
mínimo prestígio: muito pelo contrário, contraíam as
mandíbulas e espumavam pela boca: tinham diante de si, em
carne e osso, a vândala que estava tentando desencaminhar
suas honestas esposas, virar a cabeça de suas filhas, destruir
seus lares e subverter a sagrada instituição familiar (Hh: 180).
Com o firme propósito de promover a emancipação da mulher, Carmen
da Silva aproxima-se de uma das mais importantes romancistas da América
francesa, a quebequense Gabrielle Roy
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(1909-1983), que, embora tenha sido
considerada feminista postumamente, reivindicava que as mulheres fossem
tratadas como seres humanos
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. No estudo de Lori Saint-Martin
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, no qual as
obras de Gabrielle Roy são analisadas numa perspectiva feminista, a crítica
aproxima a escritora canadense da francesa Simone de Beauvoir no que diz
respeito à semelhança de suas trajetórias de vida. Cabe salientar que no
paralelo estabelecido entre a autora de O Segundo sexo (1949) e Carmen da
Silva, é possível inserir Gabrielle Roy para compor o triângulo América do
Norte, Europa, América do Sul, pois essas três feministas, precursoras de uma
literatura emancipadora do sujeito feminino, “rejeitaram o modelo maternal e o
da maternidade em benefício de uma vida livre, uma vida voltada à escritura”
(Saint-Martin, 2002: 43).
Simone de Beauvoir no seu referenciado ensaio filosófico, escreve que a
mulher tem de escolher entre o papel de objeto e o de Outro que lhe são
propostos, ou seja, em relação ao homem e a reivindicação de sua liberdade
(Beauvoir, 1949: 95). Segundo Houaiss (2001: 2041), o objeto é definido como
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Nasceu em Saint-Boniface (Manitoba), onde viveu até 1937. Após duas estadas na Europa,
instala-se definitivamente no Quebec. Sua obra, que compreende dezenas de romances,
ensaios e contos infantis, é reconhecida como uma das mais importantes da literatura
canadense do século XX.
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No que diz respeito às leis de seu estado, foi somente com o projeto de lei nº 89 que, em
1980, o Código Civil quebequense rompe definitivamente com o espírito do Código Napoleão
para iniciar a reconhecer as mulheres como seres humanos integrais. Diane Lamoureux,
Fragments et collage. Essai sur le féminisme québécois des années soixante-dix, Montréal:
Remue-ménage, 1986: 73. Apud Saint-Martin, 2002: 12.
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Professora de literatura e de estudos feministas do Departamento de Estudos Literários na
Universidade de Quebec em Montreal (UQÀM). Dentre numerosos trabalhos sobre escritura
feminina e teoria feminista, divulgados em edições quebequenses e estrangeiras, ela publicou
o ensaio intitulado Malaise et Revolte des femmes dans la littérature québécoise depuis 1945
(1989), que lhe rendeu o prêmio Elsie-McGill; uma coletânea de novelas, Lettre imaginaire à la
femme de mon amant (1991), com a qual ganhou o prêmio Edgar-Lesperance. Com Paul
Gagné, publicou traduções para o francês de quatro romances anglo-canadenses, uma das
quais, Un parfum de cèdre [do original Fall on your kness, de Ann-Marie MacDonald], ganhou a
mais alta distinção literária do Canadá, o Prêmio Governador Geral, na categoria tradução, em
2000.