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material apto, ou não, para canonização
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, outras vezes primordialmente como o produto
bem acabado de uma ideologia pequeno-burguesa, hegemônica e patriarcal
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, e por fim,
mais raramente, como uma obra rica em contradições e fissuras, ou seja, como o
testemunho dos embates da forma literária na batalha entre o revelar e o ocultar,
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Essa corrente tem início com os primeiros comentadores, contemporâneos de Dickens, que reclamavam
do caráter efêmero da publicação em fascículos, principalmente para um autor que já começavam a
comparar com Cervantes, Fielding, Scott e Shakespeare. Ao mesmo tempo, as primeiras preocupações
começaram a surgir no sentido de que a obra dickensiana necessitava de um melhor acabamento estético,
mais condizente com o que seria de se esperar de um grande romancista. Ver, por exemplo, Lewes, G. H.
“Dickens in Relation to Criticism”, Fortnightly Review , (2) 1872. Para reservas em relação ao uso do
melodrama, ver Gissing, G. Charles Dickens: A Critical Study. London: Gresham, 1898. Um pouco mais
tarde, com a costumeira fatuidade que a caracteriza, Virginia Woolf viria a declarar que “seria capaz de
alegremente se transformar no gato de Shakespeare, ao passo que não atravessaria a rua para encontrar
Dickens”. Ver, a esse respeito, Nation, 12 de setembro de 1925. Por seu turno, E. M. Foster, no seu
Aspects of the Novel. London: Penguin, 1927, condenaria os personagens de Dickens por serem “planos”
e Aldous Huxley, no seu Vulgarity in Literature. London: Chatto & Windus, 1930, criticaria o que
chamava de vulgaridade e superficialidade em Dickens. Bem mais informados, cuidadosos e sofisticados
em suas análises, os estudos de G. K. Chesterton representaram – dentro dessa corrente – talvez os
primeiros passos em direção à percepção das complexidades da arte dickensiana, começando uma aposta
nos paradoxos e contradições que apareciam na forma dos romances. Ver, por exemplo, Charles Dickens,
The Last of the Great Men. New York: The Press of the Readers Club, 1906, e Appreciations and
Criticisms of the Works of Charles Dickens. New York: E. P. Dutton, 1911. Mais tarde, embora
inicialmente omitindo Dickens – com exceção de Tempos Difíceis (1854) – de seu The Great Tradition
(1948), F. R. Leavis ao menos sinalizou uma vereda que foi melhor aproveitada por outros expoentes do
New Criticism, expoentes estes que ampliaram o instrumental de análise dos textos. Ver Butt, J. and
Tillotson, K. Dickens at Work. London: Methuen, 1957 e Marcus, S. Dickens: From Pickwick to Dombey.
London: Chatto & Windus, 1965. Por fim, em Dickens – the novelist. London: Chatto & Windus, 1970,
de F.R. e Q.D. Leavis, Dickens seria finalmente ungido à posição de “Shakespeare dos romances”.
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Ver, nessa corrente, Welsh, A. The City of Dickens. Cambridge: Harvard University Press, 1986 e
Slater, M. Dickens and Women. London: J.M. Dent & Sons, 1986. Como ganhos dessa abordagem, as
heroínas de Dickens foram reabilitadas, tiradas de um limbo em que permaneciam como simples
estereótipos de uma feminilidade insípida, para serem observadas sob um espectro psicológico mais sutil.
Consultar também Houston, G. T. Consuming Fictions: Gender, Class, and Hunger in Dickens’s Novels.
Carbondale: Southern Illinois University Press, 1994 e Michie, H. The Flesh Made Word. New York:
Oxford University Press, 1989. Extremamente interessante é o estudo de Poovey, M. “Reading History in
Literature”, em Smarr, J. L. Historical Criticism and the Challenge of Theory, Champaign: University of
Illinois Press, 1993. Esse trabalho de Poovey tem como peça central uma análise do romance de Dickens
Nosso Amigo Comum (1865), tomando como chave de entrada as relações entre a especulação financeira,
os fundamentos econômicos do Império e a discussão dos direitos das mulheres. A ficção é utilizada
como reflexão histórica acerca do papel feminino e sua domesticação: havia o temor daí subjacente de
que a professada fé vitoriana na estrita diferença entre os sexos poderia ser insustentável. O progresso
dessa leitura foi notável, pois ousou sair da por vezes rígida visada feminista, encampando outras
disciplinas e tirando conseqüências ferinas sem serem esbravejantes, e serenas sem serem acanhadas.
Num outro entroncamento da crítica, nos últimos vinte anos também os estudiosos da desconstrução
passaram a desenvolver trabalhos sobre Dickens. Ver, por exemplo, o ensaio de Steven Connor sobre
Casa Soturna (1853), em Charles Dickens. London: Longman, 1985. Os textos dickensianos parecem ser
especialmente atraentes para essa abordagem crítica, principalmente por seu caráter multifário, em que a
proliferação de sentidos surge a todo instante e a escrita parece brincar com os lapsos de significados.
Ver, a esse respeito, Schad, J. The Reader in the Dickensian Mirrors: Some New Language. New York:
Palgrave Macmillan, 1992, e Miller, D. A. The Novel and the Police. Los Angeles: University of
California Press, 1989.