Nós temos
heróis negros: João Pequeno, Pastinha, Bimba...
Exemplificou como possíveis conseqüências dessa “desinformação” o
cometimento de crimes constitucionais tais como a intolerância religiosa ao citar o caso de
uma diretora evangélica que tirou a capoeira da escola afirmando ser coisa do diabo. E
continuou:
Eu não acredito no apolítico, nem existe ateu. Cada manifestação tem um
direcionamento político para lidar com isso. E, quando se fala do movimento hip
hop como uma manifestação mais política que a capoeira, demonstra-se a falta de
conhecimento sobre a capoeira, pois não se entra no âmago da manifestação para
saber. É necessário que a capoeira vá para a escola sim, mas antes há de se
considerar a possibilidade de uma relação interdisciplinar. Com a capoeira você
pode discutir todas as outras disciplinas.” (...) “Mas há um problema na capoeira:
a proliferação de mestres, porque dentro do sistema capitalista, agora é diferente,
agora é grana. O camarada tem o direito de ganhar com a capoeira, agora, é
diferente cobrar para enganar. (...) O que está faltando na capoeira é a
consciência do que é a sociedade, da importância da responsabilidade com o
social, com as nossas crianças. O que é que elas [as crianças] têm? Xuxa, Ana
Maria Braga, até o papagaio é louro. O que eu não posso ser. Eu sou negro
Exposto um pouco o pensamento de Mestre Moraes, é possível observar que na
ladainha de sua composição, ocorre a reatualização de um contexto passado (àquele da
suposta origem da luta e o dos períodos subseqüentes) ao avisar os “angoleiros” da atualidade
que, apenas a forma de repressão foi mudada, já que o “negro”, “apesar de toda a luta”, ainda
não se libertou (pois aponta a “miséria” como a condição social predominante do negro na
sociedade brasileira); desta maneira, o mestre incita a consciência da existência da
44
discriminação racial enquanto parte da manutenção da precária condição social do negro na
sociedade brasileira atual.
Para Turner (1982) “drama social” é uma narrativa produzida coletivamente
que indica, por sua vez, de forma metafórica, os conflitos de determinado grupo. Assim, nos
dramas sociais as experiências
49
vividas podem ser encontradas e, a elas, relacionar as
conexões entre os eventos passados e suas atualizações.
Levando em conta, por conseguinte, que a performance é todo tipo de
expressão social e cultural (jogo, ritual, carnaval, teatro), o autor enfatiza, no entanto, que a
força performativa do ritual é maior que a do drama social. Quanto à categoria “ritual”, é
necessário salientar que Turner (apud Silva, 2005) demonstra que esta é empregada, tanto por
Goffman quanto por Schechner,
(...) num sentido lato, afastado, pois, da acepção durkheimiana do termo, que
estabelece a dicotomia “sagrado/profano”, enquanto ele, Turner, preferia manter
esta distinção ao operacionalizar com a noção de “performance cultural” no
estudo dos ritos religiosos, insurreições, teatros etc., no contexto das sociedades
complexas” ocidentais. (TURNER apud SILVA, 2005, p. 43).
Tal distinção que Turner mantém é relevante considerar neste estudo, uma vez
que, na própria criação do Ceca, Mestre Pastinha (o qual é a referência fundamental para a
organização ritual da capoeira angola) o definia como “patrimônio sagrado”.
Desta monta, ambos, eventos rituais e dramas sociais configuram, na prática,
um “metateatro”, os quais constituem, segundo Turner (apud Silva, 2005): “um espaço
simbólico e de representação metafórica da realidade social, através do jogo de inversão e
desempenho de papéis figurativos que sugerem criatividade e propiciam uma experiência
singular, que é, ao mesmo tempo, reflexiva e da reflexividade”.
49
Vide Turner (1982, p. 13).
45
Gostaria de apontar que, por ser recente a abordagem sobre performance na
antropologia brasileira, as atuais pesquisas sobre rituais e outras formas expressivas, trarão
muitas contribuições teórico-metodológicas. No entanto, estarão muito mais suscetíveis de
apresentar fragilidades.
De acordo com Silva (2005, p. 36) o enfoque sobre os “gêneros de
performances” “é uma das tendências recentes que parece ganhar força entre as perspectivas
antropológicas que têm priorizado os eventos rituais e o teatro como suporte para a análise
da realidade social”.
Schechner (1987) na apresentação da obra “The Anthropology of Performance
nos ilustra a trajetória percorrida por Turner para a fundação dessa nova vertente
antropológica, afirmando:
Turner, throughout his career, investigated ritual. He found it in social process,
especially in the ways people resolved crises. Soon enough Turner realized that
social process was performative. Thus began his detailed and exhilarating
explorations into the multiplex, multivocal relationships between ritual and theatre.
Turner developed his theories of social drama (1974) and latter collected much of
his thinking on performance in From Ritual to Theatre (Schechner in Turner, 1987,
p. 7).
50
Em termos de pesquisas brasileiras sob este referencial, Lucas (2005, p. 7)
aponta que “a centralidade do antropólogo anglo-americano Victor Turner (1920 – 1983) nos
estudos teóricos e etnográficos da performance começa finalmente a despontar na literatura
antropológica brasileira, depois de um longo período em que o conhecimento desse autor
ficou restrito à tradução em português do seu livro O processo ritual, acrescido mais
recentemente da tradução de A floresta de símbolos”. No que se refere, portanto, à
50
Turner, ao longo de sua carreira investigou o ritual. Ele viu que era, especialmente, no processo social que as
pessoas resolviam crises. Depois Turner compreendeu que o processo social era performativo. Então, ele
começou suas, detalhadas e divertidas, explorações acerca das relações multivocais e “multiplex” entre o ritual e
o teatro. Turner desenvolveu suas teorias sobre drama social (1974) e mais tarde reuniu muito do seu
pensamento sobre performance em From Ritual to Theatre. [tradução minha]
46
antropologia no Brasil, a autora supõe que talvez “tenhamos perdido nesse tempo um nexo
importante que ligou Turner, o seu trabalho teórico sobre performance e muitas das
discussões que se geraram em torno da chamada virada pós-moderna na antropologia
americana” (ibid. p. 7).
No caso desta tese, é válido destacar que a cada passo que se dava no fazer
antropológico, mais se fazia necessário explorar, aprender, aperfeiçoar, descrever, registrar as
diversas dimensões existentes na capoeira angola e, conseqüentemente a pensar em formas e
instrumentos de investigação que pudessem dar conta de abordá-la da maneira mais rigorosa
possível, sendo este rigor constantemente almejado e atrelado à sensibilidade estética aguçada
tanto pela capoeira angola quanto pela antropologia e, especialmente pela antropologia da
performance.
Pelo trabalho de Turner, de uma maneira geral, foi possível apreender não
apenas uma sensibilidade relacionada às técnicas corporais
51
atreladas à noção de
performance proveniente de uma influência herdada de um fazer teatral, no qual é necessário
o exercício de observar o outro, o mundo à sua volta como pré-requisito de todo rearranjo
corporal para a expressão de um gesto consciente que imita e/ou (re) cria uma realidade, mas
também, apreender, como apontaria Macalli (2005), a tradição clássica do theatrum mundi, na
qual é equacionada a sociedade com o teatro e, a ação cotidiana, com a atuação, sendo que,
essa tradição pensa os seres humanos como artistas e trata a vida social em termos
estéticos.”
51
Para Mauss (1974, p. 211) as técnicas corporais são “as maneiras como os homens, sociedade por sociedade e
de maneira tradicional, sabem servir-se de seus corpos”. A este enfoque privilegiado sobre os gestos e os
movimentos corporais (inaugurado por Mauss nos estudos antropológicos ao fazer referência às técnicas
corporais enquanto criações culturais imbuídas de significados e passíveis de serem transmitidas de geração a
geração) somamos as contribuições dos estudos de Turner para destrinchar os significados contidos nos diversos
elementos simbólicos da “roda”, sobretudo, os expressos no corpo do “angoleiro”.
47
O próprio Turner (1982) afirma que, em sua experiência de campo, foi
revitalizada a herança teatral de sua mãe
52
ao escolher a forma estética do drama como
metáfora e modelo da dinâmica social.
Outro fator que contribuiu para reforçar a opção por Turner como um dos
referenciais teóricos desta tese foi a obra “Técnicas latino-americanas de teatro popular: uma
revolução copernicana ao contrário” de Augusto Boal (1984)
53
na qual ele fazia referência à
capoeira angola de Mestre Pastinha como uma forma de teatro popular, chamando-nos a
atenção para a expressão corporal contida no jogo da capoeira e para o, como diria Boal apud
Magaldi (2000, pp.112-113), “teatro das classes oprimidas e de todos os oprimidos, mesmo
no interior das classes”. O que, inicialmente, fez-nos pensar na questão do “drama” na
capoeira, enquanto uma maneira de “contar uma história escrita com sangue”, na qual se luta
em busca da liberdade e da sobrevivência do povo negro subjugado pelo projeto colonialista.
Sendo assim, as questões trabalhadas por Turner (1974, 1982, 1986, 1987),
quais sejam, o ritual enquanto processo e a exegese de seus símbolos, os conflitos sociais
implícitos no conceito de drama e o caráter multivocal da performance ritual (fazendo-nos
considerar as diversas linguagens artísticas – corporal, musical, oral - operando na capoeira
angola, na qual a “roda” é seu símbolo sintetizador) indicavam o principal caminho para a
descrição e interpretação adotado nesta pesquisa.
52
Na introdução de “From Ritual to Theatre: The Human Seriosness of Play” Turner (1982, p. 7) conta que sua mãe,
senhora Violet Witter, era atriz e membro fundadora do Scottish National Theather.
53
Este teatrólogo brasileiro, que é referência internacional por ter sistematizado o Teatro do Oprimido, faz referência à
capoeira angola, inclusive apontando para a integração existente entre as artes corporais e a música, afirmando: “Não
só as superstições e mitologias podem ser utilizadas como formas teatrais populares: também os ritmos, as danças, as
festas. Exemplo disso é a capoeira, dança popular da Bahia. Os turistas não perdem uma só “sessão” de “capoeira”,
dançada por Mestre Pastinha, com os seus mais de oitenta anos. Esta dança tem-se convertido num aspecto de
indústria turística. Mas é também uma luta. Os lutadores-dançarinos bailam, um diante do outro, em círculo, e o que
é atacado, contra-ataca com os pés através de um sistema compensatório de equilíbrio corporal. Dançam ao som de
uma música especial, produzida pelo berimbau. Esta luta desenvolveu-se durante o tempo da escravatura, quando os
escravos tinham que se treinar pensando em sua libertação, mas, evidentemente os seus senhores não o permitiam...
Assim, os negros desenvolveram uma dança luta, e os mesmos brancos-senhores, contra os quais se preparavam,
vinham assistir ao ensaio... Mostrar historicamente o desenvolvimento de uma luta, de uma dança, contribui para
elevar o nível de consciência crítica e revolucionária do povo” (BOAL, 1984, p. 62). [negritos meus].
48
Tal como veremos no capítulo IV, a “roda” de capoeira angola é descrita e
analisada como “jogo de luta dançada” tomando, então, as noções de performance, drama e
ritual como categorias essenciais para entender a sua organização. Ter-se-á como pano de
fundo para a discussão, o que Silva (2005) salientou como “paradigmas do teatro na
antropologia”, a partir dos quais é possível realizar os estudos antropológicos das formas
expressivas.
Em se tratando da roda, a música é “ao vivo”. Assim, como performance ritual,
as diferentes linguagens (musical, corporal), enquanto organizadoras de códigos de conduta,
orientam, por sua vez, as atitudes dos capoeiras na performance ritual da “roda” que,
simbolizando “o mundo velho de Deus”, opera a síntese dos ensinamentos que serão
aplicados no cotidiano da vida como uma maneira de lidar com esse “mundo velho de Deus”.
O jogo de inversão e de re-inversão é ilustrado tanto na movimentação
corporal quanto a partir da própria organização (como um todo) desses grupos, que têm como
um dos elementos fundamentais a hierarquia (como será explicitado também no capítulo
sobre a organização do grupo ao apontar os diferentes estágios na capoeira – Mestre,
Professor Mestrando, Professor, Trenel e Aluno Responsável).
Aqui a hierarquia é pensada tal como Dumont (1992, p. 126) propôs, ou seja,
como “o englobamento do contrário”, o qual é a relação de um todo (“o mundo velho de
Deus” representado pela roda) com os elementos que o compõem e, nesta composição, tais
elementos também se lhes opõem numa relação lógica de níveis hierárquicos que supõem
tanto a unidade (no plano superior) quanto distinção (complementaridade e reciprocidade) nos
outros planos. Na capoeira angola, a relação vertical é estabelecida a partir do “respeito”
enquanto valor operante desta hierarquia. Horizontalmente, teríamos as relações de
“camaradagem” como ilustrativas da experiência de communitas. Ou seja, tanto o princípio da
unidade quanto o da complementaridade e reciprocidade, pela diferenciação de níveis, são
49
enfatizados por meio de duas proposições distintas, mas, que operariam logicamente o
modelo, pensado ele próprio como uma totalidade inclusiva, da qual fazem parte tanto a
possibilidade da “inversão hierárquica” quanto da sua segmentação pela noção de “valor”
como o princípio lógico operante da relação hierárquica e do contexto situacional onde se
realiza essa operação.
Tal hierarquia também está presente na disposição dos instrumentos musicais e
na de seus tocadores, bem como no tipo de canto (como será visto com maior detalhe no sub
capítulo sobre a música na capoeira).
Dos três berimbaus existentes numa roda, por exemplo, o berimbau “gunga”
(chamado também de “berra-boi” por alguns grupos), de som grave/baixo, está no ápice da
hierarquia e é geralmente tocado pelo mestre (guardião) ou alguém mais próximo do mestre.
A mesma hierarquia vale para o canto, sendo o mestre o cantador de ladainha, das chulas e
dos corridos, comandando desta forma, todo o ritual que engloba a comunicação não verbal
expressa nos movimentos corporais dos jogadores.
A análise inicial da hierarquia interna ao grupo revela uma cosmovisão (dos
angoleiros) estruturalmente inversa àquela dominante na sociedade moderna (no sentido
dumontiano), porém, à medida que a análise é aprofundada o que se destaca é um movimento
constante de inversão e re-inversão do olhar.
No entanto, antes de adentrar nesta análise, vejamos o contexto etnográfico da
pesquisa.
50
Capítulo II
Histórias de capoeira e a linhagem no Centro Esportivo de Capoeira Angola (Ceca) -
Academia de João Pequeno de Pastinha (AJPP)
1. Um breve histórico da capoeira
54
Não sei direito como a capoeira começou. Não foi de meu tempo e não vou ficar
por aí contando mentiras ou dizendo que conheci gente que nunca vi. O que eu sei
mesmo, é que a capoeira está diferente. Antigamente a gente vadiava de terno
branco, engomado, sapato impecável e não se sujava. A menos que o adversário
fosse desleal e metesse o sapato na gente. Mas isso era sujo, não é como hoje, que
se pega capoeira de mão. No meu tempo só se vadiava capoeira com os pés e a
cabeça, numa luta de agilidade e ligeireza, e que valia era ter boa cabeça e pés
rápidos (Mestre Waldemar in Abreu, 2003, p. 72).
É com a fala do falecido Mestre Waldemar que convidamos o leitor a viajar
por algumas histórias que se conta sobre capoeira.
Mestre Pastinha (1964, p. 29) afirma: “Não há dúvida que a Capoeira veio
para o Brasil com os escravos africanos”. Tal afirmação é passível de maiores
esclarecimentos, pois seria mais rigoroso afirmar que os seus “fundamentos”, a sua “base”,
vieram com os escravos
55
que contribuíram para a criação da capoeira angola, inclusive com
54
Em anexo constam também, tanto a história da capoeira quanto a história da Academia de João Pequeno de Pastinha
– Centro Esportivo de Capoeira Angola no Estado de São Paulo, ambas publicadas no CD musical de Mestre Pé de
Chumbo, no qual consta a primeira faixa multimídia com textos e vídeos.
55
E, supostamente, com os escravos angolanos, uma vez que, segundo Rego (1968), estes foram os que vieram em
maior número, para o Brasil e, segundo Mestre Pastinha “O nome Capoeira Angola é conseqüência de terem sido os
escravos angolanos, na Bahia, os que mais se destacaram na sua prática”.
51
elementos de outras danças guerreiras
56
tais como N´Golo ou Dança da Zebra, um rito de
passagem que marca a entrada na puberdade e no qual os garotos disputam “donzelas” (para
as quais eles se exibem utilizando movimentos corporais semelhantes aos que existem na
capoeira angola).
O próprio Mestre Pastinha, dois anos após a escrita de seu livro, foi à África
57
,
representando o Brasil no Festival de Dakar (1966) e, depois deste advento, até hoje se canta:
Pastinha já foi à África/Prá mostrar capoeira do Brasil (...)”, como uma maneira de
demonstrar assim, a não comprovação da afirmação inicial de Mestre Pastinha sobre a origem
da mesma.
Assim, é praticamente consenso entre os pesquisadores e entre os mestres que
a capoeira foi originada no Brasil nos “tempos da escravidão”. Porém, muito mais importante
do que se reportar à origem é estar atento ao fato de que a capoeira (ou as diferentes noções de
capoeiras), de diversas formas, vem acompanhando as transformações em nossa sociedade.
Como a etnografia nesta pesquisa foi feita com a Academia de João Pequeno
de Pastinha em São Carlos (sob direção de Mestre Pé de Chumbo) consideramos importante
registrar aqui o seguinte trecho sobre a origem da capoeira segundo Mestre João Pequeno:
Não sou professor de história, mas sei na prática por informação de pessoas que
sabem. Perguntei a um africano em São Paulo, na feira do couro, na década de
sessenta, lá tinham vários grupos de vários lugares e encontrei um africano que
falava português, um pouco enrolado, não sei de onde era. Perguntei a ele se lá
tinha Capoeira e ele respondeu que tinha só que o nome não era Capoeira, era
dança do N´golo. Depois seu Pastinha indo à África ele trouxe um quadro com
duas figuras jogando capoeira e ele disse que o nome lá na África era “passo da
zebra”, aí que eu não sei, mas penso que N´golo lá seja zebra. Seu Pastinha me
contava que se tornou com o nome de Capoeira aqui no Brasil, porque Capoeira,
aqui no Brasil é mato e o mato era onde eles iam treinar Capoeira. Os negros que
fugiam para o mato lá treinavam Capoeira e lutavam com os capitães do mato que
eram os vigias, eles olhavam o mato e procurava pegar os negros fugitivos e os
negros se defendiam com a luta de Capoeira. Naturalmente isto é um raciocínio
que a gente faz, eles chamarem outros companheiros para irem treinar no mato,
vamos treinar na Capoeira, o nome da luta ficou sendo este. O sentido de dança foi
56
Barão (1999, 52) cita a pesquisa de Carlos Eugênio L. Soares cuja discussão sobre a origem da Capoeira Angola
aponta para “as semelhanças entre a capoeira e algumas danças angolanas, específicamente de Luanda, como a
Bassúla, também citada por Câmara Cascudo, a Cabangúla e o Umudinhú”.
57
Barão (1999, p. 62) afirma que a ida de Mestre Pastinha à África foi no ano de 1981.
52
transformado para luta porque servia para eles se defenderem e os que não
conheciam a Capoeira temiam os golpes desta dança e proibiam deles fazerem a
dança. Os negros que vinha de Angola, tinha os Geges, também, e alguns sabiam
jogar capoeira, vieram para cá capoeiristas ou mestres que sabiam. Seu Pastinha,
por exemplo, aprendeu com um africano; Besouro aprendeu com os seus avós, que
também eram africanos; (Mestre João Pequeno in Lima, 2000, p. 29-30).
Segundo Pires (2004), que faz um estudo histórico sobre a capoeira na Bahia
durante o século XIX e início do XX, há um grande vazio no que concerne à bibliografia
sobre capoeira na Bahia (Estado atualmente considerado como o grande reduto da tradição da
capoeira angola) durante o referente período.
Já Lima (1990, p. 10-12) aponta sucintamente, num plano geral, quatro etapas
que caracterizam seu desenvolvimento histórico no Brasil, quais sejam: 1) Reinado; 2)
República; 3) Governo nacionalista de Getúlio Vargas; 4) Atualidade.
De acordo com este autor, na primeira etapa, ou seja, antes da abolição dos
escravos, o principal objetivo da capoeira era a defesa; na segunda, além de defesa, a capoeira
servia de canal aberto à manifestação cultural do povo negro, sendo denominada capoeira
angola; na terceira etapa, em meados de 1930, a capoeira começa a ser organizada como
ginástica e, em 1972, ela passa a ser considerada esporte pelo Conselho Nacional de Desporto.
É a partir de 1930 que é criado por Manuel dos Reis Machado (Mestre Bimba, 1900-1974) um
novo estilo de se jogar capoeira, a luta regional baiana, ou simplesmente nas palavras de hoje,
capoeira regional; na quarta etapa, há a predominância da prática da capoeira regional, não só
no Brasil, mas como também no exterior, e a grande difusão teve contribuição dos próprios
mestres desta modalidade.
Considerando as quatro etapas supracitadas referentes ao histórico da capoeira
vale abrir um parêntese, no que diz respeito à denominação “capoeira angola” atrelada à
“República” como Lima (1990) se refere. Faz-se necessário apontar que, tanto os dados
53
etnográficos coletados para esta tese, quanto os resultados de pesquisa de alguns estudiosos
58
apontam para o surgimento de tal expressão somente após o advento da criação, em 1930, (ou
seja, somente no próximo “período” que Lima toma como o do Governo Nacionalista de
Getúlio Vargas) por Mestre Bimba, da “luta regional baiana” (a qual, posteriormente, passa
ser conhecida como “capoeira regional”), como um movimento organizado da capoeira a
partir da pessoa de Mestre Pastinha contra as transformações advindas do criador da
“regional”, Mestre Bimba.
Outra observação necessária é quanto a quarta etapa, ou seja, a atualidade a
que o autor se referia (lembrando que seu trabalho é de 1990) era outra, isto é, na “atualidade”
mais imediatamente próxima ao nosso presente (considerando que se passaram mais de dez
anos) não há mais a predominância da capoeira regional e sim da capoeira contemporânea,
uma vez que a grande maioria dos capoeiristas não pratica a capoeira criada por Mestre
Bimba, apesar de muitos deles pensarem ser regionais. Assim, precisamos considerar a
existência de três estilos de capoeira: capoeira angola, capoeira regional e capoeira
contemporânea.
Desta forma, tomando por referência estes dois mestres que sistematizaram os
dois estilos diferentes de se jogar capoeira, de um lado Mestre Pastinha (capoeira angola) e,
de outro, Mestre Bimba (capoeira regional), aponto para a existência, na atualidade, de uma
capoeira que tenta ser as duas coisas, mas não consegue ser, ao mesmo tempo em que nega os
dois estilos: é a denominada capoeira contemporânea.
Apesar de os praticantes da capoeira contemporânea serem em maior número
(até a alguns anos atrás podíamos dizer que eram os regionais a maioria na capoeira), o que
constatamos é que está havendo uma aceleração na disseminação da capoeira angola, e isto
58
Como exemplo podemos citar Letícia V. de Souza Reis (2000) em “O mundo de pernas para o ar: a capoeira no
Brasil”.
54
parece ter começado a partir de finais da década de 80 e no transcorrer da década de 90,
quando apareceram os primeiros grupos de capoeira angola no Estado de São Paulo.
A migração de alguns mestres para São Paulo, a comar considerando o
próprio Mestre Pé de Chumbo (discípulo do Mestre João Pequeno de Pastinha, estabelecido
até agosto de 2004 na cidade de São Carlos e precursor desta prática no Estado de São Paulo),
que trouxe Mestre João Pequeno em 1988 para Indaiatuba/SP para supervisionar o início de
seu trabalho com capoeira angola, a promoção de cursos com mestres de angola provenientes
da Bahia para uma clientela da regional (como exemplo podemos citar os eventos organizados
por Mestre Pé de Chumbo que começou a trazer para São Paulo, não apenas os velhos
guardiões da capoeira angola, mas também os mestres da nova geração de capoeira angola
como Mestre Cláudio, que tem grupo em Bauru/SP – Angoleiros do Sertão e, Mestre Jogo de
Dentro, que tem grupo em Campinas/SP - Semente do Jogo de Dentro) e o desenvolvimento
de pesquisas científicas sobre a mesma nas universidades paulistas foram alguns dos fatores
que contribuíram para tal disseminação, já que propiciavam um intercâmbio entre Bahia e São
Paulo.
Em relação aos eventos promovidos por Mestre Pé de Chumbo, é importante
informar que desde 1992 (ano em que o conheci em Salvador ministrando aulas na AJPP –
Ceca) participamos deles, constatando assim, a vinda de diferentes respeitados mestres da
Bahia, tais como: Mestre João Pequeno, Mestre João Grande, Mestre Boca Rica, Mestre Lua
de Bobó, Mestre Augusto, Mestre Fernando, Mestre Brandão, Mestre Franscisco 45/Bigo,
Mestre Renê, Mestre Ciro e outros, bem como a participação de capoeiristas, angoleiros ou
não, provenientes de diferentes Estados do Brasil para participar dos encontros, os quais,
inicialmente, eram nacionais e, agora, são internacionais (o ano de 1992 também foi quando
Mestre Pé de Chumbo viajou para a Suécia e para alguns outros países da Europa).
55
O certo é que, de lá para cá, a capoeira angola vem sendo uma, dentre as
muitas práticas corporais chamadas ou consideradas como alternativas, consumidas cada vez
mais por um público não apenas proveniente da classe média (geralmente universitários e
intelectuais), mas também de diferentes partes do mundo. Há quem interprete este fato como
uma “regionalização” da “angola”, já que foi com a criação da capoeira regional que a classe
média
59
começou a praticá-la (ou melhor, que a classe média teve uma adesão mais maciça, e
não que começou a praticá-la).
Se fôssemos fazer uma afirmação apressada em relação à capoeira regional, ou
até melhor dizer, à capoeira contemporânea, praticada atualmente como esporte, diríamos que
ela perdeu muito no que diz respeito à ritual quando a comparamos com o ritual da capoeira
angola, pois na “contemporânea” é evidente uma maior competitividade entre os capoeiristas
e, apesar de estarem em dois no centro da roda, os capoeiristas contemporâneos realizam os
movimentos mais individualmente, com mais velocidade (exploram movimentos explosivos)
com grande amplitude articular de movimentos repetitivos (exemplo de seqüência possível: aú
aberto, meia-lua-de-frente, armada, armada saltada, chapa, mortal, todos os movimentos no
plano alto
60
).
Às vezes, o capoeirista que está na roda tem tempo apenas de realizar apenas
três destes movimentos devido ao excesso de “compra de jogo” (que se dá quando um outro
jogador quer entrar na roda para jogar/lutar, assim, o “comprador” se coloca de frente -
realizando os movimentos de capoeira contemporânea - para o capoeirista que ele quer jogar,
59
Em relação à adesão da capoeira pela classe média ver Pires (2004, p. 109) “A presença de estudantes universitários
exercendo a cultura da capoeira é um fenômeno importante, tanto para se analisar o processo de transição da antiga
tradição a uma nova tradição da capoeira, bem como para explicar aspectos de sua expansão social. Em uma análise
comparativa entre os praticantes da capoeira na cidade do Rio de Janeiro e Salvador, pode-se afirmar que a capoeira
baiana teve menor presença de membros das classes médias do que a da cidade do Rio de Janeiro. No Rio, alcançou
maior expansão, pois grupos das camadas médias e altas da sociedade carioca já vinham trabalhando para conquista
dessa cultura desde meados do século XIX”.
60
Laban (1978, p. 73), dentre os aspectos elementares (direções, planos, extensões e caminho) para a observação de
ações corporais, divide os movimentos em planos alto, médio e baixo. Vide também Arruda (1988), uma das
introdutoras, no Brasil, das propostas de Laban. Na capoeira angola valoriza-se os três planos, porém chamando a
atenção para o plano baixo, a exemplo da negativa, cocorinha etc. Na regional e na contemporânea passa-se a
prevalecer os movimentos no plano alto.
56
fazendo com que o parceiro deste saia imediatamente da roda), e, ao cansaço, uma vez que
fisiologicamente, trabalha com movimentos explosivos caracterizando-se assim, como uma
atividade anaeróbica.
Mestre Pé de Chumbo, no que diz respeito à capoeira contemporânea
(interpretada como uma mistura dos estilos angola e regional por aqueles não são
“angoleiros”), afirma, que tem grande admiração e respeito pelo Mestre Camisa
61
,
considerado por ele, como o criador da denominação/estilo “capoeira contemporânea” e
aponta, por sua vez, que na verdade, o que ele constata não é uma perda de “ritual” na
capoeira contemporânea se a compararmos com a angola, e sim, o contrário, que a capoeira
contemporânea tem buscado elementos do ritual da capoeira angola, motivo que faz aumentar
mais ainda admiração de Mestre Pé de Chumbo por Mestre Camisa.
Em geral, os discursos dos mestres de capoeira angola demonstram a
preocupação com a “preservação da tradição” e dos “fundamentos da capoeira angola”. O
auge desse esforço é expresso nos treinos e na organização do ritual (a roda de capoeira), nos
quais há todo um conjunto de conhecimento e linguagens específicas que caracterizam o
trabalho de capoeira angola levado a sério”. Este é o caminho que leva a pessoa a se tornar
angoleira e, por isso, temos como objetivo, também, indicar uma das maneiras de o angoleiro
“valorizar a tradição” na capoeira angola, isto, valorizando o mestre. Para tanto,
percorreremos tal caminho a partir deste breve histórico que é acompanhado na seqüência, do
mapeamento da linhagem
62
, a qual se inicia com as biografias de Mestre Pastinha, passando
por Mestre João Pequeno até chegar em Mestre Pé de Chumbo, e desta maneira fundamentar
61
Mestre Camisa, abaixo de Mestre Camisa Roxa (seu irmão) é responsável pelo maior grupo de capoeira do
mundo, o ABADÁ – Capoeira (Associação Brasileira de Apoio e Desenvolvimento da Arte – Capoeira), com
representações efetivas em todos os estados brasileiros e em mais de 40 países. Mestre Camisa acrescentou
algumas inovações no método de Mestre Bimba (seu mestre, o criador da Capoeira Regional ou da ‘Luta
Regional Baiana) no intuito de, segundo ele, “adequar a capoeira ao momento e às circunstâncias”.
62
Em seguida veremos a representação gráfica da linhagem da capoeira angola em que esta tese se debruça, no
entanto, em anexo consta uma detalhada “Family Tree of Capoeira Angola” (árvore da família da capoeira
angola) compilada por Sylvia Robinson (2002) e publicada pela FICA (The International Capoeira Angola
Foundation/Federação Internacional de Capoeira Angola) que dá conta de ilustrar as outras linhagens da capoeira
angola.
57
a etnografia realizada inicialmente em São Carlos – SP com a Academia de João Pequeno de
Pastinha (AJPP) – Centro Esportivo de Capoeira Angola (Ceca) sob direção de Mestre Pé de
Chumbo, esse respeitado mestre da nova geração que desenvolve, como ele sempre chama a
atenção: um “trabalho de capoeira angola levado a sério”.
A Linhagem
Mestre Jo Pequeno
Mestre Bahia
Mestre Pé de Chumbo
Mestre João Grande
Mestre Pastinha
Mestre Benedito
A Linhagem
Mestre Jo Pequeno
Mestre Bahia
Mestre Pé de Chumbo
Mestre João Grande
Mestre Pastinha
Mestre Benedito
58
2. Mestre Pastinha
Figura 1 - Mestre Pastinha tocando berimbau. (Foto extraída da Revista “Praticando Capoeira Especial:
Pastinha Eternamente”, ano 1, n. 4)
Antes de adentrar especificamente na etnografia da AJPP – Ceca emo
Carlos, para que seja situado o trabalho desenvolvido por Mestre Pé de Chumbo, serão
apresentadas as biografias de Mestre Pastinha e de Mestre João Pequeno com o intuito de
explicitar, posteriormente, o que é o Ceca e a AJPP:
(...) todos eles que quiser dizer alguma coisa sobre a minha biografia, pode dizer
qualquer coisa, eu aceito, toda e qualquer. Agora tem uma coisa, não fui bobo, na
roda de capoeira não fui bobo! (Mestre Pastinha, 1979, disco)
Mestre Pastinha (1964), cujo nome era Joaquim Vicente Ferreira Pastinha,
nasceu em 5 de abril de 1889 na cidade de Salvador – BA. Seu pai, José Señor Pastinha,
proprietário de um pequeno armazém, era descendente de espanhol, e a sua mãe, Raimunda
dos Santos, uma negra nascida em Santo Amaro da Purificação. Vale apontar que Mestre
Pastinha teve pouco contato com sua mãe.
59
Provavelmente Mestre Pastinha tenha começado a aprender capoeira com 10
anos de idade. No site da FICA (Federação Internacional de Capoeira Angola) e em Mestre
Bola Sete
63
(2001), por exemplo, consta que Pastinha começou a aprender capoeira com 10
anos de idade. Há controvérsias levantadas por Reis (2000) quanto ao seu início na capoeira,
se foi aos 10, aos 8 ou “entre 8 e 10 anos”. Na p. 8b dos manuscritos do Mestre Pastinha
parece realmente estar escrito 8 anos. Já em seu livro, o qual foi prefaciado por Colmenero
(um ex-aluno do mestre) informa que foi aos 10 anos de idade que Mestre Pastinha começou a
aprender capoeira com o africano Mestre Benedito, o qual, da janela de sua casa, costumava
ver Pastinha “levando a pior” em briga travada com um moleque de sua rua. Ao ficar com
pena de Pastinha, quis ensiná-lo, para que ele pudesse se defender.
Mestre Pastinha ingressou na Escola de Aprendizes da Marinha, no Largo da
Conceição da Praia, aos 12 anos de idade, onde aprendeu “esgrima, florete, carabina e
ginástica sueca” e lá, também ensinou capoeira para seus colegas. Em 1910 pediu baixa da
Marinha.
Segundo Mestre Bola Sete (2001, p. 29), em 1910, Mestre Pastinha funda a
primeira Escola de Capoeira, “localizada no Campo da Pólvora, embora a primeira a ser
reconhecida oficialmente tenha sido a do Mestre Bimba”. Daí até 1912 ensinou capoeira para
Raimundo Aberrê. Anos mais tarde, em 1941
64
, Aberrê convidou Mestre Pastinha para uma
roda no bairro da Gengibirra (Salvador) onde um guarda civil chamado Amozinho e que era o
dono da roda, entregou-lhe o comando da mesma. Seu Pastinha tentou recusar o convite,
porém, a pedidos de outros capoeiras, dentre eles, Sr. Antonio Maré, acabou aceitando.
63
Mestre Bola Sete (José Luiz Oliveira Cruz), passado para o posto de trenel por Mestre Pastinha, é o atual Presidente
do Conselho de Mestres da Associação Brasileira de Capoeira Angola (ABCA), com sede no Pelourinho, Centro
Histórico de Salvador, Bahia. Em conversa, em julho de 2005, com um dos conselheiros da ABCA, Mestre Raimundo
Dias, fui informada que até o final do referido ano há nova eleição na ABCA, podendo assim mudar a composição do
conselho da referida associação.
64
De acordo com os manuscritos de Mestre Pastinha (1960) “Quando as pernas fazem mizerê” sua ida à roda com
Aberrê na Gengibirra foi em 23 de fevereiro de 1941.
60
Como não há consenso entre os que escrevem sobre Mestre Pastinha em
relação a algumas datas (ou estimativas delas) e versões sobre sua vida, para esclarecer
informações sobre a fundação do Ceca abrimos aqui um parêntese, a começar pelos indícios
que Mestre João Pequeno aponta.
Mestre João Pequeno afirma que foi para Salvador em 1943 e que antes de
conhecer Mestre Pastinha tinha aulas com o “finado Barbosa” e freqüentava a roda de
capoeira de Mestre Cobrinha Verde num bairro da Barra chamado Chame-Chame.
Mestre João Pequeno quando conheceu o capoeirista que viria a ser seu mestre,
após vê-lo jogar numa roda no Terreiro, presenciou Mestre Pastinha dizendo: “eu quero
organizar isto e para isso eu vim aqui. Quem quiser apareça lá no Bigode”. Assim, quando
Mestre João Pequeno vai ao Bigode e faz a sua inscrição no Ceca em 1945 (observando ser o
Ceca, inicialmente, uma sociedade e não uma academia) indica que o Centro Esportivo de
Capoeira Angola já existia. O que queremos apontar com isso é que Mestre Pastinha
considera o dia 23 de fevereiro de 1941 como o momento em que foi fundado o Ceca. Escreve
ele: “No Jingibirra fim da Liberdade, lá que nasceu este Centro, porque? Foi Vicente
Ferreira Pastinha quem deu esse nome de ‘Centro Esportivo de Capoeira Angola’”.
Reis (2000) induz os leitores a pensarem que o Ceca foi fundado em 1941 já
estabelecido no Largo do Pelourinho
65
. A instalação do Ceca neste endereço, segundo
informações contidas no filme de Muricy (1999) “Pastinha: uma vida pela capoeira” só viria
a ocorrer em maio de 1955.
65
Reis (2000, p. 111) afirma: “quatro anos após a abertura do Centro de Cultura Física e Capoeira Regional, de
Bimba, Pastinha funda seu Centro Esportivo de Capoeira Angola, no Largo do Pelorinho”. Na p. 101 constam
informações referentes à academia de Bimba: “Essa modalidade [referindo-se à luta regional baiana criada por mestre
Bimba que a autora escreve sempre capoeira regional sem situar qual era a denominação inicial dada por ele – grifos
meus] consagraria a esportivização da capoeira e sua descriminação, pois o reconhecimento oficial da primeira
escola recairia sobre o Centro de Cultura Física e Capoeira Regional, dirigido por Bimba, em 1937”. Barão (1999, p.
61), provavelmente baseada em Reis, comete o mesmo erro ao atrelar o ano de fundação do Ceca (1941) com a
instalação do mesmo no prédio do atual SESC/SENAC no Pelourinho, afirmando: “Em 1941, Mestre Pastinha funda o
Centro Esportivo de Capoeira Angola, atual sede do SENAC em Salvador”.
61
Já, conforme consta nos manuscritos de Mestre Pastinha (1960, p. 4b), depois
que Amozinho morreu, “ficou o Centro sem finalidade, porque foi abandonado por todos os
mestres” (...). Escreve ele:
Em fevereiro de 1944 fiz nova tentativa para organizar o Centro, fui procurado por
muitas pessoas o que consegui em 23 de março com alunos, e amigos, camaradas
no Centro Operário da Bahia, também foi abandonado por falta de entendimento.
Depois de dois anos e meses, 1949, fui procurado pelo Exm. [?] Ricardo ex-
instrutor da luta da Guarda Civil, para que eu fosse reorganizar o Centro de
Capoeira que estava sem finalidade. Eu sempre pronto quando me procuravam,
estava em minha casa, um domingo, quando dois camaradas me convidou para ir
ver um terreno na Fábrica de Sabonete Sicool no Bigode, e lá levantei a capoeira,
e o Centro entrou no rumo, que Pastinha precisava levar a capoeira, ao seu
precioso valor; com o auxílio dos moradores, e todos estiveram ao meu lado
animando-me para este disideratum. As primeiras camisas foram feita no Bigode,
em cores preto e amarelo. (Ibid, p. 4b – 5a)
De acordo com Mestre Bola Sete (ibid, p. 30) o Centro Esportivo de Capoeira
Angola (Ceca) foi registrado em 1952, e este era “remanescente do Centro de Capoeira
Angola Conceição da Praia, fundado em 1922, pela nata da capoeiragem baiana”.
De acordo com Mestre Pastinha (1960) os fundadores foram:
Amosinho, este era o dono do grupo, os que lhe acompanhavam, Aberrê, Antonio
Maré, Daniel Noronha, Onça Preta, Livino Diogo, Olampio, Zeir, Vitor H. U.,
Alemão filho de Maré, Domingo do Magalhães, Beraldo Izaque dos Santos,
Pinião[?], José Cibilata [?], Ricardo B. dos Santos [?] (Ibid, p. 4a).
Na época em que o Ceca estava estabelecido no Bigode, Mestre Pastinha
aponta Athaydio [?] Caldeira como primeiro Presidente e, Aurelydio [?] Caldeira como
segundo”.
É válido observar também que, por aproximadamente dez anos antes de 1941,
Mestre Pastinha permaneceu afastado da capoeira. O que acaba sendo confirmado, de certa
maneira, por Mestre Cobrinha Verde
66
:
66
Mestre Cobrinha Verde foi aluno de Besouro.
62
Em épocas passadas eu gostava de andar na turma dos veteranos daqui de
Salvador. Eu não estou desfazendo porque nunca desfiz. Mas eu nunca ouvi falar
em Pastinha. Nunca, só depois da morte de Aberrê
67
. Antes de Aberrê morrer,
Pastinha andava acompanhando Aberrê. Depois foi que Pastinha andou tomando
conta de Academia e dizia que foi mestre de Aberrê. Aberrê nunca me disse quem
foi o mestre dele. (in Santos, 1991, p. 18-19)
Mestre Noronha (cujo nome era Daniel Coutinho, 1993), por sua vez, fornece-
nos uma lista de capoeiristas integrantes do “Primeiro Centro de Capoeira Angola” da qual
alguns membros são os mesmos citados pela lista de Mestre Pastinha, porém, ao que tudo
indica este não seria o mesmo centro apontado por Pastinha. Nos manuscritos de Mestre
Noronha temos:
Primeiro Centro de Capoeira Angola do Estado da Bahia na Ladeira de Pedra
Barrio da Liberdade fundado por grandes mestre Daniel Coutinho – Noronha –
Livino – Maré – Amouzinho – Raimundo ABR
68
, Percilio, Chxapeleiro Gerado –
Engraxate Juvenal – Gerado Pé de Abeilha Zehi Feliciano Bigode de Ceida –
Bonome – Henrique – Cara Queimada – Anca Preita – Cimento – Algemiro
Grande Olho de Panbo Estivador – Antonio Galindeu – Antonio Burca de Porco
Estivador – Angolinha de Candido Pequeno – Ouro Campeão Bahino – Lucio
Pequeno – Paqueite do Cabula
69
(p. 17).
Após apontar a lista dos grandes mestres que fundaram o suposto “Primeiro
Centro de Capoeira Angola do Estado da Bahia”, Mestre Noronha afirma que Mestre Pastinha
foi apresentado por Aberrê “por motivo da morte de Amozinho guarda”. Assim, faz-se surgir
uma dúvida: como foi que Amozinho, no apertar da mão de Mestre Pastinha lhe passa a
responsabilidade de organizar e tomar conta da capoeira angola?
De acordo com Mestre Noronha, esta missão foi incumbida sim ao Mestre
Pastinha, porém, quem lhe deu esta autoridade foi o grupo dos mestres supracitados. O que,
de certa maneira, não é incoerente, porque o grupo era “organizado” por Amozinho e, por
67
Nos manuscritos de Mestre Pastinha consta que Aberrê faleceu em setembro de 1942.
68
O nome de Aberrê (o suposto aluno de Pastinha) era Raimundo, assim, Mestre Noronha se refere a ele escrevendo
Raimundo ABR.
69
A citação foi escrita de maneira que ficasse mais próxima da forma que o próprio Mestre Noronha escreveu em seus
manuscritos
63
meio do referido grupo, Mestre Pastinha foi o escolhido para “tomar conta e organizar a
capoeira angola”.
Mais adiante, Mestre Noronha ao se referir à Festa de Santa Luzia, informava
que havia muita violência e que por isso prejudicava o povo de apreciar tal festejo, e que, foi
graças à ação da polícia que se tornou possível participar dela. Ao final de seu relato informa:
esta entrevista é dada pelo Mestre Noronha e Mestre Pastinha e Mestre Livino e Maré que
são os mestre que vinha acompanhando todas as festa da Bahia é quem pode espicar este fato
que si passou. Dezembro de 1922”.
Portanto, estamos diante de outra controvérsia, pois Mestre Pastinha é, então,
apontado como integrante do grupo já em 1922 e, se ele foi apresentado ao mesmo devido à
morte de Amozinho, sua integração ao grupo só se daria a partir da década de 1940.
Controvérsias à parte, o fato é que no Ceca, citando apenas alguns dos nomes
importantes, treinaram João Pequeno, João Grande, Gildo Alfinete, Albertino da Hora,
Natividade. Mestre Pastinha, no espaço de sua academia instalada no Pelourinho fazia
apresentações de rodas de capoeira para uma platéia de turistas. Também foram seus
apreciadores o escritor baiano Jorge Amado, o artista plástico Carybé, o antropólogo e
fotógrafo Pierre Verger e o filósofo Jean-Paul Sartre.
Com o passar dos anos, Mestre Pastinha começou a ganhar fama. Viajou por
alguns estados brasileiros divulgando a capoeira. Em abril de 1966 foi à África representando
o Brasil no Festival de Dakar (Senegal). Em 1964 publicou o livro “Capoeira Angola” e,
ainda na década de 60, lançou um disco com músicas de capoeira e com alguns depoimentos
seus.
Em 1971, quando Mestre Pastinha já estava velho e cego, disseram-lhe que
seria necessário reformar o conjunto arquitetônico do Pelourinho
70
, do qual sua academia
70
Para trazer um pouco deste cenário (e, sobretudo da década de 60 e início da de 70 do qual Mestre Pastinha fez
parte) recorro a Carybé (1987, p. 29-30) que em “As Sete Portas da Bahia” faz referência ao conjunto
64
fazia parte. Prometeram-lhe que após as reformas lhe entregariam o espaço novamente, fato
que não ocorreu, pois a prefeitura havia desapropriado e doado o prédio ao Patrimônio
Histórico da Fundação do Pelourinho o qual foi vendido ao Senac.
A partir daí, Mestre Pastinha, em profunda depressão, sofre em 1979 um
derrame cerebral, fica internado em hospital público durante um ano e depois é enviado para o
Abrigo D. Pedro II.
Aos 13 dias do mês de novembro de 1981, com 92 anos de idade, morre, cego
e na miséria, um grande artista brasileiro: Joaquim Vicente Ferreira Pastinha – Mestre
Pastinha... E, paradoxalmente, nos dias de hoje, Mestre Pastinha continua vivo ensinando a
capoeira angola. Assim, ele orienta:
(...) ensina aos seus alunos sem procurar fazer exibição de modo agressivo e nem
apresentar-se de modo discortez sem amor à nossa causa que é a causa da
moralização e aperfeiçoamento desta luta tão bela quanto útil à nossa educação
física, na capoeira, não devemos ficar isolados, porque nada podemos fazer, é
muito certo o trocado popular que diz: a união faz a força.
(...) É uma recomendação para o respeito às regras e aos regulamentos escrito.
Um apelo para que procedamos correto e decentemente os aspectos de nossa vida
na sociedade; um apelo que sendo atendido estamos sujeito a obter justa vantagem
em qualquer circunstância (Mestre Pastinha, 1960, p. 7b – 8a).
E, estas palavras finais (relativas à causa da moralização, a qual será
recuperada mais adiante) são nítidas nas atitudes e ensinamentos das duas gerações seguintes
representadas nesta pesquisa, consecutivamente, pela pessoa de Mestre João Pequeno e pela
de Mestre Pé de Chumbo que, como será mostrado a seguir, dão continuidade à “organização”
da capoeira angola na contemporaneidade.
arquitetônico e ao Mestre Pastinha escrevendo: “Largo do Pelourinho (...) Uma massa arquitônica estupenda
rodeia este largo que afunda pras bandas da Baixa dos Sapateiros. Do outro lado está o Convento do Carmo, a
Igreja dos Passos, a Casa das Sete Mortes, a Cruz do Pascoal, Santo Antônio Além do Carmo, tudo com torres
barrocas e sobradões enormes onde fermenta a vida, cortiços que foram palácios, tetos e mais tetos escalando
as colinas, pátinas seculares nas fachadas e nos becos que são como cabos amarrando a praça atracada na
encosta. (...) Quantas coisas guardas dentro de tuas casas, o Afochê de Pai Burocô, o dos Filhos de Gandi, a
capoeira de Mestre Pastinha, os fundos de teus sobradões empavezados pelas lavadeiras, ricos em meninos,
jogando gude, soltando arraias, mijando no meio do pátio, cantando (...)”.
65
Portanto, se desde já, for levada em conta a questão da “moralização” e
“aperfeiçoamento desta luta”, algumas de suas faces começam a se mostrar como e no
movimento contínuo de “inversão e re-inversão do olhar” expresso nesta arte
71
.
3. Mestre João Pequeno de Pastinha – Cobra Mansa
Figura 2 - Da esquerda para a direita: Mestre Pé de Chumbo, Mestre João Pequeno de Pastinha (falando para a
platéia após encerramento da roda realizada no Senac/Sesc – espaço onde funcionou o Ceca/Largo do
Pelourinho, n
o
. 19 - como parte da programação do IV Encontro Internacional de Capoeira Angola – AJPP –
Ceca realizado de 12 a 18 de julho de 2005) e Mestre Raimundo Dias. (Foto: Simões, julho de 2005).
71
Lévi-Strauss (2002, p. 38) ao discorrer sobre a arte afirma que ela “se insere a meio caminho entre o conhecimento
científico e o pensamento mítico ou mágico, pois todo mundo sabe que o artista tem, ao mesmo tempo, algo de
cientista e do bricoleur: com meios artesanais, ele elabora um objeto material que é também um objeto de
conhecimento”.
66
Mestre João Pequeno (in Lima, 2000, p. 1) “nasceu em 27 de dezembro de
1917 em Araci na Bahia, uma cidade ao norte de Feira de Santana, foi batizado em Serrinha,
cidade vizinha. Seus pais Maximiniano Pereira dos Santos e Maria Clemença de Jesus
tiveram nove filhos (...).
Seu pai era vaqueiro, trabalhava na fazenda “Vargem do Canto” de
propriedade do Sr. Vicente Nino, na região de Queimadas. Seu avô possuía propriedade em
Araci”. Seus primeiros 15 anos de vida foram entre a região de Queimadas e o povoado de
Barroca, onde seu padrinho possuía propriedade.
Mestre João Pequeno conta que, em 1933, devido a uma grande seca, foram
andando de Serrinha para Alagoinhas, ao encontro de seu pai e seu irmão. Após um ano, eles
se mudaram para Mata de São João, onde viveram cerca de 10 anos. Foi trabalhador no
campo, plantou cana-de-açúcar, foi chamador de boi e foi carreiro (ficava em cima do carro
que conduzia os bois).
Até este momento acompanhei meus pais, fazendo minhas obrigações, na fazenda
São Pedro, em Mata de São João. Nessa época, eu tinha uma vontade de ter um
corpo exercitado mas, não sabia que esporte seguir, porque não conhecia a
capoeira.”
Tinha vontade de ir para o exército porque ouvia falar que lá se fazia exercícios,
mas eu não fiz o serviço militar, meus pais eram contra, diziam que soldado devia
amaldiçoar pai e mãe.
Na fazenda de São Pedro, encontrei com mestre Juvenço, que trabalhava de
ferreiro e era capoeirista, era amigo de Besouro, ele me contou muitos casos de
Besouro, até da morte dele, foi Juvenço que me deu a minha primeira aula de
capoeira... (Mestre João Pequeno, 2000, p. 4-5)
Em janeiro de 1943, aos 26 anos de idade, foi para Salvador. Trabalhou de
cobrador, mas por pouco tempo. Depois foi “trabalhar de servente de pedreiro nas obras de
construção civil” foi assim que conheceu Cândido, um camarada mais velho do que ele e que
também era servente o qual lhe “arranjou o mestre”, que lhe levou para a roda de capoeira...
67
Quando ele no serviço estava muito animado, bebia, ficava alegre e começava a
cantar samba e dar pulos de capoeira, numa daquela ele deu um aú e eu entrando
na cabeçada recebi na boca uma joelhada, ele aí disse, me pegando, me
abraçando: num se importe não, que eu vou lhe botar na roda de capoeira. (Ibid.,
p. 6)
O Cândido foi procurar seu compadre chamado Barbosa, um carregador que
trabalhava na feira do Largo Dois de Junho, para pedir que ensinasse capoeira ao seu
camarada João.
Nesse tempo não havia academia, as pessoas aprendiam em rodas de capoeira, na
rua ou com alguns mestres que tinham roda de capoeira ou numa sede, como no
caso de Cobrinha Verde, Rafael, primo de Besouro. Sendo Rafael meu parente, eu
não conhecia meus parentes por parte de pai, estou conhecendo agora em
Salvador.
Nos dias de domingo à tarde o finado Barbosa formava um grupo de amigos e a
gente ia para a roda de capoeira de Cobrinha Verde que era feita num bairro da
Barra, chamado Chame-Chame. Ali tinha um pé de mangueira grande e lá de
baixo faziam as rodas de capoeira. O finado Barbosa me dava treino. Até um dia
numa festa de largo, deve ter sido carnaval, numa roda de capoeira no Terreiro,
chegaram dois senhores que entraram na roda, já conhecia um deles de vista nas
rodas de capoeira, não sabia seu nome. Eles entraram e jogaram capoeira.
Na saída quando terminaram de jogar um deles disse: eu quero organizar isto e
para isso eu vim aqui. Quem quiser apareça lá no Bigode!
O Bigode é um bairro que tem no Djalma Dutra. Era o mestre Pastinha.
No meio da semana aquela turma do vamo aqui, vamo ali, vamo acolá,
apareceram lá em casa dizendo que Pastinha estava com uma capoeira no Bigode
e que iriam lá no domingo e assim foi.
Chegando lá, onde estava todos os capoeiristas da Bahia, inclusive o finado
Barbosa, Cobrinha Verde, com alguns alunos dele, e mais outros mestres, Totonho
de Maré, Livino, Noronha.
Chegando lá eu me registrei não era academia, era uma sociedade: o Centro
Esportivo de Capoeira Angola que o mestre Pastinha recebeu das mãos de um
guarda civil chamado Amorzinho, no Gengibirra, um bairro lá do Largo do
Tanque (Ibid. p. 6-7)
Seu João se registrou no Ceca por volta de 1945. Desde então conviveu com
Mestre Pastinha que, logo o passou a trenel (aluno responsável em puxar os treinos para o
mestre). No ano de 1967 para 1968, quando Mestre Pastinha não estava podendo mais jogar,
disse para o João: “toma conta disto porque eu vou morrer, mas eu morro somente o corpo e
em espírito eu vivo, enquanto houver a capoeira o meu nome não desaparecerá”.
De acordo com Mestre João Pequeno, a primeira academia de Capoeira Angola
fundada em Salvador foi a de Mestre Pastinha. Após a sua morte, Mestre João Pequeno instala
68
em 2 de maio de 1982, no Forte Santo Antônio Além do Carmo, a Academia de João Pequeno
de Pastinha (AJPP) – Centro Esportivo de Capoeira Angola (Ceca).
Em conversa com o mestre em julho de 2005 ele disse que recebeu o nome
João Pequeno de Pastinha do próprio Mestre Pastinha, frisando a questão da imortalidade da
capoeira angola por meio da continuidade do trabalho (que leva o nome de Pastinha) deixado
por seu mestre.
Mestre João Pequeno, como evangélico da Igreja Universal do Reino de Deus,
aproveitou para dizer que ele tambémo vai morrer, que viverá eternamente “porque nós
vivemos numa época que só morre quem quiser...”
Aliás, ao término de toda roda, ou quando é solicitado a falar para o público,
Mestre João Pequeno não perde a oportunidade de “pregar a palavra”
72
. Neste ato, ele chama
a atenção especialmente para a questão da vida eterna fazendo referência, literalmente, ao
advento da “tentação de Eva” relacionada à “queda do homem”
73
:
Com a palavra apregoada por Mestre João Pequeno é possível notar a presença
de uma religiosidade advinda do legado judaico-cristão, cujo “caráter mitopoético de
bricoleur
74
”, como diria Lévi-Strauss (2002, p. 32), é ilustrado com este processo de
reconstrução e re-significação do mundo, do universo.
Ou seja, Mestre João Pequeno, a partir de um mito cristão, reforça as
orientações deixadas por Mestre Pastinha (1960, 5b), o criador do “patrimônio sagrado
Centro Esportivo de Capoeira Angola no qual a “luta”, segundo este, “constitui o caminho
para a Divina realização” (...), “a movimentação do qual preparam o caminho da perfeição”,
72
“Pregar a palavra” é comunicar as mensagens que Deus deixou aos homens na terra para que estes busquem a
salvação de sua alma, ou seja, alcancem a “vida eterna”: a “verdadeira liberdade” para Mestre João Pequeno.
73
Bíblia Sagrada: O Primeiro Livro de Moisés, Gênesis 3.
74
Lévi-Strauss chama a atenção para o fato de o “bricoleur” operar com materiais fragmentários já elaborados. Desta
forma, é possível observar que na capoeira angola o processo mitopoético se faz presente quando Mestre João Pequeno
recria uma realidade, cria uma experiência pessoal, a partir de elementos simbólicos extraídos, no caso deste exemplo,
de uma religiosidade cristã.
69
cujos preceitos, tais como, o “respeito às regras e aos regulamentos escritos” são considerados
imprescindíveis para se obter “a justa vantagem em qualquer circunstância”.
Mestre João Pequeno, ao citar a passagem bíblica, re-significando preceitos
herdados de Mestre Pastinha, enfatiza que a conseqüência advinda do não cumprimento das
regras do “Senhor Deus” por parte de Eva, Adão e a serpente, foi a “queda do homem”, isto é,
toda a humanidade foi condenada a sofrer e a morrer, pois, a partir do momento em que
comeram a fruta obtiveram o conhecimento do bem e do mal.
Condenado à “queda” (termo, portanto, que pode significar “sofrimento” e/ou
morte), o angoleiro, enquanto presença no mundo, manifesta também uma certa religiosidade
na maneira de cultuar os antepassados na capoeira (como exemplos, o uso de quadros com
fotos dos respeitados mestres já falecidos na decoração das academias, a exaltação dos
mesmos por meio do canto etc.), tornando o passado, presente; o presente, futuro e, enfim,
eternizando a obra.
Assim, para a manutenção da ordem do “mundo velho de Deus” (do
universo/do mundo) o angoleiro deve buscar, incessantemente, a liberdade e a justiça
exercitando, constantemente, o equilíbrio na luta do bem contra o mal
75
.
Dando continuidade ao pensamento de seu mestre, afirma Mestre João
Pequeno:
Neste tempo nós estamos nos aperfeiçoando para passar para uma nova terra que
será esta mesma terra aperfeiçoada, pois vivemos em uma terra maligna, foi
maldita esta terra, e as coisas estão sendo aperfeiçoadas para entrar na nova
terra. E a capoeira? Aí que eu chamo a atenção dos capoeiristas: vamos retirar a
agressão da capoeira! Vamos jogar capoeira em nossa vida e fazer capoeira com
amor, pois, sem o amor, nada vai subsistir.
Capoeira é mato, capoeira também é terra, e o homem foi feito na terra, e tudo que
nela existe é tirado dela, então, para se viver nesta nova terra abençoada, e não se
fazendo uma coisa errada, produzindo iras e agressões, então, essa coisa não pode
ser abençoada.
Hoje Deus está separando a ira que é a maldição e as coisas malignas para poder
introduzir as coisas boas nesta nova terra aonde vamos viver sem ira, sem
tentação, sem dor e sem agressão. Lá não precisamos de capoeira agressiva, lá nós
75
Vale frisar que para Mestre Pastinha “o mal da capoeira angola é a ignorância e a violência”.
70
vamos precisar de exercícios e brincadeiras, mas tudo feito com perfeição e amor.
(Mestre João Pequeno in Lima, 2000, p. 42)
Assim, o angoleiro (o capoeirista que Mestre João Pequeno pretende formar)
é avisado sobre sua situação de cativo desta condição humana, ou seja, condenado, desde o
seu nascimento a morrer. Portanto, o intuito do mestre é fazer com que o capoeirista aprenda a
“dar a volta ao mundo” exercitando a busca pela perfeição (trilhar um caminho que leve a
Deus) como maneira de realimentar as esperanças num mundo melhor (“a nova terra
abençoada”), ou seja, que aprenda a viver “sabendo cair”, o que significa a eterna busca por
aprender a lidar, de maneira pacífica, com os conflitos constitutivos do próprio ser humano.
O bem e o mal são tomados aqui como o princípio dual do conhecimento
mundano (do “mundo velho de Deus”), o qual permite operar a distinção entre todas as coisas.
Portanto, ao dar à humanidade a capacidade do discernimento, o primeiro dele será a tomada
de consciência da vida e da morte.
Mestre João Pequeno (Lima, 2000, p. 41) afirma ainda que já teve vários
alunos e que ele se lembra dos bons e dos maus e exemplifica que seu Mestre, Pastinha,
também teve “alunos que não usou tóxico, não era ladrão, nem desordeiro, era até um bom
companheiro, mas, por causa da bebida, foi morto pelos ladrões e desordeiros. Esta foi como
a semente que foi sufocada no meio do espinheiro. Seu Pastinha foi uma terra boa, por isto
ele viveu 92 anos e não morreu de desordem. Morreu humildemente e até abandonado. Mas
seu Pastinha, não distorceu a capoeira pelos maus caminhos, sempre praticou ela para o
bem, e não para o mal”.
Posto isto, vemos que a “questão da moralização” e do “aperfeiçoamento desta
luta” continuam a se mostrar, a partir dos discursos e histórias dos Mestres, Pastinha e João
Pequeno, como e no movimento contínuo de “inversão e re-inversão do olhar”.
Vale lembrar que a própria palavra “luta” implica em conflito, em atuação de
forças contrárias (luta entre o bem e o mal), e que a palavra “jogo” implica a existência de
71
regras que devem ser observadas pelos jogadores, o que mostra, “eticamente” falando, a
dimensão da seriedade do caráter lúdico de sua performance ritual.
Estas questões serão apontadas na discussão sobre a performance ritual: a
“roda” e, também estará presente na discussão sobre treino.
No entanto, será possível perpassar, ainda, tais questões, a partir da própria
história de vida de Mestre Pé de Chumbo e da organização do grupo (observar o uso do
singular em relação à palavra grupo, pois, apesar de haver integrantes da AJPP – Ceca
praticando capoeira angola em diferentes espaços geográficos, o grupo é um só) sob sua
direção.
72
Capítulo III
Mestre Pé de Chumbo e a organização do Ceca - AJPP: a etnografia a partir de São
Carlos
1. Sobre Mestre Pé de Chumbo
Gidalto Pereira Dias, ou, Mestre Pé de Chumbo, como é conhecido no meio
capoeirístico na atualidade
76
, nasceu no dia 8 de dezembro de 1964 na cidade de Floresta Azul
no interior do sul da Bahia.
Como sua mãe veio a falecer durante seu parto e o seu pai (um pequeno
agricultor que já possuía outros sete filhos) não tinha como cuidar do recém-nascido, Mestre
Pé de Chumbo foi criado pelos avós maternos. Sua avó, Dona Brasilina Maria de Jesus (era
filha de índios) dizia que queria criá-lo, afirmando que seu neto parecia com a falecida filha
(mãe de Mestre Pé de Chumbo). Viveu, então, com seus avós até os 14 anos de idade entre os
municípios de Ibicaraí, Itabuna e Eunápolis. Seu avô, José Domingos Filho, era um fazendeiro
da pequena cidade Ibicaraí.
Foi nesta cidade que começou a praticar capoeira no ano de 1974 (portanto,
com quase dez anos de idade). Estudou na “Academia Educativa Escolar Osvaldo
76
Antes de ser conhecido como Mestre Pé de Chumbo (devido ao perigo que seus golpes de “pés pesados” representa),
também foi apelidado de “Tiozão” porque, em Indaiatuba (década de 80), desenvolvia um trabalho com capoeira em
que a clientela era constituída na sua maioria por crianças e adolescentes.
73
Montenegro Professora D. Valdir”. Assim, em sua adolescência, ainda no sul da Bahia, levava
a vida praticando capoeira e estudando.
(...) Prá você ter uma idéia, eu nem gostava de capoeira. E não tinha na época,
falar assim, angola e regional. Era capoeira. A casa da academia era na esquina,
ela hoje não existe mais. O pessoal era: mestre Mita, Badega, Sérgio Alemão e
Adilson (este era aluno e irmão do Mestre Mita). Então, eu não era assim, uma
pessoa assim, que gostava de capoeira, eu fazia caratê na época, aí de repente é,
foi com influência de briga, de luta e, moleque né, de querer ser melhor do que o
outro, aí, terminei indo prá capoeira, porque eu tive uma desvantagem. Aí terminei
gostando de capoeira. Que uma dessas pessoas que eu citei para você, o Adilson
era irmão de um dos professores, e ele tinha a minha idade e eu fazia caratê, e ele
tinha me desafiado prá falar que a capoeira era melhor, eu fui provar e terminei
ficando com a capoeira, mas, e aí prá frente, fiz essa capoeira, e hoje eu vejo que a
capoeira que eu fiz antes é meio parecida com a angola de hoje (...) (Mestre Pé de
Chumbo, Entrevista, 2003).
Em 1980 veio para São Paulo, mais exatamente, para Indaiatuba, morar com
duas irmãs, uma vez que a sua avó havia falecido. Lá trabalhou registrado, por volta de cinco
anos, como “cortador profissional” numa firma chamada “Melika Confecções”. Viajou para
São Paulo (Capital) por cerca de dois anos para trabalhar e fazer seu curso profissionalizante
na “Alpargatas”, uma firma no bairro da Móoca onde aprendeu desenho e corte de calças,
shorts e blusas.
Morei em São Paulo, na Móoca quando eu desenvolvia um trabalho. Eu tinha um
trabalho. Eu sou cortador profissional. Desenho, calça, blusa, short. Que eu
aprendi na firma que eu trabalhei. E, levei a capoeira. Aí dei aula de capoeira e
participava de capoeira. Prá você tê uma idéia, eu trabalhei ali, mais de dois anos,
trabalhei. Que eu estudei é, estudei curso de corte e, pelo Alpargatas. Mas eu
trabalhava numa firma, era registrado numa firma chamada Milica Confecções em
Indaiatuba. E viajava prá lá [São Paulo], morava lá, vinha prá casa [Indaiatuba],
vê minhas irmãs e voltava prá lá prá estudar e, nessa brincadeirinha eu pegava
capoeira, ia aqui e tal, ia na Sé, na República e aí levei a vida. (Mestre Pé de
Chumbo, Entrevista, 2003).
Mas, Mestre Pé de Chumbo, segundo ele, acostumado ao “calorzão do interior
da Bahia”, sentiu dificuldade em se adaptar tanto à frieza do clima paulista quanto à das
pessoas e à própria mudança em sua vida.
74
Em fins de 1981 surge o interesse de Mestre Pé de Chumbo em conhecer, tanto
Salvador – BA, bem como Mestre Pastinha. Vai então à Salvador, porém, não alcança Mestre
Pastinha com vida.
Nessa volta minha [para a Bahia], eu era preocupado em conhecer Mestre
Pastinha, e não tive a chance de conhecer, porque quando eu comprei a passagem,
prá conhecer Salvador, (meus irmãos, tios moravam em Salvador, aí, eu queria
conhecer né, porque o pessoal no interior falava muito da capital e tal). E eu tinha
conhecido São Paulo [Capital] já, e não conhecia a capital Salvador. Aí eu tinha
comprado uma passagem um mês antes da viagem prá dia 14/11. Aí, numa festa de
capoeira, porque eu andava em vários lugares em São Paulo – na Sé, República –
molecão, mas jogando capoeira, capoeirista tem sempre aquela fome. Aí caí em
Campinas no encontro de capoeirista que era do Mestre Tarzan, aí teve a notícia
que ele pediu um minuto de silêncio porque tinha falecido o Mestre Pastinha. Aí foi
a mesma coisa de tirar o tapete de meus pés. E aí, eu, a pessoa que eu era fã e que
queria conhecer, eu não tive condições de conhecer, porque minha passagem era
pro dia 14, ele faleceu dia 13 [13/11/1981], e dia 14 era festa do Mestre Tarzan
(...) (Ibid., 2003)
Mestre Pé de Chumbo conta que foi para Salvador e não alcançou nem o
enterro do Mestre Pastinha, porque, além de sua passagem de ônibus ser para o dia
14/11/1981, ou seja, um dia após a sua morte, o ônibus “horrível” da empresa São Geraldo
quebrou na estrada e, ele acabou ficando mais de 8 horas na espera de um outro, o que atrasou
mais ainda a sua chegada em Salvador.
(...) só sei que cheguei em Salvador no dia 17 à noite, 10 ou 11 da noite não sei.
Minha irmã ainda foi me encontrar na rodoviária e aí foi quando eu fiquei em
Salvador, aí não queria mais voltar pro Estado de São Paulo porque me apaixonei
pela cidade, pelas pessoas, porque eram também pessoas do mesmo lugar que sou,
da Bahia, mas era uma turma diferente, era um povo totalmente diferente do
interior, era um povo diferente de São Paulo. Era muito mais assim do que eu
pensava, muito mais acolhedor, cheio de festa (...) (Ibid. 2003).
Foi no ano de 1981 que Mestre Pé de Chumbo começou a sua paixão pela
capoeira angola, mas, a chamado de sua irmã de Indaiatuba, Mestre Pé de Chumbo retornou
para o estado de São Paulo e continuou tentando se adaptar a uma vida de “operário padrão”
que sua irmã almejava para ele, porém, nunca abandonava a sua busca pela capoeira.
75
Em São Paulo (na capital), conheceu grandes mestres de capoeira baianos,
como o Mestre Suassuna, Mestre Brasília, Mestre Silvestre, Mestre Belisco, Mestre Miguel
Machado, Mestre Pessoa, Mestre Joel, Mestre Paulo dos Anjos, Mestre Gato Preto e outros.
Freqüentou as rodas da Praça da República, da Praça da Sé e, em Indaiatuba, chegou a fazer e
a dar aulas de capoeira regional
77
.
Numa das firmas que trabalhou em Indaiatuba, na COBREQ CIA LTDA (uma
grande metalúrgica de fazer peças de carro, lona, pastilha e sapata de trem), chegou a ser
“cabeça de greve” e a fazer rodas de capoeira durante o movimento.
E fui um cara que brigava pelo portão (...) Aí teve altas políticas, teve aquele
negócio, quando Lula tava naquelas crises, de greve e tal, aí, cê sabe, né, eu entrei
também, fui um grevista, assim, participei dessas onda e fui um cabeça de greve, e
eu agitei todo mundo, parou porque não achava justo. O presidente lá era o Dr.
Walllan, era italiano. Aí eu agitei, a polícia veio, aí fazia roda de capoeira. Ich, era
doido” (Ibid., 2003).
Segundo Mestre Pé de Chumbo, apesar de seu desejo constante “de abandonar
tudo” (o trabalho “nas firmas”) e viver para a capoeira, ele reconhece que, de certa maneira,
essas firmas lhe ajudaram a manter, paralelamente, seu trabalho com capoeira, seja
desenvolvendo um trabalho com capoeira na própria firma ou obtendo algum recurso
financeiro via salário de “operário padrão”. Das diversas vezes que ele saiu das firmas,
inclusive, “largando tempo de serviço”, viajou para a Bahia, mas voltava para Indaiatuba:
Então trabalhava aqui [em Indaiatuba/São Paulo], de repente dava na cabeça: eu tenho,
sabe, que ir embora. Aí largava tudo, largava é, tempo de serviço. Lá ia embora. Aí voltava, e
aí voltava, e a minha irmã: mas Gil, Gil, você é maluco?”
Com o tempo, Mestre Pé de Chumbo, analisando a sua trajetória, viu que ele
não era “maluco”, apenas não queria ser um “operário padrão” e, sim, viver para a capoeira e
77
Mestre Pé de Chumbo ao afirmar que treinou capoeira regional em São Paulo, frisou que ele não a considerava
como capoeira regional afirmando: “a capoeira regional é a capoeira do mestre Bimba, uma capoeira que
ninguém faz hoje, a não ser quem tá resgatando que nem mestre Nenéu [que é filho do Mestre Bimba]
tentando resgatar aí, algumas coisas da capoeira regional do seu pai”.
76
ter sua própria academia. Nesse processo, tais viagens e abandonos das firmas eram
interpretados pela sua família (irmã e esposa) como um comportamento irresponsável,
“maluco”.
Mas fui um cara sempre responsável. Se eu pegava você prá desenvolver um
trabalho, se eu ia embora, depois eu ficava: e a Rosa? Não. Eu tenho que tá com a
Rosa, que a Rosa, eu tenho que deixar pronto, sabe? Eu não sabia abandonar
ninguém. Então, era isso, que eu ficava lá e cá (Ibid., 2003).
Portanto, foi devido a essas viagens para Salvador que Mestre Pé Chumbo teve
a oportunidade de conhecer Mestre João Pequeno. Aliás, antes de ser aluno de Mestre João
Pequeno, Mestre Pé de Chumbo foi aluno de Mestre João Grande, um outro discípulo de
Mestre Pastinha, vale salientar que Mestre Pé de Chumbo teve aulas com Mestre João Grande
na própria academia do Mestre João Pequeno.
O trabalho de Mestre Pé de Chumbo, baseado na capoeira angola de Mestre
João Pequeno, começou em São Paulo (Indaiatuba) em fins do ano de 1987 e se efetivou no
transcorrer de 1988.
Com o objetivo de mostrar cada vez mais a angola, organizou eventos em
Indaiatuba e Campinas trazendo respeitados mestres. No final de 1987, Mestre João Grande e
Mestre João Pequeno foram à Campinas e também passaram por Indaiatuba. No começo de
1988, Mestre João Pequeno e uma aluna chamada Mônica, viveram durante quatro meses com
Mestre Pé de Chumbo em Indaiatuba e, no final deste mesmo ano, realizou um evento no qual
trouxe Mestre Boca Rica, e, novamente, Mestre João Pequeno. Em 1989, fez outro evento no
qual trouxe, além de Mestre João Pequeno, Mestre Boca Rica e Jogo de Dentro. Em 1991,
além de trazer novamente Mestre João Pequeno, Mestre Boca Rica, Jogo de Dentro, trouxe
Mestre Cláudio pela primeira vez.
77
na época saia pessoas de São Paulo prá ir treinar comigo em Indaiatuba, né, as
primeiras pessoas que começaram a freqüentar a academia, de São Paulo, era
Peixe Crú, o Tucano Preto, que hoje é aluno Abadá, treinando hoje no grupo
Abadá, é Lingüiça, que hoje não exerce mais o lado com capoeira, acho que segue
uma religião, acho que Budismo, um negócio assim. É o Pingüim que também já
chegou ir conhecer os trabalho, vinha gente do Rio, também, nos meu trabalho, de
Petrópolis, Caxias e freqüentava o meu trabalho, assim, mas os únicos que
chegaram a fazer aula assim era Peixe Crú, Tucano, aí depois foi o Marrom, que
era aluno também do Meinha, aí começou aí no... pessoal de São Paulo, ele
começou também eu ir prá São Paulo e, nessa onda de eu trazer muitos mestres,
convidava muitos capoeiristas regional e onde o pessoal foi pegando, assim,
confiança na capoeira angola (Mestre Pé de Chumbo, Entrevista, 2003).
Em 1990 se mudou para São Carlos, local onde morou predominantemente, até
agosto de 2004. Em 1992 foi pela primeira vez à Europa, inicialmente para a Suécia
(Estocolmo) e, depois para outros países (Alemanha, Dinamarca, Finlândia, Noruega,
Inglaterra etc.) para dar aulas de capoeira angola. Nesta primeira estada, permaneceu por lá
cerca de oito meses.
Como diz Mestre Pé de Chumbo: “eu sempre fui cigano se referindo ao fato
dele não conseguir se fixar (pelo menos, de corpo presente, pois, praticamente todos os seus
discípulos espalhados pelo mundo afora têm a certeza que o seu pensamento está fixo em cada
local onde é desenvolvido um trabalho sob sua orientação/direção) em nenhum lugar.
Portanto, levando em conta a própria questão da viagem que se fez presente em
toda a trajetória de vida de Mestre Pé de Chumbo (seja pela busca do aprendizado da
capoeira, seja pela sua divulgação a partir dos treinos, rodas e eventos realizados em sua
academia) é que pretendemos ilustrar a rede que se estabelece no grupo e sua respectiva
organização. Para tanto, inicio com a descrição da academia em São Carlos, primeiro porque
foi o local onde a pesquisa começou e, segundo, por ela representar a concretização de um
“trabalho com capoeira angola levado a sério” desenvolvido nesta cidade desde 1990.
78
2. O Ceca - AJPP em São Carlos/SP: a organização do grupo
Figura 3 - Parte frontal da Academia de João Pequeno de Pastinha (AJPP – Ceca) em São Carlos na Rua 13 de
Maio, 1084 – Centro. Antes de funcionar neste endereço, ela era na Rua Rui Barbosa, n
o
. 1950. Em agosto de
2004, com a ida de Mestre Pé de Chumbo para a Europa, o qual foi morar na Suécia, este espaço também foi
desativado. As aulas, atualmente, são ministradas apenas na UFSCar (espaço no qual já era utilizado
paralelamente ao da academia de 2
a
. a 6
a
. feira, das 12h às 13h15min) pelos trenéis Daniel, Dedê, Ana Silvia e
Aluna responsável Simone. Atentar para o lado direito da porta que, sob o vitrô, há na parede a pintura de dois
jogadores de capoeira e, logo acima deles está escrito “O PULO DO GATO”, o qual é um ensinamento que fica
mantido em segredo pelo mestre, apenas ensinado quando o discípulo está preparado para tal. Mais à direita, há o
arco-íris que representa a AJPP – Ceca. (Foto: Simões, 2003)
Fragmentos de um diário de campo
No dia 18 de dezembro de 2002, às 18h45min, fui à academia de Mestre Pé de
Chumbo (Centro Esportivo de Capoeira Angola - Academia de João Pequeno de Pastinha)
pedir autorização para realizar esta pesquisa.
Mestre Pé de Chumbo já estava lá e me recebeu dedicando uma atenção
especial. Ele apresentou a academia, mostrando o seu espaço físico que era dividido de modo
específico a cada prática corporal.
79
Ao lado esquerdo do prédio, encontrava-se a sala de treinamento do Box
tailandês, com ringue (o mestre, além da capoeira angola, vinha desenvolvendo,
paralelamente, um trabalho com o Box tailandês). No meio do prédio havia a sala de
musculação (vide foto - 3 em que a porta azul, da qual se encontra uma árvore à frente, é a
entrada da academia e dá diretamente para a sala de musculação) e, do lado direito, o espaço
específico para desenvolvimento das aulas/treinos e rodas de capoeira. Segue exemplo da
distribuição espacial:
Sanitário cozinha
RINGUE
MUSCULAÇÃO
CAPOEIRA ANGOLA
Figura 4 - Representação esquemática do espaço da academia
Mestre Pé de Chumbo ao falar sobre a capoeira angola em São Carlos se
mostrou um pouco desanimado porque não estava havendo incentivo por parte da prefeitura a
seus projetos culturais. Disse que a pessoa responsável por estes assuntos o “enrolou”,
afirmando, que esta, quando passa por ele, até “abaixa a cabeça”.
Mostrou-se também desanimado com os seus alunos (a maioria é aluno da
UFSCar). Afirmou: “hoje até dei uma dura neles lá na “Federal”
78
, pedindo para que eles
78
Federal é a maneira com que chamam a UFSCar.
80
acordassem porque a gente está perdendo a capoeira para os gringos. Falta seriedade,
dedicação para a capoeira, os alunos na Federal fazem capoeira como passatempo”.
Ao falar sobre o Box tailandês disse que não se deve misturar as coisas. No
caso dele, sempre gostou de luta, mas se, por exemplo, ele fosse morar na Suécia, treinaria só
capoeira porque ganharia mais financeiramente além de ter maior reconhecimento por parte
dos alunos, o que o motivaria muito à prática da capoeira.
Em São Carlos ele trabalha demais e ganha pouco, o que o impede de treinar
mais e se dedicar mais especificamente à capoeira. No exterior, além da Suécia, Mestre Pé de
Chumbo desenvolve um trabalho de capoeira angola no México, Espanha e Portugal.
Mestre Pé de Chumbo disse que estava com “vontade de sair, no ano que vem,
de São Carlos”. Afirmou que em Campinas e em Araraquara ele teria perspectivas de um
maior incentivo para os seus projetos com capoeira.
Quando disse a ele sobre o meu interesse em desenvolver uma pesquisa a partir
de seu trabalho com capoeira, pedindo a sua autorização, Mestre Pé de Chumbo fez referência
a outros alunos dele que também fizeram e/ou faziam pesquisa sobre o seu trabalho. Antes de
autorizar, por meio de exemplos demonstrou de um lado, uma grande satisfação ao se referir a
duas pesquisas de dois alunos dele, e de outro lado, indignação pela traição de um de seus
alunos que também desenvolveu pesquisa a partir de seu trabalho, mas, que, segundo ele, o
“explorou e/ou o traiu”. Disse que eu poderia pesquisar e que ele estaria à disposição, porém,
reforçou: “espero que eu possa confiar em você”.
O Mestre Pé de Chumbo, às 19:05 foi buscar a esposa, Flávia, o filho
79
e uma
aluna sueca de 19 anos, que estava hospedada na casa dele. Enquanto isso, alguns visitantes
chegavam na academia, um deles praticava capoeira (regional).
79
No primeiro relacionamento conjugal Mestre Pé de Chumbo teve três filhas. Com a Flávia teve um filho,
(Cauã). Atualmente, estão separados.
81
Ao lado de um sofá que havia logo na entrada da sala destinada à prática da
capoeira havia um pneu de carro, do qual se extraia o arame de aço utilizado como corda no
berimbau.
Conversei um pouco com uma garota psicóloga, formada pela UFSCar, que
estava retornando recentemente para a academia. Ela disse que não conseguiu ficar afastada
da capoeira, que “sentia falta”. Enquanto nós conversávamos, ela tentava treinar o toque do
pandeiro.
Da Lua (um dos alunos da academia) explicou sobre algumas fotos de mestres
de capoeira angola expostas na parede da academia (Mestre Pastinha, Mestre João Pequeno,
Mestre João Grande, Mestre Bobó, Mestre Lua de Bobó, Mestre Renê, e outros).
Ele também deu explicação sobre os instrumentos, inclusive se referindo à
extração da “corda do berimbau” do pneu que estava ao lado do sofá.
Enquanto isso começaram a chegar os alunos que iam organizando a roda.
Estes colocaram os bancos dispostos num formato retangular, armaram e afinaram os
berimbaus e os colocaram, juntamente com o restante dos instrumentos, nas suas devidas
disposições (vide maiores detalhes no capítulo IV).
Os alunos começaram a roda. Mestre Pé de Chumbo ainda não havia
retornado. A “bateria foi montada/armada” com os alunos da academia, com exceção de
Pedro (o da regional) que estava visitando o grupo pela primeira vez e que ficou no reco-reco.
O jogo começou com a sueca e um aluno da academia.
Mestre Pé de Chumbo quando chegou, imediatamente, o aluno que estava
tocando o gunga se levantou para passar o berimbau para o mestre (veremos que na hierarquia
dos instrumentos, o mestre geralmente fica no gunga). Parou a bateria e disse para que nós (os
visitantes) nos sentíssemos à vontade, “em casa”.
82
Continuei assistindo à roda observando que sua aluna sueca ainda não sabia
entrar nas chamadas
80
e que, tanto ela, quanto o seu adversário (um aluno da academia em
São Carlos) não brecavam o pé quando necessário, “sujavam a roupa”. O jogo (que durou
mais ou menos 10 minutos) estava agressivo, rápido (fora do ritmo) e alto quando foi cantado
o corrido “Pomba vuô”, o qual teve como objetivos alertar para a vulnerabilidade de um jogo
alto e chamar a atenção para a volta à tranqüilidade que seria expressa por meio de um jogo
desenvolvido dentro do ritmo ditado pela bateria.
Pomba vuô
Pomba vuô
Pomba vuô
Gavião pego
81
O coro respondia: Pomba vuô/Pomba vuô; o puxador em seguida: Pomba
vuô/Gavião pego. Repetindo-se desta maneira os versos, intercalando-se puxador e resposta
de coro.
Mestre Pé de Chumbo parou a roda e chamou a atenção para a falta de resposta
de coro e de domínio nos instrumentos. Pediu para as pessoas “acordarem”, pois estava
faltando a boa bateria. Houve troca nos instrumentos, e eu, pesquisadora, pude fazer parte da
bateria tocando o reco-reco e assim se re-iniciou minha familiarização com o grupo, ou seja,
“continuando a conversa”, expressando-nos nos toques dos instrumentos e nas respostas de
coro.
80
A chamada expressa um ato de desafio, apesar de ser aparentemente um movimento simples em que o jogador
pode recorrer a ela, inclusive, para descansar. Mas, é na chamada que pode haver as melhores armações no jogo,
“pegadas” que sugiram defesas e saídas inteligentes. O capoeirista quando numa chamada, aponta para a sua
própria barriga, desafia o outro a entrar de cabeça na direção de seu ventre. Se quem dá a cabeçada vai
despreparado, isto é, sem isolar e/ou bloquear os movimentos das pernas pode levar, por exemplo, uma joelhada
no rosto. Quando quem faz a chamada afasta os braços é o mesmo que dizer ao oponente: “estou aberto para te
receber”, uma maneira elegante, cortês de desafiar o outro para o perigo, assim, levando em conta a questão da
‘malícia’ o angoleiro sabe que tem que tomar cuidado com o outro.
81
Corrido de domínio público.
83
Depois de aproximadamente duas horas e meia de roda, na qual jogaram todos
os membros do grupo (em torno de 15 pessoas) foi cantado, para encerrá-la:
(M) Adeus, adeus
(C) Boa viagem
(M) Eu vou me embora
(C) Boa Viagem
(M) Eu vou com Deus
(C) Boa viagem
(M) E com Nossa Senhora
(C) Boa viagem
82
Durante este corrido os jogadores brincaram por menor tempo (em torno de um
minuto), uma vez que a dupla seguinte já entrava na roda. Após o término, uns
cumprimentavam aos outros (posicionando-se frente a frente) tocando mão direita com mão
direita espalmadas, escorregando-as cada qual em direção a si mesmo e, fechando tais mãos,
voltaram a tocá-las, num movimento de “soquinho” de leve (recíproco) entre as mãos dos que
se cumprimentavam.
Houve samba de roda.
Fim da última roda do ano e, como a maioria dos integrantes do grupo era
composta por alunos da UFSCar, ao término de cada semestre letivo, estes viajavam durante
as férias, geralmente retornando às suas cidades de origem onde se encontravam seus
familiares.
O dia 18/12/02 (ou seja, o primeiro dia de um diário de campo específico para
esta pesquisa) é considerado o dia no qual se dá início ao “jogo”, ou seja, que Mestre Pé de
Chumbo autoriza e aceita estabelecer comigo esta comunicação, esta troca que é efetivada por
meio da capoeira angola. No momento de “estabelecimento de nosso pacto” percebi tanto um
sentimento de satisfação e de entrega para contribuir com esta pesquisa quanto um sentimento
82
Adeus, adeus é um corrido de domínio público. O (M) significa que é o mestre que canta o verso e, (C) representa a
resposta do coro ao verso puxado pelo mestre.
84
de receio e desconfiança, sobretudo quando fez referência às pesquisas que foram
desenvolvidas por seus próprios alunos.
Mas, depois de suas recomendações que não se restringiram a este primeiro dia
de campo, entendi, com a convivência, que sua constante exigência, rigor e compromisso
(aliás, características apontadas por Turner ao se referir ao papel dos “star-grouper”
83
),
destinavam-se não apenas à “inicialmente pesquisadora”, mas a todos em sua volta, o que, de
fato, resultava tanto a alta qualidade de seu trabalho desenvolvido com a capoeira angola,
quanto uma específica maneira de seleção de seus alunos, pois a capoeira angola, apesar dela
ser acessível a todas as pessoas (como é apregoado nesta linhagem), não são todas elas que
“querem” a capoeira. “Mestre Pastinha dizia: Capoeira não é privilégio
84
de ninguém,
capoeira é pra homem, minino e mulhé, só não aprende quem não qué”. Querer aprender
capoeira angola significa dedicação, disciplina e treino.
O primeiro exercício desta luta pela liberdade e pela justiça é o fazer porque
quer fazer, e, a exigência que Mestre Pé Chumbo destina a todos à sua volta não é na mesma
intensidade para todos e não é da mesma forma para a mesma pessoa ao longo de sua vida.
Desta forma, ele consegue fazer com que seus alunos, de maneira personalizada, descubram
suas potencialidades.
Assim, no exercício de sua autoridade ele faz com que sejam respeitadas as leis
da capoeira, dentre elas, a luta pela liberdade. Portanto, é importante especificar a
característica dessa autoridade. Nela estão presentes não apenas a ludicidade no processo de
aprendizagem, mas também as “duras broncas” que apontam, não exatamente e/ou somente
83
De acordo com as observações de Turner (1982, p. 72) o aspecto político dos dramas sociais é dominado
“pelos principais atores, os quais são pessoas por quem o grupo, que constitui a ação dramática, tem um alto
valor de prioridade”. Os “star-groupers”: “são os principais protagonistas, os líderes de facções, os defensores
de uma religião, os revolucionariamente de vanguarda” (...), são aqueles que desenvolvem a arte da retórica de
persuasão e influência, aquele que sabe como e quando aplicar a pressão e a força e são mais sensíveis aos
fatores de legitimidade” [tradução minha].
84
Mestre Pastinha (1960, p. 5b), se referindo ao Ceca como um espaço aberto a todos que quisessem
acompanhá-lo na capoeira afirmara: “a capoeira não me é privilégio, o Centro é para todos que visitar, jogar,
fazer parte.
85
erros, mas a falta de atenção no mundo à sua volta, isto é, chamando a atenção para os perigos
do mundo.
Ter malícia e jogo de cintura é estar atento para os perigos do mundo e, para
isso, é necessária uma aguçada percepção deste, para conseguir se defender no momento do
perigo, no momento do ataque.
Assim, quando Mestre Pé de Chumbo diz, por exemplo, “hoje até dei uma
dura neles lá na Federal, pedindo para que eles acordassem porque a gente está perdendo a
capoeira para os gringos. Falta seriedade, dedicação para a capoeira, os alunos na Federal
fazem capoeira como passatempo” ou, ainda, quando ele pára a roda porque “está faltando a
boa bateria” ele está cobrando a busca pela perfeição, enfim, cobrando os princípios da
capoeira, a busca pelo equilíbrio (nem a direita, nem a esquerda), a paciência, a harmonia etc.
Nesse contexto, os que procuram a capoeira apenas para se divertir, ou para
“ter sua galera” acabam desistindo e, por outro lado, os alunos que perseveram, vão cada vez
mais tendo um controle de si, desenvolvendo o equilíbrio, a malícia, enfim tendo “jogo de
cintura” e, paulatinamente, vão assumindo cada vez mais um compromisso com a capoeira.
São os alunos que perseveram, por conseguinte, que vão se tornando os
discípulos de Mestre Pé de Chumbo (e, por extensão, de Mestre João Pequeno) constituindo,
assim, a rede da organização (imediatamente abaixo a AJPP – Ceca em Salvador com o
próprio Mestre João Pequeno) do grupo que se vai solidificando ao longo dos anos, a começar
pelo Estado de São Paulo, onde, em Indaiatuba se encontra Mestre Bahia, o único discípulo
que, por enquanto, Mestre Pé de Chumbo formou. Assim, quando, por exemplo, Mestre Pé de
Chumbo está fora do país, todos os outros que desenvolvem um trabalho com capoeira no
grupo (sob sua direção), ficam sob a responsabilidade de Mestre Bahia.
Mestre Bahia vem acompanhando Mestre Pé de Chumbo desde quando faziam
“regional”. Portanto, acompanhou todo o processo de transformação de seu próprio mestre e,
86
conseqüentemente, da capoeira, fazendo parte da história mesmo antes da fundação da
Academia de João Pequeno de Pastinha em Indaiatuba/SP.
O nível mais alto na hierarquia é o de Mestre, seguido de Professor
Mestrando, Professor, Trenel e Aluno responsável. A denominação Professor Mestrando
passou a vigorar em 2005. Até então, o equivalente era Contra-Mestre, porém, como foi
constatado por Mestre João Pequeno e Mestre João Grande, que o aluno que chegava nesse
nível “virava contra o mestre”, ou seja, acabava rompendo as relações com o seu mestre e,
geralmente, se auto-intitulava mestre sem ser reconhecido por seu próprio mestre. Assim, o
contra-mestre passava a trabalhar com capoeira independentemente do mestre que lhe havia
ensinado, deixando de valorizar a sua herança e colocando por terra um dos princípios da
capoeira angola que é a questão do respeito, a começar pelo respeito ao próprio mestre. Foi
por isso que decidiram trocar a denominação relativa a este nível. A categoria “aluno
responsável” também passou a vigorar em 2005. Neste nível, o aluno não passou por
avaliação de mestres tradicionais, mas tem uma base para ministrar os treinos.
Sob a direção de Mestre João Pequeno de Pastinha, Mestre Pé de Chumbo
coordena, então, o grupo em São Paulo, em Minas Gerais e em alguns outros países. O que
significa dizer que há nestes locais discípulos seus, em diferentes níveis hierárquicos (isto é,
de diferentes níveis de conhecimento sobre capoeira) com a responsabilidade de desenvolver
um trabalho.
Outro discípulo exemplar, num nível hierárquico imediatamente abaixo ao de
mestre, é o Professor Mestrando Jurubeba, que acompanha Mestre Pé de Chumbo,
praticamente, desde o início de seu trabalho em São Carlos, ou seja, desde 1990. Tanto com o
Mestre Bahia quanto com o Professor Mestrando Jurubeba, Mestre Pé de Chumbo tem uma
grande amizade e, com o exemplo destes dois discípulos de Mestre Pé de Chumbo, procuro
apontar que nessas mudanças de níveis é levado em consideração o tempo de capoeira, o
87
conhecimento da filosofia da capoeira e, enfim, a construção de uma relação na qual cada vez
mais mestre e discípulo se conhecem com profundidade, respeito e dedicação.
Para situar a rede que é estabelecida no grupo, o nível hierárquico que se
encontra cada discípulo que desenvolve um trabalho sob coordenação de Mestre Pé de
Chumbo, a profissão e a faixa etária (de alguns integrantes), segue a lista:
No Brasil:
Indaiatuba/SP: João Eduardo da Costa - Mestre Bahia (35 anos – trabalha com
logística/metalurgia) e Professor Branca de Neve (metalurgia).
São Carlos/SP: Ana Silvia Prata – Trenel Ana Silvia (engenheira/professora universitária),
Daniel Marostegan Carneiro – Trenel Daniel (arquiteto), e Simone Nogueira - Aluna
Responsável Simone (25 anos - psicóloga).
Campinas/SP: José Damiro de Moraes - Professor Pai de Santo (professor universitário) e
Valdisinei Ribeiro Lacerda - Professor Topete (35 anos - comerciante).
Presidente Prudente/SP: Antonio Riul Júnior - Professor Mestrando Jurubeba (39 anos –
professor universitário/físico).
Bauru/SP: Aluna Responsável Rosinha – eu, pesquisadora (35 anos - professora universitária)
São Paulo – Capital: Andressa Marques Siqueira – Trenel Dedê (26 anos – bióloga)
Poços de Calda/MG: Trenel Denise (engenheira)
Uberaba/MG: Aluno responsável Perna Longa (mecânico)
No México:
Cidade do México: Trenel Omar Martin
Chiapas: Trenel Amarelo
88
Na Suécia
Malmö: Mestre Pé de Chumbo (Mestre de Capoeira Angola)
Karlstad: Aluno responsável Peter (administração de empresa)
Em Portugal:
Aveiro: Alunos responsáveis Coruja e Russo
Na Espanha:
Zaragoza: Professor Mestrando Minhoca (Professor de Capoeira)
San Sebastian: Fábio Marques – Aluno Responsável Magrão.
Um dos compromissos que tais discípulos citados acima devem assumir é a
contribuição no pagamento de plano de saúde de Mestre João Pequeno e, para tanto ficam
responsáveis: o Mestre Bahia que “cobra a turma”, Marcelinho (aluno de Mestre Bahia) é o
tesoureiro e o Professor Pai de Santo juntamente com Mestre Ciro administram o plano de
saúde. Quando ocorrem falhas no pagamento, geralmente, Mestre Bahia, o Professor
Mestrando Jurubeba e o Professor Pai de Santo são os que cobrem a quantia faltante.
De acordo com Mestre Pé de Chumbo:
O valor nos dias de hoje é dado pelo dinheiro e, com isto, não quero dizer que o
dinheiro deva falar mais alto na capoeira angola. A capoeira é uma profissão, e o
mestre um educador, um detentor de um rico conhecimento, um artista. Ele, por
essas qualidades, deveria ser valorizado. Os mestres deveriam ser pagos pelo
“governo”, para poderem ter condições de morar, comer. Para poder viver neste
mundo! Eu não quero que aconteça ao meu mestre (Mestre João Pequeno) o mesmo
que aconteceu ao Mestre Pastinha, que quando adoeceu foi internado em hospital
público e morreu abandonado em abrigo público. É por isso que eu, com a ajuda
de alguns do grupo como Mestre Bahia, o Professor Mestrando Jurubeba e de
outros, pagamos o plano de saúde de Mestre João Pequeno, além de
constantemente entrar em contato com ele para ver se está precisando de alguma
coisa, como a compra do mês. A casa de Mestre João Pequeno é casa própria,
também ajudei a construir. A gente não espera nada do governo, é o próprio
discípulo quem valoriza o mestre. E talvez esse reconhecimento, esse carinho que
ele tem de seus discípulos faz com que ele viva todos estes anos. E eu quero que ele
viva muito ainda, assim, com saúde” (Mestre Pé de Chumbo, diário de campo,
2003).
89
Buscando a “valorização do mestre”, Mestre Pé de Chumbo, enquanto um dos
“guardiões” desta “tradição” demonstra preocupação com os pesquisadores que, segundo ele,
podem não alcançar a devida compreensão da capoeira, o que acarretaria a transmissão de
informações erradas, além de existir sempre o risco destes “explorarem” os mestres, não
apenas no bom sentido.
Segundo ele, alguns pesquisadores não têm a mínima sensibilidade pelas
dificuldades econômicas que muitos destes mestres (sobretudo os velhos mestres da Bahia)
passaram ou vêm passando, chegando ao absurdo de ou freqüentar, ou até mesmo se
estabelecer na casa dos mestres, comendo, bebendo, alterando o cotidiano deles, tirando a
liberdade de suas famílias e tudo isso em ocasiões em que não se tem nem o que comer. Para
dar exemplo desta “exploração” ele afirma:
Os velhos mestres são pessoas humildes, eles não têm apego à bem material, e
quando você vai na casa deles, eles querem te receber bem, seja quem for,
inclusive o “doutor” da universidade. O contrário muito dificilmente acontece,
quando um doutor – e o pior, que se diz ainda discípulo do mestre, tem um salário,
sei lá, de 3 mil por mês e organiza um evento que ele vai ganhar mais, e em cima
do mestre, e oferece 100 reais para o mestre dá um workshop, viajando e tudo o
mais, considerando a idade que ele tá, 87 anos. Isso pra mim não é valorizar o
mestre (Mestre Pé de Chumbo, diário de campo, 2005).
Mestre Pé de Chumbo preza pela “valorização do mestre” e, na atual
sociedade, segundo ele, certificados, títulos dados pelas universidades, ou pelos órgãos do
Estado são bem-vindos, porém, não são suficientes, “não enchem a barriga de ninguém”. Diz
ele: “O governo não valoriza os mestres. É só ver o que aconteceu com Mestre Pastinha,
morreu na miséria”.
Mestre Pé de Chumbo diz que “pagar um plano de saúde para Mestre João
Pequeno é o mínimo que se pode fazer”, pois o pagamento do plano de saúde seria um
“tratamento adequado” para assegurar uma velhice saudável e com um atendimento médico
digno para um mestre. Assim, se o próprio aluno valoriza o que ele aprende e entende a
90
importância de se retribuir financeiramente ao mestre, proporciona-lhe, então, uma vida
digna, evitando o final trágico que tiveram muitos grandes mestres, qual seja, velhice na
miséria.
Mestre Pé de Chumbo expressou também seu descontentamento como
governo” quando disse que em São Carlos ele não tinha apoio da Secretaria de Cultura nos
seus projetos culturais. Em outras ocasiões, demonstrou descontentamento com a falta de
apoio da própria UFSCar quando esta não liberava o uso do “ginasinho” para os treinos. A
partir destes relatos é possível observar que tais dificuldades ilustram não só o drama dos
velhos mestres, mas também o drama da nova geração de mestres que lutam arduamente para
conseguirem viver de capoeira, ou seja, como um profissional de capoeira.
Mestre Pé de Chumbo ao demonstrar sua preocupação com o futuro dos
mestres, chama a atenção, também, para um aspecto do drama atrelado à própria universidade,
que não se restringe ao problema com o uso do espaço, e sim se estende ao “problema” de
desenvolvimento de pesquisas, ou seja, à “exploração” dos mestres por parte dos
pesquisadores.
Mestre Ciro (mestre da mesma geração de Mestre Pé de Chumbo e também
discípulo de Mestre João Pequeno) reforça a existência desta problemática acrescentando
ainda o fato de estabelecimento e fortalecimento de uma relação desigual entre pesquisador e
pesquisado. Segundo ele:
Os professores das universidades, os pesquisadoresm com essa de que estão
contribuindo com a sociedade, pá pá pá, só se for contribuindo com a sociedade
deles, porque enquanto ele ganha o salário, a bolsa, a promoção, sei lá o quê,
pesquisando a capoeira, ou outras manifestações da nossa cultura, o que é que os
mestres ganham? Nada! E o pior: perdem, porque falam olhando de lá e não do
gueto. Daí eles não alcançam o entendimento do que seja a capoeira angola, eles
não entendem a nossa cultura. A universidade é uma farsa, eu nunca quis estar
nela. Ela é um instrumento eficaz desse sistema opressor. A minha universidade é a
capoeira angola e o Doutor é o Mestre João Pequeno
.
91
As críticas destinadas aos pesquisadores e aos professores de universidade são
entendidas, num primeiro momento, como observações pontuais destinadas a, não apenas
fortalecer o compromisso selado entre a pesquisadora e o grupo, mas também, a estabelecer
os limites desta relação. No entanto, para além disto, elas demonstram alguns problemas
oriundos da educação formal. Uma das alunas
85
(que cursava o último ano de Biologia) da
UFSCar e integrante da AJPP – Ceca, afirmou que o próprio aluno, no ensino formal, não
aprende, nem a valorizar “as culturas tradicionais do Brasil”, nem a valorizar seus
professores. No caso dela (que começou a praticar a capoeira angola no final de 2000), a
capoeira angola lhe “abriu o olho”, ensinou-lhe várias coisas, mas, a principal delas foi a
respeitar o mestre:
A capoeira angola me ajudou muito a ver, assim, esse lance do mestre, assim, que
eu acho que na escola a gente perdeu muito, essa coisa do respeito com a pessoa
que tá te ensinando e, com o Pé de Chumbo eu aprendi a rever isso, né. A você ter
paciência com o mestre, porque nem sempre o mestre ele é totalmente certo, né.
Toda a pessoa erra! Mas na escola você costuma, quando seu professor erra, a
primeira coisa que você faz é apontar o erro, a tirá sarro. E aqui eu aprendi a
respeitar mais a pessoa que tá te ensinando (...) Isso mudou na minha vida. Esse
lance do respeito com as pessoas que estão te ensinando alguma coisa.
(Depoimento da Sara)
Além da questão do respeito, Sara considera que a capoeira angola é uma
vivência que permite conhecer outras realidades e conviver com uma grande “diversidade de
tipos de pessoas, pessoas de classe social diferente, de personalidades diferentes”. Ela só foi
conhecer a “periferia” estando no grupo (AJJP – Ceca), o que fez mudar sua visão
“preconceituosa” que ela tinha a respeito das pessoas que moravam em favela, por exemplo.
85
Sara tinha a pretensão de praticar uma atividade física, chegou a jogar basquete na Federal, mas não era uma
prática regular. Ela foi fazer uma aula de capoeira regional na USP de São Carlos, depois comentou com seu
namorado, o Nicola, que perguntou a ela porque que ela não fazia com o Mestre Pé de Chumbo na própria
Federal. Ela assistiu, então, a uma roda apresentada na hora do almoço em frente ao R. U. (restaurante
universitário). Na verdade, quando a viu pela primeira vez, achou-a “estranha”, “feia” e “esquisita”, mas foi ao
treino para experimentar e gostou muito do jeito que o Mestre Pé de Chumbo ensinava, daí permaneceu na
capoeira angola.
92
Levando em conta o depoimento da Sara que aponta para a questão do
preconceito que ela tinha devido à falta de conhecimento e de convivência com outros “tipos”
de pessoas e de realidades é possível relacioná-lo ao problema levantado por Mestre Ciro.
Talvez a experiência frustrante com tais pesquisadores se devesse ao fato de um despreparo
na formação, ou seja, na educação destes.
Daí, dentre as atividades necessárias para a existência do grupo estão algumas
contribuições específicas de alguns membros do grupo. A questão da pesquisa, por exemplo,
fica por conta do Professor Pai de Santo (Campinas), que foi apontado tanto como o
pesquisador quanto o palestrante do grupo (geralmente é ele quem vai como palestrante em
eventos organizados por outros órgãos, principalmente, a Prefeitura de Campinas, e fica
“antenado” não só nas pesquisas produzidas sobre capoeira, mas nos acontecimentos de um
modo geral sobre capoeira). O Fredy (Campinas) encaminha por e-mail as notícias da “Roda
do Gueto” e das atividades programadas do grupo em Campinas. O Daniel (São Carlos) é
responsável pela confecção dos uniformes. A Dedê, por e-mail (e o próprio mestre, que nunca
perde o contato com o grupo ao enviar e-mails, quase que semanalmente, para nos colocar a
par da capoeira e, consecutivamente, de seus passos “lá fora”), combinou os encontros e re-
encontros do grupo todo com o Mestre Pé de Chumbo quando do retorno deste ao Brasil.
Simone (São Carlos), geralmente, fica responsável por registrar os momentos fotografando e,
o Daniel (São Carlos), pelas filmagens. O Tubarão (Bauru) já auxiliou na atualização do site.
A gravação do primeiro CD de Mestre Pé de Chumbo (lançado em 2003) foi providenciada
pelo Professor Pai de Santo. Com o Professor Topete, por ele trabalhar com a venda de artigos
de capoeira, conseguimos preciosos materiais de capoeira, tais como, cds dos velhos mestres,
instrumentos musicais e livros.
93
Outro aspecto da organização do grupo é possível observar no fragmento do
diário de campo relativo à breve descrição do próprio espaço da academia, sua decoração
86
, a
começar pelo logotipo “o arco-íris” desenhado na parede externa da academia (vide foto 3 no
início deste sub-capítulo) identificando a “Escola” (categoria utilizada como sinônimo de
tradição) de Mestre João Pequeno, os quadros nas paredes reforçando a história da capoeira
e/ou linhagens a partir de hierarquias de fotos da velha guarda da capoeira e de alguns
respeitados mestres da nova geração.
No arco-íris, por exemplo, a cor azul representa o céu; a vermelha, o sangue; a
amarela o ouro e a verde a mata. De acordo com Mestre Pé de Chumbo, ele como um mestre
da nova geração da Academia de João Pequeno de Pastinha, representa a cor azul do arco íris,
por isso a adota na decoração de sua academia e, consecutivamente, na calça de seu uniforme.
Já Mestre Ciro, por sua vez, seria representado pelo verde, que no uniforme de seu grupo é
marcado pela calça verde. Assim, no grupo coordenado pelo Mestre Pé de Chumbo os
berimbaus são pintados nas cores azul e branca (esta última, simbolizando a paz). Vale
salientar que as camisetas dos uniformes são brancas e com o logotipo da academia, ou seja,
não há variação de grupo para grupo que estão sob direção de Mestre João Pequeno.
86
Faz-se necessário destacar que a decoração do espaço e dos próprios corpos (considerando a questão do
uniforme e a dos próprios dreads as quais serão consideradas um pouco mais adiante) é um dos elementos
performáticos (além do próprio uso das diversas linguagens, da manipulação das emoções, das regras de
procedimento coletivo.) que Macalli (2005), pautada em Turner e Schechner, aponta como “manifestações
públicas” que “contribuem para a construção de idéias do social, e ao mesmo tempo refletem e influenciam o
curso dos eventos”.
94
Figura 5 - Parte interna da Academia de João Pequeno de Pastinha (AJPP – Ceca) em São Carlos na Rua 13 de
Maio, 1084 – Centro. Atentar para os quadros ao fundo, o primeiro mais acima do canto esquerdo é o diploma
recebido por Mestre Pé de Chumbo que comprova sua formação por Mestre João Pequeno; imediatamente
abaixo é uma foto de Mestre Pastinha com os integrantes do Ceca no Largo do Pelourinho. Logo ao lado do
diploma está a foto de Mestre Pastinha que tem à sua direita, Mestre João Pequeno e, abaixo Mestre João
Grande. Já no canto superior direito está a foto de Mestre Pé de Chumbo. Os desenhos na parede são uma
releitura de Mestre Pé de Chumbo da releitura do artista plástico Carybé, o qual esboçou Mestre João Pequeno
com sua característica boina. Mais à direita no canto superior desta foto há o espaço destinado para pendurar os
berimbaus desarmados (Simões, 2003).
3. De “minino quem foi teu mestre?” para “você treina com quem?”: um dia de treino
na “Federal”
Minino quem foi teu mestre
Minino quem foi teu mestre
Que te deu esta lição
O meu mestre foi Besouro
Aprendeu com Salomão
Sou discípulo que aprendo
Sou mestre que dou lição
Camaradinha...
87
87
Ladainha de domínio público que remete à questão do respeito ao mestre (aquele quem “dá a lição”) quando
faz referência à relação discípulo-mestre (a qual torna possível o constante aprendizado da capoeira) a partir dos
dois exemplos de grandes capoeiristas “Besouro que aprendeu com Salomão”.
95
Os treinos do Centro Esportivo de Capoeira Angola – Academia de João
Pequeno de Pastinha sediada em São Carlos sob responsabilidade de Mestre Pé de Chumbo
eram ministrados todos os dias da semana, das 12h as 13h15, no “ginasinho” da Universidade
Federal de São Carlos e, quando este espaço não estava disponível, os treinos ocorriam no
pátio dos prédios das Humanas.
Havia alunos que treinavam na Federal (onde a mensalidade era mais barata) e
alunos que treinavam na academia no horário da noite (onde a mensalidade era mais cara por
conta da manutenção do aluguel do prédio em que funcionava a academia). Apenas um aluno
treinava pela manhã (das 7:30 às 9:00) na academia.
Geralmente, no período entre março de 2004 a julho deste mesmo ano, no qual
freqüentei os treinos mais intensivamente, participavam deles, Dedê, Simone, Miro, Mau,
Onásis, Sara, Nicola e mais duas meninas, isto quando não estava presente alguém que vinha
visitar o Mestre Pé de Chumbo vindo de outras cidades, outros estados ou até mesmo outros
países, como foi o caso da sueca, Linnéa, aluna sua proveniente do grupo estabelecido em
Karlstad, cidade onde, na ausência de Mestre Pé de Chumbo, fica “puxando os treinos” o
“aluno responsável” Peter.
A seguir recorro a outros fragmentos de diário de campo no qual descrevo um
dia de treino na tentativa de discutir sobre esta forma específica de ensinamento que aponta
alguns valores implícitos nos movimentos.
18/03/04 (reinício de semestre na UFSCar)
(presentes neste dia: Mestre Pé de Chumbo, Simone, Dedê, Sara, Miro, Onásis e uma nova
aluna, Ana)
96
Cheguei às 12h no estacionamento ao lado do “ginasinho” da UFSCar.
Enquanto caminhava em direção ao “ginasinho”, mantive meus olhos atentos à turma que
estava sentada numa calçada que fica num plano mais elevado em relação ao estacionamento,
tentando identificar os integrantes do grupo de capoeira da AJPP - CECA. Fiquei olhando e
tentando reconhecer o próprio Mestre Pé de Chumbo
88
, que neste dia, pela primeira vez eu o
vi de cabelo curto, isto é, sem os dreadlocks ou, como costumam dizer dreads - longos
cabelos crespos enrolados usados pelos seguidores da filosofia rastafári, da qual Bob Marley é
um dos principais símbolos veiculado, sobretudo, por meio da música: reggae. Bob Marley
numa entrevista concedida a Greg Brousser em 1977 (Cardoso, 1991), no que diz respeito ao
que significa ser um rasta, afirmou:
Quando a gente percebe que é um rasta, vai até o fim! Não se trata de nada sobre
ser negro! Chamar a si próprio de rasta! Um novo nome. Rastafári significa
Cabeça Criadora. Isso significa que você enxerga Deus Todo Poderoso. Só Jah o
vê com um novo nome. Nós somos terríveis e temíveis entre os pagãos. Ele não
podia vir com nome negro! Ele teria de vir com o nome de Rasta, um velho nome
para negro. Negro é o nome que eles usam para bloquear seu eu. Bloqueia a si
mesmo. Mesmo assim eu tomo a palavra negro e luto por ela, e a levo adiante e
passo com ela; mas sabemos que os negros não são um povo unido. É preciso ser
rasta, porque agora todos são negros, mas a unidade dos negros está espalhada, e
eles querem viver com independência. “Negro” tem um significado muito
diferente... mas quando se ouve rasta, só se recebe um tipo de vibração
(Cardoso,
1991, pp. 75-76).
De acordo com Bahiana (in Cardoso, 1991, p. 11) “As ligações entre o reggae
e o movimento (religioso, filosófico, político) rastafári são profundas, amplas e complexas.
Ambos representam um dos mais notáveis esforços humanos de reconstrução – a
reconstrução da dignidade, do destino e da cultura de um povo”.
Situada a relação entre a filosofia rastáfari e a o uso dos dreads, cabe salientar
que, considerando o “visual”, a aparência, no estilo adotado pela nova geração de mestres de
88
No ano de 2003, Mestre Pé de Chumbo viajou bastante e, neste ínterim, a esposa na época, Flávia e seu pequeno
filho, Cauã, haviam se mudado para o Espírito Santo. Quando ele retornou de uma de suas viagens à Europa, pensou
em se mudar para perto da família, chegando a morar com ela em torno de cinco meses, porém, eles se separaram e o
mestre retornou para São Carlos e com novo “visual”, ou seja, sem os longos dreads.
97
capoeira angola, os dreads são características marcantes neles, como podemos observar no
Mestre Eletricista (Ceca – AJPP na Itália), no Mestre Cláudio (Angoleiros do Sertão – Feira
de Santana/BA e Bauru/SP), no Mestre Cobrinha Mansa (Ex-integrante do GCAP – Grupo de
Capoeira Angola Pelourinho – e atual membro (e fundador) da FICA
89
– Federação
Internacional de Capoeira Angola com sede em Washington – E. U. A.), no Mestre Rosalvo
(na Alemanha), Jogo-de-Dentro (Campinas – SP), Lua Rasta (Salvador - Bahia), Mestre Ciro
e Mestre Faísca (ambos também formados pela Academia de João Pequeno de Pastinha -
Centro Esportivo de Capoeira Angola em Salvador - Bahia); no Topete (Trenel
90
- passado a
Professor em julho de 2005 - do Mestre Pé de Chumbo em Campinas - SP), Mestre Zequinha
(Piracicaba - SP) etc.
É importante lembrar que na última entrevista/encontro com o Mestre Pé de
Chumbo (que aconteceu em 29 de outubro de 2003), ele havia dito que eu iria presenciar sua
transformação (de sua “pessoa” e na própria capoeira), porque ele iria, daquele momento em
diante, pregar a palavra do Senhor para os seus discípulos. Desta maneira, sua transformação
teria começado pelo “visual”, pela aparência.
Bem, foi somente com a total aproximação ao grupo que consegui identificá-
lo, enquanto eu estava caminhando em sua direção, ele falou: “ah Rosinha, eu ia te passar um
e-mail avisando que estaria em São Carlos”.
Com o ouvir de sua voz houve uma certa primeira identificação, mas
realmente, eu não havia o reconhecido de fato, porque visualmente falando, a mudança foi
total. Primeiro, que ele não estava vestido com a roupa comumente utilizada para ministrar o
treino, ele estava de bermuda longa, tênis e camiseta, tamm estava usando óculos.
89
A FICA foi fundada por Mestre Cobrinha Mansa em 1995. Atualmente, ela tem núcleos no Brasil nas respectivas
cidades: Salvador – BA, Belo Horizonte – MG, Rio de Janeiro - RJ, Goiânia – GO e, nos E. U. A, em Washington,
Seattle, Atlante e Austin.
90
Como já foi apontado anteriormente, na capoeira angola, depois de uma certa experiência e conhecimento dela, o
aluno é formado à Trenel (puxa treinos), depois passa a Professor, Professor Mestrando (antes, este nível na hierarquia
era denominado contra-mestre) e por fim Mestre. Quanto mais conhecimento sobre a capoeira angola, maior é a
responsabilidade da pessoa que passa por estes “estágios” da capoeira.
98
Eu exclamei: “Nossa! Não estava te reconhecendo.”
Como eu havia estranhado a não utilização da roupa para o treino, desconfiada
e pensando no que ele havia me dito sobre a sua transformação que eu iria presenciar, logo
perguntei: não vai dar aula hoje não? Ele respondeu: “vou”.
Eu perguntei: você ainda vai se trocar? E dá tempo de eu (eu Rosa) ir me
trocar? Então, ele disse:
vai nessa, vá se trocar então. Eu vou puxar o treino assim mesmo, que eu vim
direto pra cá e não deu tempo de trazer a roupa para eu me trocar. Eu tava
resolvendo a papelada do visto para eu ir para a Europa, vou ficar por aqui [São
Carlos] por mais esses dois meses, depois vou morar lá durante um ano mais ou
menos”.
No que diz respeito à minha preocupação com a indumentária é porque faz
parte do ritual se vestir adequadamente para treinar, o que implica em utilizar o uniforme da
academia: camiseta branca de manga curta, a qual é estampada no centro com o símbolo do
arco-íris (no qual está escrito Academia de João Pequeno de Pastinha).
Na foto a seguir há alguns alunos uniformizados. E, para visualizar com
maiores detalhes o logotipo da academia vide os anexos que constam no final deste trabalho.
99
Figura 6 - Alguns integrantes do grupo estão uniformizados vestindo “o arco-íris” (outros estão com a camiseta
do IV Encontro Internacional de Capoeira Angola do Ceca – AJPP realizado em julho de 2005). Foto tirada após
roda realizada na Associação Brasileira de Capoeira Angola em Salvador – Bahia como parte da programação do
evento. Em pé, mais atrás e da esquerda para a direita, estão Mestre Pé de Chumbo, Mestre Deraldo, Mestre
Bahia, Professor Mestrando Minhoca, Dani, Japa, Professor Topete. À frente, um pouco agachados, da esquerda
para a direita, Trenel Dedê, Professor Mestrando Jurubeba, eu e a Trenel Ana Silvia. (2005)
Sob a base do logotipo há um gramado verde onde está escrito Centro
Esportivo de Capoeira Angola, e mais ou menos entre o arco-íris e a base (que representa o
chão, a terra) há uma árvore e dois capoeiristas jogando ao centro. Ao olhar me posicionando
de frente para o logotipo, vejo que o jogador do lado esquerdo ataca num movimento
executado no plano alto – a meia-lua-de-frente e, o jogador do lado direito se defende
parecendo descer numa negativa. Mais à direita está um capoeirista tocando berimbau, e, mais
à esquerda, há um outro capoeirista tocando atabaque e outro tocando pandeiro.
A calça do uniforme é azul e usada com cinto branco. Deve-se colocar a
camiseta presa por dentro da calça para que não atrapalhe a visibilidade durante a
movimentação (se a camiseta está solta quando se vira de “ponta cabeça/cabeça para baixo”
ela cai na direção do rosto) e porque também é considerado falta de respeito jogar com a
100
barriga aparecendo, ou, principalmente no caso de mulher, não deve aparecer seu colo.
Alguns usam faixas ou colocam touca para prender os cabelos e/ou proteger a cabeça, uma
vez que alguns movimentos são realizados com o apoio da cabeça no chão. Os “angoleiros”,
ao contrário dos praticantes de capoeira regional e de capoeira contemporânea, jogam
calçados e, usam tênis geralmente.
Após o treino, vamos para o vestiário trocar de roupa, pois o “aluno” não deve
vestir, “andar com o uniforme” em ocasiões outras que não esteja, relacionadas com o treino e
a roda, isto é, seu uso é exclusivo para a capoeira angola. Se o “aluno” usa o uniforme para
outras ocasiões, é o mesmo que “avisar” ao desconhecido que quem está usando é
possivelmente um capoeirista (o que poderia ser um estimulador para confusões, uma vez que
no senso comum, o capoeirista é um desordeiro, é estigmatizado, o que pode induzir desafios
para brigas e/ou situações complicadas não bem vindas para a reputação do grupo).
Para melhor se proteger, o “angoleiro” não vai sair por aí vestido com camiseta
de capoeira anunciando, principalmente a uma pessoa desconhecida, quem ele realmente é, ou
seja, possivelmente uma pessoa perigosa e, Mestre Pé de Chumbo, em relação a isto chama a
atenção que “ser perigoso” é diferente de “ser violento”, pois, o “angoleiro” não é violento.
Para revidar no momento certo o capoeirista tem que ser calmo, calculista, ter
técnica, disciplina, respeito, malícia, “fazer que vai, mas não ir” para “ir no momento certo
e/ou atacar no momento certo”, “ter jogo de cintura”.
Neste dia de treino não entramos no “ginasinho”. Fizemos a aula no corredor
que fica à frente de sua entrada porque o mesmo tinha sido proibido para uso de outras
atividades que não estivessem relacionadas formalmente ao curso de Educação Física da
UFSCar. O corredor estava bastante empoeirado, além de ter o piso bastante áspero, o que
tornava a aula desconfortável (pelo menos para mim), uma vez que na capoeira angola há
muitos movimentos em que as mãos se apóiam no chão.
101
No início do treino foi feita uma preparação do corpo, o que consistia em
aquecimento com alongamentos.
Os alunos se dispuseram em pé, em duas colunas, um atrás do outro a uma
distância de um metro mais ou menos.
O mestre à frente e de frente para o grupo que o observa, comandou a
movimentação. Primeiro, nós fizemos, lentamente, flexão da cabeça/pescoço para as laterais
direita e esquerda (umas dez repetições, observando que cada unidade consta do movimento
para os dois lados – direita e esquerda).
Em seguida, circundução da cabeça no sentido horário (como se desenhasse
um círculo imaginário sobre a cabeça) e, ao completar umas cinco voltas, mudou-se o sentido
da circundução, realizando assim, as cinco voltas para a direita/sentido anti-horário.
Elevamos o braço direito de modo que o antebraço ficou tocando a porção
posterior da cabeça ao repousar a respectiva mão direita espalmada sobre a escápula,
enquanto a mão esquerda, pegando no cotovelo direito, puxou-o para a esquerda com o
objetivo de alongar o tríceps (grupo muscular localizado na parte posterior do braço). Fizemos
o mesmo com o outro braço.
Feito isto, com o braço direito estendido sobre o peito, a mão esquerda
repousou sobre a região do cotovelo direito, puxando o braço direito de modo que o
pressionou contra o peito para melhor alongar todo o deltóide (grupo muscular responsável
pelo arredondamento do ombro), explorando melhor a sua porção posterior. Fizemos o
mesmo com o outro lado.
Para alongar os flexores da mão e dos dedos, estendemos o braço direito à
frente na altura do ombro com a palma da mão voltada também para frente e os dedos
apontando para baixo, a mão esquerda, sobre a mão direita, puxou-a em direção ao seu
próprio corpo. Idem com o outro lado.
102
Para alongar os extensores da mão e dos dedos, também estendemos o braço
direito à frente, na altura do ombro, porém, com o dorso da mão apontando para frente e os
dedos apontando para baixo. A mão esquerda repousou sobre a direita e a puxou em direção
ao seu próprio tronco.
O mestre falou: “Vamos trabalhar esta coluna, para deixá-la flexível!”
Em pé, afastamos as pernas a mais ou menos um metro uma da outra e, com os
braços elevados, flexionamos o tronco para a lateral direita, permanecendo nesta posição por
uns 20 segundos; flexionamos para o outro lado, permanecendo também por uns 20 segundos.
E, sempre realizando a movimentação olhando para frente. A partir desta posição realizamos
em torno de cinco circunduções no sentido anti-horário. Na última circundução, paramos com
o tronco flexionado para a lateral direita, para daí, realizarmos as circunduções do tronco em
sentido horário.
Agachamos na cocorinha flexionando as pernas, com os pés apoiados no chão
mais nas pontas dos dedos, ao mesmo tempo em que elevamos os braços ao lado e na altura
da cabeça como se protegendo suas laterais de algum golpe; o peso do tronco ficou mais para
frente, de modo que não desequilibramos caindo o corpo para trás.
Afastando mais os braços para ajudar no equilíbrio, estendemos a perna direita
à frente, apoiando o calcanhar da respectiva perna no chão, alongando desta forma a
panturrilha (grupo muscular localizado na parte posterior da perna, também conhecido como
“batata da perna”). Trocamos a perna a ser estendida à frente. Permanecemos nestas posições
durante uns 20 segundos. Trocamos novamente de perna, porém, a partir desta posição,
elevamos a perna direita, estendida a uma altura aproximadamente de um palmo do chão.
Assim, a nossa postura final realiza um equilíbrio estático, no qual, ficamos apoiados sobre a
ponta de um pé só, e agachados com uma das pernas estendida à frente, permanecendo nela
por uns 20 segundos também.
103
Depois levantamos e fizemos o movimento de ginga. Nele (considerando
como “posição fundamental” as pernas levemente afastadas paralelamente), enquanto
levamos o pé direito a se posicionar ântero-posteriormente em relação ao pé esquerdo que
permaneceu apoiado, o braço direito foi à frente flexionando de maneira que protegia a lateral
esquerda do tronco com o braço, e, o antebraço, com a mão relaxada, acabava tocando do lado
esquerdo na altura do peito. O braço esquerdo foi estendido para a lateral esquerda, na altura
do ombro ou um pouquinho acima.
Durante o trajeto de retorno do pé à posição fundamental, o braço direito
realizou uma circundução (no sentido anti-horário) passando pela frente do tronco,
estendendo-se de dentro para fora, e assim, foi-se fazendo este movimento para ambos os
lados (observar que a circundução do braço esquerdo é no sentido horário), sucessivamente.
O próximo movimento de capoeira trabalhado foi o rabo-de-arraia. Para
executá-lo para a direita, considerando que o aluno estava em pé com as pernas afastadas e
um pouco flexionadas, a uma distância entre elas de pouco mais que a medida da largura dos
ombros do executante, avançou-se com o pé esquerdo cruzando à frente do direito
descrevendo uma linha (imaginária) na diagonal, ficando assim, a metade inferior do corpo
um pouco na lateral e a metade superior de frente (a coluna gira um pouco para a esquerda).
Em seguida, flexionou-se o tronco lateralmente para a direita, de modo que
apoiasse a mão direita no espaço entre as pernas. Observar que a mão esquerda deve ser
apoiada no chão, ao lado do pé esquerdo e, a cabeça e rosto, devem estar protegidos entre o
braço esquerdo e a respectiva lateral do tronco que por sua vez estará protegido pela perna,
pois no movimento de rabo-de-arraia, ao passar por esta posição, em que o pé direito foi à
frente, e o tronco foi para a direita (olhando agora de cabeça para baixo), a perna esquerda
fica semiflexionada, encostando desta maneira, na lateral esquerda do abdômen. Daí, ao tirar
o pé direito do chão, a respectiva perna estendida aplica o golpe realizando um meio giro
104
sobre o pé esquerdo até chegar na posição inicial em pé, ou seja, uma outra base (pernas
semiflexionadas e afastadas lateralmente).
A partir daí, ao gingar para a direita e retornar com o pé esquerdo para a
esquerda (a base), avançou-se com o pé direito cruzando a frente do esquerdo para entrar no
rabo-de-arraia para o outro lado.
Foram feitas umas 15 repetições, as quais são importantes para que o aluno
possa descobrir detalhes de seu corpo em movimento (além de adquirir resistência),
procurando estar atento aos pontos vulneráveis do corpo, pontos que ficam desprotegidos e,
pensar sempre em como, a partir desta consciência de cada ponto (que ora pode estar aberto,
ora fechado) se “proteger dos perigos”.
Houve treino de “entrada na cabeçada” em quem aplicava o rabo-de-arraia.
Para tanto, os alunos formaram duplas e se espalharam pelo corredor (desfazendo as duas
colunas nas quais os alunos estavam anteriormente dispostos). Colocando-se um de frente
para o outro, a uma distância em torno de 50 centímetros, gingavam espelhado (ex.: se eu
estou indo para a direita, o aluno à minha frente vai para a sua esquerda).
Considerando que o aluno “A” gingou para a esquerda, ao retornar com o pé
direito para a sua lateral direita e dar o paço com a esquerda para aplicar o rabo-de-arraia, o
aluno “B” vai agachando, ao mesmo tempo em que avança na direção de “A” colocando o pé
esquerdo ao lado do pé de apoio do “A” para entrar com a cabeçada no abdômen do “A” (o
qual fica exposto enquanto sua perna está aplicando o golpe). Vale observar que a mão
esquerda de “B” não toca no “A”, o que poderá vir a encostar, na parte interna da perna de
“A” (na altura da tíbia – mais conhecida como “canela”) é a porção distal do antebraço de
“B”.
Já o braço direito de “B”, por sua vez, foi mais acima da cabeça para protegê-la
de uma eventual joelhada que poderia vir da pernada do rabo-de-arraia de “A”. Na cabeçada,
105
é a parte de cima da cabeça que encosta, sem impacto, no abdômen do oponente, ou seja,
encosta empurrando para conseguir desequilibrá-lo, porém, isto só é possível no “momento
certo” do giro do rabo-de-arraia, o qual eu não consigo descrever porque é um momento de
frações de segundo. Logo que se aplica a cabeçada, deve-se “sair de dentro” do oponente,
dando fluência ao movimento, recolhendo o pé para a base e gingando para o outro lado.
Assim, o aluno “A” deveria aplicar o rabo-de-arraia para os dois lados
enquanto “B”, cabeceava-o, conseqüentemente, para os dois lados. Depois, trocava. Ficaram
em torno de 10 minutos no treino do rabo-de-arraia e entrada de cabeçada.
Para terminar a aula, fizemos o “rolê de banco”. Nesta movimentação a dupla
se posicionou em pé, um de frente para o outro (a uma distância de mais ou menos um metro),
ambos flexionaram o tronco à frente (nesta movimentação, também, um era o espelho do
outro) mantendo o contato do olhar, apoiando as duas mãos no chão.
Em seguida, por exemplo, para que eu pudesse me deslocar para a minha
direita (meu parceiro teve que se deslocar para a esquerda dele), para tanto tirei a mão e o pé
esquerdo do chão, realizando assim, meio giro com a coluna chegando na posição de ponte
(ambas as mãos e os pés apoiados no chão que, com a coluna, descreveram um arco).
Olhamo-nos, então, de cabeça para baixo e, a barriga ficou apontando para o
teto, para cima enquanto que os pés e as mãos ficaram apoiados no chão.
A partir desta posição, eu tirei a minha mão direita do chão e, ao flexionar um
pouco o quadril mais do lado direito, tirei o apoio do pé direito que estava no chão, fazendo-
me retornar para os quatro apoios, porém, com o abdômen apontando para o chão, ou seja,
voltamos a nos olhar “de cabeça para cima”. A dupla vai fazendo este “role de banco” como
se fosse um espelho do outro até chegar na outra extremidade do corredor.
Observar que nesta movimentação, somente para dar início é que a dupla, em
uma das extremidades do corredor, encontra-se em pé (em dois apoios), depois, até chegar à
106
outra extremidade do corredor, a dupla busca sempre os quatro apoios (ou seja, as duas mãos
e os dois pés apoiados no chão, seja olhando de cabeça para cima ou para baixo).
Após o término do treino, o aluno/capoeira cumprimentava o outro tocando
mão direita com mão direita espalmadas, escorregando-as cada qual em direção a si mesmo e,
fechando as mãos, voltavam a tocá-las, num movimento de “soquinho” de leve (recíproco)
entre as mãos dos que se cumprimentavam. Todos vão se cumprimentando desta maneira para
se despedirem (e, quando chegam e/ou se encontram em outras ocasiões, tamm se
cumprimentam desta maneira).
Como é possível observar na descrição de um dia de treino, a capoeira angola
requer a movimentação de todo o corpo, explorando igualmente os lados direito e esquerdo,
os planos baixo, médio e alto, frente e trás.
O olhar atento também é treinado, inclusive explorando a visão periférica que
permite ao capoeirista um elevado grau de acerto na defesa e, considerando tal movimentação
total do corpo, o olhar, conseqüentemente, pode partir de cima, de baixo e, enfim, podendo ser
ele a partir dos diferentes planos, seja de “cabeça para cima”, “de lado” ou de “cabeça para
baixo”, daí o título desta tese reforçar a questão da dinâmica de inversão e re-inversão do
olhar, que não congela o ponto de vista num extremo ou outro e, sim, transita, flui,
constantemente, de diferentes pontos a outros.
Mestre Curió (da ECAIG - Escola de Capoeira Angola Irmãos Gêmeos do
Mestre Curió/Salvador - BA), numa participação no filme “Pastinha! Uma vida pela
capoeira” de Antônio Carlos Muricy (1999), para ilustrar a totalidade do trabalho corporal
desenvolvido na capoeira angola, afirma que ela explora “desde o fio de cabelo da cabeça até
os últimos ossos dos dedos dos pés”.
De acordo com Mestre João Pequeno, a capoeira angola tem apenas nove
golpes, sendo que cada um deles pode ser multiplicado por dois ou por três:
107
1 – (que pode ser dado de várias maneiras:
aberto, fechado, com a cabeça apoiando no
chão, sem a cabeça apoiando no chão,
entrando pela lateral, entrando de frente etc.)
Figura 7 - Dani, o jogador do lado esquerdo, “está fazendo um aú” entrando pela sua lateral esquerda e com
apoio somente das mãos (na foto sua mão esquerda está na fase aérea). Notar que sua perna esquerda está menos
flexionada do que a perna direita. Este detalhe das pernas pode significar várias coisas, dentre elas, por exemplo,
pode ser que o jogador deixe esta lateral esquerda do abdômen “aberta” intencionalmente para que o outro
jogador seja instigado a entrar nesta “brecha”/abertura e, posteriormente, ele pode flexionar mais as pernas tanto
para proteger o abdômen, “fechando-o” ou, atacando dando uma “joelhada” (se o outro jogador “for entrar”, por
exemplo, na cabeçada) a partir do próprio movimento de flexão da perna (ou das pernas, dependendo da
necessidade da defesa e do ataque). Já o Professor Topete, à direita, está fazendo uma queda de rim que, daí pode
passar para um “aú fechado” com apoio da cabeça no chão (além do apoio de ambas as mãos), aplicar uma
tesoura etc. (Foto: Senhora Da Lua, 2004).
2 – Negativa: é “golpe defensivo”.
Podendo ser “negativa descida”, ou
ainda, negativa de golpes, inclusive
daqueles nos quais o capoeirista “faz
que vai, mas, não vai”, “faz que vai dar
o golpe e não dá”;
Figura 8 - Mestre Pé de Chumbo em “treino puxado” em Indaiatuba está “descendo na negativa”, ou seja,
fazendo uma “negativa descida”. Esta negativa também é chamada de “negativa aberta”. Há também a “negativa
fechada” cujo movimento também é chamado de “virada de jogo”. Observar no treino, que os alunos devem
fazer os movimentos espelhados em relação ao mestre, ou seja, o mestre está de frente para os alunos e, ao
realizar a movimentação para a sua esquerda, os alunos deverão ir para a sua direita. (Simões, 2004).
108
3 – Rasteira: pode ser aplicada nos
planos: baixo, médio e no alto.
4 – Rabo de arraia
Figura 9 – Capoeirista (do lado esquerdo da foto) entrando numa rasteira baixa no pé de apoio do capoeirista (da
direita) que está realizando o rabo de arraia (Foto: Andrade, 2006).
5 – Meia lua (de frente e de costa): vide
descrição em anexo).
Figura 10 – A meia lua de frente está indo para a
esquerda: perna direita é elevada, estendida cerca de
uns setenta centímetros do chão realizando uma
adução do quadril que faz com que a ponta do pé
desenhe um semi-círculo imaginário à sua frente.
Observar a inclinação do tronco para trás durante a
sua execução (Foto: Andrade, 2006).
109
6 – Cabeçada (nos planos: baixo, médio e
alto);
Figura 11 – Nesta situação, a cabeçada foi dada depois
de ter sido feita uma chamada cuja a entrada deveria
ser na barriga. Os antebraços cruzados do capoeira da
esquerda são para travar a perna do oponente se
protegendo de uma possível joelhada. Os antebraços
cruzados do da direita é para travar a possível subida da
cabeçada na direção do queixo/cabeça (Foto: Andrade,
2006).
7 – Tesoura
Figura 12 – Aqui o quadril se
projeta um pouco para a direita e a
cabeça vira para o lado esquerdo
para manter o olhar em direção ao
oponente. Feito isto, “anda-se” com
as mãos, fazendo com que os pés (os
quais estão apoiados no chão,
afastados um do outro) deslizem
avançando em direção ao oponente.
As pernas, se forem unidas, podem
derrubar o oponente dependendo da
posição em que este se encontrar.
(Foto: Andrade, 2006)
8 – Corta capim
Figura 13 – A perna esquerda
passará por baixo do pé direito para
desenhar um círculo imaginário
durante a sua trajetória (Foto:
Andrade, 2006).
110
9 – Chapa (pode ser de frente, de costa e nos diferentes planos).
Figura 14 - A chapa de costas é dada estando com o tronco flexionado à frente com ambas as mãos apoiadas no
chão (com os braços estendidos) de modo que olhe por baixo das pernas. Desta posição, em que o aluno obtém
quatro apoios, tira-se, por exemplo, o pé direito do chão flexionando a perna (a coxa vai para perto do abdômen)
para, logo em seguida, estendê-la como o objetivo de atingir, com a planta do pé, o abdômen do adversário, por
exemplo.
Na descrição de um dia de treino ministrado por Mestre Pé de Chumbo, é
possível observar o ensinamento de alguns golpes (tais como a cocorinha, a própria ginga, o
rolê de banco e a ponte) que não constam na “lista dos nove golpes”, porém, estes
movimentos podem ser considerados como “negativa”, pois para Mestre João Pequeno todo
movimento de defesa é “negativa”. Para Goffman (1985, p. 22), um dos interlocutores
teóricos de Turner, as “práticas defensivas” são estratégias e táticas que o indivíduo emprega
para proteger suas próprias “projeções”, as quais são entendidas como as pretensões que o
indivíduo tem de ser uma pessoa de um determinado tipo.
De acordo com Mestre Pastinha “a capoeira é positiva, tem verdade e, a
capoeira é negativa, ela nega... e, o capoeirista corre para não matar e volta para sangrar.”
111
As frases de Mestre Pastinha e de Mestre João Pequeno sobre a “negativa” (as
quais também foram proferidas por Mestre Pé de Chumbo em outras ocasiões de treinos e/ou
conversas) nos remete ao drama da capoeira e à sua dimensão de luta.
Slade (1978, p. 18) em seu trabalho sobre jogo dramático infantil afirma que
drama, no seu sentido original, vem da palavra grega drao, que significa “eu faço, eu luto” e
que, no drama, “isto é, no fazer e lutar, a criança descobre a vida e a si mesma”.
No que diz respeito à palavra drama, emprego-a, também, “tanto no sentido
metafórico quanto paradigmático” como o fez Turner (1974, p. 13), relacionando-a,
inclusive, com outras palavras-chave, tais como: “passagens”, “ação”, “processos”, como é
possível notar logo no início do prefácio de seu livro “Dramas, Fields, and Metaphors:
Symbolic Action in Human Society”. Como aponta Silva (2005, p. 36), Turner teve como uma
referência importante para o seu trabalho as contribuições do etnólogo e folclorista Van
Gennep, “que desenvolveu um modelo de estudos dos “ritos de transição” (ritos de
passagens), cuja interpretação desses eventos era feita em analogia ao teatro grego, o que
justifica os motivos pelos quais Turner definiu os rituais ndembu nos termos de drama social.
Mas, voltando à afirmação de Slade (1978), qual seja, a de que no drama, “isto
é, no fazer e lutar, a criança descobre a vida e a si mesma”, no caso de pensarmos no treino
da capoeira, tal afirmação seria válida independente da faixa etária, pois, a maioria dos
capoeiristas, interlocutores nesta pesquisa, aponta a capoeira como um jogo e como uma luta
em que o “angoleiro” “descobre a vida e a si mesmo” por explorar nele, a extrema consciência
de si e do mundo à sua volta, o que o faz ter um elevado controle sobre a sua atuação.
Müller (2005), pautada em Turner e em Schechner em sua pesquisa sobre
Performance e corpo em movimento no ritual indígena e na cena contemporânea”, ao fazer
referência à questão do treinamento (considerando a relação entre teatro e ritual) aponta na
mesma direção ao destacar elementos atrelados ao treinamento, tais como a criação da
112
experiência de “communitas”, “o processo de reflexividade na compreensão da realidade” (o
qual é caracterizado “por sua natureza de fluxo que ocorre quando o atuante se funde com o
que está atuando”) e, “a extrema consciência pela qual o intérprete tem total controle sobre a
sua atuação”.
No caso de “As três seqüências de João Pequeno”
91
(como é chamado o
método de ensino criado por Mestre João Pequeno) desenvolvidas para os e nos treinos
(denominadas “Primeira Seqüência” – com movimentos mais baixos e defensivos; “Segunda
Seqüência” – com movimentos mais altos e de ataque; e, “Terceira Seqüência” – mistura da
primeira com a segunda seqüência), estas possibilitam o aluno a conseguir entrar na roda para
jogar com apenas três meses de treino. Porém, Mestre João Pequeno faz questão de frisar que
Capoeira se aprende com o amadurecimento, cada dia que passa a gente aprende mais”.
Assim, é por meio das repetições desenvolvidas nas seqüências do treino que o
aluno se prepara para o jogo, para a luta. O processo de repetição (aliás, presente tanto no
treino quanto no ritual – na “roda” que, no caso é mais enfatizado na música por meio dos
toques repetitivos dos instrumentos e resposta de coro nos corridos) desperta no angoleiro um
sentimento de bem-estar, de liberdade, de pertencimento, de equilíbrio, de controle de si, de
serenidade, entre outras coisas, pois faz reviver esteticamente o acontecimento histórico,
mítico, social – o “comportamento recuperado” de que trata Schechner tal como observa
Müller (2005).
Na teoria de Schechner, recursos conceituais da Biologia, da Etologia, se mostram
úteis para se conectar epistemologicamente o conceito de “jogo” (“play”) à noção
de “comportamento recuperado”, especialmente para o foco na ação corporal (...).
Devo destacar que não se trata de retrocesso à perspectiva evolucionista,
comparando-se o comportamento ritualizado entre as espécies, mas de uma
91
Não tive permissão para descrever as seqüências porque cada movimento delas tem infinitos detalhes que o
aluno vai compreendendo com o seu “amadurecimento” na capoeira, com a descoberta das potencialidades de
seu corpo e o refinamento de sua percepção. Além do que, Mestre Bahia chamou atenção para o fato da
importância da transmissão destas a partir, inclusive, da oralidade que contextualiza a movimentação, e da
própria presença. Portanto, não há nada que substitua a importância dos treinos e das próprias rodas, geralmente,
lideradas pelos mestres ou pelos seus discípulos mais experientes.
113
analogia que me parece razoável para se tratar no campo das artes cênicas, da
repetição do comportamento físico como forma que organiza esteticamente o gesto
comunicativo (MÜLLER, 2005, p. 8).
Tais seqüências de Mestre João Pequeno são adotadas, por sua vez, pelos seus
discípulos, como foi possível observar nos “treinos puxados” pelo Mestre Pé de Chumbo,
Mestre Bahia e Mestre Ciro.
Um outro aspecto que se faz presente no cotidiano dos treinos é o convívio
com a dor e a superação dos próprios limites (aliás, o próprio treino corporal desenvolve a
resistência à dor, fazendo com que, de certa maneira, surja daí a força e a coragem para a luta)
mas, a sensação de dor aqui é equivalente a sentir todo o seu corpo vivo, como diz Mau (um
dos integrantes do grupo): “uma dor gostosa” se referindo às sensações nos músculos
trabalhados.
Outro tipo de dor sentida é quando Mestre Pé de Chumbo nos chama a atenção
pelos “vacilos”, isto é, quando o aluno teria condições de responder corporalmente (e,
consecutivamente, em suas atitudes em relação à capoeira e à vida no mundo) num
determinado nível e ele acaba se dedicando e/ou respondendo aquém de suas potencialidades.
Geralmente, durante os treinos, Mestre Pé de Chumbo faz algum comentário
sobre os acontecimentos no mundo, aguçando uma visão e postura crítica sobre o mesmo, o
que inclui questionamentos sobre as ações dele (do próprio mestre) e de seus discípulos. Para
tanto, umas vezes recorre a um discurso extremamente “duro”, quando ele “dá uma dura na
galera”, outras vezes, com uma grande dose humorística.
Assim, tanto o constrangimento quanto a diversão caminham lado a lado.
Tanto a dor quanto a alegria fazem parte do treinamento, o que me faz lembrar uma fala de
Mestre João Grande (que também é da linhagem de Mestre Pastinha e que, inclusive chegou a
treinar com Mestre João Pequeno na época em que este era trenel de Mestre Pastinha e, a dar
aulas para Mestre Pé de Chumbo): “a capoeira é um misto de alegria e ódio”.
114
O próprio sentimento de alegria e ódio, de alegria e dor, “faz reviver
esteticamente o acontecimento histórico, mítico, social”, que, na capoeira angola, gira em
torno da escravidão, não apenas de um Brasil no passado, mas de todo um mundo presente e
futuro, no qual a humanidade deve lutar eternamente pela liberdade.
Vale salientar que a própria conduta de Mestre Pé de Chumbo durante os
treinos, a qual se movimenta entre a alegria e a dor, alimenta em seus “alunos e discípulos” o
respeito e a sinceridade. É importante antes destacar que Mestre Pé de Chumbo faz distinção
entre aluno e discípulo. O primeiro está num processo de aprendizagem no qual ainda não
atribui o devido valor à capoeira e aos ensinamentos do mestre. O segundo, por sua vez, já
está profundamente compromissado com a capoeira e, conseqüentemente, com o seu mestre e
a escola de onde ele herdou o conhecimento.
Portanto, em certa medida, a consciência da dura realidade do mundo é o
primeiro passo para saber lidar, da maneira mais cuidadosa possível, com os perigos da vida,
ou seja, medo e coragem, também caminham juntos e, o sofrer a humilhação, no caso de
receber “as duras broncas” diante de outros integrantes do grupo, nas quais são salientadas as
fraquezas, erros ou “vacilos”, potencializa o sentimento de força. Qualquer aluno ou discípulo
é passível de “levar as duras”. Às vezes, num treino, elas são destinadas a determinada pessoa
que supostamente merece, não exatamente, um castigo, e sim, um “chacoalhão” para a pessoa
melhorar determinada coisa nela. Geralmente, tal exigência é direcionada à melhoria da
técnica do movimento o que inclui a questão da própria expressão corporal, no entanto, tal
exigência reflete na conduta do capoeirista no dia a dia, justamente pela transmissão de
valores implícitos na movimentação (tais como a busca pela liberdade, justiça, equilíbrio e
perfeição).
Quem não segue as leis da capoeira no grupo é desligado do mesmo.
115
Outro aspecto que se destaca nos treinos é a busca pelo equilíbrio a partir do
estímulo não apenas da direita, mas tamm da esquerda.
Nas seqüências, o número de repetições é igual para ambos os lados e, para
suprir a deficiência do lado esquerdo, o aluno acabará treinando mais, em outros horários, em
casa etc. o lado mais debilitado.
Se forem consideradas as discussões de Hertz (1997) sobre a “proeminência da
mão direita”, o qual aponta a polaridade social como um reflexo e uma conseqüência da
polaridade religiosa, é possível compreender que a capoeira angola é caracterizada pela
tentativa de superação dessa dicotomia (ao exercitar igualmente a direita e a esquerda com o
mesmo número de repetições para cada lado) a partir da ênfase no equilíbrio, ou seja, nos
micros movimentos do corpo (considerando os detalhes de suas técnicas corporais contidas na
própria movimentação mais ampla) entre os pólos que os sustentam para que estejam, o mais
próximo possível, em patamar de igualdade.
Certa vez, eu ouvi um mestre falar que a capoeira angola é o balé brasileiro.
Aliás, o próprio Mestre Pastinha fazia a analogia da capoeira com o balé ao afirmar que o
capoeirista é um bailarino “que aninha-se nesta arte de defesa e ataque”.
Sob esse aspecto, a questão da polaridade atrelada ao significado do
movimento corporal, considerando a fluência entre os pólos, pode-se fazer uma analogia do
estilo de capoeira angola com o balé clássico recorrendo a um trecho da obra de Laban (1978,
p. 137), um importante referencial teórico no campo da “análise do movimento” que, como
Turner, leva em conta as nuances mais sutis do estilo de movimento as quais “serão
compreendidas só após um estudo detalhado do conteúdo rítmico das atitudes nas quais
foram empregadas séries definidas de combinações de esforço”. Assim afirma Laban:
A tradição do balé preservou uma grande quantidade de modalidades
fundamentais de movimentos que podem ser consideradas como ações simbólicas.
Tais modalidades são, por exemplo, “arabesques” e “attitudes”. Se prosseguirmos
116
até a raiz do significado de tais nuances de movimento, descobriremos que reside
não na pose final, mas nos movimentos que levam a ela. Trata-se, entre bailarinos
primitivos e crianças pequenas, da fluência flexível de um movimento de recolher,
por meio do qual é apreendido um objeto. Este gesto de possessão contrasta com o
de repelir, que é um movimento direto de espalhar ou empurrar. O apoderar-se e o
repelir são necessidades fundamentais (LABAN, 1978, p. 137).
Na primeira seqüência de Mestre João Pequeno, em que a movimentação é
realizada no plano baixo, a “negativa descida”, enquanto defesa, explora o “apoderar-se” de
que trata Laban. A proteção de si é caracterizada por este recolher do corpo que promove, ou
afastamento do corpo, saindo do golpe, preparando-se para o ataque, ou o fechamento do
corpo com movimentos predominantemente de flexão. Na capoeira angola, como é
privilegiado o jogo de dentro, no qual os jogadores se mantêm muito próximos um do outro, o
“distanciamento” acaba sendo, em certa medida, simultaneamente uma “aproximação”, pois à
medida que ele se afasta ou protege determinado ponto de seu corpo, outro ponto se torna
potencialmente ataque (situando-se mais próximo ao ponto vulnerável do adversário).
Já a segunda seqüência, em que a movimentação é realizada no plano alto, a
“meia-lua”, como exemplo de ataque, explora o repelir, o espalhar.
E, na terceira, caracterizada pela mistura da primeira e segunda seqüência, a
fluência torna-se mais evidente entre as polaridades, apontando como um aspecto da capoeira
angola a liminaridade apontada por Turner, uma vez que, na movimentação há ênfase na
“passagem”, no processo de execução do movimento como um todo.
Considerando as observações de Laban sobre as duas ações, quais sejam,
“recolher” (movimento que vem da periferia do espaço que circunda o corpo, em direção ao
centro do corpo) e “espalhar” (que flui do centro do corpo para fora) que determinam as
atitudes corporais, pretendemos, também apontar que elas caracterizam o jogo de perguntas e
respostas entre os “angoleiros” que, além de ser aprendido por meio do treino de ambos os
lados do corpo (em diferentes planos e direções), é também desenvolvido a partir da
realização de movimentos espelhados, os quais também são primordiais para o alcance do
117
equilíbrio, uma vez que quando eu estou indo para a minha direita o companheiro de jogo está
indo para a sua esquerda e vice-versa.
Neste jogo de espelhos, em que há a interação face a face, ocorre, como aponta
Goffman (1985, p. 23), definindo tal interação, “a influência recíproca dos indivíduos sobre
as ações uns dos outros, quando em presença física imediata”, além do que, o jogo de
espelhos é, de certa maneira, uma característica da “performance ritual” de Turner, que, por
sua vez, como mostrou Silva (2005), dialogou com o sociólogo Erving Goffman e o diretor
teatral Richard Schechner para elucidar os diferentes usos do conceito de “ritual” presente nos
estudos sobre “performances”.
Enfim, o treino prepara e aperfeiçoa o capoeirista, o qual tem como desafio
mais complexo a performance ritual na roda.
4. Eventos: os encontros de capoeira angola
Os eventos (enquanto categoria “nativa”) são encontros e/ou festas realizados
por grupos de capoeira angola.
Turner (1986) - que em “The Forest of Symbol” inaugura a noção de “evento”
a partir de seus estudos sobre a performance dos rituais dos povos Ndembus (do noroeste da
Zâmbia) e, em “From Ritual to Theatre” (1982) estende tal noção pensando no fenômeno da
liminaridade nas “modernas sociedades” - faz referência aos “events” como uma noção que
permite analisar os símbolos rituais enquanto “acontecimentos” numa seqüência de uns
relacionados aos outros. A análise das seqüências dos movimentos corporais no jogo de
capoeira muito bem ilustrou a noção de evento enquanto um movimento que acontecia em
118
relação ao outro. No entanto, aqui a palavra “evento” tem tanto o significado de um
acontecimento relacionado à série de outros na capoeira, tais como o “treino”, as “rodas” no
grupo e os “eventos” (categoria nativa também utilizada para fazer referência aos encontros
de capoeira).
Na “regional” e/ou na “contemporânea” tal festa é o “batizado” onde o aluno
muda de cordão para indicar sua mudança de nível na capoeira (eles usam cordão amarrado na
cintura, suas diferentes cores indicam diferentes níveis na capoeira). Na “angola” o evento
pode ter o objetivo de realizar um grande encontro, ou também, pode ter o objetivo de formar
o aluno e/ou passar o aluno a um nível hierárquico superior na capoeira. No entanto, nessa
mudança na hierarquia não há troca de cordão porque não usam cordão nem nada, enquanto
roupa, acessório, que diferencie o nível hierárquico. A diferença é percebida na convivência,
nas posturas e atitudes do capoeira no dia a dia, no nível/qualidade do jogo (que depende do
treino, da paciência em observar o outro; da humildade – “cair” e não revidar por se sentir
humilhado; do respeito ao companheiro de jogo; e da malícia/astúcia na elaboração dos
movimentos).
Num evento é possível estreitar os laços de sociabilidade na comunidade da
“angola”. Para que eles ocorram, há toda uma mobilização do grupo para o trabalho de
organização em diferentes instâncias.
Assim, para ilustrar alguns procedimentos para a realização de um evento,
tomaremos como exemplo o “II Encontro de Capoeira Angola – Grupo João Pequeno em
Campinas” que ocorreu após o retorno de Mestre Pé de Chumbo (no dia 06 de junho de 2005)
o qual havia permanecido na Europa por cerca de dez meses. Marcou ele, então, uma reunião
com os integrantes do grupo durante o final de semana do dia 10 ao dia 12 de junho em
Campinas. A reunião foi regada, é claro, com muita conversa, e com muitas cobranças de
dedicação pela capoeira, mas também de intensos treinos de movimentação e de bateria, o que
119
significa que se o aluno não estivesse “em dia com a capoeira” (durante a ausência do mestre)
ele não agüentaria tudo o que o mestre quisesse “passar” (ensinar), depois desses meses de
afastamento. De alguma forma, todos queriam “tirar o atraso” provocado pela distância, ou
matar a vontade de fazer algo de que se gosta muito e que só seria possível fazê-lo com essas
pessoas.
Na reunião estiveram presentes o Mestre Bahia (Indaiatuba), a turma de
Campinas, o Trenel Topete e seus alunos Seu Nico, Japa, Dani, Fredy e outros, a turma de
São Carlos, Daniel, Dedê, Simone, Trenel Ana Silvia, Taís, Professor Mestrando Jurubeba
(veio de Presidente Prudente), Trenel Denise (Poços de Caldas – MG), Pernalonga (Uberaba –
MG), eu e o Danilo (Bauru).
Foi reforçado o comunicado
92
de que haveria, no período de 07 a 10 de julho, o
“II Encontro de Capoeira Angola – Grupo João Pequeno em Campinas” e que, as pessoas de
Campinas assumiriam a frente da organização.
Os integrantes do grupo provenientes de outras cidades (com exceção da Dedê
que estava responsável pela divulgação e inscrição) trabalharam mais nas horas que
antecederam o início do “encontro”. Algumas das providências a serem destacadas são as
relativas à preparação do espaço para este evento, tais como os reparos (concerto de descarga
no banheiro, instalação de chuveiro
93
) a limpeza e a decoração
94
do espaço onde funciona o
grupo em Campinas. Para tanto, houve uma espécie de “mutirão”. Enquanto uns lavavam o
piso do salão principal, outros lavavam o do outro; outros iam enxugando o piso; um ia atrás
de alguma chave de fenda com algum comerciante das bancas ao redor para utilizá-la na
colocação de um trinco na porta; outro iria verificar se o pessoal do México tinha chegado;
outro iria ajudar a montar a banca do Topete para expor os artigos de capoeira; um outro iria
92
Porque por e-mail já se buscava o planejamento da turma.
93
No caso do chuveiro, este se tornou imprescindível, ao se levar em conta a permanência, no próprio espaço
como alojamento, de algumas pessoas vindas de fora.
94
Retoques nos desenhos de movimentos de capoeira pintados na parede, organização de exposição de fotos de
capoeira e de capoeiristas, e cartazes nas paredes (do evento e da “árvore genealógica da capoeira angola”).
120
verificar se o boteco de não sei quem poderia abrir no domingo para o almoço; outro iria
providenciar o filme para as fotos ou câmera de vídeo; outro iria trazer as camisetas do evento
que foram encomendadas, enfim, cada um cooperava com afinco e empolgação para que tudo
desse certo nesse trabalho grupal.
É necessário destacar que o uso deste espaço de maneira permanente foi
liberado pela prefeitura de Campinas em maio de 2004, ou seja, à praticamente um ano atrás
quando da inauguração da “Casa de Cultura de João Pequeno de Pastinha”, a qual constava na
programação do I SENECA (I Seminário Nacional de Estudos da Capoeira). Mestre João
Pequeno estava neste “evento” que envolvia o apoio da prefeitura, e seria, então,
homenageado. Mestre Pé de Chumbo e o grupo da AJJP – Ceca, juntamente com Mestre João
Pequeno organizaram a roda de inauguração e acordaram com a prefeitura que de ali em
diante, sendo o espaço, a “Casa de Cultura João Pequeno de Pastinha” uma homenagem ao
Mestre João Pequeno de Pastinha, este seria, portanto, destinado à prática de capoeira angola
nesta linhagem. Lá o Trenel Topete passou a dar aulas de capoeira para 90 crianças carentes
que vêm da Casa do Amanhecer (tais aulas são às terças e quintas-feiras das 10h às 12h e das
13h às 15h), além de ministrar os treinos para integrantes do grupo da cidade de Campinas
(adultos oriundos de diferentes classes sociais).
No caso das inscrições no encontro, quem ficou incumbida de as receber foi a
Dedê. Mas, antes, ela chegou a enviar, com antecedência, por e-mail, as fichas de inscrição
juntamente com a programação e o cartaz do evento (constam no Anexo E). O Fredy também
divulgou por e-mail a programação do evento, não só para as pessoas do grupo, mas tamm
para as de outros grupos de capoeira.
121
Uma outra forma de divulgação não só do evento, mas do trabalho como um
todo, é a própria “Roda do Gueto”
95
, realizada em todas as sextas-feiras no final da tarde no
Terminal Central de Campinas.
O que foi possível observar é que há despesas para a realização dos eventos, os
quais são tanto uma maneira de “investimento” na “educação” do capoeirista, quanto uma
forma concreta de valorizar os trabalhos dos mestres, ao ser uma fonte alternativa de renda
para aqueles que ministram os mini-cursos. Há, portanto, o pagamento do cachê dos mestres
que ministram os workshops, da estadia, da alimentação, do deslocamento. O valor da
inscrição foi de R$60,00 e, geralmente, quem paga a inscrição são os próprios alunos do
grupo e um ou outro que vem de fora e participa dos workshops com os mestres. Desta
maneira, uma parte da verba que custeou o tal evento foi oriunda do pagamento das cerca de
65 inscrições efetivadas, a outra parte teve que ser coberta com verba do próprio Mestre Pé de
Chumbo, do que ele havia recebido ministrando os workshops no exterior.
Para o coquetel de frutas, a água mineral, os refrigerantes, houve contribuições
de alguns pequenos comerciantes locais. Nas festas do grupo geralmente não se faz uso de
bebida alcoólica.
Quando chega perto do horário da roda, por exemplo, os capoeiristas começam
a aparecer vindos dos mais diversos lugares, inclusive de outros estados do Brasil. Não se veta
a participação dos que não estão inscritos, pois o “encontro” é o objetivo, ou seja, reunir os
capoeiristas, independente do estilo de capoeira que o presente no evento pratica. Assim, fica
subentendido que, uns não pagam por não terem condições mesmo; outros, porque já gastou o
dinheiro que tinha com a viagem, outros porque aparecem somente no momento da roda e,
ela, por sua vez, sobretudo nos eventos, tem esse caráter “público” mesmo, de ser permitida a
participação de todos que souberem jogar dentro das regras da “angola”.
95
Como a banca de artigos de capoeira do Topete é situada ao lado do Terminal Rodoviário Urbano de
Campinas, essa “Roda do Gueto” já acontecia neste local antes da inauguração da Casa de Cultura João Pequeno
de Pastinha (a qual também se situa ao lado do Terminal Rodoviário Urbano de Campinas).
122
Vale destacar que, para o encontro de Campinas vieram do México, o
Professor Minhoca (irmão do Mestre Pé de Chumbo) e mais três alunos do grupo.
Conforme as pessoas iam chegando para a participação na roda de abertura do
evento, cumprimentavam-se, conversavam e se apresentavam umas às outras, caso não se
conhecessem.
Observavam a “Árvore Genealógica da Capoeira Angola” (vide Anexo D) que
estava fixada na parede. Discutiam sobre as “linhagens” apontadas nela. Olhavam também a
exposição de fotos dos velhos mestres, das rodas realizadas pelo grupo em outros eventos e
comentavam sobre as mesmas. Enquanto isso, alguns que chegavam, providenciavam a sua
inscrição. Quando chegou em torno de sessenta pessoas presentes, começaram a se sentar em
volta nos bancos organizados para a roda.
Alguns tiveram que ficar em pé, porque o salão ficou cheio. Mestre Pé de
Chumbo, então, como anfitrião, apresentou para o público os mestres que estavam presentes.
Depois ele apresentou, na seqüência, alguns outros representantes de outros grupos de
capoeira (contra-mestres, professores, trenéis). Discursou sobre as dificuldades de se realizar
um “momento” como aquele, não só atreladas às questões financeiras, mas, também, aos
problemas enfrentados no próprio meio capoeirístico de modo geral, a começar pela falta da
devida atenção e respeito aos mestres. Contou um pouco sobre a sua trajetória na capoeira,
colocou a “assistência” a par do que ele fez enquanto esteve fora do país, comentou sobre a
situação da capoeira e dos capoeiristas “lá fora” e pediu para que os presentes naquele evento
levassem a capoeira a sério. Questionou o fato da precoce “auto-intitulação” de mestre e do
conseqüente desgaste desta palavra, por estar havendo “mais mestre do que aluno”.
Depois de suas pontuações, desejou as boas-vindas a todos e, começaram a
roda que durou cerca de duas horas. Aqui não vamos nos ater nos detalhes de toda a
programação porque os workshops acontecem de maneira semelhante ao que já foi descrito
123
em momentos anteriores em relação ao treino e, no caso da roda, porque esta será descrita no
próximo capítulo. Porém, vale destacar que nos workshops o número é reduzido de
participantes, pois, por acontecerem durante o dia, a maioria dos participantes não podem
freqüentá-los devido ao fato de trabalharem neste período e, também, por serem restritos aos
inscritos no evento. Mas, para a roda, como já foi dito, aparecem diversos capoeiristas de
diferentes grupos, estilos, cidades e estados.
Neste dia, depois de terminada a roda, houve o coquetel de frutas e, durante
este “rito de agregação”, qual seja, o da comensalidade, houve uma maior integração. Os que
vieram de outras cidades eram convidados a ficar na casa de outros integrantes do grupo de
Campinas durante a realização do evento. No momento do coquetel de frutas, as pessoas
conversavam, tiravam fotografias juntas e, fofocavam...
A fofoca é uma das formas dos conflitos serem expressos no meio
capoeirístico. Como exemplo podemos citar um comentário de um participante do evento que
era de um outro grupo de capoeira de Campinas. Ele disse que estava com receio de
comparecer no evento porque o mestre dele havia falado que ele seria maltratado, “testado na
roda”, que ele iria “apanhar” porque ele era de outro grupo. Mas, ele decidiu ir para sondar a
situação e, a princípio ficaria sem jogar, ou na pior das hipóteses retornaria para a casa. Ele
foi ao evento e viu que não aconteceu nada daquilo que o mestre dele havia falado.
Levando em conta as observações de Elias e Scotson (2000) sobre os
estabelecidos” (os integrantes de um grupo legitimado) e os “outsiders” (no nosso caso, o
visitante oriundo de outro grupo), o comentário deste capoeirista demonstra, a partir do seu
receio em participar do evento, a sua situação de “outsider” em relação ao grupo do Ceca –
AJPP. E, a fofoca, neste caso, operou de duas formas diferentes. A primeira, classificada
como “mexerico depreciativo”, que tende para a depreciação estereotipada, foi quando o seu
mestre fala para ele não ir ao evento porque ele seria “maltratado”, o que ilustra, por sua vez,
124
uma suposta existência de competição entre os grupos. A segunda, a “fofoca elogiosa”, que
tende para a idealização, pode ser exemplificada pela situação do próprio capoeirista
outsider” compartilhar com os “estabelecidos” o que seu mestre havia dito sobre eles,
demonstrando sua satisfação em estar no evento, elogiando-o e, afirmando que constatou não
ter ocorrido nada daquilo que seu mestre havia falado. Para os autores, ambos os tipos de
fofocas são “fenômenos estreitamente ligados à crença no carisma do próprio grupo e na
desonra do grupo alheio” (ibid. p 133).
Outro aspecto a ser levantado em relação ao evento é o da liminaridade. A
maioria das pessoas viaja para se encontrar, para experienciar este momento. No caso
específico da situação mais atual do grupo, o evento vem se constituindo também como uma
forma de preparação tanto para o recebimento do mestre, quanto de preparação para a sua
despedida. Ele significa o ponto de encontro daqueles que estão na eminência de chegar e de
partir, de “dar a volta ao mundo”.
Vale destacar, ainda, que na semana seguinte (de 12 a 18 de julho de 2005),
uma boa parte dos integrantes do grupo de São Paulo (Indaiatuba, Campinas, São Carlos,
Presidente Prudente, Bauru), alguns de Minas Gerais, do México e dos Estados Unidos da
América (cujo responsável é o Mestre Deraldo), viajaram para Salvador – Bahia para
participarem do Encontro Internacional de Capoeira Angola da AJPP (também realizado pelo
grupo, com Mestre João Pequeno, Mestre Pé de Chumbo, Mestre Ciro e Mestre Faísca à
frente na organização). Durante tal semana convivemos intensamente com tais mestres e seus
alunos e com uma parte da “velha guarda” da capoeira angola: Mestre Brandão, Mestre
Bigodinho, Mestre Olavo, Mestre Boca Rica, Mestre Zé do Lenço, Mestre Raimundo Dias,
Mestre Augusto e outros.
125
CAPÍTULO IV
DA INVERSÃO À RE-INVERSÃO DO OLHAR: RITUAL E PERFORMANCE NA
CAPOEIRA ANGOLA
1. A descrição da performance ritual: a roda
Uma das características da performance ritual é a polissemia/multivocalidade.
Assim tanto a decoração da academia (como foi possível observar, no capítulo III: o espaço
destinado para pendurar os berimbaus, a pintura do logotipo do Ceca – AJPP, o “arco-íris”, na
parede externa; os quadros com fotos de renomados mestres os quais valorizam a linhagem e
que, conseqüentemente, conta a história e a tradição da capoeira angola), bem como o uso do
uniforme, a movimentação corporal a musicalidade são as diversas linguagens na capoeira
angola.
Para preparar o espaço ritual, os alunos vão chegando um pouco antes do
horário previsto para início da roda, providenciando a limpeza do chão e arrumação dos
bancos, outros vão afinando os instrumentos musicais; armam os três berimbaus que são
usados durante a roda e também os de reserva, pois, caso o arame de aço
96
(a corda que é
96
Alguns mestres afirmam que quando o arame do berimbau arrebenta é sinal de que a energia da roda está
negativa, o ambiente está carregado, pesado.
126
presa de uma extremidade à outra da verga
97
dele) arrebente durante a roda, o berimbau
sempre deve ser imediatamente substituído sem interrupção do jogo.
É válido frisar, a partir desta breve descrição inicial sobre a preparação do
espaço e dos objetos para o ritual, que:
(...) quase todo objeto usado, todo gesto realizado, todo canto ou prece, toda
unidade de espaço e tempo representa, por convicção, alguma coisa diferente de si
mesmo. É mais do que parece ser e, freqüentemente, muito mais. (TURNER, 1974,
p. 29)
Tal afirmação de Turner, em relação ao Isoma (um ritual do povo ndembo),
ilustra claramente que, por mais que se descreva rigorosamente um ritual, ele sempre será
muito mais do que tentamos ilustrar a partir de nossos textos escritos.
98
No caso da capoeira angola, a performance ritual consiste na “roda” de
capoeira e para descrevê-la é necessário que seja feita uma abordagem que envolva desde a
questão da musicalidade, passando pela questão da corporalidade, do jogo, da representação,
entre outras.
O ideal seria (para esta apresentação) que todo esse esforço de descrição e
análise pudesse ser acompanhado da própria performance em si. Cohen (2004, p. 56) na sua
discussão sobre “Performance como linguagem” remete à questão da apresentação ao vivo e
da presença do público considerando a “performance como uma forma de teatro, por esta ser,
antes de tudo, uma expressão cênica e dramática – por mais plástico ou intencional que seja
o modo pelo qual a performance é constituída, sempre algo estará sendo apresentado, ao
vivo, para um determinado público, com alguma coisa significando”, ou seja, a tríade básica
tomada da teoria do teatro: atuante, texto e público. E, como afirmaria, ainda, Cohen:
97
Verga é toda madeira que “dá o arco” para fazer berimbau. Exemplo de pau para fazer berimbau é a biriba,
inclusive, cantada em versos: “Biriba é pau, é pau/Oi biriba é pau para fazer berimbau...” (domínio público).
98
Glusberg (2005, p. 113) relacionaria esta afirmação de que “o ritual é muito mais do que parece ser”, talvez,
ao seu caráter “não-significante”
98
como aponta ao fazer referência à “impenetrabilidade do mistério da
profundidade do ritual”, “apesar do tipo de comportamento exibido poder ser repetido por qualquer um”.
127
É claro que a dificuldade de falar-se sobre algo que não se presenciou é extensível
a qualquer análise de arte, mas, no caso da performance, esta dificuldade é maior
pelo fato de estarmos lidando com o que Schechner chama de multiplex code. O
multiplex code é o resultado de uma emissão multimídica (drama, vídeo, imagens,
sons, etc.) que provoca no espectador uma recepção que é muito mais cognitivo-
sensória do que racional. Nesse sentido, qualquer descrição de performance fica
muito mais distante da sensação de assisti-las, reportando-se, geralmente, essa
descrição ao relato dos “fatos” acontecidos (COHEN, 2004, p. 30).
Vejamos como as múltiplas linguagens que constituem a “roda” apresentam
um panorama do universo simbólico da capoeira angola, ao expressar, constantemente, os
inúmeros pares de oposição, tais como: movimento de resistência versus movimento de
submissão, jogo em cima e jogo embaixo, jogo de dentro e jogo de fora, alegria e dor (ou
tristeza), luta e diversão, liberdade e opressão, lealdade e falsidade, mão versus pé
99
.
Como já foi afirmado anteriormente, o ritual da capoeira angola é a roda. Nela,
as pessoas que não estão na bateria (conjunto dos instrumentos musicais da capoeira), estão,
geralmente sentadas no chão e em círculo. Mas, há também rodas em formato
quadrangular/retangular com todas as pessoas sentadas em bancos.
O grupo, no espaço de sua academia, realizava-a durante as quartas-feiras das
19h até por volta das 22h. Na Federal, também nas quartas-feiras, porém, das 12h às
13h30min. Outros grupos de capoeira angola também costumam realizá-la, uma, ou duas
vezes por semana, durante todo o ano.
Há também uma festa que congrega os diferentes grupos denominada
“Evento”
100
de Capoeira Angola. No Evento, que costumeiramente é patrocinado e/ou
organizado por um grupo específico de capoeira angola, participam da roda diversos mestres e
seus respectivos grupos/discípulos.
99
Num corrido de domínio público o puxador (o mestre geralmente, ou outros membros de posições hierárquicas
próximas a ele) canta: “É a mão pelo pé” e o coro responde “O pé pela mão”; depois o puxador canta “É o pé
pela mão” e o coro responde “A mão pelo pé”. Estes versos são por várias vezes repetidos.
100
Tal como foi descrito no capítulo III.
128
Na roda são estabelecidas as comunicações entre os instrumentos musicais que
compõem a bateria, o canto (expresso em forma de ladainha, chulas e corridos) e, sobretudo,
entre os jogadores que, com seus corpos estabelecem uma comunicação não verbal.
No Centro Esportivo de Capoeira Angola (Ceca) – Academia de João Pequeno
de Pastinha (AJPP) em São Carlos observamos a seguinte disposição
101
:
Representação esquemática do simbolismo espacial da Roda
_____________________________________
Banco para platéia
_____________________________________
BP
Figura 15 - Representação esquemática da roda de capoeira angola no Ceca – AJPP em São Carlos. A linha
superior do retângulo representa o banco em que estão sentados os tocadores que compõem a bateria (conjunto
dos instrumentos musicais pertencentes ao jogo de capoeira angola). Os números no esquema representam
consecutivamente os seguintes instrumentos: 1 – Gunga (berimbau de som grave), 2 – Médio (berimbau de som
médio), 3 – Viola (berimbau de som agudo), 4 – pandeiro, 5 – agogô, 6 – reco-reco, 7 – atabaque; BJ – banco
para os jogadores; BP – banco para a platéia.
101
Em relação à disposição dos instrumentos musicais, vide também foto que se encontra no tópico que trata
especificamente sobre este assunto.
1 2 3 4 5 6 7
BJ BJ
BJ
129
2. A música: bateria, canto e a hierarquia na capoeira angola
O conjunto dos instrumentos musicais utilizados na roda de capoeira angola é
denominado bateria ou orquestra e, dela fazem parte (da esquerda para a direita para quem
olha a bateria de frente): três berimbaus (gunga, médio e viola), um pandeiro
102
, um agogô,
um reco-reco e um atabaque.
Segundo Rego (1968), alguns grupos de capoeira não utilizam o atabaque por
este ser um instrumento sagrado e específico do candomblé. Vale ressaltar que este fato não
foi observado em campo, uma vez que em todos os grupos
103
, dos quais participei de roda,
havia atabaque.
Para compor a bateria (lembrando que a disposição dos instrumentos adotada
aqui é baseada no Ceca – AJPP), os tocadores se sentam em linha reta num banco contínuo,
sobre o qual já se encontram o pandeiro, o agogô e o reco-reco e, os berimbaus, uma vez
preparados (armados e afinados) são entregues nas mãos dos seus respectivos tocadores. O
atabaque é tocado em pé, por isso ele é colocado ao lado do banco, depois do reco-reco.
O berimbau “gunga”
104
(alguns o chamam de berra-boi) é o instrumento
musical hierarquicamente superior em relação aos demais, ele tem o som mais grave e é
considerado o mestre da roda - geralmente ele é tocado pelo mestre (guardião) ou alguém
mais próximo do mestre (por exemplo, o “professor mestrando”, na falta deste, o “professor”
e, na falta deste, o “trenel”, ou ainda, os alunos mais experientes). A mesma hierarquia é
102
Outros grupos de capoeira angola costumam ter dois pandeiros na bateria e adotam disposições diferentes
entre os instrumentos, porém, os três berimbaus sempre estão juntos e, o médio está sempre entre o gunga e o
viola.
103
Rodas de importantes mestres com seus respectivos grupos, tais como: Zé do Lenço (Associação de Capoeira
Angola Relíquia Espinho Remoso), Lua de Bobó (Grupo de Capoeira Angola Meninos de Arembepe), Moraes
(GCAP - Grupo de Capoeira Angola Pelourinho), Curió e Augusto (ECAIG - Grupo de Capoeira Angola Irmãos
Gêmeos do Mestre Curió), Jaime de Mar Grande (ACCAEA – Associação Cultural de Capuêra Angola Escrava
Anastácia), Renê (ACANNE - Associação de Capoeira Angola Navio Negreiro) Jogo de Dentro (Grupo de
Capoeira Semente do Jogo de Angola) etc.
104
“Gunga” também é sinônimo de berimbau (independente de sua altura sonora).
130
estendida ao canto, pois o mestre geralmente é o cantador de ladainha, das chulas e dos
corridos, comandando desta forma, todo o ritual que engloba a comunicação não verbal
expressa nos movimentos corporais dos jogadores.
Também é no “pé do berimbau” que se delineia o jogo que irá acontecer, pois
os jogadores, agachados na frente dos berimbaus e concentrados, deverão ouvir atentamente
os ensinamentos expressos na ladainha (aqui, apenas são tocados os três berimbaus e o
pandeiro). Cada berimbau tem seu toque específico a ser executado. Durante a ladainha, tanto
no gunga quanto no viola é tocado o “toque de angola” (-/-/- dan din)
105
e, no médio, “são
bento pequeno” (-/-/- din dan)
106
.
No momento da chula e do corrido, no gunga, o “toque de angola” será
predominante; o médio tocará “são bento pequeno”, e, o viola ficará livre para repicar no
improviso respondendo às “perguntas” do gunga. A partir da chula, entram os outros
instrumentos da bateria nos quais os toques serão realizados repetindo a mesma base rítmica.
Durante a comunicação entre os berimbaus, estes, em alguns momentos podem trocar de
toques, isto é, ora o viola toca angola ou são bento grande, ora o gunga toca são bento
pequeno ou são bento grande e assim por diante, isso sem falar das variações propriamente
ditas de cada toque básico.
O resultado desse conjunto sonoro promoverá cenas de movimentos corporais
predominantemente lentos, mas os movimentos rápidos e com maior amplitude articular
acontecerão nos devidos momentos.
Segue exemplo de disposição dos instrumentos na bateria:
105
-/-/- forma escrita adotada aqui para representar com o sinal ‘/’ duas percutidas com a baqueta na corda,
estando esta com o dobrão encostando de leve (promovendo um som chiado); dan é quando a corda é percutida
uma vez com a baqueta, sem que o dobrão esteja encostado no arame; no din, a corda é percutida uma vez com a
baqueta, sendo que neste momento o dobrão está encostado com maior pressão contra o arame.
106
Vide no Anexo G a escrita musical dos instrumentos da capoeira angola extraída do livro de Mestre Pastinha.
131
Figura 16 - Da esquerda para a direita: gunga, médio, viola, pandeiro, agogô, reco-reco, atabaque. Observar as
duas jogadoras (a jogadora da direita não é “angoleira”, pois na capoeira angola não se usa “corda” ou “cordão”
amarrado na cintura como indicador de nível hierárquico do capoeirista) se inclinando em direção aos berimbaus
para dar início ao jogo. Esta roda foi realizada na inauguração da Casa de Cultura João Pequeno (localizada no
Terminal Rodoviário Urbano de Campinas) como parte da programação do I SENECA (Seminário Nacional de
Estudos de Capoeira) realizado em Campinas de 07 a 09 de maio de 2004. Vale lembrar que este espaço é onde
se situa o Ceca – AJPP no referido município do Estado de São Paulo (Foto: Rosa Simões).
2.1 A confecção do berimbau
(...) Os capoeiristas daqui, os mestres faziam berimbau com casca. O arame era
arame de cerca, não era arame de aço. Depois eles queimavam o pneu e tiravam
aquele arame enferrujado, quebrava. Eu inventei abrir na raça pra sair cru.
Cheguei a fazer berimbau envernizado. Cheguei a fazer berimbau em branco (...).
Depois eu inventei pintar e passei a fazer berimbau pintado. Sou conhecido nisso”
(Mestre Waldemar in Abreu, 2003, p. 13).
O berimbau é um instrumento composto por uma verga – uma madeira flexível
de mais ou menos 1,50m de altura por 2,5cm de diâmetro que, depois de descascada e lixada,
é “esculpida” na sua extremidade inferior uma ponta (de formato cilíndrico) de 1cm de altura
e 1cm de diâmetro bem no centro do círculo que é o total do diâmetro da verga, qual seja, os
132
2,5cm, para que, então, possamos prender nela a sua corda de aço (extraída de pneus usados
de carro).
Na extremidade superior da verga, prega-se um “courinho”, pedaço de couro,
geralmente de boi, cortado exatamente de maneira que recubra os 2,5cm de diâmetro da
verga. Tal “courinho” protege a verga, pois quando a madeira é envergada a corda de aço, que
já se encontra presa na parte inferior, será presa na extremidade superior e, uma vez retesada,
a pressão que exerce sobre ela (a ponta da verga), se estivesse sem o couro, poderia acabar
estragando a verga/madeira, cortando-a nas beiradas ou até mesmo provocando uma
rachadura ao longo de toda a verga.
A corda de aço deve ser cortada de maneira que fique 10cm a mais da altura da
verga (1,60 m de cumprimento) e, em suas ambas extremidades fazemos um tipo de
anelzinho, para fixá-la na “ponta” da parte inferior da verga (como se colocasse um anel num
dedo) e na outra ponta prendemos um barbante na “corda” (com aproximadamente 20cm de
cumprimento e de preferência de algodão cru) para prendê-la na outra extremidade. Há quem
use alicate para cortar a corda de aço (também chamada de “arame”) e para trabalhar a ponta
de maneira a fazer o “anel”. No entanto, há, também, aqueles que cortam e moldam o anel
apenas com suas próprias mãos e dedos como aprendemos com o Mestre Pé de Chumbo do
Centro Esportivo de Capoeira Angola – Academia João Pequeno de Pastinha.
Outros elementos que compõem o berimbau são: a cabaça (a qual funciona
como caixa de ressonância) com barbante (para poder prendê-la à verga) que é colocada na
parte inferior, fixa, a mais ou menos, um palmo da extremidade inferior da verga; o dobrão
(uma espécie de “moeda” feita preferencialmente de cobre), o caxixi e uma baqueta. Assim o
instrumento fica completo.
133
Para confeccionar um gunga, por exemplo, é necessário escolher cabaças
grandes
107
e, é importante ter mais opções de cabaças para poder testar quais delas “casam
melhor com a verga, para que o berimbau possa emitir um som de maior qualidade. Uma
cabaça pequena (em torno de 9,0 ou 10cm de diâmetro) será própria para a confecção do
viola, o berimbau mais agudo. Geralmente, a parte da cabaça onde havia o talo da planta é o
local onde se faz os dois furinhos (a uma distância entre os mesmos de dois dedos, ou de
2,5cm, a depender do tamanho da cabaça, do diâmetro da verga a ser casada com a cabaça
etc.). Na outra extremidade é feita uma abertura circular nela ao serrá-la. Tal abertura deverá
ter uns 3,0cm a menos de diâmetro se considerarmos uma cabaça de uns 17cm de diâmetro. É
claro que estas medidas dependerão não só do tamanho da cabaça, mas também, do seu
formato. E, dependendo do formato da cabaça, a sua parte serrada poderá ser aproveitada na
confecção do caxixi. A baqueta ou vaqueta feita de bambu, ou de outro tipo de madeira,
deverá ter uns 38cm de cumprimento e uns 0,6cm de diâmetro.
Com o fragmento da descrição sobre a confecção do berimbau (pois, na
verdade, há muitas minuciosas e indescritíveis técnicas no processo da confecção do
instrumento), dirigindo a atenção à verga e à corda de aço, à cabaça etc., já é possível
observar que os detalhes “plásticos” influenciam na qualidade sonora do instrumento.
Gostaríamos de salientar que os “bons berimbaus” feitos para uso ritual (isto é,
na roda de capoeira angola), costumam ter a biriba como verga, isto é, madeira que enverga,
“que dará arco para o berimbau”. De acordo com o GAMBA (1996) o nome científico da
biriba é Eschweilera ovata.
Para a extração desta madeira também há técnicas próprias que, inclusive,
sinalizam para um cuidado com os “recursos naturais”.
107 Uma cabaça em torno de 17 cm de diâmetro pode ser utilizada para fazer gunga. Às vezes, dependendo da
verga utilizada e casada com uma cabaça deste tamanho podemos ter um berimbau médio.
134
Para a extração da biriba fomos à mata localizada nas proximidades da foz do rio
Pojuca, pertencente à Reserva Privada de Sapiranga – Fundação Garcia D’Ávila,
no município de São João – BA. Antes de adentrá-la houve um ritual que se iniciou
com a quebra de uma folha de árvore/planta “protetora e orientadora”, orações
para não se perder na mata, além de considerar a fase de “lua escura” como
melhor época para a extração da madeira. Era necessário, também, um
conhecimento específico para conseguir identificar a biriba na mata, verificar
como se corta para que ela tenha a capacidade de rebrotar, observar a melhor
época para o corte, enfim, respeitar o ritmo/ciclo natural da sua rebrota etc.
(Simões e Cardoso, 2004).
Diante do exposto, vale ressaltar que subjacente à confecção de um “bom
berimbau” está a percepção estética de grandes mestres de capoeira, não só relacionada a uma
escuta aguçada para a afinação do instrumento, mas também para a plasticidade do mesmo,o
que os permitem salientar a diferença existente entre o berimbau para turista, vendido,
sobretudo, no Mercado Modelo e utilizado como objeto de decoração e/ou lembrança da
Bahia e, o berimbau utilizado na roda (objeto ritual)” (Simões e Cardoso, 2004).
Assim, o instrumento musical que dita as normas e exercita no “angoleiro” a
orientação de sua conduta na roda, durante o jogo, é o berimbau e, sendo ele um símbolo
importante no ritual, o domínio da técnica relativa à sua confecção indica uma posição
respeitável do angoleiro no meio capoeirístico. Mas, é importante lembrar que, além de
instrumento musical, o berimbau, até recentemente, podia se tornar numa arma.
Era muita desordem que capoeirista fazia; não era propriamente por ele, era
também provocada, porque se estava numa vadiação, com um berimbau na mão,
eles passavam e queriam tomar para quebrar; aí inflamava, né! Muitos
capoeiristas não queriam perder seu instrumento. Então eles tinham que brigar.
Um instrumento, por exemplo, como o berimbau, não é somente instrumento. Muita
gente tem que é só instrumento Berimbau, berimbau, berimbau. Berimbau é
música, é instrumento musical. Também é instrumento ofensivo. Na ocasião da
alegria é um instrumento, e na hora da dor ele deixa de ser instrumento para ser
uma foice de mão. (...) No meu tempo eu usava também uma foicezinha do tamanho
de uma chave. A foice vinha com um corte e um anel, para encaixar no cabo. Mas
eu, como era muito bondoso, era muito amoroso pra aqueles que quisessem me
ofender, eu então mandava abrir outro corte nas costas; se eu pudesse mandava
abrir outro mais, mas não podia; então abria outro corte, ficava dois cortes. E na
hora, desmontava o berimbau, encaixava a foice, aí eu ia manejar, né. Porque o
capoeirista tem a mentalidade para tudo e quanto mais o capoeirista é calmo,
melhor para o capoeirista (Mestre Pastinha,).
135
Além de Mestre Pastinha, Mestre Noronha/Daniel Coutinho (1993, p. 28-29)
também faz referência, em seus manuscritos, às armas utilizadas na capoeira. Ele cita,
primeiramente, o “nafé” (“nome particulal de uma navalha para sua defeiza pessoal que é
uma nafe arma curta e ligeira para quem sabe manobral com a navalha”) e, depois, o
“berinbão”, referindo-se aí à utilização do instrumento musical “berimbau” enquanto arma.
Assim afirma Mestre Noronha:
Sinhores capoerista e profesor de cademia preste bem atenção o birinbão é um
itrumento que dirige a roda de capoeira que tem todas as suas pontuação de toda
formação de jogo que é indicado pello toque do bernbão que tem fundamento para
sua abertura de jogo de dentro. Sinhores professor este itrumento que ci chamma
berinbão é uma arma do capoerista nais hora nececaria para barulho a sua defeiza
está em sua mão não são todos capoerista que sabe deste difinição que o berinbão
e uma arma A verga é um caceite para dfender e dar a vaqueita é para fural e si
defender do inimigo Esta instrução é dos velhos metres que sabe entral e sair de
um barulho (MESTRE NORONHA/DANIEL COUTINHO, 1993, pp. 28-29).
Duas observações devem ser feitas quanto a citação acima: primeiro, é que ela
foi escrita da mesma forma encontrada nos manuscritos de Mestre Noronha e, segundo, que a
palavra “barulho” é empregada nela como sinônimo de briga, confusão.
O uso do berimbau, enquanto arma, não foi observado durante a pesquisa de
campo, porém, Mestre Pé de Chumbo e alguns integrantes do grupo demonstraram, em forma
de discurso, algum conhecimento sobre tais técnicas.
Outros toques são ensinados pelo Ceca – AJPP, tais como o “Cavalaria” que
era utilizado como forma de aviso da vinda da cavalaria montada, a qual representava perigo
para o capoeirista, uma vez que tais policiais eram instrumentos da repressão
108
à capoeira; o
108
Oliveira (1956, p. 251), referindo-se à forte repressão que a capoeira sofreu, afirma que, no Rio de Janeiro,
onde ela se “revelava mais agressiva” e onde não havia conhecimento deste instrumento, houve o
desaparecimento da mesma. Já na Bahia (tanto em Salvador, quanto no Recôncavo) os negros “esconderam a
capoeira associando-a ao berimbau e ao pandeiro. E se aproximava alguém que não fosse do grupo fácil se
tornava, sem interrupção da música, substituir o jogo da capoeira por uma dança”. Pires (2004, p. 39), por sua
vez, em relação à repressão, remete-nos ao código de posturas da cidade de Salvador o qual revela que, em 1831,
a Câmara Municipal de Salvador proibia os ‘batuques, danças e ajuntamentos em qualquer hora e lugar, sob
pena de oito dias de prisão’”. Segundo o autor, a expressão “batuque” podia representar diversas expressões
culturais e, a repressão, portanto, acabava abarcando não só os grupos que fizessem uso de movimentos
136
“Iúna”, “Santa Maria”, “Jogo de Dentro”, no entanto, nos fixamos nos três principais
(“Angola”, “São Bento Grande” e “São Bento Pequeno”) utilizados durante a roda.
Vale ainda salientar que, no estudo “Berimbau: o arco musical da capoeira na
Bahia”, Oliveira (1956, p. 251) aponta que a música na capoeira teve, a princípio, finalidade
de simulação, depois é que ela “adquiriu a faculdade de animar os participantes da função,
regulando-lhes a conduta” e afastando-lhes a fadiga. Nos dias de hoje é inimaginável uma
roda de capoeira angola sem música.
Dada a demonstração da importância do berimbau na capoeira angola, vejamos
mais detidamente sobre a questão do canto.
2. 2 O canto
De acordo com Singer apud Sullivan (1986), as performances culturais são
“caminhos nos quais o conteúdo cultural de uma tradição é organizado e transmitido em
ocasiões particulares a partir de um meio específico”, no estudo em questão, esse “meio” é o
próprio corpo do capoeirista, que joga, toca e canta na roda de capoeira, no entanto,
gostaríamos de frisar que o alcance da compreensão dessa performance, em parte, foi
possibilitado considerando os meios/medias “vinil”, CDs, etc. nos quais são registradas as
sonoridades musicais de respeitados Mestres de capoeira.
O aprendizado musical dos angoleiros depende, é claro, do treinamento dos
toques e do canto, porém, eles têm o hábito de ouvir as músicas gravadas pelos velhos
mestres, e/ou pelo seu mestre, como é o caso dos alunos de Mestre Pé de Chumbo que ouvem
corporais, mas também, de cantos e instrumentos musicais. Por fim, é com a chegada da República que se acirra
a repressão aos capoeiras, pois, a partir do artigo 402 do código penal de 1890 foram criadas penalidades para os
capoeiras (ibid. p. 18).
137
também o seu CD “Mestre Pé de Chumbo e convidados”, tanto para aperfeiçoar seus toques,
cantos, preparando-se, inclusive, para comporem suas próprias músicas etc, como também,
pelo prazer em si de apreciar tal música. Salientamos que muitas cantigas de capoeira
presentes na roda são de domínio público, mas há também as de autoria conhecida.
Lembramos que Mestre Pastinha é considerado o poeta da capoeira angola e, uma forma de os
angoleiros seguirem seu exemplo é, justamente, comporem também suas cantigas.
Comecemos, para ilustrar como a roda é iniciada por Mestre João Pequeno de
Pastinha, transcrevendo a seguir, a ladainhaQuando eu aqui cheguei” de sua composição.
QUANDO EU AQUI CHEGUEI
109
110
01 - Quando eu aqui cheguei
02- Quando eu aqui cheguei
03 - a todos eu vim louvá,
04 - vim louvá a Deus primero
05 - e os moradô desse lugá
06 - Agora eu tô cantando
07 - cantando canto em louvô
08 - Tô louvando a Jesus Cristo
09 - Tô louvando a Jesus Cristo
10 - porque nos abençoô
11 - Tô louvando e tô rogando
12 - ao pai que nos criou
13 - Abençoe esta cidade
14 - Abençoe esta cidade
15 - com todos seus moradores
16 - e na roda de capoeira
17 - abençoe os jogadores, camaradinho
18 - É mandinguêro (P)
19 - Iê é mandinguêro, camará (C)
20 - Oi io io é mandingá (P)
21 - Iê é mandingá, camará (C)
22 - Oi io io sabe joga (P)
23 - Iê sabe jogá, camará (C)
24 - Oi io io joga daqui prá lá (P)
25 - Iê jogue prá lá, camará (C)
26 - Oi io io joga aqui prá cá (P)
27 - Iê jogue prá cá, camará (C)
109
JOÃO PEQUENO, Mestre, 1989.
110
Como já foi apontado no início da tese, Iê é cantado tanto para dar início à roda, quanto para dar início ao
jogo entre mestres e/ou para reiniciar jogos interrompidos, geralmente, devido à condutas não aprovadas durante
o jogo.
138
28 - Oi volta que mundo deu (P)
29 - Iê que o mundo deu,camará (C)
30 - Oi io io que o mundo dá (P)
31 - Iê, que o mundo dá, camará (C
)
A ladainha (versos 1 ao 17)
111
é um tipo de cantiga na qual é contada uma
história, ou é feita uma oração, uma louvação, um desabafo, uma provocação, ou é dado um
aviso etc. Ela é cantada solo, ou seja, puxada pelo mestre. Na ladainha de Mestre João
Pequeno são feitas, simultaneamente, uma oração e uma louvação que indica Deus numa
posição superior em relação aos “moradores” (sejam os da cidade onde ele mora ou das
diversas cidades pelas quais ele passa
112
).
Assim, ele louva a Deus primeiro como uma maneira de pedir proteção dos
perigos da vida e, depois, louva os capoeiristas presentes na roda como uma maneira de
agradar o público e, conseqüentemente, criar um ambiente pacífico, controlando assim, a
violência. Neste momento, os dois jogadores estão agachados no pé do berimbau, ouvindo
atentamente a mensagem (não há jogo) e, os instrumentos que acompanham o canto são
apenas os três berimbaus e o pandeiro.
111
Para dar suporte à análise, antecedendo cada verso, há um número correspondente a ele. E, a partir da
“chula”, há no final de cada verso a letra (P) que significa puxador e a letra (C), que significa coro.
112
Mestre João Pequeno viajou e viaja pelo mundo todo ensinando capoeira angola.
139
Figura 17 - Mestre João Pequeno com seu companheiro de jogo no pé do berimbau. Neste momento, Mestre
João Pequeno estava cantando a ladainha de sua composição transcrita anteriormente. A situação de cantar
ladainha no “pé do berimbau” geralmente se dá quando o próprio mestre será o jogador. Assim, a ladainha não
foi cantada a partir da posição do mestre no gunga. Observar que estão tocando somente os três berimbaus e o
pandeiro. A obediência à hierarquia na bateria é mais rigorosa, geralmente, em relação a tais instrumentos que
são tocados no momento da ladainha, tanto é que no gunga está o Mestre Moraes; no médio, Mestre Ciro; no
viola Mestre Pé de Chumbo e, no pandeiro, o Professor Topete. (Foto: Rosa Simões).
Logo em seguida à ladainha (geralmente após a palavra “camaradinha (o)”
como consta no verso 17), vem a chula (versos 18 ao 31). Nela o “cantador” ou “puxador”
(geralmente o mestre) canta um verso e os presentes respondem em coro repetindo o verso
puxado ou cantado. Neste momento, os jogadores também respondem ao coro e se apontam,
reciprocamente, elevando ambas as mãos enfatizando com tal gesto a afirmação “é
mandingueiro”, “sabe joga” etc.
Quando é cantado “Oi volta que mundo deu”
113
, os jogadores estão autorizados
para começar o jogo, para tanto, eles se cumprimentam e, realizam o primeiro movimento de
seu jogo na direção dos berimbaus, como uma maneira de cumprimentá-los primeiramente
113
Ou “Iê dá volta ao mundo”.
140
(por exemplo, os dois jogadores realizam, um de frente para o outro, uma queda de rim,
ambos na direção dos berimbaus).
A partir daí, começam a cantar os corridos nos quais também há resposta de
coro, mas, diferentemente da chula, os versos respondidos em forma de coro são constantes e
específicos a cada corrido.
Exemplo:
Tem dendê
1 - Tem dendê, tem dendê (P)
2 - O jogo de angola tem dendê (P)
3 - Tem dendê, tem dendê (C)
4 - Jogo de baixo tem dendê (P)
5 - Tem dendê, tem dendê (C)
(domínio público)
Levando em conta que o azeite de dendê é um importante tempero da culinária
baiana, este corrido é cantado quando o jogo está “gostoso”, está bonito, bem elaborado, em
que os jogadores estão, elegantemente, conversando por meio de seus corpos. Para dar início
ao corrido, os dois primeiros versos são puxados pelo mestre (ou outro tocador e/ou cantador
que esteja assumindo a sua posição na bateria) e, a partir do 4
o
. verso, o coro responde
alternadamente a cada verso puxado (o qual pode ser repetido inúmeras vezes até o jogo
“pedir” outro tipo de canto ou a bateria querer outro tipo de jogo).
Outro corrido que pode ser cantado como forma de reforçar o diálogo corporal
(apontando os contrários como parte deste) e/ou chamar a atenção para que haja perguntas e
respostas no jogo, caso esteja ocorrendo “golpes em vão” é o:
Oi sim, sim, sim, oi, não, não, não
Oi sim, sim, sim (P)
Oi não, não, não (P)
Oi sim, sim, sim (C)
Oi não, não, não (C)
141
Oi sim, sim, sim, sim (P)
Oi não, não, não, não (P)
Oi sim, sim, sim (C)
Oi não, não, não (C)
Oi sim, sim, sim, sim, sim (P)
Oi não, não, não, não, não (P)
Oi sim, sim, sim (C)
Oi não, não, não (C)
(domínio público)
Se o jogo está agressivo, alto, pode-se cantar o corrido, “Bujão” como forma
de solicitar para que os jogadores joguem dentro das regras da capoeira angola:
Bujão
Ô Bujão, ô Bujão, ô Bujão (P)
Capoeira angola não é agressão, ô Bujão (P)
Ô Bujão, ô Bujão, o Bujão (C)
Capoeira angola é um aperto de mão, ô Bujão (P)
Ô Bujão, ô Bujão, o Bujão (C)
Capoeira angola é jogada no chão, ô Bujão (P)
Ô Bujão, ô Bujão, o Bujão (C)
Jogue com o pé e não toque com a mão, ô Bujão
Ô Bujão, ô Bujão, o Bujão (C)
Capoeira de angola não suja o roupão, ô Bujão
Ô Bujão, ô Bujão, o Bujão (C)
(Mestre João Pequeno, 1989)
Dada a descrição dos três tipos de cantigas de capoeira (ladainha, chula e
corridos), na seqüência como ocorrem no ritual da roda, transcrevemos a seguir mais uma
ladainha para ilustrar outros ensinamentos dados por meio dela os quais foram obtidos do
registro da voz do falecido Mestre Waldemar Rodrigues da Paixão (1986, CD musical),
considerado no meio capoeirístico, “o Cantador dos Cantadores”.
RIACHÃO TAVA CANTANDO
01 - Riachão tava cantando
02 - Riachão tava cantando
03 - Ô meu bem na cidade do Açú
04 - Quando apareceu um negro
05 - Oi meu bem,
06 - Da espécie de urubu
07 - Tinha camisa de sola
142
08 - Calça de couro cru
09 - Beiços grossos e virados,
10 - Ô meu bem
11 - Como a sola de um chinelo
12 - Um olho muito encarnado
13 - O outro bastante amarelo
14 - Ele chamou o Riachão
15 - Oi meu bem,
16 - Para vim cantá martelo
17 - Riachão arrespondeu
18 - Eu aqui não tô cantando
19 - Oi meu bem
20 - Com negro desconhecido
21 - Ele pode ser cativo
22 - E andar aqui fugido
23 - Camaradinha
24 - Aruandê
25 - Iê aruandê, camará
26 - Vamo nos embora
27 - Iê vamo nos embora, camará
28 - Pelo mundo afora
29 - Iê pelo mundo afora, camará
30 - O galo cantou
31 - Iê galo cantou, câmara
Alguns elementos a serem observados em relação ao canto são: o próprio
sotaque baiano, o português coloquial específico (tanto da geração a qual pertencia Mestre
Waldemar quanto ao local onde viveu), a presença de corrutelas etc.
Rego (1968, p. 126) afirmaria: “As cantigas de capoeira fornecem valiosos
elementos para o estudo da vida brasileira, em suas várias manifestações, os quais podem ser
examinados sob o ponto de vista lingüístico, folclórico, etnográfico e sócio-histórico”.
No caso da ladainha “Riachão tava cantando” podemos observar que os dois
primeiros versos repetem o título da ladainha. Segundo Rego (1968), “Riachão é o nome
próprio designativo do cantador Manoel Riachão de Lima”. Chimichaque (1993, p. 33-39)
pautada em Barros que escreve a “Peleja de Manoel Riachão com o Diabo”, afirma que a
partir desta literatura de cordel é encontrada a lenda sobre o desafio entre dois cantadores
repentistas, “Riachão” e o “negro desconhecido”, sendo o primeiro, o contrário do segundo,
ou seja, muito conhecido no nordeste brasileiro e que a “cidade do Açu” (presente no verso 3)
é localizada no Rio Grande do Norte.
143
A análise hermenêutica que Chimichaque faz mostra que “Mestre Waldemar
começa narrando a história do repentista Riachão dos versos 1 ao 9”, ao voltarmos nela
percebemos que a ladainha inteira é a história do Riachão. Do 4
o
. verso ao 13
o
. é feita a
descrição do “negro” que aparece na história. Nos versos 14 ao 16 temos o convite feito pelo
negro desconhecido” ao “Riachão” para o desafio, provavelmente em forma de repente,
como podemos ver na expressão “cantar martelo
114
. Do verso 17 ao 22 Riachão justifica
porque não aceita cantar com “o negro desconhecido” apontando para a possibilidade do
negro ser “cativo” e “fugido”.
Se considerarmos o momento da roda em que possa vir a ser cantada essa
ladainha, ou seja, o contexto de onde partiria o canto, essa justificativa poderia significar tanto
o retrato do preconceito relativo ao negro na sociedade brasileira, quanto um aviso para se ter
cuidado com o “desconhecido” ou até mesmo de se precaver da repressão que poderia advir
como conseqüência em se relacionar com “cativos” (o escravo que é uma propriedade alheia a
Riachão, no caso).
Já o “camaradinha”, tanto presente no verso 23 de “Riachão tava cantando’
quanto no verso 17 da ladainha “Quando eu aqui cheguei” de Mestre João Pequeno (como já
foi apontado a momentos atrás) indica que o canto é destinado para alguém, isto é, a
mensagem, em forma de versos cantados, estava sendo destinada aos jogadores e à platéia
(que geralmente é composta por outros capoeiristas que irão jogar). É em tais versos que se dá
a passagem da ladainha para a chula, pois, ao cantar “camaradinha” é dado o aviso, é feito o
convite ao público para a resposta do coro.
No caso de “Riachão tava cantando”, a chula começa, portanto, a partir do
verso 24 e vai até ao 31.
114
De acordo com Rego (1969, p. 186) martelo é o “nome dado pelo sertanejo a um verso de dez sílabas, com
seis, sete, oito, nove ou dez linhas (...)”
144
Enfim, alguns significados se destacaram das poesias contidas nas cantigas, o
que também ocorre se dirigirmos um ouvido atento aos detalhes sonoros da própria técnica
vocal durante o canto e à estética própria de interpretação (no sentido aqui, de canto) na
capoeira que tem como característica a expressão do “lamento”
115
.
Diz a lenda que havia, na beira do rio, uma linda donzela a tomar água com as
mãos postas em concha, quando, repentinamente, foi atacada por um homem que a
matou. O espírito da donzela se encantou no berimbau. A verga é o seu corpo. O
fio de aço, seus longos cabelos. A cabaça, as mãos que estavam postas em concha.
O som melancólico é o choro da donzela...” (domínio público)
116
O berimbau está estritamente relacionado ao canto, pois este instrumento, cuja
característica sonora principal são os microtons
117
, influencia no canto, uma vez que esta
percepção dos microtons emitidos pelo instrumento fará com que o “interprete” (o cantador)
assimile essa característica sonora do berimbau, transportando-a para a técnica vocal que,
passará também a explorar os microtons, os quais expressam, sobretudo, o “lamento”.
A partir da relação entre tocar e cantar (para o que é necessário compreender o
que se está cantando - por isso a contribuição da análise interpretativa da letra da música para
a “interpretação/canto”), podemos afirmar, dentre outras coisas, que a música na capoeira
angola é feita atrelada a uma sensibilização do “angoleiro” para as mínimas diferenças
sonoras, ou seja, os pontos de passagem que são tais microtons. Assim, apesar de no canto
também serem consideradas as notas alvo (notas do sistema europeu) há uma transcendência
115
A própria lenda do berimbau remete à idéia do lamento, já que o som emitido por ele representa o som do
choro da donzela atacada na beira do rio.
116
Oliveira (1956, p. 229, 247) pautado nas lendas recolhidas por Curt Sachs demonstra uma outra versão da
lenda supracitada. Segundo o autor, a versão a seguir é oriunda do leste e do norte da África: “Uma menina saiu
a passeio. Ao atravessar um córrego, abaixou-se e tomou a água no côncavo de suas mãos. No momento em
que, sofregamente, saciava a sede, um homem deu-lhe forte pancada na nuca. Ao morrer, transformou-se,
imediatamente, num arco musical: seu corpo se converteu no madeiro, seus membros na corda, sua cabeça na
caixa de ressonância e seu espírito na música dolente e sentimental”.
117
De acordo com Kennedy (1994, 457) o microtom é relativo a “todos os intervalos que são menores que os
meios-tons do sistema de afinação de temperamento das doze notas”.
145
deste, uma vez que melodicamente
118
valoriza muito mais os microtons existentes entre os
meios tons de um tom ao outro, do que a própria nota definida.
Aliás, seria mais correto enfocar a discussão sobre a música na capoeira,
relacionando-a à música modal
119
em vez da música tonal, já que na primeira o “pulso” é
dominante em detrimento ao parâmetro das alturas melódicas, “enquanto um traço
singularizador da música ocidental” (Wisnik, 2002, p. 11).
Este mesmo autor afirma:
(...) um modo não é apenas um conjunto de notas mas uma estrutura de
recorrência sonora ritualizada por um uso. As notas reunidas na escala são
fetichizadas como talismãs dotados de certos poderes psicossomáticos, ou, em
outros termos, como manifestação de uma eficácia simbólica (dada pela
possibilidade de detonarem diferentes disposições afetivas: sensuais, bélicas,
contemplativas, eufóricas ou outras) (WISNIK, 2002, p. 75)
.
Com tais observações, busco apontar a sutileza do estilo musical da capoeira
angola levando em conta que nela, uma das formas de se “dar o ensinamento” é por meio do
canto, no entanto, vejo que este ensinamento se dá transcendendo as mensagens transmitidas
pela poesia contida nas cantigas, já que na escuta, nas técnicas de canto e de toques nos
instrumentos são exploradas as sensibilidades sonoras no todo do ritual.
118
Melodia (Ibid, 449). “Uma sucessão de notas, variáveis em alturas, que tem uma forma organizada e
reconhecível. A melodia é horizontal, ou seja, as notas são ouvidas consecutivamente, ao contrário da
harmonia, em que as notas soam simultaneamente (vertical).” Vale observar que toda melodia tem altura, ritmo
e harmonia (esta última, se considerarmos que cada nota tem uma série harmônica). E, qualquer música, mesmo
que ela tenha uma nota apenas, tem ritmo.
119
Wisnik (2002, p. 9, 77) entende que o “campo modal” “abrange toda a vasta gama das tradições pré-
modernas: as músicas dos povos africanos, dos indianos, chineses, japoneses, árabes, indonésios, indígenas das
Américas, entre outras culturas”. (...) “Como o mundo modal não se baseia na ordem da representação (estética
e política), mas na ordem do sacrifício, a descrição sócio-econômica e cosmológica da escala não se faz, como
uma simples metáfora da sociedade, mas como um instrumento ritual de manutenção da ordem contra as
contradições que a dissolveriam”.
146
2.3 O jogo de capoeira
Vadiação, brincadeira, são outros nomes com que os negros designavam na Bahia
o jogo de capoeira. Capoeira se luta, joga, brinca, é algo que se faz entre amigos e
companheiros (Sodré, 1983: 203).
O jogo ocorre num sistema hierárquico cujo ritual engloba, como foi dito
anteriormente, os toques, a disponibilidade dos instrumentos musicais, o canto etc. Cada um,
na roda de capoeira, tem seu papel a desempenhar.
Um jogo de capoeira angola se desenvolve na roda (lembrando que esta
representa “o mundo velho de Deus” - o universo) e dela fazem parte, os tocadores, os
mestres, discípulos, jogadores e até mesmo, platéia de não capoeiristas, no caso de uma roda
aberta.
Quem não estiver jogando, ou tocando algum instrumento, presta atenção no
jogo e responde ao coro, pois, considerando que o jogo de capoeira angola é um jogo
consciente no qual o (a) capoeirista deve saber o que fazer durante o jogo (que se estende para
o cotidiano da vida), é necessário observar o outro, analisar seu jeito de agir, para finalmente,
saber com quem se está jogando (se relacionando), ou com quem se vai jogar.
A atenção deve ser dirigida não só ao jogo, mas também no que está sendo
cantado, pois, como já foi apontado, durante o jogo, é por meio do canto que o ensinamento
da capoeira é dado, já que ele direciona a comunicação não verbal dos jogadores.
Após ser cantada uma ladainha, ou seja, após aquele momento de concentração
dos jogadores, o berimbau (geralmente o gunga) pode ser inclinado para frente e para baixo,
como sinal para que se inicie o jogo. Às vezes, somente a chula serve como sinal para início
do jogo.
147
Com relação aos movimentos corporais do jogo de capoeira angola, os mesmos
são realizados de forma que possibilite um diálogo não-verbal entre os dois jogadores e a
principal preocupação que se tem não é de atacar e sim de saber se defender e, aí, o equilíbrio
é a principal qualidade que acompanha a (o) capoeira, não num sentido restrito de equilíbrio,
mas sim, num sentido mais amplo, ou seja, de extrapolar a questão do equilíbrio para a vida,
de ser uma pessoa equilibrada, seja no movimento específico da capoeira, seja na relação com
o outro no cotidiano. A violência, neste jogo, não deve ter espaço, ela deve ser controlada.
Tudo deve ser feito com educação, diversão (vadiagem) e respeito. O “outro” não é um
adversário, e sim o camarada (companheiro de jogo), que possibilita aprender mais, pois,
constantemente, cria-se em situação de jogo.
As (os) capoeiras jogam por tempo indeterminado, a duração de cada jogo
pode ser de cinco, dez minutos, meia hora etc., mas, quando o berimbau chamar através de um
toque específico e/ou inclinação do gunga (para a frente e para baixo), que avisa o término do
jogo, estes deverão voltar para perto dos berimbaus (e aqui novamente temos uma situação em
que o jogador vai para o pé do berimbau), os dois se cumprimentam, como todo bom
camaradinha e, aí, entram outros dois capoeiras.
Tanto para início quanto para término do jogo os capoeiristas devem ir para o
pé do berimbau.
O jogo de capoeira é “manhoso” o que significa dizer que ele é malicioso, isto
é, seus movimentos corporais são feitos com intencionalidade, com uma consciência dirigida
para um agir.
Cada atitude da (o) capoeira, na roda propriamente dita, ou na roda da vida,
deve ser um ato de sabedoria e, cada falha cometida pelo angoleiro é mais um motivo para se
repensar em suas atitudes.
148
Para ilustrar melhor o que foi dito até aqui sobre os movimentos corporais do
jogo, vide Apêndice A, em que consta a descrição, feita a partir de uma fita de vídeo que
continha um jogo de capoeira angola entre dois integrantes do Ceca – AJPP. Após observação
minuciosa dos movimentos, estes foram descritos um a um da seguinte forma: os movimentos
foram enumerados de acordo com a ordem pela qual apareciam, ou seja, a partir do primeiro
movimento executado por um dos jogadores, seguiu-se a numeração, respeitando-se quem
fazia o movimento. A descrição foi disposta em duas colunas. Na coluna da esquerda o
jogador A fez o primeiro movimento, em seguida, o jogador B executou outro movimento (a
descrição passou então para a coluna da direita), mantendo-se sempre a ordem numérica
relativa à ordem da realização dos movimentos.
Alguns movimentos e conjuntos de movimentos (tanto de um dos jogadores
como da seqüência de movimentos entre os dois jogadores) foram escolhidos enquanto
unidades que têm um caráter de significados existenciais, isto é, características gestuais
reveladoras.
Estas unidades de significados revelaram alguns significados vividos no gesto,
tomado aqui como sendo um evento de vida e de representações coletivas.
2.3.1 A seqüência de movimentos dos jogadores e a música
O momento culminante [do rito] nada mais é do que uma fase de uma seqüência
que sistematicamente comporta outros momentos e movimentos. A interpretação de
uma fase é sempre parcial e, por vezes enganadora, mas o estudo do momento
anterior e do momento posterior é fundamental para o entendimento do ritual (DA
MATTA in VAN GENNEP, 1978, p. 18).
149
O jogo descrito no Apêndice A teve a duração de três minutos e vinte e quatro
segundos. Nele, os dois capoeiristas entraram para jogar durante o corrido “Vou dizer a meu
senhor que a manteiga derramou”. Vale notar que os angoleiros quando vão jogar sempre
saem do pé do berimbau, no entanto, não necessariamente, haverá o canto da ladainha e da
chula respectivamente para dar início a cada novo jogo. A ladainha e a chula são cantadas
geralmente na abertura (início) da roda e nas retomadas de interrupção da bateria.
O mestre, quando interrompe a bateria, não o faz imediatamente, pois deve
haver a conclusão do jogo, do canto. A bateria é interrompida em situações como: 1) a
chegada de algum mestre, pois, devido ao respeito destinado a este, profere-se formalmente
algumas palavras de boas vindas e, geralmente, há a troca de tocadores que compõem a
bateria; 2) quando chega algum capoeirista de outros grupos para visitar e/ou participar da
roda; 3) para orientar os alunos (quando a roda é exclusiva do grupo); 4) quando,
eventualmente, o jogo está violento (para controle da violência).
Além dos jogadores “sairem pelo pé do berimbau” (local em que se dá a
passagem, local de onde ocorre a entrada e a saída da roda, onde é autorizado o início e o
término do jogo), estes deverão atuar com respeito um ao outro, com elegância e cortesia.
O movimento de número 1 (convite para o jogo) ilustra tais valores quando o
jogador A, agachado (plano baixo), estende os braços, apontando com as mãos abertas e com
a cabeça acompanhando tal movimentos dos braços em direção ao centro da roda. Tal gesto
“diz”: passe você, por favor; ou, vá você primeiro. O jogador B, que se encontra em pé com
pernas afastadas e flexionando o tronco lateralmente para apoiar sua mão direita no chão e
girar em torno desta (plano médio) ao ficar de costas, mantém o olhar no oponente, ou seja,
ele responde à cortesia do jogador A com uma dose de desconfiança e realiza o movimento 3
(bananeira), no qual ele (de cabeça para baixo) passa a olhar o jogador A. Nesta bananeira,
150
com as pernas flexionadas ele mostra que está protegendo seu abdômen, isto é, o jogador B
aceita o convite do jogador A se protegendo.
O corrido “Vou dizer a meu senhor que a manteiga derramou” (duração: 17
segundos) foi cantado do movimento de número 1 até ao18.
Vou dizer ao meu senhor que a manteiga derramou (P)
120
Vou dizer ao meu senhor que a manteiga derramou (C)
Mas a manteiga do barril caiu no chão se derramou (P)
Vou dizer ao meu senhor que a manteiga derramou (C)
(Domínio público)
Vou dizer ao meu senhor que a manteiga derramou”, metaforicamente,
refere-se à possibilidade da queda de um dos jogadores. Durante a seqüência de movimentos
do número 1 ao 18, no entanto, os jogadores “se estudaram” num jogo de perguntas e
respostas, ataques e defesas (compostos de aús, negativas, rabos de arraia, gingas, cocorinha),
sem, no entanto, ter chegado efetivamente a provocar o desequilíbrio com queda.
Dona Maria do Cambota" (duração: 49 segundos) foi o corrido cantado
durante a seqüência de movimentos do número 19 (do jogador B) ao número 79 (também do
jogador B). Durante os movimentos 80 e 81 (2 segundos ou dois tempos) sobressai na bateria
o toque de São Bento Grande no gunga, antes de começarem a cantar “Adeus Corina Dandã”.
Dona Maria do cambotá (P)
Ela chega na venda, ela manda voltá (P)
Dona Maria do cambotá (C)
Ela chega na venda, ela manda voltá (P)
Dona Maria do cambotá (C)
Ela chega na venda e manda botá (P)
Dona Maria do cambotá (C)
Ela chega na venda, e começa a brigá (P)
Dona Maria do cambotá (C)
Ela chega na venda e dá salto mortá (P)
Dona Maria do cambotá (C)
120
(P) puxador do coro/solista; (C) resposta do coro.
151
Ela chega na venda, e começa a brigá (P)
Dona Maria do cambotá (C)
Ela chega na venda e dá salto mortá
Dona Maria do cambotá (C)
Ela chega na venda e manda botá (P)
Dona Maria do cambotá (C)
(Domínio público)
Na seqüência de movimentos, do número 19 ao 79, houve duas cabeçadas do
jogador A e, desta maneira, em tal fase do jogo, este passou a ser um pouco mais
“desequilibrante” para o jogador B.
Com a cantiga “Dona Maria do Cambotá
121
”, a qual se refere a uma perigosa e
valente mulher, que dá ordem (ela chega na venda, ela manda voltar, manda botar
122
, começa
a brigar, dá salto mortal), há uma certa dose de estímulo ao exercício da autoridade (e do
ataque do jogador A) que pode ser expressa, por exemplo, na cabeçada, ao buscar “se
colocar”, ocupar sua devida posição ampliando a brecha do outro jogador ao pretender
desequilibrá-lo. Por outro lado, esta mesma cantiga pode ser interpretada de maneira
diferente, servindo de estímulo ao jogador B, aparentemente em desvantagem, para que ele
“vire o jogo”, ou ainda, pode ser um aviso ao jogador A para ele tomar cuidado com B (ao
utilizar como metáfora, a figura da mulher que é tida como “fraca” numa sociedade machista),
pois, ele, supostamente “fraco” e/ou aparentemente em desvantagem pode ser perigoso à
semelhança de “Dona Maria do Cambotá que dá salto mortal”. O salto mortal, aqui, significa
121
Camboatá, segundo Rego (1968, p. 154) é um substantivo masculino que “Designa uma qualidade de peixe
pequeno, que vive em água doce (Silurus callichthys, Linneu). Teodoro Sampaio deriva de caabo-oatá, o que
anda pelo mato.” O autor afirma, ainda que, apesar de ser popular a forma camboatá, há alterações tais como,
cambotá, camuatá e tamoatá, sendo esta última encontrada em pesquisas sobre história natural do Brasil, nomes
de plantas e de animais em língua tupi etc. Se considerarmos a característica do peixe (tambuatá) cujo “corpo é
revestido por duas séries de placas ósseas verticais, imbricadas” (FERREIRA, 1986, p. 1645), podemos
interpretar a “Dona Maria” como uma mulher forte, difícil de se quebrar por conta da analogia com o corpo do
peixe revestido com placas ósseas.
122
“Ela chega na venda e manda bota”, segundo Mestre Augusto representa a situação da “Dona Maria do
Cambota” que “mandá bota” uma cachaça no copo para ela tomar.
152
o “golpe certeiro” que pode matar alguém, ao contrário da interpretação ingênua que se refere
a ele como um movimento acrobático perigoso para o próprio executante.
Já durante os movimentos 80 e 81, em que nos 2 segundos (ou dois tempos da
música) sobressai na bateria o toque de São Bento Grande no gunga (devido ao aumento da
intensidade durante a execução do toque – a baqueta é tocada com mais força contra o arame
do berimbau), antes de começarem a cantar “Adeus Corina Dandã”, o que provoca e reforça a
sensação da tensão subjacente à dinâmica do jogo.
Adeus Corina Dandã (P)
123
Eu vou me embora, eu vou me embora (P)
Adeus Corina Dandã (C)
Eu vou me embora, eu vou me embora (P)
Adeus Corina Dandã (C)
Eu vou me embora, eu vou me embora (P)
Adeus Corina Dandã (C)
Eu vou jogar a capoeira (P) - (Ele fala: ‘aumente mais, aumente’)
124
Adeus Corina Dandã (C)
Capoeira só angola (P)
Adeus Corina Dandã (C)
Eu vou me embora, eu vou me embora (P)
Adeus Corina Dandã (C)
(Domínio público)
Na seqüência de movimentos (duração: 42 segundos) que vai do número 82
(jogador A) ao 129 (movimento também do jogador A) temos a repetição de movimentos tais
como ginga, rabo de arraia, negativa na queda de frente, saída de jogo, rasteira, meia lua,
chapa de costas, aú. Nesta seqüência, o movimento que se destacaria seria o de número 95
(chamada de frente) em que o jogador A “desafia”, ao convidar o jogador B, apontando com
as mãos para o ventre, a entrar na cabeçada.
123
Este corrido remete à despedida do capoeirista que, ao dizer “Adeus Corina Dandã”, avisa à suposta mulher
que ele vai embora para jogar capoeira angola, ilustrando, assim, ao “abandonar tudo” pela capoeira, sua
respectiva importância em sua vida.
124
O puxador fala se referindo aos tocadores orientando-os para aumentarem a intensidade dos toques nos
instrumentos
153
Do movimento de número 130 ao 215, seqüência que começa e termina com
movimentos do jogador B (duração: 1 minuto), o corrido “Capoeira, capu, maculelê,
maracatu” é cantado:
01 - Quando meu filho nascer (P)
02 - Vou perguntar à parteira (P)
03 - Que é que meu filho vai ser? (P)
04 - O meu filho vai ser capoeira (P)
05 - Capoeira, capu (P)
06 - Maculelê, maracatu (C)
07 - Oi Capoeira, capu (P)
08 - Maculelê, maracatu (C)
09 - Oi não tem caratê, tem kung fu (P)
10 - Maculelê, maracatu (C)
11 - Oi não tem caratê, tem kung fu (P)
12 - Maculelê, maracatu (C)
13 -Vou pedi caruru, oi no prato de angu
14 - Maculelê, maracatu
15 - Vou pedi caruru, oi no prato de angu
16 - Maculelê, maracatu
17 - Oi capoeira, capu
18 - Maculelê, maracatu
19 - Ei não tem caratê, não tem kung fu
20 - Maculelê, maracatu
21 - Ei não tem caratê, oi não tem kung fu
(Domínio público)
Durante esta seqüência (130 – 215) os movimentos de ambos os jogadores
passam a ser mais “direto”, “reto” e “saltados e/ou saltitados”, principalmente a partir do
verso de número 6, no qual é expressa um jogo mais ofensivo. No entanto, há uma “virada de
jogo”
125
, ou seja, nela o jogador B inverte a situação em que se encontrava nas duas fases
anteriores, tornando-se assim, mais explicitamente perigoso (como a cantiga “Dona Maria do
Cambotá” havia avisado na seqüência anterior), a exemplo da chapa de costas voadora que B
destina ao A. A cantiga “Capoeira, capu, maculelê, maracatu” pôde ter servido para
estimular B ao ataque ao imprimir mais intensidade no toque e no canto. Por outro lado, ao
125
A “virada de jogo” também é nome de movimento na capoeira.
154
chamar a atenção para o fato de que na capoeira “não tem caratê e nem kung fu” (artes
marciais em que os golpes são diretos, retos e saltados) orienta os jogadores a respeitarem as
regras da capoeira angola que, como o “maculelê” e o “maracatu”, é dançada, tocada e
cantada, o que pode suscitar assim, a delimitação do emprego de tais movimentos. Desta
maneira, por meio da cantiga, é investida a dose certa de estímulo ao ataque, além de delinear
o tipo de ataque, ou seja, o ataque direto é necessário em algum momento, mas, o que deve
ser priorizado é o “ataque flexível”, que é, potencialmente, defesa e ataque simultaneamente.
Retornando ao início da cantiga (do primeiro ao quarto verso), esta expressa a
grandiosidade e importância da capoeira quando o “cantador/puxador” deseja que seu filho
seja também um deles. O pai deseja o bem para seu filho e, o “bem”, é a capoeira, tanto no
sentido de caminho da justiça, quanto no sentido daquilo que o capoeirista deixará como
herança aos “camaradas” (sua tradição).
Do movimento 216 (do jogador A) ao 235 (também do jogador A), seqüência
cuja duração foi de 17 segundos, a ginga (elemento mais representativo da dimensão de dança
na capoeira) ocorreu com mais freqüência, o que demonstra o atendimento à cantiga da
seqüência anterior a esta, a qual se referia afirmativamente ao maculelê e ao maracatu. Houve
duas “saídas de jogo”, uma do jogador A e outra do jogador B. “Saída de jogo” significa
concluir a “conversa” e/ou não aceitar a “pergunta” ou o desafio do outro, desfazendo aquela
jogada e reiniciando outra, durante a própria fluência do jogo em andamento. Daí, cantar
olha lá o negro, olha o negro sinhá” enfatiza tanto a elegância do negro (do capoeirista, do
jogador na “saída do jogo” e na ginga, que evita o “barulho” - a briga, a violência), bem como
a possibilidade dele ser perigoso e, por isso funciona como um aviso para o angoleiro “ficar
esperto”, atento às adversidades do mundo.
Olha lá o negro (P)
Olha o negro, sinhá (C)
Olha lá o negro (P)
155
Olha o negro, sinhá (C)
Olha lá o negro (P)
Olha o negro, sinhá (C)
Olha lá o negro (P)
Olha o negro, sinhá (C)
Olha lá o negro (P)
Olha o negro, sinhá (C)
Olha lá o negro (P)
Olha o negro, sinhá (C)
(Domínio público)
E, a última seqüência do jogo (duração: 17 segundos) foi do movimento 236
(jogador B) ao 255 (jogador A). Esta foi mais de “observação”, além de ambos os jogadores
estarem mais na defensiva. Como exemplo, podemos citar o primeiro movimento da
seqüência, em que o jogador B se afasta dos golpes do jogador A e, em seguida, o jogador A
realiza uma “saída de jogo”.
Ao puxar o corrido “Era Besouro”, o cantador prepara o término deste jogo
fazendo com que todos os presentes na roda se lembrem, ao repetirem os versos “Era
Besouro, era Besouro”, de uma das relíquias da história da capoeira, “Besouro Mangangá”.
E, para expressar a sua preciosidade, compara-o à jóia “cordão de ouro”. Além da comparação
à jóia, Besouro Cordão de Ouro era o outro apelido de Besouro Mangangá - seu nome era
Manoel Henrique (1897? – 1920?). Da linhagem de Tio Alípio de Santo Amaro - BA,
Besouro é símbolo da valentia e do “corpo fechado” (corpo “espiritualmente” tão bem
protegido que faca não fura e, bala não entra).
Mestre João Pequeno, ao contar a história da capoeira, salienta os méritos de
Besouro, no entanto, chama a atenção para o fato da sua controvertida morte ter chegado tão
cedo para ele (seja devido à “trairagem”/traição - uma faca de tucum pelas costas; seja devido
aos confrontos com a polícia) questionando o significado de valentia atrelado à figura de
Besouro. Vale salientar que a honra do capoeira está em encarar o perigo de frente, não trair,
“não pegar o outro pelas costas”, isto sim é valentia, mas, valentia não significa ir de encontro
156
ao adversário explicitamente. Quando a pessoa age achando que é valente, ela pede para
morrer.
Para terminar o jogo, o berimbau “chama” (durante o movimento 251) e os
capoeiristas vão para perto dos berimbaus para se cumprimentarem. Depois do aperto de mão,
em que eles acordam que o jogo terminou, podem, então, deixar a roda
126
.
Era Besouro, era Besouro (P)
Era Besouro, meu cordão de ouro (P)
Era Besouro, era Besouro (C)
Era Besouro, meu cordão de ouro (P)
Era Besouro, era Besouro (C)
(Domínio público)
A tabela a seguir ilustra alguns dados relativos às seqüências de movimentos e
à música na capoeira:
AS MÚSICAS DE CAPOEIRA SEQÜÊNCIA DE
MOVIMENTO
DURAÇÃO DA
SEQÜÊNCIA
TEMPO CORRIDO
NA FITA DE
VÍDEO
Cantiga 1: Vou dizer a meu senhor 1 - Movimento de
número 1 ao 18
17 segundos 17”
Cantiga 2: Dona Maria do Cambotá 2 - Movimento de
número 19 ao 79
49 segundos 1’06”
Toque São Bento Grande evidencia-se no
gunga (2 tempos sem canto)
3 - Movimento de
número 80 ao 81
02 segundos 1’08’’
Cantiga 3: Adeus Corina Dandã 4 - Movimento de
número 82 ao 129
42 segundos 1’50’’
Cantiga 4: Capoeira, capu 5 - Movimento de
número 130 ao 215
1 minuto 2’50’’
Cantiga 5: Olha lá o negro 6 - Movimento de
número 216 ao 235
17 segundos 3’07’’
Cantiga 6: Era Besouro 7 - Movimento de
número 236 ao 255
17 segundos 3’24’’
Figura 18 – A primeira coluna da tabela é destinada à relação das músicas de capoeira. Foram cantados 6
corridos durante o jogo analisado. A segunda sistematiza as sete seqüências extraídas do jogo analisado. A
terceira coluna ilustra ao tempo de duração de suas respectivas seqüências e, a última, torna visível o tempo
corrido na fita.
126
Geralmente, a expressão “os jogadores saem da roda” é relativa ao término do jogo deles. Porém, tais
jogadores assumem outras funções rituais, tais como, sentar em círculo para delimitar o espaço da roda e
“responderem ao coro” (cantar no coro quando são puxados chula e corrido), tocar algum instrumento da bateria,
receber eventuais visitas, acomodando-as em bancos ou cadeiras destinados para a platéia sem que haja
perturbação ao bom andamento da roda.
157
Na descrição e análise deste jogo foi possível observar, por meio das
seqüências de movimentos corporais atreladas à música, justamente o que Da Matta (in VAN
GENNEP, 1978)
127
afirmou na citação que abriu este sub capítulo, ou seja, interpretamos como
momento culminante” (do rito/jogo) a seqüência de número 5 (em que há uma inversão da
situação a qual remete a uma neutralização da fase ofensiva anterior), no entanto, ela só pôde
ser vista como culminante, quando nos atemos no “momento anterior”, em que o jogador B se
encontrava em “desvantagem” no jogo, ou menos ofensivo que o jogador A. Para que
houvesse um equilíbrio no jogo, B se tornou mais ofensivo e, na fase subseqüente à de
número 5 houve uma certa “volta à calma” que prepara o término do jogo.
Vimos, também, que a música orientava todas as passagens das seqüências.
Retomando as contribuições de Van Gennep (1978) e de Turner (1982)
128
, respectivamente,
podemos ver no jogo de capoeira angola a ordenação de um conflito expresso tanto nos
movimentos de ataques e defesas, bem como nas cantigas relativas a cada seqüência de
movimentos. O jogo no todo, enquanto processo ritual, sinaliza, constantemente, a busca do
equilíbrio que é almejado por cada jogador, em seu próprio corpo, mas somente possível, no
contexto do jogo, na relação que um jogador estabelece com o outro, sob orientação da
música que “mantém a ordem”, mesmo, no limite, tendo o poder de promover a “desordem”.
Ou seja, o jogo de capoeira angola contém a “estrutura normativa” e a “antiestrutura”:
The normative structure represents the working equilibrium, the “antistructure”
represents the latent system of potencial alternatives from wich novelty will arise
when contingencies in the normative system require it. We might more correctly
call this second system the protostructural system [he says] because it is the
127
Da Matta fez apresentação do livro “Os ritos de passagem” de Van Gennep, autor este que contribuiu para
revolucionar os estudos sobre ritos ao apontar para a importância do contexto na discussão do significado e para
a valorização das seqüências nos estudos rituais.
128
Lembrando que Turner (1982), em “Liminal to Liminoid, in Play, Flow, and Ritual: An Essay in Comparative
Symbology”, além de apontar as contribuições de Van Gennep em seus estudos no que diz respeito à questão da
liminaridade, chama a atenção para a importância da análise da ação simbólica, tanto a verbal, mas, sobretudo,
para os símbolos não-verbais nos rituais e na arte enquanto sistemas sociais e culturais dinâmicos.
158
precursor of innovative normative forms (BRIAN SUTTON-SMITH apud
TURNER, 1982, p. 28)
129
Vale antes destacar que Turner (1974, p. 5) ao enfatizar a sociedade como
processo vital considera as estruturas e as antiestruturas sociais. Com relação às fases
caracterizadas como antiestrutura social temos a liminaridade (passagens liminares e
“liminares” – pessoas em passagem – não estão aqui nem lá, é um momento de transição que
o ritual promove) e as communitas (marcadas pela experiência da comunhão, num estado de
igualdade em que as hierarquias são quebradas).
No ritual da capoeira angola as hierarquias dificilmente são quebradas - o
mestre é a pessoa no topo da hierarquia. Se tomarmos a capoeira angola como communitas
normativa (ibid, p. 161), na qual sob a influência do tempo, da necessidade de mobilizar e
organizar recursos e da exigência de controle social entre os membros do grupo na
consecução dessas finalidades, a “communitas” existencial (ou espontânea, caracterizada por
um fugaz momento que passa) passa a organizar-se em um sistema social duradouro. É o que
se pode afirmar ao considerar as suas várias fases que vêm desde o período escravocrata até
os dias atuais. A roda é a forma pela qual a capoeira angola se expressa. O início e término de
seu jogo são definidos pela situação criada no “pé do berimbau”
130
que, analogamente à
discussão de Turner (pautado em Van Gennep
131
sobre os rituais de passagem) em relação a
liminaridade, poderia ser considerado uma passagem para um mundo paralelo, “o mundo
129
A estrutura normativa representa o trabalho de equilíbrio, a “antiestrutura” representa o sistema latente das
potenciais alternativas das quais a inovação surgirá quando as contingências no sistema normativo requerê-lo.
Nós podemos chamar a este segundo sistema, mais corretamente, de sistema “protostructural [ele diz] porque ele
é o precursor das novas formas normativas (SUTTON-SMITH apud TURNER, 1982, p. 28). [tradução minha].
130
Aqui vale frisar que a dissertação de mestrado de Barão (1999) inaugura a discussão da capoeira enquanto
performance ritual e os créditos da analogia (inicial) da situação do pé do berimbau enquanto “lugar de
passagem, lugar limiar” (p. 18) devem ser dados à autora.
131
Van Gennep (1978, p. 35-36) ao discutir sobre os limites territoriais que podem demarcar espaços sagrados
diferentes considerando os diferentes povos e, admitindo a rotatividade da noção de sagrado, aponta a existência
de uma zona neutra, a qual é sagrada para os habitantes dos diferentes territórios. Afirma o autor que: “Qualquer
pessoa que passe de um para outro [território] acha-se assim, material e mágico-religiosamente, durante um
tempo mais ou menos longo em uma situação especial, uma vez que flutua entre dois mundos. É esta situação
que designo pelo nome margem (...) esta margem, simultaneamente material e ideal, encontra-se, mais ou menos
pronunciada, em todas as cerimônias que acompanham a passagem de uma situação mágico-religiosa ou social
para outra”.
159
velho de Deus” como afirmam os capoeiras, no qual o tempo cotidiano fica suspenso, a
relação espacial é recriada, novas hierarquias são estabelecidas.
De acordo com Reis apud Barão (1999, p. 23) o sagrado da roda está no chão,
na terra, ao contrário do legado judaico-cristão em que o sagrado se situa no céu, no alto.
Discordo dessa afirmação, pois ao observarmos os “angoleiros” no “pé do berimbau”, o que
foi demonstrado é que a existência do “sagrado”
132
está situada entre o céu e a terra, pois
quando cantam ladainhas de louvação a Deus, ou quando na chula, cantam o verso “Iê viva
meu Deus”, por exemplo, elevam os braços, apontando para o alto com as mãos. Diante disso,
é possível afirmar sim, que há uma valorização do baixo e do lento na capoeira angola
configurando até mesmo uma inversão dos valores apregoados pela moderna sociedade
brasileira
133
. Tal inversão de valores poderia ser considerada em relação ao alto, porém, no
que diz respeito às camadas mais elevadas da sociedade que “comandam e oprimem” as
inferiores, e não no que diz respeito ao legado judaico-cristão, uma vez que muitos angoleiros,
inclusive mestres, se não são católicos ou evangélicos, sincretizam elementos provenientes do
cristianismo na própria capoeira, como por exemplo, o sinal da cruz que representa a
santíssima trindade, como o verso “Cruz, credo, Ave Maria” de corrido cantado em
momentos da roda em que o coro “está fraco”, entre outros.
A rigor, é possível observar que o “sagrado” está na passagem, no limiar entre
o céu e a terra, entre o alto e o baixo, entre a direita e a esquerda, entre o dentro e o fora, ou
seja, não está em nenhum dos pólos, está no processo da constante inversão e re-inversão
destes. A “passagem”, a liminaridade não é visível apenas na situação do pé do berimbau, mas
durante todo o desenvolvimento do jogo, dramatizando (ou ritualizando), assim, situações
sociais.
132
Para Van Gennep (p. 32) o sagrado não é um valor absoluto, mas um valor que indica situações respectivas. A
rotatividade (ou relatividade) da noção do sagrado pode ser representada pelas posições alternadas conforme nos
colocamos na sociedade em geral.
133
Sobre inversão de valores na moderna sociedade brasileira vide discussão de Montero (1985) em relação à
análise do processo ritual da umbanda.
160
Enfim, o que pode ser observado durante o jogo todo (levando em conta este
continuum ordem-desordem) é que, geralmente, há uma inversão e re-inversão constante de
posições/situações durante a movimentação, que possibilita, durante a ação, a constituição de
“novas ordens”, “novos olhares”. Assim, se num determinado momento do jogo a inversão e
re-inversão não estão relacionadas à movimentação nos diferentes planos (exemplo: o jogador
A realiza um movimento no plano alto e o jogador B no baixo, e vice-versa), elas certamente
estarão relacionadas ao ataque e à defesa (quando o jogador A ataca - e há ataque em todos os
planos - o jogador B se defende, e vice-versa). Ou como diz um verso cantado em corrido
quando eu entro você sai, quando eu saio você entra”.
Quando acompanhamos as colunas da descrição, numa leitura vertical, ou seja,
sem acompanhar a seqüência numérica, num primeiro momento, torna-se mais nítida a
fluência de movimentação de cada jogador separadamente. Porém, é impossível isolar os
movimentos de A dos movimentos de B.
No que diz respeito à fluência e sua relação com o todo, Turner (1982, p. 55 –
56), pautado em Csikszentmihalyi e MacAloon, explica que ela denota a sensação holística
presente quando nós atuamos com total envolvimento. A fluência seria, ainda, um estado no
qual a ação flui de acordo com uma lógica interna que parece não necessitar da intervenção da
consciência do elemento componente de um todo, nossa experiência sendo como um fluxo
unificado de um momento ao próximo, no qual nos sentimos no controle de nossas ações e, no
qual há uma pequena distinção entre a pessoa e o ambiente; entre o estímulo e a resposta; ou,
entre o passado, o presente e o futuro. Turner chama a atenção para o fato de que
Csikszentmihalyi estende a noção de fluxo para além do jogo fazendo referência à experiência
criativa na arte, localizando seis elementos ou qualidades da “experiência do fluxo”. Tais
elementos e/ou qualidades foram percebidas no processo de descrição e análise do jogo de
capoeira angola.
161
O primeiro deles é que não há dualismo no fluxo, pois na experiência ocorre a
fusão da ação e de seu estado de consciente, de atenção; o segundo é que a fusão da ação e da
consciência se dá, possivelmente, no centro de atenção [no nosso, caso, a roda], num campo
limitado de estímulos; o terceiro é a perda do ego, já que o “self”, que é normalmente o
“agente” entre as ações de uma pessoa e de outra, simplesmente, torna-se irrelevante, pois, o
ator que está imerso no fluxo aceita as regras [do jogo] como ligações que são tamm
ligações em ação com outros atores – nenhum “self” é necessário para barganhar, negociar
acerca do que deveria ser ou não feito. São as regras que asseguram a redução do desvio, ou
da extravagância, em muito do comportamento manifesto; o quarto é que a pessoa “em fluxo”
encontra a si mesma no controle de suas ações e de seu entorno; o quinto elemento é a
coerência que geralmente o fluxo contém, isto é, as demandas não-contraditórias para a ação
que torna a resposta, o retorno claro, não ambíguo para as ações de uma pessoa. E, finalmente,
o sexto elemento ou qualidade do fluxo é que ele é “autotélico”, ou seja, ele parece não
necessitar de um objetivo ou recompensa externa a si mesmo.
Posto isto, o fluxo, enquanto característica do jogo de capoeira angola
analisado, permite vislumbrar, portanto, a sua dimensão estética, à semelhança do que
Huizinga havia chamado a atenção em Homo ludens. Para Turner, enfim, o fluxo é um dos
caminhos nos quais a estrutura pode ser transformada nas “communitas”.
162
ADEUS, ADEUS, BOA VIAGEM
134
...
(...) “Amigos, o corpo é um grande sistema de razão, por detrás de nossos
pensamentos acha-se um Sr. Poderoso, um sábio desconhecido. Corrijo-me as
realidades, pela inversão natural da ordem lógica, transformando passado em
futuro”. (Mestre Pastinha, 1960, p. 1b)
Encerro esta “roda” reforçando que sua análise, enquanto performance,
possibilitou o vislumbrar da “correção das realidades pela inversão natural da ordem lógica
como afirmara Mestre Pastinha. A partir das análises dos movimentos corporais no jogo e sua
relação com a música foi possível perceber o corpo do angoleiro enquanto um grande sistema
de razão. Isto permitiu a compreensão de que a “inversão” ocorre devido à própria questão do
movimento, porém, dependendo do ponto de vista no qual o angoleiro se posiciona ele opera a
re-inversão e vice-versa, constantemente, fluentemente.
Outro aspecto a ser salientado é que a performance “a roda” possui a característica
de ser aberta, infinita, assim, este trabalho, por extensão, ao tratar da performance ritual se
encerra com uma despedida, pois, a partir desta “viagem”, desta “volta ao mundo”, ao
“mundo velho de Deus” (a roda) foi dada, na “passagem”, mais atenção ao processo de
criação, como propõe Turner, do que ao trabalho final: a “obra”.
Desta maneira, ao valorizar o “processo” no transcorrer desta tese, foi possível
alcançar o que denominei aqui, em relação à capoeira angola, de “estética da liminaridade”,
um princípio dinâmico de inversão e de re-inversão do olhar que foi possível de ser
134
Verso cantado em corrido para encerrar a roda. “Adeus, adeus,/boa viagem,/eu vou m’embora/boa viagem/eu
vou com Deus/boa viagem/e com Nossa Senhora”. (Domínio Público)
163
compreendido a partir da própria experiência como Turner havia enfatizado ao especificar os
caminhos pelos quais a experiência e a liminaridade, o processo ritual e o êxtase artístico
coincidiam.
Ao levar em conta as histórias de vida dos mestres, a organização do grupo na
linhagem de Mestre Pastinha, a exegese simbólica da “roda” (sua musicalidade, as seqüências
dos movimentos corporais no jogo etc.) do treino e do evento, experienciei processos de
aprendizagem que privilegiaram, portanto, a busca pelo conhecimento deste “grande sistema
de razão”: o corpo.
Turner, ao valorizar a experiência, torna imprescindível a predisposição do
antropólogo para o aprendizado das técnicas corporais como o meio de alcançar a justa
compreensão do objeto investigado. Desta maneira, nesta pesquisa, deparei-me com a
necessidade de um dedicado aprendizado e aperfeiçoamento dos golpes, toques e cantos,
sensibilizando, assim, o corpo para o alcance da compreensão da performance e/ou de sua
interpretação. Foi nesse processo que o mestre se destacou como artista e como educador e, o
“corpo”, a sua obra.
Lévi-Strauss em “O pensamento selvagem” (2002, p. 28), por sua vez, já fazia
referência ao senso estético atrelado à exigência de organização enquanto uma necessidade
comum à arte e à ciência. Pelo caminho da antropologia da performance, ao destrinchar o
universo simbólico da capoeira angola, foi possível buscar “um todo equilibrado” em relação
a estas duas formas de conhecimento. Neste sentido, Laban afirmara:
Somente quando o cientista aprender com o artista o modo de adquirir a
necessária sensibilidade para o significado do movimento, e quando o artista
aprender com o cientista como organizar sua própria percepção visionária do
significado interno no movimento, é que haverá condições de ser criado um todo
equilibrado (LABAN, 1978, p. 154).
164
Turner, de acordo com Schechner (1987, p. 16), sempre desejou que as pessoas
olhassem para cada “minuto particular”, que experienciassem o sabor único, intrínseco, desta
ou daquela cultura, sub-cultura ou indivíduo e, este desejo era estendido aos antropólogos.
Portanto, ao ater o olhar nas microestruturas de uma posição (ou gesto
corporal) à outra, a escuta, numa altura sonora à outra e à relação de umas com as outras, foi
possível compreender neste trabalho que a estética da liminaridade na capoeira angola é o
próprio movimento de inversão à re-inversão e vice-versa. Ou seja, um contínuo processo
dinâmico de ligar o comportamento performativo – arte, esportes, ritual.
Portanto, as formas expressivas não refletem apenas ou necessariamente uma
inversão dos valores constituídos na sociedade como um todo. De acordo com Turner (1974,
pp. 13-14), no “ínterim da “liminaridade” há a possibilidade de existir para além, não
apenas de uma própria posição social, mas de todas as posições sociais e de formular uma
série de potencialidades ilimitadas de arranjos sociais” [tradução minha].
A roda de capoeira angola, enquanto performance, um paradigma do processo,
aponta constantemente para essa “série de potencialidades ilimitadas de arranjos sociais”, ou
seja, a movimentação de cada jogador em relação ao outro, durante o jogo, reflete as
possibilidades de se estar em diferentes posições, “ora de defesa ora de ataque”, ora nas duas
situações simultaneamente. Tais mudanças de posições representam, elas próprias, situações
nas quais os indivíduos poderiam experienciar na “roda da vida”.
165
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176
APÊNDICE A
A descrição do jogo: movimentos corporais
Jogador A (lado direito do vídeo
135
) Jogador B (lado esquerdo do vídeo)
1. CONVITE PARA O JOGO:
agachado no “pé do berimbau”
(posicionado de lado em relação à
bateria próximo aos berimbaus) aponta
com as mãos abertas, estendendo os
braços em direção ao centro da roda,
olhando para o jogador B. Sua cabeça
acompanha o movimento dos braços que
estão indo para a esquerda.
2. MEIO GIRO: em pé (posicionado
lateralmente em relação à bateria) com
pernas afastadas lateralmente a cerca de
50cm, flexiona o tronco lateralmente
para a direita. À medida que vai
apoiando sua mão direita no chão para
girar em torno desta, sua perna esquerda
vai à frente fazendo-o “ficar de
costas”
136
para o jogador A, porém,
mantendo o olhar em direção ao outro
jogador.
3. BANANEIRA: eleva a perna
esquerda, ao mesmo tempo que leva, à
frente, a mão esquerda e, depois, a mão
direita, afim de dar impulso, o qual
também é auxiliado, em seguida, com a
elevação da perna direita. É feito então,
uma parada de mãos, ficando as pernas
para cima, mas semiflexionadas.
5. AÚ PARA A ESQUERDA: Em
seguida, apóia mão esquerda no chão,
elevando o quadril e, flexionando o
tronco lateralmente para a esquerda, ao
mesmo tempo que apóia mão direita no
chão, passa pela posição invertida
elevando primeiramente a perna direita
flexionada e, depois, a perna esquerda,
também flexionada. Ao passar pela
posição invertida (também chamada de
bananeira), alterna apoio das mãos que o
faz avançar da seguinte forma: mão
direita fica apoiada no chão, enquanto
que a esquerda é retirado do solo e
colocada um pouco mais à frente,
fazendo, conseqüentemente, todo o
4. DESCE LATERALMENTE NO
AÚ PARA A DIREITA: flexiona os
braços, com conseqüente flexão do
quadril fazendo descer a perna direita
semiflexionada e depois, é a perna
esquerda que desce, sendo esta
estendida. No momento em que as duas
pernas aterrissam no solo, as duas mãos
são retiradas do chão, porém o tronco
continua inclinado à frente.
135
No transcorrer do jogo eles não se mantém do mesmo lado do vídeo. A seqüência numérica serve para ilustrar
a fluência do jogo na ordem que os jogadores executam os movimentos. Quando me refiro à direita e/ou à
esquerda, considero o lado do jogador em si.
136
Na verdade, o angoleiro, a rigor, nunca fica totalmente de costas para o oponente, uma vez que há de se
considerar que, nas diferentes posições que o corpo assume, dificilmente os jogadores perderão de vista um ao
outro.
177
corpo avançar para frente e, depois,
apoiando a mão direita e, em seguida, a
mão esquerda, desloca-se lateralmente.
No momento em que se encontrou na
posição invertida, também dirigiu o
olhar para o jogador B. Durante o
deslocamento lateral, citado
anteriormente, o quadril gira uns 30
o
no
eixo longitudinal, em direção da perna
esquerda que se estende à frente
enquanto a perna direita se mantém
afastada da esquerda. Flexiona-se a
perna esquerda e a aproxima da direita
que também é flexionada, unindo-se à
perna esquerda. A perna direita se
estende um pouco lateralmente e, em
seguida, apóia-se no chão.
7. Passa pela NEGATIVA FECHADA:
antes do pé direito aterrissar (vindo do
aú), a mão esquerda é retirada e a perna
esquerda, semiflexionada, vai à frente
sem tocar o chão e vai se estendendo até
aterrissar no solo. Retira-se a mão direita
que estava apoiada no chão.
6. RABO DE ARRAIA para a direita:
dá um passo à frente com a perna
esquerda, ficando de lado para o jogador
A e aproximando-se mais dele. Coloca
ambas as mãos no chão logo em seguida
e, olhando por debaixo das pernas, eleva
a perna direita (estendida) uns 90 cm do
chão, a qual passa por cima do jogador
A, realizando um giro sobre o pé
esquerdo que está apoiado no chão. Ele
tira, então, sua mão esquerda do chão e,
depois, sua mão direita. Durante a
realização do giro de 180
o
sobre o pé
esquerdo apoiado no chão, a respectiva
perna se manteve semiflexionada.
9. AÚ DE CABEÇA para a esquerda:
apóia a mão esquerda no solo, deixando
o peso do tronco sobre este braço
flexionado e sobre a cabeça que também
se apóia no chão. Em seguida, ao elevar
o quadril e, ao girar (eixo sagital),
consecutivamente perna direita e perna
esquerda são elevadas. A perna direita
neste movimento, já subiu fletida,
enquanto que a esquerda foi sendo
flexionada logo após. Neste momento, a
mão direita se apóia no chão, e a mão
esquerda é colocada um pouco à frente,
os braços ainda estão flexionados, pois, a
cabeça também está apoiada no solo.
Esse avanço da mão direita à frente faz
seu corpo girar sobre a cabeça, cerca de
trinta graus no eixo longitudinal, para
8. GINGA para a direita e para a
esquerda: afasta a perna direita um
pouco posteriormente, enquanto que o
braço direito, semiflexionado, se
posiciona à frente e o esquerdo, também
flexionado, vai para trás. Ao apoiar
perna direita atrás, bate uma palma. A
perna esquerda, que estava à frente e
afastada da direita, vai-se unindo a esta e
se posicionando atrás da direita.
Enquanto a perna esquerda ia para trás, o
braço esquerdo ia para frente, ou seja, as
mãos passavam pela frente do tronco,
sendo que este, neste momento,
flexionava-se um pouco à frente. Após o
pé esquerdo se apoiar atrás, perna direita
fica ligeiramente cruzada à frente da
esquerda. Perna direita então se afasta
178
depois terminar seu giro no plano frontal
colocando primeiramente pé esquerdo no
chão, mantendo tal perna flexionada e,
em seguida, aterrissa pé direito no chão,
mantendo também perna direita fletida.
lateralmente para a direita, flexionando
lateralmente, também, o tronco para a
direita, ou seja, acompanhando a direção
do movimento da perna. Em seguida há
um balanceio do tronco para a esquerda
como que se acompanhasse os braços
que também se dirigiam para a esquerda.
Simultaneamente a isto, com a perna
esquerda, dá um passo lateralmente para
a esquerda.
10. GINGA apenas tronco, ou seja,
flexiona-o lateralmente para a esquerda e
para a direita, enquanto que as pernas
permanecem afastadas e
semiflexionadas.
11. BANANEIRA ou AÚ para a
esquerda
12. Apoio apenas da cabeça (retira as
mãos do solo e, encosta-as na barriga,
apontando para a mesma).
14. RABO DE ARRAIA para a direita
(vide movimento 6).
13. Abaixa as pernas com flexão de
quadril.
16. COCORINHA E NEGATIVA
ABERTA (OU NEGATIVA
DESCIDA) para a direita: flexiona as
pernas agachando e, ao inclinar tronco
para a direita, apóia mão direita e depois,
mão esquerda no chão, sendo que, o
jogador mantém o olhar em direção ao
oponente, com a cabeça por entre os
braços e, simultaneamente a isto, perna
esquerda se estende lateralmente para a
esquerda.
15. RABO DE ARRAIA para a
esquerda.
17. AÚ FECHADO para a direita
seguida de chapa de costas. No
momento em que está de ‘costas’, ainda
com as duas mãos apoiadas no solo,
avança perna direita que foi elevada no
início do movimento, em direção ao
oponente. Em seguida, flexiona tal
perna, retornando-a ao solo, para então,
continuar o giro pela direita. No
momento em que o pé direito toca o
solo, as mãos são retiradas do chão, mas,
o tronco ainda está inclinado à frente e
as pernas também estão semiflexionadas
além de estarem afastadas antero-
posteriormente (perna direita à frente).
18. GINGA para a esquerda: afasta
lateralmente perna esquerda da direita e,
em seguida, leva perna direita para trás
(assume posição antero-posterior das
pernas).
20. CABEÇADA (entrando por baixo da
perna do outro que está aplicando o rabo
de arraia): tronco inclinado à frente,
perna esquerda que está posicionada
atrás se estende, enquanto que a perna
direita, que está posicionada
19. RABO DE ARRAIA para a
esquerda.
179
anteriormente, fica ligeiramente
flexionada. A cabeça do capoeirista,
realizando um movimento de baixo para
cima, encosta no ventre do oponente.
22. QUEDA DE RIM para a esquerda:
agacha flexionando as pernas que estão
posicionadas Antero-posteriormente
(perna direita à frente). Em seguida,
flexiona tronco também para a esquerda,
apóia mão esquerda no solo e o terço
superior da crista ilíaca no cotovelo do
braço esquerdo que foi flexionado no
apoio de sua respectiva mão no chão.
Feito isto, apóia no chão, porção lateral
da cabeça e, depois, apóia a mão direita.
Como o quadril é elevado neste
movimento, o joelho direito tende a
encostar no cotovelo direito. As pernas,
então, além de flexionadas e um pouco
afastadas, ficam suspensas.
21. Foge da cabeçada na BANANEIRA
OU AÚ de cabeça (afastando-se
frontalmente do oponente) e, em seguida
termina o aú descendo pela esquerda
com perna direita flexionada.
23. TESOURA: seguindo o movimento
de queda de rim, ocorre uma extensão
das pernas afastadas, cujos pés se
apóiam no solo. As mãos continuam
apoiadas no solo, mas a cabeça é
retirada, pois há uma ligeira elevação do
tronco (o jogador fica de quatro apoios
com o corpo paralelo ao chão). O quadril
se projeta um pouco para a esquerda e a
cabeça vira o lado direito para manter o
olhar em direção ao oponente. Feito isto,
‘anda-se’ com as mãos, primeiro com a
direita, depois com a esquerda e direita
novamente, fazendo com que os pés (os
quais estão apoiados no chão) deslizem
avançando em direção ao jogador B.
Eleva-se o tronco, ficando em pé de
costas para o oponente e com as pernas
afastadas.
24. Meio RABO DE ARRAIA para a
esquerda.
25. BANANEIRA.
27. MEIA LUA DE FRENTE para a
esquerda: perna direita é elevada cerca
de uns sessenta centímetros do chão
realizando uma adução do quadril.
Aproveitando o impulso dado por este
movimento da perna, o corpo gira para a
esquerda, apoiado somente sobre a perna
esquerda, fazendo-o ficar de frente para
o jogador B.
26. Flexiona quadril para descer as
pernas estendidas e unidas que entram na
tesoura, ou seja, por baixo e por entre as
pernas afastadas do jogador A, até que
seu corpo inteiro passe, com o auxílio do
‘caminhar das mãos’ que empurram todo
o corpo em direção ao oponente, os pés
apenas deslizam sobre o solo.
180
28. Apóia pé direito no chão e eleva
anteriormente perna esquerda estendida
e (com ponta de pé) na altura de seu
quadril.
29. SAÍDA DE JOGO para a direita:
flexiona quadril e pernas para poder ficar
agachado. Em seguida, perna direita é
estendida à frente (mas, o jogador se
posiciona lateralmente em relação ao
outro) e vai apoiando mão direita no
chão ao flexionar o tronco ligeiramente
para o lado direito. Retira-se então, o pé
esquerdo do chão mantendo a perna
flexionada e, gira para a direita sobre a
perna direita estendida, para desta forma,
colocar a mão esquerda no chão. Passa-
se pelos quatro apoios (estando o tronco
inclinado para frente) ao repousar pé
esquerdo no chão, ficando assim, de
frente para o oponente.
30. Retorna perna esquerda ao solo,
virando o corpo noventa graus para a
esquerda e, depois, dá dois passos para a
complementação do giro para a
esquerda. O primeiro passo é dado para
virar mais noventa graus para a esquerda
e, o segundo, para girar o restante dos
cento e oitenta graus para poder retornar
a ficar de frente para o jogador B.
31. GINGA para a direita.
32. GINGA para a direita: afasta a perna
direita lateralmente para a direita e,
coloca em seguida, perna esquerda atrás
(assume posição antero-posterior das
pernas) e dá uma rasteira com a perna
direita.
33. MEIA LUA DE COSTAS
(conhecida como ARMADA na capoeira
regional) para a esquerda: de frente para
o oponente dá um passo à frente com a
perna direita, virando o corpo pela
esquerda (sentido anti-horário), ficando
de lado para o jogador A. As pernas
ficam semiflexionadas e afastadas.
Continua-se girando e quando estiver de
costas para o jogador A, eleva perna
esquerda estendida e, com uma distância
de cerca de sessenta centímetros do
chão. Tal perna é abduzida durante a
realização do giro, o qual é feito sobre a
perna direita. Na aterrissagem, a perna
esquerda é apoiada atrás (assume
posição antero-posterior das pernas).
34. QUEDA DE RIM para a direita. 35. AÚ DE CABEÇA (entrando de
frente, afastando-se do oponente) com
saída lateral esquerda, ou seja, apóia
primeiramente pé direito e depois
esquerdo.
36. NEGATIVA FECHADA (OU
VIRADA DE JOGO) para à esquerda:
37. Dá um passo à frente com perna
esquerda e ameaça dar uma cabeçada.
181
perna direita é flexionada passando pela
posição agachada, o tronco é fletido
lateralmente para a esquerda e as duas
mãos são apoiadas no chão. A perna
esquerda é estendida à frente e o olhar
do jogador se mantém na direção do
oponente.
38. (para a esquerda) apoiando a
cabeça no chão.
39. CABEÇADA para a esquerda
entrando por baixo e puxa com a mão
direita o pé de apoio do oponente.
40. Meio RABO DE ARRAIA para a
direita (pé de apoio é o esquerdo).
42. GINGA para trás pela direita
(afastando-se do oponente) e para frente
pela esquerda (aproximando-se do
oponente).
41. Dá um passo para frente com perna
direita que estava sendo elevada durante a
realização do rabo de arraia o qual não
chegou a ser completado.
43. De costas, dá uma CHAPA DE
COSTAS com perna esquerda,
elevando-a e apontando-a em direção ao
oponente. O tronco neste momento está
flexionado à frente e as mãos ainda estão
apoiadas no chão.
44. NEGATIVA NA QUEDA DE
FRENTE para a direita: após retornar ao
solo, pé esquerdo que realizou a chapa,
desce. O jogador agacha ao flexionar as
pernas e executa meio giro sobre as duas
pernas flexionadas, para então, ficar de
frente para o jogador A. Feito isto, ainda
agachado e com a mão esquerda ainda
no chão, estende perna direita à frente.
46. NEGATIVA ABERTA COM
RASTEIRA para a esquerda: olhando
para o jogador B, agacha e, flexionando
o tronco para a esquerda, apóia mão
esquerda e, em seguida, a mão direita no
solo, estendendo simultaneamente perna
direita para a direita. Feito isto, tal perna
é rastejada à frente, de modo que o pé
flexionado quase toca no tornozelo
esquerdo do oponente na tentativa de
desequilibrá-lo.
45. RABO DE ARRAIA para a direita.
48. RABO DE ARRAIA para a
esquerda.
47. GINGA para a direita se deslocando
para trás.
50. GINGA para a esquerda. 49. NEGATIVA NA QUEDA DE
FRENTE para a esquerda: agacha e
estende perna esquerda à frente do
corpo, apoiando mão esquerda no solo.
52. RASTEIRA com perna direita:
considerando que a perna direita, na
51. Eleva quadril ao apoiar também mão
direita no solo e dá um ‘chute’ lateral
182
ginga, estava posicionada atrás, esta é
rastejada, de trás para frente, realizando
um movimento de abdução seguido de
adução da perna. Enquanto isto ocorre,
perna esquerda fica semiflexionada.
com perna direita (com ponta de pé), a
qual é abduzida na ida para a bananeira.
4. AÚ FECHADO (indo para a
esquerda, entra-se nele pela lateral).
53. AÚ FECHADO (indo para a
esquerda, entra-se nele pela lateral).
56. Desce perna esquerda à frente,
depois perna direita atrás, sem cruzá-las.
55. Desce do pela lateral esquerda
com meio aú.
58. GINGA para a direita. 57. GINGA para trás indo para a direita
e ginga para frente indo para a esquerda.
59. BANANEIRA/AÚ (parada de mãos)
com chutes alternados das pernas no ar.
60. Ameaça dar uma JOELHADA,
elevando joelho esquerdo.
61. GINGA para a esquerda.
63. Sai da bananeira pela lateral direita. 62. RABO DE ARRAIA para a direita.
65. NEGATIVA NA QUEDA DE
FRENTE com perna direita estendida à
frente realiza meio giro para a direita
(role).
64. GINGA para a direita e para a
esquerda.
66. Entra no RABO DE ARRAIA para
a esquerda.
67. MEIO RABO DE ARRAIA para a
direita.
68. NEGATIVA ABERTA COM
RASTEIRA para a esquerda.
69. MEIA LUA DE COSTAS para a
direita (vide descrição 33).
70. AÚ COM QUEDA DE RIM para a
esquerda: flexiona-se as pernas trazendo-
as próximos ao tronco. Em seguida, para
sair da queda de rim é feito um giro no
eixo sagital para a esquerda (sentido
anti-horário), apóia no solo
primeiramente pé direito com sua
respectiva perna flexionada e, perna
esquerda semiflexionada. Ao apoiar pé
direito no chão a mão direita é retirada.
Ao terminar tal movimento o jogador se
encontra agachado.
71. NEGATIVA NA QUEDA DE
FRENTE para a esquerda.
72. Gira para a esquerda, como se fosse
fazer um rabo de arraia, mas, pé
esquerdo que deveria ser elevado (com a
sua respectiva perna estendida) quase
toca o chão.
73. para a esquerda.
74. CABEÇADA: a perna direita está à
frente.
75. GINGA para a direita e para a
esquerda.
76. GINGA para a direita e para a
esquerda.
77. Chute para a lateral com perna
direita estendida tentando tocar o dorso
se seu pé no oponente.
78. Recua para trás gingando para a 79. GINGA para a esquerda.
183
direita.
80. MEIA LUA DE FRENTE com
perna direita sendo elevada e aduzida, ou
seja, ela vai da direita para a esquerda
descrevendo um semicírculo imaginário
no ar. Em seguida, perna direita desce
aterrissando seu respectivo pé
colocando-o atrás sem cruzar perna
esquerda.
81. Ameaça dar uma rasteira com perna
direita indo para a esquerda, mas acaba
por flexioná-la na intenção de não a
tocar a perna do jogador A que se coloca
como obstáculo.
82. Ameaça dar uma rasteira com perna
esquerda, porém acha a perna do
oponente estendida como obstáculo.
Neste movimento, o jogador flexiona o
tronco para a direita e olha por entre e
por baixo das pernas.
83. NEGATIVA NA QUEDA DE
FRENTE: perna direita é estendida à
frente girando para direita.
84. Flexiona perna esquerda, a qual está
indo para a esquerda, para então, passar
por cima do obstáculo, elevando também
pé direito, porém, esta perna quase não
sai do chão.
85. Fica de quatro apoios, de costas para
o oponente, mas, mantendo o olhar nele
por entre os braços, por entre as pernas e
por baixo delas.
86. RABO DE ARRAIA para a
esquerda.
87. NEGATIVA NA QUEDA DE
FRENTE: perna direita é estendida à
frente girando para direita.
89. Dá meio giro e salta com sua perna
direita, a perna direita do oponente que
está na tesoura, ficando neste momento,
de costas para o jogador B.
88. TESOURA ALTA: o quadril fica
distante do chão a uns sessenta
centímetros.
91. Completando o giro inteiro para a
esquerda, a perna esquerda também salta
a perna do jogador B que ainda está na
tesoura e, neste momento, apóia as mãos
nas costas dele.
90. SAÍDA DE JOGO para a direita.
92. Eleva perna direita como se fosse dar
um ‘chute’. Esse movimento é realizado
com meio giro.
93. Ao apoiar pé direito no chão, retira
pé esquerdo o qual completa o giro
inteiro, ficando neste momento, de
costas para o jogador B.
94. GINGA para a direita.
95. CHAMADA DE FRENTE: em pé,
pára de frente para o jogador B, cruza a
perna direita à frente, deixando-as
ligeiramente flexionadas e, então, aponta
com os dedos da mão direita para a sua
barriga. Em seguida, afasta os braços
96. RABO DE ARRAIA elevando a
perna esquerda de ataque acerca de um
metro do chão.
184
estendidos na altura dos ombros e,
assim, fica esperando o oponente
atender a chamada ao encostar sua
cabeça no ventre.
97. GINGA para a direita.
98. Dá dois passos à frente com perna
esquerda e direita consecutivamente,
para entrar de cabeça na chamada.
100. Dá quatro passos para frente,
iniciando com o pé direito, e quatro
passos para trás. Suas mãos se mantêm
cruzadas na altura dos punhos, logo à
frente do peito e acima da cabeça do
jogador B.
99. Encostou cabeça no ventre do
oponente (CABEÇADA), dá quatro
passos para trás a iniciar com perna
esquerda e mais quatro passos para
frente. Suas mãos se mantêm à frente da
cabeça (cruzando na altura dos
antebraços) que esta apontando o olhar
para baixo.
101. Dá um passo para frente com perna
esquerda.
102. MEIA LUA DE FRENTE com
perna direita indo para a esquerda.
103. RABO DE ARRAIA para a direita.
104. Antes de terminar a meia lua de
frente, ou seja, antes de apoiar pé direito
no chão, já parte para o para a
esquerda.
105. GINGA para a direita.
107. para a direita. 106. Dá um passo à frente com pé
direito, ficando então, de costa para o
jogador A (realiza meio giro), mas
mantendo o olhar fixo no oponente.
Permanecendo com pé esquerdo no
chão, como se fosse a ponta seca de um
compasso, enquanto a outra perna realiza
mais meio giro.
109. GINGA para a direita. 108. GINGA para a esquerda.
111. RASTEIRA para a esquerda com
perna direita.
110. CHAPA (de frente) com perna
direita: eleva perna direita a noventa
graus de angulação em relação à perna
esquerda, e aponta a planta do pé para o
oponente. Em seguida, retorna-a afastada
lateralmente da perna esquerda.
112. e queda de rim para a esquerda. 113. MEIA LUA DE COSTAS para a
direita.
114. SAÍDA DE JOGO para a esquerda
(e para trás).
115. GINGA para a direita.
116. GINGA para a esquerda. 117. RABO DE ARRAIA para a
esquerda, sendo que a perna esquerda
não chega a aterrissar.
118. RASTEIRA (baixa) com perna
esquerda indo para a direita.
119. Já parte para o com pernas e
quadris flexionados.
120. Feito o meio giro da rasteira, apóia 121. Saindo da bananeira, apóia o pé
185
pé esquerdo no chão, sendo que as duas
mãos já se encontravam apoiadas no
solo, então realiza uma CHAPA DE
COSTAS com perna direita.
esquerdo no chão, e estende perna direita
como se fosse dar uma CHAPA DE
COSTAS.
122. Perna direita retorna ao chão e se
eleva novamente durante a realização do
meio giro (estendida um pouco acima da
altura do quadril), como se fosse dar um
‘chute’ no jogador B. Esse meio giro o
faz ficar de frente para o oponente.
123. Para ficar em pé novamente, faz
meio rabo de arraia.
124. Realiza mais meio giro, apoiando o
pé direito no chão e dando mais dois
passos ao correr em círculo em frente do
jogador B.
125. GINGA para a direita.
127. GINGA para a esquerda.
26. Dá um passo à frente com perna
esquerda.
129. para a direita. 128. TESOURA: perna direita cruza
perna esquerda por trás, ficando assim,
de lado para o oponente. As mãos são
apoiadas no chão, e a perna esquerda
então é estendida deslizando-se no chão,
sendo que o apoio das mãos é alternado,
três vezes consecutivas, para a realização
do deslocamento em direção ao jogador
A. Neste momento, fica de costas para o
oponente.
131. para a direita com bênção: no
término do aú, o jogador agacha, e com
as mãos apoiadas no chão, ao lado dos
quadris, eleva a perna direita estendida
em direção ao oponente, tornando
visível, desta maneira, a planta do pé.
130. Ameaça dar um rabo de arraia, mas
apenas gira em pé.
133. Apóia no chão o pé da perna que
estava aplicando a bênção e, mantendo
as pernas afastadas e flexionadas, com o
tronco inclinado à frente, desloca-se
lateralmente em relação ao jogador B.
132. Dá um passo à frente com perna
direita.
134. Meio para a esquerda para ficar
na BANANEIRA (parada de mãos).
136. Perna direita vai à frente numa
RASTEIRA para a esquerda.
135. Faz alguns chutes no ar ao ficar na
bananeira.
138. Entra no AÚ DE CABEÇA (parada
de cabeça) pela lateral, indo para a
esquerda, e dá uma chapa posterior com
perna direita.
137. Ao retornar os pés ao chão, pela
lateral, indo para a esquerda, fica em pé
e de frente para o jogador A.
140. Ao retornar pé direito ao solo, a
respectiva perna se une com perna
esquerda.
139. GINGA para a direita e para a
esquerda, porém quando vai para a
direita, ao invés de colocar pé esquerdo
186
atrás, coloca-o na frente, e quando vai
para a esquerda, põe pé direito à frente.
142. Afasta as duas pernas lateralmente,
repentinamente e ao mesmo tempo.
Estas aterrissam flexionadas e, o tronco
é inclinado à frente.
141. Ao gingar novamente para a direita,
faz uma abdução da perna direita que
está semiflexionada e, em seguida,
apóia-a no solo.
144. As mãos se colocam à frente e, na
região dos antebraços, cruzam-se.
143. Eleva a perna na lateral na altura do
quadril como se realizasse um ‘chute
lateral’ com perna esquerda, logo após o
retorno do pé direito ao solo.
146. NEGATIVA ABERTA (plano
médio) para a direita se posicionando na
diagonal.
145. CHAPA (de frente) com perna
direita.
147. CHAPA DE COSTAS com perna
direita.
148. RABO DE ARRAIA para a direita.
149. Retorna em pé, de frente para o
jogador B, com meio giro para a
esquerda.
150. GINGA para a esquerda 151. Ao término do rabo de arraia, já em
pé e de frente para o jogador A, parte da
seguinte posição para o movimento: pé
direito atrás e pé esquerdo na frente,
perna esquerda é afastada da direita,
colocando-a um pouco mais à frente,
ficando então, posicionado lateralmente
em relação ao jogador A. O pé direito é
retirado do chão, flexionando a perna
direita e realizando meio giro. No meio
giro ainda, retira-se também pé esquerdo
do chão ao se flexionar perna esquerda
para realizar a impulsão de um salto.
Neste momento, fica de costas para o
jogador A e totalmente suspenso no ar,
para então, estender perna esquerda que
dá uma CHAPA DE COSTAS
“VOADORA”. À medida que aterrissa
pé direito no chão, apóia também, mão
direita no chão e seu pé esquerdo em sua
trajetória de retorno ao solo, descreve
um semicírculo imaginário no ar, até que
complete o giro, deixando-o novamente
de frente para o jogador A.
152. Ameaça ir para a direita, mas gira
agachado pela esquerda.
153. NEGATIVA NA QUEDA DE
FRENTE com perna esquerda
estendida. Eleva-se o quadril, dá um
passo à frente com a perna direita e
realiza um aú com os pés quase não
saindo do chão.
154. GINGA para a direita e para a
esquerda.
187
155. RABO DE ARRAIA para a
esquerda (perna esquerda que deveria ser
elevada, quase toca seu pé no chão).
156. CHAPA (de frente) com perna
direita.
157. GINGA para a direita. 158. GINGA para a esquerda.
159. MEIA LUA DE FRENTE para a
esquerda.
160. A perna direita que se encontrava
atrás, afasta-se lateralmente e, ambas as
pernas ficam semiflexionadas. A perna
esquerda dá um passo à frente e,
descrevendo um semicírculo no chão, o
corpo inteiro realiza meio giro para a
direita. Logo em seguida, pé direito se
apóia atrás, completando assim, o
restante do giro para voltar a ficar de
frente para o jogador A.
161. O pé direito que estava fazendo a
meia lua de frente, apóia-se no chão
mais à frente e então, realiza a MEIA
LUA DE COSTAS.
162. NEGATIVA para a esquerda com
perna direita estendida lateralmente.
164. para a direita: neste aú o corpo
se encontra muito mais fechado, ou seja,
as pernas bem flexionadas e unidas.
163. Realiza meio giro (meio rolê) para a
esquerda e depois de ter apoiado as duas
mãos no chão, afasta perna direita da
esquerda, deixando-as estendidas.
Mantém a visão no outro jogador por
entre as pernas.
166. Movimento de RABO DE
ARRAIA para a direita, mas, arrasta no
chão pé que deveria ser elevado.
165. NEGATIVA NA QUEDA DE
FRENTE para a direita.
168. Recebe a cabeçada direcionada ao
seu abdômen e, recua colocando as mãos
na frente cruzando os antebraços.
167. Terminando o GIRO (rolê), dá um
passo a frente com perna esquerda e
entra na CABEÇADA.
170. GINGA para a esquerda e para a
direita.
169. Dá um passo para trás com a perna
esquerda que havia ido para frente e
GINGA para a esquerda.
172. Impede que o jogador B realize a
bênção, colocando mão esquerda na
frente, a qual tira a perna do jogador B.
Para realizar tal movimento, o braço
esquerdo vai à frente (vindo de uma
circundução faz uma pronação), para que
a mão esquerda possa tocar na altura do
tornozelo direito do jogador B e fazer
em seguida, uma abdução do braço.
171. Tenta dar a CHAPA com perna
direita, mas não consegue estendê-la
totalmente.
173. CABEÇADA. 174. Apóia antebraço direito na região
da nuca do jogador A ao mesmo tempo
que retorna perna direita ao solo,
colocando-a atrás, fazendo o oponente
recuar.
175. NEGATIVA NA QUEDA DE
FRENTE para a esquerda.
176. GINGA para a direita e para a
esquerda.
177. de cabeça para a esquerda. 178. “Chute lateral” com perna esquerda
188
indo para a direita e o jogador, então,
descendo para fazer o aú.
179. GINGA apenas o tronco para a
esquerda e depois para a direita, sem
tirar os pés do chão.
180. para a direita.
181. MEIA LUA DE FRENTE para a
esquerda com perna direita bem baixa, o
pé quase toca o chão e, em seguida,
recolhe tal perna.
182. NEGATIVA NA QUEDA DE
FRENTE para a direita.
183. MEIA LUA DE COSTA para a
direita.
184. para a direita.
185. MEIA LUA DE FRENTE (para a
direita indo para a esquerda).
186. GINGA para trás e para direita.
187. CHAPA DE COSTAS com
inclinação do tronco à frente, ficando de
costa para o jogador B, mas, mantendo
olhar em direção ao oponente.
188. Recua, recolhendo perna esquerda
que estava à frente e a une à direita.
Estas então, ficam semiflexionadas, com
o tronco inclinado à frente e braços
também se recolhem sendo colocados
flexionados ao lado e à frente do tronco.
190. GINGA para a esquerda. 189. Dá um passo à frente com pé
esquerdo e, depois, com o pé direito, que
se afasta lateralmente, fazendo-o
deslocar à frente.
192. GINGA para a direita e, em
seguida, agacha na COCORINHA
inclinando o tronco à frente tocando as
duas mãos no chão. Cabeça é flexionada
para a direita olhando o jogador B.
191. RABO DE ARRAIA para a
esquerda, apoiando somente a mão
direita no chão.
193. Flexiona tronco lateralmente para a
esquerda, que quase toca a mão esquerda
no chão e eleva perna direita
semiflexionada realizando meio giro
para a esquerda. Faz meio giro, apoiando
pé direito no chão, ficando de costas
para o oponente.
194. GINGA para esquerda.
195. Dá um saltito com as duas pernas
simultaneamente e eleva pé esquerdo do
chão para quando aterrissá-lo ficar de
frente para o jogador B.
196. Dá um passo à frente com perna
esquerda e ameaça dar uma bênção com
o pé direito. O jogador apenas eleva a
coxa, mas, mantém perna flexionada, a
qual retorna ao chão, afastando-se
lateralmente da perna esquerda.
197. GINGA para a esquerda e para trás. 198. Eleva lateralmente perna esquerda,
que retorna ao solo, ficando afastada da
direita.
199. GINGA para a direita. 200. BANANEIRA entrando pela
lateral/ indo para a esquerda.
201. Dá um passo à frente com a perna
esquerda, inclinando também, o tronco à
frente, para daí, entrar na CABEÇADA.
202. Na bananeira “chuta” tocando de
leve aponta do pé direito na região do
ombro e do pescoço do oponente.
203. Agacha flexionando o tronco 204. Desequilibra-se na bananeira e
189
lateralmente para a direita, deixando as
pernas afastadas e flexionadas e, ainda,
tocando o chão com a mão direita,
mantém o olhar no oponente.
flexiona os braços para encostar cabeça
no chão. Em seguida, desce pela lateral
esquerda.
205. NEGATIVA NA QUEDA DE
FRENTE para a esquerda: a perna
esquerda estendida à frente.
206. GINGA para a esquerda.
207. Meio para a esquerda e, na
BANANEIRA realiza chutes no ar.
208. Perna direita que estava atrás na
ginga vai à frente se flexionando, sendo
que a esquerda também é fletida.
Ficando então, agachado e com as mãos
apoiadas no chão ao lado do tronco, olha
para o oponente que realiza os chutes no
ar.
209. Desce da BANANEIRA pela
lateral direita.
210. NEGATIVA NA QUEDA DE
FRENTE para a direita.
211. NEGATIVA NA QUEDA DE
FRENTE para a direita com meio giro,
fica de costas para o jogador B com as
mãos apoiadas no chão e olhando pela
esquerda.
212. CHAPA DE COSTAS (baixa,
com três apoios) com perna direita.
213. GINGA para a direita colocando a
mão direita à frente como proteção da
chapa do oponente.
214. Apoiado sobre as mãos e sobre a
perna esquerda retorna perna direita,
flexionando-a e, em seguida, antes de
aterrissar no chão pé direito, retira-se pé
esquerdo também, dando um impulso
para fazer meio giro pela esquerda e,
então, voltar a ficar de frente para o
jogador B.
215. RABO DE ARRAIA para a direita.
216. Já de frente para o jogador B,
pernas afastadas, o tronco é inclinado à
frente e, então, entra na CABEÇADA, a
qual é realizada de baixo para cima. O
olhar é dirigido para o jogador B e, as
mãos ficam à frente prontas para
proteger a cabeça.
217. Recua com perna esquerda indo
para trás e, colocando lateral interna do
punho direito na nuca do jogador A,
impede a cabeçada.
218. Dá um passo para trás com a perna
esquerda cruzando a perna direita. Em
seguida, perna direita vai para o lado,
ficando afastada da esquerda.
219. GINGA para a direita e para a
esquerda.
220. GINGA para a direita e para a
esquerda.
221. Eleva perna esquerda à frente.
222. GINGA para a esquerda e para a
direita.
223. Retorna perna esquerda ao chão e
GINGA para a esquerda e para a direita.
224. MEIA LUA DE FRENTE com
perna direita indo para a esquerda.
225. BANANEIRA/AÚ ABERTO
(entra pela lateral indo para a esquerda).
190
227. RABO DE ARRAIA para a direita.
226. Abaixa as pernas pela frente
flexionando quadris e pernas.
228. Ao apoiar os pés no chão, tira as
mãos do solo, dá um passo à frente com
perna esquerda e dá meio giro sobre os
dois pés apoiados no chão e afastados
antero-posteriormente. Desta forma, fica
de frente para o jogador A. No último
um quarto de giro, agachado, pega no
tornozelo esquerdo do jogador A,
acompanhando o fluxo do movimento do
oponente, realizando uma abdução do
braço direito.
230. COTOVELADA: no momento em
que o jogador B vai dar a cabeçada, o
jogador A, no término de seu giro, eleva
o cotovelo com abdução do braço que
quase atinge a cabeça do oponente. Em
seguida, sua perna esquerda vai atrás
cruzando a perna direita.
229. Tenta dar uma cabeçada, agachado,
com tronco inclinado à frente.
232. Perna direita se descruza,
afastando-se lateralmente para a
esquerda. Neste momento toca o chão
com a mão esquerda gingando os
ombros.
231. Eleva o tronco e cabeça para fugir
da cotovelada.
233. SAÍDA DE JOGO com giro (rolê)
para a direita.
235. para a esquerda com quatro
chutes alternados no ar (dois com cada
perna).
234. RABO DE ARRAIA para a
esquerda.
237. SAÍDA DE JOGO para a esquerda
a fim de dar uma chapa posterior com
perna esquerda.
236. Afasta-se dos chutes dando um
passo à frente com perna direita que
cruza a esquerda, porém, virado de
costas para o jogador A. Seu tronco vai
inclinado à frente, mas mantendo o olhar
em direção ao oponente, virando a
cabeça, no eixo longitudinal, para o lado
direito.
238. Descruza pernas dando um passo
com perna direita e, em seguida, com
perna esquerda, então, vira o corpo de
frente para o jogador A.
240. Recolhe a perna esquerda que deu a
chapa e, imediatamente, dá um pequeno
passo meio saltado com perna direita. O
corpo vai girando pela direita e fica de
lado para o jogador B.
239. GINGA para a esquerda e enquanto
a perna direita vai atrás, coloca a mão
esquerda na frente para se proteger da
chapa do jogador A.
242. Retira pé esquerdo e, depois, o
direito. Dando dois pequenos passos
saltitados, e fica de frente para o jogador
241. Ameaça dar uma bênção com perna
direita, mas a recolhe antes mesmo de
estendê-la.
191
B.
244. Vai para trás realizando dois
pequenos saltitos (primeiro pé direito e,
depois, pé esquerdo) com as pernas
afastadas e semiflexionadas. Realiza
GINGA de tronco, inclinando-o para
direita.
243. No momento que o jogador A fica
de frente e em pé, avança com perna
esquerda tocando na região do tornozelo
esquerdo do jogador A.
246. Repete o movimento anterior, mas,
acrescenta maior extensão das pernas
projetando os quadris, que estavam atrás,
para frente, elevando assim, o tronco,
enquanto os braços iam para a esquerda.
247. CHAPA (de frente) com perna
direita.
249. Dá um passo à frente com perna
esquerda e faz MEIA LUA DE
FRENTE com perna direita indo para a
esquerda.
250. GINGA para a esquerda.
251. Berimbau chama para o término do
jogo e, então, no término da meia lua de
frente apóia pé direito à frente, cruzando
perna esquerda. Aponta com a mão
direita, estendendo braço direito em
direção aos berimbaus.
252. Dá um passo com a perna direita e
depois com a perna esquerda andando
normalmente, indo em direção aos
berimbaus.
253. Dá um passo com perna esquerda,
ainda apontando para os berimbaus.
254. Mais um passo com perna direita,
que se une à esquerda e, flexiona o
tronco à frente para pegar na mão direita
do jogador A (cumprimenta).
255. Perna direita se aproxima da
esquerda, flexiona tronco à frente e pega
na mão direita do jogador B
(cumprimenta).
Início / História da Capoeira / História da Academia / Vídeos
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Início / História da Capoeira / História da Academia / Vídeos
Iê.... Um pouco de História
Durante o período colonial (1500-1822), a economia brasileira estava a
p
monocultura, latifúndio e escravidão, isto é, nos grandes ciclos de produção, principal
de açúcar e algodão, produtos extremamente valorizados no mercado europeu.
A economia movida por um único produto necessitava de grandes pro
latifúndios -, e conseqüentemente para mover as rodas do sistema colonial era neces
s
escravo. Assim, mais de 3,6 milhões de africanos foram trazidos ao Brasil entre a seg
u
século XVI e meados do século XIX. O tráfico negreiro só começou a ser interrompido
p
econômicos ingleses no mundo a partir de 1850.
Na situação dramática de desterrados e escravizados, os africanos não fi
diante da hedionda condição a que foram submetidos. Para enfrentar os senhores e
eles tiveram que dissuadir suas verdadeiras intenções, agindo sempre com muita malíc
um dos melhores exemplos disso, pois para disfarçá-la eles gingavam, fazendo dela a
o
uma luta e uma dança. O objetivo era dar um caráter duplo, pois se fosse vista
p
senhores de engenho como uma luta, os escravos sofriam uma repressão e, conse
q
capoeira seria exterminada.
Durante o Império (1822-1890) tanto os negros livres, como os que fugira
m
eram totalmente marginalizados pela sociedade da época. Dessa forma, muitos deles
d
golpes da Capoeira uma maneira fácil de assaltar os outros, vingar-se de inimigos e enf
r
A Capoeira passa a ser encarada como uma atividade de marginais, sendo
era do que uma reação da camada excluída da sociedade, ou seja, uma luta ent
r
oprimidos. Além disso, os capoeiristas passaram a ser usados como uma peça chave
n
políticos republicanos e monarquistas, tumultuando comícios e festas, recebendo, assi
m
desordeiros.
Surge então uma onda de terror nos grandes centros urbanos ocasionand
o
prática da capoeiragem. Com o objetivo de cumprir tal determinação, foram impo
s
variavam de castigos corporais ao desterro para a ilha de Fernando de Noronha, aos ca
p
em fragrante (ou não).
Somente no governo de Getúlio Vargas, em 1937, com a liberação de
manifestações populares, a Capoeira pôde ser praticada livremente.
Capoeira Angola: Capoeira Mãe
Reconhece-se hoje a Capoeira Angola como a Capoeira mãe deixada pelos e
s
da dor e expressa de forma sutil e maliciosa, confundindo-se com uma brincadeir
a
percebida pelos senhores de engenho na época da escravidão no Brasil Colônia, ou p
e
época do Império e da Primeira República (1890-1937).
A Capoeira Angola resistiu na Bahia preservando, na sua forma tradicional,
o
deixados pelos escravos, por meio dos mestres antigos, como Mestre Pastinha (
V
Pastinha, 1889-1981); e vem ressurgindo através da sua forma sutil de jogo, de can
t
controlado no ritmo e pela própria maneira de se portar de seus praticantes.
O espírito da Capoeira Angola está consolidado no trabalho sério desenvolvi
mestres, que os quais enfatizam que o capoeirista deve ter em mente que a Ca
p
exclusivamente, preparar o indivíduo para o ataque ou defesa de uma agressão,
m
através de exercícios físicos e mentais um estado de equilíbrio emocional, no dizer de
M
capoeirista não é aquele que sabe dominar seu corpo, mas aquele que se deixa
m
alma”.
O Mestre João Pequeno aos 84 anos de idade é um dos raros represen
t
Capoeira do passado, citado como o último baluarte vivo da Capoeira Angola pela
r
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Geografic, no ano de 1982. Através de sua simplicidade, amor e persev
e
JOÃO PEQUENO conseguiu, junto com outros velhos mestres, que a Capoeira An
g
guinada na história da capoeira.
O movimento do jogo do Mestre João Pequeno repleto de insinuações, de m
a
e de extrema beleza, como poderão acompanhar no vídeo, encanta e serve de contrap
o
de mecanização no ensino da prática e no jogo da Capoeira.
Esperamos que apreciem esse Cd com todo o seu conteúdo.... Iê, da volta a
o
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Início / História da Capoeira / História da Academia / Vídeos
Histórico da Academia de João Pequeno de Pastinha
Centro Esportivo de Capoeira Angola
A Academia de João Pequeno de Pastinha – Centro Esportivo de Capoeira Angola - foi fundada
em São Paulo pelo mestre Gidalto Pereira Dias, mestre Pé de Chumbo, em 1983, como decorrência de
seus estudos de Capoeira Angola com dois outros grandes mestres de Salvador - Bahia: mestre João
Grande e mestre João Pequeno.
No ano de 1988, Mestre Pé de Chumbo trouxe Mestres antigos de Capoeira Angola para o Estado de São
Paulo, um dos primeiros a fazer isto. Porém a repercussão da Capoeira Angola nesta época foi insignificante
perante o público paulista.
A vinda do mestre João Grande e do Mestre João Pequeno consolidou e enraizou a Capoeira Angola na
cidade de Indaiatuba e, conseqüentemente, no Estado de São Paulo.
Com o objetivo de divulgar a Capoeira Angola, foram realizados encontros de capoeirista tanto
em nível nacional como internacional, que contaram com a presença de mestres da velha guarda de
Salvador, tais como: João Pequeno, João Grande, Fernando, Diogo, Brandão, Dois de Ouro, Lua Rasta,
Lua de Bobó, Francisco 45, Cobrinha; e também com a presença de uma geração mais nova, com os
mestres: Augusto, Renê, Almir e Ciro.
Desenvolvendo a tradição da Capoeira Angola com seus fundamentos, a academia foi crescendo
e está presente atualmente nas cidades de: Salvador (BA – Mestre João Pequeno), Indaiatuba (SP), São
Carlos (SP), Limeira (SP), Campinas (SP), Uberaba (MG), Poços de Calda (MG), Parati (RJ); e também
em cidades fora do Brasil, como Estolcomo (SW) e Cidade do México (ME).
Dentro da nossa academia são realizados importantes trabalhos com crianças, pois acreditamos
ser esse o caminho para assegurar um futuro melhor na sociedade em que vivemos, ensinando não
apenas a Capoeira Angola, mas o respeito pelo outro e a solidariedade. Também desenvolvemos trabalho
com crianças em situação de risco (meninos e meninas de rua), crianças de bairros pobres nas periferias
das cidades em que o grupo está presente, portadores de necessidades especiais; e na Europa, na
década de 90, mestre Pé de Chumbo atendeu crianças refugiadas da Guerra da Bósnia.
MESTRE PÉ DE CHUMBO
Gidalto Pereira Dias nasceu no dia 08 de dezembro de 1964, na cidade de Floresta Azul, no
interior da Bahia. Foi criado pelos avós até os 14 anos de idade entre Ibicaraí, Itabuna e Eunápolis, a 42
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Km de Porto Seguro. Quando adolescente praticou atletismo e Karatê, contudo, a princípio, não se
interessou pela capoeira.
Em Ibicaraí, Gidalto tinha muitos amigos capoeiristas, entretanto julgava a capoeira uma dança e
o que ele queria, realmente, era aprender a lutar. Certo dia desafiou um dos seus amigos capoeiristas e
se surpreendeu ao estar em total desvantagem durante o embate. A partir desse dia começou a praticar
capoeira, matriculando-se com os Mestres Badega e Mita.
Em 1980, Após o falecimento de sua avó, Mestre Pé de Chumbo foi para Indaiatuba, no interior
do estado de São Paulo e começou a ministrar aulas de capoeira nos fundos de sua casa e até embaixo
de árvores perto do cemitério da cidade. Em janeiro de 1981, foi a Salvador conhecer onde moravam
alguns de seus irmãos. Nessa época apaixonou-se pela Capoeira Angola.
Em 1983, Mestre de Chumbo começou a praticar Capoeira Angola, durante suas estadas na
Bahia, tornando-se aluno de Mestre João Grande. Em uma de suas primeiras apresentações realizadas no
Teatro Castro Alves conhece o Mestre João Pequeno. Matricula-se posteriormente na academia de Mestre
João Pequeno. A partir de então, dedica-se com especial atenção ao trabalho de seu novo Mestre. Em
1988, traz o Mestre João Pequeno para passar 4 meses em Indaiatuba (SP), a fim de supervisionar o
trabalho desenvolvido por ele.
Nesses últimos 14 anos, o Mestre Pé de Chumbo organizou vários encontros de capoeiristas com
a finalidade de divulgar e discutir os rumos da Capoeira Angola tanto no Brasil como no Mundo.
Hoje GIDALTO PEREIRA DIAS dedica-se a divulgar e a preservar a Capoeira Angola e valorizar os
mestres antigos, combatendo àqueles que querem explorar esses mestres como uma fonte de recursos,
exemplo disto é a atenção dedicada ao mestre João Pequeno, com 84 anos de idade, que recebe a
assistência de um plano de saúde mantido pela iniciativa de Mestre Pé de Chumbo.
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FAMILY TREE OF
FAMILY TREE OF
CAPOEIRA ANGOLA
CAPOEIRA ANGOLA
Besouro de
Santo Amaro
Tio Alipio
Noronha
Candido
Pequeno
Samoelzinho
Samoel Querido
de Deus
Bobo
Benedito
Carroceiro
Pastinha
Benedito
Juvencio
Grosso
Lua de Bobo
Barbosa
Augustino
José dos Santos
Gato
Carcara
Cobrinha Verde
Bom Cabrito
Marcelino
Gigante
Boa Gente
Adó
Pai Surão
Vivi de Popô Arlindo
Felipe
João Pequeno
João GrandeCurio
Boca Rica
Gildo Alfinete
Papo Amarelo
Zacaria Boa Morte
Fernandinho Pipoqueiro
Bola Sete
Vermelho da Moenda
Gaguinho
Antônio
Popô
Surrãosinho Dois de Ouro
Pelé
Buguelo
Zeca do Uruguai
Pirro
Cutica
Nilton
Fernandinho
Espinho
Remoso
Diogo
Coshe
Moisés
Zé do Lenço
Virgilio
Siri de Mangue
Calabi de Piri Piri
Ricardo das Docas
Canario Pardo
Valdemar
Deo
Bel
Helio Grande
Chita
Tata
Cabelo Bom
Bigodinho
Traíra
Macaco
Daui
Antônio Cabeceiro
Serginho
Brandão
Antônio Asa
Branca
Ferreirinha
Melo
José de Freitas
Índio de Melo
Carapau
Moraes
Livino Diogo, Edgard
Xixarro, Antônio Maré,
Domingos do Magalhães,
Alemão (da Guarda
Civil), Cardim, Bilusca
Pescador, Antonio Vitor
dos Santos (Quarenta),
Eulâmpio, Zehyr,
Ricardo Batista dos
Santos, Mestre Camofeu,
Onça Preta, Sete Molas,
Popó de Santo Amaro,
Reginaldo José Santana,
Cabelo Bom, Minadá,
Dadá, Avaní, Lauro
Caicara
Canjiquinha
Raimundo
Aberrê
Paulo dos Anjos
Valdomiro
Robertino da Hora
Roberto Satanas
Lua Rasta
Geni
Antonio Diabo
Ananias
Neco
Macaco Preto
Macaco Branco
Jorge Satélite
Jaime de Mar Grande
Amarelo
Renê
Augusto
Marcelo
Garfanhoto
Caboquinho
Jararaca
Nilton
Macumba
Barba Branca
Ciro
Jogo de Dentro
Pé de Chumbo
Dinelson
Tunico
Dunga
Naldinho
Calunga
Dindo
Sabia
IvanMacaco
Lazaro
Ombrinho
Pereré
Peçanha
Élcio
Braga
LumumbaMano Neco
Tuisca
Mauricio
Fred
Angolinha
Manoel
IndioPrimo
Rogerio
ArmadinhoCarlão
Marco
Aurélio
Ze Carlos
BrincoCobra Mansa
Rosalvo
Jurandir
Pedrinho
Geraldo
Francisco
Edson
Valmir, Janja, Paulinha, Poloca,
Boca do Rio, Pepeu
Laercio, Roberval, Gabriel,
Natinho, Cizinho, Themba, Leo
© THE INTERNATIONAL CAPOEIRA ANGOLA FOUNDATION
P
UBLISHED JUNE 2002
COMPILED BY SYLVIA ROBINSON
Contact: ficadc@capoeira.org
or 1-800-920-3277
Ajé
Ajé
Pintor,
Pintor,
Ajé
Ajé
,
,
Alario
Alario
Chapeleiro, Alfredo Raposa,
Chapeleiro, Alfredo Raposa,
Algimiro
Algimiro
Grande, Américo Ciência,
Grande, Américo Ciência,
Amozinho
Amozinho
,
,
Antoninho
Antoninho
da Barra,
da Barra,
Antonio, Antonio Boca de
Antonio, Antonio Boca de
Porço
Porço
, Antonio
, Antonio
Galindeu
Galindeu
, Antônio Maré,
, Antônio Maré,
Aufeu Dizordeiro
Aufeu Dizordeiro
,
,
Balbino
Balbino
Carros
Carros
e
e
i
i
r
r
o,
o,
Bastião
Bastião
,
,
Bazilio
Bazilio
Carreqador
Carreqador
,
,
Bemor
Bemor
do Correio, Federal, Benedito Cão,
do Correio, Federal, Benedito Cão,
Bichiguinha
Bichiguinha
, Bigode de
, Bigode de
Sêda
Sêda
,
,
Bilusca
Bilusca
Pescador, Bom Nome,
Pescador, Bom Nome,
Bugalho
Bugalho
,
,
Caboquinho
Caboquinho
,
,
Cabôclo
Cabôclo
(irmão de
(irmão de
Bilusca
Bilusca
Pescador), Cara Queimada,
Pescador), Cara Queimada,
Casarongo
Casarongo
, Casaca, Cassiano, Balão, Cento e
, Casaca, Cassiano, Balão, Cento e
Cinco, Chico
Cinco, Chico
Capurminho
Capurminho
, Chico
, Chico
Cazum
Cazum
, Chico da Barra, Chico Me Dá, Chico Três Pedaços, Cimento de
, Chico da Barra, Chico Me Dá, Chico Três Pedaços, Cimento de
Itapoa
Itapoa
, Curió,
, Curió,
Dadá
Dadá
, Daniel Coutinho, Daniel Reis, Dendê, Dinamite, Doze Homens,
, Daniel Coutinho, Daniel Reis, Dendê, Dinamite, Doze Homens,
Duquinha
Duquinha
(irmão de Veneno), Edgar
(irmão de Veneno), Edgar
Chicharro
Chicharro
,
,
Edigar Carrosinha
Edigar Carrosinha
, Eduardo
, Eduardo
Traripe
Traripe
,
,
Eitioue
Eitioue
,
,
Escalvino
Escalvino
, Esperidião,
, Esperidião,
Eutique
Eutique
, Feliciano Bigode,
, Feliciano Bigode,
Galindeu
Galindeu
, Galinho,
, Galinho,
Gazolina
Gazolina
, Gerado, Pé de Abelha, Geraldo Chapeleiro,
, Gerado, Pé de Abelha, Geraldo Chapeleiro,
Goite
Goite
, Governador, Henrique, Hilário Chapeleiro, Inimigo Sem
, Governador, Henrique, Hilário Chapeleiro, Inimigo Sem
Tripa,
Tripa,
Inocencio
Inocencio
7 Morte, João Coqueiro,
7 Morte, João Coqueiro,
Joite
Joite
, Julia
, Julia
Fogareira
Fogareira
,
,
Juvenal Engraxate,
Juvenal Engraxate,
Licurí
Licurí
,
,
Livino
Livino
, Lucio Pequeno,
, Lucio Pequeno,
Maitá
Maitá
,
,
Manoel Cabeça, Manoel
Manoel Cabeça, Manoel
Toquato
Toquato
, Maré, Maria Homem, Sr Messias do São
, Maré, Maria Homem, Sr Messias do São
Bras
Bras
,
,
Nagé
Nagé
Pintor,
Pintor,
Neco
Neco
Canário Pardo,
Canário Pardo,
da
da
Emprêza
Emprêza
de Carruagem, Noventa e Cinco,
de Carruagem, Noventa e Cinco,
Nôzinho
Nôzinho
, Olho de Pombo, Onça Preta, Pacífico do Rio Vermelho
, Olho de Pombo, Onça Preta, Pacífico do Rio Vermelho
,
,
Paquete
Paquete
do
do
Cabula
Cabula
,
,
Patu
Patu
das
das
Pedreiras
Pedreiras
, Paulo
, Paulo
Baroquinha
Baroquinha
, Pedro 31, Pedro
, Pedro 31, Pedro
Mineiro
Mineiro
, Pedro
, Pedro
Porreita
Porreita
,
,
Pergilio Engraxate
Pergilio Engraxate
,
,
Piedade
Piedade
,
,
Piroca Vendedor
Piroca Vendedor
de
de
Peixe
Peixe
,
,
Raimundo Cachoeira
Raimundo Cachoeira
, Ricardo do
, Ricardo do
Cais
Cais
do Porto,
do Porto,
Samoel
Samoel
Grande, Samuel da
Grande, Samuel da
Calçada
Calçada
, Samuel
, Samuel
Pescador
Pescador
,
,
Sete Mortes
Sete Mortes
,
,
Taviano
Taviano
,
,
Tibiricí
Tibiricí
de
de
Fôlha Grossa
Fôlha Grossa
,
,
Tibiriri Fucinho
Tibiriri Fucinho
,
,
Tiburcinho
Tiburcinho
de
de
Jaguaribe
Jaguaribe
,
,
Ticibú Pescador
Ticibú Pescador
,
,
Tonha Rolo
Tonha Rolo
do Mar,
do Mar,
Totonho
Totonho
de
de
Maré
Maré
, Victor
, Victor
Pescador
Pescador
,
,
Vitor
Vitor
H. U.,
H. U.,
Vitorino Braço Tôrto
Vitorino Braço Tôrto
,
,
Zacarias
Zacarias
Grande,
Grande,
Zacarias
Zacarias
Pequeno,
Pequeno,
Zé Bom
Zé Bom
,
,
do Saco,
do Saco,
do U,
do U,
Zé Veneno
Zé Veneno
(da
(da
Barra
Barra
),
),
Zebedeu
Zebedeu
,
,
Zeca Cidade
Zeca Cidade
de
de
Palha
Palha
,
,
Zehi
Zehi
FAMILY TREE OF
FAMILY TREE OF
CAPOEIRA ANGOLA
CAPOEIRA ANGOLA
Besouro de
Santo Amaro
Tio Alipio
Noronha
Candido
Pequeno
Samoelzinho
Samoel Querido
de Deus
Bobo
Benedito
Carroceiro
Pastinha
Benedito
Juvencio
Grosso
Lua de Bobo
Barbosa
Augustino
José dos Santos
Gato
Carcara
Cobrinha Verde
Bom Cabrito
Marcelino
Gigante
Boa Gente
Adó
Pai Surão
Vivi de Popô Arlindo
Felipe
João Pequeno
João GrandeCurio
Boca Rica
Gildo Alfinete
Papo Amarelo
Zacaria Boa Morte
Fernandinho Pipoqueiro
Bola Sete
Vermelho da Moenda
Gaguinho
Antônio
Popô
Surrãosinho Dois de Ouro
Pelé
Buguelo
Zeca do Uruguai
Pirro
Cutica
Nilton
Fernandinho
Espinho
Remoso
Diogo
Coshe
Moisés
Zé do Lenço
Virgilio
Siri de Mangue
Calabi de Piri Piri
Ricardo das Docas
Canario Pardo
Valdemar
Deo
Bel
Helio Grande
Chita
Tata
Cabelo Bom
Bigodinho
Traíra
Macaco
Daui
Antônio Cabeceiro
Serginho
Brandão
Antônio Asa
Branca
Ferreirinha
Melo
José de Freitas
Índio de Melo
Carapau
Moraes
Livino Diogo, Edgard
Xixarro, Antônio Maré,
Domingos do Magalhães,
Alemão (da Guarda
Civil), Cardim, Bilusca
Pescador, Antonio Vitor
dos Santos (Quarenta),
Eulâmpio, Zehyr,
Ricardo Batista dos
Santos, Mestre Camofeu,
Onça Preta, Sete Molas,
Popó de Santo Amaro,
Reginaldo José Santana,
Cabelo Bom, Minadá,
Dadá, Avaní, Lauro
Caicara
Canjiquinha
Raimundo
Aberrê
Paulo dos Anjos
Valdomiro
Robertino da Hora
Roberto Satanas
Lua Rasta
Geni
Antonio Diabo
Ananias
Neco
Macaco Preto
Macaco Branco
Jorge Satélite
Jaime de Mar Grande
Amarelo
Renê
Augusto
Marcelo
Garfanhoto
Caboquinho
Jararaca
Nilton
Macumba
Barba Branca
Ciro
Jogo de Dentro
Pé de Chumbo
Dinelson
Tunico
Dunga
Naldinho
Calunga
Dindo
Sabia
IvanMacaco
Lazaro
Ombrinho
Pereré
Peçanha
Élcio
Braga
LumumbaMano Neco
Tuisca
Mauricio
Fred
Angolinha
Manoel
IndioPrimo
Rogerio
ArmadinhoCarlão
Marco
Aurélio
Ze Carlos
BrincoCobra Mansa
Rosalvo
Jurandir
Pedrinho
Geraldo
Francisco
Edson
Valmir, Janja, Paulinha, Poloca,
Boca do Rio, Pepeu
Laercio, Roberval, Gabriel,
Natinho, Cizinho, Themba, Leo
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Ajé
Ajé
Pintor,
Pintor,
Ajé
Ajé
,
,
Alario
Alario
Chapeleiro, Alfredo Raposa,
Chapeleiro, Alfredo Raposa,
Algimiro
Algimiro
Grande, Américo Ciência,
Grande, Américo Ciência,
Amozinho
Amozinho
,
,
Antoninho
Antoninho
da Barra,
da Barra,
Antonio, Antonio Boca de
Antonio, Antonio Boca de
Porço
Porço
, Antonio
, Antonio
Galindeu
Galindeu
, Antônio Maré,
, Antônio Maré,
Aufeu Dizordeiro
Aufeu Dizordeiro
,
,
Balbino
Balbino
Carros
Carros
e
e
i
i
r
r
o,
o,
Bastião
Bastião
,
,
Bazilio
Bazilio
Carreqador
Carreqador
,
,
Bemor
Bemor
do Correio, Federal, Benedito Cão,
do Correio, Federal, Benedito Cão,
Bichiguinha
Bichiguinha
, Bigode de
, Bigode de
Sêda
Sêda
,
,
Bilusca
Bilusca
Pescador, Bom Nome,
Pescador, Bom Nome,
Bugalho
Bugalho
,
,
Caboquinho
Caboquinho
,
,
Cabôclo
Cabôclo
(irmão de
(irmão de
Bilusca
Bilusca
Pescador), Cara Queimada,
Pescador), Cara Queimada,
Casarongo
Casarongo
, Casaca, Cassiano, Balão, Cento e
, Casaca, Cassiano, Balão, Cento e
Cinco, Chico
Cinco, Chico
Capurminho
Capurminho
, Chico
, Chico
Cazum
Cazum
, Chico da Barra, Chico Me Dá, Chico Três Pedaços, Cimento de
, Chico da Barra, Chico Me Dá, Chico Três Pedaços, Cimento de
Itapoa
Itapoa
, Curió,
, Curió,
Dadá
Dadá
, Daniel Coutinho, Daniel Reis, Dendê, Dinamite, Doze Homens,
, Daniel Coutinho, Daniel Reis, Dendê, Dinamite, Doze Homens,
Duquinha
Duquinha
(irmão de Veneno), Edgar
(irmão de Veneno), Edgar
Chicharro
Chicharro
,
,
Edigar Carrosinha
Edigar Carrosinha
, Eduardo
, Eduardo
Traripe
Traripe
,
,
Eitioue
Eitioue
,
,
Escalvino
Escalvino
, Esperidião,
, Esperidião,
Eutique
Eutique
, Feliciano Bigode,
, Feliciano Bigode,
Galindeu
Galindeu
, Galinho,
, Galinho,
Gazolina
Gazolina
, Gerado, Pé de Abelha, Geraldo Chapeleiro,
, Gerado, Pé de Abelha, Geraldo Chapeleiro,
Goite
Goite
, Governador, Henrique, Hilário Chapeleiro, Inimigo Sem
, Governador, Henrique, Hilário Chapeleiro, Inimigo Sem
Tripa,
Tripa,
Inocencio
Inocencio
7 Morte, João Coqueiro,
7 Morte, João Coqueiro,
Joite
Joite
, Julia
, Julia
Fogareira
Fogareira
,
,
Juvenal Engraxate,
Juvenal Engraxate,
Licurí
Licurí
,
,
Livino
Livino
, Lucio Pequeno,
, Lucio Pequeno,
Maitá
Maitá
,
,
Manoel Cabeça, Manoel
Manoel Cabeça, Manoel
Toquato
Toquato
, Maré, Maria Homem, Sr Messias do São
, Maré, Maria Homem, Sr Messias do São
Bras
Bras
,
,
Nagé
Nagé
Pintor,
Pintor,
Neco
Neco
Canário Pardo,
Canário Pardo,
da
da
Emprêza
Emprêza
de Carruagem, Noventa e Cinco,
de Carruagem, Noventa e Cinco,
Nôzinho
Nôzinho
, Olho de Pombo, Onça Preta, Pacífico do Rio Vermelho
, Olho de Pombo, Onça Preta, Pacífico do Rio Vermelho
,
,
Paquete
Paquete
do
do
Cabula
Cabula
,
,
Patu
Patu
das
das
Pedreiras
Pedreiras
, Paulo
, Paulo
Baroquinha
Baroquinha
, Pedro 31, Pedro
, Pedro 31, Pedro
Mineiro
Mineiro
, Pedro
, Pedro
Porreita
Porreita
,
,
Pergilio Engraxate
Pergilio Engraxate
,
,
Piedade
Piedade
,
,
Piroca Vendedor
Piroca Vendedor
de
de
Peixe
Peixe
,
,
Raimundo Cachoeira
Raimundo Cachoeira
, Ricardo do
, Ricardo do
Cais
Cais
do Porto,
do Porto,
Samoel
Samoel
Grande, Samuel da
Grande, Samuel da
Calçada
Calçada
, Samuel
, Samuel
Pescador
Pescador
,
,
Sete Mortes
Sete Mortes
,
,
Taviano
Taviano
,
,
Tibiricí
Tibiricí
de
de
Fôlha Grossa
Fôlha Grossa
,
,
Tibiriri Fucinho
Tibiriri Fucinho
,
,
Tiburcinho
Tiburcinho
de
de
Jaguaribe
Jaguaribe
,
,
Ticibú Pescador
Ticibú Pescador
,
,
Tonha Rolo
Tonha Rolo
do Mar,
do Mar,
Totonho
Totonho
de
de
Maré
Maré
, Victor
, Victor
Pescador
Pescador
,
,
Vitor
Vitor
H. U.,
H. U.,
Vitorino Braço Tôrto
Vitorino Braço Tôrto
,
,
Zacarias
Zacarias
Grande,
Grande,
Zacarias
Zacarias
Pequeno,
Pequeno,
Zé Bom
Zé Bom
,
,
do Saco,
do Saco,
do U,
do U,
Zé Veneno
Zé Veneno
(da
(da
Barra
Barra
),
),
Zebedeu
Zebedeu
,
,
Zeca Cidade
Zeca Cidade
de
de
Palha
Palha
,
,
Zehi
Zehi
198
ANEXO E
PROGRAMACÃO E CARTAZ DO II ENCONTRO DE
CAPOEIRA ANGOLA DO GRUPO JOÃO PEQUENO DE
PASTINHA EM CAMPINAS
07/07 a 10/07 de 2005
07/07 (quinta)
18:00h - 21:00h: Coquetel e confraternização com os Mestres participantes
Roda
08/07 (sexta)
10:00h - 12:00h: Workshop com M. Roxinho
12:30h - 13:30h: Pausa
14:00h - 15.00h: Aula de instrumento
15:00h - 17.00h: Workshop com M. Francisco 45
17:00h - 20:00h: Roda
09/07 (sábado)
10:00h - 12:00h: Workshop com M. Pé de Chumbo
12:30h – 13:30h: Pausa
14:00h - 15:00h: Aula de Instrumento
15:00h - 17:00: Workshop com M. Zequinha
17:00h - 20:00h: Roda
10/07 (domingo)
09:00h - 11:00h: Workshop com M. Bahia
11:00h – 14:00h: Roda de finalização
14:00h: Almoço
Investimento: R$ 60,00 (inclui todos os workshops)
Alojamento: O alojamento será gratuito, mas é necessário levar colchonete
199
CARTAZ
200
ANEXO F
(Mestre Pastinha, 1964)
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