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KELLEN CRISTINA MARÇAL DE CASTRO
CINEMA: MUDANÇAS DE HÁBITO E SOCIABILIDADE
NO ESPAÇO URBANO DE UBERLÂNDIA –1980 A 2000
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
UBERLÂNDIA – MG
2008
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KELLEN CRISTINA MARÇAL DE CASTRO
CINEMA: MUDANÇAS DE HÁBITO E SOCIABILIDADE NO ESPAÇO
URBANO DE UBERLÂNDIA –1980 A 2000
DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL
DE UBERLÂNDIA, COMO REQUISITO
PARCIAL PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE
MESTRE EM HISTÓRIA.
ORIENTADOR: PROF. DR. ALCIDES
FREIRE RAMOS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
UBERLÂNDIA – MG
2008
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
C355c
Castro, Kellen Cristina Marçal de, 1981-
Cinema: mudanças de hábito e sociabilidade no espaço urbano
de Uberlândia – 1980 a 2000 / Kellen Cristina Marçal de Castro.
2008.
145 f. : il.
Orientador : Alcides Freire Ramos.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Uberlândia,
Programa de Pós-Graduação em História.
Inclui bibliografia.
1. História social – Teses. 2. Uberlândia (MG) - História - Teses.
3.Cinema e história - Uberlândia (MG) - Teses. I. Ramos, Alcides Freire.
II. Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-Graduação
em História. III. Título.
CDU: 930.2:316
Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de Catalogação e Classificação
mg- 12/07
KELLEN CRISTINA MARÇAL DE CASTRO
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Prof. Dr. Alcides Freire Ramos – Orientador
Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Prof.
a
Dr.
a
Rosangela Patriota Ramos
Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Prof. Dr. João Pinto Furtado
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Muitos são merecedores dessa
dedicatória, desta forma, Claedir, Pedro,
Marcelo e Eliane estiveram ao meu lado
durante toda esta jornada,
compartilharam as angústias e as
alegrias. Amo todos. Obrigada!
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Agradeço primeiramente a Deus pela vida e pela oportunidade.
A minha família querida, Claedir, Pedro e Marcelo, que estiveram ao meu lado
em toda a minha caminhada, incentivando e dedicando amor e compreensão.
Ao meu marido, pela paciência e compreensão ao longo desses anos, que por
muitas horas, soube ouvir minhas aflições e angústias.
A minha amiga-irmã Eliane, que me estendeu a mão quando eu mais precisava
com apoio incondicional, dedicação e carinho sem os quais não seria possível a
realização deste sonho. Dedicando-me tempo e disponibilidade as discussões e leituras.
Aos meus amigos e colegas, pela paciência durante esta trajetória.
Ao meu orientador, Alcides, pela orientação e ensinamentos durante toda a
trajetória, obrigada pela dedicação.
À Talita pela paciência em formatar e adequar este trabalho às normas cnicas.
Obrigada pelo empenho e pela disposição.
À Jaciele pela dedicação em me ajudar e por sua presteza nesse momento de
tanto trabalho.
Aos professores e funcionários do Instituto de História que colaboraram para a
minha formação pessoal e intelectual.
Aos funcionários do Arquivo Público Municipal, pelas valiosas contribuições.
A todos que contribuíram, direta ou indiretamente, a este trabalho, muito
obrigada.
SUMÁRIO
RESUMO
..................................................................
vi
ABSTRACT
..................................................................
vii
ÍNDICE DE FOTOS
viii
INTRODUÇÃO
..................................................................
01
CAPÍTULO I
Cidade, transformações, imagens:
construções sociais
..................................................................
15
1.1 O progresso muda a fisionomia de uma
cidade”
1.2 Uberlândia: a província e a metrópole
numa mesma cidade”
1.3 Porque somos uma cidade admirável”
..................................................................
..................................................................
..................................................................
18
30
38
CAPÍTULO II
Cinema e as mudanças no espaço social
urbano
..................................................................
50
2.1 Um ritual que se perde
2.2 Cine Regente
2.3 Cine Bristol
2.4 Cine Windsor
2.5 Cine Comodoro
2.6 Cine It
2.7 A reorganização de um hábito social
consagrado
..................................................................
..................................................................
..................................................................
..................................................................
..................................................................
..................................................................
..................................................................
53
67
73
78
82
85
88
CAPÍTULO III
Shopping-Center: o consumo do hábito
de ir ao cinema
..................................................................
99
3.1 Salas de cinema: a resignificação de um
espaço
3.2 Shopping Center e suas imbricações
sociais
3.2.1 Shopping Center no Brasil
3.3 Center Shopping: no coração de
Uberlândia
..................................................................
..................................................................
..................................................................
..................................................................
103
105
110
114
CONSIDERAÇÕES FINAIS
..................................................................
133
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
..................................................................
136
ANEXOS
..................................................................
143
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E
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S
S
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U
M
M
O
O
O presente trabalho busca refletir sobre o processo de construção de
sociabilidades vinculado às transformações urbanas da cidade de Uberlândia, Minas
Gerais, no período compreendido entre 1980 e 2000. A reorganização espacial urbana
possibilita novas formas de sociabilidades, experiências e práticas sociais que se inter-
relacionam com a formação de novos referenciais em que rupturas e permanências se
confrontam.
Inserido nesse processo, o ato de ir ao cinema também experimentou mudanças
significativas no período abordado. Essas mudanças não foram simples decorrência das
inovações tecnológicas particularmente aceleradas nas últimas décadas do século
passado. Não se trata de desconsiderar a relevância desse aspecto, no entanto é ao
incorporá-lo numa teia de transformações que se percebe o hábito de ir ao cinema como
uma prática social. É neste sentido que a discussão sobre o espaço que compreende as
salas de cinema em Uberlândia ganha a dimensão de lócus significativo de construção
de sociabilidades. As atividades de interação social na cidade não se restringiam,
exclusivamente, às salas de cinema. Bares, restaurantes, clubes, igrejas, praças, dentre
outros locais, também se configuravam, e ainda se configuram, como espaços de
construção de sociabilidades. Privilegiar e problematizar a construção de sociabilidades
relacionada com o ato de ir ao cinema deve-se à destruição de um espaço outrora
consagrado e à construção e ao deslocamento para um novo local pautado por
referenciais calcados em padrões considerados modernos.
Dessa forma, é perceptível o processo que compreende a falência das
grandiosas salas centrais, a convivência com as salas no interior do shopping-center e
que culmina na extinção das primeiras em detrimento da ampliação das segundas,
configurando esse espaço não como local de convivência como também ponto de
referência para os citadinos.
PALAVRAS-CHAVE: Cidade Salas de Cinema Sociabilidades Shopping-center
História
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A
B
B
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S
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A
A
C
C
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T
This study intend to reflect about the sociabilities’s construction linked in the urban’s
transformations of Uberlândia’s city in the Minas Gerais state, in the 1980 and 2000
period.
The space reorganization become possible new forms of sociabilities, experiences and
social practices that are connected with the formation of new references wich breaks
and permanences are confronted.
In this process, the action of going to the cinema also had significant chances in the
same period. This changes was not only because the tecnology’s inovation, particularly
accelerated in the last decades of last century. It is not about to reduce the relevance of
this aspect, however is when incorporated in a set of transformations that are perceived
the habit of going to the cinema as a social practice. In this meaning that the discussion
about the space of the cinema’s room in Uberlândia gain dimension in the significant
lócus of sociabilities’s construction. The activities of social interaction in the city didin’t
restrict, exclusivement, the cinema’s room. Bars, restaurants, clubs, churches, squares.
And others, also were and are related as the construction’s sociabilities’s space.
Privilege and to become a problem the sociabilities’s construction related to the action
of going to the cinema are caused by the destruction of a space established and the
construction and the deslocation for a new local according to considerated modern
standards.
According to the study, is perceived the bankruptcy process of the large central rooms,
the interaction with the rooms in the shopping-center that end up with the extinction of
the firsts by the enlargement of the seconds. This space become not only a place where
people live together but as a reference point to the citizens.
KEYWORDS: City – Cinema Rooms – Sociabilities – Shopping-center - History
ÍNDICE DE FOTOS
Figura1
Vista aérea da cidade de Uberlândia ............................................................................... 17
Figura2
Mapa do Brasil localizando Uberlândia .......................................................................... 25
Figura3
Mapa da rota de São Paulo-Uberlândia-Brasília ............................................................. 26
Figura4
Ilustração: Uberlândia retrata seu progresso ................................................................... 29
Figura5
Charge da metrópole e da província ................................................................................ 30
Figura6
Ilustração da reportagem “Porque somos uma cidade admirável” .................................. 38
Figura7
Mapa das rotas das BRs que cortam a cidade de Uberlândia .......................................... 43
Figura8
Vista aérea da Av. Rondon Pacheco ................................................................................
47
Figura9
Vista aérea do cruzamento das av. João Naves de Ávila e Anselmo Alves dos Santos ..
47
Figura10
Mapa da cidade que demonstra a nova centralidade em relação ao centro antigo .......... 49
Figura11
Fachada do Cine Theatro São Pedro, em 1909 ................................................................
57
Figura12
Fachada do Cine Theatro Uberlândia, em 1937 .............................................................. 63
Figura13
Foto da sala de espera do Cine Theatro Uberlândia ........................................................ 63
Figura14
Fachada do Cine Regente na década de 1950 ................................................................. 67
Figura15
Reprodução da fachada do Cine Regente ........................................................................ 70
Figura16
Reprodução da fachada do Cine Regente modificada pela fé ......................................... 70
Figura17
À esquerda, os restos do prédio quando se encontrava fechado em 2004 .......................
72
Figura18
Fachada do Cine Bristol em 1990 ................................................................................... 74
Figura19
A multidão na bilheteria do Cine Bristol .........................................................................
75
Figura20
Fachada do Bingo Bristol em 2006 ................................................................................. 77
Figura21
Escombros do Cine Bristol em 2007 ............................................................................... 77
Figura22
Fachada do Cine Windsor em 1996 .................................................................................
81
Figura23
Fachada do prédio do antigo Cine Windsor em 2004 ..................................................... 81
Figura24
A manchete do jornal estampada a imagem do gerente da sala do Cine Comodoro .......
83
Figura25
A programação diária dos cinemas no jornal demonstra o gênero do Cine Comodoro .. 84
Figura26
Fachada do Cine It e o desmanche da sala ...................................................................... 86
Figura27
Fachada atual do Cine It ................................................................................................. 87
Figura28
Reportagem do jornal “Salas tinham nomes significativos” ........................................... 91
Figura29
Reportagem “Última sessão: por que o centro está perdendo tantas salas” .................... 96
Figura30
Reportagem: “O cinema transforma-se em templo religioso” ........................................ 97
Figura31
Reportagem: “Eram cinemas – hoje fotos nas paredes” ..................................................
97
Figura32
Reportagem: “Cinemas? Não: supermercados, sapatarias, bancos ................................. 98
Figura33
Vista panorâmica do Center Shopping ............................................................................ 115
Figura34
Center Shopping no ano de sua inauguração ...................................................................
118
Figura35
Vista do Center Shopping e a reforma de 1999 ...............................................................
118
Figura36
Complexo do Center Shopping ....................................................................................... 119
Figura37
Interior do Center Shopping ............................................................................................ 119
Figura38
Fachada do Ubershopping ............................................................................................... 124
Figura39
Entrada das salas de cinema e da bilheteria do Center Shopping ....................................
132
Introdução 1
INTRODUÇÃO
Elaborar um trabalho historiográfico remete a questões anteriores que
interferem na escolha do tema e de sua abordagem. Essa perspectiva é permeada pela
concepção de vida do historiador. Qualquer tema, assim, se constitui, a partir do olhar
específico de quem o constrói. Esse olhar percebe aquilo que, de certa forma, lhe seja
familiar, que cause desconforto ou que chame a atenção. A escolha de um tema não
pode ser aleatória nem arbitrária. Desprovida de um significado maior, dificulta sua
elaboração. O historiador deve partir de questões que sejam viabilizadas pelo seu
referencial de vida. O olhar é particular e significativo, no entanto a trama na qual o
tema está inserido é social.
Segundo Marc Bloch,
1
ao historiador cabe perceber os homens em seu tempo,
não os deslocando de seus referenciais. A ele cabe, também, compreender e não julgar.
É essa perspectiva que orienta este trabalho. Desta forma, problematizar a construção de
novas sociabilidades pautadas por novos referenciais não é um fato que se justifique por
si só. Sua inteligibilidade é dada pelas relações estabelecidas e pela percepção de quem
a constrói como problema. Assim sendo, as mudanças no ato de ir ao cinema estão
vinculadas à percepção de quem é contemporâneo a esse processo. Problematizar as
permanências e as rupturas requer pensar sobre os aspectos que possibilitaram essas
mudanças.
Assim, pensar sobre o contínuo (re)elaborar de práticas sociais e sociabilidades
é problematizar as circunstâncias sob as quais esse processo se dá. Sem imbricação às
suas condições de produção, perde-se o sentido que o orienta e o modo como foram
construídas. Quando se discutem essas questões, abre-se uma gama de possibilidades.
Dentre essas, a que particularmente me desperta interesse é a sociabilidade
presente no ato de ir ao cinema e sua constante resignificação na sociedade.
2
Como
lazer, o ato de ir ao cinema é apropriado a partir de novos significados inseridos em uma
1
BLOCH, Marc. Apologia da História ou o oficio do historiador. Tradução de André Telles. Rio de
Janeiro: J. Zahar, 2001.
2
Não se trata de considerar o ato de ir ao cinema como modo exclusivo de construção de
sociabilidades. A convivência em outros espaços: bares, restaurantes, clubes, igrejas, agremiações,
praças, boates, como locais de interação social também são de grande interesse. No entanto, apesar de
relevante, este trabalho centra-se na construção de sociabilidades em um espaço que foi reestruturado
de maneira significativa nesta cidade.
Introdução 2
estrutura social, econômica, política e cultural, proporcionando um ato prazeroso, cujas
experiências sociais, compartilhadas naquele espaço, tornam-se significativas.
Nos tempos atuais, ir ao cinema implica ir a um espaço cuja estrutura fornece
conforto, segurança e praticidade. Implica, também, permanecer por um determinado
tempo diante das diversas opções de filmes e horários. Este tempo é suficiente para a
escolha e a compra do ingresso na bilheteria. Após a escolha, a passagem pela
lanchonete torna-se quase obrigatória. Adentrar as salas escuras procurando o
aconchego das poltronas, marca o ínterim para o início da sessão. O burburinho,
proporcionado no início e ao final das sessões, o tom nos corredores do cinema.
Marca, assim, um processo de mudança considerável frente ao antigo hábito de ir ao
cinema.
Anteriormente à existência de shopping centers, o ato de ir ao cinema era
compreendido como um acontecimento social. Pomposo e glamuroso, ostentava-se um
ritual peculiar ao freqüentar das salas de cinema conhecidas como palácios
cinematográficos. A prática do footing, antes e depois das sessões, propiciava olhares,
flertes e namoros. O ato de andar a esmo, pela praça central e pelas suas ruas limítrofes,
impulsionava as relações entre as pessoas. O footing estendia-se ainda pelo hall de
entrada.
Em torno da bombonière, moças e rapazes aproveitavam o momento de
proximidade, normalmente, dificultado pelos familiares particularmente pelo olhar
paterno. Mas, às vezes, os moços rompiam o cerco formado em torno das meninas,
adoçando-as com balas e caramelos, gentilmente oferecidos. A aura presente nesses
espaços estendia-se da porta da bilheteria até o escurinho das salas. O projetista, ao
colocar o rolo de filme na máquina, interrompia dramaticamente o escuro da sala. O
escuro que acoberta as manifestações de carinho era interrompido pela luz do atento
lanterninha. O requinte das salas, estampado por metros e metros de veludo, impunha
um comportamento condizente a seu espaço. A permanência nas salas de cinema
respaldava uma sociabilidade que fazia sentido naquele tempo e naquele espaço.
Distante de qualquer perspectiva nostálgica, essa percepção de mudança na
sociabilidade do e no ato de ir ao cinema não se restringe a banalidades e atos
corriqueiros. Sua importância se à medida que está inserido numa rede de
experiências, cujos referenciais são construídos historicamente. A conjuntura na qual
está imerso esse processo é peculiar a um momento e a um lugar específicos. No
entanto, de se ressaltar que não se constituem processos isolados e ímpares.
Introdução 3
Entrelaçado em um panorama mais amplo, constrói-se dentro das possibilidades
inerentes a seu local de produção.
Refletir sobre as sociabilidades envoltas no ato de ir ao cinema em Uberlândia
não é limitar-se às fronteiras físicas e simbólicas da cidade. É compreender esse
processo mediado pelas soluções praticadas nesse espaço e como são reelaboradas. No
tocante ao tema central deste trabalho, as sociabilidades exercidas em torno do ato de ir
ao cinema, requer ponderar quando e como se deram. Ao perceber as mudanças
significativas do hábito de ir ao cinema, constituídas e referenciadas em um novo
espaço, dado ao deslocamento físico, simbólico e cultural para o interior do shopping
center e a falência da prática anterior, implica retroceder, estabelecendo um recorte
temporal que permita sua compreensão.
Nesse sentido, percorrer o período de 1980 a 2000 possibilita compreender a
construção dessas sociabilidades, suas permanências, suas rupturas e as estratégias
empregadas em prol de seu sucesso. Essa demarcação temporal não é arbitrária. É nesse
período que o processo de elaboração de sociabilidades em torno do ato de ir ao cinema,
na cidade de Uberlândia, é mais pungente. A década de 1990 é marcada pelo
fechamento paulatino das salas de cinema do centro da cidade. No entanto, para
apreender as circunstâncias que levaram a cabo tal situação, foi necessário retroceder à
década de 1980. Nesse período de intensas transformações sociais, econômicas e
culturais, as práticas exercidas sofreram semelhante impacto.
Estabelecido o problema, como dialogar com o que está ausente? O historiador,
no intuito de exercitar o seu ofício, não o faz somente de acordo com a sua percepção. O
diálogo com as fontes possibilita dimensionar o problema proposto. Lançar mão das
fontes, dialogar com elas, não pode significar tornar-se refém delas. É na mediação
entre essas e os referenciais do historiador, de vida e teórico-metodológico, que a pauta
da discussão se constrói. Em última instância, a delimitação ou o recorte é da alçada do
historiador.
Diante do tema proposto e tendo à frente diversos percursos a serem
percorridos, há de se fazer uma escolha que melhor o abarque. A partir das questões que
me propus, uma fonte que demonstrou grande vigor e riqueza de informações foi a
imprensa. Considerada como um instrumento valioso de análise da história, Capelato,
3
em seu estudo sobre a imprensa e seu diálogo com a história, chama a atenção para o
3
CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e história do Brasil. São Paulo: Contexto / EDUSP, 1988.
Introdução 4
seu uso, comparando-a a um manancial fértil. Para a autora, “[...] a imprensa possibilita
ao historiador acompanhar o percurso dos homens através do tempo”
4
uma vez que ela
“registra, comenta e participa da história”. O papel da imprensa como fonte
experimentou diversas possibilidades. foi tanto considerada quanto desconsiderada
pela historiografia. Para Capelato, a relação entre a imprensa e a história é complexa,
mas, ao mesmo tempo, profícua. O que, em outros tempos, foi descaracterizado e
descartado como documento, assume uma nova roupagem e se encontra incorporado
ao arsenal do historiador. A dificuldade em se trabalhar e lidar com a imprensa como
documento histórico rendeu debates que levantaram interessantes questões. Hoje, os
historiadores se propõem a dialogar e encaram-na como fonte.
[...] A historiografia mais recente tem refletido muito sobre o
significado do documento e foi a partir de redefinições nesse campo
que as “suspeitas” contra a imprensa desapareceram.
Convém explicar ao leitor como ocorreu essa mudança de postura. Ela
é fruto, sobretudo, de um esforço para se repensar problemas,
abordagens e objetos da história.
As concepções tradicionais são questionadas, dentre elas a que define
a história como ciência do passado. O passado é, sem dúvida, o objeto
do historiador, mas hoje se admite que esse objeto é construído e
reconstruído tendo em vista as necessidades e perspectivas do
presente. Nas leituras e releituras do passado, constantes perdas e
ressurreições[...] A imprensa oferece amplas possibilidades para isso.
A vida cotidiana nela registrada em seus múltiplos aspectos[...].
5
Ainda segundo Capelato é com essa nova postura que o historiador busca as
transformações vivenciadas pelos homens em seu tempo. Para isso, a imprensa
apresenta-se como fonte vigorosa e extremamente fértil neste sentido. Cabe ao
historiador interrogar sua fonte, uma vez que a imprensa abarca um leque de
possibilidades muito grande. Por outro lado, é preciso estabelecer com qual ramo da
imprensa se vai trabalhar. “O termo imprensa o se reduz ao jornal; abrange revistas,
almanaques e folhetos”.
6
Desta forma, priorizar e delimitar qual venha a ser sua fonte
torna-se fundamental.
Decorrente dessa escolha, restava mapear as publicações disponíveis. Após
uma pesquisa no Arquivo Público Municipal de Uberlândia, o levantamento do material
existente permitiu uma seleção mais criteriosa. Destarte, a publicação que melhor
recobre o período abordado, dada sua contínua periodicidade e contando com uma
4
CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e história do Brasil. São Paulo: Contexto / EDUSP, 1988,
p. 13.
5
Ibid., p. 20.
6
Ibid., p. 27.
Introdução 5
coleção praticamente completa, é o jornal local Correio. Ele propiciou uma ampla
pesquisa sobre a cidade de Uberlândia.
Tendo em vista a complexidade do trabalho de pesquisa com o jornal, deve-se
ter em mente que ele, segundo Capelato, “[...] não é um transmissor imparcial e neutro
dos acontecimentos e tampouco uma fonte desprezível porque permeada pela
subjetividade”.
7
Por isso, se o jornal se torna um material diversificado de análise,
constituindo uma valiosa fonte para os estudos históricos, a sua utilização, porém, não
se dá de forma aleatória.
A imprensa constitui um instrumento de manipulação de interesse e
intervenção na vida social. Partindo desse pressuposto, o historiador
procura estudá-lo como agente da história e captar o movimento vivo
das idéias e personagens que circulam pelas páginas dos jornais.
A categoria abstrata imprensa se desmistifica quando se faz emergir a
figura de seus produtores como sujeitos dotados de consciência
determinada na prática social.
A análise desse documento exige que o historiador estabeleça um
constante diálogo com as múltiplas personagens que atuam na
imprensa de uma época. Desse diálogo, resulta uma história mais viva,
mais humana e mais rica, bem diferente da história preconizada pela
corrente tradicional de cunho positivista.
8
Nessa perspectiva, é significativo o jornal Correio devido a sua produção
ininterrupta, abarcando todo o período abordado nesta pesquisa. No entanto, sua escolha
não é conseqüência exclusiva de tal situação. De propriedade de um grande grupo
empresarial, que não restringe sua atuação ao ramo jornalístico, este jornal permite
problematizar as perspectivas que norteiam os grupos dirigentes da cidade de
Uberlândia. Sua força pode ser sentida ao perceber que, a partir do ano 2000, torna-se o
único jornal local em circulação.
9
Mesmo sem concorrência na veiculação de
informações, sua incorporação não se constrói de maneira irrefletida. Conforme
apresentadas no decorrer deste trabalho, as reportagens, as charges, as manchetes, os
editoriais e as enquetes retirados do periódico foram problematizados desde que
colaborassem com a discussão presente.
10
7
CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e história do Brasil. São Paulo: Contexto / EDUSP, 1988,
p. 21.
8
Ibid.
9
O jornal passou por diversas nomenclaturas. foi denominado de Correio do Triângulo,
posteriormente Correio de Uberlândia e nos dias atuais, somente Correio. Reina absoluto nas
vendas de jornais da cidade. De propriedade de um dos maiores grupos empresariais da cidade e do
país, o grupo ALGAR detém, além do jornal, empresa de telefonia fixa e móvel, centro de
telemarketing, atividades agropecuárias, dentre outras. O jornal Correio, no período abordado por este
trabalho, disputou leitores com o jornal Primeira Hora, A Notícia e O Triângulo.
10
O material pesquisado e relevante para o tema proposto foi fotografado e digitalizado, compondo um
acervo pessoal sobre o tema.
Introdução 6
A pesquisa com a fonte escolhida, à medida que transcorria, foi revelando um
constante diálogo entre a cidade de Uberlândia e a cidade de São Paulo. É interessante
notar que a representação que se faz da cidade de Uberlândia não encontra eco com a
capital mineira, Belo Horizonte. A identificação é com o centro cultural e econômico do
país (São Paulo), e isso ocorre, sobretudo, em razão do processo de integração
econômico-social da região do Triângulo Mineiro, desde os tempos dos Bandeirantes.
A visão megalômana que os cidadãos uberlandenses têm da cidade, é reiterada
constantemente nos jornais. Por meio de seu discurso ufanista, constrói-se uma
representação de cidade fadada ao sucesso e ao “progresso”
11
, destino que a acompanha
desde os primórdios, desde a sua fundação. Um dos veículos que mais reafirmam essa
perspectiva é a imprensa local. Tal constatação foi propiciada pelo contato com as
fontes.
Essa percepção e a elaboração da problemática proposta para este trabalho
impeliram à necessidade de realizar uma pesquisa na cidade de São Paulo. Essa
necessidade teve dupla motivação. Primeiramente, a já mencionada referência de
Uberlândia a São Paulo, do ponto de vista econômico-social. Em segundo lugar, a
percepção de que o processo aqui ocorrido nas mudanças no ato de ir ao cinema não se
constitui fato restrito à cidade de Uberlândia. Muito pelo contrário, faz parte de um
amplo processo de transformações ocorridas intensamente, nas duas últimas décadas do
século passado, em diversas localidades.
O interessante, em relação à pesquisa em São Paulo, deveu-se à possibilidade
de visitar alguns dos lugares mais significativos, os quais permitiram visualizar esse
processo em locais diferentes do habitual desta historiadora. A pesquisa no Museu Lasar
Segall foi particularmente relevante ao disponibilizar um rico material que evidenciou a
similaridade do processo em diferentes locais e épocas. Tal fato revelou que, guardadas
as devidas proporções, as modificações ocorridas em Uberlândia e em São Paulo, ao
mesmo tempo em que dialogam entre si, fazem parte de uma rede de acontecimentos
que extrapolam os limites conjunturais dessas cidades.
Pode-se afirmar que essas transformações são estruturais e ligam-se à dinâmica
capitalista, nos últimos vinte anos. Cabe ressaltar que fazer uma pesquisa sistemática
desse processo, com a acuidade necessária, é uma tarefa que ultrapassa os restritos
limites da presente Dissertação. Com efeito, limitei-me ao estudo do problema
11
A noção de progresso presente extensivamente nos periódicos locais remete à idéia de avanço linear,
crescente e evolutivo. Também é normalmente associada ao desenvolvimento tecnológico.
Introdução 7
mencionado na cidade de Uberlândia, estabelecendo, sempre que possível, diálogos com
outras cidades, particularmente com a cidade de São Paulo.
Uma vez estabelecido o problema - o recorte temporal que o abarca e suas
fontes - um último fator deve ser incorporado com muito critério. O referencial teórico,
cujo peso se faz sentir em qualquer discussão, emerge a partir das questões que se
apresentam no decorrer do trabalho. Uma obra que é interessante de ser incorporada a
este trabalho é o de Arruda.
12
Ao centrar seu estudo na cultura da cidade de São Paulo,
aborda momentos relevantes e constituintes de um processo intenso de urbanização e
metropolização da cidade. E o faz mediante o viés cultural, trazendo à discussão um
cenário rico e matizado, no qual se materializou uma “aposta no contínuo progresso” e
na modernização de São Paulo. Progresso esse que, segundo Arruda, “manifestava-se
nos diferentes modos de reconhecimento do moderno”, sendo a modernização,
modernismo e a modernidade partes constituintes desse processo.
A cidade de São Paulo, nesse meio de século, revelou-se solo fértil
para a fermentação das diretrizes apontadas, transformando-se em
referência fundamental dessas concepções que vicejavam no período.
Em nenhum lugar, a urbanização e o crescimento industrial atingiram
tal completude, o que lhe facultou alçar-se à condição de metrópole.
13
Nesse sentido, a perspectiva de Arruda quanto às transformações econômicas,
sociais, culturais e políticas em relação à cidade de São Paulo, em um determinado
momento, ajuda a pensar e problematizar o discurso eloqüente sobre a cidade de
Uberlândia. Colabora também em alusão ao processo de modernização econômica do
país e suas relações intrínsecas com os aspectos sociais e culturais. A autora identifica
mudanças, inclusive, no processo de urbanização, o que permite levantar hipóteses
investigativas que orientem o estudo da cidade de Uberlândia, particularmente quanto à
formulação de um discurso que se caracteriza pelo elogio do progresso material a
qualquer custo.
Essa referência constante da cidade de Uberlândia em relação à cidade de São
Paulo é extensamente veiculada e reiterada nos periódicos locais. Ela é que embasa e
caracteriza a construção do discurso sobre a cidade de Uberlândia, justificando-se em
decorrência de sua posição geográfica estratégica, isto é, localiza-se na parte central do
eixo econômico que liga a metrópole econômica, que é São Paulo, à região Centro
Oeste, especialmente à capital federal, Brasília. Esta condição de “entreposto” das
12
ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. Metrópole e cultura São Paulo no meio do século XX.
Bauru: EDUSC, 2001.
13
Ibid., p. 18.
Introdução 8
capitais, também é amplamente exaltada, sendo argumento irrefutável para o
crescimento da cidade. O caminho do “progresso”, o fluxo de mercadorias, que vai de
São Paulo ao Centro Oeste (e vice-versa), passa inevitavelmente por Uberlândia.
A tônica presente nos trabalhos cuja temática é a cidade de Uberlândia, mesmo
com enfoques distintos, é perpassada pela imagem projetada da cidade fadada ao
“progresso” e dos discursos construídos reiterando essa imagem. Dentre os trabalhos,
dois são particularmente relevantes para essa discussão, pois problematizam a cidade e
os grupos dirigentes que a constituem, elaborando reflexões interessantes a respeito das
noções de progresso e de modernização da cidade. Analisando o período compreendido
entre as décadas de 1950 e 1980, Lopes
14
lançou-se a questionar as mudanças no
território urbano na cidade de Uberlândia. Ao enveredar pelo estudo do espaço urbano,
retoma o discurso de “desenvolvimento” e suas nuances, trazendo à tona a construção
de uma imagem de cidade que pretendia projetar-se num cenário nacional com o apoio
das elites locais.
Os primeiros registros históricos de Uberlândia nos ajudam a entender
como espaço urbano da cidade foi sendo cotidianamente pensado,
inventado e construído [...] uma história que, desde o início, foi sendo
oficializada através dos mbolos da ordem, do progresso e da
modernização. As elites políticas e econômicas trabalharam no sentido
de urdir uma rede de conveniências, na qual, os interesses emergentes
foram sendo tramados de forma a possibilitar a materialização destes
discursos no espaço urbano, construindo-o como uma representação
onírica deste ideal de cidade Maravilha.
15
Os discursos eram enfatizados, a fim de legitimar possíveis referenciais da
cidade progressista. A cidade, assim referenciada, foi organizada pelas elites locais para
que se firmasse como possibilidade real. Para Lopes, o discurso “[...] é uma
representação do imaginário local que sustentou toda a história do município”
16
amparando as políticas locais e a crença num futuro melhor.
A percepção do discurso, que qualifica e envolve a cidade de Uberlândia numa
teia de relações, justificando sua vocação para o progresso, não se restringe à área da
História. O trabalho de Soares
17
(geógrafa e grande estudiosa da cidade) problematizou
14
LOPES, Valéria Maria Queiroz. Caminhos e trilhas: transformações e apropriações da cidade de
Uberlândia (1950 1980). 2002. Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós Graduação
em História Social, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002.
15
Ibid., f. 21.
16
Ibid., f. 35.
17
SOARES, Beatriz R. Uberlândia: Da Cidade Jardim ao Portal do Cerrado Imagens e
Representações no Triângulo Mineiro. 1995. Tese (Doutorado em Geografia) Departamento de
Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1995.
Introdução 9
as transformações da cidade e de seus espaços com base em imagens e representações
criadas pela atuação dos grupos dirigentes no poder. Nesse intento, abarcou o período
dos últimos 50 anos e as transformações significativas da cidade. Para a autora, a cidade
poder ser pensada, lida e decifrada por meio de suas próprias contradições. Nessa cidade
uma dualidade inerente: a cidade real versus a cidade projetada. Nesta disputa por
uma imagem projeta-se, grande parte das vezes, o que ela não é, mas o que se pretende
ser. Na busca por construir uma imagem, Soares destaca a necessidade de compreender
as especificidades do lugar e sua história levando em conta aspectos sociais, culturais,
econômicos e políticos.
O que me interessa ressaltar é que, para ter essa perspectiva de investigação em
relação à cidade de Uberlândia, ou seja, para melhor estudá-la em suas nuanças e em
seu movimento específico, é preciso a partir de um olhar que não a retire ou afaste das
relações econômicas, sociais, políticas e culturais construídas em seu entorno.
Por outro lado, de acordo com Lefebvre,
18
estudar a cidade implica lê-la tal
como uma obra de arte. Neste sentido, sua unicidade é dada pela particularidade de suas
mediações, pois não é isolada nem é simplesmente produto material. A cidade foi ao
mesmo tempo, o local e o meio, o teatro e arena dessas interações complexas”.
19
Assim, uma opção de leitura da cidade, dentre uma vasta gama, é a
decodificação de seus significantes percebidos nas relações estabelecidas pela vivência
em sociedade e do relacionar de seus cidadãos. É pela intermediação entre os aspectos
econômicos, sociais, culturais, políticos que a cidade emerge. Compreendê-la passa,
necessariamente, por essa leitura mais ampla, que possibilita dimensioná-la em suas
especificidades.
Nessas circunstâncias, a leitura da cidade, presente neste trabalho, perpassa as
relações estabelecidas e (re)elaboradas das sociabilidades envoltas no ato de ir ao
cinema. Ir ao cinema não se restringe à entrada na sala de exibição. Vai muito mais
além das estruturas físicas das salas, incorporando suas adjacências, projetando-se pela
e na cidade.
Para compreender, com acuidade, as mudanças nas formas de sociabilidade que
envolvem o ato de ir ao cinema, é necessário problematizar as sutilezas presentes neste
processo que caracteriza um particular “modo de vida” e, ao mesmo tempo, vê-lo como
18
LEFEBVRE, Henry. O direito a cidade. Tradução de Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro,
2001.
19
Ibid., p. 52.
Introdução 10
algo inserido numa vasta teia de práticas e relações econômicas, sociais, políticas e
culturais na cidade de Uberlândia. Ademais, a freqüência nas salas de cinema cria e
recria, em seus espaços, movimentos e relações que envolvem uma dimensão simbólica.
Com a extinção das salas centrais, que foram referência durante décadas,
perderam-se, pouco a pouco, e juntamente com elas, também as sociabilidades ali
exercidas. Concomitante a esse processo houve a interferência de aspectos que
extrapolavam o âmbito da sétima arte. São aspectos que remetem a uma conjuntura mais
ampla que engloba as intensas transformações econômicas, sociais, políticas e culturais
vividas nas últimas décadas do século passado.
Nesse ínterim, o processo de transformação na cidade de Uberlândia é duplo,
isto é, o desaparecimento de um espaço e de um hábito social consagrados, de um
lado, e, de outro, a inauguração de uma nova estrutura e de novas práticas sociais. Em
linhas gerais, essa dupla modificação, que (re)define o hábito de ir ao cinema, leva,
primeiramente ao desaparecimento de uma consagrada e muito difundida forma de
sociabilidade da sociedade uberlandense, que fora encarada, durante muitos anos,
como acontecimento social de grande envergadura. Em segundo lugar, esse processo de
transformação acarreta o fenecimento do glamour outrora ostentado, ou seja, o ato de ir
ao cinema torna-se, nos dias atuais, apenas mais uma opção de lazer dentre dezenas de
outras.
Refletir sobre o ato de ir ao cinema, compreendido como um espaço
privilegiado de análise, requer problematizar essa prática partindo, inclusive, do footing
praticado antes e depois das sessões de cinema percebendo as formas de sociabilidade
construídas a partir do movimento que ocorre nas proximidades das salas de cinema.
Nesse propósito, o trabalho de Pinto,
20
que engloba o período entre as décadas
de 1930 e 1950, buscou refletir as relações sociais presentes nos cinemas localizados
nas áreas centrais. O autor problematizou o cinema e a sociedade como elementos
constituintes de um “imaginário social”, reelaborando a sociabilidade que se estendia às
calçadas e às ruas próximas das salas de cinema, tendo como premissa a complexidade
das relações envoltas nas diferenças sociais, econômicas, étnicas e culturais.
[...] compreender como cinemas interagiram com o ritmo de
crescimento de Uberlândia, que nos anos 30 a 50, contou com a
abertura das maiores e melhores casas deste gênero, com altos índices
de freqüência. Índices que não podem ser atribuídos apenas à questão
20
PINTO, Luziano Macedo. Situações de cinema: tramas e imagens de sociabilidade Uberlândia 30 a
50. 2001. Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós Graduação em História Social,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2001.
Introdução 11
da falta de outras opções de lazer, mas à existência de um poderoso
imaginário social que “dizia” que freqüentar tais locais simbolizava
civilidade, pois estes não representavam apenas mais uma construção
anódina na paisagem urbana, mas um espaço especial, investido de
significados sociais e políticos.
21
Para Pinto, os cinemas significavam muito mais que um lugar de passagem.
Eram locais que caracterizavam a paisagem urbana e, por conseguinte, a sensibilidade
de seus freqüentadores. Havia um movimento entre a freqüência das salas de cinema e o
crescimento da cidade que respaldava suas transformações. É nesse movimento que são
construídos os significados das práticas sociais. E é pela inserção nesse movimento que,
paulatinamente, os grandes palácios vão perdendo glamour e espaço (físico e simbólico)
e são inauguradas novas sociabilidades. Segundo o autor:
O propósito deste histórico sobre os cinemas locais não é tentar fazer
apenas um relato dos primeiros cinemas em Uberlândia, mas buscar
compreender como se integravam ao ritmo da cidade, ao mesmo
tempo em que eram referenciados como símbolos de “progresso e
modernidade”, e marcavam, de uma forma muito especial, a paisagem
urbana, contribuindo para a estruturação da imagem grandiloquente
com que as elites dominantes buscavam cunhar Uberlândia.
22
A percepção de Pinto, já apontada na primeira metade do século passado, ainda
pauta as construções simbólicas dos dias atuais. Porém uma mudança considerável no
cinema e nas estruturas de suas salas se faz sentir. O autor cita Gonzaga para explicitar
as transformações sentidas no ritual imbricado ao ato de ir ao cinema. O cinema e suas
adjacências não desapareceram, pelo contrário, transformaram-se e assumiram um novo
ritual carregado de novos sentimentos. Esse ritual passa, segundo Gonzaga, a inserir-se
nos shopping centers e em novas estruturas físicas e simbólicas, criando um novo
footing, “o antigo footing da Avenida” é apropriado e decodificado em novas
referenciais dentro desses espaços fechados e climatizados. “O que distingue as duas
épocas é justamente a percepção simbólica destas experiências, uma tida e cultivada
como elevada, e a outra de forma imediata e funcional, na velocidade incessante de um
chip de computador”.
23
Destarte, a mudança no ato de ir ao cinema refere-se à incorporação de um
novo espaço. Consagrado e reverenciado como “templo do consumo”, os shopping
centers têm como principal marca a “multifuncionalidade” na realidade social, de
21
PINTO, Luziano Macedo. Situações de cinema: tramas e imagens de sociabilidade Uberlândia 30 a
50. 2001. Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós Graduação em História Social,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2001, f. 24.
22
Ibid., f. 78.
23
GONZAGA, 1996 apud Ibid.
Introdução 12
acordo com Frúgoli.
24
O autor, em seu estudo sobre os shopping centers de São Paulo,
enfatiza as diversas sociabilidades experimentadas nesses locais e como ganham
importância no contexto urbano para o exercitar dessas novas sociabilidades.
Com efeito, configuram-se, no interior dos shopping centers, novas práticas e
hábitos e, nesse novo contexto, o ato de ir ao cinema é (re)significado, que, a partir
desse momento, esse ato passa a vincular-se, de maneira ainda mais explícita, ao
universo do consumo, no qual mercadorias e pessoas passam a ser consumidas e a se
consumirem. O footing das ruas transfere-se para os corredores artificialmente
iluminados, criando novas sociabilidades.
Nessa perspectiva, uma obra relevante para essa discussão é a de Padilha,
25
outra estudiosa sobre as relações estabelecidas no interior dos shopping centers. Para a
autora, estes se apresentam como uma espécie de “mini-cidade”, o que reforça o caráter
amplo das transformações ocorridas nos últimos vinte anos. Inseridas num complexo e
múltiplo processo, essas transformações pautam-se pela “lógica de mercado” e os
shopping centers são uma significativa expressão disso, ou seja, a “mundialização” (ou
globalização como prefere Canclini) constitui-se como uma espécie de manobra, ou
subterfúgio, para a constante reelaboração do sistema capitalista de produção. Ainda
segundo a autora:
A mundialização [...] é abordada e considerada o cenário no qual a
sociedade capitalista de consumo desempenha hoje seus múltiplos
papéis[...] o shopping center, templo da “sociedade de consumo” que
reflete os valores e as ideologias de um sistema capitalista numa época
neoliberal propagada como “globalização”.
26
Partindo da inserção dos shopping centers na estrutura capitalista, Padilha
procura analisá-los e mostrar seus significados sociais, não os restringindo a uma cidade
ou região. Muito pelo contrário. Como fenômeno de atuação mundial, os shopping
centers, quando são inaugurados, ganham particularidades inerentes de cada lugar,
porém a forma e a essência são similares em qualquer parte do mundo. Com um
propósito comum, ao se tornar “complexos comerciais” visam estabelecer uma cidade
dentro de outra ou uma “mini-cidade”, mais agradável, confortável e limpa.
24
FRÚGOLI, Heitor Jr. Os shopping-centers de São Paulo e as formas de sociabilidade no contexto
urbano. 1989. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Departamento de Antropologia, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 1989.
25
PADILHA, Valquíria. Shopping center: a catedral das mercadorias. São Paulo: Boitempo, 2006.
26
Ibid., p. 21.
Introdução 13
Constituindo a representação de uma cidade idealizada em menores proporções, sem
conflitos e sem violência.
Os shopping centers transcendem as suas finalidades comerciais. Na tentativa
de abarcar uma gama de atividades, serviços e lazer, incorporam e (re)significam
hábitos quotidianos e antigos modos de vida. Tornam-se atrativos aos mais diversos
grupos sociais, estabelecendo, assim, novas atraentes sociabilidades em seu entorno.
Neste sentido, Frúgoli, ao desenvolver seu trabalho em relação aos shopping centers e
às novas formas de sociabilidade presentes na cidade de São Paulo, insere-os numa
dinâmica social mais ampla. O diálogo dos shopping centers com a cidade, mais
especificamente com o espaço urbano, é permeado pela sua aproximação com as
“praças”. Segundo Frúgoli:
A idéia de trabalhar com os shopping-centers como novas “praças” foi
fortalecida quando, nas observações iniciais pude perceber várias
menções arquitetônicas e cenográficas nos interiores destes remetidos
a outros espaços urbanos [...].
27
Ao estabelecer esse paralelo, guardadas as devidas proporções, os shoppings
apresentam características que remetem à semelhança com ambientes familiares ou
similares. Tendo como perspectiva legitimar um espaço de reconhecimento e
legitimidade para seus freqüentadores, tornam-se estruturas atemporais e aclimáticas.
Nessa atmosfera previsível e agradável milhares circulam, em meio a
um frenético mundo de vitrines em permanente oferta das últimas
novidades da moda, neons, espelhos voltados para o exercício
narcísico e para produzir a impressão de uma ampliação do espaço.
28
Nos shopping centers, cria-se uma atmosfera condizente com a gica de
mercado que, respaldada pelo seu caráter multifuncional, consegue congregar em seu
entorno uma variedade de especificidades, inserindo novas formas de sociabilidade.
Dentre as oferecidas nos shoppings, uma é particularmente interessante: a sociabilidade
presente no ato de ir ao cinema. Essa sociabilidade proporciona um movimento peculiar
em torno das salas de cinema e das estruturas criadas nas proximidades, para acolher
seus freqüentadores.
Assim, problematizar esse processo que (re)significa antigas práticas, dotando-
as de novos referencias, torna-se o eixo principal desta Dissertação. Neste sentido, o
27
FRÚGOLI, Heitor Jr. Os shopping-centers de São Paulo e as formas de sociabilidade no contexto
urbano. 1989. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Departamento de Antropologia,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989, f. 6.
28
Ibid., f. 8.
Introdução 14
shopping da cidade de Uberlândia Center Shopping –, reitera muitos dos aspectos
mencionados acima. Entretanto cabe ressaltar que, nesse contexto, os discursos
ufanistas sobre a cidade, - ou seja, aqueles que prefiguram Uberlândia como um lugar
fadado ao sucesso associam-se à imagem projetada e exaltada do shopping. Por isso,
essa particular apropriação da imagem do Center Shopping, não só para a cidade como
também para a região do Triângulo Mineiro, transforma-o no plano máximo da
representação da idéia de progresso, idéia que, principalmente por meio da imprensa,
tem se alastrado pelo “imaginário local”.
Nesta perspectiva, as centralidades específicas criadas a partir dos shopping
centers, no caso específico do Center Shopping, foram estabelecidas para além das
finalidades desse local. Como lugar dinâmico onde tanto os consumidores, mercadorias
e os espaços o consumíveis, proporciona novas sociabilidades. Nesse movimento, a
inserção das salas de cinema assumem uma nova configuração social, tornando-se uma
griffe dentro do shopping.
Visando discutir essa problemática geral, estruturei o trabalho em três
capítulos. O primeiro intitula-se Cidade, transformações, imagens: construções
sociais. Ele abarca a discussão sobre as transformações ocorridas no espaço urbano.
Tendo em foco principal a cidade de Uberlândia, a problematização das questões
referentes à modernização desejada pelos grupos dirigentes e a veiculação desta
perspectiva na imprensa local, possibilita pensar como a cidade é inserida em um
processo mais acelerado, típico dos grandes centros.
No segundo capítulo: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
apresento as inferências sobre as salas centrais de cinema da cidade de Uberlândia e o
processo de seu fenecimento. Nessa perspectiva, problematizo a passagem de um ato
considerado como acontecimento social, reconhecido como grandioso e luxuoso, até ser
encarado como local decadente e transformado em outros empreendimentos de maior
rentabilidade.
No terceiro e último capítulo, intitulado Shopping-Center: o consumo do
hábito de ir ao cinema, discuto sobre as mudanças relativas ao hábito de ir ao cinema,
inserido em uma nova estrutura. Também reflito sobre a construção simbólica deste
espaço, o shopping center, bem como as novas sociabilidades elaboradas e exercidas a
partir dele. Pautadas pelos parâmetros desse novo espaço, o antigo hábito de ir ao
cinema assume uma nova configuração.
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Em toda a sua extensão, a cidade parece
continuar a multiplicar o seu repertório de
imagens: no entanto, não tem espessor,
consiste somente de um lado e de um
avesso, como uma folha de papel, com uma
figura aqui e outra ali, que não podem se
separar nem se encarar.
CALVINO, Ítalo – As cidades invisíveis
Cada espaço, contorno, curva e beco da cidade tem uma relação com o seu
tempo. Relação fundamental com o passado que deixa as marcas legítimas de sua
história. Como compreender a estrutura envolta na cidade, uma vez que sua aura
resplandece em seus recônditos mais íntimos. Como entender o movimento simétrico
das ruas, avenidas e alamedas, tentando reconstruir cada tijolo, cimento e cal
solidificados?
A cidade, tal qual nos apresenta Calvino,
29
assemelha-se às ginas escritas de
um livro, à partitura musical ou a um navio. Conforme percorremos suas ruas, a cidade
ganha vida, forma e significado. Cada movimento e trajetória vão delineando sua
história, suas características e sua essência. Desta forma, tal qual a uma obra de arte, a
cidade precisa ser decifrada por meio de seus sinais, vestígios e impressões deixadas.
Segundo Lefebvre,
30
“[...] a estrutura, a função e a forma” da cidade forjam-se
num movimento ininterrupto com o homem e a natureza. A lógica da cidade insere-se
numa teia de conflitos e contradições, ora respaldada pela ideologia, ora pela fatalidade.
Adquire forma, modifica e se reestrutura dentro de um jogo de poder, sedução e
conhecimento. Sua complexidade esbarra em cada trajetória e particularidade, porém
sua forma vai delineando-se no espaço e no tempo, ganhando uma linguagem peculiar.
29
Para maiores referências,ver CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. Tradução de Diogo Mainard.
São Paulo: Cia. das Letras, 1990.
30
LEFEBVRE, Henry. O direito a cidade. Tradução de Rubens Eduardo Frias. 3. ed. São Paulo:
Centauro, 2004.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
16
Problematizar este símbolo que é a cidade é não perder de vista as suas
singularidades. Possibilita, assim, compreender a relação imbricada entre a cidade e sua
“realidade urbana”, uma vez que as suas representações e organizações se estabelecem
num determinado momento histórico, traduzindo sua imagem.
A cidade sempre teve relações com a sociedade no seu conjunto, com
sua composição e seu funcionamento, com seus elementos
constituintes (campo e agricultura, poder ofensivo e defensivo,
poderes políticos, Estado, etc.), com sua história.
31
Dessa forma, partindo das considerações de Lefebvre, “a cidade é obra”, mas
uma obra realizada pelos seres humanos nas condições históricas”, peculiares a cada
momento. Nesta relação, os sujeitos sociais ordenam seus espaços conforme as
necessidades presentes arquitetando “formas e estruturas” sociais, políticas, econômicas
e culturais. Ver e pensar a cidade tal qual uma “obra” implica compreendê-la em amplo
sentido, não se restringindo à sua materialidade. Composta por distintos artistas, a
“obra” cidade carrega em si uma multiplicidade de contribuintes e mecenas.
É sob a perspectiva da multiplicidade que a cidade de Uberlândia apresenta-se
neste trabalho. Tal qual um observador atento e perspicaz, adentrar-me-ei e os convido a
caminhar pelas ruas tortuosas da cidade. Percorreremos o espaço urbano da cidade, no
propósito de perceber o significado histórico e simbólico construído nos discursos e na
representação da imagem de Uberlândia.
Marcada por estruturas, interesses, estratégias e jogos políticos, que
desenharam e ainda desenham seu mapa histórico, Uberlândia é construída através das
lentes do progresso e sob o pincel do desenvolvimento. Insere-se numa dinâmica
própria de realizações, assumindo um papel e um lugar. Possui uma singularidade
própria ao seu viver. Viver este característico de uma cidade com ares e pretensão de ser
“metrópole”, convivendo com a profusão de sua provincianidade. Carrega, nas marcas
deixadas pelo tempo, a síntese do novo e do velho, na linguagem, nos gestos, nos
olhares, nas construções e na imagem que se pretende desta.
31
LEFEBVRE, Henry. O direito a cidade. Tradução de Rubens Eduardo Frias. 3. ed. São Paulo:
Centauro, 2004, p. 46.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
17
FIGURA 01. Vista aérea da cidade Uberlândia
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia, Correio de 31/08/1994, caderno
especial, p. 01.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
18
1.1 – “O progresso muda a fisionomia de uma cidade”
(Correio de Uberlândia 20/02/82)
O que torna singular a cidade de Uberlândia justificando um trabalho
historiográfico tendo-a como foco? O que possui em sua essência que desperta interesse
e admiração? Por que trabalhar o espaço urbano e sua conseqüente construção social
numa cidade projetada? Como entendê-la partindo de seus próprios ideais e de sua
inserção no cenário nacional? São questões relevantes que direcionam o caminho e a
trajetória deste trabalho, respeitando a diversidade e a complexidade inerentes a
qualquer discussão.
Caminhar pelas ruas de Uberlândia permite-nos vislumbrar, em suas
construções físicas e simbólicas, o reflexo de sua tão propalada imagem: o seu desejo de
progresso e os seus anseios em busca de um desenvolvimento, calcado nos parâmetros
da modernização e industrialização do país. Neste sentido, Uberlândia lança suas metas
e busca representar uma imagem privilegiada de sua região e de suas potencialidades,
tendo como referencial a proposta de um futuro melhor.
32
Justamente por se apresentar imbricada a um projeto mais amplo, estando
sempre inter-relacionada a tais questões e à construção de uma nação, é que essa
expressiva cidade assume tamanha importância neste trabalho. Sua história desenrolou-
se carregada por um discurso similar e compatível com seu desenvolvimento. Advém
daí a necessidade de estabelecer e problematizar o caminho percorrido por Uberlândia,
tendo sempre como referencial a “visão de progresso” e uma “crença na modernização”.
Pensar a cidade e suas respectivas mudanças sociais requer também retomar e
discutir o movimento de transformação que o capitalismo juntamente com a noção de
moderno trouxeram para o país. Desta forma, correlacionar esse momento específico e
significativo à história da cidade proporcionou novos horizontes e perspectivas em todas
as áreas de atuação social, econômica e cultural.
Impõe-se, assim, a necessidade de retomar o processo no qual a
industrialização foi incorporada e adjetivada em nosso país. Quais parâmetros e
instrumentos foram utilizados? Como tal transformação atingiu a sociedade,
32
Presente no discurso da imprensa no período abordado por este trabalho, a noção de progresso,
veiculada e reiterada constantemente, é vinculada aos parâmetros calcados na concepção de
modernização. A cidade de Uberlândia é, predominantemente, caracterizada pela atividade de
prestação de serviços. Apresentando como diferencial competitivo a incessante incorporação de
incrementos tecnológicos.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
19
caracterizando um modo de vida peculiar pautado nas noções ditas modernas? Tomando
como referencial uma certa descontinuidade entre a indústria nascente e suas condições
históricas, pois tal implantação no Brasil efetivou-se mediante a importação de modelos
dos países considerados desenvolvidos.
Nesse sentido, Novais
33
faz uma brilhante análise em relação a tal propalada
industrialização e suas conseqüências diretas na sociedade brasileira. Enfocando
efetivamente como tal processo se desenrolou, dando origem a um capitalismo
considerado “tardio” e à crença em uma sociabilidade moderna. Problematizou este
processo dentro de uma teia de valores e significados que dimensionaram a ambição de
um progresso que culminava na tentativa de relacionar “transformações econômicas” às
“mutações na sociabilidade”. De um lado, a população brasileira convivia com
contrastes, pessimismo, precárias condições sociais e uma grande miséria social,
intelectual e material, e, de outro, uma parcela significativa da sociedade crescia e
enriquecia-se graças a tais transformações.
Em decorrência deste processo, um modo de produção recente e alicerçado no
consumo e num modo de vida, até então, desconhecido evidenciava a disparidade
enorme na economia e nas condições de sobrevivência da população. Segundo Novais,
“entre 1950 e 1979, a sensação dos brasileiros, ou de grande parte dos brasileiros, era de
que faltava dar uns poucos passos para, finalmente, nos tornarmos uma nação
moderna”
34
, pois havíamos produzido um arsenal de produtos industriais voltados à
saúde, higiene, limpeza, vestuário, eletrodomésticos, automóveis e vários implementos
agrícolas. Todos assumindo um papel fundamental no comportamento e nas atitudes que
se configuravam diante desse cenário.
A mercantilização da vida social, cultural e econômica solidificou-se e ganhou
expressão durante esses anos, modificando o cotidiano e alterando as relações de
trabalho, os valores, a hierarquia social e o espaço urbano.
Os trinta anos que vão de 1950 a 1980 anos de transformações
assombrosas, que, pela rapidez e profundidade, dificilmente
encontram paralelo neste século não poderiam deixar de aparecer
aos seus protagonistas senão sob uma forma: a de uma sociedade em
movimento.
35
33
NOVAIS, Fernando Antonio; MELLO, João Manuel Cardoso. Capitalismo Tardio e sociabilidade
moderna. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz. (Org.). História da Vida Privada no Brasil: contraste da
intimidade contemporânea. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. p. 559-658. v. 4.
34
Ibid., p. 560.
35
Ibid., p. 584-585.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
20
Essa sociedade em movimento acelerou a indústria e, ao mesmo tempo, lançou
suas garras em direção às cidades. Com efeito, num processo rápido e concomitante a
essas transformações, o espaço urbano das cidades se reestruturava a partir de novos
parâmetros. Integrava-se em uma nova dinâmica social baseada num “progresso sem
limites”. O capitalismo introduzia seu “mal necessário” no Brasil: a ampliação crescente
do consumo. Desse modo, o progresso materializava-se a partir da união do consumo e
do bem-estar social, estendendo-se a todas as áreas, não se limitando apenas ao
econômico.
Juntamente com o capitalismo industrial, veio, também, entrincheirado em suas
raízes, a noção de moderno. Ambos, agindo de forma complementar, organizavam-se e
reelaboravam prismas variados da sociedade brasileira. Num movimento de
transformações constantes e contínuas, o moderno introduzia novos conceitos. Neste
sentido, a perspectiva de Arruda sobre o conceito de modernização vem ao encontro das
perspectivas deste trabalho, pois:
[...] o progresso manifesta-se nos diferentes modos de reconhecimento
do moderno. [...] modernização referia-se ao aceleramento das
mudanças urbano-industriais, a diversificação dos padrões de
consumo, à alteração nas formas de comportamento que passaram a se
guiar por princípios semelhantes aos vigentes nos países
desenvolvidos.
36
Pensar a partir dessas inferências traz, e por muitas vezes revela, o caráter
emergente do processo de modernização do país. Um conflito ininterrupto entre os
velhos referenciais e os novos padrões a serem estabelecidos caracterizou, segundo
Arruda, as cadas de 1950 e 1960. As estruturas urbanas e espaciais da sociedade
brasileira pautaram-se por novos referenciais, tendo como norte a cidade de São Paulo.
Essa cidade, dada sua relevância econômica e comercial, incorporou e
personificou a “afirmação do progresso, reconhecido na interpenetração ciência e
tecnologia”,
37
uma vez que São Paulo encontrava-se no “epicentro das mudanças”, em
todos os níveis sociais de convivência no espaço urbano. Tornou-se “objeto de
remodelações e mudanças planejadas” que mudariam a urbanização da cidade que se
propunha como metrópole.
Alterava-se o ritmo da vida urbana e a antiga cidade, moldada na
dinâmica da economia cafeeira, apresentava-se com renovado layout,
pontilhado pelas chaminés. A economia paulistana ancorava-se em
36
ARRUDA. Maria Arminda do Nascimento. Metrópole e Cultura: São Paulo no meio século XX.
Bauru: Edusc, 2001, p. 19.
37
Ibid., p. 31.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
21
condições extremamente favoráveis para seu desenvolvimento,
ampliando poderosamente sua capacidade de acumulação por via da
integração das atividades cafeeiras, da agricultura variada, da rede
introvertida dos transportes, da diversificação do pequeno comércio
varejista ao grande atacado, pelo sistema bancário e, sobretudo, pela
potencialidade revelada no setor industrial.
38
Adquiriu feições de uma metrópole, congregando em si potenciais altamente
favoráveis para seu desenvolvimento, principalmente a partir da década de 1950,
quando incorporou o processo de industrialização, unindo consumo de produtos
duráveis e não-duráveis, ao nosso país. Interligando um processo “hegemônico” de
transformação de uma indústria incipiente para assumir um papel crucial de “centro
manufatureiro”, que reunia técnicas modernas e investimentos estrangeiros.
A metrópole moderna, que era, São Paulo, deixava-se entrever na
pluralidade das atividades realizadas. Para além das atividades
industriais, o comércio e as finanças ingurgitaram o setor terciário,
outro sinal distintivo das grandes urbes.
39
Sua dinâmica assumia e ganhava tamanha relevância num cenário social
amplo, justamente por tornar-se pólo divulgador do “progresso, modernização e
racionalização de uma cultura crescentemente técnica”. Esse quadro social e econômico
estruturou e movimentou projetos que mobilizaram o país, servindo de parâmetros para
outras cidades, que tencionavam abraçar esse desenvolvimento. Assim, a força motriz
do capitalismo tornava-se vertiginosa e alcançava novas áreas de atuação, inclusive,
provocando uma mercantilização da sociedade em todos os níveis.
Dessa forma, o capitalismo e a industrialização adentravam o país em direção
ao centro (Brasília), estruturando-se e pautando-se sob novas organizações e novos
referenciais, nos quais as cidades iam se adequando e dos quais iam-se apropriando
conforme as necessidades criadas. Partindo diretamente deste movimento, a cidade de
Uberlândia surgia como entreposto e inseria-se nessa dinâmica de desenvolvimento em
todos os setores sociais, dada a sua capacidade em relacionar-se com as mudanças
estruturadas num cenário macro e, conseqüentemente, trazer para sua região as
transformações difundidas no país.
38
ARRUDA. Maria Arminda do Nascimento. Metrópole e Cultura: São Paulo no meio século XX.
Bauru: Edusc, 2001, p. 52-53.
39
Ibid. p. 56.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
22
Assim, a cidade criava e recriava constantemente uma linguagem, que segundo
Lopes
40
, estava expressa nos discursos iniciados a partir da cada de 1950, quando
Uberlândia constituía-se enfaticamente envolvida pelo movimento de progresso e
modernização. Ambos agindo como responsáveis na orientação de um futuro promissor,
cujos projetos interessavam a uma parcela da sociedade uberlandense: sua “elite”.
A história nos mostra que essas elites, em todas as ocasiões, estiveram
atentas aos grandes projetos de nível estadual e nacional, que
pudessem beneficiar o município. A prática de negociações com
autoridades para que Uberlândia não ficasse excluída das vantagens
deles advindas foi, e continua sendo, freqüente, daí, o discurso de
ponto estratégico da região como forma de reforçar e sustentar as
negociações.
41
A história local de Uberlândia é permeada pela busca constante “rumo ao
progresso” e a modernização de suas estruturas instaurando uma nova ordem social. A
“perspectiva teleológica do progresso” determina e é determinada pelos discursos
ideológicos dos vários grupos que constroem a imagem da cidade.
Neste sentido, compreender como se materializaram tais discursos requer
problematizá-los por meio dos elementos intrínsecos a eles e a sua repercussão na
sociedade. A leitura atenta e cuidadosa das mudanças veiculadas na imprensa local
permitiu perceber como movimentou, e ainda movimenta, os projetos sociais. As
diretrizes do próprio sistema político e econômico da cidade encontram-se diluídas no
discurso da imprensa e as estratégias empregadas.
Dimensionar e problematizar o discurso veiculado na imprensa implica
percebê-lo em sua historicidade. Respeitadas as variantes decorrentes de uma sociedade
em constante transformação, é possível afirmar, com base na pesquisa realizada, que
dois argumentos são recorrentes e agem como pilares de sustentação da tão aclamada
vocação para o progresso da cidade de Uberlândia.
O primeiro argumento é sua situação geográfica, localizada entre o “pólo
industrial e econômico”, representado pela cidade de São Paulo, e o “centro político do
país”, Brasília. O segundo, decorrente do primeiro, é a construção simbólica da cidade
40
LOPES, Valéria Maria Queiroz. Caminhos e trilhas: transformações e apropriações da cidade de
Uberlândia (1950 1980). 2002. Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós Graduação
em História Social, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002.
41
Ibid., f. 35.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
23
como “ponto estratégico”.
42
Ambos os argumentos respaldam e, em última instância,
justificam a orientação dos projetos políticos, econômicos, socais e culturais.
A partir desses referenciais, outros argumentos somam-se a eles. Variantes
geográficas locais como clima, terra e fertilidade são exaltadas e associadas a
características da população. A cordialidade, a “receptividade” e a capacidade para o
trabalho do “povo de Uberlândia” embalariam a sua “vocação inata” para o progresso.
As justificativas expressas têm como mote legitimar e construir uma imagem
que tenha consonância direta com os projetos nacionais. Na tentativa de buscar um lugar
e um espaço, há um discurso imerso em uma trama investida de interesses econômicos e
políticos, sedimentando a ambição de desenvolver a cidade a todo custo.
O discurso forjado e construído veiculado pela imprensa deve ser ponderado e
problematizado tendo como norte a percepção de não se constituir apenas como agente
propagador de idéias. Segundo Capelato,
43
deve-se levar em consideração “[...] o
diálogo constante com as múltiplas personagens que atuam na imprensa de uma
época”.
44
Nessa perspectiva, implica ao historiador compreender o processo de
produção dessa fonte. Considerá-la neutra é perder sua complexidade e seu papel de
construtora de sentido. Cabe, também, ao historiador “desmistificar” os diversos
significantes presentes na imprensa, mais especificamente neste trabalho, a atuação do
jornal local, ponderando sobre algumas questões anteriores às informações apresentadas
por este.
A análise da fonte-jornal pressupõe a realização dessa tarefa. Ao invés
de se perguntar se as idéias e informações nela contidas são falsas ou
verdadeiras, procura-se antes saber: quem produziu o jornal? para
quê? como e quando? [...]Um documento o jornal, no caso não
pode ser estudado isoladamente, mas em relação com outras fontes
que ampliem sua compreensão. Além disso, é preciso considerar suas
significações explícitas e implícitas (não manifestas). Cabe, pois,
trabalhar dentro e fora dele.
A imprensa, ao invés de espelho da realidade passou a ser concebida
como espaço de representação do real, ou melhor, de momentos
particulares da realidade. Sua existência é fruto de determinadas
práticas sociais de uma época. A produção desse documento
pressupõe um ato de poder no qual estão implícitas relações a serem
desvendadas. A imprensa age no presente e também no futuro, pois
42
Os dois argumentos fartamente apresentados na imprensa local, não se restringem a ela. Estão
presentes em dissertações que têm a cidade de Uberlândia como temática.
43
CAPELATO, Maria Helena R. A imprensa na história do Brasil. São Paulo: Contexto/EDUSP,
1998.
44
Ibid., p. 21.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
24
seus produtores engendram imagens da sociedade que serão
reproduzidas em outras épocas.
45
Dessa forma, Capelato destaca a percepção do caráter da imprensa como fonte.
A ponderação em torno de seu conteúdo como espaço de veiculação de representações
abre um novo leque no trato da imprensa como fonte. Em relação ao periódico local, o
jornal Correio, arrolado como fonte para este trabalho, esta análise não se limita a sua
atuação na construção e veiculação de representações sobre a cidade de Uberlândia.
Também procura compreender a quem e a que grupos interessam essa construção, com
quais intuitos e qual o alcance em seus leitores.
É significativo, então, perceber que o jornal Correio, a partir do ano 2000, não
tem concorrentes na cidade. De propriedade do grupo empresarial ALGAR, não
restringe suas atividades à cidade de Uberlândia. O grupo, oriundo da cidade, atua em
várias frentes, desenvolvendo atividades nas áreas de agropecuária, telefonia fixa e
móvel, telemarketing, parque gráfico, dentre outras. O alcance empresarial do grupo não
se constituiu isoladamente. O inter-relacionamento com outros grupos empresariais e
com o poder local foi imprescindível. Desta feita, o local de produção do jornal é
esclarecedor das percepções expressas em suas páginas, constituindo-se agente de poder
político e econômico.
45
CAPELATO, Maria Helena R. A imprensa na história do Brasil. São Paulo: Contexto/EDUSP,
1998, p. 24-25.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
25
FIGURA 02 – Mapa do Brasil localizando Uberlândia.
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia, Correio de 31/08/1998, p. 01.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
26
FIGURA 03 – Mapa da rota de São Paulo – Uberlândia – Brasília
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia, Correio de 24/10/1997, p. 03.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
27
Diante das imagens expostas nos mapas veiculados no jornal Correio, é
perceptível a grandiloqüência que acompanha e ampara o discurso sobre a cidade.
Projetando uma imagem iluminada para o país, a cidade de Uberlândia, em sua “marcha
para o progresso”, caminharia lado a lado com o país do futuro. O despertar do “gigante
pela própria natureza” deitado em “berço esplêndido” encontraria, em Uberlândia, um
grande expoente.
Tal perspectiva vai ao encontro dos referenciais expostos na imprensa, uma vez
que reforçam o discurso veiculado.
46
“[...] localizada na região nordeste do Triângulo
Mineiro, no Estado de Minas Gerias, Uberlândia tem uma localização geográfica
privilegiada, entre dez capitais e com influência direta em várias cidades, e o que a
transforma num centro de negócios”.
47
O discurso recorrente e exaustivamente difundido na cidade tem como
pressuposto sua “[...] vocação para o progresso assumindo de vez sua condição de cidade
pólo, de uma região considerada como uma das mais ricas do país”.
48
Compõe um
referencial que faz parte do “imaginário social” da cidade, criando, em sua volta, uma
magnitude refletida em seu discurso eloqüente. Tal movimento de transformação da
cidade cria e recria, constantemente, a imagem que se pretende de Uberlândia, uma
representação de suas potencialidades que tem como colaborador e “principal
veiculador” de seus ideais a imprensa local,
49
juntamente com a elite política e
econômica (empresários). A cidade tornou-se palco de grandes realizações e projetos
que priorizavam e exaltavam constantemente a “ordem e o progresso”, na construção de
um espaço.
Desta forma, é possível perceber ambos os argumentos apresentados. A
utilização de imagens serve duplamente à construção da representação que se pretende
de Uberlândia. Inicialmente, inserida no texto escrito, atua no sentido de despertar a
atenção do leitor para as informações nelas contidas. Em segundo lugar, atua como
legitimadora dessas informações como “evidência concreta” destas. Possibilitar a
visualização da cidade em relação ao país permite-nos “entender” o porquê da
valorização constantemente reiterada de sua posição estratégica. Assim sendo, nada
46
Ao trabalhar com o discurso veiculado na imprensa local, optei por problematizá-lo a partir de seus
referenciais. Não se trata de estabelecer juízo de valor acerca de sua validade muito menos de sua
veracidade. O foco deste trabalho é o processo histórico no qual se deu a construção da imagem que se
tem da cidade de Uberlândia.
47
Jornal Correio de Uberlândia, p. 29, de 30/08/1992.
48
Jornal Correio de Uberlândia, p. 01, de 31/09/1990.
49
Uma fonte privilegiada desde trabalho é o periódico “Correio de Uberlândia”, veiculado desde 1939
até os dias atuais. É o jornal de maior circulação, sendo grande difusor de informações na cidade.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
28
mais “natural” que sua condição de entreposto comercial. Como tal, a cidade de
Uberlândia e os grupos dirigentes devem atuar no sentido de possibilitar e efetivar essa
condição. A argumentação presente na imprensa (posição geográfica e construção
simbólica da cidade como ponto estratégico) suaviza os interesses que movem as
estratégias e atuação desses mesmos grupos, “naturalizando” as transformações
ocorridas na cidade.
No entanto, essa questão é extremamente complexa. A atuação dos grupos
dirigentes é de difícil delimitação e cabe aos historiadores que se interessam por esse
assunto problematizá-la. Os trabalhos que dialogam sobre as questões referentes à
cidade
50
apresentam perspectivas diferentes. Alguns afirmam que “Uberlândia
desenvolveu-se espontaneamente”. Outros enfatizam que houve “um planejamento
cuidadosamente construído”. Divergências à parte, e não estabelecendo uma hierarquia
entre esses trabalhos, o interessante é justamente a amplitude de perspectivas sobre a
cidade de Uberlândia e a construção de sua imagem.
O que nos interessa em relação à cidade é que esta expande seus horizontes,
territórios e fronteiras, tendo como propósitos e finalidades elevar-se a uma condição
privilegiada, utilizando-se de um ufanismo extremo que a qualifique e a caracterize.
Assim, Uberlândia passou de Cidade Jardim a Portal do Cerrado, ganhando significado
e se reestruturando dentro de uma dinâmica que a projeta como ícone de
desenvolvimento.
Outra imagem na qual é possível perceber tal prerrogativa é a figura de número
04. Nesta, a visão panorâmica da praça Tubal Vilela iluminada (área central da cidade)
remete à representação que se tem de uma área progressista e dinâmica. A legenda da
foto, “Uberlândia retrata o seu progresso”, ressalta que a cidade de Uberlândia enseja
perceber, em sua área urbana central, todo o esplendor de sua iluminação e de suas altas
edificações. Não é uma única área progressista, é toda a cidade que, por extensão, pode
ser compreendida a partir da zona delimitada pela foto.
Dessa forma, as imagens apresentadas no jornal ratificam as informações
contidas nos diferentes textos. O peso da imagem reforça, de maneira inconteste, a
atuação do jornal como veiculador da construção da representação da cidade de
Uberlândia.
50
Para maiores informações, ver seção “Dissertações e Teses”, nas referências bibliográficas.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
29
FIGURA 04: Ilustração: Uberlândia retrata seu progresso
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia, Correio de 30/08/1992, p. 29.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
30
1.2 – “Uberlândia, a província e a metrópole numa mesma cidade”
(Correio 18/02/1990)
FIGURA 05: Charge da metrópole e da província
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia, Correio de 18/02/1990, p. B-01.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
31
Dentro desta multiplicidade que é Uberlândia e diante das várias linguagens
que a atravessam, um ponto de inflexão surge em sua trajetória “rumo ao progresso”. A
imagem diuturnamente construída da cidade de Uberlândia é fruto da disputa entre a
reafirmação de sua interioridade e sua pretensão de deixar para trás qualquer rastro que
a prenda a seu passado provinciano. A retro-alimentação dessa imagem é
constantemente testada quanto à sua eficácia. Assim, por mais que se esconda sob o véu
da modernidade, é possível perceber, mesmo que disfarçada, a face de sua
provincianidade.
Na ânsia de tornar-se centro de referência e inserir-se numa lógica de mercado,
o espaço urbano não consegue acompanhar tal movimento. Tudo isso porque
Uberlândia traz em si uma dualidade ontológica. Querendo ser e projetar-se como uma
metrópole, não se liberta de sua interioridade.
Essa percepção está presente em diversos momentos na imprensa. Um deles em
particular é interessante de ser mencionado. Na charge apresentada anteriormente, a
disposição do texto e das imagens lado a lado
51
supõe uma eqüidade mal-disfarçada
entre o cosmopolitismo e o provincianismo da cidade. Amparado por uma pesquisa, o
texto expõe argumentos respeitáveis para ambos os lados. Há uma preponderância
subliminar de valorização dos elementos considerados cosmopolitas e a leniência com
as características tidas como provincianas.
Os argumentos da dita metrópole passam pela oportunidade de trabalho
inclusive aos que vêm de outras localidades. A universidade federal, como pólo atrativo
e formador de mão-de-obra qualificada, “abastece” o mercado de trabalho e caracteriza
uma sociedade interessada em se desenvolver por meio do conhecimento acadêmico
disponível.
Outro argumento apresentado é o fato de se autodenominar o maior centro
atacadista da América Latina. Considerar a cidade como o maior centro atacadista,
subentende-se que também seja o melhor. Para tal, a utilização exaustiva das mais
avançadas técnicas de logística e de administração reportam-se às práticas mais
modernas. Isso é muito significativo, ainda mais quando alicerçado pelo “facilitador” de
ser o corredor natural do país.
51
No jornal, a charge aparece com seus dois quadros situados um ao lado do outro. Na gina anterior
em que esta foi reproduzida, para melhor aproveitamento do espaço disponível, os quadros foram
dispostos verticalmente. Tal fato é mera opção para melhor visualização desta. Não significa
estipulação de valores hierárquicos entre as informações. Tal atitude implicaria uma determinação que
não é apresentada pela charge.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
32
A alegada acessibilidade e receptividade da população às pessoas recém
chegadas compõe um arsenal de vetores de desenvolvimento aos quais a cidade o
poderia furtar-se. Dessa forma, o rol de argumentos apresentados implica a composição
de um quadro no qual a cidade de Uberlândia encaixa-se nos pré-requisitos de uma
cidade moderna.
Convivendo lado a lado, nem sempre de maneira pacífica, com outras
características que fogem dessa “lógica moderna”, tida como racional, técnica e
efêmera, outros argumentos são elencados sem tanta ênfase. As peculiaridades da
cidade de Uberlândia consideradas provincianas são amenizadas. O fechamento do
comércio em horários anteriormente aceitáveis contrasta com a velocidade das
mudanças ocorridas na cidade. Qualquer restrição à mobilidade ou possibilidade de
consumo não corresponde às expectativas. O caos do trânsito não é decorrente apenas
do excesso de veículos. É fruto de uma falta de adequação dos condutores e pedestres à
realidade estabelecida. O desrespeito às noções básicas de trânsito tumultua a
organização e o fluxo de veículos.
Outro fator levantado é a restrita opção de atividades culturais. Há, neste
aspecto, uma situação contraditória. Se, por um lado, a alegação de ausência de
atividades culturais mais freqüentes, como exemplo, a vinda de peças teatrais encenadas
em turnês pelo interior do país, há, por outro lado, a de falta de público para as
atividades existentes. Para produtores e patrocinadores, não retorno financeiro
satisfatório que justifique novas investidas.
Em referência ao mercado de trabalho, há a forte presença de relações de
compadrio, em detrimento de critérios de competência. A justificativa para a
remuneração aquém do esperado é amparada pela afirmação da baixa qualificação da
mão-de-obra disponível. Os fatos apresentados são decorrentes da não-acomodação à
nova realidade e ainda estão em fase de buscar equilíbrio na dinâmica social.
Os argumentos são reforçados pelo emprego de figuras caricaturizadas. Não
podem ser consideradas de caráter meramente ilustrativo. Sua utilização deve-se à
necessidade de reafirmar as informações contidas no texto. A figura que remete ao
“homem moderno” usa símbolos que enfatizam sua condição de sucesso como tal. O
casaco, os óculos escuros e o largo sorriso demonstram sua sintonia com seus
referenciais. Ao fundo da figura, vários prédios e uma chaminé fumegante associam a
atividade industrial e os novos padrões de construção.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
33
A figura do “homem provinciano” é a própria representação do “mineiro”. Os
elementos constitutivos da imagem são contundentes. O sol a pino, destacando-se no
quadro, lembra o trabalho diário no campo, “de sol a sol”. O chapéu de palha, a camisa
xadrez e as casinhas ao fundo associam-se à representação imagética que se tem de um
lugar interiorano.
No entanto, de se destacar a relação estabelecida entre as duas figuras.
Apesar de posicionadas lateralmente, é possível visualizá-las como verso e anverso da
mesma figura. Contraditoriamente, são, ao mesmo tempo, objeto e reflexo. A inversão
dos elementos nas imagens permite essa percepção. A posição de ambos é similar,
inclusive no modo como seguram o cigarro. O constrangimento do “provinciano” frente
ao “cosmopolita” é particularmente interessante. A construção desta representação vai
ao encontro da própria percepção que a população da cidade tem de si mesma. Por mais
que se “vista” como moderna, ao olhar para si, não há como negar sua condição
ontológica refletida nos espelhos com os quais se confronta, estabelecendo um
movimento de tensão e acomodação no qual os cidadãos encontram suas respostas.
A aposição entre a realidade e a imagem construída, num movimento que,
aparentemente, apresenta-se contraditório, é, na verdade, intrínseco a essa mesma
aposição. Neste sentido, é pertinente retomar a discussão de Chartier
52
a respeito de seus
conceitos centrais de representação e apropriação. Segundo o autor:
[...]as tentativas feitas para decifrar diferentemente as sociedades,
penetrando o dédalo das relações e das tensões que a constituem a
partir de um ponto de entrada particular (um acontecimento, obscuro
ou maior, o relato de uma vida, uma rede de práticas específicas) e
considerando que o prática ou estrutura que não seja produzida
pelas representações, contraditórias e afrontadas, pelas quais os
indivíduos e os grupos dão sentido a seu mundo.
53
A construção de sentido mostra-se mais eficiente à medida que se reporta ao
real ou a parcelas deste. É a partir de algo dado que as representações ganham
consistência. Trata-se de perceber as condições históricas dessa construção. Daí que,
segundo Chartier, impõe-se a necessidade de reelaborar o conceito de apropriação. “[...]
Essa reformulação, que enfatiza a pluralidade dos empregos e das compreensões e a
52
CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietudes. Tradução de Patrícia
Chittoni Ramos. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002.
53
Ibid., p. 66.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
34
liberdade criadora mesmo que seja regrada dos agentes que nem os textos nem as
normas impõem”.
54
Perceber a representação imagética da cidade de Uberlândia por meio do
discurso veiculado na imprensa mostra-se viável devido ao sentido dado e
experimentado no local de sua construção. Essa construção simbólica encontra
consonância nos espaços onde a cidade constitui-se como um lugar.
Não se trata de negar o potencial de crescimento que a cidade de fato tem, nem
mesmo sua condição de cidade de porte médio.
55
Trata-se de problematizar a constante
reelaboração de sua representação como um local privilegiado. Representar a cidade
como uma metrópole tem mais a ver com a tentativa de alcançar a expectativa de sê-la.
É manifestar sua insatisfação ante o não-alcance desta condição. Daí que emerge a
necessidade de realimentação constante dessa representação.
[...]as entradas da palavra “representação” atestam duas famílias de
sentido aparentemente contraditórias: de um lado, a representação
manifesta uma ausência, o que supõe uma clara distinção entre o que
representa e o que é representado; de outro, a representação é a
exibição de uma presença, a apresentação pública de uma coisa ou de
uma pessoa.
Na primeira acepção, a representação é o instrumento de um
conhecimento mediato que revela um objeto ausente, substituindo-o
por uma “imagem” capaz de trazê-lo à memória e “pintá-lo” tal como
é. A relação de representação, assim entendida como correlação de
uma imagem presente e de um objeto ausente, uma valendo pelo
outro[...].
56
A percepção da contínua alimentação da representação imagética da cidade de
Uberlândia não é restrita ao período abordado neste trabalho, que compreende as
décadas de 1980 a 2000, que pode ser percebida em matérias e editoriais referentes à
cidade no desenrolar do século passado. Tal perspectiva extrapola os limites dos
periódicos. Em 1942, Nelson Cupertino, um intelectual respeitado na cidade, publica a
obra Mboitatá.
57
Cupertino apresenta a atuação de Paes Leme e Fernando Vilela
(ambos engenheiros, foram responsáveis pela abertura de estradas de rodagem na
região) na efetivação do projeto de construção de estradas de rodagem. Para o autor,
54
CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietudes. Tradução de Patrícia
Chittoni Ramos. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002, p. 67.
55
Segundo o diagnóstico do Plano Diretor de Uberlândia 2006, a cidade foi considerada servindo-se da
classificação do IBGE como Centro regional – definido como centro urbano que polariza uma
mesorregião (extensão territorial com característica próprias – físicas, econômicas, sociais e humanas,
mas em nível não tão avantajado quanto o das macrorregiões) do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.
56
CHARTIER, 2002, op. cit., p. 74.
57
Obra editada sob o formato de livro de bolso foi distribuída pelo sindicato dos motoristas.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
35
toda a região seria beneficiada pela malha rodoviária a ser construída,
58
confluindo na
cidade de Uberlândia. Cupertino estabelece uma relação entre a posição geográfica, a
miscigenação e a viabilidade econômica de regiões ainda não adequadamente
exploradas, que, para tal, obrigatoriamente, passariam pela cidade, permeada pela
“vocação ao sucesso que a acomete”.
A lenda Mboitatá representa a mudança. O mito cosmogônico que perpassa a
obra seria o grande agente de transformação. Mboitatá indicava os caminhos aos
homens. A grande riqueza que a figura mítica oferece é a própria riqueza do local.
Grandes homens e homens simples incorporaram a Serpente de Fogo. Além do poder
da transformação, Mboitatá também configura a resistência de valores e de uma ética
própria do ser sertanejo, aqui, entendido sem conotação pejorativa alguma.
Nelson Cupertino, ao construir sua obra incorporando elementos reais e
estórias do folclore brasileiro, em especial, a da Serpente de Fogo,
59
criou uma espécie
de mito fundador da cidade de Uberlândia. O mito indígena veio ao encontro do
discurso vinculado à representação que se tem da cidade, ora reforçando-o, ora
justificando-o. A inclusão de elementos fantásticos naturaliza a “vocação natural para o
progresso”. O solo da cidade de Uberlândia, ao ser tocado pela “flamívola serpente”, foi
“magicamente” determinado como um local privilegiado. Os argumentos fartamente
apresentados em relação à sua condição excepcional (localização geográfica, corredor
natural, clima, fertilidade, dentre outros) foram reafirmados de maneira inconteste. Nada
menos que a “Serpente de Fogo”, determinadora e senhora das riquezas, indicou a
cidade de Uberlândia e traçou seu destino.
[...]já na fase das tropas e boiadas, valendo-se da conduta animal,
torna-se mais intensa e mais rápida; a locomotiva imprime-lhe depois
um compasso mais amiudado com resfôlego de seus pulmões a vapor;
o automóvel põe-na em sincronia com o dinamismo da vida moderna,
fazendo-a trepidar com a freqüência das explosões de seu motor; e
justamente quando nos resta a cumprir a última etapa, vem pôr-se aos
nossos dispor a aviação, que suprime as dificuldades do terreno,
abrindo-nos as vias livres e rápidas do espaço... serás “Mboitatá”!
Como a Flamívola Serpente serás o Senhor do espaço e do Tempo.
Ensinarás assim ao brasileiro cá do sertão a vencer a distância –
tradicional antagonista da Civilização e da unidade da Pátria!
60
58
O termo região foi empregado referindo-se às hoje denominadas micro-regiões do Triângulo Mineiro
e Alto Paranaíba e interior do estado de Goiás.
59
Segundo Houaiss, o mito indígena de Boitatá é simbolizado por uma cobra de fogo ou de luz com dois
grandes olhos, ou por um touro que lança fogo pelas ventas. Mito etiológico relacionado com a
indicação de tesouros ocultos.
60
CUPERTINO, Nelson. Mboitatá. São Paulo: Empresa Gráfica da “Revista dos Tribunais”, 1942, p.
216-217.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
36
A imagem da cidade como local privilegiado e de sua “vocação para o
progresso” se faz ainda muito presente. Esta representação serve para alimentar sua
imagem tanto para os citadinos quanto para seus visitantes. O cuidado com as áreas
públicas de maior circulação (as grandes avenidas que cortam a cidade, aeroporto,
Center Convention, Center Shopping, Centro Administrativo, área central, dentre
outras) deve-se ao fato de manter a cidade agradavelmente limpa e bela. A apresentação
da “Princesinha do Sertão” não dispensa uma boa dose de maquiagem. Tal qual uma
bela mulher enfatiza seus pontos fortes e escamoteia os fracos.
A cidade é maquiada, porque, ao se projetar, age como um espelho, uma vez
que seu discurso não se propaga no vácuo. Pelo contrário, tem uma adesão significativa
da população uberlandense que o reflete. “Os habitantes da cidade condicionam a sua
maneira de viver à medida que se apropriam ou (re)fabricam os espaços urbanos”.
61
Assim, Uberlândia, exprime uma “linguagem simbólica na pretensa unidade, na
planificação e ordem com que a cidade se apresenta nas imagens idealizadas”.
62
Dessa forma, pensar a partir da metáfora do espelho induz-nos e leva-nos a
compreender como a cidade foi construída e edificada mediante uma base
aparentemente sólida e concreta. Partindo desta perspectiva, Soares ressalta a
necessidade de entender a cidade dentro de sua multiplicidade, não perdendo “sua
lógica própria” e nem “suas articulações reais e simbólicas”. Para isso, “a cidade pode
ser lida, entendida” dentro de uma conjuntura social, política, econômica e cultural
peculiar, que não é perceptível somente por meio de sua imagem representada. Muitas
vezes, “[...] o que se tem é a projeção de uma imagem de cidade, que não retrata ela
própria, mas sim o que ela deveria ser”,
63
ou muita vezes, o que se pretende ser?
Há, nesse sentido, uma dualidade coexistindo permanentemente, a cidade que
vive e experimenta e a cidade projetada e maquiada.
Existe uma contradição entre a cidade real, que abriga um
determinado modo de vida, que é o resultado das relações cotidianas
de seus moradores, e a imagem da cidade projetada, apenas pelos seus
61
LOPES, Valéria Maria Queiroz. Caminhos e trilhas: transformações e apropriações da cidade de
Uberlândia (1950 1980). 2002. Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós Graduação
em História Social, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002, f. 67.
62
Ibid., f. 104.
63
SOARES, Beatriz R. Uberlândia: Da Cidade Jardim ao Portal do Cerrado Imagens e
Representações no Triângulo Mineiro. 1995. Tese (Doutorado em Geografia) Departamento de
Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1995, f. 33.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
37
signos de representação, por sua aparência, em que a imagem da
cidade é apenas uma metáfora.
64
Soares vale-se do conceito de metáfora para compreender a representação da
cidade de Uberlândia. Metáfora, porque é “nascido de uma comparação mental”,
65
por
meio da qual se pretende, a todo custo, construir uma imagem que não é, valendo-se,
para isso, da criação de ícones referenciais que modifiquem a cidade e camuflem o seu
verdadeiro eu.
Seu objetivo é o de construir uma cidade, segundo sua imagem e
semelhança, emoldurada por edifícios públicos majestosos, clubes de
lazer fantásticos, estádios de futebol portentosos, enfim, grandes obras
arquitetônicas. Por outro lado, uma outra face da cidade deve ser
escondida, afastada de seus olhos – as favelas, as periferias, que
representam um empecilho à sua legitimação e a seus negócios.
66
Uberlândia, tal como um espelho, possui os dois lados. Os ângulos de seu
desenvolvimento não conseguiram escamotear e retirar do cenário social a discrepância
entre uma cidade com ares modernos convivendo, lado a lado, com a miséria e a fome.
A convivência, nem sempre pacífica, dentro da diversidade social, não é exclusiva desta
cidade. É característica de um país construído sobre a desigualdade. Camuflar, esconder
ou retirar do convívio social não nega sua condição de existência. Está em algum lugar,
viva e pulsante.
64
SOARES, Beatriz R. Uberlândia: Da Cidade Jardim ao Portal do Cerrado Imagens e
Representações no Triângulo Mineiro. 1995. Tese (Doutorado em Geografia) Departamento de
Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1995, f. 34.
65
Definição retirada de: CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa.
São Paulo, 2005, p. 614.
66
SOARES, 1995, op. cit., f. 34-35.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
38
1.3 – “Porque somos uma cidade admirável”
(Correio de Uberlândia – 27/08/1985)
FIGURA 06: Ilustração da reportagem “Porque somos uma cidade admirável”
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia, Correio de Uberlândia, de
27/08/1985, p. 09.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
39
Seriam a posição, as estratégias de poder e a vocação para o progresso da
cidade de Uberlândia que a levaram rumo a um movimento de transformação e
expansão, que dimensionaram seu papel e seu lugar? Ou nada mais seria que um acaso
da natureza e escolha fortuita que a levaram a ser denominada a “princesinha do
Triângulo”? Certamente, não é um único fator de relevância que impulsionou sua
valorização e representação, mas uma confluência de ações que concretizaram o que ela
é hoje.
Não se pode negar o empenho do discurso veiculado pela imprensa em
enfatizar a capacidade intrínseca à cidade de Uberlândia em trilhar e buscar a
modernização, que orientou e direcionou uma nova realidade social, por meio de
projetos e construções, pautada por uma representação da cidade que a situasse como
um centro de referência. Para tal, o desejo modernista e ufanista de ser dos grupos
dirigentes atuou como co-responsável, direta ou indiretamente, em relação às
transformações urbanas e sociais.
A cidade, tão adjetivada e exaltada pelos cidadãos
67
, experimentou, na década
de 1980
68
, um extremo vigor quanto ao seu crescimento e expansão urbana em todos os
setores. Houve uma constante preocupação com a paisagem e os serviços urbanos da
cidade que a tornassem visivelmente compatível com a representação que se pretendia
de Uberlândia. Os possíveis transtornos de uma cidade em ebulição foram justificados e
amenizados enfaticamente pela imprensa no mesmo período, tal como exemplificam as
seguintes manchetes:
“Limpeza e serviços de terraplanagem na Av. Rondon Pacheco”
(23/02/83)
“Secretaria de Serviços Urbanos inicia um projeto de recomposição
paisagística” (12/09/84)
“Melhoria no trânsito: a preocupação da Prefeitura de Uberlândia”
(09/11/84)
“Embelezamento da cidade e preocupação dos serviços urbanos”
(16/03/85)
67
Perspectiva esta possibilitada pelo contato com as fontes; foi possível reconhecer no discurso da
imprensa seu desejo ufanista e a exaltação da cidade.
68
A década de 1980, em Uberlândia, torna-se significativa em relação ao grande desenvolvimento e às
grandes realizações exaltadas na imprensa, principalmente aqueles que foram considerados marcos: a
inauguração do Parque do Sabiá (1982) e a construção do primeiro shopping center da região, o
Ubershopping (1987).
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
40
“Uma campanha para arborizar a cidade” (30/04/85)
“Uberlândia ganhará brevemente um novo Código de Posturas
atualizado” (26/09/86)
“O centro nevrálgico da movimentada cidade” (13/08/88)
“Uso e ocupação do Solo: comissão já tem presidente” (09/12/88)
Esses temas, expressos nas chamadas das matérias e editoriais, são recorrentes
e relevantes à medida que propiciaram debates acerca da atuação do poder público local
nas transformações do espaço urbano da cidade de Uberlândia. Analisando o discurso
da imprensa local, é possível acompanhar o ritmo e o crescimento acelerado nesse
período específico, justamente pela necessidade de lançar desafios ao seu
desenvolvimento. Na busca de se tornar “uma cidade grande que acredita em grandes
obras”, Uberlândia “cresce, mas com alma”, vai delineando “com os olhos no passado e
as mãos no futuro” sua história e seu desenvolvimento.
Assim, partindo das considerações de Carlos
69
, a cidade como “palco de
grandes acontecimentos” torna-se um “ponto de partida para a construção de uma
imagem que as pessoas fazem da cidade”. Cidade está carregada de uma multiplicidade
de transformações que a elevaram a assumir um patamar de distinção entre as demais
cidades do Triângulo Mineiro. Em Uberlândia, não se ousou e se buscou efetivar
projetos modernistas de desenvolvimento econômico e social, também, seu reflexo no
espaço urbano a partir dessa mesma gica. Neste sentido, é pensar Uberlândia e a sua
paisagem urbana inseridas em um processo amplo que foi e continua sendo
contraditório.
[...]a paisagem urbana tende a revelar uma dimensão necessária da
produção espacial, o que implica ir além da aparência; essa
perspectiva da análise já introduziria os elementos da discussão do
urbano entendido enquanto processo e não apenas enquanto forma.
70
O urbano, nessa perspectiva, representa a dualidade ontológica entre os novos
referenciais e os velhos, sua produção e relação com a sociedade se dão por meio das
transformações sociais e econômicas. Partindo desta posição, a paisagem urbana cria e
recria-se constantemente conforme interesses, posições e necessidades. Sem contar que
representa e reflete a própria realidade social da cidade. Nesta percepção, entender a
cidade como construção requer diferenciar o espaço e lugar, que muitas vezes, usados
69
CARLOS, Ana F. A cidade. São Paulo: Contexto, 1997.
70
Ibid., p. 36.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
41
como sinônimos, apresentam nuances que adquirem significados ao inserirem-se na
trama das relações humanas.
Ainda segundo Carlos, “[...] o espaço é produto, condição e meio do processo
de produção da sociedade em todos os seus aspectos”, constituindo-se “produto
histórico e social”, pode ser apreendido e apropriado. É apreendido por meio da
interação do homem com a natureza, mas não se restringe a ela: “[...] o espaço é
também produto das relações complexas de determinada sociedade, num dado momento
histórico, sob a base de relações materiais de produção[...]”.
71
Por outro lado, lugar também se engendra mediante as condições históricas, no
entanto, vincula-se mais ao simbólico do que às condições materiais.
O lugar é construído como condição para a produção e para a vida, e
ao serem construídos, essas condições produzem um espaço
hierarquizado, diferenciado, dividido, contraditório, que se
consubstancia como um dado modo de vida, como formas de
relacionamento, como ritmos do cotidiano, como ideologia, religião e
como um modo de luta.
72
Cada um com sua especificidade, inter-relacionam na cidade, formando e
construindo suas especificidades de acordo com as estruturas sociais, econômicas e
culturais. A realidade urbana, neste sentido, não está deslocada de seu espaço. Assim,
compreender que o espaço “não é neutro” significa afirmar sua apropriação, que ocorre
segundo uma dinâmica marcada por interesses e disputas.
Desse modo, Soares, ao problematizar a cidade, entendendo-a inserida em uma
prática de poder político e econômico, reflete a atuação da “elite”, que estrutura a cidade
segundo parâmetros próprios. Modificações e reorientações no e do espaço urbano
buscaram dar visibilidade às possibilidades de desenvolvimento e progresso em
Uberlândia. Nessas circunstâncias,
Entre os anos de 50 e 80, o espaço urbano de Uberlândia passa por
transformações econômicos, sociais e culturais nunca antes
vivenciadas por sua população. No que diz respeito à sua forma
urbana, fruto do desenvolvimento das relações sócio/espaciais, as
mudanças foram significativas, pois foram criados os loteamentos
nobres, os arranha-céus, os conjuntos habitacionais, o asfalto, o néon,
a televisão, o supermercado, o Distrito Industrial, a Universidade
Federal, e os shopping-centers, entre outros.
73
71
CARLOS, Ana F. A cidade. São Paulo: Contexto, 1997, p. 83.
72
Ibid., p. 52.
73
SOARES, Beatriz R. Uberlândia: Da Cidade Jardim ao Portal do Cerrado Imagens e
Representações no Triângulo Mineiro. 1995. Tese (Doutorado em Geografia) Departamento de
Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1995, f. 118.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
42
Conforme citado, esse período de intensas transformações e crescimento
econômico e populacional implicou a necessidade de um planejamento mais amplo.
Visando proporcionar um crescimento mais ordenado, as modificações em torno deste
cenário urbano resvalaram nos grandes problemas de saturação, principalmente na área
central da cidade. Esses problemas são perceptíveis na imprensa no período. Manchetes
como “Uberlândia: é uma beleza imensa! Um mundo de ternura, mas com sua parte
central e nevrálgica, tem suas ruas e avenidas superlotadas de pessoas afoitas”;
74
“Trânsito: o caos nosso de cada dia”,
75
expressam os problemas da região central e as
dificuldades de circulação em uma área que carece de planejamento.
A inviabilidade de congregar, em um espaço delimitado, o comércio varejista,
o centro administrativo, a prestação de serviços e bens, tudo somado com o fluxo
intenso de veículos, proporciona um crescimento vertical e sua conseqüente valorização.
Aliado à expansão dos setores industriais,
76
no final da década de 1980, a imprensa local
passa a expressar a necessidade da criação de um planejamento urbano que minimizasse
os problemas decorrentes de uma cidade em constante crescimento.
74
Jornal Correio de Uberlândia, p. 01, de 09/07/1988.
75
Jornal Correio de Uberlândia, p. 09, 08/1988, ed. Especial.
76
A partir da década de 1960, a cidade adquiriu uma nova configuração social e econômica,
principalmente com a criação da Cidade Industrial. É perceptível o direcionamento de forças da
coligação e da presença de empresários na formação de um modelo padrão de cidade progressista. Na
busca por qualificá-la como entreposto comercial, que agrega em si uma gama de relações econômico-
político-sociais aliada à confluência das rodovias: BR 050, BR 365, BR 452, BR 455 e BR 497.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
43
FIGURA 07: Mapa das rotas das BRs que cortam a cidade de Uberlândia
Fonte: Plano Diretor de 2006, elaborado pela Prefeitura Municipal de Uberlândia.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
44
A elaboração de um plano urbano para a cidade de Uberlândia constituiu-se por
meio da parceria e da intensa movimentação das secretarias de Habitação, Meio
Ambiente, Obras, Transportes e Serviços Urbanos, congregando interesses e
preocupações. Reorientaram-se as discussões, a fim de remodelar e criar novos espaços
e lugares sociais, na pretensão de reestruturar a cidade em prol de um melhoramento na
paisagem urbana, no sistema viário, transportes e, principalmente, na revitalização da
área central.
77
Desta forma, as prerrogativas já elucidadas ganham força e respaldo na gestão
do prefeito Virgílio Galassi (1989 a 1992), quando este começa a trilhar os primeiros
passos em direção ao que, mais tarde, seria conhecido de Plano Diretor do Município,
posto em vigor com a preocupação de solucionar os principais problemas criados pelo
crescimento urbano, o que causava entraves no interior da estrutura arcaica do poder
local.
Estamos preparando Uberlândia para seu um milhão de habitantes e
para o ano de 2000, disse o prefeito Virgílio Galassi na tarde de
ontem, durante a solenidade de assinatura do contrato entre a
Prefeitura e o escritório Jaime Lerner, de Curitiba, visando à
elaboração do Plano Diretor da cidade. O Plano Diretor, em resumo,
vai ordenar o crescimento da cidade para evitar transtornos futuros.
78
A discussão a respeito do Plano Diretor da cidade, iniciada a partir do mês de
agosto de 1990, foi extensa e movimentada na câmara municipal. Segundo a imprensa,
envolveu a sociedade juntamente com a câmara dos vereadores e associações de bairros,
que reivindicavam a participação nos debates e na elaboração direta de alguns itens de
interesse para a sociedade.
“Plano Diretor: voltado para o futuro” (19/11/89)
“Plano Diretor fica pronto em dezembro de 90” (20/12/89)
“Plano Diretor começa a ser discutido no mês de agosto” (31/07/90)
“Plano Diretor indica mudanças” (12/03/91)
“Plano Diretor: qualidade de vida para o centro da cidade”
(15/10/91)
“Plano Diretor: projeto é enviado à Câmara” (23/09/93)
“Plano Diretor: veja como ele vai modificar o seu dia-a-dia” (31/10/93)
77
Há concomitante a este processo a criação de uma nova centralidade na cidade. Na tentativa de
desafogar o espaço central, vários serviços são redirecionados a uma área que agrega uma nova
funcionalidade. Nesta área, localiza-se o Center Shopping, que será posteriormente analisado neste
trabalho.
78
Jornal Correio de Uberlândia, p. 01, de 29/09/1990.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
45
“Plano Diretor vai a discussão sexta” (09/02/94)
“Câmara aprova finalmente o Plano Diretor do Município” (05/04/94)
“Plano Diretor, no limiar da metrópole” (12/06/94)
Ao acompanhar as discussões na imprensa, foi possível perceber que houve
ampla movimentação para o desenvolvimento do Plano Diretor, estendendo-se por
quatro anos até sua efetivação em 1994. No período de 1990 a 1994, foram relatadas,
quase diariamente no jornal, as indicações de mudanças, aprovações da instituição do
Plano, discussões da comunidade e da associação de moradores, plano em debate por
entidades religiosas, sindicatos e partidos políticos, opiniões de engenheiros da
Universidade Federal de Uberlândia, apresentação de reivindicações, críticas à relação
plano/sociedade, utilização da Lei de Uso e Ocupação do Solo bem como outras, até sua
fase final.
A partir dessa nova configuração da cidade, houve uma reorganização urbana.
Abriram-se novas regiões com um grande potencial de circulação, especulação e
arrecadação, criando uma nova centralidade. Atividades antes concentradas no “centro
nevrálgico” de Uberlândia convergiam para uma nova região e construíram-se como
espaço de atividades comerciais, administrativas, políticas e sociais.
Esse novo espaço compreendia o percurso entre as avenidas João Naves de
Ávila e Rondon Pacheco, tornando-se, a partir da década de 1990, um dos pontos
estratégicos de circulação da cidade. Iniciava-se uma utilização diferenciada do espaço
urbano decorrente da especulação imobiliária, consolidada pela construção do
Hipermercado Carrefour naquelas imediações, a partir da década de 1990. Com a
construção de um empreendimento da envergadura econômica do Carrefour
79
, houve
um redirecionamento das relações cotidianas inauguradas neste espaço, proporcionado
pela atração das possibilidades, até então, inéditas.
80
No entanto, essa nova reformulação no espaço urbano acarretou mudanças
significativas na infra-estrutura das avenidas
81
e dos bairros circunvizinhos. Esta área
79
Inaugurado em julho de 1990.
80
Com a inauguração do Hipermercado Carrefour, surgiu um novo referencial para o consumo. A
enorme oferta de produtos, em quantidade e qualidade, o espaço amplo e iluminado de seu interior, a
estrutura do estacionamento, dentre outros fatores, despertaram a curiosidade dos cidadãos, e este
empreendimento consolidou-se como um novo local de frequentação.
81
Ambas as avenidas passaram por revitalizações. A Av. Rondon Pacheco passou por diversas reformas
para tornar-se uma via de acesso rápido e no sentido de minimizar o impacto das inundações a que era
acometida, devido a ser um dos pontos mais baixos da cidade. a Av. João Naves de Ávila foi
reformada para transformar-se em corredor de tráfego rápido.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
46
ganhou um novo traçado ao congregar, posteriormente, a construção do Center
Shopping e o Centro Administrativo de Uberlândia.
82
Ambas as imagens, apresentadas em seqüência, permitem visualizar a
amplitude que caracteriza as avenidas João Naves de Ávila, Rondon Pacheco e Anselmo
Alves dos Santos. Foram reestruturadas para formar corredores de rápido acesso
visando à melhor organização do trânsito na cidade. As amplas e arborizadas avenidas
têm sua importância uma vez que cortam vários bairros da cidade, interligando-os às
entradas e saídas junto às rodovias. Neste sentido, nada mais lógico que instalar na sua
confluência, dois grandes empreendimentos comerciais. São locais de fácil acesso tanto
para os citadinos quanto para os visitantes, constituindo-se, inclusive, como ponto de
referência para a cidade de Uberlândia.
82
Inaugurado em agosto de 1993.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
47
FIGURA 08: Vista aérea da avenida Rondon Pacheco.
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia, Correio de 31/08/1995, p. 01.
FIGURA 09: Vista aérea do cruzamento das avenidas João Naves de Ávila e Anselmo
Alves dos Santos.
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia, Correio de 25/07/1996, p. 07.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
48
O espaço construído e reconstruído edifica e representa a confluência de
interesses tanto econômicos quanto políticos, exaltados no discurso ufanista da cidade,
que personifica todo o desejo de progresso ancorado nos padrões considerados
modernos. Ao privilegiar um espaço que, nos anos seguintes, seria (e ainda é)
considerado um símbolo representativo, um novo traçado para as ruas, lojas, postos de
gasolina, casas e arborização foi organizado, a fim de viabilizar o acesso e,
conseqüentemente, o escoamento e o tráfego intenso de automóveis e pessoas. Ocorre,
assim, um processo de modificações estruturais para atender ao novo centro comercial,
varejista e administrativo.
Toda a reorganização do espaço urbano e o empenho em efetivá-la não se
constitui como um processo isolado. Segundo Harvey,
83
ao estudar a mudança cultural e
a condições em que se deram essas mudanças, as transformações urbanas inserem-se
numa prerrogativa mais ampla. Não se trata apenas de uma questão estética. Imbrica-se
em um processo vivido por toda a sociedade.
[...]ao que parece, as cidades e lugares hoje tomam muito mais
cuidado para criar uma imagem positiva e de alta qualidade de si
mesmos, e m procurado uma arquitetura e formas de projeto urbano
que atendam a essa necessidade[...] dar determinada imagem à cidade
através da organização de espaços urbanos espetaculares se tornou um
meio de atrair capital e pessoas.
84
A construção da “imagem positiva”, segundo a percepção de Harvey, vem ao
encontro da percepção presente neste trabalho. A orientação no processo de
reurbanização e revitalização da área eleita como a nova centralidade teve como
prerrogativa uma construção, física e simbólica, que possibilitasse uma
espetacularização deste espaço-lugar.
Os mbolos erigidos nessa nova centralidade vêm de acordo com a imagem
que se pretende de Uberlândia como “portal do cerrado”. Mesmo se configurando uma
parte pequena na cidade, esta região congrega, no percurso transcorrido nas grandes
avenidas, o esplendor estrutural e a preservação das ruas, praças e edifícios. A imagem
enaltecida cria e recria a ilusão do progresso, crescimento, modernização e organização
da cidade.
83
HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural.
São Paulo: Loyola, 1992.
84
Ibid., p. 91-92.
Capítulo I: Cidade, transformações, imagens: construções sociais
49
FIGURA 10: Mapa da cidade que demonstra a nova centralidade em relação ao centro
antigo.
Fonte: Guia Turístico de Uberlândia/2007.
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Discutir sobre as diversas transformações urbano-espaciais na cidade de
Uberlândia, visando compreender sua complexidade, é não se restringir apenas às
questões de caráter material. Neste trabalho, busco recuperar e problematizar este
momento, o período de 1980 a 2000, que foi tão peculiar à sociedade uberlandense. É
interessante salientar que a dinâmica urbana foi incrementada com significativas
mudanças no espaço social. No entanto, nessas mudanças, é perceptível a realimentação
da representação de cidade progressista. Essa representação, presente na imprensa,
porém não restrita a ela, serviu e ainda serve como justificativa para as diversas
transformações.
Dentre as várias possibilidades de discussão, as que me parecem mais
significativas, são as relacionadas com o ato de ir ao cinema. Para tal, adentraremos ao
mundo envolto nas salas, percebendo como houve perdas e mudanças significativas do
ato de ir ao cinema. O “valor de culto” e o ritual pertinentes às salas se perdem, e novas
formas de footing são criadas e recriadas. Trata-se de perceber e compreender como
essas transformações estão imbricadas numa teia de mudanças significativas, que
alteraram um hábito e um costume consagrados na cidade de Uberlândia,
compreendendo-a como espaço e lugar de transformações das sociabilidades.
Percorreremos, assim, as salas de cinema da cidade, suas estruturas e as finalidades que
tiveram dentro de uma nova configuração social e a problematização do processo de
construção de novas sensibilidades, estímulos e de um novo imaginário social.
Charney e Schwartz
85
analisam como o cinema transcende suas barreiras
físicas, convergindo para si e tornando-se tônica de um movimento de transformações.
A ‘modernidade’, como expressão de mudanças na chamada
experiência subjetiva ou como uma fórmula abreviada para amplas
transformações sociais, econômicas e culturais, tem sido, em geral,
compreendida por meio da história de algumas inovações
talismânicas: o telégrafo e o telefone, a estrada de ferro e o automóvel,
a fotografia e o cinema. Desses emblemas
85
CHARNEY, Leo; SCHWARTZ, Vanessa R. (Orgs.). O cinema e a invenção da vida moderna. São
Paulo: Cosac & Naify, 2004.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
51
da modernidade, nenhum personificou e ao mesmo tempo transcendeu
esse período inicial com mais sucesso do que o cinema.
86
Ao tornar-se uma expressão vigorosa, o cinema foi um elemento
preponderante, que congregou uma expressão fidedigna da modernidade justamente por
reunir “uma variedade de novas formas de tecnologia, representação, espetáculo,
distração, consumismo, efemeridade, mobilidade e entretenimento”.
87
Todos estes
elementos agregam ao cinema uma posição privilegiada na vida moderna, que
compactua, diretamente, com as transformações inatas a ela, principalmente no tocante
às noções de espaço e tempo que se alteram significativamente. Essas noções serão
desenvolvidas com mais acuidade.
Não há, dessa forma, como negar que o cinema torna-se uma técnica capaz de
produzir um espetáculo e de atrair para seu entorno um grande público. Considerando
que o cinema é também conhecido como a “sétima arte”, ele possui atributos inerentes a
tal posto. O que faz do cinema uma arte? Quais são os elementos que o caracterizam
neste patamar? São pontos ponderáveis que perpassam a discussão em torno do cinema
e de suas contribuições sociais.
Nesse sentido, pensar a obra de arte como tal traz em si a necessidade de
dialogar diretamente com Walter Benjamim
88
, quando analisa os elementos fundantes e
fundamentais à obra de arte. Primeiramente, esclarece a relação envolvente na obra, que
se caracteriza por meio da conjunção de três elementos: aura, valor cultural e
autenticidade. Pontos relevantes que permitem e dão o aval à obra, possibilitando ao
observador distinguir entre uma reprodução ou não. Neste momento, cabe-nos apenas
entender o que faz com que uma obra torne-se arte. Para isso, partindo diretamente do
que ela não é mais, ou do que foi, é possível perceber a linha tênue que se estabelece
entre obra e reprodução. “O que caracteriza a autenticidade de uma coisa é tudo aquilo
que ela contém e é originalmente transmissível, desde sua duração material até seu
poder de testemunho histórico”.
89
Segundo Benjamin, na época da reprodutibilidade técnica, uma
desvalorização de sua autenticidade, principalmente, no tocante à sua aura, uma vez que
86
CHARNEY, Leo; SCHWARTZ, Vanessa R. (Orgs.). O cinema e a invenção da vida moderna. São
Paulo: Cosac & Naify, 2004, p. 17.
87
Ibid., p. 18.
88
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de suas reproduções técnica. In: ______. Textos
escolhidos. Tradução de José Lino Grünnewald. São Paulo: Abril Cultura, 1983. p. 5-28. (Os
Pensadores)
89
Ibid., p. 8.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
52
seu significado ultrapassa seus limites, levando-o a qualquer lugar devido ao “fenômeno
de massa”. A “sensibilidade humana” modifica-se. A forma “de sentir e de perceber” a
obra de arte individualizada e única perde-se. Com as técnicas de reprodução,
especialmente, o cinema, a obra perde sua origem e sua raridade, assumindo uma nova
configuração social. Sem contar o status honorífico e todo o glamour com o qual era
apreciada em razão da sua autenticidade. Ao tentar aproximá-los, tornando-os mais
acessíveis, perde-se sua aura e, conseqüentemente, seu ritual.
Sabe-se que as obras de arte mais antigas nasceram a serviço de um
ritual, primeiro mágico, depois religioso. Então, trata-se de um fato de
importância decisiva a perda necessária de sua aura, quando, na obra
de arte, não resta mais nenhum vestígio de sua função ritualística [...]
o valor de unicidade, típica da obra de arte autêntica, funda-se sobre
esse ritual que, de início, foi o suporte do seu velho valor utilitário.
Qualquer que seja o número de intermediários, essa ligação
fundamental é ainda reconhecível tal como um ritual secularizado
através do culto dedicado à beleza, mesmo sob as formas mais
profanas.
90
O que antes era considerado um culto assume novas dimensões sociais e
culturais. A percepção pauta-se sob novos valores, uma vez que se modifica a estrutura
qualitativa da obra e, conseqüentemente, de seu admirador. O ritual torna-se obsoleto e
sem a menor relevância, pois uma diversidade e relatividade nos modos de perceber
a obra de arte. Desta forma, é também considerar o cinema como uma técnica de
reprodução. Como tal, perde sua aura de obra de arte. Neste sentido, é compreendê-lo
também como espaço, como uma expressão de um lugar carregado de glamour,
elegância e requinte, envolto em suas construções luxuosas, que possibilitavam um
ritual peculiar praticado pelos seus freqüentadores.
O glamour ostentado pelos “palácios cinematográficos”, como eram
conhecidos, exigia uma postura e uma indumentária inerentes ao luxo de suas salas e
ante-salas. Ao adentrar os palácios, experimentava-se a sensação de participar de algo
mágico. O escurinho das salas proporcionava, e ainda proporciona porém de forma
diferenciada –, reações e estímulos únicos àquele lugar. Essa aura reinante e esse ritual,
igualmente, esvaíram-se no tempo.
Assim, inspirando-nos na análise de Benjamin, o cinema, ao enveredar nessa
onda do “fenômeno de massa”, transporta-se a um novo patamar e perde o glamour e a
ostentação inicial de seus tempos áureos. O ritual envolvente, que acompanhava o
90
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de suas reproduções técnica. In: ______. Textos
escolhidos. Tradução de José Lino Grünnewald. São Paulo: Abril Cultura, 1983. p. 10. (Os
Pensadores)
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
53
adentrar aos “palácios cinematográficos”, perde sua aura para uma nova forma de
expressão e de valor. As novas salas de cinema assumem uma nova configuração social
e dispõem de um novo valor de culto. Um novo ritual é construído ante a reprodução
técnica das novas salas de cinema. Muda-se, aparentemente, quase tudo em sua volta, na
tentativa de abarcar um público cada vez maior.
2.1 – Um ritual que se perde
Por cinema, compreende-se tanto a expressão da arte cinematográfica,
reconhecido como um meio de comunicação difundido em nossa sociedade, quanto pelo
espaço onde essa arte se expressa. A invenção dos irmãos Lumière causou espanto em
1895, quando eles apresentaram, pela primeira vez, imagens em movimento. Essa
técnica, desenvolvida e aperfeiçoada nos séculos XIX e XX, possibilitou uma mudança
de concepção e de reação na sociedade, dada sua complexidade. Tal magnitude e
esplendor, criados em torno do cinema, refletem sua onipresença em meio ao turbilhão
de transformações sociais, econômicas e culturais da época. Sem contar a dimensão de
espetáculo que circulava em torno das salas de projeção cinematográfica.
Assim, pensar o cinema e suas várias imbricações sociais requer pontuá-lo e
reuni-lo numa tríade, que envolve técnica, arte e espaço, compreendida num movimento
de experiências e de atrações do cinema para com seu público. Sua natureza reveladora
abre caminhos para um mundo repleto de novas sensações, estímulos e impulsos, uma
vez que nasce sobre os auspícios da modernidade.
As salas de cinema, compreendidas como um espaço, congregavam em seu
entorno um estilo próprio. Ir ao cinema, em Uberlândia, assim como em outros lugares,
era, reconhecidamente, um acontecimento social perceptível ao penetrar nos salões e
nas sessões escurinhas dos cinemas. O “valor de culto” e a adoração que o ato de ir ao
cinema possuía perdem-se em meio ao turbilhão das transformações sociais. Tal fato
deve-se à percepção das salas de cinema como um espaço socialmente construído.
Justamente por se constituírem como uma prática social consagrada pelos cidadãos, à
medida que o espaço urbano muda, reorganiza-se, a partir dessa mudança, a própria
prática estabelecida. Seu significado é construído ao longo de sua trajetória na cidade,
imprimindo uma marca e uma história.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
54
Buscar essa história e problematizá-la traz a necessidade de emaranhar em
outros trabalhos realizados a respeito do tema. Perceber na cidade como seus
colaboradores e estudiosos criaram e criam uma imagem das salas e dos cinemas,
recuperando uma forma e uma escrita peculiares do lugar.
Garcia
91
, ao elaborar um estudo sobre cinema em Uberlândia, trata-o “enquanto
lazer” e busca “perceber a receptividade do povo uberlandense pela arte
cinematográfica”. Percorre um período de 50 anos, no intento de retomar os “primeiros
animathógrafos até as luxuosas salas de projeção da década de 50”.
Os animatógrafos antecedem aos Cinematógrafos e eram aparelhos
adquiridos por alguns empresários da cidade e da região e que saiam
pelas cidades circunvizinhas fazendo suas exibições de filmes da
Empresa Radium[...] Numa época em que não havia rádios, ou formas
diferenciadas de distração, o Cinema constitui-se numa das formas de
lazer de maior sucesso durante o período que ia do início do século à
década de 50.
92
A autora busca desvendar esse “mundo maravilhoso” concomitante com o
período de ascensão do cinema no Brasil, localizando Uberlândia e suas salas dentro de
um “cenário mais amplo”. Demonstra, por meio de sua análise, a preocupação que os
grupos dirigentes de Uberlândia tinham com o cenário social, buscando sempre a
inserção no “progresso”, assimilando as tecnologias em voga. O cinema, desta forma,
tornara-se um dos elementos preponderantes para o discurso ufanista de progresso, uma
vez que aliava técnica e novidade. Para Garcia, “o papel desempenhado pelo Cinema
Local na vida social e cultural da população” era de suma importância para a cidade
desde o início do século XX, quando Uberlândia se chamava Uberabinha
93
.
Uma das constatações dessa afirmação é a inauguração do primeiro
Cinematógrafo em 1907”, que forjava uma preferência local pela nova tecnologia.
Havia, nesse momento um forte aliado: a imprensa; que se tornou um de seus maiores
divulgadores e veiculadores, colaborando, direta ou indiretamente, para a preferência
uberlandense. Sem contar que as apresentações continuaram, “em 1908 eram feitas
projeções no pátio da casa do Sr. Firmino Gramma, no largo do mercado” onde
ocorriam ao ar livre.
91
GARCIA, Renisia Cristina. 100 anos de cinema: o aspecto social da arte cinematográfica.
Uberlândia: Secretaria Municipal da Cultura, 1995. Esta obra foi realizada em parceria com a Divisão
de Memória e Patrimônio Histórico juntamente com o Arquivo Público Municipal.
92
Ibid., p. 10.
93
O trabalho de Garcia tem como interesse as implicações sociais dos encontros em torno das projeções
cinematográficas no início do século passado. Não tem como intuito primordial as discussões acerca
das questões envoltas dos meios de comunicação de massa.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
55
Tais projeções eram conhecidas como apresentações (espetáculos), uma vez
que os cinemas ainda não possuíam locais próprios salas de cinema –, voltadas para
esse fim, daí a necessidade de improvisar e procurar locais adequados que
comportassem público e a apresentação. Qualquer lugar serviria de espaço para os
animatógrafos, pois o público ainda não era exigente e a novidade das imagens atraía
ainda mais os curiosos.
Sem dúvida, com o passar do tempo, o cinema ganhou espaço e
reconhecimento na sociedade uberlandense, assumindo um lugar próprio. Pinto
94
acredita que as circunstâncias sociais e políticas convergiam para o cinema como “local
onde as transformações sociais ganhavam maior visibilidade”. Embasado no discurso da
imprensa, o autor percebe o cinema surgindo como um lugar de diversas apropriações
“para os mais variados acontecimentos”, servindo de palco tanto para a política como
para a cultura.
Desta forma,
Os cinemas representavam, para a sociedade uberlandense lato sensu,
um motivo de orgulho, por serem locais privilegiados de
entretenimento e sociabilidade, que podem ser analisados de acordo
com o chamado campo das estruturas sócio-afetivas’ as
sensibilidades, os sentimentos e as paixões.
95
Deixa claro que o cinema tornara-se uma atração principal e fundamental para
a cidade, justamente por oferecer-se como possibilidade de acontecimento social. As
salas de cinema assumiam na paisagem urbana um lugar imponente, muitas vezes, em
função de sua arquitetura de sua grandiloqüência.
96
A partir dos primeiros cinematógrafos e de suas apresentações, ia-se
desenhando e trilhando o caminho que daria à cidade de Uberlândia sua primeira sala de
cinema em 1909: o “Cine Theatro São Pedro”, de propriedade de Custódio Pereira.
Inaugurado “[...] em um prédio próprio, com pilastras em estilo grego, e um ‘grande
palco’, com 500 cadeiras, camarotes laterais e um bar ao lado, que vendia café, pastel e
até uma ‘Antártica fria’, pois ainda não havia gelo”.
97
94
PINTO, Luziano Macedo. Situações de cinema: tramas e imagens de sociabilidade Uberlândia 30 a
50. Dissertação (Mestrado em História) Programa de s-graduação em História Social,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2001.
95
Ibid., f. 36.
96
Pinto, em seu trabalho, problematiza as relações sociais na cidade de Uberlândia, no período de 1930
a 1950. Em sua abordagem, prioriza o cinema como local privilegiado das sociabilidades exercidas.
Não desconsidera outros locais como clubes, restaurantes, cassinos, parques, salões. No entanto, para
o autor, os cinemas configuravam-se de maneira mais significativa para a sociedade local.
97
PINTO, 2001, op. cit., f. 43.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
56
Podemos perceber, na imagem a seguir, escondidas em sua rudeza e
precariedade, características da época, as estruturas e a suntuosidade da fachada em
busca de um requinte. Mesmo assim e, apesar disto, insinuava-se como um grande
cinema, onipresente e preponderante, iniciando um período majestoso para as salas de
cinema na cidade.
Segundo Pinto, o Cine Theatro São Pedro:
Quanto ao estilo arquitetônico, trazia em sua composição elementos
ligados à arquitetura clássica e colonial, como as pilastras, o frontão e
as sobrevergas e cornija, com um telhado que se aproxima do colonial,
com os lambrequins e a fachada com alguns ornamentos clássicos
(emblema/medalhão) [...] embora esse cinema fosse bastante simples
em sua edificação, uma vez que não tinha sequer um forro,
encontramos toda uma preocupação com a decoração.
98
98
PINTO, Luziano Macedo. Situações de cinema: tramas e imagens de sociabilidade Uberlândia 30 a
50. Dissertação (Mestrado em História) Programa de s-graduação em História Social,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2001, f. 45.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
57
FIGURA 11: Fachada do Cine Theatro São Pedro, em 1909.
Fonte: Foto da coleção Osvaldo Naghetini nº 1156 – Arquivo Público Municipal de
Uberlândia.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
58
A partir dessa grande inauguração, Custódio Pereira passava a ser o “pioneiro
do cinema em Uberlândia”, abrindo espaço para, mais tarde, configurar-se a
“Cinelândia” uberlandense, ganhando legitimidade e, principalmente, público para o
entorno do cinema. Num misto de lazer e técnica, a sétima arte ia encantando e
cativando seus freqüentadores, formando um hábito social.
Nessa perspectiva, a onda de inauguração de salas de cinema, durante um
período de quase 50 anos, ia aumentando na proporção que o cinema tornava-se um
espetáculo majestoso e luxuoso. O frenesi cinematográfico do começo do século XX
não é exclusividade de Uberlândia. Um expoente revelador é a capital mineira, Belo
Horizonte, que também acompanhava as tendências mundiais e nacionais do cinema,
inserindo-se nessa onda de transformações sociais, econômicas e culturais da sociedade.
Haja vista que o cinema moldava-se perfeitamente às mudanças desse período e se
adaptava ao novo ambiente.
As análises de Machado
99
, a respeito da capital mineira e de suas mudanças
sociais a partir do cinema, na década de 1920, permite-nos compreender como o cinema
foi um catalisador na disputa entre o tradicional e o moderno. Como “conciliou e
aguçou os estímulos do mundo moderno”, entendendo-o mediante seu aspecto social.
Sua inserção na sociedade ganhava expressão e impulso, legitimando um espaço e um
público que simpatizava com a nova tecnologia. O público acolheu o cinema e tudo o
que este representava em termos de velocidade e mudanças.
E nesta busca por compreender, se identificar e participar dessa
modernidade encontra um aliado para se compreender esse novo
mundo: o cinema [...] O cinema, esta nova modalidade de diversão,
passa a atrair a atenção das pessoas, a levar multidões às salas escuras,
a se moldar e moldar esse público.
100
Dessa forma, o cinema formava um hábito nos moradores da capital.
Proporcionando, nesse espaço inédito, lazer, entretenimento e convívio. A aura reinante
neste espaço produzia uma simpatia e magia envolvente, tornando-se, segundo
Machado, “uma verdadeira mania”. “O cinema poderia ser visto como símbolo do novo,
99
MACHADO, Fabiana Moraes. Entre caboclas e thedas baras: a tradição e a modernidade a partir do
cinema na década de 20 na jovem capital mineira. Dissertação (Mestrado em História) Programa de
Pós-graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005.
100
Ibid., f. 33.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
59
que o traduz e torna visível a possibilidade de conciliação entre tradição e
modernidade”.
101
A disputa entre o novo e o velho é despertada principalmente pela
modernidade, uma vez que instaura mudanças significativas na sociedade e tem
elementos preponderantes que atuam como seus agentes mais diretos. O cinema
convertia-se numa expressão da modernidade e das transformações acarretadas na vida,
na produção e na circulação. Para Gunning,
102
a modernidade atinge todos os setores
sociais, econômicos, políticos e culturais e, sobretudo, as mudanças perceptíveis às
experiências humanas. Para o autor, há uma nova organização do cenário social baseado
em novos princípios de circulação, mudando enfaticamente a noção de tempo e espaço.
Em todos esses novos sistemas de circulação, delineia-se o drama da
modernidade: um colapso das experiências anteriores de espaço e de
tempo por meio da velocidade; uma extensão do poder e da
produtividade do corpo humano e a conseqüente transformação deste
por meio de novos limiares de demanda e perigo, criando novas
formas de disciplina e regulação corporais com base em uma nova
observação (e conhecimento) do corpo.
103
Essas transformações afetam diretamente a “experiência do corpo e da
percepção do ser humano”, moldando novas noções que modificam pilares consagrados.
Assim, “o cinema instala-se nessa rede de circulação como tecnologia e indústria e
também como uma nova forma de experiência”. Essa nova experiência altera valores e
significados cristalizados, mudando as concepções de tradição e incorporando novas. As
experiências vão sendo modificadas, à medida que os seres humanos vão se adequando
a um novo modo de vida.
O universo do cinema, assim como a modernidade, inaugura comportamentos,
hábitos e sociabilidades. Acompanha um ritmo intenso de transformações nas quais a
sociedade como tal também assume novos horizontes. Modifica as situações cotidianas,
alterando o lazer e, conseqüentemente, forjando um público e um comportamento
condizentes ao seu espaço. Espaço este criado com a finalidade de dar vazão a uma
“visibilidade” e às manifestações sociais, pois a dinâmica social de lazer pauta-se sob
novos referenciais.
101
MACHADO, Fabiana Moraes. Entre caboclas e thedas baras: a tradição e a modernidade a partir do
cinema na década de 20 na jovem capital mineira. Dissertação (Mestrado em História) Programa de
Pós-graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005, p. 37.
102
GUNNING, Tom. O retrato do corpo humano: a fotografia, os detetives e os primórdios do cinema.
In: CHARNEY, Leo; SCHWARTZ,Vanessa. (Org.). O cinema e a invenção da vida moderna. São
Paulo: Cosac & Naify, 2004. p. 33-65.
103
Ibid., p. 34.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
60
Com a modernidade, surge então uma nova forma de público, um
outro tipo de produção e recepção da arte, moldado segundo a nova
dinâmica do século XX [...] o cinema passa a se configurar como um
local para essas manifestações, para ‘ser visto’. Um espaço para se
destacar, as salas de espera se configuram como um sofisticado espaço
de visibilidade [...] Nas salas de espera, os freqüentadores criam um
clima de individualização e aproximação, um clima sofisticado que
convida o público a se sobressair, a se retirar do anonimato urbano.
São moças e rapazes bem-vestidos, olhares e paquera..
104
O clima envolto nos cinemas propiciava grandes espetáculos. Espetáculo que
começava na calçada estendia-se pelo hall de entrada até a tela e às poltronas
acolchoadas. Tudo organizado e decorado, a fim de agradar o público e proporcionar
êxtase ao adentrar suas bilheterias. As salas de projeções sofriam modificações e
ganhavam cada vez mais requinte e luxo, porém com distinção em relação ao seu
público. Para Machado, “um lazer pensado para várias camadas da sociedade”, o
cinema alcançava os mais distintos segmentos sociais, atendendo aos mais variados
gostos, estilos e posição social.
Desta forma, o cinema, como um agente da modernidade, trouxe nuances ao
comportamento humano, por um lado, e, por outro, propiciou “um novo conceito de
sociabilidade”. Sociabilidade pensada como um conjunto de idéias e comportamentos
condizentes com os valores de uma época. Essa dada sociabilidade era modificada
inclusive com o cinema, delineando relações sociais que este trabalho propõe recuperar,
trazendo à tona momentos peculiares e específicos das salas de cinema que geravam
uma euforia e um glamour presentes em seu entorno. É retomar o lugar e a posição do
cinema para a cidade de Uberlândia e a valorização do processo de modernização
calcado nos parâmetros de progresso e desenvolvimento.
O cinema configurava-se, nesse momento, como um ícone da modernidade.
Sua difusão e conseqüente efetivação tornar-se-iam um caminho a ser trilhado. Os
cinemas representavam o que havia de mais moderno no sentido como Berman
105
define
essa noção, compreendida pela mudança no tempo e no espaço compartilhado pelos
homens.
Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura,
poder, alegria, crescimento, autotransformão e transformação das
104
MACHADO, Fabiana Moraes. Entre caboclas e thedas baras: a tradição e a modernidade a partir do
cinema na década de 20 na jovem capital mineira. Dissertação (Mestrado em História) Programa de
Pós-graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005, p. 43-44.
105
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Tradução de
Carlos Felipe Moisés e Ana Maria Loriatti. São Paulo: Cia. das Letras, 1986.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
61
coisas ao redor mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que
temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos.
106
O cinema é a experiência do novo em contraposição ao velho e ao tradicional.
Neste sentido, vinha ao encontro das prerrogativas da elite local em alçar-se num
movimento de mudanças, congregando arte/técnica/diversão num mesmo espaço.
Advém daí a necessidade de um cine-theatro, no começo do século, que expressasse o
vigor da cidade. Após a construção do Cine Theatro São Pedro, outras construções
acabaram por preencher o cenário urbano de Uberlândia, acompanhando um período de
expansão do cinema no Brasil.
Num período relativamente curto, a cidade contou com o que se poderia
denominar de “Cinelândia” uberlandense. As salas cresciam e, concomitante com elas, a
exigência e a preferência de seu público. Com proporções cada vez maiores, as salas de
cinema ganhavam requinte, elegância, estilo e procuravam diferenciar-se uma das
outras. Em 1937, foi inaugurado, em Uberlândia, o novo Cine Theatro Uberlândia, que
com proporções suntuosas e grandiosas foi considerado “o maior Palácio
Cinematográfico do Brasil Central”. Esta sala representava, em termos arquitetônicos, o
que havia de mais luxuoso e glamouroso. Para Pinto, a imprensa noticiava as dimensões
“assombrosas” da sala e a grandiosidade e imponência que esse cinema representava
para a cidade.
Com linhas sóbrias e retilíneas, de arquitetura moderna –segundo as
concepções da época –, iluminação indireta e colorida, escadarias de
mármore, forrado com celotex e comunicação interna por telefone
automático[...] Os “rumoreseram de que a sua galeria e a sua platéia
comportariam duas mil pessoas cada, atingindo um total de quatro mil
lugares.
107
Representando os ideais das elites locais, o Cine Theatro Uberlândia tornava-se
um ícone da cidade, reiterando “a imagem de uma terra moderna e progressista”.
Compunha o que conhecemos como templos ou palácios cinematográficos, devido à sua
suntuosidade e imponência comoverem, e arregimentava multidões em seu entorno. O
interior dessa sala também se configurava em um esplendor e requinte. Um ambiente
propício ao lazer e entretenimento em que se comungava de um belo acontecimento
social.
106
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Tradução de
Carlos Felipe Moisés e Ana Maria Loriatti. São Paulo: Cia. das Letras, 1986, p. 15.
107
PINTO, Luziano Macedo. Situações de cinema: tramas e imagens de sociabilidade – Uberlândia 30 a
50. Dissertação (Mestrado em História) Programa de s-graduação em História Social,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2001, f. 51.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
62
É nesse ambiente meio mítico e repleto de significados que os
espectadores adentravam, cruzavam as borboletas prateadas,
atravessavam o grande hall e a vasta sala de espera, seguindo até os
corredores centrais, envolvidos pela atmosfera contagiante do local,
que atraia para o centro do proscênio, com os seus efeitos ilusórios de
profundidade, como que induzindo as pessoas para a grande tela
branca, onde tudo podia acontecer, quase como num passe de mágica,
levando as pessoas para um mundo encantado, repleto de sonhos e
fantasias.
108
As imagens, a seguir, permitem-nos perceber a ampla disposição de espaço
tanto em seu interior, quanto em fachada. Sua fachada retilínea remete às linhas
arquitetônicas modernas para o período. O hall de entrada constituía um ambiente que,
apesar de amplo, proporcionava um aconchego para a convivência social. A
luminosidade, possibilitada pelo grande número de luzes embutidas nas sancas, também
colaborava para essa sensação de aconchego. Ao situá-las indiretamente, uma penumbra
sutil envolvia as conversas no hall anteriores às sessões.
108
PINTO, Luziano Macedo. Situações de cinema: tramas e imagens de sociabilidade – Uberlândia 30 a
50. Dissertação (Mestrado em História) Programa de s-graduação em História Social,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2001, f. 62.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
63
FIGURA 12: Fachada do Cine Theatro Uberlândia, em 1937.
Fonte: Foto da coleção Osvaldo Naghetini – Arquivo Público Municipal de Uberlândia
FIGURA 13: Foto da sala de espera e o hall de entrada do Cine Theatro Uberlândia em
1937, com destaque para o requinte e o tamanho do lugar.
Fonte: Foto da coleção Osvaldo Naghetini nº 421 – Arquivo Público Municipal de
Uberlândia
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
64
O cinema compunha um imaginário social no qual o adentrar suas salas
significava participar daquele mundo novo. O acontecimento social representava um
ritual presente na sociedade uberlandense. Compartilhar daquele espaço era conviver e
desfrutar socialmente de um hábito. Para Garcia, “[...] havia todo um ritual de
preparação para adentrar aos Cinemas. Ir ao cinema não era apenas postar-se para
espectar a realidade em movimento, o Cinema era um privilegiado espaço e momento
de entrega à magia do ócio”.
109
A magia, ao atravessar as bilheterias, era composta não da apresentação do
filme, pelo contrário, havia todo um ritual antes e depois das sessões. “Para tanto, as
moças se preparavam com seus mais belos trajes, deixando por vezes um lugar vazio ao
seu lado”, enquanto “Os rapazes caminham pelo Cinema insinuantes, lançando olhares
furtivos às moças de seu agrado”. Todo esse comportamento refletia a aura reinante das
salas de cinema, que representavam um espaço de flerte, romance, diversão, encontro,
lazer, entre outros.
Após o término das sessões, acontecia o ‘vai e vem’ na calçada da Av.
Afonso Pena. Os rapazes de terno e gravata, as moças com seus
vestidos de baile, desciam e subiam a Avenida lançando olhares
insinuosos (sic) ao companheiro do sexo oposto. Mas mesmo neste
‘footing’ os transeuntes eram designados pela condição social.
110
Essa aura resplandecente propiciada pelas salas de cinemas reflete a
magnificência presente nestes espaços. Uma vez que o espetáculo não se constituía
apenas no interior das salas, o antes e o depois também se configuravam em um hábito
social, pois construía-se uma sociabilidade pertinente à cidade. Num espaço quase que
delimitado e preestabelecido pelos freqüentadores, o centro da cidade congregava, em
suas principais avenidas e ruas, os pontos de convivência social e prazer.
No final dos anos 30, núcleo comercial e social de Uberlândia
localizava-se na Av. Afonso Pena, onde ficavam as principais lojas,
restaurantes, bancos, livrarias,bares e cinemas. Em meio a esse
cenário, encontrava-se o maior e mais famoso cinema da cidade, o
Cine Teatro de Uberlândia.
111
O postar-se socialmente e estar habituado a freqüentar, traços característicos
dessa sociabilidade, exigia uma apresentação peculiar a cada espaço. As salas de cinema
109
GARCIA, Renisia Cristina. 100 anos de cinema: o aspecto social da arte cinematográfica.
Uberlândia: Secretaria Municipal da Cultura, 1995, p. 13.
110
Ibid.
111
PINTO, Luziano Macedo. Situações de cinema: tramas e imagens de sociabilidade – Uberlândia 30 a
50. Dissertação (Mestrado em História) Programa de s-graduação em História Social,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2001, f. 85.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
65
representavam um acontecimento social, justamente, por predeterminarem uma conduta
e um comportamento que refletisse o seu ritual. Disputar esse espaço significava
participar da sociabilidade e do footing antes e depois das sessões nas ruas próximas aos
cinemas.
Fato que ia desaparecendo e perdia-se em meio ao turbilhão de transformações
sociais, econômicas e culturais da sociedade. Num transcorrer de aproximadamente 30
anos, o ato de ir ao cinema perdia seu glamour e passava a constituir-se apenas como
mais um entretenimento. Um a mais nas opções de lazer oferecidas no final do século
XX. O requinte e a magia presentes nas antigas salas de cinema esvaneceram com o
tempo.
de se referenciar quais salas compunham o cenário sócio-urbano da cidade,
a fim de elucidar e acompanhar tal processo. Processo esse que engrandece e dá
respaldo teórico para compreender a pesquisa e nos possibilitar entender as décadas de
1980 e 1990. Momento em que as salas começam a desaparecer uma a uma. Salas que
fazem parte da problemática deste estudo, uma vez que compõem um imaginário social
de Uberlândia.
O quadro abaixo refere-se ao processo de cristalização e implantação das salas
de cinema em Uberlândia nas primeiras décadas do século.
RELAÇÃO DOS CINEMAS LOCAIS – 1910 a 1950
CINEMAS DATA DE FUNDAÇÃO
CINE CARNEIRO 07 de setembro de 1910
CINE CENTRAL 24 de dezembro de 1918
CINE THEATRO AVENIDA 10 de outubro de 1928
CINE THEATRO UBERLÂNDIA 1937
CINE ÈDEN 08 de janeiro de1938
CINE BRASIL 19 de julho de 1939
CINE PARATODOS 03 de julho de 1948
CINE REGENTE 1952
Fonte: GARCIA, Renisia Cristina e PINTO, Luziano Macedo.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
66
Esses foram os primeiros cinemas de Uberlândia (1908 1952).
Alguns sobreviveram por um período mais longo, como é o caso do
Cine theatro São Pedro, do Cine Theatro Avenida e do Cine Theatro
Uberlândia; que foi o maior cinema não de Uberlândia, mas do
Brasil Central (às vezes, citado pelos jornais como sendo o maior do
Estado) e o cine Éden, que representou um marco para o
desenvolvimento da região norte da cidade. O Cine Regente, o
segundo maior cinema que a cidade já teve, funcionou até meados dos
anos 80. Temos também o caso do Cine Brasil, que funcionou por um
período muito curto, menos de um ano.
112
As salas
113
foram inauguradas atendendo a um momento de fascínio pelo
mundo cinematográfico. Foram fechadas à medida que não conseguiram se manter
como empreendimento comercial rentável. Cada uma com características próprias e
atendendo a determinadas exigências sociais no cenário urbano de Uberlândia,
construíram sua marca indelével. Reforçando as mudanças quantitativas em detrimento
das qualitativas, assumiam uma nova configuração no cenário social. Passa, neste
sentido, a reinar uma nova configuração espacial e territorial na cidade e, por
decorrência, nas salas de cinema, fato fundamental para esta discussão. Não cabe aqui
entrar no mérito da questão se o cinema como arte ainda se configura como tal. Pelo
contrário, retomar as salas de cinema como foco principal deste trabalho é percorrer o
cinema a partir de seu espaço social, inclusive problematizando as condições de
abertura ou fechamento das diversas salas de projeção nesta cidade.
112
PINTO, Luziano Macedo. Situações de cinema: tramas e imagens de sociabilidade – Uberlândia 30 a
50. Dissertação (Mestrado em História) Programa de s-graduação em História Social,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2001, f. 77.
113
Além destas salas houve também o Cine Capri, o Cine Tupã e o Cine Vera Cruz. Salas que ficaram
por pouco tempo na cidade.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
67
2.2 – CINE REGENTE
FIGURA 14: Fachada do Cine Regente na década de 1950.
Fonte: Foto da coleção Osvaldo Naghetini nº 445 – Arquivo Público Municipal de
Uberlândia.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
68
No início da década de 1950 surgia, no cenário uberlandense, uma sala de
projeção com características próprias. Localizada no centro da cidade, esta sala, o Cine
Regente, inaugurada em 1952 com capacidade para 840 pessoas, pertencia à companhia
de Ribeirão Preto Alvorada Cinematográfica Internacional Ltda, de propriedade de
Wilton Figueiredo.
114
Deixou sua marca na história da cidade, uma vez que compôs o
cenário social desde os meados do século XX, estabelecendo-se no circuito
uberlandense por longos anos.
Assim, reviver os tempos áureos de uma sala que chegou a ser considerada “o
segundo maior cinema de Uberlândia”, devido à sua estrutura e espaço, faz-se de suma
importância. Para Pinto, o Cine Regente também conhecido como “Palácio Azul”, em
decorrência da pintura interna das paredes, foi considerado pela imprensa “mais um
símbolo de progresso”, compondo a cidade com mais um monumento de ostentação e
beleza.
O Cine Regente caracterizava-se arquitetonicamente pelos traços
livres e retos e pela incorporação de um “novo elemento” o néon –,
que envolvia o seu letreiro e também toda a fachada. Outro elemento
que se sobressaía eram as vidraças com pequenos quadros
geométricos, que propiciavam uma certa transparência, e, nas paredes
das suas laterais, os espaços para fixar os cartazes dos filmes a serem
exibidos.
115
O Cine Regente possuía hall de entrada, corredor central, ampla sala de
exibição e bilheteria, oferecendo a seus freqüentadores conforto, diversão e
entretenimento. Com uma arquitetura despojada e, certamente, com um tom mais suave,
esta sala assumia, aos poucos, sua importância e seu lugar. Lugar este que se moldava
fundamentado no gosto e na preferência dos espectadores.
Com um ar acanhado e sorrateiro, o Cine Regente traz, nos escombros e nas
lembranças, a marca indelével de sua história. História carregada de contratempos,
saltos, fechamento, destruição, tombamento e a doce ilusão de um lugar que se foi.
Recuperar e trazer à tona essa sala significa, entre outras coisas, reviver momentos e
acontecimentos marcados nas lembranças dos uberlandenses – aqui me incluo de
momentos de euforia, êxtase e distração.
114
Na década de 1990, os cinemas do centro da cidade de Uberlândia eram de um único proprietário o sr.
Wilton Figueiredo. Possuía o Cine Regente, Bristol e Windsor, alugando os prédios do Cine It e
Center. A empresa quando surgiu era conhecida como Teatral Paulista, depois veio a se chamar São
Paulo Minas e fechou como Alvorada Cinematográfica.
115
PINTO, Luziano Macedo. Situações de cinema: tramas e imagens de sociabilidade – Uberlândia 30 a
50. Dissertação (Mestrado em História) Programa de s-graduação em História Social,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2001, f. 74.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
69
Partindo da década de 1980, quando o Cine Regente ainda era um grande
referencial de cinema para a cidade, compreenderemos como este se configurava no
espaço urbano, entendendo seu percurso no transcorrer de duas décadas até seu
fechamento final e total desaparecimento.
Assim, o cinema, como espaço, não era palco apenas das apresentações de
filmes, constituía-se também de um espaço de amplo uso, atendendo a eventos políticos,
colações de grau, movimentos artísticos, entre outros, conforme percebemos na
imprensa local. Uma das chamadas da imprensa refere-se a uma reunião entre partidos
políticos que teriam a figura do então candidato à presidência da República Ulysses
Guimarães e eventos beneficentes atendendo às exigências da população. “Ulysses faz
comício no Cine Regente”,
116
“Cinema para a garotada no Cine regente”.
117
No dia 20 de março de 1993, a imprensa abriu suas páginas noticiando
“Uberlândia perde o Cine Regente”. A sala que tanto encantou seu público fechava as
portas de um dos mais tradicionais cinemas da cidade. Segundo a imprensa, foi um
fechamento repentino e sem maiores esclarecimentos. Acredita-se que fora pela
conservação da sala e pela programação adotada pelo cinema, especulações estas feitas
durante o fechamento.
Repentinamente e sem nenhum barulho, Uberlândia perdeu, semana
passada, uma de suas mais tradicionais salas de cinema. O Cine
Regente, na rua Machado de Assis, fechou suas portas e nem os
cinéfilos mais radicais pareceram perceber [...] O cinema fechou suas
portas e vai virar igreja evangélica, como tantos outros no país.
118
Ficou somente o ar angustiante de se perder uma das melhores salas da cidade,
constituindo-se de um lugar amplo, confortável e tradicional. No entanto, muitas foram
as críticas em relação ao seu estado de conservação, manutenção e risco para o público.
Também não era para menos, o cinema existia mais de quarenta anos. Esta sala
configurava-se como uma sala de espetáculos e, como tal, havia em seu entorno uma
magia peculiar. O que ficou em seu lugar foi apenas a saudade. Saudade de uma sala
que, durante décadas, prestou serviço e diversão à sociedade uberlandense e vê-se
modificada e atendendo a um novo público movido pela fé.
116
Jornal Correio de Uberlândia, p. 01, 19/08/89.
117
Jornal Correio de Uberlândia, p. 01, 11/10/84.
118
Jornal Correio de Uberlândia, p. 18, 20/03/93.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
70
FIGURA 15: Reprodução da fachada do Cine Regente em 1993.
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia, Correio de 20/03/1993, p.01.
FIGURA 16: Reprodução da fachada do Cine Regente modificada pela fé em 1993.
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia, Correio de 25/04/1993, p.09.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
71
O local onde, durante décadas, assistia-se ao burburinho da platéia e de seus
espetáculos assumia uma nova função. Em decorrência da proliferação das religiões na
década de 1990, o Cine Regente tornara-se palco de uma igreja. O lugar outrora
destinado ao fascínio da grande tela e do escurinho transformara-se em templo religioso.
Uma nova função para um velho espaço. Segundo a imprensa local, “Em outros tempos,
ir ao Cine Regente era um costume de todas as famílias uberlandenses”.
119
Costume que
se perdeu e as antigas salas de cinema assumem uma nova configuração social.
O cinema já foi um dos lazeres preferenciais da cidade, assumindo a posição de
número um nas escolhas de entretenimento. As salas detinham o poder de seduzir e
reunir uma multidão apaixonada em torno de sua grande tela. Tudo envolto na beleza de
suas estruturas, nas sutilezas da decoração, na magia das poltronas e, principalmente, no
esplendor da tela. Adentrar e compartilhar o glamour das salas significava muito mais
do que apenas assistir à exibição de um filme: significava conviver e experimentar um
espaço social. Daí a importância da sociabilidade das salas de cinema.
Durante um tempo, a sala mais tradicional da cidade, o Cine Regente, foi
alugada para uma igreja. Sem projetar filme algum durante anos, a imprensa noticia:
“Regente volta a ser cinema. Filme reinaugura sala de exibição mais antiga da
cidade”
120
. O cinema voltava à ativa depois de um longo percurso. Com algumas
reformas, reabriu com 600 lugares, uma bomboniere e uma sala de projeção. Segundo a
entrevista de Maurício Pessini (dono do cinema) concedida à imprensa, foram
investidos mais de 120 mil reais na reforma. O investimento justificava-se por essa sala
ser considerada um patrimônio histórico para Uberlândia.
Quando nossos avós e pais nos contam sobre a euforia que uma tela
grande provocava nos jovens de algumas décadas atrás, o Regente é
lembrado como o point da juventude daqueles tempos em Uberlândia
[...] o local onde se instalou o cinema, há mais de 40 anos, é quase um
patrimônio histórico. Uma cidade com o porte de Uberlândia merece
uma sala como aquela. O Regente tem raiz, é tradicional na cidade.
121
Mesmo após a reforma em 1998, o Cine Regente não conseguiu manter um
público considerável para a sua manutenção. Em 1999, desligou-se seu projetor e
fecharam-se suas portas, desaparecendo novamente do cenário social da cidade. As
justificativas para seu fechamento referem-se aos altos custos e a baixa freqüência. Para
a imprensa, esse fenômeno não é isolado, alastra-se pelas grandes cidades, onde os
119
Jornal Correio, p. A-2, 31/08/93.
120
Jornal Correio, p. 18, de 05/08/98.
121
Ibid.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
72
circuitos exibidores também estão desaparecendo. Neste movimento, de abertura e
fechamento, o Cine Regente, como um último suspiro, reabriu novamente suas portas
em 2000, mas, como era esperado, não conseguiu se manter. Em 2002, fechou
definitivamente, não restando nada mais que um prédio demolido. A Prefeitura tentou
um embargo do local com o intuito de obter o tombamento como patrimônio histórico,
porém, com o local praticamente destruído, restaram a saudade e as lembranças.
Somente a poeira é testemunha do esplendor de outrora e da magnificência do Cine
Regente.
FIGURA 17: À esquerda, os restos do prédio quando se encontrava fechado em 2004.
À direita, o local e a poeira do que restou do cinema em 2005.
Fonte: CASTRO, Kellen C.;
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
73
2.3 – CINE BRISTOL
Um grande representante das salas cinematográficas em Uberlândia é o Cine
Bristol, também de propriedade de Wilton Figueiredo. Esta sala se apresentava como
um grande expoente. Inaugurada em 1928, com o nome de Cine Avenida, foi reformada
no final da década de 1970, mudando-se seu nome para Cine Bristol. Sua localização no
centro da cidade, na Av. Afonso Pena n.º 177, era um lugar que compreendia um espaço
destinado ao footing de outrora.
O Cine Bristol foi uma referência para Uberlândia em termos de charme e
elegância. Não tinha o esplendor dos “palácios cinematográficos” das décadas
anteriores, mas constituía-se como um dos principais espaços de diversão e
sociabilidade. Esse espaço acompanhou momentos importantes na cidade e configurava-
se como um grande representante cinematográfico. O Cine Bristol também possui uma
história peculiar. Sua trajetória, a partir da década de 1980, foi marcada por altos e
baixos e por momentos inesquecíveis. Assim, buscar e compreender sua experiência
leva-nos a desconstruir caminhos tortuosos, mas cheios de alegria e prazer.
No ápice de sua construção, esse cinema comportava 680 lugares com um
amplo espaço e corredores de aceso. Após uma reforma em seu interior, houve um
realinhamento e uma reestruturação do espaço, sendo redimensionado para 500 lugares.
Contava com uma bilheteria que comportava os painéis de divulgação dos filmes, uma
sala de espera com bombonière, uma grande tela, onde se formavam enormes filas de
espera das sessões. “Filas quilométricas formaram-se ao longo dos quarteirões próximos
ao Cine Bristol no centro da cidade ontem”.
122
122
Jornal Correio, p. 05, 22/06/90.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
74
FIGURA 18: Fachada do Cine Bristol em 1990.
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia, Correio de 25/03/90, p. B-01.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
75
O Cine Bristol foi palco de várias campanhas beneficentes na cidade. Neste
sentido, ocorreram exibições especiais, que tinham por intuito angariar fundos,
conforme as manchetes: “Cine Bristol exibe filme para campanha beneficente”;
123
“Xuxa leva milhares de pessoas à Lua de cristal’ e o ingresso é um quilo de
alimento”.
124
Todas as campanhas tinham a participação de amplos segmentos da
sociedade uberlandense.
FIGURA 19: A multidão na bilheteria do Cine Bristol
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia, Correio de 22/06/90, p. 11.
123
Jornal Correio, p. 10, 06/01/92.
124
Jornal Correio, p. 01, 22/06/90.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
76
Para além do caráter social dessa sala, ela foi alvo de vários ataques e críticas
dos freqüentadores na década de 1990 em relação ao seu estado de conservação. Na
pesquisa, foi possível perceber que, na grande maioria das reportagens em relação ao
cinema, o Cine Bristol aparecia estampado nas manchetes: “Exibidores e espectadores
se queixam do cinema na cidade” ou “Cinemas são inseguros e deficientes” e “O Cine
Bristol teve de ser evacuado no dia do incêndio do bar ‘Butantã’”, são algumas das
amostras, cuja imagem principal é a fachada do cinema. Porém, apesar de todas as
críticas e elogios em relação à sua sala, conseguia manter-se fiel a seu público mesmo
que com data marcada para seu encerramento.
No final da década de 1990, mais precisamente no ano de 1999, a imprensa
noticiava que a cidade perdia mais uma sala tradicional: o Cine Bristol. Alegando que
os custos elevados prejudicavam seu funcionamento, não resistiu ao déficit e à
concorrência, fechando suas portas. “O Cine Bristol será substituído por uma casa de
bingo. O fechamento de cinemas no centro das cidades é um fenômeno que está
acontecendo nas maiores cidades brasileiras”.
125
O gerente da empresa que administrava
o cinema explica as razões de seu fechamento.
Jose Medeiros, gerente da Alvorada Cinematográfica Internacional
Ltda., empresa que administrava os cinemas, explica que apenas 40%
dos 800 lugares estavam sendo ocupados. “As companhias que
distribuem os filmes cobram cerca de 50% a 60% da renda. Ainda
temos que pagar funcionários, manutenção, impostos, água e luz. Não
estava compensando”, afirma.
126
Percebe-se, na manchete veiculada na imprensa, que as salas de cinema
estavam fadadas ao desaparecimento. O Cine Bristol fechara suas portas. Em seu lugar,
sem maiores alterações apenas com a pintura renovada, surgia a casa de Bingo Bristol.
Resistiu por alguns anos e foi substituída por uma loja de eletrodomésticos. Não no
local qualquer resquício do que fora um dia, apenas um lugar frio, escuro e impessoal
paira na imagem do espaço, e o espaço, que já fora uma grande sala de cinema, tornava-
se apenas mais um empreendimento comercial.
125
Jornal Correio, p. 01, 29/08/99.
126
Ibid., p. C-01.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
77
FIGURA 20: Fachada do Bingo Bristol em 2006.
Fonte: CASTRO, Kellen C.;
FIGURA 21: Escombros do Cine Bristol em 2007.
Fonte: CASTRO, Kellen C.;
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
78
2.4 – CINE WINDSOR
O Cine Windsor foi inaugurado no começo dos anos de 1980. Localizado no
centro da cidade, na av: Floriano Peixoto 28, situava-se no triângulo
127
das avenidas
centrais. Foi inaugurado com capacidade para 280 lugares e, após uma reforma, chegou
ao limite de 350 poltronas.
Esse cinema se caracterizou, em alguns momentos, por ter uma programação
diferenciada, apresentando projeções e exibições que não se limitavam ao circuito
comercial hollywoodiano. Com isso, configurou-se como um espaço distinto dos outros,
atendendo a um segmento específico de público atraído por filmes de arte. Desta forma,
a imprensa divulgava tal empreitada com o maior entusiasmo, inclusive, afirmando a
parceria entre a Prefeitura, a Secretaria Municipal de Cultura e a empresa responsável
pelo o Cine Windsor. Tal acordo ficou conhecido como “sessão especial”. Agradava
principalmente os chamados cinéfilos, que esperavam as sessões diferenciadas como
uma proposta alternativa ao circuito comercial. Debates, mostras, exposições e palestras
constituíam parte de seu repertório. Entretanto este projeto durou apenas três meses, e o
cinema voltou ao circuito comercial de exibição, conforme manchete do jornal:
“Cinema Especial quer mais público para suas sessões”.
128
Não foi apenas o projeto que desapareceu; por um período, o Cine Windsor
também retirou-se de cena e, depois de alguns meses, reapareceu. Com a frase eloqüente
expressa no jornal local: “Cinema tem ‘semana perfeita’ na cidade”, a sala,
anteriormente inativa, voltava a funcionar sem justificativas aparentes. Apenas ligou e
desligou seus projetores sem maiores esclarecimentos ao seu público.
Essa é uma semana perfeita para quem gosta de cinema em
Uberlândia. Além do Cine Windsor estar sendo reaberto, depois de
meses sem funcionamento, a programação que entra em cartaz hoje
traz nada menos do que seis estréias de qualidade [...] È programa
garantido para os próximos dias e é bom não perder tempo.
129
O programa garantido o tinha dia e nem hora marcada para acabar, cabendo
aos freqüentadores aproveitarem cada momento. Com o alto índice de fechamento das
salas de cinema em Uberlândia, não se sabia quanto tempo poder-se-ia usufruir o prazer
de adentrá-las. Problemas internos e comerciais constituíam-se como justificativas para
127
O triângulo das avenidas principais da cidade constitui-se das Av: Afonso Pena, Av: Floriano Peixoto
e da R: Machado de Assis, onde as mesmas comportam os cinemas centrais: Bristol, Regente,
Windsor, Comodoro e It.
128
Jornal Correio, p. A-7, 04/01/90.
129
Jornal Correio, p. 11, 30/10/92.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
79
o fechamento das salas sem qualquer aviso prévio. Em 1993, anunciava-se, mais uma
vez, o fechamento do Cine Windsor. Com a simples e imperativa frase: “Windsor fecha,
mas ótimos filmes continuam em cartaz”, encerravam-se, por mais um período, suas
exibições. As alegações eram sempre as mesmas por parte da empresa responsável pelas
salas: elevação de custos e baixo público.
O último a sair apaga a luz: depois do fechamento do Cine Center e do
Cine Regente, a Alvorada Cinematográfica anuncia o fim de mais uma
sala, o Cine Windsor. Segundo a direção da empresa, a intenção é
centrar sua atuação no Cine Bristol, com boas programações. Nem
poderia ser diferente: agora a Alvorada, que teve o monopólio dos
cinemas em Uberlândia, fica com apenas dois: Bristol e o pornô It.
Para variar quem perde é a cultura da cidade.
130
Essa perda também foi sentida pelos freqüentadores que não sabiam o porquê
do fechamento das salas. O espaço que outrora fora palco de diversas exibições e de
grandes filmes também se tornou templo religioso. A substituiu a sétima arte na
cidade, conforme é perceptível nas palavras saudosistas do jornal: “Assiste, vai. Do
contrário, em pouco tempo Uberlândia será uma cidade sem nenhum cinema. E com um
montão de igrejas”.
131
Nessas circunstâncias, os cidadãos perdiam seus espaços de lazer
e entretenimento para outras funções sociais.
Assim, a história do Cine Windsor, tal como as demais salas centrais, é
permeada por altos e baixos, até que, na década de 1990, desapareceram do cenário
urbano. Em um momento, a bilheteria recebia seu público e, repentinamente, fechava
suas portas. Nestas idas e vindas, o ano de 1996 noticiava a reabertura de uma sala:
“Enquanto cinemas de todo o país se transformam em igrejas, Uberlândia entra na
contramão da história e reabre o Cine Windsor”.
132
O tom alegre e ufanista reanimou os
cinéfilos de plantão, que esperavam e aguardavam por mais esta sala. Sua reabertura
deveu-se à entrega do prédio ao proprietário após ficar alugada por um período para
uma igreja. Durante sua locação, nada foi alterado, apenas utilizaram o espaço e o
conservaram, de tal forma que não necessitou de reformas.
A história das salas exibidoras de filmes em Uberlândia é digna de
estudos mais aprofundados e rendeu até teses de mestrado e
publicações, seja sobre a quebradeira da metade do século ou sobre a
transformação dos espaços em templos religiosos. Para reverter esse
quadro, o cine Windsor reabre, hoje, as suas portas, a partir das 15
horas.
133
130
Jornal Correio, p. 16, 16/04/93.
131
Ibid.
132
Jornal Correio, p. 15, 21/12/96.
133
Ibid.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
80
E assim, reinaugurou-se novamente o Cine Windsor no circuito
cinematográfico. Suas sessões foram reabertas, e o público voltava a sentar-se em suas
poltronas e saborear o escurinho de sua sala. Sabor e prazer estes que também se
encontravam fadados ao fracasso, pois uma sala que era acometida por tantas idas e
vindas iria desaparecer do cenário urbano. Seria apenas uma questão de tempo. E como
não poderia ser diferente, seu abandono foi acontecendo paulatinamente e, por volta de
1998, seu trágico fim aconteceu. Após um período fechado e abandonado, os cidadãos
passavam por sua calçada avessos àquele espaço. Outrora tão eloqüente e palco de
tantas multidões, é hoje esquecido e ignorado. O que restou do lugar foi apenas o
letreiro com o nome do cinema e as portas abertas com homens trabalhando. A grande
fachada relembra que, um dia, ali fora um lugar especial. Apenas a demolição de sua
história e a marca da terra vermelha que cobre o chão são os vestígios de um grande
cinema. O que fica no lugar é a saudade e a lembrança de um tempo que se foi. A
fachada, agora, corresponde a de uma loja qualquer.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
81
FIGURA 22: Fachada do Cine Windsor em 1996.
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia, Correio de 21/12/96, p. 15.
FIGURA 23: Fachada do prédio do antigo Cine Windsor em 2004.
Fonte: CASTRO, Kellen C.;
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
82
2.5 – CINE COMODORO
Esta sala representava uma das que compunham o cenário urbano do centro da
cidade. Devido à pouca documentação em relação a ela, que se evidencia como
incógnita em nossas pesquisas. Apenas algumas informações referentes a essa sala estão
referenciadas aqui. Pouco se sabe e não temos nenhuma imagem que reporte ao cinema
e a sua fachada. Assim, o Cine Comodoro situava-se em uma das três avenidas
principais do centro da cidade, localizado na rua Machado de Assis 516, próximo ao
Cine Regente. Sua sala era composta de 220 lugares, sendo considerada pela crítica
como um bom cinema.
Um fato marcante e peculiar a esta sala, na década de 1990, deixou raízes
profundas em sua história. Em uma de suas sessões, estampou-se, nas páginas policiais
do jornal, a seguinte manchete: “Promotor prende gerente de cinema e pode ser
processado”. “Atendendo denúncias de espectadores, entre eles a própria namorada, o
promotor Aldo Talialegna Júnior determinou a prisão do gerente de cinema. Motivo:
exibição de fita defeituosa”.
134
Esta matéria marcou história e foi motivo de vários
comentários.
Segundo a imprensa, o promotor lançou voz de prisão após receber denúncias
dos espectadores, que, para ele, foram lesados de seu direito como consumidores. O
gerente do Cine Comodoro foi preso e acusado de exibir uma fita com defeito. E,
segundo consta, após a sessão, os freqüentadores indignados foram reclamar e exigir um
ressarcimento, que não aconteceu. O gerente alegava que a fita estava em ótimas
condições, ao passo que grande parte da platéia afirmava que apresentava falhas
desde o início da sessão. Assim,
O gerente do Cine Comodoro, Alexandrino Alves dos Santos, foi
conduzido na tarde de anteontem à 16º Delegacia Regional de
Segurança Pública, por ordem do promotor Aldo Talialegna Júnior, da
comarca local, acusado de crime contra a economia popular, por estar
exibindo segundo o denunciante, uma fita com defeitos e ter se
recusado a repor o público de eventuais perdas. O filme em cartaz é
“Laranja Mecânica” e, de acordo com os espectadores que ofereceram
a denúncia ao promotor dentre eles Nádia Kelly Pereira de Souza,
apontada como sua namorada – estava com a legenda ilegível na parte
final do filme. Um grupo de espectadores havia tentado junto à
gerência do cinema a devolução do dinheiro do ingresso, o que foi
recusado por Alexandrino dos Santos.
135
134
Jornal Correio, p. 09, 03/02/90.
135
Ibid.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
83
Diante do acontecimento, o gerente foi solto mediante pagamento de fiança.
Alegando que iria mover um processo contra o promotor, acusando-o de abuso de
autoridade. O filme em questão, Laranja Mecânica”, foi alvo de censura durante um
período, mas estava liberado. Assim, após algumas explicações, por parte do gerente,
o Cine Comodoro continuou sua programação normal.
FIGURA 24: A manchete do jornal estampada a imagem do gerente da sala do Cine
Comodoro.
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia, Correio, de 03/02/90, p. 09.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
84
Passado esse episódio fatídico para o Cine Comodoro, ele voltou, em 1996, a
compor as páginas do jornal com uma notícia surpreendente aos seus freqüentadores.
“Cinema novo. Uberlândia passa a contar com uma sala exclusiva para a exibição de
filmes de arte”. Segundo a imprensa e o dono da sala, Pedro Naves, essa mudança
estava para acontecer, principalmente, pela necessidade que a cidade tinha em relação a
uma sala voltada para produções que fugissem do circuito comercial.
A transformação vem ao encontro de reivindicações antigas de
cinéfilos, críticos cinematográficos, professores e admiradores da
sétima arte. Agora, vamos ver se quem cobrou vai aparecer, justifica
Pedro Naves, proprietário deste e de outros quatro cinemas da cidade
[...] Salas para a exibição de filmes de arte são encontradas geralmente
em capitais e são exclusivas para produções que estão fora do circuito
comercial.
136
No entanto, o dono da sala continuou a entrevista, justificando que, “no
período de férias, voltará a passar filmes do circuito comercial.” Mesmo porque, neste
período, foram lançados grandes filmes.
O Cine Comodoro possui uma trajetória muito particular, ao mesmo tempo em
que se engajava num projeto alternativo de exibição, passava também, no final da
década de 1990, mais especificamente em 1998, a exibir uma programação
completamente nova. Com o fechamento do cinema da cidade que possuía uma
programação pornô, o Cine Comodoro iniciou um período de apresentação voltada a
esse gênero.
FIGURA 25: A programação diária dos cinemas no jornal demonstra o gênero do Cine
Comodoro.
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia, Correio de 01/04/199, p. 23.
136
Jornal Correio, p. 15, 11/05/96.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
85
2.6 – CINE IT
O Cine It, atual representante das salas de cinema no centro da cidade, é o
único sobrevivente de uma época áurea do cinema. Este resiste ainda no mesmo espaço
de outrora. Foi inaugurado, em 1963, com capacidade para 335 lugares. Localiza-se na
Praça Clarimundo Carneiro, bem no centro da cidade. Com uma tela grande, um hall
pequeno de entrada, já que a bilheteria é agregada a um corredor de acesso às poltronas.
Essa sala vem se destacando no circuito de cinemas. Apesar de possuir uma
programação especial pornográfica –, já exibiu, em outras épocas, outros gêneros
cinematográficos. Segundo informações presentes na imprensa local, o cinema
passou a ter uma programação diferenciada a partir do momento em que houve uma
liberação da censura no Brasil na década de 1980. Mesmo porque, em seus tempos de
glória, já chegou a exibir até desenhos infantis.
Até o início dos anos 80, sexo no cinema só através das inocentes
pornochanchadas brasileiras. Em 1982, com a abertura política e
cultural do presidente Figueiredo [...] O público aficcionado entrou de
sola: proliferaram as chamadas “salas especiais”, exclusivamente
dedicadas à exibição de pornôs. Em Uberlândia, o escolhido foi o
Cine It, que em seus dias de glória chegou a exibir até filmes e
desenhos infantis. Hoje o gênero não causa tanto furor, mas a empresa
proprietária do cinema garante que o “It” tem um público pequeno,
“porém fiel”, que toma a manutenção da sala.
137
O Cine It foi escolhido para ser o representante desse segmento que se formava
no mercado cinematográfico. Possuindo, inclusive, uma clientela cativa que não deixou
fechar suas portas. Pelo contrário, sua existência estende-se até nossos dias. Mas, não
passou ileso, o Cine It manteve-se fiel ao seu público, por anos, porém no final da
década de 1990, mais especificamente em 1997, uma notícia bombástica chega aos
leitores do jornal: “Cine It fecha suas portas após 34 anos de existência.”
138
.
Um dos mais tradicionais cinemas da cidade, inaugurado em 1963,
chega ao fim. O Cine It, que nos últimos 15 anos se especializou em
exibir filmes pornográficos, deixou de existir mês passado. Suas
poltronas, quem diria, foram doadas para uma instituição religiosa de
Passos. O fechamento deixou inconsoláveis seus fiéis
freqüentadores.
139
O fechamento repentino da sala apresentava as mesmas justificativas: “falta de
recursos para manter a estrutura e funcionários” e a ausência de um público maior.
137
Jornal Correio, p. B-01, 25/03/90.
138
Jornal Correio, p. 01, 21/11/97.
139
Ibid.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
86
Mesmo tendo sua programação especial a partir da década de 1980, o Cine It se
especializou exclusivamente em filmes pornôs, conseguindo manter-se no circuito por
longos anos afora, sem nenhuma interrupção.
FIGURA 26: Fachada do Cine It e o desmanche da sala.
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia, Correio de 21/11/1997, p. 05.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
87
Na imagem, percebemos a difícil tarefa em carregar os restos de uma memória e
de um passado tão vivo e atuante que não desapareceu. A fatalidade e o descrédito da
empresa em relação à sala eram evidentes, pois, por não conseguir manter-se no
circuito, foi preciso tomar uma atitude drástica a respeito. O que fazer? A única opção
foi vendê-la a um novo proprietário que o modificou. As estruturas, internas e externas,
mantêm-se intactas, inclusive o gênero pornográfico de filmes também, que se
encontram à disposição do público no mesmo espaço de outrora. É a única sala
remanescente de um momento efervescente da história do cinema, encontrando-se no
mesmo local.
FIGURA 27: Fachada atual do Cine It – 2004
Fonte: CASTRO, Kellen C.;
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
88
2.7 – A reorganização de um hábito social consagrado
É, os cinemas acabam. Acabam igrejas,
tribunais, museus, escolas, vivendas
encantadoras onde se curte o prazer de
existir, ler, conversar, amar, dormir. Acabam
e cedem lugar a novas construções, que por
sua vez... Dou-lhes trint’anos e essas novas
formas estarão caducas.
Carlos Drummond de Andrade
Filme cultura
O ato de ir ao cinema, até meados da década de 1970, reportava a um
acontecimento social, respaldado e valorizado como imprescindível ao viver e ao
compartilhar de experiências de uma época marcante na cidade de Uberlândia. Assumia
uma aura de mistificação e de prazer peculiares a um momento social que se perdeu na
poeira dos anos. A questão, para a qual converge a discussão presente neste trabalho, é
relativa à nova percepção desse hábito, decorrente de sua reelaboração como prática
social. Ir ao cinema ainda mantém-se como opção de lazer. Entretanto, de se
enfatizar que se tornou “uma” dentre as vastas possibilidades de entretenimento.
Torna-se necessário, então, preceituar em que bases e em que condições se
legitimam a reorganização desse hábito, uma vez que não há como negar as mudanças e,
conseqüentemente, sua nova organização social. Não se trata, em absoluto, de pretender
resgatar ou petrificar uma prática social. Trata-se de acompanhar o percurso da
reelaboração simbólica da prática social que é o ato de ir ao cinema.
O que antes se configurava como um acontecimento social, respaldado num
espetáculo, torna-se um ato comum e corriqueiro em nossa sociedade. Assim, o antigo
hábito de ir ao cinema e o fascínio ao adentrar em suas salas, ornamentadas e
arquitetadas para receber o público que aguardava ansioso por mais um espetáculo,
transformam-se, estruturando-os em outros referenciais. As permanências e as rupturas
presentes nesta prática social, o ato de ir ao cinema, mostram-se interessantes, à medida
que se torna passível de possibilitar a reflexão em torno de sua organização.
A mudança no hábito de ir ao cinema não se constitui como um processo
isolado nem mesmo restrito à cidade de Uberlândia. Esse processo é perceptível em
diversos centros urbanos, mais especificamente, ocorridos na segunda metade do século
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
89
passado. Um estudo interessante sobre esse processo histórico na cidade de São Paulo,
que se tornou referência para o restante do país, Uberlândia, inclusive, foi desenvolvido
por IniSimões.
140
Em sua obra As salas de cinema em São Paulo, Simões discorre
sobre o hábito de ir ao cinema e as mudanças urbanas e sociais da capital paulista.
Nessa perspectiva, infere sobre as mediações entre as transformações urbanas e as
práticas sociais, bem como as mudanças ocasionadas com os exibidores, os produtores e
as inovações tecnológicas, como TV e o vídeo-cassete. Simões retrocede à década de
1920, momento de inauguração dos suntuosos palácios cinematográficos em São Paulo.
Acompanha o período áureo do cinema e a grandiosidade que o cercava até o
desaparecimento dos palácios cinematográficos. De acordo com Simões:
Estes templos, erigidos para adoração das divindades cinematográficas
provocam, de acordo com a lógica pragmática do sistema exibidor, um
saudável efeito psicológico nos freqüentadores, algo como uma
gratificação –vivenciar por um certo tempo ambientes de luxo, com
mármores, veludos, espelhos, banheiros deslumbrantes que retempera
a energia do paulistano para sua jornada semanal.
141
Conforme esclarece o autor, o fascínio pelo ato de ir ao cinema não se devia a
um ou outro aspecto, mas, sim, a uma conjunção de fatores que despertava o
deslumbramento em seus freqüentadores. O requinte da construção e da decoração das
antigas salas era, sem dúvida, um dos pontos mais mencionados, porém não se
constituía como fator exclusivo. As inovações tecnológicas, representadas pela
novidade, expressas na grande tela, também, não eram a maior responsável. O que
garantia seu encantamento era, justamente, a conjunção desses fatores. Fator algum
isolado seria suficiente para tanto. Para Simões, o agregar de várias características
marcantes foi, preponderantemente, significativo.
Vivemos em pleno fastígio cinematográfico. O filme que bate na tela e
a sala de projeção estão em perfeita harmonia, formam quase que uma
coisa única, uma união consensual. O filme era uma parte do
espetáculo, a parte mais importante sem dúvida, mas não era
tudo. O espetáculo começava já na calçada, muito antes da platéia ser
escurecida e é bastante provável que os freqüentadores vissem apenas
uma parte do que acontecia no filme, livrando um olho pra
acompanhar a atmosfera de encantamento. Isto acontecia entre nós
porque o cinema se tornara o principal ponto de convivência
(convergência) social, o programa preferido e para o qual todos se
arrumavam com aprumo e gosto[...].
142
(destaque nosso)
140
SIMÕES, Inimá F. Salas de Cinema em São Paulo. São Paulo: PW/ Secretaria Municipal de Cultura/
Secretaria de Estado de Cultura, 1990.
141
Ibid., p. 47.
142
Ibid.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
90
A década de 1950, que pode ser considerada a “época de ouro” para o cinema,
segundo Simões, caracteriza a primeira fase do cinema no país. Nessa fase, a palavra
grandiloqüência é a que melhor expressa o sentimento das pessoas em relação ao
cinema
143
. Esta grandiloqüência era percebida na estrutura física das salas, “A maioria
dos cinemas têm a capacidade para abrigar pelo menos dois mil espectadores,
confirmando a tendência de construir salas mastodônticas”
144
. Também era percebida na
nomeação dessas salas, com a presença constante de estrangeirismos. Nomes como Rex,
Capitólio Imperial, Plaza, Odeon, Ópera Babylônia, Bijou-Pálace, Paramount,
Broadway, Metro, Ritz, ilustram essa perspectiva.
Em consonância com a grandiosidade das salas dos palácios, o glamour na sua
decoração estendia-se à indumentária de seus freqüentadores, compondo a
espetacularização do ato de ir ao cinema. Os vestidos de gala, elegantemente ostentados
pelas jovens e senhoras, bem como os ternos impecáveis dos senhores assinalavam a
harmonia da percepção contemporânea a essa fase. Qualquer dissonância era
considerada passível de interferência.
Na entrada (do Cine Marrocos), o rigor é absoluto e o público se veste
com aprumo para freqüentá-lo. À semelhança de outras salas
tradicionais, homem sem gravata não entra e caso alguém seja
surpreendido no seu interior sem este adereço, é convidado
imediatamente a se retirar. Até aqui, de qualquer forma, não se trata de
nenhuma novidade, pois várias salas dos centros fazem a mesma
exigência e, além do mais, a gravata estão associada à elegância, à
distinção masculina, que a maioria dos homens não reclama [...].
145
O requinte e a elegância exigidos aos freqüentadores, quanto aos seus trajes,
estavam em conformidade com a suntuosidade oferecida pelas salas dos cinemas.
Suntuosidade percebida desde as fachadas ricamente elaboradas, normalmente, em art-
dèco
146
, estendida até a luxuosidade de seus toilettes (espelhos de cristal bizotados,
mármores e granitos, nos pisos e nas bancadas e lustres rococós eram comuns a esses
espaços).
143
SIMÕES, Inimá F. Salas de Cinema em São Paulo. São Paulo: PW/ Secretaria Municipal de Cultura/
Secretaria de Estado de Cultura, 1990, p. 69. Cinema aqui compreendido como um complexo que
inclui desde as salas de projeção até a produção fílmica.
144
A sala UFA-PALACE dispunha de 5500 lugares. Fonte: Ibid., p. 45.
145
Ibid., p. 83.
146
Segundo Houaiss, estilo decorativo de artes aplicadas, desenho industrial e arquitetura caracterizado
pelo uso de materiais novos e por uma acentuada geometria de formas aerodinâmicas, retilíneas,
simétricas e ziguezagueantes.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
91
FIGURA 28: Reportagem do jornal “Salas tinham nomes significativos”
Fonte: Arquivo Museu Lasar Segall – O Estado de São Paulo de 29/03/1996, p. Z-2
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
92
A fase áurea do cinema em São Paulo começou a demonstrar sinais de desgaste
em meados da década de 1960, tendo seu declínio na década de 1970. Nesse ínterim, o
glamour perdeu espaço para outras atividades não tão requintadas.
[...] (as transformações ocorridas no centro) afastam os espectadores
daqueles antigos palácios cinematográficos onde se reunia a elegância
paulistana. Ao perder o status mantido por décadas seguidas, resta
aos cinemas adaptarem-se às novas circunstâncias, seja dividindo-se
em salas liliputianas, seja partindo para especialização – erotismo,
lutas marciais etc.
147
Simões pondera sobre os possíveis motivos que levaram à decadência das salas
de cinema conhecidas como palácios cinematográficos. Dentre a vasta gama de fatores
possíveis, aponta como mais significativas as transformações urbanas ocorridas no
centro da cidade de São Paulo e a inovação tecnológica personificada na popularização
da televisão. O crescimento desordenado do centro urbano, aliado à especulação
imobiliária, torna inviável, economicamente, a manutenção de grandes espaços como as
salas de cinema. Outras formas de empreendimentos comerciais demonstram maior
vigor no retorno financeiro. Há de se mencionar, também, o crescente volume do
tráfego de pessoas e veículos, concentrados em um perímetro insuficiente para
comportar essa movimentação.
O panorama que se apresenta para a década de 70 é de maneira geral
melancólica e a situação tende ao agravamento pela atuação conjunta
de fatores absolutamente inconciliáveis, tais como a queda constante
de público por um lado e a pressões imediatas da especulação
imobiliária por outro. Nos cinemas centrais, a reclamação dos
exibidores enfoca de preferência os valores elevados de manutenção
(aluguéis, salários, taxas etc.), enquanto nos bairros o quadro é
agravado pela evasão contínua e crescente de público, a ponto de
deixar dezenas de salas (e milhares de assentos) completamente às
moscas, empurrando os empresários para atividades mais lucrativas.
Uma vez que a maior parte dos cinemas não funciona em prédio
próprio, a valorização imobiliária revela o beco sem saída em que se
encontra a exibição cinematográfica comercial, que passa a ceder os
amplos espaços cobertos a empreendimentos mais futurosos:
estacionamentos, depósitos, supermercados, agências bancárias, salões
de baile, revendedoras de veículos.
148
Concomitante aos aspectos mencionados, há de se ressaltar a queda do
público freqüentador das salas de cinema. Um dos fatores que, preponderantemente,
colaboraram para a diminuição do público foi o advento da popularização da TV nos
lares brasileiros. A televisão tornou-se uma espécie de concorrente direta do cinema. A
147
SIMÕES, Inimá F. Salas de Cinema em São Paulo. São Paulo: PW/ Secretaria Municipal de Cultura/
Secretaria de Estado de Cultura, 1990, p. 107.
148
Ibid., p. 112.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
93
praticidade de dispor de um aparelho que possibilitava a diversão em casa opunha-se às
dificuldades inerentes à saída do lar. Aliada à programação que agradou ao público, a
facilidade proporcionada pela abertura de crédito para a aquisição do aparelho e a
difusão das redes de energia e telecomunicações ampliaram ainda mais o acesso e o
alcance da televisão. Segundo Simões:
A trajetória fulgurante da TV brasileira não seria possível se a venda
de televisores não aumentasse a taxas elevadas. No transcorrer dos
anos 60, o crescimento se dá a uma média anual de 10%, atingindo em
1968 um incremento de quase 50% em relação ao ano anterior. O
estímulo às vendas não ocorre somente por força da sedução dos
programas no vídeo. que se reconhecer o peso específico de certas
facilidades de crédito, que abrem as comportas para um considerável
fluxo de consumidores até então marginalizados. O estímulo às vendas
ocorre sob os efeitos de medidas tomadas dentro de uma nova etapa na
política de desenvolvimento econômico adotada pelo governo, cuja
prioridade incide na expansão da demanda de bens de consumo
duráveis e serviços de luxo.
149
Trazer à tona vários fatores para a problematização da falência de uma forma
de sociabilidade exercida no ato de ir ao cinema, tal qual vivenciada por vários anos,
deve-se à complexidade inerente a esse processo. Fator algum, isolado de uma rede de
relações econômicas, políticas, sociais, culturais-, é capaz de dar cabo das mediações
conseqüentes experimentadas no viver em sociedade.
No período no qual houve a queda vertiginosa de freqüência dos cinemas, as
décadas de 1960 e 1970, houve, também, a atuação política mais efetiva no sentido de
apropriar-se das possibilidades despertadas pela emergência da televisão. A perspectiva
de Simões, no tocante ao esvaziamento das salas, decorrente, dentre outros fatores, da
emergência da televisão, também é mencionada por Novais
150
. No estudo sobre as
relações capitalistas e as sociabilidades, no período contemporâneo a essa discussão,
Novais destaca a ação significativa dos governos militares na captação das
possibilidades despertadas por um incremento, que, ampliando a atuação conhecida
do rádio nos lares, traz o inequívoco peso da imagem. De acordo com Novais:
[...] O aparelho de TV vai se difundindo rapidamente para a base da
sociedade com o auxílio valioso do crédito ao consumo. Bastaram
vinte anos para que 75% dos domicílios urbanos o possuíssem: em
1960, havia em uso apenas 598 mil televisores; dez anos depois,
149
SIMÕES, Inimá F. Salas de Cinema em São Paulo. São Paulo: PW/ Secretaria Municipal de Cultura/
Secretaria de Estado de Cultura, 1990, p. 111.
150
NOVAIS, Fernando Antonio; MELLO, João Manuel Cardoso. Capitalismo Tardio e sociabilidade
moderna. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz. (Org.). História da Vida Privada no Brasil: contraste da
intimidade contemporânea. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. p. 559-658. v. 4.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
94
4.584.000; em 1979, nada menos do que 16.737.000, sendo 4.534.000
televisores em cores.
Por outro lado, o Estado montou uma infra-estrutura de
telecomunicações que possibilitou, em 1970, a instalação de rede
nacional. Simultaneamente, o negócio se organiza como uma grande
máquina capitalista, que utiliza os processos tecnológicos mais
avançados, voltada para a produção da mercadoria entretenimento,
que, consumida, dá suporte aos anúncios das grandes empresas.
151
Ambos os processos mencionados, da falência das grandes salas de cinema e
da popularização da TV, são contemporâneos e desconexos somente na superfície de
uma análise apressada. Inserem-se em uma conjuntura complexa que converge para a
estruturação de novas formas de sociabilidades, que, em absoluto, sinalizam o
desaparecimento por completo de nenhuma delas. O que se configura é a reestruturação
de antigos hábitos sob novos referenciais, decorrente das possibilidades experimentadas
no período.
[...] Isso se reflete até mesmo na área do lazer, à medida que se
ampliam as ofertas à população, substituindo as formas tradicionais de
sociabilidade por novos rituais [...] O perfil do circuito e do público
cinematográfico se altera muito nesse período, acompanhando as
transformações em curso. Os palácios cinematográficos tornam-se
obsoletos, desestimulando grandes investimentos, já que o retorno é
problemático [...].
152
E ainda:
E certo que o ato de ir ao cinema desvencilhou-se daquela aura de
acontecimento social. Na conjuntura atual o filme é apenas um
programa a mais no “pacote” de atrações. Não se diz mais como antes
“vou ao Metro”, o que denotava de imediato uma prioridade absoluta.
Ouve-se mais vou ver tal ou qual filme”, e este foco de interesse
termina interagindo com inúmeras outras situações.
153
O que outrora era consagrado e definido por contornos suntuosos as salas de
cinema –, perdeu não suas características como também seu lugar. Os locais
destinados às salas eram, geralmente, lugares de intensa movimentação. Tornaram-se,
assim, espaços centrais de acesso e visibilidade. O culminar desse processo, o fenecer
de uma sociabilidade estruturada na grandiosidade ostentada pelos palácios, possibilitou
uma nova noção de acessibilidade e visibilidade. A dupla perda do espaço,
compreendida na quase extinção de suas dimensões física e simbólica, foi reestruturada
em um local que instituiu uma nova forma de sociabilidade: os shopping centers.
151
NOVAIS, Fernando Antonio; MELLO, João Manuel Cardoso. Capitalismo Tardio e sociabilidade
moderna. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz. (Org.). História da Vida Privada no Brasil: contraste da
intimidade contemporânea. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. p. 638. v. 4.
152
SIMÕES, Inimá F. Salas de Cinema em São Paulo. São Paulo: PW/ Secretaria Municipal de Cultura/
Secretaria de Estado de Cultura, 1990. p. 143-144.
153
Ibid., p. 145.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
95
A grandiloqüência dos “palácios cinematográficos”, característica da primeira
fase do cinema no país, foi deslocada para aqueles que se constituíram como um espaço,
por excelência, de ser majestosamente construído para ser um templo. A nova
organização do ato de ir ao cinema, inserido em um espaço estruturado pela lógica
capitalista, caracteriza a terceira fase do cinema no Brasil. Esta fase é significativamente
marcada pela ampla reorganização não do hábito de ir ao cinema, mas de toda uma
prática social que implica reconhecer a legitimidade de um lócus. A construção
simbólica em torno do espaço “shopping center” foi viabilizada mediante a percepção
de que transformações sócio-históricas possibilitavam essa construção. Esse momento
peculiar, de reestruturação do ato de ir ao cinema, inaugurando novas sociabilidades, é o
ponto para o qual convergem as discussões presentes neste trabalho.
Simões encerra sua obra questionando, justamente, se a sobrevivência do
“espetáculo cinematográfico”. Para o autor, de acordo com a antiga percepção de ir ao
cinema, sim. Não mais condições para a glamourização típica da primeira fase do
cinema. Entretanto, segundo Simões:
[...] a emoção que cerca a ida ao cinema ainda permanece. Ela se
transformou, se relativizou com a entrada do vídeo no mercado, mas
ainda está aí. Não mais como vibração de acontecimento social que
centraliza olimpicamente o interesse da população. Agora, o cinema
faz parte do repertório geral da cidade. Mas ainda é a atração mais
popular de todas.
154
O processo de decadência das grandes salas de cinema não foi percebido
somente nos meios acadêmicos. Por usufruírem um reconhecimento, as salas de cinema
ganhavam legitimidade por seus freqüentadores como espaço social. Dado esse
processo de decadência, a perda desse espaço não foi insignificante. Foi evidenciada,
inclusive, nos meios de comunicação. Os jornais locais da cidade de São Paulo
noticiaram extensivamente o fechamento das salas centrais. Visto o poder de difusão da
imprensa e sua inerente capacidade de veicular informações que sejam de interesse
público simultâneas aos acontecimentos, os jornais acompanhavam o processo que
Simões já prenunciava.
As décadas de 1980 e 1990 são particularmente interessantes em perceber
como foi divulgado esse processo. As reportagens sobre o fechamento das salas são uma
constante. Para a imprensa, os fatores que levaram a cabo o fechamento paulatino das
salas centrais são ponderados similarmente a Simões. Apontados como fundamentais
154
SIMÕES, Inimá F. Salas de Cinema em São Paulo. São Paulo: PW/ Secretaria Municipal de Cultura/
Secretaria de Estado de Cultura, 1990, p. 145.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
96
foram: a falta de público, de segurança, de manutenção, estacionamento, redução dos
espaços, alto custo de locação.
Várias foram as tentativas de manter esses espaços como salas de cinema.
Primeiramente, a divisão das “salas mastodônticas” em duas ou três salas menores, não
foi suficiente. Posteriormente, a constituição dessas salas como igrejas, supermercados,
depósitos, bancos, estacionamentos, lojas dentre outros, em muitos casos, apresentou
uma possibilidade de manutenção. Entretanto o perceptível foi a extinção não das
salas de cinema, mas do próprio espaço no centro da cidade. Em sua maioria, foram
reconstruídas, remodeladas ou simplesmente demolidas. Das antigas salas, restaram
somente lembranças.
Essa percepção é a tônica das reportagens a seguir:
FIGURA 29: Reportagem “Última sessão: Por que o centro está perdendo tantas salas”
Fonte: Arquivo Museu Lasar Segall – Revista Veja – São Paulo, 02/04/1997, p.26.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
97
FIGURA 30: Reportagem “O cinema transforma-se em templo religioso”
Fonte: Arquivo Museu Lasar Segall – Revista Veja – São Paulo, 05/03/1997, p. 80.
FIGURA 31: Reportagem do jornal “Eram cinemas. Hoje, fotos nas paredes”
Fonte: Arquivo Museu Lasar Segall – O Estado de São Paulo, cad. 2, 10/06/1986, p.07.
Capítulo II: Cinema e as mudanças no espaço social urbano
98
FIGURA 32: Reportagem do jornal “Cinemas? Não. Supermercados, sapatarias,
bancos...”
Fonte: Arquivo Museu Lasar Segall – O Estado de São Paulo – 26/09/1982, p. 48.
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Recuperar antigas práticas sociais, remeter a lugares que existem na
memória ou falar de algo que não existe mais, normalmente, implica nostalgia. Falar
nos palácios cinematográficos induz a essa impressão. Por muitas vezes, emerge, em
certa medida, um tom saudosista. No entanto, trazer esse passado de volta não é
decorrência desse sentimento. Muito pelo contrário. Trata-se de problematizar a
configuração de novas sociabilidades experimentadas na convivência entre
permanências e rupturas no viver social. Essa dinâmica constrói historicamente essas
sensibilidades. Trata-se, também, de não cair no extremo oposto de um distanciamento
inoportuno. Desta forma, como agente social, não me excluo desse processo, inclusive
dele participo duplamente: como ser social e como pesquisadora. Ambos estão
presentes.
Reviver esses momentos de desaparecimento de uma sociabilidade implica
considerar o espaço outrora consagrado em novas funções na sociedade. As antigas
salas de cinema assumem uma nova roupagem social e os seus espaços também. A
referência social que o ato de ir ao cinema manteve até a década de 1970 glamour,
exclusividade, espaço, grandiosidade –, paulatinamente, modificou-se, banalizando o
que, anteriormente, era considerado um espetáculo, constituído pela magia da sétima
arte e pelo deslumbramento despertado pelo lugar. Este lugar a que me refiro não é
apenas a sua dimensão física, remeto-me também e, principalmente, a sua dimensão
simbólica. Inimá Simões,
155
já na década de 1990, problematizou esta questão. Segundo
o autor:
[...] o circuito cinematográfico no período que vai da chegada dos
talkies no final dos anos 20 até nossos dias, quando o impulso de
freqüentar os cinemas se desvinculou das emoções especiais que
cercam um evento social, reduzido que está ao sentido prosaico de
uma alternativa, provavelmente a mais popular, entre outras
modalidades de lazer ao alcance da maioria da população.
156
155
SIMÕES, Inimá F. Salas de cinema em São Paulo. São Paulo: PW/ Secretaria Municipal de Cultura/
Secretaria de Estado de Cultura, 1990.
156
Ibid., p. 11.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
100
Assim, o que era considerado “a maior diversão”, segundo Simões, torna-se
apenas uma dentre as várias opções de lazer. O ato de ir ao cinema não se caracteriza
mais pela elegância, muito menos pela grandiloqüência. Caracteriza-se, sim, pela sua
banalização no cotidiano das pessoas. A ritualística do “evento social” perdeu-se em
meio ao ritmo frenético da vida urbana atual. Ir ao cinema tornou-se prática comum,
acessível e disponível a qualquer tempo. Essa não foi uma mudança qualquer. A
mudança de local, a maior disponibilidade de filmes e horários, o aumento no número
de salas e sua concentração no mesmo espaço contribuíram, sobremaneira, para uma
nova representação do ato de ir ao cinema.
A nova representação do ato de ir ao cinema é caracterizada pelo que Simões
denomina de perda do “culto cinematográfico”. De fato, essa percepção é recorrente em
vários centros urbanos. Segundo o autor, “é ao redor do culto cinematográfico que
ocorrem inúmeras mudanças nos hábitos e padrões de comportamento da população
urbana”.
Respeitadas as particularidades de cada lugar, mantêm-se o culto e o ritual.
Entrementes, há a necessidade de dimensionar em que bases se dão o culto e o ritual nos
tempos atuais. O culto cinematográfico e o ritual de freqüentar as salas foram
deslocados, temporariamente, para a religião e, definitivamente, para o consumo. “Em
alguns lugares o crescimento das seitas evangélicas foi quase inversamente proporcional
ao das casas de exibição de filmes. Para a tristeza dos cinéfilos e defensores da cultura,
diversos cinemas foram fechados para dar lugar a reuniões de louvor a Deus”.
157
Essa percepção também é sentida por Canclini
158
ao problematizar as diversas
nuances “como estão se reestruturando as práticas e as preferências culturais”. Para o
autor, as transformações sociais ocorridas não se restringem às fronteiras geográficas.
Respeitadas as diversidades peculiares a cada lugar, uma similaridade permite-nos uma
percepção que abarca uma discussão mais ampla. Neste sentido, ao problematizar sobre
a “americanização” dos consumidores, enfatiza o processo de fechamento das salas de
cinema em outras localidades.
Em todos os países latino-americanos foram fechadas mil salas, assim
como ocorreu em outros continentes. Os cinemas se converteram em
157
Jornal Correio, p. 09, de 05/10/97.
158
CANCLINI, Nestor G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de
Janeiro: UFRJ, 1997.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
101
lojas de videogames, em templos evangélicos ou em estacionamentos
em Montevidéu, São Paulo, Bogotá e México.
159
Ainda segundo Canclini, esse fechamento não se deveu à diminuição pelo
gosto de assistir aos filmes. Outros fatores foram relevantes para a reelaboração do
hábito de vê-los. Com o advento da televisão e, posteriormente, do vídeo-cassete e do
DVD, o hábito de ir ao cinema sofreu duro golpe. Questões como segurança, conforto e
custo também interferiram neste hábito. Porém é na conjuntura desses aspectos, que a
transformação no hábito de ir ao cinema deve ser compreendida.
[...] hoje se assiste a mais filmes que em qualquer época anterior. Mas
se assiste em casa: na televisão ou no vídeo[...]
Em nenhuma sociedade a disseminação do vídeo e a expansão de seus
lucros é mais impressionante do que nos EUA: o faturamento por
aluguel e vendas de vídeos passou de 3,6 milhões de dólares em 1985
a 10,3 milhões em 1991. Não é comum que um negócio cultural
triplique seu faturamento em seis anos. Essas somas têm crescido à
proporção que se esvaziam as salas de cinema: enquanto estas
representavam, em 1980, 80% da arrecadação dos filmes, atualmente
contribuem em apenas 25%.
160
As transformações percebidas em relação ao ato de ir ao cinema, apontadas por
Canclini, são decorrentes, dentre outros aspectos, sobretudo, pelo advento do deo-
cassete e a televisão por assinatura. Se a popularização dos aparelhos de TV causou o
primeiro grande impacto na freqüência dos cinemas, o vídeo e a TV a cabo
potencializaram tal situação. Entre as vantagens oferecidas pelo aparelho de vídeo, está
o acesso de toda a família ao filme pelo preço de uma única locação,
161
a
disponibilidade de a ele assistir no momento de maior conveniência, com a
possibilidade de repetir a exibição a qualquer momento com o total controle de
interromper ou não o filme conforme a vontade dos espectadores. Sem contar o
transporte, a segurança e os inconvenientes urbanos ao sair de casa. Para efetivar o
sucesso do vídeo, é necessário o estabelecimento de uma rede de locadoras que
disponibilize os filmes, oferecendo uma variedade de títulos que sempre satisfaçam aos
consumidores.
162
159
CANCLINI, Nestor G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de
Janeiro: UFRJ, 1997, p. 175-176.
160
Ibid., p. 176.
161
Em relação a esse fator é interessante salientar que, em novembro de 2007, a entrada de cinema em
Uberlândia é de R$ 10,00 a 12,00. O preço de uma locação gira em torno de R$ 4,50.
162
Na cidade de Uberlândia, existem seis grandes locadoras com suas filiais: Império do Vídeo, Look
Center Vídeo, Máster Vídeo Locadora, Vídeo Park Locadora, Vídeo Zoom, 100% Vídeo. Sem deixar
de levar em consideração as pequenas locadoras de bairros, impossível de quantificá-las, dada o
enorme número de estabelecimentos.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
102
Outro aspecto relevante, o surgimento da TV a cabo, ou por assinatura,
propiciou uma ampliação nas opções para o espectador. Sem necessitar a ida à locadora,
a TV a cabo proporciona, além de um maior número de canais, filmes em diversos
horários, programas de variedades, jornalísticos, esportivos, enlatados norte-americanos,
dentre outros.
A crescente demanda por essa nova opção possibilitou sua expansão em
direção ao interior do país. A cidade de Uberlândia pode contar com essa novidade a
partir do ano de 1990. Conforme o noticiado no dia 07/10/1990, no jornal Correio, que
anunciava a inauguração da TV a cabo na cidade. “Dentro de aproximadamente um mês
estará à disposição dos uberlandenses uma nova opção, começa a funcionar a TV a
cabo.”
163
É interessante salientar que, passados dezessete anos, não é um serviço
disponível em toda a cidade. Alguns bairros ainda não possuem a infra-estrutura
necessária para a passagem da rede. Apesar de impactar na freqüência das salas de
cinema, conforme salienta Canclini, não se pode estabelecer uma relação causal entre
essas tecnologias e o fechamento das salas centrais em diversos locais e em Uberlândia.
As inovações tecnológicas não excluem as salas de cinema, compõem uma rede
complementar em que, cinema, TV e vídeo realimentam as produções para esses
veículos. Segundo Canclini:
[...] Nesta perspectiva, nem a televisão, nem o vídeo são substitutos
das salas de cinema; existe uma interdependência entre os três meios
que pode contribuir, tal como ocorreu em países europeus, para
revitalizar a produção cinematográfica.
Cabe concluir que a integração do campo audiovisual se apóia não
na complementação de cinema, televisão e vídeo, mas também na
produção e distribuição. O estudo sobre como estão mudando os
hábitos do público demonstra que também da perspectiva dos
receptores devem ser pensadas soluções para o cinema, combinando-
se a oferta em salas, televisão e videoclubes.
O cinema é hoje um processo multimídia, acompanhado por
espectadores multimídia.
164
A integração multimídia a que se refere Canclini orienta-se a partir da
segmentação de público, que reestrutura a produção e a distribuição de filmes e
programas. No entanto, cabe ressaltar que, diante dessa reestruturação, o público
privilegiado é o público jovem. Ainda segundo o autor:
A numerosa demanda de filmes que trata de temas históricos e de
problemas sociais contemporâneos evidencia que o entretenimento
163
Jornal Correio de Uberlândia, p. A-1, de 07/10/1990.
164
CANCLINI, Nestor G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de
Janeiro: UFRJ, 1997, p. 195-196.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
103
light não é a motivação exclusiva pela qual as pessoas continuam indo
ao cinema. Em amplos setores, que aumentam nas faixas mais jovens
e de maior escolaridade, o tratamento problemático das questões
atuais, próximas da vida cotidiana, e também de assuntos
interculturais e de inovações artísticas são estímulos para ir ao
cinema.
165
Dessa forma, a “americanização” dos gostos e preferências não exclui as
produções fílmicas locais, inclusive, momentos em que essa produção alcança
reconhecimento e relativo sucesso em outros países.
166
Porém a inquestionável
preponderância da indústria hollywoodiana. A influência norte-americana não se
restringe à produção cinematográfica. O próprio esquema de distribuição, a estrutura
das salas de cinema e o local onde estas são construídas, também, seguem esse padrão.
Os repertórios folclóricos locais, tanto aqueles ligados às artes cultas
quanto às populares não desaparecem. Mas seu peso diminui em um
mercado onde as culturas eletrônicas transnacionais são hegemônicas,
quando a vida social urbana se faz cada vez menos nos centros
históricos e mais nos centros comerciais modernos da periferia,
quando os passeios se deslocam dos parques característicos de toda
cidade para os shoppings que imitam uns aos outros em todo o
mundo.
167
As mudanças mencionadas não constituem um processo isolado. Estão
inseridas num amplo espectro de transformações conjunturais pautadas pela constante
reestruturação do modo de produção capitalista, realimentado, diuturnamente, pelo
consumo incessante e crescente. As transformações nas salas de cinema (igrejas, lojas,
bancos, estacionamentos, etc.) estão inseridas nessa lógica. Nessa reorganização
consumista, as salas de cinema tornam-se lojas-âncora naqueles que são seus locais por
excelência: os shopping centers.
3.1 – Salas de cinema: a resignificação de um espaço
Discutir o desaparecimento das salas centrais não é, de modo algum, tratá-lo
como um processo distinto e único. Muito pelo contrário, é na inserção de uma
complexa rede de relações e interesses que esse processo deve ser compreendido e,
deslocado dessa rede, não encontra significado que a torne cognoscível. As
transformações ocorridas não se restringem somente a fatores econômicos, culturais,
165
CANCLINI, Nestor G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de
Janeiro: UFRJ, 1997, p. 197.
166
Um exemplo recente em relação ao Brasil é o filme de Fernando Meireles, “Cidade de Deus”.
Lançado em 2002 no Brasil, alcançou sucesso mundial em 2003, sendo indicado para o Oscar de
melhor fotografia, edição diretor e roteiro adaptado em 2004.
167
CANCLINI, 1997, op. cit., p. 110.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
104
sociais, ou políticos. É na interseção dos mais variados aspectos e nas mediações
resultantes desses que há a construção de sociabilidades, que, em última instância,
congrega em si permanências e rupturas de um viver social.
Recuperar e problematizar o fechamento das salas de cinema como um hábito
social traz, intrínseco a esse viver, a necessidade de historicizar seu decurso e
dimensionar as peculiaridades do lugar no qual esse se deu. A similaridade dos
processos de falência das salas centrais da cidade de São Paulo e de Uberlândia não se
por justaposição. Dá-se pela reorganização decorrente de respostas aos problemas
postos de acordo com aquele momento e com aquele local. Essa perspectiva é reforçada
por uma peculiaridade do discurso construído em torno da cidade de Uberlândia: a
constante e enfatizada vocação para o progresso, tendo como referencial a cidade de São
Paulo. Não é a importação pura e simples das soluções efetivadas naquela cidade.
Guardadas as devidas proporções, a cidade de Uberlândia vivenciou esse mesmo
processo de problemas urbanos e a iminente necessidade de reestruturação das áreas
centrais. O trânsito intenso, especulação imobiliária, a concentração de atividades e
serviços em uma área restrita, carência por maiores espaços, falta de infra-estrutura e a
própria lógica capitalista que orienta a reordenação dos recursos e visa a sua melhor
utilização.
Conforme explicitado no segundo capítulo, o fechamento paulatino das salas
de cinema centrais de Uberlândia foi um processo nos moldes da cidade de São Paulo.
No entanto, esse processo foi mais significativo, em Uberlândia, na década de 1990.
Não é somente uma questão de diferença em relação à temporalidade. Apesar de não se
constituir como processo único e particular, torna-se intrigante problematizá-lo em
decorrência das peculiaridades inerentes às especificidades da subjetividade local. A
compreensão da reelaboração das sociabilidades em torno do ato de ir ao cinema, bem
como a construção de novas práticas sociais são particularmente interessantes ao
historiador.
As questões apresentadas neste trabalho não se pautam apenas na
problematização da falência das antigas salas de cinema, do seu deslocamento para
outro espaço e de toda a sociabilidade proporcionada pela freqüência daqueles locais.
Encarar esse processo, nesta perspectiva, é retirar-lhe o caráter histórico. Este é dado
pelo entendimento sobre as relações estabelecidas num dado local em um dado
momento, que proporcionem sentido às essas relações. Trata-se de acompanhar os
sentidos e os significados que permeam e possibilitam a construção de novas
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
105
sociabilidades reorganizadas em novos referenciais e, notadamente, a apropriação dessa
construção.
Nesse sentido, a abordagem de Chartier
168
sobre os conceitos de representação
e de apropriação são inseridos em uma teia de relações, contraditórias por excelência,
cujas intermediações possibilitam a construção de sentidos, colabora, sobremaneira,
para as discussões presentes neste trabalho. Para o autor:
A apropriação tal como a entendemos visa uma história social dos
usos e das interpretações, relacionados às suas determinações
fundamentais e inscritos nas práticas específicas que os produzem.
Dar assim atenção às condições e aos processos que, muito
concretamente, sustentam as operações de construções de sentido
(na relação de leitura mas também em muitas outras) é reconhecer,
contra a antiga história intelectual, que nem as inteligências nem as
idéias são desencarnadas e, contra os pensamentos do universal, que
as categorias dadas como invariantes, quer sejam filosóficas ou
fenomenológicas, devem ser construídas na descontinuidades das
trajetórias históricas.
169
(destaque nosso)
Nesse intento, ao elencar e problematizar os aspectos que intermediaram a
construção de novas sociabilidades, em relação ao ato de ir ao cinema, não quer dizer,
em absoluto, compreendê-los isoladamente. É percebê-los inseridos em uma rede de
práticas sociais que organiza e sustenta os sentidos. A construção de sociabilidades
calcadas na criação das salas de cinema, nos shopping centers, não se por mera
transposição dessas salas. O que salta aos olhos é a apropriação de um hábito,
resignificado pelos referenciais pautados pela lógica de consumo inerente àquele
espaço.
3.2 – Shopping-center e suas imbricações sociais
As inovações intrínsecas à modernidade, aliadas à consagração do capitalismo,
alcançaram, inclusive, e principalmente a reordenação espacial das cidades, que não é
deslocada da lógica do consumo como modus operandi. Essas transformações
alcançaram aspectos relativos à esfera da vida privada, sua organização e, inclusive, o
modo de usufruir o tempo livre ou de lazer.
A lógica de consumo deve-se à própria estruturação das sociedades capitalistas,
cujos referenciais econômicos não se restringem às relações comerciais. Passaram
168
A abordagem de Chartier citada está presente em: CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história
entre incertezas e inquietude. Tradução de Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Editora
Universidade/UFRGS, 2002.
169
Ibid., p. 68.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
106
também a permear as sociabilidades, afetando toda a vida. É um processo amplo, que
deve ser compreendido a partir da reordenação social pautada por esses referenciais.
Essa abordagem vai ao encontro da perspectiva de Frúgoli, segundo o qual:
Novas referências de sociabilidade e interação foram recriadas,
mesmo que ante a várias dificuldades decorrentes da metropolização,
articulando-se um novo espaço público [...] Outra forte característica
da vida cotidiana dos grandes centros urbanos é a coexistência, no
mesmo espaço, de uma multiplicidade de códigos e significados,
acarretando muitas vezes relações conflitivas entre os grupos sociais,
uma vez que se cruzam visões e práticas diferenciadas.
170
Nesse sentido, problematizar o deslocamento de antigas centralidades urbanas
para novos locais não é aleatório nem arbitrário. É fruto de um decurso cujos efeitos são
resultantes de negociações entre os diversos agentes sociais. Para Frúgoli, os centros das
cidades experimentaram um processo de diversificação intensa de atividades,
concentrando recursos, pessoas e serviços. Ainda segundo o autor:
Os espaços centrais das cidades são densos não porque concentram
atividades e grupos, mas também porque abrangem várias
significações, que ao mesmo tempo se entrecruzam, complementam-
se, contradizem-se [...]Mas o capitalismo, sobretudo moderno, não
apenas atrelou a centralidade urbana ao consumo, como aos poucos
desfigurou as centralidades tradicionais.
171
Frúgoli, ao problematizar as questões referentes à interação social nos espaços
públicos, faz um percurso da constituição dos espaços centrais até a sua “deterioração”.
Conseqüente a essa deterioração, há a necessidade de reorganizar espacialmente as
centralidades visando à maior praticidade, conforto e segurança. Esses referenciais
atuam como sustentáculos na construção simbólica de um espaço para o qual
convergiriam as soluções para os impasses criados pela desorganização urbana. No
entanto, de se ressaltar que a convivência de grupos sociais distintos disputando os
mesmos espaços, cria determinadas “inconveniências”. Grupos sociais distintos
requerem lócus sociais também distintos, de acordo com as próprias visões e estilos de
vida que cada grupo tem de si, visando à satisfação de suas necessidades e vontades.
Essas necessidades e vontades, peculiares a cada grupo, não caminham na mesma
direção, necessitando de soluções “adequadas” a elas.
Boa parte dos integrantes dessas classes médias, notadamente aqueles
situados num patamar de alto poder aquisitivo, integram-se cada vez
mais ao modo de vida que se traduz, nas metrópoles, num padrão
170
FRÚGOLI, Heitor Jr. São Paulo: espaços públicos e interação social. São Paulo: Marco Zero, 1995,
p. 34.
171
Ibid., p. 12-13.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
107
funcional caracterizado por uma espécie de ‘circuito’, incluindo
‘moradias fechadas’, trabalho em complexos empresariais, consumo
em supermercados, shoppings, circulação em veículos particulares,
etc. Articula-se neles um modo de vida distinto, segregado e
diferenciado, evitando o máximo possível o contato com espaços
públicos e sua diversidade de grupos sociais.
172
Dessa forma, Frúgoli, ao dimensionar as relações entre grupos mediante o
confronto e a acomodação da convivência entre estes, busca, em Simmel,
173
o conceito
de sociabilidade que melhor situa essa problemática. Para Simmel, sociabilidade deve
ser compreendida como um jogo simbólico. Neste jogo, há a necessidade de estabelecer
regras de convivência que intermedeiem essa convivência. Frúgoli, com base nesse
conceito, pondera sobre os impulsos que levam diferentes grupos conviver em um
mesmo espaço.
O campo da sociabilidade pressupõe, dentro dessa dimensão de
indeterminação, a criação de determinadas regras para a mediação
dessa interação simbólica, propiciando a busca e encontro do “outro”
ainda que muitas vezes realizada de forma inconsciente em
diversos planos. Num certo sentido, refere-se à “produção do
inesperado” ou do “imprevisto”, dentro de certas regras ou códigos
socialmente construídos.
174
Nessa perspectiva, a estrutura conhecida como shopping-center é a imagem por
excelência resultante da reorganização urbano-espacial e do deslocamento e
pulverização da centralidade. Atendendo a outras nomenclaturas, como “templo do
consumo”, “cidade ideal intramuros”, “mini-cidade”, “catedral das mercadorias”,
“cidade dentro da cidade”, nenhuma se sobrepõe a outra, e todas enquadram a
perspectiva que se tem desse espaço. A correlação entre as noções de shopping e de
cidade é extremamente adequada. A complexidade da segunda está presente, em escala
reduzida, na primeira. Dada essa percepção de que o conceito de sociabilidade
contribui, sobremaneira, para essa discussão, pois o deslocamento e a reorganização
urbano-espacial não possibilitam a mera transposição de “lugar”. Ao estruturar física e
simbolicamente um novo “lugar”, novas formas de convívio e interação social são
elaboradas. É neste sentido que o conceito de sociabilidade dimensionado por Frúgoli
melhor ampara a discussão presente neste trabalho.
172
FRÚGOLI, Heitor Jr. São Paulo: espaços públicos e interação social. São Paulo: Marco Zero, 1995,
p. 76.
173
SIMMEL apud Id. Os shopping-centers de São Paulo e as formas de sociabilidade no contexto
urbano. 1989. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Departamento de Antropologia, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 1989, f. 56-57.
174
Ibid., f. 56.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
108
No caso dos shopping-centers, centros multifuncionais, o “impulso de
sociabilidade” permeia o motivo da ida de milhares de usuários a
esses locais, mesmo de muitos daqueles que afirmam utilizar o espaço
apenas para as compras. Neste sentido, a pesquisa volta-se para essa
região social marcada pela busca do encontro, numa esfera que se
relaciona mas também transcende a dimensão do consumo.
Retomando a questão da elaboração simbólica das diferenças, é como
se os shoppings produzissem um cenário urbano no campo da
sociabilidade onde variados grupos entram em contato e “jogam”
socialmente suas relações e onde, se aparentemente determinadas
origens sociais estariam suspensas e diluídas, novos pactos seletivos
são assumidos e demarcados.
175
grande dose de coerência em afirmar que a disponibilidade de diversos
setores econômicos no interior dos shopping centers lojas, restaurantes, farmácias,
livrarias, correio, bancos, lotéricas, cinemas, entre outras num mesmo espaço vai ao
encontro das necessidades atuais de praticidade, conforto, segurança e rapidez. Segundo
Padilha
176
, os shopping centers são entendidos “como importante fenômeno da
sociedade capitalista”, sendo considerados em muitas cidades, como atração turística.
“É uma segunda cidade construída dentro de uma cidade maior”. Como tal, deve-se
constituir como entidade autônoma e auto-suficiente, numa composição e estrutura
aclimática, atemporal e idealizada. Essa perspectiva não se restringe aos grandes países
capitalistas. Em temporalidades diferentes, é um processo de dimensão global.
Não é difícil perceber que um centro feito para compras de bens
materiais foi sendo transformado concomitantemente ao
desenvolvimento do capitalismo mundializado em um centro que
alia estrategicamente mercadorias (alimentos, roupas e acessórios,
perfumes, discos, livros, etc.), serviços (correio, agências de viagens,
bancos, salões de beleza, postos de gasolina, etc.), lazer (cinemas,
jogos eletrônicos, praças de alimentação, academias de ginástica, etc.)
e “cultura” (exposições, apresentações musicais ou teatrais, etc.). A
estratégia dessa aliança está na busca do aumento do lucro de
empresários e comerciantes, mas o discurso que se faz em paralelo
para os cidadãos do meio urbano desenvolvido propaga a ideologia da
melhor qualidade de vida.
177
A obra de Padilha é particularmente interessante a este trabalho. A autora faz
um retrospecto aludindo aos caminhos que levaram ao processo de construção de
legitimidade do shopping como espaço, do consumo e da apropriação do lazer. Os
shopping-centers, tais como estruturados hoje em dia, seguem o padrão norte-
175
SIMMEL apud FRÚGOLI, Heitor Jr. Os shopping-centers de o Paulo e as formas de
sociabilidade no contexto urbano. 1989. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Departamento de
Antropologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989, f. 57.
176
PADILHA, Valquíria. Shopping Center: a catedral das mercadorias. São Paulo: Boitempo, 2006.
177
Ibid., p. 25.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
109
americano, salvo adaptações ao gosto local. No entanto, suas raízes são européias, mais
especificamente, londrinas e parisienses.
Nos séculos XVII e XVIII, os lugares mais comuns para encontro,
reuniões e diversões eram os cafés. Com o declínio dos cafés no
século XVIII, surgem em Londres e Paris, os bares e pubs, muitas
vezes localizados nos mesmos prédios dos teatros. A sociabilidade dos
londrinos e parisienses também se dava em clubes e em passeios a pé.
Mas, por causa do aumento de crimes violentos que aconteciam em
ambas as cidades e das limitações da polícia, tornou-se necessária a
criação de um novo espaço de lazer nas cidades.
178
Padilha afirma que, após a reforma de Haussmann em Paris, a construção de
lojas de departamentos e de comércio varejista inaugura uma nova relação com o
consumo. As lojas de departamento davam vazão à produtividade fabril. “[...]além de
acelerar a produção de mercadorias, tornou-se também paradigma de grandes
transformações e redefinições do espaço público nas cidades[...].
179
Nessa redefinição, é
estimulado o comércio, e o consumo de objetos considerados supérfluos ou inúteis,
possibilitado pela exposição desses objetos em vitrines. A exposição das mercadorias,
ao alcance daqueles que estavam fora dos locais de comércio, termina por despertar o
desejo de posse. Inaugura-se, assim, “uma nova concepção de consumo”. Essa
perspectiva em relação ao caráter simbólico da compra e venda é que culminará na
consolidação do shopping center como local privilegiado do ato de consumir.
Era crescente a importância dada pelos cidadãos londrinos e
parisienses à aparência ou à aquisição de certos bens como sinal de
caráter ou de status social. O valor simbólico das mercadorias movia,
cada vez mais, os consumidores às compras.
180
Os shopping-centers, tais como os conhecemos hoje, são baseados no modelo
norte-americano. Embora este seja inspirado nas grandes lojas de departamento
européias do século XIX, a euforia dos anos pós segunda guerra foi possibilitada pela
fase de crescimento econômico daquele país.
Conhecendo a história das lojas de departamentos, percebemos que,
elas são as verdadeiras inspiradoras dos shopping centers do século
XX. Estes vêm representar, no coração do capitalismo, a sensação de
“modernidade” que se inicia na Europa ocidental no século XIX, com
as galerias e lojas de departamentos. No entanto, suas origens
remontam aos Estados Unidos do pós-guerra, quando se vivia um
crescimento econômico e uma “metropolização” planejada. Mas os
shopping centers surgem, principalmente, como “remédios” para os
178
PADILHA, Valquíria. Shopping Center: a catedral das mercadorias. São Paulo: Boitempo, 2006, p.
48.
179
Ibid., p. 50.
180
Idem, p. 52.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
110
males urbanos, preenchendo o vazio existencial na vida das pessoas
após a guerra.
181
Corroborando a tese de Padilha, Frúgoli destaca o surgimento dos shopping-
centers e sua localização diferenciada. Ao se instalarem nos subúrbios norte-americanos
na década de 1950,
182
as grandes construções dos shopping centers foram concebidas
como corredores de compras. Imprimiram um novo arranjo estrutural urbano. Neste
sentido, inserem-se em uma lógica mais ampla, na qual os referenciais da modernidade
se manifestam. A crescente especialização busca por funcionalidade, assim, a
praticidade e a racionalidade pautaram uma reorganização urbana, que, além de
moderna, é consonante com a lógica do modo de produção capitalista.
Os primeiros shoppings surgiram na década de 50 nas regiões
suburbanas nos EUA do pós-guerra, num momento em que o país
passava por um “boomeconômico, com a expansão internacional de
seu capital, e por uma intensa urbanização de diversas regiões de seu
território, propiciada entre outros fatores pela expansão da indústria
automobilística.
183
Esses novos espaços criados, pautados em novos referenciais, assumem um
aspecto “multifuncional no sentido mais amplo da palavra. O intuito primordial de
promover atos de comércio passa a ser permeado por várias possibilidades de usufruir
desse espaço. Além de concentrar diferentes ramos de comércio, possibilita atividades
de entretenimento, alimentação, serviços, lazer, dentre outros, inaugurando, assim,
novas formas de sociabilidade.
3.2.1 – Shopping center no Brasil
O estabelecimento de uma nova forma das práticas comerciais, com base nas
estruturas dos shopping centers, desenvolveu-se num ritmo vertiginoso. Acentuado nos
anos de 1950 e 1960 nos EUA, foi somente nas décadas de 1970 e 1980 que o processo
similar foi visualizado no Brasil. O primeiro shopping no país, o Iguatemi, foi
inaugurado em 1966 em São Paulo. Apesar de ser o primeiro, depois de décadas de sua
181
PADILHA, Valquíria. Shopping Center: a catedral das mercadorias. São Paulo: Boitempo, 2006, p.
56.
182
Segundo Sennet: os subúrbios norte-americanos de 1950, onde surgiram os primeiros shopping-
centers, baseavam-se num projeto de homogeneização cujas bases já estavam dadas pelo projeto
urbano do Barão de Haussmann, onde ‘os novos distritos da cidade deveriam ser de uma única classe
e, no antigo centro da cidade, ricos e pobres deveriam ser isolados uns dos outros. Este era o começo
do desenvolvimento urbano de função única’”. (SENNET apud Id. Os shopping-centers de São
Paulo e as formas de sociabilidade no contexto urbano. 1989. Dissertação (Mestrado em
Sociologia) – Departamento de Antropologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989, f. 27.)
183
Ibid.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
111
construção, ainda se mantém como referência, especialmente em relação ao consumo de
luxo e de sofisticação, pois o que se torna interessante para este trabalho, é justamente o
surgimento e as condições de tais empreendimentos e seus desdobramentos no Brasil.
É tido que o marco para este fenômeno no Brasil é o ano de 1980.
Embora os germes da expansão dos SC se estivessem manifestando
na segunda metade da década de 70, é a partir de 1980 que esta
expansão se de maneira efetiva, ou seja, é quando o volume de
implantações aumenta, indicando o caráter irreversível do processo.
184
Pintaudi, ao analisar a implantação dos shopping-centers no país, questiona
esse processo amparado na intermediação dos aspectos socio-econômico e culturais.
Para a autora, é nessa intermediação que se torna possível a compreensão do sucesso
desses empreendimentos. Os grupos empresariais que acumularam capital nos anos do
“milagre econômico” dispuseram de condições para financiar esse projeto. O número
crescente de shopping centers, no decorrer da década de 1980, é especialmente
significativo. A “década perdida” foi assim para aqueles setores da população que
não dispunham de estratégias para se protegerem das perdas causadas pelo processo
inflacionário. Na verdade, a década de 1980 foi caracterizada pela acentuação gritante
das desigualdades sociais, os ricos ficaram mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.
Entre os economistas, a década de 80 tem sido considerada a década
perdida, porque a economia não cresceu. Mas cabe a pergunta:
“perdida para quem?”, porque é justamente nessa década que se
expandem os SC, entre outros setores e áreas de investimento da
economia, principalmente aqueles que são frutos da concentração do
capital. Eles nitidamente estão ganhando nesta década e não deixaram
de fazer investimentos. Quem perdeu mesmo foi a maioria da
população, que cada vez menos pôde satisfazer suas necessidades
básicas e teve que conviver com a inflação.
185
Essa perspectiva de Pintaudi não é isolada. Encontra consonância com a
perspectiva de Novais sobre o capitalismo brasileiro. Para Novais, a década de 1980 é
um corte na euforia experimentada pelos brasileiros no período compreendido entre os
anos 50 até o início da década de 1970. O autor denomina a década de 1980 como o
“reverso da medalha”. A grande empresa, os bancos e os ricos em geral saíram da
década de 80 muito mais enriquecidos que entraram, apesar do medíocre desempenho
184
PINTAUDI, Silvana Maria. O Shopping center no Brasil: condições de surgimento e estratégias de
localização. In: ______.; FRÚGOLI, Heitor Jr. (Orgs.). Shopping Centers: espaço, cultura e
modernidade nas cidades brasileiras. São Paulo: Unesp, 1992, p. 15.
185
Ibid., p. 25 –26.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
112
da economia e das notórias dificuldades sociais”.
186
O otimismo possibilitado pelo
crescimento econômico, industrial e tecnológico, das décadas anteriores, foi brutalmente
interrompido por uma contingência internacional desfavorável, principalmente pela
crise do petróleo de 1974. Essa contingência desaguaria no endividamento externo e na
estagnação econômica. Segundo Novais:
Os problemas começam a surgir com a “crise do petróleo”, em
1974, e, daí em diante, com todos os distúrbios monetários e
financeiros internacionais subseqüentes[...] Para salvar o setor privado
nacional, as empresas produtivas e os bancos, o autoritarismo
plutocrático não hesitou em quebrar o Estado e promover um ajuste
externo que, na prática, significou estagnação econômica e alta
inflação. Nos anos 80 e começos do 90, a estagnação econômica e a
alta inflação vão rompendo lentamente os mecanismos básicos de
reprodução da sociedade, a mobilidade social e a ampliação
continuada do consumo moderno.
187
É nesse cenário que o aparecimento e consolidação de uma estrutura física,
econômica e simbólica como o shopping torna-se significativo. Em uma contingência
econômica desfavorável, sua emergência poderia ser considerada um paradoxo.
Segundo Pintaudi, é nas próprias contradições do modelo capitalista que se encontra o
sentido para a efetivação do sucesso desse empreendimento. A década perdida” de
1980, com todas as suas crises, possibilitou o boom dos shoppings não nos grandes
centros urbanos.
À primeira vista, uma contradição, quando se sabe que a maior parte
da sociedade é constituída de pobres e miseráveis, sem a menor
condição de participar com dignidade da riqueza criada. Mas esses
“templos” não foram construídos para a grande maioria, e sim para os
poucos que se situam em estratos de rendimentos mais elevados.
Pensando bem, falar em 20% da população economicamente ativa
detendo 64% da renda nacional significativa, em 1986, estar falando
de mais de 20 milhões de brasileiros, o que não é um mercado
desprezível.
188
Concomitante ao período de estagnação econômica, crescia, em ritmo
acelerado, a indústria de shopping centers pelo país. Processo este desenvolvido sob os
auspícios de crescimento e acumulação de capital, num período de intensas mudanças
comerciais, em que o capital financeiro expandia seus horizontes. Expandia-se,
186
NOVAIS, Fernando Antonio; MELLO, João Manuel Cardoso. Capitalismo Tardio e sociabilidade
moderna. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz. (Org.). História da Vida Privada no Brasil: contraste da
intimidade contemporânea. São Paulo: Cia. das Letras, 2000, p. 650. v. 4.
187
Ibid., p. 647.
188
PINTAUDI, Silvana Maria. O Shopping center no Brasil: condições de surgimento e estratégias de
localização. In: ______.; FRÚGOLI, Heitor Jr. (Orgs.). Shopping Centers: espaço, cultura e
modernidade nas cidades brasileiras. São Paulo: Unesp, 1992, p. 26.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
113
justamente, porque havia um grupo incipiente que se formava como consumidor
diferenciado, oriundo das classes média e média alta. Esse segmento populacional
proporcionava uma perspectiva em relação ao consumo, o que possibilitou a
estruturação de novas formas de comercializar as mercadorias.
Nesse sentido, os autores, Pintaudi e Novais, novamente se aproximam. Ambos
dimensionam a concentração de capital e a emergência de um público que inaugura um
novo padrão de consumo e de sistema de comercialização. Os shoppings não são
resultantes exclusivos desse processo. Juntamente com esse novo espaço, grandes lojas
de supermercados e de eletrodomésticos, também, revelam desenvolvimento similar.
Os avanços produtivos acompanharam-se de mudanças significativas
no sistema de comercialização. As duas grandes novidades foram
certamente o supermercado e o shopping center [...] ao lado do
supermercado e do shopping center, surgem, também, as grandes
cadeias de lojas de eletrodomésticos, a revendedora de automóveis.
189
Assim, as trajetórias de ambos, supermercado e shopping, assumem
particularidades próximas, tanto que uma proximidade, inclusive física, entre eles.
Os shopping centers, quando não incorporam os supermercados em sua estrutura
interna, em sua maioria, estão justapostos, compartilhando, por muitas vezes, o mesmo
parque de estacionamento. Servem, assim, de atrativo de um para o outro. No decorrer
dos anos finais do século passado, essas estruturas experimentaram um processo de
massificação de consumo, ainda que mantendo uma aura de sofisticação.
Com especificidades próprias, supermercados e shopping centers
possuem uma trajetória parecida quanto ao público a que se destinam:
inicialmente elitizados, passam gradativamente por um processo de
massificação, ainda que não tenham se tornado propriamente
populares que boa parcela do faturamento provém dos setores de
maior renda. Trata-se, portanto, de estruturas modernas marcadas por
uma certa seletividade, porém relativamente mais “permeáveis” a
classes sociais distintas, se comparadas, por exemplo, às segregações
sociais observadas em condomínios fechados, ou em complexos
empresariais, ambos rigidamente controlados.
190
Uma das características inerentes a esses espaços modernos é a racionalização.
Não restrita à organização do interior desses espaços, estende-se à própria
racionalização do espaço exterior e de todo o complexo que o envolve. Para manter o
padrão concernente às estruturas modernas que se forjam, foi criada, em 1976, uma
189
NOVAIS, Fernando Antonio; MELLO, João Manuel Cardoso. Capitalismo Tardio e sociabilidade
moderna. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz. (Org.). História da Vida Privada no Brasil: contraste da
intimidade contemporânea. São Paulo: Cia. das Letras, 2000, p. 566-567. v. 4.
190
FRÚGOLI, Heitor Jr. São Paulo: espaços públicos e interação social. São Paulo: Marco Zero, 1995,
p. 80.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
114
entidade para estruturar e dar suporte aos shopping centers: a ABRASCE Associação
Brasileira de Shopping Centers. Sua atuação se desde a apresentação da proposta de
construção, a viabilidade do projeto até o seu funcionamento e sua regulamentação.
A ABRASCE mantém um site atualizado
191
no qual disponibiliza informações
acerca de seus princípios, funcionamento e associados. A entidade de âmbito nacional
orienta-se pela perspectiva da “indústria de shopping centers”. A entidade promove
encontros, palestras e reuniões periódicos, a fim de atualizar e divulgar informações e
conhecimentos visando aprimorar o repertório administrativo e tecnológico dos
empreendedores. O intercâmbio de conhecimento é realizado dentro e fora do país. A
ABRASCE, seguindo a tendência de certificação de excelência das atividades
empresariais, instaurou o selo ABRASCE de associado empreendedor. Para recebê-lo,
requer-se cumprir os requisitos de qualificação pré-estabelecidos pela entidade. Esta
classifica os shopping centers de acordo com sua localização, finalidade e área bruta
locável, enquadrando-os em seis perfis: regional, comunitário, vizinhança,
especializado, outlet center e festival center.
192
3.3 – CENTER SHOPPING: no coração de Uberlândia
Compreender as transformações ocorridas na cidade de Uberlândia é partir da
premissa de que os processos históricos não se dão isoladamente e, sim, inseridos em
uma rede mais ampla, na qual o intercambiar de experiências e relações. Uberlândia
é considerada cidade de porte médio e pólo regional de atração. Seus grupos dirigentes
atuaram e ainda atuam no sentido de estimular seu desenvolvimento, orientados pela
representação desta cidade – de local fadado ao sucesso e de ser metrópole – de
acompanhar o ritmo de crescimento dos grandes centros do país.
É nesse sentido que problematizar a edificação do maior shopping da cidade, o
Center Shopping, pautada pelos aspectos estrutural e econômico, não a dimensão do
impacto que essa construção incorporou à cidade. É a simbologia criada em torno de sua
estrutura que permite compreender as nuances subliminares que sustentam sua
imponência. O Center Shopping não se constitui apenas como referência local, tal como
a própria cidade de Uberlândia, o “templo do consumo” também deve ser de alcance
regional, inclusive, ratificando a capacidade de ser pólo atrativo.
191
Para maiores informações ver: www.abrasce.com.br
192
Os critérios para a certificação e classificação da ABRASCE encontram-se nos anexos.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
115
Considerado uma das atrações da cidade, o shopping não é apenas mais uma
edificação. O impacto de sua construção se faz sentir em toda a reordenação de seu
entorno. Não se constitui uma obra fechada em si mesma, mantendo relações efetivas
com o poder local, com a imprensa e com a própria população.
A construção de um templo de consumo e de fetichismo torna-se uma
referência importante da história de uma cidade, da mesma forma que
visitar esse templo passa a fazer parte da concepção de turismo e da
forma de conhecer uma cidade. Interessante a constatação desse
templo de consumo como novo espaço de lazer urbano, o que vem
mostrar a eficiência na assimilação pela população geral, da auto-
imagem que o shopping center tem propagado: mais que um centro de
compras, é um centro de lazer e entretenimento.
193
FIGURA 33: Vista panorâmica do Center Shopping
Fonte: Distribuída em folder no próprio estabelecimento em 2006.
193
PADILHA, Valquíria. Shopping Center: a catedral das mercadorias. São Paulo: Boitempo, 2006, p.
79-80.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
116
Inaugurado em 27 de abril de 1992, o Center Shopping abriu suas portas
contando com uma área de 19.110,65 m
2.194
De propriedade do grupo atacadista
ARCOM (Armazém do Comércio),
195
esse empreendimento foi edificado em uma área
que já pertencia ao grupo. Segundo Nascimento, a área onde hoje há o complexo Center
Shopping foi adquirida com o intuito de ali construir a sede do grupo. Sabendo de
antemão a respeito da futura construção do centro administrativo da prefeitura (obra
concluída em 1993), ao lado do terreno do grupo (informações estas anteriores à
divulgação do plano diretor do município), optou-se pela sua melhor utilização no
sentido de valorizar o local.
O Poder Público de Uberlândia, aliado aos incorporadores e à elite
capitalista local, usufruiu das novas diretrizes urbanas em primeira
mão. O Grupo Armazém do Comércio (ARCOM), dessa forma,
conheceu o Plano Diretor, suas diretrizes e os planos de crescimento
da cidade, e também, o projeto de implantação do novo Centro
Administrativo do município do setor leste, nas proximidades de
UFU, no Bairro Santa Mônica. De posse dessas informões, resolveu
redirecionar seus investimentos e a localização da nova sede do grupo,
que anteriormente seria implantada em um terreno junto ao
cruzamento das avenidas João Naves de Ávila e Rondon Pacheco.
196
A venda de fração do terreno (cerca de 30.000 m
2
) para a rede francesa de
hipermercados Carrefour, em meados de 1980, visou criar o hábito de freqüência e
uma clientela para aquele local, que, até então, não era atrativo para a população,
movimentando, assim, seu entorno. Dessa forma, a localização, anteriormente
desvitalizada, configura-se como nova centralidade e adquire status de região nobre da
cidade. Essa região torna-se extremamente adequada para a construção de um
empreendimento comercial do porte do Center Shopping, uma vez que o fator
localização é fundamental a qualquer atividade empresarial.
Sem dúvida, a localização é um fator fundamental para qualquer
investimento de capital no comércio varejista. Porém, no caso do SC,
o investimento imobiliário é grande, então o componente localização
tem um peso muito maior, aliás, fundamental, porque é estratégica
para a reprodução de um capital imobilizado numa construção de
grande dimensão e que, senão der certo, fica difícil, para não dizer
194
Fonte: NASCIMENTO, Isabella Soares. Shopping center e paisagem urbana em Uberlândia: uma
metodologia de impacto de vizinhança. 2005. Dissertação (Mestrado em Geografia) Programa de
Pós-Graduação, Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2005, f. 228.
195
O ARCOM é um grupo empresarial atacadista de atuação nacional. Juntamente com os atacadistas
Martins e Peixoto compõem o setor de vendas por atacado que destaca Uberlândia como pólo de
distribuição de mercadorias. Constituem, também e por conseqüência, grande poder de influência
econômica e política.
196
NASCIMENTO, 2005, op. cit., f. 75.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
117
impossível, destiná-la a outra atividade que permita o retorno do
capital de forma ampliada.
197
O estudo dimensional para a construção do shopping, realizado pela empresa
de consultoria e arquitetura paulista Ruam Cabeza e Sastre,
198
a pedido do grupo
ARCOM, forneceu subsídios para a aliança da capacidade empreendedora do grupo à
influência junto ao poder público e à imprensa local, confluindo no sucesso do Center
Shopping. Tanto que, após apenas oito anos, havia modificado completamente sua
configuração. Em 1996, foram inaugurados o hotel Plaza Inn e o restaurante
Clementina. Em 1998, o Centro de Convenções (Center Convention) e, em 2000, o
estacionamento vip. A área inicial de 19.110 m
2
passou para 98.436 m
2
. De shopping
center, engendrou-se, então, um grande complexo empresarial, que inclui, inclusive, um
heliponto.
O complexo, que inclui lazer, cultura e negócios, possui: mais de 200 lojas,
2.500 vagas de estacionamento – sendo 900 cobertas –, alameda de serviços, piso
destinado ao lazer, sistema multiplex de cinemas com dez salas stadium, boliche, escola
de idiomas. Moderno sistema de iluminação, climatização e sonorização, ampla praça
de alimentação, 153 apartamentos no hotel e centro de convenções com buffet com
capacidade para servir 3000 pessoas, auditório para 4000 e possibilidade para comportar
22 eventos simultâneos.
199
A grandiloquência que caracteriza a construção do Center Shopping não é
restrita à sua estrutura física. A representação que se tem do shopping como espaço
fundamental não se limita à cidade. Segundo seu slogan, o Center Shopping não é um
shopping qualquer: o “Center Shopping é o shopping de sua vida”. Essa representação é
perceptível nas imagens veiculadas pela imprensa e pelo próprio shopping em seus
folders de divulgação.
197
PINTAUDI, Silvana Maria. O Shopping center no Brasil: condições de surgimento e estratégias de
localização. In: ______.; FRÚGOLI, Heitor Jr. (Orgs.). Shopping Centers: espaço, cultura e
modernidade nas cidades brasileiras. São Paulo: Unesp, 1992, p. 29.
198
NASCIMENTO, Isabella Soares. Shopping center e paisagem urbana em Uberlândia: uma
metodologia de impacto de vizinhança. 2005. Dissertação (Mestrado em Geografia) Programa de
Pós-Graduação, Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2005, f. 79.
199
Fonte: folder de divulgação do Center Shopping.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
118
FIGURA 34: Center Shopping nos anos de sua inauguração
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia, Correio de 26/04/1992, p. 07.
FIGURA 35: Vista do Center Shopping e a reforma de 1999
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia, Correio de 27/01/1999, p. 08.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
119
FIGURA 36: Complexo do Center Shopping
Fonte: Folder de divulgação em 2006
FIGURA 37: À esquerda, o interior do Center Shopping. À direita, a bilheteria das
salas de cinema do Center Shopping.
Fonte: Folder de divulgação em 2006
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
120
Assim, o sucesso do empreendimento comercial Center Shopping deve-se, em
boa medida, a um de seus principais colaboradores: a imprensa local, que acompanhou e
divulgou sua implantação e as implicações dessa construção. Perceber, por meio da
imprensa, a conjunção de forças do setor privado e do poder público local, possibilita
compreender a construção simbólica e o processo de legitimação de um
empreendimento do porte do shopping. A imprensa assumiu um papel fundamental,
justificando o que naquele momento, ainda era só um projeto. Ao pesquisá-la, partindo
da década de 1980, foi possível perceber sua atuação na construção e solidificação do
Center Shopping.
Sua primeira menção data 18/02/1990. Intitulada “Cidade terá shopping com
100 lojas”, noticia, em primeira página, que o empresário do grupo ARCOM, apoiado
pelo prefeito na ocasião, o senhor Virgilio Galassi, iriam viabilizar a construção de um
shopping. Ao grupo ARCOM caberia a construção do empreendimento em si, à
prefeitura local, caberia a infra-estrutura e a revitalização da área. A notícia não se
restringiu à primeira página. No interior do jornal, várias páginas são destinadas ao
projeto, como, por exemplo, na página B2 –“ARCOM vai construir um novo shopping
center de 60 mil m
2
”, com um layout da maquete inicial da construção prevendo um
shopping ao lado do Carrefour com duas torres de 18 andares, demonstrando a
viabilidade de tal empreitada. na página B8 –“Um gesto de amor a Uberlândia”-, a
reportagem segue elogiando e admirando o impulso empreendedor do empresário, que
contribuiu com a cidade com todo seu carinho e amor.
Num período de tantas turbulências, de profundas modificações no
cenário político, econômico e social, Uberlândia novamente prova
inconteste de sua destinada caminhada rumo ao progresso, confiante
de que as sementes do trabalho sempre vão gerar bons frutos.
Nesta última quinta-feira, dia 15 de fevereiro, pelas mãos do
empresário Dílson Pereira da Silva, Uberlândia recebeu a notícia
oficial de que ganhará um empreendimento extraordinário.
Um shopping center de múltiplo uso com duas torres, sendo uma para
escritórios e serviços e a outra para um apart-hotel.
200
200
Jornal Correio, p. B-08, de 18/02/1990.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
121
Com toda pompa, o empresário
201
é prestigiado por sua “perseverança e
grandiosidade”. As reportagens anunciadas no jornal agradecem o presente à cidade,
enaltecendo sua atuação, justificando que é de gestos e pessoas assim que Uberlândia
precisa. Um fator relevante é a justificativa de que a cidade de Uberlândia não
merece um grande shopping, como tem condições econômicas e sociais de tê-lo.
Algumas matérias enfocam a necessidade de fazer uma pesquisa de mercado para ver o
alcance e a receptividade para um novo shopping na cidade.
A qualquer resistência de implantação do projeto do novo shopping, havia a
argumentação “irrefutável” dos dados técnicos fornecidos pela pesquisa realizada por
uma empresa idônea e altamente capacitada. Essa análise mercadológica demonstrou a
viabilidade do projeto, dadas as condições favoráveis da cidade, não de um novo
shopping, mas de um shopping moderno, arrojado, luxuoso e de referenciais
internacionais.
Uberlândia contará com mais um shopping a partir do final de 91,
segundo previsão dos empreendedores da obra, que marcaram o início
da construção para julho desse ano. Nos próximos 120 dias, será
realizada a pesquisa de mercado, a elaboração de anteprojetos e o
planejamento global da obra. O shopping será criado com recursos
próprios dos diretores do Armazém do Comércio (Arcom), mantendo-
se independente financeiramente desta empresa. Ainda está sendo
elaborada uma pesquisa para a viabilização do projeto. Está em estudo
o nome do futuro shopping.
202
Os referenciais que pautam o projeto do novo shopping, de certa forma,
opõem-se àqueles que referenciavam o Ubershopping (primeiro shopping da cidade,
inaugurado em 30/04/1987). Para tanto, os esforços para conceber um shopping
diferenciado, incluíram, inclusive, estudos, pesquisas e palestras. A realização do I
Seminário de Shopping Centers em Uberlândia, em julho de 1990, apresentou aos
empresários locais novas possibilidades de negócios. Discutiram-se, também, as
facilidades do sistema de franquias e dos aspectos facilitadores de implantá-lo em um
local mais propício ao seu sucesso.
O Seminário de Shopping Center’s de Uberlândia que o Clube de
Diretores Lojistas estará promovendo nesta próxima terça-feira, dia 17
201
Trazer as reportagens cuja temática é o Center Shopping emerge, em muitas delas, a figura do
empresário Dílson Pereira da Silva, proprietário do Grupo ARCOM. O enaltecimento de sua pessoa é
constante, inclusive, mencionando o fato de ele não ser natural de Uberlândia. Apesar disto,
demonstra todo seu amor pela cidade, presenteando-a com um empreendimento desse porte. As
particularidades apresentadas pelas reportagens estão presentes neste trabalho no intuito de
problematizar a atuação da imprensa. Não se trata, de modo algum, de enaltecimento gratuito da
pessoa do empresário.
202
Jornal Correio, p. B-01, de 18/02/1990.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
122
a partir das 14 horas do Anfiteatro Rondon Pacheco contará com
presenças representativas do setor.
Algumas das maiores autoridades dessa nova arma do varejo estarão
apresentando aos empresários de Uberlândia e região, informações de
muita utilidade para aqueles que desejam participar de shopping
center’s.
O seminário discutiu entre outros temas a questão da moda no
shopping, a arquitetura das lojas, as vitrines, treinamento de pessoal
de vendas, o mercado em Uberlândia, o sistema de franquias,
variações e conceituação dos shopping centers, além da propaganda e
promoção nestes estabelecimentos.
203
Sendo identificado como “notável complexo”, o Center Shopping, reforça que
este, como referencial fortíssimo”, iria mudar o comportamento da cidade e de toda a
região. A ênfase em seu diferencial deveu-se à necessidade de se contrapor à
experiência anterior de shopping da decadente existência do Ubershopping. A bem
sucedida campanha pró-Center Shopping incitou o grupo controlador do Ubershopping
a utilizar o mesmo estratagema. Por meio da imprensa local, veicularam-se diversas
reportagens sobre a revitalização do antigo shopping. Reportagens do tipo: “Lojistas do
Ubershopping não temem novo shopping”, (04/03/90, p. B1) “Investimento de US$
17,8 mi, vai dobrar o tamanho do Ubershopping”, (13/05/90, p. 01) “Grupo assume o
Ubershopping e anuncia sua duplicação”, (03/05/90, p. B1) “Ubershopping: um
verdadeiro centro de lojas que atuam através do franchising”, (10/02/91, p. C2) são uma
constante no decorrer dos anos seguintes. também a justaposição de reportagens e
propagandas de ambos os shoppings, muitas vezes, lado a lado, apontando as vantagens
oferecidas por eles, numa competição pelo espaço da e na cidade.
Entretanto os esforços do grupo mantenedor do Ubershopping não foram
suficientes. A matéria de 28 de novembro de 1991 traz a notícia da compra do local por
uma empresa de propriedade de Airton Garcia Ferreira, de São Carlos, SP. O novo
proprietário aparece em outra reportagem, de 28 de novembro de 1991, afirmando a
“necessidade de resgatar a imagem positiva do Ubershopping”. Dessa forma, de se
ressaltar que o ocaso vivido pelo empreendimento Ubershopping não teve ligação
causal com a inauguração do Center Shopping. Seu insucesso comercial deveu-se mais
à falta de aceitação populacional e à distância da área central que pela má administração
203
Jornal Correio, p. C-02, de 17/07/1990.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
123
de seu espaço. Nascimento,
204
em seu estudo sobre shoppings e seu impacto na cidade
de Uberlândia, destaca esses fatores.
Foi inaugurado, em 1987, o primeiro equipamento fechado para o
consumo: de fato um shopping center”, o Ubershopping, implantado
no setor sul da cidade, junto a uma área residencial de classe média
alta.
O intuito da construção desse equipamento, naquele local, foi a
valorização de toda a área circunvizinha, além de oferecer aos novos
moradores uma infra-estrutura comercial e de prestação de serviços.
Devido a sua localização, em uma área estritamente residencial
afastada da área central, e devida tamm às formas de
comercialização dos espaços destinados às lojas, o empreendimento
não obteve sucesso, apesar de inúmeras iniciativas do poder público e
do empreendedor. Mesmo com as estratégias para atrair o consumidor,
o espaço não teve uma boa aceitação pela sociedade de maneira geral.
O Ubershopping, com o passar do tempo, foi obrigado a transformar
suas áreas comerciais em espaço destinado a lazeres noturnos, bem
como em salas de aula para a FIT (Faculdade Integrada do Triângulo),
que, futuramente se tornaria o Centro Universitário do Triângulo
(UNITRI).
205
Franco
206
é outro autor a problematizar as questões relativas aos shopping
centers da cidade de Uberlândia. Várias são as aproximações de seu estudo com o de
Nascimento, no entanto, Franco destaca a localização como fator preponderante para o
insucesso do Ubershopping. Segundo ele:
O caso do Ubershopping, em Uberlândia, fugiu às regras dos
shoppings tradicionais, cujos locais o escolhidos próximos aos
consumidores de seus produtos e serviços, com acesso fácil e rápido,
valorizando os locais vizinhos. Entretanto, no caso do Ubershopping,
valorizaram-se apenas os locais vizinhos, uma vez que a escolha de
sua localização foi feita segundo interesses políticos e econômicos de
valorização de uma determinada área da cidade, propiciando, dessa
forma, a atuação dos especuladores imobiliários nas áreas vazias
próximas à área do shopping e o centro da cidade, deixando distante a
sua principal fonte de renda que é o cliente.
207
Nascimento enfatiza um outro fator sobre a complexidade de manutenção do
Ubershopping como empreendimento comercial. Segundo a autora, o espaço interno do
Ubershopping era pulverizado em diversos proprietários. As lojas não pertenciam à
administradora do local o que dificultava a estruturação de uma política administrativa
que atendesse às expectativas e exigências dos proprietários. Esses fatores somados
204
NASCIMENTO, Isabella S. Shopping Center e paisagem urbana em Uberlândia: Uma
metodologia de impacto de vizinhança. 2005. Dissertação (Mestrado em Geografia) Programa de
Pós-Graduação, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2005.
205
Ibid., f. 48-49.
206
FRANCO, Nilton do P. O Sucesso do Shopping Center em Uberlândia MG. 1999. Monografia
(Graduação em Geografia), Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 1999.
207
Ibid., f. 50.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
124
incidiram no que seria denominado pela imprensa de “o drama de corredores e lojas
vazios”.
Os corredores do Ubershopping
208
não se encontram mais vazios. Atualmente,
sua freqüência é dada pelos alunos e professores da Faculdade Politécnica de
Uberlândia (FPU). Essa foi a solução encontrada para a utilização de um espaço outrora
refinado e elegante.
FIGURA 38: Fachada do Ubershopping
Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia, Correio de 07/08/1991, p. 05.
208
Não estão presentes maiores considerações sobre o Ubershopping em razão de este não ser tema
central do trabalho. A menção de alguns pontos referentes à sua estruturação deve-se à sua
contribuição para a problemática presente.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
125
O fator evidenciado por Franco em relação ao distanciamento dos clientes do
Ubershopping, dado como preponderante para o seu ocaso, em relação ao Center
Shopping, foi em parte solucionado pela atuação da imprensa local. Estando presente
em diversos momentos nos anos que antecederam a inauguração do Center Shopping, a
constante menção a esse empreendimento criou uma expectativa positiva, amparada e
amplamente justificada como sendo uma decorrência do potencial econômico da cidade
e de sua intrínseca vocação para o sucesso.
Aliada à atuação da imprensa local, de se mencionar a contingência
econômica imersa em um processo mais amplo de consumismo exacerbado. Esse
consumismo é, em parte, decorrente da própria transformação da sociedade que,
inserida em um processo de globalização,
209
restringiu qualquer outra possibilidade
alheia às relações econômicas capitalistas. Segundo Canclini, ao relacionar as
implicações do processo de globalização viabilizado pelo capitalismo, verifica-se que
este influenciou e reordenou o papel social do homem. Suas relações passaram a ser
pautadas por sua “comercialização”. Para o autor, a situação é tão dramática que o
exercício da cidadania perpassa pela condição de cliente.
[...] consumo é o conjunto de processos socioculturais em que se
realizam a apropriação e os usos dos produtos. Esta caracterização
ajuda a enxergar os atos pelos quais consumimos como algo mais do
que simples exercícios de gostos, caprichos e compras irrefletidas[...]
Consumir é participar de um cenário de disputas por aquilo que a
sociedade produz e pelos modos de usá-los.
210
E é esse cliente que emerge nas sociedades capitalistas ocidentais modernas
que viabiliza e reestrutura constantemente as relações comerciais e pessoais. É nessa
perspectiva que o shopping se constrói como local de compras, lazer, entretenimento e
serviços. O shopping se traduz como “o” lugar para esse sujeito. Sua imagem ou sua
representação (não as tomando como sinônimas) de lócus privilegiado não é aleatória.
Deve-se à própria lógica do consumo. Foi e ssa lógica, constantemente atualizada, que
inviabilizou a manutenção das antigas salas de cinema nos antigos centros das cidades,
questão central que permeia este trabalho.
209
Globalização, segundo Canclini, supõe uma interação funcional de atividades econômicas e culturais
dispersas, bens e serviços gerados por um sistema com muitos centros, no qual é mais importante a
velocidade com que se percorre o mundo do que com as posições geográficas a partir das quais se es
agindo. (CANCLINI, Nestor G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização.
Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p. 17.)
210
Ibid., p. 53-54.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
126
A imagem construída de shopping não é restrita à concepção de “centro de
compras”. Para muito além de moderno setor de atividades comerciais, o shopping
configurou-se como local de sociabilidades. Segundo Santos,
211
os shopping centers:
Concentram elementos que abrangem, de maneira sintética, desde a
estruturação do espaço urbano do ponto de vista do capital, até a
produção de imagens ligadas às representações ideológicas da
sociedade.
Espacialmente se apresenta como a linguagem da sedução
materializada. Através de linguagens de sedução, mostram-se como
um produto social avançado, que impõe novos padrões de consumo,
regras de convívio, inaugurando novo tempo-espaço urbano.
212
O shopping center não se constitui como um espaço qualquer. Para o autor, é a
própria idealização de cidade, sem contratempos, sem barulho, sem violência ou
mudanças climáticas. Ainda segundo Santos:
Os SC produziram-se, no cenário urbano brasileiro, como mbolos
onipresentes de poder. Erigem-se como representação de um novo
tempo social, voltados para a criação de um universo de fantasia
dirigido para o consumo. [...]
Sua concepção busca recriar, na essência, um centro urbano idealizado
e atemporal: aquele que concentraria várias opções de consumo,
tornando-se um ponto de referência da cidade tradicional e
consagrando-se como um ponto de encontro, local de reunião[...]
A incorporação da imagem como um elemento fundamental na
disputa concorrencial possibilitou aos SC, além da criação de um
espaço peculiar de persuasão e indução de comportamentos,
corporificar (principalmente no Brasil) importantes unidades
simbólicas de reprodução da ideologia dominante.
213
Nessa perspectiva, o shopping, como lócus imagético, requer uma passarela
por onde possam transitar suas imagens físicas e simbólicas. Numa correlação de forças,
nem sempre igualitária, pessoas e mercadorias disputam por espaço. Nessa condição,
pessoas e mercadorias, não disputam entre si. Ambas são consumíveis, restando
ponderar qual o seu lugar nessa relação. Na condição de “objetos de consumo”, têm, no
shopping center, seu lócus privilegiado.
O consumidor e o manequim, habitantes-personagens desta cidade-
cenário, combinam suas imagens e reflexos nos vidros e espelhos.
Pulsa visualmente o coração deste sistema de representação
cenográfica da mercadoria. Vitrinas, pessoas, espaços: o templo do
211
SANTOS, Wilson R. Jr. Shopping Center: uma imagem de espelhos. In: PINTAUDI, Silvana M.;
FRÚGOLI, Heitor, Jr. (Orgs.). Shopping Centers: espaço, cultura e modernidade nas cidades
brasileiras. São Paulo: Unesp, 1992. p. 61-74.
212
Ibid. p. 61.
213
Ibid., p. 63.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
127
consumo é o império da imagem. Fora, o sol brilha. Dentro, espelhos
fragmentados refletem imagens intermináveis.
214
Nessas circunstâncias, o Center Shopping expressa a consolidação da lógica de
consumo, sendo espaço criado e construído segundo essa mesma lógica. Sua
imponência é percebida em sua imagem de palco grandioso. Composto de luzes, vitrines
e espelhos, forma a passarela perfeita para a exposição das diversas mercadorias que ali
se encontram. Neste cenário, destaca-se um espaço que permite compreender o
shopping como local de sociabilidades. Segundo Frúgoli, uma apropriação
diferenciada dos grupos sociais desse espaço. Para o autor:
No rol dessas centralidades, os shopping-centers vêm constituindo no
interior de várias metrópoles um espaço de referência não para o
consumo, mas tamm para o lazer, o entretenimento, a busca de
encontros, etc; onde também concorrem dimensões simbólicas e
imaginárias, presentes tanto em sua cenografia como no interior da
dinâmica de socialização entre grupos e redes freqüentadoras.
215
Inserido nessa teia de relações, o Center Shopping possibilita uma nova
configuração social, justamente por influenciar e inaugurar novas sociabilidades
216
.
Forjadas a partir do confronto do arcaico e do novo, esse espaço converge para si uma
multiplicidade de práticas sociais. Dentre essas práticas, o antigo hábito de ir ao cinema,
compreendido, anteriormente, como acontecimento social, perde sua aura e configura-se
a partir de um novo referencial. Referencial este que o configura como um microcosmo
do amplo processo social de mudanças efetivas pautadas pelas relações econômicas e
culturais.
Como local de exercício de sociabilidades, a apropriação do ato de ir ao cinema
nas salas dos shopping centers assim deve ser compreendida. As salas de cinema, apesar
de se constituírem como lojas-âncora dos shopping centers, no caso da cidade de
Uberlândia, em relação ao Center Shopping, detêm uma particularidade: a partir de sua
consolidação no novo espaço, as antigas salas centrais não forneceram mais atrativos
aos novos consumidores. Desde a popularização do shopping, os cinemas assumem uma
nova configuração social no interior deste espaço.
214
SANTOS, Wilson R. Jr. Shopping Center: uma imagem de espelhos. In: PINTAUDI, Silvana M.;
FRÚGOLI, Heitor, Jr. (Orgs.). Shopping Centers: espaço, cultura e modernidade nas cidades
brasileiras. São Paulo: Unesp, 1992, p. 74.
215
FRÚGOLI, Heitor Jr. Os shopping-centers de São Paulo e as formas de sociabilidade no contexto
urbano. 1989. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Departamento de Antropologia, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 1989, f. 55-56.
216
O conceito de sociabilidade é discutido a partir de Frúgoli, conforme explicitado no item 3.2, que se
refere às implicações da estruturação de um shopping center.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
128
Dessa forma, é entender a inserção do cinema no Center Shopping e de ambos
na lógica capitalista, estabelecendo, assim, uma aliança de sucesso. As salas de cinema
tornam-se uma opção a mais dentre as oferecidas nos shoppings. No entanto,
distinguem-se das demais por constituir-se como um pólo atrativo em seu interior. A
partir da legitimidade de seu espaço e da venda de sua logomarca, o cinema torna-se
uma griffe singular dentro dos shoppings.
Respeitadas as particularidades inerentes a cada sociedade, a reorganização
espacial acarretada pela construção do Center Shopping e a resignificação de diversos
espaços estabeleceram novos referenciais que interferiram nos comportamentos dos
cidadãos e na própria cidade. Indagar assim sobre o deslocamento de práticas que eram
comuns no centro da cidade as filas nas calçadas em frente às salas de cinemas e o
footing nas ruas e praças próximas para os corredores artificialmente iluminados e a
praça pública agora denominada “de alimentação” –, faz parte de um processo recente
extremamente significativo.
Ao problematizar um cenário social que transforma hábitos e costumes, até
desaparecerem completamente do espaço urbano, torna-se relevante pensar, a partir do
estabelecimento deste empreendimento como local social, sobre quais os parâmetros
dimensionaram-se estas transformações.
Nesse sentido, em busca constante de inovação, requer-se compreender a
reestruturação das salas de cinema. A implantação dos transnacionais multiplex
complexos racionalizados e padronizados alterou as estruturas interna e externa das
salas. O sistema multiplex “[...] é um conceito americano que transforma um complexo
de cinemas em uma espécie de shopping de entretenimento, com sessões começando a
cada quinze minutos e grandes áreas de alimentação”.
217
Poltronas amplas, projeção de
última geração, som dolby stereo, salas stadium (pé direito alto, permitindo o desnível
das linhas de colunas com ampla visão da tela) completam sua estrutura.
Os gigantes do setor são as empresas transacionais Cinemark, General Cinema
e UCI (United Cinema Internacional), que não pouparam esforços nos investimentos no
Brasil na década de 1990. Esse tipo de estrutura possibilita um retorno financeiro maior
que as antigas salas. Com os custos reduzidos, justificam-se os investimentos nesse
novo tipo de locação, inclusive com financiamento estatal. A exploração da publicidade,
antes do início dos filmes, não é novidade. No entanto, as poltronas confortáveis, com
217
Fonte: SP Variedades, p. 2 C, de 03/07/98.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
129
lugar específico para o refrigerante e a pipoca, “forçam” o espectador a se manter no
lugar.
O conceito de multiplex surgiu 20 anos nos EUA e chegou ao
Brasil no final da década de 90. Segundo o BNDES (Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social), ele proporcionou um
aumento da receita para os exibidores, tanto pelo crescimento do
público como pela oferta de serviços adicionais, que incluem salas de
jogos eletrônicos, estacionamento e praça de alimentação.
Esses cinemas passaram a explorar de forma mais rentável a
publicidade, exibida nas telas e nas áreas de alimentação. Com menos
empregados para manter uma infra-estrutura maior que a dos cinemas
tradicionais, esse modelo também se tornou vantajoso em relação aos
custos.
Dados da Abraplex (Associação Brasileira das Empresas Exibidoras
Cinematográficas Operadoras de Multiplex) mostram que a bilheteria
responde por 75% da receita do setor. Itens como lanches e
publicidade respondem pelo restante.
218
Com a implantação do conceito multiplex, várias foram as mudanças
percebidas no espaço de exibição dos filmes. Não se trata apenas de uma reorganização
espacial. Trata-se de uma ampla conjuntura de fatores que resignificaram o ato de ir ao
cinema. As inovações tecnológicas servem de atrativo, porém não são suficientes para
explicar as vantagens dessa estrutura. O ponto para o qual converge o sucesso desse
complexo é a adequação à lógica do consumo moderno. É a apropriação de uma antiga
prática social, resignificada nos parâmetros considerados racionais dessa lógica. Neste
sentido, nada mais natural que sua instalação no “templo do consumo”.
O conceito de multiplex toca num aspecto muito sutil a onda
consumista. Tanto um filme como qualquer produto ligado a isto é
oferecido, como um shopping de cinema.
Mas o público, além do conforto, tem a ganhar nessas salas. O sistema
de som e projeção é o mais moderno do mundo. Um exemplo é o
mezanino que possibilitaria que apenas um projetista operasse em
várias salas e o mesmo filme fosse exibido com diferença de apenas
alguns segundos [...]
O diferencial esno tamanho e em alguns serviços, como venda de
produtos ligados ao filme em exibição.
219
O conceito de multiplex, tal qual o de shopping center, não ficou restrito aos
grandes centros e capitais. Cidades de porte médio incorporaram esse referencial. Na
cidade de Uberlândia, esse processo foi particularmente acelerado no início dos anos
2000. Não foi a inauguração do Center Shopping que inovou em relação às salas de
cinema. Quando de sua inauguração, no ano de 1992, as salas de cinema Astor I e II,
218
Jornal Folha de São Paulo, p. E – 1, de 25/06/2007.
219
Jornal Folha de São Paulo, Caderno Acontece, p. 1, de 23/08/1998.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
130
ainda eram configuradas no modelo que remete às salas centrais no que se refere ao tipo
de poltrona, seu desconforto e a pouca inclinação entre suas fileiras. Foram inauguradas
mais duas salas ao final do ano de 1993, os Cine Astor III e IV. As amplas salas
organizadas horizontalmente sobreviveram até a reforma de 2000.
A demanda pela reordenação do espaço do shopping também foi percebida em
relação às salas de cinema. No ano de 2000, com a inauguração da nova ala de serviços
e alimentação do shopping, corrigiu-se a presença da praça de alimentação próxima à
sua entrada. A ala nova, situada mais distante das entradas, comporta uma ampla praça
de alimentação. Nesta, a escada rolante dá acesso às salas de cinema, que ficam no
segundo piso, como uma espécie de ante-sala.
As dez salas inauguradas no padrão multiplex atraem um consumidor que não
se reconhecem mais na estrutura das salas antigas. O apelo do shopping em oferecer
conforto, praticidade, segurança, estacionamento, diversidade de serviços, se opõe ao
caos urbano do centro da cidade. As antigas salas ainda conviveriam por um período
com as salas do shopping. Entretanto, ambas as salas, centrais e do shopping,
apresentavam similaridade em suas estruturas. O diferencial oferecido pelo shopping
(mencionados anteriormente) foi responsável pelo início da pulverização dos
freqüentadores, o que, no entanto, não foi suficiente para colocar em risco a
sobrevivência das salas centrais. Sua decadência foi decretada, em boa medida e não só,
pela inovação oferecida representada pelo sistema multiplex.
A decadência dos cinemas centrais não foi acompanhada somente pela
construção de um outro perfil de cinema. Houve, paralelamente, uma incisiva
colaboração desencadeada por meio de propagandas por parte da imprensa local,
questionando suas condições estruturais e técnicas. Notas referentes e chamativas,
reportagens e editais, denigrem a imagem das salas centrais. As constantes reclamações
dos espectadores sobre as condições das salas de exibição enfatizam a má qualidade das
salas, a falta de segurança, poltronas quebradas, péssima qualidade sonora e o calor
insuportável, segundo a imprensa local, foram os aspectos que denotaram sua
pauperização.
Espectadores reclamam das salas e do som, pois com cinco salas de
cinema, Uberlândia tem conseguido acompanhar pelo menos em parte
os principais lançamentos. Mas, apesar das boas intenções, são cada
vez mais freqüentes as reclamações dos freqüentadores em relação à
qualidade das salas de exibição. Em muitas delas, as poltronas são
desconfortáveis e já não têm apoio para o braço. Outra falha freqüente
é o ar-condicionado, que, muitas vezes, apesar do calor intenso, não
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
131
está funcionando. Mas o problema mais grave, segundo alguns, é a
qualidade cnica de som, que deixa muito a desejar, comprometendo
a audição.
220
Assim, criou-se um estigma em torno das salas de cinemas centrais,
acarretando, sobremaneira, a identificação como deficiente a qualidade técnica, sonora,
de exibição e das condições materiais das mesmas. Levando mais rapidamente à
segregação, ocasionando a extinção desse espaço de diversão no centro da cidade de
Uberlândia. Conseqüentemente, a expectativa em torno das novas salas cresceu sobre os
auspícios do referencial de bem estar, forjando uma nova sociabilidade em um outro
espaço delimitado. O velho se desfaz tacitamente para a entrada do novo, apesar dos
esforços na manutenção das antigas salas.
[...] com o aumento das chamadas salas de multiplex, normalmente
dentro dos shoppings, os cinemas de rua tendem a acabar. Com alto
padrão técnico de exibição, boa variedade de filmes num mesmo
espaço e mais conforto, os multiplex caíram no gosto do público.
221
A lógica de consumo, que pauta os tempos hodiernos, incide em uma disputa
constante por espaço. Seja este espaço físico, econômico, social, simbólico ou cultural,
o acirramento em busca de um “lugar ao sol”, contrariamente ao que se poderia supor,
não exclui segmentos sociais. Busca inseri-los em espaços que lhes condições de
consumo de acordo com suas possibilidades e, dessa forma, possam exercer suas
sociabilidades nesses espaços.
222
É nessa perspectiva que não houve mais espaço para que as antigas salas
centrais de cinema sobrevivessem como pontos centrais de sociabilidade, interação e
entretenimento. Referência por várias décadas, o hábito social consagrado na cidade,
amparado pelo espetáculo proporcionado por seus grandes palácios, foi deslocado para
o shopping. Este, como lugar de diversas atividades, possibilita a permanência nesse
espaço. Exercer as sociabilidades implica em emprego de tempo. Sendo o shopping
local atemporal e aclimático, a passagem do tempo é diluída pelos atrativos que oferece.
Neste espaço, a noção de tempo da sociedade atual fugidia, fugaz, rápida, acelerada e
220
Jornal Correio, p. B-4, de 05/10/1990.
221
Revista ÉPOCA, p. 90, de 29/12/1999.
222
Em busca de abarcar o maior número possível de consumidores, àqueles que não se enquadravam ou
não se sentiam à vontade em freqüentar o shopping, a alternativa do Pratic Center (shopping
popular no interior do terminal central de transporte coletivo da cidade de Uberlândia). Inauguradas
em 2003, as duas salas de cinema no molde multiplex são adaptadas à realidade do local. Não me
deterei em maiores considerações em relação a esse espaço por não ser o foco central deste trabalho.
Capítulo III: Shopping-Center: o consumo do hábito de ir ao cinema
132
inconstante abertura à permanência, mesmo que seja em movimento, desfilando
pelos corredores artificialmente iluminados.
FIGURA 39: Entrada das salas de cinema e de sua bilheteria no Center Shopping em
2006
Fonte: CASTRO, Kellen C.;
Considerações Finais 133
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Refletir sobre o percurso da falência das antigas salas centrais de cinema em
Uberlândia permitiu a problematização de um amplo processo no qual se insere. Esse
percurso é permeado por nuances que, num olhar mais displicente, passariam
despercebidas. Sua complexidade abarca aspectos que fazem sentido quando imersos
em uma trama de relações econômicas, sociais, políticas e culturais. O isolamento ou
preponderância de algum aspecto impossibilitaria dimensionar e compreender suas
implicações.
Não se trata somente de acompanhar o fechamento paulatino das antigas salas
centrais de cinema. Isso recairia num saudosismo inoportuno em um trabalho
historiográfico. Distante de qualquer nostalgia, busquei refletir sobre as estratégias, as
práticas sociais, as permanências e rupturas que possibilitaram a (re)estruturação de um
antigo hábito sob novas formas.
O ato de ir ao cinema foi perdendo seu glamour e sua aura de acontecimento
social no decorrer do culo passado. Nas décadas 1940-1960, ir ao cinema implicava
em um ritual peculiar a um momento especial. Requeria uma preparação anterior digna
de sua grandiosidade. Esta grandiosidade era perceptível na indumentária, no hall, na
bombonière e na própria sala de exibição. Qualquer casualidade era deslocada e a
formalidade se fazia presente. Ir ao cinema não era uma ocasião banal. Esperava-se com
ansiedade pelas sessões e não se restringiam a elas, pois assistir ao filme não era o único
atrativo para ir ao cinema. As sociabilidades exercidas, antes e depois das sessões,
faziam parte do ritual. A interação entre os diversos freqüentadores de grupos sociais
distintos experimentava uma convivência equilibrada por regras veladas que pautavam
essas relações. Esse exercício de sociabilidades possibilitava conversas, encontros,
flertes, paqueras e namoros.
A extinção das antigas salas de cinema, durante a década de 1990, não
eliminou o ritual em torno do ato de ir ao cinema. Ele foi deslocado, reelaborado e
reestruturado sob novos referenciais. Pode-se afirmar que houve a extinção de
sociabilidades pautadas num referencial que remete à magnitude das antigas salas de
cinema conhecidas como palácios cinematográficos. A pompa presente nos móveis,
pinturas, veludos, iluminação, compunham um cenário glamuroso em que os
Considerações Finais 134
personagens também assim se apresentavam. O próprio tamanho das salas propiciava
uma liberdade de circulação em seu interior.
Em relação ao hábito de ir ao cinema, tudo foi redimensionado: o lugar das
salas, de seu próprio interior, hall de entrada, bilheterias, bomboniére. O processo de
transformações que abarca as antigas salas até sua inserção em um espaço inédito, o
Shopping Center, não é de mera transposição de local. Há uma reorganização decorrente
de mudanças mais amplas na sociedade. Esse reordenamento não se restringe aos
cinemas, nem à cidade de Uberlândia, nem ao Brasil. Trata-se de um processo
significativo, experimentado nos últimos cinqüenta anos. É óbvio, que neste ínterim, são
esperadas mudanças. O que chama a atenção é a intensidade e a maneira como essas
mudanças se deram.
A passagem dos palácios cinematográficos para o padrão multiplex é
particularmente interessante. A reorganização em torno de várias salas em oposição a
uma única desdobra-se em outras questões. Anteriormente, ir ao cinema compreendia a
assistir a um determinado filme. Com as possibilidades despertadas pelo sistema
multiplex, com várias salas ordenadas lado a lado, passa a ser oferecida uma gama
variada de horários e filmes. O caráter exclusivista que acompanhava o ato de ir ao
cinema perde seu lugar. Banalizou-se diante da crescente oferta de oportunidades.
A inauguração de novas formas de sociabilidades, a partir da inclusão dos
cinemas no interior dos Shopping Centers, deve-se também às outras possibilidades de
exercer o convívio social. Assim, como as lojas, os restaurantes, as livrarias e alamedas
de serviços, os cinemas compõem atrativos à freqüentação em um local para o qual
convergem as soluções para as necessidades de diferentes grupos sociais. Não se
apresentam como concorrentes entre si, servem de atividades complementares diante da
demanda crescente por praticidade, conforto e segurança. Essa demanda é ordenada pela
própria lógica de consumo na qual estamos inseridos. Neste sentido, o cinema torna-se
uma dentre as várias lojas no interior dos Shopping Centers. Sua função como loja-
âncora possibilitou sua configuração como uma griffe padronizada ,que tornou seus
freqüentadores clientes desta.
As transformações que alavancaram o deslocamento e o reordenamento em
torno do ato de ir ao cinema também promoveram aspectos que passaram a concorrer
com esse hábito. A popularização do aparelho de televisão e, posteriormente, do vídeo,
da televisão por assinatura e do DVD, mais recentemente, constituíram-se como vetores
de dispersão das salas. Passados os primeiros momentos de euforia, essas novas
Considerações Finais 135
tecnologias tornaram-se mais um elo na corrente da indústria do entretenimento. As
várias possibilidades de assistir a um filme (TV aberta, a Cabo, Fita de deo VHS,
DVD ou na tela grande) acarretaram a formação de segmentos em que a escolha de uma
forma se faz, muitas vezes, em detrimento das demais. Não raramente, as diferentes
opções agem de modo a complementarem-se entre si, tendo público para todas as
formas de satisfazer o prazer de assistir a uma boa história.
O hábito de ir às salas de cinema, outrora consagrado como grande
acontecimento social, tornou-se, nos dias de hoje, uma dentre as várias opções de lazer.
No entanto, o hábito de ir ao cinema não é um ato restrito às pessoas que vivenciaram
esse momento de acontecimento social. O perceptível é a crescente presença de um
público que se renova e é cada vez mais jovem. E esses jovens passaram a ser referência
para a própria indústria de entretenimento.
Visando satisfazer a esse segmento, observa-se a crescente reorganização das
atividades em torno do cinema. Com efeito, foi modificada não só sua dimensão física e
estrutural, como também as tecnologias presentes como o sistema de exibição (som
dolby stereo), a intensidade e o ritmo dos filmes e volume de produção. Todos esses
fatores compuseram uma nova simbologia em torno do ato de ir ao cinema. Essas
mudanças não foram mudanças quaisquer. Tal perspectiva afetou e, ainda afeta, a
construção das sociabilidades exercidas em seu entorno. Respeitadas as particularidades
inerentes a cada lugar, uma boa dose de padronização é perceptível nos diferentes
públicos de diferentes locais, uma vez que o sistema de distribuição é externo e ocupa a
maioria dos espaços cinematográficos disponíveis, em centenas de países.
Dada a complexidade inerente ao tema proposto para este trabalho, várias
questões passaram ao largo desta discussão. Sem ter a pretensão de esgotar o tema, e
tendo escolhas a serem feitas, alguns pontos foram mais detalhados que outros. Busquei
refletir sobre as questões mais pungentes no momento de elaboração.
Devido ao meu interesse pelo tema, novas abordagens surgirão. E, sob novas
perspectivas e novos olhares, poderão ser desenvolvidas em momentos posteriores, ou
seja, provavelmente, em um Projeto de Doutoramento.
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Jornais
RELAÇÃO DA PESQUISA NO ARQUIVO MUNICIPAL DE
UBERLÂNDIA
JORNAL – PRIMEIRA HORA
1. 1982 a 1988
nº 01 – 10 a 12/1982
nº 02 – 01 a 03/1983
nº 03 – 04 a 06/1983
nº 04 – 10 a 12/1983
nº 05 – 01 a 03/1984
nº 06 – 04 a 06/1984
nº 07 – 07 a 09/1984
nº 08 – 10 a 12/1984
nº 09 – 04 a 06/1985
nº 10 – 01 a 03/1986
nº 11 – 04 a 06/1986
nº 12 – 07 a 09/1986
nº 13 – 10 a 12/1986
nº 14 – 01 a 03/1987
nº 15 – 04 a 06/1987
nº 16 – 07 a 09/1987
nº 17 - 10 a 12/1987
nº 18 – 01 a 03/1988
nº 19 – 04 a 06/1988
nº 20 – 07 a 09/1988
nº 21 – 10 a 12/1988
JORNAL CORREIO DE UBERLÂNDIA
1. 1980 a 1987
nº 90 – 01 a 03/1980
nº 91 – 04 a 06/1980
nº 92 – 07 a 09/1980
nº 93 – 10 a 12/1980
nº 94 – 01 a 03/1981
nº 95 – 04 a 06/1981
nº 96, 97, 98 estão para restauração
nº 99 – 01 a 03/1982
nº 100 – 04 a 06/1982
nº 101 – 07 a 09/1982
nº 102 – 10 a 12/1982
nº 103 – 01 a 03/1983
nº 104 – 04 a 06/1983
nº 105 – 07 a 09/1983
nº 106 – 10 a 12/1983
nº 107 – 01 a 03/1984
nº 108 – 04 a 06/1984
nº 109 – 07 a 09/1984
nº 110 – 10 a 12/1984
nº 111 – 01 a 04/1985
nº 112 – 05 a 08/1985
nº 113 – 09 a 12/1985
nº 114 – 12 a 01 /1986
nº 115 – 02 a 03/1986
nº 116 – 04 a 06/1984
nº 117 – 07 a 08/1986
nº 118 – 09 a 10/1986
nº 119 – 11 a 12/1986
nº 120 – 01 a 03/1987
nº 121 – 04 a 06/1987
nº 122 – 07 a 09/1987
nº 123 – 10 a 12/1987
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2. 1988 a 2000
nº 124 – 01 a 02/1988
nº 125 – 03 a 04/1988
nº 126 – 05 a 06/1988
nº 127 – 07 a 08/1988
nº 128 – 08/1988
nº 129 – 09 a 10/1988
nº 130 – 11 a 12/1988
nº 131 – 01 a 02/1989
nº 132 – 03/1989
nº 133 – 04/1989
nº 134 – 05 a 06/1989
nº 135 – 07/1989
nº 136 – 08/1989
nº 137 – 09 a 10/1989
nº 138 –11 a 12/1989
nº 139 – 01/1990
nº140 – 02/1990
nº 141 – 03/1990
nº 142 – 04/1990
nº 143 – 05/1990
nº 144 – 06/1990
nº 145 – 07/1990
nº 146 – 08 a 09/1990
nº 147 – 10 a 11/1990
nº 148 – 12/1990
nº 149 ao 160 – 01
a 12/1991
nº 161 ao 172 – 01 a 12/1992
nº 173 ao 184 – 01 a 12/1993
nº 185 a 196 – 01 a 12/1994
nº 197 a 208 – 01 a 12/ 1995
nº 209 a 220 – 01 a 12/1996
nº 221 a 232 – 01 a 12/1997
nº 233 a 244 – 01 a 12/1998
nº 245 a 256 – 01 a 12/1999
nº 257 a 268 – 01 a 12/2000
RELAÇÃO DA PESQUISA NO MUSEU LASAR SEGALL
Diversões Pública – Cinemas – Cine teatros – 1960/1970
Panfleto do Sesc Vila nova – “Os cinemas estão fechando: Como impedir?
15/04/1983
Veja em São Paulo – 21/12/1988
Propaganda a alma e o negócio – Revista Ano 44 – nº 583 – dezembro/1999
Até que enfim: cinemas ganham poltronas - Revista Veja – 28/07/1999, p.99
Cinema Digital: Inaugurada a primeira sala de exibição de cinema digital –
Revista de Cinema – v.2, nº 21, janeiro de 2002
O Brasil fora dos shoppings – Revista Personalidade – v.1, nº 01 de novembro
de 2002
Pequena História das salas de cinema na cidade de São Paulo – Caderno
Paulista – XLII
Cinemas? Não. Supermercados, sapatarias, bancos... – O Estado de São Paulo –
26/09/1982
As filas aumentando, rumo as telas do circuito alternativo – Jornal da Tarde –
20/10/1983
Os cinemas estão acabando – Carlos Drummond de Andrade – Filme Cultura, nº
47, agosto de 1986
Cinemas, teatros, lojas e até Palácio Mauá na mira do prefeito – Jornal da Tarde
142
– 31/01/1986
Eram cinemas. Hoje, fotos nas paredes. – O Estadão de São Paulo – 10/06/1986
Televisão e custo imobiliário acabam com os grandes cinemas – JB –
20/07/1986
Qualidade dos cinemas de SP está piorando – Folha de São Paulo – 10/09/1987
Um espaço cultural ou de batalha? – O Estadão de São Paulo – 13/01/1988
Cinema de Minas é o líder no país – Jornal da Tarde – 27/08/1990
Shoppings forçam expansão de redes de cinema – Folha de São Paulo –
21/05/1990
A tortura de ir ao cinema – O Estadão de São Paulo –20/02/1994
Redes dos EUA querem instalar cinemas no país – Jornal da Tarde – 30/12/1994
Salas de cinema no molde norte-americano – Jornal da Tarde – 05/01/1995
Salas tinham nomes significativos – O Estadão de São Paulo –29/03/1996
Nova sala exibe cinco filmes por dia – Guia da Folha – 25/07/1997
Shopping Higienópolis ganha 6 salas “estádios” – Guia da Folha – 17/12/1999
Última sessão: por que o centro está perdendo tantas salas – Revista Veja –
02/04/1997
Uma campanha cinematográfica – Revista Veja – 05/02/1997
O cinema transforma-se em templo religioso – Revista Veja – 05/03/1997
Constru lacra os seis cinemas do Morumbi – Jornal da Tarde – 09/11/1999
PlayArte inaugura Multiplex no ABC – Variedades –03/071997
Cinema se rende ao conceito Multiplex– Folha de São Paulo – 23/09/1998
Multiplex popular é saída para diversificar público – O Estadão de São Paulo
14/09/2003
Multiplex leva mais público ao cinema– Jornal da Tarde – 04/07/1998
FONTES ICONOGRÁFICAS
o Arquivo Público Municipal de Uberlândia
o Reproduções
o Arquivo Pessoal
DIAGNÓSTICO PLANO DIRETOR DE UBERLÂNDIA – 2006
- Concedido pelo Arquivo Público Municipal de Uberlândia
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(Disponível no site da entidade)
...O SELO se destina ao uso em publicações, prospectos, papéis de carta,
elementos de sinalização em outros instrumentos onde o shopping center deseje indicar
sua filiação à ABRASCE. São considerados qualificados para receber o SELO
ABRASCE e se filiarem na categoria de Associados Empreendedores os
empreendimentos que satisfaçam os seguintes requisitos:
- sejam constituídos por um conjunto planejado de lojas, operando de forma
integrada, sob a administração única e centralizada;
- sejam compostos de lojas destinadas à exploração de ramos diversificados ou
especializados de comércio e prestação de serviços;
- estejam os locatários lojistas sujeitos a normas contratuais padronizadas, além
de ficar estabelecido nos contratos de locação da maioria das lojas cláusula prevendo
aluguel variável de acordo com o faturamento mensal dos lojistas;
- possuam lojas-âncora, ou características estruturais e mercadológicas especiais,
que funcionem como força de atração e assegurem ao shopping center a permanente
afluência e trânsito de consumidores essenciais ao desempenho do empreendimento;
- ofereçam estacionamento compatível com a área de lojas e correspondente
afluência de veículos ao shopping center;
- estejam sob controle acionário e administrativo de pessoas ou grupo de
comprovada idoneidade e reconhecida capacidade empresarial.
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Shopping Regional: Este tipo de shopping fornece mercadorias em geral (uma
boa porcentagem de vestuário) e serviços completos e variados. Suas atrações principais
são âncoras tradicionais, lojas de departamento de desconto ou hipermercados. Um
shopping regional típico é geralmente fechado, com as lojas voltadas para um mall
interno.
Shopping Comunitário: O shopping comunitário geralmente oferece um
sortimento amplo de vestuário e outras mercadorias. Entre as âncoras mais comuns
estão os supermercados e lojas de departamentos de descontos. Entre os lojistas do
shopping comunitário, algumas vezes encontram-se varejistas de "off-price" vendendo
itens como roupas, objetos e móveis para casa, brinquedos, artigos eletrônicos ou para
esporte.
Shopping de Vizinhança: É projetado para fornecer conveniência na compra
das necessidades do dia-a-dia dos consumidores. Tem como âncora um supermercado.
A âncora tem o apoio de lojas oferecendo outros artigos de conveniência.
Shopping Especializado: Voltado para um mix específico de lojas de um
determinado grupo de atividades, tais como moda, decoração, náutica, esportes ou
automóveis.
Outlet Center: Consiste em sua maior parte de lojas de fabricantes vendendo
suas próprias marcas com desconto, além de varejistas de “off-price”.
Festival Center: Está quase sempre localizado em áreas turísticas e é
basicamente voltado para atividades de lazer, com restaurantes, fast-food, cinemas e
outras diversões.
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