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Vera Lúcia Marques da Silva
Da espetacularização à agenda política:
uma leitura política do Movimento LGBT
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Ciências Sociais da PUC–Rio como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Ciências Sociais.
Orientador: Prof. Paulo Mesquita d’Avila Filho
Rio de Janeiro
Agosto de 2008
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610493/CA
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Vera Lúcia Marques da Silva
Da espetacularização à agenda política:
uma leitura política do Movimento LGBT
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre pelo Programa
de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-
Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo
assinada.
Prof. Paulo Mesquita d'Avila Filho
Orientador
Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio
Profa. Ingrid Piera Andersen Sarti
UFRJ
Profa. Angela Maria de Randolpho Paiva
Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio
Profa. Sonia Maria Giacomini
Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio
Prof. Nizar Messari
Coordenador Setorial do Centro
de Ciências Sociais – PUC-Rio
Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2008
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610493/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização do autor, do
orientador e da universidade.
Vera Lúcia Marques da Silva
Graduou-se em Comunicação Social na UERJ
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro) em 1992.
Cursou Comunicação e Espaço Urbano na UERJ em 1996
e Sociologia Política e Cultura no CCE/PUC-Rio em
2005. Após ocupar cargos de chefia em grandes
multinacionais, tornou-se servidora pública concursada na
Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), sendo membro do
Comitê Gestor do Programa de Gestão da Qualidade dessa
instituição. Atualmente, seu foco de pesquisa refere-se às
imbricações entre sistema de representação política e
participação social.
Ficha Catalográfica
Silva, Vera Lúcia Marques da
Da espetacularização à agenda política : uma
leitura política do movimento LGBT / Vera Lúcia
Marques da Silva ; orientador: Paulo Mesquita d’Avila
Filho. – 2008.
126f. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Sociologia e Política)–
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2008.
Inclui bibliografia
1. Sociologia – Teses. 2. Política. 3. Partidos
políticos. 4. Agenda política. 5. Movimento LGBT. I.
d’Avila Filho, Paulo Mesquita. II. Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de Sociologia e Política. III. Título.
CDD: 301
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4
Para meus
queridos
filhos,
Thiago e João Paulo,
e pais,
Maria Esperança e José.
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Agradecimentos
Este é um momento em que as palavras frágeis e limitadas não são capazes de dar
conta dos sentimentos que quero expressar. Esta dissertação corporifica a
realização de um sonho por muitos anos acalentado. Por isso, minha gratidão e
amizade a todos que de uma forma ou de outra participaram desta concretização
serão eternas.
À PUC-Rio, pela bolsa de isenção das taxas escolares;
À CAPES, por ter me concedido bolsa de estudos;
Ao professor Ricardo Ismael, que, ao aprovar-me para o Curso de Especialização
em Sociologia Política e Cultura, permitiu que esta história se iniciasse;
Aos professores Eduardo Raposo, Roberto DaMatta, Valter Sinder, Marcelo
Burgos, Paulo Jorge e Gisele Araújo, por efetivamente me iniciarem nas Ciências
Sociais;
Aos professores Ingrid Sarti, Sonia Giacomini e Angela Paiva, por suas
considerações e sugestões que nortearam esta pesquisa;
A Ana Roxo e Mônica Gomes, pelo carinho, orientação e apoio constante na
condução da secretaria do Mestrado e do Departamento;
À minha querida chefe Leila Mello, por dividir comigo um mesmo sonho e
permitir que eu o realizasse;
Aos amigos, próximos ou distantes: que cada um a seu modo faz parte desta
história;
Ao professor Paulo d’Avila, meu orientador e mestre, pelos risos, pelas lágrimas,
pela tensão, pela tranqüilidade, pelas provocações intelectuais, pelos conselhos,
enfim, por caminhar comigo neste empreendimento e me fazer ser melhor;
Aos meus pais, pelo exemplo diário de vida, amor, sabedoria, luta e determinação;
Ao meu filho Thiago, pelo incentivo, pelos “ouvidos”, por ser, além de filho, um
amigo;
Ao meu filho João Paulo, que ainda em meu ser compartilhou comigo aulas de
mestrado, leituras, angústias e alegrias;
À vida, a Deus.
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Resumo
Silva, Vera Lúcia Marques da; d’Avila Filho, Paulo Mesquita (Orientador).
Da espetacularização à agenda política: uma leitura política do
Movimento LGBT. Rio de Janeiro, 2008. 126p. Dissertação de Mestrado –
Departamento de Sociologia e Política. Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro.
Este trabalho aborda a questão da capilaridade do sistema de representação
política, particularmente dos partidos políticos, ao contexto no qual se observa
uma explosão de demandas políticas provenientes das múltiplas novas
subjetividades. Nesse sentido, apresenta-se o Movimento LGBT como estudo de
caso, assinalando duas dimensões de sua luta. Uma dimensão marcada por um
poder difuso, que atravessa a ordem cultural e se expressa em disputas discursivas
que pretendem determinar “a” verdade e, portanto, os padrões de aceitabilidade,
normalidades sociais. A Parada do Orgulho LGBT, evento que objetiva dar
visibilidade ao Movimento por meio da festa, do espetáculo, é uma das estratégias
políticas contidas nessa dimensão. Por outro lado, tem-se uma luta territorializada
que requer, em nome da igualdade, o acesso a certos recursos – os direitos, já
previamente fixados e direcionados a heterossexuais –, bem como à
implementação de novos direitos pelo viés do reconhecimento da legitimidade de
suas diferenças. Essas dimensões implicam-se mutuamente em uma dinâmica que
pode ser percebida no âmbito partidário. As regras que regem os partidos políticos
enquanto território institucionalizado empreendem uma agenda universalista e em
conformidade com anseios sociais generalizados, não sinalizando capilaridade a
demandas específicas, como as LGBT. Por outro lado, seus políticos apresentam
interlocução com o Movimento, o que ressalta um cálculo político individual.
Palavras-chave
Política; partidos políticos; agenda política; Movimento LGBT
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Abstract
Silva, Vera Lúcia Marques da; d’Avila Filho, Paulo Mesquita (Advisor).
From spectacularization to political agenda: a political approach of
LGBT Movement. Rio de Janeiro, 2008. 126p. MSc. Dissertation –
Departamento de Sociologia e Política, Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro.
This research deals with the issue of political representation system
capillarity, particularly of political parties in a context in which it is possible to
observe an explosion of political demands from multiple new subjectivities. In
this sense, the GLBT Movement will be presented as a case study, in two
dimensions of their struggle. On one hand, a dimension marked by a diffuse
power, which crosses the cultural order, and is expressed in disputes discursive
that want to determine “the” truth, and therefore the standards of acceptability,
social normality. The LGBT Pride Parade, a festive event that aims to give
visibility to the Movement, is an example of political strategy in this dimension.
On the other hand, it has been a territorial struggle that requires in the name of
equal access to certain features – the rights, already fixed and targeted to
heterosexual – as well as the implementation of new rights by the recognition of
the legitimacy of their differences. These dimensions are mutually involved in a
dynamic that can be seen under political party. The rules, that govern political
parties as institutionalized territory, undertake a universal agenda in accordance
with widespread social aspirations, not signaling the capillarity to specific
demands, such as GLBT. However, their politicians dialogue with the Movement,
what emphasizes an individual political calculation.
Keywords
Politics; political parties; political agenda; LGBT Movement
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Sumário
1. A luta LGBT e os partidos políticos 11
2. A construção histórica da identidade 16
2.1. Do “indivíduo-em-relação-com-Deus” ao
“indivíduo-no-mundo”. Da universitas à societas.
Dois caminhos de um mesmo percurso 16
2.2. Do sujeito cartesiano ao sujeito moderno: as implicações
do poder-saber na constituição do indivíduo 20
3. Identidade e poder 28
3.1. Um jogo em duas dimensões: de posições marcadas
ao poder difuso (e vice-versa) 28
3.2. Cada identidade, uma “verdade” 38
3.3. O Movimento LGBT e sua luta por redistribuição
e reconhecimento 46
3.3.1. A Parada do Orgulho LGBT:
visibilidade estratégica por reconhecimento afirmativo 51
4. A causa LGBT nos meandros do Poder Público 57
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4.1. Os termos de um debate: crise ou adaptação partidária 57
4.2. Dos símbolos à atuação: congruências e discrepâncias 70
4.2.1. Uma análise dos partidos políticos como instituições 70
4.2.2. A atuação parlamentar 74
4.2.2.1. A união suprapartidária como estratégia de
enfrentamento do jogo político 80
4.2.2.2. Em contraponto: ações do Governo Federal e
legislação em vigor 89
5. Conclusão 98
6. Referências bibliográficas 110
7. Apêndices
A – Relação dos partidos políticos brasileiros
em novembro de 2007 123
B – Listagem de proposições relacionadas à causa LGBT
na Câmara Federal até novembro de 2007 124
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“A cada dia que vivo me convenço de que o
desperdício da vida está no amor que não damos,
nas forças que não usamos, na prudência egoísta
que nada arrisca, e que, esquivando-se do
sofrimento, perdemos também a felicidade. A dor é
inevitável. O sofrimento é opcional.”
Carlos Drummond de Andrade
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1
A LUTA LGBT E OS PARTIDOS POLÍTICOS
Em um contexto marcado pela explosão de novas subjetividades,
percepções da sexualidade e padrões de conjugalidade que vêm produzindo novas
agendas políticas no espaço público, adensando o escopo do debate político no
Brasil, este trabalho pretende pensar sobre a capilaridade dos partidos políticos
brasileiros às demandas sociais contemporâneas, haja vista um recorrente
pessimismo quanto à sua capacidade de interlocução com os novos atores sociais,
em face de interesses tão plurais e distantes da clássica disputa capital/trabalho.
Nesse sentido, e pretendendo aprimorar o foco da questão que me norteia,
elejo o Movimento LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros
1
– e sua
interface com os partidos políticos como estudo de caso. Para tal, apresento os
partidos em dois níveis de análise: o institucional, no qual o estatuto, o programa e
a estrutura organizativa serão perscrutados, e o da atuação parlamentar,
privilegiando a Câmara de Deputados Federais.
A escolha do Movimento LGBT no Brasil justifica-se por ser um
movimento de projeção mundial, que possui um ethos muito próprio, na medida
em que “brinca” com os padrões sociais para denunciá-los. No entanto, difere-se
1
No Brasil, o primeiro grupo de ativistas homossexuais foi o Somos, em São Paulo, formado no
final da década de 1970. Esse grupo congregava tanto homossexuais masculinos quanto femininos.
Entretanto, alguns meses depois de sua formação, grande parte das mulheres que o compunham
decidiu formar um novo grupo apenas de lésbicas. Foi com o movimento feminista que elas mais
se identificaram, embora de início, tanto no Brasil quanto em outras partes do mundo, este tenha
relutado em recebê-las. Em 1980, a Ação Lésbico-Feminista é formada. Nesse quadro, na década
de 1980, José Wilson Richetti, delegado de polícia, iniciou uma “limpeza” no centro da cidade de
São Paulo, buscando “eliminar” prostitutas e homossexuais. A brutalidade e ilegalidade com que
agia levaram o movimento homossexual a realizar uma passeata, que, juntamente com prostitutas,
membros dos movimentos negro, estudantil e feminista, mobilizou quase mil pessoas em protesto.
Com palavras de ordem do tipo “Agora já, queremos é fechar”, “ABX, libertem os travestis”, entre
outras, o evento foi o precursor das Paradas do Orgulho Gay que se notabilizaram a partir de 1995,
quando foi realizada a primeira do Brasil no Rio de Janeiro. Dez anos depois, ocorreu o primeiro
Congresso da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros) em Curitiba.
Durante o evento, ficou decidido que a partir de então, nos documentos oficiais do Movimento,
não seria mais utilizada a categoria “homossexual” (por ser considerada patologizante), e sim
gay”, “lésbica”, “bissexual” e “transgênero”, este último englobando “transexual” e “travesti”.
Embora o Movimento LGBT se constitua de forma descentralizada, essa decisão acabou por
marcá-lo decisivamente, uma vez que a ABGLT congrega mais de 200 grupos. O Movimento
como um todo é formado por setoriais de partidos políticos, ONGs – Organizações Não
Governamentais –, grupos assistencialistas e alguns de iniciativa religiosa.
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do americano e do europeu, uma vez que no Brasil não há leis que criminalizam a
homossexualidade. Em tais lugares, a luta prioritária foi no sentido da
descriminalização, enquanto no Brasil se dá contra um preconceito que é difuso e
escorregadio. Outro fator instigante no Movimento é englobar sob uma mesma
bandeira – a do Arco-íris – diversas identidades que têm demandas específicas,
mas que, como movimento, se expressam através de uma agenda política comum.
Minha primeira percepção que perpassa este trabalho é que o exercício do
poder apresenta duas dimensões, apenas analiticamente distintas: uma centrada no
território, ou seja, nas disputas de grupos excluídos de certos recursos sociais, e a
outra difusa, que atravessa tudo e todos, contida nas representações culturais, nos
discursos de verdade, que alimentam as disputas territoriais e por elas são
alimentados.
Sob essa perspectiva, e procurando entender quais processos históricos
conduziram à contemporânea explosão de novas subjetividades e identidades,
apresento no primeiro capítulo a ascensão do individualismo moderno,
perscrutando seu caráter histórico e mesmo político. Do individualismo dos
primeiros cristãos ao individualismo dos tempos atuais, uma série de mudanças
socioeconômicas, releituras teóricas e descentramentos do sujeito ocorreram, até a
atual experiência de multiidentidades ou de identidades móveis, reflexivamente
fundamentadas e organizadas em torno de uma biografia continuamente
ressignificada.
No segundo capítulo, abordo a construção das identidades LGBT como
sujeitos políticos, por meio de uma matriz teórica que tem o constructo
outsiders/estabelecidos
2
de Norbert Elias e a idéia de microfísica do poder
esboçada por Michel Foucault como categorias analíticas que iluminam as
dimensões do poder propostas anteriormente. O prisma de Elias ilumina o escopo
da luta LGBT, uma vez que outsiders e estabelecidos disputam um determinado
território marcado pela exclusão dos outsiders em face da “boa sociedade”,
representada pelos estabelecidos. Da mesma forma, o conflito LGBT dá-se pela
legitimação de identidades que destoam de um determinado padrão que
hegemoniza o homem, branco, heterossexual. A batalha por legitimação requer a
valorização da diversidade, por um lado, e, por outro, o reconhecimento da
igualdade diante de certos direitos já concedidos aos heterossexuais. Por esse
2
Conforme tradução de Vera Ribeiro (Elias, 2000).
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ângulo, tem-se uma disputa territorializada, em que alguns, neste caso os grupos
LGBT, estão excluídos do acesso a certos bens, da ordem do direito, já
compartilhados pelos heterossexuais, certamente ainda representantes, em um
certo nível ou dimensão, da “boa sociedade” contemporânea. No entanto, as
disputas dão-se também no âmbito dos discursos, da luta LGBT por determinar
uma verdade, a sua própria verdade, manejando, portanto, elementos difusos de
uma “microfísica do poder”.
Apresento, em seguida, o processo de legitimação de certas identidades
dentro do próprio movimento. A constituição da sigla LGBT não se deu por
acaso: ela é fruto do debate político e de disputas de e por poder, cuja matriz
teórica esboçada pretende iluminar em sua complexidade. Dessa luta, uma agenda
política comum foi constituída e pode ser pensada por meio do dilema
reconhecimento e redistribuição proposto por Nancy Fraser. Uma análise da
Parada do Orgulho LGBT ganha espaço nesse capítulo como uma importante
estratégia política empreendida pelo Movimento para, por meio da conquista de
visibilidade, interagir no campo das disputas, das representações culturais.
Realizado o percurso histórico que nos conduz ao sujeito contemporâneo e
às disputas de poder que dão sustentação à formação das identidades LGBT como
atores políticos, donos de seu próprio discurso e de uma agenda política
específica, exponho no terceiro capítulo minha pesquisa de campo. Faço isso
matizando-a com os contornos de uma suposta crise partidária, que parece indicar
o distanciamento dos partidos políticos às novas demandas sociais, tão plurais e
distantes das disputas capital/trabalho. Novamente, minha percepção caminha em
um outro sentido: acredito que exista alguma capilaridade entre o Movimento
LGBT e os partidos políticos, uma vez que estes ainda detêm o monopólio
legislador e aquele requer em sua luta o reconhecimento de direitos a serem
estabelecidos em leis.
Além da pesquisa bibliográfica, o trabalho de campo foi realizado em duas
etapas. A primeira focou os partidos políticos como instituições. Sendo assim, por
meio de consultas à Internet, procurei acessar e analisar os estatutos, programas e
estruturas organizacionais de cada um dos 28 partidos brasileiros.
3
Privilegiei o
site do Tribunal Federal Eleitoral, por considerá-lo detentor de dados oficiais.
Apenas quando a informação pesquisada nesse site necessitava de
3
Para conhecer a relação dos 28 partidos, vide Anexo A.
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complementação é que consultei os sites dos partidos. Ainda assim, algumas
dificuldades foram enfrentadas e ficaram sem solução, como a não-
disponibilização em nenhum dos dois endereços eletrônicos dos dados almejados
e, no caso do partido PAN – Partido dos Aposentados da Nação –, a
impossibilidade completa de acesso, já que este não possui um endereço na
Internet.
A segunda etapa deste trabalho procurou mapear a atuação dos
parlamentares da Câmara Federal, por meio de seu banco de dados virtual. Assim,
foram consultados os discursos proferidos e as proposições apresentadas ao longo
do tempo a respeito das demandas LGBT. No intuito de qualificar esses dados,
algumas correlações foram feitas com a atuação nas duas frentes parlamentares
constituídas, em torno de tais demandas, a saber, Frente Parlamentar Mista pela
Livre Expressão Sexual e Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT.
Algumas entrevistas e informações outras obtidas em sites LGBT subsidiam ainda
a análise, finalizada, por contraponto, com uma explanação a respeito da atuação
do Governo Federal diante das reivindicações LGBT e com a consolidação de um
representativo quadro formado por diversas legislações já em vigor em Estados e
Municípios brasileiros.
Ao elaborar o quarto capítulo, chego ao fim deste trabalho. O fim retoma a
inspiração inicial com a qual dialogo de posse de minha própria análise. O
impasse provocador e inspirador foi encontrado na percepção de Wanderley
Guilherme dos Santos, que sugere uma certa atomicidade política da sociedade
brasileira e um distanciamento entre os partidos políticos e os conflitos sociais.
Essa percepção insere-se em um debate maior, em nível mundial, a respeito de
cultura cívica e do papel dos partidos políticos no mundo contemporâneo. Se, por
um lado, sob a perspectiva da luta de classes, parece haver o hiato, por outro,
diante da explosão de demandas que acontece nas últimas décadas do século XX,
outros autores, como, por exemplo, Vera da Silva Telles, percebem um
florescimento político, com o aparecimento de novos atores sociais, entre eles as
Organizações Não Governamentais (ONGs) e os “novos” movimentos sociais.
Essa dinâmica é protagonizada por uma crescente consciência de que se tem
direito a ter direitos, que parece trazer em si a possibilidade de gerar uma
gramática social diferente da atual. Esse é o marco a partir do qual minha pesquisa
se desenvolveu.
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Dos movimentos “de superfície” denunciados por Wanderley Guilherme à
possibilidade de construção de uma nova gramática social por esses mesmos
movimentos, defendida por Vera Telles e Evelina Dagnino, apresento a leitura de
um diálogo possível e real entre partidos políticos e Movimento LGBT, cuja
habilidade de organização estratégica e fluidez em face dos canais democráticos
têm angariado, minimamente falando, um número considerável de políticos
favoráveis e engajados com a sua causa, ao mesmo tempo que têm extraído
políticas em seu benefício.
Minha expectativa é de que, dada a contemporaneidade desta abordagem na
ciência política, novas pesquisas e discussões a respeito sejam suscitadas,
aprofundando o debate em torno da democracia brasileira. Afinal, a realidade aqui
retratada já se encontra modificada, uma vez que o conhecimento produzido acaba
por alimentar a própria realidade, alterando-a.
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A construção histórica da identidade
Este capítulo aborda de forma sucinta o percurso histórico que molda o
sujeito tal qual o conhecemos hoje, procurando sinalizar que a concepção de
indivíduo é um constructo histórico e que, portanto, implica uma dimensão
política. Nesse intuito, apresento a gênese do individualismo moderno sob a ótica
de Louis Dumont (1985) a partir da religião cristã e do contexto social próprio da
Idade Média. Em seguida, delineio os cinco grandes desenvolvimentos da teoria
social e das ciências humanas, ocorridos na segunda metade do século XX, que,
segundo Stuart Hall (2003), corroboram o descentramento final do sujeito
cartesiano, o que delineia o perfil do sujeito contemporâneo. Ilumino sua análise
abordando Michel Foucault quanto à relação da individualidade com a sujeição do
corpo.
2.1.
Do “indivíduo-em-relação-com-Deus” ao “indivíduo-no-mundo”. Da
universitas à societas. Dois caminhos de um mesmo percurso
Em sua leitura sobre a gênese do individualismo a partir da religião cristã,
Louis Dumont (1985) reconhece, logo de início, que a concepção de
individualismo de então se diferencia da atual, na medida em que o homem era
entendido como um “indivíduo-em-relação-com-Deus”, portanto, um “indivíduo-
fora-do-mundo”. Tal indivíduo obedecia às regras deste mundo e as reconhecia,
porém fazendo-o apenas em função de Deus, subordinado a ele, o que significava
a relativização da ordem mundana por sua subordinação aos valores absolutos.
No século VIII, no entanto, há uma transformação dramática nessa
concepção do “indivíduo-fora-do-mundo”, à medida que a Igreja decide reinar
direta ou indiretamente sobre o mundo, arrogando-se um poder temporal supremo,
a partir do rompimento com Bizâncio. Essa mudança insere decisivamente o
cristão no mundo, alterando ao longo do tempo a concepção de individualismo
prevalecente em um processo que se concluiu, segundo Dumont, apenas com o
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calvinismo, ainda que outros fatores, como as seitas, o Iluminismo e a Reforma
Luterana, tenham dele participado.
A teocracia calvinista representou a ruptura com a dicotomia hierárquica de
antagonismo entre Deus e o mundo, lançando o homem definitivamente neste,
ainda que o mantendo completamente impotente diante da onipotência divina.
Isso quer dizer que sua salvação era uma graça determinada pela insondável
vontade de Deus. Cabia ao eleito, por conseguinte, trabalhar no mundo pela
glorificação divina.
Alterando o foco – do cristianismo para a sociedade medieval –, Dumont
percebe o enfraquecimento ao longo do tempo da concepção de universitas, ou
seja, do corpo social como um todo, em que os homens são apenas partes do
mesmo, em detrimento da societas, isto é, associação pura e simples. Nesse
percurso, Guilherme de Occam, escolástico franciscano que viveu no século XIV,
é apresentado pelo autor como o arauto do estado de espírito moderno. Occam
expunha sistematicamente o nominalismo em face do realismo de Santo Tomás de
Aquino. Enquanto Santo Tomás defendia que os seres particulares, como Pedro e
Paulo, eram “substâncias primeiras”, ou seja, entidades auto-suficientes da
primeira espécie, os “universais”, como o gênero, as classes de seres, etc., eram
“substâncias segundas”, uma vez que existentes em si mesmos. Contudo, para
Occam, era necessário separar as coisas dos sinais, das palavras, dos universais,
uma vez que as coisas só podiam ser “simples”, “isoladas”, sendo seres únicos. De
acordo com essa concepção, na pessoa de Pedro, por exemplo, só existia Pedro.
As classes, as idéias não deviam ser coisificadas, como o fez Aquino.
Uma das conseqüências dessa percepção diz respeito a mudanças na forma
de entendimento da lei natural. Esta não podia mais ser deduzida de uma suposta
ordem ideal das coisas, afinal, nada existia além da lei real estabelecida por Deus
ou pelo homem por delegação divina: a lei positiva, expressão em sua totalidade
da vontade ou do poder do legislador. Da mesma forma, o direito deixou de ser
visto como uma relação justa entre seres sociais para reconhecer o poder do
indivíduo.
Ainda que sobre Occam não se possa dizer que influenciou diretamente o
desenvolvimento do direito moderno, como assinala Dumont, ao abordar o
nominalismo, o subjetivismo e o positivismo jurídicos, ele subsidiou o nascimento
do indivíduo na filosofia e no direito. Afinal,
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(q)uando nada mais existe de ontologicamente real além do ser particular, quando a
noção de “direito” se prende, não a uma ordem natural e social mas ao ser humano
particular, esse ser humano particular torna-se um indivíduo no sentido moderno do
termo (Dumont, 1985, p. 79).
A conseqüência imediata dessa visão foi a ênfase que passou a ser atribuída ao
poder, equivalente à idéia de ordem e hierarquia modernas. Assim, ainda que
Occam não tenha abordado a política propriamente dita, ele iluminou as noções de
soberania do povo e de contrato político, segundo Dumont. Desse momento, a
liberdade do indivíduo que Occam estendeu da vida mística à vida em sociedade
suplantou a idéia de comunidade. Isso representou, ainda que implicitamente, a
passagem da vida em comunidade para a vida em sociedade.
Voltando à Reforma, a sociedade global transformou-se em Estado
individual, no qual o poder laico é supremo e santo, haja vista a teoria do direito
divino dos reis, e a religião teria seu santuário no interior de cada indivíduo
cristão. Em um Estado de homogeneidade religiosa como o alemão, essa
concepção foi empreendida sem problemas. Mas em outros Estados em que havia
a coexistência de confissões diversas, uma nova mudança prosseguiu. Diante das
guerras religiosas que tinham espaço nesses Estados, os políticos inseridos nos
mesmos passaram a recomendar a tolerância religiosa quando esta fosse benéfica
para o Estado. A partir do direito de resistir à perseguição de um tirano – baseado
na idéia de contrato entre governantes e governados, concepção proposta pelos
teóricos jesuítas do direito natural ao desenvolverem a teoria moderna, na qual o
Estado está alicerçado em um contrato social e político, em que Igreja e Estado se
constituem em sociedades distintas e autônomas –, esse fenômeno levaria à
afirmação do direito individual de liberdade de consciência. Assim sendo, a
igualdade passou a ser um imperativo existencial, de forma que a autoridade só
podia ser exercida por delegação ou representação. Dessa forma, a questão da
associação e da subordinação esteve no cerne das três grandes filosofias do
contrato que se desenvolveram entre os séculos XVII e XVIII, a saber, as escolas
de Hobbes, Locke e Rousseau.
O triunfo do indivíduo é marcado para Dumont em um sentido quando da
promulgação da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789.
Nesta, o direito de liberdade de consciência foi essencial para a constituição dos
demais direitos do homem.
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Todo esse processo de ascensão do individualismo moderno acabou por ser
golpeado pela Revolução Francesa. Considerada marca de triunfo do
individualismo, ela deixou, no entanto, um grande vácuo relacionado, muito pelo
contrário, ao seu fracasso. É esse vazio herdado pelos românticos que determinou
fortemente uma volta à universitas, visando à regeneração da sociedade. Das
discussões teóricas desenvolvidas a partir da Revolução, tem-se que os pensadores
franceses da primeira metade do século XIX foram levados a
considerar o homem como ser social, a insistir nos fatores sociais que constituem a
matéria-prima da personalidade, e explicam, em última instância, que a sociedade
não é redutível a uma construção artificial na base de indivíduos. (...) Nesta
perspectiva, o Estado moderno corresponde apenas a uma parte da vida social, e
não existe descontinuidade absoluta entre a política autoconsciente dos modernos e
outros tipos de sociedade que o filósofo político é propenso a colocar abaixo do
limiar da humanidade adulta (Dumont, 1985, p. 119-120).
Tem-se, portanto, um retorno a alguns elementos holistas (universitas), que
foram anteriormente dominados, mas não extintos ao longo da ascensão do
individualismo. Isso aproxima, em certa medida, as sociedades tradicionais e
moderna. O surgimento do socialismo e da sociologia, datado dessa época,
evidencia tal “encontro”. Para o autor, “(a) sociologia apresenta, no plano de uma
disciplina especializada, a consciência do todo social que se encontrava no plano
da consciência comum nas sociedades não individualistas” (Dumont, 1985, p.
120).
Já no socialismo tem-se a redescoberta do todo social ao mesmo tempo em
que há a conservação de certos aspectos da Revolução. Não ocorreu um retorno
completo ao holismo, uma vez que a hierarquia foi negada; porém, por outro lado,
o individualismo fragmentou-se, já que foi mantido em alguns aspectos e negado
em outros.
Dumont soube delinear com clareza as transformações pelas quais o
“indivíduo-em-relação-com-Deus” do início da era cristã foi paulatinamente se
transformando no “indivíduo-no-mundo”, totalmente submetido à vontade de
Deus. Da universitas à societas, tem-se a conquista do direito de liberdade de
consciência, que acaba por inspirar outros direitos estabelecidos na Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão. A igualdade torna-se um imperativo
existencial, de forma a inviabilizar qualquer autoridade exercida de outra forma
que não por delegação. Está-se, portanto, diante de um Estado constituído a partir
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de um contrato entre governante e governados. Ao fim de sua narrativa, Dumont
ressalta o retorno da societas a alguns aspectos da universitas, mediante o fracasso
da Revolução Francesa e o surgimento do socialismo e da sociologia.
2.2.
Do sujeito cartesiano ao sujeito moderno: as implicações do poder-
saber na constituição do indivíduo
Até o século XVII, Stuart Hall (2003) entende que ainda era possível pensar
os processos da vida moderna como centrados no “sujeito da razão”. Entretanto,
com a complexificação das sociedades, a vida foi se tornando mais coletiva e
social. As estruturas do Estado-nação, das grandes massas da democracia moderna
e as formações de classe do capitalismo moderno impuseram às teorias e leis
clássicas reformulações. Surge, então, uma concepção mais social do indivíduo,
que passa a ser visto, localizado e “definido” no interior das grandes estruturas
modernas. Hall nomeia-o como o sujeito sociológico, formado e modificado
continuamente pelas interações sociais. Adquire-se a consciência de que o núcleo
interior do sujeito não era tão autônomo e auto-suficiente como se pensava, mas
se constituía na relação com outros. Dessa forma, a identidade preenchia o espaço
entre o mundo privado e o público. Era, portanto, a identidade que “costurava” o
sujeito à estrutura social (Hall, 2003, p. 12). As leituras darwinianas – que
tornaram o sujeito um ser biológico – e o surgimento das ciências sociais
contribuíram para a articulação de um conjunto de fundamentos que deram base
ao sujeito sociológico. A teoria da socialização, por exemplo, defendeu a
concepção de haver a internalização do exterior pelo indivíduo e a externalização
de seu interior.
Posteriormente, avanços na teoria social e nas ciências humanas ocorridos
no pensamento na segunda metade do século XX, ou que sobre ele tiveram seu
principal impacto, provocaram para os defensores da fragmentação da identidade
moderna o descentramento final do sujeito cartesiano. Foram cinco os
descentramentos apontados por Hall:
1. dá-se pela releitura, na década de 1960, do pensamento marxista, que atrela a
ação humana às condições históricas dadas;
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2. ocorre graças à teoria freudiana quanto à formulação do inconsciente. A análise
que pensadores como Lacan fazem dessa teoria propõe a identidade como uma
construção realizada ao longo da vida, tendo por base processos psíquicos e
simbólicos inconscientes;
3. diz respeito à teoria de Saussure, que afirma a língua como um sistema social,
anterior a nós e através do qual nos expressamos, sem, portanto, qualquer
autoria sobre as afirmações ou os significados do que expressamos. Soma-se a
isso o fato de que os significados das palavras também variam na medida em
que se relacionam por similaridade e/ou diferença com outras palavras. Hall
cita a “noite”: sabemos o que é a “noite” porque sabemos o que é o “dia”. O
“eu” também é conhecido em contraposição ao “outro”. O significado,
portanto, é “inerentemente instável”: apesar de buscar o fechamento (a
identidade), é freqüentemente questionado pela diferença;
4. dá-se a partir da teoria do poder disciplinar de Foucault, que afirma a
construção do corpo, do indivíduo, para controlá-lo – normatizando,
disciplinando e corrigindo. Trata-se de um corpo dócil. Os métodos punitivos
são considerados sob o prisma da tática política; e
5. por fim, o feminismo, não só como movimento, mas como crítica teórica, na
medida em que traz para o debate categorias como o privado e o público;
politiza a subjetividade, questionando a formação das identidades sexuais e de
gênero.
1
Surgiu nos anos 1960 juntamente com outros “novos movimentos
sociais”, por exemplo, os movimentos juvenis contraculturais e antibelicistas e
as lutas pelos direitos civis. A especificidade de tais movimentos diz respeito
ao apelo à identidade social de seus articuladores – a mulher, os pacifistas, os
negros, dentre outros, o que posteriormente foi chamado de política de
identidade, ou seja, cada movimento defende uma identidade específica.
A abordagem de Michel Foucault (1987), como sinalizado, aponta para a
constituição do indivíduo ligada ao surgimento da institucionalização das normas
e disciplinas, com foco no corpo, empreendida por sistemas especializados. O
1
Embora a categoria gênero só tenha sido criada como instrumento metodológico na década de
1980, conforme Rose Marie Muraro (2001), por intelectuais mulheres para dar conta da entrada
das mulheres no domínio público. De início, seu uso está associado a apontar a discriminação que
as mesmas sofriam em todos os âmbitos sociais. Muraro conclui que a categoria soma-se e
complementa a categoria classe social para apontar a existência de diversas opressões ao longo da
história.
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22
autor afirma que a disciplina inverte o que denominou “eixo político da
individualização” (Foucault, 1987, p. 160). Nas sociedades de até então, a
individualização estava ligada ao poder. Ou seja, quanto maior o poder ou
privilégio de um homem, mais individualizado ele se apresentava. E isso se fazia
por meio de rituais – coroamento do rei, por exemplo –, discursos sobre as
proezas realizadas, construção de monumentos pós-morte, entre outros. Por outro
lado, em um regime disciplinar, a individualização dá-se por meio de fiscalizações
e de comparações entre “norma” e “desvio”. Em outras palavras, o
momento em que passamos de mecanismos histórico-rituais de formação da
individualidade a mecanismos científico-disciplinares, em que o normal tomou o
lugar do ancestral, e a medida o lugar do status, substituindo assim a
individualidade do homem memorável pela do homem calculável, esse momento
em que as ciências do homem se tornaram possíveis, é aquele em que foram postas
em funcionamento uma nova tecnologia do poder e uma outra anatomia política do
corpo (Foucault, 1987, p. 161).
Hall chama a atenção para o fato de que esse poder é produto das novas
instituições coletivas e de grande escala da contemporaneidade. Suas técnicas
individualizam o sujeito e seu corpo proporcionalmente à sua organização e ao
aspecto coletivo, de forma que quanto mais organizada e coletiva for, maior será o
isolamento, a vigilância e a individualização do sujeito.
Voltando a Foucault, este também ressalta a constituição do corpo
relacionada às mudanças econômicas provocadas pelo capitalismo, que provocou
a socialização do corpo para transformá-lo em força de trabalho. Dessa forma, foi
necessária a criação de um sistema de sujeição que o tornasse produtivo, ao
mesmo tempo que submisso. Têm-se, entre outras ações, a rotinização do
processo produtivo com sua cronometrização, a construção de diversos conceitos
e campos de análise – subjetividade, consciência, personalidade, psique – para
falar da alma, porém, visando ao controle do corpo: “Uma ‘alma’ o habita e o leva
à existência, que é ela mesma uma peça no domínio exercido pelo poder sobre o
corpo. A alma, efeito e instrumento de uma anatomia política; a alma, prisão do
corpo” (Foucault, 1987, p. 29).
E a própria criação do dispositivo da sexualidade. O termo “dispositivo”
tem para Foucault três dimensões: uma diz respeito ao conjunto de discursos,
instituições, leis, enunciados científicos, proposições filosóficas, entre outros, ou
seja, o dispositivo é a rede que abarca esses elementos, que podem ser ou não
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discursivos. A segunda dimensão é a da natureza dessas relações, na forma de
jogo, em que mudanças de posições, de funções, podem ocorrer. A terceira trata
da função estratégica dominante relacionada a um determinado momento
histórico, em que um dispositivo tem por função principal responder a uma
urgência.
O dispositivo é, portanto, para o autor, um conjunto de estratégias de
relações de força que sustenta tipos de saber e é por eles, da mesma forma,
sustentado.
Para Foucault, a sexualidade define-se da seguinte forma:
é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não à realidade subterrânea
que apreende com dificuldade, mas à grande rede da superfície em que a
estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a
formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências,
encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e poder
(Foucault, 1985, p. 100).
Logo, o dispositivo da sexualidade tem por finalidade “não o reproduzir,
mas o proliferar, inovar, anexar, inventar, penetrar nos corpos de maneira cada
vez mais global” (Foucault, 1985, p. 101), constituindo-se na verdade do sexo e
de seus prazeres. Uma verdade que, por se esconder do indivíduo, precisa ser
perscrutada através das confissões que, de prática religiosa, acabam por se tornar
prática científica.
Dessa forma, a partir do século XVIII é possível delinear quatro grandes
grupos estratégicos que desenvolvem dispositivos de saber e poder a respeito do
sexo. São eles:
a) histerização do corpo da mulher: processo tríplice, pelo qual o corpo da mulher
tornou-se um “corpo integralmente saturado de sexualidade”, sob o efeito de
patologia intrínseca a ele e em comunicação com a sociedade, cuja fecundidade
foi regulada com o espaço familiar, no qual deve ser elemento substancial e
funcional, e com a vida das crianças, que deve produzir e garantir. Assim, “a Mãe,
com sua imagem em negativo que é a ‘mulher nervosa’, constitui a forma mais
visível desta histerização” (Foucault, 1985, p. 99);
b) pedagogização do sexo da criança: a criança torna-se um ser sexual liminar –
ao mesmo tempo aquém e já no sexo, sobre uma linha de demarcação perigosa.
Caberá aos educadores, familiares, médicos e, posteriormente, psicólogos zelar;
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c) socialização das condutas de procriação: controle/regulamentação da
sexualidade;
d) psiquiatrização do prazer perverso: a partir do isolamento do instinto sexual
como instinto biológico e psíquico autônomo, realizou-se o mapeamento clínico
de todas as formas de anomalias que poderiam abatê-lo, definindo padrões de
normalidade e patologia e uma respectiva tecnologia corretiva para as anomalias.
Esses novos discursos a respeito das sexualidades periféricas originam uma nova
especificação dos indivíduos: enquanto o praticante de sodomia era nos antigos
direitos civil ou canônico um sujeito jurídico, no século XIX ele se transforma em
detentor de uma história, uma anatomia e, por vezes, uma fisiologia misteriosas.
Logo, indivíduo e sexualidade tornam-se indissociáveis. Na prática, isso quer
dizer que, enquanto o sodomita era considerado um reincidente, o homossexual se
converteu em uma espécie.
Em síntese, Foucault pontua que a “colocação do sexo em discurso”
(Foucault, 1985, p. 24) remonta à tradição ascética e monástica. Afinal, o
cristianismo forjou o sexo como o núcleo no qual a verdade do sujeito humano
está inserida. Por meio das confissões, dos exames de consciência, a sexualidade
foi colocada no centro da existência e da salvação, para a qual o domínio de seus
movimentos obscuros se faz necessário. No entanto, a partir do século XVII, a
prática da confissão generaliza-se e massifica-se, implicando uma acelerada
“fermentação discursiva” (Foucault, 1985, p. 23) a respeito do sexo,
2
no próprio
âmbito do exercício de poder, pelo incitamento institucional para se falar do sexo,
um falar sempre mais e com mais detalhes. Esse incitamento objetiva a análise, a
categorização, a especificação do sexo por meio de pesquisas científicas que se
sobrepõem aos discursos morais relacionados à Igreja, a fim de o inserir, de forma
regulada, em sistemas de utilidade para o bem de todos. Ainda que o casal
heterossexual, cuja sexualidade é chamada por Foucault de regulada, tenha sido
2
É nesse período, entre os séculos XVIII e XIX, conforme citação de Rohden (2004) ao trabalho
de Laqueur (1992), que surge a noção de dois sexos biológicos distintos. Até então, segundo tal
autor, o modelo sexual predominante, herdado dos gregos, entendia a existência de apenas um
sexo biológico e pelo menos dois gêneros. Homem e mulher eram biologicamente iguais, sendo na
mulher internos o pênis e os testículos. Os gêneros eram, então, incutidos social e culturalmente.
Ainda segundo Laqueur, esse modelo vigorou até o Renascimento, quando uma série de fatores vai
propiciar a construção do modelo de dois sexos. Um desses fatores, por exemplo, de cunho
epistemológico, dá-se a partir da observação dos “atos” determinantes da biologia. Para mais
informações a respeito da constituição dos saberes sobre o sexo e da elaboração da noção de
diferença sexual, ver ainda Fabíola Rohden (2005).
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25
até certo ponto preservado nesse processo pela aliança legítima (a matrimonial),
tendo direito a uma maior discrição, a medicina penetrou em seus prazeres,
“inventando” patologias orgânicas, funcionais e mesmo mentais a partir das
práticas sexuais “incompletas”, e relacionando-os ao “desenvolvimento” e às
“perturbações” do instinto; enfim, gerindo-os.
Em suma, Hall evidencia as conseqüências que o desenvolvimento das
teorias sociais e das ciências naturais desencadeou sobre a concepção de indivíduo
contemporâneo. A percepção agora é de um indivíduo que se constitui ao longo da
vida a partir de processos inconscientes e de contraposição aos “outros”, cujas
ações estão atreladas às condições históricas. Um corpo dócil, no entanto,
politizado. Em função das análises de Foucault, essa afirmação pôde ser feita e
Hall reconheceu nelas os dois últimos descentramentos do sujeito cartesiano.
Foucault apresenta o processo de individualização via sujeição do corpo ao poder
disciplinar e particularmente ao dispositivo da sexualidade. Das confissões
religiosas às práticas científicas, tem-se uma explosão de discursos sobre o sexo
que guarda um segredo fugidio ao próprio sujeito e que, por isso, precisa ser
investigado. Um segredo que contém o cerne do indivíduo. Se até o século XVII
existia apenas a carne, no século XVIII há a constituição de uma sexualidade, e a
partir do século XIX, um sexo, em um corpo dócil, disciplinado. No entanto, os
mesmos dispositivos de verdade que se impõem aos indivíduos, especialmente à
mulher histerizada e aos homossexuais pervertidos, fornece os elementos com os
quais esses indivíduos poderão empreender um contradiscurso em sua defesa. Isso
culmina, por exemplo, com os movimentos feminista e LGBT. Finalizo este
percurso de apresentação da constituição do sujeito como um constructo histórico
perpassado por estratégias de poder, traçando em linhas bem gerais o cenário
atual.
Além da medicina, como apresentado anteriormente, outros sistemas
especializados substituíram, na contemporaneidade, o conhecimento
proporcionado pela tradição, transmitido de geração em geração, e passaram a
difundir conhecimento técnico independentemente de quem faria uso do mesmo.
Permeando todas as esferas da vida social, seja em relação aos remédios que se
tomam, à casa que se manda construir, ao carro que se dirige, ou ao terapeuta que
se procura na busca do autoconhecimento, dentre muitos outros, esses sistemas
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são marcados pela reflexividade,
3
conforme conceituada por Anthony Giddens
(2002), que mina as certezas do conhecimento. A ciência passou a se basear no
princípio metodológico da dúvida, ciente de que novos conhecimentos poderão
surgir, conhecimentos esses que alterarão ou mesmo anularão uma determinada
doutrina científica já aceita. Em termos existenciais, esse contexto traz em si um
ceticismo generalizado associado à razão providencial
4
e a consciência de que o
bem e o mal estão contidos na ciência e na tecnologia; portanto, tanto podem
trazer risco e perigo para a humanidade quanto benefícios.
Vale ressaltar que a dúvida institucionalizada torna o papel do especialista,
que o é apenas na sua área de atuação, fundamental no processo de reflexividade,
na medida em que é referência para as práticas sociais, e alimenta a ideologia da
inovação e da marcha adiante, como afirma Zygmunt Bauman (1998).
Tem-se, portanto, um quadro perturbador: a vida é enquadrada por sistemas
especializados que, ao mesmo tempo, não contêm a verdade única. Em meio a um
caos organizado, os parâmetros que constituíram o sujeito até então também se
alteraram e deram a ele a experiência de multiidentidades ou identidades móveis.
A identidade contemporânea passa a ser: “formada e transformada continuamente
em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos
sistemas culturais que nos rodeiam” (Hall, 2003, p. 13).
Soma-se essa explosão de identidades à excessiva reflexividade
institucional, às incertezas de uma vida em constante mudança, a vetores de
poder, e surge um sujeito como projeto de sua própria reflexividade, dono de uma
biografia que é ressignificada continuamente.
Em suma, as transformações que marcam a contemporaneidade conduzem à
fragmentação das identidades de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e
nacionalidade, que no passado haviam fornecido aos indivíduos claras
localizações sociais. Tais mudanças colocaram em dúvida “a idéia que temos de
nós próprios como sujeitos integrados” (Hall, 2003, p. 9). Essa dupla descentração
dos sujeitos, tanto do seu lugar no mundo social e cultural como de si mesmos,
gerou uma “crise de identidade”, que aponta para a possibilidade de novas
articulações – novas identidades, por vezes até contraditórias. Nesse percurso,
3
Giddens conceitua a reflexividade institucional da seguinte forma: “a reflexividade da
modernidade, que envolve a incorporação rotineira de conhecimento ou informação novos em
situações de ação que são assim reconstituídas ou reorganizadas” (Giddens, 2002, p. 223).
4
Crença de que, quanto maior o conhecimento a respeito da natureza das coisas, mais segura será
a existência humana.
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27
Beck (1997) assinala o processo de individualização, no qual a antiga “biografia
padronizada” do sujeito iluminista tornou-se uma biografia ressignificada, ou, nas
palavras de Giddens, uma “biografia reflexiva”, que lança o ser humano em um
estado de incerteza permanente não limitado à própria sorte, mas que se estende à
futura configuração do mundo e aos critérios de erro e acerto exigidos para se
viver nele.
Está dada, portanto, a grande virada histórica: do discurso único da verdade
às múltiplas verdades das ciências e dos corpos. É nesse cenário que o Movimento
LGBT,
5
objeto de minha pesquisa, se insere, tendo ele mesmo se organizado em
torno de múltiplas identidades: os gays, as lésbicas, os bissexuais e os
transgêneros, esta última aglutinando outras duas: os travestis e os transexuais.
Para se delimitarem tais identidades, no entanto, um caminho precisou ser
percorrido, não o da mera criação de novos nomes, mas o da formação de
conceitos e simbolismos inerentes que estabelecerão quem tem o poder
hegemônico, cujas crenças sociais o reiterarão. Esse é o tema do próximo
capítulo.
5
Segundo Castells (2001), a origem do movimento de lésbicas está associado ao movimento
feminista. Em uma visão simplista, o autor crê que a identificação do homem como “inimigo de
classe” permite que o lesbianismo latente em algumas mulheres venha à tona. Quanto ao
movimento gay, ele identifica três fatores: o clima de rebelião provocado pelos movimentos
questionadores da década de 1960; o impacto do feminismo sobre o patriarcalismo, uma vez que
ao questionar a categoria mulher, questiona por extensão a categoria homem; e a repressão
violenta contra a homossexualidade. Ele assinala ainda três outros fatores que contribuíram para o
surgimento de ambos os movimentos – lésbico e gay: um menor controle sobre o indivíduo no
mundo do trabalho graças a uma economia informacional que fez surgir novos tipos de empregos e
uma rede de negócios mais flexível; a popularidade da liberação sexual tão propalada pelos
movimentos da década de 1960; e a própria separação física e psicológica entre homens e
mulheres. Castells reconhece que essa afirmação é controversa e esclarece que, embora
homossexualidade e heterossexualidade possuam uma existência e um padrão de desenvolvimento
independentes, a profunda cisão provocada pelo discurso feminista e a incapacidade da maioria
dos homens de lidar com a perda de privilégios acabaram por gerar redes de amizade e apoio entre
pessoas do mesmo sexo, em que foi possível a vivência de diversas formas de expressão do desejo.
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3
Identidade e poder
Neste capítulo, abordarei a construção política das identidades LGBT,
considerando-a perpassada por duas dimensões do exercício do poder: uma
territorial, que nesse caso envolve a disputa institucional por direitos, e a outra,
completamente difusa, em que as disputas se dão no campo das representações
culturais, dos discursos de “verdade”. Essa distinção é puramente analítica. Na
prática, tais dimensões implicam-se mutuamente em um jogo completamente
fluido. Para o entendimento dessas dimensões, utilizo o constructo
outsiders/estabelecidos de Norbert Elias (2000) – iluminado pela abordagem de
Mary Douglas (1976), Erving Goffman (1988) e Michel Foucault (1985) – e a
idéia de microfísica do poder preconizada por Foucault (1979) como chaves
teóricas.
Sob tal perspectiva, apresentarei as disputas de poder constitutivas das
identidades LGBT como sujeitos políticos, detentores da verdade acerca de sua
própria identidade e de reivindicações específicas, ainda que obtenham consenso
em torno de uma “grande” agenda política. Em seguida, balizada por Nancy
Fraser (2001), enfocarei a luta LGBT e suas demandas por reconhecimento e
redistribuição. No escopo dessa batalha, perpassada continuamente pelas
dimensões de poder anteriormente propostas, detalharei a Parada do Orgulho
LGBT como uma das estratégias políticas utilizadas pelo Movimento para
angariar visibilidade e reconhecimento. Claros os objetivos e o percurso deste
capítulo, exponho as chaves teóricas que alicerçam minha análise.
3.1.
Um jogo em duas dimensões: de posições marcadas ao poder difuso
(e vice-versa)
Por meio de uma etnografia realizada na cidade industrial de Winston Parva
(nome fictício), Elias objetivou delinear as propriedades gerais que compõem uma
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relação de poder. Primeiramente, entende que estabelecidos e outsiders são os
dois vértices de uma mesma relação. Assim, denomina aqueles que têm o poder
usando o termo inglês established e os que estão à margem desse poder com o
termo oposto, ou seja, outsiders. Logo de início, chama a atenção o fato de os
primeiros serem designados por um termo no singular e os segundos, no plural.
Isso não acontece sem motivo. Elias entende established como um grupo
homogêneo, marcado por laços sociais intensos e que detém prestígio e poder
baseado no fato de ser um modelo moral para a sociedade. Combina três
ingredientes importantes em sua identidade social: tradição, autoridade e
influência, o que o faz ser reconhecido como uma “boa sociedade” (Elias, 2000, p.
7). É dessa forma que esse grupo se autopercebe também.
Porém, uma “boa sociedade” só se constitui em comparação com uma
“outra sociedade”, entendida como má. Essa “sociedade”, a dos outsiders, é
formada por aqueles que estão fora da “boa sociedade”. Os outsiders de Wiston
Parva não são um grupo, pois são difusos e não há homogeneidade entre si, nem
mesmo laços sociais muito intensos. Daí a utilização do termo no plural.
Entre tais “grupos” há um equilíbrio de poder instável. Quanto mais segura
for a posição dos estabelecidos na sociedade, maior será a eficácia da
estigmatização imposta aos outsiders. Esse estigma acaba por entranhar-se na
auto-estima dos outsiders, de forma a enfraquecê-los. No entanto, quando
diminuem as disparidades de poder, é possível que os “grupos” outsiders até
retaliem os estabelecidos, apelando para uma contra-estigmatização.
Vale observar que a posição idealizada dos estabelecidos é a de minoria dos
que são os melhores, enquanto a dos outsiders tende a se caracterizar como a
minoria dos que são os piores. Para tal, crenças de sujeira, poluição e perigo
entram em “jogo”, sedimentando/reiterando tais posições.
Mary Douglas, em seu livro Pureza e perigo, muito esclarece a respeito
dessas crenças. Entre outras questões, a autora apresenta uma leitura sobre a
sujeira como sistema de ordenação simbólica da sociedade. Logo de início, deixa
claro que a sujeira relaciona-se diretamente com a desordem. Evita-se a sujeira
não por algum tipo de medo, mas porque ela “ofende” a ordem. Logo, eliminá-la
objetiva reorganizar o ambiente. Os discursos de perigos que pairam em torno da
sujeira e que ameaçam os transgressores visam a manter a ordem ideal da
sociedade e se relacionam também com a moral.
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30
Admitindo-se que a desordem estraga o padrão, ela também fornece os materiais
do padrão. A ordem implica restrição; de todos os materiais possíveis, uma
limitada seleção foi feita e de todas as possíveis relações foi usado um conjunto
limitado. Assim, a desordem por implicação é ilimitada, nenhum padrão é realizado
nela, mas é indefinido seu potencial para padronização. Daí por que, embora
procuremos criar ordem, nós simplesmente não condenamos a desordem.
Reconhecemos que ela é nociva para os modelos existentes, como também que tem
potencialidade. Simboliza tanto perigo quanto poder (Douglas, 1966, p. 117).
Tais padrões precisam ser relativizados. Becker (1977) salienta que não
existe “o” desvio, porém acusações de desvio. Com isso, o que é desviante em
uma cultura pode ser o padrão em outra.
Outro ponto que precisa ser ressaltado é que a desordem estraga o padrão,
porém também fornece os materiais do mesmo. Dessa forma, viabilizaram-se, por
exemplo, nos atuais debates a respeito de gênero, propostas de se pensar a
masculinidade não mais como uma unicidade, mas várias masculinidades
(Almeida, 2001).
Sendo assim, Douglas afirma que nenhuma cultura pode ignorar as
anomalias que produz sob pena de perder sua confiança, uma vez que o poder que
representa um perigo para aqueles que se descuidarem está relacionado com a
estrutura de idéias, de forma que através dele a estrutura se protege. Talvez por
isso as culturas apresentem uma série de normas para lidar com as anomalias e
ambigüidades. Tais regras acabam por reiterar as normas-padrão, reforçando a
conformidade. Afinal, “(a)tribuir perigo é uma maneira de se colocar um assunto
acima de discussão” (Douglas, 1966, p. 56).
José Carlos Rodrigues (2006) reforça esse pensamento ao dizer que a
sociedade tem necessidade dos fenômenos que repele, pois é através deles que ela
se expressa positivamente, se faz significar a si própria e cujos conteúdos
adquirem sentido pela oposição.
No âmbito da moral, pode-se perceber a importância das regras de poluição,
por exemplo. Muito provavelmente, quando não há sanções práticas contra o
ultraje moral, crenças de poluição suplementam essa falta, proporcionando uma
espécie de punição, ainda que impessoal, que visa a conservar o sistema moral
vigente.
Nas palavras de Mary Douglas, “se uma pessoa não tem lugar num sistema
social, sendo, por conseguinte, marginal, toda precaução contra o perigo deve
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partir dos outros. Ela não pode evitar sua situação anormal” (Douglas, 1966, p.
121).
A atribuição de um estigma social a um grupo outsider tem o poder
pernicioso, entre outros efeitos, de afetar sua auto-imagem, enfraquecendo o
grupo, ou seja, o próprio grupo acaba por auto-reforçar o estigma. Esse é um viés
de análise. Um outro possível e que se contrapõe à idéia de enfraquecimento é o
de que é provável que alguns grupos se prevaleçam da condição de marginais para
se beneficiar de alguma forma, seja da solidariedade individual, seja de políticas
públicas.
O contato com grupos outsiders pode causar constrangimento aos
estabelecidos. Para Goffman (1988), a raiz desse sentimento
encontra-se (n)o medo do contato com um grupo que, aos olhos do indivíduo e de
seu semelhante, é anômico. Seus membros infringem normas que ele está obrigado
a observar e de cuja observância dependem seu auto-respeito e o respeito dos
semelhantes. Disso também depende a participação do indivíduo na graça e virtude
especiais, no carisma de seu grupo (Goffman, 1988, p. 49).
Isso se explica pelas crenças que envolvem os outsiders e os mantêm
isolados.
Voltando o olhar para o objeto de estudo desta pesquisa, sumarizo: mesmo
se a prática ocorrida nos campos de concentração hitlerista de marcar os gays com
um triângulo rosa não mais se aplica no mundo, da mesma forma que a
homossexualidade não é considerada, pelo menos no Brasil, um crime na
legislação em vigor passível de punição judicial, as crenças de poluição, o medo
de ser confundido com um deles ainda reiteram uma certa ordem, mantendo
indivíduos estabelecidos distantes dos homossexuais outsiders. Ou, por outro
lado, conservando estes últimos distantes de diversas vias de competição. Afinal,
como bem pontua Dagnino (2000), relações de poder desiguais implicam acessos
diferenciados aos diversos recursos disponíveis e, às vezes, escassos de bens
materiais, culturais e até mesmo políticos.
Na interseção entre poder e crenças, Goffman chama a atenção para o fato
de que é possível que o estigmatizado tenha uma falsa impressão de ser bem
aceito pela sociedade. Entretanto, isso, para o autor, vincula-se apenas à não-
pressão dos estigmatizados sobre os “normais”. De que forma?
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Espera-se que os estigmatizados ajam cavalheirescamente e não force(m) as
circunstâncias; eles não devem testar os limites da aceitação que lhes é mostrada,
nem fazê-la de base para exigências ainda maiores. A tolerância, é claro, é quase
sempre parte de uma barganha (Goffman, 1988, p. 132).
Assim, cabe a idéia do “bom ajustamento” (Goffman, 1988, p. 132), que
requer que o estigmatizado se perceba como igual aos normais, mas, ao mesmo
tempo, se ausente de situações em que seja difícil para os normais encararem o
estigma com naturalidade.
Reiterando esta afirmação, no livro O homossexual visto por entendidos, de
Carmen Dora Guimarães (2004), tem-se o seguinte relato de um dos
entrevistados:
Houve uma época em que era muito engraçado fazer “frescura”, “viadagem” em
bando – porque veado só anda em cacho, em alcatéia, entendeu, minha querida?
Hoje em dia não tenho mais paciência para isso, não. Você é homossexual, isto é
um problema seu – uma opção sua, uma escolha sua. Que você não deve impingir
aos outros, entendeu? Eu, hoje em dia, me dou com gente absolutamente normal
(Guimarães, 2004, p. 58).
Para os “normais”, esse “bom ajustamento” dos estigmatizados protege-os:
a) de ter de enfrentar a dor destes;
b) da percepção de quão limitada é sua tolerância; e
c) de uma possível contaminação pelo contato com o estigmatizado.
Dessa forma, ficam preservadas as crenças dos “normais” referentes à
identidade.
Por outro lado, pensando a representação social da identidade homossexual,
Guimarães nota que a aproximação do estigmatizado com o normal permite que o
primeiro tenha sua identidade considerada positiva e normal, ainda que sua prática
social não se altere.
Um outro lado sombrio do estigma, percebido por Goffman, diz respeito a
uma comum insensibilidade do estigmatizado a outros tipos de estigma, apesar de
sofrer a dor e a injustiça de também carregar um estigma. Isso se dá, segundo o
autor, porque são os papéis sociais que estão em interação, e não os indivíduos
concretos. Afinal,
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o estigma envolve não tanto um conjunto de indivíduos concretos que podem ser
divididos em duas pilhas, a de estigmatizados e a de normais, quanto um processo
social de dois papéis no qual cada indivíduo participa de ambos, pelo menos em
algumas conexões e em algumas fases da vida. O normal e o estigmatizado não são
pessoas, e sim perspectivas que são geradas em situações sociais durante os
contatos mistos, em virtude de normas não cumpridas que provavelmente atuam
sobre o encontro (Goffman, 1988, p. 148-149).
Em um relato do livro O homossexual visto por entendidos, por exemplo,
percebe-se tal fato claramente na tentativa do entrevistado em distinguir o
homossexual da “bicha”:
“O homossexual se caracteriza pelo requinte. Aquela coisa de gostar de cozinhas,
de cozinhar muito bem, gostar de música, de poder discutir arte, de entender, de ter
uma certa curiosidade das coisas.”
Então perguntei:
“E a bicha, o que você acha?”
A resposta:
“Uma bicha não pode ter requinte. Porque ela, pela própria atitude, já é o anti-
requinte.”
Em seguida coloquei a seguinte questão:
“Mas a bicha é homossexual também, não é?”
Com voz guaguejante, respondeu:
“É, mas aí... porque... ao meu ver... tá entendendo...? Sei lá, ah... Esse tipo de gente
eu atualmente encaro como patológica. Inclusive são pessoas doentes, doentes de
cuca. Porque uma pessoa que chega ao desajuste que chega a uma tal necessidade
de agressão de fazer isso, de só fazer isso, é realmente porque tem uma coisa que
não tá certa” (Guimarães, 2004, p. 98).
Sérgio Carrara (2005) reconhece os afeminados como o subgrupo mais
vulnerável dentro do grupo homossexual, ainda que uma outra faceta em tais
relações também se apresente: a da desestabilização do paradigma do sexo
invertido.
1
Esse pensamento está em consonância com Peter Fry (1982) quando
de sua percepção de emergência de um sistema de relações simétricas e, portanto,
igualitárias entre parceiros homossexuais da classe média nas grandes cidades
brasileiras.
Para entender esse sistema, Fry propõe duas matrizes de classificação da
sexualidade masculina, a partir da análise do estigma do passivo,
2
conforme
apresentado por Michel Misse (1979): o sistema hierárquico e o sistema simétrico
ou igualitário. De acordo com o sistema hierárquico vigente, segundo o autor,
1
Propõe a homossexualidade masculina como a expressão de uma suposta alma feminina
aprisionada em um corpo de homem.
2
O estigma do passivo está associado ao “papel” de ativo ou passivo que um homossexual assume
na prática sexual, sendo o papel de passivo relacionado à condição feminina e, por isto,
estigmatizado.
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principalmente entre as camadas mais baixas da população e nas regiões Norte e
Nordeste do Brasil, os homens dividem-se em “machos” e “bichas”. Os “machos”
são aqueles que penetram, dominam a “bicha” – a dominada, portanto. Essa
matriz expõe o poder hierarquizante entre não iguais em uma relação sexual: um
ativo, dominador, que permanece com seu status de homem, e um “bicha”,
inferior, feminino, passivo. Quem penetra é, de certa forma, vencedor de quem é
penetrado, como bem percebeu Fry. Esses papéis parecem ser claramente
definidos, uma vez que Fry conta ainda que também os “bichas” desejavam
relações com “machos”, ridicularizando as relações entre duas “bichas”,
utilizando termos do tipo “quebra-louça” ou “lesbianismo”. Fica evidente,
portanto, que a lógica heterossexual também oferecia um padrão para as relações
homossexuais.
Dessa forma, Fry nota que embora a “bicha” seja, sob o prisma
heterossexual/homossexual, um homem desviante, no sistema hierárquico, o
desvio está contido nas relações sexuais entre pessoas do mesmo gênero. Isto se
dá uma vez que a regra fundamental baseia-se na hierarquia entre os diferentes
papéis de gênero.
3
Fry relaciona o sistema hierárquico aos setores da sociedade brasileira, em
que a organização social se dá através da hierarquia e que o papel principal é o do
“homem”, sendo considerado como socialmente superior à mulher.
Já o sistema simétrico ou igualitário ganha espaço nas camadas médias
urbanas das grandes metrópoles brasileiras, particularmente Rio de Janeiro e São
Paulo, a partir da década de 1960, quando nasce o “entendido” como uma nova
identidade sexual.
A concepção dessa nova identidade está relacionada ao fato de que,
conforme relato de Marshall, referendado por Fry, nas décadas de 1940 a 1960,
tanto psiquiatras quanto psicólogos minimizaram gradualmente a distinção entre
“atividade” e “passividade”, entre papéis de gênero feminino e masculino,
desencadeando uma nova concepção de “homossexual”, baseada na orientação
sexual. Tem-se, então, uma radical mudança na sociedade: enquanto no século
XIX o mundo se dividia entre homens e mulheres, homossexuais ativos e passivos
3
Fry define papel de gênero como relacionado “especificamente ao comportamento, aos traços de
personalidade e às expectativas sociais normalmente associadas ao papel masculino ou feminino”
(Fry, 1982, p. 90-91). Para o autor, esses papéis são determinados culturalmente, e não em função
do sexo fisiológico, sendo cabível, portanto, de acordo com a cultura, que um homem adote o
papel de gênero feminino ou vice-versa.
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(deslocamento da matriz heterossexual à homossexualidade), tem-se, a partir de
fins da década de 1960, o mundo masculino dividido entre “heterossexuais”,
“homossexuais” e “bissexuais”.
No sistema igualitário, a figura do “entendido” expressa igualdade entre os
parceiros sexuais, envolvidos em uma relação homoerótica. O “entendido”
relaciona-se sexualmente com outro “entendido”. Fry afirma que esse termo é
equivalente ao gay dos Estados Unidos.
Reiterando tal análise, lembro Douglas (1976), ao afirmar que
padrões de perigo sexual podem expressar simetria ou hierarquia. Não é plausível
interpretá-los como expressão de alguma coisa sobre a relação real dos sexos.
Sugiro que muitas idéias sobre perigos sexuais são melhor interpretadas como
símbolos da relação entre partes da sociedade, como reflexos de projetos de
simetria ou hierarquia que se aplicam ao sistema social mais amplo (Douglas,
1976, p. 14).
Em suma, diante do que foi exposto, concluo que a luta entre outsiders e
estabelecidos é perpassada por disputas de poder, contidas em discursos
estigmatizadores, de perigo, e nos contradiscursos, conforme conceituação de
Foucault (1987) consagrada pela expressão “microfísica do poder”.
O autor pretende descobrir quais são as relações de poder mais locais, mais
imediatas que estão em jogo nos discursos sobre o sexo e nas formas, que
denominou, de extorsão da verdade, atuantes ao longo da história e em
determinados lugares – no corpo da criança, no sexo da mulher, nas práticas
sexuais incompletas, no sexo “pervertido”, etc. Além disso, objetiva também
entender por meio de que mecanismos o exercício desse jogo vai modificando as
próprias relações nele contidas de forma a, por exemplo, reforçar certos termos e
enfraquecer outros, como relatado anteriormente em relação às identidades
sexuais e aos papéis de gênero. Mediante tal objetivo, o autor impõe certas regras
metodológicas:
a) Regra de imanência:
Se a sexualidade constituiu-se como domínio a conhecer, foi a partir de relações de
poder que a instituíram como objeto possível; e em troca, se o poder pôde tomá-la
como alvo, foi porque se tornou possível investir sobre ela através de técnicas de
saber e de procedimentos discursivos (Foucault, 1985, p. 93).
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b) Regra das variações contínuas: seu conselho prescreve a busca do esquema
das transformações que as correlações de força implicam a si mesmas,
escapando de uma análise que queira determinar quem tem ou não o poder.
c) Regra do duplo condicionamento: mútuo apoio entre estratégias globais e
locais, ou seja, “deve-se pensar em duplo condicionamento, de uma estratégia,
através da especificidade das táticas possíveis e, das táticas, pelo invólucro
estratégico que as faz funcionar” (Foucault, 1985, p. 95).
d) Regra da polivalência tática dos discursos: pretende pensar a multiplicidade
de elementos discursivos que podem compor diversas estratégias de poder. Por
esse ângulo, Foucault propõe os discursos como ferramentas e como efeitos do
poder em uma simbiose complexa e instável em que o silêncio, por exemplo,
como discurso, pode miná-lo. Porém, acentua ainda que é possível encontrar
até discursos contraditórios em uma mesma estratégia, como também é
possível um mesmo discurso circular em estratégias opostas.
Trata-se, portanto, de pensar o poder como modelo estratégico, como “um
campo múltiplo e móvel de correlações de força, onde se produzem efeitos
globais, mas nunca totalmente estáveis, de dominação” (Foucault, 1985, p. 97).
Em ao menos alguns de seus trabalhos – História da sexualidade, Vigiar e
punir e em entrevistas publicadas no livro Microfísica do poder –, Foucault tentou
caracterizar o poder. A “microfísica” na qual se insere supõe que
o poder nela exercido não seja concebido como uma propriedade, mas como uma
estratégia, que seus efeitos de dominação não sejam atribuídos a uma
“apropriação”, mas a disposições, a manobras, a táticas, a técnicas, a
funcionamentos; que se desvende nele antes uma rede de relações sempre tensas,
sempre em atividade, que um privilégio que se pudesse deter; que lhe seja dado
como modelo antes a batalha perpétua que o contrato que faz uma cessão ou a
conquista que se apodera de um domínio. Temos em suma que admitir que esse
poder se exerce mais que se possui, que não é o “privilégio” adquirido ou
conservado da classe dominante, mas o efeito de conjunto de suas posições
estratégicas – efeito manifestado e às vezes reconduzido pela posição dos que são
dominados. Esse poder, por outro lado, não se aplica pura e simplesmente como
uma obrigação ou uma proibição, aos que “não têm”; ele os investe, passa por eles
e através deles; apóia-se neles, do mesmo modo que eles, em sua luta contra esse
poder, apóiam-se por sua vez nos pontos em que ele os alcança (Foucault, 1987, p.
26).
Foucault infere, portanto, que as relações de poder são dinâmicas, que se
apóiam em estratégias globais e locais que se autocondicionam, e que os discursos
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táticos envolvidos não correspondem à realidade, porém uma articulação entre
poder-saber. Não existe um discurso excluído e um dominante, já que os
indivíduos estão sempre em posição de exercer e de sofrer o poder, ainda que haja
diferenças de potencial e que as relações sejam relativamente estáveis. Há uma
variedade de discursos que se inscrevem em diversas estratégias de ação. Ao fim e
ao cabo o indivíduo é controlado e normatizado, como Foucault expressa, por
múltiplos processos de poder.
Nesse contexto, o movimento LGBT representa uma significativa ruptura
com a condição de estigmatizado, ao promover a saída “do armário” das
identidades LGBT e tentar apresentá-las positivamente por meio de estratégias de
ação diversas. Tem-se, portanto, um exercício de poder; em face do discurso
estigmatizador, o Movimento apresenta seu contradiscurso por meio, por
exemplo, do Projeto Somos Lês, que visa a:
(...) contribuir para a cidadania plena de mulheres lésbicas por meio de uma série
de atividades de sensibilização e formação para as lideranças lésbicas no sentido da
desconstrução dos valores de gênero que foram repassados a estas mulheres
(
Projeto, [20__]).
Ao longo de sua existência, o Movimento tem continuamente alimentado,
ao mesmo tempo que se alimenta, do debate e da construção de uma verdadeira
explosão de identidades sexuais, uma vez que já se fala, por exemplo, não mais de
uma masculinidade – padrão –, mas de múltiplas masculinidades, em que a
própria homossexualidade está sendo inserida.
4
Pode-se dizer que o Movimento LGBT, ainda que um outsider, um excluído
pela matriz de Elias, assume o poder de, mediante as verdades dadas a respeito de
sua sexualidade – perversão ou doença –, estabelecer e reivindicar
estrategicamente suas próprias verdades. Como essas verdades vão sendo
produzidas pelo Movimento é o foco do próximo subitem. Espero evidenciar que,
semelhantemente ao que acontece em face da sociedade como um todo, em que os
grupos LGBT ainda são excluídos e lutam pelo reconhecimento da legitimidade
4
Almeida (2001), por exemplo, prefere utilizar os termos “masculinidade homoerótica” ao abordar
a identidade masculina dos gays e “masculinidade heteroerótica reinventada”, ou
“destradicionalizada”, para referir-se à identidade masculina heterossexual, e justifica tais termos
por entender que imprimem um caráter positivo, afirmativo para essa transformação nos
parâmetros das culturas e identidades masculinas, diferenciando-se do termo “masculinidade
subalterna”.
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de suas identidades, o mesmo parece ocorrer por vezes dentro do próprio
Movimento, em disputas próximas do escopo outsiders/estabelecidos.
3.2.
Cada identidade, uma “verdade”
Um dos primeiros debates empreendidos pelo Movimento LGBT objetivava
definir por quais categorias os homossexuais passariam a se identificar. No
debate, os termos “entendido”/“entendida” no Brasil e gay nos Estados Unidos
despontavam. Adotar tais termos representava uma forma política de se colocar
diante do mundo e de romper com o modelo médico-legal que
patologizava/criminalizava o homossexual,
5
uma vez que essas categorias
denominariam indivíduos que se relacionavam sexualmente com outros do mesmo
sexo, sem adotar inevitavelmente a gesticulação associada à imagem de “bicha”
ou “sapatão”. Diferentemente destes, aqueles não possuíam uma marca pejorativa.
Surge, então, uma nova taxinomia
6
no campo sexual baseada não mais na divisão
entre “atividade” e “passividade”, mas na orientação sexual.
7
5
Com o surgimento da idéia de “saúde”, a partir do século XIX, vários estudiosos tentaram propor
uma leitura da homossexualidade diferenciada de até então. Entre eles estão Ulrichs, Hirshfeld e
Carpenter, conforme referência de Peter Fry (1985), que reconheceram a existência de um terceiro
sexo. No entanto, tais estudiosos não conseguiram consenso a respeito da homossexualidade: seria
mesmo um terceiro sexo ou faria parte de um continuum sexual, cujos extremos eram o
comportamento exclusivamente heterossexual, por um lado, e o exclusivamente homossexual, por
outro, tendo a bissexualidade como parte desse continuum, entre um e outro, idéia essa proposta,
por Alfred Kinsey, já no século XX? A luta de Ulrichs, Hirshfeld e Carpenter com a medicina e os
“militantes da pureza”, no entanto, não se resumia ao questionamento da “condição homossexual”,
mas se relacionava, principalmente, à tentativa política de alterar o valor social dado a esta
categoria. Apesar de tais esforços, ao longo do tempo, foi a concepção da homossexualidade como
doença que prevaleceu, à medida que permitia à ciência uma possível “cura”. Atualmente, duas
grandes correntes teóricas debatem para explicar a homossexualidade e caracterizá-la. Uma, a
biológica ou essencialista, acredita que a homossexualidade tenha uma origem predominantemente
hereditária, ainda que o homem seja, em parte, um produto cultural. A outra – a simbólica ou
construtivista – pensa nos aspectos culturais que podem determinar a mesma. Biologicamente
falando, para os construtivistas, a cultura está continuamente imprimindo suas marcas sobre o
organismo, de tal forma que este passa a ser também produto da cultura. Assim, entre os Gebusi,
por exemplo, existe a crença de que a ingestão de sêmen dos homens mais velhos pelos púberes,
através de relação sexual passiva oral, assegura não a homossexualidade, mas a masculinidade
destes. O que seria, portanto, uma prática homossexual em nossa cultura, não o é entre os Gebusi.
Na cultura brasileira, para mencionar mais um exemplo e lançar luz sobre tais diferenças de
entendimento, o homem “ativo” da relação homossexual é considerado, no interior do País, o
macho, enquanto o “passivo” é o “bicha”. Afinal, na tentativa de definir o que caracteriza a
homossexualidade, a ciência ainda não chegou a um consenso.
6
Ver Fry, 1982, p. 105.
7
Cardoso (1996) entende o conceito de orientação sexual como desejo sexual, “relativizado como
as muitas possibilidades de prazer” (Cardoso, 1996, p. 7). Vale a forma como as pessoas se sentem
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Todavia, os primeiros grupos do Movimento brasileiro decidiram rejeitar
tais denominações, optando pelo uso do termo “bicha”. A idéia era esvaziar esse
conceito, retirando o aspecto negativo, através da associação do termo à militância
e à consciência política.
Em Da hierarquia à igualdade, Fry cita vários relatos apresentados por
Mantega (1979) para ilustrar o debate e as dificuldades para se obter consenso em
torno de uma nova taxinomia. Nesse sentido, cito a afirmação de um membro do
grupo Somos
8
a respeito de tal incorporação:
É que o próprio homossexual está muito pouco esclarecido a respeito da sua
homossexualidade, tanto assim que reproduz, na prática, os padrões heterossexuais,
caricaturando as funções de atividade e passividade, por exemplo. Existe sempre
aquela “bicha pintosa”, “desmunhecada”, à procura do seu “bofe”, isto é, daquele
que vai exercer o papel masculino na relação. Isso é muito falso, pois não tem nada
a ver com a homossexualidade em si (Mantega, 1979, apud Fry, 1982, p. 106).
Um outro militante infere:
Há também aqueles homossexuais com mentalidade machista: ao desempenhar um
papel “ativo”, acreditam não ser contaminados pela homossexualidade. Para eles,
os homossexuais são os outros. São preconceitos machistas dentro de uma
sociedade que forjou esses mitos dentro do próprio pensamento homossexual
(Mantega, 1979, apud Fry, 1982, p. 106).
E ainda um outro engajado no Movimento:
o problema de atividade e passividade está diretamente ligado ao que foi dito sobre
prazer e dominação. É evidente que se não houver dominação na relação sexual,
desaparecem os papéis “ativo” e “passivo” (Mantega, 1979, apud Fry, 1982, p.
106).
O I Encontro dos Movimentos Homossexuais organizado em São Paulo em
1980, tem seu término marcado por um show no qual se apresentavam um macho
sendo cortejado por um travesti submisso. Tal show provocou o enfurecimento de
sua platéia militante, que acabou por interrompê-lo. Um dos participantes resumiu
a situação desta forma:
Agora, o que se pretende não é que essa caricatura heterossexual possa ser
mostrada livremente dentro da sociedade, mas sim acabar com essa reprodução
a partir de suas práticas sexuais. Dessa forma, a questão da homossexualidade insere-se em um
espaço aberto, não polemizador. Já Fry associa orientação sexual ao sexo fisiológico do objeto de
desejo sexual. Por essa ótica, um indivíduo pode ter orientação homossexual, heterossexual ou
bissexual.
8
Primeiro grupo do Movimento LGBT no Brasil, constituído em São Paulo na década de 1970.
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heterossexual e colocar um modelo de relação onde não exista a divisão de papéis,
um dominador e um dominado; acho que os homossexuais mais conscientes
pretendem que se estabeleça uma revolução dentro dos padrões sexuais, tanto do
lado heterossexual quanto do lado homossexual, que não exista um dominador e
um dominado na relação heterossexual e que não exista caricatura disto na relação
homossexual; uma mudança radical no plano do prazer (Mantega, 1979, apud Fry,
1982, p. 107).
Percebe-se pelos discursos citados um grande debate em torno das
identidades sexuais e a busca do Movimento LGBT de constituir a sua própria,
longe do escopo heterossexual. No entanto, Fry aponta sabiamente que esse
esforço se, por um lado, propõe uma nova taxinomia baseada na orientação
sexual,
9
por outro, reforça a taxinomia que divide o mundo em heterossexuais,
homossexuais e bissexuais. Segundo o autor, a busca de definir a identidade
homossexual e o concomitante clamor para que os homossexuais “saíssem do
armário” acaba por legitimar a taxinomia vigente, muito além do que a medicina
conseguira fazer. Afinal, “não há nada mais eficiente na produção de “condições
sociais” do que a crença na sua existência” (Fry, 1982, p. 108).
Este, no entanto, não foi o único debate, muito menos o único conflito, que
teve espaço no Movimento. Edward MacRae, em citação de Regina Facchini
(2005), demonstrou que, embora o movimento tenha se constituído sob a égide de
uma comunidade de iguais – sendo a homossexualidade o atributo essencial que
os unia –, essa construção requereu a suspensão em um certo nível das diferenças
entre os “iguais”. Essa homogeneidade é sempre marca de uma aliança construída
para fins políticos.
A partir de 1992, a construção dessa aliança ganha contornos mais precisos.
Há o aumento da participação de grupos exclusivamente lésbicos nos encontros
nacionais do Movimento, de tal forma que o Encontro de 1993 já incorpora a
identidade lésbica na sua denominação. Assim, realiza-se o VII Encontro
Brasileiro de Lésbicas e Homossexuais. A plenária final desse evento tomou as
seguintes resoluções, dentre outras:
– discussão permanente de gênero, ou seja, diferenças entre gays e lésbicas; e
– estabelecimento de bandeiras comuns de luta de gays e lésbicas.
9
O consenso em torno dessa idéia deu-se durante a elaboração da Constituição Brasileira de 1988,
na qual o Movimento requeria que se incluísse na mesma a defesa expressa da não-discriminação
da homossexualidade, e após consulta a acadêmicos e profissionais de diversas áreas.
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A discussão das resoluções foram pautadas na necessidade de paridade entre
tais identidades em todas as instâncias do Movimento. Tem-se, portanto, a
incorporação efetiva da causa lésbica no e pelo Movimento. Em 1995, a categoria
homossexual é substituída por gay, provavelmente por influência internacional.
Realiza-se então o VIII Encontro Brasileiro de Gays e Lésbicas. O relatório final
desse evento afirma que a inclusão do termo “travesti” foi aprovada em plenária
após sugestão de um dos grupos de trabalho participantes do Encontro, e que
tratava especificamente dessa identidade. Essa entrada “institucionalizada” dos
travestis no movimento é conseqüência da mobilização política da categoria que
já havia realizado dois encontros anteriores a esse, promovidos pela Astral (Rio de
Janeiro) – Associação de Travestis e Liberados. Em 1997, realiza-se o IX
Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Travestis. Essa é a primeira vez que a
identidade travesti aparece segmentada na denominação desse evento do
Movimento. Tais alterações evidenciam a necessidade estratégica do movimento
em definir os atores nele envolvidos, a aplicação de um sistema classificatório
segregacionista em relação à orientação sexual, como aponta Facchini (2005), e
processos de diferenciação que ressaltaram as especificidades de lésbicas e
travestis. Por outro lado, evidenciam também a presença de ONGs – Organizações
Não Governamentais – dentro do Movimento, uma vez que seus projetos para
angariar fundos necessitam expressar claramente quais os públicos-alvo que serão
beneficiados com o mesmo. Além disso, vários grupos têm incorporado ainda
referências utilizadas no mundo acadêmico ou no movimento internacional para
definir seu público-alvo. Exemplo dessas referências são os termos “homoerótico”
e “transgênero”.
Outra identidade que está se inserindo nesse contexto de lutas discursivas
identitárias e que problematiza o escopo dado pelas taxinomias em vigor é a
transexualidade. Ainda que se pense a transexualidade como uma identidade
única, Berenice Alves de Melo Bento (2004) já apresenta, baseada em um estudo
empírico, a idéia de transexualidades. Partindo da sumarização das duas matrizes
teóricas fundamentais que tentam forjar o/a transexual verdadeiro/a, ela passa a
questioná-las, propondo a existência de múltiplas transexualidades. A primeira
matriz abordada é caracterizada por sua ênfase na psicanálise, por isso, Bento a
chama de “transexualidade stolleriana” (em homenagem ao psicanalista Robert
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42
Stoller).
10
Da segunda matriz surge o “transexual benjaminiano” (em homenagem
ao endocrinologista Harry Benjamin). Esta possui uma leitura a partir da estrutura
biológica.
11
A experiência de campo adquirida pela autora permitiu um questionamento
destas matrizes de conhecimento
12
e a percepção de uma nova categoria interna à
experiência transexual: a de mulheres transexuais lésbicas.
13
Assim, tem-se não
mais um corpo em divergência com a identidade de gênero, caso dos travestis,
mas a própria sexualidade deslocada de um referente biológico,
14
ou seja, uma
multiplicidade de possíveis articulações no processo de construção de novas
identidades. Assim, da busca do verdadeiro transexual (sua origem e
10
Para Stoller, conforme Bento, a transexualidade origina-se da relação entre uma mãe que tem
inveja dos homens, que gostaria, ainda que inconscientemente, de ser homem, e que transfere esse
desejo para seu filho. Isso ocasiona uma relação entre mãe e filho tão intensa que não permite que
o complexo de Édipo se desenvolva, na medida em que a figura paterna não é percebida como um
rival. Esse autor entende que as identidades de gênero e sexual têm na entrada e na resolução do
conflito edipiano momentos fundamentais para a sua constituição na infância.
11
Já o transexual benjaminiano, ainda segundo Bento, é aquele em que há um desacordo entre os
seus diversos sexos. Para Benjamin, “o sexo” é constituído por vários sexos: o cromossomático ou
genético, o gonádico, o fenotípico, o psicológico e o jurídico, sendo o cromossomático responsável
pela determinação do sexo e do gênero (XY nos homens e XX nas mulheres). Assim, o/a
“verdadeiro/a transexual” é um ser assexuado que sonha com um corpo de homem/mulher a ser
obtido via intervenção cirúrgica.
12
Defrontando-se com o viés stolleriano, Bento percebeu uma relação entre mães e filhos
transexuais entrevistados por ela muito diferente do modelo proposto por Stoller, na medida em
que apontavam para níveis bastante diferenciados de proximidade, não sendo esta, portanto, fator
determinante para a transexualidade. Em relação ao transexual benjaminiano, Bento relata a
convivência com pessoas transexuais que possuíam uma vida sexual ativa, que viviam com
seus/suas companheiros/as antes mesmo da cirurgia, indivíduos que fizeram a cirurgia não para
manterem relações heterossexuais, pois se consideravam gays e lésbicas. Em outros casos, a
cirurgia era desconsiderada porque os/as transexuais defendiam que a sua identidade de gênero não
estava associada à existência de um pênis ou de uma vagina. Suas demandas caminhavam no
sentido de obter o direito legal de mudança do nome próprio e do sexo em sua documentação,
baseada no gênero por si identificado. Desse confronto, Bento faz duas observações que considero
importantíssimas para se pensar essa questão: primeiro em relação aos stollerianos, ao afirmar que,
“embora a transexualidade seja uma experiência que se refere à questão de gênero e que, portanto,
nada diz sobre a sexualidade do demandante à cirurgia, o terapeuta interpreta a identidade de
gênero vinculando-a diretamente à sexualidade” (Bento, 2004, p. 158).
E abordando os benjaminianos, Bento percebe a reiteração da imposição da heterossexualidade
como norma, na definição do que é um homem ou uma mulher “de verdade”.
13
Bento nomeia de transexual feminina ou mulher transexual os homens biológicos que se sentem
mulheres; transexuais masculinos ou homens transexuais, as mulheres biológicas que se sentem
homens.
14
Nesse sentido, uma das histórias relatadas por Bento é a de Annabel, uma transexual feminina
que foi casada durante 20 anos, tendo desse relacionamento uma filha natural e um filho adotivo.
Durante este período, ela desempenhava mais atribuições relacionadas socialmente ao feminino
que sua ex-esposa. Sexualmente, nunca conseguiu ser o homem viril, com a iniciativa que se
esperava. No entanto, se, por um lado, ao longo do tempo, os conflitos se silenciavam, por outro,
suas dúvidas e angústias tornavam-se insuportáveis. Annabel procurou, ainda casada, ajuda
terapêutica. No entanto, quando começou a se vestir com roupas femininas e a participar de um
grupo transexual, o casamento desmoronou por completo. O dilema estava no fato de que Annabel
ainda amava sua ex-esposa, tendo por ela fantasias e desejos eróticos. Posteriormente, sua primeira
relação estável continuou a ser com uma mulher.
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características), chega-se a experiências plurais do mesmo, deixando o “escopo
heterossexual” para embrenhar-se também por um “escopo homossexual”.
15
Essa pluralidade de possíveis articulações identitárias muitas vezes esbarra,
no entanto, em múltiplas correlações de forças entre militantes do próprio
Movimento. Esse jogo de forças, além de exemplificar disputas e conflitos
internos, acaba por tornar-se ingrediente no debate acerca dessas novas
identidades. Segundo divulgou M. Yáskara Guelpa na coluna Filosofando do site
gonline.uol.com.br, em 2006, durante o Seminário Nacional de Lésbicas, a
transexual Bárbara Graner foi impedida de participar do evento, ainda que tenha
sido convidada a dar uma palestra sobre transexualidade e estar representando as
mulheres e homens transexuais de todas as orientações sexuais. A autora do relato
afirma que o constrangimento partiu de um grupo de militantes (e não de todas)
que, segundo ela, só faltou solicitar a Bárbara Graner um atestado de “mulher
pura”. Repudiando tal atitude, Guelpa questiona-se: “(T)eria havido um
vislumbre, por parte de algumas participantes, de um Machismo Vaginal (...)?”.
Outra crítica da autora foi a de que tais militantes teriam reproduzido o
“preconceito chauvinista às avessas”. Contudo, apesar dessa resistência à
transexualidade por parte de algumas lésbicas, que se insere no domínio de uma
determinada condição de “ser mulher” de umas em detrimento de outras, alguns
grupos como a União de Mulheres, de São Paulo, e o Grupo Movimento D’Ellas,
do Rio de Janeiro, ambos pertencentes ao Movimento LGBT, promoveram
palestras sobre a transexualidade, reforçando uma atitude de respeito às
diferenças. Esses conflitos decorrem do próprio processo de
identificação/diferenciação em que um grupo acaba por se considerar “o”
representante em detrimento dos demais, e exigem, como Facchini pontua, uma
constante capacidade de articulação entre as categorias desse sujeito coletivo para
mantê-lo coeso.
15
Ainda segundo Bento:
“O/a ‘transexual oficial’
a) odeia seu corpo
b) é assexuado/a e
c) deseja realizar as cirurgias para que possa exercer a sexualidade normal, a heterossexualidade,
com o órgão apropriado.
Sugeri, ao contrário, que eles/as não solicitam as cirurgias motivados pela sexualidade, tampouco
que sejam assexuados: reivindicam mudanças nos seus corpos para que possam ter inteligibilidade
social. Se a sociedade divide-se em corpos-homens e corpos-mulheres, aqueles que não
apresentam essa correspondência fundante tendem a estar fora da categoria do humano” (Bento,
2004, p. 170).
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44
O indivíduo bissexual é também bastante polemizado pelo Movimento. Em
1999, adota-se a sigla GLBT na Parada Paulista, após calorosa discussão a
respeito da inclusão dos bissexuais e o uso do “T” como transgêneros,
16
englobando travestis e transexuais. Essa mudança ocorreu a partir da participação
de um dos líderes do grupo Corsa em conferência da InterPride – associação de
entidades voltadas para a organização de eventos de gay pride. No evento,
discutiu-se a alteração de seu nome para International Association of Gay,
Lesbian, Bissexual and Trangender Pride Organizators. O argumento dessa
liderança ao grupo Corsa foi de que se tratava de uma sigla mais inclusiva e de
uso internacional. No mesmo ano, durante o I Encontro Paulista de GLTs
realizado em Campinas, travestis e transexuais manifestaram-se contra a categoria
transgêneros, uma vez que o termo não possuía significado no Brasil: esses grupos
preferiam continuar a se denominar separadamente. Ainda assim, no entanto,
meses depois, foi criado o Fórum Paulista GLBT.
Facchini notou que, durante algum tempo, a utilização das siglas GLT e
LGBT esteve associada a um conflito maior entre os próprios grupos militantes do
Movimento, de forma que utilizar a sigla GLT indicava vínculo à ABGLT –
Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros –, enquanto se denominar
LGBT marcava posicionamento junto ao Corsa e à APOGLBT – Associação da
Parada do Orgulho GLBT. O dilema provocado pela promoção de bissexuais a
uma categoria constitutiva do sujeito coletivo do Movimento se deu pela visão de
muitos militantes que associavam os bissexuais a “enrustidos” e pelo fato de não
haver um movimento organizado e demandas específicas de bissexuais. Isso
começou a mudar em 2004, quando apareceram as primeiras iniciativas de
formação de grupos para debate em torno da bissexualidade, o que forçou a
inclusão do tema em fóruns regionais e nacionais do Movimento. Em 2005, no I
Congresso realizado pela ABGLT, estabeleceu-se o uso dos termos gay, lésbica,
bissexual e transgênero nos documentos oficiais para designar os sujeitos do
Movimento.
16
Conforme França (2006): “O que diferenciaria travestis de transexuais é uma polêmica no
movimento: alguns afirmam que a diferença estaria no desejo da cirurgia de transgenitalização;
outros, que estaria no desempenho de papel sexual ‘ativo’ ou ‘passivo’; outros, ainda, ressaltam o
sofrimento psíquico que um órgão genital identificado como pertencente ao sexo oposto ao qual se
julga pertencer causaria a transexuais, ao passo que travestis lidariam ‘bem’ com este aspecto”
(França, 2006, p. 113).
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45
Por fim, algo ainda mais sutil é imanente a essas disputas. Os bissexuais e
os transgêneros são categorias potencialmente desestabilizadoras de certas
dualidades culturalmente constituídas:
a) heterossexual/homossexual, homem/mulher – uma vez que não se situam em
nenhum dos lados desses pares incorporados ao Movimento;
b) identidade sexual/identidade de gênero – que pode ser percebida pela afirmação
da travesti Marjorie Machi durante a Primeira Pré-conferência Regional de
Políticas Públicas para GLBT da Cidade do Rio de Janeiro.
17
Segundo ela, ainda
que esteticamente possa ser identificada com o feminino, seu prazer transcende os
papéis de gênero estipulados pela sociedade.
18
Além de simbolicamente expressar esse processo de constituição de
identidades e indicar a presença de diversos atores em seu interior, a sigla LGBT,
como designação do movimento, contrapõe-se ainda à HSH (homens que fazem
sexo com homens), criada pelo Ministério da Saúde em seu esforço por conter a
Aids, uma vez que a sigla evidencia a prática sexual, omitindo-se da discussão
sobre uma identidade homossexual, e à GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes),
criada em 1997 por André Fischer, colunista gay da Revista da Folha. Esta sigla
relaciona-se à segmentação mercadológica e caracteriza-se por reiterar identidades
já reconhecidas pelo Movimento, mantendo, contudo, uma certa ambigüidade
classificatória com o termo “simpatizante”, o que, mercadologicamente falando,
deixa espaço para outros grupos, que ora não “saíram do armário”, ora
simplesmente gostam do estilo de vida LGBT.
Do que foi exposto, pode-se concluir que se, por um lado, o Movimento
como um todo requer o reconhecimento do direito de ser diferente em face da
sociedade em geral, por outro, essa luta também se dá dentro do próprio
Movimento. Disputas internas entre identidades pretendem obter reconhecimento
de sua legitimidade como sujeito político detentor de especificidades e agendas
próprias.
Deixo as microdisputas para voltar meu olhar às macrodisputas. Ainda que
cada identidade LGBT possua suas próprias especificidades, o Movimento
17
Mantenho a denominação GLBT, uma vez que na época do evento a mudança para LGBT ainda
não havia ocorrido.
18
Conforme relato de campo de Paulo d’Avila (2008).
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consegue se articular estrategicamente em torno de uma agenda política única.
Essa agenda ergue a bandeira do respeito à diversidade sexual, que no âmbito do
Estado pode ser corporificada por políticas de reconhecimento e redistributivas.
Nancy Fraser percebe nessas políticas, como estratégias de ação, a possibilidade
real de redução das injustiças sociais, ainda que certas combinações no interior de
tais políticas possam acabar por reiterar o próprio estigma que se quer combater,
como efeito colateral. Diante disso, apresento a seguir a caracterização das atuais
lutas sociais e uma possível medicalização por meio de certas políticas, conforme
proposição de Fraser, vinculando essa caracterização ao Movimento LGBT e à
sua atuação estratégica.
3.3.
O Movimento LGBT e sua luta por redistribuição e reconhecimento
Nancy Fraser (2001), no texto “Da redistribuição ao reconhecimento?
Dilemas da justiça na era pós-socialista”, aponta para possíveis caminhos de
correção de injustiças sociais, impostas aos mais diversos outsiders por grupos
estabelecidos, e suas implicações.
Antes, porém, de abordar suas propostas, é preciso entender o pensamento
da autora. Ela reconhece logo de início que o novo paradigma de conflito político,
particularmente desde o final do século XX, é a luta por reconhecimento. No
entanto, a autora apresenta, para fins analíticos, dois grandes tipos de luta social:
lutas que visam ao reconhecimento de diferenças, contidas no domínio cultural, e
as que pleiteiam ações de redistribuição, relacionadas a demandas de base
econômica. Mesmo propondo tal tipologia de injustiças, entende que “cultura e
economia política estão sempre imbricadas e virtualmente toda luta contra
injustiça, quando corretamente entendida, implica demandas por redistribuição e
reconhecimento” (Fraser, 2001, p. 248).
Ou seja, entre tais tipos de injustiças há uma interligação dialética, em que
ambas se reforçam mutuamente. Como tipos ideais, pode-se dizer que a luta por
redistribuição dá-se no âmbito econômico e a luta por reconhecimento decorre da
injustiça no âmbito cultural ou simbólico, ou seja, insere-se nos padrões sociais de
representação, interpretação e comunicação.
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47
Normas culturais enviesadas de forma injusta contra alguns são institucionalizadas
no Estado e na economia, enquanto as desvantagens econômicas impedem
participação igual na fabricação da cultura em esferas públicas e no cotidiano. O
resultado é freqüentemente um ciclo vicioso de subordinação cultural e econômica
(Fraser, 2001, p. 251).
Em síntese, Fraser propõe alguns “remédios” a serem ministrados pelo
Estado a fim de reduzir tais injustiças. Para o primeiro tipo, englobam-se ações de
redistribuição de renda propriamente dita, remodelação da divisão do trabalho,
investimentos na democracia, etc. Já para a segunda injustiça, a medicação deve
ser o reconhecimento, que abrange diferentes ações, entre elas a reavaliação
positiva de identidades não respeitadas.
Feita a distinção, Fraser pontua que medicamentos redistributivos também
requerem algo de reconhecimento, e vice-versa. Assim, por exemplo, a fim de
promover redistribuição socioeconômica igualitária, pode-se afirmar que todo ser
humano possui um mesmo valor moral. No segundo caso, o reconhecimento pode
implicar a distribuição justa de bens primários.
Apesar de possíveis imbricações, as demandas por esses remédios trazem
implicações divergentes entre si: reivindicações de reconhecimento tendem a
gerar diferenciação entre os grupos sociais e reivindicações redistributivas
inclinam-se a abolir diferenças. Percebe-se, portanto, que esses medicamentos
incorporam em si uma tensão, um dilema fundamental: enquanto um diferencia, o
outro homogeneiza os grupos.
Em minha leitura, percebo que a luta LGBT envolve esses dois tipos de
reivindicações. Por um lado, tais identidades são vítimas, por exemplo, de
demissões sumárias de seus empregos em função da orientação sexual, assim
como têm negados direitos legais, que implicam propriedade e recursos
financeiros. Por outro lado, sofrem a recusa da sociedade em entender sua
sexualidade como legítima. Dessa forma, podem ser consideradas como uma
coletividade ambivalente, que no entender de Fraser denominam aqueles grupos
que sofrem injustiças tanto socioeconômicas quanto de não-reconhecimento
cultural, que estão longe de se constituírem em efeito de uma ou outra. São, na
verdade, primárias e originais.
Pelo exposto, pode-se imaginar o grande dilema que é vivido por esse e
outros grupos identitários, uma vez que, por um lado, políticas redistributivas
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homogeneízam e, por outro, políticas de reconhecimento diferenciam. Para
resolver esse dilema, Fraser propõe concepções alternativas para cada um de seus
remédios, os quais denomina respectivamente de afirmativos e transformativos.
Os remédios afirmativos buscam corrigir as conseqüências indesejáveis de certos
arranjos sociais sem alterar, no entanto, a estrutura que os gera. Por outro lado, os
remédios transformativos atuam na própria reestruturação do arcabouço que
produz os resultados indesejados. Assim, diante de injustiças culturais, o remédio
afirmativo está associado ao que Fraser chama de “multiculturalismo dominante”,
ou seja, um multiculturalismo que agirá reavaliando as identidades injustamente
desvalorizadas, sem alterar, no entanto, o seu conteúdo nem as diferenciações de
grupo que as sedimentam. Em contrapartida, remédios transformativos estão
associados à desconstrução, ou seja, atuam na própria estrutura cultural-valorativa
que embasa tal injustiça, modificando-a. Assim, ocorreria uma mudança na
percepção de todos quanto à sua individualidade. Por exemplo: no caso da
homofobia e do heterossexismo, remédios de reconhecimento afirmativos
englobam políticas de valorização das identidades LGBT, enquanto os de
reconhecimento transformativos buscam desconstruir a dicotomia
homossexual/heterossexual.
Também no âmbito das injustiças econômicas podem-se reconhecer os
resultados da utilização de um e de outro remédio. Assim temos, por exemplo, os
remédios de redistribuição afirmativos associados ao Estado de bem-estar liberal,
em que se almeja superar a má distribuição de recursos por parte do Estado, sem
alterar a estrutura político-econômica que o sustenta. Já os remédios de
redistribuição transformativos estão ligados historicamente ao socialismo, que
altera a distribuição dos recursos estatais de bens de consumo, bem como a
divisão social do trabalho e, conseqüentemente, a existência de todos.
Logo, o reconhecimento afirmativo tende a gerar diferenciação entre os
grupos, e o transformativo tende a permitir novos reagrupamentos a longo prazo
pela desestabilização das diferenciações. A redistribuição afirmativa inclina-se,
por sua vez, a estigmatizar a classe que se beneficia desse remédio, enquanto a
transformativa pode fomentar reciprocidade e solidariedade nas relações de
reconhecimento.
Sumarizando os efeitos que Fraser indica quanto ao uso destes
medicamentos, tem-se o seguinte quadro:
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Remédios Afirmativo(a) Transformativo(a)
Reconhecimento
Tende a gerar diferenciação entre
os grupos
Tende a permitir novos
reagrupamentos a longo prazo pela
desestabilização das diferenciações
Redistribuição
Tende a estigmatizar a classe que
se beneficia desse remédio
Tende a fomentar reciprocidade e
solidariedade nas relações de
reconhecimento
Para complexificar um pouco mais o dilema dado, Fraser ressalta que o
cenário é de lutas múltiplas e cruzadas, já que ninguém pertence a uma única
coletividade – classe, sexualidade, gênero, raça. Esses tipos de injustiças cruzam-
se, afetando a todos. Pessoas subordinadas em um desses eixos podem ser
dominadoras em outro.
Outra faceta importante é a de que o dilema da
redistribuição/reconhecimento não aparece apenas de forma endógena, ou seja,
dentro de uma única coletividade, mas também exogenamente, ou seja, entre
coletividades cruzadas. Dessa forma, um gay da classe trabalhadora, por exemplo,
enfrentará esse dilema independentemente de sexualidade ou classe serem vistas
como ambivalentes. Da mesma forma, uma mulher negra enfrentará o dilema de
forma aguda. Em matéria divulgada por O Globo Online sobre a Parada do
Orgulho GLBT realizada em São Paulo em 2007, Nelson Matias Pereira,
presidente da APOGLBT, afirma em entrevista essa dura realidade: “Queremos
chamar a sociedade para discutir a questão do machismo, do racismo e da
homofobia, tratando de expor que os LGBT também são negros, mulheres e
sofrem o dobro do preconceito.”
Em conformidade com o pensamento de Fraser, porém sob uma outra
abordagem, Almeida (2001), ao analisar e criticar a idéia de masculinidade
hegemônica, recupera de Gramsci aquilo que ele propõe como “reforma” no
âmbito intelectual e moral, ao entender que essa reforma acontecerá (e já está em
curso) por meio de lutas ideológicas, políticas, culturais e sociais promovidas pela
sociedade civil. Para a autora, a transformação efetiva das estruturas de gênero se
dará através de iniciativas como as dos Movimentos Feminista e LGBT, e conclui:
É assim que alguns meios culturais – políticos – psicossociais (a escola, as
religiões, os grupos de conscientização, os movimentos sociais, as ONGs, partidos
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políticos etc., configurando essa sociedade política e civil na contemporaneidade)
terminam por funcionar como “fortalezas” do bloco histórico, nossos mais fortes
instrumentos de luta pela emancipação dos “grupos subalternos”, visando uma
mobilização no sentido do exercício da direção ideológica e cultural da sociedade,
antes mesmo de assumir posições que se refiram ao poder do Estado (Almeida,
2001, p. 31).
Essa luta ou reforma que se inicia pela “persuasão/direção moral e
intelectual” (Almeida, 2001, p. 31) vem já desconstruindo ou destradicionalizando
as “masculinidades sexistas” por meio do exercício de múltiplas “masculinidades
reinventadas”, contidas, por exemplo, na experiência LGBT, e que terá como
ponto culminante, em termos de masculinidades, a aceitação do direito às
diferenças entre os homens, as mulheres e entre ambos.
A atuação política do Movimento LGBT dá-se nas duas frentes de luta
abordadas por Fraser, como já afirmei anteriormente. Através, por exemplo, da
Parada LGBT, percebo a pretensão de levar a sociedade a entender a legitimidade
de sua identidade, ao mesmo tempo em que, ao ensejar processos judiciais ou
pleitear na Câmara Federal alterações legislativas, clama pela redistribuição de
direitos civis iguais. Em outra dimensão, no entanto, o que se percebe são
múltiplas lutas, articuladas mediante estratégias por vezes até conflitantes.
Esclareço: enquanto as identidades gay e lésbica reiteram a dicotomia
heterossexualidade/homossexualidade, as identidades bissexual e de transgêneros
a desestabilizam, assim como estes desestabilizam os próprios papéis de gênero
feminino e masculino (conforme abordei anteriormente). Outro conflito
importante dá-se em torno do caráter patológico associado por tanto tempo à
homossexualidade: enquanto os transexuais reivindicam a patologização de seu
corpo, de forma a obter o direito a cirurgias gratuitas pelo SUS – Sistema Único
de Saúde – para mudança de sexo, gays e lésbicas lutam exatamente pelo fim
dessa associação a suas identidades. Dados os múltiplos conflitos, alguns apenas
teóricos, da luta desse Movimento, abordo a seguir a Parada do Orgulho LGBT
como exemplo de estratégia política por reconhecimento afirmativo, conforme
tipologia de Fraser. Ressalto que a Parada é apenas uma das estratégias utilizadas
pelo Movimento, que evidencia microdisputas de poder.
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51
3.3.1.
A Parada do Orgulho LGBT: visibilidade estratégica por
reconhecimento afirmativo
A fim de entender de que forma a Parada do Orgulho LGBT
19
visa à
promoção da legitimidade das identidades envolvidas no Movimento, é necessário
pensá-la como um rito, já que, conforme nos propõe Victor Turner (2005), cada
ritual possui uma configuração simbólica que reflete aspectos da realidade social
para questioná-los.
A Parada do Orgulho LGBT ocorre anualmente em diversas cidades do
mundo. Embora o Dia do Orgulho Gay seja comemorado a cada 28 de junho,
pode-se participar de Paradas ao longo de todo o ano. Muitas destas, dada a sua
grandiosidade como evento público, já fazem parte do calendário oficial da cidade
onde se realizam. Pretendo dar foco às Paradas realizadas nas cidades do Rio de
Janeiro (no bairro de Copacabana – a principal Parada carioca) e de São Paulo.
Na cidade do Rio de Janeiro, a Parada de Copacabana envolveu 1,2 milhão
de participantes, enquanto a de São Paulo, 3,5 milhões em 2007. Desde 2004, a
Parada paulista é a maior manifestação desse tipo no mundo. Na cidade do Rio de
Janeiro, além de Copacabana, onde ocorreu a primeira Parada do Brasil em 1995,
o bairro de Madureira também realiza anualmente seu evento.
O primeiro ponto que quero reiterar sobre a Parada LGBT é o fato de que se
trata de uma das estratégias políticas utilizadas pelo Movimento para se expressar.
Regina Facchini, vice-presidente da Associação da Parada do Orgulho LGBT de
São Paulo, afirmou em entrevista ao jornal O Globo Online que a idéia inicial do
evento era mostrar à sociedade que eram muitos os homossexuais e que estes
estavam em todos os lugares. Posteriormente, objetivou-se chamar a sociedade a
participar da Parada. Mas, a partir de 2003, ainda segundo Facchini, o objetivo
passou a ser a conquista de mudanças na legislação.
Marcelo Denny, um dos participantes da Parada paulista de 2007, relata para
o mesmo jornal:
19
Optei pela utilização do nome Parada do Orgulho LGBT, fazendo eco à forma como a Parada
paulista se define, uma vez que outras Paradas se apresentam como do Orgulho Gay, e à alteração
recente na denominação do Movimento.
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52
Nos primeiros anos, havia apenas um trio elétrico na Parada. Parávamos para ler o
nome dos deputados que eram contra o movimento LGBT e eles recebiam uma
vaia. Fazemos isso ainda hoje, mas os outros trios
20
continuam a tocar música. (...)
Acredito que com alegria somos capazes de conquistar muito mais simpatizantes
do que de uma maneira raivosa e sisuda (O Globo Online, 2007).
Reforçando esse caráter político, em pesquisa coordenada por Sérgio
Carrara (2005) na Parada de 2004 no Rio de Janeiro, 54,6% dos entrevistados
afirmaram sua participação na mesma para que os “homossexuais tenham mais
direitos” (sendo 27,5% heterossexuais) e 21,2% por solidariedade a amigos e
parentes, o que também é uma atitude política. Outro aspecto é a utilização anual
de um determinado tema. O tema é a palavra de ordem, dá o tom político,
reivindicatório e mobiliza a todos em um mesmo sentido. Em 2004, por exemplo,
o tema foi Família. Daí, ouviu-se as seguintes palavras de ordem, dentre outras:
Cidade Palavra de Ordem
Curitiba “Família, Orgulho e Respeito”
Rio de Janeiro “União Civil Já!”
Blumenau “Homossexualidade: um Assunto Familiar”
São Paulo “Temos Orgulho e Família”
Pensar em estratégia de reconhecimento afirmativo requer pensar em
crenças e simbolismos que permeiam a estrutura social, conforme já apresentei em
outro momento. Para tal, recorro à leitura que Roberto DaMatta (1990) faz a
respeito do carnaval. Os elementos por ele apresentados ajudam a perceber a
Parada do Orgulho LGBT como um rito de dramatização/teatralização das
práticas do mundo cotidiano, promovendo uma releitura dos mesmos por meio de
contrastes com tais atos (da vida diária). O ritual, utilizando-se do drama,
promove uma conscientização do mundo social, ao destacar certos aspectos do
mesmo. Em outras palavras,
(o)s rituais representam a forma das relações sociais e dão a elas expressão visível,
capacitando as pessoas a conhecerem sua própria sociedade. Os rituais influem
sobre o corpo político por intermédio do agente simbólico do corpo físico
(Douglas, 1966, p. 158).
20
Apenas a título ilustrativo, para corroborar a dimensão do evento, essa Parada contou com a
participação de 23 trios elétricos.
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53
Facchini (2005) entrevistou uma das organizadoras das duas primeiras
paradas paulistas, de nome fictício Clara. Em seu relato, percebem-se elementos
importantes contidos na construção do evento e que ao longo desta análise serão
considerados. Quando questionada sobre o porquê da escolha do termo Parada
para designar o evento, Clara revela:
Bom... Desfile? Na verdade, a nossa dúvida ficou entre parada e passeata. (...) Mas
a questão da passeata tem uma conotação política muito forte; assim, e, apesar do
evento ser político, ele não é só político. Tem todo um lado de festa, de alegria, de
brilho, que está aí, está paralelo. E é até uma forma de mostrar para a sociedade
como a gente vive bem a vida e não tem problemas assim existenciais com relação
à orientação sexual. E seria, também, uma coisa que afugentaria muita gente,
imagina: “Vou a uma passeata gay”. Parada tem muito mais uma coisa... muito
mais de festa e acaba, para quem conhece a tradição americana, que tem a idéia de
parada, né? E, como a gente optou pelo próprio dia 28 de junho para estar fazendo
a nossa parada, resgatando uma tradição deles, que existe em vários locais do
mundo, então, vamos usar parada. Mas a discussão mais interessante foi o orgulho
do quê? Porque os gays falam assim: “Ah, do orgulho gay, né?” E eu lembro que,
nessa reunião, eu era a única lésbica, só tinha gays. E eu falei: “Eu não quero uma
parada do ‘orgulho gay’. Eu até concordo que a parada gay abarca todo mundo,
mas... é... no Brasil, a gente não tem essa referência como nos Estados Unidos.
Aqui dificilmente uma mulher vai dizer: ‘Eu sou gay.’ Na verdade, as mulheres
vão se sentir excluídas da parada”; “Ah, mas para colocar parada de gays e lésbicas
vai ficar muito grande”; “Ah, mas tem os travestis e os transexuais”. E até que
alguém sugeriu que nós colocássemos GLT, que é a sigla do movimento, tirada
pelo movimento. E aí ficou a Parada do Orgulho GLT, incluindo todo mundo
(Facchini, 2005, p. 229-230).
Como o próprio nome, portanto, já explicita (segundo o dicionário
Michaelis, “parada” significa “ato ou efeito de parar”, “lugar onde se pára”), a
Parada LGBT, assim como a militar na análise de DaMatta, representa uma
verdadeira trégua na estrutura social, em que os homossexuais e demais
identidades sexuais do Movimento são outsiders e os heterossexuais são os
estabelecidos. Por outro lado, utilizando-se do mesmo mecanismo básico de
articulação simbólica através do qual o carnaval se expressa, ou seja, o da
inversão, esse “carnaval fora de época” gera uma continuidade entre diversos
sistemas de classificação que atuam no sistema social. Muito embora no carnaval
a inversão reforce a estrutura hierarquizante brasileira, na Parada, o que se
objetiva é a transformação dessa estrutura, diluindo-a pela brincadeira.
A inversão que creio ocorrer no ritual da Parada LGBT se dá, portanto, em
duas dimensões no Brasil: uma, no jogo de forças, de poder entre outsiders e
estabelecidos, e a outra, na estrutura social de moldes hierárquicos.
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54
Na primeira dimensão, aqueles que até então eram os excluídos e que
deveriam se comportar sem pressões junto aos estabelecidos, como muito bem
pontuou Goffman, passam a ser os donos da festa, e donos orgulhosos. São os
atores diante de espectadores “estabelecidos”.
A própria utilização reiterada do termo “orgulho” no discurso LGBT, e que
dá nome ao evento em análise, tem ela mesma força simbólica. Ela contrasta
diretamente com o estigma social em relação a tais identidades, elevando como
um valor algo associado ao longo do tempo a pecado, depravação, doença.
Na segunda dimensão, a hierarquia se inverte, com a formação de um grupo
completamente igualitário, auto-representado pelas cores do arco-íris (juntas,
porém mantendo sua especificidade, formam um efeito único, em que não há
privilégio de uma cor em detrimento de outra). Porém, uma igualdade pela
diferença que põe em xeque os padrões sexuais preestabelecidos pela sociedade.
No espaço da Parada, a idéia de “borboleta” expressa por um dos participantes
travestidos no evento paulista de 2007, quando questionado por uma criança sobre
o que ele/ela era, é paradigmática. Sua resposta “sou uma borboleta”
21
metaforiza
habilmente a proposta simbólica do evento a respeito da identidade LGBT: sou o
que sou, tenho minha própria especificidade. E esta comporta o colorido, a
alegria, a festa, a crítica satírica ao que se convencionou denominar anômalo,
aproximando-se novamente do mundo do carnaval, que expõe a periferia, os
interstícios do sistema. Trata-se do próprio ethos do Movimento.
É nesse clima festivo, marcado ainda pelo som de trios elétricos, pela dança
livre, que empresta movimento e dinamismo ao evento (diferenciando-se da
continência gestual da parada militar), por travestis extravagantes,
22
como o
citado retro, que caricaturizam a feminilidade (e, por contraste, a masculinidade),
e por famílias solidárias à causa LGBT e suas crianças, que a Parada transcorre.
Este ritual comporta, ainda, o questionamento do público/privado, da casa/rua,
marca dos movimentos identitários que surgem a partir da segunda metade do
século passado. As relações homoafetivas saem da noite, do escondido, do gueto,
em suma, do privado no que ele tem de mais perverso, e entram para o debate
político à luz do dia, da rua, do espaço público. Por outro lado, esse mesmo
21
Em entrevista publicada em O Globo de 26.8.2007.
22
Sobre isso, DaMatta (1994) afirma que é possível deslocar “pedaços de mundo” através da
mudança de escala, pela ampliação ou diminuição de um determinado objeto de seu contexto
original, o que permite a manifestação quase exclusiva e focalizada de certos valores sociais que o
envolve.
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espaço público acolhe ainda a casa, no que ela tem do mundo privado o mais
sagrado – a família.
Um outro elemento do evento precisa ser ressaltado. Diferentemente da
parada militar e das procissões religiosas, cujos dispositivos de isolamento (em
geral, cordões ou barras de metal) delimitam o espaço onde o ritual se realiza e o
local onde o povo deve situar-se, a Parada LGBT toma o espaço da rua, das
calçadas, sem qualquer isolamento, interagindo diretamente com seus
espectadores, certamente a convidá-los a tomar parte da festa. Na parada militar,
ultrapassar o cordão de isolamento é quebrar o protocolo, e nas procissões,
representa simbolicamente uma mudança de posição social, conforme DaMatta.
Na Parada LGBT, a falta de um isolamento tem sentido englobalizante que é
importante se considerarmos os estudos de Mary Douglas.
Segundo a autora, como já exposto, as crenças de poluição e perigo visam a
manter determinados padrões sociais, ou a ordem social considerada ideal,
ameaçando aqueles que ousarem transgredir. A “transgressão” na Parada está
diluída entre a multidão e os passantes. Em relação às identidades LGBT, essas
crenças fazem com que um heterossexual tema ser confundido com homossexual.
Mas, no espaço da Parada, essa separação é tênue. A mistura é ressaltada. Tem-se
a formação de um campo social, semelhante ao do carnaval, cosmopolita e
universal, polissêmico por excelência.
Retornando ao “triângulo ritual” definido por DaMatta (carnaval, parada
militar e procissões religiosas), proponho uma leitura da Parada do Orgulho
LGBT que se situa entre esses rituais, perpassando-os: ora aproximando-se
nominalmente, e nesse ponto simbolicamente, da parada militar, ora do carnaval,
ao ser tida como “carnaval fora de época”, ora, afinal de contas, realizada sob as
benções sagradas, seja na Avenida Paulista nos Domingos de Páscoa, seja no Rio
de Janeiro, sob a proteção de Nossa Senhora de Copacabana. Em suma, essa
Parada parece mobilizar não só no nível do discurso do Movimento que o
engendra, mas também simbolicamente, o Estado, o povo e as bênçãos de Deus.
Estão dadas algumas das articulações, em nível cultural, simbólico, que a
Parada do Orgulho LGBT, como rito contemporâneo, empreende na luta do
Movimento pelo respeito à diversidade sexual, no âmbito das microdisputas de
poder.
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Um interessante contraponto a essa etnografia é o relato de Paulo d’Avila
(2008) a respeito da Primeira Pré-conferência Regional de Políticas Públicas para
GLBT da Cidade do Rio de Janeiro, realizada em abril deste ano. Em tal relato, o
autor pontua:
O encontro não tem a mesma marca de irreverência e afetação que se pode
identificar nas paradas GLBT e que caracterizam uma percepção ou expectativa
heterossexual estereotipada sobre este “outro”. Uma explicação possível é que a
Parada GLBT é o momento estratégico da disputa pela visibilidade (um
equivalente funcional da greve, para o público mais antigo). Já a conferência é um
momento de organização vertical das demandas. Na batalha, para usar a metáfora
corrente na política, um representa uma guerra de movimento, outro um aspecto da
guerra de posição (D’Avila, 2008).
Em síntese, este capítulo procurou esboçar como as identidades LGBT
foram se constituindo como sujeitos políticos dentro do próprio movimento e em
face da sociedade. A abordagem tornou nítidas relações de poder potencialmente
assimétricas que se estabeleceram durante esse processo, no qual, dependendo do
ângulo que se observava – externo ou interno ao Movimento –, identidades
outsiders em um âmbito, poderiam assumir a posição de estabelecidas em outro.
Tal dinamismo explica-se pelas malhas do poder onde todos estão sempre na
posição de exercer e de sofrer o poder.
A seguir, apresento os contornos do debate acerca de uma possível crise dos
partidos políticos, tendo em vista que a questão da capilaridade dos mesmos às
demandas sociais se insere nesse contexto. Ao fazê-lo, pretendo subsidiar a teoria
com as informações que obtive por meio de trabalho de campo, realizado na
tentativa de verificar se existe algum grau de interlocução partidária em face das
reivindicações do Movimento LGBT.
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4
A causa LGBT nos meandros do poder público
Um debate acerca dos impactos da conjuntura atual sobre os partidos
políticos ganha largo espaço entre os teóricos da ciência política. O debate dá-se
pelo conflito entre duas correntes do pensamento: a que acredita em uma crise
partidária, que põe em xeque o próprio sistema democrático, e outra que
vislumbra um transbordamento democrático ao qual os partidos estão se
adaptando. A questão central desta pesquisa insere-se no âmago desse debate,
uma vez que pretende verificar se os partidos brasileiros apresentam algum grau
de capilaridade às demandas LGBT. Não pretendo assumir posição em uma ou
outra corrente, mas apresento o debate entendendo-o como o contexto em que a
questão deste trabalho se coloca. Em seguida, revelo os dados oriundos de minha
pesquisa empírica, sob dois prismas. O primeiro aborda uma análise dos partidos
como instituições. Dessa forma, os estatutos, programas e estruturas
organizacionais de cada um dos 28 partidos brasileiros foram avaliados. Por outro
lado, investigou-se a atuação de seus parlamentares na Câmara de Deputados
Federal, a fim de verificar a sinergia dos mesmos às orientações predefinidas
pelos partidos e ao Movimento LGBT. Como contraponto aos dados obtidos,
sumarizo ações do Governo Federal e legislações já em vigor pró-LGBT em
Estados e Municípios brasileiros.
4.1.
Os termos de um debate: crise ou adaptação partidária
Sob o prisma de Ingrid Sarti (2006), falar de sistema partidário hoje requer
abordar sua crise, uma crise que parece decorrer em muito das transformações que
a globalização operou no mundo do trabalho, enfraquecendo o Welfare State, os
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58
sindicatos e os partidos políticos, construídos sob o paradigma do trabalho.
1
A
ruptura com esse paradigma, somada a outros fatores abordados no primeiro
capítulo, permitiu a consolidação da identidade social de grupos que até então
estavam excluídos do espaço público, tornando-o plural. A luta, portanto, deixou
o âmbito econômico, saindo do espaço dos sindicatos, e tomou as ruas por meio
dos movimentos sociais.
A partir da década de 1970, tem-se não mais uma luta, porém diversas lutas
em andamento, demandando participação e emancipação. Tais lutas,
empreendidas pelas “minorias” – mulheres, negros, homossexuais, índios, por
exemplo –, requerem a legitimidade de sua “diferença”, diferença que se
contrapõe a um determinado padrão: homem, branco, heterossexual.
A batalha dessas minorias aponta, segundo Sarti, para a incapacidade das
democracias, de uma forma geral, em reduzir o desequilíbrio social, através de
uma distribuição mais igualitária de poder, e põe em questão a legitimidade da
própria democracia representativa, em que a participação social via voto passa a
ser meramente instrumental. Céticos em relação à virtualidade da política, esses
atores inserem-se no âmbito dos direitos, clamando pelo direito à igualdade, bem
como pelo direito à diferença. Esses movimentos estruturam-se, portanto, sob o
paradigma da identidade e estão na fronteira entre o público e o privado.
No conjunto dos novos atores da esfera pública, somam-se ainda às
minorias a própria classe média e grupos em prol da ecologia, da moradia, dos
direitos humanos, entre outros. Conforme Sarti, desde a década de 1980, a classe
média constituiu-se em um importante ator nos processos de (re)democratização
de seus países, tanto na Europa quanto na América Latina, inclusive no Brasil.
Vale ressaltar dois aspectos que mais marcam esses novos atores, conforme
a autora: sua integração à política concretiza-se predominantemente de forma
apartidária, e sua ênfase paradigmática está baseada no cultural e no social,
passando distante da mediação partidária.
Em suma, Sarti afirma:
1
Sarti nota que, no século XIX, com a Revolução Industrial, os partidos políticos se
transformaram para dar conta das novas disputas que se impunham entre a burguesia em ascensão
e a nascente classe operária, que culminam com a consolidação do liberalismo e do marxismo
como concepções de mundo e enquadramento dos próprios partidos políticos.
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Especificamente em relação à questão da democracia representativa, portanto, o
que se convencionou chamar de movimentos sociais são formas alternativas de
participação e expressão de interesses não contemplados historicamente pelos
partidos. Nesse contexto, o ressurgimento da demanda da participação e a
valorização da associação como novidade questionam os limites do partido político
e a suposição de que os mecanismos de representação política são ineficazes para
implementar os ideais democráticos (Sarti, 2006, p. 80).
Essa suposta crise partidária acaba por refletir, portanto, a própria descrença
da sociedade na legitimidade do partido como representante desta junto ao Estado
e a dificuldade do mesmo em dar conta das novas demandas sociais, dadas suas
diferenças paradigmáticas.
Entretanto, Gustavo Gomes da Costa Santos (2006), em sua dissertação de
mestrado, apresenta uma outra faceta dessa realidade, que se associa às estratégias
políticas adotadas pelo Movimento LGBT ao longo do tempo. O autor destaca três
momentos relacionados a projetos políticos específicos. O primeiro foi a ênfase na
autonomia do Movimento em face do Estado e dos partidos políticos, discurso,
como Sarti pontua, próprio de seu início. Santos denomina esse projeto autônomo-
liberacionista. Com a entrada de petistas, a ênfase passa a ser na participação e
interlocução com outros movimentos e com o Estado. Trata-se do projeto
participacionista. Recentemente, o Movimento assumiu um projeto inclusionista,
com o seu envolvimento na implementação das políticas públicas. Essa análise
evidencia que se, por um lado, há descrença, por outro, existem estratégias
políticas diferenciadas, que em algum momento podem refletir uma certa
descrença, porém, não apenas isso.
A hipótese de um declínio dos partidos políticos não é compartilhada por
todos os cientistas políticos da atualidade. É certo que os partidos estão mudando,
porém se isso representa adaptação ou crise é controverso. Há aqueles, como
Russel J. Dalton e Martin P. Wattenberg (2000), que defendem a adaptação dos
partidos à conjuntura atual. Esses autores reconhecem uma série de mudanças
sociais que atingem diretamente os partidos: a multiplicação de grupos de
interesses que representam alternativas à representação tradicional dos partidos
políticos; a expansão dos meios de comunicação de massa minando a atuação dos
partidos como difusores de informações políticas; o declínio do número de
militantes; e outras mais.
2
Tais mudanças estão afetando até mesmo a capacidade
2
Os autores apresentam três níveis de mudanças: micro, médio e macro. Vide Dalton &
Wattenberg, 2000, p. 10-14.
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de coalizão dos partidos em torno das políticas governamentais, admitem os
autores.
No entanto, se a democracia sem partidos é impensável, será necessário
verificar o que acontecerá com a sociedade se os partidos realmente estiverem em
declínio. A fim de ressaltar esse ponto, os autores delineiam as múltiplas funções
dos partidos políticos, na tentativa de perscrutar em quais os partidos permanecem
atuantes. Para tal, as funções são subdivididas em três grandes grupos:
a) Atividades eleitorais:
simplificação das escolhas possíveis para os eleitores, de forma a
apresentar clara e consistentemente suas propostas de políticas de
governo;
educação política dos cidadãos;
geração de símbolos de identificação e apoio, o que protege os eleitores
de políticos demagogos e movimentos extremistas;
mobilização da sociedade para participação política.
b) Partidos como organizações:
recrutamento de lideranças políticas e escolha de membros para o
governo;
treinamento das elites políticas;
articulação de interesses políticos. Neste ponto, os autores ressaltam que
o fato de os partidos e grupos de interesses dividirem esta função não
diminui em nada o papel crucial dos partidos na estruturação das
campanhas políticas, no controle dos debates legislativos e na orientação
de seus políticos;
agregação de interesses políticos. Esta função específica dos partidos
permite que eles não só articulem interesses, mas os agreguem em um
programa de governo compreensível.
c) Partidos como governo:
criação da maioria no governo;
organização do processo legislativo. Através de diversos mecanismos de
incentivos e controle, os partidos organizam os interesses, promovem a
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cooperação entre os legisladores, monitoram suas ações individuais e
mantêm a disciplina partidária;
implementação de políticas de governo, o que significa a transformação
das promessas de campanha e programa partidário em leis;
organização da oposição;
certificação de responsabilidade pelas ações governamentais;
controle da administração governamental;
promoção de estabilidade no governo, o que se relaciona com o nível de
unidade partidária. Partidos estáveis constituem governos estáveis.
Dessa relação de funções pode-se concluir a importância dos partidos
políticos como intérpretes dos anseios sociais e como peças-chave para o bom
funcionamento do processo democrático. O declínio na habilidade de exercer
algumas dessas funções, alertam os autores, pode causar sérias conseqüências,
inviabilizando mesmo o sistema democrático.
Os autores defendem que mudanças partidárias são comuns nos processos
políticos e mesmo nas democracias mais sólidas, sendo possível verificar na
história dos partidos momentos de maior e menor vigor partidário. As atuais
evidências comumente rotuladas de crise indicam a adaptação dos partidos às
mudanças sociais, o que poderá alterar, em última análise, a própria forma com a
qual a democracia funciona, sem, contudo, inviabilizá-la.
Nesse mesmo sentido, José Ramón Montero e Richard Gunther (2002)
questionam a extensão dessa hipotética crise ou declínio dos partidos quanto à sua
importância como um ator institucionalizado do processo democrático. Do seu
ponto de vista, há um excesso de literatura que prega a crise, particularmente a
que trata da relação entre partidos políticos e os novos movimentos sociais.
Segundo eles, por um lado, essa literatura costuma superestimar a distância entre
tais autores e, por outro, subestima a capacidade dos partidos em adaptar-se às
novas demandas, ou, para usar um termo dos próprios autores, new politics.
Fazendo eco a Aldrich, Montero e Gunther reiteram que, ao invés de se usarem os
três “D” para se referir à situação atual – partidos em decadência, declínio e
decomposição –, dever-se-iam utilizar os três “R” – partidos em reemergência,
revitalização e ressurgimento (Montero & Gunther, 2002, p. 6) – para iluminar as
profundas mudanças nas funções e objetivos dos partidos contemporâneos.
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62
Essa relação clara entre mudanças sociais e suas conseqüências sobre os
partidos foi estudada por Angelo Panebianco (2005). O autor traz para o debate a
interdependência e a mútua influência entre as relações ambiente/partidos
políticos. Tais relações possuem dois aspectos diferentes: um diz respeito às
pressões e mudanças ambientais que incidem sobre os partidos, e a outra, ao
domain, ou seja, ao seu “território de caça”. Trata-se da área ambiental que o
partido seleciona e recorta por meio da ideologia. É a área que representa e onde
buscará votos para se inserir ou permanecer no poder. Manter o controle sobre
essa área é fundamental para a manutenção de sua identidade. Outro ponto
importante relaciona-se ao grau de adaptação dos partidos ao ambiente. Este
depende do próprio ambiente, que pode impor ao partido a adaptação ou dar-lhe
amplas possibilidades de manipulação e do nível de institucionalização partidária,
que determinará uma maior passividade em face da sociedade ou maiores chances
de a dominar. A maior institucionalização enseja maiores chances de dominação
do ambiente. Dos ambientes em que os partidos atuam, o autor destaca dois: as
arenas parlamentar e eleitoral.
3
Na primeira arena, o grau de institucionalização
das assembléias – sua autonomia diante de outras instituições – deve ser menos
compatível com organizações partidárias fortes:
a alta institucionalização da assembléia deveria produzir efeitos de autonomização
dos grupos parlamentares em relação à organização extraparlamentar, com o
resultado de tornar tendencialmente instáveis e divididas as coalizões dominantes
dos partidos (Panebianco, 2005, p. 407).
O autor acentua ainda que até mesmo o sistema eleitoral nacional pode
influenciar a organização partidária, uma vez que um sistema proporcional por
escrutínio de lista favorece um maior controle do “centro” sobre a “periferia” do
partido na escolha dos candidatos. Já os sistemas majoritários conduzem à
descentralização da decisão, favorecendo a periferia. Tem-se, portanto, que os
partidos menos institucionalizados são mais “plásticos”, mais adaptáveis ao
ambiente.
Panebianco concebe as arenas como ambientes “relevantes”, que exercem
influência direta sobre os partidos e que também se estruturam pelas coerções
institucionais. Nestas, relações entre os partidos e outras organizações têm espaço;
3
O autor entende que “(a)s arenas representam as diversas mesas de jogo a que o partido concorre
e das quais extrai – com uma soma proporcional ao êxito dos diferentes jogos – os recursos
necessários ao seu funcionamento” (Panebianco, 2005, p. 409).
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das articulações daí decorrentes os partidos obtêm os recursos para sua
manutenção proporcionalmente ao seu êxito. Em certas arenas, essas relações
concretizam-se por meio de trocas; em outras, pela competição pura com outras
organizações pelos próprios recursos. As arenas nas quais os partidos se inserem
são interdependentes, de forma que os recursos obtidos em uma podem ser
aplicados em outra. O sucesso, portanto, obtido em uma arena pode significar o
sucesso em outras arenas. Independentemente da pluralidade de arenas (onde
ocorrem as trocas com a burocracia ou as trocas de recursos com os grupos de
interesses, por exemplo) nas quais os partidos se insiram, as arenas eleitoral e
parlamentar serão sempre as mais relevantes. A influência desta primeira sobre os
partidos dá-se da seguinte forma:
arena eleitoral
estável
“semiplácida”
previsível
“turbulenta”
fluidez eleitoral
imprevisível
maior coesão
maior
instabilidade
maior
conflituosidade
coalizões
partidárias
dominantes
Desse esquema depreende-se que a coesão das coalizões partidárias se
relaciona diretamente com a estabilidade da arena, isto é, quanto menores os
deslocamentos de força entre os partidos, e na distribuição de votos ao longo das
eleições, mais plácida é a arena, portanto mais previsível, o que ocasiona
coalizões também mais estáveis. Quando, ao contrário, há grandes deslocamentos
de força entre os partidos, o futuro torna-se muito imprevisível e isso favorece
divisões, tensões e instabilidades na coalizão.
Voltando ao grau de institucionalização partidária, já abordado
anteriormente, este incidirá reduzindo a instabilidade do ambiente para os partidos
mais institucionalizados. Por outro lado, o grau de instabilidade ambiental
também será influenciado pelo grau de institucionalização do partido. Dessa
forma, a arena eleitoral em que o voto de fidelidade (aquele que o eleitor vota no
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partido por se identificar ideologicamente com ele) predomina sobre o voto de
opinião (no político e/ou nos problemas a serem tratados), é mais “plácida”; ao
contrário, a arena, em que o voto de opinião predomina, apresenta uma maior
instabilidade ambiental, dada a potencial fluidez eleitoral contida nesse tipo de
voto.
Quanto ao grau de complexidade ou simplicidade da arena, vários fatores a
influenciam, particularmente a existência ou não de competidores do partido, que
podem ser outros partidos ou grupos, como movimentos coletivos, que “cacem”
no mesmo “território” e que visem a abocanhar os principais recursos eleitorais do
partido. Essa competição é dramática para partidos confessionais: ao perder parte
de seu eleitorado para outro partido confessional, ele está perdendo não só votos,
mas parte de sua própria identidade.
Outro aspecto que precisa ser ressaltado diz respeito às trocas que se
verificam nas arenas em questão, uma vez que se autocondicionam. Existe
interdependência entre ambas, uma vez que o número de cadeiras que um partido
possui no parlamento decorre do número de votos obtidos. Da mesma forma, o
número de assentos tem implicações sobre as posições no governo e no
parlamento que o partido poderá conquistar – cargos de liderança, formação de
blocos parlamentares, etc.
Em síntese, o autor afirma que:
a estabilidade de um partido depende da sua capacidade de defender a própria
identidade. Todavia, a identidade é ameaçada pela existência de competidores; e o
é ainda mais se, em vez de hostilidade, entre os dois competidores se estabelecer
uma aliança. As alianças entre partidos competidores prejudicam a estabilidade dos
partidos, aumentando a incerteza ambiental. O enfraquecimento da estabilidade
do(s) partido(s), por sua vez, torna a aliança entre os competidores necessariamente
precária (Panebianco, 2005, p. 430-431).
As alianças mais estáveis são, conseqüentemente, realizadas entre partidos
ideologicamente mais distantes, opositores, enquanto as mais instáveis dão-se
entre competidores, ou seja, partidos ideologicamente próximos. Para que se
conquiste estabilidade neste segundo tipo de aliança, Panebianco ressalta que uma
das seguintes condições deve estar presente: os partidos são competidores apenas
aparentemente, ou seja, embora possuam semelhanças em seus sistemas de
símbolos – as metas ideológicas que demarcam o “território de caça” –, os
eleitores-alvo são sociológica e politicamente distintos. A outra condição é a de
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fraqueza de um dos partidos envolvidos em uma aliança de dois, se sua fraqueza
for tal que não consiga exercer atração sobre o “território de caça” do outro.
Feito esse esboço das implicações entre ambiente e partidos no âmbito das
arenas eleitoral e parlamentar, Panebianco passa a analisar as mudanças
organizativas dos partidos ocorridas nas últimas décadas. Assim, ele começa seu
trabalho citando Maurice Duverger, que, na década de 1950, empreende um hino
de louvor às virtudes políticas dos partidos de massa (partidos de “integração”, de
classe e confessionais), em comparação com os grandes partidos norte-
americanos, considerados um “atraso” organizativo em face dos primeiros.
Quinze anos mais tarde, outro autor, Otto Kirchheimer, inverte essa posição ao
propor que os partidos de massa estavam superados ou em vias de superação por
sua transformação em escritórios eleitorais semelhantes aos partidos norte-
americanos, ou seja, partidos catch-all (pega-tudo). Panebianco ressalta que
Kirchheimer não quer dizer com isso que os partidos pega-tudo terão um
eleitorado tão heterogêneo a ponto de representar todos os grupos sociais,
desaparecendo totalmente seus vínculos com a classe gardée (Panebianco, 2005,
p. 511), isto é, o “território de caça”, da qual depende a identidade organizativa do
partido. Na verdade, a ligação com esta permanece nos partidos pega-tudo, porém
de forma mais atenuada, já que o partido está mais aberto a outros grupos sociais.
Para Panebianco, essa mudança comporta uma alteração no “território de caça” e,
conseqüentemente, na identidade partidária; porém, ainda assim, não conduzirá a
uma representação social em todos os sentidos. Na verdade, o partido deverá se
concentrar naquelas categorias que não possuem conflitos de interesses evidentes
entre si, mantendo seu vínculo com a tradição política da estratificação social.
Entre os aspectos dessa transformação que Kirchheimer pontua, um parece
bastante importante para a análise que me proponho: a acentuada
desideologização do partido, ou seja, a redução de sua “bagagem ideológica”, em
detrimento das questões de valor compartilhadas por amplos setores da sociedade:
“desenvolvimento econômico”, “defesa da ordem pública”, etc. Um outro a
enfatizar é o fortalecimento do poder organizativo das lideranças, que passam a
apoiar sua atuação e ligação com o eleitorado muito mais nos grupos de interesses
que em seus filiados. Para Panebianco, nesse deslocamento, a crescente
profissionalização dos partidos é de suma importância. Os especialistas, os
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técnicos passam a ter um papel central dentro dos partidos na interlocução com os
grupos de interesses.
Logo, a distinção burocratas/profissionais torna-se critério fundamental de
caracterização e diferenciação entre os partidos de massa e os pega-tudo, ou, nas
palavras de Panebianco, o burocrático de massa e o profissional-eleitoral, como
tipos ideais.
4
Nessa perspectiva, o autor relaciona em um quadro demonstrativo
diversas dimensões em que ambos se diferenciam. Apresento a seguir uma
reprodução de tal quadro:
Partido burocrático de massa Partido profissional-eleitoral
a) centralização da burocracia
(competência político-administrativa)
a) centralização dos profissionais
(competências especializadas)
b) partido de membership, ligações
organizativas verticais fortes; apelo ao
eleitorado fiel
b) partido eleitoral, ligações
organizativas verticais fracas; apelo ao
eleitorado de opinião
c) predominância dos dirigentes
internos, direções colegiais
c) predominância dos representantes
públicos, direções personalizadas
d) financiamentos por meio da
filiação e atividades colegiais
d) financiamento por meio de grupos
de interesse e fundos públicos
e) ênfase na ideologia; centralização
dos crentes no interior da organização
e) ênfase nas issues e na liderança;
centralização dos carreiristas e dos
representantes dos grupos de interesse
no interior da organização
(Panebianco, 2005, p. 514)
Nesse percurso, os meios de comunicação de massa exercem junto com
outros fatores uma forte pressão sobre os partidos, ao colocá-los diante de um
público bastante heterogêneo e medianamente mais instruído, o que acarreta a
necessidade dos mesmos de se comunicarem de forma mais dirigida, a realizarem
campanhas mais “personalizadas”, centradas nos candidatos e em termos
específicos.
4
Essa ênfase em pensar os partidos “burocrático de massa” e “profissional-eleitoral” como tipos
ideais decorre do fato de que, para Panebianco, nenhum partido pode ser enquadrado totalmente
em uma categoria ou em outra. Tendências comuns geram resultados diferentes nos diferentes
partidos. Cada partido, cada sociedade terá seu próprio tempo e modo como as transformações
serão processadas. O “velho” e o “novo” tendem a se sobrepor e a coexistir.
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Panebianco acentua ainda as duas principais variáveis de maior implicação
sobre a velocidade e a intensidade das mudanças organizativas. A primeira diz
respeito ao grau de institucionalização partidária. Quanto maior é o grau de
institucionalização de um partido, maior sua resistência às pressões por mudança.
A segunda refere-se ao grau de fragmentação do sistema partidário: quanto mais
fragmentado, menor a velocidade de transformação.
Delineadas as relações entre arenas e partidos, o autor volta o olhar para as
transformações sociais da atualidade e afirma que uma das conseqüências dessas
mudanças é o engendramento de um processo de desinstitucionalização partidária,
à medida que a autonomia dos partidos em relação ao ambiente é reduzida, na
mesma proporção que aumenta a autonomia dos eleitores em relação ao partido, o
peso dos grupos de interesses em detrimento dos militantes e a crescente
“incorporação” dos partidos ao Estado. Tem-se, com isso, a redução da coerência
estrutural da organização “pelo declínio da centralidade dos aparatos burocráticos,
pela profissionalização, pelo aumento do peso político-organizativo dos
representantes eleitos” (Panebianco, 2005, p. 520). Há a erosão das subculturas
políticas que davam sustentação aos partidos e estabilidade à arena eleitoral.
Diante desse quadro sombrio, Panebianco pôde afirmar que os partidos
burocráticos de massa são uma instituição forte em face da fragilidade
institucional dos partidos profissional-eleitorais, porém conclui não ser arriscado
afirmar que a época dos partidos fortes já acabou.
Nesse ponto, o autor retoma as funções tradicionalmente próprias dos
partidos para verificar se essas instituições estão realmente em crise, pois, se há
crise, ele entende que sua manifestação só pode se dar nessas atividades. Assim,
aponta três grandes funções partidárias – já detalhadas anteriormente –, a saber: a
“integrativa” ou “expressiva”, a seleção dos eleitos aos cargos públicos e a de
determinação da política estatal. Panebianco ressalta que nenhuma dessas funções
jamais foi monopólio exclusivo dos partidos. Portanto, quando se fala em crise,
não se pode afirmar a perda de um monopólio, porém, um “processo de
marginalização, de compressão ulterior dos partidos. Parece ocorrer exatamente
isso com a afirmação do partido profissional-eleitoral” (Panebianco, 2005, p.
523), que passa a dividir espaço na cena política com outros atores sociais, entre
eles o próprio Movimento LGBT, abordado neste trabalho.
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Para dar sustentabilidade a essa afirmação, relembra que a erosão das
subculturas políticas, solidificadas por uma ideologia e organizadas pelos partidos
burocráticos de massa, atinge diretamente a função integrativa/expressiva,
enfraquecendo-a. O vazio provocado pela ausência das grandes identidades
coletivas conduz, conforme o autor, à multiplicação de comportamentos políticos
não convencionais e de estruturas de representação de interesses. Dessa forma, os
grupos de interesses vão a campo em maior quantidade que no passado,
arregimentando e patrocinando seus próprios representantes, o que diminui a
autonomia dos partidos na escolha das elites políticas. Essa presença forte dos
grupos de interesse no poder também altera, por fim, a função de determinar as
políticas de governo. Para exercê-la, os partidos precisam agora entrar em uma
disputa mais direta, acirrada, com os grupos de interesses.
No passado, a principal divisão política estava relacionada ao continuum
direita-esquerda, vinculado a menor ou maior intervenção do Estado no mercado
econômico. O surgimento dos conflitos categorizados como “antipolítica”, ou
seja, de ambientalistas, feministas, dentre outros, provoca um
multidimensionamento do espaço político. O tradicional continuum permanece
uma importante dimensão, porém não mais a única, e com o tempo sobreposta a
pelo menos uma nova dimensão, que está na origem de comportamentos “não
convencionais”. Em nota, o autor esclarece que nem sempre haverá uma ruptura
tão nítida entre comportamentos convencionais (relacionados à dimensão
direita/esquerda) e “não convencionais”, uma vez que os movimentos
“antipolíticos” também possuem, por sua vez, referenciais ideológicos na
esquerda ou na direita.
Enfim, essas múltiplas dimensões do espaço político contribuem para a
afirmação dos partidos do tipo profissional-eleitoral.
Mesmo considerando que a multidimensionalidade desorienta os atores
políticos, acentua a “turbulência”, a instabilidade e a imprevisibilidade das arenas
políticas, o autor aponta ainda três evoluções possíveis, cujos resultados poderão
variar caso a caso:
a) perda completa da identidade organizativa dos partidos, de forma a tornarem-se
meras bandeiras de conveniência, cujas insígnias serão utilizadas por empresários
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69
políticos. Neste caso, a crise dos regimes democráticos estaria acentuadamente
agravada;
b) retorno à ideologia de direita e de esquerda. Não um mero retorno, entretanto,
mas a reproposição das velhas políticas em condições modificadas;
c) inovação política suscitada por novos empresários políticos.
Panebianco não faz sua aposta. Não expõe sua crença em nenhum desses
efeitos, ainda que os considere mais verossímeis que outros. Espera, portanto, o
futuro, o desenrolar dos acontecimentos.
Esta exposição deixa claro, portanto, os contornos a respeito do debate em
torno de uma hipotética crise partidária. De um lado, pensadores que entendem a
crise ao perceberem a descrença social quanto à capacidade de representatividade
dos partidos em face de suas necessidades, o hiato entre o paradigma capital-
trabalho, alicerce dos partidos na atualidade, e as demandas expressas pelos
“novos” movimentos identitários, entre outros fatores. Por outro lado, há a
percepção da adaptação dos partidos às transformações sociais, que inclui uma
leitura histórica que demonstra momentos de adaptação até mesmo em
democracias bem consolidadas. Tais leituras, ao olharem as funções exercidas
pelos partidos, reiteram sua importância para a manutenção do sistema
democrático e a compressão de seu espaço em face da explosão de grupos de
interesses que têm se constituído. Uma compressão, e não uma perda de
importância. A transformação dos partidos burocráticos de massa em profissional-
eleitorais parece estar no âmago dessa adaptação.
Feito isso, reduzo o campo de visão para esboçar um possível diálogo entre
partidos políticos e o Movimento LGBT. Para tanto, exponho os dados resultantes
de minha pesquisa empírica. Nesta, verifico a estrutura dos atuais partidos,
procurando pontos que indiquem sua permeabilidade à causa LGBT. Em um
segundo momento, em face da tessitura fixa, definida, dos partidos, perpasso
aspectos dos trabalhos legislativos, através da ação de seus parlamentares,
apontando convergências ou não com os interesses do Movimento. Como
contraponto, sumarizo as ações do governo federal e as legislações já em vigor em
Estados e Municípios favoráveis à causa LGBT.
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70
4.2.
Dos símbolos à atuação: congruências e discrepâncias
Tendo como norteador a definição de Sarti (2006) a respeito da missão dos
partidos políticos, ou seja, governar de forma que os anseios sociais sejam
ouvidos no Parlamento, estruturei minha pesquisa em três eixos que se
comunicam transversalmente:
a) O primeiro recorte diz respeito à análise das diretrizes expressas através dos
estatutos e programas partidários, além da estrutura organizacional. Essa análise
objetiva verificar se os interesses LGBT foram contemplados ou não pelos
partidos.
b) O segundo aborda a atuação dos parlamentares eleitos para a Câmara Federal
em face das demandas em questão. Dessa forma, analisarei os discursos e as
diversas proposições que existem em tal Casa em torno da temática LGBT. Ao
traçar esses dois eixos, pretendo demonstrar que, para além de uma agenda
universalista predefinida expressa através dos estatutos e programas partidários, a
atuação parlamentar incorpora em agendas individuais interesses sociais
específicos, agenciando-os.
c) Em seguida, apresento um terceiro eixo, focado nas ações governamentais em
nível federal e nas legislações estaduais e municipais já vigentes favoráveis à
comunidade LGBT. Esse recorte pretende ser um contraponto ao segundo, uma
vez que se quer verificar a confluência ou não de resultados em Casas e instâncias
de poder diferenciadas, porém perpassadas pelos partidos políticos.
4.2.1.
Uma análise dos partidos políticos como instituições
Como primeiro eixo de análise, apresento uma leitura dos estatutos,
programas e estruturas organizacionais dos 28 partidos políticos
5
constituídos
neste momento no Brasil. Por meio dessa exposição, pretendo subsidiar a hipótese
de capilaridade partidária diante da luta LGBT.
5
Ver relação de partidos no Apêndice A.
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71
Inicio minha abordagem pelos estatutos.
6
Uma informação logo chama a
atenção, e se refere à data: 79% dos estatutos foram constituídos ou revisados a
partir do ano 2000, o que demonstra preocupação dos partidos em mantê-los
atualizados em face da dinâmica social, ou seja, não se trata de um documento que
esteja esquecido em uma gaveta do partido. Ainda assim, comparando-se cada
versão estatutária nos itens pesquisados, percebem-se pequenas alterações nesses
campos, predominando a manutenção do compromisso anteriormente firmado.
7
De forma geral e para além do viés ideológico de esquerda ou de direita, os
estatutos defendem a democracia, a soberania, o nacionalismo, os direitos, a
pluralidade de idéias e a supremacia da sociedade civil sobre o Estado. Enfim,
valores compartilhados pela sociedade, o que parece indicar parte do processo de
desideologização apontada por Panebianco, além de uma tentativa de extensão o
mais possível de seu “território de caça”.
Alguns poucos partidos, entretanto, assumem um posicionamento
claramente favorável a determinadas causas como a do idoso, obviamente pelo
PAN e pelo PDT, este último defendendo ainda a causa da mulher, do negro, do
índio, do jovem, da função pública e do meio ambiente. Portanto, um conjunto
amplo dos “novos” grupos de interesses. A causa ambiental é também pleito do
PV e do PPS. Ainda nesse escopo de demandas específicas, o estatuto do PSDB
aborda a pluralidade de etnias e culturas. Diante dos dados apresentados, ressalto
o PAN e o PV como os únicos partidos constituídos no Brasil em torno de
identidades sociais específicas. No que concerne às demandas referentes ao sexo,
sejam de gênero ou de orientação sexual, apenas dois partidos – PSOL e PSTU –
tratam claramente de rejeitar qualquer discriminação sexual, sem, contudo,
especificar a questão da orientação, além do PDT, que, como expresso, manifesta-
se favorável à causa da mulher.
6
Para analisar os estatutos partidários, optei por consultar o site do Tribunal Superior Eleitoral –
TSE –, por considerar as informações nele contidas oficiais. Essa consulta foi realizada em
novembro de 2007 e se deteve especificamente na leitura dos itens denominados Objetivos e/ou
Princípios e/ou Compromissos Básicos estabelecidos em tal documento. Embora esses itens não
sejam sinônimos, a prática demonstrou que seriam os “lugares” onde eu poderia encontrar dados
que respondessem aos meus questionamentos.
7
Outro fato que sobressai nesse quesito é que alguns estatutos não definem seus objetivos,
princípios, compromissos básicos, ainda que exista a indicação da pretensão em tratar tal assunto,
através de título, subtítulo ou capítulo. Esse é o caso do estatuto dos seguintes partidos: PT, PMN,
PP, PRTB, PCO e PRB.
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72
Com esse retrato sucinto, concluo que os partidos tendem a tratar em seus
estatutos de uma agenda universalista, composta por valores unânimes a grande
parte da sociedade, com a incorporação de poucas demandas específicas.
Entretanto, é nos programas partidários
8
que se encontra um primeiro
indicativo textual de atenção à luta LGBT. Essa bandeira é erguida por cinco
partidos, a saber: PTN, PV, PSTU, PSOL e PPS. Conforme suas próprias
palavras: “São necessárias: (...) defender a liberdade sexual, no direito do cidadão
dispor do seu próprio corpo e na noção de que qualquer maneira de amor é válida
e respeitável” (PTN, 2003, e PV, 2005).
O PSTU defende uma posição clara contra a opressão racial e sexual. Assume
publicamente uma postura militante na defesa dos direitos de negros, das mulheres
e dos gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros contra a opressão, e busca trazer esta
luta como parte espec(í)fica e particular no seio do movimento anti capitalista,
aliando os oprimidos e explorados (PSTU, [s.d.]).
Pela livre expressão sexual: A perseguição (à) livre expressão sexual é uma
constante que se expressa no trabalho, em locais públicos, no lazer. A repressão
policial é uma constante contra lésbicas, bissexuais, gays, travestis, transexuais. A
luta pelo direito (à) livre orientação sexual é uma luta nossa. As mobilizações de
centenas de milhares de pessoas em todo o país durante as chamadas paradas gays,
com algumas marchas chegando a quase um milhão de pessoas, mostra o claro
avanço da luta pelos direitos civis. Contra toda e qualquer violência e preconceito
contra a orientação sexual dos LGBT(s). Pelo reconhecimento da união patrimonial
de pessoas do mesmo sexo e suas decorrências legais (PSOL, [s.d.]).
Herdeiros que somos das melhores tradições democráticas do socialismo, o PPS
apresenta-se como alternativa política para todos os segmentos da sociedade
brasileira, independentemente de classe, posição social, nível cultural, etnia, gênero
– mas mantém uma relação de identidade com os interesses gerais dos
trabalhadores, das camadas populares mais desfavorecidas do ponto de vista
econômico e social, do mundo da cultura. Da mesma forma, com a participação
crescente dos cidadãos e com o Estado democratizado em todos os seus níveis, o
país poderá enfrentar outro desiderato (à) discriminação, seja de gênero, etnia, da
infância e do idoso, da deficiência física ou mental, ou de orientação sexual (PPS,
2002).
8
Almejando elaborar uma análise dos programas partidários com foco nas demandas LGBT, foi
também consultado em novembro de 2007 o site do TSE, já mencionado no subitem anterior.
Como em alguns casos, entretanto, o programa não estava disponível em tal endereço eletrônico,
parti para a consulta nos respectivos sites partidários (apenas nos casos de não-disponibilização do
programa pelo TSE). Ainda assim, por vezes, tal documento não foi localizado. Esse é o caso dos
partidos PMN, PSDC, DEM, PRTB, PSL, PCB, PCO, PDT, PSB, PSC e PT. Em relação ao PTC,
embora haja no menu principal a indicação do Programa Partidário, teclando em tal opção, o
programa não aparece na tela. Já no campo Mapa do Site, não consta a opção Programa
Partidário, o que me leva a concluir que esse documento realmente não foi disponibilizado pelo
partido. Na página do PTdoB, a opção Programa PTdoB do menu acessa apenas programas
televisivos do partido. O PAN não tem seu programa disponibilizado pelo TSE e não possui
página na Internet.
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73
Tais defesas demonstram sintonia com a forma como o Movimento se
expressa e suas demandas. No entanto, desses partidos, apenas o PSTU possui
uma Secretaria Nacional LGBT, e o PSOL prevê a criação de uma setorial para
tratar especificamente de tais demandas:
A partir dos Núcleos de Base, em discussão com o Diretório Nacional, organizar-
se-ão as setoriais do Partido, tais como a da mulher, do movimento negro, dos
homossexuais, dos indígenas, dos estudantes, do movimento sindical, e todos
aqueles que possam ser incluídos pelo Partido (PSOL, 2005).
Se, por um lado, os partidos listados não apresentam uma estrutura em seu
organograma voltada aos anseios LGBT,
9
excetuando o PSOL e o PSTU, por
outro, alguns partidos que omitiram seu apoio à causa a possuem. É o caso do
PCdoB e do PT. Ambos mantêm uma Secretaria voltada para Movimentos
Sociais/Populares, que incluem o Movimento LGBT.
10
Tem-se, portanto, que a estrutura organizacional não se relaciona
diretamente às orientações programáticas, uma vez que em apenas dois partidos –
PSTU e PSOL – há alinhamento entre ambos em prol do Movimento LGBT.
Considerando os dados analíticos apresentados sobre estatutos, programas e
estruturas organizacionais, é possível afirmar que:
a) apenas os partidos PAN e PV constituíram-se a partir de uma identidade social
específica, os aposentados e os ambientalistas, respectivamente;
b) PSOL e PSTU são os únicos que apresentam estatuto, programa e estrutura
convergentes entre si, ou seja, defendem a liberdade sexual em seus estatutos,
especificam a livre orientação sexual nos programas e criaram uma estrutura
organizacional para dar conta dessa luta;
c) não há incompatibilidade entre a agenda política do Movimento e a dos
partidos como instituições, uma vez que é defendido de forma generalista o
respeito aos direitos humanos, entre eles a igualdade e a liberdade, valores a partir
dos quais o Movimento tem pautado seu discurso;
9
Ao iniciar a pesquisa a respeito da estrutura organizacional dos partidos políticos brasileiros, a
pergunta que me norteava era: existe uma secretaria ou núcleo LGBT no partido? Para responder a
essa questão, primeiramente consultei os estatutos partidários. Quando nesse documento não havia
referência à causa LGBT, acessei o site do respectivo partido para checar a informação. É exceção
o PAN, em que nada consta a respeito no estatuto, e por não possuir endereço eletrônico, como já
mencionei em outro momento, não pude verificar tal dado.
10
Vale ressaltar que, historicamente, tanto o PSTU quanto o PT relacionam-se com o Movimento
LGBT desde o seu início. Vide Facchini, 2005, p. 139-140.
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74
d) por outro lado, olhando o conjunto de partidos, há uma tímida defesa expressa
às demandas LGBT, denotando pouca capilaridade ao Movimento; e
e) a grande fragmentação do sistema partidário brasileiro parece realmente gerar
uma barreira às mudanças, pelo menos em nível institucional, como pontuou
Panebianco.
4.2.2.
A atuação parlamentar
Uma vez realizada a análise dos partidos como instituições, passo, portanto,
para uma outra dimensão política: a de atuação parlamentar. Para tal, privilegiei a
Câmara Federal como campo de pesquisa, ainda via Internet, verificando os
discursos proferidos por parlamentares que abordavam de alguma forma as
demandas LGBT. Em seguida, avaliei os atos legislativos em suas diversas
categorias, correlacionando-os com a atuação das Frentes Parlamentares
constituídas em 2003 e 2007. Essa investigação objetiva verificar se a distância
partidária em face da luta LGBT se reitera na atuação parlamentar.
A Câmara Federal é dona de um vasto e organizado banco de dados, no qual
podem ser localizadas virtualmente diversas informações e ações que transcorrem
em seu interior. Com essa facilidade, pesquisei todos os discursos proferidos em
torno da temática LGBT. O sistema do banco de dados apresentou-me 11
discursos, sendo um de 2005, outro de 2006 e os demais de 2007,
11
conforme
quadro a seguir:
11
Essa etapa da pesquisa deu-se, assim como as demais, em novembro de 2007, com a consulta ao
site do Congresso Nacional – www2.camara.gov.br/deputados/discursos.html –, e a eleição da
sigla LGBT e dos termos homossexual, homoafetiva, homofobia, lésbica, travesti, transexual,
transgênero e bissexual como o assunto a ser pesquisado.
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N. Seq. Data Orador Partido
1 16.10.2007 Cida Diogo PT/RJ
2 8.8.2007 Cida Diogo PT/RJ
3 4.7.2007 Maria do Rosário PT/RS
4 28.6.2007 Cida Diogo PT/RJ
5 14.6.2007 Cida Diogo PT/RJ
6 31.5.2007 Fátima Bezerra PT/RN
7 22.5.2007 Cida Diogo PT/RJ
8 22.3.2007 Cida Diogo PT/RJ
9 8.2.2007 Cida Diogo PT/RJ
10 12.7.2006 Eduardo Valverde PT/RO
11 28.6.2005 Janete Capiberibe PSB/AP
Após a leitura de cada um dos discursos, concluo que todos se apresentam
favoráveis à causa LGBT. Em resumo, pode-se dizer que o teor dos respectivos
discursos versava sobre (conforme o respectivo número seqüencial especificado):
1. Elogio à Parada LGBT.
2. Repúdio à afirmação do juiz de direito Junqueira Filho na ação movida pelo
jogador Richarlyson do São Paulo contra o diretor administrativo do Palmeiras
que fez declarações a respeito de sua homossexualidade: “Se a pessoa que é
homossexual quer jogar futebol, que forme o seu time e inicie uma federação.”
3. Defesa dos direitos LGBT.
4. Parabenização e apoio pelo dia 28 de junho.
5. Parabenização pela Parada em SP.
6. Defesa dos direitos LGBT e denúncia da violência que sofrem.
7. Respeito aos direitos LGBT.
8. Repúdio à atitude de Clodovil no dia de lançamento da Frente Parlamentar pela
Cidadania LGBT no dia 21.3.2007. Elogio às Paradas.
9. Denúncia de violência e discriminação aos LGBT.
10. Registra a realização do III Seminário Nacional LGBT.
11. Registra a realização do II Seminário Nacional LGBT e o Dia Mundial do
Orgulho LGBT. Defende os direitos dessa coletividade e denuncia a violência
contra os mesmos.
A oradora mais freqüente na tribuna da Câmara foi a deputada Cida Diogo,
do PT, com sete discursos, todos de 2007. Vale ressaltar que esta é também a
coordenadora da Frente Parlamentar pela Cidadania LGBT, publicada no mesmo
ano. Os demais oradores apresentaram, cada qual, um único discurso. Apenas
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76
Janete Capiberibe, em 2005, defendeu os direitos LGBT, sendo de outro partido
que não o PT.
Esse é um primeiro indício de um certo movimento no sentido de
representar os anseios da comunidade em questão. As proposições apresentadas
nessa Casa seguem na mesma direção. Para abordá-las, faz-se mister esclarecer
que, segundo o Regimento Interno da Câmara (1989), toda matéria sujeita à
deliberação é uma proposição, que pode ser de vários tipos. A seguir apresento
uma tabela de tipologia das proposições e seu significado. Esclareço, contudo, que
não me detenho na especificidade dessas características, uma vez que tal
informação não altera o teor de minha análise.
TIPOS DE DOCUMENTO
INC Indicação
PDC Projeto de decreto legislativo
PEC Proposta de emenda constitucional
PL Projeto de lei
REQ Requerimento
RIC Requerimento de informação
RQS Requerimento
SBT Substitutivo
SDL Sugestão de emenda à LDO – CLP
SUG Sugestão
Existem na Câmara Federal, 58 proposições em torno da temática LGBT,
12
distribuídas ao longo dos anos conforme gráfico a seguir:
12
Defini como categorias de busca no campo Assunto as palavras LGBT, homossexual,
homoafetiva, homofobia, lésbica, travesti, transexual, transgênero e bissexual. Essa foi minha
única definição de busca, a fim de que o sistema da Câmara Federal
(www2.camara.gov.br/proposicoes) apresentasse todas as proposições que contivessem esse
assunto, independentemente da situação em que se encontrasse, do órgão de origem, do tipo e da
data. Essa consulta foi também realizada em novembro de 2007. Esclareço ainda um ponto:
mantive na análise o nome de partidos que já não existem mais, pois isso não deverá afetar a
leitura final.
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Nº de proposições ano a ano:
11
2
0
1
0
1
3
4
3
8
7
10
88
0
2
4
6
8
10
12
1974
1992
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
Esse gráfico evidencia que há, a partir de 2003, uma acentuada preocupação
dos deputados federais com a causa LGBT, em comparação aos anos anteriores.
Tal fato parece estar relacionado à atuação da Frente Parlamentar Mista pela Livre
Expressão Sexual, constituída em 2003, e da Frente Parlamentar pela Cidadania
LGBT, publicada em 2007. Trato dessa hipótese mais à frente.
Desdobrando tais proposições por tema abordado,
13
pode-se afirmar:
a) as proposições convergem a seis grandes temas: eventos,
14
união civil de
pessoas do mesmo sexo, criminalização da homofobia, respeito à orientação
sexual, autorização de mudança de nome para transexuais e saúde e previdência;
b) tal convergência provavelmente evidencia os grandes temas da agenda política
do Movimento;
c) predomina a atuação de parlamentares do PT, seguida de militantes do PMDB:
24% dos parlamentares que apresentaram proposições pró-LGBT são do PT, e
16% são do PMDB;
d) o tema criminalização da homofobia é o único que contém proposições da
sociedade civil: uma do Centro Feminista de Estudos, uma da Comissão de
Legislação Participativa
15
e uma da ABGLT – Associação Brasileira de Gays,
Lésbicas e Transgêneros;
13
Ver no Apêndice B quadro esquemático em que relaciono as proposições apresentadas, por tema
(assunto), propositores e partidos.
14
Diz respeito à definição do Dia Nacional de Combate à Homofobia, Dia Nacional do Orgulho
Gay, Dia da Visibilidade Lésbica e a seminários diversos.
15
Canal através do qual a sociedade pode encaminhar sugestões legislativas.
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78
e) vale ressaltar que Fábio Feldmann (PSDB/SP), em 1994, já propunha um INC
versando sobre a criminalização da homofobia; e
f) tanto o presidente da República quanto o Supremo Tribunal Federal, os
Tribunais Superiores e a Procuradoria Geral da República são sujeitos políticos
aptos a apresentar proposições de leis, mas isso não aconteceu em relação às
demandas LGBT.
Todas as proposições estudadas eram, portanto, favoráveis às demandas
LGBT ou, em última análise, de difícil caracterização. Esse é o caso das
solicitações para realização de plebiscito, das solicitações de informações e de um
projeto de lei a respeito de regulamentação do trabalho em laboratório. Das três
solicitações, uma possui entre seus autores vários deputados envolvidos na Frente
Parlamentar pela Cidadania LGBT. Porém, uma consulta à sociedade sobre a
legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo, na forma de plebiscito,
pode ser ou não favorável ao Movimento. Quanto às solicitações de informações,
duas referem-se à aplicação de recursos do Estado em grupos e eventos do
Movimento LGBT, o que pode indicar resistência a esse tipo de investimento ou
apenas o exercício de uma das funções do partido, e uma aborda a concessão de
visto de permanência a estrangeiro que comprove união estável com parceiro
brasileiro do mesmo sexo. Consta ainda um projeto de lei que dispõe sobre o
trabalho em laboratórios que manipulam hormônios, apresentado por Peixoto
Filho, cujo partido e Estado de origem não são informados pelo sistema. Esse PL
foi arquivado e seu conteúdo não está disponível na Internet. É datado de 1974.
Há seis proposições que se apresentam contrárias aos interesses LGBT.
16
Esses documentos pretendem que: os psicólogos auxiliem pessoas homossexuais a
tornarem-se heterossexuais; o beijo entre parceiros do mesmo sexo seja encarado
como contravenção penal; o Ministério das Relações Exteriores parabenize o
presidente dos Estados Unidos – George Bush – por manifestar-se contra a união
civil homoafetiva; não seja instituído o Dia Nacional do Orgulho Gay e da
Consciência Homossexual; e a proibição de mudança de nome no caso de
transexuais.
Grande parte dessas proposições encontra-se arquivada. Ressalto que esse
arquivamento decorre da rejeição ou veto a iniciativas, segundo Cristiano Ferri
16
Dois PL (n
o
5.816/2005 e n
o
2.279/2003) do PRONA, um INC do PTB e um REQ tramitando
em conjunto com um PL (n
o
379/2003) do PTB.
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79
Soares Faria (2006), ou de conformidade ao artigo 105 do Regimento Interno da
Câmara dos Deputados. Este estabelece que, ao término de cada legislatura, todas
as proposições que foram submetidas à deliberação da Câmara e ainda se
encontrarem em tramitação e as que abrirem crédito suplementar serão
arquivadas. Constituem exceção:
a) aquelas com pareceres favoráveis em todas as Comissões;
b) as já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;
c) as que já tramitam ou se originam do Senado; e
d) as de iniciativa popular, de outro poder ou do procurador-geral da República.
Dessa forma, têm-se, em novembro de 2007, apenas 20 proposições em
tramitação, sendo 12 projetos de lei, dois projetos de emenda constitucional, um
voto de apoio, um substitutivo, um requerimento e duas indicações.
17
Concluo esta etapa retomando a tese de Fraser a respeito dos possíveis
medicamentos para “cura” de injustiças sociais já delineadas no capítulo anterior:
a análise das proposições evidencia um direcionamento do Parlamento no sentido
de se constituírem políticas de reconhecimento afirmativo, exemplificado pelas
proposições de eventos, particularmente a instituição de dias comemorativos, uma
vez que desconheço o conteúdo e a abordagem dos seminários propostos, a
criminalização da homofobia e o respeito à orientação sexual. Vale lembrar que
tais remédios estão ligados ao que Fraser chamou de “multiculturalismo
dominante”, que age reavaliando as identidades injustamente desvalorizadas, não
alterando o conteúdo dessas identidades nem as diferenciações de grupo que as
sedimentam. Trata-se, em suma, de políticas de valorização de identidade. Tal
tendência parece bastante convergente com a luta do Movimento pelo respeito à
diversidade sexual. Por outro lado, as proposições em torno de união civil entre
pessoas do mesmo sexo e aquelas em torno de saúde e previdência indicam
políticas de redistribuição afirmativas, uma vez que esses direitos já fazem parte
da vivência dos casais heterossexuais. É certo que os projetos em torno da união
civil apresentam um discurso que pretende dissociá-la por completo da idéia de
casamento ou união estável heterossexual, como indica Sousa (2000), o que a
princípio poderia enquadrá-la como um novo direito. Opto, no entanto, pela idéia
17
Para conhecer as proposições em andamento, ver Apêndice B.
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80
de redistribuição, por entender que ainda que a união civil não vise à formação de
uma unidade familiar, pretende estabelecer as regras de herança e dependência já
regulamentadas para os casais heterossexuais. Essa fuga da questão familiar talvez
indique muito mais ser parte de um jogo estratégico do que um desejo real dos
casais homoafetivos, haja vista os processos judiciais de adoção de crianças.
Quando Fraser aborda os medicamentos redistributivos, seu foco são as injustiças
econômicas. A aplicação de políticas redistributivas afirmativas, segundo a autora,
tende a estigmatizar os grupos beneficiados, uma vez que bens deixam de ser
dados a uns em benefício de outros, enquanto os transformativos são
exemplificados pelo socialismo, que tende a fomentar reciprocidade e
solidariedade. No caso LGBT, o que está em jogo não implica beneficiar uns em
detrimento de outros, mas permitir que todos participem dos mesmos bens, sem
perdas para qualquer dos grupos. Logo, a conseqüência deve ser da ordem do
respeito pelo reconhecimento da legitimidade de tais identidades. Quanto à
permissão aos transexuais para alteração de nome no registro civil, tem-se a
constituição de um novo direito.
Apresento a seguir as duas Frentes Parlamentares constituídas em torno da
luta LGBT, tentando correlacioná-las às proposições apresentadas e, em última
análise, à própria atuação dos deputados. O que pretendo diagnosticar é se este
engajamento corporifica efetivamente interlocução com o Movimento.
4.2.2.1.
A união suprapartidária como estratégia de enfrentamento do jogo
político
No espaço da Câmara Federal, diversas Frentes Parlamentares foram
constituídas a partir das mais diversas demandas sociais. Por exemplo: Frente
Parlamentar da Agropecuária, Frente Parlamentar em Defesa da Polícia Federal e
Frente Parlamentar pela Reforma Urbana, todas publicadas este ano. As Frentes
caracterizam-se por reunir parlamentares de diferentes partidos, sendo, portanto,
suprapartidárias. A primeira em torno da questão LGBT foi publicada em
3.12.2003 e designada por Frente Parlamentar Mista pela Livre Expressão Sexual
(FPMLES). Essa Frente, sob a coordenação da deputada Iara Bernardi (PT/SP),
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81
obteve a adesão de 59 deputados e sete senadores.
18
Graficamente, sua
composição era a seguinte:
de parlamentares que compõem a FPMLES por
partido:
35
5
333
22
111111
0
10
20
30
40
PT
PSDB
PCdoB
PDT
PL
PFL
P
P
P
MD
B
P
PS
PSB
P
TB
PV
Se
m P
artido
Havia, portanto, um predomínio acentuado de partidos de esquerda e de
parlamentares petistas.
Posteriormente, com o fim do mandato dos deputados envolvidos na
FPMLES, esta se desfez, “ressurgindo” em 2007 com a denominação de Frente
Parlamentar pela Cidadania GLBT e sob a coordenação da deputada Cida Diogo
(PT/RJ). Essa Frente já congrega 224 parlamentares, sendo 208 deputados e 16
senadores.
19
Isso representa 40% do total de parlamentares na Câmara Federal.
Analisando o perfil partidário desses deputados, o PT ainda é o partido com o
maior número de participantes, ou seja, 32,2%.
18
Conforme consulta ao site http://www.paroutudo.com/colunas/frente/040627_frente01.htm,
realizada em 29.2.2008.
19
Conforme o site www.aliadas.org.br/site/congresso/depsen2.php?tip=Deputado, realizada em
3.12.2007.
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82
Nº de parlamentares que compõem a Frente pela Cidadania
GLBTpor partido:
67
27
16
14
13
11 11 11
8
7
8
6
33
111
0
10
20
30
40
50
60
70
80
PT
PM
D
B
DEM
PS
B
P
P
PS
D
B
PD
T
PC d
o
B
PP
S
PTB
PR
PV
PSO
L
P
SC
P
RB
P
MN
P
HS
Apesar do predomínio, em números absolutos, do PT, quando se compara o
número de parlamentares de cada partido versus o número de engajados na Frente,
encontram-se resultados muito interessantes: os três parlamentares do PSOL
participam da Frente, assim como 85% do PCdoB e 84% do PT.
Comparativo percentual entre nº total de parlamentares por
partido X pertencente à Frente:
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
PSO
L
PC
d
o B
P
T
PP
S
PH
S
PSB
PDT
P
V
PT
B
P
P
PM
D
B
PSC
D
EM
PRB
PMN
PSDB
PR (antigo PL)
P
RTB
PT
C
PTd
o
B
O gráfico ainda destaca o acentuado envolvimento da esquerda com os
interesses LGBT e a presença dos partidos que em seu programa e/ou estrutura
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83
organizacional já formalizaram sua aliança com a causa, exceto o PTN e o PSTU,
que não possuem representantes na Câmara Federal.
Uma análise das lideranças partidárias inseridas na Frente conduz ao
seguinte número: 30% dos líderes e vice-líderes partidários participam da Frente
pela Cidadania, o que corresponde a 29,33% dos deputados da Frente.
Considerando que o Colégio de Líderes exerce a função de colaborar com a Mesa
Diretora da Câmara na definição das prioridades legislativas, sendo ainda um dos
principais órgãos de discussão e negociação de proposições em tramitação na
Casa, principalmente para a inclusão das matérias que irão ao Plenário para
votação, percebe-se a relevância dessa participação na Frente para o Movimento
LGBT. A essas atribuições do Colegiado somam-se as tarefas concernentes aos
líderes em sua atuação individual, ou seja, a possibilidade de editar informativos
com análises e posicionamentos em torno das matérias em tramitação e, durante
um minuto, encaminhar a votação de qualquer proposição para orientar sua
bancada. Como bem pontuaram Argelina C. Figueiredo e Fernando Limongi
(2001), é fato que o voto dos parlamentares brasileiros costuma acompanhar o
posicionamento das lideranças partidárias, o que ressalta a importância da
presença de lideranças na Frente.
Quanto ao predomínio do PT, o então deputado e membro da FPMLES,
Luciano Zica, em entrevista ao site Mix Brasil em fevereiro de 2006, explicou:
A questão não está caracterizada por posição partidária. Dentro do PT, do PV e do
PCdoB há um compromisso maior com a luta dos homossexuais, mas temos gente
de diferentes partidos na frente. No PT, devido à tradição do movimento sindical,
tem-se muita dificuldade de tratar a homossexualidade. Mas já houve evolução
muito grande. Tirando aqueles que são tolhidos pela questão da religião, a maioria
da bancada do PT votaria favoravelmente às propostas que defendem direitos
LGBTs. A bancada do PT é a que tem maior simpatia na luta dos homossexuais
(Martins, 14 fev. 2006).
Quanto à resistência da esquerda a demandas LGBT:
Hoje acho que isso está superado. Eu mesmo demorei muito para ter a
compreensão que tenho hoje. Fui servente de pedreiro até os 17 anos e trabalhei na
indústria do petróleo dos 19 aos 43 anos. Até por imposição da convivência
cultural, você demora a se abrir, para compreender o universo. Eu tomei
consciência sobre a questão da homossexualidade na convivência com a Marta
Suplicy, com o debate que ela provocou na Câmara. Com o PT, isso teve mudança
até pelas crises que a gente viveu. O PT faz debates e impõe, para quem quer
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84
aprender, a necessidade de enxergar as coisas. Hoje, no PT, essa questão tem grau
de interesse e simpatia maior que a média dos partidos grandes. Vamos considerar
o PV. Alguns deputados importantes têm dificuldades com essa questão. Mas
temos avanços, como colocar no orçamento projetos que beneficiam a comunidade
LGBT. Eu tenho posto, da minha cota de emendas, recursos para a área da
homossexualidade e trabalhamos para que membros da frente coloquem também
(Martins, 14 fev. 2006).
A fim de verificar se existe um maior engajamento de alguns parlamentares
em termos de apresentação de proposições pró-LGBT em detrimento de outros e
se uma maior atuação está relacionada ao engajamento em uma das Frentes que se
constituíram em torno dessa causa, quantifiquei o número de proposições por
parlamentares. O resultado desse trabalho é indicado no quadro a seguir:
Autor
N
o
Prop.
Pró-LGBT
Participação em Frente
Pró-LGBT
Sim Não
Iara Bernardi – PT/SP 6 x
Laura Carneiro – PFL/RJ 5 x
Maria do Rosário – PT/RS 5 x
Luciano Zica – PT/SP 5 x
Iriny Lopes – PT/ES 4 x
N
air Xavier Lobo – PMDB/GO 4 x
Cida Diogo – PT/RJ 3 x
Maninha – PT/DF 3 x
Fátima Bezerra – PT/RN e outros 2 x
José Múcio Monteiro – PTB/PE 2 x
Leonardo Monteiro – PT/MG 2 x
Esse quadro expõe o recorte dos autores responsáveis por mais de uma
iniciativa, ou seja, não constam no quadro os autores de apenas uma proposição.
Fica evidente que os parlamentares envolvidos em uma das Frentes pró-LGBT
foram autores de um maior número de proposições. Vale ressaltar que a deputada
Nair Xavier Lobo exerceu seu mandado em uma legislatura anterior à de criação
das Frentes em questão. Mesmo entre aqueles que apresentaram apenas uma
proposição, 31% têm envolvimento com uma das Frentes.
Dessa forma, pode-se afirmar que:
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85
a) o envolvimento com a causa LGBT se sobrepõe à orientação partidária e passa
por um cálculo político individual; e
b) o engajamento em uma das Frentes pró-LGBT foi decisivo para a apresentação
de proposições pelos direitos de tal coletividade, bem como determinou o
acentuado crescimento no número destas, ocorrido a partir de 2003, conforme
gráfico apresentado anteriormente.
Iara Bernardi, em entrevista ao site Gay Brasil em setembro de 2006, pontua
sobre a interlocução entre a Frente e o Movimento:
(a) criação da Frente Parlamentar Mista pela Livre Expressão Sexual foi um anseio
das entidades do movimento LGBT, que viram a necessidade de organização dos
parlamentares para que pudéssemos dar seqüência à tramitação dos PLs
considerados prioritários (www.gaybrasil.com.br, 12 set. 2006).
Esse entendimento é reforçado pela senadora Serys Slhessarenko
20
(PT/MT), em entrevista reproduzida pelo site Parou Tudo, em março de 2006, ao
afirmar que a FPMLES representa:
a concretização de um longo trabalho das ONGs, que conseguiram criar uma
estrutura mínima para atuarem no Congresso. Com isto criou-se, assim como há a
ruralista e a evangélica, a bancada do arco-íris. Desta forma os debates podem ser
acompanhados com um mínimo de organização para os interesses LGBT,
garantindo melhor mobilização para a defesa e visibilidade para as demandas
(Sabino, 18 mar. 2006).
Afinal, como ressaltou a líder da FPMLES na entrevista citada, o
movimento manifesta-se junto aos parlamentares.
Temos assessorias antenadas com os desejos trazidos aos nossos gabinetes.
Procuramos ouvir a todos, contemplando os vários anseios do movimento. Porém
não podemos esquecer que a nossa sociedade, em sua grande maioria, é
conservadora e que resiste aos avanços. Temos que pensar que os direitos
homossexuais não podem ser considerados uma concessão. São direitos humanos e
devem, sobretudo, ser respeitados (www.gaybrasil.com.br, 12 set. 2006).
Essa interlocução dos parlamentares com o Movimento é também abordada
por Luciano Zica, ao relatar que a agenda da FPMLES era definida através de um
20
Segundo essa entrevista, a senadora Serys Slhessarenko teve importante papel na aprovação de
emenda que aumentou de R$ 400 mil para R$ 2 milhões os recursos de 2006 para o Programa
Brasil Sem Homofobia.
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86
diálogo com entidades e organizações do Movimento. Por meio deste, foram
definidas as prioridades. “Temos a prática de conversar com diversas entidades e
organizamos a agenda discutindo com elas, estabelecendo prioridades.”
A atuação da Frente, no entanto, não se dá apenas por iniciativas
legislativas. Existe um trabalho estratégico, mais sutil, que Iara Bernardi relata
quando questionada sobre como avaliava a atuação da FPMLES, da qual era líder:
Estamos tendo resultados bastante positivos provenientes da atuação da Frente.
Temos trabalhado para contornar as dificuldades existentes no Parlamento. A
criação da Frente, a articulação com nossos pares, a rejeição de projetos
preconceituosos são provas do nosso empenho (www.gaybrasil.com.br, 12 set.
2006).
No entanto, o clamor do Movimento – conforme Cida Diogo, ao falar em
entrevista ao site Gonline do porquê abraçou a causa LGBT, afirma: “percebi a
necessidade de mais políticos atuando pela causa LGBT, até porque o movimento
pedia essa participação” – nem sempre é considerado suficiente. A senadora
Serys, quando responde à pergunta “O que seria necessário para que os projetos
LGBT tivessem maior atenção dos parlamentares?”, declara:
Primeiro é maior organização do movimento. O trabalho que as ONGs fazem é
fantástico, sem eles não teríamos avançado em nada. (...) Porém, esse esforço ainda
é muito pequeno frente ao poder de pressão dos outros grupos. Em segundo lugar,
maior comprometimento dos parlamentares com a questão, independente da
coloração partidária e das convicções pessoais, é preciso unir forças para fazer
justiça, para dar cidadania a milhares de homens e mulheres que não se sentem
amparados na lei de seu próprio país. Os parlamentares deveriam se conscientizar
que em primeiro lugar vem o bem-estar de toda a população, que a minoria deve
ser amparada no ponto em que se torna diferente da maioria, que o preconceito e a
discriminação não devem ser aceitos em hipótese nenhuma. A nossa prioridade
deve ser sempre proteger os setores mais fragilizados da população, e a
comunidade LGBT ainda é alvo de muitos preconceitos e violências (Sabino, 18
mar. 2006).
Luciano Zica reitera essa percepção ao responder sobre a possibilidade de
mudanças no projeto de parceria civil no sentido de atualizá-lo. O deputado diz
que tais mudanças dependem
do clima do momento. A gente tem que discutir alternativas. Quando vai ao
plenário, vota-se a matéria original ou um substitutivo de plenário. Tudo depende
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87
das mobilizações e até do papel que um site como o Mix Brasil e os meios de
comunicação de massa podem ter no clima do Congresso Nacional. Já
conseguimos, por exemplo, diminuir a ação dos religiosos no combate a esses
direitos (Martins, 14 fev. 2006).
Talvez em resposta à demanda por maior mobilização e de forma mais
organizada por parte de parlamentares, e certamente por querer dar efetividade às
proposições, o Movimento tenha instituído o Projeto Aliadas, uma iniciativa da
ABGLT, que tem por objetivo geral:
Estabelecer, através de ações de advocacy, um ambiente favorável no Congresso
Nacional a fim de apresentar e apoiar a tramitação e aprovação de proposições
legislativas e de propostas orçamentárias que garantam a cidadania plena e a
consolidação de direitos de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais
(LGBT) (ABGLT, [2007?]).
O Projeto define como objetivos específicos de concretização, até o final de
2007, a aprovação e sanção de pelo menos uma lei federal de promoção da
cidadania LGBT, bem como a apresentação de propostas orçamentárias para o
próximo PPA – Plano Plurianual – do Governo Federal, que beneficiem a
consolidação dos direitos desse segmento social, e sua atrelação à definição de
estratégias de advocacy que garantam a inserção das mesmas no PPA.
O Projeto Aliadas, em nível nacional, instituiu ainda oito grupos de
trabalho, contando com a participação de voluntários. Os grupos são: GT (Grupo
de Trabalho) Academia para Elaboração de Discursos, GT Estado Laico, GT
Campanha Publicitária, GT Mídia, GT Captação de Recursos, GT Jurídico e
Documentação, GT Internacional e GT Artistas e Famosos.
A articulação do Projeto dá-se através de 27 coordenadores em cada Estado
brasileiro, visando à implantação do mesmo no âmbito municipal e estadual do
Poder Legislativo, promovendo a formação de Frentes Parlamentares nessas
esferas do Poder. Sua ação tem permitido a mobilização de diversos setores da
sociedade, de formadores de opinião a movimentos religiosos e instâncias de
promoção da cidadania, como Comissões de Direitos Humanos.
Percebe-se, portanto, uma interação do Movimento com o Estado,
constituída de forma estratégica e organizada, pode-se dizer de ambas as partes.
No entanto, ainda assim, os resultados não são os esperados pelo Movimento. Em
entrevista mencionada retro, Serys Slhessarenko relaciona a demora na aprovação
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88
dos projetos favoráveis à comunidade LGBT como decorrentes do lobby de
grupos religiosos e do preconceito. Sua fala é reveladora:
Às vezes nem é preconceito do parlamentar, mas de seus eleitores. Ainda há aquele
medo de que apoiar a causa LGBT poderá (trazer) repercussões negativas junto ao
eleitorado. Muitos acreditam que atuar em prol desta causa trará prejuízos (Sabino,
18 mar. 2006).
O reverso da não-participação por preconceito, associada a voto, é a
participação a fim de angariá-lo, que Serys comenta:
Não posso apontar que isto esteja ocorrendo e dizer quem faz isso, mas tenho
recebido reclamações de diversos grupos que se sentem usados por parlamentares
que se aproveitam da visibilidade que o movimento está adquirindo para angariar
votos, principalmente nas paradas gays (Sabino, 18 mar. 2006).
E Luciano Zica complementa:
Se os gays tivessem consciência efetiva, poderiam ter uma participação bastante
forte no Congresso. Na população em geral, temos um contingente enorme de
pessoas com orientação homossexual (Martins, 14 fev. 2006).
Como a própria Câmara Federal afirma em seu site,
21
sua missão é
representar a sociedade, legislar sobre suas demandas e fiscalizar a aplicação dos
recursos públicos. Diante dos resultados dessa análise, pode-se concluir que,
apesar da força política que a Frente possui – constituída por 40% dos deputados
federais e 30% dos líderes –, ainda assim, prevalece o jogo democrático, do
cálculo político, em que ao final vence a maioria. Diante, portanto, da grande
volatilidade própria do competitivo mercado eleitoral brasileiro, com forte traço
de voto personificado,
22
a pressão por campanhas direcionadas, personalizadas,
embasadas em políticos e/ou temas, realizadas pela exposição dos partidos a
públicos bastante heterogêneos via meios de comunicação de massa, tem-se uma
atuação parlamentar na Câmara Federal condizente com tal cenário, em que ser ou
não interlocutor de uma determinada causa passa pela decisão e cálculo
individual, que se apóia, sem dúvida, nos grupos de interesses que representa,
muito mais que nos próprios filiados do partido. Em suma: o jogo das trocas
21
www2.câmara.gov.br/conhece.
22
A respeito desse tema, ler: Sistemas partidários em novas democracias: o caso do Brasil,
publicado em 2001 pela Fundação Getulio Vargas, cuja autoria é de Scott B. Mainwaring.
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89
parlamentares com os grupos de interesses acaba por transcender as orientações
institucionalizadas pelos partidos,
23
pautando-se por uma escolha individual. Da
mesma forma, e talvez conseqüentemente, o grau de engajamento em uma ou
outra causa é variável. Assim, é possível que a presença de alguns políticos na
Frente Pró-LGBT decorra mesmo de trocas entre os próprios parlamentares,
trocas por apoio. Considerando que quanto maior a exposição diante de uma causa
maior também o risco eleitoral, a assinatura de compromisso com uma Frente
representa menor risco que um discurso em sua defesa, daí poder englobar trocas
de diversas ordens. Talvez por esse viés, juntamente com os critérios de
aprovação legislativa via maioria dos votos, tenha-se um balizamento para a
inefetividade do trabalho da Frente em questão. Não cabe a esta pesquisa, no
entanto, dar conta desse problema.
Sigo caminho para apresentar um esboço das ações empreendidas pelo
Governo Federal, nos dois mandatos do presidente Lula da Silva, fundador e
militante do PT, bem como um relato sumário das legislações municipais e
estaduais já em vigor direcionadas à causa LGBT. O objetivo é a contraposição de
dados que possam evidenciar alguma capilaridade partidária em Casas e instâncias
de poder diferenciadas.
4.2.2.2.
Em contraponto: ações do Governo Federal e legislação em vigor
O terceiro eixo desta pesquisa diz respeito a dois desdobramentos da
atuação partidária. O primeiro, no âmbito do Governo Federal, trata das ações
realizadas, inclusive legislativas, em face das reivindicações LGBT. O segundo
insere-se nas legislações estaduais e municipais em vigor que já reconhecem tais
direitos. O que pretendo é perscrutar a capilaridade dos partidos no exercício de
sua função de governo, bem como sua atuação em diferentes esferas de poder,
elegendo as leis como resultado do trabalho desempenhado.
23
Trato aqui das orientações decorrentes do estatuto e do programa partidário. Michele Cunha
Franco Conde (2004) aponta que o relatório final da III Plenária Nacional de Lésbicas, Gays,
Travestis e Bissexuais do PT orienta seus militantes a atuarem em grupos/organizações filiadas à
ABGLT, uma vez que essa associação, embora não represente a totalidade dos grupos do
Movimento, possui em sua diretoria, segundo o relatório, militantes do partido. Outra orientação
diz respeito a implementarem em seus grupos um programa tendo por base as diretrizes petistas.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610493/CA
90
Apresento, por conseguinte, o primeiro desdobramento. Conforme a
publicação Legislação e jurisprudência LGBTTT,
24
as ações do Governo Federal
em favor das demandas LGBT ocorrem em dois níveis – de sua política externa e
na gestão do País propriamente dita. Uma das primeiras ações do governo a esse
respeito aconteceu no âmbito da política internacional no ano 2000, quando
apresentou o tema da não-discriminação por orientação sexual à Conferência
Regional das Américas, realizada em Santiago do Chile. Essa Conferência, que
envolve todos os países do continente americano, foi uma preparatória para a
Conferência de Durban. Em sua declaração considerou-se “a orientação sexual
entre as bases de formas agravadas de discriminação racial e exorta os Estados a
preveni-la e combatê-la” (Conselho, 2004, p. 12). Embora não tenha sido
incorporado ao texto final da Declaração de Plano e Ação da Conferência Mundial
contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Conexas de
Intolerância, realizada em 2001 em Durban, o Brasil apresentou em plenária o
tema da discriminação sobre a orientação sexual e foi apoiado por várias
delegações, principalmente européias. Esse fato é importante, uma vez que, no
contexto internacional, ainda segundo tal publicação, nenhum dos instrumentos
internacionais pesquisados
25
pela mesma possui de forma explícita a afirmação da
não-discriminação por orientação sexual, embora a afirmação da liberdade e da
igualdade entre todas as pessoas seja unânime.
Aproveitando o ensejo dessa iniciativa, o Movimento LGBT lançou o
Projeto Direitos Humanos LGBT no Mercosul. Esse Projeto tem por objetivo
ampliar as alianças do Movimento com entidades e governos de tal região,
particularmente ainda que não só, de forma a propor uma nova resolução
internacional que reconheça o direito à orientação sexual e à identidade de gênero
como parte dos direitos humanos junto à ONU – Organização das Nações Unidas.
Além disso, visando a qualificar suas ações, o Projeto almeja a inclusão nos
24
O livro Legislação e jurisprudencia LGBTTT resulta de pesquisa realizada pelo ANIS – Instituto
de Bioética, Direitos Humanos e Gênero –, em parceria com a Associação Lésbica Feminista de
Brasília Coturno de Vênus e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos como parte de uma das
estratégias propostas pelo Programa Brasil Sem Homofobia. O livro apresenta todas as legislações
publicadas no Brasil, que já incorporaram parte das demandas LGBT, bem como os instrumentos
internacionais, que versam sobre direitos humanos. Apresenta ainda uma longa seção sobre
jurisprudências favoráveis ao Movimento no Brasil e no Mundo, em que estão citados vários casos
processuais. O escopo de pesquisa encerra-se em setembro de 2006.
25
Foram pesquisados um total de 16 instrumentos publicados tanto pela ONU (Organização das
Nações Unidas) quanto pela OEA (Organização dos Estados Americanos) e pela OIT
(Organização Internacional do Trabalho) até setembro de 2006.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610493/CA
91
relatórios de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais do Mercosul de diagnóstico
da população LGBT.
Voltando ao Governo Federal, em 2002, a segunda versão do Programa
Nacional de Direitos Humanos contém uma seção formada por 15 ações contra a
discriminação por orientação sexual e visando à sensibilização da sociedade
quanto ao direito de liberdade e igualdade das identidades LGBT.
Dois anos depois, tem-se a publicação do Brasil Sem Homofobia –
Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra LGBT e de
Promoção da Cidadania Homossexual. Esse Programa contou com a participação
de diversas entidades do Movimento LGBT – Associação Brasileira de Gays,
Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), Articulação Nacional de Transgêneros
(ANTRA), Articulação Brasileira de Lésbicas, Grupo Gay da Bahia (GGB),
Grupo Dignidade, Movimento D’Ellas, entre vários outros grupos.
26
Órgãos do
governo também estiveram envolvidos: Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação, Programa Nacional de
DST/Aids do Ministério da Saúde, Secretaria Nacional de Segurança Pública,
apenas para citar alguns.
27
O Programa Brasil Sem Homofobia é uma resposta ao Plano Plurianual –
PPA 2004-2007 – que estabeleceu como uma de suas ações a “Elaboração do
Plano de Combate à Discriminação contra Homossexuais”. Sob a coordenação da
Secretaria Especial de Direitos Humanos, o Programa tem por objetivo maior
promover a cidadania de gays, lésbicas, travestis, transgêneros e bissexuais, a partir
da equiparação de direitos e do combate à violência e à discriminação
homofóbicas, respeitando a especificidade de cada um desses grupos populacionais
(Conselho, 2004, p. 11).
Sendo assim, é formado por cinco ações, direcionadas da seguinte forma:
a) apoio de projetos de fortalecimento de instituições públicas e não-
governamentais que atuam na promoção da cidadania homossexual e/ou no
combate à homofobia;
b) capacitação de profissionais e representantes do movimento homossexual que
atuam na defesa de direitos humanos;
c) disseminação de informações sobre direitos, de promoção da auto-estima
homossexual;
26
A relação completa dos participantes pode ser encontrada na própria publicação do Programa
Brasil Sem Homofobia.
27
Idem.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610493/CA
92
d) incentivo à denúncia de violações dos direitos humanos do segmento LGBT
(Conselho, 2004, p. 11).
Três grandes princípios norteiam o Programa, que é justificado pelo alto
índice de violência contra pessoas LGBT:
28
. A inclusão da perspectiva da não-discriminação por orientação sexual e de
promoção dos direitos humanos de gays, lésbicas, transgêneros e bissexuais, nas
políticas públicas e estratégias do Governo Federal, a serem implantadas (parcial
ou integralmente) por seus diferentes Ministérios e Secretarias.
. A produção de conhecimento para subsidiar a elaboração, implantação e avaliação
das políticas públicas voltadas para o combate à violência e à discriminação por
orientação sexual, garantindo que o Governo Brasileiro inclua o recorte de
orientação sexual e o segmento LGBT em pesquisas nacionais a serem realizadas
por instâncias governamentais da administração pública direta e indireta.
. A reafirmação de que a defesa, a garantia e a promoção dos direitos humanos
incluem o combate a todas as formas de discriminação e de violência e que,
portanto, o combate à homofobia e a promoção dos direitos humanos de
homossexuais é um compromisso do Estado e de toda a sociedade brasileira
(Conselho, 2004, p. 11-12).
O Programa é composto por um total de 53 ações subdivididas em 11
grupos, que focam legislação, justiça, saúde, trabalho, educação, cultura,
segurança e mesmo cooperação internacional. Analisando tais ações, destaco dois
pontos: o primeiro faz eco à afirmação de Nilmário Miranda – secretário especial
dos Direitos Humanos:
Um dos objetivos centrais deste programa é a educação e a mudança de
comportamento dos gestores públicos. (...) A expectativa é que essa integração
28
Cito três fontes de informações a esse respeito. 1) Levantamentos organizados por Luiz Mott,
tendo por base notícias publicadas em jornais nacionais a respeito da violência contra
homossexuais, revela o assassinato de centenas de pessoas LGBT nos últimos anos. Em outro
estudo realizado a partir do Disque Defesa Homossexual (DDH) da Secretaria de Segurança do
Estado do Rio de Janeiro, uma estimativa alarmante também foi apresentada: de junho de 1999 a
dezembro de 2000 – primeiros meses de existência deste canal de comunicação –, foram recebidas
500 denúncias, sendo 6,3% de assassinatos, 20,2% de discriminação, 18,7% de agressão física e
10,3% de extorsão. 2) Pesquisa realizada no Rio de Janeiro em 2002, que contou com a
participação de 416 pessoas de uma das identidades LGBT, chegou aos seguintes números: 60%
dos entrevistados afirmaram já ter sofrido algum tipo de agressão motivada por sua orientação
sexual; destas, 16,6% foram agressões físicas (e entre travestis e transexuais esse número atinge
42,3%), 18%, chantagem e extorsão (estas chegam a 30,8% entre travestis e transexuais) e 56,3%,
ofensas verbais e ameaças. Além desses dados, esse estudo aponta ainda que 58,5% dos
entrevistados já haviam sido discriminados ou humilhados em estabelecimentos comerciais, em
casa, por parte de servidores públicos, de colegas, na escola, no trabalho, no bairro. 3) Investigação
realizada pela Unesco (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization), entre
estudantes brasileiros do ensino fundamental, seus pais e professores, em 14 capitais brasileiras,
que revelou: a) entre os pais de alunos, mais de um terço não gostaria que seus filhos fossem
colegas de homossexuais (em Recife, por exemplo, essa taxa é de 46,4%); b) cerca de um quarto
dos alunos reiteraram esse mesmo posicionamento; c) quanto aos professores, não só há a
tendência a silenciar diante da homofobia, como até mesmo a expressá-la.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610493/CA
93
interministerial, em parceria com o movimento homossexual, prospere e avance na
implementação de novos parâmetros para definição de políticas públicas,
incorporando de maneira ampla e digna milhões de brasileiros (Conselho, 2004, p.
sem numerão).
Considerando-se os grupos de ações propostas, é clara a amplitude do
Programa ao se estender por diversos ministérios do Governo. O segundo ponto
diz respeito ao fato de que o Programa definiu uma Política para as Mulheres e
outra contra o Racismo e a Homofobia. Essa sinergia com dois grandes
movimentos sociais – o feminista e o racial – parece-me importante, visto que,
como abordou Fraser, esse grupo de outsiders é perpassado por lutas múltiplas e
cruzadas, representadas, nesse caso, pela sexualidade, gênero e raça.
O Movimento LGBT, em contrapartida, elaborou o Projeto Observatório do
Programa Brasil Sem Homofobia, através do qual pretende criar mecanismos de
avaliação, monitoramento, apoio e mobilização da comunidade em torno das
políticas públicas já existentes e no fomento de novas políticas afirmativas de sua
identidade e de seus direitos.
Quanto à legislação, na esfera federal encontram-se apenas três leis,
29
dois
decretos,
30
uma instrução normativa
31
e uma resolução administrativa,
32
todas
voltadas para a gestão pública.
Concluindo, pode-se afirmar que, no âmbito do exercício governamental,
também se verifica certo grau de capilaridade política, que pode ter reflexos na
própria publicação das Frentes Parlamentares pró-LGBT, uma vez que sua
atuação se dá durante um governo engajado em tal causa. Por outro lado, se se
considerar que o governo constitui maioria, com a distribuição de pastas
ministeriais, a fim de obter o apoio dos legisladores a suas iniciativas, é difícil
29
Lei n
o
7.353, de 29.8.1985, que cria o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e que tem em
sua composição uma cadeira para o Movimento de Lésbicas;
Lei n
o
10.216, de 6.4.2001 – Lei Nacional de Transtornos Mentais, que assegura proteção e
respeito aos direitos das pessoas que sofrem de transtorno mental, independentemente, entre outros
fatores, de sua orientação sexual;
Lei n
o
11.340, de 7.8.2006 – Lei Maria da Penha, que, em seu artigo 2
o
, afirma: “toda mulher,
independente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e
religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, (...)”.
30
Decreto n
o
5.397, de 22.3.2005, que dispõe sobre o Conselho Nacional de Combate à
Discriminação e que inclui o segmento LGBT na composição do Conselho;
Decreto n
o
5.839, de 11.7.2006, que dispõe sobre o Conselho Nacional de Saúde, no qual o
Movimento LGBT também possui uma cadeira.
31
Instrução Normativa n
o
25, de 7.6.2000, do Instituto Nacional de Seguro Social, que estabelece
procedimentos a serem adotados para a concessão de benefícios da previdência a companheiro(a)
homossexual.
32
Publicada em 2003, autoriza visto de permanência no País a estrangeiro que seja companheiro(a)
homossexual de brasileiro em união estável.
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94
entender por que, estabelecendo um programa como o Brasil Sem Homofobia, não
há nenhuma proposição sua em prol da luta LGBT, nem mesmo um movimento
seu no sentido de mobilizar a maioria para aprovação de proposições já em
andamento que beneficiam essa coletividade. Afinal, como pontua Figueiredo
(2001), a distribuição de poder garantida pela Constituição de 1988 é favorável ao
Executivo.
Se, no âmbito federal, há um pequeno número de dispositivos legislativos
pró-LGBT em vigor, por outro lado, nas esferas estadual e municipal, o
Movimento pode afirmar suas maiores conquistas, conforme os dados a seguir.
Entre os estados brasileiros, 14 possuem legislações pertinentes à causa
LGBT. São eles: Alagoas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará,
Paraíba, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa
Catarina, São Paulo, Sergipe e Distrito Federal. Predominam os dispositivos
contra a discriminação por orientação sexual e a definição de penalidades em
decorrência da discriminação – 20 no total. Outras cinco leis reconhecem o direito
de respeito e igualdade independente de orientação sexual, quatro determinam a
inclusão curricular de conteúdo pedagógico sobre tal tema. E há uma lei que
institui o Dia Nacional da Diversidade Sexual e uma de assistência à comunidade
LGBT com a criação do serviço S.O.S. Discriminação.
Em 2007, o Estado do Rio de Janeiro reconheceu os mesmos direitos dos
cônjuges de união estável entre pessoas do mesmo sexo para benefícios
previdenciários no âmbito do serviço público.
Já em nível municipal, há 37 dispositivos entre leis, decretos e resoluções,
que envolvem as seguintes localidades:
33
Aracaju/SE, Belo Horizonte/MG,
Campinas/SP, Campo Grande/MS, Florianópolis/SC, Fortaleza/CE, Foz do
Iguaçu/PR, Goiânia/GO, Guarulhos/SP, Juiz de Fora/MG, Londrina/PR,
Macapá/AP, Maceió/AL, Natal/RN, Paracatu/MG, Porto Alegre/RS, Recife/PE,
Rio de Janeiro/RJ, Salvador/BA, São Bernardo do Campo/SP, São José do Rio
Preto/SP, São Paulo/SP e Teresina/PI.
Ressalto o fato de haver diversos Estados e Municípios no interior do País
com leis pró-LGBT. Castells (2001) afirma que os movimentos reivindicatórios
de identidade ganham espaço nas grandes metrópoles mundiais. Porém, o que se
pode ver através dos dados revelados, no caso do Brasil, é a presença vitoriosa do
33
O Programa Brasil Sem Homofobia cita mais de 80 Municípios sem, contudo, listá-los.
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95
Movimento em grande parte do território nacional. Mais à frente, evidenciarei que
esse ator político está literalmente presente em todo o território, de norte a sul do
País.
Seguindo as mesmas categorias de análise do conteúdo da legislação
estadual, no âmbito municipal encontra-se da mesma forma o predomínio de
diretrizes contra a discriminação e definição de penalidades para tal, totalizando
25 dispositivos a respeito. Somam-se a estas sete estabelecendo o direito de
respeito e igualdade por orientação sexual, duas determinando a inclusão de
matéria em currículo de estudos, uma criando o Dia Municipal da Consciência
Homossexual, uma, na vanguarda, reconhecendo a união estável entre pessoas do
mesmo sexo, que foi promulgada na cidade do Rio de Janeiro em 2002.
Grande parte das ações relatadas neste capítulo são fruto de parcerias entre o
Movimento LGBT e o Estado, por meio das suas diversas esferas e instituições
democráticas.
Foi surpreendente encontrar em tantos Estados e Municípios brasileiros
legislações favoráveis ao Movimento. Conde (2004) afirma que essa explosão de
legislações pró-LGBT decorre da grande repercussão social que a discussão em
torno do respeito à orientação sexual na época da Constituinte de 1988 obteve. Em
função disso, a autora chega a supor que talvez o próprio Movimento tenha tido
papel secundário na aprovação e sanção de tais leis. Acredito que o fato merece
uma pesquisa aprofundada, por sinalizar um hiato entre as diferentes esferas de
poder de uma mesma instituição.
Do exposto neste capítulo, algumas conclusões podem ser inferidas:
a) Para além das fronteiras institucionais – estatuto, programa, estrutura
organizacional –, bem definidas e pouco capilares a agendas muito específicas
como a LGBT, há um dinamismo político dentro da Câmara Federal, no sentido
de responder aos conflitos sociais, que ultrapassa tais fronteiras partidárias.
b) Isso pode ser explicado, entre outros fatores, pela forma, organizada
estrategicamente, como vem atuando o Movimento LGBT, haja vista o Projeto
Aliadas, que visa a fomentar e subsidiar o trabalho da Frente Parlamentar.
c) A atuação das Frentes Parlamentares precisa ser destacada como importante
interlocutor entre o Movimento e o próprio Parlamento, haja vista o incremento de
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96
proposições parlamentares que se dá a partir da publicação da primeira Frente em
2003 e a sinergia dessas proposições às demandas do Movimento.
d) Vale lembrar que Figueiredo (2001) acentua que a centralização do projeto
legislativo instituído com a Constituição de 1988 atua como um freio, de forma a
reduzir acentuadamente a capacidade e possibilidade de um parlamentar
influenciar direta e individualmente na aprovação de proposições. Está sinalizada
a importância de se formarem Frentes em torno de causas específicas.
e) Percebe-se que a inserção do Movimento LGBT no Câmara Federal ocorre pela
via da reivindicação de uma agenda comum às identidades LGBT, baseada em
suas carências coletivas, exceto a reivindicação de alteração do nome civil de
transexuais.
f) Como no Brasil o mercado eleitoral é muito competitivo com forte traço de
voto personificado, realizar seu próprio cálculo político torna-se fundamental para
os parlamentares e políticos em geral.
g) A análise dos estatutos e programas partidários demonstrou a defesa de valores
compartilhados por toda a sociedade – democracia, soberania, liberdade, entre
outros –, o que Panebianco categoriza como parte da desideologização pela qual
os partidos políticos estão passando no momento atual.
h) As estruturas organizacionais não se coadunam diretamente às orientações
programáticas em grande parte dos partidos políticos.
i) Considerando-se os aspectos morfológicos dos partidos burocráticos de massa e
dos profissional-eleitorais, ou catch-all, conforme delineados por Panebianco, e a
análise esboçada neste capítulo, é possível inferir que os partidos brasileiros estão
mais para partidos deste segundo tipo que para burocráticos de massa.
j) A multiplicação de legislações pró-LGBT já em vigor em Estados e Municípios
sinaliza um hiato entre as diversas esferas do Poder Legislativo. Esse hiato
também pode ser percebido pela contraposição desse Poder às ações do
Executivo. Certamente, não será possível explorar nesta pesquisa as razões que
justificam tal paradoxo, porém fica aqui o registro do mesmo.
k) Em face das ações propostas pelo Governo Federal, o Movimento LGBT
demonstra grande capacidade em responder de forma estrategicamente
organizada, o que pode ser percebido pelos inúmeros projetos elaborados que se
comunicam com essas ações, seja para acompanhá-las, seja para subsidiá-las de
informações, seja mesmo para orientar o lobby que realizam.
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97
l) No que se relaciona ao espectro da crise: ainda que em seu início o Movimento
LGBT tenha afirmado seu antipartidarismo, isso não se reitera nos dias atuais,
assim como a descrença social na atuação representantiva dos partidos, ao menos
para esse grupo. Se os partidos estão sendo comprimidos na realização de algumas
de suas funções, isso não impossibilitou de continuarem a realizá-las, nem
mesmo, no que toca à representação de proposições legislativas, fez com que
perdessem importância como o principal e quase único interlocutor.
m) A percepção de algum grau de capilaridade no processo legislativo é reforçada
pela conformidade entre a agenda política do Movimento, as proposições
apresentadas na Câmara Federal e a legislação já em vigor nos Estados e
Municípios, em torno de políticas de reconhecimento e redistributivas,
caracterizando claramente o grupo LGBT como uma coletividade ambivalente.
34
Aproximo-me do final desta investigação para retomar seu início. Foi a
percepção de Santos (1993) quanto ao distanciamento dos partidos políticos dos
conflitos sociais que me inspirou a realizar este percurso. Volto, portanto, a esse
ponto no quinto capítulo, para com ele, Telles (1994) e Dagnino (1994) dialogar e
concluir por ora meu trabalho.
34
Fraser (2001) conceitua coletividades ambivalentes como aquelas que necessitam da aplicação
combinada de políticas de reconhecimento e redistributivas, uma vez que as injustiças que sofrem,
tanto socioeconômicas quanto culturais, não são efeitos indiretos uma da outra, mas, sim,
primárias, originais.
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5
Conclusão
Este capítulo é um retorno aos argumentos inspiradores de minha pesquisa.
Pretendo criar um diálogo entre Wanderley Guilherme dos Santos (1993), Vera da
Silva Telles (1994), Evelina Dagnino (1994) e minhas próprias observações. Creio
que há complementaridade em suas visões, ainda que em relação aos movimentos
sociais da década de 1990 haja uma divergência crucial entre a leitura a respeito
dos mesmos de Santos e a das demais autoras. Com isso, objetivo suscitar um
sentido histórico às mudanças sociais que ocorreram na democracia brasileira e
provocar o aprofundamento do debate acerca dos partidos políticos e sua
capacidade de ouvir as reivindicações sociais. Vale ressaltar que os textos que dão
sustentação ao diálogo proposto foram escritos no início da década de 1990.
Feito este preâmbulo, passo a abordar dois pontos que considero
importantes no pensamento de Santos. O primeiro diz respeito à constituição no
Brasil de sujeitos políticos antes mesmo da formação dos partidos nacionais, uma
vez que as identidades políticas do empresariado e do operariado se formaram a
partir de uma política tipicamente burocrática empreendida pelo Estado pós-Golpe
de 1937, por meio de instituições disciplinadoras. Tais identidades adquiriram
grande habilidade na “política de corredor” e nas negociações de cúpula, e se
constituem avessas aos partidos políticos locais. Estes, por sua vez, só se
consolidaram nacionalmente após a Segunda Guerra Mundial, quando iniciaram a
restauração do processo político competitivo em 1946. Até 1964, os conflitos
entre a política burocrático-tecnocrática e a política parlamentar caracterizaram o
período. Se, por um lado, a primeira era vulnerável à distribuição desigual de
recursos políticos, por outro, a segunda possuía escassos poderes para controlar a
“outra parte” do sistema. Tal duelo reflete-se, por exemplo, na aprovação ou
recusa de medidas, tendo em vista os dividendos eleitorais que poderiam ser
angariados pelos partidos.
No entanto, as grandes transformações econômicas e sociais ocorridas no
Brasil durante o período autoritário acabaram por gerar também mudanças
institucionais significativas. Tanto empresariado quanto operariado redefiniram
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99
suas identidades, ocasionando uma explosão de grupos e associações, que
pluralizaram de forma vigorosa a sociedade. É nesse momento que surge o
sindicalismo rural e a constituição de associações de classe média, de liberais,
entre outras. Não foi, portanto, a atuação dos partidos que mobilizou os diversos
segmentos sociais, inserido-os na disputa política. Esse papel coube ao Estado,
por meio de suas políticas redistributivas, de cunho social e trabalhista, que
incorporaram e domesticaram, conforme Santos pontua, o empresariado e as
classes trabalhadoras, que poderiam dessa forma prescindir dos partidos. Após o
“filtro” de suas demandas realizado pela burocracia, estas chegavam ao sistema
político formal “adormecidas”. A conseqüência revela-se no divórcio prático entre
o processo político-partidário e a competição empresariado/trabalhadores, que
gerou grande instabilidade nas instituições políticas formais até a década de 1970.
O segundo ponto a ressaltar trata dos pré-requisitos para a constituição de
uma poliarquia sólida. São eles:
a) acumulação material continuada;
b) urbanização acentuada;
c) constituição de grupos de interesses, limitados mutuamente, e que participam
do controle do governo e da elaboração de políticas públicas.
Para o autor, com base em dados empíricos, tais condições foram atendidas
apropriadamente pela sociedade brasileira. Ora, se a instabilidade não pode ser
entendida por alguma “falha” na construção poliárquica, deve, então, ser
atribuída, ainda que parcialmente, ao que denominou hobbesianismo social
poliforme, assim caracterizado:
a) luta pelo acesso ao Poder Público como caminho alternativo para a acumulação
de riqueza privada, inclusive por meios ilícitos;
b) forte alienação e indiferença às disputas políticas, aos políticos, aos partidos e
mesmo a sindicatos e associações por parte da sociedade, denunciando um estado
de atomização: uma sociedade que demanda pouco ao Estado dada a descrença na
eficácia de suas instituições, ainda que vítima de violências de toda ordem –
públicas e privadas –, porém que nega a existência de tais conflitos como
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100
estratégia de preservação por sua própria conta de um mínimo de dignidade, ou,
quando não nega, tenta resolvê-los sem acionar o Estado;
c) reconhecimento da ausência de reciprocidade entre o que se faz e o que se
recebe da sociedade, dada a elevada velocidade na qual o Brasil vem se
transformando, o que gera um forte sentimento de impotência perante a vida e a
corrosão das normas de convivência social, conduzindo o homem ao velho estado
da natureza – o homem é o lobo do homem –, com a diluição dos laços de
solidariedade, recusa ao convívio social e a conseqüente destituição de um caráter
positivo à arena pública, reduzindo-a ao conflito ou à indiferença.
Tem-se, portanto, um híbrido em que formas poliárquicas e não poliárquicas
convivem em uma mesma sociedade. Diante desse contexto sombrio, Santos
reitera a afirmação de que no Brasil não existe cultura cívica
1
“positiva” – a
cultura é predatória –, apenas natureza cívica, impossibilitando que os “novos”
grupos de interesses conquistem mobilização efetiva da sociedade.
Em contraposição, a análise empírica apresentada por este trabalho indica
um cenário diferenciado, em que, por um lado, há uma certa interlocução entre o
Poder Público e o Movimento LGBT, sinalizada pelos trabalhos legislativos e
pelo estabelecimento de políticas públicas. Por outro, tem-se um Movimento que
atua organizadamente por meio de diversas estratégias políticas, entre elas de
visibilidade e de lobby. Um Movimento que, ao realizar a Parada do Orgulho
LGBT, consegue mobilizar milhões de pessoas, distanciando-se do que Santos
denomina movimentos “de superfície”. Aproximando-se de meu ponto de vista,
defendido nos capítulos três e quatro, Vera da Silva Telles e Evelina Dagnino
perceberam o adensamento do debate público com o surgimento de “novos”
movimentos sociais, sujeitos com potencialidade para a constituição de uma nova
gramaticalidade social baseada na consciência do direito a ter direitos e no
reconhecimento do outro como detentor de direitos legítimos.
Telles (1994) aborda em seu texto Sociedade civil e a construção de
espaços públicos as possibilidades de a cidadania se consolidar no Brasil. Logo de
início, a autora deixa claro que não está considerando a sociedade como “pólo da
virtude política” (Telles, 1994, p. 93). Muito pelo contrário, sua percepção é
coincidente com o retrato apresentado por Santos. E ela ainda reforça um outro
1
Entendida pelo autor como o conjunto de crenças e expectativas que os indivíduos possuem em
relação a si, ao governo e aos seus concidadãos.
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101
aspecto que denominou apartheid social, ou seja, das grandes desigualdades
sociais existentes no País, que, quando não justificam privilégios, transfiguram as
desigualdades na ordem natural das coisas. Tais desigualdades, para a autora,
parecem obstruir até mesmo a constituição de uma linguagem comum e,
conseqüentemente, a interlocução de interesses na esfera pública.
A cidadania torna-se um problema histórico, político, teórico e atual, dadas
as mudanças pelas quais a sociedade e o mundo estão passando, com sua
complexificação, heterogenização e diferenciação, de forma que novas clivagens
atravessam transversalmente a estrutura de classes, rompendo com as tradicionais
identidades daí decorrentes e suscitando muitas outras em uma explosão de
interesses plurais.
Sua análise parte da discussão da sociedade brasileira para problematizar a
questão dos direitos, entendidos como “práticas, discursos e valores que afetam o
modo como desigualdades e diferenças são figuradas no cenário público, como
interesses se expressam e os conflitos se realizam” (Telles, 1994, p. 91).
Com isso, portanto, fica claro que a autora não está limitando sua análise
apenas às garantias definidas nas leis e instituições democráticas. O registro é
outro e, ao partir da dinâmica social, pretende dar conta da forma como as
relações sociais se estruturam, uma vez que o reconhecimento dos direitos
individuais e coletivos implica uma sociabilidade que reconhece o outro como
sujeito de interesses legítimos. Nas suas palavras,
os direitos operam como princípios reguladores das práticas sociais, definindo as
regras das reciprocidades esperadas na vida em sociedade através da atribuição
mutuamente acordada (e negociada) das obrigações e responsabilidades, garantias e
prerrogativas de cada um (Telles, 1994, p. 92).
Trata-se de uma gramática civil que norteia as relações sociais e que oferece
uma medida de justiça, passível de questionamento e reformulação em face do
jogo de interesses, das disputas sociais, sem, no entanto, perder sua coerência aos
critérios por vezes implícitos nas prescrições legais, e que vão embasar o que é
legítimo, permitido, obrigatório e seus opostos. Essa gramática baliza, portanto, a
problematização e o julgamento dos diversos dramas da existência nas suas
exigências de eqüidade e justiça, para além das garantias formais. Nessa dinâmica,
espaços públicos nos quais as diferenças possam se expressar e se articular
também são requeridos. Espaços de circulação e debate de opiniões. Locais em
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que a moralidade pública possa se constituir mediante a convivência democrática
das diferenças e conflitos daí implicados.
Telles salienta que é por esse ângulo que talvez se possa situar a importância
das lutas e movimentos sociais da atualidade, uma vez que são agentes de
mudança na gramática social a partir de uma consciência de que se tem direito a
ter direitos. Conforme Telles, o apartheid social vem dando lugar a uma nova
conflituosidade que perpassa todas as dimensões da vida social e está
(a)ncorada em contextos societários diversos e particularizados, é uma litigiosidade
que transborda o ordenamento legal estabelecido, implode a tipificação jurídica
clássica e monta arenas autonomizadas dos poderes normativos do Estado, de tal
forma que, cada vez mais, conflitos de interesses se resolvem através de
mecanismos informais de arbitragem e negociação, numa prática em que se
combinam livre interpretação dos princípios da lei, transgressão consentida de
normas legais e produção de uma legalidade informal com uma jurisdição própria e
localizada (Telles, 1994, p. 95).
Essa conflituosidade redefine, portanto, as relações entre Estado, economia
e sociedade, apresentando questões novas e riscos imprevisíveis, dadas as
assimetrias de posições e poder dos interlocutores envolvidos. Nesse ponto, a
autora volta a se aproximar da visão de Santos, no tocante à sua percepção de que
os conflitos porventura não negados são enfrentados pela sociedade de modo
informal, à parte das instituições democráticas do Estado; o comportamento social
é predatório, há corrupção, impunidade, violência.
Para além desse quadro, Telles ressalta o que chamou de “nova pobreza”
(Telles, 1994, p. 98): uma nova exclusão social na qual se sobrepõe ausência de
perspectivas de futuro e do sentido de pertinência à vida social, à precária
integração ao mercado econômico.
Por outro lado, é nessa mesma dinâmica de conflitos que esperanças de
cidadania e generalização de direitos podem ancorar. Afinal, uma nova
contratualidade empreendida pela lutas populares e urbanas ganha espaço. Nesta,
a legalidade é construída:
a) nas formas negociadas de arbitragem de conflitos, em que impera uma
jurisprudência informal, que, a partir de critérios de justiça substantiva,
reinterpreta princípios legais e acaba por criar novos direitos;
b) nas relações entre movimentos organizados e Estado, deslocando as velhas
práticas de mandonismo, clientelismo e assistencialismo, em espaços públicos
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103
múltiplos, na gestão participativa, em formas de negociação nas quais demandas e
reivindicações estabelecem as prioridades e responsabilidades na distribuição dos
recursos públicos;
c) na reinvenção das “leis da cidade”. É nessa reinvenção que movimentos
organizados, entidades civis ou simplesmente cidadãos mobilizados reafirmam
direitos e aspirações coletivas como critérios de julgamento e legitimação de atos
públicos que afetam suas vidas em múltiplos espaços; e
d) nos diversos fóruns sobre habitação, saúde, direitos humanos, dentre outros,
que vêm se realizando e sinalizam questões que devem ser consideradas pela
gestão pública.
Como a própria autora infere, para Santos tais fatos correspondem a
“movimentos de superfície”, que não atingem grandes maiorias, cujas
reivindicações são muito pontuais e particularizadas. Todavia, ainda que nada
garanta que essas experiências realmente serão capazes de generalizar e
universalizar novas regras do contrato social, a emergência de uma sociedade
civil, em que o reconhecimento de direitos e a representação de interesses
intermedeiem as relações sociais, de tal forma que seja possível a constituição de
espaços públicos capazes de legitimar conflitos e debater permanentemente as
medidas de eqüidade e justiça, não se reduzindo às definições preestabelecidas
pelo ordenamento jurídico, se constitui em um cenário promissor.
Evelina Dagnino (1994) parte, pode-se dizer, do ponto em que Telles
encerra seu texto. O ponto de partida é a discussão a respeito do que denomina
“nova cidadania”. Para a autora, essa nova noção de cidadania aponta para três
importantes dimensões: uma diretamente relacionada à experiência dos
movimentos sociais, em que a luta por direitos – à igualdade e à diferença –
constituiu-se na base fundamental dessa nova noção. A outra dimensão diz
respeito à extensão e ao aprofundamento da democracia. E uma terceira encontra-
se no fato de que ela organiza uma estratégia democrática, de transformação
social, a partir de um nexo constitutivo entre política e cultura.
Incorporando características da sociedade contemporânea, como o papel das
subjetividades, a emergência de sujeitos sociais de novo tipo e de direitos de novo
tipo, a ampliação do espaço da política, essa é uma estratégia que reconhece e
enfatiza o caráter intrínseco e constitutivo da transformação cultural para a
construção democrática. Nesse sentido, a construção da cidadania aponta para a
construção e difusão de uma cultura democrática (Dagnino, 1994, p. 104).
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104
Ao abordar o nexo entre cultura e política, Dagnino ressalta a necessidade
de se pensar a democracia para além de suas instituições. Trata-se de uma
ampliação e aprofundamento da concepção de democracia, de forma a entendê-la
inserida nas práticas sociais e culturais hoje permeadas ainda por um apartheid
social, como Telles também denunciou, e que se baseia em critérios de classe,
raça e gênero.
Dagnino apresenta os dados decorrentes de pesquisa em que se perguntou a
pessoas com alguma experiência associativa o que era, na opinião delas, o fator
mais importante para que um país fosse considerado democrático. Considerando o
caráter reivindicatório que marcava a atividade política dos envolvidos, a autora
acreditava que a igualdade social e econômica fosse privilegiada nas respostas.
Contudo, para sua surpresa, 60,8% dos entrevistados consideraram o tratamento
igualitário entre brancos, negros, homens, mulheres, ricos e pobres como o
requisito mais importante. Esse resultado indica a percepção clara do
autoritarismo social e da hierarquização das relações sociais em que se vive no
Brasil.
Com isso, a autora retoma o conceito de cidadania para pensá-lo como
estratégia política, o que enfatiza seu caráter de constructo histórico, escapando da
discussão a respeito da essência do conceito e relacionando-o à dinâmica das lutas
reais tais como experimentadas pela sociedade em um dado momento histórico.
Conseqüentemente, a autora defende a necessidade de distinguir entre a “nova
cidadania” dos anos 1990 e a visão liberal que gerou esse termo no final do século
XVIII.
A concepção de “nova cidadania”, proposta por Dagnino, é bastante
polêmica e cheia de discordâncias quanto à sua novidade. Como o objetivo desta
pesquisa não é pensar a cidadania como conceito, não pretendo abordar esse
debate. É a percepção da realidade que Dagnino aponta como indicadores dessa
nova cidadania que me interessa. Sendo assim, ela relaciona cinco itens:
a) A redefinição da idéia de direitos, a partir da concepção do direito a ter direitos.
Essa concepção não se limita portanto a conquistas legais ou ao acesso a direitos
previamente definidos, ou à implementação efetiva de direitos abstratos e formais,
e inclui fortemente a invenção/criação de novos direitos que emergem de lutas
específicas e da sua prática concreta. A disputa histórica é aqui também pela
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105
fixação do significado de direito e pela afirmação de algo enquanto um direito. O
direito à autonomia sobre o seu próprio corpo, o direito à proteção ambiental e o
direito à moradia são exemplos – propositadamente bastante diferentes – dessa
criação de novos direitos. Além disso, acho que é possível afirmar que essa
redefinição contempla não só o direito à igualdade, mas também o direito à
diferença (Dagnino, 1994, p. 108).
b) Essa nova cidadania é uma estratégia política dos não-cidadãos, dos excluídos.
c) O alargamento do âmbito da nova cidadania, que extrapola a aquisição formal-
legal de direitos, se constitui também em proposta de uma nova sociabilidade,
marcada por relações sociais mais igualitárias.
d) Transcendência da relação Estado e indivíduo para a inclusão da sociedade
civil nessa relação.
e) Na nova cidadania, o que está em jogo é o direito de participar da própria
definição das regras do sistema, o direito de definir aquilo no qual se quer ser
incluído e, em última instância, na invenção de uma nova sociedade, seja nas
modificações que a obtenção de direitos por parte dos excluídos ocasionará nas
atuais relações de poder, seja em práticas recentes de gestão governamental, como
o orçamento participativo. Nesse contexto, inserem-se também os movimentos
sociais e seu esforço de adequação à institucionalidade democrática, afastando-se,
portanto, de suas estratégias originais, ou seja, de atuação contra o Estado, de
competição com o mesmo, entre outras. Mais do que, portanto, uma redefinição
das formas de como as decisões são tomadas dentro do Estado, têm-se mudanças
também no modo como Estado e sociedade se relacionam. Logo, percebe-se
confluência na formação de um espaço público em que é possível debater
interesses comuns e particulares, especificidades e diferenças, com o
reconhecimento da legitimidade dos conflitos envolvidos. Ainda em sua análise a
respeito dos movimentos sociais, Dagnino propõe pensá-los como redes, ou seja,
como sujeitos políticos coletivos e múltiplos, heterogêneos, em que os mais
diversos setores da sociedade estão presentes e há o compartilhamento de
princípios básicos, como o de participação social, cidadania e democracia.
f) O último ponto iluminado pela autora, e entendido como conseqüência dos
demais, diz respeito à constituição da nova cidadania como um referencial teórico
e político capaz de dar conta da diversidade de questões que estão emergindo nas
sociedades latino-americanas, pela incorporação das noções de igualdade e de
diferença, ou seja, do direitos à igualdade e do direito à diferença. Isso porque, ao
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entender a cidadania como estratégia política, é possível inferir a incorporação das
dimensões subjetivas, dos interesses, das diversas lutas políticas em andamento.
Nessa luta por direitos aparentemente contraditórios – à igualdade e à
diferença –, a autora pontua:
No campo da direita, a diferença sempre emerge como afirmação do privilégio e
portanto como defesa da desigualdade. No campo da esquerda, no campo da
cidadania, a diferença emerge enquanto reivindicação precisamente na medida em
que ela determina desigualdade. A afirmação da diferença está sempre ligada à
reivindicação de que ela possa simplesmente existir como tal, o direito de que ela
possa ser vivida sem que isso signifique, sem que tenha como conseqüência, o
tratamento desigual, a discriminação. Não fora a desigualdade construída enquanto
discriminação à diferença, ela não existiria como reivindicação de direito.
Concebido nessa perspectiva, me parece que o direito à diferença, especifica,
aprofunda e amplia o direito à igualdade (Dagnino, 1994, p. 114).
Todo campo político, portanto, é um local de disputas pela fixação de
significados, através da apropriação de uns e/ou desapropriação de outros. Para
Dagnino, a noção de uma nova cidadania inscreve a esperança de que ela traga
respostas aos desafios novos ou velhos impostos pela busca de uma vida melhor.
Acredito que os elos formados a partir da leitura desses autores – Santos,
Telles e Dagnino – permitam um entendimento das grandes transformações em
curso na sociedade brasileira, no tocante à construção democrática. Vejo os dados
empíricos de minha investigação como complementares a esta leitura, além de
aprofundarem o debate.
Entendo que a afirmação de Santos quanto à distância entre partidos
políticos e conflitos sociais baseia-se no fato de que aqueles se constituíram
posteriormente a estes, como conflitos especificamente entre empresários e
operários. Tal era o foco. Quanto aos demais conflitos, ou eram negados, ou
resolvidos informalmente, ou seja, sem passar pelas instituições do Estado. Com
isso, os movimentos sociais que surgiam foram considerados “de superfície”, não
mobilizadores e detentores de interesses particulares. Lembro que Santos escreve
no início dos anos 1990, quando o Brasil ainda está iniciando seu processo de
redemocratização. Falar, portanto, a partir da realidade atual é falar de um
contexto que se apresenta um tanto quanto diferenciado. A investigação que ora
apresento indica que os caminhos sociais tomados se aproximam da sensibilidade
de Telles e Dagnino no que diz respeito aos movimentos sociais como agentes de
construção de uma nova gramática social em torno do direito a ter direitos. Nesse
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sentido, não se pode enquadrar o Movimento LGBT como um movimento “de
superfície” que não mobilize, haja vista as Paradas do Orgulho LGBT realizadas
no mundo inteiro e que no Brasil contam com a presença de milhões de pessoas.
Considerando-se também a projeção que o Movimento tem na mídia e na atuação
do governo e de políticos, fica claro que não se está tratando de um movimento
“de superfície”. É certo que entre a fala de Santos e a minha 15 anos se passaram.
Durante esse tempo, e mesmo antes, o Movimento vem crescendo e adquirindo
solidez. Suas identidades, por meio de debates internos e com a sociedade, vêm se
constituindo em sujeitos políticos detentores de uma agenda própria.
As observações de campo expostas no capítulo anterior legitimam a
afirmação de que, quanto à causa LGBT, os partidos políticos não estão tão
distantes como retratou Santos quanto às questões capital/trabalho na origem dos
partidos. Ainda que institucionalmente as reivindicações LGBT não sejam
defendidas, na atuação de seus políticos, a interlocução pode ser percebida. Talvez
isso se dê pelas mudanças pelas quais os partidos políticos estão passando,
enquadrando-se cada vez mais na tipologia de partidos pega-tudo.
Recentemente, participei como observadora da I Conferência Estadual de
Políticas Públicas para LGBT no Rio de Janeiro. O evento objetivava discutir uma
série de propostas que foram apresentadas em uma Conferência Nacional e que
iriam alimentar o Programa Brasil Sem Homofobia, além de fomentar a
implantação de um programa semelhante no Estado do Rio de Janeiro. A
Conferência foi palco de um debate político envolvendo os Governos Estadual e
Federal, parlamentares e o próprio movimento LGBT. Com um discurso apurado,
o Movimento deu voz a cada uma de suas identidades como atores políticos com
demandas específicas, ao mesmo que convergiu a um pleito único em torno do
reconhecimento da legitimidade de suas diferenças e do direito de igualdade em
face dos direitos já vivenciados pelos heterossexuais. Dessa forma, têm-se a
extensão de direitos já consolidados e a proposição de novos direitos, em um
debate para consolidação de regras de reciprocidade social embasada em uma
nova gramática, não a da negação do conflito, mas a do reconhecimento do outro
como detentor de direitos legítimos.
Um outro aspecto que o evento ressaltou diz respeito a mudanças na própria
institucionalidade democrática. Não se está mais falando de uma política de
corredor executada por grupos de empresários nos primórdios democráticos,
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conforme delineou Santos. O que se tem agora é um debate público, no qual estão
participando não só o Movimento LGBT, porém vários outros atores sociais,
como interlocutores ou mesmo detentores de reivindicações próprias, em um
adensamento do debate político, pluralizado no âmbito da esfera pública.
Objetivando perscrutar um possível diálogo entre o Movimento LGBT e os
partidos políticos, um caminho foi percorrido para investigação. Primeiramente,
apresentou-se a forma como a percepção de sujeito foi se alterando ao longo do
tempo conforme o desenrolar histórico. Por outro lado, e por vezes se sobrepondo,
delineei, ainda que sucintamente, o processo de constituição das identidades
LGBT como sujeitos políticos, em um contexto de destradicionalização, de
fragmentação do “eu”, de explosão de novas subjetividades e de reflexividade
pessoal e institucional, em que as biografias são ressignificadas continuamente.
Um jogo de poder perpassa esses processos, um poder difuso que atravessa tudo e
todos, sendo sempre parte de uma estratégia, que institui saberes, verdades que
legitimam seus efeitos. Um jogo fluido em que as posições de outsiders e
estabelecidos se alternam por efeito e por exercício do próprio poder.
A pluralidade de novas subjetividades, múltiplas identidades, organizadas
em movimentos sociais, provoca o adensamento do debate político, apresentando
aos partidos políticos novas reivindicações a representar, distantes do clássico
escopo capital/trabalho. A convivência com novos atores sociais e a multiplicação
de canais/espaços de participação democrática direta implicando um
transbordamento democrático parecem produzir uma crise partidária, que
desconsidera a própria capacidade histórica dos partidos em se adaptarem às
mudanças.
Os dados obtidos demonstram entrelaçamento e interlocução crescente entre
os partidos e o Movimento LGBT. Não uma capilaridade instituída por estatutos
ou programas, porém aquela do face a face, do jogo que se constitui jogando,
baseado em um cálculo político individual. Exemplo disso são as Frentes
Parlamentares LGBT de caráter suprapartidário e que se constituem em um
importante interlocutor entre o Movimento e os demais parlamentares. A despeito
da significativa adesão de 40% dos deputados federais à Frente pela Cidadania
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GLBT,
2
apenas um projeto de lei defendido pelo Movimento foi até agora
aprovado pela Câmara e encaminhado ao Senado. O pouco êxito obtido nessa
esfera do Poder Legislativo pode indicar um cálculo político prudente que busca
sintonia entre a representação política e os humores da sociedade.
Entretanto, o paradoxo está no contraste provocado pelas conquistas do
Movimento nas esferas municipal e estadual do Legislativo, bem como no
Executivo e no Judiciário. À parte as especulações, uma nova pesquisa deve ser
empreendida, a fim de mapear as razões que possam efetivamente justificar tal
hiato.
Destaco, por fim, que a luta LGBT é uma luta organizada estrategicamente,
fluida, aquosa, capaz de adentrar o Poder Público, onde pode haver interlocução e
debate em torno de sua agenda política. Da mesma forma, por meio da
reivindicação dos direitos à igualdade e à diferença, une-se a outros movimentos
identitários, no âmbito da esfera pública, empreendendo a importante tarefa de
promoção de uma nova sociabilidade, que reconheça o “outro” como detentor de
direitos legítimos e a diversidade como um valor primordial.
2
A despeito da recente mudança no nome do Movimento para LGBT, mantenho a sigla anterior,
para manter fidedignidade à publicação oficial da Frente.
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123
Apêndice A
Relação dos partidos políticos brasileiros em novembro de
2007
Sigla Nome completo
DEM Democratas
PCB Partido Comunista Brasileiro
PCdoB Partido Comunista do Brasil
PCO Partido da Causa Operária
PMN Partido da Mobilização Nacional
PR Partido da República
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
PDT Partido Democrático Trabalhista
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PAN Partido dos Aposentados da Nação
PT Partido dos Trabalhadores
PHS Partido Humanista da Solidariedade
PPS Partido Popular Socialista
PPS Partido Progressista
PRTB Partido Renovador Trabalhista Brasileiro
PRB Partido Republicano Brasileiro
PRP Partido Republicano Progressista
PSC Partido Social Cristão
PSDC Partido Social Democrata Cristão
PSL Partido Social Liberal
PSOL Partido Socialismo e Liberdade
PSB Partido Socialista Brasileiro
PSTU Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
PTC Partido Trabalhista Cristão
PTdoB Partido Trabalhista do Brasil
PTN Partido Trabalhista Nacional
PV Partido Verde
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124
Apêndice B
Listagem de proposições relacionadas à causa LGBT na
Câmara Federal até novembro de 2007
Tema Proposição Situação Autor
Eventos VTS 1
Voto de apoio
Regis de Oliveira - PSC/SP
REQ 42/2007
Arquivado
Fátima Bezerra - PT/RN
Janete Rocha Pietá - PT/SP
Leonardo Monteiro - PT/MG
Cida Diogo - PT/RJ
Maria do Rosário - PT/RS
José Airton Cirilo - PT/CE
REQ 42/2007
Arquivado
Cida Diogo - PT/RJ
PL 81/2007 Aguardando deliberação de
recurso (contra) até
31.10.2007
Fátima Bezerra - PT/RN
REQ 4045/2006
Arquivado
Jandira Feghali - PCdoB/RJ
José Múcio Monteiro - PTB/PE
Colbert Martins - PPS/BA
PL 7052/2006
Arquivado
Iara Bernardi - PT/SP
REQ 2/2006
Arquivado
Iriny Lopes - PT/ES
Iara Bernardi - PT/SP
Luciano Zica - PT/SP
REQ 6/2006
Arquivado
Maria do Rosário - PT/RS
REQ 36/2005
Arquivado
Iriny Lopes - PT/ES
Iara Bernardi - PT/SP
Luciano Zica - PT/SP
REQ 829/2003
Arquivado
Maria do Rosário - PT/RS
REQ 519/2003
Arquivado
Maria do Rosário - PT/RS
PL 379/2003 Aguardando deliberação de
recurso desde 09.2003
Laura Carneiro - PFL/RJ
RQS 79/2002
Arquivado
Nair Xavier Lobo - PMDB/GO
PL 7246/2006 Aquivado Maninha - PSOL/DF
PL 5430/2001
Arquivado
Nair Xavier Lobo - PMDB/GO
PL 2000/2007 Aguardando parecer Cida Diogo - PT/RJ
REQ 25/2001
Arquivado
Marcos Rolim - PT/RS
União PL 2285/2007
Aguardando parecer
Sérgio Barradas Carneiro - PT/BA
homoafetiv
a
PL 580/2007
Aguardando parecer
Clodovil Hernandes - PTC/SP
PL 6874/2006
Arquivado
Laura Carneiro - PFL/RJ
PL 1151/1995 Solicitação de inclusão na
Ordem do Dia em 08.2007
Marta Suplicy - PT/SP
Saúde e PL 6309/2005
Arquivado
Laura Carneiro - PFL/RJ
Previdência PL 6297/2005 Parecer pela aprovação em
11.2007
Maurício Rands - PT/PE
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125
Apêndice B
Continuação
Tema Proposição Situação Autor
Respeito
LGBT
SDL 6/2007 Arquivada
Centro Feminista de Estudos e
Assessoria
PL 6871/2006 Tramitando em
conjunto
(apensado ao PL
2773/2000)
Laura Carneiro - PFL/RJ
PEC 392/2005 Tramitando em
conjunto
(apensada à PEC
66/2003)
Paulo Pimenta - PT/RS
PEC 66/2003 Desarquivada em
03.2007
Maria do Rosário - PT/RS
REQ 38/2005 Arquivado Iriny Lopes - PT/ES
PL 4530/2004 Parecer
aprovando
recebido pela
CCP para
publicação
Comissão Especial para a
Juventude
Benjamin Maranhão - PMDB/PB
PL 3770/2004 Arquivado Eduardo Valverde - PT/RO
INC 3306/2002 Arquivada Nair Xavier Lobo - PMDB/GO
Mudança PL 6655/2006
Aguardando
retorno
Luciano Zica - PT/SP
de nome PL 3727/1997 Tramitando em
conjunto
(apensado ao PL
70/1995)
Wigberto Tartuce - PPB/DF
PL 70/1995 Pronto para pauta José Coimbra - PTB/SP
Criminalização SBT 1 Apresentação de
substitutivo em
20.04.2005
Luciano Zica - PT/SP
PL 5003/2001 Encaminhado ao
Senado em
12.2006
Iara Bernardi - PT/SP
INC 4823/2005 Arquivada Comissão de Legislação
Participativa
PL 4243/2004 Arquivado Edson Duarte - PV/BA
SUG 74/2004 Transformada na
INC 4823/2005
ABGLT
PL 3817/2004 Arquivado Maninha - PT/DF
PL 5/2003 Arquivado Iara Bernardi - PT/SP
PL 6186/2002 Arquivado Nair Xavier Lobo - PMDB/GO
PL 2367/2000 Arquivado Vicente Caropreso - PSDB/SC
PL 1904/1999 Arquivado Nilmário Miranda - PT/MG
INC 532/1994 Excluída do
arquivamento em
07.03.1995
Fábio Feldmann - PSDB/SP
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610493/CA
126
Apêndice B
Continuação
Tema Proposição Situação Autor
Homofóbica PL 5816/2005 Arquivado Elimar M. Damasceno -
PRONA/SP
PL 5872/2005 Tramitando em
conjunto
(apensado ao PL
70/1995)
Elimar M. Damasceno -
PRONA/SP
INC 2478/2004 Arquivada Milton Cardias - PTB/RS
PL 2279/2003 Arquivado
Elimar M. Damasceno -
PRONA/SP
PL 3349/1992 Arquivado Antonio de Jesus - PMDB/GO
REC 60/2003 Tramitando em
conjunto
(apensado ao REC
57/2003)
Jair Bolsonaro - PTB/RJ
Outros RIC 2879/2005 Arquivado
Elimar M. Damasceno -
PRONA/SP
RIC 1181/2003 Arquivado
Elimar M. Damasceno -
PRONA/SP
RIC 1991/2004 Arquivado
Pastor Frankembergen -
PTB/RR
PDC 2076/2005 Arquivado Adelor Vieira - PMDB/SC
PDC 467/2000 Arquivado Inocêncio Oliveira - PFL/PE
PDC 463/2000 Arquivado Inocêncio Oliveira - PFL/PE
PL 1761/1974 Arquivado Peixoto Filho - NI/NI
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