No ritual da festa, há momentos de manifestação do sagrado (orações,
novenas, promessas...) e do profano (jogos nas barracas, bebidas, danças...)
que se mistura, se entrelaçam, com ou sem a permissão da igreja.
O sagrado e o profano não se excluem, embora sejam formas diferentes
de representarmos à realidade; pois o homem religioso segundo Mircea Elíade
“crê, além disso, que a vida tem uma origem sagrada e que a existência
humana atualiza todas as suas potencialidades na medida em que é religiosa,
ou seja, participa da realidade”
94
.
É significativo perceber a insistência dos depoentes em afirmar que a
festa de Nossa Senhora do Rosário iniciou-se com a intervenção da igreja
católica na figura de um padre
95
, como estratégia, ora de controle, ora de
catequese dos escravos e negros.
Documentos de época nos permitem afirmar a existência de situações
de conflitos entre os preceitos da igreja e as práticas, rituais dos negros na
celebração da festa.
“Esteve em visita à paróquia, de 17 a 29 de novembro de
1786, o padre Manoel Lescura Banher, vigário de
Guaratinguetá e visitador ordinário do bispado de São Paulo.
Notou esse visitador que o 1º livro tombo
96
estava em péssimo
estado e ordenou que fossem transladados para outro livro
novo o termo da devolução da paróquia ao bispado de São
Paulo e <<hum capitulo de vizita a respeito do sempre
abominável, péssimo e terrível uso dos batuques, cujo capitulo
94
ELÌADE, Mircea. O sagrado e o profano. A essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
p.163.
95
Na obra organizada pelo Cônego João Eustides de Oliveira, que relata a história de todas as paróquias
ligadas à diocese de Pouso Alegre observa-se que o padre Manoel Negrão do Monte Carmelo,
responsável pela organização do festejo de Nossa Senhora do rosário, permaneceu em Santa Ana no
período de 1780 a 1795.
Ver: OLIVEIRA, Cônego João Eustides de (org). A Diocese de Pouso Alegre no Ano Jubilar de 1950.
Pouso Alegre: Tip. Da Escola Profissional, 1950.
96
Xérox do Livro tombo 1766- 1797. O primeiro livro tombo da paróquia de Silvianópolis antiga Sant’ Anna
do Sapucahy ainda encontra-se de posse da cúria do município de Pouso Alegre, e sem acesso por
pesquisadores por estarem em fase de organização do arquivo da Cúria; mas mesmo não tendo contato
com o tombo original realizamos a leitura de uma cópia xerocopiada que permitiu observar que os
registros eram em sua grande maioria de transcrições de cartas recebidas de príncipes e bispos, mas de
impossível leitura detalhada pela má preservação e qualidade do material.