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seria um exemplo típico de erudito. Nasceu em Recife em 1900, entrou na Escola
de Engenharia, tornou-se professor de física, fez alguns trabalhos que foram
publicados na França, nos Annales de la Physique, mas a minha opinião é de que
não se cristalizou por falta de condições no meio social da época. ”
Leite Lopes confirma a importância da influência de Luís Freire:
“Graças ao Freire, comecei a estudar realmente, mais a sério, física e matemática,
dentro das possibilidades. Evidentemente que ele não podia dar um curso como se
dá na Europa, ou mesmo como daria um especialista em contato com os grandes
centros. Recife era uma província do Brasil, mas, relativamente, os professores de
lá eram homens de abrir, de atrair o estudante, de mostrar caminhos e dar os
grandes princípios dessas ciências.”
Para Schwartzman, esses pioneiros funcionaram como elementos de
transição entre o catedrático antigo – retórico, apenas erudito, voltado sobre si
mesmo, muitas vezes capaz teoricamente, mas incapaz do trabalho de
investigação, imbuído de preconceitos contra o trabalho prático – e o cientista
moderno, treinado para identificar ou criar um problema, equacioná-lo e resolvê-
lo. Segundo ele, esses “propiciadores de ciência” exercem uma função importante
no desenvolvimento do campo científico, despertando ou estimulando vocações.
Afirma que casos como o de Wladimir Lobato Paraense (pesquisador e chefe do
Laboratório de Malacologia da Fundação Oswaldo Cruz) que se orientou para a
pesquisa por um impulso interno, são raros:
“Estudei medicina, porque era a opção que havia na época para que tinha
interesse na área biológica. Mas desde o início do meu curso de medicina fui
tentado pelo laboratório. Eu tinha mesmo grande entusiasmo por aspectos que
hoje eu vejo como não remunerativos. Por exemplo, eu me lembro que, quando
entrei no primeiro laboratório da Faculdade de Medicina – era aula de histologia
-, me encantei com aquelas coisas que eu via: o professor tirando um pouco de
material da parte interna da bochecha, fazendo uma lâmina, depois corando,
vendo aquelas células. Aquilo me entusiasmou e eu resolvi, na minha cabeça de 16
anos, que ia fazer isso. Quero ser isso aí. E saí da escola e perguntei ao professor
onde é que ele comprava aquilo, em que farmácia ou poderia comprar. E ele, que
era um camarada muito competente mas pouco amável, disse: ‘Deixa de ser bobo,
isso aí a gente não acha em farmácia, isso aí é importado, vem da Alemanha. ’
Apesar disso, fui numa farmácia e pedi lâminas, lamínulas e líquido corante. Levei
uma tarde inteira esperando o sujeito me aviar. Era uma farmácia muito
movimentada em Belém.(...)Sei que,no fim de umas três horas esperando lá, ele me
trouxe uns pacotes. Um era de lâminas, cada uma de um tamanho um pouquinho
diferente, mas com um bordo cortante, não tinha polimento, não tinha nada.
Aquilo foi cortado na hora, com diamante, para vender. E fez a mistura do líquido
corante, que era difícil de se fazer, mas ele pegou lá, viu a fórmula, azul de
metileno, não sei o quê; misturou e trouxe. E eu paguei aquilo e saí para casa
satisfeito.” (Schwartzman 1979, p. 222)
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