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ANA MARIA ALMEIDA FRAGA
CATIVEIRO BARROCO
A ESCRAVIDÃO URBANA EM MINAS GERAIS
MARIANA E OURO PRETO NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO
XVIII
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação da Universidade Severino
Sombra como requisito parcial à obtenção
do título de Mestre.
Dezembro, 2000.
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UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM HISTÓRIA
Dissertação defendida e aprovada em 21 de dezembro de 2000,
pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:
__________________________________________________
Professor Drº Carlos Eugênio Libano Soares - Orientador
__________________________________________________
Professor Drº Eduardo França Paiva - UFMG
__________________________________________________
Professora Drª Ana Maria da Silva Moura - UERJ
__________________________________________________
Professora Drª Miridan Britto Knox Falci - IHGB
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Agradecimentos.
É muito difícil citar em poucas linhas os nomes de todas as pessoas que
de uma forma ou outra contribuíram para a realização deste trabalho.
Para que este meu sonho fosse realizado contribuíram de forma
especial os funcionários do Arquivo Público Mineiro, Arquivo da Casa
Setecentista, Arquivo Histórico da Câmara de Mariana e Arquivo Histórico do
Museu da Inconfidência. Todas as pessoas que encontrei nestes lugares
prestaram ajuda valiosa, disponibilizando documentos, localizando fontes,
sugerindo outras e dispensaram-me imenso carinho .Para homenagear a todos
os funcionários destes arquivos cito Carmem da Silva Lemos, responsável pelo
Arquivo do Museu da Inconfidência, cuja paixão pela pesquisa contamina a
todos.
As professoras Carla Junho Anastasia, Júnia Ferreira Furtado e
Adriana Romeiro, acolheram-me na UFMG e dirigiram os primeiros estudos no
Mestrado.
Em Vassouras, fui acolhida com imenso carinho e generosidade,
características marcantes deste entusiasmado grupo de professores e
funcionários que fazem do Curso de Mestrado em História um núcleo de ensino
e pesquisa de excelência.
O meu orientador Carlos Eugênio Libano Soares acompanhou meus
passos durante a pesquisa e redação deste trabalho, mas não fez apenas seu
trabalho de orientador. Tornou-se um valioso amigo, teve paciência, encorajou-
me quando o denimo avizinhava-se e sempre acreditou no meu trabalho.
Agradeço especialmente à FUNEC pelo financiamento dos meus
estudos e pesquisas, representada pelos seus diretores Professores Celso Simões
Caldeira e Antônio Fonseca que sempre me encorajaram e acreditaram na minha
capacidade.
Todos os meus professores da escola básica e da graduação são
também responsáveis pelo meu sucesso neste trabalho. Se eles não fossem tão
dedicados provavelmente minha formação seria menor.
Não posso esquecer meus alunos que, nos últimos quatro anos,
suportaram minha ansiedade pela conclusão deste trabalho e a eles devo todo o
carinho e paciência que me dispensaram.
A minha família, que me protegeu, amparou, torceu e como nunca
demonstrou o seu amor por mim, principalmente nos momentos em que eu mais
precisei.
A Deus, que apesar de ser citado por último, está em primeiro lugar.
Dediquei-me a este trabalho num momento de grande crise pessoal, em que
todas as minhas crenças e projetos estavam sendo questionados. Deus mostrou-
me o caminho, colocou a meu lado pessoas cujo carinho e amor são muito
grandes e deume forças para escolher. Deixei para trás o desamor, o egoísmo, a
falsidade, a tristeza e falta de fé e caridade. Não foi fácil a escolha, foi sofrida,
ainda dói, mas é, com certeza o melhor caminho.
Minha mãe partiu há dez anos e meu pai não mais consegue ler, mas
eles abdicaram da sua vida para construir a dos seus filhos, e este é também mais
um passo deles em sua caminhada de amor pela vida. A eles dedico este
trabalho.
Resumo da dissertação.
Esta dissertação tem como tema o estudo da vida dos escravos “ao
ganho”, na sociedade da área mineradora de Minas Gerais no século XVIII. O
estudo da documentação sobre a repressão e normatização das ações dos
escravos no espaço urbano, serviu para que pudéssemos apreender os aspectos
cotidianos da vida dos escravos urbanos como: origem, trabalho, sobrevivência,
lazer e as estratégias para alcançar a alforria.
No decorrer do trabalho concluímos pela especificidade do espaço
urbano em Mariana e Vila Rica que, anteciparam as formações urbanas do
século XIX e a consolidação das características da escravidão urbana e as várias
estratégias desenvolvidas pelos escravos para organizar a sua vida, cultura e
possibilidades de manumissão.
Abstract.
This research has as main goal the study of the slaves life in the
society around the area of mines in Minas Gerais in the 18
th
century. The
studies on the documents about repression and normatization of the slaves
attitudes in the city, helped us to understand their daily aspects such as: origin,
job, living, leasure and the strategies to reach them freedom.
During the work it was concluded that Vila Rica and Mariana had
already features only found in the 19
th
century s cities. That made it possible
the consolidation of the features of the urban slavery and the slaves strategies in
order to organize their lives, their culture and reach their liberty.
Sumário.
Introdução........................................................................................................01
Capítulo I. Em Busca das Sombras Perdidas................................................16
Breve histórico da descoberta e formação das Minas...................................17
A formação do espaço urbano: Mariana.........................................................25
A formação do espaço urbano: Vila Rica.......................................................36
Os atores sociais: brancos, nativos, negros e mestiços....................................47
Capítulo II . A Vida Cotidiana dos Escravos Urbanos em Minas Gerais........53
Condições de trabalho.................................................................................... 54
Moradias..........................................................................................................59
Alimentação.....................................................................................................62
Velhice e abandono.........................................................................................66
Doenças e morte..............................................................................................68
Capítulo III. O Espetáculo da Rebeldia...........................................................73
Armas..............................................................................................................74
Vendas.............................................................................................................81
Quilombos urbanos: a cidade-esconderijo...................................................... 88
Revoltas.......................................................................................................... 94
Capítulo IV . Liberdade.................................................................................102
Alforrias.........................................................................................................103
Liberto...........................................................................................................112
Conclusão......................................................................................................117
Fontes e Bibliografia.....................................................................................119
1
INTRODUÇÃO
A ESCRITA DAS MINAS
Não pretendemos retomar no espaço desta dissertação tudo o que foi
escrito sobre a escravidão nas Minas Gerais e no Brasil. Estudaremos o
espaço físico correspondente à área mineradora da América Portuguesa que
hoje corresponde a Minas Gerais, principalmente na região onde seriam
erguidas as futuras Vila do Ribeirão do Carmo e Vila Rica do Ouro
Preto. O recorte temporal é a primeira metade do século XVIII.
Estudaremos as relações escravistas neste espaço/ tempo usando as
categorias da escravidão urbana. Procuraremos e seguiremos de perto os
escravos de ganho, suas condições de vida, trabalho e as formas que eles
encontraram para “subverter” as tentativas normatizadoras dos governadores
e das Câmaras.
Durante muito tempo predominou a idéia de que os estudos sobre a
escravidão tinham chegado a um patamar definitivo . Parecia a todos que o
debate já estava definido . Consolidava-se entre a imagem desumana do
escravo submetido a todas as formas de maus tratos, assenzalado,
rigidamente controlado pelo feitor e pelo mau senhor. Este tipo de conflito
senhor - escravo teria gerado o mito de Zumbi e todos os quilombos ou
tentativas de revoltas escravas. Em contraponto tínhamos o bom senhor que
com tratamento humanizado criava as condições para que o escravo fosse
bom, agradecido e leal, cujo estereótipo mais conhecido é a figura do “Pai
João”.
2
Na origem deste debate está uma outra questão. Qual foi a contribuição
do escravo para a formação da cultura urbana brasileira. No século XIX, após
a Independência, quando as elites procuravam criar uma identidade para a
nova nação, vários historiadores
1
direta ou indiretamente concluíram que a
escravidão era ou foi ruim para formação da cultura brasileira. Vanhargem
fez o elogio da colonização portuguesa e Oliveira Viana e Fernando de
Azevedo, segundo Silvia Hunold Lara
2
, afirmaram que, a escravidão, mesmo
sendo patriarcal ou paternal, era violenta.
Estas interpretações refletiam a mentalidade de uma sociedade que
buscava o branqueamento e negava ao negro o seu lugar na formação social e
cultural do povo brasileiro.
O enfoque muda na década de trinta. Gilberto Freyre
3
refutando as
vozes racistas que desembocaram no nazismo, defendeu o negro como
elemento decisivo para a formação do povo e da cultura brasileira. Defendeu
também o caráter benigno da escravidão e sua base patriarcal.
As idéias de Freyre correram o mundo e tiveram grande repercussão
nos EUA
4
. Desencadearam ali uma polêmica em torno da posição do liberto
nas duas formações sociais: portuguesa e anglo - saxônica. Outra questão
levantada era sobre o caráter benigno da escravidão ibérica em contraponto à
inglesa.
Na década de sessenta os pesquisadores reunidos em torno de Florestan
Fernandes questionaram fortemente a obra Freyriana passando a defender a
anomia do negro, ou seja sua nulidade como personalidade, que apenas
reagiria a partir da ação dos senhores ou seja, ao binômio bom senhor /
escravo dócil - mal senhor escravo rebelde. Fernando Henrique Cardoso
chegou mesmo a afirmar que em caso - limite o escravo poderia identificar-
se totalmente com a ideologia do seu senhor atingindo uma coisificação
1
VANHARGEM, Francisco A . História Geral do Brasil. Rio de Janeiro, Melhoramentos.
2
LARA, Silvia H. Campos da Violência. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988. pp. 97 98.
3
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala: Formação da família brasileira sob o regime de economia
patriarcal. 27
ª
edição, Rio de Janeiro, Record,1990.
4
CASTRO SANTOS, Luiz Antônio de. “E Pernambuco Falou Para o Mundo: O Impacto de Gilberto Freyre
na Historiografia Norte-Americana.” In: Novos Estudos / CEBRAP, nº 18, Setembro 1987.
3
subjetiva. Além disto, a chamada “Escola Paulista” defendia que a ascensão
social dos negros no Brasil foi limitada, apesar de não serem claramente
discriminados pela sociedade.
Nos anos setenta com a afirmação da orientação marxista nos estudos
da escravidão nas universidades brasileiras, consolidou-se o conceito de modo
de produção escravista sistematizado por Jacob Gorender. Esta nova escola,
rejeitava os pressupostos teóricos das antecessoras aceitando apenas que a
coisificação poderia ocorrer em casos-limites.
Para Gorender no processo de escravidão o homem torna-se
propriedade de outro e “Como propriedade o escravo é coisa, um bem
objetivo.(...) Mas o escravo, sendo uma propriedade também possui corpo,
aptidões intelectuais, subjetividade __ e é em suma um ser humano, perderá
ele, o ser humano, ao tornar-se propriedade ao se coisificar?”
5
Não deveria
esta pergunta ser feita ao contrário? O escravo não se coisifica. Ele é tornado
coisa ao ser apreendido e vendido. Desconhecemos documentação em que
africanos ou crioulos pediram ou fizeram acordos se viram ou foram vistos
como “coisas”, a não ser no tráfico negreiro como “peças”.
6
. Mas, apesar
deste parêntese, discordamos do autor quanto a perda da subjetividade pelo
escravo no processo de escravização e não aceitamos também a afirmação de
que o escravo caia na anomia social, como defendeu a escola Paulista liderada
por Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso e no limite
identifica-se com o seu senhor . Reproduzirei aqui um exemplo citado por
Gorender. Trata-se de um relato de Louis François de Tollenare relativo a
uma visita a Pernambuco:
“Em Pernambuco, matavam-se os escravos de um inimigo por vingança, como se
mataria seu gado. Um senhor de engenho, que ganhara a inimizade de moradores
despejados das terras que ocupavam, confiara um negro ao visitante francês afim de
acompanhá-lo nos seus passeios. O negro não ousava aproximar-se do povoado dos
5
GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. São Paulo, Editora Ática, 1978, p. 63
6
KARASCH, Mary. A Vida dos Escravos no Rio de Janeiro. 1808 1850. São Paulo, Cia. Das Letras,
2000. Ver cap. 2: A Encruzilhada: O mercado de Escravos do Rio de Janeiro. pp: 67 98.
4
moradores hostis e se justificava: “O que diria o meu senhor se esta gente me
matasse?”
7
Os defensores da escola Paulista veriam aí a base da anomia social dos
ex- escravos no pós 1888 e Gorender concorda que podia ter havido casos-
limites em que os escravos identificavam-se, como propriedade.
Mas, e se fizermos outra leitura do texto acima? Digamos que o escravo
conhece profundamente a situação em que vive. Provavelmente outros
escravos já tinham sido mortos. Ele quer salvar-se mais não pode desobedecer
ao senhor, por isto finge estar de acordo com ele e diz: “O que diria o meu
senhor se esta gente me matasse?” Desta forma ele escapa da morte e de um
possível castigo do senhor, dando ainda a aparência de que identifica-se com
ele e que lhe é muito leal. Isto pode ser lido como uma estratégia escrava de
burlar a autoridade senhorial.
Hoje fica extremamente difícil defender a anomia social do ex-escravo,
e o próprio Gorender afirma: “A luta contra a coisificação era, por isto,
necessidade cotidiana que o sistema impunha ao escravo.”
8
Este aspecto abriu espaço para novos estudos na década de 80 ,que
dialogavam com o marxismo, ao meu ver não negavam totalmente o modo de
produção escravista mas, resgatavam as estratégias próprias dos escravos
através das quais eles tentavam ser sujeitos de suas vidas.
Na década de 80, sob a influência da Nova História Francesa e
aproximando-se o Centenário da Abolição reabriu-se o debate sobre o
escravismo. A ênfase foi colocada nas ações dos escravos e nas várias formas
de resistência e redes de solidariedade formadas por eles. Nesta nova
perspectiva o escravo torna-se sujeito de sua história e segundo Gorender
estes autores negam a escravidão porque “ Tendo o escravo como ator, a
escravidão deixa de ser uma relação imposta e se convertia em relação
contratual . Como parte de um contrato, seria vantajoso ao escravo confirmar
7
Cf. Gorender op. cit. p.65.
8
Idem, p. 69.
5
a expectativa senhorial de fidelidade, obediência e trabalho assíduo para
obter a alforria e outras vantagens.”
9
Em 1982 aparece a primeira edição da obra de Laura de Mello e
Souza.
10
Analisando a sociedade mineradora ao longo do século XVIII, a
autora trouxe ao debate um aspecto pouco discutido na historiografia : a vida
daqueles que não foram abonados pelo ouro e pedras preciosas das Minas
Gerais. Trabalhando com o conceito de desclassificação social a autora
analisa as ações do poder constituído em relação aos grupos sociais
desclassificados. Nas palavras da autora:
Desclassificado Social é uma expressão bastante definida. Remete, obrigatoriamente, ao
conceito de classificação, deixando claro que, se existe uma ordem classificadora, o seu
reverso é a desclassificação. Em outras palavras: uns são bem classificados porque outros não o
são, e o desclassificado só existe enquanto existe o classificado social, partes antagônicas e
complementares do mesmo todo.”
11
O livro não trata da escravidão mas ela é analisada como uma das
fontes de desclassificados: os forros. As idéias da autora em relação a este
aspecto serão analisadas no quarto capítulo deste trabalho.
Laura de Mello e Souza também retrata a magnificência e o fausto da
incipiente vida citadina em terras mineiras nos primórdios do século XVIII,
que sofre um rápido processo de urbanização a partir de 1711 quando os
arraiais são elevados a vilas.
Em 1988, Carlos Magno Guimarães, publicou um ensaio sobre os
quilombos existentes em Minas Gerais no século XVIII, analisando-os a
partir de conceitos marxistas. Trabalhando com a documentação produzida
pelas autoridades da capitania o autor resgata o escravo enquanto sujeito
histórico. No momento em que foge e homizia-se no quilombo o escravo tem
plena consciência do seu ato. Sabe que está subtraindo do seu senhor uma
propriedade. Ao formar o quilombo, que segundo o autor é “a mais completa
forma de reação” ao escravismo, o cativo:
9
GORENDER, Jacob. A Escravidão Reabilitada. São Paulo, Editora Ática, 1991, p. 23. O grifo é do autor.
Esta observação é feita a propósito da obra de Silvia H. Lara , Kátia Mattoso e João José Reis.
10
SOUZA, Laura de Mello. Os Desclassificados do Ouro: A pobreza mineira no século XVIII. Rio de
Janeiro, Edições Graal, 2
a
edição, 1986.
11
Idem. P. 13.
6
“Ao fugir, o escravo negava a validade de quase todo este aparato jurídico. E negava
assumindo, conscientemente, responsabilidade de se tornar um criminoso. Ele tinha
consciência das responsabilidades do seu ato, sabia das punições que o esperavam
se fosse recapturado. Em momento algum ignorava a retaliação que pairava sobre a
sua pessoa em decorrência do seu ato. (...) O rebelde sempre era castigado em praça
publica, na frente dos demais escravos, para servir de exemplo. As cabeças dos
executados eram colocadas nos locais mais visíveis. Não era por acaso que o
pelourinho se localizava nas principais praças das vilas e arraiais.”
12
Mas Carlos Magno Guimarães presta pouca atenção aos escravos que
permaneceram nas vilas e arraiais, em ocupações próprias, e forjando
estratégias de resistências diferentes dos quilombolas.
Em 1993 Luciano Figueiredo
13
ampliou um estudo sobre um aspecto
que já tinha sido apontado por Laura de Mello e Souza. Ele abordou com
muita competência a vida das mulheres pobres, forras ou escravas nas Minas
Gerais no século XVIII. Na sua obra aflora a luta destas mulheres pela
sobrevivência material: comércio , vendas, prostituição, família são abordados
pelo autor que, respaldado em vasta documentação primária expõe as
estratégias desenvolvidas pelas mulheres pobres do setecentos, em Minas
Gerais, para garantir a sua subsistência material e adequarem-se ou burlar a
legislação e a repressão das autoridade coloniais.
Estas três obras têm em comum o fato de partirem da constatação de
que nas Minas predominava uma sociedade formada por dois estamentos:
senhores e escravos. Para Laura de Mello e Souza todos os outros grupos
seriam desclassificados. Os quilombolas que reagiram ao sistema escravista
negando a condição de escravo e procurando a liberdade, não escapavam do
relacionamento contraditório com a própria sociedade que rejeitavam. Os
quilombos eram usados por criminosos livres para esconderem-se ou ainda
como canais de contrabando. Os quilombolas precisavam vender o produto de
seus roubos ou do ouro faiscado clandestinamente e abastecerem-se nas vilas
e arraiais. As mulheres escravas e forras também vivam à margem da
sociedade mineradora. Todos os três trabalhos remetem-se aos
12
GUIMARÃES, Carlos Magno. A Negação da Ordem Escravista: Quilombos em Minas Gerais no século
XVIII. São Paulo, Ícone, 1993.
13
FIGUEIREDO, Luciano. O Avesso da Memória : Cotidiano e trabalho da mu lher em Minas Gerais no
século XVIII. Rio de Janeiro. Rio de janeiro, Ed. José Olympio ; Brasília, Edumb, 1993.
7
desclassificados urbanos, aos relacionamentos contraditórios e à negação da
ordem escravista.
A obra de Eduardo França Paiva é inovadora em relação às
anteriores.
14
É pioneira a sua forma de usar testamentos e inventários de
pessoas livres e forras. Ao estudá-los o autor lançou luzes sobre as relações
existentes entre os vários grupos sociais e a própria estrutura escravista. Estas
relações nos permitem apreender as crenças e as estratégias de sobrevivência
usadas pelos escravos para conseguir a alforria.
Marco Antônio Silveira
15
analisa as relações entre o Estado e a
sociedade mineira do setecentos ao tratar a escravidão como um valor
assumido, por escravos, forros e livres. Valor este visto como categoria
legitimada pelo conjunto da sociedade. Ele demonstra como a sociedade
mineira, bem caracterizada como aluvional
16
, reforçava estes valores para
enquadrar o liberto, que jamais era tratado como livre.
Não podemos deixar de registrar a produção acadêmica de UFMG.
Seu corpo discente e docente tem regularmente apresentado novos trabalhos
sobre o século XVIII mineiro através de livros, artigos, dissertações e teses.
A historiografia sobre Minas Gerais tem sido continuamente renovada. É
impossível citar todos e, é claro, que alguma injustiça será cometida na
relação a seguir.
Douglas Cole Libby
17
analisa a dinâmica do trabalho na sociedade
escravista. Dos muitos trabalhos sobre o século XVIII, se destaca o de Carla
Junho Anastasia
18
que analisou a violência coletiva nos motins do sertão.
Júnia Furtado
19
estudou as relações entre Estado e sociedade no distrito
14
PAIVA, Eduardo França. Escravos e Libertos nas Minas Gerais do Século XVIII : Estratégias de
resistência através dos testamentos. São Paulo, ANNABLUME, 1995.
15
SILVEIRA, Marco Antônio. O Universo do Indistinto: Estado e sociedade nas Minas setecentistas (1735
1808). São Paulo, Ed. Hucitec, 1997.
16
O termo aluvional remete a uma sociedade em permanente movimentação. SILVEIRA pp. 87 110.
17
LIBBY, Douglas C. Transformação e Trabalho em uma Economia Escravista: São Paulo,
Brasiliense,1988.
18
ANSTASIA, Carla Junho. Vassalos Rebeldes: Violência coletiva nas Minas na primeira metade do século
XVIII. Belo Horizonte, Editora C/Arte, 1988.
19
FURTADO, Junia F. Livro de Capa Verde: Regimento diamantino de 1771 e a vida no distrito diamantino
no período da real extração. São Paulo, ANNABLUME, 1996.
8
diamantino. Adalgisa Arantes Campos é uma brilhante estudiosa da visão de
morte do setecentos em Minas Gerais, irmandades religiosas e da pompa
fúnebre do período barroco. Seus estudos são imprescindíveis para se
entender a mentalidade dos homens e mulheres do século XVIII.
20
Entre a produção do Programa de Pós-Graduação da UFMG, podemos
citar como representativa a dissertação de mestrado de Ramon Fernandes
Grossi.
21
Seu estudo sobre o medo que permeava o imaginário dos mineiros
do século XVIII é brilhante. Medo da noite, da perda da salvação da alma, do
demônio, dos feitiços e das revoltas dos colonos, dos escravos, dos
quilombolas, etc. Pode-se afirmar que a vida do homem daquele período era
marcado pelo medo.
Não podemos esquecer das clássicas obras de Julita Scarano sobre as
irmandades
22
e os aspectos cotidianos
23
dos negros em Minas. A primeira é
um estudo denso sobre a ação das irmandades de escravos e negros no
século XVIII. Na segunda a autora abrange em seu estudo os aspectos
cotidianos da gente de cor. Gente de cor, não referia-se apenas aos
escravos, mas aos libertos, pardos, mulatos e as várias modalidades de
mestiçagem. É possível através destas duas obras apreender muitos
aspectos da vida dos escravos nos setecentos mineiro.
No entanto, sentimos que ainda faltava um estudo que enfocasse em
particular a escravidão urbana em Minas Gerais. Os trabalhos sobre a região,
no século XVIII, generalizam a escravidão não fazendo distinção entre o
campo e a cidade.
As pesquisas sobre escravidão urbana no Brasil são poucas. Só agora o
trabalho pioneiro de Mary C. Karasch
24
foi traduzido para o português e está
20
CAMPOS, Adalgisa Arantes. Considerações Sobre a Pompa Fúnebre. Revista do Departamento
deHistória. UFMG, Belo Horizonte, n
o
4, pp. 3-24.
21
GROSSI, Ramon F. O Medo na Capitania do Ouro : relações de poder e imaginário sobrenatural, século
XVIII. Dissertação de mestrado apresentado à FAFICH, Belo Horizonte, Maio de 1999. Cópia
xerografada.
22
SCARANO, Julita. Devoção e Escravidão. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1976.
23
_______________. Cotidiano e Solidariedade: vida diária da gente de cor na Minas Gerais, século XVIII.
São Paulo, Brasiliense. 1994.
24
KARASCH, Mary C. A Vida dos Escravos no Rio de Janeiro : 1808 1850. Tradução: Pedro Maia Sores.
São Paulo, Cias. das Letras, 1
a
Edição, 2000.
9
ao alcance de um público maior. Os trabalhos de Leila Mezan Algranti
25
,
Marilene Rosa Nogueira da Silva
26
apontaram o caminho para a academia
brasileira mas, em relação ao século XVIII, ainda faltam estudos
aprofundados.
Ninguém poderá entender nossa opção sem conhecer a sua origem .
Em 1986 pesquisando no Arquivo Público Mineiro a distribuição de
sesmarias, no século XVIII, na região de Mariana, encontramos em um
códice a carta de Dom Pedro de Almeida, Conde de Assumar, governador de
Minas entre 1717 e 1721. Ela relatava sobre a abortada revolta escrava da
Quinta-Feira das Endoenças em 1719. Neste momento todo um mundo de
possibilidades abriu-se diante de nós. É claro que já conhecíamos as revoltas
e a vida dos escravos pelos manuais didáticos e outros livros, mas nada se
compara ao enfrentamento direto com as fontes primárias. Nas páginas
amareladas eu lia agora a vida dos escravos como nem sempre aparecia nos
livros. Muito mais viva, cruel, sofrida, porém cheia de possibilidades. Vida na
cidade, vida nas lavras, vida no campo. Formando um todo, já que a
circulação escrava era intensa entre estes diversos planos. Fugas, contrabando,
revoltas, crimes, roubos, feitiçaria, ações de liberdade, esperança e desespero.
Tudo era novo e muito vivo porque uma das características da documentação
do século XVIII é justamente a de ser detalhista. Ela é viva, cheia de
pormenores que revelam a visão de mundo dos atores envolvidos no processo
histórico e possibilita várias leituras deste mesmo processo.
A documentação com a qual trabalhamos não é inédita, como afirma
Laura de M. e Souza: “O historiador só pode trabalhar com documentos que
existem: não pode inventá-los, mas pode re-inventá-los, lê-los com novos
olhos”.
27
Lemos os documentos procurando pelas ações dos escravos das
cidades.
25
ALGRANTI, Leila Mezan. O Feitor Ausente: estudo sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro. 1808 -
1821. Petrópolis, Ed. Vozes, 1988.
26
SILVA, Marilene R. N. Negro na Rua: a nova face da escravidão. São Paulo. Ed. Hucitec, 1988.
27
SOUZA, op. cit. p. 17.
10
Para fazer esta leitura usamos um método teórico elaborado por
Clifford Geertz
28
. É a descrição densa. O que está escrito nos documentos
está “filtrado” por três séculos de cultura. Nunca chegaremos a compreender
na totalidade o que pensavam, sentiam, e por que agiam os homens e
mulheres do século XVIII, apenas poderemos reconstruir aspectos do quê
e de como eram as suas vidas.
Esta reconstrução buscará restaurar os significados construídos pelos
próprios escravos para os seus atos. Estes significados podem ser múltiplos,
mas quando articulados formam uma teia, a “ rede de significados” elaborada
como conceito por Geertz. A leitura densa é o instrumento de decodificação
desta rede.
Ao fazer este estudo encontramos o mundo dos escravos e forros do
setecentos, as redes de solidariedade desenvolvidas no espaço de circulação,
redes estas que desafiavam o poder legalmente constituído. Desta forma
veremos que o poder está diluído em vários segmentos sociais, que
dificilmente podiam ser controlados pelo central. O que pode nos aproximar
de Foucalt.
29
Para Weber, citado por Geertz, “o homem é um animal amarrado a
teias de significados que ele mesmo teceu.” Geertz entende que esta teia é a
cultura. Dentro da cultura propomos o estudo da solidariedade desenvolvida
em determinado espaço e tempo. No nosso caso, pelos escravos em Mariana
e Vila Rica, na primeira metade do século XVIII. Os pequenos gestos de
apoio mútuo desenvolvidos pelos escravos deste período tornaram-se um dos
muitos fios da teia cultural da Minas Gerais dos setecentos. A presença do
Estado como agente encarregado da repressão senhorial a predominância
do escravo ao ganho ou de aluguel e a mobilidade destes na cidade, foram
alguns destes fios.
28
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro, LTC Editora S. A, 1989.
29
FOUCALT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, Graal, 1979.
11
No primeiro capítulo acompanharemos a epopéia da descoberta das
Minas Gerais. A recente historiografia tem negligenciado e até mesmo
subestimado a ocupação e colonização do território brasileiro pelos
portugueses. Não propomos a volta da história positivista que enaltecia os
heróis mas, uma maior atenção à determinação e a vida daqueles que,
superando todos os obstáculos contribuíram para a formação do que somos
hoje. Além disto analisamos a formação das cidades mineiras. Parece-nos
que há entre os historiadores um acanhamento em denominar de urbano aos
agrupamentos de moradores das Minas setecentistas.
De acordo com a última edição do Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa, “cidade é o complexo demográfico formado, social e
economicamente, por uma importante concentração populacional não
agrícola, dedicada às atividades de caráter mercantil, industrial, financeiro e
cultural.”
30
Se seguirmos este conceito, os complexos de arraiais que
formaram Ribeirão do Carmo e Vila Rica do Ouro Preto enquadram-se
perfeitamente. Suas atividades econômicas principais eram o comercio e a
mineração.
Na década de 1980 Iraci Del Nero Costa caracterizou as duas áreas
como urbanas por concentrar um grande número de funcionários, clérigos,
militares, artesãos, profissionais liberais, mineradores, comerciantes e
negociantes:
“O caráter citadino da urbe refletia-se, particularmente, na presença altamente
significativa das atividades vinculadas aos setores secundário e terciário, ressaltando
daquele, o grande peso relativo e amplo espectro coberto pelas ocupações
artesanais. As ocupações agrícolas, por seu turno, eram de pequeno monte.”
31
Weber citado por Ronald Ramenelli
32
afirmava que a cidade
ocidental caracterizava-se por “ pela administração autônoma, pelo seu
aspecto de comunidade, que origina o conceito de comunidade.” Mais adiante
o autor afirma que para Capistrano de Abreu a cidade colonial era um
30
Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, Século XXI, Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira.
31
NERO, Iraci Del C. Estruturas Populacionais Típicas. EDEC, 1982, p 8.
32
RAMINELLI, Ronald. História Urbana. In: Domínios da História: Ensaios de teoria e metodologia. In:
CARDOSO, Ciro F. e VAINFAS, Ronaldo. Rio de Janeiro,Editora Campus. 1
a
Edição ,1997. p.187.
12
aparelho administrativo, ou um meio caminho entre os engenhos e os centros
europeus de comercialização de açúcar.
A cidade que encontramos possui todas estas características mas,
desde cedo elas incorporaram e consolidaram uma produção artesanal muito
grande. Não eram apenas entrepostos do ouro e produtos coloniais. A
existência de diversos tipos de oficinas e o registro de muitos escravos
oficiais além de pardos e mulatos livres e libertos atesta a dinâmica das áreas
estudadas.
Cedo, também, se constata a divisão entre cidade e campo.
Inicialmente pela distribuição de sesmarias aos colonos. Estes mesmos
faziam questão de declarar que possuíam minas, roças e casas. Ou ainda a
generalização do costume de sair do campo para assistir as comemorações da
Semana Santa nas cidades caracterizando bem a separação entre o rural e o
urbano . Pirenne já comentava a respeito das cidades medievais:
“Grandes ou pequenas, encontramo-las em toda parte; (...) Isto acontece porque se
tornaram, com efeito, indispensáveis à sociedade. Introduziram-lhe uma divisão de
trabalho, doravante imprescindível. Entre estas e o campo estabeleceu-se uma
recíproca troca de serviços. Uma solidariedade, cada vez mais estreia, liga-as,
provendo o campo ao abastecimento das cidades, e fornecendo-lhes as cidades, em
contrapartida, produtos comerciais e objetos fabricados. A vida física do burguês
depende do camponês, mas a vida social do camponês depende do burguês”.
33
Na verdade a cidade setecentista mineira ainda não encontrou o
seu historiador. E o universo que encontramos é um entrelaçamento
entre campo, cidade e lavras. Tudo era muito fluído.
Principalmente nas Minas Gerais e na região por nós
estudada. As pessoas procuravam ter casas na cidade para
acomodar a família, minas para procurar o ouro e terras para
plantar e evitar o fantasma da fome e dependência de fornecedores
externos. Ao longo do século, com o declínio da mineração, a
propriedade da terra volta a ser o principal meio para formar a
riqueza, e de distinção social. Mas as cidades serão o centro
33
PIRENNE, Henri. As Cidades da Idade Média : Ensaio de História econômica e social. Portugal, Prenses
Universitais de France.
13
administrativo, econômico, lugares privilegiados de troca
mercantis, palco das lutas políticas , centros de ensino, da
encenação barroca e onde demonstrava-se a distinção social.
Outro aspecto a ser observado na formação das cidades
mineiras é o seu aspecto aluvional , como descrito por Marco
Antônio Silveira . Ao longo do século XVIII Minas não estava
isolada nas montanhas. Cedo os caminhos a ligaram à Bahia,
Goiás, Espirito Santo e Rio de Janeiro. Passagem obrigatória dos
tropeiros e negociantes. De nada adiantaram as ordens para
impedir a construção de caminhos, de passar para Goiás ou Bahia.
O afluxo de pessoas para a região era tão grande que foi
necessário, para melhor controlá-la, separá-la de São Paulo e fixar
todo o aparelho administrativo na região. Mas é característica de
qualquer área mineradora o trânsito contínuo de pessoas que
transportavam não apenas produtos mas, notícias, idéias,
contrabando. Em relação a este aspecto Luiz Felipe de Alencastro
observa que:
“ Movido a ouro em pó, o mercado do polígono mineiro formado por Minas Gerais,
Goiás e Mato Grosso açambarcava toda a América portuguesa no século XVIII.
Comprava bens europeus e escravos pela Bahia e pelo Rio de Janeiro, mulas e gado do
Rio Grande do Sul e dos currais do São Francisco. Através dos rios Madeira,
Marmoré e Amazonas, as minas de Mato Grosso conectavam-se a Belém e ao
Atlântico. De maneira descontínua, emergira a mais longa rede de comunicações
terrestres e fluviais do continente americano. Nas veredas do ouro medravam roças,
vendas e vilas que desenhavam um mapa extenso de povoamento e um circuito de
comércio continental.”
34
Esta foi a realidade que encontramos na formação do espaço
urbano de Mariana e Ouro Preto. Minas, chácaras, ruas, estradas, caminhos,
fazendas, ranchos, tudo estava imbricado. Portanto acreditamos que pode-se
estudar a escravidão nesta área usando a categoria da escravidão urbana.
Para os estudos relativos a algumas áreas de Minas Gerais já é hora de
romper com este preconceito.
34
ALENCASTRO, Luiz Felipe. “ Vida Privada e Ordem privada no Império”. In: História da Vida Privada
no Brasil, Vol. 2. Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo, Cia. Das Letras. pp. 11 93.
14
No capítulo dois procuramos na documentação os aspectos da vida
cotidiana dos escravos urbanos em Mariana e Vila Rica. Para isto relemos a
documentação a nosso dispor criteriosamente. Esta documentação foi
produzida pelas autoridades coloniais, e quase sempre tratam de repressão aos
escravos e forros, mas deixam entrever o que era ser escravo nas Minas
Gerais setecentistas.
No terceiro capítulo mapeamos as relações tensas nas Minas Gerais.
Em uma sociedade organizada em torno de dois pólos antagônicos, senhores
e escravos, o medo estava sempre presente. A maior contradição será
justamente a liberdade que era dada ao escravo urbano. Liberdade de
circulação para produzir mais renda para o senhor mas que dava-lhe
condições de agir contra o mesmo senhor ou a sociedade como um todo.
No quarto capítulo investigamos o que significava a alforria numa
sociedade estamental que, para não abrir mão de seus privilégios criou uma
outra figura jurídica: o liberto. Ser liberto era ser livre? O ex - escravo tinha
os mesmos direitos que seus ex -senhores? Qual era a posição do liberto
naquela sociedade? Que visão de mundo assumia o liberto? Que expectativas
ele possuía ao alcançar a alforria? Estas são algumas questões que precisam
ser resolvidas pela historiografia.
Não era objetivo deste trabalho fazer levantamento estatístico mas, é
necessário levantar criteriosamente os dados cartoriais do século XVIII para
verificar as condições de concessão das alforrias. Temos indícios que para o
período estudado, elas eram compradas ou conseguidas através da coartação.
Esta foi uma prática que ainda não foi bem estudada pela historiadores da
escravidão. Uma das crenças que precisam ser investigadas é a relação entre
o suposto declínio da mineração a partir da década de trinta e as alforrias.
Pelo que parece-nos a partir desta época as coartações aumentam. O que
indica uma diversificação econômica e maior possibilidade do escravo para
alcançar a compra da alforria.
15
A primeira posição foi defendida por Jacob Gorender
35
e tem sido
refutada pelos estudos sobre a escravidão como os de Laura de Mello e
Souza
36
e Eduardo França Paiva
37
. Mas, para fundamentar melhor esta
questão, ainda falta um estudo estatístico que tenha por objeto as alforrias e
coartações no início do século XVIII ou todo ele. Este não será um trabalho
fácil.
35
GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. São Paulo, Ed. Ática, 1990.
36
SOUZA, Laura de Mello. Norma e Conflito : Aspectos da História de Minas no século XVIII. UFMG,
1999, ver parte II, Coartação.
37
PAIVA, op. cit. p.21.
16
16
CAPÍTULO I
“EM BUSCA DAS SOMBRAS PERDIDAS ”...
Lá vão pelo tempo adentro
esses homens desgrenhados:
duro vestido de couro
enfrenta espinhos e galhos:
em sua cara curtida
não pousa vespa ou moscardo;
comem lavas, passarinhos
palmitos e papagaios;
sua fome verdadeira
é de rios muito largos,
com franjas de prata e de ouro,
de esmeralda e topázios.
( Que é feito de ti, montanha,
que a face escondes no espaço?)
( Romance I ou Da Revelação do Ouro,
O Romanceiro da Inconfidência. Cecília Meireles )
17
Breve Histórico da Descoberta e Formação das Minas.
No momento do V Centenário do Descobrimento ou se, outros
discordarem, do nascimento ou achamento do Brasil, pelos portugueses, é
necessário lembrar uma questão: o quê os portugueses queriam desta terra?
Não entraremos no mérito de quem “descobriu” primeiro ou se o que
aconteceu foi realmente uma descoberta ou invasão. Estas questões já foram
tratadas por outros historiadores e não são o objeto desse estudo.
Responderemos a primeira questão. Dentro da lógica da expansão
mercantilista do século XV, Portugal queria terras onde pudesse explorar
riquezas para aumentar o poder e a gloria do reino. Riquezas que naquela
época eram representadas principalmente por especiarias e ouro. Tudo que já
foi escrito contra ou a favor da “exploração” que foi levada adiante neste país
pelos portugueses, tem sua pertinência, mais não é o nosso objeto de estudo.
O que vamos fazer, neste capítulo, é acompanhar com a distância de três
séculos a aventura dos portugueses para encontrar as minas gerais.
O ouro não foi encontrado inicialmente mas, a região do atual
nordeste revelou-se fértil para o cultivo da cana-de-açúcar e logo outros
produtos foram incorporados à produção como o algodão, tabaco, a pecuária
extensiva e as drogas do sertão.
O sertão. Este era o pesadelo e a esperança dos portugueses porque lá
deveriam estar as minas de ouro e de outros metais preciosos. No sertão
também estavam os nativos que resistiam à escravidão e impediam as
expedições que saíam da Bahia, Espirito Santo e Porto Seguro de
desbravarem-no.
No último quartel do século XVI a política da coroa muda. O objetivo
principal passa a ser, incentivar os paulistas, preadores de nativos, a
desbravar o interior. Esta decisão era arriscada porque era notório que a Coroa
Ibérica não confiava nos paulistas por serem considerados muito
18
independentes. A necessidade de encontrar as minas devia-se, principalmente,
à falência do sistema de financiamento da produção açucareira após a Guerra
Holandesa e a Restauração do trono português em 1640 e o inicio do plantio
da cana-de-açúcar pelos holandeses nas Antilhas. Além disso, a existência de
metais preciosos no Peru faziam os portugueses acreditarem na possibilidade
da existência de grandes jazidas na região ao norte de São Paulo. A esta altura
não havia dúvidas sobre a extensão longitudinal das possessões portuguesas.
Segundo Diogo de Vasconcelos:
“Nestas condições, D. Afonso VI, então reinante, mandou Agostinho Barbalho
Bezerra a São Paulo, com cartas às Câmaras Municipais e aos potentados, afim de
organizar uma expedição que fizesse o caminho e descobrisse por aí o distrito das
esmeraldas. (...) As Câmaras de Santos e São Paulo, recebendo as cartas régias,
puseram-se à disposição de Barbalho e dos potentados que lograram a honra das
letras de S.M., figurou no auge do entusiasmo o velho Fernão Dias Paes Leme, vulto
eminente da Colônia, que para logo enviou a Barbalho cem negros carregadores,
cem arrobas de carne de porco, mil varas de algodão tecido, e muitos outros gêneros
próprios da ocasião como se viu do termo assinado em 9 de agosto de 1666.
1
Mas, Barbalho morreu no Espírito Santo e a expedição ficou sem
comando. Uma ressalva antes de prosseguirmos é a leitura que deve ser feita
destes documentos. O rei esperava que as expedições fossem custeadas pelos
próprios participantes destas aventuras, quando muito pelas Câmaras, o que
equivalia a usar os impostos pagos pelo povo ou criar novos impostos. Mas,
geralmente, os bandeirantes de posse da provisão real para entrar pelos sertões
e fazer descobertas bancavam os custos das mesmas.
Dispôs-se a seguir a empreitada Fernão Dias Paes Leme que,
segundo Diogo de Vasconcelos, era sertanista respeitado. Havia “pacificado”
os goianás, o que equivale a escravizá-los e aberto para colonização a
terra onde estes haviam se refugiado. Apenas nesta investida mais de cinco
mil nativos foram escravizados por ele de três diferentes tribos da nação
goianá.
Apesar da desaprovação dos familiares, porque ele já era sexagenário,
Fernão Dias organizou a sua bandeira com a carta-patente de 20 de outubro de
1672 que concedia-lhe os poderes de praxe e ainda o privilégio de ser
1
VASCONCELOS, Diogo. História Antiga das Minas Gerais. Vol. 1. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia. p.p. 72
19
governador de seus homens e das terras aonde se encontrassem as esmeraldas.
A expedição organizada era muito grande formada por nativos, mestiços,
negros e brancos o que acarretaria problemas com as provisões no sertão. O
caminho seguido foi o seguinte: de São Paulo a Guaratinguetá (região
conhecida) e a seguir a difícil passagem da Serra da Mantiqueira que, se não
era totalmente desconhecida, tinha sido usada por poucos aventureiros.
Fernão Dias passou para o Embaú, Passa Quatro, Capivari, Baepedi e chegou
a um pouso que foi chamado de Ibituruna onde fundou o primeiro arraial nas
terras mineiras.
Escrevendo em 1704, Antonil
2
relata que gastava-se muito tempo
entre São Paulo e Minas porque os paulistas viajavam até as quatorze ou
quinze horas, depois disso era preciso parar, montar acampamento,
providenciar o jantar que muitas vezes era complementado com caça. Por isto
a viagem durava dois meses.
A expedição de Fernão Dias foi, por ser a primeira, cheia de percalços
e, “a longa trajetória crivou-se de sepulturas e de misérias”.
3
Vários de seus
companheiros voltaram a São Paulo abandonando o sonho das esmeraldas. A
esta altura, 1674, estava Fernão Dias no Sumidouro, arraial próximo ao Rio
das Velhas. Estava aberto o caminho para as Minas! Nesta época enfrentou
uma conspiração, cujo chefe era seu filho bastardo José Dias. Este liderando
os descontentes com os resultados da expedição, pretendia assassinar seu pai
Fernão e retornar a São Paulo. É conhecido de todos o desfecho deste
episódio. Os conspiradores foram perdoados, mas expulsos da bandeira e o
filho enforcado.
Enquanto esteve no Sumidouro abandonado por vários companheiros
de jornada, Fernão escreveu sobre sua situação ao príncipe, à Câmara e à
esposa. Precisava de recursos para reorganizar a bandeira: armas, pólvora,
73.
2
ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil. São Paulo, Ed. Melhoramentos, 1976, p.p. 181-
183.
3
VASCONCELOS, Diogo. op. cit, p. 80.
20
tecidos e alimentos. Por três anos ele esperou no Sumidouro. A Câmara
nenhuma atitude tomou. O príncipe regente nomeou um administrador-geral
D. Rodrigo Castelo Branco e o tesoureiro-geral Jorge Soares de Macedo para
regularizar as possessões das minas do Sabarabuçu e disse que mais não podia
fazer. Sua esposa enviou-lhe os recursos que ele pedia com o dinheiro do
próprio casal e, assim que os recebeu e reorganizou a bandeira, ele partiu à
procura das esmeraldas. Encontrou, com a ajuda de um nativo feito
prisioneiro na região, a Lagoa Vapabuçu, onde ele “colheu pedras em número
vantajoso e de bons quilates (...), e tornando aos ares livres da Serra aí fundou
o povoado de Itacambira (...)”.
4
Na viagem de volta morreu antes de chegar
ao Sumidouro vítima das febres do sertão. Era maio de 1681.
Estando à morte Fernão Dias instruiu que seu filho primogênito
deveria regressar a São Paulo e cuidar da família e seus negócios. Ao genro
Manoel Borba Gato ele passava o direito das possessões que havia recebido
do Príncipe. Um detalhe não deve ser esquecido: ninguém do Sumidouro
sabia da existência de D. Rodrigo Castelo Branco, seus oficiais e sua
provisão.
Este, por vários motivos, demorou-se em São Paulo até ser instado
pelos potentados a tomar o caminho para as minas. Reclamavam estes que
eles por sua própria conta faziam grandes gastos nas descobertas para
engrandecer as possessões e a fazenda real. E aquele que tinha recebido todo
o apoio da Câmara e os instrumentos necessários não se dispunha a arriscar a
sua vida, pelos mesmos objetivos, como os paulistas faziam. É sempre bom
lembrar que D. Rodrigo era espanhol e foi aceito como fidalgo da casa real
por causa dos seus conhecimentos em mineralogia e os paulistas sentiam-se
enciumados pela grande atenção que o príncipe dava a um estrangeiro.
Desta forma organizada a expedição partiu D. Rodrigo para o
encontro com Fernão Dias. Encontrou morto e embalsamado sendo
transportado pelo filho Garcia Rodrigues, em Sant’Ana do Paraopeba. Este
4
Idem p. 87
21
relatou a D. Rodrigo os últimos desejos de Fernão, dividiu com ele as
supostas esmeraldas para que assim chegassem mais rápido ao Príncipe
Regente e continuou para São Paulo, a pé, com seus homens tomados pela
febre. D. Rodrigo mandou um mensageiro a cavalo para São Paulo com as
pedras e continuou a viagem para encontrar o Borba Gato.
No Sumidouro aconteceram novos fatos desagradáveis. Borba Gato
já havia partido para Sabarabuçu mas, ao receber a notícia da chegada do
forasteiro e de antigos companheiros, retornou imediatamente. Estabeleceu-se
um clima de animosidade entre D. Rodrigo e o Borba. D. Rodrigo tinha uma
provisão real nova, datada de 28 de junho de 1673 para administrar as minas
que fossem descobertas no sertão. Borba Gato era herdeiro da provisão de
Fernão Dias, anterior a de D. Rodrigo e as minas de Itacambira e Sabarabuçu
já estavam descobertas por isto o Borba achava que a provisão de D. Rodrigo
não dizia respeito a ele e que este deveria deixar o Sumidouro e fazer as suas
buscas no sertão. Era portanto uma questão referente a jurisdição da
administração de dois governadores. Contribuía para aumentar a resistência
dos paulistas a D. Rodrigo o fato de ele ser nobre espanhol, estar recebendo
pelo trabalho enquanto os paulistas faziam tudo às suas custas. D. Rodrigo
resolveu “dar tempo ao tempo” e permaneceu no Sumidouro durante a estação
propícia às explorações. O Borba percebeu as suas intenções e para resolver
as tensões existentes no acampamento entre os seus partidários e os
seguidores de D. Rodrigo, instou-o a partir.
Antes de prosseguirmos é necessário esclarecer quem era D. Rodrigo
de Castel Blanco. Nobre espanhol, conhecia as minas da América espanhola e
era especialista em metais. Da Espanha passou para Portugal onde ganhou a
confiança do Príncipe Regente que fez dele fidalgo e o incumbiu de fazer
descobertas no Espírito Santo onde enfrentou os nativos e não encontrou
nada. Recebendo ordens de passar a São Paulo, seu grupo foi requisitado para
as guerras do Sul contra os Castelhanos. Uma parte de seus homens foi para o
sul e ele mesmo foi para o sertão de São Paulo a procura de ouro, já que trazia
22
um mineiro com experiência consigo. Somente depois de reunir a sua
comitiva e dos incidentes com a Câmara de São Paulo ele partiu para as
minas. D. Rodrigo sabia que não era benquisto pelos paulistas que o
consideravam um intruso, principalmente pelo Borba que não reconhecia a
sua provisão uma vez que nela o príncipe regente deixava claro que ele
deveria respeitar a provisão anterior, de Fernão, que a havia passado ao
Borba. Por isso resolveu partir para fazer as suas explorações mas já não era
a estação propícia de sair aos sertões. As chuvas aproximavam-se; por isto D.
Rodrigo requisitou a Borba Gato que lhe entregasse armas, munição pólvora e
alimentos para passar o “inverno” no sertão. Isto resultaria em grande prejuízo
para os que ficassem no Sumidouro e as armas eram de propriedade de Fernão
e portanto do Borba. Novo impasse. Para resolvê-lo D. Rodrigo propôs a
Borba Gato um encontro no alto de um morro, onde estariam desarmados e
acompanhados cada um por dois pajens. Na conversa os ânimos exaltaram-se,
porque Borba Gato não abria mão de que D. Rodrigo se retirasse do distrito
do Rio das Velhas, que ele afirmava ser de sua jurisdição. Aqui ficamos
diante de um impasse que nunca será resolvido pelos historiadores. Pela
versão oficial D. Rodrigo ofendeu Borba Gato sendo morto pelos pajens deste
que estavam armados, que queriam também matar os pajens do fidalgo mais
foram impedidos pelo próprio chefe. Isto aconteceu em outubro de 1681, no
morro que passou a ser chamado de Alto do Fidalgo.
Foi planejada a morte de D. Rodrigo por Borba Gato? Nunca
saberemos. Em dezembro do mesmo ano o rei, em Lisboa destituía D.
Rodrigo cedendo às queixas dos paulistas, principalmente de Borba Gato, mas
aquele já estava morto.
No sertão o mal já estava feito. Borba Gato entrincheirou-se no Alto
do Fidalgo com seus homens e pediu ajuda aos que Fernão Dias tinha
expulsado de sua bandeira e de várias tribos amigas. No Sumidouro ficaram
os seguidores de D. Rodrigo e os outros chefes paulistas que relutavam em
ficar ao lado de Borba Gato porque o crime era de lesa majestade. Os reforços
23
de Borba Gato atacaram o Sumidouro, os homens de D. Rodrigo apanharam o
que puderam e se embrenharam nos sertões de Sete Lagoas e passaram a criar
gado e plantar roças. Os outros paulistas voltaram a São Paulo e relataram os
fatos à Câmara que oficialmente o denunciou ao rei em dois de novembro de
1682. Estava perdido o Borba. Viveu exilado durando vinte e quatro anos nos
sertões do Piracicaba, enquanto esperava pelo perdão real.
Em 1683 o rei ordenou a Garcia Rodrigues que organizasse uma
nova bandeira para ir até o local onde Fernão Dias descobriu as turmalinas e
explorasse mais fundo para achá-las mais límpidas e bem formadas. Ele
retornou em 1687 sem sucesso. Mais de qualquer forma o caminho para as
minas estava aberto. As bandeiras continuavam procurando ouro e apresando
nativos nos dez anos seguintes e de forma completamente casual foi
descoberto ouro do Tripuí. Em uma destas bandeiras, um mulato chamado
Miguel de Souza, desceu até um córrego para beber água e encontrou alguns
minerais que lhe pareceram diferentes. Esta bandeira era de Taubaté.
Voltando a Taubaté os minerais foram passados a um comerciante
que desconfiou serem as pedras preciosas. Após exame acurado verificou-se
que era ouro. Miguel de Souza relatou a familiares e amigos o caminho que
se achava limpo de nativos e sem obstáculos. Em silêncio organizaram uma
expedição comandada por Vicente Lopes que não achou o caminho de Tripuí.
Em 1692 foi a vez de Antônio Rodrigues Arzão que conseguiu chegar a
Guarapiranga onde deparou-se com alguns nativos da nação puri que levaram-
no até o Rio da Casca onde ele encontrou ouro e uma serra com o pico que os
nativos chamava de Pedra Menina, mas não era o Itacolomi, referencial dado
por Miguel de Souza para se encontrar o Tripuí. Tomado por febres, Arzão
quis voltar mas os nativos apavorados pelos botocudos, só o seguiram até o
Espírito Santo onde ele recuperou-se, e tentou voltar às minas, teve o apoio
da Câmara de Vitória mas não conseguiu reunir gente, só lhe restou voltar a
São Paulo por mar, morrendo após a chegada. Antes de morrer, Arzão,
24
chamou Bartolomeu Bueno da Siqueira, seu cunhado, e confiou-lhe o segredo
do caminho das minas.
No entanto este não tinha dinheiro para montar uma expedição porque
havia perdido sua herança em jogos, por isto, reuniu os parentes que a
princípio não quiseram financiar-lhe a expedição mas um deles, Carlos
Pedroso da Silveira, convenceu várias pessoas a ajudá-lo. Acompanhava-o o
capitão Miguel Garcia de Almeida e Cunha. Chegaram até o Itaverava,
exploraram os arredores mas não conseguiram encontrar a serra do Itacolomi.
Voltaram a Itaverava onde plantaram roças para se alimentarem até o ano
seguinte. Enquanto isto exploravam os arredores e encontraram um ribeirão
que continha ouro. Em concordância com Bueno o ouro foi mandado a São
Paulo a Carlos Pedroso que o enviou ao Rio de Janeiro em 1796 e o entregou
solenemente ao governador Sebastião de Castro Caldas. Este ouro foi o
primeiro dado oficialmente como o encontrado em Minas Gerais.
O coronel Salvador Fernandes de Mendonça partiu de Itaverava e
seguiu Miguel Garcia até o seu ribeiro, para o qual tinha conseguido um
regimento de exploração, e outros ribeiros foram sendo descobertos e os
chefes foram apoderando-se deles. A partir do arraial de Miguel Garcia
(Fundão) ele alcançou o Ribeirão do Carmo em dezesseis de julho de 1696.
Tomou posse para si e para sua comitiva. Do Ribeirão do Carmo (Mariana)
encontrou a Passagem. Seguindo por ela avistaram finalmente o Itacolomi e
acharam o Tripuí, a futura Vila Rica do Ouro Preto.
A esta altura o novo governador Artur de Sá recebera ordens do rei
para ir a Minas e iniciar a distribuição administrativa das datas e cobrar os
quintos reais. As Minas já estavam infestadas de todo o tipo de gente que
sabendo das riquezas dos ribeiros saíam de São Paulo, Bahia, do Reino e
vinham em busca do ouro. Terminara o ciclo épico dos bandeirantes,
descortinava-se a formação das Minas Gerais. Começamos pois a montar o
nosso palco.
25
A Formação do Espaço Urbano: Mariana
Os arraiais que mais tarde formaram a cidade de Mariana
tiveram início com as “bandeiras” do taubateanos Miguel Garcia e
do Coronel Salvador Fernandes Furtado, que segundo Diogo de
Vasconcelos
5
, em 1696, no 16 de Julho, na festa da “Virgem”
descobriram o rio que passaram a chamar de Ribeirão do Carmo.
Como é praxe na transitoriedade e precariedade das
instalações dos mineradores, foram erguidos ranchos geralmente
feitos de pau-a-pique abertos cobertos de palha. Segundo Claudia
Damasceno Fonseca
6
as primeiras cabanas foram construídas na
praia, formando o núcleo primitivo de Mata Cavalos, que recebeu
este nome porque a areia “engoliu” dois cavalos matando-os. No
entanto, o núcleo original espalhou-se pelo morro acima onde foi
erguida uma capela. Com o aumento do povoado a capela foi
promovida à condição de paróquia. O povoado foi abandonado por
duas vezes em 1701 e 1702, por causa da fome, porque os
mineiros imprevidentes esqueceram que:
“A logística do índio e do bandeirante (paulista ou taubateano) é
o milharal plantado no sertão: a roça sagrada. Faz-se o plantio
em setembro-outubro, as primeiras chuvas; faz-se a colheita em
março-abril, à entrada da seca. Com os paióis cheios, viaja-se.
Mas sempre é preciso alguma reserva para o plantio de novas
roças no principio da invernada e para agüentar na tranqueira e
período adverso.”
7
Em 1703, quando todos retornavam a São Paulo
deixando as Minas pela segunda vez, ficou Francisco Fernandes,
apelidado o “Vamos-Vamos”, que tinha lavras na margem
5
VASCONCELOS, Diogo, História Antiga de Minas. Editora Itatiaia, 1974.
6
FONSECA, Cláudia Damasceno. O espaço urbano de Mariana: sua formação e suas representações. In:
LPH: Revista de História, Mariana, nº 7, Editora UFOP, 1997. pp. 67-107.
7
OLIVEIRA, Tarquinio J.D. Ouro Preto e Mariana. Fiat Automóveis S/A fundação Roberto Marinho/
Berlindes P. Vertcchia Editores Ltda, 1981.
26
esquerda do ribeirão e Manuel da Cunha, cuja cabana e terras
minerais situavam-se na foz do córrego Lava-pés (hoje chamado
Sumidouro).
Provavelmente os que ficaram já tinha tomado providências
quanto a plantações. Escrevendo no início do século XVIII.
Antonil relata que:
“Sendo a terra que dá ouro esterilíssima de tudo o que se há mister
para a vida humana, e não menos estéril a maior parte dos caminhos
das minas, não se pode crer o que padeceram ao princípio os
mineiros por faltas de mantimentos, achando-se não poucos mortos
com uma espiga de milho na mão, sem terem outro sustento. Porém,
tanto que se viu a abundância do ouro que se tirava e a largueza
com que se pagava tudo o que lá ia, logo se fizeram estalagens e
logo começaram os mercadores a mandar às minas o melhor que
chega nos navios do Reino e de outras partes, assim de
mantimentos, como de regalo e de pomposo para se vestirem, além
de mil bugiarias da França, que lá também foram dar.”
8
Sabe-se que o livro de Antonil foi publicado em 1711 e
portanto parece que a questão do abastecimento nas Minas já
estava resolvido. Outra circunstância que não deve ser esquecida é
que o governador Artur de Sá, quando esteve em Minas Gerais
distribuiu datas e sesmarias. É possível que alguns no Ribeirão do
Carmo já fizessem plantações como parece ter sido o caso de
Francisco Fernandes e Manoel da Cunha, embora a historiografia
não registre esse fato. Certo é que no Sumidouro, em Sabará-buçu
e pelo caminho de São Paulo a Minas as roças eram uma
constante.
Em 1703 Antônio Pereira Machado comprou, segundo
Cláudia Damasceno Fonseca,
9
alguns bens imóveis, mas não
especifica quais. Português e tendo conhecimento da técnica que
os espanhóis usavam, procurou ouro nas encostas. É necessário
lembrar que as benfeitorias eram feitas dentro das datas minerais
segundo o Regimento de Terras Minerais de 1702,e que o mesmo
8
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. São Paulo, Melhoramentos MEC, 1976, p. 169.
9
FONSECA, Cláudia Damasceno. op. cit. pp. 67-107.
27
proibia que as datas fossem vendidas. O Regimento foi sendo
modificado de acordo com a realidade das Minas. Foi Antônio
Pereira que construiu uma ermida a Nossa Senhora da Conceição.
Acima da Mata Cavalos desenvolveu-se, ao longo da
estrada que levava à Vila Rica, um novo núcleo populacional,
chamado São e Gonçalo
10
. Foi formado nas lavras do capitão
Manoel Cardoso Cruz assim que a mineração avançava, as casas
eram demolidas, de qualquer forma ganha uma rua bem
determinada no povoado chamada de Rua de São Gonçalo que
encontrava-se com a Rua Direita de Mata Cavalos e formava o
Largo de Quitanda, de onde saia uma ladeira chamada dos
Quartéis ou dos Açougues (em direção leste) que, depois de
transpor a ponte de Manoel Ramos (sobre o atual Córrego do
Catete), tinha continuidade por uma rua “das mais povoadas”
paralela ao ribeirão: a rua do Piolho. A atual Rua Direita era um
simples caminho e sem a Ponte de Areia. Era conhecida como
caminho de cima. Dava acesso à chácara do Antônio Pereira e
teria sido (por volta de 1715), um simples rego destinado a levar
água aos seus lavradores junto à praia. A Rua do Piolho dava
acesso ao bairro do Secretário. Este nome deve-se a José Rabelo
Perdigão, secretário do governador Artur de Sá, que ali construiu
uma chácara chamada Bananal. Nesta chácara residiram os
secretários de vários governadores. Não há registro se era uma
residência oficial de propriedade oficial ou particular.
Em 1711, o arraial foi elevado à categoria de vila, e
conseguiu o seu rossio de Antônio Pereira:
10
A medida que a ocupação da área processava-se, elas eram incorporadas ao espaço urbano e geralmente
nomeadas com o nome do santo da devoção do dono ou posseiro das terras.
28
“Quando da criação de uma vila, a determinação de seu termo, ou
seja, da área do novo município, era uma das providências a serem
tomadas, assim como a delimitação do rossio. Esse último
constituía o terreno público da vila, que competia à Câmara
administrar, seguindo as vagas orientações das Ordenações do
Reino. A demarcação dos rossios "era uma tradição medieval
regulamentada pelas ordenações lusitanas" e visava garantir uma
área para o usufruto comum dos habitantes (locais públicos,
terrenos para plantações, pastagens) e para servir às necessidades
futuras de expansão da nova vila.”
11
Antônio Pereira perdera o morro de Mata Cavalos por
causa da ocupação urbana mas, em troca recebera uma sesmaria no
que seria hoje o centro histórico da cidade. Entretanto as pessoas
que lá moravam não aceitaram deixar suas casas e nem pagar-lhe
nenhuma compensação. Por isto ele doou as terras para a vila em
troca do cargo de Escrivão Vitalício do Senado da Câmara, de um
título de nobreza, do hábito da Ordem de Cristo e de doze mil reis
de tenças efetivas para quem se casasse com uma de suas filhas.
Era muita coisa em troca de uma sesmaria mas, ao que tudo indica
ele conseguiu pelo menos o cargo de escrivão vitalício e
hereditário porque mais tarde o encontramos vivo mas quem era
escrivão era seu filho. Antônio Pereira fundou ainda o arraial de
Antonio Pereira e o Bonfim do Mato Dentro, sempre a partir de
novas lavras ou de sesmarias para o plantio.
No rossio, tratou a Câmara de regularizar os aforamentos,
geralmente de duas braças de frente com os fundos e
superfícies não definidas que seriam ao longo do século alvo de
disputas. De qualquer forma parece-nos um aspecto burocrático
para efeitos da cobrança dos foros, já que a ocupação expontânea
já tinha ocorrido. Por trás da Igreja de Nossa Senhora da
Conceição, atual Sé, corria um valo:
“O valo era possivelmente, uma linha divisória do rossio, do
território da vila, e constituía uma marca urbanista, que limitava
e ‘afastava’ o mundo rural, um contorno com o qual a cidade
defendia sobretudo as próprias convicções de suas funções
11
FONSECA, Cláudia Damasceno. op. cit. p.80
29
urbanas, desempenhando, assim, o mesmo papel dos frágeis
baluartes de alguns núcleos coloniais brasileiros.”
12
Em 1715 construiu-se o Palácio de Assumar no limite da
cidade, ou seja, próximo ao valo, limitando-se como a Igreja da
Conceição e com a atual Rua Direita. Foi a primeira construção de
telhas na vila. Ocupava terrenos que eram considerados
propriedade da Coroa.
Depois do Palácio o que existia eram terras da Coroa, para
servir de pastagem para os cavalos e aí se construiu um bebedouro
para cavalos que existe até hoje, no mesmo lugar. Na época era
chamado de “Largo de Cavalhada”. Era o local de socialização
onde se organizavam as festas populares como os curros, as
touradas, comemoraram-se os nascimentos e casamentos dos
príncipes e princesas reais, a entrada dos governadores,
acampavam os circos de cavalinhos e realizavam-se festas de
cunho profano. Hoje esta área é a Praça Gomes Freire de Andrade
e ainda funciona, com seus bares e restaurantes como área de
socialização.
Ao longo do Largo de Cavalhada ficava o caminho da
Intendência e da Olaria, saída para o caminho de Itaverava e São
Paulo. Mais tarde com a decadência do morro de São Gonçalo,
tornou-se a entrada oficial da cidade e a principal ligação com
Vila Rica. Paralela a ele, em terras da Coroa, existia a rua da
Corte que segundo Waldemar de Moura Santos
13
concentrava a
maioria das casas dos funcionários reais. Com a abertura da nova
rua Direita (antigo caminho de cima) e a mudança dos
funcionários e nobres para lá (em parte para fugir às inundações
do ribeirão que devastavam a rua do Piolho), a Rua da Corte passa
12
FONSECA, op. cit. p. 85.
13
As referências a Waldemar Moura Santos, encontram-se FONSECA, op. Citada.
30
a ser chamada de Rua dos Cortes “que naquela época significava
isolamento, despejo, afastamento.”
Em 1720 é formado o bairro do Santana ao redor da ermida
destinada ao culto de Santa Ana. Provavelmente foi construída
pela Irmandade da Misericórdia “com a finalidade de dar
sepultura aos condenados à forca” e até meados do século XX
existia no local um hospital construído em 1736. Parece ter sido
sempre encarado como uma área suburbana da cidade. “É
importante lembrar que, em obediência às teorias médicas da
época, matadouros, cemitérios e hospitais eram elementos que
deveriam ser separados dos centros urbanos”.
14
Fora da vila, além das terras reais encontrava-se a área
rural: a chácara do Quintanilha, do Secretário e a fazenda do
Bucão, todas localizadas ao longo das estradas que levavam à
cidade.
Dentro da vila, nos primeiros tempos, predominava o caos. O
trabalho de mineração nas encostas e no ribeirão provocaram
grandes incômodos aos moradores. Para aumentar a exploração
aurífera, os mineradores traziam mais escravos, escavavam os
morros, faziam barragem no córregos e no ribeirão. As inundações
tornaram-se constantes. As enchentes, ainda em 1749 destruíram
boa parte da vila, principalmente a rua do Piolho e a
15
antiga rua
Direita de Mata Cavalos, sendo que esta última foi reduzida “a
praya, ou aliás a regatos ou braços do rio”.
16
Nesta época, D. João V decidiu criar o primeiro bispado de
Minas em Vila do Carmo, que passaria a ser chamada de Mariana,
em homenagem a sua esposa Dona Ana D’Áustria. A vila foi
escolhida, como sede do Bispado, por causa da comodidade do
14
FONSECA, op. cit. P. 83
15
Documento da Irmandade do Rosário citado pelo Cônego Trindade em Instituições de igrejas no Bispado
de Mariana. Rio de Janeiro, MEC/SPHAN, 1945.
16
FONSECA, op. cit. P. 84
31
terreno (local mais plano) e para isto era necessário que a vila
fosse elevada à categoria de cidade, porque as leis da Igreja só
permitiam a criação de bispados em terras livres. Em 1745, Gomes
Freyre de Andrade discordou do Rei quanto à escolha da sede e
citou os motivos: as freqüentes inundações, a diminuição da
população, das lavras, das faisqueiras com a crescente escassez de
ouro e a necessidade de reparos na matriz da Conceição e, disse
ainda, que mesmo que se fizesse uma nova cidade seria difícil
arrumar nova população.
O principal problema eram as enchentes do Ribeirão do
Carmo causadas em grande parte pela mineração nas encostas e
nas praias. Em representação ao Rei, em 1735 afirmavam os
oficiais da Câmara:
“(...) representamos a S. Majestade que o dito Antônio Botelho e
seu irmão João Botelho de Carvalho tem um serviço de minerar na
praia de Rio chamado Ribeirão do Carmo ao pé desta cidade o qual
provém todo o drama de sua inundação do dito serviço (...).”
17
Os irmãos Botelho também eram acusados na mesma
carta de evitar que o povo usasse a água que vinha do Itacolomi e
com a qual a Câmara queria fazer uma fonte para uso público. Não
encontrei o desfecho da disputa entre os Botelho e a Câmara, mas,
a documentação sobre as enchentes dos rio é grande. O Coronel
Bento Fernandes Furtado, Antônio Artur Castro e Manoel
Francisco, conceberam um plano de “cerco” de rio na altura da
atual rua Direita até a entrada da antiga rua dos Monsus.
No entanto o ouvidor geral da Comarca da Vila Rica, que
foi instado pelo rei a acompanhar o caso, deu o seu parecer
desfavorável para a obra no ano seguinte, 1746, por vários
17
APM, .Fundo A.H.U. Caixa 45, doc. 92 , documentação microfilmada. 25/02/1745.
32
motivos: por que as chuvas já aproximavam-se, os custos seriam
altos e as obras não conteriam a enchente. Sua solução é que o
melhor era mudar a população para lugares mais altos:
“(...) por que desaguando os desmontes das minas daquela cidade e
do morro dessa vila, no dito rio, alterando cada dia mais [a
quantidade] das águas, levará qualquer cerca que se lhe fizer (...).”
“(...) sendo inevitável o dano recebido [e] que para o não receberem
adiante tem edificado e vão edificando os moradores casas, em um
alto e parte segura onde se restabelecerá aquela parte da cidade
(...)”
18
A parte alta e segura a que se refere o Ouvidor é provavelmente as
terras da coroa além do valo da cidade, perto dos quartéis e na rua dos Cortes.
O problema das enchentes não era novo. Em Carta ao rei datada de vinte e
um de agosto de 1724 a Câmara Municipal de Mariana já fazia o relato da
enchente do ano que tinha destruído a ponte da cidade “que tanta falta faz ao
povo” e aludia ao fato que as inundações provocavam falta de alimentos. As
inundações já existiam antes que D. João V resolvesse criar o bispado e
continuariam mesmo após esta decisão, mas este pareceu a Câmara o
momento oportuno para tentar resolver um problema que tanto afligia a
população e que não tinha atenção da Coroa. Tanto que em vinte e cinco de
setembro de 1745 escrevem ao rei recomendando os planos que o ouvidor
frustraria, assegurando que com as obras:
“(...) ficará segura a cidade e a Igreja Matriz que poderá servir para
Sé, pois de outra sorte antes de dez anos correrá o rio junto à ela e
se inundará a terra toda onde agora tem a maior e mais florescente,
povoação, o que não será justo não só pelo detrimento dos
particulares mas dos edifícios públicos, e principalmente porque
não deve submergir-se uma povoação que deve a Vossa Majestade a
honra de a exaltar à cidade. E como da razão dos bons vassalos é
aumentar e não destruir povoação que os seus soberanos criam
(...).”
19
De nada adiantaram as súplicas da Câmara. O problema
das inundações ficaria sem solução depois do parecer negativo do
ouvidor. Resolveu-se por isto construir uma nova cidade, em
18 APM, Fundo A.H.U. Caixa 47, doc. 41, documentação microfilmada.30/04/1746.
19APM, Fundo A.H.U. Caixa 47, doc. 41, documentação microfilmada. 15/08/1745.
33
terras da Coroa, além do valo da vila e para isto convocou-se o
engenheiro José Fernandes Alpoim que segundo Fonseca:
“A parte nova da cidade já ia se configurando ao longo de três
eixos que se prolongavam na direção sul: a estrada da Itaverava ou
rua da Olaria, em seu trecho urbano - a rua dos Cortes e a rua
Nova, além dos eixos naturais, representados pelos córregos do
Catete e do Seminário (até então, córrego “do Secretário”),
elementos limitadores e condicionadores da forma urbana. Portanto,
a ação do engenheiro deve ter-se restringido ao alinhamento, nem
sempre total (certamente devido à ocupação já consolidada), dessas
vias longitudinais e de outras pré-existentes (como a rua Direita) e
à criação de algumas transversais (as “travessas”), menos largas,
dentro de uma área relativamente pequena da cidade.”
20
A partir daí inicia-se uma nova fase na vida da cidade. O
antigo caminho de cima torna-se a principal via de acesso a Sé e
portanto a principal rua com ordem da Câmara para as casas do
lado esquerdo fossem feitas “de maior nobreza”.
21
A conclusão da
Salomão de Vasconcelos é que “essa é a razão de vermos até hoje
todas as casas deste lado da rua, de dois andares e de sacadas;
enquanto do lado oposto, dando para o rio, eram e são em geral,
casas baixas, de um só pavimento .”
22
O prédio da Câmara foi construído definitivamente na
antiga área dos quartéis de Assumar. As Arquiconfrarias de São
Francisco e de Nossa Senhora do Carmo iniciaram a construção
de suas Igrejas em frente e ao lado da Câmara. Abertas ruas e
travessas, a Câmara distribuiu os foros a quem quisesse construir
na parte nova da cidade desde que, segundo carta do rei:
“(...) todos os edifícios terão que fazer face das ruas cordeadas, as
paredes em linha reta, e havendo comodidade para quintaes das
casas devem estes ficar pela parte detrás delas, e não pela parte das
ruas em que as casas tiverem as suas entradas (...).”
23
O antigo Largo da Cavalhada passou a chamar-se Praça D.
João V e sua função continuou a mesma. A Igreja da Conceição
20
FONSECA, op. cit. p. 95.
21
Idem. p. 94.
22
Idem. p. 94.
23
Ibidem. p.91-92
34
foi reformada para tornar-se a Sé e na sua frente abriu-se um
grande adro para as festas religiosas.
A parte antiga da cidade formada por Mata Cavalos, São
Gonçalo e Rua do Piolho foi relegada a segundo plano. Os
planos de contenção das inundações não foram mais retomados.
Mata Cavalos e São Gonçalo continuaram sendo áreas de
mineração, mas agora como áreas periféricas da cidade ocupadas
por escravos, libertos e pardos forros. A antiga Rua do Piolho
constituiu-se “o foco mais forte das senzalas que se comunicava
com os fundos das casas da Rua Direita, onde residiam a nobreza
e os opulentos da época.”
24
No entanto, todo este espaço urbano era cercado pelas
propriedades rurais muito próximas a ele, a saber: além de
Santana, o caminho que seguia para o Sumidouro, São Caetano e
Guarapiranga; o caminho para Itaberava era cercado pela chácara
do Secretário, chácara do Quintanilha e a Fazenda Bucão; no alto
do morro de São Gonçalo ficou esquecido o antigo caminho para
Vila Rica. A cidade portanto estava cercada por matas e áreas
rurais.
Dentro dela definiram-se as territoriedades: da nova Rua
Direita para o Sul era o território das autoridades, dos nobres, dos
brancos ricos. São Gonçalo, Mata Cavalos, a Rua do Piolho e
Santana eram de domínio dos escravos, libertos e pardos. Ou seja
a sonhada, planejada e segura cidade dos brancos estava cercada
de seus inimigos potenciais por toda parte.
Quanto ao que Cláudia Damasceno Fonseca chama de “
constituição do espaço barroco”, ele terá grande impulso com o
primeiro bispo D. Manuel da Cruz. Durante o período em que
esteve à frente da nova diocese teve particular zelo com a
24
Ibidem. p. 94.
35
reforma dos antigos templos e capelas e construção dos novos.
Ele iniciou obras que só foram terminadas na segunda
metade do século. Mas a organização das irmandades
precedeu a organização do bispado e mesmo a construção dos
templos, como relataremos a seguir. Em 1749 organiza-se a
Irmandade Nossa Senhora das Mercês da Redenção dos
Cativos, criada pelos pretos crioulos, para se diferenciarem
dos africanos que eram da Irmandade do Rosário. A igreja
das Mercês foi construída na quarta travessa da planta de
Alpoim. A capela de Nossa Senhora dos Anjos foi construída
na Rua Nova e pertenceria à Arquiconfraria de São Francisco,
Ordem dos Homens Pardos devotos do santo. Em 1752 inicia-
se a construção da Igreja do Rosário, no alto do Monsus.
Para a sua construção reuníram-se três irmandades de pretos:
Rosário, São Benedito e Santa Efigênia. Estas irmandades
reuniam-se na antiga capelinha de Mata Cavalos. Quando
mudaram-se para a nova igreja, esta passou a ser chamada de
Rosário Velho, até ser comprada pela irmandade de Santo
Antônio.
Só para exemplificar as dificuldades da construção
destas igrejas, basta citar que a nova igreja do Rosário ficou
pronta apenas em 1770. Em 1752 iniciava-se a construção da
Igreja de São Pedro dos Clérigos, que até hoje não está
pronta. A Casa de Cadeia e Câmara teve sua construção
iniciada em 1768 e terminada apenas trinta anos depois,
embora sua construção estivesse aprovada desde 1747. Já o
Seminário de Nossa Senhora da Boa Morte foi inaugurado
em 1750, apenas dois anos após a chegada de D. Manuel da
Cruz. Os passos da paixão espalhados pela cidade são mais
difíceis de serem inventariados.
36
Os irmãos da Ordem Terceira do Carmo reuniram-se
na antiga capela de São Gonçalo até o início da construção
da sua igreja ao lado da Câmara em 1759, não sem protesto
da Irmandade de São Francisco que construía a sua igreja em
frente e que tinha iniciado a sua construção primeiro.
De qualquer forma, observamos que, após a ocupação
inicial e aleatória da área da cidade, houve uma grande
intervenção oficial com a construção de uma cidade “ideal” e
nova intervenção popular com a organização do espaço barroco
através do qual a população intervinha novamente na cidade
subvertendo a ordem burocrática e adaptando-a às suas
necessidades e à mentalidade religiosa da época, dentro do
espírito da Contra-Reforma.
(...) Após ou concomitantemente à sua definição, a malha
viária de Mariana foi sendo pontilhada de igrejas, passos da
paixão (alguns colocados no eixo focal das travessas,
produzindo efeitos de perspectivas), de oratórios e cruzes nas
pontes e cruzamentos de caminhos, de forma semelhante ao que se
percebe em outras cidades do Ciclo do Ouro.
25
“... revelando, através da disposição de chafarizes, praças e das
construções de grande vulto, uma intencionalidade em dilatar o
espaço urbano, em promover cenograficamente um arranjo entre
seus elementos, que possibilitasse dotar de sentido, de impregnar
o espaço concreto de valores simbólicos que norteavam a
mentalidade da época.”
26
A Formação do Espaço Urbano: Vila Rica
Depois que se confirmaram as notícias da descoberta do
ouro várias “bandeiras” paulistas, gente do nordeste, do Espírito
Santo, reinóis e de todo lado vinha para Minas a ponto do rei em
25
FONSECA, op. cit. p. 103.
26
FISCHER, Mônica. Mariana: Os dilemas da preservação histórica num contexto social adverso.
Dissertação de mestrado em Sociologia Urbana, Belo Horizonte, FAFICH-UFMG, citada por
FONSECA, p.103.
37
1701 ordenar ao governador Artur de Sá, que “não permitisse a
entrada de mais gente nas Minas.”
27
Em 1698 Antônio Dias Oliveira, junto com o Pe. João de
Farias Fialho e os irmão Camargo fundaram Vila Rica. O ouro
atraiu novos exploradores que seguindo o Regimento das Terras
Minerais procuravam por novas lavras distantes pelo menos meia
légua uma das outras, para que assim, fossem reconhecidos como
descobridores e tivessem, o privilégio de ter duas datas próprias.
Com isto novas lavras, ranchos e futuros arraiais foram se
espalhando.
“Em toda a parte eram pesquisadas as areias dos ribeiros e a terra
das montanhas e, quando encontravam algum terreno aurífero,
construíram barracas em suas vizinhanças, a fim de explorá-lo.
Estas espécies de acampamentos (arraiais) tornavam-se pequenas
povoações, depois vilas; e foi assim que os paulistas começaram a
povoar o interior da terra.”
28
De acordo com Diogo de Vasconcelos e Sylvio de
Vasconcellos um elemento normalizador já existia neste ranchos:
a presença da capela, onde eram celebradas as missas em altares
ou oratórios móveis. Foi o primeiro aspecto religioso nas minas.
Território que foi, como toda região mineradora, alvo de cobiça e
no caso particular de Minas Gerais da disputa violenta entre
reinóis e paulistas, no conflito conhecido por Guerra dos
Emboabas.
Desta forma os arraiais primitivos que juntos foram
elevados à categoria de vila eram: Pilar e Antônio Dias. A vila
foi fundada em onze de Julho de 1711, no arraial de Nossa
Senhora do Pilar do Ouro Preto “por ser sitio de maiores
convivências que os povos tinham achado para o comércio”.
29
27
Diogo de Vasconcelos em História Antiga de Minas Gerais., p. 203; recomendação repetida periodicamente
em 1709, 1711 etc. Cf. Taunay, Anais do Museu Paulista, T.V. p. 520. Citados por VASCONCELLOS,
Sylvio. Vila Rica formação e desenvolvimento - Residências, São Paulo, Editora Perspectiva, 1977.
28
Saint-Hilaire, em Viagem à Província de São Paulo, p. 35, citado por Vasconcelos.
29
Auto de ereção de Vila Rica, em Revista do APM., ano II, p 84.
38
Primeiro a preferência pelos arraiais de maior concentração
comercial para ser sede da vila em detrimento dos arraiais
auríferos e que não foi conveniências que os povos tinham achado
para o comércio.”
30
Segundo Sylvio de Vasconcelos existiram
peculiaridades no auto de criação de Ouro Preto porque não foi
exigido dos moradores que colaborassem na construção da Igreja,
da Câmara e da Cadeia.
31
Para a formação do espaço urbano ainda no governo de
Antônio de Albuquerque (1709-1713) a vila não tinha o seu
rossio ou área que pudesse aforar para os seus moradores e fez o
pedido ao rei:
“que a vila se achava sem ter recreio nem terra alguma, assim para
a criação dos gados como para venda e aforar aos moradores ... e ...
porque da passagem do ribeirão até terreno da dita Vila e da Serra
do Itacolomi até a de Antônio Pereira, correndo até entestar com o
Capitão Manuel de Matos se achava muita terra devoluta, a qual era
necessária para este senado e a queria por sesmaria, com todos os
campos, cantos e recantos, há por bem fazer mercê aos ditos
oficiais da Câmara, em nome da sua majestade a quem Deus guarde
de lhes dar por sesmaria a terra que pedem.”
32
Mas o rei só se dignou a atender o pedido em 1736,
mesmo assim limitou-a a uma légua de terra em quadro “que fará
pião no pelourinho da dita Vila, correndo em todas as partes na
distância de meia légua.”
33
Não é necessário dizer que as terras
eram insuficientes para que a Câmara pudesse acomodar a
população. Além disto estava fora da jurisdição da Câmara grande
parte do território compreendido entre os arraiais o que de certa
forma determinou a ocupação desordenada da Vila. Não se sabe se
por ordem real ou por simples contingência do cotidiano, a
Câmara passou a distribuir os foros por toda a parte onde eram
abertas novas ruas. Eis o que atesta alguns documentos: no dia
primeiro de abril de 1718 D. Pedro de Almeida, governador da
30
Idem.
31
VASCONCELLOS, Sylvio. op. cit. P.24
32
Carta de Sesmaria transcrita no Bicentenário de Ouro Preto Belo Horizonte, Impresso Oficial, 1911, p.
33
Idem p. 128.
39
Minas, proibia aos negros e pobres de levantarem casas no Padre
Farias sem aforamento da Câmara. As penas para quem não
respeitasse o bando era de vinte oitavas de ouro e quarenta dias de
cadeia e todos os já instalados tinham trinta dias para regularizar
a situação.
34
De qualquer forma, antes mesmo que o Rei
determinasse o rossio da Vila, a Câmara já distribuía os foros
como atesta este documento:
“Aos três dias do mês de outubro de mil setecentos e onze, nesta
Vila Rica e nas casas da Câmara e tando junto os oficiais dela
apareceu Magdalena Vieira com uma petição em que pedia queria
aforar duas braças de terras devolutas as quais eram no caminho
que ia de Ouro Preto para Antonio Dias da parte direita fazendo
frente a umas casas que são de João de (...) as quais dista duas
braças delas. Se forou em preço de uma oitava por cada ano que se
faça dele conforme o estilo dos mais foros (…)
35
Nos anos de 1730, os moradores encontraram uma forma
de burlar o pagamento dos foros. Requeria-se a isenção dos
mesmos à Câmara argumentando que o terreno tinha sido
concedido há muito tempo “ quando ainda não era costume
pagarem foros ou que as casas eram tão velhas ” ou “do tempo em
que não se pagavam foros”. O Senado da Câmara ouvia
“testemunhos dos moradores mais antigos fidedignos” e
concediam o privilégio. Esta posição da Câmara foi revogada anos
depois e os foros devidamente cobrados.
Vila Rica não ficou livre do flagelo da fome, no mesmo
período em que Ribeirão do Carmo era abandonado por causa
dela, os novos arraiais do outro lado da serra também eram. Desta
debandada geral, principalmente dos paulistas, nasceram novos
arraiais como Camargos, São Bartolomeu, Casa Branca, Rio das
Pedras, etc.. Após a fuga dos paulistas chegaram novo imigrantes
34
APM, Seção Colonial. Fundo CMOP, Códice 06 Folha 7. 01/04/1718.
35
APM, Fundo CMOP. Códice 01, folha 37.
40
como os reinóis, baianos e outros. Entretanto com a volta dos
paulistas a região viu-se envolvida na já citada Guerra dos
Emboabas. Derrotados, os paulistas retiraram-se das minas
voltando a vida nômade de sempre. Outros dirigiram-se a Goiás,
onde descobriram novas jazidas. Os que ficaram ajustaram-se a
nova situação e agruparam-se em arraiais próprios como afirma
Sylvio de Vasconcellos:
Pelo estudo dos tombamentos de Vila Rica, pode-se depreender a
existência de dois destes arraiais na povoação: um em Antônio
Dias, no trecho ainda ocupado pela Rua dos Paulistas e outro no
fundo de Ouro Preto, entre a Igreja de N.S. do Pilar e a de N. S. do
Rosário, acompanhando o córrego do Caquende.
36
A derrota dos paulistas na Guerra dos Emboabas será
também sentida pela Coroa, que os considerava os mais aptos
para descobrirem novas minas, mas em 1718, o Conde de Assumar
afirma ao rei que:
Os paulistas sem algum escrúpulo e estímulo que os incitem, não
vão gostosos aos descobrimentos, sendo, porém, os únicos que com
sucesso os podem fazer, e na pouca vontade em que se acham não
querem meter-se nos sertões sem a condição de serem eles os que
repartam as datas.
37
Por isto sugeria mudanças no Regimento das Terras Minerais. A
preferência real pela área comercial em detrimento das áreas auríferas, da
mesma forma que aconteceu em Mariana, formou a vila ideal longe da
realidade, negligenciou-se a “vila real”, ou seja, a área de mineração que
concentrava a maior parte dos moradores e que durante todo o setecentos
será motivo das preocupações e dos problemas, bem como da legislação
repressiva dos governadores. Ao lado da cidade ideal, os focos de mineração
ao longo do córrego do Fumil
38
e do Tripui concentravam a maior parte da
população. Os arraiais sucediam-se: Cabeças, Padre Faria, Piedade, Santana,
São João, São Sebastião. Áreas que tecnicamente estavam fora do rossio da
36
VASCONCELLOS, Sylvio. op. Cit. P. 19, nota 17.
37
Idem.
38
Há um problema quanto ao nome deste córrego. Embora Sylvio de Vasconcellos registre a grafia Fumil, a
documentação atual e mesmo a população chamam-no de Funil. Provavelmente há um erro de revisão
na obra de Vasconcellos.
41
vila e portanto da jurisdição da Câmara. Podemos afirmar que constituíam a
área rural da vila. Não se compreende porque este arraiais foram deixados de
fora da formação oficial da vila uma vez que o objetivo real era “ que seus
moradores e os mais de todos os distritos pudessem viver arreglados e sujeitos
com toda alva forma as leis de justiças”.
39
Aí está a forma encontrada para a
vila ideal. Formada pelas áreas “nobres” comerciais e administrativas,
relegando a categoria de distrito as áreas mineradoras.
A ocupação de Vila Rica deu-se originalmente ao longo do córrego
do Fumil, onde foram espontaneamente organizados os arraiais de Cabeças,
Pilar, Antônio Dias e Padre Faria. Seguindo sempre um eixo longitudinal ao
longo do qual será o caminho de Vila Rica para Mariana. Deste caminho
principal derivaram outros que eram designados genericamente como: “rua
que segue da ponte seca até a ponte de Ouro Preto” ou “ a que vai da igreja do
Ouro Preto para o arraial dos paulistas”. Mais tarde as ruas vão
espontaneamente sendo nomeadas pelo povo com o nome de seus mais
importantes moradores ou áreas de concentração profissional como: rua dos
Paulistas, do Vigário, dos Caldeireiros, etc. ou ainda de acordo com as
construções mais valiosas como: rua da Ponte, da Cadeia, do Palácio, etc.
A Câmara não se descuidava destes caminhos e nem das pontes. Cedo
também haverá uma preocupação com o calçamento das ruas para evitar que
a lama trazida pelas chuvas dos morros prejudique o trânsito nas áreas baixas.
Para isto deveriam ajudar os moradores com dinheiro e escravos bem como
fazer obras em suas casas ou em frente delas para melhor conservação das
ruas e caminhos como se deduz da ordem seguinte: “ os moradores do
córrego do Caquende para diante até o alto das Cabeças, todos saíssem com
suas testadas a rua calçando-as até confrontarem com a calçada nova”.
40
Havia ainda especificações para o calçamento das ruas para que resistissem
as chuvas e ao trânsito de animais: “ estes cordões ou guinetes, se fazem
39
Auto de ereção da vila.... op. cit.
39
Auto de ereção da vila.... op. cit.
40
VASCONCELLOS, Sylvio. Op. cit. p. 81.
42
também por meio de fortes ladeiras, com ramificações laterais, como arrimo
ao calçamento que, de pedras redondas, pouco aprofundadas no solo e
assentadas em barro, com “ 2 palmos de altura”, poderiam, sem esta
providência, ser arrancadas pelas enxurradas.”
41
Além disto várias petições a
Câmara atestam o cuidado com as ruas da cidade até mesmo para as
comemorações :
tonio Francisco de Barros que ele suplicante por ordem do procurador deste
senado reparou a rua principal para a aclamação de Sua Majestade que Deus
guarde cuja obra foi tapando com pedra a rua que se achava arruinada nas maiores
partes que tinham buracos cujas obras fez com os seus escravos e um oficial branco
o que tudo importa em doze oitavas e meia e cento e vinte e seis vinténs de ouro
como consta nas adições por extenso de sua conta junta assinada pelo suplicante.
42
Vila Rica assume novas feições quando o rei decide que os
governadores devem morar na vila para melhor defender os interesses da
coroa diante de uma população tão insubordinada. Inicialmente os
governadores, ouvidores e mesmo os camaristas reuniam-se ou moravam em
casa de particulares. O exemplo mais famoso foi o Palácio Velho construído
para o Conde de Assumar por Henrique Lopes provavelmente no local
chamado Lajes.
Entre 1740 e 1750 entra em cena o
Sargento-Mor engenheiro José
Fernandes Pinto Alpoím que, no alto do morro de Santa Quitéria, construiu o
palácio definitivo dos governadores, seguindo o modelo das fortalezas do
litoral, uma estrela de cinco pontas. Na mesma área foi construída a casa da
Câmara e Cadeia e um conjunto de sobrados, provavelmente para abrigar os
burocratas da época ou ricos potentados. O morro de Santa Quitéria passa a
ser o centro da vida administrativa da cidade. Alí não há interferência do
poder religioso e nem atividades populares, já que as áreas de concentração
do povo eram o largo de São Francisco, mais abaixo e a praia do córrego do
Tripui. O poder concentrava-se entre os arraiais, mais no alto, longe da
concentração populacional. Da praça partiam as principais ruas e saídas para
41
VASCONCELLOS, Sylvio. Op. cit. p. 82.
42
APM, Seção Colonial, SG, AC, Documentação avulsa, caixa 24, doc. 30.
43
os caminhos de Mariana e Itaverava, e era portanto um local irradiador de
poder, separado do povo, como se o medo estivesse sempre presente. Neste
contexto é significativo que o palácio dos governadores fosse uma fortaleza.
Vila Rica não foi elevada a categoria de cidade durante o período
colonial, embora a Câmara tenha feito o pedido em 1714. Quando o rei
resolveu ocupar
-se desta questão, o governador Gomes Freyre de Andrade
opinou contra. Além disto havia outros motivos para que o rei não
concedesse o título a florescente vila. A categoria de cidade, emancipava-os
das obrigações de senhoriagem das terras conquistadas, que o soberano tinha
direito como Rei e Grão-Mestre da Ordem de Cristo. Isto daria mais
subsídios para que a população, sempre irrequieta, de Vila Rica contestasse a
cobrança dos impostos reais.
Os problemas físicos de Vila Rica eram bem diversos dos de
Mariana. Aqui não encontramos as enchentes mas problemas provocados pela
altitude e pela topografia que, a rigor, existem até hoje. Localizada a 1200 m
de altitude a região é bastante imprópria para abrigar uma povoação.
Os terrenos planos são praticamente inexistentes, só conseguidos com
aterros e dessaterros, operação que é dificultada pela dureza do solo.
Os terrenos inclinados, de certa forma, determinaram a existência dos
sobrados, cujos primeiros pavimentos eram usados para lojas, quando o
terreno era de aclive, quando eram de declive, os porões abrigavam os
escravos.
43
O tipo de terreno também contribuirá para o uso da pedra nas
fundações das construções já que o barro ou terra apropriada para as taipas,
pau-a-pique ou adobe, dificilmente encontrados na região, são deixados para a
construção das paredes. Os telhados que inicialmente são de fibra vegetal
passarão a serem feitos de telha. Mas os terrenos inclinados tinham as suas
43
Esta relação entre aclive e declive relaciona-se com a conformação dos fundos dos terrenos. Visitei as
casas da rua Direita de Ouro preto e verifiquei que , as do lado de aclive da rua,( subindo da rua Paraná
em direção à praça) as construções usam o térreo para lojas e o terreno nos fundos são muito
inclinados( para cima), possibilitando dessaterros e a construção de um segundo andar sobre as lojas,
caracterizando os sobrados. do outro lado, ( os terrenos são inclinados para baixo) possibilitando o
aproveitamento do declive natural para a construção dos porões.
44
compensações, como o rápido escoamento das águas de chuva e de serventia.
Os moradores disputarão avidamente os terrenos entre as ruas que iam sendo
abertas e farão o possível para suprir a falta do poder público para fazer as
obras necessárias ou negociar trocas como o capitão Antonio de Costa
Ribeiro, Manoel Bernardes de Almeida e outros vizinhos, moradores da rua
Direita que ia para Antônio Dias que pediam licença para alargar os seus
quintais, em troca propunham-se a endireitar a rua que ficava atrás e desta
forma evitar o acúmulo de lixo e “ imundice” trazidas pelas enxurradas,
tornando o caminho impraticável “(...) e porque os suplicantes querem estender
as paredes de seus quintais, por obrar o referido até o mesmo socalvo ficando a
serventia por cima de lhe por onde além da largueza fica melhor a rua para o
comum público (...)” .
44
Risível, foi o caso da construção da calçada da rua do Vira-Saia. Ela
envolveu um longo processo e pessoas de posições importantes. Luis Ferreira
Pires e outros moradores da parte baixa da rua , receberam ordem do almotacé
para que dentro de vinte e quatro horas “ enterrasse um beco e levantasse
uma rua, e a calçasse de pedra ” . O dito Luis não cumpriu a ordem mas
recorreu à Câmara para que ela resolvesse o que parecia ser uma briga de
vizinhos.
Na sua petição Luis afirmava “ este procedimento é em grave
prejuízo do suplicante como também dos demais moradores de sua parte e
contra a utilidade pública”. Diz ainda que tudo estava sendo maquinado “ por
Matheus Garcia, Jerônimo Soares e outros moradores da parte de cima da dita
rua, e a tanto chegou a sua paixão que fizeram prender a uma negra por
nome Luiza de Souza”. E continuava a reclamar que se a rua fosse calçada
como queriam os vizinhos de cima haveriam de “ entulhar as suas casas e os
privarem de ser servido delas, sendo que a rua se pode calçar sem prejuízo
algum como se fez à porta do Dr. Manoel da Costa Reis e do Capitão André
M. Rainha e nas mais paragens da dita vila”.
44
APM, Fundo CMOP, Documentação não encadernada, caixa 02, doc. 27. 19/08/1730.
45
A pendenga continuava e quem entrou na história foi o “pedreiro
das calçadas” . Este reclamava que não podia fazer seu trabalho dentro do
prazo estipulado no seu contrato por que “ certos moradores que têm que
ajudar [e] não são obrigados” pois não cumpriam as ordens do almotacé e que
os oficiais da vila se recusavam a prendê-los “ por dizerem não querer fazer
diligência de almotaçarios ”. Enquanto isto a briga continuava. Em nova
petição os moradores do lado de baixo da rua afirmam que “naquela passagem
se acha impedida com muitos entulhos de terras que nela botaram os
moradores que de novo se fizeram casas, e outrossim, impedida por um
paredão pelo meio da rua em prejuízo dos moradores de baixo, dos viandantes
que por ele seguem, como também impedida a saída do caminho que da
Barra para aquela rua...” Estes documentos são datados de outubro, mas em
agosto, os moradores do lado de cima alertavam à Câmara que se a obra não
fosse feita e aproveitado o “ aterro que os suplicantes tinham feito despesa,
com a chuva há de correr toda a terra, e se há de seguir grande inconveniente
ao povo”.
Temos o nosso quadro. Os moradores da parte de cima “ vizinhos
novos” construíram as suas casas, deixaram o entulho na rua e para não fazer
a calçada jogaram a responsabilidade para os vizinhos “de baixo”, que eram
os moradores mais antigos. No final a Câmara ajeita tudo. Novo plano para a
calçada é feito. A Câmara arca com as despesas e são colocadas estacas “de
seis palmos de altura” para conter o entulho e por cima foi calçado. Todos,
aparentemente, ficaram satisfeitos.
45
Só a negra Luiza de Souza foi presa.
A documentação das Câmaras de Vila do Carmo e Vila Rica está
cheia de exemplos como estes. São demandas de vizinhos sobre o uso das
fontes, requerimentos para colocar nas casas penas d
água, pedidos
insistentes para ampliar quintais, abrir e fechar portões que dão para becos,
sobre lixo acumulado, estradas e ruas mal cuidadas e porcos soltos. Estes,
principalmente, eram o alvo de todos. As reclamações sobre os porcos são
45
APM, Fundo Casa dos Contos, Planilhas 20117 e 20118, microfilme 525.
46
generalizadas. E o espaço urbano ia sendo formado e apropriado pelos
moradores apesar das tentativas normalizadoras da Coroa.
Mas o que mais chama a atenção em Vila Rica é a construção de
sobrados. Há duas explicações para a preferência do povo pelos sobrados.
Sylvio de Vasconcellos afirma ser a principal causa a falta de terrenos
próprios para a construção e a tradição do agregarismo herdado dos
muçulmanos Já Lívia R. D’Assumpção
46
acredita que a concentração dos
sobrados na área central deve-se a escassez de terras na área mais valorizada
da vila, onde todos que tinham algum dinheiro queriam morar e que também
concentrava o grosso do comércio local. Já nas encostas ou próximos as
catas o que se verificava era a existência de ranchos. “ Nas encostas
miseráveis, as casas localizavam-se em terrenos de conformação irregular,
raramente configurados em quadra, muitos dos quais cercados de muros de
pedra seca, que também estabelecem a separação de várias áreas internas”.
47
Nestas áreas as casas situam-se na parte interna dos lotes e os quintais
arrumados em degraus abrigam hortas e pomares para suprir a carência do
comércio local.
O clima fazia sofrer toda a população, segundo Sylvio de
Vasconcellos “(...) as sombras e os ventos frios, compensam-se por um sol
ardente, próprio da altitude. São estas alternâncias de temperatura, aliadas a
umidade dos ruços de inverno ou das copiosas chuvas de verão, as
responsáveis pelos achaques das vias respiratórias a que aludem os
cronistas.”
48
A solução arquitetônica para evitar os inconvenientes do clima
era abrir o mínimo possível de vãos nas fachadas das casas e mantendo as
laterais cegas (sem janelas). Outro motivo para manter as laterais cegas eram
as proibições de abrir vãos para becos ou travessas ou para as casas vizinhas.
Desta forma as fachadas concentravam toda a circulação dos proprietários.
46
D’ASSUMPÇÃO, Lívia R. Considerações Sobre a Formação do Espaço Urbano Setecentista nas Minas.
In: Revista do Departamento de História, n
o
9, 1989.
47
VASCONCELLOS, Sylvio. Op. cit. p. 101
48
Idem p. 64.
47
As fachadas serão sempre alvo de reformas e de detalhes para alcançar maior
beleza.
Para concluir o desenho do nosso palco é necessário lembrar que
entre os arraiais de Vila Rica existiam grandes áreas desabitadas, cobertas de
mato, ocupadas por lajes e atalhos pouco freqüentados que levavam a
todos os cantos, ligando entre si os arraiais e os caminhos da beira do ribeirão
ou do morro que saíam para Mariana. E agora que nosso palco está pronto,
veremos quem eram os nossos atores.
Os Atores Sociais: Brancos, Nativos, Negros e Mestiços.
A notícia da descoberta do ouro em Minas correu mundo. Era o
sonho português que finalmente realizava-se. Depois de séculos vendo seus
rivais espanhóis retirarem toneladas de ouro e prata de suas colônias,
Portugal acreditava que finalmente tinha achado seu Eldorado. Muitas pessoas
acorreram às minas de forma que a região de Vila Rica e Ribeirão do Carmo
tornaram-se densamente povoadas. Para a região vieram paulistas, baianos,
pessoas do Rio de Janeiro e Espírito Santo, portugueses principalmente da
região do Minho, a tal ponto que o Rei baixou uma lei em vinte de Março
de 1720 restringindo a saída dos portugueses para as minas porque:
“... principalmente da província do Minho, que sendo a mais povoada, se acha hoje em
estado que não a gente necessária para a cultura das terras, nem para o serviço dos
Povos, cuja falta se faz sensível, que necessita de acudir-lhe com o remédio pronto, e
tão eficaz que se evite a freqüência com se vai despovoando o Reino.”
49
A preocupação Real com o possível êxodo do Reino
para a colônia levou muitos historiadores a super dimensionar a
população branca nas Minas Gerais bem como o despovoamento
de Portugal. Segundo Gorender “chegou-se à cifra de 800 mil para
os portugueses que se transferiram do Reino às minas
brasileiras”.
50
a reflexão de Gorender refere-se a todo o século
49
ABN,v. 28, p. 145. Citado por GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial.. São Paulo, Editora Ática,
1978, p. 430.
50
Idem , p. 430.
48
XVIII. Na verdade, apesar do grande número de brancos que
vieram para as minas, este povoamento nunca chegou a contribuir
para o despovoamento do reino. Ainda segundo Gorender o que
aconteceu foi “apenas um aumento súbito da escassez de mão-de-
obra, muito disputada pelos senhores rurais.”
51
A aceitar-mos a
palavra de Antonil:
Cada ano, vêm nas frotas quantidades de portugueses e de
estrangeiros, para passarem às minas. Das cidades, vilas,
recôncavos e sertões do Brasil, vão brancos, pardos e pretos, e
muitos índios, de que os paulistas se servem. A mistura é de toda a
condição de pessoas: homens e mulheres, moços e velhos, pobres e
ricos, nobres e plebeus, seculares e clérigos, e religiosos de
diversos institutos, muitos dos quais não têm no Brasil convento
nem casa.”
52
Não foram apenas reinóis que povoaram as Minas mas,
toda sorte de gente, de todas as partes da América portuguesa e
principalmente do Brasil, apesar do episódio da Guerra dos
Emboabas dar uma falsa impressão de que as minas foram
disputadas pelos portugueses e paulistas. Estes na verdade,
representavam duas denominações genéricas de dois grupos de
grandes interesses antagônicos na disputa pelas minas. Segundo
Antonil, no momento em que ele escrevia já estavam na nova
Capitania mais de trinta mil pessoas, muito longe portanto das
oitocentas mil pessoas que teriam chegado às Minas, segundo
dados citados por Gorender.
A Coroa, entretanto, tinha interesse que as minas fossem
exploradas pelo maior número possível de pessoas para aumentar
a produção e poder melhor cobrar os impostos. Pretendia-se
implantar nas minas um sistema de distribuição de datas minerais
e sesmarias que contemplava a produtividade, basta observar de
perto o Regimento de Terras Minerais que afirmava:
51
Ibidem , p. 431.
52
ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil. São Paulo, Melhoramentos-MEC, p. 167.
53
Revista do APM., v. 1p.p. 675-676.
49
“ ... e as mais datas repartirá o Guarda mor, regulando-se pelos
escravos que cada um tiver, que em chegando a doze escravos, ou
daí para cima fará repartição de uma data de 30 braças conforme o
estilo, e aquelas pessoas que não chegarem a ter 12 escravos lhe
serão repartidas duas braças e meia para cada escravo, para que
igualmente fiquem todos logrando da mercê que lhe faço e para que
não haja queixa nem dos pobres e nem dos Ricos por dizerem que
na repartição houve dolo repartindo-se a uns melhor sítio que a
outros por amizade...”
53
Mas como se deduz do próprio texto acima, a concessão
das datas minerais estava condicionada à posse de escravos
fossem nativos ou africanos para garantir a produtividade. Por isto
temos que trabalhar com a possibilidade de que o número de
negros seria, nas Minas, sempre maior que o número de brancos.
Levados por seus senhores, na condição de escravos nativos,
africanos e crioulos. Foi assim que chegaram às Minas os nossos
principais atores neste trabalho. E é sobre suas vidas que
passamos a escrever agora.
Os primeiros escravos que chegaram às minas foram os nativos
que acompanhavam os paulistas e baianos. Para os nativos
popularizou-se o termo carijó. Esta denominação aplicava-se a
qualquer nativo destribalizado. Porque foi isto o que aconteceu
nas Minas. Os nativos que acompanhavam os paulistas não tinham
parentes aqui. Aqueles que acolheram Borba Gato foram
lentamente desaparecendo e o Botocudos do vale do Rio Doce
eram tão temidos que foram deixados em paz até o século XIX. Na
primeira metade do setecentos a denominação carijó, aparecerá
nos documentos referindo-se a qualquer nativo destribalizado.
Esta denominação, segundo informação pessoal do professor
Renato Pinto Venâncio
54
, referia-se aos nativos destribalizados
remanescentes que acompanhavam a primeira leva de
colonizadores paulistas.
53
Revista do APM., v. 1p.p. 675-676.
54
Professor da UFOP.
50
Quanto aos africanos, estes eram geralmente “de nação”,
ou seja, eram africanos, importados exclusivamente para o serviço
nas minas. Na lista
55
de população e escravos do Ouro Podre, Rio
das Pedras, Bueno e Tacotinga de três de dezembro de 1727
aparecem preferencialmente os minas, seguidos dos angolas,
benguelas, congos, cabo verde, moçambique, masangano, courano,
cobu, monjolo, massange, courá, nagô, São Tomé, e apenas alguns
crioulos e mulatos. Dos 677 escravos listados, 549 eram da nação
mina ou seja cerca de 81% e os demais 19% distribuídos entre
as várias nações, inclusive pardos e mulatos. Apenas 96 ou
14,1% eram mulheres, 85,9% eram homens. Nesta lista há apenas
um casal. Manuel de Faria, preto forro, possuía dois escravos. Um
de nação São Tomé e sua mulher. Joseph da Silva declarou Ter
vinte e quatro escravos. Doze homens e doze mulheres, sendo
duas casadas.
Numa área de mineração é compreensível que a maior
parte dos escravos fossem homens. Quanto à preferência pelos
minas dois fatores explicam a sua predominância.
Primordialmente o fato dos portugueses terem um grosso trato
negreiro na costa da Guiné e na costa da Mina e segundo, o fato
dos vários grupos étnicos da região da costa da Mina conhecerem
a metalurgia. Os portugueses deduziram isto do fato de que do
interior do continente vinha ouro em pó para trocas, portanto,
deveria existir entre os nativos daquela região povos que
conhecessem as técnicas de extrair ouro.
A ignorância dos portugueses em relação à extração do
ouro era conhecida. Basta lembrar o fato de que para São Paulo
foi enviado Dom Rodrigo com seus êmulos, por ser “prático” em
55 Lista de população e escravos do Ouro Podre, Rio das Pedras, Bueno e Tacotinga. APM. Fundo Casa dos
Contos, Planilha 10485, rolo 508. Fotograma 552, 03/12/1727.
56
Boxer, op. cit. p. 183 211.
51
mineração. Boxer não hesita em afirmar que “ os portugueses,
como se fazia evidente, sabiam menos sobre minas do que alguns
escravos vindos do Sudão Ocidental”.
56
Segundo Mary Karasch por costume antigo os
portugueses chamavam de “mina” a qualquer escravo da África
Ocidental, e prossegue:
“ (...) eram escravos exportados da Costa da Mina. O nome é
originara-se do Castelo São Jorge da Mina, também chamado
Elmina, na Costa do Ouro ( atual Gana); e por extensão, o litoral
de Mina veio a identificar a região costeira a leste de Elmina, ou
seja, do litoral da Costa do Ouro até a Nigéria , ou toda a área da
baía de Benin.”
57
Em 1714 cobrava-se menos pelo direito de entrada de um
escravo mina a 3 mil três por cabeça e pelos angolas 6 mil réis
.Mas o governador da época percebeu que “ os que vem de Mina
se vendem por preço mais subido”
58
desta informação resultou a
mudança do preço da cobrança das entradas dos escravos que
passou a ser 4 mil e quinhentos réis por cabeça, de qualquer
nação.
Além disto, no imaginário dos mineiros consolidou-se a
crença de que era preciso ter uma negra mina como concubina
para ter sorte e achar ouro, além dos escravos minas, experientes
na arte da mineração, é o que informa o Governador do Rio de
Janeiro Luis Vaia Monteiro em carta ao Rei em cinco de Julho
1726:
“... que os negros minas são os de maior reputação para aquele
trabalho, dizendo os mineiros que são os mais fortes e vigorosos,
mas eu entendo que adquirem aquela reputação por serem tidos
como feitiçeiros e tem introduzido o diabo, que só eles descobrem
ouro e, pela mesma causa, não há mineiro que possa viver sem uma
negra mina, dizendo que só com elas tem fortuna...”
59
57
KARASCHI, Mary C. op. cit. p. 63 64.
58
BARBOSA, Waldemar de A. Negros e Quilombos em Minas Gerais. Belo Horizonte,
1972, p. 11
59
Ibidem, p.12
52
Na década de 30 a situação muda. Os mineiros sentem os
primeiros reflexos do esgotamento das faisqueiras e os
holandeses, dominando Elmina, colocam sérios entraves ao
tráfico da Costa da Mina. Os portugueses passam a importar
negros de Angola, da nação banto. Estes são rapidamente aceitos
pelos mineiros e considerados mais inteligentes , maleáveis a
várias situações, trabalhadores, pacíficos, mais fáceis de conduzir
pelo medo dos castigos, entusiasmados por qualquer festa e
recomendados para o serviço doméstico. Karaschi afirma que este
grupo pertencia a várias tribos que falavam o quimbundo, de
Luanda e seu interior.
60
Quanto aos mestiços, que não são o objeto principal deste
trabalho, falaremos mais adiante.
60
KARASCHI, op. cit. p. 56.
53
CAPÍTULO II
A VIDA COTIDIANA DOS ESCRAVOS URBANOS NAS MINAS
GERAIS.
Mil bateias vão rodando
sobre córregos escuros:
a terra vai sendo aberta
por intermináveis sulcos;
infinitas galerias
penetram morros profundos.
(...)
Pelos córregos, definham
Negros, a rodar bateias.
Morre-se de febre e fome
Sobre a riqueza da terra:
(...)
Mil galerias desabam;
Mil homens ficam sepultos;
(Romance II ou Do Ouro Incansável
O Romanceiro da Inconfidência, Cecília Meireles)
54
Condições de Trabalho.
Nas Minas tudo conspirava contra o escravo urbano. Além do
fato de estar submetido à condição aviltante da escravidão havia o clima.
Este era muito rigoroso. Frio. Vila Rica e Ribeirão do Carmo foram
formadas espontaneamente ao longo do ribeirão do Carmo e do Córrego do
Funil. Área localizada há mais de 1000 metros de altitude. Os arraiais
primitivos foram construídos nas áreas escarpadas das serras ao longo dos
córregos e do ribeirão acompanhando desordenadamente as lavras. Os
primeiros ranchos eram construídos tão próximos às lavras que, à medida
que estas iam esgotando-se, as áreas dos ranchos eram reviradas em busca do
ouro e estes eram transferidos para outros locais, um pouco mais acima das
novas lavras mas, sempre próximas a elas.
Estes ranchos eram tão miseráveis que não sobrou nada para a
arqueologia estudar. Geralmente feitos de barro e pau-a-pique, o chão de terra
batida, com telhado de folhas de palmeira, sapé ou palha
1
. Esta moradia
próxima aos córregos provocava vários inconvenientes. A região era e ainda
é muito fria. Os escravos trabalhavam na maior parte do tempo com os pés
dentro d
,
água. No inverno o sol raramente chegava até aos vales
atravessando a densa neblina, “os ruços”
2
, no verão o calor era grande e o sol
atingia o corpo do escravo que geralmente trabalhava com o dorso nu. As
roupas dos escravos raramente iam além de calções de baeta e chapéu de
palha. Usavam-se as pesadas bateias para extrair o ouro aluvional das
faisqueiras. O termo refere-se às pepitas maiores que “faiscavam” ao sol.
Para extrair o ouro usava-se a bateia, uma bacia grande e rasa, cônica
feita de madeira ou de metal, que o escravo segurava com as mãos. Já no
início do século XIX John Mawe :
“ Cada trabalhador fica de pé sobre o riacho, toma na sua vasilha cinco ou seis
libras de sedimento, que geralmente consiste em matéria pesada, tal como óxido de
ferro, piritas, quartzo ferruginoso etc., de um colorido escuro, carbônico. Deixam
entrar certa quantidade de água na vasilha, que movem circularmente com muita
1
BOXER, op. cit. p. 72.
2
Termo usado por Sylvio de Vasconcellos para definir a neblina que é uma característica da região.
55
habilidade, até que o precioso metal, separando-se das substâncias inferiores e mais
leves, assenta no fundo e nos lados da vasilha. Então, lavam suas gamelas em
vasilha maior, de água limpa, deixando o ouro ali e recomeçando a tarefa.”
3
Pode-se deduzir pela descrição acima que o trabalho era
extremamente penoso. Quando chovia demais e não era possível trabalhar nos
córregos. Nas galerias subterrâneas o trabalho era mais insalubre. Escavar a
terra com almocreves
4
, arrastando-se pelas longos corredores apertados,
respirando o ar pesado e sem oxigênio do seio da terra, perfurando as duras
pedras de canga
5
das vertentes das colinas de Ouro Preto e dos morros de
Mata-cavalos e São Gonçalo em Ribeirão do Carmo. Galerias às vezes tão
extensas que era necessário abrir buracos (respiradouros) para oxigená-las.
Aliás, até hoje, estes respiradouros mal tapados ou sinalizados são a causa de
vários acidentes com crianças, principalmente no morro de São Gonçalo, em
Mariana. As galerias eram extensas, segundo Luis Gomes Freire
6
“ possuíam
mais de 600 ou 700 palmos” segundo ele os escravos “lá trabalham, lá
comem, e lá dormem muitas vezes, e como estes quando trabalham andam
banhados de suor com os pés sempre em terra fria, pedras ou água; resfriam
de tal modo que daí se originam várias enfermidades”.
7
As mulheres escravas não estavam em melhor situação do que os
homens, apesar de serem em menor número, isto não lhes garantia regalias. A
historiografia do século XIX fixou no imaginário popular a imagem da
escrava concubina, enfeitada de jóias e sedas, caprichosa, que dominava os
homens brancos através de seus atributos sexuais e de feitiçaria sendo o
exemplo mais marcante Chica da Silva. Mas a vida real das mulheres
escravas, nas Minas Gerais estava muito longe deste estereótipo.
3
BOXER, op. cit. p. 202.
4
Pequena enxada de ponta usada na mineração.
5
Concentração de hidróxido de ferro na superfície do solo sob a forma de concrecões e que as vezes
constitui bom minério de ferro.
6
Médico português que morou nas Minas mais de vinte anos e deixou um extenso relato sobre as condições
médicas e higiênicas da colônia.
7 Citado por BOXER, op. cit. p. 204.
56
As fontes sobre elas são escassas. aparecem citadas em vários
bandos
8
dos governadores e cartas das Câmaras que sempre as acusavam dos
“descaminhos” dos jornais dos escravos das faisqueiras, de acoitar
quilombolas, de facilitar o contrabando do ouro, de prostituírem-se ou incitar
a prostituição de outras, etc. As devassas eclesiásticas também as apontam
como concubinas, arruaceiras, cafetinas ou feiticeiras.
9
Podemos deduzir que elas exerciam uma dupla jornada de trabalho.
Conjugavam o trabalho doméstico com o sistema que Leila Mezam Algranti
chama “ de ganho”
10
ou seja, além de cuidar dos afazeres domésticos das
casas de seus senhores ou de suas próprias casas, exerciam outra ocupação
para “ganhar” os jornais exigidos pelos seus senhores.
O mais comum era “ tornarem-se negras de tabuleiro”.
11
Preparavam alimentos os mais diversos como doces, bolos, pães, frutas,
carnes assadas, fritas e cozidas, mel, leite, cachaça, fumo, pastéis, etc. O
trabalho era estafante . era necessário procurar os ingredientes nas vendas ou
fornecedores das vilas, preparar os alimentos e, principalmente, vender. Para
isto elas andavam carregando seus pesados tabuleiros. Perambulavam pelas
faisqueiras dos ribeiros e galerias nos morros. Becos e ruas empoeiradas ou
calçadas com pedras escorregadias. Debaixo do sol ou da neblina fina que
eram e são constante em Ribeirão do Carmo e Vila Rica do Ouro Preto.
Pela documentação da época a sua presença era muito notada. os
bandos falam em “multidão”
12
de negras. e podemos vê-las pelas cidades
mas, principalmente, subindo e descendo os morros, descendo às lavras ,
ocupando os caminhos e ruas. Conversando, cativando fregueses, levando e
8
“ Chamava-se bando uma determinação, ou um decreto do governador da Capitania.” Segundo BARBO
SA, Waldemar de Almeida. Dicionário da Terra e da Gente de Minas. Publicações do A . P . M.
9
FIGUEIREDO, Luciano. I O Avesso da Memória: Cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no
século XVIII.
10
Segundo Leila Mezam Algranti, “ escravos de ganho eram aqueles que após fazerem alguns serviços na
casa de seus senhores iam para as ruas, em busca de trabalho. Alugavam seu tempo a um e a outro, e
deviam no final de determinado período entregar aos seus senhores uma soma previamente estabelecida
“ In: O Feitor Ausente. Petrópolis, Vozes, 1988.
11
REIS, Liana Maria. “Mulheres de Ouro: as negras de tabuleiro nas Minas Gerais do século XVIII.” In:
Revista do Departamento de História. FAFICH/ UFMG. N
o
8, 1989,pp. 72 85.
12
APM, Fundo Casa dos Contos. doc. 35, caixa 12, Petição à Câmara. 07/ 02/ 1741. documentação avulsa.
57
trazendo notícias, recados de amores proibidos, ajudando os negros fugidos e
quilombolas ao avisarem-os sobre a movimentação dos ordenanças ou das
tropas dos capitães-do-mato. escondendo-se dos almotacéis
13
porque não
tinham licença ou balança aferidas ou por que vendiam produtos proibidos
como a cachaça ou subornando-os. Presas na enxovia
14
quando apanhadas
pelos almotacéis esperavam que seus senhores fossem libertá-las, sofrendo os
abusos dos guardas ou chantagens do carcereiro.
Se os escravos “ao ganho” enfrentavam a concorrência dos
faiscadores brancos e mestiços pobres, as negras também tinham seus
concorrentes. Muitos pequenos lavradores conseguiam autorização das
Câmaras para vender os produtos de suas roças nas vilas. Mas eles não
vendiam alimentos preparados e as negras forras levavam vantagem sobre as
escravas porque não tinham que pagar jornais aos senhores.
As negras também ocupavam-se das vendas que podiam ser
próprias ou de seus senhores. O normal era as forras terem as suas próprias
vendas que não passavam de cubículos de pau-a-pique que geralmente na
documentação aparecem arroladas como “venda pobre” . As escravas
gerenciavam as vendas de seus senhores como declarou Antônio Lopes de
Mattos, oficial da Casa da Moeda, em trinta e um de outubro de 1730
15
que
tinha doze escravos “ machos e fêmeas” (...) “ e uma venda em que uma
escrava tomava conta”. Já Antônio Jorge afirmava ter treze escravos sendo
que uma “está em uma venda que tem acima da Ponte de Antônio Dias”. Mas
nem estas estavam livres das perseguições dos vizinhos, dos almotacéis, das
ordenanças e capitães-do-mato.
Quanto aos moleques, molecotes, mulatinhas, negrinhas, ou seja
filhos ou filhas de escravas ou crianças pequenas que sobrevivam às doenças
13
Nomeados pela Câmara entre os homens bons da vila ,cuidavam para que não faltassem alimentos, nem
oficiais de cada ofício, conferiam pesos e medidas, cuidavam da limpeza das ruas e execução das
posturas municipais. O cargo não era remunerado. In : BARBOSA, op. cit. p. 19.
14
“ Cárcere térreo ou subterrâneo, escuro, úmido e sujo” In : Dicionário Etimológico Nova Fronteira.
CUNHA, Antônio Geraldo da. Rio de Janeiro , Nova Fronteira, 1997.
15
APM, Fundo Casa dos Contos, Rolo 513, Fotograma 823, 31/10/1730 Declaração dos oficiais da Casa da
...
58
da 1ª infância, estes eram logo iniciados no trabalho. É possível que aos doze
ou quatorze anos já trabalhassem nas lavras ou nos trabalhos domésticos, para
a região de Conceição do Mato Dentro, Julita Scarano
16
encontrou listas de
escravos com 15 anos ou menos. Não encontramos para o período estudado
nenhum documento que registrasse a idade dos escravos.
A repressão às atividades das negras de tabuleiro iniciou-se bem
cedo. Já em 1710 D. Antônio de Albuquerque Coelho editava um bando no
qual proibia negras e negros, escravos e forros de venderem alimentos nas
minas ou fora dos arraiais. As penas eram altas: perderiam toda a mercadoria
e pagariam trinta oitavas de ouro de multa e os senhores pagariam sessenta
oitavas.
17
O bandos repetem-se em 1714 no governo de D. Bráz B. Silveira,
do Conde de Assumar e de todos os outros.
D. Lourenço de Almeida será mais enfático na repressão às negras
de tabuleiro. Afinal a reclamação já havia chegado ao Rei através da famosa
carta do secretário de governo Manoel de Azevedo que reclamava que:
“ as negras forras que estão em vendas suas, porque estas são tão ou mais
prejudiciais que as outras [ as escravas] : da mesma sorte não só pelas vila, arraiais,
e caminhos das Minas andam vendendo negras coisas comestíveis em tabuleiros as
quais fazem as mesmas luxuriosas desordens assim com brancos como negros,
avizinhando-se,( por mais que as impeçam) das lavras de ouro(...)
18
Na mesma carta o secretário fazia alusão às negras escravas que
prostituíam-se com o consentimento dos seus donos porque eram mandadas às
lavras para faiscar ouro sem os instrumentos necessários (almocreve e bateias)
e seus senhores exigiam delas os jornais como se estivessem a faiscar. Afirma
ele que se os senhores não lhes davam instrumentos próprios era porque
esperavam que elas, “ usam mal de seus corpos para haver de ganhar os ditos
jornais, e sem embargo disso lhos recebem, e as obrigam a dá-lhos com
rigorosos castigos e mau tratamento, sendo o principal fundamento desse
excesso o pouco temos de Deus.” Cita a seguir que o mesmo acontecia nas
16
SCARANO, Julita. Cotidiano e solidariedade: Vida diária da gente de cor nas Minas Gerais Século
XVIII , São Paulo, Brasiliense, 1994, p 11.
17
APM, Seção Colonial, Códice 07, folha 37, Bando de D. Antônio de Albuquerque.
18
APM, Fundo AHU, caixa 20, doc. 64. 20/02/1732.
59
vendas onde os senhores “ retirando-se para dar seus passeios,(...) [deixando]
que as negras fiquem mais desembaraçadas para o uso de seus apetites.
Deixa claro que as negras não recebiam apenas brancos mas, principalmente
negros a toda hora do dia ou da noite não somente os negros mineiros, mas
os negros fugidos e destes ajuntamentos resulta (...) que se matam, e ferem
em grande prejuízo de seus senhores”. Nas vendas os negros encontravam o
ambiente para esquecer, nem que fosse por algumas horas, o horror do seu
viver.
Moradias.
Não há restos arqueológicos das casas dos pobres nas Minas da
primeira metade do século XVIII. Julita Scarano afirma que elas são pouco
citadas na documentação
19
mas sua pesquisa abrange toda a área das Minas
Gerais. Em Ribeirão do Carmo e Vila Rica é difícil encontrar o modelo
clássico das senzalas da região açucareira, principalmente porque tratam-se de
centros urbanos. Os relatos aludem aos ranchos, já descritos, é certo que os
porões também eram usados para moradia dos escravos. O exemplo mais
marcante é a senzala da Casa dos Contos, de Joaquim Rodrigues de
Macedo, construída no final do século. Como já citei, muitos escravos
moravam fora das casas de seus senhores. Como eram estas moradias?
Precárias e miseráveis segundo Julita Scarano. Feitas de pau-a-pique e
cobertas de capim, segundo a grande maioria dos relatos, desde os cronistas
do século XIX, passando por Boxer e Scarano. Localizadas perto das áreas de
lavras e faisqueiras, no caso dos ranchos, nos lugares menos nobres das
cidades, ou seja, longe das casas de Câmara e Cadeia é da Igreja Matriz que
formavam o núcleo nobre das cidades. Segundo Augusto de Lima Júnior “ os
pretos, mulatos e brancos pobres, moravam nas partes baixas das vilas ou
arraiais, afastados da Câmara e da matriz”.
20
A mesma autora afirma que “ a
19
SCARANO, Julita. op. cit. p. 82.
20
Apud. SCARANO p. 85.
60
senzala ou qualquer outra morada de cativos, se encravava ao lado das
cocheiras, do quarto de arreios e dos galinheiros.”
21
Estudando o período entre 1740 a 1770, trabalhando com
inventários do período um outro estudo afirma que “ A descrição das casas
de Ouro Preto é lacônica. Não há referência ao número de cômodos, nem à
distribuição as áreas de serviço e social, nem tampouco à área do terreno.”
22
Mas ela tem outra citação importante do inventário de Teodósio Gonçalves
Lanhoso, português do Arcebispado de Braga, que morreu nas Minas, ali
constam 3 casas na área urbana de Ouro Preto, sendo uma no morro do
Pascoal ou da Queimada, “ em todas elas “ a ausência de senzala em sua
residência, nos leva a supor que os escravos se acomodavam no próprio corpo
da casa”
23
Outro autor estudado é Sylvio de Vasconcellos. Em um estudo
minucioso da área urbana de Ouro Preto não há referências de senzalas.
Em Mariana , Cláudia Damasceno Fonseca, citada na pág. 19, afirma
em seu estudo que a rua do Piolho , ao longo do Ribeirão do Carmo ficavam
as senzalas, nos fundos das casas da rua direita. Como eram estas senzalas?
Silêncio. A documentação silencia-se quando trata dos escravos, os
despossuídos do século XVIII.
Boxer citando Luís Gomes Freire, afirma que os escravos das galerias
dormiam dentro delas.
Concluímos que não havia um padrão para a moradia dos escravos na
área urbana de Ribeirão do Carmo e Vila Rica, ou moravam nas casas de seus
donos ou sob o signo do improviso e do abandono viviam, dormiam, comiam
onde podiam, próximos ao trabalho. É certo que as negras possuíam casas,
mas como seriam elas? Provavelmente muito pobres. Cobertas de capim,
21
Ibidem. p. 86.
22
MAGALHÃES, Beatriz R. A Demanda do Trivial. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos. S/d. Devo
à Carmem Silva Lemos responsável pelo Arquivo Histórico e Biblioteca do Museu da Inconfidência ,
esta referência.
23
Idem, p. 188.
61
construídas com qualquer material disponível: pau-a-pique, tábuas, cobertas
de capim.
É certo que mesmo se existissem senzalas, elas não impediam a
mobilidade dos escravos. Principalmente à noite. Quando o sol se punha e a
noite fria cobria Ribeirão do Carmo e Vila Rica do Ouro Preto, os escravos
estavam livres para serem homens de fato se não o eram de direito. Então iam
às vendas, às casas das negras, aos batuques ou aos quilombos urbanos.
Comiam, divertiam-se, amavam, bebiam, dançavam, contrabandeavam,
brigavam, roubavam, matavam. As cidades e seus caminhos eram deles e por
isto mesmo uma extensa legislação foi produzida no setecentos tentando
evitar a mobilidade dos escravos. Em 1714, um bando de D. Brás Baltazar da
Silveira, então governador da Capitania de Minas e São Paulo, proibia que os
escravos pernoitassem fora da casa de seus senhores.
24
Mas não podemos
deduzir deste documento se existiam senzalas ou os escravos dormiam no
corpo da casa.
O certo é que esta proibição é repetidas vezes reiterada ao longo do
setecentos e por isto mesmo concluo que ela era inócua. Na década de trinta
Antônio José Cogominho, oficial da Casa de Fundição, declarou que “tem
onze escravos seus e uma escrava, e os mais que se acharem na sua lavra, da
Passagem, declarou não serem seus”. Da mesma forma Antônio Jorge tinha
treze escravos e três escravas e “ tem mais duas que não da sua conta”.
25
O que faziam estes escravos fora da casa de seus senhores? Os escravos
da lavra podiam ser escravos “ de ganho” mas e as duas negras na casa de
Antônio Jorge? Podiam ser fugidas, podiam estar abrigadas na casa do
mesmo por se achar próxima do local de trabalho, podiam ser alugadas, em
qualquer dos casos ele teria declarado. O fato é sempre encontramos estes
escravos fora das casas dos seus donos, onde eles não deveriam estar. A
moradia, portanto, no sentido amplo era todo o território das cidades, em
24
SCARANO, op. cit. p. 89.
25
APM, Fundo Casa dos Contos, Planilha 20082, rolo 524. Fotograma 868, 1733.“Relação dos escravos dos
oficiais destas casas de fundição e moeda segundo a declaração que fizeram na minha presença.”
62
qualquer lugar, lá estavam os escravos, onipresentes e provocando medo,
sobre o qual falaremos mais adiante.
Alimentação.
O quê comiam os escravos? Como funcionava a relação senhor -
escravo no quesito alimentação? É clássica a afirmação de Antonil
26
sobre o
tratamento dispensado aos escravos: “ No Brasil, costumam dizer que para o
escravo são necessários três PPP, a saber, pau, pão e pano. E posto que
comecem mal, principiando pelo castigo que é o pau, contudo prouvera a
Deus que tão abundante fosse o comer e o vestir como muitas vezes é o
castigo.” Continuando o autor afirma que os senhores costumavam dispensar
os escravos do trabalho um dia por semana para que pudessem plantar as suas
roças e “ não padeçam fome e nem cerquem cada dia a casa de seu senhor ,
pedindo-lhe a ração de farinha”. A nós parece que os escravos exerciam dupla
jornada de trabalho, nas lavouras e trabalhos do engenho e nas próprias
lavouras para não pedir comida ao senhor. Como isto funcionava? Temos o
relato de Antonil mas seria assim em todo a colônia? E nas Minas Gerais?
Como conseguiriam alimentos os escravos das faisqueiras e lavras que
não tinham tempo disponível para “plantar” para si ?O costume aqui repete-
se. Não há trabalho agrícola. Mas os senhores permitem que os escravos
trabalhem nas faisqueiras abandonadas durante um dia por semana para
conseguir ouro e adquirir o seu próprio sustento. Como informa Antonil
27
ao
explicar como os comerciantes acumulavam ouro nas Minas Gerais“ (...) Por
que os negros e os índios escondem bastantes oitavas quando catam nos
ribeiros e nos dias santos e nas últimas horas do dia, tiram ouro para si, a
maior parte deste ouro se gasta em comer e beber (...)”. Provavelmente é esta
uma das origens do pecúlio que os escravos usavam para comprar a alforria
26
ANTONIL, op. cit. p. 91.
27
Idem. p 173.
63
e manter um nível de vida um pouco acima da pobreza absoluta. Este fato
contesta uma das características da escravidão no Brasil: de que seria o senhor
totalmente responsável pela manutenção dos seus escravos. Nem todos os
escravos gastavam todo o ouro que arrecadavam com comida ou bebida. Em
1722 Baltazar Dias Alves em seu testamento declarava que “ devo ( ...) a
Francisco escravo de Ivam Gomes Alves Ribeiro sete oitavas e ¾ de
ouro...”
28
. Portanto os escravos tinham uma fonte de renda própria que
podiam usar como lhe conviessem, em roupas, alimentos, bebidas, diversão e
até a formação do pecúlio para alforria.
Mas o gasto principal era com alimentação. Grande parte da
documentação do setecentos refere-se às reclamações que os senhores faziam
sobre estes gastos. Quem tinha escravos ao ganho nas lavras e faisqueiras ou
mesmo alugados, convivia com o fato de que estando o escravo longe do
dono, tinha que prover a sua própria alimentação ou complementá-la porque
na verdade eram mal alimentados.
Entre os papéis reunidos pelo Ouvidor Caetano Costa Matoso
29
encontramos três especialmente dedicados á alimentação dos mineiros. O
primeiro descreve o plantio da cana-de-açúcar e fabricação da cachaça. O
segundo sobre o plantio da mandioca e fabricação da farinha da mesma e
terceiro trata detalhadamente sobre o plantio do milho, suas várias formas de
comercialização ( espigas, canjica grossa, fina e farinha) e usos na culinária.
O Ouvidor, como era de seu estilo, retrata de forma viva a base da
alimentação nas Minas, principalmente o fubá. Este será o prato principal dos
escravos.
Antonil revela que no início da mineração as pessoas morriam e
matavam por uma espiga de milho na época da grande fome. Na verdade, os
paulistas como primeiros habitantes das Minas introduziram o hábito de
comê-lo na região. Aprenderam com os nativos. Era o milho que sustentava
28
ASC. Fundo 1º Ofício, Códice 15, auto 474, Testamento de Baltazar Dias Alves. 1722.
29
FUNDAÇÃO João Pinheiro. Códice Costa Matoso. Coleção Mineiriana ,Belo Horizonte.
64
os paulistas nos sertões. Eles esperavam que crescesse para fazer a colheita e
poder seguir adiante em suas andanças.
Angu com feijão e toucinho. Estes eram os pratos básicos servidos
aos escravos no século XIX em Minas Gerais e mesmo no vale do Paraíba.
Eduardo Frieiro em obra clássica
30
afirma que “ os porcos tinham melhor
alimentação, ou quando nada mais farta, porque era preciso engordá-los para
o abate”. e continua:
“A alimentação , quase sempre, não passava de feijão bichado e angu mal cozido.
em outros casos, a pobre besta escravizada tinha que se contentar com laranja,
banana e farinha de mandioca. e toca a trabalhar. Assim como ficou no nosso
folclore:
Comida de negro brabo:
quatro laranjas e um gaio,
Uma cuia de farinha,
Cinco pontas de vergaio
Eduardo Frieiro comenta a alimentação dos escravos no século
XIX, mas ela não difere muito do século XVIII. Em 1730, Francisco
Gomes fazia uma petição à Câmara de Vila Rica afirmando que tinha
mandado um feitor, com um negro, à vila com dez carroças de milho de
sua roça para entregar a um certo Antônio Francisco que morava no Padre
Farias e teve a sua mercadoria apreendida.
31
Em 1733 aconteceu um fato
curioso. mesma Câmara proibia a venda de fubá porque na opinião dos:
“médicos e cirurgiões (...)se informou este senado da Câmara desta vila certificando-
me de notório e irremediável dano que causam à saúde, não só pela muita pedra a
comer inevitavelmente na mistura, mas especialmente pela sua natureza crua e asma
(sic), e como tal prejudicialíssima”
32
A partir desta data estava proibida a venda de fubá . Quem insistisse
em vendê-lo perderia a mercadoria e pagaria quarenta oitavas de ouro de
multa. Por isto o Francisco Gomes acima citado fazia questão de dizer que “
o tal milho não é de venda”.
30
FRIEIRO, Eduardo. Feijão, Angu e Couve: ensaio sobre a comida dos mineiros. Belo Horizonte,
UFMG, 1966
31
APM. Fundo Casa dos Contos, Planilha 10634, microfilme 510, Fotograma 369, Petição à Câmara ,1730
32
APM. Fundo Casa dos Contos, Planilha 20451, microfilme 531.Fotograma 232, Resolução da Câmara
1733.
33
CÓDICE COSTA MATOSO, op. cit. doc. 113, pp. 785-786.
65
O Ouvidor Costa Matoso informa-nos em “ a comidas que se
fazem do milho”
33
que ele era usado em grãos para o sustento dos animais
domésticos e silvestres e como fubá “o angu para os negros, cozido em um
tacho de água até secar, só se diferencia da broa em ser esta cozida no forno
e levar sal”. Informa ainda que assavam e cozinhavam as espigas verdes,
faziam canjica doce, manjar branco, pamonhas e etc. A canjica grossa “ os
ricos comem por gosto e os pobres por necessidade”. Frieiro também cita o
fato de que em duas fazendas do Conde de Linhares, no início do século
XIX:
“ o administrador, o intendente e os feitores comiam conjuntamente o trivial, a
saber: ao almoço, feijão preto com farinha de milho e um pouco de toucinho frito ou
carne de sol cozida; ao jantar, um pedaço de porco assado; na ceia, hortaliças
cozidas e um bocado de toucinho para lhes dar gosto. (...) Alimentavam os negros,
ao almoço e à ceia, com farinha de milho misturada com água quente, o angu,(...) no
qual punham um naco de toucinho, e ao jantar lhes davam feijão.” Isto em Vila Rica
segundo o viajante Pohl.
34
Não podemos afirmar com certeza se os escravos comiam carne no
século XVIII. Mas encontramos um documento em que a população de Vila
Rica reclama sobre a qualidade da carne que estava sendo abatida na cidade.
“ Dizem os povos desta vila e seus arrebaldes que há anos a esta parte
experimentam muitas doenças, e nos seus escravos causadas das carnes ,que nesta
vila, e seus arrebaldes se constam por virem os gados corridos, e cansados da
contagem e nas partes donde os trazem; O que antigamente se evitava por virem os
gados para os campos da Cachoeira, e neles descansavam ( depois) se o conduziam
para os cortes e por magra que a carne fosse não fazia dano; a vista do que
Pedem a vosmecês atendendo ao referido sejam servidos mandarem as pessoas que
contratam nos gados lhes dêem descanso nas paragens convenientes para que não
entrem para os cortes cansados”
35
Antonil afirmou que era obrigação dos senhores tratar
bem de seus escravos do contrário como exigir que ele trabalhasse
bem e produzisse sem lhe dar o alimento e o que vestir?
Analisando a situação do ponto vista religioso chegava a
conclusão que era uma grave falta dos senhores a ser cobrada por
Deus, o mal trato que davam aos escravos. Daí as reclamações
33
CÓDICE COSTA MATOSO, op. cit. doc. 113, pp. 785-786.
34
FRIEIRO, op. cit. p. 79.
35
APM. Fundo Casa dos Contos, Planilha 20863, Microfilme 536, Fotograma , Petição à Câmara ,1742
66
repetidas nas Minas Gerais contra as negras de tabuleiro. Ao
preparar alimentos variados, diferentes do angu e feijão e, passar
a vendê-los nas lavras, faisqueiras e nas cidades, elas encontravam
uma freguesia certa: os escravos de aluguel ou ao ganho e mesmo
aqueles que trabalhavam diretamente sob a direção do feitor mas
podiam minerar por conta própria nos dias e horários
determinados pelo senhor.
Os escravos não viam nenhuma vantagem em levar o ouro que
extraíam para casa de seus senhores ou senhoras aonde só receberiam uma
cuia de angu mal cozido com caldo de feijão. Preferiam gastar o ouro
encontrado em alimentos que conservavam os seus corpos, davam-lhes prazer
e por breves instantes a sensação de serem donos de suas vidas. Entre as
alternâncias do clima implacável da região, os escravos de Mata-cavalos, do
morro de São Gonçalo, do Monsus, do morro do Ouro Podre, das faisqueiras
do Ribeirão do Carmo , do córrego do Funil, do Alto da Cruz e de toda parte
em Vila rica e Mariana alimentavam-se, usando para isto, o ouro, fruto de seu
trabalho, e ao voltarem para a casa de seus senhores à noite, onde dormiriam
em esteiras sujas, no chão frio, nos porões e em casas de sapé nos quintais,
eles seriam castigados, mas não passariam fome.
Velhice e Abandono.
Pela documentação pesquisada não podemos fazer
nenhuma afirmação conclusiva sobre a expectativa de vida dos
escravos urbanos em Minas Gerais. Como afirma Kátia Mattoso
“morre-se jovem no Brasil, e ainda mais jovem quem é
trabalhador escravo”.
36
Os documentos não fazem referência à
idade dos escravos. Para os mais jovens eram usados os termos
36
MATTOSO, op. cit. p. 174.
67
mulatinho, negrinho, negrinha, crioulinha. Para os adultos apenas
as palavras escravo, negro, negra ,mulato, crioula, seguido da
nação.
Pelas condições de higiene e alimentação, podemos
deduzir que era difícil para os escravos chegarem à velhice em
Minas Gerais. Pelo menos um documento revela um dos
possíveis destinos dos escravos que já não conseguiam produzir o
suficiente. Em vinte e seis de Março de 1738, os oficiais da
Câmara, em carta ao Rei informavam sobre a situação da Santa
Casa de Misericórdia de Vila Rica:
“ (...) Ao dito hospital se dão alguns escravos de esmola às vezes
por incapazes, para nele se usarem fiando para servir os enfermos e
mais serviços que se oferece ao dito hospital; e estes os obrigam a
pagar capitação; parece que deve Vossa Majestade ordenar por sua
real grandeza e piedade que todos os escravos que se derem de
esmola ou sejam por compra para o serviço do mesmo hospital
escusos da dita capitação, visto esta vivendo de esmola dos fiéis de
Deus que concorrem para a cura dos doentes por não ter ainda
rendas com que possa suprir despesas do dito hospital.”
37
Esta é uma das facetas do que era ser escravo no
Brasil e em Minas Gerais. Ser usado até o fim. Quando jovem,
trabalhar até esgotar as suas forças. Quando velho ser
abandonado pelo senhor, mas não antes de ter uma última
utilidade, era doado “ como esmola” , para demonstrar a
caridade cristã do senhor. Seu destino: “ servir aos enfermos e
mais serviços”, e assim servir por toda a vida.
O senhor era responsável pelo seu escravo até o fim. Mas quando
eles eles eram presos e precisavam cumprir longas penas , o que mais
ocorria era o abandono. É grande a correspondência dos carcereiros com as
Câmaras sobre os escravos abandonados que precisavam de remédios,
alimentos, roupas e outras coisas.
37
APM, Fundo Casa dos Contos, Planilha 20618, Rolo 533, Fotograma 384. Carta da Câmara...
68
Em oito de março de 1732, o carcereiro Manoel da Silva Peixoto
38
escreveu ao Senado da Câmara de Vila Rica relatando a situação de vários
negros criminosos “ de culpas graves que não tem quem os sustente” . Esta
era a situação de Antônio mina, Antônio Benguela e Pedro mina “ cada um
dos quais é culpado pela morte de seu senhor”, de Paulo angola, apelidado o
Gargarunha “ por ser calhambola e por várias mortes” e também de
Agostinho mina “ pelo roubo da coroa de Nossa Senhora do Pilar de Ouro
Preto” e de Miguel mina “ por um furto por cujo crime se haja preso há anos
na mesma cadeia”.
O carcereiro pedia que a Câmara “ se lhe mandasse acudir pela
Câmara com o necessário para alimentarem ou permitir ao suplicante lhes
possa assistir com aquilo que vosmecês forrem servidos arbitrar do
rendimento da mesma cadeia para os ditos serem alimentados abatendo-se nos
pagamentos em cada um deles aquilo que tivesse nisso dispendido”.
A Câmara, é claro, não aceitou a oferta do carcereiro. Reafirmou
que os senhores eram responsáveis pelo tratamento dos seus escravos mesmo
quando presos. Eram ainda obrigados a pagar a carceragem. É claro que os
senhores não queriam ter gastos com escravos que não estavam produzindo e
abandonavam-os à própria sorte.
Doenças e Morte.
A mortalidade entre os escravos era alta. Antonil, escrevendo sobre
a vida dos escravos no Brasil afirmava sobre o tratamento dos escravos que
“deve o senhor, de justiça, dar suficiente alimento, mezinhas na doenças e
modo com que decentemente se cubra vista (...)
39
. Não era isto o se via na
América Portuguesa, como um todo, como o próprio autor vai constatar. As
Minas Gerais não fugiam à regra. Os escravos adoeciam , morriam e era
38
APM, Fundo Casa dos Contos, Planilha 21323, Rolo 543, Fotograma 823. Rendas para sustento ...
39
ANTONIL, op. cit. p. 90.
69
consenso que eles não tinham mais de dez anos de vida útil para o trabalho,
daí a constante reposição e o alimento do tráfico negreiro.
Nas Minas os escravos adoeciam e morriam de várias maneiras.
Os acidentes nas galerias eram constantes. Facilmente o teto desabava e
soterrava os escravos. O trabalho nas lavras e faisqueiras era muito pesado, e
não o era menos nas lavouras. De qualquer maneira eles adoeciam e morriam
muito freqüentemente. Parece, pela leitura da documentação da época, que era
mais vantajoso repor o escravo doente por um outro jovem do que curar um
já desgastado pelo trabalho na mineração ou na lavoura.
Não há registros confiáveis de mortes de escravos para a região
estudada. É certo que as listas de matrículas de escravos para o pagamento
da capitação
40
não são muito confiáveis porque os senhores sonegavam o
nome de alguns escravos ou afirmavam que alguns que tinham sido
matriculados no ano anterior estavam fugidos ou tinham morrido. O número
exato dos escravos nas Minas Gerais para o período estudado, jamais poderá
ser conhecido. Mesmo com estes problemas o Códice Costa Matoso registra
a existência de 20. 863 escravos em Vila Rica e 26.892 em Mariana em 1735.
Os números contém poucas alterações durante todos os anos 30 e a primeira
metade dos quarenta e a partir daí começa a declinar. Em 1749 são
matriculados 18.293 escravos em Vila Rica e 20.014 em Mariana.
41
As causas das mortes dos escravos são variadas: acidentes nas
galerias, ferimentos por conflitos nos batuques e vendas e doenças variadas
provocadas pela desnutrição, adaptação ao clima, péssimas condições de
trabalho e infestação por parasitas.
42
Quanto aos acidentes é difícil, pela documentação estudada, saber
quantos morriam neles. Não há registro destes acidentes. Apenas alusões
40
Sistema de pagamento de imposto que foi usado nas Minas Gerais entre 1º de Julho de 1735 e 31 de
Julho de 1951. Determinava que todos os escravos deveriam ser matriculados e a sonegação de
informação era punida com o confisco do escravo, dando a metade do seu valor para o denunciante.
BARBOSA, op. cit. pp. 48 e 49.
41
FUNDAÇÃO João Pinheiro. Códice Costa Matoso. Coleção Mineiriana ,Belo Horizonte, Doc. 46. pp.
446.
42
BOXER, op. cit. p.72 75.
70
esparsas a eles. O Ouvidor Costa Matoso descrevendo o trabalho nas minas
de Vila Rica e as contendas entre os mineradores afirma que “ E sendo
preciso a algum destes furos para a respiração de trabalhar, se lhes permite.
Ainda que o outro não consinta, lho deve conservar pela força, por ser preciso
e de necessidade para a luz da candeia e respiração da gente, que por falta
desta tem morrido alguns abafados. ”
43
De qualquer forma há hoje, em Ouro
Preto, entre os seus moradores, uma crença geral de que os espíritos inquietos
de muitos escravos soterrados nas antigas galerias das minas espalhadas
pela cidade, não têm sossego e continuamente assombram a cidade.
Soterrados vivos por desabamentos ou mortos asfixiados.
Waldemar Almeida Barbosa, em seu Dicionário da Terra e da
Gente das Minas Gerais alude ao “banzo”. Este seria uma doença
caracterizada por uma tristeza profunda que atacava os escravos, geralmente
recém chegados da África. Esta doença levava os escravos a recusarem
comida, ficavam apáticos, recusavam-se a trabalhar e morriam. A crença
geral da época era que os escravos eram atacados por uma nostalgia
profunda. Uma imensa saudade de sua terra natal e da liberdade que tinham.
Ou ainda por causa dos maus tratos ou pela ingratidão que alguém lhe fizera.
O autor cita um caso de uma escrava atacada pelo “banzo”, que recusou as
atenções dispensadas a ela por seu senhor como a melhor comida que este
tinha e outros tratamentos. “ Uma pessoa interessada, condoída daquela
situação, pôs-se a pesquisar as razões porque aquela se entregara ao banzo. E
veio a descobrir que o marido dela na África, a quem ela muito amava, a
vendera como escrava, juntamente com sua filhinha de sete para oito anos.”
Apesar do bom tratamento, a dita escrava recusava-se a comer e morreu.
Embora o autor não cite o local onde esse caso ocorreu ele é ilustrativo da
depressão e das dificuldades do escravo novo (boçal) de adaptar-se às
condições da escravidão. Liana Maria Reis e Angela Maria Botelho
44
afirmam
42
BOXER, op. cit. p.72 75.
43
Idem. p. 767.
44
REIS, Liana M & BOTELHO, Angela Vianna. Dicionário Histórico: Brasil, Colônia e Império. Belo
Horizonte, Dimensão, 1997
71
que o banzo “ expressava um certo inconformismo “pacífico” dos africanos
com a nova condição de escravos”. De qualquer forma o “banzo” era temido
pelos senhores porque representava uma imediata perda de capital.
Normalmente os escravos eram comprados e pagos em parcelas anuais,
geralmente de três anos. Se o escravo morresse no primeiro ano, representava
duas parcelas a serem pagas por uma mercadoria que não existia mais e que
ainda tinha que ser reposta por outra.
Waldemar A . Barbosa,
45
relata “o mal do bicho”, que nada mais é
do que o conhecido bicho de pé, que freqüentemente atacava os escravos. Mas
lembrando que os escravos andavam descalços e por isto estavam mais
expostos ao parasita. Para extrair o bicho de pé é necessário um objeto
cortante como faca ou canivetes, objetos cujo uso era legalmente interditado
aos escravos. O bicho-de-pé se não for retirado prolifera-se e pode causar a
deformação das unhas e mesmo pequenas infecções. Não encontramos
evidências sobre o tratamento dispensado pelos senhores aos negros nessas
condições.
Boxer
46
citando Luís Gomes Ferreira, personagem que já
conhecemos, descreve outras doenças que acometiam os escravos. Primeiro
tinha a pneumonia, provocava pelo trabalho dentro das galerias ou por
trabalharem dentro da água, a maior parte do tempo e sofrerem as mudanças
climáticas. No inverno, muito frio, a água era quase sempre gelada. No verão,
a intermitência entre o frio pelas manhãs e noites e calor à tarde facilitava o
choque térmico. Esta alternância do clima minava pouco a pouco a
resistência dos corpos dos escravos, principalmente quando lembramos que
eles eram mal nutridos e mal vestidos.
Outras doenças temidas nas Minas eram a desinteria bacilar, os
vermes intestinais e as doenças venéreas. A primeira quando atacava
provocava “ ulceração do intestino grosso e gangrena retal”, era chamada na
época de “mal do bicho”. Os vermes intestinais também provocavam alta
45
BARBOSA, op. cit. p. 34.
46
BOXER, op. cit. pp. 204-205.
72
mortalidade e as doenças venéreas atacavam a muitos. Não queremos dizer
que os brancos e mestiços estavam livres destas doenças, mas os escravos
pela própria condição de penúria em que viviam eram mais suscetíveis a elas.
Nosso médico observava que os senhores não tinham grande interesse em
tratar os seus escravos por causa do alto custo dos tratamentos. Pagar o
tratamento de um escravo significava gastar o equivalente ao seu preço,
portanto , era melhor negócio comprar um novo. A prevenção prescrita na
época era a profilaxia através dos banhos diários e um gole de cachaça, em
jejum, todas as manhãs. Talvez daí se origine o hábito dos escravos de
tomarem cachaça.
No Códice Costa Matoso, existem inúmeras observações sobre
plantas medicinais usadas pelos nativos para curar várias doenças. Este
conhecimento provavelmente foi repassado aos negros. Boxer escreve que o
Gomes Ferreira era contra os curandeiros “mas compreendia que muitas das
ervas e plantas nativas tinham melhores propriedade medicinais e curativas do
que as custosas drogas e pós importados de Portugal”. Admirava-se dos
paulistas que andando pelo sertão curavam-se com ervas usando
conhecimentos adquiridos com os nativos.
O Ouvidor de Vila Rica, Caetano da Costa Matoso
47
, deixou-nos
uma relação de plantas medicinais usadas nas Minas Gerais. Encabeça a lista
a erva de Santa Maria “ tem esta a virtude de matar lombrigas”. E hoje, ainda
é usada no interior e mesmo na medicina alternativa para a dita doença.
Matoso cita 29 nomes de ervas mas, relaciona- as com as doenças para as
quais eram usadas, apenas 17.
47
MATOSO, op. cit. pp. 787-789.
73
CAPÍTULO III
O ESPETÁCULO DA REBELDIA
“(...) os negros são muitos (...) porque para tudo toma lugar o seu
atrevimento, juntando-se em quadrilhas (...) e parece-me de tanta
importância esta matéria, que dela pode depender a conservação
ou ruína deste país... ”
Conde de Assumar ( Carta ao Rei)
74
Armas.
Em um aspecto todos os estudiosos das Minas Gerais do setecentos
concordam: o número de escravos era muito superior ao de brancos e
mestiços na primeira metade do século. Isto deve-se a dois fatores. Primeiro
ao uso do trabalho escravo na América Portuguesa, segundo ao Regimento
das Terras Minerais de !702 que determinava que a divisão das datas fossem
feitas de acordo com o número de escravos que cada minerador possuísse:
“ 5º O Superintendente e tanto que tomar conhecimento dos Ribeiros, ordenará ao
Guarda-mor que faça medir o cumprimento deles, para saber as braças, que tem, e
feito saberá as pessoas que estão presentes, e os negros que cada um tem, tomando
disso informações certas, e ordenará ao Guarda-mor faça a repartição das datas (...)
regulando-se pelos escravos , que cada um tiver (...)”
1
Os descobridores ou postulantes à posse de terras minerais que não
tinham condições de comprar muitos escravos, alugavam-nos das
pessoas que às vezes possuíam apenas um ou dois escravos. Daí a
reclamação constante em Vila Rica e Ribeirão do Carmo sobre os
descaminhos dos jornais por parte dos escravos. Era grande o número de
escravos alugados ou trabalhando ao ganho nas Minas. Desde o início da
ocupação as Minas atraíram grande parte da população da colônia e do
reino, a ponto das autoridades tomarem medidas contra o excesso de
população. O certo é que sem escravos ninguém podia requerer a posse de
datas, fossem eles negros ou nativos. Os nativos, que seguiram os paulistas
nos primeiros anos, rapidamente são substituídos por negros.
Principalmente, os minas, que possuíam experiência em mineração. Como já
citamos anteriormente.
Diogo de Vasconcelos reproduz um documento do Conde de
Assumar sobre o número de escravos nas Minas em 1718. Por ele sabemos
que em Ribeirão do Carmo existiam 10.974 negros e em Vila Rica 7.110
1
Regimento Mineral, Revista do APM, Vol. I, p. 675.
75
negros. Somando todas as vilas o total era de 34.197 negros.
2
É necessário
lembrar que estas listas de lojas, oficinas e escravos para fins fiscais nem
sempre retratavam a realidade porque muitos senhores escondiam o número
correto de escravos que possuíam para escapar do fisco. O autor não
informa se “ os negros” do documento são todos escravos. nesta época já
existia um números considerável de negros forros. Mas, considerando os
números, podemos considerar que ele refere-se aos escravos. No Códice
Costa Matoso encontramos números elevados para o ano de 1735: 20.863
escravos para Vila Rica e 20.892 escravos para Mariana.
3
Este grande
número de escravos, que excedia em muito o número de moradores brancos
e livres deixará as Minas em constante tensão. O medo tomava conta de
todos . Principalmente por causa da tensa convivência com os escravos,
inimigos de quem os escravizava.
Os problemas começaram no início do povoamento. Os primeiros
moradores iam para as Minas levando, como seguranças, escravos de
confiança armados. Estes serão os primeiros feitores e às vezes lugares -
tenentes. Braços armados dos senhores. O mais famoso será Bigode, que
liderava os escravos de Manuel Nunes Viana nas suas batalhas na Guerra dos
Emboabas e no comando do sertão.
Mas outros também armavam seus escravos de confiança , o
capitão-mor Bento do Amaral Coutinho perdeu na luta do Capão da Traição
“ um negro querido, um bruto agigantado, fiel ministro de suas maldades,
morte que possesso de raiva sentiu com dor mais viva, e o maior desespero.”
4
Em Vila Do Carmo um vigário da vara, queria comprar uma mulata que o
dono não quis vender e por isso “ passou a raptá-la com o auxilio do
2
VASCONCELOS, op. cit. p.343.
3
MATOSO, op. cit. doc. 46, p. 407.
4
VASCONCELOS, op. cit. p. 261.
76
escrivão e do meirinho da igreja acostados por quatro negros
espingardeiros”
5
Portanto escravos armados não eram novidade nas Minas. Os que
eram de confiança dos senhores ou os mais queridos podiam usar armas,
sabiam manejá-las, eram seus feitores, capangas, seguranças de suas famílias,
casas e fortuna . Não devemos admirar-nos do comportamento destes
senhores que não temiam em deixar armas ao alcance de seus escravos. Os
paulistas tinham como homens de confiança, mestiços: os mamelucos.
Mulatos também ocupavam esta função. Mas no início do século, quando os
homens brancos não consideravam digno trabalhar como subalternos de outro
branco e os mestiços eram poucos, os escravos ocupavam este espaço.
Anos mais tarde durante o governo de Assumar, constava que
Pascoal da Silva Guimarães, o verdadeiro chefe da Revolta de
1720,“dispunha de dois milhares, pelo menos, de escravos e capangas”. Nos
motins do São Francisco, “ os escravos incorporados ao exército (...) não
voltaram em grande número às casas dos senhores e fugiram principalmente
para Goiás”.
6
A confiar em Vasconcelos, existia uma cumplicidade entre
estes escravos e seus senhores.
Mas estas relações não deixavam de ser perigosas. O aprendizado
do uso das armas de fogo pelos escravos parece ter-se generalizado nas
Minas. O próprio ambiente dos ranchos e as disputas pelas terras minerais do
início do século o favoreciam. De qualquer forma, em primeiro de dezembro
de 1710 o governador Antônio de Albuquerque Coelho tentou resolver o
problema das brigas entre escravos no córrego do Padre Farias. Os escravos,
em questão, brigavam por qualquer motivo, em qualquer ocasião, usando
facas, porretes e até armas de fogo.
7
A punição era severa. O escravo seria
preso e teria que pagar sessenta oitavas de ouro e quem vendesse armas a um
5 Idem . p.324.
6
VASCONCELOS, Diogo de. História Média das Minas Gerais. Belo Horizonte Itatiaia, pp. 58 e 109;
7
APM, SC, Códice 07, Bando de Antônio de Albuquerque, folha 37.
77
escravo era penalizado em cento e cinqüenta oitavas de ouro. O uso de
armas pelos escravos era uma preocupação constante dos governadores.
A própria repetição dos bandos e as reclamações dos governadores
de que a legislação não estava sendo observada mostra como eles eram
inócuos. O primeiro foi assinado por D. Antônio de Albuquerque em quinze
de julho de 1710 e proibia a qualquer pessoa usar arma de fogo, traçado nem
catana e nem mesmo entrar nas vilas com elas. Era extensivo“ aos
mamelucos, bastardos, mulatos carijós e pretos escravos ou forros.”
8
Os
senhores precisavam de quem os protegesse ou executasse as suas
vinganças. As armas estavam ao alcance dos escravos. Os escravos
mineravam nos finais de semana para si e disputavam os ribeiros. As estradas
e caminhos dentro das cidades eram perigosas. Tudo isto contribuía para que
cada vez mais os escravos usassem armas. O motivo para a publicação do
bando eram as reclamações das “desordens, bulhas, mortes e ferimentos” que
aconteciam no córrego do Pe. Farias e no Morro do Ouro Podre.
As reclamações começavam quando eles ficavam feridos e
impossibilitados de trabalhar. Um escravo doente significava prejuízo na
produção, gastos com medicação e eventuais reclamações por parte de outros
brancos que pediam indenizações se seus escravos ficassem feridos ou fossem
mortos. As brigas dos escravos traziam também problemas com a lei. Quanto
mais os governadores conseguiam impor a ordem e fazer executar a justiça
maior era o perigo de perder um escravo que fosse condenado à pena de
morte ou tê-lo preso vários meses ou anos. Isto significava alimentá-los na
cadeia, pagar a carceragem ou simplesmente, e era o que mais ocorria,
abandoná-los à própria sorte, quando eram presos. Para evitar isto os donos
podiam recorrer ao uso do suborno e esconder o escravo infrator. Em todos os
casos era dinheiro que estava em jogo. Se os escravos eram abandonados na
cadeia a Câmara era chamada a cobrir os seus gastos com alimentação,
remédios e assistência médica.
8
APM. Seção Colonial, Códice 07, filme 01 fotograma, 2043. Bando de D. Antônio de Albuquerque.
78
Na primeira metade do século as enxovias de Marrana e Vila Rica
para os escravos não eram muito seguras. As denúncias de fugas eram
constantes. As Câmaras gastavam sempre muito dinheiro para consertá-las.
Em 1717, D. Pedro de Almeida reedita o bando, estendendo-o a São Paulo.
Sendo enfático na proibição das armas nas cidades, sob penas de todos perdê-
las.
9
Quanto mais avançava o século e o ouro diminuía, maior era pressão
das autoridades para que os negros não portassem armas, com exceção se
estivessem a trabalho de seu senhor com uma carta dos mesmos autorizando-
os, ou acompanhando seus senhores em alguma viagem, para cortar capim ou
fazer outros trabalhos com facões e facas que não podiam ter pontas.
10
No
ano seguinte restringia-se o tipo de arma a ser usada em viagens pelos
escravos: espadas. Além do governador reclamar que os bandos anteriores
não estavam sendo cumpridos e que os oficiais de justiça que não os
prendessem seriam castigados.
11
Em 1728, se ordenava busca nas casas ou
locais suspeitos de ter a armas de escravos escondidas.
Mas se não podiam comprar ou portar publicamente armas de fogo,
facas ou espadas, nada impedia que os escravos usassem porretes, paus ou o
que tivessem à mão para defenderem-se ou brigar. Podiam mantê-los
escondidos nas capoeiras, nos matos, nas senzalas, ou mesmo próximos às
lavras. Tanto que os bandos passam a afirmar a necessidade de desarmar os
negros de seus porretes e paus. Em 1730 D. Lourenço preocupa-se com o uso
de bordões, que eram bastões.
12
As armas de paus eram acessíveis a todos os
negros. No Códice Costa Matoso encontramos um relato de como essas armas
eram feitas. No documento 113, comenta-se sobre a taquara e seus muitos
usos pelos índios, sabendo que estes conviviam com os escravos. Não é
difícil imaginar que um possa ter aprendido com outro ou com os próprios
paulistas, acostumados com a cultura nativa. Segundo o Códice:
9
APM, Seção Colonial, SG, Códice 11. Bando de D. Pedro de Almeida. 04/ 09/ 1717.
10
APM, Seção Colonial, Códice 27, folha 10, Bando de D. Lourenço de Almeida.
11
Idem, folha 14.
12
Ibidem, folha 65.
79
“Há também o taquaquicé, que quer dizer taquara de faca, porque, rachadas, ficam
com gume como faca, de sorte que dão golpes penetrantes, e por este respeito o
gentio delas usam, e aparadas com faca e levemente tostadas ao fogo fazem as
pontas das suas flechas (...)”
13
Diz-se que a necessidade é a mãe das invenções. No caso dos
escravos das Minas Gerais bastou adaptar-se à cultura nativa. Era necessário
defenderem-se.
Em 1733, durante o governo de André de Mello e Castro, Conde de
Galveas, a posse de armas pelos escravos voltou à tona. Uma petição
enviada ao Rei em 26 de Agosto de 1736, feita pelos moradores da Vila de
Nossa Senhora do Ribeirão do Carmo, afirmavam que:
“ Sempre os moradores destas Minas e os que por elas andam a seus negócios desde
o descobrimento delas usaram por si e seus escravos e mais pessoa de sua comitiva
de armas curtas e das proibidas pela lei extravagante de S. Majestade por não ser
nunca publicada ou praticada nestas Minas por parecer aos Governadores Capitães
Generais delas e aos meirinhos de Justiça era preciso aos moradores o uso das
ditas armas para com elas se rebaterem alguns levantamentos de seus mesmos
escravos e os insultos que atualmente estão sucedendo e fatalidades com
acometimento de ladrões e feras (...)
14
Na seqüência reclamava-se do Ouvidor Geral da comarca,
Sebastião de Souza Machado, que mandou fixar um edital proibindo aos
escravos e brancos livres o uso de facas de ponta “ com penas ao seu
arbítrio”. Os oficiais militares prenderam em Ribeirão do Carmo “alguns
escravos com facas de ponta,[e] os tem mandado autuar condenando-os nas
penas [ do edital] (...) no que recebem os senhores um considerável dano na
sua fazenda.” Os mineiros afirmavam ainda que suas vidas corriam perigo e
por isto pediam que pela nova lei, os escravos fossem apenas punidos com
açoites, se fossem encontrados armados fora da companhia dos seus senhores
e que os brancos pudessem “livremente possam usar de todas as entenderem
lhes são necessárias para defesa de suas pessoas e fazendas por não dar lugar
o país a se observar a editais(...).” A resposta do rei é clara. A lei era
13
MATOSO, op. cit. p. 784.
14
APM, Fundo AHU, caixa 24, doc. 86.
80
extravagante
15
e por isto deveria ser aplicada individualmente, caso a caso, e
não poderia abranger escravos e senhores.
Observe-se que os senhores rendem-se ao fato de seus escravos
andarem armados, pedem “apenas” punição por açoites e não pecuniárias, o
que seria uma punição para eles também e deixam claro que precisam de
alguns escravos armados, para protegerem seus familiares e suas fazendas e
também dos insultos de seus próprios negros. Conclui-se portanto que não era
qualquer escravo que os senhores armavam mas muitos deles andavam
armados.
Nenhuma lei ou repressão foi suficiente para impedir que os
escravos andassem armados. Os bandos e editais sucedem-se:1710,1714,
1720,1722,1724, 1725,1730,1733 e 1734. As justificativas para a publicação
deles é sempre a mesma: os negros assaltavam viajantes; roubavam fazendas
afastadas; violentavam as moças e principalmente quando reuniam-se nos
batuques ou encontravam-se nas vendas, sempre havia mortes ou ferimentos,
resultados de brigas que não trariam grandes prejuízos se não estivessem
armados.
O bando de 1733 é editado prevendo possíveis problemas na
Semana Santa. Ordenava a todas as pessoas que viessem das fazendas para a
vila que desarmassem os seus escravos antes de chegar à área urbana. Todas
as armas deveriam ser guardadas em lugar seguro. Era o espectro da Revolta
Escrava de 1719, que ainda pairava sobre as Minas.
16
Pela leitura geral da documentação, o medo dos brancos em relação
ao escravo armado tem vários motivos. Se os brancos armavam escravos de
confiança, nada teriam a recear. O medo residia na incapacidade de controlar
o uso das armas. Se elas eram usadas a favor do senhor em suas disputas por
terras, lavras, negócios, crimes, vinganças, ou proteção pessoal, então tudo
estava bem. Os problemas começavam quando os escravos apropriavam-se
15
Nome que tinha toda legislação posterior às Ordenações, cartas de lei ou cartas patentes, nas quais se
expediam as providências que deviam ter efeito permanente, de mais de um ano. In: BARBOSA,
Waldemar de A . Dicionário da Terra e da Gente de Minas. Publicações do APM, Nº 5.
16
APM. Seção Colonial. SG. Códice 37, filme 01, fotograma 926. Bando de D. Lourenço de Almeida.
81
das armas como se homens livres fossem e as usavam para roubar, brigar ou
matar, enfim praticar ações que negavam a sua tão propalada coisificação.
Neste momento agiam como homens que eram, com vontades livres, embora
os corpos fossem escravos e não havia forma de controlá-los. Suas ações
quase sempre resultavam em prejuízo para os senhores e era necessário
tentar normatizar a sua ação, o que era praticamente impossível.
Vendas.
Delumeau divide o medo em várias modalidades
17
. Entre todas elas
interessa a este trabalho o “medo na noite”, diferente do “medo da noite”.
Para o autor a noite era “cúmplice” de tudo o que conspirava contra os
homens e quase sempre um período de provação que os homens devem
superar. O medo da noite refere-se ao domínio dos fantasmas, demônios,
animais, feiticeiros e outros. O medo na noite refere-se ao espaço temporal
incontrolável pelas autoridades, domínio dos marginalizados da sociedade.
No século XVIII, quando ainda não havia iluminação pública, a
noite era pavorosamente escura, aterrorizante. O tempo em que assassinos,
ladrões, fugitivos, conspiradores, mandingueiros, amantes ilícitos, traficantes
agiam. Ou seja todos aqueles que eram contraventores da ordem usavam o
manto da noite, a cumplicidade da escuridão para praticar seus atos escusos.
Em Ribeirão do Carmo e Vila Rica, nos becos e ruas escuras, nas
senzalas improvisadas nos quintais das casas, nas cozinhas, nos caminhos,
nas minas abandonadas
e principalmente nas vendas reuniam-se os escravos
para combinar as suas ações transgressoras das leis. Isto intimidava os
senhores, fossem eles brancos ou forros.
A noite, nas cidades, será domínio dos escravos e de todos que
tratavam com eles. Se durante o dia, já era difícil contro-los, pior será à
noite. O primeiro problema será o pernoite. Rapidamente os escravos
17
DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente. 1300-1800: Uma Cidade Sitiada. Tradução: Maria
Lúcia Machado. São Paulo, Cia. das Letras.
82
acostumaram-se a dormir fora das casas de seus senhores. Encorajados pelas
amizades com outros da mesma condição ou porque as lavras eram longe das
casas de seus senhores, ou ainda porque a noite os encontrava no meio dos
caminhos em viagens a mandado de seus senhores e eles precisavam
abrigarem-se. De qualquer forma, logo no alvorecer das Minas, o hábito
generalizado dos escravos dormirem fora de casa, provoca a indignação dos
senhores. Parece que o problema não eram as fugas. Não há grande clamor
contra fugas. Se os escravos passavam uma ou mais noites fora de casa, cedo
ou tarde eles voltavam. O principal problema era o gasto dos jornais. Isto
indica que, para o escravo, dormir fora significava a possibilidade real de
divertir-se, jogar, comer bem, amar. Enfim viver como homens, nem que
fosse por algumas horas.
A primeira tentativa para cercear este tempo em que os escravos
eram livres foi em vinte e oito de fevereiro de 1714. D. Bráz Balthazar da
Silveira redigia um documento em que afirmava:
“ [ Atendendo] o grande dano que (ileg.) costumem daqui os escravos pernoitem e
durmam em outras casas que não sejam de seus senhores [ e] de assim o fazerem
resulta de não darem conta dos jornais gastando muitas vezes (ileg.) e
destemperança e querendo dar providências que seja para se evitar este dano,
ordeno e mando que nenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condição que seja
recolha de noite em sua casa negros (ileg.) antes os faça ir para a casa de sue
senhor, e todo o vendeiro, ou pessoa de qualquer condição que seja, logo que constar
que pernoitaram em sua casa negros (ileg.) sem permissão pagará um libra de ouro,
daquele será uma Terça parte para o denunciante e as outras duas partes para a
fazenda real (...)
18
Em 1714, proibia-se ao escravo de circular pela vilas ou fora delas
sem autorização escrita dos senhores. Esta ordem foi reafirmada em 1718.
19
O
bando estabelecia a distância em que o escravo podia circular livremente:
meia légua. Portanto, se estivesse muito distante da casa do senhor poderia
ser considerado fugitivo. Este era um dos pretextos para dormir fora. O que
gerava conflito entre os senhores e os donos de vendas que acolhiam os
escravos.
18
APM, Seção colonial, Códice 09, f.10 v.
19
Apud, GUIMARÃES, Carlos Magno. A Negação da Ordem Escravista : Quilombos em Minas Gerais no
Século XVIII. São Paulo, Ed. Ícone, 1988.
83
Entra em cena o nosso novo personagem: o vendeiro ou vendilhão.
Este podia ser livre ou escravo, homem ou mulher. Apesar da proibição
formal de acoitamento de escravos e da possibilidade de ganhar algum
dinheiro denunciando os escravos que pernoitassem nas vendas, isto não
ocorria. Os motivos veremos mais adiante. Como era possível para os
escravos dormirem fora? É necessário lembrar que nas cidades a grande
maioria dos moradores possuía um ou dois escravos, que eram empregados ao
ganho ou alugados. Estes escravos não estavam sujeitos à vigilância constante
de um feitor ou capataz. Tinham grande liberdade de mobilização e faziam
da cidade o palco das suas vidas. É necessário lembrar que um grande número
de escravos fugiram para os quilombos. Mas a grande maioria não fugiu.
Preferiu permanecer nas cidades e construir a sua vida com as possibilidades
que ela lhe proporcionava. Uma destas possibilidades era passar as noites
fora, entre os seus, como se livres fossem e afirmar desta forma a sua
rebeldia diante da sociedade que o escravizava. Gastar os jornais nas vendas
como homens livres e mesmo sendo castigados pelos senhores, nada traria o
dinheiro de volta e ninguém podia tirar-lhes as horas que estiveram gozando
a sua “liberdade”.
Se não era possível controlar tão grande número de escravos que
andavam pelas cidades a solução encontrada foi reprimir os espaços de
convivência. Assim a repressão recaiu sobre os cúmplices desta liberdade
clandestina. As vendas segundo Laura de Melo e Souza:
“(...) as vendas foram objeto de uma luta incessante empreendida pelas autoridades
(...) , devem ter representado papel de destaque na agremiação de indivíduos pobres
e desclassificados, estabelecendo vínculos de solidariedade entre eles e ocupando o
lugar que , na Europa, foi preenchido pela taverna,”
20
Não apenas os desclassificados estudados pela autora citada,
encontravam-se nas vendas. Além dos brancos pobres e forros, também os
escravos: jornaleiros, ao ganho, negras quitandeiras, etc. A venda era o local
de socialização e exercício da solidariedade. Nelas os escravos podiam
esquecer sua situação legal e agir como homens livres. Comiam, bebiam,
84
dançavam, vendiam o produto de seus roubos e planejavam outros. Escravos
fugidos encontravam informações seguras sobre os movimentos dos
ordenanças e capitães-do-mato. As negras dançavam e também prostituíam-
se. Compravam produtos interditados aos escravos como armas e pólvora.
Resolviam seus problemas através de conversas ou da violência.
A repressão não tardará a voltar-se para elas. As reclamações
eram tantas por partes dos donos dos escravos que perdiam os jornais que
eles procuravam convencer as autoridades que a existência das vendas era
um problema crucial. As petições sempre aludem “ao grande vexame que
experimentam os moradores” por causa “dos roubos” cometidos pelos
escravos que freqüentavam as vendas, por causa dos descaminhos do ouro
e etc. Em sete de abril de 1718, D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar,
publicava um bando proibindo “ todas as pessoas que tenham vendas nas
Minas a vender para os escravos por causa do prejuízo que causam aos
seus senhores por causa da perda dos jornais”.
21
Em sete de janeiro de
1719, ele ordenava, atendendo a pedidos de moradores, que as vendas
localizadas nas próximas às minas dos morros do Ouro Podre, Ouro Fino e
Córrego Seco, fossem transferidas para a vila.
22
Neste mesmo ano, entre
várias providências proíbe que negras e negros forros tenham vendas de
comestíveis e bebidas e receber negros em suas casas.
23
Mas apesar de toda a
severidade do Conde, as suas ordens não foram obedecidas, pelo menos não
no Córrego Seco. Em vinte e seis de abril de 1719, em carta à Câmara, ele
responde:
“ No que toca às vendas do Córrego Seco me parece muito justo extinguirem-se de
todo, e que não basta a providência que vosmecês têm dado, neste particular a
insatisfação da queixa universal desse paço, vosmecês mandarão notificar os
moradores que ali se acham para este ministério das vendas que ponham os ranchos
abaixo em quinze dias, aliás lhes mandarei pôr o fogo, e vosmecês me avisarão em
tempo hábil para eu poder dar a providência necessária.”
24
20
SOUSA, Laura de Mello. op. cit. p. 177.
21
APM, Seção Colonial. Códice 06. Bando de D. Pedro de Almeida, f. 08.
22
APM, Seção Colonial. Códice 06. Bando de D. Pedro de Almeida, f. 15.
23
APM, Seção Colonial. Códice 06. Bando de D. Pedro de Almeida, ff. 16 a 18.
24
APM. Fundo Casa dos Contos. Planilha 10625, rolo 510.
85
Como se vê o Conde acreditava que o fogo era a solução para
resolver as dificuldades de governar uma região mineradora na qual a
soberania portuguesa encontrava dificuldades para se impor. O fogo, parecia
ao Conde, o elemento purificador, que acabaria com a desordem, com a
rebeldia e tornaria todos os mineiros bons e fiéis vassalos de El Rei. Na
verdade, um ano depois, ele ordenaria a queima do Morro do Pascoal, em
represália à revolta de Felipe dos Santos.
Mas as ordens não eram obedecidas. Em dois de fevereiro de 1721
as vendas do morro, especialmente na Rua da Paz, continuavam trazendo
transtornos aos moradores do morro e da vila. Estes reclamavam dos
“tumultos de negros que ali se ajuntavam principalmente nos dias santos” .
Os donos dos escravos por sua vez eram impedidos pelos vendilhões de levar
os seus escravos para casa quando iam buscá-los.
25
Mesmo após ter
reprimido com violência a revolta de Felipe dos Santos e de ter queimado o
Morro do Pascoal, os vendilhões pareciam não temer D. Pedro de Almeida.
Mais ainda , recusavam-se a sair do morro e afirmavam que tinham ordem
verbal do Conde para permanecer onde estavam. A resposta de D. Pedro foi
irada, como sempre. Ordenou que se fizesse rondas à noite, com dois
sargentos e seis ou oito homens armados, que deveriam dispersar os
ajuntamentos de escravos, prendê-los, tomar-lhes as armas e quanto aos
problemas entre os vendilhões e senhores de escravos, deveriam ser
resolvidos na justiça através de querelas.
As vendas tornaram-se ocultas. Não eram mais construídas de pau-a-
pique e cobertas de telhas. Eram simples ranchos cobertos de capim,
localizadas estrategicamente entre as minas, caminhos, morros e nas periferias
das cidades. Sua construção deveria ser discreta para não chamar a atenção
das autoridades, dos senhores e dos comerciantes regulares. Caso fossem
denunciados os vendilhões não teriam grandes perdas com as construções. A
mercadoria provavelmente ficava escondida e só era entregue quando os
25
APM. Seção Colonial. Códice 13. carta de D. Pedro de Almeida à Câmara de Vila Rica, f.20.
86
fregueses (escravos, forros e homens livres pobres) chegavam. Estas vendas
disseminaram-se durante a década de vinte e somente nos anos trinta
houve uma repressão mais efetiva porque as reclamações eram muitas. Em
dezenove de agosto de 1730 vinte e seis comerciantes que possuíam sua
vendas nas cidades dirigiam-se à Câmara denunciando a existência de lojas
ocultas no Morro do Pascoal ( Vila Rica) e a ação dos mascates e negras de
tabuleiros que vendiam :
tão grande prejuízo pois além do que (...) este ouro por vendas “ todo gênero de
comestível e bebidas para negros andando de serviço em serviço, e tendo os negros e
brancos o necessário à sua porta não mandam as vendas dos suplicantes no que
recebem grande dano não tão somente em não venderem como ainda experimentam
em os jornais de seus escravos que trazem na faisqueira, e o mesmo recebem todos
aqueles que nelas os trazem pois como tem o comer e beber pronto adonde andam
trabalhando, todo o ouro que tiram á para eles pagarem as negras que o carregam a
vista do que deve atentar este Senado a ocultas não pagam Donativo nem os ditos
mascates (...) nem tão pouco as negras de tabuleiro(...)”
26
A repressão tornou-se mais forte porque vemos Leandro de Freitas
Guimarães autuado no dia dezessete de fevereiro de 1732 acusado de ter
venda oculta no morro, em Vila Rica. Com ele foi “achado um barril e meio
de aguardente de cana e uma carga de bacalhau embrulhada em um lençol
pardo”.
27
Mas não foi possível provar, com certeza, que ele os vendia. Por isto
foi inocentado e libertado.
Em 1732 em vista das muitas reclamações dos moradores sobre as
desordens e as despesas provocadas pelos escravos que embebedavam-se,
brigavam, feriam-se e gastavam os jornais devidos aos seus donos, D.
Lourenço de Almeida publicava um rigoroso bando proibindo as vendas nos
morros e penalizando os donos de vendas ocultas com prisão e o pagamento
de cem oitavas de ouro, que seriam divididas da seguinte forma: sessenta
para as obras do Senado, vinte para o aferidor e vinte para quem denunciasse
as vendas ocultas.
Em treze de maio de 1733 o Conselheiro de Sua Majestade, João
de Souza e outros membros do Conselho Ultramarino, encaminharam
26
APM, Fundo CMOP, Avulsos, caixa 02, doc.28.
27
APM, Fundo CMOP, Avulsos, caixa 03, doc. 24.
87
parecer ao Rei, sobre a situação do Morro de Mata Cavalos em Ribeirão do
Carmo, afirmando que apesar dos mineiros recorrem ao governador para que
publicasse um bando rigoroso contra as vendas e principalmente a venda de
bebidas alcoólicas aos escravos, ele não surtira efeito . O bando previa prisão
e multa de cem oitavas de ouro, mas os mineiros logo perceberam que ele
não era suficiente para coibir a transgressão porque:
“ muitos moradores as tinham [vendas] ocultas em suas casas e por serem
poderosos não havia quem os denunciasse, se lhes seguia o prejuízo de lhe tomarem
os negros o jornal para o empregarem em aguardente, e cachaça, com aqueles
perdiam o juízo, e lhe caíam nos buracos das minas onde morriam uns e outros
ficavam aleijados e os mais fugiam com o temor do castigo
28
Eis o elemento da desordem dentro da ordem. Moradores
poderosos eram os verdadeiros donos das vendas ocultas. Era perigoso
denunciá-los, mesmo com uma recompensa de vinte oitavas de ouro. Eram
muitas as vendas ocultas, provavelmente porque aproveitando-se do manto
dos poderosos, muitos forros, negras forras e homens pobres também as
tinham. Além disto era difícil coibi-las por causa da superposição de poderes
dos funcionários coloniais. O governador publicava o bando, o juíz-de-fora
procedia às devassas, mas estas tinham que ser feitas com autorização do Rei,
do contrário perderiam a validade no final de cada ano. Os mineiros
recorreram ao Conselho pedindo que as devassas contra vendas ocultas que
vendiam aguardente e cachaça aos escravos fossem revalidadas a cada ano,
para que a repressão fosse mais eficaz e não ficasse entravada nos meandros
da burocracia.
Enquanto o poder perdia-se em meio a bandos, ordens, contra-
ordens, recursos, petições e etc., os escravos embebedavam-se, a ponto de cair
nos buracos das minas. Nas noites escuras de Ribeirão do Carmo e Vila Rica
eles bebiam durante a noite e morriam ou ficavam machucados justamente
nos locais onde suas vidas eram consumidas durante o dia, que a escravidão
com os seus horrores enegrecia.
28
APM, Fundo AHU, Caixa 23, doc. 53. Parecer do Conselho Ultramarino.
88
Tentou-se resolver o problema no seu nascedouro: proibir os
engenhos de cana nas Minas. Principalmente na Comarca do Rio das Velhas.
Não é necessário dizer que todas as medidas foram inócuas.
Em 1734 e 1735, no Livro de Posturas de Ribeirão do Carmo,
registrou-se que toda pessoa que tivesse venda oculta na Vila ou em seus
termos pagaria vinte oitavas de ouro de multa.
29
Na década de quarenta até as vendas das vilas causavam
preocupação porque permitiam que os escravos entrassem depois das seis
horas. Proibiu-se primeiro que os escravos entrassem nas vendas de dia ou de
noite. Mais tarde, as vendas foram proibidas de ter portas abertas. As portas
deveriam ficar fechadas e somente a parte de cima aberta: o mostrador.
Todos os fregueses deveriam ser atendidos do lado de fora deste mostrador.
Por último foi determinado que elas deveriam ser fechadas às nove horas,
quando o sino da Câmara tocasse. Este também era o sinal para todos
recolherem-se, principalmente os escravos.
Mas ao longo do setecentos o problema das vendas, será recorrente
na documentação e nenhum instrumento legal ou moral impediu que os
escravos deixassem de frequentá-las.
Quilombos Urbanos: “ A Cidade-Esconderijo”.
30
“ (...) por que se bem considero formando-se no morro quilombos de
negros podem estes ser danosos a esta vila ( ...).
31
Esta afirmativa é do Conde
de Assumar em três de julho de 1720. Logo após a queimada do Morro do
Pascoal este ficou desabitado. E os escravos tomavam conta dele
aproveitando-se dos inúmeros buracos de minas para esconderem-se .
29
AHCMM, Livro de Posturas, 1734.
30
Conceito desenvolvido por CHALHOUB, Sidney em Visões da Liberdade: Uma História das Últimas
Décadas da Escravidão na Corte. São Paulo, Cia. das Letras.
31
APM, Fundo Casa dos Contos, Planilha 10282, Rolo 505, fotograma 52, Carta de D. Pedro de Almeida à
Câmara de Vila Rica.
89
Também os vendilhões levantavam vendas ocultas. A ocupação do morro
pelos negros preocupava à Câmara, que via formar-se, dentro de Vila Rica,
um quilombo. Um espaço de liberdade que poderia atrair a grande maioria
dos escravos e colocava em perigo toda a vila.
Engana-se quem pensa que os quilombos eram sempre afastados
das áreas urbanas. As cidades também tinham os lugares aonde os escravos
podiam esconder-se temporariamente ou permanentemente de seus senhores,
esconder o fruto de seus roubos ou encontrarem-se com vendedores
clandestinos de bebidas que eram potencialmente os compradores dos
roubos ou ouro minerado clandestinamente.
A cidade ainda escondia o quilombola que vinha aliciar outros para
fugir para os quilombos localizados fora das cidades. O quilombola que
vinha comprar pólvora, armas e mantimentos. Os escravos fugidos que
vinham buscar informações sobre viajantes que iriam assaltar ou expedições
punitivas aos quilombos.
Formava-se na cidade uma imensa rede de informações para estes
escravos. Outros escravos, brancos pobres, faiscadores, donos de vendas,
negras de tabuleiro escravas ou forras. Os brancos eram minoria e tudo que
falavam ou intentavam, os escravos imediatamente ficavam sabendo.
A cidade era o palco do “espetáculo da rebeldia”
32
, como afirma o
Conde no mesmo documento e aos brancos escravocratas restava apenas as
medidas de prevenção e punição. Da mesma forma que hoje sentimos que
estamos cercados pela marginalidade e somos impotentes diante da violência,
assim o era para os brancos no setecentos. Pior, a violência era mútua. Do
escravo que desafiava o seu senhor e gastava os jornais e era punido no
âmbito da casa à aquele que assaltava viajantes e fazendeiros, ele era um
dos principais agentes do medo que deixava os moradores das cidades
sempre na expectativa que a qualquer momento o monstro da rebeldia
32
Segundo Emanuel Araújo , em Teatro dos Vícios :“ uma das formas mais antigas de auto-avaliação da
própria comunidade fosse ver-se como num teatro, o theatum mundi.” Aqui, o conde de Assumar vê
e analisa o mundo como um teatro. Parece que esta visão era comum no século XVIII.
90
engendrado pelo sistema escravista poderia atacá-los. Segundo Carlos Magno
Guimarães a fuga um ato criminoso que o escravo cometia porque:
“(...) ao fugir, o escravo negava a validade de quase todo o aparato jurídico. E
negava assumindo, conscientemente, a responsabilidade de se tornar um criminoso.
Ele tinha consciência das responsabilidades de seu ato, sabia das punições que o
esperavam se fosse recapturado. (...) O rebelde sempre era castigado em praça
pública, na frente dos demais escravos, para servir de exemplo. As cabeças dos
executados eram colocadas nos locais mais visíveis. Não era por acaso que o
pelourinho se localizava nas principais praças das vilas e arraiais.”
33
Como o autor citado afirmo que não era sem motivo que os bandos
eram publicados ao som de caixas nas vilas e arraiais. Em uma sociedade em
que poucos sabiam ler e que possuía poucos meios de divulgação das notícias,
o pronunciamento público atingia múltiplos objetivos. Os escravocratas
analfabetos conheciam as novas leis e sabiam que o poder público tinha
ouvido os seus clamores e petições sobre este ou aquele aspecto da vida
cotidiana que os afligia. Em relação aos escravos , que andavam pelas
cidade a trabalho, também eles ficavam sabendo das novidades e repassavam
aos companheiros. Oriundos das comunidades africanas, orais por
excelência, não era difícil para eles memorizarem as novas leis, medidas
repressivas, publicações de festividades, bandos, alvarás e etc.
Fugir era um dos atos criminosos que o escravo podia cometer. Ele
podia fugir para os quilombos localizados nas áreas rurais, para outras vilas e
comarcas ou ainda permanecer algum tempo fugido dentro da própria vila.
No Morro de Mata Cavalos, em Ribeirão do Carmo, mineravam cinco mil
escravos. No Morro de São Gonçalo, na mesma vila, aproximadamente três
mil, nas minas da Passagem não há registros, mas vários registros de
declarações de mineradores da região alegavam ter entre dez a trinta.
Considerando o grande número de minas na área podemos afirmar que eram
muitos. Em Vila Rica, no Morro do Pascoal mais de três mil. Nas minas do
Padre Farias e outras áreas das vilas, incontáveis escravos. Dentro das cidades
um número incalculável. Mais de 30 mil escravos nas duas vilas. Como saber
33
GUIMARÃES, Carlos Magno. A Negação da Ordem Escravista: quilombos em Minas Gerais no século
XVIII. São Paulo, Ícone, 1988.
91
aonde andavam todos? Se algum deles não estava fugido? Escondido entre os
que mineravam nas inúmeras lavras?
O próprio fato de exigir que o escravo portasse uma ordem escrita
pelo senhor para circular pela vila, além de meia légua das vilas, arraiais e
roças era uma ressalva contra a ação irregular dos capitães-do-mato, mas
também era uma forma de controle sobre o escravo. O porte da autorização
era a garantia dos senhores de que sabiam por onde seus escravos estavam
andando e o que estavam fazendo. Esta norma foi regulada por lei porque os
capitães-do-mato prendiam escravos na área urbana alegando que andavam
fugidos. Se isto ocorria e foi necessário uma portaria para controlar a ação dos
capitães, era um indicativo de os escravos tinham liberdade de circulação
pelas vilas e que podiam fugir e homiziarem-se e trabalhar e prover o seu
sustento dentro das vilas. Isto é fugir dentro da própria cidade e para isto os
cativos precisavam contar com uma rede de solidariedade, que os apoiavam e
providenciava esconderijo, trabalho, armas, alimentação, diversão e
informação. Para isto era necessário a rede de solidariedade a qual tenho feito
referência neste trabalho, que nem sempre era desinteressada. Sobre ela, ao
estudar as relações entre quilombolas e escravos urbanos Carlos Magno
Guimarães diz:
“Desta rede de informações também participavam elementos livres. Os próprios
contrabandistas ou proprietários de vendas ocultas que tinham interesse na
preservação dos quilombos eram elementos importantes de informação para os
quilombolas. E é por isto que essa rede de informação foi mais um dos elos de
ligação entre os quilombos e o restante da sociedade. E foi através desta rede que
se estabeleceram contatos entre quilombolas e escravos urbanos em algumas das
tentativas de sublevações por estes realizadas.”
34
A mesma regra valia para as ações transgressoras dos escravos
urbanos. Além dos próprios escravos, negras de tabuleiro, os vendilhões que
repetidamente foi alvo da ação repressora dos governadores faziam parte
desta rede. Em vinte e seis de outubro de 1739, o governador Gomes Freire
de Andrade, após reclamações dos moradores de Vila Rica, ordenou que as
vendas fossem fechadas “logo que der a Ave Maria”, para que negros fugidos
34
GUIMARÃES, op. cit. p. 61
92
não pudessem fazer nelas “seus conciliábulos, consistindo nisso os mesmos
vendeiros só afim de usurparem o ouro a todos, pesando-o de noite com a
candeia de longe para não serem conhecidos os negros e, talvez com pesos
falsificados”.
35
As vendas, fossem elas legais ou ocultas eram um elemento
importante na manutenção dos escravos fugidos que estivessem dentro das
cidades ou fossem quilombolas. O documento citado acima e que também
foi estudado por Carlos Magno Guimarães, deixa claro que os escravos
pagavam caro pela liberdade. O ouro que mineravam clandestinamente ou
ainda o produto de seu roubos que eles revendiam sempre era comprado
pelos vendilhões por um preço abaixo do mercado. É o preço que pagavam
pela clandestinidade. Isto explica em grande parte a ação repressora em
relação às vendas, fossem elas de brancos ou de forros, homens ou mulheres.
As vilas ofereciam inúmeros esconderijos para os cativos. As
lavras, dentro delas ou nos seus arredores principalmente nas áreas
despovoadas, como atesta a petição enviada à Câmara de Vila Rica em 1737.
“Dizem os moradores desta vila que nos subúrbios dela, e matos que distão da
venda do Passa Dez até a venda do Tripuí, estão todos os dias sucedendo mortes e
roubos que fazem os negros aos passageiros a quem presumem levar ouro ou de
negócio ou procedido dos mantimentos que vem vender a esta vila como além do
mais que tem feito, ontem de dia fizeram a dois um que logo morreu e outro que está
expirando. cujos absurdos não cometem calhambolas de quilombos, mas sim os
negros que vão buscar lenha e capim, e procede de os ditos [lugares] deixarem de
povoar, como se tem feito desta vila para o Ribeirão; onde antigamente se
experimentava o mesmo enquanto se não povoou (...)”
36
Aqui vemos a dupla ação que o cativo podia ter. Andar pela cidade a
serviço senhor e aproveitar o espaço e a ocasião para agir como um negro
fugido. Matando e roubando.
Mais específica é a petição feita pelo Sargento-mor Tomas Gomes
de figueiredo e o Capitão Domingos Pereira e outros moradores do morro de
Vila Rica. Provavelmente do Morro do Pascoal.
“ (...) que eles suplicantes se acham grandemente prejudicados e na razão de que no
dito morro se largam muitas minas deixando-as abertas por algum tempo, e outras
sem que nelas mais se trabalhe nas quais se recolhem e se ocultam negros
35
APM. Seção Colonial, Códice 59. p.33 v e 34.
36
APM, Fundo CMOP, Avulsos, caixa 10, doc.11.
93
atualmente levando negras para terem tratos ilícitos com elas, e fazendo outras
insolências que redundam em gravíssimos prejuízos, e dano, tanto assim que há
tempos que entrando em uma mina um capitão-do-mato para amarrar uns negros que
nela se achavam fugidos puxou um por uma faca e lhe deu várias facadas de que
esteve à morte, e isso mesmo está sucedendo a toda hora a que se deve dar remédio
(...)”
37
Os moradores sugeriam que as minas abandonadas fossem tapadas
pelos mineiros e que a Câmara punisse quem não as tapasse. Não era só nas
minas abandonadas que escravos fugidos podiam esconder-se nas cidades. As
casas das negras eram alvo constantes da vigilância e denúncia dos outros
moradores por serem locais onde os escravos escondiam-se como
reclamavam os moradores do Caquende e de Ouro Preto que na estrada do
Passa Dez, um morador chamado Francisco Alves mantinha três negras que
tinham vendas “ sem assistência de branco” que a noite abriam a porta da
“serventia (...) e às escuras, fazendo negócio da sorte que donde é de
presumir, que dão socorro aos calhambolas por estarem falando com eles”
38
para impedir isto o Livro de Posturas da Câmara de Ribeirão do Carmo, em
1734, já registrava que “ [ proibia-se] a toda pessoa que tendo venda depois
da porta fechada se achar escravo ou escrava dentro da dita venda depois de
ter a porta fechada.”
39
A ordem é reafirmada no ano seguinte o que
demonstra a dificuldade de controlar a mobilidade e a ação dos escravos. Em
1735 Francisco Mattos, capitão-do-mato, assinava um recibo por ter
recebido da Câmara de Vila Rica, cem oitavas de ouro “ para destruir os
calhambolas e por em sossego estas duas freguesias de Ouro Preto e Antônio
Dias”
40
, ou seja o coração da vila. Todos estes lugares citados nestes
documentos (Ouro Preto, Antônio dias, Passa Dez, Caquende, São Gonçalo,
Mata Cavalos, Morro do Pascoal e outros) não distam hoje mais de três
quilômetros do centro das cidades de Mariana e Ouro Preto, alguns até
menos, por isto trato-os aqui como áreas de quilombos urbanos, cidade-
esconderijo.
37
APM, Fundo Casa dos Contos, Planilha 10546, Rolo 509.
38
APM, Fundo Casa dos Contos, Planilha 30465, Rolo 518.
39
AHCMM, Livro de Posturas, 660.
40
APM, Fundo Casa dos Contos, Planilha 30563, Rolo 519.
94
A repressão não conseguia combatê-los por causa da eficiência da
rede de solidariedade formada por escravos, negras de tabuleiro, vendilhões,
etc. Uma cidade dentro da outra, deixando os brancos impotentes diante ação
dos escravos. Restavam poucas ações práticas a serem tomadas como roçar
as áreas desabitadas dentro das vilas para limpar os locais aonde os
escravos podiam esconder-se, negociar ou guardar o fruto de seus roubos.
Em 1741, em Vila Rica a Câmara ordenava aos almotacéis que
notificassem aos moradores da vila para cedessem escravos “ para efeito de
roçarem todas as capoeiras e matos do Caquende, quanto do Olaria, do Padre
Faria e Passa Dez do rio para a parte da vila, e do alto do dito Passa Dez e
esta vila pela parte do morro sem que fique capoeira ou mato algum em
por ser prejudicial e couto de negros fugidos e de outras desordens contra o
serviço de Deus(...)”.
41
Limpar e ocupar os espaços vazios das cidades para
impedir que os cativos se apropriassem deles.
Revoltas.
Na América Portuguesa os brancos livres conviviam com uma
grande massa humana de negros. Esse convívio foi marcado por uma grande
tensão. O que realmente existia era medo. O maior paradoxo da escravidão
era justamente este. Seria de esperar que os cativos tivessem medo dos seus
senhores. Afinal eram estes que possuíam os meios coercitivos a seu favor.
Dispunham dos corpos dos cativos para usar na produção e castigá-los.
Lembremos que um escravo podia ser vendido, comprado, alugado, castigado
como o senhor quisesse. Todo aparato político-jurídico era organizado para
salvaguardar os direitos dos senhores além da organização de um forte
aparato repressivo. Nas Minas Gerais, além das forças militares que
dividiam-se em tropa paga, tropa auxiliar e companhias de ordenanças foram
organizadas as esquadras do mato que eram formadas pelo capitão-do-mato
e seus soldados. Nos momentos de maior necessidade, quando era necessário
41
APM, Fundo Casa dos contos, Planilha 10320,Rolo 505.
95
atacar um quilombo ou acabar com uma revolta, a população inteira
mobilizava-se, inclusive usando seus escravos que se não iam armados,
exerciam as tarefas costumeiras como carregadores, oficiais e às vezes guias
das expedições. Não podemos esquecer que os escravos de confiança
andavam armados e defendiam seus senhores e atacavam outros escravos.
Qual era o motivo para que o medo se instalasse no coração dos
mineiros? A grande concentração de escravos nunca vista na América
Portuguesa. Ribeirão do Carmo dista de Vila Rica apenas dez quilômetros ou
uma légua e meia para usar a medida corrente da época. Entre as duas vilas
situavam-se as minas da Passagem, o Morro do Pascoal e outros coalhados de
minas, galerias. No pé da serra o Ribeirão do Carmo recortado em datas. Os
antigos arraiais das vilas, hoje distritos, não distam muito das cidades. O
mais distante de Ribeirão do Carmo era São José da Barra, a nove léguas. Os
demais localizavam-se muito mais perto: São Sebastião: uma légua; São
Caetano: três; Furquim: cinco; Sumidouro: uma e meia; Inficionado: cinco;
Catas Altas: seis e meia e Antônio Pereira: duas.
42
Os mesmo acontece com
Vila Rica. Os distritos são muito próximos e toda a região estava cheia de
escravos. Para o ano de 1735 o Ouvidor Costa Matoso mencionava 47.755
escravos relacionados nas listas de capitação. Não podemos esquecer que esta
fonte nem sempre é confiável porque os senhores não forneciam o número
correto de escravos para escapar ao pagamento do imposto e muitos escravos
fugiam. Entre os que fugiam muitos permaneciam na região aquilombados ou
fugiam para outros distritos e procuraram trabalho como elementos forros.
Outros ainda permaneciam na região minerando clandestinamente. Portanto
era grande o número de negros cativos e pequeno o de homens brancos
livres.
A simples presença de um grande número de escravos impunha
medo a qualquer um. Um medo visível, personificado na pessoa do escravo
nativo, mulato e principalmente negro. A cor negra dos corpos cativos
42
MATOSO, op. cit. doc. 10, p.255.
96
circulava livremente pelas vilas e arraiais espalhando o medo pelas ruas,
caminhos, lavras, ribeiros, e etc.
O maior receio era de uma sublevação escrava. Embora os colonos e
autoridades portuguesas já tivessem lidado com fugas e principalmente
com o quilombo de Palmares , que ofereceu resistência heróica , em
Pernambuco, maior receio nas Minas relacionava-se com a ocupação das
cidades pelos escravos.
Tudo começou com o uso de escravos de confiança pelos senhores
em suas disputas políticas. Armar o escravo podia trazer conseqüências
desastrosas. Ao manejar armas o escravo tornava-se possuidor de um saber
que podia usar contra o seu senhor.
Quem mais bradou contra a excessiva liberdade dos negros nas
minas foi D. Pedro de Almeida Portugal, Conde de Assumar. Governador das
Minas Gerais entre 1717 e 1721 enfrentou dificuldades de toda ordem para
impor a soberania portuguesa no país.
Em relação aos escravos a correspondência de Assumar deixa
entrever um grande medo. Ele inclusive fornece informações valiosas sobre o
relacionamento entre os escravos e seus senhores. Em uma célebre carta ao
Rei em 1718, o governador descreve a impotência das autoridades em relação
aos escravos.
O conde afirma que:
os negros são muitos, cada dia estão rebentando em diversas partes, e
confiadamente se atrevem a não só a infestar as estradas e os que por elas andam,
mas aos que habitam nos sítios e roças ainda vizinhas às vilas, levando-lhes de casa,
não só ouro, mantimentos, mais coisas de menos importância e mais volume (...)
juntando-se em quadrilhas de vinte e trinta e quarenta armados e defendidos das
armas, com [que] fogem a seus senhores e que apanham de passageiros”
43
43
APM, Seção Colonial, SG, Códice 04 (cópia) folha 554- 557.
97
O quadro pintado por Assumar era de descontrole. Escravos fugidos,
armados, assaltantes, violentos, transgressores da ordem. Seguros a ponto de
atacar sítios próximos às vilas e roubar qualquer tipo de produto. Diante de
situação tão crítica o conde escreve ao Rei Cristianíssimo de Portugal
sugerindo a adoção de uma lei mais rigorosa para punir os crimes dos
escravos. Cita o exemplo da França que criou o Código Negro.
O maior problema que o governador via não era tanto os crimes dos
negros mas a cumplicidade dos senhores com tais crimes “ cujo inconveniente
tenho aqui experimentado várias vezes que estima mais um senhor ocultar
um negro [os seus] malfeitos que perdê-lo pela justiça por não haver quem
lhe recupere aquela perda.” O governador propunha que o valor dos negros
criminosos fosse dividido entre todos os moradores da freguesia e assim os
senhores não mais encobririam os crimes de seus escravos, além da criação
de capitães-do-mato, nas Minas.
No ano seguinte , em 21 de Junho de 1719 em nova carta ao rei ele
informava ter conhecimento de “ vários exemplos de senhores que, tendo
recebido bofetadas e facadas de seus próprios negros, os não entregaram à
justiça por temor de perderem seu valor, estimando mais o sofrimento deste
atentado que verem-se destituídos do dito negro.”
44
É possível que exageros acontecessem no âmbito privado e que os
próprios senhores preferissem punir o escravo a entregá-lo ao poder público.
O que acarretava sérios gastos: carceragem, alimentação, pagamento do
carrasco e das várias taxas da justiça. De qualquer forma o Rei não aceitou
introduzir medidas mais duras contra os escravos e quanto aos homens-do-
mato, o rei lembrava ao seu governador que eles já existiam desde o governo
anterior de D. Bráz Balthazar da Silveira.
O maior problema para na área mineradora não era a punição da
desobediência dos escravos, das bebedeiras, das brigas ou da participação nos
batuques. Até a punição do quilombola era relativamente fácil de ser feita
44
APM, Seção Colonial, SG, Códice 04, folha 659 e ss. Apud. GUIMARÃES, op. cit. p. 31.
98
porque estes estavam totalmente à margem da lei, e muitos localizados
próximos dos povoados. Difícil era punir o escravo urbano que aparentemente
conduzia-se com retidão mas aproveitava-se da mobilidade dentro das vilas
para cometer furtos, assassinatos, comerciar produtos proibidos, minerar
clandestinamente ou negociar com quilombolas. Este o inimigo oculto,
aqueles que os senhores escondiam. Por isto o conde de Assumar pedia ao Rei
“remédios violentos como precisos a uma canalha tão indômita (...) [ ou
teremos] aqui algo semelhante ao Palmares de Pernambuco.”
Um dos temores dos colonos e das autoridades era a possibilidade
de uma revolta geral dos escravos. Por isto mesmo cuidavam de nunca
comprá-los todos da mesma nação para impedir a união entre eles e até
mesmo casamentos.
O primeiro caso ocorreu em 1711, os escravos da nação Mina, do arraial
do Furquim , próximo ao Ribeirão do Carmo, planejavam sublevarem-se e
matar todos os brancos. O governador mandou tirar devassa e não encontrei
nenhuma referência sobre estas devassas.
45
Mas a principal revolta escrava ou tentativa de revolta será a de
1719. que permaneceu no imaginário dos moradores das Minas por muito
tempo.
No dia 24 de março de 1719 D. Pedro de Almeida Portugal
escreveu uma carta para o Ouvidor da Comarca do Rio das Velhas.
Notificava ao ouvidor que recebera notícias de que os negros organizavam
uma sublevação, cujo início seria na Quinta-feira de Endoenças, na Semana
Santa. O plano consistia em pegar as armas nas casas dos colonos quando
estes estivessem nas igrejas e matar todos os brancos ou senhores. Depois, a
intenção dos escravos era estabelecer um governo autônomo, de negros, nas
Minas.
O governador informava ao Ouvidor que “ no princípio fiz pouco
caso desta matéria, e (...) contudo como estes avisos se me mandaram de
45
ANASTASIA, op. cit. p. 133.
99
várias partes distantes umas das outras, entendo que era necessário algum
cuidado e alguma prevenção...”
46
Ele ordenava que se providenciasse
imediatas averiguações.
Na mesma carta vai um adendo no qual o conde refere-se a uma
carta, do mesmo ouvidor, que acabara de receber notificando-lhe sobre o
mesmo assunto. Não encontramos a carta do ouvidor mas pela resposta do
conde percebe-se que alguma coisa acontecia na Comarca do Rio das Velhas
e o ouvidor tinha conhecimento. O ouvidor também aludia à possível rebelião
e o conde o alertava sobre a reação dos colonos “ no caso que os negros se
levantem não encontro dano maior [do que] o pânico dos brancos que com a
menor coisa se desanimam”. O governador continua a sua argumentação
afirmando que o medo dos brancos era provocado pelas consciências
pesadas por causa dos pecados cometidos através dos concubinatos e que
Deus era capaz se servir-se dos escravos para castigá-los. Continua
escrevendo que “ me fizeram o mesmo aviso do Forquim”, portanto havia
motivos para que todos ficassem de sobreaviso.
Dispunha-se o governador a mandar o Tenente-General a vila de
Sabará “ para por mais em forma as ordenanças para fazerem as rondas de
noite e para ele ir algumas vezes com eles para que não sucedam os
desatinos que vosmecê me avisa”. Alguma suspeita tinha o ouvidor. O
mesmo precavia-se atestando a boa conduta de seus escravos como reafirma
o conde “ é me essencial que vosmecê logo faça alguma averiguação sobre o
sargento-mor negro (ileg.) Motta e outros escravos de Ambrozio Caldeira e
(ileg.) havendo (ileg.) de que possam ser cabeças se poderão justiçar logo”
(ileg.) eu não tenho ouvido nenhum malefícios dos negros de vosmecê; e só
sim quando vão com armas como os demais dessa comarca”.
Alguma coisa estava para acontecer. Podia ser apenas mais um
motim em que potentados brancos usavam escravos armados? Estariam os
46
APM, Seção Colonial, SG, Códice 11, folhas 117v e 118 f.
100
escravos do ouvidor envolvidos na conspiração e buscaram a proteção de seu
senhor abandonando os demais à própria sorte?
O conde partiu para Vila Rica. ele receava que os escravos do
morro do Pascoal da Silva, que eram em número de três mil ou mais,
pudessem estar participando da rebelião. Também os escravos do arraial de
São Bartolomeu, que abastecia a vila, estariam preparando-se para participar
da revolta.
Em Ouro Preto o conde subiu o morro com duas companhias de
ordenanças e deu uma busca geral à procura de armas. Estas não foram
encontradas, mas a ação do conde serviu para demonstrar a sua disposição
para enfrentar a rebelião.
Mas uma vez o que salvou os colonos livres e donos de escravos
foi o ensinamento de Aristóteles: nunca comprar todos os escravos da mesma
nação. O desentendimento entre os Minas e Angolas teria colocado a rebelião
a perder. Por não entenderem-se sobre como dividir o governo entre as duas
nações, o segredo teria vazado, dando tempo para que as autoridades
reagissem.
De Sabará o Tenente-General João Ferreira Tavares prendeu e
mandou para Vila do Ribeirão do Carmo os escravos nomeados reis das
nações Mina e Angola e os demais escravos nomeados oficiais militares. Mas
todos os anos, na Semana Santa, o espectro da revolta assombrava os
homens livres das Minas.
Passado este perigo, os ânimos não serenaram nas Minas. Em 1735
houve uma revolta em Catas Altas e em 1756 um novo rumor sobre uma
grande rebelião na Semana Santa , como a de 1719, correu as Minas. O Bispo
D. Frei Manuel da Cruz mandou “ (...) estejam as portas das igrejas fechadas
na sobredita noite, em ordem a se evitarem os numerosos concursos de negros
101
que todos os anos se observam ocultando com capa de piedade os seus
danados intentos( ...)”
47
É significativo o fato dos escravos conseguirem organizar
revoltas que deveriam ser executadas ao mesmo tempo e em áreas tão
distantes. O conde de Assumar D. Pedro de Almeida, não deixa de observar
que isto era possível “ (...) conformando-se todos em partes mui distantes
por meio de vários emissários que andavam de umas para outras paragens”
48
A grande mobilidade proporcionada pela escravidão urbana
facilitava a resistência em suas várias formas: fugas para os quilombos,
fugas para os arrabaldes das vilas, crimes, negócios ilícitos e organização de
revoltas. Sob o signo do medo, viviam os mineiros.
47
VASCONCELOS, Diogo. História Média das Minas Gerais, p. 222-224. Apud. GROSSI, Ramon F. O
Medo na Capitania do Ouro: Relações de Poder e Imaginário Sobrenatural Século XVIII.
Dissertação de Mestrado defendida na FAFICH, UFMG, 1999, cópia xerocada.
48
APM, Seção Colonial, Códice 04 (cópia), folhas 587- 596v.
102
CAPÍTULO IV
LIBERDADE
(...) Já se ouve o cantar do negro.
Chora neblina, a alvorada.
Pedra miúda não vale:
liberdade é pedra grada...
( A terra toda mexida,
a água toda revirada...
Deus do céu, como é possível
penar tanto e não ter nada! )
Romance VII ou Do Negro Nas Catas.
Romanceiro da Inconfidência. Cecília Meirelhes
103
ALFORRIAS.
As condições para alcançar a alforria nas Minas eram variadas. No
Tijuco, área da demarcação diamantina, o cativo podia ser liberto se achasse
uma pedra de dezessete quilates e meio ou se denunciasse o seu senhor por
contrabando. Não temos estatísticas sobre o de número de escravos que
conseguiram a liberdade por encontrar grandes pedras e para o escravo às
vezes era mais vantajoso aliar-se ao senhor contrabandista do que denunciá-
lo.
Na área mineradora as possibilidades de manumissão eram muitas.
Os senhores permitiam que os escravos minerassem para si. O ouro
conseguido desta forma provavelmente servia para comprar alimentos, roupas
e formar um pecúlio para a compra da liberdade. Nada na lei
1
garantia que
este ouro ou o dinheiro conseguido de qualquer outra forma ficasse com o
escravo, afinal legalmente tudo o que pertencia ao escravo pertencia ao
senhor. Mas, um dos direitos costumeiros na América Portuguesa, era o
senhor respeitar esta “renda do escravo”. Como afirma Kátia M. de
Queirós Mattoso:
“ De resto, a prática , cheia de contradições, reconhece ao escravo a posse de bens
que lhe venham por legado ou doação, interdita ao senhor apropriar-se do dinheiro
economizado da alimentação, da morada ou das roupas; o escravo pode convertê-los
em valores de qualquer tipo. Em regra geral, os senhores também respeitam o
dinheiro que o escravo conseguiu receber como indenização em caso de ofensa.
Todas estas normas não têm fundamento jurídico verdadeiro, mas são tacitamente
aceitas, adquirem um valor de prática social, cuja tendência geral é favorecer ao
escravo, que parece ter condições de obter a libertação de sua condição servil. (...)
Essas práticas beneficiam o escravo urbano, o doméstico, o mineiro.
2
Os escravos urbanos de Mariana e Vila Rica tinham grandes
possibilidades de acumular renda para comprar a própria liberdade. As
1
CUNHA, Manuela Carneiro. “ Sobre os Silêncios da Lei: Lei costumeira e positiva nas alforrias de escravos
no Brasil, do século XIX. In: Antropologia do Brasil: Mitos, História , Etnicidade. São Paulo,
Brasiliense / EDUSP, 1986, pp. 85 96.
2
MATTOSO, op. cit. p. 189.
104
formas eram variadas, desde a mineração após o período normal de trabalho,
aos ofícios, pequeno comércio, até o roubo nas estradas ou contrabando.
Os escravos ao ganho, que eram em grande número nas Minas,
possuíam grande capacidade de reunir o dinheiro necessário para a compra da
alforria. O conde de Assumar, D. Pedro de Almeida chegou a proibir as
alforrias, por causa do grande número de libertos na capitania.
Na década de trinta o conde de Galveas, governador da capitania de
Minas Gerais escreveu ao rei expressando o seu receio sobre o grande número
de ex-escravos existentes na capitania. A resposta do rei foi ordenar que se
fizesse um recenseamento de todos os homens livres e de cor da capitania.
Segundo Laura de Mello e Souza
3
existem duas explicações para a
facilidade que os escravos tinham para comprar a liberdade nas Minas
setecentistas. A primeira diz respeito às características principais da região:
urbana e mineradora. Os senhores permitiam que seus escravos minerassem
por conta própria nas horas de folga após um dia de trabalho e aos
domingos ou dias santos. Na área urbanizada, escravos que exercessem
funções especializadas tinham grandes possibilidades de formar pecúlio.
A Segunda explicação, bastante difundida pela historiografia, diz
respeito às condições econômicas da região. É comum os historiadores
referirem-se à “decadência da minas” e verem neste aspecto um motivo para
os senhores libertarem os seus escravos e livrarem-se dos gastos com a
manutenção dos mesmos. Neste momento aumenta o número de alforrias
pagas. O problema a ser resolvido pela historiografia é: como o escravo
consegue formar o pecúlio em épocas de crise econômica? E, se o escravo
consegue trabalho e poupar em épocas de crise, porque os senhores abririam
mão deles? Para Minas Gerais Eduardo França Paiva afirma que:
“ Crise no setor minerador não correspondeu, em Minas, a estagnação ou depressão
econômica. (...) desde as primeiras décadas de ocupação desenvolvera-se uma
economia dinâmica e diversificada na região, com relações de troca altamente
monetizadas, o que minorou os efeitos da violenta queda no volume de ouro
extraído. Daí o ininterrupto aumento, durante todo o século XVIII das populações
cativa e liberto. Os escravos de mineradores falidos puderam buscar puderam no
3
SOUZA, Laura de Mello. Norma e Conflito: Aspectos de História de Minas Gerais no Século XVIII. Belo
Horizonte, Editora da UFMG, 1999, p. 135.
105
mercado as oportunidades de trabalho que viabilizavam a autocompra. Este recurso
foi largamente usado pela escravaria em mineira que, de alguma maneira, havia
negociado a libertação com os proprietários.”
4
Analisando as alforrias de Salvador e Parati, Kátia Mattoso levanta a
possibilidade de parentes, padrinhos e amigos emprestarem dinheiro ou doá-lo
para que o cativo possa libertar-se. A seguir este raciocínio os senhores
estariam recolhendo a poupança de vários cativos e os alforriados, segundo a
autora, ficavam endividados.
5
Para Minas Gerais, é necessário estudar a documentação relativa
às atividades econômicas, pagamentos a escravos alugados e de ganho e
registro de concessões de alforrias, testamentos , inventários, levantar os
dados quantitativos e qualitativos com a conjuntura econômica do período
do declínio da mineração. Então será possível levantar dados e chegar a
conclusões específicas para Minas Gerais.
As alforrias eram concedidas de forma incondicionais, condicionais
ou conseguidas através da compra ou da coartação. A forma incondicional
era aquela em que os senhores libertavam os seus escravos pelo “ amor de
Deus” ou por “bons serviços prestados”. Era comum libertar alguns ou
todos os escravos em testamento. Waldemar de Almeida Barbosa cita o caso
do Barão de Alfié que, ao falecer em 1881, libertou no seu testamento todos
os seus duzentos escravos.
6
A alforria gratuita e incondicional era quase sempre feita “para
desencargo da consciência” , segundo Kátia Mattoso as cartas de alforria
incondicionais quase sempre aludem ao ao “bom comportamento” e ou
bem que lhe tenho” (...) pois é preciso assegurar à sociedade, garantir-lhe
que o alforriado será um bom cidadão.”
7
Para o período 1724/ 1725 apenas doze alforrias incondicionais
foram registradas em Vila Rica. Sendo oito por bons serviços, mas pagas e
4
PAIVA, Eduardo França. Escravos e Libertos Nas Minas Gerais ... op. cit. p.90.
5
MATTOSO, op. cit. pp. 176 198.
6
BARBOSA, op. cit. p 18.
7
MATTOSO, op. cit. 187.
106
quatro gratuitas. Como é o caso de Paulo do Couto Villas Boas que em dez
de novembro alforriou “ um mulatinho de quatro para cinco anos chamado
Domingos filho de uma sua escrava Inácia crioula por lhe ter nascido na sua
casa e é criado em seus braços, pelo amor que lhe tem e por serviço de Deus
lhe dava ampla e irrevogável por este instrumento público(...)”.
8
Outra modalidade eram as condicionais. Eram gratuitas mas
impunham uma condição para o cativo conseguir a sua liberdade. Katia
Mattoso questiona se este tipo de alforria pode ser considerada mesmo
gratuita, uma vez que impunha ao escravo mais um tempo servindo a
senhores que, por qualquer motivo, podiam revogar a concessão da alforria. O
pagamento era portanto, mais penoso, e tinha que ser mais “ trabalhado”
pelo escravo. Em dezesseis de setembro de 1724, Francisco de Souza Leal
alforriou Luiza crioula por bons serviços prestados, pelos amor de Deus e
somente após a morte dele, Francisco.
Eduardo França Paiva em estudos recentes discorda do “discurso
senhorial paternalista” que estaria por trás das alforrias incondicionais e dos
autores que por isto “ veêm na escravidão brasileira um exemplo de
benevolência e suavidade”
9
. O que levou mais de um historiador a chegar
a esta conclusão foram as justificativas deste tipo de alforria que aludem ao
bom comportamento dos cativos , ao amor que os senhores tinham por seus
escravos ou à caridade cristã.
Para os professores Eduardo França Paiva e Douglas Cole Libby,
estudiosos da escravidão mineira do setecentos, o quê os historiadores
tradicionais interpretaram como benevolência apresenta-se como um arranjo
de interesses entre senhores e escravos que marca a escravidão brasileira. Os
senhores não conseguiriam manter a escravidão por três séculos apenas
baseados na violência, e o fato que a maioria dos escravos não fugia ou
8 AHMI, Casa do Pilar, 1º Ofício, Livro de Notas nº 10, folha 06.
9
PAIVA, Eduardo F. Paiva. LIBBY, Douglas Cole. A Escravidão no Brasil: Relações sociais, acordos e
conflitos. São Paulo, Ed. Moderna, 2000, p. 44.
107
homiziava-se nos quilombos é um indicativo de que um equilíbrio de forças
que revela estratégias cuidadosamente desenvolvidas pelos dois grupos. O
senhores acenavam com a possibilidade da liberdade e os cativos reagiam
submetendo-se ou fingindo-se submeterem-se às vontades do senhor para
alcançar a liberdade. Como afirmam os professores “ A manutenção do
sistema escravista brasileiro, por mais de três séculos e meio, exigiu um
paciente jogo de equilíbrio no qual os senhores manipulavam os escravos,
mas também eram manipulados por eles”.
10
Não podemos descartar a possibilidade de gestos sinceros e
piedosos por parte dos senhores quando invocavam o nome de Deus ou o
bom relacionamento para justificar a libertação de algum de seus escravos.
Mas também não podemos desprezar a capacidade dos escravos em manterem
um comportamento adequado à espera da liberdade.
A liberdade oferecida pelos quilombos era efêmera. Mais cedo ou
tarde eles eram destruídos. Muitos eram mortos e outros eram presos,
sofriam castigos rigorosos, podiam ser marcados a ferro ou serem obrigados
a usar gargalheiras ou outro instrumento que limitasse a sua mobilidade,
impedisse novas fugas e significasse uma humilhação a mais além da
condição de escravo. Talvez pensando em tudo isto, a maioria dos cativos
preferiu usar outras estratégias para conseguir a liberdade. “ (...) nas
pequenas histórias de libertação descobrimos que elas são cheias de
enormes esforços por parte dos escravos. Além de trabalhar muito, eles
tentavam demonstrar atenção e submissão constantes a seus senhores, mesmo
que no íntimo, apenas representassem aquele papel, como fazem os atores”.
11
Para as mulheres o concubinato ou ter filhos com o senhor era uma
das estratégias para alcançar a liberdade. As mulheres brancas eram poucas
e as uniões ilícitas eram comuns nas Minas Gerais. O casamento entre
libertos e escravos, principalmente homens brancos e escravas, era proibido.
10
PAIVA & LIBBY, op. cit. p 44.
11
Idem. p. 44
108
Os filhos mestiços eram, quase sempre, brindados com a alforria. Antonil,
observando a sociedade da região açucareira, já afirmava que os mulatos
eram os que possuíam melhores condições para alcançarem a liberdade ,
principalmente as mulatas, hábito que ele combate ao afirmar que “ Forrar
mulatas desinquietas é perdição manifesta, porque o dinheiro que dão para
se livrarem, raras vezes sai de outras minas que dos seus mesmos corpos,
com repetidos pecados; e, depois de forras, continuam a ser a ruína de
muitos.”
12
As reclamações do jesuíta encontrarão eco nas Minas Gerais ao
longo do século XVIII.
Nas Visitas Pastorais as escravas são alvo predileto por causa do
concubinato ou do exercício da prostituição.
13
Ter filhos com os senhores era
uma forma de alcançar a liberdade para os filhos “(...) ligações amorosas
entre escravas e senhores provavelmente foram responsáveis pelo fato da
alforria feminina ter sido mais comum que a masculina.”
14
Assim um auto
de devassa em 1731 registrava que em Antônio Dias “ (...) João Barboza
anda concubinado com uma preta cujo nome não sabe a qual tem de portas
adentro e deu ouro para a dita preta se forrar...”
15
Uma outra forma de alcançar a liberdade era comprá-la. Pode-se
mesmo afirmar com segurança que a maior parte das alforrias foi alcançada
desta forma. Na primeira metade do século XVIII, quando o ouro era
abundante, muitos escravos conseguiram comprar a liberdade minerando para
si após o trabalho ou nos dias de folga.
Antônio Xavier Braga alforriou Maria,de nação angola, por bons
serviços prestados e por ter recebido 256 oitavas de ouro. O Capitão Crispim
de Barros alforriou a mulata Antônia Ribeiro por cem oitavas de ouro em
12
ANTONIL, op. cit. p 90.
13
FIGUEIREDO, Luciano. O Avesso da Memória: cotidiano e trabalho da mulher nas Minas Gerais no
século XVIII. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, p.p. 143 151.
14
PAIVA & LIBBY. op. cit. p. 45.
15
LUNA, Francisco Vidal & COSTA, Iraci Del Nero. Minas colonial: Economia e Sociedade. São Paulo,
FIPE, PIONEIRA, 1982, pp. 82 83.
109
quatro de setembro. Domingos Pereira alforriou Manoel crioulo por ter
recebido de sua mãe Tereza, 128 oitavas de ouro.
16
Um “ direito costumeiro foi fartamente aplicado nas Minas para
que os escravos pudessem comprar a liberdade: a coartação. Por este sistema
a alforria era comprada pelo escravo em parcelas acertadas previamente entre
o senhor e o escravo. O documento podia ser lavrado em cartório ou não. O
pagamento podia ser feito em parcelas semestrais ou anuais durante um
período de três a cinco anos.
Uma fonte para conhecer as coartações são os testamentos, as cartas
de alforrias e as ações de redução ao cativeiro. Nos testamentos as pessoas
faziam inventários de seus bens, incluindo os escravos, e deixavam arrolados
os contratos de coartação com as devidas condições, prazo e valor. Os
próprios forros ao fazerem seus testamentos também indicavam a condição
pela qual conseguiram a alforria, se o meio tivesse sido a coartação, ele era
nomeado. As cartas de alforria, também, indicavam se a mesma tinha sido
conseguido através da coartação.
Esta é uma forma de alforria que só agora tem merecido a atenção
dos historiadores. Segundo Eduardo França Paiva o coartado não era escravo
nem liberto. Estava numa situação intermediária e “ (...) inseria-se no
mercado de trabalho resguardado, geralmente, por um documento assinado
pelo proprietário , denominado Carta de corte. (...) conferia ao legítimo
portador o direito de procurar, próximo ou distante do domínio senhorial, os
meios para saldar as prestações referentes à compra de sua Carta de
Alforria.”
17
A coartação dava aos cativos mais um espaço para locomoção. Nos
contratos de coartação o senhor dava-lhe liberdade para procurar trabalho e
juntar a quantia necessária para comprar a sua alforria. Normalmente durante
este tempo o “cativo vivia sobre si”, ou seja morava sozinho em habitação
própria e aceitava qualquer trabalho para satisfazer o seu sustento e
16
AHMI, Fundo 1° Ofício. Livros de Notas n° 10.p. 90.
17
PAIVA, op. cit. p. 83.
110
economizar o necessário para pagar as parcelas acertadas com o senhor. Se o
pagamento não era feito integralmente no período combinado, o coartado
podia ser reduzido ao cativeiro. O tempo das quartações variava entre dois a
oito anos. Os senhores costumavam impor algumas condições como: o
escravo devia ter bom comportamento. Muitas vezes as coartações só
iniciavam-se após a morte do senhor ou sob condições especiais de cada caso.
As mulheres de tabuleiros e escravos com oficios tinham melhores
chances de se quartarem. Daí o grande movimento das negras de tabuleiros,
lavadeiras, vendeiras e prostitutas. Elas precisavam reunir grande quantidade
de ouro em pouco tempo. A partir da década de trinta, quando a mineração
começa a declinar, a possibilidade para reunir ouro diminui e todas as
possibilidades são tentadas. Em 1742, em Vila Rica a negra Rita de nação
mina ajustou o seu casamento com André de nação courana. A condição para
o casamento era que o noivo devia lhe dar dinheiro para ajudar pagar a sua
quartação.
18
Pagar a quartação ,este parecia ser o objetivo da vida de muitos
escravos que estavam nesta situação nas Minas porque se não cumprissem o
contrato à risca, podiam voltar ao cativeiro e perder o dinheiro que já tinham
pago aos senhores. Os herdeiros não perdiam a oportunidade para reduzir a
cativeiro o quartado que não cumprisse os prazos dos pagamentos ou as
condições impostas. As ações de redução ao cativeiro são inúmeras no
Arquivo da Casa Setecentista, em Mariana.
A quartação foi objeto de estudo em um artigo de Laura de M. e
Souza
19
que por sua vez remete-nos ao trabalho de Eduardo França Paiva
20
afirmando que ele escreveu sobre assunto “ uma das melhores páginas de
que tenho notícia.”
Embora o quartamento fosse comum após a morte dos senhores e
suas condições relatadas em testamento, eram comuns também enquanto o
senhor estava vivo. Em dezenove de agosto de 1724, Miguel Filgueiras
18
SILVEIRA, Marco Antonio. O Universo do Indistinto: Estado e Sociedade nas Minas Setecentistas
( 1735- 1808). São Paulo, Ed. HUCITEC, 1997, p.120.
19
SOUZA, Norma e Confito... ,op. cit. pp. 151 a 174.
20
PAIVA, Eduardo F. op. cit.
111
passou a carta de alforria à preta mina Antônia com sua filha crioulinha, “ as
quais tinha quartado em 330 oitava de ouro limpo e que já tinha recebido.”
O mesmo Paulo do Couto Villas Boas, citado acima, registrou em dez de
novembro de 1724 que alforriava a escrava Inácia crioula “ (...) por dela
[ter] recebido e por lhe dar 200 oitavas de ouro preço em que a quartou
(...)”.
21
Este caso é exemplar. No mesmo dia registrava-se a alforria de mãe e
filho. A mãe por quartação e o filho gratuitamente.
Mas, o mais importante era acertar com o senhor as condições de
libertação. Não eram todos os escravos que conseguiam isto. Segundo Kátia
Mattoso:
“ Não se deve perder a oportunidade que imagina tão aguardada,desejada, comentada
em casa e nas praças públicas, a menor palavra do senhor que permita supor que tal ou
qual escravo poderia ser libertado, se uma ou outra condição fosse satisfeita. Assim no
campo africano os tambores espalham as novidades, com a rapidez do vento, nos
“cantos” e nas confrarias, as novas voam, os laços de sangue despertam, as humildes
economias são reunidas e uma solidariedade muito variada se mobiliza.”
22
Segundo Eduardo F. Paiva, este momento tão aguardado era
longamente construído, e visto de maneira diferente pelos dois estamentos da
sociedade escravista. Para os senhores era uma forma de controlar o escravo.
As alforrias“ Eram vistas como um mecanismo que, ao tornar-se uma
possibilidade real, modelava e pacificava o dia-a-dia da relação senhor -
escravo e inibia os conflitos coletivos. Tratava-se, portanto, de um expediente
fundamental, concreto e não baseado na exceção, capaz de deter uma
população de oprimidos muito superior, numericamente, ao grupo de
opressores.”
23
Para o escravo a alforria era a oportunidade de livrar-se do cativeiro
e para isto usavam recursos variados como cuidar bem do senhor, demonstrar-
lhe amor, amizade ou submissão, cuidar bem de seus interesses. Estes
aspectos são sempre citados por vários autores como prova da alienação dos
escravos em relação à sua condição. Para o autor, estes comportamentos eram
21
AHMI, Fundo 1° Ofício, Livro de Notas n° 10, p. 104.
22
MATTOSO, op. cit. pp. 191 - 192
23
PAIVA, op. cit. pp. 106 107.
112
estratégias desenvolvidas ao longo de toda uma vida para alcançar a
possibilidade de um dia ser liberto.
Em Minas Gerais as mulheres parecem ter alcançado a alforria
mais do que os homens e entre estes, alforriava-se preferencialmente os
nascidos no Brasil do que os africanos. Isto pode ser explicado pelas relações
mais próximas aos senhores que estes escravos tinham. Mas qual era o
significado desta liberdade?
Liberdade realmente era pedra grada. Difícil de conquistar, manter e
dela desfrutar.
LIBERTO.
Ser liberto não era ser livre. A sociedade estamental mineira não
reconhecia o liberto como igual. Desde o governo de D. Pedro de Almeida, o
conde de Assumar, já estava claro que os forros estavam sujeitos às mesmas
leis que os escravos. Não podiam portar armas e em alguns casos sua situação
era pior . Em 1732 a Câmara de Vila Rica proibia as vendas de atender negros
após a Ave Maria. Um negro liberto não podia ser atendido, mas um escravo
que portasse uma carta de seu senhor podia ser atendido. O mesmo acontecia
em Mariana pelas posturas municipais de 1734.
O estigma da escravidão acompanhava o forro. Fosse através da
denominação jurídica fosse através da cor da pele. O liberto não era livre.
Após o seu nome, sempre constava a informação: forro. Se, antes de ser
alforriado, Pedro era classificado como Pedro, homem preto, da nação mina
,escravo de fulano. Após a alforria Pedro seria identificado como Pedro,
preto forro, da nação mina. A identidade jurídica já era um elemento de
discriminação.
Marco Antônio Silveira defende que a escravidão era vivida com
“um valor” nas Minas Gerais setecentistas . Em meio à fluidez das camadas
sociais, da facilidade de um escravo urbano em conseguir a alforria, do
113
grande número de mestiços, e a possibilidade de ascensão social pelos
libertos, os brancos livres procuram formas de manterem-se acima desta
fluidez. Laura de Mello e Souza incluiu os forros no quadro de
desclassificados sociais e afirma que:
“ (...) a fluidez se verificava, entretanto, antes para baixo do que para cima, e mais
no meio do que nos extremos: senhores e escravos eram bem definidos na hierarquia
social, e as eventuais indefinições que os afetavam só surgiam no momento da
infração__ também esta mais passível de nivelar os de baixo (escravos e forros) do
que os de cima: os empresários coloniais impunes e intocáveis na maior parte das
vezes.”
24
A situação dos forros era instável. Antigos
senhores inescrupulosos sempre tentavam fazê-los voltar ao
cativeiro. Laura de M. e Souza diz que:
“ Particularmente elucidativos são os diversos requerimentos e
petições que os forros recém egressos do cativeiro dirigiam ao
governador, acusando o desrespeito dos senhores ante a sua nova
condição, e atestando a indiferenciação existente entre o forro e o
cativo.”
25
Para diferenciar-se da situação anterior os forros não
trabalhavam, pelo menos não deviam aceitar os mesmos trabalhos
anteriores. Mas algum trabalho deveria fazer para prover o seu
sustento. As pessoas reclamavam que costumeiramente os forros
não contribuíam para a sociedade. Basílio Teixeira de Saavedra
referia-se aos forros como: “(...) gente liberta, sem criação, sem
meios de alimentar-se, sem costumes e com a louca opinião de
que a gente forra não deve trabalhar; tal é a mania, que induz a
vista da escravatura (...)”
26
Os forros deviam buscar alguma forma para integrarem-
se à sociedade. Uma das formas de conseguir isto era buscar a
propriedade. A mais desejada era a propriedade da terra e de
escravos. A terra era difícil então procurava-se a propriedade de
24
SOUZA, Laura de M. Os Desclassificados do Ouro... p. 148. Grifos da autora.
25
SOUZA, op. cit. p 148.
26
SILVEIRA, Marco Antônio . “ O Universo do Indistinto” : Estado e sociedade nas Minas Setecentistas
1735 1808). São Paulo, Ed. Hucitec, 1997.
114
bens e escravos. Kátia Mattoso afirma que o liberto “ poderia com
facilidade__ e a diferença foi freqüentemente desfeita__ ser
considerado um traidor. Ele trai a comunidade dos escravos,
tenta passar ao outro lado.
27
A afirmação acima refere-se às estratégias dos escravos
para aproximarem-se dos senhores e conseguir a liberdade mas
pode ser aplicada aos libertos quando querem conseguir o
impossível: integrarem-se na sociedade estamental mineira do
setecentos. Eis uma questão para os historiadores da cultura. Uma
vez que passavam grande parte de suas vidas elaborando
estratégias para conseguir a liberdade, como enfrentaria, o liberto,
o novo mundo de discriminação social que encontrava após a
alforria?
Seguindo o modelo da sociedade setecentista mineira
que ser proprietário, era um sinal de distinção, o alforriado
procura acumular bens. Em Minas, que ao longo do século XVIII
terá a maior população mestiça do Brasil, cuidavam de suas
mínimas propriedades. O próprio processo de sobrevivência
levava a isto. Alguns conseguiram reunir uma considerável
renda, outros o necessário para viver ou pouco menos do que isto.
Em 1742, João Gomes Ribeiro, que morava no morro da Passagem
fez o inventário de Antônia Gomes, liberta da nação cabo-verde,
sua ex-escrava que morava próxima à sua casa. Antônia morreu
deixando quatro filhos. Duas meninas de doze e sete anos e dois
meninos de oito e cinco anos. O ex- proprietário recorreu à
justiça pedindo a guarda das crianças para criar e pediu que o
inventário fosse feito “ (...) como é prejudicial aos filhos em
razão de não chegar os bens para a despesa para que em tempo
algum se não lhe faça culpa”
28
. Dos bens de Antônia constava:
27
MATTOSO, op. cit. p.215.
28
ACC, Fundo 1° Ofício, Inventários, Códice 62, Auto 1343, 1742.
115
uma frasqueira; duas saias de meio uso; uma saia de chita usada;
quatro camisas de linho usadas; um cobertor velho; dois pratos de
estanho usados; um de ouro com peso de três oitavas; uns brincos
de ouro liso com o peso de uma oitava; um barril de água; uma
caixa sem tampa; uma trempe velha; duas baetas velhas de cor;
uma colher de ferro usada e uma candeia de ferro velha. Ela
possuía ainda um escravo. Um moleque que comprara do seu
antigo senhor por sessenta e quatro oitavas de ouro e das quais
só tinha pago quatorze.
Todos os bens vendidos apurou-se dezesseis oitavas e
¼ de ouro. O antigo senhor assinou um termo de obrigação em
que afirmava que “ o que fazia pelo amor de Deus e por conhecer
a pobreza em que ficaram os sobreditos orfãos e para alimento
dos mesmos e dívidas que a dita defunta ficou devendo se lhe fez
entrega dos limitados bens conhecidos neste inventário...” Ele
ainda conseguiu reaver o escravo, o molecote, que tinha vendido.
Em 1731, o preto forro José Tavares, deixou seis
escravos, um sítio e duas casas no arraial de Bento Rodrigues,
além de instrumentos agrícolas e de mineração.
29
Mas apesar das posses a integração continuava longe.
Em 1730 em petição à Câmara de Vila Rica, Manoel da Silva dizia
que “ que por este Senado se acha servindo o ofício de porteiro
um preto crioulo sem dúvida provido por não haver pessoa de
melhor condição em quem se provesse, e como o suplicante
demonstra diferente qualidade com capacidade para o bem o
poder e servir...”
30
A Câmara respondeu de forma salomônica:
se o porteiro desistisse do cargo, Manoel da Silva teria o cargo.
Em 1734, os moradores do morro pediam à Câmara
que expulsasse da vila “ um pardo forro alfaiate, por nome
29
ACC, Fundo 1° Ofício, Inventários, Códice 107, Auto 2196, 1731.
30
APM, Fundo CMOP, Caixa 02, Doc. 14, Documentação não encadernada.
116
Mathias [que] é tão pernicioso à república que atualmente anda
induzindo escravos alheios fazendo roubos e outras inquietações
com seu mau proceder que merece um exemplar castigo (...)”
31
.
Enquanto não encontravam o seu lugar naquela
sociedade, os forros iam abrindo caminhos. No século XVIII, em
Minas Gerais, os forros procuravam um caminho que não era fácil
de achar. Tiveram que contentar-se com o que encontravam:
preconceito, discriminação e pobreza. Era isto ser livre?
Liberdade realmente era pedra grada. Difícil de achar e manter.
31
APM, Fundo CMOP, Caixa 07, Doc. 09, Documentação não encadernada.
117
CONCLUSÃO.
No início deste trabalho nos propusemos a reconstituir em parte as
condições de vida dos escravos urbanos em Minas Gerais, especialmente em
Mariana e Vila Rica.
Primeiro acompanhamos a formação das cidades e a idealização do
espaço urbano pelos colonizadores que preparavam um espaço para
encenação barroca proporcionada pelo ouro mas, esquecendo-se ou fingindo
não ver a imensa massa escrava que, ao longo do século, dividiria o espaço
urbano com eles, impondo a sua presença seja pela necessidade do trabalho
escravo, seja pela transgressão às normas com as quais tentaram enquadrá-
los.
Uma das estratégias dos proprietários de escravos era acenar com a
possibilidade de alforria. Isto gerava duas contradições dentro da sociedade
escravista. Como abrir mão do produtor de renda? E, como integrar o liberto
numa sociedade estamental que não previa espaço para ele?
Reconstruímos, em parte, os principais aspectos da vida dos
escravos urbanos da área mineradora das Minas Gerais, procurando na
documentação da época como sua vivência. Mas principalmente,
encontramos escravos que eram sujeitos de suas vidas e de suas ações dentro
da sociedade escravista.
Tudo aqui levantado aponta para a rápida emergência, nas vilas da
Capitania das Minas Gerais, de uma escravidão fortemente ligada ao
comércio de rua, à circulação de riqueza monetária, e à forma de trabalho
remunerado. Isto possibilitava ao escravo de “ganho” reunir um pecúlio para
comprar a alforria.
Muitas foram as questões, consolidadas pela historiografia, que
nem sempre explicam o viver do escravo urbano na região mineradora que
118
mapeamos neste trabalho. Mas destacamos duas que precisam ser melhor
estudadas.
A primeira diz respeito às estratégias forjadas por escravos urbanos
para conseguir o máximo de autonomia dentro do regime de cativeiro. Os
dados por nós encontrados apontam para a grande mobilidade e autonomia
frente ao poder do Estado ou dos senhores privados, que não tiveram sucesso
em estabelecer um controle rígido nos moldes da escravidão do açúcar- para
os cativos que trabalhavam nas ruas e nas minas das proximidades de Vila
Rica e Mariana. Se destacam neste contexto as mulheres vendedoras “ de
tabuleiro” ou aquelas estabelecidas com “quitandas”, que gozavam de grande
mobilidade nas duas maiores cidades da capitania, para horror das autoridades
públicas.
A segunda questão trata da inserção do liberto que nos centros mais
populosos continuavam por exercer ocupações mais comuns para cativos
urbanos, como vendedores de produtos, faiscadores ou artesãos que vendiam
sua mão-de-obra pelas ruas, só que agora não precisavam mais pagar os
jornais aos antigos senhores. Os libertos podiam guardar os rendimentos para
ascender socialmente.
Apesar dos testemunhos preconceituosos das autoridades e da
sociedade da época. Esta era a principal fonte de renda destes libertos que,
compravam a liberdade de companheiros, companheiras, afilhados. Além
disto compravam escravos e inseriam-se no rol de proprietários escravistas. A
camada de libertos, fluindo entre escravos e senhores, era um exemplo para
escravos ao ganho que, desejavam a liberdade e contribuíam para a desordem
das Minas, que assustava os senhores e autoridades.
Abreviaturas utilizadas neste trabalho:
APM - Arquivo Público Mineiro.
Fundos: Seção Colonial
Av.C. - Avulsos da Capitania - documentação avulsa.
CC - Casa dos Contos documentação avulsa.
SG - Secretaria de governo - Códices.
CMOP - Câmara Municipal de Ouro Preto/documentos avulsos
ACS - Arquivo da Casa Setecentista
Fundos:
1º OFÍCIO - Autos.
2º OFÍCIO - Autos.
AHMI - Arquivo Histórico do Museu da Inconfidência.
Fundos:
1º OFÍCIO - Autos.
2º OFÍCIO - Autos.
ACM Arquivo da Câmara de Mariana
Códices.
OBS: Na transcrição dos documentos a grafia foi modernizada, desse que não
alterasse o conteúdo. Foram respeitados os arcaísmos gráficos e a pontuação
sempre que possível.
119
FONTES
I Fontes Primárias:
1.1 Manuscritas.
1.1.1 Arquivo Público Mineiro.
Seção Colonial SC ( Secretaria de Governo) - Códices.
SC 04 Registros de alvarás, ordens, cartas régias e ofícios do governador ao rei.
1702/1751.
SC 06 Registro de Regimentos, ordens, cartas régias, resoluções e termos.
1709/1727
SC 07 Registro de resoluções, bandos, cartas patentes, provisões, patentes e
sesmarias. (com índice no final).
SC 11 Registro de cartas do governador a diversas autoridades, ordens,
instruções e bandos. 1713/1721.
SC 13 Registro de avisos, cartas, ordens, instruções e provisões. 1720/1721.
SC 27 Registro de bandos, regimentos, ordens, portarias, petições,
representações, propostas, despachos e cartas.
SC 37 Registros de sesmaria, ordens, portarias, bandos e cartas.
SC 59 registro de petições e despachos. 1736/1766.
Avulsos da Capitania Av. C.
Caixa 24, doc. 30 Petição à Câmara.
Arquivo Histórico Ultramarino. Documentação microfilmada.
Caixa 23, doc. 53,Parecer do Conselho Ultramarino. 13/05/1733.
Caixa 24, doc. 86, Petição dos moradores da Vila do Ribeirão do Carmo ao Rei.
26/08/1736.
Caixa 45, doc. 42, Representação da Câmara Municipal de Mariana ao Rei.
25/02/1745.
Caixa 47, doc. 41, Representação da Câmara Municipal de Mariana ao Rei.
30/04/1745.
Casa dos Contos. Documentação avulsa e microfilmada.
Rolo 505, Planilha 10320, Petição à Câmara sobre crimes de negros nos subúr
bios desta vila. 1742.
120
Rolo 508, Planilha 10485, Lista de população e escravos do ouro Podre, rio das
Pedras, Bueno e Tacotinga. 03/12/1727
Rolo 509, Planilha 10546, Petição à Câmara sobre as minas que estão abertas no
morro. 1735.
Rolo 510, Planilha 10625, Petição à Câmara sobre vendas no morro desta vila.
02/02/1721.
Rolo 518, Planilha 30465, Petição à Câmara sobre vendas de negras nesta vila.
1743
Rolo 519, Planilha 30563, Recibo de capitão-do-mato para destruir quilombo.
1735.
Rolo 524, Planilha 20082, Relação dos escravos dos oficiais destas casas de
fundição e moeda segundo declaração que fizeram na minha presenças.
1733.
Rolo 525, Planilha 20117, Ordem para desentulho da rua. 1739.
Rolo 525, Planilha 20118, Ordem para a construção da calçada. 1739.
Rolo 531, Planilha 20451, Proibição da venda de fubá. 1733.
Câmara Municipal de Ouro Preto.
Códice 37 Registro de cartas do governador. 01/04/1718.
Documentação avulsa não encadernada:
Caixa 02, doc. 14, Petição à Câmara. 00/00/ 1730.
Caixa 02, doc. 27, Petição à Câmara. 19/08/ 1730.
Caixa 02, doc. 28, Petição à Câmara. 19/08/ 1730.
Caixa 03, doc. 24, Petição à Câmara. 17/02/ 1730.
Caixa 07, doc. 09, Petição à Câmara. 10/00/ 1734.
Caixa 10, doc. 11, Petição à Câmara. 19/08/ 1737.
1.1.2 - Arquivo da Casa Setecentista.
Fundo 1º Ofício, Inventários, Códice 62, auto 1343, 1742.
Fundo 1º Ofício, Inventários, Códice 107, auto 2196, 1731
Fundo 1º Ofício, Testamento, Códice 15, auto 474, 1722.
1.1.3 Arquivo Histórico da Câmara de Mariana.
Livro de Posturas 1734.
1.1.4 - Arquivo Histórico do Museu da Inconfidência.
121
Fundo 1º Ofício, Livro de Notas nº 10.
1.2 Fontes Impressas:
1.2.1 Bicentenário de Ouro Preto, Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1911.
1.2.2 - Revista do Arquivo Publico Mineiro, Vol. I, 1896.
1.3 Tratadistas e Cronistas.
1.3.1 ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil. São Paulo, Ed.
Melhoramentos/ MEC, 1976.
1.3.2 - VASCONCELOS, Diogo de. História Antiga das Minas Gerais. Belo
Horizonte, Ed. Itatiaia, 1999.
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Minas na primeira metade do século XVIII. Belo Horizonte, C/Arte, 1998.
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