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do Cascudo (2004: 358). O primeiro trabalho a tratar
com rigor científico o assunto foi o do sociológo Gil-
berto Freyre que na sua obra de estréia, Casa-
Grande&Senzala, de 1933, e no livro Açúcar,
lançado seis anos depois, discutiu a importân-
cia da alimentação na cultura do Brasil.
Na época do lançamento de Açúcar, Frey-
re chocou os intelectuais da época ao lançar a
obra como um estudo acadêmico de recuperação
da memória da comida brasileira, por meio das
receitas de doces das doceiras tradicionais da região
nordeste do País. O autor foi tachado de pouco sério pelos
seus contemporâneos mas, hoje, é visto como pioneiro de um tipo de estudo que já se
desenvolvia na Europa na mesma época: a história da mentalidades
12
.
Em Casa-Grande&Senzala (1972: 10-18):, Freyre afirma:
“Pode-se sugerir ter sido principalmente à sombra das casas-
grandes patriarcais dos primeiro engenhos brasileiros de açúcar que se
iniciou o aproveitamento, para o que se constituiria no Brasil, em Portu-
gal e na Espanha, com transbordamentos noutras áreas, numa opulenta
culinária e numa opulenta e variada gastronomia eurotropical, da man-
dioca, do milho, da banana, do tomate, do feijão de corda, do peru, além
dos peixes e crustáceos novos e, para europeus, exóticos – deliciosamente
exóticos – sabores.”
Sobre esses encontros culturais de diversos povos, como os que formaram a cul-
tura brasileira e, por conseguinte, a sua comida, as palavras de Lotman (ibidem: 90)
sobre a riqueza que pode resultar desse processo são elucidativas:
“De manera análoga podríamos decir que el contacto con otra cul-
tura desempeña el papel de un ‘mecanismo de arranque’ que pone en mar-
cha procesos generativos. La memoria del hombre que entra en contacto
con el texto, puede ser considerada como un texto complejo, el contacto
con el cual conduce a cambios creadores en la cadena informacional.”
Ao destacar a alimentação como elemento primordial na
formação da sociedade e cultura do Brasil, Freyre reforçou uma
verdade já observada, ainda que instintivamente, pelo homem
das cavernas: a comida acaba por se transformar um ritual que
forma sociedades. E para muitas delas, como a arte rupestre
13
pode comprovar desde a antiguidade, a comida é um elemento
mágico. Cascudo (ibidem: 378) diz sobre essa questão:
12.
Tal linha de estudos
acadêmicos, representada pela Escola
dos Annales, liderada por Lucien Febvre e
Marc Bloch, na França, estuda a história humana
não do ponto-de-vista da historiografia
tradicional, que traça um panorama histórico apenas
de acordo com fatos sócio-econômicos de
relevância, especialmente as guerras. A história
das mentalidades analisa o desenvolvimento
da história humana pelo seu cotidiano,
através do seu vestuário, mobiliário,
alimentação, etc.
13.
No período rupestre, o
homem já “magicizava” seu
cotidiano com imagens. Antes da
caça, o animal ambicionado era
desenhado, acreditando-se que,
assim, seria mais fácil
caçá-lo.