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dia a gente vai se distanciando dela, porque, por causa desse, desse período que eu tô
dizendo a ocê, que, pessoas que entram no rio, não sobrevivem da pesca, não
considera e leva tudo que acha a frente. No, no início da pesca, esse rio aqui, se ocê
dissesse assim, vô fazer um criadô, e vô lá no rio Ururaí, que é esse rio aqui; vô
panhar 2000, 3000, 4000 ou 5000 filhote de levino, traíra, ocê vinha e ocê levava.
Conseguia pegar, mas hoje, ocê passa, já não vê, aquele número, aquela quantidade,
porque como diz o ditado, a turma do, do ‘raspa-tudo’, você que é pescador, é, tenta
preservar um lado, já o outro vem, e vai levando;
Principalmente, na preservação, a diferença de quem é pescador que sobrevive e o
pescador que é profissional é [que] ele tem, uma visão para o dia de amanhã, ele
sabe, é como eu mostrei a você ali, ele sabe que o nível da traíra, chega um tamanho,
de 2 quilo, 3 quilo, aqui. Então ele sabe que de um ano pra otro nós temos essa, essa
experiência que de um ano pra otro, se os pescadô, eles pegarem as maior, eles
sabem que ele vai ter todo ano, trairá pra ele pegar;
E do mesmo tamanho, porque ele sabe que aquelas que ele passa de 100 “grama”,
250 “grama”, ele sabe, que no período da água, até ao baixar as águas, pra chegar no
nível pra ele usar aquele tipo de pesca, sabe, pra ele usar aquele tipo de pesca, ele
sabe que naquele período, a traíra já vai tá no ponto, dele, já de ser consumida,
porque ela aqui, a traíra aqui, ela tem um crescimento muito bom, ela tem um
crescimento muito bom e a gente já tem por essa experiência, então quando a gente
sai pra pescar, que vê aquele número grande, de filhote a gente já sabe, o pescador
que tem a consciência e o conhecimento na área, ela já sabe e muitos até comentam:
É rapaz, se Deus quiser para o ano, nós temos uma safra igualmente a essa ou talvez
até milhor. Porque a gente tá, é, com a esperança da gente é uma coisa que ocê num,
num, prevê, é uma coisa que ocê vê, é uma coisa que ocê ta vendo que vai ter um
crescimento na próxima safra de traíra, mas quando ocê, quando você, num vê, é a
mesma coisa, quando você, quando um país num tem criança, num tem história, né,
quando um país, as criança são pouca, ocê sabe que um país sem..., com um futuro
tamém, né, bem, de um nível bem baixo, embora nós sabemos que, a, a situação que
ta, mas cê sabe que o, o pogresso damanhã, são criança, porque a gente já foi
criança, hoje já é moço, e amanhã tá velho, e eles vão..., e muitas das vezes eu fico
analisando..., no ponto em que eu já vi, essa Lagoa de Cima, a produção de peixe
tremenda que houve, e eu fico pensando, amanhã os meus netos se eles quiserem
assumir, um, uma produção de pescador, eu fico pensando, as vezes me pergunto,
comé que vai ser meu Deus a vida deles, comé que vai ser... (JB)
Como transparece nas falas e práticas rituais dos pescadores, o ecossistema que os
circunda e com o qual mantêm intricada relação é percebido como uma unidade indissociável
de sua própria existência como pescador artesanal e a reprodução de seu grupo social. A
lagoa, portanto, é significada como uma dádiva divina, a “riqueza dos pobres”. Em outro
contexto, sobressai como ideologia a representação da Lagoa de Cima como um lugar onde a
Natureza deve ser institucionalmente resguardada, com a crença no conhecimento técnico -
cientifico e no manejo ambiental. Assim, a questão ambiental é encarada como pertencente ao
âmbito do natural, este por sua vez, compreendido como passível de ser decomposto em
partes. Portanto, a partir desta visão de mundo, a Natureza, transmutada em meio ambiente
constitui um “objeto” – em todo o sentido da palavra – apresentado como desenraizado das
relações sociais que estão em sua origem.