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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
PAULA MARCELA FERREIRA FRANÇA
Caso Pedrinho
Um estudo dos significados de família
Goiânia,
2008
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Termo de Ciência e de Autorização para Disponibilizar as Teses e Dissertações
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a disponibilizar gratuitamente através da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações BDTD/UFG,
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divulgação da produção científica brasileira, a partir desta data.
1. Identificação do material bibliográfico: [X] Dissertação [ ] Tese
2. Identificação da Tese ou Dissertação
Autor(a):
Paula Marcela Ferreira França
CPF:
E-mail:
Vínculo Empre-
gatício do autor
Agência de fomento:
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Sigla:
CNPQ
País:
Brasil
UF:GO
Goiás
CNPJ:
Título:
Caso Pedrinho Um estudo dos significados de família
Palavras-chave:
Sociologia da família, filiação, maternidade, paternidade, desaparecimento-criança
Título em outra língua:
Pedrinho’s case a study of the family meanings
Palavras-chave em outra língua:
Sociology of the family, filiation, maternity, paternity, child
disappearance
Área de concentração:
Sociologia da família
Data defesa: (dd/mm/aaaa)
19 08 2008
Programa de Pós-Graduação:
Programa de Pós Graduação em Sociologia
Orientador(a):
Luiz Mello
CPF:
E-mail:
Co-orientador(a):
CPF:
E-mail:
3. Informações de acesso ao documento:
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Assinatura do(a) autor(a)
1
Em caso de restrição, esta poderá ser mantida por até um ano a partir da data de defesa. A extensão deste prazo
suscita justificativa junto à coordenação do curso. Todo resumo e metadados ficarão sempre disponibilizados.
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PAULA MARCELA FERREIRA FRANÇA
Caso Pedrinho
Um estudo dos significados de família
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia da Faculdade de
Ciências Humanas e Filosofia da Universidade
Federal de Goiás como parte dos requisitos para a
obtenção do título de Mestre em Sociologia.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Mello
GOIÂNIA,
2008
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(GPT/BC/UFG)
França, Paula Marcela Ferreira.
F814c Caso Pedrinho [manuscrito]: um estudo dos significados de família
/ Paula Marcela Ferreira França . 2008.
107f.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Mello.
Dissertação (Mestrado) Universidade Federal de Goiás, Fa-
culdade de Ciências Humanas e Filosofia, 2008.
.
Bibliografia: f.97-106.
1. Sociologia da família 2. Família Aspetos sociais 3. Materni-
dade 4. Paternidade 5. Criança Desaparecimento I. Mello, Luiz
II. Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Ciências Humanas
e Filosofia III. Título.
CDU: 316.356.2
Agradecimentos
Ao professor Dr. Luiz Mello, pela paciência e dedicação durante o
processo de orientação e que muito me ensinou.
À professora Dr
a
Dalva Maria Borges Dias de Lima de Souza e ao
professor Dr. Francisco das Chagas E. Rabelo que compuseram a minha
banca de qualificação e contribuíram para o aprofundamento das
minhas reflexões.
Ao apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
Às pessoas que indiretamente concorreram para a execução da presente
pesquisa: minha família, principalmente meus pais, Hemerson Júnior,
os amigos Francisco Marmo, Jaqueline Assis e aos colegas do
mestrado.
Sumário
Introdução........................................................................................................................10
1. As circunstâncias geradas pela subtração e pelo reencontro do filho .........................24
1.1 O roubo e o desaparecimento...........................................................................24
1.2 O reencontro do filho........................................................................................35
1.3 A aproximação com a família...........................................................................44
2. O período do roubo e do desaparecimento..................................................................47
2.1 O desejo de proteger, socializar, educar e estabelecer relações afetivas com o
filho.........................................................................................................................47
2.2 As buscas..........................................................................................................56
2.3 O desaparecimento para a família.....................................................................60
2.4 O possível reencontro.......................................................................................65
3. O fim do desaparecimento e a aproximação com o filho............................................67
3.1 Tendo em conta o modo como o filho poderia vir a definir as suas relações
familiares.................................................................................................................67
3.2 Os vínculos biológicos......................................................................................71
3.3 Dificuldades para a aceitação da pluriparentalidade........................................77
3.4 Os vínculos afetivos e a intimidade..................................................................82
Considerações finais........................................................................................................92
Referências......................................................................................................................97
Fontes.............................................................................................................................100
Resumo
Esta dissertação trata os significados de família, mais especificamente os de filiação e
maternidade/paternidade, que emergiram nas situações desencadeadas para os pais de um
garoto que lhes foi subtraído logo depois do nascimento, ainda na maternidade, e
reencontrado depois de dezesseis anos. Com a localização de Pedro em novembro de 2002,
seus pais biológicos, Lia e Jayro se empenharam para garantir a aproximação com o filho e
este último, mais de seis meses depois de ser reencontrado, mudou-se para a casa daqueles.
Por um lado, em uma pretensão explicativa, procura-se mostrar a relação entre o sofrimento
imposto a Jayro e Lia, pelo desaparecimento e ruptura de convívio com o filho, e os
sentimentos familiares propiciados pela vida moderna, em que a família emerge com uma
função afetiva e onde uma quantidade considerável de arranjos familiares dirige boa parte de
suas emoções e investimentos para as crianças. Por outro lado, observa-se o modo como a
família era manifestada em sua forma social nas práticas interpretativas de Jayro e Lia,
quando eles enfrentavam e pensavam as circunstâncias relacionadas à subtração de Pedro, ao
desaparecimento e à aproximação com o jovem. Para tanto, foram utilizadas algumas noções
da sociologia interacionista de Garfinkel e o conceito de reflexividade institucional de
Giddens. A estratégia de pesquisa utilizada foi a análise de entrevistas abertas e de um livro e
um diário escritos por Lia. A experiência de Jayro e Lia foi amplamente divulgada pelos
meios de comunicação e publicada na forma de um romance, que tem como autor um
desembargador. Essas últimas fontes e um vídeo produzido com a iniciativa de uma das filhas
de Jayro e Lia foram utilizados como auxílio na reconstrução da trajetória destes últimos.
Observou-se como as práticas familiares, apesar de possuírem uma condição
institucionalizada, são o produto de seres humanos ativos e, portanto, a forma social da
família em boa parte é localizada.
Abstract
This dissertation focuses on the meanings of family, more specifically those concerning
filiation and maternity/paternity. These meanings emerged in situations faced by the parents of
a boy who was taken away from them right after birth at the maternity and found sixteen years
later. When Pedro was located in November 2002, his biological parents Lia and Jayro strove
to ensure an approximation with him. More than six months after having been located, Pedro
moved to their house. On the one hand, this study aims to show and explain the relation
between the suffering imposed on Lia and Jayro by the disappearance and rupture with their
son and the family feelings promoted by modern life, in which the family possesses an
affectionate function and a large number of family arrangements direct a considerable part of
their emotions and investments to children. On the other hand, the present study verifies the
way the family was expressed in its social form through the interpretative practices of Jayro
and Lia, when they faced and reflected upon the circumstances related to Pedro‟s
disappearance and subsequent approximation. Therefore, a few notions from Garfinkel‟s
interactionist sociology as well as Giddens‟ concept of institutional reflexivity have been used
in the present study. The research strategy used consists of the analysis of open interviews, a
book, and a diary written by Lia. Jayro and Lia‟s experience was widely divulged by the media
and published as a novel which was written by a chief judge. These sources and a video
produced thanks to the initiative of one of Jayro and Lia‟s daughters were used in order to help
reconstruct their trajectory. This study observed how family practices are the product of active
human beings - despite their institutionalized condition - and thus the family‟s social form is
often localized.
10
Introdução
Em meados da década de 80, a mídia cobriu, de forma ampla, principalmente por meio da
televisão, o “rapto” de uma criança logo após o nascimento, tirada da mãe por uma mulher que
se passava por assistente social. A suposta funcionária do hospital disse que levaria o bebê para
fazer alguns exames, mas sumiu com o recém-nascido. Ao que tudo indicava a mulher tinha
como intenção uma adoção ilícita. Crimes desse tipo, segundo a terminologia jurídica, não são
classificados como rapto ou seqüestro, uma vez que não intenção de privar a criança de
liberdade. São enquadrados como “subtração de incapaz”. Em 2002 o acontecimento que ficou
conhecido como Caso Pedrinho (Pedro era o nome da criança subtraída) ganhou um
“desfecho”. O menino, após quase dezessete anos, foi encontrado, depois de um intenso
envolvimento de seus pais Maria Auxiliadora (Lia) e Jayro Tapajós na sua busca. As
experiências de Jayro e Lia relacionadas à subtração, ao desaparecimento e ao reencontro de
Pedro são aqui abordadas em uma perspectiva sociológica para o estudo dos significados de
família nas interações sociais.
Como lembra Berger (1998), o sociólogo pratica um tipo especial de abstração, que
possui as marcas de suas orientações teórico-metodológicas. Nesse sentido, pode-se dizer que a
pesquisa a seguir apresentada possui duas pretensões, que não são operacionalizadas
separadamente: uma interpretativa, quando se procura captar os significados atribuídos por Lia
e Jayro às relações de filiação, principalmente com o filho Pedro, no andamento das
circunstâncias desencadeadas pelo desaparecimento e pelo reencontro deste último; e outra
explicativa, quando as práticas dos sujeitos em questão são relacionadas a condições históricas
e institucionais, mais especificamente à valorização da relação entre pais e filhos, enquanto
fenômeno moderno. Tendo em conta o primeiro objetivo, são utilizadas algumas noções da
sociologia interacional de Garfinkel, ou seja, da etnometodologia, e o segundo, o conceito de
reflexividade institucional de Giddens.
Transformando o desaparecimento de Pedro em uma questão sociológica, coube
perguntar: Como o roubo de Pedro e o seu desaparecimento, por quase dezessete anos,
apresentam-se como eventos extremamente dolorosos para seus pais biológicos Parte-se da
hipótese de que nas situações geradas pela subtração, desaparecimento de Pedro e pelo
restabelecimento do convívio com este último, Lia e Jayro apresentam a família como uma
“unidade” preferencialmente definida nas estreitas relações entre pais e filhos e na proteção e
11
socialização dos últimos pelos primeiros, de modo que a subtração e o desaparecimento são
compreendidos como eventos que podem desencadear crises.
Nas situações geradas pela subtração de Pedro, seus pais biológicos tornam suas
condutas familiares, mais especificamente as relações de filiação, visíveis, racionais e
reportáveis, ou seja, produzem aquilo que Garfinkel (2006) denomina accounts explicações
que ganham seu pleno sentido nas situações de uso e enunciação. Nota-se como Lia e Jayro, no
andamento das interações sociais, por meio de práticas interpretativas, constroem e
reconstroem a relação entre pais e filhos como um objeto social, expresso por meio de
constelações de imagens, idéias e terminologias usadas para atribuir significado à vida
cotidiana. O ponto de partida são as práticas discursivas, ou seja, a linguagem. Outrossim, da
mesma forma que em Garfinkel, esta última não é percebida como mero conjunto de símbolos
ou sinais, mas como “meio de atividade prática”, ou seja, como um “modo de fazer as coisas”
2
,
daí a importância do termo prática. Considera-se que a conduta humana é dotada de
reflexividade, empregada pelos agentes sociais na produção de atividades e raciocínios
cotidianos, definida ela mesma, segundo a etnometodologia, no empenho desses mesmos
agentes sociais para tornarem suas condutas analisáveis e reconhecidas.
Ao contrário de outras posturas científicas em que se realiza uma oposição entre o
desconhecido e o manifesto, com o conceito de accounts, Garfinkel (2006) acentua que a
produção da vida social passa por uma visibilidade produzida e compreendida por todo ator
social empenhado na vida cotidiana, que não é monopólio da atividade científica. O postulado
central da etnometodologia
3
de Garfinkel é que as práticas e raciocínios sociais que produzem
2
Essas expressões foram usadas por Giddens (1998) para esclarecer as noções advindas da etnometodologia de
Garfinkel.
3
As origens da palavra etnometodologia estão ligadas ao seu precursor. Em 1954, Garfinkel realizou uma
pesquisa sobre jurados de tribunais em Chicago, juntamente com Fred Strodtbeck e Saul Mendlovitz. A
competência dos jurados para examinar um crime e pronunciar-se sobre a culpabilidade dos seus autores
impressionou Garfinkel. Os jurados não eram formados nas técnicas jurídicas e julgavam as questões judiciárias
baseados nos procedimentos e lógica do senso comum. Percebia-se que a competência para as deliberações era
conseqüência da condição deles de membros da sociedade, conhecedores da moral da vida cotidiana. Eles
aplicavam uma metodologia. No entanto, Garfinkel não encontrou naquele momento a palavra adequada para
nomear essa habilidade. Em 1955, lendo documentos etnográficos, Garfinkel chegou à seção de etnofisiologia,
etnobotânica e etnofísíca. Observou que “etno” formava termos para designar o conhecimento do senso comum
(em oposição ao conhecimento especializado, científico ou técnico), que os membros de uma comunidade têm
sobre o mundo circundante. Nesse sentido, ele cunhou o termo etnometodologia, sublinhando como os métodos
empregados pelos membros comuns da sociedade nas atividades cotidianas são locais, particulares de um grupo,
organização ou instituição e são utilizados para a inteligibilidade e demonstração da racionalidade das atividades e
raciocínios empregados na vida cotidiana. Mais tarde a etnometodologia deixaria de ser apenas um objeto de
estudo e seria constituída enquanto aparato científico (COULON, 1995; GARFINKEL, 2006).
12
os quadros da vida cotidiana são idênticos aos procedimentos dos atores que visam tornar esses
mesmos quadros inteligíveis
4
.
A idéia é que as explicações fornecidas pelos atores sociais sobre a vida social são
possíveis graças ao domínio de procedimentos utilizados nas interações sociais para a
compreensão, reconhecimento e produção das expressões e ações sociais, ou, em outras
palavras, graças à sua condição de membros. Esta última é reconhecida pela capacidade que
possui cada indivíduo, durante uma interação, de se colocar na posição daqueles com os quais
se comunica, de modo a produzir expressões e ações inteligíveis e racionais. Esses métodos ou
procedimentos não são elaborados lingüisticamente, uma vez que os atores sociais
provavelmente não são capazes ou não estão interessados em fazer relatos de sua ação em
termos abstratos. Tendo isso em conta “...En ningún caso la investigácion de la acción práctica
se orienta a que el personal pueda en primer lugar ser capaz de reconocer y describir lo que
hace… (GARFINKEL, op.cit., p.16)”.
A postura sugerida por Garfinkel (2006) é que esses mesmos procedimentos utilizados
pelos atores sociais para tornar suas condutas visíveis e reconhecidas, produzindo accounts,
sejam tornados estranhos, a fim de que sejam identificados e sirvam de caminho para a
apreensão dos cenários de sentido
5
. Nesta dissertação, os sentidos relacionados à família não
são observados apenas como “produto”, ou seja, “como um acordo compartilhado em matérias
substantivas”, mas como “processo”, ou seja, no trabalho interpretativo em que por meio de
diversos modos “o que uma pessoa faz ou diz é reconhecido em acordo com uma regra”
situacionalmente localizada. Em uma postura puramente etnometodológica, que não é aqui
adotada, o analista social se detém na descrição das práticas interpretativas, de modo a
identificar esses procedimentos ou etnométodos, entendendo que estes últimos estão
estreitamente relacionados aos contextos de interação em que são produzidos.
Simultaneamente, os etnometodólogos dispensam generalizações elaboradas fora dos cenários
de interação em que emergem os significados sob estudo.
4
Cabe aqui lembrar, nas palavras de Giddens (1996), que esse postulado da etnometodologia a afasta da
fenomenologia “... com sua incidência cartesiana no primado da experiência subjetiva, para o estudo de ações
situadas como formas lingüísticas interpretadas publicamente... (p.51)”.
5
Heritage (1999) alerta que um leitor não familiarizado pode chegar a conclusões equivocadas através dessa
afirmação. Garfinkel não afirma nessa premissa que as explicações verbais da ação substituem a análise da ação.
As explicações ordinárias não são “uma folga depois da ação”. São ações por seu próprio direito. Além disso, elas
não são transparentes. Permanecem abertas para estudo, uma vez que se ajustam de maneira frouxa às situações
que descrevem.
13
Aqui, de maneira diversa, nem sempre se parte da descrição da forma como os indivíduos
em estudo constroem e reconstroem as suas relações familiares, uma vez que não são
dispensadas observações sobre estas últimas feitas por analistas sociais em outros contextos de
interação, à medida que suas conclusões parecem apropriadas para a compreensão dos
significados que Jayro e Lia atribuem às relações de filiação em sua família. De qualquer
modo, entende-se, assim como em Garfinkel (2006) com a noção de etnométodos, que o
mundo social é uma realização de sujeitos humanos ativos e que a produção da vida social
passa por uma visibilidade que não é monopólio da atividade científica. Desse modo, podemos
entender que Lia e Jayro, a todo o momento, nas situações desencadeadas pelo
desaparecimento e reencontro de Pedro, tornavam as ligações com este último visíveis,
construindo e reconstruindo os aspectos que naquelas situações representavam esses vínculos
como significativos. O objetivo da presente dissertação é a identificação de constelações de
imagens, idéias e terminologias usadas pelos sujeitos em estudo para atribuir significado às
relações familiares, assim como para tornar estas últimas reconhecíveis, em situações de
ausência e reencontro de um filho desaparecido.
Pode-se perceber, por exemplo, como no livro que publicou para divulgar o
desaparecimento do filho, Lia afirmava e reivindicava os vínculos legais que uniam ela mesma
e o marido a Pedro, cobrando a localização deste último, e, portanto, interpretava os laços
familiares em seus aspectos jurídicos. Tem-se em conta que essa construção dos laços
familiares, reclamada por Lia e Jayro, que se viam incluídos nela, ainda que historicamente
favorecida, é localizada. Em circunstâncias diversas, por exemplo, atores sociais estabelecem
relações familiares que ultrapassam as concepções jurídicas atuais, é o que observa autoras
como Butler (2002).
É possível lembrar, considerando as discussões expostas acima, como a relação entre pais
e filhos comumente não é objeto de interesse teórico na vida cotidiana. Cientistas sociais têm
observado que entre os arranjos familiares intensamente envolvidos com as crianças
encontramos, por exemplo, alguns em que essa responsabilidade é atribuída à família nuclear e
outros em que é mais socializada, sendo compartilhada com parentes e vizinhos (FONSECA,
1989, 2002; SEGALEN, 1999). De qualquer modo, em seu dia-a-dia os adultos se empenham
para garantir a sobrevivência biológica das crianças, para protegê-las e socializá-las, para
manter com elas relações afetivas, tendo em conta práticas que são situacionalmente definidas
e dominadas por todos os membros.
14
Para a apreensão dos significados atribuídos à vida social pelos atores sociais, Garfinkel
(2006) dispensa critérios científicos como precisão, generalidade, definição lexical fora do
contexto, com uma intensidade que não é adotada aqui. No entanto, a conseqüência dessa
postura é a valorização do estudo do mundo da vida diária, ou seja, do compartilhamento da
realidade nas relações intersubjetivas, e em medida considerável essa atitude é aqui assumida,
o que implica certa assunção do caráter localizado da vida social. Outrossim, um importante
conceito do mesmo autor é o de indicialidade
6
. As explicações que os atores sociais elaboram
de suas condutas sociais (accounts) são expressões indicativas (indexical expressions), o que
quer dizer que apenas ganham seu pleno sentido quando relacionadas a informações
contextuais obtidas no pleno curso da interação - como as biografias, o propósito do
enunciador, o curso anterior da relação de interação, as circunstâncias da enunciação, a relação
única do locutor com seu ouvinte. Desse modo, os significados sociais estão em constante
construção e reconstrução, ao mesmo tempo em que se reportam a regras citas de
“comunidades de sentido” e a “acordos compartilhados”.
Além da reflexividade e da indicialidade, uma terceira característica dos accounts é a
racionalidade. O modo como as expectativas normativas asseguram a manutenção do sentido
comum é uma das preocupações de Garfinkel (2006). Este entende que as expectativas
normativas estão ligadas aos próprios arranjos e seqüências particulares e padronizados de uma
situação e são necessárias tanto para a reconhecibilidade como para a responsabilidade moral
da ação, ainda que não controlem as decisões. Observa, então, a racionalidade dos atores
manifestada em expressões e ações cotidianas e não os considera como idiotas sem juízos”,
como o fazem, segundo o autor, alguns sociólogos que desconsideram a capacidade do homem
na sociedade de julgar. As compreensões comuns, boa parte das vezes, o utilizadas de forma
a normalizar as relações intersubjetivas concretas, uma vez que: “... condiciones desconocidas
pueden darse em cualquier momento dentro del acuerdo y por tanto, em cualquier momento
particular, se puede reeler el acuerdo retrospectivamente para encontrar, a luz de las
circunstancias prácticas presentes, em qué consistía „realmente‟ „em primer lugar‟ y „em todo
momento‟ el acuerdo...(GARFINKEL, op.cit., p.89)”. A esse procedimento Garfinkel
denomina a cláusula do et cetera. Um processo definido por Karl Mannheim e denominado
6
Os termos indexical expressions e indexiality têm recebido diferentes traduções: indicialidade e expressões
indiciais ou indicativas por Pires (GIDDENS, 1996), Alves (COULON, 1995) e Sousa (HERITAGE, 1999),
contextualidade e expressões contextuais por Hernáiz (GARFINKEL, 2006). Indicialidade foi um termo retirado
por Garfinkel das obras de Bar-Hillel. Com a expressão estes dois últimos autores sublinham como os signos
adquirem diferentes significados em diferentes contextos, apesar do seu caráter trans-situacional.
15
“método documental de interpretação” foi utilizado por Garfinkel para explicar a atuação das
expectativas normativas e, portanto, do conhecimento do sentido comum:
El método consiste en tratar a la apariencia concreta como “el documento de”,
“aquello que apunta a”, “lo que está en lugar de” un patrón base presupuesto.
No sólo se deriva el patrón base de una evidencia documental, sino que la
evidencia documental, a su vez, es interpretada sobre la base de “aquello que
es conocido” sobre ese patrón base. Cada uno se usa para la elaboración del
otro (p.93).
Não apenas o contexto de ação influencia o que se pensa que a ação seja, mas as ações
também contribuem para uma percepção em desenvolvimento da própria situação. Desse
modo, Jayro e Lia, frente à subtração, ao desaparecimento e ao retorno do filho, constroem
suas relações familiares na relação com "expectativas normativas” construídas e reconstruídas
nas circunstâncias práticas que enfrentaram.
Entende-se que essa análise é particularmente fecunda em situações de incerteza como as
experienciadas pelos sujeitos em estudo, que ocasiões como essas demandam mais
avaliações do que situações rotineiras e, portanto, são ilustrativas do caráter ativo dos atores
sociais na construção das relações sociais e do caráter local dos direitos e deveres que
compõem estas últimas. Será possível observar, por exemplo, como é na própria experiência do
desaparecimento que Lia e Jayro apreendem o modo de manter o compromisso com Pedro,
mesmo estando ele desaparecido, ou como para os primeiros fica evidente que no
restabelecimento do convívio com o último, notam que a intimidade tem que ser conquistada,
as relações entre eles negociadas.
Lembra Gubrium (1988) que a família é mais ou menos percebida por meio de seus
signos e emerge como um objeto social reconhecível e distinto no contexto das interações,
quando os agentes sociais, no enfrentamento dos assuntos domésticos, reconhecem sua forma
social, constroem situações de sentido comum, assim como assumem exigências para suas
relações familiares. Ademais, como lembra o autor, ao mesmo tempo a forma social da família
emerge como uma entidade abstrata, separada de seus membros, ela reflete as relações
familiares concretas. Antes de tudo, as relações entre pais e filhos aparecem como um produto
prático dos diversos caminhos de interpretação das relações sociais.
Gubrium e Holstein (1995) estão particularmente interessados nos sentidos produzidos
para as relações familiares na interação dos indivíduos com agências de serviços sociais,
16
programas de terapia familiar, grupos de suporte para cuidadores de portadores do mal de
Alzheimer e outros. Contrastando com as conclusões de Lasch (1991) de que as organizações e
instituições da sociedade moderna estão invadindo o domínio tradicional da privacidade
doméstica e sitiando a família, eles observam esta última “com sua imagem do senso comum
de unidade e privacidade”, como uma realização pública. Como esses autores afirmam as
categorias e os conhecimentos disponíveis para a fabricação das exigências e desafios
familiares estão distribuídas diferencialmente entre especialistas, profissionais e leigos.
A contribuição destes autores para o presente estudo é a percepção de que as exigências
e, portanto, os desafios fabricados nas interações sociais para as relações familiares “... serve to
provide possible meanings for, and to spell out substance and bounds of the family form as an
abstract entity in its own right, separate from its members… (1995, 274)”
7
. O foco da presente
dissertação não são as interações de Jayro e Lia com profissionais, grupos de apoio à família ou
quaisquer outros desse tipo, uma vez que as percepções de família são observadas por meio de
entrevistas e documentos. No entanto, exigências e desafios, as categorias utilizadas por
Gubrium para observar a família emergindo nas interações sociais, são adaptadas para a
presente pesquisa, à medida que são aproximadas das expectativas normativas de que fala
Garfinkel (op.cit.).
Pelo que tudo indica, Gubrium (1987) não realiza uma aproximação explícita entre esses
conceitos que utiliza e as expectativas normativas tal como pensadas por Garfinkel. (2006).
foi exposto acima como operam estas últimas. Quanto às exigências e desafios atuantes na
produção dos sentidos de família, segundo Gubrium e Holstein (1995), elas se dão em função
do caráter da vida contemporânea que oferece uma pluralidade de sentidos para as relações
familiares. No entanto, como afirmam Berger e Luckmann (2004), o sentido de todas as
experiências eões são moralmente relevantes. Faz-se questão aqui de se enfatizar esse
aspecto para se deixar claro que na vida contemporânea mesmo os valores familiares
tradicionais são apropriados tendo em vista um mercado plural de sentidos e os esquemas de
sentido não perdem seu valor normativo mesmo em vista dessa pluralidade.
Concomitantemente ao estudo dos significados de família, gerados no enfrentamento das
situações relacionadas pela subtração de Pedro, existe uma preocupação com os aspectos, por
assim dizer, “biográficos” dos comportamentos dos sujeitos estudados. As trajetórias de vida
de Jayro e Lia são resgatadas de modo a serem relacionadas a aspectos histórico-sociais
7
“... servem para fornecer possíveis significados para a família, assim como para explicar sua substância e destino
como uma entidade abstrata, separada de seus membros... (GUBRIUM,1987, 274)”.
17
modernos, mais especificamente àqueles aqui denominados a valorização da relação entre
pais e filhos, que serão definidos mais adiante. Entende-se, como coloca Goldenberg (2002),
que cada vida pode dar acesso a aspectos do contexto social e histórico. No entanto, com isso
não se quer dizer simplesmente que as condutas de Jayro e Lia podem ser projetadas em uma
ordem generalizada de sentidos.
Após o reencontro do filho, por exemplo, Lia e Jayro definem a família por meio dos
laços de sangue e reprovam a atitude da mulher que os afastou involuntariamente do filho e
impediu este último de saber quem eram seus “verdadeiros pais”. Afirma-se que ambos
formulam a família em termos legais, morais e biológicos, tendo em vista as circunstâncias nas
quais estavam envolvidos, o que quer dizer entre outras coisas que as percepções que adotam
não se impõem em função de uma moral generalizada em uma sociedade. Ao contrário, parte-
se do pressuposto de que esta última não existe em condições modernas. Entende-se que a
reflexividade posta aos atores sociais nas situações de interação é uma característica
institucional da modernidade, como afirma Giddens (2003), e que é essa a principal
característica do contexto social e histórico no qual estão inseridas as biografias na vida
contemporânea. Giddens afirma que o fenômeno que denomina reflexividade institucional:
...É institucional por ser o elemento estrutural básico da atividade social nos
ambientes modernos. É reflexivo no sentido de que os termos introduzidos
para descrever a vida social habitualmente chegam e a transformam não
como um processo mecânico, nem necessariamente de uma forma controlada,
mas porque tornam-se parte das formas de ação adotadas pelos indivíduos ou
pelos grupos... (p.39)
A estrutura das sociedades modernas é caracterizada pela oferta de uma pluralidade de
sentidos que impõe que vivamos de vários modos e atravessemos cenas sociais heterogêneas.
Em meio a esse aspecto estrutural de suas ações sociais, as trajetórias de Lia e Jayro
caracterizadas pelo planejamento de um arranjo familiar fortemente definido nos vínculos com
os filhos que seriam concebidos e anos depois, pelo desaparecimento e reencontro de Pedro
conduziram a que as relações de filiação, dadas as situações de incerteza que as caracterizavam
no que diz respeito a Pedro, emergisse como contínuo objeto de avaliação dos primeiros, como
já foi dito. Ademais, ações e interações contribuíram, inclusive, para que, em termos da relação
com o filho, Jayro e Lia definissem parte substancial de sua identidade.
18
Nesse desdobramento, as realidades institucionais relacionadas às relações familiares
continuam sendo observadas em andamento: possibilidades colocadas aos indivíduos na
modernidade, mais especificamente o estreitamento da relação entre pais e filhos que será
explicado adiante, são objeto de contínua reflexividade e ganham seu pleno sentido nas
situações enfrentadas pelas relações familiares concretas, à medida que são adotadas. A
perspectiva aqui apresentada se aproxima mais daquela defendida por Becker (1997), para
quem o enfoque biográfico é caracterizado “... por atribuir uma importância maior às
interpretações que as pessoas fazem de sua própria experiência como explicação para o
comportamento... (p.103)”.
Essa inquietação, aqui denominada biográfica e estrutural, não é comumente apresentada
por etnometodólogos, que evitam caminhos de pesquisa em que os objetos sociais como a
família são supostamente tratados de forma a serem descritos e esclarecidos ao invés de serem
resgatados na prática interpretativa daqueles que estão envolvidos na definição das situações.
Essa é a postura de Garfinkel (2006), quando considera a apreensão dos significados fora do
contexto, como é feita pela sociologia tradicional, irrelevante para as práticas cotidianas e,
consequentemente, desconsidera o conteúdo das interações sociais em favor da descrição da
forma destas últimas, desvinculando a teoria da ação de suas preocupações motivacionais.
Também é o ponto de vista de Holstein e Gubrium (1994) que realizam uma apropriação pós-
moderna das proposições de Garfinkel e afirmam que a família não possui uma forma singular
e é definida situacionalmente, desafiando desse modo “a noção de família como uma forma
social determinada que corresponde a um conceito de família”. No entanto, entende-se no
presente estudo que observar a família como um produto prático de interpretação dos
indivíduos não implica deixar de relacioná-la aos seus aspectos institucionalizados, que em
alguma medida podem ser apreendidos fora das situações de interação, em alguma condição
objetiva (BERGER e LUCKMANN, 2005).
Como diz Giddens (2003), toda pesquisa histórica e social envolve um momento de
elucidação hermenêutica das redes de significados, ainda que de forma latente. O mundo
social, ao contrário do mundo natural, está interpretado antes da inserção do analista social.
A conseqüência é que necessariamente existe uma relação entre os conceitos empregues pelos
membros da sociedade e os usados pelos observadores sociológicos. Em um primeiro
momento, procurando definir o sentimento aqui denominado como a valorização da relação
entre pais e filhos, as suas origens podem ser resgatadas. Para Ariès (2006), a concentração da
família nos filhos, que ele chamou de o “sentimento da infância”, é um fenômeno moderno e
19
pode ser relacionada em seu princípio à família nuclear. Segundo o autor, as transformações da
sociedade moderna acarretaram o desenvolvimento da privacidade e da intimidade nas relações
familiares, estreitando laços entre os cônjuges e pais e filhos e desenvolvendo o que ele
denominou de “sentimento de família”, este fortemente relacionado ao “sentimento de
infância”. Nesse sentido, Ariès observou a crescente valorização pelos pais do
acompanhamento pessoal e íntimos dos seus filhos.
Aproximando-se das conclusões de Ariès, Giddens (1993) afirma que, com as mudanças
provocadas pela industrialização, o lar passou a ser constituído como o ambiente onde os
indivíduos esperam apoio emocional, em oposição ao lugar de trabalho e ao seu caráter
instrumental”, sendo que a unidade doméstica separada da esfera de produção possibilitou essa
concentração nos filhos. Às idéias de Ariès, Giddens acrescenta a perspectiva de gênero para a
compreensão das relações afetivas na sociedade moderna. Apropria-se da idéia de Mary Ryan
8
de que o centro da família deslocou-se da “autoridade patriarcal para a afeição maternal”.
Desse modo, o autor afirma que a família nuclear moderna passou por um processo de
feminilização. Com esse termo, Giddens traça um paralelo entre as funções que foram
estabelecidas, com o advento da sociedade industrial, para a mulher, como esposa e mãe
encarregada dos assuntos do coração, ou melhor, da intimidade, e as mudanças por que passou
a família, estabelecendo-se como o reino florescente da intimidade.
Em um segundo momento, o estreitamento da relação entre pais e filhos pode ser
observado nas últimas décadas. Aquilo que Giddens (1993) chama de “o processo de
feminilização da família conjugal moderna” possui desdobramentos na sociedade
contemporânea - caracterizada pela inserção da mulher no mercado de trabalho, a instabilidade
dos laços conjugais, a redefinição dos papéis sexuais e a emergência de novos modelos de
família. A valorização das relações afetivas entre pais e filhos, pouco explorada como objeto
de estudo por Giddens, atualmente pode ser percebida em diferentes arranjos familiares, mais
ou menos marcados pela valorização da democracia e igualdade nas relações intersubjetivas ou
por princípios hierárquicos, mais ou menos influenciados pelas transformações advindas da
afirmação individual (SALEM, 2007; SORJ E GOLDENBERG, 1999).
A família permanece como instituição valorizada para a proteção, a socialização e a
criação de vínculos relacionais e afetivos, o que, em alguns aspectos, limita a hipótese de
Durkheim (1999) da “contração da família”. Durkheim discutia esta última em conseqüência
da especialização funcional da sociedade. Parece ser claro, no entanto, que a família apresenta
8
Ryan, Mary. The Cradle of the Middle Class. Cambridge, Cambridge University Press, 1981.
20
uma capacidade de permanência e renovação que restringe o processo por ele visualizado
(BILAC, 2003).
Os sentimentos descritos por Giddens e Ariès como típicos da modernidade, que se ligam
às exigências por parte dos indivíduos do apoio emocional das relações familiares e de relações
próximas entre pais e filhos, são bastante visíveis na forma como os sujeitos em estudo
constroem e reconstroem a família, o que talvez pode conduzir à compreensão das exigências e
dores geradas pela separação forçada do filho na experiência dos pais estudados. Afirma-se
então que os pais biológicos de Pedro, no enfrentamento das situações geradas pelo roubo e
pelo desaparecimento do último, apresentam a exigência de que suas ligações familiares
estejam baseadas nas estreitas relações entre pais e filhos e que essa mesma demanda reflete
seus assuntos domésticos concretos. Desse modo, por exemplo, ao mesmo tempo em que Jayro
e Lia atribuem a essa exigência um caráter moral, eles empenhavam-se arduamente nos
esforços de localização do filho desaparecido e lamentavam a atenção que deixavam de
oferecer aos filhos presentes, em função do envolvimento com o desaparecimento.
Como afirma Alves-Mazotti (2006), existem discordâncias entre os pesquisadores sobre o
que vem a ser um estudo de caso. No entanto, ao que tudo indica, a presente pesquisa pode ser
entendida como um estudo de caso, à medida que a experiência de Lia e Jayro apresenta
interesse em si mesma, sendo descrita em suas particularidades, e também ao passo que, por
ser reveladora de circunstâncias pouco estudadas ela atua como um caso revelador do modo
como as relações de filiação emergem nas experiências de desaparecimento de um(a) filho(a) e
de restabelecimento de convívio com o(a) mesmo (a) após anos de ruptura de convívio, em um
contexto de valorização das relações entre pais e filhos, e podendo fornecer proposições nesse
sentido (YIN, 2002; ALVES-MAZOTTI, op.cit.).
Cabe ainda falar sobre o tratamento das fontes. Ao longo do planejamento das estratégias
de pesquisa foi considerada a inviabilidade da observação participante como um dos meios
para estudar a experiência familiar de Jayro e Lia, dada a profunda invasão de privacidade que
essa prática representaria, não sendo, portanto, aceita pelos sujeitos de estudo. Ademais, várias
fontes poderiam ser utilizadas: o livro escrito por Lia para divulgar a subtração e o
desaparecimento do filho; o seu diário, totalmente dedicado à dor ocasionada por essa
experiência; o romance de Geraldo Tasso, baseado na história de Jayro e Lia; o documentário
sobre a história da família, com roteiro de Cristina, filha do casal, produzido na Unicamp, sem
fins comerciais; as matérias da imprensa escrita e televisiva sobre o “Caso Pedrinho”; e os
21
relatos dos membros da família, que se mostraram dispostos a contribuir quando informados
sobre a pesquisa.
Definindo os caminhos de pesquisa, as circunstâncias geradas pela subtração e pelo
desaparecimento de Pedro são estudadas por meio das experiências de Jayro e Lia. Os
comportamentos de Pedro e de seus irmãos biológicos são considerados à medida que se
relacionam às expectativas de seus pais biológicos e somente dessa forma. Algumas fontes
foram privilegiadas, de modo que são tomados para estudo o diário e o livro escritos por Lia, e
os depoimentos dela, de Jayro, de Pedro e da filha Ana Cláudia, colhidos através das
entrevistas abertas.
Como lembram Berger e Luckman (2005), a interação social consiste no
compartilhamento da realidade da vida cotidiana com outros e possui diferentes níveis, sendo o
seu protótipo a interação face a face. Nas linhas a seguir, é explicado como as fontes de estudo
em certa medida são abordadas em uma perspectiva interacional, dada que a única interação
face a face observada é aquela entre informantes e pesquisadora.
Nas entrevistas abertas os entrevistados foram convidados a descrever suas experiências
familiares nas situações geradas pela subtração, desaparecimento e encontro de Pedro, de modo
que suas falas foram analisadas como práticas interpretativas de comportamentos passados e
presentes. Nesse sentido, os relatos que mais interessam são aqueles em que Jayro e Lia
contam como conduziam acontecimentos em pleno desenvolvimento. Isso porque observar a
construção em andamento das situações de sentido comum requer a apreensão do papel
constitutivo do tempo na organização da atividade como uma seqüência, ou seja, a apreensão
dos significados requer uma atenção especial às perspectivas temporais retrospectivas-
prospectivas. Como foi mencionado, esse é o processo observado por Garfinkel (2006) e
denominado o método documentário de interpretação. Ademais, entende-se a própria
entrevista como um processo interacional onde a família está sendo construída e reconstruída
na comunicação tendo em conta que, como afirma Alonso (2003), a atitude do emissor ante
aquilo que constitui sua mensagem pode ser notada pelo investigador. Ou seja, um dos
interesses é a situação da fala. Estas últimas se manifestam também no “falar vagamente”, no
“falar impessoalmente” e coisas similares e foram observadas por Garfinkel (2006) nas
situações de construção de entendimento mútuo. Considera-se, portanto, que as entrevistas não
são apenas oportunidades para que as situações de estudo sejam descritas, mas também
circunstâncias em que são produzidas. Nesse sentido, entre outras coisas, a memória não e
tratada como descrição fiel das circunstâncias passadas, mas como uma apropriação destas
22
últimas, tendo em vista acontecimentos posteriores e anteriores às mesmas e, inclusive, a
interação com a pesquisadora (HERITAGE, 1999; COULON; 1995, GARFINKEL, 2006).
São observadas também as situações descritas nos escritos de Lia. Nesse sentido, em
certa medida, são realizadas as análises de conteúdos do diário e do livro que ela escreveu. Da
mesma forma que nas entrevistas não se perde de vista o enredamento dos eventos para a
percepção das relações familiares em questão. Segundo Franco (2003), toda análise de
conteúdo implica comparações contextuais. Desse modo, tem-se em mente os diferentes
propósitos da enunciadora, no contexto do diário e no contexto do livro que escreveu. Além de
descrever em seu diário as dificuldades enfrentadas em função da subtração, do
desaparecimento e do reencontro do filho, Lia esperava que os seus registros fossem lidos pelo
mesmo quando ele fosse encontrado - ainda que, durante o longo período de desaparecimento,
em alguns momentos, ela tenha esmorecido nessa sua esperança. Por sua vez, no livro escrito
três anos após o desaparecimento, ela procurava sensibilizar as pessoas para a localização do
seu filho, divulgando as pistas investigadas pela Polícia Civil do Distrito Federal, mas também
descrevendo o envolvimento emocional dela e do marido, assim como o rigoroso empenho de
ambos nas buscas.
Não se optou pela omissão dos nomes de Jayro e Lia, porque sua história foi bastante
divulgada, de modo que muitos dos assuntos e declarações que são aqui abordados por meio do
diário de Lia e das entrevistas foram tornados públicos pela dia. Entende-se que, caso
fossem usados nomes fictícios, os sujeitos do estudo poderiam ser facilmente identificados à
medida que suas experiências fossem descritas. Desse modo, por questões éticas, algumas
informações não são trabalhadas. Decidiu-se também sempre se utilizar o nome Pedro, ainda
que o jovem tenha se identificado como Júnior durante dezesseis anos. O fato de que a
construção social da família é observada por meio das práticas interpretativas de Lia e Jayro foi
um dos motivos para essa decisão.
Uma seqüência temporal foi utilizada para a estruturação dos capítulos da dissertação.
Entende-se que essa escolha de certo modo é favorecida pela perspectiva utilizada para a
análise dos dados uma vez que aspectos biográficos e as perspectivas retrospectivas e
prospectivas estão implicados na interpretação em andamento dos significados de família nas
interações sociais. No primeiro capítulo o leitor é contextualizado nas experiências de Jayro e
Lia relacionadas à subtração, ao desaparecimento e ao reencontro de Pedro, por meio de um
ordenamento cronológico dos acontecimentos. No segundo capítulo e no terceiro capítulo é
realizada a análise sociológica propriamente dita e são estudadas as práticas interpretativas que
23
Lia e Jayro apresentam de suas relações familiares, antes e depois do reencontro de Pedro,
respectivamente.
24
1. As circunstâncias geradas pela subtração e pelo reencontro do filho
1.1 O roubo e o desaparecimento
Maria Auxiliadora, Lia, nasceu em Araxá, Minas Gerais, em 1953. Mudou-se para
Brasília na adolescência, quando foi morar com a irmã. Algum tempo depois, sua mãe e seus
irmãos também foram para a capital federal. Jayro Tapajós nasceu no Rio de Janeiro, em 1952.
Seus pais eram comerciários. Ainda na infância, após a morte da mãe, ele mudou-se para
Manaus, onde foi morar com os avós maternos. Aos dezenove anos, após servir o exército, sem
família, foi para Brasília. Em 1976, Jayro e Lia se casaram. Segundo o casal, eles tinham o
desejo de ter muitos filhos.
Em 1977, Lia e Jayro tiveram a primeira filha, Ana Cláudia. Dois anos depois nasceu
Juliana, que viveu apenas quatro dias. A morte dessa segunda filha, ocasionada por uma
cardiopatia congênita, abalou muito o casal. A terceira gravidez foi interrompida por um aborto
involuntário. Lia não desanimou e, em 1981, nasceu Cristina. Em 1985, Lia sofreu uma
segundo aborto. Nesse mesmo ano, movida pelo desejo de ter “ao menos mais um filho”, ela
passou pela sexta gestação. No livro “Devolvam meu filho”, que escreveu anos mais tarde,
conta que uma ultra-sonografia permitiu que ela e o marido soubessem o sexo do bebê e
escolhessem, antes mesmo do nascimento, o nome do filho, que se chamaria Pedro. A criança
foi bastante esperada pelo casal e pelas filhas Ana Cláudia e Cristina.
Pesando três quilos e meio e parecendo-se com a irmã mais nova, segundo os relatos dos
pais, no dia 20 de janeiro de 1986, nasceu o terceiro filho. Nessa época, Jayro era auditor fiscal
e Lia funcionária do Banco Central. Eles moravam no Lago Norte, em Brasília, área nobre da
cidade, onde estão ainda hoje. Ana Cláudia, a filha mais velha, tinha oito anos e Cristina, a
segunda filha, quatro anos. Lia descreveu o nascimento do filho como um momento sublime:
Esse é um momento mágico e de grande ternura e felicidade para uma mulher:
amparar um ser tão delicado em nosso colo, saber que se trata do resultado de
amor e ternura, uma manifestação de Deus; que Ele permitiu esse milagre! Os
melhores poetas do mundo jamais conseguirão, dentro de sua sensibilidade,
descrever o que é ser mãe! Nunca pude entender porque tantas mulheres se
unem levantando bandeiras em favor da liberação do aborto! (PINTO, 1988,
15)
25
O parto e a ligação de trompas da esposa foram acompanhados por Jayro. O bebê, que
havia nascido quase à meia-noite, foi para o quarto de Lia por volta das 06h 30m. Antes do
almoço, Jayro foi ao trabalho justificar sua ausência e depois a sua casa, buscar as duas filhas
que esperavam para conhecer o irmão. Dona Otalina, mãe de Lia, ficou como acompanhante da
filha, no quarto 10 do Hospital Santa Lúcia.
Treze horas após o nascimento de Pedro uma mulher que se dizia assistente social entrou
no quarto onde Lia estava depois do parto. A suposta funcionária do hospital fez perguntas
sobre o nascimento e o estado da criança para Lia e dona Otalina. Segundo o relato de Lia em
seu livro, orgulhosas, ela e a mãe ofereceram as informações. A mulher saiu do quarto e, pouco
tempo depois, retornou, avisando que a paciente e o filho seriam submetidos a exames
médicos. Lia temeu pela saúde de Pedro. A morte da filha recém-nascida, Juliana, lhe vinha à
cabeça. A “funcionária” tinha dificuldades para explicar a necessidade de submeter o nenê a
exames, afirmava que não era nada grave, apenas alguns procedimentos médicos de rotina. Lia
tinha a impressão de que a suposta assistente social tinha se embaraçado porque evitava lhe
revelar que Pedro não estava bem.
Em meio às preocupações com a saúde do filho, recomendada pela “assistente social”,
no banheiro, Lia se despiu e procurou esvaziar a bexiga. Minutos depois a suposta funcionária
do hospital se ausentava do quarto por uns instantes, pedindo calma à paciente, pois as
enfermeiras que colheriam o material iriam demorar. Sentindo um mal-estar, em conseqüência
da operação cesariana, Lia voltou para a cama, auxiliada pela mãe. Visivelmente nervosa, a
“funcionária” retornou ao quarto e pediu a dona Otalina que fosse à Unidade de Patologia, pois
havia um presente para as ocupantes do quarto. Lia imaginava que a mulher afastava sua
mãe do quarto com a intenção de conversar com a última a sós sobre problemas de saúde do
seu filho recém-nascido. Enquanto dona Otalina foi à Unidade de Patologia, a “assistente
social” levou o menino nos braços, alegando que os exames deveriam ser realizados no
berçário, e nas mãos uma sacola de papel. Lia esperaria, desde aquela data, quase dezessete
anos para ver seu filho novamente.
No Hospital Santa Lúcia, Maria Eugênia, acompanhante da irmã que também acabara de
ter um bebê, disse que viu uma mulher sair do quarto de Lia, abraçada a uma sacola de papel.
Aquilo não lhe passou despercebido: a sacola não era carregada pelas alças. No berçário,
momentos antes, a mesma mulher lhe fez muitas perguntas sobre sua sobrinha recém-nascida,
inclusive onde a neném estava. Mais tarde, Jayro entraria no quarto nove, em frente ao quarto
de Lia, lugar em que estavam Maria Eugênia e sua irmã, apavorado, dizendo que seu filho
26
havia sumido. Uma agitação tomaria conta do hospital. Além da acompanhante do quarto
nove, um vendedor de salgados também conversou com a autora do crime. Ela passou na banca
dele, segurando a sacola de papel nos braços, comprou um salgado para o acompanhante, um
homem que a esperava em um carro, e, agitada, não esperou o troco.
Lia ainda não havia percebido que seu filho estava desaparecido e recebia a visita dos
tios, quando entrou no quarto o Dr. Benedito Fernandes Pinto, o obstetra. Ouvindo as
preocupações da paciente, angustiada com a saída do filho para fazer exames, o médico
reiterou que o menino tinha nascido com saúde perfeita e que iria ver os motivos de o terem
levado para o berçário. O obstetra foi um dos primeiros a entender que alguém poderia ter
roubado o recém-nascido. Chegando ao hospital com as filhas Ana Cláudia e Cristina, Jayro
percebeu pela inquietação do médico e dos tios que seu filho poderia ter sido subtraído. Ainda
hoje, Lia não se recorda como ficou sabendo da tragédia, ou quem lhe contou. Das horas que se
seguiram ela também não possui muitas recordações. Lembra-se que o quarto se encheu de
gente, enfermeiras lhe traziam calmantes. Dona Otalina passou mal e precisou ser medicada.
Jornalistas interpelavam o casal, ainda que os médicos tivessem proibido a entrada, de modo
que existe o registro de imagens do sofrimento de Jayro e Lia nos primeiros momentos após a
subtração. Lia, aos prantos, afirmava que não tinha passado cinco horas com o filho e descrevia
para os repórteres o modo como agiu a falsa assistente social. Também perturbado, o marido
procurava consolá-la.
Em um balcão de serviços, de frente para o quarto de Lia, estava Juliana Amâncio da
Luz, a auxiliar de enfermagem encarregada de cuidar dos recém-nascidos, que tinha trocado as
roupas de Pedrinho pela primeira vez e visto a falsa assistente social nos corredores da
maternidade, inclusive, dentro do quarto de Lia. Conta Tasso (2003) que, naquele dia, ansioso
pela localização do filho, após ouvir de Juliana Amâncio que uma funcionária da embaixada do
Gabão era suspeita, Jayro decidiu ir à casa dos diplomatas. Foi acompanhado da sogra, a única
que viu a seqüestradora, além de Lia, e do diretor do hospital. Na noite do mesmo dia, após as
buscas frustradas pelo filho, Jayro deu a primeira de uma série de entrevistas nos estúdios da
Rede Globo de TV. Jayro e Lia desejavam que a polícia tivesse sido mais eficiente,
vasculhando as redondezas e fechando as saídas de Brasília desde as primeiras horas após a
subtração.
Segundo relatou Lia mais tarde em seu livro, a noite do desaparecimento foi a pior de
suas vidas. Dentro do quarto em que ela estava, novenas eram rezadas de hora em hora. Houve
muito choro dela e do marido. No dia seguinte um delegado e um escrivão a interrogaram. A
27
polícia investigava uma possível relação da subtração com algum conflito envolvendo algum
membro da família - uma provável vingança de uma eventual amante de Jayro, por exemplo,
ou de algum inimigo da família. Jayro e Lia não possuíam conflitos desse tipo e, insatisfeitos,
se submeteram ao interrogatório, pois previam que esse não seria o caminho por meio do qual
Pedro seria encontrado. No mesmo dia foi realizado o primeiro retrato falado da mulher que
passaria a ser conhecida a partir de então como a seqüestradora. Maria Eugênia, acompanhante
do quarto 9, e a enfermeira Juliana foram convocadas. Lia não ficou satisfeita com o resultado
final e outros retratos seriam realizados nos dias seguintes. No início da noite um
psicoterapeuta assistiu ao casal, no quarto do hospital. Às vinte e três horas, atendendo aos
pedidos de Lia, o obstetra lhe deu alta e junto com o marido ela foi para casa, deixando no
hospital, com tristeza, dona Otalina, que sofreu um enfarte naquele dia. Ao chegar em casa, Lia
escutou a pergunta da filha: “Mãe, outra vez sem nenê ”.
Uma amiga de Lia, Regina, durante os três meses primeiros meses após a subtração de
Pedro cuidou de Ana Cláudia e Cristina e dirigiu a casa da família. Nos primeiros dias, Jayro,
envolvido nas buscas, esquecia de se alimentar. Com febre, Lia passava boa parte do dia na
cama. Tinha alucinações e acordava durante a noite ouvindo choro de criança ou o ruído de
alguém colocando seu filho à soleira da porta. Quando só, ela se entregava a fantasias em que
amamentava ou embalava o filho. Perdia o interesse pelo que a cercava e se afastava das filhas.
Uns quarenta dias após a subtração, sua filha mais velha, de apenas oito anos, reagiu
ameaçando fugir de casa. Nesse momento, Lia diz que percebeu o seu alheamento.
Desde o desaparecimento da criança, a casa da família foi ocupada por jornalistas,
pessoas das mais diversas religiões e policiais. Estes passaram dias ali, monitorando chamadas
telefônicas. A repercussão do caso, ainda que entendida como necessária pela família,
comprometeu sua privacidade e a expôs a falsas denúncias e tentativas de extorsão. A tragédia
pela qual passava a família foi espetacularizada pela mídia. De acordo com as lembranças de
Ana Cláudia, em entrevista, o primeiro ano foi aquele em que existia em sua casa uma
impressão de que Pedro poderia chegar a qualquer momento. Ela me contou que esse clima foi
favorecido pela presença constante dos policiais e jornalistas e pelas fortes esperanças dos pais,
principalmente da mãe, que a cada pista acreditavam ter encontrado o seu irmão.
O telefone ainda não estava sendo monitorado, quando, no dia seguinte ao roubo, Lia e
Jayro receberam uma ligação anônima, informando que Pedro estava bem de saúde. Em uma
fotografia divulgada pela imprensa, Lia encontrou semelhanças entre uma secretária da
Embaixada do Gabão e a seqüestradora. Suspeitas recaíram outra vez sobre a Embaixada e a
28
polícia investigou um eventual envolvimento dos funcionários da casa com a comercialização
de crianças para o exterior. Em resposta, no dia 10 de março, o embaixador publicou uma nota
oficial nos jornais declarando a inocência dos membros da residência diplomática. Três dias
após a subtração, Ângela Maria do Carmo, assessora do senador Alexandre Costa, também foi
investigada. Para o seu infortúnio, dias antes do seqüestro, ela realizou uma compra na loja
cujo nome, segundo as testemunhas, estava estampado na sacola que a falsa assistente social
carregava ao sair do hospital e saldou a aquisição com um cheque, mais tarde vasculhado pela
polícia. Ademais, ela se parecia com a mulher que roubou o filho de Lia e Jayro, segundo o
retrato falado. Como se perceberia mais tarde, essas suspeitas não levariam à localização de
Pedrinho.
Mobilizados por um telefonema anônimo, Jayro, Lia, o advogado do casal, Aidano Faria,
o delegado Davi Sales e um agente da polícia foram à embaixada americana. Após negar a
existência de crianças no lugar, o cônsul admitiu que eles abrigavam um bebê, que fora doado
a uma diplomata americana, mas ressalvou que possuía informações sobre a mãe biológica.
Após ser localizada, esta última admitiu a falsa denúncia e explicou que procurava evitar que
seu filho fosse embora, depois de arrepender-se de ter negociado o filho para adoção.
Lia e Jayro acompanhavam as investigações policiais. Estas seguiam vários caminhos,
incluindo o exame de pistas deixadas por um suicida em uma carta, onde acusava sua ex-
esposa, uma enfermeira chilena, de participação no seqüestro do menino Pedro. Outra delação
era apurada: em março de 1986, o advogado Aidano Faria, e o delegado Davi Sales receberam
ao mesmo tempo uma carta de um remetente anônimo que denunciava o envolvimento de um
médico na entrega de uma criança para um casal de estrangeiros. Segundo o denunciante, ele,
um taxista, havia transportado o suspeito e sua esposa no dia da subtração de Pedro. Esta
última carregava a criança que foi entregue ao casal de forasteiros. A polícia confirmou que um
casal de suecos tinha passado pelos lugares descritos na carta e que se encontrava em
Estocolmo com um filho bebê. Lia e Jayro cobravam o esclarecimento do caso. Um ano
depois, um delegado foi a Estocolmo e comunicou a Jayro e Lia que a criança adotada pelos
estrangeiros tinha nascido na Suécia e era do sexo feminino.
No dia 13 de maio, Lia e Jayro foram ao Rio de Janeiro ver um bebê que havia sido
adotado irregularmente por uma brasileira e pelo marido inglês e que, segundo as
investigações, poderia ser Pedro. Como em outras ocasiões, o casal acreditou ter encontrado o
filho subtraído. Cerca de dois meses e quinze dias depois, um exame afirmou que o bebê,
Alexander, não era Pedro. A mãe biológica, localizada alguns dias depois, havia entregado o
29
filho a uma freira no Paraná e esta última intermediou a adoção irregular. O caso de Jayro e Lia
gerava discussões no país sobre as adoções irregulares.
Jayro lutava para envolver a polícia federal nas buscas do filho, a fim de investigar casos
de crianças levadas para o exterior. Procurou autoridades como o Diretor Geral da Polícia
Federal e o Ministro da Justiça. Após organizar um apelo, em forma de manifesto, diante do
Palácio do Planalto, ele ouviu do Ministro Chefe da Casa Civil que a Polícia Federal
trabalharia no “Caso Pedrinho”
9
. Era assim que as investigações sobre a subtração e
desaparecimento de Pedro eram denominadas pela polícia e conhecidas na mídia. Por volta de
1990, Lia afirmava que a Polícia Federal oferecia apenas assessoria à polícia civil.
Nove meses depois da subtração, segundo o que conta em seu livro, Lia imaginava que
talvez os primeiros dentes do filho estivessem nascendo, que possivelmente ele estava
começando a engatinhar. Ela procurava ajuda espiritual, dentro e fora do catolicismo, religião
que ela e o marido praticavam. Consultou, entre outros, um jogador de búzios e uma
cartomante. Amparou-se em previsões que davam por certo o reencontro de Pedrinho, algumas
delas chegando a fornecer detalhes como a cidade onde o garoto se encontrava e a data em que
ele voltaria. As esperanças geradas pelas predições não deixaram de ser seguidas por
decepções profundas, dados os longos anos de desaparecimento.
Em novembro de 1986, a auxiliar de enfermagem Juliana Amâncio foi indiciada como
co-autora do crime de subtração de Pedro. Essa funcionária apresentou um depoimento
contraditório quando perguntada sobre a presença da suposta assistente social nos corredores
do hospital, mas recebeu proteção jurídica da Ordem dos Advogados do Distrito Federal, que
apresentou laudo médico em favor da acusada alegando que ela usava remédios controlados e
possuía doença nervosa. Em 1989, quando escreveu o livro para divulgar o desaparecimento do
filho, Lia afirmava que ela e o marido lamentavam a ausência de respostas sobre o
envolvimento de Juliana no crime. Em 2003, quando Vilma Martins foi condenada como a
mulher que subtraiu Pedro, Juliana Amâncio a reconheceu como a autora do crime.
O desaparecimento da criança não deixaria o convívio familiar ileso. Viver sem Pedro
não foi fácil. O casal encarava os esforços de localização do filho como uma tarefa prioritária
para a família, uma tarefa que foi acompanhada de muitas expectativas e frustrações. O
envolvimento de Jayro e Lia com as situações geradas pela subtração do filho é percebida por
9
Em 2002, quando o filho de Jayro e Lia foi reencontrado, o Jornal de Brasília (07/11/2002) relembrou um dos
protestos realizados nesse sentido, publicando uma foto em que Jayro e da família pedem auxílio ao então
Presidente José Sarney. No retrato aparecem Jayro, a filha Cristina, em seus ombros, amigos e parentes.
30
meio de uma perspectiva de gênero, por eles mesmos e pelos filhos. As reações de Lia foram
vivenciadas como muito mais emocionais que as do marido e as de Jayro como mais racionais
que a da esposa. Desse modo, em entrevistas, Jayro e Ana Cláudia dão a entender que Lia foi
quem se envolveu de forma mais dolorosa com a ausência de Pedro. Jayro explicou-me que ele
“procurava racionalizar a situação”, mas que para a esposa existia “um grande sentimento de
frustração, em função da maternidade que ela o pôde exercer”. Afirmou-me ainda que em
diversos momentos ele se mobilizou para encontrar o filho sem que a esposa soubesse, porque
queria evitar que ela se decepcionasse em caso de insucesso. Ana Cláudia teve lembranças
semelhantes. Ela entende que o pai conseguiu manter um equilíbrio emocional que foi
importante para todos na casa.
No ano em que reencontrou o filho, Lia, por sua vez, declarou para jornais que esteve
“perto de perder a lucidez” e achava que tinha feito “muita gente sofrer”. Confessou também
que “passou por uma fase complicada com o marido”, “viu a filha mais velha cuidando da mais
nova” e chegou a afirmar para os membros da sua família que “nunca mais seria a mesma
pessoa”, ou seja, que não teria o mesmo prazer de antes no relacionamento social, porque a dor
pela ausência do filho não a permitia. Nas datas em que a família se reunia, mesmo muitos
anos depois da subtração, Lia conta em seu diário que era particularmente difícil deixar de
lembrar-se de Pedro e manter-se feliz, mas que se esforçava, pois seu desalento entristecia
todos da casa. Boa parte das cartas e bilhetes escritos por Lia para o filho foram em ocasiões de
festas familiares, como o Natal, o dia das mães e dos pais, os aniversários de todos da casa.
O desaparecimento de Pedro estava relacionado a um crime e era investigado pela
polícia, o que parece não acontecer com todos os casos de desaparecimento (OLIVEIRA,
2007)
10
. Ademais, foi tornado um assunto explorado pela mídia. Lia lembra que na época em
que seu filho desapareceu não havia ações conjuntas de órgãos públicos para a busca de
crianças desaparecidas, como as que existem hoje em Brasília
11
. Desse modo, nos anos
seguintes, a polícia e a televisão continuaram sendo os dois principais caminhos utilizados por
Lia e Jayro para procurar o filho. Eles continuaram mantendo contato com a polícia,
10
Como lembra Oliveira (2007) uma reclamação comum daqueles que desconhecem o paradeiro de uma pessoa
da família é que a polícia costuma dizer que “desaparecimento não é crime”. Os desaparecimentos não são
comumente vistos pela polícia como sua responsabilidade, porque freqüentemente não possuem motivos
conhecidos e não podem ser diretamente relacionados a crimes.
11
Lia estava lembrando do SECRIAD (Serviço Integrado de Atenção a Crianças e Adolescentes
Desaparecidos), que foi criado no Distrito Federal, em 1999. O serviço integra as ações do Centro de
Atendimento SOS Criança, da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente e da Seção de
Retrato Falado do Instituto de Identificação da Polícia Civil do Distrito Federal.
31
acompanhando intensa e rigorosamente os inquéritos, participando de programas de rádio e
televisão, dando entrevistas para jornais e revistas.
Jayro e Lia viajaram várias vezes para encontrar alguma criança que poderia ser Pedro ou
fazer o reconhecimento de alguma mulher que poderia ser a seqüestradora e não desistiam de
pesquisar casos de seqüestro de crianças e de adoções irregulares, além de procurar o apoio das
autoridades competentes. Ademais, o casal buscou a ajuda de amigos, parentes, santos e guias
espirituais para manter o equilíbrio emocional. Eram constantes as preces à Virgem Maria
sincretizadas com o amparo de guias espirituais como Chico Xavier, o líder brasileiro do
kardecismo, que Lia uma vez visitou em Uberaba. Por sua vez, Jayro buscou auxílio nas
práticas mágico-religiosas indígenas. Em 1999, treze anos após o desaparecimento do filho, Lia
ainda procurou a ajuda de uma terapeuta.
Objetivando encontrar um pouco de tranqüilidade para a vida em família, em abril de
1988, Lia e Jayro se mudaram para Porto Xavier, uma cidade do Rio Grande do Sul. Segundo
Tasso (2003), o casal foi aconselhado pelos colegas de trabalho, que os orientaram a sair de
Brasília, lugar onde eram facilmente identificados e remetidos à dor da perda do filho. Lia e o
marido combinaram que não contariam a ninguém da cidade a história da subtração e do
desaparecimento do filho. O acordo não foi o bastante. Pouco tempo depois da mudança, Lia
viajou a Curitiba para reconhecer uma mulher, denunciada como seqüestradora de Pedrinho
pelo antigo amante, cujo filho foi submetido a exame de DNA. Ainda antes do resultado do
exame, que seria negativo, Lia não reconheceu a suspeita como a seqüestradora. A pista era
falsa, mas enquanto não foi esclarecida, a notícia foi divulgada pela imprensa. Todos os
vizinhos na nova cidade passaram a ser conhecedores do drama da família.
Em Porto Xavier, Lia começou a escrever um livro para divulgar o desaparecimento do
filho. “Devolvam meu filho” teve apenas uma tiragem e foi publicado logo após ter sido
concluído, por volta do final de 1988. Nele, Lia detalhou o modo como o filho foi subtraído;
descreveu todas as pistas levantadas pela polícia aaquele momento; alertou para a existência
das adoções irregulares, como a conhecida “adoção à brasileira”
12
, e para a comercialização e
o tráfico de crianças para o exterior; reclamou a responsabilidade do Hospital Santa Lúcia na
subtração do seu filho; ademais, descreveu, uma por uma, as questões levantadas e não
12
Na conhecida e praticada “adoção à brasileira” os pais adotivos ocultam a adoção perante o cartório, registrando
a criança como filha, ou filho biológico. Medidas como a expedição da Declaração de Nascido Vivo (DNV) pela
maternidade e sua apresentação obrigatória no cartório tem sido tomadas com o intuito de evitar o registro de
crianças roubadas ou cedidas. No entanto, o mecanismo não é eficaz e pode ser facilmente burlado por meio da
justificativa de que a criança nasceu em casa (FOLHA DE SÃO PAULO, 15 11 2002).
32
solucionadas nas investigações até aquele momento. Além do título, na capa do livro estava a
imagem do registro de Pedrinho no Hospital Santa Lúcia
13
.
De certo modo, como me contou, Lia não se permitia esquecer do filho desaparecido em
momento algum, ou desistir de encontrá-lo. Caso o fizesse, ela sentia-se culpada. Ela se
considerava afastada dos esforços pela localização estando longe de Brasília. Em conseqüência
da sua angustia, em janeiro de 1989 ela e o marido retornaram com as filhas para Brasília.
Voltando ao trabalho, Lia sentia-se mal com o excesso de cuidados dos colegas, que evitavam,
por exemplo, falar sobre crianças, e porque percebia que era alvo de pena. Além disso, as
relações familiares também estavam abaladas. Lia temia pelo futuro das filhas, que não
passavam imunes ao sofrimento dela e do marido.
Em 1990, Jayro e Lia participaram do programa Linha Direta da Rede Globo, contando
toda a história da subtração, do seu sofrimento e dos esforços de localização da criança. Após a
divulgação do programa, a família recebeu um telefonema de um casal de Rondônia. Maria do
Socorro e José Luiz Pessoa, moradores de Rolim de Moura, estavam como cuidadores de
Hudson Eduardo, um garoto de quatro anos, e aguardavam a conclusão do processo de adoção
da criança junto ao juizado de menores. Os cuidadores diziam que o menino sob sua guarda
provisória poderia ser Pedrinho. Jayro viajou para Rondônia e voltou com Hudson, que passou
aproximadamente três semanas na sua casa. Durante a viagem de Jayro, Dona Otalina, a mãe
de Lia, morreu. Nesses dias a família sofreu com o falecimento e, alguns dias depois, com o
resultado do exame de DNA, que negou a relação de filiação entre Hudson e Jayro e Lia. Ao
que tudo indica, a família relaciona a morte de Dona Otalina às fortes emoções daqueles dias
em que o encontro do neto parecia estar próximo. Lia e Jayro acreditavam no resultado
positivo do exame, porque dias antes da divulgação oficial uma mulher que se identificava
como delegada da polícia federal afirmou para eles que possuía informações antecipadas de
que Hudson era Pedrinho. O casal recebeu o resultado oficial com resistência. Lia ficou de
cama. Esperançoso e inconformado, Jayro chegou a duvidar e a pedir novos exames. Dias
depois os pais biológicos de Hudson eram encontrados pela polícia e Jayro se convencia de
que não tinha encontrado Pedro. Mais tarde ele e a esposa descobririam que a suposta delegada
não tinha nenhuma ligação com os especialistas e autoridades responsáveis pelo exame de
DNA, não sendo sequer conhecida por esses últimos. Com as expectativas frustradas mais uma
13
A pia do livro que a família me forneceu não possuía a capa. No entanto, imagens do livro foram
publicadas em jornais quando Pedro foi encontrado.
33
vez, Jayro afirmou para a televisão que não perderia as esperanças “de jeito nenhum” e
continuaria lutando.
No penúltimo dia de 1990, Eduardo chegou à casa de Lia e Jayro, com três anos e meio,
idade próxima a que Pedrinho também teria à mesma época. Jayro e Lia receberam o garoto da
sua mãe biológica, uma mulher de Goiânia, e o processo de adoção foi realizado em Brasília.
Lia dizia em seu diário que “precisava de uma criança pequena em casa, para amar e cuidar”.
algum tempo o casal pensava em uma adoção. De acordo com Tasso (2003), o “Caso
Pedrinho” praticamente desapareceu da mídia a partir desse período. O diário de Lia nos leva a
acreditar que a ação da polícia nos próximos quatro anos também não trouxe nenhuma
esperança significativa.
Em 1995, Lia discutia na 3
a
Vara de Família do Distrito Federal as responsabilidades do
Hospital Santa Lúcia na subtração de Pedro. Os defensores do hospital alegavam que este não
tinha nenhum tipo de culpa, uma vez que o recém-nascido não estava no berçário, mas nos
braços da e quando foi roubado. Apesar dessa defesa, em 2002, época do fim do
desaparecimento de Pedro, os diretores do hospital admitiram um sentimento de culpa entre os
responsáveis pela instituição e afirmaram que a localização do jovem os tranqüilizava. Os
médicos da maternidade relembraram a agonia em admitir, no dia do roubo, que Pedrinho tinha
sido levado do hospital. Nesse mesmo período, Lia conta em seu diário que cuidava dos
estudos do filho Eduardo, que a filha mais velha, Ana Cláudia, tinha passado para o curso de
Direito, lembra do aniversário da filha Cristina. No decorrer dos anos, Lia explicara para
Eduardo ele tinha um irmão desaparecido. A revista Veja, em setembro desse mesmo ano,
realizou uma matéria sobre pais e filhos separados. Jayro e Lia resolveram participar, apesar da
dor que lhes causava contar o sofrimento da família e recordar a subtração. Mas como em todas
as outras vezes que participaram de matérias de jornais impressos, de revistas, de rádio e
programas televisivos, eles tinham a esperança de que a divulgação os levasse ao reencontro do
filho.
Em 30 de abril de 1996, a polícia de Brasília mais uma vez acreditou ter encontrado o
filho de Lia e Jayro. Renerson Santana morava na cidade satélite de Ceilândia, no Distrito
Federal, possuía certidão de nascimento falsa e sua mãe adotiva, Maria da Guia Santana, não
soube explicar quem eram os seus pais biológicos e onde ele nasceu. Exames de sobreposição
de fotos mostraram semelhanças entre o garoto e Jayro e Lia. No entanto, um exame de DNA
comprovou que Renerson não era Pedrinho. Nesse ano, Renato Rosalino, primo de Pedrinho,
publicou na web um retrato falado da seqüestradora e uma foto de Jayro, com dez anos de
34
idade. Essas imagens seriam mais tarde encontradas e divulgadas pelo S.O.S. Criança de
Brasília
14
, um órgão público vinculado à Secretaria de Estado de Ação Social do Governo do
Distrito Federal, que administra parte do site brasileiro do Missing Kids - uma rede
internacional de busca de crianças e adolescentes desaparecidos mediante a divulgação de fotos
na internet
15
. Em seu diário, Lia destacou que uma subtração em uma maternidade, em outubro
de 1996, gerou algumas matérias sobre o “Caso Pedrinho” na televisão. Mais uma vez a família
foi procurada por jornalistas.
Aos quarenta e três anos, em 1997, Lia aposentou-se. Assim como outros eventos, a
aposentaria fazia com que ela sentisse que o tempo estava passando, sem que ela encontrasse o
filho. Nesse ano, entre outras iniciativas, ela escreveu uma carta-desabafo, mais tarde anexada
ao seu diário, para o Correio Brasiliense, cobrando um envolvimento mais efetivo das
autoridades na busca do seu filho. A enfermeira chilena, apontada pelo marido, na época em
que Pedro foi subtraído, como a seqüestradora, passava pelo Rio de Janeiro naquele ano. A
polícia aproveitou para submetê-la a exame de reconhecimento. Em função dessa pista, Lia
buscou uma jogadora de tarô para saber se, finalmente, encontraria seu filho. A cartomante foi
otimista. No entanto, as investigações envolvendo a enfermeira Ana Maria Valdebenito
Sanhueza não levaram a Pedro. Também em 1997, descobriu-se que a falsa assistente social,
nos dias que antecederam a subtração do filho de Lia, tentou levar uma criança nascida em um
hospital vizinho ao Santa Lúcia. Não obteve sucesso porque o recém-nascido tinha ido para a
incubadora.
Desde a época da subtração Lia vinha escrevendo um diário composto por cartas e
bilhetes”, forma como ela às vezes denominava as linhas dirigidas ao filho. Os escritos eram
endereçados a Pedro, porque ela esperava que um dia ele pudesse -los. Ademais, neles, Lia
passava a impressão de acreditar que se comunicava com o garoto, mesmo estando ele
desaparecido. Em alguns momentos ela manifestou essa crença de forma clara, ora
classificando-a como um subterfúgio de que necessitava, ora desejando que de alguma forma
14
S.O.S. é a abreviatura de save our souls”, pedido de socorro integrante do código internacional de sinais. O
Centro de atendimento S.O.S. Criança do Distrito Federal também divulga as fotos dos desaparecidos em
jornais, televisão e boletos bancários de empresas públicas, recebe denúncias de desaparecimento e oferece
suporte psicossocial às famílias. Após o reencontro de Pedro, Jayro e Lia participaram de algumas das reuniões
deste último serviço, oferecido pelo S.O.S. Criança do Distrito Federal, no entanto, segundo Lia, no período em
que ela me forneceu as entrevistas para a presente dissertação, o apoio psicossocial dirigido às famílias,
coordenado por uma equipe de psicólogos e outros profissionais, estava suspenso.
15
A rede Missing Kids é administrada hoje pela International Center for Missing and Exploited Children
(ICMEC), uma ONG.
35
extraordinária o filho tivesse consciência dos vínculos entre eles, ainda que a desconhecesse
16
.
No ano de 1997, ela comprou um caderno, transcreveu o que conseguiu recuperar, mais de 90
“cartas e bilhetes” a aquele momento, e continuou escrevendo até 2007, mesmo após o
reencontro com o filho. Esses escritos tinham muitos significados para a autora, neles Lia
relatava os acontecimentos familiares, suas dores. Ao todo as “cartas e bilhetes” totalizam mais
de 170 e são na maior parte das vezes breves como bilhetes.
Lia e Jayro foram procurados em novembro de 2001 por Geraldo Tasso, um
desembargador que havia morado no Lago Norte na época da subtração e estava interessado
em escrever um livro sobre o drama da família. Estes últimos colaboraram com o trabalho.
Geraldo os acompanhou por um longo tempo, colheu relatos de Jayro e Lia, consultou
inquérito do Caso Pedrinho, teve acesso ao livro “Devolvam meu filho” e às cartas e bilhetes
que Lia escrevia para o filho ausente. Tendo entregado o caderno onde escrevia seu diário a
Tasso, Lia iniciou outro caderno em abril de 2001. No dia dos pais daquele ano, ela lembrava o
sofrimento do esposo por não saber onde estava o filho.
No início do ano de 2002, o Jornal de Brasília procurou a família para fazer uma matéria
sobre os dezesseis anos de Pedro. Lia entendeu a procura do jornal como um sinal das
previsões recebidas naqueles dias por um missionário da Capela da Igreja Nossa Senhora do
Lago, de que Pedro seria reencontrado. Em setembro, Ana Cláudia, a filha mais velha de Jayro
e Lia, se casou. O acontecimento foi planejado meses antes e, segundo os relatos de Lia em seu
diário, toda a família se envolveu com os preparativos. Ela lamentava a ausência do filho Pedro
no evento familiar e manifestava o desejo de reencontrá-lo “antes que Ana Cláudia se
mudasse”.
1.2 O reencontro do filho
Ao que tudo indica, a morte de Osvaldo Martins Borges, um fiscal de Goiás, desencadeou
a denúncia que levaria ao fim do desaparecimento de Pedro. Dezesseis anos antes do óbito,
ocorrido no dia 19 de outubro, o fiscal deixara a primeira esposa para morar com Vilma
Martins, que afirmava ter um filho dele, mais tarde, no dia 2 de abril de 1986, registrado como
Osvaldo Martins Borges Júnior. Os filhos do primeiro casamento nunca aceitaram a união do
16
Em 2000, Lia registrou em seu diário: “... Escrever à você é uma das formas que encontrei que me faz
acreditar que me comunico contigo. É curioso o efeito...”.
36
pai com Vilma. A denunciante foi Gabriela, uma garota de dezenove anos, neta de Osvaldo.
Segundo os relatos da jovem, no hospital em que Osvaldo estava internado, moribundo, Vilma
deixou escapar que tinha feito uma laqueadura de trompas há mais de vinte anos. Júnior o filho
mais novo dela tinha apenas dezesseis anos. Gabriela e a família desconfiavam que Júnior não
era filho de Osvaldo e que o garoto teria sido usado pela amante para conseguir uma relação
estável com o fiscal. Ela pesquisou na internet a rede Missing Kids, onde o “Caso Pedrinho”
aparecia em destaque e encontrou grandes semelhanças entre Jayro e Osvaldo Júnior. Em
outubro, por meio de contato telefônico, Gabriela realizou a primeira denúncia para o S.O.S.
Criança do Distrito Federal, poucos dias depois da morte do avô. Quando foi publicada a
identidade da denunciante, os jornais supuseram que a acusação teria sido motivada por causa
de uma disputa por herança, entre a primeira e a segunda família de Osvaldo. Gabriela, o pai e
os parentes negaram a especulação e a jovem afirmou que foi motivada por um desejo de
justiça, que foi aguçado com a morte do avô.
Nos dias seguintes à denúncia, os investigadores da polícia civil do Distrito Federal
fotografaram e filmaram Júnior, colheram dados sobre ele e a família que o criava. Constava
no registro de nascimento que o adolescente tinha nascido no município de Mara Rosa, interior
de Goiás, no dia 20 de janeiro de 1986. Morava no Jardim Europa, bairro de classe média de
Goiânia, com a mãe, a irmã Roberta e uma sobrinha, chamada Ingrid. Era o filho caçula e tinha
outras três irmãs que viviam no exterior, Carla e Cristiane na Itália e Patrícia na Bélgica
17
.
Estudava no Colégio Ávila, uma escola particular, onde fazia o segundo ano do ensino médio.
A mãe era proprietária de uma marcenaria, fabricava e reformava móveis. Vários indícios
levavam a polícia a considerar que tinham encontrado Pedrinho: a idade do adolescente, a data
do registro de nascimento, o seu tipo sanguíneo. No dia primeiro de novembro de 2002, pela
primeira vez, Vilma Martins Costa foi chamada à Delegacia Estadual de Investigações
Criminais (DEIC) de Goiânia, na condição de principal suspeita do crime de subtração de
Pedrinho.
No dia 5 de novembro de 2002, Lia percebeu que Jayro tinha notícias de outras pistas das
investigações. O marido não queria gerar esperanças e, mais tarde, talvez frustrações à esposa
e, por esse motivo, naquele dia, não revelou as informações trazidas pela polícia. No entanto,
ele não continha por completo suas próprias expectativas e disse para Lia que tinha sonhado
com o filho. Descreveu para Lia o Pedrinho jovem do seu sonho com características que - mais
17
Ao contrário do Correio Brasiliense, o jornal goiano OPopular informa que duas das filhas de Vilma Martins
moravam na Espanha e uma na Itália, sem relacionar cada uma delas ao país onde estava vivendo.
37
tarde, Lia veio saber - eram as de Osvaldo Martins Borges Júnior, o garoto de Goiânia, visto
por ele através de fotos feitas pela Polícia Civil do Distrito Federal. No dia seguinte, Jayro
estava agitado. Após receber várias ligações dos investigadores, ele revelou para a esposa as
esperanças de reencontrar o filho. Instantes depois, policiais chegaram à casa do casal com
uma foto do adolescente Osvaldo Martins Borges Júnior. Lia e Jayro viram semelhanças entre
eles e o garoto e acreditaram que poderiam ter encontrado o filho. A polícia realizou o exame
prosopográfico
18
e encontrou semelhanças entre Júnior e Cristina, a filha mais nova de Lia e
Jayro. Enquanto isto, este último e Lia esperavam a decisão do garoto de Goiânia e da família
que o criava de fazer o exame de DNA. No dia 7, os jornais anunciavam que o “Caso
Pedrinho” possivelmente estava perto do fim. Jayro conversou com o garoto que poderia ser o
seu filho pelo telefone e o convenceu a se submeter ao teste que conferiria a sua filiação
biológica.
No fim da tarde daquele dia, peritos colheram sangue e partículas da bochecha de Júnior
em Goiânia. Médicos, acompanhados de agentes da polícia, colheram o material de Lia e Jayro
algumas horas mais tarde, em Brasília. Os filhos do casal, inclusive Ana Cláudia, passaram a
noite na casa dos pais, ansiosos pelo resultado, que sairia na manhã do dia seguinte. Às 6h da
manhã, Jayro, emocionado, recebeu o resultado positivo. O fim do desaparecimento parecia
irreal para Lia, que apenas o aceitou após receber em sua casa o Diretor Geral da Polícia Civil,
com os papéis que confirmavam o encontro de Pedro. Na porta de sua casa, Jayro usou uma
metáfora e afirmou para os repórteres que aquele “era o dia do nascimento do seu filho”. Horas
depois, Pedro telefonou para a casa de Lia e Jayro, confuso e com medo de ser exposto em
jornais e na televisão. Até aquele momento, ele desconhecia o fato de não ser filho biológico
de Vilma e de Osvaldo. Pela primeira vez Lia tentou falar com o adolescente pelo telefone,
mas estava muito emocionada e não conseguiu.
Nesse momento, os jornais de Brasília, mais especificamente o Correio Brasiliense e o
Jornal de Brasília, publicavam cadernos exclusivos para acompanhar as investigações sobre o
“Caso Pedrinho”e relembravam a luta da família e as ações da polícia, que em alguns períodos
foram amplamente divulgadas na mídia. Também especulavam sobre a personalidade de Pedro,
seus gostos e interesses pessoais. Afirmavam que os colegas o consideravam alegre, as
professores, um bom aluno e que tinha muitos amigos em Itaguari, lugar onde o avô, padrasto
18
Os exames prosopográficos são usados para investigação de paternidade. Eles são realizados através da
ampliação de fotos e da justaposição de imagens de olhos, orelhas, narizes da criança ou do adolescente
encontrado e do possível parente biológico.
38
de Vilma, morava. Além disso, contavam que o garoto estava abatido com a morte recente de
Osvaldo.
No dia 9 de novembro, Vilma Martins era identificada nos jornais como suspeita do
crime de subtração. Nesse dia, assistindo ao Jornal Nacional, da Rede Globo, pela primeira
vez, Lia viu a imagem da mulher que Pedro reconheceu como sua e biológica durante
dezesseis anos e não teve dúvidas de era a mesma que tinha entrado no quarto da maternidade,
vestida de assistente social, e subtraído seu filho.
Nos dias seguintes, outra vez, a casa de Lia e Jayro ficou cheia de visitas e jornalistas.
Nos jornais, Pedro pedia para os pais biológicos que eles fossem pacientes, lembrava-os que as
últimas revelações eram difíceis para ele também. O casal esperava rever o filho depois de
dezessete anos e mal dormia, tamanha a ansiedade. Jayro e Lia foram para Goiânia no dia 10,
com esse fim, acompanhados dos filhos e de mais sete pessoas da família. A saída para o
reencontro foi filmada por repórteres, de modo que existe o registro de imagens. Lia usava uma
corrente de pescoço com bonequinhos que representavam os quatro filhos e levava para Pedro
o livro Devolvam meu filho!” e uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. Durante a viagem,
como em outros momentos, os familiares rezavam. Pouco depois das dez da manhã, no
escritório do advogado de Vilma Martins, em Aparecida de Goiânia, Jayro e Lia reviram o
filho pela primeira vez. As imagens do encontro, captadas pelas redes de TV e pelos jornais,
mostravam Lia claramente alterada emocionalmente. Segundo declarações que ofereceu mais
tarde, ela sofreu por ter que enfrentar Vilma e tinha esperanças de que esta última não
participasse do reencontro. As duas famílias ligadas a Pedro, a de Goiânia e a de Brasília,
passaram cerca de uma hora conversando no escritório do advogado. O jovem procurou dar
atenção a todos, recebeu os presentes com simpatia. Lia não revelou que reconhecera Vilma
Martins como a seqüestradora, achou que não era o momento adequado e que era necessário
poupar o filho. Depois, atendendo aos pedidos dos jornalistas, Pedro, o pai e as duas mães
foram para a sacada do sobrado, onde responderam a algumas perguntas e pousaram para fotos.
Os pais biológicos diziam para os repórteres que “viam o filho nascer”. O adolescente ficou
entre os braços de Jayro e Lia e não deixou de tocar Vilma e estabelecer alguma forma de
contato com esta última. Os repórteres observaram que uma família chamava o adolescente de
Pedro e a outra de Júnior. Também não deixaram de descrever a estranheza do primeiro
encontro para o rapaz, ainda que ele não mostrasse indiferença perante a forte emoção dos pais
biológicos. Às 14 horas, as duas famílias, cerca de vinte pessoas ao todo, foram para um
almoço em um restaurante de Goiânia. A despedida foi difícil para Jayro e Lia, que abraçaram
39
o filho várias vezes, como relataram os jornalistas. Não passou despercebido para o casal que
Pedro chamou Jayro de pai, mas não se referiu à Lia como mãe. Desde o primeiro telefonema,
era através de Jayro que Pedro vinha se aproximando da família biológica, comportamento que
se prolongaria nos próximos meses. Jayro afirmava que “os sentimentos e as relações surgiriam
aos poucos” e que ele estava substituindo o pai que o filho tinha perdido. Ainda que o marido
dissesse que os laços seriam construídos, Lia afirmava que temia o reencontro porque sabia das
dificuldades de aproximação que enfrentaria.
As investigações continuavam a apontar Vilma Martins como a “seqüestradora”. Apesar
de eufóricos e preocupados com o reencontro, Jayro e Lia sabiam que os problemas não tinham
acabado. O convívio com o filho Pedro tinha sido interrompido por um tempo longo e
importante para o desenvolvimento de vínculos familiares. Eles estavam ansiosos para rever o
filho, criar laços, preocupavam-se com o impacto das últimas notícias para o jovem. O filho,
por sua vez, desejava ser chamado de Júnior, possuía relações afetivas com a mulher que o
subtraiu, estava angustiado e envolvido com as acusações à que Vilma era submetida e sofria
com as revelações recentes. Uma disputa pela cumplicidade do adolescente começava a se
estabelecer entre as duas famílias a ele ligadas. Pressionada, em suas declarações para a
imprensa, Vilma ameaçava, lembrando os pais biológicos a forte ligação afetiva que possuía
com o filho e que ele dava mostras de que a defenderia. Por sua vez, os pais biológicos se
esforçavam para não perder contato e se apresentar como um apoio para o adolescente.
No dia 15 de novembro, jornais de todo o País publicavam a conclusão do inquérito da
Polícia Civil de Brasília: Vilma Martins era identificada como a seqüestradora. A acusação
baseou-se em elementos como os depoimentos de Guiomar e Sinfrônio, irmãos de Vilma, e no
rejuvenescimento de uma foto da suspeita, que foi sobreposta ao retrato falado da falsa
assistente social, realizado na época da subtração. Sinfrônio confessou que a conduziu no dia
21 de janeiro de 1986 ao Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e que depois retornou com a irmã e
um recém-nascido para Goiânia, sem saber as origens da criança. Guiomar reafirmou o
depoimento do irmão e forneceu informações que levaram a polícia a desconfiar que Roberta,
uma das jovens criada como irmã biológica de Pedro, pudesse ter sido subtraída dos pais
biológicos, da mesma forma que o irmão. Contribuía para essa suspeita a constatação de que o
registro de nascimento da jovem, assim como o da irmã Roberta, tinha sido realizado meses
depois do nascimento. Além disso, Maria Eugênia, a acompanhante do quarto nove no dia da
subtração, reconheceu Vilma Martins como aquela que se vestia como assistente social e que
vira no Hospital Santa Lúcia. Enquanto isso, a primeira reação de Pedro à conclusão do
40
inquérito foi negar o envolvimento de Vilma na subtração que o impediu de conviver com seus
pais biológicos, defender a inocência da mãe e afirmar que não a deixaria.
Entre psicólogos, advogados e a opinião pública em geral, o reencontro de Pedro gerava
discussões sobre o direito de toda criança de saber quem são seus pais biológicos, sobre as
conseqüências da separação forçada de pais e filhos e sobre os conflitos de identidade a que o
jovem Pedro talvez estivesse sendo submetido. Entre aqueles que acompanhavam o “Caso
Pedrinho” pela mídia, a subtração gerava indignação e compaixão. Foi nesse clima que, no dia
17 de novembro, parte dos escritos de Lia foi interpretada pela atriz Nicete Bruno, de forma
comovente, no programa Fantástico, da Rede Globo. Contou-me Lia que Geraldo Tasso, o
desembargador que escrevia o livro baseado no drama da sua família, forneceu para os
produtores do programa seu diário.
Mais tarde, em 2004, essas seriam algumas das imagens utilizadas em um curta-
metragem produzido por editores e artistas gráficos da Unicamp, sem finalidade comercial,
com roteiro de Cristina, irmã biológica de Pedro. Nesse filme, a saga dos pais é contada,
usando imagens divulgadas por emissoras de TV, relativas aos primeiros momentos após a
subtração, às buscas, à localização, ao primeiro encontro com Pedro e ao reconhecimento de
Vilma como a autora do crime, e vídeos e fotos caseiros da infância e adolescência de Pedro -
fornecidos pela diretora da Escola Hora Alegre, onde Pedro estudou.
Oito dias depois do primeiro encontro com o filho, Lia foi à Delegacia de Homicídios,
em Brasília, e prestou depoimento reconhecendo Vilma como a autora da subtração de seu
filho no dia 21 de janeiro de 1986. Temendo a reação de Pedro, ela e Jayro o procuraram a fim
de explicar a decisão. Lia enviou uma carta ao filho, segundo o que me contou, por intermédio
da diretora da escola onde ele estudava. Ademais, depois de várias tentativas, Jayro conseguiu
conversar com o adolescente pelo telefone, logo depois do depoimento da esposa. Entre outras
coisas, Lia dizia para o filho que eles “não podiam conviver com uma mentira”.
Um dia depois de seu depoimento, Lia e o marido afirmavam que estavam dispostos a
buscar a justiça caso a família de Goiânia continuasse impedindo a aproximação com Pedro.
Especialistas em Direito da Família afirmavam aquilo que Jayro e Lia certamente sabiam.
Estes poderiam pedir a anulação da certidão de nascimento e restabelecer o direito do pátrio
poder. No entanto, a luta na justiça poderia ser desfavorável, pois o adolescente possuía idade
suficiente para escolher com quem queria ficar, manifestava laços afetivos com a mãe não-
biológica e a justiça não poderia forçá-lo a conviver com os pais biológicos.
41
O casal afirmava nos jornais que não seria possível manter uma situação de omissão,
fingindo não reconhecer Vilma como autora do crime. Com outras palavras, diziam que a
relação era conflituosa e para eles se manifestar era uma questão moral. Eles fizeram as
mesmas declarações no programa “Mais Você” da Rede Globo, no dia 22 de novembro e já
declaravam que não poderiam aproximar-se da família que criou Júnior.
Nesse momento, Vilma não contribuía com o inquérito, fazia uso do direito de apenas se
manifestar em juízo. Pedro tinha conversado apenas uma vez com Jayro, pelo telefone, depois
do encontro em Aparecida de Goiânia. Os contatos do garoto com Jayro e Lia ainda eram
acompanhados de perto pela família de Goiânia, mais especificamente, pela mãe, Vilma, e
pelas irmãs Cristiane e Roberta, com quem ele permanecia. Segundo declarações que Pedro fez
mais tarde aos jornais, ele evitava fazer perguntas para a mãe que o criou sobre as
responsabilidades dela no crime e estava confuso.
No dia 23 de novembro de 2002, pela primeira vez Pedro foi à casa dos pais biológicos.
Foi uma ocasião bastante ansiada por Lia, que tinha esperanças de uma reunião mais reservada
entre o filho, ela e a família. No entanto, uma multidão de repórteres tentava acompanhar o
encontro, na porta da residência no Lago Norte. Ademais, Pedro fora conduzido à Brasília por
uma emissora de TV, acompanhado de um jornalista goianiense. Houve necessidade de que a
família pedisse algumas horas de privacidade aos repórteres. Dez dias depois, Jayro e a esposa
estiveram com o filho mais uma vez, em Brasília. Dessa vez sem a presença de jornalistas e
estranhos à família. Foram duas horas, durante o almoço. Em suas cartas, Lia lamentava o
curto tempo que passou com Pedro, mas festejava o encontro. O almoço, ao que tudo indica,
antecedeu uma viagem de Jayro e Pedro a São Paulo, onde assistiram a uma partida de futebol
entre o Fluminense e o Corinthians.
No fim do mês de dezembro daquele ano, um total de quinze pessoas, entre eles, Jayro,
Lia, Eduardo, Pedro, Néia - irmã de Lia - o marido, os filhos e os netos desta última, foram
para Porto de Galinhas, litoral de Pernambuco, em um microônibus, para uma viagem de
dezenove dias. No dia primeiro e onze de janeiro chegaram Cristina e Ana Cláudia na casa de
férias em que estava a família, respectivamente. Lia ansiava o afeto do filho Pedro. Ela
lamentava não ser reconhecida como mãe pelo adolescente, não ter com ele mais intimidade,
registrava em seu diário os abraços, os beijos que recebia. Naquele período, Pedro teve contato
constante com Vilma através de telefonemas. Ao retornar à Brasília, a família aproveitou a
presença dele para, pela primeira vez, comemorar seu aniversário, ainda que com dois dias de
antecedência, pois o jovem passaria o dia 20 em Goiânia.
42
Investigações e um exame de DNA comprovaram, em fevereiro de 2003, que Roberta,
outra filha de Vilma, assim como Pedro, tinha sido subtraída dos pais, ainda na maternidade. A
jovem era filha biológica de Francisca Maria Ribeiro e Sebastião Severino da Silva, registrada
como Aparecida Fernanda e subtraída em 1979, na Maternidade de Maio, em Goiânia. Sua mãe
biológica a reencontrou acompanhando na mídia as suspeitas da polícia de que Vilma Martins
poderia ter subtraído, além do garoto Pedrinho, a filha que registrou como Roberta. Em março,
acompanhando as acusações que recaíam sobre Vilma e a iminente condenação desta última,
Lia e Jayro sugeriram à Pedro que ele mudasse para a casa deles. O adolescente não aceitou o
convite, no entanto, percebendo que os acontecimentos desestabilizavam suas relações
familiares, ficou satisfeito com a alternativa proposta pelos pais biológicos de uma ajuda
financeira para alugar um apartamento em Goiânia e, ao que tudo indica, no fim do mês
seguinte saiu da casa de Vilma. Esta última, segundo declaração de Pedro para o jornal goiano
DMOnline, ainda o ajudou na mudança para o apartamento que ele iria dividir com amigos,
antes de ter a prisão preventiva decretada. No dia 13 de maio Vilma foi encontrada e detida,
depois de foragida por dezesseis dias. Abalado, Pedro recebeu a notícia da prisão através de
Jayro. Ele tinha esperanças de que a mãe fosse absolvida e declarações do filho nesse sentido
podiam ser acompanhadas por Lia e Jayro nos jornais. Segundo estes últimos, a casa onde
Vilma morou com Pedro e Roberta estava praticamente desabitada. Carla e Patrícia haviam
deixado o país, retornando para os lugares onde moravam antes da condenação da mãe.
Cristiane tinha feito o mesmo, no entanto, voltou para Goiânia em algumas ocasiões para dar
apoio a Vilma. Roberta aos poucos deixava a casa. A mídia goiana ainda afirmava que Vilma e
os filhos estavam em conflito, ainda que os últimos a defendessem em alguns momentos
19
.
Ao que tudo indicava, Pedro começava a considerar o apoio da família biológica
importante para enfrentar os problemas pelos quais vinha passando e estreitava os laços com os
pais e irmãos biológicos, ao mesmo tempo em que mantinha o contato com Vilma. Jayro e Lia
aos poucos aproveitavam a presença do filho em sua casa nos fins de semana e também em
datas como o dia das mães e o aniversário de Lia. Eles assistiram ao sofrimento do filho com a
prisão da mãe que o criou. Nesse período, um dia depois de comemorar o aniversário de Lia
em Brasília, Pedro partiu da casa dos pais biológicos pela manhã a fim de realizar a primeira
visita à Vilma na Casa de Prisão Provisória (CPP).
19
Em seu diário, Lia afirma que o filho tinha aceitado o convite para alugar um apartamento em fevereiro de
2003. No entanto, segundo matérias de jornais, ele saiu efetivamente da casa de Vilma apenas em abril. Esta
última, segundo depoimentos do adolescente no jornal goiano Diário da Manhã, o ajudou na mudança.
43
O livro de Geraldo Tasso chegou às livrarias em maio de 2003. Ele se chama “Berço
Vazio - O Caso Pedrinho”. Nos meses seguintes, os jornais e a opinião pública continuaram a
manifestar indignação e reprovação à Vilma. A condenação se estendeu às filhas Roberta e
Cristiane que a apoiaram. Lia e Jayro acompanhavam os julgamentos da mídia.
Nas férias de julho de 2003, Pedro mudou-se para a casa dos pais biológicos e começou
a estudar no Colégio Leonardo da Vinci, na Asa Norte de Brasília. Antes de aceitar o convite
para viver em Brasília, os pais biológicos contam que o jovem lhes perguntou se estavam
preparados para recebê-lo. A resposta foi positiva, sem titubeios. Os pronunciamentos das
sentenças de Vilma começaram a ser realizados em agosto, mês que Jayro e Lia declararam em
jornais a decisão de pedir a anulação do registro do filho. Lia conta que desde o reencontro,
ela, o marido, os irmãos e parentes de Brasília nunca usaram o nome Júnior para se dirigir ao
seu filho. Pedro não poderia ter dois registros e deveria escolher o nome que iria adotar.
Inicialmente o jovem queria continuar sendo identificado como Osvaldo Martins Borges
Júnior. Ana Cláudia é advogada e era quem cuidava do processo. Lia e a família manifestaram
para o jovem o desejo de que ele adotasse o nome Pedro, apresentaram as dificuldades que
tinham de identificá-lo como Júnior, lembraram-no de que era esse modo como a ele se
dirigiam. Ana Cláudia e os pais sugeriram uma decisão conciliatória: que o adolescente
adotasse “Pedro Júnior”. Ainda segundo Lia, em dúvidas se adotava ou não o nome escolhido
pelos pais biológicos, Pedro se aconselhou com um padre que conheceu por intermédio dos
últimos e saiu da conversa decidido a adotar o nome “Pedro Júnior Rosalino Braule Pinto”.
Em Brasília, Pedro iniciou o curso de Direito em 2004, em uma universidade privada de
Brasília. Em março do mesmo ano, o Ministério Público permitiu que o jovem adotasse o nome
Pedro Júnior Rosalino Braule Pinto. Em julho, a Rede Globo anunciava Senhora do Destino,
uma novela de Agnaldo Silva, em que ele utilizava a história de Vilma Martins e as
características atribuídas a sua personalidade pela mídia para compor uma vilã, Nazaré
Tedesco, uma personagem que roubava a filha de outra, chamada Maria do Carmo. Nazaré era
uma mulher manipuladora e reprovável moralmente. A personagem de Maria do Carmo não foi
baseada em Lia, apesar de ter sido vítima de uma subtração. Ao ser indagada pela Revista
Época sobre as impressões que a novela lhe causava, Lia, por sua vez, falou que a trama
despertava nela a profunda reprovação que sentia por Vilma, inclusive desejando o
rompimento dos laços entre Pedro e essa mulher que lhe causou tantos danos. Afirmou ainda
que evitava manifestar esse desejo para o filho, receosa com a reação do jovem, que tinha laços
afetivos com a mãe que o tinha criado.
44
Enquanto isso Vilma era condenada. Uma possível interpretação de que o crime de
subtração de incapaz poderia estar prescrito parecia conduzir os juízes a classificar o seu delito
como seqüestro, que os últimos afirmavam, entre outras coisas, que Pedrinho foi privado de
“direitos inerentes ao seu estado civil”, como “o convívio com os pais legítimos”, “o direito de
ir e vir e ficar com os pais verdadeiros”. Apesar das controvérsias, no decorrer do ano 2004,
Vilma foi condenada pela justiça de Goiás pelos crimes de subtração de menor, parto suposto e
falso registro, em função dos roubos de Pedrinho e Aparecida Fernanda. Ela ainda recebeu
penas por ter falsificado procurações em nome dos filhos e documentos para uso de linhas
telefônicas. Em dezembro do mesmo ano, um exame de DNA, solicitado por uma mulher do
interior de São Paulo, que acreditava que Cristiane era sua filha, confirmou esta última como
filha biológica de Vilma. Um ano depois, em dezembro de 2005, Vilma foi transferida para a
Casa do Albergado, saindo do regime fechado para o semi-aberto. Em junho de 2008, quando
todas as entrevistas da presente pesquisa tinham sido realizadas, segundo noticiais
divulgadas pelos meios de comunicação, Vilma Martins ganhou progressão da sua pena de
quinze anos e nove meses em regime fechado para o regime aberto. No entanto, ela deveria
continuar passando as noites na Casa do Albergado.
1.3 A aproximação com a família
Para entrar em contato com algum dos membros da família estudada, eu e meu orientador
enviamos mensagens eletrônicas para amigos e colegas de Brasília, na esperança de que algum
deles conhecesse Jayro ou Lia. Uma dessas mensagens teve o efeito desejado. Lia me enviou
um e-mail, que eu respondi com algumas informações sobre a pesquisa que pretendia
desenvolver. Depois disso, recebi dela o seu número de telefone e endereço.
Por telefone, manifestei a Lia o meu desejo de entrevistá-la, utilizar na pesquisa o seu
diário, divulgado parcialmente no livro de Geraldo Tasso, nos jornais impressos que cobriram
o reencontro de Pedro e na Rede Globo. Em abril de 2007, quando Lia, Jayro e Eduardo
moravam com Pedro quase quatro anos, eu realizei a primeira entrevista com ela. Ana
Cláudia e Cristina não moravam na casa dos pais. A filha mais velha de Lia morava em
Brasília mesmo, com o marido e as duas filhas. Já a mais nova vivia em Campinas, onde fazia
mestrado, apenas visitava os pais nos feriados e férias. Pedro fazia estágio e estava nos últimos
semestres do curso de Direito. Segundo os relatos de Lia e dele mesmo, Pedro estava
45
bastante integrado com os irmãos Ana Cláudia e Eduardo e um pouco menos com a irmã
Cristina. Nessa primeira entrevista, procurei deixar Lia bastante à vontade e ela expôs sua
experiência sem muitas interrupções minhas. Os relatos de Lia tiveram uma grande carga
emocional.
Nesse mesmo dia eu assisti com Lia ao vídeo produzido com a iniciativa da sua filha
Cristina, sobre o desaparecimento e o reencontro do irmão, e recebi uma cópia do mesmo.
Gentilmente, ela ainda me passou jornais impressos, que tratavam da localização de Pedro, e
um exemplar do livro, já esgotado, que ela publicou em 1988 para divulgar o desaparecimento.
Perguntei a Lia se Jayro, que não estava em casa no momento, participaria da pesquisa e ela
afirmou que eu poderia retornar para entrevistá-lo.
No mês de setembro, Lia ligou para mim e pediu que eu entregasse o seu diário para
Pedro, que estava em Goiânia, pois o material seria utilizado pelo S.O.S. Criança do Distrito
Federal. Em Goiânia, alguns dias depois, encontrei Pedro rapidamente e entreguei-lhe os
escritos de Lia. Foi quando lhe falei do meu interesse em entrevistá-lo. Lia acompanhava as
reuniões de um grupo de apoio a famílias com crianças e adolescentes desaparecidos,
vinculado ao S.O.S. Criança do Distrito Federal. Algum tempo depois essas reuniões seriam
paralisadas e, portanto, o serviço de apoio suspenso. Jayro também tinha participado de alguns
encontros e planejava se envolver mais ativamente, no futuro, com as atividades do S.O.S.
Criança do Distrito Federal, quando se aposentasse.
Em outubro de 2007, fui pela segunda vez à casa da família. Mais uma vez entrevistei Lia
e, agora, também Jayro. Quando eu ainda conversava com Jayro, Ana Cláudia chegou à casa
dos pais, depois de sair do trabalho e buscar a filha mais velha na escola. Ela tinha ido buscar a
filha mais nova, que ficava sob os cuidados da avó Lia no período da tarde. Pude conversar
com Ana Cláudia, que aceitou também contribuir para a pesquisa. No dia seguinte fui à casa
desta última e realizei a entrevista. Em março de 2008 tive o meu último encontro com a
família. Era um domingo e nessa ocasião estavam reunidos Jayro, Lia, Eduardo, Pedro, Ana
Cláudia, as filhas e o marido desta última. Além de receber relatos curtos de Jayro, Lia e Ana
Cláudia, desta vez entrevistei Pedro.
Desde a segunda visita à família foi possível perceber que, apesar de dispostos a
contribuir com a pesquisa, Jayro, Lia e Ana Cláudia nem sempre se sentiam à vontade para
descrever o modo como se comportaram ante o desaparecimento e o restabelecimento de
convívio com Pedro. Nesse sentido, desde a primeira entrevista, Jayro me falou de sua
preocupação com a exposição da sua família e a necessidade de resguardar esta última.
46
Pensadores como Ariès (2006) têm sugerido que, em função da construção moderna da
privacidade, o interior da família apenas está completamente acessível para os seus membros.
Os entrevistados utilizaram vários recursos narrativos para resguardar sua privacidade. Como
será possível notar mais adiante, Jayro recorreu com bastante freqüência a experiências
compartilhadas com outras pessoas para falar da sua própria, ou seja, utilizou referências
impessoais. Outro recurso narrativo bastante utilizado por ele foi responder fazendo perguntas,
assim ele apenas sugeria as circunstâncias geradas para si mesmo, Lia e os demais filhos em
função do desaparecimento e reencontro de Pedro. Por sua vez, Ana Cláudia e Lia, de algumas
situações, apenas falaram de modo vago. Todas os relatos, como foi dito, eram marcados
pela emoção. Além disso, foi possível perceber que no contato com outras famílias com
experiências parecidas, Jayro e Lia adquiriram esquemas interpretativos estandardizados para
as suas próprias. É desse modo que, com freqüência, eles diziam frases do tipo: “... é comum
que pessoas que possuem um filho desaparecido...”, “... pessoas que voltam a conviver com um
filho, depois de muitos anos de ruptura de convívio...” etc. Lia manifestou, por exemplo, que
pais com crianças desaparecidas, em catástrofes, subtrações ou coisas do tipo, comumente
desenvolviam um tipo irracional de culpa, por não terem protegido sua criança. De modo
parecido, nas reuniões do S.O.S. Criança do Distrito Federal, Jayro notou que o
desaparecimento de uma criança geralmente desencadeava dificuldades dos pais para cuidar da
vida profissional, dos demais filhos, da vida conjugal.
No capítulo seguinte a análise das situações em que Lia e Jayro interpretaram suas
relações familiares é realizada no período anterior ao reencontro de Pedro. Observa-se a
família emergindo em sua forma social à medida que eles interpretam as situações
desencadeadas pela subtração e desaparecimento do filho.
47
2. O período do roubo e do desaparecimento de Pedro
2.1. O desejo de proteger, socializar, educar e estabelecer relações afetivas com o filho
Como foi dito, o desaparecimento de Pedro era entendido por Jayro e Lia como um
evento que poderia desencadear crises porque eles construíam e reconstruíam a família como
uma unidade fortemente definida nas relações entre pais e filhos e na proteção dos últimos
pelos primeiros. Lia e Jayro interpretavam o período do desaparecimento por meio,
principalmente, da relação emocional com o filho. Nesse sentido, expressavam sofrimento, um
grande sentimento de responsabilidade pelo filho desaparecido, a ligação afetiva com este
último, sensação de vazio e recusa à mudança gerada pela subtração e pelo desaparecimento,
assim como ao esquecimento. Como observou Oliveira (2007) esses são sentimentos comuns
às pessoas que desconhecem o paradeiro de uma pessoa da família.
Pessoas cadastradas no S.O.S. Criança do Distrito Federal foram entrevistadas por
Oliveira (2007) e nas narrativas coletadas pelo pesquisador comumente era manifestada a dor
gerada pela impossibilidade de proteção da criança ou adolescente desaparecida e de assunção
da responsabilidade por estes últimos. Oliveira observou, por exemplo, que as mulheres eram
as mais empenhadas nos esforços de localização e quase sempre elas possuíam uma história de
muitas lutas nesse sentido. Em alguns relatos transcritos em seu trabalho é possível notar as
particularidades do contexto por ele estudado: uma criança que tinha desaparecido quando saiu
para trabalhar com panfletagem, mulheres que se culpavam pelo desaparecimento dos filhos
porque trabalhavam muito e, segundo elas mesmas, tinham “falhado” como mãe, ou seja, o
ambiente dos segmentos populares, onde é comum o trabalho infantil e também onde os baixos
salários, a distância do lugar do trabalho e as várias horas de serviço são entendidos pelas mães
como um empecilho para que elas acompanhassem os filhos mais de perto. Um quadro de
problemas econômicos, conflitos entre gerações, violência familiar e urbana parecia gerar os
desaparecimentos
20
.
20
Oliveira estava particularmente interessado nos casos em que os desaparecimentos, principalmente de
mulheres, estão relacionados a conflitos familiares. Entre os desaparecidos civis”, é alto o número de mulheres,
na faixa entre os 12 e 25 anos. Ele trabalhou com a hipótese de que as relações desiguais de gênero, legado do
patriarcalismo, e os conflitos entre gerações são os responsáveis por esse fenômeno. Ele cunha o termo
“desaparecido civil”, que conceitua como sendo: “... a) todo evento em que uma pessoa que sai de um
determinado ambiente de convivência familiar ou de algum grupo de referência emocional-afetiva, b) se desloca
objetivando realizar qualquer atividade cotidiana e, c) sem quaisquer explicações concretas, desaparece, d) ato
contínuo, observa-se uma ruptura de sua trajetória cotidiana de ir e vir, além da convivência com os seus
familiares e conhecidos, e) sem motivo aparente e sem que houvesse qualquer anúncio direto ou indireto de sua
48
A recusa ao esquecimento e às mudanças geradas pelo desaparecimento, no caso de Lia e
Jayro, remetem a um contexto diferenciado do exposto acima. O desaparecimento de Pedro não
foi ocasionado por conflitos familiares, mas por um crime conceituado no código penal como
“subtração de incapaz”.
A dor provocada pelo desaparecimento de uma criança possivelmente manifesta o lugar
que a infância ganhou em vários arranjos familiares na modernidade. Acredita-se que esse
fenômeno pode ser observado também nos casos em que os desaparecimentos são provocados
por conflitos familiares, que mesmo neles, como é possível observar no trabalho de Oliveira
(2007), o desconhecimento do paradeiro de uma criança ou adolescente provoca reflexões nos
responsáveis acerca da sua competência na criação e educação daqueles.
As pessoas com as quais Jayro e Lia interagiam, assim como eles mesmos, geralmente
reconheciam que as circunstâncias geradas pela subtração de Pedro eram de sofrimento, ou
seja, que era extremamente doloroso não saber as condições de vida de um filho, desconhecer
seu paradeiro, não conviver com ele e criá-lo. Lia me falou sobre a enorme quantidade de
religiosos que chegaram a sua casa no período do desaparecimento:
...É uma coisa assim, sabe?, inacreditável. Minha casa ficou... olha, vinha
gente aqui, você não conhece bem Brasília, mas tem as cidades satélites longe
daqui 60, 70 quilômetros.... as pessoas vinham de ônibus, assim, crente,
espírita, de tudo que é canto, de tudo que é religião. Vinham assim, aquele
monte de gente pra fazer uma oração, pra rezar, pra [trazer] uma novena, pra...
sabe. Assim, mas muito, muito, maciçamente, assim eu recebi demais,
demais, isso aí é uma co... foi uma coisa muito bonita...
Cabe lembrar a importância que a família tem nas religiões cristãs, inclusive, no
catolicismo, religião de Jayro e Lia, praticada predominantemente por eles, mesmo nos
períodos em que, procurando por Pedro, buscaram o auxílio em outras práticas mágico-
religiosas. A família é constante objeto dos documentos oficiais do catolicismo, como observa
Ribeiro (1989). O casamento, a partir das mudanças operadas na Igreja Católica no século XX,
passou a ser entendido como “pacto de amor”, e essa aliança entre cônjuges monogâmica,
indissolúvel e fértil, que o único método aceito para evitar ou espaçar nascimentos é o dos
ritmos naturais - certamente é entendida como a base para a educação dos filhos. Os católicos
intenção de partir, sumiu sem deixar vestígio...(p.79)”. Na presente dissertação usa-se o termo desaparecido
apenas para se fazer referência a uma pessoa cuja família desconhece o paradeiro.
49
leigos adotam práticas familiares diversas e, nesse sentido, não seguem os preceitos de sua
religião à risca, mas, certamente, aqueles que são praticantes em vários aspectos são orientados
em suas interpretações da família pela doutrina. De qualquer forma, não deixa de chamar a
atenção o fato de que o casamento religioso é um sacramento na religião católica, o que mostra
o valor que a instituição atribui aos laços familiares.
A história de Jayro e Lia foi amplamente explorada pela mídia e a subtração do garoto
Pedro gerava uma grande comoção social. Jayro, Lia e as pessoas que interagiam com eles
manifestavam a opinião de que roubar uma criança de pais que a amavam era um ato ilegal e
socialmente reprovável, ou seja, moralmente condenável
21
. Ante a subtração de Pedro, Jayro e
Lia encontraram a solidariedade mesmo de pessoas desconhecidas. Lia relata no seu livro
como outras mulheres, compreendendo a sua dor e do marido, estenderam faixas, diante do
hospital em que Pedro foi roubado e em outros lugares, exigindo a localização do garoto.
Ademais, Lia e Jayro receberam várias cartas com mensagens de otimismo. Uma delas Lia
reproduziu em seu livro, porque, segundo a autora, ela se sensibilizou particularmente com o
seu conteúdo. Entre outras coisas, a remetente manifestava indignação perguntando-se como
alguém poderia ter roubado um filho tão esperado, amado, diante da constatação de que ainda
não haviam sido localizados e punidos a mulher e outros supostos envolvidos no crime e frente
ao fato de que Pedro ainda não tinha sido localizado. Sobre o crime praticado pela falsa
assistente social, a remetente escreveu:
...O nosso espanto, mãe [forma como a remetente se diria a Lia]: foi uma
mulher. Mulher nascida de mulher. Por certo mulher apenas, Mãe nunca! Se
fosse mãe, ela saberia. Sim, ela saberia que sem o nosso pedacinho nada
somos, que não importa que ele tivesse apenas algumas horas... Filho, ama-se
no momento em que se concebe e passa a fazer parte do nosso corpo...
(PINTO, 1988)
Tudo leva a crer que a percepção social de que a gravidez produz a vontade nas mulheres
de cuidar e proteger dos filhos, assim como traz a condição de que uma mulher tenha a
sensibilidade de entender e respeitar a ligação de outras com os seus filhos biológicos, está
presente em muitos meios.
21
atos ilegais que são tolerados e justificados em vários estratos sociais. Podemos lembrar, por exemplo, da
“adoção à brasileira”. Nessa prática a adoção é ocultada perante a lei, sendo a criança registrada como filho (a)
biológico (a) dos pais adotivos, que buscam fugir da burocracia.
50
Situações de sentido comum eram produzidas na interação de Lia e Jayro com amigos,
parentes, vizinhos e desconhecidos, de modo que a experiência dos primeiros era entendida
como sendo extremamente dolorosa. Os primeiros se mostravam afetivamente ligados com
Pedro, o que era facilmente percebido pelo envolvimento emocional deles com o
desaparecimento e pelos esforços que despendiam para localizar o filho. Além disso, esse
mesmo empenho nas buscas pelo garoto e outras informações eram divulgadas pela mídia, que
espetacularizava a experiência trágica de Lia e Jayro, legitimando e evidenciando os laços
destes últimos com o filho. O drama era acompanhado por pessoas que não tinham nenhuma
relação com a família e, mesmo nas ruas eles eram facilmente remetidos ao sofrimento
provocado pela subtração e desaparecimento do filho.
As pessoas que interagiam com eles se mostravam solidárias, empenhando-se, por
exemplo, para se mostrarem compreensivas ou evitarem assuntos ou circunstâncias que os
lembrasse da dor gerada pela falta de Pedro. Esta última era interpretada como um vazio. Lia
diz que houve momentos, certamente aqueles em que ela estava mais deprimida, em que os
amigos, na dúvida se deviam ou não convidá-la, se ela aceitaria ou não o convite, evitavam
falar sobre as festas que organizavam para os seus filhos. Do mesmo modo, as mulheres a
poupavam de conversas sobre suas gestações e sobre crianças. Lia entende que ela necessitava
desse cuidado, mas que em alguns momentos ele a incomodava. Outrossim, como foi
mencionado, também as relações no trabalho, que em alguns momentos a distraíam, em outros
pareciam “oprimi-la”. Nesse ambiente os colegas também evitavam falar sobre o
desaparecimento, ou sobre assuntos que a fizessem lembrar do acontecimento, e a tratavam
como alguém que inspirava compaixão. Em uma situação semelhante às observadas por
Goffman (1998), referências a circunstâncias comuns da vida cotidiana eram tratadas com
escrúpulo quando as pessoas, comunicando-se com Lia, começavam a prever fontes potenciais
de mal-estar na interação para esta última.
Algo parecido acontecia nas festas familiares. Segundo Ariès (2006), ao mesmo tempo
em que se desenvolve a privacidade e a família emerge com uma função afetiva, a relação entre
pais e filhos se destaca e passa a ser valorizada, como foi dito, e isso pode ser percebido nas
comemorações, uma vez que, com o advento da modernidade, diminuem o número de festas
coletivas e aumentam em quantidade as da família e da infância. Lia me disse que aniversários,
Natal e outras eventos familiares eram particularmente dolorosos:
51
...chegava dia das mães, dia... qualquer dia especial, onde se reúne todo
mundo, onde a família.... está faltando um, não pra você ser feliz, sabe?,
não pra você curtindo integralmente, você assim presente fisicamente
ali de cabeça e alma e tudo, não dá, não dá... tá faltando um...
Nessas reuniões, além de sentir a falta do filho e ter uma sensação de vazio, as pessoas
lhe davam uma atenção maior, sabendo que ela poderia estar triste e observavam-na. Nos finais
de ano, freqüentemente ela viajava com o marido e os filhos, para evitar esses encontros. Além
disso, quase todos os registros de seu diário aconteceram nessas datas, entre elas, o dia das
crianças, o dia das mães, o dia dos pais. Já em 1997, Lia escreveu em seu diário:
Estamos perto de mais um Natal. Eu queria viajar, mas nem todos querem.
Preferem passar o Natal em casa. Desde que você nasceu e se foi, gosto de
estar de longe, fugir das comemorações e reuniões familiares, pois é
especialmente nestas festas que sinto um vazio maior que eu. Daí fico triste,
choro...
No dia dos pais, em 2001, ela registrava em seu diário:
Como sempre acontece nesse dia, seus irmãos prepararam um bonito cada
manhã para o papai. Depois fomos à missa. Lá rezei para você e pedi a Nossa
Senhora que nos ajude a encontrá-lo, pois assim seremos uma família
completa. Tenho certeza que ela me ouviu. A missa foi celebrada em
homenagem aos pais, havia uma paz reinando e Deus sabia que ali estava um
pai que tinha um grande sofrimento no coração por não saber por onde anda o
seu filho tão amado e desejado...
A ligação afetiva com o filho era manifestada na necessidade de protegê-lo. É
interessante notar como Jayro e Lia, diante da subtração de Pedro, lamentavam o fato de
estarem impedidos de realizar uma tarefa que eles entendiam como sendo intransferível: cuidar
pessoalmente da sobrevivência, proteção e socialização do filho. Jayro em entrevista relembra
os sentimentos vividos após o roubo e nos anos de desaparecimento, com indignação e tristeza:
...Então, uma pessoa entra no hospital e rouba o filho da gente enfatizando a
expressão “da gente” ainda bebê, com um dia de nascido, colocando a
criança sob todos os tipos de risco de vida, porque tirou do hospital antes do
tempo... a Lia só tinha amamentado uma vez. E nos faz passar esses anos sem
a criança, consciente de que nós a procurávamos, porque a televisão a partir
52
do dia do próprio seqüestro... já começou a anunciar o seqüestro, de forma
bastante forte, bastante ativa, , inclusive os principais jornais da cidade.
Então a pessoa estava consciente de que a gente estava procurando nosso
filho, de que ele era muito amado.... (março de 2008)
Nas imagens televisivas utilizadas por Cristina, editores e artistas gráficos da Unicamp,
para fazer o vídeo sobre a história do desaparecimento de Pedro, é possível perceber que o
mesmo pesar era descrito por Lia nos dias que sucederam ao roubo. Ela afirmava que temia
pelas condições de vida do filho, que o amava e sentia sua falta, em prantos lamentava o fato
de ter passado poucas horas com a criança. Era difícil para Jayro e Lia compreender como
uma pessoa era capaz de privar pais biológicos de conviverem com uma criança desejada.
Autores como Àries (2006) chegam a afirmar que antes da transformação de sentimentos
operada pela modernidade, ou seja, antes que a família se separasse da esfera da produção de
modo que os seus membros pudessem se concentrar nas crianças, a morte destas últimas não
era encarada como uma tragédia. Algo parecido é percebido por Scarano (2007) no Brasil
Colônia. A autora se surpreende com o fato de que as crianças quase nunca eram assunto
oficial, mesmo os filhos das pessoas importantes. A mortalidade infantil, por exemplo, nunca
era assunto dos documentos oficiais. Assim como Áries, a autora conclui que, no Brasil
Colônia, as crianças não eram tratadas com indiferença, mas também não era para a infância,
entendida como uma fase específica da vida que demanda investimento e cuidados, que eram
dirigidas preferencialmente as atenções dos adultos de uma família. Tendo em conta essas
observações, não deixa de chamar a atenção o fato de que hoje o desaparecimento de uma
criança seja vivido com tanta dor. No entanto, a partir dos finais do século XIII a preocupação
do Estado com as crianças era visível, estas últimas passavam a ser entendidas como um
bem coletivo, como os futuros cidadãos. Na Europa práticas como o envio de crianças para
morarem em outros lares que não o dos pais, a fim de aprenderem um ofício e prestarem
serviços domésticos, passavam a ser reprovadas. No Brasil, Costa (2004) observa a ação dos
higienistas na família de elite oitocentista. Até este período, nesses grupos, os pais não tinham
a preocupação de cuidar suas crianças pessoalmente. Os bebês eram amamentados por amas,
ficavam sob a responsabilidade de criadas. O discurso médico começa a atrelar a sobrevivência
e a proteção das crianças a cuidados “adequados” e diretos dos pais, principalmente da mãe. A
partir daí, a mãe não deveria abrir mão da amamentação da criança, caberia a ela adotar
práticas higiênicas, da sua conduta passava a depender a sobrevivência dos filhos. A
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manutenção das crianças começava a ser socialmente reconhecida como uma tarefa que os pais
deveriam cuidar de perto.
Voltando às práticas familiares aqui em estudo, tudo levava a crer que Pedro tinha sido
roubado para ser criado por outra família. A polícia trabalhava com a hipótese de que o garoto
estava aqui mesmo no Brasil, mas Jayro e Lia acreditavam que ele poderia ter sido levado para
o exterior. Sendo eles pais que desejavam criar o filho e eram reconhecidos como tendo
condições para isso, Lia e Jayro entendiam que os laços biológicos, afetivos, e legais que os
ligavam a Pedro deveriam ser respeitados e, nessas condições, eles, pessoalmente, deveriam
socializar, educar, proteger o filho, assim como conviver com ele.
Os laços afetivos tinham sido cultivados desde a gestação da criança e permaneceriam a
despeito da passagem dos anos pelos quais o desaparecimento se prolongaria. No seu livro, Lia
falava sobre o cultivo desses vínculos, desde antes do nascimento de Pedro:
Não sei se foi pelas mãos do destino ou simples acaso, mas o pesadelo [a
subtração de Pedro e o seu desaparecimento] começou exatamente quando um
velho sonho se concretizava: o nascimento de mais um bebê para
completarmos nossa família. Graças ao avanço da medicina, pudemos saber
que ganharíamos um menino, quando ele ainda estava seguro no meu ventre;
o chamamos desde então de Pedro. Vivenciamos este fato com intensidade
junto às nossas filhas, a cada minuto de espera... (PINTO, 1988)
Em seu diário, um dia depois do aniversário de doze anos de Pedro, Lia registrava sua
preocupação com as condições de vida dele:
doze anos, nesta hora (22:00 horas) eu estava sofrendo a sua ausência.
Não sabia se havia alguém que te alimentasse, se estava agasalhado, se...,
se..., eram tantas perguntas sem respostas. As horas foram passando, os dias,
os meses, os anos e as perguntas são as mesmas e continuam sem respostas...
Mas Lia não lamentava apenas não saber as condições de vida de Pedro, também
desejava que o filho convivesse com ela e a família biológica. Mais de dez anos depois da
subtração de Pedro, escrevia no seu diário a aflição de ter sido impedida de estabelecer
relações mais estreitas com Pedro: “... É doido não ter visto você andar, falar pela primeira vez.
É doido não poder te abraçar, te beijar e tantas outras coisas...”. Em 1991, no dia do
aniversário da filha mais nova, Lia anotava a falta de Pedro em um evento familiar:
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“Aniversário da Kiki [Cristina]. É uma pena vocês não conviverem juntos”. Em janeiro de
1995, mais uma vez ela lamenta o fato do filho não estar na família: “A Cláudia passou no
vestibular. O resultado saiu pela manhã. Estamos todos felizes, afinal ela estudou demais. Pena
você não estar aqui”. Ou ainda em 1998:
... Estamos fazendo uma nova reforma na casa e por isso tem estado tudo uma
bagunça danada. Sempre penso em você aqui. Reservamos um canto para
você também. Não será exclusivo, você terá que dividi-lo com o seu irmão
[Eduardo]. Tudo bem, eu acho, pois vocês têm quase a mesma idade e tenho
certeza de que serão muito amigos...
No seu diário, Lia freqüentemente mencionava as atividades cotidianas da família, os
filhos, o marido, registrava como desejava que Pedro estivesse entre eles. Ainda em 2001, Lia
imaginava como estava Pedro, já adolescente:
... Quando você nasceu e foi embora eu fiquei com os peitos doloridos e
cheios de leite. Havia um bebê na vizinhança cuja mãe estava sem leite. Ela
então o trouxe aqui em casa, para que eu o amamentasse. O nome dele é
David. Sexta-feira eu o vi. Pude compará-lo a você, a mesma idade, acredito
que são também da mesma altura e como todos os adolescentes devem usar as
mesmas gírias e gostar das mesmas coisas. Me deu uma vontade tão grande de
-lo, que doeu...”
A recusa ao esquecimento, a sensação de vazio, a saudade e o sofrimento eram os “temas
centrais” do diário de Lia. Nele são freqüentes trechos como o seguinte, de 1992, em que foi
registrada a dificuldade de adaptação à mudança que representava o desaparecimento:
“Amanhã é o aniversario da mamãe de novo. E de novo vou chorar por não receber o seu
abraço. Será possível que não vou jamais me acostumar?”. No diário Lia se “dirigia”
22
ao filho
partindo do pressuposto de que ele estava vivo, em alguns momentos temendo pelas suas
condições de vida, em outros supondo que ele estava sendo bem cuidado e que vivia bem,
desconhecendo o crime que causava tanto sofrimento a ela e ao marido. Para Lia, lembrar de
Pedro certamente era inevitável, mas também era um compromisso, reafirmado e mantido de
várias formas, inclusive por meio da manutenção do diário. Assim, após algum tempo sem
escrever, era comum que ela se justificasse, em um diálogo imaginário com o filho, escrevendo
22
Como já foi dito, o diário de Lia é um diálogo imaginário com o filho. Ela afirma em uma das passagens que
essa era uma forma de acreditar que se comunicava com Pedro.
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passagens como esta: “... Não pense que eu te esqueci, sei que faz um tempo que não te dou um
alô...”. Outras vezes, afirmava que estava mais calma, apesar de não ter reencontrado o garoto,
e se explicava: “... Filho, quero que saiba que isso a tranqüilidade que ela dizia vivenciar não
significa um abandono da luta, pelo contrário, estarei mais forte e calma para enfrentar os
problemas...”. Era necessário reafirmar os laços com o filho, ainda que ele estivesse ausente,
mesmo nos momentos em que esmoreciam suas esperanças de encontrá-lo. Ademais, Lia tinha
esperanças de que um dia Pedro pudesse ler esses escritos pessoais e percebesse o quanto
estava presente na família, apesar do seu desaparecimento.
Cabe salientar, a interpretação dos laços familiares operada por Jayro e Lia em relação a
Pedro está relacionada a circunstâncias históricas específicas e, além disso, a perspectivas
sociais particulares, ou seja, localizadas. Historicamente, como foi mencionado, as relações
estreitas entre pais e filhos foram favorecidas e a valorização destas últimas, certamente, é um
dos motivos pelo qual o desaparecimento de uma criança gera tantos transtornos a uma família.
Mas não é em todas as circunstâncias que os pais biológicos são entendidos como aqueles que
devem estabelecer relações exclusivas com seus filhos, ou mesmo ter sobre eles o direito do
pátrio poder. Como afirma Garfinkel (2006) a construção e reconstrução do social, por meio
das práticas dos atores sociais, envolve perspectivas retrospectivas e prospectivas, que não
estão “dadas” fora dos contextos de interação. Isso quer dizer que a forma social da família tem
uma característica indicial, ou seja, apenas ganha seu pleno sentido quando o vocabulário e as
expressões que a manifestam são aproximados das situações em andamento à que estão
ligados. Nas circunstâncias geradas pela subtração e desaparecimento de Pedro, Jayro e Lia
afirmavam os laços familiares com o filho tendo em conta, entre outros, os vínculos biológicos
e afetivos, reconhecidos legalmente. No entanto, em1990, na relação que passavam a
estabelecer com Eduardo, Lia e Jayro não produziam explicações sobre a forma social da
filiação em termos biológicos, que Eduardo não é filho de sangue deles. Circunstâncias
como estas conduzem a pensar que, entre outras coisas, se as relações familiares são
naturalizadas em alguns momentos, ou seja, operadas a partir do princípio da consangüinidade,
em outro elas podem não ser, inclusive por uma mesma pessoa.
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2.2. As buscas
No livro escrito por Lia a intenção era divulgar o desaparecimento e mobilizar outras
pessoas para o encontro de Pedro. Nesse escrito, as relações familiares são interpretadas em
suas características legais e morais, manifestadas, respectivamente, na reclamação de Lia do
direito de conviver com o filho e na reprovação da ação da falsa assistente social que tinha
roubado Pedro, assim como das pessoas que, desconhecendo ou não as origens deste último,
possivelmente estavam com ele.
Como foi mencionado, a ação da falsa assistente social contra Lia e Jayro é um crime
identificado no artigo 229 do Código Penal como “subtração de incapaz”. Em 1988, dois anos
depois da subtração de Pedro, a Constituição Federal estabelecia a família como a base do
Estado e garantia a sua proteção. Ainda que Lia e Jayro entendam que a polícia, em seus
primeiros esforços, se concentrou inutilmente em associar o roubo do bebê a um suposto
conflito pessoal de algum deles e tenha falhado, não tomando iniciativas mais adequadas, como
o fechamento das saídas de Brasília a fim de evitar a saída “seqüestradora”, no desenrolar das
circunstâncias não havia dúvidas de que a primazia deles sobre o filho era reconhecida,
inclusive legalmente. Eles também se apoiavam nesse respaldo legal quando exigiam que o
direito de convívio com Pedro fosse assegurado.
O livro de Lia é aberto com uma carta, que contém o seguinte trecho, onde ela lamenta a
ausência de ação mais eficaz das autoridades na busca por Pedro e reafirma o seu compromisso
e o de Jayro de não desistirem de localizar o filho:
Pedrinho meu filho...
(...) ...As organizações, sejam elas policiais, jornalísticas ou hospitalares,
guardam em si boas e más pessoas. Vivemos em um mundo de influências e
poderes. Um não penetra no outro, a não ser movido por interesses de
circunstâncias, e não por aquele, o maior deles para nós você.
uma forma de construir: é pela coragem e honestidade, jamais caindo
no pecado da omissão. Estas palavras, tenho certeza, chegarão ao seu destino
e será um documento demonstrativo da impotência de pais e mães comuns,
diante da burocracia, da inércia, da omissão daqueles que, de alguma forma,
têm responsabilidade sobre os destinos da Humanidade... (PINTO, 1988)
No seu livro, Lia descreve pedidos que, também por meio de faixas, junto com amigos e
parentes, ela e Jayro fizeram a autoridades, como o Diretor Geral da Polícia Federal e ao
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Presidente da República. Lembrando de uma circunstância em que ela e o marido não foram
recebidos por uma autoridade com a atenção que desejavam, Lia conclui dizendo que, entre
outras coisas, tudo que ela e o marido reclamavam era um “direito”: “... Levamos no coração a
mágoa de implorar um direito que, até então, acreditava ser inerente a qualquer ser humano:
prender uma seqüestradora, resgatar uma criança só isso!”.
Afirmando os laços legais com o filho e, implicitamente, condenando aqueles que
criavam Pedro, conhecendo ou preferindo desconhecer as origens do garoto, Lia reprovava a
ação daqueles que praticavam adoções ilegais. Em seu livro, ela escreve sobre a circunstância,
mencionada no capítulo um da presente dissertação, em que ela e Jayro foram ao Rio de
Janeiro, verificar se um recém-nascido era Pedro. O garoto estava com um casal, que foi
interceptado pela polícia antes de deixar o país. Após um exame, Jayro e Lia descobriram que
não tinham encontrado o filho. Sobre a circunstância, Lia escreveu no seu livro: “... Na
ocasião, um repórter indagou ao advogado da mãe adotiva por que o casal não fez a adoção
legalmente, como determina a lei. Ele respondeu com ironia ter sido aquela uma „adoção à
brasileira”. Lia reivindicava que o tráfico de crianças para o exterior, assim como as adoções
ilegais e a ação de hospitais em relação a estas últimas, fosse investigado com mais rigor. Ela
afirmava que muitos pais poderiam estar sendo privados do convívio desejado com os filhos
em função dessas práticas e que muitas crianças poderiam estar sendo expostas a perigos. Lia
reclamava o direito do seu filho e de outras crianças conhecerem e conviverem com os seus
pais: “... Ajudem-nos, pais e mães brasileiras, para que nossas crianças possam ter garantido o
sagrado direito de nascer, crescer e ser educadas na sua própria família e na sua pátria”.
O direito de proteção à família era cobrado por Lia, percebendo ela que diante das
circunstâncias, por motivos diversos, a justiça não conseguia garanti-lo: “Enviamos
correspondência a outras autoridades do Governo, onde expressávamos a necessidade de elas
se lembrarem que o mais importante em uma sociedade livre era a família e o direito à
segurança...” Desanimada, Lia concluía que o seu caso e outros parecidos não eram tratados
com a atenção que mereciam: “Uma criança desaparecida com 13 horas de vida é um caso
policial nada mais”.
Jayro e Lia manifestavam sua ligação com Pedro, mesmo estando ele desaparecido. Era
no enfrentamento das circunstâncias desencadeadas pelo desaparecimento que eles apreendiam
a forma de fazer isso. No dia mesmo da subtração de Pedro, por exemplo, segundo Tasso
(2003), o obstetra de Lia disse para Jayro que, se ele quisesse reencontrar o filho, deveria
buscar os meios de comunicação e se manifestar neles o quanto fosse necessário. Ou seja, os
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laços entre pais e filho, uma relação socialmente construída, nessas circunstâncias ganhavam
sentido também por meio do empenho rigoroso de Jayro e Lia nas buscas de Pedro. Lia e Jayro
não tinham prescrições para saber como agiriam naquelas situações. No entanto, a necessidade
e o compromisso de proteger o filho, de conviver com ele, se impunham e as relações afetivas
entre pais e filho eram manifestadas mesmo estando Pedro ausente.
O livro escrito por Lia trazia detalhes sobre as possíveis pistas do paradeiro de Pedro,
como as próprias buscas dela e do marido, as investigações policiais, a descrição minuciosa da
forma como a falsa assistente social tinha atuado para roubar a criança. No filme com roteiro
de Cristina esses mesmos esforços de localização são os principais elementos utilizados para
contar a saga dos pais. Sobre a luta para reencontrar Pedro, Jayro me disse:
Bom, foram dezesseis anos de procura, né? E nós usávamos de todos os meios
legais disponíveis, em busca dele. A gente mantinha contato periódico com a
polícia, a gente questionava o inquérito, em tudo que a gente notava algum
tipo de falha, a gente questionava, procurava, tentava fazer de novo,
estávamos sempre disponíveis pra ir atrás de qualquer criança que dissessem
que parecia com ele, onde estivesse. Fui a vários lugares, às vezes até sozinho
atrás dele. A Lia escreveu livros, a gente contava a história em rádios,
televisão e pra quem perguntasse, até no meio da rua, porque a gente tinha a
esperança de que contando a história alguém denunciasse, né? E nesse
processo de procura, quando tava com doze anos de procura, treze anos por aí,
mais ou menos isso, com o surgimento da internet, um sobrinho meu, muito
conhecedor da internet, me disse “Tio vâmo botá o caso na internet, você abre
uma página e coloca”. E colocamos, né. E precisava de fotos, , o Pedro
estaria com treze anos, por aí, eu peguei um foto, única que eu tinha com
dez anos, e coloquei lá. “Eu sou o pai, deve parecer comigo”[falando sobre as
legendas da foto na internet], toda aquela historinha, e colocamos o retrato
falado da seqüestradora do lado, no site. O SOS tomou conhecimento do site
com o passar do tempo, chamou o site pro site dele, e foi o pivô da denúncia,
foi o pivô da denúncia esse site...
Os esforços de localização eram entendidos por Jayro e Lia como uma tarefa também
deles e não apenas da polícia. Eles conheciam detalhes das investigações policias e as
acompanhavam rigorosamente, insistiam para que a história do desaparecimento não sumisse
da dia, procurando esta última com freqüência e, além disso, buscavam revelações de guias
espirituais na esperança de descobrir onde Pedro estava. Outrossim, eles se deslocaram várias
vezes para encontrar algum garoto que poderia ser o filho ou fazer o reconhecimento de
alguma mulher que poderia ser a seqüestradora. Nas últimas palavras transcritas no trecho
acima, Jayro estava descrevendo o modo como sua foto chegou ao site do S.O.S. Criança de
Brasília, lugar onde mais tarde foi encontrada por Gabriela, que viu semelhanças entre ele e
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Osvaldo Martins Borges Júnior, este último um garoto criado como filho do seu avô paterno e
que, mais tarde, descobrir-se-ia ser Pedro.
Lia diz em seu diário, em 1988, que não tinha grandes pretensões com a repercussão do
livro que publicava, mas que ele era o “depoimento de uma mãe que sofre a perda do seu
filhinho”. A obrigação de fazerem parte dos esforços para localizar Pedro deveria permanecer,
a despeito da falta de mecanismos mais especializados e eficientes do Estado para apoiá-los e
das previsíveis decepções depois de esforços malogrados. Lia e Jayro correram de delegacia
em delegacia buscando o processo que era transferido, pagaram advogados com recursos
próprios, enfrentaram em alguns momentos o desinteresse de repórteres e jornalistas de
divulgar o desaparecimento, sofreram decepções com a ação da polícia, cobraram ações mais
eficazes dos responsáveis pela localização. Atualmente, em entrevista fornecida a mim, Jayro
refletia sobre esses desapontamentos, tendo em mente não apenas a sua experiência, mas
também a de outras famílias que ele conheceu no S.O.S. Criança do Distrito Federal:
...Esse processo de procura é sofrido, porque você vai agüentar um monte de
decepção, o normal é que comecem a surgir decepções... Você procura, acha
que é seu filho e não é seu filho, então... esse fato e outros mais... (...) ...Se
você precisa de um advogado, você tem que pagar o advogado. Se você
precisar de qualquer ação, você tem que correr atrás. Então, se você não tiver
recurso financeiro, você meio que perdido, porque o Estado não te esse
arcabouço jurídico, legal, psicológico pra que você possa superar todas essas
frustrações que você vai ter no processo de procura... e você fica praticamente
só, você e as pessoas que gostam de você, a sua família logicamente... (março
de 2008)
Jayro falava que apesar das dificuldades era importante não abandonar os esforços de
localização. Hoje, ele parece entender que as frustrações durante a procura por uma pessoa
desaparecida são comuns para aqueles que vivem situações de desaparecimento. Nesse sentido,
ele compreende que o Estado deve oferecer serviços mais especializados para o atendimento
das famílias que vivem esse drama, atuando nos esforços de localização com mais eficiência,
mas também dando apoio emocional para aqueles que desconhecem o paradeiro de um
membro da família, ou seja, colocando à disposição deles serviços que os ajudem a manter
certo equilíbrio nas atividades do dia-a-dia. Expondo as conclusões a que chegou, freqüentando
as reuniões do S.O.S. Criança, Jayro falou sobre as experiências que ele conheceu de outras
pessoas que buscam desaparecidos, e, de forma impessoal, como ver-seno próximo tópico,
sugeriu os prejuízos a que sua própria família esteve exposta com o desaparecimento do filho
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Pedro, como o desenvolvimento de doenças, a dificuldade para cuidar da vida conjugal e
profissional.
2.3. O desaparecimento para a família
Em vários momentos, em entrevistas para jornais e para a presente pesquisa, os danos
trazidos para a família são mencionados pelo casal. Segundo Lia, as filhas não estão nas
lembranças que possui dos primeiros dias após o roubo de Pedro, tão voltada ela estava para a
dor e os esforços de localização. Procurando entender o sentimento de Ana Cláudia e Cristina,
ela afirma emocionada:
A Claudia tinha oito anos e a Cristina tinha quatro anos. Eram muito pequenas
né, muito pequenas, não dá pra entender o que que tá acontecendo. De repente
eu saio pra ganhar um neném, até aí tudo bem. Aí volto pra casa... ela não tem
mais mãe, não tem mais pai durante um bom tempo, a casa cheia de policial o
dia inteiro, cheia de gente, um entra e sai, entra e sai, entra e sai... A sensação
que tem é que aquilo vai durar a vida inteira pra elas né, pra gente era assim.
Que nunca mais você vai ter um... sabe, sua casa não vai ser mais sua casa,
você não vai ter mais... o aconchego, sabe?..
É possível perceber como a família é entendida aqui como estando fundada no lar, ou
seja, na casa da família, que deve estar suficientemente fechada para as pessoas de fora, de
modo que os seus membros possam se concentrar nas necessidades uns dos outros,
preservando sua privacidade e intimidade. Um evento que desestabiliza essa configuração
coloca o perigo de que a “casa deixe de ser a casa”. Esse foi um risco a que Lia e Jayro se
expuseram intensamente durante todo o primeiro ano após a subtração, com a esperança de
encontrar Pedro, divulgando o desaparecimento, quando em sua casa havia constantemente
várias pessoas “de fora”. Após esse período o assédio da mídia diminuiu, no entanto, nos
momentos em que a polícia acreditou ter encontrado Pedro, que foram muitos, a casa
novamente era ocupada por jornalistas, pessoas solidárias e curiosos.
Jayro disse para mim que uma situação de desaparecimento de uma criança envolve um
“... enorme ônus moral, material, psicológico...”. Ele se distanciou da sua experiência particular
para sugerir esses danos, um recurso muito utilizado para responder às perguntas que eu lhe
fazia:
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... As doenças a partir daí que você pode adquirir são imensas. Então isso é
fruto de dezesseis anos de procura... (...) ... Se você não tiver um
acompanhamento pessoal, aquilo é irreversível como trauma, se você não
tiver uma cabeça boa, no futuro isso o desaparecimento gera uma separação,
algum prejuízo gera, entendeu Que é uma experiência que a gente tem
presenciado, lá no S.O.S. Criança a gente tem visto muito isso acontecer... (...)
Então para você manter sua família equilibrada num processo de seqüestro,
precisa ter a ajuda do Estado não policial, como é feito hoje... Precisa de
ajuda policial, mas eu acho que é bem mais especializada... Mas a ajuda de
outra natureza que é a psicológica, a emocional eles os órgãos do Estado não
dão não, também não aparece nem os direitos humanos pra te ajudar também
não (...) ... Isso vai gerar problemas de toda natureza.. a pessoa perde
emprego, você precisa ver o desencadeamento que uma desgraça vai
trazendo... (...) se você tem algum recurso, uma formação mental forte que dá
pra você mesmo processar toda essa problemática, você estabelece um
sistema de segurança forte pra ti, pra tua família, pra não deixar aquilo evoluir
pra coisas piores, né, pra coisas piores, meus outros filhos ficaram aqui sem
eu, sem a mãe...
Jayro entendia que o desaparecimento de Pedro era um acontecimento que poderia gerar
outras crises além das que ele mesmo representava. Tendo em mente as declarações de Jayro
acima, é possível perceber as exigências e desafios que definiam as experiências familiares
dele nas suas relações com os filhos no período do desaparecimento de Pedro. Sendo a
localização de Pedro algo prioritário, era necessário se ocupar do desaparecimento, procurando
o garoto, sem desamparar os filhos que estavam presentes, além de manter o casamento e as
atividades profissionais.
Mesmo com o decorrer dos anos, em alguns períodos Jayro e Lia estavam intensamente
envolvidos com o desaparecimento do filho Pedro. Ao que tudo indica, os dois estiveram
empenhados com a mesma intensidade nos esforços de localização. Pensando nisso, Jayro não
fala claramente sobre a maneira como os outros filhos, ou seja, Ana Cláudia, Cristina e
Eduardo, vivenciaram o sofrimento, mas a sugere, fazendo perguntas: “... meus outros filhos
ficaram aqui sem eu, sem a mãe. O quê que eles pensavam A quem eles culpavam Fora os
traumas que eles também tiveram, né?...”. Dos filhos de Lia e Jayro, além do próprio Pedro,
entrevistei Ana Cláudia. Esta afirma que ela e Cristina, mais do que o irmão Eduardo, sofreram
com o transtorno que a subtração de Pedro trouxe para os seus pais, principalmente para a mãe,
pois quando o irmão adotivo chegou à casa da família, com pouco mais de três anos, Lia
tinha conseguido se restabelecer emocionalmente em uma medida considerável.
62
Conta Lia que, em função do seu sofrimento, ela se afastou das filhas e do marido,
principalmente nos primeiros anos de desaparecimento após o roubo. Pelo que tudo indica, ela
era a responsável pelos cuidados mais diretos das filhas. Isto fez com que estas últimas se
ressentissem mais intensamente do envolvimento emocional da mãe com o desaparecimento do
que com o do pai. Lia, em entrevista para mim, refletia sobre isso:
“... a mulher é o espelho, porque se você está triste a casa inteira fica todo
mundo triste, sabe? Então tem que fingir, tem que fazer de conta que está tudo
bem, porque você não pode transformar também a casa... a vida delas [das
filhas nos primeiros anos de desaparecimento do irmão Pedro] assim, né?, o
que eu acho que foi tão... triste, sabe, assim, por me verem sofrer tanto
né?...”
O tempo em que moraram em Porto Xavier traz lembranças tristes para a filha mais
velha. Em entrevista, Ana Cláudia disse que lamentava a profunda depressão da mãe, que se
sentiu só e que não podia contar muito com os pais. Lembra ainda que, desde a época do roubo
do irmão, ela mesma fazia o café da manhã, cuidava da irmã mais nova, preparando-a e depois
partindo as duas juntas para a escola. Também entende que assumiu a sua vida escolar com
uma independência em relação ao auxílio da mãe que foi reforçada porque esta última estava
bastante envolvida emocionalmente com o desaparecimento.
Nesse mesmo período, Lia percebia que estava distante das filhas e padecia. No entanto,
com exceção dos dias que se seguiram ao roubo de Pedro, mesmo nos períodos em que estava
mais abatida, ela afirma que nunca esteve totalmente afastada das filhas, nunca deixou de
comemorar o aniversário delas, por exemplo. Lia sabia que seu intenso envolvimento com o
desaparecimento era sofrido para as garotas e afirmou em seu diário, em fevereiro de 1989,
período em que retornou de Porto Xavier para Brasília “... as meninas crescem, cada qual
carregando um fardo imenso nas costas...”. Lembrando dessas circunstâncias quando fornecia
entrevista para mim, ela ainda se justificou: “... eu não tinha nada mais para dar, eu dei o que
eu podia dar...”.
As “expectativas normativas”, tal como definidas por Garfinkel (2006) e apresentadas na
introdução da presente dissertação, podem ser observadas nas situações descritas acima. As
expectativas compartilhadas nas relações entre pais e filhos garantem o sentido comum das
interações, no entanto, são relidas segundo experiências biográficas e os acordos que as
compõem são negociados à luz das circunstâncias vividas. Lia e Jayro manifestaram o quanto
era sofrido perceber que os filhos não tinham o apoio que eles gostariam de oferecer. Lia se
63
empenhava para se concentrar nos filhos presentes, mas, ao mesmo tempo e em certa medida,
não entendia que o seu envolvimento, inclusive emocional, com o desaparecimento não
poderia ser justificado. Ana Cláudia concorda nos momentos em que interpreta o
comportamento da mãe como inevitável e afirma que esta última “não poderia agir de outro
jeito”.
As situações vivenciadas por Jayro e Lia são marcadas pelos fenômenos sociais descritos
por Ariès (2006) e Giddens (1993), mais especificamente, pela valorização das relações
afetivas na família, principalmente entre pais e filhos. Nos anos de desaparecimento, a estreita
relação entre pais e filhos era uma reivindicação de Ana Cláudia e Cristina acentuada pelas
dificuldades postas pelo desaparecimento do irmão. No entanto, insiste-se, esse tipo de ligação
exigido pelas filhas de Jayro e Lia não deixa de orientar a conduta dos últimos. Estes
entendiam que, em função de circunstâncias sobre as quais não tinham pleno controle, ou seja,
ante o envolvimento emocional com o desaparecimento e com os esforços de localização, em
alguns momentos eles deixavam de acompanhar mais de perto os filhos presentes e, portanto,
de cumprir uma responsabilidade, o que lhes gerava preocupação, sofrimento. Essa
“concentração” no desaparecimento, no entanto, até certo ponto podia ser justificada e também
era uma obrigação, uma vez que o filho desaparecido estava completamente impedido de ser
protegido, socializado, assim como de estabelecer relações afetivas com eles, ao contrário dos
outros filhos.
Dado o caráter afetivo que ganharam as relações familiares com o advento da
modernidade, freqüentemente, elas são o lugar para onde direcionamos com maior intensidade
nossas expectativas de apoio emocional. Certamente pode-se afirmar que, em uma família
formada por um casal que possuía um grande desejo de ter filhos e criá-los, as expectativas de
afeto, em uma intensidade bastante considerável, estão direcionadas para a ligação entre pais e
filhos.
A separação entre o lar e o ambiente de trabalho e as transformações no tipo de emoção
que as pessoas atribuem às relações familiares, ainda segundo Giddens (1993), em suas origens
foram acompanhadas pelo processo de feminilização das mulheres, que passaram a ser
associadas a uma maternidade idealizada e à vida doméstica. “A invenção social da
maternidade pressagiou e deu forma concreta à idéia de que a mãe deveria desenvolver um
relacionamento afetuoso com o filho, relacionamento este que confere um peso específico às
necessidades da criança (GIDDENS, op.cit., p.111)”. Ainda hoje, a presença da mãe nos
cuidados e criação da criança é valorizada. Nesse sentido, por um lado, a infância é ressaltada
64
como o período do desenvolvimento das capacidades sensoriais e motoras, de aprendizagem,
de elaboração dos esquemas afetivos e, por outro lado, especialistas ressaltam a importância
dos cuidados da mãe.
É interessante notar que, ao pensar suas reações ao desaparecimento, como foi
mencionado, o envolvimento de Lia é entendido por ela mesma, pelo marido e pelos filhos, em
vários momentos, por meio de uma noção de maternidade que relaciona esta última a um
intenso desejo de proteção e manutenção do filho desaparecido, e esta necessidade é percebida
como sendo característica da sua condição de mãe. Isso não quer dizer que os membros da
família estudada entendem que Jayro sofreu menos que Lia. Pelo contrário, eles apenas
compreendem que ele manteve um controle que para Lia não foi possível em alguns
momentos. Mais do que isso, manter o equilíbrio da família foi a função de Jayro naqueles
anos, como afirmou Ana Cláudia em entrevista. Lia teve momentos de profunda depressão que,
ao que tudo indica, foram mais intensos nos primeiros anos após o roubo, mas retornavam,
mesmo com o passar dos anos. Segundo a própria Lia, Jayro lhe dizia que não sabia quais eram
os momentos mais difíceis, aqueles em que existia alguma pista sobre o paradeiro do filho, ou
aqueles em que não havia nenhuma, porque ele sempre se preocupava com a reação emocional
dela.
É necessário não esquecer que o sofrimento de Lia não estava relacionado apenas a sua
impossibilidade de cuidar da proteção e manutenção de Pedro, mas também, entre outras, à
culpa imaginária desenvolvida e involuntariamente alimentada em alguns momentos, quando
ela acreditava que poderia ter evitado a ação da falsa assistente social e, portanto, o roubo e o
desaparecimento. No entanto, mesmo essa culpa estava relacionada ao modo como Lia
entendia a maternidade e, definindo aquela, hoje, ela desenvolve a seguinte interpretação:
... Eu falo que mulher já nasceu culpada por alguma coisa (...) ...não adianta
ninguém querer te convencer de que você não teve culpa nenhuma. A culpa
que fica na gente é sempre essa: “eu tinha que ter adivinhado, eu tinha que ter
tido um sexto sentido... Pra quê que eu sou a mãe? A gente quer atribuir a
gente super-poderes porque a gente é mãe, mas isso não existe...
Lia sentia uma profunda necessidade de ter protegido o filho. Em 1995, ela escreveu em
seu diário:
...Hoje acordei meio triste, querendo muito que o tempo voltasse e que
pudesse fazer tudo acontecer de novo. Você na minha barriga, eu tomaria
65
bastante cuidado. Eu ia ter você igual as índias tem seus filhos, escondida
no mato, de cócoras. Sem médicos e sem hospital. São apenas sonhos, o
tempo não volta atrás...
2.4 O possível reencontro
Observando o diário de Lia, é possível perceber que durante os anos do desaparecimento,
na maior parte do tempo, ela acreditava que o filho estivesse vivo. No entanto, a possibilidade
de que Pedro estivesse morto não era totalmente descartada. em 2001, ela escreveu: “...
Posso não voltar a vê-lo, posso até começar a acreditar que você tenha morrido, mas viver na
incerteza é algo sobre-humano. A gente agüenta alguns anos, mas não toda a vida...”. Ademais,
apesar da esperança de que o desaparecimento teria um fim, às vezes essa convicção
esmorecia.
Nos vários anos em que esteve impedida de conviver com Pedro, em alguns momentos,
Lia idealizava um reencontro, em que os laços com o filho seriam facilmente reconhecidos por
este último. Ela se perguntava se existia uma ligação entre mãe biológica e filho, que os unia
apesar do desaparecimento e diminuía a distância que os longos anos de ruptura de convívio
poderiam criar entre ela e o filho: “... Meu Deus, como amei você em minha barriga. Penso:
será que você às vezes se sente triste sem saber o porquê? Será que existe uma simbiose entre
nós, mãe e filho? Será que você tem saudade de alguma coisa que não viveu?...”.
Ao mesmo tempo, os anos iam se passando e Lia tinha medo de ter dificuldades de
aproximação com Pedro caso o encontrasse. Em 2001, quando Geraldo Tasso procurou ela e
Jayro com a finalidade de escrever e publicar um livro sobre a experiência deles, Lia se encheu
de esperanças de encontrar o filho e imaginando a possibilidade do fim do desaparecimento,
escreveu em seu diário: “... Sabe filho, se você não se interessar por nós, não ficaremos mais
tristes do que somos, porque nos bastará saber onde você está e conhecê-lo”. Jayro também
previa uma possível distância criada pelos anos de ruptura de convívio entre eles e Pedro.
Prova disso é que em 2002, assim que recebeu a notícia de que o filho tinha sido localizado, ele
declarava saber que o estabelecimento de vínculos com Pedro seria lento. No entanto, naquele
mesmo dia em que registrou as dificuldades de aproximação que entrevia, Lia também
escreveu:
66
Vou retificar o que eu escrevi acima. Não me bastará saber e conhecer você.
Quero estar perto de você, quero ser de fato a sua mãe, mesmo que
tardiamente. Quero te dar todo meu amor guardado. Quero ouvir a sua voz me
contando da sua vida. Quero ganhar abraços e beijos. Quero conhecer minha
futura nora. Quero ser a avó que estará perto dos seus filhos. Quero tudo que
tenho direito. Mas se você não quiser viver comigo é possível que eu encontre
uma forma de compreendê-lo, afinal sou sua mãe e amo você demais para
querer vê-lo infeliz.
Lia entendia que se aproximar do filho, caso ele fosse localizado, era um direito.
Ademais, ela dava a entender que era um compromisso seu enquanto mãe e que ela deveria
fazer os esforços necessários para isso. Como será possível observar no próximo capítulo essa
opinião parecia ser compartilhada com Jayro.
Se no período do desaparecimento Jayro e Lia interpretavam a família por meio de
vocabulários e expressões que denotavam dor, saudade, recusa à mudança, entre outros
sentimentos, assim como os vínculos biológicos e legais com o garoto, o reencontro coloca o
desafio do estabelecimento de vínculos com o filho, que esteve ausente durante dezesseis anos,
e as situações geradas pelo roubo e pelo desaparecimento passam a ser interpretadas tendo em
vista essa tarefa. Aproximar-se de Pedro, além de ser um direito reconhecido legalmente, era,
antes de tudo, uma demanda que deveria ser atendida pelo próprio garoto. No capítulo seguinte
será observado o modo como Jayro e Lia interpretaram sua ligação com Pedro, dada a
localização deste último e as circunstâncias colocadas a partir de então.
67
3. O fim do desaparecimento e a aproximação com o filho
3.1. Tendo em conta o modo como Pedro poderia vir a definir as suas relações familiares
Após o resultado positivo do exame de DNA, Lia e Jayro estavam seguros dos vínculos
biológicos e legais com o garoto encontrado em Goiânia. Os primeiros estavam comprovados e
os segundos poderiam ser garantidos pela justiça. O registro de nascimento de Pedro feito por
Vilma era falso e seria anulado. No entanto, cabe lembrar, o garoto tinha idade suficiente
para decidir com qual família iria ficar. Quanto à ligação afetiva com o filho, ainda que fosse
inquestionável para o casal, deveria ser desenvolvida na relação com Pedro, a fim de que o
jovem também se sentisse afetivamente ligado a eles.
A revelação da filiação biológica de Pedro e a aproximação deste com os seus genitores
colocavam em conflito duas lógicas por meio das quais a família poderia ser definida: como a
“unidade” a que se pertence em função do convívio e dos vínculos afetivos desenvolvidos com
o passar dos anos e como o grupo no qual se está inserido pelo nascimento. A família dentro da
qual se nasce é o lugar onde a maior parte das pessoas cresce e é socializada. Com a revelação
da sua filiação biológica, desconhecida até os dezesseis anos, Pedro percebeu que para ele
essas duas formas de estabelecer relações familiares estavam separadas. Relações familiares,
no sentido de íntimas e afetivas, ele tinha desenvolvido com outros que não seus familiares
biológicos, até aquele momento.
É possível perceber as dificuldades de Jayro e Lia para reconhecer como legítimo o
primeiro desses modos de se estabelecer vínculos familiares quando pensam na ligação do filho
com a família responsável por sua socialização até os dezesseis anos. Antes da mudança de
Pedro para a sua casa, Lia escreveu, nos dias das férias com o filho em Porto de Galinhas:
... o Pedro disse-me que a Cristiane e o seu marido, sua falsa irmã, querem vir
para Porto passar férias. Ele acha muito natural isso acontecer. Confunde-me
esta falta de consciência dele da gravidade do crime que foi cometido pela
Vilma com a conivência de outras pessoas que a rodeiam. Ele quer que
tenhamos um bom relacionamento, o que é impossível... (Diário de Lia,
janeiro de 2003)
68
O trecho acima foi escrito, quase dois meses depois do primeiro contato de Jayro e Lia
com Pedro. Este último tinha comunicado para Lia a possibilidade de que Cristiane, uma de
suas irmãs, os encontrasse no lugar onde eles passavam as férias. Apesar das revelações
recentes sobre o crime praticado por Vilma contra ele e os seus genitores, Pedro procurava
aproximar as duas famílias
23
. Lia compreendia que o fato do filho ter sido criado reconhecendo
como mãe a mesma mulher que o tinha roubado era um impasse para a convivência com esta
última, assim como com as filhas desta. Ela qualificava os laços do filho com a outra família
como falsos. Essa opinião, segundo indicam os relatos colhidos nas entrevistas, era
compartilhada pelo marido. Ou seja, Jayro e Lia não aceitavam para aquelas circunstâncias a
lógica familiar manifestada na expressão “família é aquela que cria” ou a situação de
pluriparentalidade
24
que Pedro procurava construir naquele momento e que possivelmente os
aproximaria de Vilma e da família desta última. Eles definiam a situação considerando, entre
outras coisas, a incompatibilidade entre a experiência dolorosa do crime praticado contra eles e
o filho e a possibilidade de serem aproximados de Vilma. Nesse sentido, um dos
procedimentos utilizados era afirmar os aspectos emocionais da situação, que eram claramente
percebidos, ou seja, manifestar o profundo mal-estar que sentiam em relação à Vilma, em
decorrência do sofrimento e dos danos que esta última lhes tinha gerado. No entanto, naquele
momento, Pedro não procurava substituir laços familiares, mas adicionar novos aos que
possuía.
Os dois modos de se interpretar as relações familiares gerados pelo reencontro e descritos
acima poderiam ser percebidos nas representações veiculadas pelos meios de comunicação.
Antes da confirmação de que Vilma era a responsável pelo roubo de Pedro, psicólogos
procurados pelos jornais afirmavam que o adolescente tinha aprendido a amar a família que o
tinha criado e isso não podia ser esquecido, apesar do crime inaceitável que o tinha separado da
sua família biológica. Na mesma época, pessoas entrevistadas nas ruas recorriam à idealização
dos laços biológicos e destacavam a força da afeição de Jayro e Lia pelo garoto, afirmando
coisas como: “a ligação sanguínea é muito forte” ou “esse rapaz deve voltar para os braços da
sua mãe biológica”.
Por um lado, afirmações como estas últimas podem ser entendidas se for considerada a
importância histórica da consangüinidade enquanto um princípio de construção das relações
23
Segundo Pedro, ele demorou a acreditar que a mulher que o tinha criado como filho era a mesma que o tinha
separado dos pais biológicos. Vilma lhe afirmava que era inocente.
24
Uma situação de pluriparentalidade é aquela em que uma pessoa que reconhece como pai ou mãe mais de uma
pessoa.
69
sociais na civilização ocidental e no Brasil, categoria que ainda oferece sentido para muitas
práticas familiares. Abreu (1982) observou, por exemplo, como no Brasil o sangue era o
elemento que articulava a ordem da natureza com a da cultura, sendo a consangüinidade a
relação definidora do parentesco. Na década de 80, Fonseca (2002) concluiu que o laço
biológico parecia ser um elemento ainda mais importante nas classes populares, pois nesses
grupos a identidade familiar não era construída como nas classes médias, por meio do
investimento na educação dos filhos, com vistas à uma ascensão social a longo prazo, por
exemplo, mas era dada a partir do nascimento. Entre outras coisas, ela observou a presença da
idealização dos laços entre mãe biológica e filhos. Como definiu D‟Incao (2007), nesse tipo de
percepção da maternidade, presente desde o fim do século XIX: “... As coisas se passam como
se o amor de filho fosse um instinto, um sentimento natural e os laços familiares de sangue
fossem mais fortes que quaisquer outros construídos no decorrer de uma vida...”. Fonseca
(op.cit.), por outro lado, encontrou adultos que tinham decidido viver perto de suas mães
biológicas depois de terem sido dados para criar, ou para adoção, ou colocados em instituições
por estas últimas e terem passado a maior parte da infância separados delas. Levantando
questões mais especificamente sobre a adoção, a pesquisadora ainda mencionou a grande
quantidade de crianças adotivas que buscam informações sobre os seus genitores, o que chama
a atenção para a importância social dos vínculos biológicos. Fonseca (2002) observava, no
período do seu estudo, que nas adoções de crianças os pais recebedores eram sempre mais
abastados que os pais doadores. Não deixa de impressionar a constatação de que muitas
crianças adotadas buscassem informações sobre suas origens biológicas, uma vez que, boa
parte das vezes, eram criadas por pessoas de classe média, que compreendem que as relações
entre pais e filhos não estão dadas apenas pelo o nascimento, mas são construídas ao longo do
tempo. Vale lembrar que nas famílias de classe media as crianças são objeto de investimentos
dos pais, principalmente educacionais, cujo objetivo é o êxito social a longo prazo, de modo
que a segurança que lhes é oferecida não se , como observou Fonseca, da mesma forma que
nas classes populares, no acolhimento das redes de solidariedade criadas entre parentes e
vizinhos. Ao que tudo indica, estas últimas eram de comuns entre as pessoas de classes
populares.
Por outro lado, a adoção mesma é uma das provas de que a consangüinidade não é
apropriada como elemento definidor de um número considerável de práticas familiares, mais
especificamente as de filiação. Nas adoções plenas a família receptora atua como substituta da
família doadora, de modo que a filiação passa a ser fundada não na procriação, mas no direito.
70
A adoção plena, em vigor no Brasil, tem gerado muitas controvérsias, deve-se ressaltar, porque
ela apaga qualquer vínculo da criança com os seus genitores e institui novas relações parentais.
Um modelo alternativo de adoção é a simples, que não elimina os laços biológicos e adiciona,
ao invés de substituir, vínculos familiares na vida da criança e é defendida por aqueles que
advogam os benefícios da pluriparentalidade. Segundo as pesquisas de Fonseca (2002), o
problema da adoção plena é que a lei parece se aproveitar da fragilidade de pais que por
necessidades do momento aceitam renunciar aos seus filhos para sempre. Em sua pesquisa ela
observou que as famílias doadoras geralmente são aquelas que não encontram condições para
criar os seus filhos: mães solteiras, párias e os pobres. Ademais, o modelo de adoção brasileiro
vai de encontro às práticas e valores das classes populares brasileiras por ela observadas, onde
os laços sanguíneos são valorizados e “dar um filho” quase nunca é entendido como abandono.
Pensando no mesmo assunto, Uziel (2007) pondera: “... Por um lado, reconhecer a legitimidade
dessa investigação [da sua origem] é garantir ao sujeito o conhecimento da sua história. Por
outro, compactuar com a importância da biologia gera riscos de inferiorização de diferentes
configurações de família, cujo apoio ou eixo de construção não seja este (p.44)”. Podem ser
citados ainda outros casos em que as categorias de pai e mãe dissociam-se completa ou
parcialmente da de genitor: as famílias recompostas, ou seja, aquelas formadas por
recasamentos, em que a filiação afetiva muitas vezes coexiste com a biológica e legal (UZIEL,
2007); ou a circulação de crianças, estudada por Fonseca (2002), prática comum nas classes
populares, caracterizada pela possibilidade de que as crianças sejam criadas por pessoas da
família que não os genitores e/ou por amigos, de modo que muitos terminam por reconhecer
mais de uma pessoa como mãe ou pai. Pensando para além das relações entre pais e filhos,
alguns núcleos familiares não se fundam na consangüinidade simplesmente porque são
pautados apenas na conjugalidade, ou seja, a família é constituída por um casal sem filhos
(MELLO, 2007).
É interessante notar que a primeira reação de Pedro ante a especulação dos jornalistas
sobre como ele iria definir o seu futuro foi afirmar que não iria mudar de nome, de cidade e
reafirmar os vínculos com a família que tinha conhecido como sendo sua única até alguns dias
antes. No entanto, ao mesmo tempo, ele tinha vontade de se aproximar dos pais biológicos e
estava sensibilizado com os sentimentos dos últimos.
Em face das lógicas acima descritas, por meio das quais as relações familiares puderam
ser pensadas por Pedro, Jayro e Lia procuraram “mostrar-se como família”, com o objetivo de
serem percebidos como uma pelo filho encontrado. Ademais, eles precisaram lidar com o
71
relacionamento do jovem com aqueles que ele percebeu como sendo a sua única e legitima
família durante quase dezessete anos, o que, entre outras coisas, implicava reconhecer ou não
família naqueles que se agregavam em torno daquela que subtraiu o garoto. É no
enfrentamento dessas situações que a família emergia como uma realização prática.
Nesse sentido, Lia e Jayro demonstravam para o jovem os vínculos existentes entre eles,
reconhecidos por eles e outras pessoas, reafirmando, por exemplo, a consangüinidade que os
unia e o afeto que lhe dirigiam e, além disso, criavam situações de convívio com o filho, a fim
de desenvolverem a intimidade entre eles. Ainda hoje, depois de alguns anos morando com o
garoto, eles procuram estar o mais próximo possível deste último. No entanto, não se afirma
aqui que a aproximação com o filho dependia apenas dos esforços de Jayro e Lia. Em certa
medida, eles puderam favorecê-la. Mas, os vínculos familiares com o filho são definidos num
quadro configuracional que é produto do processo interacional, que envolve ele mesmo
perspectivas biográficas, a consideração de acontecimentos passados e futuros e a percepção de
cada um dos indivíduos envolvidos das circunstâncias em andamento.
3.2. Os vínculos biológicos
Quando recebeu o resultado do exame de DNA que comprovava o reencontro de Pedro,
Jayro o mostrava para os repórteres e, usando uma metáfora, dizia que seu filho “estava
nascendo”. Além de celebrar o reencontro de Pedro, ele reafirmava a ligação biológica que os
unia e falava de um renascimento simbólico. Anos antes, Lia e Jayro várias vezes pensaram ter
encontrado o filho, chegando inclusive, em 1990, a conviver cerca de três semanas com um
garoto, crentes de que era Pedro, mas um exame de DNA negou a relação de filiação entre a
criança, Jayro e Lia
25
.
Em 2002, depois de quase dezessete anos separados do filho, o exame de DNA, que
comprovava o garoto que vivia em Goiânia como sendo o filho biológico de Jayro e Lia,
ganhava grande destaque nos meios de comunicação. Jornais, publicando o fim do
desaparecimento e o reencontro de Pedro, dedicavam páginas inteiras para explicar o
25
Segundo Tasso (2003), os cuidadores do garoto Hudson, Maria do Socorro e José Luiz, que aguardavam a
conclusão do processo de adoção junto ao juizado de menores, entraram em contato com Jayro e Lia, afirmando
que a criança sobre os seus cuidados poderia ser Pedro. Maria e José permitiram, inclusive, que o menino fosse
levado por Jayro de Rondônia, lugar onde moravam, para Brasília. Com o resultado negativo do exame de DNA,
os cuidadores quiseram a criança de volta. Jayro chegou a manifestar a intenção de adotar o garoto.
72
procedimento adotado pelo Instituto de Pesquisa Forense da Polícia Civil, afirmando que os
peritos tinham realizado um número de análises acima do usado normalmente, ou seja,
enfatizavam a eficácia do exame, “o mais preciso realizado pelo Instituto” até aquela época,
com 99,999% de precisão.
Fonseca (2004) observou a influência da tecnologia do DNA nas relações de gênero e
parentesco na sociedade contemporânea. Entre outras coisas, ela se surpreende com o modo
como a biotecnologia tem operado uma biologização da família e de suas premissas. Lembra
que as relações familiares são sociais, não são biológicas, ainda que o sangue seja apropriado
como elemento das relações de parentesco, em vários grupos. Ela cita casos, facilmente
encontrados, de homens que registram crianças, sabendo que estas últimas não são as suas
filhas ou não tendo certeza sobre os laços biológicos com elas. No último desses casos, por
exemplo, em certa altura da relação de filiação estabelecida, o teste de DNA pode atiçar as
dúvidas sobre uma paternidade, muitas vezes exercida muitos anos. Tendo em mente esse
movimento visualizado pela pesquisadora, pode ser lembrado também o modo como as pessoas
tem usado as tecnologias reprodutivas para ter filhos e estabelecer relações de filiação da forma
mais biológica possível.
Na experiência de Jayro e Lia, o exame de DNA estava sendo usado como uma sentença,
que revelaria ou não laços de parentesco e, se positivo, seria o ponto de partida para que eles
fizessem todos os esforços necessários para se aproximar do filho. Não deixa de chamar a
atenção o fato de que, doze anos antes, um exame parecido tinha interrompido as relações de
filiação que eles tinham começado a estabelecer com um garoto que encontraram em
Rondônia, ainda que Jayro tenha manifestado a intenção de adotar o menino e por motivos
diversos não tenha efetuado a adoção.
Mas Pedro reaparecia na vida dos pais biológicos com quase dezessete anos e,
portanto, com uma trajetória de vida anterior, etapa em que Lia, Jayro, suas irmãs biológicas e
o irmão Eduardo inexistiram. Tendo isso em mente, Lia afirmou para jornais que, durante o
longo período em que procurara localizar o filho, tivera medo de encontrá-lo apenas muitos
anos após o roubo, como tinha acontecido, e de não conseguir se aproximar dele de forma mais
íntima, que, provavelmente, o filho teria toda uma experiência de vida familiar com outras
pessoas. Reconhecer os vínculos de Pedro com a família que o tinha criado não seria fácil, o
que será observado mais adiante.
No discurso de Jayro e Lia é comum que eles se apresentem como a família “verdadeira”
de Pedro. Fonseca (2002) observou o uso dessa expressão entre os moradores de vilas
73
populares e concluiu que ela representava uma forte valorização dos laços sanguíneos. Era
utilizada para fazer referência à mãe biológica em oposição às mães de criação
26
ou adotivas,
por mãe e filhos. Esse parecia ser um dos sentidos em que Lia e Jayro usavam o termo, ou seja,
entendendo os laços familiares biológicos do filho como os verdadeiros. No período anterior à
localização de Pedro, Lia se identificava por meio dessa expressão. Em maio de 2001, ela
escreveu: “Sua mamãe de verdade faz hoje 48 anos. Bem que poderia ser um dia mais feliz,
mas é apenas um aniversário a mais sem você...”.
No quarto dia da viagem para Porto de Galinhas, nos últimos dias de dezembro de 2002,
ela descreveu em seu diário uma circunstância em que ela identificava a si mesma e Jayro
como os “verdadeiros” pais de Pedro, mesmo percebendo a intimidade e os laços de Pedro com
a outra família. Sentada ao lado do filho recém-encontrado, que estava deitado em uma rede e
lhe perguntava sobre sua profissão, suas atividades, ela ouviu o jovem em uma conversa com
Vilma, no telefone. Ele chamava esta última de mãe, pedia que ela não se preocupasse,
declarava que a amava e contava que estava ao lado de sua “outra mãe”. Lia escreveu aquele
dia no seu diário:
...Doeu como nunca e, no entanto, continuei ali sentada, quando o ímpeto era
chorar por amar tanto este filho que não me reconhece como sua mãe, que não
tem nenhuma intenção de modificar seus planos de vida em razão de ter
conhecimento que somos seus verdadeiros pais. Constatei o quanto o seu
coração está distante do meu...
Lia percebia os fortes vínculos de Pedro com Vilma e a distância que ainda existia entre
ela e o filho. Os laços biológicos geravam a expectativa de que sua condição de “mãe
verdadeira” fosse reconhecida, circunstância semelhante às observadas por Fonseca (2002) e
descritas acima. A esperança era de que o filho a inserisse em seus planos futuros, assim como
sua família, e não considerasse ela e Jayro apenas como “os outros pais”. É possível perceber
isso no trecho em que Lia descreveu em seu diário um diálogo com Pedro e escreveu sobre as
conclusões que ela tirava daí:
26
Os vínculos familiares mais significativos, nas comunidades estudadas por Fonseca (2002), ocorriam entre mães
e filhos. Os direitos paternos eram quase nulos. Filhos adultos quase nunca se consideravam obrigados a cuidar do
pai na velhice e se os primeiros perdiam o contato com este último não apresentavam o desejo de reatar laços,
como com a mãe em situação parecida. A pesquisadora entendeu que os homens possuíam um papel cultural
impossível de ser realizado: sustentar os filhos. Desse modo, renegar a paternidade era um dos meios encontrados
para escapar à vergonha causada pelo não cumprimento dessa obrigação. Isso não quer dizer que os pais não
fossem importantes para a identidade social das crianças. Estas últimas possuíam importantes vínculos com a
família paterna, geralmente com tias e avós, mesmo na ausência do pai como provedor.
74
...Disse-me que irá à Espanha, entre outras coisas. me lembrei de uma
música do RC que diz “nos meus planos não está você”. Caio na real, me
vêm à cabeça coisas do tipo: não terei jamais esse menino comigo, ele jamais
me incluicomo sua mãe verdadeira na sua vida e eu jamais o retirarei da
minha... (02 de janeiro de 2003)
Da mesma forma ela escreveu sobre outras impressões suas naqueles dias: “... Na igreja
que visitamos, ele escreveu no livro de assinaturas „Osvaldo Borges Júnior‟ e se refere à sua
falsa família como minha família, minhas irmãs. Nós somos apenas os seus outros pais...”. Lia
não se sentia íntima o bastante do filho e percebia a profunda ligação dele com a outra família.
Mesmo assim reconhecia a si mesma e Jayro como os “verdadeiros pais” do garoto. Ela se
deparava com a história de vida de Pedro até aquele momento e da qual não ela não tinha
participado, o que era perceptível nos projetos deste último, no nome através do qual ele se
identificava, nas pessoas que ele reconhecia como mãe e irmãs.
As demandas geradas pela percepção social dos vínculos biológicos também são
perceptíveis nas falas de Jayro, que contou como ele e a esposa entendiam que tinham direito à
convivência com o filho: “... nós queríamos ter direito a convivência. Acho que isso é um
direito inalienável de qualquer pai, de qualquer mãe, de conviver com o filho...”.
Lia e Jayro em certa medida eram compreendidos por Pedro
27
, pois para este último as
ligações biológicas também emergiam como algo significativo. Foi o que percebi quando lhe
perguntei sobre a aproximação dele com os pais biológicos:
... Eu sempre tive curiosidade de conhecer minha família verdadeira. Desde o
primeiro momento que ela [Vilma] me falou [revelou para o filho que ele não
era o seu filho biológico], eu tive curiosidade de saber quem eram, como
seriam. Nunca imaginava que um dia ia morar com eles [com os pais
biológicos], isso nunca passou pela minha cabeça. Então, eu sempre tive
curiosidade de saber como eles eram, de conhecê-los, de dar oportunidade
deles conhecerem o filho e tudo mais... (maio de 2008)
Lia não apenas verificava que o filho estava afastado dela, do marido e dos irmãos, em
função dos longos anos de ruptura de convívio, ela lamentava esse fato. Essas expectativas,
como é possível perceber nos estudos já mencionados de Fonseca (2002) e D‟Incao (2007), não
27
Apenas tive a oportunidade de entrevistar Pedro na última vez em que estive na casa da família, em março de
2008, quase cinco anos depois da mudança dele para Brasília.
75
tinham como fundamento apenas sonhos ou fantasias. A construção social das relações
familiares por meio dos laços biológicos orienta muitas condutas. Como foi mencionado, os
vínculos mãe-filho são entendidos inclusive por meio de uma dimensão stica, que tem como
fundamento a crença de que esses laços existem independentemente do convívio. Fonseca
(2002) observou crenças, por exemplo, como a de que uma e sabe que seu filho está em
perigo mesmo sem ser avisada. Lia em seu diário manifestava convicções parecidas em alguns
momentos durante o período do desaparecimento: “... Hoje penso que sem ter ao menos um
rumo as minhas chances são poucas. Mas acredito que estamos nos encaminhando um para
outro, em passos lentos, pode ser, mas sem nos desviarmos. Chegará o dia de estarmos frente a
frente...”. E após ver o filho pela primeira vez, depois do fim do desaparecimento, Lia
concluía: “... Não foi o encontro que eu sonhava nos meus sonhos fantasiosos, ao contrário, foi
real, sofrido...”. Ou seja, Lia falava sobre como em alguns momentos ela idealizou um
reencontro com o filho, onde a aproximação seria mais fácil, talvez sem a distância criada
pelos anos sem convívio. Sobre isso, ela ainda reproduziu para mim um depoimento seu, em
uma das reuniões do S.O.S. Criança:
“Não sei se eu chorei mais antes do que eu tô chorando agora”. Eu contei isso
pra eles [para as outras famílias com crianças desaparecidas]. Isso é
importante de ouvir, de saber que acontece, que depois que volta não é assim:
“acabou tudo”. Além do que, os problemas continuam, todo dia você tem
problema novo. Quem não tem, né?... (outubro de 2007)
Lia tinha a esperança de que Pedro se comportasse como “o seu filho”, mesmo com
pouco tempo de convivência. Ana Cláudia, quatro anos
28
depois da mudança de Pedro para a
casa dos pais de ambos, contou-me que sua mãe se angustia por Pedro ainda não ser seu filho
como ela e seus irmãos são: “... eu vejo que a minha mãe sente que não é íntima dele. Ela
queria que ele fosse o filho que a gente é. Que ela tivesse a mesma relação... pode ser que um
dia tenha, tem tanto tempo ainda pra isso, mas assim agora não é, né ...”.
É interessante observar ainda como outro procedimento utilizado pela família para
mostrar a ligação com Pedro era falar das semelhanças físicas e de personalidade que
percebiam entre eles, o que não significa que eles não percebam as diferenças com o jovem.
Ao que tudo indica, Jayro, Lia e a filha não interpretam o sangue como substância transmissora
apenas de qualidades físicas, mas também de características de personalidade, opinião expressa
28
Realizei as entrevistas em três momentos: em abril e outubro de 2007 e em março de 2008. O relato acima foi
coletado em outubro de 2007.
76
na fala de Ana Cláudia, possivelmente compartilhada pelos pais. Esta última comentou sobre o
temperamento do irmão, em entrevista: “... muito calado, ele é muito parecido com meu pai,
com a minha irmã, sobre esses assuntos íntimos assim, ele é muito reservado...”. Além de uma
reflexão sobre a integração do irmão na sua família, essa constatação não parece ser apenas a
verificação de uma semelhança, mas a comprovação de uma herança biológica. Ana Cláudia
ainda diz:
...ele é um menino muito, muito assim bom, de bom coração. É... tem muitas
características nossas que a gente vê. Então é...você, você se né? É
engraçado assim. Não morou com a gente, tudo, mas tem muitas
características. Ele é tão parecido com a minha irmã, mas tão parecido com a
minha irmã, que eu olho pra ele e falo: “Gente, mas você é a Kiki!”. Às vezes
eu olho de relance, sabe quando você olha bem rápido assim, parece que,
assim que é outra pessoa, chega a dar arrepio assimGente, você e a Kiki são
muito iguais!” E coisas que ele faz, “Gente, parece que essa frase saiu da boca
da minha irmã!”, a Cristina (risos)...
Curiosamente, Pedro compartilha com a família biológica esse modo de entender sua
relação com eles. Em entrevista, ele me contava que, na viagem para Porto de Galinhas, sua
família de sangue e ele começavam a perceber as semelhanças que existiam entre eles: “... Ali
você que eu parecia muito com meu pai, tinha muita coisa da minha mãe, jeitos, trejeitos,
desde um modo de andar, até na personalidade, essas coisas...”. Cabe lembrar que Ana Cláudia
e Pedro reafirmavam essas percepções quase cinco anos depois da mudança deste último para a
casa dos pais biológicos, mesmo quando, certamente, além das semelhanças, as diferenças
entre eles também eram sentidas. Abreu (1982) observou concepções desse tipo como sendo
típicas de alguns grupos brasileiros, que consideravam o sangue como elemento transmissor de
características físicas, morais e comportamentos. Um andar, uma disposição de vida (honesta,
alegre, brava, descontraída, desconfiada, sistemática), poderiam ser herdados dos genitores,
segundo o autor.
Ouvi algumas pessoas que acompanharam o drama de Jayro e Lia pela televisão dizerem
que se Pedro possuía um bom caráter ele tinha “puxado” para os pais biológicos, ou seja, tinha
recebido essa herança destes últimos. Essas mesmas pessoas entendiam que o jovem não
poderia ter recebido nada de bom de Vilma através da educação, por conta do caráter
reprovável desta última, confirmado nas informações divulgadas pela mídia. Jayro, Lia e a
filha Ana Cláudia não fizeram nenhum comentário como esse. No entanto, como já foi
mencionado, eles também têm dificuldades para perceber as boas qualidades que atribuem a
77
Pedro como tendo sido proporcionadas pela e que o criou até os dezesseis anos. Lia afirma
que o filho foi criado por “Nossa Senhora”. Jayro, por sua vez, expunha sua forma de entender
a situação afirmando, entre outras coisas, o quanto é comum que filhos criados pelos mesmos
pais possuam personalidades e comportamentos morais discrepantes. Ou seja, ele afirma que o
caráter dos pais não necessariamente é definidor do dos filhos. Ainda assim, como será
possível ler mais adiante, Jayro não deixava de perceber que Pedro tinha herdado muito do
modo de ser e de agir da família que o tinha criado.
Cabe notar como a família é construída e reconstruída em seus aspectos biológicos, nas
práticas interpretativas de Jayro e Lia, inclusive quando eles manifestam as crenças morais e
místicas expostas acima. Nesses casos eles utilizavam um vocabulário que manifestava as
expectativas geradas pela ligação biológica com o filho, perceptíveis principalmente quando
eles usavam a expressão “verdadeira família” para se qualificar em relação a Pedro e
revelavam o entendimento de que o sangue é um dos elementos definidores de relações sociais.
3.3. Dificuldades para a aceitação da pluriparentalidade
Por um lado, a preferência pela adoção de bebês ou crianças muito pequenas mostra
como a exclusividade na relação com os filhos se impõe como um valor social. Na
interpretação das situações que vivia, Lia reproduzia essa valorização. Nos primeiros encontros
com o filho, mais especificamente, na viagem para Porto de Galinhas, tendo em mente o
envolvimento de Pedro com a família que o tinha criado, Lia se perguntava, como é possível
ler em seu diário: “... Saberei dividí-lo com outro amor materno, fraterno e tantos outros? (...)...
Não sei e não quero competir pelo seu amor...”.
Por outro lado, nem sempre os pais exigem serem os únicos a socializar e ter relações de
filiação com suas crianças, de modo que, nesses casos, a exclusividade nessa relação não
emerge como um valor social. Quando os adultos fundam novas famílias por meio de
recasamentos, as crianças passam a pertencer a um número maior delas. Nesses casos a
pluriparentalidade é inevitável e hoje parece gerar menos conflitos, apesar das dificuldades
ainda persistentes de se pensar a família fora das categorias clássicas de parentesco e aliança.
Prova disso, como observa Uziel (2007) é a tendência da substituição dos termos “madrasta” e
“padrasto” e seus significados pejorativos pelas expressões “mulher do pai”, “marido da mãe”,
“mãe do irmão”, “pai da irmã” etc., que traduzem melhor as relações entre os filhos e os novos
78
cônjuges dos pais. A pluriparentalidade parece ser uma situação típica entre as classes
populares, quando os genitores, geralmente as mães, em função de circunstâncias sociais e
econômicas, dão os filhos para outras mulheres criarem e estes últimos passam a ter “mães de
criação”. Conflitos podem surgir daí, mas nem sempre as es que colocam os seus filhos em
outros lares se sentem culpadas, até mesmo porque elas entendem que não estão abrindo mão
dos seus direitos maternos.
Os casos descritos acima não são como o de Jayro e Lia. O direito à biparentalidade, ou
melhor, a que a filiação de Pedro acontecesse exclusivamente na relação com os pais
biológicos, foi interrompido pelo roubo do garoto, logo após o nascimento, e pela separação
forçada entre ele e seus genitores que perdurou por quase dezessete anos. As relações de
filiação entre Pedro e Vilma e o marido desta última tinham sido estabelecidas contra a vontade
e sem o conhecimento dos genitores.
Como foi mencionado, após o fim do desaparecimento, enquanto ainda vivia com o
jovem, Vilma dava a entender que as suspeitas policiais contra ela dificultariam a aproximação
do seu filho com os pais biológicos. Segundo os jornais, ela procurava, inclusive, impedir os
encontros entre estes últimos, caso as investigações, que a apontavam como a autora do crime,
prosseguissem. Segundo Lia, depois de refletir muito com sua família, pensando na forma
como Pedro poderia interpretar a sua decisão, ela resolveu que reconheceria Vilma como a
autora do crime perante a polícia. Em seu diário, no dia 18 de novembro de 2002, Lia escreveu
suas justificativas: “... Filho, não me queira mal, não fiz para vingar. Fiz para que um dia
recomecemos a viver dentro da verdade..”. Ela também falou sobre essa resolução no programa
televisivo “Mais Você”, da rede Globo, e trechos da sua fala foram reproduzidos pelo jornal
goiano Diário da Manhã. Entre outras coisas, Lia disse: “Escrevi uma carta antes, explicando
que não podíamos mais conviver com a mentira. Disse [na carta que enviou para Pedro]: foi
Vilma que entrou no quarto, no hospital, e levou você”. Lia e Jayro não queriam estabelecer
relações com Vilma e acreditavam que era importante deixar isso bastante claro, a fim de que
pudessem se aproximar de Pedro.
A constatação de que Vilma era a “seqüestradora” e, entre outras coisas, as tentativas
desta última de impedir o contato do garoto com os pais biológicos, conduziam a que estes
últimos compreendessem que as suas ligações com o filho passavam pelo reconhecimento do
caráter moral da situação. Ou seja, em suas declarações à imprensa, Lia e Jayro davam a
entender que denunciar Vilma e reconhecer a gravidade dos atos praticados por ela tornava-se
para eles uma questão de demonstrar o afeto por Pedro, não apenas porque a autora do crime
79
praticado contra eles e o filho seria colocada diante da justiça, mas também porque não sendo
omissos eles assumiam a sua responsabilidade de pais, mostrando para o jovem, em um
momento de confusão emocional, que a mulher que ele reconhecia como mãe tinha praticado
condutas rejeitáveis e criminosas, que deveriam ser entendidas enquanto tais. É também como
uma questão moral que Jayro compreendeu a decisão de Pedro de se aproximar deles e mais
tarde de se mudar para a sua casa. Quando lhe perguntei sobre isso, ele respondeu:
Olha, nós deixamos ele muito à vontade, aliais, até hoje, ele é muito à
vontade, nós nunca exigimos nenhuma postura por parte dele, nós apenas
precisávamos mostrar pra ele quem era o pai e quem era a mãe dele, isso
que nós tentamos fazer. [simulando uma conversa com o filho Pedro]:“Olha,
eu sou o teu pai, e ela é tua mãe... quem é a gente, como a gente procede,
como a gente age na vida, entendeu E você esteja à vontade, a gente vai
ajudar no que tu precisar, de qualquer forma, seja qual for a decisão que você
tomar”. E foi passando o tempo, foi passando o tempo e ele foi, tava com
seis meses mais ou menos do fato ocorrido, que ele tinha sido encontrado,
tava adaptado com a gente, tava conhecendo a gente, mais de perto, né? Aí
resolveu realmente vir pra cá, pra casa (outubro de 2007)
É interessante lembrar que uma das funções socialmente atribuídas aos pais é a educação,
que não é entendida apenas como a escolarização dos filhos, mas também como o
compromisso de favorecer o desenvolvimento de princípios morais ou inculcá-los. Lia e Jayro
também procuravam ganhar a cumplicidade do garoto e esta atitude não estava separada da
percepção de que “dizer a verdade” era um dever que eles tinham enquanto pais de orientar.
Ao que tudo indica, a forte ênfase negativa da dia sobre Vilma também influenciou as
percepções que Jayro e Lia tinham desta última e, conseqüentemente, a forma como eles
definiam as suas relações com o filho reencontrado. Entende-se aqui que essa influência não
pode ser ignorada. Jayro e Lia acompanhavam a indignação pública que Vilma gerava por
conta dos roubos das duas crianças e dos crimes que lhe eram atribuídos. É desse modo que Lia
afirma em seu diário, em março de 2003: “... Já foi comprovada a maternidade da Roberta, que
ela [Vilma] afirmava também ser a sua filha. Como o Pedro, ela foi seqüestrada do hospital,
nos braços da mãe... (...) ...ela [Vilma] continua solta e não sabemos se será presa algum dia...”.
A profunda reprovação moral de Jayro, Lia e sua família por Vilma parecia ganhar na mídia
uma equivalente “dimensão social” e esta última, por sua vez, os envolvia. Em seu diário, Lia
escreveu mais sobre a sua decisão de denunciar Vilma como a autora do crime, que ela
entendia como sendo um compromisso seu com o filho e a sociedade:
80
...Passei toda a semana refletindo se deveria ou não contar à polícia que
reconheci a Vilma como a seqüestradora. E decidi que sim, eu tinha a
obrigação de fazer isso. Não saberia viver com esta verdade guardada para
mim. Você e toda a sociedade precisavam saber. Filho, não me queira mal,
não fiz para vingar, fiz para que um dia recomecemos a viver dentro da
verdade... (18 de novembro de 2002)
As acusações a que Vilma vinha sendo submetida e os seus comportamentos, inclusive do
passado, eram divulgados pela polícia e reproduzidos pela televisão, em uma abordagem que
claramente a condenava moralmente. Os jornais publicavam declarações do seu padrasto que,
procurado por repórteres, afirmou que reprovava a enteada. Do mesmo modo, divulgavam que
sua irmã, segundo depoimento que deu à polícia, a considerava manipuladora e pouco
confiável. Mostravam notícias de que uma de suas filhas, Cristiane, também era processada por
falsificação de documentos.
Bourdieu (1997) observa como a televisão, na busca pela audiência, explora o
sensacional, tornando determinados assuntos “problemas sociais”, tirando de outros “lições de
vida”, ou ainda reduz a vida ao mexerico, ao mesmo tempo em que, em todos esses casos,
oculta coisas importantes. Do mesmo modo, ela pode agir como instrumento de ação
mobilizadora, produzindo ações próximas de um “linchamento simbólico”, uma espécie de
democracia direta com “... uma lógica da vingança contra a qual toda a lógica jurídica, e
mesmo política, constituiu-se... (p.92)”. Oliveira (2007) critica o modo como a mídia trata os
casos de desaparecimento. Os meios de comunicação são importantes ferramentas para a
divulgação e localização de desaparecidos. No entanto, freqüentemente, quando eles se
ocupam com casos de desaparecimento, privilegiam alguns, que são espetacularizados, de
modo que vários deixam de ser divulgados e aspectos sociais importantes do fenômeno não são
abordados, como, por exemplo, os conflitos familiares geradores de muitos desaparecimentos e
suas causas sociais.
Quase todos os artifícios descritos por Bourdieu de certo modo foram utilizados no
tratamento jornalístico das situações geradas pelo roubo e desaparecimento de Pedro. O
empenho de Jayro e Lia para encontrar e mais tarde se aproximar do filho subtraído foram
tratados como lições de vida; após a identificação da autora do crime, ou seja, de Vilma, a vida
desta última foi bisbilhotada mesmo naquilo que não tinha nenhuma relação com os roubos de
crianças que ela praticou; e, o que interessa particularmente nesse momento, os jornais
81
suscitaram uma profunda reprovação popular contra esta última
29
, remetendo-a constantemente
aos seus crimes.
Uma das curiosidades comumente apresentadas por aqueles que conversavam com a
família de Jayro e Lia, segundo o relato da última, era sobre a personalidade de Pedro. Isso
acontecia porque as pessoas tinham dificuldades para aceitar que Vilma tivesse oferecido uma
boa educação para o jovem. Depois de quase quatro anos de convivência com Pedro, Lia me
falou sobre esse interesse das pessoas que conversam com ela e sua família:
As pessoas ficam... perguntam... têm muita curiosidade sobre isso [o caráter
de Pedro], sabe? Por ser criado numa família assim meio desestruturada, né?
eu falo que quem... que a mãe dele não foi a Vilma, foi Nossa Senhora,
porque eu rezei tanto pra ela, desde que... o momento... que eu entreguei tanto
pra ela, que a mãe foi ela, não foi a outra. Então que ele tinha que ser assim
como ele é mesmo. Muito doce, sabe? Ele é quieto assim. Não é... não
é...quieto, assim: ele é bagunceiro, fala alto tal, mas não é... ele não é...
farrista, não é... Eu acho até ele um menino muito sério pra idade dele, muito
maduro.
Em certa medida, Lia concordava com os seus interlocutores, quando, assim como eles,
julgava que Vilma não tinha condições para criar bem um filho. No entanto, ela defendia o
jovem daquilo que era sugerido pelos curiosos, atribuindo-lhe boas qualidades, embora não
relacionando estas últimas à educação oferecida por Vilma. Nas entrevistas que forneceram
para mim, Lia e Jayro referiram-se a Pedro como um jovem responsável, dedicado aos estudos,
ao estágio universitário, e bastante adulto para sua idade.
Como foi mencionado, na peculiaridade das circunstâncias que viviam, Lia e Jayro
entenderam que a ligação com o filho Pedro possuía um caráter moral, basicamente
relacionado à reprovação do crime praticado por Vilma, que de certo modo os aproximava do
jovem e afastava este último de Vilma. Essa forma de interpretar a ligação com Pedro é
perceptível na exigência da família de, na relação com Pedro, “viver dentro da verdade”, ou
seja, de não agir como se a mulher que o jovem reconhece como mãe não tivesse praticado um
crime contra ele mesmo e os genitores.
29
Como já foi dito em outro lugar, essa espetacularização do “Caso Pedrinho” ainda que em alguns momentos
tenha permitido a divulgação do desaparecimento, em outros atrapalhou. Lia diz que ouviu muitas vezes de
repórteres que não era possível divulgar o fato de que Pedro ainda não tinha sido localizado, pois eles não
encontravam “gancho” para a notícia. A importância da televisão e dos jornais para o reencontro de pessoas
desaparecidas é inegável e o assunto merecia ser tratado com mais seriedade por esses veículos de comunicação.
82
Jayro e Lia se identificam como a “verdadeira família de Pedro” e essa expressão parece
evidenciar não apenas a importância que eles atribuem aos vínculos sanguíneos que têm com o
jovem, mas também, como foi colocado acima, era usada em oposição ao termo “falsa
família”, maneira como às vezes eles descreviam as relações de Pedro com a família formada
por Vilma. Para Lia e Jayro, as relações de Pedro com a família que o tinha criado apenas
poderiam ser reconhecidas como falsas, dado o crime que as tinha sustentado.
Mais de quatro anos depois da mudança de Pedro para a casa dos pais biológicos, em
2008, Pedro me falou que não perdeu o contato com as irmãs, tios e avós da família com a qual
ele tinha convivido até os dezesseis anos, mas não disse nada sobre o estado atual das ligações
dele com Vilma. Os pais e a família biológica preferiam não conversar com Pedro sobre a
relação do mesmo com sua família não-biológica e não tinham contato com nenhum membro
desta última.
3.4. Os vínculos afetivos e a intimidade
Pensando nos vínculos afetivos, uma vez encontrado o filho, Lia e Jayro sentiam uma
necessidade de se aproximarem dele, que emergia como exigência, relacionada a duas
demandas: a de estabelecer vínculos mais íntimos e a de protegê-lo.
Como foi dito nos capítulos anteriores, com o advento da modernidade as relações
familiares passaram a ser identificadas pela afeição e a relação com os filhos ganhou um lugar
de destaque em diversos arranjos familiares (Áries, 2006; Giddens, 1993). Lia e Jayro fizeram
vários esforços para estreitarem laços com Pedro e essa aproximação, pelo que tudo indica, em
alguns aspectos foi apressada pela prisão e condenação de Vilma, que culminou,
principalmente, com a mudança do jovem para Brasília.
Desde os primeiros encontros, ficava claro que relações mais estreitas com Pedro
deveriam ser construídas com paciência, sem pressa. Conscientes desses desafios, alguns dias
após o resultado do exame de DNA, pelos jornais, Lia e Jayro afirmavam que não queriam
pressioná-lo. Jayro dizia que o sentimento e as relações surgiriam aos poucos, que ele e esposa
estavam conscientes de que a aproximação seria lenta. A afeição do filho pela mulher que o
tinha roubado parecia impedi-lo de se aproximar de Lia, o que talvez tornasse as circunstâncias
mais dramáticas para ela que para Jayro, que com este último o garoto se sentia mais à
vontade. Certamente isso aconteceu porque o homem que Pedro tinha reconhecido como seu
83
pai, Osvaldo Borges, morrera dias antes da revelação da filiação biológica do jovem e a
aproximação com Jayro não representava um conflito de lealdade, ao contrário do que
acontecia com Lia. Ademais, Pedro pode ter achado mais cil se aproximar do pai, um
homem.
Ao mesmo tempo, movida pelo afeto que dirigia ao filho, desenvolvido desde a gravidez,
e envolvida pela percepção social idealizada dos vínculos entre mãe biológica e filho, Lia
lamentava a ausência de intimidade com Pedro, esperando que este último lhe demonstrasse
um afeto que apenas seria construído com o tempo. Em seu diário, Lia registra que o filho a
chamou de mãe em Porto de Galinhas, quando eles saíram de férias em dezembro de 2002.
Tendo em conta os depoimentos que Pedro me forneceu, ele se sentia sensibilizado com os
sentimentos de Lia e Jayro, mas, naquele momento, tinha dificuldades para atender os desejos
dos pais biológicos de serem chamados de mãe e pai. Lia desejava receber beijos e abraços
amorosos do filho. Desse modo, ela recordava, em uma das entrevistas que me forneceu, dos
dias em Porto de Galinhas, no final do ano de 2002:
...Eu me contentava com qualquer coisa que ele fizesse. De manhã ele
acordava e quem tivesse perto era um hábito dele ele dava um beijo, sabe?
“Bom dia!”, “Bom dia!”, “Bom dia!” [imitando Pedro]. Se eu tivesse um
pouquinho mais longe, ele não se deslocava para ir até mim. Então eu me
sentia assim, eu não fazia diferença, eu não tava fazendo diferença no meio
[das pessoas que estavam lá], eram muitas pessoas que estavam na casa ali.
Quando ele voltava da praia ou de qualquer outro lugar, era mesma coisa,
quem tivesse por perto ele dava um beijo, podia ser criança, o pai, quem
fosse. Aí, eu me sentia meio esquecida. Embora hoje eu até ache que estava
fazendo diferença para ele... (março de 2008)
Pedro, por sua vez, falou para mim das primeiras sensações que teve no contato com os
pais biológicos:
...foi aquele sentimento de descoberta, de saber como eles eram. Mais daquela
novidade, mas ainda não tinha... muita curiosidade de saber como eram as
minhas irmãs... verdadeiras. Passava pela minha cabeça: “Como é que teria
sido se eu tivesse vivido com eles esse tempo todo? Teria sido diferente a
minha vida?”. E eu pensava meio que tornar amigo deles, eu gostei muito do
jeito deles, entendeu? Eu achei eles super gente boa, me trataram muito bem,
tanto meu pai, como a minha mãe, a família inteira, meus primos... pessoas
boas mesmo. Gostei deles como amigos, queria eles como amigos, mas eu não
tinha um sentimento de pai, de mãe, essas coisas ainda não... (março de 2008)
84
É interessante notar que Pedro se refere às irmãs biológicas, diferenciando-as das não
biológicas, como “verdadeiras”. Ele pode ter adotado essa expressão no convívio com a família
biológica. De qualquer modo, pelo que tudo indica, ele usa a expressão “família verdadeira”
como sinônima de “família biológica”.
Nos primeiros encontros, a intimidade e a afeição eram reconhecidas como características
das relações entre pais e filhos, principalmente por Lia, o que podia ser percebido à medida que
ela esperava intimidade imediata e lamentava a sua ausência. Sobre a viagem da família para
Porto de Galinhas, primeira vez em que ela e Jayro tiveram a oportunidade de estarem
próximos de Pedro por um período maior, Lia ainda recorda:
... ele ficava me olhando de longe, não me chamava nem de mãe, nem
usava outro termo nenhum. Quando ele queria falar comigo ele se aproximava
ou então falava oi‟. Se tava longe ele me chamava de „oi‟, se tava perto ele
me tocava, pra chamar minha atenção. Então ele tava perdido, não sabia como
se dirigir, ao mesmo tempo tava sempre dando uma espiadinha, sabe?
Encontro de olhares, eu tava olhando de repente ele olhava também, ele
ficava envergonhado... (Entrevista para a dissertação, maio de 2008)
Como foi observado na fala transcrita em um tópico acima, Jayro demandava o convívio,
para desenvolver laços com filho. Esse era um desejo da família, que entendeu a viagem como
o primeiro momento em que eles puderam estar mais próximos de Pedro, que os outros
encontros foram formais, com a presença de muitos repórteres, amigos, pessoas solidárias.
Após os primeiros encontros, a privacidade e o convívio foram uma exigência, o que
demonstra que foram considerados como necessários para o estabelecimento de intimidade
com Pedro.
Jayro e Lia procuravam assegurar e garantir sua condição de pais, afirmando aqueles
elementos que indicavam essa situação. Eles manifestavam para o jovem o afeto que lhe
dirigiam, como se preocupavam com ele, as lutas que empreenderam para reencontrá-lo. Como
foi dito, no dia do primeiro encontro com o garoto, Lia levou o livro Devolvam meu filho”
para o filho. Ademais, o diário tinha sido escrito para que o jovem lesse e teve várias de suas
passagens divulgadas na televisão, sendo, portanto, ainda que parcialmente, conhecido por este
último. Pelo que tudo indica, ações como essas não passaram despercebidas por Pedro.
Segundo ele, o amor e a luta dos pais biológicos para reencontrá-lo foi um dos motivos que o
conduziu a se aproximar dos mesmos: “... eu senti o amor que eles tinham por mim, a história
de luta deles nesses dezessete anos...”.
85
Sobre a sua mudança para a casa de Jayro e Lia, Pedro ainda me falou:
...Meio estranho, né? A mudança assim, uma convivência de família
realmente, mas foi como eu te falei, eu já tinha aquela convivência de uns oito
meses, foi uma convivência forte, marcante assim, conhecer os seus pais
realmente, né? Saber que eles têm um carinho muito especial por você, né? E.
saber que você é amado e saber que eles são realmente os seus pais, isso traz
um conforto muito grande... (março de 2008)
Pedro desenvolvia vínculos com os pais biológicos com o decorrer do tempo. Ademais,
ele percebia o afeto destes últimos por ele e entendia que eles poderiam apoiá-lo. É importante
lembrar que o jovem passava por uma situação complicada, já que Vilma tinha sido presa e ele
não encontrava em Goiânia o apoio familiar de antes.
Quanto à mudança do nome, Pedro afirma que decidiu por isso porque considerou, entre
outras coisas, o profundo desejo de Lia. De qualquer modo, ele fez questão de manter o nome
Júnior, pelo qual se identificava antes da descoberta da sua filiação biológica e, como foi
dito, no novo documento de identificação passou a se chamar Pedro Júnior Rosalino Braule
Pinto. Interessam menos aqui as reações de Pedro ante a mudança do seu nome e o modo como
ele associa este último à sua auto-imagem e mais as avaliações conscientes e involuntárias de
Jayro, Lia e sua família, que continuaram chamando o jovem de Pedro e apoiaram-no a adotar
esse nome. Por meio dos relatos colhidos é possível perceber que pelo menos duas pessoas da
família estiveram envolvidas na negociação com o jovem do nome que iria constar no seu novo
documento, após a anulação do registro feito por Vilma: Lia e Ana Cláudia. Esta última,
advogada, foi quem cuidou do processo de anulação de registro do irmão e da mudança de
nome. Se, como afirma Strauss (1999), um nome revela muita coisa sobre quem o deu, entre
as avaliações conscientes de Lia, ao insistir que o filho adotasse o nome escolhido por ela e
pelo marido, depois que o jovem passou quase dezesseis anos reconhecendo-se como Osvaldo
Júnior, estava a de reafirmar os vínculos dela mesma e de sua família com este último. Nomear
é um ato de colocação, como lembra Strauss.
Nos primeiros encontros as dificuldades de aproximação podiam ser observadas por meio
do vocabulário e de expressões de Lia, que manifestavam receio de aproximação com Pedro.
Também na viagem para Porto de Galinhas, Lia escreveu: “... Ora ele foge de mim, ora me
um beijo distraído, que recebo como um presente valioso. Minha timidez e o medo de ser
86
rejeitada me impedem de ousar...”. Em 2007, quando Pedro morava em sua casa quase
quatro anos, ela afirmou para mim:
...Até hoje, sabe?, eu tenho muito cuidado. Assim, eu me policio muito pra
não ficar me atirando em cima ,sabe? Acho que foi uma história tão diferente,
tão assim...cheia de.. nuanças, que acho que tem que... pra mim eu tenho essa
dificuldade sabe, de tá lidando com ele [Pedro] assim. Sempre... sempre tenho
medo de ficar muito em cima de... sufocar de... cobrar, sabe? Ainda tenho
essas dificuldades. Talvez até elas permaneçam a vida inteira, sabe? Ou não,
né? Mas, assim, é difícil recuperar o tempo perdido, assim. Não como... a
realidade é essa. Porque ele me conhece pouco tempo. Eu conheço ele a
vida inteira, né? Mas ele não me conhece. Então, por mais que... a gente
queira recuperar, que a gente queira fazer as coisas, não dá. Você vai fazendo
aos pouquinhos. Eu tenho... eu tenho... um certo cuidado, assim, eu tenho
medo de... “Peraí, você não vai me cobrar isso!”, sabe? Não sei, é um medo
assim de... de... não ser tão amada entendeu? De achar assim: eu amei demais,
mas ele não... me conhece pouco tempo. Então, sei lá, eu ainda não....
estamos ainda naquele processo ainda de.. meio de adaptação, eu acho, sabe?
Assim, de conhecimento... (abril de 2007)
Nos primeiros encontros com Pedro, Lia falava do medo de ser rejeitada, quase quatro
anos
30
depois percebia que algumas posturas e sentimentos ainda não poderiam ser cobrados do
filho, mesmo depois de alguns anos de convivência. Ela e Pedro ainda estavam se conhecendo,
segundo sua opinião. Por sua vez, Jayro utilizava um vocabulário que denota negociação na
relação com o filho. Perguntei-lhe
31
sobre suas atividades com Pedro, depois de mais de quatro
anos morando com o filho, e ele respondeu: “Normais. Normais porque que eu não podia
recuperar o passado, né? Eu resolvi ser o pai de qualquer rapaz hoje em dia, né? Jogar bola
junto, brincar, aconselhar, participar dentro do possível, né?”.
Como é possível notar, nas falas transcritas acima, a impossibilidade de “recuperar o
tempo perdido” parece ser uma constatação de Jayro e Lia. Jayro ainda disse em entrevista,
quando já tinha quase cinco anos de convívio com o filho:
...Não como recuperar dezesseis anos, É irrecuperável. Então, já que é
irrecuperável, não adianta também ficar pensando nisso, tem que pensar no
futuro, no daqui pra frente. E é isso que nós fizemos, demos total liberdade
para ele, a partir do momento que o encontramos, deixamos bem claro que
queríamos ajudar, no que ele precisasse... (março de 2008)
30
Em abril de 2007, quando fui pela primeira à casa da família.
31
Entrevista realizada em outubro de 2007.
87
A percepção da dificuldade de recuperar o tempo perdido” certamente aponta para a
necessidade de que direitos e obrigações entre pais e filho - inclusive aqueles que denotam
afeto - no relacionamento de Lia e Jayro com Pedro sejam interpretados à luz das
circunstâncias geradas pelos longos anos de ruptura de convívio. Mais uma vez, é possível
notar a forma como as normas, ou melhor, as expectativas normativas, como afirmou Garfinkel
(2006), em grande parte são definidas situacionalmente. O relacionamento com o filho Pedro
ganha significado por meio de perspectivas biográficas e da percepção de acontecimentos
passados e futuros. A maternidade, a paternidade e a filiação são definidas localmente.
Certamente, a constante definição dos significados da filiação é mais facilmente
percebida em todas as relações onde ocorre um distanciamento entre pais e filhos por um longo
período, que nesses casos, estas últimas são marcadas por uma forte sensação de incerteza.
Se a aproximação emerge como uma exigência de Jayro e Lia em relação a Pedro, como era de
esperar, essa exigência é negociada e ganha contornos diferentes daquela vivenciada entre eles
e os demais filhos. Como foi possível observar acima, esse processo parece ser assumido com
menos conflito por Jayro do que por Lia. No entanto, cabe observar, ele ocorre
independentemente da vontade de Jayro, Lia e Pedro, porque implica condições sociais, que
são construídas e reconstruídas a todo o momento.
Jayro faz referência rápida a certa “sensação de vazio” produzida pela ruptura de
convívio com um filho, falando de modo impessoal, ou seja, tratando essa experiência como
sendo não apenas sua, mas comum a todas as pessoas que são separadas dos filhos por longos
anos:
... Quanto à ausência, à ausência de um filho que tu não pôde passar teus
valores, né? Que não teve como no momento certo passar os valores da sua
família, os seus próprios valores, a sua própria forma de pensar, de agir, de
ser, porque um filho tem muito disso né? Em certa parte, em certa medida,
não na totalidade, mas em certa medida, ele tem muito do que os pais são, do
que os avós avós, do que a família é. Não posso generalizar porque existem as
exceções, né Mas no geral ele tem. Então, então fica essa sensação de vazio
desse período.... (março de 2008)
Aqui, não são as semelhanças (físicas, de personalidade) entre a sua família e o filho que
são ressaltadas, mas as dessemelhanças, perceptíveis no modo de agir, de ser, de pensar que ele
sugere que Pedro adquiriu no convívio com a família não-biológica. É interessante notar que
essas diferenças não são colocadas em termos de estranhamento. Jayro recusa essa percepção,
88
foi o que notei durante a entrevista quando lhe perguntei quais tinham sido as dificuldades no
processo de integração entre eles e Pedro:
...Eu tava lidando com o meu filho... (...)... Então, ele tava lidando com os pais
dele [enfatizando a palavra pais] e nós com o nosso filho. Então não existia
essa dificuldade assim. [Simulando uma conversa entre ele, a esposa e o
filho]: “Nós somos essas pessoas, você é essa pessoa, então nós queremos nos
conhecer e só o tempo vai permitir que isso aconteça”... (março de 2008)
Jayro entende que a ligação biológica entre ele, sua família e Pedro, de certa forma os
unia, ainda que o fim do desaparecimento tenha colocado o desafio deles conhecerem o filho
com o tempo e vice-versa. Pelo que tudo indica, tanto o jovem quanto os pais se mostraram
dispostos a descobrir suas afinidades e lidar com as diferenças, apesar das dificuldades geradas
pelos anos sem convívio e pela relação do jovem com Vilma, conflituosa para os pais
biológicos.
Em muitos casos de filhos separados de pais por um longo período, cabe observar, a
aproximação parece envolver estranhamentos e até mesmo conflitos. Na época em que Pedro
foi reencontrado, a Folha de São Paulo publicava uma matéria com depoimentos de pais que
foram separados dos filhos durante a infância, geralmente porque tiveram seus filhos
subtraídos e levados para outro lugar por um ex-cônjuge. O restabelecimento do convívio com
os filhos depois de muitos anos, estes últimos já jovens ou adolescentes, envolvia dificuldades,
dada as expectativas frustradas dos pais e as constatação destes últimos de que o filho tinha
adquirido modos de ser e de agir diferentes dos seus próprios. Assim como Jayro, os pais
entrevistados falavam sobre a impossibilidade de resgatar o passado.
Jayro entende que, depois de quase cinco anos em Brasília, Pedro estava bastante
adaptado à família. Em sua opinião:
... Agora já se passaram cinco anos [de convívio], já começou a caminhar para
o sexto ano, então... nós tratamos ele com naturalidade, ele nos trata com
naturalidade de pai, de mãe. Tem um reconhecimento grande, físico,
espiritual, amoroso entre nós e nós estamos levando a vida...
89
Em certa medida, Lia concordava com Jayro. Com quase cinco anos de convívio
32
, ela
lembrava que o dia-a-dia do filho era cheio e, portanto, no meio de semana eles passavam
poucas horas juntos. Isso porque o jovem fazia estágio durante o dia, estudava pela noite,
freqüentava um curso de línguas. No entanto, quase todos os dias ele almoçava em casa. Do
mesmo modo, nos fins de semana Pedro dividia o tempo com a família, passeios e outras
atividades. Lia observava que o filho não era de se isolar e exemplificava essa constatação
afirmando que ele não costumava estudar no quarto, trancado, mas no meio da casa.
Apesar disso, comportamentos de Pedro, como sua disposição para passar muito tempo
com a namorada, em alguns momentos ainda geravam incômodos em Lia. Ela considerava que
ainda possuía poucas atividades em comum com o jovem. No entanto, ponderava - dando a
entender que em outras circunstâncias descartava a possibilidade de que sua perturbação
estivesse relacionada à percepção de um distanciamento ainda existente na relação com Pedro
, lembrando que seu incômodo poderia ser ocasionado pela sua carência afetiva em relação ao
filho, gerado nos longos anos de desaparecimento, e, portanto, a um desejo de que este último
estivesse sempre com ela. Nesse sentido, Lia dizia que se policiava para não sufocar o jovem.
Desde o fim do desaparecimento, a aproximação com o filho não materializava apenas a
exigência de Jayro e Lia de conviverem e estabelecerem relações mais íntimas com Pedro, mas
também o entendimento dos primeiros de que precisavam proteger o último. Essa demanda, ao
tudo indica, esteve relacionada à compreensão de que Pedro foi exposto a muitos conflitos,
com as revelações da sua filiação biológica e dos crimes praticados por Vilma. Antes da
mudança do filho para Brasília, Lia escreveu: “... Estivemos em Goiânia, duas semanas.
Estávamos com saudades e queríamos saber como ele [Pedro] estava encarando os novos
acontecimentos. Conversamos bastante...”.
Ana Cláudia ainda me disse em entrevista:
...É... meu pai também é...Ele não fala, mas a gente percebe que ele, que ele se
sente bem mais tranqüilo, entendeu, assim, com o Pedro dentro da minha
casa, do que quando ele [Pedro] tava em Goiânia e tudo. Ele se, ele se
preocupa com o futuro do Pedro, com as coisas que ele vai fazer, tal. Como
ele se preocupa com nós, né?, com os outros filhos... (outubro de 2007)
32
Em março de 2008.
90
Se as relações entre pais e filhos aparecem para Jayro e Lia como devendo ser
preferencialmente íntimas e estreitas, o reencontro de Pedro, após vários anos de ruptura de
convívio, evidencia o fato de que essa exigência é constantemente adaptada às circunstâncias.
Mas, cabe mencionar ainda, além disso, que a volta de Pedro para a casa faz aparecer,
principalmente em Lia, avaliações sobre a relação com os demais filhos, dado o seu profundo
envolvimento com o desaparecimento, inclusive emocional.
Contou-me Lia como, em uma reunião de apoio para famílias do S.O.S. Criança de
Brasília, depois que Pedro tinha sido encontrado, ela avaliava sua reação ante o
desaparecimento e dava um conselho a pessoas com experiências semelhantes à sua: “... Então
foi isso que eu falei [nas reuniões do SOS Criança], naquela época, nessa intenção, sabe?
Que os filhos tão ali crescendo, você não vendo, não aproveita, passa assim com o maior
sacrifício pelas datas, pelas coisas boas, sabe?...”. Lia refletia sobre a forma como a sua
maternidade tinha sido exercida em relação aos filhos presentes nos anos de desaparecimento.
Como foi dito no capítulo anterior, naquele período, ela e Jayro se preocupavam por, em
alguns momentos, não acompanharem os demais filhos tão de perto como eles queriam.
Provavelmente, essa reflexão de Lia é gerada pelo fato de que a localização e retorno de
Pedro para casa também geraram novas circunstâncias para ela e Jayro nas relações com os
demais filhos. Em entrevista, Lia apenas afirmou que o retorno de Pedro gerou ciúmes em
todos os outros filhos. Certamente, ela e Jayro tiveram que lidar com as reações destes últimos,
que, cabe lembrar, o envolvimento deles com o desaparecimento de Pedro, principalmente o
de Lia, parece ter sido sofrido para Ana Cláudia, Cristina e Eduardo.
Um dos princípios modernos é o da igualdade, que deve ser assegurada inclusive no
tratamento dos pais com os filhos. Uma preocupação comumente apresentada pelos primeiros é
o compromisso de não favorecer nenhum dos filhos em relação aos outros, material ou
afetivamente. De certo modo, o que transparece nas falas de Lia e Jayro é uma reflexão dos
seus desempenhos ao cuidar dos filhos, que, de preferência deveriam ser tratados com a mesma
atenção. Entende-se aqui que era com referência a exigências como essa, uma das
manifestações do valor atribuído às relações estreitas e íntimas com os filhos, que Lia e Jayro
se orientavam, mesmo quando justificavam o fato de não estarem acompanhando Ana Cláudia,
Cristina e Eduardo mais de perto, em função do envolvimento com o desaparecimento. Tendo
em conta que as expectativas normativas estão intrinsecamente relacionadas aos cenários onde
são construídas e reconstruídas, como afirma Garfinkel (2006), é possível observar que Lia e
Jayro podiam até certo ponto legitimar o fato de estarem arduamente envolvidos com o filho
91
Pedro. Isso não exclui a constatação de que certa medida essas mesmas expectativas
normativas estão institucionalizadas, o que fica claro quando verificamos que as pessoas se
orientam por comportamentos familiares ideais, como o da igualdade entre os filhos
33
.
Como foi possível perceber, por meio das possibilidades postas por suas trajetórias
biográficas e do quadro configuracional que emergia no processo interacional das situações
que enfrentavam, Lia e Jayro interpretavam os vínculos com Pedro como sendo biológicos,
afetivos e legais. Com o reencontro de Pedro, estas interpretações, situacionalmente
localizadas, emergiam por meio de expressões que denotavam os desafios que implicava a
reaproximação. Sendo a mulher que tinha criado Pedro até os dezesseis anos como seu filho
legítimo a mesma que o tinha roubado deles, Jayro e Lia produziam explicações em que era
ressaltado o caráter moral sobre o qual eles entendiam que deviam se estabelecer as relações
familiares e de filiação. Em todas essas circunstâncias eles construíam e reconstruíam a família
como um agrupamento fortemente definido nas relações dos pais com os filhos, sendo esta uma
definição historicamente favorecida pelas transformações das relações familiares na
modernidade.
33
Nesse sentido, não presente dissertação, orientações como as de Gubrium e Holstein (1995), em que as práticas
interpretativas não são observadas em relação a qualquer forma social determinada, não são adotadas, como já foi
colocado na introdução.
92
Considerações Finais
Por meio da experiência de Lia e Jayro podem ser observados dois fenômenos: o
desaparecimento de uma criança e o restabelecimento de convívio entre pais biológicos e um
filho depois de vários anos de separação involuntária. Tendo em conta a pretensão explicativa
da presente pesquisa, entende-se aqui que esses eventos podem se apresentar como situações
de profundo sofrimento no contexto das práticas familiares modernas, que têm na valorização
das relações estreitas entre pais e filhos um dos seus pilares.
registros na literatura que mostram como em momentos históricos anteriores à
modernidade o desaparecimento de uma pessoa poderia estar associado à dor e ao sofrimento
de sua família. Certamente, o desaparecimento de uma criança também não era vivenciado com
apatia, mas provavelmente não era sentido com tanta intensidade como nos arranjos familiares
modernos, que possuem boa parte de suas emoções e esforços dirigidos para os filhos. Como
foi possível observar, tudo leva a crer que antes das transformações que a modernidade
propiciou para as relações familiares, o filho o poderia ser o móvel principal da atividade
familiar. Pensando mais especificamente na relação dos adultos com as crianças, autores como
Françoise Loux
34
(apud SEGALEN, 1999) notaram que, antes das transformações originadas
na família nuclear burguesa, a sobrevivência e a morte das crianças não era tratada com
indiferença. Uma das provas disso é que na Idade Moderna às crianças eram dirigidos muitos
cuidados especiais, que hoje não parecem adequados do ponto de vista médico. Fonseca (2002)
percebeu algo parecido nas classes populares de Porto Alegre, em pleno século XX. Nesses
grupos as pessoas não apresentavam as preocupações da “família nuclear moderna” com o
desenvolvimento emocional e com o aproveitamento escolar das crianças, ainda que estas
últimas fossem objeto e fonte de afeto, vistas como seres preciosos e motivo de prestígio para
as mães e cuidadoras. As crianças passavam poucos anos na escola, a relação entre elas e os
adultos não era construída por meio de investimentos como os da carreira escolar. Todavia, a
sobrevivência era preocupação das mães e dos responsáveis, que se empenhavam em práticas
mágico-religiosas a fim de evitar a morte das suas crianças.
De qualquer modo, compreende-se que as transformações modernas, que implicaram na
separação entre o ambiente familiar e o de trabalho, permitiram que a família fosse contraposta
ao ambiente de trabalho e, em vários casos, se estabelecesse como o lugar onde os seus
membros predominantemente têm relações afetivas, em diversas circunstâncias voltando suas
34
LOUX, Françoise: Le Jeune Enfant et Son Corps dans la Société Traditionnelle, Flammarion, Paris, 1978.
93
atenções principalmente para as crianças. Esse movimento, percebido por Ariès (op.cit.),
nasceu nas famílias que passaram pelo processo de aburguesamento, mas, mais tarde,
favoreceu a valorização da infância em práticas familiares diversas. Parece ser isso o que
observa D‟Incao (1989), quando ela descreve a abordagem histórica dos sentimentos:
Esses estudos [os da “Abordagem dos Sentimentos” (Sentiments Approach)]
têm mostrado que os conceitos de amor, maternidade, paternidade, como nós
os entendemos hoje em dia, são uma criação moderna e que nos tempos
antigos as pessoas estavam menos interessadas nesse tipo de emoção na
família e, mais ainda, que a infância não era altamente valorizada como nos
tempos atuais...
Tendo em vista esse cenário da vida moderna, tudo indica que o desaparecimento de
uma criança e a separação forçada entre pais e filhos (as), de uma maneira geral, são vividos
com muito sofrimento pelos pais ou responsáveis, uma vez que, em vários contextos
familiares, boa parte das emoções e vínculos afetivos está relacionada com as crianças. Os
cuidados com a infância aparecem como exigência mesmo daqueles que, por motivos diversos,
entendem que não conseguem cumprir com essa obrigação.
Mas os sentimentos expostos acima, ainda que possam ser observados em uma condição
objetivada para além dos contextos de interação dos quais emergem, estão associados a
práticas familiares diversas. Portanto, notando que Jayro e Lia construíam e reconstruíam a
família como uma “unidade” preferencialmente definida nas relações estreitas entre pais e
filhos e que esse comportamento era favorecido por condições históricas socialmente
institucionalizadas, teve-se em mente que suas práticas precisavam ser interpretadas naquilo
que tinham de intrinsecamente relacionadas às situações de onde se elevavam.
As experiências familiares não podem ser resumidas às experiências individuais, uma vez
que as primeiras possuem uma significação trans-situacional, ou ainda, como afirma Gubrium
(1987), “penetram na vida cotidiana como uma formação discursiva”. No entanto, elas
adentram as relações sociais como uma “representação coletiva” ao mesmo tempo em que
atuam como um assunto prático, ou seja, enquanto estão inevitavelmente relacionadas aos
contextos de interação cotidiana, de modo que a forma social das relações de filiação, em boa
medida, é definida localmente. Entende-se aqui que esta condição é ela mesma favorecida pela
vida moderna, pois esta última, como coloca Giddens (1993), é marcada por uma reflexividade
institucional, que lhe é inerente, e definida pelo processo através do qual as práticas sociais são
constantemente examinadas à luz de informações renovadas sobre elas mesmas.
94
Vocabulários e expressões foram explorados de modo a se mostrar o caráter indicial das
práticas de filiação, maternidade e paternidade, ou seja, o fato de que o social também possui
um caráter processual, que envolve perspectivas retrospectivas e prospectivas, assim como
biográficas, antecipações que podem ser feitas a propósito do comportamento daqueles com os
quais interagimos, entre outras experiências humanas do tempo.
Lia e Jayro quando recordam a história de sua família afirmam que se casaram tendo
como único plano formar uma família grande, com muitos filhos. Os dois eram funcionários
públicos, de classe média, e investiam seus esforços na criação e educação de Ana Cláudia e
Cristina. Lia lembra que, durante dez anos, até o nascimento de Pedro, ela esteve grávida por
seis vezes. Envolvida com as gestações, inclusive as que não foram completas, as filhas
pequenas, os pós-partos, ela não concluiu o curso de Pedagogia. Sua prioridade era a
manutenção das filhas nascidas e a concepção de outros filhos. Lia passou pela sua última
gestação no ano de 1985. Mais tarde, em 1990, Lia e Jayro adotaram o filho Eduardo. Lia
reconhecia dois momentos de sua vida como sendo particularmente tristes: a perda da filha
Juliana, que morreu logo após o nascimento, e de Pedro, que tinha sido subtraído ainda na
maternidade. As buscas por Pedro nunca cessariam, assim como a falta que o garoto
representava na família. Entende-se que essas situações biográficas demonstram um panorama
de práticas familiares onde os filhos eram o centro preferencial das atenções de Lia e Jayro.
Ademais, segundo Jayro, a educação escolar dos filhos, antes e depois do desaparecimento de
Pedro, sempre foi prioridade para ele e Lia. Cabe lembrar que o cuidado pessoal da educação
dos filhos, principalmente da vida escolar, é considerado por autores como Ariès (2006) um
importante indício da intensidade com que muitos adultos dirigem atualmente os principais
investimentos emocionais e materiais da família para as crianças e adolescentes.
No enfrentamento das situações desencadeadas pelo desaparecimento de Pedro, Lia e
Jayro entendiam que o compromisso de cuidar do filho era intransferível e deveria ser
assumido de perto por eles mesmos. Forneciam explicações (accounts) sobre a forma social da
família, interpretando-a em seus aspectos biológicos, quando entendiam que, enquanto
genitores que amavam, desejavam e tinham condições para cuidar da proteção e socialização
de Pedro, eram eles que deveriam estabelecer relações de filiação com o garoto. Reafirmando,
entre outras coisas, as prerrogativas que a consangüinidade deveria lhe garantir na relação com
o filho, Lia, em seu diário, identificava-se como a “mãe verdadeira” de Pedro, contrapondo
esse seu status ao de uma possível mulher que criava o garoto como filho, que tudo indicava
que este último tinha sido roubado para ser criado por outra família.
95
Enquanto elemento definidor das relações de filiação, maternidade e paternidade, a
consangüinidade apresenta-se como um princípio profundamente enraizado na civilização
ocidental, reproduzido em várias práticas na atualidade. Um novo movimento rumo à
biologização das relações de parentesco pode ser notado em meio às transformações operadas
nas últimas décadas pelas tecnologias de reprodução - quando as pessoas substituem a
possibilidade de uma adoção pela inseminação artificial, uma maneira mais natural” de ter
filhos - e no uso dos exames de DNA para se identificar o “verdadeiro” pai de uma criança. Ao
mesmo tempo, com as transformações operadas pela modernidade, a afeição parece hoje ser
considerada um elemento ainda mais importante para a definição das relações familiares. Isso
pode ser percebido inclusive quando observamos a dimensão que a filiação voluntária ganhou
nas últimas décadas nos casos de adoção, nos casos de filiação originados por inseminação
artificial com doador onde apenas uma das partes possui laços de sangue com a criança , ou
ainda nas famílias recompostas, quando os padrastos ou madrastas assumem relações parentais
com os filhos dos seus cônjuges. Em algumas das circunstâncias descritas a filiação voluntária
é reconhecida juridicamente, em outras não. Entre estes últimas está o caso do padrasto, que
está mergulhado na inexistência jurídica em relação aos filhos biológicos de sua companheira,
não podendo exercer autoridade parental sobre estes últimos, assim como transmitir bens para
os mesmos (ABREU, 1982, UZIEL, 2007).
O caráter afetivo das relações familiares, além do biológico, era manifestado por Lia e
Jayro no período do desaparecimento. Eles interpretavam essa fase principalmente por meio da
relação emocional com o filho, manifestando sensação de vazio, recusa ao esquecimento e à
mudança. Esses sentimentos eram reproduzidos na interação com pessoas que se mostravam
solidárias, quando eles expressavam o temor pelas condições de vida de Pedro, nos momentos
em que exprimiam sofrimento por estarem impedidos de conviver e estabelecer relações
afetivas com o último. Os laços afetivos eram entendidos como aqueles desenvolvidos desde a
concepção do filho e permaneceram inquestionáveis mesmo com a passagem dos anos em que
o desaparecimento se prolongou. No entanto, ao mesmo tempo, a possibilidade de que o filho
estivesse sendo criado por outra família lhes gerava reflexões sobre as dificuldades de
aproximação com Pedro, caso ele fosse reencontrado. Nesse momento, Lia e Jayro ponderavam
o valor da convivência no estabelecimento dos vínculos entre pais e filhos.
O fim do desaparecimento de Pedro conduziu a que a relação de filiação emergisse nas
práticas de Lia e Jayro em seus aspectos biológicos, jurídicos e afetivos. Duas lógicas das
relações familiares, a filiação social e a filiação biológica, hoje constantemente em questão
quando são discutidos os benefícios ou não de práticas como a adoção plena e o
96
reconhecimento da pluriparentalidade, eram vistas em conflito quando Jayro e Lia pensavam
suas relações com Pedro. Deve-se notar que as perspectivas de Lia e Jayro não estavam
pautadas em uma simples biologização das relações de parentesco. Em outros momentos, na
relação de filiação que estabeleciam com Eduardo, eles praticavam a filiação social. No
entanto, tendo em vista circunstâncias específicas, eles afirmavam entre outras coisas, os
privilégios que os laços de sangue deveriam lhes garantir na relação com Pedro.
Ao mesmo tempo em que despendiam esforços de aproximação com Pedro, Jayro e Lia
eram colocados frente aos vínculos que o jovem apresentava com a família que o tinha criado.
Do mesmo modo, as vantagens legais em relação a Pedro, garantidas pela consangüinidade,
eram confrontadas com as relações de parentesco do filho que não eram apenas jurídicas. Jayro
e Lia não se sentiam à vontade diante do fato de que o jovem procurava manter contato com as
duas famílias e reprovavam Vilma, a mulher que roubara Pedro e por ele reconhecida como
mãe. A exclusividade na relação com o filho emergiu como um desejo dos dois e orientou
algumas de suas condutas.
Procurou-se mostrar como a definição das situações vivenciadas por Lia e Jayro, ante o
desaparecimento e o reencontro do filho, eram socialmente localizadas. Nesse sentido, uma
atenção especial foi dada ao modo como eles construíam as relações de filiação na sua família,
principalmente na relação com Pedro. Entende-se que parte da contribuição do estudo aqui
exposto advém dessas descrições, à medida que as particularidades das circunstâncias vividas
por Jayro e Lia também podem contribuir para a observação de experiências familiares
semelhantes.
97
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ALVES, Renato. A família agora está maior. Correio Brasiliense. Brasília, 12 de Nov de
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ALVES, Renato; XAVIER, Marcello. Pedrinho passa o final de semana com Jayro e Lia.
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_________________. Ela desatou o Gabriela conta com exclusividade ao Popular como
desvendou o mistério do seqüestro de Pedrinho e se tornou peça fundamental na história que
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Entrevistas
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PINTO, Maria Auxiliadora R. Braule. Entrevista para a dissertação O Caso Pedrinho um
estudo dos significados de família. Gravação digital. (1:10:16). Outubro de 2007.
PINTO, Jayro Tapajós Braule. Entrevista para a dissertação “O Caso Pedrinho um estudo
dos significados de família. Gravação digital. (00:20:24). Outubro de 2007.
GONÇALVES, Ana Cláudia. Entrevista para a dissertação “O Caso Pedrinho – um estudo dos
significados de família. Gravação digital. (00:45:42). Outubro de 2007.
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PINTO, Pedro Júnior Rosalino Braule. Entrevista para a dissertação “O Caso Pedrinho um
estudo dos significados de família. Gravação digital. (29:20). Março de 2008.
PINTO, Maria Auxiliadora R. Braule. Entrevista para a dissertação O Caso Pedrinho um
estudo dos significados de família. Gravação digital. (33:21). Março de 2008.
PINTO, Jayro Tapajós Braule. Entrevista para a dissertação “O Caso Pedrinho um estudo
dos significados de família. Gravação digital. (29:26). Março de 2008.
GONÇALVES, Ana Cláudia. Entrevista para a dissertação “O Caso Pedrinho um estudo dos
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Filme
A BUSCA POR PEDRINHO. Edição de Alessandro Poeta e Kelli Costa. Roteiro de Cristina
Rosalino Braule Pinto. Vinhetas de Adageisa Rodrigues e Luciane Gardesani. Local:
Unicamp. Sem data. 1 DVD (20:40m). Edição sem finalidade comercial.
Diário pessoal
PINTO, Maria Auxiliadora. Braule. Diário e cartas de Lia para o filho Pedro. 1987-2007.
Livros
PINTO, Maria Auxiliadora Braule. Devolvam meu filho! O Caso Pedrinho. Brasília,
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Matérias de revistas Semanais
BRUM, Eliane. À espera do final feliz. Revista Época. nº.326, agosto, 2004.
CARIDADE Ilegal Freira dá bebê a um casal que mal conhecia. Revista Veja. nº. 924, maio,
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FOI Ela. In: Revista Veja. nº.1778, p.54, nov. 2002.
VALE, Antônia Márcia. O drama de Pedrinho. Revista Isto É. nº.1730, p.78-79, nov.2002.
Sítio
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