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WALTER CLAYTON DE OLIVEIRA
A DINÂMICA DA SOCIOCOMUNICAÇÃO NO CIBERESPAÇO:
O IMPULSO ALQUÍMICO
MARÍLIA
2005
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WALTER CLAYTON DE OLIVEIRA
A DINÂMICA DA SOCIOCOMUNICAÇÃO NO CIBERESPAÇO:
O IMPULSO ALQUÍMICO
Dissertação de Mestrado apresentada à
banca de defesa como parte das
exigências para obtenção do título de
Mestre em Ciência da Informação;
Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Filosofia e Ciências –
Universidade Estadual Paulista.
Área de Concentração: Informação e
Tecnologia.
Auxílio Financeiro: CAPES
Orientador: Profa. Dra. Silvana Aparecida Borsetti Gregório Vidotti
Co-Orientador: Profa. Dra. Fátima Cabral
MARÍLIA
2005
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O48d Oliveira, Walter Clayton.
A dinâmica da sociocomunicação no Ciberespaço: o
impulso alquímico / Walter Clayton de Oliveira. – Marília,
2005.
132f.; 30 cm
Monografia (Dissertação de Mestrado) – Faculdade de
Filosofia e Ciências – Universidade Estadual Paulista, 2005
Orientadora(s): Silvana Aparecida Borsetti Gregório
Vidotti; Fátima Cabral
1.Ciberespaço. 2.Sociocomunicação. 3.Sociabilidade. 4.
Niklas Luhmann. I.Autor. II. Título.
CDU 007:316.258
WALTER CLAYTON DE OLIVEIRA
A DINÂMICA DA SOCIOCOMUNICAÇÃO
NO CIBERESPAÇO: O IMPULSO ALQUÍMICO
Banca Examinadora:
______________________________________________
Dra. Silvana Aparecida Borsetti Gregório Vidotti
______________________________________________
Prof. Dr. José Augusto Chaves Guimarães
______________________________________________
Dr. Oswaldo Francisco de Almeida Júnior
Marília,30 de Maio de 2005.
Ao Meu Mais Sublime Ideal
ESTOU APAIXONADO: por aquilo que és, por aquilo que queres ser, porque és
alegria, porque és forte, porque um dia, me mostraste o Norte, pelo teu sorriso,
pelo teu cheiro, que me persegue o dia inteiro, porque quando chegas, tudo
começa, porque quando vais, nada mais interessa.
Dedico este trabalho aos seguintes personagens que marcaram ou marcam, de
forma nuclear, a minha vida:
Ao meu Pai;
A minha Mãe pela sua coragem e paciência comigo;
Aos meus irmãos por tentarem me compreender;
Aos meus professores e mestres do passado e do presente, em homenagem às suas
vidas;
Aos amigos que me incentivaram e me apontaram o caminho do equilíbrio;
A nossos inimigos pelo fortalecimento que me tem dado em suas investidas,
tornando a minha consciência cada vez mais lúcida e ampla para a realidade;
A todas as almas que buscam a verdade e a seus esforços por tentar compreender o
propósito da existência humana neste planeta com tantas dificuldades e ilusões.
“Jo no creo em las brujas pero que las hay, hay!”
OLIVEIRA, W.C. A dinâmica da sociocomunicação no ciberespaço: o impulso alquímico.
Marília, 2005. 132f. Dissertação (Mestrado). Universidade Estadual Paulista, 2005. 132p.
RESUMO
O Ciberespaço é uma teia colossal, um dispositivo de comunicação que associa
características múltiplas e opostas. Ao desenvolver-se de forma espontânea, o
Ciberespaço começa então a orientar-se para a comunicação. Não faltam hoje
inúmeras comunidades de comunicação. Neste sentido, objetivamos com esta
pesquisa, analisar a dinâmica da sociocomunicação, transferência e fluxo de
informações de comunidades virtuais tomadas como sistemas sociais auto-
organizados, no Ciberespaço. Através de incursões na literatura, fizemos uma
análise teórica-descritiva do conceito de sociocomunicação e discutimos em que
medida ele pode ser aplicado diante das inter-relações que emergem entre os
indivíduos pertencentes às comunidades virtuais. Concluímos que, o Ciberespaço,
assim definido, configura-se como um locus de extrema complexidade e difícil
compreensão. A sua heterogeneidade é notória quando se percebe o grande
número de ambientes de sociabilidade existentes, no interior dos quais se
estabelecem as mais diversas e variadas formas de interação, tanto entre Homens,
quanto entre Homens e máquinas e, inclusive, entre máquinas. Trata-se de um
novo tipo de organização sociotécnica que facilita a mobilidade no e do
conhecimento, as trocas de saberes, a construção coletiva do sentido, em que a
identidade sofre uma expansão do eu baseada na diluição da corporeidade, ou seja,
o que se perde em corpo ganha-se em rapidez e capacidade de disseminar o eu no
espaço-tempo. Assiste-se, assim, a uma aceleração do metabolismo social.
PALAVRAS-CHAVE: Ciberespaço; Sociocomunicação; Sociabilidade; Auto-
Organização; Transferência de Informação.
ABSTRACT
The Cyberspace is a colossal tissue, a communication device that associates
multiple and opposed characteristics. When developing in a spontaneous way, the
Cyberspace begins then to guide for the communication. Don't lack countless
communication communities today. In this sense, we objectified with this research,
to analyze the dynamics of the social communication, transfer and flow of
information in virtual communities, took as self-organized social systems, in the
Cyberspace. Through incursions in the literature, we made a theoretical-
descriptive analysis of the social communication concept and we discussed in what
measure could be applied to the interrelations that emerge among the individuals
belonging to the virtual communities. We conclude that, the Cyberspace, thus
defined, is configured as one locus of extreme complexity and difficult
understanding. Its heterogeneous is well-known when the great existing
environment number is perceived of sociability, in the interior of which if they
establish most diverse and varied interaction forms, as much between Men, how
much between Men and machines and, also, between machines. One is about a new
type of social technique organization that facilitates the mobility in and of the
knowledge, the exchanges to know, the collective construction of the direction,
where the identity suffers an expansion from based self in the dilution the body, or
either, what it is lost in body gains in rapidity and capacity to spread self in the
space-time. It is attended, thus, to an acceleration of the social metabolism.
KEY-WORD: Cyberspace; Social Communication; Sociability; Self-Organization;
Transfer of Information.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO _________________________________________________ 12
2 O IMPULSO ALQUÍMICO__________________________________________ 20
2.1 PRINCIPIOS RIZOMÁTICOS __________________________________________ 23
2.2 O VERDADEIRO NÃO-LUGAR ________________________________________ 26
2.3 DIALÉTICA DOS FLUXOS DE INFORMAÇÃO ______________________________ 26
2.4 INTERATIVIDADE COMUNITÁRIA _____________________________________ 30
3 A TRANSMUTAÇÃO DOS VALORES__________________________________ 32
3.1 SOCIABILIDADE __________________________________________________ 33
3.2 ENTRETENIMENTO _______________________________________________ 36
3.3 CIBER-REBELDES _________________________________________________ 39
3.4 OS PHREAKERS __________________________________________________ 39
3.5 OS HACKERS ____________________________________________________ 40
3.6 OS CRACKERS ___________________________________________________ 41
3.7 OS CYPHERPUNKS ________________________________________________ 41
3.8 OS RAVERS E ZIPPIES _____________________________________________ 42
3.9 CYBER-REBELDES?________________________________________________ 43
4 COMUNIDADE E IDENTIDADE NO CIBERESPAÇO________________________ 44
5 VISÃO ECOLÓGICA DAS COMUNIDADES VIRTUAIS ______________________ 52
5.1 PRINCÍPIOS ECOSSISTÊMICOS NAS COMUNIDADES VIRTUAIS ________________ 53
6 AUTO-ORGANIZAÇÃO, CIBERESPAÇO E ESPAÇO PEDAGÓGICO ____________ 57
6.1 ESPAÇO PEDAGÓGICO _____________________________________________ 61
7 TEORIA DOS SISTEMAS SOCIAIS E COMUNICAÇÃO NA PERSPECTIVA DE NIKLAS
LUHMANN______________________________________________________ 65
7.1 O QUE HÁ DE NOVO NA TEORIA DOS SISTEMAS?_________________________ 66
7.2 A ATUAL CONCEPÇÃO DE SISTEMA ___________________________________ 67
7.3 OS SISTEMAS PARA NIKLAS LUHMANN _________________________________ 70
7.4 O “IRRADIAR-SE CONCEITUAL” NAS CIÊNCIAS SOCIAIS PELAS CIÊNCIAS COGNITIVAS
_________________________________________________________________ 73
7.5 TEORIA SISTÊMICA E SOCIEDADE: A SOCIEDADE EMBRIAGADA DE INFORMAÇÃO 79
7.6 A ARTICULAÇÃO DE COMPLEXIDADE ENTRE O SISTEMA E O AMBIENTE _______ 80
7.7 A COMUNICAÇÃO LUHMANNIANA _____________________________________ 85
7.8 MEIOS DE COMUNICAÇÃO COMO FACILITADORES DA COMUNICAÇÃO _________ 88
8 PLUS ULTRA! A INTERAÇÃO SOCIOCOMUNICACIONAL NO CIBERESPAÇO_____ 90
8.1 COMUNICAÇÃO: PROCESSO SÓCIO-BIOGENÉTICO ________________________ 91
8.2 CIBERESPAÇO: EMERGÊNCIA DE CONSTRUÇÕES CULTURAIS E SOCIAIS________ 94
8.3 GÊNESE E EVOLUÇÃO DE SISTEMAS SOCIOCOMUNICATIVOS ________________ 96
8.4 CRIATIVIDADE ESTRUTURAL DA INFORMAÇÃO __________________________ 99
8.5 ALÉM DO ACASO: SELEÇÃO DE INFORMAÇÕES COLETIVAS ________________ 101
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ________________________________________ 110
REFERÊNCIAS__________________________________________________ 119
12
1 INTRODUÇÃO
A introdução de novas tecnologias com base na digitalização, a
comunicação em rede e o Ciberespaço trazem modificações no espaço da mídia,
caracterizado pela utilização de suportes tradicionais representacionais e pela
produção e transmissão de mensagens na forma linear, i.e., de um emissor para um
receptor, num processo de retroalimentação. As novas tecnologias apresentam um
quadro de transformações que explodem os modelos clássicos de comunicação,
assim como os valores atribuídos a eles. O novo modelo comunicacional privilegia a
rede, nomeadamente o Ciberespaço, a interatividade e a virtualidade como
motores de um novo espaço público e de uma nova inteligência. Desde a utilização
doméstica até a empresarial, os sistemas informáticos acompanham-nos em cada
faceta da nossa vida fornecendo informações ou ampliando as nossas capacidades
de cálculo, memória, comunicação, etc.
Essa simbiose de homem e sistema de informação através de periféricos
denominados interfaces ampliam as capacidades humanas a ponto de determinadas
tarefas poderem ser integralmente entregues aos sistemas informáticos. Assistimos,
pois, a uma diluição da fronteira homem-máquina. “Em outras palavras, o lado
tecnológico da equação homem-tecnologia está em contínua expansão”
(SARACEVIC, 1996, p.56). Sobretudo nas últimas décadas do século XX e início deste
século, as relações do homem com seu ambiente vêm sendo realizadas, em grande
parte, no Ciberespaço, na arquitetura de computadores e redes.
Ciberespaço é um termo cunhado por William Gibson em 1984, e designa
uma estrutura infoeletrônica transnacional de comunicação de dupla via em tempo
real, multimídia ou não, que permite a realização de trocas (personalizadas) com
alteridades virtuais (humanos ou agentes inteligentes); ou, em uma só expressão
conceitual, uma estrutura virtual transnacional de comunicação interativa. Criando
uma imagem – da imbricação entre comunicação e filosofia, pode-se ver o rio de
Heráclito, o fluxo do devir. Em uma margem, a comunicação em redes digitais, a
cultura pós-moderna, a vertigem evolucionista da relação com a técnica, a
globalização e as injustiças sociais da chamada sociedade de consumo, do
espetáculo ou da informação. Do outro lado do rio, a filosofia, com suas escolas,
13
sistemas e doutrinas: um permanente estado de debate virtual das questões do ser,
do homem e do mundo. Como argumenta Mizrach (2002):
[…] today humans are busy erecting a new kind of landscape which is
totally artificial: what many, following science fiction writer William
Gibson, have called cyberspace. Though it can be used to simulate and
model 'nature,' it also can exhibit properties never found in this or any
other world. This new kind of space that people are coming to inhabit is
curious in many ways. For one thing, it is a "no-space" because it is
nowhere: a "consensual hallucination" in which people interact with widely
distributed data through textual and visual representations. The laws of
physics do not apply in cyberspace, and thus neither do standard
limitations on human modes of locomotion, self-representation, or
capabilities. Cyberspace is a cultural landscape where rivers can flow
uphill and forests can be made of crystal trees - or things infinitely far
more bizarre.
O Ciberespaço representa um meio de comunicação técnico universal, de
fácil acessibilidade, usabilidade, baixo custo e disponibilidade global. A rede já
transpôs suas primeiras fases de experimentação e se tornou peça fundamental
para sociedade pós-moderna, podendo ser caracterizada como mass-media.
Segundo Vidotti (2001, p.44):
Podemos pensar na Internet como uma grande biblioteca, ou como um
ambiente hipermídia coletivo, no qual os usuários são agentes ativos do
processo de armazenamento, indexação, recuperação e disseminação de
documentos eletrônicos hipertextuais, um ambiente auto-organizado em
permanente mutação.
O Ciberespaço funda uma ecologia comunicacional: todos dividem um
colossal hipertexto, formado por interconexões generalizadas, que se auto-organiza
e se retroalimenta continuamente. Trata-se de um conjunto vivo de significações,
no qual tudo está em contato com tudo: os hiperdocumentos entre si, os indivíduos
entre si e os hiperdocumentos com os indivíduos. A partir da hipertextualidade, a
Internet põe a memória de tudo dentro da memória de todos. Nesse quadro de
deslocamentos e rupturas, o fenômeno Ciberespaço precipita mudanças em sua
matriz empreendedora, a comunicação.
Junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação e ao Grupo
de Pesquisa Novas Tecnologias em Informação, o objetivo fulcral desta pesquisa foi
analisar a seguinte problemática: como ocorre a dinâmica sociocomunicacional no
Ciberespaço?
14
Tratamos, aqui, o Ciberespaço pela teoria dos sistemas sociais, teoria da
informação e comunicação, teoria geral dos sistemas, teoria de auto-organização e
teoria sistêmica, uma vez que:
O Ciberespaço baseia-se em tecnologias, mas sua difusão e importância
social se baseiam em comunicação;
A sociedade é um fenômeno de comunicação;
O Ciberespaço, enquanto meio técnico acelera e aumenta o processo
sociocomunicacional e o condensa: uma grande parte das comunicações via
Internet conecta-se com comunicações que já faziam parte da rede, e criam
novos rizomas;
O aprofundamento da condensação leva à forma de sistemas sociais, auto-
organizados, que concatenam comunicações.
Empregamos, neste trabalho, proposições medulares da Ciência da
Informação e a abordagem dos sistemas sociais como parte integrante da teoria
geral dos sistemas, baseando-se numa concepção particular de comunicação
enquanto processo fundamental que constitui sistemas sociais e forma, em última
instância, os fundamentos para uma sociedade da informação
1
. Logo, nos
concentramos num dos aspectos mais proveitosos que está fornecendo uma nova
dinâmica à comunicação e à sociabilidade contemporânea: a sociocomunicação,
utilizando para tal empresa, uma profícua e extensiva incursão na literatura além
de uma observação teórica das peculiaridades do Ciberespaço.
Certamente não foi por acaso que a rede desenvolveu-se de maneira
exponencial e as necessidades de se comunicar aumentaram vertiginosamente nos
últimos anos. Consideramos aqui o Ciberespaço holisticamente e a
sociocomunicação em especial como meio de difusão, catalisação e propagação do
conhecimento. A dinâmica da comunicação humana concretiza-se por meio de
ações expressivas que funcionam como sinais, signos e símbolos, que comunicamos
uns com os outros de modos e por canais muito diferentes e muito complexos.
Talvez não passe, no entanto, de um equívoco unanimizante e homogeneizador,
tanto sobre a natureza do conhecimento, como sobre a natureza da comunicação, a
idéia de um conhecimento universal, comunicado universalmente através das novas
1
Para melhor depreendermos a comunicação enquanto ponto nevrálgico que compõe sistemas
sociais, nos reportamos à base teórica de Niklas Luhmann.
15
tecnologias informativas. Mas é o que acontece quando a razão comunicativa se
esgota na lógica da razão informativa: o imperativo tecnológico da teoria da
informação dispensa o imperativo ético da racionalidade comunicativa, dispensa a
razão do "outro", que preside a participação e a comunicação do conhecimento que
é preciso dar à comunidade.
E há mais, já que atualmente a mixórdia da transmissão do conhecimento
para aqueles que dele necessitam é uma responsabilidade social, essa
responsabilidade social pode ser vista como o real background do profissional da
informação e da Ciência da Informação.
A sociedade pós-moderna com suas características, entre elas a
mundialização do capital e as novas tecnologias (Ciberespaço), têm propiciado
novas oportunidades para o profissional da informação pois apesar das mudanças,
dos desafios, das possibilidades profissionais, e das grandes transformações
tecnológicas e espaciais, a essência das ciências que sustentam a profissão do
bibliotecário, a Biblioteconomia e a Ciência da Informação e o seu objeto de
trabalho – o ciclo informacional, não foram mudados. Embora a teoria seja a
mesma, a prática do bibliotecário, especialmente aquela que se baseia em todas as
facilidades oferecidas pelas novas tecnologias e a mundialização do capital, bem
como no método científico da invenção, lhe abre muitos caminhos, muitas outras
possibilidades de prestar serviços informacionais e sugere uma nova forma de
administrá-los. Entrementes, a Ciência da Informação se preocupa com os
princípios e práticas da produção (geração), organização e distribuição da
informação. Assim como, com o estudo dos fluxos da informação desde sua criação
até a sua utilização, e a sua transmissão ao receptor em uma variedade de formas,
através de uma variedade de canais. Esta transmutação de idéias, métodos, do
pensar em si tem que respeitar as características existentes e manifestas da área
de Ciência da Informação, do objeto informação em si, com toda as suas condições,
características e singularidades. Conforme Capurro (2003):
Informação não é algo que comunicam duas cápsulas cognitivas com base
em um sistema tecnológico, visto que todo sistema de informação está
destinado a sustentar a produção, coleta, organização, interpretação,
armazenamento, recuperação, disseminação, transformação e uso de
conhecimentos e deveria ser concebido no marco de um grupo social
concreto e para áreas determinadas. Só tem sentido falar de um
conhecimento como informativo em relação a um pressuposto conhecido e
compartilhado com outros, com respeito ao qual a informação pode ter o
caráter de ser nova e relevante para um grupo ou para um indivíduo.
16
Assim, toda uma argumentação deve ser construída para mostrar as
qualidades e a viabilidade desta transferência de teorias, conceitos e
metodologias, que precisa estar clara e convincente; deve estar detalhadamente
explicito e explicado como este pensar ou a metodologia se insere no mundo da
Ciência da Informação. Esta é uma área de estudo muito especial, pois tem forte
dimensão prática e operacional, que está muitas vezes, conceitualmente,
dependente de uma tecnologia intensa, com elevado teor de inovação e em
contínua mutação.
Nesse sentido, inserindo um dos objetos de estudo da Ciência da
Informação - fluxo e transferência de informação - no contexto do Ciberespaço e da
sociocomunicação como algo capaz de mudar estruturas, esta dissertação de
mestrado justifica-se para observamos os fluxos de informação, compreendermos a
comunicação e as construções sociais e simbólicas das comunidades virtuais. Além
disso, ao estudarmos a informação/comunicação através da sociocomunicação,
consideramos as relações de poder que advêm de uma organização não-hierárquica
e espontânea e procuramos entender até que ponto a dinâmica da comunicação, do
conhecimento e da informação interferem nesse processo. Em outras palavras, os
efeitos produzidos no mundo do trabalho, os diferentes mecanismos criados para a
persuasão das massas, as distintas formas assumidas pelo poder para confrontar
interesses, desejos e frustrações suscitados no imaginário pela ilusão do consumo e
as novas realidades de sentido produzidas no e pelo Ciberespaço, são alguns
aspectos que fazem da pós-modernidade, da civilização atual, um paradigma que é
– tomando aqui uma máxima de Nietzsche (1968)- “a negação do homem pelo
próprio homem”.
Hoje, toda a compreensão das mudanças socioculturais é impossível sem o
conhecimento do modo de atuar dos meios comunicacionais como meio. O mundo
instantâneo dos meios infoeletrônicos envolve-nos a todos. Não é possível
desprender-se da moldura info-tecno-comunicacional. Nesse sentido, tentamos
depreender um novo meio de comunicação atrelado às novas tecnologias de
informação – na referida pesquisa, a sociocomunicação, além de verificarmos a
aplicabilidade de alguns conceitos e teorias emergentes em Ciência da Informação.
17
E, diante dessa nova relação entre homem e máquina as necessidades
humanas precisam atravessar a linha que as transformará em bits. Não queremos,
de modo algum, inscrever a nossa voz no coro que se levanta em alarido crescente
contra a dissolução dos fundamentos do mundo moderno, diabolizando a técnica e
dando mecha às cruzadas anti-tecnológicas, tecnófobas, avessas a computadores,
entendemos, no entanto, que a racionalidade tecnológica é um projeto da pós-
modernidade, que racionaliza o espaço e o tempo, e nos normaliza. Por um lado,
anula e compensa ruídos, ajustando o homem à máquina, de maneira a evitar
perdas de mensagem. Por outro, globaliza o tempo, impondo-nos a ilusão de uma
vizinhança global: banaliza todas as misérias deste mundo, ofusca-nos com o brilho
de sonhos que nos vampirizam a alma e produz o conformismo. Pois, a sociedade é
também um fenômeno de comunicação.
Neste trabalho, enfocamos o Ciberespaço enquanto aparato técnico que
otimiza e condensa uma grande parcela das comunicações. Neste sentido, com esta
pesquisa pretendemos romper a membrana que separa o universo paralelo virtual –
Ciberespaço – do universo concreto que habitamos. Ou seja, tentamos desmistificar
a Internet e suas propriedades como um complicado oceano de dispositivos
inteligentes, em que a distinção entre hardware e software era difusa e poucos
indivíduos sabiam navegar. E, contemporaneamente, não há limites que possamos
erguer contra a capacidade de fazer: o imperativo tecnológico legitima-se pela
potência. E não é excessivo dizermos, neste contexto, que a racionalidade
informativa tecnológica alimenta um desígnio de homogeneização universal,
impondo ao planeta uma razão macrocéfala e total.
A presente dissertação de mestrado foi então elaborada da seguinte forma:
Capítulo 2 – O impulso alquímico – Discute a “alquimia latente” que marca o nosso
modo de vida atual onde a informação é explosiva e o Ciberespaço tem
transformado nossa capacidade de recebê-la, armazená-la, processá-la e
disseminá-la. Tecnologias se somam aos cérebros e criam seres humanos integrados
num só sistema nervoso. A atual euforia com a multiplicidade, o nomadismo, o
rizomático, o conectivo, a dialética dos fluxos numa mistura de biológico e de
mecânico, carne e imagem, parece não nos deixar alternativa que não seja a de
estar “on” ou “off”.
18
Capítulo 3 – A transmutação dos valores – Apresenta uma nova idéia de
sociabilidade e subjetividade que se instala: “eu sou na medida das minhas
conexões”. Quer dizer, a sociabilidade e a subjetividade constroem o seu território
existencial a partir de outros territórios dos quais se apropriam, misturando-os.
Agencia humano e não humano, carne e metal, cérebro e silício incluindo também
grupos humanos, máquinas socioeconômicas, informacionais, etc.
Capítulo 4 – Comunidade e Identidade no Ciberespaço – Apresenta as relações
sociais entre as pessoas, e relações entre os humanos e suas ferramentas. O
Ciberespaço engendra fenômenos que vão bem além da comunicação no sentido
estrito do termo. Mais do que um meio de comunicação, elas oferecem suporte à
um espaço simbólico que abriga um leque muito vasto de atividades de caráter
societário, e que é palco das práticas e representações dos diferentes grupos que o
habitam.
Capítulo 5 – Visão ecológica das Comunidades Virtuais – Aborda a ecologia das
Comunidades Virtuais, onde o conceito de rede tem vindo a tornar-se o conceito
dominante de múltiplas formas de experiência. De uma forma que é talvez
historicamente única, cristalizam-se em torno deste conceito resultados teóricos
fundamentais, tecnologias que se desenvolvem imprevisivelmente e experiências
socioculturais que também surgiram espontaneamente.
Capítulo 6 – Auto-Organização, Ciberespaço e Espaço Pedagógico – Apresenta a
importância do Ciberespaço na educação que é hoje largamente reconhecida,
conduzindo a alterações significativas nos sistemas pedagógicos e nos processos de
aprendizagem. Menos conhecidos são alguns conceitos desenvolvidos através dos
modelos ciberespaciais, nomeadamente os de auto-organização e de cooperação,
explicitando-se o seu contributo determinante para a criação de um novo tipo de
espaço em que os agentes em interação navegam num local povoado de estímulos
lúdicos, induzindo a emergência do conhecimento em rede, numa sociedade
horizontal e pluralista.
19
Capítulo 7 – Teoria dos sistemas sociais e comunicação na perspectiva de Niklas
Luhmann – Apresenta a visão de Niklas Luhmann de sistema que será, por
conseguinte, o conceito-chave de uma teoria complexa, na medida em que só uma
leitura sistêmica da sociedade estará em condições de responder aos seus
propósitos, que são a análise e explicação da complexidade do objeto sociológico,
comunicacional e informacional.
Capítulo 8 - Plus Ultra! A interação sociocomunicacional no Ciberespaço – Aborda a
tecnologia interativa sociocomunicacional e o acoplamento do corpo com o sistema
artificial com o qual interage, provocando, em tempo real, uma ação
compartilhada, onde algo acontece pelas conexões humano/máquina. Trata-se de
experimentar as qualidades de ambientes tecnologizados da era pós-biológica, que
expandem o sentir pelas tecnologias numéricas por informações processadas no
Ciberespaço.
20
2 O IMPULSO ALQUÍMICO
Pensar neste milênio as relações que se estabelecem entre sistemas sociais
2
e a tecnologia é um dado fundamental para mapear algumas possibilidades mais
estimulantes para a prática informacional mas também, paradoxalmente, alguns
dos mais perigosos desafios com que ela se depara. De fato, das recentes relações
que se têm estabelecido entre sistemas sociais e tecnologia emerge um certo
caráter pernicioso que está intimamente ligado a um fenômeno taxionômico da
prática informacional. Por um lado, as novas perspectivas de ação oferecidas pela
utilização de toda a panóplia tecnológica deste final e início de século afirmam-se
providenciais, por outro estabelecem uma nova padronização do campo de ação
informação. Segundo Robredo (2003, p.19): “Sentimos já o princípio de que a
informação é, sim, em todos os campos do saber e em todos os domínios de
aplicação, informação e simplesmente informação.”
Fundamentados em algumas concepções de Allan Kaprow (1996), é possível
dizer que os novos profissionais da informação de hoje já não precisam se afirmar,
eu sou um arquivista ou eu sou um bibliotecário ou um museólogo. Eles são
simplesmente profissionais da informação. E seu principal objetivo, enquanto
profissionais, é transmutar os recursos informacionais do Ciberespaço e aprender e
adaptar-se às mudanças ambientais. A criação da informação, aquisição,
armazenamento, análise e uso, provêm da estrutura intelectual que dá suporte ao
crescimento e desenvolvimento de uma dinâmica inteligente adaptada às
exigências e novidades da ambiência. Ao compreender isso, tudo na vida se abrirá
para ele, melhor dizendo para nós. Estas, estamos certos, serão as alquimias deste
século. Não poderemos agora falar, em certa medida, de uma inversão do
problema? Com as novas denominações surgidas – gestor da informação, gestor do
conhecimento, cibertecário, analista de informação dentre outros – não estaremos
perante um retorno a “taxionomia” da prática informacional em função dos meios
utilizados?
2
Entendemos por sistemas sociais “[...] forças que tendem a manter a forma ou a configuração
alcançada pela sociedade, ou que asseguram uma transformação contínua, sendo que, no último
caso, o equilíbrio é dinâmico. [...] se um dado sistema social fosse sujeito a pressões de forças
externas, as forças internas da própria sociedade se manifestariam no sentido da restauração do
equilíbrio” (LAKATOS, 1979, p.45).
21
Todo trabalho de libertação da informação relativamente a esse tipo de
enquadramento, numa procura incessante de um comportamento conceitual mais
elástico, parece assim “cair por terra” por um novo discurso que permite ao
profissional da informação encontrar-se nova e temporariamente num lugar de
identificação com os territórios reclamados pelo poder, em seu sentido lato. Essa
inserção no mesmo ambiente em que nidificam as propostas tecnológicas do poder
é a evidência com que se depara o profissional da informação que utiliza, de algum
modo, das tecnologias contemporâneas no seu trabalho. Caberá então
perguntarmos: pode o crescente desenvolvimento tecnológico da informação e dos
profissionais da informação ser entendido como um sinal acrescido da inequívoca e
continuada teia de cumplicidades (inconscientemente, ou talvez não), tantas vezes
negada em um passado ainda recente, estabelecida com a chamada globalização ou
como preferimos utilizar, mundialização do capital?
Observando o problema por um outro ângulo, reencontramo-nos aqui com a
noção vanguardista da experimentação e com a recuperação de uma acentuada
importância dos meios. Este retorno a conceitos de essência kantiana (finalidade
sem fins) relocaliza a discussão em torno de uma carga laborial tradicionalmente
valorizada pelo fazer associado aos materiais/suportes. E se por um lado é
interessante analisar a premência de um pendor experimental no labor atual, que o
distancia claramente da categorização burocrática em que tantas vezes se
enredou, será também urgente um certo distanciamento crítico perante essa
mesma tecnologia que pode por vezes atuar não como potenciadora de um campo
aberto de possibilidades mas antes como um mero espartilho. Não obstante,
conforme Robredo (2003, p.91):
[...] a inseparável associação da informação a algum tipo de sistema, a
nova visão do processo de comunicação associado a um enfoque
sociológico de transmissão da informação e da geração do conhecimento e,
enfim, a situar as atividades relacionadas com a biblioteca, a
documentação, os arquivos, a armazenagem, a difusão e a recuperação da
informação, dentro desse conceito expandido da ciência da informação, os
quais, ao tempo que se beneficiam dos avanços de outros domínios,
também aportam a estes, elementos para sua evolução e se
desenvolvimento.
Procurando ainda uma outra perspectiva, também poderemos falar das
relações de proximidade e afastamento perante a realidade que ainda estão
indelevelmente ligadas à própria contaminação tecnológica. Aliás, pensar essa
22
realidade como sistema racional de causas e efeitos, numa perspectiva linear e
segundo um modelo de objetividade “cientifica”, é reduzir as infindáveis
possibilidades que nos abre questionamento da visão unívoca do mundo que muitas
vezes nos é oferecida e que afirma a maior parte das vezes uma atitude
colonialista e poderosa de taxionomia e manipulação. Ora, a velocidade dos
acontecimentos do mundo, pelo menos na sua aparência, nega toda esta unicidade.
Perdem-se assim as noções clássicas capazes de contribuírem para uma definição
da realidade. Por outro lado, esta multiplicação dos referentes pode-nos remeter
para uma experiência da liberdade (se é que podemos utilizar este termo) que
oscila entre a idéia de pertencimento e desenraizamento, i.e., a sobreabundância
de acontecimentos pode igualmente representar o caldo ideal para uma
reavaliação contemporânea da deriva Baudelairiana. Torna-se difícil de perceber-
se, através do processo levado a cabo pela tecnociência de transformação de uma
realidade estável numa outra fantasmagórica, perderemos as referências ou nos
limitaremos a reconstruí-las a partir de novas coordenadas.
Sintaticamente, em um dos pólos temos o imenso campo aberto de
possibilidades (um novo expanded field) oferecido pelas novas tecnologias, fato
que está umbilicalmente ligado a uma nova reavaliação da idéia de experimentação
e à criação de territórios de ação aparentemente libertos dos constrangimentos
clássicos; no outro extremo encontra-se a perigosa aproximação aos territórios
reclamados pelo poder e a oferta do flanco que representa a aceitação de um novo
modelo ordenador para a prática informacional. No fundo, é neste jogo paradoxal
entre esperança e decepção, entre experiência da liberdade e o constrangimento
da clausura, entre a potência e a realização, entre a realidade e o seu duplo que
podemos encontrar parte das premissas para a descoberta de alguns riscos
evidentes da imbricação entre sistemas sociais e tecnologia. Entrementes, esses
riscos e essas dúvidas acabam por se afirmar, como veremos, um aliciante
território para a prática informacional.
23
2.1 PRINCIPIOS RIZOMÁTICOS
O Ciberespaço implica um completo estilhaçar das noções básicas de
localização e de desenraizamento. Mais do que como um lugar, ou antes um não-
lugar, afirma-se como meio, i.e., um espaço operativo onde nos movemos. O
Ciberespaço ultrapassa assim todos os paradigmas de representação do real. Ao
contrário dos clássicos modelos de representação, não se define por uma relação
mimética com a realidade mas antes através de um processo de replicação de sua
estrutura e modo de funcionamento. De fato, esses modelos funcionam como
sistemas arborescentes enquanto que o Ciberespaço é um sistema rizomático, bem
mais complexo e pleno de multiplicidades, opondo à re-presentação uma
apresentação. Esta oposição entre uma estrutura em árvore, que imita o mundo
pela sua epiderme, e o rizoma, capaz de construir uma nova realidade parece-nos
fundamental para a definição do meio particular da Internet, especificamente as
listas de discussões.
Gilles Deleuze e Félix Guattari (1995) estabeleceram com precisão os
princípios de funcionamento do rizoma. A sua simples enumeração poderá ser
suficiente para entendermos as diferenças em jogo. Vejamos:
1° e 2° - princípios de conexão e de heterogeneidade: qualquer ponto do
rizoma pode ser conectado com qualquer outro, e deve sê-lo. Isso não sucede com
a árvore nem com a raiz, que sempre fixam um ponto, uma ordem. Enquanto a
árvore funciona por dicotomias, no rizoma, pelo contrário, cada quebra não remete
necessariamente para uma quebra lingüística: elos semióticos de qualquer natureza
ligam-se nele com formas de codificação muito diversas, elos biológicos, políticos,
econômicos etc., pondo em jogo não apenas regimes de signos muito distintos, mas
também os estatutos das coisas.
3° - princípio da multiplicidade: só quando o múltiplo é tratado
efetivamente como substantivo, multiplicidade, deixa de ter relação com o Uno
como sujeito ou como objeto, como realidade natural ou espiritual, como imagem
e mundo. As multiplicidades são rizomáticas e denunciam as pseudomultiplicidades
arborescentes. Uma multiplicidade não tem nem sujeito nem objeto, mas
unicamente determinações, tamanhos, dimensões que não podem aumentar sem
24
que ela mude de natureza – as leis de combinação aumentam, pois, com a
multiplicidade.
4° - princípio da ruptura asignificante: que aparece por oposição aos cortes
excessivamente significantes que separam as estruturas ou as atravessam. Um
rizoma pode ser rompido, interrompido em qualquer parte, mas sempre recomeça
segundo esta ou aquelas das suas linhas e ainda segundo outras. É por isso que os
autores afirmam que é impossível acabar com as formigas, posto que formam um
rizoma animal que mesmo destruído na sua maior parte, não cessa de se
reconstituir.
5° e 6° - princípio da cartografia e da decalcomania: um rizoma não
responde a nenhum modelo estrutural ou generativo. É alheio a toda a idéia de
eixo genético, como também de estrutura profunda. Os sistemas em árvore
funcionam por decalque da realidade, limitam-se a descrever algo que se dá por
feito. De forma distinta funciona o rizoma, como um mapa. Se o mapa se opõe ao
decalque é precisamente porque está totalmente orientado para uma
experimentação que atua sobre o real. O mapa não reproduz um inconsciente
fechado sobre si mesmo, constrói-o. O mapa é aberto, conectável em todas as suas
dimensões, desmontável, alterável, susceptível de receber constantemente
modificações. Pode ser rompido, alterado, adaptar-se a montagens distintas,
iniciadas por um indivíduo, um grupo, uma formação social. Uma das
características mais importante do rizoma talvez seja a de ter sempre múltiplas
entradas.
Seria difícil encontrar uma conceitualização da realidade do Ciberespaço
mais próxima da sua natureza. Se em cada um dos princípios antes enumerados
substituíssemos a palavra rizoma por Ciberespaço, ou mesmo Internet, poderia
parecer que nos encontrávamos perante um texto pensado de raiz para o seu
enquadramento conceitual. De fato, se recuarmos até a pré-história da Internet,
i.e., à rede ARPANET, desenvolvida ironicamente para fins militares – com o
objetivo de criar uma rede de comunicações que pudesse sobreviver a um
hipotético ataque nuclear – verificaremos que os princípios que conduziram o
desenvolvimento desse projeto coincidem em grande medida coma a definição de
uma estrutura rizomática. Ora, a ARPANET foi construída exatamente como um
sistema não hierárquico, heterodoxo na sua estrutura, replicante, solidário no que
25
toca à circulação da informação, capaz de mutações constantes que lhe
garantissem a sobrevivência operativa em condições adversas. Tal como as formigas
que Deleuze e Guattari (1995) usavam como exemplo, a ARPANET, e agora sua
descendente direta – a Internet, foi concebida para sobreviver como um todo
independentemente do destino de cada um dos seus nódulos. Faltará ainda saber a
capacidade de reação desta estrutura a sobrevinda de um acidente informático
global.
Mas qual então a natureza do fascínio, para lá da dimensão operativa
elástica que parece ser óbvia, que o Ciberespaço exerce sobre este início de
século, sobre os indivíduos que o escolhem habitar, ainda que temporariamente?
Ballard (1996) observa que, no passado partíamos sempre do princípio que
o mundo exterior representava a realidade, por muito confusa ou ambígua que esta
se apresentasse, ao passo que o nosso universo mental, com seus sonhos,
esperanças ambições, era o reino da fantasia e imaginação. Estes papéis, ao que
me parece, inverteram-se. O método mais prudente e eficaz de lidar com o mundo
consiste em partir do princípio que se trata de uma completa ficção – e que,
reciprocamente, o pequeno nódulo de realidade de que ainda dispomos se situa
dentro das nossas cabeças. A distinção clássica estabelecida por Freud (1999) entre
o conteúdo latente e manifesto dos sonhos, entre o aparente real, deverá ser agora
atribuída à pretensa realidade do mundo exterior.
Poderíamos, em jeito de resposta à pergunta que formulamos e mesmo
arriscando uma postura herética às visões dogmáticas da realidade, afirmar que
esse pequeno nódulo que temos dentro de nossas cabeças (também ele é uma
complexa estrutura rizomática constituída por diversos nódulos e um intricado
sistema de circuitos) encontra talvez nesse lugar que é o Ciberespaço uma
estrutura que o replica de um modo totalmente novo. É porventura dessa
aproximação entre dois sistemas aparentemente tão diversos e com naturezas
distintas que resulta o fascínio exercido pelo Ciberespaço. Na verdade, a força do
Ciberespaço não se encontra na sua instituição como uma realidade alternativa,
mas antes no fato de o seu funcionamento se aproximar às descontinuidades e
multiplicidades do próprio pensamento, também ele assente num sistema
rizomático.
26
2.2 O VERDADEIRO NÃO-LUGAR
Com o Ciberespaço encontramos, pois uma revolução profunda na
concepção dos territórios em que nos movemos – dando-nos uma noção de espaço
excessivo, superabundante, que mais uma vez se relaciona com a perda de
referência. Ora, se este espaço não se pode caracterizar pela sua identidade, pela
sua historia, não pode ser catalogado, nem circunscrito, estamos então a falar de
um não-lugar. Podemos pensar também nas auto-estradas, nos hipermecados e
também nos sistemas bancários, espaços que não criam nenhuma identidade
singular, nenhuma relação, somente indiferenciação. Mas estes são não-lugares
físicos, muitas vezes estruturados como uma árvore (embora o uso se encarregue
freqüentemente de subverter essa estrutura). O rizoma da Internet coloca outro
tipo de questões e apresenta-se como um território bem mais rico de possibilidades
e experiências. Contudo, também podemos perguntar como é possível atuar de
modo relacional no seio desta nova realidade de um mundo voltado à
individualidade solitária, como diz Marc Augé (1994). O paradoxo do funcionamento
do rizoma internético está intimanente ligado ao fato deste ser constituído por uma
enorme quantidade de nódulos que, apesar de conectados entre si através de uma
complexa rede de relações, podem funcionar igualmente como instrumentos de
alheamento e alienação do indivíduo, do grupo, da sociedade.
2.3 DIALÉTICA DOS FLUXOS DE INFORMAÇÃO
Os usos imensuráveis do Ciberespaço refletem as complexidades psíquicas,
afetivas, social, ética, cultural, econômica e político-ideológica do mundo
contemporâneo. Diante das telas dos monitores, trafegam o voraz comércio
eletrônico, a guerra entre os fabricantes de softwares, os hackers, os vírus, a
pornografia, projetos militares e seitas místicas. Em compensação, dispomos de
uma escala impressionante de informações, cultura e divertimento, programas
educacionais e científicos, bases públicas e privadas, trocas entre indivíduos,
grupos e instituições, e modalidades promissoras de intervenção política, cultural e
social.
27
Para além do correio eletrônico, do entretenimento e das pesquisas, o
Ciberespaço afigura-se como fórum on-line capaz de revitalizar movimentos civis,
na atmosfera de permutas da cultura de redes. Organizações não-governamentais,
sindicatos, associações profissionais e partidos políticos procuram estreitar vínculos
e incrementar campanhas reivindicatórias valendo-se dos efeitos de amplificação
da Web. São indivíduos e instituições identificadas com causas e
comprometimentos semelhantes, que se interrelacionam, por ligações de
diferentes lugares do mundo, em grupos e listas de discussão, ou conferências
eletrônicas. Elas ainda alimentam a circularidade de conteúdos entre suas home
pages, através de links que se remetem e se referenciam uns aos outros, por
temáticas correlatas. Conforme Ullman (2001, p.24):
[...] as necessidades humanas precisam atravessar a linha que as
transformará em código. Precisam passar pela membrana semipermeável
em que a urgência, a esperança, e o medo são filtrados, e somente a razão
segue adiante. Não tem outro jeito. Vírus reais que levam a morte não
chegam aqui. Confusões humanas de verdade não vivem aqui. Tudo que se
quer alcançar, tudo que o sistema pode oferecer, deve ser desnaturado ao
passar para o computador. Caso contrário, o sistema morre.
Eis aí outra dimensão da ética por interações: estimula processos
tecnocomunicacionais de inserção político-social de forças contra-hegemônicas,
sobrepujando os filtros ideológicos e as políticas editoriais dos complexos de mídia.
É o que acontece quando um leitor desconfia da credibilidade do noticiário de um
jornal ou revista sobre determinado acontecimento. Ele pode consultar dezenas de
publicações on-line sobre o assunto. E se ainda assim não se convencer, resta-lhe
refinar a pesquisa nos mecanismos de buscas. A garimpagem concorrerá para a
formação de juízos sem o contágio de manipulações sutis ou grosseiras.
A abundância de variedades no Ciberespaço contraria a imaginação dos que
se habituaram ao predomínio dos efeitos massivos de simulação, ou daqueles que
insistem em esgrimir conceitos sobre as mídias clássicas que perderam validade na
Internet. Cedo ou tarde, eles precisarão considerar que a arena multimídia on-line
requisita planos específicos de comunicação, pois um número crescente de
segmentos sociais e de subjetividades migra para ela e secreta aspirações
diferenciadas.
28
É indispensável ressaltar que não concebemos o Ciberespaço como uma
esfera autônoma, divorciada dos embates sociais concretos. Ao contrário, a práxis
virtual guarda uma relação de complementaridade com o real, e não de
substituição de antigos dispositivos de comunicação. O virtual é uma existência
potencial, que tende a atualizar-se. A atualização envolve criação, o que implica
produção inovadora de uma idéia ou de uma forma. O real, por sua vez,
corresponde à realização de possíveis já estabelecidos e que em nada mudarão na
sua determinação ou em sua natureza. Já a virtualização deve ser entendida como
uma mutação de identidade, um deslocamento do centro de gravidade ontológico.
O indivíduo passa da situação atual, correspondente a uma solução, para um campo
de interrogação que o obriga a propor coordenadas como resposta a uma questão
particular. “Hoje estamos todos presos à rede global, digo a mim mesma [sic],
presos e ligados a ela. A nova droga: o instante, o agora, o universal” (ULLMAN,
2001, p.35).
Ponto nodal da simbiose real-virtual, o Ciberespaço situa-se na base de
criação de uma fronteira a um só tempo física e abstrata. Física e tangível, porque
sua infra-estrutura operacional é feita de interfaces gráficas, de modems e de
discos rígidos. Abstrata e intangível, pois os conteúdos remetem à ordem da
representação, da cognição e da emoção. Sem atributos físicos e existindo
independentemente deles, o Ciberespaço tem força simbólica para ampliar as
percepções da realidade. O mundo on-line, conforme Derrick Kerckhove (1997,
p.80), herdeiro de Marshall McLuhan, define-se como "uma realidade que se pode
tocar e sentir, ouvir e ver através dos sentidos reais -- não só com ouvidos ou olhos
imaginários". O virtual estende e expande sujeitos, por meio de tecnologias que
não apenas prolongam as propriedades de envio e recepção de mensagens, como
penetram e modificam a consciência de seus utilizadores, transformando-se em
extensões quase orgânicas do nosso ser mais íntimo.
Os processos de significação não se anulam, eles se mesclam e acentuam
relações de sinergia. A Cibercultura não se superpõe às culturas preexistentes, nem
as aniquila. A dialética ativa desdobramentos e remissões; no lugar de divisões e
estacas demarcatórias, estabelecem-se os nexos, as bricolagens e as hibridações.
Identidades culturais organizadas podem ramificar-se nos fluxos eletrônicos, sem
perder seu enraizamento na memória afetiva das sociedades.
29
O rádio não substituiu o jornal, a TV não acabou com o rádio e a Internet
não vai ocupar o lugar de ninguém. O que sobressai na Web é a sua reformulação
permanente, capaz de impedir a subsistência de monopólios de difusão. Os fluxos
informacionais ininterruptos, potencializados pelos recursos da hipermídia,
funcionam como ímãs eletrônicos: multiplicam-se ciberrádios, os ciberjornais, as
ciberagências publicitárias, os cibervídeos e as cibertelevisões. Os veículos mantêm
traços distintivos originais (o som radiofônico, o audiovisual televisivo) e imbricam-
se com as formas flexíveis e multissensoriais inerentes ao ecossistema digital. Uma
emissora de rádio no ciberespaço não somente toca música, intercalada por
notícias, anúncios e gags dos DJs; promove faixas de CDs e fitas-demo, exibe
videoclipes e shows, compila entrevistas, estoca clippings, seleciona hotlinks,
segmenta-se por gêneros (rock, pop, música popular brasileira, música clássica,
jazz). Basta clicar o mouse para deslocar-se no espaço e no tempo sem sair de seu
lugar nem de sua hora e viver as mais ousadas aventuras do corpo, da mente e das
paixões, sem perder o juízo ou trair o coração.
Seria um equívoco encarar a Internet como um mercado paralelo e
estanque, dissociado das demais mídias e das conjunturas sociais. Não interligá-la
àquelas instâncias significaria entendê-la como fim e não como um meio para se
atingir metas maiores. Haveria o risco de, paulatinamente, ela perder significado
histórico e importância cultural. A sua pujança provém de interações diretas e
interinfluências de toda ordem. Isolá-la seria negar a utopia – essencial - de que
podemos semear princípios interativos e comunitários do Ciberespaço no oceano
informacional à nossa volta. Julgamos perfeitamente viável entrosar os
instrumentos político-cultural-comunicacionais que o real e o virtual fornecem,
como focos abertos a mútuas alimentações, a interlocuções dialéticas e a energias
reivindicantes e rizomáticas. Sem perder de vista que é no território físico,
socialmente reconhecido e vivenciado, que se concentram os grandes combates
pelas hegemonias e pela construção do imaginário do futuro.
30
2.4 INTERATIVIDADE COMUNITÁRIA
O vínculo humano com o Ciberespaço remete a um espaço virtual comum,
no qual a existência prescinde de cadeias de comando. O crescimento exponencial
da Internet está ligado justamente à peculiaridade de constituir uma esfera pública
não-sujeita a regulamentações exógenas. Com isso, reforça-se a evidência de que
os estatutos éticos das comunidades virtuais se constroem no interior de seus
cosmos produtivos, por motivações cooperativas e coordenações de qualidades e
vocações individuais.
A ética por interações prospera nos grupos, listas de discussão,
conferências eletrônicas ou newsgroups – constelações de células independentes ou
interdependentes, em que se agrupam distintos idiomas, nacionalidades, níveis de
escolaridade e credos. Sem jamais terem se visto, os indivíduos conversam, trocam
experiências, informam-se, fazem amizades, namoram, ou simplesmente passam o
tempo. Surgem parcerias, ajudas mútuas e laços de solidariedade – inclusive no
sofrimento. Famílias de crianças com Síndrome de Down ou de jovens viciados em
drogas repartem esperanças e aflições. Portadores do vírus HIV e aidéticos contam
com inúmeras listas de discussão para debater seus problemas.
Em todo o Ciberespaço, registra-se um crescimento espetacular dos chats e
das listas de discussão. Cinco pólos de magnetismo ajudam-nos a esclarecer tal
afluxo: a) a liberdade para relacionamentos de qualquer espécie; b) sincronicidade
nas conversações – no caso das listas de discussão assincronicidade; c) a garantia de
anonimato; d) a ausência potencial de censura; e) a desobrigação de se submeter a
regulamentos – em listas de discussão isso só é possível se não houver a existência
de um moderador. Há que se admitir que a inexistência de protocolos éticos rígidos
e o uso de pseudônimos geram atitudes deletérias. Nas salas sobre sexo, namoro e
erotismo, são freqüentes insultos, pornografias e intromissões descabidas, claro
indício de que a atmosfera de desrepressão por vezes se confunde com catarses e
liberação de instintos difusos. Para certas impropriedades há antídotos virtuais. Se
um indivíduo se sente incomodado ou ofendido com o teor de uma mensagem que
lhe é remetida, deve cortar unilateralmente o acesso, não respondendo ao agravo.
Críticos moralistas agarram-se à convicção de que o “caos” da Internet dispensa
responsabilidades individuais e grupais, estimulando a permissividade. De fato,
31
praticam-se excessos. Mas por que tanto espanto? A sociedade está atravessada de
abusos insuportáveis por metro quadrado. (Os moralistas calam-se diante do
desemprego estrutural, da brutal concentração de renda e das desigualdades
sociais, deprimentes subprodutos do neoliberalismo.) Por que a Internet, sendo
uma projeção da inteligência humana, com interfaces cada vez mais próximas
entre as mentes e as tecnologias, haveria de ser exceção?
O grande diferencial do Ciberespaço consiste no fato de que as
comunidades virtuais, enquanto rizomas, definem e objetivam valores éticos e
códigos informais de conduta. Tais regras não provêm de fora, das estruturas de
poder, e em nada se confundem com uma espada de Dâmocles sobre as cabeças
dos cibernautas. “Achamos que estamos criando o sistema, mas o sistema também
está nos criando. Construímos o sistema, vivemos em meio a ele, e somos
transformados” (ULLMAN, 2001, p.88). Devem ser aceitas por consenso e adaptadas
às singularidades, práticas e tradições dos grupos. Paul Mathias (1997) refere-se à
"criação ascendente de valores" em coletivos virtuais, na medida em que elaboram
coexistências regidas não mais por princípios verticais e genéricos, e sim pela
harmonização de perspectivas individuais no seio de grupos afins. As relações
humanas tornam-se intercambiantes, o que favorece a transmutação, a
reelaboração sistemática de valores e raios de competência.
O próximo capítulo aborda o Ciberespaço, um novo mundo virtual ou mundo
mediatizado, como um suporte aos processos cognitivos, sociais e afetivos, os quais
efetuam a transmutação da rede de tecnologia eletrônica e telecomunicações em
espaço social povoado por seres que (re)constroem as suas identidades e os seus
laços sociais nesse novo contexto comunicacional. Geram uma teia de novas
sociabilidades que suscitam novos valores. Estes novos valores, por sua vez,
reforçam as novas sociabilidades. Esta dialética é geradora de novas práticas
culturais.
32
3 A TRANSMUTAÇÃO DOS VALORES
O surgimento das comunidades virtuais está atrelado a uma efervescência
social vindo a "contaminar" todas as esferas da cultura contemporânea. Estamos a
viver uma espécie de "reencantamento do mundo", no qual os ideais da
modernidade estão a dar lugar a valores alternativos, de contornos ainda
imprecisos, mas cuja disseminação não se pode negar. A fé inabalável na razão, a
crença na idéia de progresso e o olhar voltado para o futuro já não são os grandes
referentes da época atual. Progressivamente, aquilo que era considerado frívolo
pelo projeto moderno, vai contaminando todos os domínios da vida social. Na pós-
modernidade, a ênfase recai agora no imaginário, na cultura do sentimento, na
sensibilidade e na solidariedade, na religiosidade (reliance) e no ideal comunitário.
Segundo Michel Maffesoli (1988), essa transmutação de valores corresponde
a um movimento cíclico, onde aquilo que se acreditava superado retorna com força
total. No entanto, ele chama a atenção para o fato de que os elementos da
modernidade não são "ultrapassados", no sentido dialético do termo, ou "acabados"
como se costuma dizer. Eles continuam a representar um papel na vida social, mas,
imperceptivelmente, vão adquirindo outros contornos.
Neste sentido, podemos dizer que, na pós-modernidade, existe uma
convivência entre os elementos arcaicos e o desenvolvimento tecnológico.
Comunidades como os "zippies" (uma versão cyber dos hippies da década de 60),
por exemplo, misturam esoterismo e novas tecnologias. Surge daí uma nova
expressão da Cibercultura, o tecno-paganismo, colaborando para por fim à cisão
moderna existente entre a cultura e a tecnologia e à dicotomia entre o sagrado e o
profano. Para os tecno-pagões, o Ciberespaço está embutido numa aura mágica,
potencializador das dimensões lúdicas, eróticas, hedonistas e espirituais. Entrar
neste mundo imaterial é como um ritual, onde a transcendência da matéria e a
busca da espiritualidade são metas a serem atingidas.
A Cibercultura é fruto deste encontro entre a tecnologia de ponta e o
vitalismo social que toma corpo neste início de século. Mais do que as inovações
técnicas foi o surgimento destas novas formas de sociabilidade, fundadas nas
relações quotidianas e no lúdico, que deu origem a esta cultura do virtual. Assim, a
efervescência das comunidades eletrônicas deve-se muito mais à "pulsão de estar
junto", ao prazer da comunicação, do que ao desenvolvimento da tecnologia.
33
A questão do espaço em que as relações são vividas também passa a ser
fundamental nas discussões que envolvem as comunidades virtuais. O monitor do
computador passa a ser um tipo de território de ação. É aqui que as idéias se
materializam enquanto signos, que os valores éticos e estéticos passam a ser
compartilhados por todos os membros. Através do monitor desenvolvemos todo um
ritual de passagem para o espaço virtual. A sociabilidade torna-se presente no
monitor do computador. É neste pequeno espaço que a vida ganha corpo, que o
outro se faz presente. Ao mesmo tempo, dividimos um espaço que não é de
ninguém. Uma espécie de território simbólico compartilhado por todos os
utilizadores. O monitor possibilita desenvolver um ritual de passagem para este
território. Um ritual que se caracteriza pela repetitividade: o utilizador liga o
computador, conecta-se, acede ao sistema e passa a interagir com outras pessoas.
Esta idéia de repetição, ao contrário de promover um estado de monotonia,
colabora no sentido de reafirmar o sentimento que um dado grupo tem de si
mesmo.
3.1 SOCIABILIDADE
Tudo começou com os primeiros BBSs (Bulletin Board System) no final dos
anos 60. O BBS é uma mini-rede que oferece serviços, tais como consulta a bancos
de dados, transferências de arquivos e, claro, troca de mensagens via correio
eletrônico ou em "tempo real". Quando surgiram, não tinham outros objetivos
senão servir de bases de consulta e acesso a informações de domínio público.
Entretanto, foram logo incorporados na vida quotidiana e tornaram-se um meio
através do qual a sociabilidade se desenvolveu (O Minitel francês é exemplar neste
sentido. Foi criado nos anos 70 para servir aos franceses como um banco de dados e
hoje reúne canais de conversação, grupos temáticos, cybersex, etc).
O video-texto além de interagir em tempo real, o sistema possibilita trocar
mensagens com vários utilizadores ao mesmo tempo. No entanto, ao contrário dos
Chats e outros canais de conversação, onde o que se escreve é visto por todos os
outros participantes, no videotexto as mensagens seguem para cada utilizador em
particular. Esta possibilidade de se relacionar com várias pessoas ao mesmo tempo
(como numa festa, onde se circula de grupo em grupo) sem sair de casa traz
34
consigo uma ampliação das formas de relações sociais. É a possibilidade de uma
comunicação multi-direcional que permite que os indivíduos possam estar ligados
coletivamente.
O contexto onde ocorre esta sociabilização passa a ser uma interface de
computador onde os pseudônimos dos utilizadores que estão conectados num
determinado momento aparecem no monitor em forma de lista. Basta escolher um
número associado ao pseudônimo da pessoa com quem se quer conversar e a
conexão é estabelecida. A troca de informações, no entanto, só é possível se
houver uma afinidade ou interesse comum entre as pessoas que estão conectadas.
Caso alguém se sinta "invadido" no seu espaço, pode automaticamente não permitir
que esta pessoa aceda mais a sua interface. Para isto, basta não responder à
primeira ou a qualquer intervenção que seja do seu desagrado. Diante da falta de
resposta a qualquer pergunta, torna-se impossível aceder a sua interface. As
conversas com assuntos indesejáveis são facilmente descartadas.
Para que este espaço de sociabilidade ganhe vida é necessário que as
partes envolvidas no processo de comunicação se tornem "cúmplices". A priori, esta
"cumplicidade" manifesta-se na maneira com que os utilizadores se apresentam. Em
cada pseudônimo existe uma dica sobre o que está por trás daquele nome. Quando
optamos por conversar com alguém que atende por “cineasta” ou então, por
“bisex”, podemos deduzir, sem no entanto ter certeza, quais as motivações e os
interesses de cada um. Esta não é uma regra geral, mas aparece como um forte
indício da formação de microgrupos. Assim, redes de amizades são constituídas
entre os utilizadores que têm afinidades entre si e que freqüentam periodicamente
o espaço.
Nesta perspectiva a sociabilidade nas comunidades virtuais ganha novos
contornos. Segundo alguns sociólogos o conceito de sociabilidade tem como alvo
não as relações formais, mas as relações espontâneas que marcam nosso dia-a-dia,
que cruzam, reforçam, invertem as relações estabelecidas. Conforme Parsons
(1969, p.20):
Como o sistema social é constituído pela interação de indivíduos humanos,
cada membro é ator (que tem objetivos, idéias, atitudes, etc.) e objetivo
de orientação, tanto para si mesmo como para outros atores. Portanto, o
sistema de interação é um aspecto analítico que pode ser abstraído dos
processos totais de ação de seus participantes. Ao mesmo tempo, esses
“indivíduos” são também organismos, personalidades e participantes de
sistemas culturais.
35
É neste espaço de sociabilidade que diferentes pessoas impulsionadas por
interesses diversos se fundem numa mesma unidade onde estes interesses se
realizam. O que une estas pessoas é a busca de uma relação descomprometida,
efêmera e que preserve um caráter lúdico diante da variedade de temas e assuntos
abordados.
Poder-se-ia argumentar que as listas de discussão não formam uma
comunidade porque não há um sentimento de pertença no grupo e muito menos
uma identidade comum entre os seus membros. Esta visão, no entanto, está
ancorada na compreensão de comunidade como um lócus específico, dentro da
sociedade, onde as relações seriam autênticas e verdadeiras, em contraposição ao
domínio das relações abstratas e vazias da cidade cosmopolita. Esta noção de
comunidade (clássica) é oriunda da modernidade e tem algumas características
específicas como o sentimento de pertença, a permanência (em oposição à
efemeridade), a territorialidade, a crença nas relações genuínas e autênticas, o
ideal do projeto comum e a existência de uma forma própria de comunicação entre
seus membros (como as rádios e tvs comunitárias, o jornal de bairro, etc). Dada
esta caracterização, este tipo de comunidade tenderia a estabilizar-se e
institucionalizar-se, consolidando-se numa organização com uma hierarquia
definida, delegação de responsabilidades, papéis instituídos entre os membros e
uma representação política.
É necessário entender que o conceito de comunidade sofreu algumas
transformações na passagem da modernidade para a pós-modernidade. Por isso,
precisamos modificar as maneiras de se avaliar os reagrupamentos sociais. O
conceito de comunidade emocional de Max Weber (1989) pode explicar a formação
desses grupos que explodem na contemporaneidade. As características dessa
comunidade emocional são o aspecto efêmero, a "composição cambiante", a
ausência de uma organização, a inscrição local (entenda-se local aqui como um
espaço de proximidade, seja ele real ou virtual) e a estrutura quotidiana.
Se tomarmos como exemplo as diversas tribos urbanas que habitam uma
cidade - os punks, os surfistas ou os rappers - veremos que são micro-grupos que
não têm outro objetivo que não o de estar junto. São membros que se agregam de
acordo com suas afinidades, que não têm um projeto futuro a não ser o de se
encontrarem de novo. É claro que nessas formas de sociabilidade típicas da pós-
36
modernidade, o sentimento de pertença está presente, independentemente do fato
dessa comunidade se organizar esporadicamente, de forma instável e efêmera. O
mesmo comportamento pode ser atribuído a essas tribos eletrônicas que muitas
vezes saem do ciberespaço e se encontram In Real Life, nos bares, nos clubes ou
em festas. As pessoas, de fato, sentem-se integradas no grupo.
As práticas comunicativas ligadas às novas tecnologias de comunicação
deram uma nova dinâmica ao ressurgimento dos ideais comunitários. Hoje, as
comunidades virtuais têm um papel fundamental na integração da sociedade de
massa, resgatando uma sociabilidade perdida em função do pouco tempo disponível
para as pessoas freqüentarem os espaços de sociabilidade tradicionais. As pessoas
resgatam nestas comunidades virtuais sentimentos que se haviam perdido diante
desta complexidade social na qual estão absorvidas.
Pode-se dizer que estamos a presenciar o "desencaixe dos sistemas sociais".
Esta noção foi criada pelo sociólogo Anthony Giddens para se referir a um processo
social moderno. Por "desencaixe", Giddens (1991) refere-se ao "deslocamento das
relações sociais de contextos locais de interação e da sua reestruturação através de
extensões indefinidas de tempo-espaço" (GIDDENS, 1991, p.29). Elemento
fundamental da formação de uma comunidade, o sentimento de pertença,
"desencaixa-se" da localização e reforça a idéia de que as pessoas podem ter todo o
tipo de experiência comunitária, independentemente de estarem a viver próximas
umas das outras. O que não implica na substituição de um tipo de relação (de
proximidade), por outro (à distância), mas possibilita a co-existência de ambas as
formas, sendo o sentido de ligação comum às duas.
3.2 ENTRETENIMENTO
Nas comunidades virtuais, a territorialidade deixa de ser geográfica e passa
a ser simbólica. As relações sociais são mediadas pela tecnologia e o encontro físico
passa a ser irrelevante. O contato entre os utilizadores dá-se sem pretensões e de
forma lúdica. Surpreendentemente, muitas vezes essas redes de amizade saem do
Ciberespaço e são consolidadas na vida real. O sentimento de pertença reforça o
caráter cooperativo no interior da comunidade a partir de ações organizadas por
37
alguns membros. Além dos encontros em bares e festas, há sempre uma série de
atividades organizadas.
A questão das novas formas de sociabilidade, emergentes no final do século
passado, insere-se num contexto onde a pluralidade de situações possibilita a
multiplicidade do eu através das diversas máscaras sociais que o ser humano adota
no quotidiano. O caráter lúdico e a teatralidade das relações sociais transportam-se
para as redes de comunicação através da criação dos inúmeros personagens que
povoam o espaço virtual, encarnados nos pseudônimos.
A relação com o outro está fundada no êxtase, no sentido etimológico do
termo (ex-stase): sair de si. Esse êxtase é muito mais eficaz no que diz respeito às
tribos, reais ou virtuais. Cada um desses grupos é para si mesmo seu próprio
absoluto. Tal coisa supõe que exista uma multiplicidade de estilos de vida, um
multiculturalismo. O certo é que a saturação de uma atitude projetiva, de uma
institucionalidade voltada para o futuro, dá lugar a um incremento nas relações
pontuais, que passam a ser vividas mais intensamente no presente, nas interfaces
quotidianas.
As máscaras assumem, então, um papel central nestas relações pontuais. As
interações nas redes comunicacionais não se dão diretamente entre indivíduos, mas
entre imagens. Evidentemente, na vida real, também projetamos imagens, mas
elas estão acopladas no nosso corpo físico, responsável por projetá-las. Nas redes,
trata-se de imagens desencarnadas, que só existem enquanto "puras projeções" no
Ciberespaço.
Os utilizadores podem optar por projetar imagens mais próximas ou mais
distantes da sua personalidade na "vida real". Alguns chegam mesmo a se
identificar. Dizem o seu nome, falam sobre o seu trabalho, sobre os seus
interesses, hobbys, etc. - talvez, haja aqui uma crença segundo a qual a
compartilha de informações pessoais estabeleça um clima de confiança entre as
pessoas, a possibilidade de uma "troca verdadeira". Outros preferem se esconder
atrás dos seus pseudônimos, encarnando uma personagem que se pode diferenciar
muito da pessoa que o projeta e que pode adquirir novas máscaras em cada sessão.
A multiplicidade do eu nas diversas personas, dá a possibilidade ao utilizador de
realizar fantasias e concretizar o desejo de assumir uma personalidade diferente da
sua.
38
A questão da permanência é uma das características mais fugazes nas
comunidades virtuais. Ela é marcada pelo caráter efêmero e não permanente na
inscrição dos seus membros nessa comunidade. Além disso, permanecer não
significa, necessariamente, que alguém vai conquistar o status de popularidade na
comunidade. Em qualquer altura é possível mudar o nome. Isto permite uma
múltipla inserção de uma mesma pessoa.
Um outro aspecto interessante das comunidades virtuais trata-se da
apropriação quotidiana da técnica e a apropriação técnica do quotidiano. A
oposição moderna entre a cultura e a técnica não se sustenta mais. Esta dicotomia
levou a uma cisão polarizada da técnica, vista, por um lado, como a esperança
utópica na realização da vida social, no progresso e na história e, de outro lado,
como o inimigo público número um, como a encarnação mais fiel do racionalismo
instrumental e desumanizante.
Um outro ponto a ser destacado na análise das comunidades virtuais é a
inversão do processo de formação do laço de afinidade social. Nas relações sociais
tradicionais, quando conhecemos uma pessoa pela primeira vez, o encontro dá-se
fisicamente, no "mundo real". A partir deste contato inicial e à medida que vamos
aprofundando este conhecimento, trocamos informações, identificamos pontos em
comum, enfim, criamos laços de afinidade. Nas comunidades virtuais, o processo é
inverso. Interagimos inicialmente a partir de interesses comuns, previamente
determinados e, só então, quando possível, encontramos fisicamente as pessoas.
Isto é evidente nas listas de discussão da Internet, quando essas pessoas se reúnem
para discutir vinhos, filosofia ou pornografia na rede, sem nunca se terem visto.
Indo além das comunidades virtuais formadas pelos newsgroups do
Ciberespaço e listas de discussão, podemos observar que os canais de conversação
constituem o lugar onde se fazem amizades. Qual a finalidade, se não a não ser a
de possibilitar que as pessoas se encontrem, conversem despreocupadamente sobre
qualquer coisa, se conheçam e se tornem amigas? Às vezes as conversas são vazias
ou superficiais, não resultando em nada mais do que uma simples troca de opiniões
sobre banalidades. Entretanto, em alguns casos, laços de afinidade vão-se
formando entre pessoas que se encontram periodicamente, culminando em
relações mais sólidas. Quando essas pessoas se encontram In Real Life, já existe um
repertório comum que foi construído antes delas se conhecerem fisicamente.
39
Assim, os namoros que têm origem através das redes de computadores parecem
atualizar as histórias românticas dos relacionamentos que nasceram a partir da
troca de cartas entre pessoas que nunca se tinham visto.
O surgimento destas comunidades é parte deste processo de apropriação
quotidiana da técnica que ganha dimensões mundiais com o desenvolvimento da
tecnologia e o crescimento vertiginoso das redes telemáticas. O advento desses
novos meios está a redimensionar a esfera do social a partir da instauração de
âmbitos de interação nunca antes possíveis. As tribos eletrônicas, que se formam
no coração do ciberespaço, são expoentes desta era tecnológica que está a
promover o casamento entre a informática e as novas formas de sociabilidade pós-
modernas. A Cibercultura é um fenômeno em expansão e como tal sem contornos
ainda definidos.
3.3 CIBER-REBELDES
Todas as tecnologias criam novos rebeldes. Os "luddites" ingleses, que no
começo da revolução industrial do século XVIII destruíram as máquinas com medo
de serem substituídos por elas, foram os primeiros "tecno-rebeldes". Desde então
muita coisa mudou. O cinema popularizou os "rebeldes sem causa" da geração
"baby-boom". Hoje, novos rebeldes utilizam as tecnologias micro-eletrônicas. Se a
revolução industrial viu a emergência dos luddites, a Cibercultura vai ver a dos
rebeldes do "fronte" cibernético: os "ciber-rebeldes". As figuras mais importantes
são os "phreakers", os "hackers", os "crackers", os "cypherpunks", os "ravers" e os
"zippies". São esses os novos cowboys da fronteira eletrônica (LEMOS, 2001).
3.4 OS PHREAKERS
Os phreakers são conhecidos como os piratas do telefone. A palavra
"phreak" é um neologismo entre "freak, phone, free". A ação dos phreakers começa
nos anos 60, a partir da apropriação do sistema de telecomunicação mundial tendo
como objetivo viajar gratuitamente pelas redes. Eles organizavam as famosas
"party lines", festas em linha com várias pessoas dos locais mais diversos. Jon
40
Engressia é considerado o pai dos phreakers. Cego de nascença, ele queria
encontrar outros cegos pelas linhas mundiais de telefone. Um outro phreaker, John
Draper, descobriu por acaso numa caixa de cereais, um apito que produzia a
freqüência de 2600 hz, tonalidade essa que permitia realizar chamadas
internacionais gratuitas. A partir disso Draper ficou conhecido como Captain Crunch
(o nome do cereal). A descoberta de Draper incitou outros phreakers a produzirem
equipamentos clandestinos (as "blue boxes") que reproduziam os 2600 ciclos e assim
permitiam a viagem gratuita pelas redes de telefone mundiais.
Hoje o "phreaking" é atualizado com a pirataria de telefones celulares,
esses, pelo tipo de funcionamento, mais próximos de um computador que de um
telefone. A fronteira entre os phreakers e os hackers desaparece (LEMOS, 2001).
3.5 OS HACKERS
Se os telefones criaram os phreakers, os computadores vão criar os hackers.
O arquétipo do hacker é um jovem, singelo, tímido e ingênuo que penetra em
sistemas de informação, sem mexer nos dados alheios. Isso dá-nos a imagem do
romantismo dos primeiros hackers. Os hackers formam a elite da informática. Num
primeiro momento, eles pretendem liberar as informações e os computadores do
poder militar, industrial e universitário e vão ser os verdadeiros responsáveis pelo
nascimento da micro-informática, nos anos 70, na Califórnia. A micro-informática
foi, por si só, uma espécie de rebelião contra o peso da primeira informática
(grandes computadores ligados á balística militar). Os hackers atualizam, com as
redes de computadores, a ação dos phreakers, a saber, viagens por novos
territórios simbólicos, o Ciberespaço. Para eles todas as informações devem ser
livres, as redes devem ser livres e democráticas e os computadores acessíveis a
todos e utilizados como uma ferramenta de sobrevivência na sociedade pós-
industrial. Os primeiros hackers visavam demonstrar a falibilidade das redes, daí
vem a invasão aos sistemas de computadores. A mensagem é simples: "se te dizem
que tudo é seguro, que não há possibilidades de falhas, desconfiem, pois é
provavelmente um engodo". Os hackers alemães do Chaos Computer Club de
Hamburgo por exemplo, penetraram no sistema da caixa econômica local,
retiraram em poucas horas milhares de marcos e, no dia seguinte, foram à agência
41
devolver e mostrar as falhas do sistema. Por isso os hackers tornaram-se conhecidos
como os "Robin Wood" da Cibercultura. O que importa aqui é vermos que, pela
tecnologia, os hackers denunciam a própria racionalidade tecnológica e o poder
constituído por grandes empresas e instituições governamentais. Entretanto, nem
tudo são boas intenções (mostrar as falhas, democratizar a informação): surgem os
crackers (LEMOS, 2001).
3.6 OS CRACKERS
Os crackers são os verdadeiros "cyberpunks", ou punks da cibernética. Eles
são a versão obscura dos hackers. Aqui a atitude punk penetra no reino asséptico
da tecnologia. Os crackers pirateiam programas, penetram em sistemas com o
intuito de destruir tudo (dai o nome "cracker"), introduzem poderosos e destrutivos
vírus de computador. A idéia é acabar com a sociedade asséptica da informática e
destruir ao máximo os grandes sistemas de computadores. Nesse sentido, os
crackers são o pesadelo da modernidade tecnológica. O fenômeno é planetário.
Com hackers e crackers as redes parecem vulneráveis. Pela proteção individual no
Ciberespaço, aparecem assim os punks da criptografia ou cypherpunks (LEMOS,
2001).
3.7 OS CYPHERPUNKS
Os cypherpunks (de cyberpunks e criptografia - "cypher") são tecno-
anarquistas que lutam pela manutenção da privacidade no Ciberespaço através da
difusão de programas de criptografia de massa (proibidos, entretanto, em vários
países). Eles procuram garantir a liberdade individual e a proteção da privacidade
dentro das redes de computadores. Assim, esses ciber-rebeldes se organizam
contra todas as tentativas governamentais ou empresariais de retraçar as nossas
vidas a partir das pistas que deixamos quando utilizamos qualquer sistema
eletrônico, como cartões de crédito, banco eletrônico ou redes de computadores.
O programa PGP ("pretty good privacy") criado por P. Zimmermann, os "remailers" e
outros sistemas anônimos, são as armas fundamentais dos cypherpunks. Toda a
42
mística da cabala e do pensamento hermético encontra ressonância com a
criptografia de dados eletrônicos. Dentro desse mesmo espírito esotérico
organizam-se os tecno-pagãos: os ravers e os zippies (LEMOS, 2001).
3.8 OS RAVERS E ZIPPIES
Herdeiros diretos da contracultura dos anos 70, os ravers e zippies utilizam
o que os seus primos hippies deixaram de lado como o inimigo: a tecnologia. Para
esses neo-hippies dos anos 90, a tecnologia é, e deve ser, um parceiro para atingir
os valores da era de Aquário. Assim os computadores e as redes, como o
Ciberespaço por exemplo, são vetores de fortalecimento comunitário (as
comunidades virtuais), de uma gnose ou pensamento mágico (a manipulação
mística de dados), de uma estética (imagens de síntese, realidade virtual,
hologramas), da festa e do prazer corporal (a dança, o sexo, as drogas, a música).
Os ravers (do inglês "to rave"), simbolizam talvez a mais bela síntese da
Cibercultura: através da música "tecno" misturada ao hedonismo do corpo e do
espírito pela dança, o primitivo e o tecnológico interagem de forma simbiótica.
Eles reúnem-se em mega-festas (as raves) com o intuito de dançar horas a fio.
Assim, música tribal (repetitiva, percussiva), drogas do amor (o ecstasy) e todo um
aparato de telefones celulares e de redes de computadores para escapar do
controle policial (as raves são proibidas em vários países da Europa) mostra-nos
como as novas tecnologias se aproximam, pelo uso, a arquétipos ancestrais dos
ritos. O movimento rave é assim ao mesmo tempo cultural, social e político. O
fenômeno dos zippies é tipicamente inglês (início de 1987) mas tem vindo a criar
aderentes em várias partes do mundo. Eles misturam o sentimento comunitário dos
hippies com as novas possibilidades das tecnologias do Ciberespaço. O movimento
foi criado por Frase Clark com o intuito de utilizar o potencial das novas
tecnologias para reforçar os laços comunitários. Zippie significa "Zen Inspired Pagan
Professionals" e são herdeiros dos "travellers" (hippies nômades) e da cena "house"
que cria, por sua vez, o movimento "tecno" ou "ciber". Os tecnopagãos, como os
ravers e zippies, são uma mistura de vários movimentos como a cena "squatt"
inglesa, os fanzines, os covers designs, os hackers, o Ciberespaço, a música
eletrônica (LEMOS, 2001).
43
3.9 CYBER-REBELDES?
Esses rebeldes da Cibercultura mostram-nos como a "rua", na sua dimensão
quotidiana, encontra formas de descarregar todo o seu vitalismo (para o melhor ou
o pior) a partir da utilização das tecnologias micro-eletrônicas. A tecnologia que
sempre foi vista como um fator de separação, de homogeneização e de
racionalização vê-se investida pelas forças (simbólicas, imaginárias, sócio-culturais)
inibidas durante dois séculos de modernidade industrial. A mensagem é simples: se
um retorno a uma época pré-tecnológica é impossível, o melhor a fazer é tomar as
tecnologias nas mãos. No entanto, se o futuro não existe mais e se as ideologias se
esgotaram, se não existe mais uma rebelião possível, mas rebeliões efêmeras,
estéticas e lúdicas, presas no "aqui e agora". Assim, os cyber-rebeldes não podem
procurar a revolução, mas revoluções pontuais. A esquiva, o descaso e a
maleabilidade são aqui mais importantes que um ataque frontal. Como disse muito
bem um zippie inglês: "ao invés de lutar contra o sistema, nós estamos a ignorá-lo.
E essa é a última revolução". Afinal se não existem mais ideologias, certezas ou
esperanças, contra quem, e com que objetivo, poderia haver uma revolução?
(LEMOS, 2002)
O capítulo seguinte trata de um novo tipo de organização sociotécnica que
facilita a mobilidade informacional, do conhecimento, as trocas de saberes, a
construção coletiva do sentido, em que a identidade sofre uma expansão do eu
baseada na diluição da corporeidade, ou seja, o que se perde em corpo ganha-se
em rapidez e capacidade de disseminar o eu no espaço-tempo. Assiste-se, assim, a
uma aceleração do metabolismo social. Geram-se as chamadas comunidades
virtuais.
44
4 COMUNIDADE E IDENTIDADE NO CIBERESPAÇO
O Ciberespaço é claramente o principal entre as novas tecnologias de
informação a prometer impactar significativamente as circunstâncias quotidianas
de todas as relações sociais. O Ciberespaço é um exemplo real de uma rede de
computadores ampla e extensa, que permite a cada indivíduo ter igual voz ou, pelo
menos, a mesma chance de falar. Descobrindo-a, um número crescente de pessoas
se encanta com sua capacidade tecnológica de divulgar legitimamente suas
próprias expressões individuais, tanto quanto pela liberdade que ela fornece em
relação às tradicionais barreiras de tempo e espaço. Questão central a seu respeito
é se, como se costuma afirmar, esse poder e a capacidade de entrar cada vez mais
facilmente em contato com um número sempre crescente de pessoas com afinidade
de pensamento fortalecem o sentimento de comunidade.
Obviamente, comunicação e comunidade são expressões que possuem uma
linhagem comum. Comunicação vem do latim communis (comum) ou communicare
(estabelecer uma comunidade ou uma 'comunalidade'). Apesar de a comunicação
servir de base ao conceito de comunidade, todavia não deve ser equiparada a ele.
Um indivíduo pode se comunicar com outro sem considerá-lo um membro de sua
própria comunidade. Com isso até que ponto pode-se dizer que o Ciberespaço
facilita a formação de "comunidades"?
O Ciberespaço, para nossos propósitos, é o que fornece uma infra-estrutura
tecnológica para comunicações mediadas por computadores (CMC) através do
tempo e espaço. Através dele, porém, surge uma forma de co-presença virtual,
resultante das interações eletrônicas entre os indivíduos, que não se restringe aos
tradicionais limites de tempo e espaço: esta é a base do que é geralmente referido
como "comunidade virtual".
Howard Rheingold (1996) define estas comunidades virtuais como as
agregações sociais, que emergem da rede quando pessoas em número o suficiente
levam discussões públicas longe o suficiente, com suficiente sentimento humano,
para formar redes de relacionamentos pessoais no Ciberespaço. É esta visão sobre o
Ciberespaço que propomos interrogar neste capítulo. Qualquer sentimento de
comunidade encontrado no Ciberespaço, defendemos, precisa ser necessariamente
virtual, mas pode não ser suficientemente comunitário. Rheingold (1996) atribui
45
sentido social aos encontros ciberespaciais e nos mostra como uma dialética
individual flui sem problemas a partir do coletivo. Questionamos o grau em que a
idéia tradicional de comunidade está de fato presente nas "comunidades virtuais".
Quanto mais pessoas forem atraídas para os novos meios de comunicação,
mudanças concomitantes no conceito de comunidade e identidade vão emergir
inevitavelmente.
A natureza "virtual" das comunidades virtuais deveria nos prevenir em
relação a fazer qualquer caracterização simples de suas existências. Os
observadores dessa forma de comunicação costumam associar o termo com os
próprios titulares de atos comunicativos. Destarte, freqüentemente ouve-se falar
de uma forma particular de comunidades e associada aos MUDs (multi-user
dungeons) ou mesmo as listas de discussão. Outros, porém, escolheram uma
abordagem diferente. Kumiko Aoki (1994), por exemplo, dividiu o estudo de
comunidades virtuais em três agrupamentos: 1) aqueles que coincidem totalmente
com as comunidades físicas; 2) aqueles que coincidem com comunidades reais em
algum grau; e 3) aqueles que são totalmente separadas das comunidades físicas
(AOKI, 1994). Cada uma destas abordagens tem seus méritos. Para nossos
propósitos, entretanto, as comunidades virtuais não são necessariamente produtos
de um meio particular de estruturar a comunicação, nem mesmo aquelas
explicitamente organizadas em relação com um espaço físico. Pelo contrário,
enquanto "corpos" ou "ocupantes" do espaço conceitual as "comunidades virtuais"
devem ser reconhecidas como construtos ideais.
Imagined Communities, de Benedict Anderson, é, nesse sentido,
elucidativo: todas as comunidades maiores do que as aldeias primitivas, de contato
face-a-face (e talvez até estas), são imaginadas. Comunidades devem ser
distinguidas, não por sua falsidade ou genuinidade, mas pela forma em que são
imaginadas (ANDERSON, 1983). O contexto das comunicações por computador
necessariamente enfatiza o ato de imaginação que é necessário para criar a
imagem de comunhão com outros que, geralmente, não têm rosto, são
momentâneos, ou anônimos. Questionar-se sobre os aspectos sócio-psicológicos
dessa espécie de comunicação é de fundamental importância. As questões a seu
respeito nos permitem colocar as referidas "agregações sociais" de Rheingold
46
(1996) em perspectiva e perguntar em que grau estas podem ser vistas como
expressões públicas ou privadas.
"Comunidade é termo amplamente utilizado para se referir a um tipo ideal
de relações sociais conhecido como Gemeinschaft e cujo embrião se acha nas
relações individuais de parentesco". (TÖNNIES, 1947, p.37). Definido sucintamente,
o termo engloba um conjunto de relações voluntárias, sociais e recíprocas, que
estão unidas por um imutável "sentimento de ser um nós". Gemeinschaft contrasta
tipicamente com a Gesellschaft, ou associção impessoal. A Gesellschaft é
geralmente referida em relação ao sentimento utilitarista que caracteriza a vida
moderna, industrial e urbana. A comunidade, ao invés, pressupõe a solidariedade
entre todos aqueles que a integram: é uma entidade que é vista como resultado do
compromisso, envolvimento, responsabilidade e respeito mútuos entre a sociedade
e seus membros.
Entrementes, a comunidade é construída por um fluxo de informação
suficiente e significativo de "nós". Este "nós", ou a identidade coletiva dele
resultante, estrutura-se em volta de "eus" que se vêem como semelhantes. Neste
sentido, a comunidade, como qualquer forma de comunicação, não é inteiramente
compreendida sem a idéia de "eu". Essencialmente, isso implica que o que é
necessário para a formação do indivíduo é uma organização de atitudes comum
própria a um grupo. Um indivíduo é uma personalidade porque ele pertence a uma
comunidade. Reflete-se nesta perspectiva a tradição agostiniana de interioridade,
segundo a qual "a identidade mais profunda de uma pessoa é aquela que une a
pessoa a seus companheiros humanos: há algo comum em todos os homens, e ter
contato com este elemento comum é ter contato com o seu verdadeiro eu" (RORTY,
1991, p.196).
Obviamente, assim como a autodefinição individual motiva nossas relações
com os outros, ela também estrutura nossas comunidades: a maneira como se
organiza o eu fundamenta cada esforço comunicativo. Então, torna-se muito
pertinente a questão em saber como a comunicação por computador afeta a
organização do indivíduo. As comunidades virtuais podem ser vistas de maneira
mais adequada como formas que se estruturam em volta da identidade pessoal ou
da identidade da comunidade? Gostaríamos de crer que a segunda alternativa é a
correta: que na criação da solidariedade, que atribuímos a Gemeinschaft, nós nos
47
tornamos mais sensíveis para com a situação alheia. A procura de comunidade
torna mais difícil marginalizar as pessoas diferentes de nós.
Em contrapartida, a comunicação por computador pode libertar os
indivíduos do jugo das coações tradicionais devido ao acesso à informação; projetos
individuais e campos específicos de interesse podem ser objetivos de maneira mais
fácil através de focalizações cada vez mais estreitas. Neste contexto, busca-se o
eu, mas não, como se pensa, na completa ignorância a respeito do outro. Apenas o
outro é relegado à condição de substrato do eu, do si-mesmo. Então, o sujeito
empenhado entra em conversação apenas com a finalidade de firmar a si mesmo de
forma verdadeira. A pessoa se relaciona consigo mesma, mesmo quando parece
estar se relacionando com os outros.
Parece-nos que este é um perigo particular da comunicação via
computadores. O solipsismo, a preocupação extremada e tolerante de um indivíduo
com as suas próprias inclinações, é potencialmente engendrado nessa tecnologia.
Ocorre uma reificação do espaço privado, quando a visão a respeito do mundo
própria de uma pessoa age como uma redoma protetora contra a violenta ação do
admirável mundo novo da informação. Trata-se de uma noção na qual o outro ainda
existe. A importância de nossas relações com outros para a afirmação de nossa
auto-identidade jamais cessa, porque a autoconsciência pressupõe o
reconhecimento de si próprio na pessoa do outro. Contudo, quando o privado se
torna mais abrangente e a imagem de mundo própria de uma pessoa se torna mais
fortalecida, pode-se perder a visão do outro.
Além disso, a interface homem/computador mesma obscurece o palco em
que os indivíduos contracenam: "O 'conteúdo' de um meio de comunicação pode ser
comparado ao pedaço de carne suculento que o ladrão leva para distrair, no caso, o
cão de guarda da mente" (McLUHAN, 1969, p.32). A conectividade que as
comunidades virtuais formadas via computador nos confere esconde do observador
o real caráter da tecnologia - seus usuários existem como indivíduos que projetam
seus eus através da rede de computadores, mas isolados pela mediação do tubo de
raios catódicos e do teclado. Disso não se deveria extrair conclusões tais como a de
que as comunidades virtuais são abrigos de condutas anti-sociais. Nem inferir que
as comunidades virtuais atraem pessoas alienadas, ou fomentam um estado geral
48
de anonimato. A última situação se aplicaria às condições em que a maior parte das
pessoas não mais crê que está chegando a lugar algum em relação ao que deseja.
O fato de os indivíduos estarem procurando comunicar sua visão de eu
publicamente é prova em contrário. O eu não é tudo o que existe. A auto-absorção
egoísta, conforme a comunicação via computador pode encorajar, incorpora uma
situação em que o outro não é realmente outro, mas, na verdade, apenas um
momento no meu próprio processo de vir-a-ser.
Nesta situação, o sujeito mediado pelas redes, embora consciente, carece
da devida autoconsciência. Assim, as comunicações via computador revelam um
potencial capaz de reificar a identidade pessoal e a da comunidade, e fazer a
distinção entre as duas pode até ser redundante. Em um trabalho pioneiro no
campo da teoria psicanalítica da comunicação, observou-se que a comunicação
sempre envolve uma dialética entre tendências centrífugas e centrípetas
inconscientes relativamente à auto-expressão. As comunicações em foco ampliam
esta capacidade de forma a, simultaneamente, expressar o "eu" e o "outro", o
indivíduo e a comunidade.
Enfocando o assunto de outro ponto de vista, pode-se dizer que esta
dialética envolve uma oscilação contínua entre abertura relativa e fechamento -
uma forma flexível de ajustar a entrada de informação ou mudança de entropia. As
formas positivas de abertura incorporam os dogmas da solidariedade conforme os
entendem o liberalismo: os indivíduos expressivos e bem informados se beneficiam
mutuamente do cruzamento de seus conhecimentos. Assim como existem más
formas de abertura - quando procede-se à comunicação de forma indiscriminada e
sem direção - também existem, porém, as boas formas de fechamento. Tratam-se
das formas que envolvem a habilidade dos "cidadãos virtuais" em exercer um auto-
controle, em lograrem ser discriminadores e seletivos frente a tanta informação.
Por outro lado, também ainda a possibilidade do mau fechamento, quando o
indivíduo se torna insulado, intolerante e isolado.
Baudrillard tem uma visão única a respeito desta forma de mente fechada,
quando afirma que, assim, "todo indivíduo se vê promovido ao controle de uma
máquina hipotética, isolado em uma posição de perfeita soberania" (BAUDRILLARD,
1990, p.15). As comunicações por computador oferecem, de fato, uma forma deste
êxtase de comunicação. A capacidade recém descoberta de se comunicar com um
49
grande número de pessoas com afinidade de pensamento, apesar das barreiras de
tempo e espaço, encobre aí uma "encefalização eletrônica" de nós mesmo às custas
dos outros (BAUDRILLARD, 1990, p.17).
Tentamos até agora iluminar um pouco do conflito entre os conceitos de
comunidade e individualidade e dissuadir o leitor de fazer quaisquer suposições
fáceis sobre qual dos dois necessariamente se coaduna com a apresentação pública
dos nossos eus privados. Sendo possível tirar alguma conclusão, provavelmente
seria a de que é artificial o "sentimento de sermos um nós" resultante das
comunicações via computador e sob condições de não-presença. Em geral, é muito
fácil a pessoa, neste caso, ignorar as diferenças e atribuir sua própria imagem ao
outro, ao invés de definir sua imagem com referência a esse outro. Quando a
imagem do eu comunitário de uma pessoa é, todavia, distorcida, qualquer
esperança de relação verdadeira no estilo Gemeinschaft está de fato perdida.
Partindo desse ponto, examinaremos em maior profundidade as
ramificações sociais dessa forma de comunicação, deixando em segundo plano seus
efeitos psicológicos individuais, que tiveram maior ênfase até agora. Deixaremos de
lado a ênfase na privatização do público sob um viés psicológico, visando comentá-
la como um fenômeno social. Como disse Baudrillard, "o corpo como um cenário, a
paisagem como um cenário e o tempo como um cenário estão lentamente
desaparecendo. Isso também vale para o espaço público" (BAUDRILLARD 1990,
p.19).
Acontece o que com o espaço público, quando esse é confrontado com um
espaço de conexão enorme e efêmero? Para responder, recorremos agora à noção
de esfera pública de Habermas:
Por esfera pública entendemos sobretudo um terreno de nossa vida social
onde algo semelhante a uma opinião pública pode ser formado. O acesso é
garantido a todos os cidadãos e partes dessa esfera se criam em cada
conversa onde indivíduos privados se reúnem para formar um corpo
público. (HABERMAS, 1989, p.136)
Habermas projeta sua definição de opinião pública no plano da discussão
informada e do argumento racional. Ao fazer isso, presume que os membros da
esfera pública estão aptos a pensar racionalmente por eles mesmos, a organizar
suas próprias relações e a desenvolver opiniões críticas independentes. Destarte,
porém, a esfera pública é empobrecida sempre que há remoção do discurso
público. A elevação do privado é algo que ocorre às custas do público e da
50
capacidade de se chegar a uma opinião pública. A conseqüência é uma redução das
possibilidades de se criar relações no estilo Gemeinschaft, se as reconhecermos
como originárias dos discursos que trocam os membros auto-conscientes de uma
comunidade.
A garantia de acesso para todos é um importante aspecto da esfera pública.
Pensando no público como uma forma de vida compartilhada comunitariamente,
chega-se á conclusão de que o ideal desta divisão só pode ser obtido através da
ação comunicativa - a capacidade dos indivíduos se envolverem em discursos
públicos substantivos. Nesse caso, a esfera pública pode ser vista como uma
espécie de face ideal da comunidade, impossível de ser obtida se indivíduos forem
excluídos do discurso público.
Tentando averiguar a relevância das comunicações via computador, Garth
Graham (1995) afirmou que, nela, o acesso universal inclui a liberdade de se
comunicar. A interatividade tem a ver aí com as conexões humanas, tem a ver com
conversação, serve para comunidades e indivíduos, não para audiências
massificadas.
Tal visão de Graham é útil, porque sua noção de comunidade transcende a
daquela formada pelo simples acesso aos meios de comunicar. Também inclui a
afirmação da opinião pública, a eliminação dos privilégios, e a discussão e a ação
das normas e costumes existentes. Sua visão de comunidade eletrônica é, ao
mesmo tempo, igualitária e descentralizada. Para ele, não se deve deixar o
primeiro elemento obscurecer o segundo, porque uma vez obtido algo que se
assemelhe ao acesso universal, estaremos enganados pensando que obtivemos
também a formação de uma opinião pública, ou do Geist da Gemeinschaft.
O espírito de comunidade é algo essencial à vitalidade das comunidades
virtuais. Aquilo que mantém intacta uma comunidade virtual é o critério subjetivo
do "estar-junto", um sentimento de conectividade que confere um sentimento de
pertencimento aos indivíduos. As comunidades virtuais são, pois, algo que requer
muito mais que o mero ato de se conectar. Parece que a chave para a formação de
uma comunidade virtual é a interação humana que os computadores e o espaço
para eles designado pelo grupo fomentam.
51
A qualidade desta interação, contudo, deve ser questionada, especialmente
à luz dos argumentos anteriores sobre a invasão do privado sobre o público
facilitado pela transformação do espaço social induzida pelas comunicações via
computadores.
O próximo capítulo demonstra que atualmente vivemos num mundo
globalmente interligado, no qual os fenômenos biológicos, psicológicos, sociais e
ambientais são todos interdependentes. E, para descrever esse mundo
apropriadamente, necessitamos de uma perspectiva ecológica que a visão de
mundo cartesiana não nos oferece. Precisamos, pois, de um novo paradigma – uma
nova visão da realidade, uma mudança fundamental em nossos pensamentos,
percepções e valores.
52
5 VISÃO ECOLÓGICA DAS COMUNIDADES VIRTUAIS
Quando pensamos na era digital, provavelmente, só lembramos de bits e
bytes, de redes de computadores, de fibras óticas, de agilidade, rapidez, comércio
eletrônico. As comunidades virtuais, bem como outras comunidades possuem um
raio de atuação além de sua aparente fronteira. As relações dos indivíduos que
atuam em qualquer comunidade formam redes de relacionamentos, de ações que
interferem seu meio, elas não estão isoladas do seu contexto, da cultura. Nas
comunidades existem constantes circulações de informações, representações
mentais das pessoas e dos objetos (CAPRA, 1996) que formam a teia de toda a vida.
Existe integração entre as partes físicas, lógicas, orgânicas e espirituais de uma
comunidade.
[...] a palavra “virtual” já não vaga livre no idioma. Foi aprisionada pelas
máquinas. Hoje “virtual” significa viver nesse lugar – que não é tão aqui
assim – do computador e do software. A palavra conserva um que de
ausência, daquilo que não é real. Mas, de alguma forma, essa negação
virou uma coisa boa. Ter vida efêmera e vagar nesse lugar indefinível que
agora conhecemos por Ciberespaço é considerado excelente. Os
semideuses vivem ali (ULLMAN, 2001, p.120)
Nas comunidades, sejam presenciais ou virtuais, podem ocorrer processos
constantes de linguagem e comunicação. Para esta análise, Capra (1996),
diferencia a linguagem da comunicação, considerando a comunicação o processo de
interações mútuas recorrentes. A comunicação é a resposta a partir de um
estímulo. A linguagem como sendo uma conseqüência de um processo de
comunicação, vai além da relação estímulo-resposta. A linguagem exige dos
agentes variações no processo de comunicação. Podemos utilizar a comunicação
para a troca rotineira de informações. A linguagem permite a prolongação do
processo de comunicação, ela se estende além das interferências ocorridas, visto
que as representações abstratas e simbólicas estão, relativamente, padronizadas,
garantindo a comunicação a longo prazo.
Comunicações bem sucedidas a partir de uma ampliação do uso da
linguagem, podem permitir a criação e manutenção de comunidades cooperativas,
representadas – por exemplo - através das listas de discussões. Mas o que fazer, o
que considerar para que possamos ter comunidades sustentáveis? Como transformar
as comunidades virtuais em comunidades virtuais ecológicas? Quais são os princípios
que norteiam a sustentabilidade das comunidades virtuais? Será que podemos
53
aproximar os princípios das comunidades sustentáveis, ecossistêmicas, às
comunidades virtuais?
Capra (1996), define como comunidades sustentáveis todas aquelas que
garantem a satisfação das nossas aspirações e necessidades sem diminuir as
chances das gerações futuras. As comunidades virtuais podem ser ecossistêmicas,
ser sustentáveis? Este autor define seis princípios básicos para as comunidades
ecossistêmicas, que são: interdependência, natureza cíclica, cooperação, parceria,
flexibilidade e diversidade. Como estes princípios podem ser validados nas
comunidades virtuais?
5.1 PRINCÍPIOS ECOSSISTÊMICOS NAS COMUNIDADES VIRTUAIS
Considerando que toda comunidade é composta por indivíduos com os
mesmos objetivos, podemos relacionar os princípios das comunidades
ecossistêmicas da seguinte forma:
Interdependência
Todos os membros de uma comunidade ecológica estão interligados numa
vasta e intricada rede de relações, a teia da vida (Capra, 1996). A formação de
uma comunidade pressupõe a necessidade de composição entre os membros
envolvidos; a partir de suas colaborações é que se formam as relações, as teias
entre seus membros. As atividades coletivas estimulam o sucesso de todos, não
existem grandes impactos de ações isoladas, sem interações. Um membro não está
sozinho nas suas ações, ele está relacionado com seu meio, seu contexto e,
conseqüentemente, possui uma relação de interdependência com todos os
componentes da comunidade.
Nas comunidades virtuais, esta relação de interdependência também
existe. As trocas, o aprendizado e as experiências vividas pelos seus membros
dependem das ações de todos, e quanto maior for a participação de todos, maior é
a integração e a interdependência entre as partes.
As comunidades virtuais, também, são sistemas operacionalmente
fechados, contudo, possuem entrada de informações, emoções e dados que
54
norteiam seu funcionamento. As ações de seus membros são os elementos básicos
para por em prática e em funcionamento os objetivos para as quais estas
comunidades foram criadas. Os efeitos produzidos pelas relações entre os
membros, raramente, são lineares, não afetam apenas a um único membro, elas
atingem toda a teia da comunidade. O sucesso da comunidade depende do sucesso
de cada um de seus membros, enquanto que o sucesso de cada membro depende
do sucesso da comunidade como um todo (Capra, 1996).
Natureza Cíclica
Para dar sustentabilidade às comunidades, estas precisam ser encaradas
como cíclicas. Elas não agridem as cadeias posteriores, ela está sempre se
retroalimentando, reinventando a si mesma, se aproximando das novas tendências
que garantam a sua continuidade e de outras comunidades.
As comunidades virtuais podem ser caracterizadas com sua natureza
cíclica, com seus processos além das infovias. As comunidades virtuais não se
limitam aos bits e bytes, elas são mais uma forma de promover a integração,
colaboração e cooperação entre os seres humanos seja em qual for o lugar e o
momento. Sendo assim, as comunidades virtuais estão integradas aos meios,
possuem responsabilidades sociais, ecológicas, históricas e econômicas. Elas
participam das ações das sociedades presenciais, elas são comunidades reais que se
estendem nos ambientes virtuais, elas são interdependentes com os demais
componentes da sociedade. As comunidades virtuais podem ajudar na garantia da
manutenção dos insumos da natureza.
Cooperação e parceria
Num ecossistema, os intercâmbios cíclicos de energia e de recursos são
sustentados por uma cooperação generalizada (Capra, 1996). A participação em
parceria dos membros de uma comunidade promove um maior envolvimento e
comprometimento de todos. A ajuda mútua dos membros de uma comunidade,
favorece o crescimento de forma coletiva, ampliando as possibilidades de alcançar
o sucesso dos objetivos pré-estabelecidos pelos membros da comunidade.
55
Os estímulos nas comunidades ecossistêmicas estão nas relações de
parceria e cooperação visando a conservação de todos. Nas comunidades virtuais,
podemos perceber esta relação a partir das mensagens trocadas nas listas de
discussão, salas de chat e até mesmo em publicações de trabalhos de
conscientização, de alerta e de informativos, visando desenvolver o espírito de co-
participação, de eco-evolução da comunidade em sua totalidade.
A partir de ações de parceria, a comunidade cria suas relações de
interdependência, garante sua natureza cíclica e estimula a cooperação, o fazer
junto, de forma coletiva, com a participação de todos, ou pelo menos, de muitos
participantes de forma que assegura a qualidade para a qual estão propostos.
Flexibilidade
A flexibilidade está muito próxima à possibilidade de se atingir estados
contínuos de equilíbrio. Os pontos de equilíbrios estão sempre sendo alterados,
eles mudam conforme as circunstâncias, os fatos e as novas percepções e
sentimentos que vão constituindo os membros de uma comunidade. Segundo
Barreto (2004):
A liberdade na Internet se liga à liberdade dos fluxos de informação e à da
própria interação com as estruturas de informação. A interatividade no
ciberespaço, que não favorece apenas as trocas de mensagens como,
também, a sua apropriação e reformatação.
A flexibilidade é vista como a onda que vai e volta, mas volta sempre para
uma nova posição. A nova onda fica situada conforme os equilíbrios que vão sendo
reconstruídos. Daí a grande necessidade de termos como princípio a cooperação e a
parceria. Estas unem os esforços de todos visando garantir a sustentabilidade do
ecossistema virtual. Forças em todos os sentidos surgem contra e a favor das ações
cooperativas das comunidades virtuais, seja através das simples e básicas
dificuldades encontradas nas instalações físicas necessárias para o funcionamento
do computador e acesso à Internet, seja a partir da concepção ideológica da
importância dos trabalhos digitais em meios onde a fome, a insegurança ainda
estão tão presentes. Nessas circunstâncias, competem aos membros de uma
comunidade virtual, atitudes flexíveis para se adaptarem ao meio.
56
Diversidade
A hegemonia manipula interesses restritos. A heterogeneidade favorece a
criatividade, a inovação e a criação de situações não vividas, entretanto, gera
inúmeros conflitos que podem ser positivos se forem bem conduzidos. A diversidade
possui uma relação direta com a flexibilidade, a diversidade gera conflitos. A
diversidade amplia a elasticidade das comunidades virtuais, permite ondas
maiores, tornando suas experiências mais ricas e mais construtivas para seus
membros.
Viver a concepção de uma comunidade virtual ecológica significa estar
alfabetizado ecologicamente. É necessário perceber o além de nossas atitudes,
perceber nossas relações com nossos parceiros, estar aberto para atuar
cooperativamente, de brilhar em conjunto, de aprender a viver com toda a
diversidade que nos cerca, favorecendo às novas oportunidades de estágios de
equilíbrio para não nos deixar morrer, ou se morrermos, perpetuarmos em outras
comunidades, fortalecendo, assim, a teia da vida.
O capítulo seguinte explana sobre os novos dispositivos informacionais e
comunicacionais portadores de mutações culturais, à medida que possibilitam
transformações no modelo de construção do conhecimento e de comunicação entre
os participantes dos processos e espaços pedagógicos. No entanto, para que a
relação dialógica seja substantiva é necessário que o ambiente virtual de
aprendizagem ofereça uma cartografia virtual com universos integrados de estudo
e pesquisa. Esta cartografia passa por processos de auto-organização e
retroalimentação constante dos conteúdos, constituindo um suporte ágil para o
desenvolvimento de processos de inteligência coletiva.
57
6 AUTO-ORGANIZAÇÃO, CIBERESPAÇO E ESPAÇO PEDAGÓGICO
A auto-organização se caracteriza como um fenômeno de transformação ou
de criação de uma organização, que decorre fundamentalmente da interação das
atividades predeterminadas, se as houver, com a atividade autônoma e espontânea
de elementos internos, e eventualmente de fronteira do sistema
3
, através de
processos recorrentes. A atividade espontânea decorre da existência de grau
mínimo de autonomia dos elementos atuantes. Por sua vez os processos recorrentes
precisam estar presentes para que os elementos autônomos, em suas atividades, se
integrem em uma organização com auto-referência. Conforme Debrun (1996, p.8):
“[...] depender basicamente de si mesmo, ser autônomo, é a primeira maneira,
para um processo organizado, de ser ‘auto’, de ser ‘ele mesmo’, de ser inteligível e
partir de si mesmo”. As mudanças predeterminadas podem ser concorrentes ou
concordantes com as mudanças espontâneas ou ainda, complementares e
facilitadoras dessas últimas. Contudo, as mudanças predeterminadas também
podem ser divergentes, discordantes e antagônicas das mudanças espontâneas e,
portanto, podem causar dificuldades ao desenvolvimento dessas últimas,
contribuindo para se ter no sistema um estado de contraposição, contradição e
conflito.
A influência de atividades autônomas dos elementos do meio-ambiente – ou
seja, elementos externos eventualmente de fronteira – no sistema pode ser
caracterizada como ruído, perturbação ou flutuação que é introduzido no sistema e
que pode contribuir também, de algum modo, para a ocorrência do fenômeno de
auto-organização. Como a organização é identificada pelo conjunto das
características estruturais e funcionais de um sistema, ela representa as relações
entre os elementos e as atividades ou comportamentos do sistema. Nota-se que
essa conceituação de organização leva em conta que o sistema possui uma
dinâmica estrutural e funcional, i.e., organizacional. E percebe-se também que a
estrutura e o funcionamento do sistema possuem padrões de formação, ou
configuração, e de evolução definidos e que conferem identidade ao sistema.
Segundo Debrun (1996, p.13):
3
O sistema a que nos referimos é o Ciberespaço, mas especificamente a sociocomunicação como
estrutura auto-organizada.
58
O aspecto organização reside, de um lado, na própria existência dos
elementos: toda organização comporta elementos realmente (e não
analiticamente) distintos, ou, pelo menos, semi-distintos (é a situação
particular do organismo.
O processo de auto-organização não possui esses padrões de formação e de
evolução de modo pré-determinado, pois há a possibilidade de mudança de estado
com emergência de novo estado, que caracteriza a criação e a evolução, através do
mecanismo de adaptação estrutural e funcional. Em alguns sistemas a evolução
para uma forma organizada ocorre na ausência de restrições externas. Cabe
ressaltar que as múltiplas interações entre forças ou fatores de influência de
estabilidade e as forças de instabilidade, que atuam no sistema dinâmico, podem
promover tanto a organização como a desorganização no sistema. E a convergência
e a divergência, ou mais explicitamente a cooperação e a competição, entre as
forças de estabilidade e de instabilidade podem criar as condições para se ter um
sistema dinâmico caótico. Esse sistema comporta processos que podem ser
considerados em parte de organização e em parte de desorganização.
Uma condição fundamental do sistema dinâmico é a sua sensibilidade às
condições iniciais. Um dado conjunto de condições iniciais pode permitir que se
possa prever, com um certo grau de precisão, a evolução dos estados porém sem a
exatidão das soluções analíticas. De fato, um certo conjunto de condições iniciais
leva a um conjunto de soluções dos sistema que caracteriza o que já se identificou
como atrator do sistema. A transição de um comportamento organizado para um
comportamento caótico, com perda de estabilidade estrutural, é decorrente da
evolução tempral hipersensível às condições iniciais com cenários de transição de
um regime estável para um regime instável. Os parâmetros de organização do
sistema podem influenciar nas transições de fase nas quais a alteração estabelecida
pode dar origem a padrões novos ou diferentes de organização. Segundo Bresciani
Filho; D’Ottaviano (2000, p.293):
A organização pode ser vista como uma característica do sistema
fundamentada na capacidade de transformar a diversidade de
comportamento (relações e atividades) dos diferentes elementos em uma
unidade global; mas em face de seu comportamento dinâmico e de
natureza complexa pode ser também uma fonte de criação de
diversidade, de capacidade e de especificidade estrutural e funcional.
59
Em qualquer sistema, quando os seus estados se deslocam para caracterizar
uma região permanente no espaço de estados, pode-se afirmar que os estados
estão sendo atraídos para essa região, denominada atrator. Portanto, o atrator do
sistema pode ser considerado como sendo uma formação de uma região restrita e
permanente, por um determinado período de tempo, a partir de uma região mais
ampla, no espaço de estados, por meio de uma ação e um controle exercidos
dominantemente pelo próprio sistema, com ou sem influência de elementos
externos ou de fronteira. Um sistema complexo – como o Ciberespaço e
especificamente as listas de discussões – pode ter muitos atratores, que podem
mudar (ou sofrer mutução), em função de determinados parâmetros de controle
funcionais e estruturais do sistema. Nesse sentido, pode-se aqui acrescentar que os
sistemas dinâmicos podem comportar processo de auto-organização.
E para que o processo de auto-organização seja possível na sociedade
humana é fundamental desconstruir os sistemas de dominação hierárquica. E deve
compreender-se que essa desconstrução, por exigência da sua coerência interna,
não pode, em si, resultar de um processo autoritário (ou top-down). Ou seja, mais
importante do que aplicar medidas, diretivas ou reformas, torna-se necessário
desencadear mecanismos que, pela sua própria natureza, promovam a auto-
organização (ou bottom-up). O Ciberespaço é um destes sistemas auto-organizados.
Como é cada vez mais baixo o custo das tecnologias digitais e a sua
conseqüente difusão por (quase) todos, dá origem a uma verdadeira revolução
generalizada no campo da circulação e transmissão do conhecimento, a qual, de
resto, parece revelar as origens libertárias dos ideais tecnossociais que estão na
base de algumas das tecnologias em jogo. De fato, na etimologia da palavra
conhecimento está o co-nascimento (só se compreende uma coisa quando se nasce
com ela), o que implica uma con(fusão) entre o sujeito e o objeto do saber (se essa
fusão ocorrer entre dois indivíduos, pode surgir o conhecimento em sentido
bíblico). E, para que o conhecimento seja partilhado com outro, é necessário o re-
conhecimento (uma sintonia interpessoal aparentada com as afinidades eletivas de
Goethe que permite que a partilha seja feita entre pares, deitando para o caixote
do lixo da história o execrável magister dixit). A partilha do conhecimento não é
um ‘jogo de soma nula’, porque nós não perdemos nosso conhecimento se o damos
a outro. Pelo contrário, com a ‘ressonância’, essa partilha associa-se a um ‘prazer’,
60
ou seja, a um ‘ganho’ na topologia da dádiva (não é por acaso que os cientistas
anglo-saxônicos denominam a sua atividade de difundir o conhecimento através da
expressão to give a paper).
O Ciberespaço, que é muito mais do que uma vasta compilação de dados e
uma descomunal enciclopédia constituem uma nova forma de comunicação e
gestão da informação em rede com potencialidades infinitas de cooperação. Em
particular, quando permite, não só uma consulta praticamente ilimitada de dados e
de conhecimento, mas também a colocação on-line de qualquer produção criativa
por qualquer indivíduo e sem qualquer tipo de restrições (o que é um veículo
importante de reconhecimento, no sentido anteriormente exposto).
Mesmo agora quando se assiste a uma campanha ideológica contra a net
com o pretexto, entre outras coisas, da proliferação da mesma pornografia que se
vende em todas as bancas de jornal, há que reconhecer o extraordinário espaço de
liberdade que ela constitui, sem paralelo em nenhuma outra organização ou
contexto de expressão coletiva humana.
O Ciberespaço e o hipertexto que aí circula implicam um novo tipo de
relacionamento com o conhecimento, cuja componente estética e espacial é
fundamental. Os significantes passam a um estado de suspensão, vagueando
(literalmente) nas camadas transparentes do Ciberespaço, promovendo assim a
deriva do (a justo título) denominado navegante. A única analogia razoável que se
pode estabelecer com esta deriva encontra-se no sonho ou mesmo no delírio, cuja
referência cultural anterior é alguma literatura surrealista. Mais do que a
sociedade da informação, de que tanto se fala de forma algo redutora, o hipertexto
anuncia a sociedade estética, de Schiller aos situacionistas (MOURA, 2003).
Por seu lado, a navegação não é seqüencial, mas errática. Ao contrário das
narrativas lineares, literárias, fílmicas, históricas e ideológicas onde assenta ainda
o processo clássico de transmissão de conhecimentos, as narrativas fragmentárias,
imbricadas e rizomáticas que se encontram no ambiente do Ciberespaço tomam
freqüentemente a forma de nuvens, nas quais cada um mergulha à sua maneira,
recolhendo o que mais lhe interessa e realizando conexões singulares e originais. Os
indivíduos tornam-se assim mais permeáveis à diversidade e capazes de melhor se
adaptarem à inovação. Da mesma forma, o Ciberespaço não é simplesmente um
novo media, mas precisamente um pós-media. Ao contrário da televisão, cuja
61
comunicação é de um para todos, ou do telefone, que é de um para um, no
Ciberespaço a comunicação é de todos para todos. E também aqui a podemos
caracterizar pela sua qualidade eminentemente recombinatória que dá origem a
um ecossistema informacional e comunicacional, que é eminentemente
polifacetado e interatuante (PEREIRA, 2000).
O acesso generalizado a todos os tipos de software vem alterar
significativamente o contexto de discriminação econômica e social que sempre
esteve presente no acesso ao saber. Hoje um adolescente e um professor
universitário partilham as mesmas ferramentas e podem consultar os mesmos
textos e informações. O conhecimento passa a estar, não só disponível para todos,
como aberto a (quase) toda a manipulação e desenvolvimento em tempo real. A
novidade e a inovação, que sempre foram vistos como projeção futurista, passam a
integrar o discurso mainstream do presente. A expansão do saber é a sua
conseqüência prática.
As implicações na educação são também evidentes. O darwinismo
elementar ensina que a evolução é lenta, mas a adaptação é rápida.
6.1 ESPAÇO PEDAGÓGICO
O Ciberespaço oferece novas possibilidades para a criação de padrões de
aquisição e construção dos conhecimentos, ao permitir o uso integrado e interativo
de diversas mídias, embora o uso destas tecnologias na educação ainda seja
paralelo ao do sistema tradicional. A despeito de tais iniciativas ainda serem
tímidas, já se permite antever as características de uma significativa mudança,
uma vez que modificará profundamente os valores culturais e a forma de interação
entre os seres humanos e destes com o ambiente natural e artificial.
A interação social humana é um elemento vital à educação, e o
Ciberespaço será um locus privilegiado para tais interações, mais atraentes e
interessantes que as desenvolvidas hoje nas salas de aula convencionais. O
professor, por exemplo, poderá assimilar uma série de informações, a fim de guiar
seus alunos na aquisição de novos conhecimentos, contando com a ajuda de tutores
de IA (Inteligência Artificial) de linguagem natural. A educação, daqui em diante,
62
não será só repasse de um capital cultural comum, mas partilha de tecnologias
visando à interação entre pessoas, grupos e comunidades.
Outro problema é que o sistema educacional tradicional tem tido
dificuldades para conseguir oportunidades educativas iguais para todos. Crianças de
classes mais elevadas têm melhor informação, acesso a recursos de qualidade e
oportunidade de freqüentar boas escolas, mas já há na Internet projetos que
buscam uma maior igualdade de oportunidades na educação. O mais provável,
entretanto, é que o uso de computadores (individualmente ou em rede) aumente as
diferenças sociais e educacionais, pois as crianças “mais favorecidas” têm e terão
melhores condições de utilizar computadores.
Outra forma de educação virtual interessante e atraente é a simulação, que
permite prever resultados, visualizar detalhes, antecipar cálculos sobre projetos
etc.
Salas de aulas tradicionais podem ser comparadas a sociedades herméticas.
Portas fechadas, livros na mão e alguns materiais suplementares, dependendo
apenas do discurso do professor, os alunos assistem a uma aula que não deve ser
interrompida. Ao contrário, em salas de aulas virtuais, os usuários estão num e
noutro lugar. A biblioteca está na sala, não apenas a da escola, mas uma rede de
bibliotecas digitais. Basta paciência e procura.
Hoje currículos (conteúdos) são selecionados de forma a “caberem” em um
ano ou em um semestre, tudo de acordo com o livro didático escolhido, excluindo-
se “temas indesejáveis” e atendo-se ao que a escola considera essencial.
Ao contrário, em uma estrutura de rede em que uma gigantesca parte dos
“conteúdos” está armazenada, privilegiam-se individualidades e diversidade, pois
este corpus, aberto, extensível, móvel, valoriza sempre a relação e a inclusão.
Cada um caminha num curso ao sabor de sua curiosidade, prazer, tempo, capital
cultural etc.
De um ponto de vista econômico a Internet é vantajosa, pois permite
download (baixa de programas e arquivos), impressão de material de apoio etc.
Citações, exemplos figuras, gravuras etc. podem ser transcritas diretamente para
processadores de texto, o que diminui o trabalho “braçal”, aumentando o tempo
disponível para atividades reflexivas.
63
Na rede há grande quantidade e diversidade de livros on line, manuais,
apostilas, revistas e jornais, além de resumos, catálogos de obras, bibliografias e
acervos, tudo isso para facilitar a pesquisa. Mais que isso, a Internet abre espaço a
publicações, permitindo que qualquer pessoa disponibilize sua mensagem para o
mundo inteiro.
Outra prática comum na rede é o correio eletrônico (e-mail) e o ICQ
(espécie de diálogo escrito on line) que, pedagogicamente, pode ser usado em
salas virtuais ou na correspondência professor-aluno, aluno-aluno e professor-
professor, numa rica circulação de saberes e informações, com a imediata
atualização dos conhecimentos trocados. Listas de endereços eletrônicos (mailing)
permitem que as pessoas se inscrevam em sites que tratam de assuntos de
interesse comum, suportados por programas que facilitam a interação entre todos
os inscritos. Estes grupos de discussão são suplementos às aulas convencionais
(“presenciais”), expandindo os debates sobre os assuntos para além da sala de
aula, sem limite de tempo, permitindo a participação de todos (difícil na sala de
aula em virtude dos constrangimentos de espaço e tempo), além de estimular o
senso de comunidade entre alunos e professores. Isso pressupõe que as listas de
discussões, como sistemas sociais, ao contrário de sistemas sociais baseados na
tradição, no parentesco ou na amizade duradoura, vivem e sobrevivem da contínua
criação/diferenciação de informação (novidades). A criação, trabalhada por uma
diferença sempre já programada e calculada, torna-se puro jogo comunicacional,
interativo e lúdico; e o criador, unicamente usuário.
A fim de caracterizarmos, de forma sumária e, provavelmente, redutora, a
sociocomunicação, na era da mundialização, diremos que as suas características
fundamentais são os sistemas sociais, os fluxos informacionais, a interdependência
cultural e a emergência da interatividade. A invenção de novos instrumentos
sociocomunicacionais não é por si só suficiente para gerar a respectiva utilização
social. Os novos meios implantam-se quando se verifica a conjugação de diversos
fatores: inventos tecnológicos, novas retóricas e usos sociais.
No próximo capítulo enfoca a sociedade como um sistema através da teoria
de Niklas Luhmann: isto é, a sociedade é observada por meio da distinção
sistema/meio. Inicialmente recorremos aos instrumentos da teoria geral dos
sistemas, sobretudo às mudanças paradigmáticas que ocorreu no século XX, em
64
função de novas descobertas nas ciências exatas e biológicas. A teoria geral dos
sistemas apresenta-se hoje como teoria de sistemas autopoiéticos, auto-
referenciais e operacionalmente fechados.
65
7 TEORIA DOS SISTEMAS SOCIAIS E COMUNICAÇÃO NA PERSPECTIVA DE NIKLAS
LUHMANN
Este capítulo é fruto de uma breve reflexão sobre os principais conceitos do
pensamento sistêmico encontrados em Niklas Luhmann (1980,1986, 1989, 1996,
1997), sua admissível inovação teórica, e eventual ou renovada tentativa de dar
determinado estatuto científico às ciências sociais e uma qualidade distintiva
fundamental à Ciência da Informação. Trata-se um primeiro esforço de insinuar-se
sub-repticiamente em suas principais idéias para tentar uma construção de
paralelos teóricos
4
. Antecede esta construção uma observação dos pontos de
cruzamento de pensamentos, divergências de abordagens em relação à realidade,
potenciais criativos e os espaços para crítica entre outros autores e/ou correntes
de pensamento.
Comparar singularidades, similaridades e divergências de pressupostos e
visões de mundo neste pensamento sistêmico é tarefa sempre cercada de crítica,
principalmente quando o pensamento sistêmico pode tomar para si a fala da
neutralidade quando cúmplice de um logro metodológico. O cuidado do projeto
luhmanniano em não tomar para si a fala da neutralidade/imparcialidade da
produção factual sociológica não convence tanto quanto a esta precaução.
Ademais, este questionamento só adquire relevância quando indaga os pressupostos
epistemológicos da teoria dos sistemas, quando estabelecem as comparações entre
suas metáforas fundamentais (o que será tratado ainda neste texto), estruturantes
de uma arquitetura conceitual e organização de realidade.
Ressalta-se que o presente capítulo não tem a pretensão de ser um texto
crítico-analítico sobre Luhmann, mas um ensaio sobre os limites e as possibilidades
abertas pela teoria dos sistemas desenvolvida pelo pensador alemão. A crítica mais
marcante que será direcionada a Niklas Luhmann reside no uso que ele faz de um
arsenal teórico fundado em sistemas
5
naturais e que até então, por seus exemplos,
não servira para aprofundar uma defesa deste método às circunstâncias em que se
desenvolvem os fenômenos sociais.
4
Com exageros voluntários e crítica partindo “de fora” da teoria dos sistemas. Esta parece ser, no
entanto, uma boa técnica para se obter resposta e começar um bom debate.
5
Sistema vem do grego sýstêma. Este conceito é uma junção do advérbio sýn, que significa “todos
juntos”, com o verbo hístêmi, que significa “colocar”. Ou seja, “colocar em conjunto”.
66
7.1 O QUE HÁ DE NOVO NA TEORIA DOS SISTEMAS?
Certamente não ficará esgotado neste texto o conjunto de questões
propostas pela teoria dos sistemas que reverteria para si os haveres das novas
abordagens no domínio das ciências humanas. Um desses haveres seria o sem-
sentido que a discussão objeto/sujeito toma a partir do uso dessa nova teoria. A
solução para a polêmica de como tratar um objeto que não se dissocia do sujeito —
o conhecimento social se forma na sociedade —, que pode nem mesmo estar “do
lado de fora do sujeito”, pressuposto primeiro da ruptura do conhecimento pela
diferenciação entre conhecimento/objeto, existência/pensamento, foge dos
conhecidos debates entre materialismo, idealismo, nominalismo. O exame da
questão objeto/sujeito na teoria dos sistemas dá-se em nova forma.
Agora, esta reflexão põe-se como auto-referência e referência externa,
ocasionando uma situação arriscada aos referenciais absolutos (uma consciência e
natureza universais) das teorias do conhecimento. Auto-referência e referência
externa formam uma unidade na medida em que mantêm uma diferenciação, e na
condição desta diferenciação partir de um observador inserido em um sistema. A
realidade se forma a partir de uma observação (observação de segunda ordem -
observação de segunda ordem utiliza-se das formas construtivas de sentido para se
auto-observar, oscilando entre o atual e o potencial, e surpreender através da sua
observação original) do primeiro observar. Esta condição de formação da realidade
é instituída de modo contingencial, garantindo à teoria dos sistemas uma relativa
abertura na aceitação de múltiplos referenciais (pois mais “corretos”); algo fácil de
se entender no contexto atual, pois se origina das críticas das imposições de
descrições de mundo unívocas. Busca-se, assim, uma observação de segunda ordem
que dê margem e validade às observações primárias do mundo, uma teoria que se
estruture coerentemente na observação das múltiplas formas da observação
primeira existente na sociedade moderna. O que vale também para os usos de
referenciais “holísticos” ou “sistêmicos”
6
de certas pesquisas que, por vezes, na
crítica que fazem a uma racionalidade normativa, acabam impondo uma nova
6
O programa de Luhmann é uma apreciação funesta para o individualismo metodológico. A maneira
como ele é construído torna sem sentido contraposições como individualismo/holismo.
67
autoridade de como pensar, quando não, margeando a superfície das reflexões da
teoria dos sistemas (ALMEIDA, 2003).
7.2 A ATUAL CONCEPÇÃO DE SISTEMA
Grosso modo, as teorias sistêmicas possuem o pressuposto que enfatiza uma
forte transação e integração entre variadas disciplinas do conhecimento ou
ciências. Justamente por reforçar e ter como premissa a complexidade da
realidade e da existência, pondera a incapacidade de uma visão estanque, analítica
e “cartesiana” dessa mesma realidade, que se mostra extremamente rica e
complexa. Abarcá-la ou tentar entendê-la pelo viés disciplinar, ou pelos rijos
recortes das análises das partes tão somente, prejudica a riqueza e a
interdependência dos fenômenos que estruturam a sensação e percepção da vida,
principalmente quando o reducionismo analítico se arroga como explicação total ou
completa.
O entendimento de uma concepção básica de sistema subentende uma
aproximação em torno dos princípios organizativos deste mesmo sistema, natural
ou não, ao invés dos elementos constituintes ou substâncias básicas de um
fenômeno, processo ou fato. Tende-se a olhar as unidades totalizantes constituídas
por elementos básicos inter-relacionados umbilicalmente e que, através disso,
formam uma realidade que ultrapassa simplesmente a soma das partes. A
singularidade de um sistema está na dimensão do significado de seus princípios de
conformação e união, princípios que transcendem um olhar, mesmo que arguto, aos
componentes constituintes de um dado sistema. O sistema entendido como uma
descrição do funcionamento de processos que não podem ser excessivamente
analisados quanto a seus elementos constituintes distintos, pois a natureza
intrínseca de cada elemento não é uma propriedade que existe separada e
independentemente de outros elementos, mas é, ao invés disso, uma propriedade
que, em parte, surge de seu relacionamento com outros elementos, só assim
podendo ser compreendida a lógica de sua fluidez e funcionamento. Segundo Cohn
(1998, p.59)
68
[...] o sistema não é uma peculiar relação parte/todo, nem meramente um
conjunto organizado de elementos, mas uma diferença em relação ao
resto, ao mundo, a tudo que possa ocorrer no seu exterior. A conseqüência
imediata disso é que nada penetra no sistema sem passar pela suas
operações próprias: o que está fora só se torna relevante, vale dizer,
significativo mediante as operações seletivas do próprio sistema auto-
referido.
O dinamismo é fator caracterizador/definidor de um sistema, ao contrário
da estaticidade. A compreensão de fenômenos de uma maneira rígida e estanque
vai de encontro a um pensamento que se aproxima da realidade na perspectiva de
entendê-la via a formação e concretização de seus processos. Esta idéia — um
pormenor do sistemismo — é um tanto antiga no pensamento ocidental,
remontando a Heráclito. Nesta concepção da dinâmica dos elementos formadores
de um sistema, talvez a noção de processo seja a chave. Neste caso, sugere um
contínuo fluxo e mudanças no interior do sistema para formar a si mesmo,
derivando deste fenômeno alguns conceitos-chave como estrutura, condição,
eventos, entre outros.
A auto-organização está ligada à idéia acima, emanando do próprio sistema
como algo que o reestrutura segundo condições internas e já determinadas. Isso
implica um fenômeno autônomo e uma aparente estabilidade, um grau de
coerência que faz com que suas partes componentes se comportem como
substância única. Neófitos pensam isso para fenômenos biológicos ou físicos, pois
daí são observados, mas que poderia passar-se, sem maiores problemas, a um
sistema social. Generaliza-se essa idéia para outros modelos da realidade, onde
uma típica indivisibilidade e unidade se aplicam, mas que não podem ser
compreendidos (os modelos) a partir da análise dos seus elementos distintos.
A “evolução do sistema”, que sempre parte de um estado de equilíbrio com
flutuações dentro de certos patamares de interdependência e variabilidade, ou
homeostase
7
, implica uma realidade interna que foge à primeira percepção dos
nossos sentidos, mas tão considerável quanto a primeira impressão que temos de
um processo de auto-organização de sistemas cada vez mais complexos. Conforme
Wiener (1993, p.94):
7
Processo de regulação pelo qual um organismo mantém constante o seu equilíbrio.
69
Já vimos que certos organismos, como o do homem, tendem a manter
durante algum tempo, e freqüentemente mesmo a aumentar, o nível de
sua organização, como um enclave local no fluxo geral de crescente
entropia, de caos e dês-diferenciação crescentes. A vida é uma ilha, aqui e
agora, num mundo agonizante. O processo pelo qual nós, seres vivos,
resistimos ao fluxo geral de corrupção e desintegração é conhecido por
homeostase.
A complexidade, em uma de suas interpretações, é a conseqüência não
somente do número e diversidade de elementos que formam um sistema, mas
principalmente das conexões e interações destes elementos entre si. Costuma-se
supor nos sistemas, aqui incluindo os sociais e possivelmente os sistemas
informacionais, uma tendência geral de aumento da complexidade na "história da
evolução da vida". Talvez o mais difícil seja discutir qual o sentido da "evolução da
vida" e dos sistemas que a formam. A informação interna do sistema é uma possível
resposta ao problema, pois precisa de um comando - ordem cibernética - e de um
processo de retroalimentação de informações, tanto interna, quanto externas ao
sistema. A informação interna garante o governo do próprio organismo, e a
retroalimentação externa garantiria o sistema pelo qual trabalham os sentidos para
determinar o lugar dos objetos, os fenômenos da natureza. Podemos dizer que na
Ciência da Informação:
Estas mudanças operadas no status tecnológico das atividades de
armazenamento e transmissão da informação vêm trazendo mutações
contínuas, também na relação da informação, com seus usuários, com seus
intermediários, com a pesquisa e com o ensino em ciência da informação.
Destacamos como instabilidades mais notáveis, os seguintes pontos: a)
mudanças na estrutura de informação; b) mudanças no fluxo de
informação; c) o homem de informação e o trabalho em ciência da
Informação (BARRETO, 2004).
A questão da ocasionalidade de um sistema é posta em relevo. Sua
configuração e reprodução obedecem a regras supostamente determinadas de
antemão, uma evolução - chamada de "paradigma evolutivo" por Ilya Prigogine
(1993) - que apresenta e reflete um programa e outros subprogramas abertos
ilimitadamente, pois a evolução de um sistema não segue um caminho unilinear,
estando aberta a infinitas variáveis, apesar da tendência neste rumo se manter em
condições relativamente constantes por controle ativo, ou homeostase.
70
Todavia, esse ponto não implica em uma capacidade da natureza — ou dos
sistemas que a formam — de ter uma autoconsciência que se imagina relacionada a
funções cerebrais humanas. Isso seria uma projeção antropomórfica que se
deslocaria ao sentido de "propósito".
7.3 OS SISTEMAS PARA NIKLAS LUHMANN
Niklas Luhmann mantem sua órbita no pensamento social de orientação
funcionalista e em sua penetração nas ciências naturais ou biológicas para captar
aportes teóricos à Ciência da Informação e às Ciências Sociais, em um arrebatado
esforço de adaptar as novas teorias dos sistemas aos fenômenos sociais. Sua
tentativa básica ainda não gerou frutos saborosos, ou seja, o desvelamento da
estrutura ou dos processos sociais não foi tão bem sugerido pela análise sistêmica.
Utilizando o referencial teórico dos neurocientistas chilenos Humberto Maturana e
Francisco Varela (1995), ou seja, o conceito de sistemas auto-referenciados,
Luhmann tenta uma junção deste com a Teoria Geral dos Sistemas, inspirada por
Ludwig Von Bertalanffy (1975).
Tentando ultrapassar a “Teoria Geral dos Sistemas”, Luhmann utiliza o
conceito de autopoiesis (auto-formação) para enriquecer as relações entre os
elementos de um sistema e o ambiente, senão, apenas do próprio sistema. Sem
embaraço e correndo os riscos de simplificação, autopoiesis seria o mecanismo de
auto-organização e auto-produção dos componentes deste mesmo sistema. Esta
tentativa teórica, além de visar a/ou estabelecer o sistema social como o foco da
sociologia, inova até certo ponto ao indicar a reprodução do sistema social a partir
de si mesmo pela auto-referência. Considerando uma opinião um tanto
voluntarista, poder-se-ia questionar até que ponto essa teoria aplicada aos
fenômenos sociais não indica uma postura conservadora ao abolir a questão da
intervenção ou planejamento social, ou os fenômenos capeados por interações
como a gratidão, amizade; enfim, assuntos abordados por Simmel (1971) entre
outros.
A autopoiesis age isoladamente, o sistema social não dá margens para
homens e mulheres escolherem suas estruturas ou finalidade; ela não reconhece o
imperativo social. Sempre há um receio quando se comentam teorias que têm um
71
pé na biologia de trabalhar o delicado conceito da evolução biológica nas ciências
sociais e indicar que a sociedade só se transforma pela evolução pressuposta na
reprodução auto-referenciada e seus mecanismos de seleção e variação.
Para os críticos mais afoitos, não fica claro se Luhmann busca leis que
dirijam as mudanças na sociedade, como as que orientam o meio natural. Mas
aceitando livremente seu “modelo sistêmico”, sua opção a esta premissa parece
clara, mais uma vez indicando o recorrente problema de estatuto científico nas
ciências humanas ou sociais. O que se nota é uma teoria sistêmica que, apesar de
dizer que abarca todos os elementos formativos de uma sociedade (no caso, a
comunicação como principal elemento), esquece das relações de poder em seu
seio, toda a conformação das estruturas de valores e julgamentos que criam
embates na busca de transformação ou ordenação social. Marteleto (1987, p.170)
considera que “A visão sistêmica – ou a nova maneira de se analisarem os
problemas, tanto de natureza física quanto social, de fato surge a partir da
expansão do sistema capitalista e da dependência dos outros sistemas em relação
ao sistema econômico”. A posição política de Luhmann se mostra neste ponto
clara? Talvez. Sua visão de mundo parece que o leva a buscar uma neutralidade
epistêmica nas ciências sociais que tende a escamotear uma estratégia
conservadora e até de aniquilamento dos pressupostos teóricos históricos da
sociologia, “zerar uma tradição do pensamento social”. Há, assim, um
esvaziamento do saber acumulado das ciências sociais quando ele tenta criar um
novo pressuposto teórico que não leva em conta este saber acumulado e, talvez
mais importante, descarta a possível singularidade dos pressupostos
epistemológicos das ciências sociais ou humanas.
O “fazer política” está apagado de suas questões, pois o sistema é uma
unidade unificada em si mesma e pede escusa quanto a questões que parecem
menos relevantes. Questões que mostram a peculiaridade do embate social
envolvido por posições marcadamente ideológicas. Motivo este que gera toda a
crítica de Jürgen Habermas (1988), pois este valoriza a identificação e discussão
dos pressupostos ideológicos que orientam as proposições políticas e jurídicas sobre
o papel atribuído à sociedade civil.
72
A idéia da autopoiesis que Luhmann adquiriu da neurobiologia se define,
sem entrar em pormenores, como a capacidade de um sistema para organizar-se de
tal maneira que o único produto resultante seja ele mesmo, onde não há separação
entre produto e produtor. Esta idéia pode ser comparada com os sinônimos tão
usados da auto-organização e auto-renovação, isto é, sistema onde suas partes
constitutivas se comportam como um todo, se tornam um todo, suas identidades se
fundem ou se sobrepõem de tal forma que perdem completamente a própria
individualidade. As inúmeras "ilhas" que compõem o sistema se reproduzem
conjuntamente, se auto-renovam em uníssono, todas suas propriedades e toda sua
informação devendo se sobrepor completamente, para a estruturação ordenada do
sistema. Nesse sentido, fundamentados nos aportes teóricos da Ciência da
Informação, dizemos que “a estrutura da informação, como mensagem se direciona
particularmente a cada receptor incluindo em sua formação novas linguagens,
como o som e a imagem” (BARRETO, 2004).
Por outro lado, a comparação e transposição de modelos explicativos de
sistemas naturais para sistemas sociais, informacionais podem levar a
incomposturas científicas. Em que medida a metodologia das ciências naturais
poderia ser transposta para as ciências humanas ou sociais? Tende-se a formar um
discurso de difícil acesso, por vezes obscuro, mas que pode esconder apenas uma
falta de clareza premeditada ou deliberada, uma grande quantidade de metáforas
que no fundo torna-se apenas banalidade, justamente pelo problema de forçar uma
transposição conceitual entre tradições de pensamento e objetos de estudos muito
diferentes.
A tentativa de transpor para a Ciência da Informação e as ciências sociais
conceitos como entropia, autopoiesis, homeostase, retroação, entre outros, pode
ser muito ambiciosa, mas que pode acabar não explicando nada, principalmente
porque não se dá exemplo prático de utilização de fenômenos sociais nestes
modelos. Nesta tentativa de buscar analogias nos sistemas naturais, Luhmann
empobrece sua teoria quanto ao “conteúdo social”. As questões políticas e
valorativas tendem muitas vezes a ficar de fora dos temas tratados pela teoria dos
sistemas, padecendo do caráter extremamente conservador quanto às questões
73
ligadas à política lato sensu, ou da vontade humana e da busca por transformação
8
.
A diversidade conceitual da teoria dos sistemas e sua propensão a “abarcar tudo”,
aparentemente trabalham muito mais com informação que percorre o sistema do
que com o enunciado contido na informação — ou vice-versa. “A informação,
quando tem por referente o sistema, é conceituada como um elemento regulador,
capaz de proporcionar o seu equilíbrio homeostático, seja o sistema de natureza
física, biológica ou social” (MARTELETO, 1987, p.178).
O grande mérito da teoria sistêmica nas teorias sociais é seu poder
aglutinador de perspectivas teóricas, sua anti-dicotomização de visões de mundo e
a qualidade multidisciplinar que ela adquire, apesar da dificuldade prática de
investigar a questão do conhecimento como um processo em constante movimento,
principalmente na ânsia de caracterização das teorias sociais na forma de teorias
dos sistemas naturais.
7.4 O “IRRADIAR-SE CONCEITUAL” NAS CIÊNCIAS SOCIAIS PELAS CIÊNCIAS
COGNITIVAS
Este tópico manifesta uma tentativa de compreensão de alguns
pressupostos das teorias da comunicação que veiculam alguns conceitos e assentam
metáforas que servem como analogia para a inteligibilidade da teoria social
proposta pela teoria dos sistemas. A assimilação de idéias do surpreendente
desenvolvimento tecnológico do campo da inteligência artificial, principalmente,
não deixa de trazer ânimo para seguir a trilha das discussões acerca dos objetos
técnicos e suas relações e implicações com uma conformação futura de sociedade.
É sabido o uso de conceitos das ciências cognitivas em algumas abordagens
que visam a uma problemática social ou, por outro lado, à produção teorética de
uma visão de sociedade. Fugindo a todo custo de metáforas forjadas à época do
esplendor das locomotivas do século dezenove, a máquina
9
ainda perdura no fundo
do curso lingüístico das ciências cognitivas. Exemplo disso, e seguindo com algum
8
É bem verdade que essa afirmação não pode ser generalizada à teoria sistêmica como um todo,
mas de sua apropriação (mais ou menos indevida) em alguns casos. Valoriza-se essa dimensão (a
política), por exemplo, na aplicação da teoria dos sistemas às teorias sobre organizações.
9
Máquina entendida como a estrutura lógica de um dispositivo; ou de regras de procedimento para
se chegar a um resultado ou objetivo.
74
exagero Von Föerster (1993), que discorre sobre a influência da cibernética e do
desenvolvimento da inteligência artificial, termos como energia e informação
moldam uma máquina biológica (corpo humano), funcionando como um aparelho
lógico "cervicalizado", que não se atém a inputs externos, mas a uma realidade de
segunda ordem produzida por ele mesmo (SFEZ, 1994).
Partindo da idéia de Heinz Von Föerster (1993), preconiza-se que há uma
chance de desvelar os mistérios inauditos dos mecanismos cognitivos humanos,
fugindo à "fala da psicanálise" e sua derivação nas ciências sociais (o inconsciente),
da linguagem enquanto não-informação e da impertinente e incomoda atenção às
parcialidades ideológicas que se engrenam em um corpus conceitual. Como
argumenta Arnold; Robles (2000):
Sin embargo, lo que no logran resolver estas teorías tradicionales del
conocimiento social se disuelve en la praxis, cuando los observadores se
cualifican y sus ángulos se seleccionan. En el camino, la falta de atención
a los problemas epistemológicos, de los cuales parasitan, es tanto notable
como inexplicable, por ejemplo, ¿cómo justificar que alguien –otro
observador– o que algo –otro ángulo– quede afuera? Sus operadores, al
verse forzados a explicar sus opciones, emplean dudosos argumentos
apelando a dispositivos especiales para ver la realidad tal cual es.
Frente a um amplo leque de conhecimento que se forma com as clássicas e
novas discussões das teorias dos sistemas, põe-se aqui uma certa ressalva acerca de
suas inscrições conceituais chaves. Não há como tratar os conceitos vitais que
formam o corpus da teoria dos sistemas, e nem é este o objetivo deste texto.
"Racionalidade", "homeostase", "sociedade" e "autopoiesis" (para enumerar somente
alguns termos) carregam muito mais que aquele tipo de informação identificável
como definição, trazendo junto a si uma densa camada de significados que
constroem novas relações de percepção social e política. Além de um contexto
sóciopolítico formador e transformador de significados lingüísticos, tem-se um
caminho inverso: a incorporação conceitual produzindo ação de remodelamento das
relações sóciopolíticas — diga-se, em um procedimento de aproximação, o viés
pragmático da linguagem.
Como dissemos anteriormente, essa discussão se endereça àqueles e
àquelas que tomam um discurso de conhecimento, uma teoria e suas abordagens
metodológicas, com muita facilidade. Mais como uma baliza para autocrítica que
uma metateoria, essa postura busca mapear os códigos ideológicos que unem e dão
flexibilidade a um corpo de conhecimento que objetiva e descreve as interações
75
entre os indivíduos na produção e organização da sociedade. Em que sentido a
comunicação, enquanto referencial para uma variedade de tecnologias modernas,
se encaixa nas ciências cognitivas para explicar a sociedade? Ao que nos parece, a
comunicação se tornou o referente das mais novas abordagens tecnocientíficas,
desde a biotecnologia - comunicação com os códigos genéticos e moleculares - ao
marketing, este enquanto comunicação em sociedade.
O debate que se abre nessa discussão sobre comunicação é extenso em suas
conseqüências, pois seu desdobramento teórico chega ao fim como a instauração
de um projeto de realidade, e somente a partir daí é que se pode começar a tecer
alguma crítica. Não há como separar desse modo, e dando seqüência talvez à
questão fulcral da preocupação deste capítulo, um horizonte político que se forma
de um modelo de realidade. A mudança de perspectiva dessa realidade se torna
patente quando a sociedade vista pela "sociologia luhmanniana" não se apresenta
como um aglomerado de homens de carne e osso, mas enquanto unificação
simbólica decorrente do evento comunicativo.
O que traz certa inquietação são as analogias usadas para expressar o
significado de comunicação em sociedade, uma série de paralelos com modelos da
inteligência artificial (isso levanta a controversa questão da autonomia do campo
tecnocientífico)
10
. Não que o caso seja absurdo por inconsistência, mas pela
relativa falta de outros paralelos que não apenas o da tecnologia do setor da
comunicação. Existe toda uma via que comunica através de uma simbologia
histórica, inscrita nas línguas e demais instituições sociopolíticas, que fundam e
resguardam arbitrários de dominação que não aparecem nas discussões da teoria
dos sistemas. Pode-se adiantar, em uma rápida defesa de possível antecipação do
debate, que a perspectiva desses estudos, além de estarem engatinhando — e daí
tateando ao largo da vastidão temática — estão direcionados em perspectivas
outras, e que não necessariamente desobrigam a aceitar as relações de dominação
mais devastadoras das sociedades hegemônicas atuais.
Voltando à questão das analogias que vão tomando forma no vocabulário
das questões sociais, tem-se a contraposição de um modelo "mecanicista", posto
10
Quais as posições políticas que são fatores de correspondência entre tecnologia e sociedade?
Como se dá a conexão entre o papel da tecnologia, os pregadores da afirmação de sua autonomia ou
neutralidade/imparcialidade para diversos desígnios e suas bases constitutivas que estão acentuadas
na não identidade da humanidade com a natureza?
76
como esquálido, com o "orgânico", simpático, pois nas proximidades de uma visão
“holística”. Esta última, vertente de tradição fenomenológica que tenta apagar a
diferença entre sujeito e objeto, onde um não tem mais valor que o outro, não se
descreve sem a usual comparação com o mecanicismo, no que decorre a
coexistência de modelos (orgânico e mecânico) em sua extensão explicativa. Este
modelo de mundo enredado pelos fios da metáfora da "visão orgânica" intenta uma
universalidade, uma ética do habitar o mundo sentindo sua unidade, haja vista a
distância que a sociedade ocidental moderna atirou os tinos de pertencimento.
Ou seja, buscam-se as sensações de estar unido aos ideais do que se chama
- ou se chamava - de "moderno". Ainda assim, faz-se usual a metáfora do espelho,
do duplo. Cérebro e máquina se expressam na explicação de funcionamento, um
em relação ao outro, já não se sabe quem determina quem. Sujeito e objeto,
produtor e produto aparecem então confundidos (SFEZ, 1994).
As inúmeras citações a Humberto Maturana, Francisco Varela, Heinz Von
Föerster (1993) e outros, conhecidos como neomecanicistas, produzem incerteza
frente a esta ótica que identifica o sistema social como um sistema de
processamento de informações. Ao enredo de fundo sociopolítico que apóia um
trabalho de produção de "fatos" de um sistema social (sistemas de comunicação), e
que identifica ontologicamente estados mentais com o processamento de
informação de uma máquina, ficando sempre a questão da repercussão, da
modificação e do uso deste tipo de saber em diversas disciplinas, queiram-se ou
não científicas. No caso, principalmente as que usam um claro referencial das
teorias da comunicação, cujo foco se dirige à construção dos sujeitos e suas
condições de existência social.
Talvez caiba aqui uma discussão primeira, que estrutura todas as demais, e
que sugere a radicalidade da teoria dos sistemas: a questão da percepção da
realidade toma a forma de um debate antigo sobre consciência e realidade
(objeto). Fugindo do tamanho e dificuldade do histórico de montagem dos debates
entre as tradições filosóficas do empirismo, idealismo e da fenomenologia, adianta-
se logo o pressuposto desta radical teoria. Da tradicional questão de como a
consciência pode constatar algo exterior a ela, mesmo o conhecimento de que algo
está fora dela? Há algo fora? Se sim, como atingi-lo?, emerge outra: o
77
conhecimento existe agora porque a consciência ou o sistema cerebral não tem
qualquer tipo de contato direto com a realidade (ambiente)?
O cérebro só pode ser entendido (enquanto um sistema) porque trabalha
com codificações independentes do ambiente, utiliza sua própria rede recursiva de
operações, só podendo produzir informações em virtude de sua desconexão com o
ambiente. O mesmo seria pensando o sistema social enquanto um sistema de
comunicação que opera informações recursivas por causa do desacoplamento do
ambiente (LUHMANN, 1997a). Nada que há no ambiente se insere no conhecimento
com algum sinônimo e vice-versa. Resumindo:
Não existe nada no ambiente que corresponda ao conhecimento, já que
tudo que corresponde ao conhecimento depende de diferenciações, no
âmbito das quais ele designa algo como isto e aquilo. No ambiente, por
isso mesmo, não existem nem coisas nem acontecimentos quando com este
conceito deva ser designado que aquilo, que é assim designado, é
diferente de outra coisa. Nem mesmo ambiente existe no ambiente, já que
este conceito designa algo apenas por diferenciação em relação a um
sistema; ou seja, exige que seja dito para qual sistema o ambiente é
sistema (LUHMANN, 1997a, p. 97).
Ao que parece, o debate que se forma em torno da metáfora do organismo
põe-se na direção das discussões primárias da formação do conhecimento. É um
enovelado de explicações que retomam a velha questão de transposição dos
dilemas empiricistas e racionalistas e, ao que parece, a cibernética de segunda
ordem dá algumas pistas de temas que deslocam entre as metafísicas monista (aqui
o peso fica a cargo de Espinosa) e dualista, na ligeira fuga de última hora dos
argumentos prestes a soterrar-se no solipsismo.
A realidade da realidade ou cibernética de segunda ordem
11
— fórmula de
Von Föerster (1993) —, além de ser idéia central para a teoria sistêmica, que se
debate aqui, é um dos enunciados com mais jogos recursivos para se fazer valer de
alguma inteligibilidade. A comunidade se forma sempre com mais de um
observador, pois um observador só se entenderia enquanto observador ao ser
observado por outro observador. Esse circuito, onde um Outro me observa dando-
me a identidade de observador, forma um sistema. A partir desse processo
constrói-se a realidade. O referente dessa realidade não existe fora do sistema, é
11
Cibernética de segunda ordem é noção ligada principalmente a Heinz VON FÖERSTER na sua
tentativa de apresentar a auto-organização nos sistemas de comunicação. Dentre outras coisas, essa
perspectiva considera que não existe uma realidade que não se forme pelos processos de construção
do observador, ou seja, o observado é instituído pelo observador.
78
fabricado pelo próprio sistema. A linguagem simbólica não possui índices externos,
funda-se enquanto arbítrio que atribui qualidades à natureza através da própria
linguagem. Um mapa não abrange todas as minúcias do território que representa,
não obstante ele reflita a si próprio e abra novas possibilidades de conhecimento
através de seus próprios recursos. A linguagem fala da própria linguagem e vai
desdobrando e construindo novos significados na medida que se auto-reflete, não
no contato direto que poderia ter com um dado concreto (objetivismo radical).
Através da interação das observações dos vários observadores, e
juntamente com suas ações – inclusive aquela produzida pelo observador
observando a si próprio —, costura-se o que se pode chamar de realidade, uma
realidade que não tem exterior, se assim se pode dizer. Proclamando a cibernética
de segunda ordem o primeiro grande passo para se entender os processos de
conhecimento, um grupo se orienta a modelar computadores e máquinas e outros a
modelar a "metafísica" da realidade sem exterior. O que se chama de realidade ou
fato pode ser entendido como um pacote com ferramentas de interpretação
(teoria) e orientação de sentido (valor) para se montar o "fato bruto". O pacote
interpretativo (teoria e valor) é o que faz a socialização e mediação do "fato bruto"
no sistema social.
Tantas voltas e ainda não se tocou em um aspecto: a operacionalização
desse conhecimento ao entendimento do mundo moderno ocidental. Acreditando-o
complexo, foi o verdadeiro alvo da curiosidade de Luhmann. Em seguida, alguns
comentários sobre a questão de como o paradigma sistêmico e seus arranjos
conceituais abordam a moderna sociedade ocidental.
Acreditando em Max Weber (1989) que a sociedade capitalista já não tem
mais nada de organismo — um desencantamento para muitos —, de "corpo" social,
mas é uma separação entre a sociedade que produzia de forma orgânica (Europa
medieval, por exemplo) e a atual, filha da separação funcional e formalização
(MARRAMAO, 1995), ver-se-á a seguir o tratamento ou a crítica que a teoria dos
sistemas ajunta a isso.
79
7.5 TEORIA SISTÊMICA E SOCIEDADE: A SOCIEDADE EMBRIAGADA DE
INFORMAÇÃO
Pensar em teoria sistêmica é pensar em complexidade, muito mais do que
somente em outputs e inputs; é pensar em novas categorias lexicais que dão
sentidos — ou ao menos imputam legitimidade a certos sentidos — à sociedade
ocidental moderna. Como se pode ver, é um apanhado de novos termos,
transitando em diversas ciências, procurando valor no mercado de cristalização de
conceitos.
Essa temática da irreversibilidade, que conforme Arendt (1990) a
irreversibilidade da história mudou completamente a noção tradicional de
revolução, principalmente após a Revolução Francesa, da crítica do tempo linear e
do otimismo do progresso acomoda-se com algum desajeito nas ciências humanas.
Estas, ou pelo menos as idéias que possibilitaram sua formação, acolhiam a crença
do poder do Estado em moldar um "tempo artificial", reverter os estágios naturais
do tempo, e inseri-lo em uma dinâmica de governo (vide isto nos usos corriqueiros
dos termos crescimento e desenvolvimento). Todavia, um futuro incerto e receoso
se assoma a esta carga conceitual. Não há garantias dos sonhos ofertados pelas
grandes utopias, principalmente as que tomam volume no século dezenove. Dá-se
um modelo para se entender o presente mirando um futuro sombrio, dadas as
condições atuais.
E aqui, pode-se discorrer longamente acerca de um conjunto de demandas
sociais que se tornam inatingíveis — e mais do que isso, um problema — se a oferta
ainda mantiver seu caráter universal. Em virtude dessas idéias, ocorrem alguns
ataques que consideram a teoria sistêmica conservadora, devida, principalmente,
às formalizações teóricas de tratamento das dificuldades dos sistemas sociais em
acolher e materializar inovações (fonte de complexidade e problemas) ou, do
mesmo modo, implantar o caudaloso turbilhão das demandas sociais. Este tipo de
crítica, porém, tem um certo limite, pois a teoria luhmanniana dá um grande
espaço às estratégias teóricas de entender a seleção das inovações para a
“estabilização” (prosseguimento das regras do jogo) dos sistemas políticos e
sociais.
80
É curiosa, todavia, a maneira como a teoria sistêmica percebe uma
constância crítica do sistema em sua relação com o ambiente. O sistema é uma
eterna fricção e instituição de reformalizações. Compreende-se daí a grande
diferença das idéias que alternam a história entre períodos de crise/normalidade.
Se por um lado havia ou há a constância temporal linear do progresso irreversível,
há seu contraponto, na teoria sistêmica, da constância à fragilidade, da
normalidade do futuro inclinado à entropia. Ou seja, mudança da ordem que
caracteriza um determinado sistema social, a condição de um constante
desequilíbrio.
Todo esse debate poderia ser descrito pela perspectiva do rompimento —
ao menos em parte — de fronteiras disciplinares. Longe de formar uma "teoria geral
de tudo", o viés que se forma é o estudo de blocos de perspectivas de realidade.
Seja com o fenômeno da forte interação sóciopolítico que leva o nome de
"globalização", seja com as questões ambientais, seja ainda com o bordão da
governabilidade. Sem dúvida que seria interessante estudar esse novo encontro
entre as ciências naturais e sociais, e assim focar o cortinado ideológico desse
palco. Ainda não se sabe se isso tudo é uma reedição ou inovação meta-histórica,
pois a teoria sistêmica tenta abater, ou mostrar, o sem-sentido de uma consciência
histórica montada sobre as pernas do sujeito/objeto.
7.6 A ARTICULAÇÃO DE COMPLEXIDADE ENTRE O SISTEMA E O AMBIENTE
A derradeira questão, ou a que se coloca mais difícil, é a articulação de
complexidade entre o sistema e o ambiente, este mais complexo que o primeiro,
sempre exercendo pressão sobre sua estrutura normativa. Sistema e ambiente
podem ser muita coisa. Sistema pode ser uma sociedade inteira, ou várias
sociedades. Ainda pode ser a interação entre indivíduos ou organizações. Costuma-
se dizer que este tipo de abordagem não trata de sujeitos de carne e osso, mas de
comunicação. O significado, enquanto parte da influência husserliana em Luhmann,
caracteriza o sistema como ações comunicativas. E convém mais uma vez lembrar
do avanço que a área da comunicação estabelece no marketing, na sociedade de
consumo, na sociedade da "força da opinião pública".
81
Talcott Parsons (1969) e mesmo Max Weber (1989) tratavam os sistemas,
suas explicações quase como conjuntos fechados. Luhmann releva a pressão do
ambiente na mudança da racionalidade e forma do sistema, retirando qualquer
laivo de idealidade entre um e outro, qualquer traço de harmonia. É um atrito
entre a enxurrada de informações do ambiente e sua escolha e funcionalidade no
sistema. Segundo Hornung (2001, p.02): “Luhmann's theory of society is based on
communication and autopoiesis. Persons and psychic systems are the environment
of social systems that, according to Luhmann, are pure communication systems.”
A sociedade (sistema) ao se diferir de um ambiente, também se difere de
outros sistemas “dentro” do ambiente. O sistema psíquico forma homens e
mulheres, mas é o ambiente da sociedade enquanto sistema. É uma contigüidade.
Cada sistema que se relaciona com a sociedade ajuda-a a administrar a
complexidade sistêmica. Resumindo, o sistema tem duas características:
complexidade e funcionalidade. Quanto mais relações entre os elementos de um
sistema, maior seu nível de complexidade, assim, mais tênue seu limiar de fusão
com o ambiente. Quanto mais relações entre estes elementos, mais o sistema deve
mostrar sua funcionalidade para se diferenciar do ambiente. Logo, um nível flexível
de complexidade deve ser manejado para manter o sistema em operação.
O ambiente, que poderia ser generalizado em “mundo”, tem um número
indeterminado de possibilidades (horizonte de eventos, no jargão da Física), e não
tem qualquer meio de discriminar ou realçar uma que seja destas possibilidades ou
alternativas. O sistema deve estar constantemente estabelecendo novas diferenças
e formas com o ambiente, através de uma doação de sentido às seleções que sejam
relevantes para o funcionamento do sistema. A dinâmica destas relações se
promove tanto internamente ao sistema como externamente a este. A diferença é
tão importante ao sistema que é por isso que ele se volta para dentro (autopoiesis).
Desse modo garante eficácia sem perder sua diferença ao se abrir para “fora”.
Luhmann parte de um problema básico para começar a pensar em uma
teoria do sistema social: o da dupla contingência da ação, e aqui há ainda uma
forte influência de Parsons (1969). Como se inicia uma ação? Esquematicamente —
o que implica uma inerente simplificação —, a dupla contingência da ação seria
uma situação envolvendo dois agentes que não podem prever a intenção de um e
de outro, e mesmo assim precisam agir sabendo e considerando a ação do outro.
82
Para iniciar, as ações dos agentes precisam de alguma referência de orientação,
pois de outro modo há de ter um bloqueio das ações dos agentes, visto que cada
agente tem de considerar as possibilidades abertas a um e outro. Enquanto Parsons
(1969) remediava este problema introduzindo as amargas orientações normativas
compartilhadas pelos agentes para dirigir suas ações, Luhmann busca outra
solução: comunicação é o elemento mais concreto do sistema social.
Os sistemas sociais são constituídos por operações de comunicação (o
sistema social só opera usando comunicação) onde o enunciado é vital para ativar a
“intersubjetividade”, ou informar que há comunicação no sistema. Vê-se logo que
comunicação é mais do que informação entre emissor e receptor: é também a
operação interpretativa. A informação (o que sugere diferenciação entre coisas)
cria mais um paradoxo, pois ao selecionar elementos em um ambiente de
contingência acrescenta mais informação e, assim, complexidade ao sistema.
Fundamentados no até aqui exposto, já se torna possível esboçar nossa visão de
uma Ciência da Informação que possa utilizar-se da teoria sociocomunicacional
luhmanniana. Neste sentido, transcrevemos, ipsis litteris para um melhor
entendimento, o argumento de Hornung (2001, p.02):
Communication in the conventional sense means exchange of information
between at least two partners. A communication system in this context is
a system, namely an IT [Information Technology] system, that can be used
by those partners for exchanging information. Not yet entering the issue
of what "information" is, it is clear for the information scientist that an IT
system strictly speaking does not do anything, including communicate, on
its own. There is always at least one of the "partners" needed, either as a
user who initiates processes in the electronic system or as programmer
who tells the system in advance what to do under certain circumstances.
Because of this latter variant, computer systems often seem to act on
their own, to communicate with each other without human beings
involved. But also in this case, apart from the programming, maintenance
by human beings is necessary to some extent. In other words, IT systems,
like any technical communication systems, are non-living systems that are
set in motion only by human intervention. The same is true for
conventional mail systems that remain piles of paper, i.e., letters, post
cards etc., sitting in some place and suffering natural decay unless there
is in addition to a sender also a receiver, and at least a mailman. Much of
human communication depends on such artificial technical systems. But
even where this is not the case, communication by the spoken word
requires the sound waves produced by the speaker and physical action of
the partners to get close enough to understand each other. Of course,
Luhmann, after all, does not say that there are no communicators. He
defines the communicators, that is, the psychic systems, as the
environment of communication systems. This is in line with the concept of
technical communication systems. The users are the environment of the
telephone system and they are the environment of a computer system or
Internet. On closer inspection, however, there are clear differences.
Luhmann writes about communication systems as if they could do things,
83
as if they were autonomous "actors". In IT, however, it is usually clear
that the system is a man-made and man-operated tool, a stupid machine
after all. It is for this reason that much of technology studies and
technology assessment, also outside the field of IT, deals with man-
machine systems or socio-technical systems and not strictly technical
systems. In precisely this sense we find in information science increasingly
the use of the term "information system" meaning to include both the
technical system and the users even along with the social/organizational
infrastructure. Implementing data protection, for example, depends very
much on combining both. This all means that Luhmann starts with a
concept of communication systems that is also acceptable for the
information scientist. However, he does not draw the same conclusion,
that is, that a communication system is an artifact, or at any rate a non-
living system which cannot act or behave or do anything on its own.
A pretensão de se elevar o sistema como noção primordial ao entendimento
da sociedade é corajosa, visto o grande número de críticas que surgem com a
modernidade frente às tentativas desse tipo estar relacionada com uma pretensa
racionalidade totalizante. Neste ponto é longa a fileira de pensadores —
principalmente pós-Nietzsche — que tentaram minar a junção entre razão e
sistema. É certo que Luhmann já tem argumentos para este tipo de crítica,
decisivamente ao se acantonar nas teorias da comunicação. Neste cantão se arma
de uma rigidez metodológica sem generalizar seus recursos a todo espectro do
saber. Principalmente porque historicamente a idéia de sistema vem vinculada ao
tema de uma razão universal, alvo fácil de uma filosofia que sempre se renova para
mostrar a fragilidade e o caráter incompleto dessa noção.
A questão da liberdade está permeada neste debate, considerando a
cardinalidade que toma na sociedade capitalista atual. Uma “crítica de esquerda”
vem automaticamente defender a liberdade do homem na história. Outros não se
convencem que uma teoria sistêmica explique as finas camadas do agir humano.
Evidentemente que a argumentação se dará quanto à especificidade da idéia
luhmanniana de sistema, bem como da rejeição de uma racionalidade universal. A
liberdade poderá ser encontrada no sentido da operação de seleção de
contingências do ambiente e da própria auto-formação do sistema. Bem, isso é
apenas um ponto de fuga em debate mais denso. De qualquer forma, ele sempre
estará à espreita quando uma razão fundada por qualquer método construtivista se
pôr no píncaro da objetividade, deixando de lado as múltiplas demandas das
construções de liberdade.
84
A maneira como Luhmann historiciza as sociedades modernas é um tanto
questionável. Transparece um período estanque, completamente novo, mas atado
a velhas e obsoletas injunções políticas — como o sub-sistema partidário — que
precisam acompanhar as novas dinâmicas sociais, sem, no entanto, mostrar junto a
isso as novas formas de dominação que esta “evolução social” estende consigo. As
metanarrativas sugeridas por Jean-François Lyotard (1986) como já sem entusiasmo
para explicar a sociedade moderna, que não dirige ou que não encontra sentido
para seus projetos na “Humanidade”, tornaram-se chavões de auto-legitimação dos
rituais políticos modernos, indicando um paralelo com o pensamento de Luhmann
quando este propõe romper com um padrão de comunicação centrado na narrativa
de emancipação de tradição Iluminista. Este recrudesceu a aproximação da idéia da
política moderna como meramente performativa — o que levou alguns críticos a
dar-lhe uma alcunha conservadora — com tendência esvaziante, um sistema ritual e
flexível frente às pressões do ambiente.
Ao que parece, a indeterminação, a contingência, a irreversibilidade, entre
outros traços da verve sistêmica, traz ao debate contemporâneo das teorias sociais
e informacionais uma tentativa de questionar e influenciar a mudança do tempo
artificial ou cientificizado do positivismo clássico. É a volta à "naturalização" do
tempo e da sociedade e seus pressupostos decorrentes da teoria do caos, da
complexidade, da contingência ambiental (MARRAMAO, 1995). Toda a problemática
que se punha ao pensamento moderno, em suas formas de tratar a sociedade, as
miríades de suas angústias e anseios, corre o perigo de ser acobertada por novas
expectativas teóricas que dão urgência à "novos problemas", ou ao que pode ser
chamado de reconstituição de novas necessidades da "sociedade pós-moderna".
A noção de equilíbrio é o anteparo à formulação destes "novos problemas".
A sociedade ou o sistema está — o que parte das teorias funcionalistas e sistêmicas
leva a crer — no fio da navalha no que concerne à sua estabilidade estrutural. Basta
crer nisto então para se pensar nas opções disponíveis de saberes que permitam a
"regulagem" exata e eficiente do equilíbrio do sistema, chame-se isso de
"tecnologia social" ou não. Segundo Buckley (1967, p.50-51):
Os limites do sistema são definidos em função dos padrões de constância,
ligados a um conjunto harmonioso de normas e valores comuns,
expectativas que se apóiam mutuamente etc. O equilíbrio, por seu turno,
é definido em função do sistema mantenedor de limites, de padrões
constantes, harmoniosos, mútuos, comuns, recíprocos, complementares,
estabilizados e integrados.
85
Apesar das críticas mais agudas, a teoria dos sistemas atrai adeptos por sua
característica de transpor barreiras disciplinares, possibilitando interessantes
trocas conceituais e percepção de novos problemas que de outro modo seriam
pontos cegos. A possibilidade de novos objetos de estudo levantada pela teoria dos
sistemas, enquanto programa de pesquisa, permite sair das questões tradicionais
do estrito campo disciplinar. Somente os usos da recente Ciência Cognitiva pela
teoria dos sistemas e sua tentativa de encontrar novos fundamentos para as teorias
da cognição já é área vastíssima. Noções tradicionais como representação e
conhecimento sofrem abalos quando aproximados dos empreendimentos da
perspectiva sistêmica.
Em todo caso, uma das vantagens da teoria dos sistemas em relação a
outros tipos de abordagens que utilizam o termo sistema é sua pretensão à
parcialidade, a não generalização do sistema a tudo que "poderia" comportar uma
racionalidade. Não é à toa o grau de aprofundamento que este termo faz valer. Ao
menos tem um lugar específico, não global, em um lado da moeda, ficando o outro
lado para o ambiente. A crítica que se faz ao horizonte explicativo da teoria dos
sistemas é difícil de focalizar. Criticar sem ater-se a suas especificidades
conceituais, a radicalidade com que entende a realidade, é postura que se firma
em solo raso; não há muito que sustentar. Na verdade, este é um cuidado
generalizável a qualquer discussão onde há pressupostos epistemológicos em jogo.
7.7 A COMUNICAÇÃO LUHMANNIANA
A comunicação é um conceito central na teoria sistêmica de Niklas
Luhmann. Luhmann argumenta que, a comunicação e não a ação, como postulado
em muitas teorias, é a unidade elementar que constitui os sistemas sociais. A ação
é, na verdade, a unidade elementar que faz o sistema observável. Conforme
Luhmann apud Robredo (2003, p.100), “as pessoas e os sistemas psíquicos
constituem o ambiente dos sistemas sociais, que podem ser considerados como
sistemas de comunicação puros”. É com base nessa compreensão que nos
dedicamos à análise da comunicação. Segundo Luhmann (1989), que opera na sua
teoria com um elevado grau de abstração, a comunicação é compreendida como
um processo de três diferentes seleções: a seleção da informação, a seleção da
86
participação dessa informação e a compreensão seletiva ou não-compreensão dessa
participação e sua informação.
Os conceitos acima mencionados são qualificados por Luhmann nos
seguintes termos: a informação é uma seleção feita a partir de um conjunto de
possibilidades; a participação é a duplicação da informação numa forma codificada.
Desse modo, constitui-se uma diferença entre informação e participação; a
compreensão pressupõe a diferença entre informação e participação e toma essa
diferença como pretexto para a escolha de uma conduta associada, ou seja, a
compreensão também não é apenas a duplicação da participação em outra
consciência, mas ela é o próprio pressuposto da continuidade da comunicação.
Luhmann acentua ainda que a comunicação não é possível sem um estoque comum
de sinais e uma codificação uniforme.
Somente mediante a efetivação das três seleções acima mencionadas,
realiza-se a comunicação, que é vista por Luhmann como constituindo um sistema
completo, circunscrito a si mesmo. Nesse sentido, tais seleções não devem ser
vistas simplesmente como funções, atos ou horizontes para pretensões de validade,
ainda que essas possam ser ocasionalmente possibilidades de sua utilização. Não
devem ser também consideradas apenas como elementos da comunicação, com
possibilidades de existência independentes, os quais teriam que ser unidos por
alguém. Segundo Luhmann (1989), a comunicação é um sistema fechado completo,
formado pelas três seleções básicas mencionadas, as quais não podem existir uma
sem a outra, ou seja, não há informação fora da comunicação, não há participação
fora da comunicação e não há compreensão fora da comunicação.
A comunicação é compreendida como um sistema fechado completo por ser
capaz de produzir os componentes a partir dos quais ela existe, através da própria
comunicação. Nesse sentido é qualificada como um sistema auto-organizado, no
sentido de auto-elaboração, como um sistema que é capaz de especificar não
apenas seus elementos, mas suas próprias estruturas. Ao contrário ao argumento
usual na literatura, de que em última instância o que existem são homens e
indivíduos, sujeitos que agem e se comunicam, Luhmann (1989) postula, apoiado na
concepção do sistema de comunicação auto-organizada, que somente a
comunicação pode comunicar, ou seja, a comunicação se realiza como um processo
circular auto-referente. Dessa forma, segundo Luhmann, o que não é comunicado,
87
não pode contribuir para o processo da comunicação. De acordo com o mesmo
raciocínio, somente a comunicação pode influenciar a comunicação; somente a
comunicação pode decompor a unidade da comunicação (por ex. analisar o
horizonte de seleção de uma informação ou questionar as razões de uma
participação); e somente a comunicação pode controlar e reparar a comunicação
(LUHMANN,1989).
Ao qualificar a comunicação como um sistema fechado, nos moldes acima
descritos, Luhmann afasta-se das concepções da comunicação centradas na
participação dos agentes sociais, o que permite a formulação de uma outra tese,
de que a comunicação não tem nenhum objetivo. Tudo que pode ser afirmado a seu
respeito é se ela acontece ou não acontece. Isso não significa que não possam ser
construídos episódios orientados para objetivos na comunicação, embora a
comunicação em si não tenha uma finalidade.
Em linha direta de confrontação com a teoria habermasiana, segundo a
qual a comunicação tem o consenso como objetivo, ou seja, realiza-se como busca
de entendimento, a comunicação para Luhmann é, antes de tudo, um risco e, do
ponto de vista sistêmico, o consenso é um problema, na medida em que leva à
estagnação do processo da comunicação e com isso à estagnação do processo de
diferenciação dos sistemas sociais. A comunicação, assegura Luhmann, é arriscada
e improvável. Ela é improvável, embora nós a vivenciamos e a praticamos todos os
dias e sem ela não viveríamos. Esse componente improvável da comunicação é
explicado por Luhmann da seguinte forma: em primeiro lugar, é improvável que um
compreenda o que outro pensa, na medida em que ambos possuem consciência e
memória individualizadas; em segundo lugar, é improvável que uma comunicação
alcance mais destinatários do que aqueles que estão presentes numa situação de
comunicação; finalmente, é improvável o sucesso de uma comunicação.
A comunicação é arriscada porque ela se dirige para o afunilamento da
questão: se a informação participada e compreendida será aceita ou recusada.
Nesse ponto, toda comunicação é arriscada (LUHMANN, 1986). Esse afunilamento,
em torno das alternativas de aceitação ou rejeição, é a condição da continuidade
da comunicação que é realizada a partir dele. Não se pode fugir a essa situação de
decisão que é, justamente a garantia da auto-organização do sistema, na medida
em que diferencia a posição de conexão para as comunicações seguintes.
88
7.8 MEIOS DE COMUNICAÇÃO COMO FACILITADORES DA COMUNICAÇÃO
Luhmann (1997b) substitui o uso da categoria transmissão na sua teoria de
comunicação pela diferenciação de meio e forma. Meio e forma corresponde à
diferenciação entre elementos desapertadamente acoplados e elementos
rigorosamente acoplados. Certos meios de percepção como luz ou ar, podem
condensar em uma forma através de um organismo que o percebe. Um outro
exemplo seria a areia (elementos = grãos de areia desapertadamente acoplados)
como meio e a escultura ou a impressão de um pé na areia como forma
(=elementos = grãos de areia rigorosamente acoplados). No caso da comunicação, a
língua é um meio (palavras como elementos desapertadamente acopladas) que
condensa na forma de frases (palavras rigorosamente acopladas) sem, aliás,
destruir o meio. O meio de comunicação é assim definido como o uso operacional
da diferença de meio como substrato e forma. Comunicação é o processamento
dessa diferença. Enquanto o meio fica constante a forma se atualiza em cada
operação de comunicação.
A comunicação na sociedade produz dentro do seu processo evolutivo
diferentes maneiras de meio/forma, conforme o problema que a comunicação
enfrenta. Meios de difusão aumentam o número dos destinatários de uma
comunicação. Aumentando o grau da difusão da comunicação, aumenta também a
redundância da informação. A informação pode ser usada como confirmação de
conjunção social, mas não serve mais como informação de um ato comunicativo,
porque sempre pode-se esperar que a informação já seja conhecida. Nesse estágio,
os meios de comunicação podem surgir e assumir para si a tarefa de produzir
informação. Em geral, o crescimento da capacidade de difusão de informação leva
a um aumento dos endereços da comunicação, e cada vez mais se amplia a
dificuldade para se saber o que motiva uma comunicação, para quê, e quais as
comunicações que estão sendo aceitas na sociedade. Uma saída para essa situação
é a elaboração de um novo tipo de meio de comunicação: os meios de sucesso -
meios de comunicação simbolicamente generalizados. Esses meios de comunicação
conseguem juntar condicionamento e motivação. Eles estabelecem, na esfera da
sua vigência, condições que aumentam a probabilidade da comunicação. Poder, por
exemplo, é um meio de comunicação simbolicamente generalizado, que aumenta a
89
aceitação de uma comunicação dentro da política; o mesmo se aplica para o
dinheiro na economia. Segundo Hornung (2001, p.06):
In terms of information science everything from "disturbances" to
"impulses" is, of course, information. It is perhaps minimal information
and yet information permitting selection of appropriate internal
reactions, evolution, and in the long term coordination and
understanding. At the bit level, where the information of informatics is a
mere yes/no decision, it seems to meet Luhmann's "distinctions". A bit,
after all, is a distinction between yes and no.
Sem mais aprofundamentos no pensamento de Luhmann sobre os meios de
comunicação simbolicamente generalizados, resta somente lembrar que a
constituição da sociedade como sistema auto-organizável, operacionalmente
fechado na base de comunicação, coloca para Luhmann a evolução da sociedade
como o problema da evolução da auto-organização da comunicação, uma evolução
que por si, é influenciada pela evolução da sociedade.
O capítulo seguinte, e último, apresenta a interação do humano com o
Ciberespaço, a emergência de novos modelos de sociabilidade, especulando quais
transformações cognitivas, comunicacionais, éticas, afetivas, dentre outras, podem
estar em curso.
90
8 PLUS ULTRA! A INTERAÇÃO SOCIOCOMUNICACIONAL NO CIBERESPAÇO
Como vimos nos capítulos anteriores, à Sociologia, à Comunicação e à
Ciência da Informação se colocam atualmente os desafios de contribuir para o
desenvolvimento de modelos científicos que explicam a condução e regulação de
sistemas sociais, nomeadamente de organizações e instituições que vivem um
período de mudanças aceleradas, por vezes parecendo até caóticas. Para tal é
necessária uma análise de transformações sociais qualitativas não apenas a
posteriori, mas com certa capacidade de previsão e que inclui a interação de
sistemas sociais com sistemas de informação virtuais no Ciberespaço.
Tais mudanças, ao mesmo tempo em que afetam a autopercepção do
indivíduo frente ao mundo social, requerem uma modificação do método de
explicação para toda uma gama de fenômenos sociais, entre outros para aqueles
ligados à comunicação interpessoal à distância, como a conhecemos hoje em dia no
Ciberespaço em geral e especificamente na Internet.
Dito em poucas palavras: estamos em busca de um modelo explicativo da
condução e regulação sociológica de sistemas sociais e virtuais que interagem
segundo Von Föerster (1960) em situações de incerteza - fora do equilíbrio -
modelo este capaz de abranger a variabilidade de organizações e coletivos
dinâmicos enquanto sistemas auto-organizados.
As inspirações teóricas mais importantes para tal empreendimento provem
da termodinâmica do não-equilíbrio, de modelos da biologia molecular e, não por
último, da própria Ciência de Informação, onde elas estão ligadas à questão do
surgimento de ordem a partir de perturbações ou flutuações (princípio de order
from noise, Von Föerster, 1960). O que estas abordagens têm em comum é a sua
ocupação com a reprodução, diferenciação e evolução de conjuntos (populações,
organizações) dentro de campos circunscritos, nos quais aparecem flutuações
aparentemente casuísticas. Tais campos circunscritos são representados por
sistemas e ambientes de informação que constroem seus próprios mundos da vida
12
.
Segundo Capurro; Hj
rland (2003):
12
O termo "mundo da vida" representa um ambiente social pré-consensual, que se reproduz na
comunicação e cultura cotidianas, espontaneamente. Mundo da vida aparece como um reservatório
de naturalidades e convicções inabaláveis, que são usadas pelos participantes num processo
comunicativo como interpretações cooperativas (HABERMAS, 1988).
91
The modern concept of information as knowledge communication is not
related just to a secular view of messages and messengers but includes
also a modern view of empirical knowledge shared by a (scientific)
community. Postmodernity opens this concept to all kinds of messages,
particularly within the perspective of a digital environment.
No caso de sistemas sociais, eles são amplificados enormemente por co-
sistemas
13
eletrônicos no Ciberespaço, mais especificamente pela rede.
8.1 COMUNICAÇÃO: PROCESSO SÓCIO-BIOGENÉTICO
Como qualquer outro sistema vivo, sistemas sociais são comunicativos, quer
dizer que eles produzem e processam informações que podem ser vistas como
matéria prima básica do seu metabolismo com um ambiente selecionado. Devido à
distinção axiomática - feita pela teoria - entre sistema e ambiente, o social
enquanto sistema se encontra separado do seu ambiente psíquico e biológico. O
sistema social é visto como composto por comunicações, isto é por troca de
mensagens e informação. Os seres humanos enquanto pessoas e indivíduos não
pertencem ao sistema, mas fazem parte do seu ambiente de maneira que passa a
constituir algo como a razão externa da existência dele. Conforme Hjrland;
Nicolaisen (2005), to be rigorous and consistent, systems theory had to drop all
reference to actors and their self-interpretations, which were nothing but
‘psychical systems’ that form part of the environment for other systems.
Tal pressuposto teórico se adapta sobremaneira à comunicação através do
Ciberespaço, onde ela ocorre inclusive "fisicamente" separada das pessoas e
indivíduos. A diferença entre sistema e seu ambiente é intermediada
exclusivamente por limites de sentido
14
. Áreas de sentido – campos cognitivos e do
imaginário – passam a constituir os principais “territórios” em sistemas de
informação.
13
O termo co-sistema indica que o sistema evolui paralelamente com outro, formando o seu
ambiente.
14
Sentido = Aquilo que ocorre atualmente mais tudo aquilo que a partir daí é capaz de ocorrer.
Sentido pode ser visto como um estado de percepção do sistema, ou, se quiser, seu "observador
interno".
92
Pesquisas e formulações teóricas nas áreas científicas acima apontadas
mostram como o processo de surgimento - a gênese - de tais sistemas, que via de
regra se encontra longe do equilíbrio, ocorre de maneira auto-organizada,
utilizando para tais flutuações que parecem casuísticas. Longe do equilíbrio quer
dizer: uma situação instável, caótica, um ponto crítico, uma mudança acelerada.
Em tal estado, flutuações aparecem em massa.
A auto-organização ocorre mediante processos de informação, os quais
instruem e funcionalizam estruturas emergentes através de realimentação de tal
forma que aumentam as chances de um coletivo auto-organizado a ser "apontado"
num processo de seleção social. Trata-se, portanto, de processos de informação
que levam uma organização ao "sucesso".
Na Sociedade de Informação, o Ciberespaço e especificamente a rede, por
um lado, e as organizações sociais (empresas, equipes, departamentos, partidos,
etc.) por outro lado, formam co-sistemas, servindo-se mutuamente de ambiente, o
que aumenta sua capacidade de auto-organização. Em princípio, tal capacidade se
baseia numa série de critérios, a ver:
O sistema constitui seus próprios elementos (informações, mensagens) como
unidades funcionais. A interação entre sistema cibernético e sistema social
(ambos vistos como operacionalmente fechados e separados) modifica,
assim, o grau de disponibilidade de elementos funcionalizáveis em potencial;
Cada sistema se refere a esta autoconstituição já a nível "biogenético", isto é
nas relações entre os seus elementos. Assim, o princípio da auto-organização
(suas regras e sua lógica) é permanentemente reproduzido. Quando uma
parte desta autoconstituição depende da interação entre informações do
Ciberespaço e do sistema social, tal dependência mútua também se reproduz
e passa, assim, a fazer parte de cada sistema, através de interpenetração e
acoplamento estrutural;
Informação – enquanto matéria ou energia sócio-biogenética do sistema - é
processada de forma autoreferencial. O sistema não se refere, portanto, a
uma "essência" ontológica, a valores sociais "eternos" ou a uma moral ou
costumes determinados por fora. Ele se constitui e se modifica meramente
pelas incertezas ("flutuações") ocorrentes no próprio processo comunicativo
93
que se reproduz em torno de conteúdos construídos, que muitas vezes
parecem surgir casuisticamente.
O sistema se baseia num princípio de seleção que faz com que ele possa
escolher de uma paisagem complexa de valores (dados, informações) sem transpor
os seus próprios limites. Esta escolha é realizada em processos comunicativos. Para
tal, o sistema precisa de uma organização básica mutualística, quer dizer: uma
atribuição dos seus elementos a unidades aptas para se comunicar, por exemplo
palavras e imagens (LUHMANN, 1996). A disponibilidade de tais unidades se
multiplica pela interação entre sistema cibernético e sistema social.
No processo de comunicação, uma série de elementos compositores se
transforma em informação (seqüenciada em símbolos), que se replica (EIGEN;
WINLER, 1989), passando a constituir um produto social auto-organizado,
independente da consciência de um sujeito humano
15
. É por isso que os sistemas
virtuais do Ciberespaço podem acoplar-se ao processo de reprodução dos elementos
compositores do sistema ou organização social. A organização pode, assim, ser
vista como um sistema dinâmico, impulsionado por condições externas que ferem o
seu equilíbrio (PRIGOGINE, 1996). O Ciberespaço pode, em determinadas
circunstâncias, constituir uma destas condições externas.
Uma vez desequilibrado, surge um comportamento complexo, imprevisível,
que é caracterizado por correlações e formação de coerência entre os elementos.
Novas estruturas emergem.
Aplicamos aqui conceitos básicos e a abordagem de uma teoria de sistemas
sociais como parte integrante de uma teoria geral de sistemas. Esta se baseia numa
concepção particular de comunicação enquanto processo fundamental que constitui
sistemas sociais. O Ciberespaço, nomeadamente a Internet ou rede como co-
sistema e ambiente de comunicação aumenta as relações possíveis entre os
elementos (mensagens), multiplicando-os e ampliando assim os graus de liberdade
e opções alternativas, o que realimenta o conteúdo da própria comunicação. O
sentido de uma mensagem, em comparação com uma mensagem verbal ligada à
interação ou memória direta sofre um alargamento imenso, em extensão e
intensidade, mesmo dentro de um campo muito específico.
15
O termo autoreferência é separado do seu lugar clássico na consciência humana ou no sujeito e é
transposto para sistemas reais (LUHMANN, 1996).
94
Informação é selecionada de um leque de possibilidades, de um horizonte
de alternativas, que lhe dá sentido. Informação significa aqui um evento
temporalizado e perecível. Ela perde o seu valor quando é repetida. Mas ela deixa
um efeito estrutural no sistema, o qual, então, já não é o mesmo. Esses efeitos
servem ao processo de comunicação como horizonte de possibilidades para outras
comunicações dentro do mesmo campo de sentido. A noção de Weber de sentido é
aqui duplamente transformada. Primeiro, porque não se trata mais de sentido
individual de um sujeito-agente, mas de sentido (significado) atribuído por
comunicações (atos ou produtos coletivos). E segundo, porque esse sentido inclui
agora todas as possibilidades de escolha que dele fazem parte, inclusive as não
realizadas.
O papel do Ciberespaço, tomado ele próprio como sistema não
determinístico de sentido, consiste então em cooperar (uma vez que conectado,
ativado) com a transformação de diferenças em informação, em novidade,
diferenças essas emergentes no ambiente do respectivo sistema comunicativo.
8.2 CIBERESPAÇO: EMERGÊNCIA DE CONSTRUÇÕES CULTURAIS E SOCIAIS
Diferente de abordagens tradicionais, onde consenso e
complementariedade são apontados como "causa" da integração do objeto social,
na teoria sistêmica eles deixam de ser pressupostos para a constituição de sistemas
sociais e são substituídos por "diferenças emergentes e funcionalizados". Consenso
ou complementariedade, caso existirem, passam a ser vistos como produtos de
processos de interação com uma dinâmica própria dos elementos intervenientes,
representados por mensagens (novidades). A constituição/integração do sistema
ocorre pela criação de identidades, referências, valores próprios e objetos através
de processos de comunicação na sua própria continuação, independente daquilo
que os seres [humanos] experimentam no confronto com ela (LUHMANN, 1997b).
Assim, a sociocomunicação no Ciberespaço pode ser abordada, ela própria,
como (sub)sistema, como um campo de ação sui generis. A internet ou rede não
apenas amplifica a formação de campos sociocomunicacionais enquanto
"instrumentos": ela é capaz de fazer emergir construções culturais e sociais
inéditas, que se transformam praticamente em sujeito, ganham "vida" própria, uma
95
vida virtual equipada com inteligência artificial. O termo “global brain" tem sido
veiculado para caracterizar essa construção (STONIER, 1990).
Esta pressuposição de uma qualidade quase que "ontológica" da rede - a de
ter vida própria - permite avançar para uma explicação genuína das origens da
sociabilidade virtual no Ciberespaço: de repente, o sujeito não é a pessoa, o
usuário, mas a comunicação, a mensagem, baseada na construção de sentido, de
significado próprio. Já não é o usuário que estabelece os limites e o horizonte da
comunicação. É um sistema operacional eletrônico, em relação ao qual os usuários
formam apenas o seu ambiente.
A estrutura sociocomunicativa da rede não representa, portanto, um
caminho que regula diretamente o pensamento e as ações humanos. Ela orienta
apenas a comunicação que tornará a aceitação de determinadas mensagens e
informações mais prováveis do que outras. É o sentido dado a conjuntos de
mensagens que delimita os campos de comunicação (listas de discussão, consultas,
pesquisas, sites, chats etc.) enquanto sub- ou microssistemas sociais.
Dentro de suas fronteiras, tais campos se apresentam como
operacionalmente fechados, usando uma determinada linguagem codificada. Seu
fechamento operacional lhes permite se manter e evoluir num ambiente que, em
relação ao sistema de comunicação tradicional, direto, aparece como algo
desordenado, caótico, estranho.
Sentido funciona como indicador das possibilidades de compreensão e
experiência vital. Tal função é básica. Ela é necessária porque na interação entre o
mundo virtual da internet e o mundo social de organizações a relação
ambiente/sistema é incalculável, indeterminado, imprevisível, e depende,
portanto de memória, que fornece a base técnica de sentido. Tal interação não
segue rotinas de um mecanismo gigante, mas contem um potencial inesgotável de
surpresas; ela gera informação potencial que precisa de sentido para produzir
informação real (informação que "faz efeito").
Isso pressupõe que sistemas sociais virtuais, ao contrário de sistemas sociais
baseados na tradição, no parentesco ou na amizade duradoura, vivem e sobrevivem
da contínua criação/diferenciação de informação (novidades). Quando mais
nenhuma diferença for realizada, nada mais há a ser comunicado e o sistema
termina. A estabilidade e a duração do sistema virtual - por exemplo uma lista de
96
discussão - depende, permanentemente, de novas diferenças e distinções a serem
criadas. Os elementos que compõem o sistema não têm duração e devem ser
reproduzidos permanentemente; o sistema deixaria de existir, mesmo no ambiente
mais propício, se ele não equipasse os seus elementos com capacidade de conectar
com outros, se não os equipasse, portanto, com sentido, e assim os reproduzisse.
Sendo capaz de produzir sentido, a rede passa a constituir, ela própria, um
sistema de sentido, com ações sociais sui generis, ações sócio-virtuais com funções
de reflexão: pensamento ainda "suspenso", projeções, idéias. Uma parte destas
idéias se autoreferem à própria regulação e condução da rede. Ela se reproduz
como sistema sócio-virtual. Ela "vive".
8.3 GÊNESE E EVOLUÇÃO DE SISTEMAS SOCIOCOMUNICATIVOS
Um modelo de auto-organização social que incorpora um Ciberespaço “vivo"
precisa, então, explicar como é que instituições sociais variam e selecionam seu
comportamento através de processos de informação.
Em analogia com processos biológicos baseados em informações genéticas,
interessantes pontos de referência para a mudança de sistemas de comportamento
conduzidos por informação podem ser elucidados. Referimo-nos, nomeadamente, à
explicação do papel da interação entre sistemas sociais e virtuais na otimização de
graus de funcionalidade de sistemas reais.
Todas as espécies de sistemas que se autoreproduzem em ambientes
variáveis organizam informação em seqüências de símbolos, que estão sujeitas à
interpretação e cujos produtos desta interpretação exercem um efeito retroativo
no sistema. Este efeito da informação cria diferenças e, em conseqüência,
variedade selecionada, como base do seu desenvolvimento ou de sua evolução.
Como argumenta Capurro; Hjrland (2003), The features of this autopoietic
universe are collapse, irreversibility, and self-regulation, where higher levels act
downwardly on the lower levels. This circularity remains imperfect.
Sistemas que se encontram em equilíbrio, sem flutuação ou perturbação
significativa, não possuem informação e também não precisam dela. Informação
pode, portanto, aparecer e ser funcionalizada apenas enquanto o sistema está fora
do equilíbrio.
97
Do ponto de vista sócio-dinâmico, o processo de informação mais simples
consiste numa perturbação exterior e na reação a ela, causando uma flutuação.
Não havendo flutuações - como é o caso de estados equilibrados - não haverá,
portanto, informação em atividade. Alterações que pudessem se manifestar
macroscopicamente (enquanto fenômenos observáveis) estão ausentes. E vice-
versa: o fato de aparecer um desvio desestabilizador do comportamento anterior
do sistema significa a existência de um desequilíbrio, por mais insignificante que
possa parecer inicialmente.
Trata-se de um princípio dinâmico de surgimento de informação a partir de
não-informação, quer dizer a partir de flutuações que à primeira vista parecem
casuísticas: um estado não informado ou menos informado (noise, "ruído") se torna
instável e exposto a alterações por causa de flutuações na sua estrutura antes
homogênea (melhor dito: homogeneamente caótica). Estas alterações se destacam
como "ordem" frente ao "ruído" (princípio de order from noise). Flutuações
formam, portanto, a causa primária da gênese de estruturas de informação, tal
qual as encontramos de maneira exemplar também no sistema rede. Estas
flutuações desencadeiam um ciclo auto-catalítico que amplifica os menores desvios
ao longo de muitos ciclos de reprodução ou replicação.
16
Em sistemas sociais, tais ciclos se baseiam na "dupla contingência" entre
atores sociais envolvidos numa situação comunicativa. Suas ações estão
inicialmente indeterminadas (situação de contingência), o que faz com que
qualquer ação ou mensagem se torne relevante para a gênese de um sistema social
e funcione como fator auto-catalítico.
17
Trata-se, portanto, da constituição e do aproveitamento do acaso para
funções condicionadoras do sistema, ou seja, trata-se da transformação de acasos
em probabilidades de construção de estruturas. Todo resto é uma questão de
seleção daquilo que se mostra apto a ser utilizado para a formação dos fenômenos.
16
Replicação significa autocatalise. Esta pode reforçar uma flutuação microscópica, até que ela se
manifeste macroscopicamente (EIGEN; WINLER, 1989).
17
Pode-se falar de ‘auto’-catálise, porque o problema da dupla contingência é ele mesma parte do
sistema em formação. Sob condições de dupla contingência de sistemas autoreferentes cada acaso,
cada erro, cada estímulo se tornam produtivos. Sem 'ruido' não há sistema (LUHMANN, 1996).
98
Gênese de informação significa, portanto, uma alteração na distribuição
probabilística dos símbolos, baseada em condições adicionais que se revelam
apenas no decorrer do processo evolutivo (EIGEN; WINLER, 1989). A estrutura
comunicativa surge, portanto, de um processo de evolução, ao longo do qual
determinadas informações ganham possíveis privilégios de reprodução
18
: desvios
"casuísticos" na transmissão de informação são avaliados "inteligentemente", quer
dizer que são avaliados em relação à sua funcionalidade, sendo que os desvios mais
propícios para a sobrevivência e evolução do sistema se reproduzem.
Ora, num sistema de comunicação que vive de novidade e que, portanto,
sempre se encontra desequilibrado, tais desvios ocorrem permanentemente
enquanto "erros" de interpretação das mensagens. Sistemas virtuais são ainda mais
afetados por esses desvios do que sistemas reais, por causa da instabilidade mais
elevada dos seus elementos, que estão muito menos sujeitos a um controle e
correção imediatos. A interpretação realimenta a comunicação, o que permite a
nível social - onde ela estabelece autoreferência - uma ampliação forte dos limites
da capacidade de adaptação estrutural assim como da abrangência da comunicação
interna do sistema. Informação surge quando um evento (mensagem) provocar um
efeito seletivo, quer dizer, quando puder escolher estados do sistema. Isso
pressupõe a capacidade do sistema de orientar-se por diferenças, as quais por sua
vez estão ligadas a um modo autoreferencial de operação (LUHMANN, 1996).
Informação emerge, portanto, no preciso momento da interpretação. (JONES,
1995).
Parece paradoxo: quanto mais "errada" for esta interpretação, quanto mais
ela desvirtuar o sentido original, intencionado, tanto mais informação (surpresa,
novidade) ela gera. (No entanto, há um limiar além do quais os “erros" se tornam
contraprodutivos e a interpretação não consegue criar um novo sentido, como
ainda veremos).
Sendo assim, sistemas virtuais - como a rede - quando conectados com
sistemas sociais influem nestes no sentido de reforçar e aumentar instabilidades
em comportamentos e pensamentos, que estão permanentemente sujeitos a serem
18
Informação significa primeiro “favorização” da replicação em quantidade, qualidade e duração de
vida da seqüência de símbolos existente. São estas as marcas que fazem surgir, mediante
realimentação, um significado da informação genética (EIGEN; WINLER, 1989).
99
selecionados de maneira auto-organizada. Eles trabalham com uma estrutura
básica circularmente fechada, a qual se decompõe imediatamente, se não houver
forças que agem em contrário.
A comunicação de sistemas sociais através de sistemas virtuais reforça,
portanto, a indeterminação básica que atribui a qualquer atividade um significado
capaz de formar estruturas, mesmo que esta atividade emerja apenas de uma
flutuação percebida como meramente casuística, por exemplo, de uma falha na
interpretação de mensagem. O exemplo mais famoso seria a "falha freudiana" na
fala de uma pessoa, que abre interpretações que apenas "Freud explica". O
"inconsciente" se revela. A emergência de estruturas sociais através do movimento
de informação se torna transparente.
8.4 CRIATIVIDADE ESTRUTURAL DA INFORMAÇÃO
A dinâmica da sociocomunicação que passa pelo Ciberespaço depende cada
vez mais da criatividade causada por mensagens que se cruzam, combinam,
rejeitam, produzindo novas conexões de sentido (novas "interpretações"), dentro
de um limiar de ritmo e velocidade apropriado. Este "limiar de erro"
19
não deve ser
ultrapassado. Caso o desvio do sentido original - suas interpretações - não crie
sentido próprio, a comunicação acaba, se rompe.
Perto deste limiar, informação, ruído e comunicação convergem para um
optimum de criatividade. Acima do limiar, as mudanças são rápidas demais e o
sistema se desintegra no caos. Abaixo do limiar, ele se "petrifica" e se perde em
redundância, estando incapaz de reagir apropriadamente a mudanças.
No entanto, nem toda interpretação ("erro de leitura", desvio do sentido
original e intencionado), mesmo que não ultrapasse o limiar de erro, leva
imediatamente a uma mudança de comportamento. A nova variante pode se
mostrar inapta para assumir uma função nas condições dadas. Mas, no decorrer do
tempo (e o tempo é aqui importante, senão determinante), o aparecimento de uma
(re)interpretação que produza algum efeito (ação), é inevitável. Assim, as escolhas
19
Ponto crítico da taxa de mutação, acima da qual acumulam erros e levam logo à perda total de
informação (erro catastrófico). Seleção estável requer uma taxa de mudança abaixo do limiar de
erro (EIGEN; WINLER, 1989).
100
anteriormente feitas são constantemente postas em causa e declaradas inválidas,
logo que apareça uma variante mais apta provocada por uma flutuação (EIGEN;
WINLER, 1989).
Isso quer dizer, portanto, que nem toda mensagem, nem todo ato
comunicativo cria um sentido novo. Pois a comunicação aparece aqui também com
seu aspecto repetitivo, redundante e muitas vezes prolixo, dando estabilidade ao
sistema. Mas, em sequenciamentos repetitivos, desvios se tornam inevitáveis, já
que a comunicação ocorre num ambiente incerto, complexo, sujeito a flutuações
das mais variadas.
A sociocomunicação multiplica e aumenta os desvios - as interpretações -
de tal forma que se distanciam do significado original e criam áreas de sentido com
seus significados próprios. Inteiros subsistemas culturais emergem. A informação
ganha vida própria, dando lugar a um imaginário social diferente do “tradicional”,
“habitual”, “normal”. Ela representa a energia primária do sistema, e aparece aqui
como um terceiro estado dos fenômenos, ao lado de matéria e energia (STONIER,
1990).
In summa: à variedade da informação correspondem alterações na
reprodução do seu código: é isso que representa a criatividade em sistemas
cibernéticos. A criatividade da rede não existe, apenas, porque há pessoas criativas
sentadas on-line na tela. Ela existe também por si própria. O Ciberespaço
representa um sistema "vivo" no sentido sociológico. Eventos que modificam o
código de comportamento de sistemas auto-referenciais - e a rede é tal sistema -
são nada mais nada menos (do ponto de vista "técnico") - do que "erros" de leitura,
ou seja, interpretações que podem levar - caso forem selecionadas - a mudanças no
comportamento do sistema social que co-evolui com o sistema "rede".
A criatividade do Ciberespaço se baseia, assim, na incerteza da reprodução
do código de informação, devido a interferências de flutuações (interpretações).
20
Há, aqui, analogias com a sistemas biológicos.
21
20
Reprodução não significa simplesmente repetição igual, mas sim reprodução reflexiva, produção a
partir de produtos (LUHMANN, 1996).
21
Evolução significa otimização e está vinculado à seleção. Esta por sua vez é a conseqüência
imediata de replicação (LUHMANN, 1996).
101
Da maneira como se processa a replicação do código de informação
depende, portanto, o verdadeiro avanço evolutivo: na rede, o usuário não entra
duas vezes no mesmo fluxo de informações, por assim dizer. E, de certa forma,
também vice-versa: a rede nunca encontra duas vezes o mesmo fluxo de usuários
conectado a ela. A combinação da reprodução de duas estruturas de informação - a
social e a virtual - multiplica sua força sócio-genética.
É por isso que a velocidade da mudança social aumenta na medida em que
o ciberespaço interage com o processo de comunicação social. O intercâmbio
("metabolismo") entre sistema social e virtual, onde novas interpretações são
funcionalizadas, cria, no decorrer do tempo, uma linguagem e (sub)cultura
próprias. Assim, a auto-organização está voltada para a reprodução dentro de um
conjunto de significados distintos. No processo de comunicação na rede os
intervenientes funcionam como sistemas pouco determinados (por expectativas,
preconceitos, conhecimento mútuo do passado, etc.), quer dizer que eles são
especificamente sensíveis para reagir a informações para compreendê-las do "seu
modo". Tal sensibilidade expandida produz momentos de criatividade adicionais, já
que a comunicação na rede surge e se reforça através de uma variedade de
problemas e obstáculos de compreensão que precisam ser superados para ela
acontecer.
Na comunicação direta, In Real Life, estes obstáculos aparecem como
fronteiras de interação de ordem temporal, espacial e cultural. Na comunicação via
rede, além dos fatores espaciais e temporais, o fator "compreensão" (atribuição de
sentido) se revela o principal obstáculo a ser superado. Mesmo quando a
metacomunicação (comunicar sobre a comunicação) entra em jogo acasos e
coincidências interferem.
8.5 ALÉM DO ACASO: SELEÇÃO DE INFORMAÇÕES COLETIVAS
Acaso ou coincidência constitui uma qualidade de sistemas complexos em
sua relação com o ambiente. Sob acaso entendemos uma forma de conexão entre
sistema e ambiente, que foge do controle pelo sistema. Nenhum sistema pode levar
em conta todas as causalidades possíveis. Acaso é a capacidade de um sistema de
102
usar eventos não produzidos ou coordenados por ele mesmo. Neste sentido, acasos
significam perigos, chances, possibilidades. (LUHMANN, 1996).
Acasos levam a surpresas e novidades. Ora, a novidade é constitutiva para a
emergência e manutenção tanto de sistemas sociais como virtuais. Em princípio,
cada mensagem aparece com um mínimo de surpresa, quer dizer destaca-se da
anterior, atribuindo-lhe uma individualidade. A incerteza passa a constituir uma
condição estrutural.
Variações aparecem em massa – mas apenas poucas "sobrevivem". A maioria
delas desaparece sem ter sido funcionalizada, já que não existe ligação funcional
entre variação e seleção. Se variações ocorressem apenas tendo em vista suas
chances de seleção, a sociedade estaria exposta a um elevadíssimo risco de
decepção, já que a realidade social é extremamente conservadora e não troca tão
facilmente o existente e comprovado por algo ainda desconhecido (LUHMANN,
1996).
Mesmo que a maioria das variações não seja funcionalizada e assim
estabelecida no sistema, ocorre, ao longo do tempo, uma ampliação histórica das
possibilidades de variação social, mudando o conceito de realidade. A realidade
que era tomada como o inegável em si, torna-se suspeita de ser mera criação,
mera aparência, mero correlato da consciência, ou, para usar outra expressão:
mera construção.
É no reconhecimento e processamento de flutuações "casuísticas" enquanto
informação que o sistema social e o sistema virtual - a rede - reforçam
mutuamente suas condições sócio-genéticas e sua criatividade. Quando estas
condições estão preenchidas aparece um comportamento seletivo.
Flutuações tidas como casuais aparecem com regularidade e se acumulam
quando um coletivo se comunica num espaço de informação
22
relativamente grande
por um período de tempo mais duradouro. A construção e evolução de novos
sentidos e significados através do aproveitamento de tais flutuações deve,
portanto, ser considerada um fenômeno de efeitos acoplados. Sabe-se que sistemas
sociais sem possibilidades de perfazer ações coletivas não podem ultrapassar um
nível de desenvolvimento ínfimo (LUHMANN, 1996).
22
Espaço de informação quer dizer determinadas seqüências de códigos que representam
informação “condensada” (EIGEN; WINLER, 1989).
103
O Ciberespaço representa tais ações e comunicações coletivas que
valorizam e avaliam (interpretam) informações, formando sentidos (significados) a
partir de referências próprias. Nele existem padrões visuais que distinguem quais as
interpretações mais aptas ou menos aptas a serem selecionadas para formar uma
estrutura comunicativa (por exemplo numa lista de discussão ou numa home-page
que chamam mais atenção ou menos atenção).
Seleção, neste sentido, não significa um destaque ou atribuição de um
privilégio qualquer, mas sim uma forma bem determinada de destaque ou
privilégio, que se orienta numa escala de valores, se delimita claramente da
concorrência, constrói um espectro de modificações orientado naqueles valores e
organiza e controla a variedade complexa. Enquanto na sociedade "real" estes
valores têm apenas validade local, sendo a localidade assegurada por limites
territoriais e/ou culturais, na sociedade "virtual" eles se referem às funções que as
mensagens assumem dentro de um coletivo não-local, cujos limites variam
permanentemente em função de movimentos no espaço cibercultural.
Isso aumenta as possibilidades de seleção de determinadas mensagens e
informações, através de um processo parecido ao que conhecemos da vida
biológica, ou seja, pela "sobrevivência do mais apto". Sobrevivência, neste
contexto, é um fato que se expressa em números relativos de ocorrência (por
exemplo, quantidade de acessos de uma determinada homepage ou de mensagens
enviadas para uma lista de discussão), números que apresentam uma medida exata.
Esta quantidade representa, ao mesmo tempo, uma qualidade "estrutural" do
coletivo: quantas comunicações (mensagens) são necessárias para a reprodução de
uma (sub)cultura no Ciberespaço?
Por outro lado, o que é "mais apto" é determinado por uma função de valor.
Esta se baseia em parâmetros dinâmicos que independem da quantidade de
elementos envolvidos no processo de comunicação. Essa função de valor pode ser
vista como "capacidade de funcionamento", que por sua vez corresponde a certo
"conteúdo informacional". O sistema de comunicação é avaliado por seu "grau de
inteligência": será ele capaz ou não de aproveitar a (energia de) informação
existente e agir ("funcionar") dentro de um ambiente dado? E qual o desempenho
dele em relação a outros sistemas concorrentes?
104
A qualidade de "estar apto" é comparável com a capacidade de um genótipo
biológico (genoma), que codifica funções de um fenótipo coletivo (um ser, um
corpo, uma organização, etc.). Tal processo de codificação representa um esforço
"intelectual" de um sistema, esforço que produz estruturas de informação.
Qualquer seleção de um sistema social ou virtual (em função do esforço de
avaliação) significa uma focalização numa seqüência de mensagens (assuntos,
temas) que dominam a comunicação, formando campos de interesse especiais que
se sobrepõem a outros. O princípio da evolução por seleção trata, portanto, da
otimização da eficiência funcional de um sistema de comunicação dentro de um
conjunto de sistemas concorrentes. Tal otimização ocorre pela seleção de
determinadas funções dentro de uma rede de reação ou cooperação, que apresenta
uma divisão de tarefas. Nesta, as tarefas são mantidas e intermediadas por
processos de informação. Ou seja: o sistema apresenta certo grau de inteligência,
uma qualidade que depende da eficácia com que o conjunto processa informações.
A teoria clássica da evolução biológica (Darwin) atribui tal esforço (de
produzir informação seletiva) ao acaso, já que ele não pôde ser reconhecido com a
técnica então existente. Ele se passava escondido. Os teóricos de então pensavam,
desconhecendo suas causas, que alterações no código genético ("mutações") fossem
geradas pelo puro acaso, por flutuações estatísticas, que não eram, de jeito
nenhum, previsíveis ou influenciáveis. A biologia molecular de hoje, no entanto, é
capaz de controlar mutações e produzir réplicas fieis de mutantes, após ter
analisado em detalhes a distribuição deles numa determinada população.
O resultado é interessante e deixa espaço para uma interpretação
sociológica. Enquanto se pressupunha antes que existia um tipo genético
predominante em qualquer sistema-espécie (predominante também em
quantidade), sabe-se hoje que ele em muitas espécies nem existe enquanto tipo
individual, mas é apenas a expressão de uma média composta por qualidades do
conjunto todo. O comportamento predominante de um sistema não resulta da ação
de alguns (tipos de) indivíduos "privilegiados", mas da interação de um conjunto de
códigos genéticos antes vistos como "neutros" (não-dominantes), sem ou com pouca
influência na evolução do fenótipo (do "ser adulto"). O tipo dominante, tido como
indivíduo, se mostrou ser um coletivo, um sistema biogenético, por assim dizer.
105
Os tipos genéticos antes vistos como neutros aparecem, de repente,
valorizados e funcionalizados. Neste novo modelo, cada tipo individual é avaliado
exatamente segundo seu grau de aptidão relativa, tendo em conta as condições
locais de sua existência.
Algo semelhante ocorre, comparavelmente, em relação a sistemas sociais.
A informação sócio-genética (de ordem intelectual, emocional, cultural)
responsável pela regulação e condução de um sistema tinha sido atribuída apenas a
alguns poucos "tipos dominantes" (lideranças, elites), enquanto o pensamento e as
opiniões da maioria da população eram vistos como neutralizados e/ou
subordinados. Ignorância e desinformação, manipuláveis pela elite dominante,
eram atributos de "gente comum".
Com o advento da mass media e da comunicação eletrônica a influência da
opinião pública (informação antes tida como "neutra") no rumo de sistemas
democráticos se torna visível e preponderante (MCGARRY, 1999).
Na sociedade de informação os caracteres sociais "comuns" ganham suma
importância. Eles formam a grande maioria, representam a informação do tipo
dominante sem (individualmente) serem idêntica a ela, servindo de base excelente
para a formação de sistemas sociais (grupos, subculturas, organizações etc.) que
apresentam comportamento alterado. Uma grande variedade de mundos e estilos
de vida surge, desenvolvidas a partir de um padrão antes dominante. A sua gênese
pode ser explicada passo a passo:
Os códigos da informação dominante são reproduzidos de maneira
semelhante, mas não idêntica, devido a flutuações internas e externas. Por
isso aparecem mudanças do comportamento-padrão que são selecionados ou
não, conforme sua aptidão funcional. Tais mudanças surgem inevitavelmente
ao longo do tempo, e são reforçadas e aceleradas por informações adicionais
que alimentam o espaço de comunicação provindas, sobretudo, da mídia e
da Rede;
Novas formas de pensamento e comportamento se tornam funcionais quando
"fazem moda", por exemplo, ou quando chamam atenção de uma opinião
pública mais ou menos difundida. Estas novas formas se tornam atratores à
medida que abrangem uma população maior. Novos estilos de vida surgem;
106
Um "efeito de massa" parece que dá a certos grupos e a certas organizações
a possibilidade de reproduzir determinados valores novos, inicialmente a
nível local, mas sujeitos à difusão no Ciberespaço e modificados ainda mais
pelas interpretações que nele ocorrem;
Estrutura-se uma paisagem de valores sociais cada vez mais diversificados,
já que as modificações produzem sucessivamente e por sua vez outras
mudanças de valor, cada vez mais distantes dos valores antes tido como
"certos" e dominantes;
Grupos tidos como "marginalizados", que formam sua identidade a partir de
informação alterada, ocupam pontos de destaque na nova paisagem social e
deslocam o espectro de valores a seu favor. Assim, estes grupos antes à
margem da sociedade acabam ficando cada vez mais aceites - ainda que nem
sempre integrados - aptos a inovar o conjunto e mudar o sistema;
Em conseqüência se produz um direcionamento do processo de evolução
social, processo este reforçado pelo aparato comunicativo entre os
elementos modificados;
Sob condições de incerteza, quando o sistema busca probabilidades mais
elevadas de seleção para sua (sobre)vivência, o surgimento de um
comportamento inconformado, inovador e desviante se torna vital;
Os sistemas inovadores se conectam através de realimentação cíclica, se
tornam mais sensíveis para reagir a flutuações, que antes simplesmente
foram reprimidas quando tocaram no status quo, ou simplesmente ignoradas
quando não colocaram em perigo o "equilíbrio do desequilíbrio" social. Um
hiperciclo - uma rede de reações cíclicas - se constrói, no qual se efetua um
fechamento anelar das ligações entre todos os participantes do sistema;
Processos de auto-organização democrática proporcionam a uma massa de
elementos antes tidos como "neutros" possibilidades de influência, que é
exercida através de regras modificadas de reprodução social;
Mesmo mundos de vida
23
que apareciam muitas vezes apenas como áreas
marginais de uma sociedade global pós-capitalista - por exemplo o mundo
indígena, são reativados, desreprimidos
24
;
23
Enquanto representantes de um provisionamento de padrões de interpretação culturalmente
fornecidas e linguisticamente organizadas (HABERMAS, 1988).
107
Informações replicadoras da "vida cotidiana" - antes vistas como passivas e
neutras - reiniciam sua participação na regulação e condução do sistema,
inicialmente a níveis locais, depois difundidos pela mídia e pela rede. Eles
provocam as turbulências necessárias para a ativação de um novo ciclo de
evolução social.
A comunicação horizontal, reforçada pelas informações disponíveis no
Ciberespaço, torna o sistema social capaz de funcionar bem perto do limiar de
criatividade. Ou seja: o processo de transformação contínua de uma estrutura
dinâmica se aproxima de um ponto ótimo entre estabilidade e mudança. Uma
variedade até então nunca vista de campos de ação e pensamento surge. Códigos
culturais de informação social, que antes dominaram praticamente tudo (por
exemplo através de estruturas de comando central), passam a ter influência
reduzida, já que todas as outras variantes possíveis de pensamento e
comportamento também se fazem presente em quantidade suficiente para garantir
sua existência autônoma. A cooperação "multicultural" se estabelece através de
interligações cíclicas. O período de dominação de um único tipo ou de poucos tipos
dominantes de informação (de cunho ideológico, religioso, tradicional etc.) chega
ao fim.
O novo conjunto social apresenta uma preparação ótima para muitas
alternativas de mudança e cenários do futuro possíveis, utilizando as redes virtuais
no Ciberespaço como campo de informação ampliado.
A "questão do poder" também se coloca agora de forma diferente: não
como uma decisão de tudo-ou-nada, mas dentro de um processo de realimentação
comunicativa, no qual todos os grupos sociais detentores de informação
participam.
A rede de sistemas sociais e virtuais reage com mais sensibilidade às
informações dos elementos e subsistemas antes tidos como neutros. Tais
informações passam a ser indispensáveis para a condução de sistemas baseados na
participação e comunicação democráticas, quando antes foi desvirtuado pelo
direcionamento cultural dominador de alguns poucos sistemas de elite.
24
"Desrepressão: Superação de repressão, (re-)ativação de genes reguláveis através do aumento de
sua taxa de transcrição" (EIGEN; WINLER, 1989).
108
É isso que faz com que uma mudança geral a partir de pensamentos globais
e ações locais se tornam inevitável. Os ciclos se transformam em hiperciclos,
quando colocados em rede, semelhante aos redeamentos hipercíclicos conhecidos
na evolução biogenética.
25
A superestrutura para tal é formada por redes de
comunicação que conectam as variedades locais numa sociedade global.
Finalizando, sistemas sociais – organizações, instituições etc. – que
conseguem mobilizar funções reguladoras e dirigentes através da integração e
valorização de um grande leque de informação, multiplicada pela interação com
sistemas cibernéticos, tem vantagens de desenvolvimento em relação a outros
sistemas que negligenciam este aspecto.
As informações necessárias para tal mobilização resultam de uma
realimentação cíclica (hiperciclo) no espaço de informação de sistemas auto-
organizados. A própria rede aparece como um destes sistemas, co-evoluindo com
sistemas sociais. O fluxo intensificado de informações (novidades), acelerado e
"filtrado" pela rede "viva", quebra a separação e hierarquia dominantes/dominados,
porque surge um "efeito de massa": idéias e ações antes reprimidas ou vistas como
insignificantes para a reprodução e o gerenciamento do sistema ganham força.
Mundos bipolarizados se transformam em multifacetados à medida que o
fluxo de informações se democratiza. O desenvolvimento de uma ampla variedade
de mundos e estilos de vida a partir de um campo bipolar se torna inevitável,
porque a polarização causa tensões que provocam permanentemente flutuações.
Assim, aumenta a possibilidade do surgimento de variedade social.
Sociologicamente, a desrepressão assume importância especial.
Participação e liberalidade passam a constituir qualidades básicas, porque
propiciam a formação de uma vasta gama de pensamento e comportamento. A
internet proporciona uma base poderosa para tal. Num próximo passo, os novos
mundos de vida surgidos são responsabilizados para a condução do sistema, dentro
de uma "divisão do trabalho" na direção social e política: o sistema experimenta um
aumento do seu grau de racionalização, o que leva a uma valorização produtiva de
todas as informações socialmente úteis, reforçada pela interação com o
Ciberespaço.
25
Existe toda uma classe de redes de reação que denominamos de maneira geral de hiperciclos. O
hiperciclo representa uma forma de organização que se destaca por qualidades significantemente
novas (EIGEN; WINLER, 1989).
109
As funções de representação social passam a se basear em meios
simbolicamente generalizados (dinheiro, lazer, meio ambiente etc.) dentro de uma
diferenciação "política" funcionalizada, onde cada "corrente" ocupa seu espaço.
Dito de forma simplificada: conservadores conservam, progressistas inovam, verdes
cuidam das questões ambientais, trabalhistas das questões laborais, anarquistas
anarquizam estruturas petrificadas dentre outros.
A nível macrosocial, uma nova forma de condução de sociedade emerge, na
qual coligações políticas atravessam as ideologias até então prevalecentes. Esta
transformação leva a um abrandamento do controle social centralizado, em todos
os patamares, macro e microsociológicos. O uso do Ciberespaço permite a busca de
decisões coletivas através de consultas (por exemplo plebiscitos) rápidos e em
todos os níveis.
A participação social - agora resultado de um sistema representativo de
alcance "popular" - é reforçada, permitindo a condução do sistema através de novas
formas de gerenciamento "horizontal". Exemplos bem sucedidos deste tipo de
gerenciamento surgem em empresas, comunidades, municípios e outras formas de
organização social.
Forma-se uma nova consciência social que será aproveitada por uma
sociedade de informação madura, local e global.
110
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Ciberespaço constitui uma vida comunitária regulada por interações, e
não por leis, decretos ou portarias. Os seres orgânicos das comunidades virtuais,
desvencilhados da coincidência histórica entre espaço e tempo, fazem valer o
salvo-conduto para estar em toda parte sem sair do lugar. Longe de dispensar os
indivíduos de deveres éticos, o Ciberespaço propõe uma coexistência auto-
organizada, em constantes revisões. Longe de padronizar condutas com base numa
"maioria moral" (normas e interdições a serviço das totalidades dominantes), a
“ciberética” apóia-se em regras e valores consensuais estabelecidos pelas células
de indivíduos, respeitando-se a pluralidade de contextos, os projetos societários e,
acima de tudo, a liberdade de manifestação do pensamento.
Por sua natureza desterritorializada e desordenada, o Ciberespaço resiste a
qualquer forma de regulamentação externa ou de censura. A ausência de ditames
governamentais representa o ponto de Arquimedes para assegurar à rede virtual
condição de consolidar-se como canal de comunicação, informações e idéias, em
moldes interativos e descentralizados. O campo de batalha delimita-se. De um
lado, elites obstinadas em estender à Web, sob variados pretextos, a gama de
comandos que exercem na quotidianidade. De outro, as forças sociais
transformadoras, que anseiam projetar o Ciberespaço como ambiente propício a
uma ética de reciprocidades entre os indivíduos comunicantes.
Não nos parece difícil discernir de que lado está as perspectivas de uma
práxis fundada em processos de colaboração por afinidades, sem monopólios ou
coerções. Comunidades virtuais, entrelaçadas às ações concretas dos movimentos
coletivos são como grãos que aspiram correlatar-se para tecer dinâmicas éticas
solidárias e formas evoluídas de opinião pública muita além da interatividade
propiciada pela rede.
Para além das possibilidades interativas do Ciberespaço, as experiências
relatadas nos mostram que o fundamental neste processo são as outras
reapropriações que cada receptor/usuário interativos elaboram e que se
constituem em uma permanente negociação de sentidos envolvendo os aspectos
culturais, econômico e sociais.
111
Como essas reapropriações não se caracterizam como algo próprio de uma
das partes, uma vez que elas se manifestam tanto pelo emissor como pelo
receptor, é possível afirmar que esta dinâmica resulta numa imbricação de sentidos
que favorecem o surgimento do “sincretismo” do qual nos fala Canevacci (1996).
Assim, o processo de interação entre os elementos culturais existentes tanto na
recepção como na emissão, não devem ser vistos na perspectiva da anulação dos
primeiros e sim como algo que proporciona uma troca entre os dois lados, seria a
multiplicidade que precede a unidade. É este momento de troca que possibilita o
enriquecimento da interatividade no sentido das interações sociais que ela pode vir
a desencadear. Como argumenta Santos (1990), o sujeito do conhecimento das
interações sociais é mais sábio do que o sujeito de conhecimento das interações
físicas, ou estritamente lógicas, pela razão elementar de que ignora mais e vive,
portanto, em permanente estado de descoberta.
Por outro lado, as experiências relatadas mostrando as mobilidades do
receptor interativo vêm comprovar que a suposta hegemonia do mundo
tecnologizado não se efetiva, o que coloca em questionamento as discussões
centradas nas duas vertentes teóricas: uma que traça um discurso de exortação aos
novos dispositivos técnico-informacionais e outra que, numa visão apocalíptica, só
vislumbra os danos que estes novos meios trarão à humanidade. As nossas reflexões
visam apontar uma outra forma de olhar a relação homem/máquina,
sistema/ambiente e sistema/sistema tendo como base a negociação que se
estabelece entre eles. A proposta, assim, é a de que ao ampliarmos o nosso olhar,
passemos a observar como o indivíduo contemporâneo empreende as suas
invenções e constatar que é na microestrutura social e na dimensão relacional do
quotidiano que se pode fazer outras releituras do processo dinâmico comunicativo
instaurado pelo Ciberespaço, enfatizando aqui a sociocomunicação. Para tanto,
torna-se necessário efetivar mudanças teórico-metodológicas e incorporar outras
formas de ver o homem no seu contexto sócio-cultural, que na sociedade
contemporânea não se limita apenas ao receptor ou ao emissor mas na interação
destes em um outro locus, ou seja na dimensão da fertilidade proporcionada pelo
coletivo.
112
Ao tentarmos concretizar esse espaço de informação e torná-lo ao mesmo
tempo um espaço de pensamento e um lugar de sociabilidade, procuramos
construir um outro mundo, diferente da representação tradicional de espaço físico
— um ambiente de palavras que são também conceitos. Conceitos, no entanto, não
se definem sozinhos e só ganham significado a partir de sua associação com outros
conceitos. Segundo Deleuze; Guattari (1997), cada conceito será, pois, considerado
como ponto de coincidência, de condensação ou de acumulação de seus próprios
componentes. Plano de conceitos, ilimitado e curvo, construído através de pontes e
bifurcações, sempre mudando, em movimento constante, dependendo das
conexões e associações que apareçam. Desse modo, os elementos que formam a
estrutura do mundo são palavras, letras: a interface do pensamento. Isso é uma
tentativa de conceitualizar o Ciberespaço, criar uma interface a partir dessa
conceitualização e devolver um mundo de pesquisas sobre Ciberculturas para o
indivíduo — um mundo que ele também possa habitar e interagir com outras
pessoas, como é característico desse espaço digital.
Desta forma, o mundo (auto)-organiza-se em torno de dois pontos
principais: o mundo como palavras e o mundo como pensamento, sendo palavras, a
interface gráfica do pensamento. Pensamos por conceitos, por associação de
conceitos. E também pensamos hipertextualmente. Recentes estudos de
neurociências sugerem que nossa maneira de pensar, de fato, ocorre em rede. O
modelo do hipertexto é análogo ao modo como o cérebro trabalha: uma intrincada
rede de neurônios conectados por trilhas de energia elétrica, gerando informação
mais das conexões do que das identidades fixas. Os neurônios funcionam como se
fossem blocos de construção desta rede, mas o pensamento acontece quando os
caminhos são percorridos pela rede elétrica. As idéias emergem de milhões de
neurônios e de suas combinações. O hipertexto também é a forma da WWW. Para
dar consistência ao pensamento representado por palavras, em forma de conceitos,
buscamos na filosofia a criação de arquiteturas do pensamento e da elaboração de
conceitos.
A filosofia quase sempre se valeu de cenas e metáforas para criar
conceitos, desenvolver idéias e representar o pensamento. Desde Platão e a
alegoria da caverna, Leibniz e as séries incompossíveis, Nietzsche e Zaratustra,
Deleuze e o plano de imanência, o pensamento é representado no espaço; ou
113
ainda, como um espaço onde algo acontece. Utiliza cenas, personagens e descreve
experiências para exemplificar e representar conceitos. Seguindo esta idéia,
pretendemos construir um palco, como um espaço onde cenas ocorrem. Não um
palco newtoniano, desconectado dos personagens que nele atuam, mas um palco
moderno, onde a ação de cada indivíduo serviria para mudar esse espaço e
estivesse intimamente ligada à formação deste. O palco como uma vasta
membrana, que incluísse matéria e espaço — no entanto, num mundo onde não
existe matéria, que é constituído de fluxo de informações, tanto palco quanto
personagens são formados com o mesmo princípio; nesse sentido, são o mesmo.
Cada conceito, então, não teria uma única definição: partimos do princípio
deleuziano de que cada conceito só se forma na associação com outros conceitos e,
para associá-los, seria preciso percorrer esse espaço e viver experiências. Qual
seria, então, a ligação entre o espaço de pensamento e o espaço digital? Através da
articulação entre representação, espaço e sujeito, é possível entender que o modo
como o ser humano percebe e (auto)-organiza o espaço físico está diretamente
relacionado à representação de nosso espaço de pensamento.
Habitamos espaços diferenciados. Espaços, físicos, imaginados,
representados… Ciberespaço. São espaços produzidos pela cultura e pela técnica.
Mas também somos produzidos pelo espaço em que vivemos. O homem medieval
habitava a Terra, mas vivia ameaçado pela idéia de ser enviado para o Inferno ou
com a esperança de ao Paraíso. Esperança… Foram lugares de esperança e de
liberdade ao longo da história, espaços definidos tanto pela cultura quanto pela
ciência, que moldaram nossa presença no mundo físico. Além do espaço celeste
medieval, a crença numa quarta dimensão, nas maravilhas do Ciberespaço… O
homem nunca se conformou em habitar apenas um tipo de espaço e sonhou
freqüentemente com lugares de liberdade, do corpo e da alma. Atualmente, esta
percepção de um espaço de liberdade é deslocada para o espaço digital. Um lugar
sem matéria, longe das leis do mundo físico, onde cada um pode ser quem quiser e
construir o espaço como melhor lhe convier. O Ciberespaço é um espaço em
construção. Espaço de liberdade ou não, o modo como ele será construído e como
estaremos presentes nele dependerá da compreensão do que é esse espaço digital.
114
Em síntese, diante de cenários tão indecifráveis no âmbito do Ciberespaço
a aproximação da Ciência da Informação, Ciberespaço, teoria dos sistemas sociais,
comunicação, auto-organização e autopoiese nos levou a algumas constatações:
Que o pensamento sistêmico e complexo, via métodos como o do
construtivismo radical, nos parece como o mais adequado para a
observação de processos de mudanças;
Que as abordagens cognitivistas podem e devem ser mais aplicadas
aos estudos de Ciência da Informação, Ciberespaço e comunicação;
Que o conceito de autopoiese, desde Maturana e Varela e, sobretudo
Luhmann, pode contribuir para a compreensão dos processos de
construção de sentido e de identidade, não só nos sistemas vivos e
psíquicos, mas também nos sistemas sociais e ciberespaciais;
Que a tese de Luhmann de que os sistemas são constituídos de redes
autopoéticas de comunicação amplia, em muito, as opções de análise no
campo da comunicação no Ciberespaço, por exemplo, ao libertar a
comunicação de seu caráter utilitário e instrumental;
Que o tratamento dispensado à comunicação nas comunidades
virtuais precisa superar a razão instrumental e linear e substituir os
modelos de transmissão e controle por modelos mais dialógicos, mais
interativos e menos controlados.
Quanto à construção de sentido no mutável ambiente ciberespacial, vimos
que se dá em novas bases, no campo da fronteira do relacionamento
homem/máquina, sistema/ambiente e sistema/sistema. A construção de sentido é
influenciada pela própria auto-referencialidade, em interação com as informações
emanadas pelo ambiente, e aparece como uma seleção, resultante de cognição, na
busca de reduzir a complexidade. É um processo circular, dialógico, que ocorre,
quase sempre, à margem das redes oficiais de comunicação. Por isso, não é
possível afirmar que essas mudanças só geram reações negativas, uma vez que foi
possível perceber, nesse processo cognitivo de percepção, interpretação e seleção,
que alguns mecanismos e comportamentos podem emergir, como adaptação
evolutiva, o distanciamento irônico, a libertação criativa e até mesmo a anulação
ou eliminação, dependendo da estrutura do sistema naquele dado momento.
115
A partir da autopoiese, via determinismo estrutural, foi possível identificar
o recurso à auto-referencialidade e a identidade como reação as mudanças. Ainda
que em um sistema a estrutura mude o tempo todo, num processo de adaptação às
modificações também contínuas do ambiente, o invariante, aqui, seria
organização. Se desestruturada, pode levar à extinção do sistema.
Por outro lado, quando trabalhamos com a sociocomunicação enquanto
processo sócio-biogenético, temos de mostrar o seu caráter casuístico e seletivo.
Há de se focalizar os momentos e os lugares em que ruído passa a dar lugar a
informação. Para tal, não podemos tomar os comunicandos (emissor e/ou receptor)
como subsistemas de um sistema cultural já preestabelecido. Um tal sistema, caso
exista, não passa, por sua vez, de um produtor de ruído, a partir do qual surge a
diferença entre sistema de sentido e ambiente de signos e sinais. Esta diferença é
insuperável porque as combinações possíveis sempre excedem as combinações
atualizadas, em cada momento. É por isso que sistemas sociocomunicacionais
evoluem e não podem permanecer em equilíbrio. Eles mudam quando percebem
informação seletiva, em forma de novidades, em seus ambientes. Diferente da
seleção biológica, nas escolhas sociais o ambiente natural dá lugar a um ambiente
virtual que deve ser considerado uma criação interna do próprio sistema em
desenvolvimento. Ele próprio exibe variações permanentes para si próprio. A
relação social sistema/ambiente é considerada conseqüentemente como uma
relação entre sistemas de comunicação, e não uma relação entre cultura e ação
individual.
A relação provém de acontecimentos casuísticos, de flutuações, que lhe
conferem um certo grau de improbabilidade, nomeadamente em três níveis: a) que
a mensagem alcance outros; b) que, ao encontrar outros, a mensagem seja
entendida; c)e que ela - se recebida e entendida - seja aceitada.
Apenas quando a sociocomunicação deixa de ser vista como uma troca de
pensamentos, de sentimentos ou de qualquer forma de experiência pessoal no
sentido mais largo, ela pode ser captada como um fenômeno emergente em relação
a sistemas psicológicos (seres humanos, observadores). Ela representa um nível
diferente de organização, tal como os sistemas biológicos se distinguem em relação
a sistemas físicos.
116
No entanto, enquanto a sociocomunicação ocorre, sistemas psicológicos
continuam a experienciar, sentir e pensar. Se ficassem com os comunicados do
sistema social, a sua experiência terminaria, e com ela matéria prima das
comunicações. Nada mais haveria que pudesse ser “irritado”, “desvirtuado”,
aproveitado e usado em processos de sociocomunicacionais. De forma análoga, a
matéria física precisa continuar a se reproduzir para que a vida biológica possa
continuar.
A experiência do ser humano (pensamento, percepções refletidas, etc) não
se confunde com a comunicação, mas faz parte unicamente da sua vida psíquica,
tal qual a existência de elementos químicos não se confunde com a vida biológica,
embora forneça certos elementos para ela. Ou, dito de outra maneira: quando uma
experiência psíquica for exibida, trata-se já de comunicação e não mais de
experiência pessoal. Para poder entrar como elemento no processo comunicativo
ela precisa ser recodificada e adaptada para tal. Ela precisa ressurgir em forma de
linguagem audível e em forma de gestos e sinais visíveis. Só depois desta
transformação de elemento psíquico para elemento comunicativo a experiência
pessoal pode ser processada pelo sistema social. Este lhe pode atribuir um
significado bem diferente do intencionado pelo sistema psíquico, tal qual um corpo
biológico, para usar outra metáfora, funcionaliza as suas células, usando-as tanto
para constituir a pele como para formar o cérebro. A sociocomunicação usa as
ações comunicativas dos participantes para criar o seu próprio sistema. Ele as usa,
abusa, esgota as contribuições dos participantes na sua própria dinâmica de
processar informações.
O acoplamento entre sistemas psíquicos possibilita a comunicação, mas
ainda não é sociocomunicação. A promessa "Eu vou lhe contar algo" nada diz sobre
o que vai ser contado. E não se sabe de antemão se essa "promessa" não significará,
na verdade, uma "ameaça". A sociocomunicação está sujeita a suas próprias leis.
Ela é um fenômeno emergente, com seus próprios processos biogenéticos embora
utilize os sistemas psicológicos no ambiente como elementos de sua construção.
Sociocomunicação não é, portanto, apenas uma forma de interação atribuída a uma
ação individual, mas uma forma de surgimento, diferenciação e autorenovação de
sistemas sociais.
117
O que até aqui conjeturamos é a possibilidade de se pensar o humano como
um híbrido animal-tecnologia, que desde o seu aparecimento sobre a Terra traz
como estigma a invenção permanente de si, afetando o seu meio e sendo afetado e
constituído por este mesmo meio, deixando, ao longo da sua jornada, restos e
tesouros que, ora se denomina cultura, ora tecnologia, ambos constituindo as
realidades que permeiam a própria existência humana.
É assim que se pode enxergar o cenário contemporâneo, onde as
tecnologias são (re)inventadas com tamanha velocidade que os efeitos sobre uma
humanidade sempre volátil e cambiante nem sempre podem ser apreendidos na
mesma velocidade. E diante do desconhecido, ou melhor, do ainda não conhecido,
sente-se apreensão, medo mesmo; ou ao contrário, faz-se apostas de ganhos e
lucros.
Talvez, nos dias de hoje, possamos salientar que o que há de mais radical,
quando se compara esta com outras realidades, seja a idéia de um novo espaço,
entendido como virtual, já amplamente conhecido com o nome de Ciberespaço.
Vêm desta singular zona espacial e temporal promovida pelas chamadas novas
tecnologias a novidade para o que se pode chamar de uma recente experiência de
habitação no mundo para o humano. Ou seja, mantendo os termos das reflexões
iniciais deste texto, vem do Ciberespaço a possibilidade de um novo exercício
humano. Lembre-se, um exercício nem mais verdadeiro nem definitivo que aqueles
tantos que o antecederam, apenas um outro exercício, uma outra face que se
desvela.
Nesse sentido, reprovamos, aqui, contudo, as abordagens que, desde uma
perspectiva da racionalidade linear e econômica, que se apropriam dos conceitos
darwinistas e os reescrevem em sua face social, justificam processos de exclusão,
de descarte, como processos de seleção natural, na qual só sobrevivem os aptos e
competentes predadores. Também não acreditamos na tese de que as teorias e os
métodos sistêmicos ou cognitivos são conservadores porque reduzem a vida social e
cultural às lógicas da natureza, pois está justamente aí, na reaproximação com a
natureza, a possibilidade de nos redimirmos da opção limitadora que nos separa do
mundo e de nós mesmos.
118
Finalizando, vale dizer que não objetivamos negar nem substituir as teorias
e os métodos tradicionais. Eles têm, ainda, sua utilidade e validade. Mas
acreditamos que, ao trazer novos enfoques e novos olhares para o debate no campo
da dinâmica comunicativa ciberespacial, estamos contribuindo para a legitimação
desse campo nos estudos da Ciência da Informação, da comunicação e do
Ciberespaço.
Nossas últimas palavras são: para nós, para os artistas, os filósofos e os
cientistas, o que conta é a emergência da imaginação num mundo dominado pela
razão, qualquer que seja ela, científica, tecnológica, social, econômica etc. O
campo científico, tecnológico, social e econômico não é apenas domínio da razão,
mas também espaços de produção e agenciamentos múltiplos, capazes de liberar
forças da imaginação e da vida. Pois cada época produz seu pão e seu circo, suas
leis e seu ópio, suas repúblicas e sua poesia. Não vemos porque o impulso alquímico
produzido pela sociocomunicação e pelo Ciberespaço seria mais alienante do que
qualquer outra forma de fabulação.
119
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