Conrado ignorava essa circunstância, origem do pedido. Conhecendo a docilidade
da mulher, não entendeu a resistência; e, porque era autoritário, e voluntarioso, a teima veio
irritá-lo profundamente. Conteve-se ainda assim; preferiu mofar do caso; falou-lhe com tal
ironia e desdém, que a pobre dama sentiu-se humilhada. Mariana quis levantar-se duas
vezes; ele obrigou-a a ficar, a primeira pegando-lhe levemente no pulso, a segunda
subjugando-a com o olhar. E dizia, sorrindo:
— Olhe, iaiá, tenho uma razão filosófica para não fazer o que você me pede. Nunca
lhe disse isto; mas já agora confio-lhe tudo.
Mariana mordia o lábio, sem dizer mais nada; pegou de uma faca, e entrou a bater
com ela devagarinho para fazer alguma coisa; mas, nem isso mesmo consentiu o marido,
que lhe tirou a faca delicadamente, e continuou:
— A escolha do chapéu não é uma ação indiferente, como você pode supor; é regida
por um princípio metafísico. Não cuide que quem compra um chapéu exerce uma ação
voluntária e livre; a verdade é que obedece a um determinismo obscuro. A ilusão da
liberdade existe arraigada nos compradores, e é mantida pelos chapeleiros que, ao verem
um freguês ensaiar trinta ou quarenta chapéus, e sair sem comprar nenhum, imaginam que
ele está procurando livremente uma combinação elegante. O princípio metafísico é este: —
o chapéu é a integração do homem, um prolongamento da cabeça, um complemento
decretado ab æterno; ninguém o pode trocar sem mutilação. E uma questão profunda que
ainda não ocorreu a ninguém. Os sábios têm estudado tudo desde o astro até o verme, ou,
para exemplificar bibliograficamente, desde Laplace... Você nunca leu Laplace? desde
Laplace e a Mecânica celeste até Darwin e o seu curioso livro das Minhocas, e, entretanto,
não se lembraram ainda de parar diante do chapéu e estudá-lo por todos os lados. Ninguém
advertiu que há uma metafísica do chapéu. Talvez eu escreva uma memória a este respeito.
São nove horas e três quartos; não tenho tempo de dizer mais nada; mas você reflita
consigo, e verá... Quem sabe? pode ser até que nem mesmo o chapéu seja complemento do
homem, mas o homem do chapéu...
Mariana venceu-se afinal, e deixou a mesa. Não entendera nada daquela
nomenclatura áspera nem da singular teoria; mas sentiu que era um sarcasmo, e, dentro de
si, chorava de vergonha. O marido subiu para vestir-se; desceu daí a alguns minutos, e
parou diante dela com o famoso chapéu na cabeça. Mariana achou-lho, na verdade, torpe,
ordinário, vulgar, nada sério. Conrado despediu-se cerimoniosamente e saiu.
A irritação da dama tinha afrouxado muito; mas, o sentimento de humilhação
subsistia. Mariana não chorou, não clamou, como supunha que ia fazer; mas, consigo
mesma, recordou a simplicidade do pedido, os sarcasmos de Conrado, e, posto
reconhecesse que fora um pouco exigente, não achava justificação para tais excessos. Ia de
um lado para outro, sem poder parar; foi à sala de visitas, chegou à janela meio aberta, viu
ainda o marido, na rua, à espera do bond, de costas para casa, com o eterno e torpíssimo
chapéu na cabeça. Mariana sentiu-se tomada de ódio contra essa peça ridícula; não
compreendia como pudera suportá-la por tantos anos. E relembrava os anos, pensava na
docilidade dos seus modos, na aquiescência a todas as vontades e caprichos do marido, e
perguntava a si mesma se não seria essa justamente a causa do excesso daquela manhã.