CXXII
significativos para estes sujeitos em formação. Palavras como vida, inteligência e conhecimento 
estão de tal maneira interligadas que não poderíamos mais pensar Educação sem Cultura(s) e 
suas estruturas de relações.
 
Trago novamente o relato de uma professora do CIEP que expressa sua visão de mundo 
em relação aos conflitos que as crianças das classes populares enfrentam cotidianamente dentro 
e fora da escola: 
Marisa:-  Então,  a  gente  passou  três  anos  trabalhando  com  Turmas  de  Progressão,  qual  a  sua 
impressão sobre essas turmas? 
Simone:-  Minha  impressão  é  que  alguma  coisa  faltou,  digo  lá  nos  períodos  inicias.  Uma  falta  de 
pressão de casa, uma falta de pressão de alguns professores. Porque a gente sabe que as turmas de 
Progressão têm sempre uma característica: as crianças de cor preta, são negras, são as crianças mais 
necessitadas, são as crianças que vem mais mal arrumadas, que os pais não comparecem a escola. Pelo 
histórico  de  vida  você  pode  ver,  são  as  crianças  que  faltaram  demais, que  tem  pouca  freqüência. A 
dificuldade de aprendizado existe, o que não existe é não aprender. Mas, é claro que  precisamos de um 
atendimento especial. O quantitativo de alunos na sala interfere... 
Marisa:- Mas a turma de Progressão acabou e ai? 
Simone: -E aí que sinceramente não sei o que a prefeitura vai fazer porque as crianças estão passando, 
estão indo pras turmas que a realidade é triste, porque na maioria das vezes os profissionais da 3º ou 4º 
série,  eles  já  querem  alunos  prontos,  que  saibam  ler  e  escrever  pra  poderem  mandar  trabalhos,  e 
começam a achar que essas crianças estão perdidas, e vão ficar cada vez mais... 
Marisa:-E  a  Turma  de  Projeto?  –  refiro-me  aqui,  a  turma  especial  criada  pela  CRE  para  tentar 
alfabetizar as crianças que não tinham a mínima condição de serem enturmadas no sistema ciclado.  
Simone: - A turma de Projeto pra mim não da certo. Eu não quis dar aula, porque foi dito que teriam 
assistência de professores de arte, de material escolar, disso, daquilo, e nada disso aconteceu. Ninguém 
queria pegar. E o perfil das turmas era o seguinte: as crianças que já eram da escola tudo bem, porque 
você já conhecia  a historia de vida, a família e o comportamento daquela criança. Mas, as que vieram 
de  outras  escolas  encararam  isso  como  mais  uma  escola  onde  elas  iam  bagunçar,  então  elas  mal 
ficavam em sala. É claro que de um grupo sempre sai alguém, sempre sai alguma criança, agora, tinha 
crianças ali que você via que as necessidades deles eram com profissionais com outras competências. 
Aquelas crianças não vão aprender. Há uma falta de material, falta de profissionais, a falta de tempo, 
uma  falta  de  um  espaço  adequado  porque  uma  sala  comum  não  vai  dar  conta,  a  falta  de 
acompanhamento da família também. Quer dizer a escola recebe um modelo maravilhoso, ótimo. Mas 
nesse  motor  faltam  varias  engrenagens,  família,  material,  profissional,  médico,  fono,  sem  isso,  fica 
difícil o trabalho dar certo. 
Eu não acreditei. No final do ano eu olhei, a turma foi pra outra série e voltou. Foi uma turma que já 
tinha 5 anos de progressão,  e ninguém queria pegar. Se você tem a opção de pegar uma turma com 
crianças  comuns,  porque as    turmas  de Projetos  não  são  crianças  comuns,  você    vai  pegar uma  de 
projeto porque? A criança passa só quatro horas e meia aqui. O resto ele passa na rua. Na rua, não é 
em casa com a mãe, é  na rua mesmo. 
Marisa :-  Mas, voltando ao tangolomango, logo assim que eu saí, você pegou a minha turma... 
Simone: - Eles liam e escreviam. A dificuldade deles era a escrita ortográfica Daniel acompanhou, foi 
embora, passou pra 4º serie. (Daniel é o menino que aparece através de vários desenhos durante esta 
pesquisa).  Willian,  ele lia com  uma  certa  dificuldade, mas  entendia  e  tinha dificuldade em escrever. 
Mas uma vez, a mãe dele chegou pra mim e falou assim: - Olha o que o Willian fez. Ele comprou o 
pacote  de  Miojo,  e  eu  não  queria  que  ele  fizesse.  Aí  eu  disse  que  ele  não  sabia  fazer.  Então  ele