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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
SOCIOLOGIA E DIREITO
PAULO ROBERTO DE ANDRADE
CASTRO
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO
DELINQÜENTE MENOR DE
IDADE NA ESFERA JURÍDICA
NITERÓI
2006
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2
PAULO ROBERTO DE ANDRADE CASTRO
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO DELINQÜENTE MENOR DE
IDADE NA ESFERA JURÍDICA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia e Direito da
Universidade Federal Fluminense, como requisito
parcial para a obtenção do título de mestre em
Ciências Jurídicas e Sociais.
Orientador: Professor Doutor Marcelo Pereira de
Mello
Niterói, 2006
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E
DIREITO
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3
Castro Paulo Roberto de Andrade
A construção social do delinqüente menor de idade
na esfera jurídica / Paulo Roberto de Andrade Castro, UFF/
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito. Niterói,
2006.
130 f.
Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas e Sociais)
– Universidade Federal Fluminense, 2006.
1. Interdisciplinaridade. 2. sociologia 3.crítica jurídico-
institucional I. Dissertação (Mestrado). II. Título
4
PAULO ROBERTO DE ANDRADE CASTRO
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO DELINQÜENTE MENOR DE
IDADE NA ESFERA JURÍDICA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da
Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do título de
mestre em Ciências Jurídicas e Sociais.
Aprovada em 21 de dezembro de 2006
BANCA EXAMINADORA:
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Pereira de Mello (orientador)
__________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Helena Zamora
___________________________________________________________________
Prof. Dr ª. Margarida Camargo Lacombe
Niterói, 2006
5
Dedico este
trabalho a dois
grandes
companheiros. Ao
meu pai, Wilson
Araújo Castro (in
memorian) e a
minha
companheira
Luciane Soares
6
O medo infundido nos subalternos é o
grande crime extra-judicial que os
opressores carregam em sua biografia
M. BAKHTIN
7
Agradecimentos:
Agradeço em primeiro lugar ao meu orientador Marcelo Pereira de Mello, pela sua
valiosa colaboração para a construção do objeto da presente pesquisa e por acreditar neste
projeto. Agradeço ainda pela forma que conduziu o processo de orientação de maneira
paciente e atenciosa e também por ter me ajudado a ampliar a compreensão sobre as
ciências sociais.
Agradeço ao professor Dílson Motta, um dos pioneiros do estudo sobre o crime no
âmbito das Ciências Sociais pela generosidade e pelo profícuo diálogo que se iniciou
durante a orientação da minha monografia de final de curso de Ciências Sociais e que me
faz ter um profundo apreço pelas suas idéias.
A professora Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros. Sobre Luitgarde é desnecessário
falar de sua contribuição para as Ciências Sociais no Brasil. Destaco a sua luta pela
obrigatoriedade da sociologia no ensino médio e o seu empenho por uma academia aberta
aos estudantes trabalhadores.
Ao professor Luiz Antônio Machado da Silva por ter participado de minha banca de
qualificação e pelo aprendizado propiciado pela participação em duas disciplinas
ministradas no IUPERJ no ano de 2005.
É de suma importância agradecer a Vara da Infância e da Juventude que autorizou a
realização do trabalho de campo da presente dissertação.
Devo destacar que recebi um tratamento muito respeitoso por todos os funcionários desta
Vara da Infância. Por isso, agradeço especialmente o tratamento que a mim foi dispensado
por todos os funcionários do cartório do CEAM. Agradeço especialmente a Elvira Eharaldt
chefe do setor do CEAM, pela disposição constante de prestar informações e facultar
acesso da melhor forma possível aos processos guardados neste cartório.
Também registro um agradecimento especial ao técnico judiciário Anderson Barbosa de
Messias por ter me ajudado incansavelmente, muitas vezes, nos momentos de maior
sobrecarga de suas atividades profissionais. Na impossibilidade de citar a todos, registro a
colaboração de os outros funcionários do cartório, que se autodenominam “arqueólogos
processuais”.
8
Agradeço aos colegas do mestrado, especialmente a Fernando de Castro Fontainha pela
intensa troca de idéias e ao amigo Felipe Brito pela grande solidariedade.
Por fim agradeço a três amigos sem os quais o presente trabalho não teria sido possível:
A amiga Célia pela sabedoria, pelo acolhimento fraterno e pelo apoio no momento
necessário sem o qual a realização do presente trabalho não teria sido possível.
Aos amigos de sempre Roberto e Shirley.
9
RESUMO
Esta dissertação tem como tema a construção social do delinqüente menor de idade na
esfera jurídica. Realizo um estudo sobre como os saberes profissionais dos profissionais
técnico-científicos (assistentes sociais, psicólogos, pedagogos) são mobilizados em um
processo de rotulação do comportamento criminoso, pela aplicação de estereótipos em
jovens pobres que vivenciam uma situação de marginalidade social.
Apresento uma reflexão sobre o tratamento dado à “questão” dos adolescentes em
conflito com a lei, tendo como base os processos judiciais para apuração de ato-infracional.
A partir da análise das diversas peças que compõem o processo judicial de julgamento dos
menores infratores, documentos produzidos por promotores, juízes, assistentes sociais e nos
depoimentos dos próprios menores e de seus familiares, pretendemos explicitar os
processos sociais envolvidos na construção social do “delinqüente menor de idade”. .
Os processos analisados na Vara da Infância e da Juventude, demonstram que o
processo de criminalização reflete a forma como se constróem socialmente esquemas
classificatórios que definem ordem e desordem.
10
SUMARY
This investigation has as subject the social construction of the minor delinquent in
the legal sphere. I carry through a study on as to know professionals to them of the
technician-scientific professionals (social assistants, psychologists, education agents) are
mobilized in a process of rotulation of the criminal behavior, they live deeply a marginality
situation that poor young for the application of stereotype. I present a reflection on the
treatment given to the “question” of the adolescents in conflict with the law, having as base
the actions at law for act-infracional verification. From the analysis of the diverse parts that
compose the action at law of judgment of the lesser infractors documents produced for
promoters, judges, social assistants and in the depositions of the proper minors and of its
familiar ones, we intend to explain the involved social processes in the social construction
of the “minor delinquent”.
The processes analyzed in the Pole of Infancy and Youth, they demonstrate that the
criminal process reflects the form as of classifications projects to construction socially that
define order and clutter.
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................13
1. A RITUALIZAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA E A PRODUÇÃO DA
DELINQÜÊNCIA ................................................................................................................18
1.1 A ritualização da ordem social ....................................................................................19
1.2 A construção social da realidade ................................................................................22
1.3 A criminalização de jovens marginalizados ...............................................................27
1.4 A construção social do adolescente em conflito com e lei .........................................30
2. O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: ALGUNS OBSTÁCULOS
PARA SUA EFETIVAÇÃO ................................................................................................32
2.1 A aprovação do ECA e seu significado .......................................................................33
2.2 A crítica institucional ...................................................................................................36
2.3 A esfera jurídica e a construção social do delinqüente menor de idade .................41
3.O RITO LEGAL- AS DIRETRIZES PARA O TRATAMENTO JURÍDICO DO ATO
INFRACIONAL ...................................................................................................................48
3.1 O direito ao devido processo legal ..............................................................................49
3.1.1 A oitiva .......................................................................................................................51
3.1.2 Audiência da Continuação .......................................................................................51
3.1.3 Representação do Ministério Público ......................................................................52
3.2 A ação sócio-educativa pública ...................................................................................54
3.3 Relatórios Interprofissionais .......................................................................................56
3.4 Medidas Sócio-Educativas ...........................................................................................58
4.PROCESSOS DE APURAÇÃO DE ATO-INFRACIONAL:A CONSTRUÇÃO SOCIAL
DO DELINQÜENTE MENOR DE IDADE NA ESFERA JURÍDICA ..............................68
12
4.1 Campo da pesquisa ......................................................................................................69
4.2 Acusação: A aplicação de estereótipos na abertura da ação sócio-educativa
pública..................................................................................................................................70
4.3 Laudos Técnicos-científico..........................................................................................74
4.3.1 A Questão familiar: Adolescentes em situação de “risco social”. A
reatualização da “família desestruturada” como determinante causal do
delito.........................................................................................................................76
4.3.2 Família e “Vida do crime”......................................................................................82
4.3.3 Família desestruturada como causa de desajuste social .....................................83
4.3.4 Uso de drogas: um conceito acusatório ................................................................84
4.4 Sentenças.......................................................................................................................88
4.4.1 Análise das sentenças .............................................................................................93
4.4.2 Sentenças produzidas no curso da medida sócio-educativa ...............................96
CONCLUSÃO .................................................................................................................99
PÓS-ESCRITO: A MINHA EXPERIÊNCIA NO DEGASE .......................................103
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................................112
ANEXOS ...........................................................................................................................118
13
INTRODUÇÃO:
No momento em que apresento o presente trabalho, com os resultados alcançados a
partir de trabalho de campo na 2
a
. Vara da Infância e da Juventude do Estado do Rio de
Janeiro, mais uma vez instala-se o debate público sobre o E.C.A, a partir do impacto da
notícia sobre a morte da empresária Ana Cristina Joahannpeter, que teria sido assassinada
por um adolescente que se encontrava institucionalizado até algumas semanas antes de
praticar o assalto que culminou na morte da empresária.
A morte em decorrência de um assalto em um sinal de trânsito, modalidade de crime
comum violento que tem crescido na cidade do Rio de Janeiro, causou grande impacto na
cidade, a ponto do Jornal do Brasil, um tradicional veículo de comunicação da cidade do
Rio de Janeiro ter a seguinte manchete principal do domingo dia 26 de novembro do ano
corrente : “A Lei que protege jovens assassinos”
Fato ainda mais marcante se encontra no dado de que na mesma edição, encontra-se
abaixo desta manchete na primeira página do jornal, a foto do adolescente que teria
confessado o crime, sem tarja. O jornal resolveu protestar descumprindo a lei-Estatuto da
Criança e do Adolescente-que proíbe a exposição de imagem de adolescentes infratores.
O editorial da mesma edição se intitula “A lei a serviço do crime”. Nele o jornal se
posiciona pela redução da menoridade penal, com os seguintes argumentos:
“Que fique bem entendido: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) protege o
criminoso menor de 18 anos. Oferece sua contribuição para fazer do Brasil um país em que
o crime quase nunca é punido-apenas regulamentado por lei”.
O editorial afirma ainda que o crescimento da participação de jovens em latrocínios
decorre da impunidade, que se materializa no fato de que o ECA prevê um prazo máximo
de internação de três anos.
Por fim devo esclarecer que a autoria do crime ainda não está comprovada conforme
acentua o próprio editorial.
O jornal efetua um pré –julgamento, se antecipando aos tribunais. Contraria não só o
ECA, mas a Constituição Federal que determina o direito de defesa para todos os réus
sejam maiores ou menores de idade.
14
Os elementos elencados acima se constituem nos principais argumentos daqueles que
advogam a redução da menoridade penal.
A aprovação do ECA a 16 anos atrás, gerou uma enorme expectativa na sociedade de
que de fato se estenderiam os direitos da cidadania a crianças e adolescentes. O ECA
estabelece a primazia de crianças e adolescentes ao acesso aos direitos sociais e no caso dos
adolescentes infratores, estabelece que estes devem ser tratados como seres em formação.
Portanto, os jovens infratores embora sejam imputáveis perante a legislação específica,
devem se ressocializados através de medidas sócio-educativas de cunho pedagógico e não
objeto de ações de caráter meramente punitivo.
O insucesso do ECA em estabelecer um novo paradigma para o tratamento da
“questão” da infância e da juventude infratoras em nosso país favorece o reaparecimento de
propostas que visam o recrudescimento de práticas punitivas. Isto se visualiza de forma
muito nítida na proposta de redução da menoridade penal.
A partir deste quadro, vários especialistas se debruçam em pesquisar as razões que
levaram ao insucesso do ECA para transformar a realidade do tratamento conferido aos
adolescentes infratores. E em geral apontam que um dos principais fatores para a
explicação deste fato decorreria de não ter ocorrido um “reordenamento institucional”,
conforme preconizava o ECA.
A presente dissertação pretende contribuir para a discussão sobre as dificuldades de
implementação do ECA tendo como objeto especificamente o processo de construção
social do delinqüente menor de idade, pesquisando como este processo se reflete nos
processos de apuração de ato infracional.
Apresento uma reflexão sobre o tratamento dado à “questão” dos adolescentes em
conflito com a lei, tendo como base os processos judiciais para apuração de ato-infracional.
A partir da análise das diversas peças que compõem o processo judicial de julgamento dos
menores infratores, documentos produzidos por promotores, juízes, assistentes sociais e nos
depoimentos dos próprios adolescentes e de seus familiares, pretendemos explicitar os
processos sociais envolvidos na construção social do “delinqüente menor de idade”. .
Uma das conclusões da presente pesquisa se constitui na constatação de que um dos
principais obstáculos que se coloca frente a perspectiva de um tratamento institucional
coerente com as diretrizes inauguradas com a aprovação do E.C.A e a adoção da doutrina
15
da proteção integral, se encontra na forma como são conduzidos os processos de
investigação social que se fazem no âmbito da justiça da Infância e da Juventude. Através
dos documentos que compõem o processo de apuração de ato infracional é possível
verificar que a construção social do delinqüente menor de idade se opera através da
rotulação do comportamento criminoso e da aplicação de estereótipos que normalizam a
prática do delito a partir de uma visão discriminatória sobre os atributos de pobreza
comuns à maior parte destes jovens.
A dissertação está organizada em quatro capítulos. O primeiro capítulo estabelece as
bases teóricas que sustentam a interpretação dos dados obtidos em trabalho de campo.
A construção social do delinqüente menor de idade na esfera jurídica se constitui em
um processo de rotulação do comportamento criminoso, que se opera através da
mobilização de saberes profissionais que possibilitam a aplicação de estereótipos em jovens
de origem pobre.
Este processo se consolida na produção de documentos a partir de interações face a
face entre estes profissionais e os jovens acusados da prática do ato infracional. Por este
motivo as teorias adotadas para construção do referencial teórico da presente dissertação,
são aquelas que se debruçam sobre um aspecto básico da vida em sociedade, a interação
social.
São teorias que procuram desvelar o processo intersubjetivo através do qual papéis e
instituições são definidos em acordos cognitivos que se estabelecem entre os atores sociais
em suas interações cotidianas.
Desta forma é possível analisar o fato de que através de gestos de “separação,
classificação e limpeza” (Douglas, 1970, pág 2) a justiça da infância e da juventude
reproduz a ordem social, reatualizando as “crenças perigo” a partir de atributos de
indivíduos que representam os grupos sociais percebidos como os elementos de “poluição”
em nossa sociedade.
A construção social do delinqüente menor de idade é o processo que sustenta a
criminalização de jovens pobres, aqueles que não possuem as “imunidades institucionais”
(Coelho, 1970, pág155) próprias aos indivíduos oriundos da classe média.
16
No segundo capítulo apresento o contexto histórico em que se deu a aprovação do
ECA e o significado da adoção da doutrina da proteção integral em contraste com a
doutrina da situação irregular.
Em seguida apresento a reflexão de alguns estudiosos sobre os motivos da
persistência de práticas de violência institucional e das dificuldades das instituições de
acautelamento de jovens infratores para se adequarem ao paradigma da proteção integral.
Também apresento um breve histórico sobre o atendimento de jovens infratores em
nosso país com o propósito de demonstrar que práticas discriminatórias sempre estiveram
presentes na seara da justiça menoril.
No terceiro capítulo apresento os principais aspectos do rito legal da ação sócio-
educativa pública. Os procedimentos legais definidos no ECA que devem ser respeitados na
condução de um processo para apuração de ato infracional.
Também apresento os procedimentos referentes ao tratamento institucional que deve
ser conferido aos adolescentes durante a apuração do delito e o cumprimento da medida
sócio-educativa.
Além de apresentar os elementos que devem nortear a condução do processo de
apuração de ato infracional em conformidade com as normas constitucionais e com a
legislação específica, apresento o conteúdo das medidas sócio-educativas preceituadas pelo
ECA.
No quarto capítulo realizo a análise do material empírico recolhido nos processos
para apuração de ato infracional na 2
a
. Vara da Infância e Juventude do Estado do Rio de
Janeiro. Aqui devo destacar que esta Vara da Infância e da Juventude, se constitui no único
juízo competente para julgar adolescentes ( pessoas entre 12 e 18 anos ) acusados pela
prática de ato-infracional.
A partir da análise de algumas peças processuais como os termos de oitiva do
Ministério Público (M.P.), laudos técnico-científicos e sentenças judiciais, procuro
demonstrar a persistência de práticas discriminatórias que sustentam a criminalização de
jovens marginalizados.
A análise dos dados aponta para o fato de que sob o conceito de “risco social”se
estabelece relação de causalidade entre família desestruturada e prática de delitos.
17
Destaco que o uso de drogas se constitui em um atributo que reforça a acusação dos
jovens acusados da prática de ato infracional, se constituindo em um dos principais
conceitos acusatórios.
.
18
I- A RITUALIZAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA E A PRODUÇÃO DA DELINQÜÊNCIA:
REFERENCIAL TEÓRICO
Existe uma tradição sociológica que problematiza a ordem social tomando-a não
como resultado de constrangimentos estruturais que se impõem aos indivíduos desde fora, a
partir de expedientes coercitivos, mas como resultado de um processo intersubjetivo no
qual papéis e instituições são definidos em acordos cognitivos que se estabelecem entre eles
nas interações cotidianas.
Trata-se, portanto, de uma perspectiva que não considera a sociedade como uma unidade
que “circunscreve e produz os atores linearmente”, mas “que a negociação da realidade, a
partir das diferenças, é conseqüência do sistema de interações sociais sempre heterogêneo e
com potencial de conflito”.(Velho, 1996, pág11)
Aqui, devo destacar que a escolha das teorias que se encontram presentes neste capítulo
teórico se orientou pela característica específica do objeto da presente pesquisa. .
Os saberes profissionais que são analisados nesta dissertação se aplicam e se baseiam em
informações obtidas em processos de interação social entre estes profissionais e os
adolescentes infratores acusados da prática de ato-infracional.
Desta forma, os materiais empíricos da presente dissertação serão analisados à luz de um
instrumental teórico que seja adequado para a compreensão de um fenômeno básico da vida
em sociedade, ou seja, o contato social que se estrutura numa situação face a face
(Berger,1983).Vale destacar que “A interação social constitui o fenômeno básico da
investigação sociológica”.(Fernandes, 1970, pág 75)
A presente dissertação se debruça sobre um objeto que se constitui através de uma
configuração específica de interação social. O papel da interação social na estruturação da
vida em sociedade é objeto de um incessante e vigoroso debate nas ciências sociais que
entre seus inúmeros aspectos talvez possa ser resumido na clássica questão entre a
prevalência da estrutura social ou da personalidade individual.
No presente trabalho não ouso me aprofundar em aspectos da discussão da teoria social
que se exemplificam entre outros termos na discussão sobre temas como o poder ou o papel
da linguagem e dos interesses no processo de interação social. Tal refinamento analítico
requer maturidade teórica e tempo de reflexão, o que não foi possível no quadro da
elaboração da presente dissertação, tendo em vista, entre outros aspectos, o fato de que o
19
presente trabalho se constitui a partir de uma pesquisa empírica com materiais de difícil
acesso. Todos os dados analisados foram colhidos nas condições possíveis que se pode
encontrar em um cartório abarrotado de processos. Além disso, tiveram que ser copiados a
mão, pois não se pode reprografar tais materiais.
Também vale destacar que na presente dissertação busco a compreensão de como um
fenômeno social se reflete em uma esfera específica das relações sociais: a esfera jurídica.
Portanto a interpretação dos dados se define pelo recorte do objeto de pesquisa.
Sobre a mobilização das teorias utilizadas neste capítulo, vale ainda destacar que
sendo meu objeto de pesquisa acessível através de documentos produzidos na esfera
jurídica, tive o objetivo de conferir um tratamento sociológico a estes materiais. Como
assinala Lenoir (1996, p. 61), "a primeira dificuldade encontrada pelo sociólogo deve-se ao
fato de estar diante de representações preestabelecidas de seu objeto de estudo que induzem
a maneira de apreendê-lo e, por isso mesmo, defini-lo e concebê-lo. O ponto de partida de
qualquer pesquisa, como escrevia Émile Durkheim em Les régles de la méthode
sociologique, é como " um véu que se interpõe entre as coisas e nós e acaba por dissimulá-
las tanto melhor, quanto mais aparente julgamos ser tal véu" (DURKHEIM apud LENOIR,
1996, p. 61). Trata-se do que ele designava por "pré-noções" que podem tomar a forma de
"imagens sensíveis" ou "conceitos grosseiramente formados"; com efeito, "a reflexão é
anterior à ciência que se limita a utilizá-la de forma mais metódica" (DURKHEIM apud
LENOIR, 1996, p. 61).
Procurou-se não incorrer no erro comum a muitos pesquisadores que se debruçam
sobre determinados fenômenos sociais (suicídio, acidentes de trabalho, etc.) e se deixam
influir por conceitos instituídos por especialistas (médicos, policiais, biólogos, etc.) que
acabam por interferir na forma como os sociólogos constroem suas observações e
explicações sobre esses fenômenos e seus desdobramentos na esfera jurídica.
1. A Ritualização da ordem social:
Segundo Mary Douglas (1970) a ordem ideal da sociedade é estabelecida a partir de
ideais de higiene que consideram que sujeira é essencialmente desordem. A autora afirma
que a definição de sujeira é relativa ao olhar de quem a vê e a sua eliminação se constitui
20
em um esforço positivo que tem por meta organizar o ambiente. A limpeza se constitui em
um esforço de reordenar o ambiente conforme uma idéia: “Perseguindo a sujeira, forrando
de papel, decorando, tingindo, não somos governados pela ansiedade de esperar a doença,
mas estamos positivamente reordenando nosso ambiente, fazendo-o conforme a uma
idéia”.(Douglas, 1970, pág13).
A construção da ordem social é, portanto, um esforço de separação, ordenação e
purificação com o propósito de “relacionar forma e função”, fazer da experiência uma
unidade. Aqui é importante destacar que crenças “reforçam pressões sociais”(
Douglas,1970, pág13) e se constituem em formas de controle social (Elias, 2000).
A partir de idéias como puro e impuro, limpeza e sujeira e as crenças-perigo,
estipula-se um padrão de estruturação das relações sociais e “ a ordem ideal da sociedade é
guardada por perigos que ameaçam os transgressores”.(Douglas, 1970, pág 13). As crenças
de poluição estruturam uma dinâmica social de disputa de status, e são carregadas de
conteúdo simbólico, além de serem usadas como analogia para expressar uma visão geral
da ordem social. Segundo a autora, as “crenças em poluição podem ser usadas num diálogo
reivindicatório e contra reivindicatório de status”.(Douglas, 1970, pág 14). Aqui vale
destacar que estas crenças têm como conseqüência outro aspecto importante, a coesão
social:
“ Pois acredito que idéias sobre separar, purificar, demarcar e punir
transgressões, têm como sua principal função impor sistematização numa
experiência inerentemente desordenada. È somente exagerando a diferença
entre o lado de fora, acima e abaixo, fêmea e macho, com e contra , que um
semblante de ordem é criado. Neste sentido não tenho medo da acusação de
ter feito a estrutura social parecer demasiado rígida”. (Douglas, 1970,
pág15)
A Justiça reproduz a ordem social ao re-atualizar as “crenças-perigo” a partir de
atributos de indivíduos que representam grupos sociais percebidos como os elementos de
“poluição” em nossa sociedade.
Mary Douglas chama a atenção para o fato de que a ordem em uma determinada
sociedade se estabelece a partir de “gestos de separação, classificação e limpeza”.(Douglas,
1970, pág, 7). Porém deve-se atentar para o fato de que “Nenhum conjunto particular de
classificação de símbolos pode ser entendido isoladamente, mas pode haver esperança de
21
eles fazerem sentido em relação a estrutura total de classificação da cultura em questão”.
(Douglas, 1970, pág 8)
A autora também afirma que “qualquer análise de rituais de poluição, hoje em dia,
procuraria tratar as idéias de um povo sobre pureza como parte de um todo
maior”.(Douglas, 1970, pág 8)
Os processos para apuração de ato infracional que analisei na 2
a
. Vara da Infância e
da Juventude revelam que o discurso produzido pelos profissionais técnico-científicos e
pelas autoridades judiciais nas peças processuais, focalizam os atributos individuais que
possam ser objeto de uma valorização negativa.
Dessa forma, através das peças analisadas podemos perceber a construção social do
delinqüente através de práticas discursivas que estigmatizam padrões de comportamento e
estilos de vida que concretizam aos olhos destes operadores da justiça o perigo
representado pela “poluição” que causa a desarticulação da ordem.
De forma parecida ao que demonstra Norbert Elias (2000), podemos afirmar que o
processo de estigmatização deste grupo de jovens portadores de atributos de marginalidade
social, os “outsiders” da nossa sociedade, se realiza através da atribuição ao conjunto do
grupo das características “ruins” de sua porção “pior”. Ou como também afirma o autor, a
“minoria dos piores”(Elias, 2000).
Desta forma o processo de estigmatização social presente na construção social do
delinqüente menor de idade através do processo judicial deve ser compreendido dentro de
um quadro que considere as formas de reprodução da ordem social vigente e das formas de
estigmatização social dos grupos sociais associados nas representações sociais
predominantes à idéia de poluição.
A partir da análise dos processos foi possível perceber que o discurso que constrói a
figura do delinqüente menor de idade se sustenta através da imputação de conceitos
acusatórios, tais como “família desestruturada”, “usuário de drogas”, “evasão escolar” entre
outros que trazem implicitamente uma moralidade e uma visão de ordem social que
questionam os padrões comportamentais e os estilos de vida dos jovens pobres que por
serem marginais são criminalizados.
Ao analisar os registros da Casa de Detenção da Corte Imperial, (Mello, 2001)
conclui que a maioria das mulheres presa no século XIX, não se enquadrava nos padrões
22
morais que vigoravam na sociedade oitocentista. Mulheres adultas e solteiras que não se
enquadravam na organização patriarcal típica eram tratadas como criminosas em potencial.
O processo de criminalização refletia a vigência de valores morais machistas e sexistas que
vigoravam na época e buscava reforçá-los. O autor demonstra que a explicação da
criminalidade das mulheres no século XIX era uma condição da forma de atuação da
polícia, da justiça e dos seus esquemas classificatórios. Desta forma, mulheres solteiras,
adultas, pardas e negras eram os alvos preferenciais da ação policial, “o que garantia às
mulheres casadas, brancas e brasileiras uma virtual imunidade quanto às ações das
autoridades”(Mello, 2001, pág 45).
Estas mulheres que se constituíam em ameaça frente à percepção de ordem que
era dominante a época eram presas por “motivo de vadiagem, desordem, embriaguez e
ofensas á moralidade pública, crimes sujeitos às avaliações subjetivas das autoridades e que
poderiam ser definidos se colocados em oposição à noção de ordem e moral vigente”
(Mello, 2001, pág 39).
Da mesma forma, a criminalização de jovens infratores se estabelece sobre aqueles
que representam ameaça a ordem social vigente. Os ideais de limpeza e higiene que
sustentam a hierarquização da sociedade e a consolidação de uma ordem social
correspondem ao processo de “construção social da realidade”.
1.2-A construção social da realidade:
Peter Berger e Luckman (1983) demonstram que “a vida cotidiana apresenta-se
como uma realidade interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para
eles na medida em que forma um mundo coerente”. (pág 35) Os atores sociais, por meio de
mecanismos de tipificação, apreendem a realidade da vida cotidiana como uma realidade
ordenada.
Segundo este autor, a estrutura social possibilita a reprodução de padrões de
interação social:
“A estrutura social é a soma dessas tipificações e dos padrões recorrentes de
interação estabelecidos por meio delas. Assim sendo, a estrutura social é um elemento
essencial da realidade da vida cotidiana”.(Berger, 1983, pág 52)
23
A construção social da realidade opera-se através de um processo social de
intersubjetividade:
“A realidade da vida cotidiana, além disso, apresenta-se a mim como um mundo
intersubjetivo, um mundo de que participo juntamente com outros homens. Esta
intersubjetividade diferencia nitidamente a vida cotidiana de outras realidades das quais
tenho consciência”. (Berger, 1983, pág 40).
A realidade da vida social é apreendida através do mundo intersubjetivo do senso
comum, sendo este estruturado a partir de significados subjetivos compartilhados. A
construção social da realidade é o processo de experiência subjetiva da vida cotidiana
através de interpretações da realidade que assumem o caráter de “suposição indubitável”.
È importante destacar que a consciência da realidade se opera através da construção
de significados sobre “objetos de experiência” pois a “consciência é sempre
intencional”.(Berger, 1983, pág, 37).
Segundo Berger, diferentes realidades se apresentam ás consciências individuais,
porém a realidade da vida cotidiana “se apresenta como sendo a realidade por excelência”.
(Berger, 1983, pág 38) Tal fato parece justificar-se pela necessidade dos atores sociais
definirem suas ações no momento presente, no “aqui e agora” ao redor do qual se encontra
organizada a realidade da vida cotidiana:
“Apreendo a realidade da vida diária como uma realidade ordenada. Seus
fenômenos acham-se previamente dispostos em padrões que parecem ser independentes da
apreensão que deles tenho e que se impõem a minha apreensão”.(Berger, 1983, pág 38).
Os conceitos de Peter Berger ajudarão a compreender como o processo de
construção social da realidade é também o processo de construção da ordem social. Como a
lógica do senso comum erige os significados partilhados intersubjetivamente para a
construção dos esquemas classificatórios que definem o que é ordem e o que representa a
desordem.
A realidade da vida social é compartilhada intersubjetivamente e é produzida nos
processos de interação social. Berger afirma que a interação face a face é o caso
“prototípico” da interação social. A interação social é o caso mais importante de
experiência com a alteridade: “Na situação face a face o outro é plenamente real, esta
24
realidade é parte da realidade global da vida cotidiana e como tal maciça e
irresistível”.(Berger, 1983, pág 47)
A ênfase neste aspecto se deve ao fato de que na presente dissertação tenho como
fonte de pesquisa documentos profissionais e peças processuais que são produzidos a partir
dos relatos de jovens infratores que são colhidos em situações de interação face a face.
Nesses casos, o outro é apreendido a partir de esquemas tipificadores. Porém, devido ao
fato de que tal interação expõe de forma intensa a subjetividade dos atores que interagem,
os esquemas tipificadores entram em um processo de intensa negociação: “Dito de maneira
negativa, é relativamente difícil impor padrões rígidos á interação face a face. Sejam quais
forem os padrões que se introduza terão de ser continuamente modificados devido ao
intercâmbio extremamente variado e sutil de significados que tem lugar”. (Berger, 1983,
pág 48)
Porém, Berger acentua que mesmo que a interação face a face produza uma intensa
demonstração da subjetividade alheia, o outro é apreendido por meio de esquemas
tipificadores: “Noutras palavras, embora seja extremamente difícil impor padrões rígidos a
interação face a face, desde o início ela já é padronizada se ocorre dentro da rotina da vida
cotidiana”. (Berger, 1983, pág 49)
A interação face a face pode produzir a alteração de esquemas tipificadores
principalmente quando propicia a individualização e a quebra do anonimato do tipo social.
Porém o que gostaria de salientar como aspecto decisivo da interação face a face no caso da
presente dissertação se refere ao fato de que o contato breve dos jovens infratores com os
profissionais técnico – científicos e demais autoridades judiciais que se pronunciam nas
peças processuais do processo de apuração do ato-infracional não possibilitam a alteração
dos esquemas de tipificação
Estes encontros estão marcados pela necessidade de produção de documentos que
sustentam a definição de sentenças judiciais. A função da justiça como instituição
garantidora da ordem social e que sustenta a sua ação a partir da prática de exames que
tipifiquem comportamentos inadequados, marca decisivamente as interações face a face dos
profissionais com os jovens infratores.
Os documentos que são produzidos não prezam pela singularidade individual, ao
contrário, mantêm o anonimato do jovem infrator e reforçam esquemas tipificadores que
25
criminalizam o grupo social e sustentam-se na reprovação dos atributos que são vistos
como fatores de perturbação da ordem social.
Aqui vale destacar que nas unidades do Degase, (Departameto Geral de Ações
Sócioeducativas) os profissionais técnicos-científicos não participam do dia a dia dos
jovens infratores no curso da aplicação de medidas sócio-educativas. As interações face a
face se resumem a encontros esporádicos para a produção de relatórios interprofissionais.
Tais encontros se resumem ao tempo necessário para a produção do laudo técnico e a prova
cabal do não envolvimento destes profissionais em um processo sócio-educativo abrangente
se demonstra no fato de que os laudos técnico-científicos não fazem referência a este
envolvimento, conforme pude verificar através da análise dos dados empíricos coletados na
presente pesquisa.
Dessa forma, a Justiça da infância e da Juventude, ao lançar mão de esquemas
classificatórios e tipificadores que criminalizam jovens de origem pobre, reforça a visão
que predomina socialmente a respeito de ordem e desordem e acaba por operar a construção
social do delinqüente menor de idade.
Norbert Elias (2000), em seu livro “Estabelecidos e Outsiders”, se debruça sobre o estudo
de uma comunidade na Inglaterra na década de 50. A comunidade de Winston Parva era
formada por um bairro mais antigo que tinha ao se redor duas povoações formadas
posteriormente.
Inicialmente o objeto de estudo de Elias se referia ao fato de que um desses bairros
supostamente possuía um índice de delinqüência superior em relação aos outros. Elias
percebeu que os diferenciais de delinqüência entre os três bairros não eram tão
significativos, desaparecendo completamente no terceiro ano de pesquisa. A partir desta
constatação Elias redefiniu o seu objeto de pesquisa, “dos diferenciais de delinqüência para
as diferenças de caráter desses bairros e para as relações entre eles”.(Elias, 2000, pág 15)
A representação corrente entre os moradores do local sobre o fato de que um bairro
possuía um alto índice de delinqüência seria reflexo das relações de poder e status entre os
grupos dos três bairros. O objeto da pesquisa deixou de ser o problema da delinqüência e
passou para o problema mais geral da relação entre as diferentes zonas da mesma
comunidade.
26
Elias descobriu que o grupo de residentes mais antigos que se concentravam em um
dos três bairros se constituía em um grupo de estabelecidos que se tornou coeso cerrando
fileiras contra os residentes mais novos, estigmatizando-os como pessoas de menor valor
humano. A criação de uma auto-imagem de superioridade em relação ao grupo de
residentes mais novos, assegurava ao grupo de estabelecidos um diferencial de poder e
instaurava no quadro de uma interdependência uma sócio-dinâmica de estigmatização.
Aqui vale destacar que ambos os grupos se assemelhavam no que se refere a
composição social do ponto de vista da renda, da condição étnica, ocupação, nível
educacional entre outros fatores:
“Ali, podia-se ver que a “antiguidade” da associação, com tudo o que ela implicava,
conseguia, por si só, criar o grau de coesão grupal, a identificação coletiva e as normas
comuns capazes de induzir à euforia gratificante que acompanha a consciência de pertencer
a um grupo de valor superior, com o desprezo complementar por outros grupos”. (Elias,
2000, pág.21).
O critério de “antiguidade” de associação era o único que poderia diferir os grupos e
era a partir dele que se estruturava um processo de exclusão e estigmatização do grupo
outsider.
A sóciodinâmica da estigmatização decorre de um quadro contextual onde um grupo
estabelecido dotado de maior coesão social e armado de posições de poder consegue
reafirmar sua coesão social estigmatizando um grupo social interdependente.
Aqui deve-se destacar que a representação negativa à respeito de um grupo social é
construída através de “uma figuração específica que dois grupos formam entre si”.(Elias,
2000, pág 23)
Elias faz a seguinte afirmação:
“Como indica o estudo de Winston Parva, o grupo estabelecido
tende a atribuir ao conjunto do grupo outsider as características “ruins” de
sua porção “pior”- de sua minoria anômica. Em contraste, a auto-imagem
do grupo estabelecido tende a se modelar em seu setor exemplar, mais
“nômico” ou normativo-na minoria de seus “melhores” membros. Essa
distorção pars pro toto,em direçãoes opostas, faculta ao grupo estabelecido
provar suas afirmações a si mesmo e aos outros; há sempre algum fato para
provar que o próprio grupo é “bom” e que o outro grupo è “ruim”. (Elias,
2000, pág.22.)
27
O estudo de Elias nos ajudará a comprender a sóciodinâmica da stigmatização
produzida a partir da interação entre os jovens infratores e os profissionais que produzem as
peças jurídicas analisadas na presente dissertação.
1.3 A criminalização de jovens marginalizados:
A construção social do delinqüente menor de idade que pode ser verificada nos
processos de apuração de ato-infracional se constitui em um processo de criminalização da
de jovens em condição de marginalidade social. A “marginalização da criminalidade” e a
“criminalização da marginalidade”(Coelho, 2000), se constitui na conseqüência de uma
visão amplamente difundida em diversos segmentos sociais, que estabelece nexo causal
entre marginalidade social e criminalidade. Os indicadores de marginalidade social são a
pobreza decorrente do desemprego, subemprego, além de atributos como a baixa
escolaridade.
O crime comum violento, “violência das ruas”, se constitui em fator gerador de
medo para os cidadãos que vivem nos grandes centros urbanos. No senso comum, a
criminalidade urbana se encontra associada aos segmentos sociais marginalizados. Segundo
o autor, esta associação se constitui em uma “causalidade problemática” e o foco de seu
trabalho reside no questionamento da relação de causalidade entre marginalidade social e
criminalidade urbana.
As estatísticas oficiais que dão suporte ás análises que estabelecem nexo causal
entre marginalidade social e criminalidade registram os crimes conhecidos da polícia e as
prisões efetuadas têm reduzido grau de validade, pois obscurecem o fato de que existem
diversos fatores sociais que se encontram presentes no processo de reação social ao crime.
Um destes aspectos que pode ser ressaltado refere-se, por exemplo, ao processo de
estigmatização de determinados grupos sociais que se tornam os alvos preferências da ação
policial:
“Também os estereótipos que os policiais têm do criminoso ou
infrator contumaz das leis constituem referências importantes para sua
atuação; e como indivíduos de status sócio-econômico baixo são aqueles
que mais se ajustam a estes estereótipos, são eles que constituem os alvos
por excelência da ação policial, seja esta o mero uso da violência ou
detenção.” (Coelho, 1978, pág 153)
28
Vale ressaltar que o autor afirma que o tratamento discriminatório aos portadores de
atributos de marginalidade social ocorre também nas outras etapas do tratamento judicial do
delito. A criminalização de indivíduos pela aplicação de estereótipos ocorre também nos
tribunais. Analisando pesquisas da época em que publicou seu trabalho, Coelho afirma que:
“Dados relativos às etapas subseqüentes do funcionamento do
sistema criminal padecem dos mesmos vícios .....Inúmeras pesquisas têm
produzido evidências de que as probabilidades de um indivíduo receber
tratamento discriminatório mais severo em qualquer destas etapas não são
distribuídos aleatoriamente”. (Coelho, 1978, pág 154 )
O processo discriminatório se realiza aplicando estereótipos criminais a indivíduos
marginalizados. O processo de criminalização que se reflete nas estatísticas oficiais encobre
o fenômeno da “delinqüência encoberta”.(infrações cometidas e não detectadas pela
polícia) e também o fato de que indivíduos de classe média e alta possuem “imunidades
institucionais”, ou seja, não é possível aplicar o rótulo de criminoso nestes indivíduos. A
seguinte passagem do texto de Edmundo Coelho possui importância específica para o
estudo do objeto da presente dissertação:
“A comparação das informações coletadas através destas entrevistas
com os prontuários policiais e os resultados das amostras nacionais têm
produzido descobertas surpreendentes quando confrontadas com as de
estudos mais convencionais. Como era de se esperar, revelam que a
extensão da delinqüência encoberta-infrações cometidas e não detectadas
pela polícia –é considerável, mas, sobretudo, que são jovens de status sócio-
econômico mais alto que violam as leis mais freqüentemente e com maior
gravidade; na pior das hipóteses, os resultados destas investigações
mostram que não existem diferenças significativas entre as classes no que
diz respeito à incidência na delinqüência. O que ocorre, e está refletido nas
estatísticas oficiais, é que as pessoas de classe mais baixa não possuem
imunidades institucionais das classes média e alta, e por isso tem mais
probabilidade de serem detectadas, detidas, processadas e condenadas”.
(Coelho, 1983, pág 155)
Essa passagem é importante para um deslocamento do olhar sobre o fenômeno da
criminalidade. A pergunta que deve ser feita não deve mais ser “porque os criminosos são
como são?” e sim “por que um mesmo comportamento pode ser uma infração quando
cometido por certas classes de pessoas, mas não quando cometido por outras?”(Coelho,
1978, pág 155)
29
Ao estudar o processo de criminalização de jovens infratores pela justiça da infância
e da juventude procuro compreender como a criminalização de jovens infratores se
estabelece sobre jovens pobres que não possuem as “imunidades institucionais”(pág 155)
referidas por Edmundo Coelho. A construção social do delinqüente menor de idade é o
processo pelo qual a rotulação do comportamento criminoso se opera pela aplicação de
estereótipos e principalmente pela justificação do comportamento criminoso de jovens
pobres pelos saberes dos profissionais técnicos-científicos e as ideologias sobre o crime.
Os discursos destes profissionais justificam os estereótipos que estão presentes
desde a fase inicial do processo de criminalização como se exemplifica na ação policial até
as fases mais avançadas, quando o juiz sentencia a execução da medida sócio-educativa.
Vale atentar para esta passagem do texto de Coelho sobre a ação da autoridade judicial: “È
certo que em tudo isso não há discriminação aberta; mas se a decisão de discriminar ocorre
no contexto da justificação de estereótipos e ideologias sobre o crime, o criminoso e a
punição, a autoridade envolvida terá mais liberdade para fazê-lo”. (Coelho, 1978, pág 175)
De toda forma, vale destacar que não existem indicações válidas de que jovens
oriundos da pobreza pratiquem delitos em proporção maior do que jovens de classes sociais
mais abastadas. Ocorre que aos primeiros é mais fácil aplicar estereótipos e rotulá-los como
criminosos. Frente ao dado de que os crimes mais praticados por adolescentes e que
justifica o maior número de casos processados pela 2
a
. Vara da Infância e da Juventude se
refere à lei de entorpecentes, é estranho o fato de que na maioria destes casos somente
jovens oriundos das classes pobres se encontrem acautelados pelo cometimento deste
delito, quando se sabe que um grande contingente de jovens de classe média fazem uso
regularmente de substâncias entorpecentes.
Porém, estes jovens são oriundos de famílias que possuem nível de renda mais
elevado, em muitos casos possuem escolaridade mais elevada, seus genitores muitas vezes
possuem ocupação laborativa mais respeitável, entre outros fatores que conferem a estes
jovens as “imunidades institucionais” e impedem a aplicação de estereótipos. É isso que
nos permite compreender porque alguns comportamentos são tratados como criminosos a
partir de mecanismos sociais de rotulação e estigmatização.
A criminalização do uso de drogas está associada com a rotulação de
comportamentos considerados desviantes e a atributos de marginalidade social. Os
30
operadores da lei não criminalizam severamente indivíduos com os quais compartilham
homogeneidade cultural:
“Os responsáveis pela aplicação e elaboração das leis receiam
antagonizar os homens de negócio; existe homogeneidade cultural entre
legisladores, juízes e empresários em geral (pertencem ou participam do
mesmo universo moral); existe entre os legisladores a crença de que estes
respeitáveis cidadãos não reincidiram se lhes for aplicada uma legislação
amena e, finalmente, homens de negócio, médicos e outras categorias de
prestígio simplesmente não se enquadram no estereótipo do criminoso”.
(Coelho, 1978, pág 156)
A citação do trecho acima é pertinente para pensar porque jovens de classe média se
livram da severidade com que a justiça trata os jovens pobres. Se profissionais de classe
média, entre outros cidadãos considerados cidadãos respeitáveis, estão imunes a aplicação
do estereótipo criminoso, naturalmente seus filhos também estão. Da mesma forma sobre os
filhos destes senhores recai a crença de que uma legislação amena é suficiente para que não
haja reincidência.
O processo de criminalização de jovens em condição de marginalidade social é uma
“reação”ou “resposta política” a segmentos sociais que representam a ameaça à ordem para
vastos segmentos sociais. Não importa o ato cometido e sim o fato de que ao ser
estigmatizado desenvolve-se um processo de rotulação do “tipo criminoso” que se opera
através da ação policial e dos tribunais. Opera-se um processo coercitivo que leva
indivíduos a procederem da forma que a “audiência” espera, através do desempenho de
papéis sociais ou “roteiros típicos”.
Ao analisar os processos que se constituem na fonte empírica da presente
dissertação, verifico como esse processo de rotulação do “tipo criminoso” se consolida no
processo jurídico através de discursos que legitimam a aplicação de estereótipos no que se
refere a estilos de vida, modelos familiares, entre outros atributos, sobre os quais se assenta
a construção social do jovem delinqüente.
1.4 A construção social do adolescente em conflito com a lei
A construção social do delinqüente menor de idade deve ser pensada como um
fenômeno social que reforça as concepções morais vigentes e concretiza uma idealização de
ordenamento social. Dentro desta perspectiva, a justiça da Infância e da Juventude opera
31
um processo de criminalização que reflete a forma como se constroem socialmente
esquemas classificatórios que definem ordem e desordem.
Os segmentos sociais que apresentam atributos de pobreza são aqueles sob os quais
se aplicam os estereótipos que rotulam o comportamento criminoso. Os jovens de origem
pobre representam a sujeira, a impureza que representa o perigo para a ordem social. Em
decorrência desta crença, espera-se que a justiça realize uma missão saneadora, entregando
os jovens delinqüentes às instituições encarregadas de separar estes jovens “impuros” do
convívio social.
Os discursos profissionais que justificam os estereótipos oferecem legitimidade
científica a esta operação saneadora. Ao condenar os atributos sociais de jovens pobres,
naturalizam a delinqüência como conseqüência da “pobreza” do “desemprego”, da “família
desestruturada”. Dessa forma opera-se a criminalização da marginalidade.
A construção social do delinqüente menor de idade reforça a ordem social e as
crenças-perigo. O perigo que configura a imagem do jovem morador de favela, negro, com
baixa escolaridade que constrói sua identidade compartilhando signos que se expressam em
estilos de comportamento, gostos musicais etc.
Ao analisar os processos, observo que da mesma forma, os jovens sentenciados em
sua maioria encarnam atributos que os opõem a moralidade vigente, tal como Mello(2001)
observou em seu estudo sobre mulheres presas no Império. Vale destacar ainda que da
mesma forma o delito que mais justifica o acautelamento de jovens infratores que se refere
a lei de entorpecentes também está sujeito à avaliações subjetivas e só podem “ser definidos
se colocados em oposição à noção de ordem e moral vigentes” pois a reação social frente o
uso de substâncias entorpecentes não se dá da mesma forma para indivíduos que pertençam
a classes sociais diferentes.
A criminalização do uso ou comércio de substâncias entorpecentes está
condicionada na maioria das vezes a aplicação do rótulo de criminoso. Tal rótulo depende
dos estereótipos aplicados à marginalidade social.
32
2. O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
ALGUNS OBSTÁCULOS PARA A SUA EFETIVAÇÃO
No presente capítulo procuro estabelecer uma breve reflexão sobre alguns
aspectos que podem ajudar a compreender por que, passados 16 anos da aprovação do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não seja possível verificar uma mudança
substantiva no atendimento à jovens infratores acusados da prática de atos infracionais.
Apresento o contexto histórico em que se deu a aprovação do ECA, a reflexão de
alguns autores sobre os motivos da persistência de práticas de violência institucional e das
dificuldades das instituições de acautelamento de infratores para se adequarem ao
paradigma da proteção integral e um breve histórico do atendimento de jovens infratores
em nosso país com o propósito de demonstrar que práticas discriminatórias sempre
estiveram presentes na seara da justiça menoril.
Apesar do Brasil ter adotado a Doutrina da Proteção Integral, ainda são comuns
relatos sobre maus-tratos, entre outras formas de violência institucional que são bastante
comuns na história de nosso país.
Neste capítulo apresento reflexões de autores que estudam o atendimento
institucional à jovens infratores em nosso país e enfatizam a violência praticada no interior
das instituições de atendimento e sua inadequação física como o principal motivo que
determina que não se visualize ainda hoje uma mudança substantiva no atendimento
institucional dos jovens infratores em nosso país. Em outras palavras, a persistência de
práticas de caráter meramente punitivo no interior das instituições de atendimento a jovens
infratores, seria decorrente do fato de não ter ocorrido um “reordenamento institucional”,
conforme preceitua o ECA.
Dessa forma, procuro salientar que a contribuição destes autores, que se caracteriza
por uma forte crítica institucional, não nos deve deixar de perceber outros fatores que
contribuem para que não se verifique no atendimento à jovens infratores a transformação
que se esperava a partir da adoção do paradigma da proteção integral.
33
A crítica institucional por si só é insuficiente para a explicação do quadro atual se
não se analisar o processo de construção social do delinqüente menor de idade. A análise
não deve focar apenas a dimensão institucional, mas também deve-se estudar como na
esfera jurídica opera-se um reforço dos valores morais e da ordem social vigente a partir da
aplicação de estereótipos em jovens que são vistos como ameaçadores a ordem social.
2.1 A aprovação do ECA e seu significado:
A aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, se deu a partir
de intensos debates acerca da melhor forma de tratar o problema da infância e da juventude.
No momento deste debate, o Brasil já havia adotado a doutrina da proteção integral para o
tratamento da infância e adolescência com a promulgação da constituição de 1988.
No artigo 227 da referida constituição o Brasil adotou a Declaração Universal dos
direitos da Criança. Ao se referir à absorção na constituição dos ideais universais
estratificados em documentos da ONU deve-se destacar especialmente as Regras Mínimas
das nações unidas para a administração da Justiça de Menores que ficaram conhecidas
como as regras de Beijing.
A promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 aboliu o código
de menores que vigorava desde 1979 e dessa forma propiciou dois movimentos
fundamentais na legislação sobre menores. O primeiro se reveste de caráter preventivo e
argumenta que as crianças e adolescentes, são sujeitos portadores de direitos. Dessa forma,
a sociedade civil é co-responsável quanto ás políticas, programas e projetos destinados ao
atendimento da população juvenil.
Um segundo aspecto fundamental se refere ao fato de que ao romper com o modelo
tutelar que caracterizava a legislação anterior, o ECA atribui amplo direito de defesa ao
adolescente acusado de cometimento de ato infracional, que dessa forma não pode ser mais
mero objeto de uma intervenção judiciária sem forma e sem limites.
O código de menores, que vigorava desde 1979, se baseava na Doutrina da
Situação Irregular que define como objeto do campo do direito do menor àqueles jovens
que se encontram em condição de “patologia social”, entendida esta como produto da
34
pobreza. A Justiça deveria intervir nestes casos com o propósito de prevenir o abandono e a
delinqüência.
Este código não considerava a criança e o adolescente com sujeitos portadores de
direitos que deveriam ser garantidos prioritariamente. A legislação incidia apenas sobre os
jovens que se encontravam em situação de negligência ou abandono familiar, os quais
deveriam permanecer sob tutela do estado. O modelo assistencial-repressivo teve sua maior
expressão nas unidades da extinta Funabem (Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor)
onde eram internados os carentes e abandonados e aprisionados aqueles que praticavam
delitos.
A questão da infância e juventude era tratada não pela ótica dos direitos da
cidadania e sim pelo entendimento de que se trataria de um problema de segurança
nacional. A promulgação do ECA permitiu uma inversão desse quadro no plano jurídico a
partir da institucionalização da doutrina da proteção integral, que determina o acesso
privilegiado de crianças e adolescentes aos direitos da cidadania, o que implica a
“discriminação” positiva destes segmentos.
Vale destacar que os direitos devem ser assegurados para todos os jovens, inclusive
aqueles que são apreendidos pela prática de ato-infracional. Constitui-se em uma legislação
que procura atuar sobre toda a população jovem e não apenas sob um grupo restrito. A
noção basilar “pessoas em desenvolvimento” presente no artigo 6º do estatuto define na lei
a perspectiva de que criança e adolescente como pessoas em desenvolvimento, precisam de
assistência adequada a cada fase do desenvolvimento humano.
Desfaz-se desta forma a utilização do termo pejorativo “menor”, o qual seria objeto
da intervenção do estado e são consideradas apenas crianças e adolescentes cujos direitos
devem ser atendidos prioritariamente.
O ECA considera que menores de 18 anos considerados devem “seres humanos em
desenvolvimento” são inimputáveis e portanto, não recebem penas pelo cometimento de
atos infracionais e sim medidas sócio-educativas. Tais medidas não são penas e, portanto,
não possuem caráter retributivo, mas antes disso visam restaurar a cidadania dos
adolescentes em conflito com a lei a partir de ações de cunho pedagógico.
As medidas podem ser ou não restritivas de liberdade, porém, a lei restringe a
utilização da medida de internação, que envolve restrição de liberdade, que não pode em
35
hipótese alguma exceder o prazo máximo de três anos e cuja aplicação está condicionada a
gravidade do delito, à prática reiterada de atos-infracionais graves ou ao descumprimento
da medida judicial aplicada. A especificidade da medida de internação é definida no ECA
da seguinte forma: “A medida sócio-educativa da internação, de natureza
institucionalizante, é medida privativa de liberdade , sujeita aos princípios de brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento(art121
caput).
Vale destacar que ao instituir o direito de defesa e a brevidade e excepcionalidade
da medida sócio-educativa restritiva de liberdade o ECA opera uma profunda ruptura com a
legislação anterior, pois o código de menores não permitia o direito de defesa de jovens sob
acusação de ato infracional previsto no código penal.
A delimitação de um período máximo de internação rompe com a perspectiva
anterior que considerava que a indeterminação da sentença era válida em decorrência do
suposto sentido protetivo da tutela, pois os efeitos seriam mais eficazes quanto maior a
duração da sentença.
A partir do que foi exposto é possível concluir que a promulgação do ECA
consubstanciou a vitória de segmentos sociais, juristas, intelectuais, movimentos sociais,
que buscavam uma reforma profunda no tratamento institucional à questão da infância e
juventude no Brasil. Tal vitória tornou-se possível em um momento propicio à
reivindicações que postulassem o alargamento dos direitos civis, inclusive de segmentos
populacionais historicamente excluídos desses direitos. Vale ressaltar que:
“Na luta pela aprovação dos capítulos pertinentes à criança e ao
adolescente, merecem destaque o Movimento Nacional de Meninos e
Meninas de Rua, a Associação Brasileira de Proteção à Infância e à
Adolescência (ABRAPIA), a OAB, a Pastoral do Menor da CNBB, a
Sociedade Brasileira de Pediatria, a Frente Nacional de Defesa dos Direitos
da Criança e do Adolescente, dentre outros. Cabe ressaltar a atuação da
Frente Parlamentar pelos Direitos da Criança, uma aglutinação de
deputados e senadores das mais variadas tendências políticas que
ultrapassou aspectos políticos e partidários, dando maior agilidade à
tramitação do texto. O resultado foi a aprovação da matéria por 435 votos
favoráveis; sendo apenas 8 votos contrários. O fenômeno se repetiu na
votação da lei 8.069/90 (ECA), que foi aprovada por unanimidade pelo
colégio de líderes de todos os partidos. Como foi unânime, sequer houve a
necessidade de votação de cada parlamentar”.(Bastos, 2002, pág 41)
36
Mas é necessário observar que após 16 anos da promulgação da lei, a sua eficácia
encontrou como obstáculo práticas culturais e institucionais arraigadas.
Deve-se destacar ainda que cresce entre juristas e segmentos da sociedade civil a
crítica sobre a questão da inimputabilidade penal de crianças e adolescentes conforme
determina o ECA.
Segundo alguns críticos do ECA, a inimputabilidade penal de menores de idade
seria o sinônimo de não – responsabilidade. O fato de adolescentes infratores não
responderem penalmente pelos atos praticados seria um fator que propiciaria a percepção
de impunidade pelos adolescentes.
Desse raciocínio deriva a compreensão de que o crime organizado procuraria se
beneficiar deste fato cooptando jovens para a participação no varejo do narcotráfico. Por
este motivo, muitos críticos do ECA começam a advogar a redução da maioridade penal.
Em resposta a estas críticas vale destacar que não se deve confundir
inimputabilidade com responsabilidade. Embora os adolescentes sejam inimputáveis frente
ao direito penal eles são imputáveis frente as normas definidas pela legislação especial que
configura o ECA. (Amaral e Silva, 1988, apud, Bastos, 2002, pág 44)
2.2-A questão institucional- A Crítica Institucional:
A adoção do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, precedido por
algumas mudanças legislativas que sinalizaram uma profunda transformação no plano
jurídico da abordagem do tratamento dado a questão da infância e da juventude, constitui-se
em ponto culminante da “desconstrução do modelo assistencial – repressivo” no tratamento
da infância. Desde então a legislação sobre o tema deixou de oferecer suporte às técnicas
repressivo-tutelares.
A mudança doutrinária instaurada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
propiciou o abandono do paradigma da situação irregular que informava o antigo Código de
Menores em proveito da adoção da doutrina da proteção integral. Ao afirmar a inclusão dos
direitos das crianças e adolescentes nos códigos legislativos e ao afirmar a prioridade de
acesso destes segmentos aos direitos da cidadania constitui-se no plano jurídico, como
conseqüência “a discriminação positiva da criança e do adolescente”(Gonçalves, 2005)
37
Verifico, a partir de uma breve revisão bibliográfica o fato de que alguns dados nos
levam a perceber que a garantia de direitos pouco avançou desde 1990.
Ao analisar este fato, alguns autores realizam uma reflexão sobre a realidade do
aparelho institucional destinado ao acautelamento de adolescentes infratores, as unidades
de internação e semiliberdade de instituições como a Febem de São Paulo ou o Degase no
Rio de Janeiro e concluem que uma das principais razões para o insucesso do ECA no que
se refere ao tratamento que deve ser destinado à adolescentes infratores, com ênfase em
ações pedagógicas de caráter sócio-educativo, decorre do fato de não ter ocorrido um
“reordenamento institucional” conforme preconizava o ECA:.
“Isto significa que, a despeito da adoção do modelo da proteção integral,
terminamos perdendo terreno para a crença arraigada de que a repressão e a
exclusão são as estratégias básicas de intervenção sobre a infância e a juventude.
Em particular no que diz respeito ao tratamento dos adolescentes autores de
infração penal para os quais os direitos são comumente negados e a repressão
seguidamente reclamada, temos assistido a um recrudescimento de modelos
repressivos” (Gonçalves, 2005, pág 38)
A autora analisa as razões da permanência das práticas repressivas instaladas nas
instituições sociais em face da proposta do que ela denomina como “contrato social em prol
da cidadania”, que seria expresso no ECA. Esse fato seria conseqüência da existência de
práticas cristalizadas nos profissionais e nas instituições, ou seja, pela existência de
“micropoderes” que atuam no sentido de conservar quadros institucionais que precedem ao
Estatuto:
“Assim, a prática termina em muitos casos referendando a doutrina da
situação irregular, abrindo caminho tanto para a defesa da doutrina do
direito penal do menor quanto para as propostas de rebaixamento da idade
penal, que integram o direito penal juvenil. A análise do alcance dos
princípios estabelecidos pelo estatuto não pode desconsiderar o fato de que
a lei ingressa e se comunica com os fatos sociais. (Gonçalves,2005, pág 38)
Aqui se encontra um dos principais argumentos da autora:
“Com a adesão do estatuto da criança e do adolescente teve início
uma disputa ideológica que visava na prática a ruptura com o modelo
assistencial e repressivo. Não obstante, resistências presentes no campo do
debate jurídico, nas instituições que atendem os adolescentes que cometem
38
ato infracional e em conjunto de representações sociais negativas sobre
estes jovens, impediu que a alteração da lei produzisse as mudanças sociais
esperadas”.(Gonçalves,2005, pág 39)
A autora afirma ainda que
“dada à interação entre norma legal e as práticas, a análise do alcance dos
princípios estabelecidos pelo estatuto não pode prescindir do exame das
circunstâncias da aplicação da lei. A promulgação do estatuto deu-se no
contexto dos anos de 1980, mas, após a promulgação do mesmo, outro tipo
de embate teve e tem lugar no processo de tradução de seus princípios em
políticas, programas e ações concretas. Este segundo embate permite
desvelar linhas de disputa, algumas vitoriosas, outras derrotadas que
seguem em contenda quando os princípios legais exigem tradução política,
único modo de conquistarem efetiva existência no campo
social”.(Gonçalves, 2005,pág 39)
Um segundo argumento da autora diz respeito à impossibilidade de implantação dos
direitos das crianças e adolescentes em decorrência do fato de que nas últimas décadas
houve uma redução da capacidade do Estado em atender demandas de bem-estar social.
Essa afirmação é feita posteriormente à realização de uma análise sobre a estrutura dos
serviços públicos de bem-estar e a ação política do Estado. “Os direitos de cidadania que o
estatuto assegura as crianças e jovens brasileiros são afetos, basicamente, às áreas de
saúde, educação e assistência social, conjunto compreendido como políticas de bem estar e
de ação política do Estado” (Draibe, apud Gonçalves, p. 45, 2005).
Ao analisar as políticas de bem estar e os gastos do Estado nessa área, a autora
prioriza o indicador “gasto social total”, definido como a medida de recursos públicos
alocados aos programas sociais nos níveis governamentais federal, estadual e municipal. A
partir da análise desses dados, a autora procura demonstrar que a década de 90
caracterizou-se pelo crescimento de déficit social decorrente de reformas sociais,
econômicas e políticas que se notabilizavam pela restrição de gastos sociais.
Estes pontos representam uma profunda ruptura com a legislação anterior. O código
de menores que se baseava na doutrina da “situação irregular” não permitia o direito de
defesa sob acusação de prática de ato-infracional previsto no código penal. Porém a
“proteção dava-se sob tutela jurídica e tinha como implicação a restrição da liberdade de
jovens. Dessa forma ocultava-se o caráter punitivo da sentença, sustentava-se a falácia da
proteção e negava-se o direito de defesa.”(Gonçalves,2005, pág 49)
39
Considerando que o estatuto visa à aplicação de medidas de caráter sócio-educativo
(que visam o ato e reparar o dano social) e medidas protetivas (que visam assegurar direitos
violados) além de procurar assegurar direitos a crianças e jovens, é importante perceber que
ele tem por objetivo “garantir direitos mesmo durante a vigência da medida sócio-
educativa. Vale dizer, o cometimento da infração não faz cessar o direito”(Gonçalves,2005,
pág 49)
Zamora (2005) também enfatiza a precariedade da realidade institucional como um
dos fatores decisivos para que se compreenda os motivos para o insucesso do ECA. A
autora dirigiu uma pesquisa-ação no Degase através da qual realizou um curso de
capacitação para os funcionários desta instituição que lidam com os jovens infratores.
Ao apresentar os resultados da pesquisa a autora faz a afirmação de que além da
falta de investimento nas unidades do Degase, o insucesso desta instituição em desenvolver
políticas sócio-educativas seria decorrente da persistência de práticas institucionais
arraigadas, que contrariam as diretrizes do ECA.
Em seu artigo a autora afirma que os objetivo do curso de capacitação seria o de
incidir contrariamente à práticas institucionais violentas com o propósito de “inspirar
iniciativas pedagógicas e técnicas interessadas em construir uma prática coerente com o
Estatuto da Criança e do Adolescente.”
Ao relatar os fatores que motivaram a sua pesquisa a autora afirma ter feito uma
pesquisa bibliográfica que havia percebido a existência de “ um padrão nacional de maus-
tratos de monitores contra jovens e também de tolerância a confrontos violentos entre eles
nas instituições de atendimento ( Amnistia Internacional,1997; Assis, 1999; Bastos, 2002)”
(Zamora, 2005).
Além da violência física perpetrada por funcionários no interior das instituições, a
precariedade física das instituições também seria um dos fatores que justificariam o
insucesso do ECA, pois a autora afirma ainda que:
Se esses problemas do sistema sócioeducativo fossem poucos,
ainda teríamos a grave questão das condições físicas das unidades de
internação e semiliberdade, com alojamentos precários, esgotos aparentes,
animais nocivos circulando e existência de celas de isolamento; condições
bastantes para comprometer qualquer intenção séria de constituir uma
política de atendimento e respeito aos preceitos do Estatuto da Criança e do
Adolescente”( Zamora, 2005, pág 81)
40
A ênfase na crítica das instituições de acautelamento consideradas o elemento
crucial para a compreensão do insucesso do ECA fica mais evidente quando a autora afirma
que: “para realizar um projeto educativo, no caso da medida de internação, as unidades
41
A análise tendo como foco as instituições e as práticas punitivas que se materializam
na violência praticada por funcionários tem como conseqüência a proposição de políticas
que intervenham no quadro institucional. Desta forma, o autor citado, afirma que:
no entanto, somente por meio de uma adequada capacitação dos
profissionais responsáveis pelo comportamento disciplinar dos
adolescentes em desajuste social obteremos um resultado
compensador. Capacitar e manter atualizado o agente de disciplina,
mediante cursos periódicos, é fundamental para o resultado dos
demais programas. Esta capacitação deve priorizar a compreensão dos
mecanismos (formais e informais) estabelecedores de bons
relacionamentos entre funcionários e adolescentes”. (Campos, 2005,
pág 123)
2.3- A esfera jurídica e a construção social do delinqüente menor de idade:
Após apresentar os argumentos que sustentam a crítica institucional, passo a
destacar os elementos que nos permitem perceber como na esfera jurídica se configura a
construção social do delinqüente menor de idade.
A construção social do delinqüente menor de idade corresponde à um processo de
fortalecimento da ordem social e dos valores morais vigentes através da rotulação e da
aplicação de estereótipos a jovens que vivem em condição de marginalidade social. A
análise sobre os motivos do insucesso do ECA para a reorientação do atendimento à jovens
delinqüentes à partir dos pressupostos da doutrina da proteção integral, quando se foca
apenas na crítica das instituições destinadas à custódia de jovens infratores, é insuficiente
para oferecer uma compreensão profunda sobre os motivos que levam a que ainda nos dias
atuais verifiquem-se práticas institucionais de caráter punitivo e não medidas sócio-
educativas de cunho pedagógico. As críticas institucionais se concentram nas precariedades
materiais (infraestrutura inadequada, etc.), desvios de conduta dos profissionais, etc. O que
não é equivocado, mas não explica tudo.
O processo judicial permanece sem relevo nestas análises quando na verdade ele é
fundamental para a percepção de como se naturaliza a questão da delinqüência e do
delinqüente a partir dos elementos rituais que compõem o processo. Como se definem os
sistemas de provas e tipificação que partem dos profissionais que compõem o processo
42
legal e na própria sentença do juiz que é o elemento final da composição da peça jurídica
que cria, nestes termos, a figura do delinqüente menor de idade.
Quando ênfase da análise recai sobre a crítica as instituições (Degase, Febem) os
especialistas e estudiosos deixam de refletir sobre algo que é anterior à questão
propriamente do tratamento institucional do menor infrator e que está relacionado à própria
maneira como a sociedade elege os agentes ameaçadores da ordem e através de
preconceitos e estereótipos realizam a definição daqueles que devem ser considerados os
elementos ameaçadores à ordem.
Ora o que acontece é que mudam as leis e as instituições mas não mudam os
processos sociais que tipificam os menores pobres como potencialmente perigosos. Então
não é verdadeira a suposição de que a pobreza produz delinqüência e sim que a atuação das
instituições de controle têm uma clientela específica na qual vai buscar os elementos
ameaçadores da ordem segundo os padrões tipificadores que são mobilizados nos processos
de interação social. É entre os pobres que é mais fácil aplicar as fórmulas do acervo
profissional de psicólogos, assistentes sociais, e juristas.
Estudando a história do tratamento jurídico e institucional dado à delinqüência
juvenil em nosso país é possível perceber que desde a fundação do primeiro juizado da
infância e do primeiro Código de Menores, a justiça menoril em nosso país atua de forma a
reforçar os valores morais vigentes e penalizando sempre os filhos da pobreza.
A ação saneadora da justiça de menores remonta ao início do século passado,
quando começa a criminalização de jovens oriundos da pobreza, filhos das “classes
perigosas”.
Ao falar sobre os ideais higienistas e racistas que inspiravam a elite científica desta
época, (Coimbra,2001) situa o surgimento do primeiro código de menores:
“Não é por acaso que da aliança entre médicos e juristas da época, nascesse
o primeiro código de menores, em 1927, também conhecido como Código
Melo Matos-um dos juristas responsáveis por sua criação, execução e
implementação”.
Data dessa época a utilização do termo “menor”, não mais para os menores
de idade de quaisquer classes sociais, mas para um determinado segmento:
os pobres. Esta marca presente nas subjetividades do brasileiro se impõem
até hoje, mesmo quando, em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) retira-o de seu texto legal”. (Coimbra, 2001, pág 92)
43
A autora continua:
“No discurso médico da época a rua, os locais públicos vão sendo
descritos como “a grande escola do mal”, onde estariam os “menores”, a
infância perigosa- aquela que já delinqüiu – e a infância em perigo, porque
pobre e convivendo com estes elementos criminosos, degenerados e
irrecuperáveis que aí também habitariam”.( Coimbra, 2001, pág 92)
Verifica-se que desde o primeiro código de menores a criminalização da infância e
da juventude recai sobre os jovens pobres e a justificativa da aplicação de estereótipos
também se legitima pela aplicação de saberes profissionais que associados ao discurso
jurídico, oferecem a base científica deste processo.
O trabalho do juiz Mello Mattos, que esteve a frente da fundação do juizado de
Menores em 1923 era basicamente o de analisar jovens negros e pardos envolvidos em
crime contra a propriedade (Rizzini,2005)
A mesma autora também afirma a importância das idéias de Césare Lombroso que
influenciavam decisivamente as investigações sociais sobre jovens delinqüentes
desenvolvidas no âmbito do juizado de menores.
O decreto n 16.272, de dezembro de 1923 que criou o juizado de menores institui a
figura do Comissário de Vigilância que é encarregado de apresentar relatórios de
informações ao Juiz de menores.
Reproduzo abaixo o questionário padrão utilizado pelos comissários de vigilância,
pois nele podemos perceber o intuito de rotulação de jovens pobres a partir de elementos de
sua vida pregressa. Em alguns aspectos esta forma de investigação social não difere muito
daquelas que ainda hoje, após a aprovação do ECA e a vigência da doutrina da proteção
integral, continuam sendo utilizadas pelos profissionais técnico-cíentificos.
QUESTIONÁRIO:
- “Algum ascendente ou colateral é, ou foi, alienado, deficiente mental, epilético, vicioso ou
delinqüente?
-“Há concórdia doméstica, respeito conjugal, sentimentos filiais?
44
-“Com que gente costuma-se ajuntar-se? Seus camaradas são mais idosos, vadios,
mendigos, libertinos, delinqüentes?
-“Qual seu caráter e moralidade, seus hábitos e inclinações? É cruel, violento, hipócrita,
tímido, generoso ou egoísta, viril ou afeminado, mentiroso, desobediente, preguiçoso,
taciturno ou loquaz, rixoso, desonesto ou vicioso, dado ao roubo ou furto?
-“ Sua linguagem é correta ou usa de calão, de expressões baixas e indecorosas?
Este questionário encontra-se em Batista (2003, pág 69). Nele é possível perceber a
busca por elementos que permitam a aplicação de estereótipos sobre indivíduos que
exemplifiquem uma conduta classificada como “patológica”. Entre outros aspectos pode-se
verificar o caráter moral, expresso na avaliação sobre o tipo de família do jovem
delinqüente.
A partir do exposto, vale destacar que nas diversas fases da justiça da infância e
juventude, posteriores ao período assinalado, é possível verificar a continuidade da
utilização de técnicas investigativas e saberes profissionais que associados ao discurso
jurídico, operam a construção social do delinqüente menor de idade a partir da aplicação de
estereótipos à jovens marginalizados que representam a ameaça a ordem social.
Em 1930 foi criado o SAM (Serviço de Assistência ao Menor) durante o governo de
Getúlio Vargas. Deve-se salientar que na mesma época surge, “uma categoria profissional
que começava a conquistar um lugar próprio no cenário da assistência ao menor: os
psicólogos ou os psicologistas.” (Rizzini, Irma. 2005,pág 23).
Nesta época começam a ser realizados os testes de QI com o propósito de “medir” a
inteligência dos jovens delinqüentes. Tais diagnósticos realizados por psicólogos
sustentavam as sentenças judiciais. “ Os especialistas revelaram, em avaliações feitas em
instituições do Rio de Janeiro e São Paulo, que a grande massa destes meninos era
composta por “subnormais” de inteligência” (Rizzini, Irma. 2005, pág 23)
A aplicação dos testes de QI era feita pelo Laboratório de Biologia Infantil do Juízo
de menores. “De 94 fichas examinadas em 1937, 55 eram “débeis, idiotas, imbecis” e 30 de
“subnormais”(Mello,1939:29) (appud, Rizzini,2005).
45
Sobre a utilização de saberes profissionais e a sua utilização com o propósito de
sustentar sentenças judiciais proferidas no âmbito da justiça de menores, ou seja, a fusão
dos saberes técnicos com o discurso jurídico no processo de construção social do
delinqüente menor de idade devemos considerar as afirmações da mesma autora em um
outro texto:
“Desde o início do século XX, as autoridades públicas
questionavam a falta de método cíentifico no atendimento ao menor
no país: Com a instauração da justiça de menores, foi incorporado
na assistência o espírito cíentífico da época, transcrito para a prática
jurídica pelo minucioso inquérito médico psicológico e social do
menor. O modelo do inquérito tranpôs-se da ação policial, porém o
juízo de menores incorporou conceitos e técnicas provenientes dos
campos profissionais ainda em formação no Brasil, relativos à
psiquiatria, psicologia, às ciências sociais, à medicina higienista e
seus desdobramentos. A prática do juízo auxiliou na construção de
saberes, como o do serviço social, cujo ensino iniciou-se na própria
instituição, profissão em construção e ainda não circunscrita ao
meio acadêmico.”(Rizzini; Rizzini,2004,pág30)
A continuidade dos juízos morais e da rotulação a partir da aplicação de estereótipos
é evidente quando se considera que durante a existência do SAM, os processos referentes á
delitos cometidos por menores de idade continuam sendo informados pelo boletim de
investigação dos Comissários de Vigilância que são sempre repletos de avaliações morais.
(Batista,2003,pág,77). Durante a existência do SAM (1930-1964), os processos também
apresentam sempre o exame médico que apresentam diagnóstico e indicação. Na maior
parte das vezes o diagnóstico de “personalidade instável” está acompanhado da indicação
de “readaptação social” (Batista,2003,pág 77). Tais jovens eram taxados como
“transviados” (Batista,2003,pág 77), (Rizzini,Irma.2005, pág 23). A mobilização de saberes
profissionais para a classificação e tratamento de “patologias” se mantém com muita força
neste período e em 1956 é criado o Instituto Psicoterápico Padre Severino com o propósito
de tratar das anormalidades identificadas nos menores “transviados” (Rizzini,
Irma.2005,pág 23).
As alterações posteriores ao golpe militar de 1964, instauradas através da criação da
Funabem (Fundação Nacional para o Bem Estar do Menor) (Lei 4513/64), e da aprovação
do novo código de menores (Lei 6697/799) não alteraram o quadro descrito anteriormente.
46
A justiça menoril continuou revelando em seu funcionamento a aplicação de estereótipos e
o caráter marcadamente discriminatório em relação aos jovens pobres portadores de
atributos de marginalidade social.
É importante destacar que o novo código de menores adotou a doutrina da situação
irregular e a considerava como um estado de “patologia social ampla”. Tal código de
menores se constituía em uma legislação de caráter tutelar, não tendo o jovem em situação
irregular garantias processuais tais como o direito à defesa.
A doutrina da situação irregular legitimou a intervenção estatal sobre famílias que
viviam sob condição de pobreza, considerando-se que a situação irregular “era
caracterizada pelas condições de vida das camadas pauperizadas da população, como se
pode ver pelo artigo 2 da lei n 6.697/79”(Rizzini,2004, pág 41)
Deve-se considerar que sob a vigência da doutrina da situação irregular se
reforçaram conceitos acusatórios no que se refere a “disfunção familial” ou
“desestruturação familiar”. A culpabilização da família dos jovens que são acusados da
prática de delitos é um dos aspectos presentes ainda hoje na construção social do
delinqüente menor de idade.
Tal aspecto se encontra presente já na década de 20, quando o estado inicia no
Brasil a construção de um aparato oficial de assistência e proteção à infância. Desde então
as famílias de jovens delinqüentes passaram a se constituir em objeto de estudo e
intervenção. Nesta época inicia-se um processo de formulação teórica sobre a incapacidade
destas famílias para fornecer disciplina e educação a seus filhos.
Rizzini (2004) nos mostra que é justamente este aspecto que é reforçado durante a
vigência da doutrina da situação irregular.
No desenvolvimento da presente pesquisa procuro também situar o quadro atual da
aplicação do ECA dentro do panorama mais amplo da cultura judicial brasileira que
conjuga direitos constitucionais igualitários e sistema hierarquizado de julgamento. (Lima,
1995)
Ao falar sobre o sistema penal brasileiro o autor assinala que este garante que a
defesa possua igualdade de condições e oportunidades com a acusação, o que significa
isonomia das partes. O processo penal sendo contraditório equivale ao “due process of law”
47
americano, porém ao contrário do processo americano, no qual a acusação tem que provar a
culpabilidade do réu, no Brasil é o réu que tem que provar na prática, sua inocência.
Isto é expressivo da concepção elitista que esta implícita no sistema judicial
brasileiro. Porém deve-se destacar que estas concepções se encontram em contradição com
os princípios constitucionais igualitários. Sobre esta contradição, deve-se atentar para a
afirmação do autor de que no caso brasileiro a solução para ela foi conceder poderes
discricionários à polícia. Neste sentido o autor procede ao estudo das práticas policiais que
existem em clara desobediência às leis, especificamente práticas de arbitramento e punição.
Por fim, é importante o apontamento do autor, de que o sistema judicial brasileiro opera por
meio de “malhas” que particularizam a aplicação de leis genéricas. A forma de atuação da
polícia se singulariza por se constituir em um “filtro” para o cumprimento igualitário das
leis.
A utilização da reflexão de Kant de Lima cumpre o papel de permitir uma
abordagem antropológica dos documentos jurídicos que se constituem na fonte da presente
pesquisa. Também servem para refletir sobre como se desenvolve o processo de seleção dos
indivíduos que serão punidos na esfera jurídica.
A aplicação de estereótipos se inicia no próprio momento em que um adolescente é
preso por uma autoridade policial. Tem continuidade na construção da peça acusatória
oferecida pelo Ministério Público e nos documentos produzidos pelos profissionais técnico-
científicos e se completa com a sentença proferida pelo Juiz da Infância e da Juventude.
Desta forma, os preceitos do ECA e o paradigma da proteção integral que
procuravam alterar o tratamento da “questão” da infância e da juventude no Brasil não
alteraram radicalmente o funcionamento da Justiça da Infância e da Juventude.
Os resultados obtidos na presente pesquisa sugerem que, além dos desvios
profissionais e do fato de não ter ocorrido um reordenamento institucional, de não se
verificar investimentos públicos na proporção necessária para a melhoria do atendimento
oferecido pelos tribunais da infância e da juventude e das unidades destinadas ao
acautelamento de jovens infratores, deve-se atentar para o fato de que a construção social
do delinqüente infrator, nos processos de apuração de ato-infracional, é um fator
extremamente importante para a compreensão das razões que justificam as dificuldades de
efetivação do ECA.
48
3. O RITO LEGAL
:AS DIRETRIZES PARA O TRATAMENTO
JURÍDICO DO ATO-INFRACIONAL.
No presente capítulo, busco apresentar os principais aspetos do rito legal da ação
sócio-educativa pública, ou seja, os procedimentos legais definidos no ECA que devem ser
respeitados na condução de um processo para apuração de ato-infracional. Após a descrição
dos procedimentos referentes ao tratamento institucional que deve ser conferido aos
adolescentes acusados pelo cometimento de ato infracional durante a apuração do delito e
também durante o cumprimento de uma medida sócio-educativa, faço uma reflexão sobre
alguns dos motivos que determinam que os processos referentes à apuração de ato
infracional e as ações sócio-educativas públicas ainda reflitam a construção social do
delinqüente menor de idade pela justiça da infância e da Juventude.
O propósito é o de demonstrar que embora o ECA preceitue medidas sócio-
educativas de caráter pedagógico e atendimento individualizado com ênfase em um
processo de caráter ressocializador e não meramente punitivo, os processos para apuração
de ato-infracional (que investiguei na 2
a
. Vara da Infância e da Juventude do Rio de
Janeiro) reproduzem uma representação social negativa sobre jovens portadores de
atributos de marginalidade social. Dessa forma, ocorre uma “criminalização da
marginalidade” que se baseia no discurso produzido pelos profissionais técnico-científicos
e pelas autoridades policiais e judiciais que se pronunciam nos referidos processos,
inclusive o juiz da infância. O objetivo da presente dissertação é demonstrar que no quadro
descrito acima reside um dos principais motivos que impedem a consolidação da mudança
paradigmática que se esperava alcançar com a aprovação do ECA.
Aproveito para esclarecer que a exposição das garantias processuais que o ECA
assegura aos jovens infratores cumpre o objetivo de explicitar os parâmetros legais que
devem nortear o processo de apuração de ato-infracional. Não pretendo discutir o
significado destas garantias do ponto de vista de uma avaliação exegética da doutrina da
proteção integral. O presente trabalho constitui-se em um estudo sociológico que visa
desvelar como o sistema da justiça da infância e da juventude opera um processo de
49
criminalização de jovens, construindo uma imagem do jovem delinqüente que reforça a
ordem e a moralidade dominante.
Faço esta afirmação porque alguns autores, no campo jurídico consideram o ECA
como a expressão de um direito penal juvenil,(Arantes,2005,pág 63) e não faz parte dos
meus objetivos estabelecer uma discussão situada no terreno da doutrina jurídica.
O destaque neste capítulo sobre as garantias processuais visa apenas realçar um dos
elementos constitutivos do ECA que demonstram a sua ruptura com o modelo do código de
menores. Considero que a extensão das garantias processuais presentes no código penal
para os adolescentes acusados de prática de ato infracional um aspecto importante para a
extensão de direitos constitucionais próprios da cidadania para jovens menores de 18 anos.
3.1 O Direito ao devido processo legal:
O ordenamento constitucional brasileiro adota um modelo de processo penal que
determina garantias processuais aos réus, tratando-se de um modelo de processo penal de
caráter acusatório (Prado,2001)
O sistema acusatório se caracteriza pelo equilíbrio entre os sujeitos processuais que
se constituem na figura do Ministério Público (acusação), na Defesa e no Juiz. Este deve
agir com neutralidade diante das teses da defesa e da acusação e proferir sentenças que
expressem a melhor solução para o conflito de interesses penais existente entre as partes
processuais.
“Deve-se, pois, à concepção ideológica de um processo penal
democrático, a assertiva comum de que a sua estrutura há de respeitar
sempre o modelo dialético, reservando ao juiz a função de julgar
“sintetizando”, mas com a colaboração das partes, despindo-se, contudo, da
iniciativa da persecução penal. A estrutura sincrônica dialética do processo
penal democrático considera, pois, metaforicamente, o conceito de relação
angular ou triangular e nunca de relação linear, sacramentando as linhas
mestras do sistema acusatório”(Prado,2001, pág 40)
O processo penal em um estado democrático de direitos caracteriza-se, portanto
pela garantia de direitos processuais revelando desta forma o compromisso com os direitos
humanos. Além disso, o processo penal democrático tem um de seus alicerces fundamentais
50
no instituto jurídico do contraditório, ou seja, no livre debate entre as partes com o
propósito de convencimento do juiz.
Vale destacar que o processo de apuração de ato infracional é também determinado
pelos princípios norteadores da doutrina da proteção integral. O adolescente acusado de
prática de ato infracional (considerados estes atos em analogia aos delitos tipificados no
código penal) deve ser considerado como ser em formação. Embora possam ter algum
caráter retributivo, as medidas sócio-educativas não podem se caracterizar por um processo
meramente punitivo, mas devem antes de tudo possuir um caráter ressocializador.
È vital que os processos de apuração de ato infracional sejam norteados pelas
garantias processuais do processo acusatório, conforme define a constituição e também que
expressem os princípios da proteção integral estabelecidos pelo ECA.
Vale salientar que no artigo 5
o
. da Constituição encontra-se a enunciação dos
mecanismos do due process of law:
“Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e a ampla defesa, como os meios e recursos a ela inerentes”.
Segundo Mousnier (1991):
“a atual constituição inova ao estender o due process of law ao menor de 18
anos. Ao utilizar a expressão ninguém será privado de liberdade ou de seus
bens sem o devido processo legal, deduz ter abrigado na genérica expressão
tanto o maior quanto o menor”. ( pág 20-21)
Vale ainda destacar que o ECA, em conformidade com os ditames constitucionais
adota o princípio do devido processo legal em seu artigo 110: “Nenhum adolescente será
privado de sua liberdade sem o devido processo legal”.
O jovem infrator goza de garantias processuais entre as quais, o direito ao pleno e
formal conhecimento da atribuição de ato-infracional, mediante citação ou meio
equivalente. O meio “equivalente” poderia ser a leitura da representação feita pelo
Ministério Público, e recebida pelo juiz, ao adolescente representado na presença de seus
pais ou responsável.
A leitura da representação-peça vestibular da ação sócio-educativa pública – é
imperativo legal do novo ordenamento.
Sobre o direito de ampla defesa, vale dizer que ele se constitui na igualdade da
relação processual (art. 111, Inciso 2). Ao adolescente infrator é garantido o direito de
51
produção de provas e oitiva de testemunhas, o que configura o exercício do direito legítimo
de defesa.“Igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e
testemunhas e produzir todas as provas necessárias a sua defesa”.(art.111, Inciso2)
Assim como o acusado maior de idade, o adolescente infrator possui direito à defesa
técnica por advogado.
Como o maior parte dos jovens acusados de cometimento de ato-infracional é pobre,
sem condições de arcar com despesas de honorários advocatícios, é comum que a defesa
seja feita pela Defensoria Pública.
3.1.1 O
itiva:
O direito à oitiva pessoal guarda relação com o “due process of law”, e dessa forma
com o direito de contraditório. Segundo Mousnier (1991), “Evidentemente a autoridade
judiciária tem que ouvir o adolescente pessoalmente, assegurando-lhe assim as garantias
processuais e permitindo a formação ampla do convencimento para a prolação da sentença
e outras decisões judiciais permanentes”. ( pág, 24)
3..1.2 Audiência de Continuação:
O “princípio do contraditório” é assegurado na constituição federal e no ECA, ao jovem
infrator quando do procedimento judicial para apuração de ato-infracional grave, passível
da aplicação de medidas restritivas de liberdade.
Como já foi demonstrado a doutrina proteção integral garante ao jovem infrator
tratamento processual igualitário com ampla defesa e observância do contraditório. Sobre a
audiência de continuação, vale destacar que ela corresponde a necessidade de assegurar o
direito de defesa sendo determinada em casos de atos-infracionais graves, Mousnier (1991),
explica que:
“Embora as medidas de semiliberdade e internação não sejam retributivas e sim
educativas, importam inegavelmente em privação de liberdade, em maior ou menor grau. O
Estatuto enfrenta sem sofismas esta realidade nos arts 106, 120, e 121”.( pág, 69)
A autora afirma ainda:
52
“É preciso compreender com clareza a intenção do legislador delineada
no parágrafo 2 do art. 186 do diploma tutelar, quando torna obrigatória a
designação da audiência de continuação com suas conseqüências inerentes,
apenas nos atos infracionais graves passìveis de aplicação das medidas
sócio-educativas de internação ou colocação em regime de semiliberdade.
Isto se explica porque em alguns momentos teve o legislador estatista uma
certa dificuldade em conciliar o sistema do due process of law com o
caráter protecionista da lei. Estabelecer, por exemplo, o contraditório
quando ao ato-infracional e a problemática do jovem infrator estão a
merecer uma medida de advertência, seria submete-lo a desnecessário
embate processual” (Mousnier, 1991, pág 69).
3.1.3 Representação do Ministério Público:
O adolescente preso pela prática de ato infracional deve ser apresentado ao
Ministério Público com a maior celeridade, conforme determina o ECA. O adolescente
deve ser encaminhado ao Ministério Público com cópia do boletim de ocorrência ou do
auto de apreensão. Aqui vale ressaltar que a autoridade policial deve avaliar a possibilidade
de liberação imediata do jovem. O adolescente infrator, sendo beneficiado pela liberação
imediata ou mantido custodiado, deve ser apresentado ao Ministério Público, o qual no
mesmo dia deve proceder a sua imediata e informal oitiva. Sempre que possível o
Ministério Público deve ouvir os responsáveis pelo adolescente, vítimas e testemunhas. Isto
não é possível em grande parte dos casos, em decorrência do fato de que a localização dos
responsáveis demanda tempo maior do que as 24 horas estipuladas.
Vale aqui destacar o que diz o ECA sobre a ação do Ministério Público nos seus
artigos 179 e 180:
“Art. 179. Apresentado o adolescente, o representante do ministério
Público, no mesmo dia e à vista do auto de apuração, boletim de ocorrência
ou relatório policial devidamente autuado pelo cartório judicial e com
informações sobre os antecedentes do adolescente, procederá imediata e
informalmente à sua oitiva e, sedo possível, de seus pais ou responsável,
vítima e testemunhas.
Parágrafo único. Em caso de não-apresentação, o representante do
Ministério Público notificará os pais ou responsável para a apresentação do
adolescente, podendo requisitar o concurso das Polícias Civil e Militar.
Art. 180. Adotadas as providências a que aludem o artigo anterior, o
representante do Ministério Público poderá:
I- Promover o arquivamento dos autos;
II- Conceder a remissão
53
III-
Representar à autoridade judiciária para aa aplicação de medida
sócio-educativa.”
A representação do Ministério Público se constitui na peça jurídica que dá ensejo a
abertura da ação sócio-educativa pública. As condições para a abertura de uma ação sócio-
educativa pública seriam as seguintes: “indícios suficientes de autoria, os indícios de
existência material de fato típico e a presença de elementos indicadores do injusto e da
culpabilidade” (Mousnier,1993, pág 49).
Não havendo as condições supracitadas o Ministério Público pode solicitar ao Juiz o
arquivamento dos autos. Ao concordar com a proposição do Ministério Público o Juiz
determinará a homologação do arquivamento dos autos.
Quando existem as condições que possibilitam visualizar a concretude da prática do
ato infracional, deve o Ministério Público informar ao juiz sobre o ato praticado por menor
de 18 anos e requerer a instauração de ação sócio-educativa pública para aplicação de
medida adequada. Desta forma a ação sócia educativa pública é provocada pelo Ministério
Público:
“ A representação será oferecida por petição que conterá breve resumo dos fatos e a
classificação do ato-infracional e, quando necessário, o rol de testemunhas, podendo ser
reduzida oralmente, em sessão diária instalada pela autoridade judiciária.”(Mousnier,1993,
pág,50)
Ainda sobre a representação do Ministério Público vale por fim fazer a seguinte
citação a partir da leitura do artigo 182 do ECA:
“È a representação, pois, ato processual através do qual o Estado-
Administração, encarnado na figura do curador da Infância e da Juventude,
noticia ao Estado-Juiz a conduta descrita por menor de 18 anos -
adolescente- a qual se reveste de todas as características inerentes a ato
infracional previsto em lei, requerendo a instauração da ação sócio-
educativa pública para a aplicação de medida adequada.” (Mousnier,1993,
pág 51)
54
3.2 A ação sócio-educativa Pública:
Frente a representação do Ministério Público, despachando positivamente pela
procedência do requerimento de instauração de uma ação sócio-educativa pública, o Juiz
determinará uma audiência de apresentação do adolescente em conformidade com o artigo
184 do ECA:
“Art.184. Oferecida a representação, a autoridade judiciária designará
audiência de apresentação do adolescente, decidindo desde logo, sobre a
decretação ou manutenção da internação, observando o disposto no artigo
108 e parágrafo.”
& 1 O adolescente e seus pais ou responsável serão cientificados do teor
da representação, e notificados a comparecer à audiência acompanhados de
advogado.”
Deve-se salientar que o propósito da audiência de apresentação se constitui na
realização da oitiva do adolescente infrator e sempre que possível dos responsáveis pelo
jovem:
“Prosseguindo nas fases da ação sócio-educativa
pública, vemos que comparecendo o adolescente, seus pais
ou responsável à audiência de apresentação, a autoridade
judiciária procederá a oitiva dos mesmos. Percebe-se bem,
não se trata de ouvir apenas o adolescente, suas
declarações. Na seara de infratores é importante escutar o
responsável, observando o meio familiar no qual está
inserido o adolescente, prescrutando-se acerca da possível
problemática familiar e aferindo-se seu grau de influência
na conduta do infrator..
È por isso que o legislador prescreve a oitiva do
adolescente e de seus pais ou responsável, compreendendo
ser de grande influência na decisão do juiz o papel
desempenhado pelo núcleo familiar junto ao jovem
investigado. (Mousnier,1993, pág 59)
Desta forma, podemos a partir dos apontamentos feitos, sumarizar os procedimentos
judiciais referentes ao tratamento institucional do adolescente infrator a partir da sua prisão
por prática de ato infracional.
55
O adolescente apreendido sob acusação de ato infracional, deve ser encaminhado à
uma delegacia especializada-Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente-(DPCA) e
apresentada ao Ministério Público com a maior celeridade possível. O Ministério Público
procede a oitiva imediatamente e informal do adolescente. Esta oitiva se realizará caso seja
possível com a presença dos pais, responsável; vítima e testemunhas. Antes disso o
adolescente é encaminhado preliminarmente à equipe interprofissional da Segunda Vara da
Infância e da Juventude para que esta realize um estudo social do jovem infrator.
O Ministério Público, conforme já foi salientado, pode promover o arquivamento
dos autos, conceder a remissão ou fazer a representação à autoridade judiciária para a
abertura de uma ação sócio-educativa pública.
O Juiz da infância e da Juventude ao decidir pela procedência da abertura de uma
ação sócio-educativa pública, convoca uma audiência de apresentação na qual pode prolatar
uma sentença, aplicando a medida de advertência, liberdade assistida ou ainda liberação e
entrega aos responsáveis. Pode ainda não fazer um julgamento de mérito e estabelecer o
contraditório, particularmente, quando tenha á frente um ato-infracional de maior
gravidade.
Neste caso o Juiz determina o prosseguimento da investigação, podendo determinar
realização de diligências e estudo de caso conforme determina o art.186 do ECA. Desta
forma a decisão da medida sócio-educativa cabível é postergada para a audiência de
continuação. Após a realização de oitiva com as testemunhas arroladas pelo Ministério
Público e pela defesa, o Juiz profere a sentença. Na audiência de continuação o juiz realiza
a análise das diligências cumpridas e do relatório técnico produzido pela equipe
interprofissional.
Após a sentença, o adolescente é encaminhado a unidade do Degase, determinada
para o cumprimento da medida sócio-educativa especificada. Periodicamente, o juiz realiza
audiência especial para a reavaliação da medida imposta, podendo decidir pela prorrogação,
substituição ou revogação. Aqui, vale destacar que as medidas sócio-educativas definidas
na sentença judicial não possuem determinação de tempo. A extinção ou progressão da
medida sócio-educativa, por exemplo, da medida sócio-educativa de internação para a de
semiliberdade depende da avaliação do juiz sobre o desenvolvimento do jovem infrator,
considerando o êxito da ação sócio-educativa.
56
Internação provisória:
A medida cautelar de internação provisória é tratada no Art.108 do ECA:“A
internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco
dias.Parágrafo único-A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios
suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida”.
Ainda na fase inicial da ação sócio-educativa pública, antes mesmo da definição da
sentença judicial, o juiz pode determinar a internação provisória do adolescente infrator
com o propósito de instituir uma medida cautelar que garanta a eficácia da “prestação
jurisdicional”.
Esta medida cautelar seria norteada pela excepcionalidade, e corresponde a casos
nos quais existe indício suficiente de autoria e materialidade. A sua indicação se deve
ainda, ao propósito de garantir a segurança do adolescente quando isso se fizer necessário,
além de ter como objetivo a manutenção da ordem pública.
Também se justificaria a internação provisória pela necessidade de se garantir a
aplicação da medida sócio-educativa nos casos em que o infrator já praticou reiteradas
vezes o descumprimento de medidas sócio-educativas, ou é reincidente na prática de atos-
infracionais graves.
3.3 Relatórios interprofissionais:
Os relatórios produzidos pelas equipes interprofissionais, compostas por assistentes
sociais, psicólogos e pedagogos, tem por objetivo analisar o comportamento do jovem
infrator e o seu relacionamento com o grupo formador da sua personalidade. Tais relatórios
procuram primordialmente avaliar as relações familiares destes jovens e perceber de que
forma estas influem e contribuem para o comportamento atual deste jovem. Eles, desta
forma, também cumprem o papel de oferecer subsídio para as decisões judiciais.
Em todas as fases da ação sócio-educativa pública estes laudos são requeridos pelo
juiz e anexados aos autos que instruem o processo judicial.
57
Os adolescentes acautelados em cumprimento de medida sócio-educativa são
periodicamente entrevistados pelos profissionais técnico-científicos para avaliação de suas
respostas frente a medida sócio-educativa e a evolução da relação familiar. Tais
profissionais realizam uma abordagem social centrada no indivíduo e é ela que sustenta as
decisões judiciais e, portanto o tratamento jurídico do ato-infracional.
Os profissionais técnicos científicos são responsáveis por acompanhar aspectos
importantes da medida sócio-educativa, como escolarização, profissionalização, etc.
A incumbência das equipes interprofissionais está determinada enquanto prestadora
de serviços auxiliares e de caráter subsidiário está determinada nos artigos 150 e 151 do
E.C. A:
Art.150- Cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta
orçamentária, prever recursos para manutenção de equipe interprofissional,
destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude.
Art. 151-Compete a equipe interprofissional, dentre outras atribuições que
lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito,
mediante laudos, ou verbalmente na audiência, e bem assim desenvolver
trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e
outros, tudo sob imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a
livre manifestação do ponto de vista técnico.
Vale ainda dizer, que a produção de relatórios técnicos-científicos se dá
intensamente ainda na fase inicial da institucionalização do jovem infrator. Como já foi
dito, no prazo máximo de 24 horas após ser preso o adolescente passa por oitiva com o
Ministério Público. Caso não seja liberado imediatamente, o adolescente é encaminhado
para entrevista com equipe interprofissional da Segunda Vara da Infância e Juventude. Esta
equipe é denominada de plantão institucional e congrega técnicos do Degase e da Vara da
Infância e Juventude. Nos casos graves em que o Juiz determina internação provisória, a
qual tem prazo máximo de 45 dias, o adolescente é encaminhado para o Centro de Triagem
e Recepção do Degase, (C.T.R.) unidade destinada a fazer a distribuirão dos jovens
infratores pelas diversas unidades do Degase. Nesta unidade o adolescente é novamente
entrevistado por equipe interprofissional.
Do C.T.R. o adolescente é encaminhado para o Instituto Padre Severino (I.P.S.),
onde ficará internado provisoriamente aguardando a audiência de continuação. No I.P.S. o
adolescente novamente passa por atendimento técnico.
58
Vale destacar que antes de ir para o I.P.S., o adolescente passa por atendimento no
Núcleo Biopsicosocial Anita Heloísa Mantuano, unidade da divisão de saúde do Desipe que
funciona em frente ao C.T.R. Nesta unidade, além dos profissionais técnicos-científicos os
adolescentes também são entrevistados por médicos. Na maioria dos casos, os médicos são
psiquiatras.
Antes da audiência de continuação, o adolescente fornece relatos para no mínimo
quatro equipes técnicas e são produzidos dessa forma quatro laudos em um período de 45
dias.
Faço estas observações com o propósito de esclarecer a importância dos relatórios
técnicos, laudos sociais ou sínteses informativa, os documentos produzidos por
profissionais que realizam a investigação biográfica do jovem infrator.
Tais documentos são encontrados fartamente nos processos que analisei e se
constituem em uma fonte da maior importância para a compreensão de como a justiça da
Infância e da Juventude efetua a construção social do jovem delinqüente.
3.4 Medidas Sócio-educativas:
Antes de partir para a análise do material empírico que se constitui nas fontes de
pesquisa da presente dissertação é necessário definir o caráter e o conteúdo das medidas
sócio-educativas preconizadas pelo E.C. A.
Isto se faz necessário porque os processos que analisei na 2 Vara da Infância e da
Juventude refletem a variedade de medidas sócio-educativas que podem ser prescritas aos
jovens infratores e também as diversas fases da ação sócio-educativa pública. Uma das
principais peças processuais analisadas na presente dissertação, as sínteses informativas
produzidas pelas equipes interprofissionais são realizadas no curso do cumprimento de
medidas sócio-educativas pelos jovens infratores.
As medidas estabelecidas pelo ECA estão dispostas em três títulos:
a) Título II - Das medidas específicas de proteção (art.101 do ECA)
b) Título III- Capítulo IV- Das medidas Sócio-Educativas
c) Título IV-Das medidas pertinentes aos pais ou responsável (art. 129 do ECA)
59
Não havendo determinação de sentença por tipo de delito como na legislação para
adultos o ECA preconiza que a aplicação de medidas de proteção ou sócio-educativa sejam
pautadas por um atendimento individualizado que valorize as condições psico-sociais
peculiares de cada jovem.
As medidas sócio-educativas se restringem aos adolescentes envolvidos na prática
de atos-infracionais. Tais medidas são especificadas no art 112 do ECA:
Art.112. Verificada a prática de ato-infracional, a autoridade competente poderá aplicar
ao adolescente as seguintes medidas:
I- advertência
II- Obrigação de reparar o dano;
III- Prestação de serviços a comunidade
IV- Liberdade assistida
V- Inserção em regime de semiliberdade
VI- Internação em estabelecimento educacional
Parágrafo 1 A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de
cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
Advertência:
A medida de advertência se constitui em uma repreensão verbal ao adolescente feita
pelo Juiz da Infância e Juventude. A medida também se apresentará ao infrator em um
termo que deverá ser assinado pelo jovem. A medida deve ser aplicada a infratores não
reincidentes, que tenham praticado delitos de pouca gravidade. Constitui-se em uma
medida de caráter preventivo e educativo.
Liberdade Assistida:
Tem por finalidade proporcionar acompanhamento, auxílio e orientação por pessoa
capacitada, por um prazo mínimo de seis meses. Ao juiz é facultada a possibilidade de a
60
qualquer tempo prorrogar, revogar ou substituir esta medida por outra. O juiz deve antes
ouvir o orientador que tenha sido designado para acompanhar o caso e assistir o jovem,
além do defensor e do Ministério Público.
Semiliberdade:
“Art. 120. O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início ou com
forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas,
independentemente de autorização judicial”.
A medida sócio-educativa de semiliberdade pode ser definida pelo juiz em um
primeiro momento ou se constituir em uma medida que efetue a transição para o meio
aberto.
Nos casos em que o adolescente infrator possui fragilidade no amparo familiar.
Casos em que o juiz da infância identifica impossibilidade do núcleo familiar em assumir a
responsabilidade pelo processo de reinserção do jovem, a medida de semiliberdade pode ser
sentenciada pelo juiz.
Sobre isso Mousnier (1993) afirma:
Casos existem nos quais o tratamento o tratamento a ser dispensado
ao adolescente não encontra lastro na sede familiar. Os motivos mais
comuns são:
a) A família não apresenta condições de assumir o infrator e ajudar na
sua reinserção.
b) No local de residência da família o assistido está correndo risco de
vida.
c) O adolescente não tem qualquer pessoa que por ele possa se
responsabilizar.
Nestes casos a medida de inserção em regime de semiliberdade se
impõe, como forma de tratamento em meio aberto, evitando-se a
internação”.
Em outros casos a medida de semiliberdade pode se constituir em forma de
transição para o meio aberto, quando o adolescente que inicialmente cumpriu medida
sócio-educativa de internação recebe uma progressão de medida.
61
As medidas de semiliberdade são cumpridas nas unidades do Degase denominadas
Criams. São prevista a realização de atividades externas independentemente da autorização
judicial. O Criam deve promover a escolarização e a profissionalização dos adolescentes.
Internação:
A medida sócio-educativa de internação tem como característica a
institucionalização e restrição de liberdade do jovem infrator.
Esta medida deve ser norteada pelos princípios de brevidade, excepcionalidade e
respeito à condição peculiar de cada pessoa.
Vale destacar que o ECA reflete uma mudança de grande significado na forma de
tratar a “questão” da Infância e da Juventude no Brasil. Conforme já foi discutido no
capítulo anterior a aprovação do ECA e a adoção da doutrina da proteção integral reflete a
adesão do Brasil ao forte movimento contra a institucionalização de menores desencadeado
mundialmente.
Mousnier (1993) destaca que o caráter excepcional da institucionalização é
abordado na Regra 19.1 constante das Regras Mínimas para a Administração da Justiça de
Menores, documento também conhecido como Regras de Beijing, adotado pela Assembléia
geral da0 ONU em 29. 09. 85 através da resolução 40/33:
“19.1- A colocação de um menor em uma instituição será sempre uma medida de
último recurso e pelo mais breve período possível”.
A nova constituição brasileira e a legislação tutelar específica refletem a
participação do Brasil no Seminário Latino-Americano de San José, Costa Rica, e no sub
regional da América do Sul em Montevidéu, nos quais as regras foram estudadas e
descutidas por especialistas dos países da América Latina.( Mousnier,1993, pág 6 )
Após descrever as diretrizes legais que devem nortear o tratamento jurídico e
institucional conferido à adolescentes infratores de acordo com o ECA concluo o presente
capítulo analisando um aspecto que possui importância para a compreensão de algumas
razões pelas quais verifica-se o insucesso da referida legislação, ou seja, uma das principais
razões pelas quais 16 anos após a aprovação do ECA ainda não se pode visualizar uma
plena transformação no tratamento institucional oferecido à jovens que praticam atos
62
infracionais. Trata-se do fato de que através dos laudos técnico- científicos produzidos
pelas equipes interprofissionais, opera-se uma “construção social do delinqüente”.
Os profissionais que confeccionam estes laudos realizam uma abordagem centrada
no indivíduo. Esta abordagem não possui embasamento sociológico e é ela que sustenta as
decisões judiciais, portanto, o tratamento jurídico do ato-infracional.
A ênfase neste aspecto se deve ao fato de que ao reforçar estigmas e operar a
criminalização de segmentos sociais marginalizados, tais profissionais reforçam uma lógica
institucional que opera “estratégias de adestramento” tal como ocorria na vigência da
doutrina da situação irregular. A ênfase nos direitos da criança e do adolescente, que devem
ser considerados como seres em fase de formação, em acordo com a doutrina da proteção
integral e com o ECA acaba sendo inviabilizada por este processo.
Dessa forma, relatórios interprofissionais produzidos pelas equipes técnicas do
Degase seguem os mesmos parâmetros daqueles produzidos na extinta Funabem durante a
vigência da doutrina da situação irregular:
“Foi o exame, no decorrer da disciplina, de alguns laudos e pareceres
elaborados durante a vigência da doutrina da situação irregular que
conduziu muitos profissionais do Degase à conclusão de que os relatórios
confeccionados atualmente seguiam os mesmos parâmetros, demonstrando
que o cotidiano institucional pouco absorvera dos novos paradigmas
impostos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A equipe responsável
pela confecção dos relatórios permanecia centrada nos profissionais do
serviço social e psicologia, a partir do entendimento de que representantes
destas categorias avaliaram melhor as deficiências dos adolescentes, já que
a busca de patologias permanecia como a principal preocupação
institucional.” (Brito,2000, pág 121)
Ao analisar 15 processos na Vara da Infância e da Juventude do Estado do Rio de
Janeiro pude verificar a pertinência destas afirmações, constatando que os laudos
produzidos pelas equipes interprofissionais se constituem em “diagnósticos de
personalidade dos jovens desarticulados do contexto pedagógico a ser oferecido pelo
estado”.(Brito, 2000, pág 122).
É importante salientar que as mudanças e transformações no tratamento
institucional de jovens acautelados pelo cometimento de ato infracional, determinadas pela
nova legislação depende de uma ampla revisão de conceitos e práticas. O trabalho das
equipes técnicas deve se adequar aos paradigmas da doutrina da proteção integral.
63
Considerando-se que a doutrina da proteção integral enfatiza a garantia dos direitos
da criança e do adolescente e ao contrário da doutrina da situação irregular, não parte do
princípio de que a delinqüência juvenil é derivada da presença de patologias no jovem,
deve ocorrer uma mudança no trabalho das equipes técnicas. Os laudos não devem se
constituir em mero exame de personalidade e comportamento que subsidiem a definição da
sentença judicial.
Na análise dos processos que se constituem na fonte empírica da presente
dissertação pude verificar que as equipes técnicas responsáveis pelo atendimento à jovens
acautelados ainda assemelham-se as que atuavam no período da vigência da doutrina da
situação irregular. Tal como ocorria antes da aprovação do ECA, estas equipes são
formadas por assistentes sociais, psicólogos e pedagogos, e seus pareceres, laudos,
relatórios se constroem a partir da identificação de dificuldades e patologias.
Isto não difere da forma como as equipes técnicas trabalhavam no período
precedente a aplicação do ECA, quando a produção dos laudos e pareceres forneciam
subsídios às sentenças e eram “fundamentados nas patologias e dificuldades identificadas..”
(Brito,2000, pág 118)
Todos os profissionais responsáveis pelo atendimento à jovens infratores,
desempenham função de caráter educativo (Rizzini, 1993, 104-105,appud, Brito 2000).
Todos aqueles envolvidos no atendimento, incluindo magistrados, policiais, agentes
encarregados de vigilância e os profissionais técnico-científicos possuem atribuições no
processo educativo.
Tal fato nos leva a conclusão de que os laudos técnico-científicos não deveriam se
constituir mais em meros exames de personalidade que realçam atributos individuais que se
chocam com a moralidade dominante. A adequação das equipes técnicas ao paradigma da
doutrina da proteção integral deveria refletir-se em relatórios técnicos que não se pautassem
pela culpabilização individual, mas que demonstrassem as medidas e decisões tomadas por
estes profissionais para o êxito de medidas sócio-educativas de cunho pedagógico.
A este respeito vale atentar para as seguintes considerações:
“A chamada equipe técnica deve, também, participar ativamente da
execução das medidas sócio-educativas. Não mais se justifica que
profissionais permaneçam isolados em suas salas de atendimento para
64
realizar avaliações. Estas vão sendo constituídas no decorrer da intervenção
sócio-educativa, observando-se o dia a dia do jovem na instituição. O
projeto sócio-educativo a ser cumprido deve constar do relatório,
explicando-se a importância das atividades propostas para o
desenvolvimento do adolescente. Desenvolvimento que, para ser atingido,
deve ter como garantia os direitos listados no ECA; direito à saúde, a
educação à convivência familiar e comunitária ... estes sim funcionam
agora como os novos parâmetros para avaliações, a partir do entendimento
de que são premissas para o adequado desenvolvimento infanto-juvenil.”
(Brito,2000, pág122)
O cumprimento da ação-sócioeducativa pública deve pautar-se em conformidade
com o ECA pela perspectiva de garantia de acesso a direitos sociais que supostamente
foram negados, considerando-se a clientela que é acautelada pelo estado em decorrência do
cometimento de atos-infracionais. As equipes técnicas deveriam cumprir papel destacado
no processo sócio-educativo. Para alcançar este propósito os laudos técnico-científicos
deveriam demonstrar o empenho destes profissionais para o êxito das medidas sócio-
educativas.
Os dados recolhidos na análise de processos na 2
a
. Vara da Infância e da Juventude
demonstram que este fato não ocorreu. Na maioria absoluta dos casos, os relatórios técnico-
científicos ainda são demonstrativos de que estes profissionais atuam a partir de uma
perspectiva que visa a construção de perfis que se baseiam nas características individuais.
Dessa forma, os atributos individuais de jovens marginalizados aparecem nestes
documentos como fatores de uma formação patológica de caráter, que permite explicar o
ato-infracional:
O foco utilizado nas avaliações deve ser alterado: da procura exclusiva de patologias
–ou dificuldades pessoais que justificam o ato-infracional- às necessidades- ou prioridades
para a garantia de um pleno e saudável desenvolvimento”.(Brito, 2000, 123-124 )
A constatação da persistência de um modelo de culpabilização individual no
trabalho dos profissionais técnico-científicos nos leva a considerar que este aspecto cumpre
um papel decisivo para a compreensão de um dos motivos que determinam que os objetivos
da nova legislação não tenham sido alcançados.
O ECA preceitua um atendimento individualizado, que considere o
desenvolvimento particular de cada jovem. A construção de estereótipos impede a execução
65
de medidas sócio-educativas de cunho pedagógico que considerem a singularidade de cada
jovem.
È importante considerar que os profissionais que compõem as equipes técnicas são
oriundos de grupos sociais diferentes daqueles dos quais são egressos os jovens infratores.
Este fato pode explicar porque estes profissionais produzem relatórios que se sustentam em
uma narrativa que está repleta de valores e representações que são tributárias de uma visão
que estigmatiza modelos de comportamento e estilos de vida que são característicos da
juventude pobre. Em muitos aspectos, “o que é um estilo de vida para os jovens é visto pela
equipe como um desvio dos padrões de normalidade”.(Picollo,2006).Mesmo
compreendendo que não existe uma homogeneidade nas representações de todos os
profissionais, é importante problematizar a forma ou processo em que são colhidos os
relatos dos jovens, quais valores e visões de mundo presidem esse processo e como se dão
as mediações institucionais.
Nesse ponto vale destacar que o trabalho das equipes técnicas responsáveis pelo
acompanhamento da aplicação das medidas sócio-educativas continua se limitando à
“confecção de relatórios, estudos de caso e sínteses informativas solicitadas pela
instituição”. (Brito, 2000, pág 122). Além de não participarem ativamente do processo
sócio-educativo, limitando-se a contatos periódicos com os jovens nos gabinetes com o
propósito de colher relatos para a confecção dos relatórios, muitas vezes os profissionais
técnico-científicos pouco discutem entre si os casos específicos. Em trabalho de campo
realizado no Degase, Brito pôde perceber que “Algumas vezes, nem entre os profissionais
da mesma unidade era freqüente a prática de reuniões para estudos de caso. Equipes eram
formadas pelo grampeador”.(Brito, 2000, pág 115-116).
Desta forma, o trabalho das equipes técnicas não se constitui em um verdadeiro
apoio para o desenvolvimento das medidas sócio-educativas, pois estes profissionais não se
empenham no processo sócio-educativo, limitando-se à produção de relatórios sem nem
mesmo discutir coletivamente o “caso” em questão.
A autora citada aponta um outro aspecto do trabalho das equipes técnicas das
unidades do Degase que coincide com a análise que faço a partir dos laudos técnico-
científicos que encontrei nos processos analisados. Refere-se ao fato de que o atendimento
técnico-científico realizado nas diversas unidades não são articulados. Os relatórios
66
técnico-científicos encontrados nos processos que analisei, não refletem uma continuidade
no atendimento sócio-educativo.
Constatou-se, também, a necessidade de uma seqüência no
atendimento aos jovens, pois acontecia de as informações produzidas pela
equipe de internação provisória não serem repassadas à equipe de
internação. Ou, caso o adolescente obtivesse uma progressão de medida,
sendo transferido da internação para a semiliberdade, a equipe do Criam
não dispunha de dados sobre o processo sócio-educativo realizado no
período de internação, o que impossibilitava um atendimento contínuo.” (
Brito, 2000, pág 116)
Nos processos que estudei na presente dissertação é comum encontrar um relatório
produzido em uma unidade de internação do Degase e outro produzido posteriormente em
uma unidade destinada ao cumprimento da medida sócio-educativa de semiliberdade, após
uma progressão de medida do jovem infrator e verificar que os dois documentos se
constituíam em uma avaliação da história de vida do jovem, recolhendo os mesmos dados
sobre a realidade familiar, uso de drogas entre outros aspectos normalmente focalizados por
estes profissionais.
Desta forma, ao analisar um processo é possível verificar que os diversos laudos
técnicos científicos produzidos durante uma ação sócio-educativa pública em suas diversas
fases, se constituem em documentos que produzem um discurso sobre “patologias e
dificuldades” e se repetem exaustivamente ao invés de refletirem a continuidade de um
atendimento sócio-educativo.
O objetivo do presente dissertação é demonstrar que a mudança de paradigma para o
tratamento da questão da criança e do adolescente preceituada pelo ECA encontra um
grande obstáculo na persistência de um discurso culpabilizador que sustenta o processo de
criminalização de segmentos sociais marginalizados.
A atuação das equipes técnicas no período da vigência da doutrina da situação
irregular “centrava-se na perspectiva prioritária de avaliação, produzindo-se laudos e
pareceres que forneciam subsídios às sentenças”. Na presente dissertação procuro
demonstrar que 16 anos após a aprovação do ECA o mesmo continua acontecendo.
A ação dos técnicos científicos através de seus laudos fornece elementos que
favorecem a tipificação de jovens infratores a partir de seus atributos pessoais. O discurso
produzido por estes profissionais se compõem com o discurso produzido pela acusação
67
(Ministério Público) e desta forma constitui-se a base para o proferimento da sentença
judicial que é o elemento final da composição da peça jurídica que consubstancia a
construção da imagem do delinqüente menor de idade.
As garantias processuais, o direito ao contraditório e a defesa, garantias que o ECA
assegura e que se constituiriam em uma mudança em relação a doutrina da situação
irregular acabam em muitos casos se constituindo apenas como elementos rituais da
68
4.PROCESSOS DE APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL:
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO DELINQÜENTE MENOR DE IDADE
NA ESFERA JURÍDICA.
Neste capítulo, realizo a análise do material empírico recolhido em processos de
apuração de ato-infracional na 2
a
.Vara da Infância e da Juventude do Estado do Rio de
Janeiro.
Analiso as seguintes peças processuais: 1-Documentos produzidos pela acusação,
especificamente os Termos de oitiva do Ministério Público. 2- Sentenças judiciais
produzidas nas fases iniciais do processo de apuração de ato-infracional, que determinam o
cumprimento de medida sócio-educativa e sentenças de reavaliação de medida (sentenças
de progressão ou sentenças de manutenção de medida) produzidas no curso da execução da
medida sócio-educativa. 3- Documentos produzidos pelos profissionais técnico- científicos
da 2
a
Vara da Infância e da Juventude e do Degase (assistentes sociais, psicólogas e
pedagogas).
Além das peças retiradas dos processos de apuração de ato-infracional, também
analisei os livros de registros de sentenças do ano de 2006. Encontrei no cartório da Central
de Execução de Medidas Sócio-educativas (CEAM) três livros de registros de sentenças.
Estes livros registram as sentenças de reavaliação de medida sócio-educativa. Cada livro
registra um tipo de sentença. Por exemplo, um dos livros registra as sentenças de
manutenção de medida sócio-educativa proferidas entre os meses de junho e outubro de
2006.
O presente capítulo se encontra estruturado da seguinte forma: Inicio o capítulo fazendo
a análise das peças da acusação, em seguida analiso os laudos técnicos-científicos e por fim
as sentenças proferidas pelos juizes. Ao final do capítulo, apresento uma síntese conclusiva.
69
Os dados analisados no presente capítulo foram extraídos de documentos presentes em
20 processos de apuração de ato-infracional. Devo acrescentar que os trechos dos
documentos que foram analisados foram todos eles copiados a mão pela impossibilidade de
fazer fotocópias destes documentos.
Devo ainda salientar que a presente pesquisa se sustenta em análise qualitativa dos
documentos retirados dos processos para apuração de ato-infracional. Foram consultados
aproximadamente 100 processos. Os trechos dos documentos que são analisados neste
capítulo foram selecionados para sustentar a análise de dados que se encontram presentes
em uma grande quantidade de processos, podendo-se afirmar que existe uma saturação
qualitativa destes dados.
Na apresentação dos documentos preservei a identidade dos adolescentes acusados de
prática de ato infracional conforme determina o E.C.A. Só aparecem as iniciais dos nomes
dos adolescentes e em alguns casos apresento nomes fictícios. Os apelidos também são
omitidos ou alterados. Os nomes dos responsáveis ou pessoas com as quais o adolescente
infrator se relaciona foram alterados. Também retirei ou alterei nos documentos o nome de
lugares nos quais teriam ocorrido os eventos.
4.1
Campo da pesquisa
A pesquisa foi realizada na 2
a
.Vara da Infância e da Juventude, pois esta Vara da
Infância se constitui no único juízo competente para julgar adolescentes (pessoas entre 12 e
18 anos de idade incompletos) acusados pela prática de atos infracionais.
Compete a esta Vara da Infância e da Juventude a imposição de medidas sócio-
educativas e a fiscalização de sua execução. Além de julgar adolescentes infratores, a 2
a
.
Vara da Infância também exerce o controle das medidas impostas à crianças infratoras.
Quando se trata de adolescente infrator, o réu deve ser submetido ao devido processo
legal, conforme determina a Constituição Federal e a legislação específica (ECA). Estes
aspectos foram tratados no segundo capítulo da presente dissertação.
Os dados recolhidos para a análise foram retirados de processos para apuração de ato-
infracional encontrados no cartório da Vara da Infância e da juventude que se encontra
localizado nas instalações do CEAM, setor especifico da 2
a.
Vara da Infância e da
70
Juventude que possui a incumbência de acompanhar a execução de medidas sócio-
educativas.
Após a determinação judicial de uma medida sócio-educativa definida em audiência,
compete a este setor acompanhar a execução da medida até a extinção desta.
4.2 Acusação: A aplicação de estereótipos na abertura da ação sócio-
educativa pública
Ao analisar os processos de apuração de ato-infracional, encontra-se a representação
do M. P. que é o órgão competente para oferecer a denúncia. É a partir da denúncia
oferecida pelo Ministério Público, contrária a adolescente que tenha praticado ato
infracional que se desenvolvem os procedimentos que culminam na abertura de uma ação
sócio-educativa pública.
A importância de analisar os documentos produzidos pelo M. P. na fase inicial do
processo de apuração de ato-infracional decorre de que além de serem os documentos
provocadores da abertura da ação sócio-educativa, eles também são importantes por se
constituírem em uma importante fonte de informações para o juiz da Infância e da
Juventude tomar decisões em um momento inicial do processo, quando não existem ainda
relatórios técnico-científicos com um estudo social aprofundado sobre o adolescente
acusado.
Nesta parte da dissertação analisarei as oitivas de adolescentes frente ao M. P.
presentes nos processos analisados nesta dissertação.
Os termos da oitiva registram as informações apresentadas pelos adolescentes que são
inquiridos pelo Ministério Público. Os termos de oitiva do M.P. oferecem informações
sobre o delito cometido e também sobre alguns dados biográficos. Após a realização da
Oitiva o M. P. pode ou não oferecer a representação ao Juiz.
Nas representações do M. P. encontramos a descrição do ato cometido e o pedido da
abertura da ação sócio-educativa pública com sugestão da medida sócio-educativa que deve
ser aplicada. A representação se constitui em uma peça processual que possui um caráter
mais objetivo.
71
Para a presente dissertação preferi analisar os termos de Oitiva se constituem em
documentos mais ricos para a análise que se pretende fazer na presente dissertação. Ao
analisar os termos de Oitiva é possível perceber os valores morais que presidem a
inquirição desenvolvida pelo M. P. e alguns dos conceitos acusatórios que permitem a
aplicação de estereótipos e a construção social do delinqüente menor de idade.
Os trechos de oitivas que citarei a seguir demonstram um padrão de tipificação que é
praticamente invariável em todos os documentos. As informações presentes nas oitivas
sobre os adolescentes inquiridos sempre trazem dados sobre estrutura familiar, uso de
drogas, escolaridade e a informação de evasão escolar, sinais corporais como tatuagens
entre outros elementos que permitam a construção de um juízo, em geral, depreciativo a
respeito do jovem acusado de cometimento de ato-infracional. Os jovens são apresentados
como os elementos que significam o perigo para a ordem pública, pois carregam signos da
“impureza” que deve ser retirada do meio social.
Vejamos então os trechos selecionados para a demonstração deste fato:
Em um processo, referente à um jovem acusado de participação no tráfico de drogas
como “vapor”encontra-se na representação do Ministério Público a referência ao uso de
drogas por parte do adolescente: “...que seu apelido é R.; declara que recebeu uma carga de
maconha, contendo 50 trouxinhas; que vendia cada trouxinha por R$ 1,00; que receberia
R$10,00 pela venda....; Declara que vende drogas há cinco meses sendo vapor do tráfico;
declara que usa maconha há dois meses. Neste trecho, a informação adicional de que o
acusado seria também usuário parece ter a função de sustentar a acusação.
Na oitiva de um adolescente acusado de ter cometido ato-infracional análogo ao artigo
157, (ISE-2005.714.003371-6) encontra-se :
“que possui 17 anos de idade , nascido (a) aos 15/08/1988, filiação....; apelido(s)
informou não possuir, naturalidade: RJ; que possui um irmão; cor:parda; sinal: tatuagem de
uma índia no braço direito; tatuagem de tigre e uma caveira no braço esquerdo; que usa
maconha, cocaína e crack há sete anos (que nunca realizou tratamento antidrogas; que já
vendeu entorpecentes no Morro da Mangueira; que não estuda e parou na quarta-série, que
não trabalha.”
72
A descrição das tatuagens e o uso de drogas são fatores que reforçam a acusação. É
importante destacar que o fato do adolescente já ter participado do tráfico se soma às outras
informações que no conjunto definem a origem pobre do inquirido.
Na oitiva encontrada em outro processo, (ISE: 2006.714.001779-8) referente a um
adolescente acusado de furto encontra-se as seguintes afirmações:
“Possui apelido “N”, cor: negra, natural do R. J; que possui dois irmãos; sinais: declara
possuir uma tatuagem no ombro direito “JS” (nome da sobrinha); que faz uso de maconha;
que nunca trabalhou para o tráfico; que não estuda , cursou até a 3 série do ensino
fundamental, que não trabalha; que morou na rua..... na comunidade do ........”
No trecho citado repete-se a mesma inquirição. Trata-se de um jovem negro que possui
tatuagem, usuário de drogas e que não estuda, além de ter trabalhado para o tráfico e
residido dentro de uma favela.
Em outro processo, (ISE:2006.714.000253-9) referente à outro jovem acusado de
cometer o delito referente ao artigo 157 do código penal, também encontra-se na Oitiva do
ministério público a afirmação de que “ o representado afirma fazer uso de maconha há sete
anos “
No processo (ISE:2003.714.001418-3) referente à um adolescente acusado de tráfico de
drogas e que estava em sua terceira passagem pela 2
a
. VIJ, encontra-se a seguinte
afirmação:
Foi apreendido com certa quantidade de maconha e cocaína que se encontravam
dentro de uma bolsa; que pretendia apenas pagar uma certa importância em dinheiro de
R$40,00, ao vapor do tráfico na Rua....em ......., para pagar uma bicicleta que havia perdido
durante um assalto que sofreu e entregá-lo para seu dono, conhecido pelo apelido Maré, um
vizinho do declarante foi apenas pegar o dinheiro da bicicleta com seu amigo Vermelhinho,
que estava a seu lado que era vapor e que levava em suas mãos droga apreendida , quando
foram surpreendidos por policiais civis após serem flagrados pelos policiais, que o
apreenderam em flagrante; que o declarante faz uso de maconha , há dois meses e só nos
73
fins de semana; que é conhecido em sua área pelo apelido Paranóia , decorrente de brigas
em bailes Funk.”
Percebe-se que o adolescente acusado, afirma à seu favor que não participa do tráfico
e que a droga apreendida não lhe pertencia. Porém, nesse curto trecho da representação do
Ministério Público, o uso de drogas aparece conjuntamente com outros atributos que
constituem a identidade do jovem, como por exemplo o fato de que freqüenta bailes funk e
participa de rixas entre grupos no interior desses bailes além de ficar exposto que possui
relações com jovens que atuam em quadrilhas. Trata-se portanto de um jovem negro,
funkeiro, que possui amigos no tráfico e fuma maconha. Dessa forma, o registro da fala em
que o jovem admite fazer uso de maconha, associado à outros atributos estigmatizantes
cumpre o papel de sustentar o processo de criminalização.
Em outro processo (ISE:2003.658008392-4) o adolescente que já está em sua quarta
passagem por motivo de tráfico de drogas, também encontramos na representação do
Ministério Público referências ao uso de maconha. Encontro esse dado na oitiva referente à
sua terceira passagem quando foi acusado de prática de assalto:
“que parou de estudar na 3
a
. série porque fugia de casa, que mora sozinho tem
quatro irmaõs que moram com a mãe, que já tem “passagens”, pelo juizado uma por roubo
outra por tráfico, que fuma maconha há muito tempo, que ontem por volta da 01:30 estava
o depoente e o “Cara de Pão” indo para o baile Funk na ......., quando os policiais
abordaram os mesmos.....”
Em todos os casos citados o ministério público solicita a abertura da ação sócio-educativa
pública e sugere a medida cautelar de internação provisória.
Por fim cito trechos extraídos do termo de oitiva de uma adolescente acusada de tentar o
homicídio contra a sua mãe. ( ISE: 2005.714.000039-5)Trata-se de uma adolescente que
sofre de esquizofrenia como pude constatar nos autos do processo e foi acusada de ter dado
facadas em sua genitora. Deve-se destacar que a Defensoria Pública questionou a sentença
judicial que determinou a medida sócio-educativa de internação, em decorrência de falhas
na instrução processual. Pois a sentença foi definida sem que tivesse havido exame de
74
corpo delito na vitima. A prova de materialidade se baseou na confissão da jovem, o que
segundo a Defensoria é impróprio devido ao estado de doença psiquiátrica vivenciado pela
jovem. A adolescente não registrava passagem anterior pela 2
a
. Vara da Infância e da
Juventude. No termo de oitiva consta os seguintes registros:
“que os fatos narrados na RO são verdadeiros, que estava na sala de sua residência,
fumando um cigarro quando sua genitora mandou que a declarante fosse para seu quarto
fumar; que a declarante se negou a permanecer no local; que então iniciou uma discussão
entre ambas; que a declarante foi até a cozinha e abrindo a gaveta de armário apanhou uma
faca e logo em seguida desferiu as 03 (três) facadas em sua mãe a vítima; que duas facadas
foram dadas nas costas e na barriga........; que o padrasto socorreu sua mãe, enquanto a
declarante permaneceu dentro de sua residência, ascendendo o mesmo cigarro que havia
caído no chão e tornando a fuma-lo........; que sentiu um imenso desejo de matar sua mãe
naquele momento, que não estuda há cerca de dois anos, e fica pelas ruas vendendo
maconha e cocaína, para o tráfico do morro de Ricardo de Albuquerque, que usa droga
desde os 12 anos de idade, que já ficou internada no hospital da......., por estar
completamente drogada e quase enlouquecendo pelo uso de drogas; que até os 12 anos a
declarante era uma pessoa normal, porém após iniciar o uso de drogas, maconha,seda,
cocaína, crack, loló, tinner, Raxixe, a mesma tornou-se desequilibrada.”.
A citação desta última oitiva se justifica também para a demonstração de como o
atributo de ser usuário de drogas serve para sustentar a acusação do M.P. e para a
construção social do delinqüente menor de idade, fato que verificaremos novamente ao
analisar as outras peças que compõem o processo para apuração de ato-infracional.
4.3 Laudos Técnicos-científicos
Com o propósito de iniciar a análise dos laudos técnico-científicos retirados de 10
processos de apuração de ato-infracional gostaria de citar trechos de um laudo técnico-
científico que concentra diversos aspectos do processo de rotulação de jovens infratores,
desenvolvido pelos profissionais técnico-científicos. O jovem estava acautelado pela prática
de ato infracional análogo ao artigo 157. Encontram-se as seguintes informações no
75
sumário social produzido na Segunda Vara da Infância e da Juventude (ISE:
2006.714.000253-9)
SUMÀRIO SOCIAL: 2
a
. VIJ.
“C. demonstra tranqüilidade durante o atendimento, não demonstrando nenhum juízo
de valor sobre este e outros atos análogos que assumiu já ter cometido. Não quis que
chamássemos sua responsável verbalizando que ela ficaria chorando e “lágrimas não vão
comovê-lo”. Justifica a prática do A. I. pela necessidade de consumir objetos caros, como
“roupas de marca” e tênis que sua mãe não lhe dá. O adolescente não vislumbra a
possibilidade de mudança de conduta, afirmando, que mentiria se dissesse que não ia mais
praticar atos dessa natureza. C. diz que não faz planos de mudança e relata “viver um dia de
cada vez”. Deixa transparecer em sua fala uma seqüência de sentimentos, como se quisesse
agredir e/ou passar uma imagem de auto-suficiência e parecer indiferente as conseqüências
de suas ações.
Repete mais de uma vez que seus interesses são “tênis, roupa e mulher”. Neste aspecto
informa ter 4 namoradas que sabem de suas atividades e demonstram valorizar esta
conduta.
C. relata que mora com sua mãe em .......; conta que é filho único de sua mãe e que esta
trabalha como camareira em um hotel. Ao mesmo tempo que cobra os presentes caros
iguais aos que os colegas usam, tem consciência da inserção da mãe e de sua
impossibilidade em atender as suas demandas. Quanto ao pai; conta que ele saiu de casa
quando ele era bebê, com sua receita médica(sic) e nunca mais voltou. Relata que a cerca
de um ano o pai apareceu, mas a relação é distante, informa que o pai já tem outra família,
tem 12 filhos, reside em Belford Roxo e “não trabalha, não dá dinheiro pra ninguém”.
“Relata que só estudou até a quarta série”
Uso de drogas: “Informa o uso de drogas há muitos anos e que tem utilizado maconha,
cocaína, loló e crack.. Informa ter tentado um tratamento ambulatorial no projeto
transformando viver em Campo Grande levado por sua mãe mas não conseguiu dar
prosseguimento. Sabe que está dependente, informando que, do que ganha com a venda dos
76
produtos roubados, separa o dinheiro para cada uma das drogas e o restante compra de
roupas e dá as namoradas”
A assistente social responsável pelo sumário social registra ainda o relato da mãe do
adolescente:
“Mãe relata que C. sendo colocado em escola particular; mas retornou para casa após
uma confusão. Aos 11 anos se envolveu com a “bandidagem”e que por este motivo teve
que abandonar sua casa em .......... para afastar o filho daquele ambiente. Conta que os
problemas de Carlos são os bailes Funk e que a situação teria ficado pior nos dois anos em
que precisou trabalhar a noite. Desde então C. ficou sem domínio não respeitando
ninguém.”
Os trechos citados acima revelam como os saberes profissionais são mobilizados no
processo de aplicação de estereótipos a jovens de origem pobre.. Através da leitura do
sumário social citado podemos visualizar os elementos que sustentam o processo de
criminalização a partir da rotulação de atributos pessoais e estilos de comportamento que
distinguem os jovens de origem pobre.
No caso em tela, o jovem é apresentado como usuário de drogas, freqüentador de bailes
Funk e oriundo de “família desestruturada”, tendo sido criado somente pela genitora. Devo
ressaltar que a descrição “pai ausente” se encontra presente em quase todos os laudos
técnicos-científicos presentes nos processos que analisei.
4.3.1 A Questão familiar: Adolescentes em situação de “risco social”. A reatualização
da “família desestruturada” como determinante causal do delito.
Ao analisar os laudos técnico-científicos produzidos por psicólogas, assistentes sociais e
pedagogas é possível verificar como os saberes profissionais se articulam e oferecem
sustentação ao discurso jurídico contribuindo para a construção social do delinqüente
77
menor de idade, nos termos em que este processo social se reflete nos processos de
apuração de ato-infracional.
A família dos jovens pobres analisadas através dos conceitos mobilizados por estes
profissionais aparecem como um antro de vícios, violência doméstica, entre outros fatores
que influenciam negativamente o jovem, tendo como conseqüência a prática do ato-
infracional. A família se constitui, portanto, em um dos principais fatores que constituem o
“risco social”, conceito utilizado por estes profissionais para definir o quadro social que
pode conduzir os jovens ao uso de drogas, a evasão escolar e finalmente ao crime.
Desta forma se reatualiza a idéia da “disfunção familial” que vigia sob o Código de
Menores.
Aqui gostaria de salientar que após analisar os materiais empíricos que serviram de base
para a presente dissertação, pude perceber que a família desestruturada continua se
constituindo, na visão dos profissionais técnicos científicos, como um fator de causalidade
para a prática de delitos. Porém, a família desestruturada agora aparece sob o manto do
conceito de “risco social” ou “vulnerabilidade social”.
Em um capítulo de sua tese de doutorado, Piccolo (2006) faz uma etnografia em um
Projeto social chamado “Esperança de Vida”, destinado à jovens do Morro dos Macacos.
Segundo informa a autora, o referido projeto se destina à jovens até 18 anos que vivenciam
uma suposta situação de “risco social”. A autora demonstra através de sua etnografia que na
visão da equipe técnica do referido projeto o uso de drogas por parte dos jovens tem
importância decisiva para a definição da situação de risco social.
“ Os financiadores do projeto que se insere no âmbito do PROAP (favela bairro), com o
financiamento do BID, e os seus trabalhadores consideram o “risco”, por um lado, inerente
às condições de vida nas quais os jovens estão inseridos, como a situação familiar e
econômica, local de moradia, e por outro lado, devido aos gostos destes jovens, como as
pinturas nos cabelos, as roupas de marca, certo reconhecimento do status trazido pelo
ingresso no tráfico, o baile funk e o uso de drogas” .....”contribuiria ainda, para o “risco
social” desses jovens a sua própria família, vista como desestruturada.” (Picollo, 2006)
78
Nos registros das equipes técnicas nos pareceres sociais encontramos referências à situação
de “risco social” em inúmeros laudos técnicos-científicos. Vejamos como estes
profissionais utilizam o conceito de “risco social”.
Apresento trecho de um sumário social produzidos na Vara da Infância e da Juventude
referente a um adolescente acusado de praticar um assalto, (ISE: 2006.714.002728-7).
“ Outrossim a situação sócio-familiar é de risco social uma vez que o pai e a mãe estão
desempregados. Recentemente seu irmão de 16 anos fora apreendido com drogas estando
internado no Instituto Padre Severino.
Os pais por problemas financeiros e também por dificuldades de ocuparem o lugar de
pais estão ausentes”.
Em outro processo referente o adolescente acusado de furto, (ISE: 2005.714.002961-0)
encontra-se em um laudo técnico o seguinte registro:
“Indagado sobre o porquê de não permanecer abrigado e nem com sua irmã o
adolescente o adolescente diz que a droga o empurra para as ruas e que não consegue
abster-se do uso”.
Davi já teve anteriormente medida sócioeducativa de Semiliberdade, porém não
pudemos confirmar seu cumprimento. Apesar disso, consideramos que, devido à falta de
apoio familiar e a situação de risco social, o adolescente possa se beneficiar com a
semiliberdade”.
Com a finalidade de destacar a utilização do conceito de “risco social”, cito ainda,
trechos de um laudo técnico-científico extraídos de outro processo, referente a um
adolescente acusado de participar do tráfico:
Em atendimento diz ser o mais velho de uma família numerosa, sendo a mãe 08
filhos menores, e o padrasto quem sustenta a família com o salário de camelô.
Observamos tratar-se de jovem em situação de risco social, sem projeto de vida e sem
orientação familiar adequada. Demonstrando noção da gravidade e conseqüências de seus
atos, necessitando de uma M.S.E. enérgica e prolongada para que se faça um trabalho de
conscientização familiar”
Os trechos citados acima nos permitem visualizar como o conceito de “risco social” é
utilizado para descrever a família que é vista como “desestruturada”, e condições
79
econômicas inadequadas, exemplificadas no desemprego do pais e outros fatores como o
uso de drogas por membros da família.
Continuo a análise, destacando, a partir dos trechos de laudos técnico-científicos alguns
aspectos que na visão destes profissionais compõem o quadro da família desestruturada.
Entre estes aspectos, um deles refere-se a ausência da figura paterna, fato valorizado no
registro dos relatos das mães e dos adolescentes em todos os processos. É importante
destacar que segundo nos informam os pareceres sociais, nenhum dos jovens reside com o
pai biológico. O termo mais usado nos relatórios pelas assistentes sociais para se referir à
figura paterna é “pai ausente”.
Em um processo (ISE: 2001714.00552-99) o adolescente acusado de ser vapor do
tráfico de drogas, relata segundo a assistente social do Criam (Unidades do Degase
destinadas ao cumprimento da medida de semiliberdade) que “saiu de casa devido a
inúmeras brigas dos pais, que atualmente estão separados” no mesmo relatório está
registrada a fala da mãe do adolescente: “Em atendimento a mãe informa que o pai quando
alcoolizado dizia que compraria uma arma para o filho matar as pessoas.”
No relatório social do Instituto Padre Severino onde o jovem se encontrava alguns dias
antes está registrado que “os pais são separados há mais ou menos dois anos. Sr Carmen
tem medo das reações de seu companheiro que apesar de separado da mesma lhe faz
ameaças. Nos dois trechos citados, podemos perceber que os registros apresentam a figura
de um pai alcoólatra e violento, pois pratica violência contra a mãe e o filho, além de não se
constituir em um “modelo” para o filho, tendo em vista que o aconselhava a andar armado e
“matar as pessoas”. Após evadir do Criam, em 23/09 onde cumpria medida de
semiliberdade o adolescente voltou a cometer outro ato infracional. Ao ser apreendido, o
juiz determinou a internação dele no Educandário Santo Expedito. No parecer social
produzido nessa unidade encontra-se novamente o registro de que os “pais são separados” e
de que o “pai é agressor”.
Já no primeiro processo analisado é possível perceber à importância conferida aos
relatos das mães e adolescentes, que associam à figura paterna, traços negativos e
influências perversas sobre a formação do jovem infrator.
Em outro processo (ISE: 2005.714.002466.1) encontra-se referência a violência
doméstica como motivo da separação dos pais. “Os genitores se separaram quando os filhos
80
estavam ainda pequenos, tendo sido criados pela mãe ficando a maior parte do tempo com a
avó”. Mais uma vez o relato da figura materna é valorizado, pois se encontra no parecer
social o registro de que “a mãe informou que a sua separação foi motivada pelo fato de que
não suportava mais as agressões que sofria do marido”.
No processo (ISE: 2006.714.000253-9) encontra –se no sumário social da segunda Vara
da Infância e Juventude o registro do relato do adolescente sobre a figura paterna: “Quanto
ao pai; conta que ele saiu de casa quando ele era bebê, com a sua receita médica (SIC) e
nunca mais voltou: Relata que a cerca de um ano o pai apareceu, mas a relação é distante,
informa que o pai já tem outra família, tem 12 filhos, reside em Belford Roxo e “não
trabalha, não da dinheiro para ninguém”. Aqui encontra-se portanto um quadro de
abandono, e de um modelo negativo que se exprime na aversão ao trabalho.
No processo (ISE: 2004.714.1233-4) encontra-se no parecer social do Criam a
informação de que o pai do adolescente teria envolvimento com práticas ilícitas: “ Segundo
seu próprio relato, seu pai fora assassinado por ser envolvido em atividades ilícitas, quando
ele tinha seis anos. No mesmo relatório a fala da mãe do jovem é destacada: “ A genitora ,
que no decorrer da infância e adolescência teve dificuldades de acompanhar o filho,
lamenta-se da ausência do pai e da dificuldade de exercer sua autoridade materna (vide a
situação escolar do adolescente), talvez, por isso, de certa maneira, parece estar
“delegando” para a companheira, a responsabilidade em orientá-lo e apóia-lo nesse
processo.
Nos trechos citados, a figura paterna aparece como responsável pela “desestruturação”
familiar além de também se constituir em um modelo negativo, pois teria sido assassinado
em decorrência de sua participação na vida do crime.
No processo (ISE: 2006.714.000271-0) encontra-se o registrado na síntese informativa
produzida na segunda Vara da Infância e Juventude o relato do adolescente: “Informa que
os pais são separados, queixa-se da ausência do pai alegando que ele poderia ajudar mais se
quisesse. Reside com a mãe diarista e o padrasto desempregado. Em outra síntese
informativa produzida dois meses depois na segunda vara da Infância e Juventude, verifica-
se um retorno a questão familiar: “ Até os sete anos residia em apartamento na Vila da
Penha. Depois o pai começou a se relacionar com outra mulher e eles foram para a favela
de Inhaúma.”
81
Mais uma vez verifica-se a ausência da figura paterna, que em decorrência de sua saída
do lar teria levado a mulher o filho à residirem em uma favela. Ou seja, a “ausência”
paterna apresenta-se como algo que conduz o filho a uma situação de “risco social”.
No processo (ISE: 2003.714.001418-3), o adolescente preso pela terceira vez acusado de
“vapor” do tráfico de drogas, quando cumprindo medida sócio-educativa de internação no
Educandário Santo Expedito, teria informado segundo registro da equipe técnica “ que
mora com a tia materna desempregada, a mãe é caixa em uma casa de instrumentos
musicais no Centro. Falou que não tem vínculos com o pai que foi morto por participar de
assaltos à banco quando ele ainda era muito novo.”
Em uma “passagem” anterior, enquanto aguardava o cumprimento de Semiliberdade, no
Centro de Triagem e Recepção do Degase a equipe técnica do Núcleo biopsicosocial,
registrou no relatório que “o adolescente reside com a mãe; não mantém contato com o pai:
Foi criado pela genitora e por uma tia”.
Vale ressaltar que na primeira “passagem” desse jovem pela segunda vara da Infância e
Juventude, encontra-se no relatório social do Instituto Padre Severino, onde ele se
encontrava em internação provisória o registro da fala de sua mãe:
“Sua mãe Sra Elaine compareceu ao IPS, sofrida com a situação, confirma que Jefferson
costumava freqüentar bailes Funk e tudo começou aos 14 anos quando o então adolescente
já não obedecia de ficar em casa. Daí ela começou a conviver com dificuldades de mantê-lo
sob seus olhos bem como a ausência da figura paterna como referência de vida para o
filho”.
Por fim, em outro processo encontram-se registros sobre a ausência da figura paterna.
No relatório social do IPS, a mãe “fala que o pai é ausente, já trabalhou numa metalúrgica e
depois na ......, ex-usuário de drogas, moravam na ........ Ficou um tempo sem poder ver os
filhos por imposição do marido”.Além do uso de drogas, o pai também seria espancador,
pois no mesmo relatório encontra-se o registro de que, “seguindo o espancamento, os filhos
não quiseram mais residir com os pais”.No segundo relatório social do IPS está registrado
que “A mãe relata que o pai de origem a espancava e cheirava na frente dos filhos”.
Ao lado da “ausência paterna”, os registros encontrados nos pareceres técnicos também
apresentam a figura da mãe vitimizada pela violência doméstica e na maior parte das vezes
sem apoio e preparo para a supervisão da formação dos filhos. Esses aspectos acrescidos da
82
participação de parentes na vida do crime parecem ser os elementos constituintes da
“família desestruturada”que se constituiria em um dos fatores causadores do “risco social”.
Portanto, suponho que a confecção desses relatórios é presidida por uma visão que
estabelece nexo de causalidade entre crime e “desestruturação familiar”. A “família
desestruturada” seria um antro de vícios, violência doméstica, entre outras mazelas que
levariam seus filhos à sucumbirem facilmente à perspectiva de uma carreira criminosa.
Dessa forma, junto com a informação sobre o desligamento do jovem do núcleo
residencial original, os registros freqüentemente demonstram o enfraquecimento da
autoridade materna. No processo (ISE: 2001714.00552-9) ao lado da violência doméstica,
perpetrada pelo pai alcoólatra, causa da separação dos pais, verificamos também o registro
de que a “mãe perdeu o controle sobre seu filho”.:
“O adolescente informou que vive há 30 dias sozinho. No morro durante o dia
trabalhava e só ia em casa para dormir”. No processo (ISE: 2006714000253-9) em um
parecer técnico está registrado que a “genitora sabe pouco das últimas mudanças ocorridas
na vida dos filhos”.
Neste processo, referente a um adolescente que reside com a genitora, que segundo os
registros é camareira de um hotel, encontramos no sumário social da segunda vara da
Infância e Juventude, o registro de um relato da mãe do adolescente que demonstra a sua
incapacidade de ter controle sobre o jovem: “A mãe do adolescente relata que Lucas
chegou a morar com uma tia, sendo colocado em escola particular; mas retornou para casa
após uma confusão. Aos 11 anos se envolveu com a “bandidagem” e que por esse motivo
teve que abandonar sua casa em Costa Barros para afastar o filho daquele ambiente. Conta
que os problemas de M. são os bailes Funk e que a situação teria ficado pior nos dois anos
em que precisou trabalhar à noite. Desde então M. ficou sem domínio, não respeitando
ninguém.
A “ausência paterna”, somado ao despreparo da figura materna, além da presença de
delinqüentes no meio familiar, seriam os fatores que permitiriam o desenvolvimento de
comportamentos negativos, exemplificados na freqüência a bailes funk, uso de drogas e
finalmente a prática do delito.
4.3.2 Família e “Vida do crime”:
83
Além do “pai ausente” e da insuficiência da supervisão exercida pelas mães, conforme
já foi destacado, os laudos técnicos-científicos também apresentam um outro aspecto
familiar que na visão destes profissionais, pode contribuir para a prática de delitos. Trata-se
da presença de delinqüentes no âmbito familiar.
Em dois processos analisados encontra-se o registro da morte do genitor dos adolescentes
acusados, por motivo de participação na “vida do crime”.
Em outro processo analisado, o adolescente preso acusado de participar do tráfico, “que
muda de residência constantemente com o irmão por risco de vida de ambos”, Também
teve um irmão assassinado. Na síntese informativa produzida no Pólo de Liberdade
Assistida encontra-se a seguinte descrição:
“ No dia 19 de fevereiro de 2005, um irmão de R. foi assassinado pela sua má conduta
juntamente com mais três adolescentes. No atendimento do dia....fevereiro de 2005, R.
mostrou o retrato do irmão Fernando mas não demonstrou emoção”. Cabe aqui acrescentar
que no processo referente a este jovem encontrei quatro sínteses informativas, todas
produzidas no Pólo de L. A. da Ilha, e em todos estes documentos encontrei registros de
relatos sobre as mudanças de residência de R. e seu irmão em decorrência do “risco de
vida”. Em todas as sínteses R. é descrito nos relatos técnicos com as palavras: “ocioso”,
“sem responsabilidade”, “cada vez mais sozinho”, “se apresenta reservado”, Não tem
buscado alternativas para mudança”.
Em outro processo (ISE: 2006.714.000271-0n7), referente a um adolescente acusado de
ato-infracional análogo ao artigo 157 do código penal (roubo), encontra-se no sumário
social produzido na 2
a
. Vara da Infância e da Juventude, informações sobre o fato de que o
adolescente teve um irmão morto por suposta participação em atividades criminosas:
“Informa que os pais são separados, queixa-se da ausência do pai alegando que ele
poderia ajudar mais se quisesse. Reside com a mãe diarista e o padrasto desempregado... O
adolescente informa que perdeu o irmão infrator há quase um mês, morto numa troca de
tiros na Vila.......; conta que o irmão já foi do tráfico, mas que já não estava mais no
movimento quando foi morto naquela comunidade”.
4.3.3 Família desestruturada como causa do desajuste social:
84
A partir da exposição de um quadro familiar considerado inadequado pelos profissionais
técnicos científicos, os laudos apresentam as conseqüências negativas derivadas desta
realidade. Uma destas conseqüências se expressa na evasão escolar, que conforme se
verifica nestes laudos, aparece associada ao momento em que o jovem inicia a prática de
atos-infracionais.
No processo (ISE: n9), referente a um adolescente acusado da prática de tráfico de
drogas, encontra-se o registro no sumário social produzido na 2
a
.Vara da Infância e da
Juventude de que o adolescente estudou até a terceira série. A evasão escolar é
contextualizada da seguinte forma:
“Ao deixar o lar, não por escolha, mas pelas circunstâncias, Senhora Luciana deixa para
trás, também não por escolha dois filhos, então com 06 e 04 anos por não ter condições
naquele momento de assumi-los. O adolescente relata que aos 08 anos, deixa a casa do pai,
assim como seu irmão e vai em busca da mãe. A partir dos 11 anos passa a buscar o grupo e
se evade da escola “ingressando na vida do crime”.
No trecho citado acima é possível perceber a cadeia de eventos que explica a prática
de delitos. A violência doméstica, a “desestruturação familiar”, leva o jovem a se evadir da
escola e ingressar na “vida do crime”.
Utilizei este trecho para exemplificar como os profissionais técnico-científicos
constroem um discurso que normaliza a prática do delito por jovens oriundos de “família
desestruturada”. É importante destacar o dado da evasão escolar, pois este atributo permite
a construção do estereótipo do jovem criminoso, tendo em vista que todos os laudos
científicos fazem referência à escolaridade e ao dado da evasão escolar, da mesma forma
que as oitivas do M.P.
A “família desestruturada” è a causa do uso de drogas, da evasão escolar. Desta forma os
profissionais técnico-científicos apresentam os jovens acusados de prática de ato-
infracional como desajustados sociais e naturalizam o delito como uma conseqüência
natural da história de vida destes jovens.
4.3.4 Uso de drogas: Um conceito acusatório
85
De toda forma vale ressaltar, que as informações sobre uso de drogas por parte dos
adolescentes, são valorizadas também pelas equipes técnicas, compostas por assistentes
sociais, psicólogas e pedagogas:
No processo (ISE: 2006.714.000253-9), o adolescente acusado de assalto, quando se
encontrava em internação provisória no Instituto Padre Severino, teria feito o seguinte
relato para a assistente Social:
“ Informa o uso de drogas há muitos anos e que tem utilizado maconha, cocaína, loló
e crack. Informa ter tentado um tratamento ambulatorial no projeto Transformando Viver
em ........levado por sua mãe, mas não conseguiu dar prosseguimento. Sabe que está
dependente, informando que do que ganha com a venda dos produtos roubados, separa o
dinheiro para cada uma das drogas e o restante compra de roupas e dá as namoradas.”
Na mesma síntese informativa encontra-se também a referência à um aspecto presente
no relato de alguns jovens e que se refere ao risco de vida. Nesse caso é feito o registro de
que o adolescente corria risco de vida em decorrência de dívidas decorrentes do uso de
drogas. Está registrado que “em entrevistas o jovem relatou que corre risco de vida na
comunidade por dever R$1500,00. Dívida referente à substâncias entorpecentes” e mais à
frente encontra-se novamente a referência a maconha que seria a droga preferida pelo
adolescente “ confessa ser usuário de maconha há sete anos.”
No processo (ISE: CEAM: 11.046/ 04) as constantes mudanças de residência de dois
irmãos são decorrentes conforme registrado no parecer técnico do IPS em decorrência de
dívidas causadas pelo consumo de drogas.
No processo (ISE: 2006.714.000271-0) preso pela prática de delito análogo ao artigo
157 a equipe técnica da Segunda Vara produz um relatório onde descreve a situação de vida
do adolescente. Após apresentar dados referentes à problemas familiares, desemprego e
evasão escolar, encontra-se no relatório o registro do relato do jovem sobre uso de drogas:
“Atualmente já não trabalha com o tio em função de desentendimentos com este, o que o
favoreceu no contexto da prática do ato - infracional, pois segundo ele, ficou em casa de
bobeira. O adolescente informa que já foi usuário de maconha e que teria deixado de
consumir após tratamento no Hospital......... A mãe ressaltou que o acompanhamento foi
positivo.”
86
Sobre o aspecto que aparece no final do trecho citado, a respeito do tratamento anti-
drogas, vale ressaltar que esse aspecto aparece em outros registros, referentes a outros
jovens, que também relatam a participação voluntária em tratamentos anti-drogas. Vale
colo rogamjoven ao,se len(aram)83( coam)83(ob)0“dependrente, qímicos”,( )]TJ-8.377 -1.725 TD0.0073 Tc000035 Tw[respr(am)8obter alguambenefício. Dur ane o sprílshode diverstostiptosde ddrogase lícee ilícitas. Afriremjá l
87
à um tratamento anti-drogas e traz ainda outras informações, associando diretamente o uso
de drogas com sua participação no narcotráfico.
“Padrasto mostra interesse e empenho. Acompanha o adolescente no projeto Nossa casa.
Foi para o projeto Nossa Casa por solicitação do próprio adolescente que alega que entrou
para o tráfico para manter o vício”.
Nos registros sobre uso de drogas quando acompanhados da informação de que o jovem
tem consciência de sua condição de “dependente químico”, quando esta se expressa na
adesão à um tratamento especializado, se encontra a referência ao fato de que este
tratamento foi interrompido.
A abordagem sobre o uso de drogas, recorrente em quase todos os processos, fato
verificado nas representações do Ministério Público e também nos pareceres sociais
produzidos pela equipes técnicas é sugestivo de como esse atributo, é um fator que
possibilita a estigmatização e por esse motivo ganha muita importância em um processo
acusatório, ou seja, na construção na construção social do delinqüente menor de idade,
quando este é usuário de maconha, ou “dependente químico” que abandonou o tratamento.
A percepção de que as drogas facilitam a adesão à grupos criminosos, é sustentada na
“idéia de que a droga enfraquece a moral, fazendo com que os indivíduos sejam mais
facilmente seduzidos, corrompidos ou enganados” (Velho, 1997 e : 60).
Vale destacar que dos dez processos, encontrei registros sobre o uso da maconha em oito
deles, em apenas um, encontra-se o registro de que o adolescente relata fazer uso de outras
drogas. A estigmatização do uso da maconha por jovens de origem pobre, associando esse
comportamento à prática de delitos conduz à construção de uma categoria de acusação que
pode ser usada indiscriminadamente, pois através dela é possível criminalizar um amplo
segmento da juventude pobre.
Dessa forma o uso da maconha é enfocado dentro de uma “unívoca problemática dos
tóxicos”. Não são dimensionados os sentidos sociais e existenciais envolvidos no uso de
determinada substância entorpecente por um grupo social. Ou seja, o significado que o uso
da maconha pode ter no interior de práticas intersubjetivas para a construção da identidade
social. Ao contrário, pensa-se a carreira do usuário como “a roda do destino, que condena
88
sua vítima à decadência progressiva, lançando-a as trevas gradualmente, mas em escala
geométrica, promovendo adições sucessivas, vícios crescentemente deletérios.”(Picollo,
2006)
4.4 SENTENÇAS
Cabe agora analisar as sentenças judiciais. Verificar as sentenças cumpre o objetivo
de avaliar como o processo de aplicação de estereótipos aos jovens infratores tem uma
conclusão com a decisão judicial que determina a medida sócio-educativa. Possibilita
também a avaliação de quais critérios o Juiz da Infância e Juventude utiliza para tomar suas
decisões durante o curso da execução da sentença, ou seja, durante o cumprimento da
medida sócio-educativa.
Neste caso, trata-se das audiências de reavaliação de medida sócio-educativa,
quando o juiz pode decidir pela manutenção da medida imposta ou pela progressão de
medida. Por exemplo, um adolescente ao qual tenha sido imposta a medida de internação,
medida restritiva de liberdade, após seis meses passa por uma audiência de reavaliação,
tendo em vista que a legislação especial do ECA não determina prazos. Na audiência de
reavaliação o juiz pode decidir pela manutenção da medida, ou pela progressão da medida,
para uma medida mais branda como a de semiliberdade.
Diante do fato de que os adolescentes não cumprem penas e sim medidas
sócioeducativas, sendo responsabilizados por seus atos frente à uma legislação especial, o
ECA, a avaliação das sentenças e dos critérios utilizados pelo juiz para a sua definição nos
permite observar se o rito jurídico do processo de apuração de ato-infracional se faz
coerente com o paradigma da proteção integral, ou se contrariamente a isso a sentença
judicial é determinada por critérios punitivos, coroando desta forma o processo de rotulação
de jovens marginalizados.
Nesta parte do capítulo analisarei sentenças produzidas na fase inicial do processo,
quando o adolescente recebe a condenação da medida que deve cumprir, e sentenças
produzidas no curso do processo, quando o adolescente passa por uma reavaliação que
determina a manutenção ou a progressão de medida.
89
Apresento agora trechos de algumas sentenças produzidas em fases iniciais do
processo e que determinam o cumprimento de medida sócio-educativa e em seguida faço a
análise destes documentos.
Primeira Sentença
ASSENTADA:
Aos ....dias de ........, nesta cidade do Rio de Janeiro, na sala de audiências da Vara
da Infância e da Juventude da Capital, onde se achava presente o M:M. Dr. Juiz de
direito.........., comigo o secretário, presente também o (a) Dr(a) Promotor(a) da Justiça e o
Dr.(a) Defensora Pública, compareceram os adolescentes e seus responsáveis, para a
audiência de continuação
. ABERTA A AUDIÊNCIA, o juízo passou a proceder a oitiva
do representado o qual afirmou: que praticaram o assalto ; que subtraíram uma moto,
mochila e chinelo; que foram apreendidos em Benfica por PMs; que J. estava com a arma;
que era um revólver 22, municiado; que quando do delito deu um tiro pro alto; que deu o
tiro de “doideira”, que levaram a moto para a favela; (J.) que tem diversas passagens; que já
recebeu a medida de semiliberdade; que é foragido do Criam, que nunca roubou antes; (M.)
que estava drogado de crack e pico na veia; que tem passagem pelos arts12 e 129; que é
foragido do Criam.
Dada a palavra ao M.P. nada foi perguntado. Ato contínuo, foi ouvida a testemunha
......., RG......, o qual respondeu que foi vítima de assalto em frente ..............; que foi levada
sua moto e mochila com celular, carregados e outros pertences; que o fato se deu em um
sinal, que um lhe abordou e o outro estava dando cobertura; que eles sentaram na moto e se
evadiram dando tiros para o alto; que os assaltantes foram em direção ............
Dada a palavra ao M.P. nada foi perguntado: Dada a palavra a defesa nada foi
perguntado. Pelas partes foi dispensada a produção de outras provas.
O M:P. requeriu a procedência de demanda, eis que restou em provados os fatos
articulados na exordial, em especial pelo depoimento da vítima, claro e preciso,
individualizando a ação dos adolescentes, bem como a confissão dos mesmos, pugnando
pela aplicação de medida sócioeducativa de internação. Dada a palavra a Defesa esta pugna
90
pela aplicação de medida sócioeducativa mais branda que a requerida pelo Parquet,
considerando os princípios da excepcionalidade, da brevidade e o do respeito à condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento. Trata-se de ato-infracional análogo ao art. 157 &2
do C.P., representação as fls. 02/03, oitiva as fls. 40/43, sumário social as fls 44/45 e 51 e
audiência de apresentação às fls. 52. È o relatório. O M.M. Juiz JULGA PROCEDENTE A
DEMANDA, eis que restaram comprovados os fatos descritos na representação, em
especial pelo depoimento da vítima, como dito pelo M.P. claro e preciso, que não deixa
dúvida acerca da autoria do delito, bem como a confissão dos representados. O M.M. juiz
determina em razão da gravidade do ato-infracional praticado análogo ao crime de roubo
praticado mediante violência, a aplicação da medida sócioeducativa de internação a
ambos os adolescentes, devendo ainda ser destacado que os dois tem diversas passagens
por este juízo. Publicada uma audiência. Cumpridas as formalidades legais, arquivem-se.
Nada mais havendo foi encerrado o presente, que vai devidamente assinado. Eu,
....Secretário,digitei. Eu......Escrivão, o subscrevo.
O referido documento foi retirado do processo ISE: 2005.714.003371-6 no CEAM.
Segunda Sentença
ASSENTADA: (audiência de Apresentação)
............ “ABERTA A AUDIÊNCIA, o Juízo passou a proceder a oitiva do(a) (s)
adolescentes, que inquirido(s), declarou(raram): que são verdadeiros os fatos narrados na
representação. Que furtou para comprar drogas. Que usa maconha, loló, crack
ocasionalmente. Dada a palavra ao M.P.nada foi perguntado.Dada a palavra à defesa nada
foi perguntado.
Ato contínuo o M.P. requer a designação de audiência de continuação e a
manutenção de internação provisória do(s) adolescente(s) pelo prazo máximo de 45 dias,
tendo em vista a gravidade do ato infracional. Dada a palavra a Defesa foi dito que pugna
91
pela Liberdade Assistida Provisória do(s) adolescente(s). A Defesa assevera que os fatos
não se deram como narrado na representação, o que será demonstrado no final da instrução.
Outrossim, arrola como testemunhas os senhores:João de Tal, José de Tal, e Maria
de Tal, pugnando por sua eventual substituição e, considerando, a impossibilidade de
internação definitiva, requer a Defesa a concessão de Liberdade Assistida Provisória. Pela
M.M. a Dra juíza foi proferida a seguinte decisão: Acolho a promoção do Parquet e
designo a audiência de continuação para o dia 06/06/2006 ás 14:45 hs. Determino ainda a
internação provisória do(s) adolescente(s) até a audiência de continuação, eis que o fato em
comento é grave e conspurcou a ordem pública. Requisitem-se as testemunhas. Publicada a
audiência . Nada mais Havendo, foi encerrado a presente.
Agora Assentada da audiência de Continuação de três jovens, acusados de tráfico
de drogas.
Terceira Sentença:
TERMO DE ASSENTADA:
Dada a palavra ao M.P. , por ele foi dito que requereria a procedência. Tendo em
vista estarem comprovadas autoria e materialidade. Considerando-se a prova produzida,
opina pela aplicação da medida de Liberdade Assistida com matrícula e curso
profissionalizante: Pela Defesa foi requerida a improcedência da representação ou a
aplicação da medida adequada, não se opondo a medidas protetivas. Pelo M.M. Dr juiz foi
proferida a seguinte sentença: “Vistos,etc. Trata-se de procedimento para apuração de ato-
infracional atribuído a adolescente . Como se observa dos autos, pouco se tem a dizer a
respeito da autoria e materialidade do ato-infracional, comprovados que foram à saciedade
nos autos, inclusive pela confissão dos representados, corroborados pela prova colhida em
sede inquisitorial. Portanto, os aspectos objetivos da hipótese não são objeto de
controvérsias. No que pertine à situação peculiar individual dos adolescentes observa-se
que, apesar de não se poder dizer que é recomendável a aplicação de medida mais branda
92
que a sugerida pelo M.P., não há necessidade imediata de se impor medida mais extrema. O
contexto social, as circunstâncias do fato e suas conseqüências, bem como a personalidade
dos adolescentes indicam que é possível e viável a aplicação de medida que serviria como
forma de transição para o meio aberto. Diante do exposto julgo procedente a demanda da
pretensão ministerial consubstanciada na representação e aplico a medida de L.A, com
matrícula, escolarização e profissionalização..”
Quarta Sentença
ASSENTADA:
........“Pelo MP foi dispensada a produção de outras provas. O MP requer a
procedência da demanda, eis que restaram provados os fatos articulados na exordial, em
especial pelo depoimento dos policiais e pela confissão dos adolescentes, com a
conseqüente aplicação da medida sócio-educativa de internação. Dada a palavra à defesa
esta pugna pela aplicação de medida mais branda que a requerida pelo Parquet, salientando
que trata-se da primeira passagem bem como apresentarem suporte familiar e estarem
cursando o segundo grau. Pela MM Dra. Juíza foi proferida a seguinte sentença: Trata-se
de ato infracional análogo a art. 157, parágrafo 2
o
, I do CP, representação às fls. 02/03,
oitiva e sumario social dos autos. É relatório. Considerando que restaram comprovados os
fatos descritos na representação, em especial pelo depoimento das testemunhas e a
confissão dos representados, julgo procedente a demanda, e determino em razão da
gravidade do ato infracional, a aplicação da medida sócio-educativa de internação
cumulada com escolarização e profissionalização...”.
Quinta sentença:
ASSENTADA:
93
“.........o juízo passou a proceder a oitiva da vítima ..., IFP..., que são verdadeiros os
fatos descritos na representação, que foi assaltada na ..., que deram um tapa no rosto, que
eram dois elementos, que os dois subtraíram, que passaram e arrancaram o seu celular,
dizendo “perdeu, perdeu”, que levados os representados para a sala de reconhecimento
existente neste Fórum, reconheceu ambos. Interrogados os representados, ambos, negam a
autoria do fato. O MP requer a procedência de demanda com a aplicação da medida sócio-
educativa de semi-liberdade, eis que restaram comprovados os fatos articulados na
representação pugnando pela aplicação da medida sócio-educativa de SEMILIBERDADE.
Dada a palavra A Defensoria Pública requer a improcedência da demanda por insuficiência
de provas, que na eventualidade de condenação seja aplicada sanção mais branda. O MM
Dr. Juiz julga procedente a demanda, considerando que comprovaram os fatos articulados
na representação, em especial pelo profícuo depoimento da vítima, depoimento este que
aponta claramente a prática de violência que circunstancia elementos do caso de roubo.
Com efeito o MM Dr. Juiz aplica a medida sócio-educativa de semiliberdade, considerando
tal medida menos gravosa como adequada em razão da inexistência de antecedentes
infracionais.
4.4.1 Análise das sentenças:
Ao analisar as sentenças proferidas pelo Juiz Infância e da Juventude podemos
perceber como se opera o processo para apuração de atos- infracionais. Através da sentença
judicial é possível verificar como se desenvolveu o processo penal que culmina com a
sentença condenatória, ou seja, a determinação de cumprimento de uma medida sócio-
educativa.
A sentença condenatória, definida na fase processual é precedida por um processo
de aplicação de estereótipos, que se inicia com a ação policial e segue na representação e no
Termo de oitiva do M.P. que em praticamente todos os casos apresenta o adolescente
acusado a partir de rótulos depreciativos. Aqui gostaria de destacar que entre os inúmeros
processos que pesquisei no cartório da 2
a
. Vara da Infância e da Juventude verifiquei
94
especificamente nos processos referentes ao ano de 2006 a recorrência de processos que
possuem uma foto dos adolescentes. Segundo informação que me foi facultada por um
funcionário do cartório, estas fotos são enviadas, anexadas nos autos pelas autoridades
policiais.
Portanto, na fase inicial do processo de apuração de ato-infracional, quando ocorre a
audiência de apresentação e a audiência de continuação quando juiz profere a sentença que
determina a aplicação de uma medida sócio-educativa, os autos do processo já contém
documentos que consubstanciam a construção social do delinqüente menor de idade a partir
da aplicação de estereótipos.
Como foi possível observar no tópico anterior a acusação do M.P. que se sustenta
em oferecer informações sobre a realidade familiar, de moradia, sobre uso de drogas entre
outros atributos que podem definir a origem social do acusado, se soma a laudos técnicos-
científicos que se estruturam a partir de valores morais que guardam similitude com aqueles
utilizados pelo M.P., coincidindo entre outros aspectos com a aplicação do estereótipo de
usuário de drogas. Além disso, as fotos oferecem informações sobre aspectos como a
condição étnica do jovem acusado ou até estilos de comportamento juvenil que podem ser
identificados a partir de marcas corporais como o estilo e a cor do cabelo.
Como pudemos perceber, os laudos técnicos – científicos também contribuem para
a construção social do delinqüente menor de idade a partir da rotulação da família
desestruturada, definida pelo conceito de “risco social”, pela rotulação do uso de drogas e
evasão escolar entre outros fatores que fortalecem a acusação do M.P.
Ao chegar a frente do Juiz o adolescente já foi estudado e rotulado nos documentos,
ou seja já se operou a aplicação do estereótipo do delinqüente sobre o jovem acusado da
prática de ato-infracional.
Isto justifica que na maior parte das vezes o juiz aceite a demanda do ministério
público. Vale ressaltar que a partir da leitura das assentadas de audiência é possível supor
que exista um desquilíbrio das partes processuais, tendo a acusação um peso maior que o da
defesa. Embora este aspecto não seja o objeto específico da presente pesquisa e a sua
confirmação careça de uma pesquisa específica, tal fato não seria uma exclusividade da
justiça da infância e da juventude, tendo em vista o caráter inquisitorial do sistema judicial
brasileiro. (Lima,1995) (Prado,2001)
95
Na primeira sentença analisada é possível verificar um dado sobre o qual se pode
falar em uma saturação qualitativa. Trata-se do fato de que o juiz ao proferir a sentença que
determina a aplicação da medida sócio-educativa, acolhe a demanda do M.P. Este fato se
repete nas outras sentenças analisadas. No que toca a atuação da defesa, registra-se na
Assentada da audiência apenas que esta “pugna por medida mais branda que a referida pelo
Parquet, considerando os princípios da excepcionalidade, da brevidade e do respeito à
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. Este argumento se repete em inúmeros
processos, nos quais o M.P. solicita a internação do jovem infrator.
Na sentença, muitas vezes, o juiz adota integralmente a tese do M.P, aceita
integralmente as provas apresentadas e sustenta a sua decisão na confissão dos
adolescentes.
Os elementos destacados acima se repetem em outras sentenças e serão, portanto
analisados. Ainda sobre a primeira sentença vale destacar o registro feito na assentada da
audiência de que ao ser inquirido pelo juiz um dos adolescentes acusados relatou que estava
“drogado de Crack e pico na veia”. Ressalto este aspecto porque suponho que o uso de
drogas se constitui em um dos principais atributos utilizados para a acusação de jovens,
como pude perceber ao analisar as representações do M.P. e os laudos produzidos pelos
profissionais técnico-científicos.
A segunda decisão judicial analisada também é retirada da assentada de uma
audiência na qual se verifica que o juiz acolhe a proposição do M.P. Trata-se de uma
audiência inicial na qual o juiz decidiu a internação provisória de jovem acusado de praticar
o furto de um telefone celular.
A Defesa solicitou ao Juiz a aplicação da medida de Liberdade assistida provisória.
Na sentença proferida o juiz sustenta sua decisão dizendo “que o fato em comento é grave e
conspurca a ordem pública”. Vale destacar que nesta audiência a decisão judicial também
se sustenta na confissão do jovem infrator que segundo se encontra registrado, ao ser
inquirido pelo juiz teria afirmado que usa “maconha, loló e crack ocasionalmente”. Aqui
também chamo a atenção para a presença do atributo de uso de drogas, que está registrado
na assentada juntamente com a confissão.
96
A terceira decisão judicial reflete também a concordância do Juiz com a tese do M.
P., decidindo pela aplicação da medida de Liberdade Assistida, opostamente ao pleito feito
pela Defensoria, a qual sugeria a aplicação de uma medida de caráter protetivo.
A quarta decisão também desconsidera o pleito da defensoria Pública que advoga
em favor dos jovens acusados que estes não possuem passagem anterior pela Vara da
Infância e Juventude. O juiz baseia mais uma vez a decisão pelo depoimento testemunhal e
pela confissão dos adolescentes
A quinta decisão refere-se a dois jovens acusados de furto. A decisão mais uma vez
esposa a tese do M. P. O juiz inclusive altera a tipificação do delito após a oitiva da vítima.
Vale destacar novamente o depoimento da vítima, que teria sido assaltada na Tijuca
conforme registrado na assentada da audiência:
“....que deram um tapa no rosto, que eram dois elementos, que os dois subtraíram,
que passaram e arrancaram seu celular dizendo “perdeu,perdeu”.....” A vítima reconheceu
os representados na sala de reconhecimento existente no Fórum. Deve-se atentar para o fato
de que na assentada da audiência encontra-se registrado que os dois adolescentes negam a
autoria do delito. Porém nada mais do que isso se encontra registrado sobre a fala dos
acusados.
A Defensoria alegou em defesa dos acusados que havia insuficiência de provas.
Porém, apesar dos jovens não terem antecedentes na prática de atos –infracionais e de neste
caso não terem confessado a prática do delito o juiz resolveu determinar a medida de
semiliberdade sustentando tal sentença na prova consubstanciada, “no profícuo depoimento
da vítima, depoimento este que aponta claramente a prática de violência que circunstancia
elementos do caso de roubo”.
É possível questionar se, ao concordar frequentemente com a tese da acusação, como
pude perceber ao consultar dezenas de processos, a sentença proferida pelo juiz seria o
momento de consolidação do processo de rotulação que é desenvolvido pelo M. P. e pelos
profissionais técnico-científicos, concretizando desta forma o processo de construção social
do delinqüente menor de idade.
4.4.2 Sentenças produzidas no curso da medida sócio-educativa:
97
Durante a realização desta pesquisa no cartório do CEAM, descobri uma
importante fonte de pesquisa que se constitui nos livros de registro de sentenças. Estes
livros agrupam as sentenças proferidas pelo Juiz da Infância e da juventude no curso da
execução da medida sócio-educativa. São os livros de registro de Sentenças do ano de
2006 do cartório de Execução de Medidas Sócio-Educativas da Segunda Vara da Infância e
da Juventude. Estas sentenças são produzidas no curso da execução da medida sócio-
educativa.
São sentenças de reavaliação de medida sócio-educativa e estão agrupadas em dois
livros. Um livro de sentenças de progressão de medida, quando o juiz decide que o
adolescente terá uma progressão da internação para a semiliberdade ou de semiliberdade
para Liberdade Assistida.
O outro livro reúne as sentenças de manutenção de medida, quando o juiz decide
contrariamente a progressão de medida.
Os dois livros reúnem sentenças proferidas no período de janeiro à outubro de 2006
.
Tais sentenças, cujo modelo é único conforme pude verificar nos livros, se repetem
independentemente do tipo de ato-infracional, da gravidade do delito, do tempo que o
adolescente esteja institucionalizado etc.
Nos casos de progressão existem dois modelos que se repetem. Um para quando o
adolescente é contemplado com a progressão da medida sócio-educativa de internação para
a de semiliberdade e outro quando se trata de progressão de semiliberdade para liberdade
assistida.
Quando o juiz decide pela manutenção de medida existe um outro modelo que é
aplicado a praticamente todos os casos.
Os três modelos se encontram nos anexos da presente dissertação.
Acredito que o fato de que o juiz aplica a mesma sentença independentemente do
adolescente que está sendo alvo do julgamento da reavaliação da medida sócio-educativa, é
demonstrativo de que o juiz não analisa detidamente os casos. Não existe um tratamento
individualizado.
98
A aplicação de estereótipos pelo juiz evidencia-se no texto da sentença que parece
uma pregação moral. È importante verificar no texto como o juiz utiliza e legitima sua
decisão nos documentos produzidos pelos técnico-científicos.
A relevância para a presente dissertação reside também no fato de que ambos os
livros registram o mesmo modelo de sentença em todos os seus parágrafos para centenas de
casos, alterando-se apenas os elementos de identificação pessoal do adolescente.
99
CONCLUSÂO:
Criminalizando a pobreza: A persistência das práticas discriminatórias
Na presente dissertação procurei demonstrar que a aplicação de estereótipos,
sustentada em saberes profissionais se constitui em um fato que remonta ao início do século
passado, estando presente na fundação do primeiro juizado de menores em 1927, que
sustentava a sua ação nas teorias racistas que predominavam no meio intelectual da época.
Foi destacado, no segundo capítulo o papel das idéias de Cesare Lombroso na
conformação do juizado de menores.
Este fato não se alterou nas fases posteriores da justiça da infância e da
Juventude.Desta forma, ao olharmos retrospectivamente para o desenvolvimento da justiça
de menores em nosso país veremos que de forma ininterrupta saberes científicos foram
mobilizados para a aplicação de estereótipos, conjuntamente com um discurso jurídico que
faz a rotulação do comportamento criminoso a partir dos atributos de pobreza e
marginalidade social, criminalizando especificamente os filhos das “classes perigosas”.
Nesse sentido vale destacar com o propósito de sustentar a presente argumentação
que no período do extinto SAM, entre 1930 e 1964, os saberes profissionais de psicólogos
eram utilizados para a aplicação de testes de Q.I., que possibilitavam o diagnóstico de “sub-
normais” para os jovens delinqüentes. Também no mesmo período os saberes médicos
sustentavam os diagnósticos de “personalidade instável” (Batista, 2005, pág 37)
Posteriormente, durante o período da ditadura militar, verifica-se a criação da
Funabem e a aprovação do novo código de menores que adotou a doutrina da situação
irregular que se sustentava no conceito de “patologia social ampla”.
Os saberes profissionais, especialmente o de assistentes são essenciais para o
diagnóstico da situação irregular, tendo em vista que a situação irregular se caracterizava
pelas condições de vida dos segmentos marginalizados da população. Tratava-se de rotular
as famílias que viviam em condição de pobreza como sendo aquelas que produzem os
delinqüentes.
Hoje, 16 anos após a aprovação do ECA, verificamos que um dos principais
obstáculos para a efetivação do ECA e das diretrizes da doutrina da proteção integral se
100
encontra no fato de que os mesmos discursos profissionais continuam sustentando o
processo de criminalização de jovens pobres.
Na presente dissertação busquei verificar como na atualidade se opera o tratamento
jurídico do ato-infracional. Como os discursos dos profissionais da área jurídica e dos
profissionais técnico-científicos constróem e aplicam as suas categorias de análise para a
compreensão e o tratamento institucional do ato-infracional.
Os resultados da presente pesquisa apontam para o fato de que apesar do grande
avanço jurídico que se constitui na adoção da doutrina da proteção integral e na aprovação
do ECA o tratamento jurídico do ato-infracional ainda se constitui em um processo
discriminatório marcado pela desigualdade de tratamento conferido aos jovens acusados de
acordo com a sua origem social.
A partir de trabalho de campo na Vara da Infância e da Juventude e da análise de
documentos presentes em 20 processos de apuração de ato-infracional foi possível perceber
que nestes processos se explicita a construção social de esquemas classificatórios que
aplicam estereótipos em jovens pobres, naturalizando o crime como sendo decorrência da
pobreza.
Aqui vale destacar que os processos de apuração de ato-infracional devem ser
norteados pelas garantias do processo penal democrático e da doutrina da proteção integral.
Não obstante, ao analisar estes documentos verifiquei que os propósitos de
ressocialização se enfraquecem, tendo em vista o processo de construção social do
delinqüente menor de idade cumpre primordialmente o papel de reprodução da ordem e da
estrutura social. Através de gestos de “separação, classificação e limpeza”(Douglas, 1970,
pág 2), a justiça da infância permite a segregação de jovens marginalizados, fortalecendo os
valores morais vigentes que associam estes jovens a noção de perigo.
Passo agora a fazer alguns comentários conclusivos referentes aos dados obtidos na
presente pesquisa.
No quarto capítulo, procurei demonstrar que a aplicação de estereótipos se encontra
presente já na abertura da ação sócio-educativa pública. Com este propósito vale destacar
que analisei os termos se oitiva produzidos pelo M. P.
101
A análise destes documentos conforme foi demonstrado no quarto capítulo, permite
inferir que o interrogatório do M.P. se faz com o propósito de buscar elementos que
possibilitem a stigmatização do jovem acusado.
O registro nesses documentos de elementos como marcas corporais, tatuagens,
estilos de comportamento juvenil, como a freqüência a bailes funk, além do registro literal
de gírias usadas pelos adolescentes, e de dados sobre a desestrutura familiar nos levam a
conclusão de que a confecção destes documentos é presidida por valores comuns aos do
Lombrosianismo social, tal como eram os questionários dos comissários de vigilância do
período do juizado de menores de 1927
Basta olhar o questionário citado, no segundo capítulo da presente dissertação para
verificar a semelhança.
Busca-se em ambos documentos dados sobre a realidade familiar, estilos
comportamentais inadequados, vícios etc. Nesse sentido deve-se acrescentar ainda que o
uso de drogas por parte dos adolescentes aparece, nos termos de oitiva do M.P. como um
dos principais fatores que sustentam a rotulação do comportamento criminoso
Ao analisar os laudos técnico-científicos, da mesma forma foi possível inferir que os
profissionais responsáveis por sua formulação, se baseiam em valores morais que rotulam o
comportamento criminoso a partir dos atributos de pobreza e marginalidade social.
A “desestruturação familiar” continua sendo enxergada por estes profissionais como
o fator causador do delito entre os jovens. A naturalização da prática do ato-infracional se
dá a partir do conceito de “risco social”.
A situação de “risco social” se define pela violência doméstica, presença de parentes
infratores “ausência paterna” que conduz os jovens a evasão escolar, ao uso de drogas e
finalmente ao crime.
A partir dos resultados da presente pesquisa acredito que se deve continuar o estudo
deste fato com o propósito de se avaliar se sob o manto da doutrina da proteção integral
está ocorrendo uma reatualização da lógica tutelar que vigia durante o período da doutrina
da situação irregular com o conceito de “disfunção famílial”.
Devo ainda destacar o dado de que o uso de drogas também é utilizado por estes
profissionais como um dos principais elementos que sustentam a rotulação do
comportamento criminoso.
102
A análise das sentenças demonstra que o juiz da infância e da juventude na maior
parte dos casos aceita a demanda do M. P. A sentença condenatória, precedida da aplicação
de estereótipos pelos profissionais técnicos- científicos, e pela oitiva do M. P. consolida a
construção social do delinqüente menor de idade nos processos de apuração de ato-
infracional.
A importância do uso de drogas como atributo que possibilita a aplicação de
estereótipos se reflete também na sentença judicial, pois em algumas delas faz-se menção
diretamente ao fato do adolescente usar drogas, citando-se inclusive todos os tipos de
drogas que o adolescente faz uso na assentada da audiência.
103
Pós-Escrito
Minha experiência no Degase: Um itinerário de pesquisa
O meu ingresso no serviço público se deu em 1999, através de concurso público, quando
comecei a trabalhar no DEGASE, exercendo a função de Agente de Disciplina.
Em 1997 iniciei meu curso de Ciências Sociais na Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. O ingresso no DEGASE é, portanto, posterior ao início dos meus estudos
universitários.
A condição de estudante de Ciências Sociais e de profissional que atua junto a jovens
infratores acautelados pelo estado, possibilitou o desenvolvimento de uma monografia de
final de curso de Ciências Sociais sobre a temática de adolescentes em conflito com a lei.
Tive a oportunidade de desenvolver uma pesquisa qualitativa baseada em entrevistas em
profundidade. Tal pesquisa estava associada á minha monografia de final de curso mas
também tinha o propósito de subsidiar o DEGASE no desenvolvimento de políticas de
atendimento aos adolescentes acautelados pela instituição. Esse trabalho foi solicitado pelo
diretor geral do DEGASE na época, senhor Sidney Telles.
O fato de estudar Ciências Sociais no mesmo período em que comecei a trabalhar no
pátio de instituições destinadas ao cumprimento da medida sócio-educativa de internação e
de semiliberdade me despertou desde o início, o interesse de aplicar o meu conhecimento
científico á realidade que se apresentava no interior dessas instituições buscando conciliar a
construção de minha carreira acadêmica com as minhas obrigações profissionais.
Passo a descrever alguns elementos de minha trajetória profissional, por considerar que
os aspectos que serão destacados são fundamentais para a compreensão dos motivos que
me conduziram à escolha do objeto de pesquisa da presente dissertação.
Tendo em vista que a minha aproximação ao tema da presente pesquisa se relaciona com
uma trajetória profissional que se situa entre os anos de 1999 e 2006, julgo necessário
descrever aspectos desta trajetória que possibilitem a visualização do itinerário percorrido
para a consecução da presente pesquisa.
Sobre este fato, me parece válida a afirmação de que:
“Quando o pesquisador está instalado numa universidade,
indo ao campo apenas por poucas horas de cada vez;
104
pode manter sua vida social separada da atividade de
campo. Lidar com seus diferentes papéis não é tão
complicado. Contudo se viver um longo período na
comunidade que é seu objeto de estudo, sua vida social
estará inextricavelmente associada à sua pesquisa. Assim,
uma explicação real de como a pesquisa necessariamente
envolve um relato bastante pessoal do modo como o
pesquisador viveu durante o tempo de realização do
estudo. Esse relato da vida na comunidade pode ajudar a
explicar o processo de análise dos dados.”. (2005, pág
283)
Atravessei toda a minha graduação na Uerj e a maior parte do tempo que cursei o
mestrado na UFF, sendo funcionário do Degase.
Por este motivo farei algumas observações sobre a especificidade da função que
eu exercia no serviço público. Acredito que a minha situação particular me permite
dizer que eu vivenciei a condição de “nativo” e pesquisador em relação aos meus
objetos de pesquisa na graduação em Ciências Sociais e no Mestrado na UFF
respectivamente.
As atribuições do cargo de Agente de Disciplina, função que tem por propósito
garantir a segurança dentro das unidades do DEGASE e assegurar a normalidade das
rotinas institucionais, se desenvolvem determinando uma interação intensa entre estes
profissionais e os internos das unidades. Os agentes atuam em plantões de 24 horas e
são responsáveis pela viabilização de todas as atividades desenvolvidas pelos
adolescentes durante o curso do plantão.
O contato intenso com os adolescentes propiciado pela minha função sempre
despertou minha curiosidade e o meu interesse de observação de suas interações e de
compreensão de seu universo simbólico e valorativo.
Por compreender que meu local de trabalho poderia se constituir em um campo
privilegiado para o estudo de jovens infratores e de uma cultura criminal associada ao
varejo do tráfico de drogas desenvolvi o hábito de levar para os meus plantões um
caderno de campo onde realizava minhas observações.
105
Primeiramente dirigi meu interesse para a compreensão dos adolescentes
procurando entender quais fatores poderiam influir na “opção” pela prática de atos
infracionais. Esta perspectiva orientou a pesquisa que realizei para a realização da
monografia de final de curso nas ciências Sociais.
Porém, a minha vivência profissional nas unidades do Degase me permitiu
perceber que nesta instituição a execução das medidas sócioeducativas não se
desenvolvia em acordo com os princípios estabelecidos pelo paradigma da proteção
integral.
Chamou-me atenção especialmente o fato de que em decorrência da
precariedade material e da falta de material humano, em algumas unidades do
Degase, especialmente os Criams, a preservação das rotinas institucionais só era
possível a partir de acordos tácitos entre funcionários e lideranças dos adolescentes,
acordos que eram necessários para a preservação da própria integridade física dos
funcionários. Na época em que trabalhei nestas
unidades, elas viviam um desaparelhamento completo. Alojamentos precários,
superlotação, péssimas condições de higiene e total ociosidade entre os adolescentes.
Nas unidades de internação, além da fragilidade das ações de cunho pedagógico,
verifica-se também a persistência de práticas de caráter meramente punitivo.
Nos Criams, o efetivo de funcionários era insuficiente, tendo apenas dois
agentes de disciplina por plantão, fato que não possibilitava que houvesse uma
supervisão eficaz dos adolescentes.
Desta forma fui surpreendido ao perceber que a estrutura da instituição da qual
eu fazia parte era absolutamente inconciliável com as diretrizes do ECA.
A realidade institucional se assemelhava bastante com o sistema prisional de
adultos, encontrando-se grande vulto em ações de caráter meramente punitivo. Pude,
portanto, vivenciar uma realidade institucional marcada pela ausência do
“reordenamento institucional” que permitisse a adequação às diretrizes da doutrina da
proteção integral.
A minha presença, e a conseqüente interação que eu vivenciava com
profissionais e com jovens acautelados me permitiu verificar que o aspecto que mais
fortemente marcava a passagem dos adolescentes por estas unidades não era a sua
106
inclusão em atividades de caráter sócioeducativo e sim o aprendizado de códigos que
regulam a convivência com outros adolescentes e também com os funcionários, com
o propósito de se livrarem de sanções formais e informais frente à um comportamento
inadequado.
A função do agente de Disciplina: A experiência no Criam.
Com o propósito de situar a minha experiência profissional e a sua relação com
o meu percurso de investigação, apresento a descrição da função de agente de
disciplina a partir da minha experiência em uma unidade específica do Degase, o
Criam Bangu.
Os agentes assumem o plantão as sete da manhã e seu trabalho se estende até a
mesma hora do dia subseqüente. Ao assumirem o plantão fazem a contagem dos
internos que pernoitaram na casa, somente após esse momento liberam a equipe que
foi rendida, os plantonistas do dia anterior.
A partir de então assumem a coordenação das atividades do CRIAM na sua
rotina diária. Controlam a entrada e saída dos adolescentes que se deslocam para o
trabalho, para a escola, ou para qualquer atividade autorizada pela direção da unidade
ou pelo juizado da infância e juventude em suas respectivas atribuições. São
responsáveis pelo controle do horário dessas atividades. Coordenam a refeição
matinal dos adolescentes e todas as demais refeições, o jantar, a ceia noturna e a
refeição dos jovens que chegam mais tarde, à noite, retornando da escola ou do
trabalho. Também são responsáveis pela condução de adolescentes em atividades
externas como por exemplo consultas médicas e apresentação no juizado. São
responsáveis ainda pela supervisão da circulação dos adolescentes por toda a área do
CRIAM, refiro-me a área que circunda o núcleo central, constituído pelas “casas”.
Esta circulação está marcada pelo fato de ser um dos momentos em que os
adolescentes estabelecem contato com o mundo externo, estabelecendo interações
através das grades do CRIAM com pessoas que se encontram do lado de fora. Fazem
contato com outros adolescentes das comunidades vizinhas; e ainda aproveitam para
paquerar as jovens que passam na rua. É também por intermédio das grades que eles
107
recebem a droga (maconha) que consomem no interior do CRIAM. Em síntese, a
grade do Criam é a sua porta de comunicação com o mundo externo. Considerando-se
que a maior parte dos jovens possuem núcleo residencial nas redondezas da unidade,
a grade pode possibilitar contato com familiares e com outros delinquentes.
Os agentes de disciplina devem ainda proceder á revista dos jovens quando estes
retornam ao CRIAM. Na maior parte das vezes, esta ação cumpre um papel apenas
simbólico dado o que foi dito sobre a grade.
A impossibilidade de dois homens controlarem tudo que ocorre na grade, se
constitui num fator de vulnerabilidade para os funcionários e a revista se torna inócua
pois qualquer jovem que tivesse a intenção de fazer entrar no CRIAM qualquer
objeto ilícito, seja droga ou até mesmo uma arma, faria isso pela grade.
Os agentes são responsáveis também por intervir fisicamente se necessário para
garantir a segurança dos adolescentes e dos funcionários. Uma questão de muita
importância já se evidencia quando se considera que o conjunto de atribuições dos
agentes, de controle e supervisão do comportamento dos jovens dentro de toda a área
do CRIAM, além de coordenar atividades externas e as vezes executar tarefas que
não são atribuições de seus cargos, como servir refeições a noite ou realizar a
limpeza do pátio, tarefas que são impostas a esses funcionários em decorrência da
falta de funcionários para essas funções, leva a uma sobrecarga considerável.
Ainda mais evidente fica esse fato quando se considera que as equipes de agentes
plantonistas variam de dois a três agentes. Ou seja, quando um agente precisa se
ausentar para realizar uma tarefa externa como por exemplo levar um jovem ao
juizado, o seu colega de plantão pode ser obrigado a permanecer sozinho por uma
grande parte do dia.
Durante o dia, o expediente do Criam conta com a presença de uma equipe
técnica constituída por assistentes sociais e pedagogas além de um ou dois
funcionários responsáveis por tarefas administrativas. Existe ainda a presença de uma
cozinheira. Porém as tarefas especificas do agente não são compartilhadas com
qualquer outro funcionário. As equipes técnicas cujas atribuições passam pelo
acompanhamento da progressão dos jovens em suas atividades laborativas ou
escolares, no contato com familiares, na avaliação do comportamento dos jovens em
108
sua vida na instituição, mantém na maioria das vezes contatos esporádicos com os
jovens no interior de salas de atendimento técnico. Raramente convivem com eles no
pátio ou no restante da área interna do CRIAM. Angariam respeito e ás vezes temor
dos adolescentes, pois são elas as responsáveis pela confecção de relatórios técnicos
que são encaminhados ao Juiz, e podem, portanto, influir na progressão ou não das
medidas sócio-educativas.
Não pretendo discutir aqui a atuação das equipes técnicas, tenho apenas o propósito
de salientar que o grau de interação dessas equipes com os internos é menos intenso. Em
decorrência da cobrança à que estão submetidas as técnicas, elas se concentram na
confecção de relatórios e devido a isso, pouco interagem com os jovens no decurso da
vida institucional.
Os agentes são os únicos que vivenciam um contato ostensivo com os jovens durante
todo o plantão. A eles, são dirigidas a maior parte da solicitação dos jovens em suas
inúmeras necessidades.
Aos agentes, os jovens pedem sabão, papel higiênico, pasta de dente, solicitam uma
conversa com a técnica, reivindicam uma partida de futebol ou a utilização da mesa de
ping- pong. Além disso, os agentes são os destinatários da maior parte das queixas e
reclamações que grande parte das vezes são expressadas com muita raiva. Esta situação é
constante do momento em que assumem o plantão até a madrugada quando o último
adolescente consegue pegar no sono.
Os agentes ocupam um papel na regulação dos conflitos que surgem no convívio dos
109
A interação intensa que tive com os adolescentes no período em que trabalhei no
Degase me levou a ter carinho por muitos deles e a desconstruir a visão do senso comum
a respeito da periculosidade destes jovens. Me permitiu perceber que praticamente todos
eles eram oriundos das classes populares. A minha vivência cotidiana revelava que só os
jovens pobres permaneciam institucionalizados.
Aqui devo destacar que além de perceber a seletividade da justiça pude também
perceber que este fato se relaciona com a lógica que preside a ação da maior parte dos
funcionários, que muitas vezes efetuam um processo de stigmatização destes jovens.
A produção de laudos técnicos por profissionais que não interagem e não promovem
ações de cunho pedagógico com os adolescentes, também é presidida pelo principal
objetivo de cumprir uma obrigação profissional nos prazos determinados pela justiça.
De toda forma, a realidade institucional pressiona estes funcionários a apresentarem
nos atributos pessoais dos jovens as causa do insucesso de uma medida sócio-educativa.
Acredito que os aspectos elencados anteriormente são suficientes para demonstrar
como a partir da que a minha experiência profissional, despertei a curiosidade sobre o
perfil do grupo social que é criminalizado, aspecto que trabalhei em minha monografia de
fim de curso de ciências sociais.
Me despertou também a curiosidade pela instituição. Tendo eu presenciado tanta
violência contra estes jovens, procurava entender como o empenho de seus dirigentes em
apresentar a institução para a opinião pública como sendo norteada pela doutrina da
proteção integral, era muitas vezes bem sucedido.
De toda forma a minha vivência me levou a pensar que a realidade institucional do
Degase não é a causa e sim a conseqüência de fatores mais relevantes.
Não é possível entender a realidade das instituições de acautelamento de jovens
infratores se não considerarmos que ela se relaciona com dimensões mais abrangentes da
vida social.
110
Desta forma, minha atenção se deslocou para a esfera jurídica e os saberes
profissionais que subsidiam a construção social do delinqüente menor de idade e no
mesmo ato fornecem a sustentação para toda a sorte de violência praticada contra os
filhos das classes perigosas.
.
111
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criminalização dos atos decorrentes de preconceito de raça e cor no Rio Grande do
Sul, dissertação, Programa de Pós Graduação em Sociologia da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. Agosto de 2003.
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L. LIPPI (org). Cidade: histórias e desafios—Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas,
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SILVA, Luiz Antônio Machado da--- “A política na favela”.- Cadernos de Estudos
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SILVA, Luiz Antônio Machado da. “Criminalidade Violenta: por uma nova
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116
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Janeiro,1987.
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ZAMORA; Maria Helena-” A lógica, os embates e o segredo: uma experiência de
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Editora PUC Rio,2005.
118
ANEXO A
SENTENÇAS PRODUZIDAS NO CURSO DA APLICAÇÂO DA MEDIDA
SÒCIOEDUCATIVA: SENTENÇAS DE PROGRESSÂO E MANUTENÇÂO DE MEDIDAS
SÒCIOEDUCATIVAS
LIVRO DE REGISTRO DE SENTENÇAS DE PROGRESSÂO DE MEDIDA
SÒCIOEDUCATIVA:
A sentença que eu reproduzo abaixo, se repete em quase todos os casos,
SENTENÇA DE PROGRESSÂO: INTERNAÇÂO PARA SEMILIBERDADE
JUIZO DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE
Adolescente:......
Sentença de Reavaliação de Medida Sócioeducativa.
Supondo-se pelos elementos constantes dos autos,que o adolescente tem condições
de enfrentar com probabilidade de êxito, uma vida social menos regrada, sem retornar a
prática de atos-infracionais, impõem-se `a progressão da medida sócioeducativa para a
semiliberdade.
Vistos, etc
1-Trata-se de procedimento de execução da medida sócio-edeucativa de internação
imposta ao (a) adolescente .................., pela prática de ato-infracional equiparado ao crime
tipificado no art 157, &2 ,I e II do C. P.
2 – O adolescente internado (a) desde 10/10/05 não registra outra passagem pelo
sistema sócio-educativo
119
3- Como se sabe, a medida sócio-educativa referida não comporta prazo determinado,
dizendo a lei (art 121., & 2 da lei 8069/90) que a sua manutenção deve ser
reavaliada a cada 6 meses no máximo.
4- Pela dicção da lei, a reavaliação não é para modificar a medida imposta, embora isso
possa ocorrer: é para saber se a medida de internação deve ou não ser mantida (leia-
se de novo , o art. 121, &, 2, da lei 8069/90) posto que o no prazo máximo de sua
imposição é de três anos.
5- Resta, portanto, saber agora quais seriam os critérios que fundamentam a decisão
judicial que mantém a internação em quais aquelas situações que ensejariam a
mudança de regime ou de medida.
6- Não há critérios objetivos tais como prazo de internação, correlação destes prazos
com a quantidade de pena que seria imposta se o infrator fosse inimputável e outras.
Mas é certo também que, apesar de as medidas sócio-educativas, buscarem, antes de
mais nada, a ressocialização do infrator, não se pode olvidar que guardam elas,
também, certo conteúdo retributivo, a fim de criar no adolescente a consciência da
ilegitimidade de sua prática de atos-infracionais. Esse conteúdo retributivo não pode
deixar de ter uma relação indireta com a gravidade do fato praticado.
7- Portanto, enquanto não for avaliado o estrado psíquico do adolescente , para que se
suponha, pelo menos, estar conjurado o perigo da reincidência, a internação deve
ser mantida. A mudança ocorrerá quando houver prognóstico de que o adolescente
não voltará à prática de novos delitos ou atos-infracionais.
È claro que todo prognóstico a enganos de avaliação, mas sempre há de se
partir do pressuposto da existência de uma hipótese aceitável ou verossímel. Essa
verossimilhança não se constata numa audiência –daí a sua indispensabilidade – e sim
numa avaliação técnica, feita por profissionais preparados que investigarão as causas,
os fatores endógenos e exógenos, orgânicos, e mesológicos.
8- Apesar de o Juiz não estar adstrito à manifestação técnica ou laudo, podendo
formar sua convicção com outros elementos (CPC. Art.436 vg.), é o estudo ou relatório
enviado pela instituição que servirá de ponto de partida e a credibilidade que se atribui a
estes relatórios aumentará ou não de acordo com uma maior ou menor margem de
120
acerto das hipóteses aceitáveis de eliminação dos riscos de reiteração das práticas de
atos-infracionais.
9-No caso presente, o relatório apresentado pela equipe técnica da instituição onde
se encontra o adolescente revela uma acentuada melhoria no seu estado psico-social,
merecendo progressão para o regime de semiliberdade.
10- Diante do exposto, reavalio a medida de internação, na forma do art.121 & 2, da
lei 8069/90 e determino a progressão de medida, inserindo-o (a) no regime de
semiliberdade, medida sócio-educativa que será cumprida no Criam Penha, devendo nos
termos do art.124, x 1 da lei (Vg. Art 246 do ECA).
O Criam de abrangência comunicará ao juízo de execução, no prazo de (trinta) 30 dias,
as providências adotadas. As demais atividades externas, reguladas pela direção da unidade,
obedecerão aos estreitos limites estabelecidos nos art. 122 e 124 da lei 7210/84, aplicável
ex vi do art.152 do ECA, à mingua de outros dispositivos reguladores. A visita á família
será progressiva e condicionada ao bom comportamento do adolescente, tolerando-se a sua
concessão por dois dias de cada vez, até o limite máximo de quatorze dias por trimestre.
11- Oficie-se à instituição onde o (a) adolescente está internado(a) (enviando-se cópia do
presente), para as providências de sua alçada, transferindo-se o (a) adolescente para o
Criam respectivo, não sem antes orienta-lo a respeito dos proveitos que pode obter se
continuar meritoriamente nos progressos apontados no relatório social e dos contratempos
de retorno ao seu Status atual.
12- A medida será reavaliada em (90) dias ou com o cômputo de 150 pontos nos termos da
Portaria n 07/04, sendo obrigatória a escolarização e a profissionalização do adolescente
(art.120, &1, da lei 8069/90), devendo o Criam apresentar o relatório social no prazo
respectivo.
Para agilizar a informação ao adolescente sobre sua situação profissional ( obrigação
legal da instituição – art...da lei 8069/90) designo o dia 10/07/2006, às 12:00hs, para a
leitura do presente decisum., na sede deste juízo, ocasião que também o (a) adolescente e
seus pais ( os quais intimados) participarão de palestras educativas à respeito do
cumprimento da medida e outros assuntos de interesse de ambos.
121
Os pais do (a) adolescente deverão também ser encaminhados ao curso de pais ou Nar
Anon ( conforme o caso, a critério da equipe técnica deste juízo) na forma do art. 129, IV,
da lei 8069/90.
Oficie-se ao local onde o (a) adolescente se acha cumprindo a m,edida, ao ocal onde irá
cumprir aqui determinada. Intimen-se os pais e req....o (a) adolescente ( inclususive via
telefone) e dê-se ciência ao M. P. e Defesa, que inclusive poderão participar da leitura do
decisum. Procedam-se as anotações e providênias de estilo.
Rio de Janeiro, 4 de julho de 2006
122
ANEXO B
SENTENÇA DE MANUTENÇÂO: INTERNAÇÂO
Livro de Registro de Sentenças:
Pág 008
Manutenção:
SENTENÇA DE REAVALIAÇÂO DE MEDIDA SÒCIO-EDUCATIVA:
Não se constatando o resgate da personalidade do adolescente e
inexistindo uma prognose aceitável no sentido de afastá-lo de práticas de noivos atos-
infracionais, a medida extrema deve ser mantida até ser conjurado o risco de
reincidência”.
1- Trata-se de procedimento de execução de medida sócio-educatriva de
internação imposta ao adolescente ................., pela prática de ato-
infracional equiparado ao crime tipificado no art.157, & 2, I e II do C. P.
2- O adolescente, internado desde 05/08/005 (data da sentença), não registra
outra passagem pelo sistema sócio-educativo.
3- Como se sabe, a medida sócio-educativa referida não comporta prazo
determinado, dizendo a lei, (/art.121 & 2 da lei 8069/90) que a sua
manutenção deve ser reavaliada a cada 6 meses no máximo.
123
5-Convém salientar que em diversas peças processuais, profissionais ligados ao
Defesa, afirmam como argumento fundamental à não manutenção da internação que ela é
excepcional, deve ser breve e tem se mostrado( citando vários teóricos, data vênia,
desconhecedores de nossa realidade) inócua, contraproducente, etc.
6- Tais argumentos são frágeis e não resistem a mais breve análise, se esta for feita
com isenção. Dizer que as instituições são escolas do crime é falacioso, pois se
assim fosse, qual “escola” foi freqüentada pelos “primários”? Dizer que este juízo
não dá á medida de internação os atributos de breve e excepcional, chega a ser uma
afirmação breve e injuriosa. O prazo médio de internação é de 4 (meses). Levando-
se em conta que são só internados os multi-reincidentes e os autores de atos-graves,
o prazo não é breve? È possível uma mudança sócio-educativa em prazo menor?
Considerando que não mais que 20% casos (normalmente 3 em cada 20 meninos
são internados) aplica-se à medida de internação, não é ela aplicada em situações
excepcionais? Somente para se ter uma idéia, no mês de dezembro de 2005, foram
reavaliadas 261 medidas, manteve-se a internação em 66 casos e, progrediu-se a
medida para semiliberdade em 162 e para liberdade assistida em 33 casos. Com
base nesses dados é possível sustentar enfadonha afirmação?
Prognóstico:
8- Portanto, enquanto não for avaliado o estado psíquico do adolescente, para que se
para que se suponha estar conjurado o perigo da reincidência, a internação deve ser
mantida.
Essa avaliação não é um fenômeno cujo período de duração se possa determinar
previamente, como a gravidez ou o ciclo lunar. Somente de modo indireto, ou seja, através
de indícios nas expressões de conduta, da interpretação de atitudes exteriorizadas, de
comparações, analogias ou sugestões de experiência em torno de casos pretéritos é que se
pode formular juízo de cessação da necessidade da medida de internação: O prognóstico de
que o adolescente não voltará a prática de novos atos-infracionais.
124
9- No presente caso, apesar do relatório favorável, tendo em vista a gravidade do ato-
infracional praticado, bem como de constar da sentença o prazo mínimo de de
cumprimento da medida de seis meses, vê-se que a internação deve ser mantida,
sendo prematura mudança para medida mais branda. O adolescente está cumprindo
medida desde 05/08/05, sendo necessário mais tempo para que se convença das
vantagens da mudança de vida, do voluntário afastamento de seu pernicioso “habitat”
e grupo a que está integrado. È preciso que seja estimulado a participar de outras
atividades e grupos socialmente saudáveis. Tudo isso, aliado ao pouco tempo de sua
institucionalização e sua conduta antecedente, recomenda a manutenção da medida
de internação, sendo prematura, repita-se, qualquer conclusão referente a evolução do
quadro ressocializante.
10- A próxima reavaliação se dará após a apresentação de novo estudo social,
psicológico e pessoal do adolescente, analisando o quadro atual comparativamente
com os resultados obtidos após inserção do adolescente no em outras atividades
psico-pedagógicas., dando mais ênfase aos seguintes aspectos:
a) Vida anteacta do adolescente, desde a infância.
b) Notícias aprofundadas acerca de sua família
c) Natureza dos processos reeducativos empregados e resultados obtidos;
d) Relações com a família ou com outras pessoas comquem tenha contacto;
e) Preferências do adolescente quanto à leitura, filmes, programas, práticas
religiosas, etc;
f) Relação com outros internos e funcionários do estabelecimento.
g) Quaiquer episódios de conduta, desde que sintomáticos, suas condições
físicas, psíquicas e síntese conclusiva informando as condições favoráveis e
desfavoráveis que se ofereçam após o desinternamento.
125
01/02/2006
SENTENÇA DE PROGRESSÂO DE SEMILIBERDADE PARA LIBERDADE
ASSISTIDA:
Adolescente:
Art.12 e 14 da Lei 6368/76
Vistos,etc
SENTENÇA:
Após o devido processo legal, foi julgado procedente o pedido formulado na
representação, tendo sido imposto ao adolescente a medida sócioeducativa de
semiliberdade, a ser cumprida no Criam Ilha do Governador.
Foi encaminhada síntese informativa do adolescente (fls 38/40).
O Ministério Público se manifesta à fls 43, requerendo a progressão da medida.
Posto isto, decido.
Trata-se de adolescente a quem, foi imposto medida de semiliberade, sendo o
relatório favorável.
Diante do exposto, observados os requisitos de ordem subjetiva , AUTORIZO A
PROGRESSÂO DA MEDIDA DE SEMILIBERDADE PARA LIBERDADE
126
ASSISTIDA a ser cumprida no POLO DEGASE. Oficie-se ao Criam para as necessárias
providências.
Para agilizar a informação ao adolescente sobre sua situação processual ( obrigação
legal da instituição- art 94 da Lei 8069/90) designo o dia 10/07/2006, às 12:00hs, para a
leitura da presente decisum, na sede deste juízo, ocasião em que também a adolescente e
seus pais (os quais devem se intimados) participarão de palestras educativas a respeito do
cumprimento da medida e outros assuntos de interesse de ambos)
Os pais do(a) adolescente deverão também ser encaminhados ao curso de pais na
forma do artigo 129, IV da Lei 8069/90.
Ciência do M.P. e da defesa. Proceda-se as anotações e previdências de estilo.
P:R:I:
127
Sentenças de progressão, do livro de registro de sentenças de reavaliação de medidas sócio-
educativas.
Sentenças do livro de progressão 01. Este livro registra as sentenças de progressão
proferidas no período de 03/01 de 2006 à 09/06/2006.
Ao analisar as trezentas páginas do livro encontramos o seguinte resultado: o intervalo
entre cada sentença é da 15 páginas.
Sentença: página 1/modelo –processo:ISE: 200571400752-3
Sentença: página 15/modelo –processo:ISE: 20057140031162-8
Sentença: página 30/modelo –processo:ISE: 2005714002517-3
Sentença: página 46/modelo –processo:ISE: 2005714000744-3
Sentença: página 61/modelo –processo:ISE: 2005714003029-6
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128
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Sentença: página 295/modelo –processo:ISE: 2005714002920-8
Livro de registro de sentenças de reavaliação de medidas sócio-educativas. Livro de
progresso número 2. Este livro registra sentenças de progressão proferidas no período de
julho à outubro de 2006.
Sentença: página 1/modelo –processo:ISE: 2006714000493-7
Sentença: página 5/modelo –processo:ISE: 2006714000698-3
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129
Livro de registro de sentenças de manutenção:
O livro de sentenças de manutenção numero 2 de ano de 2006. Este livro registra as
sentenças de manutenção proferidas entre o período de 2 de outubro de 2006 à 22 de
novembro de 2006.
Este livro ainda não foi encerrado. Cada livro de registro de sentenças é encerrado ao
completar trezentas páginas. Fazendo a análise da mesma forma, observando as sentenças
com um intervalo de 15 páginas cheguei ao seguinte resultado:
Sentença: página 1/modelo –processo:ISE: 2006714001223-5
Sentença: página 17/modelo –processo:ISE: 2006714000953-4
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Sentença: página 77/modelo –processo:ISE: 2006714008002-5
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