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uma destinada a ensinar, a outra feita para crer; uma escondendo
orgulhosamente aquilo que ela se gaba de saber, a outra acolhendo com
respeito aquilo que os outros se dignam a lhe revelar; uma querendo elevar-
se acima da razão e a outra renunciando humildemente à sua, e rebaixando-
se para aquém da humanidade, reconhecendo em outros homens
prerrogativas superiores à sua comum natureza (1993, p. 32).
O combate às desigualdades
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instituídas é objetivo central da República, a quem
compete fazer concorrer as forças comuns ao bem-estar dos indivíduos
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. Os efeitos da
desigualdade “aumentariam em proporção se não se fizesse mais débil, no tocante à felicidade
e ao exercício dos direitos comuns, aquela desigualdade originária da diferença dos espíritos”
(CONDORCET, 2001, p. 81). O filósofo questiona se os progressos da razão e da arte social
não podem enfraquecer continuamente as desigualdades “para dar lugar a igualdade de fato,
meta última da arte social [...] diminuindo até mesmo os efeitos da diferença natural das
faculdades [...] sem acarretar nem dependência nem humilhação, nem miséria” (1993, p. 177).
Por esse caminho, aposta nas possibilidades da humanidade, em sua capacidade de propiciar:
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Recorrente na obra de Rousseau, esse tema é examinado por Garcia: “Parece plausível afirmar que os termos
desigualdades e diferenças são utilizados com significados muito próximos. Plausível porque aí descreve
qualidades atribuíveis a indivíduos considerados num plano distinto daquele que explicitamente implica o
aprofundamento das desigualdades decorrentes das relações artificiais produzidas pela vida em sociedade. Não
estranha, então, que diferenças individuais sejam designadas desigualdades naturais, e que se recorra ao termo
diferenças para descrevê-las, ao passo que desigualdades artificiais são marcadas por traços da negatividade
como: privilégios/prejuízos, poder/obediência e desníveis entre prestígio e entre riqueza. Leia-se o uso que o
autor faz desses conceitos: ‘Concebo, na espécie humana, dois tipos de desigualdade: uma que chamo natural ou
física, por ser estabelecida pela natureza e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e
das qualidades do espírito e da alma; outra que pode se chamar de desigualdade moral ou política, porque
depende de uma espécie de convenção e que é estabelecida (...) pelo consentimento dos homens. Esta consiste
nos vários privilégios de que gozam alguns em prejuízo de outros, como o serem mais ricos, mais poderosos, e
homenageados que esses, ou ainda por fazerem-se obedecer por eles’” (1999, p. 77).
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Julgo relevante trazer à discussão, para estabelecer possibilidade de debates, mas dispensando quaisquer
avaliações, outra perspectiva sobre os temas bem-comum e desigualdades, presente no exame de Carnoy acerca
das formas efetivas de Estado em Karl Marx: “a forma de Estado emerge das relações de produção e não do
desenvolvimento geral da mente humana, nem tampouco das vontades dos homens [...] não representa o bem
comum, mas é a expressão política da classe dominante [...] é a resposta à necessidade de mediar o conflito de
classe e manter a ‘ordem’, uma ordem que reproduz o domínio econômico da burguesia” (1990, p. 21); e sobre a
ideologia capitalista em Poulantzas: “a ideologia capitalista tem promovido o conceito de democracia na esfera
política como condição suficiente para a sociedade democrática de massa [...] a ‘democracia’ política deslocou a
luta da esfera econômica para a esfera do voto. Na arena política, incluindo o aparelho jurídico, todos os
membros da sociedade são iguais. Ricos e pobres, jovens e velhos e (ultimamente) mulheres e homens, todos
têm a mesma força (um voto) para mudar ou manter a situação social. A desigualdade da relação econômica é,
assim, minimizada na sociedade capitalista, em favor da igualdade da vida política” (p. 41).