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Mônica de Cassia Vieira Waldhelm
COMO APRENDEU CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA
QUEM HOJE PRODUZ CIÊNCIA?
O papel dos professores de ciências na trajetória acadêmica e profissional
de pesquisadores da área de ciências naturais
Tese de Doutorado
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação do Departamento de Educação da
PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para
obtenção do título de Doutor em Educação.
Orientador: Profª. Hermengarda Alves Lüdke
Rio de Janeiro
Setembro de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310242/CA
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Mônica de Cassia Vieira Waldhelm
COMO APRENDEU CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA
QUEM HOJE PRODUZ CIÊNCIA?
O papel dos professores de ciências na trajetória acadêmica e profissional
de pesquisadores da área de ciências naturais
Tese apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor pelo Programa de
Pós-Graduação em Educação do Departamento
de Educação do Centro de Teologia e Ciências
Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão
Examinadora abaixo assinada.
Profª. Hermengarda Alves Lüdke
Orientadora
Departamento de Educação - PUC-Rio
Prof. Francisco Creso Junqueira Franco Jr.
Departamento de Educação – PUC-Rio
Profª Hedy Silva Ramos de Vasconcellos
Departamento de Educação - PUC-Rio
Profª. Glória Regina Pessoa Campello Queiroz
UERJ
Profª. Marcia Serra Ferreira
UFRJ
Prof. Paulo Fernando C. de Andrade
Coordenador Setorial do Centro de
Teologia e Ciências Humanas
Rio de Janeiro, 10 de setembro de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310242/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou
parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e
do orientador.
Mônica de Cassia Vieira Waldhelm
Mônica de Cassia Vieira Waldhelm cursou a Escola Normal
Carmela Dutra. Graduou-se em Ciências Biológicas pela UFRJ
em 1990. Lecionou na rede municipal, estadual e federal
(Colégio Pedro II) e privada no Rio de Janeiro. Em 1998
concluiu o Curso de Mestrado em Educação na UFF
apresentando a dissertação "Produção sócio-política do corpo em
livros didáticos de ciências editados nas décadas de 60 e 90”.
Trabalha no CEFET-RJ na Divisão de Projetos Educacionais e no
Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática. É
consultora em Projetos Educacionais e co-autora em livros
didáticos de Ciências e Biologia.
Ficha Catalográfica
Waldhelm, Mônica de Cassia Vieira
Como aprendeu ciências na educação básica quem hoje
produz ciência ? : o papel dos professores de ciências na
trajetória acadêmica e profissional de pesquisadores da área
de ciências naturais / Mônica de Cássia Vieira Waldhelm ;
orientadora: Hermengarda Alves Lüdke . – 2007.
244 f. ; 30 cm
Tese (Doutorado em Educação)–Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
Inclui bibliografia
1. Educação – Teses. 2. Ciências. 3. Professores. 4.
Cientistas. 5. Educação básica. 6. Vocação científica I.
Lüdke, Hermengarda Alves. III. Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Educação. IV.
Título.
CDD: 370
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À minha sogra, Dona Zisa, in memorian,
cuja coragem e vontade de viver
serão sempre lembradas em nossos corações.
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Agradecimentos
A Deus, que me deu a vida e a de todos os cientistas.
Aos meus pais, Manoel e Milza, por todos os sacrifícios e renúncias feitos, pelo
amor e segurança com que cercaram minha infância, pelo voto de confiança diário
e por acreditarem que a escola poderia mudar minha vida e de meus irmãos.
Aos meus irmãos Waldeck, Wagner, Wanderson e Kassia por compartilharem
comigo muito mais que a carga genética.
Ao meu amado filho Victor, que me faz querer ser uma pessoa melhor e repensar
todas as minhas “certezas”.
Ao meu marido Luiz, pelo amor, cumplicidade e estímulo em todos os momentos.
Aos meus amigos e amigas, irmãos e irmãs que meu coração escolheu ao longo da
vida.
Ao CEFET-RJ pelo apoio e confiança.
Aos professores, colegas e funcionários da PUC - Rio, meus parceiros nesta
empreitada.
Aos cientistas entrevistados que gentilmente compartilharam comigo suas
memórias e emoções.
A todos que efetivamente acreditam e batalham por uma escola pública onde a
aprendizagem e a alegria coexistam.
À Ciência e aos cientistas em geral, cujo trabalho permite que meu coração
continue batendo.
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Resumo
Waldhelm, Mônica de Cássia Vieira; Lüdke, Hermengarda Alves. Como
aprendeu ciências na educação básica quem hoje produz ciência? O
papel dos professores de ciências na trajetória acadêmica e profissional
de pesquisadores da área de ciências naturais. Rio de Janeiro, 2007, 244
p. Tese de Doutorado – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
Que tipo de professor de ciências da Educação Básica pode levar um aluno a
querer ser um cientista? Como aprendeu Ciências na Educação Básica quem hoje
produz Ciência? Para responder a estas questões, investigou-se em que medida e
de que modo a prática de professores de Ciências da Educação Básica influenciou
cientistas em sua opção profissional. Foram aplicados questionários e gravados
relatos de cientistas da área de Ciências Naturais em atividade, a fim de identificar
quais fatores consideram decisivos e marcantes em sua trajetória escolar como
alunos de Ciências. Destes fatores, mereceram destaque aqueles relacionados ao
papel dos seus professores de então, em sua opção profissional pela pesquisa
científica. Através da evocação das lembranças desses cientistas, procurou-se
detectar o papel representado por seus antigos professores de Ciências. Que
características são atribuídas aos bons professores desta área? O que pensam os
cientistas sobre formação de professores de ciências? Estes relatos trouxeram
pistas que apontam como alguns dos entrevistados decidiram-se tornar cientistas
na área de Ciências Naturais “por causa de“ ou “apesar de“ seus professores de
Ciências, bem como a influência de outros fatores em sua opção de carreira.
Espera-se assim, que este trabalho possa trazer novos subsídios ao campo de
formação e prática de professores de Ciências.
Palavras-chave:
Ciências; professores; cientistas; Educação Básica; vocação científica.
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Abstract
Waldhelm, Mônica de Cássia Vieira; Lüdke, Hermengarda Alves (Advisor).
How have learned sciences on basic education a person that now
produces science? The importance of science teachers on the academic
and professional trajectory of researchers on Natural Sciences field. Rio
de Janeiro, 2007, 244 p. Tese de Doutorado– Departamento de Educação,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
What kind of science teacher of Basic Education would make a student
wonders to be a scientist? How have learned science on Basic Education a person
that now produces Science. To answer those questions, it was investigated how
much and in which way the practice of science teachers of Basic Education had
influenced scientists on their professional option. Questionnaires were applied and
interviews with scientists currently working on Natural Sciences were taped with
the purpose to identify which factors they considered decisive and remarkable on
their school trajectory as science students. Any kind of influence of the teachers
on the professional option of the scientists was highlighted. The evocation of the
memories of these scientists was done trying to detect the importance of their
science teachers. Which are the characteristics that make them good teachers on
the field? What scientists think about the formation of science teachers? These
reports gave clues hinting how some of the interviewees had decided to be
scientists on the Natural Sciences field “because of” or “in spite of” their science
teachers, as well as the influence of other factors in their career option. One
expects thus, that this work can bring new subsidies to the field of formation and
practices of Science teachers.
Keywords
Sciences; Teachers; Scientists; Basic Education; Scientific Vocation.
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Sumário
1. Introdução ...................................................................................... 09
2. Formação do professor de Ciências: (des) encontros entre teoria,
prática e pesquisa ...................................................................................
12
3. O Ensino de Ciências no Brasil: um breve resgate histórico ............ 32
4. O estudo realizado .............................................................................. 77
4.1. A composição da amostra ................................................................ 77
4.2. O que dizem os dados obtidos pelos questionários ......................... 81
4.3. Os fatores e sua influência na opção pela carreira científica ........... 85
4.4. A amostra definitiva .......................................................................... 101
4.5. O que dizem os cientistas ................................................................ 106
4.6. Identificando traços de um bom professor de Ciências ................... 124
4.7. Outras influências na escolha pela Ciência ..................................... 179
4.8. O que dizem os cientistas sobre a formação do professor de
Ciências ..................................................................................................
185
4.9. O que dizem os cientistas entrevistados acerca da relação entre
pesquisa e docência ...............................................................................
193
5.
À
guisa de conclusão: entre as constatações de uma cientista e as
apostas de uma educadora. ....................................................................
198
6. Referências Bibliográficas ................................................................... 224
Anexos .................................................................................................... 241
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1
Introdução
Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago.
Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e
me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e
comunicar ou anunciar a novidade. “
(Freire, 1998: 32)
A escola, principalmente a pública, sempre fez parte da minha história.
Passei pelo âmbito municipal, estadual e federal como aluna e professora em
diferentes níveis. Presenciei (e quase compartilhei) tanto o choro do primeiro dia
de ”aula” de alunos na educação Infantil quanto o de orientandos felizes após
defenderem suas monografias em cursos de pós-graduação. Nascida e criada na
Baixada Fluminense, em uma família numerosa, sofri restrições, mas não
necessidades materiais severas. Meu destino, porém, foi determinado, em grande
parte, pelo fato de meu pai, mecânico, e minha mãe, dona de casa, apesar de mal
dominarem as letras e números, ou talvez justamente por esse motivo, terem
priorizado a escola, a educação formal, em minha vida e de meus irmãos.
Ingressei ainda menina-moça, aos 13 anos de idade, no antigo segundo grau
em Formação de Professores da Escola Normal Carmela Dutra, em Madureira,
após o veredicto de meu pai, o "Seu" Russo, mecânico aposentado:
— Pobre não tem vocação, tem falta de opção!
Isto “determinou” minha ida para o magistério e a de meus três irmãos para
a Aeronáutica, convencidos da importância de ter empregos seguros. Entretanto, o
que era falta de opção acabou revelando-se vocação. Pelo menos para mim.
Sou professora e co-autora de livros didáticos de Ciências e Biologia do
Ensino Fundamental e Médio. Também atuo como professora formadora,
lecionando Metodologia do Ensino das Ciências para estudantes de Pedagogia. Ao
longo de minha carreira na Educação Básica, tive a oportunidade de ver diversos
ex-alunos ingressando em programas de pós-graduação e participando de
pesquisas em Ciências Naturais. De muitos ouvi a carinhosa frase: Foi por sua
causa! Ao mesmo tempo em que ficava feliz e orgulhosa pelo novo colega de
área, sentia-me particularmente incomodada e instigada a investigar até que ponto
e de que modo, nós professores de Ciências influenciamos nossos alunos a
adotarem uma prática de olhar o mundo com curiosidade, buscando respostas a
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inquietações, de tal forma que se sintam impelidos para a profissão de cientistas.
O quanto nossa prática docente abre efetivamente espaço na sala de aula para a
pergunta e a busca? Em que medida inibimos ou estimulamos a investigação na
escola com nossas falas e práticas, nos currículos que construímos e vivemos? Por
que e quando promover a iniciação científica na escola básica? Como evitar as
amarras do determinismo biológico que existe por trás da concepção de vocação
científica em grande parte dos educadores? Por que em um mesmo espaço de
trabalho, alguns professores de Ciências privilegiam as perguntas no lugar de
respostas prontas enquanto outros não ultrapassam limites da aula expositiva? Na
falta de laboratórios e outros recursos tradicionalmente associados à pesquisa em
Ciências, que possibilidades podem existir em nosso cotidiano na escola? O que
pensa o cientista sobre a formação e prática dos professores de Ciências?
No âmbito dessa complexa discussão, optei por fazer minha pesquisa sob
um recorte que, acredito, possa trazer novos subsídios ao campo de formação e
prática de professores de Ciências. Investiguei em que medida e de que modo a
prática de professores de Ciências da Educação Básica influenciou cientistas em
sua opção profissional.
Dada a natureza polissêmica do conceito de vocação, vale esclarecer que
apesar de graduada em Biologia, não foi meu objetivo investigar no recorte que
fiz, se existem ou não componentes biológicos tais como aptidões ou dons “natos”
que possam predispor os indivíduos a esta ou aquela atividade profissional. De
fato, como professora, interessa-me justamente a influência do meio, dos sujeitos
e suas interações sobre os indivíduos e não um improvável determinismo
biológico voltado para a atividade científica.
Assim, para tentar responder a essa questão - como aprendeu Ciências na
Educação Básica quem hoje produz Ciência? - busquei identificar junto a
cientistas, pesquisadores da área de Ciências Naturais
1
em atividade, quais fatores
consideram decisivos e marcantes em sua trajetória escolar como alunos de
Ciências, principalmente aqueles relacionados ao papel
2
os seus professores de
1Neste estudo o termo Ciências Naturais é usado como sinônimo de Ciências da Natureza,
nomenclatura utilizada pelo Ministério da Educação nos documentos referentes ao Ensino Médio
para a área que inclui Biologia, Química e Física.
2Aqui a noção de papel é concebida como um conjunto de idéias associadas a um determinado
status social, assim como determinado padrão de comportamento esperado e exigido socialmente
por conta de certa condição.
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então, em sua opção profissional pela pesquisa científica Através da evocação das
lembranças, dos relatos da vivência desses cientistas, procurei detectar o papel
representado por seus antigos professores de Ciências. Os relatos dessas memórias
trouxeram pistas que apontam como alguns dos entrevistados decidiram se tornar
cientistas na área de Ciências Naturais “por causa de“ ou “apesar de“ algum (ns)
de seus professores de Ciências.
Esclareço que neste estudo mobilizei ferramentas cognitivas, experiências,
impressões, concepções, crenças, representações, expectativas, valores, certezas e
incertezas que compõem minha identidade de professora de biologia - bióloga.
Assim, assumo explicitamente as implicações que esta identidade trouxe às
minhas análises e ao meu discurso, sempre na primeira pessoa e entremeado por
depoimentos pessoais. Além disso, sem querer comprometer o rigor esperado de
uma pesquisa, gostaria de registrar a emoção com que vivenciei cada etapa,
principalmente o momento em que os cientistas compartilharam comigo suas
memórias.
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2
Formação do professor de Ciências: (des) encontros entre
teoria, prática e pesquisa
“[...] e não se diga que, se sou professor de Biologia, não posso me
alongar em considerações outras, que devo apenas ensinar Biologia,
como se o fenômeno vital pudesse ser compreendido fora da trama
histórico-social, cultural e política. Como se a vida, a pura vida
pudesse ser vivida de maneira igual em todas as suas dimensões, na
favela, no cortiço ou numa zona feliz dos “Jardins “de São Paulo.”
(Paulo Freire, 1999:78)
O que existe de singular na formação do futuro professor em comparação ao
curso que forma o pesquisador das Ciências Naturais? O mesmo curso que
prepara para a docência pode também instrumentalizar para a pesquisa? De que
modo? Considero relevante pensar no papel que a pesquisa ocupa na formação e
atividade de professores de Ciências. Embora haja consenso entre educadores
sobre a importância do papel da pesquisa na formação inicial e continuada, e na
prática dos professores, muitas questões têm sido formuladas quanto ao modo de
inserir esta pesquisa na prática docente e nos cursos de licenciatura, como bem diz
André (2001).
A própria concepção de pesquisa mostra-se polissêmica. Neste estudo,
adotarei a concepção de Beillerot (2001) que sugere algumas condições para
pesquisa: produção de novos conhecimentos; produção rigorosa de
encaminhamento e comunicação de resultados. Contudo, assim como Cochran
Smith e Lytle (1999) e Anderson e Herr (1999), que pregam a legitimidade e
valorização da pesquisa feita pelo professor, dentro de critérios mais flexíveis
sem, entretanto, abrir mão do rigor, concordo que devemos considerar o contexto
de trabalho nas escolas, suas condições e especificidades. Neste sentido, também
reforça Galiazzi (1998 p. 207):
“São as ênfases, as interpretações, o detalhamento, e toda uma gama complexa de
relações em sala de aula, que exigem que o professor crie situações na prática e
aponte saídas. Este é o espaço de pesquisa do professor ao qual não é dada atenção
e ele se esgota no tempo da sala de aula. (.. ) As situações da prática educativa são
únicas, com incerteza e com conflitos de valores, às quais não se aplicam as
soluções técnicas recomendadas a partir da pesquisa com base no positivismo. ”
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O trabalho de Stenhouse também merece destaque quando abordamos
pesquisa e prática docente. Stenhouse reconhecia e valorizava nos professores a
capacidade de investigarem, pois, como afirmava: “os professores levantam
hipóteses que eles mesmos testam ao investigarem as situações em que trabalham
(1975:141). Em sua obra o autor considera que a investigação e o
desenvolvimento curriculares devem pertencer aos professores:
“[...] o desenvolvimento curricular de alta qualidade, efetivo, depende da
capacidade dos professores adotarem uma atitude de investigação perante o seu
próprio ensino“ especificando que, por atitude de investigação entendia “uma
predisposição para examinar a sua própria prática de uma forma crítica e
sistemática“ (1975:156).
Defendia, assim, uma prática docente “baseada na investigação sobre o seu
ensino“ e a idéia de “uma ciência educativa em que cada sala de aula é um
laboratório e cada professor um membro da comunidade científica" (1975:141-142).
A produção de Schön (1992), que introduz a concepção do professor
reflexivo e para quem a complexidade da sala de aula comporta situações
problemáticas que requerem decisões em um ambiente marcado pela
singularidade e imprevisibilidade traz importantes contribuições para a discussão
acerca do papel da pesquisa na prática docente. Considerando a natureza do
trabalho investigativo destaco a afirmativa de Schön (2000, p. 57):
“[...] Reflexão na ação é um tipo de experimentação. Porém, as situações práticas
são notoriamente resistentes a experimentos controlados. Como o profissional
escapa dos limites práticos do experimento controlado, ou os compensa? Em que
sentido há rigor, se é que há algum, em sua experimentação? Quando a ação
acontece apenas para ver o que dela deriva, sem que a acompanhem previsões ou
expectativas, eu a chamo de exploratória. Isso é o que uma criança faz ao explorar
o mundo à sua volta, o que um artista ao justapor cores para ver o efeito que elas
produzem e o que uma pessoa faz quando simplesmente caminha por um bairro
para onde acaba de mudar-se. É também o que um cientista muitas vezes faz
quando encontra e investiga uma substância estranha para ver como ela irá
responder. O experimento exploratório é a atividade investigativa e lúcida, pela
qual somos capazes de obter uma impressão das coisas. Ela é bem-sucedida
quando leva a alguma descoberta. ”
Como investigarei a prática de professores de Ciências, em função da
natureza dos cursos de licenciatura onde são formados, considero particularmente
significativo o fato de Schön apontar os limites da racionalidade técnica, como
base para a preparação de profissionais, introduzindo o papel da reflexão como
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forma de minimizar os efeitos de formação por vezes marcada por uma
perspectiva de predominância técnica.
Quadros et al. (2005) levantam a hipótese de que o fato do egresso da
licenciatura, mesmo estudando teorias de aprendizagem, acabar assumindo uma
postura de mero “transmissor de conceitos”, pode ser conseqüência, dentre outros
fatores, da concepção deste tipo professor já formada durante toda a vida escolar
deste licenciado. Para estes autores, sabendo que há um "modelo" de professor já
posto, uma das possibilidades de “perturbar” esse modelo seria trabalhar a
memória de cada um, para que, através de um processo de autoformação, o
indivíduo possa identificar as concepções que tem sobre professor, ensino,
aprendizagem, escola, etc. e como elas foram construídas. Propõem assim, que
essas concepções sejam percebidas e questionadas dentro do âmbito das próprias
licenciaturas, de forma que evoluam e que o aluno perceba que, dentro de uma
nova realidade, um novo modelo de professor se faz necessário. Argumentam
ainda, que a racionalidade técnica que caracteriza os cursos de formação de
professores desprivilegia outras dimensões importantes, entre elas a
convivialidade dos alunos com seus professores, durante a vida escolar. Em um
outro aspecto referente à convivialidade, Menezes (2007) defende a idéia de que
licenciandos, em sua formação, possam efetivamente conhecer a escola e conviver
com professores experientes, que atuem como tutores e sejam remunerados para
tal. Para o autor, a importância disso é tão óbvia quanto reconhecer que anatomia
teórica e psicologia infantil são importantes, mas não suficientes para formar
cirurgiões e pediatras. Com esta convivência, Menezes (2007) argumenta que os
futuros professores poderiam entrar em contato com a realidade das escolas de
Educação Básica e, nelas, aprender a ensinar com bons mestres, em uma espécie
de “residência pedagógica”.
Morin (2000) é um dos autores que fornecem pistas para a busca de uma
nova racionalidade que contemple os saberes necessários para a educação. Crítico
da racionalidade moderna que pretende organizar o conhecimento na forma
instrumental e técnica, conforme afirma Martinazzo (2002 apud Santos e Greca,
2006 p. 50), Morin defende a reforma geral do pensamento e, como conseqüência,
a reforma do pensamento educacional. Ele reconhece que a racionalidade é uma
condição necessária para a produção de saberes válidos e que consiste no
estabelecimento de adequação entre coerência lógica e uma realidade empírica,
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mas a distingue da racionalização, vista como a construção totalizante do universo
a partir de dados parciais, ou de um princípio único. Morin (2001) atenta que as
situações práticas, que envolvem as relações pedagógicas na formação escolar e
universitária, são sempre complexas e, portanto exigem um novo paradigma de
racionalidade. As racionalizações já produzidas não deram e não dão conta, pois
tomam como todo o que é apenas parcial, fragmentado, separando sujeito do
objeto e fins dos meios. As soluções propostas, dentro da racionalidade técnica,
que cinde o objeto complexo tirando-o de seu contexto, produzem, por vezes,
mais problemas do que aqueles que procuram resolver (Schön, 1983, 1987). Sob
este paradigma, faz-se necessário pensar em soluções através de métodos que
permitam a abordagem das múltiplas dimensões, que possam contemplar a
complexidade.
Também acerca da racionalidade técnica, paradigmas científicos e estrutura
dos currículos nas universidades, Cunha (1998), discorre sobre como a
emergência de indissociar ensino, pesquisa e extensão acaba ficando apenas no
plano do discurso legal. Para esta autora, nem mesmo o conceito de
indissociabilidade é claro para aqueles que compõem a comunidade universitária.
Para alguns, ele se centra no professor e quando este realiza tarefas das três
naturezas, haveria indissociabilidade. Para outros, o conceito amplia-se para a
Universidade, entendendo que esta responde a este desafio quando abriga
experiências nas três esferas, mesmo que em espaços, locais e áreas diferentes.
Para Cunha, esta visão acaba por distanciar a idéia de ensino indissociado da
pesquisa e da extensão, tendo o aluno como sujeito. A exceção ficaria por conta
dos estudantes bolsistas em pesquisas. Estes, porém, beneficiados com a
possibilidade científica, nem sempre encontram valorização de sua experiência na
prática cotidiana da maioria das aulas. A lógica que preside os currículos estaria,
portanto para Cunha, alicerçada numa concepção de conhecimento decorrente de
um paradigma de ciência e de mundo, construído sobre o conceito de
racionalidade, com o intuito de dominar a natureza, subjugá-la ao homem,
negando o pensamento dominante até o renascimento, de que a fé e a natureza
eram as grandes forças universais. De acordo com Kincheloe (1997 apud Cunha
1998, p. 198):
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“[...] a racionalidade foi deificada e, em torno do panteão científico, o credo da
modernidade foi desenvolvido: o mundo natural é racional (egocêntrico) e existe
somente um sentido único para ele. Todo o fenômeno natural pode ser pintado
dentro de uma moldura desta racionalidade monolítica, não importando se estamos
estudando a pólvora, engenhos, sonhos ou mesmo aprendendo. ”
Ainda para Cunha, esta racionalidade presidiu e ainda preside a concepção
epistemológica do pensamento convergente e a pedagogia da resposta única, que
não desafia os alunos com questões significativas. Sob esta lógica, o
conhecimento, para ser apreendido, deve ser separado em partes e distribuído em
doses compatíveis com a capacidade de armazenar. O professor não precisaria
entender a estrutura e as relações interdisciplinares de sua disciplina, nem seus
aportes no espectro histórico e sócio-cultural. Bastaria sistematizar a organização
em partes lógicas. Assim, os currículos, ao refletirem os princípios da ciência
moderna e, como parte do saber pedagógico, estruturam-se de forma fragmentada.
Nessa perspectiva, segundo Cunha (1998, p. 198) seria ingênuo falar em ensino
indissociado da pesquisa, porque, para isso, o ensino teria que incorporar os
processos metodológicos investigativos:
“[...] Não há pesquisa sem dúvida, sem questão, sem problema e, estas, só nascem
da leitura de como o campo científico se instala na prática, na realidade. Na lógica
tradicional do currículo, esta prática, quando existe, está sempre colocada ao final
da trajetória acadêmica, impedindo completamente o estudante de aprender através
de suas dúvidas epistemológicas, que gerariam um ensino com pesquisa, tendo a
extensão como ponto de partida e de chegada do conhecimento produzido. [...]
Compreender que o ensinar e o aprender estão alicerçados numa concepção de
mundo e de ciência facilitou uma visão mais global e elucidativa, especialmente
numa época em que a supremacia da ciência tem sido amplamente reconhecida. A
universidade, principal instituição de produção e distribuição da ciência, tem sido
ao mesmo tempo, também lugar de reprodução dos modos de fazer ciência, nem
sempre explicitados entre aqueles que dela se ocupam. ”
Para Borges (2004 p. 49), há um distanciamento hierárquico e temporal
entre o conhecer e o fazer no modelo de formação docente calcado na
racionalidade técnica:
“Hierárquico, porque, como disse Schön (1983), na lógica da “racionalidade
técnica”, o conhecimento das ciências básicas e aplicadas, isto é, o conhecimento
produzido pelos cientistas, tem mais valor que o conhecimento produzido pelos
profissionais em sua prática. Isto porque os primeiros são mais estáveis, objetivos
etc. e produzidos no interior das práticas reconhecidas pela comunidade científica,
enquanto os segundos são sincréticos, instáveis, pragmáticos, marcados por fatores
subjetivos etc. Temporais porque, durante a formação profissional, os professores
devem primeiro, apropriar-se desses conhecimentos disciplinares para, em seguida,
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aplicá-los à prática, ou aos problemas encontrados na prática. “O fazer está
subordinado ao conhecer”, diz Tardif (2002, p. 273). Ou seja, o estudante, futuro
professor, deve primeiro dominar esses conhecimentos para depois aplicá-los à
prática e aos problemas que nela encontrar. O que nem sempre é possível, já que
problemas da prática não podem ser reduzidos a problemas técnicos, em relação
aos quais se aplica uma ou outra teoria visando a sua resolução (Schön, 1983). ”
Quanto à singularidade que caracteriza a prática cotidiana da docência, onde
os professores estão sempre recorrendo à reflexão, ao “agir na urgência e decidir
na incerteza“, considero essencial a produção de Perrenoud (1996). Este autor tem
inúmeras obras dedicadas à formação de professores e suas competências
3
e à
discussão do papel da pesquisa tanto na formação, quanto na prática docente. Para
Perrenoud (2002), a prática de ensino nunca será uma prática de pesquisa, pois é
exercida em condições nas quais a decisão é urgente e o valor do saber é medido
mais pela sua eficácia pragmática do que pela coerência teórica ou pelas regras do
método, as quais permitiram sua elaboração controlada. O autor afirma ainda que
aquilo que os professores mais podem aprender em contato com a pesquisa
provém do olhar, das questões que ela suscita, e não tanto dos métodos e das
técnicas. Seria próprio da pesquisa subverter a percepção, revelar o oculto,
suspeitar o inconfessável, estabelecer ligações que não saltam aos olhos,
reconstituir as coerências sistêmicas sob a aparente desordem. Formar-se
professor imerso na pesquisa seria, então, aprender a fazer as perguntas
adequadas, a construir objetos conceituais e hipóteses plausíveis que,
potencialmente pudessem defender uma parte das observações que apresentam
uma coerência interna e que estimulam a imaginação e reflexão.
Ainda segundo Perrenoud, a pesquisa e a prática reflexiva não exigem a
mesma postura, nem têm a mesma função. A pesquisa pretende descrever e
explicar, exibe sua exterioridade. A prática reflexiva deseja compreender para
regular e ordenar, provocando a evolução de uma prática particular a partir do
interior. A pesquisa visaria aos saberes duradouros, de alcance geral, que podem
ser integrados a teorias. Já a prática reflexiva limitar-se-ia aos saberes de
experiência localmente úteis.
Para Zeichner (1993), argumentando em defesa do exercício de uma
pesquisa próxima à realidade do professor que atua em sala de aula, ou na escola -
3 A noção de competência designará aqui a capacidade de mobilizar recursos cognitivos para
enfrentar situações-problema (Perrenoud, 2000 p. 15).
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o practitioner - o ensino reflexivo é definido como sendo formado por professores
críticos e que desenvolvem suas teorias e práticas à medida que se debruçam sobre
o conjunto de sua ação, refletindo sobre o ensino e as condições sociais nas quais
suas experiências estão inseridas. O professor reflexivo, deste modo, avalia sua
prática com perguntas do tipo “estou satisfeito com os resultados?“, e não
simplesmente perguntando a si mesmo se os objetivos propostos foram atingidos.
Dentre os pesquisadores brasileiros, destaco os trabalhos de Lüdke (2001,
2004 e 2005) sobre a pesquisa do professor na Educação Básica, nos quais
constata uma distância entre duas óticas sob as quais freqüentemente visualiza-se
a pesquisa: a de predomínio acadêmico e aquela mais voltada para a realidade
vivida pelos professores em seu dia-a-dia. Para esta autora, em muitos casos o
próprio professor não percebe a coabitação dessas duas óticas em sua concepção
de pesquisa: uma que para ele seria a pesquisa ideal e outra voltada para a
pesquisa que ele faz ou acha que poderia fazer.
Demo (2002) defende a indissociabilidade entre ensino e pesquisa e o
caráter formador da atividade de pesquisa. Para este autor, a proposta de educar
pela pesquisa na Educação Básica, teria pelo menos quatro pressupostos cruciais:
a convicção de que a educação pela pesquisa é a especificidade mais própria da
educação escolar e acadêmica; o reconhecimento de que o questionamento
reconstrutivo com qualidade formal e política é o cerne do processo de pesquisa; a
necessidade de fazer da pesquisa atitude cotidiana no professor e no aluno e a
definição de educação como processo de formação da competência histórica
humana. Ainda para Demo, o que melhor distingue a educação escolar de outros
tipos de espaços educativos é o fazer-se e refazer-se na e pela pesquisa.
No âmbito da formação específica dos professores de Ciências, têm grande
relevância, dentre outros, os trabalhos de Carvalho e Gil Pérez, Delizocoiv,
Krasilchik, Maldaner e Schnetzler, Villani e Pacca, Mortimer e Menezes. Estes
autores têm um conjunto de obras baseadas em pesquisas acerca da identidade, da
formação inicial e continuada, das concepções, e práticas do professor de
Ciências. Neste grupo temos pesquisadores do campo do Ensino da Biologia,
Química e Física, o que considero importante, dada a pluralidade que caracteriza
os currículos de Ciências na Educação Básica.
Dentre as reflexões feitas por Soares (2001), nas quais se discute como as
pesquisas nas áreas específicas influenciam o curso de formação de professores,
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defende-se a idéia de que só estará habilitado para uma ação pedagógica
pertinente e competente, um professor cuja formação tenha sido marcada pelas
pesquisas em sua área específica. Para esta autora, é fundamental compreender
como o conhecimento da área é construído, para que possa socializá-lo (ensiná-
lo). Assim, produção do conhecimento (pesquisa) e socialização do conhecimento
(ensino) seriam indissociáveis.
Considerando-se o campo de formação de professores de Ciências, podem
ser feitas algumas reflexões a partir das contribuições dos vários trabalhos citados.
Na pesquisa coordenada por Lüdke (2001), sobre a prática da pesquisa de
professores da Educação Básica, a questão do espaço físico foi bastante salientada
pelos professores entrevistados, como um dos fatores importantes para a atividade
de pesquisa na escola básica. Uma infra-estrutura adequada, que garantisse desde
o espaço para reuniões entre os professores até laboratório ou sala-ambiente, foi
apontada como condição que favoreceria significativamente o trabalho de
pesquisa. Ora, se pensarmos nos professores da Educação Básica da área de
Ciências Naturais, tentando fazer pesquisa similar à que é feita nos laboratórios
das universidades onde foram formados (respeitando-se, por certo, os limites de
aprofundamento da pesquisa dado o nível de escolaridade dos alunos), a
precariedade na infra-estrutura será um elemento imobilizador desse movimento.
É preciso, portanto, lembrar que há outros instrumentos e estratégias que o
professor dessa área pode lançar mão em suas pesquisas quando falta o
laboratório, tais como entrevistas, material alternativo de baixo custo, colaboração
em pesquisas externas, etc. Por que isso em geral não acontece?
Percebe-se que existe uma cultura própria da área de formação em Ciências
Naturais que privilegia o espaço do laboratório como ambiente de pesquisa.
Latour e Woolgar (1997) fizeram um estudo antropológico sobre a produção dos
fatos científicos dentro do Laboratório de pesquisa em Neuroendocrinologia do
Professor Roger Guillemim, Prêmio Nobel de Medicina em 1978, no Instituto
Salk de San Diego, Califórnia, USA. Durante dois anos, cada membro do
laboratório foi acompanhado, passo a passo. Em seu trabalho, Latour e Woolgar
procuram relatar o cotidiano da 'vida do laboratório', os diálogos entre os
profissionais, correspondências trocadas, textos preliminares enviados a colegas
de outras instituições, telefonemas dados, as angústias e inquietações de um
cientista ao propor uma nova explicação. A partir do que observaram no dia a dia
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deste grupo de cientistas, questionam a indiscutibilidade da técnica como forma
de estabelecer padrões de crédito que acabariam por favorecer alguns tipos e
grupos de pesquisa, em detrimento de outros.
Acerca dos cientistas e sua cultura de laboratório, estes autores comentam:
“[...] Os próprios cientistas fazem suas Ciências, seus discursos sobre a ciência, sua
ética da ciência, suas políticas da ciência e, quando são de esquerda, suas críticas e
autocríticas da ciência. Os outros ouvem. O ideal político e epistemológico é que
não haja uma palavra da meta linguagem da ciência que não seja tomada dos
próprios cientistas [...].” (Latour e Woolgar, 1997, p. 43).
Considerando-se que esta “cultura“ do cientista seja compartilhada, ainda
que em menor grau, pelos professores de Ciências, talvez a prática de pesquisa no
campo pedagógico seja vista por eles como de menor importância. Provavelmente
a busca de respostas a questões demandadas do dia a dia na escola, seja vista por
grande parte dos professores de ciências como uma opção secundária de pesquisa,
um “plano B”, na impossibilidade de realizar pesquisa experimental, a “verdadeira
pesquisa” na cultura do laboratório.
Não compartilho desta concepção que hierarquiza a pesquisa na escola.
Embora impossibilitado de fazer pesquisa em Genética no seu locus de trabalho, o
professor de Ciências pode fazer um estudo investigativo, sistemático e formal,
acerca das concepções iniciais
4
de seus alunos sobre os genes, por exemplo. Este
tipo de pesquisa pode favorecer o desenvolvimento de estratégias didáticas que
aproximem a Ciência produzida nos laboratórios à sala de aula e à vida do aluno,
instrumentalizando-o para opinar e posicionar-se frente a questões
contemporâneas tais como implicações éticas da clonagem, transgênicos,
pesquisas com células-tronco, testes de paternidade e outras no campo da
biotecnologia.
Quanto à pesquisa em colaboração, onde o professor participa das atividades
de um grupo de pesquisa coordenado por um Doutor vinculado a uma
Universidade, verifica-se que se por um lado esta modalidade de pesquisa
representa uma possibilidade concreta do professor de Ciências ter acesso a
laboratórios equipados, tecnologia de última geração e produção científica
atualizada, existe um risco significativo de ele ser cooptado pelo ambiente
4Utilizei o termo concepções iniciais ao referir-me às idéias previamente concebidas pelos alunos,
mas respeitei a adjetivação utilizada pelos autores quando citados (espontâneas, prévias,
alternativas, etc.)
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acadêmico e afastar-se da escola, seu campo de atuação profissional original,
ignorando as problemáticas que nele surgem. Sob esta perspectiva de colaboração,
Maldaner (1997, p. 11), aponta algumas condições iniciais para a criação de um
grupo de pesquisa na escola:
1 Que haja professores disponíveis e motivados para iniciar um trabalho
reflexivo conjunto e dispostos a conquistar o tempo e local adequados
para fazê-los;
2 que a produção científico-tecnológica se dê sobre a atividade dos
professores, sobre as suas práticas e seu conhecimento na ação, sendo as
teorias pedagógicas a referência e não o fim;
3 que os meios e os fins sejam definidos e redefinidos constantemente
no processo e de dentro do grupo;
4 que haja compromisso de cada membro com o grupo;
5 que a pesquisa do professor sobre a sua atividade se torne, com o
tempo, parte integrante de sua atividade profissional e se justifique
primeiro para dentro do contexto da situação e, secundariamente, para
outras esferas;
6 que se discuta o ensino, a aprendizagem, o ensinar, e o aprender da
ciência, ou outras áreas do conhecimento humano, que cabe à escola
proporcionar aos alunos, sempre referenciado às teorias e concepções
recomendadas pelos avanços da ciência pedagógica comprometida com
os atores do processo escolar e não com as políticas educacionais
exógenas;
7 que os professores universitários envolvidos tenham experiência com
os problemas concretos das escolas e consigam atuar dentro do
componente curricular objeto de mudança, que pode ser interdisciplinar
ou de disciplina única.
Ainda em relação à formação inicial dos professores, Canto (1998) em seu
estudo, aponta para a desarticulação dos “ciclos básicos“ e a licenciatura
propriamente dita nas instituições de ensino superior. Historicamente, observa-se
uma primazia do bacharelado sobre a licenciatura. No primeiro estariam os
produtores do conhecimento, no segundo, os transmissores. Estudos como o de
Candau (1988) e Lüdke (1994) trazem muitos subsídios para esta discussão. Nas
universidades, ainda parece forte a crença de que a opção pelo curso de
licenciatura seria uma forma de fazer um caminho mais fácil em relação ao
bacharelado. Esta hierarquia subjacente na cultura universitária talvez influencie
os licenciandos em Ciências Naturais a considerarem que só o bacharel - o
biólogo, químico ou físico - torna-se de fato pesquisador, subestimando-se ou
negando-se a possibilidade de fazer pesquisa na prática docente.
Astolfi e Develay (1995) apontam o isomorfismo como um princípio
essencial na formação dos professores. Segundo este princípio, os licenciandos
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devem vivenciar e analisar situações homólogas àquelas que irão propor a seus
alunos. Se analisarmos esta afirmação quando pensamos na atividade de pesquisa,
a ausência deste componente na formação do professor pode comprometer a
formação de alunos na Educação Básica voltada para a atitude investigativa. É
extremamente contraditório o fato de a argumentação ser o centro do trabalho do
cientista e acabar tendo um papel secundário ou inexistente na educação em
ciências. Verifica-se que na maioria dos currículos escolares, o “método
científico”
5
, torna-se um “conteúdo” estanque, estudado de forma acrítica e
descontextualizada. No lugar de atravessar a prática pedagógica, estimulando os
alunos ao questionamento, à investigação, ao levantamento de hipóteses, acaba
por ser estudado de modo linear e absoluto, como uma lista de etapas rígidas
adotadas por cientistas de jaleco branco e óculos em seus laboratórios, segundo
representações sociais freqüentes entre alunos da Educação Básica. Talvez a
vivência do “método científico”, em uma abordagem crítica, nas diferentes
disciplinas da licenciatura, e não apenas como um conteúdo trabalhado nas
primeiras aulas de uma disciplina qualquer do primeiro semestre de formação,
favorecesse uma cultura de pesquisa na escola básica nos futuros professores.
Claro que o “método científico” deve se compreendido como historicamente
determinado, visto que reflete as necessidades, as perguntas e recursos
disponíveis, ao mesmo tempo em que interfere nestes elementos.
Marsulo e Silva (2005) relembram em seu estudo, que nos anos 60,
investigações nos EUA e Reino Unido foram diretamente articuladas com projetos
de desenvolvimento curricular e orientadas para centralizar o ensino nos processos
de pesquisa. Os materiais didáticos davam ênfase à experimentação, a formação
de mini-cientistas e tinham como base o “método científico”.
Para essas autoras, este modelo de ensino criou nas escolas o “mito do
método científico” como o único método capaz de contribuir efetivamente para a
construção do conhecimento. Os professores, principalmente, os de Ciências,
baseavam-se no pressuposto de que apenas tal método conduzia ao conhecimento
verdadeiro. E, assim, seguiam suas etapas de forma mecânica e linear, o que
contribuiu para fazer prevalecer uma visão empirista/indutivista no trabalho
escolar (Santos e Praia, 1992). Ora, como o empirismo baseia-se na
5 As aspas têm aqui o propósito de relativizar este conceito, muitas vezes tratado de modo
dogmático, visto como infalível, rígido e linear.
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experimentação, validando nela dados mensurados com precisão, o conhecimento
gerado fora da experiência da realidade –crenças, valores – acabam julgados como
suspeitos. Este ideário faz parte de um senso comum disseminado que sustenta a
concepção de imitações ingênuas da investigação científica na prática pedagógica,
ou seja, que seguindo o “método científico” se obtém resultados análogos aos dos
cientistas. Marsulo e Silva (2005) alertam que muitas dessas idéias se refletem até
hoje no ensino, principalmente de Ciências, sob diversas formas e manifestações,
permeando, conseqüentemente, o currículo das escolas. Desse modo, argumenta-se
que as origens da insatisfação e preocupações decorrentes com o ensino de Ciências
podem ser mais bem compreendidas quando se resgata a concepção positivista
responsável pela consolidação dos paradigmas científicos atuais. Entretanto, deve-
se admitir que o desenvolvimento das civilizações modernas é, em grande parte,
devido ao desenvolvimento da ciência objetiva e da aplicação do método científico
ao processo de construção dos conhecimentos. Ainda para Marsulo e Silva (2005),
este método contribuiu significativamente para o desenvolvimento da ciência, mas,
ao mesmo tempo, constituiu-se em paradigma epistemológico que foi responsável,
com seus princípios e leis, pela lógica da construção e organização curricular
escolar e nas ações desenvolvidas em sala de aula.
Outro aspecto a discutir é a idéia bastante comum de considerar-se a
vontade pessoal como sendo o fator principal para que ocorra a vivência da
pesquisa por parte do licenciando. É preciso ser cauteloso neste tipo de afirmação.
Como ex-licencianda considero esta visão um tanto equivocada e calcada na
meritocracia. Outros fatores como o reduzido número de vagas disponíveis nos
laboratórios, pouco tempo livre (os licenciandos têm uma carga horária
significativa de estágio em escolas a ser cumprido) e o próprio distanciamento do
foco das pesquisas em andamento nos laboratórios em relação à realidade de sala
de aula podem obstacularizar ou desestimular a inserção de licenciandos. Não se
pode ignorar também, que significativa parte dos responsáveis pelos laboratórios
ainda vê a participação do licenciando em pesquisas como desperdício de tempo e
recursos, que poderiam ser canalizados para estudantes que ao optarem pelo
bacharelado, teriam maior probabilidade de continuarem na pesquisa,
aprofundando seus estudos no mestrado e doutorado da área.
Villani e Pacca (2001) ao debaterem os modos de avaliação de projetos de
pesquisa em educação em Ciências afirmam que uma pesquisa genuína só pode
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surgir do que o pesquisador conheça bem, e não apenas a partir do que outros
conhecem bem. A vivência e reflexão sobre o contexto de onde emerge a
problemática gerariam guias para obter informações. Quando este guia é a própria
cultura do pesquisador, sua síntese da experiência no campo, a fundamentação da
pesquisa se mostraria segundo estes autores, mais consistente. Esses autores
defendem o que chamam competência dialógica do professor, que se refere à sua
disponibilidade para acompanhar de perto a atividade e o modo de pensar dos
alunos, avaliando e orientando a aprendizagem e, quando os alunos tiverem
adquirido perspectivas próprias, afastar-se para transformar-se em um tipo de
assessor. A participação em projetos de pesquisa seria segundo estes,
especialmente significativa para a formação dessa competência dialógica.
Destacam o clima de reflexão e de abertura para novas observações, normalmente
associado à pesquisa e que se manifesta nas questões ou observações dos
pesquisadores envolvidos, nas entrevistas ou questionários utilizados, nas análises
elaboradas e, sobretudo nos modos de raciocínio utilizados na condução da
pesquisa, como sendo favoráveis à construção da competência em questão.
No âmbito do Ensino de Física, Nersessian (apud Krapas, Queiroz,
Colinvaux e Franco, 1997), questiona até que ponto o conhecimento das práticas
de pensamento dos cientistas pode nos inspirar para elaborar estratégias
pedagógicas efetivas. Esta autora argumenta que pesquisas comparativas entre as
maneiras de abordar um problema por novatos e por experts têm mostrado que
estes últimos desenvolvem a habilidade
6
de trabalhar com modelos mentais
genéricos, que podem ser transferidos a situações novas. Tal linha de pesquisa se
baseia na suposição de que “teremos mais sucesso treinando estudantes a pensar
cientificamente se eles forem ensinados, explicitamente, a como se engajar nas
práticas de modelagem daqueles considerados experts em Física”.
Villani e Pacca (1997) destacam que o conhecimento do conteúdo específico
da disciplina sempre foi considerado um requisito fundamental do bom professor
de Ciências. Sob uma visão tradicional do ensino como transmissão de
conhecimentos privilegiava-se a amplitude e a profundidade do conhecimento do
docente relacionando-as diretamente com a qualidade da aprendizagem dos
6 A maior parte dos documentos do MEC tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais de
Ensino Médio apresentam competências e habilidades em conjunto, sem distingui-las. Sugere-se,
de forma geral, conceber cada competência como um feixe ou uma articulação coerente de
habilidades.
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estudantes. Nas décadas de 60 e 70 o desenvolvimento de recursos tecnológicos e
didáticos quase autônomos, colocando o professor como gerente dos recursos e
fonte de estímulo para a aprendizagem dos estudantes (Gouveia, 1992 apud
Villani e Pacca 1997 p. 23) obscureceu de certo modo a importância do
conhecimento científico do docente em favor de habilidades de organização.
Durante estas décadas, o Banco Mundial financiou projetos didáticos
considerados "à prova de professor", nos quais a qualidade do conteúdo ensinado
seria garantida pelo material distribuído aos alunos. A coordenação das atividades
didáticas ficaria a cargo de monitores preparados mediante cursos de treinamento
específico, dispensando a formação na disciplina específica. Para Villani e Pacca
(1997), as licenciaturas de curta duração, em que o conteúdo específico é bastante
restrito para dar lugar aos conteúdos de caráter pedagógico, podem ser
consideradas as versões brasileiras dessa visão.
Para entender o contexto de oferta destes cursos de licenciatura curta,
precisamos voltar no tempo. Desde o inicio da década de 70, a maioria dos
docentes já era oriunda de instituições particulares isoladas e por conseqüência os
docentes da área de ciências eram formados longe do ambiente da produção do
conhecimento. A grande maioria dos docentes, antes formada em cursos de
licenciatura plena, seria então licenciada em cursos de curta duração (dois anos)
oficializados pelo Conselho Federal de Educação (resolução CFE n° 30/74).
Dentre outros impactos, as mudanças na legislação pós-acordo MEC/USAID,
levaram à seguinte situação: primeiro passou-se a ter no final dos anos 70 duas
classes de professores de ciências (os formados nas Instituições de Ensino
Superior (IES) públicas e os que passaram a se licenciar nos cursos de curta
duração, em sua maioria em IES privadas). A maioria dos docentes formados nos
cursos de curta duração complementou a licenciatura em áreas como a
Matemática ou Biologia. Os altos custos para instalação de laboratórios de Física
e Química impediram por parte da iniciativa privada a abertura de cursos dessas
disciplinas, com isso, reforçou-se a idéia de que o ensino de ciências no nível
fundamental é uma tarefa exclusiva de licenciados em ciências biológicas (Rosa,
2005, p. 95)
Pereira (2000 apud Nardi, Bastos e Diniz 2004 p. 60), em sua análise acerca
da formação inicial de professores no período de 1980 – 95 apresenta uma
retrospectiva histórica sobre o tema. Este autor mostra que a formação de
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professores passou a ter destaque a partir da década de 70 e início da década de
80, período no qual foi discutida a reformulação dos cursos de Pedagogia e das
licenciaturas no Brasil. No início da década de 70, a formação de professores
privilegiava uma dimensão técnica, em que o professor era entendido como um
organizador dos componentes do processo ensino-aprendizagem (objetivos,
seleção de conteúdos, estratégias de ensino, avaliação etc.) que deveriam ser
rigorosamente cumpridos. Tal configuração se atribui à influência da psicologia
comportamental e da tecnologia educacional (Nardi, Bastos e Diniz, 2004).
Entretanto, verifica-se que a partir da segunda metade da década de 1970, a
formação de professores volta-se à outra perspectiva: a educação sendo vista
como prática social intimamente ligada ao sistema político e econômico vigente
(Candau, 1982, apud Nardi, Bastos e Diniz 2004 p. 60).
Segundo Pereira (2000 apud Nardi, Bastos e Diniz, 2004 p. 60) este
posicionamento ganha força na década de 80 e passa-se a privilegiar na formação
do educador o caráter político da prática pedagógica e o compromisso docente
com as classes menos favorecidas. Nesse período, valoriza-se a discussão sobre a
função da escola, ressaltando-se a importância do professor enquanto sujeito na
transformação da realidade social de seus alunos, e a prática educativa sob uma
perspectiva social mais global. Ainda na década de 80, o compromisso político e a
competência técnica são aspectos amplamente debatidos, bem como a relação
teoria e prática na sua formação.
Nesse contexto, têm grande impacto as idéias de Schön (1992), ressaltando
o papel da reflexão na prática profissional. Segundo Nardi, Bastos e Diniz (2004),
nos anos 90, quando a Educação passa por uma “crise de paradigmas”, passa-se a
dar prioridade à formação do professor-pesquisador, inserida no conceito de
profissional-reflexivo. Contudo, como atentam esses autores, esta prática
reflexiva, deve focar diferentes objetos, ora o conteúdo, ora a qualidade de ensino
dentre outros, não podendo se limitar às questões técnicas de métodos e de
organização interna de sala de aula, mas sim levar as discussões às questões
sociais e institucionais nas quais o ensino está inserido, para que não caia na
superficialidade.
Ao refletir sobre a formação acadêmica e continuada do professor de
Ciências Naturais, Silva (1999) afirma que o equacionamento da relação
conteúdo-forma é um fator crucial na delimitação do conhecimento escolar. A
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aproximação dessas duas dimensões, dicotomizadas nas licenciaturas sob a forma
de disciplinas “específicas“ (conteúdo) e “pedagógicas“ (forma) faz-se urgente.
Para este autor, a forma como a matéria de ensino é concebida, pedagogicamente,
é um aspecto essencial para a “desfragmentação“ no ensino. No estudo feito por
este autor, vários professores entrevistados (de diferentes Ciências Naturais)
argumentam não terem tido oportunidade, ao longo de sua formação, de
discutirem formas alternativas de fazer uso da organização do seu conhecimento
específico e que, por este motivo, hoje se vêem como que “presos aos conteúdos
estabelecidos“.
Concordo com Silva, para quem isto é preocupante, se considerarmos a
prática pedagógica em Ciências uma instância na qual o conteúdo específico de
uma área científica deve ser flexibilizado, no sentido de adequar-se à
complexidade do processo pedagógico e à multiplicidade de enfoques que ele
demanda. Como bem atenta este autor, um “corpo de conhecimentos“
fragmentado e rígido não serve a este propósito. Por isso, para ele, a ênfase dada,
ao longo da formação docente, ao conteúdo científico, de maneira exclusivista e
em detrimento do seu uso pedagógico, termina por isolar essas duas formas de
saber e acarreta um prejuízo significativo ao futuro educador científico.
Para Araújo-Jorge e Borges (2004), o fazer escolar e boa parte das
pesquisas, ainda são conduzidos pela concepção de que a qualificação é pré-
requisito para a transformação da realidade e que o conhecimento específico é
condição suficiente para o exercício da prática docente. Assim, para estas autoras,
contrariando a legislação e os discursos dos seus atores, os cursos de formação de
professores (em especial os de Ciências Naturais) ainda funcionam no modelo
cartesiano da racionalidade técnica, no qual a prática é entendida como o
momento de aplicação do conhecimento científico e pedagógico. Acerca da
fragmentação entre o “conhecimento pedagógico” e o “conhecimento específico”
nos cursos de licenciatura, alertam que o caráter complementar de cada momento
do processo de formação de educadores é o que assegura que nenhum dos dois se
torne o único domínio da sua formação: nem a prática em sala de aula nem só o
acúmulo de conhecimentos específicos ou pedagógicos, evitando-se assim
negligenciar algo essencial para a construção de um ensino voltado para a
aprendizagem significativa: a relação entre o conhecimento específico e o
pedagógico.
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Galiazzi e Moraes (2002) defendem a idéia de que a organização da
formação docente, tendo como princípio formativo a educação pela pesquisa
possibilita um avanço qualitativo nesta formação, podendo contribuir de forma
efetiva especialmente num exercício de aproximação teoria e prática ao fazer uma
aproximação dialética entre disciplinas de conteúdos específicos e disciplinas
pedagógicas. Esta aproximação necessariamente precisa dar-se a partir do sujeito
que pensa e age. O desenvolvimento de projetos integrados por meio do educar
pela pesquisa poderia, segundo as autoras, aproximar o mundo da formação
acadêmica da realidade da sala de aula, tornando a prática mais significativa e
ajudar os formandos a se impregnarem na teoria dentro da prática ao possibilitar ir
à realidade e examiná-la a partir de bases teóricas. As autoras atentam que por ser
essencialmente um processo de questionamento e argumentação, o educar pela
pesquisa constitui-se num exercício permanente de reflexão sobre a prática e é
importante que esta se inicie sobre as próprias teorias e práticas dos licenciandos,
ajudando no conhecimento das próprias idéias e modelos pedagógicos,
propiciando avançar em relação a eles. A partir disto a pesquisa pode direcionar-
se a refletir sobre conhecimentos e práticas das realidades em que os futuros
professores atuarão, criando alternativas de intervenção nestes contextos (Harres,
2000; Porlán, 1998 apud Galiazzi e Moares 2002 p. 250).
Como atentam Santos e Greca (2006), os formadores de professores nas
licenciaturas, têm compreensões diferentes sobre a formação de outras pessoas, e
muitas delas vêm do saber prático da vida. Incluem-se aí os hábitos, as emoções, a
intuição, o conhecimento cotidiano. Estas persistem, muitas vezes, na prática de
quem vai formar professores. Mesmo profissionais com Pós-Graduação, tornando-
se docentes universitários sem terem tido a oportunidade de construir, na interação
pedagógica intencional, os saberes específicos da profissão de professor, podem
continuar a agir com base nessas compreensões simplificadas, ainda que altamente
especializados em outro campo do conhecimento humano, como na Química,
Física, Biologia.
Para Alarcão (1996), em decorrência da falta de articulação entre o conteúdo
ensinado e a prática efetiva nas licenciaturas, cabe ao professor novato fazer a
ponte entre estes, o que resulta em uma “didática de sobrevivência” na sala de
aula. Verifica-se que além das deficiências que os licenciandos precisam superar
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nos aspectos pedagógicos de sua prática, há aquelas que se referem aos próprios
conteúdos específicos da disciplina que vão lecionar.
Segundo Carvalho (1992 apud Nardi, Bastos e Diniz, 2004 p. 101) os
professores novatos, quando vão para a sala de aula, na maior parte das vezes,
deparam-se com situações com as quais não sabem trabalhar. Sem alternativas,
acabam reproduzindo práticas “aprendidas” na condição de alunos, com seus ex-
professores; mesmo se anteriormente rejeitassem muitas delas. Para Bejarano
(2001), os professores novatos também podem encarar as contribuições da
licenciatura como superficiais, o que os leva a manter suas crenças prévias através
de um “filtro próprio”. Já para Guarnieri (2000 apud Nardi, Bastos e Diniz, 2004
p. 102), o professor novato, ao se deparar com sua prática, pode rejeitar ou até
mesmo abandonar os conhecimentos pedagógicos recebidos durante seu curso de
formação, assumindo uma postura pragmática, integrando-se à cultura da escola,
tornando-se passivo e resistente às mudanças.
Percebe-se, conforme as pesquisas citadas, que muitas das idéias que os
licenciandos trazem do seu período de formação são mantidas, principalmente no
momento da prática em sala de aula. Como aponta Gatti (1997 apud Nardi, Bastos
e Diniz, 2004 p. 205), na maior parte das vezes, os licenciandos são orientados
mais pelas idéias que carregam de sua formação prévia do que pelas teorias que
estudaram durante sua formação como professores. Para Tancredi (1998 apud
Nardi, Bastos e Diniz, 2004 p. 205), todas as propostas poderão se tornar
ineficazes se os professores não estiverem predispostos à mudança, o que é
conseguido através da oportunidade de o docente perceber a necessidade e a
importância de mudar.
Minha experiência como docente leva-me a concordar com o que dizem
Wallace e Louden (1992 apud Nardi, Bastos e Diniz, 2004 p. 205): o
conhecimento dos professores não se desenvolve por saltos ou insights, e sim
através da experimentação com estratégias diferenciadas em sala de aula,
reformulações de idéias antigas, tentativas de novas idéias e soluções de
problemas. Diante dessas constatações, uma questão sobre formação inicial de
professores se remete então às dificuldades de operar mudanças nas crenças e
visões acerca do papel e prática do professor. É preciso levar estes fatores em
conta ao se propor reformas educacionais que impliquem mudança efetiva da
prática pedagógica e na organização de programas de formação docente.
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Segundo Nardi, Bastos e Diniz (2004 p. 101), um outro aspecto importante
na formação docente reside na questão de que os próprios professores das
licenciaturas, em sua maioria, não agem como formadores de professores e sim
como preparadores de “técnicos em ensinar”, o que parece deixar transparecer
uma visão de educação completamente equivocada, segundo a qual caiba ao
professor somente transmitir os conhecimentos de sua disciplina, e ao aluno,
somente incorporar esse conhecimento pronto e acabado. Neste sentido, esses
autores alertam que se deve, portanto atentar, para a possibilidade de que muitos
licenciandos acabem espelhando-se em seus professores, segundo um processo
que Carvalho e Gil-Pérez (1995) designaram “formação ambiental”, na qual os
alunos incorporam, ainda que inconscientemente, a visão de educação que seus
professores deixam transparecer durante suas aulas.
Bejarano e Carvalho (2003), em um estudo qualitativo sobre crenças e
conflitos de professores de Ciências em formação, verificaram que professores
novatos ao observarem a realidade de seu trabalho apoiando-se em suas crenças
podem desenvolver conflitos ou preocupações educacionais, especialmente em
contextos que afrontem essas crenças. Para estes autores, ao usarem estratégias
pessoais de resolução desses conflitos e/ou preocupações numa perspectiva de
longo prazo, é que esses professores demonstram genuíno desenvolvimento
profissional. Essas crenças educacionais se originam de uma maneira mais
intensa, durante o período em que o futuro professor se encontra na situação de
aluno da Educação Básica. Seria segundo os autores, nesse período, que ele
constrói numa aprendizagem por observação, formas peculiares de entender os
processos de ensino/aprendizagem; o papel da escola, além de criar um modelo de
professor, entre outros aspectos de crenças educacionais. Dentre os exemplos de
crenças educacionais dos professores citados no estudo de Bejarano e Carvalho
têm-se: confiança para influenciar a performance dos alunos, ou seja, crença na
eficiência do professor; crença sobre a natureza do conhecimento, ou seja, uma
crença mais de caráter epistemológico; papéis que devem representar os
professores e papéis reservados aos alunos; motivação acadêmica dos alunos e
motivação do próprio professor; percepção de si mesmo como professor e
sentimento de crescimento pessoal e/ou profissional e crenças educacionais sobre
as disciplinas ou conteúdos específicos (Pajares, 1992, p. 316 apud Bejarano e
Carvalho, 2003, p. 2). Segundo os autores do estudo, crenças dos professores
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passam a ser os melhores indicadores das decisões que os indivíduos fazem
através de suas vidas. Compreender a estrutura das crenças dos professores ou dos
licenciandos seria uma promissora rota de pesquisa na medida em que crenças
influenciam percepções e julgamentos das pessoas e estes, por seu lado, afetam
comportamentos docentes em sala de aula. Os alunos quando chegam às
licenciaturas, trazem imagens vivas do trabalho do professor, raramente alinhadas
com as orientações desses cursos, que se inspiram nos desejos atuais da reforma
do ensino de Ciências, enquanto que as crenças dos licenciandos, em geral, foram
cunhadas num contexto de ensino tradicional.
Também Adams e Krockover (1997 apud Nardi, Bastos e Diniz, 2004 p.
101) afirmam que os licenciandos, quando vão para sala de aula, carregam visões
do que é ser professor, adquiridas durante seu período enquanto aluno na
Educação Básica e superior. Deste modo, para responder às situações de aula, os
novos professores acabam agindo segundo experiências prévias adquiridas.
No contexto desta pesquisa, indago-me o quanto certos tipos de crenças
docentes, e seus reflexos na prática, podem favorecer ou desencorajar alunos para
o aprendizado de ciências e para a carreira científica. Em que medida a escola e os
professores reforçam a idéia de que a Ciência é para gênios e que aprender
Química, Física e Biologia é difícil? Que tipo de Ensino de Ciências pode
desconstruir esta “cultura do fracasso” do aluno?
Para subsidiar estas e outras reflexões, proponho no capítulo seguinte,
resgatar, ainda que brevemente, a trajetória do ensino de Ciências no Brasil.
Busco estabelecer algumas relações entre o contexto histórico onde foram
produzidos movimentos e reformas curriculares que marcaram a Educação neste
campo e reflexos destes processos nas salas de aula. Com isto, pretendo obter
elementos que ajudem a compor a figura do professor com quem os cientistas
participantes deste estudo aprenderam ciências de modo tão significativo a ponto
de impulsioná-los para a carreira científica.
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3
O Ensino de Ciências no Brasil: um breve resgate histórico
“A atividade do professor é marcada por uma dialética de crer e
descrer, de convicção e dúvida”.
(Konder, 1998)
7
A Biologia, a Física e a Química, nem sempre foram objeto de ensino nas
escolas. O espaço conquistado por essas ciências no ensino formal (e informal)
seria, segundo Rosa (2005), conseqüência do status que adquiriram
principalmente no último século, em função dos avanços e importantes invenções
proporcionadas pelo seu desenvolvimento, provocando mudanças de mentalidades
e práticas sociais. Segundo Canavarro (1999 apud Rosa p. 89) a inserção do
ensino de ciências na escola deu-se no início do século XIX quando então o
sistema educacional centrava-se principalmente no estudo das línguas clássicas e
da Matemática, de modo semelhante aos métodos escolásticos da idade média. De
acordo com Layton (1973 apud Rosa p. 89) já naquela época as diferentes visões
de ciência dividiam opiniões. Havia os que defendiam uma ciência que ajudasse
na resolução de problemas práticos do dia a dia. Outros enfocavam a ciência
acadêmica, defendendo a idéia de que o ensino de ciências ajudaria no
recrutamento dos futuros cientistas. A segunda visão acabou prevalecendo e
embora essa tensão original ainda tenha reflexos no ensino de ciências atual, este
permaneceu bastante formal, ainda baseado no ensino de definições, deduções,
equações e em experimentos cujos resultados são previamente conhecidos.
A revolução industrial deu novo poder aos cientistas institucionalizando
socialmente a tecnologia. Este reconhecimento da ciência e da tecnologia como
fundamentais na economia das sociedades levou à sua admissão no ensino com a
criação de unidades escolares autônomas em áreas como a Física, a Química e a
Geologia e com a profissionalização de indivíduos para ensinar estas áreas.
O estudo da Biologia seria introduzido mais tarde devido à sua
complexidade e incerteza (Canavarro 199 p. 81-84 apud Rosa p. 90).
Santos e Greca (2006) lembram que preocupação com o processo ensino e
aprendizagem nas Ciências Naturais, como um campo específico de pesquisa e
7 In: CHASSOT, A. e Oliveira, J. R. (org). Ciência, ética e cultura na educação. São Leopoldo:
Ed. UNISINOS, 1998, p. 25.
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desenvolvimento, já completa praticamente meio século, se considerarmos como
marco inicial a criação dos grandes projetos americanos e ingleses para a didática da
ciência na Educação Básica. Pode-se dizer que nas primeiras décadas desse período,
mais especificamente nas décadas de 60 e 70 do século passado, havia uma
preocupação maior com a estruturação do conhecimento científico tal como ele se
constituiu no âmbito dos campos científicos da Física, Química, Biologia e Geologia.
No Brasil, que mudanças vem sofrendo o Ensino de Ciências? Que relação
essas mudanças têm com o contexto sócio-político-econômico nacional e
internacional? Que impacto estas mudanças têm no trabalho docente e no
aprendizado em Ciências? Que pesquisas têm sido feitas nesta área? Em que
medida e de que forma estas pesquisas têm efetivamente chegado ao professor de
ciências? Neste capítulo pretende-se traçar um breve histórico das tendências,
iniciativas, movimentos e pesquisas neste campo da docência, considerando
legítima a preocupação de Schnetzler (1998 p. 386):
"[...] é voz corrente que entre a produção da pesquisa e o seu uso na sala de aula há
obstáculos e entraves seríssimos. Apesar do rápido desenvolvimento da pesquisa
sobre Educação em Ciências nestes últimos 40 anos, e de suas potenciais
contribuições para a melhoria da sala de aula, elas não têm chegado aos professores
e professoras que, de fato, fazem acontecer a educação científica em nossas
escolas. Constata-se que a pesquisa educacional tem sido desenvolvida sem a
participação daqueles atores. Porque estes, então, se sentiriam compromissados
com a sua adoção? Muito se tem produzido e dito sobre o que os professores e
professoras deveriam fazer, usar e pensar para darem "boas aulas de ciências". Do
alto das estruturas acadêmicas e governamentais, prescrições têm sido propostas
que, em sua maioria, são literalmente ignoradas pelo professorado ou
implementadas, na prática da sala de aula, de forma bastante distinta. Na realidade,
o professor tem sido afastado da pesquisa educacional porque o espaço para tal não
foi criado durante a sua formação inicial e nem em sua formação continuada.
Concebidos como meros executores, aplicadores de propostas e idéias gestadas por
outros, os professores e as professoras têm sido ainda culpabilizados pela baixa
qualidade da nossa educação. "
Segundo Krasilchik (2000), tomando como marco inicial a década de 50, é
possível reconhecer nestes últimos 50 anos movimentos que refletem diferentes
objetivos da educação modificados evolutivamente em função de transformações
no âmbito da política e economia, tanto nacional como internacional. Para esta
autora, na medida em que a Ciência e a Tecnologia foram reconhecidas como
essenciais no desenvolvimento econômico, cultural e social das nações, o ensino
das Ciências em todos os níveis foi igualmente crescendo em importância, e ao ser
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objeto de inúmeros movimentos de transformação do ensino, pode servir de
ilustração do impacto das reformas educacionais.
Durante a “guerra fria“, nos anos 60, os Estados Unidos da América, no afã
de vencer a “batalha“ espacial, fizeram grandes investimentos de recursos
humanos e financeiros na Educação, para produzir os hoje chamados projetos de
1ª geração do ensino de Física, Química, Biologia e Matemática para o Ensino
Médio. A justificativa desse empreendimento baseava-se na idéia de que a
formação de uma elite que garantisse a hegemonia norte-americana na conquista
do espaço dependia, em boa parte, de uma escola secundária em que os cursos das
Ciências identificassem e incentivassem jovens talentos a seguir carreiras
científicas. Nesse movimento, que teve a participação intensa das sociedades
científicas, das Universidades e de acadêmicos renomados, apoiados pelo
governo, foi produzido o que também é denominado na literatura especializada de
“sopa alfabética“, em razão dos projetos de Física (Physical Science Study
Commitee – PSSC), de Biologia (Biological Science Curriculum Study – BSCS),
de Química (Chemical Bond Approach – CBA) e (Science Mathematics Study
Group-SMSG) serem conhecidos universalmente por suas siglas.
Na fase dos projetos de 1ª geração, a Ciência era considerada neutra,
isentando os pesquisadores de julgamento de valores sobre seu trabalho. Mesmo
os cientistas que tiveram uma atuação significativa na produção da bomba atômica
procuravam não assumir sua responsabilidade no conflito bélico. O objetivo do
trabalho em Ciências era desenvolver a racionalidade, a capacidade de fazer
observações controladas, preparar e analisar estatísticas, respeitar a exigência de
replicabilidade dos experimentos. No período 1950-70, prevaleceu a idéia da
existência de uma seqüência fixa e básica de comportamentos, que caracterizaria o
“método científico” na identificação de problemas, elaboração de hipóteses e
verificação experimental dessas hipóteses, o que permitiria chegar a uma
conclusão e levantar novas questões.
Para Santos e Greca (2006), estes projetos iniciais de ensino tiveram a
preocupação de proporcionar uma visão globalizada de cada campo e com os
processos de sua produção e desenvolvimento realizados pelos cientistas. Segundo
as autoras, a compreensão do que era ciência, sua produção e validação pela
comunidade científica, encontrava-se fortemente apoiada na concepção positivista
de ciência e na crença de que a aplicação de seus resultados pudesse resolver os
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graves problemas que afligiam a humanidade, bem como prever e evitar que
novos problemas surgissem.
Esse período foi marcante na história do ensino de Ciências e até hoje
influencia as tendências curriculares de várias disciplinas do Ensino Médio e
fundamental. Ao longo dessas últimas décadas, as modificações no contexto
político, econômico e social resultaram em transformações das políticas
educacionais e em mudanças no ensino de Ciências.
A Lei nº. 4024, de Diretrizes e Bases da Educação, de 21 de dezembro de
1961, ampliou bastante a participação das Ciências no currículo escolar, que
passaram a figurar desde o 1º ano do então curso ginasial. No curso colegial,
houve também substancial aumento da carga horária de Física, Química e
Biologia. Reforçou-se a crença de que essas disciplinas exerceriam a “função“ de
desenvolver o espírito crítico através do exercício do “método científico”.
A ditadura militar em 1964 mudou o cenário político do país, e também o
papel social esperado da escola. No contexto da Teoria do Capital que se expande
no Brasil em fins dos anos 60 e início dos anos 70, verifica-se a interferência mais
direta dos EUA na política educacional brasileira. Sob a concepção de educação
baseada no modelo norte-americano, para Gadotti (1991) escondia-se a ideologia
desenvolvimentista visando o aperfeiçoamento do sistema industrial e econômico
capitalista. Supostamente norteada para uma filosofia voltada para a vida, esta
escola Voltava-se à industrialização, à “modernização“, formando, no curso
secundário, mão-de-obra especializada (Lei 5. 692/71). Esta interferência tornou-
se clara e aberta a partir de 1964, com o golpe militar e, em especial, após 1968.
Com o acordo MEC/ USAID (United States Agency for International
Development), em 1966, definiu-se que a formação técnica profissional seria a
ideal para a educação brasileira.
O MEC criou em 1963 seis centros de Ciências nas maiores capitais
brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Porto Alegre e Belo
Horizonte. A estrutura institucional desses centros era variada. Alguns, como os
de Porto Alegre e Rio de Janeiro, tinham vínculos com Secretarias de Governo da
Educação e de Ciência e Tecnologia, enquanto os de São Paulo, Pernambuco,
Bahia e Minas Gerais eram ligados às Universidades. Algumas dessas instituições
com trajetórias e vocações diferentes persistem até hoje, como a de Belo
Horizonte, estreitamente associada à Faculdade de Educação da UFMG, e o
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Centro do Rio, hoje mantido pela Secretaria de Ciência e Tecnologia. Os outros
desapareceram ou foram incorporados pelas universidades onde passaram a se
estruturar grupos de professores para preparar materiais e realizar pesquisas sobre
o ensino de Ciências. Com a expansão dos programas de pós-graduação e
delineamento de uma área específica de pesquisa – Ensino de Ciências –, as
organizações acadêmicas assumiram a responsabilidade de investigar e procurar
fatores e situações que melhorassem os processos de ensino-aprendizado nesse
campo. Esse movimento ocorre agora nos Centros de Ciências ou nas
Universidades e ganha atenção das autoridades federais e instituições
internacionais, estabelecendo programas como o Premem (Projeto de Melhoria do
Ensino de Ciências e Matemática) e o SPEC (Subprograma de Educação para a
Ciência), vinculado à Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior) e mais recentemente o pró-Ciências e os programas de educação
científica e ambiental do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico). No plano internacional o processo foi equivalente.
Outros valores e outras temáticas ligadas a problemas sociais de âmbito
mundial foram sendo incorporados aos currículos e tiveram repercussões nos
programas vigentes. Os estudos de ciência, tecnologia e sociedade (CTS), como
campo interdisciplinar, originaram-se dos movimentos sociais das décadas de 60 e
70, sobretudo devido às preocupações com as armas nucleares e químicas e ao
agravamento dos problemas ambientais decorrentes do desenvolvimento científico
e tecnológico (Cutcliffe, 1990, apud Santos e Mortimer, 2003, p. 96). Em relação
direta a esses movimentos, cresceram o interesse e o número de pesquisas sobre as
conseqüências do uso da tecnologia e sobre os aspectos éticos do trabalho dos
cientistas, como a sua participação em programas militares e a realização de
experimentos na medicina e biotecnologia. Para Santos e Mortimer (2001), o
movimento CTS surgiu em contraposição ao pressuposto cientificista que
impregnava os currículos na década de 60 e valorizava a ciência por si mesmo,
depositando uma crença cega em seus resultados positivos. A ciência era vista
como uma atividade neutra, de domínio exclusivo de um grupo de especialistas,
que trabalhava desinteressadamente e com autonomia na busca de um
conhecimento universal, cujas conseqüências ou usos inadequados não eram de
sua responsabilidade. Segundo Santos e Greca (2006), essa crença perdeu força na
década de 70, pois os profissionais formados para aplicar os resultados dos
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avanços científicos e tecnológicos começaram a ter dificuldade em dar conta dos
problemas e “parecem ter perdido o rumo de suas atividades à medida que o seu
conhecimento adequava-se cada vez menos às situações práticas demandadas pela
sociedade” (Maldaner, 2003, p. 49-50).
Segundo Krasilchik (2004 apud Borges e Lima 2007 p. 167), nesse período o
ensino de Ciências no país apresentou-se contraditório. Embora os documentos
oficiais (LDB/1971) valorizassem as disciplinas científicas, o período de ensino a
elas disponibilizado fora reduzido por força de um currículo de viés tecnicista,
fortemente impregnado por um caráter profissionalizante. Além disso, apesar de
os currículos enfatizarem “aquisição de conhecimentos atualizados” e a “vivência
do método científico”, o ensino de ciências, na maioria das escolas brasileiras,
continuou a ser descritivo, segmentado e teórico.
Superada a idéia de produção de projetos de ensino, já nos anos 70 começou-
se a constatar as enormes lacunas na formação científica e na educação em geral
das novas gerações diante das necessidades sempre maiores de conhecimentos e
que mudavam rapidamente. A crítica à concepção da Ciência como neutra levou a
uma nova filosofia e sociologia que passou a reconhecer as limitações,
responsabilidades e cumplicidades dos cientistas, enfocando a ciência e a
tecnologia (C&T) como processos sociais. As implicações sociais da Ciência
incorporam-se às propostas curriculares nos cursos ginasiais da época e, em
seguida, nos cursos primários. Simultaneamente às transformações políticas
ocorreu a expansão do ensino público cuja principal pretensão não mais era
formar cientistas, mas fornecer ao cidadão elementos para viver melhor e
participar do breve processo de redemocratização ocorrido no período.
A admissão das conexões entre a ciência e a sociedade implica que o ensino
não se limite aos aspectos internos à investigação científica, mas à correlação
destes com aspectos políticos, econômicos e culturais. Os alunos passam a estudar
conteúdos científicos relevantes para sua vida, no sentido de identificar os
problemas e buscar soluções para os mesmos. Surgem projetos que incluem
temáticas como poluição, lixo, fontes de energia, economia de recursos naturais,
crescimento populacional, demandando tratamento interdisciplinar. Essas
demandas dependiam tanto dos temas abordados como da organização escolar.
Este movimento de Ciência Integrada, que teve apoio de organismos internacionais,
principalmente a Unesco, provocou reações adversas dos que defendiam a
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identidade das disciplinas tradicionais, mantendo segmentação de conteúdos mesmo
nos anos iniciais da escolaridade. Os processos que ocorriam na sociedade – tais
como o fim da “guerra fria“, a competição tecnológica entre países e o agravamento
dos problemas sociais e econômicos – também tiveram impacto nos currículos
escolares, que passaram a destacar a importância dos estudantes estarem preparados
para compreender a natureza, o significado e a importância da tecnologia para sua
vida como indivíduos e como cidadãos. Para tanto, os cursos deveriam incluir temas
sociais relevantes que tornassem os alunos aptos a participar de modo melhor
qualificado de decisões que afetariam não só sua comunidade, no âmbito local, mas
que também teriam efeitos de alcance global.
Para Gil Pérez (2001), esta “neutralidade” (grifo meu) da Ciência seria
resultado do que ele denomina uma visão deformada, que transmite uma imagem
descontextualizada e socialmente neutra da ciência, quando são ignoradas as
complexas relações entre ciência, tecnologia, sociedade (CTS) e proporciona-se
uma imagem também deformada dos cientistas como seres “acima do bem e do
mal”, fechados em torres de marfim e alheios à necessidade de fazer opções. A
avaliação de atitudes dos cientistas é, quase sempre, esquecida, senão mesmo
ignorada. Em um estudo feito na Espanha, Solbes e Vilches (1992 apud Auler e
Delizoicov 2006 p. 340) analisaram livros-texto, e realizaram uma pesquisa com
estudantes secundários de 15 a 17 anos. Da análise dos livros, destacam que estes
oferecem uma imagem de ciência empirista, cumulativa e que não consideram
aspectos qualitativos, do tipo histórico, sociológico, humanístico, tecnológico, e o
trabalho de campo. Em síntese, não aparecem interações entre CTS. Em relação à
pesquisa com os estudantes, Solbes e Vilches (1992 apud Auler e Delizoicov 2006
p. 340) concluem:
• Em relação aos cientistas: são consideradas pessoas imparciais, objetivas,
possuidoras da verdade, gênios, às vezes um pouco loucos, que lutam pelo bem
da humanidade;
• Para a grande maioria dos alunos, a física e a química, ensinadas na
escola, nada ou pouco tem a ver com a sociedade. Em outros termos, uma física
e química desvinculada do mundo real.
Os resultados encontrados com estudantes e citados acima não são muito
diferentes daqueles obtidos com professores. Em um trabalho realizado com
professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental, sobre o conhecimento
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físico em aulas de ciências, Monteiro e Teixeira (2004, p. 3) gravaram relatos que
mostram uma visão ambígua da Física, construída em parte, pelas lembranças que
têm de seus antigos professores:
"A Física é muito difícil. Não é para qualquer um. Você não vê os cientistas? Eles
são uns loucos, pirados. Não pensam em outra coisa. Mas ela é muito importante.
Já pensou o que seria do mundo sem a Física? Não teria carros, microondas,
geladeira, televisão, telefone. Isso sem falar nesses equipamentos que os médicos
usam para fazer exames e salvar vidas. Então, não se pode dizer que a Física não
seja importante, mas ela é muito difícil. (MAR)”.
Na análise dos autores deste estudo, estas falas revelam que:
“O processo acrítico pelo quais os exercícios, fórmulas e equações foram
apresentados a estas professoras, quando alunas, descaracterizou o real objetivo do
ensino de Física. Além disso, os trabalhos sobre as biografias de cientistas, de que
a professora se recorda muitas vezes embasados nos próprios livros didáticos,
evidenciam os cientistas como indivíduos dotados de grande capacidade intelectual
e, de forma geral, não se referem adequadamente à contribuição da comunidade
científica e ao contexto sociocultural no qual uma pesquisa científica se
desenvolve. Essas condições tendem a mitificar o cientista, a Ciência e,
conseqüentemente, o ensino de Física”. (Monteiro e Teixeira 2004, p. 3).
Fernández et al. (2002 apud Auler e Delizoicov 2006 p. 340) fizeram uma
extensa revisão bibliográfica relativa às visões simplistas e deformadas da Ciência
transmitidas pelo ensino, dentre elas: empírico-indutivista; a-histórica e
dogmática; individualista-elitista e socialmente descontextualizada.
O questionamento destas visões e sua superação são urgentes para uma
concepção epistemológica mais consistente no ensino de ciências. Segundo
levantamento de Auler e Delizoicov (2006), no contexto brasileiro ainda são
incipientes as pesquisas envolvendo a compreensão de professores sobre
interações entre CTS.
Ziman (1985) propõe que na Educação Básica, CTS seja ensinado pelos
professores de Ciências, mas com características de aplicação e orientação
interdisciplinar no tratamento dos temas científicos ordinários. Contudo, alerta
Ziman, os professores, embora se mostrem entusiasmados com a educação em
CTS, não costumam ter confiança em suas competências para ensinar em novas
bases. No caso da formação acadêmica desses professores, Ziman adverte que há
obstáculos a serem enfrentados relativos à institucionalização de inovações:
legitimação nos currículos; abertura de espaço nos departamentos das
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universidades para abordagens interdisciplinares e transdisciplinares; treinamento
pessoal em estudos e pesquisas avançadas de CTS; criação de periódicos para
divulgação da produção; etc.
Para Apple (1982 apud Teixeira 2003 p. 178), a ciência que é ensinada nas
escolas, ainda sustenta uma imagem idealizada e distante da realidade do trabalho
dos cientistas, omitindo antagonismos, conflitos e lutas que são travadas por
grupos responsáveis pelo progresso científico. A conseqüência disso é a
construção de uma visão ingênua de uma ciência altruísta, desinteressada e
produzida por indivíduos igualmente portadores destas qualidades (Leal e Selles,
1997 apud Teixeira 2003 p. 178).
Teixeira (2000), entrevistando professores de ciências e biologia revelou
interessantes características que permeiam as representações dos docentes sobre
os objetivos educacionais e a questão da cidadania na sociedade contemporânea.
Constatou a tendência dos docentes em reproduzir o discurso hegemônico dos
objetivos educacionais inovadores, mas não efetivamente promover mudanças na
prática, que se mantém conservadora e reprodutivista, com pequenos retoques que
tentam configurá-la como progressista.
Reconhece-se hoje que a ciência não é uma atividade neutra e o seu
desenvolvimento está diretamente imbricado com os aspectos sociais, políticos,
econômicos, culturais e ambientais. Portanto a atividade científica não diz respeito
exclusivamente aos cientistas e possui fortes implicações para a sociedade. Sendo
assim, ela precisa ter um controle social que, em uma perspectiva democrática,
implica em envolver uma parcela cada vez maior da população nas tomadas de
decisão sobre C&T. Essa necessidade do controle público da ciência e da
tecnologia contribuiu para uma mudança nos objetivos do ensino de Ciências, que
passou a dar ênfase na preparação dos estudantes para atuarem como cidadãos no
controle social da ciência. Esse processo teve início nos países europeus e da
América do Norte e resultou no desenvolvimento de diversos projetos curriculares
CTS destinados ao Ensino Médio. Em contraste com os movimentos ocorridos nas
décadas de 50 e 60, que eram centrados na preparação dos jovens para agirem na
sociedade como cientistas ou optarem pela carreira científica, nesse novo
contexto, o objetivo é levar os alunos a compreenderem como C&T influenciam-
se mutuamente; a tornarem-se capazes de usar o conhecimento científico e
tecnológico na solução de seus problemas no dia-a-dia; e a tomarem decisões com
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responsabilidade social. Hofstein, Aikenhead e Riquarts (1988, p. 362 apud
Santos e Mortimer 2001 p. 96), ao resumirem os objetivos dos currículos CTS,
identificaram o foco no desenvolvimento das seguintes habilidades e
conhecimentos pelos estudantes: a auto-estima, comunicação escrita e oral,
pensamento lógico e racional para solucionar problemas, tomada de decisão,
aprendizado colaborativo/cooperativo, responsabilidade social, exercício da
cidadania, flexibilidade cognitiva e interesse em atuar em questões sociais.
O ensino de Ciências para ação social responsável implica considerar
aspectos relacionados aos valores e às questões éticas. Uma decisão responsável é
caracterizada por uma explícita consciência dos valores que a orientou. Além
disso, deve-se considerar que a ciência não é uma atividade política e eticamente
neutra. Como aponta Fourez (1995), todo discurso científico é ideológico. Assim,
a tomada de decisão relativa à C&T tem um forte componente ideológico que
necessita ser levado em consideração. Para se tomar uma decisão é fundamental
que se entenda o contexto político e econômico em que se produz C&T.
Aikenhead (apud Santos e Mortimer 2001 p. 98), por exemplo, apresenta
dados sobre as concepções dos estudantes que mostram que a televisão tem mais
influência sobre as crenças dos estudantes sobre Ciências do que os cursos de
Ciências das escolas. Ele usou esses dados para levantar uma crítica ao ensino
convencional de Ciências que, ao ignorar o contexto social e tecnológico da
mesma, contribuiria para que os estudantes confiassem mais na versão da mídia
popular do que na ciência e no que os cientistas fazem. Segundo o autor, mesmo
quando o conteúdo do currículo escolar é apropriado, estudantes ainda parecem
encontrar alguma dificuldade em passar do domínio do conhecimento do senso
comum, caracterizado por interações sociais e pelo consenso, para o domínio do
conhecimento científico formal, caracterizado pelo raciocínio lógico, quando vão
discutir questões sociais. Somente alguns são bem sucedidos nisto, embora todos
contribuam bem para as discussões a partir do seu próprio conhecimento informal
e de seus sistemas de valores pessoais.
A preocupação com a qualidade da “escola para todos“ incluiu um novo
componente no vocabulário e nas preocupações dos educadores, “a alfabetização
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científica“ ou ”letramento científico”
8
, como preferem alguns. A relação entre
ciência e sociedade provocou a intensificação de estudos da história e filosofia da
ciência, componentes sempre presentes nos programas com maior ou menor
intensidade servindo em fases diferentes a objetivos diversos. O crescimento da
influência construtivista como geradora de diretrizes para o ensino levou à maior
inclusão de tópicos de história e filosofia da Ciência nos programas,
principalmente para comparar linhas de raciocínio historicamente desenvolvidas
pelos cientistas e as concepções dos alunos. Fortalece essa linha o já mencionado
movimento denominado “Ciência para todos“, que relaciona o ensino das Ciências
à vida diária e experiência dos estudantes, trazendo, por sua vez, novas exigências
para compreensão da interação estreita e complexa com problemas éticos,
religiosos, ideológicos, culturais, étnicos e as relações com o mundo interligado
por sistemas de comunicação e tecnologias cada vez mais eficientes com
benefícios e riscos no globalizado mundo atual. A exclusão social, a luta pelos
direitos humanos e a conquista da melhora da qualidade de vida não podem ficar à
margem dos currículos e, no momento, assumem uma importância cada vez mais
evidente. Em particular no século do boom da Biotecnologia, a escola não pode
alijar seus alunos da discussão sobre questões da vida cidadã tais como clonagem,
células-tronco e de decisões políticas como as referentes a Protocolos
Internacionais que regulam emissão de carbono no monitoramento do
aquecimento global.
Krasilchik (2000 e 2004) faz um ótimo trabalho de mapeamento da história
do Ensino de Ciências no Brasil e destaca a relação entre Ensino de Ciências e
cidadania. Para esta autora, o Ensino de Ciências passou de uma fase de
apresentação da Ciência como neutra para uma visão interdisciplinar. Nela, o
contexto da pesquisa científica e suas conseqüências sociais, políticas e culturais
são elementos marcantes. Destaca ainda, que o processo de alfabetização
científica dos estudantes raramente chega ao estágio que ela denomina
“multidimensional“, no qual se tem uma compreensão integrada dos conceitos
científicos envolvendo suas conexões e vínculos com as diversas disciplinas. Para
8 Santos e Mortimer (2001), por exemplo, empregam o termo letramento no lugar de
alfabetização, adotando a versão para o português da palavra da língua inglesa literacy, Nesse caso
letramento científico e tecnológico seria a condição de quem não apenas reconhece a linguagem
científica e tecnológica, mas cultiva e exerce práticas sociais que usam tal linguagem.
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Krasilchik, o “estágio funcional“, no qual o estudante define os termos científicos
sem compreender plenamente seu significado ainda é o predominante ao fim da
Educação Básica.
Verifica-se que os núcleos catalisadores dos movimentos dos anos 60 foram
incorporados pelas universidades. Alguns centros permanecem como o Biological
Science Curriculum Study, que até hoje está produzindo inovações no ensino de
Biologia. Nos Estados Unidos foram importantes as sociedades científicas ao
longo das décadas consideradas neste trabalho, especialmente a American
Association for the Advancement of Science – AAAS, que teve persistente
preocupação com o ensino elaborando seus próprios projetos curriculares. Nos
anos 70, influenciada pelas tendências comportamentalistas proeminentes na
época, ela foi responsável por preparar material em ensino de Ciências para
crianças de escola primária. Hoje conduz o chamado Project 2061, que reúne
cientistas e educadores no sentido de estabelecer o que “todos os estudantes
devem saber ou fazer em Ciência, Matemática e tecnologia desde os primeiros
anos de estudo até o final do curso médio, de modo a promover a sua
‘alfabetização científica’“ (AAAS, 1989). Outras associações científicas, como a
Unesco e o International Council of Scientific Unions – ICSU, além das
sociedades internacionais de Física, Química e Matemática, realizam reuniões e
promovem atividades visando o desenvolvimento do ensino de Ciências.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº. 5692, promulgada em 1971,
norteou as modificações educacionais e, conseqüentemente, as propostas de
reforma no ensino de Ciências ocorridas neste período. As disciplinas do campo
das Ciências Naturais revestiram-se de um caráter mais instrumental, dentro do
contexto do então 2º grau profissionalizante.
Em 1974 foi criado, na Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP,
um programa de Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática [integradas] sob
patrocínio da Organização dos Estados Americanos e do Ministério de Educação
do Brasil. Em quatro anos o programa recebeu 128 bolsistas de todos os países da
América Latina e Caribe e de todos os estados do Brasil. Segundo D`Ambrosio
(1984), não há notícia de outro programa de pós-graduação integrada em Ciências
e Matemática anterior a esse.
Verifica-se que à medida que a influência cognitivista foi ampliando-se com
base nos estudos piagetianos, passou-se a encarar o laboratório como elemento de
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aferição do estágio de desenvolvimento do aluno e de ativação do progresso ao
longo desses estágios e do ciclo de aprendizado. Na perspectiva construtivista, as
concepções iniciais dos alunos sobre os fenômenos e sua atuação nas aulas
práticas representam férteis fontes de investigação para os pesquisadores como
elucidação do que pensam e como é possível fazê-los progredir no raciocínio e
análise dos fenômenos. Porém, o que na prática aconteceu foi que as prescrições
oficiais de reforma em curso sempre trataram do assunto superficialmente, tanto
nos documentos quanto nos programas de formação docente, havendo
descompasso entre a “proposta construtivista“ e a realidade das salas de aula.
Pesquisas realizadas na década de 1970 mostraram que (a) as crianças possuem
concepções “sobre uma variedade de tópicos em ciência, desde uma idade precoce
e antes da aprendizagem formal da ciência”; (b) as concepções “das crianças são
freqüentemente diferentes das concepções dos cientistas”; e (c) as concepções
“das crianças podem não ser influenciadas pelo ensino de ciências, ou ser
influenciadas de maneira imprevista” (Osborne e Wittrock, 1985, p. 59 apud
Nardi, Bastos e Diniz, 2004 p. 9).
Para Borges e Lima (2007), os anos 80 caracterizaram-se por proposições
educacionais desenvolvidas por diversas correntes educativas, todas elas
refletindo os anseios nacionais de redemocratização da sociedade brasileira. Desta
forma, a preocupação com a reconstrução da sociedade democrática repercutiu
também no ensino de Ciências e a gama de projetos desenvolvidos nessa década
apresentou grande variabilidade de concepções sobre o ensino das ciências,
mobilizando instituições de ensino de vários tipos, como Secretarias de Educação,
Universidades e grupos independentes de professores. Em 1998, o Ministério da
Educação colocou à disposição da comunidade escolar, no documento intitulado
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), uma proposta de reorganização
curricular coerente com o ideário presente na Lei n° 9. 394/96. Embora o
Ministério da Educação o tenha apresentado como um conjunto de princípios
norteadores para a educação brasileira, sem pretensões normativas, Borges e Lima
(2007) lembram que uma parcela dos professores considerou-o impositivo e
homogeneizador. A este respeito, incomoda-me a visão um tanto maniqueísta em
relação aos PCN por parte de alguns professores. Sem ignorar o contexto
histórico-político-social de produção destes documentos, e o trabalho sério de
pesquisadores (tais como Lopes, 2002 e Macedo, 2002) que debruçaram-se sobre
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este material para análise e questionamento, parece-me um tanto complicado e
simplista , a crítica sem a devida leitura e reflexão do que eles propõem. Nas
várias oportunidades que tive de debater com professores da rede estadual de
norte ao sul do Brasil, percebi que em geral quando estes abandonavam a postura
“se veio do MEC não pode ser bom”, acabavam por vislumbrar possibilidades de
melhoria na aprendizagem calcadas nos princípios de contextualização e
interdisciplinaridade propostos pelos PCN. Do mesmo modo, questiono se tem
sentido descartar a proposta de um currículo com foco no desenvolvimento de
competências argumentando-se que desta forma a escola estaria impregnando-se
da lógica empresarial do mercado. Considero possível investir na autonomia
intelectual do aluno, sem perder o senso crítico e o olhar atento para as questões
sociais ou cair no esvaziamento e ligeireza curricular.
Na década de 1980, a preocupação em relação ao fenômeno das concepções
iniciais deu origem a debates e pesquisas que visavam estabelecer de que forma
essas concepções poderiam ser eliminadas ou transformadas, dando lugar a
concepções que fossem coerentes com os conhecimentos científicos atuais.
Surgiram então diversos trabalhos que tinham como finalidade discutir os
processos mentais que conduzem à mudança conceitual e identificar as condições
objetivas (contextos de ensino e aprendizagem) que estimulam o indivíduo a
voluntariamente substituir suas concepções iniciais por concepções mais
adequadas do ponto de vista científico (cf. , por exemplo, Posner et. Al. , 1982;
Hewson e Thorley, 1989; Pintrich et al. , 1993. Vosniadou, 1994; Venville e
Treagust, 1998 apud Nardi, Bastos e Diniz 2004 p. 9).
Raboni (2002) relembra em seu estudo, um recurso produzido nos anos 80,
o Laboratório Básico Polivalente de Ciências para o 1o Grau (FUNBEC, 1987),
elaborado pela FUNBEC – Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do
Ensino de Ciências – como prova da tendência, naquele momento, da
incorporação, sob nova ótica, do uso do laboratório no ensino de ciências,
apontando a inexistência de equipamentos, o número excessivo de alunos em cada
classe e a falta de tempo para a preparação das aulas práticas como as maiores
dificuldades enfrentadas pelo professor de ciências. Ainda segundo o autor, este
recurso, planejado para o desenvolvimento das aulas com o uso de materiais
simples e contendo todas as instruções necessárias ao professor, pretendia dar
apoio ao docente nessas duas deficiências/dificuldades. O laboratório era
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apontado como elemento essencial para as aulas de ciências, ao lado de bons
livros e da boa formação do professor.
As pesquisas sobre concepções dos alunos e mudança conceitual foram
influenciadas em maior ou menor grau por trabalhos de autores como, por
exemplo, Piaget, Ausubel, Kuhn e Lakatos. Nesse sentido, esteve presente em tais
pesquisas, de forma implícita ou explícita, a idéia de que os conhecimentos
(cotidianos, científicos ou de outra natureza) correspondem a construções da
mente humana e não a descrições objetivas da realidade concreta. O impacto dos
estudos e pesquisas que propunham um ensino por mudança conceitual foi tão
grande que, durante a década de 1980, mudança conceitual “tornou-se sinônimo
de aprender’ ciências’” (Mortimer, 1995, p. 57; Duit e Treagust, 2003, p. 673
apud Nardi, Bastos e Diniz p. 12). Além disso, estabeleceu-se gradativamente,
neste período (décadas de 1970 e 1980), o que pode ser designado como “um
consenso emergente” em torno de idéias construtivas. Durante o período
mencionado acima (décadas de 1970 e 1980), a incorporação de abordagens
interacionistas contribuiu para importantes avanços nos debates e pesquisas sobre
ensino de ciências (cf. Duit e Treagust, 2003; Laburú et al. , 2003 apud Nardi,
Bastos e Diniz 2004 p. 12) fornecendo bases para o questionamento de
interpretações simplistas que estavam amplamente disseminadas (ensino como
transmissão de informações; aprendizagem como absorção passiva de
informações que eram, em seguida, gravadas na mente do aprendiz; aluno como
ser sem atividade própria e de mente vazia, cuja virtude principal é a atenção e o
silêncio; avaliação como verificação da capacidade do aluno em reproduzir
definições, descrições, classificações, enunciados, algoritmos etc. ). Nos últimos
anos, porém, vários trabalhos têm sido publicados com o intuito de analisar
criticamente as propostas construtivistas para o ensino de ciências (p. ex. , Laburu
e Carvalho, 2001; Mortimer, 2000; Matthews, 2000; Cachapuz, 2000; Osborne,
1996; Mortimer, 1995; Solomon, 1994; Suchting, 1992 apud Nardi, Bastos e
Diniz 2004 p. 14) e muitos sugerem que as abordagens construtivistas perderam
sua validade ou estão superadas.
Na década de 1990, o surgimento de trabalhos que colocavam objeções ao
“construtivismo” causou, tanto no Brasil como no exterior, um enorme
desconforto no interior da comunidade de pesquisadores em ensino de ciências,
pois grande parte das investigações em andamento ou recém-concluídas apoiava-
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se explicitamente em abordagens construtivistas. Para Nardi, Bastos e Diniz
(2004), é evidente a necessidade de um “pluralismo” de alternativas para se pensar
o ensino e a aprendizagem em ciências. Os contextos e processos relacionados ao
ensino e à aprendizagem em ciências são extremamente diversificados, o que
enfatiza a necessidade de uma pluralidade de perspectivas teórico-práticas que
permitam ao professor e ao pesquisador compreender de forma mais aberta e rica
o trabalho educativo a ser empreendido pelo ensino escolar de disciplinas
científicas (ciências, física, química e biologia). Para estes autores, os processos e
contextos que caracterizam o ensino de ciências são complexos, e qualquer
modelo interpretativo ou norteador da ação que exclua outras alternativas
plausíveis, é necessariamente empobrecedor da realidade. Infelizmente, lembram
estes autores, isto nem sempre é observado pelos pesquisadores da área, gastando-
se tempo exaltando um dado modelo em detrimento de outros, como se fosse
possível estabelecer explicações únicas que contemplassem todas as situações e
para sempre. Em conseqüência disso, impera a lógica da exclusão: o ensino por
mudança conceitual vem para suplantar e substituir o ensino por descoberta, o
ensino por pesquisa vem para suplantar e substituir o ensino por mudança
conceitual, a noção de perfil conceitual (Mortimer, 2000) vem para suplantar e
substituir a teoria da mudança conceitual (Posner et al. , 1982) etc. Compartilho
com estes autores a visão de que os debates e pesquisas ocorridos nas décadas de
1980 e 1990 devem ser reavaliados sob a ótica do pluralismo, isto é, evitando-se
tanto glorificar como demonizar objetos de discussão tais como “construtivismo”,
ensino por mudança conceitual, estratégias visando conflito cognitivo, teoria da
mudança conceitual, ensino por pesquisa, noção de perfil conceitual etc.
Pietrocola (1999), também é um dos autores que tecem contundentes críticas
ao movimento construtivista no ensino de Ciências. Em sua avaliação, este
movimento supervalorizou o papel das construções individuais, em detrimento da
dimensão ontológica do conhecimento científico. Ressalta que se deve ficar atento
às conseqüências do excesso de valorização das situações de confronto de idéias
na concepção científica do movimento construtivista, pois isto pode infligir à
ciência o perfil de uma atividade revestida de certa arbitrariedade pela falta de
explicitação de critérios de cientificidade. Para este autor isto acaba por gerar
certa relativização do conhecimento científico, diminuindo com isto seu conteúdo
de verdade. Esta característica aliada ao enfraquecimento do papel do domínio
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empírico em particular, acabaria por transmitir uma concepção de ciência menos
comprometida com a apreensão de uma realidade exterior. Tal concepção poderia
gerar uma expectativa negativa nos estudantes para com a pertinência do ensino
de Ciências, pois não compensaria o investimento de anos de estudos de Ciências
caso isto não pudesse reverter em incremento à forma de se relacionar com o
mundo exterior. Assim, se a realidade deste mundo não pode ser atingida e tudo
que sabemos sobre ela for fruto de padrões mais ou menos arbitrários, por que se
deveriam substituir concepções pessoais sobre o mundo por outras científicas?
Para Pietrocola, colocações dessa natureza poderiam ser induzidas em estudantes
como resultado de interpretações mal balanceadas, tiradas de cursos científicos
com base em teses construtivistas. Ele argumenta que o mundo e sua
cognicibilidade são os motivos preferenciais do fazer científico, e também
deveriam ser aqueles da educação científica. Sem a possibilidade de aplicar os
conhecimentos científicos aprendidos na apreensão da realidade, eles só teriam
função como objetos escolares, isto é, destinados a garantir o sucesso em
atividades formais de educação. Assim, fragilizada, a ciência tenderia a ser
preterida na escola por opções culturais aparentemente mais atraentes como o
ocultismo, a religião, a astrologia, ou mais práticas como a computação e a
economia. Um objetivo claro para a educação científica seria então o de ampliar
nosso conhecimento sobre a natureza gerando imagens adequadas do mundo. Este
objetivo estaria associado à apreensão de conhecimento científico
independentemente dos aspectos pragmáticos e utilitaristas e adequados a
qualquer educação propedêutica.
Ainda no âmbito de sua análise crítica, Pietrocola (1999) afirma que a falta
de vinculação do ensino das Ciências com o mundo não seria algo exclusivo do
movimento construtivista. Para ele, na sala de aula, ainda distante das teses
construtivistas, os conteúdos científicos são tratados pelos professores numa
concepção excessivamente formal. Nela, os alunos participam de uma espécie de
jogo cujas regras e táticas só são pertinentes ao contexto escolar. Este autor cita
Brousseau (1982), que especifica a forma de articulação dos diversos elementos
presentes no contexto escolar, definindo a existência de um contrato didático. Na
área das Ciências naturais e da matemática, tal contrato privilegiaria as atividades
mecânicas de resolução de exercícios padrões e memorização de conceitos e
definições. Para Pietrocola, particularmente em Física e em Química, as atividades
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são geradas sem a preocupação de relacionar os conteúdos ensinados com
situações reais vivenciadas pelos alunos, optando-se por gerar exercícios internos
à estrutura lógico-matemática de suas próprias teorias. Assim, desvinculada do
mundo cotidiano e por conseqüência também de qualquer realidade possível, para
este autor o ensino científico foi aos poucos perdendo sua vitalidade até se
transformar numa atividade essencialmente restrita à sala de aula e aos livros
textos. O quadro traçado na análise feita por este autor mostra uma ciência escolar
cada vez mais distante da realidade vivenciada pelos alunos. A ciência passou a
participar pouco das explicações requeridas pelos indivíduos no seu dia-a-dia até
se converter num conhecimento restrito ao contexto escolar. É preocupante
constatar que pesquisas em concepções iniciais vêm confirmando tal afirmação,
ao indicarem que os estudantes estão pouco inclinados a mudanças conceituais: a
maioria mantém suas concepções a despeito de todo ensino científico recebido
(Santos, 1996).
Goulart (1994 p. 93), em seu estudo sobre construção de conhecimento
físico com alunos de séries iniciais do Ensino Fundamental constatou que:
“O professor não tem condições de conhecer as concepções espontâneas dos alunos
em classe. Primeiro, porque estas concepções representam modelos, que possuem
estrutura e coerência interna e, para serem reconhecidas como tal, é necessária a
realização de experimentos que compreendam situações controladas, isto é,
situações onde seja focalizado um conceito e suas possíveis conexões, nas quais o
professor conheça os significados das atitudes do aluno, e vice-versa. O professor,
em uma situação rotineira de classe, tem condições de saber o que seu aluno pensa
sobre determinado assunto, mas não suas concepções espontâneas. Em segundo
lugar, a elaboração de situações experimentais demanda tempo de reflexão de
análise, de investigação bibliográfica, por exemplo, um tempo que o professor não
possui, e material de que a escola não dispõe para apoiar esse tipo de trabalho.
Portanto, mesmo que desejasse, o professor não poderia investigar as concepções
espontâneas de seus alunos. Em terceiro lugar, não é garantido teoricamente que as
concepções espontâneas de uma pessoa sejam iguais às de uma outra, então o
professor, para conhecer as concepções espontâneas de seus alunos, deve ter um
encontro com cada um deles. ”
Diante deste contexto, Goulart (1994 p. 93) então pergunta: “Se o professor
investiga um aluno, o que fazem os outros trinta?”. Percebe-se um hiato a ser
transposto entre o que dizem as teorias construtivistas e o que efetivamente é (e
pode) ser feito considerando-se a realidade de nossas salas de aula.
Promulgada em 1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nº.
9394/96 estabelece, no parágrafo 2º do seu artigo 1º, que a educação escolar
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deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. Nos atuais parâmetros
curriculares, muitas das temáticas tradicionalmente vinculadas ao ensino de
Ciências são hoje consideradas “temas transversais“: meio ambiente, saúde,
orientação sexual. Embora a recomendação seja de uma abordagem
interdisciplinar destes temas, na prática ainda verifica-se que a responsabilidade
do seu ensino recai basicamente nas disciplinas científicas, principalmente a
Biologia.
Que tipos de conteúdos deve abordar um currículo de ciências que alfabetize
cientificamente e prepare para a cidadania? Para Hodson (1994), os alunos devem
aprender ciência, aprender a fazer ciência e aprender sobre a ciência. Na prática, o
currículo de Ciências de 6º a 9º ano (antigas 5ª a 8ª série) do Ensino Fundamental
que vem norteando o ensino brasileiro atualmente ainda mantém uma abordagem
estanque e fragmentada dos conteúdos, predominantemente do tipo factual e
conceitual. Nesse currículo fragmentado os conteúdos de Ciências costumam ser
assim divididos: no 6º ano: ar, água e solo; no 7º: seres vivos; no 8º: corpo
humano e no 9º: Química e Física. Em geral, os conteúdos são estudados de forma
desconectada entre si e com a realidade do aluno. Percebe-se também uma
valorização dos conteúdos da Biologia nesse currículo, o que provavelmente se dá
pelo fato da maioria dos professores de Ciências das séries em questão ter
formação nessa área e nela apresentar maior segurança conceitual. A maior parte
dos livros didáticos existentes no mercado editorial ratifica essa organização
estanque, fragmentada e “biologizante“ do currículo de Ciências. Quando autores
de livros ousam propor uma coleção com abordagem menos linear e fragmentada,
rompendo com a organização tradicional, têm pouco sucesso na adoção pela
maioria dos professores, que parecem se sentirem mais seguros em utilizar livros
da linha tradicional. Esta questão é objeto de atenção do MEC, na avaliação que
faz no Programa Nacional do Livro Didático:
“Numa visão atual, o ensino das ciências também necessita superar a fragmentação
dos conteúdos, organizando-se em torno de temas amplos, numa perspectiva
interdisciplinar, visando apreendê-los em sua complexidade.” (Guia PNLD 2008, p.
17).
A fragmentação curricular também não tem respaldo nos Parâmetros
Curriculares Nacionais de Ciências para o Ensino Fundamental, igualmente
elaborado pelo Ministério da Educação, onde se pode ler:
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“[...] É importante que se supere a postura “cientificista” que levou durante muito
tempo a considerar-se ensino de Ciências como sinônimo da descrição de seu
instrumental teórico ou experimental, divorciado da reflexão sobre o significado
ético dos conteúdos desenvolvidos no interior da Ciência e suas relações com o
mundo do trabalho. Durante os últimos séculos, o ser humano foi considerado o
centro do Universo. O homem acreditou que a natureza estava à sua disposição.
Apropriou-se de seus processos, alterou seus ciclos, redefiniu seus espaços. Hoje,
quando se depara com uma crise ambiental que coloca em risco a vida do planeta,
inclusive a humana, o ensino de Ciências Naturais pode contribuir para uma
reconstrução da relação homem-natureza em outros termos. O conhecimento sobre
como a natureza se comporta e a vida se processa contribui para o aluno se
posicionar com fundamentos acerca de questões polêmicas e orientar suas ações de
forma mais consciente.” (MEC, 1997, p. 22)
Também para o Ensino Médio, nas Bases Legais definidas pelo MEC para a
área das Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, ressalta-se que a
aprendizagem das Ciências neste segmento de ensino, qualitativamente distinta
daquela realizada no Ensino Fundamental, deve:
“[...] Contemplar formas de apropriação e construção de sistemas de pensamento
mais abstratos e ressignificados, que as trate como processo cumulativo de saber e
de ruptura de consensos e pressupostos metodológicos. A aprendizagem de
concepções científicas atualizadas do mundo físico e natural e o desenvolvimento
de estratégias de trabalho centradas na solução de problemas é finalidade da área,
de forma a aproximar o educando do trabalho de investigação científica e
tecnológica, como atividades institucionalizadas de produção de conhecimentos,
bens e serviços [...]. É importante considerar que as Ciências, assim como as
tecnologias, são construções humanas situadas historicamente e que os objetos de
estudo por elas construídos e os discursos por elas elaborados não se confundem
com o mundo físico e natural, embora este seja referido nesses discursos [...]. E,
ainda, cabe compreender os princípios científicos presentes nas tecnologias,
associá-las aos problemas que se propõe solucionar e resolver os problemas de
forma contextualizada, aplicando aqueles princípios científicos a situações reais ou
simuladas. Enfim, a aprendizagem na área de Ciências da Natureza, Matemática e
suas Tecnologias indica a compreensão e a utilização dos conhecimentos
científicos, para explicar o funcionamento do mundo, bem como planejar, executar
e avaliar as ações de intervenção na realidade.” (MEC, 2000, p. 20).
Os problemas no Ensino de Ciências têm sido muito comentados na
literatura e discutidos nos fóruns específicos. Dentre os destacados por Lellis
(2003) temos a ênfase dada aos conteúdos desprovidos de significados no
contexto social do aluno; o foco na memorização; o excesso de aulas expositivas e
o uso da experimentação como mera ilustração, dissociada de uma estratégia de
ensino mais ampla. Em relação à situação de outros países, podemos citar Fourez
(2003), que ao fazer uma análise do ensino de Ciências na Bélgica, diz que o
aumento recente do número de estudantes se lançando em carreiras científicas
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nestes últimos anos mostra que uma boa campanha publicitária e o argumento do
emprego têm efeito sobre os jovens. Entretanto, este autor questiona: este sucesso
obtido à força, dispensa de pesquisar por que foram necessários estes argumentos
externos para que os jovens fizessem esta escolha? Para Fourez os jovens não
subestimam a importância e o valor das Ciências. Enquetes feitas mostram que
eles as consideram a maior parte do tempo como realizações humanas de primeira
importância. Mas este autor alerta que esses jovens não demonstram estar
preparados para se engajar em estudos científicos.
Segundo Fourez, haveria uma questão de sentido, isto é, os alunos teriam a
impressão de que se quer obrigá-los a ver o mundo com os olhos de cientistas,
enquanto o que teria sentido para eles seria um ensino de Ciências que ajudasse a
compreender o mundo deles. Isto não quer dizer, absolutamente, que gostariam de
permanecer em seu pequeno universo; mas, para que tenham sentido para eles os
modelos científicos cujo estudo lhes é imposto, estes modelos deveriam permitir-
lhes compreender a “sua“ história e o “seu“ mundo. Ou seja: os jovens prefeririam
cursos de Ciências que não sejam centrados sobre os interesses de outros (quer
seja a comunidade de cientistas ou o mundo industrial), mas sobre os deles
próprios. Para este autor, os jovens de hoje parecem que não aceitam mais se
engajar em um processo que se lhes quer impor sem que tenham sido antes
convencidos de que esta via é interessante para eles ou para a sociedade. Isto
valeria para todos os cursos, mas talvez ainda mais para a abstração científica.
Muitos jovens de hoje pedem que lhes seja mostrado de início a importância –
cultural, social, econômica ou outra – de fazer este desvio. Mas, questiona Fourez,
nós, seus professores, estamos prontos e somos capazes de lhes mostrar esta
importância?
Os professores de Ciências são duplamente sacrificados, diz Fourez.
Inicialmente, como todos os professores, eles têm de se “virar“ face à crise da
escola e à perda de poder e de consideração de sua profissão. Eles também têm
que enfrentar questões próprias aos professores de Ciências. Pede-se a eles que
mostrem efetivamente o sentido que pode haver no estudo de Ciências para um
jovem de hoje. E de novo vem à tona questão da formação dos professores. Na
Bélgica, como nos conta Fourez, a formação de licenciados sempre esteve mais
centrada sobre o projeto de fazer deles técnicos de Ciências do que de fazê-los
educadores. Quando muito, acrescentou-se à sua formação de cientistas uma
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introdução à didática de sua disciplina, com pouca ênfase nas questões
epistemológicas, históricas e sociais. Fourez alerta que esses estudos não estão
muito preocupados em introduzir os licenciandos à prática tecnológica, nem à
maneira como Ciências e tecnologias se favorecem, nem às tentativas
interdisciplinares. No melhor dos casos, eles praticaram a interdisciplinaridade,
sem engajar uma reflexão sistemática a seu respeito. Muitos limitam, além disso, a
noção de interdisciplinaridade ao cruzamento de disciplinas científicas escolares
(física, química, biologia). Para este autor, diante de tal contexto, não é de
surpreender que os professores de Ciências se sintam tão desprovidos face à crise
do ensino de sua disciplina, e que muitos entre eles se refugiem em sua disciplina.
Isto nos remete à situação similar da maioria dos cursos de licenciatura brasileiros,
que formaram e ainda hoje formam professores excessivamente disciplinados e
disciplinares, com dificuldades de fazer articulações dos conteúdos que ensinam
com outros campos do conhecimento assim como realizar atividades com colegas
de outras disciplinas. Deste modo, a chuva ácida da biologia é em geral
apresentada ao aluno desvinculada da chuva ácida da química e da geografia. Isto
me faz recordar meu início de carreira, quando um aluno da então 5ª série ( com
aproximadamente 11 anos de idade) indagou-me aflito em um dia de prova:
“Professora, eu esqueci como é o vento de ciências, posso colocar na resposta o
vento da geografia?”
Até hoje me angustia pensar que colaborei para disciplinar o vento e - mais
grave ainda - que provavelmente nem o vento das ciências nem o da geografia
eram vistos pelo menino como o mesmo vento que ele usava para soltar pipas, já
que a descontextualização em geral é “irmã” da fragmentação curricular dos
conteúdos.
Ainda em sua análise do ensino de Ciências na Bélgica, Fourez nos lembra
que hoje, quando se fala de objetivos e do sentido do ensino de Ciências,
geralmente se faz também referência às tecnologias. No Brasil, isto também
ocorre. As três áreas de ensino propostas pelo MEC no Ensino Médio agregam as
tecnologias a elas associadas. Assim, temos, por exemplo, nas Diretrizes
Curriculares e nos Parâmetros curriculares de Ensino Médio a área Ciências da
Natureza, Matemática e suas Tecnologias, que inclui além da Matemática, as
disciplinas Química, Física e Biologia. Contudo, em muitos sistemas de ensino de
países industrializados – e especialmente na Comunidade Francesa da Bélgica –
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não há praticamente nenhuma formação séria em tecnologias. Isto também é
verdadeiro para a situação do ensino de Ciências no Brasil, apesar do discurso
oficial. Aqui como na Bélgica, o ensino de Ciências limita-se às Ciências naturais,
aquelas cujos objetos são supostamente “naturais“. As Ciências, diz-se então,
estudam a “natureza“: são as Ciências naturais. Este autor argumenta, entretanto,
que o mundo dos alunos não é absolutamente este “mundo natural“. Para ele,
vivemos em uma tecno-natureza. O que a princípio faz sentido para os jovens, não
é o mundo desencarnado dos cientistas, mas a natureza tal como ela existe no seio
de um universo de finalidades, no qual os alunos são confrontados com situações
em que tecnologias e natureza estão articuladas. Ao refletir sobre essa questão,
Fourez nos interroga como os cursos de Ciências abordam este universo. Para ele,
a ideologia dominante dos professores é que as tecnologias são aplicações das
Ciências e desse modo, é como se uma vez compreendidas as Ciências, as
tecnologias seguissem automaticamente. Assim, acaba-se por ignorar que a
construção de uma tecnologia implica em considerações sociais, econômicas e
culturais que vão muito além de uma aplicação das Ciências. Ao tecer
considerações sobre quando e como ensinar aos alunos a representar o mundo não
“natural“, mas tecno-natural, que é onde eles vivem concretamente, também é
importante refletir sobre a melhor forma de mostrar-lhes que as representações das
disciplinas científicas podem ajudá-los a decodificar este mundo, que tem para
eles significações diretas. Assim como também é essencial mostrar-lhes que a
tecnologia, bem como tudo que é produzido pela ciência, nunca é socialmente
neutra. É em torno desta discussão que, para Fourez, transita a questão do sentido,
o cerne de muitos problemas no ensino de Ciências.
Também no contexto da “trajetória” do ensino de Ciências, pode-se citar o
trabalho de Megid Neto e Teixeira (2006), que faz um levantamento dos estudos
feitos nesse campo. Estes autores destacam que no cenário mundial, o
desenvolvimento de investigações sobre problemas relacionados à Educação em
Ciências, enquanto movimento de pesquisa, é uma atividade que teve sua origem
há aproximadamente 60 anos, intensificando suas ações na segunda metade do
século XX. No Brasil, esse movimento se expande no início dos anos 70 com o
tratamento dessa temática no âmbito da pós-graduação e pela realização de grande
quantidade de encontros, simpósios e demais eventos que congregam
pesquisadores e outros profissionais vinculados à área (Delizoicov, Angotti e
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Pernambuco, 2002). Um fato também significativo foi a criação, em
Setembro/2000, da área 46 da CAPES/MEC - Ensino de Ciências e Matemática.
Embora revestido de muita controvérsia no âmbito acadêmico, este ato mostra o
reconhecimento, pelo órgão oficial responsável pelo acompanhamento e avaliação
da pós-graduação e da pesquisa inserida nesse contexto, da importância da área e
da sua evolução quantitativa e qualitativa.
O estudo de Megid Neto e Teixeira (2006) buscou também analisar o impacto
sobre a pesquisa e ensino de Ciências no Brasil, do crescimento das investigações
na área de Educação em Ciências constatado por eles em seu levantamento.
Segundo esses pesquisadores, a produção acadêmica ligada à área de Ensino de
Ciências, na forma de dissertações e teses, existe desde o início da década de 1970.
Em pouco mais de 30 anos se consolidou, tornando-se um campo bastante relevante
no âmbito da pesquisa em Educação no país. Temos também hoje, uma ampla
produção acadêmica e científica, constantemente divulgada em encontros, revistas e
outros meios. Entretanto, como atentam Santos e Greca (2006 p. 52), os currículos e
seus programas, os livros didáticos, os materiais de ensino, pouco mudaram nesses
últimos anos. Para estas autoras, ainda prevalecem roteiros tradicionais de ensino
que se consolidam em livros didáticos que conservam, em essência, as mesmas
seqüências lineares e fragmentadas de conteúdos, mesmo que sempre enriquecidos
com novas ilustrações que lhes dão certo status de atualização. Criticam também, o
uso didático cada vez maior de apostilas, produzidas no âmbito dos “cursinhos”
preparatórios para vestibulares, que são adotadas também dentro de escolas
conveniadas. Neste tipo de material didático os conhecimentos propostos são ainda
mais fragmentados e a aprendizagem vira sinônimo de capacidade de resolver
repetidamente exercícios propostos para os mesmos itens de conteúdo, concebidos
de forma linear e desarticulada.
Sendo co-autora de livros didáticos de ciências utilizados por quase dois
milhões de alunos do ensino fundamental, na rede pública e privada, percebo cada
vez mais, no âmbito desta discussão, minha responsabilidade. Muitos trabalhos
sobre o livro didático têm sido realizados, o que se justifica por ser ele ainda o
instrumento mais significativo em uso nas salas de aula, não só como recurso de
apoio, mas muitas vezes norteando todo o trabalho pedagógico. Por vezes a
distorção de papéis é tal que o professor é “adotado” pelo livro. Estudos como o
de Fracalanza (1989), Alves (1986) e Waldhelm (1998) mostram muito bem isto.
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Sabemos o quanto o livro se reveste de um status de verdade para alunos e
professores e tem o poder de influenciar significativamente a dinâmica da sala de
aula. Assim, as atividades sugeridas, a abordagem dos conteúdos, o tipo de
discurso, figuras utilizadas, exercícios propostos etc. são fundamentais no ensino
que efetivamente se dará, favorecendo a interatividade ou a mera “transmissão” de
conteúdos. Quando discuto, portanto o fosso que separa o professor e a sala de
aula da Educação Básica das pesquisas feitas sobre Ensino de Ciências, constato
que como pesquisadora deste campo, professora de escola da Educação Básica e
autora de um material que ao contrário da maioria das publicações especializadas,
chega efetivamente às mãos do professor - o livro didático - posso colaborar nesta
aproximação academia-escola.
Uma das reflexões presentes no cenário nacional e internacional que
perpassam a complexidade de se promover a aproximação entre escola-academia,
e escola-ciência, é: quando iniciar a Educação Científica? Que impacto esta
educação científica tem sobre a questão vocacional dos alunos? Como a escola de
Ensino Fundamental e Médio no Brasil aborda esta questão vocacional no campo
das ciências naturais?
Sabemos que a competição internacional na guerra tecnológica produziu
programas internacionais de avaliação que levaram à comparação do resultado
obtido pelos alunos em algumas disciplinas, incluindo as Ciências. Assim como o
Sputnik provocou movimento de reforma dos anos 60, o desempenho dos alunos
norte-americanos nos testes internacionais produziu em 1985 um documento de
grande impacto chamado “A Nation at Risk“. Este serviu de epicentro para uma
onda de críticas ao sistema educacional norte-americano e tentativa de reformas
que acabaram tendo repercussões no mundo inteiro (Gross e Gross, 1985). No
Brasil, é parte das políticas governamentais no plano federal ou nos estados um
conjunto de exames que se destinam a descrever a situação nas várias unidades da
federação, no sentido de subsidiar decisões de políticas públicas (o SAEB-que
avalia o Ensino Básico, por exemplo). Instituições internacionais como o Banco
Mundial, Banco Interamericano e a Unesco valem-se desses indicadores para
fomentar e financiar projetos que implementem tendências que apóiam.
O PISA (Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes) é promovido
pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Este exame avalia através de provas escritas estudantes com 15 anos de idade, de
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vários países, buscando respostas para questões do tipo: “Até que ponto os alunos
próximos do término da educação obrigatória adquiriram conhecimentos e
habilidades essenciais para a participação efetiva na sociedade? As escolas estão
preparando os alunos para enfrentarem os desafios do futuro? Quais estruturas e
práticas educacionais maximizam oportunidades para alunos que vêm de
contextos pouco privilegiados? Qual a influência da qualidade dos recursos das
escolas nos resultados alcançados pelos alunos?”.
Na avaliação em ciências, o Brasil ficou em último lugar em um grupo de 32
países, no exame feito em 2000. Segundo Krasilchik (2000), na comunidade
educacional, o resultado e a validade desses exames para avaliar o aprendizado em
Ciências não constituem consenso em função dos instrumentos utilizados. Um dos
pontos mais discutidos é se questões de múltipla escolha seriam adequadas para
aferir tudo que se pretende produzir com alunos nas aulas de Ciências. Para esta
autora, a capacidade de resolver problemas e de demonstrar a compreensão
conceitual exige que se busquem também outras formas de verificar o
aprendizado. O fato é que estes resultados não deixam de ser motivo de
preocupação. Em 2006, o PISA teve ênfase em ciências. No Brasil participaram
deste exame cerca de 12400 alunos com aproximadamente 15 anos de idade,
matriculados no 8º ou 9º ano do Ensino Fundamental ou em qualquer ano do
Ensino Médio. O Brasil é o único país da América do Sul que participa deste
exame desde sua primeira aplicação. Até o momento não foi divulgado o resultado
do PISA 2006. Será que os estudantes brasileiros conseguiram melhorar sua
performance nas habilidades científicas, considerando-se o resultado do exame de
2000 ? Houve mudanças significativas no ensino de ciências nos últimos anos que
possam trazer expectativas positivas a este respeito?Infelizmente não vejo no
contexto atual razões para ficar otimista à espera de melhores resultados.
Tenreiro-Vieira (2004) destaca que em todo o mundo as atuais propostas para
o ensino das ciências enfatizam a importância e a necessidade de promover as
capacidades de pensamento dos alunos, designadamente de pensamento crítico. Nos
Estados Unidos da América, a idéia de que a educação tem a obrigação de ensinar a
pensar é reforçada em documentos basilares da reforma do ensino das ciências,
como "Science for All American" (Association for the Advancement of Science-
AAAS, 1989), "Benchmarks for Science Literacy" (AAAS, 1993) e “National
Standards for Science Education (National Research Council-NRC, 1996)”.
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Também em Portugal, os currículos de ciências dos vários níveis de ensino
enfatizam a idéia de que o ensino das ciências deve ser visto, em primeiro lugar,
como promotor da alfabetização científica. Para Tenreiro-Vieira (2004), a
crescente importância do conhecimento científico exige uma população
cientificamente alfabetizada, ou seja, uma população com capacidades e
compreensão suficientes para entender e seguir debates científicos e envolver-se
nas questões que a tecnologia coloca, quer para eles como indivíduos quer para a
sociedade como um todo. Nesta conjuntura, o ensino das ciências deve, pois,
fomentar a aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de capacidades de
pensamento crítico dos alunos que lhes permitam enfrentar as mudanças e
participar numa sociedade democrática onde as decisões pessoais e políticas
ligadas à ciência e à tecnologia não são isentas de valores por envolverem, muitas
vezes, interesses econômicos e sociais.
Um livro organizado por Werthein e Cunha (2005) reúne sugestões e idéias
de vinte e dois destacados cientistas de ações para uma ampla disseminação da
ciência no Brasil. Questões como a falta de estrutura física e os baixos salários dos
docentes do Ensino Médio foram várias vezes citadas, ao lado da constante
afirmação da presença de uma massa de excluídos na sociedade. Ações estruturais
de combate à desigualdade foram elencados e chama atenção uma recomendação
em “alfabetizar mais e melhor”, já que apenas uma ínfima parcela da população
estaria realmente em condições de ler sobre ciência. Em outras palavras, não
haveria no país um público-alvo para campanhas e ações voltadas para a
disseminação da ciência e, portanto, criar este público seria uma primeira e
urgente tarefa. A UNESC0 (2005 p. 2) é contundente em suas considerações sobre
o risco de uma educação científica deficiente:
“Ensinar mal as Ciências é matar a galinha dos ovos de ouro. Vital para o
desenvolvimento da economia e da indústria, a educação científica e tecnológica é
também essencialmente importante no processo de promoção da cidadania e inclusão
social, uma vez que propicia às pessoas oportunidades para discutir, questionar,
compreender o mundo que as cerca, respeitar os pontos de vista alheios, resolver
problemas, criar soluções e melhorar sua qualidade de vida. Além disso, a
aprendizagem dos alunos na área científica é reconhecidamente importante, uma vez
que está relacionada à qualidade de todas as aprendizagens, contribuindo para
desenvolver competências e habilidades que favorecem a construção do
conhecimento em outras áreas. Portanto, quando se melhora a educação científica
não se melhora só a aprendizagem de Ciências: o seu impacto atinge outros campos.”
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Acerca da discussão se o aprendizado de ciências pode colaborar no
desenvolvimento cognitivo do aluno como um todo, favorecendo o aprendizado
de outras áreas, podemos citar Borges e Gomes (2004) que debatem evidências
empíricas e algumas teorias, apontando intervenções no ensino de ciências, como
passíveis de induzir alterações e mudanças do fluxo do desenvolvimento
intelectual dos alunos. Estes autores citam o Projeto Aceleração Cognitiva através
da Educação em Ciências (CASE – Cognitive Acceleration through Science
Education), desenvolvido em meados dos anos oitenta na Inglaterra. Segundo eles
há boas evidências de que o projeto conseguiu provocar alterações estruturais na
inteligência dos alunos. Seus criadores tinham como hipótese que a presença de
um professor mediador, juntamente com atividades do conteúdo de ciências
elaboradas especialmente para ativar as operações formais piagetianas poderiam,
juntas, fazer com que alunos de onze, doze anos, saltassem da condição mental
operatória concreta para a condição do pensamento formal (Shayer e Beasley,
1987, Shayer, 1988 apud Borges e Gomes 2004, p. 6). Para isso, eles analisaram
os principais problemas encontrados em vários projetos de intervenções cognitivas
realizados no campo do ensino de ciências nos anos sessenta e setenta. Segundo
Borges e Gomes (2004 p. 6), as evidências do CASE sugerem que a estrutura
intelectual pode ser mobilizada e alterada através de práticas educacionais
centradas em habilidades cognitivas e que efetivamente é possível mudar o ritmo
do desenvolvimento da inteligência das pessoas e, além disso, fazer com que o
novo padrão alcançado seja transferível para sistemas simbólicos diferentes e
áreas de domínios específicos. Para estes autores, os resultados do CASE e outros
estudos neste campo indicam ser possível desenvolver através da ação educativa
específica e no interior de um campo disciplinar bem delimitado- ensino de
ciências- os processos cognitivos gerais, em suma, a inteligência do aluno.
Educação científica, ensino de ciências e formação de cientistas.
Atualmente para cada milhão de habitantes, o Brasil possui 180 cientistas.
Segundo dados da UNESCO (2003), a Argentina tem 700 e os Estados Unidos,
3800. No campo da ciência e tecnologia, aumentar estes números em nosso país,
considerando-se a situação do ensino de ciências no Brasil, representa uma meta
desafiadora. No contexto histórico atual, podemos citar o estudo de Velloso
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(2004), que traçou um perfil dos cientistas brasileiros. A pesquisa abrangeu nove
mil mestres e doutores e se centrou na década de 90. Entre outros detalhes,
apurou-se que os cientistas brasileiros representam apenas 0,1% do total da
população, dado que pode ser comparado às informações de outros países, como a
Coréia do Sul, cujo total de pesquisadores representa 0, 4% da população, e os
Estados Unidos, cujo total de cientistas representa 0, 8% da população.
Embora a produção científica brasileira segundo a CAPES tenha crescido
19% em 2005, comparado a 2004, como outros países do mundo, o Brasil vive
atualmente uma grave crise na educação científica. Dentre os aspectos
relacionados a essa crise podem ser citados a produção do conhecimento em
grande volume e velocidade (Leta e De Meis, 1997 apud Jorge e Borges 2004 p.
100), bem como uma educação científica orientada por uma concepção positivista
do conhecimento, associada a currículos e livros didáticos de ciências em muitos
aspectos equivocados e defasados (Bizzo, 2000), que sinalizam para a apropriação
de saber científico de forma pouco crítica e cumulativa. Para Jorge e Borges
(2004), o desinteresse dos jovens pela ciência, o analfabetismo científico da
população em geral e de seus representantes políticos, e a mitificação da ciência
pela mídia, são conseqüências dessa crise.
Jorge e Borges (2004) destacam a ação de órgãos públicos e sociedades
científicas que vêm desenvolvendo programas para enfrentar as dificuldades de
qualificar e manter atualizados os professores da Educação Básica e mesmo os
universitários: os Ministérios da Educação (MEC) e da Ciência e Tecnologia
(MCT), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq); e sociedades científicas como a Academia Brasileira de Ciências (ABC),
a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Sociedade
Brasileira para o Ensino de Biologia (SBenBio), a Associação Brasileira de
Pesquisa em Educação em Ciências (Abrapec), as Sociedades Brasileiras de Física
(SBF) e de Química (SBQ), a Associação Brasileira de Química (ABQ), entre
outras. Citam ainda o subprograma “Educação para a Ciência/SPEC-PADCT-
Capes” que, entre 1983 e 1997, subsidiou várias instituições de ensino e pesquisa
na busca de melhoria da qualidade dos ensinos de Ciências e Matemática no
Brasil (Gurgel, 2002) como um exemplo desse tipo de ação. Entretanto, as autoras
alertam que apesar do impacto positivo que esses programas vêm proporcionando
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na área de Ensino de Ciências, a abrangência dos seus resultados ainda é
incipiente, em termos territoriais e populacionais para o Brasil.
Verifica-se que a cultura prevalecente no âmbito da ciência ainda orienta-se
por uma visão pura, apolítica e desnacionalizada da pesquisa. Estudos mostram
que o universo do cientista e o seu mundo de investigação nem sempre
apresentam alguma conexão com a vida do seu país. No Brasil, essa situação é
delicada, considerando-se a natureza estatal do financiamento e apoio aos esforços
de desenvolvimento científico e tecnológico. Com a escassez de recursos
disponíveis, a sociedade cobra, com legitimidade crescente, resultados que
produzam aumento efetivo da qualidade de vida. Segundo a UNESCO (2003),
oitenta por cento da pesquisa realizada no Brasil são financiados com recursos
públicos, em geral por intermédio da rede de universidades, laboratórios e
institutos de pesquisa criados e mantidos pelo Governo.
Uma pesquisa nacional promovida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia,
em parceria com a Academia Brasileira de Ciências
9
, realizada em 2006 através
de entrevistas domiciliares com população adulta fez o levantamento do interesse,
grau de informação, atitudes, visões e conhecimento que os brasileiros têm da
Ciência e Tecnologia. Os resultados desta pesquisa mostraram que o brasileiro,
em grande parte, acredita que os cientistas devam ser olhados com atenção, ("72%
admitem que eles dispõem de poderes que os tornam perigosos" e "88% querem
que eles exponham publicamente os riscos do desenvolvimento científico"). Mais
ainda: 89% dos entrevistados julgam que a sociedade deve ser ouvida nas grandes
decisões sobre os rumos da ciência e da tecnologia, o que reforça a idéia de que a
ciência e a tecnologia não devem permanecer restritas a um grupo de
privilegiados. A pesquisa também mostrou que 81 % dos entrevistados não
subestimam a sua capacidade de entender a ciência e a tecnologia e afirmam ser
capaz de compreendê-las se "o conhecimento científico for bem explicado". Os
resultados apontam para a importância da divulgação científica bem como para a
necessidade de incremento do ensino de ciências.
A preocupação com a produção científica, seu acesso e utilização, é
expressa no documento da UNESCO (2003, p. 27):
9 In : http://www. mct. gov.br/index. php/content/view/50877. html
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“[...] o acesso ao conhecimento científico, a partir de uma idade muito precoce, faz
parte do direito à educação de todos os homens e mulheres, e que a educação
científica é de importância essencial para o desenvolvimento humano, para a
criação de capacidade científica endógena e para que tenhamos cidadãos
participantes e informados [...].”
A importância do professor nesta alfabetização científica e tecnológica
também é destacada neste documento, bem como a necessária reformulação dos
currículos:
“[...] Os professores de ciências de todos os níveis do ensino, bem como o pessoal
engajado em educação científica devem ampliar seus conhecimentos para o melhor
desempenho possível de suas tarefas educacionais. Devem ser desenvolvidos pelos
sistemas educacionais nacionais novos currículos, metodologias de ensino e novos
recursos que levem em conta o gênero e a diversidade cultural, como resposta às
mudanças ocorridas nas necessidades educacionais das sociedades [...]” (UNESCO
2003, p. 54).
Entretanto, muitos professores de ciências parecem ver sua prática
pedagógica como totalmente desvinculada da formação de cientistas. Foi o que
detectou Pretto (1983 apud Carraher 1985), quando através de um questionário
aplicado a professores de ciências, observou que aproximadamente 80% dos
entrevistados nada respondiam às perguntas "Quais as características do cientista?
’’ e ‘‘Quem pode ser um cientista?’’, como se sua prática enquanto professores de
ciências não exigisse reflexão sobre este tema. Dentre aqueles que respondiam a
essas questões, as respostas trataram as características do cientista como traços
pessoais — vocação, capacidade intelectual, interesse etc. — desvinculando a
formação do cientista da atuação de seus professores de ciências. Diante desta
constatação, indago-me :Que imagem da ciência e dos cientistas a escola e esses
professores ajudam a formar entre os alunos? De que modo isto pode
comprometer uma possível vocação científica?
Em um estudo qualitativo das concepções acerca da natureza da ciência de
um grupo de 48 alunos do 1º Ciclo do Ensino Básico (2º e 4º anos de escolaridade
em escolas portuguesas), Reis, Rodrigues e Santos (2006), através da análise de
conteúdo dos enredos de histórias e de desenhos sobre o trabalho de cientistas,
elaborados pelos alunos, identificaram-se possíveis concepções acerca do
empreendimento científico e da atividade dos cientistas. Segundo estes autores,
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este e outros estudos feitos por diversos pesquisadores revelam que os alunos
apresentam diversas idéias estereotipadas sobre os cientistas, dentre elas:
1. A imagem caricaturada do cientista – descrevendo o cientista como um
homem de idade, careca (por vezes, algo louco ou excêntrico) que usa
óculos e bata branca, trabalha sozinho e faz experiências perigosas (de
resultados completamente imprevisíveis) num laboratório ou numa cave,
com o objetivo de fazer descobertas.
2. O cientista como vivisseccionista – representando o cientista como uma
pessoa disposta a infligir sofrimento em animais inocentes através da
realização de experiências com resultados imprevisíveis.
3. O cientista como pessoa que sabe tudo – descrevendo o cientista como uma
pessoa com imensos conhecimentos e que, como tal, conhece
antecipadamente os resultados das experiências.
4. O cientista como tecnólogo – concebendo o cientista como um inventor de
artefatos (e não de conhecimentos) destinados a auxiliar a população.
5. O professor como cientista – vendo os seus professores como cientistas com
imensos conhecimentos que, pelo fato de já terem realizado as
“experiências”, já conhecem as “respostas certas”.
6. Os alunos como cientistas – considerando que os alunos também podem ser
cientistas e recorrendo à sua experiência pessoal nas aulas para descreverem
a atividade científica como a realização de “experiências” que nem sempre
“funcionam”.
7. O cientista como empresário – descrevendo o cientista como uma pessoa
que, motivada pelo lucro, procura novos conhecimentos e produtos de
forma competitiva e desleal. (Reis, Rodrigues e Santos, 2006, p. 54- aspas
originais)
Existem evidências de que os meios de comunicação são responsáveis pela
veiculação de imagens estereotipadas e distorcidas atrás referidas (Aikenhead,
1988; Fort e Varney, 1989; Matthews e Davies, 1999; Reis e Galvão, 2004 apud
Reis, Rodrigues e Santos, 2006 p. 55). Matthews e Davies (1999 apud Reis,
Rodrigues e Santos, 2006 p. 55), em um estudo em que entrevistaram 281 alunos
do ensino primário (5-11 anos), constataram que apenas 5% das crianças se
recordam dos seus professores do ano anterior terem falado acerca da ciência e
dos cientistas, apesar de 33% se recordarem de terem discutido ciência sem
qualquer referência aos cientistas. Apenas 5% dos alunos referiram diretamente os
professores ou as experiências escolares como a principal influência nos seus
desenhos. Concordo com Reis, Rodrigues e Santos (2006), quando afirmam que
sem desconsiderar as possíveis influências dos meios de comunicação social, a
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escola também contribui, implícita e explicitamente, para a construção de
concepções limitadas acerca da natureza da ciência (Monk e Dillon, 2000; Reis,
2004 apud Reis, Rodrigues e Santos, 2006 p. 55). A “ciência escolar” ao
privilegiar a ilustração, verificação e memorização de um corpo de conhecimentos
perfeitamente estabelecido e não controverso, apresenta a ciência como um
processo objetivo, isento de valores, que conduz a verdades absolutas,
inquestionáveis, através da observação rigorosa de regularidades nos fenômenos e
do estabelecimento de generalizações.
Segundo Haynes (2003); Weingart, Muhl e Pansegrau (2003) apud Reis,
Rodrigues e Santos (2006 p. 73), desde as histórias medievais sobre alquimistas,
até aos filmes e desenhos animados atuais sobre clonagem, as narrativas sobre
cientistas raramente os retratam de forma positiva, traduzindo o receio do poder e
da mudança inerente à ciência e recorrendo a um número restrito de estereótipos:
o alquimista diabólico; o cientista como herói e salvador da sociedade; o cientista
louco; o investigador desumano e insensível; o cientista como aventureiro que
transcende as fronteiras do espaço e do tempo; o cientista louco, mau, perigoso e
inescrupuloso no exercício do poder; e o cientista incapaz de controlar o resultado
do seu trabalho Portanto, torna-se necessário que a escola encare os filmes, os
desenhos animados e as notícias divulgadas pela mídia como uma oportunidade
para explorar os conteúdos de ciência envolvidos, refletir sobre as interações
ciência-tecnologia-sociedade, discutir idéias acerca da natureza da ciência e dos
cientistas e desenvolver a capacidade de análise crítica da informação. O papel
dos educadores é fundamental ao reconhecerem que o discurso acerca da natureza
da ciência e dos cientistas, veiculado pelos meios de comunicação social podem
representar um conjunto de experiências informais de aprendizagem, que, ao
serem apropriadas pelos alunos, influenciam e interagem com a aprendizagem da
ciência na sala de aula. Para Reis, Rodrigues e Santos (2006), cabe aos
professores aproveitarem as vias de educação não-formal para despertar nos
alunos o gosto e a vontade de aprender ciência. Contudo, segundo estes autores,
para que tal seja possível, torna-se essencial que a formação de professores
capacite os docentes para a exploração das potencialidades dessas vias. Temos
mais uma vez, por outro viés (mídia na escola), o destaque para a importância da
formação docente.
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Orion (1998 apud Dourado 2006 p. 196) defende que uma reforma da
Educação em Ciências deverá contemplar uma abordagem holística dos diferentes
ambientes, de aprendizagem (campo, museu, laboratório e sala de aula), cabendo
ao professor a responsabilidade de usar esses diferentes ambientes de forma a que
cada um deles complemente o outro, interligando as atividades realizadas no
exterior da sala de aula com as realizadas no seu interior. O trabalho de Dourado
(2006) mostra que uma dificuldade que a implementação integrada do trabalho de
laboratório e trabalho de campo nas escolas enfrenta, relaciona-se com a
inexistência de espaços adequados à realização do trabalho de campo próximo da
escola. Como sugestão para vencer esta dificuldade, Del Carmen (1999 apud
Dourado 2006 p. 198) sugere um conjunto de ambientes que podem corresponder
a objetos a serem estudados pelos alunos, integrando trabalhos de laboratório com
os de campo. Propõe, por exemplo, o estudo de muros, de edifícios antigos, de
ruas arborizadas, caminhos e de charcos. Entretanto, Dourado (2006) alerta que o
reconhecimento do valor didático destes objetos de estudo requer uma grande
alteração nas concepções dos professores que não estão habituados a usá-los como
recursos didáticos. Este autor português, ao apontar que mesmo na implementação
independente do trabalho de laboratório ou de campo, existem razões externas e
independentes da atuação do professor, como as de tipo estrutural (ex: rigidez de
horários, elevado número de alunos por turma), de tipo organizativo (ex:
problemas de preparação da infra-estrutura, dificuldades financeiras, falta de
material, disponibilidade de espaço, documentação de apoio) e do tipo legal (ex:
falta de apoio da administração da escola, responsabilidade civil), que dificultam a
realização destas atividades, nos mostra um cenário não muito diferente do que
podemos encontrar na maioria das escolas brasileiras.
Nesta perspectiva, o desenvolvimento da docência não pode ser visto como
um processo isolado e solitário, mas compartilhado pela comunidade educacional,
no qual todos podem aprender. É preciso criar ações desafiadoras, tanto para o
professor quanto para o aluno, de modo que, refletindo e atuando, possam
empreender-se num processo de indagação orientada, alimentando o interesse, a
auto-estima e a autoconfiança, ingredientes indispensáveis para desenvolver a
criatividade de alunos e professores em sala de aula. Neste sentido, argumentam
que:
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“[...] Não é a falta de recursos, de um laboratório ou de qualquer outra infra-
estrutura física que impede o desenvolvimento de um programa de iniciação
científica na escola. Qual escola que não tem formigas? E quantas patas tem uma
formiga? O que elas comem? Têm outros animais na escola? E os que vivem fora
da escola? Tem mamífero entre eles? E ainda tem o sol, o vento, as plantas, as
pedras do pátio.. Peça para que cada aluno recolha uma pedra do pátio (pode ser
uma folha de alguma planta, uma semente ou outros objetos), a observe
cuidadosamente e registre suas características (tamanho, peso, cor,. , tudo). Depois
misture todas elas e peça ao aluno para descobrir qual é sua pedra. Agora tente
trocar os registros entre os alunos e repetir a experiência de identificar as pedras.
Mesmo simples essa é uma prática científica importante, que exercita a observação,
medidas e registros, aspectos fundamentais na pesquisa científica [...]” (Guia
PNLD, 2007, p. 8).
Nas pesquisas específicas da área das Ciências Naturais, o espaço do
laboratório tem a hegemonia. Entre microscópios e bancadas, os biólogos e outros
cientistas transitam testando suas hipóteses. O que acontece então com o professor
de Ciências que deseja pesquisar na escola?Ou estimular seus alunos a
investigarem? A maioria das escolas públicas de Educação Básica (mesmo as
privadas) não dispõe de laboratórios equipados. É comum no dia a dia do
professor a falta de tempo, espaço, recursos e apoio. A pesquisa na escola básica
seria então inviável ou desnecessária? Que tipo de pesquisa? Como viabilizar a
iniciação científica na escola? Por que esta iniciação é necessária? De que modo a
prática investigativa na escola básica pode influenciar a vida do cidadão, do
professor e do cientista?
Percebe-se que ainda é tarefa difícil desmistificar o microscópio como
sendo o artefato essencial para aulas de Ciências interessantes e instigadoras. É
como se sua ausência na escola comprometesse qualquer iniciativa ou desejo de
trabalho investigativo por parte de professores e alunos. Embora a dimensão
“invisível“, microscópica, seja importante nas Ciências naturais, na realidade o
microscópio óptico pouco pode mostrar aos alunos da escola básica. Além disso, o
que os livros didáticos apresentam em suas ilustrações em relação à dimensão
microscópica é muito diferente do que é possível visualizar ao microscópio óptico
ou em lupas. Organelas celulares e vírus, por exemplo, só se “concretizam
visualmente para os alunos na forma de ilustrações, fotos ou vídeos.
O contexto de trabalho do professor da Educação Básica em geral é
marcado por baixa remuneração, turmas numerosas, carga horária excessiva
(inclusive em número de escolas onde ele leciona), falta de tempo e espaço físico
para reunião com colegas e planejamento de atividades, acesso reduzido a bens
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culturais e a oportunidades de formação continuada. As Secretarias de Educação e
rede privada, com poucas exceções, não costumam investir em programas de
formação bem estruturados e que privilegiem a discussão e socialização de
experiências no âmbito da escola. Eventos pontuais como palestras e oficinas
costumam caracterizar o quadro de formação docente. Lüdke e Boing (2004)
discutem em seu trabalho a questão da precarização do trabalho docente tendo
como pano de fundo o conceito de profissão. Embora não pretenda aqui discutir a
profissionalização ou proletarização docente, não podemos ignorar que esta última
deve desfavorecer a prática de pesquisa pelo professor.
Krasilchik (1987) relatou os resultados de um estudo realizado e apontou,
entre outros aspectos, aqueles “que influenciam negativamente a prática do
professor de Ciências“, dente eles: preparação deficiente do professor,
programação dos guias curriculares, má qualidade do livro didático, falta de
laboratório nas escolas, falta de equipamentos ou material para aulas práticas,
obstáculos criados pela administração na escola, sobrecarga de trabalho dos
professores, falta de auxílio técnico para a separação e conservação do material.
Julgamos que, ainda que com prováveis mudanças, esses aspectos continuam
influenciando e caracterizando o dia a dia do professor de Ciências e Biologia em
sala de aula. É nesse contexto de trabalho que os saberes seriam construídos e/ou
reconstruídos. Para Campos e Diniz (2001), a compreensão desse contexto, ou
seja, da prática cotidiana do professor, pode ser favorecida por estudos mais
recentes sobre competências e habilidades necessárias ao professor de Ciências,
pois entendem que ao se buscar um provável perfil desse profissional,
implicitamente, se teria como referência as condições concretas do cotidiano
escolar.
Verifica-se na prática que os currículos de Ciências ainda são marcados pela
linearidade, fragmentação e pela lógica rígida dos pré-requisitos. Assim, ainda é a
minoria dos professores de Ciências que “ousam“ romper com as tradicionais
abordagens e seqüências de conteúdos. Isto é agravado pelo fato da maioria dos
livros didáticos seguirem esta organização curricular. A dificuldade de ser menos
“disciplinar“ também dificulta a articulação do professor de Ciências com colegas
de outras disciplinas e o diálogo interdisciplinar necessário ao ensino dos
conteúdos no âmbito da própria disciplina.
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68
Silva (1999) nos lembra o quanto é especialmente interessante na condição
de um professor de Ciências (ou de qualquer outro professor) o fato dele ser um
“especialista interdisciplinar“, alguém que necessita “transitar“ no conhecimento.
O professor em atividade é exposto a um universo de questões, cercado por
problemas que são desconhecidos dos cientistas nos laboratórios e que precisam
ser investigados. Além disso, questões identificadas no universo escolar podem
instigar pesquisas em novos campos de investigação que extrapolem os muros da
escola, demandando quem sabe, outras pesquisas, inclusive no locus laboratorial.
Isto parece sinalizar então para uma proposta de formação “híbrida“, onde a
componente pesquisa faça parte do currículo das licenciaturas, de modo
transversal, não estanque, atravessando tanto as disciplinas específicas quanto as
pedagógicas. Talvez, assim, o professor de Ciências possa aproximar-se do modo
específico de produção do conhecimento da sua área sem ver excluída a vivência
da pesquisa em educação. Um currículo capaz de formar um professor assim não
pode ser apenas uma versão simplificada do bacharelado. Parece se aproximar
mais de uma versão ampliada, onde a segurança conceitual no campo disciplinar,
no conhecimento biológico, seja garantida, favorecendo a autonomia necessária
para a ousadia metodológica e para a prática da pesquisa.
Maldaner e Schnetzler (1998) lembram que na sala de aula real não há
situação-padrão para a qual se pode aplicar soluções estudadas das quais se
abstraíram as condições reais. O ato pedagógico, em sua complexidade, exige a
pesquisa como competência profissional. É preciso que o professor seja capaz de
observar, surpreender, buscar respostas não evidentes à primeira vista, entender o
processo de ensino e aprendizagem em sua concretude, atuar sobre o real, que é
único e repleto de incertezas. Estas incertezas também caracterizam o universo da
Ciência. Trabalhar a partir deste ponto de interseção entre o conhecimento
científico e o saber pedagógico poderia ser uma possibilidade interessante ao se
repensar a formação do futuro professor.
Delval (2003), afirma que o professor não pode simplesmente “ensinar“, ele
deve sim, criar condições para que os alunos aprendam. Propondo-lhes novos
problemas, novas questões e fazendo com que percebam a insuficiência das
soluções aventadas quando não forem satisfatórias. Para este autor, o aluno que
desenvolve capacidade de pensar e de encontrar soluções para os problemas é
aquele que realmente aprende a aprender e que pode buscar seus próprios
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69
conhecimentos. A escola deveria, portanto, fomentar situações em que o aluno se
visse obrigado a pensar e não a repetir. As respostas certas são para este autor o
que menos importa, pois podem ser resultado de simples memorização. As
respostas incorretas por sua vez, podem ser interessantes ao revelar deficiências
de compreensão e problemas que o aluno esteja enfrentando.
Moreira (1991), afirma que o professor está em melhores condições de
investigar as situações de ensino e aprendizagem, em sua sala de aula, do que um
pesquisador externo. Tobin (1989) coloca problemas éticos nessa questão de um
pesquisador externo realizar a sua pesquisa sobre um professor e sua sala de aula,
que acabam, segundo o autor, não permitindo o aprofundamento das questões
surgidas da pesquisa devido a constrangimentos e preconceitos em relação aos
pesquisadores. Isto não desapareceria, para este autor, mesmo quando a pesquisa é
realizada com o professor. Tobin vê a pesquisa do professor como uma atividade
indissociável do ato pedagógico e não como uma tarefa a mais que o professor
queira realizar por um motivo ou outro.
Ora, embora possa parecer pouco viável um movimento de “contracultura“
em relação à hegemonia do laboratório como espaço de pesquisa entre
professores de Ciências, as iniciativas no campo investigativo identificadas em
várias escolas em pesquisas já realizadas, parecem apontar para a possibilidade
de revisão ou ampliação do conceito de laboratório, ou pelo menos para a
discussão da forma de utilizá-lo na escola. O trabalho de Santos, (2001 apud
Barreto Filho 2001 p. 39), por exemplo, analisou tendências em dissertações e
teses publicadas do Brasil de 1972 a 1995, relativas à experimentação no ensino
de Ciências de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental. Entre as considerações finais
de Santos, destacamos a afirmação:
“[...] Mesmo os pesquisadores que se utilizaram de referenciais teóricos
construtivistas, reproduziram, de um modo geral, abordagens comportamentalistas
nas atividades, o que evidencia uma incoerência. Usam, por exemplo, referenciais
teóricos piagetianos e terminam reforçando o modelo de atividade por redescoberta
que tem por base o comportamentalismo [...]. Até mesmo quando lançam mão de
recursos lúdicos o fazem mais com a intenção de ilustrar conceitos que estão
querendo transmitir, é um reforço à transmissão de conhecimentos.“(p. 77)
Para Cachapuz, Praia e Jorge (2004 p. 378-379) em sua análise do ensino em
Portugal, o caráter acadêmico e não efetivamente experimental que marca em grau
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70
variável os currículos de Ciências seria o maior responsável pelo desinteresse dos
jovens alunos por estudos de Ciências.
Também aqui no Brasil, a Ciência que se legitima nos currículos está
desligada do mundo a que, necessariamente, diz respeito. Estes autores apontam
dez pontos críticos cuja alteração seria necessária na Ciência escolar em Portugal,
e que julgo, podem dar pistas para mudanças necessárias também nos currículos
brasileiros:
• ensino das Ciências que começa demasiado tarde e termina demasiado cedo, não se
inserindo numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida;
• ensino das Ciências fortemente marcado por uma visão positivista da Ciência e, em
boa parte por isso mesmo, supervalorizando contextos acadêmicos (Ciência como
retórica de conclusões) onde são quase sempre ignoradas articulações essenciais
C/T/S/A (Ciência/Tecnologia, Ciência/Sociedade, Ciência/Ambiente) ou ainda
Ciência/Ética ajudando a situar culturalmente a Ciência no quadro de uma
educação para uma cidadania responsável;
• ensino das Ciências quase só tendo lugar em ambientes formais (escola) não
explorando sinergismos com a comunidade científica, trabalho de campo, clubes de
Ciência, visitas a centros de investigação, instalações industriais, centros de
Ciência, museus de Ciência etc.;
• ensino das Ciências subvalorizando (de fato) o desenvolvimento de competências e
atitudes científicas (por exemplo, quando se passa dos programas propostos à
avaliação das aprendizagens, muitas são simplesmente ignoradas em prol da
avaliação do “corpo de conhecimentos”);
• ensino não experimental [...];
• ensino das Ciências onde o uso pelos alunos das novas tecnologias da informação e
comunicação como recurso didático é praticamente simbólico;
• ensino das Ciências onde a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade estão
ausentes;
• ensino das Ciências onde o caráter transmissivo asfixia o investigativo;
• ensino das Ciências onde se burocratizaram as funções do professor, a começar
pela ritualização da avaliação da aprendizagem;
• ensino das Ciências privilegiando a extensão e não a profundidade nas abordagens
programáticas (confusão entre “cumprir” o programa e promover a excelência das
aprendizagens).
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71
Ainda no cerne desta discussão onde se entrecruzam problemáticas como
formação docente, papel social da ciência e do cientista, políticas públicas,
reformas curriculares e outras, considero importante destacar que não faltam
argumentos para justificar a importância da educação científica. Indago-me então:
quando iniciar efetivamente esta educação? Por que não podemos garantir que
esta educação científica se concretize contando apenas com os espaços não
formais e os meios de divulgação científica? Até que segmento de ensino formal
podemos, no contexto brasileiro, “nos dar ao luxo de esperar” para implementar
esta educação científica? Como atingir um maior número de alunos?
Educação Básica no Brasil: um “funil” como desafio ainda a ser superado
Pesquisas indicam que um maior grau de avanços tecnológicos está
relacionado a países com expressiva parcela da população no ensino superior. O
mercado de trabalho demanda profissionais qualificados no uso de novas
tecnologias. Como a transição do Ensino Médio para o ensino superior é
historicamente baixa no Brasil, o país não consegue aumentar a taxa de conclusão
nesse ciclo, que atualmente está na faixa de 8% da população adulta, enquanto a
média da OCDE gira em torno de 30% e países como Argentina e Chile atingem
18%. A tão sonhada universalização do Ensino Médio ainda está longe de
concretizar-se, como veremos a seguir.
Embora o país tenha atingido um nível de acesso à escola da população de 6
a 14 anos praticamente universal, o nível de escolaridade média da população de
15 anos ou mais é de apenas 6, 7 anos. Segundo o INEP (2006)
10
, esse aparente
paradoxo pode ser explicado pela baixa eficiência do sistema educacional
brasileiro em produzir concluintes, pois, se o acesso é quase universal, é baixo o
percentual daqueles que concluem o Ensino Fundamental, sobretudo na idade
adequada. Haveria, portanto, uma população de quase 20% que já poderia cursar o
Ensino Médio, mas que ainda permanece retida no nível anterior, sem contar
aqueles que evadiram. Ainda segundo o INEP (2006), estamos abaixo de atingir,
na média, as oito séries - que desde 2007 passaram a ser nove- de escolarização
obrigatória. Dados indicam que mesmo que as taxas de repetência no Brasil
tenham diminuído nos últimos anos, elas continuam elevadas e muito além dos
10 Fonte: INEP: www2. inep. gov. br/imprensa/artigos/2006/universalizacao. htm
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72
índices registrados por países com níveis de desenvolvimento equivalente ou até
mesmo inferior ao nosso. Com taxas de promoção ainda longe do ideal e de
repetência e evasão estagnadas em patamares elevados, o resultado do quadro
atual é um inchaço do sistema e baixas taxas de conclusão do Ensino
Fundamental. Um número expressivo daqueles que concluem esse nível o faz em
idade superior à considerada adequada e nem sempre ingressam no Ensino Médio.
Portanto, a rigor, alerta o INEP (2006) só se pode falar em universalização do
acesso ao Ensino Fundamental, já que universalizar o ensino pressupõe, além do
acesso, a permanência, a progressão e a conclusão na idade adequada. Além disso,
essa universalização deve ser alcançada com padrões de qualidade requeridos de
uma boa educação. Para o INEP (2006), nesse contexto, não se pode, falar em
universalizar o Ensino Médio pelos próximos 10 anos.
Considerando-se o “funil” que caracteriza o quadro descrito acima, indago-
me acerca das conseqüências de se investir na educação científica apenas nas
séries finais do Ensino Fundamental ou no Ensino Médio, aonde poucos chegam e
menos ainda concluem. No decorrer deste trabalho vimos que pesquisadores de
diferentes linhas metodológicas podem divergir nos aspectos conceituais e
operacionais do ensino de ciências, mas parece consenso entre eles a importância
da alfabetização científica desde as séries iniciais de escolaridade e o
desenvolvimento de habilidades, competências ou capacidades nas crianças e
adolescentes, favorecidas por práticas docentes promotoras de atividades com
foco na pesquisa e investigação. Assim, é válido questionar: existem programas
no Brasil destinados a fomentar a educação científica na Educação Básica? Com
qual alcance? Com que tipo de abordagem? Promovem investimentos na
formação docente, aparelhamento das escolas, reformas curriculares, prêmios de
incentivo ou programas de intercâmbio entre escolas e centros de pesquisa?
Veremos a seguir algumas iniciativas que identifiquei neste sentido, descritas a
partir de informações divulgadas pelos órgãos e instituições que as promovem.
Criação de Institutos de Ciência e Tecnologia
O Ministério da Educação, através do Decreto nº. 6. 095, de 24 de abril de
2007
11
, autorizou a criação dos Institutos de Ciência e Tecnologia, com
11 http://www. planalto. gov. br/CCIVIL_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6095. htm
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73
praticamente todas as prerrogativas e a autonomia de uma universidade - como
criar cursos e campus sem autorização do MEC - mas dedicada exclusivamente à
formação técnica e tecnológica e ao ensino de ciências. A idéia é que os atuais
Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) possam se transformar em
Institutos Federais de Ciência e Tecnologia. , concentrando metade do orçamento
em Educação Básica profissionalizante e a outra metade no ensino superior
tecnológico. Neste caso, 20% serão destinados a cursos de licenciatura em
ciências, física, química e matemática. Além disso, terão a obrigação de apoiar a
rede pública de ensino básico na formação de professores.
Ações da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação
Esta secretaria vem intensificando esforços no sentido de apoiar o
desenvolvimento e a valorização do ensino de Ciências junto aos professores e
alunos do Ensino Fundamental (5ª a 8ª Séries) e Médio
12
. Nessa direção, a política
de Educação Básica do MEC tem dado ênfase especial a um conjunto de fatores
motivadores de mudanças significativas na organização dessa modalidade de
ensino, tais como: elaboração de um programa sistemático e efetivo de formação
continuada dos professores, que possibilite sua atualização permanente em termos
científicos e pedagógicos; promoção de mecanismos institucionais de valorização
do conhecimento e da prática científica e pedagógica dos professores;
desenvolvimento de currículos com ênfase na abordagem prática e
problematizadora; e existência de ambientes de aprendizagem científica, em
termos de laboratórios e/ou equipamentos. Dentre outras iniciativas que integram
essa política no âmbito da SEB, vale destacar: o Prêmio Ciências, que visa
selecionar projetos inovadores no aprendizado das Ciências da Natureza e
Matemática, no Ensino Médio; apoio à realização de eventos científicos como as
Olimpíadas de Matemática e relacionadas a outras disciplinas que integram o
currículo escolar; a Coleção Explorando o Ensino, que busca apoiar o trabalho
científico e pedagógico do professor em sala de aula e o Programa Nacional de
Apoio a Feiras de Ciências – Fenaceb.
12 http://portal. mec. gov. br/seb/index. php?option=contentetask=vieweid=406eItemid=392
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74
O PROVOC-Fiocruz
O Programa de Vocação Científica (PROVOC)
13
, na Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), promove a iniciação científica de alunos do Nível Médio de
ensino de escolas públicas e privadas conveniadas, nas diferentes áreas de
pesquisa das Ciências Biológicas, da Saúde e das Ciências Humanas e Sociais em
Saúde.. Alunos participantes do programa têm a oportunidade de vivenciar
ambientes de pesquisa e a experiência de aprender ciência fazendo ciência. Ao
mesmo tempo em que visa integrar-se às ações da escola, o Programa propõe uma
ampla discussão e compreensão das práticas científicas que permeiam a
construção do conhecimento em nossa sociedade. Dessa forma, busca-se também
estabelecer inter-relações entre o ensino, em geral, e a formação científica do
aluno, sobretudo, através da iniciação à pesquisa.
Prêmio Jovem Cientista
Considerado um dos prêmios
14
mais importantes pela comunidade científica
da categoria na América Latina, foi instituído em 1981. É resultado de uma
iniciativa do CNPq em parceria com empresas e fundações. A categoria Ensino
Médio foi criada em 1999 e visa revelar talentos e incentivar nos jovens a prática
da pesquisa como meio de aprendizagem e produção de conhecimento
Cientistas de Amanhã
15
O Concurso Cientistas de Amanhã, surgiu por uma iniciativa do Instituto
Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura – IBECC/UNESCO – Comissão de São
Paulo em 1957. Realizando-se anualmente, desde 1958 finaliza-se junto às
Reuniões Anuais da SBPC, tendo seus resultados divulgados na sessão solene de
encerramento destas Reuniões. É um Concurso nacional, dirigido a estudantes do
Ensino Fundamental e médio, da rede escolar brasileira, constituindo-se em uma
iniciativa sistemática desde sua criação.
Bolsa de Iniciação Científica Júnior
Em 2003, o CNPq criou seu próprio programa, denominado Bolsa de
Iniciação Científica Júnior
16
, resultando em significativa proliferação da IC no
13 www. epsjv. fiocruz. br/v2005/provoc. htm
14 www. jovemcientista. cnpq. br/
15 www. cientistasdeamanha. org. br/
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75
Ensino Médio. Este programa funciona por meio de convênios com fundações
estaduais de apoio à pesquisa, e recentemente, passou a incluir também estudantes
dos quatro últimos anos do Ensino Fundamental (CNPq, 2006).
FEBRACE-Feira Brasileira de Ciências e Engenharia
Trata-se de uma feira anual de Ciências e Engenharia
17
que envolve
projetos de estudantes das escolas públicas e privadas de todo o Brasil, em
diversas categorias estabelecidas a partir das Ciências (Exatas e da Terra,
Biológicas, da Saúde, Agrárias, Sociais e Humanas) e Engenharia e suas
Aplicações.
Podem participar estudantes do último ano do Ensino Fundamental e do
Ensino Médio e Técnico. Tem como principais objetivos estimular novas
vocações em Ciências e Engenharia através do desenvolvimento de projetos
criativos e inovadores, e aproximar as escolas públicas e privadas das
Universidades.
SBPC Jovem
18
Destaca-se dentre os muitos eventos e atividades que acontecem durante a
Reunião Anual da SBPC, que teve sua primeira edição em 1993. Objetiva
aproximar a ciência dos estudantes dos ensinos fundamental, médio e técnico e
oferece uma programação que conta com exposições, conferências, oficinas,
vídeos e filmes.
Mão na Massa
Corresponde à versão do projeto francês La Main à la Pâte
19
que tem
parcerias em vários países do mundo. Implantado desde 2001 no Brasil, este
projeto assumiu a designação de ABC na Educação Científica - Mão na Massa.
16 www. cnpq. br/bolsas_auxilios/modalidades/ic_junior. htm
17 http://www. lsi. usp. br/febrace
18 www3. ufpa. br/59ra/images/documentos/progsbpcjovem. pdf
19 www. ioc. fiocruz. br/abcnaciencia ou INRP - Institut National de Recherche Pédagogique /link
para o La Main à la Patê:
http://www. inrp. fr/lamap/
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76
Esta sigla enfatiza o apoio pioneiro da Academia Brasileira de Ciências bem
como a prioridade dada à melhoria da educação científica no Ensino Fundamental.
A motivação para o desenvolvimento deste tipo de iniciativa vem do fato de que a
Língua Portuguesa e a Matemática são normalmente priorizadas nesta etapa da
formação, cabendo às Ciências apenas um espaço restrito, inclusive nos cursos de
formação de professores. As atividades do projeto visam estimular a formulação
de questões sobre a realidade concreta, a elaboração de predições e o teste das
hipóteses levantadas, ao mesmo tempo em que favorecem um ambiente propício
ao debate de idéias e ao desenvolvimento da capacidade de argumentação, através
da confrontação de opiniões entre os educandos e realização de experimentos
simples. Há uma grande ênfase no uso das linguagens, incluindo diferentes tipos
de registros feitos pelas crianças, verbais e não verbais. Envolve ainda contato
direto entre professores das redes de ensino, cientistas e especialistas em didática
das ciências.
Embora atendam alunos da Educação Básica, os programas citados são
voltados em sua maioria para alunos de Ensino Médio e ainda têm alcance restrito
se considerarmos a realidade de nosso país e o quantitativo de escolas que a eles
têm acesso. Fica claro nestes programas a importância da figura docente para a
educação científica. Foi com o olhar direcionado para esta figura que realizei meu
estudo.
Veremos a seguir, o que representou o professor de ciências na vida dos
cientistas entrevistados. Como era este professor que influenciou seu aluno da
Educação Básica a escolher a ciência como carreira? Que tipo de aulas e outras
situações de aprendizagem mediadas por este professor deixaram marcas na vida
destes cientistas?
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4
O estudo realizado
“Meu propósito era falar sobre como nascem os cientistas. Mas o
melhor é falar de outra maneira: como se fazem os cientistas.”
(José Reis, 1968)
4.1
A composição da amostra
O foco neste estudo é a influência do professor de ciências da Educação
Básica na vida de cientistas. Como nos currículos escolares deste segmento de
ensino são trabalhados conteúdos do campo da Biologia, Química, Física,
Geologia, Astronomia e Paleontologia, procurei incluir na amostra cientistas
dessas áreas - Ciências Naturais e afins. Os critérios para a seleção dos cientistas
que seriam contactados foram, portanto titulação (doutorado ou mestrado no
mínimo), gênero (homens e mulheres de modo eqüitativo), faixa etária (25 -70
anos) e área de atuação (Ciências Naturais e afins).
Na amostra inicial apliquei questionários fechados (anexo 1) a fim de obter
indicação do grau de influência- em um dado rol de fatores- na opção pela carreira
de cientista. Deste grupo, extraí a amostra da qual obtive relatos orais através de
entrevistas gravadas. A triagem foi feita tendo como foco os pesquisadores que
apontaram a figura de um ou mais professores da Educação Básica como fatores
importantes na sua opção pela carreira científica.
Com o grupo menor de pesquisadores, composto a partir da referida
triagem, tive encontros presenciais, gravei e transcrevi seus relatos. Das memórias
evocadas por estes homens e mulheres, pesquisadores em atividade, busquei
identificar características, fatores, práticas, perfis, contextos, expressões e outros
elementos para compor o que representou a figura do professor de ciências em sua
opção profissional pela carreira científica.
Contactando os cientistas
A primeira opção de local para contato com os cientistas foi a Fundação
Oswaldo Cruz-Fiocruz (RJ). Por que esta escolha? A Fiocruz, vinculada ao
Ministério da Saúde é a mais destacada instituição de ciência e tecnologia em
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78
saúde da América Latina, de reconhecida importância em pesquisa e produção
cientifica tanto no cenário nacional quanto internacional. Em 2006 recebeu o
Prêmio Mundial de Excelência em Saúde Pública concedido pela maior e mais
importante instituição de saúde pública do mundo, a Federação Mundial de
Associações de Saúde Pública, e a Ordem do Mérito Científico Institucional 2006,
pelo Governo Federal brasileiro.
Criada em 25 de maio de 1900
20
- com o nome de Instituto Soroterápico
Federal – a Fiocruz nasceu com a missão de combater os grandes problemas da
saúde pública brasileira. Ao longo de sua história, consolidou-se como um centro
de conhecimento da realidade do País e de valorização da medicina experimental.
Hoje a instituição abriga atividades que incluem o desenvolvimento de pesquisas;
a prestação de serviços hospitalares e ambulatoriais de referência em saúde; a
fabricação de vacinas, medicamentos, reagentes e kits de diagnóstico; o ensino e a
formação de recursos humanos; a informação e a comunicação em saúde, ciência
e tecnologia; o controle da qualidade de produtos e serviços; e a implementação
de programas sociais. Nela trabalham atualmente mais de 7500 servidores e
profissionais com vínculos variados, sendo cerca de 3000 o total de
pesquisadores.
A Fiocruz tem sua base fincada num campus de 800000m
2
no bairro de
Manguinhos, Zona Norte do Rio de Janeiro. Além das unidades fixas, a Fiocruz
está presente em todo o território brasileiro, seja através do suporte ao Sistema
Único de Saúde (SUS), na formulação de estratégias de saúde pública, nas
atividades de seus pesquisadores, nas expedições científicas ou no alcance de seus
serviços e produtos em saúde. Oferece ainda, com aprovação da CAPES, desde
2003, um Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ensino de Biociências e
Saúde. Estes dados justificam o porquê desta instituição ter sido escolhida como
um dos espaços de investigação nesta pesquisa. Além disso, o fato de localizar-se
na cidade do Rio de Janeiro facilitou o desenvolvimento da pesquisa.
Inicialmente o envio e recebimento dos questionários aos cientistas foram
feitos através de correio eletrônico, utilizando-se e-mails fornecidos pela
plataforma Fiolattes de pesquisadores selecionados com base nos critérios
descritos anteriormente. Entretanto, esta estratégia não se mostrou eficiente, pois
20 Informações sobre a Fiocruz transcritas do site oficial da instituição- http//www.fiocruz.br
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79
grande parte das 140 mensagens enviadas (cerca de 50) voltou ao meu endereço
(provavelmente pelo e-mail estar escrito errado no currículo lattes; caixa postal
lotada; mecanismo anti-spam ou por mudanças dos e-mails nos departamentos da
Fiocruz que não tiveram a devida atualização na Fiolattes). Além disso, usei meu
e-mail pessoal e não um institucional, o que pode ter dificultado o contato, pois o
temor pelo recebimento de “vírus“ de computadores, uma ameaça real na
atualidade, faz com que grande parte das instituições bloqueie ou recomende a não
abertura de mensagens eletrônicas de desconhecidos.
Diante disso, fui então à Fiocruz para tentar contactar pessoalmente os
pesquisadores e aplicar os questionários. Este contato, porém, não pôde ser
imediato. Na Fiocruz existe um Comitê de Ética e Pesquisa (CEP), que tem a
atribuição de avaliar a eticidade dos projetos de pesquisa dos pesquisadores,
tecnologistas e estudantes de Pós-Graduação da ENSP (Escola Nacional de Saúde
Pública) e de seus cursos descentralizados e interinstitucionais que sejam
concernentes a seres humanos. Embora minha pesquisa seja em Educação e não
em Saúde, envolve seres humanos e não é anônima, pois ainda que não sejam
identificados no texto da tese, no questionário esta identificação era necessária,
para que pudesse contactar os respondentes que fossem ser entrevistados
presencialmente. Assim, tive que submeter meu projeto à análise do CEP para que
pudesse iniciar o contato com os cientistas. Este processo de análise envolveu
procedimentos burocráticos e apresentação oral (feita por mim) do projeto em
duas reuniões do comitê. Após aproximadamente 45 dias fui finalmente
autorizada a iniciar o contato com os pesquisadores. No momento da aplicação,
deveria também, obrigatoriamente, anexar ao questionário um formulário com
Termos de Consentimento (anexo 2) segundo modelo fornecido pelo CEP para ser
assinado pelo respondente.
O Instituto de Pesquisas Carlos Chagas (IPEC) onde está sediado o CEP,
forneceu-me então uma lista de doutores e mestres que atuavam em alguns
laboratórios a ele vinculados. Iniciei então minha busca aos cientistas, por esta
listagem, visitando cada um dos laboratórios e procurando nominalmente por
esses pesquisadores. Infelizmente, o retorno desses questionários ficou aquém do
esperado. Dado o caráter voluntário da pesquisa, muitos cientistas esqueciam-se
de trazer suas respostas no dia combinado ou negavam-se a responder na hora em
que eu os visitava. Não se pode ignorar a grande carga de trabalho, incluindo
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80
viagens, a que esses cientistas são submetidos. Visitei então a Escola Nacional de
Saúde Pública, também na Fiocruz, onde com auxílio da coordenação de pós-
graduação, consegui contactar outros pesquisadores.
Diante da extrema dificuldade de conseguir um número que considerasse
razoável de questionários respondidos, optei por tentar contactar cientistas de
outros Centros de Pesquisa além da Fiocruz, para complementar minha amostra.
Atuando em projetos na área, obtive o endereço eletrônico de cientistas que
constavam no quadro de consultores da Revista Ciência Hoje e do Prêmio
Jovem Cientista
21
. De posse então, de uma lista com 53 cientistas, enviei e-mail
com o questionário, apresentando-me, explicitando as etapas de meu estudo e
pedindo sua participação. De 53 questionários enviados recebi 30. Portanto, foram
contactados com sucesso (respondendo o questionário por e-mail ou
presencialmente), um total de 72 cientistas. Desse total, 42 atuam na fiocruz, 18
pertencem ao quadro de consultores da Revista Ciência Hoje e 12 prestam
consultoria ao Prêmio Jovem Cientista. Esses consultores são pesquisadores e
professores em Universidades.
Questionário aplicado
A partir da análise da literatura disponível, foram estabelecidos os itens que
comporiam o questionário. Na identificação os respondentes deveriam fornecer
nome, idade, sexo, titularidade máxima e área de atuação.
Foi solicitado aos cientistas que para cada um dos fatores listados
atribuíssem um grau de importância considerando-se a influência deste fator na
opção pela carreira de pesquisador.
A escala utilizada para atribuição do grau foi:
0 - nenhuma ou mínima importância
1 - pouca importância
2 - relativa importância
3 - grande importância
21 A Revista Ciência Hoje é uma publicação do Instituto Ciência Hoje (ICH) vinculado à
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O Prêmio Jovem Cientista já foi
citado neste estudo.
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81
4.2
O que dizem os dados obtidos pelos questionários
A questão do gênero
Achei importante identificar o gênero dos cientistas, pois embora não seja o
foco de meu estudo, a relação entre gênero e ciência não deve ser ignorada,
principalmente no campo das Ciências Naturais. No Brasil, estudos publicados em
dois periódicos indexados na literatura internacional (Cadernos Pagu-publicação
semestral do Núcleo de estudos de Gênero da UNICAMP e Revista de Estudos
Feministas-Publicação do Centro de Filosofia e Ciências Humanas e Centro de
Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina),
demonstram a existência de um crescimento da participação da mulher no sistema
de ciência e tecnologia brasileiro, mas também a constatação das desigualdades
ainda por serem superadas ou utilizadas em tomadas de decisões políticas neste
campo. Neste sentido, a UNESCO (2003 p. 24), alerta que:
“[...] a educação científica vem tomando como base abordagens que excluem as
mulheres. Uma participação plena e eqüitativa das mulheres nas atividades de
Ciência e Tecnologia (C&T) irá contribuir para o enriquecimento e a reorientação
dos programas, métodos, práticas e aplicações da C&T. Conseqüentemente, é
necessário o desenvolvimento de estratégias e políticas que facilitem o acesso das
mulheres aos conhecimentos de C&T e que, simultaneamente, aumentem sua
participação em todos os campos da atividade científica.”
Ainda em relação à participação feminina na pesquisa científica, cabe
resgatar um documento onde a UNESCO (2003 p. 38) destaca que a cultura
científica é direito de todos e chama a atenção para a importância de reformulação
dos currículos de ciências da Educação Básica para redução das desigualdades de
gênero em Ciência e Tecnologia:
“[...] É importante desenhar os novos programas de ensino da ciência e da
tecnologia para atender às necessidades dos alunos, para atraí-los às carreiras
científicas e tecnológicas e melhorar a eqüidade entre os gêneros Consta-nos que
embora o número das estudantes tenha crescido nas faculdades de ciências e nas
escolas de engenharia, chegando a igualar ou mesmo a superar o dos rapazes, as
jovens são menos numerosas em matemática, física, ciências da terra e engenharia.
Esta situação tem suas raízes na educação secundária, onde as alunas abandonam as
atividades científicas mais freqüentemente do que os alunos. Além da orientação
individual, essa distorção pode ser corrigida com o planejamento de conteúdos
curriculares que sejam mais atraentes para as alunas. [...]”.
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82
No âmbito desta discussão cito o estudo de Moro (2001) que analisou a
questão de gênero no ensino de ciências com foco na prática e discurso de
professores. Ao observar aulas de ciências e entrevistar professores, a
pesquisadora constatou que docentes do ensino básico em sua maioria
desconhecem a problemática da desigualdade de gênero e reproduzem
estereótipos sexuais, não pela intencionalidade, mas pela desinformação. Os
professores que foram entrevistados enfatizaram que eram mais comuns em
meninas, características atribuídas ao “bom aluno”, tais como passividade e
obediência. A pesquisadora questiona em seu trabalho o quanto esse tipo de
comportamento favorece efetivamente o aprendizado de ciências.
Já o estudo de Gomes et al (2004) que analisa a situação das escolhas de
adolescentes brasileiras em relação às profissões que demandam conhecimentos
em ciências, matemática e tecnologias computacionais, denuncia que as
matrículas do ensino superior nas áreas do conhecimento ligadas às ciências e
tecnologias, indicam que o gênero feminino está sub-representado. Segundo as
autoras do estudo, enquanto as mulheres são maioria nas áreas de artes e
humanidades, ciências sociais e direito, saúde e serviços e ocupam o dobro do
número de vagas na área da educação- reduto histórico da presença feminina-
representam apenas 36% das vagas nas áreas de ciência, matemática e
computação. Contudo, em relação à influência das mães e dos pais, das
professoras e professores sobre as (os) adolescentes nessas áreas de conhecimento,
os dados do estudo citado mostram que tanto os meninos quanto as meninas se
consideram cumprindo as expectativas de seus pais e professores quanto ao seu
desempenho em matemática e ciências. As autoras do estudo afirmam que pelos
dados obtidos podemos inferir que a relação com as professoras e os professores é
de boa qualidade, não apresentando nenhum tipo de discriminação. Não
identificaram, portanto, percepção por parte das alunas e dos alunos de diferença
no trato entre meninos e meninas bem como não há diferença quanto à percepção
das professoras e dos professores quanto à capacidade de aprendizagem dos
meninos e das meninas. É preocupante, entretanto, que ainda no âmbito do estudo
citado, quando questionados quanto à aplicabilidade do que aprendem, a maioria
dos meninos tenha demonstrado que a matemática e as ciências são consideradas
disciplinas úteis e interessantes, enquanto que 25% das meninas consideram que
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83
matemática não terá serventia e 50% delas fazem a mesma consideração em
alusão às ciências.
Assim, neste contexto aparentemente desfavorável à participação feminina,
foi uma grata surpresa verificar que do total de 72 respondentes, 39 são
mulheres. Contrariando o esperado em um cenário nacional caracterizado pela
desigualdade de gênero na atividade científica, a Fiocruz apresentou quase o
dobro de pesquisadoras em relação ao número de cientistas do sexo masculino que
responderam ao questionário. Entre 42 respondentes pertencentes ao quadro
da Fiocruz, 27 são mulheres.
A faixa etária
Foram contactados cientistas dos 25 a 70 anos de modo a incluir
pesquisadores que tenham cursado o segmento correspondente à Educação Básica
dos anos 50 aos 90. Uma análise, ainda que breve, do contexto histórico do
período em que foram estudantes da Educação Básica, pode revelar interessantes
relações com o tipo de ensino que tiveram e as influências que sofreram em
relação à opção pela carreira científica. Na análise dos dados foram delimitadas
quatro faixas: 25-35; 36-45; 46-55 e 56-70. No cruzamento gênero x faixa etária,
dentre os 72 respondentes encontramos:
Mulheres
Faixa etária Fiocruz Outra instituição Total
25-35 2 1 3
36-45 9 2 11
46-55 14 4 18
56-70 2 5 7
27 12 39
Os dados indicam uma predominância de pesquisadoras na faixa de 46-
55 anos. Isto provavelmente se dê em função de existir maior probabilidade das
mulheres desta faixa já terem obtido titulação, experiência e prestígio na
instituição de trabalho, o que deve favorecer maior participação e liderança em
grupos de pesquisa, bem como não terem preocupação com filhos em idade que
exigiria maiores cuidados e dedicação.
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84
Homens
Faixa etária Fiocruz Outra instituição Total
25-35 2 2 4
36-45 5 3 8
46-55 6 4 10
56-70 6
5 11
19 14 33
Entre os homens, só há desequilíbrio quantitativo quando se compara a faixa
mais jovem com as demais. maior predominância de pesquisadores
homens entre os respondentes, com idade maior que 35 anos, o que
provavelmente deve estar relacionado ao tempo necessário para agregar valores
como titulação, experiência e reconhecimento à carreira científica, considerando-
se o alto grau de prestígio das instituições de pesquisa em questão neste estudo.
Titulação
Procurei identificar o nível de titulação dos respondentes a fim de verificar o
alcance e medida de sua participação em pesquisa científica. A maioria dos
respondentes é de doutores e um significativo número apresenta pós-
doutorado. Além disso, cinco mestres indicaram em seus questionários (com
observações à parte), que estavam com o doutorado em curso. Estes dados
corroboram o cenário esperado no corpo profissional em instituições de referência
na pesquisa científica mundial, como é o caso da Fiocruz.
No quadro abaixo vemos a titulação do grupo de respondentes:
Instituição Mestrado Doutorado Pós-Doutorado Total
Fiocruz 8 20 14 42
Outras - 21 9 30
8 41 23 72
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85
4.3
Os fatores e sua influência na opção pela carreira científica
a) Família
A influência familiar pode se dar, dentre outras formas, como apoio e
valorização da autonomia na escolha da carreira pessoal; pela existência de
outro(s) membro(s) da família no campo da ciência e pelo gosto e admiração
compartilhados pela ciência, promovendo um ambiente no qual o cientista quando
criança ou adolescente tem acesso a publicações, visita instituições ligadas à
ciência e/ou é estimulado a ter uma atitude investigativa e questionadora diante
dos fatos. Dentre os 72 respondentes, 45 atribuíram relativa ou grande
importância à influência da família, um número considerado expressivo.
No livro "Cientistas do Brasil”
22
publicado pela SBPC em 1998, que traz
60 entrevistas e perfis de pesquisadores notáveis, o biólogo e especialista em
fisiologia vegetal Luiz Fernando Gouvêa Labouriau (1921-1996) um dos
precursores do desenvolvimento da biotecnologia no país, conta como um
presente recebido dos pais ainda na infância marcou sua trajetória:
“A vida de um pesquisador depende, fundamentalmente, de incidentes que escapam
ao seu controle. Eu tinha mais ou menos sete anos quando ganhei um velho
microscópio Zeiss, de meus pais, interessados em que eu me focalizasse nos
estudos. De modo que aprendi a manipular um microscópio ao mesmo tempo em
que aprendi a ler e escrever. Comecei então a usar o aparelho ao acaso, como
aqueles primeiros microscopistas, que examinavam tudo, desde a asa de uma
mosca e o sangue de um gambá morto, até a própria saliva. Isso despertou em mim
uma grande paixão pelo assunto. ”
Em Schwartzman (1979) lê-se como na história da profissionalização da
ciência, houve sem dúvida gerações de cientistas nas quais destacou-se como
fundamental o papel das linhagens familiares para a iniciação científica dos
jovens, principalmente em razão da ausência de instituições voltadas para a
educação científica.
O trabalho de Santos (2007 p. 62), que analisou o papel da família na
escolha profissional, cita estudos de Boholasvsky (1987), Lucchiari (1993), Bock
e Aguiar (1995) e Andreani (2004) que sinalizam que a família desempenha um
papel fundamental no processo de escolha de uma profissão. Esse papel iria desde
22 Disponível no formato digital em: www. canalciencia. ibict. br/notaveis
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o apoio à participação dos familiares na formação global, no desenvolvimento do
adolescente e na história de vida. Como lembra Santos, na maioria das vezes, são
os pais que pagam a faculdade e/ou mantêm o jovem, caso ele estude durante o
dia em uma faculdade pública. Para a autora do estudo, a família é um entre os
vários facilitadores ou dificultadores do processo de escolha, mas antes de tudo
tem um papel importante na realidade do adolescente e deve ser levada em
consideração quando se trata de projeto de vida, pois é nela que o jovem encontra
normalmente suporte emocional e financeiro para a realização do seu projeto.
Contudo, para os 27 respondentes que atribuíram nenhuma ou pouca
influência a este fator e para Amílcar Vianna Martins (1908-1990) eminente
pesquisador da área de Entomologia e Parasitologia da Universidade Federal de
Minas Gerais, a família não teve “peso” na opção pela carreira científica. No livro
"Cientistas do Brasil”, já citado, o Dr. Amílcar diz:
Não sofri nenhuma influência, nenhuma pressão de parentes. Nem pais, nem avós,
nem tios, ninguém me influenciou. Pra falar a verdade, acho até que foi bom não
ter acontecido. Sou de uma família de profissionais liberais, de burocratas. Meu
pai, por exemplo, era funcionário público. Desde menino, sempre tive uma
tendência muito grande para as ciências naturais, de modo especial para a
zoologia. Eu gostava muito de colecionar insetos. Coletava-os, espetava-os em
alfinete comum e os guardava em umas caixas de charuto, de madeira, que havia
naquela época. Comecei minhas aventuras zoológicas colecionando coleópteros
(besouros). Se mais tarde fui estudar medicina, é porque na ocasião não havia um
curso que formasse zoólogos. O que estava mais próximo era o de medicina.
Tornei-me médico, mas, a não ser em circunstâncias muito especiais, nunca exerci
essa profissão. Mas o que eu pretendia ser mesmo era um naturalista viajante,
como aqueles do século passado.”
b) Amigos
De uma maneira geral, a escola surge como uma experiência organizadora
central na maior parte da vida dos adolescentes, passível de lhes oferecer
oportunidades, desenvolver aperfeiçoar ou competências, explorar as escolhas
vocacionais e estar com os amigos (Papalia, Olds e Feldman, 2001 apud Carmo e
Costa 2003, p. 3). No estudo feito com adolescentes do nono ano de escolaridade
em Portugal por Carmo e costa (2002), a escola foi referida como o local
privilegiado para esta discussão e os amigos surgem, em segundo lugar (depois
dos professores), na preferência dos alunos no que se refere à procura de
informação escolar e profissional. As autoras atentam que o período da
adolescência caracteriza-se pela expansão dos jovens fora de casa, procurando um
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87
sentimento de pertença junto dos amigos com quem mais se identificam,
influenciando-os e sendo, simultaneamente, influenciados por estes. Como
educadora, lidando com crianças e jovens há bastante tempo, também tenho
observado que na adolescência os valores do grupo de amigos são por vezes mais
imperativos do que os valores dos grupos familiares ou aqueles que a escola
procura desenvolver. Reforçando esta idéia, o estudo de Santos (2007), identificou
no discurso de adolescentes entrevistados, alto grau de importância atribuído à
opinião dos pares, ou seja, ao papel do seu grupo social. Foram encontrados
diversos indicadores referentes à influência dos pares, formando o que foi
chamado no estudo em questão, como zona de sentido "da influência de
terceiros". Entretanto, na amostra de respondentes apenas 8 cientistas
atribuíram grande importância e 20- relativa importância - a este fator.
c) Personalidade célebre e/ou determinado estudo científico
No livro “Cientistas do Brasil”, lemos que André Dreyfus (1897 -1952), um
dos poucos brasileiros entre os professores da recém-fundada Universidade de São
Paulo, influenciou - juntamente com Pasteur e o
Dobzhansky
23
- o pesquisador
Crodowaldo Pavan - renomado biólogo e geneticista brasileiro - na definição de
sua opção pela carreira científica:
“Fui assistir a uma fita com o ator norte-americano Paul Muni (1895-1967) sobre
Louis Pasteur e me apaixonei por aquilo (No filme The Story of Louis Pasteur, de
1936, Muni interpretava Pasteur e ganhou o Oscar de melhor ator. ) Uma semana
mais tarde, na biblioteca municipal, aonde eu ia com freqüência, assisti a uma
conferência do André Dreyfus que falava de várias coisas, inclusive genética. Após
a palestra, havia várias pessoas conversando com ele. Fiquei por perto, até que
consegui uma dica e lhe perguntei: “O que devo estudar para trabalhar como
Pasteur”?" Ele indagou: "Quem é Pasteur?" Eu lhe disse que era o cientista sobre
o qual haviam passado uma fita. "Ah, o Louis Pasteur. O que você quer?",
perguntou-me Dreyfus. Eu disse que fazia o pré da politécnica e havia visto o
filme. Falei que imaginava ser aquilo o que gostaria de fazer. Dreyfus pediu-me
que aguardasse enquanto ele atendia as outras pessoas. Depois ele me disse que,
dentro do que eu queria fazer, o melhor era partir para a medicina. Mas também
falou:”Atualmente existe em São Paulo um curso da Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras (FFCL) que conta com professores estrangeiros da mais alta
categoria”. Eu havia explicado o porquê de estar fazendo o curso para a
politécnica e ele me disse: "Nesse curso de história natural, você tem a seguinte
23 Theodosius Dobzhansky (1900-1975), ucraniano radicado nos Estados Unidos, grande
autoridade em genética e evolução. Em 1943, e passou seis meses dando conferências e orientando
cursos no Brasil e voltou em 1948 para ficar mais um ano. Nesse período, ajudou a formar toda
uma geração de geneticistas brasileiros.
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88
vantagem: ao lado da biologia, também se ensina mineralogia e geologia. Se você
não gostar da biologia, há oportunidade de seguir sua intenção de trabalhar na
indústria”. Como eu não estava interessado em medicina, decidi fazer história
natural”.
Quando questionado sobre as pessoas que mais o influenciaram em sua
carreira de cientista, Pavan disse:
“O André Dreyfus, como cidadão, e o Dobzhansky, como cientista. Sou um sujeito
de sorte. O contato com os dois foi fantástico. Pena que fui assistente do Dreyfus
somente durante 11 anos. Teria melhorado meu comportamento de cidadão, se
tivesse convivido mais tempo com ele. ”
Na obra de Schwartzman (1979 p. 222) encontramos outra fala de Pavan
referindo-se ao mentor:
“Com relação à pesquisa, as informações na época eram as piores, mas eu
também não tinha muitas. Então, fiquei com aquela coisa na cabeça e tive a sorte
de assistir a uma conferência do Dreyfus, acho que na Escola de Sociologia
Álvares Penteado, sobre biologia geral e a origem da vida. O Dreyfus era sem
dúvida um professor extremamente estimulante, porque todas as coisas
complicadas ele as tornava simples ao explicar. Ele era capaz de entrar no miolo
do problema, expor esse miolo e fazer com que o pessoal, mesmo sem entender
direito, tivesse a impressão de que aquilo funcionava. As conferências do Dreyfus
na época eram um acontecimento, ao menos para a molecada mais
intelectualizada... Ele era um ativo conferencista, e até as aulas dele eram sempre
conferências onde ele encaixava as coisas, inclusive na histologia, em que ele
sempre incluía genética. Além do mais, dava aulas e cursos de psicanálise. Fazia
misérias por aí. Todo mundo o achava fabuloso. “.
Schwartzman (1979, p. 221), fala de personagens, que assim como, André
Dreyfus, foram importantíssimas no desenvolvimento da ciência brasileira,
embora não tenham sido elas mesmas, grandes cientistas. O autor diz que estas
pessoas poderiam ser chamadas “propiciadores”, ou “articuladores” da ciência e
aparecem de forma recorrente em depoimentos de cientistas que cita no seu livro:
Luís Freire, professor da Escola de Engenharia de Recife, teve, entre seus alunos
de física e matemática, Mário Schenberg, José Leite Lopes, Fernando Souza
Barros, Ricardo Ferreira, Leopoldo Nahbin. Dele, diz Ricardo Ferreira: “O Freire
era um camarada que estimulava muito, mas não chegou a se realizar como
cientista”. Era um professor muito competente e brilhante, estimulou muito, mas
não era um camarada que pudesse orientar ou formar. Ele informava as pessoas.
(.. ) Era um erudito típico. (.. ) O erudito existe em todos os países latinos. São
professores universitários extremamente eruditos, que recebem as últimas
publicações e têm uma biblioteca em casa, fantástica. Sabem tudo, dão aulas
maravilhosas, poderiam ser professores em qualquer universidade, mas não são
cientistas, não descem para fazer um trabalho menor de investigação. O Freire
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89
seria um exemplo típico de erudito. Nasceu em Recife em 1900, entrou na Escola
de Engenharia, tornou-se professor de física, fez alguns trabalhos que foram
publicados na França, nos Annales de la Physique, mas a minha opinião é de que
não se cristalizou por falta de condições no meio social da época. ”
Leite Lopes confirma a importância da influência de Luís Freire:
“Graças ao Freire, comecei a estudar realmente, mais a sério, física e matemática,
dentro das possibilidades. Evidentemente que ele não podia dar um curso como se
dá na Europa, ou mesmo como daria um especialista em contato com os grandes
centros. Recife era uma província do Brasil, mas, relativamente, os professores de
lá eram homens de abrir, de atrair o estudante, de mostrar caminhos e dar os
grandes princípios dessas ciências.”
Para Schwartzman, esses pioneiros funcionaram como elementos de
transição entre o catedrático antigo – retórico, apenas erudito, voltado sobre si
mesmo, muitas vezes capaz teoricamente, mas incapaz do trabalho de
investigação, imbuído de preconceitos contra o trabalho prático – e o cientista
moderno, treinado para identificar ou criar um problema, equacioná-lo e resolvê-
lo. Segundo ele, esses “propiciadores de ciência” exercem uma função importante
no desenvolvimento do campo científico, despertando ou estimulando vocações.
Afirma que casos como o de Wladimir Lobato Paraense (pesquisador e chefe do
Laboratório de Malacologia da Fundação Oswaldo Cruz) que se orientou para a
pesquisa por um impulso interno, são raros:
“Estudei medicina, porque era a opção que havia na época para que tinha
interesse na área biológica. Mas desde o início do meu curso de medicina fui
tentado pelo laboratório. Eu tinha mesmo grande entusiasmo por aspectos que
hoje eu vejo como não remunerativos. Por exemplo, eu me lembro que, quando
entrei no primeiro laboratório da Faculdade de Medicina – era aula de histologia
-, me encantei com aquelas coisas que eu via: o professor tirando um pouco de
material da parte interna da bochecha, fazendo uma lâmina, depois corando,
vendo aquelas células. Aquilo me entusiasmou e eu resolvi, na minha cabeça de 16
anos, que ia fazer isso. Quero ser isso aí. E saí da escola e perguntei ao professor
onde é que ele comprava aquilo, em que farmácia ou poderia comprar. E ele, que
era um camarada muito competente mas pouco amável, disse: ‘Deixa de ser bobo,
isso aí a gente não acha em farmácia, isso aí é importado, vem da Alemanha. ’
Apesar disso, fui numa farmácia e pedi lâminas, lamínulas e líquido corante. Levei
uma tarde inteira esperando o sujeito me aviar. Era uma farmácia muito
movimentada em Belém.(...)Sei que,no fim de umas três horas esperando lá, ele me
trouxe uns pacotes. Um era de lâminas, cada uma de um tamanho um pouquinho
diferente, mas com um bordo cortante, não tinha polimento, não tinha nada.
Aquilo foi cortado na hora, com diamante, para vender. E fez a mistura do líquido
corante, que era difícil de se fazer, mas ele pegou lá, viu a fórmula, azul de
metileno, não sei o quê; misturou e trouxe. E eu paguei aquilo e saí para casa
satisfeito.” (Schwartzman 1979, p. 222)
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90
Dentre os 72 respondentes ao questionário, 44 atribuíram relativa ou
grande importância a uma personalidade célebre na escolha pela carreira
científica. Não houve predominância dentre estes 44 cientistas, de uma
determinada faixa etária, o que parece indicar que este fator de influência não está
diretamente ligado a determinado período da história.
d) Período escolar dos 7 aos 14 anos de idade
Esta faixa etária na Educação Básica brasileira corresponde atualmente à
prevista para o Ensino Fundamental (denominado em outros períodos históricos
de primário/ginásio e 1º grau). Aproximadamente até os 10 anos, o ensino é
geralmente feito por professores polivalentes, formados por cursos de nível médio
(a Escola Normal). Nesta etapa os conteúdos são (podem ser) trabalhados de
modo integrado sem necessidade de organização disciplinar. A partir dos 11 anos,
os alunos ingressam no sexto ano (antiga quinta série) quando então os currículos
escolares são organizados na forma de disciplinas. Assim, passam a ter
oficialmente aulas (e professores) de ciências. O currículo de ciências desta etapa
inclui conhecimentos da Biologia, Química, Física, Geopaleontologia e
Astronomia. Interessou-me identificar o quanto esta etapa de contato inicial com a
ciência pode ter influenciado os cientistas em sua trajetória. Tivemos 39 dos 72
respondentes atribuindo grande ou relativa importância a este período em
suas vidas, indicando que este segmento de ensino pode ter impacto na opção
profissional pela ciência. Isto é muito interessante considerando-se a ausência de
programas nacionais de alcance significativo com foco em educação científica
dedicados a esta etapa da Educação Básica, apesar da literatura indicar consenso
da importância da alfabetização científica desde as séries iniciais.
Vondracek e Skorikov (1997) realizaram um estudo sobre as preferências de
atividades no lazer, escola, trabalho e a influência no desenvolvimento da
identidade vocacional com 660 alunos, matriculados em séries, que
corresponderiam ao final do Ensino Fundamental. Para estes autores as atividades
de lazer e escolares seriam fundamentais para a construção de uma identidade
vocacional. Os autores dão especial ênfase para a escola:
“Obviamente, atividades escolares constituem o maior e mais importante aspecto
durante a adolescência. Portanto, parece razoável assumir que o desenvolvimento
vocacional adolescente é fortemente influenciado pela experiência escolar…”
(Vondracek e Skorikov, 1997, p. 324).
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Em um dos poucos estudos encontrados com foco na vocação científica de
alunos do Ensino Fundamental, Smania-Marques, Lira da Silva e Lira-da-Silva
(2004 p. 12) fazem uma análise investigativa da inserção de estudantes do Ensino
Fundamental participantes de um programa de vocação científica da UFBA e de
uma Organização Não-Governamental que atende jovens em situação de risco
social. Neste trabalho, as autoras concluíram que:
“Para os estudantes em situação de risco foi uma oportunidade de despertar
vocações científicas, para a Universidade resgatar a sua função social e para os
jovens cientistas o desafio de expor suas produções. Todas estas ações permitiram a
popularização da ciência em uma época de pouco investimento do ensino formal
para construção de cientistas sensíveis à resolução de problemas da sociedade, já
que no Brasil ainda são tímidas as iniciativas de investigação que tenham por
objeto a inserção de adolescentes tão jovens na educação não formal e na
divulgação científica”.
e) Período escolar dos 15 aos 18 anos de idade
Este período corresponde atualmente à faixa do Ensino Médio (formação
geral ou curso técnico), do antigo segundo grau ou anteriormente ao
científico/clássico. Nesta etapa final da Educação Básica, o ensino das ciências
atinge maior grau de especialização/disciplinarização, sendo organizado na forma
de disciplinas que compõem a área das Ciências da Natureza: Biologia, Química e
Física. É uma etapa que sofre uma crise histórica de identidade, oscilando entre o
papel de conferir adequada terminalidade à Educação Básica e o de ante-sala da
Universidade. Ao fim do curso, o estudante se vê desafiado a fazer sua opção de
carreira, ainda que provisória, para prestar o exame do vestibular ou até mesmo já
ingressar no mercado de trabalho, principalmente quando egresso de curso
técnico. No caso dos cientistas que responderam ao questionário, interessou-me
detectar se esta etapa da educação oportunizou a vivência de experiências que
possam ter sido significativas em sua escolha profissional.
Como resultado obtivemos respostas de 51 dos 72 cientistas apontando
este período como tendo relativa/grande importância em sua escolha de
carreira. Este número mostra-se expressivo, principalmente considerando-se que
apenas cientistas com menos de 40 anos de idade (sete na amostra), poderiam ter
participado de programas especiais de alcance significativo voltados para vocação
científica de alunos no Ensino Médio.
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f) Professor (es) que teve dos 7 aos 14 anos de idade
Este item ocupa o cerne deste estudo. Sendo esta etapa da Educação
Básica ainda carente de investimentos em projetos, materiais didáticos e
programas de formação de docente em ciências, o papel do professor ganha maior
importância. Sem poder contar com o apoio de universidades ou outras
instituições de pesquisa, as experiências de contato com a ciência vivenciadas nas
escolas deste segmento de ensino necessitam da mediação direta e intensa do
professor. Como era a formação dos professores que lecionaram para os cientistas
respondentes nesta etapa de suas vidas? O Curso Normal; licenciatura curta;
licenciatura plena ou pós–graduação? Lecionavam em escolas públicas ou em
instituições privadas?Davam aulas apoiadas por recursos didáticos sofisticados ou
improvisavam em meio à carência material? Eram motivadores e entusiasmados
ou formais e sisudos?Quem teve sucesso em promover o encontro entre a Ciência
e as crianças de modo prazeroso, marcando suas vidas?
No livro “Cientistas do Brasil” (já citado), lemos que para vários destes
pesquisadores notáveis, a figura de um mestre da Educação Básica teve grande
impacto na opção pela carreira científica. Por exemplo, o Padre Jesus Santiago
Moure, um dos fundadores da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Curitiba e da Cátedra de Zoologia da mesma faculdade e zoólogo da UFPR e
USP, fala de quando surgiu sua paixão pela zoologia e pelas abelhas em especial:
“O primeiro estímulo que recebi no campo das ciências naturais veio de um
professor do grupo escolar, chamado pela meninada de "Bigodinho de Arame". No
início dos anos 20, no quarto ano primário, ele nos levava ao bosque de Ribeirão
Preto para colher flores, bichinhos, pedras e nos dava muitas explicações. Era o
melhor dia da semana. Em Ribeirão, era comum naquela época a revoada das
saúvas, que me interessava muito. ”
É o perfil deste professor em especial -e seu grau de influência na vida dos
cientistas- que pretendi investigar. Os 11 respondentes que atribuíram grau 3-
correspondente à grande importância na influência pela escolha da carreira a
este fator fizeram parte da amostra de cientistas entrevistados presencialmente.
Tivemos ainda, 14 respondentes que atribuíram relativa importância a
professor (es) que tiveram nesta idade.
g) Professor (es) que teve dos 15 aos 18 anos de idade
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Como professora de Ensino Médio, por vezes fui solicitada por meus alunos
a opinar e dar conselhos para ajudá-los na opção de carreira profissional. A
publicação Retratos da Juventude Brasileira - Análises de uma Pesquisa Nacional
- coordenada pelo Instituto Cidadania em 2006, ouviu 3. 501 pessoas, entre 16 e
24 anos, para montar o perfil do jovem brasileiro. Perguntados em que instituições
e/ou pessoas mais confiam, 92% dos alunos do Ensino Médio, de 198 municípios
brasileiros, citaram seus professores.
No livro “Cientistas do Brasil” (já citado), encontramos vários relatos de
professores marcantes para os cientistas, quando estes eram jovens entre 15-18
anos. Veremos a seguir alguns excertos destes depoimentos.
Carlos Ribeiro Diniz (1919-2002), bioquímico que desenvolveu importantes
estudos sobre venenos de cobras, aranhas e escorpiões conta dos vários
professores marcantes que teve:
“Quando fui para o primeiro ano ginasial, havia uma disciplina chamada ciências
físicas e naturais, cujo professor era o Ezequias Heringer, que mais tarde se
tornaria grande botânico. Lembro-me muito bem de ter aprendido com ele muitas
coisas sobre a vida das formigas, sobre raio, pára-raios, lençóis d'água
subterrâneos e muitos outros conhecimentos que eu levava para a minha casa nas
férias. Isso reforçava o interesse de meu pai por investir nos meus estudos. Ele só
tinha um ano do curso primário, mas era uma pessoa bem informada; assinava o
Correio da Manhã, escrevia bem, tinha uma caligrafia ótima. Como a Escola
Agrícola pertencia ao Instituto Gammon, o quarto e o quinto anos do ginásio eram
feitos nos laboratórios dela. Nessa época tive também outro excelente professor de
botânica, José Ferreira de Castro, conhecido como Seu Castrinho, uma pessoa
muito simpática. Ele levava para as aulas uma porção de plantas, punha aquilo
tudo em cima da mesa e ia nos mostrando e nos ensinando o que estava no livro de
Waldemiro Potsch. Havia aquele espírito da escola americana da época, tudo feito
com muita objetividade. O professor de física, Tautimil Libeck, tinha uma
pequena indústria mecânica e nos ensinava como funcionavam as máquinas
agrícolas, as engrenagens. O Seu Osório, na falta de luneta, saía conosco à noite
para conhecermos as estrelas, constelações, os planetas e seus movimentos. O
ambiente, por causa da Escola Agrícola ali perto, era favorável à aprendizagem de
ciência. E tinha os americanos também: o professor Benjamin Hunnicut, por
exemplo, grande especialista em milho. Embora não nos desse aulas, ele ensinava
muitas coisas informalmente na Escola Agrícola. ”
Ricardo Ferreira, um dos físico-químicos-mais importantes de sua geração
no Brasil, também destaca o papel de seus professores da Educação Básica,
inclusive um que deixou lembranças desagradáveis:
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“Um homem que me influenciou muito foi um professor de física: Hermógenes
Tolentino de Carvalho. Ele me mostrou a relação entre a física e a matemática.
Porque tinha havido comigo um problema curioso: no curso primário, tinha sido
ótimo aluno de matemática, mas no Colégio Oswaldo Cruz, tive um professor de
matemática bastante ruim, durante três anos, e isso fez com que eu me afastasse
dessa disciplina. Voltei a ser bom aluno de matemática graças ao Tolentino de
Carvalho, porque ele me mostrava, da maneira mais elementar, que a matemática
era essencial para a compreensão do mundo real. Outra pessoa que me
influenciou foi o Newton da Silva Maia, excelente professor de matemática. E em
terceiro foi o Hervásio Guimarães de Carvalho, presidente durante muitos anos
da Comissão Nacional de Energia Nuclear. Foi meu professor no terceiro ano
colegial, quando eu tinha 17 anos em 1945, que foi o ano da bomba atômica. Foi
também professor de físico-química na escola de engenharia. Como físico-
químico, Hervásio foi quem percebeu que essa área entre química e física era o
que me interessava. Eu gostava de ver os precipitados de cores diferentes; sal de
chumbo e iodeto de potássio, misturados, davam cristais amarelados; mas ao
mesmo tempo, gostava de saber por que era amarelo. ”
Pessoalmente, considero muito gratificante encontrar vários ex-alunos meus
do Ensino Fundamental e/ou Médio atuando como professores de Biologia ou
como pesquisadores em centros como a Fiocruz. Pergunto-me: o quanto
efetivamente influenciamos nossos alunos em sua trajetória profissional? Para
buscar resposta a essa questão, também incluí na amostra de entrevistados
presencialmente, além daqueles que apontaram a figura do professor de Ensino
Fundamental como marcante, os 29 respondentes que atribuíram grau 3 ao
professor da etapa correspondente atualmente ao Ensino Médio, revelando
que este teve alto grau de influência na sua opção de carreira. Além destes,
considero significativo que 22 respondentes tenham atribuído relativa importância
a este(s) professor (es).
h) Contexto sócio-político-econômico da época de estudante
O século XX iniciou-se com a Física Quântica dos alemães Max Planck
(1858-1947) e Albert Einstein (1879-1955) dominando o panorama das ciências.
Contudo, quando, em 1944, o médico e bacteriologista canadense Oswald
Theodore Avery (1877-1955) identificou o DNA como a substância do
mecanismo de hereditariedade, teve início uma agitação nas áreas da química e
biologia. A Genética iniciada por Mendel em meados do século XIX,
experimentou grande impulso com a descoberta de Avery, a estrutura da molécula
do DNA desvendada em 1953 pelo norte-americano James Watson e o britânico
Francis Crick (1916-2004); a clonagem da ovelha Dolly pelo escocês Ian Wilmut
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e a sua equipe em 1996 e viu fechar o milênio com o seqüenciamento do DNA
humano quase completo (a conclusão foi anunciada em 2003). No capítulo dois,
onde tracei um breve histórico do Ensino de Ciências, podemos perceber que os
currículos de ciências não passaram incólumes aos acontecimentos do contexto
sócio-político–econômico que caracterizavam o cenário nacional em cada período.
Sofreram (e sofrem até hoje) influência de estudos e trabalhos na Educação e na
Ciência, bem como de situações exógenas à escola, tais como as subjetividades
produzidas pela Guerra Fria e recentemente pelo boom da Biotecnologia e das
discussões sobre Aquecimento Global no mundo. De que modo, em que medida,
este contexto influenciou os cientistas na sua opção profissional? Destaca-se
ainda, o contexto pessoal e familiar, cujos atores e situações singulares podem ter
exercido algum grau de influência, e que se incluem na dimensão social deste item
do questionário. Tivemos 36 respondentes atribuindo relativa ou grande
importância a este fator.
i) Status social da carreira
O lugar socialmente definido - status - é função do papel desempenhado, e
este, por sua vez, depende das expectativas orientadas para o ator. Que
expectativas a sociedade tem em relação ao cientista? Como isto se relaciona com
suas expectativas pessoais? Que tipo de reconhecimento social este status
confere? O status do cientista vem sofrendo mudanças ao longo do tempo? É um
fator de influência significativa na opção de carreira? As respostas ao questionário
indicam baixo impacto deste fator na opção profissional: apenas 19 dos 72
respondentes atribuíram relativa ou grande importância a ele.
Schwartzman (1979), acerca do status e reconhecimento social do cientista
afirma que cientistas são aquelas pessoas que têm como grupo de referência seus
colegas de profissão e que este grupo de referência forma uma comunidade, a
comunidade científica. Segundo o autor, o que motiva o cientista e serve de
padrão de qualidade para seu trabalho e sua auto-estima é a qualidade intelectual e
técnica de que dispõe reconhecida entre seus pares. Esta qualidade intelectual e
técnica se traduz, eventualmente, em produtos que podem trazer prestígio,
dinheiro e poder. Mas para Schwartzman o cientista deixa de ser,
sociologicamente, um cientista quando estes produtos de seu trabalho tornam-se
mais importantes que o trabalho intelectual em si. O autor, entretanto, concorda
que a orientação do cientista em relação ao seu trabalho e ao produto deste
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trabalho só pode existir em algumas condições especiais, que a sociologia da
ciência trata de esclarecer. Segundo ele, essencialmente, são duas as condições:
“A primeira é que exista, na sociedade, uma idéia que associe ciência e progresso
ou que reconheça, de alguma forma, o valor no trabalho do cientista. É este
reconhecimento que permite ao cientista receber o prestígio social e uma
remuneração condizente com seus padrões. A segunda, paradoxalmente, é que os
frutos do trabalho dos cientistas não sejam tão produtivos que terminem por desviá-
lo, finalmente, de sua atividade específica. Na medida em que os cientistas
assumem posições de poder, responsabilidade por empreendimentos tecnológicos
de amplo interesse social e econômico ou uma orientação hedonista de máximo
rendimento com o mínimo de trabalho, isto significa que a preocupação com o
desenvolvimento intelectual pessoal passou a segundo plano, que outros grupos de
referência e outros valores passaram a existir – e a qualidade do trabalho científico,
necessariamente, cai.” (Schwartzman, 1979, p. 15)
j) Livros, revistas e outras publicações
O conceituado astrônomo brasileiro Rogério Mourão, em um texto escrito
para o Simpósio Internacional Transdisciplinar de Leitura (Rio de Janeiro-2000),
afirma:
“[...] Às vezes, o ato da leitura de textos associados à cultura científica pelos pais é
um fator fundamental à futura formação voltada para a pesquisa. Ela pode
despertar a vocação dos jovens. [...] O engenheiro norte-americano Robert
Hutchings Goddard (1882-1945), pai da moderna tecnologia dos foguetes, em um
ensaio autobiográfico escrito em 1927 e publicado em 1959 na revista
Astronautics, reconheceu a influência das obras de ciência-ficção, tais como os
clássicos de Jules Verne. Outro pioneiro que teve o seu interesse pela astronáutica
estimulado pelos grandes romancistas da ciência-ficção do século XIX, em especial
por Jules Verne, foi o terceiro grande responsável pelas idéias fundamentais da
ciência espacial, o engenheiro alemão Hermann Oberth (1894-1989). [...] Tal
influência, entretanto, não se fez somente junto àqueles que estabeleceram as bases
fundamentais da astronáutica, pois a leitura, de Jules Verne na juventude, iria
animar também outros homens de ciência, tais como astrônomos, biólogos, físicos,
matemáticos etc.
Livros como os de Jules Verne certamente fizeram e ainda fazem
muito mais no sentido de inspirar as vocações de futuros cientistas, do que todos os
ensinamentos ministrados nas escolas, pois a dedicação desses jovens nas aulas de
Ciências foi, sem dúvida, motivada por aquelas leituras [...] (grifo meu)
Embora não concorde inteiramente com esta última afirmação, não há como
negar a importância da leitura na formação de qualquer pessoa, independente do
caminho profissional que escolha.
O renomado biólogo geneticista Newton Freire-Maia (1918-2003) contou na
entrevista publicada no livro Cientistas do Brasil (já citado) sobre a importância
de um livro na sua paixão (sic) pela genética:
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“Meu amor pela ciência havia começado muito antes, por volta dos 15 anos,
quando vi pela primeira vez a radiografia do abdome de um amigo que estava com
apendicite. O médico foi me mostrando as partes do tubo digestivo e eu me lembrei
que havia estudado aquilo tudo no ginásio. Fiquei encantado. A primeira coisa que
fiz ao sair do hospital foi pegar meu livro de história natural para estudar de novo
o tubo digestivo. Por isso costumo dizer que o meu primeiro amor científico foi o
tubo digestivo. No ano seguinte tive acesso a um livro de biologia geral, de Rita
Almir de Rialva, que ganhei de um professor durante um retiro espiritual. Foi
então, aos 16 anos, que eu tomei conhecimento das leis de Mendel. Foi uma paixão
violenta pelas leis da genética, a determinação do sexo, os cromossomos X e Y e
aquela história toda.”
O contato direto com a natureza e um livro insólito na biblioteca do pai
fazendeiro que queria que o filho se tornasse padre foram marcantes na vida do
zoólogo mineiro José Cândido de Melo Carvalho (1915-1994), que foi
representante da América Latina para a União Internacional de Conservação da
Natureza, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), do
CNPq e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências:
“Minha vocação de naturalista surgiu do intenso contato com a natureza em
minha infância, passada em Barro Preto (hoje Conceição Aparecida), um
município mineiro então coberto de matas virgens. Todos os fins de semana um
carreiro da fazenda de meu pai ia comigo pescar, tirar mel nos matos, ouvir os
pássaros, buscar rastros de bichos. De outro lado, parece mentira, mas meu pai
tinha em sua biblioteca de fazendeiro a História Natural de Buffon, que despertou
minha curiosidade pelo assunto.”
O biólogo e fisiologista vegetal Luiz Fernando Gouvêa Labouriau (1921-
1996) também contou sobre um livro especial em sua vida:
“Durante o curso ginasial, terminado no internato do Colégio Pedro II, tive a
sorte de encontrar na biblioteca um exemplar da Flora Brasiliensis, de J. B. von
Martius, magnificamente ilustrado com litografias, algumas delas representando
paisagens brasileiras, que mais tarde eu iria conhecer ao atravessar a serra da
Mantiqueira nas férias. Ainda no ginásio iniciei a herborização de plantas e
cheguei a fazer uma boa coleção de samambaias. ”
Zilton Andrade, primeiro diretor do Centro de Pesquisas Gonçalo Muniz e
um dos fundadores dos mais importantes laboratórios de pesquisas da Bahia, entre
eles o da UFBA, também revelou na entrevista que deu, o papel de um
determinado livro na sua vida:
“A decisão de estudar medicina foi motivada principalmente por minhas leituras
pré-universitárias sobre ciência e sobre a vida de grandes cientistas. Lembro-me
bem da impressão que me causou o livro Caçadores de micróbios, de Paul de
Kruiff, grande sucesso na época. ”
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Já Ricardo Ferreira - físico-químico- lembra de livros que usou na escola
básica:
“A primeira influência foram os livros de ciências naturais de Arnaldo Carneiro
Leão, com centenas de experiências simples para realizar. ”
As publicações de divulgação científica ocupam espaços próprios e
motivadores da aprendizagem na escola, indo além da formalidade que por vezes
engessa o uso do livro didático de ciências. Além disso, pode-se observar no
cotidiano o fascínio que certos autores e suas obras provocam nos jovens leitores.
Por estas razões, julguei pertinente detectar se algum dos cientistas da amostra foi
influenciado em sua vocação por este tipo experiência em particular. O resultado -
54 dos 72 respondentes ao questionário atribuindo relativa ou grande
importância ao fator em questão – mostrou o quanto determinada(s) leitura(s)
podem ser impactantes na vida de um estudante.
k) Meios de comunicação - TV, rádio, jornais e outros
Em um contexto onde é grande o interesse da sociedade pela notícia
científica, observa-se atualmente proliferação dos periódicos nas diversas áreas do
conhecimento, visando à difusão científica. Segundo Bueno (1984 p. 14 apud
Silva 2003 p. 39), um dos níveis de difusão científica apresentaria uma maior
extensão, sendo denominado divulgação científica porque compreende a
utilização de recursos, técnicas e processos para a veiculação do conhecimento
científico ao público em geral. A divulgação científica pressupõe a transposição
de uma linguagem especializada para uma linguagem não especializada, com o
intuito de tornar o conhecimento científico acessível a uma vasta audiência. A
linguagem não especializada transcende o campo da imprensa. Inclui tanto jornais
e revistas, as histórias em quadrinhos, os suplementos infantis, os folhetos
utilizados em campanhas de educação, os documentários, os programas de rádio,
televisão etc.
No artigo de Oliveira (2006), lemos que desde o início da difusão do
“cinema como diversão”, filmes foram sendo utilizados também como material
didático, particularmente no ensino de ciências. Alguns países europeus
testemunharam, no início da década de 1910, um grande florescimento de
documentários e filmes escolares, enfocando, sobretudo, a zoologia e a botânica.
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Antes do início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, centenas de documentários
didáticos já haviam sido produzidos na França. Seqüências de imagens sobre a
reprodução animal, sobre ciclos de vida das plantas, explosões vulcânicas ou
sobre eclipses solares ajudavam a tornar currículos mais interessantes e
explicações mais compreensíveis. No Brasil, em 1936, foi criado o Instituto
Nacional do Cinema Educativo, sob a direção do antropólogo Roquette Pinto.
Com a colaboração de cineastas como Humberto Mauro, o INCE realizou em
torno de quatrocentos curtas-metragens até sua extinção em 1966, sendo quase um
terço deles voltado para temas de educação científica e de divulgação de ciência e
tecnologia (ver Galvão, 2004).
Oliveira (2006) destaca que vários filmes iam muito além de meras lições e,
com o desenvolvimento de novos recursos – cores, sons, filmadoras subaquáticas
etc. – as imagens se tornaram ainda mais espetaculares. Relembra a beleza das
filmagens do fundo do mar feitas por Jacques Cousteau (O mundo silencioso,
1953) e as intrigantes narrativas de Carl Sagan no seriado Cosmos que se
tornaram conhecidas no mundo todo. O autor, entretanto alerta, que apesar da
importância destas produções, é nas ficções científicas que primeiramente
pensamos quando se fala de ciência no cinema. Mas como ele mesmo destaca este
não é o único gênero de filme a projetar imagens sobre a ciência, os cientistas ou
as sociedades neles centrada. Filmes de aventuras, dramas, comédias e desenhos
têm também sua parcela de contribuição na formação de estereótipos, modelos e
expectativas que acabam por se constituir como referências comuns pelas quais a
ciência e a técnica são percebidas por grande parte da sociedade, compondo assim
o arsenal simbólico no qual a opinião pública vislumbra e discute os rumos e os
limites dos empreendimentos científicos e tecnológicos. O autor alerta em sua
análise, que apesar da flutuação dos significados e da ambivalência das imagens, a
ciência é geralmente retratada no cinema como civilizadora, progressiva, racional,
e neutra. O conhecimento científico é visto como algo apolítico, não dogmático,
inteiramente fundamentado e comprovado, mas perigoso. Entretanto ele observa
que estas representações negativas do cientista não implicam necessariamente
desencanto com a ciência. O perigo residiria no mau uso da ciência, e ela
permaneceria neutra e em aperfeiçoamento. Um outro aspecto que vai sendo
difundido através de filmes. É a concepção de como a ciência funciona na prática.
Para Oliveira isto se dá porque a ciência que se aprende na escola não privilegia
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essa dimensão, assim os filmes seriam um dos principais veículos de formação
dessas noções.
Atualmente, vemos nos canais de televisão abertos embora ainda
predominem naqueles por assinatura, um significativo rol de programas com
temas relacionados à ciência e tecnologia, tais como Globo Ciência; Globo
Ecologia; Janela Natural; Mundo da Ciência; Discovery Channel; National
Geografic; Animal Planet; Alô Escola entre outros apresentados em edições
especiais.
Considerando-se, portanto, o impacto destas mídias na formação de
representações e concepções acerca da ciência e dos cientistas, interessou-me
identificar dentre os respondentes de diversas faixas etárias, o quanto os meios de
divulgação científica a que tiveram acesso, influenciaram sua opção de carreira.
Tivemos 40 dos 72 respondentes atribuindo relativa ou grande importância a
este tipo de contato com a ciência em suas vidas. Apesar de considerar este
número significativo, ao comparar as respostas relativas a este fator e ao item
anterior, percebemos a preponderância dos livros e revistas sobre outros tipos de
mídia. Não houve diferença significativa em relação à faixa etária ou gênero dos
respondentes em relação a estes dois fatores.
l) Espaços não formais de Educação em Ciências – museus, centros de Ciências,
feiras de Ciências, clubes, etc.
Embora os limites e seu efetivo papel social sejam objetos de controvérsias
entre pesquisadores, é consenso a importância dos espaços informais de
aprendizagem científica na aproximação entre o não cientista e a ciência. Vários
programas e exibições nos Centros de Ciências na maioria dos países têm como
proposta principal estimular o encontro entre a sociedade e a comunidade
científica, promovendo de debates sobre questões contemporâneas. Busca-se
estimular os visitantes, provocar, despertar o interesse em aprender ciência,
envolvendo-os nas atividades. Para Colinvaux (2005), uma das razões que
parecem ter contribuído para o rápido crescimento de espaços, exposições e
atividades de caráter interativo, é a proposição de que 'se aprende fazendo'. De
acordo com esta proposição, a ação do sujeito é fundamental nos processos
cognitivos, isto é, para os processos de formação e apropriação de conhecimentos.
Uma herança da Escola Nova, assumida e continuada pelas correntes
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construtivistas em educação, tem como pressuposto um sujeito ativo e sustenta-se
em bases teóricas psicológicas. Acerca desta proposição, Colinvaux (2005)
destaca que esta é exatamente a proposta de Thomas Kuhn para a formação de
cientistas e pesquisadores.
Abreu e Chagas (2003) lembram que no Brasil, o advento dos museus é
anterior ao surgimento das universidades. Segundo este autor, a formação de
cientistas e a produção científica, sobretudo na segunda metade do século XIX,
tinham nos museus um dos seus principais pontos de apoio. Por isso mesmo, as
relações entre os campos do museu e da educação sempre foram bastante intensas.
Em que medida os cientistas que responderam ao questionário puderam
vivenciar experiências informais deste tipo e o quanto isto os influenciou na opção
de carreira? O resultado -55 dos 72 atribuindo relativa ou grande importância
a este fator- reforça o que diz a literatura acerca do seu significativo papel na
educação científica.
4.4
A amostra definitiva
Para compor a amostra definitiva fiz a triagem entre os respondentes
daqueles que atribuíram grau três (referente a grande influência na opção de
carreira) ao(s) professor (es) que tiveram dos 7-14 anos e/ou dos 15-18 anos.
1 - Dentre os 42 cientistas que trabalham na Fiocruz tivemos 29 que
apontaram a figura de um ou mais professores, ou ainda da escola,
como fator de grande importância na sua opção pela carreira
científica.
2 - Dentre os 30 cientistas que não trabalham na Fiocruz, tivemos
11 que apontaram a figura de um ou mais professores, ou ainda da
escola, como fator de grande importância na sua opção pela carreira
científica.
Assim, do total de 72 questionários respondidos, 40 cientistas, (29 do
quadro da Fiocruz e 11 atuando em outras instituições) apontaram a figura de um
ou mais professores da Educação Básica, ou ainda da escola, como fator de grande
importância na sua opção pela carreira científica. Destes 40 cientistas, 19 são
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102
homens e 21 mulheres. Logo, parece não haver relação entre a influência do
professor e o gênero do aluno que se tornou cientista.
Ao contactar estes 40 cientistas para marcar os encontros presenciais,
verifiquei que atualmente apenas 29 residiam/atuavam profissionalmente no
Estado do Rio de Janeiro. Destes 29, três (3) encontravam-se fora do Brasil no
período das entrevistas. Um cientista contactado desmarcou por três vezes a
entrevista alegando problemas pessoais, não conseguindo agendar novo
dia/horário em tempo hábil. Assim, ao fim, acabei por entrevistar presencialmente
25 cientistas. Uma outra pesquisadora contactada, muito interessada no tema deste
estudo e entusiasmada em falar de um professor marcante em sua vida, diante da
impossibilidade de agendar um encontro presencial, mandou seu depoimento por
e-mail. Achei interessante incluir este registro neste trabalho.
Os encontros presenciais
Em seus laboratórios, junto às bancadas onde grande parte deles realiza suas
pesquisas, ou mesmo em uma mesa de restaurante, utilizando a hora do almoço
para colaborar com minha pesquisa, estes homens e mulheres, pesquisadores em
atividade, compartilharam comigo suas lembranças, em uma viagem ao tempo em
que eram estudantes. Das memórias evocadas por estes homens e mulheres,
pesquisadores em atividade, busquei identificar características, fatores, práticas,
perfis, contextos, expressões e outros elementos para tentar compor o que
representou a figura do professor de Ciências em sua opção profissional pela
carreira científica. Interessou-me particularmente, o papel de professores de
Ciências (ou História Natural) do antigo ginásio, segundo segmento do 1º grau ou
do Ensino Fundamental, dependendo do período em que os entrevistados
estudaram.
Por que a opção por relatos orais? Para Queiroz (1988), os relatos orais
podem ser denominados histórias orais. Embora o pesquisador talvez precise obter
dados complementares colhidos de outro modo, o trabalho com relatos orais teria
vantagens por conseguir captar e registrar o não explícito, até mesmo o indizível.
Desvelaria o que ainda não se encontra fechado, “sacramentado“ ou cristalizado
em documentos escritos. Considero que ao optar por trabalhar com lembranças,
com evocações do tempo de estudantes dos cientistas, esta técnica foi bastante
profícua para minha investigação. É bom destacar que ao trabalhar com a história
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103
oral não considero que se trate, aqui, de histórias de vida. Como esclarece Queiroz
(1988), estas se referem a uma técnica que demanda muito tempo com cada
narrador. Isto não seria possível nem adequado no âmbito desta pesquisa, tanto em
função da disponibilidade dos entrevistados, todos com intensa atividade
profissional, como em função dos objetivos deste trabalho. Acredito que pude
captar na fala de cada entrevistado, aspectos que extrapolaram a dimensão
individual e que podem ser inseridos na coletividade a que ele pertence.
Em um estudo similar, Quadros et al. (2005) analisaram o que chamaram de
episódios de memória (com ênfase na vida escolar), de 36 alunos da Licenciatura
em Química da UFMG. Através de entrevistas, buscaram estabelecer relações
desses indivíduos com os seus professores e o significado dessas relações na
formação da identidade profissional. Estes autores partiram da possibilidade de
influência do professor em nossa vida, e do fato de termos na memória a prática
de algum professor do passado. Investigaram assim, se os alunos da graduação
tinham, na memória, algum professor que tenham considerado importante e quais
as características deste professor. Da amostra de entrevistados, aproximadamente
75% dos alunos mostraram-se influenciados na escolha do curso superior
(Química) por seus antigos professores da área de ciências da natureza,
matemática e suas tecnologias.
Já na pesquisa de Catani, Bueno e Sousa (2000 apud Quadros et al. 2005, p.
3), encontra-se o relato de um trabalho de autobiografia, envolvendo professores,
alunos de pedagogia e alunos de licenciatura, sobre as marcas deixadas em suas
vidas pelo ingresso na escola e pelos antigos mestres que tiveram. Para Catani et
al. (2000 apud Quadros et al. 2005, p. 3) "abordar a identidade implica,
necessariamente, falar do eu, bem como das formas pelas quais o sujeito
rememora suas experiências e entra em contato consigo mesmo" (p. 168).
Afirmam, ainda, que "as memórias pessoalmente significantes são aquelas que
carregam significados adquiridos em seus usos adaptativos, na maior parte das
vezes, nas relações com os outros. Os outros são, desta forma, referências
imprescindíveis das nossas lembranças" (p. 168-169).
Também em relação à evocação de memórias do tempo de estudante, o
professor da Faculdade de Educação da Unicamp, Antonio Carlos Rodrigues de
Amorim, pesquisador no Grupo Formar Ciências e vice-presidente da Sociedade
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Brasileira de Ensino de Biologia, ao discutir em um artigo sobre o que é ensinado
nas aulas de Ciências, faz uma proposta similar ao leitor:
“[...] Proponho inicialmente um breve passeio em nossas lembranças de estudantes
para estabelecer linhas, portos de paragem e admirar as aulas de Ciências. Para
alguns de nós são muito expositivas, centradas nos conteúdos, tendo o livro
didático como grande referência, ou seja, igual às escolas, quando são oficialmente
apresentadas. Também é possível que lembremos dos laboratórios de Ciências,
mesmo que não fossem utilizados, de alguns experimentos, de trabalhos de campo,
de modelos (átomo, célula, sistema solar), das feiras de Ciências, de alguns
equipamentos (o microscópio é um dos que teve o maior ibope, embora as células
visualizadas nem tanto.. ). Para outros de nós, as lembranças recaem sobre as
figuras dos livros didáticos, sobre a apresentação de cientistas (em geral, homens,
brancos, europeus ou o nosso professor), sobre as relações entre ciência e
sociedade, a relevância das tecnologias, os órgãos dos corpos humanos - sempre
aos pedaços- e as inusitadas figuras dos aparelhos reprodutores masculino e
feminino, muitas vezes juntos em um mesmo corpo (uma criação didática que é
instigante) [...].”
Como qualquer outro instrumento e procedimento empregado na coleta de
dados, os registros das histórias relatadas foram objetos de análise a partir da
complementação de outras informações obtidas nos questionários iniciais e na
pesquisa bibliográfica. Dialogando com os referenciais teóricos, pretendi analisar
se (e como/quanto) a escola de Educação Básica teve impacto na opção pela
pesquisa científica por parte dos entrevistados, de modo especial no que se refere
ao papel de seus professores de Ciências.
Como ocorre na pesquisa qualitativa em geral, admito que neste estudo a
relação sujeito-objeto não é neutra. Como pesquisadora, busco conhecer, a partir
de objetivos previamente definidos e os entrevistados decidem participar porque
têm alguma motivação para isso. Tentei, entretanto, não ser simplesmente aquela
que só categoriza ou formata, mas a que organiza, reflete, argumenta, interpreta e
discute, buscando contrapontos ao conteúdo das falas dos entrevistados nas
produções da literatura sobre o tema e princípios teóricos que as sustentam.
Ao buscar nesta pesquisa relacionar o aprender ciência(s) - produzir ciência,
interessou-me usar como um dos pontos de partida as conclusões do trabalho
realizado por Vianna (1998), cujo foco foi a relação Fazer Ciência - Ensinar
Ciência, a partir de entrevistas com pesquisadores e cursistas em um curso de
Atualização para Professores de Biologia, organizado e realizado pela Fiocruz e
pelo CECIERJ (Centro de Ciências do Estado do Rio de Janeiro). Nesse estudo é
feita uma reflexão sobre as concepções de ensino dos atores envolvidos,
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sinalizando a necessidade de oportunidades de formação permanente de
professores. Considero que em meu trabalho terei a oportunidade de mostrar o
“outro lado da moeda“, desvendando outros aspectos na relação entre ensino e
aprendizagem de Ciências e a produção do conhecimento científico. Enquanto o
trabalho de Vianna focalizou os cientistas no âmbito da formação de professores,
em meu estudo pretendo focalizar os professores no âmbito da formação de
cientistas. Além de estabelecer relações entre os fatores levantados e analisados a
partir dos questionários, entrevistas e relatos orais a fim de identificar o papel
representado pelos seus professores de Ciências nas suas opções de carreira,
interessou-me também verificar o que pensam os cientistas sobre a formação dos
professores.
Utilizei nas entrevistas um roteiro básico de questões para manter o foco da
pesquisa, entretanto, em função do tempo cedido pelo cientista, disponibilidade
emocional para responder às perguntas, tipo de tópicos que iam emergindo e grau
de descontração na conversa, não fui linear em minha condução, procurando
deixar que falassem à vontade, estimulando-os em seu exercício de memória, a
fim de potencializar este momento precioso de contato pessoal em minha
pesquisa.
Roteiro básico da entrevista:
- Que professor (a) da Educação Básica influenciou de modo
especial sua opção profissional pela carreira científica? O que considera
marcante neste (a) professor (a)?
- Como descreveria o ensino de Ciências que recebeu no Ensino
Fundamental e Médio (ou etapa similar: ginásio, primeiro grau, etc.)?
- Participou como aluno em alguma atividade ligada ao ensino de
Ciências que destacaria como significativa? Qual?
- Também leciona além de pesquisar? Em caso positivo como vê a
relação pesquisa-docência?
- O que pensa acerca da formação de professores de ciências?
Em diversos autores encontrei contribuições sobre a realização de
entrevistas, mas destaco a orientação de Bourdieu (1999) acerca da transcrição de
falas. Segundo ele, este processo não se resume ao ato mecânico de passar para o
papel o discurso gravado do informante. É preciso apresentar os silêncios, os
gestos, os risos, a emoção, a entonação de voz do informante durante a entrevista.
Esse “clima” emocional que não pode ser registrado na fita do gravador é
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particularmente importante na hora da análise, principalmente quando se tratam de
histórias orais, de memórias. Este autor também considera como dever do
pesquisador garantir a legibilidade, ou seja, aliviar o texto de certas frases
confusas, redundâncias verbais ou tiques de linguagem.
Ao investigar como aprendeu Ciências na Educação Básica quem hoje
produz ciência espero obter através dos depoimentos e relatos com as lembranças
dos cientistas do tempo em que eram estudantes da Educação Básica, elementos
que possam ajudar a revelar com detalhes como eram as aulas de Ciências que
receberam e a caracterizar a prática de seus professores de então. Como eram
esses professores e essas escolas que influenciaram suas vidas a ponto de
impulsioná-los para a carreira de cientista?
Veremos então o quanto e de que modo essas e outras questões emergiram
das entrevistas presenciais, a partir das memórias e lembranças desses homens e
mulheres – cientistas hoje – alunos outrora.
4. 5
O que dizem os cientistas
“Eu sou uma cientista porque eu me apaixonei por
um estilo de vida que me permitiria ser uma eterna
aprendiz.”
24
(Vera Rubin, astrônoma do Instituto Carnegie de
Washington DC-EUA).
Apresentando os cientistas entrevistados
1) Da Fiocruz temos:
Dr. A (56 anos), Paleoparasitologista, com Pós-Doutorado, atuando no
Departamento de Endemias, ampla experiência com ações de saúde
pública por todo o Brasil. Além de pesquisador, também leciona na ENSP
(Escola Nacional de Saúde Pública). Sua entrevista revelou um
profissional cordial e entusiasmado, que me recebeu em uma manhã na sua
24 In: Algumas razões para ser um cientista –publicação do Centro Brasileiro de Pesquisas
Físicas- Ministério da Ciência e Tecnologia-1984. p. 86
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sala de trabalho. Ao fim da entrevista, o comentário: adorei relembrar isto
tudo!
Dra. D (47 anos), Entomologista, com Pós-Doutorado, trabalha no
controle de vetores de doenças como a dengue, febre amarela e filariose
em um centro de referência nacional, ligado à Fiocruz. Solícita,
mostrando-se interessada no meu trabalho, a Dra. D separou material com
antecedência para mostrar na entrevista, incluindo seu livro da época de
estudante do então curso científico. Emocionou-se, chegando às lágrimas
em determinados trechos de suas memórias. Ao fim da entrevista levou-me
para conhecer as dependências do laboratório sob sua responsabilidade.
Uma feliz surpresa para mim foi conhecer e ter sido colega de trabalho do
professor que ela destacou como sendo marcante em sua vida.
Dr. S (56 anos), com Pós-Doutorado, pesquisador, desenvolve trabalhos de
última geração no campo da Biologia Molecular. A entrevista contrariou o
que uma primeira impressão no contato telefônico parecia indicar. No
lugar de um homem fechado, sisudo até, encontrei na entrevista um
pesquisador eloqüente e enfático em suas lembranças e afirmações.
Dr. LC (53 anos), com Pós-Doutorado em saúde pública. Foi interessante
acompanhar a surpresa e alegria deste entrevistado quando conseguia
resgatar memórias do tempo de escola que considerava perdida e o
semblante decepcionado quando o nome de um algum professor não lhe
vinha à cabeça.
Dr. SK (57 anos), com Doutorado, coordenador de curso de pós-graduação
em Saúde Pública. Tranqüilo, assertivo e demonstrando prazer em
relembrar seu passado escolar, o Dr. SK também colaborou muito com
esta pesquisa ao intermediar meu contato com outros cientistas no
agendamento das entrevistas.
Dr. AE (55 anos), com Pós-Doutorado. Sentada em um sofá de seu
laboratório, obtive uma longa e descontraída entrevista, que mostrou um
cientista entusiasmado em poder compartilhar suas memórias acerca da
escola e professores marcantes.
Dr. AR (42 anos), Doutor em Biologia, além de pesquisador na área de
saúde pública tem experiência com formação de professores de ciências.
Dedicou bastante tempo à entrevista e preocupou-se em mostrar-me
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registros como fotos para ilustrar suas memórias. Revelou-se feliz com a
opção pela carreira científica e em relembrar o papel de professores nesta
escolha.
Dr. MP (35 anos), com Doutorado em Biologia Celular e Molecular e Pós-
Doutorado em Biociências. Apesar de jovem, além de pesquisador, este
cientista chefia um departamento. Revelou ser uma das “crias” do
PROVOC, destacando além do papel dos professores, a importância deste
programa na sua opção pela carreira científica.
Dra. J (49 anos), com Doutorado e Dra. SZ (46 anos), com Pós-Doutorado,
trabalham com Entomologia, em estudos sobre Doença de Chagas. Estas
cientistas receberam-me juntas em uma sala que compartilham. Optaram
por fazer da entrevista um encontro a três, onde as memórias de uma
pareciam ajudar a resgatar as da outra. Mostraram-se solícitas e
entusiasmadas com a oportunidade de relembrar fatos marcantes em suas
trajetórias. Nossa entrevista por vezes era interrompida pela atividade de
jovens que buscavam orientação para tarefas referentes a um seminário
que seria realizado naquele dia.
Dra. JO (44 anos), com Pós-Doutorado, pesquisadora na área de
Neurobiologia e Imunologia. Diante de sua agenda lotada por
compromissos, a Dra. JO, uma cientista que se mostrou feliz com a
carreira de pesquisadora, optou por conciliar a entrevista com o almoço.
Assim, nossa conversa ao meio-dia, em um espaço gastronômico na
própria Fiocruz, foi agradável e produtiva, mas um pouco agitada em
função do grande movimento de pessoas naquele horário.
Dra. T (50 anos), com Doutorado em Biologia, pesquisadora na área de
Entomologia. Esta cientista compartilhou comigo suas lembranças em um
pequeno espaço onde fica seu computador e outros materiais de trabalho.
Nossa conversa revelou uma mulher entusiasmada com o trabalho de
pesquisa, ao mesmo tempo em que relatava a preocupação em acompanhar
a vida escolar do filho pequeno e seu interesse pela Ciência.
Dra. G (52 anos), Doutora em Medicina, pesquisadora na área de Saúde
coletiva. A princípio, esta cientista mostrou-se formal, embora gentil. Com
o desenrolar da entrevista, feita em sua sala de trabalho, foi descontraindo-
se e seu relato trouxe memórias que a emocionaram.
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Dra. C (42 anos), graduada em Biologia Parasitária e mestre em Biologia
Animal, pesquisadora na área de Bioquímica de insetos e Dr. R. (68 anos)
doutor e pesquisador em parasitologia veterinária. Muito simpáticos, estes
pesquisadores agendaram comigo uma entrevista conjunta. Imaginei que
só compartilhassem o mesmo laboratório. Foi uma surpresa descobrir que
além de parceiros no trabalho de pesquisa, estes cientistas formam um
casal.
Dra. SI (45 anos), com Doutorado em Saúde Pública é pesquisadora na
área de Epidemiologia. Preocupada, iniciou o relato dizendo que tinha
poucas lembranças do tempo de escola, mas foi surpreendida pelos
detalhes que emergiram no seu exercício de memória.
As doutorandas Y (39 anos) e ER (27 anos), que atuam em pesquisas na
área de Entomologia e Parasitologia, compartilham espaço, embora
realizem atividades distintas, em um mesmo laboratório. Obtive seus
relatos em um clima de cordialidade e descontração.
Dra. B (47 anos) pesquisadora com Doutorado em Saúde Pública,
impossibilitada de agendar a entrevista presencial em tempo hábil, mandou
seu relato por e-mail. Disse que
precisava
dar este relato, tal seu
entusiasmo pela possibilidade de registrar a importância de um professor
na sua opção de carreira. Acolhi seu desejo e seu relato foi incluído neste
trabalho.
2) Do quadro de consultores do Prêmio Jovem Cientista temos:
Dra. L (53 anos), Dr. R(41 anos), Dr. M (54 anos), todos com Doutorado,
pesquisadores e professores, são colegas no Departamento de Bioquímica
da UFRJ. O Dr. M atua também em um grupo de trabalho na
universidade com vistas a promover maior articulação do bacharelado
com a licenciatura. Esses pesquisadores ocupam laboratórios vizinhos na
UFRJ. Enquanto o Dr. R mostrou-se um homem mais tímido, embora
muito cordial e eloqüente em suas lembranças, o Dr. M. transpirava
autoconfiança em seu longo relato, demonstrando prazer em rememorar
suas histórias do período de estudante. A Dra. L mostrou-se na entrevista
uma mulher prática e de poucas palavras, mas seu relato não foi
desprovido de emoção.
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Dr. DI (69 anos) com Pós-Doutorado, pesquisador com ampla
experiência do Departamento de Oceanografia e Geografia Marinha.
Tímido, de poucas palavras e constantemente interrompendo nossa
conversa para resolver problemas do trabalho, o Dr. D avisou-me desde o
início que só teria meia hora pra nossa entrevista. Entretanto, com o
desenrolar da conversa e do exercício de evocação das lembranças, foi
descontraindo-se e apesar de curto e conciso, seu relato não foi
desprovido de emoção.
Dra. I (56 anos) Doutora em Biologia Marinha, possui pós-doutorado na
área. Atualmente é professora titular aposentada da Universidade Federal
da Bahia e diretora de pesquisa da Faculdade de Tecnologia e Ciências e
pesquisadora (PQI) do CNPq. Uma mulher que demonstrou entusiasmo e
energia ao evocar suas memórias de estudante
3) Do quadro de consultores da Revista Ciência Hoje temos:
Dr. IS (44 anos), Paleontólogo, com Pós-Doutorado, trabalha como
pesquisador e professor do Departamento de Geologia da UFRJ. Tem
grande experiência na produção de artigos de divulgação científica bem
como em programas de formação continuada de professores. O Dr. IS
mostrou total disponibilidade para nosso encontro. Prendeu na porta de
sua sala um aviso de que estaria fora e assim nossa conversa (por cerca
de 1 hora e meia) transcorreu sem quaisquer interrupções. Este
entrevistado não mostrou qualquer inibição em lembrar como eram sua
escola e seus professores. Ao contrário: pareceu-me que ele sempre
esperou por uma oportunidade para falar de como esta época marcou sua
vida. Emocionou-se (e confesso que em uma passagem da entrevista
também fui tomada pela emoção) e surpreendeu-me ao retirar de uma
gaveta o caderno de recortes sobre Geologia que organizou quando era
menino. O conteúdo de sua entrevista foi uma grande surpresa para mim.
DR. F (49 anos), Biólogo, com Doutorado, atua como pesquisador e
professor, no Departamento de Biofísica da UFRJ. Tem experiência na
promoção de eventos voltados à formação continuada de professores.
Muito formal no contato por e-mail, o Dr. F. revelou-se uma pessoa
afável e solícita. E na entrevista mostrava urgência em lembrar seu
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professor do antigo curso ginasial. Parecia querer garantir que eu
percebesse como este professor era especial e buscava detalhes em suas
memórias para ilustrar isso.
Entram em cena os professores que marcaram a vida dos cientistas
entrevistados
Nas entrevistas, todos os cientistas mostraram-se visivelmente
emocionados - com especial brilho nos olhos, um amplo sorriso e até com
lágrimas - no momento em que fizeram referência aos professores marcantes que
tiveram. E a partir do momento em que começaram seu exercício de memória, as
lembranças transbordaram em detalhes surpreendentes:
A professora de Química do Dr. R: destoando do ensino tradicional
“Eu tive uma professora, que até hoje está na escola técnica, Heloisa, de fisico-
química. Ela era muito boa professora e estimulava a gente. Exemplificava muito
bem. Dava uma aula de físico-química mais voltada para minerais, minérios;
sempre levava pedras, fotos.. Passava alguns filmes, incentivava bastante a turma.
Todo mundo era louco para ter aula com a Heloísa.. porque eram dois professores
e tudo mundo queria pegar a Heloisa. Era uma aula bem dinâmica.. animada. Isso
favoreceu bastante.. O outro professor era daquele ensino tradicional.. lia o livro,
a gente copiava e tal.. e ela não.. trazia sempre coisas mais novas.. tinha uma
didática melhor. ”
No relato do Dr. R, evidenciamos pontos de comparação entre professores
com práticas bem distintas, onde o entrevistado e seus colegas reconheciam nas
aulas da professora Heloísa, um ensino diferente do que eles chamavam de
tradicional.
A professora de Biologia da Dra. I que acreditava no poder de mudança.
”Eu me lembro bem da professora Julieta. Infelizmente já morreu. Eu fiz biologia
por causa dela. Estudei com ela em 1965.. no meu científico. Ela fazia o que hoje
eu faço com mais facilidade porque os meios, os recursos que tenho, me ajudam.
Era uma professora que realmente mostrava entusiasmo pelo que fazia,
relacionava o que ensinava à prática e fazia a gente pensar.. fazia com que a
gente percebesse que poderia mudar as coisas.. Acho que isso é muito
importante”.
Poder mudar as coisas! Isto mereceu destaque nas memórias da Dra. I ao
falar de sua professora. Com certeza o trabalho do cientista tem esse poder na
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sociedade. E foi este caminho, do trabalho científico, que a professora Julieta
influenciou sua aluna a trilhar.
Os professores que mostraram ao Dr. M que Biologia e Matemática podiam ser
saborosas
“No antigo cientifico tive um professor de Biologia que me influenciou muito.. mas
também tive um professor de matemática que era nordestino, esqueci o nome mas
lembro-me bem da figura, que me fazia adorar matemática.. Foram os dois
campos que me agradaram mais no científico, a Biologia e a Matemática. E depois
eu fui fazer uma coisa que juntava os dois. Foi isso que me influenciou. [...] Eu
costumo dizer que a função do professor não é passar apenas o saber. É preciso
passar o sabor. [...] É isso que falta. O mundo não é óbvio. Ele precisa ser
saboreado, não é?”
Saber e sabor com certeza apresentam uma interessante relação. De que
forma um professor de ciências pode tornar palatável aos alunos conhecimentos
por vezes tão complexos e à primeira vista sem relação com a vida?
O professor padre que fez a diferença na escola do Dr. A.
“Estudei em um colégio jesuíta [...] que tinha uma disciplina muito rigorosa, mas
que de certa maneira estimulava um pouco da rebeldia também, de procurar por
coisas novas. Eu tive a sorte de ter tido excelentes professores no colégio primário
que também lecionavam na universidade, alguns até professores de pós-
graduação. Isso estimulava bastante. No ginásio e cientifico alguns levaram a
turma para conhecer computadores na PUC que pareciam uns caixotes. Havia um
professor de Ciências, no ginásio, de quem a maioria dos alunos não gostava
muito porque era padre. Ele ficava a maior parte do tempo lendo as anotações. ”
Ele só repete, basta decorar o caderno que tiramos dez”, diziam meus colegas.
Mas ao mesmo tempo ele mandava a turma coletar insetos, folhas. Na época,
subíamos o morro Dona Marta para fazer essas coletas. ”
Um professor padre visto pela maioria dos alunos como tradicional e
enfadonho. Entretanto, esse mesmo professor, estimulava o espírito científico
solicitando que organizassem coleções para classificações de seres vivos e
organizando trabalhos de campo no entorno da escola. E que deixou lembranças
no cientista entrevistado.
O professor de Biologia da Dra. T: acompanhando a turma por muitos anos
Foi um professor, na verdade, quem me entusiasmou para fazer biologia. Ele foi
professor da minha turma no 3º e 4º ano ginasial e 1º, 2º e 3º do científico. Era
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aquele professor que desenhava no quadro, tudo era ilustrado.. Era uma escola
particular de Niterói, o poder aquisitivo dos alunos era muito bom e todos os
professores eram do Rio de Janeiro. ”
A Dra. T considera sorte sua turma ter sido acompanhada por este professor
por cinco anos. Seria difícil um professor que leciona para uma mesma turma de
alunos desde os 13 até os 18 anos de idade, não deixar algum tipo de marca em
suas vidas. Pelo visto, esta marca foi positiva, deixando boas lembranças, pelo
menos para a aluna T. que decidiu ser cientista. Além disso, a fala da Dra. T, que
ressalta a origem dos professores (Rio de Janeiro), mostra que a falta de
profissionais qualificados na sua cidade natal (Niterói) era um problema. Isto
provavelmente está relacionado ao o período em que ela cursou o antigo ginásio e
científico (entre os anos 1970 e 1975). Naquela época, poucas universidades
formavam professores de ciências, ofertando o curso de História Natural. A
maioria dos docentes neste campo era formada por médicos e profissionais de
áreas afins.
O professor de Biologia da Dra. D: uma marcante lembrança dentre outras
deixadas por uma escola especial
“Estudei no Cap - UERJ que era uma maravilhosa escola. Eu fiz o ginásio e o
cientifico. Era uma escola que levava a gente em todas as disciplinas a buscar o
conhecimento, a redescobrir o conhecimento. Era uma turma no colégio de alunos
muito questionadores. Os alunos da universidade aplicavam novos métodos e
também recebíamos professores recém-formados que tinham métodos alternativos.
Tudo era testado em cima da gente, então aprendemos a ser contestadores. Quanto
à minha opção pela biologia, lembro muito claramente do nome do professor que
me influenciou: Dirceu”.
Em sua fala, além do destaque do professor de biologia, a Dra. D mostra a
importância de uma escola que privilegiava a autonomia, o questionamento e o
debate, em todos os espaços e componentes curriculares. Segundo ela, esta
experiência foi fundamental em sua trajetória profissional, contribuindo para o
desenvolvimento de competências que são exigidas no trabalho científico.
O professor de geografia do Dr. DI: descobrindo o caminho das pedras
“Assim como eu, conheço varias pessoas da geografia e da geologia que dizem:
estou fazendo geografia, geologia, oceanografia porque tive um professor de
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geografia que me motivou. Isso existe porque para essas Ciências é a geografia
que acaba motivando. Não existe geologia, oceanografia dentro do Ensino Médio.
Apesar de não fazer parte das Ciências naturais, é da geografia que sempre gostei
mais, dessa parte da oceanografia, estudar as encostas, geografia marinha.”
Esta fala do Dr. D remete a uma discussão existente acerca dos currículos de
ciências no Ensino Fundamental, que tradicionalmente só inclui conhecimentos de
Geologia no sexto ano (antiga quinta série). Como a maioria dos professores de
ciências é formada em licenciaturas que não incluem ou abordam adequadamente
este campo da Ciência, os alunos só têm acesso aos poucos conteúdos trazidos nos
livros didáticos ou só tomam contato com a Geologia através da disciplina escolar
Geografia.
Os professores de Ciências, Biologia e Português do Dr. F: simplicidade e
camaradagem
“Eu queria fazer ciência. Eu não sabia se ia fazer graduação em física, química
ou biologia. Mas já sabia que ia ser cientista desde os 11 anos, por causa de um
professor. Na verdade, quem marcou a minha vida na infância e na pré-
adolescência foram 2 professores. Foi no começo do ginásio. Um professor de
ciências e um de português. Já no segundo grau, um professor de Biologia me
marcou pela qualidade didática. Ele” pegava “genética evolutiva e transformava
aquilo em uma coisa simples.. isso era muito especial do ponto de vista didático,
além da camaradagem conosco. ”
Simplificar sem cair em erro conceitual. Aproximar a ciência dos cientistas
da vida real do aluno sem considerar isto desqualificação. Esta qualidade do
professor é destaque nas lembranças do Dr. F. O papel de um professor de
português, estimulando a leitura e uso de diferentes linguagens também foi
decisivo na vida deste cientista.
Os professores de biologia que levaram o Dr. AE do campo de futebol para o
laboratório
“Quando eu estava no científico, teve uma feira de ciências – a primeira feira
nacional de ciência, ou coisa assim – e um professor de biologia, Paulo Roberto,
falou pra turma se tinha alguém interessado. Embora gostasse mesmo era de
futebol, me interessei. Ele me disse: por que você não vai ao Instituto Oswaldo
Cruz, vê o que pode fazer por lá, tem muito laboratório. Então, um outro professor-
de Genética- o Homero, falou que tinha feito um curso no Instituto e conhecia
pessoas que pesquisavam na Bacteriologia. Ele levou a mim e a um colega até lá. ”
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Hoje, tanto o Dr. AE quanto seu colega do curso científico, que queriam
naquele tempo ser jogadores de futebol, são pesquisadores na Fiocruz. O contato,
a oportunidade de conhecer o trabalho no então Instituto Oswaldo Cruz foi
decisiva na vida deste entrevistado.
As aparências enganam: o professor especial de Biologia da Dra. SZ:
“Eu realmente escolhi Biologia por causa de um professor do segundo
grau que me encantou pela maneira com que ele dava aula. Ele
aparentemente não tinha nada de especial. Ele era baixinho,
barrigudinho, usava óculos.. mas as aulas eram muito bem explanadas,
muito bem explicadas. Ele era encantado pela biologia, muito
entusiasmado, eu não lembro bem o nome dele agora, era um nome
incomum, mas ele dava biologia de um modo maravilhoso, sensacional e
aquilo cativava todo mundo...”
O professor do Dr. S que o apresentou à Biologia Molecular
“Eu sempre estudei em escola pública. Só a partir do científico tive acesso à
escola particular. O inicio foi muito difícil. As dificuldades que existiam naquela
época.. Embora a gente ficasse mais dentro de sala de aula, tivesse uma presença
maior do professor do que hoje. Fui influenciado na época do vestibular por um
professor, e aí passei a me interessar, a ler tudo que podia sobre biologia
molecular! Na época ele queria que eu fizesse medicina. E eu me interessava
muito por química, minhas maiores notas foram em química, física e depois
biologia no vestibular. Mas desde aquela época sempre tive atração e pelas
Ciências Naturais. E dentre essas, aquela que mais me chamou a atenção foi
biologia. Estava nascendo a biologia molecular. A gente podia estudar a vida no
nível molecular! Isso me interessou, e eu fui fazer biomedicina”.
Em uma situação similar à da Dra. SZ, parece que o Dr. S. ao escolher a
Biomedicina atendeu tanto à sua atração pessoal pela Biologia, quanto à
influência do professor que queria que ele fizesse medicina.
Os professores que contagiaram a Dra. J com sua paixão pela Biologia e
Química
“No segundo grau, tive dois professores extremamente didáticos: um de biologia e
outro de química. O de química era muito engraçado. Ele parava a aula no meio e
ficava olhando pro quadro e dizia: gente, gente, olha só, isso é maravilhoso, eu
amo a química!!! E abraçava e beijava o quadro. E nos meus cadernos tinha um
coraçãozinho escrito assim: Eu amo a química!”
A paixão pela ciência demonstrada pelos professores parece ter marcado
efetivamente a Dra. J, que ao optar por ser pesquisadora em um campo
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relacionado à Bioquímica, pôde dividir-se igualmente entre os dois “amores”:
Biologia e Química.
As irmãs-professoras de ciências e os professores do curso profissionalizante
em Saúde do Dr. AR
“Eram duas irmãs e elas davam aulas de ciências [...]. Ambas partiam daquele
princípio como acho que todo professor deve fazer, que é o de estimular a
descoberta e a redescoberta. Sempre colocavam um assunto em pauta ligado à área
de saúde e biologia e a gente levantava questões. A partir dali ela nos levava
adiante.”
“Sempre estudei em Escola Pública, aqui no Rio. Só fui pra instituição particular,
quando fui fazer faculdade. Estudei no antigo Rodrigues Alves, José de Alencar e
depois André Maurois. Nesta última, naquele tempo, tinha o curso
profissionalizante, com professores que atuavam na área. Eles associavam o
conteúdo de didática, ao que eles sabiam de laboratório. Neste tempo aconteceu
realmente meu start para a biologia.”
As memórias do Dr. AR destacam como aspectos positivos e marcantes em
sua vida escolar, professores que o estimulavam ao questionamento. O curso
profissionalizante de sua escola estadual, obrigatório no então 2
o
grau da época
em que estudou, ao contrário do que acontecia em muitas escolas, não era
estruturado só para atender à legislação vigente (LDB 5692/71). Na escola citada,
os alunos efetivamente recebiam formação técnica, no caso, em saúde. Esta
experiência parece ter sido decisiva na opção vocacional do Dr. AR, que desde as
séries anteriores já tinha o interesse despertado pelas ciências e foi estimulado por
suas professoras.
O professor que fez a Dra. L trocar a Matemática pela Química
“Minha idéia era fazer faculdade e ser professora de matemática. Só que no
científico eu tive uma professora de matemática que era muito chata e um
professor de química que era um barato. E então ele influenciou a mudança da
matemática pra química. ”
O relato da Dra. L revela que sua intenção inicial era dedicar-se ao
magistério. Só mais tarde enveredou para a pesquisa, na área que a conquistou:
Química. Podemos dizer que de fato, dois professores tiveram grande influência
em sua vida escolar: o professor de Química pelo lado positivo, e a professora de
Matemática que a afastou desta disciplina, pelo lado negativo. Como a matemática
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é também base para o conhecimento de outras ciências, incluindo a Química, a
desmotivação por seu estudo pode ter causado dificuldades à Dra. L.
Os professores de Matemática e Química da Dra. G: estratégias de sedução
distintas
“Morando em uma fazenda, eu tinha professor em casa. Só entrei na escola com 10
anos de idade, já na 4ª série. Eu acho que gostei de matemática minha vida inteira.
Meu professor de casa e a professora da 4ª série também gostavam muito de
Matemática. As minhas irmãs que entraram na 3ª série, tiveram aquelas
professoras que não gostam de matemática e eu tenho uma teoria de que, quando o
professor do primário não gosta de matemática, ensina aquilo por que tem que
ensinar. Por não ser alguma coisa que ele goste,acaba não passando o gosto para
o aluno [...]. Do ginásio, me lembro de um professor muito bom - professor
Cláudio – que tinha e despertava o gosto pela matemática. Ele conseguia passar
aquela coisa que é teórica, como algo assim muito legal, muito bom..”.
“Quando eu entrei no científico, a turma do ano anterior tinha ido muito mal em
química, então o professor desta disciplina já abriu a primeira aula dizendo que
aquilo era uma matéria importante, que a gente tinha que estudar, senão íamos ser
reprovados, uma coisa assim meio bombástica.. Claro que nós estudamos feito
loucos! E aí ele se encantou com a turma..”.
A teoria da Dra. G é bem interessante: só quem gosta pode efetivamente
levar alguém a gostar. Provavelmente um professor motivado, que sinta prazer em
ensinar, e que demonstre admiração pela disciplina que leciona, deve ter mais
sucesso em cativar seus alunos para o estudo. A estratégia do professor de
Química, na linha “Pedagogia do Terror” é um tanto questionável, mas o esforço
da turma parece ter quebrado suas “defesas” e foi possível então se estabelecer um
clima de diálogo e afetividade, o que deve ter favorecido o aprendizado. O prazer
tomou o lugar do terror.
O jovem professor atrapalhado de ciências que encantou a Dra. SI
“Eu me lembro que ele se chamava Januário e foi meu professor da 7
a
série. Eu
estudava em uma escola privada em Nova Iguaçu, que era muito rigorosa muito
careta. Ele era o diferencial na escola, fazia experimentos na sala. Era jovem, todo
atrapalhado e eu também! Então me encantei com ele. Ainda tinha mais um
diferencial porque ele era negro, coisa que na minha época de criança a gente
quase não tinha: um professor negro. E eu achava isso mais encantador ainda.. ”
A Dra. SI viu no professor “atrapalhado” alguém disposto a vencer as
dificuldades de trabalho em uma escola tradicional. Encantou-se com o jovem
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professor que fazia a diferença no cotidiano dos alunos, caracterizado por
comportadas e previsíveis aulas expositivas. Não passou despercebido à então
adolescente de 13 anos, o fato de que possivelmente esse professor deve ter
encontrado dificuldades na carreira docente, em especial na rede privada da
época, por ser negro.
Os professores de Ciências e Biologia que oportunizaram os primeiros
encontros da Saúde e da Genética com a Cientista ER
“Na época de 5ª a 8ª, eu não gostava muito do conteúdo de meio ambiente Eu
gostava da parte de programa de saúde, que tinha na época. Tive um professor
chamado Nathan que me marcou. Ele tinha paciência, era entusiasmado,
explicava bem a matéria. Era diferente porque a gente podia trazer coisas para
aula. E tirar nossas dúvidas. Já no 2º grau, tive uma ótima professora de biologia.
Ela ensinava muito bem Genética, eu gostava muito! Fiquei meio fissurada, aquela
coisa do novo.”
A cientista ER mostrou-se fascinada pelo estudo da saúde e da genética.
Seus professores parecem ter criado um clima propício à curiosidade. Tendo
atualmente 27 anos, esta cientista provavelmente cursou as últimas séries de seu
1
o
grau entre 1991-1994, quando ainda não havia a orientação do Ministério da
Educação para que as questões relativas à Saúde fossem trabalhadas de modo
transversal no currículo. Naqueles anos, ainda era comum que os conteúdos
relacionados às doenças, vacinas, parasitas, nutrição, etc. fossem estudados em
uma disciplina isolada, comumente chamada de Programa de Saúde. O professor
Nathan, pelo relato da cientista, procurou tratar de forma contextualizada os
conteúdos relativos à Saúde, o que deve ter amenizado o tratamento fragmentado
e estanque, comum na época. Aquela adolescente que se encantou com o estudo
dos parasitas, é pesquisadora na Fiocruz, centro de excelência em Saúde.
Os professores de Química da cientista Y que transformaram um acidente em
vocação
“Meu curso técnico em química em uma escola em Niterói foi um acidente, na
verdade eu parei lá porque estava na escola e acabei fazendo.. Ele aconteceu e
acabei gostando de química. Então fui fazer bioquímica na faculdade. Tive ótimos
professores de Química. Um deles era químico e farmacêutico também. Ele falava
muita coisa legal da profissão. Além dele lembro-me bem de um outro professor
desse período, o Álvaro. Ele era muito entusiasmado, e gostava de fazer a relação
do que a gente estudava com nossa vida cotidiana. Dava mais vontade de estudar
química. ”
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O que era um “acidente” na vida desta cientista acabou sendo decisivo em
sua escolha profissional. Que rumo teria tomado se não tivesse tido bons
professores de Química? Nesta entrevista, tive novamente o prazer de ver outro
colega conhecido, lembrado por seus alunos.
Os professores de ciências e Biologia que ajudaram a cientista C a ver o mundo
de outra forma
“Desde bem pequena, sempre me atraiu saber como as coisas funcionam dentro do
corpo e no ambiente. Sempre tive muita curiosidade. Lógico que com 5 anos eu não
tinha aquela coisa de vocação já definida, mas sempre me marcou e interessou o que a
professora fazia com a gente na escola: me fascinava ficar vendo o feijão germinando,
as plantas e imaginar o que dali poderia ser um alimento. Então basicamente eu acho
a mola mestra que me levou pra ciência foi isso. E no 2º grau eu tive um professor de
biologia que gostava muito da parte da área biomédica. Eu gostava muito de discutir
com ele, conhecer como é que interagem os organismos dentro.. Ele era um professor
mais velho. Era uma figura até muito engraçada porque era muito magrinho, fininho..
Mas ele tinha uma paixão pela biologia, por ensinar, que era muito legal, ainda mais
no 1º ano, em que você estuda células. Então, quando fui começando a descobrir na
minha cabeça que tudo se inter-relacionava, biologia, química, física, então isso para
mim passou a ser muito importante.”
Na fala desta cientista vemos como a escola pode estimular precocemente,
de forma prazerosa, a curiosidade dos alunos pelas questões da natureza. E o
papel de um professor que ajuda o aluno a ver sentido no que aprende, fazendo
relações entre os conteúdos das diferentes ciências.
O professor de ciências do Dr. SK: inovação nos anos de chumbo
“Eu estudei no Colégio de Aplicação da UFRJ, na Lagoa, que era um colégio bem
liberal em um período bastante tenso. Entrei em 1961. Em 1964 teve o golpe e isso
influenciou o clima geral dos estudantes. Alguns professores foram demitidos e o
professor de ciências, foi uma figura do ponto de vista da sua atividade como
professor, muito marcante. Era jovem e se chamava Sérgio. Mesmo sendo um
colégio bastante liberal e moderno, essa disciplina de ciências era particularmente
um diferencial, sem dúvida nenhuma. Placenta! Eu me lembro a primeira vez que
eu vi uma. Um garoto de 13, 14 anos ver uma placenta, isso na década de 60...
Imagine!”
“Era uma escola excepcional, havia um grupo de professores muito bom, mas de
alguma maneira, o de ciências- o Sérgio- cativou.”
Ser lembrado como um professor marcante na vida de um cientista já é por
si muito significativo. Imagine então ser destaque em um colégio que por si só já
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era diferente no contexto educacional da época e até hoje é reconhecido pela
qualidade de ensino e sempre esteve na vanguarda no campo pedagógico? E ter
uma atitude contestadora, estimulando o questionamento e autonomia dos alunos
com certeza não eram qualidades “seguras” durante o regime militar.
Os professores do imperial Colégio Pedro II do Dr. LC: experiência e tradição
“Eu estudei no Colégio Pedro II, no internato, em São Cristóvão. Fui interno no 1º
ano de ginásio. Tive um professor na primeira série ginasial que me marcou muito.
Nós éramos solicitados a fazer experimentos, e por eles nós éramos avaliados, ao
invés de fazer prova. Por exemplo, a gente fazia eletrólise da água. O nosso
professor no científico foi o Waldir Duarte. Era uma pessoa interessante, no
sentido de motivar, de falar coisas como a aplicação da ciência no cotidiano. Isso
marcou. Mas teve outro, Miguel, que foi no 2º ano já. Ele também nos estimulava
muito, trazia curiosidades para a aula. Os professores de física eram melhores
professores no sentido de ter um lastro maior. Mas não eram professores muito
didáticos. Exceto o Martins. Além de uma formação sólida era didaticamente
muito bom.”
Em relação ao Colégio Pedro II, marcado no meio educacional pela
tradição e um quadro significativo de ex-alunos ilustres, é interessante resgatar o
trabalho de Ferreira (2005). Neste estudo, tomando por base a análise tanto dos
documentos escritos quanto das fontes orais, a autora mostra que nos anos 60 do
século XX, a disciplina escolar Ciências ministrada neste colégio efetivamente
sofreu influências do movimento de renovação curricular, expressas tanto nos
critérios de seleção e de organização dos conteúdos de ensino quanto na defesa de
uma metodologia de caráter experimental.
Mais que um professor, uma escola marcante e um programa de Vocação
Científica na vida do Dr. MP
“Minha carreira não teve aquela influência específica de um professor, de uma
área, ou a cadeira A ou B. O Colégio de Aplicação da UERJ sempre investiu muito
na formação crítica do aluno. O colégio tem uma estrutura informativa e formativa
calcada na reflexão sobre o conhecimento. Ninguém aceitava o conhecimento
pronto que era oferecido sem questionamento. Isso sempre foi um dos pilares da
educação dali. E o outro fator decisivo foi o programa de Vocação Científica pelo
qual eu entrei aqui na Fiocruz pela primeira vez...”
Na fala do Dr. MP pode-se perceber o quanto foi fundamental toda uma
formação calcada no questionamento e reflexão. Toda a ação de um corpo
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121
docente, apoiado por uma proposta pedagógica com foco na autonomia e a
oportunidade de vivenciar a pesquisa em Ciências Naturais em um espaço
privilegiado para este campo - a Fiocruz - mostraram-se decisivos na carreira
deste cientista.
O professor de Biologia da Dra. JO: valorização da pesquisa científica
“No colégio no 2º grau eu tive um professor de ciências que fazia pós-graduação,
o Alexandre. Ele era uma pessoa muito ligada com a atualidade, com os fatos da
época. Ele comentava artigos que tinham saído em revistas cientificas na sala.
Como estes artigos eram escritos em inglês, ele levava as figuras e as usava para
que montássemos de acordo com nosso conhecimento histórias relacionadas
àquelas figuras. Ele também me orientou a fazer o curso técnico aqui da Fiocruz. A
namorada dele fazia pós-graduação aqui e esse curso estava sendo criado naquele
ano. Ele achava que ia ser uma grande oportunidade para eu ter conhecimento do
que de fato era a ciência. Eu conversava muito com ele sobre minha dificuldade em
decidir qual seria minha carreira. Porque eu queria fazer biologia, mas a família
queria que eu fizesse medicina.. ”.
Tendo 44 anos atualmente, a Dra. JO cursou seu segundo grau nos anos 80,
período de grande atividade científica no campo da Biologia Celular e Molecular.
A atuação de seu professor, trazendo para a sala de aula as discussões sobre as
descobertas científicas de então e encaminhando-a para um curso técnico antes da
graduação, onde ela pôde ter contato com pesquisadores, parece ter sido
fundamental em sua carreira. Embora tenha cursado um ano de medicina, a jovem
estudante JO acabou rendendo-se à vocação pela Biologia. Mudou de curso e hoje
desenvolve pesquisas na mesma Fiocruz onde fez o curso técnico.
Muito além do Rio Tietê: a alegria e os desenhos do Professor Gomes
encantaram a Dra. B
“Tinha habilidades literárias, mas optei pela biologia quando vi em 1975 uma
reportagem na televisão mostrando a poluição do Rio Tiete. Fiquei horrorizada
com a degradação na vida das pessoas e pensei que dedicaria a vida a combater a
poluição. Além disso, tive a sorte de ter um maravilhoso professor de Biologia: o
Manoel Gomes. Era professor de biologia do segundo grau e trabalhava em
cursinhos de pré-vestibular. Ele nos fazia rir, explicava com carinho e vibrava com
o que ensinava. Mais acima de tudo o que nos encantava era que ele desenhava.
Nunca consegui jogar fora os cadernos daquela época. Eu desenhava, aprendia, e
achava lindo o mundo (e a biologia!)”.
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122
Embora a Dra. B tenha declarado que o interesse pela ciência como carreira
surgiu inicialmente em função da indignação diante da poluição ambiental e seus
efeitos sobre as pessoas, sua participação neste estudo revela o quanto a figura do
professor de Biologia marcou sua vida. Ela fez questão de mandar seu relato por
escrito, diante da impossibilidade de encontrar-se comigo presencialmente. Suas
palavras ao telefone comigo foram: Eu preciso falar deste professor!
Os professores militares do Dr. IS: hierarquia e humilhação em sala de aula
“Eu estudei em uma escola pública em Resende. A maior parte dos professores era
militar. E assim a minha grande angústia no colégio era: sou filho de pais com
uma educação muito baixa. Meu pai tem a escola primária, minha mãe tem o
antigo ginásio. A escolaridade da família era relativamente baixa. O colégio do 2º
grau era coordenado por professores militares. E o melhor na época era mesmo a
escola pública. Então, filhos de coronéis, de majores, de soldados, estudavam
juntos na mesma turma. Era interessante porque havia classes e grupos sociais dos
mais variados. Mas também havia um processo de discriminação terrível. Eu me
lembro que prioritariamente ficavam sentados mais à frente aqueles que eram
filhos dos militares respeitando-se as patentes dos pais: uma hierarquia. Eu me
lembro de frases entre eles do tipo: Como vai seu pai o Coronel Fulano de Tal”?
Hoje, eu até sou bom em Matemática, pois na universidade passei a gostar, acho
que até por conta de tudo que aconteceu, de ter tido um professor que me dizia:
quer o quê? Filho de pai analfabeto e de mãe que é secretária? Quer que seja o
quê? Isso pra mim foi um divisor de águas. Uma situação absurda se você olhar
sob a perspectiva de hoje. Mas naquela época era aquilo mesmo. Um
determinismo social muito forte, de que não havia outras perspectivas pra mim a
não ser uma função subserviente. Era tudo muito triste...”
Este entrevistado surpreendeu-me ao relatar que se tornou cientista apesar
dos professores e da escola que teve na Educação Básica. Embora um dos meus
interesses seja traçar o perfil do professor de ciências capaz de influenciar seus
alunos – positivamente - para a carreira científica, o relato do Dr. IS mostrou-se
riquíssimo em pistas sobre como determinadas práticas docentes e escolares
podem ser repressoras e desmotivadoras.
O relato do Dr. R, também me impressionou. As contingências financeiras
de sua história de vida, o levaram a cursar uma escola agrícola, onde acabou por
descobrir a vocação para veterinário. Entretanto, justamente uma disciplina que é
base dos estudos deste campo, não deixou boas lembranças neste cientista:
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123
Os professores do curso agrícola do Dr. R e as agruras sofridas com a Biologia
“Eu estudei em um curso agrícola, o correspondente ao ginásio, mas associado às
matérias comuns do ginásio, havia também as profissionalizantes: a parte de
agricultura, de zootecnia etc. Aquilo me empolgou de uma maneira fantástica,
tanto que me tornei veterinário. Dos professores dessa época, só um professor era
ruim, o de Biologia. Era uma professora que tinha um problema sério com a
família, então ela era meio alucinada para dar aula, eu aprendi biologia porque
estudava muito. Mas os de matemática, português e das matérias técnicas eram
excelentes [...]”.
“[...] Na escola agrícola tinha o chamado curso de iniciação agrícola que durava
dois anos. Quando terminava o 2º ano, havia uma prova de seleção para o 3º e o 4º
ano que correspondia ao curso de mestre agrícola. Aí fui pra Barbacena cursar
esses anos. O curso técnico de zootecnia tinha física, química, etc. com excelentes
professores. Exceto... o de biologia. Era um médico cirurgião que dava aula... Meu
Deus do céu! Eu não podia ser biólogo de maneira nenhum, a julgar por isso.
Primeiro ele era um professor de tal maneira despreocupado com o trabalho, que
um colega meu disse assim: vou fazer a prova dele e tirar 10. Eu estranhei, porque
este colega ganhava dinheiro jogando futebol. Ele jogava futebol e eu assistia às
aulas. Ele não estudava praticamente nada. O professor marcou uma prova
dissertativa. E o que ele pediu? Escrever sobre a grande circulação. Meu colega
começou a prova assim: o sistema circulatório é constituído de vasos- artérias e
veias –e um órgão propulsor, que é o coração. Daí em diante, descreveu uma
partida de futebol entre Vasco e Flamengo, de 90 minutos. Passe por passe. Fez 10
folhas da prova escrita. E tirou 10! O professor leu só o início porque ele escreveu
muito [...].”
“Nas outras disciplinas tive bons professores. Em História tinha um professor
chamado Armando Brasil. Ele era um empolgado, parecia um orador,
impressionante, ficava olhando pra ele...E o de Português era o príncipe dos
poetas mineiros, um intelecto fantástico, que me aguçou muito nessa parte”.
As entrevistas trouxeram memórias sobre professores apaixonados pela
ciência e pela docência, entusiasmados, criativos, acessíveis, camaradas ou
descomprometidos e castradores. Analisaremos a seguir, alguns aspectos que as
lembranças destes professores e de suas aulas fizeram emergir nas falas de nossos
entrevistados.
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124
4.6
Identificando traços de um bom professor de Ciências
Nas entrevistas, após a apresentação dos professores que marcaram suas
vidas, solicitei aos cientistas que apontassem características de um bom professor
de ciências, a partir dos traços de seus antigos professores e suas impressões
pessoais sobre o tema. Procurei articular o que estes cientistas indicaram com o
que encontrei de mais significativo sobre o tema na literatura. Eis os traços
destacados:
Demonstrar paixão, o entusiasmo e o interesse pela Ciência
Todos os entrevistados se disseram “contagiados” pela paixão e o
entusiasmo de seus professores pela ciência. Essa característica aparece também
em todas as falas como sendo essencial ao bom professor:
“Tem que saber transmitir sabedoria, não apenas conhecimento, a vivência dele no
dia-a-dia, transferir isso pro aluno é importante. Transmitir pro aluno a partir do
seu próprio conhecimento, sua própria experiência, a vontade de estudar. O que
precisa mais é alma. É gostar de dar aula, fazer isso por amor. Não só fazer
pesquisa, não só publicar trabalhos. É levar a pesquisa e os trabalhos para dentro
de sala de aula.” Dr. R
“Não sei. Eu acho que a coisa mais fundamental para que um professor possa
despertar no aluno a vocação é o seu próprio interesse. É gostar do que faz. Se eu
gosto do que faço, consigo transmitir de uma forma muito mais contundente o meu
entusiasmo e o meu conhecimento. Então o professor tem que estar satisfeito com
aquilo que faz. Esse é o ponto fundamental. É ter certeza absoluta de que o que eu
estou fazendo é o que realmente quero fazer. Não estou aqui fazendo sacrifício,
contando minuto para bater ponto e sair do trabalho. ” Dr. A
“Era uma pessoa muito estimuladora. Alguém que ficava 10 minutos além do
tempo de aula para conversar, tirar dúvidas. Era um professor entusiasmado e
acho que e essa paixão pela ciência é uma das doenças contagiosas mais
importantes, porque ela contagia a alma. ” Dra. JO
“Ele tinha uma paixão pela biologia, um brilho no olho. A aula dele não parecia
aula. Parecia um cinema, um teatro. Ele interpretava uma serie, interpretava
qualquer coisa. Eu saia com febre das aulas dele. Ele chegava ao cúmulo de
marcar aula extra aos sábados e domingos e ia todo mundo. Mesmo quem não ia
fazer biologia ia pra aula pra ficar” babando”. Ele não dava aula lá na frente da
sala. Ele dava aula andando. Era muito especial. Eu acho que muita gente acabou
fazendo opção pela biologia por causa dele. ” Dra. D
“O Miguel, que foi meu professor de Biologia no 2º ano científico era bastante
entusiasmado, passava isso para a turma, contagiava a gente”. DR LC
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Este entusiasmo e disponibilidade dos professores também são relembrados
com grande ênfase pelo Dr. F:
“A diferença desses professores de ciências e de português pros outros professores
é que eles quando começavam a falar passavam um brilho nos olhos, uma paixão,
uma empolgação.. Eles eram apaixonados. Em primeiro lugar pelo assunto, e em
segundo por dar aula. Pra mim isso era um diferencial. O de ciências sempre tinha
disponibilidade de tempo e eu conversava muito com ele. Não era algo formal
como um horário depois da aula, era um papo nos corredores”.
É interessante destacar que acerca do conceito de “bom professor’”,
encontramos estudos como o de Sequeira e Silva (2004) que também dão indícios
do impacto do entusiasmo docente sobre os alunos. No estudo citado, do tipo
quantitativo, o foco foi caracterização do bom professor de física e química, dos
ensinos básico e secundário, na opinião de professores e supervisores de física e
química portugueses. Dentre as competências relacionadas com características
pessoais apontadas como importantes pelos informantes estão ter bom humor e
mostrar entusiasmo pela matéria e pelo ensino. Martins, Rampon e Silva (2005) e
Carrijo (1999) encontraram resultados similares em seus estudos, ao investigarem
o que alunos esperam de um bom professor de Ciências e Biologia, mostrando que
existe uma relação direta entre a motivação do aluno com as possibilidades de
interação com o professor e seu dinamismo, se deixa o aluno se expressar e utiliza
recursos variados em suas aulas. As afirmações dos entrevistados estão de acordo
com a literatura relativa a estudos sobre o “bom professor” em cursos de
diferentes áreas do conhecimento e níveis de ensino. Uma enquete realizada pela
revista norte americana Time apud Bordenave e Pereira (1998) revelou que
aqueles que eram considerados melhores professores nos Estados Unidos não
eram os que usavam as técnicas de ensino mais refinadas, mas sim os que,
estimulados por seu entusiasmo pela disciplina que lecionavam, conseguiam
contagiar seus alunos, encontrando maneiras próprias de comunicar e ensinar.
Mesmo em outro contexto histórico, quando a dinâmica que caracterizava a
sala de aula e as relações entre professores e alunos deveria ser bem diferente da
atual, estudos como o de Lopes (1945), citado por Carrijo (1999), no qual
investigava características e atitudes do professor ideal, mostram que os aspectos
citados pelos entrevistados como positivos da personalidade docente eram a
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126
aparência, a cortesia, o otimismo, a simpatia, a auto-direção, a boa saúde, a
capacidade de expressão, a iniciativa e o entusiasmo.
Já Sandefur e Adams (apud Carrijo, 1999), caracterizando o comportamento
do bom professor para a eficácia do ensino, destacaram como aspectos pessoais
positivos a bondade, a democracia, a afetividade, o auto-controle, o otimismo, o
entusiasmo, a adaptação à realidade, a clareza do discurso, o prazer em ensinar, o
domínio do conteúdo geral e cultural, a originalidade das propostas de trabalho, a
responsabilidade e a sistematização da apresentação dos conteúdos. No relato da
Dra. B, as características identificadas no estudo citado estavam presentes no
professor que considerou marcante:
“Ele nos fazia rir, explicava com carinho e vibrava com o que ensinava Alguém
que tem paixão por ensinar e principalmente por aprender na relação com os
jovens. Ele tinha bom humor, generosidade, capricho nos detalhes, amor pelo
conhecimento”. Dra. B
O trabalho de Carrijo (1999) investigou junto a alunos e professores do
Ensino Fundamental, traços do que seria o professor “ideal” de Ciências. Neste
estudo os alunos entrevistados destacam não apenas a ação pedagógica em si, mas
o grau de interesse e satisfação demonstrado pelo professor em seu trabalho.
Comparam constantemente esses professores aos cientistas, demonstrando a
expectativa (em geral frustrada) de uma prática pedagógica mais investigativa por
parte dos docentes da área de Ciências, com estímulo à curiosidade e
experimentação. Ainda no trabalho de Carrijo (1999), no levantamento de
depoimentos obtidos em outros estudos sobre antigos professores de Ciências,
temos lembranças como as de Ribeiro (1989 apud Carrijo p.48) que relata que o
ensino de Ciências que teve no ginásio foi nada e que nada lembra das aulas de
Ciências. Procura justificar a “ausência” deste ensino a uma não valorização do
estudo da referida matéria naquela época. Mais tarde descobriu Ciências no seu
curso Pré-Médico e afirma que bons professores foram os responsáveis pelas
noções que adquiriu de Biologia, Genética, Química e Física. Da mesma forma
Penna (1989 apud Carrijo p.48) revela ter péssimas recordações das aulas de
Ciências do Ensino Fundamental e médio e se considerava vítima de uma
instituição onde o ensino de Ciências era muito maltratado. Esclarece que, desde o
ginásio, as aulas de Física, Química e Biologia já eram separadas e somente
teóricas, não havendo nenhuma ligação entre elas. Em contrapartida, Frota-Pessoa
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127
(1989 apud Carrijo p.49) revela suas recordações agradáveis das aulas de seus
professores de Ciências, e o quanto estes influenciaram na sua decisão
profissional. Rodrigues (1989 apud Carrijo p.49) também tem recordações
pessoais muito boas sobre as aulas de Ciências no Ensino Fundamental e médio.
Considera-se um privilegiado por ter sido aluno de um professor que ele considera
como extraordinário, e que lhe deu os subsídios mais importantes para o
desenvolvimento de seus estudos de História Natural. Além disso, achava-o com
uma capacidade de lecionar muito grande e com uma enorme vitalidade. No relato
da Dra. SZ, é ressaltado o quanto a vitalidade e paixão demonstrada por seu
professor ampliaram nela o desejo de aprender ciências e parece considerar essa
“fórmula’ conhecimento sólido+ paixão como infalíveis:
“Eu penso nesse professor que era – não vou dizer deslumbrado pela ciência –
mas apaixonado. Ele conseguia mostrar essa paixão e eu acho que nos contagiou.
Se você tem um conteúdo consistente e consegue demonstrar com coerência aquele
assunto e a paixão, qualquer pessoa vai ficar encantada”. Dra. SZ
Também a Dra. SI ressalta em sua fala a credibilidade que seu professor
passava aos alunos por sua segurança e entusiasmo ao ensinar, não ficando preso
ao livro didático:
“Eu via meu professor e percebia que ele gostava daquilo que estava fazendo, que
acreditava naquilo que estava ensinando. Não vinha com aula preparada
simplesmente pelo livro. ”
E relembra a “doce estratégia didática” utilizada por uma professora
considerada pouco estimulante:
“Mas também tive uma professora muito ruim que levava balas para os
alunos aturarem a aula dela...” Dra. SI
Um professor entusiasmado e afetuoso poderia ser mais eficaz em espertar a
curiosidade dos alunos e favorecer a aprendizagem de ciências? Pietrocola, Cruz e
Custódio (2005 p. 2) em um estudo sobre conflitos cognitivo-afetivos e
aprendizagem de Física, lembram que Piaget (1981) sedimentou a idéia da simbiose
entre afeto e cognição na aprendizagem. Para Piaget, sem afeto não haveria
interesse, tampouco motivação; e conseqüentemente, perguntas ou problemas nunca
seriam colocados e não haveria inteligência. A partir destas considerações, os
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autores do estudo indagam: por que componentes afetivos são freqüentemente
desconsiderados? Atualmente dicotomias vêm sendo suplantadas. Gomes Chacón
(2003 apud Pietrocola, Cruz e Custódio, 2005 p. 2) ao tratar a relação afeto-
cognição na educação matemática sugere que os afetos formam um sistema
regulador da estrutura de conhecimento do estudante. Portanto, “não basta conhecer
de maneira apropriada os fatos, os algoritmos e os procedimentos para garantir o
sucesso nesse sujeito” (p. 24). Assim, as dificuldades de aprendizagem da disciplina
não residiriam somente no registro cognitivo, mas também nas crenças do indivíduo
sobre ela e sobre si mesmo. Do mesmo modo, Alsop e Watts (2000 apud Pietrocola,
Cruz e Custódio, 2005 p. 2) afirmam que a aprendizagem é influenciada por
sentimentos e emoções e, reciprocamente, a aprendizagem pode influenciar
sentimentos e emoções. Para eles, dependendo do status da relevância de um tópico,
um estudante pode ter a aprendizagem estimulada ou inibida. Pietrocola (2001 apud
Pietrocola, Cruz e Custódio, 2005 p. 2) em seu artigo avança na idéia que é possível
aos alunos manter vínculos afetivos com o conhecimento de Física. Isto se daria
quando os estudantes percebessem a possibilidade de extrapolar este conhecimento,
muitas vezes limitado a situações artificiais, para interpretação da realidade;
estabelecendo relações que fossem além do contexto escolar. Em suma, Pietrocola,
Cruz e Custódio (2005) afirmam que é conclusão geral que a afetividade tem um
importante papel em nossa vida mental e que, portanto não deve ser ignorada ao se
discutir aprendizagem e suas teorias.
Pietrocola, Cruz e Custódio (2005 p. 3) destacam que no contexto escolar as
motivações que levam o cientista a insistir em certos problemas ou perguntas têm
pouca relevância para os alunos. Para estes autores:
“[...] O conhecimento tal como é construído dentro de uma comunidade científica
encontra sentido apenas quando acompanhado dos conceitos, modelos e leis
subjacentes no corpo de uma teoria, bem como permite a formulação de novas
questões ou solução de problemas se é ponto de partida da investigação, salvo em
momentos críticos revolucionários. Por outro lado, no âmbito escolar, no início de
uma relação didática o aluno não tem relações com os saberes científicos, se as tem
são fracas e carregadas de concepções e representações. Assim, como fazer com
que uma situação que foi significativa para ciência se torne alvo de interesse para o
aluno? Como estimular a curiosidade dos alunos sobre situações que envolvam a
procura de conhecimento científico? [...]
Estes autores buscam resposta para estas questões na literatura sobre
motivação pessoal. Pintrich et al. (1993 apud Pietrocola, Cruz e Custódio, 2005 p.
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129
4) mostraram que construtos motivacionais como orientação de objetivos, valores,
crenças sobre a eficácia do indivíduo na solução de problemas em um certo
domínio e controle de crenças servem como mediadores no processo de mudança
conceitual. Tais variáveis afetivas, aliadas ou não a fatores situacionais,
moldariam o interesse pessoal dos estudantes e determinariam quando eles
atenderiam a certa discrepância nos esquemas prévios na tentativa de se adaptar as
demandas ou restrições com as quais ele se defronta na sala de aula, o que poderia
levar então a uma insatisfação com o entendimento conceitual da situação em
foco. Segundo eles, esta ligação entre motivação, cognição e contexto, mostra o
quão insuficiente é a apresentação de nova informação pelo professor num
formato instrucional de mudança conceitual que gere desequilíbrio da parte do
estudante, e sugerem que pelo menos alguns pressupostos teóricos nesta
perspectiva sejam reavaliados.
O próprio conceito de curiosidade é objeto de estudo. Por exemplo, para
Berlyne segundo Wong (1979, apud Pietrocola, Cruz e Custódio, 2005 p. 5) a
curiosidade seria a condição de desconforto, devido à inadequação de certa
informação e que motivaria o indivíduo ao comportamento exploratório. Neste
caso, curiosidade é definida como a necessidade, ou desejo de conhecimento. Os
autores citados consideram as duas condições antecedentes para curiosidade-
incerteza e conflito- como intimamente relacionadas. Segundo Pietrocola, Cruz e
Custódio (2005), as idéias de Berlyne seriam semelhantes à suposição da teoria de
mudança conceitual que os conflitos podem gerar insatisfação com as concepções
iniciais dos alunos, mas ao mesmo tempo não contém nenhum indício em favor da
suposição que essa insatisfação com as concepções iniciais levaria a uma
substituição automática por outras racionalmente mais adequadas. De modo
diverso ao modelo de mudança conceitual, no modelo de Berlyne o processo de
desenvolvimento e teste de hipóteses seria explicitamente função de aspectos
cognitivos e motivacionais. Este processo envolveria uma situação de conflito, o
reconhecimento do indivíduo da incapacidade do seu repertório conceitual de
respostas dar conta da situação, seguido de um estado interno de cunho mais
afetivo de falta da informação, a curiosidade, e, finalmente, um comportamento
exploratório com o objetivo de suprir a falta da informação. Isto explicaria o que
de fato pode levar um aluno a se engajar numa tarefa, algo aparentemente fora do
alcance do modelo de mudança conceitual tradicional.
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Também sobre as concepções iniciais dos alunos, Franco (1998, p. 17) nos
lembra que:
“O erro que os alunos cometem em relação a temas científicos freqüentemente
expressa concepções prévias que os estudantes desenvolveram a partir de sua
experiência cotidiana. O aprendizado das ciências implica, portanto, a troca de
concepções fortemente enraizadas na vivência dos alunos (.. ). Neste sentido vale a
pena professores e educadores levarem em consideração as concepções de seus
alunos, estimulando-os a explorar as potencialidades de suas idéias e
eventualmente, suas limitações. É a partir da compreensão das limitações de suas
concepções prévias sobre os temas científicos que os alunos estarão preparados
para considerar o potencial das idéias apresentadas nas teorias científicas. ”
O papel do professor tem grande importância nesta tarefa de explorar as
potencialidades das idéias discentes e provocar a reflexão e constatação de seus
limites. Uma sala de aula onde o aluno sinta-se estimulado a fazer perguntas, a
expressar sua curiosidade, a avançar além do senso comum, sem, entretanto ter
seu conhecimento prévio desqualificado, provavelmente será favorável ao
aprendizado. O estudo de Schwitzgebel (1999 apud Pietrocola, Cruz e Custódio,
2005 p. 5) corrobora as asserções de Berlyne, ao afirmar que as pessoas têm uma
curiosidade de busca-de-explicação associada com padrões de afeto e ativação,
frente a fenômenos ou eventos não explicados por teorias anteriormente mantidas.
Tais padrões de afeto e ativação foram caracterizados pelo autor como o
desenvolvimento, teste, e refutação de teorias que levarão a satisfazer a
curiosidade de busca-de-explicação. Ainda para Schwitzgebel, a curiosidade seria
a característica chave das explicações, nós seres humanos teríamos uma
necessidade social de adquirir informação do ambiente. Assim, seriamos
“programados” no processo evolutivo com certos impulsos sociais e
informacionais, responsáveis em refinar nossa capacidade de interagir
produtivamente com nossos semelhantes. No âmbito do que ele chama de impulso
informacional, haveria um sentimento de curiosidade associado, que se
manifestaria em um comportamento exploratório de formulação e testagem de
hipóteses. Tal curiosidade seria ativada quando fatos ou eventos tornassem
evidente ao sujeito a dificuldade de englobá-los em sua atual concepção. Segundo
Pietrocola, Cruz e Custódio (2005 p. 5), o próprio Schwitzgebel sugere que sua
hipótese pode ser empiricamente verificada se observarmos os padrões de afeto e
ativação associados ao surgimento e resolução da curiosidade de busca-de-
explicação. Os autores destacam que esta argumentação de Schwitzgebel é
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importante, pois integra cognição e afeto na resolução de problemas e raciocínio
científico. Pietrocola, Cruz e Custódio (2005 p. 5) concluem afirmando que:
“[...] As situações didáticas no ensino de ciências, quando voltadas para o cultivo
da curiosidade e paixão pelo explicar nos alunos, podem contribuir para um
interesse mais duradouro e uma aprendizagem significativa [...]”.
No relato abaixo, percebemos que o entusiasmo e bom humor de dois
professores deixaram lembranças marcantes e contribuíram no aprendizado de
duas disciplinas fundamentais para o trabalho atual da cientista entrevistada:
No segundo grau, tive dois professores marcantes: um de biologia e outro de
química. O de química era muito engraçado, parava a aula no meio e ficava
olhando para o quadro dizendo: Gente olha só, isso é maravilhoso! Eu amo a
química! E abraçava o quadro, beijava o quadro. E nos meus cadernos, tinha um
coraçãozinho desenhado onde estava escrito isso: Eu amo a química! E eu adoro
química até hoje. Foi uma das matérias na qual eu melhor me dei na vida. “O de
biologia era animadíssimo, brincava chamando-nos por nomes exóticos de
espécies de seres vivos. “Dra. J
O Doutor MP é mais enfático. Para ele o entusiasmo está diretamente ligado
ao próprio papel do professor, favorecendo claramente o aprendizado:
“O primeiro papel que o professor tem é conseguir mostrar pro aluno que a
matéria, a disciplina dele, é a melhor coisa do mundo. Tanto é a melhor coisa do
mundo, que ele quer passar a vida transmitindo conhecimento e experiência que
ele acumulou. Então se não for um indivíduo entusiasmado com o que ensina, não
consegue ensinar. Eu sentia meus professores apaixonados pelas suas disciplinas.
E acho que essa paixão pode ser contagiante. Não tem dúvida, e é como você
aprende. Se você tiver um professor entusiasmado, que tem que dar um conteúdo
chato, ele acaba mostrando isto de outra maneira, e de repente o que era chato
pode ser interessante.”
Para Rosa, Rosa e Pecatti (2007 p. 273), a escola deve ultrapassar a
dimensão meramente de domínio dos conteúdos e acenar em outras dimensões
envolvendo o que os autores denominam como domínio afetivo (atitudes,
emoções, motivação, atribuição e confiança em si mesmo). Tais domínios devem,
no entender desses autores, constituírem objetivos em sala de aula. Gómez
Chacón (2003 apud Rosa, Rosa e Pecatti 2007 p. 273) destaca que no campo da
matemática, a dimensão afetiva vem sendo gradativamente inserida nas atividades
em sala de aula, mencionando que os trabalhos de McLeod (1988, 1992, 1994
apud Rosa, Rosa e Pecatti 2007 p. 273) mostram claramente que essas questões
têm papel essencial no ensino e na aprendizagem.
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O Dr. DI, na sabedoria de seus quase 70 anos de idade, chama a atenção
para a relação entre prazer e aprendizagem, inclusive para o próprio professor, e
toca no aspecto da proletarização do trabalho docente:
“Talvez a gente não tenha que ser aluno do tipo “CDF”, talvez a escola tenha que
se adequar aos alunos, que estão em uma época da vida na qual querem se
divertir, namorar.. E a escola pode ser um lugar prazeroso! Isso é que seria o
ideal.. Mas acho que isso depende também do prazer do professor, sua motivação
para o trabalho. E isso não vai acontecer com salários baixos, excesso de trabalho
e condições inadequadas. Tem que investir nisso. Não tem jeito. ”
Para o Dr. S, um professor entusiasmado e interessado em ouvir o que seus
alunos têm a dizer faz diferença, dando maior segurança nos momentos de
indecisão sobre o caminho a seguir profissionalmente:
“O professor pode fazer diferença. Ele tem a capacidade de interferir. É claro que
você sempre vai ter alunos que já tem uma escolha, aqueles que não têm escolha
nenhuma, e aqueles – que são a grande maioria – que ficam na dúvida. E o
professor influencia dando uma boa aula, levando a pessoa a pensar, a sair dessa
indecisão, e procurar uma área que gosta.”
Diversos estudos mostram que existe, portanto, uma relação entre afeto,
cognição e curiosidade. Esta última é essencial para a atitude investigativa
inerente à aprendizagem científica. Despertar e valorizar nos alunos a busca por
respostas, no lugar de oferecê-las prontas (o que ocorre muitas vezes em
decorrência da cobrança por cumprir o extenso programa de conteúdos), também
é uma característica associada ao bom professor de ciências, como veremos a
seguir.
Estimular a curiosidade dos alunos abrindo espaço para o questionamento
Como aprender ciências sem fazer perguntas? Esta questão, que
aparentemente só tem uma resposta, parece ser ignorada por muitos professores
no momento de planejamento e execução de atividades e na reflexão sobre sua
prática. O Guia de Livros Didáticos de Ciências (MEC-PNLD 2007), alerta o
professor de Ciências para a urgência em abandonar as aulas baseadas na simples
memorização de nomes, informações e conceitos, vinculando-as aos
conhecimentos e conceitos do dia-a-dia dos alunos. Segundo este documento, a
metodologia de pesquisa se baseia na curiosidade e na exploração ativa, é
fundamental gerar a indagação e o interesse pela Ciência, vista como fonte de
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prazer, de transformação da qualidade de vida e das relações entre os homens.
Para a equipe que elaborou o Guia, estimular a pesquisa científica na escola
facilita a vida do professor e cria condições efetivas para um bom aprendizado.
Para isto, é necessário propiciar situações, tanto coletivas como individuais, para
observações, questionamentos, formulação de hipóteses, experimentação, análise
e registro e também estabelecer um processo de troca entre professor e a classe
que gere novas indagações. O Guia lembra que é importante deixar que os alunos
saiam com uma interrogação maior do que a de quando entraram. Ressalta-se a
função mediadora do professor no ensino e aprendizagem em ciências, desafiando
os alunos à solução de problemas por meio da pesquisa feita em coletivos de
investigação organizados na sala de aula, e acompanhando as produções daí
resultantes. Segundo o documento, quando o professor pensa o ensino como
processo de reconstrução de conhecimentos dos alunos, seu papel modifica-se
radicalmente. Sua função seria intensificar as possibilidades de aprendizagem dos
alunos, criando para isso situações em que eles possam envolver-se na procura da
solução de problemas, ajudando os alunos a superarem seus próprios limites. Este
papel, mais do que falar, exige que o professor ouça e esteja atento às dificuldades
doa alunos, quando não conseguem resolver os problemas sozinhos e implica criar
comunidades de aprendizagem, onde a interatividade e a cooperação sejam
valorizadas.
A figura do bom professor já foi objeto de pesquisa até mesmo no âmbito
das produções cinematográficas. Tendo analisado mais de vinte filmes em que
aparecem imagens de professores, Dalton (1996) identifica certos estereótipos
bastante associados ao paradigma tradicional de compreensão da figura do mestre,
fazendo notar que, pelo menos no cinema, o professor de Hollywood é aquele que
se envolve com o aluno e “compra” suas brigas, mas, apesar disso, não alcança
uma postura mais consistente de educador como transformador.
O estudo de Pimentel (1994) investigou o que tornaria um profissional da
educação um excelente professor e como seria seu trabalho com os alunos e o de
Cunha (1989), identificou junto a alunos de nível médio, 21 professores
considerados bons professores. Através de entrevistas e observações, estes estudos
mostraram, dentre outros aspectos, que no conjunto das habilidades docentes
relacionadas ao bom professor estava a capacidade de incentivo à participação do
aluno, formulando perguntas, provocando outras, sempre valorizando o diálogo.
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As falas dos cientistas entrevistados corroboram as idéias dos diversos
estudos em Ensino de Ciências, acerca da importância da pergunta, fruto da
curiosidade que os fenômenos da natureza e até fatos aparentemente simples do
cotidiano costumam despertar nos alunos:
“Um bom professor de Ciências? Acho que é aquele que consegue despertar a
curiosidade no aluno. Abre os olhos dos alunos para o ambiente e os direciona
para o trabalho cientifico. Acho que o maior trabalho do professor é o
direcionamento que ele dá ao estudante. O despertar dele, fazer com que ele tenha
interesse na descoberta. Têm alunos que são muito apáticos”. Dra. I.
“Um bom professor de ciências ou de qualquer disciplina tem que valorizar a
pergunta, estimular seus alunos a tirarem suas dúvidas, instigar a curiosidade, a
pesquisa, à descoberta. Eu tenho uma historia ótima, sobre um professor de
geografia, no 1º ano do 2º grau. A primeira aula dele foi sobre a água, ele não era
de Rezende, era de Volta redonda, fumava o tempo inteiro. Um dia falou assim: a
água pode ser doce, e pode ser salgada”. Eu levantei a mão e perguntei: “por que
água do mar é salgada?”. E ele ria. A turma ria. ”Seu idiota! Pense antes de
perguntar. A água do mar é salgada porque tem sal. ” Então “perguntei:” Mas de
onde vem o sal?”Ele cada vez mais irritado:” O sal é o sal. Como o sal de
cozinha, ora!”“. Eu demorei mais de 15 anos para descobrir que a água do mar é
salgada, mas que nem todos os mares foram salgados o tempo inteiro. E na
universidade não foi muito diferente. Quando fazia determinadas perguntas que o
professor não sabia a resposta ou então sequer conseguia compreender a
pergunta, era tratado de maneira muito pejorativa. Eu realmente teria tudo “para
não ser um cientista”. Dr. IS
No relato acima, se percebe que o Dr. IS além de não ser estimulado ao
questionamento, ainda era tratado de modo agressivo e pejorativo por seu
professor quando ousava expressar suas dúvidas. No cotidiano das escolas,
infelizmente ainda existem professores com este tipo de atitude, o que pode ser
resultado de vários fatores, incluindo a insegurança conceitual e o receio de
admitir que também tenham dúvidas. Considerando-se a formação inicial
generalista que a maior parte dos professores de ciências tem (a licenciatura trata
um pouco de tudo - genética, ecologia, zoologia etc. - mas sem o nível de
aprofundamento do bacharelado em determinado campo), a velocidade com que
novos conhecimentos são produzidos e o maior grau de acesso dos alunos a
informações por diferentes mídias; é bastante complicado um professor assumir
uma postura agressiva porque ainda não soube da nova espécie de caramujo a que
se refere seu aluno que assina uma revista de divulgação científica, acessa a
internet diariamente ou assiste documentários na TV. Reconhecer que não sabe
tudo, entretanto, não exime o professor de procurar atualizar-se para acompanhar
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as discussões que a mídia e outras formas de difusão da ciência podem trazer para
a escola.
Zanon e Freitas (2007) em seu estudo procuram demonstrar a importância
das atividades investigativas e das interações discursivas em sala de aula no
ensino de Ciências. Essas atividades podem ser entendidas como situações em que
o aluno aprende ao envolver-se progressivamente com as manifestações dos
fenômenos naturais, fazendo conjecturas, experimentando, errando, interagindo
com colegas, com os professores, expondo seus pontos de vista, suas suposições, e
confrontando-os com outros e com os resultados experimentais para testar sua
pertinência e validade. Os autores atentam que esses processos de ensino-
aprendizagem têm no início da escolarização uma importância ainda maior, pois
auxiliam os alunos a atingir níveis mais elevados de cognição, o que facilita a
aprendizagem de conceitos científicos. Contudo, lembram que o trabalho
investigativo com os alunos das primeiras séries do Ensino Fundamental tem
características próprias. Para estes autores, seria inadequado, por exemplo, exigir
de esses alunos percorrerem todo o ciclo investigativo, formulando claramente
hipóteses sem meio de testá-las. Para Zanon e Freitas (2007):
“Para superar o senso comum e as concepções alternativas dos alunos, é necessário
um corpo de conhecimentos mais robusto por parte dos professores e o
desenvolvimento de diferentes formas de lidar com os problemas que surgem, algo
que eles também irão construindo. Conseqüentemente, cabe ao aluno (aquele que
investiga) e ao professor (aquele que orienta a investigação) lidarem com as
situações de desequilíbrio e com as capacidades cognitivas, buscando a construção
de conhecimentos coerentes com as evidências (empíricas ou não) que vão surgindo
nas atividades investigativas. Muitas vezes, as práticas convencionalmente adotadas
pelos professores (até mesmo de forma inconsciente) incluem opções
metodológicas engessadas e excluem o ambiente propício à realização de
questionamentos, observações e experimentos, o que faz com que surjam
dificuldades de diferentes origens ao ser efetivada a implementação sistemática de
atividades investigativas no ensino. ”
Pavão (2005) é outro pesquisador em Ensino de Ciências que em um texto
intitulado “Estudantes Cientistas” ressalta a importância do questionamento:
“Por quê? É esta simples pergunta que devemos estimular em nossos alunos. A
interrogação deve se tornar um hábito. Começar a fazer ciência é só começar a
perguntar. Desta forma, estaremos iniciando a prática científica, descobrindo que a
utilização da metodologia de pesquisa se baseia n a exploração ativa, no
envolvimento pessoal, na curiosidade, no uso dos sentidos, no esforço intelectual
na formulação de questões e na busca de respostas. Construir e oferecer respostas,
mas, sobretudo, gerar a indagação e o interesse pela ciência, vista como fonte de
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prazer, de transformação da qualidade de vida e das relações entre os homens. E
sempre alertar para as repercussões sociais do fato científico. Formar cientistas sim,
mas o propósito educacional, antes de tudo, deve contemplar a formação de
cidadãos, indivíduos aptos a tomar decisões e a estabelecer os julgamentos sociais
necessários ao século 21”(p. 3).
Um ambiente de aprendizagem que garanta espaço ao questionamento,
também será fértil para argumentação. Queiroz e Barbosa Lima (2004) destacam
que argumentos indutivos ou dedutivos são modos de comunicação verbais usados
na sala de aula e reconhecem esse ambiente como espaço social de negociação de
novos significados, a base da argumentação. As autoras nos lembram que os
professores lançam mão de toda uma gama de recursos para rechear as discussões
em aula, cientes de que assim como fazer ciência, também aprender ciência é
“falar ciência”, argumentando e convencendo ou sendo convencido.
O Dr. AR, não só destaca o estímulo à pergunta como característica positiva
de seus professores marcantes como também a considera essencial para qualquer
professor de ciências:
“Ela partia daquele princípio que eu acho todo professor deve ter: o de estimular
a descoberta e a redescoberta. Sempre colocava um assunto em pauta ligado à
área de saúde, biologia e nos estimulava a levantar questões. A partir dali ela
levava a aula adiante. [...] Eu vejo que quando os alunos trabalham com ciência,
querem saber o porquê das coisas. E os professores em geral não trabalham isso.
Como exemplo: ao trabalhar a história da ciência, você fala da invenção disso e
daquilo, faz o resgate dessa história, do contexto desta produção, como surgiu a
hipótese, a comprovação dessa hipótese etc. ” Dr. AR
A fala do Dr. AR abordou um princípio educacional por vezes tratado de
modo equivocado ou simplista: o da contextualização. Este princípio, nos
currículos escolares implica problematizar o conteúdo a ser ensinado em um
contexto, isto é, em um campo do conhecimento, tempo e espaço definidos.
Portanto, não representa apenas um tipo de estratégia didática. Tampouco deve
estar limitado à dimensão concreta ou local de determinado problema. Ainda que
seja algo abstrato ou de alcance global, o conhecimento quando contextualizado é
sempre significativo, o que é essencial quando lembramos o quanto o que se
aprende na escola parece não ter sentido para os alunos. Como explicam Lima et
al. (1999 p. 12):
“Contextos significativos são aqueles que nos causam estranheza e que exigem
novas formulações e explicações, que constituem problemas para a humanidade e
que, de alguma maneira, fazem parte de nossa vida. Não se trata, necessariamente,
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do contexto mais próximo. O que está proposto é um olhar de estranheza sobre
aquilo que tomamos como simples e corriqueiro e que, conseqüentemente, parece
não requerer estudo ou especulação. ”
Alguns autores referem-se à contextualização como aprendizagem situada.
Para Stein (1998 apud Lopes 2002 p. 2), por exemplo, situar uma aprendizagem
significa colocar o pensamento e a ação em um lugar específico de significado,
envolver os aprendizes, o ambiente e as atividades para produzir significado. Para
este autor todo conhecimento é construído de forma situada, em determinado
contexto, de maneira a ser transferido para situações similares. Em sua análise do
que denomina discurso curricular híbrido nos Parâmetros Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio, Lopes (2002 p. 2) afirma que neste documento:
“[...] a idéia de contextualização também aparece associada à valorização do
cotidiano: os saberes escolares devem ter relação intrínseca com questões
concretas da vida dos alunos. Falta um sentido mais político ao conceito de
cotidiano. Seu entendimento, entretanto, não é restrito como em algumas
perspectivas construtivistas que analisam os saberes prévios dissociados de uma
interpretação mais ampla do conhecimento escolar. Dessa forma, há uma
aproximação da perspectiva crítica de currículo. Salienta-se, por exemplo, como a
contextualização deve estar associada ao processo produtivo do conhecimento
escolar, por intermédio da transposição didática e da visão de que esse
conhecimento não deve ter por referência apenas o conhecimento científico. Essa
argumentação fundamenta-se em Chervel e sua concepção de que a disciplina
escolar é uma produção intrínseca da escola.”
Nos relatos dos cientistas entrevistados, saber fazer a articulação do que era
ensinado com contextos variados, dando sentido aos conhecimentos científicos,
também foi considerado um traço positivo e marcante dos professores como
trataremos a seguir.
Saber contextualizar o conhecimento, articulando ciência com a vida real
Muitos estudos no campo da educação - não limitados ao ensino de ciências
- destacam a importância da contextualização do conhecimento nos currículos
escolares. No documento que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para
o Ensino Médio - DCNEM (1998 p. 42) lê-se:
“[...] Contextualizar o conteúdo que se quer aprendido significa em primeiro lugar
assumir que todo conhecimento envolve uma relação entre sujeito e objeto. Na
escola fundamental ou média o conhecimento é quase sempre reproduzido das
situações originais nas quais acontece sua produção. Por esta razão quase sempre o
conhecimento escolar se vale de uma transposição didática para na qual a
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linguagem joga papel decisivo. O tratamento contextualizado do conhecimento é o
recurso que a escola tem para retirar o aluno da condição de espectador passivo. Se
bem trabalhado permite que, ao longo da transposição didática, o conteúdo do
ensino provoque aprendizagens significativas que mobilizam o aluno e estabeleçam
entre ele e o objeto do conhecimento uma relação de reciprocidade. A
contextualização evoca por isto áreas, âmbitos ou dimensões presentes na vida
pessoal, social e cultural, e mobiliza competências cognitivas já adquiridas.”
Vemos no texto acima, a relação entre contextualização e transposição
didática. Assim, considero importante neste ponto resgatar Chevallard (1998). Em
seus estudos acerca do conceito de transposição didática, este autor defende a
idéia de que os objetos de conhecimento passam por transformações que os
transformam em objetos de ensino. Estas transformações por transposição
didática, seriam feitas por diferentes atores em diversas instâncias sociais
relacionadas com a educação, tais como órgãos oficiais de educação,
universidades, pesquisadores, professores, divulgadores etc. tornando acessíveis
os conhecimentos. Segundo Chevallard, o ‘saber sábio’, ao se transformar em
‘saber ensinado’, é descontextualizado, naturalizado, despersonalizado e
descontemporaneizado. O saber científico é referência principal para o saber
ensinado, entretanto, ao ser transposto, um novo saber é produzido, o que indica a
existência de produção de conhecimento no espaço escolar.
Develay (1987 apud Marandino 2005 p. 168), focalizando o conceito de
memória em sua pesquisa sobre a transposição didática em ciências biológicas,
analisa o processo de escolha da referência para o estabelecimento do saber sábio.
Este autor afirma que o saber sábio não é produto de um indivíduo isolado, mas de
equipes alocadas em diferentes laboratórios, ou fruto de discussão em congressos
e simpósios. Destaca ainda, a que a transposição didática varia nos diferentes
níveis de ensino, e se constitui de várias etapas de transposição de saberes. Ao
analisar um conceito pertencente às ciências biológicas, Develay afirma que a
transposição didática conduz a um processo de dogmatização que poderia ser
explicado por três razões: a de natureza sociopolítica, relativa à visão neutra e
universal que a ciência assume em nossa sociedade; a de cunho institucional,
relacionada aos processos de transposição, determinados pelas instituições e pelos
atores envolvidos na seleção dos conteúdos; e as razões epistemológicas, que
dizem respeito às especificidades das ciências biológicas, no que tange à sua
complexidade e à noção de causa. Ao acentuar os aspectos epistemológicos
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envolvidos na transposição didática, particularmente da biologia, o trabalho de
Develay contribui ao contestar o lugar do saber sábio como referência única e
hegemônica da produção do saber escolar.
O texto das DCNEM (1998 p. 52) dá exemplos das conseqüências do
tratamento descontextualizado do conhecimento científico pela escola:
“[...] A adolescente que aprendeu tudo sobre aparelho reprodutivo mas não entende
o que se passa com seu corpo a cada ciclo mensal não aprendeu de modo
significativo. O mesmo acontece com o jovem que se equilibra na prancha de surfe
em movimento mas não relaciona isso com as leis da física aprendidas na escola.
[...] Pesquisa com jovens de Ensino Médio revelou que estes não vêem nenhuma
relação da química com suas vidas nem com a sociedade, como se o iogurte, os
produtos de higiene pessoal e limpeza, os agrotóxicos ou as fibras sintéticas de suas
roupas, fossem questões de outra esfera de conhecimento, divorciadas da química
que estudam na escola. No caso destes jovens a química aprendida na escola foi
transposta do contexto de sua produção original, sem que pontes tivessem sido
feitas para contextos que são próximos e significativos. É provável que por motivo
semelhante muitas pessoas que estudaram física na escola não conseguem entender
como funciona o telefone celular. Ou se desconcertem quando têm de estabelecer a
relação entre o tamanho de um ambiente e a potência em “BTUS” do aparelho de
ar condicionado que estão por adquirir[...]”
Ainda na análise da transposição didática feita por professores de ciências,
podemos citar Brockington e Pietrocola (2004) que analisaram em seu artigo os
requisitos necessários para a inserção de elementos de Mecânica Quântica nas
aulas do Ensino Médio. Os autores apontaram neste artigo, alguns elementos que
questionam a aplicabilidade das “regras” de transposição didática aos temas da
“nova” Física. Segundo eles, é possível introduzir conteúdos modernos através de
uma transposição didática centrada em atividades que tenham uma maior ênfase
na argumentação de cunho filosófico, privilegiando o debate e as características
mais qualitativas do conhecimento. Essa perspectiva seria capaz de contornar os
obstáculos gerados pelas representações probabilísticas e pelo formalismo
matemático, inerentes à Física Quântica. Contudo, os autores alertam que este tipo
de atividades encontra resistência no ensino tradicional. Como afirma Alves-Filho
(2000 apud Brockington e Pietrocola 2004 p. 2):
“De fato, observa-se que os objetos de ensino que permitem a elaboração de
exercícios e problemas, são mais valorizados no espaço escolar, em detrimento
daqueles que ficam restritos à argumentação teórica”. (2000, p. 238)
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Como sugestão de atividades que viabilizem a introdução da Física
Moderna nos currículos de ciências, pode-se citar Alvetti (1999), que propôs a
utilização dos artigos de divulgação sobre tópicos de física moderna e
contemporânea, em particular da revista Ciência Hoje, na formação inicial e
continuada de professores de Física. Ele discute que a apropriação de tais textos
pelos professores seria fundamental para a inserção dos mesmos no Ensino Médio
uma vez que são poucos os materiais didáticos disponíveis sobre física moderna e
contemporânea. Brockington e Pietrocola (2004) ressaltam que de alguma forma,
os professores de Física, os autores de livros didáticos, os formuladores de
programas curriculares, os dirigentes escolares, os pais de alunos, devem ser
capazes de se libertar das regras de sobrevivência que geraram o Saber Escolar
tradicional. Para estes autores, esse novo Saber Escolar deve ser avaliado em
termos da motivação que ele gera e de seu sucesso entre os alunos. Mas atentam
que o sucesso deve também ser visto no sentido de entendimento, prazer e
significação e não apenas em termos de adaptabilidade.
A importância da contextualização do conhecimento, do professor buscar a
articulação do que é ensinado com a vida real, e o entendimento e prazer dos
alunos como conseqüência, transparece nas falas dos cientistas ao lembrar as aulas
de seus professores marcantes. Ao fazer esta contextualização é preciso ter
cuidado para não cair em uma abordagem simplesmente utilitária da ciência, o que
levaria o professor a restringir a articulação dos conteúdos ao cotidiano imediato
do aluno. Contextualizar implica dar significado, mas não necessariamente ficar
no nível da exemplificação, do que é mais próximo ou concreto. Ampliar o quadro
de referências do aluno é essencial para que ele possa transitar em contextos
próximos e distantes, relacionando problemáticas locais (como o lixo no bairro)
com as globais (como o agravamento do efeito estufa). Já presenciei em muitas
reuniões com colegas professores, uma tendência em querer ensinar ciências para
alunos pobres de uma maneira pobre, tanto pedagogicamente como
conceitualmente. Como se ao aluno da escola pública da Baixada Fluminense
(como eu mesma fui) não fosse importante discutir biotecnologia, mas apenas as
formas de prevenção de verminoses e gravidez. Considero este um
comportamento perverso, em função do seu poder excludente e sua base
preconceituosa.
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Neste sentido, é importante resgatar o que diz Oliveira (1998 p. 17) em um
trabalho onde analisa o discurso de professoras de séries iniciais:
“O dizer desta professora, ao mesmo tempo em que evidencia a
necessidade de conhecimentos sobre a realidade extra-classe do aluno, de modo a
permitir a desejada “prática pedagógica crítica”, sugere a imagem do aluno como
aquele que não tem condições de apreender o conteúdo programado. O
conhecimento da realidade da comunidade conduz à necessidade de diminuir a
quantidade de conteúdos que será ministrado aos alunos. (.. ) De um lado, os
efeitos de sentido do discurso em construção implica na existência de outros tipos
de conhecimentos, que não aqueles aprendidos na escola, o conhecimento do
senso comum, ou mesmo do bom senso, como diria Gramsci (1948). Mas, junto a
este implícito, instaura-se um silenciamento que desqualifica a função social
primeira da escola, como o espaço institucional, responsável pelo processo
sistematizado de produção e apropriação do conhecimento científico”.
Quando atuo em programas de formação continuada de professores,
promovo a discussão sobre o problema levantado acima por Oliveira (1998). As
concepções iniciais, o senso comum do aluno, devem ser ponto de partida, mas a
escola tem a responsabilidade de levá-lo a avançar além deste ponto. Costumo
dizer que não é problema a criança chegar à escola achando que “rato velho vira
morcego” ou que “mulher menstruada não pode fazer bolo senão ele sola”. O
problema é ela passar pela escola, assistir aulas e aulas de ciências e continuar
achando isto. Concordo, portanto, com Lima et al. (1999 p. 12) sobre o equívoco
de tomar o cotidiano como sinônimo de senso comum e não sairmos deste nível.
Para estes autores, um desafio que se apresenta ao ensino de ciências neste
sentido consiste justamente em transformar o cotidiano em objeto de
investigação e pesquisa. Assim, alertam:
“Pensar o ensino de ciências em intima conexão com o cotidiano não significa
ficarmos no nível do senso comum. O senso comum há que ser explicitado,
problematizado e retificado (Bachelard, 1996/1938). É preciso ultrapassar a idéia
de ciência fácil, simples e em continuidade com o senso comum. Entrar na cultura
dos cientistas implica em conhecer uma outra forma de pensar, falar e de explicar o
mundo cotidiano (Driver, Asoko, Leach, Mortimer, Scott, 1994). ”
Verifica-se que no afã de construir uma prática docente mais crítica, menos
reprodutivista e, portanto menos centrada na “transmissão de conteúdos”, os
professores, principalmente em razão da fragilidade de sua formação, acabam por
cair no outro extremo: um currículo esvaziado de conteúdos, que promove espaço
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para debates sem, entretanto, instrumentalizar o aluno para deles participar de
modo qualificado e crítico. Assim, concordando com Oliveira (1998, p. 24):
“Os professores enredam-se na teia da voz da importância da prática, e neste
processo desqualificam os conteúdos, os quais, ora são associados a uma
pedagogia tradicional, ora são “coisificados”, e ora devem estar vinculados á
realidade do aluno. Parafraseando-se e às outras vozes que permeiam seu
discurso, a professora, reforça e repete o sentido que vem sendo construído de
que a prática que enfatiza a transmissão de conteúdos é tradicional, não-reflexiva,
e que a prática crítica é aquela que cria condições para o exercício da cidadania,
tornando a sala de aula um local de debates. E, mais uma vez silencia-se sobre a
possibilidade de que os conteúdos disciplinares forneçam subsídios para tais
debates (...)”.
As DCNEM (1998 p. 46) também reforçam o alerta contra a abordagem
equivocada de uma contextualização reducionista:
“[...] É possível generalizar a contextualização como recurso para tornar a
aprendizagem significativa ao associá-la com experiências da vida cotidiana ou
com os conhecimentos adquiridos espontaneamente. É preciso, no entanto cuidar
para que essa generalização não induza à banalização, com o risco de perder o
essencial da aprendizagem escolar que é seu caráter sistemático, consciente e
deliberado. Em outras palavras: contextualizar os conteúdos escolares não é liberá-
los do plano abstrato da transposição didática para aprisioná-los no espontaneísmo
e na cotidianeidade. [...]”
Considero, portanto, muito positivo o fato das falas retratarem uma
preocupação legítima por parte dos cientistas em aproximar a ciência do cidadão
comum, no caso o aluno. Como pode ser ilustrado com as falas a seguir:
“Eu me lembro claramente do meu professor dando aula de química sobre sabão”.
Lembro-me dele contando “quando eu era menino eu queria saber qual era o
efeito do detergente”. Aí tinha uns patinhos lá na casa do meu pai, em uma lagoa.
Eu coloquei detergente na água e isto dissolveu o “sabãozinho” do patinho, que
afundou e morreu. E não é que eu entendi como que era?! ”Ele contava essas
histórias para a gente..” Dr. A
“Eu acho que a “coisa” “tem que sair da sala de aula e motivar em termos
práticos”. Esse tipo de Ciências, seja experimental na área física, seja na área
mais de Ciências naturais, deveria motivar o aluno. Tem que dar exemplos. Tem
que fazer o aluno entender o ambiente onde ele está. Pegar as coisas que existem
próximas e mostrar:” isso aqui é uma rocha do embasamento cristalino, que é a
base é formado por fosfato, mica, quartzo e mais alguns minerais. ”Ou seja,
trabalhar a parte teórica sim, mas não ficar só nisso. Não pode começar a encher
logo a folha ou o quadro negro de equações e fórmulas químicas.. Química? Tem
que ir ao laboratório. Comece com uma coisa simples: como é que se faz uma
mistura. Uma vez me perguntaram o que era um acido. Eu achei uma pergunta
absurda. Simplesmente porque decorar aquilo não tem significado algum. ” Dr. D
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“O Waldir era uma pessoa muito interessante, no sentido de motivar, de falar coisas
interessantes como a aplicação da ciência no cotidiano. Isso marcou.” Dr. LC
Nas memórias do Dr. MP também é ressaltada essa característica na prática
de seu professor de Química:
“Nós aprendemos a fazer misturas. Vimos que era o acido cítrico com
bicarbonato. Vimos que era uma reação ácido-base. E nós usamos na
prática colando o açucareiro. ”
O Dr. MP, atento ao caráter reducionista de uma visão utilitária,
instrumental e imediata da pesquisa científica, faz uma interessante observação
em seu relato ao lembrar que nem sempre seus professores mostravam a aplicação
imediata do conteúdo ensinado em ciências:
Têm coisas que você pode mostrar uma aplicação imediata ao aluno para
estimular. Mas têm outras que é importante que não vejam uma aplicação imediata
mesmo, para verem que na produção do conhecimento a aplicação pode não ser
vista no mesmo momento, você só vai perceber depois.”
Também em seu relato, o Dr. MP, destaca como a prática docente de um
professor, preocupado em contextualizar e fazer articulações interdisciplinares
tornava interessante até mesmo o estudo de Organização Social e Política
Brasileira (OSPB), disciplina obrigatória por decreto no currículo escolar
brasileiro a partir de 1969, juntamente com a disciplina de Educação Moral e
Cívica. Como lembram Menezes e Santos (2002), ambas, EMC e OSPB, foram
adotadas em substituição às matérias de Filosofia e Sociologia e ficaram
caracterizadas pela transmissão da ideologia do regime autoritário militar ao
exaltar o nacionalismo e o civismo dos alunos. O professor do Dr. MP abria
espaço para reflexão e análise, em uma disciplina que tradicionalmente
caracterizava-se por privilegiar o ensino de informações factuais:
Eu me lembro que a gente tinha turma de OSPB. Era uma disciplina pra você
saber especificamente dados exatos. Tipo: a lei tal, o que diz o dispositivo etc.
Então não tinha muita graça no sentido de decorar aquilo. E eu me lembro que o
mesmo professor que dava OSPB, também lecionava geografia. Ele montava a
coisa de um jeito, colocando situações que faziam com que você questionasse a
necessidade de haver um dispositivo legal pra regulamentar aquilo, depois ele
mostrava qual era. Então, acho que o melhor modo de se conseguir mostrar pro
aluno a importância de aprender uma coisa que ele pode não estar interessado
naquele momento, é o professor conseguir mostrar o porquê disso, qual é a ciência
disso com tarefas bem criativas. ”
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Os rituais escolares impregnados da atmosfera “cívica” dos anos 70
deixaram outras marcas no Dr. MP:
“O contexto histórico do período em que estudei me influenciou em querer ser
cientista, não exatamente pela produção científica da época. Foi sob o ponto de
vista de formação mesmo. Em 1979- 80, na minha 1ª série e 2ª série do 1º grau, o
diretor da Escola Municipal era um ex-general do Exército. Ele fazia – era regra
entre as escolas municipais - a forma de turma com o hasteamento da bandeira.
Aquilo me impressionou muito. Essa sensação de nacionalismo e patriotismo
cresceu muito forte em mim. Essa idéia de que nós estávamos ali para estudar e
construir um país melhor”.
O Dr. AR, lembra que apesar de “correr” para cumprir o extenso programa,
sua professora de ciências procurava tornar as aulas interessantes,
contextualizando o que era ensinado sempre que possível:
Apesar daquele monte de requisitos que ela tinha a cumprir do programa, era
gostosa a maneira como passava. E cobrava tudo que falava dentro da sala de
aula. Era uma coisa interessante, bem gostosa de absorver, mas você tinha que
estudar. Tinha que se voltar para os livros. Era a maneira natural que ela tinha de
fazer todo mundo estudar para as provas dela. ”
Observa-se também na fala do Dr. AR, que o uso de termos como “passava”
e “absorver conteúdos” revelam a forma como a aprendizagem era vista pela
maioria das pessoas. Esta visão do professor transmissor é característica do que
Freire (1975) chamou de "educação bancária”, onde o procedimento metodológico
de ensino privilegia o ato de repetição e memorização do conteúdo ensinado.
Nesta perspectiva, o docente, figurativamente, por meio de aulas expositivas,
"depositaria" na cabeça do aluno conceitos a serem exigidos, posteriormente, na
avaliação, quando então, poderia obter o "extrato" daquilo que foi efetivamente
"depositado". Percebemos no relato do Dr. AR que esta visão de educação
bancária deixou marcas nele como aluno, e transparece mesmo quando se refere a
uma professora que procurava romper com este paradigma do “aluno – esponja”
ou do “aluno-depósitário”.
Acerca desta aproximação da ciência ensinada na escola e o aluno, Chassot
e Oliveira (1999) discutem que relevância existe em ensinar os nomes científicos
dos microorganismos se não prepararmos este aluno para ações que melhorem as
condições de saneamento no bairro? Para que aprender taxonomia se não houver
um investimento em atitudes de respeito à vida dos seres vivos? Para que calcular
velocidade média se não aproveitarmos para debater o papel de cada um no
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trânsito? Os autores alertam que um ensino de Ciências pautado na memorização
e cálculos sem qualquer significação para o aluno tem reduzido a ciência a um
estudo de nomes e fórmulas distanciados da vida. Tal imagem, ainda segundo os
autores, tem contribuído para a consolidação de uma concepção de cientista como
um alienado da sociedade, sem sentimentos e preocupações sociais:
“Se o nosso aluno vier a ser um cientista no futuro, que preocupações terá com a
sociedade, se em nenhum momento vinculamos a ciência com a sociedade? Como
esperar que os alunos possam aproveitar o desenvolvimento tecnológico para
aumentar sua participação na sociedade se a ciência que lhes é ensinada nada tem
a ver com a sua vida?”. (Chassot e Oliveira, 1999, p. 262)
Neste esforço de aproximação, as iniciativas dos seus antigos mestres, em
propor situações de aprendizagem diversificadas em meio a currículos
homogeneizantes e dentro de realidades marcadas por vezes pela carência de
recursos materiais, são valorizadas nos relatos dos entrevistados, como veremos a
seguir.
Usar a criatividade para propor atividades instigantes e valorizar os diferentes
tipos de linguagens
Diversos estudos exploram o papel das imagens no ensino-aprendizagem de
Ciências. Estes estudos mostram que além da importância como recursos para a
visualização, contribuindo para a inteligibilidade de diversos textos científicos, as
imagens também desempenham um papel fundamental na constituição das idéias
científicas e na sua conceitualização. O trabalho de Gouvêa, Martins e Piccinini
(2005) cita que na literatura nacional e internacional encontramos exemplos de
resultados desses estudos que Incluem a idéia de que imagens são mais facilmente
lembradas do que suas correspondentes representações verbais e o efeito positivo
de ilustrações na aprendizagem dos alunos; documentam o papel da imagem na
aprendizagem, entre eles, modelos que analisam texto, imagem e suas inter-
relações e analisam as expectativas de autores e leitores acerca da imagem. As
autoras também relatam trabalhos nos quais imagens foram analisadas no contexto
da legibilidade de livros didáticos e os que fazem comparação entre apresentações
em papel e tela de computador. Análises de imagens em livros didáticos, de
leituras de imagens por estudantes e de usos em sala de aula também foram
investigadas, a partir de um quadro teórico da semiótica social, revelando
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engajamentos culturais, afetivos e estéticos. Outros estudos apresentam dados
acerca da valorização pelos professores sobre as imagens no livro como critério
para escolha dos mesmos e análises do potencial didático e dos limites da imagem
como facilitadoras da aprendizagem do ponto de vista cognitivo. Verifica-se que,
na prática de seleção dos livros didáticos, a qualidade gráfica prevalece ao
conteúdo Em geral, figuras, os gráficos, diagramas e esquemas nos livros
didáticos de Ciências são utilizados para facilitar a compreensão dos conteúdos
teóricos.
Carneiro (1997) afirma que as imagens sem dúvida podem constituir bons
recursos para facilitar a aprendizagem dos conhecimentos, mas alerta que deve ser
compreendida a relação entre o texto escrito e as figuras, as quais também têm por
vezes um caráter científico. Verifica-se que nos livros didáticos do Ensino
Fundamental muitas vezes a relação texto/ilustração está invertida, com a
ilustração sendo supervalorizada em detrimento das funções dos textos escritos na
aprendizagem. Não se pode ignorar que as ilustrações podem constituir-se em
obstáculos epistemológicos quando reforçam as idéias do senso comum e
dificultam a construção do conhecimento científico (Bachelar, 1995), o que exige,
portanto cuidado no seu uso e exploração no aprendizado de ciências.
Considerando-se a imagem como um tipo de texto, construído em uma
linguagem não verbal, também é relevante verificar que o papel da linguagem no
ensino e na aprendizagem tem sido cada vez mais privilegiado nas pesquisas em
Ensino de Ciências. Em especial, na pesquisa deste campo, pode-se constatar um
interesse crescente sobre a natureza das interações em sala de aula, realizando
análises da estrutura e dinâmica da comunicação no processo de construção de
conhecimentos científicos (Machado, 1999; Mortimer, 2000; Sutton 1997; Matins
et al, 1999; Galagovsky, 1998; Sutton, 2003 apud Corazza-Nunes et al. 2006 p.
524). Nesta linha de pesquisa, vários estudos têm enfatizado o papel da linguagem
como ferramenta de interpretação e construção dos conhecimentos científicos. A
linguagem é um dos aspectos essenciais a serem considerados no ensino, uma vez
que para a compreensão, ou seja, para a apropriação do conceito, é necessário que
a memorização da palavra seja ultrapassada, alcançando o seu significado.
Um outro aspecto a considerar no campo das linguagens e ensino de
ciências diz respeito às informações científicas veiculadas pela mídia. Uma
pesquisa realizada por Sganzerla et al. (2004 apud Corazza-Nunes et al. 2006 p.
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523), evidenciou que muitos estudantes universitários apresentam dificuldades em
emitir opiniões esclarecidas em relação aos atuais avanços científicos e
biotecnológicos. Outros estudos, envolvendo alunos da etapa final da Educação
Básica identificaram que muitos deles apresentam idéias sincréticas em relação
aos seres vivos, células, material genético e outros conceitos (Pedrancini et al.
2004 apud Corazza-Nunes et al. 2006 p. 523). Ao serem solicitados, por exemplo,
a explicarem o que são organismos transgênicos e falarem sobre as vantagens e
desvantagens dessa biotecnologia, a maioria dos alunos que participou da pesquisa
se limitou a reproduzir a linguagem veiculada pela mídia, sem demonstrar a
compreensão do conceito. Para Corazza-Nunes et al. (2006) isso pode ser um
indício de que a aprendizagem de conhecimentos científicos que ocorre durante a
escolaridade básica está sendo insuficiente para possibilitar aos alunos o
desenvolvimento e, por conseguinte, a utilização dos conceitos como instrumentos
do pensamento em situações que extrapolam o contexto escolar.
Professores de ciências, particularmente quando trabalham em sala de aula
os conteúdos da Biologia, utilizam com grande freqüência o quadro de giz para
fazer desenhos e esquemas como facilitadores da aprendizagem. Ao longo da
minha carreira docente, vi por diversas vezes alunos elogiando o “quadro” de
professor fulano. Meus alunos sempre solicitavam e elogiavam minhas iniciativas
em fazer desenhos de células, rins, embriões e outras estruturas que só se
“concretizavam” aos seus olhos deste modo, em conjunto com as imagens dos
livros didáticos. Quando possível, a maioria dos professores de ciências utilizam
vídeos, transparências e outros recursos que têm como foco a imagem. A
capacidade de fazer bons desenhos como sendo uma característica do bom
professor de Ciências já foi sinalizada em entrevistas feitas com alunos em outros
estudos tais como o de Carrijo (1999). Nas lembranças dos cientistas
entrevistados, estas estratégias e em muitos a “aptidão artística”, também
deixaram marcas:
“Acima de tudo o que nos encantava era que ele desenhava. As imagens são uma
forma fantástica de fazer o jovem se interessar por algo. Gomes desenhava muito
bem e nos fazia desenhar. Eu desenhava muito bem. Nunca consegui jogar fora os
cadernos daquela época. Eu desenhava, aprendia, e achava lindo o mundo. ”Dra. B
“O desenho estimula a imaginação. E em Ciências têm muita imaginação
embutida. Talvez em mais de 50% dos casos seja imaginação que faz com que
surjam as teorias. Isso de olhar para a folha de papel, projetar na cabeça e
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imaginar como concretizar aquilo com traços. Eu passava a aula inteira
desenhando! [...] Meu professor de Ciências do colégio jesuíta fazia ótimos
desenhos da natureza – era um excelente desenhista – e mostrava tudo para a
turma. E eu sempre gostei muito de fazer desenhos naturalistas” Dr. A
“Ele desenhava.. Desenhava como ninguém. Então aquilo foi me
encantando!”Dra. SZ
O desenho não tem valor apenas no aspecto didático. Ele é um tipo de
registro particularmente importante no trabalho científico. Os entrevistados, ao
tornarem-se cientistas, viram-se desafiados a vencer dificuldades neste tipo de
habilidade, valorizada nas lembranças dos professores marcantes, para realizarem
seus trabalhos. É o que relata o Dr. AE:
“Eu acho que há pessoas que têm mais habilidade para arte, música, pintura etc.
Mas mesmo nesse campo que depende mais de sensibilidade, pode-se aprender. A
minha habilidade para pintura e desenho é zero, meus desenhos são péssimos, mas
no meu trabalho como cientista tive que desenhar, porque todo entomologista
desenha. Fui obrigado a aprender a desenhar”
Na fala da Dra. J registrada abaixo, a frase grifada chama a atenção para a
grande diferença que um bom professor faz quando as aulas são sempre
expositivas ou “teóricas”. Na falta de outros recursos que motivem e prendam a
atenção do aluno, o professor em geral conta apenas (?) com sua voz, o quadro de
giz e às vezes o livro didático. Esta é a realidade da maioria das escolas
brasileiras.
“Tinha muitos desenhos, não tanto quanto no primeiro grau. No primeiro grau
tinha mais essa área.. Por conta dessa preocupação com vestibular- eu não fiz
curso profissionalizante- era do científico, as aulas eram mais tradicionais. Não
tinha atividade prática, só aulas teóricas.
Então era fundamental que o professor
tivesse uma boa didática.. Ele desenhava muito. Isto dava muito mais graça às
aulas.” Dra. J
Em tempos de novas Tecnologias da Informação e Comunicação, percebe-se
que o quadro de giz (e até o moderno quadro branco), vem sendo substituído
gradativamente em salas de aula (de espaços educacionais privilegiados
financeiramente) por lousas digitais e pelo data-show. Sem negar o potencial
didático destas tecnologias, é preciso estar atento para a impessoalidade que pode
advir do seu uso exclusivo ou exagerado. Dráuzio Varella
25
, médico brasileiro,
25 “In: “Salva de palmas” - Jornal Folha de S. Paulo” publicado em 18/03/2006
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muito conhecido por trabalhos na mídia, fala de suas impressões a este respeito,
no âmbito da prática docente:
“No quadro o giz desenha imagens criadas em tempo real com o raciocínio
desenvolvido pelo professor [...]. Os recursos audiovisuais modernos projetam a
informação de forma impessoal, muitas vezes antecipadamente às palavras do
expositor, de modo que a tela iluminada compete com ele e monopoliza a atenção
da platéia. O audiovisual, método útil, porém complementar, rouba a cena do
protagonista; enquanto o quadro-negro é o palco no qual ganham vida os
pensamentos daquele que ensina [...]. O bom professor é um ator emocionado com
o texto que pretende ensinar. Ele procura fazê-lo de forma obstinada, de frente
para seus discípulos, se possível em pé, com voz firme e olhar determinado, fixo
nos olhos deles para perscrutar como reagem seus espíritos a cada palavra
pronunciada. É possível criar essa magia com um ser falando no escuro, relegado
ao papel de coadjuvante de uma tela de plástico na qual se desenrola a ação?”
Na fala do Dr. DI, também transparece a preocupação das aulas passarem a
ter o formato de palestras ou conferências, onde a interatividade aluno-docente e
aluno-aluno é prejudicada não só pelo tipo de recurso audiovisual privilegiado,
mas também pelo número excessivo de alunos em sala:
“As turmas foram crescendo, então hoje existem classes de 50, 60 alunos. Já
começamos a ver a relação aluno-professor diferente do que era antes. Hoje se
muda de uma aula para uma palestra. E em uma palestra não tem como o aluno
perguntar, às vezes tem uma pergunta ou outra, mas a freqüência de perguntas não
vai ser a mesma, até porque existe a inibição pelo volume de pessoas. E você vai
ter que ter uma habilidade de apresentação grande quanto mais pessoas tiverem
na sala, quase como um conferencista. ”
Os vídeos, também considerados como textos que possuem uma linguagem
própria e produzem diferentes discursos relacionados aos discursos científico e
escolar (Martins et al. 1999), também estavam presentes embora em menor
freqüência, nos momentos que tornavam as aulas de seus professores mais
interessantes:
“O professor “passava” cineminha, o que na época quase não existia. Eram
vídeos sobre gestação, aborto.. essas coisas estimulam a pessoa a ter
curiosidade”. Dr. R
Já que este estudo também aborda a imagem do cientista construída pela
escola e práticas docentes, ao discutirmos a importância da diversidade de
linguagens no ensino de ciências, pode-se citar o estudo de Reis e Galvão (2006 p.
213), que utilizou histórias de ficção científica redigidas por turmas do 11
o
ano
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em Portugal para análise e discussão sobre as concepções que alunos deste
segmento de ensino têm acerca dos cientistas. Os autores contam que das
entrevistas com esses alunos depreende-se que:
“A maioria das suas aulas de ciências naturais assume um caráter expositivo,
factual e monótono, sendo marcada pela ausência de discussão sobre questões
sociocientíficas recentes ou de outras atividades práticas. Esta prática de sala de
aula, para além de não incluir a abordagem explícita de aspectos da natureza da
ciência, acaba por veicular uma imagem da ciência como conjunto de
conhecimentos estáticos e definitivos onde não existe lugar para a dúvida, a
incerteza e a discussão”.
O estudo citado mostrou ainda que entre os alunos participantes foi notória a
existência de conhecimentos bastante rudimentares e muito pouco claros acerca da
atividade científica, o que evidencia para os autores a falta de intervenção da
escola no ensino explícito de aspectos processuais da ciência. Para estes
pesquisadores:
“O conjunto de concepções estereotipadas e a falta de conhecimentos sobre os
contextos e os processos de produção e validação da ciência, evidenciados pelos
alunos, salientam a necessidade de uma educação científica menos factual e mais
contextualizada – que não isole a ciência, a tecnologia e os contextos sócio-
culturais da sua produção – onde se possa discutir criticamente a produção da
ciência contemporânea com os seus diferentes aspectos processuais e questões
políticas, econômicas, sociais, ambientais e éticas que suscita” (Reis e Galvão,
2006 p. 217).
Assim, no âmbito da discussão acerca do uso de múltiplas linguagens no
contexto de sala de aula, utilizar enredos de histórias de ficção científica redigidas
pelos alunos – envolvendo perspectivas diversificadas sobre a atividade científica
– poderá constituir um catalisador bastante eficaz de reflexão sobre o
empreendimento científico e de aprendizagem dos processos e da epistemologia
da ciência. Para Reis e Galvão (2006) uma atividade deste tipo poderá representar
um elemento importante em um ensino que não se restrinja aos aspectos factuais e
que inclua os aspectos sociais da ciência associados a temas que os alunos
consideram atuais, interessantes e relevantes. No contexto deste estudo, quando se
discute o quanto e como a prática de professores de ciências pode influenciar
aluno na escolha da ciência como profissão, uma atividade que valorize textos e
linguagens diferentes das tradicionalmente utilizadas nas escolas, estimule a
criatividade e argumentação dos alunos e que ao mesmo tempo colabore para
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quebra de estereótipos acerca da ciência e dos cientistas, representa especial
potencial pedagógico.
Na fala da Dra. I destaca-se a ação do professor que usa a criatividade e
consegue estimular o aluno mesmo na ausência de recursos sofisticados:
“O trabalho mais interessante que já li na minha vida, que me deixou muito
admirada, foi de um pesquisador de abelhas. Ele não usou nenhum equipamento,
mas descobriu e interpretou todo o movimento desses insetos, como que elas se
comunicam umas com as outras. Tudo isto com um experimento simples, usando
diferentes cores, diferentes atrativos. Na ciência, com o avanço da tecnologia hoje,
é importante que em determinado ponto você tenha equipamentos para seguir
adiante, mas nada impede que também se descubram coisas com material muito
simples. Para fazer esse trabalho com o estudante não precisa de equipamento
caro. Para despertar o interesse, fazer o aluno ficar curioso, não há necessidade
de ter grandes equipamentos. Às vezes uma experiência bem bolada, simples, pode
levar o aluno a uma descoberta, e atingir esse nível muito mais facilmente do que
se estivesse olhando num microscópio ou usando um equipamento caro. ”
Contudo, veremos a seguir, que a criatividade em propor situações didáticas
diversificadas e instigantes tinha sua eficácia na aprendizagem dos alunos ligada à
acessibilidade demonstrada pelos professores marcantes em relação a eles. Além
disso, ao expressar o que consideram bons professores, os entrevistados
destacaram a importância de estes assumirem-se também como constantes
aprendizes. É o que abordaremos a seguir.
Não assumir o papel de detentor absoluto do saber, demonstrando autonomia
para continuar a aprender e ser acessível aos alunos.
Mais que o completo domínio do conhecimento da disciplina, os relatos
mostram que se espera do bom professor a autonomia para continuar aprendendo,
admitir que não sabe tudo e buscar conhecimento:
“O bom professor deve ter a capacidade de envolver o aluno. É fundamental a
relação dele com o conhecimento, de poder construir junto. Talvez o que falte para
um professor chegar a isso, não seja nenhuma disciplina especifica, mas sim um
estágio dentro de um laboratório de pesquisa onde fosse dado a ele qualquer
problema, mas que ele tivesse que resolver. Porque se você resolve um, pode
resolver todos. Você aprende a pensar. A procurar. Desenvolve autonomia”. Dra. D.
“Eles eram muito acessíveis e simpáticos. Passavam a idéia de saber o que
estavam falando. Admitiam que não sabiam tudo, embora soubessem bastante, eles
admitiam.. Até o de química, eu me lembro uma vez, disse: isso eu não sei, vou
pesquisar, e realmente ele trouxe depois. “ Cientista ER
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Sobre este aspecto, outros entrevistados relembram seus professores:
“Eu não sei se ele tinha mais ou menos conhecimento do que os outros professores
que estavam lá. Talvez tivesse até mesmo menos, mas ele tinha muita humildade
com o que não sabia. A relação dele com o conhecimento eram coisas tão boas,
que ele não precisava provar nada pra ninguém. Era sem vaidade, chegava a ser
lúdico, meio infantil. ” Dra. D
“O Waldir era muito simpático, muito receptivo, muito amigo dos alunos e isso foi
legal, ele não era distante, e falava muitas coisas que eram interessantes, bem
diferentes do ensino maçante. Isso foi bom, foi marcante”. [...] Dr. LC
Além deste professor, o Dr. LC destacou em suas lembranças professores
que demonstravam bastante conhecimento e nem por isto mostravam-se vaidosos
ou inacessíveis. É interessante verificar que no seu relato, este traço positivo
refere-se aos professores mais experientes:
“Os professores de física, mais experientes, eram melhores professores, tinham um
lastro maior. Não eram apenas professores didáticos. O prof. Martins, que já
morreu tinha uma formação sólida e era didaticamente muito bom. E não eram
vaidosos não, eles eram resolvidos, eram pessoas muito legais de trato e você
sentia consistência, comparativamente com outros professores, principalmente com
os mais jovens. Eu não tinha condição na época de fazer essa avaliação que estou
fazendo agora, mas guardei essas impressões comparativas. ”
O Dr. F. destaca como positiva esta ausência de vaidade e acessibilidade em
seu professor de ciências, embora este fosse detentor de título muito além do
exigido para a docência no Ensino Fundamental:
“O que eu achava um barato nele, além da paixão pelo trabalho era uma cultura
geral muito grande. Intelectualmente ele era diferenciado. Mas ele não fazia como
muitos professores, de ficar valorizando títulos. Naquela época, naquela escola
existiam dois professores que eram PhDs. Ele era um deles. Era uma pessoa muito
simples. Os títulos não os tornavam pedantes. Isso chamava atenção da minha
turminha : Os mais qualificados eram justamente os mais simples, que sempre
tinham um tempo pra conversar com a gente. ”
Também o Dr. MP lembra da acessibilidade e ausência de vaidade como
características de seus professores, reconhecidamente qualificados. E destaca que
apesar da abertura para o diálogo, havia formalidade no trato com os professores e
valorização a disciplina:
“A grande maioria, naquela época, era de professores universitários. Muitas vezes
esses professores com alta diferenciação de formação, às vezes têm dificuldade de
dar aula num nível mais elementar. Os meus não. Eram muito acessíveis. É
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interessante porque uma coisa que sempre foi muito forte na minha escola foi a
disciplina. A gente podia falar o que quisesse, mas havia um respeito com o
professor que era uma coisa. A gente não ousava chegar para um professor
daqueles e chamar de você de jeito nenhum. Mas tínhamos abertura para
perguntar o que quiséssemos. Ao terminar a aula, eles podiam ficar uma hora até,
tirando uma dúvida nossa. ”
No estudo de Quadros et al. (2005), já citado, com as memórias de
licenciandos de Química da UFMG acerca de seus antigos professores, um dos
eixos de investigação foi se o interesse pela disciplina teria sido desenvolvido pelo
fato de gostar do professor. Alguns dos entrevistados não fizeram referência ao
conteúdo ministrado pelo professor de sua memória. Do total de entrevistados (34
licenciandos), 22 fizeram referência, e destes, 12 afirmaram que passaram a gostar
da disciplina que o professor lembrado lecionava, a partir das aulas desse
professor. Para a análise das referências de memória, os autores classificaram as
características descritas sobre o professor da memória em três categorias: afetiva,
pedagógica e de conhecimento. Na categoria afetiva foram enquadradas aquelas
referências que valorizavam a relação professor-aluno. Incluíram-se aí, então, os
itens que se referem à amizade, companheirismo, respeito, entre outras.
Professores desta categoria foram descritos como atenciosos, compreensivos,
humanos, independente do domínio de sua disciplina. Também estão incluídos os
professores que incentivam e orientam os alunos para a vida. Como pedagógicas
foram incluídas as características relacionadas ao ensino e a aprendizagem. Nesta
categoria foram colocados itens que se referem à metodologia e/ou à forma de
explicar o conteúdo, o planejamento de ações, o aproveitamento do tempo,
materiais usados, a discussão de temas atuais, entre outros. Entre as características
classificadas pelos autores como de conhecimento estão aquelas que se referem ao
domínio do conteúdo e ao saber do professor. Os autores do estudo afirmam que
inicialmente, tinham como hipótese, que o conhecimento do professor fosse fator
importante para que este permanecesse na memória dos alunos. Entretanto, o
resultado das entrevistas, evidenciou que o fator afetivo mostrou-se bem mais
importante que o saber. Também foram destacadas como marcantes características
a manutenção da disciplina em sala, respeito, pontualidade, seriedade, jogo de
cintura, humildade, o saber fazer relações com outras áreas do conhecimento, a
capacidade de mostrar a importância da disciplina, incentivo e igualdade no
tratamento dos alunos.
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O Dr. AR fez várias considerações a respeito da relação entre alunos e
professores ao lembrar de seus professores marcantes, destacando os momentos
delicados desta relação:
“A gente percebia que eles estavam na sala de aula com prazer, gostavam do
convívio com os alunos. Coisa que não vejo tão intenso assim, hoje em dia. Essa
coisa da afetividade é complicada, o professor tem que saber como se dirigir ao
aluno na hora da ‘ bronca”. Os professores têm dificuldades nisso e minha
professora do primário fazia isso muito bem. Ela passava carinho por nós, ao
mesmo tempo em que cobrava uma postura correta de cada um. ” D. r AR
A Dra. SZ admite que seu professor era um pouco vaidoso, mas ressalta que
isso não o tornava inacessível, é considera isso inerente a todo professor. É
curioso como ela percebia diferenças no trato com os alunos marcada pelos
limites físicos da sala de aula, e atribui maior intensidade desta “diferença” ao
contexto histórico da época :
“Ele tinha um pouco de vaidade como eu acho que todo professor no fundo tem.
Não é consciente, acho que tem a ver com o poder do conhecimento. Esse professor
tinha um pouco sim, mas ao mesmo tempo, fora da sala de aula, lá no recreio, era
acessível. Mas na hora da sala de aula, ainda mais na época, em 78, tinha uma
distância muito maior professor/aluno do que hoje”.
A Dra. G, destaca a acessibilidade dos docentes como característica que
favorece a aprendizagem e a comunicação com os alunos:
“Acho que todo professor tem que cativar o aluno. Não adianta ter uma sabedoria
enorme – a gente vê isso hoje, ainda – e não conseguir transmitir isso. Acho que é
a coisa de se comunicar, de se aproximar do aluno e não se colocar como
professor lá em cima, não tem que pôr distância, tem que estar aberto,
democratizar o conhecimento.”
A cientista Y lembra da acessibilidade e capacidade de comunicação de seu
professor marcante:
“Ele era muito despojado, se comunicava muito bem, acho isso importante, porque
é difícil. Não é todo pesquisador, não é todo indivíduo que tem o dom de
transmitir, e ele tinha esse dom. Você podia assistir à aula dele e não precisava
ficar com a cara enfiada no livro, porque aprendia com a aula. ” Y
E tal qual a Dra. G, destaca a boa comunicação como característica do bom
professor:
“O primeiro ponto é a capacidade de comunicação. Saber colocar o tema, saber
falar sobre esse tema com clareza, em uma linguagem acessível é fundamental” Y
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Esta mesma cientista, que também leciona e considera-se boa neste trabalho,
assume-se um pouco vaidosa, mas atenta para o risco de inibição que isto pode
provocar no aluno:
“Eu me acho vaidosa, adoro dar aulas, dou aula bem e às vezes vejo que o aluno
vem falar comigo e se eu não deixar ele muito à vontade, fica inibido, na retranca.
Então às vezes tem até vergonha de dizer qual é a dúvida dele. Isto não é bom. ” Y
O Dr. MP, não guardou só lembranças positivas em relação a este aspecto.
De seu relato emergiram lembranças de professores que se mostravam “donos do
saber” e desqualificavam totalmente os alunos, com tratamento até pejorativo:
“Eu tive professor de 2º grau que dizia “eu já to cansado das bestas, vou baixar o
nível”. Acho que é a pior coisa que pode se fazer. Você pode baixar a quantidade
de informação, mas não o nível de informação. O erro é esse. Ai vomita muita
informação. Joga. Não deixa os alunos questionarem.. A gente ainda vê muito
isso: Sou o dono do saber. “É assim e está acabado”
Realizar experimentos, demonstrações, atividades práticas e trabalhos de campo
Muito já se tem escrito, estudado e pesquisado sobre a experimentação no
ensino de ciências. Desde sua implantação nas escolas, há mais de cem anos,
várias críticas têm sido feitas sobre os resultados alcançados. Nos últimos anos,
um número expressivo de artigos criticou as atividades experimentais na escola
(Hodson, 1996; 1994; Barberá e Valdés, 1996).
Raboni (2002) em levantamentos junto a estudantes e professores sobre o
uso de atividades práticas e de laboratório, percebeu diferenças marcantes nas
opiniões sobre as funções que essas atividades devem desempenhar. Segundo ele,
para os professores, as atividades práticas têm a função de desenvolver destrezas
de manipulação, de ajudar na compreensão dos princípios teóricos e de permitir
posterior descobrimento dos princípios a partir da organização dos dados e fatos,
sendo aparentemente forte o apelo empírico-positivista, segundo o qual, o
conhecimento é produto direto das relações materiais entre sujeito e objeto. Já
para os alunos, as atividades práticas têm o objetivo de aumentar o interesse pelas
aulas e de proporcionar o contato com a realidade dos fenômenos naturais.
A vivência e observação nas escolas nos mostram que as atividades
experimentais são pouco freqüentes, embora permaneça a crença dos professores
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de que, por meio delas, pode se transformar o ensino de Ciências. A origem do
trabalho experimental nas escolas foi, há mais de cem anos, influenciada pelo
trabalho experimental que era desenvolvido nas universidades. Tinha por objetivo
melhorar a aprendizagem do conteúdo científico, porque os alunos aprendiam os
conteúdos, mas não sabiam aplicá-los. Passado todo esse tempo, o problema
continua presente no ensino de Ciências (Izquierdo, Sanmartí e Espinet, 1999).
Existe muita pesquisa sendo realizada sobre o ensino experimental e seus
resultados mostram que ele não é a resposta para todo e qualquer problema que se
tenha no ensino de Ciências (Gabel, 1994; Tobin e Fraser, 1998, Wellington,
1998). No entanto, este não parece ser o entendimento da maioria dos professores.
As atividades experimentais, embora aconteçam pouco nas salas de aula, são
apontadas como a solução que precisaria ser implementada para a tão esperada
melhoria no ensino de Ciências (Gil-Pérez et alii, 1999). No trabalho de Borges
(2002), há algumas críticas à forma com que a atividade prática vem sendo
tradicionalmente usada e com base nestas críticas, o autor discute algumas
alternativas, potencialmente mais relevantes e, pedagogicamente mais
interessantes. Neste trabalho, o autor descreve que as razões para o não uso de
atividades experimentais devem-se ao fato de não existirem atividades já
preparadas para o professor, falta de recursos para a compra de componentes e de
materiais de reposição, falta de tempo para o professor planejar as suas atividades,
laboratório fechado e sem manutenção e de uma postura equivocada quanto à
natureza da Ciência. De modo semelhante a este autor, Pessoa (1985) também
apontou o laboratório sem manutenção e falta de tempo para a preparação das
aulas, como sendo razões para a não realização de aulas práticas. Além destas
razões, Pessoa salientou que em muitos casos, a formação do professor não
permite que ele faça uso de atividades práticas com segurança e adequação, o que
representa sério obstáculo visto a rara disponibilidade de laboratorista nos
colégios. No trabalho de Axt (1991), coloca-se a formação do professor e a falta
de materiais como os grandes responsáveis pela não utilização de atividades
empíricas. Com relação ao problema na formação, este autor afirma que os
professores não são capazes de dosar suas aulas práticas com o tempo que tem
disponível. Ora, diante da tradicional lista de conteúdos programáticos a serem
cumpridos, livros didáticos a serem integralmente lidos, turmas numerosas e duas
a três aulas semanais de 50 min como tempo disponível, não é difícil imaginar o
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porquê desta dificuldade docente levantada por Axt. Por fim, numa pesquisa
realizada em Portugal, Thomaz (2000) observou que a não utilização de atividades
práticas está ligada com o fato de os professores terem uma postura errada da
natureza da ciência e de não saberem qual é o papel do laboratório no ensino.
Um outro obstáculo ao uso do laboratório pelo professor está ligado ao
receio de que este seja um lugar perigoso para os alunos onde além destes
correrem riscos físicos, também podem quebrar equipamentos. Em seu relato, a
cientista ER se queixa desta postura docente que guardou na memória:
“A gente fazia o experimento, mas me lembro que era um cuidado.. ”Não pode
mexer nisso”, só podia mexer naquilo. E não era explicado porque não podia. Era
só “não pode” e quem teimava nem assistia mais a aula, aquele aluno era
proibido de ficar.. Então o laboratório era um lugar do tipo – se encostar quebra
ou então – “vai se machucar”.. Cientista ER
Entendo que os alunos devam ser informados sobre os procedimentos de
segurança no laboratório, assim como sei da importância que medidas preventivas
sejam tomadas pelos professores, principalmente nas atividades práticas com
alunos menores. Contudo, simplesmente proibir ou inibir a atividade dos alunos,
não colabora em sua formação científica- que inclui saber se portar no laboratório
– como também acaba por neutralizar o potencial pedagógico do ato de
experimentar que caracteriza este espaço.
Ao refletirmos sobre a hegemonia do laboratório como espaço de pesquisa
valorizado e por vezes mitificado entre professores de Ciências, as iniciativas no
campo investigativo, identificadas em várias escolas em pesquisas já realizadas,
parecem apontar para a possibilidade de revisão ou ampliação do conceito de
laboratório. Sendo este o espaço do experimentar, de articular teoria e prática, por
que então não legitimar a possibilidade de ver o universo escolar como um grande
laboratório? Um lugar onde questões relativas à aprendizagem, avaliação,
materiais didáticos, papel docente e discente, dentre outras, que inquietem o
professor de Ciências tal qual o avanço da biotecnologia, possam ser objetos de
pesquisa. Nas falas dos cientistas, esta visão hegemônica do laboratório ainda
transparece de modo significativo, seduzindo-os e marcando suas lembranças
como estudantes:
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“Sempre gostei muito de química e procurei o curso técnico de metalurgia por
causa disso. Fui na escola técnica, procurei me informar e vi que tinha muita
química no currículo. Tinha muitas aulas e trabalhos nos laboratórios”. Dr. R.
Assim, como a Dra. I, que também relembra com entusiasmo as aulas no
laboratório:
“Ah.. tínhamos muitas aulas no laboratório naquele tempo. O interessante é que
depois de uns 10 anos, quando eu já estava na universidade, a escola secundária
começou a ter dificuldade com os laboratórios e houve um período imenso em que
praticamente essas aulas práticas não eram dadas. Mas na minha época sim, eram
muitas!”
Tendo estudado em um período onde a vivisseção ainda era permitida no
Ensino Básico, A Dra. D relembra uma experiência didática, revelando a paixão
desde aquele período pelo laboratório:
Eu fiz coisas como dissecar certos animais nas aulas de Biologia que não tive
oportunidade de fazer nem na faculdade, como por exemplo, um pombo. Era no
laboratório. O prédio escola era um hospital antes. Então havia laboratórios
daqueles grandes, com bancada no meio, azulejo branco. Eu tinha aulas de
química e biologia prática. Eu me lembro que uma vez que a gente dissecou
também um camundongo. Eu comprei um camundongo branco pra levar pra
escola. Aí cheguei em casa e minha mãe disse” ou o camundongo ou eu!”. Fui
embora pra casa da minha avó com o camundongo”.
Já a Dra. B, apesar de adorar as aulas de laboratório não tem boas
lembranças das atividades de vivisseção:
Eu só não tolerava que maltratassem animais. Quase desisti a cada experiência
de vivisseção, Escapava destas aulas alegando sempre uma dor de barriga,
faltando, driblando. Quando não dava eu pegava escondido as cobaias e soltava-
as. Nunca matei ou fiz sofrer as cobaias”
Nos dias atuais, alunos como a Dra. B não precisam “fugir” das aulas: a
prática de vivisseção sem uso de anestésico, bem como a sua realização em
estabelecimentos escolares de Ensino Fundamental e médio é proibida legalmente.
Na fala do Dr. AR revela-se a visão dicotômica teoria-prática muito comum
ainda hoje entre professores e alunos, embora este cientista destaque que havia
uma “conexão” entre as aulas:
“Eram duas irmãs e elas davam aulas de ciências, sendo que uma dava a teoria e a
outra dava a prática. Uma complementava a maneira certinha o que a outra
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falava. Havia uma seqüência. O assunto que era dado em sala de aula, era
estendido para dentro do laboratório, não era uma coisa desconexa. ”
A aparente dicotomia também não parece ter incomodado o Dr. MP, que
guarda boas lembranças das aulas do laboratório. Ele relembra estas aulas como
parte de um ensino “forte”:
“Uma grande vantagem que a gente tinha era um laboratório forte. Mesmo de 5ª a
8ª já usávamos. As aulas eram normalmente separadas. Mas havia uma
integração, do tipo: vamos dar uma aula teórica sobre o assunto X hoje e na
próxima aula a prática.”
Em relação aos experimentos e aulas no laboratório, cabe resgatar as
contribuições de Hodson (1989) para quem muitos procedimentos do currículo
contemporâneo de Ciências, especialmente aqueles que envolvem trabalho
prático, são mal concebidos, confusos e de pouco valor educacional. Embora este
autor não proponha a exclusão do trabalho prático do currículo, sugere uma
reavaliação crítica dos papéis do trabalho prático, do trabalho em laboratório, e
dos experimentos no ensino de Ciências. Para este autor esses três termos têm sido
usados, de certo modo, indiscriminadamente, ilustrando a confusão que emerge no
debate do currículo de Ciências por conta da dificuldade em se reconhecer que
nem todo trabalho prático é exercido no laboratório, e que nem todo trabalho de
laboratório inclui experimentos.
Hodson (1989) concorda que qualquer método didático que requeira que o
aprendiz seja ativo, mais do que passivo, baseia-se na crença de que os alunos
aprendem melhor pela experiência direta. Nesse sentido, o trabalho prático nem
sempre precisa incluir atividades de laboratório. Este autor afirma que alternativas
legítimas incluiriam a aprendizagem auxiliada por computador, demonstrações
feitas pelo professor, exibição de vídeos /filmes apoiados por atividades de
registro de dados, estudo de casos, dramatizações, tarefas escritas, confecção de
modelos, pôsteres e álbuns de recortes, e trabalhos de vários tipos em biblioteca,
dentre outras possíveis. Em outras palavras, a interpretação mais ampla do
trabalho prático como atividades de aprendizagem de Ciências deveria substituir a
interpretação mais restrita de trabalho manual na bancada do laboratório.
Conforme este mesmo autor nos lembra, há certos tipos de trabalho na bancada
que não são experimentos no sentido em que os cientistas empregam o termo.
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Afinal, o trabalho de laboratório pode ser conduzido de modo diferenciado em
função dos seus objetivos, como por exemplo: para demonstrar um fenômeno,
ilustrar um princípio teórico, coletar dados, testar uma hipótese, desenvolver
habilidades básicas de observação ou medida, adquirir familiaridade com
aparatos, ou simplesmente propiciar um “espetáculo de luzes, estrondos e
espumas” que com certeza impressionam os alunos. Alguns desses são
efetivamente experimentos, no sentido em que os cientistas concebem o
experimento; alguns não são. Ainda para Hodson (1989), Ao elaborarem um
currículo de Ciências pedagogicamente adequado, os professores precisam tomar
conhecimento dessas várias distinções e relacioná-las às distinções cruciais entre
aprender ciência, aprender sobre a ciência, e fazer ciência.
Considerando-se que nesta pesquisa temos como foco o cientista, este
terceiro objetivo de aprendizagem destacado por Hodson (1998), no que diz
respeito ao trabalho prático- fazer ciência- é o que nos interessa. Para atingir este
objetivo no ensino de Ciências a ênfase não estaria em aprender ou tornar-se
perito sobre o método científico, mas em usar os métodos e processos da ciência
para investigar fenômenos e solucionar problemas Buscar respostas para dúvidas
que fazem parte do campo de interesse dos próprios alunos, sem excluir as
possibilidades de negociação com o professor. Para Hodson, em qualquer curso de
Ciências deveria haver oportunidades para os alunos se envolverem nesse tipo de
trabalho criativo, de investigação, chegando assim mais perto de fazer ciência de
verdade.
Os cursos profissionalizantes na área das ciências naturais parecem ter sido
espaço fértil no que se refere às oportunidades de contato com este métodos e
processos da ciência. Isto transparece nas falas dos entrevistados que tiveram este
tipo de formação:
“Meu segundo grau foi profissionalizante em saúde e eu tinha que fazer estágio. Daí
fiz esse estágio em um posto de saúde, no laboratório de analises clínicas. Foi muito
interessante. Foi ali que eu me descobri como futura parasitologista.” Dra. SZ
Axt (1991) descreve que as atividades práticas são importantes para
aproximar o ensino de Ciências das características do trabalho científico, além de
ser uma boa forma de contribuir para a aquisição de conhecimento e o
desenvolvimento mental dos jovens. O autor lembra Piaget: “as crianças em idade
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de cursar Ciências têm seus raciocínios operando sobre situações com significado
concreto”. Desta forma, considera importante que os alunos participem de aulas
práticas. Ainda em referência aos conceitos de Piaget, Axt comenta que as aulas
experimentais podem ser importantes para gerar situações de conflito cognitivo,
quando se coloca o aluno diante de fenômenos que ele não consegue explicar com
sua própria concepção. A cientista Y chama atenção desta aproximação com o
trabalho científico inclusive no aspecto ético:
“Acho importante levar o aluno a um laboratório de pesquisa. Além de ele poder
conhecer o tipo de trabalho feito ali, podem-se passar princípios éticos. Quer
dizer, para qualquer pessoa, mas principalmente pra um futuro cientista, se você
passa bons conceitos éticos, na aula de ciências e em outras, aquilo tem grande
chance de ficar, um germezinho que vai florescer.” Y
Para Borges (1997), em geral os professores de ciências acreditam que a
introdução de aulas práticas pode melhorar bastante o ensino. Assim concordam
Miguens e Garret (1991), para os quais a educação em Ciências deveria dar,
através de trabalhos práticos, oportunidades para aquisição de conhecimentos e
sua compreensão. Entretanto, Borges (1997), considera um equívoco confundir
atividades práticas com necessidade de um ambiente sofisticado para a realização
de trabalhos experimentais.
Também segundo o estudo de Carraher (1985) a prática educacional vigente
no ensino de ciências parece refletir também a noção de que, para fugir ao ensino
livresco, é necessária uma tecnologia sofisticada representada por laboratórios de
ciências. Para este autor, a crítica que os professores de ciências fazem à sua
atuação centra-se na ausência de recursos materiais para manutenção de
laboratórios. Isto acabaria por provocar o que o autor chama de verdadeira
"cegueira" da pedagogia atual com relação ao mundo que cerca o aluno. Como
exemplo, cita a sugestão de um livro de ciências para que as crianças sejam
levadas a um jardim zoológico a fim de ver animais. Como se no dia a dia estes
não pudessem ser encontrados..
Os cientistas entrevistados têm boas lembranças de atividades ”práticas”
realizadas nas aulas de ciências:
“Tinha o laboratório de biologia, um acervo biológico com animais, com peças do
corpo humano. Nós tínhamos aula até aos sábados. Eu adorava quando a
professora levava a turma ao laboratório para dar aula com esqueleto. Aquilo era
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a sensação. A gente achava que o esqueleto se mexia. Tinha essas fantasias. Eu
achava fantástico, a gente viver aquela coisa da prática”. Dr. AR
“Eu adorava. Gostava de estudar. Gostava do mundo microscópico. Gostava das
experiências com plantas, solo, misturar substâncias. A escola tinha laboratório. ”
Dra. T
Contudo, no relato da Dra. J, verifica-se o equívoco de um currículo com
ênfase para o ensino de português e matemática nas séries iniciais, como se a
alfabetização científica não pudesse favorecer o aprendizado de outros campos do
conhecimento:
“No primário não tive práticas de ciências.. O estudo era com uma professora
única, mais voltado para português e matemática, um pouco da história, algumas
poucas pinceladas de ciências. Já no antigo ginásio que eu fiz, tinha um
laboratório muito bem montado e a gente dissecava bichos. Teve uma época em
que professor pediu uma montagem de um esqueleto de qualquer coisa e eu montei
um esqueleto de um pombo -eu e minha mãe- ela foi a minha salvadora nisso e o
professor adorou, ficou maravilhado. Ficou lá exposto no colégio. ” Dra. J
No relato acima observamos um problema ainda comum nas atividades “de
casa” propostas pelos professores. Quando a atividade apresenta um grau de
dificuldade totalmente incompatível com o nível de autonomia cognitiva dos
alunos, fatalmente haverá três tipos de resultados: não execução da tarefa;
trabalhos incompletos ou trabalhos feitos por familiares ou professores
particulares. Não se trata de invalidar o apoio familiar ao aluno no desempenho de
uma tarefa, mas sim de cuidar para que a atividade possa ser feita
predominantemente pelo aluno, a fim de que tenha valor pedagógico. De um
modo geral, atividades práticas devem ser feitas na escola, onde o professor possa
observar não só o resultado, mas a dinâmica que se estabelece no decorrer das
atividades, na qual os alunos devem ser desafiados a ler, fazer registros, trabalhar
em grupo e argumentar dentre outras competências e habilidades importantes não
só no aprendizado de ciências.
Em relação ao Ensino Fundamental, há carência de estudos sobre as
atividades práticas e o laboratório nas séries iniciais. Em um desses poucos
estudos, neste caso focalizando as atividades práticas de ciências naturais na
formação de professores para as séries iniciais, Raboni (2002) observou que nas
quatro primeiras séries do Ensino Fundamental, as atividades em ciências são
utilizadas com várias finalidades, entre elas a de trazer o “concreto” para a sala de
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aula, a de ilustrar a matéria e a de tornar as aulas mais dinâmicas e interessantes
aos alunos, sem maior destaque para a precisão nas medidas e para o controle
rigoroso de variáveis, próprios da experimentação. Por isto, em seu trabalho,
optou em utilizar o termo atividade prática por não se tratar de experimentação
propriamente dita. A respeito da experimentação, Raboni (2002) indaga-nos:
embora presentes no ideário de professores e professoras sobre o que consideram
um "bom ensino de ciências", fazendo parte da quase totalidade das propostas de
ensino, ocupando espaço na mídia, comparecendo em boa parte dos cursos de
capacitação docente em ciências, a experimentação freqüentemente não é utilizada
nas aulas, em especial nos primeiros anos do Ensino Fundamental. O autor lembra
que a forte presença da técnica e da experimentação na produção do conhecimento
científico provavelmente marca, por um processo de transferência imediata, o
ensino escolar das ciências. As atividades práticas, ao lado do ponto e do
questionário, parecem compor no imaginário dos professores o tripé que deve
sustentar o ensino de ciências nas séries Iniciais. Apresentadas como extensão
simplificada da atividade experimental ou de laboratório, como são chamadas nas
ciências naturais do ensino de ciências das últimas séries do Ensino Fundamental
em diante, as atividades práticas também conservariam características lúdicas,
próprias do universo da criança, situando-se entre um e outro. As atividades
práticas ocupam espaço significativo em materiais instrucionais, propostas
oficiais, e mesmo na mídia destinada a crianças e professores, influenciando direta
ou indiretamente a visão do professor sobre o ensino, que o leva a reconhecer nas
atividades práticas um importante elemento do ensino de ciências naturais no
início da escolaridade. Essa forma de compreensão das atividades práticas foi
mostrada por alguns estudos, como os de Almeida e Raboni, 1998, Raboni, 2000 e
Martins, 1994 (apud Raboni 2002). No entanto, Raboni (2002) verificou que
embora as atividades práticas figurem no ideário docente essenciais no ensino de
ciências, raramente estão presentes na sala de aula, e quando ocorrem, têm
objetivos diferentes e até mesmo conflitantes com os explicitados nas propostas
que as defendem. Segundo alguns resultados parciais obtidos por este autor, a
partir de sondagens com professores, as atividades práticas não estão
sistematicamente no cotidiano das aulas porque trazem mais dificuldades do que
ajuda ao professor. Para Raboni (2002 p. 21), estas dificuldades podem ser
encontradas em pelo menos dois níveis:
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1. De infra-estrutura: são de difícil realização, porque requerem, além de alguns
equipamentos, mais tempo para preparo do que as aulas expositivas com o
tradicional dueto ponto-questionário, tempo que em geral os professores não têm.
2. De conhecimento: contrariamente ao que podem aparentar a uma visão
indutivista, para a qual o conhecimento emerge da experiência, as atividades
práticas em sala de aula exigem muito conhecimento. Não somente para dar as
respostas que os alunos costumeiramente solicitam, mas também para coordenar
as falas dos alunos e torná-las produtivas no sentido de subsidiarem a construção
de conhecimento. Isso ocorre, porque as atividades tendem a abrir as discussões,
uma vez que trazem fenômenos para os quais os alunos têm-se mostrado
possuidores de explicações.
Ainda segundo o estudo de Raboni (2002), o segundo nível de dificuldade é
mais sério. Uma evidência disso seria o fato de que mesmo em escolas que
contam com a infra-estrutura necessária para o desenvolvimento de aulas
experimentais, com laboratórios bem montados, as atividades não são freqüentes
ou não levam aos resultados esperados (Barberá e Valdés, 1996 apud Raboni
2002, p. 21). Verifica-se também que na realização das atividades práticas, muitos
professores perdem de vista o que é central à utilização dessas atividades. Como
bem lembra este autor, acerca das dificuldades encontradas pelos professores na
realização de atividades práticas e/ou experimentais, que o próprio Ministério da
Educação, no texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais para Ensino
Fundamental, com abrangência nacional, pondera:
“Os desafios para experimentar ampliam-se quando se solicita aos alunos que
construam o experimento. As exigências quanto à atuação do professor, nesse caso,
são maiores que nas situações precedentes: discute com os alunos a definição do
problema, conversa com a classe sobre materiais necessários e como atuar para
testar as suposições levantadas, os modos de coletar e relacionar os resultados. ”
(BRASIL, 1997, p. 123 apud Raboni p. 56)
Raboni (2002) faz um interessante contraponto à idéia bastante comum no
meio educacional do laboratório como sinônimo de inovação curricular. Ele
lembra que o uso de atividades práticas surge em propostas e projetos,
freqüentemente como alternativa a metodologias tradicionais, e a revisão das
reformas em ensino de ciências mostra que todas as propostas incorporam, de uma
forma ou de outra, o uso do laboratório. E então faz uma provocação: será que
existe alguma coisa mais tradicional no ensino de ciências do que a proposta de
uso de atividades práticas? A inovação, portanto, não estaria no uso das
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atividades, mas no seu funcionamento, no modo como elas são consideradas em
cada proposta.
Em relação à controversa discussão do grau de sofisticação efetivamente
necessário para aulas de ciências experimentais significativas na Educação Básica,
destaco o relato do Doutor MP, ao falar de sua escola de 1ª a 4ª séries do então 1º
grau, mostrando que o laboratório “elementar” dava conta do recado e deixou
boas lembranças neste cientista:
“Tinha um pequeno laboratório na escola, eu me lembro. Só tinha as coisas
elementares, é lógico, mas que dava direitinho para aprender os conceitos. A
Biblioteca Municipal era o lado da escola e a gente fazia visitas regulares, porém
espaçadas. Dr. MP”
Ainda no relato acima, vemos a estratégia da escola que não dispunha de
biblioteca e utilizava o serviço municipal disponível no entorno.
O professor de ciências do Dr. SK não limitava o ensino à sala de aula ou
outras instalações escolares. Em sua prática, vemos a ocupação de diferentes
espaços de aprendizagem, a diversidade de atividades propostas aos alunos,
ampliando o conceito de laboratório:
As memórias que tenho são marcantes, sobretudo pelas atividades externas às
instalações da escola, que ele fazia conosco. Nós subíamos a pé o Corcovado
coletando amostras, íamos à Floresta da Tijuca, fazíamos coleta no mar... Ele nos
levava para a rua, para o mato. Nós tínhamos 13, 14 anos. Então era uma
experiência muito lúdica o primeiro contato com o microscópio...” Dr. SK
Em outro estudo com alunos do Ensino Fundamental, Bevilacqua e
Coutinho-Silva (2007), apoiam-se nas conclusões de Gaspar e Monteiro (2005)
que – a partir das contribuições de Vigotski - defendem a idéia de que
demonstrações experimentais em sala de aula, desde que adequadamente
apresentadas, proporcionam situações específicas e momentos de aprendizagem
que dificilmente aparecem em aulas tradicionais, de lousa e giz, ou em atividades
experimentais realizadas apenas pelos alunos, com ou sem a orientação do
professor. Concordam com Gaspar e Monteiro (2005 p. 7) que afirmam:
“Pode-se inferir, que a utilização da demonstração experimental de um conceito em
sala de aula acrescenta ao pensamento do aluno elementos de realidade e de
experiência pessoal que podem preencher uma lacuna cognitiva característica dos
conceitos científicos e dar a esses conceitos a força que essa vivência dá aos
conceitos espontâneos. Em outras palavras, a atividade experimental de
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demonstração compartilhada por toda classe sob a orientação do professor, em um
processo interativo que de certa forma simula a experiência vivencial do aluno fora
da sala de aula, enriquece e fortalece conceitos espontâneos associados a essa
atividade - talvez até os faça surgir - e pode oferecer os mesmos elementos de força
e riqueza característicos desses conceitos para a aquisição dos conceitos científicos
que motivaram a apresentação da atividade”.
Também no âmbito do Ensino Fundamental, as memórias do Dr. F trazem
ao presente o professor de ciências que privilegiava atividades experimentais,
inclusive com um maior grau de dificuldade:
“Eu me lembro uma vez em que a gente foi estudar respiração. Ele dava
aula com experimentos difíceis. De conteúdos de química, biologia... Um
que me marcou foi ele abrir uma rã e a gente poder ver os pulmões
pulsando. Eu me lembro que ele pegou o coração. Eu e mais dois
colegas, tínhamos feito uma maquete de uma cidadezinha pra mostrar
como é que se dava a geração de energia elétrica, daquelas que todo
mundo faz. Aí o professor falou pra gente colocar os eletrodos, os
fiozinhos, no coração. E o coração que estava parado começou a bater!.
E aquilo ali foi o máximo para a gente. ”
E embora o professor de ciências do Dr. F realizasse com freqüência
experimentos de maior complexidade, também não dispensava a criatividade,
ampliando o laboratório para fora do espaço formal, criando novos espaços de
aprendizagem, quebrando a linearidade curricular, articulando conceitos cuja
abordagem é tradicionalmente estanque nos currículos:
“O barato das aulas dele era que eram poucas em sala de aula. As aulas dele
eram no jardim, em praça. E tinha um laboratório formal dentro da escola. Ele era
muito criativo. E ele usava e fazia muitas coisas com sucata. Eu me lembro que o
primeiro banco óptico que eu vi foi construído por ele, a primeira vez que eu vi um
microscópio, eu me lembro, foi com ele, que conseguiu não sei onde. E que
aparentemente não tinha nada a ver com o tema da aula, mas na verdade tinha
tudo a ver”.
Este professor de ciências não desanimava frente às dificuldades para levar
os alunos a locais fora da escola, oportunizando a vivência de experiências
inesquecíveis para o Dr. F:
“Uma vez ele pegou quase que um terço, da escola, uma cambada de garotos e
garotas que não paravam de falar, colocou todo mundo em um trem e depois de
umas 2 horas chegamos até um lugar perto de uma cidade chamada Indaiatuba
onde alguém, de uma construtora que foi fazer uma obra, encontrou o que
achavam que era fóssil. E ele foi lá. Colocou todo mundo num trem e eu ia
apontando a paisagem e perguntando. Elei aproveitou a própria viagem para
ensinar!”
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Em relação ao trabalho experimental, a fala do Dr. M destaca a importância
da teoria articulada com a prática observada nas aulas de química que teve:
Meu professor de química fazia experimentos como acho que realmente devem
ser. Química é uma coisa experimental. Eu trabalho com química teórica, mas ela
é experimental. Ninguém toma uma molécula como uma coisa do computador.
Todo mundo toma a molécula como um conjunto de coisas verdadeiras. E aí a
gente ensina química como se fosse teórica e não mostra a prática. Toda sala de
aula deveria ter uma bancada onde eu pudesse ensinar e demonstrar ao mesmo
tempo. Na minha escola o laboratório era tudo isso junto. Não tinha aula de
laboratório separada da teoria. ”
Para Amaral (1997 apud Raboni 2002 p. 63), entre os modelos clássicos de
ensino de ciências, o papel pedagógico da experimentação pode ser visto de três
formas:
1. “No ensino tradicional, a experiência tem como objetivo principal a
verificação da teoria. Geralmente realizada pelo professor, a experimentação segue os
mesmos moldes da exposição do conhecimento teórico. Aprendendo por imitação e tendo
na experimentação a comprovação da teoria, o aluno não tem espaço para manifestação
de seus conhecimentos, que, por sua vez, devem ser substituídos arbitrariamente pelos
conhecimentos científicos. Não há a preocupação de realizar a experiência com caráter
investigativo, e também estão ausentes os fenômenos da forma como ocorrem na
natureza, reforçando a idéia de que a ciência é produzida nos laboratórios.
2. No ensino pela redescoberta, está presente a forma indutivista de ver o
experimento. A partir de sua realização seguindo roteiros pré-definidos, por indução, o
aluno chegaria ao conhecimento científico através de um processo equivalente ao método
científico, porém linear. A idéia de que a “experiência” que produz resultados diferentes
da previsão teórica “não deu certo” fica marcada, bem como a de que a experimentação
leva a conhecimentos únicos e verdadeiros.
3. No ensino pela descoberta, alguns dos problemas dos modelos anteriores são
resolvidos, na medida em que nesse modelo a atuação do aluno sobre o experimento tem
um caráter investigativo, e as respostas obtidas são provisórias e suas limitações quanto
às diferenças entre o fenômeno controlado em laboratório e o fenômeno em sua
manifestação natural são consideradas. Está presente, portanto, o estudo ambiental, do
qual a atividade controlada é apenas uma aproximação. No entanto, permanece a idéia de
formação do “cientista mirim” através da equivocada intenção de reproduzir o ambiente
de pesquisa. Com isso, são deixadas de lado outras dimensões do ensino de ciências, na
formação do indivíduo. ”
Percebe-se, portanto, como atenta Raboni (2002) a necessidade do uso da
experimentação no ensino passar por uma profunda revisão, não sendo descartado
nem sendo tomado como a principal estratégia metodológica. Para este autor, uma
vez estabelecidos seus limites e possibilidades, ajudaria a determinar os limites do
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conhecimento científico e suas relações com outros conhecimentos, facilitaria a
emergência dos conhecimentos prévios dos alunos em contraste com o
conhecimento científico e com os resultados experimentais, e seria uma extensão
dos fenômenos na forma como se apresentam no ambiente.
Astolfi et al. (1998), mostram que o ensino de ciências para crianças,
representa a iniciação à formação do espírito científico, que pressupõe iniciação à
dedução, ao raciocínio lógico, mas também representa a inventividade das
hipóteses e à formulação de problemas. Para isso a ação sobre os objetos
desempenha o papel de um motor essencial, no qual o ensino de ciência se torna
lugar privilegiado para a articulação da prática com a reflexão e da ação com a
conceitualização. O ensino de ciência não pode visar apenas os conhecimentos
dos conceitos e fenômenos específicos da disciplina, mas sim deve ser entendido
como “uma alavanca preciosa para o desenvolvimento da passagem à abstração,
das capacidades de raciocínio e de antecipação, favorecendo o acesso a novas
operações mentais” (Astolfi et al, 1998, p. 103). Nesse sentido, é destacado a
importância das atividades experimentais, que, segundo os autores, é a
oportunidade de avançar sobre o plano da combinatória lógica da matemática e
aproximar os estudantes de situações reais, oportunizando as operações lógicas, o
desenvolvimento de habilidades manuais e técnicas, ao mesmo tempo em que,
encoraja os estudantes a probidade intelectual e moral. Outro ponto a ser
destacado com relação às atividades experimentais no ensino de ciências para
crianças está na forma como está atividade pode ser vinculada ao processo ensino-
aprendizagem. Ou seja, a necessidade de que seja dada a ela uma estrutura de
atividade científica, mas não permaneça presa a rigorosidade de um “método
científico”. Astolfi et al., chamam a atenção para a necessidade de priorizar o
espírito cientifico ante o “método científico”, mostrando que, se o objetivo é
desenvolver atividades que permitam as crianças uma aproximação com suas
situações cotidianas, que considerem questões vinculadas aos conceitos
espontâneos e permitam uma reconstrução desses conceitos a partir da ação da
criança sobre o objeto, é necessário não permanecer preso a procedimentos
codificados por etapas, que privilegie o pensamento dedutivo, mesmo que de certa
forma, esse seja necessário. “A experiência enriquecedora, que informa, no
sentido forte da palavra, é aquela que permite descobrir aquilo que não se
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esperava, que testa muitas vezes uma hipótese diferente daquela sobre a qual o
investigador se tinha debruçado. ” (Astolfi et al, 1998, p. 109).
Segundo Rosa, Rosa e Pecatti (2007) em um estudo sobre atividades
experimentais nas séries iniciais, os trabalhos de Carvalho e seus colaboradores,
vêm mostrando o quanto é significativo para as crianças o desenvolvimento de
atividades experimentais de conhecimento físico. Com estudos fortemente
apoiados na perspectiva de Piaget, os trabalhos vêm mostrando as importantes
contribuições das atividades experimentais para a construção do conhecimento.
Para a autora os trabalhos da epistemologia genética de Piaget serviram de
referencial para discutir como as crianças constroem o conhecimento físico do
mundo que as cercam e como essas crianças vão elaborando suas explicações
causais dos fenômenos observados. Vale lembrar que Piaget em seus estudos
evidenciou a importância dos experimentos físicos com crianças ao utilizá-los em
suas pesquisas na busca por respostas aos problemas que deram origem a
epistemologia genética. A escolha dos fenômenos físicos em detrimentos de
fenômenos biológicos ou mesmo químicos se deve ao fato de que nos fenômenos
físicos o tempo entre a ação da criança sobre o objeto e a reação desse objeto é
bastante pequeno, o que favorece a criança a variar suas ações e observar
imediatamente as reações do objeto, conseguindo mais facilmente levantar
hipóteses sobre fenômenos, testá-los e tentar explicar o porquê do acontecimento.
(Carvalho, 2005, p. 52). Tais elementos são significativos, não somente do ponto
de vista da construção ou reconstrução dos conceitos científicos, mas, sobretudo,
por fornecer variáveis que contribuem na formação dos indivíduos em seus
diferentes aspectos.
A Dra. S, demonstra perceber a importância das atividades propostas por
seu professor de ciências, principalmente pelo desenvolvimento de atitudes
investigativas, e assim como outros cientistas entrevistados, destaca que a
simplicidade dos recursos utilizados não comprometeu a aprendizagem:
“Ele fazia experimentos na sala de aula. Mandava fazer pesquisas. Eu estava na 7ª
série e foi a primeira época que a gente começou a fazer pesquisa. Não eram só
trabalhinhos de copiar nos livros, tínhamos que buscar em bibliotecas, investigar,
fazer vulcão com gesso, fazer funcionar coisas.. Era muito interessante (.. )”.
“Ele não tinha recursos sofisticados. E não eram coisas que a escola oferecia. Era
ele quem levava: bichos, rochas, etc. ” (Dra. S)
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170
A mesma Dra. S, após lembrar das aulas experimentais que teve, comenta
aspectos que considera positivos no ensino de ciências que os filhos recebem,
destacando a escola como o espaço que deve ser privilegiado para atividades
práticas com alunos das séries do Ensino Fundamental:
“Meus filhos estudam no S. B. , lá tem Feira de Ciências na 5ª série, aula em
laboratório. Os dois dizem que querem ser cientistas. Não consigo imaginar um
menino de 11 anos fazendo um estágio, realmente eu acho que é mais na própria
escola que deveria ter mais eventos práticos. Eles fazem muitos passeios, o que
acho que é interessante, sempre relacionados àquilo que eles estão dando em sala
de aula. ”
O Dr. MP, vivenciou a experiência do Programa de Vocação Científica-
(PROVOC) quando era aluno do Ensino Médio e relatou com entusiasmo o
quanto esta experiência representou em sua vida:
“Não tem dúvida, foi quando eu consegui perceber a integração em última análise,
dos conhecimentos que adquiri em toda minha vida escolar. Essa reflexão em cima
do conhecimento, aplicada em geração do conhecimento. Aí então essas coisas se
juntaram. E essa vivência do dia-a-dia de um pesquisador.. Você desmistifica
aquela figura do pesquisador que tem tradicionalmente, vê como é o indivíduo,
como ele trabalha, o que produz. Eu tenho os dois orientadores com quem eu
trabalhei desde aquela época, como referenciais dentro da profissão. Tudo se
encaixou e fui tomando mais gosto pela ciência. ”
Ele expressou sua opinião sobre o que poderia ser feito no Ensino
Fundamental para aproximar a escola dos centros de pesquisa:
“No nível fundamental acho importante trazer o aluno para as instituições de
pesquisa esporadicamente para ver como o conhecimento é produzido. Ele não vai
conseguir absorver muito do ponto de vista técnico, mas teria aquela primeira
informação que depois com a solidificação da formação dele, vai fazer a diferença.
Aquilo fica lá guardado e estimula mais o aluno que simplesmente os experimentos
que são mostrados em livros. O que você vivencia, não esquece. Além disso, ele
poderá ver que pesquisador não é aquele cara maluco, vai conversar com ele.
Também acho válido receber o pesquisador na escola para falar da profissão,
talvez isso fosse um formato mais interessante. ” (Dr. MP)
A cientista ER, faz uma curiosa justificativa da importância da educação
científica precoce, baseada na observação e valorização de supostos “dons” ainda
em um estágio mais “puro”:
“Não só na área de ciências, mas logo na primeira etapa do Ensino Fundamental
é que você consegue descobrir mesmo o aquela criança tem o dom pra fazer. Eu
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171
acho que é nessa fase que você sabe o que aquela criança realmente gosta, depois
ela fica meio influenciava pelos coleguinhas, família...”
Levar ou estimular os alunos para visita de espaços não formais de Educação
em Ciência
Uma outra possibilidade de ampliação do conceito de laboratório diz
respeito aos espaços não formais de aprendizado em Ciências. Os Centros e
Museus de Ciência desempenham um importante papel também com relação ao
ensino formal, quer se aproximando mais do cotidiano das escolas, como uma
verdadeira extensão da sala de aula, quer organizando e se integrando a um
conjunto de ações envolvendo bibliotecas públicas, televisão, mídia impressa e
outras instituições.
Para Persechini e Cavalcanti (2004) o ensino formal deve estar integrado
às demais iniciativas de educação informal. Segundo estes autores, a participação
de Centros e Museus de Ciência pode ainda se dar através de programas de
capacitação profissional, instigando os professores a novas atitudes pedagógicas,
propondo temas de debate, criando materiais didáticos, levando alunos a
demandarem mais de suas escolas e de seus professores e despertando o interesse
pela Ciência. Esta interface com espaços não formais talvez “oxigenasse“ a escola
e as aulas de Ciências estimulando para a pesquisa. Afinal, segundo Weissmann
(1998) a educação em Ciências poderia oferecer ao aluno o desenvolvimento de
sua capacidade criativa, seu espírito cr?tico, exercitando e valorizando o rigor, a
necessidade e interesse de comunicar os resultados de seus trabalhos, trabalhando
de forma cooperativa.
Acerca da divulgação científica, Marandino (2005) relata que esta área
vem se afirmando, mas não sem resistências, sendo ainda temerário indicar a
existência efetiva de um novo campo de conhecimento. Segundo a autora, críticas
às formas de transposição para saberes comuns, nas referências feitas à divulgação
da ciência – com o uso de termos como ‘distorção’, ‘simplificação’ etc. – são
também oriundas das relações de poder entre antigas e novas instituições de
produção de conhecimento científico – como os museus, as universidades e os
demais centros de pesquisa –, entre campos de conhecimentos antigos e em
formação – como os de educação, comunicação, museologia – e entre antigas e
recentes profissões, frutos das novas relações de trabalho que se originaram nas
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sociedades contemporâneas, centradas na informação e no consumo. Cientistas e
divulgadores da ciência nacionais e internacionais têm discutido os principais
desafios e limites desta atividade (Barros, 1992; Durant, 1996; Fayard, 1999;
Díaz, 1999; Gouvêa, 2000, apud Marandino 2005 p. 163). Esses pesquisadores,
segundo Marandino(2005), destacam a tendência, muitas vezes presente, de
apresentar uma ‘imagem espetáculo’ e ‘acrítica’ da ciência, em detrimento de uma
visão histórica e mais humanizada, que revele os embates na sua construção e as
relações entre ciência, tecnologia e sociedade. Seus estudos enfatizam também os
desafios de divulgar ciência nas sociedades contemporâneas, marcadas por
diferenças culturais, sociais, políticas e econômicas e, ao mesmo tempo, imersas
em um mundo globalizado e fragmentado.
Para minha surpresa, atividades como visitas a estes espaços não formais de
Educação em Ciências bem como o estímulo à organização de clubes ou feiras de
Ciências foram raros na história escolar dos cientistas entrevistados.
Principalmente no nível de ensino que antecedia o vestibular. Vejamos a seguir:
“Não tinha feira de Ciências na escola. Eu tive um colega que gostava de Ciências
também. A gente se juntava, comprava cobaiazinha, abria para olhar.. mas tudo
por fora.. A escola de um modo geral não estimulava isso não. Preparava mais
para passar no vestibular. ” Relembra o Dr. M ao falar do seu curso no antigo
científico.
Ao ser indagado se tinha alguma lembrança de ter participado de feira ou
clube de Ciências, desenvolvido algum projeto na escola, ou se fazia visitas a
espaços como museus no período escolar, o Dr. R afirma:
“Eu me lembro que a gente passeava sim. Meu 1º grau eu fiz em um Colégio
Marista e tinha feira de Ciências, realmente. Eu diretamente não participei
fazendo nada, só assistia as feiras de Ciências.”
Já a cientista Y guarda lembranças a respeito de uma visita ao museu e de
feiras de ciências no Ensino Fundamental:
“Na 3ª série visitamos o Museu da Quinta da Boa Vista. As múmias que me
chamaram muito a atenção. Foi bem legal, porque é tão diferente uma criança no
museu vendo aquelas coisas: você não compreende muito bem, mas registra. E na
época do ginásio, eu me lembro, a gente fazia Feira de Ciências.” Y
Na fala de cientista ER, surgem lembranças de idas a museus, contudo,
Feiras de ciências só nas séries finais do Ensino Fundamental:
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“Eu até visitei museus, mas Feira de Ciências não tinha. Fui ao Museu Nacional,
ao de Petrópolis. E de 5ª a 8ª continuei nessa mesma escola. Aí tinha Feira de
Ciências.
Ainda nas memórias desta cientista, vemos oportunidades desperdiçadas de
um passeio também ser espaço para aprendizagem de ciências de um modo mais
informal e prazeroso:
“A gente ia também pra Floresta da Tijuca. Mas era só passeio, brincadeira
mesmo.”
Embora o dinamismo da professora de Biologia tenha marcado a vida da
Dra. I, também não fez parte do seu cotidiano escolar este tipo de prática:
“Minha professora era muito curiosa, mas nesse tempo não se dava espaço a feira
de Ciências, coisas desse tipo. Eu fui realizar essas coisas quando eu fui
professora, ainda estudando na universidade, mas já professora.”
Do mesmo modo, o Dr. S. não teve oportunidade de vivenciar atividades de
cunho experimental no aprendizado de Ciências:
“Era escola estadual e não tinha nada disso. Era uma coisa muito rara. Um ou
outro professor incentivava a gente a fazer algum tipo de prática. ”
A Dra. JO, considera-se privilegiada por ter cursado escolas onde este tipo
de atividade era estimulado. Em sua fala percebe-se como considera isto
incomum, principalmente no ensino público:
Desde o 1º grau eu tive isso. Eu posso dizer que eu só estudei em escolas
públicas, mas sou uma pessoa privilegiada. Porque eu estudei em escolas públicas
diferenciadas. Minha escola de 1º grau, era em são Gonçalo. Nós tínhamos um
grupo de professores que faziam feira de ciências. Eu até ganhei um prêmio sobre
a fotografia, que virou depois uma das minhas paixões. Eles estimulavam que a
gente fosse alem do currículo tradicional.”
Entretanto, a fala da Dra. JO revela como as feiras de ciências eram eventos
muito mais para “a família ver” do que a socialização de projetos desenvolvidos
pelos alunos ao longo das aulas:
“A feira de ciências acontecia uma vez por ano, tinha uma medalhinha que os pais
viam a gente receber e uma exposição. Você escolhia o tema. ”
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Ou restritas aos alunos de maior idade, como lembra o Dr. MP:
“As Feiras de Ciências eram direcionadas pro pessoal acima de 5ª série. A gente
podia participar assistindo. Eu me lembro de ter ido a uma ou outra, mas não era
usual, não era focalizado.”
Na escola do Dr. IS, onde o regime “militar” imperava, havia atividades
deste tipo:
“No colégio do ensino ginasial havia feira de ciências Isto de vez em quando a
gente podia fazer. ”
Mas, quando interrogado se podia fazer alguma coisa na área que gostava
(rochas), o Dr. IS relembra:
“Não. A gente fazia quase sempre sobre insetos. Era sempre sobre animais e
plantas. Nunca tinha minerais, rochas.”
Isto não é surpreendente considerando-se que a biologização dos currículos
de ciências permanece até hoje. E uma das razões é a formação inicial do
professor de ciências. Em meu curso de licenciatura, por exemplo, só estudei uma
disciplina ligada à Geopaleontologia e nada de Astronomia. Entretanto, ao
lecionar para o 6
o
ano (antiga quinta série) do Ensino Fundamental, tive que
ensinar conteúdos como Sistema Solar e tipos de rochas e solos.
A visita a um Espaço não formal de Educação em Ciência foi decisiva para
o Dr. IS na escolha pela carreira científica. Considerando-se que a escola onde
estudou não o estimulava para este caminho, a iniciativa da família em levá-lo a
um museu mostrou-se fundamental na sua vida:
“Desde o primeiro momento eu queria fazer geologia. Uma das vezes em que
viemos ao Rio de Janeiro (sou de Resende), eu, meu pai, minha mãe e minha irmã
fomos ver Papai Noel na Quinta da Boa Vista. O Papai Noel chegava de
helicóptero. Vimos sua chegada e depois entramos no museu Nacional. A entrada
no museu nacional para mim foi uma descoberta fantástica. Eu fiquei maravilhado
com aquelas rochas, minerais, meteoritos.. A minha irmã era muito pequena, ficou
cansada e aí eu não consegui ver tudo no museu que queria ver. Eu tinha que
voltar, não tinha outro jeito. Mas demorei muitos e muitos anos para poder
retornar ao Museu Nacional.”
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175
Como teria sido se o Dr. IS pudesse ter visitado este espaço de modo
orientado, acompanhado por professores que estimulassem sua curiosidade e a de
seus colegas?
Algumas escolas e professores segundo os relatos, conseguiam romper as
“amarras” do vestibular e promover atividades diversificadas, o que parece não ter
causado nenhum prejuízo no desempenho dos alunos, muito pelo contrário:
“O vestibular era especifico para cada um. Para quem ia cursar engenharia o
estudo da matemática e da física eram mais aprofundados. E na “turma de
medicina”, que era pequena, tinha 28 alunos, a ênfase era biologia. Aí sim
tínhamos bons professores. Mas um deles se destacava muito.. Ele é conhecido,
escreve livros didáticos.. Ele nos estimulou a criar um clube de biologia. Ele
próprio não participava não. A gente fazia uns relatórios, discutia, mostrava para
ele que orientava, dava a opinião, acompanhava de longe. Promovia excursões de
mergulho na praia da Urca e no morro do São Conrado. Era uma época mais
tranqüila quando se pensa em vestibular. Porque mesmo no 3º ano, no ultimo ano
do colégio a gente não pensava em cursinho. Quando terminou o ano os 28 foram
aprovados. Todos entraram na universidade, nem todos na pública, 4 ou 5 na
privada, mas a maioria na UERJ e UFRJ. ” Relembra o Dr. A.
“No científico teve a Feira de Ciências que foi uma coisa muito marcante, a gente
fez um estudo orientado pelo professor, na área de genética. Nós fomos ao
Pavilhão de São Cristóvão e coletamos material das pessoas. ” Dr. LC
“Nós tínhamos passeios a museus, fomos ao Jardim Botânico e ao Parque da
Cidade. E como me interessava muito por essa parte de ciências, ia à feira de
ciências do meu colégio e na feira de ciências do colégio da minha irmã, das
minhas primas.. Eu adorava visitar aqueles stands onde montavam os
experimentos, eu sempre fui muito ligada nisso”. Dra. J
Na escola da Dra. D, não se promoviam visitas a museus mas os alunos
tomavam a iniciativa de ocupar espaços além dos limites da sala de aula para
atividades ligadas à ciência:
“Eu não me lembro de ter ido visitar locais como museus. Mas lembro que a gente
tinha iniciativa de criar espaços informais. Em cima do prédio tinha um campo de
futebol e um terreno baldio, e a turma resolveu capinar e limpar o terreno.”
Mas a maior defesa do papel dos espaços não formais e eventos tais como
feiras no aprendizado de ciências, vem do Dr. AE. Isto é compreensível, já que
este cientista relata que trocou o tempo gasto nos campos de futebol pelo trabalho
científico após ser estimulado por um professor a participar de uma feira estadual
e ter conhecido o então Instituto Oswaldo Cruz:
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“Ter tido contato com uma instituição como o Instituto Oswaldo Cruz foi
fundamental, o que determinou a minha vida, sem dúvida. Outro dia vieram umas
alunas de escola fundamental, fazer um trabalho de ciências – vem muitos alunos
aqui de ciências, eu recebo todas elas – e meu colega disse: “essas garotinhas aí te
perturbando, você tem muita paciência!” Quando elas chegam aqui, eu lembro:
elas estão fazendo o que eu fiz. Eu era um garotinho exatamente igual. Quando eu
vejo essas meninas aqui, 10, 12 anos, cheias de sonhos, fico lembrando, eu era
exatamente assim. Aprendi a gostar e talvez eu já tivesse uma vocação e não tinha
nem percebido. Em parte por eu ter tido uma mãe que tinha muitos sonhos a serem
realizados nos filhos, coitada, e que involuntariamente acabou tentando moldar o
que nós seríamos.. não deu certo. Talvez uma vocação que eu já tivesse tenha sido
despertada meio por acaso, por aquele professor. As pessoas criticam as feiras de
ciência e às vezes eu também. Mas se não existisse a feira de ciência, eu talvez não
estivesse aqui.”
Se já havia vocação ou não no então menino AE, não é o ponto-chave deste
trabalho. A questão é como o professor de ciências pode despertar e/ou valorizar
esta vocação de modo intencional, e não deixar ao sabor do acaso, como parece
ser a percepção do Dr. AE para sua história de vida.
Quanto às críticas a que se refere este cientista ao falar das feiras de
ciências, cabe lembrar que historicamente, as feiras de ciências ganharam força na
década de 60, no bojo da tendência do ensino experimental das ciências. Ainda
hoje, ainda são utilizadas de uma forma equivocada por muitas escolas, como
atividades de “culminância” de “projetos” desenvolvidos a partir de temas
estanques e não de problematizações.Quase todos nós já vivenciamos como
alunos, professores ou visitantes, feiras onde sobram estandes onde alunos
expõem cartazes e maquetes coloridos com falas mecânicas, mostrando que
“decoraram direitinho a matéria dada”. Nestas feiras, não faltavam medalhas e
outros prêmios, que professores e familiares faziam questão de registrar com
fotos. Entretanto, estas distorções e equívocos não invalidam pedagogicamente
este tipo de atividade. Segundo Pavão (2007), as feiras continuam exercendo uma
ação revolucionária no ensino das ciências. Portanto, segundo este autor, é preciso
valorizar e trabalhar corretamente este instrumento pedagógico.
Para Pavão (2007), é necessário “desprivatizar” a escola e abri-la para as
famílias e a sociedade em geral. E as feiras de ciências representam um caminho
para isso, contribuindo para a formação de uma nova consciência sobre questões
científicas e tecnológicas. Este autor sugere que do ponto de vista metodológico,
as feiras de ciências podem ser utilizadas para repetição de experiências realizadas
em sala de aula; montagem de exposições com fins demonstrativos; como
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estímulo para aprofundar estudos e busca de novos conhecimentos; oportunidade
de proximidade com a comunidade científica; espaço para iniciação científica;
desenvolvimento do espírito criativo; discussão de problemas sociais e integração
escola-sociedade. Entretanto, ele ressalta que a escolha do tema deve ter a
participação do aluno, buscando desde o início a motivação para o levantamento
de questões, integrando o aspecto investigativo e o demonstrativo. De acordo com
Pavão, conhecimento, socialização, atitudes, habilidades, argumentação e
resolução de problemas são aspectos metodológicos que podem ser ricamente
trabalhados. Mas alerta: acima de tudo, a feira deve estar integrada ao currículo.
As exposições selecionadas em feiras de ciências são rico material para equipar
laboratórios e tornar mais agradável o ambiente escolar.
Neste sentido, vale retomar o já citado neste trabalho, Programa Nacional de
Apoio às Feiras de Ciências da Educação Básica (Fenaceb), criado em 2005 pelo
MEC. Sob a coordenação da Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC), visa
estimular e apoiar a realização de eventos de natureza de divulgação científica,
como feiras e mostras de ciências, que tenham como protagonistas alunos e
professores da Educação Básica. A expectativa do MEC é a de que, com a
iniciativa:
“[...] professores e alunos possam se aproximar mais das atividades científicas no
meio escolar, contribuindo decisivamente no desenvolvendo de sua autonomia
intelectual e despertando a criatividade e a capacidade de construir conhecimento.
A Fenaceb permite à sociedade conhecer a produção científica das escolas da rede
pública de Ensino Fundamental e de Ensino Médio, e cria a oportunidade para que
professores e alunos se aproximem das atividades científicas desenvolvidas no
meio escolar, contribuindo para sua autonomia intelectual e despertando a
criatividade e a capacidade de construir conhecimento”.
Esta visão do amplo potencial pedagógico das Feiras de ciências parece ser
compartilhada por várias instituições ligadas ao ensino e pesquisa. No site da
Universidade Federal do Pará, lemos que o Núcleo Pedagógico de Apoio ao
Desenvolvimento Científico (NPADC)
26
, com o patrocínio do Ministério da
Educação e da UNESCO, realizará a Feira Metropolitana de Ciências. Segundo o
texto do site:
26 http://www. ufpa. br/npadc/fmc/
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“As feiras de ciências são eventos cujo principal objetivo é estimular professores e
alunos a gerar e colocar em prática as idéias e questões que envolvam investigação
científica, ou seja, desenvolver que o convencionamos chamar de projetos de
iniciação científica infanto-juvenil. O objetivo educacional mais amplo desse tipo
de evento está relacionado com a melhoria do processo de ensino-aprendizagem de
ciências e matemática na Educação Básica, incentivando a construção de um
processo educativo escolar que proporcione aos estudantes uma compreensão mais
significativa e crítica da natureza, da tecnologia e dos problemas sócio-ambientais.
Uma das maneiras de conseguirmos isso é disseminando e incentivando o uso de
pesquisa de iniciação científica infanto-juvenil como estratégia educativa para os
estudantes do Ensino Fundamental e médio, pois dessa forma estaremos
contribuindo positivamente para o desenvolvimento de habilidades e competências
necessárias à progressiva autonomia intelectual dos estudantes. Além disso, esses
eventos possibilitam o intercâmbio de experiências de ensino-aprendizagem entre
professores e estudantes [...]”.
Nas lembranças do Dr. AR, há poucos eventos deste tipo e isso o levou a
estimular professores em cursos de formação a oportunizarem estas experiências
para suas turmas:
“Eu me lembro de visitas ao Museu do Índio, Museu Nacional, Museu da
República, agora, Feira de Ciências, tive muito poucas oportunidades. Senti muita
falta e por causa disso quando eu fui dar aula estimulava os alunos a fazer. Era
quase que uma compensação. Eu precisava era fazer o que eu não consegui ter
com os meus professores. ”
O aspecto de integração curricular quando se discute a realização de feiras
de ciências, também é significativo no tocante à realização de projetos na escola,
para evitar que sejam apenas eventos pontuais e fragmentados, verdadeiros
“penduricalhos” no currículo.
Como nos lembra Waldhelm (2001), a idéia-chave no trabalho com projetos
é o diálogo com o contexto. Além de propiciar a construção coletiva do
conhecimento, o trabalho com projetos parte da problematização de contextos
ligados à vida do jovem. E contextualizar significa localizar no tempo e no espaço
uma questão problematizada, não é simplesmente exemplificar. Os projetos
também representam ótimos espaços para que a interdisciplinaridade aconteça de
modo efetivo. Afinal, o que demanda a atividade de investigação e pesquisa,
inerente a um projeto, é justamente a problematização. Sem isso, como identificar
que conhecimentos disciplinares serão necessários para o entendimento da
questão? Como garantir a inserção significativa e articulada das disciplinas? Será
que todas as disciplinas precisam participar de um mesmo projeto e ao mesmo
tempo? Este idéia equivocada cria uma artificialidade multidisciplinar,
fragmentada e linear, favorecendo a superposição de conhecimentos e a perda de
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179
tempo. Quando temos perguntas claras e definidas, podemos visualizar as
disciplinas que podem juntas ajudar a respondê-las melhor, de modo mais
completo, articulado. Diferentes olhares sobre um mesmo objeto ou realidade
favorecem uma leitura mais apurada.
Percebemos no cotidiano escolar que uma equipe multidisciplinar pode ou
não fazer trabalhos interdisciplinares e que a interdisciplinaridade não anula a
disciplinaridade. Cada disciplina, seja uma ciência natural ou não, tem sua
identidade, seu objeto de estudo, sua forma de pesquisar e produzir conhecimento.
Por muito tempo a escola acostumou-se a desenvolver “projetos” do tipo "água”,
“saúde”, “olimpíadas”, “sexualidade” e outros similares. A partir de temas
isolados, alunos e professores passavam o ano preparando cartazes, “experiências”
e maquetes para serem exibidos e avaliados em feiras e mostras culturais.
Professores de todas as disciplinas por vezes eram coagidos a participarem do
“projeto”, desenvolvendo atividades isoladas, desarticuladas e em geral
desprovidas de significado para o aluno. Como não havia problematização, não
havia uma questão a ser investigada. Tampouco havia propostas de intervenções
concretas na realidade do aluno e comunidade e o levantamento de novas questões
a partir do conhecimento construído. Com isso, tradicionalmente os “projetos”
culminavam com exposição de maquetes e cartazes, no formato das equivocadas
feiras culturais ou de ciências. Uma escola que garanta espaço para práticas
pedagógicas criativas e integradoras, com certeza será terreno fértil para o
desenvolvimento de projetos que mobilizem os alunos, por mostrarem a relação
entre o que se aprende na escola e a vida. Nesta escola, com certeza, mestres e
alunos aprenderão a aprender.
4.7
Outras influências na escolha pela Ciência
Embora este estudo tenha como foco o papel do professor na trajetória
profissional dos cientistas, cabe destacar outros fatores apontados nas entrevistas
como tendo algum grau de importância nestas trajetórias. Estes fatores, em maior
ou menor grau, podem ser incorporados à prática docente e aos currículos
escolares, colaborando para incentivar e favorecer o aprendizado das Ciências e
quem sabe, estimular vocações para a pesquisa científica. Assim, não devem, ser
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180
vistos concorrendo com a escola ou o professor de ciências, mas indo ao encontro
dos objetivos destes e da educação científica.
Constatei que o estímulo à leitura e a visita a espaços não formais de
aprendizado em Ciências promovidos pela família também são destacados pelos
entrevistados como importantes e significativos em suas vidas. Verifica-se neste
sentido que a família pode exercer influência positiva seja por criar uma atmosfera
onde a curiosidade e a busca pelo conhecimento sejam valorizadas ou por
disponibilizar à criança ou jovem materiais relacionados à ciência tais como
revistas de divulgação científica, álbuns, coleções, kits experimentais etc.
O estímulo à leitura
Acerca das publicações em Ciências, estudos tais como o de Salém e
Kawamura (1996) têm demonstrado o interesse da comunidade de pesquisadores
em ensino de Ciências no uso de textos de divulgação científica dentro do
ambiente escolar a partir de uma variedade de perspectivas e pontos de vista.
Salém e Kawamura (1996) traçaram diferenças entre livros didáticos e textos de
divulgação científica de física e concluem que a utilização de textos de divulgação
pode contribuir para enriquecer o ensino “trazendo novas questões, abrindo a
visão de ciência e de mundo do aluno e professor, criando novas metodologias e
recursos de ensino, localizando o conteúdo ensinado em contexto mais
abrangente, motivando, e mesmo aprofundando determinados assuntos“ (idem, p.
595). As falas dos entrevistados revelam que quando o incentivo à leitura,
principalmente de textos relacionados à ciência e natureza, é feito desde cedo na
vida escolar também no ambiente familiar, parece haver boas chances de se
estimular a criança para o estudo de Ciências naturais. Vejamos algumas dessas
falas que exemplificam o papel da leitura e do acesso a diferentes produções
literárias nas vidas desses cientistas:
“Talvez eu tenha me interessado pela natureza antes mesmo de entrar na escola.
Eu gostava muito de desenhar animais. Uma tia me ensinou a ler e logo passei a
ler os livros onde antes eu só via as figuras de bichos. Meu pai comprou para mim
e para minha irmã aquela coleção Tesouro da Juventude, que falava muito sobre a
natureza. Isso me estimulou bastante.” Dr. A.
“Embora meu pai mal tivesse terminado o primário, a mãe dele era professora,
mas não “passava a mão na cabeça dele” Então cedo ele quis ir trabalhar. Viajou
como aventureiro.. e sempre gostou de Ciências, comprava aquelas coleções
todas, tipo a Conhecer.. tudo que saia no jornaleiro sobre Ciências! Eu sempre vi
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e li isso e desde criança, quando me perguntavam o que queria ser, respondia
cientista-médico, ou seja, eu não sabia nem o que era, mas sabia que era alguém
que trabalha com Ciências na área da saúde, de medicina, de cura de doenças.. ”
Dr. M
Para o DR IS, cuja escola demonstrava ser extremamente tradicional e
calcada em um ensino livresco, e onde o currículo pouco abordava seu objeto de
interesse (geologia) o acesso a publicações de divulgação científica, possibilitado
por uma tia, revelou um novo universo de possibilidades:
“Quando eu tinha uns nove anos de idade, minha tia comprou-me uma
enciclopédia. E era muito ilustrada. Mostrava as rochas, os minerais e os fósseis.
E falava como que se deveriam coletar os fósseis, os afloramentos, que eram nos
barrancos dos rios e nas margens de estradas. E como eu morava na periferia de
Rezende, já era próximo da área rural. Então passei horas e horas procurando
fósseis ao longo das margens dos rios, das encostas. Num primeiro momento
procurei ao redor da minha casa!”
Lorenzetti e Delizoicov (2001), por sua vez, enfatizam que a alfabetização
científica é uma atividade vitalícia, sistematizada no espaço escolar, mas que
transcende suas dimensões para os espaços de educação não formal, permeados
pelas diferentes mídias e linguagens. Verifica-se que mesmo nos últimos anos,
com o grande desenvolvimento das mídias eletrônicas e digitais, os livros mantêm
seu lugar de destaque. No Brasil, ainda são raros os espaços na mídia destinados a
fazer uma ponte entre a ciência e as crianças. O único periódico integralmente
voltado à divulgação científica para o público infantil é a revista Ciência Hoje das
Crianças. Editada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC),
no início (1986) era apenas um encarte da revista Ciência Hoje. Em setembro de
1990, foi transformada em uma revista independente. Isto reforça a necessidade de
investirem-se mais recursos nas publicações com temática científica destinadas ao
público infanto-juvenil, além de garantir a continuidade de programas voltados à
melhoria dos livros didáticos de ciências.
Status social da carreira
Como abordei a opção de carreira e suas influências, emergiram das falas
dos entrevistados, lembranças acerca da pressão (positiva ou negativa) a que
foram submetidos em suas vidas. Vejamos a seguir como a questão do status
social da carreira científica teve impacto em suas escolhas quando jovens
estudantes.
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182
A maior parte dos entrevistados declarou que em algum momento de suas
vidas sentiu-se pressionada socialmente a seguir a carreira da medicina. Carrijo
(1999) já havia chamado a atenção de como biologização excessiva do currículo
de Ciências no Ensino Fundamental pode leva o aluno deste nível de ensino a
canalizar seu interesse na área das Ciências naturais apenas para a medicina.
O currículo de Ciências de 6º a 9º ano (antigo ciclo de 5
a
a 8
a
série) do
Ensino Fundamental que vem norteando o ensino brasileiro atualmente ainda
mantém uma abordagem estanque e fragmentada dos conteúdos. Nesse currículo
fragmentado os conteúdos de Ciências costumam ser assim divididos: na 5o série:
ar, água e solo; na 6o: seres vivos; na 7o: corpo humano e na 8o: Química e
Física. Em geral, os conteúdos são estudados de forma desconectada entre si e
com a realidade do aluno. A valorização dos conteúdos da Biologia nesse
currículo, provavelmente se dá pelo fato da maioria dos professores de Ciências
das séries em questão ter formação nessa área e nela apresentar maior segurança
conceitual. Os livros didáticos existentes no mercado editorial em sua maioria
ratificam essa organização estanque, fragmentada e “biologizante“ do currículo de
Ciências.
Um currículo de Ciências onde os conceitos de química, física, biologia,
astronomia etc. fossem trabalhados de modo equilibrado e articulado poderia
ampliar o horizonte vocacional dos alunos para a pesquisa nos diversos campos.
Em vários países os currículos de Ciências vêm sendo reformulados e
reorganizados sob uma abordagem interdisciplinar, relacionando a ciência com a
tecnologia e sociedade.
Para Chassot (1990 p. 31) apud Argüelo e Gimenes (1991):
“As Licenciaturas Plenas em Biologia deixam a desejar, pois não se pode ensinar
Ciências no primeiro grau centrando-se exclusivamente em fatos biológicos. As
Plenas de Física ou de Química, habilitam para o segundo grau e não preparam
para a docência do primeiro grau. [...] É mais difícil lecionar Ciências no 1º Grau
do que Química no 3º Grau. Nesta direção defendo uma melhor preparação de
professores de Ciências para o 1º Grau. ”
Magalhães Júnior e Pietrocola (2005) destacam que na 55ª reunião da SBPC
(2003), discutiram-se vários problemas que envolvem o ensino de ciências no
Brasil. Desta discussão foram apontados como um possível agravante destes
problemas, os tipos de formação aplicados aos educadores desta área, ressaltando
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310242/CA
183
que falta uma identidade na formação em Ciências, abrindo espaço para que
profissionais formados em outras áreas (médicos, engenheiros, etc.) considerem-
se automaticamente preparados para ensinar ciência, o que é falso na visão do
grupo da SBPC.
Embora concorde que a atuação destes profissionais como professores não
seja a situação ideal, o quadro existente em grande parte dos estados brasileiros
não deixa muitas opções para resolver este problema. Atuando como consultora
do MEC na área de Ciências da Natureza, tive a oportunidade de desenvolver
ações de formação continuada com Secretarias de Educação de 19 estados do
Brasil e constatei pessoalmente que a realidade enfrentada de norte a sul mostra
um déficit tão grande de professores habilitados para lecionar ciências (incluindo
Biologia, Química e Física), que mesmo quando as secretarias abrem concursos,
não conseguem suprir as vagas existentes, sendo obrigadas a escolher entre ficar
com turmas sem professores desta área ou contratar profissionais de áreas afins,
sem nenhuma formação pedagógica, para lecionar. Entretanto, por vezes nem
profissionais graduados as secretarias conseguem contratar. Os baixos salários do
magistério são pouco atraentes aos médicos, dentistas, nutricionistas, engenheiros
etc. e contratos do tipo temporário (outro problema nas escolas públicas
brasileiras) são fechados com estudantes das universidades. Assim, na discussão
da questão da identidade do professor de ciências, estão em jogo fatores que
mostram o quão longe estamos do que poderíamos considerar próximo do ideal. É
sem dúvida melhor que alunos tenham aulas de biologia com um licenciado nesta
disciplina do que com um dentista ou médico. Mas quando isto se mostra
impossível, talvez seja melhor que um dentista lecione do que ver alunos
ganharem diplomas da Educação Básica sem terem a chance de conhecer e
discutir na escola sobre código genético, células-tronco, transgênicos, vírus HIV
etc. Sem deixar de considerar urgente o investimento na formação de professores
(com qualidade) para atingir a demanda existente em nossas escolas, vale a pena
pensar em programas de formação voltados para estes profissionais que estão nas
salas de aula em caráter precário, que rigorosamente não poderiam ser professores
na Educação Básica, mas o são de fato. Além é claro, de melhorar o quadro de
proletarização do trabalho docente e a realidade material das escolas, a fim de
tornar a carreira de professor atraente para os jovens e assim aumentar o número
de licenciados.
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184
A seguir, as falas que revelam como nossos entrevistados não tiveram
necessariamente uma trajetória linear até a carreira como pesquisador. Alguns
fazem questão de ressaltar que não querer cursar ou continuar na medicina foi
uma opção. Isto provavelmente remete ao fato do médico ainda ser socialmente
mais valorizado em comparação com as carreiras de biólogo, químico, físico etc.
“Eu gostava muito de Ciências e não quis fazer medicina, porque todos os meus
colegas naquela época que eram muito bons alunos em biologia pendiam para
medicina. E eu gostei mesmo de biologia, era uma excelente aluna, poderia ter
passado para medicina. Fui 1º lugar no vestibular de História Natural naquela
época e fui muito bem. Foi uma escolha.” Dra. I
“Quando estava fazendo vestibular, um professor riu de mim porque ia fazer
Biologia”. Dr. S
“Minha mãe tinha três sonhos: que eu fosse militar; padre ou médico. Não realizei
nenhum dos sonhos dela. Como não quis ser padre, ela não deixou que eu
continuasse no São Bento, onde havia o curso científico. Eu saí de lá e fiz o
científico no Colégio Metropolitano, no Méier. Aí me preparei para fazer medicina
– passei, e fiz o primeiro ano – odiava. Então soube que tinham criado uma área
de concentração biomédica, que tinha medicina, biologia, farmácia, enfermagem –
eu podia mudar de um curso pro outro, quando havia vaga. Foi fácil ir da
medicina para Biologia, o contrário é que era dificílimo. ” Dr. AE
“Eu queria fazer Ciências. E é o que eu faço hoje aqui na Fiocruz, porque de
médico eu não tenho nada”. Dr. A.
Para a família do Dr. IS, trocar uma carreira vista como promissora e segura
(oficial militar) pela de Geólogo/Cientista era uma temeridade e representou uma
decepção na época:
“Minha família me estimulava para o estudo. Mas um estudo muito pragmático,
com aplicação muito objetiva, muito clara. E posso contar historias dos anos 70
que são inacreditáveis. Eu estudava muito e maneira de ascensão social mais
óbvia pras pessoas de Resende era ingressar na academia militar. E eu não
passava nos concursos. Tinha ali em Guaratinguetá a escola de sargentos
especialistas da Aeronáutica. E eu por duas vezes cheguei a ser aprovado nas
provas escritas, mas era reprovado no exame médico. E aí conforme o tempo foi
passando minha família melhorou um pouco a situação econômica dela e quando
eu já estava no 3º ano do EM meu pai e minha mãe foram numa festa onde estavam
vários militares. Isso foi no finalzinho dos anos 70. No dia seguinte apareceu um
militar na minha casa e minha mãe me chamou para eu sentar e conversar com ele
[...]. Ele foi muito educado, conversou comigo e perguntou: você quer ir pra
AMAN? Na ocasião eu já tinha outras idéias e não era aquilo que queria seguir.
Olhei para meus pais [...] e falei que não. Que não queria ir. E todo mundo ficou
muito decepcionado. Eu por ter decepcionado meus pais, meus pais decepcionados
comigo. Mas não tinha jeito, desde o primeiro momento eu queria fazer Geologia.”
Dr. IS
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185
Assim como o Dr. IS sempre foi apaixonado pela geologia, o Dr. AR
também revela seu amor antigo pela Biologia e a importância de seu professor ter
valorizado as vocações dos alunos, independente da área escolhida e procura fazer
o mesmo com jovens que mostrem desejo de seguir carreira científica:
“Quando eu falo de ciência falo com amor. Lembro até que no último ano do
segundo grau, o professor sentou com todo mundo e perguntou o que nós
queríamos fazer na vida. A maioria falou na área de saúde e a gente ficou falando
nas possibilidades. Ele dizia: ”Mas você gosta de quê? Gosta de bichos? Vocês
quando se formarem, podem ir para o Museu Nacional, trabalhar no Jardim
Zoológico” quer dizer, já mostrava as possibilidades, mesmo que restritas, do
trabalho como cientista. Eu nunca desestimulo ninguém que está pensando em
fazer ciências ou que está dentro do curso, a desistir porque não dá dinheiro, ou
porque é muito difícil, eu não ajo dessa forma não. Eu tento mostrar o quanto
existe de possibilidades que ele não conhece, o quanto ele pode trabalhar.” Dr. A
4.8
O que dizem os cientistas entrevistados sobre a formação do
professor de Ciências
Estimulados pelas lembranças de seus mestres, os cientistas ao serem
questionados por mim sobre como deveria ser a formação dos professores de
Ciências, manifestaram grande preocupação com o domínio do conteúdo, de
modo menos fragmentado, articulando as contribuições das diferentes Ciências
(Biologia, Química, Física, Geologia, Paleontologia, Astronomia etc.) bem como
da Matemática. Isto reflete a compreensão da complexidade de um currículo de
Ciências do Ensino Fundamental, onde se estudam seres vivos, astros, rochas e
minerais, fósseis, fenômenos químicos e físicos, dentre outros conceitos.
Sobre este aspecto temos a fala da Dra. I:
“Eu acho que a visão globalizada dessas Ciências é melhor. Você não pode fazer
ou, aprender Ciências sem saber química e física. Eu acho que isso tem que ser
olhado de uma forma global. Na verdade não creio que nenhum conceito possa ser
bem entendido se você faz distinção entre uma ciência e outra.”
Alguns acham que a pós-graduação seria um diferencial na atuação do
professor de Ciências, como defende o Dr. M:
“Acho que até o professor da Educação Básica deveria ter o mestrado. Porque
abre a cabeça das pessoas. Porque a 1ª coisa que eu aprendi quando sai da
graduação e vim para o mestrado é que você não sabe tudo. Porque a gente tem
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186
idéia durante a graduação que em ciência ”é assim, assim e está acabado”. E na
pós-graduação a gente vê as exceções. Na verdade, a gente começa a ver que a
maior parte é exceção e não regra geral. Aprender isso seria importante. Perceber
que o mundo não é tão óbvio. A idéia que se tem de Ciências é a de que tudo é
obvio. E não é. Nada é obvio. As coisas se tornam óbvias [...]. ”.
A oportunidade do professor de Ciências vivenciar a pesquisa científica em
um laboratório como parte de sua formação foi destacada em diversas falas:
“Eu nunca parei para pensar nisso, mas quando vejo os alunos que têm que fazer
estágio curricular na sala de aula, dar aulas, assistir o professor dando aula... Penso
que isso também deveria ser feito dentro do laboratório, de física, de matemática, de
biologia, de ciência básica. Seria interessante que tivesse esse estágio nos
laboratórios. Que os licenciandos vivenciassem o inicio do conhecimento, da
pesquisa, aprender como se cria uma pergunta, como buscar uma resposta.
Metodologia para se responder aquilo. Esse tipo de coisa é interessantíssimo para
depois se passar aos alunos em uma sala de aula [...]”. Dr. A.
“Eu acho que para falar de ciências é preciso que em algum momento você viva a
ciência. Até acho que alguns professores que não cursam licenciatura dão aulas
tão belas justamente porque têm essa vivência da ciência. Não só da pesquisa, mas
de dominar a linguagem científica. Então eles são capazes de pegar artigos de
outras áreas e trazer aquilo pra sala de aula. ” Dra. JO
A vivência por parte do licenciando em pesquisas ligadas à sua área
específica, atuando em laboratórios da universidade ou outros centros de pesquisa
durante sua formação, foi intensamente debatida e apontada como uma boa prática
formativa por ocasião do III Colóquio Internacional sobre Epistemologia e
Pedagogia das Ciências, realizado em julho de 2007 na PUC - Rio. Abordando os
temas "Sistemas de Formação dos Professores de Ciências" e "Modelos
Pedagógicos e Novas Tecnologias Didáticas", o colóquio contou com professores
de Ciências e pesquisadores em Ensino de Ciências do Brasil, da École Normale
Supérieure (França) e da Haute École Pedagogique (Suíça).
Para o Dr. D, entretanto, haveria limites para a vivência da pesquisa
científica por parte do licenciando no currículo:
“Eu acho que dá para ele ter esse contato com a pesquisa em um nível que não
seja o do pesquisador propriamente dito. Pelo menos ter uma idéia de como se faz
uma pesquisa. Como se coleta amostras no rio e no mar? O futuro professor
poderia ver como é o trabalho de campo, o do laboratório. Aprender como se
interpreta dados, mostrar exemplos de resultados. Ele não precisa necessariamente
ficar no microscópio analisando e classificando. Isso é uma especialidade. Requer
outras habilidades. Não precisa chegar a esse ponto. Tem que pegar as coisas
essenciais. O licenciando não precisa chegar ao ponto de se agregar a um grupo e
fazer os projetos. ”
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187
No contexto destas falas, é interessante retomar Ogborn e colaboradores
(1996), que em um estudo sobre explicações construídas pelos professores na sala
de aula de Ciências, observaram que os mesmos não se restringem a fazer
demonstrações ou a oferecer relatos verbais, ou seja, a explicação é apenas uma
das muitas estratégias retóricas utilizadas por professores de Ciências. Na
verdade, os professores problematizam aspectos do conteúdo, recontextualizam
explicações através de metáforas, analogias e narrativas, introduzem e re-
elaboram entidades científicas em seu discurso, tudo isso num esforço para que
seus estudantes passem a ver o mundo de uma outra maneira. Os autores ressaltam
a dimensão retórica do Ensino de Ciências ao reconhecerem que a aprendizagem
de conceitos científicos não pode mais ser concebida como convicção racional, já
que a persuasão e a argumentação são relevantes nesse processo. Acerca do
conceito de recontextualização e prática docente, não podemos deixar de citar
Bernstein (1996) quando se refere à produção do discurso pedagógico. Segundo
este autor, o discurso pedagógico seria um discurso recontextualizador que retira
os outros discursos de sua rede de princípios e significados e os recoloca a partir
de suas finalidades e princípios, ou seja, um discurso particular que se apropria de
outros discursos em função de suas necessidades.
Na análise de Gil Pérez (1996), citado por Cunha e Krasilchik (2005),
devem-se questionar as visões simplistas sobre a formação dos professores de
Ciências e compreender a necessidade de uma preparação rigorosa para garantir
uma docência de qualidade, considerando-se as deficiências dos cursos de
licenciatura e o tempo limitado de formação inicial. Por outro lado, muitos dos
problemas do processo de ensino-aprendizagem não adquirem sentido até que o
professor os tenha enfrentado em sua própria prática. Ao tornarem-se
significativos, estes problemas podem finalmente criar uma atmosfera favorável
para a pesquisa na escola, estimulando a busca de soluções. Sobre estes aspectos,
temos a fala a seguir:
“Uma coisa é você buscar informações em um livro, outra é você tirar suas
próprias conclusões a partir da observação da natureza. Seria interessante que o
professor pudesse levar seus alunos a ver diretamente a natureza, observar e
perguntar coisas como: 'Por que as folhas caem no outono e as flores aparecem
mais na primavera'? Assim não ia ficar o conhecimento puro, sem o porquê das
coisas. Tinha que se ensinar os alunos a perguntarem mais sobre os fenômenos, a
serem mais curiosos (...). Acho que existe uma dependência muito grande dos
livros.. Eles são importantes, mas acho que o ensino tem que ter mais da alma da
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188
pessoa. O professor tem que ser aquela pessoa que entenda, que esteja escutando
mais a natureza e saiba passar aquilo pro estudante. ” Dr. R.
Em Chassot e Oliveira (1998) encontramos uma interessante reflexão sobre
essa postura docente criticada pelo Dr. R. Os autores questionam o quanto
efetivamente permitimos que os alunos sejam mais “ interrogantes”, no lugar de
apenas tentar responder às perguntas do(a) professor(a). Para estes autores, é
preciso ficar atentos a perguntas que são trazidas à sala de aula e às vezes não
qualificadas pela escola. Ao querer “trazer os problemas da realidade para a sala
de aula” (aspas originais), os professores, segundo estes autores, acabam
higienizando-as de tal modo que, de “real” já trazem pouco. Mais uma vez
voltamos à questão da recontextualização no discurso pedagógico à luz das
contribuições de Bernstein (1996). O currículo e o programa, ao constituírem-se
como discurso pedagógico oficial, traduzem um modelo de ensino-aprendizagem
caracterizado por determinadas relações de poder e de controle expressas nas
relações entre diferentes categorias de sujeitos, discursos e espaços. Assim, como
atentam Chassot e Oliveira (1998), ao trabalhar com as experiências dos
estudantes, que isso não sirva para partir da realidade no sentido de nunca mais
voltar. Ao chamar a atenção para a dependência do professor em relação ao livro,
a fala do Dr. R nos lembra que os livros didáticos têm em geral, bastante
influência na prática pedagógica do professor de Ciências. A escolha do livro a ser
adotado costuma levar em conta a atualização dos conceitos, qualidade das
ilustrações, sugestões de experimentos e projetos.
Outro elemento que emergiu das entrevistas foi a importância da vivência
da pesquisa em laboratórios na universidade, pelos licenciandos em Ciências. Em
geral, ao ingressar no curso de licenciatura em Ciências Biológicas, o aluno tem
contato com pesquisas do campo específico do conhecimento. Nos cursos onde a
dicotomia entre conhecimento específico e conhecimento pedagógico caracteriza
o currículo proposto, o contato com a “pesquisa específica“ se dá logo no início da
formação. Assim, muitos alunos inserem-se precocemente em pesquisas em
andamento nos laboratórios de Botânica, Genética, etc. no caso da Biologia. O
contato com pesquisas acerca das questões pedagógicas, porém, acaba ocorrendo
tardiamente, na parte final do curso. E nem sempre este contato ocorre.
Infelizmente, são raras as interações entre pesquisa e ensino nas aulas de
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189
Psicologia, Didática, Sociologia e Prática do Ensino que os licenciandos cursam.
Acerca desta vivência da pesquisa na formação inicial do licenciando e da
formação continuada docente, o Dr. F. relata uma experiência bem sucedida na
universidade onde trabalha:
“Há quatro anos oferecemos um curso de cultura de células e fundamentos de
biologia celular. Na época a gente colocou como publico-alvo professores do
estado e do município e licenciandos. Por que achamos isso importante? Para dar
uma aula legal, obviamente o professor tem que ter conhecimento pedagógico.
Mas a Biologia se baseia no campo experimental. Então é fundamental vivenciar o
método cientifico. Deixar a garotada fazer hipóteses. Se vou falar de clonagem em
sala de aula, ainda que não tenha feito estágio num laboratório de biotecnologia,
o fato de ter vivenciado o que é pesquisa, muda minha forma de trabalhar
didaticamente este e outros conteúdos”.
Para Villani e Freitas (2002) é interessante notar que, normalmente, os
professores das disciplinas pedagógicas dos cursos de licenciatura exigem do
aluno um tipo de reflexão sobre as manifestações do fenômeno educacional nos
diferentes âmbitos - político, pedagógico, cultural etc. - sob a ótica do
especialista-pesquisador. Isso quer dizer que se exige do aluno uma inversão da
posição de análise; do aluno que é inserido no ambiente escolar dentro desse
papel, para o de um investigador na área de política educacional, Ciências sociais
e, quiçá, Ciências cognitivas. Assim, a oportunidade de enxergar e analisar o
fenômeno como um educador em geral só virá com a prática, depois do término
do curso. Nesse caso, os alunos não se integram cognitivamente ao processo, pois
a comunicação professor-aluno é, na maioria das vezes, ininteligível.
Acerca deste aspecto, fala a Dra. B:
“Todo ensino deve envolver participação, atividades práticas com muito o espaço
para debate e questionamentos. Além disso, só deve formar o outro quem puder
dar o exemplo daquilo que "prega". Alguém genial já disse: O exemplo não é a
melhor forma de ensinar: é a única!”
Ao refletir sobre nossa formação ( professores de ciências), indago-me então
sobre que tipo de pesquisa nos prepararia melhor para o exercício da pesquisa na
prática docente: a pesquisa em Genética, Botânica, Teoria da Relatividade,
Cinética Enzimática, Nanotecnologia, etc. , ou a pesquisa que levasse à produção
de materiais e/ou estratégias de ensino que favorecessem o aprendizado por parte
de nossos alunos, de alguns conceitos (não todos!), necessários à sua preparação
para a vida? O que pensam os cientistas sobre essa questão?
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190
A Dra. D destaca a importância de experiências de inserção do licenciando
ou do professor no ambiente de pesquisa, embora reconheça que isso exija tempo
extra do cientista responsável pela pesquisa para acompanhamento e orientação:
“Eu fiz o meu Pós-Doutorado no Sul da França. No laboratório em que eu estava-
uma unidade mista de pesquisa-assim como em todos os laboratórios, acontecia o
seguinte: oferecia-se um mês para o aluno de graduação fazer um projeto, de
interesse do laboratório, mas plenamente executável em um mês. Entregava-se o
projeto com o problema, ensinavam-se as técnicas e o aluno se virava. E dava
certo. Além disso, era bom para o laboratório porque tinha coisas que a gente
tinha que fazer, mas não havia tempo. Para o aluno era muito bom, podia ser um
problema simples, mas era um problema. Para o pesquisador era algo simples,
mas para o licenciando era algo diferente. Mas também entendo o lado do
pesquisador. É caro, não só em termos financeiros, mas em termos de tempo. Eu
gasto mais tempo com os alunos de iniciação científica do que com os mestrandos
e doutorandos. Mas embora os de IC dêem muito mais trabalho, também
apresentam resultados muito mais gratificantes. ”
A Dra. I é enfática ao defender a igualdade de oportunidades entre
licenciandos e bacharelandos na ocupação de vagas em laboratórios, destacando o
quanto essa vivência é importante na formação do professor:
“Existem diversos programas, como por exemplo, o programa de iniciação
científica, inclusive nas universidades privadas. Ele é essencial. Atualmente
engloba cerca de 1% do alunado brasileiro, mas deveria englobar muito mais.
Deveria englobar 100%. Não fazemos discriminação entre quem é licenciando e
quem é do bacharelado, pelo menos em minha universidade, na hora de conceder
bolsas. Se eles têm competência e o projeto tem mérito, eles ganham tanto se são
uma coisa ou outra. [...] Não acho que seja um desperdício dar bolsas ao
licenciando, porque no final das contas é o que ele mais precisa para ser professor.
Ter essa base de saber buscar as coisas para passar ao aluno, estimular a
interrogação, a curiosidade...”
Também em Chassot e Oliveira (1999), lemos sobre a necessidade da
conjugação entre pesquisa e ensino na formação de professores. As velhas
licenciaturas caracterizadas pela fragmentação de seus cursos levam à formação
de professores de Ciências sem uma visão clara dos conteúdos específicos das
Ciências e sem a vivência em pesquisa, tornando-os despreparados para reelaborar
pedagogicamente estes conteúdos a fim de torná-los adequados à aprendizagem de
crianças e adolescentes. Para estes autores seria como se a parte pedagógica do
curso não se “encaixasse” sobre a “base científica” construída a outra instância
acadêmica.
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191
É importante retomar os questionamentos e reflexões feitas por Soares
(2001), nos quais se discute como as pesquisas nas áreas específicas influenciam o
curso de formação de professores e nos perguntarmos: Que tipo de pesquisa
prepararia o professor da área de Ciências Naturais para a prática da pesquisa
como docente na Educação Básica? Esta autora defende a idéia, bastante
difundida, de que só estará habilitado para uma ação pedagógica pertinente e
competente, um professor cuja formação tenha sido marcada pelas pesquisas em
sua área específica. Para esta autora, é fundamental compreender como o
conhecimento da área é construído, para que possa socializá-lo (ensiná-lo). Assim,
produção do conhecimento (pesquisa) e socialização do conhecimento (ensino)
seriam indissociáveis.
O Dr. AE, quando questionado sobre a formação do professor de ciências
destacou a necessidade de atualização constante e o uso das tecnologias de
informação para facilitar este processo. Entretanto, lembra que é fundamental o
professor não apresentar estas informações prontas ao aluno, mas estimulá-lo a
pesquisar também:
“Na área de ciências o professor tem que estar sempre bem informado porque as
coisas mudam muito rapidamente. Ele tem que usar as ferramentas de mídia,
Internet e outras, para estar atualizado e tentar despertar nos alunos o interesse
para pesquisa de temas na sala de aula. Não adianta ele passar a informação
simplesmente, mesmo que ele tenha um recurso de mídia muito bom, um data-show
muito bonito, com imagens interessantes, ele não deve levar a informação pronta
pra sala de aula’.
O Dr. AR destaca a importância da componente pesquisa na formação
docente:
“Eu acho que qualquer curso de licenciatura tem que ter essa vertente, (a
pesquisa) porque não é só no bacharelado que se faz pesquisa, na área de
licenciatura você pode trabalhar a questão do professor, do aluno, do professor
com o aluno. As disciplinas metodologia do trabalho científico e a metodologia da
pesquisa científica não são valorizadas. Eu vejo claramente que os alunos não
compreendem o que é metodologia da pesquisa e metodologia de trabalho, por
falta de um aprofundamento e estímulo. Geralmente é dado no 2º ou no 3º período
no curso de graduação e depois nunca mais eles vêem. E tem que bater na tecla
daquelas três palavrinhas famosas: a inter, a trans e a multidisci-plinaridade. ”
A Biologia recebeu especial destaque na fala do Dr. AE no que diz respeito
ao acelerado ritmo de mudanças e novas descobertas na atualidade:
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“Embora a Física, Matemática e Química tenham também esse potencial, são mais
frias, mais exatas. Em Biologia tudo é discutível. Não existe uma verdade absoluta
em biologia. Qualquer informação, por mais correta que o professor possa ter, ao
passar pra sala de aula, o aluno pode questionar. A Biologia permite mais o
questionamento. O professor tem que usar a mídia, a Internet, a favor dele. Mesmo
que depois se descubra que aquilo que a mídia noticiou não era verdadeiro, a
discussão já trouxe à tona várias possibilidades ricas do ponto de vista
pedagógico.”
Ainda em sua fala, que revela a predominância do gênero feminino entre os
professores de ciências - alunos do curso de biocências – o Dr. AE afirma que
embora seja mais complicado, é possível dar boas aulas de ciências em cenários
de escassez de materiais:
“A gente tem tantas limitações, mas não pode se acomodar e utilizar as limitações
como desculpa para não fazer as coisas. No curso de biociências existe uma
disciplina que ensina como elaborar um artigo científico e depois como publicar.
Então as professoras têm muita dificuldade nisso. Eu falo que é um desafio, que
não pode utilizar a falta de recursos na sala de aula, a falta de laboratório, como
uma barreira para não fazer. E dentro daquelas limitações elas buscam e
conseguem alternativas.”
O mesmo Dr. AE, conta como os próprios alunos, motivados pelos
professores, ajudam a tornar a aula mais interessante, em escolas onde faltam
recursos materiais:
Minha orientanda, que pesquisou o que os alunos sabiam sobre os insetos,
começou a desafiar os alunos a trazer insetos de casa para o laboratório. Teve um
dia que ela falou: vou mandá-los parar – me trazem barata, gafanhoto, uma
porção de coisas que eu nunca podia imaginar que eles fossem pegar, então a sala
está cheia de insetos, daqui a pouco o diretor vai reclamar”.
E destaca o quanto as expectativas e atitudes de um professor em relação a
seus alunos podem fazer a diferença em suas vidas:
“Vemos que em lugares praticamente sem recursos, colégios carentes,
comunidades em Nilópolis, Nova Iguaçu, colégios pobres para trabalhar, o aluno
se interessa pelo que está sendo estudado, se sente valorizado quando o professor
demonstra que ele é capaz. Um professor nunca deve pensar o que adianta ensinar
isso, se aqui ninguém vai ser cientista? Como ele sabe que ninguém vai ser
cientista? Eu sou o melhor exemplo disso: eu nunca imaginei que eu fosse ser
cientista. Até os 16 anos, só queria saber de jogar futebol e foi um professor quem
me deu a oportunidade de conhecer a ciência de fato. “Dr. AE
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4.9
O que dizem os cientistas entrevistados acerca da relação entre
pesquisa e docência
Tanto na Fundação Oswaldo Cruz como em outros centros de produção
científica é comum o pesquisador ter que complementar sua jornada de trabalho
com a docência, seja na graduação ou nos programas de pós-graduação. Ao serem
questionados sobre a relação entre suas atividades de pesquisa e a docência,
alguns manifestam claramente sua preferência:
Pela pesquisa
“Sempre pensei primeiro na pesquisa. Acho que o ensino vem como um complemento
dessa atividade. Porque querendo ou não, quem faz pesquisa e é obrigado a dar
aulas, tem que ler mais, ter um contato maior com os livros. ” Dr. S.
Ou surpreendentemente, já que se trata de cientistas, pela docência:
“Eu adoro dar aula! Eu acho que pesquisa e ensino estão muito articulados. Eu
comecei a dar aula ainda na graduação. Achava que não gostava nem sabia dar
aula e quando comecei a apresentar os seminários, os professores me davam mais
pontos do que ao resto da turma. Isso começou a mexer comigo. Vi que os alunos
gostavam da minha ”aula”. Então eu comecei a me sentir bem. A me sentir
confiante. E resolvi: quero dar aulas também. E faço isto até hoje. Dá trabalho ter
que corrigir tantas provas. Mas dar aula é muito bom”. Dr. M
O entusiasmo pela docência também é compartilhado por Dr. R:
“Eu sempre pensava em ser professor e pesquisador.. na verdade eu sempre
pensei mais em ser professor. Eu gosto realmente de pesquisar, mas sinto que
gosto porque ensino.. Adoro dar aula! Se eu pudesse ser só professor eu seria só
professor! Mas a pesquisa complementa meu trabalho: sempre tem um problema
para resolver, e nisso você está sempre estudando. Você busca o conhecimento e
reparte com seus alunos. O que eu mais gosto na pesquisa é poder ensinar,
repartir. ”
Todos os entrevistados foram unânimes em dizer que sua atividade de
pesquisa tem impacto positivo em sua atuação como professor e vice-versa.
Alguns acham que mesmo na Educação Básica é possível associar pesquisa ao
ensino, embora reconheçam as dificuldades:
“É impossível dissociar o ensino da pesquisa.. na verdade é um desperdício você
fazer pesquisa sem formar pessoas. Mas tudo depende da infra-estrutura. Como é
que se pode ter numa escola de ensino básico uma linha de pesquisa? Eu acho que
é possível, depende das pessoas, sua satisfação.. Fundamentalmente dependente
do interesse delas. ” Dr. A
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A mesma referência nesta “via de mão dupla” pode ser constatada na fala da
Dra. I:
“Eu acho que ser pesquisadora ajuda muito na minha prática docente. Porque o
contato com o estudante é uma coisa que faz você vibrar muito, leva adiante e faz
você buscar. É como uma dupla-via. Você tem o retorno sempre. Eu não gosto
nada de deixar de ensinar. Até hoje ensino. Sou professora em dois mestrados e
gosto de ensinar. ”
E da Dra. B, que é enfática na relação docência-pesquisa:
“Formo mestre e doutores no meu campo. Se eu não fizesse pesquisa acho que
pararia de dar aulas. Só tenho o que dizer porque estou sempre trabalhando (em
pesquisa). Meus cursos a cada ano divulgam resultados inéditos meus de minha
equipe alunos e de convidados.. e da literatura, mas prefiro que o próprio
pesquisador fale do que faz, pois assim o aluno conhece o "bastidor" da produção
científica também.”
Outros cientistas destacam o quanto a docência “alimenta” sua prática como
pesquisadores:
“O melhor de dar aula são os alunos que fazem perguntas. Que te colocam em
xeque. Você diz:” Puxa.. Eu nunca olhei desse ponto de vista”. Esse é um ótimo
aluno. À medida que você vai ficando mais velho, essas surpresas vão acabando.
Você vai adquirindo tanta experiência que acaba não sendo mais surpreendido. Eu
aprendo muito com seminários de alunos. Alunos de pós, de iniciação, de tudo,
porque eles chegam muito curiosos e começam a avançar.. e você é obrigado a
avançar junto, principalmente se for por uma área em que tem pouco
conhecimento. Eles te estimulam com aquela sede de aprendizado que o aluno mais
novo tem.. isso é muito bom. E a pesquisa ajuda porque eu estou sempre achando
coisas novas para encaixar nas aulas. E vive-versa. [...] Agora por exemplo, eu
trouxe das aulas de química orgânica que dava no curso de nutrição, a idéia de
trabalhar com química de alimentos no meu laboratório. E o que descubro na
pesquisa levo para a sala de aula. Por exemplo, a parte de alimentos funcionais, a
atividade antioxidante de flavonóides como fins terapêuticos. Eu coloquei incluí
esse tópico na disciplina. Oxidação é importante porque degrada o alimento e
também degrada a gente. ” Dr. M
“Eu reformulo o curso todo ano. Porque isso é fundamental. Não ver a ciência
como uma coisa estática. Eu trouxe pro laboratório uma maior tolerância, ao
perceber que as pessoas têm dificuldade com a linguagem. E trouxe isso para o
pessoal que faz licenciatura. Porque até então minha vivencia era com iniciação
cientifica, o pessoal que faz bacharelado, que estão acostumados com a linguagem
da pesquisa. Então eu comecei a mudar minha linguagem e minhas abordagens. E
a relação. Porque os professores já vêm com uma bagagem imensa. E eles fazem
questionamentos que nós não temos dentro do laboratório. Mais voltados até para
o que é importante para a sociedade. ” Dra. JO
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“Eu nunca pensei em ser professor, mas sempre fui professor. Eu sempre pensei em
fazer pesquisa, mas lidar com aluno sempre esteve ligado a mim. Mesmo aqui no
Instituto Oswaldo Cruz, sempre dei aula. [...] Participei da fundação do curso de
Biociências, e trabalhando com colegas ligados à área da educação comecei a
ficar interessado também. Nos últimos 6 anos, a gente passou a associar bastante o
laboratório de pesquisa ao ensino em função. No curso de biociências o público
alvo são professores da Educação Básica e professores universitários. Eu já
orientei 5 dissertações de mestrado, bem ligadas à área de educação mesmo. Por
exemplo, tem uma dissertação apresentada no ano passado, sobre Os Saberes dos
Professores de Ensino Fundamental e Médio, de ciências, acerca do que o livro
didático está realmente ensinando e a sensibilidade dos alunos quanto à
entomologia. O que eles pensam dos insetos, se eles têm medo, nojo, se gostam, as
percepções, o que os pais acham que seus filhos estão aprendendo sobre a
entomologia, etc.” Dr. AE
A Dra. S considera inclusive, que a experiência paralela com a sala de aula
aproxima o pesquisador do “mundo real”:
“Eu acho que tanto ser professor contribui para ser pesquisador e vice-versa,
assim como o fato de eu ter passado um pequeno período no serviço de saúde. A
gente quando fica só aqui, fica muito na teoria. Por mais que você pesquise, você
não está no mundo real.. ” Dra. S
O Dr. F, ao ser questionado se o fato de ser pesquisador o tornava um
professor melhor e vice-versa, respondeu com um exemplo:
“Eu vejo assim a diferença entre nós que damos aula para graduação nos
primeiros períodos de biologia celular para os professores que também dão aula
nos primeiros períodos de biologia celular, mas não têm essa vivência de pesquisa:
eles nunca vão dar aula de biologia celular. Vão dar aula de citologia”.
Também o Dr. AR destacou o “duplo benefício”:
“Totalmente, por vários motivos. Você consegue entender a linguagem e a
necessidade do aluno naquele momento. E você precisa da intensa movimentação
do conhecimento para poder passar para o aluno. Além de estar por dentro das
tendências, do ensino atual. Você troca informação com os professores, com os
alunos, com esse contato você está sempre buscando estratégias, recursos novos,
metodologias e tecnologias”.
E revela que como docente se vê reproduzindo práticas de uma professora
marcante:
“Então ela fazia toda sexta-feira – um dia cansativo, estressante – uma maneira de
deixar todos os alunos motivados. Por que? Ela não trabalhava por nota, ela
trabalhava com estrelas então a metodologia que ela usava era a seguinte: ela
tinha 4 boletins seguindo as cores da bandeira do Brasil. Você saía do verde e ia
até o branco. Então ela dividia isso em vários quadrados e você ficava estimulado
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para o senso de organização que ela te dava. Ela procurava e exigia que a gente
trabalhasse com fichário. Fazíamos todos os trabalhos que ela pedia e sempre no
final de cada mês tínhamos que entregar aquelas folhas fichadas da sua matéria,
para ela verificar se você estava acompanhando. Dependendo da sua apresentação
você ganhava de uma a três estrelas. Seria como um portfolio, que hoje em dia a
gente pede para avaliar como uma história do que está acontecendo naquele
período, onde os alunos vão registrando os seus trabalhos. “
Já para a cientista Y, a sala de aula tem mais possibilidades de ser
beneficiada pela pesquisa que vice-versa, embora identifique algumas
articulações:
“As questões da sala de aula, de graduação, não se enfocam muito dentro do meu
trabalho de pesquisa. Porém, volta e meia eles me fazem perguntas que acabo
investigando, no laboratório, livros ou na internet. Já o meu trabalho de pesquisa
eu levo bastante para a sala de aula. A experiência em sala de aula também ajuda
muito na hora de fazer uma apresentação oral em um congresso. ” Y
O Dr. AE relata sua dificuldade inicial em falar a “mesma língua” dos
alunos (professores de Educação Básica) no curso de biociências onde leciona e
experiências bem sucedidas na aproximação laboratório de pesquisa-escola
básica:
“O vocabulário é todo próprio. E a dificuldade que eu tinha de aproximar a
pesquisa do laboratório com interesse do educador. Meu trabalho é com mosquito,
com malária. Pensei: o que eu vou poder extrair do meu trabalho de laboratório
para sala de aula? E eu consegui isso com a ajuda dos próprios professores, que
foram trazendo as questões das suas salas de aula na escola básica. Por exemplo,
orientei aqui uma aluna, professora de ciências, que estudou na Bahia o campo
com conchas fósseis, querendo saber desde quando tinha concha do caramujo da
esquistossomose naquela região. No início pensamos: Como é que a gente vai
conseguir colocar esse projeto no curso de biociências? Aí tivemos a idéia de
montar um museu de ciências na escola onde ela lecionava. Então ela montou um
museu transpondo o problema que essa cidade da Bahia tinha, da
esquistossomose, dos caramujos, e da importância das pessoas ao visitar o museu
aprenderem a identificar o caramujo que transmitia uma doença presente na casa
deles, na cidade, no dia-a-dia. Conseguimos tirar aquela frieza do museu só
expositivo, da pessoa ir lá e fica olhando pro caramujo: ah, bonita essa concha..
No museu da escola, o visitante já começou a perceber que aquele caramujo,
daquela concha, era responsável por uma doença endêmica na cidade. Isto motiva
mais todo mundo, o aluno, o pai do aluno, os moradores da comunidade.. ”
O Dr. F também considera que esta dupla experiência (laboratório de
pesquisa-sala de aula), didaticamente tem reflexo em suas aulas. E destaca a
importância das boas perguntas na ciência, bem como a capacidade de observação
por parte dos cientistas:
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“Eu vejo o meu caso. Ah.. o F. é um bom professor! Dizem meus alunos. Pelo
contrário, eu sou um caos, mas falo do que adoro pesquisar. E trago questões da
sala para laboratório também. A última experiência neste sentido foi de uma aula
sobre reparo de lesão cardíaca (células-tronco) e alguém me fez uma pergunta que
nunca tinha me feito antes. Na cabeça dos meus colegas foi besteira, mas para mim
não. A ciência é feita de boas perguntas. Eu me lembro de um colega meu, bem
mais velho, que dizia que olhava exatamente a mesma coisa que o Fleming, mas
que não via. O Fleming olhou e viu. Sabe lá o que é isso?”
A Dra. D em seu relato, também chamou a atenção para um livro de
Biologia (do BSCS, já citado neste estudo) que estimulava a indagação e o
levantamento de problemas, tendo guardado boas lembranças destas orientações:
“Esse livro diz” cientistas lidam com problemas”. Esse foi o meu livro no
científico. Como diz aqui: Há problemas de todas as amplitudes. Não é necessário
ser uma pessoa excepcional para ser cientista. Pois existem problemas para todas
as capacidades. O primeiro passo é ver o problema e formular em linguagem clara
e concisa” e isso eu canso de falar com um monte de alunos meus. Que isso é
importante. Eu tive uma aluna minha aqui ontem defendendo especialização em
entomologia. “E uma pessoa da banca falou que o trabalho dela era super simples,
mas com uma boa pergunta e por causa disso os resultados foram maravilhosos. ”
Os dados pessoais e nossas conversas revelaram que esses cientistas
emergiram de realidades heterogêneas. Alguns nasceram em cidades do interior,
enquanto outros sempre viveram em metrópoles. Alguns estudaram em escolas
públicas, outros em instituições privadas. Vários foram considerados desde o
início da vida escolar alunos brilhantes, enquanto outros já foram rotulados em
algum momento do início da vida escolar como “alunos-problema”. Houve
aqueles que foram apoiados por suas famílias desde o início, outros,
desencorajados. Enquanto alguns cresceram em um ambiente familiar impregnado
de referências científico-culturais, os demais só tiveram este contato na escola.
Poucos tinham cientistas ou profissões similares na família. Embora outros fatores
tenham sido revelados, nos relatos desses cientistas pude constatar efetivamente a
importância de seus professores na sua opção de enveredar pelos caminhos da
ciência como profissão. Vejamos a seguir, os desdobramentos desta constatação.
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5
À guisa de conclusão: entre as constatações de uma
cientista e as apostas de uma educadora
Conforme fui retomando as reflexões que me instigaram a fazer esta
pesquisa e a questão central que me dispus a investigar, percebi que novas caixas-
pretas (Fourez, 1997) abriam-se e a cada conclusão que chegava, outras questões
impunham-se, estabelecendo conexões insuspeitas entre fatores que até então
haviam sido colocados em instâncias diferentes por mim. Estas conexões
ajudaram-me a traçar um perfil de professor de ciências, que acredito, pode levar
um aluno a querer ser cientista e a ratificar a importância da educação científica
desde as séries iniciais, bem como propor estratégias que viabilizem a adoção das
boas práticas docentes apontadas. Apresento a seguir as principais constatações
que fiz e algumas apostas que faço.
O perfil de um professor de ciências marcante segundo os cientistas
Um professor de ciências marcante abre espaço para a pergunta e valoriza
adequadamente o erro dos alunos
Os relatos dos cientistas mostraram que seus professores marcantes tinham
uma prática onde a pergunta do aluno era sempre bem vinda, onde o
questionamento e a busca eram valorizados e estimulados. A acessibilidade e boa
capacidade de comunicação que emergiram como características positivas
relacionadas aos bons professores assim como admitir que não sabem tudo, têm
impacto direto sobre a construção de um clima em sala de aula onde os alunos
sentem-se à vontade para perguntar e professores não têm medo de propor com
sinceridade : vamos investigar isto juntos? Entendo que deste modo, podem ser
quebradas as couraças e resistências internas que impedem mudanças conceituais
(inclusive entre os professores) tão necessárias na aprendizagem (e ensino) de
ciências. No lugar de indivíduos refratários a novos pontos de vista sobre um
problema, querendo cada qual resguardar sua posição “hierárquica”, têm-se
sujeitos interagindo efetivamente, canalizando esforços e mobilizando recursos
cognitivos para solucionar questões propostas.
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Quando o aluno percebe que nenhuma dúvida é tola, que nenhuma
hipótese é desprezível e que o experimento, o trabalho de campo ou a
demonstração são situações onde ele o mais que aprender conceitos, pode
desenvolver autonomia intelectual, ampliando sua capacidade de questionar,
observar, inferir, sistematizar, interpretar, registrar etc., é mais provável que a sala
de aula torne-se um espaço efetivo de educação científica. Para Goulart (1994 p.
120):
“A postura das professoras, como detentoras do Saber perante os alunos, pode ser
uma máscara para as suas inseguranças em termos do domínio de um conteúdo,
pode ser um comportamento relacionado ao “habitus” da profissão (Bourdieu,
1989) e pode ser um tipo de auto-defesa contra o “ataque” social aos professores,
por exemplo. ”
A mesma autora citando Kunh (1977) chamou a atenção em seu estudo, para
o papel do erro no ensino de Ciências:
“Enquanto no ensino há uma preocupação generalizada, entre as professoras
observadas, no sentido de tentar consertar os erros dos alunos – que são percebidos
como algo negativo – na Ciência, o erro indica a inadequação dos resultados
experimentais com a teoria, sendo sua observação uma das características da prática
científica. ” (Goulart, 1994, p. 175).
Assim, meu trabalho corrobora o que outros vários trabalhos neste campo já
constataram: a necessidade de investir em formação docente, inicial e continuada,
a fim de aumentar o nível de segurança conceitual dos professores e assim
favorecer a ousadia metodológica. Um bom professor de ciências é bem formado
e continua sempre em formação. E não tem receio de assumir que ainda há o que
aprender, sendo, portanto mais aberto a propostas de mudanças curriculares.
Um professor de ciências marcante tem uma boa comunicação com seus alunos
Todo espaço de aprendizagem também deve ser um espaço de comunicação,
calcado na interatividade. Não só as diferentes linguagens representam meios para
favorecer o aprendizado de ciências, como também o aprendizado de ciências
pode ser meio para desenvolver competências comunicativas e habilidades no uso
adequado de diferentes linguagens que podem ser úteis ao aluno em diferentes
contextos, na escola e fora dela. A natureza interdisciplinar das linguagens
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200
favorece ainda a quebra da fragmentação dos currículos, aproximando o ensino de
ciências com o de outros campos.
Nos relatos dos cientistas, ficou clara a importância do professor explorar as
diferentes linguagens e utilizar diferentes tipos de textos (livros, vídeos, desenhos,
experimentos, maquetes, etc.) desafiando os alunos a interpretá-los e
sistematizarem suas idéias. Isto pôde ser identificado até mesmo nas aulas dos
professores que poderiam ser consideradas como tradicionais, pois:
“Implementar uma perspectiva dialógica em sala de aula não significa apenas dar
‘voz’ ao aluno e à aluna. Significa também, contemplar as vozes da linguagem
cotidiana e dos contextos sociais e tecnológicos onde a ciência se materializa, na
construção do discurso cientifico escolar da sala de aula. Uma aula expositiva ou
um texto também podem ser profundamente dialógicos, desde que explicitamente
contemplem essas outras vozes que não apenas as da linguagem cientifica. Essas
perspectiva também se aplica à atividade experimental, que pode, dessa maneira,
ser caracterizada como um diálogo entre teoria e prática” (Mortimer, 1998, p. 117
apud Machado 2004 p. 181)
Deste modo, os resultados deste trabalho reforçam a importância de dar
especial atenção aos componentes comunicativos do ensino-aprendizagem de
ciências na organização de programas de formação docente e na produção de
materiais didáticos e espaços voltados para a educação científica. Mais do que
nunca, diante do contexto contemporâneo, onde os limites espaço-temporais
flexibilizam-se nos ambientes de aprendizagem graças ao incremento das
Tecnologias de Comunicação e Informação, é preciso lutar para garantir o acesso
de nossos alunos a uma rede de conhecimentos que se configura cada vez menos
linear e mais hipertextual. A inclusão digital pode abrir múltiplas possibilidades
no ensino de ciências, ampliando-se assim seu caráter includente para o da
educação científica. Entretanto, novas tecnologias não garantem por si só
inovações na forma de ensinar. Devem ser acompanhadas de uma prática docente
reflexiva. Da mesma forma, é preciso lembrar que muitos dos velhos recursos e
tecnologias permanecem subestimados, com usos pedagógicos ainda limitados na
escola: TV, vídeo, jornal, revista, mural, rádio, etc. Agregar novos recursos,
portanto, não significa ignorar o potencial pedagógico dos “velhos” conhecidos do
professor. O dicionário pode ajudar na ampliação do vocabulário nas aulas de
ciências, o globo terrestre nas coordenadas do plano cartesiano de matemática, a
lupa no estudo das rochas da aula de geografia e tantos outros usos
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201
“indisciplinados” e “transgressões” didáticas, que permitam um aprendizado
menos estanquizado na escola, são possíveis e desejáveis.
Goulart (1994) mostrou em seu estudo com séries iniciais como atividades
discentes vistas pelos professores como “subversivas” ou “indisciplinadas”
propiciavam momentos de interação com objetos normalmente ignorados por nós
(apontadores, giz, cadeira etc.) e ações de cunho exploratório e experimental que
favoreciam a construção de conceitos científicos. Para esta autora, os
pesquisadores e as autoridades educacionais na escola desconhecem a natureza
desse tipo de atividades “indisciplinares” em função de sua formação cultural.
Para o professor e demais profissionais da Educação, como adultos que são, os
objetos têm sua função própria e devem ser utilizados de modo “correto”, como
seu grupo social costuma fazer. Deste modo, alerta Goulart (1994), a
invisibilidade da construção de conhecimento na sala de aula no caso dos
professores está intimamente relacionada com a sua formação, com o tipo de
ensino que ministram e com as condições existentes para o trabalho docente.
Afinal, como reconhece a autora, não é simples em turmas de 30 ou mais alunos
estar em uma posição privilegiada de observador em sala de aula e conseguir ver o
que os alunos fazem.
Goulart (1994 p. 177) conclui com um exemplo:
“As observações também mostram como o processo ensino-aprendizagem no
contexto escolar parece paradoxal, pois as professoras observadas, na tentativa de
ajudar os alunos a ampliar os conhecimentos, sem saber, inibem a construção
espontânea de conhecimentos deles, como a professora que repreendeu um aluno
por sua “distração” em relação a tarefa proposta, mandando que ele guardasse
aquilo que tinha sobre a mesa, quando o menino estava testando a força da mola de
um prendedor de papéis. ”
Assim, uma perspectiva dialógica implica em “ler” e estar atento aos
diferentes textos e diálogos que se estabelecem com os sujeitos entre si e com os
objetos, inclusive de forma verbal em sala de aula. Afinal, se o diálogo, como
atenta Mortimer (1998), sempre existe, ainda que interno, um dos desafios
docentes é trazê-lo para fora, para o meio social, para o espaço de aprendizagem.
O “bom aluno” de ciências não deve ser visto por nós como aquele que não
perturba, não fala, não mexe e não faz perguntas nas aulas. Este sem dúvida não
parece ser um “bom comportamento” para aprender ciências.
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Um professor de ciências marcante demonstra entusiasmo pelo que faz
Vimos que uma das características mais acentuadas pelos cientistas diz
respeito ao entusiasmo visível com que seus professores marcantes lecionavam e
falavam da ciência. Sendo este um aspecto subjetivo, parece-me complicado
relacioná-lo diretamente às competências docentes que se espera de bons
professores. Entusiasmo, em geral está relacionado ao prazer pela atividade e em
lidar com os objetos e sujeitos nela envolvidos. Assim, considero que a questão
vocacional – um dos focos deste estudo – também perpassa esta característica
docente. Parece fundamental gostar de ser professor, bem como gostar de ciências
para demonstrar o entusiasmo que “contagiou” os cientistas. Obviamente, boas
condições materiais de trabalho docente, tanto em termos de espaço e recursos
para ensinar,bem como a valorização social a elas atrelada, representam
importantes fatores que favorecem este entusiasmo, que não pode ser creditado
apenas a características ligadas a determinado tipo de personalidade ou
temperamento pessoal.
O prazer de seus antigos mestres pela docência também foi ligado pelos
cientistas às lembranças das demonstrações de afeto, cuja relação com a cognição
já abordamos neste estudo. Borges (2004 p. 211) em seu trabalho sobre saberes
profissionais de professores da educação básica, afirma que:
“Outra característica dos saberes dos docentes é que envolvem também uma
dimensão afetiva. Ensinar envolve uma disponibilidade para lidar com o outro,
para tentar compreender o outro, para voltar-se para o outro. Ensinar exige empatia
pelos alunos.”
Preocupo-me, portanto, quando penso nas falas, nos rostos cansados e
desanimados e por vezes agressivos de colegas que encontro em diferentes fóruns
docentes. Urge recuperarmos o entusiasmo, o que não será possível apenas com
melhorias na remuneração ou condições de trabalho. É necessário investir no
resgate da auto-estima e segurança que permitam ao professor transitar com prazer
e ousadia criativa na sala de aula e em outros espaços de aprendizagem. Isto se faz
também através de políticas e programas de valorização e formação docentes
(inicial e continuada), que tenham alcance quantitativo e qualitativo realmente
significativos, através de parcerias que aproximem universidade/escola bem como
cientistas/professores e alunos da educação básica.
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Um professor de ciências marcante incrementa sua aula com experimentos,
demonstrações, trabalhos de campo etc.
Embora no contexto histórico atual, apoiados por novos referenciais em
ensino de ciências, possamos questionar o papel atribuído às atividades
experimentais no passado bem como perceber equívocos como a dicotomia que
caracterizava a separação das aulas “teóricas” de “práticas” nos relatos dos
cientistas, não há como negar o quanto este tipo de atividade pode agregar valor às
aulas de ciências, e despertar o gosto por seu aprendizado. Assim, longe de negar
sua importância, o caminho está na revisão de seu papel. As lembranças dos
cientistas revelaram que a maioria dos seus antigos professores não dispunha de
condições supostamente ideais para a realização de atividades fora do
convencional. Tal qual a grande massa de professores de nossas escolas,
buscavam alternativas para propor atividades que não exigissem recursos
sofisticados ou inacessíveis e também sofriam pressão provocada pelo tempo
escasso e programas extensos a serem cumpridos.
Parece claro que o “método científico” não pode tornar-se uma armadilha,
engessando o trabalho do professor e aluno. A realidade de nossas escolas mostra
que muitos professores de Ciências parecem desconsiderar a possibilidade de
trabalho com o “método científico” em sala de aula no Ensino Fundamental, seja
redimensionado como uma rede de múltiplas conexões, ou mesmo na tradicional
forma linear. Experimentos simples, de baixo custo, que poderiam estimular os
alunos à prática da observação, a levantarem e testarem hipóteses, não são
realizados ou são pouco explorados no afã de cumprirem-se listas enormes de
conteúdo programático. Forma-se uma geração de “sentistas“ (de alunos sempre
sentados, “bem comportados”, ouvindo e escrevendo) e não de potenciais
cientistas, curiosos, inquietos e questionadores. Na opinião de Santos (1991 apud
Marsulo e Silva 2005 p. 45), o “método científico” tornou-se um “mito de um
método todo poderoso, universalmente fecundo, especial, mecânico e perene a que
os cientistas recorrem para chegar à verdade; mito de um método que pretende
fazer dos alunos pequenos cientistas” (Santos, 1991, p. 32). Claro que não se trata
de dizer que as atividades práticas ou experimentais são dispensáveis no ensino
escolar, pelo contrário, elas devem acontecer, mas não como fim ou desenvolvidas
e comparadas com o trabalho dos cientistas.
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Em muitas escolas, o paradigma dominante ainda é o da aprendizagem por
descoberta, que valoriza, excessivamente, as atividades experimentais,
enfatizando o método da redescoberta. Segundo Maldaner (2000 apud Marsalo e
Silva 2005 p. 47), este paradigma é passível de crítica, pois a aprendizagem por
descoberta concebe o aluno como alguém a quem se orienta a descobrir, ou
redescobrir, os mesmos conhecimentos. Dentro dessa concepção, as atividades
escolares teriam por objetivo formar pequenos cientistas ou incutir o espírito
científico nos alunos. Na realidade, isto acaba não acontecendo, pois a
aprendizagem por descoberta parte da convicção de que os alunos aprendem, por
conta própria, qualquer conteúdo científico, a partir da observação. Assim, para
Santos e Praia, (1992), o professor ilude-se e frustra a si mesmo e a seus alunos
quando sugere que eles podem descobrir sozinhos os conceitos por meio do
“método científico”. Deve-se acrescentar que, nesta perspectiva, o “método
científico” em um modelo linear é apresentado como caminho único e verdadeiro
para o ensino de Ciências. Os autores propõem então um redimensionamento do
“método científico”, levando-se em consideração que este é uma das múltiplas
possibilidades da construção do conhecimento e nada impede que seja
representado como uma rede, com diferentes conexões, incluindo fatores sociais,
culturais, ambientais.
Sendo o laboratório um espaço para experimentar e articular teoria e prática,
por que então não legitimar a possibilidade de ver o universo escolar como um
grande laboratório? Um lugar onde questões relativas a aprendizagem, avaliação,
materiais didáticos, papel docente e discente, dentre outras, que inquietem o
professor de Ciências tal qual o avanço da biotecnologia, possam ser objeto de
pesquisa.O ensino das Ciências tem como desafio superar a fragmentação dos
conteúdos. Talvez isto se dê organizando o currículo em torno de temas amplos,
numa perspectiva interdisciplinar.Sob uma visão ampliada de conteúdos as
atividades experimentais podem efetivamente ter sentido. Como atenta o texto do
Guia PNLD de Ciências (2007, p. 17):
“[...] Não é o caso de ir ao laboratório para comprovar teorias, verificar se aquilo
que já foi apresentado pelo professor ou pelo livro didático é realmente verdadeiro.
As práticas necessitam superar a mera constatação, transformando-se em
experimentos verdadeiros, com focalização em problemas e procura de respostas a
eles. Nisso é que se propiciam espaços para que os alunos aprendam os
procedimentos da ciência, desenvolvam habilidades de trabalhar metodologias
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científicas e assumam atitudes e valores da ciência. [...] Nesse enfoque, aprender
passa a ser visto como construir e reconstruir o conhecimento que se necessita em
determinado momento e ser capaz de reunir o que for necessário para resolver
situações problemáticas. Professores e livros didáticos deixam de ser apenas fontes
de informações, assumindo o papel de desafiar os alunos, de problematizar os
conteúdos. Realizar esse movimento de mudança na sala de aula exige deixar de
lado a idéia de vencer uma grande quantidade de conteúdos, especialmente em
forma de fatos, para assumir que é importante atingir maior profundidade em
conteúdos que realmente são do interesse da aprendizagem, seja em forma de
conceitos, princípios e teorias [...].”
As dificuldades decorrentes de um currículo “inchado” não são exclusivas
das escolas brasileiras. Cachapuz, Praia e Jorge (2004 p. 375), por exemplo,
relatam que hoje em dia, em Portugal, não é por falta de equipamento que não se
faz trabalho experimental nas escolas:
“[...] A questão é outra. Tem, sobretudo a ver com a sua falta de valorização a nível
curricular e com a falta de tempo para desenvolver percursos de pesquisa devido à
extensão dos currículos (quando é que se levará a sério que “menos pode ser
melhor)”? [...]
Parece-me que este suposto dilema não é exclusividade dos professores de
ciências. Com o ritmo de produção do conhecimento, onde iremos parar se a
escola – tendo nós professores como cúmplices - continuar com a pretensão de
trabalhar tantos conteúdos a fim de supostamente preparar melhor o aluno? Mais
uma vez percebe-se o equívoco de ver os conteúdos como fins em si mesmos e
não como meios para desenvolvimento de competências, de recursos cognitivos
que promovam a autonomia intelectual de nosso aluno. Considero melhor ensinar
menos conteúdos em ecologia do que propõem os programas tradicionais, mas ter
tempo para abordá-los em um rol de atividades diversificadas tais como resolução
de situação-problema, montagem de um terrário, realização de trabalho de campo
no terreno próximo à escola, elaboração e leitura de gráficos, exibição e debate a
partir de um filme ou reportagem extraída de jornais etc. As competências que
podem ser desenvolvidas nos alunos com estas atividades, não serão “esquecidas”
tal como ocorre no ensino calcado na memorização de listas intermináveis de
termos. Estas competências, bem como os conceitos adequadamente construídos,
incorporam-se ao seu repertório cognitivo e podem ser postos em ação em outros
contextos.
Não se trata, entretanto, de propor um currículo de ciências caracterizado
pela ligeireza e superficialidade. Não se constrói competências no vazio
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conceitual. Também já discutimos que trabalho experimental não é sinônimo de
inovação curricular. Para não correr o risco de tornar-se adereço curricular, é
preciso que seus objetivos estejam claros e coerentes com a proposta pedagógica
em questão. Cachapuz, Praia e Jorge (2004) lembram que “a Ciência é sempre
sobre qualquer coisa”, afirmando que é tão discutível usar o trabalho experimental
simplesmente para ilustrar conceitos (que provavelmente podem ser aprendidos
mais vantajosamente de outro modo) como usá-lo para desenvolver competências
em abstrato. Qualquer alternativa implica então envolver de um modo ou de outro
o diálogo complexo e nunca acabado entre saberes conceituais e metodológicos.
Neste sentido, o trabalho experimental, em seus diferentes formatos, é um
instrumento privilegiado.
Um professor de ciências marcante leva ou estimula os alunos para visitas a
espaços não formais de Educação em Ciência
Outra possibilidade de ampliação do conceito de laboratório diz respeito aos
espaços não formais de aprendizado em Ciências. Os Centros e Museus de
Ciência desempenham um importante papel também com relação ao ensino
formal, quer se aproximando mais do cotidiano das escolas, como uma verdadeira
extensão da sala de aula, quer organizando e se integrando a um conjunto de ações
envolvendo bibliotecas públicas, televisão, mídia impressa e outras instituições.
Para Persechini e Cavalcanti (2004) o ensino formal deve estar integrado às
demais iniciativas de educação informal. Segundo estes autores, a participação de
Centros e Museus de Ciência pode ainda se dar através de programas de
capacitação profissional, instigando os professores a novas atitudes pedagógicas,
propondo temas de debate, criando materiais didáticos, levando alunos a
demandarem mais de suas escolas e de seus professores e despertando o interesse
pela Ciência. Esta interface com espaços não formais talvez “oxigenasse“ a escola
e as aulas de Ciências estimulando para a pesquisa e para a vocação científica.
Afinal, segundo Weissmann (1998) a educação em Ciências poderia oferecer ao
aluno o desenvolvimento de sua capacidade criativa, seu espírito crítico,
exercitando e valorizando o rigor, a necessidade e interesse de comunicar os
resultados de seus trabalhos, trabalhando de forma cooperativa.
Nas lembranças dos cientistas entrevistados, a visita a estes espaços deixou
marcas muito positivas e um gosto de “quero mais”. Ainda hoje, estes espaços são
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pouco agregados à educação formal. A escola ainda subestima o potencial
educativo destes locais. Embora tenhamos clareza de que a diferença entre a
educação científica dada na escola e nestes espaços não deve ser vista como
obstáculo, mas como importante e necessária, pois estes têm funções sociais,
linguagens, metodologias e até públicos diversos, um vínculo maior através de
ações integradas com a escola, participação de docentes nos programas de
formação e outros eventos, poderia ser estimulado. Para isto, não bastam o
interesse e boa vontade do professor. É preciso viabilizar estratégias de apoio
logístico aos docentes para que estas visitas possam ser feitas com a periodicidade
e tranqüilidade necessárias, principalmente quando envolve alunos do Ensino
Fundamental (transporte, ajudantes para controle das turmas, alimentação etc.).
Cientistas e Formação de professores de ciências.
Os cientistas entrevistados, embora não sejam considerados especialistas ou
pesquisadores neste campo, atuam em eventos ligados à formação continuada
docente no RJ e em outros estados brasileiros, principalmente nos tópicos
relativos à saúde ou em atualização de modo geral. Também lecionam em cursos
de graduação e pós-graduação, recebem e orientam licenciandos ou professores já
formados em seus laboratórios de pesquisa. Outro foco de atuação destes
pesquisadores é o de consultoria no julgamento de prêmios para alunos em
ciências e na publicação de textos de divulgação científica. Independente do seu
grau de aproximação com o ensino, considero importante registrar as opiniões dos
cientistas sobre formação docente em ciências.
De um modo geral, os cientistas destacaram a importância de uma boa
formação específica, que deve ser constantemente atualizada e “antenada” com as
novas produções na área. Entretanto, eles parecem ter clareza de que o professor
precisa de um saber, que não se restringe a este conhecimento específico. Desta
forma, o componente pedagógico desta formação não foi ignorado, mas não
houve sugestão de estratégias para romper a dicotomia formação pedagógica-
formação específica. Contudo, foram unânimes em destacar a importância do
licenciando vivenciar a pesquisa, não só no campo pedagógico, mas também no
específico, durante sua formação. Embora apontem dificuldades para otimizar
esta entrada do licenciando no laboratório e sua participação em pesquisas,
reconhecem o quanto esta experiência pode desenvolver no futuro professor
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208
atitudes investigativas essenciais para uma prática docente homóloga. E admitem
que a médio e longo prazo, teríamos impacto positivo no aprendizado de ciências
nas escolas de educação básica. As dificuldades apontadas encontram-se tanto na
esfera operacional quanto em outras mais subjetivas, ligadas às enraizadas
concepções de muitos pesquisadores das universidades que ainda vêem o
licenciando como um não-pesquisador ou como um aluno no qual não vale a pena
investir tempo ou recursos (bolsas) já que provavelmente não continuará sua
formação na área específica. Felizmente, ainda que pontualmente, vislumbramos
mudanças neste sentido em algumas licenciaturas, como as iniciativas relatadas
neste trabalho por pesquisadores da UFRJ e UFBA.
Vale resgatar, Silva e Schnetzler (2000 p. 44) citando Zeichner (1995) para
nos alertar em relação ao sentido da parceria entre Universidades e escolas nos
programas de formação. Para as autoras, nestes programas continua predominando
o modelo da academia, não deixando espaço para que possam emergir as teorias
práticas dos professores que embasam suas ações e posturas. Assim, não se rompe
com a racionalidade técnica. Isto pode ser verificado tanto no que as autoras
denominam “tradicionais cursinhos de treinamento ou reciclagem” onde pacotes
ou receitas de estratégias de ensino são apresentadas como também em programas
de assessoria mais extensos e contínuos, onde são enfatizadas reflexões sobre
métodos de ensino com o propósito dos professores aplicarem em suas aulas as
idéias e propostas que a academia considera eficazes. Questiona-se, portanto, o
caráter prescritivo destes programas, que desqualificam os saberes docentes e
ampliam o hiato entre academia e escola. Silva e Schnetzler (2000) analisam em
seu trabalho justamente as concepções de parcerias e como estas se constituem e
se reformulam à luz de negociações entre professores e formadores de
professores. No estudo citado, relatam uma experiência onde formadores utilizam
situações pedagógicas simuladas que evidenciam fracasso ou problemas, os quais,
à luz de discussões sobre referenciais teóricos relativos a concepções de Ciências,
Educação, Ambiente e modelos alternativos para o ensino de ciências, serviriam
para analisar, problematizar e reformular a prática pedagógica dos professores.
Neste sentido, boas pistas parecem nos apontar Carvalho e Vianna (2000 e
2001), que afirmam que uma formação de professores (inicial e continuada) que
pretende enfatizar a relação do “fazer ao ensinar ciência” depende de uma
abordagem significativa onde: os conteúdos sejam atualizados nas áreas
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científicas e didáticas, proporcionando também aprofundamento em
conhecimento aos participantes;haja imersão no meio científico, possibilitando
uma visão da ciência em construção e mantendo um contato permanente com os
produtores do conhecimento científico e educacional; e seja promovida e
estimulada a investigação da prática docente, para reflexão e aplicação dos
conteúdos atuais e pertinentes aos níveis de ensino e às características dos alunos.
Cientistas e a relação pesquisa-docência
Os relatos mostraram que os cientistas percebem a existência de fluxo
bidirecional destas duas instâncias de atuação. A maior parte admite que uma
atividade favorece e “alimenta” a outra. Contudo, ainda podemos constatar nas
falas que a maior dificuldade reside no trânsito da sala de aula para o laboratório.
Enquanto o sentido inverso é reconhecidamente importante pelos cientistas,
destacando como fundamental levar aos alunos de graduação ou pós, informações
sobre as pesquisas em andamento, e atualizá-los sobre resultados e novas
metodologias, poucos declararam identificar nas salas de aula, questões que
podem ser levadas para a pesquisa ou demandar novas investigações.
Talvez a participação de licenciandos nas pesquisas, atuando tanto nos
laboratórios das universidades quanto nos estágios em escolas, possa equilibrar
este fluxo, identificando questões de pesquisa que articulem os dois espaços
(laboratório e escola), através de um olhar atento e sensível a problemas cuja
complexidade não permita um tratamento conceitual-metodológico fragmentado.
Importância do Ensino Fundamental na iniciação e estímulo à vocação
científica
No âmbito das discussões que se estabelecem em todo o mundo acerca da
crise do ensino de ciências e considerando-se os resultados sofríveis que tivemos
em avaliações como o PISA no que se refere às habilidades científicas- a despeito
de sua legitimidade e aceitação não representar consenso no espaço acadêmico- o
que parece ainda indefinido é quando (em qual nível de ensino) investir
sistematicamente na educação científica, já que sua importância não parece
discutível. Neste estudo, constatamos que vários cientistas apontaram professores
do Ensino Fundamental, inclusive das séries iniciais, como sendo marcantes em
sua trajetória e opção pela carreira científica. Logo, embora não pretenda defender
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como meta do Ensino Fundamental (ou mesmo do Ensino Médio), preparar
futuros cientistas, quero defender a importância de não subestimar esta etapa da
vida escolar no desenvolvimento de competências e habilidades no aluno e no
estímulo ao aprendizado das ciências. Mais do que uma etapa onde podem ocorrer
mudanças conceituais, estudos como os de Goulart (1994) mostram que nas salas
de aula das séries iniciais ocorre a construção de concepções iniciais. A sala de
aula (como qualquer ambiente de aprendizagem) pode ser espaço de construção de
conhecimento, ainda que de forma invisível aos olhos dos professores, por
diversas razões. Goulart (1994 p. 166) chama a atenção para o fato da maioria dos
professores e alguns pesquisadores em ciências, considerarem que a criança
elabora suas concepções fora da escola, fora da sala de aula. Para estes, as
concepções dos alunos seriam compreendidas como um tipo de conhecimento
elaborado em um contexto extra-escolar. Contudo, em seu estudo com alunos das
séries iniciais, esta autora constatou que:
“(..) Observando as atividades dos alunos, torna-se nítido que várias de suas
concepções podem estar sendo construídas no interior da sala de aula, durante as
aulas, com a manipulação do próprio material escolar. A definição de “concepções
espontâneas”, original de Piaget, não se refere ao lugar onde surge e é elaborado
esse conhecimento.”
Em outro estudo que demonstra a importância da formação científica, no
Ensino Fundamental, Carvalho (2005 p. 1) descreve o que foi feito em um projeto
com ensino de Física para alunos das séries iniciais:
“Propomos problemas experimentais para que os alunos os resolvam em grupos
pequenos (4 a 5 crianças). Nessa etapa os alunos, ao procurarem uma solução, agem
sobre os objetos, mas uma ação que não se limita à simples manipulação e/ou
observação. Na discussão com seus pares, na mesma direção do que Gil et al. (1991)
denominou de ‘grupo de pesquisa’, eles refletem, levantam e testam suas hipóteses.
Discutem uns aos outros explicando o que estão fazendo. O trabalho prático, como
mostra Duggan e Gott (1995), é fundamental para a criação de um sistema conceitual
coerente e proporciona, para os alunos, ‘o pensamento por traz do fazer. Depois dos
grupos terem achado suas soluções organizamos a classe em uma grande roda,
dirigida agora pela professora, de tal modo que os alunos possam relatar para toda a
classe o que fizeram, buscando, agora em pensamento – metacognição-, o “como”
conseguiram resolver o problema e o “porquê” deu certo.”
A importância deste tipo de trabalho justifica-se não só pelo
desenvolvimento de atitude investigativa-base para o aprendizado científico, mas
também por favorecer a cooperação, o trabalho em grupo, em parceria. Além
disso, as atividades desenvolvidas favorecem a construção de competências
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comunicativas, ampliando o vocabulário e mobilizando o uso de diferentes
linguagens. Conforme o desenvolvimento de atitudes científicas vai sendo
proposto e sistematizado, com a ajuda por parte do professor há visível melhora
na argumentação das idéias dos alunos, proporcionando uma real comunicação
entre eles. É o inicio do ‘aprender a falar ciência (Lemke 1997 apud Carvalho
2005 p. 2). Contudo, como atenta Carvalho (2005), ciência não se faz só fazendo e
relatando o que se fez. É necessário também aprender a escrever ciência, sendo
diálogo e a escrita atividades complementares e fundamentais nas aulas de
ciências. Concordo com a autora, quando lembra que o diálogo é importante para
gerar, clarificar, compartilhar e distribuir idéias entre os alunos e o uso da escrita
se apresenta como instrumento de aprendizagem que realça a construção pessoal
do conhecimento. Como ressalta Carvalho (2005 p. 2):
“A partir do questionamento que os levam a tomar consciência do que fizeram e
porque fizeram, os alunos constroem os conceitos físicos e sua linguagem expressa o
início do raciocínio hipotético dedutivo e o início do raciocínio proporcional que são
indícios de uma enculturação científica. O trabalho em grupo, enquanto proposta
presente nas atividades de Conhecimento Físico é uma oportunidade rica para os
alunos conviverem com opiniões e atitudes contrárias ou antagônicas as suas e
trabalharem para, na relação com seus pares, construírem a sua autonomia moral. ”
Zanon e Freitas (2007) também destacam em seu estudo a importância das
atividades investigativas e das interações discursivas em sala de aula no ensino de
Ciências. Para estas autoras, essas atividades podem ser entendidas como
situações em que o aluno aprende ao envolver-se progressivamente com as
manifestações dos fenômenos naturais, fazendo conjecturas, experimentando,
errando, interagindo com colegas, com os professores, expondo seus pontos de
vista, suas suposições, e confrontando-os com outros e com os resultados
experimentais para testar sua pertinência e validade. Afirmam ainda que esses
processos de ensino-aprendizagem têm no início da escolarização uma
importância ainda maior, pois auxiliam os alunos a atingir níveis mais elevados de
cognição, o que facilitaria a aprendizagem de conceitos científicos.
Estudos como os citados ajudam a rechaçar argumentos dos que defendem
uma educação científica pobre nas séries iniciais para evitar um suposto prejuízo
no ensino da língua e matemática. Os resultados destes estudos apontam como o
ensino de ciências pode favorecer a aquisição de linguagens, inclusive matemática
e estas por sua vez podem favorecer a educação científica. Um letramento ou
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alfabetização mais ampla (na língua materna, em matemática e em ciências) pode
representar um diferencial para estas crianças nas etapas seguintes de escolaridade
e para uma melhor inserção cidadã. Pode-se ensinar a ler utilizando textos sobre
as plantas e a fazer operações matemáticas trabalhando com alimentos e conhecer
alguns conceitos em ecologia jogando um dominó especial. É importante,
contudo, não ignorar o caráter lúdico que esta etapa da vida deve contemplar.
Afinal, como lembra Rocha (2005 p. 67):
“O brincar é considerado por Vygotsky (1988) como zona de desenvolvimento
proximal por excelência. A atividade lúdica é identificada como espaço
privilegiado de emergência de novas formas de entendimento do real, e que, por
sua vez, instaura espaços para o desenvolvimento em vários sentidos. ”
Investir em materiais e livros didáticos para as séries iniciais com uma
abordagem efetivamente integrada dos conteúdos, com destaque para a linguagem
no aprendizado de ciências (assim como de história e outros) pode ser uma das
ações que instrumentalizem e dêem mais segurança ao professor para repensar e
mudar sua prática deste segmento.
Vimos que os programas e ações com foco na educação e vocação científica
com maior destaque no cenário brasileiro, ainda têm alcance restrito e direcionam-
se em sua maioria para as séries finais do ensino fundamental ou ensino médio.
Uma das raras iniciativas voltadas para as séries iniciais- o programa Mão na
Massa- é bastante interessante e tem uma metodologia que propõe como ponto de
partida, desafios para os alunos. São valorizadas as idéias iniciais, hipóteses e
representações dos alunos sobre o tema. E como eles são convidados a registrar,
sistematicamente, suas observações e a trabalhar em grupo, além de aperfeiçoar a
argumentação, desenvolvem competências relativas ao uso das linguagens e
atitudes de parceria. O caráter lúdico e a perspectiva multicultural são
contemplados durante a elaboração dos materiais, onde se busca a integração da
ciência às culturas locais, utilizando inclusive música e ditados populares.
Contudo, não é simples aplicar esta metodologia e seus materiais. Principalmente
se considerarmos a formação inicial dos professores das séries iniciais em geral.
Como lembra Carvalho (2007), os professores que ensinam nos anos iniciais da
educação básica são formados, hoje, em nível superior e em nível médio. Esta
formação em nível médio- nas escolas normais- habilita para a docência na
educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. A formação oferecida
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em nível superior, que se dá por meio dos cursos de pedagogia e do curso normal
superior, oferecidos pelas universidades e institutos superiores, habilita para esta
mesma etapa da escolaridade. Com a conclusão da formação inicial em uma das
referidas modalidades, os profissionais estão habilitados a atuarem como docentes
nos anos iniciais da educação básica. São os chamados professores generalistas ou
polivalentes, que lecionam os conteúdos dos anos iniciais, das diferentes áreas de
conhecimento.
Eu cursei escola normal. Fui professora generalista-polivalente por seis anos
na rede pública do RJ. E se em ciências eu me saía melhor, pois cursava a
licenciatura em Biologia, nos outros campos disciplinares menos afins, pedia
sugestões e tirava dúvidas com colegas das séries finais na hora do intervalo. A
sala de professores era para mim um espaço informal, mas muito importante, de
formação continuada. Esta formação deveria ser estimulada e oficializada em
tempos e espaços adequados e planejados pela escola. Entretanto, isto raramente
acontecia. Hoje, com a formação e experiência que tenho, penso com tristeza no
currículo descontextualizado no qual me enquadrei, com raras transgressões. E
acima de tudo, em função deste trabalho lembro-me do choque que senti ao ouvir
uma colega que lecionava comigo em uma escola municipal no Complexo da
Maré dizer: “Para que ter trabalho em ensinar ciências a esses alunos? Ninguém
aqui vai ser cientista ou médico...
Pois é justamente por acreditar que a escola básica, mesmo carente de
recursos materiais, pode ser terreno fértil para vocações científicas ou pelo menos
para formar pessoas que não tenham medo da ciência nem dos cientistas, que
sejam alfabetizadas cientificamente, podendo entender e intervir melhor na
realidade em que vivem e fazer escolhas baseadas não só no senso comum, que
defendo mais investimentos neste segmento: em recursos, reformas curriculares e
principalmente na formação docente, já que currículos não se concretizam
simplesmente por força de decretos.
A formação generalista dos professores das séries iniciais e a precariedade
das licenciaturas onde professores de ciências são habilitados são realmente
preocupantes. Afinal, há uma especificidade no processo de construção do
conhecimento científico que não deve ser ignorada. Compreender o processo
histórico e as técnicas e conceitos que possibilitaram a produção de conhecimento
em Biologia, Física e Química é fundamental para que a Ciência não seja ensinada
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(e compreendida pelos alunos) como arbitrária, com um caráter mítico ou
descontextualizado socialmente. Trabalhar este conhecimento de modo
interdisciplinar e contextualizado na sala de aula também representa um desafio
ao professor, principalmente porque sua formação dificilmente teve este enfoque.
Para Santos e Greca (2006), até hoje, no contexto da educação científica
básica, quando geralmente se busca “transmitir” as verdades científicas, pouco se
discute sobre a ciência como atividade que pode estar sujeita às mesmas falhas e
equívocos que qualquer outra atividade humana. Assim, para estas autoras a visão
que os adolescentes e jovens constituem em sua escolarização básica ainda é uma
visão ingênua de ciência, ligada ao extraordinário e realizada por pessoas
especiais fora do contexto das atividades normais de uma organização social e
algo muito difícil. Elas afirmam (p. 50) que ”Isso é muito negativo, pois pode
retardar vocações científicas importantes para o progresso social e a qualidade de
vida, tão necessários nos dias de hoje”.
Verifica-se, portanto, que ainda há muita mitificação da Ciência e do
cientista, tanto na escola como na sociedade. Os conteúdos e práticas curriculares
descontextualizados e muito distantes da realidade, do dia-a-dia dos alunos, não
contribuem para que eles tomem consciência da presença da Ciência e da
tecnologia na atualidade, de como elas são produzidas e afetam a nossa sociedade.
Ao contrário, reforçam uma concepção totalmente equivocada de Ciência e do
cientista.
Os relatos dos cientistas entrevistados corroboram a importância desta
aproximação da ciência com a escola:
Não tem que ensinar milhares de coisas, mas tem que despertar a sensibilidade
das crianças para o mundo que está ao redor e tentar fazer a conexão com aquilo
que está no livro-texto. Mineral? Para que serve mineral? Mineral a gente usa na
pasta de dente, o flúor. As plantas são importantes por quê? Não é aquele monte
de nomes. É aprender a contextualizar e tentar ser parceiro. Ouvir um pouco as
crianças. Não apenas os professores, a escola de maneira geral está muito
defasada daquilo que é o mundo contemporâneo. Se você ligar a televisão e ler o
jornal, achará muito mais interessante que aquilo que está no livro ou em sala de
aula. A vida fora da sala de aula é muito mais interessante do que a vida dentro da
escola. ” Dr. IS
Percebe-se ainda, que muito além de recursos sofisticados e laboratórios
para as aulas de Ciências, é preciso investir em uma formação docente que
valorize a perspectiva dialógica em sala de aula. O professor, ao trazer textos com
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temas atuais e situações reais, favorece a expressão de outras vozes do
conhecimento científico e do conhecimento cotidiano, as quais se articulam e
confrontam-se no processo de elaboração conceitual pelos alunos.
Um currículo que abra espaço para práticas docentes com foco na autonomia
do aluno, valorizando atitudes investigativas, estimulando a criatividade,
respeitando tanto a dimensão individual quanto coletiva da aprendizagem,
trabalhando o conhecimento científico sob uma perspectiva histórica,
interdisciplinar e contextualizada provavelmente será mais fértil para a emergência
e/ou encorajamento do que comumente chamamos vocações científicas.
Assim como a alfabetização científica cujo início desde as séries iniciais
representa maior chance ao aluno de uma efetiva inserção cidadã, através de um
processo pelo qual a linguagem das Ciências Naturais adquire significados,
constituindo-se um meio para o indivíduo ampliar o seu universo de
conhecimento, a questão da vocação científica não deve ser ignorada pela escola
de Educação Básica. Sem ter a pretensão de formar cientistas, os currículos deste
nível de ensino podem e devem promover o desenvolvimento de competências e
habilidades que são favorecidas na aprendizagem científica cuja importância e
aplicação extrapolam os limites deste campo do conhecimento e dos muros da
escola. Afinal, interpretar, analisar, inferir, registrar, relacionar e classificar, por
exemplo, são operações mentais que qualquer pessoa, cientista ou não, precisa
colocar em ação para resolver situações-problema em diferentes contextos ao
longo da vida.
Segundo o Guia PNLD 2007 de Ciências, existe uma lacuna entre o que
os professores consideram importante fazer e o que realmente fazem. Os
professores nem sempre estão, ou podem estar, em consonância com conceitos
atuais do conhecimento científico. E então como veicular informação correta,
precisa, adequada e atualizada? Neste sentido, a opção de ensinar Ciências
fazendo Ciência pode ser um caminho para a aprendizagem. Nessa perspectiva, é
essencial começar valorizando e identificando o conhecimento que o aluno detém
sobre o que se pretende ensinar. Assim se estabelece o debate sobre as relações
entre o conhecimento popular e o conhecimento científico, reforçando a interação
da escola com as famílias e a comunidade, enfatizando temas atuais, objetos de
debate na sociedade e estabelecendo relações entre conhecimento científico e
exercício da cidadania. Desta forma, os alunos poderão reconhecer que a
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construção do conhecimento é um empreendimento laborioso e que envolve
diferentes pessoas, sendo produzido em um contexto histórico, social e cultural.
Cachapuz, Praia e Jorge (2004) defendem que é importante fomentar desde
o início da escolaridade, a curiosidade natural dos alunos e o seu entusiasmo pela
Ciência e Tecnologia. Para os alunos mais novos, estes autores destacam a
importância em explorar os seus saberes do dia a dia como ponto de partida, para
que mais facilmente possam reconhecer os contextos e história pessoal a que
eventualmente estão ligados e, conseqüentemente, aumentar a sua motivação.
Trata-se assim, de contextualizar e humanizar a Ciência escolar (sem banalizar)
para que mais cedo se desperte o gosto pelo seu estudo. Os autores reconhecem,
entretanto, que tal abordagem implica uma disponibilidade científica acrescida por
parte dos professores, visto que as transposições didáticas que ela pressupõe
exigem elevada competência científica e didática docente. Para estes
pesquisadores portugueses, nos anos terminais do ensino secundário (o
equivalente ao Ensino Médio brasileiro), a ênfase já deve ser na preparação para
futuros estudos científicos, o que não representa um ensino acadêmico
estritamente disciplinar nem um ensino livresco. Acerca das vocações científicas
dos alunos Cachapuz, Praia e Jorge (2004 p. 376) alertam:
“[...] Quem tem a responsabilidade de elaborar os currículos (dos ensinos básico e
secundário) ainda não levou a sério que o eventual entusiasmo dos alunos por
estudos de Ciência não decorre nem naturalmente nem inevitavelmente, como que
por contágio, dos sucessos científico-tecnológicos. O caráter acadêmico e não
experimental que marca em grau variável os currículos de Ciências e o seu ensino
(nos ensinos básico e secundário) é, porventura, o maior responsável pelo
desinteresse dos jovens alunos por estudos de Ciências. A Ciência que se legitima
nos currículos está desligada do mundo. Alguma coisa tem de mudar nos currículos
e no ensino das Ciências se quisermos motivar os alunos [...].”
Isto, contudo, como atenta Chassot (2004 p. 122), não deve significar a
defesa a uma guetização do ensino, através do olhar apenas as coisas locais e,
através de utilitarismos simplistas do ensinar apenas aquilo que tem uma serventia
Isto teria um caráter provisório enquanto que a escola deve deixar marcas
permanentes, ampliar o repertório cognitivo do aluno. Em uma entrevista à
Revista FAPESP (2007)
27
, o físico premiado Sérgio Mascarenhas, ao ser indagado
sobre as deficiências atuais na formação dos cientistas, respondeu com uma
27 Sentidos.uol.com.br/canais/materia.asp?codpag=12199&codtipo=1&subcat=31&canal=opinião
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veemente defesa da atenção que a escola e professor devem dar à vocação
científica desde as séries iniciais da Educação Básica:
“Temos um quadro paradoxal, porque nossa pós-graduação é excelente, mas o
aluno chega à graduação com uma formação que deixa muito a desejar. Acho que
o ensino básico precisa de uma grande injeção de motivação. Os professores
precisam ser aparelhados para motivar. Até os oito anos de idade, a criança
consolida seu conjunto de circuitos cerebrais. É nessa faixa etária que temos que
tratar da vocação e do talento. Mas como acender a centelha nas crianças se o
professor foi desmoralizado pelo salário e pelo desprezo social? Mas não basta
motivação, ainda que seja fundamental para a vocação. Eu fui reprovado duas
vezes, no terceiro ginasial e no primeiro científico [atual Ensino Médio], no Rio de
Janeiro. Matava aulas, poderia ser avaliado como um estudante medíocre e até
inconveniente. Mas, quando entrei no científico, encontrei professores
espetaculares que me motivaram e chamaram minha atenção para a beleza da
ciência. Fui aluno de Anísio Teixeira, que dizia: precisamos deixar a criança
florescer. Nós não estamos aproveitando as potencialidades das nossas crianças.
Estamos desperdiçando talentos.”
Mais uma vez retomo então ao foco de atuação dos programas de educação
científica existentes, cuja concentração é maior no Ensino Médio, principalmente
os que enfatizam a vocação científica.
Ao relembrar o “funil” do qual falamos, comparando a taxa de ingresso no
Ensino Fundamental com a de concluintes do Ensino Médio, cabe questionar se a
maioria destes programas não acaba por atingir apenas uma minoria no contexto
educacional brasileiro, comprometendo a democratização da educação científica e
desperdiçando vocações que poderiam ser estimuladas nas séries iniciais da
Educação Básica, onde há muito mais chances de atingir uma grande massa de
alunos.
Outro ponto a ser destacado na caracterização dos programas e ações já
desenvolvidos, diz respeito ao papel do professor de ciências. Vimos que existem
diferentes prêmios, livros e kits didáticos especiais, incentivo a feiras de ciências
etc. A eficácia destas iniciativas, contudo, tem relação direta com a prática
docente. Nenhum currículo, laboratório ou livro por si só é capaz de promover o
aprendizado de ciências, principalmente de modo significativo e prazeroso.
Entretanto, hoje se estima que o País tenha um déficit de 200 mil professores
nessa área. E boa parte dos licenciados em atuação não recebeu formação
adequada para a ação docente que se espera, com foco na pesquisa e investigação.
Logo, ampliar este número garantindo também o salto qualitativo na formação é
um dos desafios que o país precisa superar.
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Também considero importante destacar que devem ser buscadas alternativas
para uma licenciatura em ciências que não reforce a biologização e estanquização
dos currículos da educação básica, que abrangem conteúdos da Astronomia,
Geopaleontologia, Física, Química e Biologia. Além disso, sendo os itinerários de
formação do professor de ciências já em atuação tão heterogêneos, inclusive
contando com médicos, dentistas, engenheiros etc. trabalhando como docentes
faz-se urgente pensar em ações de formação continuada para amenizar os
problemas já constatados.
Em termos metodológicos, minha experiência como docente e a análise das
entrevistas com os cientistas levam-me a concordar com Laburu e Carvalho (2005
p. 79 e p. 107), para quem uma prática pluralista não revela, ser contra todo e
qualquer procedimento metodológico, mas contra a instituição de um conjunto
único, frio, restrito, de regras que se pretenda serem universalmente aceitas e
principalmente válidas e verdadeiras para toda e qualquer situação do aluno,
professor, sala de aula, faixa etária, etnia cultural, lingüística, matéria, conceito
etc. Para estes autores, a compreensão de que o processo de aprendizagem pode e
precisa ser elaborado em obediência a regras fixas e universais é, ao mesmo
tempo, fantasiosa e perniciosa. Desta forma, considero muito pertinente e ratifico
a recomendação que fazem para uma educação cientifica e, principalmente, dos
métodos de ensino a ela associados, não-fixos a sistemas rígidos e limitados, mas
que estejam abertos a críticas e a todas as novas descobertas e experiências
inovadoras da área.
As lembranças dos cientistas entrevistados mostraram indícios de que
quanto mais variado e rico for o meio intelectual metodológico fomentado pelo
professor, maiores condições ele terá de desenvolver uma aprendizagem
significativa da maioria de seus alunos, por sintonia cognitiva, psicológica e
afetiva entre outras. Vimos que professores marcantes podem ser bem humorados,
sisudos, tímidos, extrovertidos, padres, revolucionários, conservadores, homens,
mulheres, jovens ou maduros. Apesar de tão diferentes, todos imprimiram sua
marca pessoal na história de crianças e jovens estudantes que se tornaram
cientistas, despertando-lhes o prazer em aprender e trabalhar com Ciência.
Singulares, estes mestres parecem ter ensinado muito mais que as características
de plantas e animais ou outros conteúdos científicos. Ensinaram seus alunos a
olhar o mundo com espírito de cientista: com curiosidade e atenção, inquietos para
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desvelar fenômenos da natureza que em geral passam despercebidos à maioria das
pessoas.
Vale destacar que as características aqui relacionadas ao perfil de um bom
professor de ciências, podem ser extrapoladas para o âmbito de outras disciplinas.
Embora o trabalho experimental esteja associado ao incremento de aulas de
ciências, de modo análogo pode-se pensar no professor de Matemática que utiliza
jogos e simulações quando ensina, no professor de Geografia que propõe a seus
alunos a um trabalho de campo para mapear a região onde moram, no professor de
Arte que leva e incentiva suas turmas a visitarem museus com exposições e
mostras diversas pela cidade, dentre outros. Assim, dados sobre a atuação de
professores obtidos neste estudo, sintetizados a seguir, podem ser transpostos para
o contexto de prática docente de um modo geral, ainda que meu olhar tenha sido
direcionado de modo especial para aqueles que, como eu, lecionam ciências.
Uma síntese do que foi detectado neste estudo
Segundo os cientistas entrevistados, um professor de ciências marcante:
Abre espaço para a pergunta e valoriza adequadamente o erro dos alunos;
tem uma boa comunicação com seus alunos;
demonstra entusiasmo pelo que faz;
incrementa sua aula com experimentos, demonstrações, trabalhos de
campo etc. ;
leva ou estimula os alunos para visitas a espaços não formais de Educação
em Ciência;
aproxima a ciência à vida do aluno.
Quando interrogados sobre o que pensam acerca da formação de professores de
ciências, os cientistas entrevistados:
Consideram fundamental uma boa formação específica, que deve ser
constantemente atualizada.
Não ignoram o componente pedagógico desta formação, mas não sugerem
estratégias concretas para romper a dicotomia formação pedagógica-
formação específica.
Reconhecem a importância do licenciando vivenciar a pesquisa, não só no
campo pedagógico, mas também no específico, durante sua formação.
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220
Sobre a relação pesquisa-docência, os cientistas entrevistados:
Reconhecem a importância do fluxo bidirecional entre as duas instâncias
de atuação.
Indicam maior dificuldade no “trânsito” da sala de aula para o laboratório.
Concordam que a participação de licenciandos nas pesquisas, atuando
tanto nos laboratórios das universidades, quanto nos estágios em escolas,
poderia equilibrar este fluxo, identificando questões de pesquisa que
articulem os dois espaços (laboratório e escola).
Aspectos que reforçam a importância do Ensino Fundamental na iniciação e
estímulo à vocação científica:
Papel de professores do Ensino Fundamental, inclusive das séries iniciais
na opção profissional pela carreira científica dos entrevistados.
Estudos que demonstram ser a escola e sala de aula,espaços de construção
de concepções iniciais.
Maior desenvolvimento de atitude investigativa, cooperação, trabalho em
grupo, em parceria, etc. nos alunos.
Construção de competências comunicativas, ampliando o vocabulário e
mobilizando o uso de diferentes linguagens - inclusive a matemática - que
por sua vez podem favorecer a educação científica.
Clara relação entre alfabetização científica e inserção cidadã.
Competências e habilidades que são favorecidas na aprendizagem
científica têm importância e aplicação que extrapolam os limites deste
campo do conhecimento e dos muros da escola.
Alguns desafios a serem superados:
Programas e ações com foco na educação e vocação científica ainda têm
alcance restrito e são direcionados em sua maioria para o ensino médio.
“Funil” referente à taxa de ingresso no Ensino Fundamental em
comparação com a de conclusão do Ensino Médio
Problemas na formação docente – inicial e continuada.
Déficit de professores de ciências no Brasil.
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Biologização, estanquização, descontextualização e excesso de conteúdos
dos currículos da educação básica.
Mitificação da Ciência /cientista - na escola e sociedade.
Algumas apostas a serem renovadas:
Um currículo que abra espaço para práticas docentes com foco na
autonomia do aluno, valorizando atitudes investigativas, estimulando a
criatividade, respeitando tanto a dimensão individual quanto coletiva da
aprendizagem, trabalhando o conhecimento científico sob uma perspectiva
histórica, interdisciplinar e contextualizada, provavelmente será mais fértil
para a emergência e/ou encorajamento do que comumente chamamos
vocações científicas.
A educação cientifica não deve ficar atrelada a sistemas rígidos e
limitados, mas aberta a críticas , novas descobertas e experiências
inovadoras da área.
Importância da prática pluralista: quanto mais variado e rico for o meio
intelectual metodológico fomentado pelo professor, maiores as
probabilidades de ocorrer aprendizagem da maioria de seus alunos, por
sintonia cognitiva, psicológica e afetiva entre outras.
Uma proposta
Aos formadores, proponho um exercício contínuo de metadocência. Talvez
assim consigamos que o foco direcione-se ao que efetivamente representa o
desafio docente diário: fazer aprender. Afinal, sabemos que se aprende em casa,
na rua, com a TV, nos museus, nos jardins, mas a escola ainda é o local onde se
espera que a aprendizagem aconteça de modo intencional, efetivo, planejado. E
não pode ser vista como privilégio de poucos, mas direito de todos. Reside aí a
importância de uma prática pluralista, que invista na diversidade metodológica, de
meios e situações didáticas variadas, com maior chance de favorecer a
aprendizagem de todos os alunos, indivíduos sempre singulares.
Por fim, uma investigação acerca do que pensam os professores de ciências
sobre os cientistas e sua formação, poderia desvelar aspectos que
complementassem os resultados desta pesquisa, ampliando o debate sobre a
complexa relação entre os centros de produção da Ciência, os cursos de formação
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para ensinar ciências e as escolas de Educação Básica, onde se espera que crianças
e jovens aprendam ciências e quem sabe um dia queiram ser cientistas.
Por uma escola e um tempo de aprender pautados na alegria
Paulo Freire (apud Snyders 1993, p. 9) afirma que a alegria na escola
fortalece e estimula a alegria de viver. Segundo ele, se o tempo da escola tem se
configurado como um tempo de enfado, em que o educador, a educadora e os
educandos vivem os segundos, os minutos, os quartos de hora, à espera de que a
monotonia termine, a fim de partirem risonhos para a vida que os espera lá fora, a
tristeza experimentada na escola termina por deteriorar a alegria de viver. Deste
modo, viver plenamente a alegria na escola significa mudá-la, significa lutar para
incrementar, melhorar e aprofundar a mudança. Além do mais, lutar pela alegria
na escola também é uma maneira de lutar pela mudança no mundo.
Ao chegar ao final deste trabalho, num misto de nostalgia e preocupação,
muitas idéias e lembranças me vêm à cabeça. Recordo-me da minha pré-
adolescência e sinto carinho e gratidão por Dona Eneide - professora de ciências
da Escola Municipal Alberto José Sampaio (na Pavuna) - sempre entusiasmada e
encorajadora apesar da carência de recursos materiais, e que me fez gostar tanto
de ciências quanto de lecionar. Reconheço o privilégio que tive ao compartilhar
com os cientistas entrevistados suas memórias. Penso em meus ex-alunos e
naqueles que ainda virão. Preocupo-me com meu filho Victor-11 anos, aluno de
escola pública-que falava em ser astrônomo e agora que finalmente estuda os
astros na escola, não gosta da professora de ciências. Imagino o rosto das crianças
de nossas escolas cujos olhos ainda podemos fazer brilhar pelo prazer de aprender
ciências. Assim, impregnada por estes pensamentos e recordações, quero
compartilhar uma fala que foi dita pelo Dr. IS, visivelmente emocionado, e que de
certa forma tem tudo a ver com a questão central de minha pesquisa e com as
reflexões que fiz, pois coloca em jogo o que a escola e o professor podem
significar na vida dos alunos:
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“Participei durante um tempo de um programa chamado “A Ciência vai à escola”.
No momento até está suspenso por falta de recursos. Uma vez me chamaram para ir
a uma escola em um lugar bem longe. Não sei nem como chegar sozinho. Um bairro
totalmente estranho. Muita cachoeira perto, mas paupérrimo. Na Baixada
Fluminense. A escola era uma coisa terrível. Igualzinho a uma prisão. Apesar de o
lugar ser pequenininho, toda escola era gradeada. As crianças alucinadas, presas
naquele espaço. Não tinha uma árvore, não tinha nada. Eu levei o projetor e uns
slides. Lá não tinha onde projetar. Colocaram uma toalha branca, mas estava muito
claro, não deu para projetar. E aí, como nunca acontece algo diferente na escola, as
professoras, no lugar de trazerem duas turmas, porque a atividade era prevista para
50 crianças, trouxeram 300. E havia jovens já na faixa de 14 ou 15 anos, com
aspecto muito marginalizado. Eu fiquei horrorizado em ver que algumas professoras
davam tapas, empurravam, mandavam a turma calar a boca. [...] Foi um caos. Eu
deixei um kit de fósseis para uma professora. E em um grupo de umas crianças na
faixa de 9-10 anos, notei que um garoto ficava assim mais recolhido. E umas 3
meninas diziam assim: “professor, pergunta para ele. Ele sabe tudo sobre fósseis.
“Então o menino chegou meio ressabiado. Em geral as crianças só relacionam
fósseis com dinossauros. Mas ele chegou e falou assim: “professor eu queria ver um
trilobita”. Eu fiquei pasmo, porque é um nome específico, muito particular na
paleontologia. Os objetos estavam na mesa e eu disse: “Esse aqui é o trilobita”. O
menino olhou fascinado, tocou com o maior carinho. Virou-se e disse: “Posso lhe
dar um abraço?Eu sempre quis abraçar um cientista, principalmente um
paleontólogo. “E eu: “Claro!”Quase me vendo ali naquele menino, João Paulo.
Lembro-me bem do nome dele. Dei um fóssil a ele, que agradeceu dizendo: “Não
vou me esquecer do senhor. Ainda vou encontrar com o senhor na universidade”. E
eu estou na expectativa de que um dia ele apareça. ”
Eu também, Dr. IS. Eu também.
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iniciais do Ensino Fundamental: ações que favorecem a sua
aprendizagem. Ciências e Cognição; Ano 04, Vol. 10, pp. 93-103.
Disponível em: www. cienciasecognicao. org
ZEICHNER, K. M. A formação reflexiva de professores: idéias e práticas
,
Lisboa-Portugal: Educa, 1993.
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ANEXOS
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ANEXO 1
Modelo de questionário fechado aplicado na primeira etapa
Nome: ________________________________________________
Sexo: __________________
Idade: __________________
Titulação Máxima: _______________________
Área de pesquisa: ___________________________________
Departamento /laboratório de pesquisa onde atua: ___________________
E-mail /tel. para contato: _______________________________________
Prezado (a) cientista,
Para cada um dos fatores listados abaixo indique o grau de importância que
você atribuiria considerando-se a influência na sua opção pela carreira de
pesquisador (a):
Considere: 0 - nenhuma ou mínima importância
1 – pouca importância
2 – relativa importância
3- grande importância
a) Família ( )
b) Amigos ( )
c) Personalidade célebre- pessoa e/ou trabalho realizado ( )
d) Período escolar dos 7 aos 14 anos de idade ( )
e) Período escolar dos 15 aos 18 anos de idade ( )
f) Professor (es) que teve dos 7 aos 14 anos de idade ( )
g) Professor (es) que teve dos 15 aos 18 anos de idade ( )
h) Contexto sócio-político-econômico da época de estudante ( )
i) Status social da carreira ( )
j) Livros, revistas e outras publicações ( )
k) Meios de comunicação- TV, rádio, jornais e outros ( )
l) Espaços não formais de Educação em Ciências – museus, centros de
Ciências, feiras de Ciências, clubes, etc. ( )
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ANEXO 2
Termos de Consentimento Livre e Esclarecido
Pontifícia Universidade Católica Do Rio De Janeiro
Doutorado em Educação
Pesquisadora: Mônica de Cassia Vieira Waldhelm
Orientadora: Menga Lüdke
Pesquisa: Como aprendeu Ciências na Educação Básica quem hoje
produz e ensina Ciência? O papel dos professores de Ciências na
trajetória acadêmica e profissional de pesquisadores e professores da
área de Ciências Naturais.
Eu___________________________________________________
fui convidado (a) a participar desta pesquisa que busca identificar junto a
cientistas, pesquisadores da área de Ciências Naturais, quais fatores
consideram decisivos e marcantes em sua opção profissional pela
pesquisa científica.
Na primeira etapa, será utilizado um questionário fechado e objetivo.
Estes questionários são identificados, nesta etapa, para que seja possível
contactá-lo em etapa posterior da pesquisa. A faixa etária é um dado
também importante, pois neste trabalho serão estabelecidas relações
entre o contexto histórico e o período no qual o entrevistado cursou a
Educação Básica. Entretanto, sob nenhuma hipótese serão citados os
nomes verdadeiros dos entrevistados no texto da tese ou em qualquer
outra forma de divulgação desta pesquisa. Dentre os entrevistados na
primeira etapa será feita uma seleção tendo como foco aqueles
pesquisadores que apontarem a figura de um ou mais professores, ou
ainda da escola, como fatores importantes na sua opção pela carreira
científica.
A segunda etapa envolverá o grupo menor de pesquisadores,
composto a partir da seleção referida acima. Serão então realizados
encontros presenciais e gravados relatos. Das memórias evocadas,
buscar-se-ão identificar características, fatores, práticas, perfis, contextos,
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expressões e outros elementos que ajudem a compor o que representou
a figura do professor de Ciências ou História Natural na opção profissional
pela carreira científica do (a) entrevistado (a).
Ao participar desta pesquisa, estarei colaborando na construção de
conhecimento que pode vir a subsidiar programas de formação de
professores e promover melhoria no ensino de ciências nas escolas de
Educação Básica.
Minha participação é inteiramente voluntária e gratuita. Fui
informado (a) de que o termo de consentimento é um procedimento
preconizado pelo Ministério da Saúde e que posso a qualquer momento
desistir de participar da pesquisa.
Recebi uma cópia desse termo de consentimento e pela presente
consinto voluntariamente em participar desta pesquisa.
Rio de Janeiro / /
Assinatura do (a) cientista __________________________________
Assinatura da pesquisadora responsável pelo projeto
__________________________________________________________
Mônica de Cassia Vieira Waldhelm
Contato: tel 22546505 - 99455878.
Testemunha________________________________________
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