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linguagem. A linguagem nem sempre comunica, ela não é transparente; ela
significa por meio do “não dito” e não necessariamente significa por meio do
que é dito. Podemos dizer, que ela funciona, às vezes por si, produzindo
múltiplos efeitos, múltiplos sentidos. A linguagem não se reduz, portanto, só
nem simplesmente, a um “instrumento” de comunicação, à transmissão de
informação; conhecimentos e sentidos se produzem com/por ela, nela e
“fora” (ou além) dela. Com isto, admitimos que os processos de significação
transcendem a linguagem falada [...]. (Smolka, 1995, p. 19-20)
No manuscrito de 1929, Vigotski afirma que “[...] eu me relaciono comigo tal como
as pessoas relacionaram-se comigo” (2000, p 25). Comentando essa relação indireta,
Smolka diz: “[...] esse “[...] indiretamente” pressupõe o signo, o outro, a dimensão social. [...]
O homem se constitui e é constituído sujeito pela linguagem, e somente através dela
conhece o mundo e se reconhece” (1998, p. 38-39).
Coerente com a teoria histórico-cultural e pondo em destaque a relevância das
organizações sociais na emergência dos signos, localizamos nos escritos de Bakhtin:
Os signos só emergem, decididamente, do processo de interação entre
uma consciência individual e uma outra. E a própria consciência individual
está repleta de signos [...] a consciência adquire forma e existência nos
signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais.
Os signos só podem aparecer num terreno interindividual [...] A consciência
individual não só nada pode explicar, mas, ao contrário, deve ela própria
ser explicada a partir do meio ideológico e social. (1986, p. 34-35)
Faraco, falando sobre o signo na perspectiva de Bakhtin, ressalta:
[...] os signos são intrinsecamente sociais, isto é, são criados e
interpretados no interior dos complexos e variados processos que
caracterizam o intercâmbio social. Os signos emergem e significam no
interior de relações sociais, estão entre seres socialmente organizados, não
podem assim, ser concebidos como resultantes de processos apenas
fisiológicos e psicológicos de um indivíduo isolado; ou determinados apenas
por um sistema formal abstrato. [...] Medvedev expõe uma premissa
fundamental para seu raciocínio (e para o pensamento do Círculo de
Bakhtin como um todo): nós, seres humanos, não temos relações diretas,
não mediadas, com a realidade. (Faraco, 2003, p. 48)
Miotello (2005), discutindo a questão da constituição e o papel dos signos sob a
ótica bakhtiniana, por sua vez filiada à perspectiva marxista, à semelhança de Vigotski,
aponta que todo signo, além de comportar uma dupla materialidade, no sentido físico
material e no sentido sócio-histórico, ainda comporta um “ponto de vista”, de caráter
valorativo que representa a realidade a partir do lugar que o sujeito ocupa. Esse lugar
valorativo, afirma o autor, é sempre determinado sócio-históricamente, e sua constituição e
materialização dão-se na comunicação constante presente nos grupos organizados em
torno das mais diversas atividades humanas, através da linguagem.