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Andréa Silva Domingues
CULTURA E MEMÓRIA:
A festa de Nossa Senhora do Rosário na cidade de
Silvianópolis – MG.
Doutorado - História Social
PUC / São Paulo
2007
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Andréa Silva Domingues
CULTURA E MEMÓRIA:
A festa de Nossa Senhora do Rosário na cidade de
Silvianópolis – MG.
Doutorado - História Social
PUC / São Paulo
2007
2
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Andréa Silva Domingues
CULTURA E MEMÓRIA:
A festa de Nossa Senhora do Rosário na cidade de
Silvianópolis – MG.
Tese de Doutorado apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Doutor
em História Social sob a orientação da
Prof. (a), Dra. Maria do Rosário da Cunha
Peixoto.
PUC / São Paulo
2007
3
Banca Examinadora
_______________________________________
________________________________________
________________________________________
________________________________________
________________________________________
4
Dedico
A todos os moradores da cidade de
Silvianópolis, em especial, aos entrevistados,
que com suas memórias auxiliaram na
construção deste trabalho.
Ao meu companheiro Gustavo, pela paciência,
dedicação e carinho.
A Maria Alice, por ter que viver diversos
momentos sem minha presença.
5
Resumo
A pesquisa tem como objetivo estudar os costumes, a performance, as
artes de viver e fazer, constituídos no cotidiano do espaço urbano e rural; a
partir dos valores, trajetórias de vida e lutas sociais dos agentes históricos que
participam da festa; entendo cultura como parte integrante de um campo de
mudanças e disputas sociais e políticas; cercado de interesses e
reivindicações. O estudo desenvolve-se através da História Oral refletindo
sobre as maneiras de viver dos participantes da Festa, na tentativa de entender
essas experiências, valores, cotidianos e costumes que auxiliarão na reflexão
da maneira de pensar o coletivo. Buscando a todo o momento perceber essas
experiências e processos relacionados ao festejo, observando que a história,
por mais distante que seja, tem por objetivo provocar reflexões sobre o mundo
atual.
Palavras chave: Cultura – Memória – Festa
6
Abstract
The research has as objective to study the customs, the performance,
the arts of living and making, constituted in the daily one of the urban and
agricultural space; from the values, trajectories of life and social fights of the
historical agents who participate of the feast; I understand culture as integrant
part of a field of changes and social disputes and politics; surrounded of
interests and claims. The study it is developed through Verbal History reflecting
on the ways to live of the participants of the feast, in the attempt to understand
these experiences, values, daily and customs that will assist in the reflection in
the way to think the collective one. Searching all the moment to perceive these
experiences and processes related to feast, observing that history, for more
distant than either, has for objective to provoke reflections on the current world.
Key words: Culture – Memory - Feast
7
AGRADECIMENTOS
Na trajetória deste estudo diversas pessoas contribuíram para a
realização do trabalho, sendo pela amizade, companheirismo ou pelas
informações que subsidiaram a pesquisa. A todas elas meus agradecimentos e
muito obrigada, e, em especial:
Aos depoentes: Afonsina de Patrício Moraes (in memória), Carlina
de Moraes Dutra, Cercelino Alves (in memória), Edvaldo Andrade Domingues,
Fátima (que quis ser chamada assim) Isabel Mamed Domingues, José
Francisco Ribeiro, José Otavio Filho, José Patrocínio, Júnior (o nome fictício do
agente sanitário), Maria da Conceição, Roberto Cozinheiro, Valquiria Elizabeth
Correa e Zélia Corrêa, estes por acreditarem na pesquisa, contribuindo assim
para que se tornasse pública uma parte da invisibilidade da História do Brasil.
A Universidade do Vale do Sapucaí que contribuiu com as viagens
de estudo; aos professores Aurelino José Ferreira, Ana Eugênia Nunes de
Andrade, Alexandre Brianese, Carlos de Barros Laraia, Cristina Hellou Gomide,
Fafina Vilela de Souza, Iracema Kian Dantas, José Roberto Gonçalves, Júlio
Gomes e Rubens de Barros Laraia, que nestes quatro anos de pesquisa se
fizeram presentes e prontos a auxiliarem de alguma maneira.
Meus reconhecimentos especiais à professora Maria do Rosário da
Cunha Peixoto, que com muita competência orientou-me durante a pesquisa,
incentivou-me com permanente atenção, fazendo com que se abrissem novos
caminhos neste trabalho; que me fez crescer intelectualmente,
profissionalmente e politicamente. Obrigada!
Aos companheiros (as) do Núcleo de estudos Culturais em principal as
professoras Heloísa de Faria Cruz, Yara Aun Kfouri, Olga Brites, que compõem
uma trajetória acadêmica e profissional comprometida com a realidade política
e social, e que buscam compreender e trabalhar os estudos culturais como
processo de vivências e modos de vida.
A CAPES e ao Programa de Estudos Pós-graduados da PUC/SP
pelo apoio financeiro, pois sem a bolsa por eles a mim concedida, a conclusão
do Doutorado seria impossível.
8
Agradeço ainda a minha mãe Elizabeth Silva, aos meus avós
Albertina e Sebastião, à Jurema Clemente, à Cecília do Rosário, que estiveram
sempre auxiliando com palavras ou atitudes.
Aos grandes amigos Arnaldo Begossi, Vilma Begossi, Ana Rosa
Nunes de Andrade e Vanessa Junqueira Megale, pela amizade, carinho,
paciência e pelo incentivo intelectual e sentimental.
Ao meu esposo, companheiro, amigo Gustavo do Rosário pelo
apoio, dedicação e paciência.
Por fim, a minha filha Maria Alice Silva Domingues do Rosário que
viveu comigo os momentos difíceis e alegres e compreendeu a minha
ausência.
9
Se não te agradar a leitura por falta
de eloqüência e erudição, nem por
isso te faças Aristarco, porque eu não
desconheço a fraqueza de meu
talento. Se te parecer fastidioso o
methodo, não deixes por isso de o ler,
porque assim mesmo adquires o
proveito de saber notícia d’este novo
mundo, que certamente ignoras”.
Joaquim da Costa Siqueira – 1778
10
SUMÁRIO
Introdução......................................................................................................... 13
Capítulo I –“Com o passar dos anos que fui pegando o gosto de um dia
querer fazer a festa”………………………….....................................................
33
Capítulo II – “Festa da igreja para os padres, e a festa de Nossa Senhora do
Rosário para as pessoas do cativeiro” ...........................................................
76
Capítulo III –“13 de junho, é igual a 13 de maio, libertação dos escravos, de
São Benedito”...................................................................................................
94
Algumas Considerações .................................................................................. 120
Fontes Orais..................................................................................................... 122
Fontes Escritas.................................................................................................
124
Outras fontes.................................................................................................... 125
Referência Bibliográfica....................................................................................
126
11
ÍNDICE
Mapas e Imagens
Mapa 01 – Localização da cidade de Silvianópolis em Minas Gerais ...
31
Imagem 01: Cartaz da festa de Nossa Senhora do Rosário..................
35
Imagem 02: cortejo do mastro................................................................
38
Imagem 03: “Casa Santa”.......................................................................
39
Imagem 04: Interior da “Casa Santa”.....................................................
40
Imagem 05: Quintal da “Casa Santa” ....................................................
40
Circuito do cortejo da festa de Nossa Senhora do Rosário ...................
41
Imagem 06: Festeiros de 2004...............................................................
57
Imagem 07: Esmolas – carne.................................................................
60
Imagem 08: Esmolas – mantimentos.....................................................
60
Planta esquemática do barracão............................................................
61
Imagem 09: Portão de entrada do barracão..........................................
63
Imagem 10: Pátio do barracão...............................................................
63
Imagem 11: Entrada do galpão / refeitório.............................................
65
Imagem 12: Fogões e tachos.................................................................
68
Imagem 13: Preparo da refeição............................................................
68
Imagem 14: equipe de trabalho da cozinha............................................
69
Imagem 15: Alpendre de doces..............................................................
74
Imagem 16: Altar e mesa da Associação dentro da “Casa Santa”.........
87
Imagem 17: Participantes da festa dentro da “Casa Santa”...................
88
Imagem 18: Congadeiros de diferentes gerações..................................
96
Imagem 19: crianças de congo...............................................................
102
Imagem 20: Terno de congo..................................................................
105
Imagem 21: Vestimentas de terno de congo I........................................
106
Imagem 22: Vestimentas de terno de congo II.......................................
106
Imagem 23: Estandarte de São Benedito...............................................
109
Imagem 24: Estandarte de Nossa Senhora do Rosário.........................
110
Imagem 25: Instrumentos musicais........................................................
111
Imagem 26: Espadas de guarda-coroa..................................................
116
Imagem 27: Juíza de Nossa Senhora do Rosário..................................
117
Imagem 28: Ramalhetes.........................................................................
118
12
INTRODUÇÃO
A pesquisa “Cultura e Memória: o festejo de Nossa Senhora do
Rosário, na cidade de Silvianópolis-MG”, refere-se às práticas culturais que
vêm sendo constantemente re-significada pela população da cidade de
Silvianópolis. Anualmente entre os dias 13 e o último final de semana do mês
de junho realiza-se a festa religiosa mais importante da região.
Busco, nos modos de viver da festa no dia-a-dia da cidade elementos
para compreender o processo de preservação / transformação de uma
tradição secular.
Trata-se de analisar as memórias de homens e mulheres entre 35 e 70
anos de idade, trabalhadores urbanos e rurais que exercem ou exerceram
atividades profissionais diversas: pedreiros, cozinheiros, comerciantes,
servidores públicos, professores, domésticas, agricultores, etc. que partilham
a experiência de organizar e/ ou participar da festa de Nossa Senhora do
Rosário.
Embora a festa seja oficialmente de Nossa Senhora do Rosário, ela é
também de São Benedito, que é santo de devoção dos homens negros desde
os tempos de escravidão. São Benedito e Nossa Senhora do Rosário estão
unidos no imaginário religioso de participantes e realizadores dos festejos. A
congada, elemento imprescindível daquela comemoração reforça a idéia
dessa unidade.
Escolhi utilizar como fonte depoimentos dos diferentes segmentos que
vivenciam o festejo de Nossa Senhora do Rosário, bem como, cartazes de
propaganda e atas da Associação de Caridade de Nossa Senhora do Rosário
1
1
Referente à Associação de Nossa Senhora do Rosário no cartório de registro de títulos e documentos de
pessoas jurídicas do município de Silvianópolis encontra-se no documento de extrato e estatuto o
13
e o livro tombo da paróquia da cidade. Busco assim compreender os diferentes
significados que a festa tem para cada um, incluindo suas relações com a
cidade e o trabalho, seus valores e relações sociais, principalmente a festa
como uma prática de resistência à tradição que se insere no campo da cultura
popular.
O campo da cultura não é homogêneo
2
, e sim atravessado por
contradições e pelos conflitos de classe na disputa pela hegemonia. A tradição
é dinâmica, está sempre em transformação, porque tendemos a resignificá-la
sempre a partir de nossa inserção no presente. Aliás, falar de história é falar de
transformações.
As fontes da Associação de Caridade de Nossa Senhora do Rosário e
da igreja foram importantes para que eu pudesse melhor compreender as
memórias dos depoentes e o campo de disputa em torno da festa. Foram as
atas e o livro de tombo que possibilitaram uma reflexão mais detalhada sobre a
organização do festejo, em tempos não lembrados, silenciados ou esquecidos
nas memórias dos depoentes.
Hoje, o festejo de Nossa Senhora do Rosário conta com a participação
de diferentes personagens
3
, entre estes os festeiros que são chamados de reis
e rainhas, por terem a guarda da coroa de Nossa Senhora do Rosário em suas
residências, bem como a responsabilidade de organizar a festa, através da
coleta de doações, distribuição de alimentos e toda estrutura necessária para
abrigar e receber os congadeiros vindos de outras cidades. Outros são os
seguinte trecho: A Associação de Caridade de Nossa Senhora do Rosário é uma sociedade civil, de
caráter filantrópico cultual de duração indeterminada. É administrada por uma diretoria e um conselho
eleito bienalmente, a 13 de3 junho, compondo-se a diretoria de presidente, vice-presidente, secretário e
tesoureiro e o conselho de compondo-se de dez membros presídio pelo presidente da Diretoria.
(25/01/1980).
2
Ver: WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
3
No decorrer dos capítulos discutiremos especificamente cada um dos personagens, neste momento
apresentamo-os de uma maneira mais geral.
14
guarda-coroas, homens ou mulheres que durante o cortejo, protegem
simbolicamente com suas espadas os festeiros, na sua caminhada até a
chamada “Casa Santa”
4
, onde fica a imagem de Nossa Senhora do Rosário e
são realizadas as orações pela santa protetora.
A juíza, outro personagem da festa, é sempre representada por uma
mulher quase sempre negra, investida de autoridade que busca pessoalmente
os festeiros em suas residências, para acompanhá-los durante o percurso,
sempre vestida de branco e com coroa na cabeça. Por fim, os congadeiros que
formam o chamado terno de congo, são tradicionalmente mulheres e homens
negros, que praticam e experimentam a dança de congo e o festejo desde a
infância. Recentemente pessoas brancas têm sido incorporadas às congadas.
Existem vários estudos sobre festas populares (religiosas ou não),
que em sua maioria foram desenvolvidos por folcloristas, nos quais a cultura
popular é associada a um passado distante, cujas expressões e práticas atuais
são vistas como sobrevivências fossilizadas.
Os referidos estudos são registros minuciosos, porém descritivos, sem
a preocupação de abordar as diferentes formas, por meio das quais os sujeitos
sociais, hoje, experimentam a festa.
O que nos diferencia de muitos folcloristas é principalmente o fato de
considerarmos os homens e mulheres envolvidos na festa sujeitos ativos,
capazes de preservá-la e/ou de modificá-la conforme sua inserção no presente,
isto é, seus interesses, crenças, valores. Trata-se portanto, de considerá-los
produtores de cultura.
4
“Casa Santa” é como os moradores da cidade chamam a casa onde fica a imagem de Nossa Senhora
do Rosário, uma espécie de capela, espaço utilizado também pelos membros da Associação do rosário
como sede para realizarem suas reuniões.
15
Nestor García Canclini
5
observa que os folcloristas se atêm ao popular
como resíduo elogiado, depósito de criatividade, prendendo-se a uma prática
descritiva, pela qual o “povo” é resgatado, mas o conhecido, tornando-se
cego às mudanças”.
Desta maneira, analisando as diferentes vozes de trabalhadores da
cidade de Silvianópolis-MG, que realizam e participam da festa de Nossa
Senhora do Rosário, fiz um levantamento inicial para selecionar os
depoentes. Partindo deste material e no intuito de dar visibilidade a sujeitos
históricos envolvidos na festa, estabeleci um contato inicial com congadeiros
e moradores que participaram e participam da mesma.
Todas as entrevistas em fita cassete e depoimentos filmados foram
iniciados no ano de 2001, cuja duração variava de 20, 30 ou 120 minutos. As
gravações realizadas em VHS dos dias de festa do ano de 2001, 2004 e 2005
e as mais de 100 fotos da cidade e do festejo foram produzidas por esta
pesquisadora e seus acompanhantes (esposo, amigos, alunos...) na intenção
de melhor captar a estrutura utilizada para a realização do evento, de registrar
afazeres diversos, artefatos utilizados como utensílios de cozinha, objetos
religiosos, locais como a “Casa Santa”, o barracão e as formas de decoração
etc.
Nessa sondagem de reconhecimento do território, dialoguei com
moradores que ficavam nas praças, na igreja, donos de bares, famílias que
frequentemente me ofereciam água e almoço. Nas conversas informais, os
depoentes indicados pela comunidade
6
para serem entrevistados, foram
aqueles que tiveram destaque na realização ou no ritual da festa. Escolhi iniciar
5
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas. Estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo:
EDUSP, 1998, p.209.
6
16
as entrevistas com os participantes mais velhos da festa, ou seja, com mais de
setenta anos de idade, por terem-na experimentado ao longo do tempo e
constituído com ela fortes vínculos e exercido um papel importante no sentido
de torná-la o que ela é hoje.
Foram realizadas quatorze entrevistas. Os depoentes aparecem aqui em
ordem alfabética:
AFONSINA PATRÍCIO DE MORAES - Aposentada, negra, residente na
cidade de Silvianópolis desde sua adolescência, morando com patrões até
adquirir sua casa próxima ao cemitério da cidade. Nasceu no ano de 1933, na
cidade de Dourados e aos setenta e quatro anos, ainda solteira e sem filhos,
faleceu. Foi juíza da festa de Nossa Senhora do Rosário por mais de duas
décadas.
CARLINA DE MORAES DUTRA Professora de história aposentada,
secretária da Associação de Caridade de Nossa Senhora do Rosário, nasceu
no ano de 1928, na cidade de Silvianópolis, atualmente com setenta e nove
anos, solteira, reside no centro da cidade, próximo à “Casa Santa”.
CERCELINO ALVES - Conhecido como seu Neide, aposentado, negro,
nasceu na cidade de Poço Fundo-MG, no ano de 1922. Congadeiro, guarda-
coroa, mestre de congada, residiu nos morros de Silvianópolis desde a década
de trinta. Faleceu com oitenta e dois anos no ano de 2004.
EDIVALDO ANDRADE DOMINGUES- Trabalhador da área rural,
pedreiro e serviços gerais, aos trinta e cinco anos de idade, foi festeiro no ano
de 2004. Nasceu em 1969, na cidade de Silvianópolis, casado, filho de ex-
festeiros da década de 70.
17
FÁTIMA – Com aproximadamente quarenta anos de idade, residente na
cidade de Silvianópolis, próximo ao barracão da festa, foi festeira do ano de
2003, casada e devota de Nossa Senhora do Rosário.
ISABEL MAMED DOMINGUES- Festeira da década de 60 e do ano de
2004 em parceria com seu filho Edivaldo; nasceu no ano de 1932, na área rural
da cidade de Silvianópolis, atualmente com setenta e cinco anos de idade,
reside aos pés do morro da cidade com seus filhos.
JOSÉ FRANCISCO RIBEIRO– Aos sessenta e sete anos é o padre
responsável pela paróquia de Silvianópolis desde 2003. Nasceu em Conceição
dos Ouros em 1940, filho de lavradores, ordenado padre no ano de 1967 pela
Congregação de Sion.
JOSÉ OTAVIO FILHO Com aproximadamente setenta anos, negro,
congadeiro mais de 22 anos, residente na cidade de Machado- MG,
participa com seu terno de congo da festa de Nossa Senhora do Rosário todos
os anos.
JOSÉ PATROCÍNIO- Congadeiro, membro do terno de congo de
Machado que se apresenta na festa de Nossa Senhora do Rosário todos os
anos, senhor aparentemente com oitenta anos de idade, negro, participa da
congada há mais de trinta anos.
JÚNIOR – Preservando o desejo do narrador, Júnior é o nome de ficção,
pois o mesmo no momento dos depoimentos preferiu não se identificar. Com
aproximadamente trinta e cinco anos de idade, casado, é agente sanitário e
acompanha a festa de Nossa Senhora do Rosário desde criança.
18
MARIA DA CONCEIÇÃO – Negra, com mais de cinqüenta anos de
idade, casada, reside no morro da cidade. Natural de Silvianópolis mantém-se
ativa no festejo como Guarda-coroa e membro de terno de congo.
ROBERTO - Com a profissão de cozinheiro mais de doze anos,
realiza seu trabalho em diferentes festas da cidade e região. Aparenta ter
cinqüenta anos de idade, casado e residente no município de Silvianópolis.
VALQUIRIA ELIZABETH CORREA Residente na cidade de Santo
André São Paulo, casada com Silvianopolense, possui propriedades e
parentesco na cidade de Silvianópolis. Com aproximadamente quarenta e cinco
anos de idade foi festeira no ano de 2005.
ZÉLIA CORREA Nasceu em Espírito Santo do Dourado e reside na
cidade de Silvianópolis desde sua infância. Foi festeira no ano de 2005, e
prefere não revelar sua idade.
No decorrer das entrevistas, observamos a necessidade de fazer da
conversa um diálogo. Optei por perguntas abertas que tornassem aquele
momento um bate-papo descontraído, uma ocasião em que os depoentes
poderiam se soltar, buscando em suas memórias, lembranças de momentos
importantes, de forma saudosa ou não, triste ou alegre, expressada através
dos gestos, expressões e palavras que mostrassem o significado de participar
da festa.
Optei por realizar a transcrição dos depoimentos orais, mantendo a
originalidade da fala, sem alterar o que foi dito. Faço isso por respeito à sua
cultura, formas de expressão e linguagem por não considerar a forma culta a
única maneira de se expressar.
19
Buscando uma melhor apreensão do momento da entrevista e de
dimensões que escapam à transcrição das falas, foram registradas no caderno
de campo
7
a minha percepção das emoções, das expressões corporais,
construídas nas entrelinhas das pronúncias e do silêncio de cada narrador.
Desta maneira, a fonte oral e a observação dos gestos e das expressões
corporais tornaram-se fundamentais para a reconstrução da história individual e
social do festejo. Em geral as entrevistas foram realizadas nas moradias dos
narradores, possibilitando-nos, portanto, o conhecimento, principalmente, da
cultura material utilizada na festa, como estandartes, roupas, espadas, viola e
imagens sagradas.
Compreendendo as recordações dos depoentes como olhares
múltiplos, expressões de diferentes tempos vividos, experimentados individual
e socialmente; foi possível perceber nas narrativas orais o ir e vir da memória,
possibilitando a reflexão sobre a diversidade das experiências vividas por cada
um, seus pontos de semelhança e suas diferenças, e também pontos de
convergências e tensões.
As memórias são, portanto, experiências historicamente construídas e
constantemente modificadas que fazem do passado uma dimensão importante
na constituição do presente. Pensarmos a relação entre a memória,
experiência e diversidade cultural é fundamental para discutirmos as múltiplas
práticas culturais que envolvem a festa de Nossa Senhora do Rosário, na
cidade de Silvianópolis em Minas Gerais, no período dos anos setenta ao
tempo presente.
7
Instrumento utilizado nas pesquisas de campo para anotar dados observados pela pesquisadora.
20
Alessandro Portelli
8
ao falar sobre história oral, destaca o pluralismo
resultante dessa prática que trata das visões particulares da verdade,
permitindo a construção do conhecimento por várias abordagens. Indicando
que o depoimento é dado a partir do filtro da memória de cada entrevistado e
de sua subjetividade, que o levam escolher o que quer relatar ou não.
Ao se referir aos depoentes Portelli diz que “podemos ter status, mas
são eles que têm as informações, e gentilmente compartilham-nas conosco.
Manter em mente esse fato significa lembrar que estamos falando não com
“fontes” nem estamos por elas sendo ajudados mas com pessoas
9
, e a
proposta do encontro com os eles tem como objetivo a tentativa de traçar
essa relação onde se possa fazer com que não se sintam apenas um objeto
de estudo, mas sim que a entrevista seja importante para eles, onde são
considerados e percebidos como sujeitos, portanto, vivos e ativos.
A narrativa constitui um instrumento de formulação e de construção de
memória social, de produção de consciências e de formulação de referências
identitárias. Tecendo uma trama que articula passado e presente, os
depoentes vão analisando, (re)criando, e atribuindo diferentes sentidos à
realidade vivida, nesse exercício de observar e ser ouvinte.
“ ... a história oral tende a representar a realidade não tanto como um
tabuleiro em que todos os quadrados são iguais, mas como um
mosaico ou colcha de retalhos, em que os pedaços são diferentes,
porém formam um todo coerente depois de reunidos”.
·
10
Para isso, busco refletir sobre esse “mosaico” formado por diferentes
fragmentos de lembranças e realidades, vivas e inacabadas. Entendo que
8
PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre a ética na História
Oral. In: Revista Projeto História. São Paulo: EDUC, n. 10, 1997, pp.23 – 32.
9
Idem, p.27.
10
Idem, Ibidem.
21
tradição e memória se interagem, construindo silêncios e lembranças que
sempre se transformam, criando identidades, e que, a partir delas, homens e
mulheres se constroem. Desta maneira compreendo que o festejo é parte
fundamental para a história da cidade de Silvianópolis, assim procuro
apreender o significado da realização dessa festa ao longo do tempo, sem
escamotear suas diferenças e conflitos. Entendo ainda que as experiências
vivenciadas por nossos narradores não são folclore, e sim Cultura.
O estudo caminha, no sentido de não valorizar somente o passado, e
sim, admitir que homens e mulheres passem por mudanças, e que sua
cultura se constrói de acordo com suas necessidades, expressando os
desejos dos sujeitos que participam da festa de Nossa Senhora do Rosário.
É nessa preocupação com o futuro, com o novo, que trabalho com
memórias, sem estagnar a festa, as experiências do passado, mas discutindo
as relações que a compõem.
Por essa razão, busco as diferentes práticas culturais em que estão
inseridas, as relações que compõem as forças que envolvem a festa,
pensando nas coordenadas de tempo e espaço, pois “espaço e tempo são
categorias fundamentais da experiência e da percepção humanas, mas longe
de serem imutáveis, elas estão sempre sujeitas às mudanças históricas
11
”.
Discuto o modo como as percepções, sentimentos, crenças, hábitos,
valores se transformam e como tais transformações incidem nas práticas
culturais que estão relacionados à festa. Nesse sentido, Canclini
12
propõe o
conceito de Hibridismo Cultural para “expressar os processos socioculturais
11
Op. Cit, 1997, p.23.
12
CANCLINI, 1998: pp.283-350.
22
nos quais as estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma
separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas”.
13
Assim, pensar a festa de Nossa Senhora do Rosário na cidade de
Silvianópolis, em Minas Gerais, é também pensá-la como “uma ruptura da vida
diária, um intervalo na ordem estabelecida, vista por vários estudiosos como
momento de renovação das forças desgastadas pela rotina de trabalho e
respeito às regras”
14
, e que a organização desta é contínua e pensada como
realidade que faz parte das representações que estão ligadas ao cotidiano.
Cabe ressaltar que as fotografias utilizadas no decorrer do texto servirão
somente como auxílio de visualização da narrativa histórica, pois foram
elaboradas por mim ou por pessoas orientadas de como e quando eu queria a
imagem, dos momentos que achei necessário fotografar. A maioria das
imagens compõe também um álbum pessoal de recordação e arquivo dos
momentos vividos nesse trajeto em Silvianópolis.
****
Inserida numa tendência historiográfica que busca compreender e
analisar as práticas culturais como modos de vida e de luta, busquei realizar a
pesquisa do festejo de Nossa Senhora do Rosário na cidade de Silvianópolis,
pensando a festa como a tradição que se constitui na experiência social
instituindo um campo de memória atravessado pelos conflitos de classe.
Compreendo que através das memórias é possível chegar a outras
histórias, principalmente aquelas que estão no campo de resistência e é
13
Idem, p. XIX.
14
SOUZA, Marina de Mello e. Reis Negros no Brasil escravistas. História da Festa de coroação de rei
congo. Belo Horizonte: Humanitas, 2002, p.59.
23
necessário buscar entender a cultura como “expressão de todas as dimensões
da vida, incluindo valores, sentimentos, emoções, hábitos e costumes,
associada a diferentes tipos de realidade
15
”.
É através de um olhar político
16
sobre o presente, e do presente, sobre
o passado que busco observar as práticas culturais vivenciadas dentro da festa
de Nossa Senhora do Rosário. Isto implica colocar-se diante do presente com
autonomia e crítica, com compromisso social e político; e fazer da história uma
autobiografia, uma avaliação constante do próprio percurso e o reconhecimento
da responsabilidade histórica de cada um.
17
Para este trabalho é importante uma reflexão sobre a cultura popular.
Stuart Hall
18
nos diz que cultura popular pode ser entendida através de sua
relação com a cultura de elite. A cultura popular se situa e se constitui no
campo de resistência, e em oposição à cultura hegemônica. É um processo
que está em permanente construção e sendo viva e dinâmica, não pode ser a
cultura popular enquadrada em uma tipologia.
Importante ressaltar que não uma “cultura popular” fora do
campo de forças e relações de poder e de dominação cultural, pois:
“Afirmar que essas formas impostas não nos influenciam equivale a
dizer que a cultura do povo pode existir como um enclave isolado,
fora do circuito de distribuição do poder cultural e das relações de
força cultural”.
19
15
FENELON, Déa Ribeiro . CRUZ, Heloisa Faria, PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. In:. Muitas
Memórias Outras Histórias.São Paulo: Olho d’ Água, 2004, p.09.
16
SARLO, Beatriz. Paisagens Imaginárias. São Paulo: EDUSP, 1997, p. 55-63.
17
FENELON, 2004: pp.5-13.
18
HALL. Stuart. Notas para a desconstrução do popular. In: Da Diáspora identidades e mediações
culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003, 247-264p.
19
Idem, 255.
24
Mesmo desigual, a luta entre classes é contínua, os dominantes tentam
constantemente desorganizar a cultura popular. Nada é pacífico na luta
cultural, o campo de batalha é contínuo, havendo resistência, aceitação ou
recusa permeada por estratégias de vitórias ou perdas. É nesse campo
permanente de tensão que tento entender a festa de Nossa Senhora do
Rosário.
Assim desde o começo busquei refletir sobre o modo como funcionam
as relações sociais e históricas existentes nesse festejo, com o objetivo de
tornar visível a participação de trabalhadores de diferentes gerações. Para a
reflexão sobre as experiências cotidianas, foi preciso perceber as maneiras
pelas quais eles se constroem como sujeitos de suas vidas e pelas
experiências vivenciadas no festejo e na cidade.
Neste trabalho os objetos utilizados nos festejos interpretados como
elementos da tradição (como as vestimentas dos congadeiros utilizadas no
ritual da dança, os fogões à lenha e tachos, utilizados para preparar o
banquete) são entendidos como cultura material.
As pessoas que participam ativamente da organização do festejo de
Nossa Senhora do Rosário têm relação íntima com a cidade, e mesmo
quando estas não residem no município, possuem propriedades ou familiares
que visitam a cidade constantemente. Participam o das festas, mas
também da vida política da cidade, como foi o caso da festeira do ano de
2006, Dona Valquiria que residindo e trabalhando na cidade de Santo André,
no estado de São Paulo, mantém nculos constantes com os amigos,
parentes na cidade de Silvianópolis, conhecendo e sendo reconhecida pelos
moradores.
25
Acompanhando a festa desde o ano 2000, pude perceber que ela se
constitui em uma tradição, que envolve maneiras de saber e fazer, que se
concretiza no dia do festejo através de muito trabalho, e lazer peculiares,
que atrai e encanta através de seu ritual.
Nesse festejo passaram a introduzir costumes que em tempos
passados não se faziam presentes no cotidiano da festa, como a mistura de
ritmos dentro da congada e na batida dos tambores que davam realce a
ritmos de samba e axé; forma de servir a alimentação ou na decoração do
barracão, mas preservando-se melodias, vestimentas e objetos sagrados.
Desta maneira, para entender os significados do festejo, foi
necessário navegar na memória individual e social; buscando as múltiplas
linguagens, por meio das quais os diferentes participantes da festa se
expressavam: reis, rainhas, guarda-coras e juízas; pela vestimenta, pela
postura de ou majestática, reforçando a idéia de hierarquia e devoção. Na
linguagem corporal, quando alguns participantes assumiam expressão facial
de contrito, como a posição das mãos unidas, ou pelos congadeiros por meio
da dança, do tocar dos tambores, dos ritmos, da vestimenta e do gestual.
Outra referência importante é de Mikhail Bakhtin
20
, quando analisa a
cultura popular festiva da Idade Média e do Renascimento. Para o autor, as
festas seriam momentos onde se confrontariam as tensões de um universo
ainda não regulado, e onde a cultura popular concentraria seu potencial
subversivo, fundada nas inversões de valores e de hierarquias, opondo uma
contra-leitura desmistificadora da religião e da ordem oficial.
20
BAKHTIN, M. A. A cultura popular na idade média e renascimento. O contexto de rebelais. São Paulo:
Huicitec, 1987.
26
Em uma segunda etapa da pesquisa busquei os estudos de teses que
pudessem auxiliar também no desafio de compreender nosso objeto de estudo.
Neste sentido, merece ressaltar a dissertação “Memória, lembrança e
esquecimento: Trabalhadores nordestinos no Pontal do Triângulo Mineiro nas
décadas de 1950 e 1960”
21
, que discute o deslocamento de "nordestinos" em
Ituiutaba-MG. Este trabalho auxiliou-me com os métodos da pesquisa e a
prática da história oral, desenvolvidos pela autora, que também trabalha com
depoimentos de rias classes sociais, patrão, trabalhador, agenciador,
administrador; pluralidade que lhe permitiu compreender diferentes
perspectivas a partir das quais aqueles sujeitos vivenciaram um momento
histórico e posteriormente construíram suas narrativas. A autora conseguiu
estabelecer uma relação dialógica com seus depoentes estabelecendo com
eles uma relação de confiança, de troca de experiências.
Deborah Silva Santos
22
, fez uma pesquisa no Bexiga em São Paulo,
sobre o cotidiano de mulheres negras, trabalhadoras domésticas, cujas
atividades profissionais se desenvolviam nas cozinhas, lavanderias, tanques e
quintais das casas de seus patrões. A autora nos fez pensar na importância
para a investigação histórica da busca de pequenos sinais e de pistas deixadas
pelos sujeitos históricos no espaço de vida e trabalho cotidianos e de
experiências aparentemente insignificantes e opacas ao primeiro olhar.
A historiadora Vanicléia Silva Santos
23
, com sua análise da micareta em
Jacobina durante as décadas de 20, 30, 40 e 50, foi outra autora que contribuiu
21
SILVA, Dalva Maria de Oliveira. Memória, Lembrança e Esquecimento: Trabalhadores nordestinos no
Pontal do Triângulo Mineiro nas décadas de 1950 e 1960. Dissertação de Mestrado, PUC/SP. 1997.
22
SANTOS, Deborah Silva. Memória e Oralidade: Mulheres Negras no Bexiga - São Paulo - 1930/40/50.
Mestrado em História. PUC-SP, 1993.
23
SANTOS, V. S. Sons, danças e ritmos a micareta em Jacobina – BA (1920-1950). Mestrado, História,
PUC/SP, 2001.
27
para melhor visualização das festividades que possuem como parte de seu
ritual a dança da congada, a autora registra confrontos com o catolicismo.
Expressões da resistência podem ser percebidas em pequenos gestos e no
uso de como, por exemplo, não eram aceitos pela igreja as representações das
bandeiras que traziam imagens de proteções negras, como São Benedito e
Nossa Senhora do Rosário.
Não poderíamos deixar de citar o trabalho de Marise Glória Barbosa
24
,
que reflete sobre as Caixeiras na Festa do Divino, no Maranhão, consideradas
pela autora como responsáveis pela guarda e transmissão oral dos
conhecimentos rituais. O trabalho abordou ainda diversos pontos relevantes
sobre a discussão de festas como, conhecer a arte e a responsabilidade
dessas mulheres na condução de um ritual religioso: o papel ritual e social de
sua música, de seus cantos e toques de tambores.
Tentando entender a festa de Nossa Senhora do Rosário conforme
sugere Marina de Mello e Souza como “uma forma particular de conceber e
transmitir a história, permeadas de ritos religiosos e mitos que fundamentam
crenças e comportamentos
25
, afloram indagações sobre as relações sociais e
simbólicas estabelecidas na festa, representadas nos cortejos (momento em
que todos participantes do festejo acompanham, cortejam em procissão os
festeiros que levam a coroa de Nossa Senhora até a capela).
Nas palavras de Regina Beatriz, experiência em sentido pleno
quando entram em conjunção certos conteúdos do passado individual com
outros do passado coletivo”
26
. O individual e o coletivo se conjugam,
24
BARBOSA, Marise Glória. Umas mulheres que dão no couro: as caixeiras do divino no Maranhão.
Mestrado. História, PUC/SP, 2002.
25
SOUZA, 2002: p.315.
26
GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. Artes da memória, fontes orais e relato histórico. In: História e
Perspectivas. Uberlândia – MG. EDUFU, n. 23, 2000, p.213.
28
igualmente, nas memórias dos homens e mulheres que participam da festa e é
por meio delas que também busco apresentar neste estudo os diferentes
significados e participações dentro do ritual.
Na festa uma mistura de tempo, espaço e relações, não havendo
uma uniformidade e sim diferentes experimentos em relação a ela, pois, ao
realizar a festa, participação de diferentes segmentos da cidade, como
comerciantes que contribuem com esmolas, congadeiros que, com suas
vestimentas, adornos e instrumentos musicais dançam e cantam, os devotos
que pagam promessas ou homenageiam Nossa Senhora do Rosário e
visitantes que apreciam as barracas, as guloseimas e a musicalidade.
Desenvolvo uma análise da festa, não considerando-a uma válvula
de escape das tensões cotidianas dos trabalhadores negros, mas apontando
para a complexidade dessa forma de expressão, de grande riqueza para o
descortino das atitudes, valores e comportamentos dos diversos grupos
sociais.
O primeiro capítulo proposto, “Com o passar dos anos que fui pegando o
gosto de um dia querer fazer a festa”, foi pensado a partir da agenda da festa,
sua programação, das narrativas orais, das atas da Associação e do uso dos
espaços da cidade; fontes essenciais para compreender o festejo como parte
da cultura dos homens e mulheres do município de Silvianópolis.
No segundo capítulo, “Festa da igreja para os padres, e a festa de
Nossa Senhora do Rosário para as pessoas do cativeiro”, estudei as relações
da festa com a igreja; a partir de como estas são lembradas pelos nossos
narradores, sejam eles negros ou brancos.
29
Por fim, no terceiro capítulo, “13 de junho, é igual a 13 de maio,
libertação dos escravos, de São Benedito”, objetivei discutir o significado da
dança de congo, no interior do festejo, entendendo-a como uma prática de
sociabilidade, de consolidação da cultura de homens negros, formada por um
ritual que é permeado de estratégias de sobrevivências e costumes de tempos
diversos e a devoção a São Benedito como uma tradição muito forte.
Conhecer a festa de Nossa Senhora do Rosário, na cidade de
Silvianópolis, em Minas Gerais, suas formas de sociabilidade, fronteiras e as
múltiplas experiências, trajetórias de vida que constituem esta celebração
permeada por cultura e tradição, consiste, como foi posto, em um trabalho
árduo, mas carregado de possibilidades.
30
MAPA 01 – LOCALIZAÇÃO DE SILVIANÓPOLIS NO ESTADO
DE MINAS GERAIS
31
BELO HORIZONTE
SILVIANÓPOLIS
32
CAPÍTULO I
“Com o passar dos anos, fui pegando gosto, de querer um dia fazer a
festa
27
.
“O sábado é o dia todo o povo
dançando, pulando, gritando quem é
que segura o povo”
28
.
A cidade de Silvianópolis no Sul de Minas Gerais
29
, aproximadamente a
439 km de Belo Horizonte, capital do Estado e a 270 km da cidade de São
Paulo e próxima dos municípios de Pouso Alegre, Varginha, Poços de Caldas e
Paraguaçu. As atividades econômicas de destaque são agropecuária ( batata-
inglesa, banana, laranja, milho, mandioca, café, cana de- açúcar e criação
bovinos, galináceos, caprinos e suínos) e o comércio varejista (indústria
alimentícia - laticínios e de bebidas).
Conforme dados estatísticos do IBGE sua população na década de
setenta era de aproximadamente 4.276 habitantes na área rural e 2.651 na
área urbana, mas com o passar dos anos, com a diminuição da produção
agrícola do município, e aumento do comércio na cidade e com a instalação de
diferentes empresas na região, a concentração de habitantes na área rural caiu
mais de cinqüenta por cento, causando o esvaziamento do campo e o aumento
da cidade
30
.
É nesse município que mais ou menos 227 anos, por volta de 1780,
realiza-se o festejo de Nossa Senhora do Rosário no mês de junho. Atualmente
27
Edvaldo Andrade Domingues. Entrevistas realizada no ano de 2004, uma no mês de março e outra no
mês de junho na cidade de Silvianópolis-MG, em sua residência e no barracão da festa. História de vida.
28
José Francisco Ribeiro, Padre Zezinho. Entrevista realizada no ano de 2006, na cidade de Silvianópolis-
MG, na casa paroquial. História de vida.
29
Ver mapa 01.
30
Ver: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dados preliminares do ano de 2000.
33
em 2007 a festa de Nossa Senhora do Rosário permanece ainda como um dos
momentos mais importantes para o município, reunindo um grande número de
homens, mulheres e crianças; alguns que retornam à cidade natal para
reencontrar parentes ou amigos que ali deixaram. Os dias do festejo tornam-se
momentos de solenidade, fé, lazer e devoção.
Compreendemos que a festa faz parte da cultura de seus participantes,
que partilham um conjunto de valores e significados.
A festa de Nossa Senhora do Rosário é uma tradição da cidade, uma
manifestação religiosa e lúdica que sobreviveu a muitos contratempos.
Originariamente era uma festa de homens negros e atualmente é vivenciada
por negros, brancos, pobres ou ricos, mas que em comum mantêm a devoção
a Nossa Senhora do Rosário. Trata-se de um festejo com aspectos religiosos e
profanos, não sendo uma organização institucionalizada pela igreja católica,
mas sim organizada pela Associação de Caridade de Nossa Senhora do
Rosário e seus colaboradores.
Ao analisar o festejo na cidade de Silvianópolis e, como este vem sendo
(re) significado ao longo dos tempos, inclusive no tempo presente, foi
importante, neste primeiro momento, pensar a agenda da festa, sua
programação e o uso dos espaços da cidade.
A festa de Nossa Senhora do Rosário é divulgada através de cartazes,
outdoors por toda a região, abrangendo as cidades vizinhas, de Pouso Alegre,
Careaçu, Poços de Caldas e Machado; na tentativa de informar e trazer para a
cidade de Silvianópolis aqueles que sempre participaram da festa e também
novos visitantes.
34
Imagem 01: ROSARIO, Gustavo do. Cartaz da Festa de Nossa Senhora do Rosário de 2004.
35
Sendo basicamente os mesmos dados apresentados a cada ano, os
cartazes não trazem explicações, nem tentam “conquistar” adeptos. Nota-se
que quem os prepara (festeiros e associação) pressupõem um conhecimentos
por parte de quem os lê, provavelmente destina - se ao público regional.
Ao observar o livro ata da Associação de Caridade de Nossa Senhora do
Rosário, cujo termo de abertura datado em 13 de junho de 1937, podemos
conhecer algumas atribuições da Associação, como por exemplo, a aclamação
dos festeiros realizada todo dia 13 de junho, quando a Associação de Caridade
de Nossa Senhora do Rosário oficializa a escolha dos festeiros do ano
seguinte.
“Foram escolhidos para festeiros o senhor Geraldo de Farias
Franco, para rainha festeira a senhorita Maria Casimira filha
de Antonio Casemiro Neto”
31
“Para nomeação dos festeiros de 1946 foram apresentados os
seguintes candidatos. Para rei festeiro Sr. Pedro Ferreira
Beraldo, para rainha festeira a snra Dna Clotilde Maciel Braga,
sendo estes nomeados “
32
Dona Carlina, secretária da Associação mais de duas décadas,
atuante em todos os encontros, reuniões exerce a atribuição de secretária da
diretoria. É responsável pela guarda dos documentos da entidade.
A Associação de Caridade de Nossa Senhora do Rosário, conforme
suas palavras, tem finalidades cultural, cristã e social, sendo uma de suas
maiores responsabilidades e a mais importante manter a realização do festejo
anualmente.
31
Ata da Associação de Caridade de Nossa Senhora do Rosário data de 13/06/44.
32
Ata da Associação de Caridade de Nossa Senhora do Rosário data de 13/06/45.
36
“A festa é feita sobre o auxílio da Associação do Rosário,
muitos problemas são resolvidos pela nossa diretoria, a
entidade tem a finalidade cultural, cristã e social”
33
.
No dia 13 de junho a diretoria e todos os membros da Associação se
reúnem na “Casa da Santa”
34
. Em uma mesa retangular, em frente ao altar de
Nossa Senhora do Rosário inicia-se a festa com a escolha dos festeiros do ano
seguinte e com o levantamento do mastro.
O mastro, um grande tronco de aproximadamente seis metros, pintado
de azul e branco tem em uma de suas extremidades a bandeira de Nossa
Senhora do Rosário. É conduzido por um cortejo que sai do barracão
35
até a
“Casa da Santa”, próxima à matriz. Do cortejo fazem parte os festeiros,
moradores da cidade e visitantes.
A cerimônia de levantamento do mastro é um momento do festejo,
como nos diz Dona Afonsina:
“O dia 13 é o dia que tem que ser levantado o mastro, o dia
mais importante da festa, acontece na metade do mês, é 15
dias antes da festa, agora acontece no segundo domingo de
junho”
36
.
33
Carlina de Moraes Dutra. Entrevista realizada no ano de 2005 na cidade de Silvianópolis- MG, em sua
residência. História de vida.
34
Propriedade da Associação de Caridade de Nossa Senhora do Rosário, local onde as reuniões e
são realizadas as orações e nomeações dos festeiros.
35
Dias e semanas, antes do dia 13 de junho, os festeiros, acompanhados da ajuda de mulheres e
homens trabalham no barracão, que foi construído ao do morro da cidade, na divisa do centro e da
periferia, local ainda rústico; mas de grande espaço, onde se prepara e serve as refeições.
36
Afonsina Patrício de Moraes. Entrevista realizada no ano de 2004 na cidade de Silvianópolis-MG, em
sua residência. História de vida.
37
Imagem 02: ROSARIO, Gustavo do. Cortejo do mastro para levantamento na casa Santa no dia 13 de junho; saída do
barracão. .Subida do mastro. 2004.
Por ser negra, trabalhadora e de classe economicamente menos
favorecida, Dona Afonsina associa o dia 13 de junho ao dia 13 de maio “13 de
junho, é igual a 13 de maio, libertação dos escravos, de São Benedito afirma.
Diz viver o levantamento do mastro como se estivesse saudando São Benedito
e comemorando a libertação dos negros no Brasil. Assim ela faz dessa história,
parte também de sua história e vida.
O cortejo, tanto do dia 13 como do último final de semana do mês de
junho, que sempre acontece entre o dia 25 e 26 de junho, segue o trajeto
traçado pelos festeiros, diretoria da associação e representantes da prefeitura.
Geralmente de um ano para o outro o circuito não sofre muitas alterações, pois
os festeiros sempre saem do barracão ou de suas residências que ficam nas
38
proximidades do mesmo (por ser uma cidade pequena) e assim o cortejo segue
pelas ruas de melhor acesso, como Maximiliano Mendes, rua Manoel Ferreira
Vilhena, ao chegar no rio Lava Pés atinge a avenida Joaquim Mendes
Magalhães, vira à esquerda para a rua Cônego Paulo Monteiro, saindo à rua
Antônio D'avila Bittencourt, logo à direita na praça Brás dos Santos que segue
a rua Major Feliciano, dando acesso a Praça Homero Bento Vieira, depois na
avenida Dr. José Magalhães Carneiro e finalmente, atinge a rua José de Sales
Dutra. Passando por pontos importantes da cidade como antigo Colégio das
Freiras, praça do correio, casa do padre, praça da matriz, igreja de Santa Ana,
por fim, sobe a ladeira da “Casa Santa”, local onde se levanta o mastro no
pequeno quintal. Na presença de congadeiros, devotos, membros da
associação e demais participantes acontece a nomeação dos festeiros.
39
Imagem 03: ROSÁRIO, Gustavo. “Casa Santa”, localizada na rua José Sales Dutra”. 2005.
40
Imagem 04: ROSÁRIO, Gustavo. Interior da “Casa Santa”. 2005.
Imagem 05: ROSÁRIO, Gustavo. Pequeno quintal da “Casa Santa”, local de levantamento do mastro. 2005.
41
Após a oração a Nossa Senhora do Rosário e agradecimentos diversos,
seja para Santa ou para os colaboradores, o presidente da Associação faz a
pergunta:
“Quem vai pegar a festa? Ai o outro grita de eu vou pegar”
Ai pega, pronto acabou. Agora esse ano teve votação. Porque
se fosse nós, o precisa ter votação, pois tínhamos
combinado com a associação, mas chegou na hora, teve mais
gente querendo pegar a festa também. Ai eu falei pro Tonho
( membro da Associação)” Faz a votação, você elege”
37
.
“ Felizmente eu consegui. que pegamos a festa eu e minha
mãe e mais dois outros irmãos de outra família. Chegamos
na casa santa, fizemos a votação e tinha mais candidatos
interessados em feitear a Festa,que nós após a escolha do
conselho que pegamos a Festa, eu minha mãe e outros
irmãos da outra família”
38
.
Tanto dona Isabel como de seu filho Edivaldo, falam da eleição dos
festeiros do ano de 2004 que aconteceu no dia 13 de junho de 2003, quando
eles e mais um casal de irmãos de outra família foram nomeados.
Referindo-se à escolha dos festeiros, Isabel e Edivaldo enfatizam que a
Associação já vem para a cerimônia da eleição dos festeiros com a indicação
de nomes selecionados previamente.
Chegam a conversar com as pessoas que consideram dignas de fazer
parte da organização como festeiros, meses antes.
O descontentamento dos depoentes também é visível, pois fazem
questão de lembrar que o ato da eleição é uma mera encenação, e não deveria
sê-lo.
37
Isabel Mamed Domingues. Entrevistas realizada no ano de 2004, uma no mês de março e outra no
mês de junho na cidade de Silvianópolis- MG, em sua residência e no barracão da festa. História de vida.
38
Edivaldo, 2004.
42
Ser escolhido como festeiro é motivo de honra, respeito e confiança;
pois o sucesso da festa dependerá das atividades desenvolvidas pelos
escolhidos.
O Estatuto da Associação de Caridade de Nossa Senhora do Rosário diz
que esta deve zelar pela festa e realizá-la anualmente. No ano de 2006 um fato
inusitado aconteceu: os festeiros escolhidos recusaram-se a organizar a festa
no mês de junho. Não havendo mais tempo para a escolha de outros
festeiros, a diretoria da Associação teve que assumir a realização da festa.
Apesar do descontentamento geral, o motivo da recusa dos festeiros
nomeados não foi divulgado.
Outra data importante da festa é o último final de semana de junho que
corresponde aos dias finais das comemorações, podendo variar entre os dias
25 a 30 de junho.
“25/06 – Alvorada com congadas.
25/06 – Reinado.
26/06 – Reinado para entrega de coroas aos novos festeiros”
39
.
O sábado, para muitos, é um dos momentos mais significativos dentro
do cronograma da festa. Seu Cercelino rememora o momento da alvorada, a
atividade que dá abertura aos trabalhos do dia.
É no bado, que não tem hora pra levantá, porque a
congada chega de fora e começa a bater de madrugada,a
gente não dorme, seis horas levantando pra receber
aqueles congado que vem visitá o nosso terreiro, gente
levantá pra recebe os colega e fazer o reinado no sábado
depois do almoço, a subida de reis”
40
.
39
Cartaz da Festa de Nossa Senhora do Rosário de 2004.
40
Cercelino Alves. Entrevistas realizada no ano de 2003, uma no mês de janeiro e outra no mês de maio
na cidade de Silvianópolis- MG, em sua residência. História de vida
43
Para Cercelino, por exemplo, a alvorada é um momento de encontro
com os amigos e contato com os congadeiros de outras cidades que, ao
chegarem a Silvianópolis, de maneira respeitosa realizam a visita aos colegas,
ao raiar do dia; como uma forma de respeito e sociabilidade com os donos do
terreiro, os congadeiros da cidade.
E como não podia deixar de acontecer, sempre visitavam seu
Cercelino
41
, por ser este um dos congadeiros mais velhos do município. Ele nos
conta que era acordado ao som dos tambores e das vozes em canto:
“Meu sinhô dono da casa da licença vô chega.
Vim trazer São Benedito pra modê lhe visitá
O rei que mandou, mineirinho que deu sinal,
Oi manda amarra paia piraquara,
oi manda amarra paia”
42
.
A alvorada desperta a cidade, pedindo licença e saudando seus santos,
para depois de um circuito pelas ruas que dão acesso ao barracão chegarem a
se reunir à espera de seu café.
A cidade toda no início do sábado se movimenta em torno dos
preparativos do festejo, em suas barracas, em suas residências, no barracão,
na igreja, na “Casa da Santa”, na saída da roça rumo ao centro. A rotina
cotidiana é quebrada.
É nesta perspectiva, que a cidade é preparada para a realização da
festa e para a passagem dos personagens que a compõem; diferentes usos
dos espaços da cidade, o galpão ao do morro é o local de encontro do
público que irá acompanhar o cortejo; as ruas recebem visitantes e vendedores
ambulantes.
41
Cercelino faleceu no ano de 2004.
42
Letra do canto de alvorada, cantado por Cercelino na primeira entrevista realizada em 2003.
44
Dona Isabel rememora a importância do retratista:
“o retratista vinha na festa do Rosário, naquele tempo não
tinha retratista aqui, e nós aproveitava para tirar fotos, se não
tinha que ir pra outros lugares como na Aparecida do Norte,
por exemplo. Então assim muita gente tirava foto com o
retratista aquela foto que vinha no negocinho da gente olhar
pelo quadradinho”
43
.
Com muita alegria fala de seu tempo de adolescência, vivenciado nos
anos quarenta e cinqüenta, onde o ato de poder registrar uma imagem da
família reunida através da fotografia, que podia acontecer em dias de festa,
através dos chamados barraqueiros que compunham a cidade. Dona
Carlina também traz em suas lembranças sentimentos saudosos das barracas:
“Eu lembro da barraca do amor, lembro direitinho, até a voz do
senhor que era dono da barraca quando ele anunciava - olha
a barraca do amor, maça do amor - eu lembro direitinho. Era
muitas coisa assim, parecido com o que é hoje em dia, os
barraqueiros traziam as quinquilharias pra vender e o povo
juntava dinheiro o ano inteiro para comprar nessa época”
44
.
Observamos que os barraqueiros traziam e trazem para a cidade nos
dias de festa muito mais que um comércio com mais opções de preços e
produtos, fazem de suas barracas um espaço de novas experiências culturais,
diferenciadas do cotidiano dos trabalhadores da cidade, oportunizando o prazer
de saborear a maçã do amor ou o uso de serviços que muitas vezes são
oferecidos somente nesse período, como por exemplo, a venda abundante de
calçados trazidos da cidade de Franca localizada em São Paulo. Os bares e
restaurantes, funcionam o tempo todo. A freqüência a estes lugares aumenta
43
Isabel, 2004.
44
Carlina, 2005.
45
no período do festejo, que como diz Dona Carlina as pessoas “juntava dinheiro
o ano inteiro para comprar nessa época”.
Atualmente em 2007, as coisas estão mudando, aumentou o fluxo de
pessoas de fora. A cada hora ônibus, carros chegam à cidade mudando seu
curso, suas paradas, trazendo em suas duras poltronas ou confortáveis
automóveis, visitantes, amigos e parentes que descem em meio às barracas e
a muita correria:
“O sábado é o dia todo o povo dançando, pulando, gritando
quem é que segura o povo. Correria pra todos os lados,
gritaria de pessoas que nunca vi na vida, falou em festa vem
gente de todo lado, E para faturar montam barraquinhas pra
todos os lados, vende salgadinho, carne com papo, bebida,
cerveja, pinga, batidas, roupas, panelas, sapatos, Cds, tudo...
vem barraca até de paraguaio eles querem é faturar na Festa
tem muita gente”
45
.
O centro da cidade em torno da igreja até a “Casa Santa” é todo cercado
por barracas autorizadas e alugadas pela prefeitura
46
por mais ou menos cem
reais cada, movimento este de muita agitação, quebrando o silêncio da pacata
Silvianópolis. A festa traz um movimento de pessoas não conhecidas e um
comércio grande de diferentes produtos, vendidos por barraqueiros de fora e
alguns da cidade, pois os moradores em sua maioria não participam dessa
atividade, mantêm uma ou duas barracas com artesanato e alimentos
regionais:
45
José Francisco Ribeiro, Padre Zezinho. Entrevista realizada no ano de 2006, na cidade de Silvianópolis-
MG, na casa paroquial. História de vida.
46
Cabe ressaltar que, o dinheiro arrecado pela prefeitura no aluguel das barracas não é destinado a
Associação ou festeiros e sim para a montagem de banheiros químicos e manutenção da limpeza das
ruas.
46
“Essas barracas que fica no centro da cidade sempre teve
desde quando eu era criança, não é coisa dos festeiros, eles
vêm tudo de fora, de tudo quanto é lugar. O povo da cidade
monta pouca barraca é mais pra vender boneca, paninho,
bordadinho caseiro, quentão, pastel, né. Agora as barracas de
roupa, sapato, de todas coisas lá são barraqueiros de fora”
47
.
Apesar de toda movimentação, em meio às barracas é preservado o
corredor central, as ruas largas permitem que seja possível manter o espaço da
passagem do cortejo, que subirá as ladeiras acompanhadas de uma multidão.
Na análise das narrativas orais, das atas da Associação e do livro de
tombo da igreja, percebemos que a festa de Nossa Senhora do Rosário vem
mantendo a mesma estrutura de organização desde a década de vinte, quando
aparecem registros mais detalhados.
A festa de Nossa Senhora do Rosário tem um momento que é
considerado pelos seus participantes como ápice; o último sábado do mês de
junho, quando é realizado o que denominam de “subida do reisado”.
“O reinado é o mais importante do dia da festa, no sábado. O
reinado sobe as ladeiras, a gente deixa tudo o que fazendo
pra acompanhar o reinado que vai até a casa da santa”
48
.
“É um dia muito especial, porque hoje tem o primeiro reinado
que vai transportar os festeiros carregando a coroa pra Nossa
Senhora do Rosário, é um momento de muita emoção, todos
vão buscar os festeiros e proteger a coroa até a Casa Santa”
49
.
A emoção no dia da festa é muito forte para os festeiros. Como diz
Edivaldo, é o momento que estes seguem pelas ruas da cidade até a “Casa
Santa”, acompanhados por mais de oito ternos de congo, com
aproximadamente cinqüenta a oitenta participantes cada um, que dançam e
47
Isabel, 2004.
48
Idem.
49
Edivaldo, 2004.
47
cantam numa grande mistura de som dos tambores, frente à casa dos festeiros
em forma de cortejo.
Em torno das quinze horas o som fica mais forte, os fogos aumentam e o
número de participantes para acompanhar o cortejo também.
Os festeiros, personagens de destaque da festa, carregam em suas
mãos a Coroa da Santa, coberta de ouro e prata, símbolo de poder de Nossa
Senhora do Rosário e da magnitude da homenagem que lhe devotam os fiéis.
Esta seguirá pelas ruas, repetindo todo circuito realizado no dia do
levantamento do mastro.
Do alto da casa de Dona Isabel e Edivaldo observamos a chegada de
cada um dos membros que possuem cargos
50
na festa.
É nesse momento do cortejo, da subida de reis, que os diferentes
personagens aparecem e ocupam espaços diferentes na formação da
procissão.
Mary Del Priory
51
, analisando as festas do período colonial afirma:
“Tempo de utopias, a festa revela a riqueza das funções com
as quais as populações do passado dela se apropriavam. No
início ela aparece como reflexo das instituições e do desejo do
estado de aproveitarem da ocasião para afirmar seu poder, ela
mostra-se lentamente expressão de diferentes segmentos da
sociedade. Índios, negros, mulatos e brancos manipulam as
brechas no ritual das festas e as impregnam de
representações de sua cultura específica. Eles transformam as
comemorações religiosas em oportunidade para recriar seus
mitos, sua musicalidade, suas danças, sua maneira de vestir-
se e reproduzem suas hierarquias tribais, aristocráticas e
religiosas”
52
.
50
Cargo é como os depoentes e também participantes da festa denominam algumas representações
dentro do festejo, por exemplo, Edivaldo assumiu o cargo de festeiro de 2004, Dona Afonsina tem o cargo
de juíza.
51
PRIORY, Mary Del. Festas e utopias no Brasil Colonial. São Paulo: Brasiliense, 2000.
52
Idem, p. 89.
48
Embora se referindo outro tempo, a autora apresenta fundamentos
teóricos que nos auxiliam na análise dos festejos populares no século XX.
Possibilita-nos compreender a festa de Nossa Senhora do Rosário como um
espaço apropriado por diferentes categorias sociais, mas principalmente pelos
considerados trabalhadores menos favorecidos economicamente, aqueles que
residem nas margens da cidade, no campo, que sobrevivem do salário mínimo
ou de serviços temporários, sem renda fixa e suficiente para uma vida mais
tranqüila. Estes trabalhadores são, em sua maioria de pele negra, que recriam
e afirmam suas culturas, nas formas como lidam com a divindade, com a
religião, com a dança ou com a alimentação dentro da festa.
E é no momento do cortejo que estas afirmações culturais aparecem
fortemente, não que não estejam presentes em todo o festejo, mas é nesse
ritual que se fazem mais visíveis aos olhos de quem observa, e foi do alto
daquele morro na casa de Dona Isabel e, através das lembranças dos
depoentes, que pude observar e apreender os diferentes significados que m
essa prática cultural para os personagens do festejo.
As lembranças que aparecem nos depoimentos viajam por diferentes
tempos da memória, que constituem a cultura e experiência de vida de cada
narrador e suas lembranças relacionadas ao festejo de Nossa Senhora do
Rosário. Estão intimamente ligadas aos espaços encontrados e vivenciados
por eles na cidade de Silvianópolis.
Entendendo que a realização da festa de Nossa Senhora do Rosário é
um conjunto de experiências que constitui a vida de um grande número de
pessoas que fazem parte da Associação de Caridade de Nossa Senhora do
Rosário, dos ternos de Congo e de diferentes trabalhadores da cidade; é que
49
procurei entender o porquê de nossos depoentes estarem envolvidos, de forma
direta ou indireta com a realização da festa, procurando entender e conhecer a
arte de festejar, suas permanências e rupturas no tempo.
Para melhor compreendermos os personagens, homens e mulheres que
ocupam cargos no desenrolar da festa de Nossa Senhora do Rosário, que
participam do seu ritual, vamos apresentar os diferentes papéis que
representam.
Iniciemos então pelos chamados reis - festeiros. Os festeiros o as
pessoas de maior evidência da festa. Devem coletar as “esmolas”, coordenar
as ações para levantar fundos, como por exemplo: bingos, bailes durante o
ano, administrar e organizar as atividades como a vinda dos ternos de congo,
tratar da divulgação da festa e, principalmente do oferecimento das refeições,
ou seja, garantir o banquete àqueles que participam da festa.
Os chamados festeiros tornam-se reis e rainhas durante os dias da
festividade, assumindo o papel de uma espécie de governo que tem como
função realizar e organizar a festa:
Promover a celebração da tradicional “Festa do Rosário” de
Silvianópolis, zelando pela conservação dos mesmos
costumes, estilos, tradições e cerimoniais que a caracterizam
desde seus primórdios”
53
.
Nas entrelinhas da documentação, aparecem preocupações dos
membros da Associação, com o cargo de festeiro, de que ele seja ocupado por
pessoas ativas da Associação do Rosário, e não por outras consideradas “mal
53
Ato Constitutivo e estatutos da Associação de Caridade Nossa Senhora do Rosário foi homologado aos
dois dias do mês de maio de 1965, na Casa do Rosário, conforme consta na página 32 do primeiro livro
ata da Associação.
50
intencionadas
54
”. Por essa razão, a Associação acaba por interferir na eleição
dos festeiros garantindo a nomeação de pessoas de sua confiança.
Anteriormente aos anos 70 ocorreu uma rotatividade entre os
membros da Associação e seus parentes na ocupação desses cargos, mas
com o crescimento da festa, bem como de sua popularidade, iniciou-se a
disputa por esse cargo entre moradores da cidade, mesmo não sendo
membros ativos da Associação. Motivo este de tensão em alguns momentos
entre a Associação e pretendentes a festeiros. Na década de oitenta houve a
pretensão, por parte de uma pessoa, não selecionada para assumir o festejo.
Imediatamente a diretoria se organizou e nomeou um festeiro entre os
participantes da Associação, que acompanhava a festa desde criança,
eliminando assim o outro candidato, antes mesmo da eleição do dia 13 de
junho.
Na década de setenta, por causa do aumento de voluntários
interessados a assumirem o papel de reis festeiros de Nossa Senhora do
Rosário; estratégias foram adotadas para elegê-los. Além da eleição realizada
pelos componentes da Associação, foi atribuído um valor de contribuição
55
em
dinheiro a ser oferecido pelos festeiros à Associação de Caridade de Nossa
Senhora do Rosário.
Nos dias atuais os festeiros não possuem uma taxa fixa, no entanto
devem arrecadar todo o dinheiro necessário para a realização da festa que no
ano de 2005 variava entre setenta a oitenta mil reais, quantia necessária para
54
Referente à preocupação da Associação do Rosário de ter festeiros mal intencionados, ou seja que não
garantissem a festa nos moldes tradicionais a ata do dia 13/06/1975 diz “O mesário Natalio Franco
propôs que quando o se apresentar um festeiro bem intencionado o senhor presidente nomeará os
festeiros dentro os próprios membros da Associação recaindo a nomeação nos que forem sorteados.”
55
O fim da presente reunião era a escolha por votação escrita dos festeiros para 1974. Feita a votação
foi à mesma apurada constatando-se que os nomes mais votados foram ... fica aprovado que cada
festeiro contribuirá com a importância de CR$ 600,00, devendo tal importância ser paga no dia 13 de
junho do ano da Festa.” Ata do dia 13/06/1973.
51
oferecer a alimentação gratuita, contribuir com os ternos de congo, comprar
fogos, transporte etc. Além da quantia em espécie, o festeiro também busca
patrocínio de empresários que façam doação de produtos como flores para
decorar a igreja, produtos alimentícios e qualquer prêmio que possa vender e
reverter ao festejo.
Mas mesmo estipulando valores, ainda foi necessário criar edital para
inscrição dos candidatos, no qual se determinava:
“O candidato a festeiro deverá ser residente no município,
propriedade essa ou propriedades essas, adquiridas nesta
data. Foi também aprovada por unanimidade que por
mudança de qualquer membro da diretoria para outro
município a mesma deixará automaticamente de fazer parte
da diretoria”
56
.
Ser residente ou proprietário de terras no município de Silvianópolis
MG torna-se outro fator de seleção para ocupar o cargo de festeiro, eliminando-
se assim concorrentes de outras localidades. A escolha dos festeiros tornou-se
um momento de concorrência e rivalidade gerando conflitos dentro e fora da
Associação de Caridade de Nossa Senhora do Rosário.
Ser rei-festeiro é ser capaz de organizar o festejo dentro dos padrões
exigidos, não somente pela Associação de Caridade de Nossa Senhora do
Rosário, mas ser capaz de garantir fartura de comida, muitos ternos de congo e
muita gente na cidade.
Para Dona Isabel, para ser festeiro é preciso ter boa vontade.
“Para ser festeiro a pessoa tem que ter responsabilidade, não
pode beber, nem se amaciado, assim não ter casado. Tem
que ser uma pessoa responsável. Não basta chega na
capela e querer pegar a festa, eles (membros da associação)
56
Ata de 09 de junho de 1975.
52
não dão pra quem o tem responsabilidade, se não tiver
acordo eles não dão”
57
.
Isabel expressa em sua narrativa os valores esperados de quem
assume o cargo de festeiro, valores que abrangem desde o comportamento do
dia-a-dia, como ter responsabilidade, não ser alcoólatra, até a situação mais
complexa como ser casado oficialmente.
Os valores expressados pelos depoentes em relação aos festeiros
vêm no sentido de que, ao assumir o cargo de festeiros perante a Associação e
público presente na “Casa Santa”, estes se tornam referenciais centrais da
festa de Nossa Senhora do Rosário, que representa uma tradição da cidade:
ocupam o posto mais alto da organização, denominado rei-festeiro; além do
papel organizativo da festa; terão sob sua guarda um dos símbolos mais
preciosos, a coroa de Nossa Senhora do Rosário, que tem um significado
sagrado e de poder.
Dona Fátima, festeira do ano de 2003 fala da vontade de ser festeira
pelo que significa para ela, não somente pelo prazer, mas também pela graça,
pela questão religiosa, de ter oportunidade de guardar a cora da santa.
58
“Há muito tempo eu queria fazer uma festa desta, sempre tive
muita vontade de fazer a festança do Rosário. É muito
emocionante, tudo na festa é bonito, o festeiro tem
responsabilidade. O momento marcante é na casa da Santa,
onde levamos a coroa, acompanhadas do reisado, do cortejo,
à gente no meio, os congadeiros na frente abrindo caminho e
o povo atrás. A coroa fica com a gente o ano inteiro sob
nossa responsabilidade em nossa casa, a gente guarda a
57
Isabel, 2004.
58
Ao assumir o cargo de festeiro ou festeira estes também se responsabilizam pela guarda da coroa de
Nossa Senhora do Rosário, um dos motivos de serem denominados de reis e rainhas, diferentemente de
outras localidades, onde os reis e rainhas da festa de Nossa Senhora do Rosário ou de São Benedito
possuem papel específico dentro da congada, representando os reis africanos.
53
coroa é uma graça em casa, e é a gente que vai entregar a
coroa aos novos festeiros”
59
.
Na festa de Nossa Senhora do Rosário em Silvianópolis o reinado
principal é dos festeiros que são cortejados e protegidos, pois levam consigo a
coroa da Santa do Rosário, não nas cabeças, mas em suas mãos, como reis
protetores do símbolo sagrado. Seu Cercelino também faz questão de
demonstrar em sua narrativa a diferença deste rei e rainha:
“Os reis da festa sempre teve aqui em Santana, nunca foi rei
rainha do congado, por exemplo, se a senhora fosse festeira a
senhora era a rainha da festa, os festeiros saem levando a
coroa, eles carregam a coroa na bandeja, nas mãos, em
Machado, por exemplo, é na cabeça, aqui é não “
60
.
Diferentemente de outros festejos, os festeiros tornam-se reis e rainhas
da festa de Nossa Senhora do Rosário, e são responsáveis por zelar e guardar
a coroa da santa em suas residências. No entanto, não são coroados
simbolicamente como em outras regiões e não representam o reinado da
congada.
61
O que Cercelino diz é que em Silvianópolis embora as congadas sejam
importantes para a festa, não se trata de uma festa de reis congos.
Os festeiros são denominados de reis no festejo porque se
responsabilizam pela guarda da coroa da santa e ocupam o lugar central da
festa, simbolicamente, estes são as autoridades maiores do festejo.
Ao realizar a leitura de cada entrevista, e principalmente os relatos dos
festeiros e festeiras compreende-se a importância que tem a festa de Nossa
59
Fátima - Entrevista realizada no ano de 2004, em VHS durante as atividades de preparação do
banquete na cozinha. Depoimento.
60
Cercelino, 2003.
61
Muitos ternos de congo possuem seus reis e rainhas que simbolizam a inversão de poder, onde os
negros torna-se reis e rainhas, ou representam as lutas africanas entre os reinados.
54
Senhora do Rosário para a maioria de seus participantes e está presente
também nas trajetórias de vida dos narradores desde a infância, vivida distante
da cidade, na “roça”.
“Nos morávamos na roça nas terras do meu pai, como quem
toma conta hoje sou eu. Então sempre foi mais difícil às vezes
vinha na cidade. Então hoje é mais fácil, tenho casa na cidade.
Naquela época tinha que vir na cidade aou a cavalo, então
era mais difícil, já hoje tudo é mais fácil. A gente era aquela
escadinha .
É uma nostalgia pra mim falar das festas, naquela época era
uma euforia querer junto, saber que meu pai tinha feito
uma festa que foi festeiro é muito gratificante. Foi comentado
que meu pai tinha feito uma boa festa e a segunda também
tinha sido boa. Eu nasci nessa trajetória nesse embalo”
62
.
“Parece uma coisa que ali no sangue, você ali, cada
vez mais vindo. Então faz parte da minha vida parece que
eu nasci com esse espírito de ser caçador de festas,
congadas, agora com o passar dos anos eu fui ficando mais
amadurecido. Então a de 99 que a minha mãe fez eu
participei ativamente, porque a que ela fez em 78 eu era um
mulecote, tinha nove anos. Então não tinha noção de ajudar.
Então a de 99 que a minha mãe fez eu já era mais
amadurecido. E com o passar dos anos, fui pegando gosto, de
querer um dia fazer festa”
63
.
Vinculado a uma prática familiar experimentada desde criança, onde seu
pai e sua mãe assumiram a festa por várias vezes; Edivaldo foi adquirindo o
gosto de um dia querer fazer a festa.
“É eu esperei vinte anos, vinte anos que eu tenho essa ilusão,
vamos pensar assim, era uma ilusão, eu não pensava que ia
conseguir, pois tinha gente mais famosa interessada. A gente
tem aquela ilusão de um dia alguém falar ele é o melhor, ele
fez a melhor festa”. Não, eu não quero fama. É uma coisa que
vem da minha infância, de querer fazer a festa como meu pai
e minha mãe fazia”
64
.
Edivaldo expressa a opinião que pode haver a possibilidade de um
favorecimento às pessoas mais ricas em ser festeiras.
62
Edivaldo, 2004.
63
Idem.
64
Idem, Ibidem.
55
O significado de ser festeiro para Edivaldo ultrapassa as fronteiras de
buscar visibilidade entre os moradores da cidade. Em sua narrativa faz questão
de se diferenciar de outros festeiros dizendo que o que importa é a tradição
vivida em família e não a fama.
Dona Valquíria em suas lembranças também faz referência à trajetória
familiar:
“Pra você ver o meu sogro, meu sogro tinha tanta paixão por
essa Festa, a gente se espelha muito nele sabe! Então ele
chegava, e ele faz aniversário em outubro né! A gente dava
presente no aniversário, dava de natal, dia dos país, ele não
usava nada! Cadê o chapéu que nós demos? “Ah vou guarda
pra Festa do Rosário”... e a minha sogra também tudo era
para festa do Rosário! Então essa Festa é muito é importante
pra nós, uma Festa de amor mesmo, que meu marido viveu
desde criança e se dedica muito a Nossa Senhora.”
65
O depoimento de Valquíria traz a imagem de familiares lembrados pela
dedicação ao festejo. E mesmo não vivenciando a experiência desde criança,
Dona Valquíria, ao se casar, passou a fazer parte da festa de Nossa Senhora
do Rosário, juntamente com seu esposo, de família tradicional da cidade,
sempre ligado às práticas do festejo, na infância ou mesmo na fase adulta. O
sentimento de ser festeira para Valquíria é uma mistura de fé, trabalho e lazer.
Como apresentamos, a organização do festejo envolve estratégias
diversas que trazem consigo alegrias e descontentamentos, pois assumir a
responsabilidade de organizar a festa de Nossa Senhora do Rosário, se por um
lado pode significar poder, status; por outro lado significa muito trabalho.
“A associação escolhe os festeiros, depois quem se vira é
os festeiros. Tira-se esmola, se não tirar é obrigado a fazer a
festa e entregar a coroa. Uma festa boa é os festeiros alegre,
satisfeito, tratar de todo mundo, alegre e satisfeito. Ocê o
65
Valquíria Elizabeth Correa. Entrevista realizada no ano de 2005, na cidade de Silvianópolis- MG, no
barracão durante os preparativos da festa. História de vida.
56
pode fazer cara feia pra ninguém, ocê pode tá trincando de dor
de cabeça mais... num pode... ninguém tem nada com isso”
66
.
“A Associação é falhissíma, falha totalmente! Isso eu falo, falo
pra ela, falo pra qualquer um, falha totalmente! Porque eu
acho que eles deviam dar uma retaguarda o ano inteiro, eles
têm o ano inteiro, o ano inteirinho pra fazer”
67
.
Tanto dona Isabel como Valquíria ex-festeiras do festejo na cidade de
Silvianópolis, afirmam que ocupar o cargo central é sinal de muita labuta, e o
sentimento de falta de ajuda dos membros da Associação é comum entre as
lembranças, evidenciando certo nível de tensão.
Para os depoentes, ser festeira ou festeiro envolve atividades diversas,
desde a responsabilidade da organização à realização da festa que é dos
escolhidos a ocuparem as cadeiras marcadas, de rei e rainha, em local de
destaque na cerimônia.
66
Isabel,2004.
67
Valquíria Elizabeth Corrêa. Entrevista realizada no ano de 2005, na cidade de Silvianópolis- MG, no
barracão durante os preparativos da festa. História de vida.
57
Imagem 06: ROSARIO, Gustavo do. Festeiros do ano de 2004, Edivaldo e sua esposa sentados na cadeira
de rei e rainha a espera da cerimônia de entrega da coroa aos festeiros do ano de 2005.
No dia 13 de junho e no último final de semana do festejo é quando os
denominados reis e rainhas, os festeiros, sentam-se em seus lugares de
destaque, reservado pela Associação aos seus escolhidos, em meio à multidão
que espera para conhecer os nomeados e responsáveis pelo festejo.
Assumir a festa exige muito tempo e dedicação, que envolve em
diversas atividades seus amigos e familiares; como por exemplo: na
arrecadação das chamadas esmolas na área rural e urbana, na organização e
realização dos bingos e dos bailes.
“Começa a tirar as esmolas desde janeiro; então você vai pras
roças e tudo lugar. Mas esse ano a chuva nos atrapalhou,
porque choveu muito, deu uma atrasada nas esmolas né!
Essa é à parte que eu gosto, que eu adoro, ir às fazendas,
conversar com o povo, pedir as doações, povo que é muito
bom”
68
.
“Pra fazer a festa tem que ir tirando esmola né... Então você
tem que estar em todos os lugares. Para convidar todo mundo
e divulgar um pouco a festa. Porque o tempo que você
trabalhando, você divulgando a festa também. Tem que ter
um planejamento, fazendo uma coisa e no mesmo tempo,
outra. O povo dá. Você vai no município todo. A pessoa o
que pode.
O festeiro geralmente não determina o que pede. O festeiro
não exige geralmente. Um dez reais, outro uma saca de
arroz, uma leitoa, outro um pacote de açúcar. Então é o que a
pessoa pode dar de livre espontânea vontade. Eu chego e
peço uma ajuda pra festa de Nossa Senhora do Rosário,
você dá o que pode”
69
.
“O trabalho é muito pesado, mas é muito gratificante sim. Mas
que não é fácil, não é! A gente enfrenta muito barro, muita
chuva, passa fome; porque você sai cedo, então levava dois
lanche pra cada um. Então ficava o dia inteirinho com fome
sabe! Voltava só a noite, toda lambuzada”
70
.
68
Valquíria, 2005.
69
Edivaldo, 2004.
70
Zélia Corrêa. Entrevista realizada no ano de 2005, na cidade de Silvianópolis- MG, no barracão durante
os preparativos da festa. História de vida
58
Valquíria, Zélia e Edivaldo, em suas narrativas dizem que o coletar as
esmolas é o momento de mobilizar a população para a festa, de criar o clima
de que o festejo é importante. Na coleta de esmolas, os festeiros e seus
colaboradores têm contato com um grande número de pessoas, o que é uma
tradição, mantida em muitas festas religiosas; embora em algumas delas a
atividade de tirar esmolas seja apenas simbólica, pois o dinheiro vem de outro
lugar.
Os festeiros, ao rememorarem suas experiências para a realização da
festa, valorizam suas ações e fazem questão de destacar que o trabalho é
realizado de forma intensa e que saem da rotina cotidiana; por passarem a
maior parte do tempo de suas vidas arrecadando donativos para a festa.
A busca de doações, como observamos no caderno de esmolas
71
apresentado por alguns festeiros, e também presente nas narrativas orais é
uma das principais funções dos festeiros, e exige disponibilidade de tempo,
dedicação e disposição física, para a realização deste trabalho corpo a corpo,
de visita às fazendas, aos moradores da área rural e urbana, enfrentando
estradas de terra, chuva, lama. Esse contato dos festeiros com seus
colaboradores ajudam a colocar a festa na ordem do dia.
O caderno de esmolas é onde os festeiros registram as doações
recebidas e o nome dos contribuintes. As doações geralmente são de espécie,
alimentos ou objetos de utilidade para a festa. Ter o nome registrado no livro de
esmolas é uma forma de demonstrar que também contribuíram para
homenagear a santa de sua devoção ou para a realização de um evento
71
O livro de esmolas onde registram parte das doações funciona como uma espécie de livro ouro, é um
caderno de brochura que acompanha os festeiros na coleta de dinheiro e alimento.
59
tradicional na cidade, ou ainda de demonstrar apreço e consideração pelos
festeiros e reconhecimento pelo seu trabalho.
60
Imagem 07: ROSÁRIO, Gustavo. Carne recebida através de esmolas, descongelando na mesa da cozinha para
uso com batata. 2004
Imagem 08: ROSÁRIO, Gustavo. Alimentos
na dispensa do barracão, recebidos como
esmolas pelos moradores e comerciantes da
cidade, variando assim as marcas, podendo,
por exemplo, ser a farinha, o arroz, o feijão
de vários tipos. 2004.
Como foi possível perceber, a função de festeiro (a) é uma atividade
desenvolvida praticamente o ano todo, pois ao assumir o cargo no mês de
junho, este (a) já deve se organizar, ou planejar como nos conta Edivaldo “Tem
que ter um planejamento, fazendo uma coisa e no mesmo tempo, outra”,
pois é através das esmolas que é possível a realização da festa, no entanto,
não o suficiente, devendo os festeiros realizar diferentes atividades para
arrecadarem fundos, verbas para a efetivação do festejo:
“Aqui o povo é bom, se você pedir um bezerro, uma vaca, um
bezerro pra um fazendeiro. Durante o ano, faz uma rifa, um
leilão, um bingo, faz alguma coisa; aqui é uma cidade carente
de diversão. Queira ou não queira é uma festa grande que
repercutindo em todo lugar”
72
.
Estratégias como a realização de um bingo, um leilão ou até mesmo um
baile é possível para arrecadação de fundos durante o ano.
A festa oferece à cidade, não oportunidade de lazer, possibilitando a
criação de espaços diversos de sociabilidade e congraçamento, mas também
um momento ímpar de visibilidade pública na região. A festa é, sem dúvida, um
momento importante de suspensão e ou atenuação temporária de tensões e
disputas que envolvem o viver urbano.
A participação dos moradores da cidade é fundamental em todas as
atividades relacionadas ao festejo de Nossa Senhora do Rosário, para que se
possam adquirir os bens necessários para a concretização do evento, que é
esperado por todos durante o ano inteiro. Considerada a maior festa da região,
esta é um momento de lazer, fé e de encontro de familiares e amigos,
chamados de filhos da terra.
72
Zélia, 2005.
61
A presença dos patrocinadores também é visível no barracão, através de
seu material de propaganda. A festa lhes a oportunidade de conquistar
novos clientes, angariar simpatias, melhorando sua imagem de empresas
integradas à comunidade.
O barracão foi construído pela Associação de Caridade de Nossa
Senhora do Rosário na rua Maximiliano Mendes, em um terreno de
aproximadamente 500m², ao do morro e próximo ao rio Lava s, que
divide a cidade entre centro e bairro.
Na entrada, um portão de correr que acesso ao pátio, em cada lado,
uma espécie de alpendre com um parapeito de mais ou menos um metro de
altura. No meio do terreno um galpão que ao abrir a porta tem-se acesso a um
corredor, cuja parede do lado direito tem quatro portas que levam aos
refeitórios dos congadeiros; do lado esquerdo uma porta que leva à cozinha,
uma espécie de cobertura grande, que se comunica diretamente com o quintal.
Ao fundo deste um quartinho comprido serve como dispensa.
Para melhor conhecermos o espaço do barracão apresentamos algumas
imagens e uma planta esquemática:
62
63
Imagem 09 : ROSÁRIO, Gustavo. Portão de entrada do barracão que dá acesso ao pátio e alpendres. 2004.
Imagem 10: ROSÁRIO, Gustavo. Visão geral do pátio, alpendres e galpão ao fundo. 2004.
64
O barracão fica todo enfeitado com materiais de propaganda das
empresas que patrocinam parte da festa: faixas, bandeirolas, cartazes de
bancos e marcas de produtos alimentícios como macarrão etc. Casas de
comércios locais financiam os outdoors, folder, e demais matérias de
divulgação da própria festa. Algumas delas às vezes contribuem com tecidos e
aviamentos para confecção das roupas dos congadeiros.
O envolvimento dessas empresas com o festejo é uma prática cada vez
mais recorrente e que acompanha o crescimento da cidade. Em décadas
passadas não havia a presença desses patrocinadores, contudo as esmolas
eram mais fartas devido à abundância da produção de alimentos na área rural.
A festa era mais silvianapolense, isto é, mais regionalizada.
65
Imagem 11: ROSARIO, Gustavo do. Vista da entrada do barracão / galpão que acesso aos refeitórios dos
congadeiros. 2004.
A busca de patrocinadores e a realização de atividades diversas, com o
objetivo de arrecadarem fundos e esmolas, tem o intuito principal de garantir a
distribuição gratuita das refeições aos congadeiros, participantes da festa e de
todos aqueles que comparecem ao barracão, seja como personagens ativos da
festa ou como observadores.
Nos dias de festa, dia 13 e no último final de semana do mês de junho o
barracão se abre logo bem cedo, para o café dos congadeiros que chegam
após a alvorada. Ao meio-dia é servido o almoço a todos os visitantes que
comparecem ao barracão no alpendre, situado ao lado esquerdo do pátio. E
nos quatro refeitórios já referidos, é servido o “banquete” aos congadeiros.
Esse momento do almoço é também marcado pela chegada dos ternos
de congo ao barracão e são compostos por dezenas de pessoas, podendo
chegar em torno de cem participantes. Diferentemente dos outros convidados,
os ternos de congo participam do banquete nos refeitórios próprios, separados,
onde grandes mesas, sobre as quais se colocam as panelas de comida,
refrigerantes que são servidos em pratos, talheres e copos que não são
descartáveis. Os auxiliares, festeiros e cozinheiros se preocupam em manter
sempre a mesa farta para que todos os congadeiros possam se alimentar à
vontade. Embora a refeição dos congadeiros receba o nome de “banquete”, a
comida é a mesma servida no alpendre do pátio.
Após o almoço segue - se um período de descanso até às quinze horas
quando os congadeiros iniciam a formação do cortejo para a subida até a
“Casa Santa”, onde será efetuada a escolha dos festeiros.
Garantir a alimentação a todos é mais que uma obrigação, ou
responsabilidade, tem o significado de tradição de mais de duzentos anos,
66
tradição esta que envolve diferentes personagens; pois além dos festeiros, dos
patrocinadores, também a participação daqueles que se responsabilizam
pela cozinha, pelo feitio do alimento, da produção dos doces, do descascar das
batatas e até mesmo por garantir a boa qualidade e higiene dos alimentos.
O momento das refeições é reconhecido pelos participantes da festa
como um grande banquete, onde fartura dos pratos, demonstrando a
hospitalidade silvianapolense e, principalmente, dos festeiros que representam
nesse momento os donos da casa. Para a realização das refeições é
necessário habilidades, jeitos de fazer, saberes, como por exemplo, cozinhar
no tacho para mais de mil pessoas, adicionar farinha para engrossar o caldo do
feijão e lavar as panelas com carvão para deixá-las brilhando.
Tais saberes são visíveis no espaço da cozinha dentro do barracão,
onde o principal personagem é o cozinheiro que coordena todas as atividades
e os ajudantes, auxiliares de cozinha que são compostos por homens e
mulheres que têm a função de descascar batatas, limpar, cortar legumes e
verduras, manter os utensílios limpos como os grandes tachos e colheres de
pau que são utilizados no fogão à lenha feito de cimento, construído ao chão.
67
68
Imagem 12: ROSÁRIO, Gustavo do. Fogões e tachos que são utilizados para feitura dos alimentos na festa de Nossa
Senhora d0oRosario. 2004.
Imagem 13: ROSÁRIO, Gustavo do. Cozinheiro e ajudante preparando a carne com batata para ser servido aos
participantes do festejo. 2004.
O espaço da cozinha reflete práticas culturais diversas em torno da
alimentação da Festa do Rosário. Toda a movimentação da cozinha e da arte
de cozinhar está ligada ao trabalho dos festeiros e de suas arrecadações, pois
o cardápio é definido por eles e pelo festeiros e cozinheiro, principalmente pelo
que se recolheu nesses meses de andanças.
práticas alimentares que são mantidas desde os primórdios da festa,
como por exemplo, servir o feijão com pedaços de pele de porco, o chamado
toucinho, arroz e carne de porco, acompanhados de doces caseiros. Cardápio
este que vem sendo acrescido de novos alimentos, mas é de praxe garantir a
fartura de salada, carne de boi, frango ou porco, farinha de mandioca ou
macarrão.
69
Imagem 14: ROSÁRIO, Gustavo do. Equipe de trabalho da cozinha no dia de festa. Primeiro a esquerdo festeiro do
ano de 2004, seguido do cozinheiro e auxiliares de cozinha. 2004
“O cardápio da festa é o mesmo, a gente acrescenta quando
tem. É sempre arroz, feijão com torresmo de pele, bacon,
salada de alface e tomate, dificilmente tem grandes variações,
é sempre arroz, batata com carne, macarrão, feijão com carne
de porco é assim e tudo isso é feito com prazer, com honra”
73
.
O cardápio da festa de Nossa Senhora do Rosário mantém sempre um
perfil parecido, baseado no que se tem e se recebe, que é organizado pelos
cozinheiros e auxiliares. É possível perceber que a arte do banquete e do feitio
do alimento estão ligados aos modos de vida dos homens e mulheres que
colaboram com a festa, principalmente à economia desses trabalhadores e
suas práticas culturais cotidianas. As esmolas são doadas pelo que se tem,
que se cultivam ou se criam em suas terras ou casas, formando, de suas
doações, o prato servido nas refeições do festejo.
Recepcionar e servir bem os filhos e convidados que retornam à cidade
de Silvianópolis nos dias de festa, é fundamental para os moradores da cidade,
assim o cozinheiro passa a ter uma grande responsabilidade em suas mãos,
garantindo através de seus temperos e ingredientes mineiros como a banha de
porco, muito alho e condimentos, o aroma que invade as proximidades do
barracão e o sabor típico mineiro de comida no fogão à lenha, tornando
irresistível o apreciar e saborear dos visitantes e moradores, como podemos
perceber na fala de seu Roberto:
“A comida tem que ser cheirosa e gostosa, pra isso tem refoga
bem na banha de porco, junto com sal, cebola e alho, ai depois vai
colocando os outros ingredientes se for farofa a gente coloca
azeitonas bem picadinhas que as ajudantes picam bem
pequenininho, cheiro verde, cebolinha e salsa, milho, ervilha e
farinha de mandioca, tudo em cima da carne bem refogadinha e
miúda”
74
.
73
Roberto. Entrevista realizada no ano de 2004, em VHS na cozinha do barracão durante o feitio dos
alimentos. Depoimento.
74
Idem.
70
A arte de cozinhar e seus segredos culinários ficam expressos na fala de
seu Roberto, cozinheiro da festa de Nossa Senhora do Rosário e de muitas
comemorações importantes de algumas famílias da cidade, como casamentos
e batizados. O cozinheiro é aquele que controla o momento adequado de
desligar ou abaixar o fogo, de provar os alimentos, de tampar ou destampar a
panela do feijão que vai cozinhando horas e horas no tacho, sendo mexido
suavemente em tempos esporádicos pelo ajudante ou pelo próprio cozinheiro.
Na maioria das vezes, do sexo masculino, em função do esforço braçal ao
comandar em movimentos circulares as grandes colheres de madeira,
atividade esta necessária principalmente no tacho do arroz que deve fritar bem
antes de colocar a água quente; da carne que fica mais grossa ao acrescentar
a batata e do feijão que é em maior quantidade, cozido e temperado no grande
tacho de ferro.
Importante observar que as atividades do barracão são acompanhadas
de perto pelos festeiros, pelas mulheres festeiras, que assumem o papel de
supervisionar e verificar todas as atividades, principalmente a de cozinhar, que
é um momento que aproxima as pessoas e cheio de expectativa de que tudo
dê certo.
As mulheres e homens festeiros são parte integrante e ativa da cozinha
que inicia os trabalhos na noite anterior ao banquete, escolhendo o feijão,
batendo o arroz, cortando as batatas e, no meio da madrugada, acendendo,
colocando a lenha e fogo nos fogões para iniciar o cozimento a tempo hábil das
doze horas do dia seguinte; momento este que se inicia a distribuição dos
alimentos aos congadeiros e à população.
71
Além do almoço abundante, uma farta distribuição de doces típicos
da cozinha mineira no alpendre do lado direito do pátio. Baldes de 20 quilos,
colocados sob uma grande mesa são servidos em copos descartáveis.
“Estamos fazendo o doce desde semana retrasada, faz
quinze dias depois de amanhã, isso é os doces do dia 13 da
subida do mastro. Agora pra outra festa, o dia do reisado a
gente vai fazer mais, vai fazendo toda noite e guardando, pois
eles não estragam quando ficam no ponto, é doce de roça’’
75
.
Os doces são preparados com antecedência por doceiras da cidade que
definem o cardápio referente às sobremesas a partir dos tipos de frutas
recebidas como doação. As especialidades da festa são os doces de abóbora,
mamão, mamão em pedaço, casca de laranja, cidra, batata-doce, e, quando
possível, doce de leite.
“Eu e outra mulher, a Tereza, fizemos todos os doces. Faz
tudo no panelão. Casca de noite; vem uma turma de
ajudantes, conhecidos, amigos, pra descascar, picar e durante
o dia eu e a outra doceira vem pra cozinhar. Passamos sabão
e cinza nas panelas de alumínio, como nossos pais faziam.
Põe no fogo, depois tira e lava. Precisa ver que beleza gasta
muito sabão de pedra, mas as cinzas e o sabão deixam as
panelas brilhando de novo pro outro dia a gente fazer mais
doce”
76
.
Organizar e preparar a produção dos doces é uma das atividades muito
importantes do festejo, pois é em torno de afazeres como estes que se
aglutinam homens e mulheres de diferentes gerações e famílias que têm
contato com o festejo desde décadas passadas.
75
Isabel, 2005.
76
Idem.
72
Como demonstramos, a realização do banquete envolve inúmeras
pessoas (festeiros, cozinheiros, auxiliares de cozinha e limpeza, controladores
da entrada e saída do barracão...). No entanto, é importante observar que
todos estes demonstram preocupação com a garantia, com a boa qualidade da
alimentação, não por respeito aos participantes mas também pela vigilância
sanitária.
A gente acompanha a festa dando uma mão, ajudando,
vendo como está sendo preparado os alimentos, evitando
assim complicações, para não dar problemas. Eu venho pela
prefeitura, mas principalmente por mim, eu gosto da festa, eu
ponho a mão na massa.
Eu participo da festa desde quando eu nasci. Aqui dentro do
barracão estou a quatro anos. A festa pra mim é muito
importante pra resgatar valores familiares, tradição, reuni
famílias e amigos. Os problemas da vigilância sanitária a
gente vai resolvendo aos poucos, o maior deles é estrutura, o
barracão, a cozinha; mas está melhorando a cada ano, o
serviço é grande, mas eu me sinto muito bem aqui e a gente
não tem problemas com a higiene; tudo é muito bom, de
qualidade”
77
.
A preocupação da vigilância sanitária com a higiene se deu a partir de
um caso de contaminação alimentar, ao servirem uma salada de maionese,
que levou dezenas de pessoas ao hospital municipal da cidade e da região.
Desde então, tal produto não é utilizado nas refeições do festejo, e as sobras
de comida são eliminadas.
A Associação de Caridade de Nossa Senhora do Rosário tem a
preocupação em melhorar as condições do barracão.
77
Júnior - Nome fictício. Entrevista realizada no ano de 2005, na cidade de Silvianópolis - MG, no
barracão durante os preparativos da festa. Depoimento.
73
O servir das refeições segue um ritual importante, os primeiros a serem
atendidos sempre são os ternos de congo, recebidos com prestígio e
diferenciados dos outros convidados, pois estes, com muito respeito e
organização glorificam, agradecem e em orações cantadas e faladas que
fazem parte do ritual da festa.
74
Imagem 15: DOMINGUES, Andrea S. Alpendre do lado direito do pátio onde fica o barracão, servindo os doces aos
participantes. 2004
75
CAPÍTULO II
“A festa da igreja para os padres, e a festa da Nossa Senhora do
Rosário para as pessoas do cativeiro”
78
.
“Calcula-se que desde 1780, o Padre
Manuel Negrão, foi transferido de
Guaratinguetá-SP, e fundou a Irmandade,
hoje a Associação de Nossa Senhora do
Rosário e deu início à primeira festa”
79
.
Pensando as Irmandades como expressão de identidade e cultura,
cruzando documentações da Associação de Caridade de Nossa Senhora do
Rosário, registros do livro tombo da paróquia da cidade de Silvianópolis e
depoimentos orais, foi possível refletir sobre os espaços de sociabilidade e
sobre a devoção criada na experiência da festa, permitidos ou reprimidos pela
igreja católica e sobre a constituição da Irmandade hoje Associação de
Caridade de Nossa Senhora do Rosário neste município.
A paróquia de Silvianópolis que no culo XVIII pertencia à
província de o Paulo já incluía em seu calendário eclesiástico a festa de
Nossa Senhora do Rosário.
As referências à organização do festejo em homenagem a Nossa
Senhora do Rosário aparecem desde 1786
80
, no entanto a Irmandade do
Rosário aparece citada na documentação do livro tombo da paróquia de Santa
Ana
81
, principalmente na década de vinte, momento em que tensões
constantes entre os membros da Irmandade e os representantes da igreja
78
Afonsina Patrício de Moraes. Entrevista realizada no ano de 2004 na cidade de Silvianópolis- MG, em
sua residência. História de vida.
79
Extraído do texto: de Carlina de Moraes Dutra, intitulado “Festa do Rosário em Silvianópolis, antiga
Sant’Ana do Sapucaí” do ano de 2000, localizado na Associação de Caridade de Nossa Senhora do
Rosário.
80
Livro de tombo 29 de novembro de 1786, documento assinado por Padre pároco responsável Manuel
Lescura Banher 1901-1955, localizado na paróquia de Silvianópolis-MG,
81
Santa Ana – padroeira da cidade.
76
católica. Contudo conseguimos localizar no acervo da Associação um
certificado expedido pela Irmandade do Rosário, cuja data parcialmente
ilegível, permite apenas a verificação do século em que foi expedido, este do
século XVIII.
Importante ressaltar que em 1937 a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário passou a se chamar Associação de Caridade de Nossa Senhora do
Rosário, conforme consta em seu primeiro livro de Ata com abertura em 13 de
junho, passando então os registros desta instituição a serem lavrados e
organizados pela denominada Associação.
Os objetivos da Associação de Caridade de Nossa Senhora do
Rosário eram de:
“Promover a caridade entre os menos favorecidos, o culto a
Nossa Senhora do Rosário nos estilos tradicionais e a
celebração da tradicional da festa do Rosário, zelando pela
conservação dos mesmos costumes, estilos, tradições e
cerimoniais que a caracterizavam desde os primórdios”
82
.
O mesmo documento dedicava-se a descrever a hierarquia
administrativa e as atribuições de cada membro, sendo este composta de:
presidente, vice-presidente, secretário, tesoureiro e um conselho de dez
membros.
O presidente era quem resolvia todas as questões administrativas e
representava a Associação judicial e extrajudicialmente, o vice-presidente
substituía o presidente em sua ausência, ao secretário competia às questões
burocráticas (organização de livros e arquivos), ao tesoureiro a guarda dos
bens veis e bancários. Ao conselho bem como a todos os membros da
82
Ato constitutivo e estatuto da Associação de Caridade de Nossa Senhora do Rosário, art.2º.
77
diretoria competia votar nas reuniões para tomada de qualquer decisão e
deliberação.
A juízo da diretoria, poderiam ser aceitos como sócios, pessoas
considerada idôneas, maiores de 18 anos de idade, que se dispunham a
contribuir para a Associação, pagando uma anuidade
83
fixada pela diretoria e
prestando os serviços necessários para que a Associação atingisse seus
objetivos
84
.
Desde o início as reuniões da Associação acontecem anualmente, por
ocasião do mês de junho, no dia 13 de junho (início da festa) para eleger os
festeiros do próximo ano e, no último final de semana do mês de junho para
encerrar o festejo e repassar a responsabilidade da festa aos novos eleitos.
também reuniões extraordinárias que são convocadas pelo presidente; em
cujas atas percebemos um detalhe importante: oferecimento de um
sepultamento considerado digno aos associados e familiares (esposa e filhos),
para o qual todos os membros da Associação são convidados “a velar velar,
rezar e enterrar o falecido”
85
. Oferecer aos membros uma cerimônia fúnebre
digna torna-se mesmo não oficialmente, uma das atribuições da Associação
86
.
A pesquisadora Marina de Melo e Souza ao discutir as irmandades
diz:
“As irmandades de “homens pretos”, espaços que permitiam
um maior controle sobre os africanos escravizados e seus
descendentes, cativos ou livres, ao mesmo tempo em que
possibilitavam o desenvolvimento de relações específicas a
83
Na ata de 16/06/47, o aceite pela diretoria de um número de 24 novos membros na Associação
onde nesta mesma data se propõe: “Pela diretoria foi feita à proposta de ser a taxa de (ilegível parece
94,00) anuidade de associados elevada para CR$ 200, proposta esta aceita não pela diretoria como
também por grande numero de associados.”
84
Art. 13 Dos sócios do Ato constitutivo e estatuto da Associação de Caridade de Nossa Senhora do
Rosário.
85
Por exemplo: Ata da Associação do Rosário de 13 / 06/ 1978.
86
Ver: REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX.
São Paulo: Cia. das Letras, 1991.
AMARAL, Raul Joviano do. Os pretos do rosário de São Paulo. São Paulo: Alarico, 1954.
78
estes grupos, que nelas encontravam formas de afirmação
social e cultural, foram lugares nos quais as eleições de reis
negros e as comemorações que as acompanhavam atingiram
maior complexidade e significação “
87
.
A autora aponta o caráter ambivalente das irmandades, se por um lado
se constituíam como espaço de controle, por outro possibilitavam formas de
afirmação social e cultural dos negros.
Mesmo nos dias atuais, guardadas as diferenças de tempo e
circunstâncias, essa ambivalência se mantém. A análise da festa de Nossa
Senhora do Rosário em Silvianópolis, também aponta para esse caráter
ambivalente.
Dona Isabel afirma:
“Veio para Silvianópolis um padre de Taubaté,
Pindamonhangaba, e ele incentivou. A escravidão
principalmente aqui era muito forte, pela extração do ouro. Ele
para cristianizar, fazer uma catequese, misturou ... trouxe
para a tradição da festa de reis, a congada, por ele ter sido
padre na região de Pindamonhangaba ele conhecia,
certamente ele gostava dos grupos e vindo pra cá, vendo que a
ascendência de raça negra era muito grande, ele organizou, ele
simplesmente incentivou aquilo que possuíam e levou em
frente”
88
.
Dona Carlina lembra:
“Porque naquele tempo, a nossa paróquia tinha sido criada pelo
bispado de São Paulo. Porque Silvianópolis pertenceu a
Pouso Alegre, Pouso Alegre pertenceu a Silvianópolis, uma
coisa assim, essa coisinha entre cidade.
Então nessa época, esse padre sendo paulista; ele foi
designado pra vir para a nossa terra, pra nossa paróquia. E ai o
padre Negrão deu início a esta festa, em 1780, com todo o ritual
trazido de Guaratinguetá.”
89
Edivaldo já nos diz que a igreja vai suprir a falta de fé:
87
SOUZA, 2002, p. 251.
88
Isabel, 2004.
89
Carlina, 2005.
79
“Essa festa já vai completar 224 anos nesse ano. Então é uma
coisa que é mais velha que a “lei Áurea”, né. Então veio
passando de geração para geração. Porque esse movimento
vem dos nossos antepassados, dos negros, da época dos
escravos. Eles não tinham algo pra fazer. Então o padre
Manoel trouxe, fundou esse movimento na época da
escravidão. Era maneira deles adorar alguma coisa né”
90
.
Dona Afonsina, ao rememorar diz:
“A festa é do cativeiro; foi deixado por Deus para os homens
pretos no cativeiro. E a igreja criou a Irmandade para levá os
homens que trabalhava nas minas, pra eles poderem reza
sem sofrê”
91
.
Ao falar do festejo de Nossa Senhora do Rosário na cidade de
Silvianópolis, torna-se recorrente na memória dos depoentes a referência à
origem remota (século XVIII) e cristã da festa, sempre realizada por iniciativa
de um padre que tentava catequizar os negros.
A historiadora Laura de Mello e Souza
92
apontava que a preocupação
da igreja católica em delinear o que é sagrado e o que é profano, e em
estabelecer os parâmetros dentro dos quais deveria ocorrer a relação da igreja
com os escravos negros e com a população em geral, remonta ao período
colonial. Os registros no livro tombo (1922) da paróquia de Silvianópolis
denotavam tal preocupação. Considerando a festa como um momento de
conflito entre os membros da Associação e representantes da igreja, o referido
documento tentava demonstrar que a festa de Nossa Senhora do Rosário era
um evento no qual os costumes eram considerados profanos, como a “prática
das jogatinas, esbanjamento de dinheiro dos fiéis em comidas e bebidas”
93
.
90
Edvaldo, 2005.
91
Afonsina ,2004.
92
SOUZA, Laura de Mello e. Religiosidade popular na colônia. In: O diabo e a terra de Santa Cruz. São
Paulo: Cia. das letras, 1987. p.86-156.
93
Registrado no livro de tombo da paróquia de Santa Ana, na cidade de Silvianópolis, datado em 18 de
janeiro de 1922, p. 109.
80
No ritual da festa, momentos de manifestação do sagrado (orações,
novenas, promessas...) e do profano (jogos nas barracas, bebidas, danças...)
que se mistura, se entrelaçam, com ou sem a permissão da igreja.
O sagrado e o profano não se excluem, embora sejam formas diferentes
de representarmos à realidade; pois o homem religioso segundo Mircea Elíade
crê, além disso, que a vida tem uma origem sagrada e que a existência
humana atualiza todas as suas potencialidades na medida em que é religiosa,
ou seja, participa da realidade”
94
.
É significativo perceber a insistência dos depoentes em afirmar que a
festa de Nossa Senhora do Rosário iniciou-se com a intervenção da igreja
católica na figura de um padre
95
, como estratégia, ora de controle, ora de
catequese dos escravos e negros.
Documentos de época nos permitem afirmar a existência de situações
de conflitos entre os preceitos da igreja e as práticas, rituais dos negros na
celebração da festa.
“Esteve em visita à paróquia, de 17 a 29 de novembro de
1786, o padre Manoel Lescura Banher, vigário de
Guaratinguetá e visitador ordinário do bispado de São Paulo.
Notou esse visitador que o 1º livro tombo
96
estava em péssimo
estado e ordenou que fossem transladados para outro livro
novo o termo da devolução da paróquia ao bispado de São
Paulo e <<hum capitulo de vizita a respeito do sempre
abominável, péssimo e terrível uso dos batuques, cujo capitulo
94
ELÌADE, Mircea. O sagrado e o profano. A essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
p.163.
95
Na obra organizada pelo Cônego João Eustides de Oliveira, que relata a história de todas as paróquias
ligadas à diocese de Pouso Alegre observa-se que o padre Manoel Negrão do Monte Carmelo,
responsável pela organização do festejo de Nossa Senhora do rosário, permaneceu em Santa Ana no
período de 1780 a 1795.
Ver: OLIVEIRA, Cônego João Eustides de (org). A Diocese de Pouso Alegre no Ano Jubilar de 1950.
Pouso Alegre: Tip. Da Escola Profissional, 1950.
96
Xérox do Livro tombo 1766- 1797. O primeiro livro tombo da paróquia de Silvianópolis antiga Sant’ Anna
do Sapucahy ainda encontra-se de posse da cúria do município de Pouso Alegre, e sem acesso por
pesquisadores por estarem em fase de organização do arquivo da Cúria; mas mesmo não tendo contato
com o tombo original realizamos a leitura de uma cópia xerocopiada que permitiu observar que os
registros eram em sua grande maioria de transcrições de cartas recebidas de príncipes e bispos, mas de
impossível leitura detalhada pela má preservação e qualidade do material.
81
he mandado observar nessa freguesia ...>>> notou ainda que
não havia confrarias, mas existiam bens pertencentes a
Nossa Senhora do Rosário”
97
.
Fica patente neste documento o desagrado que os batuques
provocavam no clero.
O conflito entre os membros da igreja e os participantes do festejo é
reafirmado, não apenas pela posse de bens, mas também pelos costumes e
diferentes maneiras de como realizar a comemoração.
Os costumes dos homens negros, escravos e suas congadas
provocavam sentimentos de abominação por parte dos representantes da
igreja que visitavam a cidade.
A Irmandade existente, pelo menos desde 1788, posteriormente
transformada em Associação de Caridade de Nossa Senhora do Rosário,
tornou-se um espaço de preservação das tradições dos homens negros, onde
poderiam recriar seus costumes, laços comunitários, identidades grupais,
possibilitando a aceitação dos negros e de suas diferenças, ainda que
excepcionalmente em situação de festa.
As tensões entre as autoridades eclesiásticas e os membros da
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário passavam pelas disputas sobre a
realização da festa.
“Faça constar que no dia 06 de janeiro tive uma conferencia
com os Srs irmãos que compareceram a Directoria da
irmandade de Nossa Senhora do Rosário, ficando todos eles
serem à vontade do Senhor Bispo e dos propósitos que tinha
que mandar o procedente portaria. Exepetuamo dois irmãos
que se manifestaram respeitosos e obedientes para as
disposições da Autoridade Diocesana, todos os outros deram
signaes de mau espírito e de estarem dispostos a não
obedecer no mandato de expressão da Festa da irmandade de
Nossa Senhora do Rosário no mês de junho. Chamei-os a
97
OLIVEIRA, Cônego João Eustides de (org). A Diocese de Pouso Alegre no Ano Jubilar de 1950. Pouso
Alegre: Tip. Da Escola Profissional, 1950.p. 2002.
82
considerar severamente o proceder deles, protestando esse
facto, contra aquelle acto de rebeldia manifestada por aquelles
que mais deviam salientar se na Parochia pelo fervor religioso
e pela submissão e obediência a auctoridade Eclesiástica.
Fique lançado o meu protesto neste livro de tombo como um
dado mais para aquelle que deseja conhecer a história
documentada da Irmandade de Nossa Senhora do rosário em
Silvianópolis.
Silvianópolis, 2 de fevereiro de 1922. P. Daniel Chaváni”.
98
A não-aceitação das disposições por parte da maioria dos irmãos
(exceto dois) era vista pela Diretoria da Irmandade e pelos representantes da
igreja como “maus espíritos”.
O padre Daniel Chaváni
99
faz questão de lançar o seu protesto, por
escrito no livro tombo, para que ficasse registrado e se tornasse parte da
história “documentada” da Irmandade, pois o registro no livro tombo conferiria
ao seu protesto uma força maior.
A década de vinte foi um dos períodos mais tensos em torno da questão
religiosa, vivenciada entre a igreja e os representantes da Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário. A disputa pelo controle da festa e de como e quando esta
devia acontecer foi motivo de reuniões e discussões entre o poder eclesiástico
e os membros da Irmandade. Essa relação conflituosa levou a igreja a proibir a
realização da festa no mês de junho, alegando que a data de 29 de junho é dia
de comemoração dos santos apóstolos São Pedro e São Paulo. Apesar disso,
festa não mudou o seu período de realização e manteve seus costumes
denominados de “profanos” como as barracas de jogos, alimentos e bebidas
100
.
A Irmandade e a festa eram também um espaço de negociação dos
escravos com os brancos, para poderem exercer suas crenças de origem
98
Livro de tombo 1901-1955, localizado na paróquia de Silvianópolis-MG, p.98
99
Encarregado da paróquia na ausência do senhor vigário e autorizado pelo bispo de Pouso Alegre
Octavio Miranda.
100
Registro de 18 de janeiro de 1922, p. 109 do livro tombo.
83
africana, servindo dessa maneira como estratégia dos negros diante da
dominação da igreja católica.
“A festa é do cativeiro; foi deixado por Deus para os homens
pretos no cativeiro. E a igreja criou a Irmandade para levá os
homens que trabalhava nas minas, pra eles poderem reza
sem sofrê”
101
.
Dona Afonsina, através de suas lembranças, remete-se a diferentes
momentos, o que chama de tempo do cativeiro, ligando-o sempre a Deus e à
igreja católica.
A tradição que se transmitiu pela oralidade ao longo desses duzentos
anos, que estabelece a ligação do festejo com os tempos do cativeiro, tem para
os participantes negros um significado político muito forte, de afirmação de sua
identidade étnica. Vivenciar a festa anualmente significa estabelecer um elo
entre o passado e o presente, uma tentativa de encontrar o passado no
presente, uma forma de reafirmar uma identidade e reatualizá-la.
Com o tempo, essas confrarias, irmandades ou Associações
desprendem-se da igreja católica, tornado-se instituições laicas.
Ao referir-se à origem da festa Dona Carlina tende a ter uma atitude
conciliadora, da igreja com a Irmandade, vista de forma harmoniosa,
amenizando as tensões.
“É essa devoção com nossa senhora à gente precisa falar. È
uma devoção! Eu falo assim que Santana, Silvianópolis tem
duas protetoras: Santana porque foram trazidas pelos
bandeirantes Paulistas vieram de Moji das cruzes tanto é
que Santana também é padroeira e eles trouxeram e
fizeram Santana também padroeira patrona da cidade. Agora
eu acredito que seja com esse padre que iniciou a festa do
Rosário, iniciou a devoção a Nossa Senhora do Rosário
porque ela a santa a mãe de Deus, ela seja protetora de
negros eu acredito que foi uma assim uma isso o padre que
quis. Porque os negros precisavam também de ver cantar,
101
Afonsina, 2004.
84
dançar ai a igreja católica naquele tempo à separação era
muito grande entre os escravos e o senhor. Então Nossa
Senhora do Rosário tem uma ligação com coisas da África. Lá
ela não é homenageada como aqui, não tem festa do
rosário, na África. Mas nós aqui temos porque um padre achou
que tinha que favorecer, proteger o negro”
102
.
Dona Carlina, em suas memórias, fala que havia a separação dos
negros e brancos, e que a religião católica exerceu sua influência sobre os
homens negros utilizando-se do festejo; como uma forte estratégia de
dominação.
Na narração de dona Carlina, quando diz Mas nós aqui temos porque
um padre achou que tinha que favorecer, proteger o negro” ela interpreta a
ação da igreja como de proteção.
Mas ao se referir à demolição da capela do Rosário critica a posição e
intolerância da igreja de forma mais contundente.
“Primeiro tinha uma capela que também foi desmanchada
antes d’eu nascer. E ai essa capela tinha então a devoção e
tudo era cultuada ali, nessa capela que não conheci e nunca vi
foto dessa capela procurei já. E ai então o Bispo acho que em
1920, 1922 acho que por ai. Ele falava que a festa do Rosário
era uma festa profana de muito jogo e a igreja é muito contra
né. E ai que naquele tempo a igreja católica era assim
protetora, mas também era dona, até da consciência, eu acho.
E aí então, que o bispo fez? Chamou a diretoria da
associação. Naquele tempo o registro era da irmandade de
nossa Senhora do Rosário.O senhor bispo da época foi e
mandou desmanchar a igreja. Ele queria acabar. Porque essa
festa é muito profana, essa festa não é religiosa, a igreja tinha
que ter um argumento. O povo vinha pra dançar, pra comprar,
pra jogar uma série de coisas que na nossa filosofia cristã,
católica não é aceitável. E ai desmanchou a igreja”
103
.
A fala de Dona Carlina, embora crítica, expressa uma certa ambigüidade
ao se referir “a nossa filosofia cristã”.
102
Carlina, 2005.
103
Idem.
85
A demolição ocorrida no final da década de 20, é um dos episódios
marcantes nos registros orais e escritos sobre a Associação. As relações da
igreja com a Irmandade, hoje Associação de Caridade de Nossa Senhora do
Rosário em relação à festa sempre foi conflituosa, mas esta se modifica de
tempos em tempos, podendo ser mais tranqüila em alguns momentos.
Na década de vinte e no início dos anos trinta, período mais conservador
da igreja, o festejo não era aceito pelas autoridades cristãs, pois mantinha
formas de cultuar Nossa Senhora através de danças, e das congadas, e
também costumes como os jogos e bailes considerados profanos.
Na portaria datada de 26 de junho de 1929
104
, localizada no livro tombo
da paróquia de Silvianópolis, foi registrada a demolição da primeira capela de
Nossa Senhora do Rosário, organizada e autorizada pelo responsável, sendo
os restos da demolição utilizados para construírem uma Villa Vicentina que
pertencia à igreja católica.
Essa disputa de poder, que levou à demolição da capela estremeceu
ainda mais as relações entre a igreja e a Irmandade, retirando a realização da
festa de Nossa Senhora do Rosário das mãos do clero, contrariando o
calendário oficial da igreja, que adota o mês de outubro como dedicado a
Nossa Senhora.
Ao contrário de outras festas em homenagem a Nossa Senhora do
Rosário como foi dito anteriormente, em Silvianópolis, o espaço onde fica a
104
“Outubro Portaria que concede licença para demolição da capella de Nossa Senhora do Rosário. Lê-
se: Attendendo ao que nos representaram o Sr. Júlio Corrêa Beraldo e mais 54 habitantes de
Silvianópolis e conhecendo de visu o estado ruinoso da Capella de Nossa Senhora do Rosário da mesma
freguezia. Achamos por bem conceder licença para que se possa demoli-la devendo antes o Reverendo
Vigário transladar solenemente para a outra igreja as imagens e declarar profanada a capella diante das
testemunhas. Concedemos igualmente licença para se empregar o material da capella na construção da
villa Vicentina” “Aos 6 de outubro de 1929 devidamente autorizado por portaria do Exmo Presidente Dr.
Bispo diocesano em presença das testemunhas abaixo emigradas declarei pro formada esta capella de
nossa Senhora do Rosário, tendo antes transladado solenemente as imagens do culto para a igreja
matriz. 26 de julho de 1929. Santana. Otaviano Lamanéres / Parocho.”
86
imagem da santa, não é na matriz da cidade ou em qualquer outro templo
católico.
No início dos anos trinta iniciou-se a construção da chamada “Casa
Santa”
105
, próxima à matriz e praça central da cidade, onde até hoje se realiza
parte do cerimonial da festa.
Contemporaneamente esse espaço “sagrado", com apropriações
consideradas “profanas” pelos representantes da igreja, é um espaço de
sociabilidade de homens negros e brancos, ricos ou pobres.
105
Os habitantes da cidade de Silvianópolis chamam o local onde fica a Imagem de Nossa Senhora do
Rosário e onde funciona a Associação de Caridade de Nossa Senhora do Rosário de Casa Santa, pois é
ali que nos dias de festa se reúnem para realizar as orações e homenagem a Santa do Rosário.
87
Imagem 16 : GONÇALVEZ,
José Roberto. Altar e mesa de
reunião dentro da Casa Santa.
2006.
Nos dias do festejo as ruas da cidade tornam-se muito freqüentadas por
moradores, filhos da terra que retornam para encontrar os familiares e
visitantes do campo e de outros municípios, que vivenciam a festa, seja pela
e devoção à santa ou pelo prazer de desfrutar dos mais diversos atrativos,
alguns deles trazidos de gerações passadas.
“Então é uma festa de fé, de encontros e reencontros. Os
ausentes se encontram aqui, os filhos da terra retornam, é um
encontro de família e amigos.”
106
“E, eu já vim preparada porque a família toda já tem essa festa
como momento importante, junho ninguém falha. Pode
acontecer o que acontecer que todos vêm pra Silvianópolis”
107
.
A festa de Nossa Senhora do Rosário expressa o universo religioso,
familiar e de reencontro, onde a cidade é experimentada das mais variadas
formas, com sentimentos diversos e representações coletivas que são
106
Zélia, 2005.
107
Valquíria, 2005.
88
Imagem 17 : DOMINGUES, Andrea. Participantes das orações e escolha dos festeiros dentro da Casa
Santa. 2005.
produzidas no imaginário de quem participa do festejo. Nesses dias o que se
vê nas ruas são manifestações de saudades, reencontros e abraços apertados,
amigos, filhos e pais felizes por estarem novamente juntos.
As narrativas orais também se referem à permanência até os dias atuais
de significativos conflitos na relação entre os representantes da igreja,
organizadores e participantes dos festejos de Nossa Senhora do Rosário. Nas
memórias dos depoentes aparecem menções ao descontentamento do padre
José Francisco de como a festa é realizada e sua recusa em participar da
mesma.
“O padre não gosta muito dessa festa, porque não pega um
tustão de ninguém. Porque as festas que ele faz, a festeira
pede esmola e tudo pra ele. Então elas tiram as esmolas e
tudo pra ele, pra igreja. Então é a onde é que ele não quer
né, foi a onde ele falou pra mim meter o porrete na cabeça da
Santa”
108
.
A época em que me concedeu seu depoimento Dona Isabel, católica
praticante e membro ativo do festejo de Nossa Senhora do Rosário, tentava
convencer o padre a celebrar uma missa campal. Em sua fala expressa
sentimentos de descontentamento com a recusa do pároco.
A relação dos padres com a festa depende muito de quem ocupa a
direção da paróquia e de como pensa a festa de Nossa Senhora do Rosário,
pois em outros anos houve realização de missas fora ou dentro da igreja.
Na busca de refletir sobre os diferentes significados dos festejos e da
relação de seus participantes com a igreja foi importante entrevistar o padre
José Francisco, homem alegre e muito atencioso, que relata:
108
Isabel , 2004.
89
“A festa do Rosário prejudica sim um pouco a festa de Santa
Ana, quem é que vai querer fazer que vai querer fazer uma
Festa de Santa Ana depois de uma Festa do Rosário? E o
povo tem bezerro para a festa do Rosário, esmolas grandes,
donativos pro santo né, doadas para a santa isso não tem
nada de reverte para a paróquia, em nada, nada, nada, é da
organização, da associação e para a igreja não tem nada”
109
.
O padre justifica sua não participação na festa de Nossa Senhora do
Rosário, estabelecendo uma hierarquia entre as festas, segundo a qual a festa
de Santa Ana teria uma legitimidade maior por ser realizada pela paróquia.
Analisada a contrapelo, sua fala nos revela o enraizamento da festa do Rosário
na cultura popular, quando se refere à disponibilidade do povo em ceder
donativos para a festa de Nossa Senhora do Rosário e não para a festa de
Santa Ana.
Embora em algumas narrativas a questão econômica apareça como
explicação da o participação da igreja no festejo, os motivos de tensão o
predominantemente religiosos. A festa de Nossa Senhora do Rosário tem uma
participação intensa e consciente da população (jovens, crianças e idosos),
tornando-se um momento de construção de fortes referências identidárias, no
qual muitos, principalmente os mais pobres, brancos ou negros vêem a
oportunidade de poder ocupar a cidade e tornarem-se visíveis.
A cidade vivencia duas festas religiosas que são entendidas de maneiras
diferenciadas.
Dona Afonsina em suas lembranças diz que:
“Deus deixou, Jesus deixou separado, a festa da igreja para
os padres, e festa da Nossa Senhora do Rosário para as
pessoas do cativeiro. Foi deixado assim. Foi deixada essa
festa para eles. Tudo separado. A do padre separado e a do
Rosário separado. Entanto que a do Rosário nem tinha casa,
109
José Francisco, 2006.
90
um lugar dela. Mais agora ganhou um pouco de dinheiro eles
fizeram um lugar, a casa santa, a igrejinha dela. É assim sem
o padre”
110
.
Dona Afonsina, católica praticante e devota de Nossa Senhora do
Rosário desde criança, em toda sua simplicidade, fala da separação do festejo
envolvendo um forte significado religioso. Quando diz “Deus fez assim”, se
refere ao mesmo tempo à exploração e resistência dos negros do cativeiro.
Para a depoente, a festa é um direito que não vem da igreja, mas vem
de Deus, e a “Casa Santa” é o lugar legítimo de Nossa Senhora do Rosário. A
tradição confere legitimidade à festa, pois, existir tanto tempo mostra sua
força.
Padre José Francisco também rememora:
“A gente respeita a festa enquanto festa de povo. Não tem
problema também com a diretoria da associação e os festeiros.
Que é todo mundo da igreja, são pessoas religiosas. A diferença
é que a festa do Rosário é de tradição e de Santa Ana é de
igreja, da padroeira da cidade”
111
.
Para o padre José Francisco, ser parte de uma tradição é justamente o
que retira a legitimidade da festa de Nossa Senhora do Rosário e a coloca num
campo diferente da de Santa Ana.
É neste campo de mudanças e de disputas, cercado de interesses e
reivindicações, que realizamos a pesquisa sobre a festa de Nossa Senhora do
Rosário, onde foi possível buscar o significado do festejo na visão de homens e
mulheres, organizados ou não pela Associação, responsáveis por uma prática
que, independentemente de suas intenções exerce a função de integrar
110
Afonsina, 2004.
111
José Francisco , 2006.
91
diferentes segmentos, reafirmar alianças, criar novas possibilidades de manter
a festa na cidade de Silvianópolis por mais de duzentos e vinte e seis anos.
92
93
CAPITULO III
“13 de junho, é igual a 13 de maio, libertação dos escravos, de São
Benedito”
112
.
“Ê conga,
É dever aueeee congado...
Vá embora com Deus,
vá embora com Deus congado aueee,
vai embora com Deus”
113
Considerado uma das manifestações culturais mais presente no
imaginário dos homens negros, primeiro dos escravos e posteriormente dos
homens livres, a dança de congo, a chamada congada, tem um papel
fundamental no festejo de Nossa Senhora do Rosário, podendo ser entendida
como um processo de afirmação dos homens negros, que através desta prática
reafirmam experiências e formas de resistências.
A dança de congo, a chamada congada, tem uma relação com Nossa
Senhora do Rosário
114
, que no calendário eclesiástico possui seu dia de
comemoração no mês de outubro. No entanto em Silvianópolis, a festa de
Nossa Senhora do Rosário é comemorada no mês de junho, que vem de uma
tradição portuguesa e obedecia aos rituais e calendário eclesiástico.
115
No Brasil a devoção a Nossa Senhora do Rosárioséculos é cultivada
pelos escravos e libertos, ainda o é pelas Irmandades de Nossa Senhora do
Rosário e por parcelas significativas de afro descendentes. Em sua origem, as
Irmandades tinham caráter ambivalente, se por um lado se constituíam como
112
Afonsina, 2004.
113
Palavras cantadas por Cercelino em entrevista, 2003.
114
115
MEYER, Marlyse. Neste mês do Rosário: Indagações sobre congos e congadas. IN: Revista Projeto
História Festas,Ritos e Celebrações. Programa de estudos Pós-graduados em História da PUC. São
Paulo: EDUC, n. 28, 2004, p.399-408.
94
espaço de controle, por outro possibilitavam formas de afirmação social e
cultural dos negros.
Os participantes negros (velhos e jovens) da festa de Nossa Senhora do
Rosário, ao falarem do significado da mesma, associaram-na à devoção aos
seus santos de proteção: Nossa Senhora do Rosário e São Benedito.
Em suas narrativas os dois santos aparecem indissoluvelmente ligados:
“Eu sou da congada por e agradecimento a Nossa Senhora
e São Benedito. Possodoente de cama, mas quando chega
o dia eu levanto e vou com a congada, é parte de minha vida e
muita fé”
116
.
“A gente não pode dançar feio, a roupa tem que limpinha e
brilhosa. A gente fica bonito pra São Benedito e Nossa
Senhora”
117
.
Nos cantos entoados pelos congadeiros o santo mais invocado é São
Benedito. Nossa Senhora do Rosário aparece nas orações tradicionais do ritual
católico e em alguns cantos dos congadeiros.
“São Benedito glorioso, bom amigo de Jesus. Desde a Infância
espalhaste mil virtudes clara luz. Ensinai-nos São Benedito,
ser humilde como vós, para Deus è honra e glória e o universo
é para s. São Benedito, Santo de Deus amado, seja no céu
nosso advogado.”
118
.
“Quando aqui chegamos o povo reuniu prá ver a turma nossa
na beira do rio, a nossa mensagem para o céu subiu foi São
Benedito que garantiu”
119
.
“Foi, foi, foi São Benedito, quando afinal chegou seu dia foi
levar sua coroa pro rosário de Maria.
Meu sinhô São Benedito, a sua casa cheira, cheira cravo,
cheira rosa, cheira flor de laranjeira”
120
.
116
Cercelino, 2003.
117
Cercelino, 2003
118
Idem.
119
Letra cantada pelos congadeiros no cortejo.
120
Idem.
95
Os congadeiros e congadeiras, jovens, crianças e idosos, no dia do
festejo tornam-se os protagonistas centrais do evento.
Os ternos de congo que participam do festejo eram compostos por
homens e mulheres em sua maioria negros de diferentes idades. Na cidade de
Silvianópolis os congadeiros, oriundos da população mais pobre residem nos
morros da cidade.
Para seu Cercelino, ser um dos mais antigos congadeiros da cidade é
motivo de muito orgulho e respeito:
Imagem 18: DOMINGUES, Andréa S. Congadeiros de diferentes gerações.
2005.
96
“Eu tenho muito orgulho de ser congadeiro, a gente é
respeitado, pela nossa e devoção. Eu sou da congada por
e agradecimento a Nossa Senhora e São Benedito. Posso
doente de cama, mas quando chega o dia eu levanto e vou
com a congada, é parte de minha vida e muita fé”
121
.
A congada para seu Cercelino não é entendida como brincadeira. Muito
mais que dançar, cantar e tocar, ele leva a função de congadeiro com muita
seriedade, uma manifestação religiosa, de crença aos seus santos de devoção.
Ser congadeiro para Cercelino é ir além da performance do dia do festejo, é um
momento de reafirmar sua fé, parte integrante de seu cotidiano; uma ação que
possibilita a apresentação pública de sua religiosidade para os participantes da
festa daquela e de outras localidades.
“É importante agradecer a Deus, o dom que Deus deu pra
gente. Prá muitas pessoas o congado é uma festa, é uma
brincadeira, mas pensando bem não é não! O congado é uma
celebração religiosa, é uma parte religiosa da festa também.
Então a gente tem que está agradecendo a Deus em nossas
orações cantadas.
(cantando) São Benedito glorioso, bom amigo de Jesus.
Desde a Infância espalhaste mil virtudes clara luz. Ensinai-nos
São Benedito, ser humilde como vós, para Deus è honra e
glória e o universo é para nós. São Benedito, Santo de Deus
amado, seja no céu nosso advogado.”
122
.
O cotidiano de seu Cercelino é repleto de referências da congada; sua
residência é seu “congo”, casa de tijolos e barro, no morro da cidade de
Silvianópolis, poucos móveis, santos nas paredes, viola pendurada, fogão à
lenha, roupas e estandartes do congado espalhados pelo quarto. Em vários
momentos durante as entrevistas sua narrativa era cortada por canções, como
forma de melhor demonstrar os significados dessa prática cultural.
121
Cercelino, 2003.
122
Idem.
97
a percepção pelos próprios congadeiros dos sentimentos
relacionados ao congado, podendo este ser vivido também como momento de
lazer dentro do festejo. No entanto, Cercelino reafirma que além do lazer esta é
também uma celebração religiosa, que através da dança e das orações
cantadas agradecem e pedem proteção a Deus e aos seus santos negros,
como São Benedito, por exemplo.
Neste momento é possível perceber que o sagrado e o profano não se
excluem da congada e do festejo; não sendo formas opostas de representar a
realidade; pois o homem religioso crê, além disso, que a vida tem uma origem
sagrada e que a existência humana atualiza todas as suas potencialidades na
medida em que é religiosa, ou seja, participa da realidade”
123
. Nas congadas, a
religiosidade se faz presente em diferentes momentos, seja no cortejo, na hora
da alimentação, na dança ou nas canções, envolvendo diferentes personagens,
realizando uma interlocução entre diferentes culturas misturando o profano e o
sagrado.
“...Geralmente tem muitos lugar que faz a congada pela fé,
agora tem muitos lugar que faz, pra nunca acaba a festa, pra
num acaba e não desanima o pessoal também. Agora tem
muito que já tem aquele negócio assim por dentro do coração
que é o seguinte, que a congada é pela fé. É o seguinte ele
recebeu aquela graça ele tem que fazer”
124
.
João Expedito em suas lembranças valoriza a congada enquanto
atividade religiosa, percebe-se também o entrelaçamento do profano e do
sagrado, ao mesmo tempo em que há pessoas que realizam a congada com fé,
conforme nas afirmações; tem aquele negócio assim por dentro do coração”
também “muitos lugar que faz, pra num acaba a festa”. Esta representação
simultânea do sagrado e do profano, mostra-se de maneira clara
123
GIRARD, René. A violência e o sagrado. São Paulo, UNESP/Paz e Terra, 1990, p.163.
124
Depoimento de João Expedito, congadeiro de Careaçu-MG.
98
principalmente durante o cortejo. Na festa de Nossa Senhora do Rosário,
homens e mulheres dançando, divertindo-se, brincando, fazendo do festejo um
momento de aliviar as tensões, portanto de lazer convivem, nessa mistura, com
os atos de comemoração e celebração religiosa. Essa ambivalência da festa
nos alerta para a complexidade dessa forma de expressão, de grande riqueza
para o descortínio das atitudes, valores e comportamentos dos diversos grupos
sociais
125
“.
Os ternos de congo são parte integrante da cidade de Silvianópolis,
estes se fazem presentes na maioria das datas comemorativas, como uma
forma de atrativo aos moradores e visitantes da região. Foi possível perceber o
que significa a congada como tradição viva que articula o passado e o presente
na narrativa de Dona Carlina, moradora da cidade e membro da Associação de
Nossa do Rosário, de Silvianópolis, quando diz que o batuque dos congos teve
uma grande influência no Brasil, e que a dança da congada, varia de região
para região.
“A congada era dançada em círculo, onde no centro ficavam
duas pessoas dando umbigada enquanto as pessoas em volta
batiam palmas, ou seja, a dança da congada consistia em
formar uma roda dentro do qual saiam pares que bailavam
dois a dois, tomando ares provocadores, quem entrava na
dança cantava em coro, um dos dançarinos ao centro dava
uma umbigada em outra pessoa que escolhia na roda e esta ia
ao centro substituí-la e repetir o ato, essa era a congada
dançada no passado, hoje tem uns ternos de congo que ainda
mantém parte deste ritual.”
126
.
Dona Carlina, professora de história aposentada, em suas palavras, traz
conhecimentos adquiridos pelas leituras de memorialistas e obras que se
referem à congada, e relata os possíveis procedimentos da dança em tempos
125
SOIHET, Rachel. A subversão pelo riso: estudos sobre o carnaval carioca da Belle Époque ao tempo
de Vargas. Rio de Janeiro: FGV, 1998, p.25.
126
Carlina,2005
99
não vividos por ela (anteriores à década de quarenta). Como a própria
depoente ainda afirma, é possível perceber que alguns ternos de congo ainda
trazem experiências do passado em suas coreografias.
Na tentativa de compreender como a congada passou a ser uma prática
cultural e social, vivenciada pelos depoentes, utilizamos novamente das
memórias de Dona Afonsina:
“Tinha a Festa de Santa Cruz né, a Festa que a gente ia mais
é a de Santa Cruz. É uma cruz, fincada ali, a gente ia varria
debaixo do dela, fazia uma caminhada, sabe. Santa Cruz é
onde morre pessoa e faz uma cruz assim que fica plantado né,
assim ficava um monte de criança e cada uma levava um copo
de água e punha no da cruz, mas ai tomava primeiro, isso
era no tempo da seca que fartava água, não tinha não era
tempo de chuva, então nós ia pedia na Santa Cruz pra
chove, pra chove nas plantação, então nós ia e quando nós
voltava já tava chovendo, nós pedia pra Deus e Santa Maria
Madalena que mandasse essa chuva pra nós. Depois que eu
cresci um pouco tinha Moçambique né, tinha Congada,
Moçambique saia pra todo lado porque era pequeno agora a
congada era grande e não da para sair ”
127
.
Dona Afonsina, ao rememorar sua infância e as suas experiências com
os festejos, leva-nos a perceber que participar das festas religiosas é uma
prática vivida desde muito cedo para muitos participantes da festa de Nossa
Senhora do Rosário, por ser estes momentos de e lazer importantes para as
suas famílias.
A memória de Dona Afonsina é povoada por várias lembranças das
festas, faz referências em suas conversas ao que denomina de “festa de Santa
Cruz”, mas que segundo suas próprias palavras era mais um ritual para pedir
chuva em época e seca, do que propriamente um festa.
127
Afonsina, 2005.
100
Nas regiões de seca do norte de Minas Gerais, no Vale do
Jequitinhonha, nos anos em que a seca era mais forte, era comum que as
pessoas, principalmente as mais pobres, participassem de procissões, levando
latas e potes de água e até flores para depositarem aos s de um cruzeiro
(cruz erigida em homenagem à Cristo).
Muitos chamavam este ato de “fazer penitência” e não havia qualquer
semelhança com festa. O “clima” era clamar por misericórdia divina como
último recurso diante da seca (perda da pequena lavoura e de animais).
Quando a seca atingia os latifundiários, criadores de gado (pecuária extensiva),
estes, mas principalmente suas mulheres, também participavam da
“penitência”.
Provavelmente em algumas localidades a “penitência” fosse realizada,
não em um cruzeiro, mas na sepultura de alguma criança considerada
milagreira.
Nas suas lembranças, Dona Afonsina diz que a congada e o
moçambique também aparecem como experiências de sua infância:
“Depois que eu cresci um pouco já tinha Moçambique né, tinha
congada, moçambique saia pra todo lado porque era pequeno
agora a congada era grande e não da para sair ”
128
.
Nos encontros gostosos e demorados, na varanda da pequena
Silvianópolis, no alto do morro da cidade, banhados a muito café preto e
sequilhos, seu Cercelino, senhor de oitenta e três anos, mestre de terno de
congo, negro, tímido, mas muito receptivo afirma que o congo aprendia-se
olhando:
128
Afonsina, 2005.
101
“Conheci a festa, a congada com o pai, de eles dançá
assim nóis morava mesmo tudo junto. Meu pai tinha um terno
de congo na cidade de Passo Fundo, eu os via dançá, mas
mesmo assim, não junto com ele, o ensaio era mesmo por
perto a gente ia passiá, eu fui acostumando, eu mexia... e
gostei. Ninguém ensinava não, a gente ia ficando no meio,
vendo o que eles ia fazendo, a gente ia aprendendo assim,
mas sem eles dá ordem, a gente ia aprendendo olhando. Dizer
que eles falava, tem que fazer assim, não, não falava pra
ninguém. Ele falava olha nós vamos dança ai ele ia, mas tinha
o ensaio, os ensaios que ensaiava e eu tinha uns nove
anos”
129
.
Praticar, participar da festa quando criança era um momento de tradição
para seu Cercelino que ainda “moleque” acompanhava o pai nos ensaios e ia
ficando no meio e ia fazendo”, era algo ativo na família, e seguindo o
exemplo de seu próprio pai ele também se tornou congadeiro.
Desta forma, a congada para ambos os depoentes (Cercelino e
Afonsina) vem de experiências de infância, vivenciadas de formas diferentes.
129
Cercelino, 2003.
102
Imagem 19: DOMIN GUES, Andréa S. Crianças participando de um do terno de congo na cidade de
Silvianópolis. 2005.
A referência a um passado de trabalho e de atividades rurais distantes
da cidade faz com que os narradores ao falarem de suas vidas, lembrem-se
das práticas cotidianas, repletas de trabalho e dificuldades financeiras e que,
pertencer a um terno de congo poderia ser um desejo permeado de muita
labuta, simbolismo e reafirmação da identidade cultural:
“Eu conheci a congada quando eu morava na roça e tinha
muita vontade de dançar congo. Vim na Festa do São
Benedito. Ai eu comecei a ir à Festa do Benedito em
Machado, mas não dançava congo não. Tinha vontade de
entrar nos ternos e na época também, pra falar a verdade eu
tomava uns gole também ai eu entrava nos ternos de congo ai
os guardas vinha tiravam, empurrava eu pra lá, eu rezava e
uns tempo, se Deus quiser eu vou largar mão de bebida, se
Deus quiser eu ainda quero dançar congo ainda. Foi um
tempo, estava apanhando café na roça, a seu Francisco
Baiano foi trabalhar na fazenda e ai me chamou pra eu
dançar no terno dele.Eu disse para ele que não tinha jeito de
dançar. Eu tinha muitos filhos, to apertado, não tenho dinheiro,
como é que eu vou fazer pra dançar esse congo? Não tem
jeito. Não tem jeito de comprar um nada, como é que eu ia
fazer? Vamos fazer isso seu DADO. Se o senhor quiser
dançar o congo, eu lhe dou a farda, tinha uma sanfona 120,
então eu não sabia tocar não, sabia um pouquinho, o
começo. Bom, o senhor leva a sanfona e o senhor vai junto
com nós eu lhe dou a farda. – então eu vou”
130
José Otávio, congadeiro e responsável por um terno de congo da cidade
de Machado e um dos convidados mais tradicionais da festa de Nossa Senhora
do Rosário, mantém sempre juntos crianças e adultos na congada. Ao contar
suas experiências, fazia questão de enfatizar que para dirigir o grupo de congo
que coordena até hoje teve que se tornar “responsável”.
Nos diversos encontros de pesquisa, entrevistas e visitas à cidade de
Silvianópolis, fomos compreendendo pouco a pouco que ser membro ativo da
festa de Nossa Senhora do Rosário, para a maioria de seus participantes,
trabalhadores de diferentes níveis sociais, significa estar vinculada a tradições
130
José Otavio, 2004.
103
familiares e religiosas, e compartilhar sentimentos de pertencimento a uma
mesma comunidade.
Ao relembrar suas trajetórias de vida, os narradores e narradoras são
transportados às primeiras lembranças do festejo de Nossa Senhora do
Rosário e à congada. Revivem com saudade momentos em que cada um
considera importante para si e para o grupo.
O ir e vir da memória nesses momentos revive experiências dos tempos
que iniciaram suas trajetórias na festa de Nossa Senhora do Rosário que é
entendida também como uma festa de congo, onde todos os narradores
demonstram uma preocupação em manter os ternos de congadeiros no festejo.
Segundo Portelli:
“A memória não é apenas um depositário passivo de fatos,
mas também um processo ativo de criação de significações.
Assim a utilidade especifica das fontes orais para o historiador
repousa nas mudanças forjadas pela memória. Essas
modificações revelam o esforço dos narradores em buscar
sentido no passado e dar forma as suas vidas, e colocar na
entrevista e na narração em seu contexto histórico”
131
.
Quando os depoentes falam de suas experiências com a festa atribuem
significados ao ritual do congado. Ao relembrarem dos tempos de criança,
como congadeiros ou como festeiros, reafirmam suas profundas relações com
essa tradição,cuja realização de preservação podem ser vistas como forma de
resistência à folclorização.
O cotidiano dos homens e mulheres, envolvidos nas festividades, é
moldado por representações e práticas culturais diversas, nas quais a dança da
congada, considerada por muitos a atividade mais importante do festejo e
131
PORTELLI, 1997:p.33
104
Nossa Senhora do Rosário se expressa através do som de tambores, violas e
batidas de pé.
Os ternos de congo são responsáveis por grande parte da alegria da
festa. Além de atrair o público com suas roupas coloridas, seus estandartes,
sua música e sua dança, eles são guardiões de uma tradição que vem de
tempos da colônia: a devoção a São Benedito.
Embora a festa seja conhecida como a festa de Nossa Senhora do
Rosário, cuja realização vem do século XVIII, os depoentes em suas falas se
referiram a São Benedito como o santo dos homens pretos, aquele que os
libertou continuamente de uma outra forma de escravidão.
Em meio a esta riqueza cultural, podemos observar detalhadamente o
sentido do vestuário dos congadeiros e a preocupação de seus mestres que
passam durante o ano todo coletando ajuda financeira através de doações na
tentativa de renovarem suas roupas.
105
Imagem 20: DOMINGUES, Andrea. Terno de congo. 2005.
106
Imagem 21: DOMINGUES, Andréa S. Vestimenta de terno de congo I- Terno de congo vestindo azul e
branco em homenagem a Nossa Senhora.. 2005.
Imagem 22: DOMINGUES,
Andréa S. Vestimenta de terno
de congo II - Terno de congo
vestindo branco e vermelho,
com boinas na cabeça como
adereço. 2005.
O vestuário usado durante o cerimonial da festa é objeto de especial
atenção por parte dos congadeiros.
A escolha das cores sofre às vezes influências variadas, externas às
comemorações religiosas, podendo ser inspirada em eventos nacionais, como
o futebol, por exemplo. No ano da copa (2002) as cores foram verdes brancas
e amarelas: saíram de “brasileirinho”. Outras vezes, a inspiração é mesmo
religiosa, sendo adotadas as cores das vestes dos santos: azul e branco
representando Nossa Senhora, amarelo, azul e branco para São Benedito.
Ano passado nós saímos de brasileirinho, para representa o
Brasil, o povo gosta de ver as cores do país quando a gente
dança a congada. Os tecidos tão tudo novinho, cada um deu o
que podia e a Associação deu um pouco e os comerciantes
também. A gente não pode dançar feio, a roupa tem que
limpinha e brilhosa. A gente fica bonito pra São Benedito e
Nossa Senhora”
132
.
Os membros dos ternos de congo se preocupam com a forma visual de
sua apresentação ao público, as vestimentas bem cuidadas e renovadas são
essenciais para que possam participar da festa. Porém, trabalhadores, como
Cercelino, José Patrocínio, Afonsina, Maria da Conceição, não têm condições
financeiras para adquirirem suas vestes anualmente, dependendo assim, na
maioria das vezes, do auxílio em forma de doação da Associação do Rosário,
dos comerciantes e daqueles que podem doar algum dinheiro.
Os ternos de congo são compostos principalmente por amigos e
familiares, formando assim não um novo espaço de sociabilidade, mas,
sobretudo de construção de identidade que ultrapassam as meras relações de
parentesco e vizinhança. Além das doações, outra estratégia adotada para
adquirirem novos instrumentos e vestuários é cobrar uma pequena taxa de
132
Cercelino, 2003
107
apresentação às festas das quais participam, podendo variar em torno de 200 a
300 reais por cada terno de congo.
Os chamados chefes ou mestres da congada centralizam as atividades,
distribuindo responsabilidades e organizando a confecção das roupas, após
adquirirem os tecidos, por doação ou por compra com economias próprias, as
vestimentas são confeccionadas por mulheres que pertencem ao terno de
congo e, pelas costureiras que trabalham, nas horas vagas para o congado.
“Esse ano fui eu que costurei a maioria das roupas, as outras
mulheres ajudaram como puderam, minha filha ajuda, todo
mundo ajuda. Você vê ali no meu quarto tem saco de roupa de
congado, eu tiro lavo, passo e também costuro. A gente que
ajudando na organização sabe que não é fácil, por isso
quando a gente conhece uma pessoa que pode ajuda nós
pedimos ajuda. Quando a gente se apresenta sempre tem
uma colaboração, pois assim a gente pode voltar outra vez e
se apresenta bonito. A gente não pode também sai rasgada, a
gente gasta, a roupa gasta”
133
.
Para os olhos de quem assiste à dança dos congadeiros, o vestuário
torna-se um dos apelos visuais mais importantes e, conscientes disto, os
congadeiros se organizam para melhor se apresentarem, enfeitando-se com
cores fortes, tecidos de brilho, boinas na cabeça e faixas nas cinturas.
A preocupação em ficar bonito, em não fazer feio, além das razões
estéticas e de agradar ao público tem conotações religiosas: “a gente fica
bonito para São Benedito e Nossa Senhora”
134
. O ato de idealizar e costurar as
roupas envolve várias pessoas, principalmente mulheres e costureiras que
doam seu tempo e seus saberes aos congadeiros, constituindo uma “rede” de
solidariedade que pode se ampliar conforme o “sucesso” do terno de congo na
apresentação.
133
Maria da Conceição, 2005.
134
Cercelino, 2003.
108
Assim as congadas todas ensaiadas, com uniformes coloridos e
diferenciados de terno para terno, trazendo suas bandeiras, em fileiras, saem
às ruas. Os homens negros e mais velhos destacam-se entre os jovens e
crianças, fazendo uma dança à parte com movimentos diversos e muitas vezes
com pés descalços, “levantam a poeira”, prendendo os olhos de quem os
observa.
109
Imagem 23: DOMINGUES, Andréa S. Estandarte de São Benedito. 2005.
As bandeiras são objetos de culto: traduzem a homenagem do grupo
aos santos de sua devoção e são formas de oração, assim como aquela que
tremula no mastro.
Nas lembranças de nossos narradores, principalmente daqueles ligados
diretamente com os ternos de congo, foi possível entender um pouco do
significado da congada como busca de sociabilidade e auto-afirmação de um
grupo.
A congada é sempre acompanhada de diferentes instrumentos musicais:
“Alguns anos atrás era viola, cavaquinho, violão, triângulo,
sanfona e tambor, esses eram os instrumentos que a gente
tinha. Agora não! Hoje tem outros instrumentos, por exemplo, o
banjo, instrumentos de sopro, mais tambores. Os instrumentos
foram mudando, é quase uma banda é uma forma de chamar a
atenção dos outros quando a gente passa
135
.”
135
Cercelino, 2003.
110
Imagem 24: DOMINGUES, Andréa S. Estandarte de Nossa Senhora do Rosário e bandeira do mastro.2005.
Canções que são entoadas, representando rezas ou lutas históricas dos
negros:
“quando aqui chegamos o povo reuniu prá ver a turma nossa
na beira do rio, a nossa mensagem para o céu subiu foi São
Benedito que garantiu”
136
.
Nesta riqueza de sons torna-se difícil perceber o valor que esses sons
representam no momento da apresentação da dança. Na perspectiva de
Zumthor
137
a apresentação da dança pode ser entendida como uma ação
complexa, onde uma transmissão e recepção de mensagens, sendo a festa
também um mecanismo de tradição oral, constituída em diferentes tempos e
muitas performances
138
.
136
Letra cantada pelos congadeiros no cortejo.
137
ZUNTHOR, Paul. Introdução à poesia oral. São Paulo: Hucitec, 1997.
138
Ver também: CASTRO, Simone Oliveira de. Na poética da cantoria sertão e cidade no improviso de
Ivanildo Vila Nova. Dissertação de Mestrado em História. São Paulo: PUC, 2003.
111
Imagem 25: GONÇALVES, José Roberto. Instrumentos musicais utilizados no terno de congo, banjo, violão e
pandeiro. 2006.
Os sons penetram nos corpos, nas vozes dos tocadores, cantadores e
dançarinos (todos chamados de congadeiros). As misturas dos sons trazem à
tona o movimento quase que natural dos corpos, que parecem voar da
superfície, com movimentos e passos ensaiados.
Para os depoentes, essa musicalidade possui uma forte referência simbólica:
“Toda vez que a gente dança nós lembramos de tudo que a
gente aprendeu desde criança, a dança de congo não é
parada, a gente tem que ter resistência é um pulo pra e
outro pra cá. È como uma dança de cativeiro, onde os negros
dançavam. A gente dança sem parar o suor é bastante. Tem
passos antigos, o sapo agachado, batida de paus, a gente vai
circulando, os pretos velhos são os que mais dança como
antigamente, ele tem uma força. Eu não agüento mais a saúde
não deixa”
139
.
Os movimentos corporais que compõem a dança da congada é a parte
do ritual da festa de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito que mais
atrai os olhares do público, pois trazem junto com os sons, canções e rezas,
histórias de vida ligadas à religiosidade e heranças culturais; momento que nos
permite perceber a hibridação cultural vivida e experimentada entre os diversos
tempos. Através do corpo, congadeiros se comunicam com o público, em de
diferentes níveis: vestuário, canções, batida dos pés, expressando ou
constituindo um campo de energia comum.
Os ternos de congo e seus componentes estão em um processo de
constante transformação, onde preservação e recriação de imagens e de
percepções, que estes agentes sociais incorporam, rejeitam ou negociam em
seus diferentes espaços e temporalidades
140
.
139
Cercelino, 2004
140
WILHIANS, 1979.
112
O ritual da congada ao longo dos anos vem passando por
resignificações em sua forma de apresentação ao público, outros instrumentos,
sons e danças são incorporados para atender a uma nova demanda dos seus
participantes e observadores, pois as gerações sucessivas, mesmo se
colocando em posição de aprendizes umas das outras, exercem com
criatividade as atividades e recriam as suas tradições. Isto ocorre porque os
homens passam por processos de transformações em suas vidas, crenças,
expectativas, desejos, tanto quanto a sociedade na qual estão inseridos.
141
“Tem muita mudança na congada. A gente nem sabe explicar,
a gente tem que acostumar. Ninguém percebe, quando de
um ano pro outro, mudou. Mas a gente tem que acostumar
com a época, com o tempo que vem, que vive. Por que senão
não tem quem vai dar continuidade as congadas, os jovens
assim vem pro congo, nossos netos. As coisa vai
modernizando, tem novidade e o pessoal gosta disso, não
tinha tanta barulhada no passado mas à gente mantém nossa
devoção. Tudo muda, mas a gente não esquece o que
aprendeu, ensinamos diferente”
142
.
As novas gerações de congadeiros circulam constantemente entre
universos diferentes dentro do espaço da cidade e do campo, tendo contato
com tempos, linguagens, meios de comunicação, onde múltiplas formas de
sentir, ouvir e relacionar-se com o outro. Novas formas de aprender e saber
são vivenciadas com novas experiências de vidas que se atualizam na
dinâmica cotidiana.
As transmissões culturais e lembranças do passado se misturam às
novas vivências e atitudes de outras gerações, que ao realizarem o ir e vir da
memória e ao narrarem suas memórias, as experiências parecem, às vezes,
141
THOMPSON, E.P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, pp.13 – 23.
142
Cercelino, 2004.
113
modificadas mas não esquecidas, como nos disse Cercelino Tudo muda,
mas a gente não esquece o que aprendeu, ensinamos diferente.”
Compreender a diferença do tempo e da experiência vivida em cada
geração é fundamental para que possamos apreender o processo de
preservação / transformação da festa a partir das relações ativas e
contraditórias entre elas. Os ternos de congo se mantiveram ativos nos
festejos, pois sendo um processo de aprendizado que passa de geração a
geração, na qual vão-se adequando ao “seu tempo” e às novas experiência de
vida e resistindo a outras mudanças e apelos, que seu Cercelino chama
modernização
Seu Cercelino, como outros congadeiros de sua geração,
testemunharam várias transformações em seus congados, pois desde criança
convivem com o festejo. Mantendo tradições passadas como os passos de
dança, canções e instrumentos, recriaram outras. Esse processo é construído
numa relação dinâmica entre passado e presente, envolvendo negociação
contínua.
“... muitos têm o ritmo ainda, as crianças que sai um
pouquinho, a gente volta por eles no lugar, então às vezes
eles quer se diverti um pouquinho, a gente deixa, deixa eles
uma divertidinha um pouquinho,... então é aquele negócio
de vez em quando uma modificadinha assim, mas sempre
estamos no ritmo da congada...”
143
As “modificadinhas”, como aponta o depoente, são uma estratégia que o
senhor José Otavio adotou para manter as crianças ao seu redor e na
congada, podendo assim manter o ritual da congada mais próximo de suas
práticas culturais cotidianas e do passado. Mas, esse preservar da festa não
143
José Otavio, 2005.
114
significa torná-la imóvel, sempre igual, mesmo porque, a cada ano a festa de
Nossa Senhora do Rosário é resignificada por seus próprios participantes.
Além dos congadeiros que articulam rituais do passado e do presente,
personagens que completam o ritual da festa e Nossa Senhora do Rosário,
que não poderiam deixar de ser lembrados aqui.
Nas palavras de Cercelino:
“Guarda coroa é uma pessoa, guarda. Quando tem um
reinado fica com a espada ali guardando as coroas. Uns anos
atrás eles falavam, que se um congado pegasse a coroa
acabava com a Festa. Então agora eles usam o guarda coroa
prá num deixa, pra num deixá o congado entra ali e tirá a
coroa
144
”.
Seu Cercelino, por exemplo, além de ter sido responsável por um dos
ternos de congo da cidade, ocupou a função de guarda-coroa, que teve para
ele um significado importante até os últimos dias de sua vida.
144
Cercelino, 2003.
115
116
Imagem 26: GONÇALVES, José Roberto. Espadas usadas pelos chamados guarda-coroa no momento
do cortejo, com objetivo de protegerem os festeiros e a coroa da santa. 2006.
Dona Afonsina, ao falar de sua participação no cortejo explica qual é a
função de uma juíza:
“você pegá o festeiro e levá lá na igreja e traz de volta na casa
dele, eu que tenho que ir lá dentro (casa dos festeiros). O meu
direito é buscar o festeiro, entregá de volta também... o que
mais...É, no dia do “Reinado”, é no dia do reinado que é
minha obrigação. É de ir de vestida branco, busca o festeiro
e trazer na porta de volta...Eu sou juíza, do congado e da
Festa”
145
.
145
Afonsina, 2003.
117
Imagem 27: Dona Afonsina vestida de Juíza da Festa do Rosário, dentro da casa Santa no ano de 2001.
Foto cedida por Afonsina.
Outra função importante e pouco percebida durante o cortejo são as
chamadas ramalhetes, que trazem nas mãos ramos de flores a serem
ofertados a Nossa Senhora do Rosário.
Para Maria Conceição:
“Outra coisa que deixa a procissão, o cortejo da congada
bonito é aquelas mulheres carregando os ramalhetes, elas
todo ano fazem ramalhete para enfeita os pés de Nossa
Senhora na Capela”
146
.
Até a década e trinta, sua escolha pela Associação de Caridade de
Nossa Senhora do Rosário, era lavrada em ata. Com o tempo esta passou a
não ser mais mencionada na documentação escrita.
146
Maria Conceição, 2006.
118
Imagem 28: DOMINGUES, Andréa
S. Mulheres carregando
Ramalhetes de flores produzidos
por elas mesmas para ofertarem a
Nossa Senhora e acompanhar o
cortejo, 2005.
Na festa de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito, a batida do
congo é o laço que mantém os grupos unidos, é a exteriorização do sagrado.
Festejar, dançando e cantando ao som dos tambores, é entrar em contato com
a divindade, é sair do tempo histórico e cotidiano para entrar no tempo mítico, e
no tempo santificado
147
. Unidos por tradições, por fé, organizam suas práticas
culturais ano a ano, fazendo da festa de Nossa Senhora do Rosário o maior
momento de lazer e da comunidade da cidade de Silvianópolis em Minas
Gerais.
147
ELIADE, 1965: p. 64
119
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Investigar as trajetórias de vidas dos homens e mulheres que participam
da festa de Nossa Senhora do Rosário na cidade de Silvianópolis, foi uma
tentativa de compreender como as lembranças do passado são recriadas e
inventadas no presente.
Na perspectiva de querer saber como os sujeitos que participam da festa
se movimentam e atuam na realização do festejo mais de duzentos anos,
percebendo que a festa ocupa um espaço privilegiado na cultura de seus
participantes, e que esta deve ser entendida como um conjunto de valores
compartilhados, privilegiei a documentação oral.
Investigar as memórias de diferentes grupos e participantes da festa -
tais como membros da associação, festeiros, congadeiros, cozinheiros,
doceiras, juíza, guarda-coroas, auxiliares de cozinha e expectadores comuns -
é uma tarefa complexa, devido às ltiplas formas pelas quais tais sujeitos se
expressam, narrando com gestos e palavras, o significado atribuído por cada
um ao festejo.
Concomitantemente, interpretando as atas da Associação de Caridade
de Nossa Senhora do Rosário, o livro tombo da igreja de Santa Ana, cartazes e
folders, fotografando e filmando momentos do festejo, me propus compreender
suas formas de organização, modos de apropriar-se de espaços da cidade por
trabalhadores de diferentes classes sociais na celebração da festa.
Buscando as relações entre lembranças e experiências vividas, os
depoentes viajam pelo passado e pelo presente levando consigo o pesquisador
a percorrer caminhos diversos no ir e vir a diferentes épocas e lugares.
120
Preocupada em não estagnar a festa, ou reforçar alguns estudos
folcloristas que a trata como uma experiência fossializada no passado,
trabalhamos com memórias dos sujeitos, procurando valorizar, não somente o
passado, mas sim, e sobretudo, todo processo de mudança e experiências
vividas, tais como constituidoras da cultura, aqui entendida como um
movimento oriundo de vários pontos de tensão e portanto num constante
processo de construção
Assim, a festa foi e é pensada, como uma tradição atualizada e ao
mesmo tempo em transformação, que se constitui nas experiências sociais
diversas, instituindo um campo de memórias atravessado pelos conflitos de
classe, que nos conduz a outras histórias.
121
FONTES ORAIS
1. AFONSINA PATRÍCIO DE MORAES
Entrevista realizada no ano de 2004 na cidade de Silvianópolis- MG, em sua
residência. História de vida.
2. CARLINA DE MORAES DUTRA
Entrevista realizada no ano de 2005 na cidade de Silvianópolis- MG, em sua
residência. História de vida.
3. CERCELINO ALVES
Entrevistas realizada no ano de 2003, uma no mês de janeiro e outra no
mês de maio na cidade de Silvianópolis- MG, em sua residência. História de
vida.
4. EDIVALDO ANDRADE DOMINGUES
Entrevistas realizada no ano de 2004, uma no mês de março e outra no
mês de junho na cidade de Silvianópolis- MG, em sua residência e no
barracão da festa. História de vida.
5. FÁTIMA
Entrevista realizada no ano de 2004, em VHS durante as atividades de
preparação do banquete na cozinha. Depoimento
6. ISABEL MAMED DOMINGUES
Entrevistas realizada no ano de 2004, uma no mês de março e outra no
mês de junho na cidade de Silvianópolis- MG, em sua residência e no
barracão da festa. História de vida.
7. JOSÉ FRANCISCO RIBEIRO
122
Entrevista realizada no ano de 2006, na cidade de Silvianópolis- MG, na
casa paroquial. História de vida.
8. JOSÉ OTAVIO FILHO
Entrevista realizada no ano de 2004, em VHS durante o cortejo dos
festeiros e de Nossa Senhora do Rosário. Depoimento.
9. JOSÉ PATROCÍNIO
Entrevista realizada no ano de 2004, em VHS durante o cortejo dos
festeiros e de Nossa Senhora do Rosário. Depoimento.
10.JÚNIOR
Entrevista realizada no ano de 2005, na cidade de Silvianópolis- MG, no
barracão durante os preparativos da festa. Depoimento.
11.MARIA DA CONCEIÇÃO
Entrevista realizada no ano de 2006, na cidade de Silvianópolis- MG, em
sua residência. História de vida.
12.ROBERTO
Entrevista realizada no ano de 2004, em VHS durante na cozinha do
barracão durante o feitio dos alimentos.Depoimento.
13.VALQUIRIA ELIZABETH CORREA
Entrevista realizada no ano de 2005, na cidade de Silvianópolis- MG, no
barracão durante os preparativos da festa. História de vida.
14.ZÉLIA CORREA
Entrevista realizada no ano de 2005, na cidade de Silvianópolis- MG, no
barracão durante os preparativos da festa. História de vida.
123
FONTES ESCRITAS
Livro de Ata da Associação de Caridade de Nossa Senhora do Rosário
da cidade de Silvianópolis, 1937 – 2000.
Ato Constitutivo e Estatutos da Associação de Caridade Nossa Senhora
do Rosário, 1965.
Livro tombo 1901-1955, localizado na paróquia de Silvianópolis-MG.
Livro tombo 1766- 1797, localizado na paróquia de Silvianópolis-MG.
124
OUTRAS FONTES
Cartazes da festa de Nossa Senhora do Rosário do ano de 2000, 2003 e
2004.
Fitas em VHS de momentos do cortejo do ano de 2003, 2004 e 2005.
Otdoor da festa de Nossa Senhora do Rosário do ano de 2003 e 2004.
Texto mimeo de Carlina de Moraes Dutra, intitulado “Festa do Rosário
em Silvianópolis, antiga Sant’Ana do Sapucaí” do ano de 2000,
localizado na Associação de Caridade de Nossa Senhora do Rosário.
125
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