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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA
Título: CONTESTAÇÃO, ENGAJAMENTO E MILITANTISMO: da “luta contra a ditadura” à
diversificação das modalidades de intervenção política no Rio Grande do Sul.
ELIANA TAVARES DOS REIS
Porto alegre, 2007.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA
Título: CONTESTAÇÃO, ENGAJAMENTO E MILITANTISMO: da “luta contra a ditadura” à
diversificação das modalidades de intervenção política no Rio Grande do Sul.
ELIANA TAVARES DOS REIS
Tese apresentada como requisito parcial
à obtenção do grau de doutor em
Ciência Política.
ORIENTADOR: PROF. DR. ODACI LUIZ CORADINI
.
Porto Alegre, 2007.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................................................09
Capítulo 1: OBSTÁCULOS E APORTES CONCEITUAIS....................................................................30
1.1 Reflexão geral sobre alguns obstáculos e procedimentos
para a análise do engajamento e militantismo..........................................................................31
1.2
Análise histórica e crises políticas...............................................................................................36
1.3
– Sobre a idéia de hibridismo............................................................................................................42
1.4
– Para o estudo dos militantismos e engajamentos....................................................................49
1.5
– Identidades e identificações...........................................................................................................59
1.6 – Constituição de redes de relações................................................................................................62
Capítulo 2: PERFIS, MODALIDADES DE INTERVENÇÃO E ITINERÁRIOS.................................69
2.1 – Fontes e perfis: uma caracterização geral da população investigada................................71
2.2 – Modalidades de itinerários e sentidos de intervenção..........................................................101
2.2.1 – Delineando Padrões....................................................................................................................107
2.2.2 – “Especialização Militante”.......................................................................................................110
2.2.3 – “Especialização Técnico-Administrativa”...........................................................................118
2.2.4 – “Especialização Político-Eleitoral”
........................................................................................128
2.2.5 – “Especialização Universitária” e Profissional.
...................................................................137
2.2.6 – Considerações Finais..................................................................................................................152
Capítulo 3: PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO E LUTAS POLÍTICAS.........................................154
3.1 – Catolicismo, inserção na universidade e comunismo:
uma seqüência de posicionamentos a partir da Ação Popular ......................................164
3.2 – Marxismo, produção intelectual e disputas partidárias (Parte I):
uma seqüência de posicionamentos a partir da Ala Vermelha.......................................182
3.3 - Marxismo, produção intelectual e disputas partidárias (Parte II):
uma seqüência de posicionamentos a partir do Partido Operário Comunista...........196
3.4 – “Ativismo”, socialismo e ocupação de cargos:
uma seqüência de posicionamentos a partir do “Incrível Exército Brancaleone”....212
3.5 – “Luta pela democracia”, títulos escolares e disputas partidárias:
uma seqüência de posicionamentos a partir do IEPES.....................................................235
4
Capítulo 4: GRANDES EXPEDIENTES COMO LUGARES DE CONSAGRAÇÃO:
“memória”, “geração”, “evento” e “heróis”................................................................................254
4.1 – “Causa”, “heroísmo” e “patrimônio partidário”
na homenagem aos “Guerrilheiros do Araguaia”..............................................................259
4.2 – “Ode a minha geração”, retribuições e consagração coletiva:
a “despedida” de Flávio Koutzii..............................................................................................269
4.3 – “Protagonismo militante”, e “eventos” de afirmação geracional:
a homenagem a Marcos Klassmann.......................................................................................279
4.4 – “Geração”, “intelectualidade” e “democracia”:
a ativação de um “legado” e valorização de um “período”.............................................286
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................................296
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................................................306
ANEXOS.........................................................................................................................................................314
5
QUADROS
Quadro 1: Objetivos do memorial.....................................................................................75
Quadro 2: Organizações clandestinas nos anos sessenta e setenta.................................79
Quadro 3: Ocupações exercidas.........................................................................................84
Quadro 4: Profissão do pai.................................................................................................88
Quadro 5: Primeira filiação partidária pós-regime militar............................................91
Quadro 6: Última filiação partidária................................................................................94
Quadro 7: Cursos universitários realizados.....................................................................95
Quadro 8: Instituição de ensino superior na qual já estiveramvinculados como
professores...........................................................................................................................97
Quadro 9: Temas desenvolvidos em livros e artigos variados........................................98
6
SIGLAS E ABREVIATURAS
AI-5: Ato Institucional número 5
Ala: Ala Vermelha do PC do B,
ALN Ação Libertadora Nacional
AMRIGS: Associação Médica do Rio Grande do Sul
ANDES: Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
AP: Ação Popular
CEBRAP: Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
CEEE: Companhia Estadual de Energia Elétrica
CEFIP: Centro de Filosofia e Política
CNPq: Conselho Nacional de Pesquisas
COLINA: Comando de Libertação Nacional
CONTAG: Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura
CPC: Centro Popular de Cultura
CPERS/Sindicato: Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul
CPOR: centro de Preparação de Oficiais da reserva
CREA: Conselho Reginal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Rio Grande do Sul
CRM: Companhia Ri-grandense de Mineração
DAECA: Diretório Acadêmico de Ciências Econômicas, Contábeis e Atuariais/UFRGS
DCE: Diretório Central dos Estudantes
DOPS: Departamento de Ordem Política e Social
DS: Democracia Socialista/PT
ESPM: Escola Superior do Ministério Público
FAFIMC: Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada da Conceição
FASC: Fundação de Assistência Social e Comunitária
FBT: Fração Bolchevique Trotskista
FFCMPA: Fundação Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre
FIDENE: Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação do Noroeste do Estado
GAS: Gabinete de Assessoria Superior
GUS: Grupo Unidade Socialista
IBRAP: Instituto Brasileiro de Ação Popular
IEPES: Instituto de Estudos Políticos Econômicos e Sociais
JAC: Juventude Agrária Católica
JEC: Juventude estudantil Católica
JUC: Juventude Universitária Católica
M26M: Movimento 26 de março
MDB: Movimento Democrático
ME: Movimento Estudantil
MEB: Movimento Educação de Base
MEC: Ministério da Educação
METROPLAN: Fundação de Planejamento Metropolitano
MNR: Movimento Nacionalista Revolucionário
MR-8: Movimento Revolucionário 8 de outubro
MRT: Movimento Revolucionário Tiradentes
MUC: Movimento Universidade Crítica
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NP: Nova Proposta
OLAS: Organização Lationo-Americana de Solidariedade
OP: Orçamento Participativo
ORM-PO (POLOP): Organização Revolucionária Marxista – Política Operária
PC do B Partido Comunista do Brasil
PCB Partido Comunista Brasileiro
PDS: Partido Democrático Social
PDT: Partido Democrático Trabalhista
PMDB: Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PFL: Partido da Frente Liberal
POC: Partido Operário Comunista
POR-T: Partido Operário Revolucionário – Trotskista
PP: Partido Progressista
PPS: Partido Popular Socialista
PRC: Partido Revolucionário Comunista
PRT: Partido Revolucionário dos Trabalhadores
PSB: Partido Socialista Brasileiro
PSD: Partido Social Democrata
PSDB: Partido da Social Democracia Brasileira
PSOL: Partido Socialismo e Liberdade
PT: Partido dos Trabalhadores
PTB: Partido Trabalhista Brasileiro
PTB: Partido Trabalhista Brasileiro
PUC: Pontifícia Universidade Católica
SJ: Setor Jovem
SJM: Setor Jovem Metropolitano
SJSM: Setor Jovem de Santa Maria
SOPS: Supervisão da Ordem Política e Social
SUSEP: Superintendência dos Serviços Penitenciários
TS: Tendência Socialista
UCPel: Universidade Católica de Pelotas
UCS: Universidade de Caxias do Sul
UFMG: Universidade Federal de Minas Gerais
UFPel: Universidade Federal de Pelotas
UFRGS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRJ: Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFSC: Universidade Federal de Santa Catarina
UFSM: Universidade Federal de Santa Maria
UGES: União Gaúcha dos Estudantes Secundaristas
ULDP: União pela Liberdade e pelo Direito do Povo
UNAM: Universidad Nacional Autônoma de México
UNB: Universidade de Brasília
UNE: União Nacional dos Estudantes
UNESCO: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICAMP: Universidade de Campinas
UNIJUÍ: Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
Unisinos:
VAR-Palmares:Vanguarda Armada Revolucionária - Palmares
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VPR: Vanguarda Popular Revolucionária
RESUMO
O presente trabalho aborda a temática da seleção de elites culturais e políticas no estado do Rio Grande do
Sul (Brasil) a partir da análise dos perfis e trajetórias de agnete que inaugruraram sua atuação política durante
os anos sessenta e setenta. A investigação focaliza a gama de registros e de lógicas que compõem os
repertórios de afirmação simultamente políticos e intelectuais, assim como sua tradução em modalidades de
intervenção e de sentidos que lhes são atribuídos pelos agentes. Neste caso, o tratamento das condições de
contestação política durante o “regime militar” brasileiro e seus efeitos sobre a redefinição dos espaços de
ação e de tomadas de posição concertentes às lutas políticas e intelectuais visa evidenciar um duplo processo
de inovação dos trunfos utilizados e a persistência de uma disposição para a intervenção e a formulação de
objetos de disputa em diferentes meios sociais. Para tanto, a pesquisa analisa os recursos detidos pelos
agentes, os itinerários individuais e coletivos seguidos, as estratégias acionadas em distintos momentos
históricos, biográficos e diferentes domínios de inserção, bem como os feitos disso nos seus destinos sociais.
ABSTRACT
This work deals with the theme of selection of cultural and political elites in the state of Rio Grande Do Sul
(Brazil) using an analysis of profiles and trajectories of individuals whose political careers began under the
rule of the Brazilian “military regime”. The investigation focuses the gamut of registers and logic which
compose the repertoires of political and intellectual affirmation and its translation into modalities of
intervention and meaning given by the agents. In this case the treatment of conditions of political contestation
during the Brazilian “military regime” and its effects on the redefinition of spaces of action and positions
taken in intellectual and political confrontations are evidence for a dual process: 1) innovation of triumphs
utilized, and 2) of persistence of a disposition towards intervention accompanied by the formulation of
disputed objects in different social means. For all this, the research analyses the resources used by the agents,
individual and collective itineraries follow, the strategies used at particular historic moments, biographies and
different domains of insertion, such as the effects of this on their social destinies.
RESUMÉ
Ce travail aborde la thématique de la sélection des élites culturelles et politiques dans l’État du Rio Grande
do Sul (Brésil) à partir de l’analyse des profils et des trajectoires des agents qui ont inauguré leurs
militantisme durant le régime militaire brésilienne. L’investigation focalise la gamme de registres et de
logiques qui composent les répertoires d’affirmation simultanément politique et intellectuelle, ainsi que leur
traduction en modalités d’engagements et de sens qui leur sont attribués par les agents. Dans ce but, le
traitement des conditions de contestation politique durant la période dictatoriale brésilienne et leurs effets sur
la redéfinition des espaces d’action et des prises de position concernant les luttes politiques et intellectuelles
vise à mettre en évidence un double processus d’innovation des atouts utilisés et de persistance d’une
disposition pour l’intervention et la formulation d’objets de disputes dans différents milieux sociaux. La
recherche analyse les ressources détenues par les agents, les trajectoires qu’ils ont suivies, les stratégies
déclenchées par à différents moments de leur vie et dans divers domaines sociaux, et aussi les effets des
évènements historiques sur les itinéraires et sur les destins sociaux.
9
INTRODUÇÃO
O presente estudo se insere no campo de estudos sobre os processos de
seleção das elites culturais e políticas e se dedica à análise dos perfis e das trajetórias de
um conjunto de agentes que inaugurou seu engajamento político nos anos sessenta e
setenta no Rio Grande do Sul. Com o tratamento das condições de contestação política
durante o período “ditatorial” brasileiro e dos seus efeitos na redefinição dos espaços de
inserção e das tomadas de posição relativamente às lutas políticas e intelectuais sul-rio-
grandenses procurou-se evidenciar um duplo processo. Por um lado, a contínua inovação
dos trunfos ou repertórios utilizados e, por outro lado, a persistência de uma disposição
para a intervenção e a formulação de objetos de disputas em variados meios sociais. Para
tanto, foram examinados os recursos detidos pelos agentes, seus itinerários políticos e
profissionais, as estratégias por eles acionadas e as “escolhas” efetuadas nos diferentes
momentos das suas vidas e nos variados domínios sociais, e ainda foram observados os
efeitos dos eventos históricos sobre as carreiras e sobre os destinos sociais dos mesmos.
Buscou-se, então, identificar alguns padrões de carreiras políticas e
profissionais de protagonistas que debutaram sua atuação num momento específico,
atentando para os diferentes usos e combinações efetuados de “troféus” e trunfos
conquistados (ou eventualmente perdidos ou abandonados) graças à sua inserção em
determinados eventos e sua dedicação a determinadas “causas”.
Deste modo, o tema desta tese está explicitado no título “Contestação”,
“engajamento” e “militantismo”. Expressões que poderiam ser utilizadas de forma
irrefletida e eventualmente até indiscriminada. No entanto, deseja-se defini-las desde já
porque implicam em níveis diferentes de práticas de intervenção que estão relacionados
aos perfis sociais dos agentes e às “oportunidades” (históricas, políticas, etc.) que se
apresentam no decorrer dos trajetos seguidos.
10
Antônimo de “admitir”, a idéia de contestação é a mais conjuntural e
situacional das três noções referidas, pois é entendida aqui como oposição ou negação de
algo definido, seja uma situação, seja uma idéia em processo de afirmação. Coaduna-se
com o sentido dado por Tarrow (2004) que define a contestação como uma interação
episódica e coletiva dotada de reivindicações e também de inimigos compartilhados pelos
atores. Pode-se entender, nos termos concebidos por Hirschmann (1984) como o uso da
voz nos momentos de insatisfação ou deterioro, portanto adequada para caracterizar a ação
política de esquerda no período do “regime militar” brasileiro, no qual os protagonistas
homogeneizavam-se pela “contestação” à ditadura.
Os diferentes movimentos de contestação à “ditadura” no Brasil podem ser
caracterizados a partir da noção de ciclos de contestação utilizada por Charles Tilly (1992)
para pensar os laços existentes entre movimentos em diferentes cenários e similitudes entre
contextos de resistência aos regimes do “leste europeu”. Os mesmos são produtores de
estruturas oportunidades políticas (do mesmo modo que revoluções ou mortes de
governantes) e ocorrem em cadeias nas quais “reivindicações levam à reivindicações
outras por espaços (aberturas) ou reações em sentido contrário (fechamentos) até o
momento em que a concorrência cessa”. Cada ciclo deixa marcas, por sua vez, na
constituição de novos “grupos, novas relações dos movimentos sociais com o poder
público, renovação do discurso, novos meios de ação (...)”. (Tilly, 1992:7-9).
O processo descrito por Tilly (1992) produz uma espiral de reivindicações e
de concorrência entre “organizações”, no bojo do qual são testadas novas formas de
organização, de disputas por aderentes e acúmulo de trunfos. Sendo assim “no fim do
ciclo, certos atores obtiveram uma parte do poder, outros viram seus recursos políticos
reduzidos, o discurso público sobre determinados objetos de luta se transformam (...) e o
repertório de ação sofreu igualmente modificações”. Com efeito, não somente são
transformadas as capacidades de ação dos diferentes atores, como as expectativas em
relação ao Estado e a própria capacidade de ação do mesmo (Idem).
No que tange às concepções de “engajamento” e “militantismo” estas
remetem a atuações mais contínuas no tempo e no espaço. A primeira se delineia na
disposição dos agentes para tomar posição sobre “temas” e “problemas” variados a partir
de domínios igualmente diversos. Ou seja, independentemente do lugar e da atividade
11
exercida, há um sentido de intervenção e de inserção na realidade que define suas ações e
relações. Como sugerem Sawicki e Berlivet (1994) pode-se falar de uma “ética” que faz da
necessidade de buscar a intervenção (ou transformação) uma dimensão imprescindível da
prática social, que é constantemente atualizada nos vários momentos, lugares e etapas de
vida dos indivíduos. A segunda é, talvez, a mais “exigente” das três modalidades porque,
de certo modo, as engloba, porém se distingue pela dedicação sistemática a uma “causa”
ou “organização”. Partindo dos estudos de Gaxie (1977), Offerlé e Gaxie (1985) e Sawicki
(2003), utiliza-se uma definição de militantismo que abarca um conjunto de práticas e
sentidos que vão além da simples adjetivação e substantivação diretas. Quer dizer,
extrapola o sentido mais comum como de qualificação da adesão a uma “causa” (militante)
ou de atribuição de um rótulo que define e encerra sua própria essência (“militância”). A
perspectiva seguida é de que tanto as “habilidades” militantes quanto a dedicação à
“militância” implicam em processos muito mais amplos. Os mesmos envolvem variáveis
como mecanismos de socialização, formas de engajamento, sentidos atribuídos às
“causas”, modalidades de investimentos oferecidos e de recompensas extraídas dos
mesmos, assim como padrões de carreiras construídas tendo o conjunto de recursos
adquiridos (aprendizados, relações, etc.) como predominantes ou complementares.
Sendo assim, as três modalidades de intervenção não são excludentes.
Particularmente para o caso estudado, uma pode favorecer ou ser favorecida pela outra,
assim como todos os níveis de intervenção são o produto e ao mesmo tempo produzem
uma condição em que a lógica política irá se impor a todos (ou quase) domínios sociais,
confundindo-se com as dinâmicas de concorrência dos mesmos. Isto é, não há a
concentração de princípios, regras e profissionais em esferas específicas, mas a
proliferação de domínios que são politizados, devido à imposição das lógicas políticas aos
princípios de legitimação dos mesmos e, a partir desses, a própria vida social é politizada.
Isso posto, alguns critérios preliminares de demarcação do universo
empírico podem ser, desde já, esboçados. Primeiramente, a pesquisa se dedicou à análise
de agentes cujas entradas na política
1
ocorreram durante as décadas de 1960 e 1970, no
1
Utiliza-se a idéia de “entradas na política”, conforme ressaltou Offerlé (1996:3-4), “no plural, pois a
questão é estudar tanto as trajetórias individuais como as trajetórias coletivas (novos entrantes) e de perceber
de que maneira os novos entrantes devem adaptar suas propriedades aos constrangimentos estruturais do
métier e da profissão política tendencialmente delimitadas sem ser fechadas ou codificadas; de que maneira
12
Rio Grande do Sul, via movimento estudantil (secundarista e/ou universitário). O trabalho
não pretendeu englobar, pois, o conjunto da “oposição” ao “regime militar”. Soma-se a
esse o fato de que os indivíduos e “grupos”, além do movimento estudantil, aderiram
também a “organizações” de esquerda constituídas naquele período. Deste modo, a
pesquisa não visou tratar do conjunto dos indivíduos atuantes no movimento estudantil. A
adoção desses dois critérios permitiu observar a origem do engajamento e do militantismo
de agentes sem vínculos políticos prévios consolidados, visto que o movimento estudantil é
marcado como o momento da entrada na política para os agentes estudados, a partir da
contestação ao “regime militar”.
É preciso esclarecer qual o critério utilizado para a identificação dos
variados momentos de entrada na política tendo em vista as diferentes temporalidades
biográficas dos agentes. Assim, os militantes foram classificados segundo os diferentes
momentos em que aliaram o estabelecimento de vínculos orgânicos com alguma
“organização” e com a atuação no movimento estudantil. Neste caso, pode-se demarcar
desde já e grosso modo dois “fluxos” de entradas que relacionam esses dois elementos no
período estudado. O primeiro é ocorre entre 1961 e 1972, ou seja, entre o momento que se
estende da deflagração do golpe militar de 64, passando pela formação de organizações
clandestinas de resistência, pela pulverização das organizações esquerdistas, pelo
fortalecimento da opção pela luta armada, pelo recrudescimento do “regime militar” e
chegando à ação dos órgãos de segurança nacional no sentido da extinção desses focos
guerrilheiros por todo o país. O segundo é entre 1973 e 1979, isto é, no período em que
havia poucas e debilitadas organizações, portanto no qual as intervenções das polícias
(com prisões e torturas) eram mais localizadas e menos freqüentes, os movimentos pela
democratização e ativação da sociedade civil criticavam os erros das iniciativas armadas e
pregavam uma transformação pela via institucional, e se caracteriza pelo fortalecimento do
único partido de oposição consentido (o Movimento Democrático Brasileiro) como opção
viável de luta política. No final dos anos setenta a transição para a democracia foi pautada
os entrantes criam e recriam pela concorrência (entre eles e com seus predecessores) as condições de
possibilidade de seu sucesso político”.
13
pelos debates e pelos esforços visando a formação de partidos políticos capazes de
aglutinar os projetos de sociedade forjados na contestação ao “regime militar”
2
.
Além destes, evidentemente os movimentos de contestação comportavam
militantes provenientes de inserções anteriores ao período investigado. À diferença
daqueles que ingressaram nos “fluxos” mencionados, estes estiveram vinculados
organicamente a partidos comunistas ou trabalhistas e atuaram no movimento estudantil
antes dos anos sessenta. Por este motivo, foram contemplados nesta tese apenas a partir dos
elos e influências relativamente aos mais “jovens”.
É importante também justificar a opção de recorte empírico adotado. Em
primeiro lugar, o estudo proposto não tomou como ponto de partida uma “organização”,
um “grupo” ou “instância” consolidado para proceder a um trabalho de reconstituição da
sua existência como tal ou do desempenho dos seus militantes. Em segundo lugar, a
pesquisa não abordou uma “organização”, “grupo” ou “instância” atuante durante o
“regime militar” para buscar seu itinerário coletivo, deserções, fusões e desdobramentos.
Finalmente, a proposta também não foi a de identificar ocupantes de determinados cargos
ou posições de destaque no atual cenário gaúcho para, a partir desta eleição, buscar as
origens e os condicionantes sociais que intervieram para a conquista dos mesmos.
As alternativas supracitadas apresentam vantagens no que se refere à
delimitação precisa do universo empírico e, conseqüentemente, das fontes e dados
possíveis de serem tratados. No entanto, o caráter efêmero e não permanente das
“organizações” e a fragilidade das fronteiras institucionais diante a força e a
preponderância das redes de relações pessoais e das “personalidades” que as centralizam
apontam para a dificuldade em circunscrever um “grupo” ou uma “organização”
específica. Ou seja, estas formas de tratamento podem deixar escapar uma série de lógicas
e de trânsitos que definem a existência sempre precária dos “grupos” e das “organizações”.
Por outro lado, estudar somente a trajetória das lideranças ou dos casos “bem sucedidos”
reduziria justamente a possibilidade de apreender as condições e os condicionantes que
contribuíram para a conquista de posições sociais e para o potencial de trânsito desses
agentes. É na análise comparativa de perfis contrastantes e, ainda, na análise longitudinal e
diacrônica da dinâmica de lutas que inserem os agentes num mesmo sistema de desvios
2
O processo de afirmação política e institucional desta geração nos anos 70 foi o objeto de investigação de
um estudo anterior (Reis, 2001).
14
(Bourdieu, 1989b)
3
que se pode detectar aqueles que se enquadram, se afastam ou
subvertem os códigos de realização política (Collovald, 1985)
4
.
Cabe igualmente esclarecer que não se tratou nem de uma pesquisa sobre o
movimento estudantil, nem de uma história das “organizações de esquerda”, nem
tampouco de uma celebração da “resistência” e da “luta contra a ditadura militar” no
Brasil. Tratou-se, isto sim, de um estudo que visou caracterizar um conjunto de
protagonistas que, no que pese possuírem origens e destinos sociais díspares, comungam
de aspectos marcantes das suas trajetórias, sobretudo no que concerne às condições
históricas em que estrearam sua intervenção política, às modalidades de engajamento
privilegiadas e os trunfos utilizados (com maior ou menor sucesso) com vista à afirmação
como porta-vozes de determinadas “causas”. Desta forma, a análise dos itinerários
permitiu captar o peso destes elementos comuns para a constituição de cadeias de
interdependências entre os agentes, logo a configuração de um sistema relacional entre
eles e ainda o processo de reconfiguração das lógicas e formas de intervenção política no
Rio Grande do Sul. Além disso, possibilitou também observar como os “próprios
interessados colocam em valor na sua biografia seu direito militante à palavra política”
(Gaxie e Offerlé, 1985:106).
Justificativa e Problemática
A pesquisa ora apresentada buscou detectar os condicionantes que
intervieram na afirmação dos agentes investigados como porta-vozes de “causas” forjadas
a partir da sua inserção política e profissional. Neste caso, a possibilidade de se constituir
3
Nos termos concebidos por Pierre Bourdieu (1989b: 178): “(...) a produção de tomadas de posição depende
do sistema das tomadas de posição propostas em concorrência pelo conjunto dos partidos antagonistas, quer
dizer, da problemática política [grifo no original] como campo de possibilidades estratégicas objetivamente
oferecidas à escolha dos agentes em forma de posições efetivamente ocupadas e das tomadas de posição
efetivamente propostas no campo. Os partidos, como as tendências no seio dos partidos, só têm existência
relacional e seria vão tentar definir o que eles são e o que eles professam independentemente daquilo que são
e professam os seus concorrentes no seio do mesmo campo”.
4
Seguindo as indicações de Collovald (1985), a análise do movimento histórico geral revela possíveis
mecanismos garantidores dos sucessos ou dos fracassos políticos, profissionais e/ou intelectuais. Sendo
assim, há que se buscar perceber a relação dos “novos quadros” com os códigos de realização política,
paralelamente aos tipos de recursos que colocam em jogo e sua repercussão na reclassificação entre os
pretendentes às posições nos meios políticos e intelectuais gaúchos.
15
como porta-voz de “problemáticas legítimas” em meios sociais variados e inter-
relacionados depende da conquista de um duplo e indissociável reconhecimento. Trata-se
do reconhecimento da sua capacidade de intervenção política ligada ao domínio de uma
linguagem e de saberes tidos como “intelectuais” (como o domínio de conceitos e
experiências históricas que lhes permitem decifrar a “realidade” e, com isso, obter os
meios para transformá-la). E trata-se, no mesmo processo, da valorização da intervenção
como mecanismo que favorece o reconhecimento de uma condição de “intelectual”. Quer
dizer, o histórico de práticas e experiências, que atestam o contínuo engajamento político e
a relevância das tomadas de posição relativas às definições de sociedade, política e cultura,
autoriza os agentes ao papel de intérpretes da “realidade”, da “conjuntura” e dos “destinos
históricos”.
Essa problemática pôde ser cotejada em diferentes contextos históricos. A
escolha pela dinâmica instaurada ou incrementada a partir do “regime militar” brasileiro é
justificada pela “oportunidade” que o momento traz para acumular “experiências
excepcionais” nas trajetórias dos protagonistas. Pretendeu-se, assim, detectar os fatores
centrais de distinção e hierarquização de “gerações” de militantes e entre eles, tendo em
vista os investimentos na dedicação às “causas” e a acumulação de “saberes” e
“competências” intelectuais. São justamente esses fatores que podem configurar
simultaneamente os condicionantes da intervenção e os marcos das “vivências” que
singularizam os agentes. Isto é, pôde-se identificar um conjunto de recursos consagrados
como ímpares e viabilizados pelo momento de sua produção (exílios, prisões,
manifestações, presença em eventos, torturas, cursos, seminários, etc.). Estes recursos e
experiências, por sua vez, deram sentidos e créditos aos caminhos e posicionamentos
assumidos ao longo dos itinerários. O caráter de extraordinariedade conferido às
“reflexões” e às “causas” empreendidas naquele contexto contribuiu para a dupla
valorização (capacidade de apreender e transformar a realidade) dos agentes enquanto
porta-vozes de novas “lutas” nos momentos subseqüentes. É preciso ressaltar que, por um
lado, há a afirmação de determinados “atributos” como singulares e, por outro lado, há
uma distribuição desigual destes “atributos” entre os agentes que produz diferenciações
entre eles e deles com outros protagonistas atuantes nos mesmos espaços.
A escolha pela análise de agentes com atuação no movimento estudantil, em
um período histórico singular, permitiu tratar um número considerável de agentes e abarcar
16
destinos diversificados em termos de posições sociais, de domínios de inserção e de
matizes ideológicas. Sendo assim, constituiu-se num ponto de partida relevante para a
análise de carreiras políticas, universtitárias e profissionais marcadas pela aquisição e uso
(em diferentes níveis) de um duplo reconhecimento do saber intelectual e da prática da
intervenção. Com efeito, pretendeu-se refletir em que medida os processos de
intelectualização da atividade política ou de politização da atividade intelectual nas suas
diferentes modalidades e matizes podem ser relacionados aos recursos de origem ou
adquiridos pelos agentes e aos destinos sociais dos mesmos
5
.
Ainda que não seja uma novidade constatada a partir do “regime militar”
brasileiro, os eventos desencadeados naquele período contribuíram para a reconfiguração
dos repertórios de mobilização e dos espaços de expressão da capacidade de intervenção,
sobretudo no que tange à composição dos domínios intelectuais e políticos, dos seus
intérpretes e das suas “causas” (Coradini, 1998a; 2001). Sendo assim, a investigação das
condições e das estratégias de subversão (Lagroye, 1997:200), bem como seus efeitos nas
carreiras dos agentes, colaborou para a identificação do caráter inovador das lutas
estabelecidas entre e inter “gerações” de militantes e seu reflexo em termos de construção
de novas problemáticas, repertórios e instrumentos de mobilização que acabaram
redefinindo o sentido e as estratégias de intervenção política a partir de diferentes domínios
sociais.
Assim sendo, sustenta-se que a “luta contra a ditadura” se constituiu num
evento fundador, singular e valorizante para aqueles que nele se inseriram para contestar
contra o “regime militar” ou a ele “resistir” e que não cessaram de disputar e lhe atribuir
novos sentidos e de combiná-los com novos emblemas de lutas no decorrer de suas
trajetórias. Esse processo contribuiu, então, para a produção de um sistema comum de
referências que está em constante redefinição nos movimentos interdependentes entre
parceiros e adversários, empresas coletivas e investimentos pessoais. Isto é, ainda que
espraiados por domínios de atividades diversos esses agentes se reconhecem como
contemporâneos de lutas comuns e, sobretudo, configuram redes de relações que persistem
e podem se constituir num dos principais recursos de luta detidos. Tendo em vista a
5
Sobre um processo em via dupla de “universitarização da formas de fazer e sentir a política” e
partidarização das formas de sentir e fazer política universitária”, ver Neiburg (1999:127) referindo-se ao
caso argentino no período pós Peronista (1955).
17
plasticidade do espaço social (Lagroye, 1997), o capital de relações sociais passíveis de
ser maximizado incide ainda mais sobre o acesso a determinadas posições.
Soma-se a isso a proposição de que a conciliação de um período
notabilizado por transformações sociais vinculadas às condições restritas e repressivas de
expressão política forjou, como já foi dito, a diversificação das modalidades e dos
repertórios da ação, ao mesmo tempo, concomitantes e competitivas. Ou seja, a
contrapartida de uma situação em que estavam fragilizadas as relações, as concepções e os
cálculos, foi a flexibilização dos espaços de intervenção e de emergência de novos recursos
de luta passíveis de serem utilizados. A abertura de “brechas” para novas apostas e a
diversificação de dimensões do mundo social politizáveis se traduziu na ampliação do
contingente de agentes interpelados e empenhados em fazer valer seus respectivos
atributos. Em vista disso, esta situação obrigou os personagens a aprimorar suas estratégias
de afirmação no espaço de concorrência oposicionista.
Dentre os elementos comuns encontrados pelos agentes, destacam-se as
mudanças estruturais no que diz respeito à expansão e à diversificação das universidades,
criação de cursos de graduação e pós-graduação nas ciências humanas, notadamente nas
ciências sociais. A formação universitária dos agentes estudados se deu basicamente nos
anos sessenta e setenta e, por conseguinte, eles estiveram sob os efeitos das formulações
produzidas para o público de esquerda pelos intelectuais de esquerda. A universidade se
constituiu como um dos principais vetores de diversificação das modalidades de atuação,
dos conteúdos e dos recursos passíveis de serem ativados na dinâmica de intervenção.
Os “saberes” adquiridos e compartilhados nesse meio foram primordiais
para a potencialização dos instrumentos de participação na “luta política”, especialmente
no que concerne à aquisição de um manancial conceitual e prático passível de ser
retraduzido para os outros agentes e domínios sociais, e também no que se refere à
oportunidade de estabelecer redes qualificadas. Neste caso, por exemplo, os intercâmbios
de intelectuais com o exterior também colaboraram na composição da complexidade dos
mecanismos de transfiguração das modalidades de intervenção política no Rio Grande do
Sul. Uma vez que estes trânsitos viabilizavam a importação de novas temáticas e esquemas
de interpretação a serem disponibilizados para o contingente de novos protagonistas
18
dispostos a defenderem as mais variadas “causas”, nos diferentes espaços sociais nos quais
atuam ou virão a atuar.
Além da universidade, as organizações políticas formais e institucionais ou
informais e clandestinas cumpriram papel similar de promoção das condições para a
socialização cultural e militante, para formação nas questões pertinentes ao meio e para o
gozo de sociabilidades. No primeiro pólo (formal ou institucional) aparece o partido de
oposição ao “regime militar”, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), e alguns
órgãos situados no seu interior como o Instituto de Estudos Políticos, Econômicos e
Sociais (IEPES), o Setor Jovem, o Gabinete de Assessoria Superior (GAS) na Assembléia
Legislativa. No outro pólo (informal ou clandestino) podem ser elencadas as
“organizações clandestinas” como: o Partido Comunista Brasileiro (PCB), a Ação Popular
(AP), o Partido Operário Comunista (POC), o Partido Comunista do Brasil (PC do B), a
Ala Vermelha do PC do B, o Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR8), A
Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), a Ação Libertadora Nacional (ALN), entre
outros. Numa posição intermediária, pois não estavam ligados a um partido e não eram
clandestinos, encontram-se os grêmios estudantis, diretórios de estudantes universitários e
jornais da chamada “imprensa alternativa” como: “Em Tempo”, “Informação”,
“Coojornal”, “Movimento”, etc. Não raro os militantes compatibilizaram o trânsito nesses
diferentes meios, sendo que a inserção nas “organizações clandestinas” foi mais intensa
nos anos sessenta (a proliferação de “organizações” se deu basicamente depois do “golpe
de 1964” – como reflexo das várias opções de “resistência” polarizadas pelas opções
armadas ou não – e sua contenção, ou mesmo dizimação, se deu no inicio dos anos setenta
como resultado das prisões e torturas inauguradas principalmente apos a instituição do AI-
5) e a participação em instâncias como o MDB, o IEPES e o GAS se deram
fundamentalmente nos anos 70. Esses últimos espaços, adicionando a universidade e os
jornais alternativos de circulação nacional e local, englobaram militantes das mais variadas
tendências e “gerações” em espaços e funcionavam, ao mesmo tempo, como espaços de
formação (em termos de socialização política), espaços em disputa (oportunidade de
conquistar adesões) e de afirmação institucional propriamente dita.
Conjuga-se a esses, as experiências de exílio (com especial destaque para
países como Chile, Uruguai, México e França) e treinamentos no exterior (efetuados em
Cuba, China e Argélia) como momentos privilegiados de socialização, formação e
19
sociabilidade na contestação. Em todos os casos (inserção nos meios universitários,
organizações clandestinas ou não, exílios, cursos de treinamento de guerrilha) tais
experiências contribuíram também para a circulação internacional dos militantes que
puderam contar com acréscimos de autoridade nas suas intervenções.
Partiu-se, então, da idéia de que a “extraordinariedade” dos períodos de
crises políticas permite a emergência de novos recursos e repertórios de mobilização
(Dobry, 1992). Desta maneira, se tornou relevante observar quais são os agentes que
agilizam tais recursos ou deles se apropriam e assim conseguem ou não se impor nas suas
arenas de disputas. Foi necessário do mesmo modo atentar para as diferentes estratégias de
conservação do valor dos recursos em jogo, de conjugação destes com outros “atributos”,
as situações de defasagem entre recursos, estratégias e as “exigências” do espaço e das
condições de luta, e ainda mesmo de abandono do “jogo”, no decorrer das trajetórias e em
conjunturas rotinizadas. Isto porque há recursos que podem ser rentáveis no início, e sob
certas condições e em certas circunstâncias, e esta “rentabilidade” só poderá ser
compreendida levando-se em conta o momento de sua evidência, a totalidade dos recursos
disponíveis para os diferentes protagonistas e as modalidades de ativação dos mesmos, uns
em referência aos outros. Além disso, seguiu-se a orientação de que o engajamento
sistemático ou o militantismo proporciona um acréscimo e aprimoramento destes trunfos,
fazendo com que o militante se sinta e seja “gratificado” por sua dedicação, além de
favorecer a renovação dos reconhecimentos.
A problemática que orientou este trabalhou também foi decorrente da
interlocução com pesquisas destinadas à compreensão da heteronomia predominante no
trabalho intelectual em realidades periféricas. Produzidas a partir do confronto com estudos
sobre dinâmicas históricas marcadas por processos de autonomização dos campos sociais,
estas pesquisas buscam testar e sofisticar instrumentos para a análise de contextos
históricos discrepantes daqueles que inspiraram sua construção original (Pécaut, 1990;
Badie, 1992; Badie e Hermet, 1993; Anjos, 1998; Sigal, 2002; Coradini, 2002; 2003, entre
outros trabalhos).
A concepção de campo cultural periférico foi utilizada por Sigal (2002) e
colabora exatamente para a compreensão das situações de inexistência de instâncias
próprias de consagração para o campo cultural nacional (ela analisa o caso argentino)
20
exigindo que os porta-vozes “locais” recorram a um campo cultural externo e central como
mecanismo de atribuição e definição dos princípios de excelência e hierarquização. Esta
dinâmica de buscar fora (no centro) as condições de reconhecimento interno (na periferia)
acaba reforçando a vulnerabilidade do campo cultural frente ao poder político e aos pólos
exportadores. Esta perspectiva vai ao encontro e complementa as pistas fornecidas por
Pécaut (1990) ao analisar a relação dos intelectuais brasileiros com o poder político. Para
ele não há justaposição ou interferência entre dois campos e sim uma mescla, haja vista
que “todas as estratégias individuais se colocam sobre os dois registros” (Pécaut, 1990:89).
A não objetivação de constrangimentos, regras e relações específicas aos
diferentes âmbitos sociais traduzem-se, então, na possibilidade de se jogar com trunfos
variados e com lógicas cruzadas em espaços de concorrência distintos, sem prejuízo no
valor potencial dos recursos mobilizados pelos agentes nos diferentes domínios sociais. Por
conseguinte, o conjunto de recursos detidos garante a ocupação de posições similares nos
sites de inserção priorizados pelos protagonistas ou, ao menos, o trânsito privilegiado entre
os espaços sem a necessidade de uma mudança mais relevante de registro por meio de
retraduções, eufemizações, etc.
Para a investigação que se pretende empreender, os estudos que vem sendo
desenvolvidos por Coradini (1998a; 2002; 2003; 2004; 2005) são particularmente
importantes tanto para a composição de um esquema analítico mais eficiente para o
tratamento de dinâmicas periféricas, como no sentido da apreensão das lógicas sociais e
espaços de inserção dos agentes a serem estudados especificamente no cenário gaúcho.
Logo, as indicações oferecidas pelo autor colaboram para a explicitação das preocupações
que norteiam esta tese e para a construção de diretrizes compatíveis com esses mesmos
questionamentos.
Para o que está em pauta cabe sublinhar a concepção de “intelectual” que se
define na dinâmica de produção e apropriação das ciências humanas e sociais nas suas
múltiplas relações com outros domínios sociais. Adotando uma perspectiva longitudinal e
qualitativa, Coradini (1998a) analisou as transfigurações da categoria intelectual no Rio
Grande do Sul durante o período que se estende das décadas de vinte a de sessenta e
evidenciou a existência de uma via dupla de atuação e consagração advindas dos
amálgamas entre o espaço universitário, a “cultura” e a “política”. Ou seja:
21
“(...) mais que uma relação de exclusão entre atividades e carreiras mais estritamente
escolares ou acadêmicas e as de cunho mais ‘político’ e ‘cultural’, o que ocorre é uma
subordinação daquelas a estas. Essa subordinação, no entanto, não impossibilita sua
expansão, se bem que as características ou as marcas dessa subordinação e amálgama
[tem como] efeito principal [o de] transformar qualquer ato escolar em ‘político’”. (Idem:
106).
Essa proposição foi corroborada em estudos posteriores. Coradini constatou
(2003) a preponderância das inserções extra-acadêmicas de um conjunto heterogêneo de
professores de diferentes universidades e disciplinas, cujos indicadores testados (que vão
desde origens sociais até “posições teóricas”) revelaram a intervenção da “militância”
política e do engajamento no ensino universitário. Essas considerações podem ser somadas
à demonstração da importância do “engajamento em diferentes esferas de militância e
mediação social e cultural” para a constituição de um capital de relações sociais (não raro
acrescidos àquele oriundo do grupo familiar) que contribui para a ocupação de
determinadas posições no âmbito profissional e, inclusive, político-partidário, assim como
favorece o trânsito nacional e internacional dos agentes (Coradini, 2004:220).
Tais relações, operacionalizadas com base na oposição centro-periferia,
refletem as próprias características do processo de institucionalização das ciências
humanas e sociais brasileiras. Ainda que as condições que definem os termos dessas
relações se recomponham com a “expansão e diversificação do ensino e dos usos dessas
disciplinas em diferentes esferas sociais” (idem:213), há uma constante significação da
produção destas ciências como “a serviço de algum a priori ou adesão primordial”
(Coradini, 2005:13) que é a sua condição de existência, ou seja, sempre “há uma premissa
ontológica subjacente” definindo a própria produção no âmbito das ciências humanas e
sociais (idem:37). Apesar de Coradini (2005) referir-se neste caso especificamente à
concepção de ciência social forjada na apropriação e instrumentalização da mesma tendo
em vista as transformações no ensino universitário de teologia, sua asserção é válida para
todas as relações possíveis das disciplinas concernentes com os demais domínios sociais,
ou seja, pode-se aferir que a:
“(...) noção de ciências sociais adquire um sentido muito próprio, não apenas devido ao
uso instrumental, mas porque a apropriação e instrumentalização ocorrem com base numa
perspectiva de ‘intelectuais’, ou seja, como recurso para a formação de normatividades e
fundamentação de sentidos. Isso não decorre apenas do fato de que, via de regra, os
22
autores e respectivos trabalhos são tomados com base no critério de autoridade e do grau
de afinidade com a problemática legitima, mas principalmente, apropriados, interpretados
e expostos como uma espécie de ‘profecia social’” (Idem:32).
As transformações ocorridas no mundo universitário nos anos sessenta
colaboraram na complexificação dos elementos articulados nessas relações devido à
“incorporação progressiva e ‘sempre conflituosa’ de novos ‘grupos’, ‘missões’, ‘interesses’
e esferas de atuação, mas sempre perpassado pela política” (Coradini, 1998a:08). Assim,
longe de uma relativa “autonomia acadêmica e escolar”, os efeitos da recomposição do
mundo universitário e dos usos das ciências sociais em especial levaram a uma redefinição
das possibilidades de sua instrumentalização e apropriação com vistas às mais variadas
formas de militância e engajamento em diversos domínios sociais (Coradini 2002:106).
As análises de Coradini demonstram a série de ligações possíveis entre a
“universidade”, a “cultura”, a “política”, a “religião” e como a própria definição e prática
das ciências humanas e sociais se constroem no cerne mesmo dessas relações sempre
originais e persistentes entre esses domínios. Neste caso, a disposição para o engajamento
em determinadas “causas”, ou o sentido de intervenção ou realismo (Pécaut, 1990), se
apresenta como a matriz comum desses múltiplos referenciais. Logo, tal matriz estrutura os
universos sociais disponíveis para a atuação e afirmação dos agentes.
O presente trabalho também decorre de algumas constatações obtidas
mediante o desenvolvimento de uma pesquisa anterior (Reis, 2001)
6
que permitiu, de um
modo geral, identificar diferentes indivíduos e/ou “grupos”, portadores de uma série de
características comuns e a reivindicação de um “pertencimento geracional” nos “quadros
partidários” e no “âmbito intelectual” sul-rio-grandense. Ou seja, chegou-se a um conjunto
de agentes que ingressaram na “política” num determinado período, estabeleceram elos
políticos, ideológicos, afetivos, etc. entre eles, se notabilizaram pela
formulação/apropriação de repertórios de mobilização política e passaram a ocupar
posições de destaque em variados domínios (sindical, universitário, cultural, eleitoral e
administrativo). Os perfis, os conteúdos acionados nas suas tomadas de posição na segunda
metade dos anos setenta e os cortes que tentaram fixar com os demais “políticos” atuantes
6
O estudo resultou na produção da dissertação de mestrado defendida em 2001 junto ao PPGCP/UFRGS
intitulada “Juventude, Intelectualidade e Política: espaços de atuação e repertórios de mobilização no MDB
gaúcho nos anos 70”.
23
naquele cenário informam a importância de se investigar os aspectos concernentes aos
efeitos duráveis dos alinhamentos estabelecidos naquele momento, aos processos de
seleção social aos quais foram submetidos e à configuração de novas modalidades de
engajamento, de recursos e estratégias de afirmação “política” e “intelectual”.
Seguindo essas indicações, a investigação em pauta indagou como os
agentes, engajados na “luta contra a ditadura”, pertencentes a diferentes “gerações” e
submetidos aos condicionantes do período renovam, combinam, mesclam e fundem os
mais variados registros no sentido da intervenção política? Como determinadas formações
e formulações acadêmicas interferem ao mesmo tempo em que resultam dos novos
repertórios de mobilização e identificação política? Como a conjunção entre recursos
acadêmicos e políticos atualiza o sentido do engajamento e da missão, a crença no
militantismo e a lógica de politização nos mais variados domínios do espaço social?
Diretrizes, Objetivos e Operacionalização
Dois requisitos foram utilizados para a delimitação da população: 1) a
participação no movimento estudantil durante as décadas de sessenta e setenta; 2) a
vinculação com “grupos” ou “organizações” reconhecidamente de “esquerda”, seja as ditas
clandestinas ou aquelas que se abrigavam no interior do MDB. Apesar de não dar conta do
conjunto de agentes que ingressaram no período analisado e igualmente colaboraram na
redefinição das modalidades e repertórios de intervenção política, a partir da gama de
agentes focalizados para a realização da pesquisa pôde-se englobar um vasto espectro de
posições políticas e ideológicas presentes no cenário político gaúcho nas duas últimas
décadas. Isto sem falar que alguns agentes ocuparam e ocupam postos relevantes em
diferentes arenas e foram responsáveis pela gestão e implementação de “experiências” em
diferentes âmbitos de atividades políticas e profissionais.
Os parâmetros de análise seguidos estão explicitados no destaque dado à
correspondência que é observada entre recursos de origem, recursos acumulados, espaços e
condições de utilização dos trunfos detidos, bem como sua tradução em posições sociais
ocupadas. Ou seja, pretenderam-se identificar as origens sociais e políticas dos agentes, os
24
investimentos (títulos escolares, redes de amigos, casamentos, formação cultural, cargos,
etc.), os espaços de inserção priorizados (universidade, sindicato, igreja, partido,
organizações, etc.), as oportunidades que se apresentaram ao longo dos seus itinerários
(conjunturas históricas mais ou menos favorável à utilização de determinado conjunto de
recursos, possibilidades de viagens, ocupação de cargos, candidaturas, etc.), e,
conseqüentemente, as escolhas mais ou menos bem sucedidas efetuadas nestas condições
que também devem ser investigadas à luz dos diferentes ciclos de vida e temporalidades.
Cabe neste momento detalhar as fontes de pesquisa que foram utilizadas, a
saber: documentos institucionais produzidos pelos órgãos da “repressão“ (fichas,
relatórios, correspondências, etc.); documentos institucionais produzidos por órgãos de
“direitos humanos”, anistia, etc. (listas de desaparecidos, torturados, sites da Internet,
livros, etc.
7
); materiais e documentos produzidos nos diferentes lugares de expressão e
formação política (cartilhas, textos de discussão, periódicos etc.); a produção dos agentes
ao longo das suas carreiras políticas e/ou intelectuais (livros, artigos, ensaios, etc. seja de
circulação municipal, e/ou estadual, e/ou nacional, e/ou internacional); publicações em
geral (colunas em jornal, panfletos, etc.); materiais veiculados na mídia impressa e
eletrônica; grande-expedientes realizados na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul
em homenagem a ativistas da “luta contra a ditadura”, cuja a íntegra das seções (discursos,
intervenções, etc.) foi reproduzida no site da instituição; entrevistas.
Em termos práticos de pesquisa e muito esquematicamente pode-se
sistematizar os eixos de investigação adotados. A identificação dos protagonistas que
atuaram na contestação do “regime militar” a partir de fontes advindas do enquadramento
institucional que podem ser confrontadas com listas de registro e/ou de consagração dos
personagens, além dos livros (de memórias, biográficos, acadêmicos, etc.) e dos sites da
Internet dedicados à “recuperação da memória”
8
dos protagonistas e eventos. Para um
segundo plano de sistematização da composição social da população, examinou-se os
dados de perfis sociais, filiações a “grupos”, atuação na universidade e em outras
7
Pode-se citar como exemplo o livro “Brasil: Nunca Mais” que contém uma série de dados sobre os
militantes da luta armada, torturados e exilados políticos, bem como os dados do projeto de mesmo nome
organizado pela Arquidiocese de São Paulo (1985), além de informações a serem obtidas junto aos comitês
pela anistia dos exilados e presos políticos e aos demais grupos que falam em nome da “causa”.
8
Acrescenta-se a intervenção do trabalho de memória, na medida em que a lembrança sobre os “fatos” é
guiada por uma rede de significações e relações sobre e constituídas no “presente” informado pelo “passado”
e o “passado” sendo dinamicamente reconstituído com base no “presente”. A alusão ao passado permite
reconstituir justificadamente a trajetória que se seguiu e, assim, revelar. (Pollak, 1989).
25
instituições, cursos privilegiados, etc. Tais procedimentos viabilizaram o recorte da
população por momento de entrada na política, caracterizando as diferentes “gerações”.
Da mesma forma, esses dados, quando complementados com uma bibliografia temática
pertinente, permitiram examinar os “grupos”, seus tempos de existência, suas mudanças de
denominações, suas divisões, suas fusões, etc.
No que tange à escolha dos entrevistados, esta obedeceu a critérios como:
perfis sociais, distribuição por “grupos”, distribuição por “gerações”, por tipos de carreiras
e por meios sociais nos quais atuam. Além destes, outro critério fundamental foi abranger
tanto aqueles militantes que passaram pelo exílio ou viveram fora do país, como os que não
foram submetidos a essas experiências. Considerou-se este um dado importante da
trajetória dos agentes, posto que revela muito dos “saberes” possivelmente adquiridos
nestes deslocamentos, das redes de relações e solidariedade que se constituem e dos efeitos
desta circulação em termos de distinção e importação de sistemas de pensamento e de
ação.
Quanto às entrevistas, estas visaram captar as origens sociais e o conjunto
de posições ocupadas, reconstituir as redes de pertencimentos, identificações,
sociabilidades, fidelidades, desafetos, rupturas e alianças, etc. A comparação geral das
carreiras a partir de três níveis indissociáveis - as características sociais, as competências e
os itinerários - forneceu pistas sobre a dinâmica de transfiguração nos mecanismos de
seleção social expressa na reconfiguração das modalidades de intervenção política e dos
elementos que conformam a sua multidimensionalidade. Ou seja, recursos, trajetórias,
saberes e relações que passam a pautar as carreiras daqueles que compõem os quadros
destacados ou não nos domínios políticos e culturais no estado, e que foram forjados nos
movimentos de contestação ao “regime militar” durante os anos 1960 e 1970,
fundamentalmente no interior dos movimentos estudantis, partidários e clandestinos. Cabe
neste momento elencar algumas informações recolhidas e que foram importantes para a
operacionalização do estudo em pauta.
No que se refere aos perfis sociais, a realização das entrevistas teve como
objetivo reunir dados como: data de nascimento, profissão e grau de escolarização dos
pais. Foram acrescentadas informações sobre as carreiras dos indivíduos como: o ano, local
e forma que iniciou o engajamento político; as filiações partidárias e os postos ocupados; a
26
participação sindical e/ou associativas; os outros tipos de atuações políticas prévias ou
concomitantes à política institucional (movimento estudantil – “grupo” [s] ao [s] qual [is]
foi vinculado –, e/ou outros). Ainda no plano das carreiras, dados de formação,
escolarização e profissionalização foram fundamentais: as instituições escolares que
freqüentou (ano e local); os tipos de estudos realizados e os diplomas adquiridos; as
ocupações desempenhadas (assessorias, docência, pesquisa, etc.); as instituições em que
atuaram e os tipos de dedicações; a participação em jornais e revistas (conselho editorial,
colaborador, articulista, etc.); as publicações em geral (livros, artigos, ensaios, etc.); e os
temas aos quais se dedicam ou as especializações escolhidas nas carreiras.
Em outro nível, ao solicitar para os entrevistados identificarem os
contemporâneos e os laços existentes ao longo do tempo, foi possível evidenciar redes de
aliados e grupos de rivais persistentes no tempo. Ou seja, se existem vínculos, relações e
“convivências” com os contemporâneos (em escolas, universidades, atividades
profissionais) aliados e adversários (no movimento estudantil, sindical, partidário, etc.), se
comungam dos mesmos posicionamentos políticos, partidários e ideológicos hoje, se as
lideranças que influenciaram no ingresso e na formação políticas persistem como aliados,
se existem rupturas e as razões para isso ter ocorrido.
Finalmente se mostrou decisivo para o argumento perceber os padrões de
homogeneização e diferenciação entre os indivíduos que militaram naqueles anos quanto
aos tipos de leituras (jornais, revistas, literatura, poesia, etc.), quanto aos gostos estéticos,
quanto aos cursos e seminários que destacam nos seus percursos (influências no início da
“militância” e ao longo da carreira), quantos aos eventos marcantes nas suas “militâncias”,
engajamentos e aos seus protagonistas, etc.
No que diz respeito aos grupos de exilados ou de indivíduos como algum
tipo de formação escolar buscada fora do Brasil, foram aplicadas algumas questões
específicas, incluindo informações sobre: condições dos deslocamentos (locais, “fase da
vida”, conjuntura nacional e internacional, etc.) e justificações dos deslocamentos e da
escolha do país de acolhida. Do mesmo modo, foram captadas as percepções sobre estas
“experiências”, os contatos, as sociabilidades, as atividades realizadas, os auxílios
recebidos, os investimentos (escolares, matrimoniais, etc.), as condições de vida, as
características da vida e atuação política fora do território. A pretensão foi buscar os efeitos
27
dessa exopolítica cuja característica principal é a da alteração das condições de atuação
política em relação à situação original, isto é, em que os agentes atuam em condições em
que se encontram alteradas “a língua que é preciso falar, a profissão que se teria o direito
de exercer, a harmonia entre o título e o posto, os documentos de identidade, o
pertencimento nacional...” (Dufoix, 2002:29)
9
. Mostrou-se relevante reter também
informações relativas ao retorno: a “fase da vida”, a conjuntura nacional e internacional, as
expectativas e percepções sobre a “reinstalação”, os tipos de atividades, as relações
(pessoais, institucionais, etc.) com o “exterior”, o momento de estabilização profissional,
as percepções sobre a conjuntura. Este procedimento contribuiu para o tratamento das
“utilizações possíveis da posição de exilado e dos atributos sociais e políticos que ela
supõe nas [tentativas] construção de um papel de mediação” (Popa, 2000).
Lançar mão da realização de entrevistas como principal ferramenta dessa
pesquisa se justificou por sua potencialidade para a apreensão das informações
perseguidas. Em primeiro lugar, pode-se enfatizar a possibilidade de selecionar os agentes
a serem contatados seguindo parâmetros representatividade da população e, assim, o
estudo não ficou limitado aos casos “bem sucedidos” ou consagrados pelos repertórios
biográficos, livros de memórias, autobiografias, etc. Em segundo lugar, as entrevistas
permitiram a detenção de dados biográficos imprescindíveis para a apreensão dos perfis
sociais e das respectivas carreiras político-partidárias, sindicais, profissionais e escolares
dos agentes. Estes dados raramente estão disponíveis em outras fontes biográficas ou são
demasiadamente imprecisos. Em terceiro lugar deve-se grifar que, com base nos
depoimentos, puderam-se identificar os tipos e os objetos de aproximação ou rivalidade
que conformam redes, bem como a persistência ou dissolução de laços de naturezas
variadas ao longo dos trajetos. Soma-se a estas vantagens relativas à utilização de
entrevistas, a possibilidade de extrair dos relatos a caracterização pelo próprio agente dos
recursos e das estratégias acionadas com vistas à conquista ou manutenção de posições
sociais e políticas, assim como captar as estratégias de justificação das suas tomadas de
posição.
9
Esta análise pode ser sofisticada com os estudos sócio-históricos de Noiriel (1997) sobre as transformações
das “representações” e “categorizações” das idéias de “imigrado” e “refugiados políticos” na França. Pode-se
considerar o duplo processo de classificação jurídico-administrativa e de identificação de grupo entre os
“estrangeiros” para a elucidação dos fatores que transformam a França em destino para muitos militantes
exilados e dos elementos que explicam as “marcas duráveis” (em termos de trunfos e estilos de vida)
deixadas pela passagem por aquele país.
28
Há que se destacar ainda a importância da realização de entrevistas para
observar a interferência das estratégias de “heroicização” e de reprodução de discursos
estandardizados na produção de “verdades” e de “versões” sobre os eventos e sobre as
biografias. Foi preciso levar em conta que a reconstrução biográfica oferecida pelo
individuo é definida por uma série de elementos que podem não ser tão evidentes. Da
posição social e política que ele ocupa no momento da sua enunciação e tendo em vista as
demais posições correntes, os tipos e a distribuição dos recursos disponíveis bem como os
objetos de disputados, derivam duas construções que dificilmente podem ser decompostas.
A primeira refere-se às expectativas quanto à maximização do depoimento para o próprio
“jogo”, a segunda, e talvez mais importante, é a busca daquele que se apresenta e apresenta
a sua vida de construir uma “constância de si mesmo como uma história bem construída”
(Bourdieu, 1996:81).
Mediante o exame dessas reconstruções biográficas procurou-se perceber
tanto as condições sociais de valorização de determinados trunfos que dizem respeito ao
duplo reconhecimento (político e intelectual) dos agentes, quanto às lógicas identitárias
que cimentam e dão sentido ao próprio fato dos engajamentos sob esse duplo registro
(Sawicki et Berlivet, 1994; Pudal, 2003, 1994; Pollak, 1989). Ressalta-se que se entende a
idéia de identidade como o resultado não permanente de processos de identificação. Trata-
se de uma formação contingencial construída na adição e síntese das várias “realidades”,
momentos, experiências, enfim, de “eus” anteriores articulados e redefinidos no sentido de
dar coerência para a identidade presente (Dammame, 1994; Pizzorno, 1988, 1986). Sendo
assim, o trabalho de memória informa justamente esse mecanismo de seleção operado a
partir não só da posição ocupada e do estado do campo de forças ao qual se está inscrito,
como também das tomadas de posição que se deve justificar e dos reconhecimentos que se
deseja manter ou conquistar (Pollak, 1989; Pizzorno, 1989)
10
.
Finalmente, os depoimentos constituíram uma fonte singular para o exame
das concepções de política e de cultura que orientam as respectivas práticas e saberes com
vistas à intervenção. Estas concepções se revelaram justamente na análise dos vários
registros e lógicas que configuram os repertórios de afirmação e mobilização militante. A
10
Conforme Passeron (1990:20) pode-se “tentar perceber a estruturação das biografias ao mesmo tempo
como um efeito das estruturações longitudinais que se resumem na ‘instituição biográfica’ e como o produto
agregado que a ação social dos inscreve, em aval, da manutenção ou na transformação dessas estruturas
longitudinais”.
29
entrevista foi, portanto, um meio (não exclusivo, evidentemente) potente para detectar a
definição, os condicionantes e as estratégias de conquista, conservação ou perda (nos
diferentes momentos históricos e em função dos diferentes tempos biográficos) do duplo e
indissociável reconhecimento “intelectual” e “político”.
Estratégia de Apresentação
A partir das orientações teórico-metodológicas apresentadas acima, a
estratégia de apresentação utilizada foi a de expor a pesquisa em quatro capítulos, seguidos
de uma conclusão. O primeiro capítulo da tese trata dos obstáculos epistemológicos para o
estudo de um espaço social no qual as próprias ciências sociais e humanas, a partir dos
seus usos, são importantes instrumentos de luta no período e contribuem para a sua
constante redefinição posteriormente. Na seqüência do capítulo são mobilizadas as noções
de crise e de hibridismo e a pertinência das mesmas para a análise dos anos sessenta e
setenta, assim como são apresentados os parâmetros conceituais tomados para o exame dos
militantismos/engajamentos, dos processos de identificação e constituição de redes de
relações.
O segundo e o terceiro capítulo guardam a preocupação comum de abordar,
de forma inter-relacionada, militantes e “organizações”. Sendo assim, o capítulo 2 é
dedicado à apresentação dos perfis, padrões de carreiras e suas modalidades de intervenção
e itinerários exemplares que permitem visualizar a articulação feita entre variáveis para a
delimitação dos tipos de especialização (militante, técnico-administrativa, político-eleitoral
e acadêmica e/ou profissional). O capítulo 3, por sua vez, é dirigido à descrição de
processos de identificação a partir de relações, de atributos, de disposições, de percepções
e de posicionamentos considerando algumas seqüências de desdobramentos de
“organizações” e “grupos” ao longo do tempo, assim como os deslocamentos individuais e
coletivos.
Por fim, o último capítulo é construído com vistas a apreender o trabalho de
memória e de celebração ativado em quatro Grandes Expedientes realizados na Assembléia
Legislativa do Rio Grande do Sul em homenagem à protagonistas da “luta contra a
30
ditadura” (João Carlos Haas Sobrinho, Paulo Rodrigues, José Bronca, Cilon Brum –
“mortos no Araguaia”-; Flávio Koutzii; Marcos Klassmann; e André Forster), pertencentes
a diferentes “gerações”, perfis e “grupos”. São caracterizadas estratégias dos agentes que
participam das sessões (do promotor da iniciativa e dos diferentes deputados que fazem
“uso da palavra”), as lógicas da trocas entre “vivos” e “mortos“, entre “gerações”, entre
militantes situados em posições diferenciadas no espaço analisado, etc., assim como os
trunfos consagrados, reativados, selecionados e associados a uma mesma “luta”.
Capítulo 1 – OBSTÁCULOS E APORTES CONCEITUAIS
O intuito da discussão que segue é sistematizar algumas questões
compatíveis com o desenvolvimento da pesquisa que teve como foco as mutações do
militantismo e do engajamento de um conjunto de agentes que inauguraram sua atuação
durante o “regime militar” brasileiro. Visando revelar os mecanismos que legitimam suas
intervenções mais ou menos bem sucedidas em diferentes domínios sociais, foram
analisadas as trajetórias individuais e coletivas, buscando as interferências “conjunturais”
nos diversos movimentos operados pelos agentes, os variados investimentos escolares e
militantes empreendidos, os diferentes vínculos interpessoais e interdependentes, bem
como o acúmulo e utilização desses recursos nos espaços de inserção privilegiados.
Para o desenvolvimento dos argumentos, optou-se por dividir o capítulo em
seis momentos encadeados. No primeiro, propõe-se uma breve reflexão sobre os
obstáculos da crença no envolvimento ou na alienação absolutos ou da adoção definitiva de
um ponto de vista subjetivista ou de uma postura exclusivamente (e ilusoriamente)
objetivista em relação ao objeto de pesquisa. A discussão seguinte visa fixar as condições
de apreensão do objeto de pesquisa a partir do controle da tendência à “visão teológica-
política” que classifica, cria e recria o passado e as “vontades” dos protagonistas segundo
as lógicas de uma posição no presente. Aliás, esta sim dimensão indissociável da própria
existência (reificada e incorporada) dos eventos e dos protagonistas que compõe o universo
31
dessa pesquisa. Os passos seguintes propostos estabelecem os parâmetros de abordagem
dos processos históricos seguidos pelas possibilidades de apreensão dos engajamentos
numa perspectiva igualmente processual.
Na tentativa de cercar instrumentos analíticos pertinentes ao tratamento do
universo de estudo no qual se investiu, o penúltimo momento é chave para o
desdobramento da problemática que fundamenta a investigação em pauta. Desenvolve-se a
questão do intercruzamento de esferas e lógicas como estruturante da realidade histórica na
qual o trabalho está inscrito. Com esta linha de preocupação, dedica-se a última seção às
potencialidades heurísticas de determinados instrumentos de análise para o tratamento das
dinâmicas, lógicas e efeitos da conquista, manutenção ou dissolução de vínculos
interpessoais nas estratégias cotidianas ou excepcionais dos agentes. Debruçando-se
fundamentalmente na noção de redes, pretende-se apreender como estes elementos se
articulam na constituição de um espaço relacional ou a cadeia de interdependências
específica que é sustentada por operações de inclusão/exclusão entre os agentes. Assim, a
discussão que antecede a sistematização das perspectivas de tratamento das redes trata
particularmente da noção de identificação tomada como primordial para a apreensão dos
variados mecanismos sociais e subjetivos que interferem nos sentidos e práticas dos
engajamentos.
1.1 – Reflexão geral sobre alguns obstáculos e procedimentos para a análise do
engajamento e do militantismo
O alvo da pesquisa realizada apresenta dois níveis de obstáculos ao
tratamento sociológico: o primeiro no que se refere à influência dos agentes e eventos a
serem analisados na afirmação das ciências humanas e sociais no Brasil e o segundo no
que tange ao caráter de “heroicização” que costuma envolver os protagonistas e o período.
Para suplantá-los é preciso um trabalho incessante de reflexão sobre a própria “tradição”
da disciplina da qual se faz parte e sobre a estruturação de uma agenda de pesquisa sem as
marcas da ressonância social e política no cenário sul-rio-grandense atual.
32
Cabem, pois, algumas considerações sobre o grau de envolvimento e
possibilidades de distanciamento do pesquisador em relação ao seu objeto, para assim
tentar estabelecer alguns aportes epistemológicos considerados imprescindíveis para a
investigação.
Uma discussão desse tipo se justifica quando se opta por transformar uma
pauta socialmente consagrada em objeto de análise. Sem a intenção de ser mais uma versão
sobre os “fatos” e sem a pretensão de observá-los “externamente”, a proposta é de estudar
o fenômeno do militantismo e do engajamento a partir de diretrizes e parâmetros de
pesquisa previamente construídos.
Bourdieu (1980:43) introduz o capítulo sobre a “crítica da razão teórica”
sublinhando a necessidade de se romper com “os modos de conhecimento sábios” ou
objetivistas (que se encontram no uso de um método – com pretensões de ser
cientificamente neutro – as glórias de impor visões e di-visões no mundo social) e os
“modos de conhecimento prático” (aqueles que se apóiam no inventário de casos
particulares a partir da atribuição às pessoas de um saber objetivo sobre suas próprias
ações). Ele enfatiza, assim, a importância de se transpor essas barreiras que limitam as
ciências sociais ou a uma “física social” ou a uma “fenomenologia social”.
Em um estudo sobre o mundo acadêmico francês, o autor sintetiza de
maneira precisa a preeminência de se superar as duas perspectivas em um empreendimento
de pesquisa que:
“(...) ultrapassa a alternativa da visão objetivista da classificação objetiva – na qual a
pesquisa de uma escala única e de índices acumulados representa uma expressão
caricatural – e a visão subjetivista, ou melhor, perspectivista, que se contentaria em
registrar a diversidade de hierarquias tratadas como uma série de pontos de vista
incomensuráveis”. (Bourdieu, 1984:30).
Deste modo, é preciso atentar para as lutas de classificação operadas pelos
agentes sem abdicar dos instrumentos analíticos que permitam explicar as estratégias e
lógicas de classificação de si e dos outros e suas relações com as posições no espaço
construído analiticamente. Para tanto, é preciso proceder a uma dupla ruptura: tanto aquela
priorizada na prática subjetivista para a qual o conhecimento é produto da “experiência
indígena e a representação dessa experiência”; como a adotada na ênfase objetivista que,
33
acreditando nos preceitos imanentes ao observador absoluto, acaba por projetar no objeto
“os princípios de sua relação com o objeto” (Bourdieu, 1980:46).
No caso das ciências sociais o acúmulo do conhecimento depende da sua
capacidade de auto-reflexão, ou seja, da capacidade de aplicar na própria prática de
pesquisa as explicações construídas com vistas aos seus objetos. A proposta de Elias
(1999; 1998) é buscar um modelo de equilíbrio, que não se posiciona nem em prol da
“autonomia absoluta” que vai ao encontro de uma “total alienação”, nem a favor da
“heteronomia absoluta”, coincidente com um “total envolvimento”. A questão é incorporar
a interdependência das pesquisas teóricas e empíricas rompendo com o “dualismo
ontológico” entre “sujeitos” e “objetos” – que pressupõe uma capacidade transcendental
dos sujeitos em relação aos objetos como se a existência de um não dependesse da
existência do outro.
Para Bourdieu (1987), a ciência social deve se fazer no nível abstrato da
razão e não no nível do “real”, uma vez que o “real” é pré-construído. A epistemologia e o
trabalho de investigação produzem explicações a objetos produzidos na própria
investigação, neste caso a construção do objeto significa a coincidência do vetor
epistemológico, da problemática teórica, das hipóteses e das metodologias em construção.
Os esforços em busca de regularidades sociais e as técnicas de pesquisa aplicadas para
tanto supõe, obviamente, uma “descontinuidade entre o conhecimento científico e o
conhecimento prático” (Bourdieu, 1980:44), contudo exige igualmente o controle sobre a
construção do objeto e os procedimentos utilizados.
Como não é possível proclamar a neutralidade do sociólogo na escolha e
tratamento do seu objeto, deve-se apostar na possibilidade que os cientistas sociais têm de
submeter as suas questões à reflexão sociológica. Essa capacidade de reflexividade – ou de
aplicar a si mesmos os instrumentos da ciência social para transpor os obstáculos das
determinações sociais – pode significar a possibilidade de não cair no relativismo ou nas
formulações genéricas sem bases empíricas em nome da inerente inserção social do
pesquisador (Bourdieu, 1987).
A ruptura com as crenças e valores compartilhados grupalmente em direção
a um maior distanciamento das recompensas imediatas não ocorrem sem que o cientista
social pareça “um pouco fora da lei” (Bourdieu, 1989c: 39) ou “um perigoso herético”
34
(Elias, 1998:124) ao evidenciar no seu trabalho as condições sociais de realização da
sociologia. Segundo Elias (1998:125-126) o dilema que se apresenta é que, não raro, o
dever de desempenhar atividades enquanto sociólogo entra em choque com as
“identidades” compartilhadas nos demais espaços de inserção dos indivíduos e que
funcionam como força provocativa para o envolvimento. O desafio, portanto, é administrar
esses papéis e fazer predominar, enquanto grupo profissional, o de pesquisador.
De qualquer modo, o tratamento de um espaço do qual o próprio
pesquisador participa representa uma forma “dramatizada” de recolocar alguns problemas
epistemológicos (Bourdieu 1984; 1989c). Ou seja, os perigos do excesso de proximidade e
de distanciamento e, principalmente, os obstáculos encontrados para “instaurar esta relação
de proximidade rompida ao preço de um longo trabalho sobre o objeto, mas também sobre
o sujeito da pesquisa” (idem:11). Neste caso, o exercício de socio-análise se apresenta
como instrumento de rompimento com a ilusão das profecias e com o envolvimento com as
classificações que se impõe ao cientista social:
“Com efeito, para o pesquisador preocupado em saber o que ele faz, o código, o
instrumento de análise torna-se objeto de análise: o produto objetivado do trabalho de
codificação torna-se, sob o olhar reflexivo, o traço imediatamente legível da operação de
construção do objeto, a escala que foi feita para construir o dado, o sistema mais ou menos
coerente de categorias de percepção que produziram o objeto de análise científica (...)
(Bourdieu, 1984:18).
Visando empreender um exercício reflexivo deste tipo, ainda que de modo
preliminar, cabem algumas considerações sobre concepções e categorias que constituem o
objeto de estudo ora proposto e que são fortemente arraigadas e naturalizadas na gramática
das lutas e tomadas de posição indissociavelmente políticas e intelectuais, tais como as
idéias de “crise política”, “democracia”, “ação militante”, “engajamento” e “identidade”.
Os esforços se dão, então, no sentido de tentar evitar as armadilhas do olhar
de “juiz dos juizes” ou da redução à descrição dos pontos de vista em concorrência. Para a
execução da presente pesquisa, significou não adotar as “explicações” e “perspectivas” dos
militantes sobre a “luta contra a ditadura”, suas realizações e motivações. Porque as
operações de seleção, idealização, justificação e racionalização que se processam nas
estratégias de apresentação de si e dos feitos são resultantes de dinâmicas (de luta,
35
identificação, exclusão, consagração, etc.) muito mais amplas e sociologicamente
apreensíveis do que o “perspectivismo” oferece meios de apreender. Significa igualmente,
não impor, de um ponto de vista pretensamente externo, razões, fatos, determinações
incontroláveis, aferidas com base em instrumentos metodológicos que trariam em si a
imparcialidade do sujeito da pesquisa e a submissão do seu objeto. Quer dizer, é preciso
controlar a tendência ao “objetivismo” de considerar o processo histórico sem levar em
consideração o trabalho de memória, invenção, reinvenção, enfim, de atividade original,
multifacetada e definitiva dos protagonistas das “lutas” em relação aos “fatos”.
Inicialmente, deve o pesquisador perceber que as suas construções são
passíveis de apropriações nas lutas sociais, objetivando-se muitas vezes como categorias
com status jurídico. Em seguida, deve atentar para o fato de que as codificações analíticas
muitas vezes reúnem propriedades desigualmente distribuídas na população que passam a
serem percebidas como “grupos” homogêneos capazes, através de um trabalho de
reificação, de agir enquanto tal. Finalmente, é preciso considerar que as classificações com
as quais se trabalha, em muitos casos sob a aparência de categorias objetivas (“geração”,
“organização”, “grupo” e “ideologia”, por exemplo), escondem processos de lutas sociais,
de hierarquização e divisão social que dão origem a essas categorias (Bourdieu, 1984:21-
22).
Para o trabalho em pauta cabe se perguntar não só pelos militantes, suas
“causas” e os “grupos” que constituem, como também pelo trabalho ativo de expressão e
reinvenção de eventos singulares que atestam a sua própria singularidade (tortura,
guerrilha, exílio, excepcionalidade, etc.). Deve-se também ponderar sobre a interferência
nos “saberes” produzidos pelos cientistas sociais e pelo uso das ciências humanas de um
modo geral e das ciências sociais particularmente para a legitimação, para a produção dos
repertórios de mobilização ou para a configuração dos cenários de enfrentamentos
políticos.
36
1.2 – Análise histórica e crises políticas
No empreendimento de pesquisa em questão parte-se da idéia de que as
dinâmicas históricas se redefinem constantemente graças à ação produtiva e
interdependente dos indivíduos e “grupos” que as impulsionam. Isto é, podem ser
consideradas como o resultado inesperado e ilimitado de movimentos que são acionados
sob bases de conexões interpessoais e interdependentes, cuja possibilidade de sustentação e
alteração é dada justamente pela contingencialidade dos elementos que dela participam e
dos objetos que as interligam.
Elias (1999) propõe a noção de configuração para definir essa
imprevisibilidade dos arranjos sociais e essa dimensão de interdependência crescente entre
as ações e reações dos indivíduos, bem como a incerteza com relação aos resultados das
mesmas. O que se traduz igualmente na precariedade das identidades e pertencimentos que
se constituem muitas vezes na e também motivam as tensões e os confrontos entre os
diferentes protagonistas que almejam, de forma mais ou menos refletida, conquistar ou
manter espaços e posições de reconhecimento.
Concepção essa que se coaduna com a de Bourdieu (1989a), desde que,
antes das condições de conformação das configurações históricas para a identificação dos
seus efeitos nas teias de relações sociais e nas personalidades individuais, seja
contemplado o trabalho de invenção e reinvenção de agentes que estão inseridos em
“campos de forças antagonistas ou complementares” (idem:81) nos quais operam suas
disposições, investem seus recursos, disputam posições e forjam seus interesses e desejos.
Os processos históricos somente podem ser apreendidos retrospectivamente
e, conforme Bourdieu (1989a) há sempre a inclinação de pretender encontrar as “origens”,
as “responsabilidades” e inclusive os “responsáveis” pelo desencadeamento destes
processos e de atribuir-lhes “intenções” e “cálculos” a posteriori. Quer dizer, de atribuir
uma capacidade de previsão e racionalização aos agentes contando com o privilégio do
conhecimento do “fim da história” quando os próprios envolvidos não poderiam controlar
todas as suas “razões”, “reações” e o resultado de suas ações no momento de sua operação:
“é fácil, de fato, quando se conhece a palavra final, transformar o fim da história em fim da
acção histórica, a intenção objetiva só revelada no seu termo após a batalha” (idem:80).
37
Deve-se, logo, transpor as barreiras do “animismo que faz dos processos os
agentes da história” e, como indicou Lacroix (1985), ao tratar do fenômeno da politização,
avaliar, isto sim, os usos sociais que se define pela relação com a política instituída “ao
mesmo tempo em que aquela se realiza” (idem:523). Torna-se imprescindível descolar a
análise dos fenômenos das categorias universais que costumam explicá-lo e perceber os
processos efetivos de afirmação de uma razão prática que se desenvolve segundo
diferentes formas de acionar os trunfos e os sentidos que o jogo adquire. Para tanto, o
procedimento fundamental é o da superação das formas de apreensão baseadas nas
categorias e nos discursos ex post que são resultados das lutas sociais – e não deixam de se
constituir numa “visão teológica-política que permite louvar, condenar ou reabilitar
imputando a vontades benéficas ou malignas as propriedades aprovadas ou reprovadas do
passado” (Bourdieu, 1989a:79) – e a reorientar o olhar em direção às dinâmicas de
produção e de disputa por significação dos mesmos fenômenos, isto é, ex ante. Adotar uma
pesquisa regressiva com o intuito de apreender e descrever a reconstituição progressiva
(Lacroix, 1985).
A opção por uma postura desse tipo implica em buscar as lógicas e recursos
acionados por agentes enredados num determinado estado de relações de forças e que,
buscando conquistar, manter ou modificar suas posições incitam a renovação dos recursos
de luta e das estratégias de ativação dos mesmos, impulsionando, dessa forma, o próprio
desdobramento da dinâmica desse jogo. Ora, uma dada configuração história ou suas
instituições, agrupamentos, crenças, etc. são o resultado temporário de um trabalho
incessante, e não necessariamente refletido, de fazê-los existir como coisa e como idéia e
assim garantir a existência e persistência do próprio jogo.
Essa discussão se justifica, em primeiro lugar porque explicita o ponto de
partida que se está adotando para entender a dinâmica de afirmação de um conjunto de
agentes que compartilham de algumas características comuns, entre elas: a estréia militante
via movimento estudantil, “organizações” de “esquerda” ou “clandestinas” num mesmo
período histórico reconhecido como singular, os efeitos dessa experiência na constituição
de vínculos de “geração”, bem como a construção de interdependências que se traduz na
constituição de sistema relacional alimentado por laços de rivalidades e de alianças.
Apesar de não ser possível investigar essa configuração a partir de um campo social
específico ou de uma intersecção entre campos uma vez que nas condições históricas
38
investigadas não existe uma separação entre esferas sociais, pode-se seguir as indicações
referidas, principalmente no que tange à idéia de sistema relacional. Quer dizer, é possível
pensar nas condições de entrada e permanência no militantismo/engajamento tendo em
vista as rentabilidades e reconversões dos recursos disponíveis para os agentes e como
estes definem suas posições, constroem relações sociais ou alianças e identificações como
trunfos de luta (alvo de outros tópicos tratados neste capítulo).
Em segundo lugar, há um trabalho de consagração dos agentes edificado na
sua inserção num momento “heróico”. “Intelectuais”, “políticos” e “profanos”, tendo tido
ou não algum tipo de “militância” durante o “regime militar”, colaboram na rememoração
e atestação da singularidade dos eventos mediante os aniversários de comemoração, sites
da internet com objetivos que vão desde a glorificação biográfica até a mera condenação
dos “responsáveis” (sejam militares ou militantes), passando pelo uso nas auto-
apresentações, memoriais, indenizações, produção de livros de memórias, romances,
registros históricos, trabalhos acadêmicos, etc.
Enfim, há um conjunto de investimentos pessoais, institucionais e jurídicos
que legitimam o valor do período, dos eventos e dos protagonistas e com os quais é preciso
estabelecer, a um só golpe, distância e envolvimento. No que concerne à distância, esta
deve se dar em relação às disputas pelos sentidos que definem os “acontecimentos” e
“personagens” e aos posicionamentos e categorias criados nas lutas. Quanto ao
envolvimento, este se impõe não apenas no sentido de incorporar tais elementos ao objeto
de pesquisa, mas também considerando sua interferência nas próprias condições de
realização do estudo e assim informando a posição do trabalho e do analista em um espaço
acadêmico dedicado a estudar o período.
De qualquer modo, os agentes tratados conseguiram legitimar seus recursos
em diferentes domínios sociais devido, fundamentalmente, à constante atualização de
práticas, valores e relações (de oposição e similitude) estabelecidas durante aquele período.
Portanto, a capitalização desses trunfos está associada à reinvenção da excepcionalidade
das suas condições inaugurais e excepcionais de aquisição. Aliás, rendimento esse
maximizado igualmente pela identificação do definhamento do “regime” como o marco de
desencadeamento do processo de “redemocratização” do país, reativação da “sociedade
39
civil”, enfim, como o início de uma “era” de consolidação de valores “democráticos” e
“universais”.
Logo, o resultado da luta instituída durante o “regime militar” entre, grosso
modo, “conservadores” e “subversivos” faria daquele um momento chave para a
observação dos variados tipos de apostas colocadas em obra pelos ativistas e compreensão
das estratégias de reconversão mobilizadas posteriormente. Porém, há que se ter presente
que assim como a “constância aparente pode ocultar uma mudança”, também uma
“constância real pode se esconder sob a mudança aparente”, ou seja, uma configuração
precedida ou resultante de um período percebido como excepcional não necessariamente
evidencia mudanças contundentes nas matrizes que regem essa sociedade (Bourdieu,
1989d: 465).
Segundo Elias (1999:176) existe uma variabilidade entre as configurações
sociais dada por seu “grau de maleabilidade e plasticidade (ou inversamente o grau de
rigidez)” o que contribui para o exame dos processos de transformação. Ou seja, essas
configurações se constituem em momentos chaves de emergência e explicitação dos
confrontos entre agentes e “grupos” antagonistas interessados na manutenção ou
modificação de um estado de coisas.
Nesta linha de raciocínio vislumbra-se que é possível identificar conjunturas
históricas que melhor manifestam a gestação de transações e tentativas de imposição de
lógicas, objetos, práticas e linguagens subjacentes a uma sociedade. Dito de outro modo há
situações que melhor explicitam as tentativas de redefinição dos parâmetros de
organização social, de ação e de intervenção dos agentes. Essas conjunturas comumente
são caracterizadas como “instáveis” e “críticas”, em oposição àquelas “estáveis” e
“normais”. Sendo as primeiras consideradas no uso corrente como “negativas” e as
segundas “positivas”, tais constatações, quando resultam de avaliações da conjuntura no
presente apontam para necessidade de superá-la e, quando são avaliações retrospectivas
servem como justificativa da configuração existente.
O período de entrada na política dos agentes investigados nesta tese é fonte
de créditos políticos da onde retiram gratificações e “troféus”, bem como se constitui numa
conjuntura marcada por “incertezas” e “desequilíbrios”. Esses dois fatores parecem
intimamente associados: o caráter “excepcional” do “regime militar” e o contraste com o
40
posterior “amadurecimento da democracia” oferecem significativos estoques de
legitimação dos militantes, dos repertórios então forjados, das fidelidades e alianças
construídas naquele momento. Sendo assim, a associação do “regime militar” a processos
de desequilíbrio e sua definição como um período de crise política traz subjacente a
valorização das regras e dos procedimentos democráticos e, principalmente, dos
protagonistas que levaram a cabo a “luta contra a ditadura” ou a “redemocratização” e
estariam, portanto, aptos a consolidar a democracia.
A idéia de crise política é aqui assimilada na perspectiva apresentada por
Michel Dobry (1992:40) para entender as conjunturas políticas fluídas sem aplicar a
“lógica binária que opõe, de um lado, a rotina e a estabilidade política e, de outro lado, a
desintegração social e o reino da violência”. A fluidez das conjunturas críticas pode ser
verificada nos processos de mobilização multisetorial que afetam “nas suas ‘estruturas’
mesmas a organização rotineira da sociedade” (idem:121).
As sociedades complexas possuem, segundo o autor, um conjunto de
características como a diferenciação entre setores ao mesmo tempo autônomos e
interdependentes, institucionalizados e com lógicas específicas que são profundamente
alteradas numa situação de crise. Deste modo, é “o que se joga” na dinâmica interna desses
setores e entre eles que se apresenta como foco privilegiado de observação do grau de
plasticidade das estruturas sociais. Os setores são “zonas limitadas de interdependência
tática dos atores” que (de) limitam seus cálculos possíveis sendo, portanto, espaços de
captação dos mesmos (Dobry, 1992:101). As lógicas setoriais condensam a objetivação das
relações sociais, isto é:
“[são o produto de um] conjunto de processos que ajudam a situar relações sociais e
regras habitualmente aplicadas nessas relações, na ordem de uma ‘realidade objetiva’,
percebida como indo por si mesma, se impondo aos seres humanos e regendo seus
comportamentos. Disso resulta que a ordem objetivada das instituições e das
classificações, ainda que produzidas pelas atividades humanas, reveste-se de
características análogas àquelas do mundo das coisas naturais”
(Lagroye, 1997:157).
Porém, há determinadas conjunturas que se caracterizam pela fluidez
política e, portanto, pela debilitação das “realidades objetivadas”. Um dos elementos que
definem a situação de crise é justamente este da “desobjetivação” das relações
41
intersetoriais resultante dos golpes trocados e das táticas ativadas pelos protagonistas. Tais
golpes e táticas são produzidos nesta circunstância de des-setorização do espaço social, isto
é, as fronteiras que delimitariam cada setor e sua relativa autonomia em relação ao outros
estão fragilizadas. Os enjeux extrapolam os limites setoriais e as lógicas localizadas
produzindo “espaços de confrontação” abrangentes. Ocorre uma alteração nos valores
atribuídos e nos tipos de recursos jogados, as chances de “antecipar as linhas de ação ou
dos prováveis golpes dos adversários” são minimizadas e encontra-se reduzida a
capacidade de “identificar ou definir a situação”, ou seja, é instaurada a “incerteza
estrutural” (idem:150). Desenha-se, pois, uma conjuntura marcada pela mobilidade dos
objetos (o que dificulta a possibilidade de controle dos conflitos), pelo intercruzamento de
registros internos e externos aos variados setores e em que os envolvidos vêem suas
interações “naturais” prejudicadas.
Para o tratamento do militantismo e do engajamento nas dinâmicas
periféricas é preciso sempre considerar os aspectos relativos à fluidez política não como
excepcionais, mas rotineiros. Uma vez que há historicamente uma baixa objetivação das
relações e esferas sociais; não há obstáculos institucionais determinantes para a inserção
dos indivíduos em domínios sociais diferentes; evidencia-se a coexistência de vários
princípios formais e informais nas transações cotidianas dos agentes; o espaço social pode
ser considerado como “politizado” no sentido em que os agentes são constrangidos a
definir sua adesão, ou “o lado do qual pertencem” e essa escolha acaba engajando-os em
todas as suas atividades.
Obviamente, isso não invalida a utilização da idéia de crise política nos
termos propostos por Dobry para caracterizar o período de entrada dos agentes no ativismo
político. As contestações e estratégias de mobilização das décadas de sessenta e setenta no
Brasil são exemplares de uma dinâmica de reformulação da oferta e de expansão do espaço
dos possíveis políticos e intelectuais. Ou seja, colocar em questão as bases da
caracterização do social, assim como dos projetos de sociedade disponíveis significava, no
limite, apoderar-se da capacidade de condução da “sociedade” neste duplo terreno. Mais
especificamente, as questões são: quais são e como se dá a redefinição das lógicas e
práticas a partir desse momento? Que recursos detêm os agentes responsáveis por esse
trabalho de afirmação? Quais as estratégias ativadas visando retirar daí a sua própria
legitimação no espaço de concorrência gaúcho?
42
Logo, foi preciso buscar os condicionantes históricos e, sobretudo, sociais
que vão definir os investimentos acionados ao longo das trajetórias individuais e coletivas
dos militantes bem como o valor ou a desvalorização dos recursos acumulados e os efeitos
disso em termos de posições e trânsito social. Com a análise das lógicas próprias dos
engajamentos individuais e coletivos dos agentes nesses processos captaram-se os
mecanismos de articulação de arenas, lógicas e práticas militantes e “intelectuais” cujo
caráter indecomponível é a própria condição de sua existência e de possibilidade da
conquista de reconhecimento para seus protagonistas. Isto é, entende-se que as noções de
militantismo e engajamento remetem a um conjunto de disposições para agir e interpretar a
realidade que emerge nessa condição estrutural de fluidez política e cujas diferentes
combinações de registros de atuação produzem os repertórios passíveis de serem acionados
em diversos domínios.
1.3 – Sobre a idéia de hibridismo
A noção de hibridismo remete à combinação de elementos com origens
variadas para a formação de algo diferente que se define justamente por sua natureza
compósita. O híbrido é, portanto, o resultado desta sincronia cujo êxito é tanto maior
quanto mais harmônico (e homogêneo) ele se impõe e, conseqüentemente, mais difícil é a
tarefa de dissecá-lo. Nos marcos do trabalho desenvolvido a hibridação se define a partir
da operação de intercâmbio de produtos entre os espaços “intelectuais” e “políticos”, em
universos sociais e históricos contrastantes, e o objetivo da discussão que segue é o de
encaminhar uma reflexão sobre as possibilidades ou não de verificação dos processos de
intersecção entre esferas sociais no Brasil, mais especificamente no Rio Grande do Sul.
Objeto de uma série de trabalhos relativos ao caso francês, o descolamento
entre o campo intelectual e o campo político e as interferências possíveis entre eles
potencializaram o desenvolvimento de instrumentos analíticos e metodológicos
compatíveis com as condições sócio-históricas ocidentais. A pesquisa em pauta se insere,
pois, no campo de discussões sobre a adequação de referenciais forjados em outras
dinâmicas para a análise de contextos periféricos, e segue as elaborações já sistematizadas
43
por cientistas sociais concentrados na investigação desta problemática (Miceli, 1979;
Pécaut, 1990; Coradini 1998a; Sigal, 2002; entre outros).
Pode-se desde já destacar três tipos de abordagens possíveis sobre o tema, a
saber: pesquisas que se dedicam a apreender a autonomia ou heteronomia dos campos
sociais; outras que atentam para a legitimação de recursos escolares e profissionais em
espaços políticos; e ainda algumas que refletem sobre a transação de modelos culturais.
Essas três modalidades de estudos são aqui sistematizadas em dois
momentos. No primeiro, as análises são consagradas ao caso francês e revelam que
naquela dinâmica a questão do hibridismo se define enquanto recursos de luta ativados por
determinados agentes, com determinadas posições, sob condições específicas e
interessados na circulação de produtos entre esferas sociais, sobretudo na legitimação dos
seus trunfos no domínio no qual buscam sua afirmação. Em um segundo momento, alguns
trabalhos que refletem sobre os processos de hibridação em contextos marcados pela
inexistência de esferas autônomas e pela mescla de registros foram contemplados. São,
igualmente, estratégias de legitimação de recursos exógenos em universos propícios para
tanto que impulsionam as aproximações entre modelos culturais e a conformação de
dinâmicas híbridas na periferia (ou pólo importador) destas transações. A descrição,
muitíssimo geral e breve, destes processos de interferências entre realidades históricas,
seus principais agentes e os produtos “demandados”, permite orientar o olhar para os
intercruzamentos internos a essas dinâmicas e recolocar a questão do hibridismo nos
termos de um trabalho incessante e pautado por dimensões sociais estrutural e
historicamente formado e reproduzido sob esta lógica.
A discussão sobre a autonomia e heteronomia do campo intelectual ocupou
uma posição central nos trabalhos desenvolvidos por Bourdieu e sua equipe (Charle 2001,
1990; Bourdieu e Saint Martin, 1987; Bourdieu 1989d, 1984, entre outros). Estes trabalhos
revelaram que a rigidez das fronteiras de uma determinada esfera social é mantida
mediante a manutenção de disputas e gratificações específicas. Porém, essas fronteiras não
obstruem, ainda que possam constranger, a circulação dos seus produtos levada a cabo por
agentes localizados justamente nos limites híbridos entre um campo e outro.
Evidentemente, por um lado, os “contrabandos” são mais facilmente operados nas
“fronteiras mal guardadas e nas zonas de soberania incerta”, e por outro, as transferências
44
se efetuam em referência às regras do universo importador, o que supõe “um jogo de
constrangimentos formais e intelectuais”, mais rigoroso no caso da “ciência” (Siméant,
2002:36-37). Neste sentido, pesquisas foram realizadas enfocando os usos de registros e
recursos escolares e intelectuais no campo político ou nos universos militantes. Assim, os
estudos se debruçam tanto em processos de reconversão e combinação de competências
escolarmente adquiridas em competências políticas como nas interferências da libido
política nas disputas “intelectuais”
10
.
A questão compartilhada pelos estudos é que a análise das circulações entre
os mundos savant e político possibilitam entender os mecanismos de afirmação de recursos
advindos de outras esferas sociais em competências propriamente políticas: “um diploma,
uma formação, uma especialidade, mesmo dada como essencial por e para a competição
política, não dá, no entanto, um acesso automático à profissão” (Offerlé, 1996:05). Trata-
se, então, de demonstrar “como outras competências gerais tiradas do savoir-faire
adquirido em grupos primários e de saberes derivados de uma formação universitária,
impõe-se em um dado momento como capacidades políticas” (idem).
As lógicas da importação de objetos para campos diferentes daqueles que os
produziram obedece, principalmente, às condições e lutas travadas no âmbito do universo
importador e os efeitos híbridos se dão a perceber mais facilmente nestes últimos. No que
pese estas negociações terem, serem ou produzirem redefinições também nas fronteiras do
espaço exportador.
O mesmo se aplica para pensar os processos de importação, legitimação e
hibridismo entre dinâmicas históricas contrastantes, nos termos propostos por Badie e
16
Dulong (1996) observou os processos de reconversão de uma competência econômica em competência
política legítima e cujo principal resultado das lutas travadas neste sentido é então o da valorização da ciência
econômica no espaço público. O campo dos economistas franceses e sua maior ou menor autonomia foi
analisado por Lebaron (2000) que constatou uma forte heterogeneidade e heteronomia deste, refutando, pois,
a hipótese da autonomia e caráter “cientifico” defendido por alguns de seus porta-vozes. Ainda que de fato
seja possível assimilar vários aspectos que atestariam a existência desta suposta autonomia (características
que fundamentam a crença na “neutralidade científica” da economia), há, entretanto, a coexistência de
“diferentes instâncias de consagração, diferentes fontes de capital simbólico, que são freqüentemente
concorrentes e remetem a definições concorrentes da economia” (p. 44). Lebaron demonstra o quanto a
palavra “economista” é polissêmica, o que se reflete no tipo de capital simbólico que fundamenta sua
autoridade social como “aquele que consegue se fazer reconhecer como tal” (2000:41). Outro exemplo é o
estudo de Verrier (2002) que desvelou as estratégias agilizadas por militantes socialistas para traduzir um
recurso de expertise – advindo da combinação dos registros tecnocrático, intelectual e político – em recurso
militante que acabou redefinindo as “maneiras socialistas de fazer política” durante as décadas de 60 e 70 na
França. Sobre a mélange de registros nos discours savants e discours militants¸ ver HAMMAN, Philippe et
alli (2002).
45
Hermet (1993) e Badie (1992). Nos marcos de uma sociologia histórica, os autores
descreveram a especificidade da dinâmica ocidental e o sucesso das estratégias
universalistas ou de universalização do modelo europeu, comprovado, notadamente, por
sua fixação como “fonte de inspiração” privilegiada por “demandadores” provenientes de
países periféricos. Interessados em “aperfeiçoar”, “modernizar”, “mundializar” ou
reinventar instituições, valores, posições, etc., de ou em seus países de origem eles
buscam, enfim, redefinir o que se joga nas suas fronteiras. É claro que o resultado destas
estratégias de importação não é uma reprodução das estruturas políticas, culturais,
econômicas, religiosas, etc. do centro (ocidente) na periferia (“terceiro-mundistas”). O
processo de ocidentalização remete muito mais à afirmação dos modelos centrais como
ponto de referência, como fontes ideais, aos quais as “dinâmicas órfãs” não conseguem
fugir.
Para analisar as dinâmicas órfãs as principais diretrizes de trabalho
propostas pelos autores podem então ser sistematizadas da forma que segue: em primeiro
lugar, é necessário detectar as formas políticas tradicionais de legitimação, posteriormente
as estratégias dos atores no poder a fim de legitimar sua posição e os valores acionados
para isso e, por fim, as condutas oposicionistas e a forma como interpretam e transformam
em objeto de disputa o projeto de inovação política. Os importadores e os objetos
selecionados (símbolos, modelos, tecnologias, noções, etc.) dificilmente se impõem sem
adequá-los aos códigos próprios (ou tradicionais) da dinâmica na qual buscam aplicá-los.
Processo este que, somado às interferências das disputas internas (entre domínios, forças,
“grupos” ou “personalidades”) – que pode ser resultado ou ter estimulado as estratégias de
importação – promove deslocamentos dos sentidos, dos formatos, das representações e das
posições dos agentes que conformam este amálgama de elementos endógenos e exógenos.
O acesso aos códigos ocidentais, cuja seleção é definida “segundo os
interesses internos em jogo (e também a pressão dos interesses externos)” (Anjos, 1998:22)
se constitui em trunfo contundente para a conquista ou manutenção de “posições de elite”.
Ocorre que tanto as estratégias como os bens simbólicos importados e os projetos em nome
dos quais os importadores atuam são diversos e seguem lógicas igualmente variadas (no
que diz respeito a um mesmo universo importador).
46
Além disso, no que tange às estratégias de importação de modelos políticos
ocidentais, em primeiro lugar, não necessariamente elas são movimentos desencadeados
por “decisões mais ou menos forçadas dos atores (...). [os movimentos] resultam
freqüentemente de um efeito de composição de escolha, de processos sociais e políticos
que nenhum ator controla diretamente e no qual a realização é tanto mais irreversível”
(Badie, 1992:145). Em segundo lugar, elas desencadeiam “processos tanto mais
diferenciados das nações ocidentais porquanto o amálgama de modelos externos e sua
adequação às realidades internas acabam constituindo realidades insólitas” (Anjos,
1998:22). Logo, mediante uma sociologia da transação de modelos culturais, é possível
debruçar-se no “jogo de imposição de novas classificações e princípios de identidade que
se expressa nos diferentes estados do campo político e intelectual local” (idem:6);
desvendando os princípios subjacentes, os recursos de sustentação e as estratégias
acionadas pela “elite” em posição, acima de tudo os investimentos da “elite intelectual”
visando conquistar ou manter posições de poder.
No caso dos “intelectuais” como importadores, a perspectiva é de que eles
responderiam à necessidade de invenção de sua posição específica e ao acúmulo de
recursos autônomos de poder (Badie, 1992:158). Neste caso, a noção de campo cultural
periférico parece elucidativa por contemplar as “necessidades” dos intelectuais “nacionais
de buscar referências externas (países ocidentais) tais como temas, disciplinas, correntes,
autores, etc. e rearticulá-las no sentido de nutrir sua própria identidade (Sigal, 2002). As
relações estabelecidas entre periferia e centro cultural revelam então este processo de
“retro-alimentação” que fragiliza as instituições culturais deixando-as a mercê do poder
político. Institui-se uma dupla dependência dos intelectuais em relação à “metrópole” e ao
poder político que incide na fraca autonomia do campo cultural e que favorece o
fortalecimento da função de mediação entre espaços culturais, do seu papel de construtores
da nação e da sua capacidade de circulação/transmissão nacional e internacional de
concepções, valores, práticas.
Deve-se, neste momento, destacar dois pontos que ordenam a problemática
em pauta. A primeira, diz respeito à constituição de um espaço de acentuação das relações
entre domínios e registros de ação e percepção do mundo social, e os usos destes registros
disponibilizados (misturados, fabricados e realocados) nas diversas arenas de inserção dos
47
agentes. A segunda concerne às condições de afirmação ou não de algumas
“personalidades” intelectuais e políticas em diferentes espaços de consagração.
A abordagem empreendida por Daniel Pécaut (1990) para o tratamento dos
intelectuais brasileiros, assim como os resultados por ele obtidos são indispensáveis para
um estudo deste tipo. Três dimensões de análise foram por ele estabelecidas com o
objetivo de desvendar as lógicas que presidiam às tomadas de posição dos intelectuais –
enquanto posições políticas e opções ideológicas. São elas: a) a posição social dos
intelectuais (como lugar que os próprios se conferiam e que o Estado lhes incumbia); b)
suas representações sobre o fenômeno político; e c) as articulações entre o domínio
intelectual e o político.
A conjugação entre estes três níveis é compatível com a noção já referida de
campo cultural periférico utilizada por Silvia Sigal (2002)
12
. A existência de interferência
em via dupla entre o espaço do cultural e o do político se reflete numa fraca autonomia às
atividades culturais, na imposição interna ao campo intelectual de mecanismos externos de
legitimação e na necessidade de instâncias de consagração externas. Quer dizer, a
inexistência de “critérios culturais consensuais” como base de legitimidade vulnerabilizam
as fronteiras ante a intervenção direta de divisões ideológicas-políticas e exposição à
coerção estatal deste espaço (Sigal, 2002).
Vários trabalhos já foram dirigidos às relações entre “intelectuais” e a
“política” no Brasil. Dentre eles podem ser destacados o de Renato Ortiz (1985) que
concebeu o papel do intelectual como mediador simbólico, isto é, o indivíduo decifrador
do popular e construtor do nacional. Além deste, Luciano Martins (1987) distinguiu a
intelligentsia brasileira (em analogia à intelligentsia Russa, também por ele analisada) por
seu “sentido de missão social” e carência de utopia (ao menos no período tratado).
Nesta linha de compreensão da absorção dos intelectuais pelo Estado,
Sérgio Miceli (1979) investigou a relação entre os intelectuais e a classe dirigente no
Brasil, se detendo sobre as estratégias ativadas pelos próprios agentes com vistas a ocupar
17
No prefácio de Pécaut ao livro de Sigal (1996) sobre os intelectuais argentinos, ele sublinha que no Brasil
os intelectuais são “(...) ao mesmo tempo os militares e tecnocratas, os construtores do estado e da concepção
de Nação” (p. 13) enquanto na Argentina, por exemplo, estes atores limitaram-se a ser reconhecidos como
velhos protagonistas políticos mesmo nas situações em que foram veementemente mobilizados. A questão é
que, neste contexto, os intelectuais não ocuparam posições de mando no estado, mas, em contrapartida,
conquistaram e sustentaram a condição de autoridade legítima para definir a Nação, isto é, de serem
conhecidos como os arquitetos da Nação.
48
posições no setor público e privado. O autor enfatizou três eixos centrais de análise: a)
relação entre declínio das famílias dos intelectuais e expansão do trabalho político e
cultural; b) expansão do setor editorial; 3) influência do poder público sobre o mercado de
trabalho intelectual.
Em contraposição, Daniel Pécaut (1990) grifou que a complexidade de
possibilidades de inserção intelectual é decorrente, isto sim, do fato dos agentes se
movimentarem segundo:
“(...) a inexistência de uma justaposição entre um campo intelectual regido por suas
próprias modalidades institucionais de legitimação, e um campo político, igualmente
submetido a outras modalidades de legitimação. De imediato se produziu, não uma
interferência, mas uma mescla. Todas as estratégias individuais se colocam sobre os dois
registros” (idem:89).
Com base nas análises de Pécaut (1990) e Coradini (1998a, 2002, 2003,
2005) segue-se a idéia de que os múltiplos posicionamentos possíveis para os intelectuais
brasileiros advêm da multiplicidade de dimensões e de registros que conformam as lógicas
sociais e os repertórios de mobilização política. E que os mesmos viabilizam mecanismos
de legitimação indistintos para os investimentos políticos e intelectuais.
Coradini (1998a) grifou o caráter multidimensional das representações e
práticas dos agentes que podem se posicionar com a mesma variedade de registro em
“instâncias” que não contam com critérios específicos de definição. Ainda que se
modifiquem os conteúdos, objetos, os eixos que sintetizam as lutas, os espaços
privilegiados de elaboração (jornais, revistas, partidos, sindicatos, etc.), ou o momento
histórico, o “trabalho ativo de elaboração de intercruzamentos” que define posições e
tomadas de posição dos agentes, não deixa de existir como princípio gerador e, portanto, se
constitui em alvo central de investigação (Idem).
Em suma, as chances de afirmação no espaço político e no espaço
intelectual estão condicionadas à capacidade de aquisição de reconhecimento, domínio e de
circulação concomitantemente nas múltiplas arenas de inserção dos agentes e nas
dinâmicas centrais. Neste caso, para a caracterização do militantismo e do engajamento
deve-se considerar os investimentos no sentido de conquista e manutenção de posições de
reconhecimento assim como da capacidade de trânsito (nacional e internacional) buscada
49
pelos agentes. Logo, conformam as várias lógicas e possibilidades de trunfos que podem
ser mobilizados e disso advém a legitimidade das “causas” que professam e o constituem e
também da sua ativação em diferentes espaços sociais nos quais os agentes investem.
A questão central do trabalho emerge da possibilidade de investigar
processos de invenção e reinvenção de modalidade de intervenção a partir das articulações
entre diferentes registros, recursos e mecanismos colocados em obra nas tentativas dos
novos protagonistas em conquistar posições em diferentes domínios sociais. A pesquisa
buscou, então, compreender uma série de posições e posicionamentos que contemplam o
atual cenário de concorrência gaúcha, mediante o exame das dinâmicas de afirmação das
mesmas, dos recursos que as balizam, dos vínculos de solidariedade e concorrência que
elas promovem.
1.4 – Para o estudo dos militantismos e dos engajamentos
Nas condições históricas e estruturais sob as quais os agentes em diferentes
momentos das suas vidas estrearam seu engajamento político, a supressão do “regime
militar” constituía-se na causa síntese das justificações dos movimentos de entrada,
resistência ou recuo no jogo. A contestação se impunha como alternativa para a
modificação do “estado das coisas” em benefício dos militantes e da “sociedade em geral”
e justificou o prolongamento da “militância” política e do engajamento mesmo com a
“queda do regime”.
Hirschmann (1996; 1984; 1977) propôs um esquema que possibilitaria
entender as escolhas realizadas por militantes insatisfeitos em “situações de crise”. As
noções de voz, lealdade e saída contemplariam as opções possíveis para a intervenção e
protesto com intuito de modificar as condições de modo satisfatório, bem como o
abandono do jogo para buscar a situação desejada em outro lugar. A construção das
referidas noções visa compor um modelo de análise das condições em que os indivíduos
fazem escolhas rompendo, por um lado, com os enfoques econômicos que atribuem às
ações dos indivíduos uma razão exclusivamente instrumental e, por outro lado, com as
abordagens politicológicas que buscam apenas os estímulos coletivos para a ação.
50
Hirschman sustenta que tanto as escolhas econômicas como as políticas dos indivíduos são
elaboradas sob esse duplo registro e se expressam nas opções de voz ou de saída.
Pizzorno (1988) em artigo publicado em coletânea sobre “o pensamento de
Albert O. Hirschman”, por sua vez, indicou a possibilidade de desenvolver-se uma “teoria
da lealdade” para fundamentar o modelo de análise centrado nas identificações. O autor se
indaga sobre os mecanismos que podem favorecer a ação coletiva ou individual. Conforme
Pizzorno, o esquema de Hirschman abarca duas categorias de membros numa
“organização”: aqueles para os quais a saída é a opção menos onerosa, depreendendo-se
que possuem “baixa lealdade” em relação à “organização”; e aqueles para os quais a saída
é subjetivamente custosa tendo em vista sua “alta lealdade” em relação à “organização”, no
entanto mesmo para estes últimos a defecção não deixa de ser uma opção para o caso de
“intensa carga de insatisfação” (1988:369). Todavia, a “organização” em nenhuma
hipótese deixa de existir e funcionar, mesmo com a perda dos seus membros os mais leais.
Deve-se pressupor a existência de uma terceira classe de componentes para os quais essas
opções não se colocam a não ser sob pena da dissolução do próprio “grupo” ou
“organização”. Pizzorno propõe chamá-los identificadores, pois estes retiram da existência
do “grupo” a sua própria identidade, neste caso uma ruptura ou o fim do “grupo” poderia
“representar um fim subjetivo” deles próprios.
O membro leal não se modifica ao trocar de “organização” a qual dedicará a
sua lealdade, aliás, “pode ser leal a vários grupos ao mesmo tempo, se esses grupos não
forem concorrentes” (idem:370) e a própria “organização” segue funcionando
independentemente dele. O identificador tem “fé” na existência do “grupo” enquanto
“realidade objetiva” e, portanto, não tem condições de barganhar sua saída, porque isso
implicaria na modificação dos próprios valores e práticas que o constituem e o tornam um
ser reconhecível. Isto é, a sua identidade depende deste universo de referências que dão
sentido para as suas escolhas, crenças, retribuições e cujo fim significaria o nascimento de
uma outra pessoa em referência a um novo ou renovado “círculo de reconhecimento”: “o
que esse ‘círculo’ é chamado a reconhecer são os valores que a pessoa está utilizando em
suas escolhas, valores esses que a tornam um determinado agente congruente e
reconhecível” (idem:380). A mudança deste ou neste “círculo de reconhecimento” resulta
numa mudança nos investimentos necessários para permanecer em identificação.
51
“O fiel não pode ameaçar perder sua fé, assim como o amante não pode ameaçar deixar
de amar. Ameaças desse tipo não mereceriam crédito, constituindo ameaças da pessoa
contra si mesma. Uma vez que a identidade, a fé ou o amor se percam, então nasce uma
nova pessoa. (...). (...) um eu torna-se um eu diferente quando o grupo, o casal, a
organização ou o movimento que deram origem aos valores que permitiam que a pessoa
agisse, escolhesse, julgasse pessoas ou idéias de uma certa maneira, sentisse certas
emoções já não existem para ela. Isso porque parece difícil manter valores, ser gratificado
por recompensas, ter satisfações, sem ter por referência outras pessoas capazes de
reconhecer esses valores, recompensas, satisfações, e de responder de alguma forma a
eles” (Idem:370-371).
Sendo assim, a participação numa ação coletiva pode remeter a mecanismos
identitários que não se restringem à busca de satisfação via ato econômico individual ou
via participação em si. A questão é saber quais são as estratégias “necessárias para
confirmar sua identidade coletiva e a renovada eficácia do círculo de pessoas no âmbito do
qual você pode continuar a agir, assim como continuar a ser visto como a mesma pessoa”
(idem:373).
Com o mesmo intuito de refletir sobre as opções de voz e saída apontadas
por Hirschman, Bourdieu (1988) pondera que as mesmas se colocam como as alternativas
possíveis quando a perspectiva se encerra na lógica individual, ressaltando que “as
instituições especialmente projetadas para expressar exigências, aspirações e protestos
fornecem um terceiro caminho [que é] o porta-voz, uma voz autorizada que fala em nome
de todo o grupo” (idem:313). No que tange aos militantes e sua ligação com as
“organizações”, a possibilidade de expressão do desconforto e de manutenção de círculos
reconhecimentos seria a criação de uma nova “organização”, novos porta-vozes, novos
conflitos e novas deserções em nome do “protesto legítimo”.
Há que se marcar a importância das dinâmicas de identificações para a
compreensão dos engajamentos – a partir de um conjunto de agentes com características
específicas – que promovem a constituição de um sistema de interdependências e de laços
interpessoais complexos. Com o tratamento da dinâmica de constituição, renovação e
ruptura com esse ou nesse sistema a partir da análise das mutações do militantismo
apreende-se um conjunto de estratégias de afirmação e exclusão que conformam o espaço
político (em termos genéricos) gaúcho.
52
É preciso considerar os elementos que promovem identificações que podem
nem ser efêmeras nem perenes, mas que impulsionam os indivíduos a tentar manter-se
como “agente congruente e reconhecível” (Pizzorno, 1988:383). Evidentemente os
“investimentos necessários para permanecer em identificação” e os níveis de lealdade são
diferentes para os diferentes membros de um “grupo”, de uma “organização” ou de um
círculo de reconhecimento, e isso se reflete na diferenciação e hierarquização dos lugares
ocupados por eles e, consequentemente, na sua maior ou menor capacidade de contestação,
resistência ou (auto) exclusão. As identificações somente podem, então, ser concebidas
como resultado das lutas entre indivíduos e “grupos” por sua manutenção, transformação
ou ruptura. Há que se perguntar sobre os recursos e estratégias investidas nessa disputas
bem como na sua tradução em termos de posição e tomadas de posição que, por sua vez,
definem condições de existência das identificações e também das des-identificações.
Sendo assim, pode-se pensar nos círculos de reconhecimentos como campos de lutas, ou
seja:
“(...) como sistema de relações objetivas no qual as posições e as tomadas de posição se
definem relacionalmente e que domina ainda as lutas que visam transformá-lo. É somente
com referência ao espaço de disputa que as define e que elas visam a manter ou a
redefinir, enquanto tal, mais ou menos completamente, que é possível compreender as
estratégias individuais ou coletivas, espontâneas ou organizadas, que visam a conservar,
transformar, transformar para conservar ou, até mesmo, conservar para transformar”
(Bourdieu, 1998: 175).
Seguindo essas orientações de Bourdieu (1998), pretende-se investigar as
condições de formação de um espaço de luta entre os militantes que o alimentam mediante
o confronto de “poderes específicos” ativados relacionalmente para garantir posições e
produzir identificações sendo, portanto, esses trunfos eles mesmos objeto de disputa dos
agentes.
A pesquisa do militantismo e do engajamento não pode se descuidar das
transmissões e aquisições de “ideologias” enquanto valores e os sentidos que definem o
pertencimento de cada pessoa aos círculos de reconhecimento ou redes de relações e
reputações, espaços e suas transformações ao longo do tempo. Entende-se como sendo esta
uma dimensão primordial de análise das formas de constituição de proximidades criadas a
partir de identificações equivalentes nos diferentes “grupos” que participam os agentes,
assim como das rupturas que acontecem. Sendo que os princípios das identificações podem
53
ter as mais diversas origens (ideológicas, afetivas, utilitárias, alianças, rivalidades, entre
outras) e combinações entre elas, bem como produzem os mais variados resultados em
termos de posições e destinos sociais.
Portanto, optou-se por examinar os múltiplos mecanismos que interferem
nessas escolhas e que não estão necessariamente sendo mensurados pelos indivíduos e,
muito menos, irão gerar os resultados desejados. As satisfações e insatisfações são também
resultantes das condições específicas sob as quais os agentes fazem escolhas, isto é, elas
são relacionalmente produzidas tendo em vista os imponderáveis ao qual são expostos a
cada momento. É pertinente, desta forma, perguntar-se sobre quais são as motivações que
impulsionam os indivíduos a aderirem a determinadas “organizações” em um determinado
momento da sua trajetória e sob determinadas condições históricas? Que sentidos atribuem
a sua adesão? Em que base se sustenta a constituição de laços de lealdade ou de
identidades entre os membros? Como se relacionam e como concebem a sua atuação? Em
que medida as suas características sociais interferem nos sentidos atribuídos, nas práticas
privilegiadas e nas retribuições extraídas do militantismo? Sob que condições a
resistência (ou voz) pode se esgotar como fonte de retribuição, e a desistência (ou
defecção) se impõem como única alternativa viável? Quais os impactos dos alinhamentos e
movimentos para a constituição das identidades militantes?
Para a investigação em pauta, é possível concentrar-se nos vínculos
construídos entre militantes, as “causas” que justificam sua dedicação e as redes que
viabilizam o seu exercício. Não é possível, pois, entender o engajamento em uma “causa”
apenas pelo rótulo que a sintetiza (“foquismo”, “nacionalismo”, “socialismo”,
“comunismo”, etc.); ao contrário é necessário buscar a lógica dos investimentos dos
agentes que em nome delas falam, se relacionam, as modificam e substituem. A adoção
dessa perspectiva é relevante, uma vez que há alterações significativas nas “causas” e
modalidades de militantismo dos agentes, ao longo do período investigado, no entanto
essas modificações não se dão em prejuízo de uma disposição persistente para a
intervenção e de uma necessidade de atualizá-la. Esta disposição, por sua vez, é reveladora
de uma matriz comum que permite aos agentes, independentemente do lugar a partir do
qual tomam suas posições, posicionar-se a partir de uma multiplicidade de registros. Essa
adequação sem a necessidade de retraduções de um lugar para o outro é orientada por
sentidos de “comprometimentos” que, combinados com outros recursos, sobretudo os
54
provenientes da valorização de “saberes” tidos como “intelectuais”, os constituem como
intérpretes autorizados da “realidade” e promotores de “projetos de sociedade”.
O militantismo possui as suas próprias formas de gratificação. Este é o
postulado de Daniel Gaxie (1977). No seu estudo ele demonstra que a existência e o
montante de recompensas que os militantes são capazes de extrair da sua atividade política
são proporcionais aos empreendimentos nesta mesma atividade que eles são capazes de
fazer. Tanto as contribuições ao como as recompensas do militantismo são resultantes do
encontro entre propriedades sociais dos agentes (que se constituem em trunfos passíveis de
serem investidos na “causa”) e recursos da “organização” ao qual ele se vincula (que
podem combinar características ideológicas, disponibilidade de cargos, possibilidade de
acréscimos nos saberes escolares, etc.). Assim, as proposições de Gaxie acerca da
conformação entre recursos, expectativas e retribuições obtidas pelo militantismo se
apresentam como uma possibilidade explicativa das condições de sustentação de uma
empresa política a partir de uma série de lógicas combinadas (financeiras, afetivas,
ideológicas e outras).
Centrando-se nas gratificações obtidas pelo pertencimento partidário, uma
das questões sublinhadas pelo autor refere-se aos problemas práticos que se impõem às
perspectivas que apostam nas “motivações ideológicas” como eixo fundamental para
explicar o engajamento. O obstáculo principal é o da homogeneização dos sentidos sobre a
“causa” e sobre a “ideologia” compartilhada. Melhor dito, é a pressuposição de que “todos
os aderentes dominam a ideologia que justifica essa causa ou, ao menos, que eles articulam
sumariamente os principais conceitos fazendo assim prova de um elevado nível de
politização” (idem:126). Logo, cabe refletir sobre como se estabelece para os diferentes
protagonistas (de origens, aspirações, expectativas e ideologias diversas) a sua relação com
a “organização” e a “causa” que ela representa. Paralelamente, quais as equivalências
tramadas e os princípios norteadores nos diferentes agrupamentos que se abrigam sob o
repertório final que pode ser percebido como relativamente homogêneo.
Rey e Subileau (1991) desenvolveram um estudo junto a militantes
socialistas (entre 1985 e 86) localizados ao longo do território francês. Os autores se
perguntaram neste trabalho sobre quem se engaja e por que, uma vez que a atividade
política não garante contrapartidas imediatas e ainda é exigente tanto do ponto de vista
55
material quanto em tempo e energia. Isto considerando que a adesão a um partido e/ou
“causa” não se dá de um só golpe, por um ou outro motivo racionalizado, mas é o resultado
da combinação entre uma série de condições e condicionantes tais como: “a socialização
familiar, a busca de uma identidade social, a expectativa de gratificações materiais e
simbólicas, a realização de escolhas ideológicas e políticas” (idem:25). Os autores
propõem o exame das características sociais e profissionais dos militantes, das principais
inter-relações entre o “grupo” e a organização partidária e, finalmente, do universo
ideológico que orienta as práticas. Partindo de um ponto de vistas das contribuições dos
militantes, eles questionam a centralidade das “lógicas do interesse” presente no estudo de
Gaxie (1977) acerca das retribuições do militantismo. Ainda que expandida para a
consideração das gratificações afetivas e simbólicas, para eles Gaxie reduz a gama de
motivações possíveis que explicam o militantismo:
“[É para] participar da transformação da sociedade e transcrever em atos suas
orientações ideológicas que os militantes escolhem o engajamento partidário. E isso
mesmo quando outros componentes intervêm nessa decisão. Se se manifestam por vezes em
cinismo político, carreirismo e clientelismo, a participação voluntária a um projeto
coletivo de transformação social implica sempre, em algum grau, um acordo com os
valores e os fins que ele vincula. Nem simples cálculo, nem somente altruísmo, o
militantismo poderia representar um modelo para toda prática social”. (Rey e Subileau,
1991:25).
Porém, Gaxie não aposta nem no predomínio da racionalidade estratégica
para os partidos, tampouco em empreendimentos puramente utilitaristas por parte dos
militantes. Neveu (1992:81) observou, inspirado em Gaxie, que as gratificações do
militantismo “englobam valores tão diversos quanto a estima de si, o sentimento de sua
dignidade, de sensações gratificantes”. Dentre essas recompensas, nem somente as
financeiras, nem somente a contribuição a uma “causa justa”, mas também os vínculos
afetivos que se estabelecem entre os indivíduos que partilham de valores e práticas e
delimitam seu universo de convívio baseado nesses códigos. Gaxie segue notoriamente os
pressupostos de Bourdieu que sustenta:
“Se o desinteresse é sociologicamente possível, isso só ocorre por meio do encontro entre
habitus predispostos ao desinteresse e universos sociais nos quais o desinteresse é
recompensado. Dentre esses universos os mais típicos são, junto com a família e toda a
economia das trocas domésticas, os diversos campos de produção cultural (...). O que não
56
significa que eles não conheçam outras formas de interesse (...) e pelos quais se está pronto
a morrer” (Bourdieu, 1996:153).
Não é o caso, portanto, de advogar a favor da busca racional e calculada de
benefícios por parte dos agentes politicamente envolvidos. Ao contrário, trata-se de se
perguntar sobre o encontro entre suas expectativas e as ofertas das “organizações” nas
quais se engajam. Além disso, parte-se da idéia de que há em qualquer ação a necessidade
de reconhecimento dessa ação e os conteúdos desse reconhecimento constituem-se em
recompensas potentes que motivam os agentes a agir de uma ou outra forma. A vinculação
a uma “causa” fornece modalidades de reconhecimento entre aqueles que nela estão
engajados. Sendo assim, uma vez “pertencentes” os militantes necessitam renovar o
estoque de incentivos que informam a relevância da sua participação e a percepção de que
ela vale a pena.
Apostando na potencialidade explicativa da análise dos engajamentos numa
perspectiva processual, Fillieule (2001; 2005) focalizou os fenômenos de des-engajamento.
Sua tese se desenvolve em torno da dimensão variável do grau e da intensidade do
engajamento nos diferentes momentos das carreiras militantes e da igualmente diferenciada
configuração das recompensas nos mesmos, o que lhe permite demonstrar como a
defecção pode ser mais onerosa que a permanência em uma “organização”. Alguns pontos
por ele destacados são de extrema pertinência quando o intuito é evidenciar as condições
de emergência do militantismo em determinada etapa de uma trajetória e as condições que
favorecem ou a conservação de determinadas gratificações ou que as levam ao desgaste.
Os agentes sociais transitam entre uma “pluralidade de espaços sociais”
sendo necessário levar-se em conta as diferentes recompensas que eles extraem desses
diferentes domínios, bem como a variabilidade do valor das mesmas no tempo. Com este
procedimento revelam-se os empreendimentos na valorização, ou os condicionantes que
incidem na desvalorização, ou mesmo as estratégias de reconversão dos trunfos sociais que
se convertem como gratificações. Neste caso, a noção de carreira assume centralidade por
contemplar uma dimensão temporal que viabiliza o tratamento da multiplicidade e
variabilidade das formas de engajamento, das transformações das identidades que
implicam, assim como dos mecanismos sociais intervenientes para a manutenção ou
desistência da relação militante com a “organização” específica (Fillieule 2001:205). Nesta
57
linha, cabem as considerações de Sawicki e Berlivet (1994) no tocante às potencialidades
heurísticas de se interrogar sobre as carreiras dos agentes que compõe o universo
analisado como “meio para compreender em que medida o engajamento constitui uma
disposição ética e social que se atualiza em diversas ocasiões, em momentos diferentes da
existência individual”.
No que diz respeito à noção de carreira, Juhem (2001) também ressalta a
importância de se atentar para o fato de que as “carreiras militantes ascensionais podem
conhecer um eclipse ou interrupção quando não reconvertem nas organizações ‘adultas’
recursos adquiridos no militantismo da juventude”, o que pode ser evidenciado mediante a
observação de “como as oportunidades oferecidas [por determinadas] configurações
políticas se articula com os constrangimentos e os ritmos das trajetórias individuais”. Idéia
essa compatível com a de Fillieule (2001) de confrontar os aspectos que proporcionam o
engajamento ou a defecção com “a possível variação das oportunidades profissionais,
particularmente nas configurações onde os recursos adquiridos nas esferas militantes
podem ser objeto de reconversões no campo das atividades assalariadas” ou de outros
tipos.
Em síntese, a análise das carreiras viabiliza o tratamento dos engajamentos
numa perspectiva processual e diacrônica, ou seja, esta noção operacionalizada no sentido
de apreender diferentes momentos e tipos de atuação (profissional e militante), os
domínios sociais nos quais os agentes se inserem, os recursos que acionam e as
identificações que constituem e desfazem. A esta linha de investigação foi somado o
estudo sincrônico no intuito de observar os deslocamentos e os atributos jogados pelos
agentes nas suas arenas de disputa e com isso pretende-se entender as lógicas dos
engajamentos mediante a análise de como, onde e com quais meios elas se definem.
Reafirmando, a proposta é de realizar um estudo das entradas na política
tendo como universo de análise um conjunto de agentes que estrearam seu engajamento em
uma configuração histórica que pode ser caracterizada como um momento de crise. É
preciso considerar a crise como fonte de créditos excepcionais, uma vez que “em um
contexto de efervescência (...) os benefícios do engajamento tem todas as chances em
efeito de serem superiores àqueles ofertados em um momento de perda de confiança na
eficácia da ação política” (Fillieule, 2005:35).
58
O estudo das entradas na política permite, igualmente, apreender as
mutações e transfigurações dos militantes na diversidade de sites de interação ao longo da
vida dos agentes, como também as estratégias de reconversão nos domínios nos quais eles
investem, tomando as condições de origem e os trunfos acumulados nos movimentos
iniciais e considerando as posições e os papéis ocupados ao longo dos trajetos. Com a
análise das múltiplas inserções é possível observar os múltiplos papéis assumidos nas
biografias e a dinâmica de atualização das gratificações correspondentes (Fillieule, 2001;
2005, Juhem, 2001).
Enfatiza-se a preocupação com o uso dos diferentes tipos de recursos
herdados e adquiridos pelos agentes para a profissionalização política e especialização
profissional no sentido largo (incluindo os investimentos no meio acadêmico). No universo
de pesquisa ao qual se dedica o presente estudo os domínios sociais são fortemente porosos
e os agentes circulam entre eles sem a necessidade de imediata reconversão de um domínio
para o outro, antes disso, a própria circulação promove e é promovida pela necessidade de
retroalimentação entre eles. Diante de tal porosidade e ausência de fronteiras
relativamente rígidas entre os universos sociais, talvez seja mais adequado falar mesmo de
papéis que são “endossados” e que solicitam dos seus protagonistas o desenvolvimento de
habilidades prescritas para o trânsito entre linguagens e donios, assim como para o uso
de lógicas multidimensionais. Ao passo que a idéia de reconversão implica na necessidade
de transfiguração de determinados recursos de um campo para o outro devido à existência
de constrangimentos específicos em cada um deles. Isto é, um determinado tipo ou espécie
de recurso pode não ser “útil” em um determinado campo que conta com mecanismos de
censura a pautas exógenas, com uma linguagem particular, enfim, contam com seus
próprios princípios de legitimação.
Por esse mesmo motivo vale ponderar sobre os processos de des-
engajamento, tal como propôs Fillieule (2001; 2005). Não se pode centrar a análise em
espaços específicos de inserção para observar os processos de entrada e saída do mundo
militante, pois os agentes transitam entre vários domínios, jogam seus trunfos, acumulam
gratificações ou frustrações e definem o sentindo dos seus engajamentos na conjunção de
uma multiplicidade de lógicas cruzadas. Assim, parece mais adequado para o caso em
pauta buscar os condicionantes que intervém no potencial de trânsito dos agentes e as
59
condições que interferem na atualização dos engajamentos não só numa perspectiva
diacrônica, mas também sincrônica.
Além disso, tem-se que o tratamento dos trajetos seguidos pelo conjunto dos
militantes a serem investigados permite perceber como a passagem da “militância” política
de origem para os engajamentos “adultos”, como diz Juhem (2001: 144) reconfigura os
espaços privilegiados em termos de repertórios, problemáticas, etc. No caso de um
universo empírico onde há uma evidente fluidez dessas lógicas, a migração de registros de
um momento e de um domínio para o outro é muito mais dinâmica e direta.
Efetua-se, assim, um estudo que se ampara, por um lado, numa perspectiva
longitudinal e dinâmica dos itinerários militantes e, por outro, numa abordagem sincrônica
dos investimentos e gratificações extraídos pelos agentes do seu militantismo. O
tratamento das carreiras militantes em relação às condições conjunturais correspondentes
permitiu reconstituir processos de sucessão, ruptura e continuidade de formas legítimas de
engajamentos.
1.5 – Identidades e Identificações
No conjunto de recompensas que o militante pode extrair de seu ativismo,
uma das mais significativas é a identidade compartilhada. Trata-se então de atentar para o
trabalho identitário que se processa e que se constitui numa das mais importantes
gratificações produzidas pelo engajamento político. Neste caso, entende-se que a aquisição
de um ethos militante pode emergir da combinação de disposições familiares e disposições
adquiridas, da detenção de propriedades sociais, culturais e recursos conquistados, bem
como na sua tradução, observada a partir dos itinerários, na “crença nas virtudes da
dedicação” a uma “causa” (Sawicki e Berlivet, 1994).
As construções identitárias erguidas no engajamento e no militantismo
apresentam-se então como particularmente instigantes, já que: “a ação protestatória
constitui um terreno propício a esse trabalho identitário. Ela constitui um ato público de
tomada de posição que pode ser eminentemente classificante tanto para o indivíduo
mobilizado quanto para os olhares de fora...”. Sendo assim, o pertencimento identitário
60
extraído da ação protestatória “constitui uma forma de instituição de certeza permanente de
uma identidade valorizante, pois ligada a uma causa vivida como transcendente à biografia
pessoal” (Neveu, 1992:81).
Identidades não podem ser concebidas senão enquanto resultados
provisórios de construção de identificações. Avançando neste raciocínio, pode-se pensar no
militantismo como uma matriz produtora e produzida por lógicas de identificação que se
modificam ao longo dos itinerários dos indivíduos e dos “grupos” de militantes. Uma
discussão mais detida sobre a noção de identificação parece pertinente neste momento.
As considerações de Alessandro Pizzorno (1986) e Rogers Brubaker (2001)
são particularmente elucidativas dos processos de identificação inerentes às disputas
políticas e que ultrapassam as perspectivas inspiradas em modelos universalizantes (razão
instrumental, comunicativa ou teleológica) e a exaltação das identidades (ou teorias
simbólicas da política). Para estes autores a questão primordial é tentar superar a oposição
entre o “idioma analítico universalista e individualista e um idioma da identidade e do
grupo” (Brubaker, 2001:83).
Pizzorno (1986) recorre à idéia de identificação para ponderar sobre as
condições da intervenção política. Para ele, o mecanismo de identificação abarca os dois
papéis políticos presentes na relação de representação: 1) de produzir identidades coletivas
a partir de “grupos”, partidos, movimentos, associações, sindicatos, Estados, etc., que
criam símbolos de reconhecimento, de solidariedade, de mobilização e de
desencadeamento de ações coletivas; 2) de tomar decisões que envolvem a utilização de
estruturas dadas (aparelho estatal, instituições, repertórios culturais, etc.) e estabelecer
estratégias, alianças, conflitos, escolhas, negociações, que produzem adesões.
A partir da noção de identificação é possível conceber os processos de
engajamento afastando-se das teorias utilitaristas e das perspectivas simbólicas. Em relação
às primeiras, elas geralmente agregam o componente da confiança como elemento
constituinte da crença no laço indissolúvel entre os indivíduos e os “grupos” e pressupõe
que “a ação política é mais freqüentemente orientada em direção a uma modificação das
necessidades do que em direção às necessidades já existentes” (Pizzorno, 1986:345). Em
relação à segunda, elas possuem o mérito de não essencializar solidariedades horizontais e
de incorporar o trabalho político como constituidor de identidades, ou seja, pressupõem
61
que “a identidade política coletiva (...) não abarca simplesmente interesses sociais
preexistentes, ela os seleciona, os informa, os inventa, e mesmo, se há necessidade, os
negligencia e os sufoca” (idem:362).
A utilização do termo identificação (ao lado de outros recursos
terminológicos) também é seguida por Brubaker (2001) em detrimento do emprego da
noção de identidade que remeteria a um conteúdo reificante e ambíguo. Conforme o autor,
o uso de “concepções fortes” da palavra “identidade” que insistem sobre a similitude e
permanência, e de “concepções fracas” (construtivistas) que grifam o caráter fluido,
múltiplo, instável, fragmentado, construído, negociado, etc. (o que o autor denomina de
clichê construtivista) ocasionaram a perda do valor analítico do conceito. No primeiro caso
há a essencialização do termo identidade e a não distinção do seu uso como categoria da
prática e como categoria da análise social. No segundo caso, o esforço em romper com o
essencialismo e em afirmar as identidades como algo fluido, fragmentado e múltiplo
fornece um emprego tão elástico e impreciso que dificulta a especificação dos processos
sociais envolvidos nas construções identitárias. Três lógicas de análise encandeadas são
caracterizadas como substitutas da noção de identidade: 1) o processo de identificação, 2) o
processo de auto-compreensão; 3) as variações quanto às formas de auto-compreensão que
podem se alicerçar sobre bases de communalité (commonality), connexité (connectedness)
e groupalité (groupness).
A identificação é um ato simultaneamente situacional e contextual. Pode
referir-se à posição ocupada em uma relação (identificação relacional) ou ao pertencimento
a uma categoria (identificação categorial), esta última cada vez mais presente em sociedade
modernas e diferenciadas. A identificação comporta auto-identificação, identificação pelo
outro no circuito de relações e classificações que as interações sociais permitem; e também
categorizações formalizadas, codificadas e objetivadas que são promovidas pelo Estado e
suas instituições ou ainda contra-identificações ou categorizações reivindicadas por
movimentos sociais. Assim “identificação e categorização são termos que implicam em
uma atividade e em um processo” (Brubaker, 2001:77).
Porém, a substituição da noção de identidade exige igualmente termos que
sejam condizentes com uma das utilidades primordiais para o emprego daquela, qual seja
romper com o instrumentalismo e com o mecanicismo de determinadas abordagens. Para
62
tanto, Brubaker aponta para o uso da noção de auto-compreensão, isto é, um termo que
remete ao plano “disposicional” ou a uma “subjetividade situada” que se refere “a
concepção que se tem do que se é, de sua localização no espaço social e a maneira (...) que
se preparou [em função da auto-percepção e da auto localização] para a ação” (2001:77).
As formas de auto-compreensão, por sua vez, variam do sentimento de pertencimento
grupal às afinidades, alianças ou filiações. Partilhar o sentimento de possuir um atributo
comum é classificado como communalité (commonality), estabelecer laços e vínculos é
tipificado de connexité (connectedness) e, finalmente, a percepção de pertencer a um
“grupo” (particular, limitado e solidário) é denominada de groupalité (groupness). Para o
autor, a partir desta terminologia e dos processos aos quais dão relevo é possível apreender
combinações de lógicas, repertórios e sentidos, bem como de práticas que outrora foram
caracterizadas sob o rótulo de movimentos identitários.
Caso sejam tomadas as necessidades e as identidades como produtos do
trabalho político de representação, como aponta Pizzorno, parece inviável buscar em um
princípio mais geral (racional) ou em laços prévios (identidade) os fundamentos da prática
política, que só se explica pelos atos políticos de constituição, escolhas e definições
identitárias. Por fim, caso sejam consideradas válidas as proposições de Brubaker, os
mecanismos de cooperação política podem se amparar na formação de “grupos” que
adquirem um sentimento e uma perspectiva de unidade, como de uma série de processos de
identificações, auto-identificações, categorizações, laços, alianças, oposições e vínculos.
1.6 – Constituição de redes de relações
Neste momento, são relevantes algumas indicações sobre a noção de redes
que se pretende operacionalizar a partir do exame dos vínculos e contatos estabelecidos,
desfeitos e reconstruídos por um conjunto de agentes articulados em determinadas
“organizações” e atuantes em determinados “contextos” igualmente precários e fluídos.
Dois níveis de análise foram fixados. O primeiro e mais geral compreende uma perspectiva
diacrônica na qual os indivíduos, tendo em vista a multiplicidade de sites nos quais
transitam, constroem elos flexíveis e plurais entre si. Assim, trata-se de analisar o processo
63
de constituição de cadeias de interdependências entre agentes ao longo das suas trajetórias
individuais e coletivas, bem como a interferência dessas relações variadas e variáveis na
conquista de posições sociais, nas concepções compartilhadas e nos posicionamentos
assumidos (Elias, 1999, 1994, 1993; Sawicki, 1997; Gribaldi, 1998; entre outros).
Deve-se enfatizar a idéia de que são justamente os afrontamentos e
afinidades forjadas nas teias de interdependências (ao mesmo tempo tecidas pelas e
constrangedoras das ações e relações) que impulsionam os processos de reconfiguração
histórica. Portanto, mediante a reconstituição (através dos relatos) de laços, alianças e
tensões, bem como dos seus efeitos nos itinerários, pode-se verificar os condicionantes da
afirmação de novos recursos e repertórios de mobilização política, enfim da dinâmica cujo
resultado é a coagulação de uma gama de recursos e tomadas de posição relacionais entre
as gerações de militantes estudados.
O segundo nível se define por uma perspectiva sincrônica de explicitação,
em conjunturas ou eventos particulares, do conjunto de relações qualificadas ativadas
tendo em vista conteúdos ou objetivos específicos (McAdam, 2004, 1993; Diani, 2004;
Mayer 1987; Duval, 1998). Quer dizer, escolhendo eventos singulares de contestação ou
não e determinando os agentes centrais para a formação de cadeias de líder-seguidores,
tem-se material para buscar as dimensões que condicionam a opção do agente pela
inserção nestes eventos, como a identidade, a proximidade geográfica e a força ou a
fragilidade do vínculo (McAdam, 2004) e, por esse intermédio, pode-se ter a dimensão
mais precisa de cadeias de atores conectados pelos eventos e entre eventos conectados
pelos atores (Diani, 2004:305).
E ainda mais especificamente, com isso foi possível observar os tipos de
trocas e os conteúdos que sustentam ou dissolvem relações diádicas (Landé, 1977) e a
“atualização de clivagens que preexistem e que sobreviveram”. Portanto este procedimento
é igualmente revelador de um sistema de referências cujos princípios subjacentes emergem
em algumas circunstâncias para cristalizar “aproximações e afastamentos” (Duval,
1998:09-10). Ou melhor, “um conjunto de instituições, de redes, de indivíduos desde muito
tempo presentes e ativos, aparecem no ‘grande dia’, tomam posições, reforçam ou
redefinem elos, acionam seu recursos mais caros, confrontam idéias e revelam
concepções” (idem).
64
Sabe-se que o meio estudantil e universitário beneficia a constituição de
identificações entre os indivíduos que podem ser relativamente duradouros, podendo-se
observar seus desdobramentos nas carreiras profissionais e políticas. A participação em
movimentos políticos potencializa o vigor das redes de relações passíveis de serem
mobilizadas no decurso dos itinerários dos agentes, em diferentes circunstâncias e a partir
de diferentes pontos do espaço social. Nos casos em que essa inserção se dá num momento
caracterizado como de crise política a probabilidade desses vínculos serem ainda mais
intensos aumenta bastante tendo em vista, grosso modo, a fixação de um “inimigo
comum”, os constrangimentos sofridos e a expansão (inclusive territorial) de contatos entre
militantes envolvidos na mesma “causa” e aproximados pelas exigências da “ação
coletiva”. Enfim, há todo um conjunto de condições que cooperam no estabelecimento de
vínculos que se pode chamar de “geracionais” que se reforçam na constante reinvenção das
singularidades históricas e biográficas.
Liora Israel (2004) pondera sobre a relevância da análise sociológica da
“Resistência” enquanto momento de mobilização que pode ser assimilado a partir das
proposições de Elias (1994) acerca da constituição de uma “sociedade dos indivíduos”, ou
seja, como uma configuração que se constitui do fato da “existência simultânea de muitas
pessoas, sua vida em comum, seus atos recíprocos, a totalidade de suas relações mútuas”
que acabam produzindo efeitos “que nenhum dos indivíduos, considerado isoladamente,
tencionou ou promoveu, algo de que ele faz parte, querendo ou não, uma estrutura de
indivíduos interdependentes” (Elias, 1994:19). Segundo a autora, tal idéia viabiliza o
tratamento das “modalidades concretas de articulação” entre diferentes níveis de atuação e
vinculação social de indivíduos envolvidos numa rede forjada no período da Segunda
Guerra Mundial
11
sem “remeter à intencionalidade de atores atomizados e à funcionalidade
de grupos sociais reificados a posteriori” (Israel, 2004:9). Sendo assim, pode-se entender o
estabelecimento das relações a partir da interdependência das ações dos indivíduos
envolvidos numa rede social a um só tempo permanente e flexível, tal como revela a
“fábula da rede” destacada pela autora.
Pode-se empreender uma discussão acerca das potencialidades heurísticas
das análises de redes partindo da acepção mais geral proposta por Elias que concebe a
11
Analisa os meios judiciários para entender as “lógicas do engajamento na profissão” (Israel, 2004:11).
65
própria realidade social com uma estrutura de rede conformada pelas interdependências
mútuas entre os indivíduos. Sendo assim, duas abordagens parecem compatíveis com tal
perspectiva por associar a idéia de rede à de configuração: a primeira diz respeito àquela
desenvolvida por Sawicki (1997) para investigar a dinâmica de “mobilização e
objetivação” do PS francês; e a segunda se refere à discussão de Gribaudi (1998) no
sentido de adequar os estudos de redes às sociedades complexas.
No primeiro caso, a idéia de configuração é utilizada para entender a
dinâmica de produção de elementos de homogeneização que sustentariam um determinado
estado das relações entre os membros de um meio partidário. Neste caso, a coesão
“imaginária ou real” numa dada “federação do partido”, tomada como uma configuração
particular de interdependências e interações, somente pode ser buscada nas representações
partilhadas, nas formas de sociabilidades e na “finalidade que consolidam as redes” onde
essas dimensões se evidenciam (Sawicki, 1997:32).
No segundo caso, a noção de configuração é utilizada para pensar a respeito
de redes simultaneamente como quadro de referência para as práticas individuais e como
objeto de intervenção passível de ser alterado pelas mesmas. A precariedade dessas redes
se define pela contingencialidade que caracteriza as configurações históricas, ou seja,
constantemente vulneráveis às modificações “graças à interação de elementos que
compõem essa configuração” (Gribaudi, 1998:40).
Assim como Israel (2004), ambos os autores se apropriam de uma
concepção geral da existência de um “padrão mutável criado pelo conjunto dos jogadores –
não só pelos seus intelectos, mas pelo que eles são no seu todo; a totalidade das suas ações,
nas relações que sustentam uns com os outros” (Elias, 1999:142). Na sua definição de
configuração, Elias sublinha a constituição de um “entrançado flexível de tensões” que
emerge da “interdependência dos jogadores” podendo esta se constituir numa
“interdependência de aliados ou adversários” (idem).
Contudo, tanto Sawicki como Gribaudi preocupam-se em delimitar o
campo e os instrumentos de apreensão de realidades sociais específicas. Neste caso, a
própria noção de rede deve ser recolocada de modo a viabilizar a sua operacionalização no
tratamento dos respectivos objetos de investigação.
66
Sawicki (1997) investiga a associação entre práticas militantes e estratégias
políticas com as propriedades sociais (recrutamento) numa perspectiva relacional e
compreensiva. A análise de trajetórias é realizada em consonância com o contexto sócio-
político de sua realização e busca revelar os condicionantes que contribuem na ocupação
de posições militantes. No que tange à utilização da noção de redes esta visa “revelar a
estrutura de relações estáveis e historicamente constituídas existentes entre setores sociais
disjuntos”, neste caso, “a existência de redes é a manifestação de relações historicamente
consolidadas entre grupos e organizações” e o seu “desenvolvimento e sua ativação
parecem constrangido por uma estrutura historicamente objetivada nas instituições e nas
regras” (idem: 24-25).
Portanto, o autor pensa em redes que se formam a partir das múltiplas
inserções exógenas ao meio partidário dos agentes e que interferem nas suas interações e
tomadas de posição endógenas. Os pertencimentos a variados sites de interação e os
múltiplos laços efetivos aí estabelecidos, dito de outro modo, o fato da
“multiposicionalidade e pluralidade dos modos de relações e de formas de interesses que
decolam” (Sawicki, 1997:26) obrigam os agentes a medir sem parar suas ações e
posicionamentos de modo que em cada setor no qual estão inseridos “os atores e os grupos
utilizam recursos e regras que são definidas ao mesmo tempo fora e no interior de cada
grupo” (Sawicki, 1997:30).
Sawicki concebe o indivíduo como passível de maximizar, de um
determinado ponto da estrutura social, os laços estabelecidos nas suas múltiplas inserções e
ainda de manipular as regras e recursos endógenos à luz das orientações exógenas. Porém,
sublinha a objetivação de setores sociais diferenciados. Ou seja, os sites nos quais os
agentes investem são relativamente autônomos e mantém relações de interdependência
entre si (se definem por suas características internas de demarcação de fronteiras – ou
trabalho de homogeneização – e por suas características externas de reconhecimentos
mútuos – ou transações entre setores diferenciados e especializados que sustentam a
própria realidade social). Disso emerge a idéia de redes como vínculos promovidos por
indivíduos submetidos ao jogo das disposições, às teias de significações, aos “laços
concretos” forjados nos diferentes lugares de inserção e às regras e lógicas dos sites
específicos. É este arcabouço que define a configuração particular dos instrumentos de
intervenção passíveis de serem ativados nas interações e afrontamentos nestes setores.
67
Como já foi sustentado anteriormente, o trabalho sobre os engajamentos em
uma situação periférica como o empreendido aqui não somente parte de uma conjuntura
crítica na qual ocorre, por definição, a des-setorização do espaço, des-objetivação das
relações sociais e incerteza estrutural (Dobry, 1992), como os elementos de fluidez política
são identificados igualmente em períodos rotinizados. A permeabilidade das fronteiras
entre os domínios que compõem o espaço social se reflete na existência de elos muito mais
diretos e intercambiáveis entre os agentes que neles transitam. Sem os constrangimentos
decorrentes da objetivação das esferas sociais, os vínculos que se constituem assumem
outras características que essas relativas à condição de interdependência como gerando
inevitavelmente “redes sociais”.
Vários autores preocuparam-se em redefinir a noção de redes de modo a
torná-la compatível seja com as sociedades não-ocidentais seja com a complexidade da
sociedade moderna. Alguns buscaram potencializá-la enquanto instrumento operacional
para a apreensão das práticas e relações de indivíduos e “grupos”. É o caso de perspectivas
que tentaram romper com a abordagem de cunho estrutural que propunha a coexistência no
espaço social de diferentes esferas de atividades compondo um sistema que poderia ser
estudado a partir de critérios formais de ligação de seus componentes (indivíduos,
“grupos” ou instituições). Para o tratamento da “trama complexa de laços e dependências
recíprocas” (Gribaudi, 1998), o recurso à idéia de redes egocentradas se impôs como
procedimento mais eficiente. Conforme sublinhou Gribaudi (1998), a atenção dedicada ao
“conjunto de laços estabelecidos pelos atores sociais singulares” permitiria entender
comportamentos e relações como “produto de interações sociais, determinadas pelas
particularidades dos contextos nos quais florescem” (idem:16).
A idéia de coagulação parece pertinente para trabalhar com a estabilização
de “mecanismos e regras implícitas que pesam na determinação da ação social” (idem:20)
em detrimento do pressuposto da determinação imediata de regras e instituições
historicamente objetivadas. Além disso, Gribaudi defende a idéia de “descontinuidade dos
fenômenos sociais” que é compatível com a perspectiva processual dos engajamentos que
se segue aqui. Ou seja, “as mesmas relações, os mesmos recursos, os mesmos símbolos ou
representações adquirem significações específicas e a cada vez diferentes” no decorrer do
tempo. Portanto, há que se perguntar sobre quais são os sentidos que conformam a
68
articulação de cada membro a uma rede de relações que, por sua vez, justificam os
diferentes investimentos e recompensas extraídas do seu engajamento.
A noção de redes egocentradas permite tratar as inserções variadas e
multifacetadas dos indivíduos, assim como apreender como, por meio deles, difundem-se
repertórios de mobilização que são indistintamente produtores de alianças e resultado
destas alianças. É preciso discutir ainda mais detidamente sobre essa última concepção por
constituir-se num instrumento eficaz para o tratamento da trama de elos que pode ser
constituída nos engajamentos em sociedades periféricas.
Para tanto, a importância das indicações de Landé (1977) reside no destaque
atribuído aos tipos de alianças e trocas que constituem uma teia de relações. A noção de
relações diádicas refere-se a esses vínculos horizontais ou verticais estabelecidos
voluntariamente ou por obrigação entre duas pessoas de status próximo ou diferente. Esse
conjunto de fatores incide na criação, sustentação, fortalecimento ou rupturas desses laços
e somente podem ser apreendidos na própria dinâmica de configuração das trocas,
fidelidades, reciprocidade, lealdade pessoal, enfim, das possíveis lógicas que as alicerçam.
A relevância das asserções de Landé também reside no fato de que o autor constrói um
modelo em que podem coexistir “contratos implícitos” como addenda “sustentados por
uma estrutura de relações institucionalizadas”. Portanto, é preciso observar como se
relacionam as relações institucionais (contratos explícitos) que se caracterizam por serem
“contínuas”, “inclusivas”, “previsíveis”, “processualmente padronizadas” e “ligadas a
outras relações institucionais da sociedade” com as relações diádicas (contratos implícitos)
que são fundamentalmente “seletivas, intermitentes e voluntárias”. Sendo assim, o estudo
das alianças diádicas se apresentou como procedimento analítico particularmente adequado
à pesquisa em pauta porque permitiu atentar para os princípios de reciprocidade atuando
nas trocas e nos deslocamentos operados pelos agentes. A possibilidade de maximização
das conexões criadas e o trânsito social decorrente de tais laços são potencializados pelo
ineficaz jogo das jurisdições internas aos domínios sociais.
Neste trabalho, o empreendimento foi no sentido de estabelecer associações
entre as características sociais dos agentes e as posições ocupadas nos diferentes espaços;
buscar os lugares, os meios e as redes privilegiadas de expressão em diferentes períodos;
identificar a posição destes lugares no espaço social de inserção política; e verificar os
69
tipos de redes socialmente condicionadas e mobilizadas a partir dos diferentes domínios de
intervenção. E ainda, em que medida os variados tipos de deslocamentos operados pelos
agentes e os posicionamentos assumidos obedeceram a uma lógica relacional pautada por
alianças e clivagens que remontam ao período inaugural das inserções políticas, isto é,
estão em referência aos demais posicionamentos (inclusivos e exclusivos) presentes nas
arenas e objetos de disputas por estes mesmos construídos e impulsionados. Portanto, cabe
observar os diferentes espaços em que vão transitar e as posições ocupadas, atentando para
as relações de aliança ou de concorrência que vão estabelecer e as estratégias de
intervenção. E também se procurou atentar para a dinâmica dos pertencimentos
(construção de laços de lealdade, redes de sociabilidades, afetos, disputas, rupturas, etc.)
que informam a dimensão identitária reveladora muito dos interesses das ações
desinteressadas.
Capítulo 2 – PERFIS, MODALIDADES DE INTERVENÇÃO E ITINERÁRIOS
O presente estudo se concentra numa dinâmica de fabricação de meios de
intervenção, causas, temas, agendas, etc. operada a partir de uma gama de recursos,
relações e registros, visando apreender os processos de legitimação dos novos
protagonistas e das suas “habilidades” em diferentes domínios e atividades políticas e
profissionais. Pretende-se demonstrar que tal dinâmica é marcada pelo empenho dos
agentes em obter o reconhecimento quanto ao seu “papel” ou “missão” graças ao domínio
indecomponível de códigos de intervenção política e de instrumentos de avaliação
certificados na “prática” e na detenção de um “arcabouço cultural” e “intelectual”
legítimos.
O exame das entradas nos movimentos de contestação em “fases” distintas
do regime militar permitiu evidenciar os diferentes impactos dos eventos históricos nas
trajetórias políticas, escolares, profissionais e sociais dos agentes. Além de frisar a série de
elementos comuns entre eles, foram buscadas aquelas características contrastantes, as
70
estratégias e espaços privilegiados de inserção, bem como a tradução em termos de
posições sociais ocupadas, sentidos de engajamento e dedicação ao militantismo. Tudo isso
em constante redefinição ao longo dos itinerários individuais e/ou coletivos dos
protagonistas.
Os agentes transitavam por diversos meios sociais e extraíam seus trunfos
da plasticidade do espaço político
12
. Pode-se apontar que o maior ou menor acúmulo de
recursos adquiridos nessas inserções se apresenta como fator chave de hierarquização
naquele período e posteriormente, conforme os processos de redefinição dos mesmos.
Neste caso tornou-se imprescindível observar as estratégias propulsoras de dirigentes
políticos e intérpretes autorizados de correntes e doutrinas e como essas cumpriram a
função primordial de classificação, desclassificação e reclassificação (Bourdieu, 1998) de
agentes e de gerações de militantes. Estas informações são primordiais para a observação
dos níveis de especialização do militantismo e de engajamento nos domínios intelectuais
ou nas instâncias partidárias e políticas, que se definem pela importância imputada às
prisões, às torturas e às ações armadas, assim como ao exílio e à possibilidade de
realização de estudos, e ainda aos “treinamentos” em países socialistas ou às vinculações
com partidos e organizações internacionais fora do país
13
.
A partir da identificação das apostas feitas em consonância com as
oportunidades disponibilizadas para tanto, foi possível explorar as lógicas práticas do
processo de intervenção, colocando-as em relação às disposições originais e adquiridas no
decurso de trajetórias heterogêneas e socialmente estruturadas e aos momentos nos quais
elas são acionadas (Juhem, 2001:134). Quer dizer, procurou-se relacionar as tomadas de
posição aos condicionantes sociais intervenientes nos movimentos operados pelos
protagonistas (origem social, capital escolar e cultural, redes de relações, etc.) e aos
12
A plasticidade do espaço político segundo Lagroye (1997) decorre das séries de interações sob
determinadas relações de forças que, por sua vez, se constituem devido às cadeias de interdependências que
ligam os agentes uns aos outros no interior dos diferentes sites de interação, mas também com agentes
situados no exterior. Tais jogos, seus modelos de ações e os constrangimentos que os afetam, estão em
constante transformação, gerando novas configurações, novas práticas, novos recursos, novas crenças e novas
representações sobre a atividade política.
13
A análise dos dados neste tocante pode inclusive apontar para a constituição dos agentes “habilitados” para
a construção e/ou intervenção naquilo que Dezalay e Garth (1998) chamam de “mercado internacional” ou de
um espaço de “práticas transnacionais” como porta-vozes de questões como, por exemplo, os direitos
humanos. Seguindo estas pistas, Guilhot (2001) examinou como os “profissionais da democracia” combinam
“lógicas militantes e lógicas acadêmicas” para se afirmar num “novo internacionalismo americano” mediante
a construção da “imagem pública do seu desinteressamento” (p.54, grifo no original).
71
espaços e modalidades privilegiadas de atuação (grupos clandestinos, universidade,
sindicatos, partidos, igrejas, etc.). Com isso, pretendeu-se compor a dinâmica diacrônica de
alguns elementos que incidiram na configuração de um espaço de “produção ideológica” e
de um sistema de distinções no interior de “gerações” durante o “regime ditatorial”
brasileiro e nos momentos e movimentos sucessivos. E, igualmente, foram apreendidos
alguns dos alinhamentos que figuram no cenário político gaúcho e suas origens, assim
como a constituição e a renovação de alianças entre agentes que atuam em diversos meios
sociais (tema aprofundado no capítulo seguinte).
Neste capítulo são apresentados os perfis e os itinerários dos agentes
investigados. No primeiro momento são caracterizados os ativistas da contestação ao
“regime militar”, os critérios e estratégias utilizados para a composição da população
analisada e os principais elementos de classificação/hierarquização dos militantes. No
segundo momento são apresentados os padrões de carreiras identificados com base no
cotejo das seguintes variáveis: origem social, grau de adesão às causas no momento da
contestação, investimento escolar e cultural, importância da biografia militante prévia e das
redes de relações nos trajetos políticos e profissionais percorridos posteriormente.
2.1 – Fontes e Perfis: uma caracterização geral da população investigada
Nesta seção são apresentadas as principais propriedades constitutivas da
população investigada, tentando explicitar as condições de pesquisa que incidiram na
localização dos agentes que a compõem. Com este procedimento, então, busca-se expor os
obstáculos e as lógicas que presidiram as escolhas efetuadas para a operacionalização do
trabalho, justificar algumas opções metodológicas visando o tratamento de casos
específicos e, assim, circunscrever o universo empírico de análise.
Em termos práticos, a composição do universo empírico foi uma das
primeiras e das principais dificuldades que se apresentou, ou seja, os primeiros entraves
residiam na identificação dos protagonistas da “luta” configurada no período inaugural dos
seus engajamentos (anos 60 e 70), assim como para situá-los atualmente. Esses obstáculos
72
não existiriam caso o recorte da pesquisa partisse das posições contemporaneamente
ocupadas pelos militantes. Todavia, uma das dimensões constitutivas do objeto de estudo
são justamente as entradas na política numa conjuntura histórica específica e transcorrida
há mais de quarenta anos. A escassez de registros oficiais sobre os indivíduos atuantes à
época, as dificuldades para acessá-los quando existentes somadas à diversidade de
percursos possíveis para os personagens poderiam simplesmente inviabilizar a localização
dos mesmos (mudanças de estado ou país, falecimentos, “desqualificações” sociais
variadas, etc.).
A principal iniciativa adotada para superar essas dificuldades foi buscar o
máximo de informações do maior número possível de agentes em fontes distintas e
confrontá-las, almejando, assim, delimitar a população estudada através não somente da
recorrência dos nomes, mas, acima de tudo, do “trabalho de representação e de auto-
definição” dos protagonistas estabelecidas pelos próprios envolvidos e das categorias e
“instrumentos de classificação” por eles ativados (Charle, 1987:14).
A constituição de uma lista preliminar de nomes foi iniciada a partir de
entrevistas com lideranças ou com as pessoas por estas mencionadas. Os primeiros
depoimentos coletados para a produção da dissertação de mestrado sobre os espaços de
atuação e repertórios de mobilização política no Rio Grande do Sul (Reis, 2001). A estes
foram acrescentados todos aqueles localizados nas fontes advindas do enquadramento
institucional, isto é, classificados como “contestadores do regime militar” pelos relatórios
dos chamados “órgãos de segurança”. Estes documentos “oficiais” foram cotejados com
listas de registro e/ou de consagração dos personagens, com dados retirados de livros de
memórias, biográficos, acadêmicos, etc. e de sites da internet dedicados à “recuperação da
memória” dos protagonistas e eventos. Para alguns militantes também foi possível reunir
dados referentes ao exercício profissional (projetos, currículos, livros, congressos, etc.)
e/ou os vínculos políticos por eles mantidos (mediante a divulgação dos cargos públicos,
partidários, sindicais, etc. ocupados) a partir de instâncias de divulgação de atividades
científicas, acadêmicas ou governamentais.
Dentre as fontes consultadas, cabe ressaltar o material encontrado no acervo
disponível no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, especialmente os relatórios das
“atividades subversivas” da “Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança”. Alguns
73
elementos sobre a criação por este órgão do Memorial de Luta Contra a Ditadura e sobre os
registros dos ativistas constatada nos arquivos encontrados são elucidativos tanto das
lógicas empregadas pela instituição que hoje abriga os documentos como daquelas
acionadas pelos seus produtores
14
.
O “Memorial” foi constituído em 1999 mediante a formalização do Decreto
n° 39.680 para a criação de uma “A Comissão do Acervo da Luta contra a Ditadura”,
integrada à Secretaria de Estado da Cultura. Não é mero acaso o fato da criação desta
Comissão ter ocorrido durante o primeiro e único governo do Partido dos Trabalhadores no
estado (Olívio Dutra havia sido eleito no ano anterior) e no decorrer da terceira
“administração popular” da capital (em 1997, Raul Pont substituíra Tarso Genro na
prefeitura de Porto Alegre que, por sua vez, havia sucedido Olívio Dutra que estivera à
frente da primeira gestão do partido iniciada em 1989). É notória a gênese do partido
naquela conjuntura e que suas principais lideranças estrearam sua militância política nos
anos sessenta e setenta. Portanto, a fundação de uma instituição deste tipo pode ser
considerada como uma estratégia celebração que comporta sentidos de reconhecimento,
retribuição e promoção geracional.
Quer dizer, os objetivos do acervo e o fato da comissão ser formada
basicamente por militantes dos anos 60 e/ou 70 que se afirmaram como ativistas de
movimentos de anistia, direitos humanos, mortos, desaparecidos, torturados, etc, traduzem-
se num meio de reconhecer os eventos e personagens responsáveis, de uma forma ou de
outra, pelos sentidos dos engajamentos e das causas que definem o reconhecimento da
própria existência da organização partidária.
O sentido de retribuição abarca essa espécie de prêmio à dedicação dos
militantes à causa original e que têm nesta o seu principal trunfo biográfico, podendo se
constituir igualmente num veículo de propagação das perdas e de reivindicação das
reparações possíveis. Além disso, o “memorial” não deixa de ser uma forma de
gratificação aos mortos, a possibilidade de saldar, em parte, a dívida com aqueles que
14
Tratam-se dos mecanismos de institucionalização de “problemas sociais” apontados por Lénoir (1998:95)
que envolve formas de burocratização, discursos ativados no interior das instituições por diferentes agentes e
em variados períodos, muitas vezes interligados às temáticas difundidas e aos seus porta-vozes no interior das
ciências sociais. Sendo assim, acabam se transformando em um obstáculo a uma análise sociológica, uma vez
que o analista enfrenta “representações já constituídas” e propagadas “por discurso erudito ou político moral,
mas também no estado de instituições como sistemas de retribuição ou redistribuição, equipamentos, etc.”
74
haviam oferecido à “causa” o seu maior “sacrifício”
15
. Mas, principalmente, a construção
de um espaço e sua administração por agentes “legítimos” visa ativar e transmitir, ou
mesmo traduzir e reinterpretar, o passado e os feitos heróicos dos seus protagonistas,
certificando os emblemas que singularizam as biografias e, assim, alicerça os potenciais de
intervenção e transformação dos agentes “no presente”.
Os objetivos expressados no documento de apresentação do memorial
explicitam as estratégias de celebração e de eternização em pauta.
Folder de divulgação do Acervo do Memorial da Luta Contra a Ditadura do RS
15
Hélias (1979:747) identifica nas “homenagens aos mortos” uma modalidade específica de troca simbólica,
pois estabelece uma condição de credor para o morto e de devedor para os vivos. A homenagem afirma a
gratidão, mas não é correlativa à dívida estabelecida. Segundo ele: “A troca simbólica não contém nenhuma
reciprocidade que possa ser dissolvida, já que se encontra desestabilizada entre um crédito que pode sempre
se avolumar e uma dívida impagável dos devedores” (idem:749). O seja, a origem da dívida se localiza na
“vida dada” pelo morto (credor), e na necessidade dos vivos cumprirem a sua missão.
75
Quadro I – Objetivos do Memorial
Objetivos: A Comissão do Acervo da Luta Contra a Ditadura está em permanente campanha pela abertura e
acesso dos arquivos da ditadura, com a convicção de que tal iniciativa contribuirá para:
- Resgatar o passado recente e a produção do conhecimento histórico sobre o mesmo;
- Fortalecer a cidadania a partir do resgate da memória das experiências de resistência contra o arbítrio e o
autoritarismo;
- Responder à justa demanda das famílias das vítimas de saber a verdade sobre o que ocorreu com seus entes
queridos, assim como o destino dos desaparecidos;
- Aprofundar e consolidar as liberdades e as instituições democráticas;
- Exercer o direito inalienável da sociedade de conhecer sua própria História;
- Consolidação de uma consciência coletiva respeitosa dos princípios democráticos e dos direitos humanos.
Os principais documentos aí armazenados referem-se aos registros do
Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e Supervisão de Ordem Política e Social
(SOPS) do Rio Grande do Sul. Estes arquivos contêm: fichas nominais e datiloscópicas,
prontuários de presos, processos e resoluções, relação dos indivíduos monitorados pelo
Departamento Central de Informações (de Fevereiro de 1972), listagem de indivíduos
envolvidos em inquéritos instaurados pelo DOPS, listagem de indivíduos enquadrados na
Lei de Segurança Nacional.
A dificuldade em trabalhar com essas fontes residiu no fato de que, ao
contrário do que se poderia esperar, não havia, ao menos naquele momento, uma
catalogação ou explicitação clara dos “fichamentos” relacionados diretamente à “questões
políticas”. Quer dizer, foram encontrados registros de casos de “contravenções” variadas
que poderiam ter ou não relação com a “subversão” e, para os casos em que atribuíam a
provável existência deste vínculo, nem sempre o era feito num mesmo documento. Alguém
poderia ter sido fichado por suspeita de tráfico de drogas ou por brigas e a isto
relacionarem, no mesmo documento ou em ou outro “fichamento”, algum tipo de “prática
subversiva”, ou não. De qualquer modo, isso dificultava demasiadamente o rastreamento e
cruzamento das informações. Da mesma forma, determinadas característica como usar
barba, embriagar-se, fumar, falar alto, etc. compunha o estereotipo do “perigoso” e
76
“subversivo”, logo, eram “indícios” que justificavam a suspeita dos seus detentores e o
decorrente acompanhamento da polícia, o que se traduzia na proliferação e difusão de
casos. Devido a essa fragmentação e imprecisão das informações sobre os “suspeitos”, a
opção foi então a de tomar como fonte apenas os relatórios específicos sobre os
“subversivos”.
As informações encontradas referiram-se fundamentalmente às
organizações que os militantes participavam no momento do enquadramento e,
eventualmente, as anteriores. Alguns casos apresentaram dados como: naturalidade;
profissão ou tipo de estudos; data de nascimento; filiação; estado civil (sendo mencionado,
quando era o caso, o vínculo de casamento com outro, ou outra, militante); codinomes;
datas de detenção; inquéritos; prisões decretadas; liberação; ou estando foragido. Destas,
profissão, tipo de estudos e estado civil, por exemplo, geralmente foram informações
defasadas, mas que indicaram os tipos de trânsitos privilegiados.
Foram encontradas ainda informações sobre os tipos de “atividades
subversivas” privilegiadas pelos militantes e/ou organizações (a realização de cursos de
marxismo, panfletos escritos ou distribuídos, guerrilhas, exílios, contatos internos e
externos, viagens, assaltos, colaboração financeira, organização de reuniões, jornais, etc.),
todos apresentados como “atividades subversivas”; a “função” ocupada dentro da
organização; organogramas de algumas destas organizações e descrição de “princípios
ideológicos”, etc.
A linguagem utilizada para a descrição das “organizações” e dos indivíduos
é muito semelhante àquela comumente usada pelos próprios militantes, referindo-se às
clivagens entre orientações no interior do marxismo (“maoístas”, “trotskistas”, “foquistas”,
etc.), à divisão do trabalho (“área de aproximação”, “membro de célula”, etc.), à estrutura
(“aparelhos”, “financiamento”, etc.) e às tarefas (“formação”, “assaltos”, “ações armadas”,
“vinculação com o exterior”, etc.). Tal constatação, ligada ao uso do jargão militar pelos
membros das “organizações”, assinalar para a formação de um quadro de referências
comum entre os “pólos armados” e uma interpenetração de códigos no processo de
enfrentamento
16
.
16
Isto parece ser decorrente das interpenetrações, osmoses e tensões entre os “pólos”. Tais constatações vão
ao encontro de alguns apontamentos feitos por Neiburg (1999b) seguindo as orientações de Norbert Elias
77
É importante realçar também a existência de uma espécie de “sintonia” entre
os elementos valorizados pelos “órgãos de repressão” à época e pelas instâncias de
consagração atualmente. Isto é, tanto as instituições responsáveis pelo combate às ações
contestatórias quanto àquelas dedicadas à celebração dos agentes nelas envolvidos
conferem especial destaque às “atividades subversivas”. O enquadramento policial (as
“fichas”) constitui o material de maior e de mais fácil acesso no “Memorial de Luta Contra
a Ditadura”. Ao longo da pesquisa, verificou-se que grande parte dos freqüentadores do
memorial buscava o acesso justamente a este tipo de documento e que os funcionários os
disponibilizavam prioritariamente para todos os usuários do arquivo. Do mesmo modo, o
enquadramento policial era frequentemente referido pelos agentes como uma certificação
da sua atuação no momento contestatório. Eventualmente, assim como pareceu acontecer
para os depoimentos oferecidos, estes registros comprovariam, paradoxalmente, a atestação
da inserção “heróica” do protagonista e também sua “vitimização” (torturados, procurados,
exilados, desempregados, enfim) que podem ser acionados nos pedidos de indenização por
tais danos
17
.
Infelizmente, os dados não são homogêneos, são incompletos e, em alguns
casos, também equivocados, o que pode ser constatado no confronto com informações
extraídas de outras fontes. De qualquer modo, o material encontrado nos arquivos do
memorial viabilizou o mapeamento de indivíduos e “organizações” de esquerda, atuantes
ou com vínculos no Rio Grande do Sul entre 1969 e 1973.
Apesar da carência de dados biográficos consistentes, foi possível organizar
um banco dados cuja análise permitiu a composição de um panorama geral do perfil dos
militantes e, a partir deste, selecionar os casos pertinentes para a análise mais detalhadas de
perfis e itinerários. As informações são aqui apresentadas em dois momentos: o primeiro
abarca o maior número possível de militantes localizados e examinados a partir de um
sobre a análise das configurações de relações entre grupos established e outsiders, espirais de violência e
duplo vínculo. Nas suas palavras: “a dinâmica de atração e de repulsão entre os grupos estabelece uma
situação de interdependência e de conflitos crescentes que, dado um aumento exagerado no diferencial de
poder entre eles, pode transformar em legítimo o uso da força e, em casos extremos, pode viabilizar o
extermínio como forma de construir identidade de uns às expensas da própria existência dos outros . (....)
poderíamos identificar processo semelhantes em universos sociais (...) como na América Latina dos anos 70,
no confronto entre grupos de inspiração marxista, que acreditavam ser legítimo fazer política de forma
violenta, e formações militares estatais e paraestatais, que reivindicam a necessidade de manter o monopólio
da violência que supostamente seus inimigos ameaçavam” (Idem:60-61)
17
Refere-se à aplicação da Lei n° 11.042/97 do Rio Grande do Sul que obriga o Estado brasileiro a indenizar
as vítimas e os familiares que foram “vítimas da ditadura”.
78
número restrito de variáveis e o segundo contempla um número mais reduzido de casos de
agentes entrevistados e analisados de forma mais densa a partir uma gama mais ampla de
variáveis (foco do próximo item). Portanto, os dados reunidos para todos os agentes que
foram registrados ou mencionados (nos documentos e depoimentos coletados) como tendo
tido alguma tipo de atuação na “luta contra a ditadura”, fundamenta a seleção dos perfis
representativos e acessíveis para o estudo mais preciso de trajetos exemplares.
Foram, então, identificados 429 indivíduos. Destes, não foi encontrada
nenhuma informação para 80 (18.6%) e de 96 (ou 22%) detectou-se apenas a “organização
clandestina” a qual pertenceu nos anos 70
18
. Apenas 94 (22%) são do sexo feminino, sendo
que para 24 delas não se tem nenhuma informação e para 21 sabe-se apenas a
“organização”.
Inicia-se expondo a distribuição dos militantes entre as “organizações
clandestinas” nos anos sessenta e setenta
19
, tomando a principal vinculação dos mesmos.
Para estas, têm-se informações para 283 dos casos.
18
É preciso sublinhar que a maioria dos relatórios da polícia encontrados é datada do início da década de
setenta, período este marcado pelo investimento mais intenso e bem sucedido dos “órgãos de repressão” no
sentido de “desmantelar as organizações clandestinas de esquerda” que “combatiam” o “regime militar”.
19
A análise da idéia de “organização” revela lógicas específicas ativadas pelos agentes na sua prática
militante e também permite observar a constituição e dissolução de vínculos de amizade e de concorrência.
Por estes motivos, essa categoria merece uma discussão mais detalhada, o que é realizada no próximo
capítulo dedicado às redes de relações e seus efeitos na configuração de um espaço de concorrência fundado
nos engajamentos e militantismo no RS.
79
Quadro 2: Organizações clandestinas nos anos sessenta e setenta
Organização Número de agentes
atuantes no início da
década de setenta.
(%)
Ala Vermelha do Pc do B 24 8,5
ALN (Ação Libertadora Nacional) 3 1
AP (Ação Popular) 79 29
FBT (Fração Bolchevique Trotsquista) 4 1,4
M26M (Movimento 26 de março) 7 2,5
M3G (Marx, Mao, Marighela, Guevara) 1 0,3
MCR (Movimento Comunista Revolucionário) 8 3
MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro) 2 0,7
MRT (Movimento Revolucionário Tiradentes) 2 0,7
PC do B (Partido Comunista do Brasil) 30 10,6
PCB (Partido Comunista Brasileiro) 4 1,4
POC (Partido Operário Comunista) 75 26,5
VAR- Palmares (Vanguarda Armada
Revolucionária-Palmares)
17 6
VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) 27 9,5
Total 283 100
Fonte: Acervo do “Memorial da luta contra a ditadura”; sites de internet de consagração e
entrevistas.
Seis “organizações” se destacam na tabela acima: AP (28%), POC (26,5%),
PC do B (10,6%), VPR (9,5%), Ala Vermelha do PC do B (8,5%) e VAR-Palmares (6%).
A Ação Popular foi formada em 1962, por integrantes da Juventude Universitária Católica,
a JUC (setor da chamada Ação Católica) que desejavam formalizar-se como “grupo
político” com o intuito de “lutar contra a ditadura”. Apesar de transformar seu conteúdo
ideológico ao longo do tempo (tido altamente “conservador” na gênese, “libertário” e
“revolucionário” nos anos 60), são características marcantes da AP: a interferência dos
teólogos franceses, a ênfase num intelectualismo católico e a intervenção na política
nacional.
Estes elementos devem ser discutidos mais atentamente (o que é feito no
próximo capítulo), mas eles são brevemente aqui indicados para apontar a preponderância
desta “organização” em âmbito nacional e, inclusive, as bases dos elos estabelecidos pelos
80
seus componentes e sua persistência. Não poderia ser diferente no Rio Grande do Sul onde
os dirigentes da AP possuíam inserção incontestável no movimento estudantil, secundarista
e universitário, e contavam com uma circulação nacional e internacional importante
(fomentada ou não pela “organização”) o que justifica esse destaque em relação às demais
“organizações”.
Outra “matriz” das organizações de esquerda, presente naquele cenário, é a
POLOP. Anterior à AP, desde 1961 a Organização Revolucionária Marxista – Política
Operária (o ORM-PO ou POLOP) havia se constituído como veículo de atuação
“esquerdista” com influência marcante nos meios universitários. POLOP e AP eram
alternativas a até então predominante presença do PCB e dos “nacionalistas de esquerda”
(ou os “trabalhistas”) que compartilhavam as mesmas diretrizes de condução da política
nacional naquele momento. Além dessas, o início dos anos 60 também contava com a
existência do PC do B que fora formado a partir de um “racha” (como é classificado na
linguagem do meio) no interior do PCB (oficialmente porque os “dissidentes” assumiram a
“via stalinista” mesmo depois das denúncias dos crimes cometidos pelo líder russo).
Porém, com o “golpe militar”, essas “organizações” não conseguiram se
sustentar como as principais aglutinadoras dos “contestadores” e fragmentaram-se em
pequenas “organizações revolucionárias clandestinas” que pautaram, durante mais ou
menos sete anos, as articulações e rearticulações entre militantes (não raro os debates em
torno das cisões são centrados na defesa ou contestação da “guerrilha” ou da “luta
armada”). Com justificativas “teóricas” e “ideológicas” diversas para as trocas,
construções, reconstruções ou dissoluções das “organizações”, a análise dessa dinâmica
revelou uma série de mecanismos de compatibilização de disposições sociais, afetivas e
ideológicas. Deste modo, pode-se afirmar que as constantes formações, fusões ou
dissensões entre e intra “organizações” eram muitas vezes o resultado de rupturas ou
edificação de laços variados, fundados em motivações muitas vezes indiscerníveis e que
são tratadas no próximo momento.
No caso do PCB, entre 1965 e 1968 houve uma “debandada” dos militantes
inseridos nos meios estudantis que, utilizando como justificativa a morosidade na
“resistência” ao “golpe” ou passividade do partido diante do regime, formaram
“dissidências estaduais” em todo o país. Os “dissidentes” gaúchos que deixaram o
81
“partidão” e juntaram-se, posteriormente, a uma grande parcela dos integrantes da POLOP
e constituíram, em 1967, o Partido Operário Comunista. O POC sobressaiu-se no Rio
Grande do Sul, então, em decorrência da presença das suas principais lideranças residirem
e militarem neste estado.
A outra metade dos membros da Organização Revolucionária Marxista
dividiu-se em duas “organizações”: a primeira, localizada em Minas Gerais, compôs o
Comando de Libertação Nacional (Colina) e a segunda, centrada em São Paulo, juntou-se a
militantes advindos fundamentalmente dos movimentos nacionalistas de esquerda
(formado, sobretudo por ex-militares de baixa patente cassados em 1964) que pertenciam
ao MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário) para formar, em 1968, a VAR-
Palmares.
No Rio Grande do Sul, uma das principais lideranças da “organização”
havia atuado no PCB e, com a pulverização das “esquerdas”, formou, junto às lideranças
estudantis secundaristas (vinculadas notadamente a principal escola pública localizada em
Porto Alegre e conhecida como um “foco de resistência estudantil”, o Júlio de Castilhos)
uma pequena organização que, até ligar-se a VAR-Palmares ou a VPR, não tinha nome e
ficou conhecida como O. (chamada “O pontinho”). Esse líder da VAR-Palmares, casou-se,
em São Paulo, com uma liderança de destaque da mesma organização (ex-Colina). Os
vínculos existentes, estabelecidos ou mantidos destes militantes indicam a relevância das
organizações (VPR e VAR-Palmares) no estado.
O PC do B e sua Ala Vermelha sobressaem-se consideravelmente no quadro
acima. O primeiro, porque, embora tenha tido uma organização muito tardia e com poucos
membros depois do “racha” no PCB, no Rio Grande do Sul, assim como no Rio de Janeiro
e São Paulo, constituiu “bases significativas”, pois contou com a intervenção direta dos
seus principais dirigentes nacionais nestes estados no período da cisão.
Já a Ala Vermelha formou-se a partir da junção entre dissidências do PC do
B localizadas no centro-oeste e no sudeste. Apesar de muito pequena e relativamente
inexpressiva nacionalmente, a “dissidência” gaúcha foi articulada por lideranças
(sobretudo com origem em uma importante cidade universitária do interior, Santa Maria)
que congregavam a defesa da “guerrilha” com investimentos e reconhecimento “teóricos”.
Os militantes, que possuíam e reivindicavam a posse desses atributos, constituíam
82
basicamente a mesma rede de relações, conquistaram um reconhecimento significativo nos
debates e espaços esquerdistas no estado e vieram a constituir, já na década de 80, o
Partido Revolucionário Comunista (PRC).
Não está entre os alvos primordiais do presente estudo, confrontar versões
sobre as orientações “filosóficas” e “ideológicas” declaradas nas definições das siglas e dos
conteúdos formais aos quais os membros das “organizações” se associavam. Contudo,
através da observação das freqüências acima é possível identificar estes lugares como
privilegiados para a constituição ou explicitação de elos que persistiram ou se desfizeram
de formas variadas, nos itinerários dos agentes. Como já foi dito, tais laços são tratados
num momento posterior dedicado especificamente ao estudo dos vínculos e
posicionamentos que estruturam o espaço de luta e que se constroem a partir das inserções
e nas suas reconfigurações sucessivas ao longo dos trajetos coletivos.
O segundo dado mais freqüentemente encontrado foi o de naturalidade. Tal
informação foi obtida para 205 militantes. Entre eles 77% nasceram no Rio Grande do Sul
e 23% nasceram fora do estado. Dentre os que têm origem fora, salientam-se as maiores
freqüências para os nascidos em Minas Gerais (23%), seguido por Santa Catarina (13%) e
São Paulo (11%). Essa presença contundente de militantes oriundos do primeiro estado
(MG), além da patente extensão demográfica – afinal trata-se de um dos estados mais
populosos do país – deve-se aos laços que as lideranças mineiras fixaram com outros
estados (mormente com o RS) e que se refletiram no destaque que conquistaram na
composição das “organizações”, as mais “prestigiadas” pelos militantes como a POLOP, a
VPR e VAR-Palmares (cujas influências no RS foram mencionadas anteriormente). No
que tange aos militantes originários de São Paulo, sua presença significativa deve-se à
posição central do estado na configuração da maior parte das “organizações”, além da
importância demográfica do mesmo. Quanto àqueles advindos de Santa Catarina, o peso
deve-se basicamente à proximidade geográfica com o Rio Grande do Sul.
No que diz respeito apenas aos gaúchos, a maior freqüência está entre os
nascidos em Porto Alegre (30%), seguido distante por Pelotas (8%), Bagé (6%) e Santa
Maria (5%). O que demonstra que uma boa parcela dos militantes é proveniente da capital
ou dos grandes municípios do estado. Porém, mais da metade deles (51%) nasceram em
cidades espalhadas pelo Rio Grande do Sul, mas de qualquer modo, a estréia na militância
83
ocorreu nas cidades caracterizadas pela existência de universidades mais ou menos
importantes e a maioria deles migra para a capital (não raro para estudar) e em Porto
Alegre desenvolvem sua atuação mais sistemática de contestação ao “regime militar”. O
deslocamento para o centro geográfico indiscutivelmente proporciona a aquisição de
determinados recursos, devido à facilidade em estabelecer contatos com militantes
“qualificados” e, através destes, a possibilidade de transitar por outros estados por conta
destes laços.
Para o ano de nascimento, obteve-se informação para 197 casos (78% do
total). Desses, 43 (22%) nasceram antes de 1940; 108 (55%) durante a década de quarenta;
44 (22%) durante os anos cinqüenta; e dois indivíduos incluídos no banco nasceram em
1960 e 61. Para dar uma idéia mais precisa da faixa etária dos mesmos, pode-se tomar o
ano do “golpe militar” (1964) e a idade compatível com a realização do curso universitário
para classificar dois intervalos que comportam as maiores freqüências detidas. No primeiro
estão incluídos aqueles que nasceram entre 1940 e 1946 e tinham, no momento do “golpe”,
no mínimo 18 e no máximo 24 anos (36,5%). O segundo abrange os indivíduos nascidos
entre 1947 e 1952 que, portanto, detinham a idade mínima de 12 e máxima de 17 anos
(34%) em 1964. Logo, estes últimos chegaram à idade padrão de ingresso na universidade
entre final dos anos sessenta e início dos anos setenta, período de efervescência das
atividades contestatórias, e foram formados “intelectualmente” nos marcos da influência de
diferentes modalidades de versões de “marxismos”.
Os dados de formação universitária foram obtidos para um número
relativamente restrito de agentes e são apresentados mais adiante. Diretamente ligada à
formação universitária, mas não necessariamente coincidente com ela, a ocupação dos
agentes informa a principal atividade profissional exercida ao longo dos trajetos. Nessa
variável, mais abrangente, conta-se com informações sobre 167 (66% do total). Para
apresentá-los de modo profícuo para o trabalho, optou-se por classificá-los em 10
categorias que contemplam as ocupações exercidas pelos agentes.
84
Quadro 3: Ocupações exercidas
Ocupações
(%)
Assessores parlamentares e ocupantes de cargos de
confiança em governos
20
Empresários e comerciantes 4
Funcionários públicos 12
Jornalistas 8
Professores da estadual e municipal e professores
universitários
23
Profissionais assalariados da iniciativa privada 4
Profissionais da área artística 4
Profissionais liberais 18
Profissões “manuais” 5
Outros 2
Total 100
Fonte: Entrevistas, currículos e site de internet.
É preciso frisar que frequentemente os agentes se dedicam
(simultaneamente e/ou ao longo de seus itinerários) a diferentes atividades, o que dificulta
as tentativas de agrupamento dos dados. Para o presente quadro geral dos perfis, o critério
fundamental utilizado foi o maior tempo dedicado a uma ou outra das ocupações,
considerando, pois, as informações reunidas sobre os trajetos e não somente no tocante a
atual. Como a pluralidade de inserções constitui o principal vetor explicativo desta tese,
uma análise mais precisa é feita ao longo do exame de itinerários. Também porque é
necessário considerar a heterogeneidade existente no âmbito das categorias, buscando os
variados recursos detidos pelos agentes e, assim, apreender como estes definem as
diferentes formas de relacionar e acionar trunfos militantes e intelectuais nas diferentes
arenas nas quais investem e ainda entender como isso se traduz nas posições ocupadas e se
reflete na hierarquia dessas posições.
Sobre a tabela acima, observa-se que as maiores freqüências estão entre os
professores e professores universitários (23%), os assessores parlamentares e ocupantes de
cargos de confiança em governos (20%), os profissionais liberais (18%) e os funcionários
públicos (18%) e, ainda, deve-se destacar a categoria dos jornalistas (8%) que apresentou
características e um índice que justificam seu não agrupamento em outras classificações.
85
Para uma breve referência sobre esse índice, destaca-se a importância da produção escrita
(jornais, documentos, panfletos, programas, etc.) como principal estratégia de divulgação
das idéias defendidas e posicionamentos dos “agrupamentos”. Além disso, o título de
jornalista poderia ser adquirido pelo exercício prático da profissão, sem a exigência da
formação superior no curso de jornalismo para sua aquisição. O que facilitaria a conjunção
entre a “habilidade” adquirida na militância e a necessidade de atuar profissionalmente.
Considerando as informações do quadro geral, quatro características mais
evidentes podem ser sublinhadas. Os cinco tipos de ocupações exigem formação escolar
elevada, informam que os agentes contam com condições materiais de existência
relativamente garantidas, o desempenho dessas funções também viabilizam certa
disponibilidade em termos de tempo livre. A detenção da garantia salarial vinculada à
questão do tempo livre ou a flexibilidade de horários que tais ocupações permitem são
compatíveis com a disponibilidade que podem contar para dedicar-se aos engajamentos.
Adiciona-se que tais ocupações, segundo indica o quadro 3, tendem a retratar o modelo de
extração social de origem situada nas “camadas médias e intelectualizadas” da população
(o que é corroborado adiante com a informação da profissão do pai). Ou seja, são baixas as
freqüências nas ocupações socialmente dominadas (como as “manuais”) e também são
fracas entre aquelas que podem significar ocupações dominantes (como os “empresários”).
Frisando que está se falando do ponto de vista econômico, haja vista que, considerando a
dimensão cultural, os índices mais contundentes encontram-se justamente nas ocupações
“intelectualmente” dominantes.
No âmbito das ocupações mais freqüentes, pode-se propor ainda uma
bifurcação em duas direções definidas a partir maior ou menor grau de autonomia em
relação à dinâmica político-partidária. Por um lado, têm-se aqueles cujas atividades
independem diretamente das invariâncias do mundo político tanto em termos de posições e
tomadas de posição como no sentido financeiro, por isso, são mais “independentes” para
desempenhar seus engajamentos e detêm uma maior disponibilidade de tempo livre para tal
(são os professores e professores universitários, os profissionais liberais e os funcionários
públicos). Por outro lado, têm-se aqueles cujas ocupações estão diretamente relacionadas à
configuração do domínio político e suas retribuições materiais e simbólicas, bem como a
posição e tomadas de posição assumidas são relativa e diretamente dependentes das lutas
86
estabelecidas nesses domínios (os assessores parlamentares e ocupantes de cargos de
confiança).
No que concerne especificamente às mulheres, das 49 (19%) que compõem
o banco de dados, há informação de profissão para 71% delas. Neste caso a distribuição se
comporta da maneira que segue: professoras e professoras universitárias (28%),
profissionais liberais (20%), as assessoras parlamentares e ocupantes de cargos de
confiança em governos (17%), e funcionárias públicas (14%). Há, então, duas alterações
em relação à distribuição anterior. Em primeiro lugar, observa-se que o índice de
profissionais liberais é maior que a dos assessores e, em segundo lugar, que se tem uma
freqüência maior de empresárias e comerciantes (6%) neste último caso. Tais dados
assinalam para uma menor profissionalização militante e um maior número de
desengajamentos (Fillieule, 2005) entre as mulheres. De qualquer modo, não foi
evidenciada, ao menos neste momento, nenhuma diferença de gênero mais significativa
nas ocupações.
A partir das quatro variáveis apresentadas até então, examinadas com o
apoio de outros materiais pertinentes, podem ser destacadas algumas pistas que são
exploradas nos momentos subseqüentes de forma mais acurada. Os dados sobre as
“organizações” pertencentes nos anos sessenta e setenta indicam a inserção e distribuição
dos agentes no espaço “esquerdista” configurado naquele período. Mesmo que as adesões
fossem efêmeras, eram os lugares privilegiados na delimitação de identificações, de
sociabilidades e de rivalidades criadas entre os militantes e, por este motivo, são passíveis
de serem observadas tomando-se como ponto de partida a própria circulação ou não dos
protagonistas entre elas. No tocante à naturalidade, esta permite evidenciar não somente a
distribuição regional dos militantes, como também suscita a reflexão sobre as estratégias
acionadas pelos agentes com vistas à aquisição ou acumulação de recursos de militância e
de afirmação profissional, uma vez que os deslocamentos operados constituíam-se num dos
principais vetores neste sentido.
No concernente à data de nascimento, esta é tratada como um indicador
geracional (não definitivo) importante para a análise, pois informa a possibilidade do
agente ter estado submetido ou não a eventos marcantes anteriores à década de sessenta, de
possuir outras formas de relacionar os engajamentos e seus recursos intelectuais, enfim, de
87
perceber e utilizar modalidades de intervenção política diferentes daquelas privilegiadas
pelos agentes que ingressaram na “luta política” já sobre o efeito da “ditadura militar”. Por
último, a classificação das ocupações se mostrou importante para mapear preliminarmente
os destinos profissionais possíveis para os agentes e, com isso, reunir elementos sobre as
diferentes posições alcançadas, bem como para sinalizar os arranjos estabelecidos nas suas
atividades entre os investimentos escolares, intelectuais e políticos.
Desta maneira, a constatações feitas com base na análise das quatro
variáveis acima viabilizaram a delimitação de um universo menor e representativo de
casos. Isto é, levando-se em conta a acessibilidade às informações e a sua
representatividade assentada nos perfis sugeridos na discussão precedente, a redução do
conjunto de agentes tratados na seqüência se justifica pela possibilidade de operacionalizar
informações padronizadas, refinar as variáveis e garantir freqüências relativamente
contundentes.
Sendo assim, passou-se a trabalhar com um conjunto de 105 indivíduos,
cujos perfis são descritos com base na aplicação de variáveis referentes à posição social e
às trajetórias escolares, profissionais e políticas.
As duas variáveis sociográficas mais básicas são as referentes ao sexo e ao
estado civil (sobre esta última, toma-se as informações mais atualizadas que se obteve).
Dos 105 militantes, 21 são mulheres (20%) e 84 são homens (80%). Para as informações a
respeito do estado civil obtidas para 75 dos militantes, observa-se que 52 (69%) são
casados, 12 (16%) são divorciados, 6 (8%) são solteiros e 5 (7%) são viúvos. Verifica-se
que, de certo modo, mantém-se a proporcionalidade inicial entre homens e mulheres (19%
contra 81%). De qualquer modo, cabe observar que das 21 mulheres referidas, excetuando-
se 4 das quais não se tem uma informação neste tocante, 17 (81%) são ou foram casadas
com companheiros de militância daquele período. Interessante, é que a maioria destes laços
se refere à vínculos matrimoniais estabelecidos entre as principais lideranças (tendo em
vista os agentes aqui analisados) de ambos os sexos. Uma explicação para tal
preponderância pode ser buscada na proximidade entre os militantes e a distância
(proporcional à inserção “total” na militância) que acabava se criando entre os “ativistas da
luta” e o mercado matrimonial em geral. Para as mulheres, o fato mesmo de participar
“organicamente” desses movimentos de contestação e de serem “esquerdistas” já se
88
constituía num trunfo primordial no mercado afetivo restrito, haja vista a raridade de
engajamentos “femininos”. E, até mesmo por isso, elas se beneficiaram de uma “oferta
masculina” generosa e, assim, puderam “escolher” entre os militantes com atributos de
liderança mais relevantes e valorizados naquele momento. Isso é claro, sem neutralizar, por
um lado, a diversidade de atributos exaltados conforme os variados meios de inserção e o
momento conjuntural – o fato de ser “destemido”, “combatente”, “corajoso”, etc. podem
ser mais ou menos valorizados, ao passo que em outro a “capacidade” de elaboração
intelectual poderia ser o principal critério de valor. E, por outro lado, não deixavam de
operar as disposições e o encontro de posições semelhantes ocupadas por homens e
mulheres no universo dos engajamentos. A hierarquização operada no interior do universo
masculino, acompanhada da desigual oferta entre os gêneros no mercado afetivo
intervinham para que os homens com posições de liderança viessem a casar-se com
mulheres militantes e para os demais (mais periféricos na hierarquia) isso fosse menos
provável.
No que concerne à profissão do pai, tem-se informação para 68 casos e as
freqüências se distribuem da forma que segue: 13 (19%) são filhos de comerciantes, 12
(18%) têm pais que podem ser classificados como detentores de profissões manuais, índice
este que se repete para os casos de filhos de profissionais liberais (18%), 10 (15%) são
filhos de funcionários públicos. As recorrências mais baixas estão entre os agentes que
descendem de empregados privados que totalizam 6 (9%), seguidos dos professores
universitários, empresários e militares, todos com 5 componentes cada (7%).
Quadro 4: Profissão do pai
Profissões (%)
Comerciantes 19
Empregados no setor privado 9
Empresários 7
Funcionários Públicos 15
Militares 7
Professores Universitários 7
Profissionais liberais 18
Profissões Manuais 18
Total 100
Fonte: Entrevistas e biografias.
89
Evidencia-se que as maiores freqüências estão nas profissões que podem ser
classificadas como pertencente às “camadas médias” da população, reforçando a extração
social identificada com os dados de ocupação tratados anteriormente. No que pese as
classificações de “comerciante” e de “profissional manual” serem pouco precisas para
informar a origem social dos agentes – uma vez que é preciso saber que tipo de comércio e
sua localização ou mesmo a que tipo de profissão manual está se referindo – pode-se
salientar que, do ponto de vista econômico, há uma predominância de ocupações
relativamente “bem remuneradas” e, do ponto de vista cultural, existe uma forte presença
de atividades intelectualizadas ou ligadas à formação escolar entre os pais dos militantes.
Sobre a “influência política herdada”, enfatiza-se que entre os 86 para os
quais se obteve esta informação, 71 (83%) dos indivíduos têm parentes com algum tipo de
engajamento político. Sendo que a referência a tal vínculo costuma ser feita quando são
apontados os fatores que teriam influenciado na definição pela participação política do
mesmo. Assim, a valorização da detenção de um laço familiar (principalmente a existência
de ascendentes como pais, avós, mas também de maridos e esposas) constitui-se numa
estratégia de auto-atribuição ou reivindicação da “capacidade” de intervenção.
Dos 105 militantes em pauta, 95 (90%) iniciaram sua intervenção política
via movimento estudantil, sendo que 56 (53%) deles estrearam a atuação nos meios
universitários e 39 (37%) nos quadros do movimento estudantil secundarista. Apenas 10
(9%) declararam que o vínculo inaugural foi com o partido político e esses casos referiam-
se mais frequentemente à “aproximação” com o PCB, uma das principais forças
“esquerdistas” que abarcava os estudantes no início dos anos 60. Contudo, é preciso
observar que, não raro os contatos com outros integrantes que viabilizavam a entrada no
partido ocorriam dentro mesmo das instituições de ensino e concomitantemente à
participação nos movimentos de contestação estudantis. Por isso, se ajustam às
delimitações do recorte empírico previamente estabelecido.
Como se sabe, o “pós-golpe” é marcado por uma série de “rachas” nas
chamadas “organizações matrizes” de esquerda (notadamente o PCB, POLOP, AP e PC do
B), bem como pela rearticulação das várias dissidências e constituição de “organizações
clandestinas” menores. Contudo, a investida da “polícia” na localização e supressão dessas
90
“organizações” mediante a prisão e tortura dos seus principais líderes, conjugado, como
conseqüência, à saída de cena de outros tantos para o exílio, suspenderam expectativas
“esquerdistas” mais “audaciosas”.
Ademais, o início dos anos setenta (sobretudo a partir de 1973) também
marcou a disseminação dos discursos pela “democratização” e pelo fortalecimento (e
eficácia) da atuação da “sociedade civil” por via “segura”, isto é, institucional. Seus
principais porta-vozes, as “personalidades intelectuais” nacionais, moveram-se
definitivamente para dentro do partido de oposição e colocaram em obra a fundamentação
das estratégias oposicionistas a serem levadas a cabo pelo MDB. Estes aspectos, somados
aos favoráveis resultados eleitorais conquistados pelo único partido de oposição oficial,
convergiram para a identificação do MDB como veículo passível de favorecer não somente
a “mobilização esquerdista” contra o “regime”, como também a afirmação dos seus
protagonistas no espaço institucional.
De 102 militantes que se dedicaram à contestação ao regime militar e para
os quais se obteve a informação, 48 (47%) optaram por atuar paralelamente nos seus
círculos informais ou clandestinos – cujas fronteiras eram definidas por proximidades
ideológicas e sua sustentação dava-se tanto pelo compartilhamento de preceitos como
pelos laços de afetividade fixados – e no MDB como estratégia de demarcação de posição.
Um pouco menos, mais precisamente 42 (42%) dos militantes tiveram sua atuação atrelada
apenas às organizações clandestinas ou informais no início da mesma década. No entanto,
neste caso, é preciso ressaltar que estão sendo mensurados, inclusive, os que foram presos
e/ou exilados naquele período, ou seja, não tiveram a oportunidade de se filiar ao MDB no
momento de maior legitimidade da sigla, ou participar de espaços como o Setor Jovem ou
o IEPES. Mas mesmo estando fora do país eles influenciaram nas tomadas de posição
daqueles que passaram a atuar também no âmbito institucional a partir, mais ou menos, de
1973, o que pode ser afirmado com base em outras fontes de análise, notadamente as
entrevistas. É preciso enfatizar que também foram considerados aqueles que ingressaram
nos movimentos de contestação na metade da década quando, portanto, já praticamente não
existiam as ditas “organizações clandestinas”. Os 12 (11%) restantes são aqueles que
atuaram no mesmo período somente nos marcos MDB e constituíram sua rede de relações
a partir dos domínios do partido e deste extraíram seu reconhecimento. Cabe mencionar
91
que grande parte destes últimos se mantivera no PMDB, ao menos como a primeira opção
partidária.
Pode-se demonstrar a freqüência das escolhas partidárias, com o
pluripartidarismo, apoiados nas informações obtidas para 90 militantes (para 7 não foi
localizada esta informação, 5 militantes desapareceram na década de 70 e 3 indicaram não
terem se filiado a nenhum partido).
Quadro 5 – Primeira filiação partidária pós-regime militar
Partido N.º de
casos
(%)
PMDB 41 45
PT 33 37
PDT 16 18
Total 90 100
Fontes: Entrevistas e biografias.
A maior freqüência, 41 (45%), está então entre aqueles que escolheram o
PMDB como primeira opção partidária seguidos por aqueles que optaram pelo PT, 33
(37%) e, em último lugar, está a escolha pelo PDT, 16 (18%).
Os motivos do destaque do primeiro em relação aos demais também são as
razões da perda de quadros nos momentos subseqüentes. Ou seja, deve-se, sobretudo, à
concentração de “expoentes intelectuais” que não detinham inserções partidárias mais
contundentes e anteriores e que maximizaram o MDB como espaço de intervenção. E,
igualmente, deve-se à ilegalidade dos partidos comunistas que ficaram sob à égide do
PMDB até a legalização dos mesmos. Porém, com o tempo, emergiram divergências de
expectativas dos “mais novos” que colidiram com os “projetos” mais “tradicionais” que
monopolizavam o partido, e a agremiação sofreu o impacto de migrações, inicialmente
para o PT e para os partidos comunistas (então legalizados), e posteriormente para o PSDB
(em menor número) e, ainda mais recentemente, para o PPS (em maior número).
O fato de se estar trabalhando com gerações constituídas no exercício da
contestação política numa conjuntura histórica específica e sem vínculos anteriores diretos
92
com forças políticas locais, explica a alta freqüência na escolha do PT. Tendo sido formado
mesmo pelos próprios protagonistas daquelas “lutas”, vinha então com o perfil compatível
àquelas gerações de ativistas e, principalmente, não contava com lideranças estabelecidas
política e eleitoralmente, constituindo-se num espaço para ser disputado e conquistado por
agentes que compartilhavam dos mesmos códigos e recursos de intervenção. As mesmas
razões explicam a baixa freqüência nas escolhas pelo PDT (mais marcado ainda que o
PMDB pelas concepções, práticas e personalidades forjadas em conjunturas históricas
anteriores ao “golpe militar”), assim como apontam para as fidelidades e conflitos
geracionais que emergiram no âmbito desses dois últimos partidos, que acabaram
produzindo “dissidências” tanto em direção ao próprio PT, quanto para outros partidos
menos consolidados no cenário estadual, mas mais propícios à formação de novas
lideranças em busca de espaços.
Tais escolhas iniciais configuram um espaço de oportunidades com reflexos
diretos e variados nos destinos dos militantes. A opção pelo PMDB, principalmente
quando seguida da permanência na sigla, significou possibilidades de profissionalização
como assessores e ocupantes de cargos públicos relevantes ao longo das décadas de oitenta
e noventa, mas implicou em menor destaque eleitoral. Em contrapartida, a escolha pelo PT,
principalmente quando tomada desde a “fundação” da sigla, acarretou em menores chances
de profissionalização nos primeiros anos, contudo contrabalançadas pela constituição de
uma oferta de cargos (eleitorais, públicos, partidários, etc.) praticamente monopolizados
durante algum tempo por protagonistas da “luta contra a ditadura” no Rio Grande do Sul.
Já no que tange ao PDT, observa-se uma desvantagem no acesso aos cargos tanto nos anos
iniciais como no período subseqüente e um controle da sigla por parte de quadros oriundos
do período que precede o “regime militar” ao longo das duas últimas décadas. Tal fato
ocasionou recentemente, inclusive, migrações para o PT dos poucos protagonistas que
participaram da contestação à “ditadura” e que haviam aderido inicialmente ao partido do
“trabalhismo”.
Os movimentos descritos parecem estar intimamente ligados aos perfis dos
militantes traçados com sustentação nas demais variáveis. A opção inicial pelo PMDB
predomina majoritariamente entre aqueles com origens sociais situadas numa posição
93
intermediária, com investimento escolar em áreas consideradas mais “técnicas”
20
ou em
carreiras profissionais que instrumentalizam os títulos para a “gestão pública”, e com
participação mais destacada, sobretudo a partir de 1974, em canais ligados ao MDB, tais
como o Instituto de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais (IEPES), os Setores Jovens
existentes em alguns municípios do Rio Grande do Sul e o Gabinete de Assessoria
Superior (GAS). Já aqueles que investiram na “organização” ou “construção” do PT,
tendem a possuir origens sociais mais altas, investimentos escolares com destaque para
formação em ciências humanas, aí incluídas letras, economia (atrelada ao marxismo) e
pedagogia, bem como são oriundos de “movimentos armados” dos anos sessenta e início
dos anos setenta, afora daqueles que se vincularam às principais lideranças que haviam
estados na clandestinidade, em prisões, exílios, etc. Finalmente, a parcela que aderiu ao
PDT é composta em sua maioria por militantes com origens sociais mais baixas, com
menor escolarização (o investimento na obtenção de títulos superiores muitas vezes
ocorrendo já na década de oitenta) e atuação menos destacada no primeiro período ou
concentrada no segundo período. Estes se aproximaram de “trabalhistas históricos” para a
formação de um partido.
Estas considerações apenas podem ser demonstradas mediante o exame
qualitativo dos trajetos individuais e migrações coletivas, de qualquer modo, a variável
informando a qual partido pertencem atualmente já sinaliza para alguns elementos neste
sentido. Descartando-se os casos em que não se obteve tal informação, ou em que o dado
não se aplica, pois os militantes desapareceram ou não se filiaram a nenhum partido com a
reorganização, ou ainda porque atualmente encontram-se sem vinculação partidária, tem-se
informação para 78 casos que se distribuem segundo a tabela abaixo:
20
Essa classificação como “técnicas” de determinadas profissões utilizadas como trunfo de atuação política
foi identificada também por Coradini (2006:283) ao analisar o uso das relações profissionais nas disputas
eleitorais. Segundo ele ocorre “uma espécie de dicotomia entre os aspectos ‘técnicos’ e os ‘políticos’,
decorrentes de uma concepção própria de política, mas também de profissão. Sendo assim, além de uma
concepção pretensamente desideologizada de política, há uma definição de exercício profissional calcado em
aspectos técnicos, o que aponta para uma posição específica nas lutas [pela definição de determinadas
profissões]”. Do mesmo modo, o autor ao examinar as relações entre escolarização e militantismos para
ocupantes de cargos de primeiro escalão nos governos do PMDB (1995-1998) e do PT (1999-2002), além de
identificar a dicotomia explicitada acima entre profissões “técnicas” e “políticas”, aponta que tal distinção
está correlacionada aos partidos. No primeiro caso, havia mais empresários e administradores enquanto no
segundo mais sociólogos, por exemplo. Da mesma maneira, no primeiro caso, prevalecem as carreiras que
mesclam o engajamento no movimento estudantil, a ocupação de cargos públicos por cooptação e a atuação
em esferas profissionais, no segundo caso, existe um amálgama entre militantismo, uso das ciências sociais e
ocupação de cargos públicos (Coradini, 2002).
94
Quadro 6: Última filiação partidária
Fontes: Entrevistas e biografias.
Comparando os dados do quadro acima com aqueles obtidos acerca da
primeira filiação “pós-regime militar", constata-se, principalmente, o crescimento do PT e
o decréscimo do PMDB e do PDT. As dissidências no PMDB que fortaleceram novas
agremiações no estado (PC do B, PPS, PSDB, etc) e a absorção contínua de militantes pelo
PT originários tanto do PMDB quanto do PDT, são fatores que contribuem para a
redefinição de forças. Observa-se que o PT cresce como sigla de destino dos militantes da
contestação à ditadura à medida que cresce seu potencial eleitoral (logo também seu acesso
a postos e a cargos eletivos ou não), em um processo de dependência mútua e que se retro-
alimentou até o início da última década.
Além das informações sobre a filiação partidária, outros dados mostram que
a intervenção dos agentes no espaço político é uma recorrência na população analisada.
Contabilizando dados de 85 casos, tem-se que 65 (76%) dos agentes já ocuparam algum
cargo administrativo em governos, 43 (50%) deles concorreram ou ocuparam algum tipo
de cargo eletivo e 51 (60%) têm ou tiveram algum tipo de atuação em sindicatos. A
potencialidade explicativa desses dados, tendo em vista a problemática do presente estudo,
pode ser demonstrada de forma mais enfática quando confrontados com os dados
referentes ao perfil profissional e produção intelectual dos agentes.
No que concerne ao grau de escolaridade, considerando os 104 indivíduos
para os quais se obteve esta informação, 95 (90%) têm curso superior, 6 (6%) até o
Partido N.º (%)
PC do B 2 3
PDT 8 10
PMDB 10 13
PPS 3 4
PSB 4 5
PSDB 2 3
PSOL 1 1
PT 48 61
Total 78 100
95
segundo grau e 3 (3%) concluíram cursos técnicos. Entre aqueles que obtiveram um
diploma superior, obteve-se a informação sobre o primeiro curso universitário realizado
para 93 deles. Os mesmos se distribuem conforme o quadro abaixo:
Quadro 7: Cursos universitários realizados
Cursos universitários N.º (%)
Administração 2 2.1
Agronomia 3 3.2
Arquitetura 5 5.4
Artes plásticas 1 1
Ciências Sociais 13 14
Direito 17 18.2
Economia 8 9
Educação 1 1
Educação física 1 1
Engenharia 6 6.4
Filosofia 4 4.3
História 7 7.5
Jornalismo 9 10
Letras 6 6.4
Medicina 5 5.3
Odontologia 2 2.1
Psicologia 2 2.1
Geologia 1 1
Total 93 100
Fontes: Entrevistas, currículos e biografias.
Observa-se que as maiores freqüências estão nos cursos de direito, ciências
sociais, jornalismo e economia (18.2%, 14%, 10% e 9%, respectivamente). Portanto, os
agentes aqui estudados exercem “profissões” que classicamente favorecem a intervenção
política nas mais variadas modalidades, a partir da detenção de saberes acionados para
avaliação, prescrição e exposição (“capacidade oratória”, “retórica” e uso da escrita, etc.),
enfim, de aspectos condizentes com as disputas por reconhecimento nos diversos domínios
nos quais transitam. Não raro, as “competências” são potencializadas pela combinação
96
entre esses saberes, seja mediante a realização de mais de uma graduação ou pós-
graduação seja através do investimento dito “autodidata” nas referidas áreas.
Afora isso, sabe-se que, principalmente no período investigado, esses cursos
foram particularmente marcados pelas concepções marxistas que eram traduzidas e
transmitidas no âmbito estudantil e se fixava como instrumental passível de ser aplicado na
interpretação da “realidade brasileira” e, assim, constituíram-se como fontes privilegiadas
para a afirmação da “capacidade” simultaneamente intelectual e de aplicação prática, que
se impunha como trunfo particularmente potente de distinção em relação às gerações
anteriores. Adiciona-se ainda que, mais do que uma dimensão identitária articuladora dos
ensejos e dos desejos dos militantes naquele momento, como afirmou Pécaut (1990), tal
referencial acabou se constituindo numa matriz estruturante das biográficas, isto é, como
princípios orientadores das escolhas, justificativas, tomadas de posição, visão de mundo,
etc., dos agentes (não necessariamente racionalizadas como tal). Sendo assim, essa é uma
dimensão singularmente importante para se entender a dinâmica de reconfiguração de
recursos e estratégias de afirmação política e intelectual.
Considerando os dados de instituição de ensino superior, onde foi obtido o
título disponível para 78 militantes, as maiores freqüências estão para aqueles que
concluíram sua formação na UFRGS (60%), seguidos por aqueles que realizaram seu curso
na UFSM (15%), PUC/RS (6%), UFPel (4%), UCPel (2,6%), no exterior (2,6%), e as
demais instituições têm apenas 1% cada. Tal distribuição corrobora a importância nos
itinerários do deslocamento para a capital ou para um centro dotado de instituição
universitária já destacada anteriormente.
Além dos cursos universitários, uma parcela significativa dos agentes
investiu também na realização de cursos de Pós-Graduação. De 78 para os quais se têm
essa informação, 49 (63%) têm algum título de Pós-Graduação contra 29 (37%) que não
investiram na posse deste tipo de diploma. Dentre estes, 28 (57%) fizeram mestrado e 21
(43%) realizaram especializações. Dos 28 que fizeram cursos de mestrado, sabe-se que 24
(86%) se dedicaram ou estão se dedicando igualmente na obtenção do título de doutorado.
Das informações detidas para 75 deles, 43 (57%) ministra ou já ministrou aulas em
universidades, contra 32 (43%) que não exerceram esta atividade. Para as instituições de
ensino às quais estão ou estiveram vinculados criou-se cinco categorias que as englobam:
97
Quadro 8: Instituição de ensino superior na qual já estiveram vinculados como professor
Tipos de instituições de ensino
N.º (%)
Universidades Públicas do Rio Grande do Sul 14 33
Universidades Particulares na capital (Porto Alegre) 7 16
Universidades Comunitárias no Interior do Rio Grande do Sul 10 23
Universidades Públicas fora do Rio Grande do Sul 11 26
Universidades Particulares fora do Rio Grande do Sul 1 2
Total 43 100
Fontes: Entrevistas, currículos e biografias.
Evidencia-se o predomínio dos agentes em instituições de ensino superior
relativamente bem posicionadas. O que pode ser melhor demonstrado mencionando que,
dentre as universidades públicas do RS, 12 (86%) atuaram na UFRGS, dentre aqueles
ligados às instituições particulares no estado, 4 (57%) vincularam-se a PUC, e mesmo
entre aqueles associados às instituições comunitárias, predominam os laços com
universidades que contam com algum reconhecimento no estado, como, por exemplo, a
Universidade de Caxias do Sul (UCS), Universidade Católica de Pelotas (UCPEL) e
Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos). Mas é preciso enfatizar ainda a alta freqüência
dos vinculados às universidades públicas de fora do estado, realçando o fato de que estas
instituições estão majoritariamente localizadas em centros como Brasília, Campinas e Rio
de Janeiro.
Para ratificar a preponderância dos empreendimentos “intelectuais” desses
agentes, deve-se atentar para as freqüências referentes à produção de livros e artigos em
revistas de circulação no âmbito universitário (desconsiderando a publicação em jornais e
revistas de circulação mais ampla). Dentre as informações obtidas para 77 casos, 43 (56%)
têm livros publicados contra 34 (44%) que não têm. No que se refere aos artigos, a
freqüência de publicações é maior, isto é, 69 (78%) contra 19 (22%) que não publicaram
textos desse tipo. A própria produção de textos já se constitui, obviamente, numa
modalidade de intervenção intelectual com maior ou menor incidência no espaço de
disputas políticas. Contudo, a análise dos temas por eles privilegiados constitui-se num
dado imprescindível para a problemática desta tese, pois revelam a ênfase num sentido de
98
intervenção na “realidade”, no “social”, no “político” independentemente do domínio
social ou da inserção profissional a partir das quais se posicionam. Como os agentes
eventualmente não escrevem sobre um assunto apenas, chegou-se a um conjunto de 115
temas sobre os quais se dedicaram a redigir algo, que foram classificados em 6 categorias
apresentas no quadro abaixo com suas respectivas freqüências:
Quadro 9: Temas desenvolvidos em livros ou artigos variados
Temas
N.º de temas
situados na
categoria
(%) sobre total de
temas
Balanços sobre “marxismo”, “socialismo” e
“esquerda”
32 28
Atuação profissional 13 11
Posicionamentos sobre agenda de “problemas sociais” 30 26
Questões conjunturais 18 16
Questões vinculadas à gestão do Estado 10 9
Temas vinculados ao período militar 12 10
Total 115 100
Fontes: Entrevistas, currículos, sites de internet e biografias.
Observa-se que as maiores freqüências estão, em primeiro lugar, nos temas
classificados como sendo um “balanço sobre marxismo, socialismo, esquerda” e nestes
incluem-se as discussões sobre “autores marxistas”, “democracia” e “participação”, uma
vez que as discussões sobre essas temáticas aparecem intimamente interligadas. Nem
sempre explicitamente assim assumidas, as interpretações sobre a “democracia” e sobre os
seus mecanismos de funcionamento (a “participação”, o “papel da esquerda”, ou mesmo as
diretrizes de partidos políticos como os livros sobre o PT) aparecem, neste universo,
geralmente associadas e mesmo embasadas nos princípios ou na releitura da “tradição
marxista”. Mas nem sempre o conteúdo das discussões sobre o “marxismo”, “marxistas”,
“comunismo”, “socialismo”, etc. implicam numa busca de adaptação aos “pressupostos
democráticos”. Podem constituir-se também em livros de cunho mais histórico que visam
reconstituir uma “vertente” desta “tradição” como elemento de afirmação no espaço
político constituído com a chamada “democratização”.
99
Em segundo lugar estão os textos definidos aqui como de “posicionamentos
sobre agenda de problemas sociais”
21
. Nesta classificação estão abarcadas as discussões
sobre assuntos específicos como “ecologia”, “educação”, “universidade”, “juventude”, etc.
Neste caso, geralmente ainda tem-se a aplicação dos “pressupostos marxistas” ou
associados a “correntes de pensamento” de “esquerda” e ligam-se temas à questão da
“justiça social”, da “igualdade”, do “combate à exploração”, etc.
A freqüência das questões conjunturais demonstra a disponibilidade que os
agentes aqui tratados têm de posicionar-se sobre temas variados. Comumente são
ponderações sobre a pauta conjuntural divulgadas na mídia e presente no meio político-
partidário, mas podem da mesma forma tratar-se de livros (não raro coletâneas), que se
dedicam à avaliação de uma problemática ou evento político (“partidos”, “eleições”,
“globalização”, “casos de corrupção”, etc.). Os agentes também colaboram na construção
de “problemáticas sociais” mais diretamente relacionadas à condução política como a
“segurança pública”, “saúde”, “política salarial”, etc.
A tomada de posição sobre as temáticas acima, as tentativas de redefinição
dos seus conteúdos e as proposições no sentido de solucioná-las ou aperfeiçoá-las
informam estratégias de afirmação de competências. Isto é, da legitimação dos agentes
portadores de determinados conhecimentos compatíveis para o tratamento de determinadas
problemáticas legítimas por eles mesmos identificadas.
A afirmação dos novos instrumentos de intervenção, a comprovação de sua
eficácia e, assim, o estabelecimento da distinção em relação a valores e práticas
dominantes e legitimadas em outras instâncias, inexoravelmente se reflete na redefinição
do papel profissional dos agentes. Ou seja, não apenas o exercício da medicina, mas a
defesa de uma “medicina popular”, ou o empenho em falar em nome de um tipo de
jornalismo ou de direito “alternativos”, ou ainda em escrever sobre a formação do arquiteto
que não busca meramente as questões “estéticas”, mas procura compatibilizá-las com as
“questões sociais” (como a “moradia”), são alguns exemplos de temáticas desenvolvidas
nos textos produzidos pelos agentes aqui tratados.
21
Remi Lenoir (1998) já salientara que os “problemas sociais” são resultantes dos movimentos de pressão e
expressão, dos discursos e das forças sociais que os consagram e legitimam, nos quais os “especialistas”,
principalmente aqueles associados aos saberes das ciências sociais, jogam um papel decisivo.
100
No que tange aos temas vinculados ao “período militar” (biografias,
“anistia”, “direitos humanos”, “organizações clandestinas”, etc.) esses são evidentemente
justificados pela importância atribuída às inserções e aos eventos daquele período. Neste
caso, a ênfase nos registros e nas comemorações constitui-se em estratégia privilegiada de
celebração das biografias, de demarcação de posições, feitos e fatos. E, finalmente, as
questões vinculadas à “gestão do Estado” (“reforma do estado”, “crise do estado”,
“finanças públicas”, “economia”, etc.) aparecem em menor freqüência, sobretudo, porque
são temas cuja legitimidade daquele que o desenvolve depende e exige um tipo
conhecimento mais especializado, mas mesmo assim a diferença em relação aos dois
conjuntos de temas anteriores é bem pequena.
É importante salientar a recorrência de associações entre as temáticas que
podem se desdobrar em tomadas de posição diferenciadas, em domínios variados, pelo
mesmo agente, entretanto sempre obedecendo a uma mesma concepção de intervenção e
de atuação profissional. Ainda é relevante destacar não apenas a interferência de
“conteúdos” e “preceitos” marxistas, como também de releituras construídas a posteriori
com o objetivo de recolocar linguagens e códigos assimilados num momento específico e
de “crise” que caracterizavam a conjuntura de estréia na inserção política militante dos
agentes. O que informa a necessidade de reformulação e de ativação de recursos de luta
obtidos naquele contexto para a conquista de reconhecimento e afirmação no espaço
político mais recentemente. Percebe-se a persistência de um conjunto de referências tidas
como típicas da “geração” que se traduzem em concepções de “modelos de sociedade”, de
um modo mais geral, e nas edificações e disputas em torno de problemáticas sociais
comuns, de modo mais específico.
Ademais, é preciso atentar para o fato de que a produção de textos é
percebida e valorizada como a forma exemplar para a explicitação das tomadas de posição,
de intervenção, de afirmação, de disputa, etc. Elementos estes que compõem o repertório
de mobilizações consagradas nas “organizações” e que contribuíram na fabricação de um
“saber” simultaneamente “intelectual” e “intervencionista”. Ao dedicarem-se à produção
de artigos, ensaios, livros, etc., não somente comprovam uma “competência” para tanto,
como também explicitam versões e posicionamentos sobre temas variados, atestam
“preocupações” com a “sociedade” ou com determinados “grupos” ou “categorias” e
demarcam suas especializações: experiência militante, competência técnica, a condição de
101
porta-voz, a formulação de uma agenda de “questões acadêmicas” e o engajamento na
redefinição das próprias profissões.
2.2 – Modalidades de itinerários e sentidos de intervenção
O exame das posições sociais e políticas atualmente ocupadas pelos agentes
permitiu identificar padrões de itinerários que se definem pela combinação diversificada de
um conjunto de indicadores. Sendo assim, a presente seção objetiva demonstrar essas
modalidades de carreiras que parecem ser majoritárias na população estudada.
Para tanto, em primeiro lugar, as referidas variáveis são expostas e
discutidas com o intuito de apresentar as dimensões e a lógica mais geral de
desdobramento dos itinerários. Em seguida, são apresentados os tipos de carreiras que
foram localizadas e o arranjo de variáveis que as definem, bem como os respectivos
sentidos de intervenção que regem as inscrições em diferentes domínios de agentes
detentores (e que reivindicam a posse) de recursos indiscriminadamente “intelectuais” e
“políticos”. Finalmente, os padrões e variáveis são demonstrados com casos exemplares de
trajetos de agentes que iniciaram sua intervenção durante os anos sessenta ou setenta e
atualmente ocupam posições e defendem posicionamentos díspares em diferentes domínios
sociais, principalmente acionam lógicas e recursos acumulados, desde aquelas atuações
inaugurais, nos seus engajamentos ou militantismos contemporâneos.
Sendo assim, a partir do quadro mais amplo descrito da seção anterior,
foram entrevistados 60 militantes da contestação ao “regime militar”, respeitando a
distribuição dos mesmos segundo pertencimento às “organizações” naquele período,
gênero, “gerações”, ocupações, escolarização, filiações partidárias posteriores, entre
outros.
A análise das entrevistas trouxe à tona regularidades no que tange à
articulação entre recursos acumulados, formas e domínios de intervenção e posições
ocupadas. Deste modo, buscaram-se os condicionantes que intervieram na dinâmica
específica dos itinerários descritos (ascendência, idade, casamento, amizades,
escolarização, consumo cultural, entrada no mercado de trabalho, viagens, etc.) e os
102
possíveis efeitos de geração e de período
22
. Ou seja, a entrevista se constituiu num
instrumento de pesquisa eficiente para a fixação de parâmetros que visavam detectar a
multiplicidade dos engajamentos, motivações e sites de inscrição dos militantes nos
diferentes momentos da sua vida, assim como para considerá-los à luz dos “eventos ou
estados, objetivos ou subjetivos, na sua sucessão e suas interações, em relação com um
tempo histórico definido...” (Fillieule, 2001:202).
Foram, então, testadas basicamente seis variáveis, a saber: 1) origem social,
2) nível de adesão às “causas” e “organizações” nos anos sessenta e setenta, 3)
investimento “cultural”, 4) investimento em títulos escolares, 5) uso da biografia militante
e 6) dependência posterior em relação aos vínculos e contatos
23
constituídos no período
inaugural do engajamento político.
A origem social se define pela composição de três espécies de recursos,
quais sejam: o “econômico”, o “cultural” e o “político”. Estes foram apreendidos através
da observação dos seguintes indicadores: profissão dos pais e avós, familiares com algum
tipo de engajamento político, menções ao “prestígio” desfrutado por membros ou pela
“família” em diferentes esferas, importância dada nos relatos para leituras, consumo e
apreciação de bens artísticos, títulos escolares, etc., adesões religiosas, identificações
étnicas, políticas, entre outras, como práticas do “grupo familiar”. Percebe-se, então, que
na entrada os agentes traziam um conjunto de recursos e influências herdadas do meio
familiar – ou de outros meios de socialização como a Igreja Católica, notadamente – que
constituem o “patrimônio” (material e/ou simbólico) que compõem as disposições e
“motivações” para as “escolhas” efetuadas. Tais “escolhas” se refletiram em inserções e
investimentos operados que contribuíram para o maior ou menor acúmulo e
reconhecimento da “capacidade de intervenção”. Neste caso, destacaram-se três tipos
22
Conforme Percheron (1993:156), “o efeito de período mede o impacto mais ou menos durável de um
mesmo evento sobre todas as classes de idade ao mesmo tempo” ao passo que o efeito de geração mede as
marcas mais ou menos duráveis de eventos sob classes de idade específicas. No que tange à idéia de geração,
entende-se que esta aproxima os personagens que nela se inserem e reivindicam tal pertencimento, ligando-
se, portanto, uns aos outros e aos eventos marcantes das suas “histórias”. Esta categoria permite ainda
delinear os contornos de uma gama de repertórios comuns. Para um inventario das utilizações sociológicas da
idéia de geração, ver Drouin (1995); sobre a emergência da idéia de geração e sua afirmação como objeto de
análise, ver Nora (1997); e sobre os problemas de reificação e operacionalização, ver Favre (1989).
23
A princípio, as idéias de vínculos e contatos poderiam parecer sinônimas, porém optou-se por distingui-las
para indicar com o uso da primeira, o estabelecimento de laços duráveis que implicam em algum tipo de
afetividade, ao passo que a segunda é utilizada para informar alianças mais efêmeras ou ocasionais e com
conteúdos mais instrumentais.
103
primordiais de investimentos: na adesão às “causas” e “organizações”, nos bens culturais e
em títulos escolares.
Cabe fixar que para todos os casos o “patrimônio cultural”, seguido pela
disposição para as participações políticas, transmitidos pela família, Igreja Católica ou
outros, impulsionaram de forma decisiva nas intervenções inaugurais (quando houve
interferência marcante da “dimensão econômica” do patrimônio, foi antes pela carência do
que pela abundância do mesmo). Em suma, a composição dos recursos e referencias
informam a posição de origem ocupada pelo agente, contudo, mesmo que relativamente
desiguais e mesmo que tais disposições ajam diferentemente nas “escolhas” efetuadas,
nesse primeiro momento importa é que colaboraram na opção pela entrada na ação
contestatória.
Numa conjuntura crítica, contudo, outros tipos de recursos assumiram
valores contundentes e produziram uma forma específica de hierarquização dos agentes.
Examinou-se, pois, o momento de ingresso e o período de intensificação da atuação
sistemática, o tempo dedicado à militância e às “causas”, a diversidade e modalidade das
atuações, a participação em “ações arriscadas”, as prisões, as torturas, os cursos de
guerrilha, os exílios, as “organizações” (formais ou informais, institucionais ou
clandestinas) das quais participaram os agentes, bem como a administração de vínculos e
contatos estabelecidos. São estes os principais indicadores das adesões dos agentes às
“causas” e “organizações”.
É preciso sublinhar a importância de observar os investimentos na “luta” em
consonância com as oportunidades conjunturais oferecidas para sua efetivação e
transformação em trunfo de reconhecimento militante. Ou seja, “luta armada”, “tortura”,
“exílio”, “clandestinidade”, “cursos de guerrilha”, entre outros, faziam parte do campo de
possibilidades para os agentes que atuaram nos anos sessenta, mas eram pouco prováveis
para aqueles que iniciaram sua atuação mais sistemática depois de 1973. Da mesma forma,
para aqueles que estavam presos, ou se encontravam no exílio ou por outro motivo se
afastaram no início da década de setenta, não puderam participar de vários eventos, como
aqueles promovidos pelo IEPES, campanhas eleitorais, inserções nos jornais alternativos
de circulação regional ou nacional, etc., igualmente fontes de outros créditos.
104
Sabe-se que o valor de determinados recursos e “habilidades” se modificam
no tempo, ou de um domínio social para o outro. Para o caso das “gerações” que “lutaram
contra a ditadura”, um fator chave de hierarquização militante é a combinação de risco e
prejuízo, melhor disponibilizada para aqueles que ingressaram nos anos sessenta. Porém, a
análise dos dados revela que a manutenção de uma posição favorável depende do
armazenamento daqueles trunfos e da aquisição de outros oportunizados nos momentos
posteriores e que, não raro, se constituem em critérios de hierarquização intelectual e se
relacionam aos investimentos culturais e escolares.
Os indicadores utilizados para verificar o investimento “cultural” são os
mesmos já citados para a reflexão sobre a “herança familiar” e estes somente puderam ser
apreendidos a partir das ênfases dadas pelos próprios entrevistados às leituras, viagens,
freqüências ao cinema, “gostos artísticos”, músicas, etc. No caso das leituras, há aquelas
efetuadas com vistas à militância, especialmente de autores marxistas, aquelas que
abrangem outras expectativas e “gostos”, e ainda há aquelas que as combinam (jornais e
revistas, romances, poemas, etc.). Assim como a realização de viagens podem refletir
diferenças na sua valorização, pois há aquelas efetuadas com fins de passeio, e aquelas
realizadas para estudos ou por conta dos exílios e que podem ou não maximizar outras
viagens. De qualquer modo, assim como para os demais indicadores, entende-se que
quanto maior o destaque, o detalhamento e a especificação destes “gostos” maior é o
consumo declarado desses bens, se constituindo, pois, em trunfos relevantes para a
certificação da “aptidão intelectual” dos agentes. Estes são particularmente potencializados
quando manifestados na produção de textos ou comentários divulgados nos variados meios
de comunicação e são acrescidos de autoridade quando acompanhados de determinados
títulos escolares.
Logo, desvenda-se uma redefinição das posições a partir da soma dos
investimentos culturais e dos investimentos escolares e, conseqüentemente, a partir disso
pode-se propor uma segunda hierarquização dos agentes com base nos mesmos critérios. O
peso do título escolar é significativo, sendo necessário levar-se em consideração aspectos
como o tempo levado para adquiri-los, o período e os tipos de cursos realizados, bem como
os processos de compatibilização entre “conhecimentos” e a construção das respectivas
carreiras políticas e/ou profissionais.
105
A detenção ou não curso universitário, ou de ter ou não curso de pós-
graduação, diferenciam os agentes. Além disso, como foi dito, também são fatores de
distinção o tempo levado e o período em que foram realizados os cursos de graduação, uma
vez que o fato de ter começado nos anos sessenta ou setenta e ter concluído ainda durante o
“regime militar” (no Brasil ou no exterior) ou somente nas décadas seguintes informam o
grau de dedicação aos estudos e de possibilidade de uso dos mesmos.
Para todos os casos (uma vez que a análise parte da atuação no movimento
estudantil) as inserções escolares viabilizaram as inserções militantes e, para muitos, a
inserções militantes oportunizaram investimentos em títulos escolares. Nesta direção,
podem ser citadas novamente as viagens para o exterior que alguns realizaram a estudos e
aproveitaram para desempenhar formas de intervenção e aquelas que foram feitas por
motivos de militância, mormente como exílios, e foram aproveitadas para o investimento
em estudos. De uma forma ou de outra, é inquestionável a rentabilidade dessa
convergência de empreendimentos (“internacionalização”, “intervenção” e “estudo”) para
o seu detentor.
Notou-se, pois, um processo contínuo de estocagem, redefinição e uso de
disposições
24
e recursos que aproximam ou distanciam os agentes. Os aproximam nas
sociabilidades, referências, eventos, experiências, etc. aos quais atribuem tal valor que
acabam compondo de forma decisiva códigos de conduta, uma gramática comum, sentidos
compartilhados (de contemporaneidade e geracionais), enfim, modos de conceber e adotar
determinadas práticas de intervenção. Mas também os distingui no que tange às origens
díspares e aos destinos heterogêneos. Trata-se, neste ponto, da tradução do “arsenal” detido
(recursos e referenciais) em posições mais ou menos privilegiadas, ou mais ou menos
periféricas, ocupadas pelos agentes em diferente (s) âmbito (s) e que lhes garantem ou não
uma relativa margem de autonomia e/ou independência de determinadas “urgências” de
reconhecimentos do “passado”, sejam elas materiais ou simbólicas. É possível, então,
24
A utilização da idéia de estocagem de disposições segue a orientação de Lahire (2004) que postula a
necessidade de captar os universos sociais nos quais são conquistadas tais disposições, a inter-relação entre
eles e em cada um deles: os lugares ocupados, as variações diacrônicas e sincrônicas ou as reorganizações do
patrimônio, as relações vivenciadas com as instituições e as pessoas, a influência das sociabilidades, as
tensões ou crises enfrentadas e os contextos específicos de atuação (personagens, contatos, práticas, etc.).
Embora não tenha sido possível realizar várias entrevistas com o mesmo agente, tal como sugerido pelo
autor, buscou-se de qualquer forma tentar captar a interdependência entre os referidos universos sociais.
106
captar a expressão de algumas dessas "urgências” nos usos da biografia militante assim
como dos vínculos e contatos estabelecidos desde os primórdios das atuações.
No que diz respeito ao peso da biografia militante nas estratégias de
afirmação dos agentes, este é apreendido mediante a observação da ênfase dada pelo
entrevistado aos engajamentos e militantismos durante os anos sessenta e setenta, os
parâmetros de sustentação da profissão atual (título escolar, votos, indicações, concursos,
etc.), a identificação do mesmo como “ícone” ou como “um caso exemplar” de
personagem da “luta contra a ditadura”, freqüentemente solicitado a “depor” sobre sua
participação, o uso do passado de “militância na luta contra a ditadura” em campanhas
eleitorais, currículos, biografias, etc., produção de textos sobre a atuação naquele período,
entre outros.
Dependendo dos investimentos efetuados ao longo dos itinerários, a
importância na auto-apresentação e a consagração da inserção e dedicação às causas
compartilhadas durante o “regime militar” pode se manifestar ocasionalmente para
legitimar um determinado posicionamento ou pode mesmo se constituir no principal trunfo
possuído. Na maioria dos casos, a maximização destes “troféus” somente é eficaz com a
mediação de vínculos e contatos que asseguram seu “merecimento”.
Assim, relações de amizade e afetivas em geral, círculos de sociabilidade,
contatos “qualificados”, alianças e rivalidades geracionais, manifestam-se em casamentos,
migrações partidárias, engajamento em campanhas eleitorais ou em outros eventos,
deslocamentos faccionais, adesões variadas, etc. e são, em grande parte, claramente
acionadas para justificar, retrospectivamente e quase sem o uso de eufemizações, as
“escolhas” operadas ao longo dos trajetos. Sempre interferindo nos movimentos operados,
podem ser mais ou menos definitivas em determinadas posições ou tomadas de posição e,
deste modo, os agentes podem ser mais ou menos dependentes desses laços.
Deve-se ainda ressaltar que há casos em que a maior dependência das redes
está relacionada ao desprovimento de outros trunfos – geralmente caracterizando carreiras
marcadas pela ocupação de posições sociais e militantes periféricas. E há casos em que a
dependência diz respeito à necessidade de cultivar redes de relações com vistas justamente
a manutenção de posições privilegiadas, como é o caso dos ocupantes de cargos eletivos
107
que para manter e administrar sua teia de “seguidores” devem renovar constantemente os
laços e alianças como condição para garantir sua condição de líder.
Isto posto, após a demarcação de alguns dos aspectos que definem as seis
variáveis que constituem as modalidades de carreiras identificadas no universo pesquisado,
a questão agora é saber quais são os padrões e como se dá a articulação das mesmas para
cada um deles.
2.2.1 – Delineando padrões
O material analisado possibilitou constituir quatro padrões de itinerários dos
agentes, a saber: um que se delineia por uma maior “especialização militante”; outro que se
distingue pela “especialização técnico-administrativa”; um terceiro que se define pela
“especialização política e eleitoral”; o quarto se caracteriza pela “especialização
universitária”, no qual estão incluídas as carreiras centradas no desempenho de “profissões
liberais” e, paralelamente, os agentes desempenham atividades docentes.
Para a primeira modalidade de carreira (a de “especialização militante”) os
agentes que nele estão relacionados têm um alto nível de adesão às “causas” e às
“organizações” durante o “regime militar” e posterior uso da biografia militante, bem
como uma significativa dependência em relação aos laços constituídos naquele momento.
A origem social tende a ser mais “periférica” e o investimento cultural menos significativo.
Este primeiro padrão pode se desdobrar em dois tendo em vista os tipos de cargos
ocupados (ou posição social dos agentes) graças ao seu maior ou menor investimento em
títulos escolares (que tendem a ser mais baixos ou realizados tardiamente quando
comparados com os do conjunto da população de militantes investigados).
A segunda modalidade é a “especialização técnico-administrativa”. Esta se
define por um significativo investimento escolar, um menor uso da biografia militante e
alto peso das redes de relações. Este padrão tende a se desdobrar em dois pólos. O
primeiro pólo se caracteriza, por um lado, pela origem social, nível de adesão nos anos
inaugurais e investimentos culturais mais baixos em relação aos demais. As carreiras dos
agentes são então marcadas pela ocupação de cargos intermediários em governos e em
108
diferentes escalas. Já no segundo pólo a origem social é mais alta, assim como são mais
altos os níveis de adesão e de investimentos culturais. Para estes, as carreiras levam à
ocupação de altos cargos de destaque no decorrer dos trajetos. Adiciona-se a isso que, não
raro, os agentes que acumularam tais recursos estão mais associados ao espaço
universitário, o que permite a renovação e conservação dos mesmos.
As carreiras marcadas pela “especialização político-eleitoral” tendem a
comportar origens sociais altas, assim como são altos o grau de adesão e a atuação no
momento inaugural de engajamento político, o investimento cultural, o investimento
escolar
25
e o uso das redes de relações estabelecidas ao longo dos trajetos. O que
diferencia o “padrão eleitoral” da segunda modalidade de carreiras “técnico-
administrativas” possíveis (aquela em que os agentes conquistam cargos de maior destaque
ou “alto escalão”) é que, enquanto para esta sobressai-se a importância no investimento e
manipulação do título escolar, para o primeiro há a singular relevância da atestação de uma
atuação militante “excepcional” no passado e sua mobilização posterior
26
.
Finalmente, o tipo de carreira por ora classificada como de “especialização
universitária” seria caracterizada pelos altos investimentos escolares e culturais ao passo
que as demais variáveis tendem a se situar em patamares mais baixos comparativamente,
ou seja, menor peso da origem social, da adesão às causas e organizações durante o regime
militar, do uso da biografia militante e da dependência em relação às redes. Para este caso,
pode-se pressupor o fraco militantismo sem, contudo, prejuízo ao sentido de engajamento e
“realismo” expressos nas concepções de “política” e “cultura”.
Para os quatro padrões, enfatiza-se a matriz de valorização da intervenção
em conformação com um sentido de “missão” preponderante em todas as carreiras e cuja
credibilidade está amparada na utilização de um senso comum simultaneamente escolar e
militante e na regência de elos que potencializam o trânsito dos agentes em domínios
25
O título escolar muitas vezes sustenta o uso da identificação profissional como recurso de luta político-
eleitoral. A ativação da “profissão”, como mostrou Coradini (2001), além de estar correlacionada a maior
titulação escolar dos agentes, tem maior êxito quando o mesmo encontra-se mais afastado do exercício direto
da “profissão” e, principalmente, quando esta é apresentada como que vinculada a uma “causa” ou a uma
condição de liderança.
26
A configuração dos dois últimos padrões atestaria a proposição de que “é um paradoxo do jogo político
(...) que os sacrifícios consentidos aos princípios oficiais do jogo (aqui o militantismo a serviço de uma
causa) se constituem ao mesmo tempo como um trunfo e um handicap no jogo e que, na medida onde o jogo
não é independente do jogo social em geral, as probabilidades de ganhar dependem mais de trunfos
disponíveis para o jogo social geral que daqueles que estão em curso no jogo particular” (Gaxie e Offerlé,
1985:137).
109
“intelectuais” e “políticos”. Nomeadamente, para aqueles que se dedicaram fortemente ao
seu militantismo em detrimento de outros empreendimentos igualmente “lucrativos” (em
termos de reconhecimento e posição social), observa-se que a reconstituição dos itinerários
é pautada por um sentido de abnegação que guia a construção da coerência biográfica e
justifica tal defasagem. Para os agentes com carreiras aqui definidas como “técnico-
administrativas”, constatou-se o empenho na demarcação de “saberes qualificados” que
fundamentam as contribuições em dinâmicas de gestão pública. A necessidade de alicerçar
recursos políticos, principalmente de representação, justifica as estratégias de celebração
de determinados recursos indispensáveis para a constituição de uma condição de porta-voz
e de dirigente para os agentes com carreiras políticas e eleitoralmente assentadas. A
produção de uma mescla ou fusão de engajamento político e acadêmico sustenta os
aspectos ressaltados pelos agentes com carreiras predominantemente universitárias que
visam estabelecer sua capacidade de formulação de uma agenda de pesquisa inseparável
das preocupações políticas e conjunturais.
As considerações acima podem ser demonstradas através da apresentação de
alguns itinerários exemplares. Vale salientar que não se tratam de casos “puros”, o que é
improvável de ser encontrado, mas são indiscutivelmente representativos do universo e dos
parâmetros de investigação eleitos no presente estudo.
Previne-se que os aspectos assinalados nos itinerários, incluindo os
detalhamentos ou escassez de informações para determinadas etapas da vida, são
tributários das estratégias de reconstituição utilizadas pelos agentes nas entrevistas
realizadas. Assim sendo, dois elementos devem ser destacados. O primeiro diz respeito à
interferência da posição (ou a perspectiva que os agentes têm sobre a sua posição
relacionalmente construída) e das “questões” que atualmente lhes importam (ou que lhes
importam racionalizar no trabalho de produção das coerências biográficas)
27
, e o segundo
refere-se à influência da pesquisadora que seleciona “conteúdos” e reescreve os trajetos.
Estas interferências, no entanto, não implicam em dano à pesquisa em decorrência de
algum tipo de condução ou imposição de “características” e “versões” que se poderia
27
Bourdieu (1997:701) chama a atenção para a resistência à objetivação por parte do entrevistado que pode
estar presente por meio de modalidades e em graus variados na interação de entrevista, uma vez que “os
pesquisados podem também intervir, consciente ou inconscientemente, para tentar impor sua definição da
situação e fazer voltar em seu proveito uma troca da qual um dos riscos é a imagem que eles têm e querem
dar deles mesmos”.
110
pretender fixar. Antes disso, no primeiro caso, deve-se considerar o valor heurístico da
apreensão das lógicas implícitas nos filtros operados pelos agentes. Isto é, dos objetos e
disputas que modelam estratégias de edificação variadas dos próprios percursos e como se
relacionam com os meios nos quais estão inscritos, com os recursos que desejam salientar,
com os posicionamentos que interessam justificar e, assim, também identificar como
percebem a relação entre o ponto de partida, os investimentos empregados, e o ponto de
chegada. E, no segundo caso, a construção das trajetórias é orientada pelo conjunto de
indicadores estabelecidos na definição dos padrões, já apresentados, funcionam como
mecanismos de controle das tendências à seleção arbitrária.
Conjugou-se ao exame da entrevistas a pesquisa em outras fontes visando
cotejar e complementar alguns dados. Sendo assim, principalmente para os agentes com
perfis mais “acadêmicos”, também foram examinadas informações do curriculum lattes e
para aqueles com perfis de atuação político-eleitoral foram incorporados dados biográficos
encontrados em materiais de campanha ou em outros meios de divulgação impressa ou
eletrônica. Esses últimos tipos de materiais, que inclui livros, artigos, documentos, etc.,
eventualmente também foram encontrados e utilizados para o conjunto dos casos.
2.2.2 – “Especialização Militante”
Neste item são apresentados os itinerários de Cláudio Weyne Gutierrez e
Ubiratan de Sousa. A descrição explora as semelhanças nos itinerários e destinos díspares
passíveis de apreensão a partir de dois casos associados não só a um mesmo padrão de
carreira, mas também ligados desde a “adolescência” a um trajeto de adesões a
“organizações” e “grupos” bastante semelhantes (como é demonstrado no próximo
capítulo).
Os pais de Cláudio Weyne Gutiérrez eram comerciantes (donos de um bar
no bairro Bom Fim em Porto Alegre) e não possuíam nenhum envolvimento político, ainda
que tanto o pai como a mãe possuíssem irmãos militantes, vinculados ao PTB e ao PCB,
que chegaram a ser presos nos anos sessenta (os tios do lado paterno foram presos
111
acusados pela participação no “grupo dos 11”, por serem brizolistas e estarem ligados ao
movimento 26 de março, e os tios do lado materno por militância no sindicato dos
bancários e no sindicato dos previdenciários).
Ele nasceu em Porto Alegre em 1948 e uma boa parcela dos estudos
primários foi feita na escola marista Colégio Nossa Senhora do Rosário com bolsa de
estudos. O 2° grau e a militância foram iniciados no colégio público Júlio de Castilhos, em
1966. Pela influência assumida de Luiz Eurico Tejera Lisboa (líder secundarista que veio a
falecer ainda durante o “regime militar”, “vítima da repressão”), aderiu, no primeiro
momento, ao PCB, mas depois os dois resolveram deixar o partido, em 1967, e se
empenharam na “organização” de uma “guerrilha” cujo foco seria no Mato Grosso do Sul.
Gutiérrez, na entrevista, narra o assalto promovido a apartamento de um
coronel, pai de outra componente da “organização”, para conseguir armas e dinheiro.
Apesar de terem tido sucesso no “feito”, foram convencidos por Marcos Faerman (que
também estudou no colégio Júlio de Castilhos e participou tanto do movimento estudantil
quanto de organizações clandestinas e que morava no mesmo edifício onde ocorrera a
“ação”, assim como os pais de Luiz Eurico que tinham comprado um apartamento no
mesmo prédio) a se deslocarem para São Paulo. Tal viagem teria oportunizado o
estabelecimento de contatos com “o pessoal do Marighela” e com os componentes do
MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), que mais tarde vieram a constituir a
VPR.
Depois de uma estada no Rio de Janeiro, voltaram, em 1968, para Porto
Alegre, e participaram da direção da União Gaúcha dos Estudantes (UGES), então
presidida por Andréa Fávero, líder estudantil de Caxias do Sul. Nesse período retomaram
sua articulação com um grupo de estudantes secundaristas que acabou ficando conhecido
por “Brancaleones”
28
e que, mais tarde, se vincularam fortemente ao líder “nacionalista”
Carlos Araújo.
Com a intensificação da repressão aos estudantes (Gutierrez diz ter sido
preso sucessivas vezes aumentando, de uma para outra, o tempo de reclusão e a tortura
sofrida), adicionado à sua condenação pela Lei de Segurança Nacional, no final de 1969,
28
Tratava-se de uma referência ao filme de Mário Monicelli, “O incrível exército do Brancaleone”, feita por
Flávio Koutzii para comparar as ações dos militantes e defini-las, conforme a própria denominação de
Gutierrez (1999), como “porras-loucas”.
112
pela tentativa de reabertura do grêmio estudantil do Júlio de Castilhos, em 1967, ocorreu a
dissolução dos “Brancaleones”. Os militantes mais vinculados a Carlos Araújo o
acompanharam na adesão à VAR-Palmares, enquanto os demais passaram a atuar, no
Brasil ou no exterior, em outras organizações, mormente a ALN e VPR. Neste período,
Gutierrez resolveu ir para o Uruguai e acionou o “esquema de fronteira” articulado por Frei
Betto
29
que estaria no RS naquele momento.
Preso também naquele país, diz ter utilizado a estratégia aprendida com um
“marginal comum” de cortar os pulsos, o que lhe permitiu ser transferido para um hospital
do Sindicato dos Médicos do Uruguai. Tal fato teria garantido sua permanência no hospital
militar sem ser extraditado, apesar de uma denúncia que teria feita. Depois disso, por volta
de 1970, foi convidado para participar de um grupo de guerrilheiros denominado “Exército
de Libertação Nacional”, no Chile, composto de remanescente da “guerrilha” comandada
por Che Guevara. Aceitou e, sob o governo Allende, vinculou-se à VPR que lá estava
instalada. Foi mandando para Santa Cruz de la Sierra no período em que constituiu no
“epicentro do golpe de estado contra Juan José Torres” que garantiu o primeiro governo de
Hugo Banzer na Bolívia em 1971 (acusado de participar, com os governos militares da
Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile e Brasil, da Operação Condor que era ummecanismo
de repressão paralelo”).
No início de 1973 retornou para o Uruguai, devido à “ditadura do General
Pinochet” instaurada no mesmo ano no Chile. Viveu no Uruguai até 1978 com os três
filhos nascidos neste país da união com uma companheira de militância uruguaia. Lá
trabalhou na construção civil e numa distribuidora de revistas, assim como freqüentou o
curso de economia e administração na Universidad de la Republica, que foi retomado em
1979 pela UFRGS, mas novamente não foi concluído.
No Brasil, recuperou os vínculos com os amigos “ex-Brancaleones” e os
acompanhou na tentativa de “reconstrução do PTB” e na “fundação do PDT”. Depois de
ter trabalhado como técnico em informática numa empresa privada resolveu montar seu
29
Frei Betto é mineiro e Frade dominicano. Além de filosofia e teologia, também estudou jornalismo,
antropologia e escreveu vários livros envolvendo temáticas “espirituais”, “políticas” e outras. Foi a partir da
atuação ativa nos movimentos de contestação ao regime militar (chegando inclusive a ser preso) que ele se
aproximou do então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, participou da “construção do PT” e a este partido
pertence ainda hoje. Com a conquista da presidência da república, comandou o Programa Fome Zero e foi
assessor especial do presidente.
113
próprio “negócio”, mas também sem êxito. Foi então trabalhar na base de processamento
de dados do PCB.
As dificuldade em ser “liderado” por Araújo (conta que não o acompanhou
na VAR-Palmares por “orgulho”), que se converteram nas “dificuldades” em permanecer
no PDT, e o emprego conseguido no PCB favoreceram sua nova adesão. Em 1989, ocupou
um cargo na assessoria do vereador Lauro Hagemann
30
, participou da fundação do PPS em
1992 e da dissidência ocorrida em 2000 em favor da candidatura de Tarso Genro à
prefeitura de Porto Alegre. Também em 2000 deixou de trabalhar com o vereador e filiou-
se ao PT. Neste partido não ocupou nenhum cargo de confiança e, segundo ele, também
não foi um militante ativo. Hoje é membro do conselho do acervo da luta contra a ditadura
ao lado de Suzana Lisboa, a viúva de Luiz Eurico Tejera Lisboa, e uma das principais
porta-vozes da instituição e “promotora” da “memória dos mortos e desaparecidos do
regime militar” no estado.
No livro publicado no final dos anos noventa, Cláudio Gutierrez tentou fixar
a importância da informática no “avanço democrático” e, na entrevista concedida em 2004,
demonstra “arrependimento” quanto às escolhas efetuadas:
“A busca de novas formas de participação, seja através de conselhos ou outras instâncias
populares e cidadãs, são instrumentos importantes do aprimoramento da democracia. A
mesma informática que oculta arquivos políticos pode cumprir importante papel para tornar
mais transparente a gestão pública e criar novas formas de participação” (Gutirrez,
1999:122).
“toda década de oitenta trabalhei bastante com tele processamentos, equipamentos ligados a
tele processamentos, depois eu fiz uma empresa até que estupidamente eu optei por
militância política... e fui ser assessor do vereador Lauro Hagemann em 89 e fique como
assessor do Lauro até 2000.” (Entrevista com Cláudio Weyne Gutierrez).
***
Ubiratan de Souza, por sua vez, é filho de médios proprietários rurais com
vínculos no PTB. Ao apresentar a inserção partidária do pai, ele ressalta a idéia de que este
fora um partido de “inserção social”, “anti-imperialista” e voltado para a “soberania
30
Lauro Hagemann é jornalista e foi locutor durante catorze anos (1950 a 1964) edição local “Repórter
Esso”, famoso noticiário transmitido pela Rádio Farroupilha. Membro do PCB desde 1973 foi um destacado
dirigente estudantil do RS. Como integrante do PPS, foi eleito várias vezes vereador e atualmente está filiado
no PMDB.
114
nacional” e não uma “legenda de aluguel”, como seria atualmente. Nasceu em Cachoeira
do Sul e neste município realizou o 1° e o 2° graus, estreando sua atuação no movimento
secundarista. O irmão teria sido seu contemporâneo do movimento estudantil e era
presidente do centro acadêmico da faculdade de direito em 1968 (posteriormente foi
deputado estadual). Neste mesmo ano, Ubiratan Souza se deslocou para Porto Alegre para
concluir o 3° científico na escola Pio XII e, na suas palavras, esta foi a oportunidade de
“aprofundar a militância e a literatura também”. Já havia um contato prévio com militantes
do colégio Júlio de Castilhos, basicamente os membros do chamado “Brancaleones” e
também com algumas pessoas do PC (que descreve como sendo “mais velhos, de outra
geração”).
Com o AI-5 e o desejo de continuar atuando, teria procurado as
“organizações” quase como uma forma de proteção devido à inexistência de garantias
jurídicas para as atividades militantes. Aproximou-se, então, de Carlos Araújo e do
“grupo” por ele liderado e, depois, militou na VPR por todo o período, justificando sua
adesão pela “capacidade militar da organização” e pela “aposta na eficácia da guerrilha
rural”.
A despeito de ter passado no vestibular para geologia em 1969, resolveu não
cursar a faculdade e ir para o Vale da Ribeira (“campo de treinamento militar da
organização”), onde ficou de janeiro a abril de 1970, praticando caminhadas, tiros,
situações de sobrevivência na mata fechada, reuniões políticas, leituras de Lênin, Marx,
Che, entre outras coisas. Quando retornou, foi preso pela “operação bandeirante” que,
segundo ele, era o principal ou mais “cruel” centro de tortura. Depois de um ano de prisão,
foi incluído na lista de presos a serem trocados pelo embaixador Suíço seqüestrado com
este fim. Ficou um mês (de dezembro de 1970 a janeiro de 1971) no presídio Tiradentes
em São Paulo até ser “banido” para o Chile. No seu relato destaca a vida “comunitária” e
“coletiva” que tinha na prisão.
No Chile teria recebido uma carta de Lamarca passando o “comando da
VPR” naquele país e “orientando” para que fosse fazer “treinamento” em Cuba. Depois
desta experiência, voltou para Santiago, em 1972, e, com o golpe de Pinochet, em 1973,
ficou militando na “clandestinidade” de setembro a novembro, quando novamente foi para
Cuba e lá residiu até final de 1977.
115
Na entrevista, enfatiza que teria assistido “em 75 a primeira experiência de
orçamento participativo (...) do poder popular em Cuba” e discorre sobre a “riqueza das
variadas expressões culturais” (incluindo cinema, teatro, literatura, bibliografia marxista,
produção de documentários, etc.) sobre a “combinação de trabalho intelectual com trabalho
manual”, oportunizada naquele país. Depois de ter trabalhado como ajudante e como
ferreiro na construção civil durante um ano, foi coletar amostras e operar os instrumentos
de teste de experimentos em um “laboratório de luta biológica”. Casado com uma chilena
também militante (do PC), afirma que para eles a modalidade de intervenção privilegiada
(uma vez que a “revolução já estava feita”) era a participação em um grupo de discussão e
estudo do “O Capital” de Marx. Esta teria sido a “base teórica” para pedir transferência do
curso de geologia para o de economia quando retornou para o Brasil em 1979,
Além dos países citados, Ubiratan de Souza esteve em Portugal e França.
No último, chegou a receber a visita do irmão (deputado eleito pelo MDB em 1974) e
outros que estavam a caminho do Encontro de Lisboa (aquele que embasaria a fundação do
PDT). A escolha do irmão, assim como a do “pessoal da luta armada” ou “remanescentes
da VPR e VAR-Palmares” pelo PDT teriam sido os motivos que justificariam a opção por
este partido com o pluripartidarismo. Sublinha que sempre tiveram “uma militância com a
esquerda dentro do PDT” o que poderia ser evidenciado com a fundação no interior do
partido do Grupo de Unidade Socialista (GUS), do qual participavam Marcos Klassmann
(que foi vereador em Porto Alegre ainda pelo MDB), Calino Pacheco (que foi chefe de
gabinete da secretaria de minas e energia do estado) e Éden Pedroso (que foi deputado
federal pelo PDT). Chegaram a montar uma chapa para concorrer, em 1988, pelo comando
do diretório estadual, depois de terem liderado também o chamado “Movimento Coliga-
Não”, contrário à coligação do PDT com o PDS nas eleições para o governo do estado em
1986.
Estes episódios teriam colaborado na decisão pelo apoio que decidira dar a
Luís Inácio Lula da Silva (atual presidente da república) no segundo turno das eleições
presidenciais de 1989, aprofundando, assim, as diferenças com a cúpula partidária do PDT
e a aproximação com a do PT. Vínculos estes (de rivalidade e de aliança) que teriam sido
116
radicalizados com a contestação à candidatura de Alceu Collares
31
a governador do estado
em 1990 e o apoio à candidatura do Tarso Genro, resultando na sua entrada no PT.
Formado em economia pela UFRGS já no período de redemocratização, em
1990 começou a militar no núcleo dos economistas do PT. Em 1992, como coordenador
deste núcleo, desenvolveu o programa de gestão e finanças públicas e, em 1993, foi
convidado por Tarso Genro para ser o Secretário do Gabinete de Planejamento de Porto
Alegre e, por esta instância, coordenar o Orçamento Participativo na capital. Neste cargo
ficou até 1998 e, com a conquista do governo do estado, coordenou o gabinete de
planejamento do Orçamento Participativo (OP) de 1999 a 2002. Neste ano concorreu, sem
sucesso, à deputação estadual, amparado pela coordenação da experiência do orçamento
participativo, tema que também foi objeto de um livro. A partir de então passou a atuar
como assessor do deputado estadual e ex-prefeito de Porto Alegre, Raul Pont. Vinculou-se
também à tendência do PT denominada “Democracia Socialista” (DS), que tem como um
dos seus fundadores e principais líderes o próprio Pont. Como se vê, a migração para o PT,
a atualização de vínculos com antigas lideranças da contestação ao regime militar e o
investimento na obtenção de um título escolar de economista, associados à biografia
militante, permitiram uma posição mais destacada na hierarquia de cargos disponíveis para
os militantes.
Para finalizar, cabem dois registros: um que aponta como ele concebe a
escolha pela formação universitária e o outro o elo que estabelece entre as condições
inaugurais de militância e o significado atribuído ao OP:
“(...) porque pela minha militância política e pelo estudo do Marx, do Capital eu, a
economia política pra mim interessava né e foi certo, essa era a minha vocação mesmo
(...)”. (Entrevista com Ubiratan de Souza).
“(...) esse é o grande avanço de uma experiência de esquerda que tava só na
clandestinidade, que não tinha liberdade nem de organização chegar a plenitude do
processo democrático com a luta das diretas né a eleição pra presidente, eleição de
governador, pra prefeito de capitais e depois ser protagonista duma experiência que vai
além da democracia representativa, a democracia direta e a democracia direta ela cria
também um tensionamento para qualificação da democracia representativa”. (Idem).
***
31
Alceu Collares é advogado formado pela UFRGS, originalmente ligado ao PTB e MDB, foi vereador de
Porto Alegre e Dep. Federal, com a redemocratização se filiou ao PDT partido pelo qual elegeu-se prefeito de
Porto Alegre, governador do Rio Grande do Sul e, novamente, Dep. Federal.
117
Observa-se uma série de elementos comuns nos itinerários de Cláudio
Gutierrez e Ubiratan de Souza que os reúnem na mesma modalidade de carreira, porém
com diferenças discrepantes no que tange às escolhas efetuadas, aos processos de acúmulo
de recursos, seus usos e, conseqüentemente, nos destinos alcançados que se refletem,
inclusive, na estratégia de apresentação autobiográfica. Tais diferenças se traduzem, assim,
em destinos mais ou menos bem sucedidos no interior da “especialização militante”.
Retomando-se rapidamente as semelhanças que se relacionam com o perfil
delineado, fica evidente que ambos participaram das mais variadas e arriscadas formas de
“contestação ao regime militar”, incluindo inserção nas “organizações clandestinas”,
manifestações estudantis, prisões, exílio, militância no exílio e, inclusive, casamentos com
mulheres militantes e estrangeiras, indicando, portanto, seu alto nível de adesão às causas e
às organizações durante o regime militar. A atuação neste período e os “troféus”
armazenados, ainda que de modo diferente, se constituem na principal fonte de créditos
para os dois agentes que são reconhecidos e não cessam de construir e proclamar as suas
identificações baseadas no uso biografia militante. Aliado a isso, observa-se a importância
nos deslocamentos operados e nas oportunidades suscitadas dos vínculos e contatos
estabelecidos, sendo a administração mais ou menos eficaz destas relações um dos
elementos preponderantes na definição dos destinos dos agentes. Assim como essa última,
as três variáveis restantes são igualmente decisivas nas diferenciações entre os dois
itinerários. Ou seja, para os dois agentes afirma-se que a origem social, o investimento
cultural e o investimento em títulos escolares são baixos quando analisados de forma
comparada com o conjunto de ativistas. Porém maiores (embora tardios) para o segundo
caso do que para o primeiro caso descrito. Cabe, então, proceder a uma breve comparação
um pouco mais pontual para trazer à tona nuanças que singularizam as trajetórias que
tiveram desiguais desenlaces.
De início há um conjunto de aspectos muito parecidos nas inserções
efetuadas, mas muito diferentes na administração dessas inserções. Os dois militantes são
casados com mulheres militantes (estrangeiras) das mesmas organizações esquerdistas, que
conheceram durante o exílio. O primeiro circunscreveu basicamente sua militância à
América do Sul, enquanto o segundo morou em Cuba e realizou viagens pela Europa,
118
principalmente para a França. Além disso, observa-se que no que se refere à estratégia de
reconstrução biográfica ativada nas entrevistas, é interessante que enquanto o último
analisa os traços das expressões culturais (literatura, cinema, teatro, etc.), participa de
grupos de discussão do marxismo e as “experiências coletivas” da “realidade cubana”, o
primeiro centra sua descrição nas situações de risco e nas dificuldades passadas.
Ainda no que se refere ao estilo de narrativa, Gutierrez utiliza basicamente a
relação com Luiz Eurico como com algum peso nos seus deslocamentos que, por sua vez,
aparecem muito mais marcados por afastamentos do que por aproximações. Este foi o
caso, por exemplo, da relação com os “Brancaleones” que somente foi retomada, e
novamente não sustentada, nos anos oitenta. Finalmente, a vinculação à liderança de Lauro
Hagemann e ao antigo PCB, ambos já descendentes em termos de apelo eleitoral,
marcaram um distanciamento ainda maior dos seus contemporâneos de contestação ao
“regime militar”. Inversamente, Ubiratan descreve seus movimentos como “coletivamente”
orquestrados, ou seja, sempre buscando demonstrar uma relativa sustentação e influência
do mesmo círculo de amizades. Talvez beneficiado pelo fato de ter um irmão deputado
estadual, um dos principais protagonistas gaúchos da reconstrução do PDT e reconhecido
por pertencer à “ala de esquerda” do partido, o que, inclusive, se reflete na maior
aproximação deste entrevistado com Carlos Araújo em contraposição ao caso anterior. O
deslocamento para o PT no momento de ascensão da sigla e no momento de declínio do
PDT, assim como a administração de laços com contemporâneos da contestação ao
“regime militar” foram também fatores decisivos.
2.2.3 – “Especialização técnico-administrativa”
Neste item são apresentados os itinerários de Pedro Bisch Neto e Sonia
Pilla. Dois protagonistas da “luta contra a ditadura” que são pertencentes a “gerações”
diferentes e fizeram escolhas partidárias opostas no período de redemocratização. Ambos,
contudo, se caracterizam pela ocupação de cargos na administração pública fundamentada
na titulação escolar (mais voltada para a área “técnica” no primeiro caso e para as áreas
humanas no segundo caso) e nos contatos ou vínculos.
119
Órfão de pai (que fora simpatizante do PCB), a mãe de Pedro Bisch Neto
era proprietária de uma loja de sapatos herdada do pai em Alegrete, lugar onde ele nasceu
em 1951. Na entrevista, apontou dois elementos como sendo importantes na sua
“politização” e “formação”: a influência do movimento estudantil secundarista e da
“tradição de participação” assim como de “certa informação cultural diferenciada” que
estariam entre as principais características daquele município.
Em 1967 mudou-se para Porto Alegre para estudar e matriculou-se no
colégio Júlio de Castilhos. Ao mesmo tempo em que cursava o 2° grau, fazia um cursinho
pré-vestibular e, como morava próximo ao Campus do centro da UFRGS, freqüentava os
eventos que aconteciam no pátio da universidade, como comícios e passeatas que eram ali
mobilizadas. A participação nesses eventos chegou a render-lhe uma “surra da polícia” por
algo que seria desprovido de qualquer conteúdo ideológico, mas que, na sua percepção, o
envolveu no “ambiente da época” na capital.
A chegada em Porto Alegre também seria marcada pela “avidez” por
leituras, citando as revistas Veja e Realidade, e os livros de Jean-Paul Sartre e Vinícius de
Moraes comprados na primeira feira do livro. Em 1969 iniciou a faculdade de engenharia
elétrica na UFRGS com “dedicação aos estudos”, pois desejava “ganhar dinheiro” e a
própria escolha por este curso universitário obedecia à perspectiva de pertencer a “uma
classe média garantida, substancial e afluente”. Porém, no final do primeiro ano, foi
convocado a servir ao exército e, em 1970, entrou na armada de engenharia do Centro de
Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR/PA), e justifica: “tinha uma relação um pouco
com o que eu ia fazer minha profissão e tal, e era também tido como a classe mais
exigente, lá dentro era tida como a dos mais estudiosos”.
Foi no CPOR que encontrou um “colega” do curso de engenharia
“altamente militante”, Nelson Rolim de Mouraque teria sido responsável pela aproximação
de Bisch com AP e PC do B. Diz, então, que, embora tenha lido vários textos de Trotski,
ter “gostado” e de não ter se “convencido dos argumentos em defesa de Stalin”, aderiu ao
“grupo” pela ênfase na defesa das “liberdades democráticas como uma etapa importante”
no seu programa. A principal liderança era Raul Carrion que também cursava engenharia,
mas que, para Bisch, seria um “outro tipo de aluno”, classificado como um “militante
120
profissional”, ou seja, aquele que instrumentalizaria o curso universitário com vistas à
militância política.
Em 1971, numa circunstância em que o Decreto-Lei 477
32
foi aplicado ao
centro acadêmico de engenharia, resultando na expulsão, prisão e abandono do presidente,
vice-presidente e segundo vice-presidente, por conta disso, Rolim de Moura assumiu como
presidente e Bisch Neto como vice. O último, nesse momento, era membro da direção
executiva da juventude e morava com um militante clandestino, ex-presidente da UBES e
do PC do B. Ele chega também a ocupar o cargo de presidente do DCE da UFRGS de 1973
a 1974 e cita como momentos importantes da sua gestão a “luta pela reabertura do
DAECA” e a realização de um show com o compositor Chico Buarque no Grêmio Náutico
União.
Profissionalmente, desde 1971 era estagiário de uma fábrica de ar-
condicionados cujo diretor era Fúlvio Petracco
33
(referiu-se a este como “um conhecido
meu que tinha sido líder estudantil e também primo da minha sogra”). Em 1973, com este
último, criou uma empresa de projetos e prestou serviços para um frigorífico de Caxias do
Sul. Assim, grifa que ainda estudante fez todos os comandos elétricos do lugar, definindo-
se como “muito craque na parte de quadros elétricos e automação, controle de pressão,
unidades de temperaturas...”.
Em 1974 se formou e se engajou na candidatura de Fernando do Canto
(reconhecidamente ligado ao PCB) ao cargo de deputado estadual por solicitação de um
“conhecido” de Alegrete que era advogado da Ordem dos Advogados do Brasil. Tal adesão
teria o aproximado do PCB. Bisch Neto elenca outras razões que teriam incidido na
32
O “Decreto-Lei n°.477, de 26 de fevereiro de 1969. Define as infrações disciplinares praticadas por
professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particular, e dá
outras providências”. Dentre outras coisas, são considerados infratores aqueles que “alicie ou incite a
deflagração de movimentos que tenham por finalidade a paralisação de atividade escolar ou participe desse
movimento; (...) Conduza ou realize, confeccione ou imprima, tenha em depósito, ou distribua material
subversivo de qualquer natureza; (...) Use dependência ou recinto escolar, para fins de subversão ou para
praticar ato contrário à moral ou à ordem pública” (Sirtori et alii, 2003:75).
33
Fúlvio Petracco é engenheiro mecânico e eletricista, filiado e presidente de honra do PSB no RS. Por este
partido foi candidato ao senado e concorreu a governador do Estado em 1986. Sempre atuou no sindicato dos
engenheiros, tendo sido um dos articuladores de uma candidatura “alternativa” em 1978 e do “movimento
Fortalecimento Sindical queria do Sindicato um pouco mais do que ele oferecia. Queria uma trincheira de
resistência à ditadura militar, um ambiente onde, em defesa da profissão, proliferassem novas idéias. Queria
romper a inércia da entidade” (www.senge.org.br/conteudo/historia/historia.asp
). Também foi presidente do
Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Rio Grande do Sul e é dirigente futebolístico
do Esporte Clube Internacional.
121
vinculação à “organização”, tais como o fato de ter “se dado conta” de que o “partidão”
não havia entrado na “luta armada”, que os “intelectuais renomados” dele faziam parte,
além disso, “não concordava mais com o maoísmo” e teria ficado “amigo” de André
Forster (dirigente do IEPES e vinculado ao então deputado pelo MDB deputado Pedro
Simon) na mesma época, pois já integrava o Setor Jovem e o IEPES do MDB gaúcho.
Paralelamente, foi convidado para trabalhar na Siderúrgica Rio-grandense, a
Gerdau. Depois de três meses como estagiário conseguiu uma promoção para o setor de
gerencia de expansão da aciaria, que ele próprio havia feito o projeto quando trabalhava
com Fúlvio Petraco. No entanto, perdeu o emprego em 1975 porque teria ocorrido um
incidente no setor que convergiria com a crise na construção civil do país. Uma semana
depois já foi chamado para trabalhar como celetista na prefeitura da capital na Secretaria
Municipal de Obras e Viação e no projeto de iluminação pública, onde ficou por 12 anos
(de 1976 a 1981) como engenheiro projetista de iluminação pública. De 1982 a 1987 atuou
na Secretaria do Planejamento Municipal como Assessor e Gerente do Projeto Porto Seco.
Manteve a militância no MDB e PCB até 1983, tendo inclusive pertencido à
direção estadual do partidão, indicando que havia um “nexo intelectual” entre os dois
partidos e que o “programa mais consistente” do primeiro era “tocado” pelos “militantes”
do segundo.
Em 1977 começou a militância sindical, compondo a chapa vitoriosa na
campanha de 1978 e ocupando os cargos de 1° tesoureiro e suplente de delegado junto à
federação. O “grupo” foi reeleito em 1981 e ele ocupou os cargos de 1° secretário e
delegado junto à federação. Em 1984 foi eleito presidente do sindicato dos engenheiros,
sendo reeleito em 1987. Contudo, por desejar, nas suas palavras “um negócio maior... um
negócio mais abrangente, uma função mais institucional e tal”, a gestão de 1987 foi
interrompida pela conquista do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e
Agronomia do Rio Grande do Sul (CREA). Deixando para o sindicato o desempenho das
funções de membro do conselho fiscal em 1990 e do conselho técnico consultivo em 1993.
O pertencimento ao sindicato e ao CREA teria, então, favorecido o contato
com um engenheiro paulista, também militante do PCB, que era diretor do Conselho
Nacional de Pesquisas (CNPq) e o convidara para trabalhar nessa instituição como assessor
Técnico da Agência Regional, cargo este que ocupou até 1990, depois que já havia saído
122
da prefeitura. Mas sai para integrar o governo de Pedro Simon
34
no estado como diretor
geral e secretário substituto da Secretaria de Desenvolvimento Regional e Obras Públicas,
cujo secretário era um primo seu de segundo grau. Ficou apenas nove meses nesse posto,
pois “outro amigo”, ex-deputado do PC de São Paulo, foi ser ministro dos transportes e
“chamou um outro amigo” e este o convidou para ser Superintendente de Desenvolvimento
e Expansão do Trensurb (Trens Urbanos de Porto Alegre). Ficou até 1994 e, a partir de
1995, com a vitória de Antônio Britto para governador do estado, foi indicado para
presidência da Companhia Rio-Grandense de Mineração (CRM), onde ficou um ano e
meio até assumir, em 1996, como diretor-presidente e membro do Conselho de
Administração da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). Antes de deixar esse
posto, em 1999, atuou durante um ano (de 1997 a 1998) como membro da Operadora
Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e, a partir de 1999, foi convidado para ser chefe de
gabinete do deputado César Busatto (ex-membro do IEPES e com um extenso currículo de
cargos públicos possibilitados pela atuação no PMDB), justificando o convite da forma que
segue: “ele se sentia em dívida comigo... ele sabia que tudo, final do governo Britto, último
ano da privatização da CEEE, e ele sabia do papel que eu tinha tido lá”. No mesmo ano foi
também chamado para trabalhar com o então Ministro dos Transportes Eliseu Padilha.
Com a vitória de Germano Rigotto na eleição para governador do Rio
Grande do Sul, foi indicado ao cargo de diretor Superintendente da Fundação de
Planejamento Metropolitano (Metroplan), e na metade do ano, passou a ocupar
inicialmente a função de Chefe da Casa Civil Adjunto e posteriormente o cargo de Chefe
da Casa Civil, no qual permaneceu até 2006. Duas passagens da entrevista que explicitam a
busca de concatenação e justificação entre atuação profissional e política:
“(...) eu me dei conta que o Brizola era engenheiro, o Prestes era engenheiro eu digo: ‘mas
que história é essa que os engenheiros são alienados’? Olhar na história do Brasil, grandes
figuras da história eram engenheiros, os ministros e tal. Sempre tem uma grande
participação, embora os advogados fossem mais parlamentares e tal. Eu sempre achei que
eles tinham uma tendência maior a voar... eles, mais bacharelescos, eram mais da retórica,
34
Pedro Jorge Simon é formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC/RS. Fez pós-graduação em
Economia Política no Instituto de Economia da PUC; especialização em Economia Política e Direito Penal
pela Universidade de Sorbonne, Paris, e realizou estudos sobre direito na Faculdade de Direito em Roma. Em
1956 foi eleito presidente da Junta Governativa da UNE, em 1960 foi eleito vereador e líder da bancada do
PTB em Caxias do Sul, em 1962 elegeu-se deputado estadual, sendo reeleito nas legislaturas subseqüentes.
Em 1978 foi eleito senador da República sendo vice-líder da bancada do MDB no Senado. De 1985 a 1986
ocupou o posto Ministro da Agricultura e, em 1987 elegeu-se governador do Rio Grande do Sul. Em 1991
volta ao senado reelegendo-se em 1999 e 2006.
123
das instituições e tal. E a gente era do mundo real, era mais conectado com a realidade”.
(Entrevista com Pedro Bisch Neto)
“(...) cada vez mais a gente fica mais realista né... eu tenho procurado sempre e tenho tido
muita sorte em todos esses lugares que eu trabalhei sempre fui a convite, sempre me
convidaram. Mas, assim sempre com pessoas ligadas assim a funções relevantes e acho que
a idéia é procurar fazer coisas boas, tem um ditado assim, eu procuro em todas as coisas
que eu fiz até hoje eu fiz pensando em poder aos noventa anos me lembrar com sorriso nos
lábios, entendesse? A sensação de estar... a busca da coerência. Então sempre fui muito
ligado a parte da construção intelectual, é o que me dá prazer porque... curiosidade, saciar a
curiosidade é a coisa mais confortável.” (Idem).
***
Sônia Pilla nasceu em Porto Alegre, em 1950, numa família de políticos e
acadêmicos de grande notoriedade intelectual no estado. O pai
35
, físico-químico, foi
professor da faculdade de engenharia no Instituto de Química da UFRGS e responsável
pela criação do Colégio Aplicação, escola pública vinculada à universidade federal. Depois
de ter estudado no tradicional colégio Farroupilha, foi aluna do colégio Aplicação, onde
realizou o segundo grau entre 1959 e 1961. Declarou em entrevista que a mudança de
instituição de ensino favoreceu o despertar para as “questões políticas” e o investimento
em “conhecimento” e “cultura”, isto é, literatura, cinema, teatro, coral, discussões e etc.
“Conhecimentos” estes que, somados ao fato de a irmã mais velha ser formada em letras,
teriam influenciado na escolha por este mesmo curso universitário.
No que pese proclamar a inexistência de uma militância política sistemática
naquela época, a inserção “pública” familiar e os laços afetivos estabelecidos nessa escola,
já serviriam de prelúdio do engajamento militante que se desenrolou nos anos
subseqüentes. A faculdade foi iniciada em 1962 e ela sublinha o fato de ter sido este um
ano marcado por manifestações e pela “greve 1/3”, eventos que teriam estimulado o início
da militância política. Na universidade, ingressou no PCB, na sua expressão, “puxada”
pelo então namorado Flávio Koutzii, (tamm ex-estudante do colégio Aplicação, que veio
a exercer importante liderança no movimento estudantil universitário e no POC): “o Flávio
foi um cara que nos puxou pra dentro, depois também nos puxou pra fora”. Vale esclarecer
35
Era irmão de Raul Pilla, homem político atuante no início do século XX de notoriedade no RS pela atuação
no Partido Federalista e fundação do Partido Libertador. Era médico, bacharel em Ciências e Letras pela
UFRGS, jornalista, professor universitário e deputado estadual e escreveu vários textos com temas
relacionados.
124
que o tempo verbal na primeira pessoal do plural é utilizado para abranger outros
militantes e amigos dos tempos de escola (cita particularmente sua melhor amiga Elisabeth
Souza Lobo, casada com Marco Aurélio Garcia, uma das principais lideranças do PCB e
depois do POC).
Formou-se em 1965, em 1966 começou a namorar Luiz Paulo Pilla Vares
(seu “primo em 3° grau”, que foi dirigente e um dos principais articuladores do POC no
estado) e em seguida resolveu viajar para a França, pois tinha uma bolsa de estudos dada
pelo governo francês e obtida graças ao incentivo de um professor desta nacionalidade que
a aconselhava a seguir a carreira universitária. Diz ter saído do país com o intuito de
estudar e adquirir o que na França era definido como “diploma de estudos universitários”,
que seria o equivalente a uma especialização, no caso de Sônia, na área de crítica literária.
A viagem foi feita, mas acabou não investindo nos estudos e sim, segundo a própria
entrevistada, na militância (sobretudo no movimento pró Vietnã), viagens e diversão.
Depois de um ano, mais especificamente no final de 1967, voltou para o
Brasil e abandonou tanto a idéia de especializar-se em crítica literária como a de se dedicar
à vida acadêmica. Retomou o namoro com Pilla Vares, começou a dar aulas no colégio
Israelita (pertencia a uma equipe constituída pelo jornalista e filósofo Rui Carlos
Ostermam, que fora convidado para coordenar o curso de 2°grau daquela escola e “formou
uma equipe com todo mundo de esquerda”), engajou-se então nas questões voltadas ao
ensino público, afora a militância política agora exercida no interior do POC, do qual já
faziam parte Pilla Vares, Koutzii, Elisabeth e Marco Aurélio Garcia, entre outros.
Em 1968 se casou com Pilla Vares e foi trabalhar como secretária de uma
gráfica. Entretanto, no início da década de setenta, com as perseguições policiais, prisão e
tortura sofrida por seu marido, o casal resolve viver de forma temporária e
clandestinamente no Rio de Janeiro. Pela conjuntura e devido às condições de
sobrevivência vivenciadas e compartilhadas, nos depoimentos oferecidos, ambos
descrevem este momento como marcado pelo “pânico de ser preso, torturado, morto, de
perder amigos”, etc.
Quando engravidou do seu primeiro e único filho (nasceu em 1973 em Porto
Alegre, é publicitário e mora em Florianópolis/SC) e Pilla Vares perdeu o emprego que
tinha em um jornal, a opção foi então a de voltar para Porto Alegre. No retorno, conseguiu
125
um emprego na Secretaria de Educação em 1974 e, entre 1976 e 1978, realizou o mestrado
em planejamento da educação na UFRGS. Nesse período Sônia também começou a militar
no movimento feminista e sublinha o fato de que este movimento era constituído “em geral
por mulheres assim, formadas já, que tinham estado na França...”. Em decorrência desta
militância e pela proximidade pessoal e afetiva, engajou-se no movimento pela anistia,
mais particularmente pela libertação de Flávio Koutzii, preso na Argentina. Em março de
1984 se separou de Luiz Paulo Pilla Vares. Cinco meses depois, Flávio Koutzii retornou da
França para onde se deslocou depois de sair da prisão argentina e, um mês depois, reataram
o relacionamento que persiste ainda hoje.
Ambos integraram o PT como primeira opção com o pluripartidarismo e,
como militante deste partido, Sonia Pilla ocupou uma série de cargos públicos, todos
relacionados à educação. Militante do CPERS/Sindicato (Centro dos Professores do Estado
do Rio Grande do Sul) e ligada à Comissão de Educação, foi eleita representante do
Conselho Estadual de Educação e foi representante do executivo no Conselho Municipal
de Educação. Em 1992, na gestão de Tarso Genro na prefeitura de Porto Alegre, trabalhou
na Secretaria de Educação com o então secretário Milton Fischer (professor da faculdade
de educação da UFRGS), coordenando o setor de planejamento. Com a demissão deste,
assumiu a direção da mesma secretaria. Em 2006 foi convidada pelo Ministro Tarso Genro
para atuar num programa de formação dos dirigentes municipais em educação para o qual
escreveu um texto sobre a “gestão participativa da educação”. Os dois trechos abaixo
tratam da importância atribuída à participação dos movimentos de contestação do regime
militar e a forma como combina a atuação política com a sua “especialização profissional”.
“Eu acho que nós, a minha geração, eu acho que nós somos privilegiados, apesar de tudo, o
sofrimento que teve e tal eu acho que a gente pode viver muito intensamente, num
momento muito especial assim da história, num momento de muita transformação, toda
essa coisa assim cultura, quer dizer, de cinema novo, teatro novo, teatro de Arena, o
Glauber aquela coisa toda, bossa nova, a liberação sexual né...”. (Entrevista com Sônia
Pilla).
“(...) a possibilidade de tu tá no executivo e no poder a nível municipal, eu trabalhei na
secretaria de educação muitos anos, inclusive no gabinete do planejamento da secretaria de
educação, e aquela dificuldade de tu sentir que tá muito distante né das coisas, da escola,
dos professores, tal e tal, de que tu não consegue realmente interferir. E no município não,
no município tu sente que tu sabe, eu vou lá na escola e tenho conhecido uma escola por
uma municipal, são todas na periferia da cidade, conheci os diretores, não todos
evidentemente mas conheci professores, pais, funcionários, aquela coisa de ta lá e de poder
126
de alguma forma mexer nisso a partir da tua experiência, tuas lutas sindicais, a coisa da
participação, da gestão democrática, enfim tu puder fazer isso sabe?” (Idem).
***
Os dois casos parecem demasiadamente contrastantes para exemplificarem
o mesmo padrão, mas é exatamente nisso que reside sua riqueza, pois permitem incorporar
à análise diferentes dimensões explicativas e, assim, observar quais dentre aquelas são as
mais definitivas na ordenação dos destinos dos agentes em consonância com as estratégias
por eles ativadas no decorrer dos seus itinerários.
Tendo em vista os parâmetros que definem o perfil “técnico-
administrativo”, grifa-se que uma das principais características que abrange os casos é a
compatibilização entre o título escolar, a afirmação de uma “especialidade” e os tipos de
cargos ocupados. E essa convergência confere aos seus portadores o instrumental
necessário para legitimar sua “competência técnica”. Assim, além da tendência para uma
condição de origem bem situada, também se apresentam como altos os investimentos em
títulos escolares e em bens culturais. Por outro lado, mesmo que tenham um “background
militante” (ressaltando que raramente aderiram às modalidades mais “exigentes” ou
“arriscadas” de intervenção, o que facilitava o cumprimento dos prazos de formação
escolar e inserção no mercado profissional), o reconhecimento da “capacidade técnica”
abranda o uso da biografia militante como uma estratégia mais definitiva de afirmação.
Entretanto, isso não significa dizer que não hajam usos dos trunfos reunidos naquele
momento, antes disso, há e podem ser significativamente importantes (apesar de não tão
evidentes, como é o caso de uma simples identificação como “contemporâneo”) nas
possibilidades que se apresentam para os agentes no transcorrer de suas trajetórias. Dentre
eles, ressaltam-se os vínculos e contatos estabelecidos, que foram constantemente referidos
para justificar movimentos, posicionamentos, sentimentos e “oportunidades” surgidas em
diferentes fases da vida dos agentes.
Alguns aspectos podem ser matizados com o objetivo de captar as
especificidades que os singularizam e que se traduzem nos respectivos destinos. Todavia,
inicia-se relatando as semelhanças observadas entre eles para depois proceder à
demonstração das distinções. Em primeiro lugar, ambos sublinham, ainda que em
momentos diferentes de fase da vida (ela no segundo grau com a ida para a escola pública,
127
ele na universidade com o deslocamento para a capital), o empenho para suprir carências
de leituras que acabaram contribuindo na sua formação política. Os dois não enfatizaram
algum tipo de interferência religiosa nas suas origens ou escolhas; a militância mais intensa
ocorreu basicamente no movimento estudantil, mas mantendo estreitas relações com
“organizações” e dirigentes esquerdistas; não atuaram em movimentos armados, não
tiveram prisões e torturas, nem saíram do país para exílios; concluíram o curso
universitário em prazo previsto; mantiveram-se “fiéis” à primeira adesão partidária; e
atuaram nos sindicatos representativos da suas categorias profissionais.
A primeira distinção relevante entre eles é, afora a de gênero, a de origem
social. A de Sônia Pilla é mais alta (principalmente em termos de recursos políticos e
culturais herdados) e ligada à capital, enquanto a de Bisch é mais baixa e vinculada ao
interior. Entretanto, no que pese terem origens relativamente desiguais, o investimento
incessante dele em acumular recursos variados e o envolvimento preponderantemente
afetivo dela (até mesmo por conta das “necessidades de origem” do primeiro e a “base de
sustentação” da segunda) conduziram a uma inversão de posições, ao menos quando lidas
do ponto de vista da ocupação de cargos públicos.
Dentre os trunfos mais significativos para o destaque por ele adquirido no
desempenho de cargos administrativos, sobressai o investimento no exercício de atividades
e em contatos qualificados que, a um só golpe, se traduzem e são derivados da sua inserção
em circuitos profissionais e políticos, onde conquistou espaços privilegiados. Enquanto ela
priorizou a sustentação de laços afetivos e o cultivo de uma “especialização” compatível
com os “princípios ideológicos” declarados e reproduzidos no interior do partido. Porém,
embora a “questão da educação” seja uma “causa” legítima, os membros do seu círculo de
relações ocupam posições mais restritas (o que não significa dizer: “menos qualificadas”)
devido à oferta diversificada de tendências a serem contempladas no espaço de
oportunidades no qual ela está inscrita.
Além disso, a interpretação das estratégias ativadas por Bisch Neto no
decorrer de seu itinerário aponta para uma maior maximização dos recursos armazenados
(por exemplo, na entrevista fica patente o esforço em demonstrar perícia para executar
funções e mobilizar contatos) no sentido de afirmação do perfil mais “técnico” e menos
128
“comprometido” ideologicamente. Há, enfim, o claro emprego de uma lógica empresarial e
casualística impressa na reconstrução biográfica oferecida.
Ao passo que Sônia revela uma relação muito mais “missionária” e
“subjetiva” com a exposição de suas escolhas e movimentos operados ao longo do seu
trajeto. Pelos motivos já aludidos, adicionados à leitura romanceada que oferece da sua
biografia, seu perfil se aproxima da “especialização militante”. Certamente sem deixar de
pertencer ao padrão técnico, fundamentalmente porque se constituiu como porta-voz e
ocupou cargos diretamente relacionados e justificados pela detenção de um “saber”
escolarmente adquirido e a partir de um sentido de gestão declarado: “planejamento em
educação”.
2.2.4 – “Especialização político-eleitoral”
Neste item são apresentados os itinerários de César Busatto e Flávio
Koutzii. Ambos exerceram mais de um mandato de deputado estadual no Rio Grande do
Sul por partidos que passaram a polarizar as disputas políticas no estado, PMDB e PT, a
partir de alguns protagonistas que iniciaram a militância nos movimentos de contestação ao
“regime militar”. A biografia militante é fator relevante nos dois trajetos que levaram à
“especialização política-eleitoral”, contudo com nuances e percursos diferenciados. Os
agentes traduzem ainda padrões dominantes nas suas “agremiações partidárias” no que
tange à compatibilização entre o militantismo original, reconversão do passado “heróico” e
afirmação eleitoral via “competência intelectual”.
Natural de Veranópolis, César Busatto nasceu em 1952 numa família de
origem italiana (identidade étnica por ele mesmo acentuada). Filho de uma professora
primária e de um comerciante que, mesmo sem ter tido nenhuma vinculação partidária,
teria sido “uma pessoa sensível para as questões sociais, muito preocupado com a
coletividade”, características que seriam atestadas pela participação na organização de uma
cooperativa (Cooperativa dos Funcionários Públicos e Bancários de Veranópolis Ltda).
Também não tinha o 1° grau completo, mas, apesar disso, César Busatto afirma que “era
um autodidata, comerciante, fazia bem os cálculos, a matemática...”. Essas teriam sido as
129
grandes influências para o início do seu engajamento ainda na escola primária, tendo sido
presidente de turma e do grêmio estudantil.
Realizou o ginásio numa escola marista e nesta teria sido igualmente por
“várias vezes” presidente do grêmio estudantil, agora somados à participação em
congressos estudantis para estudantes secundaristas organizados pela UGES e na
composição da direção da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Veranópolis.
Devido à inexistência de curso científico naquele município, em 1966 foi estudar em
Caxias do Sul e, novamente, atuou no grêmio como vice-presidente. Seguindo as diretrizes
da Igreja Católica, em Caxias do Sul aderiu à Juventude Estudantil Católica (JEC) e
pertenceu ao movimento de jovens chamado “Unindo Gente”, cujas atividades variadas
visavam “envolver as crianças pobres dentro do espírito assim cristão, mas um cristão
engajado, um cristão comprometido com os pobres”.
Relata que foi durante a realização do segundo ano do segundo grau que
teve os primeiros contatos com os “grupos revolucionários”, citando a VAR-Palmares e
ALN, mas ainda sem ter se integrado a nenhuma delas. Nesse período estudava inglês e
uma professora teria o aconselhado a concorrer a uma bolsa de estudos nos EUA. Ele
concordou e depois viajou para Porto Alegre visando concluir o curso científico. Como não
conseguiu vaga no Júlio de Castilhos, em 1969 matriculou-se no Colégio Inácio Montanha
e se envolveu no grêmio estudantil. Esta teria sido uma “fase” marcada pela “evolução de
uma articulação com a igreja” para os “grupos de esquerda que se movimentavam já na
política”.
No mesmo ano, em julho de 1969, com 17 anos de idade, ganhou a bolsa de
estudos e foi para os EUA concluir o 3° ano naquele país. Lá morou na casa de uma
família de americanos, estudou e chegou a dar palestras sobre o Brasil na igreja e na
escola. Ressalta que neste momento teria sido influenciado pelo movimento negro e
buscado saber sobre seus líderes e “lutas”. Da mesma forma, ainda que não tenha
participado dos eventos, o movimento Woodstock teria se fixado como uma referência
importante para ele.
Na volta ao Rio Grande do Sul, se inscreveu num cursinho pré-vestibular
específico para economia. A escolha por esta formação teria sido orientada pelas
130
informações viabilizadas pelo irmão, inscrito nessa graduação, e porque esta seria a área de
conhecimento que o possibilitaria “decifrar as equações do mundo”.
Em 1970 entrou para a universidade onde constituiu o Centro de Estudos de
Economia Política, junto com Raul Pont (que foi liderança do POC, do IEPES, da
Tendência Socialista, etc.) e Luiz Alberto Miranda (também pertencente ao IEPES e
professor universitário). Do mesmo modo atuou no diretório de estudantes, chegando a ser
presidente entre 1972-73, bem como colaborou na produção de cadernos destinados à
divulgação de textos de economistas marxistas como Paul Singer, Francisco de Oliveira,
Maria da Conceição Tavares, Celso Furtado, etc. Esta publicação convergia com as
atividades promovidas pelo IEPES o que, inclusive, oportunizou sua aproximação com
João Carlos Brum Torres e André Forster (secretário do IEPES e ligado ao então deputado
Pedro Simon). Também em 1973 foi enquadrado num inquérito policial pela universidade
(diz ter sido por conta das manifestações contra o golpe de 11 de setembro no Chile em
que o DAECA foi fechado e lacrado pelo DOPS), mas como não chegaram a aplicar o
Decreto-Lei n°. 477, depois de um tempo escondido com outros colegas daquela gestão,
pôde voltar a freqüentar as aulas e exercer sua “militância”.
Formou-se em 1974 e, como já era estagiário da Fundação de Economia e
Estatística (FEE), foi incorporado como funcionário em 1975. Sobre os espaços
institucionais de atuação da “esquerda intelectualizada”, compara o IEPES à FEE: “o
IEPES era a proteção das esquerdas dentro do MDB e a FEE era certa proteção para as
esquerdas dentro da máquina pública do estado”. Em 1976 foi autorizado a sair para fazer
seu mestrado no México. Escolheu a Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM)
por ter informações de que nesta estudaria os quatro volumes do Capital e todo o
pensamento econômico marxista. Naquele país, participou de um grupo de estudos sobre o
marxismo e se engajou no movimento pela anistia, destacando que conheceu muitos
professores exilados, inclusive seu próprio orientador era um exilado político baiano.
Afora isso, também conheceu e passou a atuar nas ações do MR8, colaborou na revista
“Brasil Socialista” e também na edição dos “Cadernos Proletários”.
131
Busatto destacou a parceria nesse momento com João Pedro Stédile
36
, que
estaria no México graças ao financiamento da Secretaria de Agricultura; também
mencionou a separação da primeira mulher (socióloga e militante de esquerda) e o início
da relação com sua atual esposa (assistente social fazendo mestrado em sociologia política
na UNAM, militante e hoje vereadora de Porto Alegre pelo PPS).
Em 1979 voltou para o Brasil e, no Rio Grande do Sul, trabalhou na
assessoria econômica do MDB até 1985, como assessor nos gabinetes dos deputados José
Fogaça e César Schirmer e ainda deu aulas de economia na Unisinos entre 1980 e 1985.
Ao mesmo tempo (de 1979 a 1985), foi um dos principais dirigentes políticos do MR8 no
estado, tendo sido o movimento sindical e o movimento comunitário, através das
associações de moradores, suas inserções privilegiadas. Neste sentido, constituiu a
Confederação Nacional das Associações de Moradores, paralelamente à formação da
Confederação Nacional de Mulheres do Brasil da qual a sua esposa fazia parte enquanto
presidente da federação das mulheres gaúchas.
Na metade dos anos oitenta, foi para Brasília trabalhar na chefia adjunta do
gabinete de Pedro Simon, então Ministro da Agricultura. Com a vitória deste último ao
governo do Rio Grande do Sul em 1986, foi nomeado chefe da junta de programação
financeira, chegando, mais tarde, à Secretário Adjunto da Fazenda e depois a Secretário de
Governo. O término do governo, em 1990, coincidiu com a aprovação no concurso
prestado para auditor da Secretaria da Fazenda, onde ficou até 1994. Neste ano candidatou-
se e elegeu-se deputado estadual e, 1995, assumiu como secretário da fazenda de Antônio
Britto.
A não reeleição deste último em 1998 teria sido um dos elementos
deflagradores da crise instalada no PMDB que resultou, depois de uma derrota em
Convenção Estadual, na ruptura do “grupo” constituído em torno do ex-governador
Antonio Britto e que tem em Busatto uma das principais lideranças. Assim sendo, em 2001
filiaram-se ao PPS e buscaram conquistar novamente o governo estadual em 2002, mas
36
João Pedro Stédile, gaúcho e filho de pequenos agricultores, é formado em economia pela PUC-RS, com
pós-graduação na UNAM (México). Atuou como membro da Comissão de Produtores de Uva dos Sindicatos
de Trabalhadores Rurais, assessor da Comissão Pastoral da Terra e trabalhou na Secretaria da Agricultura
tudo no estado do Rio Grande do Sul. É fundador e liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), tendo, inclusive, escrito livros sobre o movimento, a “luta pela terra no Brasil”, o PT, o
socialismo e temas afins.
132
foram derrotados justamente pelo candidato do PMDB, Germano Rigotto. Neste ano,
Busatto conseguiu reeleger-se deputado estadual. Em 2004, José Fogaça, membro da citada
facção, concorreu e foi vitorioso na disputa pela prefeitura da capital pelo PPS. Busatto
passou, então, a compor este governo como diretor do Gabinete de Governança Local,
órgão administrador das questões relacionadas à gestão do que seria o substituto do
Orçamento Participativo, associado aos governos anteriores do PT. Neste cargo assumiu a
incumbência de dar um novo formato à questão da “participação popular”, reivindicando
que a “paternidade” da “bandeira” pertence ao MDB e ao IEPES. Logo, inscrevendo-se no
histórico local de edificação da “proposta” e da “experiência” no estado para disputar
como deveria ser conduzida.
Os fragmentos selecionados referem-se à influência pela escolha do curso
universitário, além da exercida pelo irmão, e a atual perspectiva de militância que se
relaciona com o posto ocupado:
“(...) naquele momento já tinha assim a idéia, já era bastante politizado pra sua época, que a
economia ia me ajudar a decifrar aí as equações do mundo, pra mim poder ver como
transformar o mundo, tinha essa visão de que era pela economia, já uma influencia um
pouco do marxismo, influencia das minhas leituras da época, que era pela economia que...
conhecer os fenômenos econômicos, as veias econômicas que seria a maneira de você
transformar o mundo. Isso também me influenciou”. (Entrevista com César Busatto).
“Então assim o resultado do meu pensamento ta sendo depois da crise da esquerda marxista
leninista, depois da inexperiência de luta democrática e a persistência até hoje das grandes
contradições da desigualdade, da exclusão, etc. Eu assim acabei evoluindo prum
pensamento de me associar aos valores mais profundos da humanidade que acabam
realmente tendo que ver muito com a minha origem cristã lá de Veranópolis né, mas não de
um cristianismo oficialesco, burocrático e sim dos valores mais profundos realmente do
cristianismo. Que fundo, no fundo, são os valores mais profundos de uma visão de esquerda
plural, quer dizer né, ou seja, a igualdade, a fraternidade, a solidariedade, a paz, a justiça, a
dignidade humana né. Quando se formula a idéia da governança solidária no fundo a gente
tá exatamente tentando, vamos dizer, elaborar um governo de estado que rompa com a
lógica da disputa de classes e comece a desenvolver uma visão de solidariedade, de
cooperação na qual todos tem algo a dizer”. (Idem).
***
Flávio Koutzii define seu pai como um crítico de cinema, autodidata e
comunista, que fora um dos fundadores do Clube de Cultura, quer teria sido um espaço
privilegiado de discussão da “esquerda da comunidade judaica” no Rio Grande do Sul. Seu
avô paterno era proprietário de um dos cinemas mais tradicionais da capital e os tios
133
chegaram também a ser donos de salas de projeção. Esses elementos são aludidos para
grifar as condições de constituição de uma “identidade judia e comunista” marcada pelo
estigma e pelo acesso à “cultura”, incluindo livros (“muitos e melhores”), música popular e
clássica, revistas e, evidentemente, cinema.
Com todos os seus familiares radicados em Porto Alegre, também nesta
cidade ele nasceu em 1943. O primeiro grau foi realizado no Instituto de Educação Flores
da Cunha e, com mais ou menos 12 anos, foi estudar no colégio Aplicação. Salienta que o
período em que esteve nessa escola foi primordialmente de aprendizado, inclusive de
amadurecimento da “politização” já impulsionada no âmbito familiar. Em 1960 concluiu o
nível equivalente ao segundo grau e, em 1961, foi para São Paulo tentar fazer o curso de
economia, não conseguindo aprovação na USP. Teria “ficado fora da universidade durante
o ano de 1962” (exatamente este o ano da “greve do 1/3”). Voltou para o Rio Grande do
Sul e conseguiu passar nos vestibulares para os cursos de economia e filosofia da UFRGS
e esclarece: “O cara vai pra economia pra dominar o regime, o mundo, essencialmente, e
vai para a filosofia pra poder pensar”.
Na faculdade e auxiliado pelo contato com Marco Aurélio Garcia, logo
ingressou no PCB e foi eleito presidente do centro acadêmico de filosofia e ciências
humanas. Em 1965 foi candidato a presidente do DCE, mas não conseguiu eleger-se. Foi
um dos principais articuladores da “dissidência” que deixou o PCB e, reunidos com
“dissidentes” da POLOP, formaram, em 1966, o Partido Operário Comunista (POC).
Em 1968 abriu, com a ajuda financeira da família, uma livraria em frente à
faculdade de direito da UFRGS que vendia discos e livros, inclusive importados, que ele
buscava numa distribuidora localizada em São Paulo. Sobre isso, aponta algumas
“personalidades intelectuais” que freqüentavam o local, como João Carlos Brum Torres e
Nelson Boeira (hoje professores da faculdade de filosofia da UFRGS e militantes
“intelectuais” do PMDB). Montada três meses antes do “golpe de 64”, o “negócio” durou
até 1970, quando Koutzii saiu para uma rápida estada “clandestina” em São Paulo (como
tinha uma sócia, a livraria ainda funcionou alguns meses depois da sua partida), depois ele
viajou para o Chile onde ficou pouco tempo até ir para a França.
Segundo seu depoimento, essa primeira ida a Paris foi fundamentalmente
dedicada à elaboração dos “princípios” que regeriam a ação política do POC, em
134
dissolução no Brasil, a partir da aproximação com a IV Internacional e da atuação na Liga
Comunista. Nas suas palavras, foi um momento voltado para o “trabalho de impregnação
do bolchevismo francês”.
Quando resolveu voltar para o Brasil, vindo pelo Chile, teve a notícia de que
um amigo havia sido pego pela polícia em sua casa quando chegou ao país e morreu na
prisão, o que levou à mudança de planos das lideranças do POC que optaram por “adotar a
variante argentina”. Na Argentina, Koutzii esteve filiado ao Partido Revolucionário dos
Trabalhadores e depois à Fracción Roja. Militância esta que acabou repercutindo na sua
expulsão do primeiro e prisão por quatro anos, de 1975 a 1979. A “experiência no cárcere”
e as condições estruturais do sistema prisional na Argentina foram apresentadas no
trabalho desenvolvido para a obtenção do título de sociólogo junto à École des Hautes
Etudes em Sciences Sociales no momento subseqüente em que ficou exilado na França.
Quando retornou para o Brasil, em 1984, transformou aquele texto em livro publicado com
o título “Pedaços de morte no coração”.
A escolha por vincular-se à EHESS foi definida pela indicação da amiga, a
socióloga Helena Hirata (que também pertenceu ao POC e atualmente é vinculada ao PT)
que, conhecendo o sistema das escolas de Paris, achou que aquele se adequaria às
condições de dedicação de Koutzii naquele momento: “seriado”, “com um conjunto
mínimo de matérias por aula”, “um sistema extremamente elástico”. Além disso, Koutzii
salienta o fato de terem reconhecido as disciplinas feitas na faculdade de ciências
econômicas e na de filosofia iniciadas na UFRGS: “eles consideraram isso porque o
quadro era homogêneo, não era um picareta, pensaram: afinal o cara veio da prisão”.
Concluída esta etapa, retornou para o Brasil e logo se incorporou à
“construção” do PT, partido ao qual mantém sua filiação ainda hoje. Inicialmente, a sua
“liderança” e os laços criados na atuação no POC se atualizaram na posição de destaque
ocupada na tendência Democracia Socialista e compartilhada com outros como Raul Pont e
Luiz Paulo Pilla Vares, bem como permitiu que posteriormente constituísse sua própria
tendência, a Esquerda Democrática. Em 1986 candidatou-se ao senado, mas não obteve
sucesso e, em 1988, elegeu-se vereador e assumiu a liderança do governo Olívio Dutra na
Câmara de 1989 a 1990, ano em que conquistou a deputação estadual. Elegeu-se deputado
estadual por quatro vezes consecutivas, sendo que de 1990 a 2002 assumiu o posto de
135
Chefe da Casa Civil no primeiro e único governo do PT no RS. Em 2003 destacou-se como
titular da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia e da Comissão
de Finanças e Planejamento e desde 2005 é líder da bancada do PT na Assembléia
Legislativa/RS.
Em dezembro de 2006, num Grande Expediente da Assembléia Legislativa
do Rio Grande do Sul, anunciou sua aposentadoria como ocupante de cargos eletivos,
consagrando a militância inaugural e seus efeitos no decurso dos engajamentos políticos.
Emblemático foi o encerramento do discurso em que citou passagens de uma música de
Sílvio Rodrigues, interpretada por Pablo Milanez, cujo título traduzido é “Ode à minha
geração”
37
.
***
A descrição dos itinerários feita acima revela que os agentes empenharam-
se consideravelmente em reunir recursos diversificados, aplicá-los no sentido de alcançar e
manter-se relativamente bem posicionados nos domínios “políticos” e em convertê-los em
trunfos eleitorais. Já no início das entrevistas, os dois afirmam identidades étnicas e
procuram estabelecer a gênese de determinadas características que se auto-atribuem e que
justificariam “posturas” e “posicionamentos”. Interessante observar que nessa tarefa, não
sublinham vínculos e contatos como decisivos nas “oportunidades” que se apresentaram
nos seus caminhos, mas se colocaram, respectivamente, como liderança e dirigente de
“grupos” e “organizações”
38
o que exige, da mesma forma, a conquista e manutenção de
um circuito de relações como garantia do reconhecimento necessário para a consolidação
de tais posições.
Outros elementos análogos e importantes nas trajetórias de Koutzii e
Busatto podem ser grifados como: exerceram liderança de destaque no movimento
estudantil universitário; estiveram por uma longa data no exterior e essas foram ocasiões
37
No último capítulo é feita uma análise específica sobre este e outros grandes expedientes dedicados
declaradamente à homenagear militantes que se destacaram, acima de tudo, por sua liderança na “luta contra
a ditadura” e/ou no processo deredemocratização do país”.
38
Define-se aqui a idéia de liderança como a “capacidade” de mobilização do agente, ou seja, de articular
pessoas e liderá-las, ao passo que a idéia de dirigente está sendo utilizada para definir a ocupação de posições
de “cúpula” com incumbência de reflexão e decisão em agrupamentos, organizações e etc.
136
de dedicação ao estudo e à militância em “organizações”; relacionaram-se e se casaram
com mulheres militantes das mesmas organizações (por mais de uma vez); e se
consagraram eleitoralmente pelas vitórias conseguidas nas campanhas em que concorreram
a deputado estadual.
Contudo, é preciso fixar algumas das peculiaridades do desdobramento das
duas carreiras, o que pode ser feito cotejando-as a partir das estratégias de investimento e
usos dos trunfos acumulados e ativados em movimentos sucessivos de afirmação. Também
a patente diferença de origem social entre eles é um indicador essencial e congruente com
as referidas distinções entre os trajetos seguidos. Quer dizer, Busatto é proveniente do
interior do estado, de uma “região rural” e de imigração italiana, marcada pela busca de
afirmação econômica. Enquanto Koutzii é oriundo da capital, obviamente então com
origem urbana, numa família de origem judaica russa com forte inserção nos meios
culturais.
No que concerne aos investimentos em militância e estudos, tem-se que o
primeiro veio de uma atuação nos movimentos estudantis secundaristas e católicos. Na
universidade, continuou atuando nos marcos do movimento estudantil, ocupando postos, e
sem envolvimento “orgânico” comorganizações clandestinas” e, sem sofrer os “castigos”
comumente empregados na época pela polícia para punir os “subversivos”, pode concluir o
curso de economia no prazo previsto. O segundo somente iniciou sua participação política
sistemática na universidade, compatibilizando a liderança no movimento estudantil com a
exercida em “organizações”. A intensa dedicação à militância e a conseqüente visibilidade
adquirida junto aos “meios de repressão” contribuíram para a não conclusão dos cursos de
economia e filosofia ao qual estava matriculado e na radicalização da militância fora do
país, o que lhe rendeu a contrapartida punitiva (prisão e tortura) que sobrevalorizou seu
arsenal de “troféus”.
Ao contrário de Koutzii que, afora isso, também aproveitou para concluir os
estudos e trazer um título de sociologia adquirido em Paris e, assim, incrementou seus
trunfos, Busatto viajou para o exterior, mas, oficialmente, para estudar, numa perspectiva
de “qualificação” que acabou oportunizando sua inserção orgânica numa organização de
esquerda. A gama de recursos que ele conseguiu reunir com “estudo” e “militância” e,
principalmente, os círculos de relações que construiu foram reconvertidos na ocupação de
137
cargos administrativos. O conjunto das “aptidões” reunidas conformou sua base de
sustentação na disputa eleitoral ao qual, recentemente, está reincorporando princípios
católicos de legitimação das modalidades de intervenção adotadas. Enquanto que para
Koutzii, tal base de mobilização está mais fortemente amparada no uso da biografia
militante singular e mantida pela autoridade consolidada no “meio” como “analista”,
conferindo-lhe uma posição de formulador privilegiada na hierarquia partidária local,
elementos reconvertidos diretamente para a disputa eleitoral e altos cargos públicos.
Sendo assim, comparativamente aos itinerários descritos anteriormente e
também a exemplo daqueles, observa-se que as duas carreiras aqui representativas da
“especialização política-eleitoral” possuem feições que as aproximam intimamente dos
perfis mais técnico e militante, relacionados ao PMDB e PT, respectivamente.
2.2.5 – “Especialização universitária e profissional”
Neste item são apresentados os itinerários de três militantes do período com
destacadas carreiras no “sistema de ensino superior” do estado, Antônio Sidekun, Carmen
Craidy e Renato de Oliveira, acrescido do trajeto do psicanalista e professor universitário
Luiz Coronel.
Antônio Sidekum nasceu em 1948, numa família de agricultores de São
Leopoldo, região metropolitana de Porto Alegre. O segundo grau foi concluído em Caxias
do Sul e, em 1969, ingressou na Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada
Conceição (FAFIMC) em Viamão (município também localizado na chamada “grande
Porto Alegre”), período em que iniciou a busca mais sistemática por formas de
intervenção.
Descreve como sendo as motivações primordiais para seu engajamento a
“discriminação que sofria por ser de origem pobre” e a “revolta contra a miséria e
exploração dos pequenos agricultores”. Estes elementos iam ao encontro de algumas
referências por ele destacadas: os discursos semanais de Leonel Brizola; as mensagens de
D. Edmundo Kunz proferidas no programa da “rádio difusora” chamado “mãos no arado e
138
olhar pra frente”; as leituras que o avô paterno, que seria detentor de uma “vasta literatura
sobre revoluções na Alemanha, Rússia e México”, fazia sempre antes do jantar; bem como
as leituras posteriormente realizadas dos “comentários sócio-econômicos sobre os
documentos da Doutrina Social da Igreja”, dos “documentos do Concílio Vaticano II” e
ainda das leituras de Teilhard de Chardin e Hebert Marcuse.
Além de membro da Juventude Agrária Católica (JAC) e da Juventude
Universitária Católica (JUC), colaborou no trabalho de “conscientização dos agricultores
para a organização do Sindicato dos Trabalhadores Rurais” e atuou na “organização
clandestina” VAR-Palmares no município de Tapes. Sobre a realização do Seminário,
informa a influência de professores (de economia política, sociologia e marxismo), de
leituras (sobre o “marxismo”, “existencialismo”, “teologia da libertação”, textos sobre
“movimentos cristãos para o socialismo”) e sublinha a atuação no grêmio estudantil, a
participação nas manifestações pela reabertura do diretório acadêmico Tristão de Athaíde
da FAFIMC que fora fechado pela aplicação do Decreto-Lei n°. 477.
Ao mesmo tempo em que participou das manifestações estudantis que
ocorriam naquele período e ajudou na distribuição de panfletos “denunciativos”, diz ter
desenvolvido um trabalho junto às pastorais das igrejas localizadas nas vilas da região
metropolitana de Porto Alegre, também teria contribuído na organização das
comemorações da Semana Santa “com uma formulação de uma libertação política”.
Desde o início da década de setenta aderiu ao “movimento latino-americano
paralelo à teologia da libertação” que teria sido fundado por militantes exilados que se
dedicaram a escrever sobre o “engajamento da filosofia”. Ressalta que foi preso e torturado
pelo DOPS de Porto Alegre sem uma descrição mais detalhada.
Em 1975 investiu, então, no mestrado em Filosofia pela Pontifícia
Universidade Católica de Porto Alegre, concluído em 1978. Desde 1976 é professor titular
e desempenhou funções de chefe de departamento e diretor de unidade do Centro de
Ciências Humanas da Universidade do Vale dos Sinos. De 1979 a 1986 deu aulas na PUC,
tanto na graduação como na Pós-graduação e, em 1987, resolveu fazer o doutorado,
também em filosofia, na Universität Bremen na Alemanha. Concluiu o doutorado em 1993
e pouco tempo depois, em 1994, foi novamente para aquele país fazer um ano de Pós-
139
Doutorado na Universität de Leipzig. Fez ainda um segundo pós-doutorado, em 2000,
desta vez na University of América nos Estados Unidos.
As universidades que já lecionou e as respectivas disciplinas são:
Universidade do Vale dos Sinos (Ética com linha de pesquisa em “problemas na
fundamentação da subjetividade e alteridade”), Pontifícia Universidade Católica
(Antropologia Cultural e Antropologia Filosófica), Universität Munster na Alemanha
(Ética), Universidade Luterana do Brasil (Análise do discurso político e Ética), Faculdade
de Administração e Ciências Contábeis de Taquara (Antropologia e História da educação
no Brasil, com linha de pesquisa em “Antropologia, formação do ethos cultural brasileiro
em Euclides da Cunha, Guimarães Rosa e Darcy Ribeiro”), Universidad Centroamericana
José Simeón Cañas em El Salvador (ética e historia y actualidad del pensamiento luso-
brasileño), Faculdade de Educação de Taquara (Antropologia) e Fundação Educacional
Encosta Inferior do Nordeste (Antropologia).
Da sua produção, pode-se destacar a publicação de oito livros, sendo que
três são coletâneas e um foi publicado na Alemanha, cujos temas mais freqüentes são
“ética”, “alteridade” e “multiculturalismo”. Tem artigos publicados em periódicos de São
Leopoldo, Porto Alegre, Chile, Alemanha, México e ainda algumas matérias divulgadas
em jornais de São Leopoldo e Portão. Além daqueles temas mencionados, os artigos tratam
de “racismo”, “sociedade civil”, “cidadania”, “direitos humanos”, etc.
Abaixo, segue a passagem de encerramento da entrevista em que Sidekum
estabelece o uso que procura fazer dos seus investimentos profissionais e culturais em
contribuição ao seu engajamento:
“Meu doutorado na Alemanha foi sobre Emmanuel Levinas, filósofo que também
experimentou o exílio e o campo de concentração, tudo isso me deu uma direção para que
eu continue a pensar nessa linha e manifestar-me como professor de filosofia contra as
injustiças que se cometem nas universidades de hoje. Escolhi um estilo de vida mais
pessoal possível, um sítio com uma casa cujo projeto arquitetônico é meu, com uma horta
grande e um enorme pomar. Os frutos do pomar e da horta são distribuídos na escola da
Cruz Vermelha em São Leopoldo e ensino a alguns agricultores de criarem minhocas para
terem húmus para sua horta. Procuro viajar ao máximo pela América Latinha e Europa para
conhecer esses centros que lutam com dificuldades pela sobrevivência dos ideais utópicos
que precisam alentar a nossa vida. As minhas músicas são as clássicas e bastante da música
popular brasileira na fase quando existia a censura e utilizo a música popular brasileira
como material para esboçar as temáticas do filosofar no Brasil”. (Entrevista com Antônio
Sidekum).
140
***
Comerciante na cidade de Ijuí, o pai de Carmem Craidy fora filiado ao PSD
e, com o bipartidarismo filiou-se à Arena, chegando a eleger-se vereador por esse partido.
Ela nasceu no mesmo município em 1942 e lá realizou todos os seus estudos, inclusive o
curso universitário em Pedagogia na Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande
do Sul entre 1961 e 1964. Desde os quatorze anos participou da Juventude Estudantil
Católica (no colégio de freiras no qual estudava) tendo pertencido à direção local, à direção
diocesana e à direção regional. Quando entrou na universidade passou a atuar na JUC,
ocupando igualmente cargos de direção local, regional e de presidente do diretório
acadêmico. Nas suas palavras, fez parte de “todos os movimentos populares da época,
desde CPC da UNE... que a gente fazia teatro popular em cima de caminhão no meio rural,
pessoal da faculdade de Ijuí, e no sindicato dos operários, tinha programa de rádio... a
gente fazia a maior confusão na cidade”.
Depois de concluída a graduação, foi para o Rio de Janeiro compor a
direção nacional da JUC, com a aprovação do pai arenista que aceitara sua decisão em
razão do conselho por ele recebido do diretor do Exército: “some com a tua filha daqui”.
Naquele estado, descreve uma série de elementos que teriam motivado sua recusa a
participar da “internacional de JUC e JEC”, em Paris. As dificuldades financeiras, a falta
de apoio dos bispos, as transformações no âmbito da Igreja Católica são citados como
aspectos importantes do definhamento deste espaço de atuação da “juventude católica” e
teriam convergido com a defasagem da “ação religiosa” e a urgência da “ação política”.
Ela enfatiza o deslocamento do “campo de ação” para as “organizações políticas”, isto é:
“para a Ação Popular e mesmo pra outros partidos clandestinos”, coincidindo, pois, com
mudanças nas “motivações pessoais”: “a igreja já não era o centro da minha vida, a minha
militância já era outra”.
Foi para São Paulo onde conseguiu com professores conhecidos (da USP e
PUC) uma bolsa de estudos para realizar um curso intensivo de orientação educacional
(seis meses) promovidos pelo CADES (órgão do Ministério da Educação antecessor da
Coordenação de Pessoal de Nível Superior). Os bons resultados obtidos nesse curso teriam
viabilizado o convite para orientar o “ginásio vocacional” de uma escola experimental e
141
depois para coordenar a criação do segundo grau na mesma. Após quase dois anos
trabalhando naquela instituição de ensino, sofreu o primeiro processo político e pediu
demissão. No emprego seguinte, na Universidade Católica de Campinas, acompanhou o
pedido de demissão coletiva dos professores com apenas seis meses de vínculo. O último
emprego antes de sair do país foi como documentarista de educação da Editora Abril.
Nesse período, participava de uma “dissidência” da AP que fundara o
Movimento Revolucionário dos Trabalhadores em oposição aos defensores da “luta
armada” e se caracterizariam pela “luta sindical” com “forte trabalho político” no ABC
paulista. Mesmo assim, tal inserção possibilitou o trânsito entre “organizações armadas”
como a ALN e este teria sido um dos principais motivos da “perseguição” a ela feita pela
polícia. Para “fugir do cerco”, viajou de carro para Argentina e, com o passaporte válido
por ter conseguido uma bolsa de estudos, foi para França e lá viveu legalmente durante
cinco anos.
Em Paris, fez mestrado em Ciências da Educação na Universidade de Paris
V, cujo trabalho foi sobre a reforma da educação no Brasil. Também se casou com Daniel
de Andrade Simões, um chileno que conheceu graças ao trabalho de recepção dos
refugiados por ela desenvolvido junto à anistia internacional. Em 1977, o casal foi para
Moçambique trabalhar para o governo provisório ali instaurado. Carmen Craidy deu aulas
na Universidade de Moçambique e trabalhou na direção nacional de educação. Porém, por
causa de uma doença contraída por seu filho, retornou para o Brasil em janeiro de 1979.
Em abril do mesmo ano conseguiu um emprego como assessora de
educação da direção da Fundação Estadual do Bem-estar do Menor. Depois de um ano
separou-se do marido e depois de quatro anos trabalhando na FEBEM foi demitida,
segundo ela, sob a acusação de comunista. Foi então ser assessora do Juizado da Infância e
da Adolescência e, em 1985, recebeu o convite para ir para Brasília coordenar um
programa nacional de pesquisa sobre criança e adolescente na Secretaria de Assistência
Social do governo federal graças, nas suas palavras, “a velhos quadros que me conheciam e
me indicaram”. Coordenou o programa de pesquisa que reunia vários ministérios e o
CNPQ, INEP, Capes, etc., e também atuou durante cinco anos no Programa de Estudos e
Pesquisa e Ação (Gempa), em pesquisas de alfabetização. Estas atividades teriam a
credenciado na designação para compor a comissão nacional responsável pela inserção do
142
“capítulo da infância e da adolescência” na constituição e, depois, no Estatuto da Criança e
do Adolescente. Também trabalhou no Ministério da Educação para assessorar a
elaboração da “Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional”.
O início do governo de Fernando Collor e o fato de ter passado nos
concursos para professora da UNB e UFRGS são usados como justificativas para a saída
do ministério em 1990. Resolveu, então, voltar para o Rio Grande do Sul no início da
década de 1990 para dar aulas na universidade, onde também fez o doutorado (entre 1991 e
1996), cuja tese intitula-se “o analfabetismo de meninos de rua como produção simbólica
da exclusão social”. Como professora da UFRGS ministrou disciplinas com temas
relacionados à educação, tais como: “organização da educação no Brasil e educação
infantil”, “introdução à pesquisa de campo nas ciências sociais e educação”, “o processo de
construção de identidades na matriz sócio-históricas”, “os fundamentos da política e da
educação no pensamento de Hanna Arendt”, “introdução ao pensamento de Norbert Elias”,
“letramento e alfabetização”, “escola, violência e relação com o saber”, entre outras. Com
relação aos projetos de pesquisa, podem ser citados os trabalhos sobre: “pedagogia das
medidas sócio-educativas em meio aberto”, “juventude, educação e justiça juvenil:
reabilitação e prevenção de delinqüência no Brasil” em parceria com a universidade do
Texas/Austin, “gestão de políticas e processos educacionais e exclusão social” e “consulta
sobre a realidade na educação infantil”. Fora a UFRGS, desde 2001 na Escola Superior do
Ministério Público (ESMP) oferece os cursos “educação de adolescentes infratores e de
meninos de rua” e “história das instituições de adolescentes no RS”.
Em 2002 trabalhou no Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada do
Ministério da Justiça no “mapeamento nacional do atendimento do adolescente em
comprimento de medida sócio-educativa de privação da liberdade” e, desde 2004, está na
Fundação de Assistência Social e Comunitária (FASC), trabalhando no “senso meninos de
rua da região metropolitana de Porto Alegre”. Somados às atividades de extensão (como
exemplo a coordenação do “programa de prestação de serviços à comunidade de
adolescentes que cometeram ato infracional”) e às consultorias prestadas (exemplificando a
consultoria à Secretaria Estadual de Educação/RS para a avaliação de propostas
pedagógicas), destaca-se a predominância de “trabalhos técnicos” no seu currículo lattes.
143
Com os mesmos temas supracitados, escreveu 18 artigos publicados em
periódicos especializados e 6 matérias em jornais e revistas de “notícias” em geral,
publicou 6 livros, sendo que 3 individuais e os outros 3 com parcerias, e ainda é autora de
3 capítulos de livros. Vale frisar que a grande maioria dessas publicações é feita por
editoras locais. Sobre as diretrizes de intervenção seguidas na atuação profissional e que
correspondem aos princípios apreendidos com a inserção na AP, Craidy esclarece:
“Ver, julgar e agir é uma metodologia que significa o seguinte: pensar o que fazer a partir
das exigências do real, informados por uma visão teórica, isso constitui um fundamento de
qualquer pesquisa, de qualquer assunto de comprometimento político. E a gente aprendeu a
fazer isso, interiorizou essa forma de pensar e isso impulsiona toda vida de pesquisa e toda
vida universitária posterior. Quando se coloca o problema a primeira coisa que se coloca na
cabeça da gente é como interpretar e o que fazer diante disso. Então isso é uma atitude
intelectual e emocional e afetiva e política que se constituiu na juventude e se consolidou
uma forma de ser que marca essa geração. Tanto que hoje a gente se encontra, por exemplo,
no Fórum Mundial né, a gente encontra gente que não vê há décadas, e se conversa e se
entende... porque mesmo que as posições políticas não sejam as mesmas, há uma forma de
ver o real que aproxima as pessoas”. (Entrevista com Carmem Craidy).
***
Filho de um sapateiro e de uma dona de casa e neto de agricultores, Renato
de Oliveira nasceu em 1954 em Turvo/Santa Catarina. Fez o primeiro grau nesta cidade e o
segundo em Araranguá, um município maior, também localizado naquele estado. Demarca
o início da sua participação política nos primórdios da década de setenta, mais
precisamente aos 16 anos como líder do grupo de jovens – formado por um padre católico
com orientação humanista e sem engajamento político – que se dedicavam a discutir e
intervir em causas sociais, atividades culturais, entre outras.
Em 1971, teria realizado um curso de formação religiosa, chamado
“treinamento de liderança cristã”, no qual ofereciam “cursilhos de cristandade” com o
objetivo de atrair jovens com inclinações políticas. Segundo o entrevistado: “baseava-se
nos valores tradicionais de respeito à família e acatamento da moral sexual conservadora,
através de técnicas razoavelmente sofisticadas de persuasão e amedrontamento, que, em
alguns casos, beirava a lavagem cerebral, num clima de envolvimento com estereótipos do
consumo cultural de jovens de classe média”. Tal “experiência” teria sido, pois, a
144
responsável pelo desencadeamento do seu “progressivo afastamento do campo ideológico
dominado pela Igreja Católica, tanto de direita como de esquerda”.
Em Porto Alegre, iniciou o curso universitário em ciências sociais na
UFRGS em 1973 e logo se tornou uma liderança no movimento estudantil. Naquele
momento, aproximou-se dos componentes do recém extinto POC e depois fundadores da
chamada Tendência Socialista do MDB gaúcho (que veio a ser das principais articuladoras
do PT, partido ao qual pertence, e da tendência Democracia Socialista, tendência da qual
pertenceu). Fez parte do “Centro de Estudos dos Estudantes de Ciências Sociais”, cujo
objetivo era opor-se à então diretoria do diretório acadêmico “dominado pelo PC do B” e
foi presidente do diretório acadêmico dos estudantes do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas e Instituto de Letras da UFRGS.
Renato de Oliveira salienta que os militantes do centro acadêmico do IFCH
foram os responsáveis pela “organização” de uma greve estudantil que teria “paralisado” o
curso de ciências sociais durante uma semana. A mesma seria uma forma de “protesto
contra a orientação conservadora de alguns professores” que teriam atuado nas “comissões
de inquérito policial-militar que levaram à expulsão de vários docentes da UFRGS após o
golpe militar”. Sobre esse episódio, ele afirma a “importância de um fato como este para
um jovem de 19 e 20 anos recém saído do interior com ânsia de participação, etc.”.
Chegou a ser secretário da Tendência Socialista, organizou cursos de
formação política, viagens de intercâmbio entre militantes de distintas universidades que
pertenciam ou eram simpatizantes da mesma tendência. Também foi presidente do
Conselho de Diretórios Acadêmicos da Universidade entre 1974 a 1975 e do DCE de 1976
a 1977. Com este cargo promoveu e participou do movimento que visava articular os
Diretórios Centrais de Estudantes de algumas universidades com o intuito de formar uma
“coordenação nacional do movimento estudantil que se impusesse como uma ‘Une de
fato’”, o que lhe proporcionou a realização de viagens para São Paulo, Belo Horizonte e
Recife.
Formou-se em 1978 e encarregou-se da divulgação do jornal alternativo de
circulação nacional “Em tempo”, nos municípios de São Leopoldo e Novo Hamburgo, pois
nesta ocasião dava aulas de sociologia como professor assistente na Unisinos (onde ficou
até 1984, período em que também participou da oposição sindical do Sindicato dos
145
Professores do Rio Grande do Sul). Define esse período inaugural de militância como
relativamente “tranqüilo”, uma vez que, afora algumas “perseguições por parte da polícia”
e eventual necessidade de “sair de cena”, não sofreu nenhuma detenção.
Em 1979 trabalhou na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul como
assessor parlamentar do MDB. De 1979 a 1980 foi secretário geral e vice-presidente da
Associação de Docentes da Unisinos.
Ingressou na UFRGS como professor do departamento de odontologia
preventiva e social. No mesmo departamento, de 1980 a 1998, ministrou disciplinas de
sociologia da saúde, metodologia científica e estágio de saúde pública, aliada a ocupação
da posição de “membro plenum” nas avaliações e consultorias de 1979 a 1988. Em 1981
esteve na UFMS como professor visitante responsável pelo curso de especialização em
saúde pública e pela disciplina de sociologia da saúde. Também foi neste ano que iniciou a
especialização em filosofia, concluída em 1982, na UFRGS. Além das disciplinas dadas,
também se dedicou à realização de cursos de extensão (em 1995 coordenou o curso de
“promotores de atenção primária da saúde bucal”, repetido no segundo semestre de 1996,
sendo que no primeiro semestre havia coordenado o curso de “formação de auxiliares de
consultório dentário”) e ocupação de cargos administrativos na faculdade de odontologia e
da universidade em geral (direção do centro de pesquisas em odontologia social, consultor
da pró-reitoria ajunta de pesquisa e pós-graduação, membro do comitê de ética e pesquisa
do hospital de clínicas de porto alegre, comissão de estudos e acompanhamento de
propostas de autonomia universitária da reitoria, comissão de ética para a pesquisa
envolvendo seres humanos da reitoria, etc.). De 1994 a 1996 esteve à frente da linha de
pesquisa em sociologia da saúde do PPG de Sociologia, compatibilizando assim essa
atividade aos cursos de sociologia da saúde e sociologia ética oferecidos naquele pós. A
sua “lotação” no departamento de sociologia do IFCH aconteceu somente em 1998
(responsabilizando-se pelas disciplinas de epistemologia das ciências sociais e sociologia
da desigualdade e da diferenciação social), cinco anos depois de concluído o doutorado em
sociologia realizado na École des Hautes Études em Scienses Sociales de Paris (de 1989 a
93), cuja tese foi intitulada “Éthique et Médecine au Brésil. Étude sur les rapports entre le
débat sur l'éthique médicale et la participation polítique des médecins brésiliens”.
146
No final dos anos oitenta e início dos anos 90, no período em que estava em
Paris fazendo o doutorado, articulou um núcleo de militantes e simpatizantes do PT
residentes naquela cidade, que veio a ser formalizado pela “Loi 1901” que regula as
associações civis na França. Nas suas palavras: “associação, que manteve um boletim com
certa regularidade, se denominava Option Brésil e fui seu primeiro presidente”.
A atuação na Tendênica Socialista se prolongou na filiação ao PT e na
adesão à Democracia Socialista. Identificações justificadas por ele pela “formação na
cultura intelectual do marxismo, principalmente através de leituras de Gramsci”. Em 1984
desvinculou-se da DS, mantendo-se no PT, porém próximo das tendências consideradas
“mais moderadas” e que se reivindicam como mais “intelectualizadas”. De 1986 a 1988 e,
depois, de 1994 a 1998, foi secretário geral e presidente da Associação de Docentes da
UFRGS. Entre 1997 e 1998 esteve vinculado à Universidade de Santa Cruz do Sul e à
Universidade de Brasília, sendo que em 1998 ministrou o curso sobre Ética Empresarial
junto ao programa de desenvolvimento em Gestão da Companhia Estadual de Energia
Elétrica da Escola de Administração. Também de 1986 a 1988 e depois de 1998 a 2000
foi segundo tesoureiro e presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de
Ensino Superior (ANDES)
No que tange à ocupação de cargos, no único governo do Partido dos
Trabalhadores no estado foi, em 2000, diretor-presidente da Fundação de Amparo à
Pesquisa do RS e, de 2001 a 2002, foi Secretário de Estado responsável pela Secretaria da
Ciência e Tecnologia, Em 2002 desempenhou ainda a função de avaliador externo do
Programa Management of Social Transformation (MOST) junto à UNESCO na França.
A avaliação da atuação profissional e da atuação política revela um tipo de
“insatisfação” com as relações e prioridades estabelecidas, bem como com seus resultados.
“O engajamento político veio em prejuízo da vida profissional, e não encaro isto como
‘preço a pagar’, mas como prejuízo, pura e simplesmente. Creio que, além das limitações
pessoais para conciliar ambas as coisas, o lado negativo deve-se à precariedade
institucional das culturas política e acadêmica no Brasil, que constituem verdadeiras
‘histórias paralelas’... nos períodos em que exerci os cargos de presidente da Adufrgs e da
Andes, lutei para constituir uma publicação periódica nacional que abrisse espaço para a
participação da comunidade acadêmica no debate político nacional, sem ter obtido qualquer
sucesso, pois o caráter independente da publicação proposta, ou seja, sem compromissos
com os a priori sindicais e/ou partidários explícitos, a tornava inaceitável para os militantes
do movimento docente” (Entrevista com Renato de Oliveira).
147
“Ainda que a partir do início dos anos 80 eu tenha desenvolvido um perfil de militante à
margem das estruturas de comando e elaboração políticas constituídas durante os anos 70, o
que significou estar à margem das estruturas de direção do PT, por sua vez controladas
pelos sindicatos, pelas organizações católicas de esquerda e pelas organizações
remanescentes do marxismo-leninismo, mantive minha identidade com o partido. Essa
identidade era fundada na expectativa de que o partido transcendia a ação e os objetivos
imediatos das forças citadas. Essa expectativa se mostrou um equívoco, e por tal razão
desliguei-me do partido há dois anos”. (Idem).
***
Os três itinerários descritos acima são, assim, representativos dos perfis de
carreiras realçadamente universitárias cujos agentes iniciaram sua militância nos
movimentos estudantis durante os anos sessenta e/ou setenta e posteriormente persistiram
pautando sua atuação profissional pelo engajamento em “causas” variadas.
Como foi dito no início do capítulo, os indicadores de origem social, adesão
às causas e organizações durante o “regime militar”, o uso da biografia militante e a
dependência em relação aos vínculos e contatos edificados naquele momento tendem a
serem menos contundente neste padrão quando cotejados aos demais perfis, restando
sobressalentes, neste caso, especialmente os investimentos em títulos escolares e em bens
culturais.
No tocante às características semelhantes dos perfis analisados, salientam-
se, resumidamente, a origem rural e católica compartilhada pelos três, os altos títulos
escolares com uma considerável circulação internacional para adquiri-los; pelo menos dois
deles falam em ética e/ou constituem-se em porta-vozes de temas relacionados à
“inclusão”; desenvolvem pesquisas e atuam em consultorias que visam à modificação de
determinadas condições de existência da “população” beneficiada pela intervenção;
explicitam a busca de referenciais principalmente nas ciências sociais e filosofia;
promovem cursos de extensão que aparecem como espaços apropriados de intervenção;
bem como pode-se afirmar a ascensão social impulsionada, sobretudo, pela inserção
religiosa que desemboca na atuação militante e pelo exercício da profissão de professor
universitário.
É certo que o aumento nos índices de um ou mais dos indicadores afetam na
interpretação dos destinos dos agentes e da hierarquia de posições por eles ocupadas no
148
domínio ao qual se dedicam. Ressalta-se nomeadamente o peso contundente da origem
social e do nível de adesão no período inaugural de engajamento e os três perfis descritos
são exemplares desta relação.
Sucintamente, para o primeiro caso observou-se que a vinculação religiosa e
a militância política que dela se derivou viabilizaram a ascensão social do agente de
origem baixa e rural. A Igreja Católica, então, se apresentou e se impôs como uma
estratégia familiar de superação das condições adversas o que, por sua vez, acaba criando
uma idéia de dívida naquele que obtém sucesso com base nessa estratégia.
Ou seja, a ascensão social poderia significar uma espécie de distanciamento
daquelas origens e, como forma de sublimá-la, Sidekum dedica sua atuação profissional e
engajamentos para a modificação das condições de existência que marcaram o seu ponto
de partida, quase como uma retribuição ao dispendioso investimento inicial. Porém,
paradoxalmente, isso que poder ser “percebido” como “ascensão”, tendo em vista a
condição original do agente, se traduz na ocupação de posições periféricas que é, por sua
vez, compensada pela ativação de um sentido de “missão” e “abdicação” que resolve, ou
deixa suspendida, a tensão produzida entre a perspectiva de ascensão, o esforço de
sublimação do distanciamento da origem e a ocupação dessas posições periféricas.
Comparativamente ao perfil acima, no segundo tem-se uma origem um
pouco mais elevada. A iniciação no trabalho de intervenção ocorreu mais cedo nos
movimentos de jovens católicos e estudantis secundarista, se desenvolvendo para
modalidades mais “arriscadas” de atuação, envolvendo deslocamentos para o “centro” do
país, longo período de exílio, aliança matrimonial, etc. Neste caso, a inserção religiosa
aparece como a oportunidade de um tipo de intervenção que favoreceu e foi substituído
pelo desempenho de outro (a contestação “política” na “luta contra a ditadura”). Ao longo
do seu itinerário, Carmem Craidy investiu concomitantemente e significativamente na
militância e na carreira profissional e, mais do que isso, as desenvolveu conjugadas e
justificadas pela dedicação a uma problemática tida como altamente legitima.
O background militante somado à atuação profissional engajada numa
“causa” específica e socialmente legítima garantiram a ocupação de uma posição de
destaque e a capacidade de circulação por diversos domínios. É preciso referir que a
entrevistada afirma que ainda se orienta, para a realização dos seus trabalhos, pelos
149
princípios teóricos do catolicismo engajado: “ver, julgar e agir” e, igualmente, mantém os
laços pessoais construídos desde os primórdios de sua militância e ambos se renovam em
reuniões e grupos de discussão que ainda promovem com os antigos membros da AP.
A terceira carreira combinou uma série de características análogas aos dois
casos acima e constitui um perfil distinto e exemplar dos itinerários acadêmicos. Com uma
origem relativamente baixa, a socialização e politização inaugural nos movimentos de
jovens católicos, da mesma forma que os dois anteriores, constituíram-se num dos
principais móbiles instigadores para a participação dos movimentos de contestação ao
regime. No que pese, como no segundo caso, o agente declarar o necessário descolamento
da Igreja Católica para dedicar-se à atuação política militante, à exemplo do primeiro caso,
é justamente esse pertencimento original atrelado ao investimento em escolarização e aos
engajamentos sindical e partidário que vão constituir a sua base de ascensão possível. A
influência católica também se faz notar no tipo de produção direcionada ao meio
universitário que afirma uma espécie de “competência” para falar em nome de “questões
morais”.
Acontece que as condições e estratégias adotadas são inevitavelmente
díspares. Comparando Renato de Oliveira com Carmem Craidy, pode-se ressaltar que, para
o primeiro, os trunfos militantes são relativamente “inferiores” (quando considerado o
valor dos “riscos” e “prejuízos” da participação nos movimentos de “resistência”),
inclusive porque pela idade e momento de entrada na dinâmica de oposição ao regime não
teria como adquiri-los e, além disso, também não buscou fazer convergir, nos diferentes
meios de inscrição, o reconhecimento do domínio de uma “especialidade”. E, comparando
com Antônio Sidekum, para Renato de Oliveira inexiste aquele débito de origem que se
refletia numa tensão entre origem, ascensão e posição periférica que poderia ficar suspensa
com a ativação de um sentido de abdicação. Neste caso, embora haja tal tensão, essa
incorpora o empreendimento no domínio sindical e partidário que resulta numa espécie de
sentido de “falha”. Ou seja, apesar de ter ascendido em relação à origem e o destaque
obtido foi na atuação sindical, a ocupação de posições intermediárias na universidade e no
partido conduz à percepção de que essa dedicação simultânea inibiu a conquista de
posições mais favoráveis, nomeadamente, na universidade.
150
Para finalizar, abaixo é apresentado um perfil particular de carreira que
pode ser incorporada ao “padrão universitário”, em primeiro lugar, porque os agentes que
podem ser associados a tal modalidade combinam sua atuação profissional autônoma com
o exercício docente e, em segundo lugar, porque a articulação de variáveis é relativamente
semelhante. São os chamados “profissionais liberais” cuja atuação se caracteriza pela
“politização” dos seus ramos de atividades. Este trabalho é executado mediante a
interpretação ou formulação de perspectivas construídas a partir da associação de
conhecimentos e princípios das referidas áreas (medicina, direito, arquitetura, psicologia,
etc.) com “saberes” que são produzidos no âmbito das ciências humanas e sociais, visando
constituir um sentido de intervenção e transformação das condições de existência do
“público” ao qual se direciona. Essa definição é facilmente verificada entre profissionais
com carreiras marcadamente universitárias (reafirma-se: tendo em vista as variáveis e
dimensões testadas no universo de pesquisa em pauta). Contudo, o itinerário que segue é
representativo de carreiras que se afirmam na vinculação entre os meios universitários e
políticos, mas que se realizam profissionalmente e predominantemente fora desses
domínios.
Luiz Illafont Coronel nasceu em 1948 no município de Quaraí/RS. A mãe
era professora primária e o pai, assim como os avós, eram comerciante e fora secretário
geral do PC da cidade na década de 70, além de dirigente de clube de futebol e também de
“vários outros organismos”, conforme sublinhado pelo entrevistado.
Aos 15 anos, Coronel se deslocou para Santa Maria para fazer o segundo
grau e, aos 18 anos, entrou para a “dissidência do PC”, que pouco tempo depois veio a
constituir o POC. Diz que chegou a “flertar” com integrantes da Ala Vermelha do PC do B
(muito atuante naquele município), porém sua escolha teria sido calcada na avaliação de
que aquele grupo seria “intelectualmente mais aberto, mais sofisticado, por assim dizer...
gente com uma outra dimensão da história e da política”.
Em 1968 ingressou na Universidade Federal de Santa Maria, mediante
aprovação no curso de medicina e, não obstante da militância e das viagens pelo estado que
tinha que fazer para exercê-la, conseguiu se formar dentro do prazo, isto é, em 1972.
Concluída a faculdade, passou por novo deslocamento. Desta vez para Porto Alegre com
vistas a especializar-se em psiquiatria. Estagiou na Clínica Psiquiátrica Pinel. Indagado
151
sobre o porquê da opção pela psiquiatria, diz que esta foi guiada pela idéia de que a
medicina seria “a área mais ligada às ciências sociais e humanas” e, como tinha uma
“formação básica marxista leninista”, a medicina “veio como profissão, mas o meu modo
de pensar todo é marcado por eles”.
É casado com uma advogada, defensora pública, que conheceu no período
inaugural de militância e que também era militante, apesar de não possuir vinculação a
nenhuma das “organizações”. No início dos anos setenta passou a integrar o MDB,
destacando a participação nas reuniões do IEPES, sendo um dos principais articuladores da
Tendência Socialista e compondo o conselho fundador do jornal “Em Tempo”. De 1973 a
1978 trabalhou como médico psiquiatra da associação dos Funcionários Municipais da
capital, sendo que, a partir de 1976, também atuou na Superintendência dos Serviços
Penitenciários (SUSEP) durante quatro anos. Em 1980 se incorporou à Associação Médica
do Rio Grande do Sul (AMRIGS), chegando a ocupar os cargos de conselheiro titular, 1°
secretário do conselho de representantes, delegado, entre outros. De 1986 a 1989 foi
presidente e vice-presidente da diretoria da Associação Gaúcha de Medicina
Psicossomáticas e supervisor do programa de residência médica de Psiquiatria. Desde 1984
é professor do curso de especialização em grupo terapias da Fundação Federal de Ciências
Médicas de Porto Alegre (FFCMPA) e entre 1995 e 1997 fez o mestrado em psiquiatria,
psicanálise e saúde mental na UFRJ. Sua dissertação recebeu o título: “Incidências sobre o
sofrimento psíquico em alunos de formação psiquiátrica”. Chegou a ser diretor geral da
Secretaria de Justiça e de Segurança Pública do RS de 1999 a 2003, ou seja, durante o
governo do PT, partido ao qual era filiado (até o momento da realização da entrevista, pois
naquele ano, em 2004, cogitava filiar-se ao PSOL). Desde 2004 é presidente da Sociedade
Gaúcha de Saúde Mental e Lei, diretor e professor do curso de especialização em
Psiquiatria Forense e também presidente do Centro de estudos Instituto Abuchaim, onde
ministra cursos com temáticas relacionadas à grupoterapia. Desde 2005 é coordenador do
Anteprojeto de lei desenvolvido em convênio com o departamento de psiquiatria da
FFCMPA e desde 2006 é presidente da Associação Brasileira de Psicoterapia de Grupo.
Publicou um livro intitulado “Psiquiatria legal” e cinco capítulos de livros, a grande
maioria tratando do mesmo tema.
Este itinerário, de um modo geral, se distingue dos anteriores que integram
esta modalidade de carreira basicamente pela inexistência de vínculos religiosos
152
anunciados e impulsionadores das inserções inaugurais e pelo fato de sua atuação
profissional não estar voltada predominantemente para o meio universitário. E, assim como
aqueles, observa-se um menor peso dos trunfos militantes e, conseqüentemente, da
possibilidade da maximização de uma biografia neste sentido e ainda um significativo
empreendimento em títulos escolares e na qualificação profissional. Já ocupou cargos
públicos e teve vinculação partidária, mas não mantém uma prática militante. Observa-se,
porém, a persistência de um sentido de intervenção relacionado ao engajamento em causas
precisas dentro da sua especialização médica. Neste caso, tais “preocupações” seriam
justificadas e operacionalizadas graças à formação em ciências sociais adquirida desde a
gênese do seu engajamento.
“a participação naqueles anos foram, como eu já te disse, a linha da construção foram
decisivos, a relação do meu modo de pensar e sentir. Não é por acaso que adotei essa
ideologia, é que a minha formação é essa de dar valor aos bons vínculos né, em relações
que promovam crescimento, respeito... Continuo sensível aos problemas sociais, tô muito
envolvido com isso nos últimos anos porque é o rescaldo da minha gestão no manicômio
judiciário. Tô abrindo uma área nova, estudos da violência do ponto de vista da saúde
mental, é o primeiro curso no Brasil. E tô com o projeto no Ministério da Justiça dos
manicômios brasileiros e várias coisas nessa linha da violência. Por quê? Porque eu acho
que é o meu compromisso como professor, eu entendo conhecimento por conhecimento e
acho que é a melhor forma. Infelizmente nem sempre pude dar o melhor de mim nesse
sentido, ou mais tempo e mais aulas né, mas o balanço é sempre positivo.
Sofri muito,
claro, ninguém gosta de ser torturado, , mas é uma vida marcada por sacrifícios, mas eu não
me arrependo, eu acho que foi positivo. Aquilo foram estímulos e me sai bem, eu acho que
consegui fazer dos obstáculos caminhos do conhecimento, infelizmente nem sempre as
pessoas conseguem fazer isso. Tem muito amigo que se perdeu no meio do caminho, mas a
avaliação é positiva, desde o ponto de vista mais íntimo até o ponto de vista mais social,
digamos assim, mais amplo”. (Entrevista com Luiz Illafont Coronel).
2.2.6 – Considerações finais
Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que a descrição acima teve como
fonte principal as entrevistas realizadas com os agentes e, por este motivo, é preciso não
perder de vista que as reconstruções biográficas resultam não somente da posição ocupada
no presente como da posição de origem e da perspectiva de posição atribuída pelo próprio
agente. Portanto, nas leituras oferecidas do passado, as escolhas operadas ao longo das
trajetórias são justificadas, aclamadas ou rejeitadas a posteriori conforme seus resultados
153
entendidos em termos de sucesso, fracasso ou conformidade relativos às condições
específicas de cada agente e ao campo de possibilidades detidas (considerando a condição
de origem, os recursos acumulados, as estratégias acionadas, as oportunidades
apresentadas, os domínios privilegiados e as posições conquistadas).
Foram então apresentados itinerários que correspondem a alguns perfis de
carreiras que predominam no universo de estudos e que foram identificados e classificados
a partir do teste de um conjunto de variáveis pertinentes para a tentativa de apreender a
relação entre elas e seus efeitos nos destinos políticos e profissionais dos agentes. Com este
procedimento obtiveram-se indicações de como são renovados os sentidos de intervenção
nas diferentes arenas de atividade dos agentes; da mesma forma foi possível atentar para
dinâmicas de intervenção forjadas nos processos de legitimação dos mesmos como porta-
vozes de “grupos”, de “causas” e como especialistas em “temas”; também permitiu apontar
para os desdobramentos do militantismo e do engajamento tendo em vista os “grupos” e/ou
as “causas” aos quais se dedicam; possibilitou observar como os mesmos agilizam esses
trunfos para potencializar seu trânsito em domínios sociais diferentes, maximizando laços e
investimentos em “lutas”, “temáticas” e “causas”; e, finalmente, foi possível detectar
modalidades de construção do duplo reconhecimento da condição de intelectual e de
ativista dos candidatos a porta-vozes.
A pretensão no capítulo que segue é, pois, tentar demonstrar de forma mais
precisa duas dimensões de análise que não foram devidamente exploradas até então e são
reveladoras de condicionantes que circunscrevem as escolhas possíveis dos agentes,
podendo contribuir tanto para a ampliação “qualificada” do seu montante de recursos como
para o bloqueio do acesso ou desvalorização dos mesmos. Tratam-se das interferências das
configurações de vínculos e contatos construídas e administradas pelos militantes nas suas
inserções e das configurações históricas e conjunturais que “favorecem” ou
“desfavorecem” determinados empreendimentos (e do seu valor) tendo em vista a gama de
eventos e tensões que as singularizam.
A análise das configurações de vínculos e contatos é operacionalizada
considerando os deslocamentos dos agentes e dos seus círculos de reconhecimento
objetivados nas diferentes “organizações” em que atuam. E estas, por sua vez, são
colocadas em convergência com a configuração histórica e as conjunturas nas quais se
154
inscrevem. Para tanto, examina-se a inserção dos agentes nessas “organizações” em três
momentos conjunturais: o primeiro referente ao “período militar”, no qual os militantes
deveriam optar por “grupos clandestinos” e/ou institucionais para a prática contestatória; o
segundo diz respeito ao início do processo de redemocratização do país no qual as escolhas
partidárias refletiam os arranjos ideológicos e identitários forjados num contexto de crise; e
o terceiro concerne ao momento contemporâneo, onde já há uma relativa maturidade dos
agentes e das instituições de modo que as opções cristalizam os vínculos e escolhas
construídas ao longo das trajetórias individuais e coletivas.
Capítulo 3 – PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO E LUTAS POLÍTICAS
O estudo dos engajamentos e militantismos exige a apreensão dos
condicionantes que operam na conformação de adesões, de modalidades e de domínios de
intervenção política ativados pelos agentes em diferentes conjunturas históricas. A opção
de iniciar a “militância” bem como os investimentos e demais “escolhas” priorizadas
refletem fundamentalmente a combinação entre recursos detidos, atributos acumulados e
pertencimentos variados como definidores de uma espécie de libido (Bourdieu, 2001) para
a intervenção. Da mesma forma, é possível dizer que esses elementos interagem no
delineamento de identidades precárias que, por este motivo, são passíveis de serem
reconstituídas ao longo dos itinerários individuais e coletivos, em relativa congruência com
as posições ocupadas, os posicionamentos assumidos, as distinções construídas e as
gratificações obtidas (Gaxie, 2003; 1977).
No tocante às lógicas de identificação, estas são, justamente, o produto e as
produtoras dos amálgamas entre dimensões sociais (“afinidades” baseadas em
pertencimentos a diferentes segmentos sociais), dimensões pessoais (“elos” pautados por
redes de relações e “afetividades”) e dimensões ideológicas (“aproximações” justificadas
pela consonância de valores e de visões de mundo direcionados à “transformação da
realidade”). É possível assim captar as lógicas de identificação no espaço social, que
envolvem a identificação forjada nas relações simétrica/assimétricas e os efeitos da
155
categorização a partir de rótulos produzidos nas lutas entre os agentes e nas próprias
ciências sociais. Sem desconsiderar ainda os impactos da auto-compreensão ou de uma
“subjetividade situada” que se constitui tomando uma auto-avaliação da posição ocupada
em relação às demais posições, assim como mediante filiações, pertencimentos, afinidades,
etc. Tais processos se alimentam do sentimento de possuir atributos comuns e compor
“grupos” dotados de “coerência”, “unidade”, “coesão”, bem como de elos construídos,
administrados, renovados, etc. (Brubaker, 2001).
Sendo assim, a pretensão deste capítulo é explicitar círculos
reconhecimentos/conexões/percepções/disposições/categorizações e como interferem nas
dinâmicas de inserção variadas, nos deslocamentos efetuados e nos eventos que, muitas
vezes, os cristalizam e afirmam sentidos de contemporaneidade (Favre, 1992) disputados,
compartilhados e redefinidos pelos agentes nas suas reconstruções posteriores. Para tanto,
tomam-se três eixos inter-relacionados como pontos de partida para a análise. O primeiro
refere-se à entrada e aos itinerários dos agentes nos movimentos de contestação,
nomeadamente, as atuações inaugurais no movimento estudantil (secundarista ou
universitário), e/ou em “organizações clandestinas” e/ou outras “instâncias” de
participação como sindical, religiosa e partidária. O segundo diz respeito ao tratamento das
“organizações” e “instâncias” propriamente ditas a partir do exame de preceitos
proclamados, das temáticas consagradas e dos itinerários coletivos daqueles que as
constituem. E o terceiro, refere-se à configuração dos dois anteriores em conjunturas de
crise que são marcadas pela plasticidade nos códigos e regras do jogo, portanto em que a
formulação das estratégias e sua ativação estão particularmente fragilizadas (Dobry, 1992).
Também foram delimitados três momentos conjunturais para a pesquisa. No
primeiro, referente ao período militar e localizado predominantemente nos anos 60, os
militantes iniciavam sua militância, deveriam optar por “grupos” clandestinos e/ou
institucionais para a prática contestatória e, igualmente, decidir sobre seus investimentos
escolares inaugurais. Este momento é caracterizado pelo binômio contestação/dispersão.
Isto é, por um lado, há a adoção de movimentos conjuntos de contestação ao regime
(exemplificado nas manifestações de estudantes, greves, passeatas, etc.) nas quais os
militantes atuaram de forma mais ou menos intensa contra um “inimigo comum”. Por outro
lado, evidencia-se uma forte fragmentação das “organizações” e “grupos” cujas ações mais
localizadas (expropriações, pichações, distribuição de panfletos e jornais, etc.) traduziam-
156
se na “disseminação de energia” de modo disperso. Nesta fase pode-se dizer que os
indivíduos “entram na resistência” e entram igualmente num espaço de possibilidades que
deve ser explorado, sobretudo no que tange às aproximações ideológicas, afetivas,
instrumentais, etc. possíveis, aos recursos que garantem a conquista ou perda das mesmas e
a maximização desses elementos para a conquista de posições de reconhecimento.
No segundo, concernente ao início do “processo de redemocratização” e
especialmente situado nos anos setenta, as escolhas partidárias refletiram os arranjos
ideológicos e identitários forjados no momento anterior. Assim, a participação em
campanhas e tomadas de posição sobre a reorganização partidária evidenciam os
alinhamentos operados. Os resultados obtidos numa pesquisa anterior (Reis, 2001)
permitiram apreender as estratégias de afirmação dos militantes em canais institucionais
específicos de inserção (Instituto de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais e no Setor
Jovem do MDB) e as estratégias de distinção entre e intra “gerações”. Além disso, neste
momento já é possível observar estratégias de ativação de recursos detidos durante os anos
sessenta e os empreendimentos profissionais em curso. Pode-se, então, caracterizá-lo pelo
binômio afirmação/distinção, o que significa dizer que se por um lado os militantes já estão
inseridos nos domínios esquerdistas, isto é, já teceram vínculos variados (de atração ou de
repulsão) com outros indivíduos e organizações, já reelaboraram as respectivas
“alternativas” de condução da “luta política”, bem como fizeram suas próprias opções
políticas e profissionais (mesmo que contingentes), por outro lado, as condições
favorecidas pelo processo de redemocratização do país deslocaram o foco das
mobilizações coletivas conduzidas pelos mesmos.
Antes que na contestação direta ao “regime militar”, a ênfase recai agora nas
estratégias de afirmação dos novos entrantes tendo em vista o cenário político
vislumbrado. Neste caso, o engajamento na “redemocratização” passava pela acentuação,
nos repertórios de mobilização, da “organização da sociedade civil”, da necessidade de
construção de “alternativas socialistas” nos partidos políticos, da efetivação da idéia de
participação popular, etc., em oposição às práticas políticas tradicionais (anteriores ao
regime militar) que seriam adjetivadas como “populistas”, “conservadoras” ou “adesistas”.
A dinâmica de afirmação no jogo político institucional (notadamente a partir da atuação no
MDB) foi paralela às sucessivas definições de fronteiras entre as diferentes alternativas de
militantismo, ou seja, de distinções entre os próprios porta-vozes das “gerações” que
157
“lutaram contra a ditadura” buscando interpelar o público de esquerda em geral e
conquistar sempre novas adesões a seus projetos (partidários, sociais, ideológicos, etc.) e
assim manter-se na posição de porta-vozes das causas “democráticas”.
E no terceiro momento, já na vigência do “pluripartidarismo”, que
transcorreu a partir do início dos anos oitenta, haveria uma relativa “maturidade” dos
agentes e das instituições de modo que os movimentos e deslocamentos refletiam os
vínculos e escolhas construídas ao longo das trajetórias individuais e coletivas, assim como
os destinos sociais e profissionais, de alguma forma, já se apresentavam como
“encaminhados”. Com efeito, neste período as idéias de engajamento e militantismo
produziram simultaneamente unificação e distinção entre os contemporâneos de lutas
comuns que tiveram suas lógicas radicalizadas. Ou seja, eles compartilham das grandes
temáticas que pautam o repertório de preocupações legítimas e as modalidades
consagradas de intervenção política, no entanto buscam distinguir-se pela competência no
tratamento dessas questões e pela eficácia na sua concretização em múltiplos meios de
engajamento e veículos de atuação militantista. Por este motivo, tanto as alianças como as
rivalidades – geralmente lidas como fundamentalmente ideológicas ou partidárias – entre
estes agentes são fundadas em conteúdos variados e são apreendidas com o exame dos
desdobramentos das suas trajetórias uns em relação aos outros
39
.
Cada um destes momentos foi examinado numa perspectiva sincrônica que
possibilitou evidenciar as tomadas de posição, os recursos detidos, os trunfos utilizados nos
embates, os objetos disputados e as “bandeiras” ou repertórios compartilhados, os
conteúdos das aproximações e dos distanciamentos, as redes que são tecidas, as identidades
que são reivindicadas e os princípios que subjazem aos movimentos operados. E, os três
conjuntamente, possibilitaram atentar, numa perspectiva diacrônica, para as persistências,
39
A esta idéia coadunam-se as referências de Michel Offerlé, ou seja: “[No que tange] a lógica de filiação às
tendências estruturadas e às sub-empresas [como resultando] formalmente de marcas políticas... poucos
estudos foram consagrados à formação de equipes homogeneizadas ideologicamente a posteriori.
Companheiros de escola, amigos sindicais, grupos de gerações homogêneas, camaradagens regionais,
afinidades sociais e éticas, acasos socialmente condicionados, estratégias de colocações controladas num
certo estado de aglomeração do mercado, agregação de agentes marginais politicamente, todos estes fatores
deveriam ser sistematicamente testados para evitar a análise politicológica de tomar a competição intra-
partidária a partir das ideologias proclamadas ou sob a forma de manipulações cínicas” (Offerlé, 1987:65).
158
inconstâncias, ou redefinições que marcam as diferentes etapas históricas e biográficas dos
investigados.
É preciso também enfatizar que eles englobam múltiplos eventos e
estratégias de intervenção mais ou menos eficazes em termos de acúmulo de trunfos e de
possibilidade de reconvertê-los nos momentos subseqüentes. E, assim, pode-se perceber
como repercutem na produção de hierarquias e na configuração de atributos, lógicas e
repertórios de intervenção, sempre relacionalmente redefinidos.
No que tange ao recorte empírico adotado para viabilizar tal análise, a
estratégia inicial foi fixar as “organizações” de estréia para a definição de conjuntos de
relações que se transformaram ao longo do tempo, os desdobramentos em termos de
adesões, os itinerários coletivos, as rearticulações de redes, a renovação de alianças, a
constituição de rivalidades, permitindo assim observar os princípios e mecanismos que
interferiram nesses processos. Para tanto, examinou-se os vínculos e contatos explicitados
nas entrevistas, observando, concomitantemente, os aspectos conjunturais pertinentes e os
lugares de inserção privilegiados.
Alguns pontos devem ser sublinhados para tornar clara a perspectiva
seguida aqui. Em primeiro lugar, é preciso frisar que a análise se concentra nas diferentes
“organizações” e “instâncias” que se definem a partir de distintas redes de relações em
constante rearticulação ao longo de diferentes configurações históricas. Em segundo lugar,
as condições conjunturais de estréia e afirmação dos agentes se singularizam por aspectos
relacionados a uma situação de crise, tais como a fluidez, incertezas e arbitrariedades que
incidem nas condições do “jogo” bem como nos trunfos e estratégias eficazes para jogá-lo
(Dobry, 1992). O que, por seu turno, incorre na dinâmica de fluxos e refluxos de agentes
nas arenas de confronto, assim como implica na maior vulnerabilidade e rapidez na
dissolução dos lugares a partir dos quais se posicionam.
Sendo assim, é preciso observar justamente como, a cada “etapa” do
“regime militar” e de “entradas” e “saídas” de militantes, se redefinem alianças e
alinhamentos, no que implicam em processos de continuidade, edificações, rupturas e
renovação de princípios, sentidos e elos. Bem como é preciso atentar no que elas resultam
do trabalho por parte dos agentes de construção de coerências quanto às suas trajetórias
coletivas e individuais.
159
O desenho abaixo indica os eixos de atenção que são verificados neste
capítulo e ele deve ser lido em duas direções complementares que comportam a tentativa
de conjugar o exame das dinâmicas situacionais de luta com uma abordagem processual.
Ou seja, por um lado, ele informa uma configuração específica na qual podem ser
observados como se articulam os eventos sucedidos numa determinada conjuntura com os
empreendimentos efetuados (notadamente os posicionamentos, as organizações, as
relações estabelecidas e as demais escolhas e conflitos decorrentes), assim como a tradução
em termos de posição ocupada. E, por outro lado, também pode ser considerado de um
ponto de vista cronológico da sucessão de momentos que contempla o ponto de partida dos
agentes, os vários momentos históricos e biográficos transcorridos, os recursos e
estratégias assumidas nas diferentes fases, tendo em vista as diferentes conjunturas e os
resultados em termos de posição atualmente ocupada.
Entrada
Momentos Æ organizações/Instâncias Å Relações
(vínculos e alianças)
tensionamentos afetivas,
movimentos instrumentais,
posicionamentos ideológicas
Investimentos + Retribuição
Posições
Chegada
A questão central reside, pois, nos investimentos e nos usos que os agentes
fazem dos seus recursos intelectuais e militantes aliado às redes de relações que
estabeleceram desde as inserções militantes primordiais. Sobre esse último ponto, um
procedimento metodológico viável e eficaz foi o de buscar estabelecer os egos ou as
cliques (Mayer, 1987), ou seja, as principais lideranças e seus laços variados a partir dos
quais se produziram ramificações acionadas para a contestação. As características dos
egos, ou dos líderes, pelo fato da posição que eles ocupam são as características
160
reconhecidas e valorizadas pelos membros das “organizações” ou “instâncias” que
comportam as redes de relações. O que não significa dizer que essas características são
compartilhadas e detidas por todos, pelo contrário, há uma hierarquia de posições
justamente porque elas são desigualmente distribuídas, sendo necessário, pois, identificar e
confrontar essas propriedades.
O conjunto de dinâmicas de identificação e de relações apreendidas se
apresenta publicamente por meio da mobilização da idéia de “organização”, num primeiro
momento, e de “instâncias”, “canais”, “tendências” posteriormente.
O ingresso dos militantes que participaram dos movimentos de contestação
ao regime nos anos sessenta foi marcado pela justificativa de ataque a um “inimigo
comum”. Assim, os eventos geralmente celebrados referem-se àqueles que ou visavam
instrumentalizar ou eram mesmo “ações de guerra” para ambos os lados (militantes e
militares): fundação de “organizações clandestinas”, formação de órgãos de denúncia de
comunistas, atentados, cassações, censuras, guerrilhas, atos institucionais, greves,
manifestações estudantis, tortura, assaltos, seqüestros, etc. definiam os moldes do combate
e os dois lados possíveis de luta, assim como os acontecimentos internacionais também
eram ativados como estímulos e justificativas para as adesões. Para examiná-las parte-se de
algumas considerações sobre a idéia de “organizações” tão preponderantes nesse período.
Na esteira da tarefa de mapeamento e familiarização com os lugares
privilegiados de inserção “militante” e “esquerdista” nesse período, foram encontrados
particularmente dois tipos de fontes. O primeiro trata-se principalmente de trabalhos
produzidos pelos próprios personagens ou por “estudiosos” do tema, sobre os princípios e
conteúdos ideológicos das “organizações clandestinas” e de esquerda, as condições da
“luta revolucionária” que levaram a constituição das mesmas, as rearticulações, o
marxismo, o socialismo, etc.
40
. Essas produções são ricas fontes para diversas
possibilidades de estudo.
Neste caso, é preciso marcar que as estratégias de apropriação das
categorias marxistas, as interpretações e usos ativados nas diferentes disputas travadas no
âmbito intra e extra “organizações” poderiam ser alvo de um trabalho específico. Para os
40
Destaca-se a série de matérias publicadas no jornal “Em Tempo” de autoria de Marco Aurélio Garcia sobre
os grupos de esquerda no Brasil e que, posteriormente foram sintetizados no artigo “Contribuição para uma
história da esquerda brasileira”. In: Moraes, R. Et alii. Inteligência brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1986.
161
objetivos da presente tese, propõe-se o olhar reflexivo constantemente ativado para as
invenções e utilizações desses rótulos. Isto para não cair na armadilha de assumir as
versões oferecidas pelos agentes sobre os significados dos mesmos, tendo em vista as
disputas próprias das dinâmicas de inserção dos mesmos.
Sobre as orientações “ideológicas” e “filosóficas”, elas informam a relação
que os agentes estabelecem com o marxismo, com o socialismo, etc. e até conduzem
posicionamentos assumidos e formas de atuação privilegiadas pelos agentes. De qualquer
modo, para o momento seguem-se as indicações de Ymonet (1984) de que as explicações
de categorias desse tipo, típicas do debate sobre as heranças do marxismo, se defrontam
com um obstáculo difícil de ser transposto que é o da crença na versão verdadeira ou literal
dos significados, definições que são a elas atribuídas, e o pesquisador acaba ou tomando a
explicação do objeto sobre ele mesmo, ou atribuindo ao objeto a sua própria versão,
variantes do intelectualismo tal como definido por Bourdieu (1980). O resultado é que, ao
invés de uma reflexão do conjunto das relações e dos objetos que estão em jogo nas
disputas, o pesquisador acabam tomando posição nas divergências entre os rótulos que os
envolvidos atribuem. A tentativa proposta aqui é, então, de buscar e explicitar um ou outro
traço dessas orientações que é ativado pelos próprios protagonistas para justificar algumas
de suas estratégias. Isto é, as posições e versões são analisadas como um dos instrumentos
de luta, sendo inclusive o trunfo mais aparente e explicitamente assumido pelos agentes,
mas que se combina e encobre outras formas de identificação.
No universo investigado, as idéias de “organizações” ou “grupos”
adjetivados de “clandestinos”, “revolucionários”, “de esquerda”, são utilizadas não
somente para conferir unidade aos militantes, fortalecendo-os frente aos “inimigos” e
dando-lhe uma “existência” e uma referencia objetiva como “força em concorrência”. Do
mesmo modo, a fundação, atuação e divulgação dessas “organizações” estabelecem
fronteiras entre níveis de adesão, isto é, de disposição e disponibilidade dos seus membros
para a ação. As mesmas se manifestam, por sua vez, na capacidade de cumprir exigências,
defender posicionamentos “coletivos”, aceitar hierarquias e ainda contribuir com a
construção e imposição de características e de princípios políticos defendidos. Além do
“potencial de luta” e também em decorrência dele, este pertencimento se traduz em um
tipo de prestígio e de respeitabilidade tanto interno como externo que, obviamente, é
proporcional à posição ocupada na hierarquia organizacional.
162
As formas de atuação e as armas empregadas eram fundamentalmente
avaliadas ou julgadas por seus “aliados” antes que pelos “adversários”. Assim, poderiam
refletir tanto a “capacidade revolucionária” como a “inconseqüência” dos seus membros,
dependendo dos posicionamentos defendidos. E essa perspectiva de “avaliação” das
“ações” e tomadas de posição mais ou menos adequadas das “organizações” persiste nos
trabalhos sobre o marxismo e/ou a esquerda brasileira desse período. Não raro esses
estudos são direcionados para a discussão de pressupostos teóricos e ideológicos que
fundamentariam esses agrupamentos, que guiariam suas ações e justificariam rupturas e
alianças, realinhamentos e dissoluções. E são construídos a partir da aplicação de
dicotomias encontradas nos “documentos” das próprias “organizações” que definiriam as
mesmas como: “socialistas” x “antiimperialistas”; “partido leninista” x “organização
militarizada”; ligada à “guerrilha rural” x “guerrilha urbana”; “foquista” ou não; “etapista”
x ”socialista”; com ênfase na direção de “intelectuais” x “operários”; marcadas pelo
“centralismo democrático” x “democracia revolucionária”, etc.
A existência das “organizações” vinha, assim, como resposta à necessidade
de estabelecer as demarcações em variados níveis, de lugares, papéis, reconhecimentos que
ainda hoje são acionados como referências para os agentes se situarem uns em relação aos
outros. O investimento inicial feito individualmente por cada agente e em graus variados
acaba propiciando aos militantes uma apropriação posterior do capital coletivo também
desigualmente acumulado, numa espécie de delegação ou investidura, no sentido dado por
Bourdieu (1989b), como retribuição.
Tais organizações se dividiam em “células”, “aparelhos”, contavam com
“bases de aproximação” e toda uma gramática que as definiam e se traduziam em recurso
de legitimidade, pois permitia que, assim como “os militares” e contra eles, fossem
empregadas igualmente as mesmas lógicas da disciplina, da barricada, do enfrentamento,
da representação de uma situação de “guerra” que, como demonstrou Bourdieu (1989b),
torna as lógicas militares e militantes muito semelhantes.
Na mesma direção, a perspectiva do “clandestino”, ou da “clandestinidade”,
não indicava algo feito “às escondidas”. No que pese não terem uma existência oficial, era
uma forma de adquirir visibilidade e de se apresentar no espaço de concorrência, mas, por
esses motivos, tinha assim na sua gênese um caráter efêmero, ainda que o conteúdo
163
“revolucionário” sobre o qual se fundam pressupunha a pretensão de uma significativa
sobrevivência.
É preciso sublinhar que o objetivo aqui é considerar as “organizações” como
lugares de afirmação dos agentes, de sociabilidades e socialização, tomadas de posição,
constituição de vínculos variados, etc. de cristalização de lógicas de identificação e
competição. Isto implica em não reificá-las, nem defini-las segundo a lógica empregada
pelos agentes que buscam instituir e justificar seus posicionamentos e conversões, nem
tampouco homogeneizar as diversas motivações, elos e confrontos que definem os
pertencimentos.
Também muitos dos agentes analisados pertenceram, sobretudo a partir de
1973, concomitantemente a uma “organização clandestina” e ao MDB, via IEPES e Setor
Jovem, principalmente, caracterizados como “instâncias”, “canais”, etc. No entanto, não
possuíam vínculos orgânicos com as lideranças ou “programa” do partido que se
sobrepusessem aos laços com a “organização”. A lógica que predominava era a da
ocupação de espaços de forma coletiva e, por esse motivo, não se pode caracterizar como
pertencimento. É claro que, tais inserções permitiam a troca e a construção dos repertórios,
das modalidades de atuação e dos objetos disputados que são constantemente reatualizados
nos itinerários dos agentes e que produzirão não só o sentido geracional forjado entre eles
como também a própria redefinição do que passará a estar em jogo no espaço de
concorrência política gaúcho. Outros tiveram atuação marcadamente vinculada a estes
espaços institucionais criados no interior do MDB e forjaram vínculos e laços com
lideranças que outrora pertenceram às ditas “organizações” posteriormente cristalizadas em
opções e deslocamentos no espaço partidário constituído a partir do início dos anos oitenta.
A partir das seções que compõem o capítulo buscam-se, assim, mediante a
caracterização de diferentes modalidades possíveis de encadeamentos de agentes,
organizações, siglas e posicionamentos mapear articuladamente: 1) perfis de militantes; 2)
lógicas e critérios de aproximação e distanciamento; 3) condições e mecanismos de
ingresso de novos ativistas; 4) processos de conversão quanto aos posicionamentos e
alinhamentos.
164
3.1 – Catolicismo, inserções na universidade e comunismo:
uma seqüência de posicionamentos a partir da Ação Popular
Neste item são observados deslocamentos, posicionamentos e os
desdobramentos em termos de destinos de agentes que podem ser associados pela
predominante inserção inicial em domínios marcados pelo catolicismo. Neste caso,
observou-se uma bifurcação nos espaços de possibilidades por eles seguidos, a saber, a
dedicação ao militantismo em “organizações” que reivindicam uma identificação
“comunista”, destacando-se o PC do B como principal alvo destes investimentos; e o
engajamento a partir da atuação na universidade, especialmente por meio de carreiras no
magistério superior.
A trama de movimentos que produz tal bifurcação (que não exclui
investimentos nas duas direções) revela os efeitos das origens, das estratégias escolares,
das adesões militantes, da atualização dos engajamentos, etc., assim como permite
observar a manutenção ou atualização de uma matriz comum de valorização da intervenção
em consonância com “ideários”, “códigos” e “linguagens” resgatados do passado católico.
Atenta-se para a diversidade de origens sociais dos protagonistas que, na maioria dos
casos, são favorecidos pela valorização do investimento escolar que singulariza esses
militantes católicos. Ou seja, quando eventualmente com origens baixas, são beneficiados
pela ascensão social possibilitada pela aquisição de títulos escolares; com origens mais
altas, conseguem sustentar a ocupação de posições dominantes e o reconhecimento de uma
condição de “intelectual” particularmente privilegiada. Comum a todos, certamente o
catolicismo está na base das formações originais e sua maior ou menor ortodoxia se reflete
na maior ou menor diversificação das formas intervenções utilizadas pelos agentes. Com
efeito, o ponto de partida desta descrição se localiza na Ação Popular.
A Ação Popular (AP) foi forjada no interior da Ação Católica, por
interferência contundente das inserções políticas dos membros da Juventude Universitária
Católica (JUC). A adesão de “grupos cristãos” ao marxismo não foi uma especificidade
brasileira, mas estava em consonância com movimentos semelhantes ocorridos em outros
países da América Latina (Ridenti, 2002:213). Tais deslocamentos eram influenciados por
conjunturas de fechamento e repressão política, por manifestações de diferentes porta-
165
vozes do catolicismo, pela interação com militantes esquerdistas de matizes ideológicas
diversas e pelo impacto da revolução cubana e da revolução cultural chinesa. Do mesmo
modo, interferiram os empreendimentos de teólogos e intelectuais brasileiros e de outras
nacionalidades de posicionamentos ideológicos diferentes, que vinham disseminar novas
interpretações sobre o papel da Igreja e dos seus “seguidores” nesse contexto. Cabe grifar
que o “processo que gerou a AP no seio da Igreja foi precursor da Teologia da Libertação e
de importantes movimentos católicos nos anos subseqüentes – por exemplo, as
comunidades eclesiais de base” (idem:214)
41
.
É igualmente importante sublinhar que se tratava de uma dinâmica iniciada
antes dos anos sessenta e que se caracterizou por uma “forte e crescente diferenciação
ideológica no interior da igreja e em suas relações com as lutas ideológicas em geral, ao
ponto de, no auge da bipolarização político-ideológica dos anos sessenta, haver oposições e
rupturas explícitas no interior do clero.” (Coradini, 2005:90).
No Brasil, a Ação Católica fora fundada em 1935 com inspiração francesa,
contava com intelectuais “conservadores” e defendia o “nacionalismo de direita”. Dentre a
gama de estratégias de recrutamento de novos adeptos, a Juventude Estudantil Católica
(JEC) com atuação nos meios secundaristas e a Juventude Universitária Católica (JUC)
foram sempre instrumentos eficazes. Além disso, com abrangência nacional no início da
década de 50, os membros da JUC chegaram a constituir uma “elite acadêmica” no meio
universitário e não é difícil identificar muitas de suas lideranças ocupando posições de
destaque atualmente, sobretudo nos meios acadêmicos e políticos.
Apesar da gênese “conservadora” e “direitista”, nos anos sessenta os
“jovens católicos” conjugaram a defesa da “transformação das estruturas” ao papel de
porta-vozes da “empresa de salvação”, como pode ser demonstrado na passagem que
segue: “a própria condição histórica que atravessamos parece-nos situar a tônica da
41
A Teologia da Libertação, segundo um dos seus principais expoentes no Brasil Leonardo Boff, é resultado
de um “caldo libertário” a partir do qual “cardeais, bispos, padres, religiosos e leigos fizeram uma opção
pelos pobres... A contribuição maior que ela deu e pode dar é fazer com que o cristianismo, presente na
cultura e nas bases, deixe de ser fator de legitimação da presente ordem para se transformar em motor de
mobilização para a mudança necessária”. Coradini (2005:32-34) analisa as apropriações que essas
“heterodoxias” fazem das ciências sociais para “incluir novas problemáticas legítimas” cujos resultados
podem ser, por exemplo, a “reinterpretação do passado” que, independente do objeto de redefinição, sempre
ocorre com a aplicação de um “esquema” fundado na idéia de “terceiro mundismo” ou também pode gerar
“novos ‘amálgamas’ da teologia com determinadas disciplinas, notadamente, das ciências sociais. E ainda:
“na medida em estas heterodoxias conseguem legitimar a intervenção de agentes da Igreja em outras esferas
sociais, sua capacidade de mediação, inclusive em âmbito internacional, também se afirma” (idem:35).
166
realidade numa inserção no social, na encarnação total no temporal presente, o que poderia
inclinar-nos talvez a pensar em uma insistência maior na ação sobre as estruturas” (Apud
Sigrist, 1982: 39-40. Documento “10 anos de JUC” In Boletim da JUC, 1960).
Na crítica tanto às condições de vida provocada pelo “sistema capitalista”
como aos ideais e formas de “luta comunista”, a pauta recaía sobre as possibilidades de
mobilização com vistas a uma “sociedade justa e cristã”. Um dos principais referenciais
desde os anos cinqüenta fora o francês Jacques Maritain, cujas idéias foram mais
facilmente incorporadas graças à tradução feita por Afrânio Coutinho, em 1962, do livro
“Humanismo integral: uma visão nova da ordem cristã”. A concepção de ideal histórico
apresentada pelo autor católico parecia pertinente para avaliar e encontrar o melhor devir
para o “povo brasileiro”. Na passagem abaixo, tem-se uma leitura da dinâmica e da
interpretação e transmissão de autores franceses como Maritain para a geração de “jovens
militantes católicos” gaúchos:
“Então o ideal histórico se baseava muito em Maritain, em Jacques Maritain, enfim, esses
filósofos franceses teóricos e a consciência histórica foi uma formulação do Padre Vaz,
dinamizando aquela visão meio ficcista de um ideal a ser atingido pra uma visão mais
dinâmica de uma realidade histórica a ser transformada. E isso tinha uma quantidade
enorme de documentos, a gente estudava muito, porque nós tínhamos todos os semestres os
diocesanos da JEC e da JUC, e regionais que reuniam os três estados do sul e nacionais que
eram uma vez por ano. Esses encontros sempre tinham uma parte de seminário que era de
estudo mesmo e uma parte de discussão do que tinha sido feito no ano e de projeto de ação
futura”. (Entrevista com Carmen Craidy).
Contudo, os desdobramentos em direção a uma maior “radicalização” deste
“ideal transformador”, ao menos de uma ala da JUC, se refletiram (ou foram estimulados)
também na preferência pelos textos de Emmanuel Mounier e Pierre Teilhard de Chardin.
Além destes, cabe citar a influência do dominicano, igualmente francês, Thomas
Cardonne, que forneceu uma das principais e mais duradouras concepções de intervenção
disseminadas entre a juventude católica: o “método ver, julgar e agir” (Ridenti, 2002).
Para Löwy e Garcia-Ruiz a apropriação deste “método” não foi apenas uma
transposição de “um corpo de idéias francesas” para a realidade brasileira, mas a invenção
original de uma “cultura político-religiosa” ou de um “pensamento/ação” (“ver, julgar,
agir”) cristão autenticamente latino-americano (apud Ridenti, 2002:221). Nos depoimentos
coletados é possível observar a incorporação deste “método” como uma disposição
167
duradoura, inclusive sobrepondo-se ou complementando a formação universitária e
profissional adquirida depois. A passagem abaixo é exemplar deste tipo de avaliação e da
reprodução centrada em fins práticos que possibilita:
“... no Julinho eu aprendi a trabalhar com o grupo e a mudar, parece pouco, mas não é
pouco, a mudar situações. (...) Análise do agir é refletir pra preparação e depois refletir para
avaliar a ação e replanejar outra ação. Esse exercício é impressionante, isso não é escola, a
escola não dá isso, isso foi uma escola que eu agradeço, isso foi o movimento estudantil e
foi o movimento secundarista, universitário e sindical que me deu isso. (...) Participação de
militância com uma preocupação democrática cria nas pessoas que é a capacidade de pegar
uma situação, diagnosticar a situação, definir objetivos em relação a ela, formas de agir,
formas de avaliar se a ação tá correta, resolver problemas, mudar situações, pra mudar
situações (...). Era assim, refletir sobre o que tá acontecendo, planejar, age, volta a refletir,
reavaliar, volta a planejar. Então tu fica sempre nesse binômio agir e refletir que, na
verdade, marcou minha vida profissional, depois, como eu te disse, como pesquisadora,
quer dizer, eu não consigo pensar numa pesquisa em que eu não tenha a possibilidade da
ação”. (Entrevista com Maria da Graça Bulhões).
Na tensão entre setores “conservadores” e “progressistas” na JUC,
sobressaíram-se os membros posicionados mais “à esquerda”, que acabaram organizando-
se num setor político, com destaque para as lideranças estudantis mineiras articuladas no
Diretório Central de Estudantes da UFMG (dentre eles: Hebert de Souza, Caldeira Brant e
Henrique Novais) e igualmente expressivo no Rio de Janeiro, a partir do DCE da Pontifícia
Universidade Católica presidido pelo “jucista” Aldo Arantes. Com a conquista por parte
deste último, em 1961, da presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE) em
aliança com os “comunistas” e o reconhecimento da União Internacional dos Estudantes
vinculada à Moscou, ele se afastou da JUC, reforçando e acelerando o processo de
descolamento formal destas lideranças da hierarquia da igreja católica (Trindade,
1987:169; Gómez de Souza, 1984:187, Apud Ridenti 2002:230).
A gestão de Arantes foi marcada pela “articulação” da “greve do 1/3” que
visava à participação estudantil com esta proporcionalidade nos colegiados universitários.
A importância deste acontecimento residiu no fato de poder ser analisado como um evento
revelador e como um evento singular duplamente (Collovald, 1985; Duval, 1998; Favre,
1992). Ou seja, é um evento revelador dos processos de afirmação de novos protagonistas
e dos princípios subjacentes às tomadas de posição nos embates pertinentes à redefinição
dos papéis de “intelectual” e de “militante”, ao menos no concernente a sua manifestação
no Rio Grande do Sul.
168
O texto de Fernando Trindade (1987) analisa, entre outras coisas, o discurso
de Ernani Fiori (então inspetor de ensino e professor da Faculdade de Filosofia da UFRGS
e da PUC/RS) e procura estabelecer as bases e a importância da greve para as redefinições
em pauta na “articulação” entre o trabalho “militante” e o trabalho “teórico”. Na
seqüência, o autor sublinha a especificidade de Ernani Fiori e o caráter exemplar da sua
posição na nova definição de “militante” e “teórico”, bem como o fato de ser
compartilhada com outras lideranças:
“o mais específico, e o que contrastava com seus colegas da ‘geração católica’, era sua
militância política de ‘esquerda’ como teórico da Ação Popular. Era o mesmo movimento
que, em nível regional, elegera Ernildo Stein, Hélgio Trindade e Francisco Ferraz para a
UEE e, no plano nacional, para a UNE, Aldo Arantes e Caldeira Brandt. (...) Sua
conferência inicia colocando o clássico problema de Max Weber do sentido da neutralidade
científica. Fiori situa sua posição de professor entre uma adesão estudantil à greve e a
posição majoritária de seus colegas. (...) Qual é o princípio que norteia sua argumentação?
Fiori parte de uma definição de universidade: ‘é o centro da máxima conscientização do
processo cultural e a cultura é a alma da civilização. (...) O conceito de ‘cultura’, que é
termo-chave para a compreensão da universidade, é sinônimo de processo histórico como
conquista contínua da liberdade. ” (Trindade, 1987:172-173).
Observa-se, então, o empreendimento do autor no sentido de situar os
representantes “locais” num movimento mais geral de “esquerdização” da AP sem,
contudo, abandonar uma série de referências “cristãs” que pautavam a atuação desses
estudantes no período.
A idéia de evento marcante remete à ativação retrospectiva do mesmo
episódio por parte de um conjunto de agentes que o atribuem valor de “referência”
histórica. Considerando que a tese ora apresentada se concentra nas “gerações” de
militantes que ingressam na universidade a partir deste período (início dos anos sessenta) é
importante ressaltar como a “greve do 1/3” acabou se transformando numa espécie de
“marco” ou “símbolo” de um processo de “esquerdização” e das novas formas ou
repertórios de mobilização. Como pode ser observado nos trechos de entrevistas
apresentados abaixo:
169
“No Anchieta, no 2º grau, eu diria que no ano de sessenta e três foi um ano em todo Brasil
de muita convulsão social, luta pelas reformas, greve do 1/3 (62, 63) e isso tudo levou a um
movimento estudantil muito atuante, nos levou de uma forma ou outra começar a participar
mais ativamente. Eu era colega do Paulo Roberto de Souza, do Luiz Fernando Fiori e de
outras pessoas que depois também tiveram cada um no seu campo um desempenho político,
né?! Meu irmão foi presidente do grêmio... então começa uma participação aí”.
(Entrevevista com Raul Carrion).
“Já no fim do curso clássico e inicio do engajamento na universidade era realmente um
engajamento com definição ideológica, aí já entrei pra universidade já participando, foi no
ano da greve do 1/3 e que foi... era o ano realmente em que a universidade tava fervilhando
com... o ano em que o país falava em reformas de base, em que a universidade, os
estudantes participavam e se falava de aliança operário-estudantil e com o pessoal do
campo também, nem se sabia bem o quê que era... o quê que se podia fazer, mas foi
realmente o ano da abertura ideológica”. (Entrevista com Mariza Grassi).
Aliás, algumas das principais lideranças estudantis eram provenientes do
colégio Anchieta que, segundo Trindade (1982:45, Apud Coradini, 1998:26), seria o berço
de “gerações católicas” com forte intervenção em vários domínios, conseguindo se impor,
mormente, nos âmbitos políticos e universitários graças, sobretudo, a existência de uma
“unidade de princípios morais e espirituais”. Sobre a formação da Faculdade de Filosofia
da UFRGS destaca:
“O colégio Anchieta reunia os filhos da elitecio-econômica, formada nos moldes de uma
educação predominantemente ‘intelectual’, que liderava facilmente a faculdade. Além
disso, os jesuítas foram exímios disciplinadores o que possibilitou o crescimento de uma
espécie de organização miliciana”. (Trindade, 1982:45. Apud Coradini, 1998a:27).
Coradini (1998a) discute esses embates e princípios impressos nas
definições de universidade e de “intelectual” em jogo no processo de “institucionalização
do trabalho universitário”. O autor analisa a trajetória e as tomadas de posição de Ernani
Fiori – inclusive na discussão sobre a “reforma universitária” e a “greve do 1/3” –
demonstrando como se configura e se transmuta a idéia de comunitarismo orgânico.
Constituindo-se numa matriz de lógicas multidimensionais que, justamente por isso, “é
compatível com os mais diferentes usos sociais e, inclusive (...) posições opostas no
espectro político-ideológico” (idem: 83), tal idéia é pertinente para entender alguns dos
movimentos aqui examinados e, por isso, é retomada mais adiante.
No período analisado, também foi formada a UNE-Volante que consistia
numa espécie de “pregação” por parte dos dirigentes da entidade que viajavam pelo país
170
em forma de “caravanas” para “levar aos estudantes mensagens de conscientização e luta
política” (Ridenti, 2002:230). Foram estes, então, alguns dos instrumentos de afirmação
das “novas orientações” de “conscientização” e “politização” utilizados nesta “fase da
UNE” e cujo resultado foi a formação de uma “organização transitória” (o “Grupão”) que
resultaria na fundação da AP.
O “estatuto ideológico” dessa “organização” fora aprovado em 1962 com
ênfase no “socialismo democrático” e na “revolução brasileira”. No mesmo ano, num
encontro ocorrido em Belo Horizonte, foi formalizado o nome Ação Popular. E, em 1963,
foi realizado o I Congresso da AP em Salvador/Bahia. O “documento base”, aprovado
naquele congresso, embora não tivesse expressamente reivindicado os “princípios
cristãos”, não deixou de evidenciar as referências herdadas, isto é, uma atualização do
chamado “método ver, julgar e agir”. Isto pode ser observado na passagem: “visão, opção
e ação traduzem para nós três momentos articulados de um só movimento: o movimento
mesmo de nossa presença na história de que não somos espectadores, mas atores
conscientes” (apud, Ridenti:232).
Nos relatos obtidos percebe-se que a ênfase dada à fundação da AP se
constitui numa tentativa de valorizar a “reorientação” “militante” e “teórica”, bem como de
demonstrar a continuidade com uma “formação católica” compartilhada.
“(...) eu participei da fundação aqui na casa da Mariazinha Becker, com a presença do
Betinho e do pessoal de todo estado, se funda a Ação Popular. Se pretendia um movimento
político, o braço político da JUC se quiser, embora nem todo mundo de Ação Popular
viesse de JUC, mas enfim a inspiração foi os militantes de JUC que precisavam ter uma
organização política para atuar porque a JUC era uma organização religiosa, e que já tinha
extrapolado fazia muito a ação religiosa e tava a política predominante... a Ação Popular
tinha muita liderança então todo mundo atuava, ou atuava próximo do PC ou próximo da
Ação Popular que eram as duas forças atuantes do movimento estudantil, sendo que a Ação
Popular era muito mais numerosa e muito mais hegemônica”. (Entrevista com Carmem
Craidy).
“Nesse momento a gente toma conhecimento dos documentos da Ação Popular, que foi
criada por volta de 62, sai o documento base, são documentos que se começa a discutir
onde havia uma defesa do socialismo e duma revolução, se dizia socialista e
antiimperialista. Isso motiva um grupo de pessoas lá, nós formamos um grupo da Ação
Popular um tanto informal” (Entrevista com Raul Carrion).
O alvo agora estaria mais centrado nos “operários” e “camponeses” e uma
das principais estratégias de intervenção foi o “Movimento de Educação de Base”, o MEB,
171
que se conectou com o “método de alfabetização” concebido por Paulo Freire e do qual
também fizeram parte componentes da AP
42
. Além disso, pode-se citar também a
participação de membros da organização na criação e na primeira diretoria da
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG). Nas palavras de um
ex-militante que escreveu um livro sobre o tema (1984:16): “o MEB, juntamente com o
sindicalismo rural e a JUC, e em parte a JEC, se constituíram nos movimentos da igreja
católica que redefiniram a atuação da prática dos cristãos na sociedade brasileira”
43
.
Contudo, com o “golpe militar” uma série de elementos confluiu para o
realinhamento dos parâmetros de atuação e de existência da “organização”. Ademais, os
efeitos das perseguições da “polícia ligada ao regime” que tiraram de cena (exílio ou
clandestinidade) algumas das suas principais lideranças, levaram vários militantes a optar
mesmo pelo distanciamento dos movimentos diretamente relacionados à contestação ao
“regime militar”, como destacado na passagem abaixo:
“Quando há o golpe, a Ação Popular de certa maneira se desarticula, a velha Ação Popular
mais tradicional... [das] figuras proeminentes e de certa forma o pessoal recua, fica numa
expectativa. Então de certa forma o pessoal dá continuidade a Ação Popular... somos as
pessoas que assumem a Ação Popular no Rio Grande do Sul, a velha guarda digamos de
certa forma sai do jogo... ficou o campo livre, houve um recuo e a AP se rearticulou com
algumas pessoas do movimento estudantil na qual eu estava, esse pessoal da JOC né, no
movimento secundarista tinha o Zé Loguércio, tinha o Beto que eu me esqueci o nome dele
agora, foi preso depois em São Paulo nessa organização, no movimento secundarista o João
Luiz Santos, um grupo de secundaristas. No universitário na qual eu estou há um grupo..”.
(Entrevista com Raul Carrion).
“Em 64 nós estávamos no auge das atividades políticas, acho que o Rio Grande do Sul era
um centro com uma certa importância política e cultural (...). A turma daquela época, cada
um tava ao mesmo tempo trabalhando na reforma universitária, elaborando, nas aulas, na
cultura dos centros acadêmicos, na parte de ensino, na parte política mesmo ligada a AP, a
42
A “teoria da conscientização” de Paulo Freire teve significativo impacto em parcela igualmente
significativa do ‘”intelectuais esquerdistas” brasileiros (afora o alcance internacional que conquistou),
principalmente a partir dos anos 70. Podem-se indicar desde já dois fatores que colaborariam para a eficácia
de tal recepção, sobretudo. Em primeiro lugar, por ser um eficaz “recurso militante que possibilitaria
contestar o marxismo-leninista duplamente no plano da legitimidade intelectual (...) e da radicalidade – ou
‘espontaneidade’ – política: posicionar-se-ia mais próximo das ‘massas oprimidas’ e lhe confiar o domínio do
processo conduzindo a sua própria ‘libertação” e, em segundo lugar, a “conscientização’ constitui um
instrumento precioso de racionalização da condução das lutas nas quais se engajam esses militantes, e
também para superar certas ambigüidades e contradições que não podem deixar de aparecer na – e pela –
coalizão de indivíduos pertencendo a universos sociais díspares e às competências políticas desiguais”
(Mathieu, 2002: 269).
43
Cabe fazer referência também à participação de Ernani Fiori “no Instituto de educação Rural (...) do qual
participou, inclusive, seu filho José Luiz e Paulo Freire. (...) A partir de sua reflexão filosófica e pedagógica
comprometida com a prática e o real, participou muito decisivamente da larga corrente que, na América
Latina, foi configurando, ao poucos, os caminhos da Teologia da Libertação”. (Souza, 1985:40, Apud
Coradini, 1998:149-150).
172
organização interna de AP, documentos, ideologia, estudava, era um horror! De Marx pra
fora assim (...). Bom, e com o golpe, os amigos mais próximos, que essa turma ligada à
esquerda cristã, foi a primeira que foi atingida logo depois de 64. Foi assim, por exemplo, o
pessoal da equipe nacional de JUC, em junho já foi todo preso... Nós aqui em Porto Alegre,
nós estávamos indo pra um encontro lá no apartamento que já tava tomado e eles todos na
cadeia (...). E em alguns lugares a Igreja e os bispos ajudaram e em outros não, pelo
contrário, ajudaram a entregar (...). 64 pra nossa turma, o pessoal que já tava quase saindo
da universidade, recém empregados alguns, grande parte de nós, da esquerda cristã, foi uma
verdadeira bomba atômica”. (Entrevista com Luiz Antônio Grassi).
Aqueles que permaneceram assumiram a “necessidade de luta armada” na
chamada “resolução política” de 1965. Mas os episódios encontrados de ação armada
imputados à “organização” foram sem grandes impactos, como a atuação na tentativa de
resistência armada orquestradas pelo ex-governador gaúcho Leonel Brizola desde o exílio
no Uruguai e, posteriormente, um atentado contra Costa e Silva (então ministro da guerra e
que seria indicado pelo regime para ser o próximo presidente da república) no aeroporto de
Recife, que teria sido responsabilidade de um comando autônomo da AP. O resultado da
“ação” fora a “dissolução imediata dos comandos armados paralelos e o afastamento do
processo de ações armadas urbanas entre 1968 e 1971” (Ridenti, 2002:236).
Em 1966, Hebert de Souza e outros delegados participaram da I Conferência
da Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS) em Cuba. A defesa da China
em detrimento de Cuba numa questão relacionada ao comércio de arroz fora o motivo ou o
pretexto para exclusão prévia do PC do B do evento. Tal posicionamento teria gerados
protestos dos delegados da AP na Conferência e em informe sobre os desdobramentos do
mesmo. Este acontecimento já indica a aproximação (em gestação) das duas organizações.
Sobre os movimentos que levaram à incorporação da AP ao PC do B, Marco
Aurélio Garcia (1979:83) em ensaio dedicado à história da AP e seus desdobramentos,
sintetiza os principais alinhamentos em pauta:
“O processo de transformação da Ação Popular em uma organização marxista-maoísta, em
1967, vai ter duas conseqüências internas. A curto prazo, setores da militância que se
opunham, seja às definições estratégicas que a organização adotara, seja aos métodos de
‘proletarização’, acabarão por ser expulsos entre setembro e outubro de 1968; é a partir
desse grupo que se constituirá o Partido Revolucionário dos Trabalhadores – PRT, no início
de 1968. A longo prazo, a lógica da maoísação empurrará uma parte importante da
militância para uma aproximação com o PC do B, que, apesar de estar atravessando naquele
período uma situação de relativo isolamento, era reconhecido como ‘organização irmã’ pelo
Partido Comunista da China”.
173
Cabe ressaltar o destaque dado ao termo “métodos de proletarização” e a
dita opção pelo “maoísmo”. O primeiro passou a aparecer de modo sistemático em junho
de 1966, portanto antes da adesão declarada ao “maoísmo”, num documento intitulado
“Profissionalização de quadros: necessidade urgente”. Diante a falta de recursos para
“qualificar quadros”, a estratégia assumida seria, segundo o militante Carlos Aumond
(apud, Ridenti: 241) num “primeiro passo do trabalho” a integração por um determinado
período no “trabalho produtivo” de “quadros estudantis e intelectuais” e cujos resultados
imediatos seriam a aquisição de um “testemunho vivo, esta comunhão afetiva e pessoal
com o povo oprimido, este esforço de identificação com o povo trabalhador para nele
introduzir a semente da revolução”.
Ridenti (2002:242) salienta como os termos e estratégias de interpelação
ativados no documento revelam nitidamente as “fontes cristãs” dos seus redatores. O autor
também menciona que com a “adoção do maoísmo” e o “recrudescimento da repressão”, a
estratégia de “proletarização” foi intensificada, pois a dinâmica de “deslocamento dos
militantes também colaborava para melhor escondê-los da polícia” (idem).
Algumas das lideranças do Rio Grande do Sul que fizeram ou não a opção
pelo PC do B, realçam em seus depoimentos a relevância da “experiência da
proletarização”, recorrrendo aos principais itens que compõem o chamado “método”. Os
relatos indicam que os resultados e avaliações são bastante distintos, obedecendo aos perfis
dos militantes na época e às opções realizadas posteriormente:
“Chegamos a seguinte conclusão, não pode uma organização digamos de origem pequeno
burguesa, a Ação Popular basicamente formada por pessoas de origem pequeno burguesa,
que tinha uma grande influencia no movimento estudantil, verdadeira e indiscutível, querer
que os pequenos burgueses se transformassem na direção dos trabalhadores, que o caminho
tinha que ser outro, examinando a visão leninista. Os intelectuais revolucionários deveriam
ir para a classe operária no sentido de formar lideranças dali, que viessem elas a ser e eles
também, mas não eles quererem de uma forma um pouco mais forçada se transformarem
em proletários que na verdade seria uma forma da pequena burguesia dirigir a classe
operária, eles tinham que dar a sua contribuição enquanto intelectuais. Então há uma
divergência toda e há um processo de luta de idéias dentro da Ação Popular pelo menos no
Rio Grande do Sul... Eu havia ido pra São João no Vale dos Sinos e me integrado na
produção como metalúrgico, mas por outra visão, nessa visão de isso criar uma
proximidade e isso poder criar lideranças nascidas ali para esse processo”. (entrevista com
Raul Carrion)
“[a] resolução de nos mandar para as fábricas, ou campo, foi uma boa resolução, continuo
afirmando. Gostaria de poder escrever sobre isso, pois, para minha vida, minha militância e
meu ser revolucionário, significou muito. E me parece que não foi no aspecto de
purificação, como já me afirmaram. Foi um caminho necessário naquele momento. A
174
contextualização do momento me parece sempre necessária para a compreensão desta
decisão. Houve erros, sim. Mas os acertos nos ensinaram sobre como consertar os erros e
como continuar o processo” (Nilce Azevedo Cardoso em mensagem para Duarte Pereira
datada de 28/4/2001, Apud Ridenti, 2002:243).
“Fui morar no ABC numa experiência triste que hoje se os meus filhos pensassem em fazer
uma coisa dessas... Então era uma coisa muito difícil... Eu fui sozinha, mas teve outros
militantes que foram pra outros lugares (...). E eu fui morar numa vila sem saneamento
básico, sem nada, uma loucura porque sem nenhuma instrução... Embora eu viesse de uma
família de classe média, mas eu nunca tinha convivido assim com a pobreza mesmo, o
limite de pobreza assim... Fiquei na tentativa de arrumar emprego numa fabrica lá que essa
era a minha missão, tinha que entrar numa GM. Eu nunca consegui emprego na fábrica por
um detalhe muito importante que quando tinha uma fila enorme que eu ia pra fábrica pra
pedir emprego e aí vinham umas pessoas, provavelmente fossem do RH... e eles sempre me
tiravam porque eu tinha uma aparência... Mas aí eu entrei na luta operária lá, tinha uma
missão, uma das missões que eu tinha era de ser segurança do Betinho”. (Entrevista com
Dilza de Santi).
No primeiro caso, de uma destacada liderança do PC do B gaúcho (hoje
deputado estadual e no momento da entrevista vereador de Porto Alegre), a ênfase recai na
avaliação crítica do princípio inicialmente dominante na Ação Popular e conduziria a
“experiência de proletarização”. Acaba afirmando e justificando em bases ideológicas seu
distanciamento da organização e recoloca o “papel revolucionário do intelectual”, ele
mesmo reivindicado esta posição. No segundo caso, a decisão de enviar a mensagem bem
como a leitura da opção assumida naquele momento é compatível com sua formação
profissional (psico-pedagoga) e com o trabalho de afirmação de uma condição de porta-
voz. Sem vinculação partidária, ela participa das reuniões do Instituto Brasileiro de Ação
Popular (uma espécie de “continuidade” da AP, criado em 1996) fornece depoimentos e
documentos ao “Memorial da Luta Contra a Ditadura” do Rio Grande do Sul e é uma
presença freqüente nos momentos de reativação e afirmação de um “passado traumático”.
Em oposição a esses dois casos, o último revela uma menor disposição e habilidade para a
inserção exigida e a vivência sob condições de vida precária, leitura esta que também é
decorrente de um distanciamento posterior dos “comprometimentos” militantes (hoje é
pequena empresária em Porto Alegre) que se reflete na menor valorização da “experiência”
e na explicitação de uma avaliação negativa.
Desde 1966, no XXVIII Congresso da UNE, a AP garantiu novamente sua
hegemonia na entidade. Neste caso, é importante observar que já havia se formado uma
geração de dirigentes (como Luís Travassos, Jean Marc Van Der Weid, Honestino
Guimarães) que passaram a integrá-la depois do “golpe” e não possuíam o mesmo
175
engajamento no catolicismo daqueles que vinham da JUC e outros movimentos
fomentados pela Ação Católica. Isto sem deixar de considerar que aquelas lideranças não
deixaram de intervir nas escolhas efetuadas nesse período.
O final dos “anos sessenta” foi marcado pelos posicionamentos referentes
às formas de conduzir a “luta revolucionária” nos parâmetros do “marxismo-leninismo
maoísta”, pela possível fusão com o PC do B e pelas tensões entre as diferentes
perspectivas neste tocante, sendo que a maioria representada por Aldo Arantes e Renato
Rabelo (hoje dirigentes nacionais do PC do B) era a favor e uma minoria resistente era
representada por Jair Ferreira de Sá e Paulo Wright (sem a mesma expressão política
atualmente). Os primeiros chegaram a elaborar, em 1971, um documento reconhecendo no
PC do B o “verdadeiro partido revolucionário”.
Gorender (1987:115) descreveu o processo de luta interna durante o ano de
1968, decorrente da divergência entre os militantes com “o rumo tomado pela organização:
maoísmo, revolução por etapas, integração na produção”. As resistências foram
aglutinadas por Vinicius Caldeira Brandt que teria liderado um “grupo provocador” da
direção da AP. O mesmo chegou a produzir o documento “Duas direções” criticando o
texto “Seis pontos” no qual a organização sistematizava e fundamentava tais bases. Como
reflexo deste embate, várias expulsões foram efetuadas, inclusive o responsável pela
regional do Rio Grande do Sul, Altino Dantas, que “não chega sequer a reunir-se com os
demais membros” (Marco Aurélio Garcia, 1979:83). Ambas as lideranças (Vinícius e
Altino) aproximaram-se de “ex-militantes da POLOP e do PCB, a exemplo de José Porfírio
de Souza – chefe da luta camponesa de Trombas de Formoso e ex-deputado estadual de
Goiás” – para constituir o “agrupamento [que] deu origem a Partido Revolucionário dos
Trabalhadores (PRT)”, fundado em 1969 (Gorender, 1987:115).
No programa básico da AP de 1971, os militantes proclamam-se
marxistas-leninistas-maoístas”, aclamam o Partido Comunista do Brasil e nomeiam a
Ação Popular Marxista-Leninista:
“c. [sobre o] Estilo de Trabalho: A nova Ação Popular luta para que todos seus organismos
e militantes perseverem no estilo proletário de trabalho duro e vida simples, e aprendam a
combinar cada vez mais o entusiasmo revolucionário com a objetividade científica e o
espírito prático. Luta também para que todos seus organismos e militantes apliquem de
modo cada vez mais completo o estilo de trabalho marxista-leninista-maoísta, combinando
a teoria com a prática, integrando-se com as massas e praticando a crítica e a autocrítica... J.
176
[e sobre o] Partido: ...tomando por base os princípios e as posições deste Programa Básico e
apoiando-se nas experiências positivas e negativas do movimento operário brasileiro,
propõe ao Partido Comunista do Brasil e a todas as forças e revolucionários
verdadeiramente marxista-leninistas que façamos os máximos esforços para encontrar,
através da luta comum e do debate fraternal, o caminho através do qual o proletariado do
Brasil poderá acelerar e levar a revolução brasileira até a vitória... l. [e sobre o] Nome: A
nova Ação Popular passa a chamar-se Ação Popular Marxista-Leninista do Brasil.
(Programa básico de março de 1971, In Aarão Reis Filho e Ferreira de Sá, 1985:294 e 305).
A decisão pela incorporação ao PC do B ocorreu somente no início de 1973
com a expulsão da minoria contrária. Em maio de 1973 o “bureau político” do “comitê
central” da APML publicou uma circular proclamando: “Incorporemos-nos ao PC do B”.
A entrada significativa de militantes se reflete na presença dos membros da antiga
“organização” na composição do comitê central.
Tendo em vista o processo de diferenciação e diversificação no âmbito da
Igreja Católica e na sua relação com a política a partir da inserção da “juventude” na
contestação ao “capitalismo”, “imperialismo”, “regime militar”, etc. alguns aspectos foram
mencionados até aqui. Da mesma forma que para as descrições subseqüentes, buscou-se
indicar como tal processo se relaciona com a incorporação de novas “doutrinas
esquerdistas”, com a configuração de conjunturas críticas a partir dos anos sessenta e
setenta, e como se reflete nos espaços forjados e nas vias de acesso de novos militantes.
Com isso, foi possível perceber alguns movimentos que interferiram na redefinição de uma
concepção de “intelectualidade” e de “militantância”, bem como constatar a relativa
persistência de sentidos de intervenção política e de laços afetivos e ideológicos. O que
pode ser corroborado com exemplos de espaços de atualização de identificações.
Há um prédio em Porto Alegre onde residem cerca de doze famílias, cujos
membros se conheceram a partir da atuação na AP. O edifício fora construído por
iniciativas de ex-moradores de um pensionato mantido pela JUC em Porto Alegre nos anos
sessenta e cujos familiares desejavam “morar juntos pra poder conviver, principalmente
por causa dos filhos” (entrevista com Dilza de Santi). A descrição da entrevistada revela
persistência de uma “herança religiosa” na caracterização do empreendimento com base
em determinados princípios valorizados:
177
“(...) um prédio comunitário que, por exemplo, tem até hoje festa de Natal, festa de páscoa,
antes tinha uma gurizada, tinha festa junina, excursão conjunta do prédio pra Buenos Aires,
pra Montevidéu, pra Europa... é um prédio marcado pela solidariedade, com certeza... Todo
mundo se respeita, é um prédio com essa característica diferente. Quando vem morar
alguém: ‘aquele é amigo de quem’? ‘Vamos trazer’!” (Entrevista com Dilza de Santi).
Dilza de Santi, Carmen Craidy, Mariza Grassi, Nilce Cardoso, entre outros,
participam do Instituto Brasileiro de Ação Popular (IBRAP), fundado para “rearticular”
antigos militantes da AP com o propósito de preparar, mediante a interlocução entre os
membros, condições para a operacionalização de formas variadas de intervenção política.
O IBRAP fora criado por Henrique Novais em 1996, então com esse
objetivo explícito de ser uma continuidade da AP, porém, segundo Carmem Craidy acabou
não se constituindo num “movimento” mais fortemente consolidado devido ao “tempo” e à
“disposição” que hoje faltam aos seus membros e que “esbanjavam na juventude”. Mesmo
assim, já teriam feito várias reuniões nacionais contando com “pessoas daquelas gerações
anteriores” e, em Porto Alegre, constituíram um “grupo” que realiza reuniões regulares
para discutir a conjuntura política e questões sociais diversas.
Dentre as atividades promovidas pelo IBRAP está a promoção de mesas no
Fórum Social Mundial, sendo que no 5° FSM de 2005 a temática foi a “Esquerda
Brasileira de 1964 a 2004” e o título “Das aspirações revolucionárias aos impasses da
democracia contemporânea”. A mesa coordenada por Mercedes Cánepa era composta por
Carmem Craidy, Flávio Koutzii e Enéas de Souza.
Para finalizar, cabe mencionar que alguns dos militantes da AP que não
aderiram à “luta armada” (ou voltavam de alguma “experiência de clandestinidade”),
comumente os mais arraigadamente “católicos”, no final dos anos sessenta investiram na
sua atuação profissional ou em títulos escolares e na segunda metade dos anos setenta
aproximaram-se de André Forster e atuaram no Instituto de Estudos Políticos, Econômicos
e Sociais (IEPES). Tal vínculo promoveu, inclusive, a entrada de parte deles no PMDB
com a reorganização partidária.
No que tange especiaficamente aqueles que ingressaram no PC do B, parece
pertinente propor ainda nesta seção algumas considerações mais direcionadas a este partido
e aos agentes que o constituem.
178
Fonte: Jornal “A classe operária” do PC do B, março de 2002.
Sabe-se que o PC do B foi fundado por uma dissidência do PCB que
persistiu nas orientações do líder comunista da URSS (de 1924 a 1953) Josef Stálin,
mesmo após a sua condenação divulgada num relatório do então Secretário Geral do
Partido Comunista da União Soviética (de 1953 a 1964) Nikita Khrushchëv. Até o final da
década de cinqüenta a sigla PCB, fundado em 1922, significava Partido Comunista do
Brasil. A alteração no estatuto e na extensão do nome para Partido Comunista Brasileiro
atrelado a uma série de outros confrontos entre “Comitê Central” e lideranças do partido,
resultou na expulsão (em 1962) de dirigentes como João Amazonas (que estava então no
Rio Grande do Sul), Maurício Grabois (no Rio de Janeiro) e Pedro Pomar (em São Paulo).
Estes, por sua vez, fundam o PC do B e recuperam a definição original. Logo conquistam o
reconhecimento como “partido irmão tanto pelo PC chinês como pelo Partido do Trabalho
da Albânia” e, ao longo da sua existência, não deixaram de disputar a gênese dos “anos
vinte” (Garcia, 1979:12).
Sem uma afirmação contundente, sobretudo no que tange à “resistência ao
golpe militar”, somente em 1966 os dirigentes partidários realizaram seu VI Congresso e
definiram seu âmbito de inserção e modalidade de intervenção revolucionária: “o campo é
179
o cenário principal onde poderá surgir e se desenvolver a revolução” cuja “forma principal
de luta é a luta armada” (idem). Neste período manifesta-se a dissidência nomeada Ala-
vermelha do PC do B (tratada adiante) que foi definida por Marco Aurélio Garcia (idem)
da forma que segue:
“[um] grupo dissidente no qual convergem, de forma pouco clara, vários tipos de
inquietações: tendências do tipo socialista no que diz respeito à caracterização da
revolução, uma definição de linha militar mais próxima das organizações guerrilheiras
urbanas e vários elementos ideológicos suscitados pela revolução cultural chinesa”.
Afora isso, apenas como registro, pode-se apontar outros três eventos como
marcantes da existência do PC do B do início dos anos setenta. Trata-se da incorporação de
dirigentes da Ação Popular Marxista-Leninista ao partido, ocorrida desde o final dos anos
sessenta e formalizada em 1972, como foi discutido anteriormente; também iniciada em
1972 com duração até janeiro de 1975 ocorreu, no sul do Pará, a Guerrilha do Araguaia
seguindo a perspectiva de “levante revolucionário” a partir do “interior”; e a chacina na
Lapa, em 1976, que se refere aos assassinatos de dirigentes do partido (Pedro Pomar,
Ângelo Arroyo e João Batista Drummond) e prisão de outros membros do “Comitê
Central”, o que teria, então, aberto “novos claros na direção nacional do partido” (jornal
“A Classe Operária”, março de 2002:02).
Destes eventos, a “Guerrilha do Araguaia” é, sem dúvida, um dos mais
reativados no trabalho de consagração da história e dos feitos dos “militantes
comunistas”
44
. Abaixo, segue a descrição de reconstituição feita em março de 2002 no
jornal “A Classe Operária” em homenagem aos 80 anos do partido:
“O ataque do Exército precipitou a luta de 12 de abril de 1972 dando início à heróica
resistência guerrilheira, que teve apoio da população local. O Araguaia foi o principal
levante armado contra a ditadura de 1964. Só foi derrotado depois de três campanhas das
Forças Armadas, que exigiram a mobilização dos maiores efetivos militares do Brasil desde
a II Guerra Mundial” (“A Classe Operária”, março de 2002:02).
44
No próximo capítulo é analisado um Grande Expediente realizado na Assembléia Legislativa do RS, em 22
de maio de 1996, em homenagem aos “guerrilheiros do Araguaia, gaúchos Cilon Cunha Brum, João Carlos
Haas Sobrinho, José Huberto Bronca e Paulo Mendes Rodrigues, que ao lado de tantos outros brasileiros
tombaram na defesa de um país com justiça e com liberdade”.
180
Do Rio Grande do Sul teriam participado da guerrilha quatro militantes:
Cilon Cunha Brum, João Carlos Hass Sobrinho, Paulo Mendes Rodrigues e José Humberto
Bronca. Todos eles desaparecidos naquele período. Assim, a “estratégia guerrilheira”
adotada não somente implicava no afastamento dos principais militantes do estado, como
muitos deles não voltaram dos empreendimentos revolucionários (por morte, defecções da
militância ou por adesão a outras “organizações”). Somam-se a isso, os “traumas”
causados pela perda de alguns dos seus principais fundadores, as prisões e os exílios.
Este enfraquecimento ecoou, ao menos no Rio Grande do Sul, na relativa
ausência de lideranças com destaque posicionando-se em nome destas identificações nas
principais arenas de inserção e afirmação institucional da “juventude” nos anos setenta (ao
contrário do que acontece com outras vertentes políticas tratadas adiante). Sendo assim,
não houve a oportunidade de acúmulo de vários recursos intervenientes para a conquista
de posições relativamente de destaque. Dentre eles, enfatiza-se a possibilidade de
reatualização de círculos de reconhecimento (fundados em laços, trânsitos e espaços
variados) e a aquisição de títulos escolares ainda neste período, que se relaciona à
reinvenção dos repertórios e modalidades de intervenção política. Quer dizer, o fato de
freqüentar a universidade em determinado período se traduzia, entre outras coisas, no
contato com reinterpretações do marxismo e de “projetos de sociedade” transmitida pelos
“intelectuais” nesta “conjuntura”. Esses elementos, evidentemente atrelados a outros,
contribuíram para a emergência ou manutenção de lideranças responsáveis pela construção
e afirmação das “continuidades” organizacionais. A eficácia consistiria, nestes casos, em
conjugar tais recursos com aqueles detidos e acumulados pelas lideranças que retornaram
no final da década ou início dos anos 80.
Alguns aspectos podem ser pontuados no que tange à caracterização do PC
do B e das suas lideranças. Trata-se de um partido pequeno, cujos membros apostam na
manutenção de um discurso marxista mais “tradicional”, atuam na órbita de partidos
maiores (no Rio Grande do Sul, já esteve aliado ao PMDB, PDT e PT), disputam eleições
concentrando esforços em poucos candidatos e procuram não participar de eleições
majoritárias, que exigem a contemplação de temas diversos e que sejam eleitoralmente
viáveis. Esse conjunto de elementos permite que a agenda do partido priorize a defesa de
questões genéricas e, ao mesmo tempo, mais fiéis à origem (crítica ao “neoliberalismo”,
“privatizações”, “globalização”, “recolonização das américas”, defesa da “emancipação
181
dos trabalhadores”, etc.). E, também por estes mesmos motivos, evidencia-se a importância
e necessidade de constantemente reafirmar um passado de percalços e heroísmos Assim,
não raro os panfletos de campanhas e materiais em geral do PC do B contêm a “história do
partido”, exaltando a persistência na “luta socialista”, em que mesmo tendo “enfrentado
todas essas dificuldades em sua história, sobreviveu a elas” (idem:2), e chamando novas
filiações.
Uma última consideração refere-se ao investimento escolar dos agentes.
Dentre os gaúchos pode-se observa que foram relativamente baixos, a formação
universitária foi concluída (quando concluída) tardiamente e/ou em cursos relativamente
periféricos.
Pode-se indicar, assim, que a dedicação escolar e a disposição militante
(com ênfase para a entrada na “luta armada”) foram pontos importantes na distinção entre
os que permaneceram na AP (com carreiras profissionais bem assentadas) e aqueles que
aderiram a esse partido.
Mas, mesmo numa situação de baixo investimento escolar em termos
comparativos e de dificuldade de atualização dos referenciais de intervenção, a valorização
de uma condição de “intelectual” (discussões, posicionamentos e prescrições), redefinida
nos parâmetros da “esquerda”, se impõe e se conjuga com a idéia de “disciplina
revolucionária” (em termos de dedicação e trabalho) e “missão” (“emancipação da classe
operária”). A passagem abaixo foi extraída do material de campanha de Raul Carrion na
sua única (e sem sucesso) tentativa de disputar a deputação federal em 2002 (antes disso,
havia concorrido, também sem sucesso, à prefeitura de Porto Alegre, em 1988, e à
suplência do senado em 1990).
“Um mandato a serviço da soberania nacional, da democracia e dos direitos dos
trabalhadores. Raul Carrion: Uma vida de lutas’. Historiador formado pela UFRGS, Carrion
é hoje referência intelectual da luta contra o neoliberalismo, destacando-se por uma intensa
atividade acadêmica e cultural. Fundador e coordenador do Centro de Estudos Marxistas e
do Centro de Debates Econômicos, Sociais e Políticos do Rio Grande do Sul, organizou três
grandes Seminários Internacionais na UFRGS: ‘Globalização, Neoliberalismo,
Privatizações’, ‘Século XX: Barbárie ou Solidariedade’; ‘A crise do Capitalismo
Globalizado na Virada do Milênio’, além de outros dois Seminários Internacionais nos
Fóruns Sociais Mundiais. É membro da Comissão Nacional da História do PC do B, co-
autor e organizador de seis livros, além de colaborador em jornais e revistas nacionais e
internacionais. Sua marca é a combatividade e a defesa intransigente dos interesses da
nação e dos trabalhadores”. (grifos no original)
182
No documento, em tamanho e formato de jornal com quatro páginas, há a
predominância de testemunhos de dirigentes petistas (Lula, Tarso Genro, Paulo Paim,
Olívio Dutra, etc.), comunistas (Daniel Sebastiani, Lauro Hageman, etc.) e “intelectuais”
gaúchos (Luis Fernando Veríssimo, Hélgio Trindade, Paulo Visentini, Ivan Izquierdo,
etc.). Nestes depoimentos são realçadas, sobretudo, a “combatividade”, a “coerência” e a
“defesa dos trabalhadores”.
A despeito da diversidade de posições e posicionamentos assumidos por
militantes que participaram de alguma forma e em alguma etapa da sua “biografia” da AP,
a análise dos reposicionamentos coletivos e dos trajetos individuais permitiu verificar a
continuidade de uma matriz que se define pela composição de lógicas justapostas que,
independentemente de sua combinação e domínio de ativação, constituem – ao mesmo
tempo em que são o produto da constituição – laços de interdependência que se traduzem
em práticas sociais sempre informadas pelo mesmo sentido de “missão”. Neste caso,
pode-se seguir a idéia apresentada por Coradini de que:
“(...) mais que amálgama, isso consiste numa ‘incorporação’, mais ou menos compatível
com diferentes posições políticas e ‘projetos’ ou ‘missões’, variáveis conforme os
diferentes estados das lutas político-ideológicas. (...) Está presente, por exemplo, na
concepção de sociedade, de ‘político’, de universidade, e assim por diante, embora nem
sempre com os mesmos termos. [E,] sempre pressupondo pelo menos duas dimensões:
laços sociais ‘orgânicos’, no sentido de interdependências pessoais concêntricas e,
simultaneamente, o apelo a um referencial ‘transcendente’, seja esse apresentado numa
linguagem ‘tomista’, ‘existencialista’ ou marxista. Simultânea e correlativamente, qualquer
atividade, seja ‘profissional’, ‘religiosa, ‘política, ou de outra ordem é sempre concebida
como sendo multidimensional e interdependente e sempre é apresentada como uma
‘missão’” (Coradini, 1998a:153).
3.2 – Marxismo, produção intelectual e disputas partidárias (Parte I):
uma seqüência de posicionamentos a partir da ALA VERMELHA
Tomando como pano de fundo a dinâmica de desmembramento da Ala
Vermelha do PC do B, é importante enfocar o processo de constituição de um círculo de
militantes no Rio Grande do Sul que reivindica a origem na referida organização e se
afirma a partir das releituras sobre o “pensamento marxista”. No bojo dos debates sobre as
183
“estratégias” e “táticas” mais eficazes para o “combate da ditadura” e “encaminhamento da
revolução socialista”, um conjunto de indivíduos se inscreveu como detentores da
“capacidade” de avaliação e prescrição fundadas no domínio do “instrumental marxista”,
na posse de um “arcabouço cultural” e, principalmente, na “habilidade” em articulá-los e
transmiti-los mediante a produção de “documentos”. Adiciona-se a isso, o fato de terem
constituído e mantido uma rede de relações de modo relativamente coeso, ainda que com
constantes redefinições, em diferentes momentos conjunturais.
Sendo assim, as principais lideranças da Ala Vermelha no estado passaram
a atuar no MDB já no início dos anos setenta e, posterior e clandestinamente, fundaram o
Partido Revolucionário Comunista (PRC) com o objetivo principal de transformá-lo no
propulsor da “revolução socialista”. Dentre as características das intervenções privilegiadas
pelos militantes, que se destacam principalmente a partir dos anos setenta, está a ênfase na
“reflexão teórica, cultural e filosófica”, a administração de redes de relações, o
investimento em títulos escolares, bem como a produção e divulgação de “documentos”
sobre temas relacionados à conjuntura e às potencialidades do pensamento marxista.
Como a grande maioria das “organizações clandestinas de esquerda” que
existiram durante o “regime militar”, a Ala Vermelha do PC do B se constituiu entre 1966
e 1967, a partir da fusão das dissidências do PC do B de São Paulo e do Centro-Sul do
país. Em 1967 seus líderes produziram o “documento”: “Crítica ao oportunismo e ao
subjetivismo da ‘união dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça
neocolonialista”, opondo-se diretamente ao “documento” da VI Conferência do PC do B
(In: Aarão Reis Filho e Ferreira de Sá, 1985: 118). O título faz referência às proposições do
então “Comitê Central
45
”. O argumento critica a suposta não aplicação do “método
marxista-leninista” e, exatamente por este motivo, os dirigentes do PC do B não teriam
conseguido conciliar “estratégia” e “tática” revolucionária, bem como aplicá-la à
“realidade” (idem:119). No texto visam, então, estabelecer as “premissas teóricas das quais
carece a revolução brasileira” e a passagem abaixo é elucidativa da pretensão de aplicação
do “materialismo dialético” ao caso brasileiro:
45
Segundo Gorender “como uma cópia quase sem retoques na linha do PCCh durante a guerra antijaponesa,
a direção do PC do B formula a tática da união dos patriotas” (grifos no original).
184
“A apreensão das necessidades de um programa, bem como das leis da estratégia e da tática
da revolução, constitui-se num processo que, partindo da análise da contradição principal,
encontra as condições e as formas do relacionamento dialético entre os dois aspectos, do
lado das transformações necessárias à substituição do velho pelo novo. O processo de
conhecimento que permite a elaboração do programa, da estratégia e da tática se baseia,
fundamentalmente, na análise dos aspectos da contradição principal e no conhecimento das
contradições fundamentais da sociedade” (idem:118).
Se no desdobramento das idéias há a defesa da “conciliação entre a guerra
popular e o foquismo” (Gorender, 1987: 110), no documento de 1969, intitulado “Os 16
pontos”, dedicaram-se a retificar essa “indicação da tática” como sendo a mais eficaz para
a “revolução brasileira”. O “erro” cometido no documento anterior residiria na
simplificação “estreita, mecânica e esquemática do processo de desencadeamento da luta
armada” e teriam “reduzido todas as tarefas táticas e formas de luta à luta armada,
esclerosando politicamente” (In: Aarão Reis Filho e Ferreira de Sá, 1985:277).
No Rio Grande do Sul, militantes que residiam em Santa Maria (poucos
haviam nascido no município, mas todos haviam freqüentado ou freqüentavam a
universidade federal localizada naquele município) acabaram se constituindo num “grupo”
cujos membros mantiveram, ao longo dos seus itinerários, elos definidores das posições e
posicionamentos assumidos nos diferentes domínios de inscrição. Os irmãos Tarso Genro e
Adelmo Genro Filho foram os principais condutores desse agrupamento desde sua gênese.
Provenientes de uma família de “estancieiros da fronteira-oeste do estado”
eram filhos de Adelmo Simas Genro que investira na carreira de professor depois de seu
pai ter perdido “o patrimônio econômico da família”. Assim, após ter dado aulas em São
Borja (cidade onde nasceram os filhos), graças aos vínculos políticos com lideranças
trabalhistas foi nomeado professor e diretor do principal colégio de Santa Maria, o Manuel
Ribas. O prestígio conquistado viabilizou a obtenção de um mandato de vereador e de
vice-prefeito da cidade pelo antigo PTB. No entanto, com o “golpe militar” de 1964, teve
seu mandato cassado (o que acabou sendo um trunfo importante da afirmação política da
“família” e de vinculação com posições “de esquerda”). Na segunda metade dos anos
sessenta, Adelmo (pai) investiu na formação em direito e, como advogado, fora sócio “dos
Jobim”, família “tradicional” cujos membros alcançaram notoriedade em âmbito estadual e
nacional. Na década de oitenta se filiou ao PMDB e posteriormente ao PSB, sendo
inclusive seu presidente de honra no estado. Casou-se com Elly Herz que vinha de uma
185
família de empresários abastados (cujo principal herdeiro fora o sobrinho, o jornalista
Daniel Herz) e é conhecida pelo engajamento e pelo “pensamento social progressista e de
esquerda”. Atualmente é filiada ao PT
A estes elementos comungam-se a militância política dos filhos,
principalmente de Tarso e Adelmo Filho, mas tamm do mais velho, o médico Horácio
Genro, que colaboraram na conquista de um relativo reconhecimento da “família” naquele
município, depois no estado e, de certo modo, também nacionalmente
46
.
Tarso Genro foi presidente da “mocidade trabalhista” do PTB de Santa
Maria e vereador neste município em 1968, eleito aos 20 anos de idade. Membro do PC do
B e depois da dissidência deste (Ala Vermelha), exilou-se no Uruguai de 1969 à 1972.
Adelmo Filho teria começado cedo sua militância no movimento estudantil, por volta dos
13 anos, e, entre os 15 e 16 anos, passou também a pertencer à “organização”. Com a saída
de Tarso para o exílio, ele, já com 18 anos, fortaleceu seu próprio trabalho de mobilização
desde a Universidade Federal de Santa Maria na qual foi cursar jornalismo.
Desta forma, pode-se realçar a afirmação de Adelmo Filho como um agente
promotor da sistematização das discussões e das ações de militantes nos anos setenta. Seu
potencial mobilizador é imputado, primordialmente, à origem familiar (pais e irmãos) e à
sua experiência militante prematura (na “ala vermelha” do PC do B):
Quando eu entrei na universidade caí num terreno fértil porque já havia, por exemplo, o
Adelmo, o Sérgio com militância. Um pessoal... que já era militante não só do MDB como
alguns deles haviam integrado organizações então na época clandestinas, foi o caso dos
integrantes da ala vermelha, que era uma dissidência do PC do B.. O fundamental em
termos de referência, o Adelmo era a principal referência. Ele era uma referência de massa
porque o pai dele tinha sido vice-prefeito, tinha sido cassado, o Tarso era vereador e foi
cassado na época do golpe e se exilou no Uruguai” (Entrevista com Luiz Roberto Simon do
Monte).
“O Dr. Adelmo já era estigmatizado como um cara de esquerda, comunista. O Tarso voltou
e aí, o Tarso era o irmão mais velho, imagina só. O Adelmo tinha militado na ala vermelha
que era o racha que tinha tido com o PC do B... Então ele tinha militado, e a nossa relação
cresceu muito. Eu me lembro que era o tempo inteiro discutindo, discutindo. Eu pedia
livros pra ele, lia muito Marx, a gente discutia política”. (Entrevista com Sérgio Weigert).
“O Adelmo era meu amigo íntimo, próximo, assim, e a partir de um grupo que era
incipiente eu comecei a participar, apesar dos 18 anos, eles eram um pouco mais velhos que
eu. Comecei a participar e finalmente assim encontrei, digamos né, como se materializava
as questões que pra mim eram muito importantes. Sentimentos todos que eram valores
46
Sem falar na neta, a ex-deputada estadual e hoje deputada federal pelo PSOL que assumiu uma postura
política divergente e concorrente no interior da esquerda no estado.
186
genéricos e como é que se materializava a luta disso na política” (Entrevista com Mª Rita
Assis Brasil).
Formou-se, assim, em Santa Maria, um círculo de relações e referências
cuja afirmação passou pela reivindicação do reconhecimento de seu potencial de
“elaboração” no âmbito “filosófico” e “cultural” como forma privilegiada de intervenção
política. Ou seja, para eles os atributos indispensáveis para a “elaboração” e “ação política”
se baseava na associação de uma postura “intelectual”, “cultural” e “filosófica” como
componentes inseparáveis, tal como pode ser observado nas passagens abaixo:
“A gente nunca conseguiu entender a política separada dessas áreas da cultura, da literatura.
Até porque os marxistas na época, mais tradicionais, escreveram muito sobre estética.
Tanto que a gente nunca separou política da filosofia, ou seja, nós inclusive tínhamos uma
visão de apreender a política pelo caminho da filosofia. A arte em termos gerais como
instrumento de apreensão da realidade. Que é uma tradição que vem do pessoal da década
de sessenta, no caso, da turma do Tarso... Na verdade a gente constituiu um grupo de
amigos, solidários nessa luta o que, enfim, acabava também reduzindo nosso convívio
social a esse grupo. Então a gente, nós fazíamos discussões sobre filosofia, sobre poesia,
sobre literatura, tava sempre mais ou menos em contato” (Entrevista com Luiz Roberto
Simon do Monte).
“Eu era um guri interessado nas coisas do mundo. Eu lia muito, mas a política como uma
instância de intervenção da minha relação com o mundo não era uma coisa organizada nem
pensada e a partir daí [da universidade], o Adelmo e eu começamos a discutir muito, e nós
discutíamos de tudo. Era uma discussão absolutamente cotidiana, desde Shakspeare até o
MDB, era o tempo inteiro isso” (Entrevista com Sérgio Weigert).
“A disposição pra pesquisa, pra investigação, pro aprofundamento dos assuntos. Uma
condição de se debruçar intelectualmente e também de forma militante sobre o mundo
correspondia... respostas pras inquietações, pras indagações que eu também fazia. Então, a
gente trocava livros, fazia leituras comuns. O grosso das leituras era de marxismo, de
literatura em geral (Entrevista com Daniel Herz).
A universidade, como na grande maioria dos casos, foi o lugar privilegiado
de encontro e início do engajamento na contestação ao “regime militar” desses militantes.
Em 1973, Adelmo Filho teria sido convidado por César Schirmer, então presidente do
Diretório Central dos Estudantes, a compor a primeira diretoria da entidade e ele, por sua
vez, convidara Sérgio Weigert. Em 1974 estes mesmos articularam a organização de um
Setor Jovem do MDB de Santa Maria, também influenciados pelo estímulo e destaque,
estadual e nacional, que lideranças próximas vinham conquistando, como o próprio
Schirmer e João Gilberto Lucas Coelho, advogados em Santa Maria e eleitos deputado
estadual e deputado federal respectivamente no pleito de 1974.
187
O SJ de Santa Maria fora presidido por Adelmo até 1975, ano em que se
formou em jornalismo pela UFSM e foi substituído no posto por Sérgio Weigert. No
decorrer deste ano, eles produziram um texto cuja “tese” é adotada pela grande maioria dos
jovens e com forte incidência no discurso político do MDB gaúcho. Direcionado aos
significados da eleição de 1976, o “documento” intitulado “O MDB e a Política de
Simpatia”, apresentado em julho de 1975 numa reunião do partido, defendia a
“independência crítica e oposição”, postura esta que teria marcado a vitória da oposição
nas eleições de 1974, rechaçando, portanto, a “aproximação com o governo,
particularmente com o Presidente da República no sentido de sensibilizá-lo para de certa
forma, modificar seu comportamento político” (jornal Movimento, 05/01/1976, p. 13).
Na matéria publicada no jornal Movimento (“imprensa alternativa” de
circulação nacional), há ainda a referência ao “documento” apresentado em um “Encontro
de Capão da Canoa”, pelo MDB jovem de Santa Maria, chamado “Sobre a conduta política
do MDB após as eleições”. Neste texto, a ênfase recai na apreciação de que o partido
oposicionista deveria “manter firmemente as posições da campanha eleitoral, não recuar,
nem fazer o jogo dos grupos dominantes” (Idem). No mesmo jornal já havia uma
reportagem anterior (em 22/12/1975), com espaço de página inteira, no mesmo sentido: “O
MDB deve perder em 1976 para ganha em 1978? Não, é a resposta do Setor Jovem do
MDB de Santa Maria, RGS”.
188
Grande parte das lideranças do SJ de Santa Maria era composta por
estudantes ou de recém formados em jornalismo (Adelmo Genro, Roberto do Monte,
Sérgio Weigert, também Daniel Herz que era mais jovem e morava em Porto Alegre, mas
afirma que “freqüentemente ia para a casa dos tios”), e não por acaso, tiveram como lugar
privilegiado de expressão um jornal classificado como de “imprensa alternativa”. O jornal
iniciou em Ijuí como Semanário de Informação Política (o primeiro número é datado de 31
de outubro de 1975) e contava com equipe e colaboradores vinculados ao MDB (o próprio
diretor-presidente Ben-Hur Mafra era presidente do partido e o diretor-redator-chefe era o
jornalista Jefferson Barros que também havia sido presidente da “equipe provisória de
direção” do Setor Jovem, ambos na cidade), originários de “dissidências do PC do B e de
alguns grupos de esquerda” (Kucinski, 1992:74). Tendo sido fechado em julho de 1976
47
,
foi reativado em Porto Alegre, com a direção de Daniel Herz e tendo como editor-chefe
Adelmo Filho. O conselho editorial contava com as seguintes “personalidades” da
“esquerda” gaúcha:
“Jairo de Andrade (diretor do Teatro de Arena, POA), João Gilberto Lucas Coelho
(deputado federal Gaúcho do grupo neo-Autêntico), Matheus Schmidt (advogado,
empresário e ex-deputado federal), Carlos Carvalho (contista, autor e diretor de teatro),
Tarso Fernando Genro (poeta, advogado e crítico literário), Glênio Peres (vereador MDB-
POA), Joel Nascimento (IEPES), Flávio Betanim (presidente do diretório municipal do
MDB de São Luís Gonzaga), Eliezer Pacheco (professor universitário e pesquisador em
Ijuí), Honorato Pasquali (Contabilista e secretário geral do IEPES de Ijuí), Sérgio Weigert
(presidente do setor jovem do MDB de Santa Maria), Gabriel Neves Camargo (médico,
contista e poeta em Bossoroca) e Nélson Ribas (Secretário de setor jovem do MDB de
Santo Ângelo)” (jornal Movimento,02/08/76, p.5).
Tarso havia retornado do Uruguai em 1972 e, desde então, passou a morar
em Porto Alegre o que contribuiu para a afirmação do “pessoal de Santa Maria” na capital,
assim como para a viabilização do jornal “Informação”.
“Quando começou o processo, que estava que o jornal não ia se sustentar em Ijuí, o Adelmo
que disse: não, vamos levar esse jornal para POA. E ele percorreu o Rio Grande do Sul
inteiro atrás de pessoas de esquerda pra sustentar o jornal, e eu aqui em Porto Alegre...
Então ele foi em gente como o Luiz Coronel, por exemplo, foi em várias pessoas. Aqui em
POA eu fui em várias pessoas. Eu me lembro quando ele veio para Pprto Alegre ele
[Adelmo] disse: ‘agora vamos conversar com o Tarso, vamos botar o Tarso nessa jogada’.
47
As duas fases de funcionamento do jornal somam 45 números, sendo que 22 são da primeira fase e 23 da
segunda.
189
Aí fomos conversar com o Tarso e ele aqui em POA agregou um monte de advogados”
(Entrevista com Sérgio Weigert).
Atuando como advogado trabalhista com forte inserção nos meios sindicais,
também se apresentava como “escritor, poeta e crítico”. Aliás, muitas das suas
contribuições no “Semanário” já eram como produtor ou crítico de tais gêneros de textos.
Uma vez constituído o jornal, as publicações eram definidas a partir de uma
perspectiva de “combate à ditadura”, “defesa do socialismo” e da “democracia”. Tão
destacadas quanto às “problemáticas políticas” (que intercalam denúncia – cassações,
torturas, terrorismo – com propostas e campanhas – prefeituras de oposição, anistia,
direitos humanos, etc., além, é claro, da forte presença da política estudantil), eram as
“questões culturais” que apareciam nas mais variadas matizes: crítica literária, poesias,
contos, artigos sobre televisão ou programação televisiva, cinema, teatro, resenhas de
sociologia, ciência política, economia, história, etc. Outra constância no jornal Informação
eram as entrevistas com “personalidades” do mundo “intelectual” e “político” (por
exemplo, Pedro Simon, Fernando Henrique Cardoso, D. Adriano Hipólito: bispo
seqüestrado pela Aliança Anticomunista Brasileira). Os temas “econômicos”, apesar de
menos freqüentes, eram sempre objeto de longas matérias por parte dos “articulistas”.
Como se pode observar nos relatos coletados, os elos (afetivos, ideológicos
etc.) e as variadas formas de sociabilidades (dentre elas as discussões filosóficas, literárias,
sobre o marxismo, etc.) articulavam disposições políticas e intelectuais, ou as forjavam, e
assim produzia a identificação entre os agentes e o do seu reconhecimento como um
“grupo” ou como o “pessoal de Santa Maria”. Tal “sintonia” seria a responsável, na
percepção dos entrevistados, pelo reconhecimento por eles conquistado nos embates
internos à esquerda na década de setenta, bem como no interior do MDB. O fragmento
abaixo exemplifica:
“Na verdade, lá em Santa Maria, isso dá para dizer, a gente, tinha de fato uma posição de
liderança assim, em relação à juventude do Rio Grande do Sul. Porque o pessoal de Porto
Alegre não produzia nada. O Marcos, cada vez que a gente chegava com um documento
dizia: lá vem esse pessoal de Santa Maria de novo. Então como a gente escrevia, como a
gente vinha sempre pra esses, todos os encontros do MDB a gente tava junto. E a gente
então tinha uma determinada hegemonia: olha, era o pessoal de Santa Maria, pessoal de
Santa Maria. Então nós, por uma via absolutamente intelectual, a gente foi construindo uma
outra relação mesmo com a política, com o MDB e assim por diante” (Entrevista com
Sérgio Weigert).
190
O “Marcos” citado na passagem acima era Marcos Klassmann, que fora
presidente do Setor Jovem Metropolitando e candidato a vereador na eleição de 1976,
ocasião esta de aglutinação das principais “lideranças jovens” do MDB gaúcho da década
de setenta com vistas a sua afirmação institucional. O jornal cumpriu um papel importante
de divulgação da campanha de 1976, publicando panfletos dos candidatos, principalmente
ligados aos setores jovens e às posições consideradas de “esquerda” dentro do MDB.
Adelmo Genro e Maria Rita Assis Brasil (ex-dirigente estudantil no curso de
medicina da UFSM e esposa de Sérgio Weigert) tamm concorreram à vereança neste
pleito pelo município de Santa Maria. Assim como ocorreu com Marcos Klassmann em
Porto Alegre, José Ivo Sartori em Caxias e Flávio Coswig em Pelotas. Ambos chegaram à
Câmara de Vereadores a partir da militância no Setor Jovem do MDB.
Enquanto aqueles cumpriam seus mandatos no “interior”, Sérgio Weigert,
Beto São Pedro e Daniel Herz se radicaram em Porto Alegre responsabilizando-se pelo
jornal Informação, mas não conseguiram mantê-lo em funcionamento. O último número
saiu em 27 de fevereiro de 1977. Em janeiro de 1977 já havia sido montada a sucursal do
jornal Movimento no Rio Grande do Sul e o núcleo central, em Porto Alegre, era chefiado
por Marcos Klassmann, tendo como responsável pela redação Daniel Herz. Entre os
colaboradores estavam Glênio Peres e Tarso Genro. Além da capital, o jornal contava com
ramificações em Santa Maria, cuja coordenação era de Getúlio Luca de Abreu e a redação
de Luiz Sérgio Metz e em Pelotas e Caxias do Sul, cujos responsáveis eram,
respectivamente, Flávio Coswig e José Ivo Sartori (todos atuantes nos Setores Jovens na
década de 70).
É importante sublinhar que quase todos eles também – incluindo Klassmann
que possuía, inicialmente, mais vinculação com os militantes que depois articularam a
Tendência Socialista (TS) – trabalham na campanha de André Forster (em 1978) que
também fazia parte do Conselho Editorial do jornal Movimento. Muitos deles, inclusive,
com o pluripartidarismo se filiaram ao PMDB e alguns ainda pertencem a este partido, do
qual Forster foi, até o momento de sua morte, um notório dirigente.
Esta foi uma das “oportunidades” de aproximação dos militantes liderados
por Tarso e Adelmo com Forster e com o PMDB. Acrescentam-se ainda os
191
posicionamentos em defesa do MDB como uma “Frente Ampla” durante o debate de
formalização de uma “tendência socialista” no seu interior (no Rio Grande do Sul liderada
e levada a cabo com sucesso, principalmente por Raul Pont e José Carlos de Oliveira); a
atuação na corrente “Oposições Populares” que foi um movimento constituído no final dos
anos setenta para promover a adesão ao PMDB como continuidade do MDB (defendida
por André Forster, João Carlos Brum Torres, Cristiano Tatsch, Pedro Bisch Neto, Tarso
Genro, Adelmo Genro, Carlos Horácio Herz Genro, etc.); e ainda a participação, como
assessores, de Weigert e outros militantes no Gabinete de Assessoria Superior (o chamado
GAS) da Assembléia Legislativa, cujo assessor especial era o próprio André Forster.
Ademais, esta aproximação era motivada pelas “afinidades intelectuais” dos
agentes. No fragmento abaixo, Sérgio Weigert ressalta a “capacidade intelectual” e os
“contatos” de Forster o que, de certa forma, reafirma o esforço de valorização de um perfil
capaz de combinar produção intelectual, trânsito entre políticos e personalidades do mundo
acadêmico, além da militância em “instâncias” de aglutinação dos ativistas:
“Então ele [André Forster] era o intelectual propenso a escrever artigos, enfim. Ele também
era funcionário do GAS (Gabinete de Assessoramento Superior), ele, o Dilan, esse pessoal
da inteligência, vamos dizer assim, o Miranda... Quando eu vim para Porto Alegre, eu era
muito, muito, amigo do André. Lá na casa dele, ele me convidou para trabalhar na
Assembléia junto com o Simon em 78, de assessor do Simon... O André batalhou, batalhou,
pediu, pediu, o Simon disse: Então, tá! Manda o cara. Mas ele [Forster] não tinha um grupo
político articulado como os trotskistas tinham, ou como nós tínhamos. De qualquer
maneira, o IEPES foi um elemento super importante de congregação da esquerda que
estava aí...o nexo com a intelectualidade do centro do país foi o IEPES que fez pra nós. Eu
fui uma vez em São Paulo com o André, primeira e única vez que eu fui no Cebrap... Eu
lembro que a gente ficou longamente conversando com o Fernando Henrique, depois nós
saímos com o Chico de Oliveira, com esse cara que agora está com o Weffort na Cultura, o
Moisés, eu acho que eu até dormi na casa desse cara, o José Álvaro Moisés” (Entrevista
com Sérgio Weigert).
Outra estratégia de afirmação deste agrupamento de militantes foi a
tentativa de consolidar um partido “clandestino” nacionalmente (a partir dos contatos em
São Paulo, principalmente com José Genuíno
48
): o Partido Revolucionário Comunista
48
No final dos anos setenta, o PC do B teria sofrido outro “racha” e os “dissidentes” teriam se reunido com
aqueles oriundos da Ala Vermelha para formar o Partido Revolucionário Comunista (PRC). Neste, o cearense
José Genoíno, que havia lutado na “Guerrilha do Araguaia”, teria sido um dos seus principais líderes ao lado
de Tarso Genro. O primeiro foi deputado federal por São Paulo (1982 a 2002). Em 2002 foi eleito presidente
nacional do PT. Em julho de 2005 renunciou ao cargo mediante as denúncias de corrupção relacionadas ao
escândalo chamado “mensalão” que atingiu o governo Lula. Em 2006 se elegeu novamente.
192
(PRC). Para tanto, integraram inicialmente (com a reoganização partidária) o PMDB como
“tática” mais adequada para a execução das suas “estratégias revolucionárias”. Na
passagem abaixo, nota-se novamente a ênfase na ocupação de uma posição de “intelectual”
como trunfo de distinção com os demais militantes e como elemento reivindicado como
característico do “grupo” do qual fazem parte:
“Bom, aí começa uma outra história desse pessoal de Santa Maria. Todo mundo vai pro
PRC. O Tarso nunca entrou, sempre fazia a mediação... Eu acho, na verdade a minha idéia,
é que o PRC, num determinado momento, reuniu toda a melhor intelectualidade militante
de um determinado período. Era gente de cabeça muito boa, as discussões eram todas
basicamente filosóficas-políticas. Eu acho que se a gente fosse escrever essa história do
PRC, a gente vai vê que se concentrava, num determinado período, seja por publicações,
pessoal que publicava, seja por interferência no movimento político. Era muito sólida a
nossa interferência, nossa inserção, os debates, as revistas...” (Entrevista com Sérgio
Weigert).
O PRC é apontado pelos militantes entrevistados como tendo sido a
modalidade de intervenção mais relevante durante o período de “abertura política”. Por
isso, para a escolha do partido oficial ao qual se filiariam no “pluripartidarismo” deveriam
levar em conta as potencialidades do mesmo para a condução do seu “projeto
revolucionário”. Havia posições em prol do PT, porém teriam rechaçado tal idéia por o
considerarem um partido muito pequeno e, por isso, com pouca estrutura de sustentação
para o projeto em pauta, além de excessivamente sindicalista. Sendo assim, “taticamente” a
permanência no PMDB era a opção mais adequada, pois neste gozavam já de “espaços” e
“vínculos” que tornavam suas pretensões mais viáveis e seguras.
“Nós tínhamos um projeto claro e um objeto estratégico, digamos, que era um partido de
esquerda, provavelmente não legalizado etc. E o nosso partido tático, nós não tínhamos
certeza absoluta qual seria o melhor. Era uma visão revolucionária de partido mesmo.
Então aí nós optamos em ficar no PMDB... O Tarso também, ele não é fundador, digamos,
do PT, apesar de termos, todos nós, participado de todas essas discussões aqui no estado.
Me lembro quando o Lula veio uma vez aqui, na casa do Carlos Horácio (o irmão do
Tarso). Depois outra vez foi o Olívio. Todas essas discussões. E nós ficamos com uma
visão que foi respeitada, uma visão que era tática, na época, pra manter aquilo que nós
tínhamos construído ali e tal.No outro momento, como foi o que ocorreu, a gente faz uma
nova opção partidária, porque uma coisa era manter linearmente, uma outra era ir pra outro
partido. E foi o que aconteceu... E aí a gente continuou com uma vida partidária, não
legalizada, no PRC e tal” (Entrevista com Mª Rita Assis Brasil).
Contudo, na primeira metade da década de oitenta, com o crescimento do
PT e em decorrência do confronto com posicionamentos dos dirigentes do PMDB que,
193
segundo os relatos, seriam contrários à perspectiva de “esquerda” compartilhada entre os
militantes do PRC, decidiram entrar “em bloco” no primeiro (ainda que não
necessariamente todos no mesmo ano).
Assim, o “pessoal de Santa Maria” manteve sempre no seu itinerário uma
forte identificação interna entre seus membros e uma relativa coesão nas suas “estratégias”.
A atuação inicial na “dissidência do PC do B” (sob a influência de Tarso e Adelmo), a
atuação no Informação, os posicionamentos assumidos no MDB, a escolha inicial pelo
PMDB, a migração para o PT e, no interior deste, o pertencimento ao mesmo “campo” de
“tendências” que costumam apoiar Tarso Genro nas diputas regionais, são exemplos disto.
No que pese o fluxo de entrada de novos militantes e os realinhamentos inevitáveis pode-se
constatar a persistência de fidelidades no itinerário coletivo.
De acordo com Grill (2003) a “expansão do universo de influência da
‘família’ e da rede política” foi tributária também justamente da complementaridade entre
a “disposição para a militância e para a elaboração intelectual” de Adelmo Filho (que
contribuía para a conquista e sustentação de “redutos mais fiéis”) e a diversidade de
repertórios e públicos englobados nas inserções políticas e profissionais de Tarso.
Tarso Genro foi um dos principais condutores da entrada do grupo no PT,
partido pelo qual foi deputado federal, vice-prefeito e prefeito de Porto Alegre, Secretário
de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República, Ministro da
Educação, da Articulação Política e da Justiça, entre outros cargos. Sua produção escrita é
vasta e inclui livros e artigos em jornais e revistas brasileiras e estrangeiras.
Sérgio Weigert, que no decorrer do tempo perdeu o destaque detido nos
primórdios da sua militância, atuou durante um curto tempo no Gabinete de Assessoria
Superior indicado por André Forster, ingressou no PT, trabalhou como assessor de José
Genoíno no mandato de deputado federal (eleito em 1986), foi professor de Sociologia e
Teoria da Comunicação na Universidade Federal de Santa Catarina (já lecionavam lá
Daniel Herz e Adelmo Genro), participou do Centro de Filosofia e Política, financiado por
Daniel Herz e comandado por Adelmo Filho, da revista Práxis (idem ao anterior), cursou o
doutorado em Sociologia em Paris orientado Michel Löwi (tendo escrito alguns textos
desde Paris sobre o Fórum Social Mundial e outros temas relacionados ao partido) e atuou
na coordenação das campanhas de Tarso Genro.
194
Tendo feito mestrado em Comunicação pela Universidade de Brasília
(UNB), Daniel Herz ganhou notoriedade com a publicação do livro "A História Secreta da
Rede Globo", em 1980. Foi diretor do Sindicato dos Jornalistas no Estado do Rio Grande
do Sul e do Departamento de Relações Institucionais da Federação Nacional dos
Jornalistas (Fenaj), tendo sido também o primeiro conselheiro gaúcho representante da
Fenaj. Além disso, se destacou também na Coordenação do Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação, do qual foi fundador, assim como do Instituto de
Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom). Ele também compôs o primeiro corpo
docente do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina no qual se
destacou nas “lutas pelas políticas democráticas e públicas de comunicação (movimento
iniciado em 84 na UFSC por meio de Daniel Herz)” (www.jornalismo.ufsc.br). Faleceu aos
51 anos em junho de 2006, vítima de leucemia.
Daniel Herz estimulou Adelmo Filho a ir lecionar em Santa Catarina na
graduação em jornalismo, que havia sido fundada em 1979. O que ocorreu depois de
Adelmo Filho não ter conseguido a vitória eleitoral em 1982 para deputado estadual pelo
PMDB. Adelmo ingressou na UFSC em 1983 e teria sido “responsável pela ampliação das
preocupações e reflexões sobre a área, tornando-se referência teórica e ética para os
colegas, alunos e categoria profissional, autor de diversos livros sobre política e um
especial sobre Teoria do Jornalismo” (idem). Em 1987, licenciou-se para fundar e dirigir o
Centro de Filosofia e Política (CEFIP) em Porto Alegre e a revista Práxis, voltados para o
estudo e o debate sobre o marxismo. Atuação esta que seguirá até fevereiro de 1988,
quando veio a falecer, aos 36 anos, em decorrência de uma virose. Em sua homenagem,
Daniel Herz fundou o site “adelmo.com” para promover sua “vida e obra”. O lançamento
foi em junho de 2000 e contou com a presença dos familiares e militantes do PT,
principalmente aqueles ligados ao espectro de forças do partido mais próximo da liderança
regional de Tarso Genro (dentre eles: os então deputados estaduais Estilac Xavier e Adão
Villaverde, e o deputado federal Paulo Pimenta).
Em 2004 foi criado pela Associação Brasileira de Pesquisadores em
Jornalismo, o “Prêmio Adelmo Genro Filho de Pesquisa em Jornalismo”. O objetivo deste
seria, conforme divulgado no site da entidade:
195
“reconhecer a qualidade do trabalho acadêmico realizado nas universidades ou nos
centros/institutos de pesquisa, valorizando a atuação individual dos pesquisadores. Sua
finalidade é identificar anualmente quais os pesquisadores que apresentaram contribuições
relevantes para o campo da pesquisa em jornalismo, de modo a construir/consolidar a
identidade do nosso campo científico”.
Além disso, é importante ressaltar que algumas das principais lideranças do
Partido dos Trabalhadores no estado são membros deste círculo de relações estabelecido
em torno dos “irmãos Genro”. Entre eles estão Marcos Rolim (ex-presidente do DCE da
UFSM, ex-vereador em Santa Maria e ex-deputado estadual e federal), Estilac Xavier (ex-
presidente do DCE da UFSM, ex-chefe de gabinete de Adelmo Genro Filho na Câmara de
Vereadores de Santa Maria, ex-secretário municipal do governo de Tarso Genro em Porto
Alegre, ex-vereador e deputado estadual) e Paulo Pimenta (ex-presidente do DCE de Santa
Maria, ex-chefe de gabinete de Marcos Rolim, ex-vereador em Santa Maria, ex-deputado
estadual, ex-vice-prefeito de Santa Maria e atual deputado federal).
Uma das referências atuais mais importantes do conjunto de agentes que
participaram da contestação ao “regime militar” no Rio Grande do Sul é a idéia de
“participação popular”. Sendo assim, para finalizar, é importante destacar o papel
desempenhado por uma das lideranças aqui tratadas no debate acerca da legitimação e das
modalidades de implementação deste “ideal”. Tarso Genro esteve diretamente associado à
experiência do “Orçamento Participativo” em Porto Alegre, principalmente nas duas
primeiras gestões do PT na prefeitura, quando foi vice-prefeito e prefeito. Contudo, sua
intervenção nesta agenda não se resume à atuação como ocupante de cargos políticos. A
partir do reconhecimento adquirido como “intelectual” e como “político” se dedicou a
escrever ensaios em livros e artigos (no Brasil e no exterior) fundamentando-se
simultaneamente em autores ligados à filosofia política e na sua experiência administrativa.
Entre as produções de Tarso Genro relacionadas ao tema podem ser citados os ensaios
“Crise Democrática e Democracia Direta”, “Hacia Una Nueva Democracia” e Orçamento
Participativo: a experiência de Porto Alegre”, este último em parceira com Ubiratan Souza.
O que revela algumas estratégias de ativação dos recursos “intelectuais” e “militantes”
como estratégia de afirmação referências e competências.
196
3.3 – Marxismo, produção intelectual e disputas partidárias (Parte II):
uma seqüência de posicionamentos a partir do Partido Operário Comunista
Um repertório muito semelhante de trunfos de afirmação àquele encontrado
na seção anterior é acionado por ativistas que participam das diferentes “organizações” e
“instâncias” apresentadas neste ítem. Isto, inclusive, explica as rivalidades que acabaram
emergindo no interior do MDB e posteriormente no PT com os militantes anteriormente
descritos. Também marcados pela produção intelectual voltada para a reflexão sobre a
conjuntura e para o estudo do marxismo, igualmente associados a gostos e acessos a bens
culturais raros, se distinguem, no entanto, daqueles pelas adesões ideológicas mais gerais,
por redes de relações constituídas na capital e pela maior incidência de agentes com
formação em ciências humanas (história, ciências sociais, filosofia, pedagogia, etc.) em
detrimento do jornalismo.
Um continuum de alinhamentos e redefinições de redes é passível de ser
traçado a partir de uma dissidência do PCB que veio a constituir o Partido Operário
Comunista, com forte presença no cenário gaúcho dos anos sessenta. Seus desdobramentos
na constituição de uma tendência socialista no MDB e na fundação do PT por intermédio
de rearranjos das redes ocorridos devido às saídas (principalmente para o exílio) e as
entradas de novos militantes ao longo do tempo são elementos de destaque. Da mesma
forma explicitam o papel de mediador, entre “gerações”, exercido por algumas lideranças,
os esforços de demonstração de continuidade às expensas das redefinições ideológicas e a
valorização da inscrição neste “passado” como trunfo nas lutas partidárias posteriores.
A bibliografia dedicada ao tema da “esquerda brasileira”, não raramente
centrada nas “organizações revolucionárias” constituídas nos anos sessenta e setenta,
aponta para a procedência que a grande maioria das organizações tivera no Partido
Comunista do Brasil (PCB), fundado em 1922. Mesmo a Ação Popular – formada em
1962, que teria uma orientação “humanista cristã” e defenderia formas “alternativas” ao
“comunismo” de transformação social, em 1967 se fundiu oficialmente ao PC do B que
nascera de um racha do PCB que passava a denominar-se “Partido Comunista Brasileiro” –
reivindica sua gênese igualmente nos anos vinte. De qualquer modo, no Rio Grande do
Sul, no final dos anos cinqüenta e início dos sessenta, PCB e AP apresentaram-se como as
197
duas principais vias de identificação para “jovens” inclinados a buscar formas variadas de
intervenção. A atração exercida pelo PCB em nível nacional é destacada por Gorender
(1987:20):
“No período de 1946 a 1964, o PCB representou a principal força de esquerda de inspiração
marxista... Dispunha de quadros experientes e completamente dedicados ao trabalho
partidário, sua radicação no movimento operário era sólida e muito mais importante do que
a das outras correntes, contava com ramificações no meio camponês, tinha forte influência
no movimento estudantil e nas campanhas antiimperialista”.
Nascimento Araújo (2000:74-77) propôs dividir esse período proposto por
Gorender em quatro fases de existência do PCB no pré-golpe militar: A primeira
correspondente aos anos 1945-48 seria marcada por sua legalidade, com forte inserção
social e defendendo a “linha pacífica” de condução de uma “revolução democrático-
burguesa, anti-feudal e antiimperialista”. A segunda estaria situado no intervalo de 1948-
1954 e se caracterizaria pela “radicalização da tática revolucionária” devido à “cassação do
registro do partido e de mandatos parlamentares”, resultando na produção de uma
contradição entre estratégia de aliança com a burguesia nacional e tática de uso da “luta
armada” (Bielschowsky, 1988 Apud Araújo, idem). O terceiro momento, 1954-1958, fora
de aprofundamento da crise desencadeada com a “divulgação do ‘relatório Krushev’ que
denunciava os crimes de Stálin” e que dividiu os partidários e antagonistas do líder russo e
do empreendimento na “luta armada”. E a quarta fase se daria entre 1958 e 1964, e se
definiria pela defesa da ampliação do “desenvolvimento capitalista do país” e das
“reformas estruturais” ou “reformas de base” que garantiu a reconquista do destaque
outrora detido pela sigla.
Neste período, ocorreram duas “dissidências”: a primeira seria o resultado
da defesa da “linha stalinista” e da “luta armada”, liderada por Diógenes Arruda, João
Amazonas e Maurício Grabois, que fundou o PC do B; e a segunda teria decorrido da
divergência com a perspectiva de “duas etapas” de ambos os “PCs”, apostando na pronta
preparação da revolução socialista. Surgem então o Partido Operário Revolucionário
Trotskista (POR-T) e a Organização Revolucionária Marxista (ORM) também “trotskista”.
O primeiro era “filiado à IV Internacional, vinculado à facção do argentino Posadas” e
tinha como principal característica a defesa de um “enfoque terceiro-mundista para a
revolução mundial”. E o segundo, que ficou mais conhecido como POLOP, porque “tinha
198
uma publicação chamada Política Operária”, não pertencia aquela Internacional e “reunia
intelectuais influenciados pelas idéias de Trotski (...) e por outras vertentes não muito
ortodoxas do pensamento marxista, como Rosa Luxemburgo e Bukharin” (idem: 79).
Em 1962, Luiz Paulo Pilla Vares entrou em contato com o POR-T mediante
o envio de uma carta para o jornal “Frente Operária” editado pelo partido em São Paulo
(Leal, 2004:214). À época integrante da “Juventude Comunista”, ele aponta
retrospectivamente a importância daquele jornal como via para a “crítica de esquerda no
Brasil”, mormente estabelecendo um corte com as então predominantes perspectivas
“stalinistas” e “populistas”:
“Eu nasci numa geração do final dos anos 1950, anos 1960, que não aceitava mais as
fórmulas stalinistas. Nós não tínhamos mais nenhuma identificação com o stalinismo e
nenhuma identificação com o populismo, que era outra vertente da esquerda brasileira.
Bom, a força hegemônica de uma crítica de esquerda no Brasil era o Frente Operária”.
(entrevista com Luiz Paulo Pilla Vares, Apud Leal, 2004:214).
Segundo Leal (2004), Pilla Vares teria influenciado outros “companheiros
da Juventude Comunista” a ingressarem no POR, como foi o caso de Vito Letizia
49
que,
mesmo com a saída do primeiro para a POLOP em 1963, teria se mantido no partido até
1968, quando foi expulso por manter “a atividade de organização de comitês operários” –
entendida como um “movimento ‘paralelo ao Partido’” – e foi constituir a “Fração
Bolchevique da Seção Brasileira da IV Internacional” (idem: 218). O motivo que teria
levado à saída de Pilla Vares, nas suas palavras, seria a proposta de uma “guerra atômica
mundial revolucionária. Uma guerra preventiva. Aí não dá” (entrevista Apud Leal,
2004:217). Já como membro da POLOP teria, então, praticado “o entrismo no PCB após o
golpe militar com resultados positivos” (Idem).
Nesse período, início do ano de 1963, uma das principais “bases
universitárias do PCB” gaúcho estava na faculdade de Filosofia da UFRGS e dentre suas
principais lideranças estudantis, além do próprio Pilla Vares, encontravam-se Marco
49
Vito Letizia era estudante do curso de História (1961-1965) e Filosofia (1965-1967) ambos na UFRGS, na
década de setenta foi para França e freqüentou um curso de geografia na universidade Paris VIII.
Atualmente é professor do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e
diretor do Centro de Estudos do Movimento Operário Mário Pedrosa.
199
Aurélio Garcia (estudante das faculdades de Direito e Filosofia) e Flávio Koutzii (que
cursava economia e filosofia). Este último narra o diálogo que teve com o primeiro na
ocasião em que foi convidado para entrar naquela “célula” do “partido”. Dois elementos
podem ser destacados do fragmento abaixo, a saber, a ênfase na notoriedade paterna
50
e a
inscrição na “estratégia” do PCB citada anteriormente:
“O Marco Aurélio era um pouco organizador da reorganização do partido comunista na
faculdade de Filosofia e um episódio... meio curioso assim que eu tenho usado na análise
do presente e tal... é lembrar o meu diálogo fundacional com ele, é de morrer de rir. (...)
Cheguei na faculdade de Filosofia lá em abril de 63, aí o Marco Aurélio falou comigo ali na
porta e disse: ‘Bom, nós sabemos, conhecemos o teu pai, sabemos as tuas posições e tal e
eu queria te convidar pra entrar pra célula que nós estamos organizando aqui...’. Aí eu digo:
‘Que bom...’ (...) ‘Mas, Marco Aurélio, só pra mim me situar bem, tu podia me dizer qual é
a proposta do partido?. ‘Sem dúvida e tal, é o seguinte: o partido acha que existe uma
burguesia mercenária, que tem interesses objetivos de aliança com os trabalhadores contra
o imperialismo. Nós apoiamos o João Goulart por causa disso, porque ele representa um
pouco esse tipo de governante e bom essa é a nossa linha e tal, uma aliança, por enquanto
com a burguesia nacional...’ . ‘Tá, muito bom, eu vou topar...’. E essa é uma boa colocação,
porque essa é uma história absolutamente verdadeira e a síntese é absolutamente
verdadeira”.
A relação entre Flávio Koutzii, Marco Aurélio Garcia, Luiz Paulo Pilla
Vares e outros ativistas também se sustentou em bases afetivas. Os pais dos dois últimos
eram advogados e amigos. Outras duas componentes do “grupo” eram Sônia Pilla e
Elizabeth Souza Lobo, amigas desde o segundo grau quando ambas e também Koutzii
foram colegas no colégio Aplicação. Sônia, além de “prima distante”, fora namorada e
casada com Pilla Vares. E também namorou e casou com Flavio Koutzii. Este último
também namorou por um longo período com Maria Regina Pilla, igualmente “prima
distante” dos outros dois “Pillas” e militante das mesmas “organizações”.
Nas entrevistas realizadas com a maioria dos agentes supracitados, a ênfase
recai na valorização de um patrimônio cultural acumulado geralmente no âmbito familiar e
/ou escolar e anterior à inserção nos processos de intervenção política:
50
Na entrevista, Flávio Koutzii se dedica a apontar sua “matriz intelectual” nos investimentos culturais da
família, realçando a fundação do “Clube de Cultura” que reunia a “esquerda da comunidade judaica” e se
localizava num bairro de Porto Alegre “tradicional” pela boemia, pela forte “comunidade judaica” e endereço
privilegiado de militantes de diferentes gerações e “matizes ideológicas”. Tais elementos foram analisados no
capítulo anterior.
200
“o colégio me mudou completamente, eu comecei a ler desvairadamente. Nós tínhamos um
professor de literatura que era fantástico (...). Enfim, aí me abriu os horizontes de toda essa
parte de cultura mesmo, então fazia parte do jogral da escola, fiz parte do coral da escola,
também cantei no coral da faculdade de filosofia anos depois e lia tudo né. Comecei a ir no
teatro, cinema, participava. O cinema naquela época era uma descoberta, nós íamos ao
cinema depois fazíamos debates sobre os filmes e tinham os especialistas em cinema e tal o
Jefferson de Barros, o Enéas, enfim.” (Entrevista com Sônia Pilla)
“eu fui pros Estados Unidos eu tava no Julio de Castilhos, começando o científico. E fui
com um monte de livros do Sartre, eu lia aquilo... um mundo intelectual muito rico e de
experiências históricas que tavam sendo vividas que eu não tinha conhecimento e que eu fui
aprender. O dia que eu cheguei nos Estados Unidos foi a coisa mais engraçada a
coincidência, dois dias depois que eu cheguei, eu cheguei em agosto de 63 por aí teve a
marcha pelos direitos civis em Washington que foi a maior marcha, a maior manifestação
de negros que fizeram na história dos Estados Unidos naquele momento e eu assisti pela
televisão. Eu fiquei assim emocionadérrima com aquele negócio tão grande, tão forte e
tinha uma cantora que cantou nesta manifestação que eu conhecia muito de casa, porque o
pai gostava muito de música e compra discos e nos fazia escutar e gostava muito de tudo
que era música, ópera, jazz, ele só não gostava de música brasileira”. (Entrevista com Maria
Regina Pilla)
“Então voltando aqui a matriz, digamos assim, política, cultural, estamos falando digamos
assim, vamos dizer, a partir dos anos 50, quando eu já tenho 7 anos. Eu tenho uma casa
com os melhores livros e muitos, com muita música, e tanto a melhor da época, popular,
quanto musica clássica e discos antigos, e também revistas assim (...). Então eu vou crescer
num espaço onde tem música, onde tem um imaginário incentivado naqueles termos né
.(...). Então no meu caso eu acho que é isto, as minhas fontes digamos estão na
fecundíssima experiência no colégio Aplicação. Ali é direto, é ligação direta entende com a
cultura, com a literatura de forma clara, não eram leituras aleatórias, uma boa abordagem da
história e da sua complexidade, portanto o abandono duma visão histórica ingênua, isso não
tem preço como ganho assim.(Entrevista com Koutzii)
“A gente tinha, eu acho que nós tivemos uma militância assim que era muito abrangente,
que fazia a atividade política, a gente estudava e estudava muito e participava dos
movimentos artísticos, quer dizer, não é gratuito o fato de a gente ter o teatro de equipe
aqui no Rio Grande do Sul, o cinema novo, entende? O teatro de Arena... Então a gente
tinha essa visão mais ampla da questão política que não era só a política em si, mas que a
arte influía na mudança do mundo, que as nossas leituras eram importantes, era importante
ler e não só ler teoria. (...) Líamos e discutíamos, umas quantas vezes nós fizemos, nós
fizemos discussões... Bossa nova, nós fizemos debates sobre bossa nova, debates na
faculdade sobre bossa nova, na faculdade de Filosofia e na faculdade de Direito. Então a
gente participava culturalmente da vida da cidade. (Entrevista Luiz Paulo Pilla Vares).
Como foi sublinhado no último fragmento apresentado acima, tais
formações e informações teriam definido a concepção de “política” do “grupo” e as
modalidades de atuação priorizadas com o ingresso na universidade no romper dos anos
sessenta, assim como os posicionamentos pautados pela afirmação do reconhecimento
“intelectual”.
201
Flávio Koutzii entrou na universidade no início de 1963, em abril passou a
integrar o PCB e em outubro do mesmo ano foi eleito presidente do Diretório de Estudante
da Faculdade de Filosofia. Ele demarca:
“eu sou eleito presidente do centro acadêmico da filosofia, o mesmo que o André [Forster]
presidiu num momento e que o Clóvis Paim Grivot, de outra geração... Bom, era um centro
acadêmico de altíssimo prestígio da filosofia e tal, o centro político eminente. Então no
primeiro ano, identificado como militante do partido, PCB né, faço a minha campanha
como tal, e ganho a eleição do Enio Squeff
51
, que hoje é um crítico de arte muito
importante que eu encontrei esses dias na redação de um jornal. Ele era da AP (...) a disputa
era entre o cara do PC e o cara da AP” (Entrevista com Flávio Koutzii).
Em 1965 Koutzii teria concorrido, sem êxito, à presidência do
DCE/UFRGS. Nos depoimentos, não foram priorizadas a descrição de mobilizações
estudantis naquele período, sendo que a ênfase mais freqüente foi concernente a realização
de reuniões e as “agitações culturais” já mencionadas. Da mesma forma, nos outros tipos
de materiais examinados não foram encontradas referências à participação dos militantes
em manifestações, protestos, etc. A alusão mais contundente diz respeito à iniciativa de
romper com o PCB, organizar a “Dissidência” e constituir o POC.
Os “gostos culturais” são restabelecidos como forma de justificação dos
posicionamentos assumidos nas disputas pelas modalidades eficazes de “luta” durante o
“regime militar”, de condução da “revolução socialista” e as “estratégias” e “táticas” mais
adequadas, assim se constituem como fundamentos do fator distintivo das tomadas de
posição adotadas. As passagens que seguem realçam os trunfos “intelectuais” dos
protagonistas e a ênfase no caráter “teórico” ou “propagandista” das intervenções
partidárias em detrimento das “ações armadas” em pauta naquele momento:
“O POC não era um partido que tivesse se encaminhando pra esse lado da luta armada, era
mais propagandista, tinha boas teses, escrevia belos documentos, fazia brilhantes análises
do país, do que tava acontecendo, mas não tava inclinado à luta armada, essa é a verdade,
né, É claro que depois podem contar mil versões disso, mas era assim...” (Maria Regina
Pilla Vares)
51
Enio Squeff nasceu em Porto Alegre (RS) e vive em São Paulo há mais de trinta anos. É jornalista, pintor e
crítico de música e artes plásticas. Ele próprio é artista plástico e autor de vários livros como: “Vila
Madalena: crônica e história sentimental”; “O nacional e o popular na música (em co-autoria com José
Miguel Wisnik), A música na Revolução Francesa e A origem dos nomes dos municípios de São Paulo”. Foi
editor da página de arte do jornal “O Estado de São Paulo” e editorialista do jornal “A Folha de São Paulo”.
Fontes: sites www.amigosdolivro.com.br
e www.squeff.com
202
“nós tínhamos sim uma carga intelectual. E eu não acho isso nenhuma vergonha... Acho
uma qualidade que a gente tinha. Foi muito importante a nossa posição... O Lula até hoje
goza com a gente: ‘ah não, vocês são os intelectuais...’” (Luiz Paulo Pilla Vares).
“a solidificação da POLOP, caras muito importantes, intelectualmente muito influentes né,
construíram um grupo e que era um grupo sofisticado, que eu digo, porque era um grupo
doutrinariamente anti-stalinista, que já era um grande progresso, e era também anti-
trotskista. (...) Esse é um enorme patrimônio, porque muitos de nossos companheiros de
geração faziam opções mais radicais, rompiam com o PC, iam pra grupos mais
vanguardistas, de ação direta e tal, mas digamos o edifício teórico deles era meio remendo.
Um fio que une assim o fato de que nós tenhamos escolhido a POLOP e não outro grupo, e
por outro lado, sejamos também tido naquele momento uma certa liderança, com um certo
nível intelectual, né?!”. (entrevista com Flávio Koutzii).
O Partido Operário Comunista foi constituído, então, por volta de 1966 a
partir da fusão entre uma dissidência da Organização Revolucionária Marxista-Política
Operária (a ORM-POLOP) e a “dissidência do PCB” gaúcho (a “Dissidência Leninista do
Rio Grande do Sul”). Por isso o POC, no Rio Grande do Sul, teve muita força durante um
determinado período. A passagem abaixo foi extraída do “documento” de junho de 1968
intitulado “Por uma prática partidária”, produzido com base na “resolução do Comitê
Nacional”:
“2 – Nunca demos ouvidos àqueles (a maioria) que, em nome de uma prática qualquer,
investiam contra o esclarecimento das posições teóricas, ou contra as próprias posições
teóricas, o famoso ‘não basta ter razão..’ que, lançado em nome de uma prática duvidosa,
mal escondia o oportunismo dos que escolhiam um caminho irracional (do ponto de vista
marxista) ou acabavam não tendo prática nenhuma. Sabemos que uma premissa mínima
para uma atividade revolucionária é ‘ter razão’ e isto só pode ser obtido através da
aplicação consciente do marxismo-leninismo. Mas sabemos também que isto só representa
uma face da moeda. A linha proletária não se limita à elaboração de posições
revolucionárias, dela faz parte inseparável a colocação em prática das premissas teóricas. E
neste aspecto estamos atrasados” (Apud Aarão Reis Filho e Ferreira de Sá, 1985:181).
Em texto sobre o POC publicado no jornal “Em Tempo” dentro da série
sobre a “história das esquerdas no Brasil”, Marco Aurélio Garcia sublinhou que, apesar de
apresentar-se como o Partido Operário Comunista, não conseguiu “conduzir ou capitalizar
as explosões operárias e populares” que ocorreram no centro do país, simbolizada nas
“greves de Osasco e Contagem e pela manifestação do primeiro de maio em São Paulo”.
Nas suas palavras:
203
“a exigüidade do projeto do POC, apesar dos 700 a 800 militantes que teve em sete estados
do País no período 68/69, somado a inconsistência de sua formulação tática e,
especialmente, a incapacidade que evidenciava de construir uma base operária, contribuiu
para que um malestar se produzisse no interior de suas fileiras. Ao lado de um setor mais
conservador, que não consegue opor aos desafios da realidade outra coisa que teses
estratégicas, se constituiu uma corrente que vê no ‘enfretamento das tarefas militares’ a
solução para os impasses que começavam a manifestar-se” (“Em Tempo”, outubro de
1979:13).
Segundo Marco Aurélio, o final de 1969 seria marcado pela constituição de
duas tendências internas à “organização”, uma que defendia o “recuo em direção a um
trabalho operário de base” e outra a favor de uma “linha sindical” que a aproximava da
“organização” VAR-Palmares. O resultado disso teria sido um racha que levou uma parte
dos ativistas para a reconstituição da POLOP e a parte restante não teria conseguido uma
coesão suficiente para dar continuidade à organização o que conduziu à constituição, em
Paris, da tendência “Combate do POC”, vinculada à IV Internacional. As lideranças
gaúchas mencionadas que estiveram em Paris foram o próprio Marco Aurélio, Flávio
Koutzii e Maria Regina Pilla. Além desses, saíram do RS no mesmo período, Luiz Paulo
Pilla Vares, Sônia Pilla e Fábio Oscar Marenco dos Santos.
Este último foi referido por alguns entrevistados como um “homem do
partido”, “homem da organização”, para as “questões internas”. Ele chegou a se constituir
numa espécie de mediador da “Dissidência Marxista-Leninistas” do PCB com algumas
estudantes secundaristas, de perfil mais “ativista” e menos “intelectualizado” (tratados na
próxima seção) que se desvincularam da mesma porque desejavam “encaminhar
diretamente a luta armada”. Em 1970, Fábio Marenco teria participado de uma “ação” em
São Paulo (assalto ao banco Itaú-América) e, no mesmo ano, saiu para o exílio no Chile.
Além disso, mais tarde foi constituir a dissidência do POC que “reorganizou” a
Organização Revolucionária Marxista (ORM), ou POLOP, chegando a fazer parte do seu
“Comitê Central” (1979 a 1985). Quando faleceu, em 1995, residia em Curitiba.
Com perfil díspar, Marco Aurélio Garcia combinou uma trajetória
acadêmica com a ocupação de altos cargos e conquistou o reconhecimento como um dos
principais “intelectuais” do Partido dos Trabalhadores. Formou-se em direito e filosofia
pela UFRGS, com Pós-Graduação na França pela EHESS. Quando esteve no Chile, nos
anos 70, atuou como professor de História da Faculdade Latino-Americana de Ciências
Sociais. Em Paris, além da articulação do POC e dos vínculos com a IV Internacional,
204
manteve laços com a universidade. No Brasil, foi durante 10 anos Secretário de Relações
Internacionais do PT, Secretário de Cultura nos Município de Campinas e São Paulo,
coordenou o programa de governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva nas eleições de
1994 e 98, é professor licenciado do Departamento de História da Unicamp e, de desde
janeiro de 2003 é Assessor especial de Política Externa da Presidência da República.
No período compreendido entre a constituição da “dissidência” e a fundação
do POC, outros militantes adquiriram destaque, entre eles Luiz Coronel (ver capítulo
anterior) e Raul Pont.
Durante o tempo em que aqueles “dirigentes” (Koutzii, Marco Aurélio e
Pilla Vares) se afastaram do cenário gaúcho (anos setenta), é, contudo em torno da
liderança de Raul Pont que o POC e posteriormente a Tendência Socialista vão gravitar. A
atuação do mesmo no “grupo da economia” e a inserção no IEPES e no Setor Jovem
tornaram-se trunfos relevantes para a conquista de espaços no âmbito institucional e na
construção do PT local.
Raul Pont assumiu, então, a manutenção dos vínculos inaugurais, inscreveu-
se na mesma “genealogia” dos “fundadores do POC” e se apresenta como o elo entre a
“geração” dos anos sessenta e a “geração” estreante nos setenta:
“essa turma nova da economia não tinham passado por essa experiência, bem, nós
mantínhamos uma ligação com o pessoal que militou conosco e que tava fora, tipo o
Koutzii que tava fora do Brasil, tava exilado na Argentina, o Marco Aurélio Garcia, o Emir
Sader, o Éder que faleceu... Porque todos nós tínhamos sido do POC, o Partido Operário
Comunista nos anos 60, a maioria saíram pro exílio, muitos foram presos... bem, nos
conhecíamos pessoalmente, tínhamos uma confiança grande uns nos outros, sabíamos que
estávamos no mesmo barco ainda que estávamos separados né, temporariamente por razões
da repressão. Então a gente mantinha o contato, procurava saber o quê que um tava
fazendo, o quê que os outros tavam pensando, e isto havia uma interação, uma influência
grande. E aqui a gente tinha um pequeno grupo que, ‘olha, vamo resistir, vamo juntar os
pedaços, juntar o que sobrou’. Então essas pessoas que a gente começava a atrair prum
espaço em que... todo mundo não queria se meter abertamente num negócio complicado,
numa organização clandestina que sabia que a repressão, que as conseqüências poderiam
ser duras”. (Entrevista com Raul Pont)
Idéia esta reforçada, inclusive, nos empreendimentos de inserção e trânsito
em diferentes domínios, possibilitado pela detenção de trunfos calcados na administração
de laços de relações com agentes provenientes de diversos meios.
205
Raul Pont, que freqüentava as faculdades de economia e história da UFRGS,
investia nas intervenções no meio estudantil mediante a mobilização de um “grupo de
pessoas” dedicadas à disputa de espaços no âmbito universitário e que acabaram o
acompanhando nos deslocamentos posteriores.
“eu tava num grupo com outras pessoas que já vínhamos com algum grau de sintonia, de
organização da universidade, mas que isso não era... não se expressava publicamente até
por questão de segurança né, nós tínhamos um pequeno grupinho que atuava na
universidade, que agia nos centros acadêmicos, ajudava né, lá na filosofia, na economia, na
arquitetura, na agronomia, um grupo de que tinha lá uma tendência estudantil, uma corrente
no meio dos estudantes, que se chamava ‘Nova Proposta’ na época e que era um pequeno
grupo e que tinha reuniões, digamos, reservadas, discretas. Nós tínhamos uma pequena
coordenação, uma direção, discutíamos o que íamos fazer e além do trabalho na
universidade decidimos trabalhar no IEPES”. (entrevista com Raul Pont).
No movimento estudantil, Raul Pont foi um dos principais organizadores do
Movimento Universidade Crítica (MUC) que teria sido “o braço dentro da universidade do
POC” e também da “corrente estudantil” “Nova Proposta”. O mesmo se apresentou como
uma chapa para disputar as eleições do Diretório Central dos Estudantes da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, que seria constituída basicamente de “novos militantes”,
isto é, estudantes universitários sem identificações políticas prévias, à exceção de Pont.
Uma das principais lideranças estudantis na primeira metade dos anos setenta demarca o
que seriam as principais características do “grupo”, ressaltando a busca pela “construção
de um projeto revolucionário”:
“(...) um grupo muito diversificado, onde se lia tudo, não tinha nada pré-amarrado assim:
‘olha, a nossa linha é essa’, não, não tinha, a nossa leitura era uma leitura variada (...). Nós
produzíamos a nossa linha, nós não tínhamos nenhuma filiação, relação com outros grupos
no país, uma ressalva que pode ser feito disso que, por exemplo, o mais antigo no nosso
grupo era o Raul. (...) O nosso projeto era construir uma organização revolucionária, esse
era o nosso projeto, a nossa leitura a gente ia lá buscar em Lênin, e essa turma toda aí, lá
nos clássicos, mas não tinha nenhuma filiação a organizações e partidos existentes, mas o
projeto era construir uma organização revolucionária”. (Entrevista com Paulo D’Ávila).
Nos anos setenta, divergências entre os militantes da “Nova Proposta”
teriam resultado na sua divisão nas correntes chamadas “Peleia” e “Manifesto”, sendo que
os membros da primeira mantiveram-se ligados à liderança de Raul Pont e vão acabar
constituindo a “Tendência Socialista” no MDB e, mais tarde, a Democracia Socialista no
206
PT. As entrevistas com militantes desse período sublinharam a “organicidade” e
“capacidade de mobilização” do grupo “NP”, que teria se refletido na conquista de
diretórios acadêmicos e do DCE, em maio de 1976, com Renato de Oliveira (então
estudante de ciências sociais, que nos últimos anos ocupou a presidência da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul e a Secretaria de Ciência e Tecnologia no Rio
Grande do Sul do governo Olívio Dutra).
Na passagem abaixo, Paulo D’Ávila aponta alguns parâmetros que
pautavam a atuação daqueles estudantes dentro da universidade e a perspectiva de
ultrapassar a inserção naquele domínio:
“Então nós tínhamos todo um repertório pra questão da universidade, que era a crítica, nós
tínhamos que discutir a ideologia que tinha na universidade, a universidade nós tínhamos
que pegar ela e analisá-la criticamente. (...) Qual era a percepção que nós tínhamos: que o
ambiente da universidade era muito restrito, que nós tínhamos que dar o passo da
universidade e ir pra fora da universidade, esse era o nosso projeto. (...) Nós já tínhamos
essa organização dentro da universidade, dentro do movimento estudantil e nós começamos
a atuar fora, fora do movimento estudantil, buscando espaços de intervenção. (...) Quando
dá essa passagem de sair do ambiente do movimento estudantil e buscar espaço lá fora,
quem vai fazer essa ponte é o nosso grupo, aí tem que começar a fazer outra relação, dentro
MDB”. (Entrevista com Paulo D’Ávila).
Além, então, da atuação no meio estudantil, alguns componentes do “grupo”
entraram no Instituto de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais (IEPES) visando,
conforme enfatizado nos relatos, extrapolar e acumular “espaços de intervenção”. Tal
decisão é corroborada por Pont que, neste caso, realça alguns atributos – com especial
ênfase na relação com a “geração” dos anos sessenta – que teriam interferido no convite
feito por André Forster para que participassem do IEPES no MDB:
“Nós tínhamos uma militância no centro acadêmico né, e eu também tinha contatos e
trabalhava lá na filosofia, porque eu também tava terminando o meu curso de História que
eu não tinha terminado nenhum dos dois cursos. E conhecia praticamente todo mundo da
geração de 64, 65, 66, 67, 68, quer dizer, eu era meio... era alguém que tinha memória desse
período. Então o André nos convidou pra se engajar nessa idéia, nessa proposta. Como a
gente precisava de uma espécie de guarda-chuva protetor, digamos, de ter um local seguro
pra reunir, protegido, um negócio que não ia, não era nenhuma reunião clandestina,
fechada, era dentro do poder legislativo, na época (...) Começamos a participar disso e por
razões diferentes, o André porque queria fortalecer o MDB, digamos, de criar um núcleo
mais à esquerda do MDB, que trabalhasse com ele ou viesse a reforçar, ou viesse criar
condições melhores pro trabalho deles, né, ou atrair gente nova pro MDB. Nós porque
tínhamos outros interesses, queríamos uma proteção, queríamos uma estrutura pra poder
207
atuar, e outras pessoas que não tinham muita definição, tavam aí dispostas a fazer alguma
coisa.” (Entrevista com Raul Pont).
As aproximações proporcionadas pelo IEPES se refletem na entrada do
“grupo” no Setor Jovem Metropolitano, apresentada segundo a mesma lógica de “ocupação
de espaços”, contudo com a possibilidade de disputar, e não somente debater, a orientação
do MDB no encaminhamento da “luta contra o regime”.
Já na segunda metade dos anos setenta, outra liderança adquiriu notoriedade
a partir da suas intervenções vinculadas ao “grupo” liderado por Raul Pont. Tratava-se de
José Carlos de Oliveira que, com a entrada daqueles militantes no Setor Jovem
Metropolitano (SJM), ocupou o posto de Secretário Geral, quando Marcos Klassmann era
o presidente. O desdobramento das relações então estabelecidas e a perspectiva de inserção
e afirmação dos agentes foi o “encampamento” da candidatura de Klassmann à vereança
em 1976 em aliança com diferentes “forças políticas da juventude emedebista”.
Assim, enquanto no IEPES a liderança reconhecida era a de Raul Pont (o
mais “apto”, tendo em vista as “características” dos componentes do instituto), no SJM ela
foi atribuída ao “jovem” José Carlos de Oliveira, o “Zezinho”, que acabou se constituiu no
mediador do “grupo” com as demais “lideranças jovens” e até mesmo com alguns
parlamentares do MDB. Filho de um deputado estadual por mais de uma legislatura e ex-
prefeito de São Luiz Gonzaga (Jauri de Oliveira), José Carlos de Oliveira, em Porto
Alegre, teria trabalhado nos gabinetes dos deputados Porfírio Peixoto e Américo Coppeti e
contava com o “abonamento” da sua “ficha” partidária pelo senador Paulo Brossard.
Quando Marcos Klassmann sai do SJM para candidatar-se à vereança em
1976, José Carlos de Oliveira assumiu o posto de presidente da “juventude emedebista” e,
nesta condição, participou das articulações para a formação de uma Tendência Socialista
do MDB. Com base nos relatos, podem-se elencar alguns fatores que teriam convergido
para o amadurecimento desta iniciativa.
Um deles seria a percepção surgida das avaliações sobre o resultado das
eleições de 1976. A vitória de vários candidatos “jovens” revelava a existência de
condições propícias para a recepção do “projeto” encarnado pelo “grupo”. Outro seria a
“tentativa de golpe”, dentro do SJM, para de “derrubar” José Carlos de Oliveira, que
208
indicava a necessidade de delimitar outro espaço para potencializar o alcance das suas
“iniciativas políticas”. Soma-se a estes, o fato de, por um lado, a maioria dos militantes já
não se considerava tão “jovens” a ponto de continuar atuando no “setor” e no movimento
estudantil, por outro lado, vislumbrava-se a possibilidade para a formação de um
agrupamento a partir dos debates que se multiplicavam sobre a criação de novos partidos.
Concomitantemente à organização da Tendência Socialista no Rio Grande
do Sul, se deu a participação de Raul Pont no Conselho editorial do jornal Em Tempo de
São Paulo. A atuação neste veículo adviria das relações estabelecidas em Campinas com
mineiros (que, como ele, estavam fazendo o mestrado na UNICAMP) e que haviam
composto a sucursal do jornal Movimento. Além disso, havia as ligações entre as
“correntes estudantis “Peleia” da UFRGS e “Centelha” da UFMG, os primeiros vinculados
à Tendência Socialista e os demais a este “pessoal da sucursal”: “então começamos a
aglutinar isso em torno do Em tempo (...) tinha uma outra turma em São Paulo aí, os
contatos com o pessoal que eu conhecia” (entrevista com Raul Pont).
A proposta de organização da TS, assim, ganhou evidência em 1977, já com
o lançamento da candidatura de Américo Copetti para o senado em 1978, na verdade como
uma “anticandidatura” frente ao “candidato oficial do partido”, Pedro Simon, objetivando
“propagandear as idéias socialistas” (jornal Movimento, 5/02/77, p.3). Em maio de 1977,
no boletim informativo do SJM foi publicado o posicionamento de Copetti e João Gilberto
Lucas Coelho sobre a criação de uma “tendência socialista” no interior do MDB. O título
do depoimento do primeiro era: “somente o socialismo é plenamente democrático”, e do
segundo: “João Gilberto quer uma solução socialista para o Brasil” (Luta Contínua, nº 4).
Fragmentos destes depoimentos foram utilizados em matérias do jornal Movimento,
dedicadas ao debate que ocuparia o centro das atenções das “correntes autênticas do
MDB”. E, ainda, os posicionamentos da liderança sindical em ascensão (“Lula”),
adquiriam acolhida pelas “lideranças socialistas gaúchas” que demarcavam seu espaço
distanciando-se da “tradição trabalhista” presente no Rio Grande do Sul.
209
Fonte: Em tempo, novembro de 1978, p.02
Em julho de 1978, o SJM lançou um “Projeto de Construção e Programa
para a Tendência Socialista, que se dividia em quatro itens: “I) condições estruturais do
país, II) a conjuntura política atual, III) a construção da TS, IV) plataformas de lutas da TS.
Em setembro deste mesmo ano circulou o primeiro boletim informativo da TS e um
documento sobre as “Proposições Básicas para a construção de um partido socialista,
democrático e popular” que se constitui “em uma síntese elaborada pelos núcleos de
socialistas que em São Paulo estão debatendo e propondo a criação de um PS no Brasil”.
Em outubro de 1978, o SJM promoveu o “Comício da oposição popular”. Segundo matéria
publicada no jornal Em Tempo, este “foi considerado por todos os oradores o mais
significativo comício realizado na cidade desde 66”. Os oradores eram José Carlos Oliveira
(apresentado como presidente do SJM e membro da TS), Américo Coppeti (então deputado
estadual e vinculado à TS), Roque Steffen, André Forster, Porfírio Peixoto, Lélio Souza,
Fernando do Canto, além de Pedro Simon e Paulo Brossard (Em Tempo, 6/8/78:02). No
210
dia 22 do corrente realizou-se em Porto Alegre a convenção estadual de fundação da
Tendência Socialista.
Como “tendência oficial” do MDB, o “grupo” se engajou na campanha
eleitoral de 1978. Américo Copetti
52
concorreu à reeleição como o candidato da TS,
disputando a preferência dos “esquerdistas gaúchos” com André Forster, apoiado pelo
“pessoal de Santa Maria” liderados por Adelmo e Tarso Genro (que também participavam
do movimento pela não demarcação de “tendências internas ao MDB” sob pena de
enfraquecê-lo como “frente democrática”) e de alguns “jovens trabalhistas”
(principalmente aqueles originários do “grupo” constituído no colégio Júlio de Castilhos
chamado de “Brancaleones”). Sobre os “projetos de sociedade” em pauta, o primeiro
defendia a condução “imediata para o socialismo”, ao passo que o último sustentava o
cumprimento da “etapa democrática”.
Apesar de já ser deputado, a identificação de Coppeti seria, pois, fundada na
sua auto-definição como socialista. Entre os candidatos tidos como “mais à esquerda do
MDB gaúcho”, Coppeti foi o único que alcança uma cadeira na Assembléia Legislativa,
sua votação foi de 16.630 votos. Os outros dois candidatos identificados com a “esquerda”
do MDB obtiveram expressivas votações: André Forster (16334 votos) e Roque Steffen
(8844 votos).
As divisões nessa campanha não impediram que os militantes viessem a
atuar em consonância em 1979 com a organização de uma chapa para concorrer ao
diretório municipal do MDB. O “eixo programático central” da “Frente das Oposições pela
Organização dos Trabalhadores” era:
“a combinação da unidade de todas as oposições no combate à ditadura militar e a defesa de
organização independente dos trabalhadores e setores populares. Desta forma, nosso
programa assume bandeiras de luta que hoje unificam as oposições ao regime militar e a
defesa da organização autônoma dos trabalhadores e setores populares tanto no plano
político como no plano social”.
52
Américo Copetti é advogado e bancário (funcionário do Banco do Brasil) tendo sido líder sindical desta
categoria. Foi duas vezes vereador em Novo Hamburgo (região metropolitana de Porto Alegre) e disputou a
prefeitura deste município em 1972. Eleito deputado estadual em 1974, reelegeu-se em 1978, sendo o
candidato oficial da Tendência Socialista do MDB no RS. Concorreu novamente à deputado estadual pelo
PDT em 1982 e não conseguiu se eleger. Em 1990 é candidato à suplente de senador pelo PDT.
211
O Documento é assinado por José Carlos de Oliveira, André Forster, Firmo
Rodrigues da Trindade e João Carlos Brum Torres e, nos nomes apresentados para compor
o “diretório metropolitano”, os “delegados à convenção regional” e os “suplentes’,
predominam os militantes que foram constituir o PT logo no início da reorganização
partidária, seguidos pelos que fizeram esta adesão nos anos oitenta e, em menor freqüência,
aqueles que compuseram de imediato o PMDB como, por exemplo, André Forster, João
Carlos Brum Torres, Pedro Bisch Neto e Cristiano Tatch. Cabe ainda mencionar que não
foram localizados na lista militantes que aderiram ao PDT no pluripartidarismo,
principalmente aqueles identificados com Dilma Roussef e Carlos Araújo como, por
exemplo, Marcos Klassmann, Calino Pacheco e Carlos Alberto De Ré, que também
atuaram no SJM no mesmo período. Talvez devido ao fato de que a chapa opositora fosse a
“trabalhista”.
Como se tem observado nas descrições feitas não há uma continuidade no
tempo de perfis, redes de relações, prioridades de investimentos e lógicas de intervenção
dos agentes. No caso aqui examinado, tal dinâmica de redefinição constante desses termos
incide então nas aproximações e distanciamentos que se dão em nome de “afinidades” ou
“discordâncias” diversas e se cristalizaram nas diferentes “tendências” que os militantes
constituíram no interior do PT, ainda que algumas com relativas “consonâncias” entre si
(como é o caso daquela liderada por Flávio Koutzii, a “Esquerda Democrática”, e a
comandada por Raul Pont, a Democracia Socialista). Contudo, é possível constatar a
necessidade de um trabalho incessante por parte de alguns agentes de construção de
coerências e de inscrição em genealogias “organizacionais” como trunfo contundente de
sua identificação como detentores de uma “biografia” de militância legítima.
As últimas considerações referem-se a principal liderança apresentada aqui
a partir dos anos setenta, Raul Pont, que também acabou se constituindo em porta-voz de
uma das questões mais salientadas pelos militantes e que já foi apresentada no
encerramento das seções anteriores: trata-se da idéia de “participação popular” e a
construção do “Orçamento Participativo”. Para este caso, colaboraram as duas
participações de Pont em prefeituras petistas (1993-1996; 1996-2000) como vice-prefeito e
prefeito e a dedicação à elaboração de textos como artigos em jornais e livros. Sua reflexão
sobre a dita “experiência de Porto Alegre” se faz indiscernivelmente a partir do
reconhecimento da sua “formação intelectual” entre os seguidores e mediante a associação
212
que constrói por meio da gestão como prefeito. Entre os livros por ele publicados sobre o
tema, pode-se citar “Democracia, Participação e Cidadania – Uma visão de esquerda” e
“Democracia, Igualdade e Qualidade de Vida – Experiência de Porto Alegre”.
3.4 – “Ativismo”, socialismo e ocupação de cargos:
uma seqüência de posicionamentos a partir do “Incrível Exército Brancaleone”
“Os cinemas tinham um papel muito importante em nossas vidas. Quando a militância nos
permitia, vivíamos enfiados assistindo a filmes. Foi no cinema Moinhos de Ventos que
assistimos ao filme ‘O Incrível Exército Brancaleone’ de Mário Monicelli. Estávamos Nice,
Ico, Suzana, Nilton e Cylene e eu. O filme é uma sátira ambientada na época medieval e
conta as desventuras de um cavaleiro desastrado, Brancaleone de Norcia, que vai atrás de
um reino com grupo de malucos e andrajosos. Como acontecia normalmente, nos
encontrávamos com boa parte da esquerda nos cinemas, principalmente nos lançamentos.
Encontramos, na saída, com Koutzii e a Sônia. O certo é que a Dissidência, futuro POC,
passou a denominar-nos o Exército Brancaleones. No início, ficamos furiosos e
comparamos o Koutzii ao Abacuc, personagem do filme que, quando apareciam situações
perigosas, se escondia num baú com rodinhas, que puxava com uma corda. Depois, até
gostamos do apelido e a letra e música do filme, ‘branca...branca...branca,
leon...leon...leon’, se transformaram em nosso grito de guerra”. (Gutierrez, 1999:79).
A passagem acima explicita de forma exemplar um dos elementos
primordiais da identificação de um conjunto de militantes tratados nesta seção que
percorreram trajetos em organizações e posicionamentos semelhantes. Trata-se de uma
disposição para o “ativismo” e para as “ações armadas” que se sobrepõe aos demais trunfos
de afirmação. Assim, indica igualmente uma das distinções consagradas nos
enfrentamentos “intra-esquerdistas” dos anos sessenta e início dos setenta no que tange às
estratégias de “combate” mais eficazes contra a “ditadura”. Pode-se chamar, sem nenhum
conteúdo pejorativo, de “intelectualismo” ou de “ativismo” o conjunto de práticas e
discursos centrados, respectivamente, na “elaboração intelectual”, produção de
“documentos” e “análises”, variadas formas de “conscientização”, defesa de diferenciadas
formas de “expressão cultural” como instrumento de protesto, etc.; em contraposição
aqueles conduzidos para a pronta articulação de “ações armadas”, defesa do “foquismo”,
formas variadas de “guerrilha urbana”, etc. Em alguns dos movimentos e empreendimentos
213
descritos nos tópicos precedentes, observou-se mais claramente a ênfase dos primeiros
“parâmetros”, ao passo que neste item, o itinerário coletivo dos chamados “Brancaleones”
é marcado pelos últimos. E ainda, assim como nos casos anteriores, tais aspectos se
relacionam com dados de origem social, de investimentos escolares e círculos de
relacionamentos que, por conseguinte, implicam nos destinos profissionais e partidários
dos agentes.
Alguns elementos gerais sobre os militantes ora tratados podem ser desde já
realçados. Em primeiro lugar, a maioria deles possui uma origem social relativamente
baixa, com pais operários, ferroviários, pequenos comerciantes, com inserção sindical e
baixa escolaridade. Além disso, comparativamente aos demais militantes analisados
anteriormente, estes tendem a possuir menor escolarização ou titulação superior
conquistada mais tardiamente (pós-regime militar). No que diz respeito às condições de
ingresso na “militância”, apresentam como característica particular a vinculação original
ao PCB (inclusive herdada no meio familiar) e o início da atuação no movimento estudantil
secundarista. No que se refere à passagem por diferentes “organizações”, a maior parte
seguiu um trajeto comum, com destaque às vinculações ao PCB, “Brancaleones”, VAR-
Palmares, MDB, PDT e PT.
Capa do livro lançado em 1999.
214
Na reunião original dos militantes, Luiz Eurico Tejera Lisboa foi o principal
“articulador” (no fragmento introdutório é citado pelo apelido: Ico). Ele estudava no
colégio Júlio de Castilhos
53
, havia pertencido à Juventude Estudantil Católica e atuava no
PCB quando, em 1965, conheceu Cláudio Gutierrez que fora estudar no mesmo colégio.
Ambos passaram a militar juntos e eram as principais lideranças daquela “base
secundarista do PCB”, partido que disputava a “hegemonia no Julinho” (considerado um
“centro de efervescência do movimento estudantil secundarista”) com a AP, liderada então
por José Loguércio.
Referindo-se ao ano de 1966, Gutierrez grifa: “a base do Julinho funcionava
como uma célula comunista em qualquer lugar do mundo, segundo o figurino do ‘partido
de novo tipo’ idealizado por Vladimir Lênin no início do século” (1990:30).
Ao mesmo tempo, outros militantes, localizados em diferentes municípios
do estado, seguiam mais ou menos as mesmas “diretrizes” o que, inclusive, favorecia o
encontro entre eles. Em Cachoeira do Sul, Calino Pacheco e Ubiratan de Souza haviam
inaugurado sua atuação no movimento estudantil secundarista pós-1964 e concorreram na
mesma “chapa” ao “Grêmio” da escola que freqüentavam. Ubiratan, na passagem abaixo,
sublinha o contato inicial com os “Brancaleones” e com “velhos comunistas”, bem como
busca demonstrar sua “politização” precoce via o acesso a uma “literatura” condizente com
suas perspectivas de “militância”:
“o nosso o primeiro contato nosso lá de Cachoeira é com o pessoal dos Brancaleones, e
também com o pessoal do Partido Comunista apesar que eram mais velhos que a gente, não
era a mesma geração. Então já em Cachoeira a gente já tinha uma politização, já tínhamos
lido inclusive uma literatura, como ‘Os 10 dias que abalaram o mundo’ com John Reed, ‘A
história da riqueza do homem’ do Léo Huberman, já naquela época né, e depois os livros do
Che, “O diário da luta” do Che, ‘A guerra de guerrilhas’ aí também livros do Lênin, do
Stalin, do O que fazer”.
53
Esta instituição de ensino fora fundada por professor da Escola Militar do RS, deputado estadual e que
chegou a ser Secretário de Obras do RS, Capitão João José Pereira Parobé. Este tivera participação na
fundação da Escola de Engenharia em 1896 (gênese da UFRGS), da qual foi diretor por dezessete anos (ele
também fundou uma das escolas técnicas mais tradicionais de Porto Alegre) e isso indica o porquê do colégio
ter nascido como um Curso Preparatório para a Escola de Engenharia. Em 1900 passa a ser o Ginásio do Rio
Grande do Sul para, em 1908 tornar-se o Instituto Ginasial Júlio de Castilhos. Somente em 1979 o “Colégio
Júlio de Castilhos” foi instituído por decreto. Nas celebrações, geralmente de aniversário, é grifada a
“politização” dos seus alunos e as “personalidades”, principalmente políticas, que passaram pelo “Julinho”.
215
Em Santa Maria, os irmãos Carlos Alberto e César Augusto Tejera De Ré
também estrearam sua inserção nas “contestações estudantis” a partir do “tradicional”
colégio Manoel Ribas, onde ambos estudavam. Segundo seus depoimentos, foram
impulsionados fundamentalmente pela prisão do pai em 1964, ferroviário e líder sindical, e
pelo incentivo do primo Luiz Eurico Tejera de Ré. Carlos Alberto ressalta que este último
morou na casa da família por um tempo – “transferido pelo partido” para atuar na “base
estudantil” do município – e, nesta oportunidade, teria contribuído tanto na sua “formação
política” como no incentivo para que fosse estudar no “Julinho”:
“esse meu primo veio conversar comigo política, começou a me dar as primeiras noções de
política. Me recordo que meu irmão brincava dizendo: ‘isso não adianta, isso não dá nada,
foi alienado a vida inteira, só quer saber de burro e de carroça...’. Ele também me
aconselhou a estudar no Julinho. Diz ele: ‘olha, tem um exame muito rigoroso pra
entrar’...na época tinha um exame rigorosíssimo... ‘mas eu vou te dar o nome dum
professor (...) que ele vai te ajudar’. O ensino público era interessante. Os ‘cabeças’, as
pessoas ‘cabeças’ estudavam no colégio público, os colégios particulares tinham uma coisa
assim, o chamado ppp: pai pagou pra passar. Era uns ensinos fáceis de passar,
extremamente barbada e o difícil de passar, o ensino rigoroso, o ensino de qualidade era o
ensino público e dentro das escolas públicas o Júlio de Castilhos se destacava com
notoriedade”. (Entrevista com Carlos Alberto De Ré).
Para César Augusto De Ré, a interferência de Luiz Eurico foi um pouco
mais tardia, mas a inserção ocorreu anteriormente. Ele chegou a pertencer a AP e depois se
aproximou “do pessoal do PC do B onde o Tarso era uma das lideranças”. Somente com o
deslocamento para Porto Alegre, teria se “distanciado” daqueles e se aproximado, junto
com o primo, o irmão e outros amigos da “dissidência do PC” que se constituiu em 1967.
Assim como os “irmãos De Ré”, Ubiratan Souza e Calino Pacheco se
mudaram para Porto Alegre neste mesmo ano e afirmam que intensificaram suas
intervenções a partir desse deslocamento. O primeiro enfatiza que teria sido a
oportunidade de “aprofundar a militância aqui [em Porto Alegre] e a literatura também” e o
segundo aponta para os principais traços distintivos do “grupo” em formação e das
particularidades do movimento secundarista:
216
“O movimento estudantil rapidamente se radicaliza... esse pessoal do Julinho e de outros
colégios, mas que se reunia sempre no Julinho e tal, era o pessoal ultra esquerdista...
inclusive na verdade esse grupo vai praticamente formar um grupo a parte, né. Nos
apelidaram de ‘O grande exército de Brancaleones’ e nós gostávamos do apelido, aí tu
mistura algumas coisas como radicalização política, com juventude, uma porção de coisas e
tal e dá um caldo de cultura desse” (Entrevista com Calino Pacheco).
Vários eventos foram referidos como singulares no bojo das mobilizações
estudantis ocorridas durante o ano de 1967 e início de 68. Dentre as razões que teriam os
desencadeado são citadas: a morte do estudante Edson Luís no Rio de Janeiro e as
mobilizações que gerou; o acordo do MEC com a agência governamental norte-americana
USAID que vislumbraria uma reforma no ensino abandonando o “padrão europeu”
(estrutura educacional fundada no modelo “clássico” ou “científico”, ensino público
gratuito, etc.); as decisões do “governo militar” de reduzir os recursos para o ensino médio
e universitário; a falta de vagas para alunos que haviam passado no vestibular; a proibição
do funcionamento do DCE da UFRGS; no “Julinho” os alunos se insurgem “contra as
normas restritivas” impostas pela direção que proibira o uso de “cabelos compridos” para
os homens e de “minissaias” para as mulheres. Por conta dos protestos realizados, o
Grêmio do colégio fora fechado e os alunos decidiram reativá-lo “numa barraca na praça
em frente ao colégio (Gutierrez, 1999:32-34).
As “manifestações estudantis” repercutiram igualmente nas tomadas de
posição frente ao PC que, nessa conjuntura, não estaria correspondendo às aspirações e
inspirações revolucionárias dos adeptos. Como já foi aludido, O VI Congresso do partido
ocorrido nesse ano teria sido o marco do rompimento das “bases estudantis” que
constituíram “dissidências” em vários estados. César De Ré, que havia chegado naquele
mesmo ano em Porto Alegre com a família (os pais compraram um “comércio de
miudezas” na capital com a herança deixada por uma avó), frisou a sua colaboração para
que Luiz Eurico participasse do Congresso:
“embora eu nunca tivesse militado no PC, quando chego em Porto Alegre eu me aproximo
do pessoal da dissidência por influência do Eurico.. Eu ajudei, viajei pelo Rio Grande do
Sul retomando contatos pra ele poder ser eleito como delegado no congresso do PC . Eu
conhecia, fruto da relação com o meu pai e tal e coisa, velhos comunistas em Alegrete,
Santa Maria, etc.” (Entrevista com César Augusto De Ré)
217
Havia dissidentes universitários e secundaristas. Os primeiros (entre os
quais as principais lideranças eram Flávio Koutzii, Luiz Paulo Pilla Vares e Marco Aurélio
Garcia) assumiram ou afirmaram-se no comando da “Dissidência” (como pode ser
observado na seção anterior). Portanto, mais que uma ação de rompimento, a “dissidência
do PC” acabou afirmando-se mesmo como uma “organização”, ainda que provisória, a
ponto de produzir sua própria “dissidência” (por expulsão ou rompimento, conforme
diferentes versões). Nesta encontravam-se os “secundaristas”, particularmente os
“Brancaleones”, que acabaram sendo chamados “dissidentes” da “dissidência”, mas não
deixavam, obviamente, de serem “dissidentes” do PCB
54
.
Os motivos da divisão declarados foram a defesa da articulação imediata da
“guerrilha rural” ou do “foquismo” e a oposição dos “Brancaleones” à aproximação feita
com uma parcela de militantes “dissidentes” da POLOP (localizados basicamente em
Minas Gerais). Todavia, observa-se que sob as disputas mais “programáticas” havia
diferenças de disposições, de “gerações” e de redes de relações que se traduzia também em
“estilos de atuação” e em “rótulos”:
“Nós fomos expulsos da dissidência do Partido Comunista por sermos muito esquerdistas e
porra-loucas... enfim, por conta da pregação sistemática de se criar a estrutura para se
desenvolver a luta armada. Nós éramos extremamente foquistas” (Entrevista com César
Augusto De Ré).
“Enfrentávamos no debate o Fabinho [Fábio Marenco dos Santos] e o Wladimir Ungaretti,
que defendiam a linha da Dissidência e a aproximação com a POLOP. A verdade é que
nossas posições não seriam abaladas pelas intervenções – as amizades um pouco – por mais
articuladas e fundamentadas que fossem. Queríamos organizar o foco e éramos ampla
maioria, unidos por laços de idéias e, principalmente, de afetos”. (Gutierrez, 1999:56).
Um dos episódios que demonstraria a divergência de posicionamentos entre
as duas “alas” de “dissidentes” foi o assalto conduzido por Cláudio Gutierrez e Eurico
Tejera à casa de um coronel, pai de uma amiga (colega de militância e de escola). O militar
morava no mesmo prédio de Marcos Faerman (membro da “direção da Dissidência” e
posteriormente ligado ao POC) e no qual os pais de Luiz Eurico, o Ico, haviam comprado
um apartamento. Apesar da tentativa de impedimento por parte da “direção” (notadamente
de Faerman), levaram a cabo a “ação”, mas ficaram “decepcionados” com o resultado, pois
54
A “filiação original” ao PCB é fonte de disputas e perpetua-se nas genealogias produzidas acerca das
organizações e seus “troncos”. É assim ativada como critério de identificação à chamada “matriz”, assim
como ocorre com a AP já tratada anteriormente.
218
apenas conseguiram um armamento que era, de certo modo, obsoleto. Os dirigentes da
“Dissidência” teriam reagido negativamente à iniciativa, aconselhando-os que fossem para
São Paulo. Gutierrez narra a conversa com Flávio Koutzii depois do assalto:
“Fomos novamente procurados pela Dissidência. Flávio Koutzii, num Fuca branco que
tinha na época, nos fez uma longa preleção sobre a questão da luta armada e sobre a
responsabilidade do dirigente em um processo em que muitos jovens morreriam, como já
acontecia em outros países da América Latina. Sempre me lembrei desta conversa como
premonitória. O Flávio viveria, alguns anos depois, o drama argentino... A Dissidência nos
pedia que saíssemos da Cidade por um tempo. Ofereciam passagens e a casa de
companheiros em São Paulo, mas devíamos entregar as armas. Não entregamos as armas,
mas aceitamos a ida a São Paulo. Queríamos fazer contato com os grupos que estavam
organizando a guerrilha em São Paulo e no Rio ”. (Gutierrez, 1999:59).
Assim, Gutierrez e Eurico foram para São Paulo no início de 1968 e teriam
aproveitado para fazer “contatos” com integrantes de “organizações” de “luta armada”
como a VPR e ALN. Quando retornaram, tentaram, sem sucesso, articular um “foco de
guerrilha” na fazenda de amigos no Mato Grosso.
Em fevereiro de 1968, os “Brancaleones” participaram da direção da União
Gaúcha dos Estudantes Secundaristas (UGES) presidida por Luis Andréa Fávero, o que
lhes permitiu inscrever-se nas mobilizações estudantis “mundiais” ocorridas naquele ano e
reivindicar o “papel histórico” para a “juventude” e, por este intermédio, buscar o
reconhecimento do seu próprio “papel”. Abaixo, trechos da “Declaração de Princípios do
Movimento Secundarista” elaborada por Luiz Eurico, Nilton Rosa, Cláudio Gutierrez e
Luiz Andréa Fávero em ocasião do Congresso da UGES realizado em julho de 1968:
Das barricadas do Quartier, em Paris, às avenidas de Roma; de Ancara, na Turquia, à
Londres aristocrática; dos Estados Unidos capitalista à Iugoslávia socialista; de Tóquio, no
Oriente, a Berlim Ocidental; da China Popular ao Calabouço na Guanabara; de leste a
Oeste; dos países desenvolvidos aos povos oprimidos do Terceiro Mundo, a juventude
contemporânea alcança sua unidade política e sua expressão histórica na luta por uma
ordem socioeconômica mais humana, por uma mais eqüitativa distribuição de riquezas e
oportunidades, pela preservação da Democracia e da Paz...
DENUNCIAMOS a farsa demagógica das tiranias que oprimem, silenciam pela violência,
exploram, suprimem as Liberdades em nome dos interesses do povo, para melhor esmagá-
lo e sugar-lhe as últimas energias;
CONCLAMAMOS o sangue jovem da América Latina a se fazer presente na História,
unindo mais uma vez os povos irmãos deste Continente, na II Guerra da Independência;
PROCLAMAMOS que é tarefa desta geração construir dos Andes ao Atlântico, da
Patagônia às águas ensangüentadas do Rio Grande, uma América Livre, unida e do Povo.
(apud Gutierrez, 1999:71-72).
219
As atividades e eventos promovidos a partir da inserção na UGES durante o
ano de 1968 são vistas, em ocasião dos relatos oferecidos pelos agentes, como desprovidas
do impacto “revolucionário” almejado e ao movimento estudantil é imputado um
arrefecimento que instigava os militantes a buscarem formas mais contundentes de
atuação. Adiciona-se a isso que a promulgação do Ato Institucional número 5 no final do
ano, a um só golpe, ratificava o “fechamento político” do regime, com disponibilidade para
uso dos mecanismos necessários para manter-se, e reforçava, para alguns militantes, a
adoção da via clandestina e armada como única opção plausível e eficaz.
Para os “Brancaleones”, o ano de 1969 foi marcado por redefinições
“organizacionais” que resultaram na sua relativa dispersão, ao menos em termos de lugares
a partir dos quais desenvolviam suas intervenções:
“Nossa crise, a dos Brancaleones, era profunda. Sem capacidade operacional, sem inserção
política, inviabilizávamos-nos como organização. (...). O movimento estudantil em geral
estava em refluxo. Sobrevivíamos, como modernamente denominaríamos, como uma
‘tribo’, queríamos e compartilhávamos um mesmo conjunto de valores e símbolos. Numa
reunião, em abril, consolidamos nossa divisão”. (Gutierrez, 1999:87).
Sendo necessário frisar que, mesmo sendo eventualmente diversas, as
“organizações” as quais adentravam tinham sempre a característica de privilegiar as “ações
armadas” na “luta contra a ditadura”. A ALN, a VPR e a VAR-Palmares foram as
principais “organizações armadas” por eles eleitas e eram as que se destacavam
nacionalmente pelas “ações revolucionárias” que promoviam. Somente no tocante a 1969,
sobre a ALN pode-se referir os títulos de documentos produzidos: “‘Sobre os princípios e
as questões estratégicas’, ‘O minimanual do guerrilheiro urbano’, ‘As perspectivas da
revolução brasileira’, ‘Operações e táticas guerrilheiras’” (Aarão Reis Filho e Ferreira de
Sá, 1985: 207). A passagem abaixo se refere ao “documento”: “O papel da ação
revolucionária na organização”, de maio do mesmo ano, em que sintetizam os alvos da
“guerrilha urbana” e da “guerrilha rural”:
220
“Iniciamos a guerra revolucionária com a guerrilha urbana marchando lenta, mas
sistematicamente, atacando os interesses dos grandes capitalistas nacionais e estrangeiros,
levando a insegurança e a incerteza às classes dominantes, desgastando e desmoralizando
as forças militares dos gorilas.
Da área urbana passaremos à luta armada direta contra os latifundiários, através da
guerrilha rural. Da aliança armada de operários e camponeses com estudantes, através da
guerrilha móvel no campo, cruzando o interior do Brasil em todas as direções chegaremos
ao exército revolucionário de libertação nacional e ao confronto com o exército
convencional da ditadura militar” (Idem:220).
Sobre a VPR, Aarão Reis Filho e Ferreira de Sá (1985) apontam que esta
teria ficado “conhecida por uma série de ações de caráter espetacular”, destacando a
“expropriação de armas no quartel do 4° Regimento de Infantaria de São Paulo, quando o
capitão Lamarca abandonaria o exército”; a “expropriação da caixinha do ex-governador
Ademar de Barros”, em 1969; a configuração de um “campo de treinamento guerrilheiro
no Vale da Ribeira”; e a articulação dos “seqüestros do cônsul japonês em São Paulo
(março) e dos embaixadores alemão (com a ALN) e suíço (junho e dezembro), trocados
pelas vidas de 115 militantes presos”, em 1970, (1985:222-223). Vale ainda citar alguns
dos pontos do “documento”: “A vanguarda armada e as massas na primeira fase da
revolução”, de junho de 1969: “A relação massa-vanguarda armada na guerrilha rural”
(idem:229-230); “A relação massa-vanguarda armada na guerrilha tática” (idem 230-232);
e a “A relação massa-vanguarda armada na luta urbana”, que se desdobra nos subitens: “1
– A presença física junto às massas (enquadramento)”, “2- A presença política junto às
massas”; e “3 – A presença junto à vanguarda” (idem 232-244).
E, finalmente, no tocante à VAR-Palmares, no “Programa” de setembro de
1969 foram definidos os seguintes posicionamentos “revolucionários”:
“A Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares situa-se no quadro da esquerda
revolucionária no Brasil, quadro este condicionado pelo estágio atual do desenvolvimento
da luta de classes em nosso país, que não gerou ainda as condições para o surgimento do
Partido Revolucionário do Proletariado – que não se confunde com as organizações
burocráticas e desligadas das massas que se auto-intitulam partidos.
A Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares, como organização partidária político-
militar, constitui-se na vanguarda socialista que, orientada pela ciência e pelo método do
marxismo-leninismo, enriquecidos teórica e praticamente pelo movimento revolucionário
de todo mundo, propõe-se a lutar pela revolução proletária e pela implantação do
Socialismo no Brasil.
Compreendendo a atual correlação de forças e o impasse em que se encontram as massas e
a esquerda revolucionária frente ao imperialismo e à ditadura burguesa instalada no país, a
Var Palmares define como sua tarefa fundamental a organização, preparação e
221
desencadeamento da Guerra de Guerrilhas, combinando as formas regulares e irregulares de
luta”. (idem:275, grifos no original).
A conexão mais decisiva para os “Brancaleones” se deu a partir da liderança
de Carlos Araújo, um advogado trabalhista, com forte inserção sindical, que fora, desde a
década de cinqüenta, ligado ao PCB (assim como seu pai e irmãos que tinham a mesma
formação e atuação profissional e política). Com trânsito nacional significativo, ele reuniu
militantes provenientes de diferentes meios, sendo que a característica mais comum entre
eles era a detenção ou reivindicação de uma origem “operária” ou nas “classes
trabalhadoras”. Cabe notar que Araújo acabou promovendo a reunião dos “dissidentes”
secundaristas do PC com a outra parcela dos “dissidentes” da POLOP de Minas Gerais que
não participaram da fundação do POC (“organização” fundada pelos “dissidentes”
universitários do PC gaúcho com uma parcela de “dissidentes” da POLOP de Minas, ao
qual “os Brancaleones” teriam se oposto).
A POLOP era considerada uma “organização” em que predominavam
“jovens intelectuais dos meios universitários e jornalísticos” (Mattos, 2002:185) que teria
se dividido justamente pela dificuldade em conciliar uma “função de consciência crítica”
com a “urgência” que o “golpe militar” impôs de “passar à ação imediata” e à “admissão
do foco guerrilheiro como primeira tarefa política”, cujo desenlace foi a formação de
dissidências (Gorender, 1987:127). O Congresso de 1967 teria sido o marco da saída dos
“setores foquistas mais impacientes”, sendo que o restante dos seus membros teria, em
1968, se associado à “Dissidência Leninista” do Rio Grande do Sul para constituir o POC
que, para Gorender (idem:129): “apesar da sigla, a nova organização era pouco operária e
muito estudantil e intelectual. Retomou posições estritamente obreiristas, sem concretizar o
projeto de atuação efetiva dos trabalhadores”. Assim, a outra parcela significativa da
POLOP formou o Comando de Libertação Nacional (COLINA) que, em julho de 1969,
funde-se com integrantes da VPR para constituir a VAR- Palmares “em homenagem ao
maior quilombo da história da escravidão”, com Araújo pertencendo a sua direção.
Observa-se, pois, que o realinhamento entre as organizações obedecia a
certa afinidade entre os militantes tanto no tocante à disposição para a “ação” ou para
“elaboração”, que se traduzia na disputa pela maior ou menor “eficácia” na condução da
“luta revolucionária”, como no concernente aos meios sociais de proveniência (vindos de
222
meios universitários “intelectualizados” ou “operários”, “sindicais”, “nacionalistas”, etc.).
A indicação de Gorender (Idem) é de que a parcela da POLOP, tida como uma
“organização” composta por militantes “intelectualizados”, que se reuniu com membros da
VPR e O. para constituir a VAR-Palmares seria a menos afeita aos “apelos
intelectualistas”.
Este parece ser o caso dos militantes aqui analisados. A despeito disso, foi
possível detectar que tal aproximação colaborou nas tentativas de supressão de
determinadas carências “teóricas” e na justificação das mesmas, ainda em oposição aos
mais “privilegiados” ou “metidos a intelectuais”, como é possível exemplificar nas
passagens que seguem:
“A literatura marxista era escassa e de tradução e qualidades duvidosas... A primeira edição
do “O Capital” em português, um esforço da editora Civilização Brasileira, só seria
publicada em 1968. O Partido [PCB], porém, contava com parcelas significativas da
inteligência brasileira. Nosso mundo intelectual e acadêmico era bem mais reduzido. Não
existiam quase nas universidades brasileira cursos regulares e sistemáticos de mestrado e
doutorado. Apenas alguns privilegiados tinham oportunidade de estudar no exterior”.
(Gutierrez, 1999:37).
“Tu vê que não tinha literatura marxista no Brasil e a gente era comunista ideologicamente,
mas não tinha nenhum conhecimento teórico... A primeira tradução do Capital pro
português foi em três volumes, péssima, em 1963, tudo errado, e a primeira vez, não tinha
outras obras. Então como é que agente ia ser teórico se não tinha as obras básicas pra tu ler?
Podia até ter um intuitivo, mas teria que ter o mínimo de conhecimento, o mínimo. Então
nós questionava isso aí. Então o que aconteceu comigo, então quando eu vou preso eu dizia
na cadeia: ‘eu não sei nada...’. Aí tinha aqueles que eram metidos a intelectuais
começavam... não tinham lido merda nenhuma, mas se diziam intelectuais, entende? Já
tinham ido em vários cursos e vinha se dizer os bons. Mas aí quando fomos pra prática, na
área do conhecimento eles nunca tinham lido nada e não queriam exibir a fragilidade.
Como o nosso dever é exibir a fragilidade, a primeira coisa é dizer que não sabemos, a
primeira coisa: ‘não sabemos nada!”. (Entrevista com Carlos Araújo).
Sendo assim, a discussão “prática” x “teoria revolucionária” era fundante
das disputas e justificações das tomadas de posição dos militantes naquele período e
persistiu nas análises retrospectivas sobre os movimentos orquestrados naquelas
conjunturas e suas supostas motivações. Neste caso, a apresentação desses argumentos é
pertinente para atentar às possíveis relações entre os “discursos” e “práticas
revolucionárias” com os perfis dos militantes que as assumiam e aos possíveis efeitos disso
em termos de aglutinação dos mesmos em determinados espaços e redes de relações, bem
como sua tradução em termos de posição ocupada.
223
A chamada “frente” liderada pelo advogado trabalhista ficou conhecida
como “O.” (pronunciava-se: “Ó pontinho”) que seria a abreviação de “Organização”,
forma como Araújo acabou se referindo ao “grupo” por ele articulado e que ainda não
tinha um nome estabelecido. Abaixo, alguns trechos das entrevistas descrevem esse
encontro:
“um grupo de estudantes, trabalhadores, sindicalistas, e tinham um vínculo muito forte com
um advogado trabalhista na época que se chamava Carlos Araújo. Eles na época não tinham
um nome, mas ficou conhecido como O. eles tinham origem diversa da nossa, não tinham
nada a ver com o movimento estudantil. Eles começaram os vínculos nacionais com essas
organizações de luta armada que tavam em formação no centro do país”. (Entrevista com
Carlos Alberto De Ré).
“eu o Calino e outros companheiros que tinham ligação também com os Brancaleones ali...
entramos nessa dissidência que o Carlos Araújo tinha organizado aqui, que já tinha contato
com outras no Brasil e passamos a ter uma semi-legalidade. Ou seja, vivia legal ainda, mas
o movimento de trabalho operário clandestino, com nome já de guerra. Aí veio o processo
de formação da VAR-Palmares onde nós fizemos uma conferência aqui dessa organização
era O pontinho, não tinha nome ainda” (Entrevista com Ubiratan de Souza)
“Aqui tinha um grupo de esquerda, não tinha nome, inclusive a gente chamava de O.
(Organização pontinho)... a liderança era o Carlos Araújo... tinha um movimento, o Araújo
era advogado trabalhista, o pai do Araújo também tinha um escritório de advocacia
trabalhista e também era ligado ao partidão, e muito importante, alguns companheiros
inclusive vieram a se integrar na comissão de luta armada. Eu me liguei ao Araújo que
tinha ligações com o pessoal de Minas, da POLOP, principalmente a Dilma... que depois
formaram a VAR-Palmares”. (Entrevista com Calino Pacheco).
Araújo conheceu Dilma Roussef numa reunião da “O.” com dirigentes da
Colina e da VPR, com o objetivo de constituir uma “organização” maior e com mais força,
haja vista as “baixas” (por desistências, prisões, exílios, etc.) que sofriam e o constante
aumento e enrijecimento da “ofensiva militar”. Segundo Araújo, havia grande dificuldade
para constituir uma “organização” e mantê-la, ou seja, sustentar muitas pessoas na
clandestinidade com comida, moradia, remédios, etc. Assim, sem dinheiro e sendo cada
vez mais difíceis e freqüentes as “expropriações em bancos”, decidiram fazer “uma grande
ação e pegar o dinheiro para parar com isso”. Neste período, o sobrinho de Anna
Capriglione, amante de Adhemar de Barros, pertencia à “organização” e contou que a tia
teria dois cofres, um numa mansão em Santa Tereza e o outro num apartamento em
Copacabana, com valores de 2 ou 3 milhões de dólares acumulados do “jogo do bicho” que
depositava numa conta no exterior a cada 4 ou 5 meses. Decidiram, pois, organizar a
operação de assalto que ficou conhecido como o “caso” ou o “roubo do cofrinho do
Adhemar”.
224
Juntaram o dinheiro obtido a partir desta operação com o armamento
reunido por integrantes da VPR por meio de assaltos a quartéis em São Paulo e
constituíram, então, a VAR-Palmares. Contudo, logo surgiram outras divergências que
geraram o rompimento de militantes com a “organização” para fundarem novamente a
VPR e outros permaneceram na VAR-Palmares.
Uma série de possibilidades se abre assim para os “Brancaleones”. Além do
contato com a VAR-Palmares, promovida por uma das suas principais lideranças, que
constituiu tal organização como uma das vias de intervenção, os militantes já possuíam
outros contatos (inclusive fora do estado) em organizações como a ALN e VPR.
Luiz Eurico, no primeiro momento, aderiu a VAR-Palmares, entretanto
devido aos contatos com Frei Betto – que por várias vezes foi ao Rio Grande do Sul para
“organizar a ALN” e o “esquema de fronteira” para encaminhar militantes para o exílio, ou
para treinamentos de guerrilha em Cuba ou mesmo para contatos políticos (Gutierrez,
1999:88-90) – e os laços de amizade mantidos, logo em seguida assumiu sua
“aproximação” com a ALN, onde estavam Gutierrez e outros colegas contemporâneos de
“Julinho”. Em outubro de 1969, os dois amigos foram condenados pelo Superior Tribunal
Militar em Brasília por um processo referente ao Grêmio do Júlio de Castilhos. Este teria
sido a principal razão que levou Gutierrez para o exílio no Uruguai e Luiz Eurico manteve-
se no Brasil, militando clandestinamente na ALN.
Este último se deslocou para São Paulo e, depois, para Cuba a fim de fazer
“treinamento de guerrilha” com a esposa Suzana Lisboa. Em 1972 foi preso em São Paulo
e desapareceu desde então. A partir disso, Suzana Lisboa dedicou-se à “causa” dos “mortos
e desaparecidos” durante o regime militar, criando sites de internet, organizando livros,
eventos, espaços de consagração, reivindicando indenizações, enfim, uma série de
movimentos em nome da sentença dos culpados, da “memória dos mortos” e do
ressarcimento dos vivos, constituindo-se, assim, numa das principais porta-vozes das
“vítimas da ditadura”. Papel este que Gutierrez acabou assumindo também, contudo com
reconhecimento menor que o de Suzana, que conta com a inserção familiar de Eurico
(principalmente o irmão, um músico conhecido no Rio Grande do Sul pelo engajamento
em movimentos de “esquerda” e de ativação da memória dos militantes do período).
225
Ubiratan de Souza, que havia permanecido na VPR, foi também no final de
1969 fazer “treinamento” no Vale da Ribeira. Retornou para o Brasil em 1970 e foi preso
em São Paulo. Em dezembro do mesmo ano, Lamarca comandou o seqüestro do
embaixador suíço e Ubiratan entrou na lista dos setenta presos a serem trocados pela
autoridade. No início do ano de 1971, chegou ao Chile, morou em Cuba e na França,
mantendo sua militância. Voltou para o Brasil somente em 1979 com a anistia e ingressou
no PDT, assim como seus amigos “Brancaleones” e “remanescentes da VAR”.
Também no ano de 1969, em Porto Alegre, Carlos Alberto De Ré, militante
da VAR-Palmares, foi preso e acabou ficando quase três anos na “Ilha do Presídio”. Calino
Pacheco, que havia se deslocado para Minas Gerais para “ajudar na reoganização da VAR-
Palmares”, como responsável pelo “setor de comunicação”, foi igualmente preso e levado
para a “Ilha” no início de 1971, ficando detido até metade de 1972. Sua prisão teria
ocorrido quando se deslocou para Porto Alegre com vistas a “investigar porque a
comunicação havia sido interrompida no estado” (entrevista com Calino Pacheco).
Carlos Araújo foi preso em São Paulo em 1970. Posteriormente foi
transferido para uma prisão no Rio de Janeiro e depois ficou quase um ano na “Ilha”
também, antes de concluir sua “pena” no presídio central de Porto Alegre em 1974.
A experiência comum no “Presídio da Ilha” acabou sendo mais um dos
fatores de aglutinação deste conjunto de militantes. Teriam se dedicado a constituir uma
dinâmica neste sentido mediante a promoção de discussões de textos marxistas que as
famílias encarregavam-se de levar de forma camuflada. Além disso, os militantes
provenientes de diferentes organizações garantiam sua reprodução naquele contexto, com
as alianças e rivalidades já estabelecidas. Conviveram no período de prisão, por exemplo,
com Raul Pont e Índio Vargas.
Acrescenta-se ainda a ênfase no “processo de autocrítica” que teriam
empreendido no decorrer do tempo de aprisionamento e cujo resultado foi a decisão de
fazer “uma espécie de pacto assim de que, aos sermos libertados, procuraríamos
permanecer e resistir ao máximo possível” (entrevista com Calino Pacheco). Assim, afora
César Augusto que afirma ter ido “cuidar da vida” quando saiu da prisão, os
“Brancaleones” restantes contam que organizaram um “grupo de estudos e discussão” e
226
decidiram filiar-se ao MDB, participar das reuniões do IEPES, no qual Dilma Roussef
ocupou uma posição de destaque.
Calino e Carlos Alberto incorporaram-se também ao Setor Jovem do
partido, cujo presidente era Marcos Klassmann, um estudante secundarista da escola Dom
João Becker que ingressara no Setor Jovem do MDB em 1974, com 18 anos, e elegeu-se
por unanimidade presidente da entidade apenas seis meses depois. Natural de Lajeado
havia chegado a Porto Alegre em 1964 devido à transferência do pai operário ferroviário
para a capital e os aspectos que teriam estimulado o início da militância, além da
reivindicada “origem de classe”, seriam:
“expressar o que eu penso ou sinto é um traço de personalidade, deve tá aí a motivação
principal, e afora isso o IAPI sempre foi um bairro operário, havia que eu lembre três ou
quatro células ativas partidando na época, ativas... E eu era um menino que lia muito,
basicamente isso é a minha formação política, é de autodidata. Não cursei universidade, não
conclui curso nenhum, não tenho formação acadêmica, minha formação é toda de rua
mesmo.” (Entrevista com Marcos Klassmann).
Calino e Carlos Alberto aproximaram-se, então, de Klassmann porque este
defenderia as mesmas “posições de esquerda” dentro do “setor”. Outras lideranças com
distintos “projetos” fizeram o mesmo movimento de entrada no SJ Metropolitano,
unificando-se em nome de uma condição de “juventude” no sentido de constituir espaços e
posições “esquerdistas” no âmbito institucional
55
. Para tanto, uma das estratégias acionadas
foi o lançamento da candidatura de Klassmann para vereador pela capital em 1976
56
.
Assim, em especial os militantes “Brancaleones”, do POC e as lideranças do
jornal Informação dirigido pelo “pessoal de Santa Maria” aglutinaram-se nessa campanha
e apostaram no “carisma” de Klassmann. Os depoimentos e referências nas datas e
55
Ver Reis 1999.
56
Klassman foi o quinto vereador mais votado (12.118 votos), seguido por Glênio Perez (eleito com 11.478
votos) – naquela circunstância vereador há mais de 10 anos e eleito sucessivamente há quatro pleitos – que
fora indicado o líder da bancada de vereadores de 1977. Entretanto, em decorrência do discurso realizado por
Perez na solenidade de posse da nova Câmara Municipal de Porto Alegre, e a interpretação de que este teria
sido “contestatório aos princípios revolucionários”, o Ministério da Justiça comunica, em dois de fevereiro de
1977, a “cassação do mandato eletivo e suspendendo por 10 anos os direitos políticos de Glênio Mathias
Perez” (Movimento, 7/02/77, p. 3). A primeira sessão da Câmara de Vereadores, depois da cassação de Perez,
ocorreu em 9/02/77. Nesta (onde comparecem 15 vereadores, sendo 10 do MDB) Marcos Klassmann leu o
mesmo discurso do colega e, como o anterior, teve seu mandato cassado.
227
ocasiões de celebração fixam o evento como um “marco geracional”
57
. Especialmente, no
que tange ao “panfletão” intitulado “Vote Contra o Governo” que teria sido produzido
como “esforço de campanha” das principais lideranças da juventude em Porto Alegre
(entre elas, Sérgio Weigert, Daniel Herz, Adelmo Genro Filho, Raul Pont, José Carlos de
Oliveiras, Carlos Alberto de Ré e Calino Pacheco).
57
No capítulo seguinte é analisado o grande expediente ocorrido na Assembléia Legislativa em homenagem
a Marcos Klassman de iniciativa do deputado estadual Adão Vilaverde
228
229
“foi uma campanha belíssima, a mais bonita que eu já participei em toda a minha vida de
campanhas eleitorais... foi a primeira vez em que se fez uma eleição. Aquela eleição é a
marca! A primeira vez que se faz uma eleição nitidamente de esquerda depois da ditadura,
assumidamente de esquerda, socialista”. (Entrevista com Carlos Alberto De Ré).
“Então a candidatura do Klassmann a vereador foi um momento de virada de prática
política... não tinha como disputar espaços no MDB sem estar no MDB... no Setor Jovem
havia uma turma muito nova, que não tinha nenhuma influência de passado, nem de MDB,
nem de PTB, nem de esquerda dos anos 60... apoiamos a candidatura do Klassmann... e a
candidatura dele foi muito assumida por todo mundo, até pelo pessoal de Santa Maria, essa
turma que depois vai dar origem ao PRC, todo esse pessoal em torno do Adelmo, do Tarso.
(...) O famoso panfleto ‘Vote Contra o Governo (...) Tu imagina, em pleno 76, em plena
ditadura, a gente saí panfletiando ‘Vote Contra o Governo’, hoje é uma bobagem, naquela
época isso era a máxima subversão”. (Entrevista com Raul Pont).
“A campanha do Marcos [Klassmann] e do André [Forster] foram as campanhas mais
fortes assim, do ponto de vista de postulação, de posicionamento, foram as campanhas mais
fortes, eu acho que um sucesso se credita a isso também. A relação era tão ruim de
composição dos candidatos que mesmo as idiossincrasias e as diferenças, a diferença do
Coppeti para os demais candidatos do MDB era uma coisa gritante. Então eu diria que a
relação embora fosse de disputa no contexto global, acaba sendo de cooperação porque era
a mais próxima”. (Entrevista com Daniel Herz).
Para o autor do primeiro relato, Carlos Alberto De Ré, a única “má
lembrança” que guardou do episódio foi o fato da cassação do mandato de Klassmann,
principalmente porque teria inviabilizado a ocupação pelo mesmo de um posto no gabinete
do vereador como assessor. Ele fora demitido do estágio que fazia na FEE desde 1974 e foi
para o Paraná, retornando justamente para aquela campanha:
“Trabalhei um tempo no Paraná, depois voltei pro Rio Grande do Sul. Aí fui fazer a
campanha do Marcos. Aí nessa chance de gabinete do Marcos ele fez a gentileza de ser
cassado... Aí voltei pro Paraná. Um tempinho depois vim pra cá, trabalhei um tempo na
lista telefônica brasileira e vim nessa até a reformulação dos partidos políticos”. (Entrevista
com Carlos Alberto De Ré).
Os “remanescentes da VAR-Palmares” firmavam-se como “grupo” no
interior do MDB a partir do “grupo de discussão” que se caracterizavam pela afirmação de
“princípios trabalhistas” e “socialistas”. Em 1978 eles participaram da campanha de André
Forster a deputado estadual – que se apresentava como o “candidato do IEPES” e era
identificado pela vinculação com o PCB – em detrimento da candidatura de Américo
Copetti, tido como o candidato da “Tendência Socialista” (fundada por ex-integrantes do
POC, especialmente Raul Pont, com os quais guardavam rivalidades desde a “expulsão” da
230
“dissidência”). Klassmann engajou-se na campanha do primeiro e paulatinamente estreitou
os laços com as lideranças “trabalhistas” de diferentes gerações.
Com a reorganização partidária, então, todos fizeram a opção pelo PDT.
Ubiratan de Souza, Calino Pacheco, Carlos Alberto e César Augusto De Ré, Cláudio
Gutierrez, Marcos Klassmann, Carlos Araújo, Dilma Roussef, entre outros. Observa-se
que as lideranças jovens que atuaram nos movimentos de contestação privilegiando a “via
armada” (excetuando Klassmann) possuem outras características comuns e distintivas de
militantes que fizeram outras escolhas partidárias. Neste caso, sobressaem-se as origens
sociais e escolaridades mais baixas, o que acabou implicando em itinerários marcados por
uma maior dependência relativamente aos cargos públicos ocupados por nomeações e
indicações.
O decorrer dos anos oitenta foi marcado por uma série de tomadas de
posição do “grupo” que incidiram na reorientação dos destinos partidários. Gutierrez, que
acompanhou os amigos na entrada inicial ao PDT e na chegada ao PT, não participou dos
mesmos movimentos neste sentido, pois saiu individualmente do primeiro para filiar-se ao
PCB. Tendo sido assessor do vereador Lauro Hageman, participou da fundação do PPS e
da sua dissidência, decidindo ingressar no PT.
Sem militância “orgânica” ou destacada no partido, Gutierrez se destaca nos
movimentos de reivindicação da “memória” dos “fatos” e “vítimas” do “regime militar”.
Em 2003 foi o responsável pelas relações comunitárias da Prefeitura de Porto Alegre (PT)
no Projeto de loteamentos populares vinculado à Secretaria do Planejamento Municipal.
Também compõem, como “representante da sociedade civil”, a “Comissão do Acervo da
Luta Contra a Ditadura”, ao lado de Carlos Alberto De Ré, Lícia Peres (ex-mulher de
Glênio Peres, vereador “cassado” em 1976 e, em defesa do qual, Marcos Klassmann fez o
seu primeiro discurso que repercutiu igualmente na “cassação” do seu mandato), e
presidida por João Carlos Bona Garcia (ex-militante do POC e VPR que quando retornou
do exílio se aproximou das lideranças do MDB e IEPES).
O “grupo de discussão” foi mantido no PDT e buscou afirmar-se como um
“espaço” que se pretendia de “elaboração intelectual” e que acabou se traduzindo na
constituição de uma “ala esquerdista” dentro do partido que se definia como “Grupo de
Unidade Socialista” (GUS), liderado principalmente por Ubiratan, Calino e Marcos
231
Klassmann. Em 1986, eles atuaram no movimento “Coliga-Não”, que criticava a
aproximação do PDT com o PDS (sigla que seria sucedâneo da Arena, partido do
“governo” durante o regime militar), e do qual faziam parte Ubiratan de Souza, Calino
Pacheco, Marcos Klassmann, Orlando Burmann (então deputado estadual, pertencente a
uma “família de políticos” ligados ao trabalhismo em Ijuí, ex-vereador, ex-deputado
estadual cassado pelo regime militar, membro de organizações armadas, exilado no
Uruguai e responsável pela “saída” de militantes pela fronteira com Uruguai) e Valneri
Antunes (vereador, fora presidente do sindicato dos bancários, atuou na VPR tendo ido,
assim como Ubiratan, para o Vale da Ribeira). Carlos Araújo não participava diretamente.
Mas liderava um espectro de forças mais à esquerda no partido (ao lado de Dilma
Rousseff, Milton Zuanazzi, entre outros militantes hoje ligados ao PT) a partir dos três
mandatos consecutivos como deputado estadual (1982 a 1994) e de duas candidaturas à
prefeitura de Porto Alegre (em 1988 e em 1992).
Os membros do Grupo de Unidade Socialista resolvem, então, apresentar
uma chapa para disputar a eleição ao diretório estadual do partido em 1988 e, apesar
conquistaram 1/3 das adesões às suas “teses”, são impedidos de ocupar o espaço no
partido:
“ganhamos nos seminários as teses, nós fizemos as teses de redemocratização do PDT,
instâncias de formação política e tudo e ganhamos o seminário aqui no auditório da
assembléia 1/3 dos votos, um grande seminário estadual. Aí houve intervenção depois que
não aceitaram as nossas idéias, e nós já era o Grupo de Unidade Socialista, aí nós
contestamos a intervenção e aí em 89 nós aproveitamos o momento do segundo turno e
apoiamos o Lula, puxamos o apoio ao Lula. E a partir daí nós aprofundamos a relação com
o PT” (Entrevista com Ubiratan de Souza).
Na eleição de 1990, alguns membros do “grupo” se opuseram à candidatura
de Alceu Collares ao governo do estado e, em março do mesmo ano, rompem com o
partido para apoiar Tarso Genro:
“nós saímos... fizemos um manifesto inclusive dizendo que o PDT já não era um partido de
esquerda, que o programa de socialismo democrático tinha sido arquivado, que era uma
legenda tradicional, eleitoreira, de aluguel inclusive e tal e que nós queríamos continuar
sendo um partido de esquerda e que o PT era o caminho, e nós entramos no PT em março
de 90”. (Entrevista com Ubiratan de Souza).
232
Em 1998, Olívio Dutra do PT ganha a eleição para governador do estado.
Uma parcela dos “quadros” ligados à “esquerda do PDT” é convidada a integrar o governo.
Entre os mesmos estavam Dilma Rouseff, Marcos Klassmann, Milton Zuanazzi, Pedro
Ruas, além de Calino Pacheco e Ubiratan Souza já filiados ao PT desde 1990. Em 2000,
novamente ocorre uma disputa entre Alceu Collares e Tarso Genro, desta vez pela
prefeitura de Porto Alegre. Neste pleito se inicia o novo processo migração do PDT para
aquele partido. Dilma Rousseff, Marcos Klassmann, Milton Zuanazzi, entre outros, saem
do partido e ingressam no PT. Carlos Araújo também se afasta do PDT, embora não tenha
se filiado ao PT. Nesta ocasião, Dilma ocupava o cargo de Secretária de Minas e Energia
no governo petista indicada pela direção do PDT. Klassmann e Calino Pacheco eram seus
assessores de gabinete.
Desde a década de 70, parte destes ativistas já mostrava uma maior
dependência em relação aos cargos públicos conquistados via “militância”. Em 1974,
Dilma, Calino e Carlos Alberto foram trabalhar na Fundação de Economia e Estatística do
Rio Grande do Sul (FEE), como estagiários. Conforme Calino Pacheco, quando era
estudante de economia da UFRGS, César Busatto, que fora presidente do Diretório de
Estudantes do curso e também trabalhou na FEE, o apresentou para um “cara de esquerda”
que recrutava os estagiários da Fundação e fazia “questão de recrutar pessoas de esquerda,
até chegar um momento em que uns 20% eram de funcionários de esquerda”. Entretanto,
em 1976, foram todos demitidos, mas tiveram a oportunidade de retornar com a conquista
da anistia em 1979. Calino Pacheco resistiu na Fundação até hoje, apesar das dificuldades
financeiras iniciais, e Carlos Alberto De Ré se “arrepende” de ter abandonado o “emprego”
naquele período:
“Aí eu fui profissionalizado pelo PDT depois veio a anistia, no governo Simon nós fomos
anistiados e eu pude retornar a FEE e cometi a estupidez de sair... achando que eu tava de
saco cheio de viver, de ter a minha vida profissional e a minha sobrevivência física sempre
dependendo das questões política... perdi tudo e voltei a trabalhar como assessor
parlamentar, aí sou assessor técnico aqui na bancada e este ano o Vieira é presidente da
Assembléia eu tô aqui administrando o teatro, mas o ano que vem volto pra bancada e fico
lá fazendo discurso, projeto de lei essas coisas.” (Entrevista com Carlos Alberto De Ré).
“os caras do setor administrativo ainda era um vestígio do pessoal da ditadura então eles
ficaram me classificaram muito mal, fiquei ganhando muito mal na época e tive que fazer
outras coisas tive comecei a trabalhar como profissional liberal também comecei a fazer
perícia na justiça do trabalho, comecei a trabalhar muito motivo pelo qual eu não continuei
aquela militância” (Entrevista com Calino Pacheco)
233
O primeiro, então, manteve-se filiado ao PDT, mas faz questão de sublinhar
a manutenção dos laços afetivos com aqueles que optaram por sair:
“Eu acompanhei bem o processo e tive intimamente ligado... era o meu grupo, minhas
pessoas, os meus afetos... Os afetos continuam rigorosamente os mesmos, sem duvida
alguma, são pessoas absolutamente queridas, são as minhas pessoas, das minhas relações,
são as pessoas com as quais eu me encontro, converso, que dialogo, que convido inclusive
pessoalmente. Um é compadre do casamento do outro, um é padrinho do filho do outro
essas confusão muito própria nossa.” (Entrevista com Carlos Alberto De Ré).
Quando Calino Pacheco menciona no fragmento acima que “não continuou
aquela militância”, no depoimento compara-se com Ubiratan de Souza que entrara no PT
na mesma “leva” que ele, mas integrou-se desde o início na dinâmica partidária, via
militância no Orçamento Participativo, do qual é um dos principais porta-vozes. Ubiratan
foi ainda secretário municipal e estadual em governos dirigidos por Tarso Genro e Olívio
Dutra, além de atuar atualmente como assessor do deputado estadual Raul Pont. Calino,
por sua vez, fazia e ainda faz pequenos trabalhos de consultoria para Carlos Araújo, além
de ter sido chefe de gabinete de Dilma Roussef quando ela era Secretária do Estado pelo
PDT durante o governo petista e quando ele já estava no PT. Ele conta que sua indicação
foi originalmente sugerida por Carlos Alberto:
“quando o Olívio ganha com o apoio do PDT... Inclusive a Dilma é convidada pra ser
secretaria e aí eles numa discussão e tal, conversando sobre secretarias e tal chegam a
conclusão que o chefe de gabinete tem que ser do PT. Mas quem? Aí o Minhoca [Carlos De
Ré] que fala... eu tava lá, dezembro de 98, tava lá na Pousada do Raul
58
até, e a Dilma me
liga me convidou pra trabalhar com ela, eu tinha outras alternativas também, mas aí achei
que era importante”.(Entrevista com Calino Pacheco).
César Augusto, não acompanhou o “grupo” nestes deslocamentos, apenas
chegou a filiar-se no PPS por influência de Cláudio Gutierrez, mas não manteve sua
militância. De qualquer modo, ele mantinha vínculos de amizade também com Alceu
Collares que quando ganhou o governo do Estado, inclusive, o indicou para a ocupação do
cargo de diretor do Banco do Estado do Rio Grande do Sul. Aliás, César Augusto conta
58
Trata-se de Raul Ellwanger, músico gaúcho que fora vinculado aos “Brancaleones” e atuou na VAR-
Palmares.
234
que tal relação iniciou com o casamento do irmão com uma enteada de Collares, filha de
Neuza Canabarro, esposa do mesmo:
“O Collares me convidou pra ser diretor do Banrisul, então eu fui diretor do Banco... A
gente tem uma relação boa de amizade, meu irmão foi casado com a filha da Neuza durante
um período e tal então as famílias se conhecem. E quando ele me ligou, ele me ligou e
disse: ‘Olha, tô te ligando pra dizer que tu é o novo diretor do banco’ e eu até tive uma
reação: ‘Tu tá louco Collares’, e aí eu disse pra ele: ‘Collares tu sabe que eu não sou
militante, não sou filiado ao PDT, não vou me filiar, não vai ser se a condição é essa’, e eu
falava baixinho pra não brigar: ‘Não, eu não tô te mandando por causa da política, eu tô te
mandando porque tu é competente”. (Entrevista com César Augusto De Ré).
E da mesma forma, Carlos Alberto De Ré frisa a amizade com Dilma e
Carlos Araújo, dando como exemplo a ajuda que deram quando uma parte da sua família
morreu em um acidente de automóvel quando se dirigiam para Almeida Prado (mãe, duas
irmãs, dois cunhados).
Dilma Roussef chegou a ser, mais tarde, da direção da FEE (1991-1993).
Ela se deslocou para Porto Alegre depois dos dois anos e meio em que estivera presa em
São Paulo. Havia iniciado seu relacionamento Araújo no processo de formação da VAR-
Palmares e antes disso fora casada com Cláudio Galeano de Magalhães Linhares, militante
responsável pelo seqüestro de um avião em Porto Alegre, levando-o até Cuba numa viajem
de nove dias e que depois foi “lutar” na revolução da Nicarágua. Quando saiu da prisão,
Araújo estava no Presídio da Ilha, então ela resolve morar com a família dele na capital do
Rio Grande do Sul até a sua libertação. O resultado foi sua afirmação no cenário “gaúcho”,
sobressaindo-se nas intervenções no IEPES do MDB e na organização do PDT.
Economista com doutorado pela Unicamp (ambos os títulos adquiridos nos anos
subseqüentes ao “regime militar), foi Secretária da Fazenda de Porto Alegre pelo PDT
(1986-1988); ocupou por dois mandatos o cargo de Secretária de Minas e Energia, (1993-
1994) do Rio Grande do Sul pelo PDT e durante o governo de Olívio Dutra do PT (1999-
2003) e ainda foi uma das principais articuladoras do deslocamento para o PT. Atualmente
é ministra-chefe da Casa Civil do Governo Lula.
Algumas considerações sobre a valorização da idéia de “participação
popular”, como já foi demonstrado, são pertinentes por remeter a uma “marca geracional”
ou um elemento de contemporaneidade entre os agentes aqui investigados. Tal constatação
se aplica obviamente aos militantes que participam das “organizações” examinadas. Neste
235
aspecto, entre eles tem papel destacado o ex- “brancaleone” Ubiratan de Souza. A partir da
obtenção do título de economista e da migração para o PT, acabou se constituindo como
um dos principais porta-vozes desta “bandeira” operacionalizada no “Orçamento
Participativo”. Trabalhou, então, como secretario da prefeitura de Porto Alegre e do
governo do estado nas “pastas” voltada a esta “experiência democrática”. Do mesmo
modo, traduziu tal “vivência” como operador de “políticas governamentais” em textos que
circularam entre militantes e em artigos em jornais locais e internacionais que sistematizam
os “princípios” que balizaram a “experiência do OP” em Porto Alegre e depois no governo
do estado. Na mesma linha publicou um livro, em co-autoria com Tarso Genro do qual foi
secretário, intitulado “Orçamento Participativo: a experiência de Porto Alegre”.
3.5 – “Luta pela democracia”, títulos escolares e disputas partidárias:
uma seqüência de posicionamentos a partir do IEPES
Nesta seção são observados alguns movimentos de afirmação de lideranças
com ingresso mais recente no cenário de disputas entre “grupos” e para as quais pesou
decisivamente a posse de títulos escolares associados a redes de relações constituídas no
MDB, especialmente no IEPES, na segunda metade dos anos setenta. A afirmão dos
mesmos, iniciada nos movimentos estudantis secundaristas e universitários, se consolidará
a partir da identificação às principais lideranças do partido de oposição e pela posterior
opção pelo PMDB. O fio condutor da exposição adotado toma como ponto de partida o
IEPES, contextualizando seu surgimento, sua importância como espaço de aglutinação de
praticamente todas as “forças políticas” descritas até aqui já dentro do MDB e ressaltando
o momento em que passou a ser associado cada vez mais a uma rede constituída em torno
de André Forster.
Até meados de 1972, a inscrição em “organizações clandestinas”
qualificadas como de “esquerda revolucionária” impunha-se como a estratégia primordial
de identificação para um conjunto de agentes, com origens sociais e políticas variadas, que
estreava sua atuação política nos movimentos de contestação ao “regime militar”. Tais
236
inserções eram combinadas (como reprodução daquelas identificações ou mesmo
proporcionando-as) à participação nas mobilizações estudantis universitárias e/ou
secundaristas. Diferenciavam-se fragilmente pelas temáticas privilegiadas: no primeiro
caso, relacionadas às “estratégias” e “táticas” mais adequadas para o combate da
“ditadura” e condução da “revolução socialista”, “luta armada”, “foquismo”, “guerra de
guerrilhas”, “elaboração de teses”, “produção de documentos”, “luta comunista”,
“emancipação do proletariado”, “estratégia”, “tática”, “vanguarda”, “organização”, etc.,
são apenas alguns dos “conceitos” que compunham a gramática “esquerdista” naquele
período. No segundo caso, as tomadas de posição eram associadas ao universo estudantil,
mas as “causas” que fundamentavam os engajamentos continuavam relacionadas às
“políticas” e intervenções direcionadas àquele meio pelo “regime militar”.
A década de setenta marcaria vários rearranjos nos repertórios de
mobilização, nas estratégias de intervenção, nas instâncias de atuação e até mesmo nos
porta-vozes da “esquerda”, interessados em afirmar-se no âmbito institucional. Uma série
de elementos teria convergido para essa reorientação da dinâmica de luta encaminhada
pelos militantes da “luta contra a ditadura”.
Alguns componentes que compunham as justificações à posteriori para essa
redefinição dos investimentos podem ser ressaltados. Em primeiro lugar, as “perdas”
constatadas nos empreendimentos operados nos anos anteriores, tanto em termos de
resultados como de desfalques gerados por exílios, mortes, prisões, defecções, etc.
Também havia receios e anseios daqueles que retornavam de condições desse tipo, de
períodos de clandestinidade ou de experiências de tortura, aos quais conjugavam a
interpretação tanto da conjuntura dos anos setenta (“redemocratização”, afirmação eleitoral
do MDB, novas interpretações e releituras oferecidas pelos intelectuais marxistas
consagrados, etc.) como da vislumbrada para os anos oitenta tendo em vista as “temáticas”
consagradas nacionalmente (pluripardarismo, anistia, “reorganização da sociedade civil”,
etc.).
Em segundo lugar, e pertinente ao anterior, paulatinamente o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB) afirmou-se como espaço legítimo de intervenção política
da esquerda numa conjuntura de “enfraquecimento do regime militar”. Cabem algumas
considerações sobre o processo que teria interferido na entrada de muitos militantes de
237
esquerda “remanescentes” ou não da “luta armada” no único partido oficial de oposição
durante o bipartidarismo.
Instituído como oposição legal no início de 1966, o MDB não se
apresentava inicialmente como uma opção plausível para uma gama de militantes que
visava potencializar a construção de um “projeto de sociedade”, “socialista” ou
“comunista”, que não necessariamente passava pela defesa de “bandeiras democráticas”
mais tradicionais. Não raras foram as referências, mormente na segunda metade da década
de setenta, que distinguiram o sentido de “oposição” e de “contestação” para esclarecer as
ações que se pautavam, respectivamente, pelos reconhecimentos oficiais das divergências
internas ao partido e deste em relação ao “governo” e aquelas que proclamavam o
posicionamento e confronto para a derrubada do “regime militar”. Afora a
incompatibilidade com as aspirações revolucionárias de alguns militantes, a fraca
atratividade exercida por esse partido seria decorrente da sua vulnerável capacidade de
interpelação oposicionista, da preponderância de “políticos tradicionais” e pouco
“combativos”, bem como da frágil articulação entre as diferentes tendências que
coabitavam a sigla (Kinzo, 1988, p. 98). Adiciona-se a isso, e como decorrência daquelas
condições, a idéia de que os dirigentes partidários, entre 1966 e 1970, teriam aceitado
passivamente as “derrotas eleitorais”, o que obstaculizaria as percepções favoráveis do
desempenho ou da eficácia das disputas em bases institucionais (idem).
Todavia, alguns parlamentares do MDB adquiriram visibilidade pela
radicalização do discurso oposicionista. Concomitantemente, houve o desenvolvimento de
mecanismos de inserção de “estudantes”, “intelectuais” e militantes provenientes dos
variados meios sociais e matizes ideológicas no âmbito partidário, especialmente com a
criação de “instâncias” de atuação específicas. Estes dois elementos, somados às “derrotas”
dos adeptos da “luta armada” e à “vitória” eleitoral do MDB em 1974
59
, são marcos da
entrada numa outra fase de “militâncias” e engajamentos dos agentes. Assim, como foi
possível atentar nas seções anteriores, muitos militantes, pertencentes a diferentes
59
Sob a ótica dos processos eleitorais, então, abriu-se espaço para o reconhecimento das interferências não
menos significativas do trabalho de recrutamento e comportamento eleitoral acionados pela oposição,
representada pelo MDB. Com a vitória do MDB em 1974 nos maiores estados brasileiros, o processo
eleitoral se afirma como termômetro da correlação de forças e da legitimidade dos atores, dando início ao que
Lamounier (1986) definiu como abertura política pela via eleitoral. A vitória inesperada neste ano e o
crescimento progressivo da oposição motivaram o conjunto de pesquisas sobre o comportamento eleitoral e
sobre a explicação da opção pelo MDB. Sobre isso, ver Cardoso e Lamounier (1975), Reis (1978) e
Lamounier (1980).
238
organizações, adentraram nestas “instâncias” e outros estrearam sua atuação nas mesmas,
com destaque para o Instituto de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais (IEPES) e para o
Setor Jovem (SJ) do MDB gaúcho.
Como foi observado numa pesquisa anterior
60
, este último é concebido pelos
agentes, nas suas percepções retrospectivas sobre aquele período, como sendo uma esfera
de atuação política ou de “prática”, ao passo que ao primeiro, singularizado pelos debates
promovidos, é atribuído um caráter de formulação e formação política. No que tange
propriamente ao IEPES, num primeiro momento, ele aglutinava esses diferentes
posicionamentos, no entanto logo emergiram diferenças no seu interior e se estabeleceu a
divisão entre aqueles identificados pela adesão ao MDB e à direção formal do IEPES e
aqueles que desejam constituí-lo como uma “instância” relativamente autônoma do partido
e, assim, afirmar outros “projetos políticos”.
Cabem algumas considerações prévias sobre o papel dos intelectuais
brasileiros neste processo e as lógicas de afirmação dos mesmos e dos seus “projetos” que
encontraram eco na “agremiação”.
A atuação dos “intelectuais brasileiros” nos anos 1970 contribuiu para a
definição da singularidade da “esfera política”. A busca da “politização” foi empreendida
seja pelas “incitações à ruptura radical como as de Florestan Fernandes ou à coalizão das
organizações da sociedade civil como as de [Fernando Henrique] Cardoso” (Pécaut,
1990:291). Este processo envolveu a objetivação da “estabilidade da hierarquização do
meio intelectual” (idem:294) graças também à identificação do meio universitário como
espaço por excelência de contestação. A “preeminência dos professores universitários”
(idem) se fundava na urgência em se constituir como agente “capaz de gerar os debates
próprios da esquerda para evitar sua fragmentação e decomposição e, ao mesmo tempo, de
propor uma interpretação dos acontecimentos que seja assumida pela opinião pública
informada” (idem: 250).
Naquele contexto, os intelectuais paulistas, ou melhor, as “principais figuras
do CEBRAP” (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) se sobressaíram por levar em
conta ainda o grande público oposicionista: “camadas cultas leitoras dos jornais
‘alternativos’ ou consumidores de bens culturais (...) líderes de opinião – dirigentes
60
Ver Reis (1990)
239
políticos, tecnocratas e personalidades dos meios de comunicação de massas” (idem),
conquistando reconhecimento em diferentes domínios, notadamente, o “político” e o
“acadêmico”.
“(...) é a partir de 1969 que Cardoso e o CEBRAP têm uma função maior nas estratégias
intelectuais, que se revestem em três aspectos centrais: mediação entre as diversas correntes
marxistas e entre as correntes marxistas e não- marxistas; teorização em relação direta com
a conjuntura; abertura para as organizações políticas”. (Pécaut, 1990, p. 296)
Estas considerações apontam, então, ainda que de modo muito simplificado,
para as condições de eficácia das formulações oferecidas pelas “personalidades do
CEBRAP” ao público “esquerdista” no Rio Grande do Sul. Mesmo que eventualmente
questionadas, estas elaborações tiveram presença confirmada na agenda oposicionista
gaúcha. Recriando a fusão entre o âmbito “intelectual” e “político”, o CEBRAP e
principalmente Fernando Henrique Cardoso fornecem os instrumentos necessários para a
leitura da “realidade” brasileira à luz dos conceitos marxistas, mas com o avanço de sua
aplicação política. Por conseguinte, submetido um ao outro, transformam-se mutuamente:
“É testando o conceito diante das ambigüidades do momento e definindo o possível com
base no que pode ser reconhecido a cada instante pelas massas que Cardoso chega a
provocar ‘a organização política’ do meio intelectual”. (Pécaut, 1990, 299).
Na conformação entre estas duas ordens de “anseios” (interpretar o
marxismo e transformá-lo em instrumento de luta política), os militantes justificavam o
horizonte das suas preocupações. Na “compreensão aplicada” dos pressupostos marxistas,
o cabedal de trabalhos produzidos pelo CEBRAP e por economistas como Maria da
Conceição Tavares e Celso Furtado compunham os instrumentos de entendimento da
realidade privilegiados por eles.
No Rio Grande do Sul, tais apropriações se cristalizaram na formação, por
volta de 1971, de um grupo de estudos vinculado ao diretório acadêmico da economia
(DAECA) da Faculdade de economia da UFRGS. Professores, estudantes ou recém
formados em economia ou sociologia, se reuniam para discutir questões referentes à
formação e/ou condições econômicas, políticas e sociais brasileiras e questões condizentes
à “teoria” e a “práxis marxistas”. O “marxismo”, então, se impunha como o universo de
proposições a ser desvelado e a síntese das aspirações coletivas. Dentre os que participam
240
deste grupo, que também foi definido como “Centro de Estudos de Economia Política”,
encontravam-se César Busatto, Raul Pont, Cristiano Tatch, Luiz Miranda, entre outros,
além de André Forster, que é citado por suas aparições eventuais.
“A gente, logo no início, já percebe assim que a formação da faculdade, ela não nos dava a
satisfação, quer dizer, nós estávamos querendo uma economia que nos... um pensamento
econômico crítico, né. E a gente com essa visão crítica, já crítica com o regime militar e,
portanto, crítica com toda política do governo, política econômica, política ditatorial, quer
dizer, então a gente já tá numa linha de oposição. (...) A gente formou um Centro de
Estudos de Economia Política e começamos a estudar marxismo, estudar pensamento
econômico alternativo, começamos a escrever jornais. Aí nos organizamos e conquistamos
o grêmio estudantil. Num desses anos, em 72 pra 73, fui eleito presidente, enfim nós
tínhamos todo um grupo aí de formação política. Nesse momento tinha uma... um caderno
que na época o DAECA imprimia que era um... cadernos DAECA, né, que divulgava textos
do Paulo Singer, do Francisco de Oliveira, Maria da Conceição Tavares, Celso Furtado,
José Serra, né”. (Entrevista com César Busatto).
“(...) Nós temos um grupo em Porto Alegre de comunistas, sociólogos, estudantes de
economia, sociologia e jovens recém formados. Eu tínha uma postura crítica em relação ao
chamado modelo econômico, social e político brasileiro da ditadura militar, década de 60 e
70. E nós nos propúnhamos a fazer um trabalho de investigação intelectual sobre as
características desse regime político, regime econômico de acumulação e tal, e nós
tínhamos como referência maior, intelectualmente, o Cebrap, que era o único centro de
nível universitário, com produção livre, pelo menos aparentemente... As universidades
estavam totalmente manietadas, o que se ensinava nas universidades era uma ridicularia,
era só ou teoria abstrata totalmente desvinculada da realidade... ou se fazia da universidade,
ou pelo menos se tentava fazer, ou se tentava fazer da universidade veículo de propaganda,
através das cadeiras de moral e cívica e entre coisas” (Entrevista com Luiz Miranda).
“A gente tava tomando conhecimento cada vez mais forte da contradição e na busca de um
instrumental teórico que baseada pra nós, economistas, era uma coisa fantástica. Vamos
organizar a sociedade, vamos organizar a sociedade da maneira que a gente quer e não
desigual, portanto o socialismo e a busca de trabalhar em cima do socialismo, de aprender,
procurar a crítica que o marxismo faz da sociedade capitalista, e os fundamentos aí do
marxismo. (...) Nós tínhamos esse grupo em conjunto, cada um lia um capítulo,
apresentava. O livro primeiro do Capital nós lemos, o livro dois começou a ficar muito
complexo, imagina guri de 21 anos sem organização, sem ter alguém orientando ‘olha o
Capital é uma coisa complicada’. Aí tu lia o Manifesto Comunista, tu lia a Rosa de
Luxemburgo, lia, enfim, os documentos básicos do marxismo. A gente lia isso, mas era
alcançado por diferentes pessoas, né, assim como se constituiu os grupos de estudo
marxistas, também se moviam os grupos e a gente ia avançando”. (Entrevista com Cristiano
Tatsch).
Segundo Luiz Miranda, que havia trabalhado na assessoria da Assembléia
Legislativa com Pedro Simon durante um ano e depois teria indicado André Forster para
ocupar o cargo, foi a partir dos debates travados no “grupo da economia” e da aproximação
existente com a cúpula partidária que teria surgido a idéia de formar uma espécie de
“cebrapinho”. Isto é, um lugar de formulação teórica, informado pela conjuntura, nos
241
moldes do centro paulista que já referenciava as discussões do grupo. Intervém nesta
proposição Miguel Bodea, “intelectual gaúcho”, assessor do MDB na Assembléia
Legislativa nos anos setenta, que propõe a organização do centro no interior do partido, tal
como existia para a Social Democracia Alemã por ele visitada. Na descrição abaixo,
Miranda também reivindica a paternidade da “idéia original”:
“O André foi pra lá [Assembléia, trabalhar com o Simon] foi uma forma de ter um
emprego, um emprego que tinha cobertura política e como forma de agregar aquilo que
eu estava chamando na época de cebrapinho A idéia era fazer um cebrapinho... A idéia
do ‘cebrapinho’, que foi a minha idéia original. Minhas conversas com o Miguel
evoluíram quando ele viu a minha proposta. Veio falar que existiu um negócio chamado
Friedrich Ebert da Social Democracia Alemã: Miranda, a grande coisa é fazer o tal do
‘cebrapinho’, fazer mesmo dentro de um partido político, dentro do MDB, aí a idéia que
eu tinha tido em relação ao André. Aí então a idéia de se constituir uma entidade, com
personalidade política própria, associada ao centro de estudos políticos, econômicos e
sociais” (Entrevista com Luiz Miranda).
Assim sendo, o Instituto de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais
(IEPES) foi criado em 1972, por iniciativa de um conjunto de militantes provenientes dos
meios universitários que objetivavam oferecer um locus de debate entre intelectuais,
políticos, estudantes e professores universitários. E para sua efetivação teriam contado com
a existência de uma lei partidária que tornava exeqüível, para ambos os partidos (MDB e
Arena), estruturas de formação política própria, para divulgação da doutrina partidária, etc.
Para a direção do partido, o Instituto se apresentava com a “missão” de “atualização e
popularização doutrinária”. No documento de 1975, o IEPES foi caracterizado nos
seguintes termos:
“organização [que] que possui uma missão precisa que vem sendo fielmente cumprida: a
de firmar-se como uma verdadeira universidade política do pensamento partidário, para
atingir todas as classes e instituições sociais. Cabe-lhe a promoção e organização de
conferências e seminários, bem como a articulação com os diferentes níveis da classe
universitária e estudantil em geral, tornando-se, assim, o elemento dinâmico da elaboração
doutrinária do Partido. Compete-lhe trazer para a organização o pensamento de professores,
técnicos, especialistas para impulsionar o mais amplo debate dos problemas partidários,
através inclusive de elementos não vinculados ao M.D.B” (“O M.D.B. Aproximando o
Futuro”, 24 de agosto de 1975:11).
O documento acima citado foi aprovado pela “Convenção Regional do
partido”, no Rio Grande do Sul, realizada nesta data em Porto Alegre e encaminhada à
242
“Convenção Nacional” realizada em setembro do mesmo ano
61
. Neste texto detecta-se que
a preocupação norteadora das deliberações é a de “aprofundar a unidade de ação
partidária”, afirmando a necessidade de intensificar a “atuação de órgãos multiplicadores
do debate das teses partidárias nos campos econômicos, políticos e sociais”. Com este
objetivo, enfatiza a urgência de estruturação nacional, estadual e municipal do Setor
Jovem, do Setor Feminino, do Setor Trabalhista e do IEPES, entendidos enquanto
“organismos de apoiamento [que] abrangem áreas nevrálgicas da vida nacional, cuja
importância se faz crescente no mundo contemporâneo” (Idem: 12).
A presidência formal do IEPES ficou a cargo do “autêntico
62
” Lindovino
Fanton, mas, segundo os relatos, seria André Forster, com a “vigília de Pedro Simon”, que
conduzia de fato o “órgão”. Fanton seria somente a garantia para que “essa gurizada não
tomasse conta, não fizesse bobagem” (entrevista com Paulo D’Ávila), mas acabara se
constituindo no “padrinho” do Instituto, sem nunca interferir na condução dos trabalhos.
Logo, a versão predominante identifica não apenas os méritos da fundação
como também da administração do IEPES na liderança de André Forster, viabilizada por
sua aproximação com o deputado Pedro Simon. E a imputação ao primeiro dos
empreendimentos inaugurais de constituição do Instituto aparece como não dissociada das
condições disponíveis para ele naquele momento. Ou seja, por um lado, pelo trânsito
partidário, por estar trabalhando dentro do MDB ao lado da principal liderança parlamentar
do partido e, por outro lado, pelo trânsito intelectual viabilizado pelo engajamento político
estudantil e profissional: foi presidente do centro acadêmico Franklin Roosevelt (antiga
filosofia da UFRGS) e do DCE no final da década de 60, militou no PCB, era então
61
Nesta ocasião, o então deputado Pedro Simon fora reeleito Presidente do Diretório Regional gaúcho do
MDB, com 562 votos dos 565 delegados presentes (jornal Movimento de 01/09/75, p. 5).
62
No Rio Grande do Sul, os parlamentares “autênticos” eram provenientes do PTB, como Alceu Collares,
Getúlio Dias, Elói Lenzi e se caracterizam por posicionamentos mais “combativos”. Posteriormente, um
nova geração de parlamentares, “safra própria do MDB”, se definiu como “neo-autêntico”. Com destaque
para Lindovino Fanton, Jorge Uequed, Rosa Flores, Waldir Walter e Eloar Guazelli. No início da década de
setenta, a “juventude” do MDB estabeleceu algumas aproximações com estes “grupos” para se opor aos
políticos “mais tradicionais” do partido e conquistar alguns espaços no âmbito institucional. Na segunda
metade da década, dedicaram-se mais fortemente a se contrapor imputando-os uma herança populista, tal
como pode ser observado no fragmento extraído de um artigo de Adelmo Genro: “A maioria dos
parlamentares que hoje formam o grupo neo-autêntico, assim como ocorreu com os autênticos, não foram
eleitos em função de uma plataforma diferenciada da totalidade da Oposição, mas no bojo de um processo
político que possibilitava a eficácia eleitoral de conceitos genéricos de oposição desde que apresentados com
certa veemência. Foram eleitos, portanto, não como facção conseqüente da Oposição, mas a partir de
complexas alianças e vinculações com a estrutura intermediária do MDB, onde persiste fortemente o
oportunismo e os vícios do populismo” (Jornal Informação, 25/11/76:08).
243
presidente da associação de sociólogos e possuía contatos com componentes do CEBRAP,
entre eles, seu maior expoente Fernando Henrique Cardoso
63
.
Como já foi mencionado, o recrutamento dos componentes do IEPES se deu
entre os “quadros” universitários, mas, à medida que o mesmo foi intensificando suas
atividades, militantes vindos de outras experiências políticas (sindicais, ex-militantes da
luta armada, secundaristas, trabalhistas, etc.) foram se incorporando. Os entrevistados
comungam com a perspectiva de que a principal razão para a inserção neste espaço se
devia à possibilidade de interlocução entre a esquerda política/intelectual com a proteção
institucional e/ou pela inviabilidade de utilizar outros mecanismos de intervenção política
com vistas à superação do “regime militar” imposto. Adiciona-se a isso, a oportunidade de
expansão da ação política para um âmbito institucional (ocupação de espaços) como um
dos passos que permitiriam o fortalecimento de “projetos” futuros de agremiações
políticas:
“O André começou a procurar o pessoal da Universidade pra se engajar com ele. A gente
não acreditava muito nisso, ninguém acreditava no MDB, [mas] era um espaço que
permitia àqueles tinham estado presos, que tinham estado fora um tempão. Nós tínhamos
todo um cuidado pra não ser envolvidos novamente num outro processo. Como a gente
precisa de uma espécie de guarda-chuva protetor, de ter um local seguro para se reunir
protegido, que não era nenhuma reunião clandestina, fechada, era dentro do poder
legislativo” (Entrevista com Raul Pont).
“resolvemos assim: precisamos ter uma existência legal, né, assim uma fachada pelo
menos, aí entramos pro MDB, criamos o IEPES, Instituto de Estudos Políticos e Sociais do
MDB, do André Foster, que foi secretário geral. A relação com André era bem interessante.
O André, apesar de o André ser muito submisso ao Simon, totalmente, e à estrutura do
MDB, era um parceiro que procurava mediar entendesse? Sempre dava uma mediadinha”.
(Entrevista com Carlos Alberto De Ré).
“E é um momento muito assim, vivo, né. Porque o ciclo da luta armada estava
esmorecendo, porque as derrotas tinham sido muito grandes... Mas uma boa parte da
esquerda ainda relutava muito em aceitar que o caminho institucional, a participação nas
eleições, parlamentar, da disputa da opinião pública fosse a melhor estratégia de
democratização. (...). O André, era meu contemporâneo de universidade, tava trabalhando
com assessoria do MDB, quando voltei, eu o procurei e eles já tinham o IEPES
funcionando, sempre aos sábados, lá na Assembléia” (Entrevista com João Carlos Brum
Torres).
“A gente vê no IEPES uma possibilidade de militância política no movimento democrático
como um todo, mais além do movimento estudantil. Através do IEPES e do MDB, que
naquele momento nós víamos como um partido que permitia essa proteção né, pra luta
democrática. Nós éramos da visão de que era importante essa militância legal do MDB,
63
Além das vindas ao RS em decorrência da realização da tese sobre o sistema escravista gaúcho, Fernando
Henrique participou como conferencista da Semana de Sociologia ocorrida em Porto Alegre em novembro de
1968. O título da conferência proferida foi “Ideologia e Desenvolvimento”.
244
embora muitos tinham militância clandestina, nós víamos que era importante fortalecer o
processo democrático criar... fortalecer esta frente democrática que o MDB representava, e
o IEPES era o nosso canal de entrada através de André Forster e de alguns militantes do
MDB que tinham a visão mais progressista né”. (Entrevista com César Busatto).
As atividades do IEPES eram basicamente de três tipos: reuniões de
discussão da conjuntura, seminários com “personalidades intelectuais” para um público
maior e palestras/cursos dos membros do IEPES de Porto Alegre juntos aos IEPES do
interior do estado.
“Eu participava do IEPES em Caxias do Sul. Mas o nosso IEPES lá era um pouco diferente
daqui. Enquanto que aqui o IEPES tinha mais essa dimensão, vamos dizer, intelectual (...)
Lá tinha o caráter mais de promoção do que de agregação (...). Achamos que devíamos
fazer, através do IEPES, ações políticas mais avançadas que as do Setor Jovem. As do Setor
Jovem era de trabalhar. Também era de discussão, discutir partidos políticos, formação
histórica do Brasil, mas o IEPES lá ia na base da promoção, um dia trazia dois, três
palestrantes aqui da capital, pra discutir o modelo de desenvolvimento brasileiro, o milagre
brasileiro, etc., etc. Nós chegamos a levar pra Caxias até o Bolívar Lamounier”. (Entrevista
com José Ivo Sartori).
“Continuei com a minha atividade estudantil no curso de agronomia e no diretório
acadêmico e paralelamente no Setor Jovem do MDB, e passei a integrar o IEPES, que era
uma espécie de um braço dos setores pensantes do MDB, da intelectualidade do MDB. No
Rio Grande do Sul, o senador Pedro Simon apoiou a criação do IEPES para que a esquerda
tivesse um espaço para formular propostas e onde a esquerda atuava numa forma mais de
discussão política. Porque o MDB era um partido bastante heterogêneo, forças políticas
desde setores liberais até a esquerda. Então a esquerda, pra poder ter um espaço maior,
organiza o IEPES (...)”. (Entrevista com Flávio Coswig).
As reuniões semanais teriam chegado a contar com mais de 40 participantes,
sendo que com “assento direto” na mesa de discussão somente lideranças do IEPES e/ou
representativas de algum “movimento”, “tendência” ou “setor”, na expressão utilizada por
um entrevistado, de “personalidades mais articuladas”: Dilma Roussef, André Forster, Luiz
Miranda, Cristiano Tatsch, Raul Pont, Sólon Lemos, foram alguns nomes citados. Nestas
reuniões organizavam-se “grupos temáticos” (entre eles: saúde, educação, economia e
sindicalismo) responsáveis pela sugestão de textos para discussão que eram publicados nos
chamados “Cadernos do IEPES”. Ocorriam divergências com relação a temáticas e
posicionamentos que se refletiam na confecção e apropriação destes cadernos, mas, ao
mesmo tempo, os artigos retratavam o acordo da ordem de problemáticas que eram
priorizadas.
245
Os seminários, por sua vez, se constituíram na grande marca de existência e
“contribuição” do IEPES para os agentes politicamente engajados nos anos 1970.
Considerada a principal estratégia de “formação ideológica”, os intelectuais regionais e
nacionais convidados a participar eram reconhecidos pelas formulações ou reinterpretações
da dinâmica social, política e econômica brasileira, segundo perspectivas marxistas. O
sucesso do primeiro seminário e o ciclo de palestras promovidas pelo IEPES/MDB
confirmava a afluência dos preceitos concebidos com o rótulo acadêmico no âmbito das
concepções e intervenções políticas. Francisco Weffort, Francisco de Oliveira e Fernando
Henrique Cardoso, seguidos por José Álvaro Moisés, Paul Singer, Bolívar Lamounier e
Darcy Ribeiro, estão entre os mais citados e sempre referidos pelos entrevistados.
A terceira modalidade de engajamento dos membros do IEPES era a
promoção e a participação em cursos/seminários promovidos em colaboração com os
IEPES formados no interior do Rio Grande do Sul. Nestes locais, o significado e o formato
das atividades variavam um pouco, contudo permanecia a idéia de um espaço de
elaboração intelectual/política e formação de quadros.
O desenvolvimento do IEPES expressou-se igualmente na organização, em
1976, de uma espécie de curso para prefeitos e vereadores com base em um documento
chamado “O MDB e a Ação Municipalista” com repercussão nacional. No mesmo eram
apresentadas “teses” sobre “as eleições de novembro, os programas da oposição no poder
municipal e a participação popular no governo das cidades”, conforme foi publicado no
jornal Movimento, (20/06/76: 4-5). Uma semana depois (28/06/76:3) foi publicado no
mesmo jornal o artigo de Miguel Bodea “O que fazer nas prefeituras?”, escrevendo como
membro do IEPES:
“Uma das questões centrais que se colocam, hoje, perante o partido de oposição é, sem
dúvida alguma, a criação e o fortalecimento de mecanismos de efetiva participação popular
nas administrações municipais oposicionistas, única instância do poder executivo à qual o
MDB tem acesso nas atuais circunstâncias. (...) Uma administração fundamentalmente
voltada para os bairros e vilas populares, principalmente da periferia, naturalmente deverá
mobilizar estas populações nas mais diversas formas de co-participação (...). Cabe àqueles
posicionados ao lado da luta por uma verdadeira democracia, econômica e social
aprofundar o debate em torno destas questões, adiantar críticas, propor alternativas e
fortalecer experiências de participação popular já em curso” (Movimento, 28/06/76, p.3) .
246
Os temas contemplados no documento integravam o repertório de
proposições da “juventude” e da “esquerda” emedebista gaúcha e de suas campanhas nas
eleições de 1976. Sobre as diretrizes das administrações, o documento do IEPES elenca
como planos de ações as reivindicações de bandeiras junto as demais esferas (estadual e
federal), a criação de estruturas administrativas adjetivadas de “eficientes” e “dispostas a
efetuar mudanças sócio-econômicas em prol da comunidade local, em particular dos
segmentos mais desfavorecidos da população” e a “participação popular”
64
.
No que diz respeito à “participação popular” o texto é mais incisivo,
sustentando: “Uma das questões centrais que se coloca (...) é a criação e fortalecimento de
mecanismos de efetiva participação popular nas administrações municipais oposicionistas,
única instância do poder executivo à qual o MDB tem acesso nas atuais circunstâncias”
(“O MDB e a Ação Municipalista”, 08/76: 121). O argumento prossegue defendendo tal
iniciativa como um “embrião” do modelo político, econômico e social proposto para o país
e como propulsor da potencialidade da atuação da “sociedade civil”.
A propagação de tais temáticas no partido por meio desse documento, por
um lado, explicitava as discussões travadas no interior da “intelectualidade” do MDB
(reuniões do IEPES, dos grupos, de estudantes, etc.), por outro lado, abria um espaço para
a construção de deferentes apropriações por parte dos agentes engajados nas mesmas
questões. Em outros termos, é cabível afirmar que o trabalho de publicização das idéias
junto “às bases” pela direção do partido fortaleceu a “teses”, todavia as generalidades das
elaborações possibilitavam diferentes usos (mais ou menos radicalizados), cujo exercício
de atribuição de significados permanece em curso até os dias atuais.
Este conjunto de posicionamentos incidiu diretamente nas “plataformas” das
“candidaturas jovens” em todo o Rio Grande do Sul e nas referências da “esquerda jovem”
do partido no pleito de 1976. Como foi o caso da campanha de Marcos Klassmann, que
realçava a preocupação com a ativação política das “massas” ou da “população” (dentre
outras denominações) como significado de “politização”, o que se refletia,
conseqüentemente, na exigência da “politização da política municipal”.
64
Este documento é resgatado em discussões atuais sobre a “paternidade” do Orçamento Participativo,
experiência que marca as administrações “petistas” (leia-se: Olívio Dutra, Tarso Genro, Raul Pont).
247
248
Também a partir das entrevistas realizadas, foi possível detectar dois
momentos no percurso de existência do IEPES. O primeiro referente ao que foi descrito até
aqui, ou seja, de maior efervescência da participação no “canal institucional” oferecido
para a manifestação dos diversos posicionamentos, de promoção de eventos com
intelectuais de notoriedade com um alto grau de atração de um público variado e de
produção de documentos de formação política. O segundo momento seria resultante de
uma ruptura, caracterizada por alguns entrevistados como “racha” ou “golpe”, e se
constituiria na realização de atividades com baixa expressividade e numa diminuição
significativa da inserção dos “quadros” à esquerda do MDB.
O “racha” aparece como produto do crescimento acentuado do IEPES,
suscitando, assim, a disputa entre os que queriam maior autonomia frente ao partido e os
que adotaram a postura de “centralização”, isto é, queriam canalizar para o partido os
trunfos conquistados. A divergência teria sido deflagrada com a indicação da direção do
IEPES por Pedro Simon e não mediante uma eleição. Um dos aspectos observados é que
havia uma divisão dos quadros entre aqueles que alternavam a militância no IEPES com
vínculos com organizações estudantis, clandestinas, sindicais, etc. e aqueles que
priorizavam a participação no instituto (vinculados ao MDB e à liderança de André
Forster) ou eram “independentes" (logo sem vínculos externos). Isto esclarece o
significado atribuído ao termo “independente”, geralmente designando a não ocorrência de
“dupla militância”, como teria sido o caso de João Carlos Brum Torres, que saiu no
momento do “racha”, mas teria retornado a convite de Forster:
“(...) Eu trabalhava na Assembléia nesse GAS, não podia lecionar, então eu trabalhava na
Assembléia, e foi uma coisa muito horrível aquilo, foi muito duro admitir, muito injusto
acho deportamos o André assim. Destruímos um trabalho que ele tava, tinha feito assim
laboriosamente, e uma postura super delicada né. E aí depois deixou passar uns tempos ele
foi lá na sala onde eu trabalhava e: ‘tchê, vem cá, nós vamo ter que retomar esse negócio,
não pode ficar assim, deixar pra trás essa briga’. E aí me chamaram de novo, aí eu fiquei
meio assim, nós tinha ficado também muito brabo com ele, tinha fechado o troço, mas nem
era ele que tinha fechado, quem tinha fechado era o Simon, o Collares (...). Bom, a gente
voltou a trabalhar com ele, e aí ele teve um grande ciclo de debates assim, acho que tinha
umas duas vezes por ano”. (Entrevista com João Carlos Brum Torres).
Não por acaso, aqueles que se retiraram do IEPES, com a reorganização
partidária optaram, principalmente, pelo PT, enquanto aqueles que permaneceram
249
identificados com o IEPES e André Forster mantiveram-se, ao menos num primeiro
momento, no partido “sucedâneo” do MDB, o PMDB. Muitos deles atuaram igualmente no
Gabinete de Assessoria Superior (GAS) do MDB e, em alguns casos, indicados pelo
próprio Forster. Além de Luiz Miranda e do próprio Forster, trabalharam na Assembléia,
Brum Torres, Sérgio Weigert, Paulo de Tarso Loguércio (primo dos já referidos Mercedes
Cánepa, Mara e José Loguércio), Cristiano Tasch, Bernardo de Souza, César Busatto, entre
outros.
Este último conta que estava chegando da estada de estudos no México e
aderiu ao MDB com a aproximação a André Forster e Brum Torres. Tendo participado
anteriormente do “grupo de economia”, diz que tivera alguma identificação com o “pessoal
do Raul Pont”, tendo participado “organicamente do POC”, mas que, no retorno, teria feito
uma “opção pela luta democrática” em detrimento da “concepção mais “doutrinarista” que
eu chamo, mais socialista, diretamente socialista do Raul Pont”. O mesmo ressalta que “a
própria Dilma [Roussef] liderava o movimento mais de defesa realmente do processo
democrático, pelas liberdades democráticas e por um movimento que se colocasse mais na
luta da conjuntura do momento que era a luta democrática efetivamente” (Entrevista com
César Busatto).
A importância adquirida pelo IEPES fora ativada, ainda, na candidatura de
André Forster a deputado estadual nas eleições de 1978. Apresentando-se como sociólogo,
secretário executivo do IEPES, membro do Conselho Estadual do Setor Jovem e assessor
direto de Pedro Simon, ele contou na sua campanha com o engajamento de uma série de
militantes. No conjunto dos relatos, a campanha de Forster constituiu, a exemplo da de
Marcos Klassmann em 1976, como um episódio marcante dos engajamentos, pelo
significado oposicionista e pela propagação dos elementos que compunham então o
“ideário esquerdista” dos militantes analisados.
250
Ele com Américo Coppeti polarizaram as opções “à esquerda” do MDB
gaúcho naquela eleição. Porém, esta polaridade não teria significado uma rivalidade entre
os candidatos, pelo contrário, nos relatos proporcionados, os agentes salientam a existência
de “solidariedades entre as candidaturas”, o que é condizente com o trabalho de afirmação
dos agentes e dos seus espaços em relação aos demais “grupos” empreendido naquele
período. Com efeito, a divisão dos aderentes expressava isto sim, uma série de
alinhamentos anteriores e desenhava cenários partidários futuros. Ao lado de Coppeti, o
“pessoal do Raul Pont” que deseja constituir uma Tendência Socialista no interior do MDB
e preparava a formação do PT e, com Forster, estariam aqueles que falavam em nome das
“liberdades democráticas” e, muitos deles, vinculados ao GAS e à Fundação de Economia
e Estatística.
251
As “opções táticas” divergentes entre os agentes não impediu a constituição
de fatores de aproximação entre eles, sobretudo quando se impunha a necessidade de
afirmar-se como “novidade política” relevante frente aos demais posicionamentos já
estabelecidos. Se a contestação contra a “ditadura” apresentava-se como a principal
referencia de síntese para os militantes, durante os anos setenta a afirmação do “conteúdo
popular” e a crítica ao populismo promoveram igualmente a convergência nos
posicionamentos adotados pelos contemporâneos de “luta”. Tal afirmativa pode ser
constatada por meio da participação das principais lideranças e dos diferentes grupos em
uma chapa concorrente à Convenção do Diretório Metropolitano do MDB de Porto Alegre
realizada em 26/8/1979. Conforme explicitado no material que se referia ao acontecimento,
esta seria a oportunidade de avaliação das forças com relação à organização partidária.
Com a denominação de “Frente das Oposições pela Organização dos
Trabalhadores" e em oposição à chapa auto-denominada trabalhista composta pelo ex-
prefeito Sereno Chaise, pelo vereador Clóvis Brum, etc., a chapa tinha “como eixo
programático central a combinação da unidade de todas as oposições no combate à
ditadura militar e a defesa de organização independente dos trabalhadores e setores
populares. ...”. Compunham a mesma, a Tendência Socialista (José Carlos de Oliveira,
Raul Pont, Paulo D`Ávila, Renato Oliveira, Flávio Silveira, Gerson Almeida, Luis
Marques, entre outros) e as Oposições Populares (André Forster, João Carlos Brum Torres,
Cristiano Tatsch, Pedro Bisch Neto, Tarso Genro, Adelmo Genro, Carlos Horácio Herz
Genro, etc.).
Entre os primeiros, aqueles que foram constituir o PT e, na sua grande
maioria permanecem ainda no partido. Os outros foram defensores da permanência no
PMDB, mas muitos deles romperam com o partido em momentos diferentes. Dos citados,
somente João Carlos Brum Torres e Pedro Bisch Neto continuam filiados no mesmo. O
primeiro, entre vários altos cargos já ocupados foi Secretário de Planejamento no último
governo peemedebista de Rigotto, finalizado em 2006; e o segundo foi o Chefe da Casa
Civil no mesmo governo. Tarso, Adelmo e Carlos Horácio Genro, como foi visto em seção
anterior, saíram do PMDB ainda no início da década de oitenta. E, os demais, saíram em
2002, em decorrência da oposição feita pela cúpula partidária à candidatura de Antônio
Britto à reeleição pelo governo do estado.
252
253
Para finalizar, cabem algumas considerações sobre o perfil e itinerário geral
dos agentes que constituíra o “núcleo central” do IEPES na sua segunda “fase”. Em
primeiro lugar, todos têm formação universitária e, afora André Forster, que era sociólogo,
predominam as formações “mais técnicas” (como economia e engenharia) e principalmente
uma instrumentalização dos títulos escolares e profissionais com vistas à ocupação de
cargos. Da mesma forma, à exceção de Forster, que concorreu a cargos eletivos
65
,
elegendo-se vereador em 1982, sendo líder da bancada peemedebista e presidente da
Câmara de Vereadores e César Busatto que, no que pese ter sido deputado estadual por três
legislaturas, observa-se no seu itinerário
66
a preponderância de postos e de uma “postura”
demarcadamente “técnica” (inclusive se constituindo em trunfo eleitoral primordial), os
demais agentes não investiram em carreiras eleitorais e privilegiaram a ocupação de altos
cargos administrativos, especialmente secretarias municipais e estaduais e presidências de
empresas estatais. Com a reorganização partidária, ficaram no PMDB. Forster antes de
morrer, em dezembro de 1996, ocupava postos de direção do partido, após ter sido
secretário de Ciência e Tecnologia no governo de Pedro Simon, e na sua consagração
póstuma são enfatizadas as “qualidades intelectuais” e de “mobilização” exemplificadas na
referência às posições de líder estudantil, sindical, no contato com intelectuais e condução
do IEPES
67
. Boa parte dos militantes que liderava nos anos setenta saiu do PMDB, em
2002, para ingressar no PPS, liderados por Antônio Britto.
Entre eles, destaca-se César Busatto que, como outras lideranças das
“gerações” de militantes tratadas neste capítulo, apresenta-se como porta-voz de
determinadas forças do espetro político local no debate em torno da concepção de
“participação popular”. Apesar das primeiras sínteses terem sido formuladas no interior do
IEPES e do MDB, a concretização da chamada “experiência do orçamento participativo
em Porto Alegre” fixou à sigla do PT e aos seus líderes o “pioneirismo”, a “paternidade”,
etc., evidentemente não sem resistências e protestos por parte dos militantes do PMDB.
Porém, com a “tomada da prefeitura” de Porto Alegre por parte do PPS com a eleição de
José Fogaça (que acionou a continuidade e a reformulação do OP como “bandeira de
65
Porém é na posição de presidente do diretório estadual do PMDB no final dos anos 80 e durante a década
de 90 que adquiriu maior notoriedade, reconhecimento este muitas vezes associado às suas “habilidades” de
administração, formulação e negociação tidas como provenientes de uma “qualificação técnica”.
66
Ver capítulo anterior.
67
No capítulo seguinte é analisado o grande-expediente em homenagem a André Forster promovido na
Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul.
254
campanha”), César Busatto a partir da ocupação do Gabinete de Governança Local passou
a participar dos embates acerca da definição, implementação e condução das “experiências
de participação popular”. Para tanto, como seus contemporâneos de contestação ao
“regime militar”, aliou ocupação de cargos político e “produção intelectual” por meio de
um livro (Democracia, Prosperidade e Responsabilidade Social) e de artigos em jornais no
qual afirma uma idéia de “governança solidária”, “cogestão”, de inspiração cristã e com
uma definição mais tecnicizada, em contraposição às versões mais ligadas ao socialismo,
marxismo, etc.
Coradini (2002) traçou alguns elementos de diferenciação quanto às
tomadas de posição dos diferentes agentes ligados aos variados “grupos políticos” no
estado acerca da participação política. Assim, devido à bipolaridade assumida nos
confrontos eleitorais e ao uso da “experiência do OP em Porto Alegre” pelas lideranças
ligadas ao PT, teria havido uma ofensiva iniciada ainda durante a implementação do
mecanismo de participação popular no governo do PT no estado. Entram em choque e
articulam-se princípios centrados na territorialidade e no pertencimento comunitário e na
representação individual do cidadão ou no caráter “consultivo” versus “participativo”, etc.
A participação de César Busatto na Secretaria Municipal do governo de José Fogaça
constitui mais um movimento nas lutas ideológicas e das articulações políticas em torno da
“questão da participação política”.
Capítulo 4 – GRANDES EXPEDIENTES COMO LUGARES DE CONSAGRAÇÃO:
“MEMÓRIA”, “GERAÇÃO”, “EVENTOS” E “HERÓIS”
Neste capítulo a análise se concentra em um material específico: os
pronunciamentos proferidos em Grandes Expedientes da Assembléia Legislativa do Estado
do Rio Grande do Sul, propostos por parlamentares com vistas a homenagear diferentes
militantes, eventos e “gerações” que atuaram em distintos momentos do “regime militar”
brasileiro. Antes da apresentação dos casos examinados, cabe discutir alguns aspectos mais
255
gerais acerca dos significados e as categorias consideradas relevantes para a apreensão de
dinâmicas de consagração deste tipo.
Pode-se facilmente observar que a mera declaração de algum tipo de
atuação durante os anos sessenta e setenta acabou se afirmando como trunfo básico de
valorização biográfica e tal inscrição conta com a elasticidade da demarcação cronológica
oficial (no mínimo de 1964 a 1979). A multiplicidade de domínios politizados
(universidades, escolas, sindicatos, igrejas, etc.) e de modalidade de intervenção legítimas
naquela conjuntura (desde ser simplesmente simpatizante ou ter um amigo “militante” até
“pegar em armas” e ir militar no “exterior”), bem como as generalidades de cunho
processual como “atuar na resistência ao regime militar”, na “luta contra a ditadura”, “pela
redemocratização do país”, etc. favorecem a fixação de um elenco de critérios de
celebração.
Esta valorização é resultado de um trabalho incessante de ativação das
singularidades que marcaram o período, mas, além disso, da “excepcionalidade” atribuída
às condições históricas que marcaram a entrada na política de agentes que, posteriormente,
conquistaram posições de destaque em diferentes domínios sociais. Sem falar na gama de
registros e objetos compartilhados e disputados forjados nas suas inserções inaugurais –
mesmo que tenham ingressado em “fases” diferentes do “regime militar”, extraído recursos
diferenciados e com destinos variados – que permitiram aos agentes constituírem um
quadro de referências comuns constantemente atualizadas ao longo dos itinerários
individuais e coletivos.
Constata-se a configuração de um “sentimento de contemporaneidade” entre
os protagonistas que atuaram nas mesmas condições e que – com a colaboração de
analistas, simpatizantes, e dos mais diversos agentes – fornecem avaliações e versões
retrospectivas sobre o “período” e sobre os “personagens” e assim produzem tal
“excepcionalidade” histórica e militante.
Não raro, para as descrições e inscrições “no passado”, os militantes
utilizam da idéia de “geração” como referência de síntese para localizar os
“contemporâneos”, para diferenciá-los dos demais “atores políticos” e para delimitar um
espaço de atuação e de identificação “no presente”. Tem-se que a alusão ao passado
permite reconstituir justificadamente o itinerário percorrido e, assim, revelar uma dinâmica
256
de constituição e fortalecimento de grupos de pertencimentos e de fronteiras sociais, de
expectativas e desencantos, de complementaridades e oposições irreversíveis (Pollak,
1989). Neste trabalho, os agentes alimentam seus círculos de reconhecimento e sustentam
alguns dos elementos necessários para manter-se em identificação.
Portanto, a reivindicação da idéia de “geração” atualiza o círculo de
reconhecimento que confere estatus àqueles que conseguem se situar nas suas fronteiras e
dela retiram atributos e trunfos políticos nas suas “lutas” contemporâneas. É preciso frisar
que não se está tomando uma idéia de “geração” como grupo homogêneo de pessoas com
as mesmas concepções, crenças, desejos, frustrações, tampouco a delimitando por classes
de idades, estilos de vida, nem mesmo por um “patrimônio” comum político, intelectual,
moral, etc. (Favre, 1989). Entende-se que esta categoria – como outras que são referidas –
comporta lógicas específicas de construção de referências comuns que se define por
estratégias de pertencimento e de consagração diferentes para aqueles que a utilizam. É na
idéia de identificação ou reconhecimento distintivo pela inserção em determinados eventos
que reside à chave dos vínculos geracionais, isto é, os agentes se identificam e identificam
os outros como pertencentes à mesma “geração” e operam a mesma atribuição tanto para
os mais próximos como para seus concorrentes (Girardet, 1983:184).
A noção de evento aparece, então, como critério de constituição geracional,
pois é o fato de ter “compartilhado” determinadas situações que leva os agentes a
“experimentar sua contemporaneidade, se apropriar de seu tempo, fundar sua memória
coletiva” (Favre, 1989: 309). Isto não significa dizer que o evento “fabrica” uma “geração”
– nos termos propostos por Sirinelli (1996) para o qual é a partir de um evento fundador
marcante que se constitui a “geração” – “como se o evento gerador fosse exterior aos
homens que dele participam”, ao contrário, “são os homens que fundam o evento e que lhe
conferem seu valor de evento” (Favre, 1989:312).
No material investigado para esta tese, salientam-se a recorrência de dois
elementos como primordiais para a caracterização de “eventos singulares”: a mobilização
de agentes com posicionamentos variados em determinadas situações, neste caso a
valorização de manifestações, campanhas, espaços de discussão, etc. tidas como
excepcionais; e as circunstâncias de violência, principalmente com mortes concebidas
257
como exemplares. Este último ponto remete a importância de examinar as homenagens aos
“mortos” numa lógica da retribuição e de consagração.
Sendo assim, pode-se adotar algumas indicações de Yves Hélias (1979) no
sentido de considerar a consagração dos “mortos” como reflexo de uma “estrutura de
trocas simbólicas” impulsionada pela crença na função gratificante desempenhada pelo
indivíduo (em vida). O “julgamento valorizante” das qualificações ou ações do indivíduo
legitima a realização de “homenagens” que acaba assumindo o caráter de retribuição
suscitada pelo reconhecimento por parte daqueles que permanecem vivos. Este sentimento
de “dívida simbólica” com o indivíduo privado de vida, não se funda apenas na
consagração de sua “obra” (num sentido bem amplo), mas simultaneamente uma
consagração de um universo de significados – no caso de um período de lutas, eventos,
feitos, marcas – que, em última instância, consagra os agentes que oferecem a homenagem.
Estes, além de “amortizar” uma dívida histórica com o homenageado, retiram do ritual,
através dos vínculos atualizados nas falas, trunfos políticos para si mesmos. Deste modo,
os elementos articulados à figura dos homenageados permitem a compreensão de “todo um
jogo de papéis cujo funcionamento é particularmente esclarecedor”, além das lógicas que
tornam o homenageado “credor” e aqueles que homenageiam “devedores” (Hélias,
1979:747)
Para os casos em que a morte ocorre em “combate”, maior é a proporção da
dívida e a gama de atributos que são acionados para adjetivar aquele que perde a vida em
nome de uma “causa”. Neste caso, a heroicização pode assumir uma feição de gratificação
máxima, de eternização e sacralização do agente e de seu “feito”. Conforme Coradini
(1998b:212), “o que distingue os agentes sociais considerados como heróis dos meramente
dominantes” são os “valores culturais” que os primeiros encarnam e a eles é conferido uma
posição na “ordem do sagrado, em oposição ao profano”.
Há uma série de lógicas de consagração social que “substancializam e
personificam instituições ou processos coletivos, que não apenas ‘figuras’ individuais, mas
também instituições ou categorias podem ser heroicizados, através da reificação de
abstrações e personificação de coletivos” (Coradini, 1998b:212-213). E ainda, tais lógicas
são operadas por aqueles que ao “heroicizar” (indivíduos, instituições ou categorias)
estabelecem a sua própria proximidade com o “objeto sagrado”, revelam os recursos
258
valorizados, consagram eventos e apresentam-se como detentores do “patrimônio
coletivo”.
Evidencia-se uma multiplicidade de formas, agentes, motivos, alvos,
espaços condizentes com as estratégias de consagração, não necessariamente
racionalizadas como tais. Contudo, a promoção de cerimônias de homenagem adquire um
“valor de evento” porque mobilizam agentes autorizados a tomarem a palavra para celebrar
os “heróis”, defini-los como tal e, assim, definir a lógica de hierarquização dos agentes
segundo aqueles critérios e apresentar-se, de alguma forma, como detentores dos mesmos.
Estes princípios, então, emergem em situações “ritualísticas” que ganham uma conotação
contundente quando dizem respeito a espaços vinculados ao “mundo político”,
consagrados como espaços de consagração.
Nestes momentos, funcionam os ritos de instituição que “consistem em
sancionar e santificar um estado de coisas (...) fazendo-a conhecer e reconhecer, fazendo-a
existir enquanto diferença social” (Bourdieu, 1996: 99). Os mesmos contam ainda com a
consagração oficial (reconhecida pelo estado e por meio da instituição em que ocorre) dos
“heróis” e o “direito à eternização” que, em última análise, possibilitam apreender:
“princípios de aferição da excelência ‘humana’ e, portanto, de hierarquização social (...)”,
assim como as “lutas visando à imposição de critérios específicos de ‘grandeza’, e sua
consagração e oficialização” (Coradini, 1998b:211-212).
Cabe destacar que tais disputas pelos “atributos” e “qualidades” a serem
celebrados atravessam as fronteiras da própria “geração” (exprimindo posições que nas
cerimônias atualizam alianças e rivalidades), mas capturam igualmente o crédito daqueles
que foram adversários no momento inaugural e daqueles que ingressaram posteriormente.
“Os lugares onde ela [a memória] se condensa e se exprime têm em comum o fato de
serem lugares comuns, centros de participação coletiva, mas passíveis de uma imediata
apropriação pessoal... a memória geracional advém de uma sociabilidade de conjunto
histórico e coletivo para se interiorizar até as profundezas viscerais e inconscientes que
comandam as escolhas vitais e as fidelidades reflexas. O ‘eu’ é ao mesmo tempo um ‘nós’”.
(Nora, 1997, p. 3003).
Para o caso em pauta, estes mecanismos da “memória”, de certa maneira,
também produzem um efeito sobre-regenerador, quer dizer, criam ou redefinem formas de
259
gratificações (não materiais), baseadas na afirmação de valores como integração social,
sentimento de participar de uma “causa justa” e engajamento em uma “aventura rica de
sentido” e de “devotamento”, característicos das estruturas militantes (Gaxie, 1977).
4.1 – “Causas”, “heroísmos” e “patrimônio partidário” na homenagem aos
“Guerrilheiros do Araguaia”
"À sombra dos tempos vividos,
Semeados pela emoção,
Repousa o guerrilheiro
Que diante da inesperada e violenta
Morte esperada,
Deixou em nós, viva,
A semente do solo araguaio.
Mergulho nas recordações
E na fumaça do cigarro
De marca Continental, sem filtro,
E recordo cada irmão tombado
E não tombado.
E indago sob a névoa fria e sombria:
A que sobrevivemos
Guerreiros sem ilusão?
(...)
Grabois, Arruda, Arroio, Pomar,
Danielli, Drumond
E tantos e tantos irmãos
Para quem por certo à pena valeu
E pesa a angústia de ter sobrevivido, Pesa muito ter escapado.
Pesa e dói fundo.
N'alma de quem restou.
Pesa a rotina da insensibilidade,
O cartão de crédito e a festa vazia,
A saudade dos amigos de antes e do violão,
Do que era simples, forte e transparente
(...)
Na memória e na trilha guerreira
Dos irmãos idos e vindos, perdidos e encontrados,
Do sonho e do pesadelo.
E, apesar de tudo e do ventre da besta imunda,
que do lado de cá seu rastro marcou,
Do martírio de uma época que não se foi,
O sonho não acabou."
260
O fragmento acima é de um poema, lido pela deputada Jussara Cony no
Grande Expediente em homenagem aos “guerrilheiros do Araguaia” e teria sido feito por
um militante do partido que assina somente com o seu “nome de clandestinidade”, Daniel.
A “Guerrilha do Araguaia”, como já foi salientado, resultou dos
empreendimentos de militantes do PC do B que defendia a luta armada, com base em uma
“perspectiva maoísta”, seguindo a “linha” da revolução chinesa que se pautava pela defesa
da chamada “Guerra Popular Prolongada”, fundamentada num “exército camponês”
mobilizado por “lideranças comunistas”. Para formação desses “quadros guerrilheiros”
teriam “enviado” alguns ativistas para a realização de “cursos” na Academia Militar de
Pequim em 1964 e, posteriormente, investido na criação de uma “base de treinamento
militar” nas margens do rio Araguaia, localizado no estado de Tocantins.
Visavam a “organização” da “guerrilha rural” no Brasil. Sendo assim, os
primeiros militantes teriam começado a se deslocar para aquela “área” a partir de 1966,
integrando-se à dinâmica local como comerciantes, camponeses, médicos etc. prática esta
que, combinada com o proselitismo político, objetivava conquistar aderentes para a
composição do “exército revolucionário”. E, paralelamente, desenvolviam atividades
relacionadas ao “treinamento militar” propriamente dito, como possibilidades de
sobrevivência na mata, estratégias de ataque, exercícios com armas, enfim, todas as táticas
de combate que poderiam e deveriam ser ativadas na “guerra popular”.
Teriam, então, sistematizado um conjunto de “reivindicações” que diziam
respeito diretamente às condições de existência desfavoráveis da população local
constituindo-se, pois, numa tentativa de interpelação dos mesmos para a “luta”. O principal
documento de divulgação e mobilização foi produzido pela denominada União pela
Liberdade e pelo Direito do Povo (ULDP) em 1972. Abaixo segue o parágrafo final que
sintetiza as ênfases utilizadas:
“A UNIÃO PELA LIBERDADE E PELOS DIREITOS DO POVO, surgida para unir as
amplas massas, crê que esses vinte e sete pontos sintetizam as reivindicações mais sentidas
e imediatas do homem dessa região. Incluem tudo o que ele deseja e tem direito.
Representam, contudo, o mínimo exigido por ele nas condições atuais. Por isso, a ULDP o
considera um programa em defesa dos pobres e pelo progresso do interior. Em torno dele se
unirá o povo sofrido: os lavradores, os castanheiros, os vaqueiros, os garimpeiros, os peões,
os barqueiros, os que trabalham na madeira e na quebra de babaçu, os pequenos e médios
comerciantes, enfim, todos os que querem o progresso da região e a facilidade de seus
habitantes. É hora da decisão, de acabar para sempre com o abandono em que vive o
interior e de pôr fim aos incontáveis sofrimentos de milhões de brasileiros abandonados,
261
humilhados e explorados. A Revolução abrirá o caminho para uma nova vida. Até hoje o
povo foi tratado como escravo. Chegou o momento de levantar-se para varrer os inimigos
da liberdade, da independência e do progresso do Brasil.”
(http://www.vermelho.org.br/pcdob/80anos).
Dos militantes gaúchos do PC do B que estiveram no Araguaia, Paulo
Mendes Rodrigues teria sido um dos primeiros a se fixar no lugar. Com uma militância
anterior à “reorganização” do partido em 1962, nasceu em 1931 em Cruz Alta/RS e era
formado em economia, mas, na “região do Caiano” onde teria habitado, desempenhou
como ocupação principal a de mascate (www.desaparecidospoliticos.org.br). Ele também
teria estado em Porto Franco, no interior do Maranhão, com o “jovem médico” João Carlos
Haas Sobrinho, que lá teria fundado um pequeno hospital. E este último depois veio a
juntar-se a Mendes Rodrigues e constituir a “Forças Guerrilheiras do Araguaia como
responsável pelo Serviço de Saúde do conjunto dessas forças” (Idem) e trabalhando como
lavrador na “comunidade” onde residia. Nascido em São Leopoldo/RS em 1944, João
Carlos Haas Sobrinho se formou em medicina na segunda metade dos anos sessenta. Foi
líder estudantil – chegando a ser presidente do Centro Acadêmico Sarmento Leite da
Faculdade de Medicina da UFRGS –, fez “curso de guerrilha” na Escola Militar de
Pequim/China e “escreveu vários trabalhos sobre malária e leishmaniose, fruto de suas
pesquisas e experiência”. No depoimento de uma professora da localidade, ela destaca,
chamando-o pelo codinome: “Juca, alto e magro como um galã estrangeiro, falava manso e
adquiriu fama de bom parteiro, porque, na realidade, era o médico João Carlos Haas
Sobrinho” (Idem).
Assim como Paulo Mendes Rodrigues, a militância política de José
Humberto Bronca é anterior ao “golpe de 64”. Ele nasceu no início dos anos trinta (1934)
em Porto Alegre. Era desportista, formado em Mecânica de Manutenção de Aeronave e
trabalhou na VARIG. Assim como Haas Sobrinho esteve em Pequim e, depois de viver
clandestinamente no Rio de Janeiro, se deslocou para a região do Araguaia, em meados de
1969. Segundo relatório do Ministério Exército, teria ido para China em 1968 e para Cuba,
realizar um “curso de guerrilha urbana e de explosivos” em 1971 (Idem).
Cilon Cunha Brum era o mais jovem dentre os “guerrilheiros” oriundos do
Rio Grande do Sul. Natural de São Sepé, nasceu em 1946 e com dezessete anos de idade
passou a residir em Porto Alegre, onde estudou no Colégio Nossa Senhora do Rosário e
262
trabalhou em uma empresa de publicidade. Transferido pela empresa para São Paulo,
estudou economia na PUC paulista – tendo sido presidente do DCE daquela universidade –
e ali iniciou sua militância política. Teria ido “juntar-se à forças guerrilheiras” no início
dos anos setenta (provavelmente em 1972) depois do primeiro ataque das Forças Armadas.
Fonte: Zero Hora, 8/3/2004:13
A maior ofensiva contra os “guerrilheiros” teria ocorrido a partir de 1973.
Na passagem abaixo, uma descrição do que seria a investida final dos militares que
resultou na derrota dos “combatentes”:
“após o total mapeamento da região pelos militares e pelo Serviço Nacional de Informação
(SNI) atingindo a população civil. Nas selvas, os guerrilheiros cercados preparavam-se para
os combates. No Natal de 1973, após juntarem-se os três destacamentos guerrilheiros, as
Forças Armadas lhes impõem a principal derrota, destruindo a Comissão Militar dos
guerrilheiros e matando em torno de vinte e cinco deles. A luta durou até janeiro de 1975,
mas poucos resistiram e sobreviveram”. (Konrad, 2003:10).
263
A efetivação de um “levante revolucionário” em nome da “liberdade” e “dos
direitos do povo” que redundou na morte de vários militantes que “heroicamente
resistiram”, são elementos constantemente acionados para a apresentação da história do
partido.
Com efeito, a “Guerrilha do Araguaia”, ao mesmo tempo em que desfalcou
o PC do B de algumas das suas lideranças de maior destaque à época, se constitui num dos
eventos marcantes da “biografia” do partido posteriormente e, tendo em vista as condições
de existência do PC do B, esse recurso é particularmente contundente. Como foi referido
em capítulo anterior (3), trata-se de um partido cujos militantes mantêm uma
fundamentação “ideológica” calcada em pressupostos marxistas mais “tradicionais”. De
tamanho relativamente pequeno, a sigla se ampara nas alianças com partidos maiores e
seus dirigentes apostam em candidaturas a cargos proporcionais e investem num número
restrito de candidatos.
Não raro, nas reconstituições do itinerário partidário observa-se a ativação
de uma idéia de “memória”, como sinônimo imediato de “lembrança”, mas que comporta
sempre, no mínimo, uma tripla lógica de retribuição que implica em benefícios e
beneficiados: na primeira, encontram-se a homenagem às “causas” em nome das quais os
“guerrilheiros tombaram”, neste caso, os “beneficiados” da “luta” seriam as categorias em
nome das quais “lutaram” (“trabalhadores”, o “povo”, o “Brasil”) e os “benefícios”, além
da própria “luta” e a “vida” que foram “doadas”, referem-se ao conjunto de “conquistas”
posteriores às quais podem relacionar as contribuições daqueles militantes (liberdade,
democracia, etc.); na segunda encontram-se a celebração dos “heróis” cuja morte procura-
se retribuir com a constante prestação de homenagens e formas variadas de consagração,
“beneficiando-os” com o reconhecimento da sua “bravura” e “luta”; e na terceira,
certamente muito menos explícita e proclamada, encontram-se a fixação dos “porta-vozes”
da própria “memória” (das “causas” de dos “heróis”) que podem “beneficiar-se” pela
detenção da autoridade legítima de acioná-la e defini-la. Para o caso em pauta, os
dirigentes do PC do B tratam de garantir a devida distribuição daqueles “benefícios” aos
seus respectivos “beneficiados” abonando, pois, a sua própria condição de depositário ou
de guardião da “memória” que ajudam a construir e transmitir.
264
As homenagens prestadas aos “guerrilheiros do Araguaia” são dos mais
variados tipos, desde a sua “eternização” em nomes de ruas, praças, hospitais, centros
políticos, etc., passando pela divulgação, comumente utilizando sites de internet, de “fatos”
e protagonistas de cunho mais “reivindicatório” e/ou denunciativo. E há ainda os
acontecimentos ocasionais (e freqüentes) geralmente realizados em ocasiões de datas
comemorativas ou com outros pretextos que o justificam.
Conforme Nora (1997:2975), são justamente esses os mecanismos que
garantem não apenas a existência de eventos e gerações, como das “interrogações
sociológicas, econômicas, demográficas e históricas” sobre eles. Assim, as “relevâncias”
nem sempre são desencadeadas simplesmente pelos “acontecimentos”, mas são igualmente
tributárias de uma espécie de “fabricação do sacrossanto” que é operada “ao ritmo dos
aniversários (...) e em contextos históricos profundamente diferentes”.
Sendo assim, a análise que segue recai sobre um evento de consagração
específico: uma sessão de Grande Expediente realizada em 22 de maio de 1996 na
Assembléia Legislativa do estado do Rio Grande do Sul em homenagem aos “guerrilheiros
do Araguaia”, promovida pela deputada do PC do B Jussara Cony.
A deputada Jussara Cony é proveniente de uma “família de comunistas” e
tem significativa “inserção sindical e política no serviço público”. Foi funcionária pública,
cursou a Faculdade de Farmácia e atuou no movimento estudantil, todos na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Dedicou-se à “militância sindical” tendo sido eleita
presidente da Associação Estadual dos Farmacêuticos (Coradini, 2001:87). A partir disso,
investiu em múltiplas “esferas de militância, visando sua ‘politização’” (idem:88).
Constituiu, então, suas bases eleitorais relacionando tais inserções à “enfrentamentos” mais
“universais que, conjugados às referidas identificações, justificam o pertencimento
partidário.
Tal pertencimento implica na posse e na administração de um conjunto de
recursos que constituem o patrimônio do partido e que são parcialmente e temporariamente
transmitidos aos seus membros, ainda que passível de ser ilimitadamente prorrogado e
restabelecido (Bourdieu, 1989b:191). A detenção deste capital delegado é resultante dos
recursos oferecidos pelos agentes que investem das mais variadas forma na “instituição” e,
265
por isso, são proporcionalmente investidos por ela, como nos termos propostos por
Bourdieu (idem:192) referindo-se às escolhas de candidaturas:
“a investidura – acto propriamente mágico de instituição pelo qual o partido consagra
oficialmente o candidato oficial a uma eleição e que marca a transmissão de um capital
político, tal como a investidura medieval solenizava a ‘tradição’ de um feudo ou de bens de
raiz – não pode ser senão a contrapartida de um longo investimento de tempo, de trabalho,
de dedicação, de devoção à instituição” (idem).
Assim concebe-se, pois, as lógicas que autorizam que a deputada Jussara
Cony proponha um Grande Expediente em homenagem aos militantes guerrilheiros do PC
do B. Mediante a iniciativa a parlamentar reconhece o papel dos militantes, retribuindo a
dedicação dos mesmos às “causas”, reforça o patrimônio coletivo, apropria-se de um
“legado comum” e, desta forma, reafirma em nome do partido a defesa dos mesmos
“ideais”. Isto pode ser observado no trecho abaixo que se constitui de algumas passagens
do seu pronunciamento de abertura da sessão:
“bravos lutadores pela democracia (...) tombaram na defesa de um país com justiça e com
liberdade. (...) O Partido Comunista do Brasil atuava na região do Araguaia desde 1966,
organizando a luta dos camponeses. Na luta desigual - cem guerrilheiros versus vinte mil
soldados - quase mil moradores da região foram presos e torturados, na tentativa de
isolarem-se os guerrilheiros do povo. Poucos, entretanto, morreram no combate (...). Os
homens e mulheres que lutaram no Araguaia, a resistência armada são parte do patrimônio
de lutas do nosso partido, dos brasileiros e da humanidade, sendo, fundamentalmente, um
exemplo a seguir, hoje mais do que nunca, por todos os que dispõem de sua vida para a
construção de uma pátria com dignidade para com o seu povo, com soberania, com
democracia e com justiça social. (...) Homenagear, hoje, nesta Assembléia Legislativa, a
luta araguaia, seus combatentes, os familiares, nossos guerrilheiros gaúchos Cilon Cunha
Brum, João Carlos Haas Sobrinho, José Huberto Bronca, Paulo Mendes Rodrigues é dizer
que não queremos esquecer o passado: dele nos orgulhamos; não queremos omitir a
história: dela participamos; não compactuamos com a impunidade. Homenagear a luta
araguaia é resgatar a história de homens e mulheres - pais, mães, irmãs, irmãos, esposo,
esposa -, companheiros que buscam os seus desaparecidos, os seus mortos, para, num gesto
de amor e de carinho, colocá-los no solo pátrio, com dignidade à altura da vida que
viveram, do sonho que sonharam, da história que ajudaram a fazer.”
Alguns dos elementos destacados nesta fala são retomados nos “pedidos de
aparte” solicitados pelos líderes das bancadas que desejaram manifestar-se sobre os
homenageados. Dentre as mais enfatizadas, princípios ou derivações das idéias de
“justiça”, “liberdade”, “democracia” e, especialmente, de “ideais” encerram os valores que,
por um lado, fundamentariam os sentidos daquela militância pelas quais “deram a vida”.
266
Por outro lado, legitimariam a “justa homenagem” oferecida aos “guerrilheiros”, ainda que
eventualmente divergindo dos “meios de luta” utilizados e, finalmente, são valores aos
quais os agentes buscam, de diferentes formas, associar-se demarcando os seus próprios
sentidos de atuação e consagrando as suas próprias biografias militantes.
Cabem, então, algumas referências específicas sobre os depoimentos,
salientando que grande parte dos agentes citados atuou no movimento estudantil em algum
momento do “regime militar”, combinado ou não à inserção em organizações institucionais
ou clandestinas no mesmo período.
“Deputada Jussara Cony, queremos, em nome da Bancada do Partido Democrático
Trabalhista, cumprimentar V. Exa. pelo seu pronunciamento e essa
justíssima homenagem
que faz aos lutadores que tombaram no Araguaia. Permita que nos somemos à homenagem
aos seus familiares dizendo que o exemplo de fibra, de coragem, de tenacidade, de firmeza
de ideais, de combatividade daqueles militantes, é exatamente o que precisa o nosso povo,
tão sofrido em meio a tanta desigualdade vivendo num País que marginaliza do processo de
desenvolvimento econômico legiões e legiões de brasileiros. (...) Temos certeza de que
exemplos históricos como o dos militantes do Partido Comunista do Brasil, que tombaram
por seus ideais no Araguaia, contribuem para que um dia tenhamos uma nação muito
diferente desta - um Brasil soberano, livre, justo e socialista - para que possamos conviver
com igualdade de oportunidades” (Vieira da Cunha/PDT).
Neste “testemunho” observa-se a centralidade da categoria “povo”
compatível com o uso priorizado pela “tradição trabalhista” à qual se inscreve o deputado.
Vieira da Cunha orienta seu pronunciamento buscando demonstrar a necessidade que o
“povo” encarne uma série de qualificações que singularizariam aqueles “lutadores do
Araguaia”, tais como a “tenacidade”, a “firmeza de ideais” e a “combatividade”. Sublinha-
se, ainda, a utilização de termos que remetem a um repertório usualmente utilizado para a
definição de “ícones” da “política gaúcha”, que personalizam qualidades “guerreiras” e que
fundem “funções militares” e “políticas”, igualmente inspirada nos marcos daquela
“tradição política”. Além disso, ele assume posições próprias de um “ideário de esquerda”
e estabelece a aproximação com aqueles “exemplos históricos” mediante a ênfase na crítica
social que “marginaliza legiões de brasileiros”.
267
“(...) só quem escreve história arriscando tudo, ou seja, a sua vida, a sua juventude pelos
seus ideais, consegue permanecer da forma como eles o conseguiram. (...) Não escondo, Sr.
Presidente e Srs. Deputados, minha emoção pessoal, pois, além de reconhecer nesses
lutadores e nessa geração todo mérito e dedicação que tiveram e o quanto de resgate dos
valores éticos e dos valores de ideal, de solidariedade e de capacidade de sacrifícios eles
representam - deveriam representar até aos olhos de seus inimigos e adversários (...).
(Flávio Koutzii/PT)
No depoimento de Flávio Koutzii evidencia-se a mesma estratégia de
consagração geracional comumente por ele acionada nas suas construções retrospectivas
sobre o “passado” e que são examinadas detidamente na seção dedicada ao Grande
Expediente em que anuncia a sua “aposentadoria” na carreira eletiva. É preciso ressaltar
aqui que, diferentemente do caso anterior, a reivindicação de uma gama de qualificações –
como “mérito”, “dedicação”, “resgate dos valores éticos e dos valores de ideal”,
“solidariedade” e “capacidade de sacrifícios” – é direcionada à categoria “geração”, a qual
se inscreve ao demarcar a sua “emoção pessoal” e para qual solicita reconhecimento “até
dos adversários”. A idéia de “geração” é, então, concebida como uma síntese de
equivalências na infinita diversidade de militantes, eventos e modalidades de intervenção
que marcaram os anos sessenta e setenta.
“Deputada Jussara Cony, V Exa. tem sido nesta Casa, a mensageira de uma história, uma
guerrilheira da democracia, uma guerrilheira dos seus sonhos socialistas. (...) A coerência
do seu discurso trouxe respeito aos seus ideais, mas naturalmente traz a obviedade do
reconhecimento de todos nós por esse sonho. E essa homenagem realizada hoje é a pura
reverência dos seus sonhos, no dia-a-dia desta Casa. A Deputada Jussara Cony tem esse
reconhecimento de todos que dela convergem ou divergem. (...) Todos procuramos nossos
úteros na universidade, na imprensa, proximamente à vida pública, mas alguns fizeram sua
escolha pelo confronto armado. Pode-se divergir da opção feita por eles; pode-se dizer que
tiveram um equívoco de avaliação ou não. Entretanto, não se pode negar que eles foram
coerentes, transparentes, verticais na postura e na solução de seus ideais. Em boa parte
também deles dependeu a evolução do processo de abertura democrática. (...) Pena que a
nossa batalha não teve condições de progredir simplesmente pelo verbo na luta
democrática. Pela nossa geração inteira, não poderíamos deixar de nos associar a essa bela,
tocante, justa e emocional homenagem. Talvez essa fosse uma dívida que tivéssemos com
todos os nossos queridos”. (Paulo Odone/PMDB).
Paulo Odone atuou no movimento estudantil nos anos sessenta e, tendo
vinculação com a Ação Popular, chegou a ser vice-presidente da União Gaúcha dos
Estudantes (UGES) e, depois, priorizou a atuação no MDB permanecendo no PMDB com
a reorganização partidária (Coradini, 2001:175). Na passagem acima há a ênfase no
268
“elogio” à deputada responsável pelo Grande Expediente e suscita-se uma possível crítica à
“opção de luta” privilegiada pelos militantes que fizeram a “guerrilha”. Assim, tais
posicionamentos podem ser lidos à luz do itinerário militante do deputado, ou seja, como
convergente com a valorização dos “papéis institucionais” e, conseqüentemente,
divergentes de meios “clandestinos” ou de “confronto armado”. De qualquer modo, não
deixa de também acionar um sentido de “geração” e nela se inscrever. E ainda, atenta-se
para uma idéia de “dívida” que estaria sendo “saldada” com a homenagem. Tal avaliação
de enceramento da “dívida” só é possível, justamente, porque inexistem objetos de
identificação relevantes entre o deputado e os “mortos”, pelo contrário, há distanciamentos
significativos. Entre aqueles que possuem tais identificações o ajuste entre “débito” e
“crédito” é infinitamente mais exigente.
“Em nome desses amigos, em nome dos mártires e dos heróis que deixaram o seu sangue
na nossa Pátria, para que ela fosse livre, parabenizamos V. Exa. pela manifestação. Muitas
pessoas passaram pela vida sem sonhos e sem ideais. Outros sonharam, morreram, viveram
esta vida. Outros, ainda, tiveram sonhos nobres e deram sua vida por um ideal, por um
sonho, pela Pátria. Estes, a história considera heróis. Desculpe-me a emoção, deputada.
Muito obrigado”. (Eliseu Santos/PTB).
Neste último pronunciamento predomina a celebração dos “mártires” e
“heróis” que “deram sua vida por um ideal, por um sonho, pela Pátria”. Eliseu Santos tem
origem na igreja Assembléia de Deus e, segundo Coradini (2001:39), com “origens
humildes”, seu “exercício profissional” e atuação política são pautados por uma “ética
religiosa” e “filantrópica”. Esses elementos informam, então, as bases que sustentam a
ênfase naqueles que se sacrificaram em nome de “idéias” e “sonhos nobres” e, por este
motivo, tornaram-se “heróis”. É exatamente este conteúdo místico, adicionado ao
distanciamento do deputado em relação ao universo de inserções e posicionamentos que
torna seu pronunciamento relativamente desprovido de uma tentativa mais explícita de
reorientação da homenagem para outros alvos.
269
4.2 – “Ode à minha geração”, retribuições e consagração coletiva: a
“despedida” de Flávio Koutzii
Um homem sobe sobre suas derrotas
Pede a palavra
Momentos antes de tornar-se louco
Não é um homem,
É um malabarista de uma geração
Não é um homem,
Talvez seja um objeto de diversão,
Um brinquedo comum da história. (...)
Esse homem sou eu.
Mas devo dizer que me tocou nascer no passado
E que não voltarei.
É por isso que um dia me vi no presente
Com o pé lá onde vive a morte
E outro pé suspenso no ar
Buscando lugar,
Reclamando terra do futuro para descansar.
Assim estamos eu e meus irmãos
Com um precipício em equilíbrio.
Agora, quero falar de poetas
E de tantos jovens filhos desta festa
E da tortura de ser eles mesmos.
Porque há que dizer que há quem morra no seu papel (...)
Eu não renego o que me toca.
não me arrependo pois não tenho culpa
mas queria ter podido jogar
toda a morte lá, no passado,
ou toda a vida no futuro que não posso alcançar.
E com isso não quero dizer que me ponho a chorar
Sei que há que seguir navegando
Exigindo-se.
Até poder seguir
Ou rebentar.
(“Ode à minha geração
”. Letra de uma música de Sílvio Rodriguez, tradução feita por
Flávio Koutzii)
O trecho da música de Sílvio Rodriguez que abre esta seção foi lido por
Flávio Koutzii no encerramento do seu discurso de despedida da Assembléia Legislativa
do Rio Grande do Sul, onde esteve por 16 anos, como deputado estadual. Ao contrário das
demais cerimônias examinadas neste capítulo, aqui a iniciativa de proposição do Grande
Expediente é do próprio protagonista da contestação do “regime militar” que “se despede”
da carreira política homenageando a sua “geração” e, assim, consagrando-se a si mesmo.
Antes da apresentação do evento ocorrido no final de 2006, mais
especificamente no dia 12 de dezembro daquele ano, cabem algumas considerações sobre o
270
momento da saída da política, as características ímpares do protagonista em questão e as
lógicas das trocas que amparam seus posicionamentos. A partir da análise inter-relacionada
destes elementos, é possível perceber alguns dos mecanismos que operam na definição e
ativação de uma idéia de “geração”, de suas “lutas”, “causas”, “símbolos”, etc. de um
agente que foi vereador, secretário municipal, deputado por quatro legislaturas, secretário
em uma das principais pastas do governo do PT no estado e dirigente do partido. Tal
itinerário de cargos incide diretamente para o caráter de homenagem ao conjunto de
militantes contemporâneos de Flávio Koutzii que a iniciativa do mesmo procura fixar.
Nos demais casos tratados, as homenagens parecem fundadas na lógica do
reconhecimento da dívida impagável dos “vivos” em relação àqueles que “deram suas
vidas” por “causas justas” ou “legítimas”, ou seja, a celebração dos “Guerrilheiros do
Araguaia”, em especial, porque morreram no “enfrentamento” do exército em nome da
“liberdade e direito do povo”; de Marcos Klassmann cujo reconhecimento está calcado na
biografia militante e na “combatividade”; e de André Forster que no material examinado
foi o mais “aclamado” e cujas homenagens grifaram, sobretudo, o posicionamento pela
“democratização do país” e a “condução intelectual”. Entretanto, Flavio Koutzii teve sua
“vida política e eleitoral” constituída fundamentalmente pela vinculação com personagens
(“vivos” e “mortos”) associados às mesmas “causas”, o que justifica o reconhecimento da
existência de uma dívida e a tentativa de uma “prestação de contas” no momento em que
encerra a sua carreira política (ver itinerário no capítulo 2).
No que tange ao momento da saída, este remete a uma idéia “fechamento de
um ciclo” iniciado com a entrada em cena via movimento estudantil e “organizações
clandestinas” no início da década de sessenta, desdobra-se com “derrotas”, “retiradas”,
afirmações, reentradas e conquista de destaque, culminando com a conquista de governos
municipais, estaduais e mesmo a presidência da república. Deste modo, a homenagem a
“uma geração” se traduz na identificação com uma variedade de elementos, eventos e
posicionamentos capaz de abarcar um “patrimônio coletivo”, assim como o sentido de
“balanço” que adquire.
A idéia de ciclo remete à interligação entre “nascimento” e “morte” de
determinados personagens na política que, por sua vez, refletem as entradas e saídas da
arena, isto é: “o que é morrer politicamente? O que é morrer numa vida? Apenas
271
compreende-se bem um espaço estudando os que entram e os que saem. Os trens que
partem tão bem quanto aqueles que chegam e as passagens de níveis” (Offerlé, 1996:5).
O primeiro aspecto a ser grifado reside na importância que a participação
nos eventos de contestação a “regimes militares” (no Brasil e na Argentina) teve no
acúmulo de recursos, trunfos e “troféus”, posteriormente acionados para a ocupação de
cargos eletivos. Quer dizer, a entrada na política em termos de disputa de cargos eleitorais
foi resultante do acúmulo de trunfos na inserção inaugural durante o “regime militar”.
Cabe realçar que Flávio Koutzii não havia participado de disputas eleitorais, não contava
com a inserção em sindicatos, ou em círculos profissionais, não teve carreira partidária no
MDB, não estava presente na fundação do PT e também não estabeleceu vínculos com
determinada “região” do estado, etc. que pudesse se converter em bases eleitorais.
Pode-se, portanto, indicar que seu investimento numa carreira política se
deu fundamentalmente por meio daqueles recursos acumulados na intensa “militância”
prévia e também pelo reconhecimento que conquistou, igualmente na militância, de uma
“condição de intelectual” graças à ênfase dada às elaborações e análises “teóricas” das
intervenções políticas e aquisição do título de sociólogo em Paris (o que já era resultado de
“contatos” como “intelectuais” brasileiros, muitos deles integrantes da mesma
“organização de esquerda”, presentes no exterior). Assim, quando retornou para o Brasil,
Koutzii inscreveu-se sem dificuldade em espaços privilegiados no PT e contou com uma
rede de seguidores que o auxiliaram nas disputas internas e na mobilização eleitoral. Uma
espécie de retribuição da sua “dedicação às causas” se estabelece. Obviamente que o
mesmo conseguiu administrar o “patrimônio pessoal” através da sua atuação de destaque
durante o exercício dos cargos como “tribuno”, “debatedor”, “formulador”, “elaborador”,
“porta-voz”, etc. Para tanto, contribuiu aquela formação adquirida com a socialização no
militantismo e com os investimentos escolares (como foi dito, também vinculados à
“militância”)
68
. Logo, ao homenagear a sua “geração” no momento da “despedida da
carreira política” reconhece o reconhecimento que adquiriu e retribui as retribuições dadas
ao seu militantismo das quais se beneficiou.
68
Sobre a especificidade das suas bases eleitorais marcadas pelo militantismo na contestação ao “regime
militar” e a dedicação a temais mais universais durante os mandatos, assim como a centralidade do uso dos
cargos públicos como trunfo de lutas eleitorais, pode-se recorrer ao trabalho de Coradini sobre reconversão
de bases sociais em bases eleitorais (2001:181)
272
O segundo aspecto a ser sublinhado diz respeito à “conjuntura” na qual
decidiu “sair da carreira política. O impacto da saída da cena política-eleitoral de Flávio
Koutzii está igualmente marcado pelo significado de “balanço” quanto aos resultados da
“experiência do PT” na presidência da República e quanto às redefinições da “esquerda
brasileira” atuante nas duas últimas décadas (forjadas durante a contestação ao “regime
militar”). “Líder” de uma “tendência” considerada de “esquerda” no espectro de forças no
PT e nas próprias “esquerdas”, assim como fortemente ligado ao itinerário de “lutas” que
as constituíram, seus posicionamentos adquiriram uma visibilidade importante na
“conjuntura”. Por conseguinte, quando anunciou a sua “aposentadoria” no ano de 2006
(muitos meses antes de Grande Expediente aqui analisado), fomentou uma série de
especulações e pronunciamentos relativos à “insatisfação com os rumos do governo” ou
não.
A matéria do jornal Zero Hora (15/04/2006:06), baseada em entrevista com
Flávio Koutzii, intitulada “Brasil: ‘o PT está num processo de mutação genética para pior’”
é ilustrativa disso. A própria forma de apresentação do depoimento explicita a valorização
das suas posições a partir da biografia militante:
“Flávio Koutzii é um dos mais importantes quadros da história do PT gaúcho. Exercendo
mandatos eletivos desde o final dos anos 80, é o líder da bancada na assembléia gaúcha e
teve um dos mais destacados papéis no governo Olívio Dutra. Agora, em recente entrevista,
anuncia que não vai disputar as próximas eleições e tece críticas corajosas ao partido que
ajudou a construir: ‘Chegamos ao governo e produzimos decisões políticas e traições
programáticas que agora chamamos de erros. Mas errar é tentar achar um caminho. O que
ocorreu foram escolhas que resultaram num acontecimento histórico brutalmente trágico’,
sintetiza em entrevista ao jornal Zero Hora. (...) Um parlamentar em quarto mandato
consecutivo que decide não tentar a reeleição é uma raridade. Ex-preso político torturado
pela ditadura argentina que chegou à chefia da Casa Civil no governo Olívio Dutra (1999-
2002), o deputado estadual Flavio Koutzii (PT), 63 anos, se considera sem energia para
enfrentar uma eleição dando explicações sobre o escândalo do mensalão. Membro da
corrente Esquerda Democrática, ele decidiu criar um ‘mal-estar’ para a ala majoritária do
PT. Quer espaço para criticar”.
Na entrevista alguns aspectos se destacam. Flávio Koutzii afirma que o
afastamento da política eleitoral não implica em abandono dos seus engajamentos,
salientando os novos meios que irá utilizar: “Vou escrever, dar palestras”. Na seqüência
caracteriza a “crise do PT” como uma “derrota”, situando-a no seu itinerário:
273
“Sou pós-graduado em derrotas. A primeira foi a partir de 1964, quando a esquerda perdeu
o enfrentamento contra a ditadura. Deixo o Brasil em 1970 e entro num projeto na
Argentina (...). Sou preso por quatro anos, torturado e expulso do país. É outra derrota, com
a morte da metade do meu grupo. Os sentimentos de responsabilidade, de culpa e até de
sobrevivência são temas delicados de se lidar. (...). Depois de 14 anos fora do país,
recomecei pela terceira vez no PT. O partido foi um caminho com muitas vitórias. A noção
de derrota está presente nos últimos 11 meses”.
As derrotas seguidas por recomeços permitem relacionar as etapas da
biografia do agente a “mortes” e renascimentos dentro de um itinerário de militantismos e
engajamentos. A “derrota” em determinados contextos pode ser, como sugeriu Abélès
(2005:10), sinônimo de “morte política”, indicando, na forma que segue:
“a violência que caracteriza todo combate pelo poder. Violência eufemizada (...) mas não
por isso totalmente domesticada, como testemunham a intensidade dos ódios que atingem
este microcosmo. Metáfora que desenha o laço mais profundo entre o poder, a vida e a
morte”. (Idem)
O enfrentamento de situações de crise (Dobry, 1992), a porosidade dos
espaços sociais e a dinâmica de politização como já foi referido neste trabalho permitem,
por sua vez, reinícios constantes em arenas diferenciadas e com instrumentos
diversificados, sem ônus para a demonstração de continuidades e coerências. Inclusive
adquirindo um acréscimo de legitimidade, uma vez que, embora a “derrota” seja associada
à “morte”, pode vincular-se à “combatividade” ou ao “fracasso”.
(...) ser um indivíduo derrotado como combatente é um estado transitório, ser um
fracassado é estar fechado numa espiral de derrotas. O fracassado não volta jamais à
superfície, ao nível que ele ambicionava atingir, (...). O fracassado se opõe ao combatente.
O combatente não ultrapassa a fronteira dos limites em que a disputa ocorre e é capaz de
retornar de uma situação desesperada. O fracassado pode ser percebido como um
combatente. O combatente pode ser percebido como um fracassado. Mas o fato de ser
definido como um combatente [permanente] não ajudará o fracassado, enquanto que o fato
de ser percebido como um fracassado [momentâneo] ajudará o combatente. (Abélès,
2005:31)
Na matéria do jornal, Flávio Koutzii finaliza justificando a decisão de não
mais concorrer a cargos políticos, e a fundamenta, novamente, mediante o estabelecimento
de uma “coerência” com sua biografia militante:
274
“Há duas razões. A pessoal é a de que não tenho mais a mesma energia. Conheço meus
limites, coragem e covardia. São 43 anos de vida pública que me dão experiência para me
situar. Recorro ao meu livro sobre o período argentino, cujo título, talvez a única parte
literariamente boa, é Pedaços de Morte no Coração. Desta vez, pegou mais um pedaço do
coração. O partido que havia antes da crise ajudava a recompor os pedaços que eu havia
deixado pelo caminho.(...) Há uma dimensão política mais importante que a pessoal. Não
sou um velhinho cansado, com idade de se aposentar. Sou um cara com quatro mandatos e
oito anos como líder da bancada. Esse cara, que teria razoável probabilidade de se reeleger,
não faz o que 98% dos políticos fariam. Não faz porque não gostou. Porque não pretende
assinar embaixo. A crise me tirou o discurso e me colocou numa situação defensiva”.
Como se percebe nos trechos da entrevista não se trata de uma ruptura, mas
uma redefinição dos domínios de inscrição, das identificações e dos repertórios em
consonância com a busca de continuidade, cuja ativação se faz via expressões como
“caminhos”, “pedaços do coração” e “discursos”. Por intermédio delas podem ser
reconstituídos trajetos coletivos, laços e posicionamentos. O Grande Expediente analisado
a partir de agora traduz este movimento de forma bastante clara.
O pronunciamento de despedida da Assembléia Legislativa de Flávio
Koutzii se dividiu em três momentos. Ao longo do tempo que ocupou a tribuna “prestou
homenagens”, justificou sua decisão de não concorrer situando-a na “conjuntura” pela qual
atravessa o país e as “esquerdas” e afirmou seu pertencimento geracional, ativando
símbolos de reconhecimento.
A primeira parte do seu discurso é dedicada à valorização da “casa”
(Assembléia Legislativa) como espaço de debates, enfatizando o prestígio conquistado:
“Após todo esse tempo, tenho a honra de sair daqui – e, permitam-me a presunção, talvez
seja esta a grande condecoração que levamos daqui, uma Casa plural, uma Casa de todos os
partidos, portanto um lugar de todos os pensamentos e ideologias – respeitado e
considerado por todos os colegas”.
Prossegue a fala dedicando especial ênfase na bancada do Partido dos
Trabalhadores. Combina a apresentação das “qualidades” de cada um dos “colegas” e uma
avaliação coletiva das “realizações”. Sobre os atributos associados ao parlamentares, os
mesmos referem-se a uma dimensão “intelectual” (“capacidade intelectual”, “inteligência”,
“preparo”, “ironia”, etc.) e a uma dimensão de “militância” (sintetizada na maior parte dos
casos pela expressão “luta”), sem deixar de mencionar a dimensão das relações pessoais
275
(“camaradagem”, “amizade”, etc.). Sobre as conquistas coletivas, grifa a incidência de
pronunciamentos e proposições de projeto na legislatura então se encerrando, assim como
ativa as principais “conquistas” da bancada do PT nos últimos 20 anos (dentre os quais foi
por 2 anos coordenador da assessoria da bancada e por 16 anos deputado estadual, muitas
vezes também líder da bancada).
O deputado procurou fixar, então, três elementos de distinção: “qualidade
dos parlamentares”, “coesão” e “patrimônio de realizações”.
“Somos 13 e somos um grupo muito importante. Achei que deveria voltar a isso porque
este é o sentido que tem para mim haver estado aqui. Refiro-me à idéia que é dos nossos
pioneirismos e dos nossos começos, a idéia de um grupo solidário, a idéia de uma
substância política comum, de paradigmas de conduta exigentes, éticos e partilhados, a
idéia de que nos somamos e não nos dividimos, a idéia de que podemos nos construir cada
um e cada uma sem necessidade de destruir a nenhum e a nenhuma. (...)Ter confiança e ser
leal, além de ser uma virtude humana e ética primordial, é a coisa mais eficaz que existe em
política. Quando tenho certeza de que os meus estão comigo e eu com eles, tenho certeza de
quanta força temos e de que com força e conteúdo podemos intervir. O nosso crescimento,
hoje como um grande partido nacional - começou tão pequeno, tão acossado, tão difícil, tão
minoritário - e chegou hoje a governar este País com seus acertos e erros. Chegamos onde
chegamos porque éramos assim, não somente no começo, mas por muito tempo. Jogávamos
juntos, fazíamos e enfrentávamos nossas metas em comum. (...). O que quero dizer com
isso é que nos honra muito, mesmo como minoria – e às vezes éramos muito menos do que
13 deputados –, termos conseguido ajudar a Casa a direcionar-se, a ser cada vez mais sóbria
e criteriosa com o uso do recurso público e invulnerável àquilo que tem desgastado toda a
esfera da ação pública”.
Neste esforço de valorização da bancada se observa a lógica da retribuição
em curso e seu efeito de consagração indissociavelmente coletiva (do “grupo”) e individual
(do “líder”). Isto é, o agente investido na condição de líder da bancada faz o grupo existir
por intermédio das suas palavras, o que se origina do fetichismo político presente no ato de
delegação (Bourdieu, 2004), e a celebração do “trabalho coletivo” se constitui em
instrumento de retribuir a confiança recebida pelos “colegas” de bancada, “companheiros”
de partido e de “prestar contas” com os demais parlamentares e com a “população”.
A segunda parte do seu discurso tem um caráter de “balanço” e de
“justificativa” da decisão de não concorrer à reeleição. Localizou a sua saída da carreira
político-eleitoral como parte integrante de uma avaliação pessoal que admite “vitórias”,
mas assume “derrotas”, tendo sempre como referência uma espécie de “legado” de uma
“geração” na qual se inscreve. Salientou as vitórias eleitorais (a reeleição do presidente da
276
república pelo PT e a eleição de vários governadores) e políticas (a escolha de um “projeto
de país” vinculado à “esquerda por parte da população” e o enfrentamento da “mídia” com
sucesso no plano nacional). Mas, em tom de profecia, e com estilo altamente performático
ponderou:
“Tivemos uma vitória, sim, porque o povo nos deu quase 60 milhões de votos e – para usar
um termo de que gosto muito e que está presente na literatura e no cinema – uma segunda
oportunidade. (...) Sou obrigado a dizer, porque faz parte da minha última fala. Coloco a
minha mão na madeira desta tribuna não como das outras vezes, pois não é tão simples.
Parece ser um gesto banal, porque já estive tantas vezes aqui, mas, na hora de ir embora, a
sensação é muito especial e a vontade de deixar algumas coisas claras é imprescindível e
determinante. (...). Temos, com base nessas lições e nessas possibilidades, de comemorar
com sobriedade e saber que é preciso voltar a ser crítico dentro do partido, a ser exigente
com o governo, a pensar estrategicamente e a unificar nossas forças. Estamos aqui para
comemorar a vitória eleitoral não de um partido que tem um grande passado pela frente –
frase de efeito de um crítico nacional –, mas de um partido que ainda quer falar e pensar
sobre o grande futuro que tem pela frente”.
A autoridade da fala, por sua vez, é buscada fundamentalmente na
identificação privilegiada que o agente desfruta com uma “geração” e com um “ideário de
esquerda”. Os mesmos elementos são mobilizados para a justificativa da sua decisão de
não concorrer. Logo, trata-se de uma possibilidade de ação levantada por Hirschmann
(1996:20) em que a saída é uma modalidade de protesto, portanto de voz como ato que visa
reclamar sem implicar no afastamento.
“Tomei essa decisão não para me proteger. Nem foi um lance para ficar bem ou para não
sei o quê. No que me concerne, foi uma maneira de dizer, não individualmente, que eu sou
dessa raça e não gostei que tenham acontecido determinadas coisas, não por mim, mas por
nós. Não gostei, porque não merecíamos; não gostei, porque aprendi que não está certo
considerar que todos são culpados porque ninguém assume a responsabilidade da sua culpa.
Não somos todos culpados. Somos exatamente o contrário disso. Podemos errar – sim, é
verdade, e não é ingênuo –, mas lutamos por um mundo melhor – sim, vale a pena, é um
belo lado da vida. Se dedicamos nossas vidas, em diferentes circunstâncias, à luta pela
consciência, continuaremos lutando por justiça, por igualdade, para que haja carinho entre
as pessoas, e pelas possibilidades dos humanos. Esse é o nosso lado. Durante muito tempo,
principalmente nas épocas mais difíceis, a esquerda, antes de chegar ao poder, esteve
presente nesse lado. É dessa tradição que viemos, e é, portanto, com dor e com luto que
continuamos”.
A terceira e última parte do seu discurso reafirma e o seu pertencimento
geracional, na qual faz uso inclusive da letra de uma canção de Silvio Rodrigues intitulada
“Ode a uma geração”, reproduzida no início desta seção. Chama a atenção as associações
277
que ativa no seu pronunciamento entre a idéia de “geração” e a de “síntese” e a
identificação acionada de militantismo e de “continuidade” .
“Para pessoas – e são muitas as da minha geração, que começou nos anos 60 – que
praticamente dedicaram toda a sua vida política nestas e em outras condições – de
clandestinidade, adversidade, exílio, prisão, perseguição, discriminação –, é especialmente
significante que haja momentos como este, de certa síntese, de certo simbolismo. (...).
Neste momento e nesta espécie de despedida, diria que somos daquela raça que não acabou,
que estará aqui nos próximos 30 anos e em todos os outros anos que virão, porque os
nossos ossos são feitos dos gemidos do nosso povo, porque a nossa carne é feita dos nossos
melhores amores, porque os nossos olhos são olhos de amanhecer e são olhos de chorar
orvalhos, porque os nossos braços e as nossas pernas”.
De outro modo, a crença na continuidade do engajamento é partilhada pelos
deputados que solicitaram “os apartes” na sessão. De diferentes partidos e posições
ideológicas, os mesmos comungam de uma valorização de uma idéia de “missão” a ser
continuada pelo personagem em questão em diferentes domínios e a partir de variados
instrumentos. Pertencentes ou não ao “campo de posições” tidas como de “esquerda”, os
deputados que se pronunciaram sublinharam a “necessidade” e a “convicção” que Flávio
Koutzii continuaria intervindo politicamente. A dupla valorização da atuação militantista e
da formação intelectual como elementos valorizados pelos militantes da contestação ao
“regime militar” reaparece então na apreciação dos adversários e das novas “gerações”.
Os trechos abaixo de deputados do PP (vinculado originalmente a Arena), do PFL (este
último usando um trecho do livro do próprio Flávio Koutzii), do PDT e do PSB (os dois
últimos pertencentes às novas gerações da “esquerda gaúcha”) são exemplares.
“Honra-me sobremaneira, neste momento, como homem público e como político,
homenageá-lo nesta que não é a despedida daqueles que labutam na vida pública, pois
certamente V. Exa. terá outras missões importantes pela frente”. (Jair Soares).
“Como deputado desta Casa há 1 ano e 11 meses, quero fazer a seguinte referência ao livro
Pedaços de Morte no Coração – O depoimento de um brasileiro que passou quatro anos no
inferno das prisões políticas da Argentina, de Flávio Koutzii:
‘(...) Mas o importante é que hoje estou muito feliz,
indisfarçavelmente,
por tudo o que a vida me deu: a chance
de voltar a respirar o ar
orvalhado da liberdade;
a possibilidade de sobreviver
e de renovar meus caminhos políticos,
a surpresa de ter vivido
muito mais intensamente
278
do que meu temperamento anunciava,
de ter podido ser um aventureiro tímido
e não um burocrata audaz;
de ter renovado as oportunidades
de amar e ser amado.
Por isso, no dia de hoje, sou um homem feliz e grato.
Peço perdão aos mortos de minha felicidade
e ao sofrimento do nosso povo.
Eu prometo continuar’.
Fico com as palavras de V. Exa. e não com as minhas. Tenho certeza de que é um até
breve, um até mais ver, pois o deputado Flávio Koutzii, o homem, o cidadão, não deixará
de continuar a sua luta por todos nós”. (Marcos Lang)
“Esta não é uma despedida, mas um até breve, porque pessoas de bem, que têm convicções,
não podem se afastar da política. O Brasil está precisando de pensadores, de homens
convictos, com grande idealismo e, principalmente, com lealdade. (...) Faço um apelo para
que este seja um até breve. Há muitas missões pela frente nas quais o Brasil precisa de
pessoas como V. Exa”. (Kalil Sehbe)
“Sua despedida desta Casa, deputado Flávio Koutzzi, é marcada por algo que, para V. Exa.,
sempre foi um desafio: recomeçar. Portanto, desejamos-lhe um ótimo recomeço”. (Heitor
Schuch).
A renovação do sentido de intervenção e de “missão” se faz presente
também, evidentemente, nos parlamentares diretamente vinculados às “lutas”,
“organizações” e “eventos” de contestação ao “regime militar”. Nestes casos, no entanto, a
valorização da manutenção da postura militante ou engajada se acompanha da ativação das
dimensões pessoal (afetiva) e ideológica (os símbolos de contemporaneidade, os
pertencimentos aos círculos de reconhecimento, etc.). As passagens abaixo dos
pronunciamentos de uma deputada do PC do B e de um deputado do PT (ex-integrante do
POC) são elucidativas disso:
“Deputado Flávio Koutzii, companheiro e amigo, entramos juntos nesta Casa, há 16 anos, e
não é por acaso que daqui sairemos juntos, não pela vontade do povo do Rio Grande, mas
porque, como sempre, no decorrer das nossas vidas, por decisões individuais respaldadas
pelo coletivo, assumimos outras tarefas. (...) Quero confessar agora que durante a minha
convivência com todas as bancadas e, de forma muito particular, com a bancada do Partido
dos Trabalhadores (...) tive três amores: um amor pagão, pelos nossos imensos carnavais e
por todos os nossos axés, o Edson Portilho; um amor cristão, pelas lutas dos homens e das
mulheres do campo – sintetizadas há bem pouco tempo, por ocasião dos 250 anos da morte
de Sepé Tiaraju, herói do povo guarani –, o Frei Sérgio; e um amor (...) acima de qualquer
dúvida, o Flávio Koutzii. Esse amor é pela luta, pelos princípios, pela firmeza ideológica e
pela história que é exemplo para a nossa geração, para as gerações de hoje e para as
gerações de amanhã, que queremos libertárias, cada vez mais. (...)Companheiro e camarada
Flávio Koutzii, boa luta! Muito obrigada”. (Jussara Cony/PC do B)
279
“Companheiro Flávio Koutzii, quero (...) para não perder a tradição, dizer que discordamos
do seu longo adeus, pois esperamos tê-lo ao nosso lado, seja militando no partido ou no
governo, seja desenvolvendo qualquer outra atividade profissional futura, mas, sem
nenhuma dúvida, sempre engajado na luta política. Talvez este deputado seja, dos
companheiros da bancada, o que mais longa vida comum tem com o companheiro. Afinal,
lá se vão 42 anos, da época em que nós, no Centro Acadêmico Franklin Delano Roosevelt,
começamos o nosso enfrentamento com a ditadura (...). Às vezes distantes fisicamente,
outras vezes com projetos não totalmente identificados, nunca tivemos dificuldade de
estabelecer lado, de defender o que pensávamos e o que queríamos. Por essa longa
experiência comum, posso dizer que conheço um outro aspecto do deputado Flávio Koutzii
que não somente o do dirigente político e nosso sempre dirigente partidário, capaz de ter
propostas alternativas nos momentos mais difíceis. (...) Muitas vezes após termo-nos
encontrado na luta clandestina, na resistência ao regime militar, coexistimos com
codinomes, pontos de encontro e uma vida que muitas vezes nos afastava do convívio
social, mas sempre conseguimos manter, no Brasil e no exterior, uma relação política
fecunda e enriquecedora.Quem ficou no Brasil durante o período mais difícil da ditadura –
refiro-me a um grupo significativo de gaúchos e companheiros de outros Estados – tinha
como referência o que o Flávio fazia lá fora (...).Nos momentos mais difíceis, era
importante saber que o Flávio e outros companheiros também estavam lutando, também
estavam resistindo, também estavam conseguindo manter algum grau de produção teórica.
(...) Quantas vezes ficamos horas e horas discutindo cinema e outras manifestações de
cultura (...). Por isso, a nossa luta prosseguirá na produção intelectual, na atividade sindical
ou em qualquer outro trabalho em que nos envolvermos (...)”. (Raul Pont/PT)
4.3 – “Protagonismo militante” e “eventos” de afirmação de geracional:
a homenagem a Marcos Klassmann
As homenagens analisadas neste capítulo constituem instrumentos de
consagração de determinados personagens, daqueles que se associam aos mesmos por
intermédio dos seus pronunciamentos e de certos atributos tidos como relevantes para a
intervenção militante e/ou intelectual. Nesta seção é examinado o grande expediente
realizado em 9 de novembro de 2006, dedicado à celebração da memória de Marcos
Klassamn, proposto pelo deputado do PT Adão Villaverde e com “apartes” de Raul Pont
(PT), Carlos Eduardo Vieira da Cunha (PDT), Flávio Koutzii (PT) e Aloísio Classaman
(PTB).
Marcos Klassmann, apesar de ser “lembrado” pela ocupação de um mandato
na Câmara de Vereadores de Porto Alegre e por reivindicar o pertencimento à
“inteligentsia” ou aos “setores pensantes” do PDT, é apresentado fundamentalmente pelos
atributos de militante. Como procura-se demonstrar adiante, os adjetivos usados para
defini-lo são “abnegado”, “corajoso”, “destemido”, “combatente”, “aguerido”, “solidário”,
280
etc. Os mesmos acompanham a descrição do itinerário de um militante, filho de operário,
que iniciou sua atuação em um “bairro popular” de Porto Alegre, o IAPI, se destacando no
movimento estudantil e na presidência do Setor Jovem do MDB.
A campanha para vereador da capital em que concorreu reuniu as principais
“forças da esquerda jovem” do estado, o panfleto de divulgação da candidatura intitulado
“Vote contra o governo”, as prisões e perseguições que geraram, a cassação do mandato
conquistado, o engajamento nas causas da anistia e dos direito humanos são os principais
elementos utilizados para a sua caracterização como “referência de uma geração”.
A opção pelo PDT, a ocupação de cargos de confiança ligados à sigla, a
derrotas na eleição de 1982 (quando concorreu a deputado estadual) e nas disputas internas
da legenda são elementos biográficos menos destacados. Sua participação na dissidência
do PDT que aderiu à candidatura de Tarso Genro à prefeitura de Porto Alegre, em 2000, a
filiação ao PT, no ano seguinte, a atuação como assessor do deputado federal Henrique
Fontana adquirem para parte dos agentes que se pronunciam como movimentos
promotores de um “reencontro”.
A combinação de origem social baixa, intensidade da militância,
importância do uso da biografia e dos vínculos para a ocupação de cargos públicos,
acompanhados de menor escolarização, compõem um perfil, como já foi destacado, de
“especialização militante”. Esta modalidade de atuação é valorizada aqui a partir de um
dos casos considerados mais “emblemáticos” do período.
Cabe ressaltar ainda que a iniciativa da homenagem partiu de um
parlamentar, filho de funcionário público ligado ao PCB, que pertenceu à última “geração”
de militantes que ingressaram na atuação política ainda na vigência da “ditadura militar”.
Influenciado diretamente pelos protagonistas que o antecederam e que participaram de
eventos cultivados na “memória” pelo “heroísmo” dos personagens, Adão Villaverde
busca ativar o “legado” de Klassmann, reconhecer a sua “importância histórica” e registrar
os “feitos”, as “lutas”, os “enfrentamentos” dos quais participou.
A inscrição de Villaverde na “história da esquerda gaúcha” atuante na
contestação ao “regime militar” é assinalada na sua apresentação no Jornal Zero Hora,
quando da sua reeleição à Assembléia Legislativa. A matéria com o perfil do parlamentar
281
recebeu o seguinte título: “O caçula da geração forjada na ditadura”. E sintetizou seu
itinerário da seguinte forma:
Alçado à política aos 15 anos, quando combateu nas ruas a ditadura em defesa da
redemocratização, o deputado estadual reeleito Adão Villaverde pertence a uma geração de
militantes que deixaram as bases do velho MDB para fundar o PT no Estado. Ao lado de
personagens como Olívio Dutra, Flavio Koutzii e Raul Pont, ajudou a escrever as páginas
da esquerda gaúcha na história. Os primeiros passos políticos de Villa, como é conhecido,
foram dados nos movimentos estudantis. Natural de Alegrete, na Fronteira Oeste, veio
ainda menino à Capital para estudar. Ex-integrante do Grêmio Estudantil do Colégio
Julinho, centro de efervescência política da juventude porto-alegrense nos anos 70, também
foi dirigente do Centro de Estudantes de Engenharia e do Diretório Central de Estudantes
da PUCRS, universidade na qual cursou Engenharia Civil”. (Zero Hora, 9/1/2007:12).
Além da atuação no movimento estudantil na década de setenta, Adão
Villaverde participou também do Setor Jovem do MDB e da Tendência Socialista do
mesmo partido. Posteriormente se filiou ao PT, foi professor universitário na PUC de Porto
Alegre, militou no sindicalismo, nas tendências internas do PT (inicialmente vinculado à
Democracia Socialista liderada por Raul Pont e posteriormente às “correntes mais
moderadas” reunidas em torno de Tarso Genro). Logo, sua identificação com o
homenageado alicerça-se nos alinhamentos comuns no momento inaugural e nos últimos
anos (quando Klassmann migrou para o PT).
O pronunciamento de Adão Villaverde se estruturou em dois momentos
distintos, nos quais foram destacados, em primeiro lugar, o significado da homenagem e,
subseqüentemente, diferentes aspectos biográficos.
Na primeira parte, são apresentados dois objetivos complementares
presentes na “cerimônia”: “reverenciar essa personalidade” e “simbolizar o justo apreço a
toda uma geração que lutou pela redemocratização”. Na sua avaliação, a “personalidade”
seria representante das “idéias da esquerda no nosso país que marcaram os últimos anos do
século XX e início deste”. A homenagem, assim, faria a “justiça merecida à figura humana
que deixou um legado de coragem e determinação política como poucos” e resistir à
“tendência de dar um caráter volátil às idéias de esquerda”.
Como se nota, a exposição do “legado” de Marcos Klassmann é
indissociável da ativação de uma série de episódios e posicionamentos dos quais foi
protagonista, mas que fixam o “valor” de uma “geração” e buscam a “perenidade’ de
282
determinadas “idéias de esquerda”. Com efeito, combina-se a preocupação de destacá-lo e
situá-lo como “um dos artesãos de um protagonismo militante que determinou a
redemocratização deste país”.
Na seqüência, os traços biográficos são grifados respeitando a dupla
preocupação: apresentar a “personalidade singular” a partir das características pessoais
(“despretensioso”, “crítico”, “instigante”, “corajoso”, “abnegado”, etc.) e associá-lo a
valores, idéias, eventos, épocas e “geração” que se deseja eternizar.
“A história dos homens que marcaram épocas e gerações está repleta de cerimônias e de
rituais. Nós, que conhecíamos muito bem o Marcão, sabemos que ele não tinha nenhuma
pretensão ou ilusão de que sua memória fosse associada a uma dessas possibilidades. Mas
nos permita, companheiro e amigo Marcão (...) homenageá-lo nesta solenidade. Mesmo
com aquela forma crítica e instigante que aprendemos contigo, Marcão, de interpretar a
realidade e sobretudo a história, queremo-nos permitir conter ou estancar o fluxo natural,
interromper, quem sabe, a visão uniforme e, às vezes, acrítica do tempo, para que este
instante possa servir de registro e testemunho das realizações humanas. Esta homenagem
deve ser entendida (...) como uma espécie de alimento da memória, um selo a ser enviado à
posteridade, uma espécie de correspondência de uma época”. (Adão Villaverde/PT).
“Em meados da década de 70, o Brasil vivia uma época muito dura, tempos de
obscurantismo, um período de triste memória para todos nós. Isso sem falar da
fragmentação que vivia a esquerda à época, depois de duros golpes a ela aplicados pela
Ditadura Militar. Mas começava um tempo de rearticulação e recomposição política em
torno de uma frente de oposições, e o velho MDB foi o esteio dessa possibilidade. É nessa
época que emerge a liderança do então estudante Marcão, com muita força, pois, desde o
ensino secundário, já estava engajado na luta contra o Regime Militar, destacando-se não só
por ser um abnegado lutador pelas causas sociais, como pela defesa de uma sociedade mais
justa e solidária. Sempre foi um militante corajoso na denúncia do desrespeito aos direitos
humanos, sabendo utilizar, como poucos, sua inteligência, seu conhecimento e sobretudo a
contundência da sua força argumentativa”.(Idem)
Dois elementos do perfil de Marcos Klassmann foram destacados pelo
deputado Adão Villaverde e devem ser retomados: 1) sua origem social; 2) a disposição
para as ações mais “arriscadas” e “combativas” que marcaram seu trajeto nos anos setenta.
Sobre o primeiro elemento é importante reter a raridade da origem
“popular” ou “operária” entre os agentes que participaram da contestação ao “regime
militar”. A despeito da centralidade que o componente “classista” assumia nos discurso
dos militantes, o pertencimento ou a vinculação concreta ao “operariado” estavam
presentes em casos excepcionais e que não tiveram grande êxito nas suas carreiras
militantes, profissionais, etc. A importância de Marcos Klassmann como um dos principais
283
protagonistas dos anos setenta serve como uma renovação deste elo entre
“intelectualidade” e “classe trabalhadora”, mesmo que o político não tenha conseguido
manter-se na arena dos “profissionais da política”.
“O jovem militante de esquerda (...) veio morar nesta Capital ainda menino e se instalou no
Bairro IAPI. (...) Marcão dizia que era uma grande satisfação morar naquele bairro, o que,
segundo ele, exerceu uma enorme influência na formação do seu pensamento e na sua visão
de mundo, pois ali conviveu com a importância, o significado e a necessidade da
organização social, seja de bairro ou de trabalhadores, na luta por suas demandas e
reivindicações. Por muitas vezes, ouvi Marcão parafrasear um grande pensador clássico
alemão: A existência e o modo de vida determinaram minha consciência. Referia-se assim
ao fato de ter morado no IAPI, um bairro operário, proletário e popular desta cidade”.
(Adão Villaverde/PT).
Quanto ao segundo elemento, a disposição para as ações “arriscadas” e
“combativas”, é possível evidenciar nesta valorização uma identificação com as “gerações”
anteriores que participaram da clandestinidade, da luta armada, do enfrentamento direto
com o “regime militar”. Apesar da autocrítica e da opção pelos canais institucionais feita
durante a década de setenta, percebe-se neste universo de militantes a reverência e a dívida
em relação aos líderes, aos eventos, às idéias e as iniciativas que marcaram o final da
década de sessenta. Permanecem celebrando os “ícones” e resgatando o “romantismo” dos
agentes que os antecederam na contestação ao “regime militar”. As posições de Marcos
Klassmann, apesar de ser um protagonista dos anos setenta, permitem estabelecer uma
ligação com práticas, com valores e com uma espécie de “espírito revolucionário e
subversivo” que não cessou de ser valorizado.
São episódios classificados como marcantes por Adão Villaverde: A “fuga”
no porta-malas de um opala “da repressão da polícia” que queria prendê-lo quando do um
encontro de estudantes, em 1975; o programa da candidatura a vereador “cujo símbolo era
um jornal tamanho standard, o chamado panfletão, que tinha como slogan: Vote contra o
governo”, sua elaboração coletiva por militantes de várias “forças” como Adelmo Genro
Filho, Raul Pont, Sérgio Weigert, Carlos De Ré, Calino Pacheco, sua distribuição
clandestina em fábricas, universidade e na periferia, bem como as cinco prisões de
Klassmann e companheiro durante a campanha; e a cassação do mandato mediante a
realização do primeiro discurso, então como líder da oposição, etc. As passagens abaixo
buscam sintetizar como tais ações delinearam um “legado” para a “geração”.
284
“Do legado deixado pelo Marcão para a nossa geração, mesmo que isso possa ser
reducionista, destaco um aspecto que reputo marcar a sua personalidade: a capacidade de
crítica, a rebeldia e o inconformismo do saber, da inteligência e da coragem diante de uma
realidade que se pretendia sempre indiscutível e portadora da última e também da
penúltima palavra (...). Marcão nunca se dobrou; sempre teve coragem para enfrentar tal
realidade. (...) Marcão foi um daqueles imprescindíveis, que marcaram uma época enquanto
alguns se sujeitavam à realidade, esterilizando sua capacidade crítica, dando naturalidade à
vivência sem conflitos com ela, parecendo ser esse o espírito do nosso tempo. Seu
inconformismo, sua inteligência, sua visão destemida e seu estilo instigante sempre foram
as fontes que alimentavam a sua capacidade de formulação e, sobretudo, a sua capacidade
de ação política. (...).A rebeldia, a conduta destemida, os valores éticos e a visão de mundo
crítica, fraterna, humanista e coletiva, enfim, aquela visão que todos sabemos que o Marcão
sempre teve, serão reafirmados cada vez mais por nós e sobretudo pela sociedade que todos
queremos”. (Adão Villaverde/PT)
A vinculação de Marcos Klassmann aos “eventos” e aos atributos do
“protagonismo militante” que marcaram os anos setenta são observados igualmente nos
apartes de Raul Pont, Vieira da Cunha e Flávio Koutzii.
“Sinto-me comprometido a usar este microfone por ter partilhado, por ter vivido vários
desses momentos com o Marcos Klassmann, principalmente na metade dos anos 70,
quando o setor jovem do MDB e o IEPES, antigo Instituto de Estudos de Políticas
Econômicas e Sociais, iniciaram, nesta cidade, um movimento além da mera resistência,
um movimento que buscava recuperar espaços e o direito ao debate, ao diálogo, à reunião
pública. (...). A campanha do Marcos Klassmann foi realmente singular. E vejam que se
passaram apenas 30 anos. Às vezes, é bom termos a dimensão da história. Trinta anos atrás,
era proibido distribuir um manifesto ou um panfleto que pedia para votar contra o governo!
Isso dá a dimensão da pouca história democrática e da sociedade extremamente autoritária e
oligárquica que sempre tivemos. (...). Partilhei daqueles momentos. Naqueles anos, apesar
de estar fazendo pós-graduação em Campinas, sempre que podia vinha a Porto Alegre para
me engajar na campanha. Tive a honra de participar da redação daquele panfleto que se
transformou no principal manifesto da campanha do Marcão. O título era inocente e hoje
poderia ser considerado pueril: Vote contra o governo. Esta homenagem nos faz repensar a
nossa história e mostra que a nossa ação parlamentar, a nossa ação de luta política deve
estar sempre embasada e beber nessas fontes de enfrentamento, ousadia e capacidade de
mudança e transformação. (Raul Pont/PT)
Especificamente sobre o fragmento apresentado, observa-se que o deputado
associa-se aos mesmos eventos e espaços inaugurais de atuação, situando-os
historicamente com vistas a enfatizar os “avanços” e “conquistas democráticas”
decorrentes. Além disso, sublinha atributos que são conferidos ao homenageado, tais como
“enfrentamento”, “ousadia”, “capacidade de mudança e transformação”, para reivindicar
uma determinada “ação parlamentar” e “ação de luta política” compatíveis com as suas
285
próprias tomadas de posição, sempre vinculadas à posição de dirigente de uma “corrente de
esquerda” dentro de um partido “de esquerda”.
Deputado Adão Villaverde, minhas primeiras palavras são de cumprimentos a V. Exa.
pelo pronunciamento, pela merecidíssima e justa homenagem de reconhecimento que faz à
trajetória desse lutador, desse militante da causa da esquerda, da causa da democracia, que
foi Marcos Klassmann. (...). Na parede do meu gabinete está um panfleto que já é quase
histórico – vão-se 25 anos da minha primeira candidatura. A manchete, o título desse
panfleto é o seguinte: Vote contra o governo. (...) À época, candidato a vereador pela
juventude do PDT, este deputado era um dos tantos jovens que se inspiravam nas lições, no
exemplo, na contundência, na franqueza e na coragem de Marcos Klassmann. (...) V. Exa.
disse e repito: ele se foi, mas ficou o seu exemplo a guiar todos aqueles que querem viver
em um país mais justo socialmente, em um país em que imperem os princípios pelos quais
ele tanto lutou: da igualdade, da fraternidade e do socialismo”. (Vieira da Cunha/PDT)
No “testemunho” acima o parlamentar procura inscrever-se nos marcos de
atuação de Marcos Klassmann estabelecendo, assim, uma continuidade de percursos e
“causas” comuns, particularmente legitimados pelo pertencimento a mesma sigla
partidária. Adiciona-se a isso a ênfase em determinados valores “de esquerda” – como
“igualdade”, “fraternidade” e “socialismo” – cuja a reivindicação para que “imperem no
País” constitui-se na afirmação do partido em nome do qual fala como detentor deste
posicionamento.
“V. Exa. mencionou um certo ritual e uma certa cerimônia, mas não no sentido formal e por
vezes vazio de uma cerimônia, mas, sim, no aspecto emocional e extremamente justo que
caracteriza este momento de lembrança, de memória e de reconhecimento. (...). Era
absolutamente interessante e fundamental que na sua fala – e assim o fez – V. Exa. contasse
a história, não uma história de adjetivos, mas de um comportamento substantivo, sempre
corajoso, sempre enfrentando desafios, de Marcos Klassmann, que se fez presente na
constituição do MDB, que se armava para enfrentar as lutas pela redemocratização do País.
Presente quando recuperada a democracia, planejou e reconstituiu diferentes projetos no
campo popular com a construção do PDT. (...). Presente quando, após avançado um certo
período, achou que a sua integração ao PT seria fecunda, importante, e tivemos a honra de,
desde então, passarmos a ter uma convivência mais estreita. E presente em momentos
extremamente desafiadores, conforme aqui historiados, de 1976, de 1977, quando ele foi o
nome da coragem e a cara da luta. (...).Quero dizer algo que considero muito importante
para este Parlamento sem nenhum intuito de afronta, mas de marcar a dimensão do
reconhecimento. Não me lembro, nesses 16 anos, de terem os nossos heróis, os heróis da
esquerda – e o Marcos Klassmann é um, mas não é qualquer um – sido reconhecidos aqui,
nem mesmo por nós. (Flávio Koutzii/PT).
286
E, finalmente, no depoimento acima o deputado utiliza categorias de síntese
e de identificação retrospectiva para reivindicar o resgate institucional dos principais
personagens, assim garantindo sua inscrição histórica. Para tanto, situa Marcos Klassmann
em momentos considerados chaves do itinerário coletivo desde as “lutas pela
redemocratização do País” até a entrada no PT e, por este intermédio, aponta o
“reconhecimento” e as características que justificam defini-lo como um dos “heróis da
esquerda”.
4.4 – “Geração”, “intelectualidade” e “democracia”: a ativação de um “legado” e a
valorização de um “período”
Os principais personagens da contestação ao “regime militar” retiram
trunfos para a sua atuação posterior da capacidade (desigual) de ligarem-se a uma idéia de
“geração” e, sobretudo, à defesa de um dos principais valores compartilhados entre eles,
mas também entre “adversários na direita” e “herdeiros na esquerda”, qual seja o de
“democracia”.
Os agentes tratados ao longo da tese conseguiram legitimar seus recursos
em diferentes domínios sociais devido fundamentalmente à constante atualização de
práticas, valores e relações (de oposição e similitude) estabelecidas durante o “regime
militar”, que sedimentam o pertencimento geracional. A capitalização desses trunfos está
associada à reinvenção da excepcionalidade das suas condições inaugurais e excepcionais
de aquisição. Rendimento esse maximizado igualmente pela identificação do definhamento
do “regime” como o marco de desencadeamento do processo de redemocratização do país,
reativação da “sociedade civil”, enfim, como o início de uma “era” de consolidação de
valores “democráticos” e “universais”.
Tais valores estão calcados no consenso sobre o convívio regrado e de
reconhecimento mútuo que sustentam e regem o arranjo democrático (estabilizadores dos
conflitos) bem como na propagação de alternativas (reais ou imaginárias) perseguidas
pelos agentes e resultantes de trabalhos de mobilização, incessantes e variados, de grupos e
agentes (obstáculos à indiferença ou apatia). A intervenção num processo que teria levado
287
a essa reconfiguração do modelo de sociedade indicaria, por sua vez, a reconfiguração dos
próprios protagonistas capazes de consolidar esse novo arranjo (Braud, 1992).
Conta como crédito aos protagonistas daquele período fundamentalmente “a
convicção solidamente estabelecida que a democracia é o melhor, ou o menos pior, dos
regimes políticos” (Gaxie, 1993:07) e também “o consenso que se estabeleceu sobre a
organização política da sociedade [contribuindo] para reforçar a tendência à sacralização
do poder” (Idem). Os militantes da “luta contra a ditadura” conseguem se associar à
“defesa da democracia”, até mesmo porque os conteúdos e os significados atribuídos a esta
última são extremamente polissêmicos.
Nem todos os militantes, todavia, possuem as mesmas condições de
vinculação ao “ideal democrático” que prevalece no período mais recente. A atuação no
MDB (IEPES e Setor Jovem) e o destaque adquirido na segunda metade dos anos setenta
são fatores de fortalecimento da vinculação entre contestação ao “regime militar” e “defesa
da democracia”. Constituem formas privilegiadas de uso do passado aceitas e valorizadas
especialmente por agentes externos aos círculos de militantes que lutaram “contra a
ditadura”. Um dos personagens que obteve mais êxito em encarnar tais momentos e
espaços foi André Forster. Nesta seção localizam-se alguns dos elementos discutidos até
então a partir do Grande-Expediente da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul,
realizado no dia 11 de dezembro de 1997, em homenagem ao primeiro ano da morte do
mesmo
69
.
Antes de tudo, deve-se ressaltar que o que está em questão aqui é como os
depoimentos de celebração de lideranças após seu falecimento possibilitam apreender uma
gama de sentidos compartilhados e disputados e como estes se constituem na consagração
não apenas do “morto”, mas de categorias como “geração”, “eventos” (momentos ou
períodos) e “democracia”, bem como dos próprios agentes que se autorizam a depor sobre
o homenageado.
Ademais, deve-se atentar para o trabalho de memória que confere ao
personagem trunfos por intermédio de processos de seleção, triagem, escolha e amálgamas.
69
O material analisado aqui já fora objeto de estudo em pesquisa anterior (Reis, 2001). Acreditou-se
pertinente voltar a ele com outro enfoque e com uma abordagem comparativa. Isto é, cotejando a homenagem
a Forster com as homenagens aos “mortos no Araguaia”, a Marcos Klassman e à “geração” de Flávio
Koutzii.
288
O mesmo obedece às propriedades do homenageado, seu itinerário e como foi
reconstituindo sua biografia e suas identidades, mas igualmente aos elementos que
permitem a associação e a auto-consagração por partes daqueles que fazem a homenagem.
Deste modo, cumpre destacar que André Forster foi líder estudantil em
Santa Cruz do Sul (presidente do Grêmio estudantil e da união dos estudantes secundaritas)
e em Porto Alegre (secretário-geral e presidente do Centro Acadêmico Franklin Roosevelt,
da faculdade de filosofia da UFRGS, e do Diretório Central dos Estudantes da mesma
instituição). Sua atuação na década de sessenta incluiu ainda a participação em
“organizações” clandestinas como o PCB. Na década de setenta aproximou-se do deputado
Pedro Simon, como assessor especial, e do MDB, como secretário-geral do Instituto de
Estudos Econômicos, Políticos e Sociais, o IEPES. No mesmo período dirigiu o Sindicato
dos Sociólogos do estado. As duas últimas vinculações são responsáveis pela coordenação
de atividades que reuniam os principais intelectuais do país para “formular” teses sobre a
“sociedade civil”, a “abertura”, a “redemocratização”, o “socialismo”, as “esquerdas”, etc.
Organizou sob a sua órbita de liderança um conjunto de militantes que o acompanharam na
segunda fase do IEPES (ver capítulo anterior), na candidatura à deputação estadual em
1978, sem sucesso, e na opção pelo PMDB. Já neste partido foi vereador (sendo presidente
da Câmara de Porto Alegre), secretário de estado na área de Ciência e Tecnologia e
presidente estadual da sigla.
A partir deste manancial de recursos alguns foram exaltados nas
apresentações do protagonista em detrimento de outros. Especialmente são ativados os
“troféus” acumulados a partir da vinculação com Pedro Simon, simbolizados por sua
atuação no IEPES. Em contrapartida são menos evidenciados o trajeto de cargos ocupados
nos anos oitenta e menos ainda as adesões anteriores nos anos sessenta, mais associadas
aos agentes que tomaram outros destinos partidários.
A importância de André Forster enquanto referência de uma “geração” e o
destaque do momento de “abertura política” salientados acima são facilmente constatados
nos depoimentos quando de seu falecimento, há 09 de dezembro de 1996. O itinerário
fornecido por um dos principais propagadores desta memória e contemporâneo de Forster
no MDB e no PMDB, onde o “momento heróico” é localizado nos anos setenta, é
exemplar disso:
289
“A morte de André Forster me fez repensar essas coisas com dor e perplexidade. Poucas
pessoas, como ele, m nossa geração, viveram tão intensamente a política. Na Assembléia
Legislativa, em meados dos anos 70, quando o país naufragava em meio a um clima de
medo e insegurança, André pôs o Rio Grande de pé, liderando o mais expressivo e
importante eixo da inteligência política de oposição ao regime militar, o Iepes do Rio
Grande do Sul, ao lado de Pedro Simon. (...) O Iepes de André Forster foi a gênese de um
processo de mudanças que se tornaria irreversível no Brasil alguns anos depois.(...).
Convocado a presidir o PMDB do Rio Grande do Sul no início de 1990 (...) com pertinácia,
espírito de lidernaça e vigor extraordinário, em poucos anos conferiu ao partido um nível de
organização que não encontra paralelo em nenhum outro estado”. (artigo de José Fogaça,
1/12/2006, jornal Zero Hora).
Deste modo, a utilização do Grande Expediente para homenagear “a
memória de André”, proposta pela bancada do PMDB, constitui-se em registro de
consagração de um “indivíduo”, mas também de uma “época”, estes viabilizados pela
estratégia de celebração do partido “sucedâneo” da sigla da oposição e reivindica a
“herança” de sua história e de sua posição no espaço político.
Por tudo isso, as homenagens proferidas ao protagonista, falam muito não
apenas dos atributos acumulados que destinaram a ele uma posição de destaque, mas sobre
a existência de uma referência comum aos diferentes agentes, das diferentes siglas
partidárias, que se manifestaram por meio de representantes para depor sobre o
homenageado. Os pronunciamentos destes agentes neste espaço de consagração, falam,
então, muito sobre eles mesmos, das suas próprias experiências e referências, da seleção
operada quando da leitura sobre eventos marcantes e, para aqueles que não o vivenciaram,
da aquisição destes conhecimentos. Pedir um “aparte”, formalidade desta situação
institucional, significa, desta forma, confirmar um posicionamento, reconhecer-se com
autoridade para posicionar-se, é partilhar de uma doxa comum, é reconhecer no
homenageado uma pessoa à altura para homenagear-se e inclusive sentir-se incumbido de
saldar uma dívida com o homenageado e com a sua obra.
O discurso de Giovani Feltes (deputado estadual do PMDB, organizador da
atividade) articulou a valorização das qualidades individuais de André Forster com suas
ações e convicções políticas. A reunião dos adjetivos qualificadores da personalidade do
militante (“competência”, “profissionalismo”, “dignidade”, “ativismo”, etc.),
posteriormente reafirmados nos “apartes”, comporiam o “legado” deixado, ou seja, “um
290
grande patrimônio ético e político”. Adiciona-se a isso, a ênfase dos primórdios deste
capital reside no período ditatorial, que marca a singularidade das ações não de um
“jovem”, mas de uma “juventude” ou de uma “geração” que localiza nele, agora com um
olhar retrospectivo sobre a história, um parâmetro de conduta, mas igualmente de distinção
e singularidade (tal referência, ou reverência, se repete em outros discursos, até nos mais
imprevisíveis, com é ilustrado mais adiante).
A heterogeneidade de tendências políticas e ideológicas patentes naquela
ocasião se manifesta, como já foi dito, na heterogeneidade dos dirigentes políticos
firmando declarações na sessão solene da Assembléia Legislativa: representantes de
diferentes partidos
70
prestaram seu testemunho, num total de 16 pronunciamentos. Para
fins de ilustração foram selecionados fragmentos dos seis relatos considerados mais
representativos em termos de filiação partidária, e mais exemplares na explicitação de
princípios compartilhados.
“Não só como representante de minha bancada mas muito decididamente por meu
sentimento pessoal, não poderia deixar de falar hoje...para a geração que compartilhou das
etapas das lutas de André Forster, há esta oportunidade de homenageá-lo. E são várias as
gerações. Sou talvez da primeira. Fui presidente do Centro Acadêmico Franklin Delano
Roosevelt da Faculdade de Filosofia em 1963, destituído pelo golpe militar de 64. Se a
minha memória não me está traindo, André Forster e eu, quando recuperamos o centro,
vencemos, com a candidatura de Clóvis Paim Grivot, que foi o primeiro presidente depois
da intervenção – André Forster foi o seu sucessor...As cenas do Bar Alaska, onde eu estava,
lembram todo um episódio, toda uma geração....Quando se pode falar de uma pessoa, que,
em várias etapas da sua vida, foi capaz de lutar, foi capaz de discernir e, muitas vezes,
escolheu o lado mais difícil e, quando aqui se diz que foi um lutador pela redemocratização
do País, teve um papel fundamental na organização e na articulação da intelectualidade
neste Estado, teve um papel fundamental na articulação do próprio MDB, naquela
oportunidade, o centro de aglutinação e de ação política da proposta que tentava trazer o
partido à normalidade institucional e democrática – isso significa discernimento, visão e,
principalmente, persistência”.(Flávio Koutzii/PT, grifos meus).
“Não desejava me manifestar. Até pensei, como Chico Buarque de Holanda, ‘falando sério,
preferia não falar’. Quando o deputado Flávio Koutzii, muito emocionado, não conseguia
prosseguir o seu aparte, pedi a ele que continuasse, pois me sentia exatamente na mesma
condição, pela amizade, pela identidade política ou por outras razões....André Forster era
tão habilidoso com a mente que –muitos deputados devem ter lembrança disso,
especialmente o Sr. Rospide Netto -, foi no Rio Grande do Sul, nas promoções do IEPES,
que vieram a ser conhecidos Fernando Henrique Cardoso, Francisco Wefort, Chico Lopes
e, posteriormente, Fernando Gabeira. Enfim, todos os grandes cientistas políticos
brasileiros oriundos do Cebrap, que eram desconhecidos no País, vieram para cá nessa
70
Valdir Fraga (PTB), Jussara Cony (PC do B), Vilson Covatti (PPB), Beto Albuquerque (PSB), Onyx
Lorenzoni (PFL), Vieira da Cunha (PDT), João Fischer (PPB), Divo do Canto (PTB), Flávio Koutzii (PT),
Francisco Appio (PPB), Alcides Vicini (PPB), Eliseu Santos (PTB), José Ivo Sartori (PMDB), Paulo Odone
(PMDB), Giovane Feltes (PMDB) e Quintiliano Vieira (PMDB).
291
época, além do Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns e outros....André Forster nos dá a
capacidade de entender que temos que continuar lutando, cada um no seu partido, cada um
no seu lugar, para realmente valorizar a atividade política feita com dignidade...” (José Ivo
Sartori/PMDB, grifos meus).
Os dois fragmentos acima referidos permitem recuperar algumas discussões
precedentes: num primeiro momento, no tocante à idéia de “geração” e às noções nela
imbricadas (memória, espaços de socialização, identidade e evento) e, num segundo
momento, no que tange à interferência intelectual nos espaços de elaboração política e
vice-versa.
Inicialmente, destaca-se a cumplicidade estabelecida entre dois
protagonistas, contemporâneos de Forster no momento histórico celebrado como de “luta”
“contra a ditadura” ou pela “redemocratização”. Embora atualmente pertencentes a
partidos políticos oponentes (PT e PMDB), a situação promove a neutralização (mesmo
que parcial) de diferenças formais e revela um nível de solidariedade. Deste modo,
evidencia-se um vínculo localizado no passado, mas sempre prestes a interceder no
presente, e quando isso acontece, tem-se uma percepção de “geração”: “sentir-se na mesma
condição”.
A referência comum constituída pelos agentes é viabilizada por um
enquadramento de memória (Pollak, 1989) que retira do momento histórico e da
experiência vivida em tal momento, elementos que ordenam posições e sentidos
retrospectivamente. Termos como “sentimento pessoal”, “laços de amizade”, “identidade”,
convivência em espaços lúdicos, unem indivíduos sob a noção de “geração” (ela mesma
reivindicada nas falas). Adiciona-se a isso que referidos valores adquirem um sentido
político quando articulados a uma idéia de “missão histórica” que sintetiza a mobilização
dos agentes pela “luta democrática”.
Os argumentos expostos acima apontam para um processo de identificação.
A participação militante produz, então, a valorização comum do engajamento político
como algo transcendente à biografia pessoal (Neveu, 1992). No caso analisado observa-se
o esforço nesta direção, isto é, a “missão” proclamada pelo pertencimento de “geração” e
seus objetivos práticos (a “democratização”) se sobrepõem às individualidades.
292
Fica patente, igualmente, a importância conferida à interface com os
intelectuais. Esta se expressa nas referências à organização da intelectualidade, à presença
de intelectuais com notoriedade acadêmica nacional no Rio Grande do Sul e,
principalmente, ao papel de André Forster na estruturação do IEPES.
O período de maior intensidade de atividades promovidas pelo IEPES
converge com a demarcação dos empreendimentos mais sistemáticos dos intelectuais no
campo político (ver capítulo anterior). Ou seja, no início da década de 70, os intelectuais se
apresentavam como ator coletivo relevante, encabeçado por lideranças formadas no seu
meio, comungando de crenças e fixando estratégias de intervenção. A veemência do
processo de abertura política manifestava-se já contando com a integração efetiva destas
lideranças universitárias no debate político propriamente dito, através do qual a oposição
se fortalecia. Este mergulho na política se cristalizou, inclusive, na revisão do programa do
MDB em 1974 (Pécaut, 1990:260).
Assim sendo, o ano de 1974 foi marcado pelo engajamento decisivo dos
intelectuais na “causa democrática”. O destaque de Fernando Henrique Cardoso (citado
nos relatos) é o mais notável no que tange à gama de investimentos dedicados as
formulações teóricas e posturas práticas a serem adotadas pela oposição naquele
momento
71
. O acúmulo de recursos nos domínios “intelectuais” traduziu-se na legitimidade
e êxito no âmbito político
72
.
As formulações coladas na conjuntura definem fortemente o pensamento
democrático
73
elaborado pelas ciências sociais no Brasil. Após 1973, os textos destinados
ao tema da “democracia” (na sua maior parte) se constituíram em formas de intervenções
71
Para Virgínia Fontes (1996:55), os dois textos que podem ser considerados fundadores, pois que
reintroduzem o tema da democracia no interior do universo intelectual são os de Fernando Henrique Cardoso:
“A questão democrática” de 1973, e Wanderley Guilherme dos Santos, com a tese da “descompressão
gradual” para chegar à democracia, também de 1973. A autora aponta como interlocutores de Cardoso a
“elite dirigente (presidente, militares e ideólogos), os “intelectuais”, não mais de formulação de um projeto
de salvação nacional e a “oposição", sugestionando o investimento no espaço político sem mais “sonhar com
um via ‘condottiere’ ” ou de apagamento de conflitos .
72
Sobre isso ver, Pécaut (1990) e Fontes (1996), Miyamoto (In.: Lamounier, 1980).
73
Segundo Pécaut, este “pensamento democrático” fundamenta-se reativação da “sociedade civil: este é na
verdade o lema que se difundirá no quadro de abertura. Ele não comporta quaisquer concessões ao
liberalismo ou exaltações à democracia formal" (1990:290). A ordem agora é institucionalizar o dissenso, por
uma ação sustentada em um realismo pragmático em detrimento das práticas revolucionárias, estas últimas
desvalorizadas pela estratégia dos militares de definir o “golpe de 64” como “revolução”, apresentando um
deslocamento da significação política da palavra (Fontes, 1996:232). Conforme Fontes, apenas com a
reativação dos movimentos sociais no fim da década de 70 é que ocorrerá a revalorização da idéia de
“revolução”.
293
políticas dos intelectuais, informadas pelos eventos em curso e motivadas por novos
desdobramentos (aberturas) possíveis (Fontes,1996:52; Pécaut, 1990:259).
O impacto das formulações produzidas a partir das atuações na
universidade, mas conjunturalmente informadas, nas ações e concepções políticas dos
agentes é inegável tanto quanto os trunfos políticos que a participação em fóruns de debate,
como o IEPES, trouxeram para os intelectuais.
As passagens de políticos oriundos da Arena e situados em posições
políticas opostas as do homenageado, indicam a relevância do reconhecimento da
autoridade do oponente no embate político. O que se observa é a afirmação de eventos
históricos que impuseram, por meio das lutas dos seus protagonistas, uma carga simbólica
da qual nem os oponentes podem se esquivar.
“Líderes e políticos que realmente praticam política na sua essência, na sua pureza,
destacam-se em todos os tempos, e André Forster destacou-se num momento importante da
vida política brasileira, liderando muitos jovens, mantendo-se ao lado de muitos jovens de
todos os partidos de esquerda...Espero que os jovens que nos acompanham, que militam na
política tenham o sucesso e a habilidade política de André Forster” (João Fischer/PPB).
“V. Exa. tenha a absoluta certeza de que não há nenhuma contradição em ver um filho da
Arena se manifestar, respeitosamente, para reconhecer o trabalho de um antigo adversário
político, André Forster, num escalão bem mais superior ao meu, deu exemplos consolidado,
idéias de ações no Rio Grande do Sul que todos nós reconhecemos” (Francisco Appio/PPB)
Assim, devido à importância social e política conquistada por Forster em
um evento histórico marcante para todos aqueles nele inseridos (o regime militar e a “luta
pela democracia”), o mesmo acaba incorporando o capital simbólico acumulado nas e
pelas lutas travadas naquele momento
74
. É ele o referencial de um engajamento ocorrido no
momento dos fatos e de uma reivindicação da fidelidade às atitudes adotadas então.
É importante lembrar que os atributos ressaltados na homenagem são o
resultado de um longo e incessante trabalho de “recuperação da memória” ou de
74
Vale fazer referência às proposições de Bourdieu (1996:60): “o peso dos diferentes agentes depende de seu
capital simbólico, isto é, do reconhecimento, institucionalizado ou não, que recebem de um grupo: a
imposição simbólica, esta espécie de eficácia mágica que a ordem ou a palavra de ordem, mas também o
discurso ritual ou a simples injunção, até mesmo a ameaça ou o insulto, pretendem exercer, só pode funcionar
enquanto tal quando estiverem reunidas condições sociais inteiramente externas à lógica propriamente
lingüística do discurso”.
294
reconstrução efetuada pela memória dos agentes políticos envolvidos (entre eles o próprio
homenageado). A eficácia deste trabalho é tão marcante que, independente das posições
políticas, o valor democrático passa a ser patrimônio de protagonistas de uma jornada
historicamente situada.
Cabe ainda ressaltar a afirmação de um corte etário que distingue, que
classifica e que fornece ao agente-referência uma série de qualificações socialmente
reconhecidas e valorizadas, tais como a “pureza na prática política”, “liderança” e
“habilidade”, estas evidenciadas em um “momento importante da vida política brasileira”.
Observa-se, novamente, a afirmação do momento de crise como produtor de efeitos
duráveis e de identificação.
A condição de “jovem”, que é afirmada e reafirmada em quase todos os
pronunciamentos, é utilizada para informar uma especificidade etária correlacionada a
atributos como disposições, voluntarismos, desprendimentos, etc. Cumpre lembrar que a
categoria “juventude” adquire diferentes usos e sentidos conforme o espaço de lutas em
que ela está inserida. A caracterização feita é indissociável do universo de protestos em
que ela foi produzida.
As passagens abaixo corroboram as considerações já feitas, motivadas pelos
relatos precedentemente explicitados. No entanto, aqui se expressa um novo elemento, qual
seja o da proclamação e reivindicação da “herança” deixada por Forster.
“André Forster, sem dúvida, é merecedor deste registro histórico. Queremo-nos associar à
sua conduta pessoal, à sua disposição de não se afastar de suas convicções políticas, como
forma de prestar, hoje, aqui, uma homenagem à sua luta política, contribuiu decisivamente,
às vezes a duras penas, para que este País fosse redemocratizado, para que houvesse
abertura, para que efetivamente nos livrássemos do processo ditatorial, concentrador e até
opressor, que vivemos ao longo de trinta anos”. (Beto Albuquerque/PSB).
“Recordamos a época em que fazíamos campanha na universidade e a influência política
que o homenageado exercia sobre as lideranças estudantis da época, entre os quais nos
incluímos... André Forster pelo papel relevante que desempenhou contra a ditadura militar
e, depois, na luta de todos nós pela consolidação do regime democrático...Tomamos
caminhos político partidários diferentes, mas tenho absoluta convicção de que nos une ao
André o laço do objetivo comum pela construção da sociedade que desejávamos construir,
aliás, uma sociedade muito diferente da que está aí”. (Vieira da Cunha/PDT)
295
A localização e a centralidade facultadas ao homem político para a
“abertura” e “consolidação democrática”, sendo enfatizadas por dois políticos que
ingressaram na atividade política posteriormente (final da década de 70 e início da década
de oitenta), demonstram os resultados dos investimentos empregados pela “geração de
André Forster”, no sentido de promover e fixar símbolos de identificações políticas. Numa
arena de diversificação partidária (reorganização do sistema partidário), há a permanência
do “legado” e dos valores anteriormente construídos e constantemente reatualizados,
inclusive com o apoio das novas versões oferecidas pelos novos agentes.
Desta forma, “associar-se a sua conduta” e “incluir-se entre aqueles
influenciados” por Forster, assim como “homenagear a luta política” e estabelecer a
equivalência do “objetivo comum” (sociedade diferente), significa partilhar das
prerrogativas inerentes àqueles que comungam uma causa vivida como transcendental.
Muitas vezes estes herdeiros são responsáveis pela atualização da causa e pela construção
da sua memória, constituindo sentidos para os seus atos e suas posições na esfera política
mediante a organização de uma narrativa e da sua localização nesta narrativa.
296
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A elaboração da tese aqui apresentada tomou como ponto de partida a
problemática que sustenta, para o caso brasileiro e comparativamente às “dinâmicas
ocidentais”, a inexistência de fronteiras rígidas entre esferas sociais que, por este motivo,
não contam com lógicas e regras próprias de consagração e disputa. Antes disso, a fluidez
do espaço social e a multiplicidade de dimensões em constante articulação e rearticulação
nas ações e representações dos agentes, permitem que estes armazenem e acionem
conhecimentos e reconhecimentos de diferentes espécies em diversos domínios sociais.
A partir disso, buscou-se apreender os processos históricos e sociais que
interferiram na reconfiguração, a um só golpe, dos parâmetros de intervenção política (de
militantismos e de engajamentos) e dos elementos que definem o “papel” de “intelectual”
no Rio Grande do Sul. Ou seja, procurou-se demonstrar como a eficácia dos
empreendimentos posteriores de agentes que participaram dos movimentos de contestação
ao “regime militar” no sentido de se constituir como porta-vozes de “causas” legítimas
passa pela detenção de um duplo e indissociável reconhecimento: da “capacidade de
intervenção” e de uma condição de “intelectual”. O que significa dizer que a maior ou
menor eficácia das tomadas de posição dos agentes sobre determinadas “temáticas” sociais
ou “políticas” depende, por um lado, do domínio não somente de instrumentos de
avaliação e explicação da “realidade”, dados por “conhecimentos específicos”, como
também pela posse de “gostos” e “saberes” gerais relacionados à “cultura universal”. E,
por outro lado, da atestação de uma biografia de posicionamentos e “experiências”
militantes que garantem a relativa credibilidade das “análises” oferecidas pelos agentes e
das concepções de “sociedade”, “política” e “cultura” que justificam os referidos
posicionamentos.
As idéias de contestação, de engajamento e de militantismo, sublinhadas
inclusive no título do trabalho, foram, então, aplicadas com o objetivo de abranger o
conjunto de práticas e sentidos compartilhados e disputados por agentes situados em
diferentes sites de inscrição e desigualmente posicionados no espaço social. Neste caso, as
dinâmicas de afirmação destas práticas e sentidos são conduzidas por militantes com
297
determinados perfis sociais e interessados em fazer valer seus trunfos distintivos. Ora, ao
mesmo tempo em que “lutaram” para estabelecer a legitimidade de “novos” recursos,
repertórios e modalidades de atuação, também fixaram os critérios de hierarquização
segundo a detenção, acumulação e ativação daqueles trunfos em diferentes domínios de
inserção.
O tratamento dos eixos abaixo, que orientaram a operacionalização da
pesquisa e a exposição dos dados, permitiu evidenciar alguns dos condicionantes que
agiram na afirmação de agentes que atualmente ocupam ou não posições de destaque em
âmbitos políticos, intelectuais e profissionais do RS, e que estrearam sua atuação nos
movimentos de contestação ao “regime militar” durante as décadas sessenta e setenta,
basicamente no interior dos movimentos estudantis, “clandestinos” e partidários.
Destaca-se a ênfase dada às origens sociais e políticas dos agentes (entre as
principais variáveis que foram testadas e explicitadas estão a profissão e o grau de
escolarização do pai, assim como os vínculos e a atuação política e partidária da família);
os variados investimentos operados no decorrer dos itinerários (como o investimento em
títulos escolares, “em produção intelectual”, em “experiências” militantes mais ou menos
arriscadas, em atividades culturais, em atividades profissionais, em vínculos e contatos
qualificados, etc.); os lugares de inserção privilegiados pelos agentes e os itinerários
coletivos percorridos (“organizações”, “instâncias”, universidades, sindicatos, igrejas,
partidos, etc.); os repertórios de mobilização agilizados (com destaque para as discussões
sobre as modalidades e instrumentos de luta mais eficazes para “derrubar a ditadura”, e/ou
para a realização da “revolução socialista”, e/ou para a condução do “processo de
redemocratização do país”, e/ou para a operacionalização da “participação popular”, etc.) ;
as justificações das tomadas de posição apresentadas (de bases afetivas e/ou ideológicas
e/ou sociais, etc.); as “conjunturas” e “eventos” históricos mais ou menos favoráveis à
utilização de determinado de recursos e repertórios (“golpe de 64”, AI-5, greves, eleições,
pluripartidarismo, etc.); bem como a combinação, sempre original, destes aspectos nas
trajetórias heterogêneas e sua tradução em termos de referências compartilhadas, objetos
disputados e destinos díspares.
O desdobramento desses eixos permitiu, num primeiro momento, abarcar o
perfil geral dos militantes e constatar a gama de possibilidades de perfis e carreiras, assim
298
como estabelecer indicadores mais precisos e determinantes no delineamento dos mesmos.
Alguns dados gerais se mostraram significativamente relevantes como a origem
geográfica, as ocupações desempenhadas pelos pais e pelos militantes atualmente, a
formação universitária dos mesmos e a produção intelectual. Os mesmos permitiram
constatar a prevalência de agentes oriundos de uma extração social “intelectualizada”, com
passagem pelos grandes municípios do estado (onde havia universidades) e que seguiram
destinos profissionais passíveis de compatibilizar a continuidade do engajamento e/ou do
militantismo. Destaca-se ainda a distribuição dos agentes nas diferentes “organizações” no
período de contestação. Tal informação serviu de base para a investigação de uma série de
posicionamentos e de redes de relações que culminam com as escolhas partidárias (no
início da “redemocratização” e no momento subseqüente) também captadas em termos
quantitativos nesta etapa do trabalho.
Assim, foram explicitadas e discutidas na seqüência seis variáveis (origem
social; nível de adesão às “causas” e “organizações” nos anos sessenta e setenta;
investimento “cultural”; investimento em títulos escolares; uso da biografia militante; e
dependência posterior em relação aos vínculos e contatos constituídos no período inaugural
do engajamento político) cujas associações experimentadas no exame de trajetos revelaram
a conformação de quatro padrões representativos das carreiras seguidas pelos militantes:
“especialização militante”; “especialização técnico-administrativa”; “especialização
política e eleitoral”; “especialização universitária”, sendo que neste último foi abarcado um
tipo relacionado aos profissionais liberais que se dedicam igualmente às atividades
docentes.
Sobre o exame dos itinerários exemplares, algumas considerações devem
ser reforçadas, sobretudo no que tange aos critérios mais potentes de hierarquização dos
agentes. Pode-se listar a importância do “patrimônio cultural” e “político” de origem e
adquiridos em detrimento do econômico; a adesão às modalidades “arriscadas” de
intervenção política bem como sua tradução em prisões, torturas e exílios; o
estabelecimento e administração de contatos e aliança, principalmente, a manutenção de
elos de fidelidade; e o investimento em títulos escolares com maior peso para aqueles
adquiridos ainda no momento inaugural de atuação.
299
Foi possível observar que os agentes são desigualmente posicionados,
segundo a lógica do reconhecimento das “aptidões” intelectuais e “militantes”
indiscernivelmente, de acordo com a posse mais ou menos equilibrada daqueles trunfos.
Sendo que a variável de escolarização revelou-se uma das mais decisivas para a
polarização dos agentes localizados. É possível identificar um continuum que apresenta em
um extremo a modalidade de carreira “militante” (os menos escolarizados), passando pelos
“profissionais da política” (que combinam títulos com outros recursos no patrimônio
pessoal), pelos “técnicos administrativos” (para os quais os títulos escolares são decisivos)
e culminando no tipo de carreira acadêmica (os mais titulados).
Da mesma maneira, para os respectivos sentidos de “missão” que guiam os
agentes e que informam a matriz comum de valorização da “intervenção”, pôde-se
constatar a compatibilidade, em um pólo, do “desprovimento” do volume de recursos
possuídos com uma idéia de “abnegação” em nome das “causas” e, no outro pólo, a
“capacidade de formulação” vinculada ao domínio de um “instrumental teórico” aplicado à
“realidade”, abonado por títulos escolares. Mais próximo deste último e imerso no âmbito
político administrativo, aqueles que legitimam seus cargos e percursos pela “habilidade”
no “planejamento” e “gestão” de determinadas questões “políticas”. E, entre todos,
podendo afirmar-se a partir de interpelações específicas, os “representantes” (ou os agentes
dedicados às carreiras políticas e eleitorais) não podem deixar de combinar todos aqueles
recursos de forma relativamente harmoniosa.
As carreiras dos agentes se desenrolam nas suas relações com outros agentes
com os quais compartilham ou disputam uma diversidade de espaços, “experiências” e
objetos. Com efeito, as dimensões de análise foram também investigadas numa perspectiva
dinâmica e processual de aproximações e inserções dos agentes, atentado para a
conformação de lógicas de identificação que contemplam critérios sociais, pessoais e
ideológicos de aproximação. Observou-se, pois, que as vinculações ou distanciamentos
ocorrem conforme a gama e tipo de recursos e disposições continuamente estocadas,
redefinidas e acionadas no decorrer dos trajetos individuais e coletivos dos militantes. Sem
deixar de mencionar que os círculos de sociabilidades são alimentados por laços pessoais
prévios (parentesco, amizade, colegas de colégio, etc.) ou estabelecidos na própria
contestação (namoros, casamentos, amizades, compadrios, etc.). Por fim, as adesões às
diferentes “ideologias” atualizam as identificações sociais e pessoais e justificam
300
alinhamentos ou realinhamentos (muitas vezes decorrentes da inserção em novas redes de
relações ou das trajetórias ascendentes e descendentes).
Para tanto, o alvo recaiu (sem perder de vista as diretrizes até então
referidas) sobre as entradas nos movimentos de contestação ao “regime militar” de um
conjunto de militantes localizados em diversas “regiões” do RS; os lugares
(“organizações”, “instâncias”, escolas, universidades, partidos, etc.) de atuação
privilegiados; os deslocamentos (no tempo e no espaço) dos mesmos e os seus círculos de
pertencimento; e os diferentes “eventos” enfatizados nessas “biografias”.
Foram estabelecidos, grosso modo, três momentos cronológicos e
características gerais da atuação dos militantes. Os “anos sessenta” foram marcados como
uma fase de forte contestação ao “regime” e dispersão dos protagonistas da “luta contra a
ditadura” em variadas “organizações” e “agrupamentos”. No decorrer dos anos setenta,
mormente a partir de 1973, a participação se deu mais fortemente nos marcos do MDB e
foi caracterizada pelos empreendimentos no sentido de afirmarem-se como “novidade
política” em âmbito institucional e, no avanço da década, sobressaíram-se as estratégias de
distinção, muitas fixadas desde os anos sessenta, entre os contemporâneos. A partir da
década de oitenta, com a “redemocratização” em curso, é evidenciada a persistência de
“laços” e “sentidos de contemporaneidade” entre os agentes – distribuídos em diferentes
agremiações partidárias e domínios profissionais – ora pela agilização de “experiências
comuns” ora pela recuperação de rivalidades e disputas forjadas naquelas “conjunturas”.
A opção, neste caso, foi partir de algumas “organizações” e “instâncias”
predominantes no estado nos anos sessenta e setenta (AP, PC do B, Ala Vermelha do PC
do B, PCB, POC, “Brancaleones”, VAR-Palmares, VPR, IEPES e Setor Jovem do MDB)
como “marcos” que permitiram desvendar movimentos, posicionamentos, adesões,
cooptações e rupturas. Isto sem perder de vista a preocupação em apreender o acúmulo e
uso dos recursos individuais e o trabalho de construção de “patrimônios coletivos”
relacionalmente.
Para o primeiro itinerário de posicionamentos apresentado, cujo fio
condutor tomou como origem Ação Popular (AP), pode-se ressaltar a heterogeneidade das
suas origens sociais; não raro os vínculos políticos dos familiares foram classificados como
“de direita”, “conservador” ou “liberal” (referindo-se ao PL); tiveram uma forte inserção
301
nos meios universitários; e, independentemente dos destinos profissionais (principalmente
na academia) ou políticos (que obedecem basicamente à conquista dos títulos escolares
durante o “regime militar” ou posteriormente), pode-se indicar a persistência ou a
redefinição de princípios relacionados ao catolicismo como a ênfase em determinadas
modalidades de atuação e justificativas de intervenção.
No que tange ao segundo itinerário descrito, cuja exposição parte da Ala
Vermelha, cabe grifar a predominância das origens sociais situadas nas camadas médias e
altas (de comerciantes a empresários); com significativa importância atribuída aos laços
familiares com “trabalhistas” ou “nacionalistas”; ficou evidente ainda o destaque da
formação jornalística que parece traduzir-se na priorização da produção de textos, de
variados tipos, geralmente calcados numa “releitura do pensamento marxista”. Com
origem em um núcleo familiar do interior (Santa Maria), do qual saíram as principais
lideranças, a maior parte dos agentes tratados no item transita entre domínios partidários,
acadêmicos, sindicais, de ocupação de cargos públicos, nos quais o relativo destaque
advém do reconhecimento de uma “capacidade de elaboração teórica” conquistado.
No tocante aos militantes reunidos em um trajeto que se inicia no POC,
destaca-se uma origem social basicamente nas camadas médias e “intelectualizadas” com
um maior número de agentes provenientes da capital, com maior ênfase no capital cultural
familiar; as origens políticas são diversificadas (“trabalhismo”, “comunismo”, “liberais”,
etc.), contudo não foram tão sublinhadas; do mesmo modo, a formação universitária é
diversa com destaque para os cursos ligados às ciências humanas e sociais; constituiu
vários “líderes” e estes constituíram várias “tendências” e alguns se distanciaram
“ideologicamente”, mormente dentro do PT; menos coesos, portanto, e mais “atingidos”
por exílios, prisões, etc., mas igualmente com capacidade de trânsito entre domínios devido
aos atributos intelectuais a eles associados.
Dentre os agentes que foram identificados como membros dos
“Brancaleones”, o predomínio maior é de origens sociais mais baixas, com peso da
inserção sindical e partidária de familiares; nas referências às vinculações políticas dos
familiares enfatizaram as aproximações com “comunistas” e com “trabalhistas”; a maioria
dos agentes ou não investiu em cursos superiores ou o fizeram tardiamente; a ocupação de
302
cargos de confiança (em maior número) ou técnico-administrativos foi o destino
majoritário dos mesmos.
E, finalmente, os agentes que constituíram a chamada “direção do IEPES”
(na “segunda fase”) em sua grande maioria contaram com origens igualmente médias e
altas; as origens políticas dos familiares são igualmente diversas; atuaram na capital ou nos
maiores municípios do estado; investiram em títulos escolares, principalmente, nos cursos
considerados mais “técnicos” ou fizeram usos mais “técnicos” da formação em ciências
humanas; tiveram uma maior inserção política nos espaços institucionais; concentraram
sua atuação na ocupação de altos cargos administrativos, em alguns casos com uma
significativa vinculação com a universidade.
Com este procedimento foi viável apreender alguns fatores produtores de
“afinidades” e de divergências, ou da constituão de teias de interdependências tramadas a
partir das identificações, inserções e tomadas de posição sobre determinadas
“perspectivas”, bem como ressaltar as estratégias de “renovação” de trunfos e repertórios
de mobilização política que passaram a pautar alinhamentos e clivagens.
O exame das seqüências de posicionamentos supracitadas trouxe à tona a
eficiência do exercício de mediação desempenhado por alguns agentes (não
necessariamente premeditado ou calculado como tal). Estes acabaram se constituindo (ou
conquistando esse reconhecimento) como “pontos” ou “pontes” de ligação entre
“períodos”, “gerações” e “instâncias”.
Entre “períodos” porque estrearam sua atuação ainda nos anos sessenta nos
movimentos estudantis e/ou “clandestinos”, ausentaram-se por um curto tempo do cenário
regional (por prisões, viagens, exílios relativamente rápidos, entre outros motivos
possíveis), integraram-se no MDB nos anos setenta e participaram das manifestações e
modalidades de intervenção privilegiadas com vistas à afirmação institucional, mantendo-
se militantes depois dos anos oitenta.
Entre “gerações” por justamente terem mantido uma seqüência mais longa e
contínua de inserções, sem muitos bloqueios ou por bloqueios menos traumáticos.
Puderam, assim, fixar vínculos e contatos com militantes provenientes de variadas faixas
etárias, marcados por “eventos” diferenciados e, inclusive, com origens sociais mais
diversas, oportunizado pela diversificação do acesso ao ensino superior particularmente
303
contundente na década de setenta. Observou-se que muitas lideranças centraram sua
participação nos movimentos de contestação durante a década de 1960 e, por exemplo,
ficaram por longo tempo em exílios, por isso, não estiveram nos momentos que
“singularizaram” muitos militantes que ingressaram no pós-1973 e vice-versa. Portanto, os
“mediadores” fundaram seu crédito nestas “oportunidades” de acúmulo de “experiências” e
de elos duráveis.
Conseqüentemente exerceram a função de ligação entre “instâncias” ou
domínios de inscrição, pois, devido esta “credibilidade” desfrutada, aliado ao
reconhecimento de outros atributos, sobretudo relacionados à “capacidade intelectual”,
eram facilitados os trânsitos, ou mediações em diferentes meios sociais, notadamente os
“políticos” e “acadêmicos”. O que, por sua vez, acabava reforçando o papel de mediador e
o acréscimo de notoriedade, ou seja, incrementavam seus “conhecimentos” (no duplo
sentido de “saberes” e de pessoas, ou melhor, redes de relações) e construíam o
reconhecimento da posse dos mesmos e do potencial de intervenção. As lideranças de Raul
Pont, Tarso Genro, André Forster, João Carlos Brum Torres, Dilma Roussef, são exemplos
pertinentes, entre outros. Poderiam ser associados a pelo menos três dos padrões propostos
(eleitoral, técnico-administrativo e acadêmico), todavia interessa confirmar a tradução do
cabedal de recursos e referenciais estocados em posições com algum destaque – no
mínimo, em meios governamentais, universitários, partidários e sindicais, com
possibilidade de circulação entre eles.
A estréia da atuação militante em uma configuração que pode ser
caracterizada como de crise política favoreceu para que a construção de laços e de
“experiências” seja percebida como particularmente excepcionais e valorosas. Um dos
efeitos mais duráveis dessas inserções inaugurais foi a constituição de uma gramática e
códigos de comportamento comuns que emergem de modo explícito nas situações de
cunho mais ritualístico, que trazem à tona, da mesma maneira, os trunfos e “troféus”
estimados e detidos pelos agentes que os apreciam. Sendo assim, o reconhecimento
conquistado pelos protagonistas da “luta contra a ditadura” é tributário, por um lado, das
“escolhas” efetuadas ao longo dos trajetos individuais e coletivos dos agentes, da
participação em determinados “eventos” e do acúmulo de determinado conjunto de
recursos e, por outro lado, do rendimento e valor dos mesmos em constante redefinição.
304
Desta forma, uma série de mecanismos de valorização é promovida.
“Eventos” como os Grandes Expedientes analisados no último capítulo revelam como, por
este intermédio, são renovadas as recompensas materiais e simbólicas que os agentes não
cessam de extrair dos seus engajamentos e militantismos, ao mesmo tempo em que
atualizam, com a promoção de cerimônias, homenagens, comemorações, publicações, etc.
o seu próprio “comprometimento” com determinadas “causas”. Pode-se afirmar que essas
dinâmicas de rememoração são reveladoras de estratégias de consagração ou dos ritos de
instituição que permitem aos agentes associarem-se aos atributos consagrados, amortizar
dívidas com o “passado”, restabelecer os critérios de hierarquização com seus rivais e
aliados contemporâneos de luta “hoje” ou no “passado”.
O estudo dos perfis, dos itinerários individuais e coletivos, bem como dos
processos de celebração da memória corroboraram a tese de uma multiplicidade de lógicas
e registros que atuam simultaneamente em domínios marcados pela mescla de atributos
ligados às capacidades de intervenção e de interpretação da “realidade”. A despeito dos
padrões de carreiras, apresentado no capítulo 2, apontarem para destinos profissionais
díspares, a matriz composta pelo duplo reconhecimento (militante e intelectual) se mostra
eficaz como critério de hierarquização no âmbito partidário, eleitoral, governamental e
acadêmico. Mesmo com orientações “ideológicas” contrastantes, com redes de relações
constituídas em meios sociais variados e a partir de origens diferenciadas, as
“organizações”, “grupos” e “instâncias”, apresentados no capítulo 3, comportavam a dupla
preocupação, com ênfase variada, da “ação” e da “elaboração”. No que pese os rituais de
consagração, examinados no capítulo 4, obedecerem a lógicas distintas e buscarem
eternizar personagens com características e destinos desiguais, mantém-se presente uma
idéia de “missão” alicerçada na biografia militante e no acúmulo de um “saber intelectual”
(acadêmico ou não).
O caráter multidimensional identificado no universo em questão, no entanto,
não exclui que a combinação entre os trunfos implique em maior ou menor êxito na
ocupação de posições no espaço social, assim como não exerça um efeito de atração maior
em determinados agentes por certos domínios sociais e por certas “causas” de
militantismos e de engajamentos. As “escolhas” profissionais e as adesões, como foi
possível detectar, estão intimamente ligadas à posse de determinados recursos. O que deve
ser destacado, entretanto, é que a posição ocupada na carreira de cargos de confiança, na
305
arena eleitoral, nas altas esferas administrativas, na academia e no âmbito profissional
traduzem diferentes possibilidades de uso da mesma mescla de atributos.
Outro elemento a ser grifado é a persistência, ao longo do período analisado,
de uma matriz de valorização tanto dos atributos de intervenção como de “interpretação da
realidade”, como elementos indissociáveis e como instrumentos para o cumprimento de
“missões”. O conjunto de rearranjos, de crises e de inovações em vários domínios sociais,
evidenciado ao longo da contestação ao “regime militar” e posteriormente, demonstra que
há um espaço de hierarquizações, alianças e rivalidades que mantêm fundidos diferentes
domínios de intervenção sob lógicas muito semelhantes. Tal espaço é ocupado com
especial destaque pelos protagonistas que atuaram na “luta contra a ditadura” que
desempenham papéis decisivos ainda no ingresso e na ascensão de novos agentes nos
domínios políticos e intelectuais.
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YMONET, Marie. “Les heritiers du capital. L’invention du marxisme em France au
lendemain de la commune”, Actes de la Recherche en Sciences Sociales, nº 55, 1984.
Periódicos e documentos consultados:
Jornal “A Classe Operária”, março de 2002:02.
Jornal semanário “Movimento” de 1975 a 1978 (93 matérias)
Jornal Semanário de Informação Política de 1975 a 1976 (22 números).
Jornal Informação 22 de julho de 1976 a1977 (23 números)
Jornal Em Tempo de 1977 a 1979 (34 matérias).
313
“Para não esquecer Araguaia”. Em memória do gaúcho Cilon, 1973-2003. Publicação do
Gabinete da deputada Jussara Cony.
“Manifesto da Oposição Jovem”, SJM/MDB de Porto Alegre (08/10/1972)
Ante-projeto da Carta Programática para o Setor Jovem Metropolitanto (MDB/Porto
Alegre).
“Cartilha nº 1”e carta de princípios do Setor Jovem metropolitano (1º semestre de 1976)
IVª Convenção Ordinária: Relatório Anual da Comissão Executiva do SJM/MDB – Porto
Alegre (11/7/1976).
“A luta pela democracia, hoje”, texto de circulação interna do SJM (2ª semestre de 1976)
Revista “Textos & Debates” do SJM/MDB de Porto Alegre (maio de 1977)
Luta Contínua, Boletim Informativo do Setor Jovem.
“O MDB e a Ação Municipalista”: 1º Seminário para candidatos a Prefeito, Vice-Prefeito e
Vereador. MDB-IEPES/RS (28 e 29/8/1976)
“O MDB na conjuntura política eleitoral”. Texto de circulação interna do IEPES (1978).
Boletins da Tendência Socialista de 1978.
Programa de Fundação da Tendência Socialista (julho de 1978)
Declaração de Porto Alegre, MDB/RS (25/4/ 1971)
O MDB aproximando o futuro! MDB/RS (24/8/1975)
MDB, 10 anos depois. MDB/RS (não datado).
314
ANEXOS:
1 – NOTAS BIOGRÁFICAS
1.1 – Perfis dos entrevistados:
1. ANTÔNIO BERND nasceu em Porto Alegre e é filho de um jornalista que ocupou cargos públicos
na prefeitura do município e foi vinculado ao PTB. Participou do movimento estudantil no colégio
Júlio de Castilhos e na UFRGS na década de setenta, atuando no MDB e no IEPES. Participou das
campanhas de Marcos Klassamnn e André Forster e se filiou ao PMDB. Foi líder sindical dos
funcionários da Previdência do Estado. Participou da dissidência do PMDB que migrou para o PPS.
Concorreu a vereador e chegou a ocupar uma cadeira na Câmara de Vereadores já pelo PPS. Seu
irmão, Mário Bernd, médico formado pela UFRGS, também militou no MDB, PMDB e PPS,
ocupou vários cargos públicos (direção de hospitais, etc.), foi deputado estadual e candidato a
senador.
2. ANTÔNIO SIDEKUM nasceu em 1948, numa família de agricultores de São Leopoldo, região
metropolitana de Porto Alegre. Cursou a Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada
Conceição (FAFIMC). Nos anos sessenta e setenta atuou nos movimentos estudantis e políticos
vinculados à Igreja Católica e também na “organização clandestina” VAR-Palmares. Em 1978
concluiu o mestrado em Filosofia pela PUC/RS e posteriormente fez doutorado e pós-doutorado, na
mesma área, em instituições de ensino alemãs, sendo que o último pós foi realizado em 2000 na
University of América nos Estados Unidos. Atualmente é professor universitário na Faculdade de
Administração e Ciências Contábeis de Taquara.
3. BENNO ORLANDO BURMANN nasceu em Catuípe e seu pai era pequeno comerciante. Estudou
contabilidade em Ijuí e a partir da sua atuação no movimento estudantil secundarista se elegeu
vereador, prefeito e deputado estadual no município pelo PTB. Foi cassado e passou a atuar na luta
armada. Foi um dos principais responsáveis pela “saída” de militantes para o exílio pela fronteira do
Uruguai. Exilado, se aproximou ainda mais de Leonel Brizola. Com o retorno ao país reconquistou
seu cargo de deputado estadual pelo PDT em 1982. A partir de 1986 se aproximou dos membros da
Unidade Socialista do partido, principalmente por conta do movimento “coliga não”. Não se elegeu
deputado federal em 1986. Seu irmão foi vice-prefeito e prefeito de Ijuí pelo MDB e PDT. Seu filho,
membro da Unidade Socialista, foi seu chefe de gabinete na Assembléia Legislativa e candidato a
deputado estadual em 1986. Seu sobrinho foi vice-prefeito e é deputado estadual pelo PDT.
4. BRIANNE PANITZ BICCA nasceu em Porto Alegre. É filha de uma professora primária e de um
sapateiro e dono de uma alfaiataria. Iniciou sua militância no colégio Júlio de Castilhos e
aprofundou na faculdade de arquitetura da UFRGS. Namorou e casou com Paulo Bicca (ex-
presidente do DA de Arquitetura e membro do POC). Auxiliou em algumas atividades do POC.
Trabalhou em Brasília e em 1976 se deslocou para Paris, onde realizou o doutorado. No retorno ao
Brasil participou da fundação do PT. Trabalhou junto ao governo federal, junto a Unesco e junto à
prefeitura de Porto Alegre (convidada em uma das gestões do PT) na área de patrimônio.
5. CALINO PACHECO nasceu em Cachoeira do Sul e o pai era funcionário dos correios (carteiro).
Estudou no Júlio de Castilhos e, depois de pertencer ao PCB, compôs os “Brancaleones” e
acompanhou Carlos Araújo na ida para VAR-Palmares e, com o pluripartidarismo, foi para o PDT,
onde fez parte do Grupo Unidade Socialista. Em 1990 participou da primeira dissidência que se
filiou ao PT e, a partir de 1998, atuou no gabinete de imprensa da então Secretária de Minas e
Energia Dilma Roussef durante o governo petista de 1999 a 2002. Economista, é funcionário da
Fundação de Economia e Estatística do RS e, entre outras coisas, mantém vínculos pessoais e
profissionais com Carlos Araújo.
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6. CARLOS ALBERTO DE RÉ nasceu em Jaguari/RS. O pai era trabalhador ferroviário e líder
sindical que, depois de preso “pela ditadura”, abriu um comércio de “armarinhos” em Porto Alegre
(em 1966). Não tem curso superior. Iniciou sua militância no movimento estudantil secundarista no
colégio Júlio de Castilhos. Constituía o “grupo” que ficou conhecido como “Brancaleones” e a
VAR-Palmares. Depois de um período na prisão, no início dos anos setenta, ingressou no MDB,
participou do IEPES e integrou o Setor Jovem Metropolitano. Com o pluripartidarismo, filiou-se ao
PDT e neste partido permanece ainda hoje como assessor da bancada na Assembléia Legislativa do
RS. Foi candidato a deputado estadual em 1994. Um dos principais porta-vozes das “experiências
militantes durante o regime militar”, atualmente é um dos “representantes da sociedade civil” na
“Comissão do Acervo da Luta Contra a Ditadura”.
7. CARLOS EDUARDO VIEIRA DA CUNHA nasceu em Cachoeira do Sul e é filho de um promotor
que foi vereador e candidato a deputado estadual. Começou sua militância na década de setenta no
colégio Anchieta e continuou no curso de Direito da UFRGS. No final da década de setenta,
juntamente com Romildo Bolzan Jr. (filho de um deputado de MDB e PDT) seu futuro cunhado,
participou do movimento de fundação do PDT. Neste partido militou e foi presidente da Juventude
Socialista no início da década de oitenta, sendo vinculado à liderança de Carlos Araújo e à esquerda
do PDT. Foi vereador e secretário municipal em Porto Alegre, presidente da Companhia de Energia
Elétrica do Estado, deputado estadual e atualmente é deputado federal, sempre pelo PDT.
8. CARLOS FRAKLIN PAIXÃO ARAÚJO é advogado trabalhista, assim como o pai e um dos
irmãos. Atuante no movimento estudantil desde a década de 50, pertenceu ao PCB, liderou os
“Brancaleones”, foi um dos principais dirigente da VAR-Palmares ao lado da sua então esposa
Dilma Roussef. Ambos foram os principais articuladores de uma facção “esquerdista” no MDB que
veio a integrar o movimento pela refundação do PTB e “construir” o PDT no RS. Este mesmo
“grupo” constituiu uma “ala” socialista que se definia como “cabeças pensantes” dentro do partido.
Apesar de ter participado da dissidência do PDT em direção ao PT, acabou não se filiando ao
partido.
9. CARLOS HORÁCIO HERZ GENRO nasceu em Santiago. O pai foi professor de Francês e
Português de escola pública, vice-prefeito de Santa Maria e também depois foi advogado. Carlos
Horácio fez parte do centro acadêmico da Faculdade de Medicina; em 1966 deu aulas num curso
pré-vestibular e se formou em 1968. Foi estagiar em Porto Alegre e em 1969 começou a trabalhar na
Santa Casa de Misericórdia da capital. Trabalhou no Hospital Moinhos de Vento e depois no
Hospital Conceição. Em 1972 foi trabalhar no Hospital de Clínicas e em 1974 começou a dar aulas
na UFRGS. Apesar de nunca ter tido uma “militância orgânica”, foi “próximo” da Ala Vermelha do
PC do B, PRC e atualmente é filiado ao PT, assim como seus dois filhos, a esposa e praticamente
toda a sua família.
10. CARLOS MENDES RIBEIRO nasceu em 1934 e formou-se em odontologia pela UFRGS, tendo
feito especialização, nos anos sessenta, em “higiene e saúde” na USP. Nos anos cinqüenta atuou no
movimento estudantil universitário. Foi professor assistente de odontologia e professor titular de
administração na UFRGS. Atualmente define-se como escritor, consultor e empresário. Foi filiado
ao PDT e atualmente é filiado ao PT.
11. CARLOS WINCKLER nasceu em Ijuí e o pai era médico com vinculação ao PCB. Em Ijuí
participou do semanário de Informação Política. No final dos anos sessenta Winckler foi estudar em
Porto Alegre no colégio Anchieta e depois ingressou nas faculdades de Direito e Letras da UFRGS.
Fez mestrado na mesma instituição em Sociologia e o trabalho de dissertação foi sobre “elites
regionais”. Durante os anos setenta atuou no MDB (IEPES) e com o pluripartidarismo filiou-se ao
PMDB, mas trocou de partido em 1986, filiando-se ao PT. Por este último partido foi suplente de
vereador. Atualmente é professor da PUC/RS e funcionário da Fundação de Economia e Estatística
do RS.
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12. CARMEN CRAIDY nasceu Ijuí/RS e seu pai era comerciante e fora filiado ao PSD e Arena. Ela se
formou em pedagogia na Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, em 1964.
Atuou e ocupou cargos de direção na Juventude Estudantil Católica, Juventude Universitária
Católica e Ação Popular, sendo que depois participou de uma “dissidência” desta que formou o
Movimento Revolucionário dos Trabalhadores. Foi para o exílio em Paris onde fez mestrado em
Ciências da Educação na Universidade de Paris V. Retornou para o Brasil em janeiro de 1979.
Trabalhou como assessora de educação da direção da Fundação Estadual do Bem-estar do Menor e
depois foi assessora do juizado da infância e da adolescência. Durante a segunda metade dos anos
oitenta coordenou alguns programas vinculados ao governo federal tendo como temáticas freqüentes
“criança e adolescente” e “educação”. No início dos anos noventa ingressou na UFRGS, instituição
pela qual realizou seu doutoramento na mesma década. Mantém sua intervenção desenvolvendo
pesquisas, assessorias e consultorias com as mesmas temáticas supracitadas. Coordenou oficinas no
Fórum Social Mundial e participa, igualmente, das reuniões do Instituto Brasileiro de Ação Popular
(IBRAP).
13. CECÌLIA HIPÓLITO nasceu em Pelotas e é filha de funcionário público. Iniciou sua militância na
Universidade Federal de Pelotas na década de setenta como dirigente do Diretório Acadêmico de
Educação Artística. Seus irmãos eram líderes estudantis e membros da Tendência Socialista em
Pelotas. No início da década de oitenta os três participaram da fundação do PT e militaram na
Democracia Socialista. Trabalhou com professora da rede municipal com pós-graduação, sendo
líder sindical. Foi vereadora, deputada estadual e suplente de deputada federal, além de candidata a
prefeita em 1992. Passou a se engajar em “causas ambientais” e ocupou um cargo na “área” no
governo Lula.
14. CÉSAR AUGUSTO TEJERA DE RÉ nasceu em Alegrete, filho de pai ferroviário e líder sindical.
Iniciou sua militância no movimento estudantil secundarista em Santa Maria, tendo tido vínculos
com AP e Ala Vermelha do PC do B. Mudou-se para Porto Alegre no final de 1967 e ingressou na
“dissidência” do PCB, depois atuou junto com os chamados “Brancaleones” e também se vinculou à
VPR. Em 1971 foi preso e, quando saiu, em 1972, trabalhou na Embratel, numa loja do “Baú da
Felicidade”, do Silvio Santos, na Riocel e na Banrisul processamento de dados. Iniciou a faculdade
de administração em 1973, no início dos anos oitenta foi lecionar na PUC e, tendo passado num
concurso para professor da UFRGS, começou a lecionar em 1987. Apenas oficializou uma filiação
partidária nos anos noventa no PPS “mais por saudosismo” e incentivado pelo amigo Cláudio
Gutierrez.
15. CÉSAR BUSATTO nasceu em Veranópolis e é filho de comerciantes. Ligado à Igreja Católica, foi
líder estudantil secundarista em Caxias do Sul e na faculdade Economia da UFRGS. Fez parte do
IEPES na década de setenta, esteve no México cursando o mestrado em economia e foi militante do
MR8. Ocupou cargos técnicos no governo de Pedro Simon e elegeu-se deputado estadual pelo
PMDB. Foi secretário de Estado no governo de Antônio Britto. Participou da dissidência para o PPS
e, com a vitória de Fogaça, passou a ocupar a direção do Gabinete de governança local na prefeitura
de Porto Alegre.
16. CÉSAR TERRA BURMANN nasceu em Ijuí e é filho do técnico em contabilidade e ex-vereador,
prefeito e deputado estadual Beno Orlando Burmann. Passou a atuar politicamente quando cursava a
faculdade de engenharia aproximando-se de lideranças de esquerda do estado. No final da década de
setenta passou a atuar no movimento sindical, como engenheiro, aproximando-se sobretudo do
“grupo” liderado por Carlos Araújo. Com a redemocratização ingressou no PDT, acompanhando os
familiares com forte liderança em Ijuí (principalmente pai e tio). Integrou um “núcleo” do PDT que
auto-denominava-se de “setores pensantes” da sigla liderado por Carlos Araújo e Dilma Rousseff,
auxiliando na elaboração do plano de governo do PDT para as eleições de 1982. Na década de
oitenta foi militante da “Unidade Socialista” e atuou no movimento “Coliga não”. Ocupou a chefia
de gabinete no mandato do seu pai na Assembléia Legislativa e foi candidato a deputado estadual
em 1986.
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17. CLÁUDIO WEYNE GUTIÉRREZ nasceu em Porto Alegre. O pai era comerciante (dono de um
bar no bairro Bom Fim em Porto Alegre) e não possuía vínculos políticos. A militância foi iniciada
no movimento estudantil secundarista, tendo integrado o PCB, a “dissidência” desse partido, o
“grupo” chamado “Brancaleones” sobre os quais escreveu um livro publicado em 1999, e também
integrou a ALN. Foi exilado e preso no Uruguai e esteve também no Chile, onde se vinculou à VPR
e participou do “grupo de guerrilheiros” do “Exército de Libertação Nacional”. Retornou para o
Brasil em 1979. Com a Anistia, se filiou ao PDT, mas logo aciona seus contatos com o PCB. Em
1989 ocupou o cargo de assessor do vereador Lauro Hagemann. Participou da fundação do PPS em
1992 e da dissidência ocorrida em 2000. Também em 2000 deixou de trabalhar com o vereador e
filia-se ao PT. Em 2003 foi o responsável pelas relações comunitárias da Prefeitura de Porto Alegre
(PT) no Projeto de loteamentos populares vinculado à Secretaria do Planejamento Municipal e,
atualmente, compõe como “representante da sociedade civil”, a “Comissão do Acervo da Luta
Contra a Ditadura”.
18. CLÓVIS ILLGENFRITZ DA SILVA nasceu em Ijuí e o pai era empresário, tendo sido ainda
prefeito do município. Formou-se em Arquitetura e Urbanismo pela faculdade de arquitetura da
UFGRS (1965-1969), universidade onde deu aulas (1972-1977). Trabalhou numa empresa de
“Arquitetura e Planejamento” de Porto Alegre (1965-1989), atuou no Instituto dos Arquitetos do
Brasil, fundador e presidente do Sindicato dos Arquitetos/RS por três gestões, presidente da
Federação Nacional dos Arquitetos, vice-presidente do CREA/RS e fundador e dirigente da CUT.
Foi dirigente estudantil e atuou no PCB e POC. Ingressou no PT e foi secretário-geral (1982-1983 e
1984-1985), e presidente (1995-1997) deste partido, entre outros cargos partidários ocupados.
Também pelo PT se elegeu vereador por três vezes (1989; 1992; e 1996) e deputado federal (de
2001-2002). Foi do Conselho da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados
do Rio Grande do Sul (AGERGS), cargo este que renunciou, em 2006, para ocupar o de Diretor
financeiro da Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE).
19. CRISTIANO TATCH nasceu em Porto Alegre e o pai é industrial. Formou-se em economia pela
UFRGS e foi professor universitário. Participou do grupo da economia dedicado às discussões sobre
o marxismo e economia brasileira e foi presidente do diretório acadêmico da economia. Atuou na
direção do IEPES e no Gabinete de Assessoria Superior da Assembléia Legislativa. Com a
reorganização partidária optou pelo PMDB participando das coordenações de campanha para o
governo do estado (Simon e Britto) e ocupo cargos nesses governos, entre eles, ocupou presidência
da CRT. Trabalhou na FIERGS (Fundação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul).
Atualmente é Secretário Municipal da Fazenda do governo José Fogaça.
20. DANIEL KOSLOWSKI HERZ nasceu em Porto Alegre e é filho de empresários. Formou-se em
jornalismo, com mestrado, foi professor universitário, publicitário, empresário e líder sindical na
“categoria”. Integrou o SJ de Santa Maria durante a década de 70 e em 1976 colaborou para a
reativação do jornal semanário “Informação” em Porto Alegre sendo diretor do mesmo e também da
sucursal do “jornal alternativo” de circulação nacional “Movimento” no RS. Pertenceu ao PRC e ao
PMDB antes de filiar-se ao PT no início dos anos oitenta. Foi um dos promotores da criação do
CEFIP e da revista “Práxis”, ambos coordenados por Adelmo Genro Filho. Foi um dos primeiros
professores da faculdade de jornalismo da UFSC. Faleceu em maio de 2006 e em setembro do
mesmo ano foi lançado o “Prêmio Daniel Herz de Comunicação” pela Federação Nacional de
Jornalistas (da qual foi diretor) e pelo Fórum Nacional de Professores de Jornalismo, em abril de
2007 foi lançado o “Prêmio Daniel Herz de Projetos Pedagógicos, TCCs e Reportagens sobre
Democratização da Comunicação” pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (do
qual foi um dos fundadores).
21. DILZA DE SANTI nasceu em Uruguaiana. O pai era comerciante com posicionamentos
classificados por ela como “de direita”. Tendo participado da JEC, quando se deslocou para Porto
Alegre em 1965 para cursar a faculdade de filosofia, integrou a AP e foi uma liderança estudantil,
chegando a ocupar a vice-presidência de cultura do DCE da UFRGS. Nos anos sessenta passou um
período em São Paulo, participando das atividades de militância da AP, e na USP concluiu a
faculdade. Em 1971 casou com um “colega de militância”, Mario de Santi, que era então jornalista
da revista Veja. Também foi em São Paulo que começou a trabalhar numa agência de pesquisa e
publicidade. Até hoje trabalha em pesquisa de opinião, porém agora tem sua própria empresa.
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Voltou para Porto Alegre em 1978. Participou das reuniões do IEPES, da campanha de André
Forster e se filiou ao PMDB, mas não se manteve militante. Atualmente tem aproximação maior
com o PC do B e participa dos encontros do Instituto Brasileiro de Ação Popular (IBRAP).
22. ELIEZER PACHECO nasceu em Rosário do Sul. Seu pai (apesar da origem humilde, filho de “peão
de estância”) estudou no colégio militar como bolsista e teria adquirido uma “formação marxista”.
Começou sua militância em 1962 pela “mocidade trabalhista” em Santa Maria, já com contatos com
o PCB. Entrou na UFSM em 1965 e passou a se aproximar da AP. Preso duas vezes, passou a viver
em Porto Alegre na clandestinidade, trabalhando como operário. Retomou o curso de História na
UFSM e posteriormente passou a lecionar em Ijuí. Neste período se vinculou ao MR8 e
posteriormente ao PCB, atuando também no IEPES do MDB, sendo inclusive candidato a deputado
estadual pelo partido em 1978. Com a redemocratização se filiou ao PMDB, mantendo a vinculação
com o PCB. Manteve-se neste último até a mudança da sigla para PPS, quando ingressou no PT.
Nas últimas décadas ocupou cargos na prefeitura de Porto Alegre e no governo federal (já ligado ao
PT). Foi ainda dirigente no sindicalismo dos professores do estado, quando conheceu e casou-se
com uma liderança dos professores que foi vereadora de Porto Alegre pelo PCdoB e posteriormente
migrou para o PT. Sua esposa foi deputada estadual e atualmente é deputada federal pela sigla.
23. ENED BACKES nasceu em Santa Cruz do Sul e é filha de um médio empresário que trabalhou com
transportes, comércio de bebidas, etc. Depois do deslocamento da “família” para capital, cursou
Ciências Sociais na UFRGS a partir do início dos anos setenta, militou no movimento estudantil, no
movimento pela Anistia (convidada por uma colega de Ciências Sociais, Lícia Peres) e depois
passou a atuar no “movimento comunitário”. Participou do MDB e da fundação do PT, chegando a
ser candidata a deputada federal em 1982. Durante as gestões do PT na prefeitura de Porto Alegre
ocupou vários cargos públicos.
24. FLÁVIO COSWIG nasceu em Pelotas, município que reside e atua ainda hoje. É originário de uma
família de comerciantes ligada ao PSD. Seu pai rompeu com a liderança de um primo e migrou para
o PTB. Por este partido concorreu à vereança, sem sucesso. É formado em agronomia. No início
dos anos 70 militou no grêmio estudantil do Colégio Agrícola, no diretório acadêmico da faculdade
de Agronomia da UFPEL, foi fundador do Setor Jovem do MDB e um dos articuladores do IEPES
naquela localidade. Em 1976 se elegeu vereador, em 1982 se reelegeu já pelo PMDB, em 1986 é o
candidato a deputado estadual mais votado do RS pelo PCB, em 1988 é candidato a prefeito de
Pelotas pelo PT e em 1990 a deputado estadual pelo mesmo partido. Foi assessor da prefeitura entre
1990 me 1992.Na década de 90 se elegeu mais duas vezes vereador pelo PDT e pelo PSDB, tendo
sido presidente da Câmara de Vereadores. Atualmente é filiado ao PSB e atuou como assessor na
gestão do PT na prefeitura de Pelotas (2001-2004).
25. INDIO VARGAS nasceu em São Sepé e é filho de proprietários rurais. Trabalhou como jornalista
em Porto Alegre e se formou na PUC na década de cinqüenta. Sua iniciação na militância ocorreu na
campanha da legalidade já durante aos anos sessenta e com 26 anos. Na seqüência ingressou no PTB
e veio a ser vereador de Porto Alegre no final da década de sessenta, quando também cursou e
concluiu filosofia na UFRGS. Tendo o mandato de vereador cassado, entrou na clandestinidade.
Posteriormente foi preso e ficou recluso no “predio da ilha”, onde reforçou laços com futuros
companheiros no PDT como Carlos Araújo, Calino Pacheco e Carlos de Ré. Foi professor na
Unisinos. Com a redemocratização entrou no PDT e concorreu a deputado federal, já formado em
direito. Escreveu suas memórias sobre o período de prisão e tortura no livro “Guerra é Guerra, dizia
o torturador”. Militou no PDT nas últimas décadas e atuou como advogado trabalhista.
26. IVAN BRAESCHER nasceu em Porto Alegre e é filho de um advogado. Iniciou sua atuação no
colégio Júlio de Castilhos na década de cinqüenta e na campanha “O petróleo é nosso”. No
movimento estudantil universitário, como estudante de odontologia, chegou à presidência da UEE e
atuou no “movimento da legalidade”. Embora tenha se aproximado do “maoísmo” por um período
não comungava com as idéias “comunistas” das principais organizações de esquerda em ação nos
anos sessenta. Foi filiado ao PTB antes do golpe militar. Na década de sessenta concorreu a
vereador com uma proposta de ler “O manifesta da Guerrilha urbana”. Coma redemocratização se
filiou ao PDT e concorreu a vereador em 1982. Ocupou um cargo público na secretaria de saúde no
governo de Alceu Collares. Foi diminuindo paulatinamente sua militância partidária.
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27. JANDIR ZANOTELLI nasceu em Encantado/RS, o pai era agricultor e chegou a ser vereador pelo
PTB. Fez Faculdade de Filosofia e Teologia em Viamão (seminário), iniciou o cursou de Direito na
Universidade de Passo Fundo e concluiu em Pelotas. O mestrado em “antropologia filosófica” foi
realizado na PUC de Porto Alegre no final dos anos setenta. Participou da fundação de diretórios
acadêmicos, atuou na UNE, UEE e AP. Entre outros cargos, foi diretor de escola normal e ginasial
do estado em Piratini, trabalhou em Canguçu na Fundação do primeiro curso de magistério, depois
foi para Pelotas, onde trabalhou como coordenador do curso de filosofia da Universidade Católica.
Foi vice-reitor (1978 a 1981) e reitor da universidade (1987 a 1996). A primeira filiação partidária
foi no PMDB, em 1983, esteve no PDT e atualmente é filiado ao PSB. Foi secretário municipal de
educação e responsável pelo programa “todo poder emana do povo” (experiência de participação
popular no orçamento realizado em Pelotas no início da década de 80).
28. JOÃO BAPTISTA AVELINE Nasceu em 1919 em Porto Alegre e exerceu a profissão de jornalista
(sem a título de curso superior). Sempre foi militante e dirigente do Partido Comunista (desde o
início dos anos cinqüenta). Trabalhou por muito tempo, em diferentes momentos para o Grupo RBS
(sobretudo jornal e rádio) e também para várias instâncias ligadas ao PCB, como o jornal Tribuna
Gaúcha (quase sempre como redator ou ocupações relacionadas à redação). Faleu em novembro de
2005 com 82 anos.
29. JOÃO CARLOS BONA GARCIA formou-se m Direito pelas Faculdades Integradas Ritter dos
Reis/RS somente em1994. Nos anos setenta, em ocasião do exílio na França estudou no Instituto de
Estudos de Desenvolvimento Econômico e Social (IEDES) da Universidade de Paris I. Nos anos
setenta atuou em várias “organizações clandestinas de esquerda” e “luta armada”, saindo para o
exílio no Chile numa troca por um embaixador e passando também um período na Argélia. Aspectos
que justificam sua atuação na “comissão do acervo da luta contra a ditadura” e a posição de porta-
voz dos militantes daquele período, refletida na freqüência com que é solicitado a testemunhar sobre
o período. Entre tantas coisas, na década de oitenta, trabalhou como professor de estatística e
técnicas comerciais da Universidade de Lajeado, foi secretário Municipal de Obras e Viação de
Passo Fundo, foi professor da Universidade de Passo Fundo na Faculdade de Economia e
Administração e assessor Superior da Assembléia Legislativa do Estado do RS. Nos anos noventa
foi diretor-presidente da Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos do RS, diretor do
Banco do Estado do RS, e em 1998 foi presidente do Sindicato dos Bancos e Chefe da Casa Civil do
Governo do Estado do RS. Desde 1998 é Juiz do Tribunal Militar do Estado do RS, tornando-se Juiz
Presidente a partir de 2002, entre outros cargos correlatos. Em 2003 foi homenageado com a Ordem
do Mérito do Ministério Público do RS e em 2004 recebeu a Medalha Governador Ernesto
Dornelles, “pelos relevantes serviços prestados ao estado do RS”. Ocupava a Presidência da
Comissão do Acervo da Luta Contra a Ditadura, órgão ligado à pasta estadual. No entanto, com o
início da gestão de Mônica Leal como Secretária de Cultura, filha de Pedro Américo Leal, um dos
militares envolvidos em episódios de “repressão” aos estudantes no RS, pede demissão do cargo.
Fonte: Entrevista e matérias publicadas em meios jornalísticos no mês de maio de 2007.
30. JOÃO CARLOS BRUM TORRES nasceu em Porto Alegre. Formou-se em filosofia (1967), Direito
(1968), ambos pela UFRGS e é doutor em Ciência Política pela USP. Como resultado do “expurgo”
da universidade sofrido no final da década de 60, em 69 viaja para França onde se dedicou ao estudo
da obra de Karl Marx e desenvolveu estudos sobre política e economia no Brasil. Retornando ao
Brasil em 1974, participou da direção do IEPES, trabalhou no Gabinete de Assessoria Superior na
Assembléia Legislativa junto à bancada do MDB. Filiou-se ao PMDB. Foi Secretário de Captação
de Recursos do Município de Porto Alegre (na gestão de Tarso Genro), e duas vezes Secretáro de
Estado da Coordenação e Planejamento do Rio Grande do Sul (nos governos do PMDB). É ex-
diretor do Banco de Desenvolvimento do Estado do Rio Grande do Sul (BADESU). Atualmente é
diretor-presidente do Instituto Ulysses Guimarães (antigo Pedroso Horta) e é professor universitário
do curso de Filosofia da UFRGS.
31. JOÃO CARLOS GASTAL JR. é natural de Pelotas e seu pai era advogado, juiz, promotor,
professor universitário, prefeito e deputa estadual pelo PTB e MDB. Gastal Jr. é formado em Direito
pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), onde atuou no movimento estudantil e no Setor
Jovem. Em 1976 foi candidato a vereador nesta cidade, ocupando a primeira suplência, chegando a
atuar no legislativo. Sendo fundador do Partido dos Trabalhadores, foi o primeiro vereador por esta
320
legenda em Pelotas, entre 1979 e 1980. Foi vinculado inicialmente à “Tendência Socialista” e depois
à “Democracia Socialista”. Atualmente é assessor do Senado e filiado ao PT.
32. JOSÉ IVO SARTORI é natural de Farroupilha e o pai era borracheiro dono de um pequeno
comércio. É formado em Filosofia pela Universidade de Caxias do Sul. Nesta cidade atuou
politicamente. Participou da juventude estudantil católica, estudou em seminário formando neste um
grêmio estudantil. Foi presidente do Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Caxias do
Sul e, em 1974, entra para o MDB e participa do Setor Jovem e do IEPES na sua cidade. Eleito
vereador em 1976, concorreu a deputado estadual em 1978. Foi vice-presidente do PMDB e
coordenador do Instituto Pedroso Horta. Exerceu cinco mandatos como deputado estadual pelo
PMDB e atualmente é prefeito de Caxias do Sul.
33. JOSÉ VIEIRA LOGUÉRCIO nasceu em Bagé filho de um trabalhador ferroviário, vinculado ao
Partido Libertador. A família (seis irmãos) veio para Porto Alegre em 1963. José Loguércio atuou e
ocupou posições de direção na Juventude Estudantil Católica, na Juventude Universitária Católica,
na Ação Popular e depois no PC do B, partido ao qual pertence ainda hoje. Preso e torturado,
Loguércio passou um longo período “na clandestinidade”. Assim, a formação superior foi iniciada
em 1968 no curso de filosofia e somente foi retomada em 1995, no curso de ciências sociais da
UFRGS. Realizou o mestrado e é doutorando, ambos em Ciência Política, pela mesma universidade.
É funcionário público e membro do Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no Rio
Grande do Sul - Sintrajufe RS.
34. LÍCIA PERES nasceu em Salvador e é filha de usineiro no nordeste. Passou a atuar politicamente
quando cursava Ciências Sociais na UFRGS. Seu deslocamento para Porto Alegre se deu devido ao
casamento com Glênio Peres (que veio a ser vereador pelo MDB e depois fora cassado) Ingressou
no movimento estudantil no final dos anos sessenta. Participou do movimento pela anistia, do
movimento feminista e da fundação do PDT (formando um “grupo” juntamente com o marido,
Carlos Araújo e Dilma Rouseff) durante os anos setenta. Neste partido ocupou vários cargos de
direção (inclusive sendo membro do Diretório Nacional em várias ocasiões) e cargos de confiança.
Fez parte da Comissão do Acervo da Luta contra a Ditadura.
35. LUIZ ANTÔNIO GRASSI nasceu em Santa Maria e o pai, funcionário público, era gerente da
Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) e filiado ao PSD. Grassi pertenceu a JEC, JUC e
AP. Realizou a faculdade de engenharia na UFRGS (1961-1965) e depois iniciou a de História nas
Faculdades Porto-alegrenses (1969-1973). Quando concluiu o curso de História, começou a dar
aulas na mesma instituição. Nesse período também trabalhava como engenheiro civil na Companhia
Riograndense de Saneamento (Corsan). No final da década de setenta começou a participar de
atividades do IEPES, tendo colaborado nas campanhas de André Forster (1978 e 1982) e se filiou ao
PMDB. Em 1984 foi “convidado” por pessoas da Fundação Estadual de Planejamento
Metropolitano e Regional (Metroplan) a participar do Instituto Brasileiro do Planejamento, do qual
André Forster foi presidente e ele um dos vices. Coordenou as políticas de saneamento no governo
de Pedro Simon. Foi presidente da Associação dos Engenheiros da Corsan quando Pedro Bisch Neto
era presidente do CREA. Saiu do PMDB no final dos anos oitenta. Aposentado há alguns anos, tem
se dedicado a discutir o “sistema brasileiro de recursos híbridos”.
36. LUIZ CARLOS MORAES é filho de um desenhista de sapatos e pequeno empresário. Começou a
militância no início dos anos setenta na UFSM, onde cursou Direito, como membro do POC. Preso
duas vezes, se deslocou para Porto Alegre. Passando a atuar como advogado trabalhista juntamente
com Tarso Genro. Filiou-se ao MDB, participou das campanhas de Marcos Klasmann e André
Forster e se aproximou de um “grupo chamado “oposições sindicais”. Nas últimas décadas militou
no PT e esteve engajado nas questões sindicais como advogado. Sua esposa, Margareth Moraes, que
participou do Jornal Informação em Santa Maria, foi secretaria de cultura em Porto Alegre e
vereadora.
321
37. LUIZ ILLAFONT CORONEL nasceu em Quaraí/RS filho de uma professora primária e de um
comerciante. Cursou medicina na UFSM (1968-1972), depois foi residir em Porto Alegre.
Trabalhou como médico psiquiatra da Associação dos Funcionários Municipais da capital, atuou na
Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEP) e na Associação Médica do Rio Grande do
Sul (AMRIGS). Desde 1984 é professor do curso de especialização em grupo terapias da Fundação
Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA) e, entre 1995 e 1997, fez o mestrado em
psiquiatria, psicanálise e saúde mental na UFRJ. Foi diretor geral da Secretaria de Justiça e de
Segurança Pública do RS de 1999 a 2002 (governo Olívio Dutra). Dentre outras coisas, desde 2005,
coordena o Anteprojeto de lei desenvolvido em convênio com o departamento de psiquiatria da
FFFCMPA e desde 2006 é presidente da Associação Brasileira de Psicoterapia de Grupo. No final
dos anos sessenta ingressou na “dissidência” do PCB, em Santa Maria, POC e depois “Tendência
Socialista” do MDB, já em Porto Alegre. Foi filiado ao PT.
38. LUIZ MIRANDA é filho de um militar. Formou-se em economia pela UFRGS, onde é professor
universitário. Ministrou cursos Estudos do Homem na Unisinos na década de 70. Ingressou no
MDB, em 1972, como assessor do então deputado Pedro Simon, participou do grupo de estudantes
de economia que estudava Marx e da organização e direção do IEPES. Permaneceu no PMDB até
1986 e posteriormente se vinculou ao PT, partido que o indicou para o conselho da AGERGS
(Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul).
39. LUIZ PAULO DAUDT nasceu em Porto Alegre e é filho de um militar. Estudou no colégio militar
e posteriormente no colégio Parobé, onde iniciou sua militância a partir da AP. Na seqüência
integrou o PC do B. Foi preso no início da década de setenta e passou a trabalhar com cinema. Em
1976 ingressou na faculdade jornalismo da PUC. Já formado trabalhou na assessoria de sindicatos e
no jornal Zero Hora. Foi ainda professor do Curso de Comunicação da PUC. Trabalhou ainda na
secretária de imprensa no governo do estado e na Assembléia Legislativa em governos de diferentes
partidos (PMDB, PDT e PT).
40. LUIZ PAULO PILLA VARES é formado em filosofia e direito, mas se define como jornalista. O
pai era advogado. Pertenceu à Polop, ao PCB, e ao POC. Com o pluripartidarismo teve uma
passagem pelo PSB, mas logo em seguida ingressou no PT. Foi presidente do partido em Porto
Alegre, Secretário da Cultura de Porto Alegre e Secretário de Estado da Cultura do RGS. Tem
vários livros publicados sobre o marximo, autores marxistas, anarquismo e etc. É articulista do
jornal Zero Hora e, dentre suas atividades, está a de crítico literário.
41. LUIZ ROBERTO SIMON DO MONTE nasceu em São Pedro do Sul e foi estudar jornalismo na
UFSM, onde iniciou sua militância estudantil. Pertenceu ao Setor Jovem do MDB, à “equipe” do
jornal “Informação” e foi residir o jornal em Porto Alegre no início dos anos setenta. Integrou o
PRC e o PMDB no início dos anos oitenta, tendo sido vereador de Santa Maria em 1982 por este
partido. Concorreu à reeleição em 1988, mas não teve êxito. Ingressou no PT e participou da direção
estadual. Foi assessor da Casa Civil do governo estadual deste partido. Atualmente é diretor da
Secretaria Geral do Governo da Prefeitura de Santa Maria, cujo prefeito é igualmente vinculado ao
PT.
42. MARCOS KLASSMANN nasceu em Lajeado e o pai era operário. A família se mudou para Porto
Alegre e Klassmann foi estudar no colégio Dom João Becker, onde iniciou sua militância no
movimento estudantil secundarista. Muito jovem foi presidente da União Metropolitana dos
Estudantes Secundários e do Setor Jovem Metropolitano do MDB da capital. Também foi um dos
fundadores do Comitê de Defesa dos Direitos Humanos e eleito vereador representante da
“juventude” em 1976. No primeiro pronunciamento, em 1977, teve seu mandato e seus direitos
políticos cassados. No final da década de 70, os mesmos foram readquiridos exercendo a vereança
até 1982, quando concorreu, sem sucesso, à deputação estadual pelo Partido Democrático
Trabalhista. Foi um dos fundadores da corrente socialista, interna ao PDT, liderando em 1986 o
“Coliga-não”, movimento contrário à coligação do PDT com o PDS (Partido Democrático Social).
Foi assessor na década de oitenta de prefeituras do PDT no interior e foi assessor de imprensa da
Secretaria de Minas e Energia, no governo de Olívio Dutr. Participou da “dissidência” que ingressou
no PT em 2000, e sua última filiação foi no PT. Não completou os cursos de Ciências Jurídicas e
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Sociologia. Lecionou Estudos Sociais no colégio São Francisco de Porto Alegre. Era chefe de
gabinete do deputado federal Henrique Fontana (PT) quando faleceu em 2005.
43. MARIA DA GRAÇA BULHÕES nasceu no Rio de Janeiro, o pai era militar e a mãe era professora
da rede estadual e gaúcha. Em 1973 concluiu sua formação em letras na UFRGS e, em 1974, iniciou
a graduação em ciência sociais. Foi líder estudantil com vinculação com a Ação Popular. O
mestrado foi realizado em Sociologia na UFRGS (1978-1980) e a dissertação foi sobre o
“movimento do magistério público estadual do RS de 1977 a 1982”. O doutorado, feito na USP teve
a mesma temática, ou seja, tratou do “movimento do professores gaúcho de 1972 a 1991: a difícil
trajetória da questão democrática”. Trabalhou como assessora do Sindicato dos Professores
Estaduais (CPERS/Sindicato) durante a década de oitenta e atualmente é professora do
departamento de sociologia do IFCH/UFRGS.
44. MARIA REGINA PILLA nasceu em Porto Alegre e o pai era corretor da bolsa. Ingressou na
faculdade de jornalismo da UFRGS em 1966, mas não concluiu. Atuou no PCB, “dissidência”, POC
e “POC Combate” em Paris, onde residiu por 22 anos. Em 1971 chegou a ir para Argentina fazer
“treinamento militar” e integrar o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT) e depois a
Fracción Roja, com Flávio Koutzii e seu então namorado Paulo Paranaguá. Foram presos e Maria
Regina Pilla foi libertada em 1977. Voltou para França onde residiu até os anos noventa quando
decidiu voltar para o Brasil. Filiou-se ao PT, fez trabalhos gráficos para campanhas de alguns
candidatos do partido, também algumas traduções de artigos em francês. Atualmente está cursando a
faculdade de Letras e é membro do núcleo pró-Attac no Brasil (Movimento Internacional “com o
objetivo genérico de combater as políticas neoliberais e de reconquistar o espaço perdido pelas
democracias face à esfera financeira”)
45. MARIA RITA ASSIS BRASIL nasceu em Porto Alegre, mas ainda criança foi morar em Santa
Maria. O pai era médico-militar e ela também realizou a faculdade de medicina na UFSM. Neste
curso participou do Diretório Acadêmico dos alunos e do Diretório Central dos Estudantes, ao lado
de Adelmo Genro Filho e Sérgio Weigert, tendo sido casada, neste período, com este último. Em
1976 se elegeu vereadora por Santa Maria e investe na atuação no Setor Feminino do MDB e atua
na articulação de um grupo de feminista “germinal” que acaba resultando na criação do grupo
“Gêmina” em Pelotas e “Fêmina” em Porto Alegre. Ela também participa do PRC, filia-se ao
PMDB e depois ao PT. Hoje é médica do Grupo Hospitalar Conceição e vice-presidente do
Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Sul.
46. MARIZA GRASSI é natural de Porto Alegre e o pai era militar “getulista”. Atuou no movimento de
estudantes católicos JEC, JUC e AP. Iniciou os cursos de Direito e Filosofia em 1962 na UFRGS. O
curso de Direito foi concluído em 1966 e, em 1971, fez concurso para Procurador do Estado.
Ingressou no MDB e participou das reuniões da “2ª fase” do IEPES. Nos anos oitenta iniciou seu
engajamento na Ordem dos Advogados e também se filiou ao PMDB. Em 1986 foi coordenadora do
plano de governo e das questões jurídicas do governo de Pedro Simon e também foi Vice-
Procuradora Geral. Saiu do governo e do partido em 1988. Atualmente advoga e participa de
algumas atividades promovidas pelo IBRAP.
47. NILTON BALLIS SANTOS nasceu em 1945 em Porto Alegre. Cursou arquitetura (iniciada na
UFRGS nos anos sessenta e concluída na UFRJ nos anos oitenta). Fez pós-graduação em Paris em
Amnegement d’espace et du territoire edoutorado na UFRJ em Ciência da Informação. Nos anos
sessenta e setenta atuou nas seguintes “organizações”: PC, POC, COM, FBP e ainda no
“movimento de emancipação do proletariado”. Com a reorganização partidária filiou-se ao PT (até
1985), tendo pertencido à direção regional e executiva deste partido. Além de arquiteto e “cientista
da informação”, também se define como jornalista e editor.
48. PAULO BICCA é natural de Alegrete e o pai era funcionário público e depois foi trabalhar na “área
de automóveis” em Uruguaiana. No início de 1961, Paulo Bicca foi para Porto Alegre e, em 1963
ingressou na faculdade de arquitetura da UFRGS. Logo se aproximou de Clóvis Ilgenfritz e do PCB.
Em 1967 participou da “dissidência” do partido e da fundação do POC. Tendo concluído a
faculdade em 1968, trabalhou durante dois anos na Secretaria de Obras Públicas e, em 1971, foi
convidado pelo diretor da faculdade de arquitetura da Universidade de Brasília, que era gaúcho, para
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“compor o quadro de professores”. No final da década de setenta foi para França realizar o
doutorado. Com a reorganização partidária, filiou-se ao PT e chegou a ser “pré-candidato” à vaga
para o governo do Distrito Federal, perdendo “nas prévias” para Cristóvão Buarque. Em Brasília
também foi presidente do diretório municipal. Aposentado na UNB, depois de 30 anos voltou para o
Rio Grande do Sul e dentre suas principais atividades estão as aulas, especialmente de História da
arquitetura, ministrada na PUC/RS.
49. PAULO D’ÁVILA é natural de Passo Fundo e o pai era contador. No início dos anos 70 D’Ávila
participou do movimento estudantil na UFRGS, dentro do “agrupamento” ou “chapa” universitária
chamada “Nova Proposta”. Com o “grupo” ingressou no MDB, participando das atividades do
IEPES e do Setor Jovem Metropolitano. Foi um dos principais “articuladores” da Tendência
Socialista, criada no final dos anos setenta naquele partido. Também participou da fundação do PT
no Rio Grande do Sul, foi da direção estadual deste partido e da cúpula da tendência interna
denominada “Democracia Socialista”. Formado em Ciências sociais, funcionário público
previdenciário, e hoje desvinculado do PT, atua no Sindicato dos Previdenciários e dos Sociólogos.
50. PEDRO BISCH NETO nasceu em Alegrete e é filho de comerciantes. Formou-se em engenharia
pela UFRGS (1970-1974). Iniciou sua atuação no movimento estudantil universitário, tendo sido
primeiro vice-presidente do diretório acadêmico da Engenharia. Trabalhou como engenheiro de
aciaria na Siderúrgica Riograndense (1975), como engenheiro de obras no Sul Riograndense de
Eletricidade (1975), como engenheiro projetista de iluminação pública da Secretaria Municipal de
Obras e Viação (1976 -1981), como assessor e gerente do “projeto Porto Seco” da Secretaria do
Planejamento Municipal (1982-1987), como assessor técnico da Agência Regional do Conselho
Nacional de Pesquisas (1987-1990), membro do conselho de administração da Companhia
Riograndense de Saneamento (1987-1990). Ocupou postos de direção no sindicato dos engenheiros
e foi presidente do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do RS. Participou
do MDB (Setor Jovem e IEPES), sempre esteve filiado ao PMDB e por este partido foi diretor do
Trensurb (Trens Urbanos de Porto Alegre) (1993-1995), presidente da Companhia Rio-grandense de
Mineração (1995-1997), presidente e membro do Conselho de Administração da Companhia
Estadual de Energia Elétrica (CEEE). No governo Germano Rigotto, foi diretor Superintendente da
Fundação de Planejamento Metropolitano (Metroplan), Chefe da Casa Civil Adjunto e,
posteriormente, Chefe da Casa Civil, no qual permaneceu até 2006.
Desde 1990 é diretor da
Fundação Ulisses Guimarães.
51. PEDRO FAGUNDES RUAS nasceu em Porto Alegre e é descendente de uma “família de
trabalhistas”. Seu pai atuou como jornalista e foi ligado ao PTB, MDB e PDT. Sua militância
iniciou na década de setenta no colégio Júlio de Castilhos e continuou na UFRGS, no curso de
direito. Advogado, especializado em direito trabalhista, cursou também Ciências Sociais, sem
concluir. Militou na OAB da capital e na Juventude Socialista do PDT. Participou do movimento de
fundação da sigla, sendo ligado ao grupo “Unidade Socialista”. Foi vereador de Porto Alegre e
secretário estadual no governo de Olívio Dutra (representando o PDT). Concorreu a deputado
federal pelo PDT (ficando na terceira suplência). Foi ainda secretário municipal de um município da
“região metropolitana”. Filiou-se ao PSOL e concorreu a deputado estadual nas últimas eleições.
52. RAUL ANGLADA PONT é natural de Uruguaiana e o pai fora secretário executivo do sindicato do
comércio varejista, dono de uma padaria (herdada pela mãe) e “historiador autodidata”. É formado
em História pela UFRGS com mestrado em Ciência Política pela Unicamp. Foi professor
universitário da Unisinos (Universidade do Vale dos Sinos, RS). No final dos anos 60 pertenceu ao
POC (Partido Operário Comunista), uma dissidência do PCB, dirigiu o “Movimento Universidade
Crítica” na UFRGS e articulou a proposta de organização do “DCE Livre” nesta universidade.
Ainda no movimento estudantil foi um dos articuladores da “corrente política” universitária
chamada “Nova Proposta” e participou do grupo de estudantes da economia que se reunia para ler
Karl Marx e aplicá-lo à “realidade brasileira”. Pertenceu à direção do IEPES e atuou no Setor Jovem
Metropolitano do MDB de Porto Alegre. Também participou da formação dojornal alternativo”
Em tempo e de seu conselho editorial. Foi militante do Sindicato dos Professores do RS, um dos
principais articuladores da “Tendência Socialista” do MDB, do Partido dos Trabalhadores e da
corrente “Democracia Socialista” no Rio Grande do Sul. Em 1982 foi candidato ao senado, foi
secretário-geral do Diretório Regional do PT no RS, membro da direção estadual, em 1986 se elegeu
324
deputado estadual, depois se elegeu deputado federal, vice-prefeito em 1992, prefeito em 1996,
candidato em 2001 à presidência nacional do PT. Atualmente é deputado estadual (reeleito em
2006) e Secretário Geral do PT gaúcho.
53. RAUL CARRION nasceu em Porto Alegre, se formou em História pela UFRGS e fez uma
especialização em História afro-asiática na FAPA. O pai era professor universitário e membro do
Partido Social Democrata, tendo sido, inclusive, presidente do diretório desse partido, deputado
estadual e secretário de educação de Porto Alegre. Carrion militou na AP e ingressou no PC do B no
final dos anos sessenta. Pertenceu ao “comitê regional” e “secretariado” deste último partido.
Depois do exílio no Chile, com estada na Argentina, retornou para o Brasil em 1976, trabalhou
como técnico eletrônico e atuou no sindicato dos metalúrgicos. Nos anos oitenta foi chefe de
gabinete da vereadora Jussara Cony em Porto Alegre, em 1988 concorreu à prefeitura da capital e,
em 1990, à suplência do Senado. Em 1996 assumiu como vereador e, entre outras coisas, também é
“militante do movimento comunitário” desde a década de setenta quando passou a integrar a
FRACAB (Federação de Associações de Moradores de Bairros de Porto Alegre). Em 2000 elege-se
vereador, reelegendo-se em 2004. Em 2006 é eleito deputado estadual. É um dos principais
dirigentes do PC do B gaúcho. É presidente do Instituto Maurício Grabois/RS e integra a
coordenação do Centro de Debates Econômicos, Sociais e Políticos do Rio Grande do Sul e do
Centro de Estudos Marxistas.
54. RENATO DE OLIVEIRA nasceu em 1954 em Turvo/Santa Catarina e o pai era sapateiro. Concluiu
o curso de Ciências sociais na UFRGS, fez especialização em filosofia e depois o doutorado em
sociologia na École des Hautes Études em Sciences Sociales/Paris. Foi liderança no movimento
estudantil na década de setenta, estando vinculado à “Nova Proposta”. Foi presidente do diretório
acadêmico das Ciências sociais e do DCE. Também integrou o Setor Jovem e participou da criação
da “Tendência Socialista” do MDB. Em 1979 foi assessor parlamentar do MDB na Assembléia
Legislativa do Estado e também foi secretário geral e vice-presidente da Associação de Docentes da
Unisinos, universidade na qual deu aulas de 1978 a 1984. Em 1998 passou a integrar o corpo
docente do departamento de sociologia da UFRGS (era vinculado ao departamento de odontologia).
Ocupou vários cargos como líder sindical de professores (dirigente da Adurgs e da Andes) e é
filiado ao PT desde sua criação. Por este partido, foi diretor-presidente da Fundação de Amparo à
Pesquisa do RS em 2000, Secretário de Estado na Secretaria da Ciência e Tecnologia entre 2001 e
2002. Em 2002 passou a exercer a função de avaliador externo do Programa Management of Social
Transformation (MOST) junto à UNESCO na França.
55. SÉRGIO BITTENCOURT nasceu em Porto Alegre e é filho de um funcionário público e
descendente de uma família vinculada ao trabalhismo. Estudou nos colégios Parobé e Júlio de
Castilhos, onde iniciou sua militância em um “grupo” voltado para atividades culturais (liderado por
Antonio Britto que posteriormente foi governador do Rio Grande do Sul). Na seqüência começou a
participar de reuniões com estudantes para discussão do marxismo e se afastou do seu círculo
original, aproximando-se das lideranças da AP e passando atuar na “organização”. Preso no início
da década de setenta, depois de dois anos se aproximou do MDB, do IEPES e passou a trabalhar na
IBM. No início da década de oitenta se filiou ao PDT e na seqüência se aproximou de Pedro Ruas,
indo então trabalhar no PROCEMPA a convite do último. Com o rompimento estabelecido com
Pedro Ruas no final da década de noventa passou a atuar junto aos movimentos de direitos humanos.
56. SÉRGIO WEIGERT: nasceu em Santa Maria, é jornalista e professor universitário de Comunicação
Social e Sociologia. O pai era farmacêutico e teria sido o “primeiro livre docente da Universidade de
Santa Maria”. Weigert foi Secretário Geral e presidente do Diretório Central dos Estudantes e do
Setor Jovem do MDB, ambos em Santa Maria. Pertenceu ao jornal “Informação” em Porto Alegre e,
nesta cidade, trabalhou no Gabinete de Assessoria Superior (GAS) por indicação de André Forster.
Foi membro fundador do Partido Revolucionário Comunista (PRC) e filiado ao PMDB. Na metade
dos anos oitenta ingressou no PT e, em 1986, foi assessor do então deputado federal José Genuíno.
Participou das coordenações de campanhas dos candidatos do PT vinculados às correntes
identificadas como “nova esquerda”, “PT amplo e democrático” e outras denominações assumidas,
pelas quais ocupou cargos na direção do partido. É professor da faculdade de jornalismo da UFSC,
ministrou cursos no Centro de Filosofia e Política (CEFIP), dirigido por Adelmo Genro Filho, e foi
325
articulista da revista Práxis, também dirigida por este último. Fez doutorado em Sociologia em Paris
e escreveu artigos sobre fascismo, stalinismo, marxismo, etc.
57. SOLON VIOLA nasceu em Uruguaiana, o pai era ferroviário com vínculo no PCB. Iniciou sua
militância no movimento estudantil secundarista, foi presidente da União de Passo Fundo de
estudantes (o vice era João Carlos Bona Garcia) em 1967, aproxima-se da AP e, no final de 1968,
vai morar em Porto Alegre e é preso, durante dois meses, em 1969. Trabalhou no teatro de Arena e,
em 1971, entrou no curso de História e passou a dar aulas no “cursinho supletivo para funcionários”,
do diretório acadêmico, cujo dono era Sergius Gonzaga, também vinculado à AP. Deu aulas durante
10 anos no colégio Israelita (entre outras instituições privadas) e depois em universidade
particulares, sendo que há mais de vinte anos é professor da UNISINOS. Participou do IEPES e
com a reorganização partidária não se filiou a nenhum dos partidos políticos. Atualmente, além de
professor, é membro do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, seguindo, entre outras
coisas, a teoria da “aprendizagem” de Paulo Freire.
58. SÔNIA PILLA nasceu em Porto Alegre e o pai era professor da faculdade de engenharia da
UFRGS. Concluiu a faculdade de Letras na UFRGS em 1965, em 1966 foi para França e em 1968 se
casou com Luiz Paulo Pilla Vares. Depois de uma temporada na “clandestinidade” no Rio de
Janeiro, voltou para Porto Alegre no início dos anos setenta, foi trabalhar na Secretaria de Educação
em 1974 e, entre 1976 e 1978 realizou o mestrado em planejamento da educação na UFRGS.
Participou dos movimentos pela anistia e feministas. Tendo integrado o PCB, “dissidência” e POC,
filiou-se ao PT com o pluripartidarismo. Foi militante do CPERS/Sindicato (Centro dos Professores
do Estado do Rio Grande do Sul), tendo sido eleita representante do Conselho Estadual de Educação
e também representante do executivo no conselho municipal de educação. Em 1992, trabalhou como
Secretaria de Educação de Porto Alegre (o prefeito era Tarso Genro) e, em 2006, foi convidada pelo
Ministro Tarso Genro para atuar num programa de formação dos dirigentes municipais ligado ao
governo federal. Atualmente é aposentada.
59. SUIMAR BRESSAN nasceu em Santiago/RS numa família de agricultores e comerciantes. Ele
estudou neste município até o início da década de setenta quando foi para Santa Maria fazer a
Faculdade de Agronomia na UFSM.Teria iniciado sua militância neste período, chegando a ser
presidente do diretório acadêmico do centro de Ciências Rurais. Ainda sem atuação e
“organizações”, era “simpático” aos “grupos trotskistas” e, depois, vinculou-se ao MR-8 e atuou no
MDB. Concluída a graduação em 1974, em 1975 iniciou o mestrado em Sociologia Rural na
UFRGS, cujo trabalho de dissertação foi sobre “sindicalismo rural e sociedade: relações e história”.
Professor da Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação do Noroeste do Estado
(Universidade de Ijuí/RS) é atuante na Associação dos Docentes de Ijuí e foi presidente da comissão
provisória de fundação do sindicato dos professores de Ijuí, no qual até hoje é filiado. Com a
reorganização partidária filiou-se ao PMDB, tendo sido secretário e vice-presidente do partido
(1982-1985), diretor administrativo e depois presidente da Emater (1987) e diretor do departamento
de pesquisa agropecuária da Secretaria da Agricultura. Concorreu por duas vezes à prefeitura de Ijuí.
Em 1994 saiu do PMDB e se filiou ao PT.
60. UBIRATAN DE SOUZA nasceu em Cachoeira do Sul. O pai era médio proprietário rural e foi
vinculado ao PTB. Naquele município Ubiratan atuou no movimento estudantil secundarista e deu
continuidade quando se deslocou para Porto Alegre em 1968. Fez parte do PCB, “dissidência”,
“Brancaleones” e VPR. A atuação nesta última organização foi prosseguida no Chile, Cuba e
França, países onde morou durante o exílio nos anos setenta. Retornou para o Brasil em 1979, com a
anistia, e retomou a realização do curso universitário, formando-se em economia no final dos anos
oitenta. Com o pluripartidarismo ingressou no PDT, fez parte do Grupo de Unidade Socialista e, em
1990, migra para o PT. Neste último partido, ao qual se mantém filiado, foi coordenador do núcleo
dos economistas (1992); Secretário do Gabinete de Planejamento de Porto Alegre na gestão de
Tarso Genro (1993 a 1998); coordenador do gabinete de planejamento do Orçamento Participativo
(1999 a 2002); e concorreu à deputado estadual, mas não obteve êxito. Atualmente é assessor do
deputado Raul Pont.
326
1.2 – Perfis analisados:
61. ADELMO GENRO FILHO nasceu em São Borja, mas morou desde o início dos anos cinqüenta até
o início dos oitenta no município de Santa Maria. Porém com algumas estadas em Porto Alegre,
principalmente no decorrer dos anos setenta. O pai foi professor de Francês e Português de escola
pública, foi vice-prefeito de Santa Maria, depois foi advogado. Adelmo Filho se formou em
jornalismo em 1975 pela UFSM, em 1976 foi eleito vereador em Santa Maria e, com o fim do
mandato em 1982, foi para Florianópolis trabalhar como professor do Curso de Jornalismo da UFSC
e nesta instituição realizou o mestrado em Ciências sociais, concluído em 1986, cuja dissertação
resultou na publicação de um livro intitulado “O segredo da pirâmide”. Em 1987 licenciou-se da
UFSC e foi para Porto Alegre fundar o Centro de Estudos de Filosofia e Política (CEFIP). Em 1988
faleceu em Florianópolis. Durante o “regime militar”, participou da Ala Vermelha do PC do B,
fundou o “jornal alternativo Informação” e produziu “documentos” divulgados em “jornais
alternativos” de circulação nacional. Com a reorganização partidária ingressou no PMDB,
participou do PRC e, na metade dos anos oitenta, foi para PT. Publicou sete livros, sendo que três
em conjunto com outros autores, e também vários artigos em jornais e revistas. Atualmente existe o
prêmio Adelmo Genro Filho de Pesquisa em Jornalismo em sua homenagem.
62. ANDRÉ CECIL FORSTER nasceu em Santa Cruz do Sul. Em 1964 ingressou na Faculdade de
Ciências sociais da UFRGS e passou a residir em Porto Alegre. No mesmo ano, trabalhou no
Instituto Brasileiro de Reforma Agrária como assessor técnico. Durante o período universitário foi
secretário-geral do Centro Acadêmico da Faculdade de Filosofia da UFRGS (1965-1966) e seu
presidente (1966-1967). No início dos anos 70, assumiu a presidência da Associação Gaúcha dos
Sociólogos, exercendo o cargo até o ano de 1977. Lecionou sociologia e ciência política na Unisinos
(1972-1982). Ainda no início da década de setenta foi assessor do então deputado estadual Pedro
Simon, na época presidente do partido, e se filiou ao MDB. Em 1972 foi um dos principais
fundadores e condutores do IEPES e em 1978 foi candidato a deputado estadual, representando o
Instituto, sem obter êxito. Em 1982 foi eleito vereador exercendo o mandato até 1986. Nesse
período, de 1982 a 1984, foi líder da bancada e de 1984 a 1986 exerceu o cargo de presidente da
Câmara de Vereadores. Com a conquista do governo do estado por Pedro Simon, em 1986, Forster
se tornou Superintendente da Fundação Metropolitana de Planejamento (METROPLAN) e
Secretário de Ciência e Tecnologia. Em 22 de março de 1996 recebeu, na Câmara de Vereadores, o
título de Cidadão Honorário de Porto Alegre e reativou a Fundação Pedroso Horta (Atual: Ulysses
Guimarães) do PMDB/RS, tendo sido presidente do conselho curador. Foi ainda candidato a
deputado estadual constituinte em 1986 e presidente estadual do PMDB na década de 90 (três
mandatos). Faleceu em dezembro de 1996.
63. ANTÔNIA MARA VIEIRA LOGUÉRCIO, nasceu em 1947, em Bagé, filha de um trabalhador
ferroviário. Juíza do trabalho com atuação na Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho,
na Associação Latino-Americana de juízes do trabalho e no Instituto Opinio Iuris de Pesquisa
Jurídica (do qual foi presidente na gestão 2005-2007). Além disso, e entre outras coisas, ela
publicou um livro sobre a “Lei Trabalhista da República Popular da China”, participou de oficinas
do Fórum Social Mundial em várias ocasiões e também participa das reuniões do Instituto Brasileiro
de Ação Popular (IBRAP).
64. CÉSAR SCHIRMER é formado em direito e atuou como professor universitário. Fez movimento
estudantil universitário em Santa Maria. Neste município fundou o Setor Jovem do MDB e foi eleito
vereador pelo mesmo partido no início dos anos 70. Depois disso foi eleito cinco vezes deputado
estadual pelo MDB e PMDB e três vezes deputado federal pelo último. Além disso, também foi
Secretário da Fazenda do RS em 1987; Secretário Extraordinário para Assuntos da Casa Civil em
1989; e Secretário da Agricultura e do Abastecimento do RS entre 1995-1998, sempre filiado ao
PMDB.
65. CILON CUNHA BRUM nasceu em São Sepé. Residiu Porto Alegre desde 1963 onde estudou no
Colégio Nossa Senhora do Rosário e trabalhou numa empresa de publicidade. Em 1967 foi trabalhar
327
numa filial da mesma empresa em São Paulo e naquele estado cursou Ciências Econômicas na PUC.
Teria iniciado sua militância neste período, tendo sido presidente do DCE daquela universidade.
Vinculado ao PC do B, viajou para o norte do país e se incorporou às Forças Guerrilheiras do
Araguaia. “Desapareceu” no início dos anos setenta.
66. DILMA ROUSSEF é economista com doutorado em Teoria Econômica pela Unicamp. Natural de
Belo Horizonte (MG), foi por duas vezes Secretária Estadual de Energia, Minas e Comunicação do
Rio Grande do Sul, de 1993 a 1994 (governo de Alceu Collares, PDT) e em 1999 (governador
Olívio Durtra, PT). Deixou a secretária estadual de Minas e Energia e Comunicação do Rio Grande
do Sul, em outubro de 2002, para compor a equipe de transição do governo Luiz Inácio Lula da
Silva. Desde 2003 é integrante do “governo Lula”, em 2003 foi Ministra de Minas e Energia e a
partir de 2005 passou a ser Chefe da Casa Civil. Durante os anos sessenta se destacou pela atuação
nas “organizações revolucionárias” Polop, Colina e VAR-Palmares. Nesta última atuou ao lado do
então marido, o gaúcho Carlos Araújo, responsável por sua vinda para o Rio Grande do Sul no
início dos anos setenta. Nesse período destacou-se pela participação no Instituto de Estudos
Políticos, Econômicos e Sociais (IEPES) e na Fundação de Economia e Estatística (FEE).
67. ELISABETH DE SOUZA LOBO GARCIA nasceu em Porto Alegre/RS e se formou em Letras pela
UFRGS em 1965. Sua formação foi concluída na França, na Universidade de Paris, em 1979, e no
CNRS, em 1984, realizou o pós-doutorado. Como docente, trabalhou na Universidade de Santiago
do Chile, em 1973, e em 1978, na Universidade de Paris VIII. Este percurso seguido ao lado de
Marco Aurélio Garcia, seu marido. De volta ao Brasil, entre 1981 e 1990, trabalhou na UNIMEP, na
UNESP-Marília e na UNICAMP. Em 1989 lecionou também na Universidade de Québec, Canadá.
A sua produção intelectual é quase exclusivamente dedicada à questão do trabalho feminino e das
relações de gênero da sociedade capitalista. Pertenceu ao PCB, POC e PT. Faleceu em 1991.
68. ERNILDO JACOB STEIN é graduado em Filosofia pela UFRGS (1964) e em Direito na mesma
universidade (1965). Doutor em Filosofia fez uma série de seis pós-doutoramentos (iniciado no final
dos anos sessenta) na Alemanha. Especializou-se no pensamento de Heidegger e na análise do
“círculo hermenêutico”, temas sobre os quais tem muitas publicações e orientações na PUC/RS onde
é professor de filosofia. Dentre os livros publicados está “Órfãos de utopia - melancolia da
esquerda” de 1996. Foi uma importante liderança estudantil nos anos sessenta, então vinculado à
Ação Católica.
69. ESTILAC XAVIER nasceu em Santa Maria e é formado em engenharia elétrica. Começou sua
militância no movimento estudantil, em 1975, na UFSM, onde presidiu diretório acadêmico. Em
2000 elegeu-se vereador no mesmo município e, em 2001, foi líder da bancada do PT e do Governo
na Câmara Municipal. Foi Secretário municipal de Obras e Viação, membro do Diretório Nacional
do PT por três mandatos consecutivos e deputado estadual entre 2003 e 2006. Hoje integra o
diretório estadual do PT.
70. FÁBIO OSCAR MARENCO DOS SANTOS estudou no colégio Júlio de Castilhos na metade dos
anos sessenta e depois, devido a sua expulsão da instituição, foi estudar no Emílio Meyer. “Militou
no PCB e depois foi da Dissidência Leninista, que originou o POC (1966/67). Esteve exilado no
Chile em 1970, voltando ao Brasil em 1971. Foi preso em Agosto de 1971 em Porto Alegre. Esteve
preso em Porto Alegre (1971/1972) e São Paulo (1973/1977) até 1977. Foi do Comitê Central da
ORM-DS, de 1979 a 1985. Morreu em Curitiba, em junho de 1995, devido a assalto em sua casa”.
71. FRANCISCO FERRAZ é professor de Ciência Política na UFRGS, pós-graduado em Ciência
Política pela Universidade de Princeton. Foi uma importante liderança estudantil no final dos anos
cinqüenta e início dos sessenta, vinculados à Ação Católica. Foi Reitor da UFRGS (1984-1988).
Trabalha com consultoria política a empresas e a corporações, e assessoria política a autoridades
públicas. Atualmente é diretor presidente da empresa de assessoria política “Política para Políticos”.
72. HÉLGIO HENRIQUE CASSES TRINDADE estudou no colégio Anchieta, concluiu a graduação
em Ciências Jurídicas e Sociais na Pontifícia Universidade Católica do RS em 1964. Fora professor
titular e ocupou cargos administrativos (foi vice-diretor do Instituto de estudos Sociais, Políticos e
Econômicos, membro da câmara de Pós-Graduação, coordenador do curso de sociologia industrial,
328
entre outros) na PUC até o início da década de oitenta. Atualmente é professor titular da UFRGS e
entre suas linhas de pesquisa estão o estudo dofascismo”, da “Internacionalização das Elites e
Ciências sociais na América Latina”, de “políticas públicas” e da “avaliação e educação superior”.
Dentre os cargos administrativos ocupados na Universidade Federal está o de Pró-Reitor de pesquisa
(1985-1988) e o de Reitor (1991-1996). Preside a Comissão Nacional de Avaliação da Educação
Superior (CONAES/MEC).
73. JOÃO CARLOS HAAS SOBRINHO iniciou sua militância no movimento estudantil, tendo sido
presidente do Centro Acadêmico Sarmento Leite em 1964. Como integrante do PC do B e formado
em medicina, foi residir e trabalhar no Maranhão em 1967 e, depois, foi morar com o militante
Paulo Mendes Rodrigues às margens do Araguaia. Ingressou, então, nas Forças Guerrilheiras do
Araguaia como responsável pelo Serviço de Saúde do conjunto dessas forças. Foi morto em 1972
em um “combate”. Escreveu vários trabalhos sobre malária e leishmaniose.
74. JOSÉ CARLOS OLIVEIRA nasceu em São Luiz Gonzaga. É filho de Jauri Gomes de Oliveira, ex-
prefeito de São Luiz Gonzaga (pelo MDB), ex-deputado estadual (pelo PMDB) e novamente
prefeito de São Luiz (pelo PSB). José Carlos foi morar em Porto Alegre e ingressou no Setor Jovem
Metropolitano do MDB do qual foi secretário geral e depois presidente. Foi assessor do deputado
estadual Porfírio Peixoto e do também deputado estadual Américo Copetti. Participou da articulação
da Tendência Socialista no MDB do Rio grande do Sul na segunda metade da década de 70 e foi um
dos fundadores do Partido dos Trabalhadores no estado. Em 1982, concorreu à vereador pelo PT,
não conseguindo se eleger. Destacou-se ainda pela militância e liderança da Democracia Socialista
(tendência do PT). Faleceu no início da década de 90.
75. JOSÉ FOGAÇA nasceu em Porto Alegre e o pai era farmacêutico e proprietário de uma farmácia
localizada num bairro de classe média alta na capital. É formado em direito pela PUC/RS, foi
professor de curso pré-vestibular, apresentador de TV e rádio na década de setenta e compositor. Em
1978 elegeu-se deputado estadual pelo MDB, em 1982 a deputado federal pelo PMDB e, em 1984,
foi um dos coordenadores da campanha das Diretas Já. Em 1985 concorreu como vice-prefeito de
Porto Alegre e em 1986 elegeu-se senador pelo estado, sendo reeleito em 1994. Disputou o governo
do estado em 1990 pelo PMDB, sem obter êxito. Em 2001 acompanha o grupo liderado pelo ex-
governado Antônio Britto na dissidência em direção ao PPS. Sem conseguir reeleger-se ao senado,
leciona a disciplina de direito constitucional nas Faculdades Rio-Grandenses e escreve uma coluna
para o jornal Zero Hora, do grupo RBS. Em 2004, elegeu-se no segundo turno como prefeito de
Porto Alegre pelo PPS.
76. JOSÉ HUMBERTO BRONCA nasceu em Porto alegre, formou-se em Mecânica de Manutenção de
Aeronaves e trabalhou na Varig. Sua militância política é anterior ao “regime militar” e, depois do
“golpe de 64”, foi para a China. Viveu “clandestinamente” no Rio de Janeiro entre 1966 e 1969,
mais ou menos, quando foi para o Araguaia, tendo sido um dos primeiros a chegar lá. Teria sido
morto em 1973 “após um ataque das Forças Armadas”.
77. LUIZ EURICO TEJERA LISBOA nos anos sessenta foi militante da Juventude Estudantil Católica,
do PCB, da dissidência e dos “Brancaleones” e, visando inserir-se na “luta armada”, vai para VAR-
Palmares e ALN. Estudante do Júlio de Castilhos foi expulso com outros integrantes do Grêmio
Estudantil devido aos protestos pelo fechamento da entidade e por outras medidas proibitivas
aplicada no colégio. Também chega a integrar diretoria da União Gaúcha dos Estudantes
Secundários. No final dos anos sessenta casou-se com Susana Keniger Lisboa, mas foi condenado a
seis meses de prisão, o que o conduziu para “a clandestinidade”. Viajou para Cuba e retornou em
1971 com o intuito de “organizar” a ALN no estado. Desapareceu em 1972 durante uma estada em
São Paulo e em 1979 é localizado enterrado com outro nome no Cemitério Dom Bosco, em Perus.
Desde então sua esposa, Suzana Lisboa, é uma ativista da “memória” dos militantes mortos e
desaparecidos. Em 1994, a editora Tchê!, com o Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul,
publicou o livro de poesias e cartas de Luiz Eurico intitulado: "Condições Ideais para o Amor".
Fonte: . Fonte: www.torturanuncamais.org.br
78. MARCO AURÉLIO GARCIA
nasceu em Porto Alegre e o seu pai era advogado. No final dos anos
sessenta se formou nas faculdades de Direito e Filosofia da UFRGS. Foi uma das principais
329
lideranças estudantis como integrante do PCB, “Dissidência Leninista”, POC e POC Combate, este
último constituído no início dos anos setenta em Paris. Esteve exilado no Chile e depois foi para
França com sua esposa Elisabeth Souza Lobo (igualmente militante e formada em letras). Naquele
país realizou a Pós-graduação na École des Hautes Études em Sciences Sociales e foi professor nas
Universidades de Paris 8 e Paris 10. Também foi professor na Universidade do Chile, na Faculdade
Latino-Americana de Ciências sociais (Chile). Em 1967 elegeu-se vereador em Porto Alegre. É
professor licenciado do Departamento de História da Unicamp. Filiado ao PT desde sua criação, foi
secretário de Relações Internacionais, vice-presidente do partido, Secretário de Cultura de Campinas
(1989-1990) e de São Paulo (2001-2002), Assessor-chefe da Assessoria Especial do presidente da
República e coordenou o programa de governo do presidente Lula nas eleições de 1994, 1998 e
2006. Atualmente é assessor especial de política externa da Presidência da República.
79. MARCOS FAERMAN era jornalista sem curso superior (Direito incompleto). Pertenceu ao POC
nos anos sessenta, estudou no colégio Júlio de Castilhos do qual participou do grêmio estudantil.
Aos 17 anos foi convidado por Flávio Tavares para trabalhar no jornal Última Hora. Também
trabalhou no jornal Zero Hora como secretário de redação e criador do Caderno de Cultura. Foi
preso em São Paulo, em 1971. Conhecido pelo tipo de jornalismo “combativo” atuou na sucursal do
Pasquim e, entre outras coisas, foi repórter especial do Jornal da Tarde, dirigiu o departamento do
Patrimônio Histório da Secretaria de Cultura de São Paulo e lecionou no departamento de
jornalismo da faculdade Cásper Líber. Morreu em 1999, vítima de um ataque cardíaco.
80. MARCOS ROLIM nasceu em Santa Maria/RS e o pai era engenheiro civil e professor. O avô foi
prefeito e o tio deputado federal, ambos ligados ao PTB. Formou-se em Jornalismo pela UFSM,
tendo sido, na década de oitenta, secretário-geral do diretório acadêmico do Centro de Ciências
sociais e Humanas (1980-1981), secretário-geral do DCE (1981-1982) e vice-presidente da UEE
(1981-1982). Durante os anos oitenta também atuou como repórter em vários jornais e revistas de
Santa Maria. Foi vinculado à Ala vermelha do PC do B, em 1975 filiou-se ao MDB, em 1981 ao
PMDB (tendo sido eleito vereador por este partido em 1982 em Santa Maria), foi dirigente do PRC
e, em 1984, filiou-se ao PT. Neste último partido ocupou vários cargos de direção e foi, por duas
legislaturas, eleito deputado estadual (1991-1995, 1995-1999) e deputado federal (1999-2000).
Constituiu-se como um dos principais porta-vozes da defesa dos direitos humanos no estado e,
atualmente, presta assessorias na área de direitos humanos e segurança pública.
81. MARGARETE COSTA MORAES nasceu em Iraí, é professora de Artes, formada pela UFSM. Em
1982, se especializou em Artes Plásticas Suportes Científicos e Praxis, pela PUC. Atuou no
movimento estudantil da década 70 em Santa Maria, “contribuía” para o jornal “Informação” e, com
a reorganização partidária, ingressou no PT. Participou da constituição do CPERS Sindicato, sendo
eleita, em 1987, para integrar o seu Conselho de Representantes. Em 1995 foi Secretária Municipal
da Cultura (quando Tarso Genro era prefeito), permanecendo no cargo na gestão de Raul Pont. Em
2000, elegeu-se vereadora de Porto Alegre, mas a convite do prefeito Tarso Genro, em 2001,
assumiu novamente a direção da Secretaria da Cultura. Em 2003 assumiu como vereadora e
apresenta como temáticas privilegiadas por seu mandato: “cultura”, “educação”, “lazer”, “esportes”,
“direitos das mulheres”, “direitos Humanos”, entre outras.
82. MERCEDES LOGUÉRCIO CÁNEPA nasceu em Bagé filha de um trabalhador ferroviário que foi
transferido para Porto Alegre em 1963. Foi vinculada aos movimentos de Ação Católica, realizou a
graduação em ciências sociais durante a segunda metade dos anos sessenta e uma de especialização
em PPG em Antropologia, Ciência Política e Sociologia de 1973 a 1974. Além da docência, ocupou
vários cargos administrativos e técnicos, tendo realizado o doutorado no final dos anos noventa.
Além de artigos em revistas acadêmicas e jornais, em 2005 publicou o livro: “Partidos e
Representação Política: a articulação dos níveis estadual e nacional no Rio Grande do Sul (1945-
1965)”.
83. NELSON ROLIM DE MOURA nasceu em Bagé e era filho de um coronel. Em 1969 ingressou na
Faculdade de Engenharia da UFRGS. Foi líder estudantil, tendo sido presidente do Centro de
Estudantes de Engenharia da Universidade de Engenharia e do Diretório Central dos Estudantes.
Também foi representante dos alunos no Conselho Universitário e ligado à União Nacional dos
330
Estudantes (UNE). Atualmente reside em Santa Catarina e é presidente da Câmara Catarinense do
Livro.
84. NILCE AZEVEDO CARDOSO é paulista e teria sido responsável pelo setor operário da AP no RS.
Foi uma das principais “articuladoras” da Ação Popular no Rio Grande do Sul. Em 1972 foi presa e
torturada e, depois, participou do MDB e IEPES. Reside em Porto Alegre onde atualmente trabalha
como psicopedagoga e analista. Participa das atividades do Instituto Brasileiro de Ação Popular
(IBRAP) e constituiu-se numa das principais porta-vozes autorizadas da “resistência” durante o
“regime militar” no estado.
85. PAULO DE TARSO VIEIRA LOGUÉRCIO se especializou na “questão agrária” tendo pertencido
ao INCRA e ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. Produziu uma dissertação de mestrado
intitulada: “Questão familiar e questão camponesa na agricultura capitalista: uma velha novidade” e
também escreveu um texto sobre reforma agrária cujo título é “Análise da estrutura fundiária
brasileira”.
86. PAULO MENDES RODRIGUES era economista, participou da “reorganização” do PC do B em
1962 e atuou na “Guerrilha do Araguaia”. Teria sido morto em 1972 pelas Forças Armadas.
87. PAULO PIMENTA é jornalista formado pela UFSM e técnico agrícola pela mesma instituição. Foi
presidente do Grêmio do Colégio Agrícola da UFSM (1981) e do Diretório Central dos Estudantes
(1985-86), foi vice-presidente da União Estadual de Estudantes do Rio Grande do Sul em 1987.
Elegeu-se vereador pelo PT em Santa Maria em 1988 e foi reeleito com uma das maiores votações
da cidade em 1992. Em 1989, presidiu o PT de Santa Maria e posteriormente integrou diversas
direções municipais. Participou do Diretório Estadual por mais de uma gestão. Assumiu, em 1997, a
vice-presidência do PT gaúcho, e atualmente continua integrando o Diretório Estadual do partido.
Em 1998, elegeu-se deputado estadual e, em 2000, foi vice-prefeito de Santa Maria. Além de vice-
prefeito, foi secretário-geral de Governo e secretário de Finanças do município. Em 2002, Paulo
Pimenta foi eleito deputado federal com a maior votação já obtida por um candidato da região
central do Estado e foi o candidato mais votado do PT no interior gaúcho. Na Câmara dos
Deputados, é vice-líder da bancada do PT e membro titular da Comissão de Segurança Pública e
Combate ao Crime Organizado.
88. RAUL ELLWANGER nasceu em Porto Alegre. Iniciou e não concluiu os cursos de direito, na PUC
(Porto Alegre), sociologia na Universidade do Chile (Santiago) e na Universidade Nacional de
Buenos Aires. Também estudou no Instituto de Belas Artes. É compositor, cantor e Instrumentista.
Estudante do colégio Júlio de Castilhos, pertenceu aos “Brancaleones” e VAR-Palmares, chegando a
realizar viagens com Carlos Araújo. Esteve exilado no Chile nos anos setenta e, desde o retorno para
o Brasil, dedica-se à música e à administração de uma pousada em uma praia em Santa Catarina.
89.
TARSO GENRO nasceu em São Borja e é formado em Direito pela UFSM. O pai
foi professor de Francês e Português de escola pública, foi vereador e vice-prefeito
de Santa Maria, pelo “antigo PTB” e depois de “cassado pelo regime militar”
passou a atuar como advogado. Em 1968 Tarso Genro elegeu-se vereador em Santa
Maria pelo MDB, tendo seu mandato cassado pelo regime militar, exilou-se no
Uruguai e quando retornou para o Brasil, na década de 70, radicou-se em Porto
Alegre. Na capital especializou-se em Direito Trabalhista. Pertenceu ao MDB e,
com a reorganização partidária, foi para o PMDB e, na metade da década de 80,
filiou-se ao PT. Por este último partido, foi 1º suplente de deputado federal (1986),
vice-prefeito (1988) e prefeito eleito de Porto Alegre (1992 e 2000) e também
candidato à governador do estado do RS (1990 e 2002). Pelo governo federal
petista, ocupou os postos de comando no Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social, Ministério da Educação, Presidência Nacional do Partido dos
trabalhadores, no Ministério das Relações Institucionais e atualmente é o Ministro
da Justiça do governo de Luís Inácio Lula da Silva.
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