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termo “poder” representa a palavra-chave. Escreveu: “honrei e mantive a Ordem da
Cavalaria com todo meu poder”. Poder, não fé
397
.
Literariamente, a Távola Redonda representava a corte do reino de Logres.
Uma corte magnífica, imensamente rica. O castelo de Camelote, sempre povoado de
convidados
398
, vive um cotidiano de salão. Encontra-se constantemente em festa.
Comemorações mundanas ou religiosas, que testam a coesão do grupo
399
. O que
pode ser interpretado como um reflexo literário das inúmeras irmandades
cavaleirescas fundadas nos séculos XIV e XV, por príncipes que, reconhecendo o
valor das antigas práticas de companheirismo, fomentavam a criação ao seu redor
de grupos de fiéis altamente colocados
400
.
É comum encontrar episódios no Ciclo Bretão no qual membros da Távola
Redonda, retornando de uma aventura, chegassem durante um banquete. Não
sendo o caso, logo se preparava um festim para comemorar seu retorno. Era o que
estava acontecendo quando Galaaz chegou para sentar na Cadeira Perigosa. As
primeiras linhas d’A Demanda do Santo Graal descrevem uma animada reunião
social.
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No terceiro capítulo de sua biografia de São Luís, Jacques Le Goff descreve como exageradas às
teses de Willian Ch. Jordan e Jean Richard, que defendiam que o soberano francês deixou a idéia de
cruzada dominar sua visão de política. Le Goff acredita que São Luís apenas desejou ser um cruzado
normal, um cruzado à moda antiga, como tinha sido seu avô Filipe Augusto, “ainda que alimentasse
sua pulsão de cruzado com uma devoção mais moderna e mais crística, e com um engajamento
pessoal mais apaixonado” (página 166). Justamente deste desejo de ser um cruzado à moda antiga
no crepúsculo da era das cruzadas, descartando e desdenhando soluções diplomáticas, que adveio o
fracasso de sua expedição a Terra Santa. Sua captura, o período em que permaneceu prisioneiro e o
pagamento de seu resgate, provaram que a salvação do rei santo veio de sua posição, riqueza e
poder, não de sua fé; e que dialogar com os infiéis algumas vezes é inevitável.
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O número de cavaleiros indicado é o de cento e cinqüenta. Nem todos são indicados pelo nome. A
diversidade de procedências é significativa. Há os que vêm de reinos das Gálias, a França de hoje,
como os da linhagem do rei Bam de Benoic: Lancelote do Lago, filho de rei Bam e de Helena, Boorz
de Gaunes, primos de Lancelote. Dessa linhagem há ainda: Heitor de Mares, Brandinor, Elaim, o
branco, Banim, Abão, Gadrão, Laner, Tanri, Pincados, Lelas, o ruivo, Crínidis, o negro, Ocursus, o
negro, Acantão, o ligeiro, Danúbio, o corajoso. Da linhagem de Rei Branco, a que pertencia o próprio
rei Artur, estão presentes seus sobrinhos Galvam, Gaeriet, Agravaim, Grieres, Morderet, que eram
irmãos. Nesta linhagem de Artur, destacam-se ainda Agroval, Persival, Corsidares, Madairos,
Pérsives de Longaulos, os filhos do rei Lot: Cujerão e Ganaor. Outros eram Queia, o mordomo,
Sagramor, o dizimador, Girflet, Lucã, o copeiro, Dondinax, o selvagem, Calogrenante, Ivã, filho de rei
Urião, Ivam das brancas mãos, Ivam de Canelones da Alemanha, Gures, o pequeno, Gures, o negro,
Laido, o ousado, Garnaldo, seu irmão, Mador da Porta, Craidandos, Isaías, rei Bandemagus,
Patrides, Madão, o donzel da saia mal talhada, Dinadeira, Gar da Montanha, Clamadim, Galaaz, o
grande da Deserta, Senala, Caradão, Damas, Damacab. Há ainda Lambeguém, Sinados, Artel,
Bagarim, Sanasésio, Arnal, Angelis dos Vaus, Baradão, Marate, Nicorante, Alaim, Martel, Melez,
Dinas, Codias, Pinabel, Daniel, Gandaz, Gandim, Ataz, Caledim, Utrenal, Raface, Conais, Agregão,
Guigar, Anarão, Amatim, Canedão, Canedor, Arpião, Sarete, Dinados, Peliaz, Alamão, Ganadal,
Lucas de Camaalot, Brodão, Endalão, Melião, Julião, Galiadão, Cardoilém de Londres, Deliaz,
Asalim, Caligante, Ecubas, Eladinão.
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RÉGNIER-BOHLER, Danielle. Obra citada. p. 324.
400
BLOCH, Marc. A sociedade feudal. Lisboa, 70, 1998. p. 464.