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COMUNICAÇÃO, DISCURSO E IDENTIDADE
A construção da identidade capixaba nos jornais A Gazeta e A Tribuna
Augusto Drumond Moraes
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Comunicação e Cultura, Escola de
Comunicação, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção título de Mestre em Comunicação.
Orientador: Prof. Dr. Milton José Pinto
Rio de Janeiro
Março de 2004
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COMUNICAÇÃO, DISCURSO E IDENTIDADE
A construção da identidade capixaba nos jornais A Gazeta e A Tribuna
Augusto Drumond Moraes
Orientador: Prof. Dr. Milton José Pinto
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em
Comunicação e Cultura, Escola de Comunicação, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
- UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção título de Mestre em Comunicação.
Aprovada por:
_______________________________
Presidente, Prof. Dr. Milton José Pinto
ECO-UFRJ
_______________________________
Prof. Dr. Giovandro Marcus Ferreira
FACOM-UFBA
_______________________________
Profª. Drª. Ana Paula Goulart
ECO-UFRJ
Suplente
_______________________________
Prof. Dr. Mohammed Elhajji
ECO-UFRJ
Rio de Janeiro
Março de 2004
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iii
Ficha Catalográfica
Moraes, Augusto Drumond
Comunicação, discurso e identidade: a construção da
identidade capixaba nos jornais A Gazeta e A Tribuna/ Augusto
Drumond Moraes. – Rio de Janeiro: UFRJ/ECO, 2004.
xi, 147 f.: il.; 29,7 cm.
Orientador: Milton José Pinto
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ ECO/ Programa de Pós-
graduação em Comunicação e Cultura, 2004.
Referências Bibliográficas: f. 153-159.
Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Escola de Comunicação, 2004.
1. Identidade Capixaba. 2. Discurso. 3. Jornalismo. I. Pinto,
Milton José. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de
Comunicação, Programa de Pós-graduação em Comunicação e
Cultura.
iv
Dedicado aos meus pais, aos meus irmãos,
a minha sobrinha, e principalmente
ao meu grande amor Sandra
v
Agradecimentos
Embora o trabalho de redação, estudo e pesquisa seja uma atividade solitária, nada
disso seria possível sem o apoio de outras pessoas e instituições. Assim, meus sinceros
agradecimentos a Escola de Comunicação, ao financiamento da Capes. Aos companheiros
do Nupec, que mesmo sem perceberem prestaram-me grande ajuda nas reuniões. Ao
acolhimento, ajuda, compreensão e grande paciência do meu orientador Milton José Pinto. E
principalmente aos meus pais Silvio e Regina, ao meu irmão Thiago, minha cunhada
Roberta, minha paixão Sandra e um agradecimento especial ao apoio que tive de minha tia
Sueli, meu tio Sérgio e meus primos Igor, Marina e Fabiana. Agradeço também aos amigos
que construí nestes dois últimos anos, Rodrigo, Regina e Carmenrosa. Agradeço também a
Faculdade JSimões pelo empréstimo do acervo dos jornais garantindo uma liberdade e
autonomia para o levantamento dos dados.
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RESUMO
COMUNICAÇÃO, DISCURSO E IDENTIDADE
A construção da identidade capixaba nos jornais A Gazeta e A Tribuna
Augusto Drumond Moraes
Orientador: Prof. Dr. Milton José Pinto
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao programa de Pós-graduação em
Comunicação e Cultura, Escola de Comunicação, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
– UFRJ, como parte dos requisitos à obtenção do título de Mestre em Comunicação.
Este trabalho pretende analisar como a identidade capixaba constitui-se
discursivamente nos jornais A Gazeta e A Tribuna, os dois maiores e mais antigos jornais do
Espírito Santo, entre outubro de 2002 e setembro de 2003. Parte da hipótese de que, ao
buscar inserir o capixaba como parte de uma nação brasileira, os jornais do Espírito Santo
instituem uma identidade capixaba que, em primeiro lugar, marca a diferença em relação ao
outro, e em segundo lugar, procura inserir o Estado do Espírito Santo no contexto nacional.
Para efeito desta análise, consideram-se os jornais como um “território”, um campo que
marca a identidade capixaba, e que a considera constituídas, vividas e transformadas nas e
pelas práticas discursivas. Adota-se como instrumental de análise a semiologia dos discursos
sociais.
Palavras-chave: Identidade capixaba, discurso, jornalismo.
Rio de Janeiro
Março de 2004
vii
ABSTRACT
COMMUNICATION, DISCOURSE AND IDENTITY
The construction of “capixaba” identity in newspapers A Gazeta and A Tribuna
Augusto Drumond Moraes
Orientador: Prof. Dr. Milton José Pinto
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao programa de Pós-graduação em
Comunicação e Cultura, Escola de Comunicação, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
– UFRJ, como parte dos requisitos à obtenção do título de Mestre em Comunicação.
This work intends to analyze as “capixaba” identity consists of discourses in
newspapers A Gazeta and A Tribuna, the two greaters and older newspapers of the Espírito
Santo, between October of 2002 and September of 2003. Basic hypothesis is that, when
searching to insert “capixabas” as part of a Brazilian nation, the newspaper of the Espírito
Santo institute a “capixaba” identity that, in first place, marks the difference in relation to
the other, and in according to place, it looks for to insert the State of the Espírito Santo in the
national context. For effect of this analysis, the newspapers are considered as territory, a
field that marks “capixaba” identity, and that it considers it constituted, lived and
transformed into and for the discourses practices. The semiology of the social discourses is
adopted as instrumental of analysis.
Keywords: “capixaba” identity, discourse, journalism.
Rio de Janeiro
Março de 2004
viii
ABREVIATURAS
AD – Análise do discurso
AG – A Gazeta
AT – A Tribuna
I/IR – Eixo Informação/ Identidade Regional
C/IR – Eixo Cultura/ Identidade Regional
IR – Identidade Regional
ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 – AG (15/12/2002) ____________________________________________________________ 134
Ilustração 2 – AG (05/08/2003) ____________________________________________________________ 135
Ilustração 3 – AT (28/08/2003)_____________________________________________________________ 136
Ilustração 4 – AG (25/09/2003) ____________________________________________________________ 137
Ilustração 5 – AG (21/09/2003) ____________________________________________________________ 138
Ilustração 6 ____________________________________________________________________________ 140
Ilustração 7 ____________________________________________________________________________ 140
Ilustração 8 ____________________________________________________________________________ 140
Ilustração 9 ____________________________________________________________________________ 141
Ilustração 10 ___________________________________________________________________________ 141
Ilustração 11 ___________________________________________________________________________ 141
ix
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 11
1 NOTAS SOBRE A IDENTIDADE............................................................................................. 20
1.1 PERCURSOS DE UM CONCEITO....................................................................................................21
1.2 NOVOS CAMINHOS .................................................................................................................... 25
1.2.1 Política da Identidade. Política da Diferença................................................................. 25
1.2.2 A identidade como discursividade................................................................................... 28
2 OS DISCURSOS SOCIAIS......................................................................................................... 39
2.1 PERCURSOS................................................................................................................................42
2.1.1 O texto ............................................................................................................................. 42
2.1.2 A pesquisa empírica ........................................................................................................ 44
2.1.3 Duas tradições................................................................................................................. 46
2.1.4 Uma nova visão...............................................................................................................47
2.2 A ENUNCIAÇÃO.......................................................................................................................... 51
2.3 O SUJEITO .................................................................................................................................. 55
2.4 DISCURSO E PRÁTICA DISCURSIVA ............................................................................................. 57
3 O JORNALISMO COMO INSTÂNCIAS MEDIADORAS DA IDENTIDADE ................... 69
3.1 A DIMENSÃO SIMBÓLICA............................................................................................................ 72
3.1.1 A noção de contrato ........................................................................................................76
3.2 A LEGITIMAÇÃO DO CAMPO JORNALÍSTICO................................................................................ 80
3.2.1 A esfera pública............................................................................................................... 84
3.2.2 Campos sociais................................................................................................................ 86
3.2.3 A técnica.......................................................................................................................... 90
x
3.3 A MEDIAÇÃO DA IDENTIDADE.................................................................................................... 94
4 ESPÍRITO SANTO: PEQUENO PANORAMA HISTÓRICO E MIDIÁTICO.................... 98
4.1 CONJUNTURA HISTÓRICO-POLÍTICO-SOCIAL ............................................................................ 102
4.2 ORIGEM E MEMÓRIA ................................................................................................................ 107
4.3 A IMPRENSA NO CONTEXTO CAPIXABA .................................................................................... 112
4.3.1 O nascimento................................................................................................................. 112
4.3.2 A interiorização............................................................................................................. 115
4.3.3 A maturidade................................................................................................................. 116
4.3.4 O papel do jornal .......................................................................................................... 121
5 ANÁLISE DO CORPUS............................................................................................................ 124
5.1 A IDENTIDADE REGIONAL NOS JORNAIS CAPIXABAS ................................................................ 128
5.1.1 O posicionamento dos jornais em relação ao regionalismo ......................................... 131
5.1.2 As marcas iconográficas ............................................................................................... 139
5.2 AS NARRATIVAS DAS QUESTÕES REGIONAIS ............................................................................ 142
5.2.1 A identidade capixaba: um falso problema................................................................... 143
5.2.2 A inserção da parte no todo .......................................................................................... 144
CONCLUSÃO .....................................................................................................................................148
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................................................153
INTRODUÇÃO
As transformações tecnológicas dos últimos anos fizeram com que conceitos
tradicionais da modernidade entrassem em choque. A identidade, uma das mais controvertidas
problemáticas da modernidade e das ciências humanas e sociais é também uma das que mais
tem ganhado relevância nos últimos anos. As mudanças ocorridas nas últimas décadas do
século passado e nos primeiros anos deste século colocam em destaque situações que se
supunham já resolvidas. Conflitos baseados nas disputas religiosas e étnicas que se julgavam
findadas com a modernização do mundo retornaram para a surpresa de muitas pessoas.
A realidade das transformações tecnológicas e a reestruturação do capitalismo
trouxeram de volta o debate acerca de problemas que se consideravam quase resolvidos. A
ampliação das relações sociais conseqüentes do encurtamento do espaço e do tempo
decorrentes do desenvolvimento tecnológico e do avanço dos meios de comunicação somados
as transformações sociais e do trabalho resultantes da internacionalização econômica podem
ser consideradas como responsáveis por esta situação.
Se no pensamento moderno podiam-se encaixar os sujeitos em matrizes societárias
com a qual definiam-se as identidades sociais, sempre dentro de um modelo que Lyotard
(2000) denominou de Grands Narrative, no pensamento contemporâneo não há tal encaixe,
pois as concepções modernas são incapazes de explicá-las. Daí a necessidade de se
reestruturar as noções com as quais se fundaram os modernos Estados Nacionais e a
racionalidade do mundo moderna.
12
No novo cenário mundial, os sujeitos não vivem mais sob a proteção das fronteiras de
seus territórios. Ainda mais que as transformações no mundo contemporâneo forçam uma
desterritorialização e uma reterritorialização simbólica do mundo. As divisões nacionais e
regionais, que orientavam as fronteiras externas e internas de uma nação deixaram de ser
consideradas fixas e estáveis. Oliven (1998) vai inclusive argumentar que as delimitações de
uma identidade regional não podem ser dissociadas das questões da formulação de uma
identidade nacional pois o regionalismo só pode ser compreendido como internamente
homogêneo que vai particularizá-lo dentro de um cenário nacional.
A identidade, conceito controverso e polêmico que durante o desenvolvimento do
pensamento moderno tomou caminhos diversos, transformou-se. Polêmica, a discussão em
torno da identidade social passou a ocupar posição de destaque nas sociedades
contemporâneas, principalmente com o grande desenvolvimento das tecnologias de
informação e da comunicação, e a nova estruturação organizacional no mundo. O fato é que o
processo de globalização, ao invés de homogeneizar o mundo, trouxe como conseqüência
uma nova articulação entre o local e o global.
As transformações no mundo contemporâneo, a partir daquilo que se convencionou
chamar condição pós-moderna (Lyotard, 2000; Harvey, 1992), provocaram profundas
transformações nas relações do homem consigo mesmo e nas suas reflexões na constituição
do sujeito e na formação das identidades plurais. Como Anthony Kwame Appiah (1997),
Homi Bhabha (1998), Edward Said (1990 e 1995), Stuart Hall (1999, 2000, 2003) e outros
culturalistas e autores pós-coloniais, só para citar alguns, a constituição de identidades
depende de uma relação com o Outro, da diferença e dos objetivos a serem atingidos.
13
Mas não se pode negar que por mais que, no mundo contemporâneo, na sociedade
globalizada, num mundo de comunicação em tempo real em que o espaço ganha novo
significado, as pessoas são reais, e as fronteiras, os países, as divisões sóciopolíticas e
culturais também fazem parte da realidade do mundo. Nessa perspectiva, prefiro pensar como
Appiah (1997) e Woodward (2000). Ao mostrar que as antigas bases com as quais as
identidades se definiam, mas num mundo ainda dividido em Estados, povos, religiões, as
identidades cumprem um papel social e político. Assim sendo, elas devem ser celebradas.
Considerando que as identidades são complexas e múltiplas, Appiah afirma que elas brotam
de uma história de respostas mutáveis às forças econômicas, políticas e culturais, quase
sempre em oposição a outras identidades previamente definidas. E assim elas, as identidades,
florescem em cima de mitos e mistificação, pois a história e as tradições são construídas,
como já nos mostrou Eric Hobsbawm e Terence Ranger (1997).
Por ser constituída, vivida e transformada discursivamente, a identidade não é
racionalmente construída. E, assim como todo fenômeno da linguagem, é sujeita ao
dialogismo e a polifonia. Assim sendo, não temos o controle total das identidades. E parece
ser isso que diz Appiah ao afirmar que na construção das identidades não há espaço para a
razão
1
. Para ele, as identidades devem ser celebradas e endossadas, principalmente aquelas
que podem oferecer melhores esperanças de promover os objetivos a que os grupos se
propõem. As identidades são constantemente reformuladas, e estão, acima de tudo, baseadas
em seres reais, em divisões sóciopolíticas reais.
1
É importante ressaltar que a razão a que Appiah se refere é a razão iluminista, ou seja, o racionalismo
iluminista é uma forma de pensamento surgido na Europa e foi tomado como universal. Appiah destaca que ver a
identidade a partir de uma perspectiva racional iluminista vai de encontro com a experiência vivida por ele. É
neste contexto que ele afirma não haver espaço para a razão na construção das identidades.
14
Procurando fugir do mapeamento de uma certa identidade como modelo pré-fixado e
estável, esta dissertação tem o interesse em observar, como se processa a constituição da
identidade capixaba, neste caso específico, partir do olhar semiológico das relações sociais.
Neste processo, o jornalismo destaca-se com papel privilegiado, sendo parte ativa na
produção, transmissão e renovação das identidades.
Não se tem o objetivo de mapear antropologicamente a identidade capixaba, muito
menos traçar uma discussão em torno da pós-modernidade. O compromisso deste trabalho é
com a mobilização que as práticas discursivas fazem para demarcar socialmente uma
identidade de um determinado grupo social. Com Faccin (2002), pode-se afirmar que a
identidade regional só pode existir enquanto forma de expressão de determinado grupo se
forem observados os mecanismos de construção que passam pelas vias dos discursos sociais.
Assim, a identidade regional deve ser entendida como uma disputa de sentido em torno de
interesses comuns de uma determinada região, operadas discursivamente e inscritas em um
território definido.
Nas ciências sociais, conceitos da cultura e da comunicação estiveram relacionados em
sua manifestação simbólica. A dimensão cultural dos grupos sociais quase sempre esteve
presente nas pesquisas em comunicação. Dois conceitos tornaram-se importantes nos estudos
de comunicação. Na década de 1950, surgiu o conceito de “comunicação de massa”. Na
década seguinte, Adorno concebeu o termo “indústria cultural”. Estes dois conceitos vão
ressaltar o importante papel que a mídia desempenha na constituição progressiva de um
campo simbólico como sistema de relações de produção, circulação e consumo de bens
culturais.
15
Como as ciências sociais conceberam, até pouco tempo atrás, a comunicação midiática
tanto como produto (indústria cultural), como meio (meio de comunicação de massa),
construiu-se a idéia de que o resultado da comunicação midiática fosse grande responsável
pela divulgação e perpetuação de estilos de vida, garantindo a hegemonia de certas classes
dominantes. Popularizou-se a partir desta mesma linha de pensamento, a idéia da existência
de uma cultura monolítica, homogenia e dominante.
O jornalismo era visto como uma atividade que manipulava a realidade. Nas mãos das
classes dominantes, os meios de comunicação reforçavam a cultura hegemônica. Nas das
classes menos favorecidas, uma forma de contrabalançar a força. Como instrumento de
dominação, caberia às analises descobrir as estratégias sob as quais as ideologias dominantes
manipulavam a comunicação.
Neste período, a Análise de Conteúdos era um dos instrumentos mais utilizados. Mas
as limitações dos métodos e técnicas adotadas logo se mostraram deficientes. A partir da
virada lingüística iniciada por Benveniste, novas idéias passaram a ganhar força. Com a
enunciação, percebeu-se que para além do que é dito, a forma também guarda muitas
informações. Nesse rastro foi-se desenvolvendo a Análise de Discursos como instrumento
que, na sua forma contemporânea, procura descrever, explicar e avaliar criticamente os
processos de produção, circulação e consumo de sentidos vinculados aos produtos culturais
empíricos criados por eventos comunicacionais na sociedade. Estas análises são realizadas
associando pistas materiais encontradas nas superfícies do texto às práticas socioculturais,
também chamadas contexto ou condições sociais de produção (Pinto, 2002).
A dimensão discursiva tem ganhado cada vez mais importância nos estudos do
cotidiano. Percebeu-se que toda ação do sujeito social é fruto de suas práticas discursivas,
16
pois é a partir destas práticas que o mundo é representado e os sentidos concebidos, e
conseqüentemente ascende-se à materialidade. Sendo as identidades discursivamente
construídas, vividas e transformadas, a Análise de Discursos torna-se instrumental
indispensável em qualquer estudo em que se procura descrever a formação destas identidades.
Faccin (2002) procurou mostrar que o jornalismo pode ser visto como um território de
identidade na medida em que marca uma forma de olhar e construir simbolicamente a
identidade social pela consideração de que a identidade regional é vivida, produzida,
reproduzida e transformada nas e pelas práticas discursivas. Assim, as práticas dos discursos
sociais da comunicação midiática não podem ser vista meramente como uma aquisição de
base informacional da atualidade pelo universo da recepção, inserida na tradição e na
conjuntura sócio-cultural, mas considerá-las através das condições pelas quais a identidade
regional é vivida, produzida, reproduzida e transformada nas e pelas práticas discursivas.
Ainda com o autor, as identidades não são reflexos objetivos de posições sociais, de
valores ou de circunstâncias, nem são reflexo de leis que direcionam para um determinado
curso, mas são resultados de uma prática relacional dentro de um espaço público específico.
Assim, a identidade regional não está condicionada às categorias sociologizantes, mas na
prática efetiva dos homens no espaço social do qual interferem outros saberes, experiências e
discursos. A identidade regional é constituída a partir da prática do indivíduo no mundo e esta
prática é resultado de uma práxis discursiva sendo uma produção coletiva de diferentes
formações que concorrem no mercado simbólico.
Considerando o jornalismo como um território de identidades (Faccin, 2002) e levando
em conta as condições sócio-históricas do Espírito Santo, levanta-se a hipótese de que os
jornais capixabas, ao delimitarem discursivamente a identidade capixaba, o fazem procurando
17
marcar a identidade o capixaba dentro do contexto nacional, delimitando aquilo que mais
define a identidade: a diferença em relação ao Outro. A comprovação desta situação vai de
encontro às afirmações de que não existiria uma identidade capixaba. Levando-se em conta
que a identidade se constrói sempre num processo de diferenciação com o Outro, vai se
observar que o capixaba sabe quem ele é, pois ele sabe quem ele não é e o que não faz parte
da cultura do Espírito Santo.
Oliven (1998) afirmou que o regionalismo só faz sentido dentro de um cenário
nacional. Neste sentido, só se pode falar em identidade capixaba se buscar compreendê-la em
relação ao nacional. É neste sentido que a constituição da identidade capixaba passa, num
primeiro momento, pelo processo de diferenciação e de reafirmação destas diferenças, e num
segundo momento, inserindo os capixabas como parte de uma nação.
Sabe-se que a mídia local trabalha reforçando uma identidade local. Como afirmou
Ruth Reis (2002: 23-25) em sua tese de doutoramento, a construção de um nós capixaba
parece ser a reposta aos questionamentos sobre a identidade no Espírito Santo. Uma
construção identitária que leva deve levar em conta a relação com o Outro, a marginalização
do capixaba levanta questões acerca da existência efetiva do capixaba como sujeito coletivo,
buscando uma individualidade que deseja ser reconhecida e instituída frente ao outro “de
forma que este deixe de se configurar como o outro e passe a inserir no campo do outro”.
No mundo contemporâneo, a mídia tem ocupado papel relevante nas delimitações das
identidades. A mediação realizada pela mídia cumpre funções sociais que tradicionalmente
eram consignadas ao mito. Cada vez mais os meios de comunicação realizam a mediação
cultural, a integração social e a socialização dos indivíduos, fazendo uma oferta discursiva
que servem de modelos de pensamento e ação. (Esteves, 2000:24)
18
A Semiologia dos Discursos Sociais procura descrever, explicar e avaliar criticamente
os processos de produção, circulação e consumo dos sentidos vinculados a produtos culturais,
entendidos como textos (Pinto, 2002: 11). E estes nada mais são do que as formas empíricas
do uso da linguagem verbal, oral ou escrita, ou de outros sistemas semióticos no interior de
práticas sociais contextualizadas histórica e socialmente. A partir de uma concepção
discursiva da identidade, a Semiologia dos Discursos Sociais torna-se importante metodologia
para analisar as delimitações discursivas da identidade nos jornais capixaba.
A escolha da amostragem do corpus envolve os dois principais jornais capixabas
publicados no período de um ano, entre outubro de 2002 e setembro de 2003, mês este em que
A Gazeta e A Tribuna completam respectivamente 75 anos e 65 anos. Estes são os dois mais
antigos, maiores e mais importantes jornais do Espírito Santo. O grupo Rede Gazeta de
Comunicações, proprietário de A Gazeta, possui ainda mais um jornal, Notícia Agora.
Decidiu-se deixá-lo de fora da amostra deste corpus principalmente pela dificuldade de
encontrar o material para pesquisa. O levantamento da amostragem foi feito em mais de 700
edições de jornais, dos quais se podem extrair os textos em que se pudessem observar as
marcas de constituição de uma identidade regional.
Como nosso objetivo não é descrever a identidade regional capixaba e seus elementos
simbólicos, perspectiva adotada e mais estudada pelos antropólogos e pelos folcloristas, e sim
procurar estudar a identidade capixaba sob a ótica discursiva, as opções adotadas acima nos
permitirão estudar os jornais capixabas no processo de delimitação discursiva da identidade
regional, esta compreendida como fenômeno particularmente sócio-cultural característico de
uma determinada região e que tem por objetivo impedir que a identidade local venha
submergir na homogeneidade nacional. Os três conceitos básicos que funcionam como
19
viabilizadores de vínculos estabelecidos no processo de construção da identidade regional
capixaba são a identidade, o discurso e os espaços públicos.
Neste sentido, explica-se a adoção da seguinte estrutura para este trabalho. No
Capítulo 1 procurou-se delinear o desenvolvimento das discussões acerca da temática da
identidade, buscando finalmente compreendê-la em termos de práticas sociais vividas
discursivamente. No Capítulo 2, apresentou-se a ferramenta metodológica que se considerou
mais adequada para compreender e analisar as práticas discursivas efetivadas nos dois
principais jornais do Espírito Santo. Não poderia deixar de buscar a compreensão do
jornalismo como um campo que faz a mediação das identidades. Esta tarefa foi realizada no
Capítulo 3. No Capítulo 4, buscou-se levantar o contexto sócio-histórico e cultural do Espírito
Santo para se obter subsídios com os quais se poderia contextualizar a principal narrativa
acerca da identidade capixaba: o Espírito Santo existe, faz parte do Brasil e também contribui
para a nação. Esta análise encontra-se no Capítulo 5.
1 NOTAS SOBRE A IDENTIDADE
Nas últimas décadas a identidade tornou-se um dos mais importantes objetos de
debates nas ciências humanas, no meio acadêmico-científico e na sociedade. Por ser um
conceito controverso, não se pode dizer que se tenha chegado a um consenso nestes debates.
Durante o desenvolvimento do pensamento moderno, as discussões em torno da identidade
percorreram caminhos diversos. Geraram e continuam gerando muita polêmica. Chegou-se a
concluir que a existência de uma identidade era impossível ou que a utilização do termo era
inadequada, em alguns casos.
As reflexões em torno do que tornaria os homens semelhantes entre si se
transformaram. Assim, o conceito de identidade trilhou vários caminhos até se tornar naquilo
que tomamos por identidade hoje. Polêmica, a discussão em torno da identidade social ocupa
posição de destaque nas sociedades contemporâneas, principalmente com o grande
desenvolvimento das tecnologias de informação e da comunicação. A globalização,
contradizendo as previsões de homogeneização cultural, elencou uma série de contradições
que teve como conseqüência um acirramento de uma identidade regional. Hall (1999: 77-89)
vai considerar no mínimo três contradições do processo de globalização. Em primeiro lugar,
paralelo á homogeneização, há uma fascinação pela diferença, com a mercantilização da etnia
e da “alteridade”, o que faz pensar sobre uma nova articulação entre o local e o global, ao
invés da sobreposição deste sobre aquele. Em segundo lugar, a globalização é distribuída de
forma desigual ao redor do globo, entre regiões e entre diferentes estratos da população dentro
das regiões. O terceiro ponto é saber o que é mais afetado pela globalização, já que além ser
desigualmente distribuída, ela é um fenômeno essencialmente ocidental.
21
Embora a identidade seja um conceito controverso, sua a reflexão é importante por
vários motivos. Em primeiro lugar, as teorias contemporâneas têm demonstrado que as
identidades são o resultado de uma prática relacional dentro de um espaço público específico.
Em segundo lugar, como Appiah (1997) procura mostrar, a identidade cumpre um papel
político no mundo contemporâneo. Ele lembra que as identidades devem ser celebradas e
endossadas, principalmente aquelas que podem oferecer melhores esperanças de promover os
objetivos a que os grupos se propõem. Deste modo, a identidade estaria condicionada a
prática efetiva do homem no espaço social em que vivem e sofreria a interferência de outros
saberes, discursos e experiências (FACCIN, 2002).
1.1 Percursos de um conceito
Já na Antiga Grécia, os filósofos preocupavam-se em entender a essência do homem,
sua diferença em relação a outros animais e as semelhanças que tornavam todos os homens
iguais. O pensamento organizado sobre o homem e a natureza da filosofia clássica foi sendo
substituído com o nascimento da ciência moderna no século XV. A partir do Renascimento, o
racionalismo, as idéias de progresso e desenvolvimento e a libertação do indivíduo através da
ciência e da cultura começam a tornar-se hegemônicas e no século XVIII, com o Iluminismo,
inicia-se a modernização do mundo europeu. As grandes navegações e o processo de
colonização da América, África e Ásia colocaram os europeus em contato com povos cujas
sociedades se organizavam de forma diversa do modelo de civilização dos colonizadores.
Mas é em meados do século XX que o conceito de identidade que se concebe
atualmente é que se torna preocupação acadêmico-científica, principalmente por causa do
processo de modernização das sociedades tradicionais que evidenciaram o sujeito social e o
colocou no centro das reflexões do pensamento moderno, que tinha como referência as idéias
22
de evolução, razão e progresso. A identidade tornou-se valor estratégico que permitiu
diferenciar claramente o pensamento das sociedades ditas modernas das tradicionais, estas
marcadas por uma identidade essencialmente fixa e pré-definida dos indivíduos resultante dos
papeis sociais pré-estabelecidos e de uma visão unitária do mundo (ESTEVES, 2000:12).
Dois paradigmas têm norteado as reflexões acerca da identidade. De um lado a noção
substancialista ou essencialista da identidade, associada ao pensamento cartesiano no qual o
homem possui uma única essência, inata e inalterável. Há também contribuições de Locke,
para quem a identidade permaneceria a mesma com o sujeito. Essas concepções estão
presentes em outros momentos da filosofia, como na idéia do sujeito transcendental (KANT e
RUSSERL) ou no sujeito da razão iluminista e que ainda fazem parte de certas teorias que
sustentam ideais como o feminismo, a sexualidade e a negritude. De outro lado, a concepção
construtivista em que a identidade é vista como resultado de uma construção do próprio EU,
sujeito enquanto projeto de cada indivíduo, criado e desenvolvido durante a ação. Nos últimos
anos, é essa concepção que tem ganhado mais força (ESTEVES, 2002:14; HALL, 1999:23-
30).
Para Stuart Hall (1999), as formas de pensar o sujeito social na perspectiva iluminista
têm servido de modelo para o pensamento contemporâneo e para os processos que moldam a
modernidade. O sujeito do Iluminismo está baseado numa concepção da pessoa humana como
indivíduo centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação,
cujo centro consistiria num núcleo interior que emergiria quando o indivíduo nascesse e
permaneceria o mesmo durante toda a sua existência. Esse foco no sujeito do iluminismo é
associado à sua constituição como produto de uma sociedade que se modernizava e
racionalizava sobre sua estrutura social através da autonomização dos meios técnicos e
23
burocráticos, e a racionalização era tida como padrão para se alcançar à modernização social e
cultural.
Renato Ortiz (2003: 39-40), ao comentar a explicação de Weber para o surgimento do
capitalismo do Ocidente, exemplificando o padrão de desenvolvimento ocidental baseado na
racionalidade, destacando esta racionalidade na economia (capitalismo), na ciência
(medicina), no direito (regras jurídica), na música (harmonia e contraponto) e na burocracia
(aparelho de Estado). Apesar disso, Ortiz vai ainda argumentar que estas características
destacadas por Weber são meramente comparativas, e que as sociedades Ocidentais são ainda
um tanto tradicionais.
A necessidade de se conceber um indivíduo soberano, como o proposto pela
racionalidade iluminista, ainda foi muito questionada por algumas pessoas, mas a emergência
de uma concepção mais individualista de sujeito foi amplamente aceita. E essa
individualidade é marca da modernidade que preza a autonomia e dá importância à descoberta
de si mesmo e associa as perspectivas da Vida Boa em geral a um compromisso pessoal
(ESTEVES 2000: 13).
Na perspectiva do sujeito sociológico, o foco de reflexão se alterou. À medida que a
modernização tornava o mundo mais complexo e a consciência de que o núcleo interior do
sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas formado na relação com “outras pessoas
importantes para ele” forçou essa mudança de foco. As sociedades adquiriram uma forma
mais social e coletiva e o grupo social mediava os valores, sentidos e símbolos dos mundos
que o sujeito habitava. Nessa perspectiva, o sujeito é formado na “interação” entre o eu e a
sociedade, mas ainda tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real”, formado e
modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais “exteriores” e as identidades que
24
esses mundos oferecem. A identidade preenche então o espaço entre o “interior” e o
“exterior”, entre o mundo privado e o mundo público. Projetamos a “nós próprios” nessas
identidades culturais, ao mesmo tempo em que internalizamos seus significados e valores.
Isso contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que
ocupamos no mundo social e cultural. Assim, Hall conceitua a identidade sociológica pela
reação do sujeito ao contexto, às relações sociais e materiais de uma sociedade.
Sem uma identidade fixa ou essencialista, a identidade do sujeito pós-moderno torna-
se uma “celebração móvel”, criada e transformada continuamente em relação às formas pelas
quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais. O sujeito assume não mais
uma única, mas várias identidades em diferentes momentos. Dentro desse sujeito há
identidades contraditórias ou não resolvidas, negociadas em diferentes direções, de tal modo
que sua identificação é continuamente deslocada. Se há a sensação de uma identidade
unificada desde o nascimento até a morte é porque o sujeito constrói uma “confortadora
‘narrativa do eu’” (HALL, 1999:13).
Esta perspectiva do sujeito pós-moderno, claramente construtivista, acentua mais o
elemento individualista, destacando a identidade como trabalho de uma criação própria, de
um eu singular único e próprio. O sistema de consumo é um dos fatores sociais que mais tem
contribuído para o reforço dessa tendência. A mediação dos dispositivos de comunicação e
informação tem dado grande contribuição a esse sistema. Um exemplo dessa relação
indissociável entre consumo e identidade são as marcas de estilo, imagem e de apresentação
do indivíduo, o chamado style and look (ESTEVES, 2000:14-15).
Nessa linha, trabalho interessante é desenvolvido por Néstor García Canclini, em seu
livro Consumidores e Cidadãos. Nele, ao tentar entender como as mudanças na forma de
25
consumir também têm alterado as formas de exercer a cidadania, não deixa de relacionar as
identidades na pós-modernidade com a lógica de mercado. As identidades pós-modernas
operam mediante a produção industrial de cultura, sua comunicação tecnológica e pelo
consumo segmentado e diferido de bens. Aliás, marca presente no pensamento de Canclini
2
é
a visão de que as identidades devem ser vistas de modo híbrido.
1.2 Novos Caminhos
No mundo contemporâneo, cada vez mais mediatizado, os sistemas de significação e
representação cultural encontram-se ampliados. O sujeito é confrontado com uma
multiplicidade cambiante e contraditória de identidades possíveis com as quais ele pode se
identificar, mesmo que temporariamente. Isto evidencia a narrabilidade da identidade e seu
atributo simbólico constituído pelo e no discurso, e a narrativa.
1.2.1 Política da Identidade. Política da Diferença
Esteves (2000:12) afirmou que por ser essencialmente imutável nas sociedades
tradicionais, a identidade não havia se tornado objeto de reflexão. Nestas sociedades, o
passado é venerado e os símbolos são valorizados porque perpetuam a experiência de
gerações. É por meio das tradições que essas sociedades organizariam o tempo e o espaço e
interpretariam as atividades e experiências particulares, sempre dentro de uma continuidade
com um passado, presente e futuro estruturados pelas práticas sociais. (GIDDENS apud
2
Para saber mais sobre a hibridação cultural, ver GARCÍA CANCLINI, Nestor. Culturas híbridas: estratégias
para entrar e sair da Modernidade. 3ª. Ed. São Paulo: Editora da USP, 2000. e GARCÍA CANCLINI, Nestor.
Noticias recientes sobre la hibridación. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de; RESENDE, Beatriz (orgs.).
Artelatina: cultura, globalização e identidades. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.
26
HALL, 1999:14-15). E é este sistema que determinaria os limites de comportamento, as
formas de apresentação, de pensar e de ser de cada indivíduo (Esteves, 2002).
Em contraste, a modernidade tornou a identidade objeto de reflexão. Ela, a
modernidade, não seria apenas definida como a experiência de convivência com a mudança
rápida, abrangente e contínua, mas também como uma forma altamente reflexiva de vida. As
práticas sociais seriam constantemente examinadas e reformuladas a partir das informações
recebidas sobre aquelas práticas, o que permitiria alterar constitutivamente, seu caráter
(GIDDENS apud HALL, 1999: 14-15).
A diferença seria ainda outra característica das sociedades contemporâneas. Se para
Harvey (1992: 22) a modernidade envolve não apenas uma implacável ruptura com qualquer
condição histórica precedente, mas também uma interminável ruptura e fragmentação interna,
para Laclau (apud HALL, 1999: 16-17) essas fragmentações causam um “deslocamento
3
”. As
sociedades contemporâneas não teriam qualquer núcleo, centro ou princípio articulador que
produzisse identidade fixas. O que haveria, a partir do “deslocamento”, é uma pluralidade de
centros possibilitando uma multiplicidade de novas identidades e produção de novos sujeitos.
Estas sociedades, ao contrário das tradicionais, seriam então atravessadas por diferentes
divisões e antagonismos sociais que produziriam uma variedade de “posições de sujeito”
(identidades) para os indivíduos.
Por mais que Laclau, Harvey e Giddens (HALL, 1999: 18-22) ofereçam leituras
diversas sobre as mudanças do mundo pós-moderno, as ênfases na descontinuidade,
3
Para Laclau, “uma estrutura deslocada é aquela cujo centro é deslocado, não sendo substituído por outro, mas
por uma ‘pluralidade de centros de poder’” (HALL,1999: 16).
27
fragmentação, ruptura e deslocamento possuem uma linha comum. O posicionamento do
sujeito no mundo provoca identidades contraditórias e deslocadas. Como essas contradições
estão presentes a todo o momento, não haveria espaço para uma única identidade “mestra”
basear uma política de forma segura. Nesse mundo de sujeitos fragmentados, nenhum
dispositivo discursivo seria capaz de unir os mais diversos interesses, segmentos e
identidades. Os posicionamentos políticos do mundo moderno seriam fragmentados por
identificações rivais e deslocantes provenientes da erosão do projeto unificador da identidade
da classe e da emergência de identidades baseadas em novas formas políticas, definidas pelos
movimentos sociais O projeto moderno de um sujeito unificado com uma identidade única
não é possível.
Estes deslocamentos identitários destacam uma característica interessante da
identidade do sujeito no mundo contemporâneo. Uma vez que a identidade muda de acordo
com a forma como o sujeito é interpelado ou representado, a identificação não é automática,
mas negociada, podendo ser ganha ou perdida. A identidade tornou-se, portanto, politizada.
Esse processo constitui uma mudança da política da identidade para o que pode ser descrito
como uma política da diferença.
Appiah (1997) segue o mesmo caminho de Hall (1999). Ele mostra que as bases que
serviram para a constituição de identidades são conseqüências do pensamento racionalista do
europeu, que numa visão desenvolvimentista colocou o pensamento moderno europeu como
um pensamento universal. A identidade baseada na história, na biologia, na religião, na
filosofia ou literatura é uma construção. O autor afirma que as identidades devem ser
constantemente reformuladas, buscando sempre promover os objetivos do grupo, embora,
para ele, na construção das identidades não haveria espaço para a razão.
28
Para Kathryn Woodward (2000: 25), as identidades em conflito – as identidades
contraditórias (HALL) ou deslocadas (LACLAU) – estão localizadas no interior de mudanças
sociais, políticas e econômicas, mudanças para as quais elas contribuem. Assim como Appiah
(1997) analisa a cultura e a identidade a partir das contradições que os ideais da modernidade
não puderam resolver na África, para Woodward, a contemporaneidade é um período
histórico caracterizado pelo colapso das velhas certezas e pela produção de novas formas de
posicionamento. Se a luta política, nos anos 70 e 80, era descrita e teorizada em termos de
ideologias em conflito, hoje ela provavelmente se caracterizaria pela competição e pelo
conflito entre as diferentes identidades.
1.2.2 A identidade como discursividade
A transformação pelo qual o mundo passou ao se modernizar e as rupturas dos valores
tradicionais em que a sociedade estava enquadrada colocou as discussões em torno da
individualidade e da identidade em destaque e revelou a importância estratégica do conceito.
A saída encontrada por Hall (2000: 103-104) para evitar a controvérsia e polêmica em torno
da palavra identidade foi utilizar o descontrutivismo de Derrida e aplicar a noção de “rasura”
ao termo. Assim, para Hall, na falta de um conceito melhor, o termo identidade é
reaproveitado totalmente desconstruído e destotalizado de seus paradigmas anteriores, e assim
a identidade torna-se um desses conceitos que opera “sob rasura”, mas sem o qual não se pode
pensar diversas questões importantes no mundo contemporâneo.
Importante é perceber que as teorias contemporâneas têm demonstrado que as
identidades sociais não são o reflexo objetivo das posições sociais nas quais o sujeito se
localiza e nem são derivadas de princípios de uma verdadeira natureza interior, classe ou raça.
29
A emergência da identidade está relacionada com uma posição política do homem e dos
grupos frente a outros homens e grupos (GEERTZ apud FACCIN, 2002: 40).
A utilização da categoria “posição de sujeito” e o destaque para os sistemas de
representação, compreendidos como atribuidores de sentido ao real e portanto construtivos da
realidade, demonstram que as identidades são discursivamente construídas. Essa será a
postura adotada neste trabalho, ao se basear na proposta da Semiologia dos Discursos Sociais
4
como método de análise.
Há outro ponto de convergência ao se falar de identidade nos Estudos Culturais e na
Semiologia dos Discursos Sociais: a atuação dos sistemas de representação, que classificam o
mundo e as relações sociais, num processo de relações de poder. Toda prática social é
marcada pela linguagem e, portanto, pela ideologia e pelas as disputas de poder. As
identidades, como sistema de relações e representações, são diversas e cambiantes,
negociadas nas práticas sociais e nos sistemas simbólicos, por meio dos quais os sentidos são
atribuídos a posições de sujeito.
Autores, como Michel Foucault, Félix Guatarri, Gilles Deleuze, Jean Baudrillard,
Fredric Jameson, Jean-François Lyotard e outros têm demonstrado que as instituições
exercem controle disperso e reflexivo sobre o sujeito social, e que a identidade acaba
emergindo em função de um complexo processo em que todos os locais influenciam uns aos
outros (FACCIN, 2002: 41). Assim, a identidade social seria multi-localizada e sua
construção seria marcada pela linguagem.
4
Vamos tratar da Semiologia dos Discursos Sociais no próximo capítulo.
30
Para Foucault (apud FACCIN, 2002: 42), o sujeito social é múltiplo, fluído e
constituído em interação, feito e transformado pela linguagem se opondo a uma identidade
pré-estabelecida, homogênea e definida pelo espaço físico. Na perspectiva do sujeito social
múltiplo, a identidade pode ser produzida simultaneamente em muitos lugares de ação e
campos sociais. Com a sociedade moderna cada vez mais complexa e o desenvolvimento das
tecnologias da informação, aumentou a possibilidade de uma “multiplicidade simultânea” de
identidades e que Hall enquadrou na perspectiva do sujeito pós-moderno.
A fragmentação do sujeito no mundo contemporâneo traz como conseqüência a
dispersão da formação da identidade social em lugares de diferentes naturezas. Numa
perspectiva tradicional, a explicação de como essas identidades seriam negociadas nessa
diversidade era deixada aos sujeitos sociais. Procurando fugir dos compartimentos e se
aproximar das relações efetivamente vividas pelos sujeitos sociais inscritas em um dado lugar,
os Estudos Culturais, articulando o pensamento científico numa linha transdisciplinar
contribuiu para o rompimento de um pensamento tradicional acerca da identidade. Esse novo
olhar sobre a identidade permitiu a descoberta da consciência e da subjetividade visualizadas
enquanto formas contextualizadas.
Tal evolução percorrida pela identidade é sinal daquilo que Lyotard (2000) chamou de
morte da grande narrativa e que pode ser observada no processo de constituição de novos
sujeitos sociais e de novas identidades. Aliás, a identidade social compreendida como
fenômeno coletivo só é possível numa perspectiva relacional, o que a torna dinâmica,
emergente de uma ação coletiva.
As novas tecnologias da informação e a saturação dos valores da modernidade estão
transformando todas as esferas sociais, operando modificações no cotidiano e na percepção do
31
mundo e do homem, gerando novas formas de sociabilidade. Em relação à saturação dos
valores da modernidade, Latour (1994) tece uma crítica interessante. Ele procura mostrar que,
por traz da pureza da modernidade, o homem sempre foi híbrido e que a pureza da ciência
moderna nada mais foi do que um disfarce para a ciência tornar-se hegemônica.
Atrelado ao fenômeno do consumo e a efervescência sócio-cultural encontra-se o
desenvolvimento da comunicação midiática. O lugar tradicional de interação entre os sujeitos
sociais compartilha com o espaço da possibilidade de mediação midiática através das práticas
discursivas. As identidades baseadas em pilares naturais (raça, etnia, etc.) ou culturais
(religião, arte, etc.) foram sendo substituídas pelas identidades nacionais/regionais em torno
daquilo que Bennedict Anderson chamou de comunidades imaginadas
5
. As narrativas dessas
comunidades nacionais é que vão dar sentido ao que no mundo moderno convencionou-se
chamar Estado-Nação. No mundo contemporâneo, a possibilidade de construção de redes de
significação, ampliadas pelas tecnologias da informação abre novas possibilidades de
construção de identidades sociais para além do espaço físico em que se construíram essas
identidades nacionais. Exemplo da alteração dessas relações são as tribos de que Maffesoli
fala. (FACCIN, 2000: 48)
A formação dos modernos Estados Nacionais é conhecida. O conceito de Estado-
Nação foi criado na França do século XVII para representar as comunidades imaginadas dos
modernos Estados nacionais que foram surgindo. A consolidação do Estado-Nação deu-se
5
Deve-se observar, entretanto, que os pilares considerados naturais ou culturais são também imaginados. O que
Bennedict Anderson quer dizer com comunidades imaginadas é que os modernos Estados Nacionais não
estariam baseados na etnia ou na raça, por exemplo. As fronteiras destes modernos Estados não estariam
limitadas a estes pilares “naturais” ou culturais, embora estes também sejam pilares imaginários.
32
após a Revolução Francesa, no século XVIII. Construíram-se consensos em torno dos novos
Estados-Nação na Europa que ocorreu a partir da unificação de povos de diversas culturas.
Assim, o termo nação foi cunhado para delimitar as fronteiras geopolíticas de um
Estado, mas também procurando delimitar as fronteiras culturais do que fazia parte ou não da
nação. As “comunidades imaginadas”, conceito cunhado por Anderson para designar uma
nação politicamente constituída e simbolicamente representada, ressalta justamente aquilo que
tornaria uma nação diferente da outra: a forma pela qual ela foi imaginada para dar uma
imagem ao seu povo. Dessa forma, todas as nações seriam imaginadas, pois são constituídas a
partir do discurso. Seus membros compartilham da mesma imagem e se concebem em um
espaço limitado e soberano apesar das desigualdades e conflitos existentes (apud HALL,
1999: 51; FACCIN, 2000: 49-50). Faccin prefere não seguir esse caminho para analisar a
identidade, uma vez que sendo uma comunidade imaginada, as questões efetivamente vividas
e discursivamente constituídas em um processo comunicacional específico estariam afastadas.
O modelo moderno do Estado-Nação passou a funcionar, a partir do processo de
racionalização iniciado no Iluminismo, sob uma concepção progressista e linear. Foi assim na
formação do Estado brasileiro, sustentado pelas idéias positivistas de ordem e progresso.
Sustentada pelo evolucionismo social, a idéia de se levar à civilização aos outros povos serviu
como justificativa para a colonização de outros povos. O sentimento nacionalista que
acompanhou as identidades nacionais baseadas na superioridade da raça, ou da cultura foi
pretexto para atos de violência nos século XIX e XX, principalmente na África e na Europa.
Como dito anteriormente, o desenvolvimento das tecnologias da informação, a
reestruturação social conseqüente da reestruturação do capitalismo ampliou os lugares de
constituição da identidade, deslocando-as das referências espaciais. Além da crescente
33
mediatização da sociedade, a globalização é outro fenômeno intimamente ligado com esse
processo. Embora a globalização não seja recente, a velocidade e o aumento vertiginoso do
fluxo de informações causou sua exacerbação. O intenso fluxo cultural e o consumismo
criaram a possibilidade de “identidades partilhadas” (HALL, 1999: 74).
O fenômeno da globalização, que o próprio Giddens (apud HALL, 1999: 68)
classificou como parte essencial da modernidade, envolve transformações das velhas
estruturas dos Estados e das comunidades nacionais que também se constituíram nessa mesma
modernidade. Assim como o próprio projeto unificado de sujeito entrou em fragmentação, os
fenômenos contemporâneos fizeram com que essas velhas estruturas entrassem em colapso. À
medida que áreas diferentes do globo são postas em interconexão, ondas de transformação
social atingem virtualmente toda a superfície da terra e a natureza das instituições modernas.
Quando se fala em identidade, a globalização produz diferentes resultados. De um
lado, a homogeneidade cultural pode levar ao distanciamento da identidade relativa ao local
ou à comunidade, de outro, ela pode levar a uma resistência que leva ao fortalecimento dessa
identidade. Mas o certo é que a globalização envolve uma interação entre fatores econômicos
e culturais que causam mudanças nos padrões de produção e consumo que produzem
identidades novas e globalizadas, como afirma Woodward (2000: 20-21), idéia também
defendida por Hall (1999) e Esteves (2000). Se a globalização não é um fenômeno novo, visto
que a modernidade e o capitalismo são desde o início globalizantes (HALL, 1999: 68;
WOODWARD, 2000: 20-21), o que caracterizaria a sua fase mais recente é a convergência de
culturas e estilos de vida nas sociedades.
Outro fenômeno tem acompanhado a globalização. Está havendo uma dispersão de
demandas ao redor do mundo. Isso ocorre não apenas em termos de bens e serviços, mas
34
também na migração dos trabalhadores motivada pelas necessidades econômicas. A migração
internacional é parte de uma revolução transnacional que provoca a reformulação das
sociedades e da política. Ela tem impacto tanto sobre o país de origem quanto o de destino. A
migração permite a produção de identidades plurais, mas também identidades contestadas, em
um processo caracterizado por grandes desigualdades. Essa dispersão das pessoas pelo mundo
produz identidades moldadas e localizadas em diferentes lugares e por diferentes lugares.
Essas novas identidades podem ser desestabilizadas, mas também desestabilizadoras. A
diáspora pode ser um conceito que ajuda a entender um pouco esse fenômeno que produz
identidades plurais, sem “pátria” e sem uma única fonte. (WOODWARD, 2000: 20-22)
Fenômeno contemporâneo, a desarticulação do modelo hegemônico das identidades
nacionais/regionais como espaço de negociação de sentido em prol de um espaço mais
mediatizado permite falar em desterritorialização, transformando o espaço ou território em um
texto a interpretar
6
. (DELEUZE e GUATTARI apud FACCIN, 2000: 54)
Anthony Giddens vai falar em “desencaixe dos sistemas” sociais Esse desencaixe
refere-se às características do processo que é ligado estritamente nos avanços tecnológicos e
que têm permitido o distanciamento dos indivíduos de seus referenciais temporais e espaciais.
A condição pós-moderna, analisada por David Harvey (1992) e Lyotard (2000), tem
provocado o “desencaixe” que para Giddens refere-se ao deslocamento das relações sociais do
contexto local de interação e sua reestruturação nas extensões indefinidas do tempo-espaço.
Mas o “desencaixe”, na concepção de Giddens, não implica na substituição da relação de
proximidade pela distância, e sim na sua coexistência. Do território geográfico surgiu o
6
Para Geertz (1989), a cultura também é um texto a ser interpretado.
35
território simbólico da comunicação midiática e as novas formas de contato interpessoais
(apud FACCIN, 2000: 55).
As identidades de diáspora a que Hall se refere (1996), e que já foi citado por
Woodward acima, é exemplo da coexistência entre o território geográfico e simbólico. Para
ele, a experiência da diáspora é definida pelo reconhecimento da diversidade e
heterogeneidade que vive com a diferença, por hibridação. As identidades de diáspora estão
em constante produção e reprodução através da transformação e da diferença. A diáspora
forçada africana criou, nas diversas regiões do planeta, uma hibridação cultural que leva em
conta elementos simbólicos locais e não-locais.
No mundo contemporâneo, a situação que Harvey (1992) e Lyotard (2000)
denominaram e descreveram como a condição pós-moderna, também chamada de
supermodernidade por Marc Augè (1994), tem como uma das características a compressão do
tempo-espaço que causou aquilo que este último chamou de superabundância, visto que o
encurtamento das distâncias através novas tecnologias da informação e dos transportes mais
rápidos possibilitou que o mundo estivesse virtualmente acessível a todos.
A superabundância do espaço suscitou um debate acerca do espaço para se
compreender as noções de não-lugar e lugar. Enquanto esta é associada a uma materialidade
definida pelas relações simbólicas, históricas e identitárias de um grupo social residente em
um determinado espaço, aquela seria associada aos espaços de passagens, áreas de
transitoriedade para os grupos sociais, sendo portanto marcada por uma relação de não
fixação e ausência de identidade. A representação de um não-lugar seria os espaços públicos
de rápida circulação, como as estradas, aeroportos, rodoviárias, shoppings e os meios de
transportes.
36
Para Augè (1994), no mundo contemporâneo, a superabundância tornou o espaço de
difícil apreensão, relativizando-o e complicando-o sem extinguir os pontos de referências
culturais. Em sua análise, o lugar é a construção espacial e simbólica que serve de referência a
todos os sujeitos que nele vivem, criando uma base de sentido e fundamentando as relações
históricas e identitárias dos membros desta cultura e servindo de referência para o
“estranhamento” do outro. Assim sendo, o lugar é a idéia que todos os sujeitos que habitam
determinado espaço têm de suas relações como o território e com os outros sujeitos que pode
ser mapeado geometricamente.
O não-lugar, em contrapartida, é um espaço organizado que não garante nenhuma
forma de relação senão as contratuais representadas pelos símbolos da modernidade, como
por exemplo uma passagem de ônibus, um cartão telefônico e os documentos. Augè (1994:
87) diz que os não-lugares designam duas realidades distintas, mas complementares. De um
lado, os não-lugares designam os espaços constituídos em relação a certos fins (transporte,
lazer, comércio, trânsito). De outro, designa as relações que os indivíduos mantêm com esses
espaços. Mas se as relações se correspondem, elas não se superpõem, já que se oficialmente é
o indivíduo que age (compra, viaja, repousa), são os não-lugares que fazem a mediação de
todo esse conjunto de relações. Os indivíduos só estão ligados indiretamente às finalidades
oficiais dos não-lugares. Assim, nas palavras de Augè, enquanto “os lugares antropológicos
criam um social orgânico, os não-lugares criam tensão solitária”.
Enquanto nos lugares, o social orgânico cria as condições de interação entre os
sujeitos, nos não-lugares, a interação ocorre entre sujeitos e os textos que estão presentes e
que são propostos pelas instituições dos não-lugares. Essa situação é desfavorável à
37
constituição de identidades. Estas só são reafirmadas, nos não-lugares, nos momentos de
controle e esquecidas logo em seguida.
Faccin (2002: 56-59), com base na discussão de Augè, procura utilizar o conceito de
lugar antropológico descrito por Augè para analisar as demarcações sociais da identidade
discursivas nos jornais gaúchos. Por mais que a noção de não-lugar pudesse descrever
aspectos relevantes do mundo contemporâneo, considerar os jornais como lugares seriam
mais interessantes, segundo o autor. A mediatização do mundo contribuiu para
desterritorialização (DELEUZE e GUATTARI apud FACCIN, 2002) geográfica e uma
territorialização simbólica. A opção de Faccin em adotar o lugar antropológico de Augè se
deve a uma característica da comunicação midiática: a possibilidade de uma relação de
convivência entre os sujeitos, construindo discursivamente as identidades sociais expressas
em territórios simbólicos. E assim, segundo Faccin (2002: 59), as relações sociais mediadas
pelos dispositivos mediáticos, o encontro físico passa a ser irrelevante.
O que se procurou desenhar até este momento foi a necessidade de se pensar a
identidade que seja construída, vivida e transformada nos e pelos discursos sociais. Assim,
como afirma Faccin (2002), torna-se impossível pensar a identidade se o sujeito social não for
considerado inserido numa rede de significações. Outro ponto relevante considerado neste
capítulo foi o papel de destaque que a comunicação midiática tem na constituição destas
identidades, uma vez que, no mundo contemporâneo, as novas tecnologias da informação e da
comunicação proporcionaram o que alguns autores denominaram desterritorialização. Com
isto, a construção de identidades não está relacionada somente ao espaço geográfico em que
vivem os sujeitos sociais, mas também ao espaço simbólico. E segundo Faccin (2002), os
38
jornais constituem-se como importantes territórios em que estas identidades podem ser
construídas, vividas e transformadas discursivamente.
2 OS DISCURSOS SOCIAIS
No capítulo anterior, ao se percorrer o desenvolvimento do conceito de identidade e
adotar uma noção baseada nos Estudos Culturais relacionada à tomada de posição de sujeito,
procurou-se mostrar que as identidades são produzidas, vividas e transformadas pelos e nos
discursos sociais. São os discursos sociais que irão produzir o cenário social em que as
diversas identidades irão se manifestar. E é através das práticas discursivas que o homem
agirá sobre o mundo (VERÓN apud FACCIN, 2002). Quando se conclui que as identidades
são uma construção discursiva, afirma-se também que ela se relacionaria com o cenário social
a partir da práxis humana sobre o mundo, e não de forma estanque e polarizada. As
identidades, então, só existirão se constituídas e materializadas neste cenário através da sua
oferta no mercado simbólico que possibilitará a inteligibilidade deste mesmo cenário
(FACCIN, 2002: 62).
Procurou-se, portanto, mostrar que as identidades se definem através das relações
vividas no cotidiano pelos sujeitos, viabilizadas nas e pelas práticas discursivas. Esta situação
destaca dois pontos importantes. Em primeiro lugar, há a dissolução das grandes narrativas,
no sentido utilizado por Lyotard (2000), que orientavam as diferentes práticas dos discursos
sociais e referenciavam a uma realidade pré-estabelecida. Esta dissolução, que provocou o
questionamento das fundamentações históricas e sócio-culturais dos grupos sociais a cerca de
uma identidade unitária, seja nacional ou regional. A possibilidade concreta da ruptura das
grandes narrativas, com suas categorias universalizantes, e a desterritorialização simbólica da
constituição das identidades revelaram, em segundo lugar, o papel importante que a
comunicação midiática e as novas tecnologias da comunicação e da informação
40
desempenharam neste processo, e a importância da mídia como um espaço viabilizador desses
novos encontros sociais e de novas redes de significação, constituindo-se território em que as
identidades sociais possam ser viabilizadas, vividas, reproduzidas e transformadas.
As práticas discursivas são uma dimensão fundamental para a construção, transmissão
e transformação das identidades. E é sobre o olhar das práticas discursivas que se permite
considerar o campo jornalístico como parte instituinte do poder no que se refere ao embate de
sentido. Por isto a leitura dos discursos sociais é importante, buscando ultrapassar os limites
que cercam a análise dos conteúdos
7
, priorizando, desta forma, os processos de produção de
produção, circulação e consumo
8
nos atos concretos de comunicação (FACCIN, 2002: 61).
Estes processos deixam suas marcas materiais sobre a superfície do texto, como será visto
adiante.
Em resumo, ressalta-se, então, a importância de se estudar as identidades a partir de
sua dimensão discursiva para se compreender os vínculos que ligam os sujeitos aos seus
semelhantes e a sua participação. E será no cenário social que se baseará a constituição e a
experiência da identidade (FACCIN, 2002: 62)
7
Não se desconsidera a importância da análise de conteúdos. Sabe-se, porém, que a análise de discursos possui,
hoje, recursos para se obter informações acerca das condições de produção de um discurso social, entendendo
que estas condições de produção englobam a produção, circulação e consumo dos discursos sociais, que são
apagadas quando a análise se prende ao conteúdo de um texto.
8
Verón prefere substituir o termo consumo por reconhecimento. Para ele, dos três termos que se pode distinguir
nas condições de produção de um discurso social (produção-circulação-consumo), o consumo se parece
relacionar-se mais fortemente com o domínio econômico do que com o domínio do sentido. Disto suscitar-se-ia
alguns problemas. Dos três, o consumo seria o que continuaria a dar a impressão de um termo puramente
econômico. Por outro lado, o reconhecimento, que já havia sido utilizado na lingüística para aludir o momento
de recepção num circuito de linguagem, mesmo que este produza um certo desequilibro. (VERÓN, 1978).
41
Os cientistas sociais têm recorrido a essa dimensão discursiva para entender o vínculo
entre os sujeitos sociais, embora possam seguir através de uma diversidade de preocupações
metodológicas. Mas, a linguagem, no sentido mais abrangente e conseqüentemente o discurso,
se tornou a base de muitos estudos, embora muitos cientistas sociais, ao tentarem fazer uma
análise de discursos, não ultrapassam a barreira da análise de conteúdos. A adoção de
instrumentos inadequados para a análise dos textos é uma das maiores limitações para as
ciências sociais. Como Pinto (2002: 29) afirmou, a utilização de textos nas pesquisas sociais
sem a adoção adequada dos instrumentos semiológicos tem como conseqüência a se
considerar apenas o valor documental imediato dos textos analisados, tratando-os
independentemente do contexto como se fossem transparentes em relação ao universo por eles
representados, não dando, então, a devida importância à opacidade ideológica, considerada
importante para a análise de discursos. Stuart Hall e outros culturalistas, autores pós-
colonialistas como Anthony Kwame Appiah (1997) e Homi Bhabha (1998) são alguns dos
exemplos, já citados no primeiro capítulo, da adoção da linguagem como suporte para o
entendimento da identidade. Canclini (1999) é outro exemplo de autor que adota a linguagem
como ponto de partida para se compreender a formação das identidades.
Do que foi desenvolvido no primeiro capítulo dessa dissertação, e que se encontra
reforçada neste capítulo a partir de uma análise semiológica dos discursos sociais é que se
reconhece que as identidades não se encontram pronta em modelos pré-fixados, mas são
formadas a partir das práticas do cotidiano (a enunciação posta em funcionamento) articuladas
através de discursos concretos (os textos) em formas particulares contextualizadas, o que faz
com que as identidades sejam dependentes de sua dimensão discursiva e simbólica.
(FACCIN, 2002: 64). Daí a importância de se adotar uma postura de analisar
semiologicamente os textos para se compreender a constituição de identidade, que no caso
42
desta dissertação, foca-se sobre a constituição da identidade capixaba em uma forma
específica de gênero discursivo, os dois principais jornais capixabas (A Gazeta e A Tribuna).
É sobre o desenvolvimento da análise de discursos como instrumental metodológico que este
capítulo é dedicado.
2.1 Percursos
2.1.1 O texto
9
O interesse em se estudar os textos é antigo. Assim como o interesse em entender a
essência do homem e o que o diferenciava de outros animais, tem suas raízes na Grécia
Antiga. Estes interesses se dividiram em duas vertentes, uma preocupara na interpretação dos
textos religiosos, especificamente a dos oráculos, e outra interessada na produção de textos, a
retórica. Esta era definida como prática para criação de textos políticos, jurídicos e de
homenagem.
A prática interpretativa desenvolveu-se, deixando-se de aplicar apenas a interpretação
dos oráculos e estendeu-se aos estudos de textos religiosos, de maneira geral, aos textos
jurídicos e literários e tornou-se disciplina conhecida sob o nome de hermenêutica,
especializada na interpretação de quaisquer textos. O principal interesse da hermenêutica era
reconstituir, na medida do possível, o sentido “original” do texto. Para isso, a hermenêutica
buscou em outras disciplinas e práticas como às pertencentes à técnica da exegese, à lógica, à
gramática normativa e histórica e às ciências sociais. Um dos exemplos da conseqüência do
percurso trilhado pela hermenêutica foi o surgimento da Filologia no século XIX. A filologia
9
Esta e a próxima sessão (A pesquisa empírica) estão baseadas em Pinto (2002: 14-20) e Pinto (2000)
43
como disciplina, associada intimamente com a hermenêutica, aliava a exegese, a gramática e a
história para produzir comentários críticos sobre textos antigos.
A retórica tornou-se disciplina obrigatória nas escolas e universidades ocidentais até o
século XVIII. No século XX, a retórica voltou a ganhar força por causa do papel cada vez
mais central desempenhado pelas mídias na sociedade. Surgida nas colônias gregas da Sicília
como um conjunto de técnicas para a criação de discursos (no sentido de texto proferidos
diante do público) a ser usada nos tribunais, a retórica extrapolou a abrangência jurídica e
passou a ser utilizada em outros gêneros textuais do cotidiano dos gregos, especialmente o
deliberativo com ênfase no discurso político, e o epidítico, com o qual se louvava ou se
criticava cerimonialmente uma pessoa. A retórica pode ser considerada, por ser uma técnica
de produção textual, como a primeira teoria de produção e recepção de textos. A importância
do papel da retórica como prática social é salientada por Barthes (apud PINTO, 2002: 16).
A relação da retórica com a análise de discursos é evidente. Em primeiro lugar, o
interesse da análise de discursos se interessa pela disputa da fala na sociedade não deixa de
ser, de certa forma, uma reflexão sobre a teoria e a técnica da retórica como prática social. Em
segundo lugar, a noção de discurso como simulacro interesseiro, centrado mais na emoção do
que na razão para cooptar o público, é um dos conceitos da análise de discursos. As noções de
polifonia e dialogismo presentes nas análises contemporâneas por influência de Bakhtin já
estavam presentes na primeira e segunda parte da techné rhetoriké de Aristóteles. A idéia de
efeito de sentido, assim como as imagens do enunciador e do destinatário também estavam
presentes.
44
2.1.2 A pesquisa empírica
Ainda sob impacto da hermenêutica, pesquisadores ligados à sociologia e à psicologia
desenvolveram, a partir dos anos 1930, umtodo de tratamento da informação semântica
dos textos, a análise de conteúdos, ligada ao empirismo e cientificismo das pesquisas norte-
americanas, e que fez sucesso nas pesquisas empíricas em ciências humanas e sociais. Ainda
hoje, a análise de conteúdos é amplamente utilizada, embora ela tenha as suas limitações.
Analisar um texto discursivamente não desmerece o valor da análise de conteúdo. O próprio
Verón (1985: 36) destaca que estudar o dispositivo de enunciação não significa abandonar o
conteúdo, se desinteressar pelo enunciado. Para ele, o fato é que quando o dispositivo de
enunciação entra em operação, um mesmo conteúdo pode desencadear modalidades de
enunciação muito diferentes. A forma com que a análise de conteúdo encara este mesmo
conteúdo, não observando o dispositivo de enunciação, faz com que o enunciado seja tratado
de uma forma muito diferente daquela com que é tratada na análise de discursos. Na verdade,
a análise de conteúdos faz com que o texto original seja transformado em um texto
interpretado pelo pesquisador, que nada mais é que outro discurso. O que se pode dizer é que,
das diversas correntes atuais da análise de discursos, algumas procuram se posicionar
criticamente em relação à análise de conteúdos, enquanto outras procuram aperfeiçoar e dar
continuidade a ela, procurando corrigir seus pontos fracos e adotar termos mais recentes
provenientes das ciências sociais, humanas e da linguagem.
A análise de conteúdos pretende, por um processo de normatização da diversidade na
superfície dos textos, tornar os textos compatíveis para que possam ser aplicadas técnicas
estatísticas e computacionais. Esta normatização, postura metodológica adotada pela análise
de conteúdos, também foi adotada pelas análises semântico-estruturais dos anos 1950 e 1960,
exemplificada pela análise estrutural da narrativa de Greimas e Bremmond, baseadas na
45
transcrição dos conteúdos mediante a uma rede de categorias semânticas. O que tornou estas
análises criticáveis é que este processo de transcrição acaba por apagar as marcas que ligam o
texto à sua produção, construindo-se um novo texto sob outras condições de produção.
Nos anos 60, as categorias semânticas foram substituídas pela sintáticas nos trabalhos
tentados pelo estruturalista norte-americano Zellig Harris e pelos pesquisadores franceses do
grupo de Michael Pêcheux. Não demorou em se perceber que as categorias sintáticas
impunham também uma interpretação ao texto original.
Neste processo de desenvolvimento das análises de discurso, Verón (1985: 33-34) vai
distinguir três gerações da semiologia. Na primeira semiologia, nos anos 1960, ele a
denominou semiologia imanentista. Nela, procurava-se definir um corpus e se fechar na
descrição conotativa do sentido, e frente ao desenvolvimento de categorias psicologizantes e
sociologizantes, tendia-se em valorizar a análise da mensagem por ela mesmo. o sentido
encontrava-se na mensagem. Nos anos 1970 desenvolveu-se a semiologia de segunda geração.
Procurou-se ultrapassar qualquer ponto de vista estático e taxonômico e começou-se a falar
em produção de sentido sob a influência das “gramáticas gerativas”, buscando através dos
textos, reconstruir o processo de sua produção. É na década de 1980 que se desenvolve a
semiologia de terceira geração, que segundo Verón, seria capaz de integrar em sua teoria, os
efeitos de sentido, abarcando também todo o seu processo de produção, que vai da produção
de sentido, à circulação e ao seu consumo, ou reconhecimento como prefere Verón. A
enunciação, que será vista mais adiante, tem papel fundamental nesta semiologia.
46
2.1.3 Duas tradições
É nesta década de 80 que a moderna semiologia francesa, a de terceira geração, que a
noção de discurso
10
é reformulada, desvinculando-se dos rígidos esquemas lingüístico-
estruturais que antecipavam o significado de um signo. Sob influência de autores como
Foucault, Althusser, Lacan, Pêcheux e Benveniste, a semiologia transformou-se a partir dos
novos postulados vindos do marxismo e da psicanálise. Esta mudança de rumo na semiologia
francesa se deve a preocupação dos semiólogos e cientistas sociais em compreender as
relações de poder e os posicionamentos ideológicos nos discursos. Por outro lado, esta postura
confrontava-se diretamente com a pragmática anglo-saxônica, mais preocupada com a
eficácia do processo comunicacional e baseadas no empirismo e psicologismo. As diferenças
entre as pesquisas e teorias da comunicação desenvolvidas na Europa e nos Estados Unidos
ilustram bem estas diferenças
11
.
Estas diferenças marcam as duas tradições que nutriram a análise de discursos
contemporânea. Michel Foucault e Michel Pêcheux foram as maiores influências na Análise
de Discurso francesa (AD), ao tentar articular desde os anos 1970 lingüística e história, numa
teoria do discurso que impregnada do estruturalismo, da epistemologia da descontinuidade, de
uma prática marxista das ciências humanas e de uma parcela da psicanálise. Louis Althusser e
seus trabalhos sobre a função das ideologias como constitutivas da produção e recepção dos
sentidos sociais, por força dos aparelhos ideológicos, também teve forte influência sobre a
AD.
10
Tanto na tradição francesa de análise de discurso quanto na tradição anglo-saxônica, o emprego da palavra
discurso é usada como um coletivo, ou genérico. Pinto (2002) prefere adotar o termo no plural para contemplar a
idéia de multiplicidade e escapar das categorias abstratas contidas no estruturalismo.
11
Para as diversas correntes e teorias da comunicação, ver Wolf (2000).
47
De forma distinta, a Análise do Discurso anglo-americana, também conhecida como
discourse analysis, originou-se na Inglaterra e se fixou firmemente nos EUA, onde incorporou
elementos da sociologia, da etnologia, da psicologia. Prende-se mais ao empirismo e aos
conceitos da psicologia do consciente. Segundo Pinto (2002: 21), as análises desta abordagem
combinam a descrição da estrutura e do funcionamento interno dos textos procurando
contextualizá-las de forma um pouco limitada e utópica. O processo de comunicação é
entendido atomisticamente como interação cooperativa entre os indivíduos. Toda fala é
considerada uma ação, mas esta é entendida como originada do indivíduo imune a qualquer
coação social. O conceito de discurso oscila entre uma definição que contrapõe discurso e
frase, como unidade lingüística constituída por uma sucessão de frases, e uma definição de
discurso como uso, ou “jogo de palavras”, da linguagem verbal em determinados textos.
Apesar do conflito das duas tradições, toda massa crítica produzida sobre a análise de
discursos, aliada aos desenvolvimentos teóricos referentes à contextualização das marcas
formais da superfície textual, a citar o reconhecimento de um evento de comunicação como
um rito social ou como parte deste rito cujas convenções devem ser seguidas, o
reconhecimento de que a contextualização se dá a partir de mediações, a visão de que as
marcas formais de um texto são produtos de convenções de codificações exigidas pelo
contexto social em que o evento comunicacional ocorre e o entendimento que o universo dos
discursos produzidos numa sociedade se organizam em séries ou redes discursivas já
possibilitam uma conciliação entre estas tradições. (PINTO, 2002: 20-24)
2.1.4 Uma nova visão
Como Pinto (1994 e 1999) afirma, para se comunicar, as pessoas utilizam a linguagem
verbal ou outros sistemas semióticos que possuem como funções básicas que se realizam de
48
modo integrado, e que ele denominou modos de dizer (modos de mostrar, modos de interagir
e modos de seduzir) por considerar que, de forma diversa da análise de conteúdos, a análise
de discursos não se interessa pelo o que o texto diz ou mostra, mas como e por quê o texto diz
ou mostra.
Podem-se definir três objetivos primários de um emissor engajado no processo
comunicativo e suas operações de enunciação correspondentes. Em primeiro lugar, a criação
de universos de referência compartilhado com o receptor que está relacionada à função de
mostração. As operações enunciativas a ela relacionadas são as operações de atualização, as
operações de determinação, as operações temporais e as operações aspectuais.
A mostração, cuja função básica é construir o referente, o universo de discurso ou
mundo do qual o texto fala, consiste em designar e descrever as coisas ou pessoas,
estabelecendo relações entre elas e localizando-as no tempo e no espaço, sempre em relação
ao que o receptor supostamente conheceria deste universo em pauta. O principal problema
para o emissor, aqui, é construir o universo de discurso em jogo e marcar a fronteira entre os
conhecimentos que assume, os que compartilha com o receptor e os que a ele atribui, a
respeito deste universo. Essa distribuição é parte essencial da constituição do enunciador e do
coenunciador em qualquer texto. Nos textos verbais, esta função se realiza por operações
marcadas pelas escolhas lexicais e pelo emprego de operadores referenciais, temporais e
aspectuais. Nas imagens, esta função se realiza por operações de antonomásia, envolvendo
pessoas ou coisas e suas relações produzindo contextualmente efeitos de sentido semelhantes
aos dos operadores gramaticais.
A função de interação procura estabelecer os vínculos socioculturais necessários para
dirigir-se ao seu interlocutor. Ela consiste em interpelar e estabelecer as relações de poder
49
com o receptor, na tentativa de cooptá-lo e de agir sobre ele ou sobre o mundo por seu
intermédio. A modalização é um tipo de operação de enunciação. O problema a ser resolvido
pelo emissor é a reprodução das hierarquias sociais reconhecidas no interior da instituição em
que o processo de comunicação se dá, reforçando-as, ou de tentar modificá-las segundo
determinada estratégia persuasiva. Nos textos verbais esta função se realiza por meio de
operadores de modalização, envolvendo toda a frase. Nas imagens, as operações ocorrem
através da interpelação pelo olhar do modelo e a tematização do poder pela colocação de uma
imagem em posição dominante.
A função de sedução procura distribuir os afetos positivos e negativos cuja hegemonia
o emissor reconhece e/ou quer ver reconhecida. Essa função consiste em marcar as pessoas
com valores positivos ou eufóricos e negativos ou disfóricos, e/ou ainda demonstrar uma
reação afetiva favorável ou desfavorável a eles. O emissor procura reforçar os valores
hegemônicos vigentes no interior das instituições em que se dá o processo de comunicação ou
de procurar modificá-los segundo novas estratégias persuasivas tornadas possíveis por
mudanças nas condições sociais de produção. Nos textos verbais esta função se realiza por
meio de operadores de modalização expressiva, que podem incidir sobre toda uma frase ou
sobre qualquer parte dela. A modalização expressiva é marcada pela escolha do léxico. É
normal que seja também não-explícita, apenas sugerida por um efeito de sentido conotativo,
cuja interpretação fica na dependência da contribuição do receptor. Nas imagens, a
contribuição do receptor na interpretação de valores expressivos é importante. Nas imagens,
cujas conotações são sugeridas por meio de técnicas de manipulação dos retratos e do cenário,
enquadramento, iluminação, profundidade do foco, além dos recursos de edição.
50
Não se pode esquecer que o ponto de partida de qualquer análise de discursos são
sempre os produtos culturais empíricos produzidos pelos eventos comunicacionais que
deixam sua marca na superfície dos textos produzidos. Assim, a comunicação entre as
pessoas, dada as suas características, a partir de operações de natureza lógica, semântica e/ou
pragmática, deixam marcas léxico-gramaticais nos textos. Desta forma, para Pinto (2002: 28),
uma nova visão dos discursos sociais deve levar em conta que a linguagem verbal e outras
semióticas com que os textos são construídos, fazem parte do contexto sócio-histórico. A
linguagem não é puramente instrumental, como pensavam a pragmática e a etnometodologia
norte-americana. A linguagem, e de forma mais expandida, o discurso, tem papel fundamental
na reprodução, manutenção e transformação das representações que as pessoas fazem das
relações e identidades com se definem numa sociedade. É no discurso que as pessoas travam
suas batalhas no dia-a-dia, buscando dar a última palavra, para assim ver seu discurso
reconhecido hegemonicamente.
A partir desta visão adotada por Pinto, a noção de discurso passa a ser o uso da fala em
um processo real de comunicação. Esta noção é fundamental para se analisar a constituição
das identidades, dentro de uma perspectiva discursiva já que o discurso só pode ser
denominado com tal se associado à prática do sujeito dentro de um contexto social. Conforme
desenvolvido no capítulo um desta dissertação e reafirmado no início deste capítulo, as
identidades são construídas, vividas, transformadas e reproduzidas no e pelo discurso numa
situação real de comunicação. Assim sendo, as identidades, como afirmou Faccin (2002: 67)
não são produzidas no vazio dos lados manifestos de suas expressões, mesmo que tenha lugar
na topografia social, mas possuem uma relação dialética com o tecido discursivo das relações
sociais. Faccin diz ainda (2002: 68) que o processo de identificação relaciona-se àquilo que
Barthes denominou de sistemas de significações e que é denominada de rede de significações
51
na análise de discursos. Os processos de identificação seriam ainda construídos pelas práticas
discursivas em situações concretas de uso, como a comunicação que põe o dispositivo de
enunciação em funcionamento. Não existiria, assim, nas teorias da enunciação e do discurso,
algo que seja externo a uma realidade concreta.
2.2 A enunciação
Das maiores contribuições que a análise de discursos recebeu foi a noção de
enunciação
12
. A partir de Benveniste, a idéia de discurso começou a se transformar. A virada
lingüística proposta pelo autor, que postulou a primazia do sujeito sobre a língua e interferiu
nos estudos sobre a cultura e a identidade (FACCIN: 2002: 68). Para Benveniste (1989: 82), a
enunciação é o ato individual de utilização da língua. Para Pinto (2002: 32), a enunciação é o
ato de produção de um texto e se opõe a enunciado, que é o produto cultural produzido, o
texto materialmente considerado. A compreensão da enunciação como um ato em que a
língua entra em funcionamento pelo trabalho do sujeito que utiliza o código e impregna a
língua segundo suas características subjetivas faz com que o discurso deixe de ser visto como
um conjunto de frases que representariam o real para se referenciar “enquanto atos
enunciativos que determinam a construção de seu referente, marcados por operações e
manobras que disputariam um efeito de sentido” (FACCIN, 2002: 70).
12
A separação do conceito de "enunciação" do par enunciado/enunciação no qual é um dos termos é
conveniente. Enquanto o enunciado é da ordem do que é dito, de forma que se poderia dizer que o enunciado
está na ordem do conteúdo
12
, a enunciação concerne não ao que é dito, mas o dizer e suas modalidades, as
formas de dizer (VERÓN, 1985: 34). A relação entre enunciação e enunciado é maior do que a relação entre a
ordem do dito e da forma de dizer. Como a enunciação não pode ser também considerada uma instância de
passagem entre o sujeito e o mundo e nem uma instância de representação, na medida que reflete a
individualidade de quem enuncia e está condicionada pelo próprio ato enunciativo, a enunciação é o próprio ato
de produzir o enunciado, e não o conteúdo do enunciado.
52
A enunciação foi importante porque mostrou que o sujeito, ao por o dispositivo de
enunciação em movimento, investe no discurso a sua subjetividade. A partir desta concepção,
Benveniste reformulou o binarismo da lingüística de Saussure que dividia a linguagem em
língua (langue) e fala (parole), sendo a língua objeto de estudo desta nova ciência. E a partir
desta reformulação, os paradigmas lingüisticamente informados procuraram dar conta da
relação dinâmica que existe entre a cultura, a estrutura e a prática social (FACCIN, 2002: 69).
A lingüística estruturalista desenvolveu-se a partir dos postulados de Saussure. Ela
considerava a língua um sistema fechado, sincrônico e social. Sendo um sistema fechado e
social, as pessoas utilizariam a língua como uma estrutura pronta. No início, a análise de
discursos esteve ligada às teorias e metodologias relacionadas ao estruturalismo,
especialmente àquela em que se prendia a uma análise imanente dos textos, considerando-os
independentes do contexto histórico e social. Ela estava vinculada, portanto a semiologia da
primeira geração, citada por Verón (1985). Nesta abordagem, que antecede a adoção da
enunciação, a língua é estudada a partir de suas unidade, como a oração, a palavra e o fonema,
e o locutor era visto como se estivesse sozinho. Assim, para o estruturalismo, o sujeito não era
autônomo pois as estruturas determinariam a ação individual. Para Verón (1980: 175-176)
este modelo saussuriano serviu para expulsar o que era chamado de “real” do domínio dos
significados da língua. Como sistema fechado, no que toca aos elementos extralingüísticos, o
universo da língua na lingüística saussuriana, segundo Verón, só permitia ser trabalhada de
forma binária, compreendendo o significante (imagem psíquica do som) e o significado
(conceito).
Para Benveniste (1991), a língua seria o aparelho formal de enunciação. Como dito no
início desta seção, a enunciação, para ele, a enunciação seria o ato de se colocar a língua em
53
funcionamento através da ação individual do sujeito. A língua, antes da enunciação, não seria
senão a possibilidade da língua. Após a ação do sujeito sobre esta, a partir da enunciação, a
língua efetivar-se-ia em uma instância de discurso que vai envolver o próprio ato de
enunciação, as situações em que ele se realiza e os instrumentos de sua realização.
Com a virada lingüística iniciada por Benveniste, a análise semântica deslocou-se para
a análise da estrutura da construção de sentido e a visão de que ao se dominar o código
controlar-se-ia o sentido da mensagem foi ultrapassada. Segundo Benveniste (1991) os
sujeitos fazem usos infinitamente variados da língua. Esta seria um repertório através do qual
o sujeito se serviria, através da enunciação, para se expressar. O sentido do ato enunciativo só
seria atribuído no momento em que a produção do discurso se completa com o seu consumo,
ou reconhecimento por parte do receptor. Pois é no ato da recepção que as palavras e orações
são decodificadas e também interpretadas, uma vez que elas são provenientes de um processo
de produção de sentido. É o receptor que decodifica a informação, articula-a, e interpreta-a de
acordo com seu repertório sociocultural. Assim, o sentido só se completa no receptor, sendo
este não apenas uma ponta na produção de sentido, mas também uma de suas partes
constituintes
A noção de discurso, entendida outrora como fonte de representação da realidade e
relacionada a quem ira representar esta realidade desloca-se para o como o texto é construído,
indo em direção à noção de discurso como prática social. Isto significou entender os discursos
sociais como caracterizados por um conjunto de traços virtuais presentes em realizações
efetivas, ou como um conjunto de regras e valores que determinam sua produção (FACCIN,
2002: 69). Isto seria dizer que analisar os discursos sociais é compreender o processo que
tornou a enunciação possível. Assim, segundo Pinto (2002: 26), o papel do analista de
54
discursos é procurar e interpretar os vestígios que permitam a contextualização do texto. Este
tipo de análise supera a imanência dos textos, uma vez que só se completa com a fase da
contextualização realizada pelo analista.
Como visto até o momento, o discurso se remete a um processo enunciativo. A
ancoragem da análise de discursos na Teoria de Enunciação se faz necessária a partir de
vários pontos. Em primeiro lugar, a primazia do sujeito sobre a língua coloca-o numa posição
central na construção dos sistemas de significação. Como o sujeito utiliza-se da língua das
mais variadas formas, a produção de um texto, dentro de um contexto numa rede de
significação deixa marcas perceptíveis que vai caracterizar o discurso, entendido como prática
social. Esta produção pode ser entendida como produção social de sentido. O produto deste
ato comunicacional deve ser, então, entendido como algo que sofre alteração de um contexto
social e que integra uma rede de significados, também denominada semiose social, que vai
investir cada ato enunciativo concreto dos sujeitos enunciadores.
Para Verón (1978: 9) quando os sujeitos envolvidos num ato de comunicação
assumem a posição de emissores e coemissores, eles entram num mundo de representações,
de relações e identidades sociais. Para ele, o mundo da linguagem é um mundo de aparências.
E dentro deste mundo, todo o processo de produção de sentido (produção - circulação -
consumo ou reconhecimento), passa por duas dimensões da semiose social: a ideológica e a
do poder. Portanto, no funcionamento de uma sociedade, nada é estranho ao sentido, e desta
55
forma, nada também é estranho a estas duas dimensões da semiose social. Segundo o autor,
todo o fenômeno social é suscetível de ser ‘lido’ em relação ao ideológico e ao poder
13
.
Bakhtin (1988) considera a língua um fato social fundamentado na necessidade de
comunicação e a enunciação como fruto da prática discursiva dos sujeitos sociais, sendo que,
o meio social em que o sujeito vive, organizaria a enunciação. Para ele, a enunciação é
produto de uma interação social que é determinada por uma situação imediata ou por um
contexto mais amplo que constitui o conjunto de condições de vida de uma comunidade
lingüística. A enunciação não seria, então, meramente individual, mas de natureza social. O
sujeito operaria a língua, transformando-a em enunciados, deixando sobre a superfície dos
textos produzidos, o seu investimento de sentido. Para ele, tanto a vida quanto a língua se
interpenetrariam através dos enunciados concretos operados pelos sujeitos da enunciação.
Bakhtin vai considerar a enunciação como componente necessário para se compreender e
explicar as estruturas semânticas das práticas discursivas.
2.3 O sujeito
A problemática do sujeito vai fazer parte da análise de discursos no mesmo momento
que os estudos da enunciação. Esta problemática corresponde em responder quem seria o
responsável por uma representação reconhecida em um texto. Para a análise de discurso
(PINTO, 2002: 31) todo o texto é híbrido ou heterogêneo quanto a sua enunciação pois é um
tecido de “vozes” ou citações e que o individuo não tem total controle sobre sua fala.
13
Verón ainda afirma que o ideológico e o poder estão presentes em tudo, em todo fenômeno social, e que isto é
muito diferente de dizer que tudo é ideológico, ou que tudo se reduz à dinâmica do poder. Como ele afirma “no
universo social do sentido, há outras coisas além do ideológico e do poder. O que quero dizer é que ‘ideológico’,
‘poder’ remetem à dimensões de análise de fenômenos sociais, e não à ‘coisas’, a instâncias que seriam um lugar
da topografia social.”
56
Foucault (2000) critica a visão idealista de sujeito considerando que ele, o sujeito, não
pode ser considerado uma instância fundadora da linguagem. Aliás, para Foucault, o sujeito
do enunciado não é causa, origem ou ponto de partida de qualquer articulação enunciativa e
nem fonte ordenadora das operações de significações que os enunciados manifestam nas
superfícies discursivas. Com sua concepção de descontinuidade história, não haveria uma
subjetividade fundadora.
A descrição de uma formulação enquanto enunciado, para Foucault, consistiria em
determinar qual a posição que pode e deve ocupar todo indivíduo para ser sujeito, e não em
analisar as relações entre o autor e o que ele diz disse sem querer. Assim, o discurso seria
marcado com uma visão da dispersão do sujeito, que reflete a descontinuidade dos planos,
ligados por um sistema de relações estabelecido pela especificidade de uma prática discursiva,
de onde fala o sujeito que pode, no interior do discurso, assumir diferentes estatutos. O
sujeito, portanto não seria uma fonte geradora de significações durante o processo de
organização da linguagem.
O sujeito pode ser visto como um espaço que será preenchido por diferentes
indivíduos que o ocuparão ao emitir um enunciado. Num ato de comunicação, ao se distinguir
os sujeitos da enunciação, do enunciado e falado
14
, para utilizar a nomenclatura adotada por
Benveniste, e adaptada por Pinto, a definição destes três tipos de sujeitos nada mais são do
14
Dependendo da nomenclatura adotada, define-se a imagem daquele que fala como enunciador ou sujeito da
enunciação e a imagem daquele a quem o discurso é dirigido como destinatário, coenunciador, receptor ideal ou
sujeito falado. O sujeito do enunciado, ou emissor, é o personagem entre outros que agem e falam e que pode ser
identificado como o responsável pelo enunciado. O sujeito do enunciado põe em cena um ou mais enunciadores
citados acima como sujeito da enunciação.
57
que uma forma de explicitar os diferentes posicionamentos, posições, lugares ou discursos,
como afirmou Pinto (2002: 35-36).
Para Pinto (2002: 32-36) os participantes das práticas sociais, ou discursos, inseridos
em determinados contextos assumem o papel de sujeito tanto por estarem submetidos ao
contexto quanto por serem também agentes de produção, circulação e
consumo/reconhecimento dos textos. Assim, para a análise de discursos, cada texto pertence a
um gênero de discursos, e cabe a cada gênero determinar o que se chama dispositivo de
enunciação: a explicitação dos diferentes posicionamentos ideológicos, posições enunciativas
ou lugares de fala, ou seja, as diferentes maneiras de construir a representação de determinada
prática social ou áreas de conhecimento propostas pelo sujeito, assumidas ou não pelos
participantes do evento comunicacional.
2.4 Discurso e prática discursiva
No desenvolvimento da análise de discursos, duas idéias foram rejeitadas. Como visto
na seção anterior, o postulado da unicidade do sujeito foi uma delas. Em segundo lugar, o
indivíduo reconhecido como autor empírico de um texto não pode ser considerado o único,
nem inteiramente responsável pelas representações que aparecem no texto produzido.
(PINTO, 2002:30). Assim, o uso da linguagem é uma forma de prática social que não pode ser
isolada de outras práticas sociais, sendo constituidora e constituinte de todas as práticas
sociais possíveis. O uso da linguagem não é uma atividade individual ou instrumental, reflexo
de variáveis situacionais. Assim, o discurso é tanto um modo de ação, uma forma de as
pessoas agirem sobre o mundo e sobre os outros, como também um modo de representação.
58
Atualmente, a semiologia considera as práticas discursivas como uma forma particular
de prática social. Para Pinto (2002: 50-51) as práticas discursivas são práticas sociais de
produção de textos. A adoção da concepção de práticas discursivas permite ultrapassar a idéia
de uma análise puramente enunciativa do discurso e revelar a suas faces social e textual. Isto
porque ao se utilizar o termo prática discursiva, evidencia-se o discurso como uma forma de
ação, seja numa perspectiva inspirada no marxismo (o discurso como práxis) ou numa
perspectiva pragmática. A noção de prática discursiva, ao revelar as duas faces do discurso,
apreenderia dois elementos. De um lado, as comunidades discursivas. De outro, as formações
discursivas, considerando-as inseparáveis das comunidades que as produzem, de seu modo de
emergência e de difusão (MAINGUENEAU, 1998: 113-114).
Segundo Maingueneau (1998: 67-69; 113-114), o termo prática discursiva é
comumente usado como variante da formação discursiva que vai designar o conjunto de
enunciados relacionados a um mesmo sistema de regras historicamente determinadas. As
formações discursivas passam para a análise de discursos através de Michel Pêcheux,
experimentando sucesso nos trabalhos desenvolvidos pela Escola Francesa. Nesta corrente da
análise, as formações discursivas designam todo um sistemas de regras que fundam a unidade
de um conjunto de enunciados sócio-históricamente circunscritos, e que vai determinar o que
pode e o que deve ser dito a partir de uma posição ideológica. Mas este termo tem perdido
cada vez mais prestígio (PINTO, 2002: 59-60).
Enquanto as formações discursivas são pensadas num movimento, como conteúdo,
modo de organização dos homens e rede específica de circulação de enunciados
(MAINGUENEAU, 1997: 114), as comunidades discursivas seriam o grupo ou organização
de grupos em cujo interior os textos são produzidos. (MAINGUENEAU, 1997: 56). A noção
59
das comunidades discursivas como grupos sociais que produzem e administram um tipo de
discurso e sua intima ligação com as formações discursivas pressupõe que as instituições que
produzem um discurso não são mediadores transparentes. É o que já foi dito a pouco acima.
As práticas discursivas e as práticas sociais são inseparáveis (MAINGUENEAU, 1998: 29-
30). Deve-se esclarecer que as comunidades discursivas não se remetem estritamente aos
grupos (instituições e relações entre agentes), mas a tudo que estes grupos implicam no plano
da organização material e do modo de vida. Os grupos visados pelo autor referem-se aos que
existem unicamente por e na enunciação, na gestão destes textos, e não aos encontrariam a sua
razão de ser em outro lugar (MAINGUENEAU, 1997: 56).
Fairclough (2001) e Pinto (2002) definem o discurso como uma prática social,
descartando a idéia de que ele seria apenas reflexo de variáveis situacionais ou atividade
puramente individual. A proposta de Fairclough (2001) considera ainda uma abordagem
tridimensional do discurso em que cada qualquer evento discursivo é considerado
simultaneamente como um texto, como exemplo de prática discursiva e como um exemplo de
prática social. Este modelo permite avaliar as relações entre as mudanças discursivas e
sociais, além de relacionar as propriedades dos textos às propriedades sociais de eventos
discursivos como instâncias de prática social, pois, segundo Fairclough, é a natureza da
prática social que vai determinar os macroprocessos da prática discursiva e são os
microprocessos que vão moldar o texto. Os textos, para ele, representam a realidade, ordenam
as relações sociais e estabelecem as identidades sociais. Como prática discursiva, o discurso
movimenta-se dialeticamente entre as ordens de discurso, a prática discursiva e o evento
discursivo.
60
No modelo tridimensional de Fairclough, o nível do texto refere-se análise dos
processos citados acima em termos de intertextualidade. Isto porque os textos são construídos
por meio da articulação de outros textos que dependem do contexto em que surgiram e
mudam com ele. Nas ordens do discurso, as relações e limites entre as práticas discursivas no
nível institucional ou societal modificam-se juntamente como a mudança social. Com a
mudança social, as práticas discursivas pressionam e modificam as relações, as identidades, o
conhecimento e as crenças.
Com a noção de sujeito, adotada anteriormente, que não é capaz de controlar o seu
discurso por estar condicionado à sociedade em que vive, a identidade de um indivíduo é
constituída no interior e a partir das possibilidades que ele pode ocupar e assumir a posição de
sujeito. Esta possibilidade revela duas faces que fazem parte da subjetivação em uma
enunciação. De um lado, ele constitui-se como sujeito do discurso. De outro, submete-se às
regras. Assim, as práticas sociais fundam-se nas condições de produção específicas de uma
formação discursiva. A noção de “condições de produção” designa, geralmente, o contexto
social que envolve um corpus, envolvendo não só o ambiente material e institucional do
discurso, mas também as representações imaginárias que os indivíduos envolvidos no
discurso fazem de sua própria identidade, assim como os seus referentes (MAINGUENEAU,
1997: 30-31). Ao tomar as condições sociais de produção, ou condições de produção, de um
discurso como sinônimo de contexto, é preciso ter em mente que elas incluem todo o processo
de interação comunicacional que envolve a produção, a circulação e o consumo dos sentidos.
(PINTO, 2002: 12).
Não seria falso afirmar que a produção de um discurso por um sujeito enunciador é
feita através de operações em que este mesmo sujeito faz um investimento de sentido nas
61
diferentes matérias significantes a partir de determinadas condições de produção.
Parafraseando Faccin (2002: 78) e adaptando seu pensamento aos interesses desta dissertação,
isto seria dizer que para uma análise de demarcação das fronteiras da identidade regional que
parta da análise de textos e estratégias discursivas mobilizadas e construídas pelos dois
principais jornais capixabas só poderá ser descrita e reconstruída se considerar as condições
de produção do evento discursivo e recuperando-se as marcas que são deixadas no texto a
partir da sua produção, revelando-se como e através de quais condições ocorreu o processo
enunciativo. Isto quer dizer, que a partir da análise textual das marcas deixadas sobre o texto é
possível compreender quais foram as condições de produção que delimitariam a constituição
da identidade capixaba nos jornais do Espírito Santo.
Enquanto prática discursiva, os discursos focalizam os processos da produção social
do discurso (produção, circulação e consumo) em que cada condição é determinada. No
processo de produção, os contextos sociais são específicos e envolvem diferentes sujeitos. E o
consumo também acontece em contextos sociais diversos, dependendo das dimensões
sociocognitivas do universo da recepção e a um tipo de trabalho interpretativo que a ele se
aplica. Verón (1978) denomina o processo das condições de produção de gramáticas
15
de
produção e ao processo de consumo ele denominou de gramática de reconhecimento. Numa
rede de sentidos, toda gramática de produção pode ser encarada como resultado das condições
de consumo. E também, a cada gramática de reconhecimento só pode ser atestada sob a forma
de um processo de produção. E aí se encontraria a forma da rede de produção textual da
15
As gramáticas (de produção e de reconhecimento) não exprimem propriedades de sua natureza nos textos, elas
tentam representar as relações de um texto, ou conjunto de textos, em seu sistema produtivo (social). E este
sistema é histórico (Verón, 1978).
62
história (VERÓN, 1978: 11). Falar em circulação de sentidos nada mais é do que falar da
distância que separa a produção e o consumo.
Então, as condições de produção possibilitam uma infinidade de construções de
sentido que ressaltam a individualização das práticas discursivas e suas referências ao
contexto em que essas práticas sociais ocorrem e em que os textos foram gerados. Isto denota
que na reconstituição do processo de produção e a explicação deste processo, além das
referências textuais, devem-se buscar as conexões sociais em que estes textos foram gerados,
o que destaca a natureza desta prática social de produção de textos em relação às estruturas
sociais. É por isto que se pode afirmar que os textos são traços e pistas do processo social e
não podem nem ser produzidos nem interpretados sem os recursos dos membros envolvidos
(FAIRCLOUGH, 2001: 99-100).
Contudo, há dificuldades em se relacionar um texto e o contexto em que foi produzido.
A passagem dos dados da análise lingüística e/ou semiológica para a interpretação dentro dos
níveis do contexto situacional imediato, do contexto institucional e do contexto sociocultural
amplo não se faz direto como pensado pelas ciências humanas e sociais. As análises de um
texto não podem ser feitas pensando separadamente as teorias lingüísticas e semiológicas de
um lado e nem interpretada semanticamente como nas análises generalistas das ciências
humanas e sociais de outro lado. A análise de textos cujo ponto de partida são os textos da
cultura, considerando a relação entre texto e sociedade/ cultura, deve ser pensada
dialeticamente, como já foi falado (PINTO, 2002: 47-50).
É neste sentido que Pinto (PINTO, 2002: 50-56) diz que duas formas de mediações
foram propostas pela análise de discursos. Uma delas seria a que foi denominada de práticas
discursivas, já descrita nas páginas anteriores. Segundo ele, o contexto fornece certas regras
63
que resultam em determinadas características formais e conteudísticas, mais ou menos rígidas,
que dependem do grau de ritualização dos eventos comunicacionais. É este contexto, prática
social de produção ou prática discursiva, que realiza a mediação. Estas práticas não são
imutáveis. Elas surgem, reproduzem-se ou desaparecem segundo uma dialética de
estabilidade e mudança. Fairclough (2001) segue o mesmo caminho, e é nesta linha de
raciocínio que se é permitido pensar os discursos não só como uma forma de reprodução, mas
também como de transformação e mudança social.
Os processos institucionais de produção, de circulação e de consumo de textos
também podem ser considerados um outro nível de mediação por práticas discursivas. É por
meio das mediações que os participantes num processo de comunicação constroem suas
identidades e relações mútuas e selecionam os conteúdos que estarão em jogo no evento
comunicacional. Desta forma, os parceiros do evento comunicacional deixam suas marcas nos
textos e que levam a contextualização.
Outra proposta de mediação foi difundida por van Dijk em seus trabalhos sobre
racismo e noticiário jornalístico. Estes trabalhos basearam-se na hipótese de que as
determinações que o texto sofre por pressão do contexto social em que surgem se fazem por
intermédio das ideologias. Entretanto, para van Dijk, as ideologias são entendidas como uma
estrutura cognitiva de nível semântico que refletem critérios básicos da identidade social e que
definem os interesses dos grupos. Este modelo, baseado nas análises de macroestruturas
temáticas e esquemáticas e microestruturas a partir das relações de suas estruturas lexicais e
sintáticas, parece se encontrar na esteira da análise de conteúdos e sofrerem do mesmo mal de
toda análise semântica (PINTO, 2002: 54-55).
64
Embora a prática discursiva relacione-se com as condições de produção, não se pode
esquecer que ela não age do exterior para o interior do texto. É para evitar que estas relações
“exterior/ interior” de uma formação discursiva que Maingueneau (1997: 75) afirma que é
preciso pensar a identidade como uma forma de se organizar a relação com que se imagina o
exterior, sem esquecer que o termo exterior é indevidamente utilizado. Ele ainda vai ressaltar
que, ao contrário com o que acontece com outros objetos, em que a heterogeneidade é
desvalorizante, a heterogeneidade discursiva é elemento fundamental.
Para a linha que se segue nesta dissertação (semiologia dos discursos sociais), todo o
texto é heterogêneo no que diz respeito a enunciação. Esta heterogeneidade enunciativa
manifesta-se em dois planos distintos, designados por Bakhtin de polifonia e que alguns
autores denominam intertextualidade. A heterogeneidade mostrada é caracterizada pela
manifestação de uma multiplicidade de outros textos citados ou aludidos pelo texto presente e
a heterogeneidade constitutiva, também denominada interdiscurso (que é a marca da presença
do outro no discurso), é constituído pelo entrelaçamento no texto presente de vestígios de
outros textos preexistentes. Isto quer dizer que a palavra, enquanto signo dialógico
(BAKHTIN: 1988) e marcada pela heterogeneidade discursiva contempla a existência de
múltiplas vozes sob as quais ninguém tem o controle total. É o mesmo que dizer que ninguém
tem o controle total do que diz, quis dizer ou disse sem querer.
O entrelaçamento de citações é constitutivo dos discursos vistos como discursos. Este
debate entre textos sobre o qual outros textos se constroem é denominado por Bakhtin de
dialogismo. Para ele, conceito de diálogo possui a característica de confronto. Dialogar, além
da troca de informações entre os pares envolvidos no ato de comunicação, é também uma
reflexão e análise diante de informações compartilhadas. Assim, o discurso dialoga com os
65
enunciados anteriores e posteriores, os enunciados que o antecederam e o sucedem, sendo
estes as vozes que o constituem. Um indivíduo, quando constrói o seu discurso, utiliza-se de
vários enunciados, de fragmentos de enunciados, citações, conceitos e uma série de vestígios
e influências do meio social. É desta forma que os textos se constituiriam num debate com
outros textos.
Sendo o discurso polifônico e dialógico, uma análise fechada voltada apenas a
interioridade das práticas discursivas, torna-se insuficiente por não colocá-lo em relação à
outros discursos que se dialogam mutuamente. É neste sentido que é possível afirmar que os
textos costumam surgir num universo discursivo de forma que façam parte de séries ou redes
organizadas por seqüência ou oposição. Pinto (2002: 56-63) define três séries. A primeira
delas, denominada por Foucault de ordem de discursos, é constituída por todos os gêneros de
discursos produzidos no interior de uma instituição social ou de uma comunidade discursiva,
seja para a comunicação interna, seja para a comunicação externa. Fairclough amplia o
conceito foucaultiano e propõe que ordem de discursos denomine também uma seqüência
temporal de textos em que cada um substitui o anterior, em cadeia. Na mídia, esses
encadeamentos podem ser, parcialmente, internos e externos à ordem de discursos de uma
instituição. No plano interno, a produção de textos se faz por uma seqüência de
transformações entre diferentes versões até o texto definitivo. No plano externo àquela ordem
de discursos, há textos de fora da empresa jornalística que fazem parte do encadeamento de
textos, como as fontes, conversas, debates, relatos, resultados de entrevistas em pesquisa de
opinião. Com o conceito de ordem de discursos, a análise de discursos passa a dar atenção às
transformações que os textos sofrem através das redes sociais da prática discursiva e da se dar
conta de que o processo de produção de um texto nada mais é de que um processo de
recepção de outros textos já dado na cultura. A concepção dinâmica de uma prática discursiva
66
dinâmica e de sua relação com as práticas sociais destacam novamente a noção de polifonia e
ressalta a concepção de hegemonia mostrando que o que está em jogo é o poder.
Uma segunda série pode ser denominada de universo de concorrência ou mercado
simbólico. Ela também pode ser definida por oposições como o conceito original de ordem de
discursos, mas que as atravessa transversalmente. O universo de concorrência é definido pelas
características de um mesmo gênero discursivo que, aparecendo em ordens de discursos
concorrentes no mercado, têm variações consideráveis entre si, e que guardada as
características comuns do gênero em questão, assegura um nicho fiel de público. Nesse
conceito, procura-se aliar o conceito foucaultiano de formação discursiva à idéia de que a
análise de um texto como discurso tem de levar em conta a proposta de consumo ou recepção
que traz implícita, definida pela caracterização do coenunciador.
Pinto (2002: 60) propõe ainda como uma terceira série discursiva a espécie de
discursos que seria o nome dado à variedade de gêneros discursivos que se opõem em um
mercado simbólico. Na análise das espécies do gênero editorial que os jornais cariocas O
Globo e Jornal do Brasil veicularam em janeiro de 1995, o autor mostrou que os dois jornais
dirigiam seus editoriais a destinatários diferentemente construídos, apesar de, em princípio,
procurarem atingir grupos sociais definidos como de renda e escolaridade elevadas.
Pode-se concluir aqui que, com as conceituações desenvolvidas até o momento, que no
caso dos jornais capixabas, há uma concorrência no mercado simbólico em que os jornais
procuram se articular discursivamente como instância autorizada a falar em nome do capixaba
e dos interesses regionais. Como afirmou Fairclough (2001: 123-124), a hegemonia está
diretamente relacionada à ordem de discurso instituída e assim, as práticas discursivas são as
principais facetas da luta hegemônica no cenário social que contribui em diversos graus para a
67
reprodução ou transformação da ordem de discurso instituída e também das relações sociais
existentes.
A partir do que foi desenvolvido até o momento e parafraseando Faccin (2002: 83-84),
pode-se concluir que pelas práticas discursivas, a identidade regional capixaba deixa de ser
uma entidade abstrata. Desta forma, modelos baseados em tradições que só poderiam ser
modificados em termos macro-sociais ou culturais em níveis de força ligados às suas
entidades mediadoras representativas de forma relativamente direta aos grupos sociais que a
constituem e a elas se vinculam podem ser descartados. A identidade regional é o resultado do
confronto pela hegemonia evidenciada nas práticas discursivas, cujos protagonistas e forças
mediadoras estão em ação.
A hegemonia, portanto, para Fairclough (2001: 135) fornece tanto um modelo como
uma matriz para que se possa analisar tanto a prática discursiva como modo de luta que
reproduz, reestrutura e transforma as ordens de discursos instituídas, como as práticas sociais
à qual o discurso pertence em termos de relação de poder.
De tudo dito até o momento, e com a posição adotada nesta dissertação, pode-se
afirmar que os discursos cumprem papel fundamental na reprodução ou transformação das
representações, das relações e das identidades sociais. Os discursos, portanto, não apenas
refletem ou representam entidades, relações e identidades. Como já se afirmou aqui, são eles,
os discursos, que constroem ou constituem estas relações, entidade e identidade. As diferentes
práticas discursivas vão constituir as entidades e as relações com as quais as pessoas vão se
posicionar de diversas maneiras como sujeitos sociais, e neste posicionamento discursivo, as
pessoas vivenciam as suas identidades. Esta característica da identidade, como entidade
discursiva é que permite aproximar a noção de identidade adotada nesta dissertação com a
68
noção de identidade adotada pelos Estudos Culturais. Assim, a identidade regional manteria
uma luta concorrencial em torno de um modelo com o qual se pode identificar o capixaba
mediante as diferentes instâncias mediadoras que são capazes de integras ou desintegrar os
grupos envolvidos. Conclui-se que as manifestações culturais regionais, as representações,
imaginários e sentidos produzidos presentes no tecido social que podem ou não ser
reconhecidos, no todo ou em parte, pelo conjunto da sociedade, dependendo da negociação de
sentido que se opera nas práticas discursivas mobilizadas por diferentes instâncias
mediadoras.
Se no primeiro capítulo foi traçada uma perspectiva na qual é necessário pensar a
identidade como construída, vivida e transformada nos e pelos discursos sociais, neste,
procurou-se alinhar argumentos sobre as diferentes leituras acerca da identidade social e a sua
constituição como experiência vivida pelos grupos sociais relacionadas às práticas discursivas
mantidas em diferentes ordens institucionais. Assim, o jogo das identidades passa pela disputa
de sentido e pelo efeito de reconhecimento dos textos produzidos. Por este motivo, modelos
pré-construídos e estáticos caem por terra. No próximo capítulo, o interesse recai sobre o
jornalismo e o jornal como instância mediadora de identidades.
3 O JORNALISMO COMO INSTÂNCIAS MEDIADORAS
DA IDENTIDADE
No capítulo um, procurou-se mostrar que as identidades são construídas e vividas
discursivamente. No segundo capítulo, teve-se a preocupação de definir a análise de discursos
como instrumental metodológico para se estudar como a identidade, no caso a capixaba, é
constituída nos jornais capixabas. Esta análise é feita a partir das marcas deixadas sobre a
superfície textual da produção social do discurso, no caso discurso produzido nos jornais
capixabas. Neste capítulo, objetiva-se mostrar o jornalismo institui-se como uma instância
mediadora das identidades. Num primeiro momento, mostrar-se-á que a produção de notícias
é uma prática discursiva. Num segundo momento, buscar-se-á mostrar que o jornalismo,
como um campo social, reveste-se de autoridade para mediar o mundo. Em seguida, buscar-
se-á constituir o campo jornalístico como um território onde as identidades são vividas,
produzidas, reproduzidas e transformadas discursivamente. Cabe ressaltar que não há o
interesse em discutir os conceitos que serão apresentados, mas construir um referencial sob o
qual poder-se-á estudar as identidades constituídas nos jornais, entendendo-os como
mediadores da realidade.
Durante muitos anos a comunicação foi vista sob uma perspectiva mecanicista em que
de um lado o receptor atua ativamente, e de outro, o receptor é mero participante passivo e os
meios de comunicação os canais sob os quais o processo se desenrola. As transformações
ocorridas no mundo, principalmente a partir do grande desenvolvimento tecnológico e dos
meios de comunicação que acabaram por redefinir as relações sociais e colocar em choque os
70
paradigmas teóricos vigentes até então forçaram uma revisão em diversos conceitos
modernos, assim como ocorreu com a noção de identidade, conforme visto no capítulo um.
Dentre as transformações ocorridas nos estudos de comunicação está o
reposicionamento que se tem diante da noção de receptor. Afirmando que a recepção não é
apenas uma etapa no processo de comunicação, mas um lugar novo, Martin-Barbero (1995:
35) ressalta a importância de se repensar os estudos e pesquisas de comunicação. Adverte
também para os perigos de, ao se destacar o papel do receptor, inverter os pólos do processo
de comunicação
16
.
Muitas abordagens surgiram, mas sempre houve a dificuldade de se enxergar a
comunicação fora deste modelo em que o objetivo de comunicar seria fazer a informação
chegar de um ponto a outro, não havendo nem verdadeiros atores, nem verdadeiros
intercâmbios. Neste período, as análises de conteúdo predominavam como instrumental
metodológico. Nos estudos e pesquisas em comunicação, dominavam as abordagens
funcionalistas, críticas, estruturalistas, entre outros. Tanto nas abordagens funcionalistas,
quanto nas críticas, concebia-se o jornalismo instrumento de poder, diferenciando-se apenas
nas suas perspectivas positivas e negativas em que o meio era encarado, mas sempre seguindo
o mesmo modelo mecanicista de comunicação.
16
Martin-Barbero (1995) traz como exemplo de qual seria a relação entre emissão e recepção na comunicação.
Para ele, o receptor pode ser comparado a um cozinheiro e o emissor aos ingredientes. Os pratos feitos pelo chef
dependem tanto de sua experiência, seus conhecimentos, como dos ingredientes disponíveis. E assim, um bom
cozinheiro com ingredientes ruins terá poucas chances de fazer bons pratos, assim como um péssimo cozinheiro
com bons ingredientes terá dificuldades em obter bons resultados.
71
Os estudos acerca do jornalismo e das notícias
17
também trilharam muitos caminhos.
Há autores como Alfredo Vizeu e Nelson Traquina que ainda consideram não existir
conhecimentos científicos e reflexivos suficiente para a edificação de uma teoria unificada do
jornalismo centrada nas condições sociais de produção das ordens do discurso jornalístico
18
.
Para outros autores, como Jorge Pedro Sousa, Shomaker e Reese, já existe conhecimento
suficiente para a elaboração de uma teoria do jornalismo (SOUSA, 2002a). Não cabe aqui
entrar no mérito desta. Pretende-se apenas reunir elementos suficientes para pensar como o
jornalismo posiciona-se como mediação.
Sousa afirma que para se pensar numa teoria da notícia, deve-se perguntar por que as
notícias são como são e por que temos as notícias que temos, além procurar se entender como
as notícias circulam e como são consumidas e quais seus efeitos. Responder estas questões é
responder um nível de mediação das práticas discursivas em que se encontram os processos
institucionais de produção de textos (rotinas e procedimentos editoriais), de circulação
(difusão em determinado canal, manchete ou não, em qual página) e de consumo (como
assistir ao telejornal, como ler o jornal), como afirmou Pinto (2002: 52). Este seria um ponto
em que se poderia aproximar a semiologia dos discursos sociais e a uma teoria do
jornalismo
19
.
17
A notícia aqui é compreendida como o produto da enunciação jornalística, ou seja, o resultado do processo da
produção textual de uma prática discursiva das ordens de discursos jornalísticos.
18
Jorge Pedro Sousa (2002b) utiliza o temo processo de produção, circulação e consumo dos efeitos da
informação jornalística.
19
Claro que se deve fazer algumas ressalvas nesta aproximação, principalmente em como estas abordagens
tratam o funcionamento interno do discurso. A proposta de Sousa destaca a importância do conteúdo de uma
notícia para se conhecer o respectivo efeito de sentido. Na semiologia, cabe justamente ao dispositivo de
enunciação, às marcas sobre a superfície textual, o efeito de sentido. Seguir esta linha de raciocínio pode levar,
no momento de análise, descartar justamente do texto às marcas deixadas pelo processo de produção do texto
72
3.1 A dimensão simbólica
Sousa (2002b) divide os teóricos do jornalismo em dois grupos: os divisionistas e os
unionistas. No primeiro grupo, acredita-se que as explicações para se compreender os
formatos e conteúdos das notícias são insuficientes para se edificar uma teoria do jornalismo,
e são, às vezes, contraditórias e antagônicas. Para os autores deste grupo, devem-se considerar
várias teorias, entre elas as Teorias do Espelho, as hipóteses do Gatekeeper e do Newsmaker.
Entre outras. No segundo grupo, acredita-se que somente a partir de uma visão unificada
podem-se explicar as notícias. Assim, para os autores deste grupo, devem-se unificar as
diversas teorias em uma, sem a qual, corre-se o risco de não conseguir compreender por que
as notícias possuem a forma e o conteúdo que têm. Acredita-se que os pontos de convergência
entre as diversas abordagens do jornalismo são mais importantes do que as divergências.
Uma discussão que além do debate entre a existência ou não de uma teoria unificada
do jornalismo é concepção que se faz de jornalismo e de notícia. Es debate é mais
interessante, pois envolve em aceitar ou não princípios que estão de acordo com esta
dissertação. Assim como não há o interesse em aprofundar o debate sobre a teoria da notícia e
do jornalismo, não se tem aqui o interesse em aprofundar as definições de notícia e de
jornalismo. Sem esta preocupação, podem-se resumir dois grandes grupos. De um lado, há
aqueles que defendem a notícia como espelho da realidade e de outro, aqueles que a
concebem como uma construção social da realidade.
sobre a superfície textual, e assim cometer os mesmos erros da análise de conteúdos e de análises sustentadas na
semântica, como foi argumentado no capítulo dois.
73
A idéia de que a atividade jornalística atua como um espelho da realidade corresponde
a uma concepção tradicional da notícia. Para estes autores, a objetividade jornalística é
elemento-chave desta atividade. Eles admitem, no máximo, a possibilidade de que as notícias
reflitam um ponto de vista do jornalista. Opondo-se a esta idéia, autores como Gaye
Tuchman, entre outros, acreditam que as notícias ajudam a constituir a realidade como um
fenômeno social compartilhado, definindo, redefinindo, constituindo e reconstituindo os
fenômenos sociais, uma vez que no processo de definir um acontecimento a notícia define e
dá forma a este acontecimento (VIZEU, 2002b: 118-119).
Conceber o jornalismo como técnica, em que o jornalista mobiliza normas e regras
fornecidas pelos manuais de redação, ou por meio da aprendizagem da atividade profissional
é uma atitude reducionista e mecanicista. Entender a produção da notícia de forma reduzida e
mecanicista é levar em consideração apenas o lado visível, o que implica em desconhecer, por
exemplo, o caráter problemático da afirmação segundo a qual o sujeito é pensado no interior
do código, com este estabelecendo relações especiais, que lhe fornecem as possibilidades de
simbolizar (FAUSTO NETO apud VIZEU, 2002a: 6). Há, pelo menos, mais duas restrições
em se pensar o jornalismo meramente como técnica. Em primeiro lugar, este ponto de vista
traz o risco de se considerar o jornal, como produto da atividade jornalística, apenas como um
meio pelo qual objetiva-se levar a informação de um ponto a outro, idéia já questionada no
início deste capítulo. Em segundo lugar, esta relacionada à capacidade do sujeito de significar,
tal ponto de vista descarta a dimensão simbólica do trabalho jornalístico. Considerando esta
dimensão, pode-se considerar que o jornalista é alguém que vai não só comunicar uma
realidade, mas construí-la e reproduzi-la.
74
A dimensão simbólica do jornalismo deve ser levada em conta, uma vez que, ao
utilizar a língua, os códigos e as regras da linguagem, o jornalista produz discursos por meio
da atividade enunciativa. Muito mais que um campo de ação, a linguagem é uma dimensão
constitutiva do jornalismo. É a condição para que o jornalista, como sujeito, construa a
realidade.
É, pois, no trabalho da enunciação, na operação sobre vários discursos que os
jornalistas produzem as notícias. E sendo a linguagem uma dimensão constitutiva do
jornalismo, a enunciação jornalística é bastante singular em função deste campo deslocar-se
sempre como um lugar que retrata e cria o lugar do outro a partir de regras e leis
determinadas. (VIZEU, 2002a: 6)
Pressupondo-se que o jornalista põe o dispositivo de enunciação em funcionamento a
partir do contato que ele tem com o código, então, o ato jornalístico estrutura-se nos
momentos estratégicos
20
que podem ser denominados de operação e construção, e não só no
trabalho com códigos, leis, regras e dicas. (VIZEU, 2002b: 119)
Quando elabora o seu texto, o jornalista utiliza procedimentos de seleção e
combinação. Ao apropriar-se da língua, articulando seus códigos e regras, o jornalista
transforma realidade percebida pelos seus sentidos em discursos sociais. Deve-se observar
que esta operação não ocorre apenas no campo restrito do código, uma vez que o jornalista se
defronta com outros códigos ou outros discursos que constituirão suas unidades discursivas.
Desta operação com vários discursos resulta as construções que são denominadas, no
20
As regras destes dois momentos são pensadas independentemente do sujeito, pois quando ele as aciona, elas já
estão estruturadas no campo da linguagem
75
jornalismo, notícias. É fácil perceber que, como produto de uma produção discursiva, a
notícia é um texto híbrido, ou seja, um tecido de vozes que se manifestam por intermédio
daquilo que Bakhtin denominou polifonia e outros autores preferem chamar de
intertextualidade, como visto no capítulo dois.
Recapitulando, sabe-se que a enunciação pode ser considerada uma espécie de tomada
de posição e neste sentido, o sujeito enunciador não constitui uma unidade, isto porque são
infinitas as possibilidades de modalização da língua pela mediação da palavra pelo sujeito.
Sendo assim, o sujeito deixa suas marcas no discurso, mas não possui o controle total daquilo
que diz, quer dizer ou diz sem querer. É neste trabalho de enunciação-apropriação que o
jornalista se relaciona com o que diz, ou seja, como ele legitima o discurso ou o torna
aceitável. Porém, este trabalho jornalístico é concebido sempre a partir de mensagens que se
transformam em notícias segundo economias específicas e/ou veículos de comunicação que
produzem dimensões classificatórias da realidade (VIZEU, 2002c: 6-7).
No caso específico da enunciação jornalística, vários processos de raciocínio norteiam
a produção textual visando obter determinados efeitos de reconhecimento, sejam estes efeitos
o conhecimento ou o convencimento. Pinto (2002: 65-69) mostrou, como apresentado no
capítulo dois, que a linguagem verbal e outros sistemas semióticos possuem as funções de
mostrar, de interagir e de seduzir, ou seja, os modos de dizer. No processo de enunciação
jornalística, a regulamentação se dá por meio de procedimentos estabelecidos em espécies de
macrocódigos, como a língua, as matrizes culturais, as regras sociais, a ética e as ideologias,
por exemplo; e microcódigos, como os dispositivos criados pelos próprios veículos de
comunicação ao estabelecer suas regras, como por exemplo os manuais, que servem de guia
para se fazer o que se costumou denominar de bom jornalismo. (VIZEU, 2002b: 121)
76
Entre os processos de racionalização da prática jornalística está a seleção dos
acontecimentos que os jornalistas enuncia. Esta seleção pressupõe que o jornalista faz um
julgamento, na maioria das vezes implícito, acerca da relevância e do seu interesse para o
público. Este julgamento está diretamente relacionado a uma visão de mundo interiorizada
pelo jornalista que vai considerá-la também partilhada pelo seu público. Ao enunciar, o
jornalista parte do pressuposto de que sua audiência interessa-se por aquilo que ele enuncia,
isto é, a enunciação jornalística seria, neste sentido, um trabalho de transformação incorporal
dos fatos, fazendo-os acender ao público por meio da sua enunciação. Por conseguinte o texto
jornalístico é um ato de linguagem que consiste no desdobramento de um trabalho de
transformação provocado pela ação da enunciação. Neste sentido, a notícia é um processo de
investimento de sentido. Nesta perspectiva, o valor referencial predomina na enunciação
jornalística e pressupõe a veracidade dos fatos a que se refere e a autenticidade do seu relato.
Este pressuposto instituiria um autêntico contrato entre o jornalista e sua audiência. (VIZEU,
2002c: 9). A forma pela qual o jornalismo institui-se de autenticidade e legitimidade será visto
na próxima seção.
3.1.1 A noção de contrato
Falar em contrato significa dizer que os indivíduos pertencentes a um mesmo grupo
são capazes de entrar em acordo a propósito das representações de linguagem destas práticas
(CHARAUDEAU apud MAINGUENEAU, 1997: 30). Isto é, o sujeito, ao enunciar,
77
pressupõe que existe um ritual comum de linguagem onde a fala de todos está relacionada. A
isto Verón denominou contrato de leitura, e Charaudeau contrato de comunicação
21
.
Para que haja um contrato entre os interlocutores do discurso, estes têm que
reconhecer as falas uns dos outros. Ao por o aparelho de enunciação em funcionamento, põe-
se em prática as regras e convenções que regulam as relações entre os participantes. Este
conjunto de regras são herdado pelos indivíduos a partir da sua experiência cultural e das
relações sociais existentes.
O que a noção de contrato evidencia que o processo de recepção, o ato de leitura é
também produção de sentido, pois as condições de consumo, ou de reconhecimento como
prefere Verón, também influencia os modos de dizer do enunciador. O processo de se
consumir um texto é, portanto, um processo em que enunciador e coenunciador se atualizam
num processo dialógico.
Mas é também por meio do contrato que o indivíduo estabelece a relação com o que
ele e com os consumidores de seu discurso. Retorna-se aqui ao que Pinto (2002: 65-69)
denominou de modos de dizer (mostrar, interagir e seduzir), e por meio do qual o emissor vai
construir o universo de discurso em jogo, estabelecer relações de poder com o receptor e
marcar as pessoas, coisas e acontecimentos com valores positivos ou negativos.
21
O circulo hermenêutico, ou semiotização global de Paul Ricoeur, trata da reconstrução deste contrato.
Inclusive, pode-se observar que o modelo gráfico do contrato de comunicação de Charaudeau é idêntico à
representação do circulo hermenêutico ricoeuriano. Para Ricoeur, o processo de comunicação entre duas pessoas
suscitam três aspectos: a mediação do signo, o reconhecimento do outro e a relação do mundo na visão
referencial do discurso. O discurso é o ponto de interseção destas três frentes. Uma análise semiótica de um texto
só pode, segundo o autor, demonstrar as configurações internas de um texto. Desta forma, os estudos semióticos
só dão conta de uma parte do processo de semiotização global. (Ricoeur, 1994)
78
Portanto, uma característica deste contrato é a interdiscursividade no qual o receptor
constrói o sentido de acordo com a sua experiência cultural que vai gerar outros discursos e
provocar um permanente processo de negociação entre produção e consumo, gerando uma
troca permanente de sentidos. Assim, não há produção de discurso que seja desinteressada,
pois toda produção de sentido é direcionada para atingir seu campo de recepção. O contrato
(seja de leitura ou de comunicação) seria, portanto, a identificação por parte dos consumidores
do discurso com o sujeito enunciador, embora esta identificação entre os interlocutores possa
ser negociada e mudada unilateralmente. (BRANDÃO, 2000: 48).
Maingueneau (1998: 36) afirma que para cada gênero discursivo associa-se um
contrato específico. Mas também considera que um gênero de discurso como uma
combinação original de diversos contratos. Para Charaudeau (apud MAINGUENEAU, 1998),
o contrato de comunicação possuiria as dimensões situacional, que corresponde a um contrato
de troca e diz respeito, em particular, às identidades sociais; e comunicacional, que
corresponderia a um contrato de fala que controla os comportamentos discursivos esperados
segundo a natureza do contrato de comunicação.
A noção de contrato também demonstra que sujeito da recepção não é passivo, embora
aceite as regras do contrato. No capítulo dois, viu-se que há as gramáticas de produção e as
gramáticas de recepção. Como instâncias diferentes da prática discursiva, a produção e a
recepção possuem gramáticas diferentes que regulam tanto a produção quanto a recepção,
permitindo uma liberdade relativa aos sujeitos do discurso.
Em sua tese de doutoramento, Ferreira (1997) observou que a relação proposta pelos
jornais A Gazeta e A Tribuna ultrapassava as fronteiras do produto, ou seja, pelas vias das
estratégias e estruturas discursivas no suporte impresso. O contrato proposto por estes jornais
79
implicava na presença dos sujeitos sociais, sobretudo o dispositivo jornalístico inserido numa
esfera pública. Assim, na conclusão do autor, o contrato de leitura é um dos contratos
propostos pelos jornais. Para que a análise desse conta desta situação, Ferreira recorre à
hermenêutica ricoeuriana, pois, segundo ele, a hermenêutica de Paul Ricoeur, ao analisar o
processo de semiotização do mundo leva em conta os sujeitos extradiscursivos, além dos
discursivos.
A contribuição dos estudos de Ricoeur para a analise de discursos é ressaltada por
Ferreira (1998) pois na semiotização global proposto pelo hermeneuta francês, destaca-se dois
processos estritamente ligados. Um processo de transformação realizado pelas palavras da
língua e um processo de transação conduzidas pela situação de comunicação. Nesta
perspectiva de Ricoeur, dois patamares de análise estão em de igualdade, um engendrado
pelas estratégias e estruturas discursivas e um outro pelas estratégias e estruturas da ação
(sociais). Este círculo hermenêutico evidencia a noção de contrato de comunicação, que está
além do contrato de leitura por evidenciar poder expor a relação existente externamente ao
produto da comunicação midiática, neste caso do jornalismo impresso.
A análise da relação jornal-leitor por intermédio do contrato de comunicação teria a
vantagem, segundo Ferreira (1999), de permitir analisar esta relação pelas vias sociológicas e
semiológicas, pois a relação entre estes sujeitos da comunicação estaria posicionada social e
discursivamente. Isto quer dizer que os jornais dispõem dois patamares de concorrência: um
mercado discursivo e um mercado institucional.
A proposta da semiologia dos discursos sociais de Pinto (2002) leva em consideração
dois níveis de mediações. Um nível é feito justamente pelo que se chamou de práticas
discursivas que engloba três níveis de contextualização: situacional imediato, institucional e
80
societal ou contexto sociocultural amplo. Outro nível de mediação mais específico leva em
consideração os processos institucionais, que podem ser divididos em processos institucionais
de produção de textos, de circulação e de consumo, como visto no capítulo dois. Pode-se
observar que estes dois níveis de mediação contemplam a proposta de Ferreira.
3.2 A legitimação do campo jornalístico
A história do jornalismo confunde-se com a aventura da modernidade, sendo que
àquela pode ser considerada uma síntese do espírito moderno, que é a razão. Mesmo que no
século XVII já houvesse veículos de comunicação como a Gazette, de Théophraste Renaudot,
com algumas características básicas dos jornais, o jornalismo é filho legítimo da Revolução
Francesa (MARCONDES FILHO, 2002).
O jornalismo, então, associa-se a três movimentos resultantes desta aventura. Ele
expande-se na luta pelo que se denominou “direitos humanos”, no estabelecimento da
burguesia e na luta contra as monarquias absolutas. Está vinculado a desconstrução do poder
da Igreja e do poder papal, além de fazer parte do processo que transformou a informação de
capital à mercadoria. No interesse de se construir a notícia, o jornalismo é capaz de tudo, não
há privacidade nem segredo que possam estar livres de chegar ao conhecimento público. Daí
vem o mito da transparência, o direito que todo o cidadão tem de obter a informação, de saber
o que acontece no mundo, ao seu redor.
Na fundação do espaço de existência social, polifônico e desigual que ocorreu na
modernidade, emergiu novas formas de elaborar narrativas que organizam o mundo. Dentre
os campos que surgiram neste espaço, o jornalismo constituiu-se num dos mais propensos a
fazer o papel de interlocutor na cena pública e política da sociedade, isto porque ele conseguiu
81
constituir-se como um campo legitimado na sociedade para operar funções de outros campos.
O jornalismo assumiu, portanto, um papel privilegiado para narrar os fatos do mundo, mas
principalmente não como observadores, mas como criadores da realidade (REIS, 2002), como
se viu na seção anterior.
Marcondes Filho (2002) subdivide a história do jornalismo em quatro fases, além, é
claro, da pré-história do jornalismo caracterizada por um tipo de produção artesanal agenciada
por empreendedores isolados. Neste período, que vigorou de 1631, com a fundação da
Gazette, a 1789, os jornais eram pequenos (possuíam de três a quatro páginas) e paginados de
forma continua sendo mais parecidos com os livros. Em seus relatos, predominavam o
espetacular e o singularmente novo como as notícias de desastres, mortes e nascimentos de
membros da nobreza e de seres deformados. A empresa que produzia o jornal atuava mais
como um correio, e quem produzia as notícias parecia mais com um carteiro. Nessa época, o
jornal atendia com exclusividade a alguns núcleos de poder econômico e financeiro do
mercantilismo.
A fase definida como primeiro jornalismo vai de 1789 à segunda metade do século
XIX. O jornalismo, a partir de então, como produto da Revolução Francesa, passa a ter a
função de “esclarecer” política e ideologicamente. É fruto do iluminismo e da ascensão da
burguesia ao poder. O monopólio da informação à nobreza e ao clero, o predomínio do
segredo, assim como o poder “divino” cede seu lugar ao poder humano e ao esclarecimento.
Inicia-se, neste período, a profissionalização do jornalismo. Incentivado pelos ideais
burgueses em que tudo deve ser exposto, que a informação deve circular, o jornalismo
começa a se transformar em uma instância política autônoma. Predomina o jornalismo
82
político-literário cuja função principal é a doutrinação política e o pedagogismo e a economia
fica em segundo plano.
A partir da segunda metade do século XIX, o segundo jornalismo se transforma em
empresa capitalista impulsionado pelo desenvolvimento tecnológico dos processos de
produção do jornal. Estas transformações exigem que a empresa jornalística seja auto-
sustentável. A sobrevivência da instituição substitui os objetivos políticos-literários e a função
do jornalista se transforma. De escritores, transformam-se em servidores, em “ajudantes de
mercado”. O jornalista-político proprietário no primeiro jornalismo torna-se o empresário no
segundo jornalismo. A “liberdade” de expressão política do jornalista daquela fase cai sob a
investida dos novos poderes financeiros e das novas autoridades públicas deste período. A
grande mudança que ocorre é a inversão da importância da atividade noticiosa de valor de uso
a valor de troca, ou seja, a venda de espaços publicitários para a sustentação econômica do
jornal em detrimento da atividade redacional-noticiosa. Neste período, os jornais
sensacionalistas começam a surgir e a imprensa de massa dá os primeiros sinais de vida. Os
jornais se transformam. Ganham manchetes, destaques, primeira capa, tudo que fosse possível
para chamar a atenção e vender mais.
O monopólio é uma das principais características do terceiro jornalismo, que se
desenvolveu no século 20 com o crescimento e desenvolvimento das empresas jornalísticas e
teve a sobrevivência ameaçada pelas guerras e regimes totalitários do período. A indústria
publicitária e as relações públicas que se desenvolveram após a Grande Depressão Americana
que se iniciou no final da década de 1920, vão competir com o jornalismo forçando a sua
transformação. A imprensa de negócios se consolidou como sociedade por ações e a empresa
jornalística se impôs como única forma de competir no mercado editorial. Neste período
83
também se formaram os grandes conglomerados da indústria da imprensa e as tiragens
tiveram grande aumento.
No final do século 20, surge o quarto jornalismo. É a era das tecnologias das
comunicações e da informação. Marcondes Filho identifica dois processos nessa fase.
Primeiro, a expansão da “indústria da consciência
22
” no plano das estratégias da comunicação
e persuasão dentro dos noticiários e da informação. As assessorias de imprensa ganham
espaço e a comunicação delas passa a se confundir, nos jornais, com a informação jornalística.
O outro processo relaciona-se com a informatização e com a comunicação eletrônica que vai
transformar o papel do jornalista mais uma vez. O fluxo de informação cresce, o processo de
produção organiza-se em torno das redes e as informações estão presentes em todos os
lugares. A informação produzida e circulante nas redes incide na figura dos jornalistas que
eram vistos antes como “contadores de histórias” (repórteres) ou “explicadores do mundo”
(analistas e comentaristas).
No âmbito das relações entre comunicação e tecnologia, há a virtualização do trabalho
jornalístico e a interferência no conteúdo. A relação do homem com o trabalho muda. A
tecnologia impõe o seu ritmo e sua lógica às relações de trabalho. Estas mesmas tecnologias
influenciam no conteúdo, favorecendo certas linguagens em detrimento de outras. A
qualidade técnica impõe-se como estética fazendo com que os fatos fabricados nas redações
concorrem em superioridade com os fatos brutos ou reais
23
. Harbermas já havia chamado, em
22
Denominação de Hans Magnus Enzensberger para um novo e mais avançado estágio da indústria cultural que
os franceses chamaram de comunicação e os americanos de merchandising (MARCONDES FILHO, 2002: 29)
23
Maior dramaticidade, melhor técnica. Basta lembrar a primeira Guerra do Golfo transmitida ao vivo pela rede
de TV americana CNN num show de luzes parecendo um videogame. Ou também a última Guerra do Golfo com
a transmissão ao vivo das bombas inteligentes ou o show em torno da captura de Saddam Hussein com as
imagens do ex-ditador e as palavras, que pareciam ter sido feitas sob medida calculada milimetricamente por
84
Mudança estrutural da esfera pública, a atenção para estas transformações da indústria da
promoção da comunicação (MARCONDES FILHO, 2002).
3.2.1 A esfera pública
As transformações ocorridas no jornalismo relacionam-se intimamente o decorrer da
história da modernidade ocidental. Neste sentido, para falar de jornalismo, deve-se também
falar da noção de espaço público, esfera em que o jornalismo se desenvolve e se firma com
interlocutor privilegiado. Na mesma obra citada acima, Harbermas forjou o conceito esfera
pública para dar conta da emergência, durante os séculos XVIII na França e na Alemanha, de
uma esfera intermediária entre a vida privada e o estado monárquico fundado, sobre o
segredo. Grosso modo, a esfera pública de Harbermas são os ambientes abertos, de discussão
democrática como as praças, auditórios, cafés, reuniões, etc. É a infra-estrutura para a
constituição de opiniões políticas, que, em época de eleições ou plebiscitos vai se consolidar
como majoritária.
A partir do uso da razão, os homens educados utilizavam este espaço, fundado na
publicidade dos debates, para construir os modelos de leis e de governo que se oporiam ao
poder dos reis. Na esfera pública que surgia, construía-se um fórum poder-se-ia criticar e
questionar a autoridade do estado e justificar-se perante um público pensante. As discussões
nesses fóruns foram facilitadas pelo desenvolvimento da indústria do jornal, que a partir do
século XVIII passou a se orientar como ambiente de discussão e crítica política.
uma equipe de publicitários, do administrador americano dando a notícia: “Senhoras e senhores, nós o
pegamos!”
85
Como dito no início deste capítulo, não se tem o interesse em dissecar o estes
conceitos, mas apenas nortear a estruturação do jornalismo como um espaço em que as
identidades são vividas. Embora haja críticas pelo fato de que a noção de esfera pública não
dê conta da ampliação das audiências extensas no tempo e no espaço que passou a integrar as
transformações que ocorreram no jornalismo, como as citadas na seção anterior, ou pelo fato
de os receptores das mensagens serem tratados passivamente
24
, como já criticado no começo
deste capítulo. Importante é saber que a abordagem de Harbermas permite mostrar que o
desenvolvimento da comunicação midiática causou o deslocamento nas representações poder,
permitindo a criação de outros espaços, ou nas palavras de Augé (1994), de “lugares” e “não-
lugares”.
Fausto Neto (1999) entende que as mídias são um dos dispositivos instauradores do
espaço público, na medida em que, pela sua ação ritualística e cotidiana, elas não só anunciam
a noção de realidade, mas também se convertendo elas mesmas como um lugar em que a
realidade passa e se faz. Elas estruturam e se estruturam no espaço público. Como integrantes
desse espaço, as mídias se tornam lugar de passagem para aquilo que a sociedade produz
discursivamente. Ela cumpre um papel de mediação da produção discursiva social, mas não
como uma mediadora passiva. Por isso que as mídias, como instâncias dotadas de
competências específicas no interior do espaço público, possuem competências próprias que
atuam em seu interior dando uma dimensão de visibilidade pública cujas falas estão sujeitas a
um conjunto de leis e condições de produção próprias delas. No interior desses espaços, elas
atuam mediatizando as experiências do cotidiano e das instituições, dando legitimidade e
24
Harbermas é herdeiro da Escola de Frankfurt, e como tal, sua abordagem sofre algumas das limitações da
Teoria Crítica. Pode-se questionar também a visão habermasiana muito influenciada pelos ideais iluministas de
que se pode conquistar e vencer através do uso da razão.
86
visibilidade a outros campos ao mesmo tempo em que se destaca como importante instância
desta nova ordem.
O espaço público pode ser visto como uma esfera em que um conjunto de práticas
simbólicas desenvolvidas e mobilizadas no interior das diferentes instâncias se estrutura. No
caso do jornalismo, este campo é um espaço em que a vida política e social são objetos de
práticas discursivas em cujo interior há embates de sentido. Neste sentido, o jornalismo é a
arma com a qual se travam batalhas e se disputam poderes, políticas, verdades, isto é, a
realidade que deve prevalecer, a hegemonia da fala. O campo jornalístico pode ser pensado
então como um lugar por meio do qual os grupos sociais ganham visibilidade, o fórum de
discussão, debate, publicização e mobilização social, um espaço polifônico orquestrado por
um regime privado (FACCIN, 2002).
3.2.2 Campos sociais
A noção de campos sociais surgiu com Bourdieu para dar conta dos contextos sócio-
culturais levando em consideração as ações e interações que ocorrem em seu interior. Adotar
a noção de campos é mais uma forma de fugir da visão dicotômica que dominou os diversos
estudos de mídia e do jornalismo. Duas contribuições na adoção deste termo é que, em
primeiro lugar, a visão sociológica de Bourdieu aproxima-se dos postulados da semiologia
dos discursos sociais contemporânea pois o autor preocupou-se em levar as problemáticas da
lingüística e da semiótica para a suas teorias
25
(PINTO, 2002: 29) e, em segundo lugar, ele
evidencia as relações sociais efetivas ressaltando o enfrentamento no interior de cada campo
em detrimento da distinção indivíduo e sociedade.
25
Pinto (ibidem) também cita Bakhtin, Foucault e Harbermas como autores que tiveram a mesma preocupação
87
Considerando uma formação social dentro de um contexto sócio-cultural, a noção de
campo permite se ter uma percepção da relativa autonomia existente entre os campos, tanto na
maneira de existir quanto ao seu funcionamento. Esta autonomia em relação aos outros
campos é relativa, pois varia de acordo com as relações de força que o campo estabelece com
o seu exterior, o que ressalta ao mesmo tempo uma relativa independência no funcionamento
interno e uma situação de concorrência externa. Nos estudos do jornalismo, sua adoção é
importante. No interior do campo jornalístico disputam-se legitimidade e poder, e a relação
entre os jornalistas e seus desejos que possuem chances reais de realização.
Na concepção de Bourdieu, os campos podem ser identificados enquanto espaços onde
se travam relações objetivas e onde seus agentes, dotados de um habitus e de posições nesses
locus, lutam para determinar quem tem legitimidade para falar e o que é legítimo falar. Estes
espaços são compreendidos como um conjunto organizado em que os atores sociais se
definem uns em relação aos outros, construindo posições e se definindo dentro delas em
relação aos outros. No interior de um campo social, prevalecem leis próprias que estabelecem
a participação de cada ator social, o papel a ser cumprido, o seu direito, seus limites e regras.
O campo jornalístico poderia, nessas condições, ser definido como uma situação
institucionalizada em que cada um de seus membros (jornalistas, acionistas, distribuidores e
anunciantes) age de acordo com as regras e convenções internas do campo e que se tornam as
rotinas diárias de trabalho. Assim como em qualquer outra instituição, essas regras podem
estar explícitas como implícitas, serem formais ou informais que podem ser modificadas no
processo de sua aplicação. Sua estrutura interna é movida por uma dinâmica interdependente
em que se travam disputas que determinam o grau de posicionamento dos jornais e dos
jornalistas em relação a esta estrutura.
88
Como se viu no início desta seção, o jornalismo tornou-se um empreendimento
comercial. Para Bourdieu (apud FACCIN, 2002) esta situação influencia de forma
determinante sobre as características do produto da comunicação midiática e ressalta também
as disputas internas ao campo, como as discussões de valores e éticas profissionais e as
influências dos campos políticos e econômicos sobre a atividade dos atores sociais do campo
jornalístico.
Nas disputas internas e externas para cumprir seu papel social de informar, o campo
jornalístico sofre influências de várias ordens decorrentes das relações com as elites políticas
e das relações de mercado. Vive uma situação de conflito interno para em que as empresas
jornalísticas buscam se legitimar institucionalmente como referência da promoção da
comunicação, do debate público e da realidade social. Na medida em que elas se
institucionalizam, conquistam uma posição privilegiada dentro do campo.
Na noção de campo social de Bourdieu destaca-se o que pode ser denominado de “luta
concorrencial” por objetivos comuns. Como todo campo social segue uma lógica de
funcionamento que provoca um conjunto de efeitos ligados, em sua forma e eficiência, à
própria estrutura do campo, no campo jornalístico, a distribuição dos jornalistas e jornais
dependem da sua relação de autonomia às forças externas, de mercado de leitores e de
mercados de anunciantes (BOURDIEU, 1997: 102). É neste aspecto que Faccin (2002: 98)
postula o campo jornalístico como lugar de identidades sociais, construídas e designadas em
diferentes graus no mercado simbólico.
A lógica do campo jornalístico, segundo Bourdieu (FACCIN: 106-108), é orientada
para a produção de um bem altamente perecível, que é a notícia. Nessa lógica estão presentes
os veredictos de mercado, como os índices de audiência ou sanções dos clientes. Essa lógica
89
faz com que os jornalistas estejam mais propensos a adotar os critérios do mercado na
produção ou na avaliação dos produtos da concorrência. As ações dos jornalistas dentro do
campo passam, portanto, pela concorrência para conquistar a clientela. A busca pelas notícias
mais novas, pela exclusividade, pela prioridade, entre outras ações, está mais visível quanto
mais próximos o campo jornalístico estiver do pólo comercial. Ao mesmo tempo em que se
busca a diferença, a lógica de funcionamento interna deste campo impõe uma uniformidade
da oferta. Na situação de concorrência, incita-se a vigilância procurando evitar os erros e
aproveitar os acertos. Esta seria a explicação para que a originalidade e a diversidade cedam
lugar, muitas vezes, a uniformidade (BOURDIEU, 1997).
Esta caracterização da lógica de funcionamento mostra que a “luta concorrencial”,
neste caso, do campo jornalístico mostra que ocorre em uma situação institucionalizada em
que os jornalistas, distribuidores, anunciantes e acionistas agem regidos pelas regras válidas
no interior do campo. E mais, estas regras não são rígidas, e podem mudar conforme se
estabelecem às relações entre seus agentes.
A participação de cada um dos atores dentro de um campo social depende de recursos
denominados por Bourdieu de capital. Para os interesses desta dissertação, é interessante
distinguir três tipos de capital. O econômico, que inclui bens materiais e financeiros; o
cultural, que inclui conhecimentos, habilidades e qualificações educacionais; e o simbólico,
que inclui os méritos, prestígios e reconhecimentos. O luta pela apropriação deste capital é
irredutível, na medida em que seus agentes demonstram maior ou menor interesse em lutar
por ele e a partir dele se constituí um campo social (BOURDIEU apud FACCIN, 2002: 100).
Observando a natureza do campo jornalístico pode-se supor que seu poder constitui-se
em cima do capital simbólico. O poder do jornalismo está fundado em sua credibilidade, ou
90
seja, de se fazer crer. E segundo Bourdieu (FACCIN, 2002), o poder simbólico, é o poder de
constituir o dado pela enunciação, de fazer crer e ver, de transformar e confirmar a visão de
mundo e, deste modo, de agir sobre o mundo. É o poder de se obter o que se deseja sem
utilizar a força, mas se fazendo reconhecer, de conseguir as coisas pelas palavras.
A credibilidade é, portanto, o capital em disputa dentro do campo jornalístico e
também por outros campos. E como o jornalismo instituiu-se como um campo plural e
público, adquiriu diferentes formas de poder que vais estar mais residente na sua condição de
poder dizer do que no conteúdo do que diz. Na perspectiva dos discursos sociais, Pinto (2002:
54) reforça a importância do capital sociocultural no plano do poder simbólico, pois é este
capital que vai condicionar seu status em cada evento comunicacional em que participa.
Tanto o poder de penetração no público pelas empresas de comunicação, quanto a
credibilidade dos jornalistas forjadas no interior do campo jornalístico dependem da
acumulação dos capitais culturais e simbólicos. Assim, a credibilidade jornalística de uma
empresa repousaria na luta concorrencial condicionada pelos efeitos de produção, circulação e
consumo das notícias produzidas (FACCIN, 2002: 103).
3.2.3 A técnica
Na disputa do campo jornalístico como espaço privilegiado de debate público e
construção da realidade podem-se distinguir duas situações. De um lado, a nove ordem da
modernidade que coloca a liberdade de expressão e direito à informação como primordiais
para o desenvolvimento. De outro, a técnica como argumento com o qual o jornalismo pode-
se constituir diante dos outros campos como interlocutor privilegiado e legítimo.
91
Após a Independência Americana e a Revolução Francesa o direito à liberdade de
expressão e de informação disseminou-se pelo mundo. A imprensa recém-nascida ainda
constituía-se como um meio de transmissão de opinião dos segmentos que buscavam
hegemonia, como o caso da burguesia em ascensão. A massificação da escrita e o surgimento
da imprensa periódica incluem-se nesse processo de reorganização social e de representação
simbólica.
Desde os primórdios do jornalismo, a burguesia adotou a liberdade de imprensa como
discurso para defender seus interesses mercadológicos e políticos na disputa pelo poder. Do
tempo da imprensa de opinião ou panfletária, juntou-se em seguida a imprensa “neutra” com o
seu “compromisso com a verdade”. A massificação da imprensa levou a ampliação da
produção jornalística e conseqüentemente exigiu uma maior normatização do processo para
que se tivesse um controle maior de seu produto, compondo de forma segura e controlada o
papel de informar e gerar opinião, sem que esta fosse percebida durante o consumo daquela
(REIS, 2002). Daí o estabelecimento das rotinas de produção e dos manuais de redação.
Constituiu-se, então, o tripé que abre um espaço para que o campo jornalístico se
estabelecesse como ambiente privilegiado: a liberdade de imprensa, o direito à opinião e o
direito à informação.
Há de se ressaltar, entretanto, que as remissões deste três elementos são diferentes e
afetam de forma diferente o jornalismo. O direito à opinião relaciona-se às parcelas da
população que se colocavam à margem dos processos decisórios do estado e ressalta a falta de
reciprocidade entre o poderio político e econômico da burguesia. Refere-se, portanto, à luta
pela transferência da instância de legitimação e à mudança do método de se produzir tal
legitimação do estado e da sociedade. A liberdade de imprensa diz respeito à emergência dos
92
novos círculos de poder que começavam a despontar no advento da modernidade. Tratava de
partilha do poder que ocorria naquele momento. O direito à informação evoca a livre
circulação de matéria-prima necessária à construção de opinião pelos segmentos que acessam
a produção simbólica que circula nos meios de comunicação. Refere-se, portanto, ao
reconhecimento da competência de uma instância em elaborar julgamentos. Nela, o campo
jornalístico encontra seus argumentos para se auto-intitular um narrador neutro e legítimo do
mundo.
A objetividade e imparcialidade encontram-se sustentada sobre as técnicas de
produção jornalísticas. Se de um lado o direito a informação abre espaço para se reconhecer
uma instância como competente para elaborara julgamentos, a técnica é a justificativa para
que o campo jornalístico assuma esta posição privilegiada. Para o jornalismo, as técnicas
permitiriam narrar o mundo, substituindo os fatos pelas notícias sem que houvesse a
intervenção de outros processos. Esta substituição garantiria o estatuto de verdade factual. De
acordo com as argumentações do campo jornalístico, isto seria possível por meios do uso da
razão. Sabe-se entretanto, que é por meios discursivos que se podem dissimular estes efeitos
de verdade e neutralidade.
Baseados na argumentação técnica, o jornalismo desconhece o processo de
reconhecimento entre o jornalista e o fato. Desconhece as marcas deixadas pelas condições de
produção sob a superfície textual de sua prática discursiva. Mas é sobre o discurso moderno
da neutralidade e objetividade que se sustenta a legitimidade do campo como mediador da
realidade, pois o jornalismo é visto como o domínio de técnicas de pesquisa e de narrativas
que podem ser aprendidas e ensinadas na escola e na experiência prática da atividade
profissional (REIS, 2002). Como toda técnica, as rotinas e procedimentos profissionais são
93
considerados ideologicamente neutros pelos seus usuários. O mesmo ocorre com os
jornalistas que acabam considerando suas rotinas de trabalho e seus manuais de redação
neutros. Mas é também por meio destas técnicas que os jornalistas constroem as identidades e
relações e selecionam o conteúdo que estarão em jogo no evento comunicacional e em cuja
superfície do produto, o texto jornalístico, estarão presentes as marcas que permitem a
contextualização da prática discursiva (PINTO, 2002: 53).
A verdade jornalística sustenta-se sobre no mito da objetividade
26
, que como dito
anteriormente, forma-se a partir das técnicas de produção da notícia. Esta aparente capacidade
de neutralidade em relação aos fatos é que a credencia como instância legítima e reconhecida
para relatar imparcialmente os interesses coletivos.
Porém, o estatuto da transparência total do campo jornalístico, que está diretamente
relacionado com a natureza da verdade, não é visto, a partir da visão da semiologia dos
discursos sociais, atrelado apenas ao conjunto dos procedimentos técnicos e deontológicos da
prática jornalística, mas as diferentes constrões de verdade mobilizadas pelas práticas
discursivas deste campo. Isto porque do ponto de vista discursivo, a verdade jornalística é
sempre uma construção.
Por mais que as técnicas estejam presentes, o jornalista é sempre o primeiro
responsável em estruturar, organizar os pacotes significantes. Como enunciador, ele opera os
códigos lingüísticos, seleciona e combina as unidades que se transformam em mensagens.
Não se pode esquecer, entretanto, que nesta operação estão presentes outras formações
discursivas.
26
Para saber mais sobre objetividade jornalística e seus efeitos, ver Barros Filho (2003)
94
Já foi ressaltada, anteriormente, a noção de contrato de comunicação. A relação de
negociação entre a produção e recepção dos discursos está nelas destacadas. Com base nesta
relação contratual pode-se concluir que a construção da verdade passa também pelas
gramáticas de produção (da ordem dos discursos jornalísticos) e de recepção, além do próprio
discurso do acontecimento e das relações entre elas. Assim, no mundo da linguagem, a
verdade construída pelo jornalismo constitui-se numa construção invadida pelas marcas dos
enunciadores (FAUSTO NETO apud FACCIN, 2002).
As transformações sociais da modernidade, tendo como base de análise as noções de
espaço público e campos sociais podem ajudar a compreender que a legitimação do
jornalismo ocorre num plano discursivo e sua autenticação dependeria, portanto das
mobilizações em torno do tecido social. Nesta dimensão, uma das características marcantes
dos discursos produzidos no campo jornalístico é que a sua legitimidade não é delimitada,
segundo Rodrigues (FACCIN, 2002) num único campo da experiência, mas está presente
transversalmente ao conjunto de todos os domínios da experiência moderna. É nesta dimensão
que sua legitimidade é construída e assegurada. E por seu intermédio, constrói-se uma rede de
significações pela qual a própria instituição se institui e se apresenta na medida em que
mobiliza os saberes e discursos para ditar as normas e comportamentos.
3.3 A mediação da identidade
De tudo visto até o momento, percebe-se que a legitimação e a mediação efetivada
pelo campo jornalístico ocorre numa dimensão simbólica. Viu-se nas seções anteriores que o
jornalismo atua numa dimensão simbólica, sendo está sua parte constituinte primordial. Viu-
se também como se processa a legitimação deste campo no tecido social. Agora, a
preocupação é buscar entender como o campo jornalístico se legitima como um espaço em
95
que as identidades sociais se formam. Sabe-se a priori que o jornalismo não sói representa a
realidade, mas a constrói, assim como se constrói verdades. Sabe-se que este campo atua
numa dimensão simbólica em que ele se legitima e acumula capital simbólico e cultural,
instituindo-se como uma poderosa instância detentora da autenticidade da capacidade do
dizer.
No primeiro capítulo, viu-se que identidade, como produto simbólico, construída e
vivida discursivamente, não pode ser constituída a partir de um território geográfico. A
mediatização do mundo decorrente do desenvolvimento tecnológico que encurtou distâncias e
suprimiu o tempo colocou as identidades sociais no espaço das mediações simbólicas em que
os discursos produzidos por intermédio das práticas discursivas dariam forma a elas no
interior de um mercado simbólico.
A comunicação midiática instituiu-se como instância mediadora dos sentidos entre o
que é público e o que é privado. Fruto da modernidade, a comunicação midiática tornou-se
inseparável de sua gestora. As instituições e atores sociais que se desenvolveram e se
expandiram na aventura da modernidade estão diretamente envolvidas no aumento da
mediação da experiência proporcionada por estes meios (GIDDENS apud FACCIN, 2002:
113).
Em seu desenvolvimento, o campo jornalístico conseguiu, por meio da mediação, a
capacidade de naturalizar as dimensões expressivas e pragmáticas de outras instituições e
apresenta-as como naturalmente fundadas. Isto pela capacidade de rememoração simbólica
promovidas pela efemeridade de seus enunciados (RODRIGUES apud FACCIN, 2002).
96
Faccin (2002) estabelece, por exemplo, quatro estratégias de naturalização promovidas
pela capacidade de mediação do campo jornalístico. A estratégia de reforço é resultante da
projeção pública da ação simbólica com efeito de visibilidade que o jornalismo confere às
instituições ajudando-as e se manter no imaginário social. A compatibilização é a estratégia
pela qual o jornalismo esvazia os discursos conflitantes compatibilizando as instituições. Na
medida em que se evidenciam as diferenças entre as instituições, o jornalismo atua utilizando
a estratégia de exacerbação dos diferenciado. A quarta e última é a intervenção nos regimes
de funcionamento, com a qual, dependendo da intensidade da projeção pública, há uma
aceleração ou travamento dos regimes de funcionamento das instituições envolvidas.
Viu-se no capítulo um que a condição pós-moderna fragmentou a referência das
grandes narrativas, e que nesse universo discursivo as identidades se constituem. A mediação
simbólica promovida pelo campo jornalístico é importante ator na criação desse universo
simbólico. A mediação promovida pelos meios de comunicação possibilitou, portanto a
pulverização das diferentes manifestações de identidades sociais e de vivência mediadas por
um aparato de intervenção e de representação na vida social (FACCIN, 2002).
O desenvolvimento dos meios de comunicação chegou a tal ponto que as tradicionais
funções de circulação de idéias e opiniões elaboradas pelos sujeitos sociais deu lugar a uma
esfera em que a comunicação midiática assumiu o papel de produção e circulação de bens
simbólicos que redimensionou sua capacidade de mediação (RUBIM apud FACCIN, 2002).
Na sua esfera jornalística, a comunicação midiática instituiu-se como território
privilegiado autorizado a transitar por vários domínios da experiência e mediar os discursos e
práticas dos diferentes campos sociais e seu próprio espaço discursivo. Viu-se, no capítulo
dois, que a mediação através da prática discursiva sofre restrições sociais que revelam as
97
diferentes posições de poder exercidas nos processos comunicacionais, mas que também
permite o acúmulo de capital sociocultural que condiciona o status de capa participante do
evento. É nesta concepção que se respalda a idéia de que a identidade social, mesmo que
contasse com a presença hegemônica de certo modelo, seria produzida, reproduzida,
transmitida e transformada pelas mediações das diferentes instituições sociais que disputam a
hegemonia no mercado simbólico (FACCIN, 2002). Neste sentido, entende-se que as
identidades são construídas, vividas, reproduzidas e transformadas nas e pelas práticas
discursivas em um território constituído pelo campo jornalístico.
4 ESPÍRITO SANTO: PEQUENO PANORAMA HISTÓRICO
E MIDIÁTICO
Discutiu-se no primeiro capítulo que a identidade é um conceito polêmico. Contudo,
como afirma Hall (2000), sem este conceito se torna impossível pensar outras questões no
mundo contemporâneo. O questionamento sobre a existência ou não de uma identidade
capixaba é interessante, principalmente quando se leva em conta que, no conteúdo, a
experiência vivida pelo capixaba não difere muito da experiência brasileira (REIS, 2002: 56).
O Espírito Santo possui as mesmas características políticas, econômicas e sociais que
outros Estados do Brasil. Possui os mesmos ingredientes históricos, culturais e econômicos
que formam um povo, em seu sentido político-cultural. As diversidades étnicas, raciais,
culturais e lingüísticas também estão presentes; além da existência de uma história que
precede à colonização portuguesa e se enquadra no processo de desenvolvimento econômico
das políticas nacionais de modernização do país. Mas mesmo assim, um traço marcante no
Estado é o sistemático questionamento a respeito da identidade capixaba e das suas
características. (REIS, 2002: 22-23)
As diversidades citadas acima e as relações com o contexto histórico, político e
econômico nacional, seja afirmando, seja negando as diferenças, são elementos que estão
presentes na constituição de outras identidades regionais. Poder-se-ia supor que a crença na
inexistência de uma identidade capixaba repousaria em dois pontos principais. Em primeiro
lugar, parece que a maior parte das análises acerca da cultura e da identidade no Espírito
Santo são fundamentados em uma concepção não discursiva da identidade, vinculadas mais a
99
uma perspectiva iluminista ou sociológica de sujeito muitas vezes baseada numa relação
direta entre folclore e identidade. Em muitos estudos, a cultura ainda é analisada a partir de
uma perspectiva folclórica, tendo como parâmetro concepções modernas que há alguns anos
vêm sendo questionadas na contemporaneidade, como visto no capítulo um.
Em segundo lugar vem o isolamento histórico a que o Espírito Santo esteve sujeito e a
situação limítrofe com três grandes pólos políticos, culturais e econômicos do Brasil (Rio de
Janeiro, Minas Gerais e Bahia), além, é claro, de um baixo desenvolvimento e do atraso
econômico a que o Estado esteve submetido em sua história. Como conseqüência, o capixaba
possui uma baixa alta-estima. Para Alain Herscovici (2001:18), o isolamento histórico do
Estado não permitiu ao capixaba criar referenciais culturais próprios, o que é agravado pela
falta de realização e de implementação de um posicionamento mediático, que pudesse
construir a cultura capixaba e vendê-la a outros Estados do Brasil. Isto quer dizer que o
Espírito Santo não teria conseguido, até o momento, impor-se midiaticamente para o Brasil e,
com isto não teria conseguido “vender” aos outros brasileiros “seus bens culturais”.
27
A certeza das potencialidades do Estado e a realidade de que ele poderia se encontrar
numa situação melhor sempre estiveram presentes. Esta situação, inclusive, assemelha-se com
o sonho do brasileiro em ser uma grande nação, em ser uma grande potência mundial. O
naturalista francês August Saint-Hilaire, que esteve na Província do Espírito Santo no início
do século XIX, além dos primeiros colonos, destacou as potencialidades da Capitania. Os
27
Para Félix Guattari e Suely Rolnik (1999) a cultura é um conceito profundamente reacionário e está
intimamente relacionada aos mercados de poder e econômicos, e nunca aos níveis de produção, criação e
consumo real. Para eles não existem várias culturas, mas apenas a cultura capitalística, que permeia todas as
outras formas de expressão que chamamos de cultura popular, erudita, etc. A cultura, nessa perspectiva, nada
mais é do que uma mercadoria.
100
jesuítas afirmavam ser aqui a “melhor terra do Brasil” (NEVES, 2001: 81). Procura-se
ressaltar que o Espírito Santo tenha sido o único Estado brasileiro não ocupado por forças
estrangeiras e o primeiro a manter uma campanha sistemática contra os guerreiros indígenas
(NEVES, 2001: 81). Deste Estado saiu o exército, formado por índios, que combateu os
franceses no Rio de Janeiro e foi por esta capitania que foi dada a notícia da descoberta de
ouro na região das Minas Gerais. O Estado possui, ainda, o primeiro registro da presença de
um músico no Brasil. A baixa alto-estima é ainda destacada no hino do Estado, no qual se
encontra a seguinte frase: “nossos braços são fracos, que importa” (NEVES, 2001: 82-83)
Mas um fato inegável tem ocorrido nos últimos 20 anos e tem colocado o Estado numa
posição de destaque, embora ele não tenha conseguido uma visibilidade nacional e continue
numa situação marginal no Brasil. O Espírito Santo é um dos Estados que tem obtido
crescimento econômico superior à média nacional, o que tem mudado rapidamente o baixo
desenvolvimento presente em sua história. Segundo estudo realizado pelo jornalista José
Carlos Monjardim Cavalcanti
28
(2003?), o Cacau Monjardim, o Espírito Santo não deve ser
desprezado no contexto nacional, por sua capacidade econômica. Nas suas palavras “o
Espírito Santo é o mais brasileiro dos Estados de nosso país, porque é o ponto de encontro do
espírito de ação do sul e do sentimento poético do norte”. Nos dados
29
levantados por Cacau,
o Estado se encontra em posição de destaque no mundo como o maior complexo de
pelotização, o maior exportador de placas de aço, o maior porto exportador de minério de
28
José Carlos Monjardim Cavalcanti é considerado o pioneiro no colunismo de Economia no Espírito Santo. Ele
foi diretor do jornal O Diário até a decretação do AI-5 em 1968 e é ex-Secretário de Comunicação do Estado do
Espírito Santo.
29
No site da Prefeitura Municipal de Linhares, de onde se pode ver a tabela resultante da pesquisa, não há
referências de onde foram obtidos os dados. Há também dados que consideraria subjetivo, como afirmar que o
Estado possui o melhor clima do mundo. Não há, também, referências sobre metodologias e parâmetros
adotados.
101
ferro, o maior pesqueiro de Marlins, a maior empresa exportadora de café em grãos, a
segunda maior mineradora transoceânica de minério de ferro, o terceiro melhor clima e a
maior biodiversidade vegetal por hectare.
Na América Latina, segundo dados do Cacau, o Espírito Santo é o maior exportador de
mármore, de granito e possui a maior indústria de móveis laminados. No Brasil, ele está em
posição de destaque em relação à variedade de espécies de animais e em setores como
mineração, industrialização, produção de hortifrutigranjeiros e rentabilidade. Além disso, ele
possui boa infra-estrutura, revelando-se o quarto Estado em potencialidade de consumo.
Cacau considera ainda que há 20 anos o PIB do Espírito Santo supera a média
nacional, assim como média da expectativa de vida. O Estado responde, ainda, por 51% da
carga geral exportada pelo país, além de possuir o maior complexo portuário e o maior alto
forno siderúrgico do Hemisfério Sul. Segundo o pesquisador, Vitória é a segunda capital em
qualidade de vida e, segundo a Unesco, o Estado possui quarto melhor padrão de ensino
público do país. Ao ressaltar essas características, parece que há uma tendência a se apagar a
imagem de subdesenvolvidos, pobres e sem traços culturais marcantes que baixa a alta estima
do capixaba.
Uma situação dificulta as pesquisas históricas acerca do Espírito Santo, principalmente
em algumas áreas. Os historiadores e pesquisadores são unânimes ao afirmar que há
deficiência de material para pesquisa. As gerações anteriores não tiveram a preocupação de
preservar documentos e informações. Segundo Dadalto (2001: 33), há poucos estudos
sociológicos e antropológicos sobre o Espírito Santo. Os poucos estudos se referem à
formação histórica do Estado. Numa rápida olhada, pode-se perceber que o que se salvou no
102
tempo se encontra fragmentado e mal catalogado. Sabe-se, entretanto, que o resgate da
memória é um movimento recente.
O objetivo deste capítulo, contudo, não é resgatar a história do Espírito Santo, em
geral, e da sua mídia impressa, em particular. Objetiva-se sim traçar um pequeno panorama
histórico e social que possa justificar por que a identidade capixaba é marcada por uma baixa
alto-estima e por que esse povo sente a necessidade de reverter este quadro, mostrando ao
Brasil e aos próprios capixabas as suas potencialidades. Há o interesse em mostrar também
uma breve historiografia da imprensa capixaba e o papel que ela cumpriu e cumpre no
contexto capixaba.
4.1 Conjuntura histórico-político-social
Até meados do século XIX, a cana de açúcar foi o principal produto econômico para a
pequena população do Espírito Santo. Em 1818, a população estimada do Espírito Santo era
de 24 mil habitantes. O primeiro Censo Nacional, realizado em 1872, contabilizou 82.131
habitantes, sendo 12.470 moradores registrados na cidade de Vitória. O açúcar se firmava
como o principal produto agrícola em quase todas as regiões do Brasil. E, assim como em
qualquer outra região dominada pelos engenhos de açúcar, o latifúndio patriarcal, monocultor
e escravista marcava a cultura no Estado e era a expressão do pensamento mercantilista
português adotado no Brasil (BITTENCOURT, 2001).
Desde sempre muito pouco povoada, a situação piorou com as fundações de Salvador,
ao norte, e do Rio de Janeiro, ao sul. O Espírito Santo foi paulatinamente sendo esvaziado. É
interessante notar que após a mudança do foco para a industrialização e para os grandes
103
projetos, a partir da década de 1960, a população do Estado cresceu, superando os 4 milhões
de habitantes no início do século XXI.
A estagnação econômica do Espírito Santo se remete ao início da colonização. A
resistência dos índios foi considerada um dos primeiros obstáculos enfrentado pelos
colonizadores e impediu a fixação dos colonizadores no interior do Estado. A exceção seria a
região de Castelo que tinha uma mineração aurífera intermitente. No início do século XIX, o
naturalista francês August Saint-Hilaire esteve no Espírito Santo e relatou a existência de
engenhos de açúcar e de destilarias nas terras capixabas, além das culturas de subsistência.
Segundo Bittencourt (2001), a extração predatória de madeira também existia.
Nem mesmo os jesuítas se arriscaram na interiorização. Considerados os mais fortes
“empresários” da capitania, fixaram-se no litoral ou em suas proximidades. Aliás, os jesuítas
tiveram papel de grande importância na história do Estado, sendo não só os grandes
“empresários”, mas também os responsáveis pela educação. Por meio da catequização, eles
eram os responsáveis pela aculturação do índio. Dada a defasagem econômica da capitania, o
papel do escravo africano foi minimizado, tornando o índio aculturado a grande massa
colonial capixaba
30
.
Através da atividade “evangelizadora”, os jesuítas fundaram e trabalharam em
inúmeras fazendas e aldeias. É destas aldeias que se derivaram a maioria dos núcleos das
povoações da Capitania. Dos índios catequizados pelos inacianos se obtinha a grande massa
30
O Espírito Santo recebeu negros da África. Mas, segundo um levantamento realizado em 1872, 55,8% dos
escravos negros nasceram aqui mesmo no Estado. Os outros teriam vindo da África e de outras regiões do Brasil.
Cabe ressaltar que a maior concentração de escravos negros ocorreu no litoral norte, principalmente na região de
São Mateus, no sul, na região de Cachoeiro de Itapemirim, e na região central, em Vitória.
104
de mão-de-obra e se formavam as entradas para o sertão. Em uma destas entradas, na região
de Castelo, encontrou-se ouro. Cada vez mais, o poderio dos jesuítas cresceu e se tornou a
base econômica e educacional do Espírito Santo. Mesmo com a expulsão dos inacianos, por
determinação do Marques de Pombal, os arraiais fundados pelos padres teriam sucumbido aos
ataques dos índios em 1771. Os historiadores são unânimes em afirmar que esta expulsão e a
extinção da Ordem Jesuítica foi uma das principais responsáveis pela degradação econômica
do Espírito Santo. Sem a presença dos padres inacianos, o Estado retrocedeu. Toda base
educacional e grande parte da atividade econômica se encontravam nas mãos dos padres da
Companhia de Jesus. A conseqüência foram os grandes prejuízos da agricultura local. Várias
aldeias, transformadas em vilas, entraram em decadência e muitas fazendas ficaram
abandonadas. (BITTENCOURT, 2001; GAMA FILHO, 2001)
O segundo grande golpe contra o desenvolvimento do Espírito Santo foi o isolamento
que o Estado sofreu por determinações da Coroa portuguesa. Com a descoberta de ouro na
região das Minas Gerais, a Capitania se tornou nada mais que um baluarte natural de defesa
natural das minas. A construção de estradas para o interior e a navegação no Rio Doce foram
proibidas. Esta situação perdurou por todo o século XVIII.
No o início do século XIX, o então governador Silva Pontes assinou o “Auto de
1800”, que impediu a expansão de Minas Gerais rumo ao litoral e preservou o território
capixaba. Nesta mesma administração, Pontes incentivou a navegação do Rio Doce,
procurando aproveitar a mão-de-obra excedente da decadência da mineração nas minas para
povoar o interior do Estado (NEVES, 2001; MORAES, 2002). Com uma pequena população,
a área destinada ao Espírito Santo não foi ocupada nem mesmo com a assinatura do “Auto de
1800”. Apesar das tentativas, o Rio Doce não de transformou no “Nilo Brasileiro”, como
105
queria Pontes (MORAES, 2002), por causa das dificuldades de navegação. A ligação de
Minas Gerais ao mar só se tornou uma realidade, um século depois, com o início da
construção da estrada de ferro Vitória-Minas, em 1904.
Sabe-se que em 1811 o café já era produzido em pequena escala no Espírito Santo.
Mas foi só com o avanço da franja cafeeira, deslocando-se do Rio de Janeiro, que a produção
se intensificou. Em pouco tempo, no ano de 1852, o café se tornou o principal produto do
Espírito Santo. E junto com a melhora da economia, em decorrência da cultura cafeeira,
surgiu uma nova personagem: o imigrante. À medida que a produção de café crescia, o
numero de imigrantes aumentava, e melhorava-se a infra-estrutura para escoamento da
produção. Já em 1920, a província se tornou o terceiro maior produtor de café do Brasil. Este
produto foi o sustentáculo da máquina administrativa do Estado e fez com que a economia
capixaba de fato funcionasse. Mas a monocultura cafeeira, ao mesmo tempo em que fazia a
economia girar, causou tal dependência que o Estado, com o “Plano de Erradicação dos
Cafezais” promovido pelo governo nos anos 1965/1967, sofreu grande desemprego.
Foi neste período que houve uma mudança no planejamento governamental. O foco
tornou-se o desenvolvimento industrial e, a partir da implantação dos grandes projetos, com
ênfase na siderurgia e na celulose, a economia do Estado voltou a crescer. O café ainda é
considerado muito importante e a cafeicultura a base econômica de muitos municípios
(BITTENCOURT apud MORAES, 2002: 224-225).
O imigrante desempenhou importante papel na economia do Estado. Seja substituindo
a mão-de-obra do negro africano, seja implantando núcleos coloniais com pequenos
106
proprietários, os italianos foram predominantes nesse processo. Já em 1890 os imigrantes
italianos correspondiam a 33% da população capixaba
31
. É indiscutível que o imigrante
italiano foi fundamental para o crescimento da economia cafeeira local. E o café ligou o
Estado à economia tropical de exportação, que foi a principal fonte de divisas do país no
período e colocou o Espírito Santo em contato com a modernização material do século XIX.
No governo de Francisco Alberto Rubim (1812-1819), iniciou-se um processo que
visava incrementar as colônias agrícolas do Estado. Foi no governo de Rubim que os
primeiros colonos açorianos chegaram em terras capixabas. Foi também no governo dele que
ocorreu a ligação decisiva entre Minas Gerais e Espírito Santo. Através da “Estrada do
Rubim”, tanto os mineiros, quanto os fluminenses, ao sul, e os baianos, ao norte, buscaram
terras para plantar ou refúgio nas florestas ainda virgens. A esses migrantes brasileiros se
juntaram os imigrantes não-lusitanos. Destacam-se, além dos italianos, os prussianos, os
pomeranos, os suíços, os poloneses, os holandeses, os belgas, os tiroleses, os luxemburgueses
e os libaneses.
Para Bittencourt (2001: 74-75), a identidade capixaba moderna não pode ser pensada
somente como a importante contribuição dos imigrantes europeus e de seus descendentes.
Para ele, não se pode esquecer a contribuição africana. A estes elementos, devem-se juntar,
ainda, os migrantes das mais diversas regiões. A identidade capixaba, a partir desta conjuntura
histórico-político-social, além dos elementos étnicos, foi marcada pela ansiedade da
exploração do território e pela necessidade de transformação do Estado em pólo exportador e
industrial, fazendo frente ao subdesenvolvimento.
31
Naquele ano, o Espírito Santo registrava 135.998 habitantes.
107
É importante notar que vários elementos compõem o contexto histórico e social
capixaba. Como fica claro, o Espírito Santo sofreu profundo subdesenvolvimento e
isolamento ao longo de toda a sua história, além de ter tido alguns reveses nas bases
econômicas e sociais em que se sustentava. Foi continuamente um Estado cercado por outros
Estados mais fortes politicamente, economicamente e culturalmente. Mas, como em todas as
outras Federações da União, o Espírito Santo passou por ciclos de desenvolvimento, sofreu
com a queda do preço do café e se industrializou tardiamente. Sua economia foi marcada pela
monocultura e pelo desenvolvimento industrial, incentivado e apoiado pelo Estado como a
implantação da Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST).
Como em outras regiões, o imigrante europeu cumpriu papel importante na sociedade.
Bittencourt afirma que o Espírito Santo e o Sul do Brasil foram as únicas regiões em que os
sistemas de “núcleos coloniais” funcionaram melhor. Ao contrário do que aconteceu em São
Paulo, onde os imigrantes substituíram a mão-de-obra escrava como assalariados, no Espírito
Santo houve predominância das pequenas propriedades familiares. Se na formação do povo
brasileiro há a presença do negro, do branco e do índio, o mesmo aconteceu na formação do
povo capixaba.
4.2 Origem e memória
Além de todo o contexto histórico e social citado na seção anterior, outro aspecto
relevante com o qual se pode relacionar a questão da identidade cultural do capixaba é a
cultura da memória. A emergência da memória como uma das preocupações culturais e
políticas centrais das sociedades ocidentais é um dos fenômenos culturais e políticos mais
surpreendentes nos últimos anos. Como uma das suas principais características destaca-se a
108
volta ao passado, que contrasta com o privilégio dado ao futuro. São os “passados presentes”
se contrapondo aos “futuros presentes” (HUYSSEN, 2000: 9).
De acordo com Huyssen (2000, 12-13), a globalização da memória funciona em dois
sentidos relacionados que ilustram o paradoxo da globalização. No exemplo tomado pelo
autor, no caso o Holocausto, de um lado, ele se transformou numa cifra para o século XX
como um todo e para a falência do projeto iluminista. É a prova da incapacidade da
civilização ocidental de praticar a anamnese, de refletir sobre sua inabilidade constitutiva,
para viver em paz com as diferenças e as alteridades e de tirar as conseqüências proveniente
das relações insidiosas entre a modernidade iluminista, a opressão racial e a violência
organizada.
De outro lado, o discurso mais totalizante do discurso do Holocausto é acompanhado
por uma dimensão que particulariza e localiza. É a emergência do Holocausto como figura de
linguagem, que permite à memória entender as situações locais específicas. Nesse movimento
transnacional, o Holocausto perde sua qualidade de índice do evento histórico original e
funciona como metáfora para outras histórias e memórias.
Há também as tramas secundárias que constroem a memória narrativa. Ao lado da
cultura da memória há uma vasta literatura psicanalítica sobre o trauma, a controvérsia sobre a
síndrome da memória recuperada, os trabalhos de história ou temas atuais, as controvérsias
públicas sobre efemeridades politicamente dolorosas, comemorações e memoriais, etc. É o
mundo sendo transformado num grande museu. É a comercialização da memória.
A disseminação da cultura da memória é tão ampla quanto variada. O real pode ser
mitologizado tanto quanto o mítico pode engendrar fortes efeitos de realidade. A memória se
109
tornou uma obsessão cultural. Isso também está relacionado com uma síndrome do
esquecimento. Critica-se a mídia como responsável pela amnésia, apatia, embotamento e
perda de consciência histórica. O fato é que essa própria mídia é hoje a maior responsável
pela disponibilização da memória. Mas, em contrapartida, muitas dessas memórias
comercializadas em massa são “memórias imaginadas”, e portanto, mais esquecíveis que as
memórias vividas.
Para Huyssen (2000: 18-19), as próprias estruturas da memória pública mediatizado
ajudam a compreender que, a nossa cultura, obcecada com a memória, está também de
alguma maneira tomada pelo medo do esquecimento. Como relembra, citando Freud, a
“memória e o esquecimento estão indissolúvel e mutuamente ligados; que a memória é apenas
uma forma de esquecimento e que o esquecimento é uma forma de memória escondida”.
É neste contexto que cresce o interesse pela identidade capixaba. Para um Estado que
viveu isolado e esquecido, a construção de sua memória é uma fuga e uma afirmação. A
eleição de símbolos é uma forma de marcar a diferença. Se, de um lado, conceitos da
modernidade, que fundaram o Estado moderno e no qual se basearam as concepções
modernas de identidade, entram em crise, nem por isso o interesse pela busca das raízes
chegou ao fim. No momento em que a desterritorialização do mundo é forte, a
reterritorialização é a fórmula para se atar novos laços a uma nova história, relações e
identidades, agora não mais baseados aos laços biológicos, religiosos ou consangüíneos. É
uma forma para construir uma idéia de nação, de conjunto e de unidade (REIS, 2002: 56-57).
A busca pela identidade regional faz com que se procure na história a singularidade e a
diferença para constituir-se frente ao outro e lutar contra a indiferenciação. No caso específico
do capixaba, a indiferença do outro é marcante. Deve ser por isso que o projeto que marca a
110
singularidade do capixaba se caracterize pelo envolvimento do poder público, dos artistas e
dos intelectuais na constituição de uma identidade capixaba.
A mídia destaca-se neste esforço. Como um território de identidades (FACCIN, 2002)
ou de “cartório que mais fé pública agrega na sociedade contemporânea” (REIS, 2002: 58), a
mídia aparece como espaço em que “um arremedo do trabalho arqueológico-filosófico” se
desenrola, repercutindo nela o que “é produzido entre os que se dedicam à busca dos signos
de uma identidade regional e também onde se desvelam outros possíveis laços identitários que
concorrem com este esforço” (REIS, 2002: 58).
Nos anos recentes, o sentimento de pertencimento e a construção de uma auto-imagem
do coletivo são realimentados pelos grupos sociais, que buscam enfatizar o conhecido como
forma de marcar a diferença. Como afirmado no primeiro capítulo, a regionalização não é
incompatível com a globalização. Com a degradação dos projetos nacionais, a experiência do
regional se fortalece e os discursos em torno do lugar e a valorização deste como elemento de
integração com o mundo ganham força (REIS, 2002). Para o sucesso deste projeto, todos os
instrumentos, sejam eles conceituais, sejam tecnológicos, são utilizados como lugar
privilegiado, principalmente a mídia.
O apego aos símbolos e aos signos construídos e imaginados é a garantia da
visibilidade e da singularidade que podem ser identificadas com um lugar preciso no mundo.
Na busca da individualidade, o passado torna-se presente. Se a consolidação das identidades
envolve, em um momento, o estabelecimento de mitos e heróis, no Espírito Santo não foi
diferente. Uma das personagens mais importantes que se destacam na história do Brasil é o
capixaba Domingos José Martins, “Herói da Revolução Pernambucana de 1817”. Outra figura
ligada ao Espírito Santo é o padre José de Anchieta. (NEVES, 2001: 82-83). Assim, as
111
formas, falas, personagens, sons vão constituir o arché, que cumpre a tarefa de testemunhar as
origens mais primárias e vai simbolizar a imagem da diferença com o outro. (REIS, 2002: 59)
Dos símbolos existentes, dois se destacam: a panela de barro e o congo. Num Estado
em que a imigração possui característica forte, esses dois elementos são tomados como
símbolos de uma cultura, a partir da construção de uma memória imaginada que possa ser
tomada como comum a todos os povos que deram origem ao capixaba, apesar de parte
substancial da população capixaba ter origem nos imigrantes europeus e estes elementos
originarem-se de uma cultura indígena e afro-brasileira.
Interessante a análise de Reis (2002: 60-65) sobre o papel cumprido pela panela e pelo
congo como elementos que marcam a singularidade. O capixaba elegeu a panela de barro
32
como um de seus mais representativos objetos. Segundo a autora, comportamentos como este
podem ser descritos pela antropologia nos mais diversos povos. A panela, assim como os
totens, são objetos que se transformam em modos de expressão e em desejo de significar algo
diante do outro. A panela se transforma em símbolo da diferença, ultrapassando a função
instrumental e se tornando algo provido de significação. Numa outra esfera simbólica,,
estritamente artística, o congo também se coloca como diferença. De um lado, a panela,
herança do índio. Do outro, o gênero musical, herança do escravo negro.
Nestas duas manifestações se vê a fundação, cujo nascimento foi deliberadamente
escolhido. Num primeiro momento, a interseção do mundo pré-cabralino sul-americano com o
32
O exótico, a diversidade é parâmetro de consumo. O que diferencia as panelas de barro produzidas no Espírito
Santo de outras panelas de barro produzidas em outras regiões do Brasil é mais o modo de fazer do que a própria
panela em si. Busca-se justamente na recuperação de uma técnica, passada de geração para geração, como a
justificativa de diferenciação e legitimação de uma técnica, de um produto. Uma técnica que não se pode
esquecer sob o risco de se perder aquilo que é considerado um dos símbolos da cultura capixaba.
112
mundo europeu. Como o colonizador sabe que a diferença marca a identidade, é nesta
interseção que ele se apega à herança indígena, como elemento da sua singularidade. Num
segundo momento, ocorre a interseção do mundo branco com a cultura negra. O resultado
destas interseções já se sabe: “o que já foi europeu brande como seus símbolos identitários os
instrumentos e bens simbólicos da cultura dominada...” (REIS, 2002: 64). O fato é que a
cultura européia se coloca hegemônica, dominando os dispositivos de produção da memória e
guiando todo o processo de construção da narrativa do capixaba e de organização do mundo.
Nestas duas últimas seções se traçou um pequeno panorama para contextualizar a
conjuntura em que se busca construir a identidade do capixaba. Na próxima seção, o interesse
recai em traçar um panorama histórico sobre imprensa no Espírito Santo e a atual situação do
dois principais jornais do Estado.
4.3 A imprensa no contexto capixaba
33
4.3.1 O nascimento
A implantação da imprensa no Espírito Santo seguiu o mesmo caminho que o
desenvolvimento da província. A primeira tipografia chegou às terras capixabas com um
atraso de três décadas após a criação da Imprensa Régia e da Gazeta do Rio de Janeiro,
embora já circulassem pasquins manuscritos que se relacionavam com o movimento pela
independência. A imprensa já estava presente em núcleos urbanos mais distante do Rio, como
33
Há uma dificuldade em se estudar a história da imprensa no Espírito Santo. Desde a publicação dos artigos “A
imprensa no Espírito Santo”, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, de autoria de
Amâncio Filho
33
, nenhum trabalho de maior relevância foi produzido. O trabalho de Amâncio Filho foi
publicado em quadro números da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, nos números 3,
4, 5 e 7, datados de 1922, 1924, 1925 e 1927 respectivamente. De acordo com o historiador Gabriel Bittencourt
(1998), é urgente a necessidade de estudos monográficos relacionado a publicação periódica do Espírito Santo,
como o produzido por Amâncio Filho.
113
algumas províncias do nordeste brasileiro e no sul do Brasil
34
. Este atraso está diretamente
ligado à defasagem econômica da província que impossibilitou a existência de impressão de
quaisquer textos no local. (BITTENCOURT, 1998; PESSALI, 1984)
Uma das principais características da nascente imprensa capixaba foi a vida curta, a
periodicidade irregular, a falta de organização empresarial, certa atividade literária e, em
muitos caso, a ligação com o governo. O trabalho jornalístico também se diferenciava das
outras províncias. Enquanto nas outras regiões do país os jornalistas já debatiam temas
abolicionistas e republicanos, os jornais de Vitória ainda se dividiram entre o absolutismo do
Primeiro Império e o liberalismo da Regência. Esta fase só foi superada um pouco antes da
Guerra do Paraguai, quando o Império se viu diante de uma crise em que a alternância de
poder entre os partidos Conservador e Liberal não foi capaz de superar. Os jornais
protagonistas desta polêmica partidária, foram “O Monarchista”, dos conservadores, e o
“Jornal da Victória”, dos liberais. (PESSALI, 1984)
O marco da imprensa capixaba foi o jornal “O Estafeta”, fundado 1840, mas que só
circulou em 1841. Este jornal é considerado o precursor do “Diário Oficial”. Nasceu ligado ao
governo provincial do presidente João Lopes da Silva Coito, por um contrato de dez anos.
Fundado pelo Alferes Ayres Vieira de Albuquerque Tovar, em 15 de setembro daquele ano,
teve vida curta, apesar de desfrutar do monopólio e amparo do governo. Circulou apenas um
número, do qual não restou nenhum exemplar e nem se sabe da data de sua circulação. Sabe-
34
Em ordem cronológica, a imprensa surgiu no Rio de Janeiro (1808), Bahia (1811), Pernambuco,
Maranhão, Pará e Minas Gerais (1821), Ceará (1824), São Paulo e Rio Grande do Sul (1827), Goiás (1830),
Santa Catarina e Alagoas (1831), Rio Grande do Norte, Piauí e Sergipe (1832), Espírito Santo e Mato Grosso
(1840), Paraná (1849) e Amazonas (1852). (Pessali, 1984)
114
se apenas que apresentava impressão de péssima qualidade. A já defasada imprensa capixaba
sofreu ainda mais este atraso.
Com a morte do Alferes em 1841, a tipografia permaneceu fechada até 1848, quando
foi vendida para Pedro Antônio de Azeredo que publicou, no ano seguinte, o “Correio de
Victória”. Assim como “O Estafeta”, o “Correio de Victória” nasceu sob égide do governo
provincial. Estes dois primeiros jornais já indicavam o princípio que a imprensa deveria
seguir, que era dar publicidade aos atos do poder público. Isso não é de estranhar, pois se sabe
que a imprensa era considerada uma concessão do poder público.
No dia 17 de janeiro de 1849 circulava o primeiro número do “Correio de Victória”.
Nasceu sob censura, tendo como primeiro leitor o coronel José Francisco de Andrade
Almeida Monjardim, que permitiu a circulação sem restrição. Três meses após a circulação do
primeiro número, o proprietário firmou contrato com a Assembléia Provincial para publicação
dos atos do Legislativo.
Neste mesmo ano, o jornal publicou um editorial criticando atos do poder legislativo,
fazendo com que a Assembléia solicitasse a apreensão da edição de número 17. O editor
descumpriu a ordem, menos por convicção política e mais por impossibilidade operacional de
se recolher os exemplares que já se encontravam em circulação. (REIS, 2002: 140) Porém,
pouco tempo depois, o jornal foi forçado a publicar uma nota avisando que não aceitaria
comunicados, artigos ou correspondências que pudessem gerar polêmicas desnecessárias.
(PESSALI, 1984).
Cedo o jornal conheceu a força dos financiadores. A Assembléia nunca destinou
dinheiro suficiente para o cumprimento do contrato, que foi considerado desfeito em 1852.
115
Após este ato, o “Correio de Victória”, em um editorial intitulado “Nossa missão na
Imprensa”, proclamava sua independência em relação ao poder público. Porém, o custo para
se manter o jornal forçou seu proprietário a renovar o contrato com o governo. Essas
renovações se sucederam até o desaparecimento do jornal em 1873, devido uma cisão no
Partido Conservador, que tinha o jornal como um porta-voz oficioso.
A imprensa política na Província só se implantou, de fato, a partir de 1956, com o
surgimento de “O Capixaba”. O “Correio de Victoria” tinha uma maior influência do
jornalismo literário, desde de 1852. Neste período, cada corrente política necessitava de um
veículo de expressão, o que resultou no surgimento de diversos títulos, quase sempre
alegóricos, como o “Aurora”, o “Indagador”, o “Marimbondo” e o “Pica-Páo”.
4.3.2 A interiorização
O processo de interiorização da imprensa, que se iniciou em São Paulo, em 1858, só
viria a chegar no Espírito Santo no ano de 1866, com a publicação de “O Itabira”
35
, em
Cachoeiro de Itapemirim. O surgimento da imprensa interiorana, a partir de Cachoeiro de
Itapemirim, é explicado pelo dinamismo econômico que o café produzia. Em seguida
surgiram jornais em Anchieta, Vila do Itapemirim, Iconha, Afonso Cláudio, Alegre, Santa
Leopoldina, São Pedro de Itabapoana, São Mateus e Castelo. Constata-se que a maioria das
iniciativas para estas e outras publicações partiu de liberais e, depois, de republicanos,
visando aglutinar forças políticas e difundir seu ideário entre a pequena oligarquia
conservadora, em um interior fortemente marcado pela presença do imigrante europeu
(PESSALI, 1984).
35
“O Itabira”, em decorrência da linguagem violenta, mudou de nome para “O Estandarte”, mas a tipografia e os
proprietários eram os mesmos.
116
Fundado em 1877, “O Cachoeirano” se tornou a maior fonte de expressão da imprensa
no sul da Província. Embora seu editor tenha declarado imparcialidade política, logo em
seguida, a partir de 1881, o jornal se tornou abolicionista e republicano. Com a proclamação
da República ele se transformou em um órgão comprometido com o novo regime.
(BITTENCOURT, 1998). Neste período, a imprensa interiorana passou por uma nova
expansão, e atravessou, pela primeira vez, o rio Doce, com a publicação O Norte do Espírito
Santo, em 1891, na cidade de São Mateus. Este periódico fazia oposição ao Governo Estadual
e seu redator, Graciano dos Santos Neves, posteriormente se tornou o presidente da Província.
Para evitar a censura, os proprietários de “O Norte do Espírito Santo” preferiram deixar de
circular o jornal. A censura também esteve presente no “Commercio do Espírito Santo”, que
sofreu repressão direta da polícia em 1892.
Com a chegada dos imigrantes europeus, começaram a surgir periódicos impressos em
língua estrangeira e jornais ligados aos operários. “L’immigrato” foi o primeiro e procurava
dar aos imigrantes italianos uma visão mais real das dificuldades que iriam enfrentar no
Brasil. “O Artista” foi o primeiro semanário operário, seguido de “O Operário”. Ambos
buscavam defender os interesses dos trabalhadores. Dois anos depois surge “O Pharol”, órgão
semanal do Partido Operário Estadual. No final do século, surgiram diversos outros
semanários de literatura, crítica, humor e o primeiro órgão de imprensa religioso, o
“Conservador Catholico”, proveniente da Vila de Itapemirim.
4.3.3 A maturidade
A imprensa capixaba cresceu e, até o ano de 1926, Amâncio Pereira contabilizou 484
títulos de jornais e revistas. Bittencourt (1998) destaca que não há precisão neste número, mas
indica uma quantidade de títulos expressiva para uma imprensa que surgiu tardiamente. É
117
importante destacar que a imprensa capixaba, com exceção dos boletins municipais, de clubes
e de entidades recreativas e literárias, caracterizou-se por órgãos políticos-partidários criados,
em alguns casos, com interesses de lançar e derrubar candidaturas.
A partir da década de 1920, começam a surgir os mais importantes periódicos do
Estado. Em abril de 1923 foi publicado o primeiro número de “Vida Capichaba”, revista
quinzenal de ilustrações, literatura e “mundanismo”, considerada uma das publicações mais
influentes da sociedade espírito-santense até então. Em 1926, iniciou-se a publicação do
“Jornal do Commercio”, voltado para os interesses dos grupos conservadores do Estado. De
todos os jornais publicados na década de 1920, apenas o “Diário da Manhã”, órgão oficial do
governo, teve vida regular.
Os dois principais jornais da atualidade, “A Gazeta” e “A Tribuna” surgiram,
respectivamente, em 1928 e 1938. Fundado por Luiz Adolpho Thiers Veloso, “A Gazeta”
serviu inicialmente à divulgação de ofertas imobiliárias da Empresa Cambury, que na época
loteava a praia de mesmo nome. Aos poucos, A Gazeta passou a ser um porta-voz da
oposição, principalmente da Aliança Liberal. Com a vitória da revolução de 1930, o jornal se
tornou um órgão oficioso do Governo Revolucionário e, posteriormente, do interventor do
Estado.
Durante os anos 30 A Gazeta foi se tornando propriedade do seu empregado Armênio
Clóvis Jouvin que, sendo simpatizante dos nazistas, teve que fugir do Espírito Santo por causa
da posição do Brasil, ao lado dos Aliados na 2ª Guerra Mundial. Data deste período a
rivalidade entre os dois principais jornais do Estado. Fazendo oposição à Alemanha nazista
deste o início, A Tribuna ganhou prestígio, enquanto A Gazeta o perdia. Desde o início, A
118
Tribuna se revelou um jornal popular, com manchetes fortes, muitas fotos, farta cobertura
esportiva e com espaço gratuito para que os desempregados pudessem oferecer seus serviços.
De jornal ligado à UDN, no final da década de 1930, quando A Gazeta foi vendida
para Carlos Lindenberg se tornou porta-voz do PSD. Lindenberg já havia sido deputado
federal duas vezes e governador do Estado uma vez. Apesar de seu filho, Carlos Lindenberg
Filho, afirmar que A Gazeta foi um dos poucos jornais brasileiros que não foram fundados
para fazer política, Lindenberg, após a aquisição de A Gazeta, foi eleito por duas vezes
senador e por mais um mandato governador. Ao se tornar sociedade anônima, A Gazeta saiu
da órbita do PSD e se firmou como o maior grupo de mídia do Estado, englobando TVs,
rádios, jornais e conteúdo de Internet. É afiliada da Rede Globo no Espírito Santo e teve o
capital aberto nos anos 1990.
Apesar da popularidade, estabilidade administrativa não foi o forte de A Tribuna. O
jornal passou pela mão de vários grupos, representando os interesses do Partido de
Representação Popular, do partido Republicano, do partido Social Progressista e de diversas
coligações. Durante muitos anos esteve sob o poder do político paulista Adhemar de Barros.
Hoje é parte do grupo do empresário pernambucano João Santos. A Rede Tribuna, como a sua
concorrente, também possui um canal de TV, rádio e jornal.
A concorrência entre estes dois jornais foi eventualmente quebrada com a
participação de um terceiro, o Diário, fundado em 1955 e extinto no final dos anos 1970. Do
ponto de vista dos métodos do jornalismo, foi com O Diário que a imprensa local passou a ser
confrontada com as novas técnicas de produção e de apuração e com uma nova ética
profissional. Sobretudo, foi considerado por muitos profissionais da imprensa contemporânea
do Estado uma “verdadeira escola de jornalismo”, pela experiência trazida dos jornalistas que
119
atuaram em outras empresas de comunicação do Brasil e da Europa. Esta transformação no
jornalismo capixaba na década de 1970, sob influência de O Diário, juntamente com o
surgimento do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo, em
1975, e com a fundação do Sindicato dos Jornalistas, em 1979, demonstra que a mudança era
uma necessidade.
O Diário também surgiu com objetivos políticos. Em 1955 já se firmava como
principal veículo de oposição ao governador Carlos Lindenberg, proprietário de A Gazeta,
defendendo as posições de Francisco Lacerda Aguiar, o Chiquinho, que se tornou governador
por duas vezes. A importância deste periódico para o Espírito Santo foi além das
transformações nas técnicas de produção. A imprensa capixaba foi incluída no mapa do Brasil
quando, pela primeira vez, um grupo de Esquadrão da Morte foi julgado em virtude das
reportagens apuradas pela equipe do Diário.
A Gazeta e A Tribuna são, hoje, os dois principais jornais do Estado e os mais antigos
em circulação. Se desconsiderarmos alguns períodos em que A Tribuna deixou de circular e a
concorrência de O Diário, a rivalidade entre os dois jornais é antiga. Nesta concorrência, A
Gazeta sempre esteve na liderança. Na tese de doutoramento, Giovandro Marcus Ferreira
(1997) estudou o contrato de leitura e o contrato institucional dos jornais A Gazeta e A
Tribuna, entre 1988 e 1993. Através deste dois níveis de análise, Ferreira detectou pontos
fortes, fracos e ambíguos nos contratos deste dois jornais.
Verificou-se que num planejamento geral A Gazeta soube articular melhor suas
estratégias e estruturas institucionais e discursivas, o que justificava a sua liderança em
vendas no Estado. Ferreira percebeu que no plano institucional, A Gazeta investiu na
modernização da produção e na distribuição do jornal, abrangendo todos os municípios do
120
Espírito Santo e cada vez mais cedo. No período estudado, A Tribuna praticamente só
circulava na região metropolitana da Grande Vitória e nas principais cidades do interior.
Vislumbrando o marketing em longo prazo, a Rede Gazeta investiu e investe em
encontros que mobilizam as lideranças estaduais. Seu auditório se tornou um dos principais
locais de discussão sobre o futuro do Estado. O jornal elabora, ainda, cadernos especiais que
vão ao encontro da política regionalista da rede. Ferreira concluiu que A Gazeta se tornou um
“auditório” físico e discursivo para as elites locais.
Observou-se que, para “A Tribuna”, a evolução do contrato de comunicação foi
marcada por conturbações. Institucionalmente, este grupo atuou de forma tímida, e era
evidente a ausência de estratégias e de estruturas por parte desta rede de comunicação junto
aos leitores e não leitores. O grupo A Tribuna não ostentava uma presença pública. Além do
mais, as estratégias e estruturas discursivas deste jornal demonstravam a sua visão difusa dos
leitores. Em suas páginas, não existia uma coerência entre as diversas estratégias discursivas.
A Tribuna tinha dificuldades para concorrer com A Gazeta, devido às falhas no
contrato que estabelecia com os leitores. De um lado, não soube se inserir no novo espaço
público, com estratégias e estruturas institucionais. De outro, sua estratégia discursiva era
confusa.
Porém, nos últimos anos a situação começou a se inverter. Houve uma queda nas
vendas de A Gazeta e um crescimento de A Tribuna, este último grupo assumindo a liderança.
De acordo com dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC), de julho de 2003, A
Tribuna mantinha uma média de 35 mil exemplares de segunda à sexta-feira, 43 mil aos
121
sábados e 50 mil aos domingos. Enquanto isso, A Gazeta vendia 23 mil exemplares de
segunda à sexta, 31 mil aos sábados e 49 mil aos domingos.
Embora A Gazeta seja uma marca institucionalmente mais forte, as vendas indicam
que, nos últimos anos, tem havido uma reformulação do contrato de comunicação deste dois
jornais. O relato desta situação é apenas ilustrativo, já que não é o objetivo desta pesquisa. Na
próxima seção, verificar-se-á o papel que a mídia impressa desempenhou e ainda desempenha
no contexto do Espírito Santo.
4.3.4 O papel do jornal
Na nascente imprensa capixaba, as artimanhas da linguagem da atualidade ainda não
estavam presentes, embora conceitos como imparcialidade já davam sinais de vida. Em 1898,
um jornal intitulado O Imparcial, e mais uma dezena de títulos que se comprometiam a tal
desafio em seus projetos editoriais, já estavam presentes (REIS, 2002: 154-155). A narrativa
do moderno jornalismo ainda não existia, muito menos as preocupações estéticas. Não havia
preocupação com as divisões gráficas das seções, que eram irreconhecíveis para os padrões
atuais.
Desde o Correio de Victória, muitas publicações apareceram, quase sempre
predominando as depositárias de manifestações políticas, econômicas e culturais. As
publicações dedicadas especificamente à cultura e a interesses étnicos eram menos
numerosas, como o exemplo de L’immigrato.
A disputa entre os grupos políticos, principalmente entre os conservadores, defensores
da monarquia, e os liberais republicanos, assim como as divergências internas destes grupos
eram traduzidas nas diversas publicações. Destas, a supremacia encontrava-se nos que
122
apoiavam o movimento republicano, cuja maior representação foi o jornal Província do
Espírito Santo, fundado em março de 1882. Ele foi rebatizado por um ano, a partir de 1889,
como Diário do Espírito Santo, e finalmente O Estado do Espírito Santo. De seus fundadores
e principais redatores saíram importantes figuras e um governador. A influência destas
personagens no Espírito Santo foi tão importante que deixou como herança nomes de ruas,
municípios e de prédios públicos.
Em 1908, Jerônimo Monteiro assumiu o governo do Estado. A ele se atribui o mérito
do momento de grande valorização da cultura capixaba. Coronel da República Velha, ele se
preocupou em dar visibilidade aos símbolos oficiais instituindo o selo, o hino e as armas do
Espírito Santo. Assumiu um Estado que, embora possuísse suas particularidades, também
tinha aspirações em se constituir como um Estado moderno. O separatismo pré-independência
já havia sido substituído pelos ideais de modernização e pelos projetos de nacionalidade pós-
Proclamação da República. (REIS: 2002; GAMA FILHO: 2001)
Os jornais acompanharam de perto este processo e se tornaram verdadeiros
protagonistas, já que tinham importância na formação de opinião e na construção da
legitimidade dos projetos que se encontravam em debate (REIS: 2002). Os jornais atuaram
ativamente no movimento republicano e na sua legitimação. Ao mesmo tempo em que se
firmava como órgão legitimador, a imprensa teve que se moldar às mudanças tecnológicas,
políticas e culturais. Cada vez mais a imprensa se tornou um novo espaço de visibilidade, de
debate e de expressão. Como toda imprensa nacional, a capixaba também seguiu este
percurso.
Com as novas tecnologias, as novas formas de tratar a informação e as novas relações
de poder fizeram com que as diversas publicações, existentes até então, fossem sucumbindo,
123
uma a uma, provocando uma diminuição no número de jornais, que se restringiram a dois
grandes e de circulação estadual
36
.
Sabe-se que a trajetória da imprensa capixaba não difere da trajetória da imprensa no
Brasil e no mundo, guardando as devidas proporções e o atraso inicial. Como nas outras
regiões, ela se instituiu dentro dos valores modernos, com projetos que tem a racionalidade, a
universalidade, a objetividade e a imparcialidade como parâmetros
37
. Nascida diretamente
ligada ao Estado, dentro de um modelo liberal, a imprensa se colocou na defesa dos valores
que lhe deram origem. Independente dos limites regionais, a imprensa legitima os projetos
hegemônicos. Foi assim com o movimento republicano, com o Golpe de 1964, com o
movimento Diretas Já, e é assim na defesa do neoliberalismo.
Como espaço público no qual se debate e se constrói as delimitações de uma
identidade capixaba, a mídia, em geral, e o jornal, especificamente, colocam-se como espaços
privilegiados neste projeto. Como visto no capítulo um, o dispositivo jornalístico pode ser
visto como um “território de identidades”, na medida em que marca a forma de olhar
simbolicamente uma identidade social. No próximo capítulo, procurar-se-á mostrar, a partir
da análise de um corpus definido, como, discursivamente, os jornais A Gazeta e A Tribuna
constroem a identidade capixaba.
36
Além de A Gazeta e A Tribuna, há ainda o jornal Notícia Agora, também pertencente à Rede Gazeta.
37
Claro que se devem fazer as devidas ressalvas aos conceitos de imparcialidade e de objetividade.
5 ANÁLISE DO CORPUS
O objetivo deste capítulo é procurar descrever como os jornais capixabas demarcam a
identidade regional em seus dispositivos de produção de sentido e instauram uma narrativa
sobre esta identidade. A análise é realizada com base no levantamento do corpus através da
recuperação das operações enunciativas das matérias jornalísticas deixadas na superfície das
diferentes editorias dos jornais capixabas. Assim, espera-se verificar como a identidade
regional capixaba toma forma nos jornais em seu âmbito discursivo, uma vez que estes
demarcam certas regras de funcionamento da sua representação social. Embora seja
importante a descrição das narrativas discursivas acerca da identidade capixaba, o enfoque
que mais chama a atenção é como esta discussão passa a tomar forma nos jornais do Espírito
Santo e passa a marcar uma determinada forma de olhar a identidade regional, sempre diante
a um contexto mais amplo, um contexto nacional.
Com base no que se viu no terceiro capítulo desta dissertação, sabe-se que a produção
jornalística não é apenas o registro sobre o cotidiano. Há anos os estudos e pesquisas sobre o
jornalismo não consideram a notícia um espelho da realidade ou uma caixa de ressonância.
Essa é uma concepção tradicional de notícia. Este ponto de vista defende a objetividade como
um elemento-chave da atividade jornalística. Assim, o máximo que os defensores dessa idéia
admitem é a possibilidade de que as notícias refletiriam o ponto de vista do jornalista. As
concepções mais novas da notícia, como as defendidas por Gaye Tuchman consideram que a
notícia ajuda a constituir a realidade como um fenômeno social compartilhado, uma vez que
ela define e dá forma ao acontecimento no processo de defini-lo, estando a notícia definindo e
redefinindo permanentemente os fenômenos sociais (VIZEU: 2001b).
125
A escolha da amostragem do corpus envolve os dois principais jornais capixabas
publicados no período de um ano, entre outubro de 2002 e setembro de 2003, mês este em que
A Gazeta e A Tribuna completam respectivamente 75 anos e 65 anos. Estes são os dois mais
antigos, maiores e mais importantes jornais do Espírito Santo. O grupo Rede Gazeta de
Comunicações, proprietário de A Gazeta, possui ainda mais um jornal, Notícia Agora.
Decidiu-se deixá-lo de fora da amostra deste corpus principalmente pela dificuldade de
encontrar o material para pesquisa. O único arquivo deste jornal é mantido pela própria Rede
Gazeta, não sendo mantido exemplares nem no Arquivo Público Estadual e nem na Biblioteca
Estadual, ou em qualquer outra biblioteca
38
.
O levantamento da amostragem foi feito em mais de 700 edições de jornais, dos quais
se podem extrair os textos em que se pudessem observar as marcas de constituição de uma
identidade regional. Deste conjunto, apenas alguns exemplos estarão presentes neste capítulo.
Porém, tomou-se o cuidado de selecionar aqueles textos que fossem mais representativos das
narrativas que foram encontradas e analisadas nos jornais no período estudado. Procurou-se
recuperar as operações enunciativas das matérias jornalísticas informativas e interpretativas
deixadas nas superfícies das diversas editorias destes dois jornais capixabas. Desta forma,
espera-se que nos exemplos aqui selecionados possuam as marcas discursivas em sua
superfície textual, marcas estas que estão presentes e se repetem no corpus selecionado.
Ao falar em jornal capixaba, fala-se ao que se denomina jornalismo de referência da
opinião pública e que alguns autores preferem chamar de jornalismo dominante (FACCIN:
38
O Notícia Agora, que possuía uma sala própria na sede da Rede Gazeta, teve a sua redação unificada com A
Gazeta e seu quadro de jornalistas reduzido.
126
2002). Neste sentido, hoje só se poderia falar que apenas estes três jornais citados acima
fazem parte do universo do jornalismo de referência no Espírito Santo.
Como o objetivo principal desta dissertação é a identidade regional capixaba, outros
pontos também interessantes para análise foram deixados de lado, ou não foram aprofundados
por fugirem do tema central deste trabalho. Este é o caso da análise do contrato de leitura
entre os jornais e seus leitores. Análise como esta foi realizada na tese de doutoramento de
Giovandro Marcus Ferreira (1997). A tese de Ferreira analisou o contrato de leitura dos
jornais A Gazeta e A Tribuna entre os anos de 1988 e 1993, que corresponde a um momento
diferente daquele vivido hoje. Como se viu brevemente no terceiro capítulo, nos últimos anos
parece haver uma mudança no contrato de leitura fazendo com que o jornal do Grupo João
Santos assumisse a liderança enquanto o jornal da família Lindenberg foi perdendo seus
leitores.
Para efeitos desta dissertação, definiu-se a identidade regional em termos de prática
discursiva. Desta forma, o entendimento da identidade regional como memória de um grupo
social constituído coletivamente em relação com o outro em um território definido, as defesas
dos interesses locais e regionais, as imagens e representações construídas pelo e sobre o grupo
social e seu vínculo com o respectivo território, além do culto às tradições seriam alguns dos
caminhos que permitem entender a identidade como uma realidade construída simbolicamente
e vivida discursivamente. Nesse sentido, Faccin (2002) considera que se deve entender a
identidade regional como um fruto das disputas de sentido, travadas pelas diferentes práticas
discursivas que um determinado grupo social mantém nas suas relações sociais cotidianas, por
intermédio das diferentes instâncias mediadoras e disponíveis em enunciações particulares.
Esta compreensão da identidade regional é adotada aqui.
127
Como foi visto no Capítulo 4, o Espírito Santo foi marcado pelo isolamento e
subdesenvolvimento. Esta situação começou a se reverter a partir dos anos 1960 com o início
dos grandes projetos industriais e o fortalecimento do comércio exterior. Esta relação com
outros países aumentou progressivamente e acompanhou o fenômeno da globalização. Ao
mesmo tempo em que o Espírito Santo começa a marcar presença no contexto nacional, as
transformações ocorridas no mundo após a queda do Muro de Berlim e a evolução das
tecnologias da comunicação e da informação trouxeram o debate das identidades de novo ao
primeiro plano. Este fenômeno também pode ser observado no Espírito Santo. Foi justamente
neste período que as discussões acerca da identidade capixaba cresceu. Com base no que foi
descrito acerca do contexto político-sócio-cultural do Espírito Santo, no capítulo anterior,
pode-se distinguir ao menos um modelo pré-construído acerca da identidade capixaba: a
inexistência de uma identidade regional em decorrência da diversidade cultural e étnica, além
da afirmação da não constituição de um dialeto regional. Este modelo, ao tocar na diversidade
cultural e étnica, ressalta a herança dos três grupos étnicos: a herança negra, a índia e a
européia. Há também uma narrativa entre a estreita relação do capixaba com o mar e com a
montanha.
A hipótese levantada nesta dissertação, e que será mostrada neste capítulo, é que os
jornais capixabas, no caso A Gazeta e A Tribuna, como instituições legítimas para defenderem
os interesses locais constroem discursivamente uma identidade regional baseada ao mesmo
tempo na diferença frente ao Outro e na inserção do capixaba num contexto nacional mais
amplo. Neste sentido, a construção de uma identidade capixaba parece basear-se na
valorização e reafirmação das potencialidades do Estado.
128
5.1 A identidade regional nos jornais capixabas
Determinados temas, acontecimentos e idéias são, de certa forma, os referentes da
narrativa jornalística (SOUSA: 2002). Mas para que estes acontecimentos façam parte da rede
de significação do jornalismo, é necessário que eles atendam aos critérios de noticiabilidade
estabelecidos pelos diferentes dispositivos jornalísticos. Esses critérios são, normalmente,
implícitos e relacionam-se a relevância e interesse do acontecimento para o universo da
recepção. (FACCIN: 2002).
Os acontecimentos, segundo Rodrigues (apud SOUSA: 2002) podem ser consideradas
como ocorrências singulares, concretas, observáveis e delimitadas, quer no tempo, quer no
espaço, quer em relação a outros acontecimentos que irrompam da superfície dos fatos. Para
que os jornalistas transformem o acontecimento em notícia, Rodrigues (apud FACCIN: 2002)
assinala ainda que o juízo destes pressupõe implicitamente uma visão de mundo interiorizada
por eles e partilhada pelo seu público.
Mauro Wolf (2000) ressalta que a noticiabilidade introduz práticas estáveis na
matéria-prima do jornalismo, os fatos que ocorrem no mundo. Ela também vai estabilizar a
rotina de produção jornalística. Os denominados “valores notícia” operacionalizam então as
práticas profissionais nas redações. Wolf divide estes valores em cinco critérios. Os
substantivos referem-se ao próprio conteúdo, às características do acontecimento. Leva em
conta a hierarquia dos envolvidos no fato, à relevância, à anormalidade do acontecimento, etc.
Um segundo critério relaciona-se ao produto. Diz respeito, portanto, à disponibilidade de
materiais e as características específicas do produto informativo. Um terceiro critério
relaciona-se ao meio, ou seja, o formato e a freqüência do acontecimento adaptada às
características do meio. Os critérios relativos ao público levam em consideração à visão que o
129
jornalista têm de seu público. Por último há a concorrência. A situação de concorrência pode
gerar três tendências que seriam a fragmentação, a reciprocidade e a semelhança das notícias
veiculadas.
Rodrigues (apud SOUSA: 2002; MOTTA: 2002; FACCIN: 2002) prefere sintetizar os
critérios de noticiabilidade em três fundamentais. O primeiro é o excesso, ou seja, o
funcionamento anormal da norma, a ultrapassagem do limiar, a desmedida. Em segundo lugar
vem a falha, isto é, o funcionamento insuficiente e irregular dos corpos. Por último, a inversão
que é a alteração dos papeis esperados pelos corpos, a inversão dos papeis sociais. Assim,
pela sua natureza, o acontecimento estaria situado em uma escala de probabilidades de
ocorrência, sendo, portanto quanto mais imprevisível quanto menos improvável for a sua
realização. O acontecimento jornalístico seria então um acontecimento de natureza especial
que se distinguiria do número indeterminado e infinito de acontecimentos possíveis.
A partir das observações acima, é possível verificar que o levantamento da
amostragem desta pesquisa evidencia um conjunto de matérias jornalísticas constituída por
momentos pré-agendados por meio dos quais a IR capixaba se manifesta, como, por exemplo,
as festas folclóricas dos imigrantes europeus e a das paneleiras, dentre outras. Outro conjunto
de matérias, provavelmente mais importante por estar mais presente e construir uma narrativa
particular acerca da identidade capixaba, trata da relação de tudo que se refere ao Espírito
Santo em comparação aos seus vizinhos, ou até mesmo sua relação com o Estado Nacional.
Há pelo menos três eixos demarcatórios que permitem classificar e hierarquizar a IR
no espaço topográfico dos jornais e que são recorrentes. O que nos interessa neste trabalho é a
demarcação da IR pela narrativa jornalística, em particular uma narrativa recorrente e
130
marcante na topografia jornalística capixaba. Os outros eixos paradigmáticos são: 1) a
demarcação nos espaços de interação e 2) a demarcação pelas marcas iconográficas.
A presença da identidade regional no espaço topográfico do jornal pode ser observada
não na cobertura deliberada a respeito desta construção como objeto ou insumo, mas pode ser
observada de diversas formas, dependendo da matriz metodológica utilizada para a leitura
analítica, como demonstrou Faccin (2002). O autor também mostrou que não há uma relação
direta entre oferta e consumo de matérias significantes, tendo em vista que a identidade
regional é uma formação social e não um campo social em torno do qual os sujeitos estariam
inscritos. Assim, se existe uma forma de a identidade regional entrar na rede discursiva dos
jornais, ela só pode ser entendida na forma de efeito de sentido, mesmo que os jornais
procurem formas diferentes de capturar seu público através das práticas jornalísticas ofertadas
no mercado simbólico
39
.
Portanto, há duas formas para que a identidade regional possa estar presente nos
jornais. De um lado, ela se incorpora na agenda informativa dos jornais com um determinado
nível de representação construída pelo relato, e de outro ela aparece nos discursos de acordo
com as enunciações próprias de cada dispositivo, permitindo a negociação de sentido e que
oscila entre os pólos NÓS e OUTROS para dar conta da referenciação do cotidiano regional.
Desta forma, a identidade regional vai ser exteriorizada nas ações e fatos ligados ao
cotidiano da população, na sua memória, interesses regionais e em modelos de representações
39
O que permite a apropriação desta idéias do autor com a realidade capixaba é a forte semelhança que existe na
formação étnica, histórica, cultural e social entre as unidades da federação, como afirmou Reis (2002) e foi
comentado no capítulo quatro desta dissertação. A análise do corpus também permitiu destacar a semelhança que
com a qual a identidade regional aparece nos jornais gaúchos, da análise de Faccin, e nos jornais capixabas.
131
encontradas no universo simbólico dos leitores. Como dito anteriormente, a construção da
notícia pelo jornalista leva em consideração a pressuposição da visão e modelos partilhados
entre eles e seus públicos, e principalmente a construção do real que os jornalistas fazem.
Assim, as remissões a identidade regional definem de forma clara as características regionais
das práticas discursivas dos jornais, neste caso, dos jornais capixabas.
Utilizando-se das análises de Miguel Rodrigo Alsina, Faccin (2002) afirma que a
identidade regional pode ser apreendida como uma realidade objetiva, que é experimentada
como um mudo objetivo que existe fora do indivíduo, uma realidade simbólica constituída em
formas distintas de expressão simbólica da realidade objetiva, e uma realidade social subjetiva
que seria a fusão das duas realidades anteriores. Desta forma, seria possível identificar dois
eixos da entrada da identidade regional na narrativa jornalística. Um eixo é a Informação/
Identidade Regional e o outro é a Cultura/ Identidade Regional. Neste, a identidade regional
entraria na rede de significados dos jornais pelas referências aos aspectos de vida do povo, aos
seus valores, símbolos e tradições que se fariam presentes nos diferentes gêneros discursivos,
independentemente do tema abordado. Naquele, a identidade inscrever-se-ia nos jornais por
meio das manifestações sociais, da soberania e da memória.
5.1.1 O posicionamento dos jornais em relação ao regionalismo
A presença direta da temática da identidade regional nos jornais seria, portanto, uma
estratégia discursiva em que o jornal construiria o seu posicionamento diante de seu público.
O posicionamento dos jornais justificaria, então, a presença ou ausência da discussão direta
acerca da temática da identidade regional. Como Ferreira (1997; 1999) mostrou, entre os anos
1988 e 1993, A Gazeta procurou posicionar-se como um “auditório” (físico e discursivo) das
elites do Estado, como um espaço privilegiado e autorizado a discutir os temas de interesses
132
locais. Naquele mesmo período, o jornal A Tribuna não estabelecia um Contrato de Leitura
bem definido.
Mudanças na situação de concorrência entre os jornais sugerem que houve algumas
alterações no Contrato de Comunicação. Conforme já explicitado, não é objetivo deste
trabalho analisar este contrato. Mas é interessante fazer aqui algumas observações a este
respeito. A análise da amostragem selecionada permite tecer alguns comentários acerca do
posicionamento proposto pelos dois jornais em relação ao regionalismo e defesa dos
interesses locais.
Embora Faccin (2002) tenha afirmado que a presença da identidade regional nas
páginas do jornal possa ser observada não na cobertura deliberada a respeito desta construção
como objeto ou insumo, esta situação também ocorre. Neste caso, poder-se-ia assumir que a
cobertura deliberada tratar-se-ia de uma estratégia em que o jornal busca posicionar-se diante
de seu leitor. A comparação entre os jornais no período analisado dá indícios de como isso
ocorre. A cobertura da construção identitária capixaba mostrou-se mais presente na topografia
jornalística em A Gazeta do que em A Tribuna. Veja na Ilustração 1, abaixo, um exemplo
desta cobertura. Esta reportagem intitulada “Capixaba não tem identidade cultural”, foi
publicada em A Gazeta, numa edição de domingo, dia 15 de dezembro de 2002, na página 18,
a segunda da editoria “Grande Vitória”. Além de a identidade aparecer como um objeto de
consumo, algumas marcas presentes na superfície textual deixam transparecer o vínculo que o
Enunciador procura estabelecer com o co-enunciador. Em primeiro lugar, o enunciador
coloca-se na posição de detentor de um conhecimento que julga ser importante para co-
enunciador possuir (1, 2). Há a tentativa de posicionar-se como aquele como autorizado a
133
indicar o caminho e as atitudes que o co-enunciador deve tomar (3), neste caso, o que deve ser
valorizado.
(1) Apenas 39,5% conhecem o congo.
(2) História do Estado ainda é recente.
(3) Elementos locais
devem ser valorizados.
A regionalização das matérias jornalísticas se dá de forma diferente entre os dois
jornais. Apesar da ausência da temática identitária nas páginas de A Tribuna, a regionalização
do conteúdo é recorrente na topografia jornalística capixaba, estando tanto as narrativas
quanto os espaços de interação e a iconografia presentes nas diferentes editorias e cadernos.
Embora não houvesse a preocupação em quantificar a diferença na cobertura
jornalística que vai constituindo a IR nos eixos demarcatórios citados anteriormente, foi
visível que em A Gazeta ela encontra-se mais presente e abrangendo as diversas editorias e
cadernos com mais freqüência. No caso de A Tribuna, a regionalização ocorre através de uma
aproximação com o leitor, como o caso do projeto “A Tribuna com você
40
.
40
Neste projeto, da editoria de Cidade, a equipe de reportagem visita um bairro da Grande Vitória por semana, e
publica durante o período qualquer assunto referente ao bairro visitado, desde os problemas até as novidades.
134
Ilustração 1 – AG (15/12/2002)
135
Outra estratégia adotada é a entrada da IR na narrativa jornalística por meio dos
cadernos e suplementos especiais. Neste caso, a cobertura não foi deliberada, mas através dos
eixos I/ IR e C/ IR. A cobertura se deu valorizando os aspectos econômicos do Espírito Santo
(ilustrações 2 e 3) ou ressaltando as suas potencialidades (ilustração 4). Esta forma de
narrativa será analisada numa seção mais adiante.
Ilustração 2 – AG (05/08/2003)
136
Ilustração 3 – AT (28/08/2003)
137
Ilustração 4 – AG (25/09/2003)
No Suplemento Especial comemorativo dos 75 anos de A Gazeta (ilustração 2),
publicado em 21 de setembro de 2003, é possível verificar mais um vínculo que este jornal
procura estabelecer com o seu público leitor. Novamente, aparece a relação pedagógica (4, 5),
mas também de cumplicidade, participante do mesmo processo (6).
138
(4) Contando a história do Espírito Santo
(5) É a história desses capixabas [...] que A GAZETA
conta em suas páginas todos
os dias, há 75 anos.
(6) É dessa história que A GAZETA
participa, com orgulho, tão intensamente.
Ilustração 5 – AG (21/09/2003)
139
Estas são apenas algumas observações sobre um rápido olhar de algumas estratégias
adotadas pelos jornais em seu posicionamento em relação aos aspectos formais de se levar o
conteúdo regionalizado ao leitor e de como está construído o vínculo entre o jornal e seu
público. A análise destas marcas, de forma mais completa e aprofundada deve ser feita através
da análise do contrato de leitura e não é objetivo deste trabalho.
5.1.2 As marcas iconográficas
Uma forma de entrada da IR no espaço topográfico dos jornais é manifestada por
meio das marcas iconográficas, ou imagens, que os dispositivos utilizam para a construção de
seus referentes. Conforme já afirmado acima, a orientação geral pressuposta pelos jornalistas
em torno dos modelos pré-construídos e supostamente partilhados pelo universo de recepção
pode ser destacada nos temários dos jornais. Estas imagens associadas ao texto, mais que
ilustrar, produzem como um efeito de sentido várias associações em torno da IR.
O compartilhamento do universo simbólico entre enunciadores e co-enunciadores
explicaria a presença constante de determinadas imagens, como é o caso, por exemplo, da
Panela de Barro (ilustração 6, 7), dos Imigrantes Europeus (ilustrações 8) e da culinária
relacionada ao mar (ilustração 6, 7). Convêm lembrar que estes modelos pré-construídos são
compartilhados em todos os eixos que demarcam a entrada da IR na topografia dos jornais
capixabas.
140
Ilustração 6
Ilustração 7
Ilustração 8
141
A utilização de mapas geográficos do Espírito Santo (ilustrações 2, 4, 9, 11); a
modalização da IR por meio da fabricação de imagens (ilustrações 8, 10) e a iconização
(ilustração 11) da IR são alguns exemplos de como as marcas iconográficas entram passam a
fazer parte da topografia jornalística.
Ilustração 9
Ilustração 10
Ilustração 11
142
5.2 As narrativas das questões regionais
O mapeamento dos jornais realizado na amostra desta pesquisa permite organizar
algumas formas de narrar as questões regionais. Estas narrativas funcionam como enredo dos
discursos sobre as diferentes formas que a identidade regional capixaba assume. Essas
“formas de dizer” as identidades permitem afirmar que as narrativas das questões regionais
constituem as fronteiras simbólicas que demarcam os diferentes traços da identidade regional.
Algumas narrativas são freqüentes, a destacar:
1. A união em defesa dos interesses regionais;
2. A inclusão dos imigrantes na construção do estado;
3. As festas folclóricas como manifestação da IR;
4. A atualização da IR;
5. A sentinela dos interesses econômicos regionais;
6. A defesa dos interesses econômicos;
7. A presença das etnias negras e indígenas na formação cultural;
8. A beleza da mulher capixaba;
9. O multiculturalismo capixaba.
Mas, em especial, há uma narrativa mais generalizada que pode englobar as formas
acima. Esta narrativa é a inclusão do Espírito Santo no contexto nacional, procurando destacar
as potencialidades e valores do Estado e de seus habitantes. O foco da análise deste trabalho
será este.
143
5.2.1 A identidade capixaba: um falso problema
Em primeiro lugar, para se construir uma narrativa acerca da inserção do capixaba e do
Espírito Santo no cenário nacional, é necessário que haja uma definição das semelhanças e
diferenças que formariam a identidade regional. A discussão em torno da ausência de uma
identidade capixaba revela-se um falso problema. A presença de traços que marcariam as
semelhanças que formariam a unidade regional e as diferenças com os Outros estão presentes
no discurso produzido pelos jornais capixabas. É importante ressaltar que, como foi definido
no Capítulo 1, a tomada de posição do sujeito é volátil e flexível. É mais marcada pela
diferença, com a presença do Outro no discurso, do que a semelhança. Esta diferença pode
estar construída numa relação institucional ou governamental (1, 2, 3), na diferença cultural,
lingüística, econômica ou educacional (4, 5).
1.
ESPÍRITO SANTO E CANADÁ TROCAM IDÉIAS: contatos com ONGs e
outros países vão incrementar o ecoturismo no Estado (AG, 12/02/2003)
2. SETOR DE ROCHAS DO
ES NA MIRA DO MARROCOS: com a criação do
consulado, negócios com mámore e granito serão incrementados (AG,
11/02/2003)
3. PROTECIONISMO
EUROPEU PREJUDICA O ESPÍRITO SANTO: empresas
capixabas de surfwear deixam de faturar US$ 16,2 milhões (AG, 02/02/2003)
4. ESTUDO DIZ QUE VITÓRIA
TEM DIALETO PRÓPRIO (AG, 20/08/2003).
5. ALUNOS
CAPIXABAS SÃO PIORES: pesquisa revelou que estudantes são os
mais deficientes da Região Sudeste em português. (AT, 24/04/2003)
6. TEMPERO
BAIANO É MAIS FORTE: a dupla capixaba Loiola/ Fábio Luiz
perdeu a final da etapa de vôlei para o baiano Ricardo e seu parceiro
Emanuel (AT, 12/05/2003)
Há, ainda, as marcas que sugerem uma unidade, como a parte tomada como um todo
(5, 6, 7, 8).
7. TECNOLOGIA
CAPIXABA: fio diamantado com tecnologia feito para corte de
rochas, tem mesma qualidade e menor custo que os importados. (AT,
24/08/2003)
144
8.
CAPIXABAS NO TOPO DA MODA: garotas do interior do Estado fazem
sucesso e conquistam as passarelas internacionais (AT, 16/03/2003)
9. BONITA, EU?: modelos capixabas que brilham no exterior foram descobertas
por acaso. (AG, 05/02/2003)
Como se pode ver nos exemplos acima, as idéias de união, de semelhança, de
diferença e a presença do outro estão presentes na topografia jornalística capixaba, seja
tomando forma a partir da comparação ou pela tomada da parte como um todo. Será vista na
próxima seção, a narrativa da inserção do capixaba no contexto nacional.
5.2.2 A inserção da parte no todo
Conforme a análise de Oliven (1998), a crescente integração decorrente da
urbanização e do desenvolvimento dos meios de comunicação vem acompanhada da
afirmação da diversidade cultural
41
. A unidade, do ponto de vista político, econômico e
tecnológico já se encontra num nível bem avançado, o que segundo Oliven, impõe a
necessidade de se repensar a questão da diversidade cultural. Neste sentido, o autor busca
repensar o regionalismo gaúcho como algo que só faz sentido quando posto diante das
questões nacionais.
Aproveitando algumas das reflexões do autor, foi possível observar, e sustentar, que a
narrativa mais recorrente nos jornais capixabas é a inserção da cultura capixaba, do Espírito
Santo e de seus habitantes como parte do Brasil-Nação. Esta narrativa é também base de
muitas outras formas de se narrar as questões da IR na topografia dos jornais capixabas.
Esta é uma forma de narrar que parece construir um Espírito Santo relevante
economicamente, com contribuições para o crescimento nacional, e destaca a importância
41
Esta análise também foi feita por outros autores, como visto no Capítulo 1.
145
daqueles que formariam o seu povo. A economia e o esporte despontam como as principais
vias de acesso ao status de uma região integrada e importante nacionalmente. Veja alguns
enunciados selecionados dos jornais capixabas:
1. ES RESPONDE POR UM QUARTO DE LUCRO DA VALE: da receita bruta
em 2002, R$ 4 bilhões vieram das exportações em Tubarão. (AG, 20/02/2003)
2. CAPIXABAS NA ELITE DO VÔLEI DE PRAIA BRASILEIRO: dupla Renata e
Semframes disputará pelo menos três etapas do circuito (AG, 19/02/2003)
3. INDÚSTRIA DO PETRÓLEO CRESCE 9,5% NO ESTADO: número de
empresas do setor passou para 69 no final do ano passado (AG, 27/02/2003)
4. ES LIDERA CRESCIMENTO INDUSTRIAL (AG, 15/02/2003).
5. TALENTOS CAPIXABAS NA EUROPA (AG, 14/02/2003)
6. PORTO DE VITÓRIA É O SEGUNDO EM EXPORTAÇÃO: Santos mantém a
liderança com escoamento de 25,9% das mercadorias (AG, 11/02/2003)
7. GRIFE CAPIXABA VIVE SEUS “ANOS DOURADOS” NA PASSARELA
(04/02/2003)
8. UM CAPIXABA NO TOPO DO RANKING BRASILEIRO: tenista conquista o
primeiro lugar do ranking do tênis em cadeira de rodas e sonha com
Paraolipíadas (AG, 02/02/2003)
9. FÁBRICA DE PIOS FAZ 100 ANOS: única da América Latina, a fábrica que
fica em Cachoeiro, comemorou seu centenário com edição especial de pios de
aves (AT, 04/02/2003)
10. VIOLÕES 100% CAPIXABA: fábricas em Vila Velha produzem violões que
são utilizados por músicos locais e de outros lugares do País (AT, 01/01/2003)
11. CAPIXABA PARA SALVAR O FLU: Renato conta com a raça do atacante
Ademílson, ex-Alegrense, para vencer o Bangu hoje, em Moça Bonita (AT,
29/01/2003)
12. INDÚSTRIA DO ESTADO É DESTAQUE: o Espírito Santo assumiu a
liderança da expansão industrial nacional por causa do início da operação de
poço de petróleo (AT, 18/01/2003)
13. TURMA BOA DE JIU-JÍTSU SE DÁ BEM NA COPA DO BRASIL: os atletas
capixabas se deram bem e faturaram cinco medalhas na Copa do Brasil de
Jiu-Jítsu Olímpico, que aconteceu no último final de semana, no Ginásio
Canto do Rio, em Niterói (AT, 29/10/2002)
14. CAPIXABA PASSA NO TESTE: a Argalite, uma empresa do Espírito Santo,
passou nos teste preliminares de qualidade na NBR (AT, 29/10/2002)
15. ESTADO É O 7º EM RENDA PER CAPITA: a posição do Espírito Santo é
melhor do que a de Minas, segundo dados divulgados pelo IBGE (AT,
19/10/2002)
146
16. HOMEM-PÁSSARO CAPIXABA: Frank Brown conquistou o Brasileiro de
Parapente, em Araxá, e brilhou no Mundial, ficando em oitavo lugar entre 120
pilotos (AT, 18/10/2002)
17. PÃO FEITO EM VILA VELHA É O 2º MAIOR DO BRASIL (AT, 17/10/2002)
18. PINTA O GUGA CAPIXABA: Gustavo Holz, de 12 anos, além de conquistar o
Bahia Open, tem impressionado seus adversários em todo Brasil (AT,
17/10/2002)
19. CAPIXABA ENTRE AS MAIS FORTES DAS AMÉRICAS (AT, 12/10/2002)
20. PESQUISA CIENTÍFICA DÁ PRÊMIO PARA CAPIXABA: Maria Odete
Moschen, ex-moradora de Colatina, incentivou a investigações sobre uma
doença rara (AT, 09/10/2002)
21. CAPIXABAS NA EXPOMUSIC: a maior feira do gênero da América Latina
deve receber 40 mil visitantes (AG, 24/09/2003)
22. SURPRESAS NO SHOW DE VOLTA: A Big Beatles consolida sua expressiva
participação nos Festivais Internacionais de Liverpool, terra natal dos fab
four, como a banda estrangeira mais cativa do vento (AG,19/09/2003)
23. TALENTO CAPIXABA NA SELEÇÃO BRASILEIRA: Índio foi convidado para
treinar seleção brasileira de beach soccer (AG, 18/09/2003)
24. ES LANÇA NOVA VARIEDADE CLONAL DE CAFÉ CONILON: as mudas
melhoradas geneticamente vão ser distribuídas em Junho (AG, 11/09/2003)
25. CAPIXABAS DOMINAM AS ONDAS DA BARRA: Maylla, na profissional, e
Naara na amado, vencem etapa do Brasileiro (AG, 09/09/2003)
26. MENINAS CAPIXABAS ARRASAM EM PORTUGAL: Neymara Carvalho fica
em 1º lugar e Maylla Venturin na 2ª posição (AG, 01/09/2003)
27. ESPÍRITO SANTO ACABA COM A HEGEMONIA DOS CARIOCAS (AG,
01/09/2003)
28. FÁBRICA CAPIXABA EXPORTA RAQUETES (AG, 21/07/2003)
29. CAPIXABA TIRA JUDÔ BRASILEIRO DO SUFOCO (AT, 20/08/2003)
30. FORMIGA, O LEÃO DE BRONZE NO REMO: o atleta do Álvares que fez
parte do barco quatro sem no Pan considera a medalha uma resposta à
Confederação Brasileira (AT, 14/08/2003)
31. CAPIXABA DE 14 ANOS É OURO NO CÉU: Felipe Ferreira Villar Coelho
competiu com 75,7 mil estudantes de todo o País e venceu a VI Olimpíada
Brasileira de Astronomia (AT, 12/08/2003)
32. CAPIXABA TAYANNE É A BOA DA GINÁSTICA: ela salvou a lavoura
brasileira nas competições individuais ao ganhar a medalha de bronze na
maça (AT, 11/08/2003)
33. ESTADO É LIDER DE PRODUÇÃO: a indústria do Estado cresceu pela 11ª
vez seguida e repetiu a posição de janeiro, quando ficou no topo da lista
nacional (AT, 17/04/2003)
147
Há enunciados que destacam a importância econômica do Estado (1, 4, 6, 12, 24, 33),
alusão ao desempenho econômico e desenvolvimento regional (1, 3, 4, 6, 12, 15, 24, 28, 33);
a defesa da importância capixaba para o Brasil (4, 6, 9, 12, 15, 16, 19, 24, 26, 28,29, 32, 33); a
competitividade (2, 4, 6, 10, 12, 14, 18, 19, 30). Há ainda de se destacar a valorização de tudo
aquilo que é proveniente da terra, procurando romper com a imagem de subdesenvolvimento
e isolamento a que o Estado sempre esteve relacionado.
Este modelo narrativo que permite afirmar que mesmo que não haja um modelo
hegemônico com o qual se pode construir uma unidade identitária, nos moldes que os
folcloristas buscam identificar no Espírito Santo, há um eixo sob o qual se tem construído um
fundo cultural para as relações sociais que repercutem no modo de ser do capixaba e sob o
qual se delineia o regionalismo e um sentimento de pertencimento a um território definido.
Pode-se observar que a principal linha demarcatória que define a constituição de uma
identidade capixaba é a busca em colocar o Espírito Santo num lugar de destaque, apagar a
antiga imagem de subdesenvolvimento a que esteve vinculada e que encontra respaldo em seu
contexto histórico e social. No âmbito dos discursos sociais, os jornais aparecem como
construtores de uma narrativa da Identidade Regional com o intuito de deslocar a narrativa da
fundação sociedade capixaba baseada na pobreza, isolamento, baixo desenvolvimento
econômico e cultural para uma narrativa de uma sociedade que se modernizou, se tornou
competitiva e saiu do isolamento.
148
CONCLUSÃO
Três preocupações fizeram parte deste trabalho. Em primeiro lugar, houve o interesse
de se aprofundar nos estudos da análise de discursos. Já alguns anos têm-se trilhado este
caminho. Havia-se já percebido que a análise discursiva dos textos mediáticos, principalmente
dos textos jornalísticos, é importante instrumental para se compreender por que os textos
dizem o que dizem, e quais os processos e contextos que fizeram parte na produção social
destes textos.
Uma segunda preocupação foi a percepção de que a discussão a cerca da identidade
capixaba chamava muita atenção. Sabe-se a globalização teve como uma de suas
conseqüências o fortalecimento dos debates em torno dos interesses regionais. Talvez, como
se pode observar nesta dissertação, o que particulariza o caso capixaba foi o isolamento
econômico, político, cultural e social a que o Espírito Santo esteve submetido ao longo de sua
formação. É recente o processo de industrialização e fortalecimento econômico deste Estado.
Mas mesmo assim, ele acompanha os fluxos de desenvolvimento das outras unidades
federativas, embora sempre com atraso de alguns anos. A partir da década de 1960 o cenário
começou a mudar, e mesmo com uma pequena presença no contexto nacional, o Espírito
Santo tem conseguido índices superiores às médias de outros Estados e do país.
Aliás, como afirmou Oliven, para se falar em regionalismo, deve-se falar também no
nacional, pois só assim o regional faz sentido. É o que parece estar acontecendo. Como a
integração (econômica e social) do capixaba no Brasil é recente, a definição de uma
149
identidade só faria sentido quando inserida num contexto mais amplo. Assim, talvez fica mais
fácil entender porque expressões como “são nossos garotos ajudando o Brasil a conquistar as
medalhas”, ou “nossos meninos fazendo bonito nos Jogos Pan-americanos” estão presentes
nos jornais. Ou a presença constante da afirmação que o Espírito Santo tem tido, há anos, um
crescimento industrial e econômico superior aos outros Estados. Não se trata apenas da defesa
dos interes regionais, mas marcar o seu espaço, dizer que o “primo pobre” da região sudeste
não é tão pobre assim, que tem suas qualidades e suas potencialidades que devem ser
exploradas.
As transformações do mundo no último século, principalmente nas últimas décadas,
acabou por destacar as deficiências de uma forma moderna de pensar. O desenvolvimento
tecnológico e o encurtamento do espaço e do tempo decorrentes deste desenvolvimento
contribuíram sobremaneira com a quebra de vários paradigmas. As definições da identidade
se transformaram.
A identidade é, portanto, uma forma pela qual os sujeitos podem tomar uma posição.
Como visto no capítulo um, o sujeito posiciona-se a cada momento de acordo com os
interesses, com os objetivos. Embora nem sempre seja algo consciente. Mas este
posicionamento já demonstra uma característica da identidade. Ela não pode ser vista como
algo fixo, pronto e acabado, mas sim como algo que se encontra em constante transformação,
instável.
Os meios de comunicação cumpriram papel importante para destacar estas mudanças.
Inclusive, como Faccin mostrou, a mídia, e no caso específico de sua tese e desta pesquisa, os
jornais são um espaço topográfico privilegiado em que as identidades são vividas, criadas,
transformadas e reforçadas. Os jornais, que tem a linguagem como seu principal instrumento,
150
atuam na construção da realidade. Isto revela sua dimensão simbólica. Ao enunciar, o jornal
constrói a realidade, e os jornalistas assim o fazem sem terem o controle total. Assim o fazem
por estarem dentro de um contexto, sofrendo influências da situação, das pressões
organizacionais e de sua experiência de vida na sociedade.
Nos jornais, portanto, estão presentes todas as marcas da produção social dd prática
discursiva dos jornais. Por meio destas marcas é que é possível identificar as formas, as visões
de mundo, as pressões envolvidas na produção do discurso. Está ai a importância da análise
de discursos: identificar por que os textos são o que são e por que se tem os textos que se tem
e não outros.
Como os jornais podem ser considerados um território nos quais as identidade
regionais são construídas simbolicamente, e vividas e transformadas nas e pelas práticas
discursivas, a análise de discursos se torna um instrumento para se compreender quais os
discursos que se encontram em jogo.
Os jornais capixabas buscam marcar uma forma de olhar a identidade regional, mas
antes disso, procuram posicionarem-se como legítimos defensores dos interesses regionais. A
forma como eles se posicionam não foi o objetivo deste trabalho, mas fica aí uma questão
para uma futura pesquisa. Não foi difícil perceber que a defesa dos interesses regionais estão
fortemente presentes nos discursos produzidos pelos jornais capixabas. Assim como as
delimitações do que é ser capixaba. Isto leva a crer que falar em ausência de uma identidade
capixaba é um falso problema, pois todos os elementos necessários para tal se encontram
presentes no discurso produzido pela mídia.
151
Foi possível verificar que uma forma de narrar a identidade capixaba englobaria outras
narrativas. E foi esta forma que mais chamou a atenção no âmbito desta pesquisa. A
competitividade, a importância econômica e social, o desempenho econômico, o desempenho
nos esportes são alguns dos exemplos que sustentam a idéia de que esta narrativa que busca
fundar um novo olhar sobre a identidade capixaba vai de encontro à antiga narrativa
fundadora da sociedade capixaba, baseada no isolamento e subdesenvolvimento. As
transformações sociais e econômicas dos últimos anos mudaram muito a sociedade capixaba e
tiraram o Espírito Santo da posição marginal que esteve ligado em toda a sua história. Neste
sentido, repensar a identidade capixaba só pode ser feita com base num novo olhar sobre o
regionalismo, que segundo Oliven (1998), só é possível se for pensado em relação ao contexto
nacional.
Para Herscovici (2001), a falta de referências culturais próprias ao capixaba deve-se ao
insucesso de se implementar midiaticamente bens culturais que pudessem ser “vendidos” aos
vizinhos. Talvez se possa pensar que a lacuna que se abriu entre as narrativas do passado e as
práticas discursivas dos jornais no presente também seja responsável pelo sentimento de
indefinição da identidade capixaba. Mas isto é só uma suposição.
Várias questões desta pesquisa ficaram em aberto. Em primeiro lugar, haveria a
necessidade de se conhecer melhor os vínculos que os jornais capixabas estabeleceram no
período analisado. A análise realizada por Ferreira abrange um outro período histórico e uma
outra relação estabelecida entre os jornais e seus leitores. Uma análise mais aprofundada das
marcas iconográficas presentes nos jornais e as demarcações da identidade regional nos
espaços de interação também seria necessária, bem como uma análise das outras narrativas.
Mas isto deve ficar para um segundo momento. Por agora, a forma como a identidade regional
152
se constrói a partir do deslocamento de uma narrativa para outra foi a que despertou maior
interesses e ocupou a maior parte do tempo desta pesquisa.
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