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UFRRJ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM
DESENVOLVIMENTO AGRICULTURA E SOCIEDADE CPDA
DISSERTAÇÃO
Cosmovisões da Natureza:
Um estudo sobre as Representações Sociais de Natureza envolvidas na
proteção da Lagoa de Cima Campos dos Goytacazes RJ
Klenio Veiga da Costa
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM
DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE
Cosmovisões da Natureza:
Um estudo sobre as Representações Sociais de Natureza envolvidas na
proteção da Lagoa de CimaCampos dos Goytacazes RJ
Klenio Veiga da Costa
Sob a Orientação do Professor
Canrobert Penn Costa Neto
Dissertação submetida ao curso de
Pós-Graduação de Ciências Sociais
em Desenvolvimento, Agricultura
e Sociedade, como requisito
parcial para obtenção do grau de
Mestre, de Ciências Sociais em
Desenvolvimento Agricultura e
Sociedade.
Rio de Janeiro, RJ
Agosto de 2008
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Dedico a meu pai João Luiz
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas contribuíram para que este trabalho obtivesse esta feição final. A todos
vocês minha gratidão!
Ao professor Canrobert Costa Neto, por sua dedicação, empenho, incentivo e,
sobretudo, competência no exercício desta orientação. Obrigado!
Ao professor Peter May, agradeço a disponibilidade e contribuições compartilhadas na
ocasião da defesa do projeto desta dissertação.
À Professora Fátima Portilho, meus agradecimentos pela participação na banca de
avaliação desta dissertação, o que certamente tornou o trabalho mais rico.
À Professora Rosane Prado, agradeço por ter aceitado minha inscrição como aluno
ouvinte no curso de Antropologia do Meio Ambiente (PPCIS/UERJ) e a dupla
participação na defesa do projeto e banca desta dissertação. Certamente estes formam
momentos que contribuíram para ampliar a qualidade deste trabalho.
Aos Pescadores da Lagoa de Cima, agradeço pelo aprendizado proporcionado nas
muitas conversas em suas casas, bares, reuniões da Associação, enfim, às margens da
Lagoa.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Capes que me
concedeu uma bolsa durante a realização do mestrado, condição esta sem a qual este
estudo não seria viável.
Agradeço ao Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade (CPDA/UFRRJ) o Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural
(Nead-MDA), e a ActionAid do Brasil pela concessão, via Programa de Apoio à
Pesquisa Discente, de auxilio para a realização do trabalho de campo desta pesquisa.
Aos amigos do CPDA, principalmente a turma do mestrado de 2006, por todo o
companheirismo. Não esquecerei meus amigos dos bons momentos que passamos
juntos. Obrigado!
Aos amigos do Berro da Riachuelo: Vivian, Juliana, Juciano, Leonardo, Camila e Felipe
por tornarem a cidade grande para um capiau, algo tão familiar e acolhedor. Em breve
espero estar de volta para outras tantas rodas de conversa e chope pela Lapa...
Não posso deixar de agradecer as amizades feitas em Campos, em especial: Julio, Laís,
Tadeu, Bonnie, Tanize, Vagner, Mariângela, Kamilla, Isabel que nas mesas de bar, no
MSN e ou visitas compartilharam das minhas alegrias e angustias. Obrigado pela
paciência!
À Mariana e Silvia, por terem me dado uma tremenda bronca nas vésperas da realização
da prova de ingresso do CPDA. Momento em que meu medo pelo desconhecido
sobrepôs minha vontade, mas o primeiro foi ultrapassado com valiosa ajuda de vocês
duas. À Silvia, agradeço ainda o apoio e a amizade incondicional nestes sete anos de
convivência.
À Manuela agradeço por todos os bons momentos, pois somente esses ficam.
A minha mãe, sou grato pelo apóio e confiança incondicional no caminho que escolhi.
RESUMO
COSTA, Klenio Veiga. Cosmovisões da Natureza: Um estudo sobre as
Representações Sociais de Natureza envolvidas na proteção da Lagoa de Cima
Campos dos Goytacazes RJ. 2008. 189p. Dissertação (Mestrado de Ciências Sociais
em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade). Instituto de Ciências Humanas e
Sociais, Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento
Agricultura e Sociedade CPDA. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, RJ, 2008.
A temática tratada por esta dissertação é a relação de grupos sociais distintos e a Natureza, com
ênfase na questão relativa à proteção ambiental. Para tanto, este estudo baseou-se em uma
análise, sob o prisma das Representações Sociais da Natureza, das distintas propostas de uso e
significação da biodiversidade da Lagoa de Cima, Campos dos Goytacazes RJ, local este que é
disputado material e simbolicamente por Pescadores Artesanais e pelo Poder Público Municipal.
Assim, um dos objetivos é pensar como as distintas apropriações da Natureza feitas por estes
atores sociais estão relacionadas às suas específicas Representações Sociais da Natureza. Soma-
se a tal anseio, observar como as propostas de preservação construídas pelos atores sociais
envolvidos com a Lagoa de Cima refletem suas visões de mundo e, sobretudo, as suas
percepções sobre a Natureza. Não obstante, é também objetivo desta dissertação avaliar a
abrangência do projeto de conservação da Natureza formulado pelo Poder Público a criação da
Área de Proteção Ambiental da Lagoa de Cima frente à representação dos recursos naturais
formulada pelos Pescadores Artesanais. De modo a alcançar tais objetivos, este estudo lançou
mão de artifícios metodológicos inseridos em uma perspectiva de análise qualitativa dos
fenômenos sociais, a saber: a entrevista aberta e a observação participante. A escolha desta
abordagem se fez necessária por ser esta a que se adéqua de modo coerente com os resultados
buscados por este estudo, pois, tais ferramentas metodológicas possibilitam a análise de
questões que não podem ser quantificadas, a saber, anseios, sentimentos, motivações, valores e
atitudes que compõem as Representações Sociais. Do ponto de vista teórico, a princípio,
empreende-se uma brevíssima revisão acerca do conceito de Representações Sociais, baseada
em autores como Durkheim (1983), Mauss (1974) e Moscovici (2003), feito isso, aprofunda-se
o conceito de Representações Sociais com relação à Natureza, a partir de Godelier (1981). Na
seqüência, buscou-se empreender uma análise sobre as políticas de preservação ambiental,
cristalizadas nas unidades de conservação, com intuito de uma reflexão sobre a relação entre
estas e as populações que historicamente habitam tais áreas, apoiando-se, sobretudo, nos
escritos de Diegues (1998) e Acselrad (2001).
Palavras-chave: Representações Sociais da Natureza; Áreas de Proteção Ambiental
(APA), Lagoa de Cima RJ;
ABSTRACT
COSTA, Klenio Veiga. Cosmovisions of Nature: A study on Nature Social
Representations involved in the protection of Lagoa de Cima - Campos dos
Goytacazes - RJ. 2008. 189p. Dissertation (Master of Social Sciences in Development,
Agriculture and Society). Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Programa de Pós-
Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade CPDA.
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008
This study focuses on the relationship between Men and Nature, emphasizing the issue
regarding the protection of Nature. Therefore, it is based on the Nature’s Social Representations
concept, in order to analyze the different use proposals and biodiversity meanings in Lagoa de
Cima, Campos dos Goytacazes RJ, which are material and symbolically disputed among
Artisanal Fishermen and by the Municipality Public Power. In this sense, it is one of the main
objectives to think how the distinct Nature appropriations performed by these social actors are
related to their specific Nature Social Representations. They also reflect their world standpoints
and, overall, their perception regarding Nature. Nevertheless, the study also aims to evaluate the
reach of the Nature conservation project formulated by the Public Power the creation of
Environmental Protection Area of Lagoa de Cima regarding the representation of natural
resources, mainly, the one designed by the Artisanal Fishermen. The methodology of this thesis
is inserted in a qualitative analysis of the social phenomena, using both the unstructured
interview and participant observation. The choice of this approach is necessary once it better
suits the study, because, it makes possible the analysis of issues that can not be quantified,
which are sentiments, motivations, values and attitudes, which compose the Social
Representations. From a theoretical standpoint, there is a brief review regarding the concept of
Social Representations, based on authors like Durkheim (1983), Mauss (1974) and Moscovici
(2003), also the concept of Social Representations regarding Nature is analyzed from Godelier
(1981). In the sequence of the study, an analysis on the environmental preservation practices
was conducted, mainly about the conservation units, aiming to the understanding of the
relationship among these units and the population that historically inhabited the protection
areas, supporting this analysis on authors, such as Diegues (1998) and Acselrad (2001).
Key Words: Nature Social Representations, Environmental Protection Areas (APA),
Lagoa de Cima, RJ;
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 LOCALIZAÇÃO DA LAGOA DE CIMA, SENDO A ÁREA HACHURADA
EM VERMELHO A DELIMITAÇÃO DA BACIA DE DRENAGEM DA
LAGOA DE
CIMA E EM VERDE O PARQUE ESTADUAL DO DESENGANO 52
FIGURA 2 MAPA COM A COBERTURA DO SOLO, DESTAQUE PARA DIMINUIÇÃO
DAS ÁREAS DE MATA NO ENTORNO DA
LAGOA DE CIMA 57
FIGURA 3 MAPA ELABORADO POR ALBERTO LAMEGO EM QUE SÃO
INDICADAS AS LAGOAS E LAGUNAS EXISTENTES NA PLANÍCIE GOITACÁ
NO INICIO DO
SÉCULO XX 68
FIGURA 4 –. MAPA ELABORADO PELA COMISSÃO DE SANEAMENTO DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO (1934), OS TRAÇOS VERMELHOS SINALIZAM
OS CANAIS POSTERIORMENTE CONSTRUÍDOS PELO
DNOS 68
FIGURA 5 CROQUI COM A LOCALIZAÇÃO DAS COMUNIDADES NO ENTORNO
DA
LAGOA DE CIMA 72
FIGURA 6 TRAVESSIA DO RIO URURAÍ NA COMUNIDADE DE BARRA. 74
FIGURA 7 DISTRIBUIÇÃO DOS MORADORES DE SÃO BENEDITO POR FAIXA
ETÁRIA
(N=395) 77
FIGURA 8 COMPANHEIROS NO TRABALHO DE DESPESCA: A IMAGEM ILUSTRA
O VOLUME MÉDIO DE UMA BOA PESCARIA DE LANÇO
83
FIGURA 9 O TRABALHO NA LIMPEZA DO PESCADO REQUER O
ENVOLVIMENTO DE TODA MÃO DE OBRA FAMILIAR
83
FIGURA 10 MOMENTOS DIVERSOS DO YACHT CLUB LAGOA DE CIMA; DA
ESQUERDA E NO SENTIDO HORÁRIO
, CONSTRUÇÃO DA PRIMEIRA
GARAGEM DE BARCOS
; VISTA PARCIAL DA GARAGEM DE BARCOS; DR.
GUERRA (DE CHAPÉU), AMIGOS E A LANCHA “URURAL”; ASSOCIADOS EM
ATIVIDADE RECREATIVA
93
FIGURA 11 EMBARCAÇÃO NA LAGOA DE CIMA 119
FIGURA 12 LAVADAS, AS REDES SECAM À SOMBRA 122
FIGURA 13 INCIDÊNCIA DAS CORRENTES DE ATMOSFÉRICAS EM RELAÇÃO
AO ESPELHO D
ÁGUA 127
FIGURA 14 EXEMPLO DO POSICIONAMENTO DA REDE DE ESPERA EM FUNÇÃO
DO VENTO
128
FIGURA 15 - VISTA PANORÂMICA DO PORTO/PRAIA. AS EMBARCAÇÕES
ANCORADAS INDICAM OS ESPAÇOS DE TRABALHO DAS FAMÍLIAS DE
PESCADORES
134
FIGURA 16 O TRAÇO AMARELO INDICA O LIMITE DA FMP E O VERMELHO O
NÍVEL MÁXIMO DE TRANSBORDO DO ESPELHO D
'ÁGUA. 141
FIGURA 17 O CALENDÁRIO ECOLÓGICO DA PESCA NA LAGOA DE CIMA, OS
MESES EM VERMELHO INDICAM A INTERDIÇÃO PELO
DEFESO 148
FIGURA 16 PLACAS AFIXADAS PELA SMMA DE CAMPOS COM O INTUITO DE
PROMOVER A
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NOS USUÁRIOS E MORADORES DA
LAGOA DE CIMA. 181
FIGURA 17 VISTA AÉREA DA LAGOA DE CIMA; NO PRIMEIRO PLANO
OBSERVA
-SE O RIO URURAÍ, LOGO EM SEGUIDA VÊ-SE O ESPELHO
D
ÁGUA E AO FUNDO A SERRA DO IMBÉ. 182
FIGURA 18 VISTA AÉREA DA FOZ DOS RIOS URUBU (À ESQUERDA) E IMBÉ
(À DIREITA) PRINCIPAIS FORMADORES DO ESPELHO DÁGUA DA LAGOA
DE
CIMA, NO ANO DE 1937. 182
FIGURA 19 PAISAGEM LAGOA DE CIMA - SÃO BENEDITO. 183
FIGURA 20 PAISAGEM LAGOA DE CIMA - SANTA RITA. 183
FIGURA 21 FAIXA DE AREIA EM SÃO BENEDITO 184
FIGURA 22 COMÉRCIO NA PONTA DA PALHA - SÃO BENDITO 184
FIGURA 23 ACAMPAMENTO DE VISITANTES DURANTE AS FERIAS DE VERÃO -
SÃO BENEDITO 185
FIGURA 24 VISTA DA OCUPAÇÃO URBANA DA NA PONTA DA PALHA SÃO
BENEDITO. 185
FIGURA 25 UM DOS MUITOS BARES/RESIDÊNCIAS LOCALIZADOS NO
ENTORNO DA LAGOA
- SANTA RITA 186
FIGURA 26 FAIXAS E ANÚNCIOS AO LONGO DA ESTRADA DA TAPERA FAZEM
PROPAGANDA DOS BARES À MARGEM DA LAGOA
. 186
FIGURA 27 DONA DE CASA LAVANDO UTENSÍLIOS DOMÉSTICOS
DIRETAMENTE NAS ÁGUAS DA LAGOA DE
CIMA - SÃO BENEDITO. 187
FIGURA 28 ROUPAS ESTENDIDA NA FAIXA DE AREIA E SECANDO GRAÇAS AO
"VENTO SUL" - SÃO BENDITO. 187
FIGURA 29 EMBARCAÇÕES SÃO BENEDITO. 188
FIGURA 30 O TRABALHO FAMILIAR NO PORTO - SÃO BENEDITO. 188
FIGURA 31 DETALHE DOS PETRECHOS DE PESCA ACONDICIONADOS NA
CANOA
- SÃO BENEDITO 189
FIGURA 32 AS LIXEIRAS ESPALHADAS PELAS PRAIAS DE SÃO BENDITO NÃO
GARANTEM QUE O LIXO DEIXE DE SER LANÇADO NO CHÃO
. 189
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 QUADRO RESUMIDO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE USO
SUSTENTÁVEL QUE CONSTAM NO SNUC 25
TABELA 2 QUADRO RESUMIDO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE
PROTEÇÃO INTEGRAL QUE CONSTAM NO SNUC 26
TABELA 3 LISTA COM OS ENTREVISTADOS 45
TABELA 4 POPULAÇÃO RESIDENTE, POR SITUAÇÃO DO DOMICÍLIO EM
CAMPOS DOS GOYTACAZES (1940-2000) 70
TABELA 5 NÍVEL EDUCACIONAL DA POPULAÇÃO ADULTA DE SÃO
BENEDITO (25 ANOS OU MAIS) (N=185) 78
TABELA 6 NÍVEL EDUCACIONAL DA POPULAÇÃO JOVEM DE SÃO BENEDITO
2005 (N=149) 78
TABELA 7 ATIVIDADES ECONÔMICAS DESENVOLVIDAS PELOS MORADORES
DE
SÃO BENEDITO, COM IDADE ACIMA DE 14 ANOS (N=286) 80
TABELA 8 QUADRO COM A DESCRIÇÃO, DIVISÃO POR GÊNERO E PERÍODO DO
DIA DAS ATIVIDADES DO GRUPO FAMILIAR
84
TABELA 9 LISTAGEM DOS PEIXES CAPTURADOS NO RELATÓRIO CIENTÍFICO
NOVELLI, 2003 168
TABELA 10 ESPÉCIES DE ANIMAIS LISTADOS PELO DIAGNÓSTICO DA APA
LAGOA DE CIMA 168
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO I REFERENCIAIS TEÓRICOS 7
1.1 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 7
1.2 A PROBLEMÁTICA SOCIOAMBIENTAL 12
1.3 A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA EM ÁREAS PROTEGIDAS 18
1.3.1 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: AS ÁREAS PROTEGIDAS NO BRASIL 22
1.3.2 UNIDADES DE USO SUSTENTÁVEL 26
1.4 REVISITANDO ESTUDOS TEMÁTICOS 29
1.5 APROXIMAÇÕES ENTRE TEORIA E CAMPO - HIPÓTESES FORMULADAS 33
CAPÍTULO II O TRABALHO DE CAMPO 41
2.1 METODOLOGIA 41
2.2 O ESTAR LÁ 47
CAPÍTULO III ASPECTOS NATURAIS DA LAGOA DE CIMA 51
3.1 A LAGOA DE CIMA 51
3.2 BASE GEOLÓGICA E GEOMORFOLÓGICA 52
3.3 RECURSOS HÍDRICOS 54
3.4 ASPECTOS FLORÍSTICO E FAUNÍSTICOS 56
CAPÍTULO IV ASPECTOS HISTÓRICOS E SOCIAIS DA LAGOA DE CIMA 60
4.1 NOTAS SOBRE A HISTÓRIA AMBIENTAL DOS CAMPOS DOS GOITACÁS 60
4.2 COMUNIDADES NO ENTORNO DA LAGOA DE CIMA 71
4.3 SÃO BENEDITO 74
4.3.1 POPULAÇÃO E ATIVIDADE ECONÔMICA DO ARRAIAL 77
4.3.2 O COTIDIANO NA PESCA 81
4.3.3 O PESCADOR: UM MODO DE VIDA EM TRANSFORMAÇÃO 85
CAPÍTULO V LAGOA DE CIMA: OBJETO DE CONSTRUÇÕES SENSÍVEL-
SIMBÓLICAS 89
5.1 “LAGO SUÍÇO EM TERRAS TROPICAIS 89
5.2 A PROTEÇÃO INSTITUCIONAL DA LAGOA DE CIMA 95
5.3 PESCADORES DE LAGOA DE CIMA 114
5.3.1 OS BENS DE PRODUÇÃO DA PESCA 118
5.3.2 O SABER-FAZER INERENTE À ATIVIDADE HALIÊUTICA 123
5.4 DO PORTO À PRAIA: O (NÃO) DIÁLOGO ENTRE AS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS DA NATUREZA 131
CONSIDERAÇÕES FINAIS 152
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 156
ANEXOS 167
ANEXO A: FAUNA PREDOMINANTE NA LAGOA DE CIMA 168
ANEXO B: LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO - CAPÍTULO SOBRE MEIO AMBIENTE 169
ANEXO C: PLANO DIRETOR 1991, TÍTULO IV POLÍTICA DE MEIO AMBIENTE 172
ANEXO D: LEI MUNICIPAL QUE CRIA A APA LAGOA DE CIMA 173
ANEXO E: LEI QUE ESTABELECE O DEFESO MUNICIPAL NO ANO DE 2002/2003 175
ANEXO F: PLANO DIRETOR DE 2007, CAPÍTULO III DO MEIO AMBIENTE E
SANEAMENTO AMBIENTAL 176
ANEXO G: APÊNDICE A VIAGEM A CAMPOS ENTRE 1827 A 1828 POR ANTÔNIO
MUNIZ DE SOUZA 180
ANEXO H: REGISTROS FOTOGRÁFICOS REALIZADOS NO DECORRER DO
TRABALHO DE CAMPO
. 181
1
Introdução
A humanidade é um potencial agente de alteração extrema dos ciclos naturais. Neste
sentido, foram a partir das conquistas civilizatórias”, alcançadas por uma parcela da
sociedade global, especificamente no século XVIII, que são amplificadas as perturbações no
equilíbrio do sistema Terra e é alterado radicalmente o ecossistema global no desígnio de
forjar o presente modelo de vida: uma sociedade urbano-industrial. Assim, é necessário
ressaltar que as mudanças ambientais, atualmente em curso, além de possuírem escopo global
estão intimamente relacionadas a um momento histórico do comportamento social, em que o
ser humano é dotado da capacidade de se estabelecer no ecossistema sem que a ele esteja
dependente.
Nas últimas quarenta décadas, uma parcela desta sociedade urbana e industrial, tem se
convencido mais e mais que a partir de seu modo de vida obteve ganhos inúmeros em relação
à qualidade de vida. Contudo, acompanhado desta satisfação há um sentimento de mal-estar,
que tem por origem a perda de outras dimensões que influem e são valorizadas na composição
de seu bem-estar. A Natureza, por exemplo, é uma delas. A nostalgia que a sociedade urbano-
industrial apresenta em relação à Natureza é uma dentre muitas outras: tranqüilidade, vivência
em comunidade, etc. O desalento, imposto pela vida opressora e violenta nos centros urbanos,
fez com que o meio ambiente alcançasse um extraordinário valor na atualidade. Este valor,
não está somente circunscrito a uma dimensão econômica, mas, sobretudo, anima um
contingente de indivíduos, movidos por valores éticos, científicos e estéticos, a seu modo e
por meio de suas categorias a se manifestarem em prol da defesa da Natureza.
Desta forma, recordar a história recente, com a atenção direcionada para a questão
ambiental, implica na observação que um representativo número de discussões, debates e
eventos locais e globais foram realizados nas últimas quatro décadas, com o objetivo de
colocar em evidência a Natureza. Através dos temas ligados à pobreza ou ao padrão de
desenvolvimento industrial-econômico. Conforma-se, então, o reconhecimento por esta
parcela da sociedade global de que o modelo de desenvolvimento estabelecido penaliza tanto
o meio ambiente quanto as populações nele imersas. Tal ponderação inaugurou um debate
acerca da adoção de mecanismos que viabilizem a proteção da Natureza.
Nestes debatesdirigidos sob a tutela da ciência, enquanto concepção universalista de
Homem, e do mercado auto-regulável alternativas foram propostas para se realizar a defesa
dos ecossistemas e a preservação dos recursos naturais. Assim, instrumentos e medidas de
2
proteção da Natureza conformaram-se. Dentre a ampla gama de ações destacam-se as
Unidades de Conservação
1
Entretanto, cabe ressaltar que o escopo alcançado pela emergente temática ambiental e
suas implicações junto a interesses particulares, transportou o debate dos centros de pesquisa,
para a sociedade civil organizada partidos políticos, movimentos sociais ambientalistas , o
cidadão comum e as populações tradicionais
, que constituem uma política pública que se propõe a diminuir os
efeitos da destruição dos ecossistemas por meio do estabelecimento de espaços naturais
legalmente instituídos pelo Poder Público. Áreas, portanto, que possuem limites definidos e
existem sob um regime especial de administração, por exemplo, com medidas mais restritivas
em relação aquelas existentes no seu entorno.
2
Neste relacionamento, marcado pela oposição de múltiplos interesses, nem sempre a
concordância sobre as medidas protecionistas é estabelecida. O desenho que vem se
conformando, a respeito do debate da questão ambiental, nas várias escalas, não tem se
apresentado como favorável ao estabelecimento do consenso e/ou o envolvimento dos
múltiplos interesses. Neste sentido, cada vez mais a discussão tende a cristalizar o
pensamento único sobre o meio ambiente e, assim sendo, tal articulação conduz a uma
completa rejeição de outros projetos sócio-ecológicos que empreendam sozinhos ou
articulados a defesa da Natureza. Na atual conjuntura, prevalece o dissenso, o descaso e/ou a
intransigência (de modo consciente ou não), por parte de alguns dos atores sociais envolvidos
. Toda esta agitação denota que a questão, por
envolver interesses variados, tem por necessidade a integração e participação desta
diversidade de áreas de conhecimento e setores sociais. De modo geral, os atores sociais se
voltam para discussão da questão ambiental com o objetivo de garantir uma forma de
promover a proteção da Natureza com distribuição equânime dos bens (diretos e indiretos)
que ela proporciona. Além disto, o envolvimento no debate por parte destes diversos setores
sociais tem por objetivo garantir que as ações voltadas para a proteção não se tornem
prejudiciais aos seus interesses. Por um lado, aqueles que participam de tal discussão por
buscarem a defesa e permanência das práticas históricas de grupos étnicos e culturais
marginais e, por outro, há os que participam com o intuito de garantir medidas políticas que
não prejudiquem o crescimento econômico da sociedade ampla.
1
De agora em diante referida também como UCs
2
O conceito de povos tradicionais, sugerido por Little (2002), utilizado neste trabalho, abriga em seu interior
uma diversidade de grupos humanos que apresentam diferentes formas fundiárias, como índios, caboclos,
caiçaras, comunidade de açorianos e pescadores artesanais, entre outros. Estes grupos mantêm vínculos de
identificação territoriais, baseados em suas relações com o ambiente biofísico, visível pela dimensão histórica de
sua ocupação e por suas lutas e estratégias para se manter em seus respectivos territórios.
3
no debate, principalmente por não “reconhecerem” as especificidades culturais e/ou
posicionamento político daqueles que fazem “oposição” no que tange a questão ambiental
que se apresenta como legítima. Assim sendo, a inexistência de uma ampla participação dos
diversos seguimentos sociais envolvidos e o estabelecimento de um diálogo entre atores
sociais com peso político desigual, constituem os principais fatores que corroboram para o
insucesso das políticas blicas de proteção da Natureza.
As dificuldades que se apresentam no contexto mais amplo da questão ambiental é
também obstáculo que entrava o sucesso das Unidades de Conservação como mecanismo de
preservação da natureza. Especificamente nesta dimensão da problemática ambiental, a
intransigência e a invisibilidade de outros projetos societários especificamente os ligados a
saberes tradicional-local igualmente interessados na manutenção da Natureza, constitui o
principal desafio a ser enfrentado. Tal posicionamento, necessariamente não implica
desconhecer e abdicar dos saberes técnico científicos na dinâmica de criação e manejo das
Unidades de Conservação, mas visa somente torná-lo permeável, aberto ao dialogo e
aprendizado com aqueles que possuem também saberes acerca das áreas que se pretende
transformar em Unidades de Conservação. É justamente esta a principal preocupação deste
trabalho: perceber a dinâmica de utilização da Natureza e os tipos de Representação Social
que Pescadores Artesanais e Poder Público possuem acerca das situações ambientais em
Lagoa de Cima
3
, Campos dos Goytacazes RJ. Sobretudo, com o objetivo de apreender
4
Objetivamente falando, as peculiares morfologias do mundo que nos cerca são
captadas por nós a partir de funções fisiológicas especiais, de responsabilidade dos órgãos
sensoriais. Assim, é por meio de seus sentidos que os seres humanos percebem as condições
ambientais e as estruturas do espaço onde está localizado. Contudo, o ato perceptivo não é
uma função meramente sensorial fisiológica. A respeito disto, a contribuição seminal de
Emile Durkheim e Marcel Maus sobre representações coletivas tornam-se um importante
elemento elucidativo, uma vez que, para estes autores, o mundo social é composto pelos
indivíduos a partir de suas representações. Assim, é por meio da junção destas distintas
quais valores e aspectos da Natureza os distintos atores sociais assumem como sendo de
caráter primordial em suas cosmovisões.
3
Neste trabalho optei por utilizar a expressão Lagoa em maiúsculo quando é feita referencia à região que
compreende o entorno do espelho d’água, já lagoa em minúsculo, faz referência ao espelho d’água.
4
É valido ressaltar que o meu esforço em (re)construir as percepções de Natureza destes atores sociais, é
também um recorte e análise particular da realidade. Como bem salienta Sahlins “no encontro contraditório
entre pessoas e coisas, os signos são passiveis de serem retomados pelos poderes originais de sua criação, ou
seja, pela consciência simbólica” (1999:10).
4
perspectivas, torna-se possível a codificação das informações e a transformação do que é
observado em elemento significativo à cultura na qual se está inscrito. Portanto, é relevante
destacar que, segundo as circunstâncias, a coerência e lógica atribuída ao mundo exterior por
participantes de uma determinada cultura podem não ser facilmente detectadas por sujeitos
sociais inscritos em outras cosmovisões.
Deste modo, a significação que atribuímos ao meio biofísico, a que chamamos de
Natureza, deve ser caracterizada como um fenômeno culturalmente definido. Nesta
perspectiva, a Natureza, afirma Lenoble, é de fato o reflexo do olhar humano. Por isto, não
existe uma Natureza em si, existe apenas uma Natureza pensada. De tal forma, o que
encontramos é sempre uma idéia de Natureza, que toma sentidos radicalmente diferentes
segundo épocas e homens.
Na natureza, os primitivos procuravam compreender a vontade dos deuses do mar
(...); Aristóteles, uma hierarquia de formas organizadas; Descartes e os Modernos, as
alavancas de uma máquina em que “tudo se passa por número e movimento” (...)
Basta apostar estes poucos exemplos para compreender que, se o mundo físico
permanece idêntico a ele mesmo, pode tomar para o homem rostos completamente
diferentes. (...) Nesse sentido, a “nossa” Natureza e a “nossa” ciência podem muito
bem ter a sua data de nascimento, o que não quer dizer que anteriormente não se
observasse nada. Numa palavra, sempre se observou a Natureza, só que não era a
mesma. (1990:28)
Lenoble e outros autores, como Godelier, Diegues e Acselrad argumentam que os
aspectos do meio biofísico nomeados como Natureza, são resultado de um processo no qual
os membros de uma determinada cultura organizam e interpretam informações sensoriais em
unidades significativas, para que delas seja construído um quadro coerente do seu entorno ou
parte dele. Em resumo, a Natureza deve ser considerada não apenas como um conjunto de
forças, mas, principalmente, como produto material e simbólico da ação humana. Sobre este
ponto – a sobreposição entre dimensões materiais e simbólicas na construção da Natureza , é
imperativo afirmar que o espaço não é unicamente estruturado segundo um sistema de
significações socialmente determinados. Portanto, ele não é possível independentemente da
realidade material. Pois, balizado pelas considerações feitas por Geertz e Godelier (este
último, mais enfático sobre as relações entre o ambiente e sociedade), reafirma-se que as
significações elaboradas pelos sujeitos sociais são artifícios que contribuem para que estes
ajustem o espaço representado ao espaço objetivo.
A lagoa, rios, brejos, fauna, flora e pessoas que formam a Lagoa de Cima, são
entendidos por este estudo como elementos biofísicos que podem vir a ser objeto de
significações as mais variadas, na proporção em que distintos atores sociais iniciam um
5
processo de interação com o sistema Lagoa de Cima. Assim sendo, as significações dos
atributos estruturais daquele espaço, conferem à Lagoa de Cima o status de um território
existencial e ecológico. Lugar que permite, por exemplo, o acesso a um determinado estilo de
vida. A Natureza, em Lagoa de Cima, portanto, é materializada, construída, com base em
critérios ligados à riqueza e à complexidade das significações simbólicas e socioculturais que
lhe são impregnadas. De fato, na Lagoa o espaço e os objetos adquirem significados sociais,
segundo uma dimensão temporal e, sobretudo, por intermédio de experiências culturais, como
veremos na seqüência deste estudo.
Quanto à estrutura da dissertação: o primeiro capítulo é composto pela apresentação da
base conceitual referente às Representações Sociais e Representações Sociais de Natureza.
Subseqüente a este, por uma revisão conceitual do debate a respeito sobre a temática do
problema ambiental”, no qual é abordada a perspectiva crítica apresentada por Acselrad e
Diegues sobre este “problema”. Além destas pontuações, é retomada no texto a discussão
referente à questão da conservação da Natureza por meio de áreas protegidas, com um
aprofundamento sobre o tratamento que este tema recebe no Brasil sob o ponto de vista da
legislação. Por fim, ocorre a apresentação de estudos de caso que enfatizam a questão da
interposição entre Representações Sociais da Natureza distintas. Esta parte do capítulo serve
de mote para a aproximação entre os subsídios teóricos propostos e o dado empírico
observado na discussão a respeito da proteção ambiental da Lagoa de Cima.
O segundo capítulo versa sobre a metodologia utilizada na obtenção dos dados que
subsidiam o estudo. Neste sentido, para a presente dissertação estabeleceu-se que a
perspectiva de análise qualitativa dos fenômenos sociais seria privilegiada. Tal escolha se fez
necessária dado ao entendimento de que a entrevista e a observação participante constituem
praticas metodológicas adequadas aos objetivos propostos. Haja vista que a articulação destes
instrumentos de pesquisa torna possível ao pesquisador a apreensão e análise de questões que
não podem ser quantificadas, a saber, anseios, sentimentos, motivações, valores e atitudes
elementos que compõem as Representações Sociais. Além da explanação acerca dos
instrumentos de pesquisa, o presente capítulo cumpre com a função de ressaltar aspectos
relacionados ao processo de elaboração deste estudo, chamando a atenção principalmente para
a inserção do pesquisador no campo.
No terceiro e quarto capítulos, faço uma apresentação dos aspectos naturais e sociais
da Lagoa de Cima, estes últimos com o intuito de realçar a vivência da comunidade de
pescadores artesanais de São Benedito. No que concerne a estes dois capítulos é necessário
6
fazer uma ressalva. A princípio é incoerente observar em um estudo que tem como pano de
fundo um entendimento de que as relações entre natureza e sociedade são imbricadas, a
apresentação de capítulos em que se faz uma distinção entre aspectos ambientais e sociais.
Antes de tudo, é necessário esclarecer que tal divisão deve-se a um aspecto puramente
didático, haja vista que a feitura de um capítulo, em que estas dimensões estejam
relacionadas, apresenta-se como tarefa com certo grau de dificuldade, sobretudo, quando se
observam os prazos para a realização de uma dissertação de mestrado.
Quanto à discussão acerca das informações recolhidas ao longo da pesquisa, aqui
apresentadas no quinto capítulo, destaca-se que a Lagoa de Cima é atravessada por sentidos
sócio-culturais distintos, caracterizados, de um lado, por uma Representação da Natureza,
elaborada por pescadores artesanais que percebem seu modo de vida intrinsecamente ligado à
Lagoa de Cima e, portanto, entendem que a continuidade de certas práticas sociais que
desenvolvem são benéficas. Por outro lado, apresenta-se a visão da sociedade ampla, cujos
interesses são defendidos pelo Estado, em que se percebe a Natureza desenraizada de práticas
sociais e passível de ser gerenciada sob uma pretensa objetividade.
Como consideração final, ressalta-se que a possível imposição, por parte do Estado, de
uma lógica de organização e instrumentalização do espaço, baseada em restrições de uso dos
recursos naturais, pode conduzir a um paradoxal processo de degradação da Natureza em
Lagoa de Cima. Assim, deve ser considerada pelos executores das Políticas Públicas
ambientais a ampliação dos mecanismos de participação de modo a propiciar a discussão das
questões relativas à conservação da Natureza com os demais atores sociais envolvidos,
principalmente as populações tradicionais.
7
Capítulo I Referenciais Teóricos
O presente capítulo tem como objetivo principal realizar uma breve reflexão sobre
intrincada relação entre Natureza X Cultura. Para tanto, buscou-se empreender uma análise
sobre as políticas de preservação ambiental em unidades de conservação de uso sustentável,
especialmente no que diz respeito à sua relação com as populações que historicamente
habitam tais áreas. Neste sentido, foram utilizadas outras pesquisas com procedimentos
similares de análise, com apoio, sobretudo, em Diegues (1998) e Acselrad (2004), cuja
questão principal para ambos está relacionada aos diferentes modos sociais de apropriação do
mundo material.
A princípio, empreendo uma revisão acerca do conceito de Representações Sociais,
baseada em autores como Durkheim (1989), Mauss (1974) e Moscovici (2003). Feito isso,
aprofundo o conceito de Representações Sociais com relação ao de Representações Sociais da
Natureza, a partir de Godelier (CARVALHO, 1981). Na seqüência, problematizo a noção de
conflito socioambiental, destacando para tanto elementos que caracterizam este tipo de
conflito como originado na disputa por legitimidade de um dado projeto societário.
Além disso, o capítulo trata da análise sobre as políticas públicas de Unidades de
Conservação, demonstrando que suas bases estão fundamentadas nas noções modernas sobre
o mundo natural, que por sua vez são estruturadas sobre uma determinada lógica de
intervenção no mundo material. A seguir, com base no estudo de caso das Representações
Sociais de Natureza existentes no que tange a Lagoa de Cima, são apontados os reflexos das
políticas de gestão ambiental, baseadas em uma noção moderna de meio ambiente e as
conseqüências de sua aplicação em uma comunidade de pescadores que mantém práticas
tradicionais vinculadas a esta específica porção da Natureza.
1.1 – Representações Sociais
Nas Ciências Sociais, o estudo das Representações Sociais remonta ao surgimento da
Sociologia como disciplina acadêmica desde o século XIX, com destaque para o trabalho de
Émile Durkheim. As investigações sociológicas deste autor tinham por objetivo discutir a
importância das representações dentro de uma coletividade e como estas influem nas decisões
tomadas pelos membros deste coletivo. Portanto, para a Sociologia Durkheimiana, as
representações coletivas permitem que as pessoas se orientem em seu mundo material e
8
social, controlem-no e se comuniquem umas com as outras, através de um código comum de
denominação e de classificação dos vários aspectos deste mundo, de sua história individual e
grupal.
No capítulo dedicado às conclusões de “As formas elementares da Vida Religiosa
(1989) Durkheim salienta que as representações religiosas, assim como as demais
representações coletivas estão relacionadas “a um conjunto de práticas; e também a um
sistema de idéias, cujo objetivo é exprimir o mundo” (1989:231). Portanto, para Durkheim o
conceito de representações coletivas está relacionado à coesão do grupo. De modo
complementar à concepção durkheimiana, Mauss ressalta que as representações coletivas
entendidas por este autor como: “idéias, conceitos, categorias, motores de atos e práticas
tradicionais, sentimentos coletivos e expressões” (1974:185) são o conceito essencial da
Sociologia, pois são em torno destas idéias comuns, tais como religião, pátria e moeda, que
se agrupam, tanto quanto sobre o solo, os homens, como seu material, seus números, suas
historias” (1974:184). Mauss salienta ainda que, mesmo fenômenos de caráter diferentes, até
os físicos, como, por exemplo, a guerra, são motivados por representações.
As análises sociológicas calcadas nesta concepção de representação coletiva
conduzem a conclusões que enfatizam o equilíbrio de uma determinada sociedade e a
harmonia inerente ao compartilhamento de um conjunto de conceitos: uma visão de mundo.
Neste caso, a preocupação sociológica está voltada muito mais para a compreensão de como
os elementos subjetivos, responsáveis por criar “ruídos” no processo de comunicação, podem
ser “progressivamente depurados para se tornarem progressivamente o mais próximo das
coisas” (DURKHEIM, 1989:243). Contudo, ao utilizar o conceito de Representações neste
trabalho, tem-se em vista a formulação de representações sociais proposta por Serge
Moscovici. A perspectiva assumida por este autor é tributária direta da concepção de
representação coletiva formulada por Durkheim. Como assinalado anteriormente, em seu
sentido clássico, as representações coletivas constituem um instrumento explanatório e se
referem a uma classe geral de idéias e crenças que dão estabilidade e normalidade a uma
determinada sociedade. Entretanto, segundo Moscovici, as representações sociais são
fenômenos específicos que perpassam um modo particular, dentre muitos, de compreender a
realidade em suas dimensões simbólicas e materiais. É com o intuito de enfatizar esta
diferenciação que o autor substitui o termo “social” por “coletivo” (MOSCOVICI, 2003:49).
Tal distinção, busca realçar que as representações sociais equivalem a um conjunto de
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princípios construídos interativamente e compartilhados por diferentes grupos, que através
delas compreendem e transformam sua realidade.
A formulação conceitual proposta por Moscovici introduz uma perspectiva não
contemplada no pensamento durkheimiano, a saber, a “variação e a diversidade das idéias
coletivas nas sociedades (MOSCOVICI, 2003:15). Para Moscovici, tal diversidade de
representações deriva da heterogeneidade presente no interior de uma dada sociedade, em que
as “diferenças refletem uma distribuição desigual de poder e geram uma heterogeneidade de
representações” (MOSCOVICI, 2003:15). Assim, as representações sociais são a forma da
criação coletiva, que sob outras condições da vida social, podem vir a se constituir de
maneiras diferentes.
Por conseguinte, neste estudo, parte-se do pressuposto de que as Representações
Sociais são o elemento central na determinação da singularidade de uma organização social.
Godelier, afirma que nenhuma ação intencional do homem pode começar sem a existência de
representações. Assim, toda força produtiva material contém em seu germe um elemento ideal
complexo que não pode ser considerado uma representação passiva e construída a posteriori,
no pensamento desta força produtiva, mas tal representação é um componente ativo, uma
condição interna de seu aparecimento (GODELIER apud CARVALHO, 1981:183). Desta
forma, o autor acrescenta:
um processo de trabalho comporta muitas vezes atos simbólicos pelos quais se age
não sobre a natureza visível, como fazemos com os utensílios, mas sobre poderes
invisíveis que controlam a reprodução da natureza e são tidos como podendo
conceder e negar ao homem o que ele espera: uma boa safra, uma boa caça, etc. Esta
parte simbólica do processo de trabalho constitui um realidade social tão real como
as ações materiais sobre a natureza, mas sua finalidade, suas razões de ser e sua
organização interna constituem igualmente realidades ideais, cuja origem é o
pensamento que interpreta a ordem escondida do mundo e organiza a ação sobre as
potências que o controlam. (GODELIER apud CARVALHO, 1981:185)
Neste sentido, pode-se inferir a partir da teoria de Godelier que o meio biofísico é
perpassado por dimensões imaginárias. Na visão de Diegues, a partir de sua leitura de
Godelier, não é simplesmente a natureza, as definições geográficas e ambientais que motivam
um tipo especifico de exploração dos recursos naturais da floresta, mas sim, as formas com
que se configuram as relações sociais, racionalidades, intencionalidades e objetivos de
produção material e simbólica. Portanto, a idéia de natureza toma sentidos radicalmente
distintos, conforme as diferentes épocas e a inserção dos homens no meio biofísico. Assim,
afirma Godelier, a força mais profunda que movimenta o homem e faz com que invente
10
novas formas de sociedade é a sua capacidade de mudar suas relações com a natureza, ao
transformá-la.” (DIEGUES, 1998:63).
Assim sendo, para Godelier, o elemento fundamental na instrumentalização do meio
ambiente vem, sobretudo, da cultura e das capacidades produtivas de uma sociedade do que
propriamente das condições dadas pelo ambiente no qual ela se encontra. Este argumento
rejeita totalmente a tese relativa ao determinismo ecológico, uma vez que, para Godelier, a
noção de limites materiais” está relacionada aos efeitos combinados, hierarquizados e
simultâneos a elementos ligados à cultura e às capacidades produtivas da sociedade em
questão, que o autor denomina como estruturas econômicas da sociedade. (DIEGUES,
1998:64)
Além desta noção de representações sociais, lança-se mão do conceito de cultura
proposto por Clifford Geertz (1989), explorando, principalmente, a questão levantada pelo
autor acerca do caráter público da cultura. Para Geertz, o conceito de cultura é, desde a
criação da antropologia, um objeto em disputa. Assim sendo, muitas são as formulações e
muitos são os caminhos que se abrem. Contudo, Geertz opta pela formulação de seu próprio
conceito de cultura, que apresenta como ponto central o fato de o homem ser um “animal
amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu” (1989:15). Ao desenvolver sua
argumentação a partir deste postulado, o autor propõe que a cultura deve ser entendida como
um elemento social de natureza pública, de forma que seus significados são compartilhados,
não no inconsciente ou como identidade oculta; mas sim como um comportamento manifesto,
uma ação simbólica, de modo a ser este um elemento articulador das formas culturais. Desta
forma, a cultura é concebida:
(...) não como complexo de padrões concretos de comportamento costumes, usos,
tradições, feixes de hábitos , como tem sido o caso até agora, mas como um
conjunto de mecanismos de controle planos, receitas, regras, instruções (o que os
engenheiros chamam de ‘programas’) para governar o comportamento. (...) o
homem é precisamente o animal mais desesperadamente dependente de tais
mecanismos de controle, extragenéticos, fora da pele, de tais programas culturais,
para ordenar seu comportamento. (GEERTZ, 1989:56)
Destarte, na perspectiva geertiziana, é no desenrolar da ação social que as formas
culturais se articulam. Para a compreensão das manifestações culturais, Geertz salienta ser
necessária uma análise simbólica voltada para a interpretação dos significados (uma descrição
densa), em que as relações internas sejam especificadas, a fim de que todo o sistema cultural
seja tecido pelo analista social.
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Deste modo, Geertz (1989:103) trata o conceito de cultura sem referentes múltiplos.
Assim, cultura para este autor diz respeito aos significados transmitidos ao longo do tempo,
em forma de símbolos que são herdados, por meio dos quais os homens comunicam e
desenvolvem seus conhecimentos e atividades durante a vida. Os símbolos são formulações
palpáveis das abstrações forjadas a partir da experiência, “incorporações concretas de idéias,
atitudes, julgamentos, saudades ou crenças”, sendo que, “os atos culturais, a construção,
apreensão e utilização de formas simbólicas são acontecimentos sociais como quaisquer
outros são tão públicos como o casamento e tão observáveis como a agricultura” (1989:105-
106).
Por outro lado, é também de grande importância refletir sobre questões que envolvem
representações diferenciadas do mundo social, a partir das formulações sociológicas propostas
por Bourdieu. Ao se remeter à sociologia religiosa de Max Weber, Bourdieu elabora a teoria
geral dos campos. Para o autor, Weber aplicava à religião “um certo número de conceitos
retirados da economia como concorrência, monopólio, oferta, procura, etc.” (2005:68). Uma
vez identificada esta utilização, Bourdieu percebeu a existência de propriedades gerais nestes
termos, que são válidas nos diferentes campos que não somente o econômico. Nesse sentido,
a teoria geral da economia dos campos permite descrever e definir a forma específica de
que se revestem, em cada campo, os mecanismos e conceitos mais gerais”, a saber, capital,
investimento, ganho, etc. (2005:69).
Conforme Bourdieu, a noção de campo compreende: universo autônomo, um espaço
de jogo, onde se joga um jogo que possui regras próprias; e as pessoas envolvidas nesse jogo
possuem, por esse motivo, interesses específicos, interesses que são definidos pela lógica do
jogo e não pelos mandantes” (1990:200). Portanto, o campo se define como o lócus onde se
trava uma luta concorrencial entre atores em torno de interesses específicos que caracterizam
a área em questão (ORTIZ, 1983:19). O campo, para Bourdieu, “se particulariza como um
espaço onde se manifestam relações de poder a partir de uma distribuição desigual de capital
social entre dominantes e dominados”, a partir do capital social
5
5
Bourdieu entende como capital a acumulação do trabalho, que abrange além do capital econômico (todas as
riquezas materiais), o capital cultural (o que pode ser materializado em livros, obras de arte, instrumentos
técnicos ou incorporado através de várias formas de conhecimento e habilidades culturais e institucionalizado na
forma de graus, títulos acadêmicos etc.) e o capital social (utilização de uma rede de relações mais ou menos
institucionalizadas do conhecimento e reconhecimento mútuos). A partir dessas diversas formas de capital,
compõe-se o capital específico ou simbólico - reconhecido como legítimo (prestige, renommee) - necessário para
adquirir o direito de entrada e para se posicionar na hierarquia do referido campo. (ORTIZ, 1981)
que determina o renome e a
posição dos integrantes do campo.
12
Contudo, o campo é uma estrutura dinâmica, onde os integrantes podem ganhar ou
perder o seu capital social e, conseqüentemente, subir ou descer na hierarquia. Cada campo,
por si mesmo, está produzindo capital social e um habitus. Habitus é entendido como um
sistema de disposição estável que configura a matriz de percepção, de apreciação e de ação
que se realiza em determinadas condições sociais. Bourdieu, ao recuperar a idéia escolástica
de habitus procura reencontrar o ponto de mediação entre estrutura e ator social. Sobre o
habitus, postula o autor:
Tal noção permitia-me romper com o paradigma estruturalista sem cair na velha
filosofia do sujeito ou da consciência, a da economia clássica e seu Homos
economicus que regressa hoje com o nome de individualismo metodológico. (...) em
habitus, eu desejava reagir contra o estruturalismo e a sua estranha filosofia de acção
que, implícita na noção levi-straussiana de inconscienciente, se exprimia com toda a
clareza entre os althusserianos, com seu agente reduzido ao papel de suporte (...)
[da] estrutura. (BOURDIEU, 2005:61)
Assim, ao introduzir o conceito de habitus, Bourdieu pretende evidenciar as
capacidades criadoras, ativas, inventivas presentes nos atores. Porém, deve-se estar atento ao
fato de que o habitus é um conhecimento adquirido, não sendo então resultante de um espírito
universal, de uma natureza ou uma razão humana privilegiada e autônoma. De forma que o
habitus indica a disposição incorporada, ou como sugere o autor, uma “estrutura estruturada
estruturante” que faz a adequação entre as ações do sujeito e a realidade objetiva como um
todo (BOURDIEU, 2005:61-62). Desta forma, o habitus determina em parte
inconscientemente – as ações dos agentes e o modus operandi no referido campo.
1.2 – A problemática socioambiental
De acordo com Acselrad, a questão ambiental é atualmente pautada pela idéia da
existência de uma crise ambiental, relacionada direta e exclusivamente à probabilidade “de
um colapso na relação quantitativa malthusiana entre população e território ou entre
crescimento econômico material e a base finita de recursos(2004:13). Assim, para
Acselrad, tal formulação tende a difundir nos debates um objetivismo que desconsidera o
processo de construção social da noção de Natureza.
O argumento que prepondera no atual debate ambiental, fundamentado na concepção
de crise por escassez, apresenta a base material como elemento independente na dinâmica das
sociedades e culturas. Este relativo rompimento entre base material, sociedade e cultura está
intrinsecamente ligado a uma visão que reduz o mundo material à simples quantidades de
energias, na qual não se evidenciam as diversas práticas culturais de significação e as formas
13
sociais de apropriação. Como se não bastasse, o ambiente é entendido como uno e limitado e,
por conseguinte, submetido à lógica da escassez e da apropriação individual, nos termos
hobbessianos. Neste sentido, postula-se a existência de uma “consciência ambiental” única,
que paira sobre os atores. Diante deste posicionamento, a forma de alcançar a referida
consciência ambiental está diretamente relacionada a uma tomada de consciência”: uma
pretensa acuidade em observação da gravidade dos eventos relacionados ao meio ambiente,
demonstrados principalmente pelos indicadores da crise, mensurações realizadas a partir de
instrumentais de cunho estritamente técnico científico. (ACSELRAD, 2004:14)
Portanto, as concepções que prevalecem no debate ambiental contemporâneo, segundo
Acselrad, apresentam a crise ambiental como resultante do colapso entre crescimento
econômico e a exigüidade dos recursos. Deste modo, a idéia pré-construída de conflito
ambiental como intrínseco à problemática da escassez e às estratégias baseadas em
diagnósticos técnicos acarretam o esvaziamento do debate político
6
6
A “questão ambiental” emergiu no contexto político internacional nas décadas de 1960 e 1970, e hoje figura
como uma das principais preocupações da sociedade ocidental, com relevância no campo da política
internacional demonstrada, por exemplo, nas conferências mundiais sobre desenvolvimento e meio ambiente,
Estocolmo-1972 e Rio-1992. A “questão ambiental” também influenciou debates epistemológicos no campo da
ciência. Diversas disciplinas acadêmicas se esforçam em recuperar a estreita relação entre natureza e cultura.
Segundo Zhouri et al (2005:13), o surgimento da crítica ecologista suscitou reações por parte dos defensores da
industrialização. Para tais atores, os ecologistas eram tidos como românticos e ingênuos opositores do progresso.
Entretanto, os “paladinos do desenvolvimentismonão ficaram alheios aos impasses suscitados pela poluição e a
escassez de recursos naturais para a produção industrial. Deste modo, trataram de incorporar ao debate público
suas variáveis ambientais, construindo, assim, uma “legítima” discussão sobre a sociedade industrial e meio
ambiente. No âmago de tal proposta, salienta a autora, reside uma fé nas soluções tecnológicas para as
externalidades do processo produtivo. A partir da ascensão e primazia na esfera pública deste pensamento,
caracterizado por Zhouri como paradigma da adequação ambiental, o esforço reflexivo e contestador proposto
pelo Ecologismo, em seu princípio, perdeu espaço. Se no primeiro momento as forças hegemônicas da sociedade
eram contrárias ao discurso ecologista, na atualidade, algumas vertentes destas forças reconhecem e priorizam os
temas ambientais, porém o debate ao qual se propõem não coloca em questão as instituições da sociedade
vigente. Não obstante, mesmo que o ecologismo tenha nascido e expandido como uma reação às mazelas
proporcionadas pelo crescimento econômico; é importante assinalar que hoje, nem todos os ambientalistas
mantêm esta opinião, pois, algumas correntes ambientalistas até dão apoio a certas propostas
desenvolvimentistas, em razão das promessas tecnológicas que apresentam. Por fim, Zhouri salienta que o
potencial transformador apresentado pela crítica ecologista cedeu lugar ao “ecologismo de resultados”,
concepção que se tornou o projeto reformador da atual sociedade global (2005:14).
e em outros casos
justificam soluções autoritárias em nome da humanidade ou da segurança internacional
(ACSELRAD, 2004). Contudo, Acselrad salienta que a observação e análise dos processos de
conflitos socioambientais estão relacionadas intrinsecamente ao papel da diversidade
sociocultural e dos embates entre distintos projetos de apropriação e significação do mundo
material. Este posicionamento estabelece uma oposição ao entendimento de que a questão
ambiental está relacionada à escassez dos recursos e ao aumento da demanda por estes
recursos.
14
De acordo com Acselrad, “as sociedades produzem a sua existência tendo por base
tanto as relações sociais que lhes são específicas como os modos de apropriação do mundo
material que lhes correspondem” (2004:14). Assim sendo, não há uma possibilidade de
separar sociedades e seu meio ambiente, uma vez que os objetos constituintes do meio
biofísico não são redutíveis a meras quantidades de matéria e energia, pois são construídos
por traços culturais e históricos. Conseqüentemente, refletir acerca da sociedade e o ambiente,
trata-se de pensar um mundo material socializado e dotado de significados” (2004:9). Deste
modo, objetos, práticas e sentidos interagem e se conectam material e socialmente através de
água, solo e atmosfera. Este caráter indissociável fundamenta o entendimento de que as
sociedades se reproduzem por processos sócio-ecológicos. A existência de uma pluralidade de
arranjos sócio-ecológicos no interior de uma determinada sociedade e o caráter de disputa
entre estes projetos societários nos leva a observar que a questão ambiental configura-se como
intrinsecamente conflitiva, embora este caráter nem sempre seja reconhecido no debate
blico deste tema. (ACSELRAD, 2004)
Em sua investigação acerca das especificidades dos conflitos ambientais como objeto
da sociologia ambiental, Acselrad busca no marco da teoria social de Bourdieu caracterizar a
complexidade do “ambiental como um campo específico de construção e manifestação dos
conflitos” (2004:18). Para tal investigação, o autor apóia-se especialmente na noção de
campo
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7
Para Acselrad, o campo será visto como uma configuração de relações objetivas entre posições na estrutura de
distribuição de diferentes espécies de poder (capitais). No interior do espaço social, os agentes sociais
distribuem-se segundo princípios de diferenciação que constituem os campos de forças relativas espaços de
conflito pela posse das espécies de poder específicas que os caracterizam. (ACSELRAD, 2004:18-19)
. No marco teórico do estruturalismo construtivista, as estruturas objetivas (posições
no espaço social) e subjetivas (categorias vigentes de construção do mundo, habitus) são
definidas por processos históricos; portanto, podem vir a ser deslegitimadas através de lutas
materiais e simbólicas. Deste modo, as lutas pelos recursos ambientais são ao mesmo tempo
lutas por sentidos culturais. Assim sendo, o meio ambiente é considerado:
... um terreno contestado material e simbolicamente, sua nomeação ou seja, a
designação daquilo que é ou não é ambientalmente benigno redistribui o poder
sobre os recursos territorializados, pela legitimação/deslegitimação das práticas de
apropriação da base material das sociedades e/ou de suas localizações. As lutas por
recursos ambientais são, assim, simultaneamente lutas por sentidos culturais. Pois o
meio ambiente é uma construção variável no tempo e no espaço, um recurso
argumentativo a que os atores sociais recorrem discursivamente através de
estratégias de localização conceitual nas condições específicas da luta social por
“mudança ambiental”, ou seja, pela afirmação de certos projetos em contexto de
desigualdade sociopolítica (ACSELRAD, 2004:19).
15
Desta forma, a emergência da questão ambiental é marcada por uma subseqüente
ecologização das justificações, assim, o argumento ambiental passará a integrar distintas
ordens de justificação” (ACSELRAD 2004). Leite Lopes et al. (2004) chamam a atenção
para o fenômeno da “ambientalização”, que se constitui tanto da construção de questões
inéditas quanto da conversão de antigas em ambientais. Este processo, segundo os autores,
propicia o surgimento de novas identidades sociais que reconfiguram antigas lutas. Outra
dimensão desse fenômeno inclui o surgimento de movimentos sociais que se intitulam
ambientalistas e nos quais conflitos identificados como socioambientais, por sua vez, põem
em jogo distintos ideários e formas de habitar o mundo, traduzidos nos idiomas da
sustentabilidade. Para o autor:
O sufixo [ização] (...) indicaria um processo histórico de construção de novos
fenômenos, associado a um processo de interiorização pelas pessoas e pelos grupos
sociais e no caso da “ambientalização”, dar-se-ia uma interiorização das diferentes
facetas da questão pública do “meio ambiente”. Essa incorporação e essa
naturalização de uma nova linguagem pública poderiam ser notadas pela
transformação na forma de linguagem de conflitos sociais e na sua
institucionalização. (LEITE LOPES, et al, 2004:17)
Neste sentido, Acselrad (2004) considera que um dos aspectos inseridos no atual
contexto da questão ambiental se refere à elaboração conceitual que tende a legitimar e
institucionalizar a universalização de causas parcelares através de valores compartilháveis, o
que torna estes atos justificáveis. Tais ordens de justificação consistem, portanto, em pontos
de passagem dos projetos societários de determinados atores ao plano dos interesses comuns
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8
É importante salientar que além da despolitização ocorre também a cientifização das políticas ambientais, esta
conjugada a primeira contribui para a legitimação do Estado para separar a Natureza a ser conservada, daquela
que fica aberta ao mercado. A Ecologia científica, o Estado e demais atores sociais integram então uma luta para
nominar a Natureza.
.
Via de regra, as políticas públicas de cunho ambiental, principalmente aquelas que criam
áreas protegidas, partem deste tipo de visão.
Por fim, os conflitos ambientais, para Acselrad (2004:26), devem ser analisados
simultaneamente nos espaços de apropriação material e simbólica dos recursos do território.
O primeiro espaço se refere à distribuição entre os sujeitos sociais do poder sobre os
diferentes tipos de capitais materiais, a saber, jurídico-político-econômico, que implicam na
competição, acumulação e exercício da força. O segundo espaço é onde se confrontam as
representações, valores, esquemas de percepção e idéias que organizam as visões de mundo e
legitimam os modos de distribuição de poder verificados no primeiro espaço. Os conflitos
ambientais são,
16
aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e
significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a
continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada
por impactos indesejáveis transmitidos pelo solo, água, ar e sistemas vivos
decorrentes do exercício das práticas de outros grupos. (2004:27)
Diegues em “O Mito moderno da natureza intocada” (1998) desenvolve uma crítica
dirigida à adoção/imposição do modelo estadunidense de preservação da natureza por países
em desenvolvimento. Tal matriz conservacionista preconiza a criação de áreas naturais
protegidas que devem permanecer intactas ou selvagens (wilderness), que em um primeiro
momento atendiam a idéia, de origem cristã, de paraíso perdido. Pontifica Diegues, que o
conceito de wilderness consiste em uma percepção urbana, uma visão de pessoas que vivem
longe do ambiente natural do qual dependem como fonte de matériaprima. Não obstante,
habitantes de zonas rurais têm percepções diferentes de tais áreas designadas como intactas,
uma vez que para eles a natureza não é mais um objeto, mas um mundo de complexidade em
que os seres vivos são freqüentemente personificados e endeusados mediante mitos locais
(GOMEZ-POMPA e KAUS, 2000).
Tais mitos se baseiam na experiência acumulada de gerações e suas representações das
relações ecológicas. Diegues, afirma que esses podem em algumas ocasiões estar mais
próximos do mundo material do que do conhecimento científico. Portanto, o termo manejo
de cunho estritamente técnico-científico pode não fazer parte do vocabulário destas
comunidades, contudo, o conceito por trás da palavra é parte de seu “modo de vida e de suas
percepções das relações homem com a natureza” (GOMEZ-POMPA e KAUS, 2000). A forte
dependência da Natureza, seus sistemas de manejo desenvolvidos ao longo dos tempos e,
muitas vezes, o relativo isolamento são características destas comunidades. Por isso, elas são
obrigadas a esforços de conservação, haja vista, que uma exploração desenfreada pode vir a
comprometer todo o modo de reprodução do grupo (DIEGUES e VIANA, 2004:12-13).
A crítica empreendida por Diegues (1998), acerca do principal instrumento da política
ambiental no mundo: as Áreas Naturais Protegidas coloca tal mecanismo como uma estratégia
governamental técnica de conservação. Segundo o autor, este modelo reflete, de forma
emblemática, um singular arranjo sócio-ecológico e sua expressão máxima são os Parques
Nacionais. Para Diegues e Viana (2004:12), o enfoque conservacionista pode ser situado no
domínio das representações sociais, revelando uma determinada visão da Natureza que faz
operar uma forma específica de intervenção humana. Desta forma, esta abordagem funciona
de modo a reafirmar a ideologia hegemônica sobre a concepção correta/melhor de sociedade,
assentada na premissa de exploração da natureza e de seres humanos. Por outro lado:
17
esse modelo de área natural desabitada, e sob o controle estatal interessa aos
governos por duas razões: a primeira é que reservas naturais de grande beleza cênica
podem gerar renda por meio do ecoturismo; a segunda é que fica mais fácil negociar
contratos por meio de venda de biodiversidade com empresas multinacionais num
espaço desabitado, controlado pelo governo, do que num espaço onde existe
comunidades tradicionais, uma vez que, pelo artigo 8º da Convenção da
Biodiversidade, estas precisam ser ressarcidas quando seu conhecimento tradicional
sobre espécies da flora é usado para a obtenção de medicamentos e outros produtos.
(DIEGUES e VIANA, 2004:13)
Amparado pelos escritos de Godelier, Diegues (1998) salienta o importante papel das
representações sociais na discussão relacionada às questões ambientais, uma vez que “toda a
ação prática humana combina uma dimensão objetiva e uma dimensão das representações”.
Isto significa que a prática não possui somente um valor instrumental, mas também exprime
uma imagem, uma representação da realidade. Assim, a cadeia de acontecimentos que
determina a mudança num sistema social só é parcialmente baseada na causalidade material.
Também faz parte deste processo a intervenção das relações simbólicas com coisas e pessoas
que sofrem a influência deste jogo imaginário, isto é, de todos os elementos constitutivos de
uma cultura. (DIEGUES, 1998:63)
Godelier (apud DIEGUES 1998:63) entende que as “representações diferenciadas
sobre a natureza significam tipos diferentes de organização social”. Assim, a percepção
social do ambiente não é feita única e exclusivamente por representações “mais ou menos
exatas das limitações materiais ao funcionamento da economia, mas igualmente de juízos de
valor e crenças”. Portanto, para este autor, a natureza possui “dimensões imaginárias”, a
criação de uma área natural protegida é a materialização de uma determinada racionalidade
intencional de uso da natureza. Tal questão explica por que a criação de áreas naturais
protegidas em territórios ocupados por sociedades tradicionais é compreendida por estas
populações como uma “usurpação dos seus direitos sagrados sobre a terrae do espaço
coletivo no qual realizam seu modo de vida, distinto do urbano-industrial (DIEGUES,
1998:65).
O questionamento organizado por Diegues relaciona a incorporação do modelo
estadunidense de conservação dos “recursos naturais pelos países em vias de
desenvolvimento à geração de efeitos, em geral, danosos às comunidades extrativistas,
indígenas, de pescadores, etc. Visto que a implementação destes projetos é, em sua maior
parte, realizada de forma autoritária, sem qualquer consentimento daqueles que habitam tais
áreas. Assim, estes paraísos ecológicos” carregam consigo impactos e altos custos para as
populações tradicionais. No Brasil, como nos demais países em desenvolvimento, os conflitos
18
sociais já existentes nas áreas onde tais paraísos são implantados se amplificam, culminando,
muitas vezes, em uma tragédia dos comunitários
9
1.3 – A conservação da natureza em áreas protegidas
.
Na perspectiva de Sena (2006), o período da história da humanidade que compreende
a transição do feudalismo e a gênese do capitalismo, entre os séculos XVI e XIX, constitui-se
em uma época conturbada, marcada por conflitos bélicos, mudanças econômicas, políticas e
sociais. Tais agitações trouxeram consigo novas formas de pensar à produção e à distribuição
das riquezas, bem como, à gestão governamental. Na Europa, principalmente a França e
Inglaterra, focos irradiadores destes processos ocorreu uma série de mudanças de hábitos,
pensamentos, forma de agir e de como ver e compreender o mundo.
O marco de todas estas mudanças é o surgimento de uma nova classe: a burguesia. A
partir da industrialização esta classe rapidamente suplanta o poderio econômico de base
agrária e comercial, desenvolvida quase exclusivamente pela nobreza. Assim, a burguesia
promove a ascensão de um novo modelo societário, um regime baseado na delegação do
poder político: a democracia. Deste modo, o mundo mítico e mágico que até os fins do século
XVIII legitimava o poder dos soberanos paulatinamente é colonizado pela razão. Todo este
processo concede ao homem o papel de protagonista da história.
Relevante também é a situação à qual foi submetida a grande maioria da população
das cidades industriais. Com o processo de migração compulsória do campo, em função dos
cercamentos dos campos coletivos, a forma de agir comunitariamente, elemento fundamental
no sistema feudal, se perde diante da expansão das cidades e do trabalho industrial. O meio
urbano passa a alimentar uma tendência à fragmentação e ao individualismo, elementos que
agora compõem a estratégia dos indivíduos de modo a garantir que estes consigam o sustento
do grupo familiar. Neste contexto, idosos, crianças e até gestantes eram colocados em
situações completamente insalubres, em fábricas ou minas de carvão, cumprindo jornadas de
trabalho que se estendiam por quatorze ou dezesseis horas, com salários reduzidos ao mais
baixo índice de subsistência. (MARX, 1996)
Para além da exploração do homem sobre o homem, o desenvolvimento industrial
ocasionou a exploração intensiva dos recursos naturais que gerou conseqüências ambientais
até então não observadas, traduzidas especialmente na poluição dos rios e do ar e no
9
Em muitos dos casos, os comunitários quando expulsos de seus territórios observam “o seu lugar” tornar-se
“áreas naturais” destinadas a servir uma população urbano-industrial, que busca o “turismo de aventura”, ou se
tornam verdadeiros “paraísos” da especulação imobiliária. (DIEGUES 1993, apud RIOS 2004:81)
19
desequilíbrio ecológico de algumas regiões, com a substituição do ecossistema natural. Todo
este contexto de mudança, salienta Diegues (1998:24), provocou nos estratos superiores da
sociedade, não ligados diretamente à produção agrícola, um sentimento de repulsa à vida
citadina e à idealização da vida no campo. Assim, a cidade que até o fim do século XVIII era
percebida como espaço por excelência civilizador e libertário, contraponto à rusticidade e à
servidão do campo, a partir da revolução industrial esta é considerada objeto de
desqualificação e repulsa.
Para Camargos (1999), a elaboração de um novo significado para a Natureza está
fortemente ligada à fundação de novas bases filosóficas no século XIX. De acordo com
Cidade (2001), a filosofia do século XIX, conserva a dualidade entre tendências racionalistas
e idealistas, já observada nos séculos XVII e XVIII. Na linha racionalista, a principal corrente
foi o positivismo, particularmente em sua forma evolucionista. Na linha do idealismo, pode-se
encontrar a filosofia idealista, o romantismo, a hermenêutica e a fenomenologia. Deste modo,
como enfatiza a autora, as visões de Natureza desta época refletiam os pressupostos que
serviam de base aos sistemas teóricos predominantes. Assim, do racionalismo vieram as
idéias de separação entre sujeito e objeto e a visão da natureza como elemento externo ao
sujeito, dotando-a de um valor científico e caráter instrumental. Por parte das correntes
idealistas, principalmente o romantismo, salienta Diegues (1998), emerge uma perspectiva
que tende a ver a Natureza como local onde o Homem pode se (re)conectar com seu eu e
vivenciar experiências transcendentais.
Portanto, destas duas posições antagônicas deriva a proposta moderna de isolar áreas
naturais especialmente para resguardá-las das intervenções humanas, cujos objetivos são:
proporcionar ao ser humano um espaço retirado onde pudesse meditar sobre as maravilhas da
natureza e elaborar estudos científicos acerca dela. Ao seguir estes fundamentos, em 1874,
deu-se a criação pelo Congresso Norte Americano do Parque Nacional de Yellowstone, com o
intuito manifesto de proporcionar ao visitante inspiração e entretenimento pela beleza cênica.
Contudo, tais áreas consideradas selvagens, em um momento anterior, eram ocupadas por
populações indígenas. Para Cronon (apud MARTÍNEZ ALIER, 2007), nos Estados Unidos,
as áreas protegidas foram criadas depois do deslocamento ou eliminação dos povos nativos
que viviam nestes territórios.
Destaca Diegues (2000), que o mecanismo de proteção da Natureza baseado na
instituição de áreas protegidas surgiu a partir de uma concepção baseada na noção de
20
wilderness
10
Neste sentido, é importante salientar que mesmo havendo distinções entre
conservacionismo e preservacionismo, como salienta Martínez Alier (2007), ambas não
constituem correntes antagônicas, pelo contrário, são corpos ideológicos complementares,
uma vez que na atualidade, a noção de áreas protegidas é resultado da confluência entre os
, o que implica na defesa da Natureza segundo motivos puramente estéticos dos
ecossistemas e dos recursos naturais escassos neles contidos. Contudo, hoje a criação de uma
área protegida tem como principal argumento a proteção da biodiversidade. Constata Schama
(1996, apud, CAMARGOS, 1999), que a modernidade, de forma irônica, ao introduzir a
noção de uma Natureza valorizada por aquilo que ela é em si, dotou seu valor simbólico, que
sempre existiu, de uma tradução funcional e lhe conferiu um caráter oficial. Desta forma, as
áreas delimitadas para a conservação assumem ainda hoje uma dupla representação, a de
nostalgia de tempos passados negação da modernidade e a de frutos do progresso, pois só
puderam ser viabilizadas com a consolidação de ganhos propiciados pela revolução industrial
e o ingresso da humanidade nos tempos modernos. Conseqüentemente, afirma Schama, as
áreas protegidas são compostas tanto de camadas de lembranças quanto de estratos de rochas.
Afirma Diegues (1998), que subjacente à idéia das áreas protegidas há duas perspectivas: a
conservacionista (credo da ecoeficiência) e a preservacionista (culto ao silvestre). A primeira,
o conservacionismo, foi fundado por Gifford Pinchot engenheiro florestal que defendia a
necessidade da conservação dos recursos naturais, tomando por base o uso racional dos
mesmos. Implícito a este pensamento, pode-se identificar a construção da Natureza como
mercadoria, daí a ênfase na expressão, recursos naturais. Deste modo, devido ao longo ciclo
de regeneração dos recursos naturais, o homem deve se valer dos processos de manejo a
racionalização – para tornar a exploração da Natureza eficiente, viável tanto econômica
quanto ecologicamente.
Em sua essência, o preservacionismo é a reverência à Natureza no sentido estético e
espiritual da vida selvagem. Assim, esta concepção preconiza protegê-la contra o
desenvolvimento industrial e urbano, principalmente através da adoção das áreas protegidas.
Em linhas gerais, a ideologia preservacionista se baseia no respeito à Natureza partindo,
então, de uma idéia de igualdade entre homens e animais, em que o homem não poderia ter
direitos superiores aos elementos naturais, uma vez que ele também é parte integrante da
natureza. Além deste elemento subjetivo, o preservacionismo ganhou formas científicas a
partir das formulações teóricas da história natural e da teoria da evolução.
10
Como já explanado anteriormente, para Diegues o conceito de wilderness é um neomito construído pelas
camadas urbano-industriais em relação à natureza.
21
principais pressupostos destas ideologias, a saber, a conservação da natureza por meio da
instituição de áreas isoladas e a manutenção/recuperação/uso da Natureza por meio da gestão
racional de seus recursos.
Entretanto, a partir do período em que foram criadas as primeiras áreas protegidas aos
dias de hoje, ocorreram uma série de modificações principalmente no que diz respeito às
atribuições e justificativas para a criação das áreas protegidas. Nos últimos cinqüenta anos, a
tomada de consciência acerca da necessidade de manutenção dos recursos naturais e seu
caráter fundamental para a melhoria da qualidade de vida despertou a preocupação mundial
com o meio ambiente (BRITO e CÂMARA, 1999). Um conjunto de eventos, tais como
acidentes ambientais, a publicação de livros e artigos (e.g. Primavera Silenciosa de Rachel
Carson 1962 e Tragédia dos Comuns de Garrett Hardin 1968), atraiu a atenção da opinião
pública internacional para os problemas de natureza ambiental que o planeta vinha
enfrentando. A partir destas mobilizações, surgiu uma série de manifestações pró Natureza,
realizada por diversos atores sociais, mobilizados principalmente por meio das Organizações
Não Governamentais (ONGs) de proteção da Natureza. Assim, toda esta agitação social no
que tange à temática ambiental, colaborou para que resistências fossem quebradas, de forma
que vários países e a comunidade internacional em geral foram impelidos a agir.
Em 1968, é formado o Clube de Roma, uma organização não governamental, liderada
pelo economista Arillio Peccei, que tinha o propósito de debater a crise ambiental e o futuro
da humanidade (CAMARGO, 2002:43). Em 1972, o Clube de Roma divulgou seu primeiro
relatório, traduzido para o português com o título de Os Limites do Crescimento”. Neste
documento, através de simulações matemáticas, foram feitas projeções acerca dos impactos
ambientais do crescimento populacional, da poluição e do esgotamento dos recursos naturais
da Terra. Assim sendo, chegou-se à conclusão de que mantidos os níveis de industrialização e
exploração dos recursos materiais, o limite de desenvolvimento do planeta seria atingido no
máximo em cem anos, tal fato, provocaria uma queda na capacidade industrial e uma
repentina diminuição na população mundial, devido à escassez de recursos, poluição, fome e
doenças (PNUMA, 2004). De acordo com Camargo (2002:44), o estudo do Clube de Roma
tornou público, pela primeira vez, a noção de limites externos a idéia de que o
desenvolvimento poderia ser limitado pelo tamanho finito dos recursos terrestres.
Por outro lado, a década de 1970 foi marcada pela Conferência das Nações Unidas
sobre o Ambiente Humano, ou Conferência de Estocolmo, na Suécia, que contou com a
participação de cento e treze países. Este evento oficializou o surgimento de uma preocupação
22
internacional sobre os problemas ambientais, bem como salientou que há uma grande
diferença entre os países ricos e os países pobres na visão do que viria a ser o “problema
ambiental”. A Conferência de Estocolmo destacou que os problemas ambientais nos países
em vias de desenvolvimento estão mais ligados à pobreza e à desigualdade entre a população.
Como resultado da Conferência de Estocolmo, surgiu o Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente, PNUMA (United Nations Environment Programme UNEP).
De acordo com Brüseke (1998, apud CAMARGO 2002:48) outra contribuição à
discussão da problemática ambiental ocorreu com a divulgação da Declaração de Cocoyok,
resultado de uma reunião da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento (UNCTD) e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em
1974. A declaração afirmava que a causa da explosão demográfica era a pobreza, que também
gerava a destruição desenfreada dos recursos naturais. Ressaltava ainda que os países
industrializados contribuíam para o agravamento dos problemas ambientais com altos índices
de consumo e que não existia somente um mínimo de recursos necessários para o bem-estar
do indivíduo, mas também um máximo. (PNUMA, 2004)
No que concernem às áreas protegidas, esta discussão suscitou a consolidação de que a
instituição de áreas naturais protegidas configurava a principal estratégia de se promover a
conservação da natureza. Por outro lado, decorrente da influência do conceito de
Desenvolvimento Sustentável, que tem suas bases nas discussões ocorridas na Comissão
Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD) e no relatório “Nosso Futuro
Comum” (1987), os objetivos e as justificativas para o estabelecimento de áreas protegidas
foram revistos. Sob esta influência, o tema da ocupação de pessoas em áreas protegidas ganha
relevância, merecendo destaque o fato de que a presença de pessoas dentro dos limites de
áreas protegidas passou a ser entendida como uma situação que não compromete a
manutenção destes remanescentes de Natureza, mediante o controle do uso dos recursos
naturais de modo previamente acordado (DIEGUES, 2000).
1.3.1 – Unidades de Conservação: as áreas protegidas no Brasil
No Brasil, as primeiras manifestações pró-áreas protegidas remetem ao final do século
XIX, quando, por sugestão do engenheiro André Rebouças, tomando o exemplo da criação do
Parque de Yellowstone nos Estados Unidos, em 1872, é feita a proposta da criação de um
Parque Nacional no Brasil. Originalmente, a idéia era criar dois Parques Nacionais, um em
Sete Quedas e outro na Ilha do Bananal, contudo, a proposta acabou não se concretizando,
23
porém serviu como elemento animador do debate nacional que veio a subsidiar a criação, no
futuro, dos primeiros parques nacionais brasileiros. (MEDEIROS, 2006)
Outro fato relevante na consolidação do movimento pró-áreas protegidas no Brasil foi
a concretização, em 1911, do “Mapa Florestal do Brasil: o primeiro estudo detalhado sobre
os diferentes biomas brasileiros e seu estado de conservação. Este estudo tinha a expressa
intenção de subsidiar as autoridades brasileiras para a criação de um conjunto de Parques
Nacionais (MEDEIROS, 2006). No entanto, as primeiras unidades de conservação brasileiras
só foram criadas, em 1937 e em 1939, respectivamente o Parque Nacional de Itatiaia, no Rio
de Janeiro e o Parque Nacional de Iguaçu, no Paraná. É importante salientar que a criação das
áreas protegidas nos países em vias de desenvolvimento constituía-se parte de um movimento
internacional de defesa do meio ambiente que primava instituir extensões de terras protegidas
com a finalidade de resguardar a beleza natural, ainda intacta. A influência direta das
concepções conservacionista/preservacionista estadunidenses podem ser percebidas nas
justificativas apresentadas para a criação do Parque Nacional de Itatiaia:
para que possa ficar perpetuamente conservada no seu aspecto primitivo e atender às
necessidades de ordem científica decorrentes das circunstâncias
além das suas qualidades de caráter científico, é preciso atender também às de
ordem turística, que se apresentam em condições de fazer do Parque um centro de
atração para viajantes, assim nacionais como estrangeiros
[em resumo:] proteção à natureza, auxílio às ciências naturais incremento das
correntes turísticas e reserva, para as gerações vindouras, das florestas existentes
[são] todos os objetivos (...) que justificam a criação de Parques Nacionais(...)
(BRASIL, Decreto n° 1.713 1937)
Mesmo iniciado no fim da década de 1930, o processo de criação de áreas protegidas
no Brasil só assume uma postura efetiva quanto à conservação da natureza, a partir dos anos
1980, com o processo de abertura política e a pressão de organismos internacionais, como a
União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN). Neste
sentido, afirma Vallejo (2002), os diversos encontros em escala mundial e continental
Reafirmaram os direitos das sociedades tradicionais (...), recomendado-se aos responsáveis
pelo planejamento e manejo das áreas protegidas que respeitassem a diversidade dos grupos
étnicos e utilizassem suas habilidades. Assim, ressalta Ferreira (2004), esta nova perspectiva
pressupõe que o sucesso da conservação depende diretamente da participação das populações
residentes das áreas a serem protegidas, o que foi responsável pelo realinhamento da
orientação institucional das políticas públicas brasileiras de proteção da Natureza. Assim, nos
24
anos de 1980, o país elabora a sua primeira proposta de criação de um Sistema Nacional de
Unidades de Conservação, abrangendo categorias nas quais o uso sustentável era permitido.
Esta nova ideologia, o desenvolvimento sustentável, inaugura a possibilidade de uso
direto dos recursos naturais pelas populações residentes da área ou do entorno, tornando,
então, a proteção do meio ambiente compatível às necessidades humanas. Assim, surgem as
unidades de uso direto ou sustentáveis, que ao contrário do preservacionismo/
conservacionismo não concebem o homem como potencial destruidor do meio ambiente, e
desta maneira, incorporam a premissa da exploração racional dos recursos, visando a sua
perenidade (BRITO e CÂMARA, 1999:68).
No Brasil, as áreas protegidas regulamentadas por lei são denominadas Unidades de
Conservação. Áreas que, por suas características ambientais, estéticas, históricas ou culturais,
e sua importância para a manutenção dos ciclos naturais, demandam regimes especiais de
preservação, ou de exploração racional de seus recursos. O principal instrumento legal que
regulamenta as UCs é a Lei do nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). O SNUC entende as UC como
porções do “espaço territorial e seus recursos ambientais (...) com características naturais
relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites
definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de
proteção”.
As Unidades de Conservação configuram, assim, a unidade básica de
operacionalização da conservação da Natureza. De acordo com a legislação brasileira, as UCs
dividem-se em dois grupos: Unidades de Proteção Integral, cujo objetivo básico é preservar a
natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, ou seja, as
atividades que possam alterar ou comprometer a preservação dos recursos naturais são
vedadas. O segundo grupo é constituído pelas denominadas Unidades de Uso Sustentável cujo
objetivo básico é compatibilizar a conservação da Natureza com o uso sustentável de parcela
dos seus recursos naturais. Nestas unidades são permitidas atividades econômicas que
promovam manejo sustentável dos recursos naturais. (Tabela 1 e Tabela 2)
25
Tabela 1Quadro resumido das Unidades de Conservação de Uso Sustentável que constam no SNUC
Unidades de
conservação
Objetivos
Regime de propriedade
do território
Área de
Proteção
Ambiental
Proteger a diversidade biológica,
disciplinar o processo de ocupação e
assegurar a sustentabilidade do uso dos
recursos naturais
Terras públicas ou
privadas Gestão:
Conselho
restrições legais
especificas (lei 6938 e
resolução CONAMA) de
acordo com os objetivos
Área de
Relevante
Interesse
Ecológico
Manter os ecossistemas naturais de
importância regional ou local e regular o
uso admissível dessas áreas, de modo a
compatibilizá-lo com os objetivos de
conservação da natureza
Terras públicas ou
privadas (possibilidade de
desapropriação)
restrições para utilização
da propriedade privada,
de acordo com objetivos
Floresta
Nacional
O uso múltiplo sustentável dos recursos
florestais e a pesquisa científica, com
ênfase em métodos para exploração
sustentável de florestas nativas
Posse e domínio público
(desapropriação)
Gestão: Conselho
consultivo
populações tradicionais
· A visitação pública é
permitida, condicionada
às normas
· Pesquisa é permitida e
incentivada
Reserva
Extrativista
Proteger os meios de vida e a cultura
dessas populações, assegurando o uso
sustentável dos recursos naturais da
unidade
Domínio público, com
uso concedido às
populações extrativistas
tradicionais e
regulamentação
específica
(desapropriação)
Gestão: Conselho
deliberativo
condicionada aos
interesses locais e plano
de manejo
· Pesquisa científica
permitida e incentivada
· Autorização para
exploração comercial
sustentável
Reserva de
Fauna
Estudos técnicos científicos sobre o
manejo econômico sustentável de
recursos faunísticos
Posse e domínio público
(desapropriação)
Gestão: Conselho
consultivo
autorização
· Comercialização sob
normas
Reserva de
Desenvolvimento
Sustentável
Preservar a natureza e, ao mesmo tempo,
assegurar as condições e os meios
necessários para a reprodução e a
melhoria dos modos e da qualidade de
vida e exploração dos recursos naturais
das populações tradicionais, bem como
valorizar, conservar e aperfeiçoar o
conhecimento e as técnicas de manejo do
ambiente, desenvolvido por estas
populações
Domínio público
(desapropriação)
Gestão: Conselho
deliberativo
tradicionais com
regulamentação
especifica
· Visitação permitida e
incentivada
· Pesquisa científica
permitida e incentivada
Reserva
Particular do
Patrimônio
Natural
Conservar a diversidade biológica
Áreas particulares
gravadas sob existência
de interesse público
· Atividades de
educação e recreação
· Turismo ecológico
26
Tabela 2Quadro resumido das Unidades de Conservação de Proteção Integral que constam no SNUC
Unidades de
conservação
Objetivos
Regime de
propriedade do
território
Usos permitidos
Estação
Ecológica
A preservação da natureza e a
realização de pesquisas científicas
Posse e domínio
público
(desapropriação)
· Pesquisa científica
· Visitação só para
educação
Reserva
Biológica
Preservação integral da biota e demais
atributos naturais existentes em seus
limites, sem interferência humana
direta ou modificações ambientais,
excetuando-se as medidas de
recuperação de seus ecossistemas
alterados e as ações de manejo
Posse e domínio
público
(desapropriação)
· Pesquisa científica
· Visitação só para
educação
Parque
Nacional
A preservação de ecossistemas naturais
de grande relevância ecológica e beleza
cênica, possibilitando a realização de
pesquisas científicas e o
desenvolvimento de atividades de
educação e interpretação ambiental, de
recreação em contato com a natureza e
de turismo ecológico
Posse e domínio
público
(desapropriação)
· Pesquisa científica
· Atividades de
educação
· Recreação e turismo
ecológico
Monumento
Natural
Preservar sítios naturais raros,
singulares ou de grande beleza cênica
Áreas públicas ou
particulares
(possibilidade de
desapropriação)
· Visitações públicas
sob condições e
autorização
Refúgio de
Vida Silvestre
Proteger ambientes naturais onde se
asseguram condições para a existência
ou reprodução de espécies ou
comunidades da flora local e da fauna
residente ou migratória
Áreas públicas ou
particulares
(possibilidade de
desapropriação)
· Visitações públicas
sob condições e
autorização
1.3.2 – Unidades de Uso Sustentável
Os conflitos relativos à ocupação de pessoas em Unidades de Conservação de uso
restrito e as pressões de organismos internacionais para a inserção do desenvolvimento
sustentável nas categorias de áreas protegidas motivaram a busca por mudanças. No inicio dos
anos 1980, o quadro de técnicos e cientistas conservacionistas do Brasil tinham suas pesquisas
voltadas para a elaboração de novas tipologias de Unidades de Conservação, que permitissem
o desenvolvimento humano e a preservação da Natureza. Por outro lado, era também uma
preocupação evitar a aquisição, pelo Estado, de terras privadas para a criação destas novas
UCs. Assim, estas novas UCs assumem como estratégia a conservação de ecossistemas
relevantes em domínios da propriedade privada (ARRUDA e CURVELLO, 2001). Com o
objetivo de atender a estas demandas foi criada a categoria de manejo Área de Proteção
27
Ambiental APA, sendo que a principal inspiração para sua elaboração foi a categoria Parque
Natural, um tipo de área protegida compatível com a propriedade privada já existente em
Portugal, Espanha, França e Alemanha.
Inseridas no campo das unidades de uso sustentável, as Áreas de Proteção Ambiental
foram criadas a partir da Lei Federal n° 6.902, de 27 de abril de 1981, que trata também das
Estações Ecológicas. Esta lei estabeleceu em seu Artigo 8º que, ao existir interesse público
os poderes executivos Federal, Estadual ou Municipal poderão declarar áreas dos seus
territórios de interesse para a proteção ambiental, a fim de assegurar o bem-estar das
populações humanas, a proteção, a recuperação e a conservação dos recursos naturais”.
Desta forma, as APAs fundamentam-se por dois princípios básicos: a conservação da
diversidade de ambientes, de espécies e de processos naturais e a conservação do patrimônio
cultural. Conforme especifica a Resolução 010/88, art. I, do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA), as APAs são definidas enquanto “Unidades de Conservação
destinadas a proteger e conservar a qualidade ambiental e os sistemas naturais ali existentes,
visando à melhoria da qualidade de vida da população local e a proteção dos ecossistemas
regionais”. Já o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, adota o seguinte conceito,
Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa, com certo grau de
ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais
especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações
humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar
o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.
(SNUC, 2000)
Se enquadradas na atual classificação de áreas protegidas, preconizada pela União
Internacional para a Conservação da Natureza, as APAs estariam na categoria V Conservação
de Paisagens Terrestres e Marinhas, de Lazer e Recreação, salvaguardadas as suas
especificidades. As unidades classificadas neste grupo têm por objetivo proteger a
biodiversidade, a qualidade cênica e o componente cultural das paisagens, constituindo-se em
domínios públicos ou privados, bem como, receberem suporte público para a sua gestão,
apoio financeiro e incentivo para manutenção em longo prazo. (CABRAL e SOUZA,
2005:42-43)
Como mencionado anteriormente, há algumas categorias que mantêm forte correlação
com as APAs. A principal delas é o Parque Natural Regional, uma área protegida criada no
contexto europeu, em países como Portugal e França. Os parques naturais regionais surgem a
partir da decisão das comunidades locais e têm por objetivo preservar e, ao mesmo tempo,
desenvolver os territórios onde estas pessoas habitam e terão suas gerações futuras. O
28
principal elemento motivador para que estas comunidades assumam o compromisso em
administrar e orientar a ocupação e o uso dos recursos naturais em suas localidades está
relacionado principalmente às pressões urbanas periféricas externas. Deste modo, as
comunidades lutam para proteger o caráter natural dessas regiões, ao mesmo tempo, em que
buscam manter práticas de manejo do território de forma a introduzir atividades de
desenvolvimento econômico que não comprometam a estabilidade ambiental. (CABRAL e
SOUZA, 2005)
No que concerne à gestão desses Parques, é constituída uma comissão, que conta com
a participação representativa de todos os segmentos sociais que residem no território, uma
equipe técnica, associações conveniadas e um comitê científico. Todos estes grupos
institucionalizam uma comissão gestora e elaboram uma Carta do Parque Natural Regional.
Esta carta contém, em detalhes, o plano de gestão ambiental e pode ser revisada
periodicamente para atender às novas demandas. As APAs, os Parques Naturais europeus são
categorias de áreas protegidas que apresentam similaridades, tais como: conservação da
biodiversidade; admissão do uso sustentável dos recursos naturais; organização em
propriedades privadas; sistema de planejamento com ordenamento territorial a partir de
zoneamento que contém zonas com diferentes graus de proteção, restrições e permissões; bem
como um sistema de gestão realizado de forma participativa que visa contribuir com a
melhoria da qualidade de vida da comunidade.
A respeito do processo de criação e implementação de uma APA, é relevante apontar
que, existe uma série de etapas a serem cumpridas, tais como, o diagnóstico socioambiental, o
zoneamento, a elaboração e implementação de um Plano de Manejo que direcione as
atividades desenvolvidas, para que a meta da sustentabilidade seja alcançada. Para o IBAMA,
todo o desenvolvimento destas ações pressupõe ampla participação dos atores sociais em
diferentes etapas, com a realização de audiências públicas e a instalação de um Conselho
Gestor. Contudo, para as APAs não está definido, nem na Lei 9.985/00 nem no Decreto
4.340/02, qual o caráter que deverá ter seu conselho, se consultivo ou deliberativo, situações
que dotam os demais atores sociais de uma maior ou menor participação na instituição e
gestão destas áreas.
Afirmam Cozzolino e Irving (2006), que as APAs no seu curto período de existência,
demonstram pouca efetividade no estabelecimento da proteção à biodiversidade. As APAs
mesmo tendo uma ampla aceitação como mecanismo de conservação, haja vista que é tipo de
unidade muito implantada; para estes autores, o amplo uso e disseminação destas unidades,
29
têm por finalidade mascarar as estatísticas de áreas protegidas de estados e municípios, uma
vez que apresentam como unidades efetivas, áreas que teriam como característica o mero
ordenamento territorial, representado pela existência de um plano de manejo no papel. Assim,
a criação de APAs teria a função de ampliar estatisticamente a área territorial coberta por
UCs, sem que de fato se efetive um rigor na gestão destas áreas.
1.4 – Revisitando estudos temáticos
Vários são os estudos sobre povos tradicionais, que têm se dedicado à discussão dos
impactos e mudanças quem vêm ocorrendo junto a estas populações, nestes contextos,
analisando especialmente o modo particular com que populações se relacionam com o
trabalho e a Natureza. Estes estudos abordam, sobretudo, aspectos que salientam as
singularidades desses modos de vida.
Sob este prisma, Antônio Cândido em “Os parceiros do Rio Bonito” (1975) apresenta
uma instigante análise sobre o universo do caipira paulista e como este tipo sociocultural, ao
longo da história, vem estabelecendo uma imbricada relação com o meio biofísico. Cândido
argumenta em sua obra que todo o grupo cultural pressupõe, em sua relação com a natureza, a
obtenção de um equilíbrio relativo entre suas necessidades e os recursos do meio físico. Neste
sentido, o grupo requer soluções mais ou menos adequadas e completas, das quais depende a
eficácia da própria natureza. Deste modo, essas soluções dependem diretamente da qualidade
e quantidade das necessidades a serem satisfeitas (CÂNDIDO, 1975:23). Portanto:
o meio natural aparece como um grande celeiro potencial que não será utilizado
indiferentemente, em bloco, mas conforme as possibilidades de operação do grupo;
pois os animais e plantas não constituem, em si, alimentos do ponto de vista da
cultura e da sociedade. É o Homem quem os cria como tais na medida em que os
reconhece, seleciona e os define. O meio se torna deste modo um projeto humano
nos dois sentidos da palavra: projeção do homem com suas necessidades e
planejamento em função destas aparecendo plenamente, segundo queria Marx,
como construção da cultura. (CANDIDO, 1975:28)
Outro estudo sobre comunidade camponesa em São Paulo é desenvolvido por
Brandão, em “O afeto da Terra” (1999). O referido autor afirma que a natureza em que e com
a qual o homem do campo se sente convivendo diária e intensamente é percebida como um
contexto de espaços. Estes espaços são ocupados por uma mata, um rio, uma montanha, ou
seja, são lugares específicos e apropriáveis, como um campo transformado em pastagem, uma
beira de rio fonte de pesca e também seres animais e vegetais em suas espécies e em suas
individualidades. Ademais são determinadas situações um tempo de chuva, uma seca ao
30
mesmo tempo benéficas e malévolas. Além disto, a natureza é experimentada por estes
homens e mulheres como um dom de Deus ofertado aos humanos. Segundo tal prerrogativa,
os homens podem vivenciar a natureza como o lugar do exercício legítimo do seu domínio
11
De acordo com Brandão, o que as pessoas dos Pretos de Baixo questionam é que a
busca de uma reconquista do estado de harmonia entre a sociedade e a natureza vem sendo
reforçada pela desarmonia de direitos entre categorias de agentes tradicionais, rústicos,
camponeses e, de outra parte, antigos e novos chegantes de fora, vistos como ricos e
poderosos. Estes, de fora, sempre amparados pelo banco, por sua influência, pela polícia “são
percebidos como invasores não éticos destinados ao sucesso e ao progresso, porque chegam
com o poder que justifica uma ética de trocas entre pessoas e o mundo natural, fundada em
.
(BRANDÃO, 1999)
Entretanto, salienta o autor, cada vez mais os homens do campo queixam-se que o
mundo da natureza tornou-se uma espécie de lugar retirado, mais desigualmente desfrutável e
restrito. Tal deslocamento da natureza para mais longe, deve-se às mudanças em diversos
domínios da própria natureza. De um lado, relaciona-se ao efeito desastroso de modalidades
de ações inadequadas do trabalho humano sobre o mundo natural. Por outro lado, as
mudanças também são compreendidas como sociais (políticas, jurídicas e policiais) e,
estabelecidas como novos códigos entre os homens, elas atingem os princípios de direitos-
deveres de categorias de pessoas sobre a natureza(BRANDÃO, 1999). Portanto, a natureza
foi retirada, tomada dos camponeses, do ponto de vista dos direitos de apropriação de parte de
seus mais eminentes e tradicionais agentes de significação e de transformação útil, tornando-
se um espaço dado à preservação.
11
Há uma influência judaico-cristã que sugere ao homem trabalhador o próprio trabalho como complemento
humano da “obra da criação”. Deste modo, o trabalho agropastoril sobre o mundo natural é encarado como mais
do que um castigo imposto a Adão e a toda geração de homens. Portanto é “a forma mais humanamente nobre e
essencial de trabalho e o espelho mais visivelmente verdadeiro da evidência de que o homem toma a seu cargo e
completa uma domesticação do mundo iniciada pelo Deus de todas as coisas e entregue a homens e mulheres”
(BRANDÃO, 1999:64). Assim figuram-se três atores fundamentais, que possibilitam esse trabalho de “tornar
trabalhosamente fecundo o que é naturalmente fecundável” o homem, cuja ação é devolver a terra lavrada a
Deus, o mundo da natureza e a própria divindade. Deste modo, para o camponês, não existe trabalho mais
essencial e sagrado que o ofício de lavrar. Ele sabe que lida com a recriação da vida. A própria terra “é percebida
como um campo benévolo de seres vivos e materiais re-vivificadores. Algo que não apenas se dá ao homem e é
apropriado por ele para os seus usos, mas reage a ele”. Portanto, as pessoas dos Pretos de Baixo local onde
Brandão desenvolveu a pesquisa olham para uma floresta, como um lugar sujo que deve ser limpo, e entregue à
multiplicação dos produtos do trabalho. Tudo o que se reconhece que existe, desde os pastos até as casas e a
capela, é considerado como resultante de um antigo e contínuo vencimento, por meio do trabalho da sociedade
sobre o trabalho da natureza”. O trabalho de socialização da natureza, além de nobre e enobrecedor, é a
vocação dada de Deus aos homens continuadores na Terra de sua inacabada obra de criação. (GALVÃO,
2006:7-8)
31
princípios ilegítimos, segundo uma leitura dos homens tradicionais do campo, ou interdita a
eles” (BRANDÃO, 1999:62).
Portanto, compreende-se hoje que alguns termos das relações natureza-sociedade
foram muito mudados e até invertidos. Muitos dos recursos naturais necessários à reprodução
da vida rústica estão sendo esgotados ou tornando-se menos adequados (menos férteis, mais
poluídos). Além do surgimento de novas tecnologias de domínio e apropriação do meio
natural, existe a própria dificuldade de reprodução social do modo de vida tradicional
camponês.
Em “Visões da Natureza: Seringueiros e Colonos em Rondônia”, Teixeira (1999)
aborda a preocupação atual com o processo de transformação das concepções de Natureza no
contexto da fronteira agrícola do Brasil, salientando que as distintas formas de
instrumentalizar a Natureza dizem muito acerca das concepções e do universo simbólico do
grupo cultural em questão. Ao longo de sua obra, Teixeira discute como a substituição das
atividades extrativas faz a floresta ser percebida pelos novos ocupantes os colonos como
um entrave ao progresso.
O extrativismo, que historicamente, havia moldado não somente o caráter de ocupação
social, mas a própria forma de organização da sociedade local e sua inter-relação com o meio
biofísico, foi naquele momento substituído por uma nova atividade econômica: a agricultura.
Neste novo contexto, em que a atividade agrícola prevalece, a terra torna-se o espaço gerador
das riquezas, que no caso de Rondônia, implicou na perda de uma representativa parcela da
floresta Amazônica. Teixeira complementa:
Revela-se, além do mais, neste ponto de inflexão, uma nova forma de historicização
da natureza, que agora não mais se realizará pela exploração dos recursos oferecidos
pelo próprio meio ecológico como se deu com a borracha mas pela exploração
da terra, exigindo-se em conseqüência uma maior intervenção do trabalho humano.
(...) Esta alteração, (...) modificou também a paisagem, construindo-se em
conseqüência uma nova concepção de espaço e forjando-se em torno dela uma nova
linguagem. (1999:190)
Pondera o autor, que sua preocupação era a de não fazer apenas uma “etnografia
mansa, das tradições e inovações culturais em uma área de vidas tão ameaçadas da
espoliação, da expropriação e da própria morte” (1999:11). O livro faz um pouco mais do
que colocar lado a lado categorias de habitantes e produtores da Amazônia seringueiros e
colonos seu esforço, portanto, é compreender como o encontro entre estes tipos de
interesses, de ritmos e de modos de vida, vem ocorrendo no contexto amazônico.
32
No que concerne à reprodução social de grupos de pescadores e o conflito gerado em
torno da implantação de áreas protegidas, destaca-se a obra “O Nosso Lugar Virou Parque
de Diegues e Nogara (1994). Neste trabalho, os autores buscam subsídios para argumentar
junto aos órgãos técnicos responsáveis pela implantação da Reserva Ecológica Estadual da
Juatinga em Parati-RJ, quais sejam IBAMA e IEF, a importância de se considerar no
estabelecimento desta UC e de outras, os saberes da população local. Como principal
argumento, estes autores apresentam que tais populações são portadoras degrande
conhecimento” sobre as dinâmicas e ciclos de reprodução dos recursos naturais, bem como
por ser aquele, o seu lugar. (DIEGUES e NOGARA, 1994:11)
A intenção manifesta de subsidiar o conhecimento para a implantação do plano de
Manejo da Reserva Estadual da Juatinga não se encerra em si mesma. Por outro lado, pode-se
notar que a principal discussão que os autores evidenciam, em todo o livro, está ligada aos
conflitos socioambientais decorrentes do encontro entre formas distintas de organização do
espaço social. Ao enfatizar o contraste entre projetos sócio-ecológicos de setores da sociedade
espacial e temporalmente aproximados (caiçaras, turistas e agentes do Estado), porém
distantes em suas formas de conceber o mundo natural, os atores sociais entram em desacordo
quanto ao que venha a ser a “proteção da natureza”.
Diegues e Nogara (1994) salientam que a política de gestão ambiental, colocada em
prática pelo Estado nas regiões de proteção ambiental, tem gerado um quadro de conflitos,
que envolvem as populações tradicionais residentes destas áreas. A principal “falha”, como
postulam os autores, consiste no fato de que o Estado vem criando vários parques e reservas
ecológicas no litoral brasileiro sem realizar qualquer tipo de consulta e participação destas
populações. Deste modo, a criação dessas UCs leva à proibição da tradicional atividade
pesqueira desenvolvida por estas populações e, em casos extremos, à expulsão destas pessoas
de suas áreas tradicionais.
Dentre os estudos sobre comunidades pesqueiras, destaca-se a obra de Faria
12
12
Farias, em 1939/41, iniciou uma pesquisa etnográfica no povoado de Ponta Grossa dos Fidalgos, porém,
inacabada. Os escritos foram cedidos a Arno Vogel, seu ex-aluno, quando este assumiu o posto de Professor
Titular de Antropologia no Centro de Ciências do Homem na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Ribeiro. O material, organizado por Castro Farias, será citado neste trabalho, com o título provisório de: Os
Pescadores de Ponta Grossa dos Fidalgos: Um estudo de morfologia social. (FARIA: no prelo).
, sobre a
população de pescadores que vivem à margem da Lagoa Feia, na povoação de Ponta Grossa
dos Fidalgos, Campos dos Goytacazes - RJ. Tais anotações de campo, ainda inéditas,
procuram relatar e analisar aspectos os mais diversos, a saber: a pesca, a arquitetura local, a
natureza, a população etc. O material produzido por Faria acrescenta maior riqueza de
33
detalhes à pesquisa, uma vez que se refere a uma comunidade pesqueira em que muitos dos
seus integrantes realizavam incursões à Lagoa de Cima e vice-versa, a fim de realizar a
atividade pesqueira
13
1.5 – Aproximações entre teoria e campo - Hipóteses formuladas
. Portanto, as notas de campo deste autor são um importante elo entre
hoje e o “tempo dos antigos”, permitindo então ressaltar as transformações sofridas por estas
comunidades.
Outro importante estudo é “O Pescador do Município de Campos: Universo e
Linguagem”, de Brandão (1989), em que a autora, no intuito de realizar um atlas lingüístico
elabora um sucinto, porém rico, relato etnográfico da atividade pesqueira em Campos dos
Goytacazes. A importância deste trabalho para a presente pesquisa reside no fato de este ser
um dos poucos estudos dedicados à análise das representações sociais do universo da pesca
em Campos dos Goytacazes que aborda a Lagoa de Cima. A partir da investigação
sociolingüística, a autora possibilita acessar as formas como este grupo social representa a
realidade que o cerca.
Se o vento é bom o nordeste, vento quente que mexe com a água e faz o peixe
andar , em pouco tempo encontram-se no meio da lagoa, recolhendo-o da rede de
espera que lá deixaram no dia anterior ou pescando de lanço (batido)...
(BRANDÃO, 1989:116)
Além de notas deste tipo, em que a autora destaca a pescaria como um conjunto de
técnica e saberes, Brandão faz também apontamentos acerca das conseqüências sociais e
ambientais sofridas principalmente pela atividade pesqueira, fruto das mudanças que vêm
ocorrendo no município desde a década de 1970. Estas mudanças são o reaquecimento
econômico da região promovido, no primeiro momento, pelo Proálcool e em um período
posterior, pela exploração petrolífera na bacia de Campos, bem como o rápido e
descompassado processo de industrialização e urbanização deste município.
Chartres é feita de pedra e vidro, mas não é apenas pedra e vidro, é uma catedral, e
não somente uma catedral, mas uma catedral particular, construída num tempo
particular por certos membros de uma sociedade particular. Para compreender o que
isso significa, para perceber o que isso é exatamente, você precisa compreender mais
do que as propriedades genéricas da pedra e do vidro e bem mais do que é comum a
todas as catedrais. Você precisa compreender também - e, (...), da forma mais crítica
- os conceitos específicos das relações entre Deus, o homem e a arquitetura que ela
13
Em algumas conversas com os antigos pescadores da Lagoa de Cima, são recorrentes as referências a Lagoa
Feia e outras lagoas, como Juturnaiba (município de Araruama), seja em função da lembrança de parentes
próximos, pais e irmãos que ficaram ou do antigo movimento de pescadores e seus acampamentos entre estas
lagoas.
34
incorpora, uma vez que foram eles que governaram a sua criação. (GEERTZ,
1989:62-63)
Decerto, as idéias, os valores, atos, até mesmo as emoções são, como o próprio
sistema nervoso, produtos culturais organizados a partir de tendências, capacidades e
disposições com se nasce e também são reelaboradas ao longo de nosso convívio em
sociedade (GEERTZ, 1989). Antes de qualquer coisa, salienta Barreto Filho (1997), inspirado
por Geertz, a Natureza, quer seja nomeada como áreas protegidas ou pontos de pesca, é
também um artefato sócio-cultural e histórico específico. Portanto, não é possível nomear a
existência de uma Natureza a ser conservada, uma vez que se trata de uma Natureza pensada e
representada, tal construção tem validade de fato social apenas no interior do grupo que a
estabeleceu. Não obstante, a todo o momento os seres humanos percebem a Natureza, que lhe
é adequada, a partir da posição em que ocupam no espaço social.
Portanto, este trabalho ao buscar embasamento nas perspectivas teóricas anteriormente
expostas tem como intuito construir uma interpretação a respeito das distintas Representações
Sociais da Natureza subjacentes às intencionalidades e ações dos diferentes atores sociais
inseridos, no que nomeio
14
o campo do conflito socioambiental de Lagoa de Cima.
Relacionados nesta disputa material e simbólica, encontram-se pescadores artesanais
15
Não obstante, esse modo particular de trabalho e vida, justamente por seu caráter de
continuidade, delineia uma singular forma de ver o mundo e de atuar sobre ele. Por certo, é a
e o
proponente da unidade de conservação: o Poder Público municipal. A princípio considera-se
este ator social com um agente homogêneo, porém no desdobramento deste trabalho,
observar-se-á que em seus meandros, com destaque para órgãos e instituições que apóiam a
criação de UC, existem divergências.
A prática da pesca artesanal desenvolve uma relação particular com a realidade
material, tanto em termos ecológicos quanto simbólicos. Assim, observa-se que a forma de
apropriação e representação do espaço realizada pelos pescadores constitui o elemento central
de sua organização social; na medida em que os mesmos adotam os elementos advindos do
meio biofísico e a partir deles constroem noções de pertencimento ao lugar onde vivem,
baseados principalmente na relação estabelecida pelo trabalho na pesca com o meio natural.
14
Tal como propõe Bourdieu, a noção de campo, é uma estenografia conceptual de um modelo de construção do
objeto que vai orientar todas as concepções práticas da pesquisa. (2005:27)
15
O uso da categoria “pescador artesanal” por este trabalho se dá em função desta ser uma categoria nativa.
Esta autodenominação é em grande parte relacionada ao enquadramento trabalhista feito pelo Ministério do
Trabalho e a Colônia de Pescadores, no primeiro momento, e agora reforçado pela constituição da Associação de
Pescadores Artesanais de Lagoa de Cima fundada em agosto de 2007, que são os responsáveis pela renovação e
expedição das carteiras de pescador.
35
especificidade de suas relações com a Natureza principalmente no labor da pesca artesanal
que caracterizam a singularidade da comunidade de pescadores residente em Lagoa de Cima,
em oposição aos outros atores sociais. Com base nos argumentos de Geertz, sobre o caráter
público e concreto dos artefatos culturais, o (re)conhecimento dos aspectos relativos aos
processos de trabalho envolvidos na prática haliêutica tornam-se imprescindíveis. Pois, a
dimensão técnica da atividade pesqueira é sobreposta por saberes, quer sejam adquiridos ao
longo do exercício diário da profissão, quer sejam absorvidos das gerações passadas através
do aprendizado prático, informações essencialmente de cunho oral. Autores como Faria
(1939/41), Lima (1997), Diegues (1998), dentre outros, reconhecem e enfatizam como
particularidade da pesca artesanal o fato desta atividade não poder ser explicada a partir
exclusivamente de sua dimensão técnica de apropriação de recursos naturais. Tal fato se
explica, uma vez que a pesca nos moldes artesanais é compreendida como uma atividade em
que estão envolvidos e intimamente relacionados aspectos materiais e simbólicos.
No que tange a comunidade de pescadores residentes em Lagoa de Cima, estes
demonstram por meio das práticas de trabalho, com traços tradicionais, que nestas estão
implícitas o domínio de um conjunto de saberes específicos sobre o ecossistema local, o ciclo
reprodutivo da ictiofauna venatória, a geografia do leito da lagoa e aspectos climáticos
favoráveis à pesca (ventos e cheias). É observável que este conhecimento estritamente
experimental sobre a atividade pesqueira, condiciona a um específico projeto sócio-ecológico
de apropriação do mundo material e simbólico que se estende a toda comunidade.
Torna-se pertinente destacar que o trabalho e sua ética consistem em elementos
centrais na organização da vida familiar dos pescadores de Lagoa de Cima. Pois, a pesca
como atividade produtiva não consiste somente na captura do pescado realizado em sua
maioria pelos homens, mas há também a participação nas demais atividades das mulheres e
filhos, principalmente na preparação do material das pescarias e limpeza do pescado,
necessárias ao funcionamento das pescarias. Desta forma, corrobora com estudos acerca de
comunidades pesqueiras, uma vez que a atividade haliêutica envolve e é desempenhada por
todo o núcleo familiar, e em Lagoa de Cima este contexto não é diferente.
Assim, é interessante observar que o núcleo familiar tem seu tempo sincrônico e
diacrônico, regulado conforme as necessidades impostas pela realização do trabalho. Por
exemplo, no tempo dos antigos, quando as pescarias de batido ocorriam durante a noite, o
pescador tinha suas atividades profissionais voltadas para a captura e comercialização no
período da noite e manhã bem cedo, cabendo aos demais membros da família, mulheres e
36
filhos, durante o dia cuidar de afazeres, tais como reparos na rede, no material de pesca. O
pescador esclarece sobre as alterações ocorridas em seu modo de trabalhar:
... essa pescaria da noite é o seguinte, tinha uma facilidade, [a gente] pescava
durante a noite a madrugada chegava no porto e levava o peixe fresquinho para
entregar, não tinha despesa com gelo. Depois inventaram a pescaria do dia ai
ninguém passou a sair mais de noite, passaram a sair só de dia para pescar, ai já
tinha que carregar caixa de isopor, carregar gelo, ou ia La e acertava um lancho de
100 e 200 kg e tinha de vir para o porto para tirar aquele sairu todo para por para
gelar ou para voltar para pegar mais ou guardava aquele para no outro dia. E pescava
num dia e vendia no outro (...) Pescava hoje e amanha de madrugada o peixe ia para
o mercado. Ele pescava durante o dia e de tarde ele já ia dormir. Ai de madrugada
ele levantava para ir vender o peixe. (CS)
Além disto, é importante salientar que a vida em comunidade também é condicionada
pelo tempo estabelecido pela pesca, pois a vida social como um todo é regulada pela
alternância entre fracassos períodos em que acontece a cheia do espelho d’água e a cema
16
Em um determinado projeto sócio-ecológico, ressalta Acselrad (2004), a dimensão
correspondente à intervenção de cunho técnico na apropriação do mundo material se destaca,
pois, este é o momento mais direto pelo qual os atores sociais interagem e transformam os
aspectos biofísicos que os cercam. Entretanto, esta intervenção na Natureza não consiste em
,
e prosperidades quando há o esvaziamento das águas e os peixes não encontram espaços
para “correr” e assim são facilmente capturados, ciclo este que se repete ano após ano, e
impele pescadores a se comprometerem com uma maior ou menor dedicação ao trabalho,
inclusive estabelecendo a prática da sobre pesca, ou se inserindo em outras atividades
remuneradas, como o trabalho no corte da cana-de-açúcar, a fim de obter meios para prover o
núcleo familiar.
Os argumentos defendidos por Acselrad (2004) acerca dos projetos sócio-ecológicos,
quando aproximados da realidade observada em Lagoa de Cima, desvendam que a pesca
realizada neste local não se trata especificamente da apropriação de recursos naturais única e
exclusivamente calcados em uma dimensão técnica. Muito pelo contrário, a pesca consiste
também em uma apropriação relacionada a formas sociais, historicamente constituídas e
geradoras de uma lógica distinta de reprodução do pescador e sua família. Por fim, estão
presentes na apropriação da Natureza da Lagoa de Cima formas culturais, responsáveis por
dotarem o mundo de sentido e ordenamentos, o que proporciona controle dos atos e práticas
sociais desempenhados por todos os membros do grupo social.
16
A cema é a categoria usada pelos pescadores da Lagoa de Cima, assim como das demais lagoas da planície
campista para o período da piracema, momento do ano em que as espécies iniciam o ciclo reprodutivo, período
que na Lagoa ocorre a partir de setembro e perdura até final de janeiro.
37
uma simples resposta às imposições do ambiente, como afirmaria Godelier (apud
CARVALHO, 1981), uma vez que a técnica é subordinada às condicionantes culturais, ou às
representações sociais destas sociedades. Em vista disso, as técnicas empregadas na captura
do peixe devem ser observadas, não como forma de intervenção desconexa, mas sim, como
historicamente referenciadas, em contextos que condicionam tanto padrões propriamente
tecnológicos da ação, bem como a percepção, julgamento e orientação que as justifiquem e as
legitimem. Por fim, em comunidades pesqueiras como a de Lagoa de Cima, a vida social é
estabelecida em função dos elementos relativos ao trabalho, a saber, relações de hierarquia de
gênero, parentesco, espaços sociais e a própria utilização do meio biofísico.
Por outro lado, encontra-se a proposta de efetivação de uma Unidade de Conservação
em Lagoa de Cima, articulada pelo poder público municipal e apoiada por outros setores da
sociedade mais ampla. Instituída pela Lei municipal nº 5.394 de 24 de dezembro de 1992, a
Área de Proteção Ambiental de Lagoa de Cima que em seu artigo primeiro, expressa que seu
objetivo é “proteger um dos mais antigos e representativos ecossistemas lagunares do Estado
do Rio de Janeiro, bem como controlar atividades que ameaçam a sua integridade.Neste
sentido, cabe salientar que a Lagoa de Cima é a segunda maior lagoa do município de
Campos dos Goytacazes. Ademais, ela chama atenção devido ao seu tamanho e a exuberante
composição paisagística, marcada pelo encontro de rios, o espelho d’água, vegetação, fauna, a
serra do Mar (em sua porção oriental) e o maciço do Itaoca (em sua porção ocidental).
Como se não bastasse a beleza cênica, a lagoa também se destaca dos demais corpos
hídricos do município, por seu relativo estado de conservação. Este elemento consiste em uma
das dimensões que torna atraente a Lagoa de Cima, como objeto de estudo científico, pois, as
dimensões geomorfológicas e de biodiversidade tornam o ecossistema Lagoa de Cima um
modelo de comparação, em escala reduzida, dos processos ambientais que ocorrem ao longo
do rio Paraíba do Sul, em sua porção que corta o último trecho da Serra do Mar e a planície
campista. Devido a todos estes elementos de ordens tão distintas, o espelho d’água e seu
entorno vêm sendo estudados por grupos de pesquisa, com o destaque para as ciências
ambientais.
É importante enfatizar que a paisagem natural de Campos dos Goytacazes sofre
contínua intervenção humana desde a chegada do colonizador europeu até os dias atuais,
principalmente em decorrência da intensa utilização do solo para a pecuária e a agricultura
canavieira. Nesta perspectiva, é observado que padrão de valorização da terra como fonte de
recursos econômicos sempre foi o parâmetro estabelecido pelas classes hegemônicas, desde
38
os grandes criadores de gado de outrora, passando pelos senhores de engenho, culminando
com os usineiros. Processo este validado e subsidiado pelos dirigentes políticos em diferentes
momentos históricos, e em alguns destes momentos, a intervenção humana na paisagem
natural de Campos dos Goytacazes figurou como política de Estado.
Entretanto, desde o início da década de 1990 vem sendo desenvolvidas uma série de
ações por parte do Poder Público Municipal cujo intuito é garantir a integridade do meio
ambiente e/ou possibilitar que a população tenha acesso às áreas naturais mais conservadas
de Campos dos Goytacazes. A preocupação com a questão ambiental, especificamente no que
tange à instituição de UCs, ocorre por meio da influência direta da realização da Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUCED) ou Conferência
Rio-92, em junho de 1992 na cidade do Rio de Janeiro; haja vista, que as duas primeiras
unidades foram criadas nos meses subseqüentes a Conferência Rio-92. É considerável o fato
do governo municipal de Campos dos Goytacazes ter absorvido de imediato a novidade
ecologista e tratar de implantar unidades de conservação de uso sustentável no município
17
De modo sumário, estas são as principais concepções de Natureza observadas por este
estudo, de um lado, o projeto sócio-ecológico elaborado pela sociedade mais ampla, urbano-
industrial, defendido pelo por público municipal, e seu contraponto: a perspectiva de uso dos
e,
assim, adotar uma tendência mundial da conservação da natureza, cujo principal objetivo é o
manejo do uso humano de organismos e ecossistemas, com o fim de garantir a
sustentabilidade desse uso (VALLEJO, 2002).
Como era de se esperar, o entusiasmo criador que inspirou a implantação da APA
Lagoa de Cima é diretamente relacionado a aspectos científicos, da mesma maneira que é
ligada a elementos atinentes a beleza cênica do lugar. Estas duas dimensões estão presentes de
modo claro em discursos e práticas desenvolvidas ou apoiadas pelo município. Como artefato
cultural, as UCs são constructos propostos por atores sociais que falam e defendem posições
ideológicas de um determinado extrato social. Assim, a interpretação densa destes elementos
públicos torna capaz o entendimento da específica Representação Social da Natureza que
subjaz a estas ações. É importante ressaltar, principalmente no texto da lei que institui a APA
Lagoa de Cima, que a criação desta unidade é um movimento de resgate de um passado
imemorial, em que estão presentes a memória de feitos heróicos da campista Benta Pereira e a
visita de Dom Pedro II, ao mesmo tempo é uma defesa antecipada contra as externalidades da
expansão, por exemplo, da lavoura de cana-de-açúcar.
17
As APA’s da Lagoa de Cima e Lagamar (distritos de Ibitioca e Farol de São Tomé) foram criadas
respectivamente pelas Leis Municipais nº 5.394, 24/12/92 e nº 5.418, 29/4/93
39
recursos provenientes da Natureza que advêm da comunidade de pescadores artesanais de
Lagoa de Cima. A sobreposição destes distintos projetos, em um mesmo espaço, conforme
observado na discussão teórica apresentada, pode vir a deflagrar uma série de embates entre
os representantes destas duas posições, a partir do momento em que uma das partes começar a
tencionar, no sentido de se dispor a investir com seus capitais na consolidação de seu projeto
societário.
Afirma Diegues que os conflitos sócio-ambientais junto às UCs, sejam elas de uso
sustentável ou não, se fazem evidentes em dois momentos: o primeiro, a partir da iniciativa de
criação, em que a dimensão simbólica da luta social de conservacionistas é baseada em uma
concepção universalista de conservação, evocando então a instituição de unidades como
reação/resposta/barreira para as ameaças reais ou potenciais aos recursos naturais locais.
Assim sendo, estes atores consolidam e potencializam suas decisões validando o processo
através da legislação, institucionalizando dessa forma, o território. Neste sentido, a criação
das áreas naturais protegidas corresponde à defesa de interesses específicos de um
determinado projeto societário sobre o meio biofísico. No segundo momento, os conflitos
socioambientais acontecem após a institucionalização do espaço pelo Estado e do
estabelecimento de “novas” regras de uso e apropriação dos recursos, ganhando maior escopo.
Desta forma, o conflito passa a ser identificado pela manifestação ou mobilização dos atores
sociais frente aquilo que é percebido por eles como usurpação de direitos, consuetudinários ou
não, e/ou formas de agressão ao ambiente. Portanto, o conflito é deflagrado devido aos atores
sociais, em um momento quase que repentino, por estarem submetidos às novas regras de
apropriação dos recursos, lógicas estas que em muitos dos casos têm por objetivo cercear o
uso tradicionalmente feito por estes grupos. Inclusive em muito dos casos criminalizam as
práticas historicamente exercidas. (DIEGUES, 1998)
No que concerne à Lagoa de Cima, o lento processo de implantação da unidade
possibilitou que o mesmo não viesse a se tornar um elemento desencadeador do conflito entre
moradores e poder público, pois, desde a criação da unidade em 1992, poucas foram as
ações
18
18
A última etapa concluída no processo de implantação da APA foi o Diagnóstico, conduzido pela Universidade
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. Por sua vez, este é um documento cujo objetivo é descrever os
fatores que influenciam direta e indiretamente o projeto. Cabe ressaltar que o Diagnóstico consiste em uma
primeira ação dentro de todo o processo de implantação de uma Unidade de Conservação.
que visaram concretizar a implantação da UC. Contudo, mesmo que a unidade se
encontre em estado inerte, o contexto de incerteza sobre o futuro criou um clima de tensão
entre os moradores de Lagoa de Cima, já que a indefinição quanto às novas regras de uso e de
40
apropriação do espaço geram uma série de boatos, principalmente no que concerne ao despejo
dos moradores do local que residem.
Por fim, na base da problemática relativa aos conflitos socioambientais encontram-se
as distintas relações Homem-Natureza estabelecidas por diferentes segmentos sociais
envolvidos na implantação da área protegida e as regras para o seu uso. Portanto, um estudo
baseado nas Representações Sociais de Natureza abre possibilidades interessantes para a
construção de uma percepção acerca dos conhecimentos, interpretações e sentimentos
elaborados pelos diferentes olhares, valores, interesses, posições e práticas dos atores sociais
envolvidos na implantação de Área de Proteção Ambiental, como a de Lagoa de Cima.
Portanto, um estudo com este escopo, pode inclusive ser utilizado por ambas as partes
interessadas na conservação deste local, como suporte para a realização de ações integradas,
objetivando o estabelecimento da preservação.
De modo a conduzir este estudo sobre as representações sociais de natureza e uma
possível utilização desta concepção para a promoção da conservação, foram elaboradas as
seguintes hipóteses:
Pescadores “Artesanais” residentes no entorno do espelho d’água e Poder
Público estão de acordo que é necessária a conservação ambiental da Lagoa
de Cima, portanto, estes distintos atores propõem formas de proteção dos
recursos naturais naquele local.
A APA Lagoa de Cima, como proposta de proteção da natureza, concebida
pelo Poder Público, com o apoio das instituições de pesquisa, não é um
projeto que contempla a percepção dos pescadores artesanais do que venha
a ser a proteção da Natureza.
As distintas propostas de proteção do meio biofísico são correspondentes às
distintas Representações Sociais de Natureza que os grupos sociais
envolvidos detêm.
As propostas para a proteção de Lagoa de Cima, apresentadas pelos atores
sociais em questão, estão baseadas em Representações Sociais da Natureza
que se contrapõem. Por um lado, existem aquelas que conduzem a modos
de gestão e manejo fundamentando-se em conhecimentos técnico-
científicos; por outro lado, encontra-se a percepção que considera os
saberes dos pescadores artesanais residentes de Lagoa de Cima como
fundamentais para a promoção da conservação da Natureza.
41
Capítulo II O trabalho de campo
2.1 – Metodologia
Os procedimentos metodológicos empregados neste estudo foram definidos a partir de
dois parâmetros: o quadro conceitual e as particularidades do objeto estudado. Destarte, como
situado no Capítulo I, a realidade empírica não é tratada como fenômeno estritamente
relacionado a uma ordem física, esta é, sobretudo, um fenômeno histórico. Portanto, tal como
a noção de Natureza, é uma construção do homem, que é um ser significante que age sobre o
mundo e o interpreta, transformando-o, ao mesmo tempo em que é por ele impregnado de
objetividade (GODELIER apud CARVALHO, 1981). Assim, no esforço empregado para
alcançar o proposto, optei pela técnica de pesquisa de base qualitativa. A escolha da
abordagem qualitativa se fez necessária por ser aquela que de modo mais coerente se adequa a
este trabalho, pois, possibilita o estudo de questões que não podem ser quantificadas, por
exemplo, os anseios, os sentimentos, as motivações, os valores e as atitudes que fazem parte
das Representações Sociais de uma dada sociedade.
Além do mais, a meta que busquei não visa à obtenção de uma representação numérica
do grupo pesquisado – trabalho este, parcialmente realizado durante minha iniciação científica
na graduação em ciências sociais na UENF (COSTA, 2006), quando na ocasião foi realizado
o Censo Socioambiental da Lagoa de Cima, relatório cientifico que serviu de base para a
elaboração do diagnóstico socioambiental que compõe o Diagnóstico Ambiental da APA
Lagoa de Cima (REZENDE et al, 2006) –, mas sim, a compreensão das representações e
concepções acerca dos significados de Natureza. Para tanto, foi proposta como estudo de caso
a (re)construção das percepções de Natureza de atores sociais envolvidos/interessados na
proteção da Lagoa de Cima pescadores artesanais e o Poder Público e seus agregados. No
que tange aos artifícios metodológicos empregados, destaco a busca por conhecer os atores
sociais a partir do acúmulo de experiências junto a eles. Estratégia esta, próxima à proposta da
metodológica da observação participante.
Há um método, principalmente usado pela antropologia, mas também pela
sociologia, denominado observação participante (...). Em qualquer tipo de pesquisa,
seja em que modalidade ocorrer, é sempre necessário que o pesquisador seja aceito
pelo outro, por um grupo, pela comunidade, para que se coloque na condição ora de
partícipe, ora de observador. E é preciso que esse outro se disponha a falar da sua
vida. Trata-se do que Bronislaw Malinowski (1978) chamava de “a necessidade de
42
mergulhar na vida do outro”, para que essa vida possa, em alguma medida, ser
reconstituída. (MARTINS, 2004:294)
Contudo, Martins (2004) chama a atenção que para o cumprimento da proposta de
Malinowski, o mergulho na vida do grupo e em culturas às quais o pesquisador não pertence,
depende de que ele convença e estabeleça certo grau de empatia. Neste sentido, ressalta
Goldenberg, a convivência com os nativos tornou-se o melhor instrumento de que o cientista
social especificamente o antropólogo dispõe para compreender “‘de dentro’ o significado
das lógicas particulares características de cada cultura” (1997:22).
Para Little, os “conflitos socioambientais referem-se a um conjunto complexo de
embates entre grupos sociais em função de seus distintos modos de inter-relacionamento
ecológico(2006:91). Neste aspecto, conforme discute o autor, a apropriação conceitual
elaborada pela antropologia acerca do conflito socioambiental não o restringe aos embates
políticos e econômicos, uma vez que o conflito incorpora “elementos cosmológicos, rituais,
identitários e morais que nem sempre são claramente visíveis desde a ótica de outras
disciplinas” (LITTLE, 2006:92). Deste modo, a proposta de uma abordagem fundamentada na
observação participante, propicia ao pesquisador “enxergar conflitos latentes que ainda não
se manifestaram politicamente no espaço público formal, porque os grupos sociais envolvidos
são politicamente marginalizados ou mesmo invisíveis ao olhar do Estado” (LITTLE,
2006:92). Sob este ponto de vista, a observação com viés etnográfico tornou-se instrumento
adequado para empreendermos a análise do dado empírico com o suporte teórico eleito.
A busca por esta vivência no cotidiano dos atores sociais especialmente em São
Benedito deu-me a oportunidade de conhecer e ser conhecido. Assim, através dos contatos
formais e informais, individuais ou grupais comecei a identificar como vivem e se relacionam
as pessoas em suas comunidades e como estas comunidades interagem ou exteriorizam suas
percepções com os demais atores sociais, bem como quais são as suas condições materiais de
existência. Estes elementos tornam possível entender de onde estas pessoas falam e de modo
subseqüente entender sobre o que tratam e como proferem suas ideologias, uma vez que: Os
homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a
fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam
diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” (MARX, 1984).
Como salienta Marshall Salhins:
não temos, por exemplo, a liberdade de sairmos por aí nomeando as coisas
simplesmente pelo modo que elas são, como fez Adão, parecia com um leão e
rugia como um leão, portanto o chamei de ‘leão’.” As improvisações (reavaliações
43
funcionais) dependem das possibilidades dadas de significação, mesmo porque, de
outro modo, seriam ininteligíveis e incomunicáveis. Daí o empírico não ser apenas
conhecido enquanto tal, mas enquanto uma significação culturalmente relevante, e o
antigo sistema é projetado adiante sob novas formas. Segue-se daí que ordens
culturais diversas tenham modos próprios de produção histórica. (SAHLINS,
1999:11)
Portanto, o trabalho de campo realizado junto aos pescadores de São Bendito em
atividades em seus locais de trabalho, a casa e o porto; em momentos de lazer; nas reuniões da
Associação de Pescadores Artesanais de Lagoa de Cima, assim como a participação deste
pesquisador em atividades promovidas pela Secretaria de Meio Ambiente; reuniões do
Conselho Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo; audiências públicas sobre questões
ambientais locais (realizadas pelo CEFET/Campos, UENF e Associação Campista de
Indústria e Comércio) proporcionaram maior perspicácia com relação aos atores sociais
envolvidos/interessados na proteção de Lagoa de Cima. Sobretudo, porque a observação
auxilia na (re)construção analítica das falas dos atores sociais, não somente enfocando o que é
estritamente dito em documentos ou entrevistas momento em que a fala é cercada de
maiores cuidados. Não obstante, a vivência torna possível ao pesquisador realizar o exercício
do “estranhamento”. É segundo esse pensamento que Pedro Demo atenta para a importância
de valorizar o cotidiano dos sujeitos sociais pesquisados, mostra ao autor o que é de
fundamental importância:
explorar as vivências que aparecem no jogo, na brincadeira, na piada, do que na
formulação discursiva cuidada. Compor a intimidade da vida cotidiana, naquilo que
ela tem de simples e funcional, de bom senso, para além de manifestações já
estereotipadas (…). Levar ao depoimento tão espontâneo que a diferença entre teoria
e prática se reduza ai mínimo possível, de tal sorte que aquilo que se diz é aquilo que
se faz. (1999:43, apud SILVA e LIMA, 2007)
Diz Bakhtin (1986 apud MINAYO e SANCHES, 1993) que nas palavras existe uma
multiplicidade de usos sociais. Para Minayo e Sanches, a polivalência semântica decorre das
condições socioculturais nas quais as palavras são utilizadas, “Elas são tecidas pelo fio do
material ideológico
19
19
O conceito de ideologia do qual se vale Minayo e Sanches advém do proposto por Bakhtin; e é problematizado
como propõe Teixeira: “A ideologia não deve ser entendida como mascaramento da realidade, ou como falsa
consciência, mas como fenômeno de que fato se introduz na sociedade como um dado esclarecedor da orientação
de seus membros” (1999:52).
; servem de trama a todas as relações sociais; são o indicador mais
sensível das transformações sociais, mesmo daquelas ainda que não tomaram formas
(1993:245). Neste sentido, Sahlins, apoiando-se no conceito de “divisão do trabalho
lingüístico”, formulado por Hilary Putnan, esclarece que o sentido do signo (na perspectiva de
Saussure) é definido por suas relações de contrastes com demais signos do sistema. Nesta
44
perspectiva, o signo só é completo e sistemático como um todo na comunidade de seus
falantes.
Qualquer uso real de um signo em referência, seja por uma pessoa seja por um
grupo, emprega apenas uma parte, uma pequena fração, do sentido coletivo. Afora
as influências do contexto, essa divisão do trabalho significativo é, de um modo
geral, função das diferenças de experiência social e dos interesses entre pessoas. O
que para mim é “um pássaro (de qualquer espécie) voando com dificuldade”, é para
o ornitólogo “um gavião doente” e talvez seja ainda “um coitadinho para terceiros
(membros das sociedades protetoras de animais). (...) Agindo de perspectivas
diferentes e com poderes sociais diversos para a objetivação de suas interpretações,
as pessoas chegam a diferentes conclusões e as sociedades elaboram os consensos,
cada qual a sua maneira. A comunicação social é um risco tão grande quanto às
referências materiais. (SAHLINS, 1990:10)
Observada nestes termos, a fala torna-se reveladora de condições estruturais, de
sistemas de valores, normas e símbolos, e, ao mesmo tempo, possui a magia de transmitir,
através de um porta-voz (o entrevistado), representações de grupos determinados em
condições históricas, sócio-econômicas e culturais específicas (MINAYO e SANCHES,
1993).
No que tange ao trabalho empreendido por esta pesquisa, foram realizadas quinze
entrevistas abertas
20
Tabela 3
, porém, em certa medida conduzidas com a finalidade de não permitir ao
entrevistado desviar por completo do tema investigado: Representações Sociais de Natureza
( ). As entrevistas foram transcritas e conservaram as expressões e a linguagem do
entrevistado. Por outro lado, de se destacar que as conversas informais também foram
levadas em consideração, pois estas elucidam sobre algumas das formas de relações
estabelecidas entre os diferentes atores sociais, com especial destaque para a questão
relacionada ao convívio interno e externo. Explico, por exemplo, que as conversações com os
pescadores de Lagoa de Cima, quando públicas, tratavam de questionar as ações dos políticos
municipais, dos pescadores de fora, dos turistas, etc. Entretanto, as críticas feitas aos
vizinhos ocorriam sob muitas restrições, o mais recorrente é o uso de expressões relativas a
um sujeito indeterminado, porém muito próximo tal como: “a turma ai”.
20
Deve ser ressaltado que no corpo texto optou-se pela identificação dos pescadores entrevistados por suas
iniciais, tal escolha decorre é uma decisão que visa preservar estes interlocutores de possíveis críticas pessoais.
Além disto, é importante frisar que a entrevista-los o interesse maior é destacar a visão de mundo daqueles
atores. De modo contrario, a designação pelo nome dos demais entrevistados e a localização de suas posições
sociais é relevante haja vista peso simbólico que lhes é atribuído.
45
Tabela 3 Lista com os entrevistados
Alan Vargas
Gerente da SERLA Campos
Carlos Rezende
Professor da UENF e Coordenador do Diagnóstico Ambiental da LC
Aristides Soffiati
Ecologista e professor da UFF Campos
Carlos Ronald
Secretario municipal de Meio Ambiente de Campos
Sebastião Guerra
Responsável pelo Museu Dr. Guerra
Everaldo Reis
Guia turístico da SICOMTUR
CF
Pescador
MC
Pescador Aposentado
MS
Pescadora Aposentado
DS
Pescadora Aposentado
JB
Pescador
ES
Pescador, dono da pensão
CS
Pescador, dono de bar
NA
Pescadora, dona de bar
AA
Pescador, peixeiro no mercado municipal
WA
Pescador
AJ
Pescador
SG
Pescador
CC
Dona de casa
SS
Presidente da Associação de Pescadores artesanais da Lagoa de Cima
Noutro aspecto, quando a conversa não estava sob a condição de entrevista, ou quando
certo grau de empatia havia se estabelecido, o processo de identificação das diferenças
internas e a enunciação de aspectos relativos à disputa pela liderança política da comunidade
eram abertamente explanados. Ainda há que se destacar que, quando se tratava dos
informantes não comunitários, especialmente os relacionados à burocracia, as conversas
ocorridas após o desligar do gravador sob condição de última palavra, acrescentavam
informações entendidas pelos interlocutores como importantes, porém, inexprimíveis na
esfera pública.
Levantou-se também documentos sobre a questão ambiental no município de Campos
dos Goytacazes, especificamente os referentes à Lagoa de Cima. As fontes utilizadas foram:
documentos e relatórios de órgãos públicos; literatura científica sobre a região; matérias
veiculadas pela imprensa local, particularmente, a escrita. Além da leitura da lei municipal
que ordena a institucionalização de uma “nova” territorialidade em Lagoa de Cima: a Unidade
de Conservação, foram acessadas as leis municipais que versam sobre a proteção do meio
ambiente (Lei Orgânica, Planos Diretores 1991 e 2007), assim como o relatório técnico
46
científico do Diagnóstico Ambiental da APA Lagoa de Cima. Durante a análise do conteúdo,
tanto das entrevistas como a dos documentos levantados, a atenção foi dirigida aos aspectos
conceituais e normativos, os quais intencionam mudanças comportamentais com relação ao
que os atores sociais nomeiam por Natureza. De modo secundário, foram também observados
os elementos diretamente implicados na vivência dos problemas ambientais.
Em O Saber Local, Geertz (2006) colocou o questionamento acerca da possibilidade
de conhecer a maneira como um nativo pensa, sente e percebe o mundo. O autor toca em uma
questão central na antropologia, que é a necessidade do antropólogo ver uma determinada
realidade ou contexto a partir do ponto de vista dos nativos. Tal exercício também foi buscado
neste estudo. Embora o antropólogo não possa se transformar, nem entrar na mente daqueles
que estuda, seu trabalho consiste em buscar os significados atribuídos pelos mesmos às suas
ações e ao próprio mecanismo de funcionamento. O trabalho de campo pode ser considerado
o instrumento de conhecimento da antropologia, que por meio do convívio e da observação da
cultura em movimento, busca o entendimento para além da estrutura, ou sistema, para
compreender os significados das ações, apreendendo os imponderáveis. Para Geertz (2006), a
antropologia seria sempre uma interpretação que nunca chegaria a uma versão de primeira
mão. Caberia a ela fazer da etnografia uma descrição densa das culturas, o que muito contraria
pretensões de um conhecimento objetivo e pleno da realidade social.
Afirmam Minayo e Sanches (1993), que o material primordial da investigação
qualitativa é a palavra que expressa a fala cotidiana, seja nas relações afetivas e técnicas, seja
nos discursos dos comunitários, intelectuais, burocráticos e políticos. Deste modo, apresenta-
se a razão pela qual, neste estudo, o caminho metodológico percorrido buscou os discursos
produzidos pelos atores sociais que tomam parte e assumem distintos posicionamentos em
torno da questão que envolve a temática que interessa a essa pesquisa. Retomando a
abordagem proposta por Geertz, buscou-se com o trabalho de campo alcançar a perspectiva
que este autor defende, qual seja a realização de uma descrição etnográfica interpretativa, em
que o objeto a ser interpretado é: “o fluxo do discurso social e a interpretação envolvida
consiste em salvar o ‘dito’ num tal discurso da sua possibilidade de extinguir-se e fixá-lo em
formas pesquisáveis” (1989:31). Assim sendo, as leis, as notícias, as falas dos entrevistados e
as observações durante a minha estada em São Bendito, ainda que se apresentem de forma
superficial, contêm elementos ideológicos dos universos socioculturais destes atores e são
passíveis de análise.
47
2.2 – O estar
Conheci Lagoa de Cima em uma manhã de sábado ensolarada em março de 2004, ao
acompanhar o professor Marcos e as colegas de laboratório Mariana Alves e Vanessa
Quintanilha. Em Campos tomamos a direção da Lagoa de Cima, no carro da universidade
uma Kombi identificada apenas com o nome da empresa Águas do Paraíba que foi
atravessando os canaviais que margeiam a estrada que liga a Lagoa de Cima a Usina Santa
Cruz e em mais ou menos 40 minutos de viagem foi avistado o espelho d’água que até então
eu não conhecia.
Nós estávamos lá para dar início ao pré-teste do questionário do Censo Socioambiental
de Lagoa de Cima, parte integrante dos estudos empreendidos para a realização do
Diagnóstico Ambiental da Área de Proteção Ambiental Lagoa de Cima, convênio firmado
entre a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (laboratórios de Ciências
Ambientais e Estudos do Espaço Antrópico) e a Prefeitura Municipal de Campos (Secretaria
de Meio Ambiente). O trabalho de campo para a realização do levantamento censitário durou
de março a agosto de 2004 com aproximadamente vinte visitas a Lagoa de Cima durante este
período.
Meu ingresso no projeto do Diagnóstico, não se manteve restrito à aplicação de
questionários. No decorrer deste período, a aplicação do censo despertou meu interesse
naquele momento muito mais voltado para minha graduação em comunicação social para
questões relativas às discussões das Ciências Sociais e à questão ambiental. Além disto,
colaborou também para o estreitamento de meus laços afetivos com as Ciências Sociais, o
convívio no laboratório e minha nova condição de aluno de Iniciação Cientifica (IC). Assim,
no decorrer dos anos de 2004 e 2006, desenvolvi a pesquisa de IC. Na ocasião, preparei um
estudo que versava sobre o acelerado processo de ocupação humana no entorno da Lagoa de
Cima, com ênfase nos impactos socioambientais gerados e que posteriormente subsidiou a
feitura de minha monografia de final de curso defendida no ano de 2006
21
21
Durante estes quase dois anos (03/2004 e 12/2005) fui financiado por uma bolsa proveniente do acordo de
cooperação técnica entre Universidade e Prefeitura de Campos dos Goytacazes.
. O contato em
profundidade com o tema, proporcionado pela realização do trabalho de campo, aliado à
confecção dos relatórios e a revisão bibliográfica realizada para a monografia, permitiu que o
tema da presente dissertação fosse se construíndo.
O segundo momento no campo veio a ocorrer em 2007, quando na ocasião eu já estava
cursando o mestrado. Naquele instante, tomei a seguinte nota:
48
Como havia um ano que não visitava a Lagoa de Cima, decidi fazer uma caminhada
iniciando na estrada da Usina Santa Cruz (nas proximidades do condomínio) até a
Ponta da Palha. Meu intuito com essa caminhada era o de fazer um reconhecimento
visual do lugar e fotografar a paisagem.
A caminhada durou uma hora e meia, sendo que neste meio tempo foi possível
observar que para um dia nublado de outono havia um número considerável de
pessoas recreando. Durante toda a caminhada, ora na faixa de areia, ora na estrada,
observei uma intensa movimentação de pessoas, fazendo churrasco, dançando,
conversando e tomando banhos nas águas da lagoa. Destaco que com isso alguns dos
bares localizados na faixa de areia tinham uma grande movimentação, porém a maior
parte deles estava fechada.
Outro elemento que me chamou a atenção está relacionado com a ocupação do
entorno de Lagoa de Cima. Interessante observar que não percebi um aumento no
número de casas instaladas, contudo algumas delas tinham recebido melhorias, muros
de tijolos, janelas novas, pintura. Notei também a construção de uma Igreja Batista,
nas proximidades da casa da MS. Também neste mesmo local, encontrei um senhor
que estava afixando mourões dentro do espelho d’água, mas quando fui me
aproximando, ele tratou de se retirar, fingindo apenas lavar suas ferramentas.
Notei ainda que no decorrer de toda faixa de areia perambulavam urubus e garças,
principalmente em pontos onde havia canoas ancoradas. Nestes locais, três pontos
bem específicos, podiam-se encontrar restos de pescado e o cheiro de peixe podre
também era muito forte.
Na praça central de São Benedito, as vendas e bares se destacam. Em um dos lados
da praça, algumas casas, possuíam dois andares, onde, o piso térreo estava adaptado
ou sendo preparado para servir como ponto comercial...
De certo, os elementos que hoje configuram a questão relativa às diferentes formas de
apropriação da Natureza já encontravam-se postos, a anotação em certa media já salientava tal
condição. Contudo, o fato das questões se apresentarem ao pesquisador no primeiro momento
do trabalho de campo, não leva a qualquer garantia de que os desdobramentos do mesmo
acontecerão de maneira a tornar fácil a realização do trabalho.
O trabalho de campo é para o antropólogo uma experiência extremamente pessoal,
envolvendo contato direto, íntimo e prolongado com um número relativamente
pequeno de pessoas. O antropólogo, porém, é um estranho e, como tal, perigoso. Na
maioria das situações de campo é ele apenas tolerado por um certo período e, depois
de aceito vive uma certa ambigüidade ele jamais é inteiramente aceito. (ZARUR
1984:18)
Como salienta Zarur, no transcorrer do trabalho de campo, esta desconfiança com a
qual os interlocutores tratam o pesquisador, restringindo-lhe polidamente a atenção “tornam o
trabalho de campo uma experiência que pode vir a ser bastante traumática” (1984:19). Haja
vista que a própria figura estranha deste “outro” que sempre busca estabelecer diálogos sobre
49
a vida cotidiana da comunidade com suas indagações mais elementares, sobre certas áreas
da estrutura social nativa, representa uma ameaça a sua sociedade” (1984:19). Assim sendo,
a desconfiança manifesta por parte dos atores sociais consistiu em um dos elementos que
influíram no grau de dificuldade na obtenção dos dados para esta pesquisa.
Neste aspecto, em São Benedito, junto aos pescadores e mesmo aos demais
moradores, minha presença a princípio causou um distanciamento entre mim e aqueles aos
quais eu procurava estabelecer uma relação. Se no primeiro momento, nos anos de 2004 e
2005, quando ainda realizava trabalhos para o censo e a comunidade, pelo fato de os
moradores observarem o carro com a identificação da empresa Águas do Paraíba,
questionavam a equipe sobre quando seriam instalados sistema de água tratada e o de
cobranças. Neste segundo momento, a inexistência de uma referência tangível com a qual
pudesse ser estabelecida, entre aqueles que me recebiam e eu, uma rede de significações que
conduzisse a minha aceitação entre os comunitários, o estreitamento do diálogo tornou-se
complicado, sobretudo, pela desconfiança.
Por outro lado, quando busquei estabelecer relações com os atores sociais relacionados
ao Poder Público, a aceitação e a abertura para o diálogo ocorriam de modo menos reticente
minha condição de estudante de Pós-Graduação de uma Instituição Federal garantia o acesso a
estes atores. Neste aspecto, é revelador o poder simbólico e o destaque que a ciência recebe
entre estas esferas, algo nada surpreendente se observamos o lugar de onde estas pessoas
falam, pois, entre elas, alguns, como eu, possuíam ensino superior, cursaram, cursavam ou
pretendiam cursar pós-graduação e, se não, entendiam e representavam que a realização de
um estudo científico é algo digno de atenção. Porém, algumas restrições quanto aos meus
questionamentos, ou à permissão ou não de gravar as entrevistas, continuavam a ocorrer.
Quanto aos pescadores artesanais de São Benedito, minha aceitação em termos
aconteceu no momento em que entrei em contato com o presidente da Associação de
Pescadores Artesanais da Lagoa de Cima e participei de uma reunião com os pescadores.
Tomei a seguinte nota:
Antes de ser iniciada a reunião, algumas pessoas já esperavam na porta da sede da
associação. De acordo com presidente elas residiam “lá do outro lado”, na Barra do
rio Ururaí. O recinto da reunião foi aberto e pouco a pouco os associados foram
chegando. Antes do inicio da reunião uma pescadora puxou assunto com um pescador
e começaram a conversar sobre a pesca, sendo que a mulher estava reclamando de
como o baixo nível do espelho d’água estava prejudicando a pesca. Outros dois
homens conversavam sobre a possibilidade de irem a um determinado ponto de pesca
(que julgavam ter muito peixe) para fazerem uma “trolha”.
50
A reunião propriamente dita teve seu inicio. As boas vindas, Lucimar falando que
naquela noite havia um convidado, um “amigo seu” que estava estudando a Lagoa de
Cima e logo em seguida me deu a palavra, para que eu me apresentasse. Falei sobre o
que me levava a estar ali na Lagoa de Cima, enfatizando que eu estava estudando
para a faculdade o modo de vida dos pescadores da Lagoa, com intenção de saber
quem eles eram. Dito isto, agradeci a atenção e disse que eu estava contando com a
colaboração de cada um deles. Confesso que fiquei surpreso com o convite, mas
entendo também que era necessária aquela apresentação.
Com a identificação e o aval do presidente da Associação de Pescadores Artesanais da
Lagoa de Cima, os receios quanto a minha presença e intenção diminuíram em certa medida,
contudo não cessaram, entre os moradores que não trabalhavam na pesca. Portanto, persistia o
receio. Entre estes moradores de São Benedito, as desconfianças sobre minha presença na
comunidade prosseguia, em grande parte, devido, às constantes investidas de fiscalização da
ocupação da faixa de areia por parte da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e às ameaças
de desocupação feitas por este órgão. Por outro lado, o temor gerado pelo desconhecimento da
origem daquele que questiona sobre o modo de vida dos pescadores da Lagoa de Cima, ocorre
também em função das transformações e do afluxo de pessoas, consideradas por eles,
pescadores, como ameaçadoras, sobretudo, no que diz respeito à violência urbana, “Hoje é um
movimento medonho, têm grandes movimentos de gente, gente de tudo enquanto é tipo, é
gente das favelas, é uma deferença muito grande” (CS).
Contudo, mesmo que tenham acontecido tais dificuldades, a aproximação com
algumas famílias de pescadores foi possível. Junto a estes, acompanhei a rotina do pescador
da Lagoa de Cima e estabeleci diálogos esclarecedores sobre a relação que estas pessoas
travam com a Lagoa no seu modo de vida, suas memórias do “tempo dos antigos” e opiniões
a respeito do cotidiano e o futuro que aguarda seus filhos e netos.
51
Capítulo III Aspectos naturais da Lagoa de Cima
3.1 – A Lagoa de Cima
De Campos dos Goytacazes à Lagoa de Cima, percorrem-se 28 km de uma estrada
asfaltada que tem início na BR 101, na altura da comunidade da Tapera, e é permeada por
canaviais e pastagens. A vista até então acostumada à monotonia das extensas plantações de
cana-de-açúcar que predominam na baixada, pouco a pouco começa a identificar os primeiros
indícios na alteração da topografia da região, o início dos tabuleiros, espaço intermediário
entre a planície e a serra, marcado principalmente pela presença de outeiros.
Nas proximidades das margens da Lagoa de Cima, quebrando a cadência de pastagens
e canaviais, surgem as primeiras capoeiras, fragmentos de matas que nem de longe podem ser
consideradas amostras representativas da antiga Floresta de Mata Atlântica que recobria o
local. Agora, com a estrada próxima à margem, pode-se vislumbrar a placidez do espelho
d’água e as marolas, causadas pelo vento nordeste, quebrando nas areias e pedras que
margeiam a de Cima. Mesmo sendo um esplendoroso cenário, atualmente a lagoa e seu
entorno não apresentam a magnífica paisagem que outrora ali existiu; nos tempos em que era
povoada por índios Puris e outras tribos da nação Tupi antes da colonização portuguesa. No
período colonial, a Serra do Itaóca serviu de refúgio à heroína campista, Benta Pereira, logo
após os conturbados acontecimentos políticos de 1748; bem como a escravos fugidos que ao
longo do rio Imbé estabeleciam seus quilombos.
Lagoa de Cima possui 14,95 km
2
de área, 18 km de circunferência e aproximadamente
quatro metros de profundidade, destacando-se por ser uma lagoa com elementos distintos dos
demais corpos d’água existentes na região norte fluminense, a saber, suas feições
fisiográficas, seu tamanho e atual nível de conservação. O espelho d’água, formado pelos
Rios Imbé e Urubu tem suas águas drenadas pelo Rio Ururaí, sendo este um dos principais
abastecedores dulcícolas da Lagoa Feia (BARROSO et al, 2000:32; BIDEGAIN et al,
2002:87). O complexo hidrográfico formado pela lagoa, seus rios e córregos contribuintes e
coletores, abrange além da planície parte da região serrana do Norte Fluminense, e totaliza
uma área de 1.268 km
2
Figura 1( ). Desta área, 68% situam-se em Campos dos Goytacazes,
enquanto 31% localizam-se em Santa Maria Madalena e 0,7% em Trajano de Morais.
(REZENDE et al, 2006:26)
52
Figura 1 Localização da Lagoa de Cima, sendo a área hachurada em vermelho a delimitação da
bacia de drenagem da Lagoa de Cima e em verde o Parque Estadual do Desengano
Fonte: REZENDE et al, 2006
3.2 – Base geológica e geomorfológica
Há cerca de 60 milhões de anos, forças sísmicas, provavelmente derivadas da
formação da cordilheira dos Andes, causaram uma sucessão de colapsos e falhas de imensas
seções da antiqüíssima Serra do Mar em terras fluminenses (DRUMMOND 1997:75). Este
evento relativamente recente se observado no tempo geológico moldou as feições do que
hoje entendemos ser o estado do Rio de Janeiro. Desta movimentação colossal de terras
surgiram as três províncias topográficas situadas nas terras fluminenses, são elas:
Serra do Mar é uma formação montanhosa que tem início em Santa Catarina e
segue rente ao litoral nos estados do Paraná e São Paulo, e no Rio de Janeiro forma
uma barreira montanhosa, que em sua face oriental, voltada para o Atlântico
apresentam escarpas abruptas;
Vale do Paraíba é uma estreita cadeia de montanhas e vales, espremidas entre a
face ocidental da Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira, por entre estes morros
descem muitos rios e riachos que vertem suas águas para o Paraíba do Sul;
53
Planície Costeira ou baixada Fluminense é uma faixa descontínua de terras planas
ou levemente onduladas entre o litoral Atlântico e o pé oriental da Serra do Mar,
formada por depósitos fluviais, lacustres e oceânicos recentes, sendo que no norte do
estado a planície forma, com sua extensão de 60 km continente adentro, a maior área
plana do Rio de Janeiro. (DRUMMOND, 1997:75)
É relevante destacar tal aspecto em função da localização de Lagoa de Cima, situada
na planície costeira, e por tal processo de formação estar intimamente ligado às características
que a distingue das demais lagoas da porção norte do estado do Rio de Janeiro. Para Lamego
(1974), na região norte do estado existe uma extensa planície construída pela deposição de
sedimentos, em um golfo raso, transportados da zona cristalina e da Formação Barreiras pelo
Rio Paraíba do Sul, principalmente. Em resumo, a formação da planície ocorre em função do
acúmulo de sedimentos continentais em uma zona da costa, bem como ao movimento
oceânico de transgressão e regressão que constituiu as restingas. Assim, é possível observar
que, a partir do litoral, as restingas se sucedem até atingir os terrenos aluvionares
22
No período do holoceno antigo, a ocorrência do fenômeno da transgressão marinha
associado ao transporte de sedimentos realizado pelo Paraíba do Sul
, nos quais
se encontram a planície dos canaviais, os tabuleiros terciários e as encostas resultantes das
alterações profundas das rochas – porção contigua à serra.
23
Este processo de recuo do mar e avanço do rio na primitiva laguna formou uma serie
de lagoas semiparalelas ao litoral, sendo que algumas mais afastadas do mar tiveram suas
águas dulcificadas, como as Lagoas, Feia e de Cima. Por ter a Lagoa de Cima uma formação
proporcionou o aterro
de algumas porções de terra e barrou vários pequenos cursos d’água que desciam da zona
cristalina, sulcando os tabuleiros até chegar ao mar ou a outros rios pretéritos. Este
barramento levou as águas destes pequenos rios a se alastrar pelas áreas baixas, formando
uma infinidade de lagoas de origem terciária. Ainda hoje, isso pode ser observado em
decorrência do posicionamento das atuais lagoas (antigos braços do rio Paraíba do Sul e ou
defluentes da Lagoa Feia) que se apresenta, perpendicularmente à costa, de modo a formar
meandros, ilustrando assim a direção da corrente oceânica predominante. (SOFFIATI, 2006)
22
Planície aluvionar [Sin. planície de inundação] Planície desenvolvida sobre a calha de um vale preenchido por
terrenos aluvionares e que apresenta meandros fluviais divagantes devido à baixa declividade do curso do rio
que, em épocas de cheia, extravasa do canal fluvial e inunda a região. As planícies de inundação ocorrem,
normalmente, no baixo curso do rio onde o relevo, mais desbastado pela erosão do que à montante, apresenta
pequeno gradiente topográfico; em conseqüência, a energia fluvial é diminuída e não consegue carregar muito da
carga sedimentar do rio que é depositada, colmatando o vale com sedimentos fluviais. (Site Glossário de
Geociência UNB 2008))
23
Toda esta variação do nível do mar deve-se ao resfriamento da Terra e à concentração das massas de água nos
pólos, formando então as calotas polares. É interessante que este processo de regressão do nível do mar
ocasionou a formação no interior da laguna corredeiras. Estes caminhos d’água, com sua correnteza e
movimentação de sedimentos, deram as feições de rios além de contribuir com o soterramento de alguns destes e
a formação das lagoas.
54
geológica mais antiga que as demais lagoas da região norte fluminense, cerca de 4.000 anos,
ela apresenta uma fisionomia peculiar, possuindo conglomerados argilosos e ferrosos, como
também uma orla com depósitos de areias de origem marinha (LUZ, 2003).
Localizada nos sopés da Serra do Mar, regionalmente denominada Serra do
Desengano e na vertente oeste, em Campos dos Goytacazes, Serra do Imbé, a Lagoa de Cima
é uma típica lagoa de tabuleiro. À respeito desta sua característica, Soffiati (1996:93)
esclarece que as lagoas situadas na Série de Barreiras são ribeirões ou córregos cujas águas
foram represadas quer pelos aluviões dos próprios rios coletores, quer pelas restingas que lhes
barraram outrora a saída para o mar. De acordo com Alberto Lamego, em Campos, a Lagoa
de Cima se destaca como o maior corpo d’água deste tipo. Em suas palavras:
Este grande lençol d’água nada mais é que o rio Imbé, imobilizado pelas argilas que
o Paraíba e o antigo rio Preto depositaram à margem dos tabuleiros entre Itereré e o
Itaóca (...) o Imbé descansa na Lagoa de Cima e dela sai na outra ponta com o nome
de Ururaí. (apud, SOFFIATI, 1996:93)
3.3 – Recursos Hídricos
Como dito anteriormente, os principais rios tributários de lagoa de Cima são o Rio
Imbé e o Rio Urubu. Segundo o Diagnóstico Ambiental da APA Lagoa de Cima
24
No que concerne ao abastecimento, a Lagoa de Cima conta basicamente com a
drenagem da Serra do Desengano. Tal contribuição hídrica deve-se a considerável cobertura
(2007), Rio
Imbé representa 76% da área da bacia de drenagem e converge para as águas da face oeste da
Serra do Desengano. Neste rio desembocam importantes microbacias hidrográficas, dentre
elas a do Rio Boa Vista; Rio do Norte; do Rio Mocotó; e do Rio Opinião, que juntas drenam
as regiões de Mata Atlântica localizadas na Serra do Desengano. A microbacia do Rio Urubu
ocupa apenas 18% da bacia de drenagem.
A porção nordeste da bacia hidrográfica de Lagoa de Cima é drenada pelo Rio Preto e
seus afluentes. Embora deságüe no Ururaí, fora do corpo da lagoa, o Rio Preto está associado
em diversos aspectos, geológicos, ambientais e sócio-econômicos ao sistema Lagoa de Cima.
Por outro lado, o Rio Ururaí apresenta atualmente um avançado estado de alteração ambiental
com a parte inferior do seu curso retificado pelo DNOS. Na porção próxima à de Cima,
aproximadamente 10 km, seu curso está preservado, mostrando seu desenho de meandros e
lagoinhas que dele já fizeram parte em épocas passadas, além de remanescentes da mata de
galeria.
24
O Diagnóstico Ambiental da APA Lagoa de Cima, doravante apenas referido como “o Diagnóstico”.
55
de mata Atlântica, remanescente nestas serranias. Cabe ressaltar que tais matas têm hoje sua
preservação assegurada em função de estarem englobadas pelos limites do Parque Estadual do
Desengano (PED). O Rio Urubu, os demais rios, canais e valas que drenam regiões de várzeas
e morros, em geral têm suas margens ocupadas por lavoras de cana-de-açúcar ou pastos;
portanto, contribuem com um baixo volume água e elevada quantidade de sedimentos.
No que diz respeito à qualidade da água, Bidegain et al emLagoas do Norte
Fluminense” (2002), estimam que, em uma base anual, o tempo médio de residência das
águas na lagoa variam entre dezenove e quarenta e um dias, com valor médio de vinte e nove
dias. Desta forma, tal estimativa indica que a renovação de águas no sistema acontece de
maneira relativamente rápida. Em decorrência disto, na média, todo o volume d’água da lagoa
é renovado doze vezes em um ano. Neste sentido, os autores afirmam que esta constante
movimentação das águas é uma variável de extrema importância para que Lagoa de Cima
mantenha bons índices de qualidade.
Por outro lado, conclui-se que a boa qualidade das águas na lagoa se refere à não
exposição direta da Lagoa de Cima às conseqüências danosas provocadas pela presença de
poluentes nas águas dos rios principalmente agroquímicos das lavouras de cana-de-açúcar e
esgotos residenciais. Isto se deve ao fato de que as principais fazendas fornecedoras de cana-
de-açúcar, usinas e aglomerados urbanos localizam-se às margens do Rio Ururaí e não às
margens do Imbé e Urubu. Apesar de livre da contaminação direta, a lagoa não deixa de ser
envolvida nos distúrbios ecológicos, causados principalmente pela ação antrópica, uma vez
que, como ecossistema a Lagoa de Cima está inserida em uma frágil rede de interconexões
formada por outras lagoas, brejos, córregos e canais, que possibilitam o contínuo movimento
da ictiofauna em busca de alimento e locais de desova.
No que concerne aos padrões legais de qualidade da água, a resolução CONAMA nº
20, de 18 de junho de 1986, estabelece-os nos níveis de qualidade que deveriam possuir os
recursos hídricos para atender às necessidades da sociedade, considerando para tanto, a saúde
e o bem-estar humanos, bem como o equilíbrio ecológico aquático. Tal norma estabelece em
seu artigo primeiro que as águas doces estão organizadas em classes. A resolução aponta,
ainda, que “o enquadramento dos corpos d’água deve estar baseado não necessariamente no
seu estado atual, mas nos níveis de qualidade que deveriam possuir para atender às
necessidades da comunidade;À luz desta resolução, no caso da Lagoa de Cima, este corpo
d’água poderia, provavelmente, ser enquadrado na Classe Especial e/ou na Classe 1, em que
as águas destinam-se:
56
A Classe Especial: a) ao abastecimento doméstico sem prévia ou com simples
desinfecção, e b) à preservação do equilíbrio natural das comunidades
aquáticas.
A Classe 1: a) ao abastecimento doméstico, embora seja necessário um
tratamento simplificado, e b) à proteção das comunidades aquáticas; acresce-se
ainda, c) à recreação de contato primário (natação, esqui aquático e mergulho,
d) à irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se
desenvolvam rentes ao solo e que sejam ingeridas cruas sem remoção de
película, e e) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies
destinadas à alimentação humana.
Contudo, atualmente, a lagoa enquadra-se, provavelmente, na Classe 2, cuja única
diferença em relação à Classe 1 e a Especial se refere à destinação das águas. Neste caso, o
fato é que a água de abastecimento doméstico necessita de tratamento convencional.
3.4 – Aspectos florístico e faunísticos
Afirma Soffiati (1996), que o padrão de uso dos recursos florestais estabelecido pelos
desbravadores do norte-fluminense, bem com por seus predecessores, fez com que a porção
originária de Mata Atlântica que recobria a região fosse drasticamente reduzida. O processo
de degradação ambiental da vegetação nativa é iniciado com a destruição das florestas de
baixada para a implantação de pastagens e a inserção do cultivo de monoculturas, e em
momento posterior, a extração de madeiras para construções e lenha. Reys (1997) e Pinto
(1987) salientam que, desde o processo de ocupação da planície, a cobertura vegetal das terras
adjacentes ao espelho d’água e às margens do Rio Imbé foram sendo consumidas, o que foi
facilitado principalmente pela tranqüila navegabilidade do rio Ururaí: “ia-se do centro de
Campos, pelo canal Campos-Macaé, e ao atingir o rio Ururaí, [e] por este chegava-se a
Lagoa de Cima. Assim o Imbé podia ser atingido por embarcações e era por esse meio que
muita lenha e madeiras de lei chegavam à cidade.” (PINTO, 1987:45). Desta forma, as áreas
de morros localizadas principalmente nas proximidades do rio Urubu, Rio Preto e da Lagoa
de Cima foram as que mais sofreram as conseqüências da extração seletiva de madeira.
Seguindo a tendência regional, as terras que compreendem os arredores da Lagoa de
Cima, ainda hoje são destinadas à produção de cana-de-úcar, pecuária ou estão
abandonadas. A partir das imagens produzidas pelo sensoriamento remoto da área que
compreende a Bacia Hidrográfica da Lagoa de Cima fica evidente que a porcentagem de área
recoberta por matas sofreu uma drástica alteração, principalmente no período entre os anos de
1978 e 2004. No primeiro momento, é possível observar que as matas, na cor verde, mesmo
não sendo em grande quantidade, estavam presentes nas bordas do espelho d’água. Porém
57
com o decorrer dos anos percebe-se que o avanço da cana-de-açúcar plantio motivado
principalmente pelo fomento estatal PROALCOOL , e posteriormente as pastagens
atividade que substitui a cana-de-açúcar após a retirada dos incentivos e a falência de
fazendeiros e Usinasavançam consideravelmente. (Figura 2)
Figura 2 Mapa com a cobertura do solo, destaque para diminuição das áreas de mata no entorno
da Lagoa de Cima
Fonte: REZENDE et al, 2006
No que diz respeito às características florestais, a região que compreende o entorno da
Lagoa de Cima, possui os mais expressivos remanescentes de Mata Atlântica da Região Norte
Fluminense (FERREIRA, 2003, apud, NASCIMENTO et al, 2005). O maior desses
remanescentes localiza-se no Parque Estadual do Desengano (PED), criado em 13 de abril de
1970. Com cerca de 22.400 ha, o PED tem sua vegetação constituída por floresta ombrófila,
densa montana e submontana, cujas principais espécies são plantas de grande porte e possuem
alto valor comercial (e.g. braúna - Melanoxylon brauna -, a canela - Nectandra spp. -, o ipê -
Tabebuia spp.- , a peroba rosa - Aspidosperma polyneuron -, o jequitibá rosa - Cariniana
estrelensis -, o palmito doce - Euterpe edulis - e a virola - Virola oleifera) (NASCIMENTO et
al, 2005:2). Contudo na Lagoa de Cima, hoje, há poucas árvores no entorno do espelho
d’água, resquícios florestais que minimamente não representam a antiga floresta ciliar.
(BARROSO et al, 2000)
58
Na desembocadura dos rios Imbé e Urubu, destacam-se as macrófitas aquáticas que
formam um extenso banco de plantas. Estas plantas que geralmente florescem no período de
verão formam muitas vezes extensos tapetes mono ou multicoloridos, contribuindo para a
composição cênica da paisagem local. Do ponto de vista da ciência ambiental, ressalta
Rezende et al (2006), as macrófitas aquáticas desempenham um papel importante nos
ecossistemas aquáticos,
... alterando a temperatura pelo sombreamento, retardando o fluxo de água e
reduzindo a turbulência; influenciam na química da água pela mudança na
concentração e a distribuição de oxigênio e nutrientes uma vez que absorvem e
liberam oxigênio e nutrientes em diferentes graus dependendo do estágio fisiológico
e condições ambientais (REZENDE et al, 2006:67)
Estas plantas servem também como substrato para muitos outros organismos
aquáticos, que desenvolvem seus habitats nestes aglomerados. Assim, esses locais servem
como espaço de desova, refúgio e fonte de alimentação para alevinos, peixes, moluscos,
anfíbios, etc. É importante recordar que na área onde se localiza o sistema formado pelos rios
Imbé, Urubu e lagoa de Cima ocorre tradicionalmente intensa exploração agro-pastoril. De
acordo com o Diagnóstico, esta modalidade de ocupação do solo é responsável por aumentar
a descarga de nutrientes nos corpos d’água acima mencionados, uma vez que, ao escorrerem
as chuvas, o solo superficial é lavado, transportando os insumos agrícolas ricos em nutrientes
para os rios. Contudo, grande parte destes nutrientes fica retida no extenso banco de
macrófitas aquáticas na foz do rio Imbé que tem a função de mitigar o processo de
eutrofização da Lagoa de Cima.
Diversos fatores, tais como: a perda de grande parte da cobertura vegetal, o
crescimento desordenado da agricultura próximo ao espelho d’água, a pesca e a caça
descontroladas podem ter influenciado o desenvolvimento das populações de animais que
viviam na lagoa e no seu entorno. No passado, final da década de 1820, Antônio Muniz de
Souza em uma visita de dois anos a Campos registra a presença e a facilidade de se observar
animais no entorno da Lagoa de Cima,
Pássaros matisados de lindas côres feichão este encantador quadro: tocanos, aracaris,
diversas espécies de sabiás, melros, sahis de inúmeras variedades, gaturamos, juós,
jacutingas são constantes habitadores de suas florestas: outras há de arribação, como
papagaios, periquitos, encontros, etc. há fertilidade de caça, como veado, cutia,
capivara, anta, etc. (SOUZA, 1820:106-107)
Hoje em dia, a presença de variadas espécies de aves ainda se destaca na Lagoa de
Cima. O levantamento faunístico realizado pelo Diagnóstico elaborou uma lista de espécies
59
de aves que ocorrem na Lagoa de Cima, em que é apontada toda esta diversidade. Contudo, as
aves de porte médio mencionadas por Muniz de Souza, a saber, tucanos, aracaris, sahis e
jacutingas, não figuram na atual lista (Anexo A). Ressaltando, ainda, a diversidade animal, o
Diagnóstico informa que nos arredores da Lagoa de Cima são facilmente avistadas espécies
de anuros (Leptodactylus fuscus rã assobiadora, L. ocellatus rã manteiga, Scinax
fuscovarius, Hyla minuta, Scinax sp pererecas) e répteis (Liophis miliaris cobra d’água,
Boa constrictor Jibóia e Caiman latirostrisjacaré do papo amarelo).
É importante frisar que a “fertilidade de caça” mencionada por Muniz de Souza,
atualmente não é encontrada com os mesmos níveis. Segundo os moradores, nos
remanescentes de matas e nas bordas do espelho d’água, ainda hoje, são encontrados
cachorros do mato, gambás, lagartos, capivaras, lontras, pacas e tatus, estas duas últimas
espécies constituem os alvos preferenciais das caçadas empreendidas pelos moradores.
Mesmo com a interdição da caça e as freqüentes fiscalizações efetuadas pelos órgãos
ambientais, os moradores continuam praticar a caça. Entretanto, tal atividade é combinada de
modo oculto, mencionada apenas em pequenos grupos de amigos ou familiares, devido ao
temor da denuncia aos órgãos fiscalizadores. A respeito do levantamento da ictiofauna da
Lagoa de Cima, o trabalho realizado pelo Laboratório de Ciências Ambientais (LCA-UENF),
com o objetivo de demonstrar qual o tamanho adequado da malhagem a ser utilizada na pesca
do Sairu é ilustrativo para demonstrar os peixes dominantes daquele ecossistema (Anexo A).
É importante enfatizar que, em sua maioria, a fauna de peixes existente na Lagoa de
Cima é composta por espécies que vivem também nas bacias do rio Paraíba do Sul e Lagoa
Feia. Além disto, destaca-se que no passado espécies marinhas, como o robalo e a tainha,
adentravam a lagoa, pelo canal das Flechas (Lagoa Feia) e rio Ururaí. Porém, com o
desregramento no processo de abertura e fechamento das comportas do canal que comunica
com o mar, quantidades significativas destas espécies não mais conseguem alcançar as águas
da lagoa de Cima, fato este que levou ao comprometimento da captura comercial destas
espécies. Registra-se também o desaparecimento parcial da Piabanha (Brycon insignis),
atualmente encontrada somente no Imbé; e o surgimento de novas espécies, como o Sassá
Mutema (Hoplosternum litoralle), Tilápia (Tilapia rendalli), e por último, o Bagre africano
(Clarias gariepinus), peixes que provavelmente foram introduzidos devido ao rompimento de
açudes e tanques próximos às calhas dos rios e córregos que abastecem a lagoa.
60
Capítulo IV Aspectos Históricos e Sociais da Lagoa de Cima
4.1 – Notas sobre a história ambiental dos campos dos Goitacás
O relevo da região norte fluminense, na porção que engloba a bacia hidrográfica da
Lagoa Feia, a superfície entre a foz dos rios Paraíba do Sul e Itabapoana, é formado por serras
e colinas (Zona Cristalina), tabuleiros
25
Cronistas e viajantes que estiveram de passagem pela capitania de São Tomé, entre os
séculos XVIII e XIX, tais como, Manoel Martins do Couto Reys (1785), Manuel Aires de
Casal (1817), José de Souza Azevedo Pizarro e Araujo e Antonio Muniz de Souza (1828)
narram que as terras localizadas no norte e noroeste do estado do Rio de Janeiro eram
ocupadas por diversas etnias indígenas. Dentre os muitos grupos que habitavam tais terras,
destacavam-se os Puris, Saruçus, Ganhães, Coropós. Todavia, o grupo de maior proeminência
eram os Goitacás: uma pequena nação indígena que ocupava somente esta região do Brasil.
de topo aplainado (Formações Barreiras), e por uma
baixada constituída de terrenos delineados pelos rios (planície aluvial) e pelo mar (restingas).
Este conjunto de relevos é chamado de planície dos Goytacazes, em alusão à nação indígena
que ali viveu.
Ao observar o relevo da região, nota-se que serras e colinas descrevem um quase
semicírculo, que no sul tem seu início entre as desembocaduras dos rios São João e Macaé e
finda, ao norte, nas imediações da foz do rio Itapemirim. No mais, o que resta da porção
continental (tabuleiros, planície e restingas), é formada pelo acúmulo de terras transportadas
das serras e dos movimentos de avanços e retrocessos marinhos e fluviais. Neste conjunto de
terras, as bacias hídricas de maior destaque, do norte para o sul, são as dos rios Itabapoana,
Paraíba do Sul e da Lagoa Feia, esta última, inclui a Lagoa de Cima.
Quanto à vegetação original, as terras altas eram revestidas pela floresta Atlântica, que
se estendia até as áreas de tabuleiro. As planícies, extremamente úmidas, comportavam
apenas campos e matas inundadas nas partes mais elevadas, já as restingas contavam com
dois tipos de vegetação, uma formação vegetal rasteira, localizada junto à costa, e outra
arbustivo-arbórea, situada em uma porção de terras mais afastada do litoral. Por fim, na foz
dos rios e lagoas costeiras, em comunicação periódica com o mar, desenvolveram-se
manguezais de diversas dimensões.
25
O Tabuleiro Costeiro é formado por um relevo plano e de baixa altitude com a presença de morros, também
denominado de Planalto rebaixado ou localmente de outeiros
61
Diferentemente dos demais grupos indígenas que habitavam os tabuleiros e sopés da Serra do
Mar, os Goitacás além de não compartilharem da mesma língua, não possuíam roças ou
criações; viviam exclusivamente da caça, pesca e eram perfeitamente integrados às restingas e
à planície inundável (RODRIGUES, 1988:17). Outro aspecto sobre a intricada relação
desenvolvida entre os indígenas e seu meio biofísico, salienta Alberto Lamego, foi a
alternativa encontrada por eles no que diz respeito a suas habitações:
A própria originalidade das suas casas plantadas sobre um só esteio deve ter nascido
do refugio arbóreo nas enchentes bruscas, que afogavam a planícies. A árvore com
seus galhos acolhedores (...) teria feito germinar a idéia de cabanas sustentadas por
um tronco. (...) Dando-lhe com as inundações a idéia do pouso sobre esteios, leva-o
a construção de aldeias lacustres. E estas desenvolve-lhe faculdades construtivas, um
maior senso de poderio e segurança, e com a repressão parcial do nomadismo, o
primeiro passo para a fixação a terra, porque a casa já não é tão fácil de se fazer ...
(LAMEGO, 1974:87)
Para este autor, a repressão feita pelo meio natural, consistiu na primeira função social
do brejo, uma vez que fez o índio reagir à adversidade “compelindo-o a melhorar...
(1974:88). Contudo, durante o período do descobrimento, na visão dos europeus, a Natureza
da região norte fluminense pareceu-lhes um paraíso habitado por povos em estado pré-
civilizacional e que careciam ser domesticados, profundamente transformados, para então
estar integrados à civilização (SOFFIATI, 1997).
Neste sentido, foi a esta topografia, ecossistema e contexto cultural encontrados pelos
povos de origem européia, sobretudo portugueses, quando vieram a se instalar na área, no ano
de 1538. O processo de ocupação é iniciado no momento em que Pêro de Góis toma posse da
capitania de São Tomé, região ao sul da barra do rio Itabapoana, e funda a Vila da Rainha
(BRANDÃO, 1989). Nota-se que o colonizador português optou por iniciar o processo de
ocupação desta porção do território fluminense pelas terras baixas, já que a Serra, “com sua
vegetação luxuriante e complexa, com seus fantasmas e assombrações, representou uma
barreira à expansão do estrangeiro, acostumado a um continente já domesticado e
conhecido” (BIDEGAIN et al, 2002:21). Desta forma, os primeiros e mais importantes
núcleos de povoamento erigidos na baixada campista localizavam-se na linha que acompanha
a costa.
A iniciativa de colonização do território pelas terras baixas, as mesmas até então
ocupadas pelos Goitacás, deflagrou os primeiros conflitos entre desbravadores e índios.
Esclarece Lamego que Pêro de Góis, em 1545, escreve à Coroa sobre suas dificuldades de se
estabelecer na capitania. Entre seus problemas nesta empreitada estava “a bravura do
aborígene” (1974:71). Sob este prisma, acrescenta:
62
No distrito desta terra dos [Go]itacazes que he toda baixa e alagadissa onde estes
gentios vivem mais a maneia de homens marinhos que terrestres; e assim nunca se
poderão conquistar, posto que a isso forão algumas vezes ao Espirito Santo e Rio de
Janeiro porque quando se hade vir as mãos com elles, meten-se dentro das lagoas,
onde não há entradas a pé nem a cavallo, são grandes fuzios e nadadores. (SILVA,
1819, apud LAMEGO, 1974)
Assim, é relevante destacar que durante o primeiro século de ocupação européia da
planície campista, os Goitacás constituíram a principal resistência ao processo de
interiorização da colonização. Contudo, a sistemática incursão dos desbravadores europeus
para além da linha da costa com poderio bélico superior ao dos indígenas, aliado à posterior
inserção das missões evangelizadoras, provocou a dizimação dos Goitacás e demais etnias
indígenas subjugadas. Livres da resistência indígena, a partir do século XVII, apenas o relevo
e a vegetação consistiram em obstáculos à campanha colonizadora. Neste primeiro momento,
a derrubada de matas, a remoção de vegetação de restingas, o corte de manguezais e o
pastoreio dos campos nativos constituíram as primeiras atividades econômicas desenvolvidas.
No segundo momento, motivado, sobretudo, pela topografia plana e a fertilidade do solo, o
colonizador passou a reproduzir o cultivo agrícola que já dominava: a cana-de-açúcar.
Entretanto, a existência de lagoas, brejos, cursos baixos dos rios e o clima tropical, elementos
desconhecidos na Europa, consistiram em problema de difícil solução para que o conquistador
efetivasse seu projeto civilizador. (LAMEGO, 1974)
No princípio da colonização, o norte fluminense era considerado uma área secundária,
um desdobramento da empresa colonial exportadora e sua ocupação era tratada como questão
estratégica, com o intuito de assegurar a posse do território diante das incursões de piratas
franceses. Desta forma, no ano de 1633, os primeiros currais de gado foram implantados com
o objetivo de abastecer com carne salgada, couro e bois de trabalho, os engenhos açucareiros
localizados no entorno da Baía de Guanabara. Ao ser favorecida pelos campos naturais, em
um breve período Campos destacou-se pelo volume de sua produção pecuária. (LAMEGO,
1974)
Somente em meados do século XVII, foi instalado o primeiro engenho de açúcar em
Campos dos Goytacazes, dando início a essa atividade que ainda hoje é uma das principais
componentes econômicas da região. De acordo com Drummond (1997), a partir de 1650, os
portugueses em Campos construíram uma réplica menor, da bem-sucedida exploração
canavieira no Nordeste. Deste modo, grandes áreas localizadas entre o rio Paraíba do Sul e a
Lagoa Feia, que anteriormente eram cobertas por florestas, foram abertas para dar espaço ao
cultivo da cana-de-açúcar. Dadas as ótimas condições ecológicas da Baixada Campista e do
63
mercado
26
26
Nos séculos XVI e XVII, a base de sustentação da economia e da colonização do Brasil foi a lavoura
canavieira. Tal empreendimento logrou todo este resultado em função do consumo do açúcar, produto em
ascendência na Europa devido à utilização do mesmo como adoçante, em substituição ao mel. A introdução do
açúcar na Europa do século XVI causou uma revolução comportamental e comercial, uma vez que o produto era
usado anteriormente apenas como remédio.
, a lavoura de cana e a produção açucareira tiveram uma notável expansão na região
durante todo o século XVII e XVIII. Enfatiza Drummond (1997:88), que no século XVIII, de
todo o açúcar exportado pelo Brasil, 20% era proveniente das lavouras localizadas na planície
dos Goitacás. Soares (2006) afirma que, a partir dos anos de 1750, em decorrência da
efervescência econômica provocada pela expansão açucareira, Campos converteu-se em um
dos pólos de atração de pessoas, concorrendo diretamente com importantes cidades da zona
mineradora, tais como Vila Rica, Sabará, Goiás, etc. Sob este tema, ressalta Lamego:
[os colonos portugueses] não tomavam o caminho da cordilheira (...), sonhado com
arrobas de ouro refulgentes a flor do solo ou acumulando-se no fundo de bateias nos
ribeirões prodigiosos. Grande parte deles margeia a costa e segue para os campos,
com o mesmo duro intuito de cavar a terra nova, mas para fins essencialmente
agrícolas. (LAMEGO, 1974:113)
Como Lamego (1974) e Soares (2006) apresentam, a partir de meados do século XVIII
ocorreu uma intensificação no contingente populacional da região, promotora de sensíveis
modificações na paisagem agrária da capitania. O gado perde espaço, conseqüentemente as
pastagens cada vez mais seguem em direção aos campos de restinga, deixando os solos
argilosos da planície abertos para receber plantações de cana-de-açúcar e engenhos.
No decorrer dos séculos XVII e XVIII, ocorreu uma intensa disputa política entre os
latifundiários os religiosos Beneditinos e a família do Visconde Assecas , a Coroa
Portuguesa e ocupantes das terras da capitania. Assim, em 1748, os Senhores campistas,
liderados por Benta Pereira, se rebelam e a partir deste fato iniciam a derrocada da “tirania
dos Assecas”. No ano de 1834, a Assembléia Geral Legislativa baixa uma resolução que torna
possível a venda dos bens pertencentes à dinastia dos Assecas e, desta forma, algumas terras
são remidas e outras compradas por vários fazendeiros. A retomada das terras pela Coroa
Portuguesa e a sua subseqüente venda marca o rompimento da concentração da posse da terra
em poucas propriedades de vultosa extensão, passando então a predominar uma maior
distribuição fundiária, em termos numéricos. A floresta de chaminés que se instala, sinaliza a
quebra da hegemonia dos latifúndios, Lamego salienta que em cem anos (1737 a 1828), o
número de engenhos, chegou à marca de setecentos, quando antes havia apenas trinta e quatro
(1974:111).
64
Neste sentido, Lima (1981:79-83) afirma que, em fins do século XVIII, uma vasta área
da planície se encontrava ocupada e dividida em pequenos lotes aforados, destacando-se
apenas quatro latifúndios formados no período da colonização: a Fazenda do Colégio,
confiscada dos jesuítas por Pombal e comprada por Joaquim Vicente dos Reis; a Fazenda de
São Bento, administrada pelos próprios beneditinos; a Fazenda do Visconde, nas mãos dos
descendentes de Salvador Correia de Sá e a Fazenda do Morgado, fundada por Miguel Ayres
Maldonado e administrada pela família Barcelos. Deste modo, a cultura canavieira
estabelecida em Campos distinguia-se das outras zonas produtoras do Brasil justamente por
ser feita em regime de pequena propriedade, não utilizando, de início, escravaria numerosa ou
grande aparelhagem de beneficiamento, ou seja, não requerendo grandes investimentos de
capital.
A potência da economia baseada no açúcar e o apaziguamento das lutas políticas
propiciaram aos ocupantes da planície maior segurança em relação à posse e domínio sobre a
terra. A alteração na estrutura fundiária não significou uma mudança profunda no contexto
sociopolítico, uma vez que, a partir deste período surge outra figura emblemática: o Senhor de
Engenho, que continua a ter poder mediante a posse da terra e o controle dos meios de
produção.
No que concerne aos aspectos ambientais, cita Luz (2003), que na região de Campos,
as áreas destinadas à cana-de-açúcar foram recrutadas de florestas inundáveis e dos pastos
naturais. Citando Saint-Hilaire, a autora afirma que, em 1814, grande parte da vegetação
nativa havia sido destruída. Luz (2003) relata que a região prosperou continuamente e, em
1850, os engenhos movidos a vapor eram comuns em Campos. Contudo, o cultivo de cana-
de-açúcar era realizado da mesma maneira que na lavoura de subsistência, ou seja, a partir da
derrubada de vegetação nativa e da queimada. Assim, nas cinzas que recobriam os solos, a
cana-de-açúcar era plantada e colhida após um ano e a partir da rebrota colhiam-se mais duas
safras. Findado este ciclo, o campo era abandonado para novamente tornar-se floresta. A
princípio, o descanso da terra era medido pelo tempo necessário para se formar uma capoeira
moderadamente alta, talvez vinte anos. Contudo, quando os preços do açúcar subiam, a fase
de pousio era abreviada, situação que contribuía para a intensificação do uso das terras e uma
subseqüente redução da fertilidade. Por fim, após vinte ou trinta anos, o fazendeiro perdia o
interesse, declarava sua terra “cansada” e fazia a solicitação de outra gleba para retomar o
plantio.
65
De acordo com Lamego (1974), a ocupação humana da região norte fluminense por
muitos anos manteve-se circunscrita a faixa de terras incrustadas entre o rio Paraíba do Sul e a
Lagoa Feia. Este autor ainda ressalta que nenhum campista subia os rios para a zona
montanhosa, permanecendo todos eles concentrados no massapé. Drummond (1997) salienta
que é a partir de 1850, quando na ocasião foi introduzida a lavoura cafeeira em Campos, que
as regiões oeste e nordeste do município tornaram-se atrativas ao contingente populacional.
Segundo Soffiati (2006), a partir dos testemunhos dos viajantes e naturalistas que visitaram a
região de Campos durante os primeiros séculos de ocupação européia, pode-se resumir o
processo de exploração dos campos nativos, nos seguintes termos:
inicialmente, os conquistadores (...) introduziram espécies animais exóticas para
pastarem nas pradarias alagáveis e secas, (...) ao mesmo tempo em que introduziam
espécies nativas e exóticas de porte arbustivo e/ou arbóreo para demarcação de
propriedades e posses com cercas vivas;(...) o pastejo excessivo pouco a pouco
esgotou as ervas nativas, levando os criadores a introduzirem gramíneas exóticas;
(...) o pastoreio foi sendo substituído em vários campos, a princípio por uma lavoura
diversificada (cana, algodão, milho, feijão, arroz, mandioca, café, trigo, cacau,
baunilha e outros), como informa José Carneiro da Silva (1907), em que a cana se
mostra de tal forma promissora que acaba por se tornar predominante no século XX,
juntamente com engenhos antigos e, ulteriormente, com usinas. (2006:8)
O ingresso no século XX marca em Campos o começo de novos tempos. Para Luz
(2003), nas primeiras décadas deste século, Campos dos Goytacazes figurava no cenário
nacional como a sétima cidade mais populosa do país, pólo de todo o norte e noroeste
fluminense, ponto de ligação entre o Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais. A cidade
era dotada de um sólido sistema de comércio e serviços. Toda esta movimentação na vida
urbana do município reflete o contínuo desempenho da agricultura canavieira em níveis
consideráveis. Contudo, o século XX consolida também as alterações que vinham ocorrendo
no meio rural campista desde o último quarto do século XIX.
Com o advento e introdução de novas tecnologias agrícolas e industriais, no que se
refere à monocultura canavieira, ocorreu o aprimoramento da qualidade do produto e aumento
de sua produção, tais mudanças ocorreram tanto no setor agrícola quanto na política local. Na
região Norte Fluminense, um dos principais efeitos deste processo foi a quebra da hegemonia
espacial das pequenas lavouras, engenhocas e engenhos, bem como a subseqüente
incorporação destas terras pela agroindústria açucareira. Por outro lado, soma-se a este
processo de reordenamento da estrutura fundiária, o projeto estatal de saneamento da planície
campista. O período que vai da década de 1930 até meados da década de 1970, caracteriza-se
pela implementação de projetos de drenagem na planície alagável, intervenções de grande
66
escopo nestes ecossistemas, que propiciaram um salto qualitativo no processo de controle das
águas e agregação de novas áreas cultiváveis (LAMEGO 1974, SOFFIATI 2006,
CARNEIRO, 2006).
Para compreender tal processo, é importante destacar que, a partir da Revolução de
1930, a agricultura no contexto da política econômica do Estado assume o importante papel
de subsidiar o processo de substituições de importações e assim promover a modernização do
país. Além disto, destaca-se, no período entre-guerras, o protagonismo assumido pela classe
profissional dos engenheiros na direção das políticas públicas no estado do Rio de Janeiro
(CARNEIRO, 2006). Dentre outros fatores, os dois mencionados anteriormente figuram como
principais variáveis que contribuíram para a consolidação da Comissão de Saneamento da
Baixada Fluminense, que posteriormente ganhou amplitude nacional como Departamento
Nacional de Obras de Saneamento (DNOS). Este órgão público logrou empreender um
conjunto de intervenções de ampla magnitude, obedecendo a um rigoroso planejamento até
então inédito na região.
Carneiro (2006) ressalta a importância que os engenheiros assumiram no contexto
político-institucional, a partir de 1930, pois o projeto de Brasil concebido por esta classe
intimamente vinculado a um sentimento de profissional da transformação ajustou-se aos
interesses de grupos sociais que agora ocupavam o Estado. A orientação para as políticas
públicas tinham o intuito de promover transformações nas estruturas sociais e econômicas que
ainda estavam habituadas ao modelo político da República Velha. Desta forma, os projetos de
saneamento e drenagem implantados na planície campista, a partir desse período, inserem-se
no contexto da modernização do Estado brasileiro como proposta por Vargas:
Há no Brasil, três problemas fundamentais, dentro dos quais, está triangulado o seu
progresso: sanear, educar, povoar. O homem é produto do habitat. Disciplinar a
natureza é aperfeiçoar a vida social. Drenar pântanos, canalizar as águas para as
zonas áridas, transformando-as em celeiros fecundos, é conquistar a terra. Combater
as verminoses, as endemias, as condições precárias de higiene, é criar o cidadão
capaz e consciente.
“Sanear, educar, povoar” eis a palavra de ordem, cuja difusão e cumprimento deve
presidir o grande projeto da ‘valorização do capital humano. (VARGAS: 1938; 245
apud VALPASSOS, 2004)
As palavras de Vargas atestam o alto grau de alinhamento de seu projeto de Estado
com as ideologias do saneamento. Neste contexto, é criada no ano de 1933, a Comissão de
Saneamento da Baixada Fluminense, cuja atribuição Vargas havia esclarecido “Disciplinar a
natureza (...) Drenar pântanos (...) [e transformar estas terras] em celeiros fecundos”. Deste
67
modo, a “recuperação de terras” ganhou estatuto de política prioritária, pois de forma
simultânea atendia às questões sanitaristas, principalmente com relação à erradicação do
paludismo (malária) e da febre amarela, bem como as questões ligadas à política econômica
do Estado brasileiro. Todo este processo ganha maior proeminência com a promoção, no ano
de 1940, da Comissão Saneamento para o status de autarquia federal o DNOS. (CARNEIRO
2006; VALPASSOS, 2004)
Na prática, a atuação do DNOS teve como resultado o amplo “dessecamento” da
planície anteriormente pantanosa repleta de lagoas e lagunas perenes e temporárias ,
mediante a construção de uma complexa rede de canais de drenagem, com mais de 1.300 km
de extensão, intervenção que favoreceu nitidamente a expansão das atividades agrícolas
locais. Desta forma, o objetivo de transformar brejos, pântanos e mesmo lagoas e lagunas em
terrenos agricultáveis foi concretizado e estas novas terras foram agregadas ao sistema
produtivo das propriedades particulares. (CARNEIRO, 2006)
Assim, é pertinente afirmar que os projetos de drenagem sempre estiveram
relacionados à valorização fundiária, com o pretexto de sanear a região. Afirma Soffiati
(2006), que o Estado realizou um amplo trabalho de engenharia hidráulica para permitir que a
lavoura da cana e a pecuária incorporassem mais terras. Portanto, no centro da questão
localiza-se a expansão e concentração de terras agricultáveis através do dessecamento de
lagoas, brejos e de áreas periodicamente inundadas. O mapa produzido por Alberto Lamego,
publicado em “Geologia das Quadrículas de Campos, São Tomé, Lagoa Feia e Xexé” (1955),
é um importante registro da abundância de lagoas, lagunas e brejos na paisagem da região
Norte Fluminense até princípios do século XX. De modo comparado, pode-se observar, na
reprodução do mapa da Comissão de Saneamento do Estado do Rio de Janeiro de 1934, os
principais canais de drenagem que foram implantados pelo DNOS até o final da década de
1960. (BIDEGAIN et al, 2002:14-15) (Figura 3 e Figura 4)
68
Figura 3 Mapa elaborado por Alberto Lamego em que são indicadas as lagoas e lagunas existentes
na planície goitacá no inicio do Século XX
Figura 4 . Mapa elaborado pela Comissão de Saneamento do Estado do Rio de Janeiro (1934), os
traços vermelhos sinalizam os canais posteriormente construídos pelo DNOS
Fonte: BIDEGAIN et al, 2002
69
Observadas sob o ponto de vista hidráulico, as obras do DNOS contribuíram para
resolver os problemas de troca das águas entre a Lagoa Feia e o mar, para proteger contra
inundações as áreas agricultáveis e no controle do transbordo do Paraíba, além de acrescentar
água aos canais drenantes da Lagoa Feia, principalmente na estiagem (FEEMA 1993). Para
Soffiati (2005), o saneamento da baixada campista empreendido pelo DNOS, consiste no
principal elemento causador de desastres ecológicos na região, principalmente no que tange à
vegetação e às lagoas. As drenagens, segundo este autor, basearam-se nas premissas de que as
lagoas de Campos eram “desastres ecológicos, biologicamente desequilibradas e inúteis”.
Deste modo, o governo da época caracterizou sua missão como a de “corrigir as aberrações
da natureza”. Bidegain (2002) elenca os principais malefícios causados pelo saneamento: o
dessecamento natural da superfície das lagoas, a salinização dos solos, o rebaixamento do
lençol freático, a alteração do meio ambiente pela destruição de nichos ecológicos, alteração
da velocidade do escoamento pelo aprofundamento do leito dos rios, o solapamento das
margens e a criação de enseadas laterais na calha dos rios; ou seja, situações que
comprometem diretamente a flora e fauna de uma forma geral. Além de atingir de modo
indireto as comunidades localizadas nas proximidades de rios lagoas e canais; com problemas
relacionados a enchentes, falta d’água potável, comprometimento do solo para agricultura e
redução de espécies, principalmente de peixes, utilizados na alimentação e obtenção de fonte
de renda.
Além dos problemas decorrentes da intervenção estatal, a atividade canavieira e a
expansão demográfica desordenada colaboram para agravamento das questões relacionadas à
qualidade ambiental. A monocultura da cana-de-açúcar e a agroindústria são responsáveis
pela exaustão do solo; pelas transformações do sistema hídrico natural; poluição das águas
através do vinhoto e a lavagem das usinas e destilarias; o desmatamento de remanescentes de
matas; a poluição do ar decorrente da fuligem da queima dos canaviais e, por fim, o uso
inadequado de agrotóxicos. Outro aspecto a ser ressaltado, diz respeito à ocupação do solo
feita pelo uso agrícola, já que sendo baseado na monocultura da cana-de-açúcar e na pecuária
bovina extensiva necessita de largas faixas de terra e, conseqüentemente gera problemas
relacionados à dinâmica populacional do município. A partir da década de 1960, o
esvaziamento econômico que atingiu o setor agrícola do Norte Fluminense, bem como o
término da morada acarretaram o deslocamento compulsório da população rural para áreas
localizadas na periferia da cidade. Os dados censitários de 1940 a 2000 demonstram como,
70
após os anos 1960, o equilíbrio entre população residente na área urbana (50,64%) e rural
(49,46 %) começa a decair, chegando ao ano 2000 com apenas 10,52 % do total de moradores
residentes das áreas rurais. (Tabela 4)
Tabela 4 População residente, por situação do domicílio em Campos dos Goytacazes (1940-2000)
Ano População Total
Urbana
Rural
Pop. Absoluta
%
Pop. Absoluta
%
1940
180.677
63.782
35.30
116.895
64.70
1950
200.327
79.79
39.83
120.537
60.17
1960
246.865
124.768
50.54
122.097
49.46
1970
285.440
167.33
58.62
118.11
41.38
1980
320.868
195.391
60.89
125.477
39.11
1991
376.290
317.981
84.50
58.309
15.50
2000
406.985
364.177
89.48
42.808
10.52
Fonte: IBGE, Censos Demográficos-1940-2000, apud Prefeitura Municipal Campos dos
Goytacazes, 2006
É importante considerar que significativa parte da população residente no interior
desloca-se, pouco a pouco, para áreas urbanas periféricas do município, formando assim
aglomerados humanos, às margens das áreas de produção agrícolas. Assim, a ocupação
humana cresce preenchendo os espaços a sudoeste - em direção ao bairro de Ururaí , ao sul
em direção a Goytacazes , e ao norte em direção à cidade de Vitória, ao longo da ferrovia
onde foi implantada a BR-101. A mancha urbana vem encampando espaços não utilizados
pela cana-de-açúcar, principalmente as lagoas e áreas alagadas. Além de abrigar uma
significativa parcela da população de baixa renda do município, nestes locais onde prossegue
a expansão residencial não há equipamentos urbanos, rede de esgotos e abastecimento de
água, ou se existentes, atendem à população de forma precária. (FEEMA 1993)
71
4.2 – Comunidades no entorno da Lagoa de Cima
Aqui no outeiro de Santa Rita pude
Olhar a superfície da Lagoa,
Azul cristal de máxima amplitude,
Onde o vento veloz vibrando voa.
E pude ver, em toda a vastitude
Colinas e colinas, em coroa,
Cercando em orográfica atitude
O lago, que em marolas mil ressoa.
E em toda parte, aqui e além, se vê
Nos vales, na lagoa, nos outeiros,
Do rio Ururaí à foz do Imbê,
Aquela humilde gente que trabalha,
Campeiros, pescadores, enxadeiros,
Homens pobres de chapéu de palha.
PanoramaDr. Guerra
A consolidação do povoamento na região dos tabuleiros ocorreu em um momento
posterior ao da planície aluvional, em meados século XIX, como já dito anteriormente.
Todavia, no que concerne à ocupação da Lagoa de Cima, mediante os escritos de Casal
(1900:49) é possível inferir que o povoamento do entorno desta tenha ocorrido logo após o
estabelecimento do homem não indígena na planície. Segundo o cronista, grandes canoas
tinham facilidade em alcançar a cabeceira do Rio Imbé. Por outro lado, os terrenos no entorno
do espelho d’água, por serem pouco ondulados se mostraram propícios para a implantação da
atividade canavieira.
As anotações realizadas por Reys documentam que as margens do rio Imbé, no ano de
1785, encontravam-se ainda despovoadas; não obstante, o autor aponta, que no entorno da
Lagoa de Cima, existiam moradores, contudo estes eramde fracas possibilidades
(1997:30). Já em “Memórias Históricas do Rio de Janeiro”, Pizaro e Araujo salientam que no
ano de 1818, nos Sertões da Lagoa de Cima, região que segundo o autor compreendia “os
Rios Imbé, e Ururahy, até ao Porto Velho na estrada da Lagoa de Jezus
27
27
Outrora localizada entre Itaóca e Lagoa Feia, era alimentada pelas águas do Ururaí. Hoje, não resta nenhum
resquício desta lagoa, e em seu lugar, encontra-se o Canal Jesus, obra empreendida na gestão do DNOS.
”, havia “n’aquele
lugar uma povoação notável, (...) composta pela maior parte de famílias pobres” e o número
de pessoas ultrapassava a marca de duas mil. Complementa o autor, nos contornos d’aquelle
Sertaõ [achavam-se] estabelecidas mais de 338 familias, e 48 fabricas de assucar
(1820:102-103;300). Constata Brandão (1989), que o povoado de São Benedito foi instituído
72
pelo decreto provincial nº 391 de dezembro de 1868 e possuía uma população de quatro mil
cento e setenta e quatro habitantes, quase toda ela dispersa pelos vários engenhos de açúcar e
fazendas de café que cobriam a região. Lima (1981), a partir dosApontamentos para a
história da Capitania de S. Thomé” elaborados por Teixeira de Mello, em 1888, apresenta
que, juntas, as freguesias de Santa Rita da Lagoa de Cima e São Benedito da Lagoa de Cima,
no ano de 1880, possuíam nove mil e seiscentos e sessenta e um moradores, sendo que mil e
cento e quarenta e três eram escravos e trabalhavam nas lavouras de cana-de-açúcar.
Entretanto, a região da Lagoa de Cima não possui hoje o mesmo contingente
populacional de outrora. Atualmente, nos distritos de Morangaba e Ibitioca residem, de
acordo com o Censo Brasil de 2000, uma população de quatro mil cento e vinte e oito
pessoas. O perfil da população que ocupa o entorno da Lagoa de Cima é semelhante ao
daqueles que habitam os demais distritos rurais do município. Deste modo, encontram-se
moradores, residindo em terras onde os canaviais não ocuparam, por exemplo, áreas anexas a
corpos d’água (submetidas a cheias). Assim sendo, nas proximidades do espelho d’água estão
estabelecidas três comunidades, são elas: Barra do Ururaí, Santa Rita e São Benedito. (Figura
5)
Figura 5 Croqui com a localização das comunidades no entorno da Lagoa de Cima
Fonte: adaptado de REZENDE et al, 2006
Em Santa Rita, prevalecem as propriedades rurais de médio e grande porte destinadas
à criação de gado e ao plantio de cana-de-açúcar. Some-se a isso a inexistência de uma vila.
73
Os poucos moradores em sua maioria, campeiros estão distribuídos aleatoriamente em
toda a extensão de Santa Rita, nas proximidades de antigas sedes das fazendas em que
trabalhavam. Nesta localidade, há apenas uma igreja dedicada a Santa Rita, fundada em 1816,
não existindo outros equipamentos públicos (escolas e postos de saúde) ou mesmo rede de
infra-estrutura, com exceção da energia elétrica.
Por outro lado, em Santa Rita, estão sendo construídas inúmeras casas destinadas ao
veraneio. Processo este que foi iniciado nos últimos trinta anos, em decorrência da falência
econômica das propriedades rurais, da pressão dos movimentos de luta pela terra em Campos
e do despontar de Lagoa de Cima no âmbito regional como uma área pública de lazer. Estes
motivos tornaram-se elementos suficientes para levar proprietários de terra a iniciar a uma
nova atividade econômica: a exploração imobiliária. Deste modo, um novo padrão de
ocupação do espaço vem se constituindo, parcelas de terra contíguas ao espelho d’água foram
loteadas e vendidas como a finalidade de se tornarem pequenas e médias chácaras e sítios de
lazer. O boom residencial de alto padrão é um fenômeno que se desenvolveu amplamente em
Santa Rita. Não obstante, este padrão de construções, com menor intensidade, pode ser
percebido nas demais localidades que margeiam a Lagoa de Cima.
Além das famílias que passam temporadas no entorno da Lagoa de Cima, o turismo de
fim de semana ganha cada vez mais adeptos. No que concerne às atividades ligadas ao
turismo, a margem onde se situa Santa Rita é de modo recorrente lembrada pela presença do
Yacht Club Lagoa de Cima: área de lazer fundada em 1958, pelo médico campista Barbosa
Guerra. De certo, o clube consiste no primeiro grande empreendimento comercial a explorar a
beleza cênica da Lagoa de Cima para a finalidade do lazer principalmente por meio dos
esportes náuticos.
Nos primeiros metros do rio Ururaí, localiza-se um pequeno povoado com cerca de
quarenta casas denominado Barra do Urur ou Palmeiras, onde a totalidade de seus
moradores dedica-se à pesca ou ao trabalho rural assalariado. Os trabalhadores rurais
residentes na Barra do Ururaí, de um modo geral, são campeiros ou assalariados da Usina
Santa Cruz e trabalham na irrigação das lavouras e no corte da cana. Ao contrário dos
pescadores residentes em São Benedito, os da Barra priorizam como espaço de pesca o rio
Ururaí e seus canais, com o intuito de capturar principalmente a traíra, com a rede de espera
(nas cheias) e a fisga (na seca).
Nesta localidade, a situação no que diz respeito à presença de infra-estrutura é
semelhante àquela encontrada em Santa Rita. Contudo, no caso da Barra do Ururaí, a
74
inexistência de uma ponte ou passarela para pedestres ligando as duas margens do Rio Ururaí,
submete esses moradores a uma situação complicada. No que concerne à locomoção de
pessoas, os moradores são obrigados a atravessar de canoa ou com água nos joelhos, situação
esta possível somente no período da seca, o que se agrava em caso de emergências. Assim
sendo, é comum ver os moradores ancorarem as canoas nas proximidades do local onde a
estrada termina e se dirigirem ao ponto de ônibus, na estrada que liga a Lagoa de Cima à
Tapera. Nos horários de retorno ou ida para a escola, jovens e adolescentes carregam as
crianças menores nos ombros, já os idosos, quando não fazem a travessia com barcos
próprios, esperam para receber uma carona de outro morador que também esteja de passagem.
(Figura 6Travessia do rio Ururaí na comunidade de Barra.Figura 6)
Figura 6
Figura 6 Travessia do rio Ururaí na comunidade de Barra.
Fonte: COSTA, 2008
4.3 – São Benedito
A margem setentrional da lagoa abriga uma pequena comunidade de pescadores no
povoado denominado São Bendito. (...) Hoje [a região] estagnada, apresenta
características comuns a outras localidades esquecidas pela civilização: um
agrupamento de modestas casas na rua principal de terra batida, um coreto, uma
igreja um pequeno cemitério e a venda em que os pescadores se reúnem, à espera de
mais um dia de produtividade incerta. (BRANDÃO, 1988:115)
As impressões de Brandão sobre São Benedito assim como o Panorama de Guerra
(s/d) sobre a Lagoa de Cima e sua gente não correspondem à realidade local. Nos vinte
75
anos que se passaram desde o trabalho de campo realizado por Brandão, o povoado na
margem da Lagoa de Cima cresceu e não mais se restringe apenas à praça, ao correto e à
Igreja católica. Dos anos 1990 até os dias de hoje, São Benedito recebeu significativas
alterações, principalmente no tocante à instalação de infra-estrutura, por parte da Prefeitura
Municipal de Campos dos Goytacazes (PMCG). A inserção destes induziu a uma série de
melhorias, o que proporcionou benefícios significativos para as populações que lá residem,
bem como despertou o interesse de outras pessoas a se mudarem ou visitarem o local com
maior freqüência. Neste sentido, o poder público (Estado e Prefeitura) implantou o sistema de
luz elétrica; a pavimentação das vias de acesso estradas de Santa Cruz e da São Benedito
Tapera o que favoreceu a fixação de linhas de transporte coletivo regular para as
comunidades; equipou com ambulância o posto de saúde; implantou o sistema de coleta de
lixo; bem como fomenta o turismo, com a realização de shows na temporada de verão.
A estrada e a ocupação humana procuram acompanhar o contorno da lagoa, portanto,
ao longo de toda São Benedito, é possível observar o espelho d’água e ao fundo a serra do
Itaóca. Hoje, o arraial conta com cerca de uma centena e meia de casas ao longo dos quatro
quilômetros de estrada. As casas encontram-se distribuídas irregularmente de ambos os lados
do caminho, tanto na porção externa quanto na interna (a faixa de terra entre a estrada e a
mina d’água). Seus moradores não mais se restringem aos pescadores e aos trabalhadores
rurais, há também a presença de famílias cuja atividade econômica principal é proveniente,
por exemplo, do comércio na própria comunidade de São Benedito ou na sede do município.
Tradicionalmente, a construção de casas no entorno de Lagoa de Cima se dava pela
cessão de uma parcela de terras, por parte do proprietário a um de seus trabalhadores, fixos ou
sazonais, o sistema da morada. Cabe salientar que antes do Estado reclamar a faixa de terras
contígua ao espelho d’água como área não edificante
28
28
Resolução CONAMA N°303, 2002
, os fazendeiros entendiam que suas
propriedades englobavam também estas terras. Assim sendo, eram aos fazendeiros que os
trabalhadores rurais e pescadores se dirigiam quando tinham a intenção de construir uma casa.
Antes o fazendeiro tomava conta. Você chegava ali, se você quisesse um lugar, ele
te conhecia, os fazendeiros aqui conhece os moradores tudo. Chegava lá pedia ele
preciso de um lugarzinho pra fazer uma casa... ô fulano ali não posso te dar, eu te
dou aqui!” ai ele dava pra gente fazer. Conforme aqui mesmo foi dado... (CF)
...antigamente pra fazer uma casinha aqui ou em qualquer lugar, como eu fiz, a gente
pedia o dono e ele dava! Entendeu? Hoje (...) o pessoal acha que a beira da lagoa pôr
ser da Marinha, pode invadir... (MC)
76
Em São Benedito, não existe mais o sistema da morada, sendo que a instalação de
novos domicílios ocorre de quatro modos, por meio da compra de terras, da ocupação
irregular, construção em terras da União
29
O mercado de terras em São Benedito não possui as mesmas proporções como em
Santa Rita, contudo, é significativa a presença de chácaras e sítios de lazer, compradas
diretamente de fazendeiros locais. Além de constituírem propriedades legalizadas, ao menos
do ponto de vista da propriedade da terra, estas casas diferenciam-se das demais pela
ou aquisição através do usucapião. No caso das
construções em terras da União e por usucapião, os novos domicílios instalados são, em sua
maioria, constituídos por pessoas que já moravam na Lagoa de Cima com suas famílias e que
a partir da formação de seus próprios núcleos familiares, constroem casas onde se encontram
as residências dos pais ou sogros.
... os fazendeiros aí não vendiam terreno, era um luta pra vender um terreno. Aqui
mesmo, essa casa minha foi adquirida no patrimônio da União pelo beneficio de ser
pescador, nos fomos lá no rio requeremos, o fiscal veio aqui e marcou essa área e
aqui é o patrimônio da União. Aí eu tenho a carta, aí porque eu já morava há vinte
anos aí na outra casa velha tinha direito sendo pescador. (MS)
Outro modo de fixação na área é a ocupação irregular de terras. Neste caso, estão
incluídas as famílias que migraram das periferias do município ou de outros distritos, que
atraídos por melhorias e facilidades em infra-estrutura, oportunidades de trabalho com o
movimento dos turistas e, principalmente, pelo caráter público da faixa de terras que margeia
o espelho d’água, escolhem fixar residência em São Benedito. Tais residências são modestas,
em geral, de alvenaria e coberta com telhas de amianto, erguidas na porção interna da estrada,
e construídas para atenderem uma dupla função: moradia e estabelecimento comercial.
Deste modo, percorrendo a comunidade, encontra-se uma série de casas de comércio,
um misto de mercearia e botequim, que revendem gêneros alimentícios como grãos,
enlatados, bebidas e tira-gostos. É curioso observar que há tantos pontos comerciais que,
atualmente, existe um local ocupado exclusivamente por eles, no entorno do bar do Hélio. O
elevado número de bares tem como razão atender o grande contingente de turistas que
freqüentam Lagoa de Cima no período do verão. Assim, muitos estabelecimentos aormino
desta temporada fecham as portas, ficando abandonado ou servindo apenas como moradia.
29
As terras da “União” consistem em porções de terra adquiridas por pescadores através de processo jurídico em
que estes, alegando manter a sobrevivência de seu grupo familiar através da atividade pesqueira realizada na
Lagoa de Cima, obtiveram o direito de permanecer em áreas imediatamente localizadas na borda do espelho
d’água. Deste modo, um documento lavrado em cartório garante a permanência destes moradores e de sua
família, contudo, o mesmo não lhe dá o titulo de propriedade da terra, impossibilitando desta forma transações
comerciais de compra e venda.
77
arquitetura arrojada, por estarem dispostas em locais que possibilitam uma vista panorâmica
do espelho d’água. Desta forma, são construídas em locais elevados ou os proprietários se
encarregam de garantir que a faixa de terras defronte a suas casas não sejam ocupadas
irregularmente.
4.3.1 – População e atividade econômica do arraial
Segundo o censo socioeconômico e ambiental que compõe o Diagnóstico da APA
Lagoa de Cima (REZENDE et al, 2006), em 2005, cento e quatro famílias residiam em São
Benedito e juntas somavam um total de quatrocentas e três pessoas cento e noventa e três do
sexo feminino e duzentas e dez do sexo masculino sendo que cada grupo familiar contava
em média com 3,9 pessoas. Deste total, no que tange à faixa etária, a maioria da população
(57,47%) possuía entre quinze e sessenta anos. (Figura 7)
Figura 7 Distribuição dos moradores de São Benedito por faixa etária (n=395)
Fonte: COSTA, 2006
Por outro lado, o segmento que compreende as crianças e adolescentes representa
31,65 %. É interessante salientar que a ocorrência deste elevado percentual é um indicativo de
que provavelmente continue a ocorrer em São Bendito um processo de ocupação humana
acelerado, haja vista que nos dias de hoje há uma inversão no fluxo migratório, ou seja, é
notada maior entrada de pessoas com intuito de fixar residência na área de entorno da lagoa.
Além disto, outro elemento relevante é o fato de os jovens residentes em São Benedito não
78
terem mais a necessidade de mudar da localidade para conseguirem trabalhar, dada a relativa
facilidade do transporte público.
Na questão que envolve a escolaridade dos moradores de São Benedito, os resultados
indicam um quadro de carência educacional. Entre a população adulta (idades acima de vinte
e cinco anos) 16,22 % são analfabetos, sendo que, pouco mais de dois terços da população
(68,65 %) freqüentaram até oito anos escolares. A porcentagem de analfabetos e a média de
anos estudados atestam os lastimáveis níveis de educação formal em que se encontra a
população de São Benedito. (Tabela 5)
Tabela 5 Nível Educacional da População Adulta de São Benedito (25 anos ou mais) (n=185)
Taxa de analfabetismo (%)
16,22
% com menos de 4 anos de estudo
25,95
% com menos de 8 anos de estudo
68,65
Média de anos de estudo
3,94
Não informou / Não Sabe (%)
6,09
Fonte: COSTA, 2006
Por outro lado, no que tange à população jovem (idades de sete a vinte e quatro anos),
um importante indicador é a inexistência de analfabetos e a elevada taxa de freqüência escolar
da faixa etária entre sete e catorze anos (97,36%). Entretanto, o cenário só não é melhor em
decorrência de uma significativa taxa de desistência escolar das faixas etárias de quinze a
dezessete anos, bem como a de dezoito a vinte e quatro, respectivamente 25% e 81,14 %.
Cabe aqui mencionar, que a desistência dos estudos a partir dos quinze anos, em muito se
deve à pressão do grupo familiar para que os jovens comecem a contribuir na composição da
renda. (
Tabela 6)
Tabela 6 Nível Educacional da População Jovem de São Benedito 2005 (n=149)
Faixa etária (anos)
Taxa de
analfabetismo
% com menos de
4 anos de estudo
% com menos de
8 anos de estudo
% freqüentando a
escola**
7 a 14
0
50,68
-*
97,36
10 a 14
0
28,57
-
96
15 a 17
0
15
55
75
18 a 24
0
11,32
64,15
18,86
* - = não se aplica
** Dados obtido a partir da auto-proclamação do entrevistado.
Fonte: COSTA, 2006
79
Acerca do grau educacional formal da população, é necessário fazer algumas
considerações. Em São Benedito, existe uma única escola municipal, na Ponta da Palha, que
funciona somente durante o dia e oferece apenas o primeiro segmento do ensino fundamental.
Deste modo, quando não existia transporte público e o passe livre para estudantes, os egressos
da 4ª série, muitas vezes por não terem condições financeiras para estudar na sede do
município, davam por encerrada sua formação escolar e ingressavam na pesca ou no trabalho
rural assalariado. A inexistência da possibilidade local de continuidade da formação escolar,
bem como o ingresso precoce no trabalho são fatores que contribuíram para que muitas
pessoas deixassem a escola. Relatos de pescadores sobre o passado em Lagoa de Cima
salientam que as condições de vida eram muito difíceis, pois a sazonalidade da pesca e o
trabalho rural no corte de cana muita vezes não eram suficientes para conseguir alimentos
para a família. Deste modo, muitas pessoas iniciavam os estudos juntamente com o trabalho,
sendo que, em detrimento do primeiro, o trabalho prevalecia por ter uma importância vital
para a manutenção do grupo familiar.
Atualmente, com o sistema de passe livre, crianças e jovens têm a possibilidade de se
deslocarem até a sede do município e assim continuar seus estudos, sem ter que arcar com o
ônus da passagem. Este benefício, aliado a outros programas assistenciais e de transferência
de renda, como a merenda escolar, a Bolsa Escola, a Bolsa Família, o Cheque Cidadão,
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e as bolsas de estudo municipais em
instituições de ensino superior são elementos facilitadores e motivadores para que muitos pais
encaminhem seus filhos à escola e adultos voltem a estudar. Deste modo, a elevada taxa de
freqüência escolar pelas faixas etárias de sete a catorze anos muito se deve a estes benefícios.
Assim sendo, as comunidades localizadas no entorno da Lagoa de Cima,
principalmente São Bendito, m uma representativa parcela de sua população jovem
estudando ou com um grau de estudo superior àquela da geração passada, o que tem
propiciado e motivado estes a buscarem colocações em outras atividades profissionais. Deste
modo, no que se refere às atividades econômicas desenvolvidas pela população de São
Benedito, é notável que a pesca e o trabalho rural não representam mais as únicas fontes de
remuneração de seus moradores. Assim, torna-se relevante apontar que aproximadamente
23% da população não está empregada em atividades relacionadas ao trabalho rural e à pesca,
destacando-se pedreiros, empregadas domésticas, caseiros, comerciários, comerciantes e
funcionários públicos. Merece destaque também, a indicação de que 11,89% da população
com idade acima de catorze anos estão exclusivamente voltados para os estudos. Compondo
80
também a população economicamente ativa, encontram-se os aposentados e pensionistas que
correspondem a consideráveis 10,49%. Em muitos casos, o dinheiro do benefício pago pelo
INSS representa uma importante parcela da renda total do grupo familiar, pois há famílias,
nas quais os idosos assumem a responsabilidade de provisão de alimentos para os demais
membros. (Tabela 7)
Tabela 7 Atividades econômicas desenvolvidas pelos moradores de São Benedito, com idade
acima de 14 anos (n=286)
Atividade econômica
%
Aposentado e Pensionistas
10,49
Estudante
11,89
Dona-de-casa
19,93
Pescador
17,13
Trabalhador Rural Assalariado
8,74
Fazendeiro
0,70
Funcionário Público
5,94
Comerciante
3,50
Comerciário
2,45
Prestação de serviços
11,19
Desempregado
1,75
Não informou
6,29
Fonte: COSTA, 2006
Apesar de não mais constituir a principal atividade econômica desenvolvida na
localidade, a pesca ocupa papel de destaque, empregando 17,13% da mão-de-obra local. Se no
passado, as atividades econômicas desenvolvidas pelos moradores deste arraial baseavam-se
na atividade haliêutica conjugada ao trabalho sazonal na lavoura canavieira, como salienta
Brandão (1988), atualmente o quadro é outro, os pescadores não mais dispõem da mesma
oferta do trabalho rural assalariado na Usina. Por outro lado, as dificuldades enfrentadas na
captura de pescado no transcorrer dos meses do ano, principalmente naqueles em que a pesca
fracassa
30
30
O fracasso da pesca, categoria nativa, é empregado pelos pescadores de Lagoa de Cima sob dois aspectos: o
primeiro faz referência aos ciclos ecológicos dos peixes, assim, o fracasso ocorre nos momentos em que há uma
maior dificuldade na captura do pescado, o que pode vir acontecer em função do aumento do espelho d’água e
ou a piracema. A segunda referência ao termo é para designar momentos em que o consumo do pescado não é
absorvido pelo mercado. Segundo Brandão (1989), no passado recente da região, os peixes capturados em maior
escala em São Benedito, tanto a traíra quanto o sairu, são espécies cujo consumo era realizado preferencialmente
por classes mais pobres, devido a estas serem fontes de proteína animal com baixo custo. Contudo, a partir de
meados de 1990, e com o maior acesso pelas camadas pobres a carnes de boi e frango, o percentual consumido
de proteína animal advinda de pescados sofreu uma redução, sobretudo aquelas consideradas menos nobres.
, não apresentam a mesma gravidade que nos anos anteriores, uma vez que com a
instituição da interdição para o Defeso, por parte do Governo Federal, com o subseqüente
pagamento de um salário mínimo a fim de ressarcir as perdas pela paralisação da atividade
81
profissional, uma garantia de renda para os pescadores durante estes quatro meses do ano.
Deste modo, o dinheiro recebido garante qualidade de vida, nos meses em que o pescador
teria de procurar trabalho nas fazendas.
Assim, a partir do pagamento do seguro Defeso não mais ocorrem situações que levam
ao comprometimento da reprodução do núcleo familiar, pois a procura de trabalho por
pescadores fora da pesca nos períodos de fracasso deixou de ser uma atividade constante na
comunidade. Há também de se ressaltar que além do auxílio econômico, o Defeso demonstra
sua eficiência na manutenção do estoque pesqueiro, haja vista, que os próprios pescadores
afirmam que, a partir do período de sua instituição, este já melhorou significativamente a
quantidade e a qualidade do pescado, principalmente o sairu. Somado a este contexto, a
empresa que historicamente recrutava os moradores da Lagoa de Cima para o trabalho rural, a
Usina Santa Cruz, nos últimos anos tem optado por contratar mão-de-obra de outros estados,
principalmente os do nordeste. Tal medida reduziu a oferta dos empregos temporários na
região.
Sobre a pesca, cabe ainda salientar, que ela não é mais uma atividade exclusivamente
de domínio dos homens. Assim, as mulheres de São Benedito, além de se dedicarem aos
afazeres domésticos, participam também ativamente nesta atividade, executando tarefas que
vão desde a limpeza do pescado à atuação nas pescarias. A participação de mulheres na
captura do pescado consiste ainda em um tabu, uma vez que, acompanhado das afirmações
sobre sua participação, são feitos também comentários que indicam que esta pode ocorrer
somente em casos de extrema urgência/necessidade, tais como, a falta de um dos
companheiros da pesca, ou devido a uma encomenda de peixe a ser cumprida. Deste modo, ao
constatar que 19,93% das mulheres são donas-de-casa, deve ser acrescida a informação de que
muitas delas entendem o trabalho na pesca como parte de suas tarefas domésticas.
4.3.2 – O cotidiano na pesca
Desde o início de março até o final de outubro, a pesca na Lagoa de Cima é permitida.
Assim, no transcorrer destes meses, diariamente, com exceção dos domingos, é comum se
avistar na margem da lagoa mulheres, jovens e crianças ocupadas na limpeza do produto,
pescadores realizando reparos em redes ou armadilhas, bem como, preparando suas
embarcações para as pescarias. Além destas atividades em terra, ao longe é possível observar
lá dentro da lagoa”, canoas rumando para seus pontos de pesca ou realizando manobras
como o caracol, já em pleno exercício da captura.
82
Segundo AJ, um jovem pescador, o cotidiano da pesca na Lagoa de Cima pode ser
resumido do seguinte modo: pela manhã, por volta das cinco horas, acontece a saída de barco,
com finalidade de realizar a primeira de uma série de pescarias ao longo do dia, caso a
modalidade de pesca seja o batido ou para recolher a minjoada colocada na tarde do dia
anterior. Aproximadamente entre as nove e dez horas, os barcos retornam aos seus portos.
Assim, com a canoa atracada, os companheiros realizam a despesca, atividade, que segundo
AJ, é a mais enfadonha do dia de trabalho, uma vez que, consiste em retirar um a um os
peixes enlaçados na rede. A afirmação do pescador, sobre a tediosa função, está relacionada
ao fato de que, em geral, são capturados de cem a duzentos e cinqüenta quilos de peixe por
dia. Em unidades, este volume de pescado pode variar entre dois mil a três mil exemplares.
Subseqüente à despesca, os pescadores tratam de selecionar dentre o produto de seu
trabalho, os exemplares que serão imediatamente colocados no gelo e aqueles que serão
limpos dentre estes, ainda são separados aqueles nos quais será realizado o tic-tic
31
Todo o processo de beneficiamento está condicionado à demanda do comprador.
Assim, pode haver casos em que os compradores exigem peixes limpos. Todavia, as famílias
trabalham com a oferta do produto das duas formas, existindo, ainda, aquelas que realizam o
tic-tic como forma de alcançar melhores preços no produto final. Este processo de cooperação
do trabalho envolve toda a unidade familiar, Este é o caso, por exemplo, da família de NA e
AA; nesta, o trabalho da pesca envolve o casal, ele vendedor de peixes no mercado municipal
de Campos, ela trabalha na casa; os filhos homens são pescadores e se ocupam da tarefa da
captura do pescado; as esposas dos filhos estão envolvidas no trabalho de limpeza do pescado,
assim como NA. Há casos, em que vizinhos ou membros da família expandida são recrutados
para o trabalho. Assim acontece na família de NA, na qual uma vizinha “com necessidades” e
o cunhado de um dos filhos os auxiliam nos trabalhos de limpeza e na pesca, respectivamente.
. Feita
essa divisão, entra em cena o trabalho desempenhado em conjunto por mulheres, jovens e
crianças, ocorrendo também a participação dos homens, quando estes não têm a atenção
voltada a outras atividades inerentes à pesca. A limpeza dos peixes ocorre às margens da
lagoa. Posicionados em torno de caixas e com água nos tornozelos ou de cócoras, o grupo
familiar realiza esta atividade que consiste na descamação e retirada das vísceras, jogadas no
espelho d’água no próprio local. Conforme o volume da pescaria, a limpeza pode durar toda a
tarde. Por fim, o pescado vai para o gelo ou para o refrigerador, até que o comprador venha
retirá-lo, evento que ocorre no dia seguinte.
31
O Tic-tic consiste na realização de cortes perpendiculares ao dorso do peixe, de forma que com estes, o animal
torna-se pronto para a fritura. Este nome deriva do som produzido pelo corte da faca, ou seja, uma onomatopéia.
83
Eventualmente, os homens tratam no período da tarde de fazer pequenos reparos nas redes
que porventura tenham se danificado. Por fim, enquanto mulheres e jovens estão ocupados
com a limpeza do pescado, os homens preparam o equipamento para uma nova incursão ao
espelho d’água, com o objetivo de realizar a pescaria com anzol-de-bóia ou colocar as redes
de espera, ambos a serem retirados no dia seguinte.
Figura 8 Companheiros no trabalho de despesca: a imagem ilustra o volume médio de uma boa
pescaria de lanço
Figura 9 O trabalho na limpeza do pescado requer o envolvimento de toda mão de obra familiar
Fonte: COSTA, 2008
84
Tabela 8Quadro com a descrição, divisão por gênero e período do dia das atividades do grupo familiar
Atividade
Período do dia
Quem realiza
Espaços onde ocorrem
as atividades.
Serviços da
casa
Pela manhã
As mulheres têm por função
organizar toda a vida domestica do
núcleo familiar, deste modo, é
atribuição dela, a limpeza da casa,
preparo do das refeições e cuidar dos
filhos menores.
A casa
Captura do
pescado
O horário varia de acordo com os
métodos de captura e com o objetivo
da pescaria. Assim, a pescaria pode
vir a ocorrer nas primeiras horas da
manha, no fim da tarde e a noite.
Esta é uma atividade masculina, e
realizada em duplas, contudo há
exceções, em casos excepcionais
impossibilidade de um dos
companheiros ou necessidade de se
aumentar a captura para atender uma
encomenda em que as mulheres
participam das pescarias.
Espelho
d’água
Despesca
A despesca é realizada logo após o
retorno da pescaria.
Atividade realizada pelos homens.
Porto
Limpeza.
Pela tarde
Realizado por homens, crianças e
mulheres, estas geralmente ingressam
no trabalho após a conclusão das
tarefas domésticas, geralmente, após
o almoço.
Porto
Tic-tic
Pela tarde
Atividade que consiste em fazer
cortes perpendiculares ao dorso do
peixe, e é realizado com o intuito de
agregar valor ao produto final. É uma
atividade desempenhada por homens
e mulheres, contudo na maior parte
dos casos, esta tarefa de deixada a
cargo das mulheres, para que os
homens tornem a sair para pescar.
Porto - Casa
Reparos
Pela tarde
O trabalho de reparo das redes é
realizado tanto por homens quanto
mulheres, sendo que em algumas
famílias este tipo de tarefa é feita na
maioria das vezes nos sábados a
tarde.
Casa
Comercializaçã
o
No caso do “pombeiro
comercialização direta logo após a
despesca o este sai para vender de
porta em porta o produto pescado. Já
a comercialização do
com o
“carregador” atravessador e com
a banca no mercado os “contratos
de compra e venda, são realizados
com uma semana de antecedência
onde são acertados valores e
quantidades. Já a encomenda do
caminhão frigorífico e realizada com
até um dia de antecedência,
dependendo do volume de pescado
requerido, é na maioria das vezes o
contato é realizado via telefone.
As negociações de compra e venda do
pescado são feitas pelos homens,
sejam elas no mercado municipal,
pelo pombeiro, ou ao “carregador”.
Mercado
Municipal de
Campos
Negociação
com o
carregador
(telefone ou
pessoalmente
)
Pombeiro –
venda direta
de bicicleta,
que ocorre
nas
localidades
próximas a
São Benedito.
Fonte: COSTA, 2008
85
4.3.3 – O Pescador: um modo de vida em transformação
São Benedito não mais apresenta a totalidade de sua população ligada ao trabalho na
pesca e à atividade agrícola assalariada, como forma conjugada do grupo familiar obter
ganhos econômicos. Foram muitas as transformações que levaram à conformação de tal
cenário: a falência das Usinas nos anos 1980 e sua subseqüente redução na contratação de
pessoal; o melhoramento das condições de infra-estrutura de vias, que veio facilitar a
locomoção entre Campos dos Goytacazes e São Benedito contribuindo para o aumento no
fluxo de mercadorias e pessoas no entorno de Lagoa de Cima; bem como a instituição de
Lagoa de Cima no contexto regional como área de lazer e objeto de interesse no que tange à
proteção ambiental, dentre outros.
Assim, mesmo inserida neste contexto de acelerada, se não radical, mudança social
32
Dentre os elementos que atestam esta busca por continuidade do grupo social a partir
de um esforço de mudança de posicionamento, por exemplo, pode-se citar a recente
articulação dos pescadores na Associação de Pescadores Artesanais de Lagoa de Cima.
Entidade criada em meados do ano de 2007, foi instituída com base na organização pretérita:
a capatazia
,
o grupo de pescadores artesanais de Lagoa de Cima persiste em desempenhar a atividade
haliêutica. Tal fato ocorre em um misto de manutenção dos elementos que caracterizam este
trabalho como artesanal, bem como na elaboração de outras ações sociais, com o intuito de
compatibilizar sua existência, enquanto grupo, com as transformações vivenciadas.
33
de São Benedito. Segundo o presidente da associação, a alteração da capatazia
para Associação é uma necessidade política, pois a antiga instituição que vigorava há anos em
Lagoa de Cima estava subordinada à Colônia de pescadores Z-2
34
32
Tendo em vista que estes processos vêm ocorrendo nos últimos 30 anos.
33
Capatazia consiste em uma instância burocrática cuja função é intermediar as relações entre pescadores e a
Colônia, no que diz respeito aos direitos legais dos pescadores. Esta é uma forma de facilitar as solicitações
burocráticas, uma vez que entre os pescadores é designada uma pessoa para servir de intermediário. Assim, essa
pessoa, tida como o líder, repassa documentos dos demais à Colônia, para que esta finalize os processos de
registro profissional, legalização de embarcações e, principalmente, o cadastramento dos pescadores para o
recebimento do seguro Defeso.
34
Desde a fundação das colônias de pescadores no início do século XX, os pescadores artesanais estiveram sob o
controle e dominação política de órgãos governamentais. A partir da promulgação da Constituição Federal de
1988, os pescadores artesanais conquistaram avanços no que tange aos direitos sociais e políticos, quando as
suas colônias, através do artigo 8º foram equiparadas aos sindicatos de trabalhadores rurais, recebendo a
configuração sindical.
, de São Francisco de
Itabapoana. Devido a este deslocamento político-administrativo, esclareceu o presidente, os
representantes da Colônia Z-2 não tinham meios e interesses para atuar a favor dos pescadores
da Lagoa de Cima, residentes de Campos dos Goytacazes.
86
Por considerarem esta situação um problema, no que concerne à luta por seus
interesses de classe, os pescadores da Lagoa de Cima se organizaram em Associação. A
primeira medida tomada, antes mesmo da formalização da associação, foi a aproximação com
a Colônia Z-19 do Farol de São Tomé (Campos dos Goytacazes). Este movimento de
articulação política, agora com um recorte territorial mais restrito, aliado à busca por inclusão
na Colônia sediada em Campos dos Goytacazes é uma diretriz tomada com base em uma
avaliação elaborada entre os pescadores
35
, que consideram este novo arranjo político um
artifício que vem somar forças para tornarem possíveis, competitivas e legítimas suas
reivindicações por programas sociais e verbas públicas oferecidas pelo município de Campos
dos Goytacazes a projetos sociais
36
Apresentado de modo sumário, este conjunto de eventos consiste apenas em uma
ilustração acerca do processo de contínua mudança, com fins à manutenção da identidade de
pescador, pela qual tem passado uma parcela representativa de pessoas na Lagoa de Cima.
Desta maneira, é pertinente destacar que tal processo não consiste em um movimento de
mudança que tende a uma descaracterização deste grupo, como pescadores artesanais. Não
obstante, uma análise possível deste processo de ingresso em esferas políticas institucionais
(trânsito na Câmara de Vereadores; lobby com vereadores e outros políticos de influência
municipal; e, por fim, o aprendizado do repertório de ação/reivindicação pública, baseado
.
Por fim, é necessário salientar que o objeto em disputa e animador desta
movimentação política consiste em bens materiais que, quando alcançados, segundo as
expectativas dos pescadores, serão convertidos em benefícios diretos para eles. Portanto, em
suas reuniões é amplamente externado que o motivo de toda esta organização e a inserção nas
esferas político-institucionais, tais como secretarias do Governo Municipal e da Câmara de
Vereadores têm como propósito conseguir com o auxilio do dinheiro público melhorias para
a condição de vida e trabalho. Neste sentido, as principais reivindicações são: a regularização
de projetos de renda mínima, complementares ao Defeso, e a construção de uma sede onde
será instalado um frigorífico para que assim as possibilidades com relação ao beneficiamento
do produto pescado possam ser ampliadas.
35
É percebida também a influência direta do Vereador local Alcione de Rio Preto, no que concerne ao estímulo
deste rearranjo e busca por recebimento de verbas públicas.
36
Devido a sua condição de município receptor de royalties do petróleo, há uma excepcional disponibilidade de
recursos financeiros que podem ser alocados para ações que visão à melhoria da qualidade de vida dos
munícipes, através, de ações de amplo aspecto, que podem ir desde a instalação de infra-estrutura a programas de
transferência de renda.
87
principalmente em projetos) consiste em considerar estas articulações, sob a perspectiva
sugerida por Marshall Sahlins, como um processo de indigenização da política:
... as diferenças culturais, postas ao olho da rua pela porta da frente, por obra das
forças homogeneizadoras do capitalismo mundial, entram sorrateiramente pela porta
dos fundos, sobre a forma de uma ‘contracultura autóctone’, de uma ‘subversão do
discurso dominante’, ou de alguma política (ou poética) similar de
desafio nativo
Deste modo, a intensificação na ocupação dos espaços sociais no campo político como
um movimento de resistência cultural, formulada no seio de um grupo social historicamente à
margem dos processos que dizem respeito à sociedade, tem por objetivo ocupar espaços
políticos a fim de se conformarem como atores sociais, jogando com os mesmo artifícios da
classe hegemônica para consolidarem sua posição
.
(SAHLINS, 2004:540-541)
37
De modo complementar a esta interpretação, e recorrendo à noção de habitus proposta
por Bourdieu, destaca-se a dimensão de classe. Salienta-se que as mudanças ocorridas nas
aspirações políticas que envolvem os pescadores de Lagoa de Cima constituem um conjunto
de práticas dentre muitas outras desenvolvidas por estes atores sociais, cujos objetivos se
ligam à continuidade de um estilo de vida. Como propõe Bourdieu, entende-se que as ações
sociais desempenhadas pelos pescadores da Lagoa de Cima são baseadas em um esquema
.
Esta observação pontual teve o propósito de problematizar que mesmo diante de um
quadro de mudanças nas relações sociais, o pescador artesanal prossegue com o intuito de
reproduzir seu projeto sócio-ecológico. Portanto, um importante elemento a ser considerado é
o de que mesmo diante de alterações, sua identidade marcadamente ligada ao exercício de
um ofício e pertencimento a Lagoa de Cima não são abaladas, pelo contrário, tornam-se o
principal repertório argumentativo para justificarem seu processo reivindicativo. Assim, como
acontece no processo de participação política, é sugerido que os elementos ligados ao projeto
sócio-ecológico que perpassa os pescadores artesanais da Lagoa de Cima venham, nos
últimos anos, sofrendo alterações. Contudo, e de modo similar ao processo de indigenização
da política, há elementos que permanecem e outros que se alteram. Porém, as alterações têm
como fim último promover a permanência de sua identidade comum diante das mudanças
advindas da sociedade.
37
A respeito desta temática, sobre a formação de representação política entre os pescadores, é necessária uma
pesquisa em maior profundidade, uma vez que, para além de uma reação cultural no sentido de formação de um
grupo de pressão, como é proposto nesta breve reflexão, há outros elementos relativos a este tema que sugerem
investigações acerca do mandonismo político, clientelismo e neoclientelismo. Assim, é de se considerar que o
exemplo acima citado consiste em uma possível abordagem, e sua pretensão é a apenas chamar a atenção do
leitor para processos de mudança e continuidade na comunidade de pescadores de Lagoa de Cima.
88
generativo que, por um lado, antecede e orienta as ações e, por outro, está na origem de outros
esquemas generativos que presidem a apreensão do mundo como conhecimento (ORTIZ,
1981:16). Transportando este pressuposto teórico para o contexto da Lagoa de Cima é
possível inferir, a partir do quadro supracitado, que as representações sociais que perpassam
as atividades dos pescadores como classe, baseiam-se em dois pólos de oposição:
passado/presente e tradição/modernidade. Este esquema classificatório presidiria, assim, as
(represent)ações do grupo. No decorrer do trabalho de campo, foi observado que o repertório
de soluções para problemas com o “fracasso da pesca”, utilizados no passado tais como a
migração destes pescadores para postos de trabalho temporário na lavoura canavieira , hoje
não são acionados. Por conseguinte, os pescadores, a partir da instituição de sua Associação,
buscam alternativas para este problema e outros, por uma via reivindicativa política (ação
estritamente moderna), de modo a esperar que por meio desta surjam soluções capazes de
resolver seus problemas.
89
Capítulo V Lagoa de Cima: objeto de construções sensível-simbólicas
Prensado entre o Itaóca e a Cordilheiras,
O lago duas vezes se arredonda
Entorno da reborda montanheira
Que às suas águas faz eterna ronda.
Pena é que o quadro montanhaz esconda
A praia lagunar e feiticeira,
Em que as águas se vão, onda por onda,
Espumejar em toda a sua beira.
Tendo montanhas pela frente e atrás,
Acima o Imbé e abaixo o Ururaí
Em singular contraste com as demais
Lagoas das planuras goitacás,
A Lagoa de cima fez-se aqui
Lago suíço em terras tropicais.
Lagoa de Cima - Dr. Guerra
5.1 – “Lago suíço em terras tropicais”
Em evidência no município de Campos dos Goytacazes, tanto pela beleza quanto pela
importância ecossistêmica, a situação na qual se encontra a Lagoa de Cima desperta a
preocupação devido aos problemas relacionados à pressão urbana que seu entorno vem
sofrendo, dentre os quais a poluição e ocupação irregular da faixa marginal. No entanto, a
beleza cênica deste conjunto paisagístico é sua dimensão mais reconhecida, até mesmo já foi
comparada aos lagos suíços e chamada de Lago dos Sonhos pelo imperador Dom Pedro II.
É interessante destacar que tais designações atribuídas a Dom Pedro II, sendo ou não
verdadeiras
38
[Em São Benedito,] o atrativo turístico é de uma rusticidade ímpar, levando o
visitante a desfrutar de tamanha beleza natural. Na sua margem, à sombra de
magníficas árvores podem ser realizadas inúmeras atividades: pescaria, saborear o
peixinho frito regional, banhos, caminhadas, descanso em relaxantes redes armadas
, permanecem.
Apresentamos a jóia preciosa que é LAGOA DE CIMA, um pedaço da Suíça no
interior de nossa cidade, distante apenas 28 Km, possuindo um admirável complexo
paisagístico! O imperador do Brasil, D. Pedro II, em sua visita a Campos, a ela se
refere como um “verdadeiro Lago dos Sonhos!” Esse episódio se deu por volta do
ano de 1860.
(...)
38
Cabe ressaltar que a veracidade sobre o autor não é para a ocasião desta pesquisa elemento de fundamental
importância, haja vista que o interesse neste momento é o de salientar que a frase e a ilustre pessoa que a
proferiu povoam o imaginário coletivo.
90
de uma árvore à outra, visitas à Igreja de São Benedito, passeios no lugarejo, enfim,
um programa de excelente lazer para toda a família.
(...)
Assim é Lagoa de Cima: especialistas reconhecem-na como um dos mais belos
recantos do Estado do Rio de Janeiro! Com águas turvas e temperaturas amenas,
muito procurada para a prática de diversos esportes aquáticos, além da atividade
pesqueira, sendo rica em várias espécies de peixes. (site da Secretaria de Indústria
Comércio e Turismo de Campos, 2008)
Hoje, a frase, supostamente proferida pelo Imperador, suas variantes e
desdobramentos são utilizados em diferentes contextos, com a intenção de instigar emoções
que, por alguns momentos, fazem dissipar nas pessoas o desalento da vida cotidiana e,
sobretudo, dar credibilidade a ações que visam ao estabelecimento de empreendimentos
turísticos
39
Na verdade, lago suíço em terras tropicais ou lagoa dos Sonhosnão se sabe ao certo
o que teria pronunciado Pedro II às margens da Lagoa de Cima, se é que lá ele esteve causa,
naquele que ouve, a idéia de que uma porção de terras, como a planície Goitacá, abriga um
lugar de belezas, à altura da composição cênica constituída pelos lagos e Alpes suíços. Neste
primeiro momento, a expressão marca uma contradição, pois atribui à paisagem tropical, por
inúmeras vezes consideradas deletéria, feições européias em que sobressaem o clima ameno e
o cenário natural instigante. É importante ressaltar que desde o primeiro impulso colonizador
europeu, o clima e a geografia tornaram-se os principais elementos a serem civilizados, haja
vista que os nativos foram logo exterminados. Lamego (1974) ressalta o papel social que o
novo ocupante da planície tem a cumprir: A influência destes fatores [advindos do meio
biofísico] no destino humano é decisiva. (...)
do município. Quando é observado em conjunto, a frase e seu ilustre enunciador,
percebe-se que neste argumento há indícios de uma visão romântica sobre a Natureza, como
salienta Cidade (2001). Um exemplo é o texto do site da Secretaria de Indústria, Comércio e
Turismo de Campos dos Goytacazes, que incentiva a visitação da Lagoa de Cima, embora não
exista uma política municipal definida para o setor.
cabe-lhes [os colonizadores] função mais ampla,
orientando e dirigindo a própria historia da planície
39
A expressão turismo é utilizada por este trabalho enquanto categoria nativa, sendo seu significado: excursão de
lazer a lugares aprazíveis ou interessantes.
” (1974:121). Ademais, em seu propósito
de conceber uma visão européia da Lagoa de Cima, a narrativa enaltece Dom Pedro II. Assim,
tal ênfase é feita de modo a estabelecer certa distinção ao lugar, afinal, quem certifica este
espetáculo da natureza é: Sua Majestade Imperial, Dom Pedro II, Imperador Constitucional e
Defensor Perpétuo do Brasil. A utilização de tão ilustre personagem na composição desta
91
alegoria
40
O destaque para a instalação do Yacht Club Lagoa de Cima é feito, uma vez que este
foi o primeiro empreendimento comercial de finalidade voltada para a promoção de atividades
recreativas. Seu fundador, o Dr. Guerra, influente personalidade campista, membro de
diversos clubes sociais, junto a seus amigos Dr. Alcimar Fraga e Dr. Francisco de Souza
corrobora para a reafirmação de que esta porção da planície campista é a mais
nobre.
Ao explorar um pouco mais o papel que cumpre esta alegoria, pode-se concluir que a
sua reprodução em peças publicitárias e em outros discursos, tem como objetivo a apropriação
de um argumento inquestionável sobre o vulto e nobreza do meio biofísico que forma a Lagoa
de Cima, o que vem a legitimar a uma visão de Natureza em que preponderam valores
estéticos e paisagísticos cuja participação social é restrita a contemplação (CAMARGOS,
2004; DIEGUES, 1998). Para o presente estudo, tal alegoria é significativa, na medida em que
sublima a materialização de idéias que compõem uma cosmovisão urbano-industrial de
Natureza. Tal representação social edifica sobre o meio biofísico uma catedral (GEERTZ,
1989; BARRETO FILHO, 2001) destinada a cultuar (somente) suas belezas. De modo
subjacente, a catedral serve para enaltecer um estilo de vida que foi perdido com o devir
histórico, assim a natureza que permanece em Lagoa de Cima é o elo perdido entre passado e
presente. Desta forma, usufruir deste passado no presente, mesmo que por alguns instantes,
em um fim-de-semana, significa recuperar por meio da memória afetiva sentimentos capazes
de minimizar o desalento em que se vive.
No que tange especificamente a esta visão sobre a Natureza, pode-se afirmar que a
mesma tem orientado atividades ligadas ao lazer e à recreação na Lagoa de Cima. O marco
desta forma de apropriação do meio biofísico da referida lagoa é a instalação do Yacht Club,
fundado em julho de 1956, pelo Dr. Manuel Barbosa Guerra, médico e escritor campista.
Carvalho ressalta uma nota publicada em um jornal campista, a respeito da inauguração da
sede recreativa do clube:
Yacht Club Lagoa de Cima: As 10 horas do dia 28 de dez [1958] realizou-se grande
concentração na chamada lagoa dos sonhos, se tratava da inauguração da sede do
Iate Clube Lagoa de Cima com uma grande programação esportiva sob o comando
de seu presidente o Dr Barbosa Guerra. Às 10 horas teve lugar a primeira grande
regata a vela, pelos veleiros componentes da Flotilha de Snipes num total de quatro.
A seguir o público foi brindado com uma notável exibição de esqui aquático
organizada pelos associados do clube. (CARVALHO, 1991:232)
40
A alegoria é uma construção que tem metáforas como tijolos. Numa fórmula sintética, a alegoria diz B para
significar A. Trata-se, portanto, do engendramento de uma significação figurada, densa em relações, mas com as
características básicas de uma metáfora.
92
Moretto, transformaram uma pequena casa de campo às margens da Lagoa de Cima em um
dos mais tradicionais clubes sociais do município. Segundo Sebastião Guerra, filho de Manuel
Barbosa Guerra, foi o “amor” de seu pai pela lagoa que o levou a tomar a iniciativa deste
empreendimento. É pertinente esclarecer que o “amor”, ao qual se refere Sebastião, tem raízes
nas memórias da infância do Dr. Guerra, cujos pais eram proprietários da fazenda de Olinda,
produtora de cana-de-úcar, às margens do rio Ururaí, próxima ao espelho d’água, lugar no
qual o Dr. Guerra viveu em sua infância:
Papai amava tanto a Lagoa de Cima, que fez a sua casa de campo às margens da
lagoa (...) onde é hoje o Yacht Club Lagoa de Cima, e depois ele reformou a casa e
teve a idéia primeiro dessa parte turística, de fazer o Yacht Club Lagoa de Cima ali
onde era a casa dele e também de socializar o local para que as outras pessoas
pudessem usufruir turisticamente da Lagoa de Cima. (Sebastião Guerra)
Deve ser ressaltado que este empreendimento tinha como objetivo ser um espaço de
lazer, dedicado principalmente aos esportes náuticos. Assim, destaca Sebastião Guerra, só era
membro do clube quem tinha condições financeiras para ser proprietário de lanchas e os
demais equipamentos (Figura 10). Portanto, a atitude de socializar os prazeres
proporcionados por Lagoa Cima consistiu em uma ação excludente e altamente seletiva, de
forma que, apenas eram aceitos como membros do clube pessoas com considerável poder
aquisitivo. Contudo, este não era o único critério salienta Sebastião Guerra: papai, (...) [e] a
diretoria (...) escolhia a dedo os novos sócios do Yacht Club Lagoa de Cima, que eram
pessoas com uma cultura, bem aquinhoados socialmente falando e de cultura, (...) tinha que
ter 3º grau, essa parte cultural. E eram formadores de opiniões...”. É de se destacar que até a
década de 1980, quando então assume J. Costa, a participação no corpo de membros do clube
era restrita ao estrato social
41
41
Torna-se relevante salientar que esta classe de profissionais liberais em Campos são os filhos das famílias
proprietárias de fazendas e usinas de cana-de-açúcar, que a partir do insucesso deste empreendimento, migraram
com seus capitais para o exercício destas atividades. De certa forma, a fidalguia de suas famílias
historicamente atrelada à propriedade da terra foi transferida para setores que também lhes possibilitava
exposição e notoriedade social. Assim, formou-se uma classe de médicos, dentistas, advogados e engenheiros
que trataram de ocupar quadros burocráticos, políticos e culturais da cidade.
formado por profissionais liberais: pessoas de “cultura”.
93
Figura 10 Momentos diversos do Yacht club Lagoa de Cima; da esquerda e no sentido horário,
construção da primeira garagem de barcos; vista parcial da garagem de barcos; Dr. Guerra (de
chapéu), amigos e a lancha “Urural”; associados em atividade recreativa
Fonte: Arquivo do Museu Barbosa Guerra
A busca por um contato mais profícuo com a Natureza em Lagoa de Cima, por parte
da população urbana residente no município de Campos dos Goytacazes, não foi limitada à
classe média letrada. Como ressalta Sebastião Guerra, já por volta da década de 1980, a base
social que participa do clube foi expandida, o que possibilitou a inserção de um maior número
de pessoas em seu quadro social. Contudo, a partir da década de 1990, as excursões ao
entorno da Lagoa de Cima tornaram-se mais freqüentes e não se restringiam ao contorno da
lagoa em Santa Rita. Os pescadores afirmam que, a partir deste momento, quando são
facultadas melhores condições de acesso rodoviário ao entorno do espelho d’água, um maior
número de pessoas passou a freqüentar o lugar e São Benedito foi incluído como um dos
destinos para desfrutar das praias de água doce.
Aliada a esta melhoria nas condições de transporte e infra-estrutura, é pertinente
destacar que no mesmo período, o ano de 1990, a prefeitura de Campos dos Goytacazes deu
início a ações que tinham como finalidade estimular o turismo. De acordo com Everaldo Reis,
funcionário da Secretaria de Turismo que atua como guia turístico do município, as ações
idealizadas pelo Governo Municipal atuam em duas frentes, a primeira é focada na
mobilização dos setores empresariais do município: “acerca de dezessete anos nós
começamos a falar sobre o turismo em Campos, e as pessoas não acreditavam! A gente
94
marcava reunião, chamava os empresários, a rede hoteleira (...) e sempre aparecia poucas
pessoas ou quase nenhuma”. Contudo, hoje quando acontecem eventos direcionados aos
empresários estes manifestam interesse e comparecem, porém, segundo o guia “não
acreditam no turismo em Campos, ou se não, eles acham que a prefeitura que tem que fazer o
turismo” de modo que não entendem que esta atividade deve ser realizada em forma de
parceria.
Por outro lado, há ações que visam estimular o turismo a partir da formação de um
público consumidor destes bens. Assim, surgiu o projeto chamado de City Tour, cujo objetivo
é o de apresentar o município de Campos, seu patrimônio cultural, histórico e natural a
estudantes de escolas públicas, particulares e outros interessados. Cabe destacar que incluído
no roteiro da visitação está a Lagoa de Cima. No que concerne a ações que visam à formação
de um público turístico em Campos, ressalta-se também a série de eventos esportivos e
recreativos apoiados ou promovidos pela prefeitura municipal. Neste sentido, é importante
explicitar que a Lagoa de Cima juntamente com a praia do Farol de São Tomé são os locais
preferenciais para a realização deste tipo de eventos. Em Lagoa de Cima, atividades como
cavalgadas, passeios ciclísticos, travessias a nado, competições de vela, corridas de
MotoCross, além dos shows musicais no ano novo e durante a temporada do verão (de janeiro
ao carnaval), são eventos que atraem grandes públicos e movimentam o lugar.
O balneário recebe de 100 a 300 veículos com pilotos de várias partes do Brasil que
vão percorrer trilhas incrementadas disputando provas de habilidade e de resistência.
As trilhas vão descortinar a paisagem bucólica de Lagoa de Cima e margeando a
Lagoa, os pilotos passarão pelo Rio Ururaí indo até a localidade de São Benedito e
Conceição do Imbé (JEEPS, 2002)
... expectativa do subsecretário é que os visitantes possam conhecer uma das mais
belas paisagens do município
. “Lagoa de Cima é um dos mais belos cartões postais
da cidade”, frisa Marcelo, acrescentando que o campeonato vai atrair competidores e
apaixonados por esportes radicais. (BARRETO, 2006)
Realizar um Torneio de qualidade como este, aqui em Lagoa de Cima, ajuda a
difundir o espore e atrai turistas para a nossa terra, movimentando a economia.
Muitos dos atletas que estão aqui hoje não conheciam a Lagoa de Cima.
Eles
ficaram tão encantados com a vista paradisíaca do local, que prometeram voltar
Estes fragmentos de notícias
, e
com toda a família”, observou. (FREIRE, 2007)
42
42
Veiculadas no site da Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes.
, ambos relacionados a eventos esportivos realizados no
entorno de Lagoa de Cima, deixam transparecer uma determinada visão de Natureza que
valoriza e enaltece a beleza paisagística, acentuando como sua característica, uma aguda
oposição à vida cotidiana nas cidades. Assim, estas expressões paisagem bucólica; mais
95
belos cartões postais do município; e vista paradisíaca amplamente empregadas
corroboram na formulação e manutenção de um ideário sobre a Natureza, em que o papel que
lhe cabe é o de ser um lugar que proporciona a fuga da extenuante vida urbana. Além disto,
tais expressões e o recorrente modo como são empregadas, denotam que tal percepção da
Natureza preza, sobremaneira, sua perspectiva estética. A valoração desta dimensão simbólica
e material da Lagoa de Cima, agregada a interesses nas potencialidades econômicas de
realização de empreendimentos, principalmente os de cunho turístico, tornam a Lagoa de
Cima objeto passível de preservação. Everaldo Reis sintetiza toda esta pretensão do seguinte
modo:
... o turismo que é uma indústria que não polui, que traz recursos e muito recursos.
Hoje, nós temos que pegar o turismo como base de tudo, porque hoje é a melhor
indústria. Porque você só tem a receber e pouco você dá. Você tem que conservar,
preservar o que você tem, para você ter sempre, aquela mina de ouro. A Lagoa de
Cima, é uma mina de ouro! (...) é aquele caso da história da galinha dos ovos de
ouro. Não pode matar a galinha, você tem que manter a galinha viva, preservando,
sempre pensando que você, se preservando, você vai ter para a vida toda. Agora,
você não pode deixar ônibus e ônibus chegar ali jogando lixo fazendo churrasco no
pé da árvore e matando a árvore, porque daqui a pouco você não tem. Vai tá tudo
poluído, não vai tem mais árvore e vai ficar um lugar feio. (...). Só falta um
pouquinho de interesse político, e a conscientização da população que mora nessa
região. (Everaldo Reis)
A justificativa para a defesa dos atributos naturais e humanos (quando os aspectos
referentes a um modo de vida rústico tornam-se altamente valorizados) elaborada pelo guia
turístico do município é a de que a Lagoa de Cima, em circunstância nenhuma, pode vir a
perder os atributos que despertam o interesse de seus visitantes.
5.2 – A proteção institucional da Lagoa de Cima
Na década de 1970, o debate público sobre temas relacionados à questão ambiental
assumiu maiores proporções no contexto mundial e, por conseguinte, no Brasil. O
Ecologismo, baseado na Ecologia Política, que neste período era a principal corrente de
pensamento sobre esta questão, propagava a idéia de que a sociedade global deveria estar
atenta à crescente crise ambiental, decorrente do modelo de desenvolvimento adotado. Neste
sentido, as críticas propostas indicavam a necessidade de ocorrer um reexame das noções
tradicionais de política e do domínio humano sobre a natureza. Para Hector Alimonda, o
Ecologismo também esteve intensamente vinculado aos “novos movimentos sociais” (e.g.
pacifista, feminista, etc.), que nos países desenvolvidos promoveram uma ampla crítica ao
modo de vida, principalmente da sociedade de consumo; e aos movimentos populares,
96
formados nos países periféricos, consolidando, tais idéias um “novo” repertório de
reivindicações e outras formas de articulação política. (ALIMONDA 2005:70)
Os reflexos desta abrangente agitação social em defesa do ambiente refletiram-se em
Campos dos Goytacazes. Assim, no ano de 1977, por iniciativa dos estudantes secundaristas
do Liceu de Humanidades de Campos, Renato Pinto Venâncio e Ronaldo Miranda Motta com
o apoio do professor Aristides Soffiati, foi criada a organização não governamental Centro
Norte Fluminense de Conservação da Natureza (CNFCN). Pondera Soffiati, que a idéia inicial
não era clara, sob o ponto de vista do que seria a organização, todavia, Renato e Ronaldo
tinham o propósito de instituir uma ONG que “lutasse, que batalhasse pela efetivação do
Parque Estadual do Desengano”. Hoje, com trinta anos de existência, o CNFCN é uma
organização em prol do meio ambiente com destacada atuação nos municípios do Norte e
Noroeste do estado do Rio de Janeiro e reconhecimento nacional. Ademais, a ONG constitui
um importante ator político junto a instâncias que representam a sociedade no município.
A história de formação do CNFCN se confunde com a história de vida pública de
Aristides Soffiati. Ele, em um primeiro momento, recusou o convite de seus alunos, uma vez
que achou que se tratava de “mais uma aventura estudantil”. Contudo, após este primeiro
momento, o professor aceitou fazer parte da fundação, entretanto continuava com sua
descrença quanto à consolidação da ONG: eu supunha que não iria durar mais muito tempo.
Mas por serem todos eles muito jovens (...). Por não terem muita idade e experiência para
assumirem a presidência eu acabei me aproximando da diretoria e acabei me tornando
presidente.” À frente da organização, por quatro mandatos, Soffiati
43
Quando ela começou [1977] a idéia era de clube recreativo, a idéia era fazer uma
espécie de exposição, feirinhas no final de semana numa praça da cidade com mudas
presidiu o CNFCN no
período mais atribulado da entidade, entre 1979 e 1991. Estes primeiros doze anos, afirma
Soffiati, foram decisivos para a concretização da ONG, no que tange principalmente às suas
diretrizes e campo de atuação. Assim, o ambientalista ressalta que, a princípio, o CNFCN
pretendia atuar apenas em Campos e ter a atenção voltada para os problemas relacionados ao
desmatamento. Entretanto, no decorrer destes doze anos a organização atuou nos demais
municípios da região e em ações relativas à proteção de vegetação nativa, proteção de fauna,
proteção de rios e lagoas da região, patrimônio cultural e combate à poluição. Neste momento
inicial, também foi definido o perfil dos participantes da ONG:
43
Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2001) é professor da Universidade
Federal Fluminense desde 1985, autor de nove livros sobre cultura e meio ambiente. É, ainda, crítico de cinema e
articulista do jornal Folha da Manhã (Campos dos Goytacazes).
97
de plantas para vender e com quadros (...). Assim, com uma coisa que parecia bem
elitista mesmo. Não é estranho a gente encontrar pessoas da elite que falam sobre
natureza, era uma idéia meio romântica ou então oportunista. Por parte destas
pessoas. Então isso aconteceu no início, quando ela não tinha uma definição de que
caminho tomar. Acho que isso aconteceu de fato, essa ruptura se deu quando uma
vanguarda da ONG se associou ao movimento de pescadores da Lagoa Feia e do
Farol de São Tomé, foi o momento crítico mesmo que o DNOS pretendia levar até o
final o projeto dele de drenagem da região, momento em que começou a fazer três
canais submersos na Lagoa Feia.
E continua:
... no ano seguinte [1978] essas pessoas já estavam se afastando porque acharam,
começaram a entender que a linha dada ONG estava caminhando em um sentido
perigoso. Perigoso porque, este grupo que estava à frente, a diretoria estava se
associando cada vez mais ao movimento de pescadores que estavam contestando as
ações do DNOS na Lagoa Feia, no Farol de São Tomé, principalmente em Barra do
Furado e na Lagoa do Campelo. O DNOS pretendia concluir suas obras planejadas e
encontrou a resistência dos pescadores, que temiam a drenagem completa da Lagoa
Feia caso as obras chegassem até o final. Nós [a ONG] acabamos apoiando este
grupo e tanto, nos três lugares (...). Eu mesmo tentei conversar com eles sobre o
perigo que representava, pois a gente estava ainda num regime autoritário e militar e
em função do movimento deles, a polícia federal foi acionada, porque o DNOS
entendeu que estava havendo todo um processo de subversão e que não eram os
pescadores que estavam fazendo isso, porque eles não tinham autonomia para isso,
mas era um grupo que estava se infiltrando, e os agitadores éramos nós! (Aristides
Soffiati)
A campanha empreendida de forma conjunta com os pescadores da região surtiu
efeitos: o movimento conseguiu fazer com que o DNOS recuasse e por fim paralisasse as
obras e a mobilização resultou na intimação de onze pessoas na Delegacia de Polícia Federal
para dar esclarecimentos sobre as atividades da ONG junto aos pescadores
44
... esse caráter [relacionar a luta de defesa do meio ambiente com os interesses de
movimentos populares], a gente sabia muito bem que não poderia avançar muito
com esses grupos. Por exemplo, nos também tivemos uma aliança com os
trabalhadores rurais por conta do uso de agrotóxico a base de mercúrio. Aí houve
. “Ai, é claro que
a elite campista não queria é estar ligada a uma ONG que tinha esse perfil, elas começaram
a se afastar logo no inicio mesmo, depois que essa linha foi colocada”, reafirma Soffiati.
Ações como as empreendidas na Lagoa Feia, corroboraram para a formação do perfil da ONG
na década de 1980, que foi o de uma organização combativa. No entanto, mesmo que ações
em conjunto com movimentos populares, tais como os pescadores e trabalhadores rurais,
fossem desenvolvidas pela ONG, tais aproximações consistiam em uma ligação muito estreita
entre interesses momentâneos destes grupos. Assim, é elementar ressaltar que neste período
inicial, a marca da ONG entrecruzar os seus interesses em proteção da natureza com
questões sociais destes grupos foi uma realização estratégica:
44
Sobre os conflitos entre pescadores e o DNOS, ver Valpassos (2004).
98
também uma aliança entre nossa ONG com a Associação Gaúcha de Proteção ao
Ambiente Natural, porque no Rio Grande do Sul estava acontecendo esse mesmo
problema como uso de fungicidas a base de mercúrio no cultivo de morango e aqui
no cultivo de cana. Uma pesquisa feita pela COPPE, bancada pela FGV, demonstrou
que 72% dos trabalhadores rurais examinados aqui em Campos, apresentavam teores
perigosos de mercúrio no organismo, então com essa informação, o sindicato dos
trabalhadores rurais deflagrou o movimento, [e] nós nos aliamos. Mas, sabendo que
o que a gente queria era mais (...) não era simplesmente acabar com os fungicidas
mercuriais. Nós tínhamos aquela idéia mesmo da década de 1970, de criar um outro
mundo, de criar uma outra realidade, uma eco-civilização que não fosse nem
capitalista nem socialista. Porque eram formas que estavam ligadas a revolução
industrial e que eram insustentáveis do ponto de vista ambiental. Quer dizer, nós
somos mais filhos dos movimentos de 1968 do que [aqueles] do século XIX. A
ligação nossa estava bem presente, bem claro quanto a isso. (Aristides Soffiati)
Como esclarece o ativista, o movimento ecologista dos anos 1970 serviu de subsídio
para a formulação de uma plataforma reivindicativa da ONG muito mais que os movimentos
conservacionistas/preservacionistas iniciados no Brasil, no fim do século XIX:
Tomei gosto pela militância, mas nunca deixei de estudar. Sofri grande influência de
autores da linha ecologista, como Michel Bosquet, Rudolf Bähro, Jean-Pierre
Dupuy, Dominique Simmonet, Laura Conti e outros. Estes pensadores emergiram
dos movimentos de 1968, na Europa, e empreenderam uma crítica severa ao
capitalismo e ao socialismo, por julgarem-nos contra-naturais. Ao mesmo tempo,
apresentavam um outro projeto de civilização que ultrapassava os dois. Tratava-se
de uma nova utopia, porém distinta das grandes utopias da modernidade, das utopias
de longo prazo, que só pensavam num mundo feliz para a humanidade. O
ecologismo colocava em evidência a importância dos ecossistemas como agentes de
história. (SOFFIATI, 2007)
Por outro lado, a mencionada parceria com a Associação Gaúcha de Proteção ao
Ambiente Natural (AGAPAN) também é reveladora sobre quais pretensões tinham as pessoas
à frente da ONG. Ora, a AGAPAN, fundada em 1971, por José Lutzenberger deu início ao
movimento ecológico brasileiro e a sua principal característica era a de atuar em numerosas
áreas ambientais, o que hoje esta instituição continua a realizar, através do que denominam
holismo ecológico. Este conceito expressa a realização de uma ampla gama de atividades
correlatas a defesa do meio ambiente
45
45
A título de exemplo, faz parte do rol de ações da AGAPAN intervenções e atividades educativas nas seguintes
áreas ambientais: poluição hídrica e do ar; contaminação dos agrotóxicos; educação ambiental; explosão
demográfica; poluição radiativa; desmatamento; erosão do solo; poluição sonora e visual; reflorestamento,
loteamentos, energia nuclear, tecnologias alternativas, paisagismo, urbanismo, culturas indígenas, hidrelétricas,
reflorestamento, proteção ao consumidor e consumismo predatório, lixo urbano, economia ecológica,
agroecologia, energia solar, eólica e de biomassa; reciclagem de papel, latas e garrafas; espécies ameaçadas de
extinção; planejamento urbano e regional, criação de parques e reservas, etc.
(AGAPAN 2008). Assim sendo, o CNFCN tem como
marca teórica e política a realização de um ativismo ambiental que não está preocupado com
uma causa especifica dentre as distintas facetas dos problemas ambientais que afetam as
regiões norte e noroeste do Estado do Rio de Janeiro. Portanto, prevalece na organização uma
99
orientação para resguardar os “ecossistemas naturais e construídos”, principalmente aqueles
afetados diretamente por ações desenvolvimentistas de base industrial e/ou agropastoril. Neste
sentido, a articulação dos elementos que construíram as linhas de ação e pensamento que
caracterizam o CNFCN, em muito é resultado da liderança e, sobretudo, da experiência
teórica acumulada por Soffiati:
No final das contas, [ao assumir a presidência do CNFCN] eu acabei colocando as
minhas idéias. Tentando colocar essas idéias em prática! Tentando fazer uma
junção, (...) entre uma experiência teórica, uma reflexão teórica e ao mesmo tempo
atuar na pratica mesmo pretendendo buscar [a] transformação e eu fui aprendendo
também que isso era muito difícil, por que há resistências, eu não supunha que eram
tão fortes assim. E acabei percebendo que era muito difícil. Muito difícil promover a
transformação, seja lá por que via for. (Aristides Soffiati)
A visibilidade alcançada pelos debates sobre questões relativas ao meio ambiente nos
últimos anos do século XX, trouxe uma série de outros interessados para junto dos
ecologistas, que apesar da participação no debate, não compartilham a mesma visão dos
primeiros sobre a Representação da Natureza, bem como sobre a melhor forma de
instrumentalizá-la. A mobilização mundial ajudou bastante na transformação de algumas
mentalidades, uma vez que mais pessoas, através dos meios de comunicação, começaram a ter
informações a respeito da crise ambiental. Além do mais, o aumento na freqüência de
fenômenos naturais extremos contribuiu para a visibilidade desta questão e, em Campos dos
Goytacazes, este cenário não foi diferente. No que concerne à conjuntura regional, as
atividades do CNFCN constituíram importante contribuição na promoção do debate
ambiental, pois suas ações proporcionaram, em alguns momentos, uma aproximação desta
problemática, que transcorria no contexto global/distante para uma dimensão local/próxima
ao cotidiano:
As coisas mudaram, mudaram sim, posso dizer que mudaram de uma certa maneira.
O nosso discurso dos anos 1970 foi incorporado, mas com limites. E a prática
correspondente a este discurso é muito pequena ainda, mas mudou alguma coisa.
Então, parece que a gente tem que forçar bastante a situação, esticar bastante o
elástico para ver se quando solta, ao soltar para ver se ele não volta ao tamanho
original, para ver se ele fica um pouco mais comprido. E me parece que essas coisas
de uma certa maneira aconteceram. Hoje as preocupações com essas questões são
muito grandes. Agora eu não sei, mas dizem que a nossa ONG na historia pesou
muito, porque se não fosse a ONG não haveria esse avanço. (Aristides Soffiati)
A participação ativa da ONG no contexto municipal e o destaque acadêmico do
militante Soffiati possibilitaram que ambos se tornassem atores políticos relevantes. Esta
distinção entre CNFCN e o ativista aconteceu, visto que nos anos 1990, a organização tomou
novo rumo. Conforme Soffiati, a inclusão de mais atores sociais no debate sobre o meio
100
ambiente tornou complexo o panorama político da militância, “o retrato branco e preto
passou a ser um retrato colorido, os adversários começam a se camuflar de uma certa
maneira ou então outras idéias propostas entraram em cena”. Soffiati continua e afirma que
o relatório “O nosso Futuro Comum” foi fundamental para esta complexificação, pois ao
lançar a idéia do desenvolvimento sustentável, tornou mais palatável a discussão sobre o meio
ambiente, haja vista sua ampla aceitação por parte do empresariado e do Estado que
incorporaram esse conceito de desenvolvimento sustentável, mas tudo passou a ser
sustentável daí pra frente. Sustentabilidade passou ser uma expressão usada
indiscriminadamente”. A aceitação das propostas feitas pelo ambientalismo conduziu as
propostas ecologistas para um segundo plano (ZHOURI, 2005; ALIMONDA, 2005). O
predomínio nas discussões ambientais de uma dimensão apenas com caráter reformador e não
revolucionário fez com que Soffiati e a ONG se distanciassem:
Mas depois nós fomos percebendo qual era a realidade, e ai a organização
vislumbrou três tendências pela frente; uma delas era [a] mais extremista, que não
deu certo, porque gerava uma antipatia grande, inclusive naqueles possíveis aliados.
Não era por que a gente teria que caminhar se quisesse conseguir a simpatia
destas pessoas; uma via intermediária, era a de lutar pela imprensa, pelos meios de
comunicação e conseguir espaço nos jornais para escrever artigos, estar fazendo
reportagens entrevistas e colocando essa linha. Assim, mais de pensamento, mais de
teoria, ligada a política (..). E o terceiro caminho foi o que a ONG adotou após eu
sair, no início dos anos 1990. O caminho de se buscar o que se chama hoje de
ecologia de resultado ou ambientalismo de resultados e aí a ONG foi chamada pela
Petrobrás para ministrar cursos, não que eu seja contra isso não, mas hoje em dia a
ONG acabou se transformando em uma espécie de prestadora de serviços da
Petrobrás.(...) Então a ONG, hoje em dia, vive por conta disso, praticamente eu acho
que essa linha escolhida acabou se tornando uma prisão para a ONG. Então eu
continuo filiado a ela, mas vou levando a minha vida de forma independente, pois
percebi que não era esse o meu caminho. Se alguém me pede para fazer uma palestra
eu faço, mas ficar preso a esse trabalho eu não consigo ficar. (Aristides Soffiati)
Contudo, este desacordo não concerne apenas ao modo como são conduzidas as ações,
mas também ao aspecto tático da luta, porém tais divergências não imobilizam a realização de
ações políticas conjuntas, “eu faço parte do CMMAU representando a UFF, não
representando a ONG. Até porque a gente entendeu que duas pessoas que comunguem dos
mesmos princípios podem dar mais peso dentro do Conselho.”. Do ponto de vista estratégico,
ONG e ecologista entendem que a aliança é necessária na disputa por espaço político. Em
vista disso, em um primeiro momento, a participação ativa da ONG e seus associados, em
questões envolvendo o DNOS ou os trabalhadores rurais, conduziram-nos à cena pública de
modo a torná-los habilitados para defender politicamente as questões relativas ao meio
ambiente. No segundo momento, como forma de se manterem no “jogo político”, destaca-se o
abrandamento em alguns aspectos de seu discurso ecologista, em função da defesa de uma
101
postura consensualista, com o objetivo de minimizar perdas ou mesmo não provocar
retrocessos. Atualmente, as disputas por colocações de idéias no espaço político estão mais
relacionadas ao consenso que ao confronto. Diz Soffiati, que para “o que se pretende alcançar
como estratégia, a gente tem de fazer concessão
A consolidação desta postura de negociação de alianças garantiu ao CNFCN a
permanência e ampliação de seu espaço político. De uma perspectiva mais ampla, um dos
principais ganhos obtidos neste terreno, pela ONG, foi a de obter legitimidade junto às classes
políticas, empresariais e à própria sociedade como um porta-voz de interesses relativos ao
meio ambiente. Exemplo deste protagonismo é a presença constante da ONG no Conselho
Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (CMMAU), instância prevista na lei orgânica de
Campos dos Goytacazes que visa garantir a “participação popular, através de entidades
representativas(Art. 173). Além desta presença, a ONG conseguiu certa visibilidade nos
quadros políticos, inclusive dois de seus membros chegaram a exercer o cargo de Secretário
de Meio Ambiente no município.
Houve duas situações, o primeiro secretário de meio ambiente de campos passou
pela nossa ONG, mas se desligou dela depois que foi nomeado secretário e mudou
completamente de atitude. E depois ele saiu por questões político-partidárias e um
outro secretário, que também tinha passado pela ONG. Era de praxe a pessoa se
desligar da ONG, até para ficar mais livre, não era propriamente se desfiliar, mas
era pedir licença para poder ficar mais a vontade. Esse daí [o Sidney Salgado]
manteve os princípios até onde ele podia para poder atuar. Mas aí ele se chocou com
[os] interesse muito particularistas dos ruralistas, agora neste período de cheias e a
cabeça dele foi pedida, e ai colocaram o Paulo Albernaz, um político tradicional,
para ser secretario de meio ambiente e ele ficou apenas com a presidência do
CMMAU. (Aristides Soffiati)
***
Em consonância com os debates sobre o meio ambiente que mobilizaram a opinião
pública nos anos 1970 e 1980, o Estado brasileiro cria órgãos e institui leis, neste período,
com o objetivo de firmar uma “política nacional do Meio Ambiente” (lei n° 6938 de
31/08/1981). Assim, na Constituição de 1988, o artigo 225 estabelece: Todos têm direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A inserção da temática ambiental consiste
em um marco da última constituinte, pois, até a instituição da presente Carta, as anteriores não
possuíam dispositivos para disciplinar a proteção da Natureza.
Ademais, o Capítulo VI corroborou para uma mudança substancial na proteção do
meio ambiente no Brasil. A principal alteração, está relacionada à divisão da
102
responsabilidades entre o Estado e a sociedade, de modo a encarregar ambos da preservação
do meio ambiente. Na verdade, a preceituação constitucional de distribuir a responsabilidade
entre sociedade e Estado para alcançarem seus interesses é uma característica da Constituição
de 1988. Desta forma, a inclusão da sociedade nos processos de decisão e gerenciamento do
ambiente, no entendimento da Carta, é a forma democrática pela qual o meio ambiente
ecologicamente equilibrado pode ser garantido, como direito essencial da pessoa humana.
As condições para a participação da sociedade e suas organizações na gestão e
fiscalização de políticas públicas de meio ambiente tornou-se possível, a partir da criação dos
Conselhos Municipais de Meio Ambiente. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA),
a institucionalização destes conselhos em uma esfera local acontece devido à compreensão de
que os:
... problemas que afetam o meio ambiente e a qualidade de vida das pessoas ocorrem
no município. E a partir deles podem ser empreendidas ações capazes de preveni-los
e solucioná-los. Mais do que isso, o município é o local onde se podem buscar
caminhos para um desenvolvimento que harmonize o crescimento econômico com o
bem-estar da população. (Site MMA, 2008)
Em vista disso, o Conselho Municipal de Meio Ambiente é um órgão criado para que a
sociedade e o Estado cheguem ao fim proposto, qual seja a garantia do direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Portanto, o Conselho Municipal é um espaço onde
órgãos públicos, setores empresariais, políticos e organizações da sociedade se dispõem ao
debate na busca por soluções para o uso e para a recuperação dos danos ao meio ambiente.
Trata-se de um instrumento de: exercício da democracia, educação para a cidadania,
convívio entre setores da sociedade com interesses diferentes.” (Site MMA, 2008)
Com a incorporação da temática ambiental pela Constituição, o Sistema Nacional de
Meio Ambiente (SISNAMA)
46
O contexto sócio-político que figurava em Campos dos Goytacazes, marcado pelo
ativismo ecologista do CNFCN, e os indicativos apresentados pela Constituição de 1988,
sobre a importância das questões ambientais levou, já nos primeiros anos da década de 1990,
, componente da Política Nacional do Meio Ambiente, que
dispõe sobre a articulação e a responsabilidade dos seus órgãos competentes nos três níveis de
governo, foi fortalecido. Assim, a constitucionalização da temática ambiental conduziu à
criação nas legislações das unidades federativas códigos que disciplinassem o uso do meio
ambiente.
46
O SISNAMA é formado pela “totalidade dos órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal,
dos territórios e dos Municípios”, cuja responsabilidade é a proteção e melhoria da qualidade ambiental.
103
o município a elaborar uma série de legislações que contemplavam a temática ambiental (e.g.
Lei Orgânica 1990, Plano Diretor 1991, criação da Assessoria de Meio Ambiente 1992, as
APAs da Lagoa de Cima 1992 e Lagamar 1993, o Conselho Municipal de Meio Ambiente
1994). Por tantas realizações em um breve período, o município pode ser considerado
pioneiro, pois instituiu políticas municipais que tornam possível ao Poder Público e à
sociedade, definirem diretrizes e estabelecer normas na forma de leis que regulamentam as
questões ambientais locais. Em termos de comparação, é importante destacar que, segundo a
publicação do IBGE: Perfil dos Municípios Brasileiros - Meio Ambiente (2005), no ano de
2002, somente 25% das cinco mil, quinhentas e sessenta cidades brasileiras possuíam
Conselhos Municipais de Meio Ambiente ativo (IBGE, 2005).
Neste sentido, são observados desdobramentos do que preceitua a Constituição de
1988 na Lei Orgânica do Município de Campos dos Goytacazes, promulgada em 28 de março
de 1990. Na legislação local, em momentos diversos, são enunciadas questões que envolvem
a temática ambiental, passíveis ora de algum tipo de regulação, ora necessitando de estímulo
para a realização. No seu Título V (Da Ordem Econômica e Social), o art. 170 proclama os
objetivos a serem atendidos e as funções sociais da cidade, quais sejam: o acesso pelo cidadão
à moradia, transporte público, saneamento básico, energia elétrica, gás canalizado,
abastecimento, iluminação pública, saúde, educação, cultura, creche, lazer, água potável,
coleta de lixo, drenagem das vias de circulação, segurança e preservação do patrimônio
ambiental e cultural.
Além desta difusa preocupação com a preservação do meio ambiente, no Capítulo VII
(Do Meio Ambiente, arts. 242 a 251), a Lei Orgânica elenca um conjunto de normativas que
pautam as ações do município, para que este possa garantir aos munícipes o “direito ao meio
ambiente ecologicamente sadio e equilibrado, bem de uso comum e essencial à qualidade de
vida, cabendo à sociedade e, em especial ao Governo, o dever de recuperá-lo e prote-lo em
benefício das presentes e futuras gerações, que devem recebê-lo enriquecido” (Art. 242).
Além do mais, no conjunto de obrigações do Governo Municipal está incluído, como
preceitua a Constituição, desenvolver suas ações em consonância com “as orientações dos
Governos Federal e Estadual, ou colaborando com eles e com a participação da sociedade,
através de seus organismos representativos” (Art. 243). Destaca-se também que em Campos
dos Goytacazes, a lei nº 5.664, de 8 de Junho de 1994, criou o Conselho Municipal de Meio
Ambiente e Urbanismo como forma de promover o debate sobre questões relativas à proteção
104
do “meio ambiente e urbanismo”, bem como, de ser o órgão consultivo e deliberativo do
Sistema Municipal do Meio Ambiente”.
Implícito na preocupação com o meio ambiente equilibrado e de acesso a todos, como
prevê a legislação municipal, encontra-se a pretensão de garantir aos munícipes e demais
cidadãos, brasileiros ou não, um ambiente ecologicamente sadio. Tal proposição reafirma o
direito universal ao ambiente mencionado na Constituição. Em outro aspecto, o direito ao
ambiente ecologicamente equilibrado, enfatiza que existe a possibilidade de uso da Natureza,
na medida em que se instituam planos de manejo, como forma de condicionar o uso à
manutenção do equilíbrio sistêmico, ressaltando que o ambiente é um bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida. A legislação municipal referenda que o ambiente
ecologicamente equilibrado diz respeito a todos, sem que haja alguma distinção, ou seja, o
ambiente não é um bem exclusivo da União, Estados, Municípios, indivíduos ou corporações.
Neste sentido, a legislação municipal confere a obrigação de preservar e defender o ambiente
para o Poder Público e a sociedade, impondo a estes o dever de assegurar o equilíbrio entre
desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente, não só na atualidade, mas,
sobretudo, de forma a assegurar o direito das novas gerações ao ambiente equilibrado e
enriquecido.
Como observado, o texto da Lei Orgânica do município foi sustentado essencialmente
sob a premissa do Desenvolvimento Sustentável, dimensão essa que também perpassa todo o
ordenamento jurídico municipal. Por seguir esta base conceitual, a premissa da participação
democrática nas formulações de política públicas se faz presente no contexto local,
exclusivamente por meio do CMMAU. Compete destacar que este conselho aglutina, em um
mesmo espaço, atores sociais com interesses distintos empresários de diferentes setores;
movimentos sociais variados; sindicatos patronal e trabalhistas; ONGs; Academia e Poder
Público com o intuito de discutir propostas para as questões ambientais locais. Tal
confluência imprimiu nesta arena de diálogo um caráter destacadamente ligado a ações que
buscam alternativas consensuais, como forma de atender aos interesses polarizados entre
desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente. Para Soffiati, nas negociações
do Conselho “tem que recuar, tem que avançar quando é possível, tem que buscar alianças,
porque é o modo.
Ademais, a disseminação do discurso ambientalista (conceito ligado à defesa da
ideologia do Desenvolvimento Sustentável) na esfera pública, tornou a temática ambiental
adequada aos discursos e práticas de uma parte considerável daqueles atores que antes eram
105
totalmente contrários aos Ecologistas. Assim, em Campos dos Goytacazes, por exemplo, é
notada a ativa participação, na mesa de discussão, de representantes das agroindústrias
sucroalcooleiras e ceramistas, atividades que ao longo da história do município contribuíram
para uma severa agressão ao ecossistema local. Na atualidade, estes atores sociais possuem
interesses nas discussões da “questão ambiental”, uma vez que no presente momento a aura
de “ecologicamente corretos” podem render a estes empresários possibilidades de agregar
valor a seus produtos. As prerrogativas estabelecidas pelo ideário do Desenvolvimento
Sustentável, base conceitual que subsídio para a sustentação da atual feição da “questão
ambiental”, segundo Zhouri e outros (2005) é denominada paradigma da adequação
ambiental. Para estes autores, os conceitos e crenças amadurecidos pelo Ecologismo durante
as décadas de 1980,
... biodiversidade, sociodiversidade, justiça social, direitos humanos e
desenvolvimento social foram içados a temas entrelaçados pela idéia de
desenvolvimento sustentável. Contudo, o discurso global em favor do
desenvolvimento sustentável inscreveu, de fato,
a sociedade e desenvolvimento,
numa concepção evolucionista e totalizadora de “crescimento econômico”. A
“natureza” considerada como realidade externa à sociedade e as relações sociais
foi convertida em uma simples variável a ser “manejada”, administrada e gerida, de
modo a não impedir o desenvolvimento
Deste pensamento, emergiu a concepção que se tornou o projeto reformador da atual
sociedade. Assim, quando no texto das leis fica explícita a defesa do direito universal a
qualidade de vida própria de um meio ambiente sadio, tem-se a idéia incutida de que o sentido
expresso pelo termo “qualidade de vida” é aquele traduzido em indicadores, que tornam
possível a aferição e a parametrização objetiva, tais como: qualidade da água, ar, solo,
alimentos, condições de habitação, saneamento básico, entre outros. Deste modo, como
chama atenção Acselrad (2004), o meio biofísico é resumido a meras quantidades de energias.
Há também de ser observado que a participação democrática nas esferas de diálogo e a
universalidade de acesso ao meio ambiente, no caso de Campos dos Goytacazes, mesmo
considerando todo o avanço, continuam insuficientes, uma vez que a pluralidade social que
acompanha as discussões do conselho representa uma visão urbano-industrial. Mesmo que
ocorram variações nesta posição, com maior sensibilidade para questões relacionadas às
populações “tradicionais em determinados momentos, aglutinados no posicionamento da
. (2005:15)
106
própria ONG e de setores acadêmicos, no entanto os pescadores artesanais do município, até o
ano de 2007, não tinham um representante no CMMAU
47
A rápida absorção da temática ambiental nos termos do Desenvolvimento Sustentável,
como já fora mencionado, fez prevalecer no conjunto de leis locais a noção de Natureza
relacionada diretamente com a de recursos naturais, que por sua vez sofreu influência da
ideologia da iminente crise por esgotamento ambiental como sugere Acselrad (2004). Deste
modo, o corpo de leis municipais enfatiza como mecanismo que garante a permanência e a
possível melhoria das condições do meio ambiente, medidas relacionadas à concepção do
poluidor pagador
.
48
. Por outro lado, a política ambiental de Campos dos Goytacazes assume
também como estratégia geral para a proteção e a valorização do patrimônio natural a adoção
de medidas que privilegiam a gestão racional/científica de áreas, entendidas como, relevantes
e de “interesse ecológico, para manutenção da eco e biodiversidades e recuperação da
qualidade ambiental do Município” (Art.55, inciso I, Plano diretor 2007). Deste modo, consta
na Lei Orgânica do Município, Art. 243, que um dos mecanismos para garantir a proteção do
meio ambiente é a adoção e manutenção de unidades de conservação
49
, destacam-se:
II - restaurar e defender as unidades de proteção ambiental e as reservas ecológicas,
assim consideradas pela legislação vigente, situadas total ou parcialmente nos
limites do Município;
V -
criar unidades de preservação e de conservação ambiental
A partir da enunciação presente na Lei Orgânica deste artifício para a proteção da
natureza, as demais legislações (Plano Diretor 1991; as leis que criam a APAs Lagoa de Cima
e Lagamar, bem com o Plano diretor de 2007) indicam e de certo modo reforçam a ideologia
, com a finalidade de
proteger e permitir a restauração de amostras de todos os ecossistemas ou de seus
remanescentes, existentes no território do Município, providenciando com brevidade
a sua efetivação por meio de indenizações devidas e a manutenção de serviços
públicos indispensáveis à sua integridade;
47
Deve ser destacado que a não participação dos pescadores ou qualquer outro segmento social relacionado a
camadas inferiores da sociedade, tais como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, não deve ser pensado como
desinteresse ou incapacidade de articulação por parte destes segmentos. Argumentar deste modo é
demasiadamente simplista. Assim, é importante refletir sobre as condições que o próprio Conselho
oferece/impõe aos seus participantes, das mais simples, como horário e local, a aspectos que dizem ao processo
ritual que são as reuniões e o modo como são discutidas as questões.
48
Princípio entendido como aquele em que há a possibilidade dos indivíduos ou instituições, dotados de recursos
econômicos, se amparem destes recursos para arcarem com danos (externalidades) advindos de atividade
poluidora ou que leve à degradação, o que ocorre principalmente por meio de multas e impostos diferenciados.
49
Cumpre salientar que até a lei 9.985 SNUC (2000), quando há a categorização e a definição de tipologias de
UCs, ampla gama de arranjos organizacionais com as mais variadas denominações serviam ao propósito da
instituição de Áreas Naturais Protegidas. Com o mesmo intuito de normatizar as tipologias de UCs, o município
de Campos dos Goytacazes com a lei 7.972 (2007) institui as possíveis categorias de UCs que dispõe o
município, destacando que o município absorve os conceitos e tipologias do SNUC.
107
de que a instituição de UCs é adequada e satisfatória. O Plano Diretor de 1991 consistiu o
primeiro esforço na criação de áreas protegidas em Campos dos Goytacazes com o objetivo
manifesto de realizar a “proteção e recuperação de áreas de interesse ambiental” (Art. 46).
Neste sentido, foi estabelecido que no prazo de quinze meses, a contar da data de
promulgação da lei, o município instituiria as seguintes Unidades de Conservação da
Natureza: I - Área de Proteção Ambiental APA do Vale do Imbé e da Lagoa de Cima; II -
Área de Proteção Ambiental APA do Lagamar, na zona costeira; III - Área de Proteção
Ambiental do Morro do Coco; IV - Parque do Taquaruçu; V - Parque do Itaóca (art.47).
Das unidades de conservação propostas no Plano Diretor, duas delas continuam apenas
como projeto de Política Ambiental do município de Campos dos Goytacazes, são elas: o
Parque do Itaóca e a Área de Proteção Ambiental do Morro do Coco. No Plano Diretor de
2007, estas áreas permanecem como preferenciais para a instituição de novas unidades de
conservação no município. As APAs de Lagoa de Cima (1992) e a do Lagamar (1993) foram
legalmente instituídas dentro do prazo que estipulava o Plano Diretor de 1991. Embora o
Poder Executivo tenha atendido à determinação legal criando as unidades, a proteção destas
áreas naturais não foi efetivada, pois nenhuma das duas, conta sequer com plano de manejo.
Das cinco unidades propostas, somente o Parque Natural Municipal do Taquaruçu (2004),
conta com algum tipo de infra-estrutura para receber visitantes.
A região de Lagoa de Cima, como área protegida tem a sobreposição de duas
legislações: a Área de Interesse Especial (Lei nº 1.130, 1987) que é regulamentada pelo
decreto nº 9.760 (1987), localizando as Áreas de Interesse Especial do interior do Estado, e
definindo suas normas de ocupação; e a Área de Proteção Ambiental Lagoa de Cima,
instituída pelo município de Campos dos Goytacazes sob forma de Lei nº 5.394 (1992). Estas
duas determinações jurídicas dispõem de elementos que têm como principal objetivo
disciplinar a ocupação humana, proporcionando a proteção da área de modo a conjugar os
interesses sociais e econômicos. Tal perspectiva fica evidente na concepção legal de área de
proteção ambiental utilizada para a formulação da proposta do município:
Art 8º - O Poder Executivo, quando houver relevante interesse público, poderá
declarar determinadas áreas do Território Nacional como de interesse para a
proteção ambiental, a fim de assegurar o bem-estar das populações humanas e
conservar ou melhorar as condições ecológicas locais.
Art 9º - Em cada Área de Proteção Ambiental, dentro dos princípios constitucionais
que regem o exercício do direito de propriedade, o Poder Executivo estabelecerá
normas, limitando ou proibindo: (LEI 6.902 1981)
108
Contudo, mesmo sob a tutela de duas legislações específicas, a Lagoa de Cima há muito
tempo é tratada com descaso pelo Poder Público, haja vista, que desde sua criação em 1992
até o ano de 2004, não houve nenhuma ação coordenada no intuito de “proteger um dos mais
antigos e representativos ecossistemas lagunares do Estado do Rio de Janeiro, bem como
controlar atividades que ameaçam a sua integridade” (CAMPOS DOS GOYTACAZES,
1992). Assim, das ações prescritas na legislação municipal em seu Art. 3º não foram
cumpridas:
I- o alinhamento da orla da lagoa, definindo seu leito menor e maior sazonal;
II- a demarcação de sua faixa marginal de proteção mediante marcos afixados no
terreno;
III- a retirada de obstáculos instalados por pessoas físicas ou jurídicas no interior da
APA;
IV- a remoção de aterros e o fechamento de canais efetuados por pessoas físicas ou
jurídicas no âmbito da APA;
V- a reconstituição e restauração da vegetação nativa, na faixa marginal de proteção
da lagoa e dos rios que nela têm nascentes e foz, no trecho integrante da APA;
VI- a proibição de práticas de lazer que comprometem potencialmente ou
efetivamente os ecossistemas que integram a APA;
VII - a proibição de atividades extrativistas, agropecuárias e industriais que causem
impacto ambiental, potencial, ou efetiva aos ecossistemas integrantes da APA na
vertente, que inflerte para a lagoa e rios que nelas têm nascentes e foz ;
VIII - a proibição de obras de terraplenagem e de abertura ou retificação de canais
IX- a proibição de lançamento de esgoto "in natura" e de resíduos sólidos nos
ecossistema, que constituem a APA;
X- a proibição de obras de terraplenagem e de abertura ou retificação de canais sem
estudo de impacto ambiental;
XI- a proibição de atividades que ameaçam afugentar ou extinguir espécies nativas
que têm seu habitat nos ecossistemas da APA;
XII - a proibição de atividades capazes de provocar erosão e assoreamento;
XIII- a construção de uma galeria de cintura que impeça afluxo de afluentes para a
caixa da lagoa;
XIV- a proibição de pesca predatória;
XV- a formulação de um projeto de educação ambiental que habilite os segmentos
sociais dependentes dos ou interessados nos ecossistemas integrantes da APA a
respeitá-los e a deles, fazer uso ecologicamente sustentado.(Lei da APA 1992)
Segundo o Art. 6º da lei municipal que cria a APA: Para efetivação da APA (...) o
Poder Público Municipal [fica] autorizado a celebrar convênios e outros instrumentos legais
com pessoas físicas e jurídicas, nacionais e estrangeiras, devidamente aprovados pelo Poder
Legislativo”. Neste sentido, no ano de 2004, como o intuito de fazer com que o processo da
criação da APA Lagoa de Cima saísse do papel, foi celebrado um convênio entre Prefeitura e
a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) para que fosse realizado
o Diagnóstico Ambiental da APA Lagoa de Cima. Contudo, após a conclusão deste
documento técnico, em 2006, não foi dado prosseguimento à implantação da Unidade, que
atualmente encontra-se estagnado.
109
Como observado até o presente momento, o aparato legal estabelecido a partir da
década de 1990, para uma efetiva proteção do meio ambiente era e continua
surpreendentemente atualizado. Entretanto, nos últimos dezoito anos, pautam as obrigações
da Secretaria de Meio Ambiente de Campos apenas ações pontuais de fiscalização ou
realização de eventos com a pretensa função de promover a educação ambiental. Atividades
que ficam circunscritas a palestras sobre temas diversos relativos à “questão ambiental”,
distribuição de mudas e recreações.
De certo, a razão desta inoperância da política ambiental do município deve-se à forma
como são conduzidas as questões político-partidárias de Campos dos Goytacazes.
Principalmente, a alternância de grupos políticos adversários nas cadeiras dos poderes
legislativo e executivo. As constantes mudanças no arranjo político, por acarretarem
alterações substanciais nos quadros técnicos e possíveis aliados (tanto no contexto local como
no regional), em momento algum tornaram propícia a articulação do conjunto de leis existente
com as ações do órgão executivo responsável por cumpri-las. Exemplo disto é o descaso
como vem sendo tratada a questão das queimadas no período de colheita da cana-de-açúcar, a
ocupação humana nas áreas de proteção permanente ao longo dos rios e lagoas do município,
das unidades de conservação municipais e, sobretudo, uma indefinição na própria nomeação
do secretario; é relevante salientar que em trinta e seis meses quatro pessoas se ocuparam
deste cargo.
***
No que concerne aos debates acerca da “questão ambiental”, é notável que em seu
transcorrer, os termos que nomeiam o objeto da discussão - a Natureza - vêm sendo
substituídos ao longo dos tempos. Nas décadas recentes, o termo ambiente prepondera nas
discussões, seja ele ligado ao meio ambiente ou ao Ambientalismo. O destaque que tal
nomenclatura alcançou não é gratuito, muito menos despropositado. As substituições das
designações para o ativismo ecológico não são alterações decorrentes de maneirismos, ou de
preferências tolas, pois, mesmo tendo como objetivo nomear um ativismo pró-Natureza, tais
como o Ambientalismo e Ecologismo, estes termos, assim como conceitos e práticas a eles
agregados, não os enquadram em categorias equivalentes. Como se não bastasse, o entorno
prático e ideológico de tais categorias, as colocam em posições antagônicas no que entendem
ser a mais adequada forma para a defesa do meio biofísico.
Segundo a caracterização teórica proposta por Martinez Alier, atualmente no cenário
do ativismo ecológico destacam-se três correntes: culto ao silvestre, credo da ecoeficiência e
110
ecologismo dos pobres. Tais vertentes, são como canais de um único rio, ramificações de
uma grande árvore ou variedades de uma mesma espécie agrícola” (2007:21). A distinção
categórica elaborada por Martinez Alier elucida a questão acerca desta distinção conceitual
sobre o Ambientalismo, ou como nomeia o autor o credo da ecoeficiência, insere no debate
ambiental. A critica proposta por Acselrad (2004) a respeito do contexto inicial do
ecologismo, sua vertente contestadora dos hábitos da sociedade industrial e a subseqüente
(re)configuração deste posicionamento ao processo de ambientalização, como sugere Leite
Lopes et al (2004), são também objetos das ponderações de Martínez Alier (2007). O
posicionamento acerca da temática ambiental proposto pelo Desenvolvimento Sustentável,
postura intimamente alinhada às ideologias do Ambientalismo, tem a atenção voltada para os
impactos ambientais ou riscos à qualidade de vida, decorrentes das atividades industriais, da
urbanização e também da agricultura moderna. Assim, essa “corrente do movimento
ecologista se preocupa com a economia em sua totalidade. Muitas vezes defende o
crescimento econômico, ainda que não a qualquer custo” (2007:26).
Para Martinez Alier, o Ambientalismo é um movimento sustentado por saberes
advindos de expertises engenheiros, economistas, biólogos, geógrafos, etc. , que no lugar
do termo Natureza, optam pelos termos recursos naturais, capital natural, ou serviços
ambientais.
o “culto ao silvestre”
50
Portanto, para Martinez Alier, o culto ao silvestre e o credo da ecoeficiência seriam
duas correntes ambientais que, em alguns aspectos, chegam a se confundir, marcadas por sua
origem em uma conjuntura comum: o contexto da economia de livre mercado. Neste sentido,
Martínez Alier salienta que as alternativas ecológicas que compõem a carteira de soluções dos
e o “credo da ecoeficiência” dormem juntos. Assim, vemos a
associação entre Shell e WWF para o plantio de eucalipto em varias áreas do
mundo, com base no argumento que isso diminuirá a pressão sobre os bosques
naturais e, presumivelmente, promovera também o aumento da absorção de carbono.
(2007:33)
50
O culto ao silvestre tem como base científica a Biologia da Conservação, segundo Martinez Alier (2007). O
suporte epistemológico, dado por tal conjunto de saberes, implica em uma situação que leva aos defensores desta
corrente a se posicionarem de modo acrítico frente à noção de crescimento econômico. Não obstante, chegam até
mesmo a incluir alternativas baseadas na concepção econômico-desenvolvimentista, como elemento de defesa da
natureza (e.g. a exploração de madeira realizada por meio da silvicultura). A grande preocupação desta corrente
é relacionada com aspectos ligados à redução de biodiversidade, e em tal perspectiva, o agente causador de tal
perda é o Homem. Esta corrente postula como forma de mantermos o que resta de espaços naturais “selvagens”
no mundo, a instauração de Áreas Naturais Protegidas. Por fim, esta corrente é formada por ativos biólogos e
filósofos ambientais radicados nas capitais do "norte" e organizados em entidades como IUCN (International
Union for the Conservation of Nature), WWF (Worldwide Fund for Nature) e NC (Nature Conservancy), ONGs
estas que exercem forte influência na política ambiental mundial, haja vista a adoção em larga escala do modelo
de Áreas Protegidas.
111
representantes destas correntes, especialmente as ONGs transnacionais e o Estado são
compostas por ações que visam à eficiência utilitarista dos recursos naturais, o manejo
florestal, corredores ecológicos, mosaico de UCs, gestão dos recursos hídricos baseado no
poluidor pagador, prospecção de biodiversidade. Todas estas estratégias estão transpassadas
pela lógica da preservação da Natureza que enfatiza uma dimensão meramente econômico-
estética. Em resumo:
O ambiental abriu definitivamente a porta à tecnociência como parte de um
procedimento racional de tomada de decisão e de gestão dos elementos da natureza,
através do conhecimento especializado e da profissionalização do setor. A
profissionalização refere-se ao processo que incorpora os produtos das relações
natureza-sociedade no âmbito do conhecimento especializado da ciência ocidental.
Isto é atingido através de uma série de práticas, técnicas e estratégias que organizam
a geração, validação e difusão do conhecimento ambiental que se ergue como uma
das fontes de veracidade das ações de gestão sobre o ambiente. Esta
profissionalização foi efetivada através da proliferação de disciplinas e
subdisciplinas ambientais, o que foi possível graças à incorporação crescente de
problemas no âmbito do ambiental, dando a eles uma visibilidade congruente com o
sistema estabelecido de conhecimento. (VARGAS, 2004:4)
A associação do Poder Público local com instituições de ensino e pesquisa, a exemplo
da UENF, no processo de institucionalização da proteção do meio ambiente no município de
Campos dos Goytacazes, não consiste numa situação específica deste município, ao contrário,
este tipo de associação com instituições de pesquisa e a criação de um corpo de peritos
como é o caso dos órgãos de meio ambiente ligados ao poder executivo (SERLA, IBAMA,
Secretaria Municipal de Meio Ambiente, etc.) é parte integrante do projeto societário
hegemônico. Desta forma, os interesses do poder público, sociedade e corpo técnico-
científico, convergem de modo a existir o mínimo consenso do que é necessário: a
conservação dos recursos naturais concomitante ao desenvolvimento econômico, sendo uma
das estratégias para isto ocorrer o uso racional dos mesmos.
É neste contexto que se insere a realização do Diagnóstico, uma parceria entre o Poder
Público local e a UENF. Sobre este arranjo institucional, Carlos Rezende, professor do
Laboratório de Ciências Ambientais (LCA) UENF e coordenador científico do Diagnóstico,
afirma que o contato “iniciou há um bom tempo atrás”, quando Sidney Salgado era secretário
de São João da Barra, e fez uma solicitação ao professor, como secretário, para que a
universidade realizasse o acompanhamento da abertura de barra das lagoas daquele
município. Deste contato, salienta Rezende, foi estabelecida uma proximidade “nas relações
profissionais e pessoais” com Sidney, o que no futuro, levou a articulação com o propósito de
fomentar a implantação da APA Lagoa de Cima:
112
... quando [Sidney] veio para prefeitura de Campos, na qualidade de secretário de
meio ambiente
, nós começamos a discutir algumas questões onde possamos atuar
em conjunto com a prefeitura de forma a gerar uma base científica que pudesse
subsidiar algumas tomadas de decisão do poder público de Campos. Eu sempre
conversava com ele que me espantava a
qualidade do corpo técnico das secretarias
no município de Campos, principalmente se considerando a dimensão do município,
a importância do município...
(...)
É,
na verdade [a preocupação estava na indisponibilidade de] pessoas sem
qualificação adequada para estar à frente dos postos de decisão política em
determinadas áreas - entre elas o Meio Ambiente
A lagoa, portanto, é percebida com “um sistema interligado (...). Então, ao se olhar
lagoa, nós temos que olhar ao entorno dela e olhar a bacia de drenagem dela como um
-, e quando ele entrou, por toda
esta trajetória que eu já conhecia de trabalho dele, eu achei que agente podia dar
uma mudança de qualidade nas questões ambientais aqui do município. (Carlos
Rezende)
A trajetória que menciona Carlos Rezende é relacionada não somente ao trabalho
desenvolvido por Salgado na secretaria de São João da Barra, mas também a sua
predisposição a realizar políticas públicas relativas ao meio ambiente com base na premissa
técnica cientifica, bem como seu ativismo ecologista. Este pano de fundo propiciou a
aproximação entre Universidade e o Poder Público local devido a uma mediação pessoal:
... o que nos motivou foi porque estava a frente da secretaria uma pessoa que tinha
credibilidade entre nós. Que a gente sabia que iria honrar as questões que foram
previamente acordadas, tanto no sentido do repasse dos recursos humanos como
também iria despender esforços pra que aquele diagnóstico se transformasse em
alguma coisa que a população e a sociedade de alguma forma se beneficiasse ...
(...)
Então quando [o Sidney Salgado] assumiu a secretaria, nós começamos a estabelecer
um diálogo. Porque nós encontramos em um dos documentos que (...) a Lagoa de
Cima tinha sido transformada em APA, na década de 90, (...) e nunca foi feito
absolutamente nada. Inclusive, na ocasião, o prefeito era o Garotinho e ele tinha
estabelecido um limite para que determinadas ações fossem tomadas. Então passou;
passaram-se anos, chegamos a década e não se fez, não se tinha feito absolutamente
nada. Daí então foi quando nós começamos a construir a possibilidade deste
diagnóstico e nós falamos pra ele. Que não tínhamos condições de trabalhar sem que
tivéssemos um mínimo de financiamento por parte da prefeitura. (Carlos Rezende)
De acordo com o professor Carlos Rezende desde a fundação da UENF, a Lagoa de
Cima é utilizada pelos pesquisadores como objeto de estudo e, decorrente disto, há uma
produção de diversos de resultados sobre o seu ecossistema. Os pesquisadores, afirma o
Rezende, “... chegam até a rotular [a lagoa de Cima] de bacia experimental, por quê?
Porque a Lagoa de Cima, ela tem o que chamamos de paisagem dominante na bacia do Rio
Paraíba do Sul. Sobre tal aspecto, continua o professor, os “processos que você não
consegue observar de forma adequada pela dimensão da bacia do Rio Paraíba do Sul, a
gente espera poder observar de forma mais detalhada na Lagoa de Cima”.
113
todo”. Contudo, este entendimento sistêmico da lagoa não foi contemplado na atual política
pública que estabelece a UC, esta não contempla uma relação entre os diferentes
ecossistemas, afora o espelho d’água. Sobre esta questão, salienta Rezende, o trabalho técnico
empreendido pela UENF colabora com a realização das políticas públicas na definição de suas
ações:
a Unidade de Proteção da Lagoa de Cima, (...) foi criada por políticos aí que eu
digo que não tinha um corpo técnico que os assessorassem de forma adequada
então eles viam a Lagoa de forma isolada, e na verdade os ambientes não são
isolados, eles possuem uma conectividade. Então, quando você olha pra um
determinado sistema, você tem saber que atrás dele, ao lado dele e a frente dele
existem outros sistemas que interagem entre si.
(...)
Porque não adianta a gente pensar em preservar a Lagoa, propriamente só a lagoa, só
o espelho d'água, na realidade nós temos que pensar que estes ambientes, eles
possuem um conectividade. (Carlos Rezende)
Portanto, do ponto de vista das Ciências Ambientais a conservação da lagoa de Cima é
um importante elemento a ser considerado, uma vez que os sistemas formadores da Lagoa de
Cima consistem em um espaço privilegiado para a realização de estudos em diversos
aspectos. Exemplo destas múltiplas possibilidades é a representativa lista de trabalhos
acadêmicos produzidos na UENF em diferentes áreas, distribuídos entre artigos científicos,
monografias de graduação, dissertações de mestrado, teses de doutorado e o próprio
Diagnóstico, que é a compilação destes estudos já desenvolvidos e os outros trabalhos que
foram realizados.
Para além desta dimensão relativa às possibilidades de aquisição de novos
conhecimentos, por meio da pesquisa, Rezende destaca como sendo de igual importância os
benefícios prestados pelo ambiente à sociedade como um todo:
... as pessoas normalmente entendem quais são os bens que elas podem tirar de um
determinado ambiente.
E isso é relativamente fácil e facilmente valorado por eles, é
a quantidade de peixe, de lenha é a quantidade de areia, enfim, muitas vezes eles não
têm a percepção da questão de serviços diretos e indiretos que um determinado
ambiente pode fornecer
. E quando eu digo serviços, existem uma série de funções
ecológicas que são desenvolvidas por um sistema, ou pelo ambiente, que as pessoas
muitas vezes não tem noção. Por exemplo, quando o cara vai para a Lagoa de Cima,
qual o elemento motivador para ele procurar a Lagoa de Cima? É a paisagem não é?
Eu acho que é a paisagem a paisagem é um dos elementos que atrai as pessoas pra
aquele lugar. Ou seja, é um lugar de beleza cênica incomum aqui na região. Você
tem pássaros chegando no final da tarde, você tem em muitos lugares a vegetação,
enfim. É um lugar que te trás uma certa tranqüilidade, quer dizer, esta é uma espécie
de serviço indireto, porque as pessoas estão procurando paz e ao procurar paz elas
encontram um ambiente que com eles combinam harmonicamente. E um exemplo
de serviço direto, por exemplo, tendo uma bacia de drenagem relativamente bem
preservada, com vegetação, óbvio, né? Você tem uma melhoria da qualidade térmica
de um determinado ambiente. Fora isso a questão da água também. A água ela
114
proporciona o impedimento de que haja uma migração da cunha salina, da direção
do oceano dentro do continente.
(...)
Então, que dizer, as pessoas tem que começar a entender um pouco mais, mas é
lógico que agente não pode culpar todas as pessoas, porquê muitas delas não tem,
obviamente, conhecimento. E foi importante esta discussão do diagnóstico junto ao
poder público, cabe agente, dentro da academia, tentar gerar condições mínimas que
nos faça gerar, que este conhecimento chegue à população de uma forma palatável.
Porquê não é ela a culpada de não ter tido acesso à educação, de não ter uma
educação adequada, o conhecimento, é o poder público que não cumpre a
constituição como ele nos obriga a cumprir a constituição. De não dar um ensino de
qualidade gratuito pelo menos até o 2
º
5.3 – Pescadores de Lagoa de Cima
grau, que é obrigatório. (Carlos Rezende)
O professor, ao destacar que os benefícios tangíveis proporcionados pelo ambiente são
facilmente valorados pelas pessoas que com eles mantêm estreitos laços, bem como a
existência de certa insensibilidade por parte destes atores sociais quanto aos serviços (...)
indiretos que um determinado ambiente pode fornecer”; sobressai a necessidade de que
aconteça “bom programa de educação ambiental, haja vista que nenhum plano de manejo
vai funcionarsem esta precondição (Carlos Rezende). Ao mencionar a necessidade de se
realizar um programa de educação ambiental junto do plano de manejo, percebe-se a defesa
de um ponto de vista que entende existir uma consciência ambiental supra-humana e que é a
partir da internalização, via Educação Ambiental, deste conjunto de conhecimentos validados
e difundidos pela ciência, que passará a existir o discernimento quanto à gravidade dos
eventos relacionados ao ambiente. (ACSELRAD, 2004; VARGAS, 2004)
A noite a superfície da lagoa
Num rosário de luzes se alumia;
São lamparinas bubuiando à toa,
Marcando as redes para a pescaria.
A batição de igual pancadaria,
Feita no bordo de qualquer canoa,
Retumba no escurão da noite fria,
E em toda a vasta profundez ressoa.
E os peixes assustados malham as redes
Que descem n’água, pela chumbação,
Verticalmente assim como paredes.
E sempre a mesma faina faz juntar
Rede, canoa luz e batição
Na vida aventureira de pescar.
Pescaria - Dr. Guerra
115
Um dos efeitos da adaptação à natureza, tal como ocorre em Lagoa de Cima, é a
identificação dos seus habitantes com a Lagoa e o modo de vida que ela permitiu criar e
manter até os dias atuais
51
É inegável a importância sócio-econômica da ictiofauna para os pescadores de São
Benedito, pois além de servir como fonte de proteína em sua dieta, a captura com fins
comerciais lhes garante renda. Dentre as espécies existentes em Lagoa de Cima, apenas cinco
são alvo da pescaria comercial, dentre estas, a tilápia, manjuba, acará, traíra e sairu. Contudo,
a pesca destas duas últimas espécies é a que oferece mais lucro aos pescadores; o sairu se
destaca pela alta produtividade durante todo o ano, contudo tem baixo valor de mercado; já a
traíra possui maior valor comercial agregado. Para além da questão de cunho econômico, os
pescadores de São Benedito demonstram orgulho da fama e reconhecimento de boa qualidade
dos peixes por eles pescados, principalmente a traíra
. Assim, os produtos gerados por meio dessa relação são, para os
pescadores e outros moradores, uma prova da superioridade do lugar e do modo de vida
adotado por eles. Um exemplo deste sentimento de pertencimento é a valorização dos peixes
nativos da Lagoa de Cima, em detrimento dos peixes exóticos quase nunca mencionados,
ou, se mencionados, prontamente caracterizados como insignificantes do ponto de vista
econômico ou como predadores dos peixes nativos e aos outros peixes capturados nas
demais lagoas de Campos dos Goytacazes.
52
.
[A Lagoa de Cima] é, ainda, a única área que não tem nenhuma contaminação; com
as indústria, (...) vamo supor, é, usina, água de lavage, é... vinhoto, nenhum desses
sentidos nós temos daqui pra cima que desenvolve, então o trecho daqui é realmente
saudável, e por isso, pelo conhecimento da área o povo entra
É notável que os pescadores enfatizem em suas explicações sobre a qualidade do
pescado, objeto de seu orgulho, a relativa inexistência de processos antrópicos que afetem
negativamente a Lagoa de Cima. Nesta, e em outras observações feitas pelos pescadores sobre
a saúde ambiental, é observável que estas são invariavelmente elaboradas em função de pares
de oposição, a partir de paralelos com os demais corpos hídricos piscosos do município e da
região. Principalmente, comparando a de Cima às lagoas Feia, Campelo, Jurtunaiba e o rio
Paraíba; lagoas e rios que também possuem tradicionais assentamentos pesqueiros. De certo,
homens e mulheres identificam a má qualidade das águas dos demais corpos hídricos à
. (JB)
51
Tal identidade é percebida não só entre os pescadores, como também é percebida no valor atribuído à relação
estabelecida pelos demais habitantes do lugar, mesmo não sendo eles pescadores.
52
Vale ressaltar que em alguns estabelecimentos comerciais de Campos, os peixes quando provenientes da
Lagoa de Cima, são anunciados à clientela enfatizando sua procedência “Traíra de Lagoa de Cima” , de modo
tal que a qualificação serve tanto ao vendedor como ao comprador de parâmetro legítimo da qualidade.
116
jusante da Lagoa de Cima, como resultado direto da emissão de dejetos industriais, agrícolas e
urbanos. Fatores que, segundo a visão de mundo dos pescadores, desencadeiam o
comprometimento da qualidade apresentada por estes ecossistemas, e, por conseguinte, a dos
peixes que os habitam.
Como já mencionado, na Lagoa de Cima residem uma série de outras pessoas que não
m a pesca como principal atividade profissional. Desta forma, é necessário fugir de uma
visão homogeneizante e muitas vezes simplista que leva a uma categorização de todos os
moradores do entorno da lagoa, como ocupantes irregulares da faixa marginal e, ou por outro
lado, como pescadores. Tal acuidade é necessária, pois nem todo o residente da Lagoa de
Cima é possuidor de conhecimentos inerentes ao ofício da pesca artesanal com certo grau de
refinamento que o “pescador verdadeiro” detém. Assim, é valido ressaltar que principalmente
os pescadores estabelecem uma fronteira bem marcada entre os locais e os provenientes de
outros lugares.
Evidente que por mais integrados que sejam os pescadores aos mecanismos do
mercado, com a venda do pescado a atravessadores, que os revendem nos mercados,
municipal e regional, a haliêutica e seu amplo efeito social entre os moradores de Lagoa de
Cima, permanece como atividade representativa do lugar. Como constatado, a atividade
pesqueira não visa exclusivamente à comercialização do pescado com fins de acumulação de
capital. É observado que mesmo com a inserção de novas atividades econômicas entre os
pescadores, estas novas formas de acumulação não são articuladas de modo que as famílias de
pescadores se desliguem por completo da pesca. Pelo contrário, em sua maioria, essas pessoas
permanecem em sua atividade profissional como forma de garantir o sustento de suas famílias
e a reprodução de seu modo de vida e articulam esta atividade econômica com uma segunda
fonte de renda, advinda principalmente do comércio de bebidas, como estratégia para garantir
a reprodução da unidade familiar.
Por outro lado, destaca-se também o estabelecimento de redes sociais cujo intuito é o
de amenizar a escassez de recursos financeiros. Deste modo, os pescadores procuram estreitar
as relações de parentesco e de compadrio nos vários âmbitos de suas vidas, o que, por sua vez,
garante-lhes uma reciprocidade redistributiva, que contribui decisivamente para a manutenção
do padrão de vida local. Por fim, a busca deste suporte familiar, ocorre tanto no âmbito
interno da comunidade marcadamente com a troca de serviços ou mesmo a “doação” de
117
pescado excedente
53
O estreitamento dessas relações sociais, principalmente as que ocorrem no interior da
comunidade, corrobora para a atualização dos procedimentos rituais associados à pesca e a
elaboração de novas experiências, por meio dos ensinamentos, práticas e histórias,
reproduzidos na seqüência das gerações que compartilham aquele ofício. Os saberes
envolvidos nesses rituais são essencialmente saberes
como também, são estabelecidas relações com parentes que residem
em Campos ou mesmo em outras cidades articulações estas que cumprem com a função de
possibilitar a cessão de moradia aos filhos que por ventura tenham que estudar na sede do
município e a indicação por estes parentes a empregos (principalmente no caso das mulheres).
54
53
Esta relação de doação do pescado excedente leva ao estabelecimento de uma relação, como propõe Mauss
(1974), de obrigações e contra obrigações.
54
Saberes entendidos num sentido amplo que abarca os conhecimentos, as competências, as habilidades e as
atitudes.
profissionais, cuja característica
marcante é a de serem um tipo de conhecimento concebido a partir do trabalho, isto é, um
saber-fazer, que é modelado e utilizado de maneira significativa pelos pescadores durante as
situações que a atividade pesqueira os insere. No que concerne à transmissão desses
conhecimentos, é necessário destacar que esta ocorre primordialmente através de exemplos
práticos: é o aprender por meio do fazer e sendo observado ao fazer. Além do mais, os
processos de transmissão dos conhecimentos sobre a pesca exigem obrigatoriamente uma
submissão do aprendiz à autoridade do mestre:
... meu pai era proprietário de terra aqui atrás do morro. Quando ele veio pra cá, (...)
fez uma pescaria pra pescar aqui. Aí desta pescaria, ele que não entendia nada não
deu certo (...) aí ele saiu e foi trabalhar na fazenda de aluguel de empregado, mas na
fazenda, ele morreu trabalhando de empregado! Aí, eu também trabalhei ate 15 anos
na fazenda, depois de 15 anos eu achei que aquilo não dava pra mim (...)
Então com 15 anos o senhor partiu para pescaria?
Eu parti para pescaria.
O senhor aprendeu com quem?
A pescaria do meu padrinho. Meu padrinho era pescador desde criança (...) também
morava aqui, era filho daqui, aí ele era pescador desde criança. Então ele tinha uma
pescaria grande aí, que ocupava seis pessoas. Aí ele me colocou em uma destas ... aí
eu comecei a pescar e fui pescando e fui aprendendo, fui aprendendo e panhando o
manejo, fui aprendendo labuta com a rede, fazer uma rede, endireitar uma rede, aí eu
fui aprendendo isso. Quando eu saí da pescaria dele, eu tava formado, eu tava sabido
em tudo, sabia lá dentro da lagoa, sabia aqui fora, sabia administra tudo, aí eu peguei
e botei uma pescaria pra mim e venho nesta pescaria até hoje. (CF)
118
Como ressalta o pescador, o aprendiz segue seu mestre em função do reconhecimento
de que este é dotado de uma competência, mesmo quando não é capaz de analisar e responder
em detalhe os porquês de suas ações. O aprendizado, portanto, é baseado na imitação dos
esforços realizados pelo mestre de modo que o aprendiz inconscientemente assimila as regras
da arte, inclusive aquelas que não são explicitamente conhecidas pelo próprio mestre. Desta
forma, o ofício em Lagoa de Cima caracteriza-se por um domínio completo por parte do
pescador das etapas constitutivas da pesca – mesmo havendo certa divisão técnica e social do
trabalho e pela reduzida utilização de equipamentos industrializados na maioria motores e
redes.
5.3.1 – Os bens de produção da pesca
No que concerne especificamente à dimensão técnica, atualmente na pesca em São
Benedito, os barcos de tábuas e motorizados predominam na paisagem. Construídos, em
geral, de oiticica (Clarisia racemosa), madeira que no entendimento dos pescadores é uma
madeira própria para trabalhar dentro d’água, pois não encharca. Outras madeiras, Peroba
(Paratecoma peroba) e o Vinhático (Plathymenia reticulata) possuem a mesma qualidade da
oiticica, porém, não são amplamente utilizados em virtude do seu alto valor, escassez e
vigilância das autoridades sobre o corte de árvores. Cabe lembrar que todas estas madeiras em
um momento anterior eram fartamente encontradas nas matas próximas ao espelho d’água,
pois estas são espécies da Mata Atlântica. Além da opção por uma madeira que não absorve
água, a embarcação recebe cuidados com o intuito de fazer prolongar sua vida útil. Assim, o
barco recebe uma demão de tinta a cada seis em seis meses, após lhe terem passado breu
(resina impermeabilizante). Além destes cuidados, no fim de cada pescaria o barco, junto com
os demais materiais de pesca, é lavado com as águas da própria lagoa.
119
Figura 11 Embarcação na Lagoa de Cima
Fonte: COSTA, 2008
As embarcações em São Benedito variam de vinte a trinta palmos de comprimento (de
seis a quatro metros) por 50 cm de largura e a mesma medida em profundidade. As
embarcações, seu espaço interno, estão divididas da seguinte forma: proa (frente); popa
(traseira); lateral; fundo e meio, apresentando a popa e a proa quadradas e fundo chato
(Figura 11). No interior, há duas réguas de madeira transversais, posicionadas uma no meio e
outra próxima à proa, que servem como bancos.
... de primeiro era no braço. Hoje em dia não, hoje em dia é motorizado. O cara no
braço saia daqui de manhã cedo, quando fosse uma ou duas horas da tarde, ele
chegava aqui, mas chegava moído! Chegava mole! Cansado! Que remar um barco o
dia inteiro não é brincadeira, mas hoje em dia não, (...) sai de manhã cedo chega às 4
horas da tarde chega fresco, [e] se quiser sai à noite, pode sair também, porque não
cansado, o motor foi que tocou o barco ... aí a pescaria dobrou (CF)
... depois surgiu a pessoa a trabalhar com o motor, aí aquelas pessoas foi comprando,
foi melhorando. Aí começou a pescar todo dia começou e a pegar mais peixe, que
com o motor você pode chegar mais longe e pescar mais, pode sair à noite com
vento, não tem importância.(NA)
A introdução do motor de popa nos barcos de pesca de Lagoa de Cima traz consigo
uma ambivalência. Por um lado, o motor facilitou a vida do pescador, pois, com o seu auxilio
a viagem da Ponta da Palha à nascente do rio Ururaí (aproximadamente 3,5 Km) tem a
duração aproximada de 40 a 50 minutos. Entretanto, no passado, em condições de ventos
120
favoráveis, para percorrer o mesmo trajeto era necessário remar por uma hora e meia. Assim,
a partir da mecanização da propulsão, tornou-se plausível realizar mais de duas saídas durante
um mesmo dia e conseqüentemente fazer lanços em diferentes pontos de pesca. Deste modo,
o motor inaugurou um período em que a sobre pesca é facilmente realizada, pois o cansaço
físico deixou de ser um dos componentes limitadores da jornada de trabalho. Atualmente, o
único fator externo que impõe limite ao pescador na apropriação do recurso pesqueiro, além
das condições biofísicas, principalmente as chuvas, são as demandas dos compradores.
Mesmo com a adoção do motor, o remo não foi abandonado nas pescarias. Isto
porque, o remo além de impulsionar o barco é o instrumento pelo qual o pescador se vale para
perscrutar o fundo da lagoa. Assim, o pescador remando em pé, na popa, ao tocar com o remo
o fundo da lagoa, com base na sua experiência, é capaz de prever o melhor local para realizar
a pescaria e quais espécies possivelmente serão capturadas. O remo consiste em uma bua de
oiticica, pente ou pau-pereira (Geissospermum vellosii) e jenipapeiro (Genipa americana),
com cerca de oito centímetros de espessura, que se estreita gradativamente até a base, a pata
(que possui dezoito centímetros de largura), ao punho ou ponta, que é intermediada por um
cabo. O remo em sua totalidade tem um comprimento de quinze a vinte palmos (3,3 a 4
metros) e pesa de três a quatro quilos. Hoje em São Benedito, o remo é utilizado para dar o
deslocamento inicial do barco e quando próximo ao ponto de pesca fazer a identificação da
área.
Dentre os implementos utilizados nas pescarias, a rede consiste no artefato principal.
Contudo, em São Benedito, as redes não mais são fabricadas pelos pescadores. Assim, o
antigo hábito de tecer redes com linha de algodão, e em seguida tingi-las por infusão, em uma
tintura obtida a partir de extratos de casca de árvores como aroeira (Schinus
terebhenthifolius), a fim de dar maior longevidade à rede, está morrendo com os antigos
pescadores. Há cerca de três gerações, os pescadores entendem que é mais vantajoso comprar
os panos e os demais componentes das redes em lojas especializadas em pesca, na cidade,
para posteriormente, contratar os serviços de uma pessoa para entralhar tarefa que consiste
em atar panos de rede
55
No arraial, apenas duas pessoas dominam o ofício de tecer rede, uma delas é SG.
Atualmente o pescador aposentado exerce o ofício de fazer redes como forma de
chumbos e cortiças.
55
Os panos de rede são vendidos no comprimento e metro e possui a medida de altura padronizada em 30
malhas. Desta forma, a altura em metros de um pano de rede varia de acordo com o tamanho das malhas, assim,
uma rede de malha 0,25 milímetros nó a nó, como as utilizadas em São Benedito, para a pesca do sairu, têm 75
cm de altura.
121
complementar a renda de seu benefício previdenciário. Contudo, não tem feito mais redes
retangulares por falta de encomendas, sendo que, nos últimos anos, ocupa-se em fazer redes
de formato cônico, sob encomenda de uma loja de material de pesca em Campos com a
finalidade de revenda. Na Lagoa de Cima, a rede cônica, com destaque para a tarrafa, quando
utilizada pelos pescadores artesanais, tem por finalidade o provimento de alimento ou é
conjugada à pescaria de arrasto. A pesca realizada com a tarrafa é uma atividade exercida por
mulheres e crianças, em geral na beira da lagoa, com o objetivo de capturarem piabinhas
(lambaris) ou outros peixes de pequeno porte que por ali estejam. Além do mais, cabe
destacarmos que este tipo de rede é amplamente utilizado por pescadores amadores, sobretudo
para a brincadeira às margens da lagoa.
Embora sejam amplamente utilizadas em Lagoa de Cima, por todos os pescadores, há
algumas restrições quanto ao uso das redes confeccionas em fibras de nylon; o principal
questionamento sobre elas é relacionado à sua fragilidade. Pois, segundo os pescadores, por
ser tecida em escala industrial e por ser feita de linhas com a mesma espessura, a malha tende
a se deformar com sua utilização. De modo que o peixe, quando imprensado no pano da rede,
força a malha e esta por sua vez se altera, assim sendo, são necessários reparos com maior
freqüência. Outra questão que denota certo grau de insatisfação consiste no fato de que muitas
das redes compradas prontas apresentam malhas que variam em milímetros, em decorrência
de uma não padronização entre os equipamentos que a tecem, explicou ES. Portanto, há uma
grande preocupação por parte dos pescadores no que concerne ao material que utilizam;
inquietação relacionada a uma provável criminalização que o uso de artefatos inadequados
pode lhes causar.
... eu perdi rede de 35 (...). E me pegaram seis peças de rede, novinha, zerada que eu
comprei. Aí foi panhou. Aí eu aporrinhei, fui lá no DPO deles, na Federal. Chegou
lá eles me mandaram ficar quieto senão me prendia. Agora, primeiro, vocês vão
prender um homem, agora a rede que vocês panharam minha lá está na medida.
Vocês não pegaram rede clandestina não. Essa rede é de 35. (...). É o padrão que
vocês exigiram e regra, e vocês pegaram minha, certo? Comprei na loja, peguei as
notas, tudo direitinho e tal. "Nós fomos medir umas redes aqui e a rede não deu 35
milímetros. Deu 34 milímetros". Mas você não tem que reclamar comigo - falei com
o sargento mesmo - o senhor tem que reclamar na fábrica. Aí já não é comigo. (ES)
Outro aspecto que também gera queixas a respeito das redes industrializadas tem
relação com o tamanho inapropriado de suas malhas e o uso indiscriminado destas. Há
queixas no que diz respeito à impossibilidade de adequação do tamanho das redes em relação
à incidência dos peixes tamanhos dos exemplares que vêm ocorrendo no ecossistema. A
fácil aquisição de peças de redes com tamanhos de malhas menores que o permitido torna
122
viável a posse deste material que é inadequado segundo a legislação e os próprios pescadores.
Assim, aqueles que não são “pescadores de verdade” têm a possibilidade de capturar peixes
que ainda não alcançaram a maturidade reprodutiva e que, por sua vez, deixarão de contribuir
com a manutenção do estoque pesqueiro.
A utilização das redes como instrumento de captura é condicionada ao tipo de peixe, à
modalidade de pesca, e por fim, ao calendário ecológico da Lagoa de Cima. Há também que
se notar o nome dado às redes é conforme a modalidade de pesca na qual são empregadas
(rede de espera, rede de lanço), pelo peixe que capturam (rede de sairu), quer pela dimensão
da malha e espessura da linha (redes 25 mm e rede zero-vinte). Na pesca profissional em
Lagoa de Cima, são empregadas primordialmente redes retangulares, cujo comprimento é de
vinte e cinco braças (32 metros) e sua altura composta por dois “panos de rede”, o que a faz
alcançar um metro e meio, e a malha utilizada varia conforme o peixe que se quer capturar,
sendo que para o sairu e a traíra são as redes de 25 mm e a de 45 mm, respectivamente.
Torna-se importante ressaltar que a utilização de redes na captura da traíra ocorre apenas no
período de cheias da lagoa, já que nos meses da seca, o baixo nível do espelho d’água torna
preferencial a utilização de outro instrumento de pesca. (Figura 12)
Figura 12 Lavadas, as redes secam à sombra
Fonte: COSTA, 2008
Além das redes retangulares, é de amplo uso entre os pescadores da Lagoa de Cima,
um instrumento classificado como linha de fisga, o anzol-de-bóia, como é conhecido entre os
123
pescadores, é o principal representante. Este implemento consiste em uma linha de náilon
com aproximadamente 3 braças de comprimento que em uma de suas extremidades é atada a
uma bóia retangular de isopor e, em sua outra extremidade um pedaço de arame onde é
atado um anzol. Estas linhas são atadas em conjuntos de 50 a 100 e lançadas na água, em
locais previamente identificados como aqueles de preferência da traíra, durante a tarde, sendo
recolhida no outro dia pela manhã.
5.3.2 – O saber-fazer inerente à atividade haliêutica
Por se tratar de uma atividade historicamente desenvolvida em São Benedito, ofício
aprendido por meio da reprodução de comportamentos e hábitos das gerações pregressas, a
iniciação e a vivência na arte haliêutica confere aos pescadores uma carga de conhecimentos
sobre a lagoa, principalmente sobre o comportamento das diferentes espécies de peixes
56
,
sobretudo no que tange às espécies venatórias. No que concerne aos saberes sobre a fauna
aquática, o conhecimento dos pescadores abrange aspectos que vão desde períodos de desova
de cada espécie até seus hábitos alimentares. Estes conhecimentos, constituídos a partir da
prática representam um dos mais importantes elementos no ofício da pesca. O pescador
conhece, mostras disto são observáveis no transcorrer da fala de CF,
[o pescador] joga onde pensar. (...) Quando, o pescador conhece, se ele achar o peixe
espanando ali, ele conhece, (...) ele vai em cima. Se ele vê o peixe borbulhando
Rapaz, (...) nessa época, [que] nós tamo, com essa, (...) dificuldade, de peixe,
porque, é nesse sentido, os próprio peixe, eles começam, é, desaparecem, (...) no
, ele
se tiver paradim, se tiver borbulhando ele conhece o peixe e joga em cima, e se ele
não vê nada disto se tiver ventando ele não vê nada. Que, que ele faz, joga avulso
qualquer lugar vai chegando e jogando até acertar em cima na hora que acertar
panha o peixe. (CF)
Como elementos centrais, destacam-se as expressões que indicam o comportamento
dos pescadores diante de pistas dadas pelos peixes acerca de sua posição. Torna-se evidente
que há uma grande sensibilidade do pescador no que diz respeito ao conhecimento dos
elementos biofísicos, saber este construído a partir de sua trajetória de vida profissional.
Afirmações como, espanado e borbulhando são sinais que decodificados pelo pescador
indicam-lhe a presença de peixes ou cardumes e, assim, minimizam os riscos de se obter um
resultado insatisfatório.
56
Tal refinamento dos saberes naturalísticos não é uma particularidade dos pescadores de São Benedito. Autores
como Kant de Lima (1997) e Diegues e Nogara (1989) já dissertaram sobre esta “ciência do concreto”
desenvolvida por grupos pesqueiros.
124
sentido que, as traíra, elas são, uma espécie de peixe, que quando ela, quando passa
o período da desova (...) ela se torna um peixe mais expansivo, ela,
anda mais, ela
anda mais devido ser um peixe predador
[entretanto] nessa época [mês de setembro], o que acontece, tá tudo seco, você
encontra as traíra nos lugares mais difíceis que ocê pode imaginar, porque, elas tão
tudo ovada, já tão tudo carregada, e elas ficam, e elas são uns peixe que, elas
permanecem
amuada, elas andam muito poco...
Ela anda, [mas] diminui bastante a trajetória dela, ela, ela fica como se ... fica como
se tivesse ali, é como, como se ela tivesse
acamada
A gente pega o sairu vivo bota ele dentro de um tambor com água, vamu supor eu
tenho cem bóias, eu preciso de cem sairus. Ai eu vou pego cem sairu, boto ele vivo
dentro de um deposito cheio d’água e quando tiver com os cem sairu ali preso, eu
vou e pego um sairu e espeto o anzol no lobo dele e solto ele vivo - ai a bóia tem 3
braças de linha marrada um pedacinho de isopor - ai eu solto ele, ai o motor tá
andando, daí eu torno a pegar um sairu e iscar no lombo dele, espeto o anzol e solto
ele [ou]tra vez, e vou soltando (...) e se a traíra panhou [o sairu] ela não anda muito
não ela panha come e arreia na lama. Porque comeu, encheu a barriga, ela vai e
arreia no chão, ela vai se esconder. Se ela tiver um monte de lixo no fundo d’água,
ela vai se esconder por ali, ou se tiver um lugar que tiver um pau ela vai se esconder
por ali no meio daquele pau podre. (CS)
, aguardando, aguardando o
ponto pra ela, sair pra poder, só realmente, construir o ninho. (JB)
É interessante notar que os pescadores, quando fazem observações sobre os hábitos
das espécies (época de reprodução, tipo de alimentação, hábitat), atribuem aos peixes
características humanas. Estas manifestações de antropomorfismo ocorrem com regular
freqüência. Desta forma, é comum em uma conversa sobre pesca e espécimes de peixes, ouvir
atribuições sobre as características dos peixes tais como; espertos, sabidos e bobos. Estas
atribuições, quando contextualizadas as situações em que foram narradas, em geral pescarias,
deixavam transparecer que o emprego destes termos é uma forma de atenuar a dificuldade na
captura, sobretudo em momentos que a pesca começa a fracassar. Por outro lado, é corrente
entre os pescadores contar suas experiências em pescarias difíceis nos espaços públicos
(reuniões ou bares), pois tais narrativas são um meio de ressaltar o mérito do pescador e
enfatizar que ele é mais sabido do que o próprio peixe.
O domínio de um conhecimento baseado no saber prático, sobre as características
biológicas das espécies que capturam, é de extremo auxílio aos pescadores no
desenvolvimento de estratégias de pesca. Por exemplo, é baseado neste conjunto de
informações que em São Benedito utiliza-se o anzol-de-bóia com grande eficiência. O uso
deste equipamento está condicionado à instrumentalização de conhecimentos relacionados aos
hábitos alimentares e ao hábitat das traíras. Assim, o pescador, tendo conhecimento que esta é
uma espécie carnívora e de sua predileção por comida viva fisga sairus pela calda, de
modo a mantê-los nadando e os lança na água.
125
Observa-se também que o local onde a armadilha é instalada consiste em uma
provável localização destes peixes, quais sejam as moitas de capim em águas rasas e de
remanso. Portanto, é devido à articulação entre estas distintas variáveis ecológicas que o
pescador consegue reduzir a margem de insucesso em sua atividade.
Como em Ponta Grossa dos Fidalgos, antigo agrupamento pesqueiro situado às
margens da Lagoa Feia (FARIAS, 1939-41), os peixes da Lagoa de Cima são divididos pelos
pescadores em duas categorias a dos peixes brancos e a dos peixes pretos. Na primeira estão
incluídos o sairu, a piabanha e na segunda a traíra, o bagre africano (os bagres prateados são
considerados brancos). Contudo, as observações feitas por Farias sobre a lógica interna desta
distinção, em nenhum momento foi observada na Lagoa de Cima. As observações de campo
deste não o conduziram a nenhum esquema explicativo, entretanto, revelam pontos acerca de
variáveis que não influenciam ou determinam tal classificação. Assim, salienta o autor,
... não é apenas uma questão relativa a cor que faz um peixe ser classificado como
preto ou branco. Contudo também não pode ser explorada a condição de que este
peixe seja ou não provenientes de água salgada (branco) ou água doce (preto).
Tenho que explorar essa questão. (1939-41)
Na Lagoa de Cima, os pescadores apresentaram como principal elemento distintivo
entre peixes pretos e brancos, situações relativas à interdição alimentar. Desta forma, os
brancos, principalmente o sairu, são considerados reimosos. Segundo WA, a definição de
reima é relacionada a alimentos que fazem mal quando ingeridos por pessoas com certas
indisposições. Assim, a interdição alimentar deve ser cumprida por aquelas pessoas que se
encontram em algum dos seguintes estados, segundo o pescador: apresentar feridas no corpo,
estado pós-operatório, situação de resguardo, diabetes. Já os peixes pretos não demandam
qualquer tipo de restrição alimentar, pois sua carne não é reimosa.
As diferenças nas formas de relevo que constituem o assoalho da lagoa, por outro lado,
representam os conhecimentos geográficos mais significativos. Como ressalta Farias (1939-
41), os pescadores são também profundos conhecedores da geografia lacustre e é com base
nestes conhecimentos sobre o fundo da lagoa, que reconhecem os “lugares” dentro do espelho
d’água. As buracas, como o nome sugere, são pontos mais profundos no leito lacustre, onde
os peixes se escondem; assim sendo, os pescadores optam por jogar suas redes nestes locais,
pois, pela experiência adquirida sabem que em uma buraca, a incerteza quanto à captura será
relativamente reduzida.
... essa lagoa, ela, são cheia de esconderijo, (...). São esconderijo, como oca, oca, que
tem, no meio da lagoa, é como, a, é como isso aqui né, como se nós tivesse aqui,
126
nesse alto, que aí, dá essa, baixada, a lagoa ela cheia (...) desses níveis. Aí, ocê vai
caminhando, e de lugá em lugá, pelos conhecimento, (...) a gente aprindia; (...) cum
mais velho, eu tinha um irmão também, que sobreviveu da pesca, mas ele hoje é
morto, e a gente, aprindia cum ele. ..., as buraca, a gente, era... , era sempre
identificada, por, por algo, na terra, ocê marcava assim, uma casa, na reta de uma
casa, marcava a reta de uma árvore, e quando ocê ia pescar ocê já ia certinho, aí ocê
chegava lá, e fincava uma vara, e utilizava a pescaria de tarrafa, isso sem contá, que,
ela dava vários tipo de pexe, (JB)
Então o pescador tem essa noção do lugar de pescar?
Tem a noção do lugar. Mas, pesca por tudo. Sabe como é que é!
Ele (...) tem uma
noção de pescar em qualquer lugar aqui, ele sabe aqui, onde é fundo, onde é baixo,
aonde é lama, onde é duro, onde é areia
Outro elemento compreendido em profundidade pelos pescadores da Lagoa de Cima
são os ventos e as condições climáticas. Segundo os pescadores, no passado, as correntes de
ventos eram utilizadas como a principal força para impulsionar o barco. Hoje, com a ampla
utilização dos motores, as velas não são mais utilizadas como outrora. Entretanto, muitos
pescadores não deixam de possuir este equipamento, pois caso ocorra falha no motor, este
. Ele sabe tudo ai no meio da lagoa. Aonde
ele pode panhar um tipo de peixe onde ele panha outro tipo de peixe ele sabe tudo!
(CF)
O pescador CF, ao falar sobre o pescador verdadeiro e sua sabedoria em localizar
pescado, quando é questionado sobre a existência de locais de pontos de pesca, torna possível
verificar a informação levantada por Faria. Como pode ser verificado, é inerente à atividade
profissional o conhecimento acerca do local em que é desempenhada. Tal conhecimento é
baseado na prática profissional e na transmissão do saber-fazer por meio do aprendizado
cotidiano, legado das gerações passadas. Entretanto, no decorrer do trabalho de campo, não
foi possível realizar um levantamento junto aos pescadores acerca do fundo da lagoa, de
modo a identificar além das buracas, coroas de areia e outros lugares dentro deste lugar. É
importante ressaltar que este insucesso em construir um mapa do assoalho da lagoa, e,
portanto, dos prováveis locais de pesca, denota a importância em manter o segredo sobre os
pontos de pesca como forma de preservar do conhecimento alheio os locais identificados
como aqueles que garantem a produtividade. Desta forma, revelar o segredo da localização
traz o risco da super exploração do local e, por sua vez, torna a pesca uma atividade com um
alto grau de incerteza. Destarte, os saberes relacionados à geografia do fundo da lagoa são de
domínio público, como a própria Lagoa de Cima, porém é com base na perspicácia e
acuidade, ao aplicar o conhecimento naturalístico, que o pescador consegue minimizar os
riscos do insucesso em sua empreitada diária. Portanto, eis a razão para todo o receio quanto à
socialização, principalmente a um desconhecido, das informações sobre os prováveis lugares
em que pescam.
127
pode erguer a vela, geralmente confeccionada a partir de sacos de farinha e com área de 3m
2
A princípio, na descrição deste tipo de pescaria parece haver uma exacerbada
dependência do acaso. Contudo, esta modalidade de pescaria é a de maior produtividade, seu
êxito é em grande parte devido ao conhecimento naturalístico principalmente acerca dos
ventos. Segundo os pescadores, os peixes andam/correm conforme o vento sopra e, deste
modo, ao andarem na direção dada pelo vento e estando o caracol com sua abertura voltada
para a direção oposta ao vento, os peixes são capturados na rede. Além disto, há o
reconhecimento de que qualquer vento, com grande intensidade, é um elemento que atrapalha
a pesca, uma vez que a agitação das águas dificulta a navegabilidade e a movimentação
constante das águas e não contribui para que a rede fique estendida. Por outro lado, há
também o temor ao vento sul porque, devido a sua força, podem ocorrer acidentes graves que
em muitos casos custam a vida dos pescadores. (
,
e navegar sempre na direção em que sopra o vento – sem fazer maiores esforços.
O conhecimento sobre os ventos também auxilia na organização, por parte dos
pescadores, do posicionamento de suas redes de minjoada. Pois é a partir da identificação da
direção do vento que está soprando, o sul ou o nordeste, que é definida a posição em que a
boca do caracol vai ser posicionada. De acordo com os pescadores, na minjoada, a rede tem
de estar estendida como uma parede dentro d’água em um local onde haja movimento de
peixes. Assim, a rede permanece à espera e de acordo com a movimentação dos cardumes.
Estes ficam, em algum momento, imprensados nela e desta forma são capturados.
Figura 13 e Figura 14)
Figura 13 Incidência das correntes de atmosféricas em relação ao espelho d’água
128
Figura 14 Exemplo do posicionamento da rede de espera em função do vento
Adaptado: REZENDE et al, 2006
O domínio destes e de outros conhecimentos sobre o ecossistema local implica não
na otimização imediata da captura do pescado, no transcorrer de sua jornada de trabalho
diária, mas também exerce influência na realização das pescarias durante o transcorrer do ano.
É relevante a informação de que o conjunto de saberes sobre o meio biofísico aguça no
pescador sua sensibilidade quanto à previsibilidade de eventos climáticos, chuvas, ventanias,
ou relativos à ictiofauna, principalmente a época da cema. Desta forma, o pescador, ao inter-
relacionar seus saberes sobre o ecossistema é capaz de formular umcalendário” acerca dos
eventos naturais e a probabilidade da ocorrência destes nos diferentes períodos do ano.
Atualmente, na Lagoa de Cima, a atividade pesqueira com fins comerciais acontece
apenas durante os meses de março a outubro. Em depoimentos obtidos juntos aos pescadores
é recorrente a menção a que no transcorrer deste período ocorrem restrições, em função das
condições naturais e de ordem técnica. Desta feita, a pesca não ocorre de maneira homogênea
ao longo destes meses, contudo, nos dias de hoje, em função da introdução de
aprimoramentos tecnológicos, como o motor, os pescadores da Lagoa de Cima não mais
enfrentam situações de penúria que em momentos anteriores eram tidas como certas.
A [pesca] era bem precária, porque antigamente todo mundo pescava de remo
ninguém tinha seu motor para pescar e ai
época de vento não podia pescar [mês de
setembro e outubro]
Não obstante, mesmo que superadas algumas restrições a partir da adoção de
inovações tecnológicas, de modo a contribuir para que não aconteça o comprometimento da
renda familiar em função da quebra na pesca, esta atividade na Lagoa de Cima continua, no
, ai quando passava a época de muito vento porque tem mês que
dá muito vento. (...) você tinha que se virar fora ou na roça, para poder passar aquele
período de vento. Porque você passava muito impensado neste período. (NA)
129
transcorrer dos meses do ano, a diminuir seus rendimentos. De modo geral, não considerando
anos em que ocorrem estiagens prolongadas, é nos meses de setembro e outubro que ocorre da
pescaria fracassar. É notado que no momento em que o nível da lagoa se encontra baixo, os
pescadores afirmam que se torna mais difícil capturar espécies como as traíras, pois as
mesmas passam a se esconder nas “buracas”. Para o sairu, não foi observado uma relação
entre a diminuição do nível do espelho d’água e o estabelecimento de situação de fracasso.
Contudo, os pescadores assumem que esta pescaria fica comprometida, a partir do momento
em que o espelho d’água torna a receber água de chuva vinda da serra, “a rede 50 mm panha
bem aí, [mas] agora não. Porque agora encheu de mais, (...) e essa época assim não panha,
só panha quando a lagoa ta baixa”. Com as chuvas, ocorre o aumento da área do espelho
d’água e subseqüentemente acontece a migração dos cardumes para locais de difícil acesso
com o objetivo de desova. Desta forma, em função da escassez de exemplares disponíveis,
dado ao volume de peixes capturados nos meses iniciais da temporada de pesca a pescaria
fracassa.
Quando abre tem bastante peixe, que até no sentido, em que é, no nível, a água no
nível também, bastante alta, e, e, e o, as baixadas ainda tão tomada, d’água, é aonde
você tem mais a, distância pra você pescar, (...) quando reabre a pesca, nós temos
um recurso, muito bom, a respeito da pesca, a gente chega. Eu, (...) no início desse
ano, eu cheguei até, tirar média de seiscentos reais por semana. Só na traíra. (...) Mas
quando chega nesse período, de quando chega nesse período, você chega a tirar aí,
duzentos reais por semana, ou... Quando, né? E então você vê que cai muito. (JB)
O ciclo reprodutivo da ictiofauna na Lagoa de Cima, segundo ZH e outros pescadores,
tem seu início marcado com a chegada das “primeiras águas”, o que pode vir a ocorrer em
meados de setembro ou no máximo até o feriado santo de finados (02/11). A partir da
primavera, ocorre um aumento no volume de chuvas nas cabeceiras dos rios que abastecem a
Lagoa de Cima e, com isto, o espelho d’água transborda fazendo-o alcançar locais até então
secos. Assim, as áreas adjacentes à lagoa tornam-se pantanosas, propícias para que os peixes
as utilizem como locais de desova e fecundação. Portanto, a chegada das primeiras águas, ou
o inicio do período de cheias, faz os peixes procurarem estes brejos para a desova, o principal
deles, a lagoinha.
Sobre a cema, é importante ainda frisar que mesmo estando o peixe preparado para a
desova no período que antecede às águas há pescadores que afirmam já ter encontrado ovas
em “peixes pequenos” (considerados inadequados para o consumo pelo baixo peso e
imaturidade reprodutiva) já nos meses de julho e agosto o pescador sabe que os peixes só
irão dar início à cema a partir do momento em que as “águas chegarem”. Portanto, a piracema
130
“forte e verdadeira”, no calendário dos pescadores só vai ter início nos meses de dezembro e
janeiro, período em que pode ser observado o maior nível de água no reservatório.
O aumento de volume de água e a migração do pescado para locais de desova, de
difícil acesso para canoas, bem como, impróprios para a colocação de redes, devido a pouca
profundidade, levam à impossibilidade do pescador continuar praticando sua atividade
profissional com os mesmos índices de captura de quando a pesca reabre. Decorrente destas
restrições, os pescadores são levados a cessarem suas atividades e retomar a mesma no
período em que o nível das águas começa a se normalizar. Entretanto, concomitante ao
período em que a pesca fracassa, vem acontecendo, nos últimos sete ou oito anos, a interdição
compulsória da pesca na Lagoa de Cima, com a finalidade de que aconteça a perpetuação das
espécies. Em seu primeiro momento, este período de interdição correspondia a três meses, de
novembro a janeiro. Porém, relatos indicam que por aproximadamente três anos, o Defeso,
passou a contar com quatro meses. Seu inicio está programado para os dias primeiro ou
quinze de novembro (data que pode variar conforme a decisão técnica do órgão do estatal
responsável, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
As dificuldades de captura nos períodos de seca, como relatam os pescadores, por
sinal, têm se tornado cada vez mais freqüentes. Por outro lado, há também o fato de que a
interdição da pesca por acontecer nos meses que precedem o “verão
) e
seu término para o dia primeiro dia de março.
57
57
Período em que ocorrem diversas atividades recreativas, principalmente em São Benedito, o que atrai uma
multidão de pessoas que, além de interessadas em tomar banhos, assistir a shows e a eventos esportivos, estão
ávidas em consumir a famosa traíra da Lagoa de Cima.
leva ao aumento do
número de exemplares capturados, com o intuito de se constituir um estoque para o
abastecimento dos turistas. Estes e outros fatores têm conduzido os pescadores a esperar com
ansiedade as trovoadas que indicam as chuvas fortes, causando a cheia da lagoa, para
conseguirem pescarias mais produtivas. O conhecimento instrumental que possuem os
pescadores sinaliza que com o início das chuvas, a cema está para começar e, assim sendo,
peixes como traíras e bagres, em sua ânsia por reproduzir, tornam-se suscetíveis à captura ou,
como afirmam os pescadores, mais bobos:
a lagoa enche... a gente ai vai pro mato... lá no mato você não pode botar a rede,
porque a rede é muito fininha e essa rede [apontando para uma rede de 50mm] não
agüenta mato... ela pega no mato e rasga tudo... essa rede é para pescar em água
branca água limpa. Ai você já pega a rede grossa, a rede larga, você vai procurar
uma trairá um bagre uma coisa assim ... até a lagoa vaza de novo para você voltar a
panhar o saíru (CF)
131
Amplamente difundida entre os pescadores da região, a prática de esperar o início da
cema para assim empreender ações mais drásticas na captura do pescado só contribui para a
sua escassez. Atualmente, mesmo com a ocorrência do fechamento da pesca mediante
portarias instauradas pelo IBAMA, o período em que tais capturas são realizadas ocorre nos
meses de setembro e outubro, momento em que as primeiras chuvas começam a acontecer,
entretanto a pesca ainda não se encontra proibida. Deste modo, como salienta o pescador, a
atividade haliêutica tende a ser realizada em áreas próximas aos canais de comunicação que se
formam entre a lagoa e os brejos que a circundam. Nestes dois meses que antecedem o defeso
a pesca continua liberada e livre de qualquer fiscalização. Tal informação é indicativo de certo
descompasso entre o órgão ambiental responsável por estabelecer a instrução normativa – que
por sinal é uma decisão tomada na sede do órgão, em Brasília e o ciclo de reprodutivo das
principais espécies comerciais na Lagoa de Cima.
5.4 – Do porto à praia: o (não) diálogo entre as Representações Sociais da Natureza
É isso mesmo gente, vão construir a barrage e Javé ta no caminho das águas.
Logo,logo tudo vira represa.
Nós vamos ter que sair...
(...)
Os engenheiros abriram os mapas na nossa frente e explicaram tudinho nos por
menor. Tudo com os números as fotos, um tantão delas, e explicando pra gente os
ganhos e os progressos que a usina vai trazer.
Vão ter que sacrificar uns tantos para beneficiar a maioria.
A maioria eu não sei quem são. Mas nos é que somos os tantos do sacrifício.
(Narradores de Javé, 2003)
Conforme a legislação ambiental, as APAs visam a proteger e conservar a integridade
dos sistemas naturais existentes por meio da preservação da “diversidade biológica”. Além
desta atribuição, são propostas juntamente com a implantação da categoria de unidade de
conservação, certas restrições à utilização e à exploração inadequada desses ambientes.
Teoricamente, também é objetivo da APA assegurar o bem-estar e melhorar a qualidade de
vida das populações locais. Contudo, no que concerne à implementação de APAs, em geral,
este processo conduz ao estabelecimento do conflito entre os direitos fundamentais garantidos
pela Constituição Brasileira: direito ao meio ambiente cultural (art. 215) e o direito ao meio
ambiente natural (art. 225).
Diante de tal embate, muitas vezes é observado que, no momento de tornar
operacional a conservação do meio ambiente, a preponderância de aspectos relativos a uma
representação na Natureza desvinculada dos aspectos sociais, torna invisível para técnicos,
132
acadêmicos e gestores públicos, envolvidos no processo, a presença de populações com outros
projetos societários que não o hegemônico. Mesmo que com o SNUC as categorias de uso
sustentável tenham cristalizado sua presença como estratégia estatal para a conservação, há
casos em que a defesa do meio ambiente com base nesta tipologia de UC não vai muito além
de garantir a defesa da fauna, da flora e do meio físico, permanecendo o ser humano, suas
atividades culturais e materiais, em um segundo plano ou até esquecido no processo. Em
Campos dos Goytacazes, na APA Lagoa de Cima, a situação não é diferente.
Historicamente, os pescadores de Lagoa de Cima tratam o espelho d’água, a faixa de
areia que o circunda e a casa que residem como espaços dedicados ao trabalho. Hoje, mesmo
com as mudanças ocorridas na Lagoa de Cima, para os pescadores, tais lugares continuam
fundamentais no desempenho da atividade pesqueira e a subseqüente manutenção de seu
modo de vida. Se, por um lado, não é necessário salientar a centralidade do espelho d’água
para estas pessoas, por outro ainda é necessário tornar claro para a sociedade que os demais
espaços conexos à lagoa, a casa e o porto são igualmente importantes. Exemplo disto é a
elaboração por parte dos comunitários de um esquema classificatório, cujo objetivo é
promover a diferenciação do território, a partir do espaço de trabalho: o porto.
No cotidiano do trabalho do pescador, a maior parte de sua jornada de trabalho se dá
no porto e é realizada em conjunto por sua família. Decorrente do domínio, por parte do
pescador artesanal, de um amplo conjunto de saberes, que articulados o fazem reduzir as
variáveis de insucesso nas pescarias, a porção de trabalho que homens e mulheres empregam
na captura de peixes, a quantidade a ser capturada, o conhecimento do pescador acerca da
localização dos cardumes; etc., a arte da pescaria propriamente dita, não consome mais do que
algumas horas pela manhã ou pela tarde. Em contrapartida, o restante da jornada de trabalho é
empregada nas atividades de despesca e limpeza, ambas realizadas no porto. Neste sentido, o
porto é o lugar em que a parte do trabalho mais tediosa ocorre. Assim, a faixa de areia
configura-se um espaço de trabalho tão importante para o pescador quanto os pontos de pesca
e a casa.
Outro aspecto interessante em São Benedito é a divisão convencional do povoado em
portos. Como já mencionado, São Benedito tem suas casas distribuídas ao longo de quatro
quilômetros de uma estrada que acompanha a sinuosidade da margem da lagoa. Aos olhos de
um forasteiro toda a extensão da estrada constitui São Benedito, e assim sendo, é impossível
fazer qualquer tipo de distinção a fim de localizar algum morador. Porém entre os moradores,
principalmente os pescadores, é utilizado um sistema classificatório com o intuito de facilitar
133
a exata localização das coisas e pessoas. Em razão da dispersão da comunidade em uma área
relativamente extensa, foi adotada pelos comunitários, como forma de promover a
diferenciação/localização dos lugares, uma unidade de referência baseada em seu espaço de
trabalho: os portos. Assim, os lugares são discernidos a partir da referência aos portos, de
modo que à palavra porto é acrescida uma palavra qualificativa, em geral um substantivo, que
relaciona este espaço de trabalho com o pescador que dele faz uso.
Farias (1939-41) ressalta que tais designações surgem em conseqüência da forma
espacial de localidades como São Benedito tal situação ocorre também em Ponta Grossa dos
Fidalgos, na Lagoa Feia uma longa estrada que acompanha o contorno da lagoa. Esse
aspecto linear, afirma o autor, exige “o desdobramento do povoado, que na realidade não
apresenta nenhuma diferenciação funcional, em certo número de partes, tomadas como
pontos indispensáveis de referência.” (1939-41). Exceto a área central do arraial, a “Ponta da
Palhaem que estão localizadas a Igreja de São Benedito, a praça, o coreto e o campo de
futebol e outros espaços demarcados por acidentes geográficos ou elementos da paisagem
como a pedra do Besouro e Palmeiras e o “lado do Yatch”, as demais subdivisões de São
Benedito possuem nomes distintos e espaços demarcados. Porém, na paisagem física ou
humana não são encontrados elementos que forneçam subsídios para que um observador
externo diferencie estes lugares dentro do lugar. Este é o caso que envolve as subdivisões
localizadas na orla formada pela areia. No primeiro momento, não há elementos suficientes
para identificar os espaços convencionados entre os moradores com o intuito de criar a
distinção no território. (Figura 15)
134
Figura 15 - Vista panorâmica do porto/praia. As embarcações ancoradas indicam os espaços de trabalho das
famílias de pescadores
Fonte: COSTA, 2008
Contudo, com o aumento da visitação ao espelho d’água, os bares tornaram-se novos
elementos a compor o quadro de referências dos moradores e turistas. Deste modo, foi
tacitamente firmado entre locais e visitantes, um repertório que possibilita o diálogo entres
estes a fim de que ambos possam se localizar no interior de São Benedito. Durante o processo
de pesquisa, em conversas despretensiosas ou mesmo aquelas com as quais se pretendia obter
informações sobre a lagoa e as pescarias, freqüentemente ao pedir ou receber alguma
informação sobre a localização de alguma residência ou pessoa, as respostas recebidas
mencionavam lugares dentro de São Benedito que eu desconhecia. Assim, no transcorrer
destas conversas, os informantes buscavam os “novos” elementos na paisagem humana e
física a fim de localizar com precisão os distintos lugares do arraial.
Se tratava o porto, porque a gente saia do porto para ir pescar né e era a chegada da
gente era ali, o porto. Entendeu? Hoje já tem as praias tem aqui, a [Churrascaria]
2001 já se tornou uma praia, tem aquela lá que já se tornou uma praia (apontando
para o porto do Ataíde), essa beirada aí, em frente esse bar dia de domingo é um
movimento medonho, quer dizer já se torna uma praia. (CS)
135
Neste processo de adequação semântica, recorre-se à utilização de elementos muito
mais ligados ao universo do visitante. Estes episódios de blasfêmia
58
58
Homi Bhabha em o Local da Cultura (1998) esclarece que nos termos dos Estudos Culturais e de modo mais
específico em suas proposições teóricas, “blasfemar não é simplesmente macular o inefabilidade do sagrado (...)
a blasfêmia vai além do rompimento da tradição e substitui sua pretensão a uma pureza de origens por uma
poética de reposicionamento e reinscrição. Rushdie usa repetidademente a palavra blasfêmia nas partes do
livro sobre migrantes para indicar uma nova forma teatral da encenação de indenidades transgenéricas e
trasnculturais. A blasfêmia não é simplesmente uma representação deturpada do sagrado pelo secular: é um
momento em que o assunto ou o conteúdo de uma tradição cultural está sendo dominado, ou alienado, no ato da
tradução”.
, de maneira mais ampla,
denotam que o convívio dos moradores locais com os turistas, em certa medida, acontece sem
maiores problemas. Sobre as mudanças ocorridas na Lagoa de Cima, principalmente aquelas
relacionadas à movimentação de turistas, os pescadores afirmam que:
... melhorou sim. Principalmente para aquele que trabalha, que tem seu bar, igual à
gente tem um negócio, melhorou bastante. A gente fica esperando mesmo essa
época de verão para ganhar um trocadinho. Que vem bastante gente, aí a gente
ganha ate um pouco mais... (NA)
O banho nas águas da lagoa e sua singular beleza cênica da paisagem consistem no
principal atrativo turístico de São Benedito. As facilidades de acesso e a melhoria na infra-
estrutura, aliadas à busca empreendida pelos moradores da cidade de Campos por espaços
naturais que propiciem momentos de descontração, faz com que nos finais de semana
ensolarados, centenas de pessoas freqüentem o arraial. Nestes dias de maior movimento não é
raro ver grupos reunidos em torno de churrascos, bebendo cervejas e ouvindo música alta. Em
vista disso, os moradores de Lagoa de Cima entre eles os pescadores artesanais
perceberam este movimento de visitantes e suas demandas por quitutes e bebidas como uma
oportunidade de obter ganhos. Ao realizar este cálculo, o casal de pescadores NA e AA optou
por construir um bar em parte da sua casa e atender aos turistas durante o “verão”.
...eu tenho negócio aqui tem oito anos. (...) quando começou o movimento eu
comecei trabalhando sem ter meu barzinho aqui, vendendo na caixa. Eu vi dando
muita gente né, ai comecei vendendo assim: colocava a caixa de isopor, uma
mesinha ai vendia ali (apontando para a faixa de areia), aí fui melhorando já fiz um
barzinho... (NA)
Observado por este ângulo, os pescadores que são proprietários de bar ou tem algum
familiar envolvido com esta atividade, externam, a princípio, um sentimento afável com
relação aos visitantes. Entretanto, o demasiado número de visitantes tem provocado o
aborrecimento entre os moradores:
136
Melhorou porque hoje tem um estrada melhor já é mais fácil para gente ir na cidade
(...) porque tem ônibus três vezes no dia. Mas em outros pontos, chega o domingo
parece tanta gente ruim. Vem muita gente boa, mas vem muita gente ruim. E a
estrada muito perigosa, porque não tem um sinal, não tem um! (...) O povo quando
desce, desce como uma coisa doida, dois três carros um pra cortar o outro nesta
estrada estreita, eles deixam de saber quem tá do lado da estrada quem não esta. É
maior perigo andar no dia de domingo e no feriado, é muito triste. Aí tirou o sossego
da gente.(CC)
Antes era parado, era silêncio, não tinha movimento nenhum, hoje chegou o verão aí
e tem um barulheira muito grande. E mudou totalmente, tem um movimento
medonho. Antigamente, sei lá, parece que a vida era melhor, tudo era calmo. Hoje é
um movimento medonho, tem grandes movimentos de gente, gente de tudo
enquanto é tipo, é gente das favelas, é uma diferença muito grande. (CS)
O acréscimo destes novos referenciais no repertório dos pescadores vem sendo
construído com base no contato destes com os visitantes. Com a chegada do verão e dos
turistas, o espaço social que constitui a Lagoa de Cima, para estes outsiders, é significado de
modo completamente diverso daquele elaborado pelos pescadores. Para os turistas, o espelho
d’água, as areais e as casas, enfim, a Lagoa de Cima constitui um espaço destinado ao
descanso, à recreação e à fuga dos incômodos urbanos. Contudo, para os moradores da Lagoa,
o lazer destas pessoas representa um incômodo, seja pela insegurança da condução perigosa
na estrada, o estado de embriaguez dos visitantes ou o desconhecimento do lugar de onde
vieram. Por outro lado, o aborrecimento dos pescadores também está relacionado à sua
compreensão de que o aumento pela procura das praias é diretamente relacionado à
proporcional diminuição da vegetação do entorno, especialmente a catifa
59
59
Catifa, provavelmente é uma denominação generalista para os aglomerados de aguapés que se formavam na
orla da lagoa. É importante destacar que esta palavra pode ser derivada de Alcatifa, que segundo o dicionário é
definida como f. Tapete grande, com que se reveste o chão. Cabe salientar que o próprio dicionário apresenta que
a etimologia da palavra é árabe al catifa.
:
Eu acho que deve ter de uns dez anos pra cá, que começou. Não tinha esse negócio
de verão. Não tinha esse negócio de banho. [A beirada da lagoa] Tinha mais mato,
era mais suja, sabe? Era muita pitangueira ... (CC)
A gente lembra de muitas coisas! A gente lembra que a lagoa era uma lagoa rica de
peixe era uma lagoa que tinha muitos pescadores, hoje tem muitos pescadores, mas
tem uns que nem estão mais pescando porque a pesca aqui é muito surrada, a lagoa é
muito seca. Hoje a lagoa não tem um esconderijo, um criador de peixe. Antigamente
tinha, você chegava numa praia daquela lá, naquele areal lá, cê entrava dentro
d’água lá, cê não conseguia chegar dentro d’água que era muito catifa. Catifa é um
matinho que dentro d’água, que dá aquele alastro. Se ocê tivesse de correr por
algum pobrema cê não conseguia passa, não conseguia atravessá. Então aquilo ali o
peixe ficava escondido ali dentro. Ai foi movimentando esse negócio de Lagoa de
Cima e praia... e praia, o povo foi arrancando foi tirando e hoje você não vê um pé
de catifa na beirada d’água mais. (CS)
137
Como se não bastassem as questões relacionadas à diminuição da vegetação, em
função da desobstrução das áreas para banho, o comércio relacionado ao turismo cada vez
mais tem demandado dos pescadores a captura de peixes, para servir aos visitantes. A pesca
de traíras, hoje o principal peixe comercializado pelos pescadores e proprietários de bar em
São Benedito, tem ocorrido de modo a comprometer a reprodução do modo de vida dos
pescadores:
nós vamo chegar a uma época muito crítica, na, na entrada desses comércio [das]
traíra (...) Eu vou te mostrar uma traíra, tá vendo? O tipo da traíra, essa traíra é uma
traíra, que ela já superô uma época né (...) mas nós temos essazinha que é menor...
Eu aqui num tenho, até num tenho pra te mostrar, as menores, traíra, que tão sendo
capturadas;
Vocês estão pegando menor do que aquela ali já?
Olha centenas e centenas. Aí eu te pergunto; E o amanhã? Aí eu digo a ocê, são
esses pescadores que não são legalizado, que não vive e sobrevive da pesca, caindo
em cima desses bichinhos desse tamainzinho. Aí eu digo a ocê, eu que sobrevivo da
pesca, que tenho que me sustentar da pesca, vai chegar um tempo, que eu vou ter
que me virar, ou eu vou, ou até lá eu to aposentado, ou vou ter que encostar o
material e vô ter que procurar um outro serviço, porque num ter como sobreviver,
da pesca, principalmente desse peixe que eu pesco, num vô ter como... (JB)
A preocupação de JB com o futuro da pesca, relacionado ao corcio de peixes para o
turismo, tem a ver com a forma de venda deste produto ao seu consumidor final.
Diferentemente da modalidade da venda ao consumidor final no mercado municipal ou
peixarias, feita pela pesagem por quilo, os bares do entorno da lagoa comercializam os peixes
por unidade. Nesta forma de comercialização, o preço do produto varia em função do
tamanho do peixe. Na Lagoa de Cima, os bares comercializam o peixe frito, com
aproximadamente 300 a 400 gramas, tem o preço a partir de cinco reais. Em função desta
modalidade de venda, os comerciantes da Lagoa de Cima optam por comprar dos pescadores
exemplares de pequeno e médio porte, pois são estes os que mais têm saída nos bares. Assim,
as traíras com peso próximo ou superiores a um quilo são desprezadas por estes compradores.
A preferência por peixes pequenos tem implicado na sobre pesca dos exemplares de um
espécime que pode alcançar até 3,5 quilos. Neste sentido, o pescador da Lagoa de Cima
demonstra seu ecologismo, como sugere Martines Alier (2007), ao externar de modo
amargurado sua preocupação e sentimento de impotência diante da deterioração da base de
sua sustentação: a Natureza.
Na perseguição do peixe, (...) nós temos aí vários tipo de peixe, mas o peixe que, o
peixe de sobrevivência mesmo, aqui, de sobrevivência, o peixe mais atacado, por
todo mundo é a traíra, é a traíra, e a cada dia, a gente vai se distanciando dela, a cada
138
dia a gente vai se distanciando dela, porque, por causa desse, desse período que eu tô
dizendo a ocê, que, pessoas que entram no rio, não sobrevivem da pesca, não
considera e leva tudo que acha a frente. No, no início da pesca, esse rio aqui, se ocê
dissesse assim, vô fazer um criadô, e vô lá no rio Ururaí, que é esse rio aqui; vô
panhar 2000, 3000, 4000 ou 5000 filhote de levino, traíra, ocê vinha e ocê levava.
Conseguia pegar, mas hoje, ocê passa, já não vê, aquele número, aquela quantidade,
porque como diz o ditado, a turma do, do ‘raspa-tudo’, você que é pescador, é, tenta
preservar um lado, já o outro vem, e vai levando;
Principalmente, na preservação, a diferença de quem é pescador que sobrevive e o
pescador que é profissional é [que] ele tem, uma visão para o dia de amanhã, ele
sabe, é como eu mostrei a você ali, ele sabe que o nível da traíra, chega um tamanho,
de 2 quilo, 3 quilo, aqui. Então ele sabe que de um ano pra otro nós temos essa, essa
experiência que de um ano pra otro, se os pescadô, eles pegarem as maior, eles
sabem que ele vai ter todo ano, trairá pra ele pegar;
E do mesmo tamanho, porque ele sabe que aquelas que ele passa de 100 “grama”,
250 “grama”, ele sabe, que no período da água, até ao baixar as águas, pra chegar no
nível pra ele usar aquele tipo de pesca, sabe, pra ele usar aquele tipo de pesca, ele
sabe que naquele período, a traíra já vai tá no ponto, dele, já de ser consumida,
porque ela aqui, a traíra aqui, ela tem um crescimento muito bom, ela tem um
crescimento muito bom e a gente já tem por essa experiência, então quando a gente
sai pra pescar, que vê aquele número grande, de filhote a gente já sabe, o pescador
que tem a consciência e o conhecimento na área, ela já sabe e muitos até comentam:
É rapaz, se Deus quiser para o ano, nós temos uma safra igualmente a essa ou talvez
até milhor. Porque a gente tá, é, com a esperança da gente é uma coisa que ocê num,
num, prevê, é uma coisa que ocê vê, é uma coisa que ocê ta vendo que vai ter um
crescimento na próxima safra de traíra, mas quando ocê, quando você, num vê, é a
mesma coisa, quando você, quando um país num tem criança, num tem história, né,
quando um país, as criança são pouca, ocê sabe que um país sem..., com um futuro
tamém, né, bem, de um nível bem baixo, embora nós sabemos que, a, a situação que
ta, mas cê sabe que o, o pogresso damanhã, são criança, porque a gente já foi
criança, hoje já é moço, e amanhã velho, e eles vão..., e muitas das vezes eu fico
analisando..., no ponto em que eu já vi, essa Lagoa de Cima, a produção de peixe
tremenda que houve, e eu fico pensando, amanhã os meus netos se eles quiserem
assumir, um, uma produção de pescador, eu fico pensando, as vezes me pergunto,
comé que vai ser meu Deus a vida deles, comé que vai ser... (JB)
Como transparece nas falas e práticas rituais dos pescadores, o ecossistema que os
circunda e com o qual mantêm intricada relação é percebido como uma unidade indissociável
de sua própria existência como pescador artesanal e a reprodução de seu grupo social. A
lagoa, portanto, é significada como uma dádiva divina, a “riqueza dos pobres”. Em outro
contexto, sobressai como ideologia a representação da Lagoa de Cima como um lugar onde a
Natureza deve ser institucionalmente resguardada, com a crença no conhecimento técnico -
cientifico e no manejo ambiental. Assim, a questão ambiental é encarada como pertencente ao
âmbito do natural, este por sua vez, compreendido como passível de ser decomposto em
partes. Portanto, a partir desta visão de mundo, a Natureza, transmutada em meio ambiente
constitui um “objeto” em todo o sentido da palavra apresentado como desenraizado das
relações sociais que estão em sua origem.
139
Nos primeiros momentos, nos séculos XIX e XX, esta representação da Natureza foi a
dominante. Contudo, como salientado no primeiro capítulo, nos últimos trinta anos do século
XX, este quadro se altera, marca disto é o surgimento, no campo da conservação da natureza,
especificamente no que tange às áreas protegidas, das unidades de conservação que
possibilitam a coexistência de pessoas nestes locais. Neste sentido, no Brasil, foram criadas as
unidades de conservação de uso sustentável. Porém, esta recente e tímida abertura não
provocou o efeito esperado que é, no caso das APAs, o de proteger e conservar a qualidade
ambiental dos sistemas naturais existentes, visando à melhoria da qualidade de vida da
população local (CONAMA, Resolução 10, 1988). O exemplo de Campos dos Goytacazes,
com a instituição da APA Lagoa de Cima, reforça esta lamentável constatação, haja vista que
a própria SMMA, em esclarecimento prestado ao Ministério Público do estado do Rio de
Janeiro em função do inquérito civil público nº 136/2003, reconhece a ampliação de situações
que degradam o meio ambiente.
Sobre a responsabilidade pela fiscalização deste espaço que deveria ser protegido, o
gerente de operações da Fundação Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (SERLA) em
Campos dos Goytacazes destaca:
Olha a gente tem duas coisas aí, quem é responsável pela demarcação e fiscalização
da faixa marginal de proteção é a SERLA. Agora têm uma questão que a lei de uso e
ocupação do solo, quem coordena essas políticas (...), são as prefeituras. E (...)
sempre da visão: ela nunca pode ser menos restritiva do que uma lei superior. Então
em perímetro urbano a prefeitura tem competência para que cada casa que estiver ali
ela ir lá e retirar. E cada construção que começar ela ir lá e retirar. Mas como as
estruturas são deficientes, tanto do Estado e da União, nesta área de fiscalização
ambiental. O município vai fazendo vista grossa. Em uma área que tem sobreposição
de competência, que era para ser super, super vigiada, ela acaba não tendo vigilância
nenhuma, porque um deixa para o outro. Ah, não! Isso é do estado; O Estado, ah,
prefeitura esta lá e ela podia olhar. (Alan Vargas)
O estabelecimento deste paradoxo, qual seja, o aumento exponencial da degradação do
meio ambiente em Lagoa de Cima a partir da instituição da proteção da área representa
somente uma das muitas incoerências superficiais no processo de proteção da Natureza.
Entretanto, no centro da questão figura o fato de que em muitas UCs a política ambiental vem
sendo conduzida de modo aprisionado às informações contidas nas ciências naturais e, desta
forma, negligenciam outros componentes da realidade, tais como, os processos sociais,
econômicos e culturais existentes no interior destas áreas protegidas que destoam em certa
medida do projeto societário hegemônico. Neste sentido, perdura nas políticas publicas e em
seus executores uma concepção de política que visa à universalização dos direitos, como é o
140
caso do direito ao meio ambiente. Não obstante, esta pretensa igualdade de acessos, pressupõe
que compartilhamos a condição homogeneizante de “sujeitos modernos”.
Para Stuart Hall (2003), esta visão compreende o sujeito, “como uma figura
discursiva, cuja forma unificada e identidade racional [são] pressupostas tanto pelos
discursos do pensamento moderno quanto pelos processos que moldaram a modernidade”
(2003:23). Neste sentido, a contradição nas políticas públicas ambientalistas se instaura a
partir do momento em que não ocorre uma sensibilização, por parte daqueles que as
executam, de que envolvidos na questão da conservação encontram-se atores sociais dotados
de “indentidades abertas, contraditórias, inacabadas fragmentadas”. Particularidades estas
que destoam do projeto societário urbano-industrial e, por isto, tornam as populações que
ocupam estas áreas invisíveis em sua totalidade (alem de indesejáveis) para o Poder blico
que, preso à concepção ambiental tecnicista não vislumbra outra saída que não aquela
estabelecida pelo padrão vigente: a criminalização dos comportamentos anômicos:
... eles [o pessoal da fiscalização] podem te dizer com mais exatidão qual a origem
destas pessoas. Se, são pessoas de lá mesmo que é.
Às vezes as pessoas casam e não
m onde morar e acabam invadindo o local
Muitos dos que estão construindo aí é pra botar comércio pra sobreviver (...) porque
a facilidade de vida aqui é melhor do que na cidade. Antigamente o povo corrido da
lagoa armaram as favelas. Hoje já esta quase sendo proibido as favelas, então o povo
com esse negocio de sem-terra, terra prometida, essas coisa, eles vem invadindo
porque quem é que não quer ter um pedaço de terra!
. Ou pode ser alguém que atraído pela
beleza da Lagoa de Cima resolveu fixar residência lá indevidamente. Então você
deve ter assim uma infinidade de situações. Pessoas que sem onde morar invadiram
a lagoa para poder construir, mas tem pessoas também que invadiu simplesmente
para poder ter um espaço privilegiado sem necessidade. De repente pessoas que
moram lá, mas tem outras casas, tem pessoa que ate aluga a casa que ela já tem e
fica morando lá. Quer dizer existem vários casos que seria difícil eu te dizer qual a
situação que predomina, quais os casos que ocorrem e quais os casos que são mais
predominantes. (Carlos Ronald)
Como esclarece a fala do Secretário de Meio Ambiente de Campos dos Goytacazes,
Carlos Ronald, aqueles que ocupam irregularmente as áreas do entorno da Lagoa de Cima são
objetos de atenção pela divisão da SMMA, responsável pela fiscalização. Entretanto, o
secretário coloca em condição de igualdade todos os que ocupam o entorno da Lagoa de
Cima, quando notadamente há amplas diferenças entre estes, uma vez que na ocupação
irregular da Faixa Marginal de Proteção (FMP), encontram-se desde filhos de pescadores que
se dedicam ao ofício que aprenderam com seus pais, passando por pessoas que migraram para
as áreas do entorno fugindo das áreas periféricas do município, até as residências destinadas
ao veraneio:
141
Essas pessoas que estão construindo esses bares elas são daqui?
Não, a maioria é de fora, mas tem os daqui também, porque a praia é boa pra o
negocio né! Mas quando termina o verão não tem nada. O cê sabe o que esta
acontecendo?
O povo do lugar nunca teve direito a nada porque sempre foi
fiscalizado então uns moravam dentro da casa de seus pais. Arrumava ate família!
Não tinha condições de comprar um terreno. Eu tive um sacrifício pra adquirir isso
aqui, muito sacrifício.
Então hoje devido ao povo de fora que veio de trailer de
lancha e perdeu o emprego comprou um trailer e pôs uma pescaria uma coisa. Bota o
trailer na beira da estrada, aí bota aquela armação muito mau feita de madeira, uma
varandinha aí quando imagina já tá com o alicerce já pronto dentro de casa com as
paredes, é gente inteligente.
A fiscalização vem e manda parar, mas quando ela vira
as costas manda o pedreiro fazer noite. Nestes tempos, disseram que iriam tirar
aquela turma toda que tem aqui na parte de baixo. Porque da estrada pra baixo é
patrimônio da União. O IBAMA chegou ai e quebrou umas barracas em vários
lugares quebrou uma barraca de uma menina lá em baixo quebrou duas, aí pra cima.
Aquelas pessoas que não ligam continuam invadindo
, mas quando vem o inverno
eles fecham tudo.
Deixa eu dar mais duas palavrinhas. Eu vou orientar você! Tudo aquilo que melhora
para dois ou três piora para cem aqui no nosso lugar, porque as pessoas como eu
acabei de dizer que vem pra aqui de fora, não só tem gente pequena não, necessitada
que é de fora, tá vindo muita gente grande também e você entre pra lá pros cantos, o
povo está fazendo muito lugar de repouso. O Gavião de Ouro, por exemplo, tem
mansão. Ele pode fazer isso? E já tem em Lagoa de Cima muito que bota caseiro e
eles vem ai só pra passar o fim de semana. Mas eu to falando que está muita bom
por isso aí, mas enquanto melhora pra uns piora pra muitos. Porque tira a liberdade e
esse povo grande corta muita coisa que podia ser do pequeno, encurralou o
pequeno e jogou tudo na beira d’água. Os pequenos hoje estão correndo tudo para a
beira d’água. (MS e DS)
Figura 16 O traço amarelo indica o limite da FMP e o vermelho o nível máximo de transbordo do
espelho d'água.
Fonte: SERLA, 2006
142
Ao lado do porto e da praia, a Faixa Marginal de Proteção juntamente com
delimitação da área de extensão da APA consistem em uma representação existente no espaço
que compreende a Lagoa de Cima (Figura 16). A demarcação da FMP, de acordo com o
Secretário de Meio Ambiente, consiste em um elemento indispensável para que a instituição
da APA Lagoa de Cima seja retomada. Esta demarcação é central no processo, pois é a partir
dela que se estabelece a porção de terra que compõe a Área de Proteção Permanente da Lagoa
de Cima. Para aqueles que buscam instituir a APA, isto representa maior respaldo para
instaurar a UC. De acordo com o secretário de meio ambiente, o estabelecimento da FMP é
uma etapa da consolidação da Lagoa de Cima como unidade de conservação municipal, pois,
salienta Carlos Ronald, “o principal dano ao meio ambiente na Lagoa de Cima ainda são as
invasões”. Contudo, continua o secretário, “você não consegue, mesmo sabendo que aquela
casa ali está a menos de dez metros da faixa da lagoa, você não consegue dar o auto de
demolição para uma casa onde tem família morando se você não tem a demarcação da faixa
marginal de proteção”. Quando questionado sobre o desenrolar das ações logo após a
demarcação da FMP, e a subseqüente retomada da implantação da APA Lagoa de Cima,
Ronald destaca que ocorrerão as desocupações, a derrubada das edificações e logo em
seguida:
para você ter uma ação mais efetiva do Poder Público, você tem que resolver
primeiro essas questões de invasões. Porque imagina, ir lá reflorestar, tirar lixo,
fazer esse tipo de serviço e as invasões sendo continuadas. Então vai ser uma
atividade que não vai ter o retorno esperado. Claro que nada impede da gente fazer
outras ações de limpeza. Isso a gente já vem realizando. Só que são as ações que não
são as mais efetivas. Não quer dizer que a secretaria não fazendo nada, nós temos
trabalho freqüente de limpeza da orla da lagoa, freqüentemente fazemos a retirada de
lixos inorgânicos depositados pelos próprios freqüentadores da orla da lagoa,
fizemos alguns trabalhos de plantio de arvore próximos aos rios de Lagoa de Cima.
Só que para você fazer um projeto de reflorestamento, uma coisa mais consistente,
você depende de ter toda a faixa livre. É que não adianta você tá fazendo uma coisa
por etapa, demole uma casa planta uma árvore, demole fica difícil. Você tem que
primeiro dimensionar toda área, para fazer o projeto de reflorestamento, onde couber
de toda a orla. Então, para isso você tem que ter acesso a orla toda, não adianta você
ter a coisa seccionada, vai pega um trechinho planta uma arvore, fica uma coisa
com pouca... é vamos dizer assim, não repercute, não é o suficiente para gerar é uma
maior consciência das pessoas que aquilo é uma área de proteção ambiental. Que a
própria presença de invasões estimula muitas pessoas continuarem invadindo então,
não se resolve o caso da Lagoa de Cima enquanto não se retirar as casas que eso
construídas irregularmente na faixa marginal de proteção. (Carlos Ronald)
Embora seja de considerável importância, o estabelecimento de restrições legais para a
proteção do meio ambiente na APA Lagoa de Cima acarreta prejuízos para os pescadores que
ocupam as terras marginais ao longo da faixa de areia. O entendimento apresentado pelo
secretário sobre a desocupação da FMP, se observado sob o ponto de vista dos pescadores
143
artesanais, interfere muito no desenvolvimento desta atividade e na reprodução do seu modo
de vida. Observa-se que as futuras restrições, se impostas, tratam fundamentalmente de
proporcionar a manutenção e enriquecimento da variável ecológica do ecossistema Lagoa de
Cima. “para você fazer um projeto de reflorestamento, uma coisa mais consistente, você
depende de ter toda a faixa livre” (Carlos Ronald). No entanto, nenhuma ação que se preste a
proporcionar a manutenção e a riqueza da diversidade cultural, como apregoa o SNUC para as
APAs é vislumbrada. Quanto aos pescadores e às práticas a eles relacionadas, afirma o
secretário, o pescador ele vai pescar dentro da lagoa, a atividade dele ocorre dentro da
lagoa”. Tal afirmação induz ao pensamento de que a FMP, ou como entende os pescadores, o
porto, não é objeto de importância para a manutenção destes:
Dentro desta faixa marginal você não pode ter atividades que degradem a lagoa e
principalmente construções, fazer plantações cultivar lavouras construir. Mas o
acesso da pessoa é livre! O acesso da pessoa é livre, você pode entrar, só não pode é
causar dano porque é uma área de proteção e é exatamente isso a finalidade da
demarcação é fechar... é demarcar a faixa onde o uso é restrito. “Ah! A faixa da
lagoa de cima é de 300 metros, então dentro destes 300 metros a utilização é
restrita não pode construir não pode fazer plantações não pode retirar solo, fazer
extração mineral”. Mas pode usar, pode ter acesso à área, os pescadores vai ter que
ter um local para colocar o barco dele, vai ter que ter o acesso, o caminho para ele
percorrer, agora o que vai regular realmente a pesca é se aquela unidade de
conservação permite a pesca, no caso de uma APA, por ser uma unidade de uso
sustentável ela permite a pesca, agora vai caber a legislação do IBAMA determinar
para o sairu qual a malha de rede permitida, para outros peixes, o período de defeso,
qual vai ser a época que vai ser decretado o período de defeso, aí vai ser através de,
portarias do IBAMA. (Carlos Ronald)
Lima, afirma sobre o deslocamento dos pescadores da praia de Itaipu para o
loteamento ao longo da rodovia que liga Niterói à praia: Aos pescadores (...) o ônus desse
progressivo deslocamento é incalculável, pois afastam-se do seu local de trabalho, o que
implica a transformação de seus hábitos e estilos de vida, vinculados tradicionalmente ao
mar e à lagoa” (1997:52). Entre os pescadores artesanais, os rumores quanto à possível
desapropriação e remoção dos moradores causa entre eles desconforto e ânimos exaltados. No
entendimento do pescador WA, a prefeitura não tem o direito de retirar ninguém da faixa de
areia por dois motivos; o primeiro devido ao fato de que muitas das pessoas nasceram na
Lagoa de Cima; e o segundo é o de que, caso a Prefeitura determine a retirada dos moradores
pobres, a Prefeitura também tem que retirar as casas do condomínio.
É importante ressaltar que os moradores mais antigos relacionam a instituição do
caráter público da faixa de areia à sua crescente ocupação. Sobre este tipo de situação, NA
fala que nos lugares da faixa de areia onde hoje não reside nenhuma família de pescadores, e
144
com isso o porto não é utilizado, tem ocorrido uma acelerada ocupação de pessoas de fora
60
Atividades Agrícolas: proibição do desmatamento nas encostas e nos terrenos baixos.
.
A pescadora, afirma que, com o discurso de estarem acampando durante o período do verão e
trabalhando para obter uma renda extra com a venda de comida e bebidas as pessoas fixam
residência na faixa de areia. Porém, depois desta estada decidem permanecer e, a partir disto,
vão construindo, aos poucos, partes do que no futuro será mais uma casa. A pescadora relata
ainda que, certa vez seu marido pensou em construir um bar na faixa de areia para atender o
“turista” no verão, e assim aumentar a renda. Entretanto, esta construção foi repensada,
levando AA a construir o bar no espaço contíguo à casa, localizada na parte de cima da
estrada. No relato de NA, tal alteração nos planos se deu porque eles pensaram que ao
construírem na faixa de areia estariam dando o direito de outras pessoas construírem também
casas e bares naquele lugar; situação esta que levaria o pescador e sua família a perder a
liberdade de usar seu porto.
Por fim, cumpre salientar que os diferentes projetos sócio-ecológicos que têm por
intenção proteger a Lagoa de Cima, em certos aspectos, se contrapõem. Como caracterizado
anteriormente, há Representações Sociais que conduzem à temática da proteção da natureza a
partir de uma perspectiva voltada para a gestão e manejo, com base em conhecimentos
técnico-científicos; como é o caso, do ponto de vista defendido pelo Poder Público,
principalmente por meio de restrições quanto à utilização dos recursos naturais. Por outro
lado, encontra-se a concepção dos pescadores que concebem a Natureza em Lagoa de Cima
como fundamental na manutenção de seu modo de vida, o que implica na utilização dos
recursos naturais da lagoa sob a ótica tradicional desta população.
Mesmo que a regulação do espaço na Lagoa de Cima não esteja cristalizada sob
determinações de uma UC, ações estabelecidas no decorrer dos últimos trinta anos, devido à
legislação ambiental e à pressão da opinião pública, originaram uma progressiva alteração nas
práticas que envolvem o uso da natureza por comunidades “tradicionais”, não apenas em
Campos dos Goytacazes, mas no Brasil como um todo. As principais restrições legais que
atingem comunidades no entorno da Lagoa de Cima são as:
Atividades de Caça: restrição a qualquer atividade de caça
Atividades Extrativistas: impedimento de extração de madeira, retirada de arbustos para
lenha e construções e a regulamentação da pesca em função do período do defeso.
Ocupação humana: reconhecimento da orla da Lagoa de Cima como área não edificante.
60
Segundo o diagnóstico ambiental da Área de Proteção Ambiental de Lagoa de Cima, ocorreu um acréscimo de
36% de residentes no entorna do espelho d’água em menos de 15 anos (REZENDE, et al., 2006)
145
Apesar de ser reconhecida a importância destas restrições legais para a proteção do
ambiente natural da APA Lagoa de Cima, a legislação, em algumas dimensões, se torna
prejudicial principalmente aos pescadores artesanais, pois historicamente eles têm residido às
margens do espelho d’água e desenvolvem atividades que interferem no ecossistema Lagoa de
Cima.
Contudo, tais atividades não eram desenvolvidas de modo a provocar alterações
radicais naquele sistema. Observa-se que as restrições legais impostas foram fundamentadas
em acertados princípios de preservação ecológica das espécies nativas. No entanto, as
atividades pesqueiras, por exemplo, que anteriormente eram realizadas de forma pontual,
passaram a ser exploradas de um modo que conduzem ao comprometimento da principal
fonte de subsistência das comunidades, produzindo contradições entre os objetivos da
legislação e o adequado desenvolvimento das comunidades. Na Lagoa de Cima, o momento
em que estas contradições assumem sua forma pública é no período que antecede à interdição
do defeso, quando acontece a materialização do conflito entre conhecimentos: de um lado o
que advém da prática cotidiana dos pescadores; e outro, de caráter técnico-científico,
apresentado por agentes do IBAMA e da Secretaria Municipal de Meio Ambiente.
No ínterim entre a constituição das políticas ambientais pelo Estado brasileiro, no ano
de 1989, é criado o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis,
autarquia federal vinculada à Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República
posteriormente transformada no Ministério do Meio ambiente cuja “finalidade [é a] de
assessorá-la na formação e coordenação, bem como executar e fazer executar a política
nacional do meio ambiente e da preservação, conservação, uso racional, fiscalização,
controle e fomento dos recursos naturais” (Lei nº 7.735 Art. 2º 1989). O IBAMA foi formado
pela fusão de quatro entidades brasileiras que trabalhavam na área ambiental com o objetivo
de promover a gestão ambiental de forma integrada:
Antes, havia várias áreas que cuidavam do ambiental em diferentes ministérios e
com diferentes visões, muitas vezes contraditórias. A responsável pelo trabalho
político e de gestão era a Secretaria Especial do Meio Ambiente, vinculada ao
Ministério do Interior. (...) Outro órgão que também trabalhava com a área
ambiental era o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), criado
com mega-estrutura, que mantinha a gestão das florestas. Além dele, a
Superintendênica de Pesca (Sudepe), que mantinha a gestão do ordenamento
pesqueiro, e a Superintendência da Borracha (Sudhevea), que tinha como desafio
viabilizar a produção da borracha. (Site IBAMA 2008)
O IBAMA surgiu a partir da fusão destes quatro órgãos diferentes e dentre suas
atribuições estão orientar e disciplinar as atividades de fomento florestal, pesqueiro e de
146
borrachas. O órgão, além de exercer as funções de cadastramento, assumiu como prerrogativa
licenciar, fiscalizar e disciplinar as atividades exploratórias dos recursos hídricos e da fauna
silvestre, tendo por objetivo sua conservação.
No que diz respeito à questão suscitada na Lagoa de Cima, resta relacionar o que é de
responsabilidade do IBAMA, por meio de portarias normativas e estabelecer o período em
que ocorrerá piracema na Lagoa de Cima, como ocorreu no ano de 2007 com a portaria nº 52
de 20 de novembro que dispõe sobre a interdição da pesca nas bacias hidrográficas do Leste:
Art. 1º - Estabelecer normas para o período de proteção à reprodução natural dos
peixes, temporada 2007/2008, nas áreas das bacias hidrográficas do Leste, nos
estados da Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo,
excetuando-se as áreas das bacias hidrográficas dos rios Paraná e São Francisco,
contempladas por instruções normativas específicas.
Parágrafo único. Entende-se por bacia hidrográfica: o rio principal, seus
formadores, afluentes, lagos, lagoas marginais, reservatórios e demais coleções
d'água.
Art. 2º - Estabelecer o período de 1º- de novembro de 2007 a 28 de fevereiro de
2008 para a proteção à reprodução natural dos peixes, nas bacias hidrográficas
referenciadas no art. 1º- desta Portaria.
Art. 3º - Fica proibida a pesca:
I - nas lagoas marginais; e
II - até um mil metros a montante e a jusante das barragens de reservatórios de
usinas hidrelétricas, cachoeiras e corredeiras.
Na visão de Valpassos, Alves e Sousa (2007), no primeiro momento, é possível
observar que a instrução normativa tem ampla abrangência territorial e, ao observar apenas a
dimensão ecológica, sem dúvida, a normativa caracteriza uma situação em que os ritmos
sazonais de ecossistemas singulares são homogeneizados. A instituição de um calendário
ecológico único, de novembro a fevereiro, para diversas regiões, como salientam os autores
acima mencionados, vem ocasionando tensões entre populações pesqueiras e o IBAMA. Em
Ponta Grossa dos Fidalgos (Lagoa Feia) e no Farol de São Tomé, localidades que pertencem a
Campos dos Goytacazes, estes pesquisadores observam que:
O problema, que permanece latente durante o período de pesca liberada, manifesta-
se claramente nos meses da cema. Assim, por inúmeras vezes, o que se apresentou
aos etnógrafos foi, segundo a interpretação nativa, uma incompatibilidade entre o
período do Defeso e o período de reprodução da ictiofauna. (VALPASSOS et al,
2007.)
Os questionamentos quanto ao descompasso da política pública de proteção à
reprodução da ictiofauna elaborados pelos pescadores do Farol e da Lagoa Feia não são
distintos daqueles elaborados pelos pescadores da Lagoa de Cima:
147
Hoje, então a gente pesca, mas só que agora tem um tempo que a gente pesca e tem
outro tempo que a gente fica parado. Por causa da proibição, porque naquela época a
gente pescava direto, e hoje de um tempo pra cá, que a gente não pesca no período
da piracema porque tá proibido.
Mas, a proibição bate com a cema do peixe?
A proibição, rapaz às vezes bate, às vezes chega até antes um pouco
a água
Como salientam os pescadores, o Defeso proposto pelo órgão público, a partir de
Brasília e considerando uma abrangente área territorial, em parte cumpre com as necessidades
ecológicas da reprodução da ictiofauna da Lagoa de Cima. Contudo, caracterizam também os
pescadores, que o processo da cema é iniciado com as primeiras chuvas que vão encher o
espelho d’água e assim ampliá-lo até as áreas de veredas. Justamente neste período, quando as
matrizes das espécies começam a migrar para brejos, como o da lagoinha, a pesca continua
aberta. Desta forma, o pescador como sujeito que domina um conjunto particular de saberes
sobre o ecossistema com o qual convive tem a liberdade para pescar, mesmo calculando que a
(as
primeiras chuvas); porque veja bem, esse período agora (a lagoa estava na seca) uns
anos passados as primeiras semas já tinha dado, que é de setembro; mas dificilmente
o ano que em setembro não chove, então quando chove qualquer aguazinha o peixe
já deixa uma ova, não todos porque a água é pouca, mas todos os peixes já têm ovas
suficientes para desovar. Mas sendo que as águas da piracema mais forte; é as águas
de novembro em diante.
Então coincide?
Mas o tempo agora esta tudo mudado né. Mas todos os anos a gente espera as águas
de setembro em diante. Porque os peixes, rapaz, a partir de junho em diante
começam com aquela risquinha de ova, olha a natureza é perfeita. Com o tempo vai
passando, as ovas só vai aumentando, só vai aumentando. Então uma chuvinha
qualquer que der, aquelas ovas logo engrossa, então quando vêm às águas mais
fortes ai que ela explode. Cê pega um peixe hoje! Ele vai estar quase pocando de
tanta ova.
Então tem já tem bastante ova e não está fechado?
Não tá fechado, mas se crescer uma água suficiente, já vai chegar a colocar as ovas.
Então quando veio a proibição no período da piracema, a pesca era proibida por três
meses. De uns três anos pra cá eles prolongaram pra 4 meses. Ficar mais um mês
fechado é ate bom porque (...) acontecer de em novembro fechar tudo então tem
fechamento 1º de novembro, 1º de dezembro, 1º janeiro, 1º fevereiro e 1º março
(volta) já é o suficiente. Então nessa data já não tem peixes com ovas; eles (os
agentes do governo) não fazem as coisas erradas não, eles fazem tudo certinho, no
período certo. (JH)
O Defeso aqui chega errado, porque o defeso aqui para nós tem que ser no meado de
agosto até o começo de setembro... Porque até o dia 15 de setembro sai a primeira
cema. Aí a pescaria ta aberta ainda. O defeso tá aberto, aí o povo panha o peixe na
cema. Cê entendeu como é que é? Tinha que ser, para a pesca, para nois aqui em
agosto, que quando chegasse em setembro o peixe desovava e ia a vontade para o
brejo, mas botasse fiscalização... porque sem fiscalização também não vale nada.
(CF)
148
sobre pesca das matrizes vai lhe prejudicar no futuro próximo, continuam a pescar, uma vez
que, em muitos casos, esta é a única fonte de renda. De modo sintético, o calendário ecológico
da Lagoa de Cima, conforme mencionam os pescadores, incluindo o período do defeso seria:
(Figura 17)
Figura 17 O calendário ecológico da pesca na Lagoa de Cima, os meses em vermelho indicam a
interdição pelo Defeso
Fonte: COSTA, 2008
É importante ressaltar que, na perspectiva do pescador, a instituição do Defeso e
mesmo as atividades fiscalizadoras das entidades públicas não são interpretadas em momento
algum como prejudiciais, muito pelo contrário, é lugar comum entre os pescadores da lagoa
que com a criação do Defeso, nos últimos dez anos, a qualidade do pescado vem melhorando
significativamente. Assim como, a qualidade de vida do pescador também melhorou, haja
vista, que junto com a interdição da pesca ocorre o pagamento do Seguro Defeso por parte do
Ministério do Trabalho e Emprego: “Aí [a lagoa] leva, quatro meses, a pescaria parada,
dentro desses quatro meses, é no ponto que eu quero chegar (...), quando reabre a pesca, nós
temos um recurso, muito bom, a respeito da pesca” (JB). Na avaliação dos pecadores, o
desrespeito que ocorre por parte dos companheiros e pescadores de fora que não cumprem o
defeso é também motivo de descontentamento:
149
Agora tem muita gente de fora esse negócio de invasão na beira de lagoa aparece
pescador... todo mundo é pescador ! inda mais porque ... a pescaria era o seguinte:
de primeiro, o povo tinha vergonha de dizer que era pescador, porque era uma classe
pobre e não tinha direito nenhum, ninguém tinha direito a nada. Mas hoje quando a
pesca pára, todo mundo se tiver os documentos legal, tem o direito a um salário
mínimo até a pesca abri novamente. Aí quem trabalha lá na roça tirou documento
para pescador, é pescador! Quer dizer, atrapalha o pescador, não é? Eu acho que
atrapalha, porque tumultua esse monte de gente: pedreiro, carpinteiro, tratorista,
cortador de cana, todo mundo tira documento e vai ser pescador. A lagoa não
agüenta, então eles sai, vão trabalhar na profissão e quando chega na época do
defeso todo mundo tem documento e todo mundo vai receber o defeso, esse é o
grande problema daqui.
Quando é que começou a surgir esse monte de gente falando que é pescador?
Surgiu esse monte de gente depois que nós recebemos esse auxílio do governo, que
nois quando a pesca parava a gente ficava ai por conta das baratas você sabe como é
que é, não tinha como você ir trabalhar na roça você não achava serviço, as usinas
forma acabando isso aqui que era tudo cana, virou pasto os cara não tinha mais
serviços então a vida aqui ficou difícil. Porque o sujeito não recebia nada para levar
três meses parado a gente não tinha fundo para comer, esse três ou quatro meses que
ficavam parados aí o governo deu essa ajuda de custo agente, aí a gente começamos
a receber isso. Depois que começamos a receber isso, todo o mundo é pescador...
todo mundo tirou documento ai... agora tá tumultuando tudo aí o negoócio fica ruim
porque é muita gente e o governo daqui a pouco não vai pagar mais ninguém daqui a
pouco ele vai estancar isso e pronto. Eles tão achando que tem gente de mais ...
como de fato tem ...porque se for escolher a pessoa q vive ... por que o pescador é
aquele q vive do peixe aquele q tem o documento mas ele é pedreiro ele é tratorista
ele é motorista esse não é pecador ... pescador eu acho q é aquele que dia primeiro
de janeiro a 31 de dezembro vive lá dentro da lagoa pescando e vivendo do peixe
esse pra mim é pescador! (CF)
Além do mais, é ponto passível de críticas por parte dos pescadores a forma como é
realizada a fiscalização:
[quem fiscaliza aqui] é o IBAMA e é o Meio Ambiente (SMMA), mas não adianta
nada. Porque eles vêm aqui corre aí um dia de lancha aí, dá uma carreira de lancha
pegou? Pegou! Não pegou? Vai embora! Entendeu? Então não tem fiscalização,
porque se tivesse uma fiscalização afetiva que passassem dois dias três e fiesse ai, e
desse uma carreira, um dia chegasse aqui às 7 horas outro dia 4 horas da madrugada
outro dia 5 horas da tarde. Não teve horário, não tem dia para ele chegarem aqui, aí
pegava! Esses que insiste em pescar, ia ser pego, né! Mas não, esse sabe que: o
IBAMA vei aqui hoje, “agora esse ano ele não volta mais aqui!”. Só vem uma vez
ou duas no ano, se pegar pegou, se eles não pegar vão embora e acabou. (CF)
No que concerne a esta amistosa receptividade da interdição, vale lembrar que uma
ação conjunta da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e a organização dos pescadores da
Lagoa de Cima sob força de lei municipal nº 7.308 2002 possibilitou que, no período de
2002/2003, ocorresse um Defeso com seis meses. O Art. 1º da referida lei salienta que “fica
criado o período de defeso municipal para Lagoa de Cima e seus afluentes, entre 1º de
setembro a 31 de outubro de 2002, e 1º de fevereiro a 28 de fevereiro de 2003”, e neste
espaço de tempo entre os períodos mencionados, o Defeso foi garantido pelo Governo
150
Federal. Entretanto, este processo não foi mantido, de modo que no período de Defeso
2003/2004 os pescadores já não contaram mais com os seis meses de interdição. A
experiência deixou resultados positivos entre os pescadores, pois de modo prático estes
perceberam uma significativa melhora no pescado. Além do mais, é também saldo desta ação
o entendimento que as atividades de fiscalização para a defesa do meio ambiente dependem
significativamente da ação coletiva dos pescadores e da sua articulação com o Poder Público:
se existisse um interesse pelos orgão público, de prolongar, porque nós tivemos aqui
uma experiência muito grande, muito grande, é, esse Lucimar, junto assim..., com a
Secretaria da Prefeitura, com esses órgão público, nós conseguimo ter aqui, seis
meses da pescaria fechada, seis meses, olha, eu digo uma coisa a ocê, nós tivemo
uma surpresa muito grande, e tivemo, pra te dizer a verdade nós..., aqueles que
reclamô no sentido de seis meses, depois foi motivo, de muita alegria porque deu
muito peixe(entusiasmo);
E quando que foi isso?
Uns dois anos atrás. Olha meu irmão, eu digo ocê, nós tivemo, é, é, Lucimar ainda,
ele comenta sempre desse ponto de vista, ele comenta sempre: rapaz, nós tivemos...
peixe. Começamo a safra depois que foi liberado os seis meses, nós começamo o
ano bem, com peixe, à vontade, e novamente até o fechamento da pesca, nós tivemo,
num tivemo ninhuma dificuldade de sobrevivência, à respeito, daquele trabalho que
nós tava fazendo, o trabalho da pescaria, num, tivemo nenhum dizer assim: nós
sofremos um dano, porque faltou peixe. Mas deu muito peixe, deu muito peixe,
muito peixe mermo; Traira, Cumatã, muito peixe, muito peixe...;
Então... , nós tivemo uma experiência muito grande, mas isso hoje, cabe aos órgão
público a querer a nos ajudar, porque ocê vê, nós, ô, se dissermos assim, vamo
fechar, vai levar seis meses fechado, mas o Governo Federal só dá quatro meses de
seguro-desemprego, aí os outros dois(meses) quem irá cobrir? Se houvesse um
interesse, é... , se houvesse um interesse pela prefeitura como sempre teve, mas...,
como sempre teve pela prefeitura, homens interessados, prefeitos interessados, a nos
ajudar nessa área, porque nessa época foi até o prefeito..., acho que foi o início do,
prefeito Arnaldo Viana eu acho, foi, foi o início, ele se prontificou a, a ajudar. No
que, o Governo Federal não pagasse, ele..., a prefeitura, cubriu aquela área, pra que
levasse seis meses, rapaz, foi um sucesso muito grande, foi um sucesso, foi uma
experiência que nós tivemo, quem dera que nós pudesse nessa época(agora), ter um
período desse, ter um período desse porque nos ajudava muito, e ajudava também os
peixe, a ganhar mais um espaço de crescimento e até um, um rendimento. (JB)
A respeito deste período destaca outro pescador:
E há três anos atrás, aí, houve um convênio, "os Federal" e Meio Ambiente.
Ninguém portava uma rede aí, porque um pescador vigiava o outro: eu vigiava você,
você vigiava eu... Você vigiava ela. Ninguém botava os pés... A lagoa era
vasculhada dia e noite.
Então teve uma vigília boa neste período?
Não rapaz, os pescador todo. Todo mundo vigiava.
Mas porque que eles resolveram...
151
Foi um convênio da Federal com o Meio Ambiente então não pescava, era pra
produção do peixe, certo? Aquele que se arriscava de ir lá, pescar, a turma ia lá, mas
não ia um só não. Ia uma turma, pegava agente, colocava na pedra e queimava
ali.Chamava aquele monte de pescador ali, pra ver que agente foi queimado, metia
fogo e queimava: rede, tarrafa... “Eles metia tudo fogo” ali. Ficava bravo, mas tinha
que ficar manso, senão perdia o defeso. Não liberou os quatro meses de defeso, se
procurasse qualquer tipo de confusão estava sabendo que estava errado. Porque na
hora de fazer o cadastramento para receber, todo mundo era avisado. “Aquele que
for pego com a rede na lagoa a rede vai ser... vai ser queimada. Vocês concordam?"
perguntaram. E todo mundo concorda.
Aí, resumo da história, todo mundo concordou. Como é que ia desconcordar? Aí
panhou. Eu tava lá levantei a mão. Tá certo, amanhã pegava da minha mão panhou
de muitos que não levantou a mão. Como é que ia bater de frente?
Muita gente foi pega então...
Não foi muita gente, porque moleque sempre sai assim, na calada da noite, e tal, mas
moleque tava de plantão vendo, né? Aí sai um barco pra lá, sai outro pra lá. Dois,
três, moleque se enforjava lá e ficava. Cada barco com três homens. Aí ficava
olhando, jogava o tarrafãozinho, quietinho, chegava e abocanhava... E aí... E aí era
"me dá pra cá, meu amigo" e... acabou.
(...)
Injustiça pra nós. Agora, quando é só Federal, que o Meio Ambiente não entra no
meio, aí que resume a história. Preciso de uma piaba pra vender aqui, "um
sabãozinho", aí você vai ali bota uma rede, aí ninguém entrega ninguém, certo?Aí
vai ali, coloca uma rede de manhã cedinho, inteira, a rede, o guarda, aí coloca
escondido, de manhã sim, um dia sim, um dia não, uma vez na semana, alguma
coisa. Aí agente se vira. (ES)
Como exposto acima, o Defeso na Lagoa de Cima, por estar relacionado à principal
atividade econômica desempenhada pelos residentes das comunidades do entorno, faz emergir
uma série de conflitos que permanecem latentes no decorrer do período em que a pesca
encontra-se aberta. A interdição promove no interior da comunidade uma série de
interpretações sobre a política pública de proteção da natureza, interpretações estas que se
alteram na medida em que o contexto vai sofrendo alterações.
De modo conciso, percebe-se um antagonismo, pois, ora a interdição é tida como
elemento que não corresponde verdadeiramente às necessidades locais, ora é atribuído um
caráter positivo a estas ações conservacionistas, haja vista, que são notadas pelos próprios
pescadores melhorias nos peixes bem como, o pagamento do seguro defeso tem representado
uma fonte de renda a mais na composição da economia familiar. Este processo de organização
do mundo exterior a partir das categorias nativas é surpreendente, pois, ao contrário do que se
pode imaginar, os pescadores acabam por reverter uma política pública inicialmente
desfavorável a eles em algo positivo. Isso não faz, no entanto, com que haja um consenso
entre eles no que concerne ao Defeso.
152
Considerações Finais
Conforme foi demonstrado, ao longo deste trabalho, observa-se que o ambiente em
Lagoa de Cima como afirma Acselrad “não é composto de puros objetos materiais
ameaçados de esgotamento. Ele é atravessado por sentidos socioculturais e interesses
diferenciados” (2004). Sobre este aspecto, Pescadores Artesanais e o Poder Público,
apresentam argumentos coerentes, sob o ponto de vista de suas inserções ideológicas, ao
defenderem a necessidade do estabelecimento de novas ações e ajustamentos de práticas
desenvolvidas com a finalidade de se alcançar a conservação ambiental da Lagoa de Cima.
Sobre este consenso, é seguro afirmar que a lagoa se constitui como espaço existencial e
ecológico impregnado das mais diversas significações. Assim, é interessante observar que,
mesmo portando Representações Sociais de Natureza diferenciadas, os atores sociais
relacionados neste trabalho, se posicionam a favor do estabelecimento de ações que visem
tornar a Natureza que os circunda, e com a qual interagem, perpétua, com a intenção de
possibilitar que ela seja enriquecida ou, no mínimo, mantenha seu atual estado de
conservação.
De maneira ampla, estes dois projetos sócio-ecológicos que transpassam a Lagoa de
Cima apresentam-se nos seguintes termos: por um lado, observa-se a relação dos pescadores
com a Natureza, caracterizada pela integração destes com o ritmo de tempo, a estética de
ocupação do espaço, e, especialmente, por suas relações de trabalho e inserção com o meio
ambiente. Por outro lado, apresenta-se o conceito moderno de Natureza e seus
desdobramentos, destacando-se deste a forma cindida com a qual é tratada a questão Homem
e Natureza.
Neste sentido, acerca da questão relacionada ao estabelecimento dos mecanismos de
preservação da Natureza, afloram conflitos socioambientais. Principalmente, no que concerne
à implantação de uma política ambiental que, em última análise, é parte do projeto
civilizatório da sociedade moderna. Este processo tem avançado nas últimas décadas na
região, como se pode constatar, por exemplo, no que se refere à ampliação da escolarização
dos filhos dos pescadores, tendo em vista a atenuação trabalho infantil, bem como com a
ampliação das relações de mercado, que hoje não acontecem exclusivamente através da
comercialização do pescado, mas também pela realização de atividades comerciais voltadas
para o setor de serviços e o trabalho assalariado no centro urbano do município.
153
Sobre a ação civilizatória executada pelo Estado, representado localmente pelo
IBAMA e a SMMA, comprova-se que a interação destes órgãos junto aos pescadores ocorre
no exercício do controle e regulação da atividade pesqueira, situação que passa a determinar e
validar, a partir de sua concepção técnico-científica, quais seriam as modalidades tradicionais
de trabalho, uma vez que são estes órgãos que atribuem o caráter predatório ou não predatório
às atividades de exploração dos recursos naturais, além de estabelecem os parâmetros para o
desempenho da atividade profissional, ao ponto de instituírem/imporem um calendário
ecológico.
Nestes termos, a problemática socioambiental tratada neste estudo, diz respeito às
tensas relações entre uma perspectiva que visa a universalização de sua Representação Social
de Natureza e a diversidade cultural local, que também apresenta suas concepções particulares
acerca da Natureza. Neste sentido, a preservação de ecossistemas como a Lagoa de Cima, sob
a forma de Área de Proteção Ambiental, noção esta inserida em um contexto é internacional,
pode vir a gerar desdobramentos negativos em relação a uma comunidade de pescadores que
habita o entorno da lagoa. Haja vista, que o que se encontra subjacente nesta noção de
Natureza, é a concepção de uma dimensão que tende a atribuir supremacia a aspectos
biofísicos do ecossistema, em detrimento das populações tradicionais, neste caso os
pescadores artesanais da Lagoa de Cima, pessoas que historicamente coevoluem
61
De modo mais especifico, entende-se que as distintas concepções de Natureza,
animadoras das diferentes propostas para a proteção da Lagoa de Cima, passam pelas
seguintes perspectivas: “A Natureza como objeto de preocupação a partir de seu valor uso”.
Neste posicionamento, a ideologia de proteção da Natureza deve-se ao fato da Lagoa ser
significada como fonte de alimento, de saúde, de trabalho, enfim, de vida para os seus
moradores. Neste sentido, a partir dos relatos dos pescadores artesanais, torna-se muito bem
demarcado que, nos momentos mais difíceis de sua vida, a lagoa foi a provedora de sustento
com aquele
ambiente.
61
O conceito de coevolução como proposto por Norgaard (2002), busca resolver um dos principais dilemas
relacionados à temática desenvolvida pela sociologia ambiental; o estabelecimento de uma dicotomia na
interpretação de fenômenos onde os aspectos naturais e sociais estão diretamente imbricados. Norgaard ressalta
que, a sociologia ambiental coevolucionista considera que as pessoas coevoluem com os sistemas ambientais.
Para este autor, “los factores medioambientales influyen en la idoneidad de aspectos particulares de los sistemas
sociales y, a su vez, los sistemas sociales influyen en la idoneidad de aspectos particulares de los sistemas
medioambientales” (NORGAARD, 2002:171). Como propõe o autor, não há uma exclusividade de determinação
da dinâmica social pelas forças do meio ambiente, como também não há uma centralidade da cultura neste
processo.
154
da família. Assim, a lagoa é percebida por estes como a sua única riqueza: riqueza dos
pobres”.
Assim, para os pescadores artesanais a Natureza materializada na Lagoa de Cima, seus
peixes, caças, matas, etc., representam a fonte que mantém seu modo de vida e lhes garante a
reprodução enquanto grupo social. Para tal perspectiva, a Natureza constitui-se como
provedora e se encontra objetivada na extração dos recursos naturais locais. Por outro lado, a
Lagoa assume também, conforme salientam os pescadores, uma importância simbólica,
marcadamente espiritual, onde referenciam a Deus, como sendo Ele o criador da Natureza,
um Ser dadivoso, por disponibilizar aos pescadores todos os recursos necessários para que sua
vida seja mantida. Além desta perspectiva simbólica relacionada a concepções míticas e
religiosas, destaca-se também a Natureza, em seus ciclos ecológicos e relativa determinação
das modalidades de interação pelo trabalho, como elemento social que impõe ritmo ao seu
modo de vida. Assim, por estes e outros elementos, os pescadores artesanais apresentam uma
percepção sobre a Natureza, em que estão intrinsecamente articuladas duas dimensões: a
utilização efetiva dos recursos naturais, através de referências funcionais como alimentar-se e
pescar; e uma relativa determinação de cunho simbólico sobre o ritmo e o modo de vida dos
pescadores artesanais da Lagoa de Cima.
Outra concepção que se manifesta é a relacionada à A Natureza como objeto de
preocupação em função de seu valor intrínseco”. Esta concepção constitui uma posição
presente no discurso dos atores sociais relacionados à sociedade ampla, especificamente os
proponentes da defesa institucional da Lagoa de Cima. A fala destes atores chama atenção
para o fato de que no cerne de seus argumentos, a favor da obrigatoriedade da preservação de
Lagoa de Cima, encontra-se uma concepção que apresenta a Natureza desenraizada
totalmente de sua vida cotidiana. Pode ser observado que o posicionamento de atores sociais
que prescrevem a defesa institucional da Natureza com o objetivo de impossibilitar que os
efeitos de práticas sociais modernas, (industrialização, urbanização, etc.), alcancem e
desagreguem a Lagoa de Cima. Sob este ponto de vista, os elementos que compõem o meio
biofísico são radicalmente desconectados das práticas sociais, com exceção daquelas
hegemonicamente aceitas, tal como é o turismo e a pesquisa cientifica. Desta forma, os
recursos naturais são, seletivamente, desarticulados de seu valor de uso para as comunidades
tradicionais, e assume uma dimensão que o valoriza pelo que eles representam em si.
Prevalece, com esta noção, a idéia de Natureza objetiva, deslocada dos juízos de valor
articulados por diferentes atores sociais. Tal concepção de Natureza fundamenta uma lógica
155
de conservação que prescreve o meio biofísico como algo a ser mantido, de modo imutável,
em um determinado estágio de intervenção ou recuperado em suas condições anteriores; em
ambos os casos, a partir da adoção de práticas pré-estabelecidas e justificadas cientificamente.
No que diz respeito ao consenso sobre a conservação da Lagoa de Cima, que estas duas
visões sobre a Natureza possuem, cabe ressaltar que dada à incidência destas especificidades
na percepção do que venha a ser a Natureza para os diferentes atores sociais, instaura-se uma
situação de conflito, ainda que latente, haja vista que seus interesses (simbólicos e materiais)
acerca da Lagoa de Cima são opostos. A principal questão que se apresenta está relacionada à
possível imposição, por parte do Estado, de uma lógica de organização e instrumentalização
do espaço, a partir de restrições de uso dos recursos naturais, que não vai atender as
demandas dos pescadores da Lagoa de Cima. Podendo incorrer em uma situação de
agravamento da sobre exploração da Natureza, uma vez que as incertezas acerca das
possibilidades do uso futuro dos recursos naturais conduzem os pescadores a uma lógica de
acumulação predatória. O exemplo desta situação paradoxal já é observado em Lagoa de
Cima, na questão referente à pesca durante o período que antecede o Defeso e o Verão,
momento em que os pescadores se sujeitam a realizar a sobre pesca como meio de criar um
estoque para atender o comércio local de peixes nos meses em que o movimento de visitantes
na lagoa cresce exponencialmente.
Neste sentido, entende-se que é necessária uma maior sensibilidade, por parte dos
executores das políticas públicas, em perceber os pescadores artesanais como atores sociais
interessados na instituição de práticas preservacionistas e, assim, proporcionar-lhes meios
para que juntos possam discutir a implantação de medidas que vão auxiliar a efetivação da
APA Lagoa de Cima. Tendo isto em vista, apresenta-se a necessidade intrínseca de se pensar
na conservação da biodiversidade associada à sócio-diversidade ou diversidade cultural e,
logo na elaboração do plano de manejo, construir mecanismos com o objetivo de incorporar o
saber tradicional suas formas de gestão do espaço e aspirações. Em essência, almeja-se que
no processo de elaboração das políticas ambientais cesse o autoritarismo, baseado na
exclusividade do conhecimento científico na produção de verdades e na criminalização das
práticas locais, bem como sejam incorporadas as dimensões relativas às cosmovisões da
Natureza que fazem parte da cultura local, com o intuito de tornar os artefatos de proteção da
Natureza amplamente aceitos, legítimos e eficientes.
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Sites consultados:
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<http://www.campos.rj.gov.br>
Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo:
<http://www.sicomtur.com.br>
166
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural:
<http://www.agapan.org.br/>
Ministério do Meio Ambiente:
<http://www.mma.gov.br/port/conama/conselhos/conselhos.cfm>
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis:
<http://www.ibama.gov.br/institucional/historico>
Departamento de Recursos Minerais do Rio de Janeiro.
<http://www.drm.rj.gov.br>
Instituto de Geociência Universidade de Brasilia: Glossário Geológico
<http://www.unb.br/ig/glossario/verbete/planicie_inundacao.htm>
167
Anexos
168
Anexo A: Fauna predominante na Lagoa de Cima
Tabela 9 Listagem dos peixes capturados no Relatório Científico Novelli, 2003
N
o
Nome Científico
Indivíduos
Nome Vulgar
728
Glanidium melanopterum
Cumbaca
663
Cyphocarax gilbert
Sairu
617
Loricariichthys sp.
Caximbáu viola
536 Callichthys aff. callichthys
Tamboatá
221
Astyanax sp.
Lambari de rabo vermelho
163
Astyanax sp.
Lambari do rabo amarelo
138
Oligosarcus hepsetus
Bocarra
101
Geophagus brasiliensis
Acará
43
Hoplias malabaricus
Traira
12
Bricon insignians
Piabanha
10
Tilapia rendalli
Tilápia
9
Pimelodella lateristriga
Mandi
9
Bagre guri
8
Leporinus copelandii
Piau vermelho
5
Curvina de rio
3
Eigenmannia virenscens
Sarapó (Tuvira)
2 João das flores
1
Marobá
3.404
Total
Fonte: REZENDE et al (2006)
Tabela 10 Espécies de animais listados pelo Diagnóstico da APA Lagoa de Cima
Presentes na lagoa e entorno
Macaco
Preá
Marreco
Capivara
Jibóia
Peixes Diversos
Tatu
Jacaré
Gaivotas
Cachorro do Mato
Gambá
Jaguatirica
Cabrito
Canário
Lagarto
Lontras
Mais caçadas ou pescadas
Robalo
Tilápia
Paca
Sairu
Piau
Carpa
Capivara
Traíra
Sanhaço
Papa-Capim
Tatu
Piabanha
Curvina
Que não existiam, mas ocorrem hoje
Tilápia
Bagre Africano
Acará
Carpa
Tambaqui
Tucunaré
Fonte: REZENDE et al (2006)
169
Anexo B: Lei Orgânica do Município - Capítulo sobre Meio Ambiente
Lei Orgânica do Município de Campos dos Goytacazes - Promulgada em Sessão Solene do dia 28 de março de
1990
CAPÍTULO VII
DO MEIO AMBIENTE
Art. 242 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente sadio e equilibrado, bem de uso comum e
essencial à qualidade de vida, cabendo à sociedade e, em especial ao Governo, o dever de recuperá-lo e protegê-
lo em benefício das presentes e futuras gerações, que devem recebê-lo enriquecido.
Art. 243 - Incumbe ao Governo Municipal, respeitando as orientações dos Governos Federal e Estadual, ou
colaborando com eles e com a participação da sociedade, através de seus organismos representativos:
I - proceder ao zoneamento econômico-ecológico do território do Município;
II - restaurar e defender as unidades de proteção ambiental e as reservas ecológicas, assim consideradas pela
legislação vigente, situadas total ou parcialmente nos limites do Município;
III - inventariar, mapear e gravar todos os ecossistemas nativos, ou parcelas deles, localizados no território do
Município, vedando a sua redução e adulteração e promovendo, direta ou indiretamente, a sua restauração de
acordo com solução técnica dos órgãos públicos competentes;
IV - estimular e promover o florestamento e o reflorestamento ecológicos em áreas degradadas, visando
especialmente à proteção de encostas e de margens de ecossistemas aquáticos;
V - criar unidades de preservação e de conservação ambiental, com a finalidade de proteger e permitir a
restauração de amostras de todos os ecossistemas ou de seus remanescentes, existentes no território do
Município, providenciando com brevidade a sua efetivação por meio de indenizações devidas e a manutenção de
serviços públicos indispensáveis à sua integridade;
VI - tomar medidas que permitam a compatibilização de atividades econômicas e a proteção do meio ambiente,
estimulando, principalmente, o desenvolvimento de técnicas e tecnologias apropriadas à utilização auto-
sustentada, múltipla, integrada e ótima dos ecossistemas, especialmente com relação às coleções hídricas
existentes nos limites do território municipal;
VII - impor e exigir dos órgãos competentes a adoção de normas conservacionistas para extração e utilização dos
recursos não-renováveis e renováveis;
VIII - estimular e promover a arboricultura, de preferência com essências autóctones e diversificadas em áreas
adequadas, para o suprimento de energia e de matéria-prima;
IX - elaborar e executar programas de arborização urbana compatíveis com as características ambientais e
culturais do Município;
X - impedir a coleta conjunta de águas pluviais e de esgotos domésticos ou industriais;
XI - exigir que os lançamentos finais dos sistemas públicos e particulares de coletas de esgotos sanitários sejam
precedidos, no mínimo, por tratamento primário completo, na forma da lei;
XII - proibir o despejo, nas águas, de caldas ou vinhoto, bem como de resíduos de dejetos capazes de torná-las
impróprias, ainda que temporariamente, para o consumo e a utilização normais ou para sobrevivência das
espécies;
XIII - adotar medidas para prevenir, controlar ou impedir a poluição de qualquer tipo;
XIV - zelar pela boa qualidade dos alimentos;
XV - estimular a pesquisa, o desenvolvimento e a utilização de fontes energéticas renováveis e não-poluentes e
tecnologias poupadoras e energia, assegurando a todas as pessoas, nos meios rural e urbano, o direito de utilizá-
las;
XVI - tomar medidas que assegurem a diversidade e a integridade genética no Município e na região em que este
se insere;
XVII - coibir práticas que ameacem as espécies vegetais e animais, notadamente as consideradas em perigo de
extinção, vulneráveis e raras;
XVIII - a tutela sobre a fauna silvestre autóctone, proibindo sua caça, captura e práticas que submetam animais a
crueldade;
XIX - a tutela sobre animais domésticos, assegurando-lhes existência e coibindo toda e qualquer prática que
implique em crueldade, inclusive exigindo a adoção de equipamentos e procedimentos adequados para os
animais de tração e de métodos de insensibilização para animais de abate;
XX - coibir, mediante instrumentos legais, a pesca predatória;
XXI - proibir a realização de eventos que impliquem no consumo de animais capturados em seus ambientes
nativos;
XXII - proteger os monumentos e os sítios paleontológicos e paleoecológicos;
170
XXIII - promover a educação ambiental formal e informal em todos os níveis existentes na rede de ensino,
ministrando-a através de disciplina específica e das outras disciplinas, dos meios de comunicação social e de
outros recursos;
XXIV - divulgar mensalmente, através dos meios de comunicação social, informações obtidas pela monitoragem
do meio ambiente e da qualidade da água distribuída à população, a serem fornecidas pelos órgãos
governamentais competentes e pelas empresas concessionárias ou permissionárias ou ainda produzidas pela
própria municipalidade, ficando assegurado a todos os interessados o acesso a tais informações;
XXV - criar o Conselho Municipal do Meio Ambiente e Urbanismo, de composição paritária, do qual
participarão os Poderes Executivo e Legislativo, a comunidade científica e as organizações não-governamentais,
na forma da lei.
* Inciso alterado pela emenda 11/93.
§ 1º - Fica excluído da proibição referida no inciso XII deste artigo, o lançamento de resíduos em áreas
especialmente reservadas para este fim, denominadas águas de lagoas de estabilização.
§ 2º - Incumbe ao Governo Municipal, direta ou indiretamente, providenciar a restauração dos ecossistemas
vegetais nativos destruídos, de forma a atingir pelo menos o mínimo da cobertura exigido pela legislação
vigente, de acordo com solução técnica apresentada pelos órgãos governamentais competentes.
§ 3º - Ficam proibidas obras de drenagem e retificação ou aterros, parciais ou totais, de todos os ecossistemas
aquáticos situados inteiramente nos limites do Município, ainda que integralmente localizados no interior de
propriedade particular, incumbindo ao Governo Municipal alinhar suas margens e orlas, bem como definir suas
respectivas faixas marginais de proteção, na forma da lei, até que o órgão governamental competente do Estado
tome tais providências.
§ 4º - Todo e qualquer padrão ambiental adotado pelo Governo Municipal deverá ser igual ou mais restritivo que
os padrões adotados pelo Governo do Estado.
§ 5º - As unidades de preservação e de conservação ambientais serão criadas por lei ordinária, medida provisória
ou decreto, este último ratificado por lei, e somente alteradas e suprimidas através da lei, vedada qualquer
utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem a sua proteção.
Art. 244 - Na ausência de ação dos Governos Federal e Estadual, cumpre ao Governo Municipal efetuar a
transferência das populações e dos estabelecimentos indevidamente instalados em caráter permanente, em áreas
destinadas por lei à proteção ambiental inteiramente situadas nos limites do Município, observados os seguintes
princípios:
I - recurso à ação administrativa e judicial para retirada de invasores comprovadamente detentores de bens que
tornem desnecessário o uso das áreas invadidas;
II - implantação de programas econômico-sociais que permitam a transferência das populações de baixa renda,
sem qualquer ônus para elas, para áreas seguras e legalizadas;
III - implantação de programas que reduzam ao mínimo os impactos ambientais causados pela transferência e
proporcionem às populações transferidas melhor qualidade de vida.
Art. 245 - Todo e qualquer projeto, obra e atividade que possa causar, direta ou indiretamente, efetiva ou
potencialmente, danos ao meio ambiente, só terá sua instalação e operação aprovadas e autorizadas pela
Prefeitura mediante apresentação de licença do órgão competente da União ou do Estado, exigindo-se, caso
necessário, relatório de impacto ambiental e sua apresentação em audiência pública na forma da lei.
§ 1º - É dever inadiável da Prefeitura embargar todo e qualquer projeto, obra ou atividade que, instalando-se ou
operando clandestinamente, cause, direta ou indiretamente, potencial ou efetivamente, danos ao meio ambiente e
contrarie a legislação em vigor, ainda que conte com a aprovação e a autorização dos órgãos governamentais
competentes.
§ 2º - Para defender o meio ambiente no Município e a qualidade de vida de seus habitantes, o governo
Municipal deverá, sempre que necessário, recorrer a todos os meios cabíveis, administrativos e judiciais.
Art. 246 - Os servidores públicos encarregados da execução da política municipal de meio ambiente que tiverem
conhecimento de infrações persistentes, intencionais ou por omissão dos padrões e normas ambientais, deverão,
imediatamente, comunicar o fato ao Ministério Público, indicando os elementos de convicção, sob pena de
responsabilidade administrativa, na forma da lei.
Art. 247 - Após o prazo de 90 (noventa) dias da criação do Conselho Municipal de Meio Ambiente, as ações do
Governo Municipal concernentes a esta matéria serão norteadas por política específica, na forma da lei.
Art. 248 - O Poder Executivo poderá, através de convênio com qualquer órgão, efetuar ou fiscalizar a limpeza e
conservação de rios e canais dentro do Município, ouvido o Legislativo.
Art. 249 - Fica o Poder Público obrigado a efetuar os despejos de lixos ou detritos em áreas a serem
determinadas pelos órgãos competentes, conforme dispuser a lei no prazo de 120 (cento e vinte) dias.
Art. 250 - As usinas de açúcar sediadas no Município ficam obrigadas a adotar, no prazo mínimo de 180 (cento
e oitenta) dias a contar da promulgação desta Lei, dispositivos que impeçam o lançamento de fuligem pelas suas
chaminés.
Parágrafo único - O não cumprimento do disposto neste artigo implicará em multa a ser estabelecida em lei.
171
Art. 251 - Fica proibida a queima de canaviais nas propriedades localizadas na periferia da cidade, bem como
nas proximidades das sedes dos distritos.
Parágrafo único - O não cumprimento do disposto neste artigo implicará em multa a ser estabelecida em lei.
172
Anexo C: Plano Diretor 1991, Título IV – Política de Meio Ambiente
Lei n° 5.251 de 27 de dezembro de 1991
CAPÍTULO I
DA POLÍTICA DO MEIO AMBIENTE
E VALORIZAÇÃO DO PATRIMÕNIO COMUNITÁRIO
Art.40° - A política municipal de proteção de meio ambiente e valorização do patrimônio comunitário,
compreende, organicamente, os elementos naturais e culturais que contornam o território municipal e a ela se
integram as ações de valorização do patrimônio cultural e da memória construída da cidade.
Parágrafo 1° - A política de controle do uso do solo e de desenvolvimento urbano e as políticas setoriais do
Município terão como um de seus pressupostos básicos sua compatibilização com os princípios e preceitos da
política ambiental definida na presente Lei.
Parágrafo 2° - A integração das ações dos agentes públicos e privados, tendo como quadro referencial básico
as normas e os procedimentos concernentes à proteção ambiental e a mobilização da população no sentido da
recuperação da imagem da cidade e da qualidade do meio ambiente no Município são requisitos para a efetiva
implementação da política de meio ambiente e valorização do patrimônio comunitário.
(...)
Art.46° - A criação de Unidade de Conservação da Natureza para fins de proteção e recuperação de áreas
de interesse ambiental, será efetivada por Lei.
Parágrafo Único As unidades de Conservação da Natureza deverão ter fixadas no ato da sua criação, seus
objetivos, seus limites territoriais, e as restrições de uso e ocupação a serem impostas em sua área de
abrangência, estabelecidas, quando for o caso, a partir de um plano de manejo.
Art.47° - No prazo de 15 (quinze) meses a contar da data de promulgação desta lei, o Executivo
instituirá as seguintes Unidades de Conservação da Natureza e disporá sobre sua gestão:
I - Área de Proteção Ambiental APA do Vale do Imbé e da Lagoa de Cima;
II - Área de Proteção Ambiental APA do Lagamar, na zona costeira;
III - Área de Proteção Ambiental do Morro do Coco;
IV - Parque do Taquaruçu, compreendendo a lagoa do mesmo nome e seu entorno, inclusive as áreas de
preservação permanente da Mata de Bom Jesus e da Mata da Angra;
V - Parque do Itaoca;
Parágrafo Único A criação dos parques citados nos itens IV e V do “caput” requererá desapropriação das
terras demarcadas ou concessão de uso das mesmas para esse fim quando se tratar de próprio, estadual ou
federal.
Art.48° - Outras Unidades de Conservação da Natureza que venham a ser propostas deverão ter seus atos de
criação aprovados pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente e Proteção do Patrimônio.
173
Anexo D: Lei Municipal que cria a APA Lagoa de Cima
LEI NÚMERO 5.394 de 24 de dezembro de 1992.
Cria, com base no Art.225, § 1º, III, da Constituição da
República no Art. 8º da Lei Federal nº 6.902, de
27/04/1981, no Art. 258, III da Constituição do Estado, e
no Art. 243, V, da Lei Orgânica, a Área de Proteção
Ambiental da Lagoa de Cima.
A CÂMARA MUNICIPAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES DECRETA E EU SANCIONO A SEGUINTE
LEI:
Art. 1º - Fica criada a Área de Proteção Ambiental da Lagoa de Cima, situada nos Distritos de lbitioca e
Morangaba, com o objetivo de proteger um dos mais antigos e representativos ecossistemas lagunares do Estado
do Rio de Janeiro, bem como controlar atividades que ameaçam a sua integridade.
Art. 2º - A APA da Lagoa de Cima abrange:
I- o espelho d’água do ecossistema lagunar, em todo o seu perímetro, considerando o seu leito maior;
II- as ilhas constituídas pelo corpo d’água;
III- as margens da lagoa, numa faixa de 30 metros medidos horizontalmente a partir do nível mais alto das
águas;
IV- os remanescentes.da vegetação nativa que se encontram em suas margens;
V- os leitos e margens dos cursos d’águas que afluem ou defluem da lagoa, numa extensão de 500 (quinhentos)
metros a contar foz ou da nascente dos mesmos.
Parágrafo Único - Os cursos d’água mencionados no inciso deste artigo terão suas margens demarcados
segundo critérios estabelecidos pela Lei Federal nº 4.771, de 15/09/1965.
Art. 3º - Para efetivação da APA da Lagoa de Cima, o Governo Municipal de Campos dos Goytacazes
providenciará:
I- o alinhamento da orla da lagoa, definindo seu leito menor e maior sazonal;
II- a demarcação de sua faixa marginal de proteção mediante marcos afixados no terreno;
III- a retirada de obstáculos instalados por pessoas físicas ou jurídicas no interior da APA;
IV- a remoção de aterros e o fechamento de canais efetuados por pessoas físicas ou jurídicas no âmbito da APA;
V- a reconstituição e restauração da vegetação nativa, na faixa marginal de proteção da lagoa e dos rios que nela
têm nascentes e foz, no trecho integrante da APA;
VI- a proibição de práticas de lazer que comprometem potencialmente ou efetivamente os ecossistemas que
integram a APA;
VII -a proibição de atividades extrativistas, agropecuárias e industriais que causem impacto ambiental, potencial,
ou efetiva aos ecossistemas integrantes da APA na vertente, que inflerte para a lagoa e rios que nelas têm
nascentes e foz ;
VIII - a proibição de obras de terraplenagem e de abertura ou retificação de canais
IX- a proibição de lançamento de esgoto "in natura" e de resíduos sólidos nos ecossistema, que constituem a
APA;
X- a proibição de obras de terraplenagem e de abertura ou retificação de canais sem estudo de impacto
ambiental;
XI- a proibição de atividades que ameaçam afugentar ou extinguir espécies nativas que têm seu habitat nos
ecossistemas da APA;
XII - a proibição de atividades capazes de provocar erosão e assoreamento;
XIII- a construção de uma galeria de cintura que impeça afluxo de afluentes para a caixa da lagoa;
XIV- a proibição de pesca predatória;
XV- a formulação de um projeto de educação ambiental que habilite os segmentos sociais dependentes dos ou
interessados nos ecossistemas integrantes da APA a respeitá-los e a deles, fazer uso ecologicamente sustentado.
§ 1º- As providências arroladas neste artigo serão detalhadas no Plano Diretor da APA da Lagoa de Cima. a ser
elaborado no prazo mínimo de 6 (seis) meses, a partir da entrada em vigor da presente Lei.
174
§ 2º -O Governo Municipal recorrerá ações administrativas ou judiciais para promover a retirada de pessoas
comprovadamente detentoras de bens que não justifiquem a ocupação de áreas situadas nos domínios da APA.
Art. 4º- A reparação dos danos causados aos ecossistemas componentes da APA da Lagoa de Cima e previstos
na Legislação em vigor correrão às expensas das pessoas físicas que os cometerem.
Art. 5º- O Plano Diretor estabelecerá normas para a área urbana situada no entorno da APA da Lagoa de Cima,
bem como fixará a classe das águas dos ecossistemas situados em seu interior.
Art. 6º- Para efetivação da APA da Lagoa de Cima, fica o Poder Público Municipal autorizado a celebrar
convênios e outros instrumentos legais com pessoas físicas e jurídicas, nacionais e estrangeiras, devidamente
aprovados pelo Poder Legislativo.
Parágrafo Único- A APA da Lagoa de Cima será administrada pelo Órgão Municipal de Meio Ambiente,
podendo também firmar convênios com órgãos e entidades Públicas ou Privadas para proteção e conservação da
APA.
Art. 7º- Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes, 24 de dezembro de 1992.
Publicado no Órgão Oficial de 30 de dezembro de 1992.
175
Anexo E: Lei que estabelece o defeso municipal no ano de 2002/2003
LEI N.º 7.308, DE 19 DE SETEMBRO DE 2002
Cria período de defeso municipal para a Lagoa de Cima e seus afluentes.
A CÂMARA MUNICIPAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES DECRETA E EU SANCIONO A SEGUINTE
LEI:
Art. 1º - Fica criado o período de defeso municipal para Lagoa de Cima e seus afluentes, entre 1º de setembro a
31 de outubro de 2.002, e 1º de fevereiro a 28 de fevereiro de 2.003.
§ 1º - Fica permitida, durante o período de defeso municipal, a prática da pesca esportiva, desde que seja na
modalidade “pesque-e-solte”, por pescadores embarcados ou não, devidamente habilitados, conforme legislação
federal específica.
§ 2º - A fiscalização para o cumprimento da respectiva Lei deverá ser feita pela Secretaria de Meio Ambiente,
devendo o Poder Executivo capacitá-la com o necessário para a efetiva fiscalização entendendo que o mesmo,
também, poderá ser feito pelos órgãos de fiscalização estadual e federal, integrantes do Sistema Nacional do
Meio Ambiente - SISNAMA.
§ 3º - Deverão ser cadastrados pelas Secretarias de Meio Ambiente e Promoção Social todos os pescadores pro-
fissionais, das espécies de que trata esta regulamentação, para que no período de defeso municipal possam ser
amparados pelos programas sociais de apoio.
§ 4º - O infrator que for flagrado no período de defeso municipal embarcando, transportando ou comercializando
qualquer uma das espécies, alvos desta regulamentação, será multado em 01 (hum) salário mínimo, devendo esta
multa ser dobrada a cada reincidência, e terão seus materiais apreendidos, devendo ser encaminhados ao destaca-
mento policial mais próximo.
Art. 2º - As despesas decorrentes desta Lei correrão por conta de dotação própria.
Art. 3º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Campos dos Goytacazes, 19 DE SETEMBRO DE 2002
176
Anexo F: Plano Diretor de 2007, Capítulo III Do Meio Ambiente E Saneamento Ambiental
Lei nº 7.972, de 10 de dezembro de 2007.
CAPÍTULO III DO MEIO AMBIENTE E SANEAMENTO AMBIENTAL
Art.50. O Município de Campos dos Goytacazes adota como estratégia geral para o meio ambiente a proteção e
a valorização do patrimônio natural de seu território, especialmente dos recursos hídricos, através de sua
recuperação, conservação, preservação e uso sustentável, bem como através da implementação de políticas de
águas e de saneamento ambiental.
Seção I
DA PROTEÇÃO E VALORIZAÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS
Art.51. A proteção e a valorização dos recursos hídricos têm como estratégia específica a implementação de
uma política das águas, que adotará como diretrizes:
I -O planejamento e o gerenciamento integrado dos recursos hídricos, coordenando ações, ofertas e demandas de
usos da água conforme legislação vigente;
II -A aplicação dos princípios e dos instrumentos de gestão previstos na Política Nacional de Recursos Hídricos,
Lei Federal 9.433/97, e sua regulamentação;
III - A recuperação, proteção e valorização dos leitos e das margens dos cursos d’água;
IV -O fortalecimento da atuação dos órgãos gestores dos recursos hídricos, incluindo a articulação com os
organismos de gestão de bacias nos níveis estadual e federal;
V -O estabelecimento de parcerias entre instituições públicas, privadas e sociedade civil que permitam a gestão
adequada dos recursos hídricos.
Art.52. Na implementação da política das águas serão executadas as seguintes ações e medidas de planejamento:
I - Instituir o ordenamento da ocupação e do uso do solo rural e urbano;
II -Elaborar plano para demarcação das Faixas Marginais de Proteção FMP’s ao longo das margens das lagoas
e para regulamentação do uso das mesmas, considerando-as como de preservação permanente e non aedificandi;
III -Executar programa para retirada progressiva das habitações subnormais em trechos das margens de rios e
lagoas e posterior requalificação das áreas, dando oportunidade à população de usufruir desses ambientes e de
fiscalizar a conservação dos cursos d’água;
IV - Elaborar projeto para recuperação dos recursos hídricos da Baixada Campista;
V -Implementar o planejamento do uso do solo rural considerando as microbacias hidrográficas, delimitadas em
Mapa 2 constante do Anexo I desta Lei;
VI -Executar programa de levantamento e demarcação das áreas de Reserva Legal, podendo firmar convênios
com os cartórios competentes;
VII -Elaborar diagnóstico hidrogeológico dos aqüíferos existentes no município para identificação e proteção
das áreas de recarga, das fontes de contaminação do solo e dos aqüíferos;
VIII -Elaborar diagnóstico das áreas ao redor dos cemitérios municipais para identificação dos diferentes usos da
água, em função do risco de contaminação do lençol freático por necrochorume, mapeando e identificando a
direção da pluma de contaminação;
IX -Realizar análises de qualidade da água dos poços artesianos identificando as possíveis doenças associadas
aos efeitos da contaminação que tem vitimado as populações localizadas nas áreas de riscos através de pesquisas
com questionários e análises clínicas;
X -Elaborar plano de manejo para as APA’s estabelecendo normas de uso e ocupação do solo.
Art.53. Na implementação da política das águas serão executadas as seguintes ações e medidas de
gerenciamento:
I -Preservar e recuperar as áreas de matas remanescentes e a vegetação ciliar garantindo investimentos para
saneamento dos corpos d’água;
II - Mediar os conflitos decorrentes dos múltiplos usos dos recursos hídricos;
III -Implantar, delimitar e demarcar as Áreas de Preservação Permanente (APP) e da Reservas Legais;
IV - Revitalizar o sistema de irrigação e drenagem da Baixada Campista;
V - Demarcar as Faixas Marginais de Proteção (FMP) das lagoas;
177
VI - Integrar as margens de rios e lagoas à paisagem, com a recomposição das matas ciliares;
VII -Implementar o programa municipal denominado “Programa de Olho na Água”, que prevê a recomposição
florestal da faixa de proteção de nascentes como estabelecido pelo Código Florestal Brasileiro;
VIII - Executar programas de capacitação técnica e de educação ambiental;
IX -Fiscalizar o uso de agrotóxicos mediante prescrição profissional, conforme legislação vigente.
X - Incentivar a utilização dos trechos navegáveis dos rios para aproveitamento turístico;
XI -Fiscalizar o cumprimento das normas para os efluentes industriais em parceria com o órgão estadual para
redução da poluição hídrica.
Art.54. Na implementação da política das águas serão executadas as seguintes ações e medidas de organização e
institucionalização:
I - Criar órgão gestor dos recursos hídricos da região;
II -Executar a fiscalização ambiental, em parceria com os demais órgãos estaduais e federais integrantes do
SISNAMA;
III -Fazer cumprir a determinação do Código Florestal Brasileiro relativo à destinação de 20% (vinte por cento)
da área das propriedades rurais para Reserva Legal, através de proposição de Termo de Ajustamento de Conduta
e mediante convênio com o Instituto Estadual de Florestas – IEF;
IV -Participar institucionalmente nas instâncias definidoras dos planos de gestão para as microbacias da região;
V -Apoiar e fortalecer a atuação dos Consórcios Foz do rio Paraíba do Sul e da Lagoa Feia e da Bacia do
Itabapoana;
VI -Apoiar a implementação do Plano de Manejo do Parque Estadual do Desengano PED, através de
articulação dos atores envolvidos.
Seção II
DA CRIAÇÃO, PROTEÇÃO E RECUPERAÇÃO DE ÁREAS VERDES
Art.55. A criação, proteção e recuperação de áreas verdes têm como estratégia específica a instituição do
Sistema Municipal de Unidades de Conservação e de Áreas Verdes, adotando como diretrizes:
I -A implantação das Unidades de Conservação existentes e a ampliação da proteção a outras áreas de interesse
ecológico, para manutenção da eco e biodiversidades e recuperação da qualidade ambiental do Município;
II - A conservação dos bosques urbanos;
III - A promoção da arborização urbana;
IV -A criação, preservação e manutenção das áreas verdes e parques temáticos naturais, destinados à
contemplação, ao lazer e a atividades esportivas, culturais e recreativas.
Art.56. Para a criação, proteção e recuperação de áreas verdes deverão ser executadas as seguintes ações e
medidas de planejamento:
I - Inventariar e mapear as Áreas de Preservação Permanente APP, de acordo com as definições estabelecidas
na Resolução Conama nº 303/02 e outras que vierem a regulamentar o Código Florestal;
II - Executar programa de recomposição florestal em áreas de preservação permanente;
III - Elaboração de planos de manejo para as APA da Lagoa de Cima e do Lagamar;
IV -Elaborar estudos para a criação e implantação, ao menos, das Unidades de Conservação abaixo, com seus
respectivos planos de manejos:
a) APA de Morro do Coco englobando áreas com remanescentes de vegetação nativa na Pedra Lisa e demais
elevações, onde deverão ser criados Parques Municipais;
b) Parque Municipal do Morro da Itaóca;
c) APA do Imcom a renomeação e ampliação dos limites da APA da Lagoa de Cima, na qual deverá ser
criado um Parque Municipal, envolvendo os remanescentes florestais situados nos baixos cursos dos rios Imbé e
Urubu e na margem esquerda da Lagoa de Cima;
d) APA de Serrinha-envolvendo um Refúgio da Vida Silvestre, a ser decretado, que abranja as parte mais íntegra
da área;
e) Parque Municipal da Lagoa Limpa-compreendendo espelho d’água, o canal do Cavalo Baio e faixa marginal
de proteção de 100m;
f) APA da Lagoa das Pedras englobando o espelho d’água e faixa marginal de proteção da lagoa, o canal do
Jacaré e os remanescentes florestais. Os fragmentos florestais deverão ser decretados como Estação Ecológica;
178
g) APA da Lagoa do Taquaruçu envolvendo a lagoa e os fragmentos florestais denominados de Mata de Angra
e Mata do Bom Jesus e o atual Parque Municipal do Taquaruçu;
h) Estação Ecológica da Mata do Mergulhão envolvendo as matas situadas na Fazenda dos Airizes, cuja sede é
tombada pelo IPHAN;
i) APA do Banhado da Boa Vista envolvendo área de banhado situado atrás do Cabo de São Tomé, entre o
Lagamar e a Barra do Açu, na qual deverá ser criado um Parque Municipal;
j) Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Banhado do Cataia, situada no entorno da lagoa do Campelo;
l) Reserva Ecológica ou Estação Ecológica do Manguezal da Carapeba abrangendo a área do Parque Mangue
da Carapeba;
m) APA da Cachoeira das Garças, situada no distrito de Santo Eduardo;
n) APA’s das lagoas dos Prazeres, Feia e do Salgado.
V -Criar Corredores Ecológicos ligando Lagoa Feia à Lagoa de Cima, contemplando a revitalização do Rio
Ururaí;
Art.57. Para a criação, proteção e recuperação de áreas verdes deverão ser implementadas as seguintes ações e
medidas de gerenciamento:
I - Incentivar a criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural-RPPN; II - Reflorestar as matas ciliares
com espécies nativas;
III - Revitalizar e reflorestar os canais artificiais, que deverão ter uma das margens livres para sua manutenção;
IV - Revitalizar os sistemas lacustres urbanos
Art.58. Para a criação, proteção e recuperação de áreas verdes deverão ser implementadas as seguintes ações e
medidas de organização e institucionalização: I - Manter e ampliar as áreas verdes privadas, através de incentivo
do Poder Público; II -Proteger as áreas verdes e aquelas consideradas como de preservação permanente, através
da delimitação de Áreas de Especial Interesse Ambiental (áreas non aedificandi) com a definição de projetos
para espaços públicos; III -Definir medidas mitigadoras e compensatórias para a remoção de árvores em áreas
urbanas do município.
Subseção I
DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
Art.302. Entende-se por Unidade de Conservação o espaço territorial e seus recursos ambientais com
características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e
limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.
Art.303. A criação de Unidades de Conservação se dará por ato do Poder Público e deve ser precedida de
estudos técnicos e de consulta pública, conforme disposto pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
Parágrafo Único -O ato de criação da Unidade de Conservação indicará o bem objeto de proteção, fixará sua
delimitação, estabelecerá sua classificação e as limitações de uso e ocupação e disporá sobre a sua gestão.
Art.304. As Unidades de Conservação dividem-se em dois grupos:
I - Unidades de Proteção Integral, que têm como objetivo básico a preservação da natureza, sendo admitido
apenas o uso indireto dos seus recursos naturais;
II - Unidades de Uso Sustentável, que têm como objetivo básico compatibilizar a conservação da natureza com o
uso sustentável de parcela de seus recursos naturais
Art.305. As Unidades de Proteção Integral são compostas pelas seguintes categorias: I -Parque Natural
Municipal área de domínio público, destinada à visitação pública e ao lazer em contato com a natureza, com
objetivo de preservar ecossistemas naturais de relevância ecológica e beleza cênica;
II -Monumento Natural área de domínio público ou particular, destinada à preservação de sítios naturais raros,
singulares ou de grande beleza cênica;
III -Reserva Biológica área de domínio público, destinada à preservação integral da biota, sendo a visitação
admitida apenas com fins educativos ou científicos, mediante autorização do órgão responsável;
IV -Estação Ecológica área de domínio público, que tem como objetivo a preservação da natureza e a
realização de pesquisas científicas, vedada a visitação pública, exceto com fins educacionais.
Parágrafo Único - Os parques públicos que não apresentem relevância ecológica não estarão incluídos na
categoria referida no inciso I e passarão a ser classificados como Parques Urbanos.
Art.306. As Unidades de Uso Sustentável são compostas pelas seguintes categorias:
179
I -Área de Relevante Interesse Ecológico ARIE, área em geral de pequena extensão, de domínio público ou
privado, com pouca ou nenhuma ocupação humana, que tem como objetivo manter ecossistemas naturais e
regular o uso admissível dessas áreas;
II - Área de Proteção Ambiental APA, área em geral extensa, de domínio publico ou privado, com um certo
grau de ocupação humana, dotada de características ecológicas e paisagísticas importantes para a qualidade de
vida, que tem como objetivos proteger a diversidade biológica e disciplinar o processo de ocupação da área;
III - Reserva de Desenvolvimento Sustentável área natural, de domínio público ou privado, que abriga
populações tradicionalmente estabelecidas na área, destinada a preservar a natureza e, ao mesmo tempo,
assegurar as condições e os meios necessários para a reprodução dessas populações;
IV -Reserva Particular do Patrimônio Natural RPPN é uma área privada, gravada com perpetuidade, com
objetivo de conservar a diversidade biológica.
Art.307. As Unidades de Conservação de qualquer categoria não poderão integrar Áreas de Especial Interesse
Social, excetuadas as Áreas de Proteção Ambiental.
Art.308. Ficam mantidas as Áreas de Proteção Ambiental instituídas antes da publicação desta Lei.
180
Anexo G: Apêndice a viagem a Campos entre 1827 a 1828 por Antônio Muniz de Souza
A lagoa de cima, que melhor se chamaria lagoa formosa, como se expressou o falecido bispo quando
pela primeira vez a vio, está situada ao lado Oeste, e na distancia de duas léguas e meia com pouca diferença,
da Vila de são Salvador dos Campos: He este, sem duvida, hum dos lugares mais aprasiveis dos seus arredores:
collocada entre collinas, coberta com uma grama sempre verde qualquer uma de suas margens oferece ao
spectador attento hum lindo, e pitoresco quadro: de huma configuração ovóide, e seu maior diâmetro: He de
Norte a Sul e tem mais de légua; o transverso terá meio legoa em alguns pontos: suas margens e eleitos são
arenosos, suas agoas cristalinas e puras não oferecem em sua superfície e mais pequena planta aquática; o rio
chamando Imbé as fornece, desaguando ao lado Oeste; o rio Ururahy as recebe por huma outra embocadura, a
que chaman de barra collocada á Leste, e próxima á extremidade Norte; e as deposita por uma progressão mui
lenta, na lagôa Feia, separada daquela por hum intervallo de cinco legoas. A profundesa de suas agoas não he
regular; há lugares baixos, e outros superiores a 20 palmos, principalmente nas ocasiões de enchentes; a mais
pequena variação agita de tal sorte suas ondas que he mui prigoso navegar se por elas com pequenas canoas.
He mui abundante de excellente peixe, como robalos, piaus, piabanhas, jundiaes, acarás, trahiras, curumatans,
sahirus, etc.
Poucas braças distante de suas margens existe como fica dito, huma serie de collinas, de longe em
longe interronpidas por vagens; e tanto humas como outras occupadas por lindas situações, e fabricas de
assucar. Em huma circunferência de cinco legoas contão-se onze Engenhos. O solo em fertil he provido de terra
vegetal; tudo produz como magnificencia! canna de assucar milho feijão arroz, mandioca, café exellente; com
tudo há veias de terra em que a argilla branca predomina; n’estas partes a vegetação he muio acanhada. Em
alguns pontos de suas praias encontrão-se pedras que abundam em ferro; argilla, ou ocre de um lindo amarello.
Hum quarto de legoa com pouca differença, e ao lado do Leste existe o soberbo Itaóca, como para commandar
as outras collinas subalternas.
Contraste maravilhoso! Se de hum lado se vê huam rocha Arida, semeada de troncos annosos, e de
algumas palmeiras, em cujo cimo só se escuta o ruído produzido pelso ventos, e o grito das aves da noite; de
outro lado e mesmo ás suas fraldas, se vê uma terra fecunda pagar com excesso o trabalho do homem; collinas,
e campos cobertos por animaes domésticos, e lindas aves, que com seos variados cantos desafião as mais doces
emoções! Parece que a natureza formou este local para azylo da meditação, e do repouso!
Tenho observado que o thermometro marca nestes sítios maior gráu de calor, phenomeno que attribuo
ao calorico do sol, refletido do Itaóca, fazendo deste modo os effeitos de um espelho cytorio.
Pássaros matisados de lindas cores feichao este encantador quadro: tocanos, aracaris, diversas
espécies de sabiás, melros, sahis de inúmeras variedades, gaturamos, juós, jacutingas são constantes
habitadores de suas florestas: outras há de arribação, como papagaios, periquitos, encontros, etc. há fertilidade
de caça, como veado, cutia, capivara, anta, etc.
A maior parte dos habitantes dos seos arredores, bem que sem educação moral, são dóceis, afáveis,
observadores das leis da hospitalidade, qualidades que em geral distinguem os Campistas, activos, laboriosos;
dão-se aos praseres da dança, a que chamam fado. Nelles sobre sahe o espeito de independencia, sem duvida
devido á facilidade com que cada um pode adquirir meios de subsistir, sem que seja necessário mendigar
favores por adulações: e ainda seria mais notável, se hum melhor systema de estradas condidasse o agricultor
a semear mais, do que he necessário para o seo, e sustento de sua família.
Antônio Muniz de Souza (apêndice a viagem a Campos entre 1827 a 1828 paginas 106-107 Revista do
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. 1945 nº72
181
Anexo H: Registros fotográficos realizados no decorrer do trabalho de campo.
Figura 18 Placas afixadas pela SMMA de Campos com o intuito de promover a Educação
Ambiental nos usuários e moradores da Lagoa de Cima.
182
Figura 19 Vista aérea da Lagoa de Cima; no primeiro plano observa-se o Rio Ururaí, logo em
seguida vê-se o espelho d’água e ao fundo a Serra do Imbé.
Fonte: Foto Art, 2006
Figura 20 Vista aérea da Foz dos Rios Urubu (à esquerda) e Imbé (à direita) principais
formadores do espelho d’água da Lagoa de Cima, no ano de 1937.
Fonte: BIDEGAIN et al, 2002
183
Figura 21 Paisagem Lagoa de Cima - São Benedito.
Fonte: COSTA, 2008
Figura 22 Paisagem Lagoa de Cima - Santa Rita.
Fonte: COSTA, 2008
184
Figura 23 Faixa de areia em São Benedito
Fonte: COSTA, 2008
Figura 24 Comércio na ponta da palha - São Bendito
Fonte: COSTA, 2008
185
Figura 25 Acampamento de visitantes durante as ferias de verão - São Benedito
Fonte: COSTA, 2008
Figura 26 Vista da ocupação urbana da na Ponta da Palha São Benedito.
Fonte: COSTA, 2008
186
Figura 27 Um dos muitos bares/residências localizados no entorno da lagoa - Santa Rita
Fonte: COSTA, 2008
Figura 28 Faixas e anúncios ao longo da estrada da Tapera fazem propaganda dos bares à margem
da lagoa.
Fonte: COSTA, 2008
187
Figura 29 Dona de casa lavando utensílios domésticos diretamente nas águas da lagoa de Cima -
São Benedito.
Fonte: COSTA, 2008
Figura 30 Roupas estendida na faixa de areia e secando graças ao "vento sul" - São Bendito.
Fonte: COSTA, 2008
188
Figura 31 Embarcações São Benedito.
Fonte: COSTA, 2008
Figura 32 O trabalho familiar no porto - São Benedito.
Fonte: COSTA, 2008
189
Figura 33 Detalhe dos petrechos de pesca acondicionados na canoa - São Benedito
Fonte: COSTA, 2008
Figura 34 As lixeiras espalhadas pelas praias de São Bendito não garantem que o lixo deixe de ser
lançado no chão.
Fonte: COSTA, 2008
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