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A tradição dos Kaingang afirma que os primeiros da sua nação saíram do
solo; por isso têm cor de terra. Numa serra, [...] No sudeste do Paraná, dizem
eles que ainda hoje podem ser vistos os buracos pelos quais subiram. Uma
parte deles permaneceu subterrânea; essa parte se conserva até hoje lá e a ela
se vão reunir as almas dos que morrem, aqui em cima. Eles saíram em dois
grupos chefiados por dois irmãos, Kanyerú e Kamé. Cada um já trouxe
consigo um grupo de gente. Kanyerú saiu primeiro. Dizem que Kanyerú e
toda a sua gente eram de corpo delgado, pés pequenos, ligeiros, tanto nos
seus movimentos como nas suas resoluções, cheios de iniciativa, mas de
pouca persistência. Kamé e seus companheiros, pelo contrário, eram de
corpo grosso, pés grandes, e vagarosos nos seus movimentos e resoluções
(ENCICLOPÉDIA, 2007).
O livro de Nötzold, Mitos e lendas Kaingang: ouvir, memórias, contar histórias
aponta um levantamento de pelo menos cinco versões do surgimento do povo Kaingang.
Porém, todas são semelhantes na síntese sobre como surgiu o povo. Cito uma delas:
Segundo as informações de índios mais velhos da comunidade, no momento a
dona Divaldina; o povo Kaingáng saiu do buraco da terra, e é por isso que nós
Kaingáng temos a pele cor de terra. Temos informação de que nasceram dois
grupos: o primeiro grupo é o grupo dos altos; o segundo grupo de pessoas são
baixinhos. A partir do seu nascimento, o nosso povo começa a aprender com a
natureza. Os animais têm contribuído muito na transmissão da tradição, das
danças, as marcas tribais Kamê e Kanhru. As referidas marcas surgem através
dos Kujá (pajé) e as tintas são feitas do carvão das árvores, que para o Kamê é
da árvore chamada pinheiro fág e para o Kanhru é a sete sangria branca Kêgfun.
Casamento: se o rapaz é Kanhru não pode casar com moça Kanhru precisa casar
com Kamê. Pessoas da mesma marca eram consideradas irmãos. Sem os Kujá
(pajé) não pode ser realizado o Kiki. Os fogos são quatro; dois do Kamê e dois
do Kanhru. O Kamê faz fogo para o Kanhru, e o Kanhru faz fogo para o Kamê.
Fabricar o cocho Kamê, é Kanhru. O Kujá (pajé) escolhe através dos nomes.
Quem batizava os nenês era o Kujá (pajé). É importante ressaltar que eram
muito respeitadas as maracás tribais. Os nomes em Kaingang eram
importantíssimos. Os nomes e marcas eram a identidade do povo, segundo as
informações de Dona Divaldina Luiz Jacinto, Kaingang da terra Indígena
Xapecó (NÖTZOLD, 2006, p.27).
Os mitos e lendas nos mostram a origem do ser humano, desde os Mitos Gregos aos
Mitos Indígenas e, neste contexto, a origem dos Kaingang. Vimos, através das narrativas, que o
povo encontra um meio para justificar, de forma empírica, as relações e as identificações culturais.
Elas nos mostram, entretanto, parte de sabedoria que não é somente de senso comum.
Como lembra a discussão de Bhabha com Frank Geahry House:
[...] uma recomendação heurística de que simultaneamente se apreenda a
cultura (e a teoria) nela mesma e por ela mesma, mas também em relação
com seu exterior, seu conteúdo e seu contexto, seu espaço de intervenção e
eficácia.(BHABHA, 2005, p. 303).