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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
CENTRO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTRATÉGIA E ORGANIZAÇÕES
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA SEGUNDO A PERSPECTIVA DA
“TECNOLOGIAS-NA-PRÁTICA”: UM ESTUDO DE CASO
SAMIR ADAMOGLU DE OLIVEIRA
CURITIBA
2009
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SAMIR ADAMOGLU DE OLIVEIRA
TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA SEGUNDO A PERSPECTIVA DA
“TECNOLOGIAS-NA-PRÁTICA”: UM ESTUDO DE CASO
Dissertação apresentada como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre. Curso de
Mestrado em Administração do Setor de
Ciências Sociais Aplicadas, Universidade
Federal do Paraná.
Orientadora: Profa. Dra. Andréa Paula
Segatto-Mendes
CURITIBA
2009
Aos meus pais,
Sergio e Candida.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelos dons concedidos em prol da minha formação acadêmica.
Aos meus pais, fonte inesgotável de luz e referência para mim em todos os aspectos
da minha vida.
À minha orientadora, a Profa. Dra. Andréa Paula Segatto-Mendes, não apenas pelo
trabalho de orientação em si, mas principalmente por ter representado um alicerce sólido de
segurança teórico-metodológica durante momentos de dúvidas e incertezas ocorridos ao longo
desta pesquisa; pelas colaborações prestadas durante a orientação deste trabalho, e pela
confiança depositada em mim, agradeço-lhe imensamente, amiga.
Aos seguintes Professores (dispostos aqui em ordem alfabética) que, ao longo da
minha trajetória no Curso de Mestrado em Administração, me ajudaram, direta ou
indiretamente, mediante elucidações, idéias,
insights, respostas a dúvidas
teóricas/metodológicas/epistemológicas, sugestões e recomendações de leituras, e que,
indistintamente, me permitiram crescer e ampliar os meus estreitos horizontes cognitivos
mediante o compartilhamento de um pouco dos seus conhecimentos: Adriana Machado
Casali; Alberto Oscar Cupani; Clóvis L. Machado-da-Silva; Fábio Vizeu; José Henrique de
Faria; Maurício Serva; Paulo Otavio Mussi Augusto; Pedro Lincoln C. L. de Mattos;
Sieglinde Kindl da Cunha – a todos, a minha gratidão.
Às seguintes pessoas que me auxiliaram no acesso e realização do campo desta
pesquisa: Alexandre Akira Takamatsu; Anderson Sakuma; Carlos Gabriel Eggert Boehs e
Toninho Portis além de todas as pessoas que participaram da pesquisa mediante entrevistas,
cedendo dados e informações importantes, aconselhando e incentivando de alguma forma este
empreendimento científico.
Aos “Amigos das Práticas”, Diego Iturriet Dias Canhada, Ludmilla Montenegro e
Natália Rese: compartilhar dúvidas, angústias, incertezas e sobretudo alegrias com todos
vocês foi um fator crucial para o desenvolvimento deste trabalho, haja vista o aprendizado que
tive ao fazê-lo. Agradeço-lhes a oportunidade de construir nossas amizades ao longo desse
tempo no Mestrado, estando certo de que esse foi apenas o início de uma sólida relação
profissional e pessoal entre nós.
Nessa trajetória, é nítido para cada um de nós, especialmente aos olhos do coração,
que certos laços de amizade com determinadas pessoas são mais fortemente consolidados,
diferenciando-as no que tange ao companheirismo, confiança, afetividade, admiração e
respeito (todo um conjunto de elementos, como o
percepto deleuziano); assim, não posso
esquecer de destacar as pessoas que mais se pronunciaram dessa forma para mim, nesses 2
anos: Carolina Fabris, pelo carinho e honestidade das suas ações durante esse tempo de
convivência; Diego Iturriet Dias Canhada, amigo pelo qual nutro não apenas uma profunda
admiração, como também uma imensa gratidão por ter sido um elemento de luz e força em
momentos cruciais dessa caminhada; Fabricio Mussi e Kleber Canuto, amigos e
companheiros sempre dispostos a me ajudar e a celebrar vitórias obtidas juntos; Juliano
Spuldaro, amigo com o qual compartilhei não apenas dificuldades semelhantes durante o
curso, como também inúmeros momentos de alegria, diversão e consideração mútua; Mayana
Virgínia, amiga (e vizinha) que, genuinamente com a sua paciência, bom humor, inteligência e
carinho, proporcionou muitos dos melhores momentos que vivi aqui; Rodrigo da Costa,
amigo e 'camarada' com quem tive a chance de viver situações singulares e agradáveis neste
aprendizado, que é a prática da vida cotidiana – a todos, um sincero 'muito obrigado'!
Aos vários colegas e amigos do Mestrado: Deborah Pessoa, Douglas Brunetta, Eliane
Batista, Evelin Lucht, Fabiano Manfio, Flávio “Maceió”, Israel Júnior, José Carlos Korelo,
José Pedro Penteado, Leonardo Conke, Luciano Rossoni, Paola Ometto, Tatiani Santos, Thaís
Santos, Vivian Ribeiro obrigado pela chance de conhecê-los e pelos momentos felizes que
pudemos compartilhar.
Aos amigos de longa data que, mesmo não presentes fisicamente (em termos
cotidianos) nos últimos 2 anos da minha vida, sustentaram a chama das nossas amizades,
preservando-as ou amadurecendo-as para laços cada vez mais significativos: Itana Bitencourt
(irmã!), Pedro Rio Branco, Fabiana Gomes, Daniel Nunes e Glauco Benevides Marinho
(grandes irmãos!), Giovana Soldi juntamente com os demais amigos dos meus tempos em
Bento Gonçalves.
Às amigas que tive a oportunidade de fazer nesse momento vivendo em Curitiba:
Maria Josefina e Marinês muito obrigado pelas inúmeras vezes em que me ajudaram nesse
tempo, aqui, sendo prestativas, gentis e olhando por mim em diversas circunstâncias; e à
amiga Quelen Coden, que sem dúvida, pela pessoa de brilho especial que é, muito me ajudou
com palavras de incentivo e proporcionando momentos felizes durante instantes difíceis.
À minha família, pelas as orações, apoio e desejos, sem os quais percorrer esse
caminho de 2 anos teria sido muito mais difícil.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo
suporte financeiro propiciado durante a realização deste Curso de Mestrado.
Ao corpo de colaboradores do CEPPAD/UFPR, especialmente às secretárias Jorlene,
Esther e Leila: lhes sou grato pela prestatividade com a qual sempre me ajudaram quando
precisei.
À Nadia Machuca e ao Prof. Agostinho Baldin, pelas diversas revisões e correções
estruturais realizadas no corpo deste trabalho.
À Vera Lúcia Tenório de Araújo, bibliotecária do setor de periódicos da biblioteca da
UTFPR-Curitiba, pelo gentileza ao auxiliar na obtenção de relevantes referências presentes
neste trabalho.
Aos demais que, de alguma maneira, contribuíram para a elaboração deste trabalho.
O grande desafio para as tecnologias passa a ser menos o de criá-las
e multiplicá-las, que se tornou mais fácil e mais barato, e mais o de
torná-las acessíveis ao uso sustentável. No mercado, as tecnologias
mais rapidamente se tornam obsoletas se permanecem na escala dos
milhares, e não dos milhões. Fala-se cada vez menos em gigabits e
megapixels, e mais nas medidas que fazem sentido para as
necessidades pessoais.[...] Quanto mais simples a tecnologia, é sinal
de que a vida se tornou mais complexa. Há custos declinantes em
termos de matérias-primas e de processos produtivos e custos
extraordinários das transações e das relações. Mesmo o debate
econômico é invadido por noções como as de confiança, cooperação,
reciprocidade, escolhas, riscos e oportunidades. Os valores e os
custos maiores são dados pelas pessoas e pelas relações que
estabelecem.
(LASSANCE JR.; PEDREIRA, 2004, p. 80)
Think where mans glory most begins and ends,
and say my glory was I had such friends.
(W. B. Yeats, poeta irlandês, 1865-1939)
RESUMO
O estudo parte da premissa de que o processo de transferência de tecnologia se caracteriza por
ser um fenômeno de natureza tanto técnica quanto social, o qual contempla dimensões
cognitivas e institucionais da conduta dos indivíduos que dele participam, manifestando-se
nas práticas sociais de uso e interação com a tecnologia transferida, sustentadas pelos seus
participantes. Sob esse quadro de referência, argumenta-se que o uso de uma tecnologia por
parte dos usuários e indivíduos que com ela interagem constitui práticas sociais que
organizam a realidade na qual a tecnologia se faz presente, e estas práticas são,
primordialmente, condutores de conhecimento, recorrentemente representadas nas atividades
cotidianas dos indivíduos. Em face dessas assertivas, procurou-se no presente estudo
investigar como ocorre o processo de transferência tecnológica ao seu receptor, sob uma
lógica de práticas sociais recorrentes e de natureza recursiva para a estruturação do processo
em análise. Adotou-se como quadro teórico para a análise do processo a teoria institucional
com lógica estruturacionista, representada pela perspectiva da “Tecnologias-na-Prática”, de
Wanda J. Orlikowski. O delineamento do estudo foi descritivo-explicativo de abordagem
qualitativa, com amplitude de análise transversal com uma aproximação longitudinal de 3
anos, realizando-se um estudo de caso único de cooperação tecnológica entre um instituto de
pesquisa e uma empresa, visando ao desenvolvimento de um produto com características
específicas. Para tanto, utilizou-se como método de pesquisa a análise de conteúdo temática
das entrevistas realizadas por meio de roteiros semiestruturados junto a participantes do
processo nos níveis operacional e gerencial das organizações, juntamente com análise de
documentos. Os resultados apontaram que o processo de transferência de uma específica
tecnologia ocorre por intermédio de diversas práticas organizacionais e extraorganizacionais e
que a partir do acesso a estas práticas e suas representações ocorre a incidência (no uso
praxiológico) de distintos conhecimentos (tecnológicos e não tecnológicos) por parte dos
envolvidos no processo em si, incorrendo em diálogos, interpolações e influências que
conduzem a uma lógica recursiva. Os resultados mostraram ainda que, dada a natureza
diferenciada do caso abordado, o arranjo interinstitucional cooperativo também foi
influenciado pelas práticas subjacentes ao processo, pois foi necessário o estabelecimento de
uma dinâmica de cooperação mais interativa que propiciasse a criação, utilização e
institucionalização dos conhecimentos concernentes ao desenvolvimento e uso do produto
pretendido. Diante desses resultados, concluiu-se que, ao transferir uma tecnologia de uma
realidade organizacional para outra, transferem-se, concomitantemente, conhecimentos
tecnológicos e não tecnológicos, relevantes tanto para a realização desse processo
interinstitucional, quanto para o uso da tecnologia em si, e que é na ação situada na prática
que um conhecimento toma vida e ganha sentido e coerência de aplicabilidade e utilização.
Além disso, a perspectiva da “Tecnologias-na-Prática”, permitiu entender e fez emergir
diversas dimensões técnicas, funcionais, institucionais que caminham paralelamente ao
processo de transferência e uso de uma tecnologia, contribuindo para a compreensão do
fenômeno em questão à luz do modelo teórico elaborado, que se diferencia da literatura
tradicional sobre o tema.
Palavras-chave: transferência de tecnologia; “tecnologias-na-prática”; práticas sociais;
conhecimento.
ABSTRACT
This study assumes that the technology transfer process is both a technical and a social
phenomenon that contemplates cognitive and institutional dimensions of individuals’ actions
that participate in it, being manifested in the social practices of using and interacting with the
transferred technology, sustained by the participants of the process. Therefore, it is argued
that the use of a technology by its users and individuals that with it interact constitutes social
practices that organize the reality in which the technology is present, and these practices are,
primarily, knowledge carriers recurrently enacted in the individuals’ daily activities.
Considering this, this study aimed to investigate how a technological transfer process occurs
focusing on its receiver, using recurrent and recursive social practices logic to understand this
process structuration. Structuration-based institutional theory was adopted as analytical
ground for conducting the research, represented by Wanda J. Orlikowski’s “Technologies-in-
practice” perspective. The study has a qualitative descriptive-explanatory design with a
transversal perspective adjusted to a 3-years longitudinal approximation. A single case study
was done, addressing a technological cooperation between a research institute and an
enterprise that aimed to develop a new product with specific characteristics. As research
methods, it relies on thematic content analysis of semi-structured interviews with participants
of the process from operational and managerial levels of the organizations, as well as
document analysis. The findings point out that the technology transfer process occurs through
several organizational and non-organizational practices in which the accessing and enacting of
theses practices makes several different knowledge stocks (both technological and non-
technological) come together in the individuals’ activities, incurring dialogues, interpolations
and influences of recursive logic. The findings also reveal that, due to the differential nature
of the case addressed, the inter-institutional cooperative arrangement was also influenced by
the process’ underlying practices, because it was necessary the establishment of a more
dynamic and interactive cooperation that would propitiate the creation, utilization and
institutionalization of the knowledge concerning the development of the aimed product. These
results make feasible to conclude that, in transferring a technology from a specific
organizational reality to another, technological and non-technological knowledge is
concomitantly transferred, which are relevant to the realization of this inter-institutional
process, as well as to the use of the technology itself, and it is in the practical situated action
that knowledge comes to life, makes sense and gains coherence to be applied and put into
action. Furthermore, the “Technologies-in-practice” perspective allowed understanding and
emerging several dimensions technical, functional, institutional that go parallel to the use
and transfer of a technology, contributing to the comprehension of this specific phenomenon
based on the framework here developed, which features aspects that are not found in the
existing ones of the traditional literature.
Keywords: technology transfer; “technologies-in-practice”; social practices; knowledge.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Ciclo do conhecimento....................................................................................... 31
Figura 2 Modos de acordos cooperativos e seus graus de interdependência organizacional.... 42
Figura 3 Modelo conceitual integrador do processo de cooperação universidade empresa (U-E). 48
Figura 4 Dualidade da estrutura .......................................................................................... 61
Figura 5 Modelo estruturacional da perspectiva “tecnologias-na-prática” ......................... 66
Figura 6 Quatro níveis de transferência de conhecimento e tecnologia ............................. 71
Figura 7 Representação conceitual para a relação entre transferência de tecnologia e o
sistema classificatório de conhecimentos em organizações de Patriotta (2003a) ..... 73
Figura 8 Representação das categorias de análise da pesquisa .......................................... 78
Figura 9 Exposição das práticas identificadas na pesquisa segundo o modelo teórico
proposto no estudo........................................................................................... 130
Figura 10 Ampliação das categorias de análise da pesquisa a partir das constatações do
caso abordado................................................................................................. 131
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Distribuição das entrevistas realizadas para a pesquisa....................................... 88
Quadro 2 Sistematização e natureza das práticas encontradas no caso estudado............... 127
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
DTS-TECPAR Divisão de Tecnologias Sociais do TECPAR
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
INTEC-TECPAR Incubadora Tecnológica de Curitiba do TECPAR
LQI-TECPAR Laboratório de Química Ambiental do TECPAR
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
TA Tecnologia Apropriada
TC Tecnologia Convencional
TECPAR Instituto de Tecnologia do Paraná
TS Tecnologia Social
UFPR Universidade Federal do Paraná
UTFPR Universidade Tecnológica Federal do Paraná
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
................................................................................................... 16
1.1 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA............................................. 18
1.2 JUSTIFICATIVAS TEÓRICA E PRÁTICA ......................................................... 19
1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA ............................................................................... 21
1.3.1 Objetivo geral ...................................................................................................... 21
1.3.2 Objetivo específico............................................................................................... 22
1.4 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO ...................................................................... 22
2 REFERENCIAL TEÓRICO............................................................................... 24
2.1 CONHECIMENTO E TRANSFERÊNCIA DE CONHECIMENTO MEDIANTE
A SUA CRIAÇÃO, UTILIZAÇÃO E INSTITUCIONALIZAÇÃO NAS
ORGANIZAÇÕES............................................................................................... 24
2.2 TECNOLOGIA E SEUS PROCESSOS DE TRANSFERÊNCIA .......................... 34
2.2.1 Conceitos e características .................................................................................. 34
2.2.2 Transferência de tecnologia ................................................................................ 37
2.2.3 Cooperação tecnológica universidade-empresa: especificidades desse tipo de
transferência de tecnologia
................................................................................. 43
2.3 POSICIONAMENTO EPISTEMOLÓGICO DA TECNOLOGIA NA PESQUISA
SOCIAL EM ORGANIZAÇÕES ......................................................................... 49
2.4 A PERSPECTIVA DA “TECNOLOGIAS-NA-PRÁTICA.................................... 50
2.4.1 Teoria da estruturação........................................................................................ 51
2.4.2 A dualidade da tecnologia ................................................................................... 62
2.5 TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA E PRÁTICAS SOCIAIS: DINÂMICA
ENTRE OS TEMAS............................................................................................. 69
3 METODOLOGIA ............................................................................................... 76
3.1 ESPECIFICAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA .......................................... 76
3.1.1 Perguntas de pesquisa .......................................................................................... 77
3.2 REPRESENTAÇÃO DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE..................................... 77
3.2.1 Definição constitutiva e operacional das categorias de análise........................... 79
3.3 DELIMITAÇÃO E
DESIGN DA PESQUISA ........................................................ 81
3.3.1 Delineamento da pesquisa.................................................................................... 81
3.3.2 Escolha do caso..................................................................................................... 83
3.3.3 Dados: fonte e coleta............................................................................................. 85
3.3.4 Análise e tratamento dos dados ........................................................................... 87
3.4 LIMITAÇÕES DO ESTUDO................................................................................. 90
4 ANÁLISE DOS RESULTADOS.......................................................................... 92
4.1 CARACTERIZAÇÃO DA TECNOLOGIA EM ANÁLISE ................................... 92
4.1.1 A tecnologia social do bambu tratado e laminado............................................... 92
4.2 ANÁLISE DO CASO............................................................................................. 94
4.2.1 Caracterização das organizações envolvidas no processo de transferência da tecnologia. 94
4.2.1.1 Instituto de Tecnologia do Paraná – TECPAR ....................................................... 94
4.2.1.2 A empresa
Alfa...................................................................................................... 96
4.2.2 A transferência da tecnologia social do bambu tratado e laminado da divisão
de tecnologias sociais do TECPAR para a empresa
Alfa: uma narrativa ...... 101
4.2.2.1 Análise das práticas de testes no TECPAR .......................................................... 107
4.2.2.2 Análise das práticas dos usuários da tecnologia ................................................... 111
4.2.2.3 Análise das práticas de produção na empresa
Alfa ............................................... 116
4.2.2.4 Concluindo o processo de transferência da tecnologia social do bambu: os testes de resina 118
4.3 O PROCESSO DE TRANSFERÊNCIA DA TECNOLOGIA ANALISADA À
LUZ DA PERSPECTIVA DA “TECNOLOGIAS-NA-PRÁTICA” .................... 124
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 134
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 140
APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA A1 ............................................ 157
APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA A2 ............................................ 158
APÊNDICE C – CONSTITUIÇÃO ESTRUTURAL DA NARRATIVA DO CASO 159
16
1 INTRODUÇÃO
No cenário acadêmico e empresarial, parece não haver dúvidas de que a tecnologia
desempenha papel crucial nas questões de vanguarda de mercado, desenvolvimento
econômico-social, e sustentabilidade (ao menos temporária) das vantagens competitivas
detidas por organizações nos seus ambientes específicos de atuação (RODRIGUES;
CARVALHO, 1991). De maneira similar, também se percebe um consenso acerca da
relevância do conhecimento sedimentada pelas revoluções tecnológicas que produziram
profundas mudanças econômico-sócio-culturais em nível mundial, a partir do fim do século
passado.
O paradigma da informação que vigora atualmente condiciona uma nova dinâmica
entre as variáveis capital e conhecimento, de modo que a última passa a receber maior e mais
ampla atenção, buscando-se o entendimento dos benefícios que ela pode proporcionar a uma
organização (DRUCKER, 1997). Em uma leitura profunda, o conhecimento pode atuar como
fator tecnológico na estruturação de processos que levam as organizações a se diferenciarem
umas das outras ao produzirem determinados bens ou serviços; adicionalmente é possível
também compreender que, ao disseminar conhecimento tecnológico dentro de (ou entre) uma
organização(ções), consequentemente transfere-se tecnologia em diferentes circunstâncias
ou dinâmicas da relação entre as partes envolvidas por se possibilitar que esses processos
sejam reprisados e absorvidos em outros contextos, respeitando-se, obviamente, as
singularidades de cada organização (SEGATTO-MENDES; MENDES, 2006).
Para que essa estruturação possa ocorrer proveitosamente, argumenta-se a favor da
consolidação dos processos de criação, utilização e absorção dos conhecimentos enquanto
práticas necessárias para a diferenciação em relação à concorrência e para a sobrevivência
sustentável das organizações nos dias atuais (DRUCKER, 2000; PATRIOTTA, 2003a).
Dentro do escopo etimológico da palavra 'práticas', podem ser entendidas como a diversidade
de ações espaciotemporalmente estruturadas, cujos componentes são, essencialmente: a ação
humana subjacente às atividades laborais do cotidiano; e as estruturas virtuais condicionantes
existentes na mente dos indivíduos que realizam essas atividades (SCHATZKI, 2005, 2006).
Assim sendo, advoga-se em favor de uma leitura que vislumbre as relações entre tecnologia,
conhecimento e transferência de tecnologia por intermédio do papel das práticas sociais na
realidade organizacional, uma vez que estas atuam como condutores de conhecimento,
especialmente o pertinente à dimensão tácita.
17
Essa ênfase no papel das práticas sociais dentro da Administração vem se
consolidando desde os anos 1990, tendo como expoente a corrente da “Estratégia como
Prática” (JAZARBKOWSKI, 2003; JARZABKOWSKI; BALOGUN; SEIDL, 2007;
WHITTINGTON, 1996, 2006, 2007; WHITTINGTON; JOHNSON; MELIN, 2004), a qual, a
partir de um retorno à razão prática, percebe a estratégia não apenas como sendo um atributo
das organizações, mas também como uma atividade realizada no cotidiano das pessoas que
compõem esses coletivos, consolidando-se, dessa forma, como uma prática social. Assim
sendo, essa corrente teórica procura explicar, recorrendo a diversos recursos teóricos e sociais
de forte enfoque etnometodológico, como atores estratégicos capazes e instruídos
(praticantes) constituem e reconstituem um sistema de práticas estratégicas compartilhadas
que eles também consideram como grupo de recursos (instrumentos ou ferramentas) nas
atividades do cotidiano para fazer-se a estratégia da organização.
Substancialmente ancorada nas idéias fecundas da Teoria da Estruturação de
Anthony Giddens (2003), a corrente da 'Estratégia como Prática', assim como outras
apreciações de temas à luz do papel das práticas sociais, engaja-se no estudo desses sistemas
de valores e crenças intersubjetivamente compartilhados e laboralmente sustentados que se
desenham na cognição dos indivíduos, compondo padrões institucionais, numa idéia de
'estrutura virtual'. Essa dita 'estrutura virtual' não apenas condiciona as ações dos indivíduos
dentro da coletividade habilitando o escopo destas –, como também as delimita
restringindo-as no que tange aos padrões comportamentais existentes sustentados pelo grupo.
Dessa forma, essa estrutura atua como meio e fim das atividades dos indivíduos, uma vez que
ela tanto condiciona as suas ações quanto é condicionada (reforçada ou então modificada),
igualmente a partir das atividades destes.
Contudo, a ênfase no papel das práticas sociais não se limita apenas aos estudos
organizacionais; há, nos mesmos moldes da corrente da 'Estratégia como Prática', uma leitura
estruturacionista fincada na obra de Giddens (2003) para o tema da tecnologia. Essa
perspectiva, aqui traduzida como “Tecnologias-na-Prática” (
Technologies-in-practice),
utiliza-se de um modelo de estruturação da tecnologia para compreender os aspectos
sociológicos da tecnologia e do trabalho, e as relações entre ambos e as práticas sociais, sem,
contudo, desconsiderar a faceta tecnicista do assunto. Surgida em 1992, essa leitura da
tecnologia tem na obra de Wanda J. Orlikowski sua concepção e validação, ajudando a
expandir as fronteiras da aplicabilidade da Teoria da Estruturação nas Ciências Sociais.
Segundo essa perspectiva, as tecnologias em si não constituem práticas sociais, mas
sim o uso destas é que acaba tanto por condicionar, quanto por ser condicionado pelas práticas
18
sociais surgidas e/ou existentes em uma dada realidade organizacional entendidas aqui
também como 'práticas organizacionais', por serem práticas específicas sustentadas neste
coletivo. Esse surgimento ou reforçar de práticas sociais compõe, por sua vez, as estruturas
virtuais existentes nas mentes dos indivíduos e sustentadas intersubjetivamente, dado o
aspecto recorrente da sua manifestação. Como salienta Orlikowski (2000, p. 405, tradução
nossa), o fato de uma perspectiva estruturacionista ser “[...] inerentemente dinâmica e
fundamentada na ação humana contínua, ela de fato tem o potencial de explicar a emergência
e as mudanças no uso das tecnologias e na própria tecnologia”, imprimindo-lhe, dessa
maneira, um caráter ontológico, heurístico e de sentido de realidade.
Se o conhecimento é, de acordo com as argumentações da literatura existente, tão
imprescindível à sobrevivência das empresas (DRUCKER, 2000; PRAHALAD; HAMEL,
1990; NONAKA; TAKEUCHI, 1997), e na sua natureza, passível de movimentação,
transferindo-se mediante processos de disseminação (KREMIC, 2003; SAAD, 2000), a
adoção de uma perspectiva teórica que possa 'conversar' com as bases do real como se
propõe a lente prática estruturacionista – há de justificar (à altura dessa importância conferida
aos temas) e propiciar melhor e mais completa visão analítica do fenômeno da mobilidade da
tecnologia e do conhecimento a ela inerente, assim como a dinâmica entre os temas das
práticas sociais e da transferência de tecnologia.
1.1 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA
Diante das argumentações iniciais tecidas acima, o tema central deste trabalho é
entender o papel das práticas organizacionais sustentadas nos processos de transferência de
tecnologia e de conhecimento em uma realidade organizacional, analisada sob a lente da
perspectiva da “Tecnologias-na-Prática”, tendo como orientação o seguinte problema de
pesquisa:
Como ocorre o processo de transferência tecnológica ao seu receptor,
analisando-se tal processo sob a lente da perspectiva da “Tecnologias-na-Prática”?
19
1.2 JUSTIFICATIVAS TEÓRICA E PRÁTICA
De antemão, é relevante frisar que este estudo compartilha da visão de Van de Ven e
Johnson (2006) de que tanto o conhecimento científico surgido da Academia, quanto o
conhecimento prático proveniente das atividades laborais dos contextos organizacionais são
válidos; atenta-se apenas para o fato de que cada um deles representa a realidade em um
contexto diferente e para uma proposta diferente. Uma vez que o presente trabalho contempla
dois temas distintos nas suas origens, mas relacionáveis nas suas essências, as requeridas
justificativas podem ser construídas isoladamente para cada tema, ao mesmo tempo em que
incorrem em justificativas combinadas dos temas para a sugestão do estudo.
O interesse crescente da esfera acadêmica para com a questão do conhecimento e os
seus processos de transferência sustenta a argumentação de que o assunto não significa apenas
mais um modismo intelectual na Administração, justificando assim a perenidade de
journals,
eventos e grupos/linhas de pesquisa específicas ao tema (SANTOS
et al., 2007). Como
destaca Antonello (2002) por intermédio de levantamento efetuado a respeito dos artigos
publicados sobre o tema do conhecimento e as suas vertentes de pesquisa nos Anais do
EnANPAD Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em
Administração no período de 1997 a 2000, o assunto ainda era abordado com uma visão
predominantemente funcionalista, conclusão à qual igualmente chegaram Durante e Maurer
(2007), em semelhante estudo.
Amparado pelas considerações dos mapeamentos científicos acima descritos, no
presente trabalho parte-se do entendimento de que o conhecimento é percebido, por vezes, na
literatura, mediante a perspectiva limitada na qual ele tende a ser apenas mais uma
'ferramenta' necessária para a diferenciação em relação à concorrência e para a sobrevivência
sustentável das organizações. Essa apreciação acerca do tema extirpa o contexto de valores e
crenças organizacionais no qual qualquer 'ferramenta' aplicável em uma realidade
organizacional está imersa, e que, no caso do conhecimento, mesmo uma análise estritamente
tecnicista sobre o assunto haveria de considerar. Assim sendo, a proposta de um estudo de
cunho interpretativista aqui balizado pelo alicerce teórico da Teoria da Estruturação
(GIDDENS, 2003), busca contribuir para o enriquecimento do tema sob uma outra área
epistemológica que não aquela salientada como predominante.
No que compreende os estudos sobre o tema da transferência de tecnologia,
Bozeman (2000, p. 650) chama atenção para o fato de que na literatura específica, a dimensão
20
cognitiva dos indivíduos e os impactos no desenvolvimento do capital intelectual e nas
instituições sociais, ainda são negligenciados. Embora relativamente datada, tal afirmação se
mostrou ainda relevante no levantamento do referencial teórico do presente trabalho, de
maneira que a mesma “negligência” foi percebida em grande parte do material acessado. Por
isso, apreciações da dimensão cognitiva e da questão das instituições sociais estariam
contempladas na proposta de trabalho aqui apresentada, a serem cobertas, respectivamente,
pelo tópico da transferência de conhecimento e pela leitura estruturacionista da tecnologia
proveniente da perspectiva teórica norteadora.
Acerca do alicerce teórico do estudo, dado o fato da perspectiva da “Tecnologias-na-
Prática” enfatizar como o próprio nome sugere o papel das práticas sociais na utilização
das tecnologias no dia a dia dos indivíduos nas organizações, uma análise sob tal arcabouço
representa não apenas uma contribuição teórica para os estudos focados nas práticas sociais,
enriquecendo este campo que desponta nos estudos organizacionais e que se encontra tão em
voga atualmente – modismos à parte –, mas também propicia melhor entendimento da relação
entre tecnologia e instituições.
Concernente à realidade brasileira, para compor esta proposta de estudo, realizou-se
um levantamento bibliográfico que compreendeu, desde 1992 (quando surgiu a referida
perspectiva teórica) a 2008: i) os periódicos científicos da área de Administração classificados
com conceito “A” pela CAPES (Coodernação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior) sendo eles: Organizações & Sociedade (O&S); Revista de Administração
Contemporânea (RAC); Revista de Administração de Empresas (RAE); Revista Brasileira de
Administração Pública (RAP); Revista de Administração da USP (RAUSP); Revista
Eletrônica de Administração (REAd); e RAE Eletrônica –; ii) os bancos de teses e
dissertações virtuais dos cursos de pós-graduação de maior excelência no país (aqueles de
conceito 6, segundo a CAPES) – contemplando assim os acervos da FEA-USP, FGV-EAESP,
e UFRGS; e iii) os Anais do EnANPAD Encontro da Associação Nacional dos Programas
de Pós-Graduação em Administração disponíveis em mídia virtual, de 1998 a 2007. Nesse
levantamento, que optou preferencialmente por filtros de busca avançada, foram empregados
os seguintes termos: “Tecnologias-na-Prática”;
Technologies-in-practice”; “Orlikowski”;
“Tecnologia e instituições”; “Tecnologia e teoria da estruturação”; “Modelo estruturacionista
da tecnologia”; e “Modelo da estruturação da tecnologia”. Surpreendentemente, apenas três
(3) documentos foram encontrados, sendo os três artigos científicos [Campos e Teixeira
(2002; 2003); Rodrigues Filho (2003)]. Tal resultado sugere que estudos que seguem
explicitamente essa abordagem teórica ainda são incipientes no país, de maneira que o
21
relativo ineditismo da proposta de estudo aqui apresentada também significa a justificativa
teórica dada a contribuição científica que o estudo pode prestar.
Entende-se ainda que a própria ontologia estruturacionista da perspectiva da
“Tecnologias-na-Prática”, cuja origem remete à Teoria da Estruturação de Giddens (2003),
constitui, por si só, uma justificativa que contempla tanto o âmbito da prática, quanto da
teoria, já que:
Ao não se examinar ou entender o que realmente acontece durante o uso de uma
tecnologia, pesquisadores e gestores deixam escapar o ponto crucial, que é,
se e
como as pessoas interagem com a tecnologia nas suas atividades do dia a dia – não a
mera presença da tecnologia sobre uma mesa ou no chão de fábrica – influenciando-
as nas suas perfórmances, nos seus resultados e tendo, por isso, conseqüências
(ORLIKOWSKI, 2000, p. 425, grifo nosso, tradução nossa).
Esse comentário pode ser fortalecido quando se compreende, como salienta Tsoukas
(1996, p. 16, tradução nossa), que as práticas sociais existentes em uma organização
representam um “locus primário” do conhecimento dos agentes acerca do que estes fazem e
do porquê que estes o fazem. Por isso, a melhor compreensão do tema da transferência de
tecnologia sob análise da práxis e das práticas organizacionais, a ser proporcionada pela
perspectiva da “Tecnologias-na-Prática” auxiliaria os gestores a vislumbrarem possibilidades
de obterem maior êxito na aquisição de tecnologias, mediante o entendimento de fatores
cognitivos subjacentes ao conhecimento humano, compondo assim uma outra justificativa
prática para o estudo aqui sugerido.
1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA
Na sequência são apresentados os objetivos deste trabalho, a saber:
1.3.1 Objetivo geral
Identificar, mediante o estudo de práticas sociais específicas de uma organização,
como ocorre a transferência de uma dada tecnologia ao seu receptor, à luz da perspectiva da
“Tecnologias-na-Prática”?
22
1.3.2 Objetivos específicos
Identificar e acompanhar algum processo de transferência de tecnologia (interna
ou externa).
Identificar práticas organizacionais (existentes, surgidas durante ou após o
processo e/ou modificadas por ele) relacionadas ao uso da tecnologia transferida.
Identificar mecanismos formais e/ou informais de transferência de tecnologia
utilizados pela organização.
Identificar a interação entre os agentes envolvidos diretamente no processo de
transferência de tecnologia e as práticas sociais sustentadas na organização.
Identificar a relação entre os mecanismos de transferência de tecnologia e as
práticas sustentadas naquela realidade organizacional.
Compreender o papel desempenhado por esses mecanismos de transferência de
tecnologia da organização em estudo na efetividade da transferência da tecnologia
observada.
1.4 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
Este trabalho está estruturado em cinco capítulos. O primeiro deles, que foi
contemplado neste capítulo inicial, contém a apresentação do tema, do problema de pesquisa e
também dos objetivos específicos que conduziram à elaboração do objetivo central desta
pesquisa. O segundo capítulo se propõe a construir o alicerce teórico da pesquisa, discorrendo
explicativamente acerca dos temas aqui adotados conhecimento, tecnologia, sua relação e
seus processos de transferência, e a perspectiva teórica da “Tecnologias-na-Prática”
culminando com a elaboração do laço teórico explicativo da dinâmica entre eles, a justificar a
coerência da escolha dos temas. Após a revisão da literatura existente, o capítulo três explicita
a metodologia que foi empregada para a realização deste trabalho, contemplando as categorias
de análise envolvidas e as suas definições constitutivas e operacionais, além de informações
acerca do caso escolhido para o estudo – as justificativas da escolha, a distribuição dos
envolvidos na pesquisa, dentre outras informações pertinentes e as limitações do estudo
como um todo. O quarto capítulo é dedicado à apresentação e análise dos resultados da
23
pesquisa. Primeiramente, discorre-se sobre as organizações envolvidas no processo de
transferência de tecnologia estudado, caracterizando-as, para, a partir do tratamento dos dados
coletados, elaborar uma narrativa que represente o resgate temporal do processo em questão.
A partir disso, trabalham-se as categorias de análise da pesquisa, de maneira contextualizada
com o caso retratado, concluindo com uma interpretação do processo à luz do referencial
teórico do estudo. O quinto e último capítulo abarca as considerações finais do trabalho,
esboçando-se o que da pesquisa pode ser concluído, e tecendo-se algumas sugestões e
recomendações de/para pesquisas futuras, envolvendo não apenas os temas aqui trabalhados,
mas também a natureza da tecnologia e das organizações estudadas.
24
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 CONHECIMENTO E TRANSFERÊNCIA DE CONHECIMENTO MEDIANTE A SUA
CRIAÇÃO, UTILIZAÇÃO E INSTITUCIONALIZAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES
Não é sem motivo que o conhecimento tem-se tornado tema dos mais relevantes na
discussão acadêmica e empresarial. Se, segundo Toffler (1980), as forças determinantes do
poder e da riqueza foram a terra, o capital e o trabalho durante os períodos que ele chamou de
primeira e segunda ondas, agora, desde o final do século XX, na terceira onda, a 'sociedade da
informação' prevista por Drucker (2000), está se manifestando com todo o seu vigor e
destacando o papel chave desempenhado pelo conhecimento. Lido corriqueiramente como
algo demasiado abstrato, o conhecimento, como salienta Patriotta (2003a), é um fenômeno
multifacetado que perdura sob a égide de debates entre as ciências sociais e humanas
considerável tempo, dificultando o traçar da sua genealogia, dada a densidade do tema.
No seu trabalho seminal, Nonaka e Takeuchi (1997, p. 63) definem
conhecimento a
partir de um levantamento analítico das percepções do que significou e do que hoje significa
conhecimento (desde os filósofos gregos até os contemporâneos), de maneira comparativa,
entre as sociedades Ocidentais e Orientais da seguinte forma:
[...] consideramos o conhecimento como um processo humano dinâmico de justificar
a crença pessoal com relação à ‘verdade’. [...] o conhecimento [...] diz respeito a
crenças e compromissos [...] é uma função de uma atitude, perspectiva ou intenção
específica. [...] está relacionado à ação. É sempre conhecimento ‘com algum fim’.
[...] diz respeito ao significado. É específico ao contexto e relacional.
Há ainda na literatura outras definições que podem ampliar a percepção de tal
conceito para poder assim se ter uma noção da sua abrangência:
Conhecimento é uma mistura fluida de experiência condensada, valores, informação
contextual e
insight experimentado, a qual proporciona uma estrutura para a
avaliação e incorporação de novas experiências e informações. Ele tem origem nas
mentes dos conhecedores. Nas organizações, ele costuma estar embutido não em
documentos ou repositórios, mas também em rotinas, processos, práticas e normas
organizacionais (DAVENPORT; PRUSAK, 1998, p. 6).
Conhecimento é um conjunto total, incluindo cognição e habilidades, que os
indivíduos utilizam para resolver problemas. Ele inclui tanto a teoria, quanto a
prática, as regras do dia a dia e as instruções sobre como agir. O conhecimento
25
baseia-se em dados e informações, mas, ao contrário deles, está sempre ligado a
pessoas. Ele é constituído por indivíduos e representa suas crenças sobre
relacionamentos causais (PROBST; RAUB; ROMHARDT, 2002, p. 29).
O conhecimento das empresas é fruto das interações que ocorrem no ambiente de
negócios e que são desenvolvidas por meio de processos de aprendizagem. O
conhecimento pode ser entendido também como informação associada à
experiência, intuição e valores (FLEURY; OLIVEIRA JR., 2001, p. 18).
O conhecimento representa a soma das experiências de uma pessoa e/ou organização
e existe na mente humana. Para que a informação se transforme em
conhecimento, a intervenção ativa desses seres humanos é condição
sine qua non
[...] o conhecimento só existe na mente humana e na fronteira entre as mentes
(ALVARENGA NETO, 2008, p. 19).
Conhecimento é a habilidade individual de realizar distinções dentro de um domínio
coletivo de ação, baseada na apreciação do contexto, teoria ou ambos [...] indivíduos
realizam distinções e agem baseado em um corpo de generalizações na forma de
regras genéricas produzidas pela organização (TSOUKAS; VLADIMIROU, 2001,
p. 979, tradução nossa).
[...] conhecimento é, em algum ponto no tempo, o resultado de práticas sociais
específicas que se estabilizaram, e por meio das quais o mundo é representado [...]
conhecimento não vem livremente, não está 'lá fora', e é construído no tempo e no
espaço (TSOUKAS; MYLONOPOULOS, 2004, p. S3, tradução nossa).
É possível perceber que semelhanças relevantes quanto ao significado dos
conceitos apresentados; cada qual à sua maneira, todos ressaltam os seguintes atributos: ser
ligado às pessoas; basear-se em dados, informações, valores e crenças; poder ser transferido
via aprendizagem; ser intrinsecamente relacionado com a agência humana; ser relacional e
contextual na sua criação; e permitir a realização dos objetivos empresariais. Tais
semelhanças, pode-se dizer em termos genéricos, são percebidas tanto por correntes
funcionalistas (que enxergam o conhecimento como uma espécie de
commodity”,
enfatizando mais o papel do conhecimento explícito), quanto por correntes
interpretativistas/cognitivistas (que partem de leituras sociológicas do conhecimento enquanto
tecnologia, enxergando-o como fruto da ação situada na prática em organizações que
correspondem a sistemas de interpretação e estoques de conhecimento, enfatizando mais o
papel do conhecimento tácito) (PATRIOTTA, 2003a). À parte de divergências
epistemológicas, Patriotta (2003a) frisa que não se nega a acessibilidade a um conhecimento
formalmente e objetivamente explicitado; contudo a mesma acessibilidade não é possível
quando se trata do conhecimento tácito, dada a natureza experiencial e situacional deste, e ao
considerar-se, antes de tudo, o caráter ontológico da sua formação:
26
Conhecimento tácito é algo muito mais intrincado do que o tratamento reducionista
oferecido pela literatura gerencialista. Não é apenas uma propriedade ou um estado
estático e conversível. Pelo contrário, a natureza tácita do conhecimento humano e
organizacional é relacionado à problemas de pré-interpretação. A realidade é
necessariamente apreendida mediante lentes socialmente construídas que se
sedimentaram ao longo do tempo. Isso leva a um tipo de cegueira ontológica pela
qual um fenômeno social se torna gradualmente enclausurado na estrutura cotidiana
e dessa forma foge à nossa percepção. Na verdade, a noção de pré-interpretação é
paradoxal na sua essência. O ato do 'saber humano' ocorre diante de um
background
prático que é transparente ao usuário e, portanto não é acessível para investigação.
Contudo, tal
background é, em si mesmo, uma construção humana, é o efeito dos
atos dos humanos lidando diariamente com o mundo. Ele incorpora a história das
experiências, hábitos consolidados, e repertórios estruturais, os quais com o passar
dos anos provieram soluções exitosas para a emergência de situações problemáticas.
Em outras palavras, a existência de
backgrounds presidindo as práticas na vida
cotidiana são tanto a fonte, quanto o resultado do 'saber humano'. Se a pré-
interpretação provém os fundamentos ontológicos para o 'saber humano' (e dessa
forma o conhecimento tácito) então nós precisamos redefinir a distinção entre
conhecimento tácito e conhecimento explícito em termos de uma dicotomia entre
background e foreground (PATRIOTTA, 2003a, p. 60, tradução nossa).
Tsoukas (1996, p. 14, grifo do autor; grifo nosso, tradução nossa) compartilha dessa
primazia do conhecimento tácito, ao afirmar que:
[...] o conhecimento explícito é sempre ancorado num componente tácito (Polanyi,
1975: 41). [...] Conhecimento tácito é o componente necessário de
todo
conhecimento [...] separar o conhecimento tácito do explícito significa desviar do
ponto chave – os dois são inseparavelmente relacionados
.
A idéia de contexto capacitante o referido ba”, que equivale a um espaço
compartilhado entre os indivíduos, que unifica a noção física, virtual e mental da palavra
'espaço', servindo como fundação para a criação de conhecimento fortalece a premissa de
que o conhecimento na sua criação e disseminação pressupõe experiências situadas no
contexto do dia a dia da práxis dos indivíduos nas organizações (NONAKA; KONNO, 1998),
vindo a ser, portanto, fator crucial para o entendimento de qualquer dinâmica explicativa
sobre a existência de algum(ns) tipo(s) específico(s) de conhecimento(s). O fato de ser
imprescindível a existência de um contexto favorável à criação e subsequentes utilização e
institucionalização do conhecimento gerado, imprime, seguindo essa linha de raciocínio, a
noção de que episódios e encontros (GIDDENS, 2003) são igualmente necessários para que a
proliferação do conhecimento nesse contexto, especificamente o tácito, por ser necessária a
dinâmica do engajamento entre indivíduos na práxis social cotidiana – possa ocorrer na
27
realidade organizacional. De acordo com D’Eredita e Barreto (2006, p. 1824, p. 1837,
tradução nossa):
A natureza do conhecimento tácito é episódica, portanto pessoal, específica ao
contexto e adquirida por meio da experiência [...] A proliferação do conhecimento
tácito dentro de uma organização é o resultado de um processo construtivo e
colaborativo no qual dois ou mais indivíduos coletivamente focam suas atenções,
construindo então, coletivamente, episódios relacionáveis [...] Apenas o
conhecimento que se prove prático mediante a prática proliferará. Nesse sentido,
conhecimento tácito é socialmente construído, e dessa forma, episódico.
É em virtude dessa gama e complexidade existentes de conceitos para o que se
denomina conhecimento, bem como o que lhe caracteriza e lhe define sob acepções
etimológicas, que o presente trabalho tem como pressuposto mister a unicidade do
conhecimento salientada por Tsoukas (1996), descartando dicotomias entre conhecimentos
tácito e explícito, salvo quando estas são tecidas puramente a título analítico-explicativo,
reconhecendo ainda a natureza contextual, episódica e situada na prática do conhecimento, em
acepções mais ontológicas (D’EREDITA; BARRETO, 2006; ORLIKOWSKI, 2002;
PATRIOTTA, 2003a).
Pode-se então, a partir da discussão anterior, comentar acerca da existência de
perspectivas teóricas que contemplam o tema do conhecimento, enxergando-o enquanto teoria
mais associada ao conhecimento explícito ou articulado por fazer uso de métodos,
ferramentas, manuais, modelos e outros documentos acessíveis em termos de banco de dados
ou mídia impressa (DUNFORD, 2000) ou o conhecimento enquanto prática relacionada
ao conhecimento tácito e a disseminação deste, por considerar indissociável o conhecimento
da prática nas atividades dos indivíduos e dos grupos que compõem a organização (COOK;
YANOW, 1996; NAG; CORLEY; GIOIA, 2007; ORLIKOWSKI, 2002). Mesmo
considerando-se tal distinção, essas duas perspectivas de como caracterizar o conhecimento
devem ser percebidas de maneira complementar e não excludentes (WERR; STJERNBERG,
2003).
De início, é crucial destacar que todo e qualquer processo de criação de
conhecimento, para que este mais adiante possa ser utilizado/promovido na organização, tem
início no processo de
interpretação da realidade vivida pelo indivíduo, numa relação
dialética entre a compreensão e a explicação (RICOEUR, 2000). A interpretação corresponde
ao:
28
Processo de ‘leitura’ de eventos reais, desenvolvendo modelos para a compreensão,
extraindo significados destes eventos, de maneira a montar esquemas conceituais
explicativos aos indivíduos [...] é um processo por meio do qual significados são
atribuídos à informação, e ações são escolhidas (DAFT; WEICK, 1984, p. 286, p.
294, tradução nossa).
A partir da atribuição de significados, ocorre o processo de construção de sentidos
dos indivíduos (sensemaking
1
), no qual, quando na realidade organizacional, compreende a
construção da sua identidade do mesmo naquele coletivo mediante uma apreciação
retrospectiva de eventos passados tidos como referenciais, num processo fluido e contínuo,
imerso socialmente em grupos, incorrendo na representação (
enactment
2
) de instituições
coletivamente aceitas acessadas pela observação e apreensão das atividades rotineiras do dia a
dia (WEICK, 1995). Tanto o processo de interpretação, quanto o de construção de sentidos
na realidade organizacional estão intrinsecamente ligados, como destaca Alvarenga Neto
(2008, p. 92-93):
A interpretação é tida como o elemento crítico que distingue as organizações
essencialmente humanas de outros níveis de sistemas inferiores [...] A interpretação
deve ser compreendida com base no processo de tradução de eventos, sinais e
mensagens do ambiente, bem como no desenvolvimento de modelos compreensivos
de conferência de significado e da montagem de esquemas conceituais.
Nesse exercício de formação das estruturas cognitivas, a criação de conhecimentos
ocorre substancialmente ancorada na efetiva realização de atividades do dia a dia
organizacional, no ato de fazer algo, na ação situada na práxis social, ou seja, nas micro-
atividades performadas pelos indivíduos frente ao seu labor, considerando-se assim uma
perspectiva de criação do conhecimento baseada na ação das práticas sociais, como demonstra
Patriotta (2003a) no seu estudo longitudinal-fenomenológico das plantas industriais da Fiat
Auto na Itália. Ainda segundo esse autor, o foco epistemológico estático no qual os temas do
conhecimento, da gestão de conhecimento e da aprendizagem organizacional vêm sendo
tratados, distanciou o fenômeno do conhecimento humano das ações e das intricâncias da
prática cotidiana, já que para ele:
1
Sensemaking corresponde a um termo que não possui tradução única para o português, sendo algumas delas:
“atribuição de significados”, “construção de sentidos”, “dar sentido”, “fazer sentido”. Aqui, entende-se
essencialmente que o
sensemaking pressupõe uma construção da realidade como algo contínuo a partir dos
sentidos/significados que as pessoas fazem/constroem/atribuem, retrospectiva e reflexivamente, diante das
situações nas quais elas se encontram. Essa construção se a partir de mecanismos contemplados na forma de
regras e padrões para se perceber, interpretar, e agir em determinadas circunstâncias espaciotemporais (WEICK,
1995).
2
Enactment é aqui entendido nos moldes weickianos, de produção e reprodução representacional de ambientes
nos quais estão inseridos indivíduos, a partir das atividades realizadas por estes mediante práticas sociais que
compõem esses ambientes, preservando, sob essa lógica, a dialética entre estrutura e ação (WEICK, 1995).
29
[...] conhecimento é incorporado na práxis [...] ao invés de ser um recipiente passivo,
a comunidade de aprendizes está constantemente engajada nas atividades de
interpretação e de construção de sentidos pelas quais o conhecimento é apropriado a
partir de uma ampla gama de recursos materiais [...] o que é aprendido é
profundamente ligado às condições nas quais se aprende. De modo importante,
aprender diz respeito à construção de identidade mediante o engajamento em
práticas sociais, incluindo a construção de diversos laços sociais com outros
participantes ou colaboradores desse processo (PATRIOTTA, 2003a, p. 97, tradução
nossa).
A criação de conhecimentos desempenha papel crucial para a sustentabilidade das
organizações no ambiente onde atuam, conforme salienta Alvarenga Neto (2008, p. 81):
A etapa de criação do conhecimento é o momento em que as organizações criam ou
adquirem, organizam e processam a informação com o propósito de gerar novo
conhecimento por meio da aprendizagem organizacional. O novo conhecimento
gerado permite que a organização desenvolva novas habilidades e capacidades, crie
novos produtos e serviços, aperfeiçoe os antigos e melhore seus processos
organizacionais.
Todos esses referidos benefícios sustentam-se e permanecem nas organizações a
partir da institucionalização do conhecimento criado mediante a práxis cotidiana, que por sua
vez comporá o conjunto de práticas sociais que se institucionalizarão nesse coletivo, sendo
acessadas a partir da articulação laboral dos procedimentos rotineiros de sequenciamento de
atividades ou de soluções para problemas emergenciais que eventualmente possam
representar rupturas nos padrões vigentes. Mediante o processo de institucionalização,
Patriotta (2003a, p. 180) argumenta que “a agência humana e o conhecimento são
progressivamente delegados à organização e inscritos em estruturas estáveis de significado”,
fazendo com que haja um temporário encapsulamento (ou fechamento) do conhecimento
criado em uma espécie de “estoque virtual de conhecimento”, denominado pelo autor de
background knowledge.
De acordo com a noção de “ciclo do conhecimento”, Patriotta (2003a, p. 178-182,
tradução nossa) defende que três momentos-chave que incorrem na aprendizagem
organizacional, até que o conhecimento seja legítima e socialmente aceito pelos indivíduos da
organização, encapsulando-se em uma “caixa preta” acessível mediante as práticas,
compondo um background knowledge que é transparente [e por isso, não enxergável
objetivamente, mas (inter)subjetivamente acessível] dada a sua natureza institucionalizada. Os
três momentos correspondem a um processo sequenciado de:
30
1. Criação do conhecimento: Parte incipiente e geradora do processo de
institucionalização do conhecimento na qual, a partir da interação entre recursos
materiais e agência humana, desencadeia-se uma série de tensões entre situações
corriqueiras e contradições emergenciais, gerando questionamentos, contestações,
ambiguidades, refutações ou aceitações. Nesse processo, o conhecimento se
cristaliza em estruturas estáveis de significado mediante processos de inscrição e
delegação da agência humana a dispositivos organizacionais.
2. Utilização
: Refere-se à aplicação de um estoque específico de conhecimentos em
situações concretas, compondo um
modus operandi na organização,
convencionando fluxos de ação e trajetórias de procedimentos apreendidos(as) das
práticas sociais via práxis cotidiana. Mediante essa etapa, o conhecimento
existente (e institucionalizado na organização) é constantemente manipulado,
reprisado e/ou transformado [dada a natureza da agência humana (EMIRBAYER;
MISCHE, 1998; GIDDENS, 2003)], desencadeando outros processos de criação
de conhecimentos, que novamente serão formados via a dialética subjacente à
etapa anterior.
3. Institucionalização
: Etapa na qual o conhecimento criado e a agência humana
representativa de uma prática (sua utilização) são progressivamente delegados à
organização, inscrevendo-os em estruturas estáveis de significados, selando-se em
estoques de conhecimento, sempre suscetíveis à revisão, apesar do temporário
encapsulamento (ou encerramento) desse conhecimento. A institucionalização do
conhecimento implica a aceitação social de certos códigos, padrões, convenções,
estruturas e práticas inerentes ao conhecimento criado na esfera organizacional,
concedendo-lhe legitimidade, reconhecimento, característica 'canônica' e validade,
por ser aceito como uma 'verdade dada como certa' entre os indivíduos que dele
fazem uso na organização. Tal conhecimento é tornado 'visível' por intermédio da
articulação, ou seja, do ato de manifestar o conhecimento na práxis cotidiana, e
dessa mesma forma, é sempre passível de reconfiguração pelo seu
questionamento, refutação e surgimento de melhores (ou diferenciadas) práticas,
criando novos conhecimentos mais uma vez.
Conforme se pode perceber, o “ciclo do conhecimento” é fundamentado na noção de
recursividade, que vai das controvérsias e indagações subjacentes ao surgimento de um novo
conhecimento (SEO; CREED, 2002) por meio de processos de desinstitucionalização de
31
determinados conhecimentos da organização (OLIVER, 1992) – até o seu encapsulamento (ou
encerramento) epistemológico, institucionalizando-se e somando-se a um estoque de
conhecimentos (
background) acessíveis aos indivíduos mediante a apreensão das práticas
sociais da organização, como indica a figura 1.
Figura 1 – Ciclo do conhecimento
Fonte: Adaptado de Patriotta (2003a, p. 179).
O modelo acima proposto por Patriotta (2003a), construído a partir da análise de três
estudos de caso específicos na indústria automobilística italiana, ainda sugere que o quadro
“Caixa Preta” condensará diferentes
backgrounds de conhecimentos institucionalizados, que,
segundo o autor, se constituem de três tipos distintos de conhecimento organizacional:
Em nível diacrônico, a combinação dos processos e dos conteúdos dos
conhecimentos em diferentes momentos da evolução organizacional identifica três
tipos principais de conhecimento, os quais eu denomino como
de fundação, de
procedimento
, e de experiência. Os três tipos/conteúdos de conhecimento
identificados nos estudos de caso têm diferentes implicações na relação com o
fenômeno de constituição de uma organização. O conhecimento de fundação indica
a definição dos fundamentos epistemológicos sobre os quais o conhecimento
humano residirá. Especificamente, ele relaciona a natureza do conhecimento
organizacional à origem do conhecimento que refletirá a estrutura organizacional. O
conhecimento de procedimento salienta uma definição teleológica da organização
enquanto mecanismo orientado para objetivos. Finalmente, o conhecimento de
experiência incorpora a conceitualização da organização enquanto artefato humano
não passível de ser controlado por intermédio de instrumentos mecânicos [...] ao
invés de distintos tipos/resultados da criação de conhecimento, os três estágios
identificados acima devem ser entendidos como tipos ideais existentes ubiquamente
em qualquer organização (PATRIOTTA, 2003a, p. 195, grifo do autor, tradução
nossa).
32
De acordo com essas constatações, nota-se que o conhecimento de fundação age
como uma espécie de diretriz que condicionará a estruturação de uma organização a partir de
posturas epistemologicamente coerentes com o tipo de conhecimento ali criado. O
conhecimento de procedimento, por sua vez, funciona no âmbito das rotinas, compondo-as e
condicionando a práxis social cotidiana dos indivíduos da organização. o conhecimento de
experiência é entendido como um senso comum na organização, estando embebido nas
práticas sociais institucionalizadas de uma organização, e dessa forma, intrinsecamente
relacionado com a maneira como os indivíduos agem na organização, balizando sua conduta.
Percebe-se assim que, “o conhecimento criado é institucionalizado a partir do método, de
modo a tornar possível a repetição de experiências bem sucedidas” (PATRIOTTA, 2003a, p.
122, tradução nossa) vividas pela organização, constituindo, dessa forma, uma outra
percepção do que vem a ser a aprendizagem organizacional. Com isso, o foco recai mais no
papel do conhecimento tácito, uma vez que este, por estar diretamente associado à
cognoscitividade dos agentes, implica a maneira como a agência humana se manifestará,
produzindo e reproduzindo as estruturas virtuais existentes nos traços de memória dos agentes
via práticas sociais existentes e institucionalizadas na organização. Essa associação é atrelada
ao papel das instituições dado o caráter subjetivo do conhecimento tácito e intersubjetivo das
instituições sustentadas por um coletivo:
[...] institucionalização se refere ao grau de o quão tácito é um conhecimento, e,
nesse sentido, ela pode ser vista tanto como um processo quanto como uma variável.
A qualidade de 'verdade dada como certa' de determinadas práticas e a reprodução
destas em arranjos institucionais existentes é vista como uma fonte de persistência
(Zucker 1977), a qual conta para a acumulação e manutenção do conhecimento em
organizações. A presença de mecanismos de reprodução também destaca o aspecto
ritualístico e cerimonial da criação do conhecimento (Meyer e Rowan 1977).
Finalmente, a abordagem institucional leva em consideração a dimensão política do
conhecimento, ou seja, as condições através das quais uma comunidade alcança
consenso sobre o que é um conhecimento válido. Essa dimensão enfatiza a natureza
do conhecimento como sendo algo socialmente construído e o papel do poder e da
legitimação [...] por meio da institucionalização, o conhecimento se torna habitual;
ele pode ser repetido, representado, e reproduzido em atividades do dia a dia.
Colocando de uma outra maneira, a natureza institucionalizada dos sistemas de
conhecimento aponta para uma gama de disposições e hábitos de pensar que foram
adquiridos pelos membros de uma comunidade mediante socializações anteriores e
que são representadas (
enacted) em situações específicas de ação (PATRIOTTA,
2003a, p. 41-42, p, 206, tradução nossa).
Tendo em vista o exposto, Patriotta (2003a) sugere então uma mudança no foco de
que o tema da “gestão do conhecimento” deve tratar mais de como se gerenciam as práticas
sociais imersas em um substrato de conhecimentos que perpassam as atividades dos
indivíduos numa realidade organizacional, pressupondo, com isso, igualmente a Alvarenga
33
Neto (2008), que a prática da gestão do conhecimento deve ser mais bem entendida como
sendo:
[...] uma série de processos sociais que por vezes compreendem a construção de
consenso e de alinhamento cognitivo, e outras vezes compreendem provocar
dissidências e desvios do conhecimento padrão, mas com certeza não como sendo
simplesmente o ato de estocar conhecimento em bases de dados organizacionais
(PATRIOTTA, 2003a, p. 206, tradução nossa).
Corroboram nessa mudança para um enfoque de práticas Nag, Corley e Gioia (2007,
p. 841, tradução nossa), ao concluírem que a chave para o sucesso nos processos inovativos
das organizações estaria não apenas no papel das práticas, mas principalmente na interseção
entre estas, a identidade organizacional e o conhecimento existente (ou poder-se-ia dizer,
institucionalizado) nas organizações:
Uma revelação abrangente do nosso estudo é a importância das inter-relações
recursivas entre conhecimento organizacional, identidade organizacional, e práticas:
as maneiras nas quais os membros da organização aqui pesquisada utilizaram o
conhecimento nas suas práticas de trabalho afetaram e foram afetadas pela noção
coletiva de quem eles eram enquanto organização [...] Acima de tudo, o estudo
demonstra que conhecimento é, em grande parte, alicerçado no seu contexto social
[...] O que é notório, entretanto, é o reconhecimento de que não é meramente a
presença de um novo conteúdo que é tão importante para trazer novos
conhecimentos a uma organização, mas pelo contrário, o efeito que o novo
conhecimento tem nas práticas coletivas de utilização de conhecimento daqueles
mais afetados pela mudança. Ao focar nas maneiras nas quais o uso do
conhecimento está embebido nas práticas cotidianas e, ao avançar na concepção de
conhecimento como algo possuído (um corpo de princípios independentes dos
membros da organização), a nossa compreensão de mudança estratégica é
aprimorada no momento em que direcionamos nossa pesquisa menos ao papel
exercido pelo conteúdo do conhecimento na mudança organizacional e mais às
maneiras com que os recipientes da mudança utilizam tanto o antigo quanto o novo
conhecimento para ajudar a criar práticas adaptativas visando lidar com novas
contingências ambientais. Uma implicação teórica importante é que o conhecimento
se torna um conceito organizacional das manifestações situadas dentro das práticas
coletivas dos membros da organização. Uma implicação prática importante provém
do reconhecimento de que o início da mudança pode surgir tanto do conteúdo,
quanto dos processos da organização. Para que a transformação ocorra, uma
organização precisa abordar não apenas o seu conteúdo de conhecimentos, mas
também suas práticas de uso do conhecimento.
Dessa forma, a relevância do papel das práticas sociais está não apenas no ato de
fomentar o “ciclo do conhecimento” vislumbrado por Patriotta (2003a), mas também em
questionar e modificar o próprio conhecimento surgido desse processo cíclico mediante a
institucionalização e/ou desinstitucionalização das práticas quem abarcam este conhecimento
(OLIVER, 1992; SEO; CREED, 2002) –, reforçando o aspecto dinâmico do conhecimento
(POLANYI, 1967), ao mesmo tempo em que ilustra a mobilidade deste, suscitando a idéia de
34
disseminação do conhecimento. Dito isto, entende-se por transferência de conhecimento, o
processo de comunicação verbal e/ou não-verbal entre dois ou mais indivíduos ou unidades
funcionais separados por limites estruturais, culturais e organizacionais, que requer o
engajamento dessas partes em atividades colaborativas e interativas (HSIAO; TSAI; LEE,
2006; SUNG; GIBSON, 2000), compreendendo etapas de criação, utilização e
institucionalização do conhecimento (PATRIOTTA, 2003a).
Sumarizando, o presente trabalho utiliza-se da idéia de “ciclo do conhecimento” de
Patriotta (2003a) para aguçar a compreensão de como o conhecimento é criado, utilizado e
preservado numa organização (sob o argumento da institucionalização do conhecimento),
funcionando como processo de transferência desse conhecimento e aprendizagem
organizacional. Além disso, tal concepção teórica faz-se coerente para adoção junto à postura
do estudo aqui pretendido, uma vez que o estudo das práticas sociais se faz premente aqui, e
estas desempenham papel crucial tanto para a elaboração de novos conhecimentos como na
preservação/modificação dos já existentes em uma realidade organizacional, à luz da noção de
circularidade (recursividade) estruturacionista (GIDDENS, 2003; ORLIKOWSKI, 2002), que
será explicada mais adiante, nesta seção da fundamentação teórica do trabalho.
2.2 TECNOLOGIA E SEUS PROCESSOS DE TRANSFERÊNCIA
2.2.1 Conceitos e características
A relevância acerca do papel da tecnologia vem sendo discutida e constantemente
reforçada tempos, fomentando manifestações das ciências econômicas, da sociologia, das
engenharias e do campo da administração, todos salientando o fato de que a competitividade
das organizações (e das sociedades) está diretamente relacionada à forma como a tecnologia e
a inovação são tratadas nesses contextos de coletividades (DRUCKER, 1997; PEREZ, 2004;
SCHUMPETER, 1982). A palavra “tecnologia” no seu sentido original deriva do termo grego
techne, o qual significa o conhecimento de como produzir coisas (BURKITT, 2002). Sob uma
acepção mais filosófica e ampla da palavra, tem-se que:
35
Tecnologia, então, pode ser dita como sendo a racionalidade prática que acompanha
e guia as atividades produtivas, e é portanto, complexamente envolvida nas relações
sociais nas quais pessoas são educadas e treinadas. [...] tecnologia é a forma de ação
prática acompanhada pela rao prática, a qual objetiva instilar nos indivíduos certas
ações habituais quer virtudes morais (ou seja, maneiras corretas de agir em
situações) ou habilidades técnicas e, mais tarde, dar-lhes poderes reflexivos para
avaliar essas virtudes ou habilidades, provendo a eles a capacidade de refiná-las,
modificá-las ou transformá-las. Em outras palavras, tecnologia são meios por
intermédio dos quais os seres humanos produzem não apenas produtos e trabalho,
mas também a si mesmos enquanto seres humanos tanto nos seus aspectos reflexivos
quanto nos não-reflexivos. É mediante várias tecnologias que os humanos
desenvolvem os seus hábitos, capacidades, habilidades, identidades e conhecimentos
que os marcam como sendo membros de um grupos social e cultural (BURKITT,
2002, p. 223-224, tradução nossa).
Considera-se no presente estudo que tecnologia, enquanto conceito aplicável à
realidade organizacional, equivale:
[...] às habilidades, ao conhecimento e aos artefatos teóricos e práticos que podem
ser usados para desenvolver produtos/serviços em organizações, bem como
utilizados em sistemas para a produção e fornecimento desses produtos/serviços. A
tecnologia pode estar embutida em pessoas, materiais, processos físicos e
cognitivos, estruturas físicas, equipamentos e ferramentas. Elementos-chave da
tecnologia podem estar implícitos, existindo apenas enquanto algo embebido em
formas [...] de modo que importantes partes de uma tecnologia podem não ser
expressas ou codificadas em manuais, rotinas e procedimentos, receitas, regras, ou
outras articulações explícitas (BURGELMAN; MAIDIQUE; WHEELWRIGHT,
2001, p. 4, tradução nossa).
Pelo que se pode perceber do conceito apresentado acima, a tecnologia, enquanto
tema de estudos nas Ciências Sociais, comporta elementos tanto materiais (físicos, objetivos,
explícitos) quanto racionais (virtuais, subjetivos, tácitos). Essa conceituação adotada foge a
determinismos e imperativos tecnológicos, permitindo que não apenas tecnologias
preponderantes na atual “era da informação” possam ser analisadas, como também outras
tecnologias que inclusive extrapolam os limites organizacionais, preocupando-se com os
contextos sócio-históricos nos quais estas surgem e são desenvolvidas. Como exemplo, temos
as tecnologias sociais (TS), tema de relevância contemporânea em face às diversas questões
de sustentabilidade ambiental, social e econômico-desenvolvimentista de âmbito regional.
Enquanto arcabouço teórico-prático, as TSs surgem a partir da concepção e discussão
das Tecnologias Apropriadas (TA) realizadas nas décadas de 1960 e 1970, as quais
pretendiam evitar os prejuízos sociais e ambientais que as Tecnologias Convencionais (TC)
desenvolvidas em organizações capitalistas de países do então “primeiro-mundo” causavam.
Porém, a origem da lógica que embasou o movimento das TAs foi a Índia do final do século
XIX, tendo na obra filosófica e ativista de Gandhi o seu expoente referencial. Segundo
36
Dagnino, Brandão e Novaes (2004), a intenção por parte do pensamento dos reformadores
indianos da época objetivava a reabilitação e desenvolvimento de tecnologias tradicionais,
praticadas nas aldeias, como estratégia de luta contra o domínio britânico. Ao longo de
debates (políticos, sociais e econômicos) e disputas conceituais (acadêmicas) que ocorreram
na segunda metade do século XX, caminhou-se para um entendimento ubíquo e
multidimensional do que seriam TSs, preferindo-se, por parte de estudiosos e profissionais da
área, não elaborar um conceito definitivo, mas salientar valores, princípios, dimensões,
parâmetros e implicações a partir dos quais uma tecnologia poderia ser associada (ou
conceituada) como social (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004; RODRIGUES;
BARBIERI; IWATA, 2005). Conforme o Instituto de Tecnologia Social (ITS):
Definimos TS como um “conjunto de técnicas, metodologias transformadoras,
desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela,
que representam soluções para a inclusão social e melhoria das condições de vida”.
[...] A identificação de
parâmetros de TS tem como objetivo servir de base para o
futuro estabelecimento de critérios para análise de ações sociais: são os ingredientes
e elementos que supomos serem os componentes das experiências que as tornam
TSs. [...] Podemos destacar, até o momento: i) quanto à sua razão de ser: a TS visa à
solução de
demandas sociais concretas, vividas e identificadas pela população; ii)
em relação aos processos de tomada de decisão: formas democráticas de tomada de
decisão, a partir de estratégias
especialmente dirigidas à mobilização e à
participação da população; iii) quanto ao papel da população: participação,
apropriação e aprendizagem por parte da população e de outros atores envolvidos;
iv) em relação à sistemática: planejamento, aplicação ou sistematização de
conhecimento de forma organizada; v) em relação à construção de conhecimentos:
produção de novos conhecimentos a partir da prática; vi) quanto à
sustentabilidade: visa à sustentabilidade econômica, social e ambiental; vii) em
relação à ampliação de escala: gera aprendizagens que servem de referência para
novas experiências. Gera, permanentemente, as condições favoráveis que deram
origem às soluções, de forma a aperfeiçoá-las e multiplicá-las (INSTITUTO DE
TECNOLOGIA SOCIAL, 2004, p. 130-132, grifos do autor).
É importante perceber, segundo o conceito exposto, que a acepção prática de criação
de tecnologias e de conhecimentos (tecnológicos ou não) se faz presente e relevante, pois essa
reflexão e construção do conceito de TS deve ser capaz de “[...]
melhorar práticas sociais e
de contribuir para que
novos significados para a produção do conhecimento sejam
construídos,
aproximando os problemas sociais de soluções e ampliando os limites da
cidadania (INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL, 2004, p. 123, grifos do autor). Porém,
mesmo sob os pontos de convergência sugeridos nos parâmetros estabelecidos, encontram-se
divergências na literatura (RODRIGUES; BARBIERI; IWATA, 2005), como, por exemplo, a
questão do engajamento participativo dos coletivos nos quais as TSs são
criadas/desenvolvidas/aplicadas:
37
As TSs são “um conjunto de técnicas e procedimentos, associados a formas de
organização coletiva, que representam soluções para a inclusão social e melhoria da
qualidade de vida”. Muitas tecnologias se orientam sobretudo pela simplicidade,
baixo custo, fácil aplicabilidade e impacto social, mas não estão necessariamente
associadas a organizações coletivas. São idéias boas e baratas, mas as pessoas não
precisam se organizar coletivamente para melhor utilizá-las [...] as tecnologias, os
seus procedimentos e métodos: 1) são o pressuposto, a base em torno da qual é
possível articular uma ampla rede de atores sociais. São uma condição necessária,
mas não suficiente; 2) precisam ser estruturados em modelos flexíveis. Nem tudo
que é viável em um lugar pode sê-lo, da mesma forma, em outro. Adaptações
inteligentes e espírito inovador explicam por que se fala em reaplicação e não em
replicação de TSs. Por outro lado, é também impossível disseminar uma
determinada TS se não um padrão tecnológico cujos elementos essenciais
permitam escala [...]; 3) cumprem pelo menos quatro fases essenciais que fazem
parte do segredo de sua viabilidade em escala: a) a primeira é a fase da criação. As
TSs nascem ou da sabedoria popular ou do conhecimento científico, ou da
combinação de ambas; b) a fase de viabilidade técnica, na qual a consolidação de
um padrão tecnológico [...]; c) a fase de viabilidade política. A tecnologia, por várias
razões e meios, ganha autoridade e visibilidade. Especialistas influentes comentam e
recomendam-na. Entidades civis e outras organizações passam a reivindicar seu uso.
Movimentos sociais passam a adotá-la como solução; d) a fase de viabilidade social,
quando a tecnologia tem de se mostrar capaz de ganhar escala. É chave que se forme
em torno dela uma ampla rede de atores que consigam dar capilaridade à sua
demanda e capacidade de implementação. Isso inclui a montagem de uma complexa
logística de
delivery e assistência. Ou seja, a tecnologia precisa ter bases de apoio
para que seja demonstrada, reaplicada e cercada de orientações a quem a aplica; 4)
as fases, para serem plenamente cumpridas, precisam tornar possível a articulação
entre governo, administração, especialistas e organizações sociais (LASSANCE JR;
PEDREIRA, 2004, p. 66-69).
Diante disso, entende-se, no presente estudo, que tecnologias sociais são, segundo a
taxonomia da Fundação Banco do Brasil, apud Rodrigues, Barbieri e Iwata (2005, p. 7) “[...]
produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis desenvolvidas na interação com a
comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social”.
2.2.2 Transferência de tecnologia
Ao levar-se em conta o conceito de tecnologia em Burgelman, Maidique e
Wheelwright (2001) aqui exposto, o aspecto dinâmico da tecnologia, enquanto algo não
passível ainda que circunstancialmente de ser encerrado em si mesma e nem sempre
facilmente capturado e/ou acessado, atenta-se para o fato de que a tecnologia pode ser
transportada, ou seja, movimentada mediante processos de disseminação desta entre outras
coletividades, dada a mobilidade inerente aos seres humanos (estoques móveis de
conhecimento), ou ainda à transposição de processos e práticas (que podem ser repetidas em
diferentes momentos, locais e situações), bem como a aquisição de recursos materiais. Com
38
isso, surge a idéia de transferência de tecnologia, de modo a proporcionar aumento de
vantagens competitivas em organizações e sociedades, em relações de distintas naturezas,
para obtenção de tal trunfo. Afirma Saad (2000) que a transferência de tecnologia surgiu,
enquanto campo de estudos, a partir dos anos 1970, dada a forte ênfase que recaía sobre o
papel da tecnologia no desenvolvimento econômico local, regional e nacional, quando
analisados casos de sucesso em nações ao longo do globo.
Antes de conceituar transferência de tecnologia, e compartilhando de noção similar
da de tecnologia explicitada por Burgelman, Maidique e Wheelwright (2001), Saad (2000, p.
33-34, tradução nossa) destaca que:
Tecnologia necessita ser enxergada não apenas como algo específico à produção ou
à processos de manufatura, mas também em termos do conhecimento e da
experiência necessária para o planejamento, estabelecimento e operacionalização nas
fábricas e empresas. Consequentemente, é fundamental empregar notável ênfase no
componente do conhecimento, o qual inclui o conhecimento atuando no
design,
produção, investimento e gerenciamento, áreas que são largamente tácitas dado o
fato delas serem inerentes às atividades dos seres humanos.
Dito isso, o autor conceitua transferência de tecnologia como:
[...] um fenômeno altamente complexo envolvendo muitas funções diferentes, atores
e variáveis formando um processo o qual não é reduzível à simples fatores. O seu
sucesso raramente é associado a fazer uma ou duas coisas soberbamente, mas sim
mais com realizar todas as funções efetivamente e em uma maneira integrada e
balanceada [...] Assim como inovação, transferência de tecnologia não se trata de
uma única e isolada ação, mas de um processo completo, envolvendo todas as
atividades de levar ao mercado uma nova idéia passível de ser caracterizada por uma
interface notável. É um fenômeno altamente complexo no qual as mudanças são de
cunho tecno-econômico e social, já que afetam não apenas as atividades de
engenharia mas também diversas facetas das atividades organizacionais e de gestão.
Ela traz uma nova maneira de pensar e demanda mudanças ao longo de todo uma
cadeia de negócios (SAAD, 2000, p. 125-126, tradução nossa).
O aspecto processual da transferência de tecnologia também é comentado por
Kremic (2003, p. 149, tradução nossa) ao defini-la como “o processo gerenciado de conceder
uma tecnologia de uma parte para a sua adoção por outra parte”. Além de ser contextual, de
acordo com evidências empíricas de que a transferência de tecnologia é percebida
diferentemente entre os detentores (fontes) e os receptores (adotadores) de uma tecnologia,
implicando assim o sucesso da sua difusão e implementação, Kremic (2003, p. 150) observa
que esse processo obedece ao mesmo sistema clássico de controle de processo, com um “(1)
ponto de partida, o qual é o resultado desejado; (2) um feedback, que é uma amostra do
39
resultado; e (3) uma função comparativa, a qual analisa o ponto de partida e o feedback”,
realizando ajustes caso os dois não combinem.
Ainda que o volume multidisciplinar de análises empíricas e teóricas sobre o tema
opere mais como um dificultador do que como algo positivo (BOZEMAN, 2000), há, de
acordo com boa parte da literatura sobre transferência de tecnologia, alguns consensos no que
tange à quais aspectos compõem esse dito 'complexo fenômeno', conforme enumera
Lundquist (2003). Para esse autor, sendo a transferência de tecnologia o movimento de um
específico conjunto de capacidades por parte de uma entidade (humana, material ou
organizacional) para outra, este movimento acontece:
no intuito de solucionar problemas e gerar ganhos financeiros;
pressupondo mudanças na sua extensão que, por vezes, vão além das entidades
diretamente envolvidas na relação, dado o fato de as transferências de tecnologia
ocorrerem em cadeias de valores dentro ou entre os limites corporativos;
quando as barreiras para que a transferência efetivamente ocorra são derrubadas e
ambas as partes (os detentores e os receptores de tecnologia) concordam em seguir
adiante na relação;
justificando legitimamente a sua realização a partir dos ganhos financeiros
exclusivos, únicos e duráveis de uma tecnologia transferida, tanto para os
detentores, quanto para os receptores desta;
engajando agentes de mudança em programas práticos alicerçados sob um
profundo entendimento das tecnologias envolvidas, da gestão dessas tecnologias, e
da sua divulgação.
Quanto aos tipos de transferências de tecnologia, Lundquist (2003, p. 267, tradução
nossa) destaca:
Transferência interna: Movimentações ao longo da cadeia de valores dentro de
uma organização, constituindo uma evolução de uma tecnologia desde a sua
concepção até a sua construção em um produto consumido/usufruído internamente
na mesma organização, geralmente formando ou melhorando processos e práticas
existentes; incluem-se nessa categoria as transferências entre departamentos,
setores ou divisões corporativas.
40
Transferência externa: Movimentações para dentro ou para fora de outras
organizações, incluindo aquisições de tecnologias partindo de fontes externas, ou
licenciamento de tecnologias para o uso por parte de outras entidades, além de
alianças corporativas em diversos níveis, incluindo desenvolvimento cooperativo
de produtos, contratos e consórcios industriais, fusões, dentre outros.
No tocante aos mecanismos de transferência de tecnologia, frisa-se que, além do fato
desta ser processual, ela é, também, um processo comunicativo que demanda recursos
humanos treinados e capacitados, recursos financeiros e materiais adequados, além de
estruturas organizacionais recompensadoras e/ou incentivadoras para a sua efetiva conclusão.
Argumentam Rogers, Takegami e Yin (2001) que os mecanismos de transferência de
tecnologia podem ser, por exemplo:
Spin-offs: Novas companhias formadas por indivíduos a partir de experiências em
organizações 'paternais', das quais as tecnologias essenciais são transferidas,
representando assim empreendimentos tecnológicos apoiados substancialmente em
inovações tecnológicas.
Licenciamentos: A concessão de permissão ou direitos para fazer, produzir, usar
e/ou vender um certo produto, design ou processo, ou para realizar determinadas
outras ações.
Publicações acadêmico-científicas: Compostas de artigos, revistas e periódicos
científicos destinados, em geral, mais especificamente aos acadêmicos do que aos
usuários potenciais de tecnologias, mas ainda assim, constitui um canal
comunicativo de tecnologias.
Encontros, eventos e reuniões: Contemplam, tanto formal quanto informalmente,
interações pessoais mediante as quais informações técnicas são trocadas.
Engenharia reversa: Processo de análise de um artefato e dos detalhes do seu
funcionamento, geralmente com a intenção de construir um novo aparelho ou
programa que faça a mesma coisa, sem efetivamente copiar algo do original,
contudo apropriando-se do conhecimento nele embutido.
Espionagem industrial: Corresponde à apropriação indevida de informação sigilosa
envolvendo concorrentes, sem o envolvimento de entes governamentais, e por isso
configura-se como uma atividade passível de ser classificada como criminal, por
leis de propriedade industrial.
41
Educação e treinamento: Esforços formais de transferência de conhecimentos de
utilidade teórica/técnica considerados como relevantes por uma empresa na
realização das suas atividades em um momento presente ou futuro.
Joint ventures, fusões e aquisições entre organizações: Combinações de interesse
econômico entre pelo menos duas companhias insurgindo em uma 'distinta
companhia', nas quais perdas e ganhos financeiros são divididos de acordo com a
equidade do investimento acertado entre as partes.
Acordos de Cooperação em P&D: Referenciados na literatura como CRADAs
(Cooperative R&D agreements). Essas cooperações podem ser percebidas como
acordos para o compartilhamento consensuado de recursos humanos
especificamente treinados (pesquisadores, cientistas, tecnólogos, etc.),
equipamentos e direitos de propriedade intelectual em pesquisas entre distintas
esferas institucionais, como governo e setor privado, nos quais estão inclusos
institutos de pesquisa, laboratórios tecnológicos, universidades, etc. Geralmente,
esses tipos de acordos são agrupados sob o conceito de 'cooperação tecnológica', o
qual corresponde a uma forma de colaboração entre instituições visando ao
desenvolvimento de produtos e processos quando a tecnologia usada não consegue
ser direta nem efetivamente transferida mediante vendas do seu direito de
utilização ou necessita ser desenvolvida. Nessa classificação, são abarcados não
apenas processos de cooperação entre empresas de médio-grande porte e as
referidas Instituições de Ensino e Pesquisa, mas também micro e pequenas
empresas, mediante atividades como a de incubação tecnológica. Esse tipo de
atividade corresponde a um processo de apoio ao desenvolvimento de pequenos
empreendimentos ou empresas nascentes e promoção de condições específicas, por
meio do qual empreendedores podem desfrutar de instalações físicas, de ambiente
instrucional, conhecimentos e práticas institucionalizadas, e de suporte técnico e
gerencial no início e durante as etapas de desenvolvimento de um projeto
específico, seja de negócios, seja de desenvolvimento de produtos/serviços
(ANPROTEC, 2002).
Como demonstra Hagedoorn (1990), os acordos de cooperação inter-organizacional
representam não somente um dos mais tradicionais mecanismos de transferência de tecnologia
nas economias capitalistas, mas, sobretudo, o papel de agente constituinte do tecido social
pressuposto numa malha de relações entre distintas entidades de relevante papel no cenário
42
social, político e econômico de uma dada geografia. Essas inter-relações variam em grau de
dependência de acordo com a natureza do modo de cooperação, como indica a figura 2:
Figura 2 – Modos de acordos cooperativos e os seus graus de interdependência organizacional
Fonte: Adaptado de Hagedoorn (1990, p. 18).
As joint ventures e as corporações de pesquisa constituem a combinação de
interesses econômicos de pelo menos duas companhias distintas, fundindo-se em um objetivo
comum para P&D, trocas de tecnologias e estratégias corporativas, no qual as perdas e os
ganhos financeiros são divididos de acordo com o montante investido por cada uma das
partes; assim sendo, é justificável o alto grau de interdependência organizacional, conforme
aponta Hagedoorn na figura acima. As parcerias de P&D conjuntas, os acordos de
desenvolvimento tecnológico conjunto e os pactos de pesquisa também compreendem uma
substancial parcela dos acordos cooperativos inter-organizacionais, de modo que estes visam
a redução de custos, a minimização de riscos e o fomento ao surgimento de sinergias entre
organizações no tocante à busca por inovações similares, não cobrindo, necessariamente, a
mesma divisão de ganhos e perdas financeiras da opção anterior. Os acordos de trocas mútuas
de tecnologia, o compartilhamento de tecnologias e o
cross lincensing, por sua vez, sugerem
43
acordos formais de laços não tão fortes e de períodos determinados, podendo indicar também
movimentações de cunho mais unidirecionais por uma das partes envolvidas.
Os investimentos diretos e as
holdings significam formas de cooperação entre
organizações que, em longoprazo, podem vir a afetar o desempenho tecnológico de pelo
menos uma das partes envolvidas no processo de transferência de tecnologia, dado caráter
estratégico de crescimento econômico e de controle exercido invariavelmente por uma das
partes acordadas. Nas relações entre clientes e fornecedores, nos acordos de coprodução e de
comercialização, uma das partes (no caso, a organização líder, econômica e tecnologicamente
mais poderosa) supre a outra parte com componentes tecnológicos essenciais para que a
produção final de bens possa ser operacionalizada pelo receptor da tecnologia, implicando
também contratos de longo-prazo entre essas firmas, dada a necessidade de retorno do
investimento proveniente da 'terceirização' de bens e serviços por parte da empresa detentora
de tecnologia. Ainda assim, constituem relações de natureza bilaterais entre as partes
envolvidas, embora com menor grau de interdependência. Têm-se como exemplos também o
caso de grandes corporações que se aliam a empresas menores para que estas se engajem em
projetos de pesquisa, nos quais menos garantias de margens de lucro e da detenção da
tecnologia desenvolvida, e mais chances de contração de dívidas em situações de fracasso nos
resultados finais dos projetos.
Por fim, os fluxos unidirecionais de tecnologia e os licenciamentos, ainda que menos
interdependentes em termos organizacionais, asseguram a ambas as partes o aumento no
suprimento de tecnologia por uma parte, e a segurança na demanda pela outra parte, ao
garantir um acesso relativamente mais barato e rápido a uma tecnologia pela parte receptora
do processo de transferência tecnológica, e entrada de recursos financeiros por parte dos
royalties no caso dos detentores da tecnologia; ao mesmo tempo, as chances de
comportamentos oportunísticos e desleais nas duas partes são uma constante.
2.2.3 Cooperação tecnológica universidade-empresa: especificidades desse tipo de
transferência de tecnologia
Equivalentemente aos tipos de cooperação entre organizações do setor privado
previamente salientados, a transferência de tecnologia nos processos de cooperação
universidade-empresa (U-E) compreende um arranjo interinstitucional de natureza similar no
44
que concerne a complexidade dessa relação, demandando desafios gerenciais que buscam,
estrategicamente, a complementaridade ideológica e de missão das partes envolvidas
(PLONSKI, 1999). A complexidade inerente na relação reside, sobretudo, nas disparidades
entre objetivos, missões e papéis a serem exercidos na sociedade, os quais são profundamente
embasados nas respectivas leituras que cada uma das partes faz da realidade, como pode ser
percebido pela argumentação de Marcovitch (1999, p. 15-16):
A interação universidade-empresa exige profunda revisão dos conceitos e práticas
vigentes. Em primeiro lugar, impõe-se o entendimento de que a pesquisa científica é
de longo ciclo e complementa a pesquisa feita nas empresas, freqüentemente de
ciclo médio ou curto. Mesmo investindo expressivos recursos em laboratórios, as
indústrias estão naturalmente preocupadas com um horizonte de um a três anos [...]
É preciso estabelecer filtros nessa relação. Filtros que definam claramente os
projetos a serem desenvolvidos, com ênfase nas iniciativas de longo ciclo sugeridas
pela própria universidade. Se a interface não for bem gerenciada, certamente
aprofundaremos frustrações recíprocas. A empresa vai continuar esperando algo que
a universidade não tem e não é seu papel desenvolver. Pode ser papel de uma
empresa de consultoria, de um laboratório de pesquisa e desenvolvimento ou de um
instituto de pesquisa, jamais de uma instituição acadêmica. também expectativas
erradas do lado da academia em relação à empresa, quando solicita financiamento
para seus projetos de longo prazo. Essa é uma atribuição das agências
governamentais de fomento, não da iniciativa privada [...] Do mesmo modo que a
universidade precisa encontrar a forma certa de relacionar-se com o setor produtivo,
este deve saber como solicitar a colaboração da universidade. É necessária a
intervenção de agentes que articulem melhor essa interface e valorizem a
interdisciplinaridade [...] A universidade e a empresa o regidas por valores
absolutamente próprios e distintos. São diferentes os seus ciclos de tempo, os seus
objetivos e as suas motivações. No entanto, é necessário que haja uma
complementaridade entre elas, em proveito do todo social.
Essa mencionada complementaridade entre os papéis e missões das universidades e
das empresas também é defendida por Chaimovich (1999), ao destacar que sempre de se
considerar os fatores tempo, realidade local e as características das situações favoráveis ao
início de compromissos de cooperação entre essas duas partes, respeitando-se as identidades
institucionais existentes nas esferas da relação.
A relação sadia da universidade com a empresa de grande porte dá-se
essencialmente por meio do investimento da empresa em P&D dentro da empresa.
Esse investimento, quando acompanhado da contratação dos produtos mais bem
formados pela universidade de pesquisa, leva a ciclos virtuosos de benefício mútuo.
Demanda profissionais cada vez melhor formados e de conhecimento novo; obriga a
universidade a manter-se na fronteira e jamais descuidar o ensino. A parceria da
universidade com a empresa de grande porte depende, portanto, de uma aliança
estratégica de ciclo longo, em que a primeira entenda o ritmo da segunda, e esta se
constitua um segmento social de apoio àquela [...] Um encaminhamento sadio passa
por atitudes transparentes, que permitam construir relações mantendo as diferenças
essenciais entre as missões dos parceiros (CHAIMOVICH, 1999, p. 21-22).
45
Esclarecida a natureza da relação cooperativa entre universidade e empresa, um
conceito para o processo de
cooperação universidade-empresa (U-E) pode ser tecido:
Plonski (1992, p. VIII) define a cooperação U-E como sendo “um modelo de arranjo
interinstitucional entre organizações de natureza fundamentalmente distinta, que
podem ter finalidades diferentes e adotar formatos bastante diversos. Inclui-se neste
conceito desde interações tênues e pouco comprometedoras, como o oferecimento de
estágios profissionalizantes, até vinculações intensas e extensas, como os grandes
programas de pesquisa cooperativa, em que chega a ocorrer repartição dos réditos
resultantes da comercialização dos seus resultados” (SEGATTO-MENDES;
SBRAGIA, 2002, p. 59).
De modo mais específico, Segatto-Mendes e Rocha (2005, p. 174) ressaltam no seu
conceito de cooperação U-E não apenas o fato de que instituições empresariais públicas e
privadas podem se envolver nesse tipo de relação com universidades e instituições de
pesquisa, mas também que existe inerentemente a essa relação um esforço sinérgico para o
“desenvolvimento de novos conhecimentos tecnológicos”, visando à ampliação dos elementos
de competitividade tecno-econômicos nas esferas local, regional e nacional. Ainda segundo
esses autores, a justificativa para que tal empreendimento sinérgico venha a ser considerada
por parte de uma instituição empresarial é permeada por argumentos de racionalidade
econômica e instrumental (KALBERG, 1980), a exemplo de análises de lucratividade sobre o
investimento, viabilidade de custos para o início e desenvolvimento dos projetos e despesas
com os estágios de implementação dos resultados das pesquisas.
Argumentam Segatto-Mendes e Sbragia (2002) que um modelo conceitual
explicativo e simplificado do processo de cooperação U-E compreende quatro blocos distintos
nos quais estão contempladas ambas as partes envolvidas no processo: as motivações; as
barreiras e/ou facilitadores do processo; o efetivo processo de cooperação; a satisfação
resultante de relação. No primeiro momento, de surgir o interesse em trabalhar
conjuntamente por parte dos envolvidos no processo, ainda que esse início seja, na sua
essência, marcado por dúvidas, suposições, aspirações e expectativas. Embora seja um
momento preliminar para o efetivo início do processo, a etapa de conciliação dos interesses
dos envolvidos constitui um instante crucial para todo o encaminhamento seguinte do
processo, pois é através do contato inicial que os estímulos e a aderência mútua aos objetivos
do projeto se desenham em uma situação de convergência de interesses –, ou nele, que
dúvidas e inseguranças fruto das impressões iniciais comandam a negociação em situações
de impressões iniciais negativas.
46
No que corresponde às barreiras, estas constituem possíveis entraves ao processo,
ocasionando conflitos e comprometendo a qualidade e a produtividade do mesmo. Algumas
delas, identificadas por Segatto-Mendes e Sbragia (2002, p. 60) seguem listadas abaixo:
a busca do conhecimento fundamental pela universidade, priorizando a pesquisa
básica ao desenvolvimento ou comercialização do que se está pesquisando;
extensão do tempo do processo;
divergências das filosofias administrativas das instituições;
grau de incerteza dos projetos;
carência de comunicação entre as partes;
instabilidade das universidades públicas sujeitas a cortes de verbas, paralisações,
etc.;
falta de confiança na capacidade dos recursos humanos por parte de ambas as
instituições
entraves burocráticos nas universidades;
ausência de instrumentos legais que regulamentam as atividades de pesquisa
envolvendo universidade e empresas, concomitantemente;
a visão de que o Estado deve ser o único financiador de atividades universitárias
de pesquisa, para garantir a plena autonomia dos pesquisadores acadêmicos e a
liberdade de publicação dos conhecimentos científicos.
No que concerne ao Estado em termos de papel a ser exercido nesse processo,
argumenta-se que este tem como função promover o processo de cooperação U-E por
intermédio de uma articulação política conveniente aos interesses do progresso e do
desenvolvimento da localidade na qual a cooperação está ocorrendo, via o fomento de
inovações que, ao aquecerem a economia onde foram produzidas, propiciam oportunidades de
melhorias para a sociedade. Além disso, o incentivo e a promoção da infraestrutura científico-
tecnológica e da estrutura produtiva adequadas aos propósitos dos processos de cooperação
U-E devem fazer parte das pautas políticas do Governo, tendo como exemplo os Sistemas
Nacionais de Inovação (FREEMAN, 2004; JOHNSON; EDQUIST; LUNDVALL, 2003) ou
ainda políticas industriais de cunho sistêmico e estruturais (ARIENTI, 2003; GADELHA,
2001). Todas essas concepções de um governo ativo agindo juntamente com organizações
públicas, privadas e entidades institucionais distintas são traduzidas pela idéia de
Tripla
Hélice
de Etzkowitz e Leydesdorff (2000), segundo a qual há a geração de uma espiral de elos
47
sobrepostos nas relações entre as esferas pública, privada e acadêmica, emergindo interfaces
institucionais híbridas dessas relações, e incorrendo, por conseguinte, na capitalização do
conhecimento e na busca do desenvolvimento regional, liderada pela universidade. Assim
sendo, a própria noção conceitual da Tripla Hélice constitui um
facilitador da cooperação U-
E, dado que cada elo sobreposto surgido das relações entre as partes poderá proporcionar
vantagens e benefícios específicos para que o processo de cooperação transcorra efetiva e
exitosamente.
No que tange ao
processo de cooperação em si, além da estrutura específica de
tecnologia física e recursos humanos existentes na esfera da universidade, e de agentes
articuladores de redes de contatos e relacionamentos por parte das organizações públicas e/ou
privadas, listam-se alguns instrumentos relevantes no processo, como relações pessoais
formais e informais partindo de qualquer um dos envolvidos (a exemplo de consultorias
empresariais, publicações de pesquisa,
workshops, estudantes); grupos intermediários de
relações (como associações industriais, institutos de pesquisa aplicada, unidades assistenciais
em geral); e toda uma série de instrumentos legais acordados pelas partes (a citar, contratos
formais com ou sem alvo definido, treinamento de trabalhadores, pesquisas contratadas,
consórcios de pesquisa entre universidade e empresa, centros de incubação).
Por fim, se o nível de aproveitamento da cooperação U-E for satisfatório para os
envolvidos, futuras (e dessa forma, concretas) possibilidades de realização de novos projetos
nos mesmo moldes (ou diferenciados, mas que seguiriam a mesma idéia) passam a representar
uma
satisfação resultante do processo. Na figura 3 é possível visualizar como esse modelo
conceitual integrador do que representa uma cooperação U-E é estruturado.
48
Figura 3 – Modelo conceitual integrador do processo de cooperação universidade-empresa (U-E)
Fonte: Adaptado de Segatto-Mendes e Sbragia (2002, p. 63).
Percebe-se assim que a cooperação U-E demanda significativos desafios gerenciais, a
citar: o compartilhamento de uma visão multidimensional e integrada do processo em si, na
qual o desenvolvimento das competências humanas é mister; a clara percepção das distintas
mas complementares missões que tanto a empresa, quanto a universidade possuem nesse
tipo de processo de transferência tecnológica; o desenvolvimento de respostas inovativas às
diversas necessidades surgidas na cooperação U-E; e a capacitação gerencial dos envolvidos
pela coordenação direta do processo no intuito de torná-lo mais eficaz (PLONSKI, 1999).
Esses desafios gerenciais acima descritos foram identificados e validados empiricamente
enquanto aspectos fundamentais à efetividade dos processos de cooperação U-E (SEGATTO-
MENDES; MENDES, 2006), e a interdisciplinaridade das questões referentes a esse
complexo tipo de transferência de tecnologia também fora comprovada em esferas
sociológicas, tecnicistas (SUNG e GIBSON, 2000) e econômicas (SEGATTO-MENDES;
ROCHA, 2005), além da tradicional literatura da área de estudos organizacionais da
administração.
49
2.3 POSICIONAMENTO EPISTEMOLÓGICO DA TECNOLOGIA NA PESQUISA
SOCIAL EM ORGANIZAÇÕES: UM RETRATO DA LITERATURA EXISTENTE
A tecnologia nos estudos organizacionais é pesquisada, em geral, a partir de uma
dicotomia analítica polarizada que ora a enxerga objetivamente contemplando mais a sua
faceta
hardware (BLAU et al., 1976; HICKSON et al., 1969; LUCAS, 1975; WOODWARD,
1966), ora mediante um prisma substancialmente subjetivo conceituada como uma visão da
faceta
software (EVELAND, 1986; NEWMAN; PINCH; BIJKER, 1984; ROSENBERG,
1985) da tecnologia. A primeira visão compreende tecnologia puramente como “[...]
equipamentos, máquinas e instrumentos que os humanos usam na produção das suas
atividades, a exemplo de aparatos industriais ou informacionais”; a segunda visão entende
tecnologia com uma noção mais subjetivista e abstrata, estendendo a idéia de tecnologia
enquanto recursos puramente físicos para “tecnologias sociais” (DAGNINO; BRANDÃO;
NOVAES, 2004), contemplando também “[...] tarefas genéricas, técnicas e o conhecimento
utilizado pelos humanos quando engajados em atividades produtivas” (ORLIKOWSKI, 1992,
p. 399, tradução nossa): esta atribui primazia ao pensamento interpretativo arbitrário de como
o ser humano apreende a tecnologia e, por conseguinte com ela interage; a primeira acaba
por minimizar a capacidade “agêntica” do ser humano frente à força determinística do aparato
físico da tecnologia.
De acordo com os seus posicionamentos epistemológicos, essas duas visões acerca
da tecnologia foram desmembradas em três linhas de pensamento sobre o tema que,
enfatizando mais o caráter objetivo ou o subjetivo nas suas análises, proporcionaram
contribuições teóricas relevantes, considerando-se a época em que foram desenvolvidas
períodos em que os estudos em Administração debatiam sobre encarar as organizações como
sistemas fechados em si mesmos ou abertos em constante interação com o ambiente a elas
externo (SCOTT, 2003). A primeira linha de pensamento encarava a tecnologia como uma
força externa e objetiva que teria impacto determinístico nas propriedades estruturais da
organização, constituindo-se assim em um “modelo imperativo tecnológico” (ORLIKOWSKI,
1992, p. 400, tradução nossa). Esse corpo de pesquisa considerava a tecnologia uma
influência independente tanto do comportamento humano, quanto das propriedades estruturais
das organizações, exercendo sobre ambos influências causais unidirecionais, ignorando por
completo a agência humana no contexto organizacional (BLAU
et al., 1976; HICKSON et al.,
1969; LEAVITT; WHISTLER, 1958; WOODWARD, 1966). A segunda linha de pensamento
50
percebia a tecnologia a partir da ação humana, expandindo a noção 'mecanicista' inerente à
forma como a tecnologia era lida na literatura, para algo mais correspondente a um produto de
interpretações compartilhadas acerca de uma dada tecnologia (NEWMAN; ROSENBERG,
1985; PINCH; BIJKER, 1984). Essas interpretações compartilhadas (leia-se, significados
atribuídos) afetavam e influenciavam o desenvolvimento e a interação dos indivíduos com as
tecnologias nas organizações, não levando em conta, contudo, que, por minimizar os aspectos
materiais e estruturais limitadores das tecnologias, a arbitrariedade libertária com que uma
dada tecnologia era entendida não poderia corresponder à realidade, devido à existência de
propriedades institucionais do contexto organizacional, tensões políticas de poder no trabalho,
bem como influências externas do ambiente no qual as organizações estão inseridas
(DIMAGGIO; POWELL, 1983; MEYER; ROWAN, 1977).
A terceira linha de pensamento sobre tecnologia descende do pensamento marxista e
a sua tradição crítico-emancipatória, por indicar como a apreensão e uso da tecnologia em
confluência com interesses políticos e econômicos de atores sociais influentes acabam por
compor mecanismos de controle, dominação e poder para aqueles que dela fazem uso
operacionalmente (BRAVERMAN, 1987; FARIA, 1992, 2008; MARCUSE, 1967). Para essa
linha de raciocínio, sendo a tecnologia um vetor determinístico da conduta humana, reduz-se a
agência humana, retratando os atores sociais como sendo desprovidos (ou mesmo providos,
mas de uma maneira insignificante quando fora de um coletivo) de capacidade “agêntica”,
limitados a uma imposição cognitiva e alienante, condicionada pela estrutura tecnológica.
Dessa forma, esquece-se de que o ser humano é capaz de atuar decisivamente na mudança até
mesmo de uma tecnologia, condicionando modificações, ajustes e/ou transformações nesta,
reestruturando-a. Pode-se, então, afirmar que essas linhas de pensamento enquadravam-se, a
partir de conceituações epistemológicas, como sendo estrutural-funcionalista,
interpretativistas e teórico-críticas, respectivamente.
2.4 A PERSPECTIVA DA “TECNOLOGIAS-NA-PRÁTICA”
Apesar desse padrão analítico vigente sobre o tema 'tecnologia', estudos
relativamente recentes apontam para outras leituras do conceito e do papel da tecnologia nas
organizações. No seu estudo sobre a introdução de tecnologias radiográficas similares em
organizações distintas, Barley (1986, p. 107, tradução nossa) constatou que “[...] tecnologias,
51
de fato, influenciam as estruturas organizacionais de determinadas maneiras, porém essa
influência depende do processo histórico específico no qual elas (as tecnologias) estão
situadas”, indicando com isso que a relação entre tecnologia e estruturas organizacionais
acaba por posicionar a primeira mais como um mediador para a constituição e/ou
reconstituição da segunda, a partir da interação entre as tecnologias e a agência humana, de
uma maneira recorrente, passando a enxergá-la como sendo um “[...] objeto social cujo
significado é definido pelo seu contexto de uso, enquanto a sua forma física e as suas funções
permanecem fixas ao longo de espaços de tempo e de contextos de uso” (ORLIKOWSKI,
1992, p. 402, tradução nossa). Com isso, abre-se um precedente para argumentar-se que,
embora tecnologias possuam formas e funções objetivas (e justamente por isso, são passíveis
de serem encaradas como sendo algo externamente 'dado'), ainda assim elas podem variar e
variam de acordo com os seus usuários e as suas formas de utilização, ao longo de
diferentes contextos situacionais e temporais, ainda que para os mesmos usuários dela
(BARLEY, 1990).
2.4.1 Teoria da estruturação
A Teoria da Estruturação elaborada pelo sociólogo britânico Anthony Giddens surge
da crítica à negligência com que a relevância das circunstâncias coletivas historicamente
herdadas no curso e no resultado da conduta social vem sendo tratada nas ciências sociais.
Essas circunstâncias às quais ele se refere perpassam a constituição das coletividades, que não
apenas são construídas, mas também reconstruídas e, por conseguinte, sustentadas
mediante a práxis social ou seja, “nas atividades práticas levadas a efeito no decorrer da
vida cotidiana” (GIDDENS, 2003, p. 285). Giddens interpreta as práticas e as relações sociais
que constituem a sociedade, destacando que “[...] as propriedades das coletividades e os
procedimentos da ação pressupõem-se de certo modo, um ao outro na realidade da vida
social”, estando as duas – a ação social e as propriedades coletivas – “[...] entrelaçadas sempre
que os seres humanos fazem a sua própria história” (COHEN, 1999, p. 394). Essa
interpretação dada pela Teoria da Estruturação para a constituição da sociedade refuta
generalizações positivistas, subjetivismos abstratos, ou ainda determinismos materialistas, ao
contemplar as ciências sociais a partir da dupla hermenêutica subjacente a si mesma, que
52
elas “analisam o 'seu mundo' em 'suspensão' ao mesmo tempo em que participam da própria
constituição de 'seu mundo'” (GIDDENS, 2003, p. 412).
Esse caráter
recursivo implica que a Teoria da Estruturação tem nas práticas sociais
institucionalizadas a sua força motriz, como afirma Giddens (2003, p. 2-3):
Uma de minhas principais ambições na formulação da teoria da estruturação é pôr
um fim a cada um desses esforços de estabelecimento de impérios. O domínio
básico de estudos das ciências sociais, de acordo com a teoria da estruturação, não é
a experiência do ator individual nem a existência de qualquer forma de totalidade
social, mas as práticas sociais ordenadas no espaço e no tempo. As atividades sociais
humanas, à semelhança de alguns itens auto-reprodutores na natureza, são
recursivas. Quer dizer, elas não são criadas por atores sociais, mas continuamente
recriadas por eles através dos próprios meios pelos quais eles se expressam como
atores.
Nessa intenção de compor a crítica às teorias sociais que negligenciam a dinâmica
acima descrita, a Teoria da Estruturação tem uma latente preocupação para com a constituição
ontológica da vida social para contrastar, em essencial, com as limitadas perspectivas
positivistas com que as teorias sociais têm abordado os fenômenos que explicam (ou
explicariam, a partir delas) a constituição social. Tal preocupação ontológica prioriza então
analisar e debater a Ontologia à Epistemologia nas teorias sociais, ou seja, para a Teoria da
Estruturação mais relevante do que a preocupação com a pertinência epistemológica, estaria o
concernimento para com as 'preocupações ontológicas' da teoria social, sem, contudo
desconsiderar o importante papel da coerência epistemológica na mesma teoria social.
Com essa visão ontológicoanalítica enaltecida, a justificativa para a utilização dessa
teoria objetivando uma compreensão mais rica e coerente da realidade social é dada,
sobretudo pelo fato de que:
A ontologia estruturacionista está voltada exclusivamente para os potenciais
constitutivos da vida social: as capacidades humanas genéricas e as condições
fundamentais mediante as quais o curso e os resultados dos processos e eventos
sociais são gerados e moldados numa multiplicidade de maneiras empiricamente
discerníveis (COHEN, 1999, p. 402).
É relevante frisar que Giddens, na sua Teoria da Estruturação, não contesta que
grande parte da vida social consiste em regularidades na conduta; contudo, ele tampouco
concebe tais regularidades como sendo elementos de uma ordem de uniformidade trans-
histórica. Em outras palavras, para o autor, em um
continuum social nos extremos do qual
estariam, de um lado, o determinismo radical que o positivismo poderia auferir, e a liberdade
desqualificada do total relativismo do outro, deve-se localizar sua defesa teórica de forma
53
equilibrada em tal eixo, respeitando e explicando todas as possibilidades ao longo do mesmo.
Esse equilíbrio pode ser alcançado mediante duas concepções: a primeira, que destaca a
dialética de controle existente em toda relação social, na qual o domínio dos recursos (e
consequentemente a manipulação destes) pelos quais os agentes influenciam o
comportamento uns dos outros, nunca é completamente autônomo. A segunda, que define
que, na reprodução da atividade social,
nunca se é possível que um agente (ou um ator
social) possa ser suficientemente capaz de executar todo tipo de prática existente
, em
virtude das limitações naturais de execução deste. É exatamente essa análise praxiológica das
habilidades dos agentes que desponta como um tema maior na Teoria da Estruturação, de
modo que é a partir da interpretação das práticas que a
consciência prática (a consciência
tácita das habilidades) e a
consciência discursiva (o nível de percepção determinado pela
habilidade de pôr as coisas em palavras, ou seja, de articular e verbalizar) constituirão, por sua
vez, os
estoques de conhecimento a partir dos quais o conhecimento de uma prática ou de
uma série de práticas sociais é compartilhado pela coletividade.
No presente trabalho entende-se
práticas sociais como sendo a herança de tradições,
normas, regras e rotinas geradas e repetidas nas atividades diárias, que alcançam assim o
caráter de algo legítimo;
práxis social, por sua vez, são as coisas efetivamente feitas, as ações
laborais, ou seja, as atividades efetivamente levadas a efeito (GIDDENS, 2003; TURNER,
1994). As práticas sociais e o conhecimento mútuo dessas práticas são concebidos como uma
série de regras e normas de conduta que são utilizadas na reprodução da regularidade da
práxis social, pressupondo então um conjunto de propriedades estruturais que, por serem
características estruturadas de sistemas sociais, estendem-se ao longo do tempo e do espaço
dada a sua natureza institucionalizada. Scott (2001, p. 49, tradução nossa) acerca do conceito
de
instituições, diz que estas “[...] compreendem estruturas sociais multifacetadas e duráveis,
construídas por elementos simbólicos, atividades sociais e recursos materiais” cujo “[...]
caráter sustentável as faz perdurar ao longo de gerações, reproduzindo-as e mantendo-as no
binômio tempo e espaço”. As instituições provêm diretrizes e recursos para a ação dos seus
atores, assim como explicita limitações e restrições nessas mesmas ações, de modo que o ato
de perceber tal dinâmica na coletividade (como por exemplo, nas organizações) sedimenta a
idéia de Berger e Luckmann (2003) de que as instituições não são apenas representadas
mediante designações verbais e objetos físicos, mas sim compreendem e pressupõem uma
realidade subjetiva compartilhada por esses atores (uma realidade intersubjetiva), que é
trazida à vida por meio da ação e da conduta humana no cotidiano dessas organizações. Para
Giddens (2003, p. 28):
54
As instituições são, por definição, os aspectos mais duradouros da vida social. Ao
falar das propriedades estruturais dos sistemas sociais, refiro-me às suas
características institucionalizadas, proporcionando “solidez” através do tempo e do
espaço.
Embora Giddens (2003) saliente enfaticamente essa perenidade das instituições na
sociedade, ele destaca, de maneira coerente com a sua cautela para não cair na referida
'uniformidade trans-histórica das regularidades sociais', que as instituições e as práticas
sociais institucionalizadas podem sim modificar-se espaciotemporalmente, quando em
processos de desinstitucionalização. De acordo com Oliver (1992, p. 564, tradução nossa):
Desinstitucionalização é [...] o processo pelo qual a legitimidade de uma prática
organizacional estabelecida ou institucionalizada sofre erosão ou descontinuidade.
Especificamente, desinstitucionalização se refere à deslegitimação de uma prática ou
procedimento organizacional como resultado de desafios ou falhas organizacionais
em reproduzir ações organizacionais previamente legitimadas ou aceitas como
verdadeiras.
Circunscrevendo determinadas práticas sociais ao contexto organizacional
denominadas, doravante, 'práticas organizacionais' –, esse processo de transformação é
ocasionado, segundo a autora, a partir de pressões políticas, funcionais, ou sociais que
determinado coletivo venha a sofrer, oriundas internamente a esse coletivo (fatores
intraorganizacionais) ou externamente a ele (questões pertinentes à relação organização-
ambiente), mediante movimentos entrópicos ou de inércia que ditam o ritmo da
desinstitucionalização de práticas ou procedimentos desse coletivo (OLIVER, 1992). Dessa
forma, a mudança em uma instituição (ou nas propriedades estruturais de determinados
sistemas sociais) pressupõe, necessariamente, para a Teoria da Estruturação de Giddens
(2003), que mudanças nas práticas de um determinado coletivo aconteçam, de maneira que no
plano espaciotemporal deste os seus elementos simbólicos, os recursos materiais e as
atividades sociais que compõem a sua estrutura multifacetada adquiram outro(s) aspecto(s)
significando assim um complexo processo de desinstitucionalização das práticas a partir das
mudanças na práxis, até a institucionalização destas (novas) práticas, incorrendo em
transformações na(s) instituição(ões) que estas sustentam (COONEY, 2007; OLIVER, 1992;
SCHATZKI, 2005).
É mister destacar, como argumenta Turner (1994), que o sentido de “prática” aqui
defendido é instrumental, denotando um objeto cognoscitivo causal ou uma pressuposição
mentalmente sustentada, e não algo realmente palpável, nem tampouco estático (SCHATZKI,
2005). O mesmo autor destaca que a explicação para esse emprego etimológico específico da
55
palavra é necessária, dada a discrepância de significado com a qual ela vem sendo utilizada há
longa data:
O termo que eu uso aqui é 'práticas', no plural. O termo mais comum é 'prática'. A
distinção entre as duas é importante, mas confusa. Nesse caso, a história do uso
filosófico do conceito é mais iluminador. Kant é a fonte mais próxima dessa
confusão, mas o problema é mesmo com o termo 'prática' em si, o qual abrange os
dois sentidos. Kant escreveu um ensaio teórico no qual dizia que 'isto pode ser
verdade na teoria mas não se aplica na prática'. Ele explicara esse uso do termo
'prática' destacando que uma prática deve ser definida como uma atividade
empreendida na busca de um objetivo 'o qual é concebido como sendo o resultado de
se seguir, proceduralmente, certos princípios gerais'. O problema de Kant foi o
seguinte: ele concebeu que havia uma discrepância sistemática entre esta dita 'teoria'
e a atividade. Mas ele pensou que as aparentes inadequações da teoria à face da
prática representavam falhas nas formulações da teoria. Com uma teoria
corretamente formulada, tudo necessário seria o julgamento para que se aplicassem
os seus princípios à casos particulares (TURNER, 1994, p. 8, tradução nossa).
Na análise histórico-filosófica do uso do termo feita pelo autor, a sua explicação para
o emprego da palavra no plural se dá pelo fato de que as 'práticas', tendo sido sempre
referenciadas como algo 'local', indicavam que havia um componente delas que era
compartilhado, situacionalmente, dentro de uma rede de relações ou grupo de pessoas os quais
possuíam contatos pessoais entre si. Dessa forma, ao invés do uso do termo 'local', o autor
o termo 'social' como algo mais adequado, que “[...] as verdades que podemos construir
dentro das nossas práticas são 'socialmente construídas' construídas por confiá-las às
práticas, que são por si mesmas compartilhadas dentro de um grupo ou rede de
relacionamentos sociais em particular” (TURNER, 1994, p. 9, tradução nossa). Assim:
[...]'práticas' é uma palavra não para algum tipo de objeto misterioso escondido em
uma coletividade, mas para a formulação dos hábitos dos indivíduos que são a
condição para os desempenhos e as emulações que constituem a vida. Ninguém é
aprisionado por esses hábitos. Eles são, ao contrário, as pedras fundamentais que se
usam para se locomover de um pouco de maestria sobre algo em direção a outro
pouco de maestria (TURNER, 1994, p. 123, tradução nossa).
A respeito do mesmo assunto, conceitua Reckwitz (2002a, p. 249-250, tradução
nossa) de forma mais clara:
56
Uma 'prática' (Praktik) é um tipo de comportamento rotinizado o qual consiste em
diversos elementos, interconectados uns aos outros: formas de atividades corporais,
formas de atividades mentais, 'coisas' e os seus usos, um background de
conhecimentos na forma de entendimentos, know-how, estados de emoções e
conhecimentos motivacionais [...] uma prática representa um padrão o qual pode ser
preenchido por uma multiplicidade de ações isoladas e geralmente únicas que
constituem a prática [...] a prática não é apenas compreensível para um agente ou
para os agentes que a sustentam, ela é igualmente compreensível para observadores
potenciais [...] uma prática é, portanto, uma maneira rotinizada na qual corpos se
movem, objetos são manuseados, assuntos são tratados, coisas são descritas e o
mundo é entendido.
Reckwitz (2002a) ainda destaca que uma específica prática social contém, em si
mesma, formas específicas de conhecimento, de modo que este conhecimento constitui
particularmente uma 'maneira de entender o mundo' que compreende um entendimento de
objetos (incluindo nisso os abstratos), dos seres humanos em geral e do próprio praticante.
que as práticas sociais podem ser definidas também como
clusters de atividades
humanas recorrentes instruídas por significados institucionalmente compartilhados
(SCHATZKI; KNORR CETINA; SAVIGNY, 2001), a relação entre as práticas e as
instituições resulta na formação das propriedades estruturais, que equivalem a “características
estruturadas de sistemas sociais, sobretudo as institucionalizadas, estendendo-se ao longo do
tempo e do espaço” (GIDDENS, 2003, p. 443); as práticas sociais condicionantes da práxis
social, ao reforçarem ou modificarem as instituições que elas representam (
enact), incorrem
na composição das propriedades estruturais dos sistemas sociais, que pela sua vez
condicionarão as práticas sociais, numa lógica circular. O caráter integrador da Teoria da
Estruturação está na elaboração do conceito da
dualidade da estrutura que compreende que
as propriedades estruturais resistentes e que perduram no tecido social são geradas e mantidas
mediante a reprodução de regularidades na prática, ao mesmo tempo em que as mesmas
propriedades estruturais determinam as circunstâncias nas quais os agentes podem reproduzir
tais práticas sociais. Como analisa Giddens (2003, p. 30-31):
A constituição de agentes e estruturas não são dois conjuntos de fenômenos dados
independentemente um dualismo –, mas representam uma dualidade. De acordo
com a noção de dualidade da estrutura, as propriedades estruturais de sistemas
sociais são, ao mesmo tempo, meio e fim das práticas que elas recursivamente
organizam. A estrutura não é “externa” aos indivíduos: enquanto traços mnêmicos e
exemplificada em práticas sociais, é, num certo sentido, mais “interna” do que
externa às suas atividades [...] A estrutura não tem existência independente do
conhecimento que os agentes possuem a respeito do que fazem em sua atividade
cotidiana. Os agentes humanos sempre sabem o que estão fazendo no nível da
consciência discursiva, sob alguma forma de descrição. Entretanto, o que eles fazem
pode ser-lhes inteiramente desconhecido sob outras descrições, e talvez conheçam
muito pouco sobre as conseqüências ramificadas das atividades em que estão
empenhados.
57
De acordo com o conceito da dualidade da estrutura, não se subtrai a ação da
estrutura, ou vice-versa, de modo que o termo estruturação foi cunhado no intuito de preservar
essa idéia de recorrência dinâmica (
estrutura + ação). Dado o caráter rotineiro dessa
dinâmica entre estrutura e ação, a continuidade das práticas sociais, perdurando ao longo do
tempo e do espaço, presume reflexividade, ou seja, presume uma
monitoração reflexiva da
ação
diante do fluxo contínuo da vida social, realizada pelos próprios atores sociais à luz dos
padrões, regras, normas, sanções e significados intersubjetivamente compartilhados, e
demandada pelo fato da realidade ser, então, socialmente construída, mediante a práxis
cotidiana (BERGER; LUCKMANN, 2003).
Sob a ótica leiga, essa dualidade estrutural pode incorrer na pura identificação,
interpretação e elucidação das formas recorrentes de conduta, esquecendo-se dessa forma da
relevância da análise dos procedimentos de reprodução e transformação social, imprimindo
um “finitismo” decorrente dessa padronização, e limitando com isso a possibilidade de
inovações e/ou modificações na práxis social. Contra-argumenta Giddens que, uma vez que a
perspectiva estruturacionista compreende uma
teoria institucional da vida cotidiana, e que
por instituições compreendem-se “práticas rotinizadas que são executadas ou reconhecidas
pela maioria dos membros de uma coletividade” (COHEN, 1999, p. 426-427), é lúcido
também destacar que:
Aceitar que o contexto e a conduta podem ser reproduzidos acarreta necessariamente
numa rejeição da política metodológica finitista recomendada por Garfinkel, mas
não implica negar a utilidade da adoção de uma perspectiva finitista para
determinados fins. Em primeiro lugar, embora as práticas reproduzidas apresentem
certo grau de coerência que permite concebê-las como regularidades
institucionalizadas, muitos dos aspectos mais sutis da sua reprodução podem
permanecer desconhecidos. [...] A concentração finitista na investigação empírica
das situações individuais de reprodução dessas práticas continua sendo a maneira
mais apropriada pela qual esses aspectos sutis, embora muitas vezes altamente
significativos, da práxis podem ser descobertos e analisados. Os resultados de tais
estudos acabam por aprofundar a nossa compreensão do modo como as
regularidades da práxis se conduzem. Em segundo lugar, qualquer instância na qual
a reprodução das práticas e dos contextos ocorra manifesta certas idiossincrasias,
como as diferenças nos maneirismos pessoais e as referências locais a determinadas
circunstâncias e atividades [...] o conhecimento mútuo e os recursos concebidos em
termos estruturais estabelecem o vínculo contínuo com o passado, contudo, servindo
apenas como meios para a reprodução de práticas e contextos institucionalizados.
Não nenhuma garantia de que os agentes irão reproduzir regularidades de
conduta do modo como o fizeram anteriormente
. [...] toda reprodução é
contingente e histórica (COHEN, 1999, p. 427-428, p. 434, grifo do autor).
A explicação dessa possibilidade das práticas sociais estarem sujeitas à variações
contingenciais mesmo levando-se em conta as suas reproduções, esta ancorada no conceito de
58
agência humana que embasa o argumento estruturacionista. O conceito de agência, segundo
Giddens (2003, p. 10-11):
[...] não se refere às intenções que as pessoas têm ao fazer as coisas, mas à
capacidade delas para realizar essas coisas em primeiro lugar [...] “Agência” diz
respeito à eventos dos quais um indivíduo é o perpetrador, no sentido de que ele
poderia, em qualquer fase de uma dada seqüência de conduta, ter atuado de modo
diferente.
Scott (2001, p. 76, tradução nossa), por sua vez, conceitua agência como “[...] a
habilidade de um ator de ter algum efeito no mundo social, alterando as regras ou a
distribuição de recursos”. O que se percebe dessas definições é o fato de que a agência
constitui, primordialmente, uma capacidade ou poder de ser o originador das ações dos
agentes, de modo que algum grau de agência é possuído tanto individual quanto
coletivamente; contudo, essa quantidade de agência possuída pelos indivíduos (ou pelo
coletivo) varia enormemente, tanto entre atores, quanto entre tipos de estruturas sociais,
contemplando dessa maneira o coletivo salientado nessa apreciação do conceito (AUGUSTO,
2007; SCOTT, 2001; SEWELL, 1992). Emirbayer e Mische (1998, p. 963, tradução nossa) ao
se proporem a reconceitualizar a agência humana, partem da noção de que esta corresponde a:
[...] um processo temporalmente imerso de engajamento social, instruído pelo
passado (no seu aspecto habitual), mas também orientado para o futuro (como uma
capacidade de imaginar possibilidades alternativas) e para o presente (como uma
capacidade de contextualizar hábitos passados e projetos futuros dentro de
contingências do momento).
Dessa forma, o desenvolvimento de tal argumento implicou a seguinte definição de
agência humana:
Nós a definimos como um engajamento temporalmente construído por atores de
diferentes ambientes estruturais o contexto temporal-relacional de ação os quais,
por meio da inter-relação entre hábito, imaginação e julgamento, reproduzem e
transformam estas estruturas com respostas interativas aos problemas impostos pelas
mudanças nas situações históricas (EMIRBAYER; MISCHE, 1998, p. 970, tradução
nossa).
Ao destacarem o contexto espaciotemporal de ação, Emirbayer e Mische (1998, p.
970-972) acabam por definir três instâncias analíticas da agência humana, que segundo esses
autores, compreendem os seguintes elementos constitutivos: o elemento iterativo; o elemento
transpositivo-projetivo; e o elemento avaliativo-prático. Para o primeiro elemento, o iterativo,
está subjacente a questão da reativação seletiva feita de padrões de pensamento e ações
59
passadas, que ao serem incorporadas como rotineiras nas atividades práticas, fornecem
estabilidade e, por conseguinte, ordem ao universo social, composto por significados, práticas
e padrões institucionalizados. O segundo elemento, o transpositivo-projetivo, diz respeito à
geração imaginativa de trajetórias de ação futuras possíveis, pressupondo, nessa esfera,
chances de que uma reconfiguração dos desejos, esperanças, medos e expectativas do ator
sobre o futuro, possam ocorrer. O terceiro elemento, o avaliativo-prático, compreende a
capacidade de os atores efetuarem julgamentos normativos e práticos entre as possíveis
trajetórias de ação em resposta às demandas emergentes, dilemas e ambiguidades das
situações que estão se desenvolvendo no presente. Nota-se, entretanto, que apesar da distinção
entre qual elemento constitutivo corresponde à qual contexto temporal, esta diferenciação é
puramente teórica, uma vez que não está pressuposta nenhuma lógica linear, dado o caráter
imbricado destas instâncias analíticas; todavia, pode-se sim analisar tais instâncias em graus
de presença percebida, ou seja, em termos de orientação temporal dominante, em um exemplo
específico de agência humana concreta.
Outra contribuição relevante para o conceito de agência provém de Sewell (1992), ao
explicitar a dimensão cognitivo-cultural e a relação da agência com a estrutura virtual
giddensiana, ressaltando que a agência não é oposta a tal estrutura virtual, mas sim é uma
constituinte desta. Segundo esse autor, agência é:
[...] a capacidade de transpor e estender esquemas para novos contextos [...] é a
capacidade do ator de reinterpretar e mobilizar uma matriz de recursos em termos de
esquemas culturais para além daqueles que inicialmente constituíam esse esquema.
[...] Agência surge do conhecimento do ator sobre os seus esquemas, o que significa
a habilidade de aplicá-los a novos contextos [...] agência surge do controle exercido
pelo ator sobre os seus próprios recursos, o que significa a capacidade de
reinterpretar ou mobilizar essa matriz de recursos em termos de esquemas para além
daqueles que inicialmente constituíam esse esquema [...] Agência é formada por
uma específica diversidade de esquemas culturais e recursos disponíveis no
milieu
social de cada pessoa em particular. As formas específicas que a agência assumirá
consequentemente variam enormemente, e são cultural e historicamente
determinadas [...] Agência é implicada pela existência de estruturas (SEWELL,
1992, p. 20, tradução nossa).
Compartilha dessa ênfase na dimensão cognitivo-cultural, Augusto (2007, p. 4), ao
afirmar que “[...] a agência deve ser conceitualizada como um processo inerentemente
relacionado com a cultura, não como um processo que se define em oposição a ela”. Dessa
maneira, ao inserir-se a dimensão cognitivo-cultural na temática da agência humana, amplia-
se seu conceito exponencialmente, dado o fato de que, acessando as suas estruturas
cognitivas, os atores com orientações “agênticas” acessam, por conseguinte, padrões de ação e
60
de comportamento institucionalizados sujeitos à monitoração reflexiva por parte de outros
atores, de maneira a reproduzir ou recriar as estruturas virtuais existentes na cognoscitividade
destes, por intermédio da habilitação e/ou restrição da ação, conforme a natureza de uma
instituição (GIDDENS, 2003; MACHADO-DA-SILVA; FONSECA; CRUBELLATE, 2005).
Também relevante para o conceito de agência é a questão da intencionalidade e da
não intencionalidade na agência humana. A capacidade de agência admite a intencionalidade
enquanto aspecto relevante para o entendimento de uma ação; porém a intencionalidade por si
só é insuficiente para explicar – ou mesmo resumir – o que vem a ser agência. Giddens (2003,
p. 12) define algo intencional como sendo “[...] o que caracteriza um ato que o seu
perpetrador sabe, ou acredita, que terá uma determinada qualidade ou desfecho e no qual esse
conhecimento é utilizado pelo autor para obter essa qualidade ou desfecho”. Apesar do fato do
termo “Agência”, como salienta o autor, referir-se, sobretudo, ao 'fazer', de se convir que
o ato de saber ou acreditar em um determinado desfecho da ação, por parte do ator, não
significa, necessariamente, que o referido desfecho acontecerá. Isso é explicitado por
Machado-da-Silva, Fonseca e Crubellate (2005, p. 24), ao ressaltarem que:
[...] agência é a capacidade de interferir em eventos, não necessariamente de modo
intencional. Agir, mais do que pretender algo, é ser significativo na sua ocorrência
[...] a intencionalidade do agente não é negada, nem encarada como a característica
principal da capacidade de agência. Mesmo que toda ação envolva uma intenção
inicial, o seu resultado jamais pode ser explicado completamente por essa intenção,
mas apenas quando se reconhece a interferência de conseqüências não intencionais.
Essencialmente, percebe-se que a agência humana deve ser entendida como uma
atribuição, habilidade ou capacidade individual e/ou coletivamente possuída, a qual, à luz da
noção de recursividade enxergada na interdependência entre estrutura e ação social, opera
enquanto vetor dos processos de institucionalização e desinstitucionalização (BARLEY;
TOLBERT, 1997; OLIVER, 1992), mediante práticas sociais espaciotemporalmente
sustentadas e orientadas por
estruturas cognitivas individuais e coletivas. Dessa forma, ela
propicia a reprodução e a recriação das estruturas virtuais presentes nos traços de memória
dos atores sociais, indicando assim que agência e estrutura não são tipos naturais opostos, mas
sim variações ao longo de um
continuum, dada a lógica por vezes circular, por vezes dialética,
pressuposta entre esses dois conceitos (FUCHS, 2001; GIDDENS, 2003; MACHADO-DA-
SILVA; FONSECA; CRUBELLATE, 2005).
Dessa forma, uma representação gráfica da dualidade da estrutura na perspectiva
estruturacionista corresponderia a um esquema de três dimensões, as quais, a partir das suas
interações, pudessem mutuamente constituir-se, dado o caráter recursivo do esquema.
61
Figura 4 – Dualidade da estrutura
Fonte: Adaptado de Giddens (2003, p. 34) e Orlikowski (2000, p. 410).
O pressuposto inicial para a explicação do esquema reside na cognoscitividade dos
agentes.
Cognoscitividade corresponde a “tudo que os atores sabem (crêem) acerca das
circunstâncias da sua ação e da de outros, apoiados na produção e reprodução dessa ação
incluindo tanto o conhecimento tácito, quanto o discursivamente disponível” (GIDDENS,
2003, p. 440). Sendo os agentes seres cognoscitivos que fazem uso da consciência prática e
da consciência discursiva –, as interações que se passam na ação humana situada na práxis
cotidiana (via elementos de comunicação, poder e de sanção instanciados pela monitoração
reflexiva), e mediadas por facilidades (recursos físicos e materiais), normas (com o
balizamento de regras de conduta) e esquemas interpretativos (estruturas de conhecimento
formadas interpretativamente pela construção de sentidos e pressupostos padrão ordenados
por idéias, valores e crenças) orientam a agência humana dos indivíduos em um sistema
social, que possibilita, por sua vez, a reprodução ou recriação (sutilmente, incrementalmente
ou mesmo radicalmente) das atividades do dia a dia dos indivíduos, de modo a formar práticas
sociais que, devido às suas repetições, se institucionalizam, compondo assim as propriedades
estruturais de um dado sistema social. Essas práticas sociais, por serem sustentadas no tempo
e no espaço, reprisam os padrões institucionalizados, fortalecendo ou modificando, em graus
62
específicos, a estrutura virtual presente nos traços de memória existentes na cognoscitividade
dos agentes, ao passo que essa mesma estrutura, dada a sua natureza institucional, habilita e
condiciona a ação humana, imprimindo a noção de recursividade ao esquema teórico.
Tendo explicado o alicerce teórico que condiciona a visão interpretativa deste estudo,
é necessário então posicioná-lo adequadamente com a perspectiva que permeará o argumento
do trabalho.
2.4.2 A dualidade da tecnologia
É partindo de uma visão estruturacionista que Orlikowski (1992) se propõe a
reconceituar tecnologia, argumentando que a tecnologia tanto incorpora, quanto é uma
instância mediadora de diversas regras e recursos que constituem a estrutura de uma
organização, levando em conta, essencialmente, duas premissas básicas para essa perspectiva:
recursividade na noção de tecnologia; e a tecnologia possui uma flexibilidade
interpretativa, de acordo com o contexto espaciotemporal no qual ela se insere. Segundo essa
autora, a idéia de que existe recursividade na tecnologia implica, por conseguinte, a
possibilidade de se enxergar uma
dualidade da tecnologia nos moldes giddensianos, já que:
Tecnologia é o produto da ação humana, enquanto também assume propriedades
estruturais. Ou seja, a tecnologia é fisicamente construída por atores trabalhando em
um dado contexto social, e a tecnologia é socialmente construída pelos atores
através dos diferentes significados atribuídos a ela por estes, e os diversos atributos
que eles enfatizam e usam nela. Entretanto, também é o caso de que uma vez
desenvolvida e implantada, a tecnologia tende a se tornar reificada e
institucionalizada, perdendo assim sua ligação com os agentes humanos que a
construíram ou a deram significado, e por isso, ela aparenta ser parte das
propriedades estruturais objetivadas da organização. Agência e estrutura não o
independentes. É a ação constante dos agentes humanos em, habitualmente fazendo
uso de uma tecnologia que a objetifica e a institucionaliza. Portanto, se agentes
modificam a tecnologia fisicamente ou interpretativamente a cada vez que eles
fazem uso dela, ela não assumirá a estabilidade nem o caráter de 'verdade dada como
certa' que é requerido para a sua institucionalização (ORLIKOWSKI, 1992, p. 406,
tradução nossa).
Igualmente como no conceito da dualidade da estrutura da Teoria da Estruturação, a
dualidade da tecnologia vislumbrada por Orlikowski salienta o caráter recursivo entre as
propriedades estruturais de uma estrutura virtual (os significados atribuídos a uma tecnologia
específica), as facilidades, as normas e os esquemas interpretativos acessíveis a uma
63
específica tecnologia (habilitando e limitando a maneira como os atores fazem uso dela), e a
agência humana constituindo práticas sociais mediante o uso condicionado e/ou ampliado de
uma tecnologia, contemplando assim as mesmas três dimensões apresentadas na Figura 4. O
conceito da dualidade da tecnologia também objetiva pôr um fim na descontinuidade míope
com que a tecnologia vem sendo tratada na pesquisa social, sempre vista como um sistema
hermeticamente fechado de causalidades unidirecionais. A explicação está no fato de que uma
perspectiva estruturacionista da tecnologia tende a integrar duas visões que costumeiramente
impõem uma lógica dicotômica à tecnologia: a de que “[...] muitas das ações que constituem a
tecnologia são separadas no tempo e no espaço das ações que a tecnologia constitui”
(ORLIKOWSKI, 1992, p. 407, tradução nossa); com a noção da dualidade da tecnologia,
propicia-se o reconhecimento de que as tecnologias são desenhadas e utilizadas
recursivamente, respeitando necessariamente as diferenças contingenciais dos contextos nos
quais as tecnologias são empregadas e utilizadas, admitindo-se então, pela lógica recursiva do
conceito, que a agência humana as produz e as reproduz na práxis social do cotidiano.
É então, nas interações rotineiras da práxis social entre os agentes e a tecnologia, que
a
flexibilidade interpretativa da tecnologia se manifesta, dado o fato de ela representar um
atributo da relação entre os humanos e a tecnologia ao passo que eles estão engajados na sua
constituição física e/ou social ao longo do seu desenvolvimento ou mesmo da sua utilização:
Eu usarei o termo flexibilidade interpretativa, seguindo Pinch e Bijker (1984;
1987), para me referir ao grau no qual os usuários de uma tecnologia estão
engajados na sua constituição (fisicamente e/ou socialmente) durante o seu
desenvolvimento ou uso. Flexibilidade interpretativa é um atributo do
relacionamento entre humanos e tecnologia e, portanto é influenciado pelas
características do artefato material (
i.e., o específico hardware e software incluso na
tecnologia), características dos agentes humanos (
i.e., experiência, motivação) e
características do contexto (
i.e., relações sociais, designação de tarefas, alocação de
recursos) (ORLIKOWSKI, 1992, p. 409, grifo do autor, tradução nossa).
Entretanto, essa autora destaca que limites bastante claros restringindo a
arbitrariedade interpretativa na tecnologia:
Enquanto a noção de flexibilidade interpretativa reconhece que flexibilidade no
desenho, uso e interpretação da tecnologia, os fatores a influenciando nos permitem
reconhecer que a flexibilidade interpretativa de uma dada tecnologia não é infinita.
Por um lado, ela é restringida pelas características materiais dessa dada tecnologia.
Tecnologia é, em um determinado nível, física na sua natureza e dessa forma
limitada pelo estado da arte dos seus materiais componentes, energia, dentre outras
coisas. Por outro lado, ela é restringida pelos contextos institucionais (estruturas de
significação, legitimação e dominação) e pelos diferentes veis de conhecimento e
poder que afetam os atores durante o desenho e uso da tecnologia (ORLIKOWSKI,
1992, p. 409, tradução nossa).
64
Da mesma forma, também são identificados limites para a amplitude da agência
humana quando em momentos de interação com a tecnologia:
[...] é importante ter em mente que o uso recorrente de uma tecnologia não é
infinitamente maleável. Dizer que o seu uso é situado, porém não confinado, à
opções predefinidas não significa dizer que ele esteja aberto à toda e qualquer
possibilidade. As propriedades físicas dos artefatos asseguram que sempre haverá
condições limitadoras na forma como fazemos uso deles (ORLIKOWSKI, 2000, p.
409, tradução nossa).
Pelos excertos acima destacados percebe-se que evidências claras da
materialidade das tecnologias, no sentido delas comporem uma realidade interobjetivamente
compartilhada sendo a cognoscitividade inextricavelmente emaranhada em mediações
técnicas que as tecnologias proporcionam à agência humana –, ao mesmo tempo em que,
provenientes do seu uso, significados são intersubjetivamente construídos e compartilhados
moldando, igualmente, a cognoscitividade dos agentes, possuindo, dessa forma, implicações e
problemáticas nos planos sociais, políticos, e culturais das coletividades (CUPANI, 2004;
LATOUR, 1994, 1996; ORLIKOWSKI, 2006). Assim, exclui-se consequentemente, o
subjetivismo abstrato com que a tecnologia fora tratada em perspectivas analíticas anteriores,
ao mesmo tempo em que se evita o imperialismo tecnológico materialista, por não se extirpar
a relevância da construção de sentidos emergidos da práxis social dos agentes usuários da
tecnologia, ainda que deixando claro que limites tanto para a agência humana, quanto para
o papel da interpretação em circunstâncias de interação com uma tecnologia (ORLIKOWSKI
1992, 2000; RECKWITZ, 2002b). Com isso, um modelo estruturacional para a análise da
tecnologia em organizações compreenderia interações entre as mesmas três dimensões
apresentadas no modelo estruturacional de Giddens (2003, p. 34), definindo-se apenas, de
maneira mais específica e detalhada, a natureza das interações entre estas. De acordo com
Orlikowski (1992, p. 409, tradução nossa):
O modelo estruturacional da tecnologia compreende os seguintes componentes: (i)
agentes humanos
designers, usuários e tomadores de decisão da tecnologia (ii)
tecnologia – artefatos materiais mediando a execução de tarefas e atividades no
ambiente de trabalho (iii) propriedades institucionais das organizações, incluindo
dimensões organizacionais tais como arranjos estruturais, estratégias de negócios,
ideologia, cultura, mecanismos de controle, procedimentos padrão de operações,
divisão do trabalho,
expertise, padrões de comunicação, assim como pressões
ambientais a exemplo de regulações governamentais, forças competitivas,
estratégias de vendas, normas profissionais, situação do conhecimento acerca da
tecnologia, e condições sócio-econômicas.
65
A natureza das interações entre as três dimensões corresponde a:
1. Tecnologia como produto (fim) da ação humana
: uma vez que a tecnologia é
criada e implantada nas organizações, ela permanece inanimada e desprovida de
qualquer efetividade operacional, até que, mediante seu uso e manipulação,
significados sejam atribuídos a ela pelos agentes humanos, ao apropriarem-se dela
para a realização das suas atividades (WEICK, 1995).
2. Tecnologia como meio (mediadora) da ação humana
: considerando-se a
capacidade “agêntica” inerente à ação humana (EMIRBAYER; MISCHE, 1998),
que assevera a chance de que mudanças possam acontecer mediante a decisão de
se 'fazer diferente' a cada instante em que uma ação humana surge, a tecnologia
não pode determinar as práticas sociais; ela pode apenas condicioná-las,
habilitando-as ou restringindo-as (no seu escopo) no instante em que elas
acontecem.
3. Condições institucionais da interação com a tecnologia
: levando-se em conta o fato
de que nas interações com a tecnologia os indivíduos recorrem a estoques de
conhecimento, recursos e normas objetivando a realização das suas atividades no
cotidiano, estes (os indivíduos) são influenciados pelas propriedades institucionais
dos contextos organizacionais, explícita ou implicitamente identificáveis, a partir
da sua cognoscitividade (GIDDENS, 2003).
4. Consequências institucionais da interação com a tecnologia
: pelo fato da ação
humana agir sobre as propriedades institucionais do contexto organizacional ao
representá-las nas práticas sociais, a tecnologia (enquanto meio e fim) acaba então
por reforçar ou modificar as próprias estruturas institucionais de significados,
dominação e legitimação da organização, que ao conformar-se com as regras e
recursos embebidos na tecnologia, os agentes humanos, despropositadamente,
sustentam as estruturas institucionais nas quais a tecnologia foi desenvolvida e
implantada.
66
Figura 5 – Modelo estruturacional da perspectiva “tecnologias-na-prática”
Fonte: Adaptado de Orlikowski (1992, p. 410) e Orlikowski
et al. (1995, p. 426).
É crucial para o esquema conceitual apresentado o entendimento de que estruturas
correspondem ao conjunto de regras e recursos instanciados na recorrência das práticas
sociais, de maneira que apesar de que as tecnologias podem ser vistas incorporando símbolos
e propriedades materiais específicas, elas não incorporam estruturas, já que estas só podem ser
acessadas na efetividade das práticas sociais. Conforme é sustentado a seguir:
Quando humanos interagem regularmente com uma tecnologia, eles se
comprometem com (partes ou por completo) as propriedades materiais e simbólicas
da tecnologia. Por meio da repetição dessa interação, algumas propriedades da
tecnologia ficam implicadas em um processo contínuo de estruturação. As
recorrentes práticas sociais resultantes desse engajamento produzem e reproduzem
uma estrutura particular da tecnologia em uso. Então, estruturas da tecnologia em
uso são recursivamente constituídas no momento em que humanos interagem
regularmente com certas propriedades dessa tecnologia, e, portanto moldam o
conjunto de regras e recursos que servem para moldar essas interações. Vistas a
partir de uma lente prática, estruturas de tecnologia são emergentes, não
incorporadas (ORLIKOWSKI, 2000, p. 407, tradução nossa).
É justamente por esse fato de as propriedades estruturais, ao emergirem do uso da
tecnologia, implicarem o condicionamento e na composição tanto das interações quanto das
próprias atividades dos indivíduos nela engajados, que ocorre uma representação destas
propriedades estruturais da tecnologia na recorrência das práticas sociais, incorrendo assim na
67
expressão “Tecnologias-na-Prática” (Technologies-in-practice), ou seja, tecnologias
representadas (
enacted) na recorrência das práticas sociais:
Juntas, as noções de estruturas emergentes e de representação propiciam uma
extensão, baseada nas práticas sociais, dos modelos estruturacionais de tecnologia
existentes. Essa lente prática posiciona os humanos como constituintes de estruturas
no seu uso recorrente da tecnologia. Mediante o engajamento regular deles para com
uma tecnologia em particular (com algumas ou mesmo com todas as propriedades
inerentes a ela), em maneiras particulares e sob condições particulares, os usuários
repetidamente representam um conjunto de regras e recursos que estruturam suas
interações cotidianas com aquela tecnologia. A interação dos usuários com uma
tecnologia é, então, recursiva na recorrência das suas práticas, os usuários moldam
a estrutura da tecnologia que molda a sua utilização. Estruturas de tecnologia não
são, portanto, externas ou independentes da agência humana; elas não estão “lá
fora”, incorporadas em tecnologias simplesmente esperando para serem apropriadas
pelos indivíduos. Ao contrário, elas são virtuais, emergentes da repetição das
interações situadas dos indivíduos com tecnologias em particular. Essas estruturas
representadas da tecnologia, as quais eu chamo
Tecnologias-na-Prática, são o
conjunto de regras e recursos que são (re)constituídos no engajamento recorrente das
pessoas com as tecnologias disponíveis (ORLIKOWSKI, 2000, p. 407, grifo do
autor, tradução nossa).
A lente prática para análise da realidade provida pela perspectiva da Tecnologias-na-
Prática
permite que fenômenos possam ser estudados mais coerentemente em consonância
com o contexto no qual ele ocorre, a partir da interação recursiva entre os elementos do
modelo proposto pela perspectiva, evitando assim julgamentos lineares acerca das
causalidades do que é pesquisado. Da mesma maneira, o dinamismo identificável em um dado
fenômeno também é passível de análise enquanto processo a partir da idéia de recorte
situacional que a perspectiva provém, conforme nota Orlikowski (2000, p. 412, grifo do autor,
tradução nossa):
A lente prática aqui elaborada reconhece que mesmo que as Tecnologias-na-Prática possam se
tornar institucionalizadas ao longo do tempo, tal estabilização é apenas 'por hora'. Cada
engajamento com uma tecnologia é temporal e contextualmente provisório, e tendo sempre por
isso, a cada uso, a chance de que uma estrutura diferente seja representada. Ao reconhecer essa
amplitude, a lente prática amplia as lentes estruturacionais existentes que tenderam a focar em
uma tecnologia estável (com o seu arranjo fixo de estruturas incorporadas) e as diversas
maneiras situadas nas quais ela (a tecnologia) é apropriada. A lente ptica proposta aqui foca na
agência humana e na amplitude da gama de estruturas emergentes que possam ser representadas
através do uso recorrente da tecnologia. Tal lente prática reconhece que emergência e
instabilidade são coisas inerentes às estruturas sociais que podem ser evidentes enquanto
padrões habituais, rotinizados e institucionalizados de como se utilizar uma tecnologia, ainda
que esses padrões sejam sempre continuamente estabelecidos, e dessa forma não havendo a
possibilidade de que haja
Tecnologias-na-Prática singulares, invariantes ou definitivas, apenas
múltiplas, recorrentes e situadas representações. Os usuários têm a opção, a todo momento e
dentro de condições e recursos materiais existentes, de decidir agir diferente” (GIDDENS,
1993), com a tecnologia em mãos. Em tais possibilidades de se agir diferente é que reside o
potencial para inovação, aprendizagem, e mudança.
68
Ao assumir que a estabilização das propriedades institucionais de uma Tecnologia-
na-Prática
é sempre temporária, também se pode buscar “generalizações [...] temporal e
espacialmente circunscritas” (GIDDENS, 2003, p. 409) sobre os tipos de
Tecnologias-na-
Prática
passíveis de serem representadas (enacted) e internalizadas por tipos específicos de
usuários e tipos específicos de tecnologias em vários contextos espaciotemporais, discernindo
os padrões e os meandros que compõem a natureza das interações preconizadas no modelo
estruturacional da
Tecnologias-na-Prática (DERY; HALL; WAILES, 2006; DESANCTIS;
DOUGERHTY, 1992; GABRIEL, 2008; ORLIKOWSKI, 1992, 2000, 2002, 2006, 2007;
ORLIKOWSKI
et al., 1995; ORLIKOWSKI; YATES, 2002; POOLE, 1994; SCHULTZE;
ORLIKOWSKI, 2004; SLOCUM; BALOGUN, 2007; YATES; ORLIKOWSKI;
OKAMURA, 1999). Além disso, o estudo das tecnologias sob uma ótica estruturacionista
auxilia na transposição de antagonismos e divisões construtivistas ou materialistas, por
fornecer a possibilidade de conceituações sistêmicas e compreensão dos aspectos sociais,
culturais, psicológicos e econômicos que compõem (ou podem compor, em graus
combinados) um fenômeno. A coerência dessa proposição pode ser entendida ao se partir da
noção de que “tecnologias são simultaneamente artefatos físicos e sociais” e que
conseqüentemente “nem uma perspectiva estritamente interpretativista, nem uma perspectiva
estritamente materialista são adequadas para estudar tecnologias no ambiente de trabalho”
(ORLIKOWSKI; BARLEY, 2001, p. 149, tradução nossa) requerendo-se assim elementos de
ambas as perspectivas teóricas. Soma-se ainda à justificativa acima, o fato de as tecnologias,
além de serem simultaneamente artefatos físicos e sociais, também serem “[...] constituídas
inseparavelmente e especificamente mediante as práticas situadas do seu uso”, como
demonstraram Suchman
et al. (1999, p. 399, tradução nossa), ao reconstruírem o conceito de
tecnologias como sendo práticas sociais.
O argumento a favor de uma integração analítico-teórica entre tecnologias e
instituições é fortalecido no instante em que, na tentativa de se dissecar os referidos aspectos
sociais, culturais, psicológicos e econômicos com o intuito de explicar um dado fenômeno,
evidencia-se o fato de que o contexto social nunca é externo à ação dos indivíduos que fazem
parte de um fenômeno, mas sim um componente em concomitância com esta, já que as “ações
propositais são [...] embebidas em sistemas concretos e contínuos de relações sociais”
(GRANOVETTER, 1985, p. 487, tradução nossa). Além dos vários estudos até aqui
salientados, a relação entre instituições e ação humana viabiliza uma associação
estruturacionista para estudar e explicar a tecnologia (BARLEY; TOLBERT, 1997), que
esta, conforme frisa Orlikowski (1992, p. 406, tradução nossa) “é produto da ação humana”, e
69
dessa forma, uma dinâmica entre tecnologia e instituições se faz plausível (ORLIKOWSKI;
BARLEY, 2001), ainda que críticas pontuais sobre a validade da utilização da teoria
institucional para elucidar questões tecnológicas sejam feitas (BRIDGMAN; WILLMOTT,
2006) – críticas aqui rejeitadas mais pela literalidade das suas composições do que pela
divergência epistemológica da crítica em si.
2.5 TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA E PRÁTICAS SOCIAIS: DINÂMICA ENTRE
OS TEMAS
Para compor o laço teórico entre os três temas abordados no presente estudo, há de se
ter como pressuposto o fato de que as organizações independentemente da natureza jurídica
e/ou missão na sociedade “[...] geram, codificam, coordenam e transferem conhecimento a
partir, entre e para os seus membros” (ALVARENGA NETO, 2008, p. 116), sugerindo, dessa
forma, que essas transmissões, além de urgirem compatibilidade com a(s) cultura(s)
organizacional(ais) em questão, ocorrem cotidianamente, em variadas formas (fragmentadas
ou estruturadas), porém tendo a contingencialidade, ou seja, seu aspecto contextual e
situacional, como condição
sine qua non (HSIAO; TSAI; LEE, 2006). Uma vez que o
conceito de 'tecnologia' aqui adotado contempla, dentre outros fatores constituintes deste, o
elemento do 'conhecimento' aplicado ou manifestado tanto explícita, quanto implicitamente
(BURGELMAN; MAIDIQUE; WHEELWRIGHT, 2001), qualquer movimentação
tecnológica que seja empreendida no contexto organizacional incorre, consequentemente, na
movimentação de conhecimentos, independentemente da natureza, extensão, validade ou
mesmo forma pela qual este venha a ser caracterizado. Não se afirma aqui que conhecimento
seja igual (sinônimo literal) ou a mesma coisa que tecnologia; a diferença entre os dois é
considerada, e compreende-se sim, que aquele está contido (em algum grau) neste, qualquer
que seja a forma que a tecnologia assuma. É igualmente mister destacar que se têm plena
consciência, no presente trabalho, de que nem todo conhecimento é, por natureza, um
conhecimento tecnológico; entretanto, para efeito da proposta teórica aqui defendida, não se
exclui a possibilidade de que certos conhecimentos, não necessariamente tecnológicos,
possam influenciar o processo de transferência de tecnologia e por conseguinte, de
conhecimento sob a perspectiva estruturacionista aqui salientada (ORLIKOWSKI, 2002).
Assim sendo, falar em 'transferência de tecnologia' significa, necessariamente, falar em
70
'transferência de conhecimento', em algum grau, isso em qualquer que seja a forma de
transferência tecnológica, pois:
Simplesmente focar no produto/serviço não é suficiente para o estudo da
transferência e difusão de uma tecnologia; não é meramente o produto que é
transferido mas também o conhecimento do seu uso e aplicação. Essa abordagem
soluciona um grande problema analítico: a diferença entre transferência de
tecnologia e transferência de conhecimento [...] os dois são inseparáveis quando
um produto tecnológico é transferido ou difundido, o conhecimento sobre o qual a
composição deste se sustenta também é difundido. Sem a base de conhecimento a
entidade física não pode ser posta em uso. Portanto, a base de conhecimento é
inerente, não acessória (BOZEMAN, 2000, p. 629, tradução nossa).
A cooperação universidade-empresa não representa apenas o melhoramento
tecnológico de produtos ou a criação de inovações; ela também significa uma troca
de relacionamento em que a transferência do conhecimento entre as partes é muito
importante, pois é por meio dessa transferência que ambas as partes poderão
alcançar melhores resultados no processo de pesquisa. Por isso, a transferência do
conhecimento deve ser estruturada e encorajada desde o início do programa de
pesquisa, para que uma comunicação frequente e aberta seja firmada entre os dois
grupos. O sucesso na transmissão do conhecimento é fundamental para um
adequado crescimento da base de conhecimento de ambos os participantes
(SEGATTO-MENDES; MENDES, 2006, p. 36).
Sung e Gibson (2000) argumentam no seu modelo de quatro níveis (Figura 6) que as
transferências de tecnologia e conhecimento ocorrem seguindo uma lógica bottom-up, na
qual, apesar da linearidade pressuposta no modelo, as práticas constituem um fator recursivo,
tanto por influenciarem, quanto por serem influenciadas pelo processo em si. Os quatro níveis
são: criação de conhecimento e tecnologia; compartilhamento de conhecimento e tecnologia;
implementação do conhecimento e tecnologia; e comercialização do conhecimento e
tecnologia. Frisa-se que a distinção no uso dos termos 'conhecimento' e 'transferência de
tecnologia', no modelo a seguir, é meramente argumentativa, para fins de melhor
compreensão de que o conhecimento subjacente a toda e qualquer tecnologia é transferido no
mesmo movimento.
71
Figura 6 – Quatro níveis de transferência de conhecimento e tecnologia
Fonte: Adaptado de Sung e Gibson (2000, p. 3).
No nível I, indivíduos conduzem pesquisas no estado da arte (leia-se, pesquisa
básica) ou desenvolvem conhecimento a partir das melhores práticas existentes na
organização, divulgando os resultados dessa atividade de diversas maneiras, como
publicações,
journals, narrativas, etc. Segundo esses autores, nesse nível, a transferência de
conhecimentos e tecnologia constitui um processo de caráter largamente passivo que requer
comportamentos pouco colaborativos por parte dos transceptores, apesar de que os
pesquisadores podem trabalhar em equipes nos limites organizacionais, ou por vezes, além
dos seus limites geográficos. No nível II, o compartilhamento do conhecimento e da
tecnologia demanda o início do compartilhamento de responsabilidades entre os idealizadores
e os usuários das novas tecnologias, entendendo que o sucesso desse compartilhamento se
quando o conhecimento e tecnologia são transferidos ao longo dos limites pessoais,
funcionais ou organizacionais, sendo aceitos e compreendidos pelos usuários. O sucesso da
atividade do nível III é caracterizado pela implementação eficiente e temporalmente ajustada
do conhecimento e da tecnologia, de modo que os usuários requerem possuir os recursos
necessários para que essa implementação seja bem sucedida. A implementação se dá,
sobretudo, dentro da organização do usuário, em termos de: aplicação do conhecimento e da
tecnologia nas atividades da práxis dos indivíduos; serviços; ou de melhores práticas. O nível
IV, por sua vez, foca na comercialização do conhecimento e da tecnologia, a qual é
diretamente dependente do sucesso das etapas anteriores do processo, e tendo o seu êxito
medido pela organização receptora, por exemplo, em termos de retorno de investimentos
72
financeiros refletidos por melhorias de processo, ampliação de market share, redução de
custos na produção de bens/serviços, etc.
O caráter recursivo do papel das práticas sociais é aqui identificado, no instante em
que estas condicionam a criação de tecnologias, pelo fato de os idealizadores destas
recorrerem àquelas objetivando o efetivo início das suas atividades (práxis e instrumentos
dela); e ao longo do processo de implementação, já que as tecnologias desenvolvidas e
implementadas, tendo seu uso frequentemente sustentado pelos usuários desta (praticantes),
acabam condicionando as práticas existentes, reforçando-as, ou mesmo modificando-as.
A partir do momento em que as tecnologias surgem e/ou são implantadas mediante a
recorrência das atividades do cotidiano dos indivíduos diretamente envolvidos nesse processo
de construção material-simbólica, entende-se, pois que as práticas sociais, as atividades da
práxis cotidiana orientadas por estas, e os conhecimentos surgidos e absorvidos das mesmas
práticas, auxiliam recursivamente no processo de institucionalização do conhecimento,
sedimentando assim o papel funcional/operacional e também o significado que uma
tecnologia (ou um conjunto de tecnologias) possa(m) ter naquela realidade organizacional.
Dessa forma, sugerem, a partir dessa dinâmica, que tem como resultado os três tipos (ideais)
de conhecimentos de fundação; de procedimento; e de experiência explicados no item 2.1
do presente trabalho, faz-se uma associação entre a questão da institucionalização do
conhecimento e a efetividade do processo de transferência de uma dada tecnologia, obtendo-
se, com isso, a seguinte adaptação:
73
Figura 7 Representação conceitual para a relação entre transferência de tecnologia e o “Sistema
Classificatório de Conhecimentos em Organizações” de Patriotta (2003a)
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Patriotta (2003a, p. 193).
Explicativamente, à medida que uma tecnologia vai sendo efetivamente transferida,
não apenas os tipos de conhecimento necessários para esse avanço no processo de
transferência modificam-se requerendo-se diferentes combinações entre estes –, mas as
próprias práticas sociais e a recursividade destas quando nas atividades da práxis dos
indivíduos condicionam e restringem a maneira como essas combinações ocorrem. Com isso,
ao passo que a absorção dessa tecnologia na esfera da organização receptora vai ocorrendo de
maneira exitosa, as próprias práticas sociais carregam tipos de conhecimentos que, com a
efetividade do processo de transferência de tecnologia, se institucionalizam.
Uma vez que as práticas sociais existentes em uma organização representam um
“locus primário” do conhecimento dos agentes acerca do que estes fazem e do porquê que
estes o fazem (TSOUKAS 1996, p. 16, tradução nossa) e mais do que isso, pelo fato de estas
conterem, em si mesmas, formas específicas de conhecimento de modo que este
conhecimento constitui particularmente uma 'maneira de entender o mundo' que compreende
um entendimento de objetos (incluindo nisso os abstratos), dos seres humanos em geral e do
próprio praticante (DE CERTEAU, 2002), a 'amarra' entre os temas da transferência de
74
tecnologia, transferência de conhecimento e das práticas sociais, se pelo fato de a última
atuar como um condutor de conhecimentos, especialmente os tácitos, dentro desses processos
de transferência, os quais consistem, em específicos graus, de atividades humanas que
abarcam o 'como fazer algo', conforme argumenta Orlikowski (2002, p. 251, p, 271, tradução
nossa):
A perspectiva que eu adoto aqui reside sobre uma acepção alternativa a de que o
conhecimento tácito é uma forma de “saber algo”, e, portanto inseparável da ação
porque este é constituído mediante tal ação [...] conhecimento é essencialmente o ato
de “saber como fazer algo” (
knowing how), uma capacidade de realizar algo ou agir
em circunstâncias em particular [...] compartilhar esse “saber como fazer algo” não
pode ser visto apenas como um problema de transferência de conhecimento ou um
processo de fazer “desgarrar” um conhecimento consolidado em uma comunidade
de práticas e fazê-lo ser absorvido em outra [...] Mais ainda, compartilhar o “saber
como fazer algo” pode ser visto como sendo um processo de permitir aos outros que
aprendam as práticas que implicam o ato de “saber como fazer algo”.
Ao focar-se nas práticas sociais para entender como estas compõem e são compostas
nos processos de transferência de tecnologia e necessariamente de conhecimento, por se
supor ser este requerido em algum grau para a efetividade da transferência busca-se um
entendimento mais profundo dos conhecimentos que proporcionam o transcorrer de tal
processo. Além desse papel de 'condutores' destacado acima, o uso de uma dada tecnologia
transferida implica a institucionalização e/ou desinstitucionalização das práticas surgidas
dessa práxis (OLIVER, 1992), e por conseguinte, na institucionalização e/ou
desinstitucionalização do conhecimento (PATRIOTTA, 2003a) mediante o processo de
estruturação aqui adotado como norte teórico:
Enquanto uma tecnologia pode ser vista como tendo sido construída com recursos
materiais em particular e inscrita nos pressupostos e conhecimentos sobre o mundo
em um dado momento no tempo, por parte daquelas pessoas que a desenvolveram,
[...] é apenas quando essa tecnologia é usada na recorrência das práticas sociais que
ela pode ser dita como algo que estrutura a ação dos seus usuários. Ou seja, apenas
quando ela é repetidamente empregada e usufruída, que as suas propriedades
tecnológicas se tornam constituídas pelos usuários como regras e recursos
particulares que moldam as suas ações (ORLIKOWSKI, 2000, p. 408, tradução
nossa).
Encerrando esta seção do estudo, e posicionando teoricamente o presente trabalho,
tem-se o seguinte quadro. A partir das concepções de práticas sociais extraídas de Giddens
(2003) e complementadas por Turner (1994) e Reckwitz (2002a), a adoção da teoria
estruturacionista giddensiana para uma leitura da tecnologia [com o seu conceito de acordo
com Burgelman, Maidique e Wheelwright (2001)] é substancialmente ancorada na obra de
75
Orlikowski (1992, 2000, 2002) e as suas diversas parcerias científicas, apropriando-se, dessa
forma, da sua perspectiva da “Tecnologias-na-Prática” para argumentar a favor de uma
integração entre os temas da transferência de conhecimento nos moldes conceituados e
entendidos por Alvarenga Neto (2008), Hsiao, Tsai e Lee (2006), Patriotta (2003a), Sung e
Gibson (2000), e Tsoukas e Vladimirou (2001) e da transferência de tecnologia nos seus
diversos tipos, à luz das contribuições de Bozeman (2000), Kremic (2003), Saad (2000)
Segatto-Mendes e Sbragia (2002), Segatto-Mendes e Mendes (2006), e Sung e Gibson (2000).
76
3 METODOLOGIA
A metodologia corresponde ao estudo dos métodos de investigação existentes, que
permite identificar o melhor caminho para, saindo da fundamentação teórica (ou estado da
arte), chegar-se aos objetivos propostos de um projeto específico de pesquisa científica
(CRESWELL, 2007). A partir do alcance desses objetivos é que os resultados de um projeto
específico de pesquisa são posicionados a serem somados às teorias científicas existentes,
constituindo assim, uma contribuição à ciência. Conforme elucida Demo (2005, p. 78), teoria
científica se conceitua como sendo uma “[...] estruturação discursiva que oferece coerência e
consistência a um modo de compreender a realidade, de tal sorte que facultaria explicar a sua
estrutura e/ou dinâmica de maneira mais ou menos abrangente”.
No que concerne aos estudos organizacionais na Administração, essa contribuição
científica se essencialmente mediante o diálogo entre teoria e realidade empírica, uma vez
que a pesquisa científica nesse campo em específico requer, necessariamente, estudos
empíricos nos quais comportamentos, atitudes, experiências, valores, crenças, artefatos
materiais e simbólicos constituem elementos ricos para que tal compreensão da realidade
possa ocorrer (STABLEIN, 1999; VAN DE VEN; JOHNSON, 2006; WHETTEN, 2003).
Assim sendo, o senso ontológico de que a perspectiva teórica adotada no presente estudo se
propõe a cobrir constitui um vetor para o início dessa relação entre teoria e realidade
empírica, salientando a dupla hermenêutica na qual a pesquisa nas Ciências Sociais analisa o
“seu mundo” em 'suspensão' ao mesmo tempo em que participa da própria constituição desse
mundo (GIDDENS, 2003; LAW; URRY, 2004). Essa relação complexa é considerada em
maiores detalhes nas seções seguintes.
3.1 ESPECIFICAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA
O propósito deste trabalho foi estudar a transferência de tecnologia em uma realidade
organizacional focando-se mais a esfera do receptor da tecnologia transferida –, utilizando-
se da lente da perspectiva da “Tecnologias-na-Prática” para analisar a dinâmica entre os temas
pressuposta no fenômeno. Assim, o problema de pesquisa que fundamentou este estudo é:
77
Como ocorre o processo de transferência tecnológica ao seu receptor,
analisando-se tal processo sob a lente da perspectiva da “Tecnologias-na-Prática”?
3.1.1 Perguntas de pesquisa
Considerando-se os objetivos apresentados anteriormente, o presente estudo foi
conduzido e orientado pelas seguintes perguntas de pesquisa:
Qual(is) o(s) tipo(s) de tecnologia transferida(s) para a organização em estudo?
Quais são as práticas organizacionais (existentes, surgidas durante ou após o
processo e/ou modificadas por ele) relacionadas ao uso da(s) tecnologia(s)
transferida(s)?
Como os agentes envolvidos diretamente no processo de transferência de
tecnologia recorrem a e fazem uso de práticas sociais?
Quais os mecanismos formais e/ou informais de transferência de tecnologia
utilizados pela organização?
Como esses mecanismos formais e/ou informais de transferência de tecnologia se
relacionam às práticas sustentadas pelo seu uso naquela realidade organizacional?
Qual é o papel desempenhado por esses mecanismos de transferência de tecnologia
da organização em estudo na efetividade da transferência da(s) tecnologia(s)
observada(s)?
3.2 REPRESENTAÇÃO DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE
A disposição das categorias de análise do presente estudo tomou como alicerce a
lógica da institucionalização do conhecimento inerente ao processo de implantação e
implementação de tecnologias, ilustrada em Patriotta (2003a), bem como a relação recursiva
entre práticas sociais e propriedades estruturais dos sistemas da Teoria da Estruturação
(GIDDENS, 2003). A partir das representações gráficas de Barley e Tolbert (1997) e
78
Orlikowski et al. (1995), conforme mostra a Figura 8, foi elaborada a representação das
categorias de análise selecionadas para esse estudo:
Figura 8 – Representação das categorias de análise da pesquisa
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Barley e Tolbert (1997, p. 101), Orlikowski
et al. (1995, p. 440).
A análise da representação colocada na Figura 8 permite observar que em um
processo de transferência de uma dada tecnologia (quer seja uma transferência de tecnologia
interna ou externa) a ser iniciado em um momento espaciotemporalmente circunscrito (T1), a
criação de conhecimentos subjacentes a essa dada tecnologia recorre ao estoque de práticas
existentes naquela realidade organizacional, pelo fato de estas práticas servirem como norte
legítimo e socialmente aceito de conhecimentos absorvidos na organização pelos seus
indivíduos componentes. À medida que o processo de transferência dessa dada tecnologia
avança mediante a sua implantação, a utilização recorrente dos conhecimentos provenientes
das práticas existentes ou dos conhecimentos criados desde o início do processo de
transferência tecnológica incorre, por sua vez, em reforçar, criar ou modificar essas práticas
existentes e sustentadas naquela realidade organizacional, dada a lógica recursiva do uso da
tecnologia pressuposta na perspectiva da “Tecnologias-na-Prática”. Com isso, ao final do
processo de transferência dessa dada tecnologia (T2), a absorção desta corresponderia, de
79
certa forma, à institucionalização e/ou desinstitucionalização das práticas e conhecimentos
subjacentes à tecnologia transferida (OLIVER, 1992; ORLIKOWSKI, 2000, 2002;
PATRIOTTA, 2003a), de tal maneira que, uma vez concluído o processo, ter-se-ia então a
possibilidade de se identificarem três quadros não mutuamente excludentes, resultantes da
adoção: novas práticas organizacionais referentes ao uso dessa tecnologia; práticas
organizacionais que foram (sutil ou mesmo razoavelmente) modificadas; ou mesmo a
preservação daquelas práticas existentes e sustentadas naquela realidade organizacional.
3.2.1 Definição constitutiva e operacional das categorias de análise
A definição constitutiva de uma categoria de análise corresponde, essencialmente, à
sua definição teórica, que esta, por si só, define uma categoria analítica tendo por base o
que existe disponível na literatura acerca de um específico tema. Já a definição operacional de
uma variável objetiva atribuir significado ao constructo ou variável (categoria analítica),
especificando as atividades ou operações necessárias para medi-lo(a) ou manipulá-lo(a),
facilitando a sua observação e medição empírica. Dessa maneira, as categorias analíticas deste
estudo são definidas da seguinte forma:
Transferência de Tecnologia
D.C.
Processo gerenciado de conceder a tecnologia de uma parte (organização detentora da
tecnologia) para a sua adoção por outra parte (organização receptora da tecnologia)
(KREMIC, 2003), cuja natureza se caracteriza como sendo altamente complexa por envolver
muitas funções diferentes, atores e variáveis, formando um fenômeno o qual não é reduzível a
simples fatores (SAAD, 2000).
D.O. Foi operacionalizada por meio de entrevistas junto aos envolvidos no processo em
questão, e análise documental do processo da transferência de tecnologia em si no que tange
às duas organizações envolvidas no processo (detentora e receptora da tecnologia) visando
identificar qual(is) o(s) mecanismo(s) de transferência de tecnologia que vigoravam na
empresa quando o processo em questão se deu (considerando-se enquanto 'mecanismos de
transferência de tecnologia' aqueles listados e especificados nas páginas 40 e 41 do presente
estudo); e entender como o processo foi descrito pelos envolvidos na transferência.
80
Mecanismos de Transferência de Tecnologia
D.C.
São processos comunicativos representados por “canais ou processos pelos quais a
transferência ocorre” (SOUZA, 2006, p. 51).
D.O. A operacionalização dessa categoria analítica ocorreu por meio de entrevistas junto
aos envolvidos no processo em questão, e análise documental do processo da transferência de
tecnologia em si no que tange às duas organizações envolvidas no processo (detentora e
receptora da tecnologia) visando identificar qual(is) o(s) mecanismo(s) de transferência de
tecnologia que vigoravam na empresa quando o processo em questão se deu (considerando-se
enquanto 'mecanismos de transferência de tecnologia' aqueles listados e especificados nas
páginas 40 e 41 do presente estudo).
Práticas Sociais (Organizacionais)
D.C.
Comportamentos rotinizados que consistem em diversos elementos, interconectados
uns aos outros, sob formas de atividades corporais, mentais, artefatos e os seus usos
(RECKWITZ, 2002a) e que devem ser entendidas como objetos cognoscitivos causais ou
pressuposições mentalmente sustentadas que alcançam um caráter de algo legítimo dentro de
uma coletividade (GIDDENS, 2003; TURNER, 1994).
D.O. A identificação e análise das práticas se deu por meio das entrevistas junto aos
envolvidos no processo em análise contemplando descrições detalhadas acerca das atividades
da práxis (os atos laborais em si) dos indivíduos diretamente relacionadas ao manuseio da(s)
tecnologia(s) em questão na organização estudada entendendo-se então, na análise que se
segue no presente estudo, “práticas organizacionais” como sinônimo para as práticas sociais
sustentadas na organização em análise –, atentando-se para o caráter rotineiro, legítimo e
institucionalizado (formal ou informalmente) dessas atividades. Dessa forma, somente quando
foi iniciada a coleta de dados que a natureza de tais práticas sociais (organizacionais) pôde ser
precisada. Assim, nas entrevistas com roteiro semiestruturado teve-se por intuito apreender a
visão dos indivíduos acerca dessas práticas sociais (organizacionais) relacionadas ao processo
de transferência da(s) tecnologia(s) observada(s), e na análise documental objetivou-se
levantar evidências formais dessas práticas, a título de se ter uma noção mais completa
(inclusive em termos históricos) delas, no que tange igualmente à sua acepção de rotina e da
descrição da atividades da práxis (os atos laborais em si).
81
3.3. DELIMITAÇÃO E DESIGN DA PESQUISA
Nesta seção serão descritos os detalhes da pesquisa aqui empreendida, no que tangem
à sua natureza, classificação, características, estratégias e caso selecionado para pesquisa.
3.3.1 Delineamento da pesquisa
O presente estudo classifica-se como de abordagem qualitativa. Esse tipo de
pesquisa social se caracteriza por objetivar a compreensão e explicação de fenômenos sociais
com o menor afastamento possível do seu ambiente natural, de modo que não se buscam
apenas regularidades nem relações estritamente lineares, mas sim relações complexas e
associações dinâmicas nas quais a compreensão (ou percepção) dos agentes (em termos de
unidade de análise), e daquilo que os levou a agir como agiram (fatores multifacetados
influenciadores) constituem os pontos essenciais pesquisáveis, segundo essa abordagem
(GODOI; BALSINI, 2006). No Brasil, as pesquisas de abordagem qualitativa apareceram a
partir da década de 1960, basicamente em contraposição à predominância de pesquisas com
enfoques positivistas.
De acordo com seu objetivo, Godoy (2006) classifica a pesquisa social de natureza
qualitativa como de três tipos, não mutuamente excludentes: descritiva, interpretativa e
avaliativa. A partir dessas possibilidades, a presente pesquisa pode ser classificada como
sendo
interpretativa, uma vez que busca encontrar padrões nos dados para o subsequente
desenvolvimento de categorias conceituais que permitam ilustrar, confirmar ou se opor a
suposições teóricas, de maneira a poder suscitar generalizações analíticas das diversas facetas
do fenômeno em questão.
Quanto à estratégia de pesquisa, o presente estudo adotou o
estudo de caso indutivo.
Segundo Yin (2005, p. 32), os estudos de caso permitem investigações que preservam as
características holísticas e significativas dos eventos da vida real, de maneira que esta
estratégia de pesquisa pode ser definida como uma investigação empírica que “[...] investiga
um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto da vida real, especialmente quando os
limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente definidos”. Em justaposição à
proposta de estudo aqui sugerida, os estudos de caso representam a estratégia mais adequada
em estudos que buscam responder a perguntas de pesquisa do tipo “como” ou “por quê”. No
que concerne ao termo “indutivo”, este faz menção ao fato das pesquisas de natureza
qualitativa buscarem aproximar a teoria e os fatos, mediante descrição e interpretação de
82
episódios isolados ou únicos, privilegiando o conhecimento das relação entre contexto e ação
o método indutivo. Concomitantemente, afirma Eisenhardt (1989) que os estudos de caso
propiciam, quando adequadamente respeitadas as suas sistematicidades, a formação de teorias
ou de argumentos teóricos robustos, que vêm a contribuir para tópicos de pesquisa em
estágios iniciais de desenvolvimento na literatura, ou então provir um certo 'frescor' às
perspectivas teóricas já existentes e pesquisadas.
O método de estudos de caso pode abarcar tanto estudos de caso únicos, quanto
estudos de múltiplos casos. No presente estudo, optou-se por um estudo de caso único. Tal
escolha justifica-se a partir das evidências encontradas na literatura sobre pesquisas
estruturacionistas da tecnologia nas quais, uma vez que a unidade de análise principal destas
são as práticas sociais (organizacionais) surgidas e/ou aplicadas no uso das tecnologias, estas
(as práticas) não são acessadas facilmente mediante movimentos únicos ao encontro do
fenômeno, sendo necessário, portanto diversas “idas e vindas” ao campo, juntamente com a
confrontação de dados apreendidos mediantes diferentes técnicas de coleta, para que tais
práticas possam tornar-se perceptíveis ao observador dentro do seu caráter processual e
temporal (CAMPBELL-HUNT, 2007; JARZABKOWSKI; BALOGUN; SEIDL, 2007;
JARZABKOWSKI; MATTHIESEN, 2007; ORLIKOWSKI, 1992, 2000, 2002;
ORLIKOWSKI
et al., 1995; POZZEBON; PINSONNEAULT, 2005; SCHULTZE;
ORLIKOWSKI, 2004). Além disso, optou-se por um estudo de caso único em virtude da
natureza da tecnologia a ser analisada neste estudo – uma tecnologia social cujo parâmetro de
comparação multicasos se mostraria complexo, haja vista a sua singularidade no setor
econômico em questão.
No que se refere ao horizonte de tempo, um
corte transversal com aproximação
longitudinal
de cerca de 3 anos foi feito para esta pesquisa, visto que, de acordo com a
perspectiva teórica aqui adotada, o caráter processual e temporal do fenômeno das práticas
sociais dita a necessidade de analisá-las ao longo do tempo, objetivando não apenas
identificar e compreender como estas surgiram, mas ao mesmo tempo os impactos que
ocasionaram, em termos de mudanças, na realidade organizacional pesquisada (BARLEY;
TOLBERT, 1997) permitindo ainda o resgate histórico de fatos relevantes para o
entendimento do fenômeno.
O nível de análise da pesquisa foi organizacional, com ênfase nos níveis tático e
operacional das organizações envolvidas no processo de transferência da tecnologia em
questão, tendo como unidade de análise (ou categoria de análise) a práxis e as práticas
83
sustentadas pelos indivíduos no uso da(s) tecnologia(s) observada(s) que compunham os
níveis de análise abordados.
3.3.2 Escolha do caso
O caso ilustrado no presente estudo contempla a transferência de uma tecnologia
social desenvolvida na Divisão de Tecnologias Sociais do TECPAR – Instituto de Pesquisa do
Paraná para uma pequena empresa (de acordo com a classificação por número de
funcionários do SEBRAE) de cunho familiar, localizada no município de Campo Largo (PR),
aqui denominada de empresa “
Alfa
3
. Trata-se, portanto de uma transferência de tecnologia de
natureza inter-organizacional entre um instituto de pesquisa e uma empresa, a qual ocorreu a
partir da incubação da empresa no órgão destinado a esse tipo de atividade existente no
instituto de pesquisa em questão denominado Incubadora Tecnológica de Curitiba do
TECPAR (INTEC-TECPAR). A tecnologia em questão corresponde a uma tecnologia social,
de acordo com o conceito adotado neste trabalho (página 37), sendo que essa correspondência
será explorada no item “4.1 CARACTERIZAÇÃO DA TECNOLOGIA EM ANÁLISE”
(página 92) deste trabalho. A aplicação da tecnologia ocorreu no processo produtivo do
principal produto do portfólio da empresa.
Algumas considerações acerca da escolha do caso em questão são importantes:
Tomou-se como ponto de partida uma instituição de pesquisa que tivesse certa
tradição e referencial robustez nesse tipo de processo interinstitucional, pela
necessidade de se considerar a saliência e/ou raridade que um estudo de caso único
deve possuir (YIN, 2005), de modo que assim se chegou à opção do TECPAR
instituto de pesquisa referência no Estado do Paraná;
A partir dessa escolha, por interesses dos pesquisadores e pela relevância atual do
tema da sustentabilidade, levantou-se a possibilidade de abordar e analisar alguma
tecnologia social junto à Divisão de Tecnologias Sociais do instituto, somando-se
3
Optou-se por um nome de fantasia, a fim de manter em sigilo o real nome da empresa pesquisada, atendendo à
pedidos do seu proprietário, bem como por questões contratuais entre esta e a INTEC-TECPAR a Incubadora
Tecnológica de Curitiba do TECPAR.
84
a essa possibilidade, a importância da retomada de estudos que tratem desse tipo
de tecnologia no campo da Administração (DAGNINO, 2004);
O caso da empresa Alfa foi indicado pela própria Divisão de Tecnologias Sociais
do TECPAR como um caso de sucesso no que tange utilização e aplicação da
tecnologia em questão, bem como dos conhecimentos tecnológicos subjacentes ao
uso desta (detidos previamente pelo instituto, como será exposto ao longo do item
“4.2 ANÁLISE DO CASO”), haja vista que esta a tecnologia social analisada
se encontra em comercialização, caracterizando ainda uma inovação de produto
dentro do mercado ao qual a empresa
Alfa atende. Por isso, levaram-se em conta
aspectos de intencionalidade (pela mencionada significância) e conveniência
(facilidade de acesso mediante as relações já estabelecidas entre membros da
Divisão de Tecnologias Sociais do TECPAR e a empresa) para a escolha do caso
da empresa
Alfa.
Por fim, em virtude da incipiência acerca dos estudos envolvendo práticas sociais
(organizacionais) e tecnologias indicada na seção introdutória do presente
trabalho, bem como do intuito de se analisarem as relações entre as práticas
organizacionais e o complexo processo que significa transferir uma tecnologia
inter-organizacionalmente, achou-se mais prudente que apenas uma tecnologia
fosse abordada e analisada, de modo a poder evidenciar de maneira mais rica as
diversas facetas e elementos analíticos que o fenômeno da transferência de
tecnologia possui à luz do corpo teórico das práticas que organizam
recursivamente uma dada realidade organizacional (GIDDENS, 2003).
Dessa forma, ressalta-se que o estudo aqui realizado contemplou mais
especificamente a organização receptora da tecnologia transferida (a empresa Alfa), sem
contudo desconsiderar acontecimentos relevantes da organização detentora da tecnologia (o
TECPAR), uma vez que todo processo de transferência de tecnologia é, sempre, um processo
de “mão-dupla”, de influências mútuas entre as partes envolvidas (SAAD, 2000).
85
3.3.3 Dados: fonte e coleta
De acordo com Yin (2005, p. 111), a coleta de dados em estudos de caso deve
contemplar três princípios elementares: “a) a utilização de várias fontes de evidências, e não
apenas uma; b) a criação de um banco de dados para o estudo de caso; e c) a manutenção de
um encadeamento de evidências”. Esses três princípios devem balizar não apenas a condução
do estudo, como também orientar a seleção das fontes de dados que o pesquisador deve
buscar acessar no propósito da sua pesquisa. Segundo ele, essas fontes podem ser:
documentação, registros em arquivo, entrevistas, observação direta, observação participante, e
artefatos físicos.
No presente estudo, optou-se por duas dessas fontes de evidências enquanto meios de
obtenção de dados:
entrevistas, e documentação. A coleta dos dados transcorreu durante os
meses de setembro e outubro de 2008. Para a documentação, deve-se atentar para o fato de
que estes não podem ser interpretados como registros literais de eventos que ocorreram, de
modo que sua validade é, unicamente, para corroborar e valorizar as evidências oriundas de
outras fontes do pesquisador, assim como também se pode, a partir destes, fazer inferências
relevantes para compor a robustez do estudo.
As entrevistas nos estudos de caso correspondem a mais do que conversas guiadas;
as entrevistas têm, sobretudo, o caráter de investigações estruturadas, nas quais é premente
que se satisfaçam às necessidades de sua linha de investigação diante de questionamentos
“não-ameaçadores” ou “não-invasivos” aos entrevistados. Tal objetivo pode ser alcançado
mediante uma entrevista espontânea (quase que conversas informais atadas por laços entre o
pesquisador e “informantes-chave”), uma entrevista focada (que equivaleria à entrevistas
semiestruturadas, as quais oscilasse entre a ‘informalidade’ da entrevista espontânea e um
certo conjunto de perguntas que provêm do protocolo de estudo de caso, apenas como guia
para a entrevista) ou então entrevistas por intermédio de um levantamento formal, que
produziria dados quantitativos como parte das evidências do estudo de caso. Em qualquer um
dos tipos de entrevistas, também se faz importante frisar que as entrevistas devem sempre ser
consideradas apenas como relatórios verbais a encorpar o estudo de caso.
Neste estudo, a combinação das duas fontes de evidências para obtenção dos dados
se justifica pelo caráter longitudinal requerido pela perspectiva teórica adotada e pela natureza
da unidade de análise. No que concerne à escolha de entrevistas para obtenção de dados
primários, estas foram do tipo 'focadas', com roteiros semiestruturados de questões por
86
intermédio das quais se procurou levantar a descrição e caracterização dos indivíduos
diretamente relacionados ao processo de transferência da tecnologia abordada, no que diz
respeito às práticas sociais e aos mecanismos de transferência de conhecimento que, aos olhos
destes, influenciariam e/ou seriam influenciadas pelo processo em análise (ver Apêndice A).
Somando-se às entrevistas focadas, realizaram-se também entrevistas de cunho mais
'espontâneo' junto a informantes-chave da organização (também envolvidos no processo
estudado), aproveitando abertura concedida ao pesquisador. Contudo pelo caráter mais de
“conversas de apoio” dessas últimas, serão explicitadas e analisadas aqui apenas as entrevistas
formalmente registradas em áudio, segundo a permissão dos entrevistados.
Quanto à escolha do uso de documentos, esta fonte de evidência serviu para validar,
no que diz respeito ao seu aspecto formal, as práticas identificadas mediante as entrevistas, de
modo a se obter, por meio dos registros da organização, uma noção mais completa do
histórico do processo de transferência da tecnologia analisada, bem como das atividades
rotineiras da práxis e das práticas formais que pudessem estar relacionadas a esses processos.
A documentação (aqui entendida como fonte de dados secundários da pesquisa) e a sua
análise, também foram úteis no que tange ao corte longitudinal da pesquisa proposta, que é
relevante um quadro historicamente amplo do surgimento e consolidação das práticas naquela
realidade sustentadas.
Optou-se por essas fontes de evidências com base em estudos estruturacionistas da
tecnologia aqui referenciados como fundamentais para a elaboração deste trabalho, nos quais,
na sua plenitude, fez-se uso de etnometodologias de imersão profunda em campo, todas com
ressalvas sobre a duração e corte da pesquisa, de maneira a considerar-se o aspecto processual
do fenômeno das práticas sociais, da institucionalização destas e da estruturação das
realidades pesquisadas (BARLEY, 1986, 1990; DERY; HALL; WAILES, 2006;
DESANCTIS; POOLE, 1994; DOUGERHTY, 1992; GABRIEL, 2008; ORLIKOWSKI 1992,
2000, 2002, 2007; ORLIKOWSKI
et al., 1995; ORLIKOWSKI; YATES, 2002;
PATRIOTTA, 2003a; POZZEBON; PINSONNEAULT, 2005; SCHULTZE; ORLIKOWSKI,
2004; SLOCUM; BALOGUN, 2007; YATES; ORLIKOWSKI; OKAMURA, 1999).
87
3.3.4 Análise e tratamento dos dados
Para os dados primários provenientes das entrevistas, estes foram tratados a partir da
análise de conteúdo da íntegra dessas transcrições, objetivando identificar os elementos que
possibilitariam o alcance dos objetivos definidos nesta pesquisa. A análise de conteúdo aqui
adotada foi a análise de conteúdo de natureza
temática segundo Bardin (2004). Define a
autora, que análise de conteúdo corresponde a:
[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/percepção (variáveis inferidas) destas
mensagens. [...] a análise de conteúdo visa o conhecimento de variáveis de ordem
psicológica, sociológica, histórica, etc., por meio de um mecanismo de dedução com
base em indicadores reconstruídos a partir de uma amostra de mensagens
particulares (BARDIN, 2004, p. 37, p, 39).
A partir da função heurística da análise de conteúdo – ou seja, a função de enriquecer
a tentativa exploratória de uma pesquisa, aumentando a propensão a descoberta ao ir além das
aparências – pôde-se, mediante a análise da íntegra das transcrições das entrevistas com
roteiro semiestruturados, identificar e elencar as diversas atividades práticas que os
envolvidos no processo da transferência da tecnologia em questão desempenharam,
atentando-se assim, para o aspecto frequencial dessas atividades, que as práticas se
constituem de atividades comportamentalmente rotinizadas que consistem em diversos
elementos, interconectados uns aos outros, sob formas de atividades corporais, discursivas,
mentais, artefatos e os seus usos (RECKWITZ, 2002a). É importante destacar que, embora a
acepção de frequência se faça importante para a definição de quais práticas se fizeram
presentes no fenômeno em questão, a acepção qualitativa tanto da pesquisa aqui empreendida
quanto da estratégia de tratamento dos dados adotada não se compromete, pois, como afirma
Bardin (2004, p. 109), “[...] o que caracteriza a análise qualitativa é o facto de a inferência
sempre que é realizada – ser fundada na presença do índice (tema, palavra, personagem, etc.!),
e não sobre a frequência de sua aparição”. Com isso, objetivou-se fazer aparecer as práticas
sustentadas no processo de transferência da tecnologia analisada (mediante as descrições
detalhadas das atividades da práxis), as relações e influências entre as práticas sustentadas em
cada realidade organizacional envolvida no fenômeno (no caso, o TECPAR e a empresa
Alfa),
e causalidades entre as práticas identificadas e o resultado do processo em questão, pois:
88
[...] a análise de conteúdo constitui um bom instrumento de indução para se
investigarem as causas (variáveis inferidas) a partir dos efeitos (variáveis de
inferência ou indicadores, referências no texto), embora o inverso – predizer os
efeitos a partir de factores conhecidos ainda esteja ao alcance das nossas
capacidades (BARDIN, 2004, p. 130).
Ao todo, foram realizadas 10 entrevistas, todas integralmente transcritas sob
consentimento dos entrevistados, e definidas de acordo com o papel dos participantes
diretamente envolvidos no processo. Com a média de 40-50 minutos de duração, as
entrevistas somaram, depois de transcritas, um volume de 63 páginas em formato de
documento de Word (espacejamento simples, e ajuste padrão das margens das páginas, em
tamanho A4). O Quadro 1
4
indica a distribuição das entrevistas realizadas:
Entrevistado(a)
Papel/Função de Envolvimento no Processo de
Transferência da Tecnologia Analisada
Alexandre Akira Takamatsu Gerente da Divisão de Tecnologias Sociais do TECPAR
Anderson Sakuma Subgerente da Divisão de Tecnologias Sociais do TECPAR
Jorge Takeda
Gerente da Incubadora Tecnológica de Curitiba do TECPAR
(INTEC-TECPAR)
Aroldo Andrade Júnior
Engenheiro Florestal do Laboratório de Química Industrial
do TECPAR
Proprietário da empresa Alfa
Empreendedor fundador, proprietário e Diretor de Produção
da empresa
Alfa
Estagiária 1
(Química Ambiental)
Estagiária da empresa
Alfa locada na INTEC-TECPAR
Estagiária 2
(Química Ambiental)
Estagiária da Divisão de Tecnologias Sociais do TECPAR
Usuário 1
(da tecnologia já embutida no
produto)
Atleta patrocinado pela empresa
Alfa
Usuário 2
(da tecnologia já embutida no
produto)
Atleta patrocinado pela empresa
Alfa
Usuário 3
(da tecnologia já embutida no
produto)
Atleta patrocinado pela empresa
Alfa
Quadro 1 – Distribuição das entrevistas realizadas para a pesquisa
Fonte: Elaborado pelo autor.
Quanto às informações obtidas por intermédio dos dados secundários, estas foram
tratadas e analisadas por meio da técnica de análise documental, que consiste no processo de
levantar, verificar e interpretar o conteúdo dos documentos, a partir de um objetivo pré-
4
Os nomes dos entrevistados diretamente associáveis à empresa Alfa foram mantidos em sigilo.
89
determinado (CRESWELL, 2007, p. 192). O referido objetivo foi a identificação
(formalizadas em registro) das atividades que ocorreram durante o processo de transferência
de tecnologia, a fim de que se pudesse confrontá-las com as atividades da práxis dos
entrevistados identificadas a partir da análise de conteúdo das suas entrevistas. No caso em
questão, reuniu-se o total de 184 páginas de dados secundários, dos quais dois documentos
científicos dois trabalhos de conclusão de curso da área de Química Ambiental
contemplando análises do processo de desenvolvimento da tecnologia social em questão
visando à sua adaptação ao produto da empresa
Alfa figuram entre os mais importantes
documentos coletados
5
.
A intenção, a partir da confrontação dos dados (primários e secundários) foi poder
desenvolver a análise da pesquisa mediante a estratégia de composição de narrativas
(LANGLEY, 1999). Entende-se, neste trabalho, que:
Narrativas são o mecanismo por trás do modelo texto-ação no qual elas atualizam a interação entre
ação, significado e tempo. Narrativas transformam ação em textos e textos em ação, elas
apresentam o desenrolar da construção de significados organizacionais, o movimento que vai de
controvérsias a conclusões. A dialética entre texto e ação reporta narrativas englobando tanto a
estrutura, quanto o conteúdo da ação organizacional. Através de narrativas, ocorrências são
localizadas no espaço e no tempo e traduzidas em eventos significativospor atores organizacionais.
[...] Narrativas, enquanto textos articulados, podem ser vistas como pistas materiais de processos de
aprendizagem e lembranças coletivas, impressões sociais de um significativo curso de eventos,
documentos e registros de experiência humana. [...] Narrativas são elementos de construção de
significados em dois sentidos: elas permitem que atores articulem ação por meio do discurso; e elas
provêm aos observadores acesso a estoques de conhecimentos tácitos que foram externalizados na
forma de textos. [...] Para o pesquisador, é um método de inquérito que intenta dar sentido a certos
padrões organizacionais ao inscrevê-los em estruturas de significação representativas. [...] O
método implica a coleta de dados a partir de diferentes fontes, sistematizando informação,
triangulando evidências, generalizando e construindo argumentos teóricos (PATRIOTTA, 2003b,
p. 155, p, 170, tradução nossa).
Esta estratégia de tratamento dos dados reunidos consiste em ilustrar,
explicativamente, o aspecto processual e dinamicamente interativo do fenômeno pesquisado,
por meio da formulação detalhada da história do processo em análise (PENTLAND, 1999).
Uma vez que o caráter da unidade de análise aqui especificada requer uma lógica analítica
processual, a adoção dessa estratégia de tratamento de dados se justifica por propiciar a
sistematização, o sequenciamento de eventos e a organização dos dados processuais, deixando
espaço para a construção de sentidos, a indicação de mudanças relevantes sofridas pelo (ou
por causa do) fenômeno em estudo, e a preservação do caráter multifacetado e complexo da
realidade organizacional (LANGLEY, 1999; PATRIOTTA, 2003a, 2003b; PENTLAND,
1999; SØDERBERG, 2003; TSOUKAS; HATCH, 2001).
5
Fontana (2006) e Moretti (2007) na seção “REFERÊNCIAS” deste trabalho.
90
No que diz respeito à construção da narrativa do presente estudo, esta se deu a partir
dos elementos apreendidos da análise de conteúdo da transcrição das entrevistas e da análise
documental, compondo uma ordem cronológica, indicando momentos cruciais na história do
processo analisado, a fim de manter bons graus de precisão, detalhamento e consistência entre
os fatos que se destacaram na própria narrativa do processo de transferência da tecnologia em
questão (ver Apêndice B). Essa estratégia para análise e tratamento dos dados uma
combinação de análise de conteúdo, análise documental e construção de uma narrativa
visando esmiuçar analiticamente o fenômeno em questão – se justifica pelo fato de a narrativa
representar uma maneira de recuperar a experiência passada, unindo sequências verbais de
causas a uma sequência de eventos, os quais (infere-se) realmente aconteceram, de modo a
complementar o procedimento semiqualitativo que a análise de conteúdo de Bardin (2004)
representa (ALVES; BLIKSTEIN, 2006; LANGLEY, 1999).
3.4 LIMITAÇÕES DO ESTUDO
De antemão, a primeira limitação do estudo reside na não-realização de observação
(direta ou participante) enquanto técnica de coleta de dados para entender o fenômeno em
análise. Dada a natureza processual que os estudos estruturacionistas requerem, é fato que não
apenas a observação das atividades dos envolvidos no fenômeno se faria crucial para a
apreensão das práticas sustentadas naquela realidade, como, por conseguinte, haveria de ter-se
considerado um período mínimo de imersão em campo para que melhor identificação,
detalhação e explicação das práticas pudesse ser realizada (BARLEY, 1986, 1990;
DESANCTIS; POOLE, 1994; DOUGERHTY, 1992; GABRIEL, 2008; ORLIKOWSKI 1992,
2000, 2002, 2007; ORLIKOWSKI
et al., 1995; ORLIKOWSKI; YATES, 2002;
PATRIOTTA, 2003a; POZZEBON; PINSONNEAULT, 2005; SCHULTZE; ORLIKOWSKI,
2004; SLOCUM; BALOGUN, 2007; YATES; ORLIKOWSKI; OKAMURA, 1999).
Minimiza-se tal limitação salientando-se que o presente estudo não se classifica
como (e nem teria tal pretensão de ser) um estudo estruturacionista; ele faz, sim, uso de
elementos da Teoria da Estruturação (GIDDENS, 2003) a citar: i) a noção de recursividade,
ii) agência, iii) cognoscitividade, iv) a acepção ontológica das práticas sociais, e o v)
entendimento das práticas sociais enquanto elementos constituintes e organizadores de uma
realidade –, para que a análise do fenômeno da transferência de tecnologia possa ser
91
empreendida em sua acepção de práticas sociais, a fim de que esse processo seja abordado e
explicado sob uma outra lente analítica distinta das costumeiramente utilizadas, conforme
justificado na seção introdutória deste trabalho. Há, inclusive, registros de pesquisas nos
moldes da aqui desenvolvida, que ainda assim, foram exitosas no que diz respeito ao
empreendimento de estudos dessa natureza concernentes à tecnologia (DERY; HALL;
WAILES, 2006; ORLIKOWSKI, 2002). Além disso, considerando-se o fato de que o
processo de transferência da tecnologia em questão ocorreu, e, assim sendo, apenas um
resgate temporal dos acontecimentos deste poderia ser realizado, salienta-se que estudos
institucionalistas que abordaram o desenvolvimento constitutivo de determinadas realidades
também figuram no quadro de justificativas análogas para a realização da pesquisa aqui
desenvolvida (LOUNSBURY; CRUMLEY, 2007). Tenta-se, dessa forma, minimizar tal
limitação, recorrendo à combinação o mais rica e detalhada possível das constatações
apreendidas pela análise de conteúdo das entrevistas e da análise documental, de maneira a
poder resgatar o histórico do fenômeno em estudo, ampliando ainda que não com a mesma
riqueza sugerida pela combinação de observação direta e entrevistas o espectro analítico do
estudo.
Ainda sobre o tratamento dos dados coletados, salienta-se que a construção de uma
narrativa para a explicação do caso implica uma escolha metodológica e epistemológica que
reflete preferência, conhecimento, limitação/capacidade e esquema interpretativo do
pesquisador, incorrendo, dessa forma, em apenas uma versão explicativa do fenômeno, à luz
do corpo teórico de referência com o qual este opta por trabalhar (BROWN; STACEY;
NANDHAKUMAR, 2008; CZARNIAWSKA, 1998). Assim, não se pode esperar plenitude
de destreza em contemplar absolutamente todas as facetas, variáveis, elementos, vozes e
ocorridos em um processo que efetivamente se deu por concluído, como o que aqui é
apresentado e analisado.
No que tange à escolha da metodologia de pesquisa aqui discorrida, por mais
adequada que esta seja ao fenômeno em questão (baseando-se no referencial teórico
levantado), esta tem o seu potencial de generalização restrito, em virtude do fato de que
estudos de caso, por mais complexos e profundos que sejam, dizem respeito, invariavelmente,
a circunstâncias específicas de uma realidade analisada sobretudo por se tratar, aqui, de um
estudo de caso único.
Por fim, apontam-se também as limitações do potencial analítico-interpretativo e da
inexperiência do próprio pesquisador como sendo fatores limitadores do estudo realizado.
92
4. ANÁLISE DOS RESULTADOS
Nesta seção será apresentada a análise dos resultados da pesquisa. Além de algumas
descrições sucintas sobre as organizações envolvidas no processo estudado, constam também:
uma descrição da tecnologia analisada, a construção da narrativa do caso, e, ao final, a análise
do caso à luz das categorias de análise definidas neste trabalho.
4.1 CARACTERIZAÇÃO DA TECNOLOGIA EM ANÁLISE
4.1.1 A tecnologia social do bambu tratado e laminado
Conhecido desde a antiguidade, o bambu é uma planta cujas propriedades servem a
diversos fins, percebidos e usufruídos de maneira secular nos países asiáticos, mas que no
Ocidente vem ganhando projeção algumas décadas. Conforme afirmam Casagrande Jr.,
Umezawa e Takeda (2003), a utilização do bambu é múltipla, contemplando diversos setores
de produção, proporcionando desenvolvimento econômico e social de inclusão, tanto para
áreas rurais quanto urbanas, haja vista que se encontram exemplos dessa utilização nos setores
de artesanato, mobiliário, decoração interior, paisagismo, alimentação, laminados para
distintos usos e aplicações, insumos para agricultura, bioquímica e farmácia, medicina, e
construção civil e rural.
Segundo Londoño e Clark (2002), no mundo, cerca de 75 espécies e mais de
1.300 variedades de bambu espalhadas em 25 milhões de hectares de regiões tropicais e
subtropicais, com apenas 10% localizadas em zonas temperadas, sendo o Brasil o país a
possuir a maior diversidade e o mais alto índice de florestas endêmicas de bambu em toda
América Latina. A realidade brasileira conta com 137 espécies identificadas e taxonomizadas,
representando 32% das espécies da América Latina, na qual os Estados de São Paulo, Minas
Gerais, Santa Catarina, Bahia e Paraná são os que possuem a maior diversidade de florestas de
bambu.
93
No contexto ocidental, o interesse pela aplicação do bambu tem crescido
notoriamente, por trazer consigo uma possível solução para algumas questões de
sustentabilidade e responsabilidade socioambientais tão em voga atualmente:
Entre as qualidades do bambu que tem atraído a atenção de pesquisadores e
empresários, está a rápida propagação e o crescimento acelerado da planta. O bambu
cresce 30% mais rápido do que as espécies de árvores consideradas como de rápido
crescimento, e graças a esse crescimento vigoroso, seu rendimento em peso por
hectare ao ano é 25 vezes maior que o da madeira. Isto significa que o bambu é um
recurso altamente renovável, o que não ocorre com outros materiais, que estão se
tornando escassos e ameaçam inviabilizar alguns sistemas de produção, por falta
de matéria-prima e conseqüentemente o aumento de preços da madeira. O bambu
aplicado na construção civil poderia ajudar a reduzir o impacto do setor no meio
ambiente. Segundo dados levantados [...], estima-se que a construção civil consome
algo entre 20% e 50% do total de recursos naturais utilizados pela sociedade, ou
seja, é uma das maiores consumidoras de matérias-primas naturais. Pesquisas sobre
o bambu confirmam, por exemplo, que sua fibra é um excelente substituto para as
fibras inorgânicas como o arbesto, que continua a ser usado no país, apesar de ser
banido em diversos países desenvolvidos. Quando mistura-se fibra de bambu, livre
de açucares, ao cimento para fabricação da placa de bambu, não apenas se cria um
material de construção valioso, com uma vida útil bem maior e melhor resistente a
umidade, mas o que é mais importante ainda, está compensando sua descarga de
dióxido de carbono ao fixar um grande carga de CO
2. [...] Uma comparação das
energias requeridas para se obter uma unidade de diferentes materiais, uma idéia
da sustentabilidade do bambu [...]. Maior consumo energético, pode ser traduzido
em queima de combustíveis fósseis e não renováveis, com a emissão de gases para a
atmosfera, acelerando o processo de aquecimento global. Verifica-se que o bambu é
o material de mais baixo consumo energético, devido ao fato de que este não
necessita de transformação, pois possui naturalmente forma adequada, acabamento e
resistência (CASAGRANDE JR.; UMEZAWA; TAKEDA, 2003, p. 3).
Ainda sobre suas propriedades físico-químicas, o bambu se diferencia em termos de
consumo energético em virtude da sua constituição metabólica C
4, que significa dizer que este
fixa 4 moléculas de carbono a cada ciclo de fotossíntese, ao invés de 3 moléculas de carbono,
como fazem as árvores tradicionalmente utilizadas para extração de madeira. Por isso, a
planta do bambu tem papel importante no ecossistema para a diminuição de CO
2 na atmosfera
do planeta, auxiliando na absorção da emissão deste (FARRELLY, 1984; HIDALGO-
LOPEZ, 2003). Ao mesmo tempo, o bambu figura como uma possibilidade economicamente
viável para o desenvolvimento sustentável (local/regional) de pequenas propriedades rurais,
dada a sua acelerada taxa de crescimento, o que fortalece a lógica do conceito de tecnologias
sociais (BAVA, 2004; TAKAMATSU
et al., 2003).
É justamente por esse caráter de material alternativo versátil e de boa resistência,
aliado à sua constituição naturalmente favorável em termos ecossistêmicos, que o bambu
compreendendo não apenas suas aplicações e utilizações, mas também as suas propriedades
físico-químicas – é associado ao conceito de uma tecnologia social (VARGAS; PINTO,
94
2005). No estudo aqui apresentado, aborda-se a aplicação do bambu tratado e laminado como
substituto para a madeira na fabricação de materiais esportivos.
4.2 ANÁLISE DO CASO
4.2.1 Caracterização das organizações envolvidas no processo de transferência da
tecnologia
4.2.1.1 Instituto de Tecnologia do Paraná – TECPAR
O Instituto de Tecnologia do Paraná (TECPAR) é uma empresa pública vinculada a
Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Paraná, e a sua
matriz encontra-se situada em Curitiba, mais precisamente na Cidade Industrial (CIC).
Fundado em 1940, a partir do Laboratório de Análises e Pesquisa do Paraná, e tendo passado
por um estado embrionário no Instituto de Biologia e Pesquisas Tecnológicas (IBPT), o
TECPAR conceitua-se como uma instituição de pesquisa, desenvolvimento, produção e
prestação de serviços, cuja missão é contribuir com soluções inovadoras para o progresso
técnico das atividades econômicas e melhoria da qualidade de vida dos brasileiros. A partir
dessa missão, o Instituto tem por fim ser reconhecido como centro de excelência na pesquisa e
desenvolvimento de tecnologias nas áreas de bioenergia, química fina, produção de biológicos
e serviços tecnológicos, prezando por uma política de qualidade dos seus produtos e serviços
que está balizada pelos seguintes valores: responsabilidade mediante comprometimento ético
e moral com o caráter público da organização; credibilidade dos produtos e serviços
oferecidos pelo Instituto; trabalho multidisciplinar, coletivo, participativo e sinérgico entre as
suas divisões; e sustentabilidade financeira sem perder as características de uma instituição
pública de fomento (INSTITUTO DE TECNOLOGIA DO PARANÁ, [199-?]).
A Divisão de Tecnologias Sociais do TECPAR (DTS-TECPAR) é um setor do
instituto comprometido, trabalhando em parceria com outras instituições não apenas de
pesquisa tecnológica, a desenvolver e difundir tecnologias sociais, entendidas, segundo eles,
como sendo processos, metodologias ou técnicas eficientes, simples, com baixa densidade de
capital e de baixo custo que, implantadas em ambientes rurais ou urbanos, podem propiciar
95
melhores condições de geração de valor a processos e produtos (INSTITUTO DE
TECNOLOGIA DO PARANÁ, [200-?]). Juntamente com atividades de prospecção
tecnológica, essa divisão tem no momento os projetos de: 1) neociclagem
, que visa
desenvolver técnicas de aproveitamento integral de embalagens laminadas geralmente não
aproveitadas em virtude da sua complexa composição material; 2) biossistemas integrados na
suinocultura, que compreende um conjunto integrado de técnicas de tratamento de dejetos
suínos, possibilitando obter produtos como o biogás, biofertilizantes, criação de algas e a
piscicultura em cativeiro, propiciando a melhoria da qualidade dos recursos hídricos e a
geração de créditos de carbono; e 3) uso da fibra de madeira do bambu
, o qual, em parceria
com a iniciativa privada, visa desenvolver tecnologia para laminação do bambu, consistindo
em várias etapas: identificação das espécies de bambu mais adequadas à laminação, domínio
do manejo de cultivo, laminação em escala protótipo, testes e laminação em escala industrial.
No que concerne ao projeto envolvendo a fibra de madeira do bambu, este teve início
aproximadamente 8 anos, a partir de uma parceria junto a uma cooperativa madeireira que
desejava, então, aplicar a matéria-prima em questão na construção dos seus
pallets, tendo por
intuito a redução de custos com sua manutenção, e aumento da durabilidade e resistência
destes. Assim, frisa-se aqui que os conhecimentos tecnológicos de uso e manuseio da
tecnologia social do bambu no que tange às etapas acima mencionadas – são de domínio da
DTS-TECPAR quase uma década, desenvolvendo cooperativamente inovações em
diversos ramos e setores produtivos, a partir de cooperações com empresas interessadas nessa
tecnologia (INSTITUTO DE TECNOLOGIA DO PARANÁ, [200-?]).
A Incubadora Tecnológica de Curitiba do TECPAR (INTEC-TECPAR) foi fundada
em 1989, e tem como missão apoiar a criação e o desenvolvimento de pequenas e médias
empresas de base tecnológica, a partir do incentivo a jovens empresários e empresas
interessados(as) em desenvolver projetos tecnologicamente inovadores. O objetivo desse
órgão é a aceleração do processo de criação de micro e pequenas empresas de base
tecnológica inovadora, a partir do elevado conteúdo tecnológico dos seus produtos, processos
e serviços, utilizando-se, sobretudo, de trabalhos focando metodologias de gestão
(INCUBADORA TECNOLÓGICA DE CURITIBA, [entre 1989 e 2008]). Em virtude desses
pontos, a ênfase do trabalho desse órgão está no processo inventivo que as atividades da
INTEC-TECPAR contemplam, focando não apenas na questão de desenvolvimento de
produto/serviço, nem somente na concepção do seu projeto técnico, mas igualmente nas
questões da demanda e gestão do produto/serviço a ser concebido, encarando os seus projetos
sob uma lógica de
demand-pull / capabilities-push (NELSON; WINTER, 1977),
96
considerando assim a cadeia produtiva de todo e qualquer produto/serviço. Atualmente, a
INTEC-TECPAR desenvolve projetos de incubação tecnológica nas áreas de eletroeletrônica,
metalmecânica, tecnologia da informação, novos materiais, engenharia biomédica, tecnologia
agroindustrial, biotecnologia, gestão ambiental,
design, e gestão de tecnologia urbana. No
campo institucional, conta com diversos parceiros – a citar alguns, o CNPq, a UFPR, a
UTFPR, o SEBRAE, a FINEP para a disseminação da cultura empreendedora e promoção
da inovação tecnológica aplicada no Estado do Paraná, tendo obtido reconhecimento em
âmbito nacional, a partir da ANPROTEC – Associação Nacional das Entidades Promotoras de
Empreendimentos de Tecnologias Avançadas (INCUBADORA TECNOLÓGICA DE
CURITIBA, [entre 2001 e 2008]).
O Laboratório de Química Industrial do TECPAR (LQI-TECPAR) está vinculado à
Divisão de Análises e Ensaios Tecnológicos do Instituto, a qual se compõe de nove
laboratórios que desempenham papel de apoio a órgãos estaduais e empresas no registro de
novos produtos, controle de qualidade, inspeção, pesquisas e realização de testes exigidos pela
legislação para importação e exportação de produtos, emitindo, a partir desse corpo de
atividades, laudos técnicos e pareceres, interagindo dessa forma com diversas outras áreas e
projetos do instituto no que tange à execução de atividades de pesquisa e desenvolvimento
contempladas na descrição acima (LABORATÓRIO DE QUÍMICA INDUSTRIAL, [200-?]).
No caso aqui apresentado, temos uma cooperação tecnológica entre a empresa
Alfa e
o TECPAR iniciando-se com a preocupação da empresa em obter uma tecnologia que utilize
um novo insumo, sintético ou não, o qual torne possível diferenciar o seu principal produto
por meio de um apelo conceitual contemporâneo e desempenho qualitativo superior. Esse
processo foi realizado em conjunto com colaborações da Divisão de Tecnologias Sociais do
instituto, da Incubadora Tecnológica de Curitiba do TECPAR (INTEC-TECPAR), e do
Laboratório de Química Industrial do TECPAR.
4.2.1.2 A empresa
Alfa
Localizada no município de Campo Largo (PR), a empresa Alfa é uma pequena
empresa, segundo a classificação por número de funcionários do SEBRAE, de cunho familiar,
97
especializada na fabricação de shapes (pranchas) de skate
6
, atuando no mercado nacional há 9
anos.
A empresa, que possui 28 funcionários, teve o seu nascimento em 1999, e existiu
durante os cinco primeiros anos na própria casa do seu empreendedor fundador hoje
proprietário e Diretor de Produção. Com o crescimento e desenvolvimento em virtude do seu
desempenho no mercado de artigos esportivos, a empresa se mudou para o atual endereço (no
qual esta pesquisa se deu), onde funcionam a fábrica de produção de
shapes e montagem de
skates (com 16 funcionários), e o escritório administrativo da empresa (contando com 12
funcionários).
Acerca do mercado em que atua, a empresa
Alfa tem seu foco de vendas tanto no
atacado, quanto no varejo, com três linhas de produtos classificadas da seguinte forma
7
:
Marca Básica: Atendendo a clientes locados na faixa de consumo da classe C (de
baixo poder aquisitivo), e tendo como foco as vendas em atacado (como em
grandes cadeias de supermercados, por exemplo). Os
shapes dos skates dessa
marca são produzidos apenas com lâminas de madeira de pau-marfim
(
Balfourodendron riedeliaum) – também conhecida apenas por marfim – e de
madeira de eucalipto (
Eucaliptus sp), possuindo um acabamento simples,
usualmente sem pinturas nem adesivos.
Marca Mediana: Atendendo a clientes locados na faixa de consumo da classe B (de
poder aquisitivo médio), a qual também foca nas vendas em atacado. Assim como
no caso da marca “Básica”, os
shapes dos skates dessa marca são produzidos
apenas com lâminas de madeira de pau-marfim (
Balfourodendron riedeliaum)
6
O skate é um esporte surgido no início dos anos 1960 na California (EUA), que consiste em deslizar sobre o
solo e obstáculos equilibrando-se numa prancha (chamada
shape) dotada de quatro pequenas rodas e dois eixos,
chamados de
trucks. Ainda sobre o artefato esportivo em si, à extremidade dianteira do shape dá-se o nome de
nose, e à extremidade traseira, tail; além disso, constam como componentes: amortecedores, lixa, rolamentos e
parafusos. No início, essa prática esportiva se chamava
sidewalk surfing, por ter sido concebida pelos surfistas
californianos que desenvolveram a prancha de
skate (o skateboard) na ausência de boas ondas no mar daquela
temporada. O
skate chegou ao Brasil em 1965, por meio de surfistas internacionais que foram aos EUA para
surfar; lá conheceram e trouxeram essa prática esportiva para o país. Em 1974, foi realizado no Clube Federal do
Rio de Janeiro o primeiro campeonato de
skate brasileiro e no mesmo ano foi inaugurada a primeira pista no
Brasil. No ano de 1986, o
skateboard brasileiro teve um grande crescimento, com diversas marcas de vários
segmentos investindo no mercado nacional. Mas foi na década de 1990 que o
skate teve a sua maior evolução no
Brasil, não em mercado, mas também em crescimento de praticantes, organização do esporte e exposição na
grande mídia. Hoje em dia, pode-se afirmar que o
skate é um esporte amplamente reconhecido, com diversas
modalidades desenvolvidas ao longo de quatro décadas de existência, e o Brasil representa a maior potência
mundial do esporte (CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE
SKATE, [entre 2000 e 2008]). Para maiores detalhes
e informações biográficas de envolvidos no surgimento e evolução desse esporte, sugere-se o documentário
Dogtown & Z-Boys: Onde Tudo Começou (2001), de Stacy Peralta.
7
Os nomes originais das linhas dos produtos da empresa Alfa também foram mantidos em sigilo.
98
também conhecida apenas por marfim e de madeira de eucalipto (Eucaliptus sp),
possuindo um acabamento melhor, com pinturas diferenciadas e adesivos.
Marca Premium: Atendendo a clientes locados na faixa de consumo da classe A (de
alto poder aquisitivo), é tida como o carro-chefe de vendas da empresa. É apenas
neste produto que a tecnologia social do bambu tratado e laminado é inserida, e é
especificamente acerca do desenvolvimento deste produto que a narrativa do caso
aqui analisado discorrerá, contemplando assim a transferência da tecnologia em
questão. Esta é a marca destinada às vendas no varejo, dada a natureza diferenciada
do produto em termos de qualidade e apelo conceitual, tendo como foco lojas de
artigos esportivos e outras lojas temáticas nas quais esse produto pode ser
comercializado a exemplo de lojas de moda
street wear, urban style, surf wear e
afins –, tratando-se, portanto, de um artigo destinado (ou mais direcionado) aos
profissionais do esporte.
Os produtos das marcas “Básica” e “Mediana” são
skates montados e acabados
(prontos) para o mercado, enquanto no caso da marca
Premium produz-se e vende-se apenas o
shape do skate, pelo fato do seu público se tratar de um tipo de consumidor que usualmente
prefere montar seus
skates com peças avulsas (rodas, rolamentos, lixa, amortecedores,
parafusos,
trucks) de outras marcas, visando não apenas a um produto final de maior
qualidade, mas também que reflita aspectos da sua personalidade, estilo e comportamento. A
exceção são os itens da marca
Premium encomendados e destinados aos atletas profissionais
que são patrocinados pela empresa para divulgarem e utilizarem essa marca e esse produto;
neste caso, os próprios atletas verbalizam suas preferências de peças componentes dos
skates
que desejam possuir – numa lógica de produtos sob encomenda e a empresa Alfa os produz,
para esses atletas.
A empresa
Alfa enfrenta um mercado de forte concorrência, no qual possui em
âmbito nacional cinco ou seis concorrentes de médio e grande porte, e o restante sendo
composto por micro e pequenas empresas de natureza mais “caseira”, as quais produzem itens
sob encomenda para atletas específicos, e realizam vendas isoladas diretamente em lojas, sem
uma infraestrutura sólida de logística de distribuição.
Sobre a sua produção, a empresa
Alfa é uma empresa com uma linha de produção
mecanizada que ainda mantém a sua natureza artesanal de produção, devido às questões de i)
porte da empresa, ii) demanda de produtos a serem produzidos, e iii) qualidade que se espera
de um produto como os
shapes de skate produtos passíveis de significante subjetividade no
99
julgamento da sua qualidade perante o público consumidor quando no momento da sua
utilização, especialmente no caso dos
shapes da marca Premium, por tratar-se de um produto
destinado a um público profissional dessa prática esportiva. A preservação dessa
artesanalidade no processo de produção se faz pelos próprios colaboradores do nível
operacional da empresa, os quais, locados nas suas respectivas etapas de produção, controlam
qualitativamente as peças que seguem na linha de produção, sobretudo por se tratar de um
volume produzido tolerável correspondendo à média de 500
shapes/skates por dia em turno
diurno, numa lógica de programação de produção “puxada” (SLACK; CHAMBERS;
JOHNSTON, 2002).
O processo de produção dos
shapes de skate (tanto os tradicionais puramente à base
de madeira, quanto os
shapes que levam a tecnologia social do bambu) na empresa Alfa
compreende, atualmente, as seguintes etapas:
1. Aquisição
: Etapa da compra da matéria-prima (varas de bambu e lâminas de
madeira) junto a produtores que tenham o adequado manejo dessas madeiras para
o corte da matéria-prima bruta.
2. Laminação das madeiras
: Etapa na qual a matéria-prima é transportada até a
fábrica de tratamento dos produtores para sofrer os processos de laminação e corte
das madeiras. No caso do
shape de bambu, corta-se a madeira do bambu em
lâminas (taliscas) do tamanho do produto (
shape); essas lâminas (taliscas) passam
por um processo de secagem que dura de 15-20 dias para ser concluído,
encaminhando-as, então, para a fábrica da empresa
Alfa, onde ajustes são
realizados.
3. Colagem
: No caso do shape de bambu, essas lâminas (taliscas) são coladas umas
nas outras, pelas suas laterais, com resina fenólica (epóxi), na medida de 24cm
largura x 86 cm de comprimento. Depois de coladas nessa disposição, essas
lâminas (taliscas) de bambu são combinadas com lâminas de madeira, sendo as 2
lâminas externas do
shape (a superior e a inferior) lâminas de bambu, e as 3
lâminas internas (do meio ou do 'miolo' do
shape) de madeira. Atualmente, a
empresa
Alfa faz uso de madeira da espécie Pinus argentino para a constituição
dos produtos da marca
Premium; porém, na época do caso da transferência da
tecnologia a ser descrito a seguir, fazia-se uso apenas de lâminas de madeira de
marfim e de eucalipto. Para os
shapes de madeira comum, as peças de madeira
recebidas dos produtores passam por tratamento para o ajuste e acerto do seu
100
tamanho, de acordo com os modelos das marcas da empresa Alfa (marcas “Básica”
e “Mediana”), sendo também coladas umas nas outras com resina fenólica (epóxi).
4. Lixamento
: Após os processos de colagem descritos, segue para o processo de
lixamento dos
shapes, para um acabamento inicial dos seus 'corpos', realizando
acertos na sua superfície.
5. Fase de prensa (ou prensagem)
: Processo mecânico para definição dos concaves do
shape (as ondulações côncavas que moldam o shape em si), servindo também
como uma etapa de fortalecimento da colagem das lâminas de madeira e da resina
entre elas aplicada.
6. Acabamento do produto
: Etapa final do processo de produção, na qual o shape
segue para a furação (na qual os espaços para os parafusos dos trucks são feitos),
corte das arestas, pintura, aplicação do
silk (camada fina sobre a qual adesivos com
figuras/desenhos são aderidos à superfície do
shape de skate), pintura novamente,
e embalagem final do produto (etiquetagem e encaixamento).
Esse processo de produção de
shapes na empresa Alfa combina atividades
mecanizadas (como a etapa de lixamento, a fase de prensa, e a etapa de acabamento do
produto) com etapas artesanais, nas quais os colaboradores, mesmo fazendo uso de algum
ferramental mecânico, têm o seu conhecimento
know-how, expertise, etc. de como
produzir (ou do que fazer naquela etapa) como fator determinante da sua operação, contando
com os sentidos do tato e da visão para analisar e manusear o produto antes de seguir à
próxima etapa do processo produtivo. Com relação ao processo de produção em si, relatou-
nos o proprietário da empresa
Alfa que, mesmo a sequência de etapas para a confecção dos
shapes e dos skates (completos) sendo as mesmas, uma considerável diferença no que
tange ao manuseio da tecnologia social do bambu, corroborando a afirmação anterior:
Tem muita diferença, pois no modo de produção, o shape de bambu é bem mais
artesanal [...] no
shape normal, você recebe a mina de madeira, um bloco de
madeira, daí você faz o corte dela, e faz o resto do processo que te comentei –; o
bambu já é bem mais artesanal, a pressão colocada para realizar o
concave, o
lixamento, tudo isso tem que ter um acompanhamento de perto, por parte do chão de
fábrica mesmo, de olho sabe, de manusear cada item [...] é um produto bem mais
trabalhado manualmente
, em função da própria característica dele.
A partir da descrição do processo de desenvolvimento do shape do bambu, esse
componente tácito subjacente ao modo de produção dos
shapes que levam essa tecnologia
social ficará mais bem evidenciado.
101
4.2.2 A transferência da tecnologia social do bambu tratado e laminado da divisão de
tecnologias sociais do TECPAR para a empresa
Alfa: uma narrativa
O processo de transferência da tecnologia social do bambu tratado e laminado para a
sua inserção em um produto da empresa
Alfa teve sua intenção manifestada no fim do ano de
2005, quando o proprietário da empresa
Alfa procurou a Divisão de Tecnologias Sociais do
TECPAR, visando obter informações acerca da possibilidade de desenvolvimento de um
produto que diferenciasse sua marca dos produtos ofertados pela concorrência. A meta
pretendida pela empresa
Alfa quando buscou, inicialmente, a assessoria junto ao TECPAR, foi
desenvolver um produto diferenciado, ainda inexistente no mercado nacional, com apelo
conceitual contemporâneo pelas questões de sustentabilidade, representando um artigo
ecologicamente mais adequado ou correto, indicando ainda uma “consciência verde” daqueles
que se caracterizam como os seus usuários e desempenho qualitativo superior nas suas
características de utilização para a prática do esporte. Destaca-se que a empresa queria um
produto ecológico, que então, eles trabalhavam apenas com lâminas de madeira de marfim
e eucalipto que eles mesclavam na confecção dos seus
shapes. A descrição dos elementos do
caso em estudo realizada a seguir, baseia-se na constituição estrutural oriunda da análise das
entrevistas transcritas, apresentada no Apêndice C.
Discutiu-se, nas ocasiões desses primeiros contatos entre a DTS-TECPAR e a
empresa
Alfa questões como: i) quais as possibilidades reais de aplicação dessa tecnologia
social do bambu tratado e laminado em um
shape de skate (em sua integralidade ou ao menos
em parte deste); ii) como se poderia realizar a obtenção e aplicação dessa tecnologia, iii) quais
os reais benefícios que a utilização da madeira do bambu traria a esse tipo de artigo esportivo
frente à já legitimada qualidade de utilização das madeiras comuns com as quais os
shapes de
skate são tradicionalmente produzidos; iv) quais as necessidades de investimento no processo
de produção da empresa
Alfa para que a absorção e aplicação dessa tecnologia no seu produto
pudesse ocorrer; e v) questões de tempo e recursos necessários para que tal projeto pudesse
acontecer. Após esses contatos iniciais, acordou-se que a melhor maneira para que a
realização da transferência dessa tecnologia pudesse ocorrer seria mediante a contratação dos
serviços da DTS-TECPAR, unindo esforços em um projeto de desenvolvimento desse
produto, compreendendo a incubação da empresa dentro da Incubadora Tecnológica de
Curitiba do TECPAR (INTEC-TECPAR). Atualmente, as incubações que a INTEC-TECPAR
realiza, têm 32 meses (em média) e mais um período de prorrogação, consistindo na chance
102
de reincubação da empresa em questão; no caso do projeto do shape de bambu da empresa
Alfa, os prazos das incubações, então, eram de 24 meses com possibilidade de prorrogação
(ou reincubação). Essa política de trabalho instituída na INTEC-TECPAR é descrita, segundo
o gerente da própria incubadora, da seguinte forma:
Nós entendemos que o processo de incubação, tem uma conotação mais
empresarial, e o que ele vai aprender em cima de processo de desenvolvimento, de
um produto/serviço, será mais sobre modelos de gestão, e não a ênfase de
desenvolvimento do produto/serviço em si [...] aprender a fazer projetos, como
lançá-los e empreendê-los, é ele saber que gestão da inovação é importante, saber
fazê-la, aprender sobre isso, e em grau bem menor, ficar em laboratório o tempo
todo. Geralmente fazemos uma triagem de competências e plataforma tecnológica
das empresas que pleiteiam vagas de incubação aqui no instituto, por hoje termos
definido essa política interna da INTEC-TECPAR. No caso da empresa
Alfa, foi um
caso diferente; ela veio mais no intuito de desenvolver o produto mesmo, foi uma
incubação diferente, e isso aconteceu a partir da estagiária e dos envolvidos no
projeto mesmo.
Conforme foi salientado pelo entrevistado, o projeto de desenvolvimento do shape de
bambu da empresa
Alfa nasceu a partir da incubação de 1 estagiária de Química Ambiental e
da vinculação de 1 engenheiro florestal no projeto, o qual atuava como consultor técnico na
área de matérias-primas e produção da empresa
Alfa, na época de realização desse processo.
A estagiária em questão atuava no TECPAR, estando, contudo, locada no Laboratório de
Calcário e Fertilizantes do Instituto (no qual já permanecia há cerca de 1 ano), quando
recebeu o convite para migrar para esse projeto na INTEC-TECPAR, ficando, inicialmente,
responsável por verificar qual(is) a(s) melhor(es) espécie(s) de bambu, e qual a espessura das
lâminas de bambu necessárias para a produção do
shape. Assim, mediante a contratação dessa
estagiária e da alocação desse engenheiro florestal como colaboradores da empresa
Alfa para
o projeto, juntamente com a coordenação dos gerentes e subgerente tanto da INTEC-TECPAR
quanto da DTS-TECPAR, teve início, em fevereiro de 2006, o projeto de transferência da
tecnologia social do bambu tratado e laminado para o
shape de skate da empresa Alfa.
Como tópicos essenciais contemplados no projeto de transferência dessa tecnologia,
definiu-se entre as partes envolvidas, que era preciso:
verificar e definir qual(is) a(s) melhor(es) espécie(s) de bambu disponível(is) e
acessível(is) no mercado, considerando-se, para tal, questões de custo-benefício e
logística de obtenção da(s) matéria(s)-prima(s);
analisar metodologias de processos de laminação da(s) matéria(s)-prima(s), a fim
de saber como laminá-la(s) para poder aplicá-la(s) no
shape de skate;
103
realizar um corpo de testes consistentes e coerentes com os requisitos de utilização
desse tipo de produto a partir de especificações dos praticantes do esporte, e do que
se tem como aspectos qualitativos de desempenho do produto, institucionalizados
na prática da modalidade do esporte à qual o produto era destinado. Esses testes,
realizados em protótipos do projeto, contaram durante a sua realização, com a
participação e apreensão dos requisitos de utilização por parte dos usuários do
produto pretendido. Porém, a título de didática expositiva, discorrer-se-á primeiro
acerca dos testes laboratoriais realizados nos protótipos, e, sem seguida, será
destacado o papel dos usuários da tecnologia embutida no produto em questão.
No que concerne ao primeiro tópico da agenda do projeto, este considerou como
ponto de partida os pressupostos já verificados cientificamente pela DTS-TECPAR acerca das
qualidades no emprego do bambu, a partir das quais, em tese, um produto que faça uso desse
tipo de matéria-prima possui uma elevada flexibilidade, boa resistência a impactos, além de
baixa densidade no que tange ao peso do seu corpo (FONTANA, 2006). Destaca-se que essa
agenda contemplava estudos analíticos (adaptativos) específicos ao produto pretendido, pois a
DTS-TECPAR detinha o conhecimento tecnológico pertinente ao uso e manuseio da
tecnologia social do bambu, conforme afirmou-se:
Na verdade, nós nos engajamos no projeto com a empresa Alfa dando todo o suporte
e orientação para que o desenvolvimento do produto do
shape pudesse de fato,
acontecer, direcionando, com isso, o que sabíamos em termos de uso do bambu,
para o caso em questão. Claro, o produto foi desenvolvido em conjunto,
cooperativamente, com diversas partes do instituto envolvidas, como a INTEC-
TECPAR, o LQI-TECPAR, além, claro, da
Alfa; mas da nossa parte, nós
possuíamos o
know-how de como identificar as espécies de bambu mais adequadas à
laminação, o
know-how do domínio do manejo de cultivo, como laminar o bambu
em escala protótipo, como laminá-lo em escala industrial, esse tipo de coisa toda nós
sabíamos fazer, porque estivemos trabalhando nisso quase 10 anos em outras
cooperações e acordos tecnológicos com outras empresas antes do caso da
Alfa,
sempre aplicando essa base de
know-how que foi se acumulando ao fim que essas
outras empresas desejavam ou necessitavam, quando nos procuraram (GERENTE
DA DTS-TECPAR).
Considerando-se tal ponto, a verificação e definição da(s) melhor(es) espécie(s) de
bambu(s) consistia na ida a campo, por parte da estagiária locada na INTEC-TECPAR e do
engenheiro florestal do projeto, para visitar produtores de bambu no interior do Estado do
Paraná e também alguns no Estado de São Paulo e Santa Catarina, a fim de que a análise de
qualidade das matérias-primas extraídas das espécies cultivadas nos respectivos produtores
pudessem ser realizadas, de acordo com 1) a idade adequada da espécie de bambu (tendo
104
como padrão ideal plantas classificadas entre 'jovens' e 'maduras', dadas as suas características
de flexibilidade e resistência), 2) a quantidade de celulose presente na constituição de
determinada espécie (por preocupação com a questão da “broca”, ou seja, da questão da
facilidade ou não facilidade de ataque à espécie por parte de cupins), além da 3) estética da
cor da matéria-prima. Segundo esses critérios de natureza fisiológica, disponibilidade e
logística das matérias-primas, optou-se por trabalhar com duas espécies de bambu, produzidas
e obtidas junto a dois produtores:
bambu Gigante (Dendrocalamus giganteus), de coloração mais escura, obtida junto
a um produtor da região de Registro, interior do Estado de São Paulo;
bambu Mossô (Phyllostachys pubescens), de coloração mais clara, obtida na região
de Quatro Barras, interior do Estado do Paraná.
Essas duas espécies, de acordo com o engenheiro florestal envolvido no projeto,
representavam as melhores opções disponíveis para que o processo de utilização de bambu no
shape de skate pudesse ser realizado.
O passo seguinte à escolha das espécies de bambu a serem utilizadas consistia na
definição das metodologias e técnicas de transformação do bambu em lâminas a laminação
da madeira do bambu a fim de poder empregá-las no
shape de skate. Essa definição nasceu da
necessidade de saber se a melhor maneira de aplicar a madeira do bambu no
shape consistiria
em tratá-la laminando-a ou torneando-a. Segundo Fontana (2006), a opção de laminação da
madeira de bambu já se indicava na literatura acessada acerca de tratamentos de bambu como
sendo a opção de maior utilidade, haja vista a resistência mecânica e a influência na
preservação dos colmos da planta, que esse tipo de tratamento para o vegetal representa. Um
dos estudos resultantes dessa cooperação relata que, acerca desse momento do projeto, a
laminação consistia nas seguintes etapas:
Primeiro passo retira-se a vara de bambu do mato com auxílio da motosserra, e
também em campo, subdivide-se a vara em peças de 1,00 metro de comprimento.
Estas peças de 1,00 metro são transportadas através de caminhões para a fábrica
onde aguardam para seguir para o segundo passo do processo. A segunda fase do
processo é subdividir longitudinalmente as peças. Com o auxílio da faca estrela,
subdividimos a peça de bambu em seis pré-lâminas. Essas pré-lâminas passam por
uma fase na qual vão ser retirados os restos do nó com o uso de um facão. Depois de
rejeitados os nós de cada pré-lâmina, essa pré-lâmina passa pela desengrossadeira,
para que se possa retirar grande parte da casca e miolo. Removida boa parte da casca
e miolo, estas peças passam para o segundo estágio pré-lâminas, no qual serão
passadas pela fresa de topo para atingir a espessura requerida. As peças, após
passarem pela fresa de topo, passarão pela desempenadeira em que vão ser
105
eliminadas as imperfeições laterais. Após a passagem pela desempenadeira, estas
peças podem ser encaminhadas para a lixadeira para o acabamento final. As minas
de bambu são unidas lateralmente até completarem uma largura de 24 centímetros,
quando poderão ser posicionadas com as demais lâminas de madeira para a
montagem do “
sanduíche” (FONTANA, 2006, p. 21-26).
É devido a esse posicionamento das lâminas de bambu com as lâminas de madeira,
que o processo de laminação do bambu se mostrou como a opção mais adequada para o
tratamento da matéria-prima, pois, como salientou a estagiária da INTEC-TECPAR:
[...] o bambu têm um problema: na hora que você faz o corte, as fibras dele, seguem,
então geralmente, ele não era paralelo, retilíneo, então teria de se fazer um
retrabalho em cima; e na questão da colagem, nós não tínhamos máquina para fazer
o perfeito encaixe delas, para elas não terem fissuras, ou usar cola demais para estar
preenchendo esse espaço que não colaria inteira; ela era irregular, ela colava uma
parte, o meio, e ficavam buracos [...] então foi uma das maiores dificuldades que nós
tivemos.
Corroborando essa colocação, o estudo empreendido por Fontana (2006, p. 27)
aponta essa dificuldade, bem como a necessidade de se atentar para como devem ser dispostas
as lâminas de bambu e de madeira na confecção do
shape de skate:
Primeiramente, os shapes com lâminas de bambu (espécies Mossô e Gigante) e os
com lâminas de madeira (denominados de Madeira), foram coladas entre si através
do processo de prensagem, em que normalmente, em sentidos contrários ao das
fibras, com lâminas longitudinais e outra transversal, dispostas umas sobre as outras
com as fibras cruzadas perpendicularmente, sempre resultando em um número ímpar
de lâminas, sendo a última colada coincidindo o sentido com o da primeira lâmina.
Com isso, ficou definido que o tratamento adequado para as madeiras de bambu a
serem utilizadas nos
shapes de skate do projeto da empresa Alfa consistiria em laminar as
matérias-primas, atentando para como estas seriam combinadas e dispostas junto às lâminas
das madeiras com as quais a empresa
Alfa produzia seus shapes então. Na época da realização
do projeto (2005-2008), por questões de custo de obtenção das matérias-primas, não foi
entendido como viável o desenvolvimento de um
shape integralmente à base de bambu,
segundo os custos de produção dos corpos de prova necessários para a etapa seguinte dos
testes em laboratório, de modo que se optou por combinar as matérias-primas das madeiras do
bambu (Mossô e Gigante) com as madeiras comuns utilizadas tradicionalmente na confecção
dos
shapes da empresa. Dessa forma, dentre as opções do marfim e do eucalipto existentes
então, e utilizadas pela empresa, decidiu-se fazer uso de ambas para a composição dos corpos
de prova dos
shapes (FONTANA, 2006).
106
Conforme relatou a estagiária da INTEC-TECPAR, uma vez definidos os dois
primeiros pontos do projeto (as espécies aptas a serem utilizadas no projeto, e a maneira como
seriam tratadas essas matérias-primas), a sequência do projeto, compreendendo a etapa dos
testes, contemplou as seguintes atividades:
[...] o que que nós fazíamos ali no TECPAR: a gente fazia um plano experimental,
no qual a gente 'brincava' com várias variáveis; seria, por exemplo, um laminado,
com 5 lâminas, no qual envolvia eucalipto, marfim, e 1 lâmina de bambu; daí, no
outro, eram 2 lâminas de bambu, da mesma espécie, com 1 de Marfim, e
sucessivamente, a gente ia 'brincando' com as espécies, que nós trabalhamos com a
Mossô e a Gigante, para estar verificando qual seria a melhor combinação [...] o que
que a gente adotou? A gente se baseou em estatística. O que que seria: um plano
fatorial, no qual a gente acoplou todas as variáveis,
, todas as possibilidades que a
gente poderia fazer um
shape; disso, eu ia para o laboratório, rodar 3 tipos de teste:
i) de flexão, ii) de impacto no joulímetro, e iii) de cisalhamento, de cola. Depois de
todo esse processo de escolher a melhor espécie, ver a idade dela, a questão da
secagem dela, se 'broca' ou se não a gente fez a pesquisa de satisfação do
cliente: pegamos
skatistas, no qual a gente lançava “x” modelos, e pedíamos para
ele 'brincar' com o
skate, para ver como que ele o sentia. Então, depois disso, ele me
relatava, através de uma ficha, no qual eu rodava um QFD (
Quality Function
Deploy
), no qual, o que o cliente queria, passava dessa linguagem subjetiva, para
uma linguagem técnica, objetiva, para eu estar avaliando onde eu teria de intervir,
para estar trabalhando o meu
shape.
Ainda sobre a natureza dos testes, relatou a entrevistada acerca da frequência com a
qual estes foram realizados:
O de cisalhamento era o de colagem: era uma máquina, na qual ela prende as 2
extremidades do
shape (o nose e o tail), para ver onde ele rompe: se ele rompe na
cola, ou se ela rompe na fibra, que eu pedia para fazer o corte, o que eu testava. O
outro era o de flexão, no qual era um projétil, pequeno, e no meio ele fazia
(aplicava) uma força, que se dividia pelo corpo de prova, e mostrava a resistência e
flexibilidade quanto que eu conseguia conforme a espessura da lâmina, o tipo de
lâmina, e a sua composição. E o outro era o do joulímetro, no qual a gente acoplava
o
skate num equipamento parado no chão, e colocávamos um peso específico,
descendo numa determinada altura, até começar a quebrar as fibras. [...] Os testes
eram diários, e aconteciam nessa sequência mesmo. Nós definíamos o que iríamos
fazer, os tipos de corpo, ou seja, as possibilidades de
shape, de combinação, e eu ia
rodar os testes [...] usamos mais de 100 corpos de prova de cada teste desses [...] e
isso demorava, a gente ficava, às vezes, dias rodando testes, cada teste desses
(ESTAGIÁRIA DA INTEC-TECPAR).
Os corpos de prova em suas combinações eram montados de acordo com as
variações possíveis contempladas no plano fatorial dos 3 testes, envolvendo combinações das
madeiras de bambu (Mossô e Gigante) e das madeiras normais usadas na produção dos
shapes
tradicionais da empresa Alfa (marfim e eucalipto) (FONTANA, 2006). Assim, as atividades
pertinentes aos 3 testes acabaram condicionando acontecimentos relevantes durante a
realização do processo de desenvolvimento do
shape de bambu, que influenciaram
significativamente o andamento do projeto.
107
4.2.2.1 Análise das práticas de testes no TECPAR
Os testes nos corpos de prova, preparados a partir das combinações do plano fatorial
que contemplava os materiais do
shape, aconteceram no Laboratório de Química Industrial do
TECPAR (LQI-TECPAR), fazendo uso de máquinas e
softwares específicos de
acompanhamento dos testes, disponíveis. No que diz respeito às metodologias aplicadas
nos testes, estas se caracterizaram, de acordo com a pesquisa de Fontana (2006), da seguinte
forma:
Teste de esforço de cisalhamento (ou tração): Este teste teve a finalidade mensurar
a resistência da colagem das camadas de um laminado por um ensaio de corte,
medindo, assim, a resistência ao cisalhamento paralelo à direção das fibras das
lâminas dispostas no
shape. Para esse teste, foram preparados 234 corpos de prova,
envolvendo as madeiras de bambu (Mossô e Gigante) e as madeiras tradicionais
(marfim e eucalipto). Norteando a realização deste teste, tomou-se como parâmetro
uma norma européia chamada DIN-EN-314-1/93, a qual protocolava que a
eficiência da colagem deveria ser obtida mediante dois parâmetros associados: i) a
resistência mecânica, que indica que, quanto maior forem os valores obtidos nos
testes, melhor a resistência da colagem, e ii) o percentual de fibra, que indica se a
ruptura ocorreu na madeira ou na cola, de modo que quanto maior for a
porcentagem de fibra, maior a resistência da cola.
Teste da análise do módulo de elasticidade e resistência máxima à flexão estática:
Neste teste, que teve por finalidade identificar o limite de elasticidade do corpo de
prova, até a sua ruptura, tomou-se como referência a norma européia para madeiras
e compensados chamada DIN-EN-310/93, a qual protocolava as dimensões para os
cortes dos corpos de prova. Para este teste, 105 corpos de prova foram preparados e
testados, todos envolvendo combinações entre as madeiras de bambu (Mossô e
Gigante) e as madeiras tradicionais (marfim e eucalipto).
Teste do joulímetro para análise da resistência ao impacto: Para este teste, que tem
por fim analisar a resistência que os
shapes têm ao impacto de um determinado
peso, solto, em queda livre, a uma determinada altura, foram preparados 30
skates
completos com rodas, trucks, rolamentos e parafusos –, compostos do shape de
bambu em suas combinações, a fim de tentar reproduzir, sob condições
108
controladas, o impacto do peso de um praticante do esporte quando na realização
das manobras da prática esportiva em questão. Em adição, 6
shapes de
concorrentes nacionais foram submetidos a esse teste, no intuito de ter como
parâmetro qualitativo o desempenho identificado por outros produtos que não os da
empresa
Alfa ainda que nenhum trabalho de engenharia reversa tenha
efetivamente ocorrido durante o processo de transferência da tecnologia aqui
analisada.
Ao longo da realização dos ensaios, que obedeciam à sequência acima disposta,
percebeu-se, mediante os resultados dos testes, o fato de que a inexistência de uma norma
específica para a realização desses tipos de testes em
shapes de skate, assim como de uma
norma específica atual que protocolasse como um
shape de skate deveria ser fabricado, foram
fatores cruciais para que adequações nas normas utilizadas para os testes nos corpos de prova
ocorressem. Essas adequações acabaram ocorrendo gradativamente ao longo da realização dos
próprios testes, que as atividades e os parâmetros determinados(as) nas normas
desfavoreciam, em algumas ocasiões, a confrontação com os resultados obtidos dos testes:
Olha, nós tivemos um problema sério com normas específicas, porque existe uma
norma européia, uma norma inglesa para
skates, e ela contemplava 1 tipo só de teste,
que era similar ao do joulímetro, e para os outros testes nós usamos normas para
compensados de madeira mesmo, para que tivéssemos noção do que estávamos
trabalhando [...] eu tive de trabalhar metodologias e implantar metodologias [...] o
do joulímetro, foi o Sakuma (Subgerente da DTS-TECPAR) quem implantou, e eu
segui. [...] O engenheiro florestal que também estava trabalhando no projeto era
quem auxiliava nos cortes das matérias-primas; eu fui com ele, diversas vezes, para
analisar amostras, com produtores e tudo mais, e depois que definimos os tipos de
bambu que utilizaríamos para os testes, então, o que que acontecia: ele pedia para o
pessoal da empresa
Alfa cortar, secar e laminar o bambu – eu especificando a
espessura que eu queria seguindo para a montagem, para fazer o
shape [...] ele
voltava para mim pronto, e eu ia esporadicamente para a linha de produção, para
corrigir falhas, pois inicialmente, as lâminas, o
shape do bambu, era completamente
irregular; você via as lâminas, e elas não eram completamente retilíneas, e nós
tivemos de trabalhar isso, para que eu tivesse rendimento nos meus testes, e,
sobretudo porque isso era um fator essencial no desempenho do produto e na
qualidade final dele [...] então, gradativamente aconteceu a melhoria dessas
combinações, desse modo de fazer os laminados e de juntá-los [...] nos testes de
cisalhamento, por exemplo, a questão da adesão das lâminas, da colagem, foi
ficando melhor mesmo somente pro meio do projeto [...] o engenheiro florestal
me ajudou bastante, pois enquanto eu tocava os testes, ele estava na linha de
produção, fazendo coleta de matéria-prima, pedindo para o pessoal produzir os
corpos de prova do jeito que eu precisava; então, trabalhamos muito dessa forma:
era cada um de um lado, mas sempre nos reuníamos. [...] tive muitas dificuldades
com o maquinário existente na empresa então [...] a gente perdia até 70% de
matéria-prima, durante o processo de montagem desses corpos de prova
(ESTAGIÁRIA DA INTEC-TECPAR).
109
Dependendo da forma como você tracionar [...] por exemplo, olha aqui um
compensado, um formato de corpo de prova (indicando com um objeto); esse aqui é
de uma espessura similar. A gente prende ele ali nas “garras” daquela máquina
(apontando para uma máquina específica usada nesse tipo de teste), prende na
máquina, e puxa; daí, ele tem que romper aqui
ó (indicando no objeto); vendo que
ele
cortado até a mesma lâmina. O cálculo é feito o seguinte: a gente mede a força
pela área de rompimento, tendo que romper nessa linha aqui
ó (indicando no objeto),
nessa lâmina: ou para cima, ou para baixo, ou no meio da madeira. O problema é
que, do jeito como
tava sendo feito o shape, às vezes a gente não tinha como romper
nesses pontos, porque as lâminas estavam na mesma direção, no mesmo sentido da
fibra. Dessa forma, puxando no mesmo sentido da fibra, cola nenhuma ia segurar,
pois num compensado, geralmente, a lâmina que é tracionada tem que ser colada no
sentido transversal, e as outras (lâminas) m de estar perpendiculares a esta: daí, a
gente chegou a essa conclusão, de que, do jeito que estava sendo feito, o jeito de
produzir o
shape, a gente não tinha como avaliar, pois estava puxando duas vezes no
sentido das fibras, para que se pudesse equilibrar a força da colagem com a força da
madeira, porque senão, a força da madeira sempre vai ser muito superior, ou vai
indicar que a tua colagem não está boa (ENGENHEIRO FLORESTAL DO LQI-
TECPAR).
Não norma(s) específica(s) de produção para os
shapes de skate; a única norma
encontrada é uma norma britânica, de 1979, se eu não me engano, descoberta
mediante um levantamento quando a gente tava fazendo um projeto de exportação.
Trata-se, na verdade, de uma norma um tanto quanto genérica, não sendo útil pela
carência de especificidade para o processo de produção do
shape; não existe uma
normatização do
shape; os produtos em si, e como eles são produzidos, as pessoas
vão criando, alterando, e isso acompanha as tendências de modalidades de
skate, e o pessoal adapta a prancha de acordo como ele acha que vai se adaptar
melhor. Em termos internacionais, não constam normatizações (PROPRIETÁRIO
DA EMPRESA
ALFA).
Todo desenvolvimento de inovação, se você entrar logo em laboratório desprovido
de ferramental e conhecimentos adequados, você vai acabar caindo na tentativa e
erro, porque você não sabe bem onde começar, quando lhe falta o referencial do qual
a gente tava falando; e o caso da empresa
Alfa é um exemplo bem interessante disso,
pois ele demonstrou claramente que se necessita, sempre, de um ferramental o mais
adequado possível ao desenvolvimento do produto ou do serviço pretendido,
significando mais metodologia de interseção, dada a multidisciplinaridade do projeto
[...] isso não apenas porque o projeto era de um produto que comportava questões
conceituais relevantes para como ele seria lançado, mas, sobretudo porque, não
havia e na verdade, eu o creio que haja metodologias específicas e
adequadas para aplicar essa tecnologia do bambu em um
shape de skate [...] Norma
para produção de
shape é algo que carece de robustez, a julgar pelas Normas que
existem, e ainda mais, tratando-se de ter uma outra tecnologia material em questão,
que não a da madeira tradicionalmente usada, porque daí as propriedades físico-
químicas das matérias-primas em questão mudam, quando combinadas em um
produto (GERENTE DA INTEC-TECPAR).
Por tratar-se de um projeto experimental, o qual careceu de normatizações
específicas que orientassem a realização dos testes necessários nesse tipo de artefato (os
shapes de bambu), os envolvidos no projeto encontraram como solução realizar, à luz das
adaptações que a própria confecção dos corpos de prova sofriam conforme relatou a
estagiária da INTEC-TECPAR testes estatísticos de variância, a fim de identificar
diferenças significativas entre as médias amostrais dos resultados dos corpos de prova. Além
110
disso, no intuito de minimizar um grande número de experimentos necessários pelo plano
fatorial inicialmente definido, e, juntamente com a necessidade de minimizar o dispêndio de
recursos materiais, financeiros e de tempo do projeto, optou-se também por fazer uso do
planejamento experimental dos arranjos ortogonais de Taguchi (o método Taguchi)
conhecido por ser um conjunto de técnicas propostas para atingir o objetivo de um projeto
robusto, a partir da otimização deste pela minimização de 'ruídos' ou 'perdas' que possam
comprometê-lo, de acordo com experimentos fatoriais e matrizes ortogonais.
Entendendo-se que as normas orientam as atividades necessárias para que os testes
sejam realizados, assim como definem os resultados tidos como padrões adequados/esperados
(que constam nelas protocolados), evidencia-se que elas (as normas) operam enquanto
referências de como se deve proceder no espaço-tempo dos ensaios, habilitando-nos tecer aqui
uma analogia com o fato destas normas (as duas normas européias anteriormente citadas)
representarem as estruturas (as regras e recursos) nas quais as práticas de manuseio de uma
tecnologia estavam inscritas, nessa etapa do processo de transferência da tecnologia em
questão. Ao entender que as atividades contempladas em uma norma, necessárias para que
determinados resultados sejam ou não obtidos, consistem, essencialmente, em atividades
rotinizadas que conectam diversos elementos, desde ações corporais (o manuseio da
tecnologia do bambu tratado e laminado, a confecção dos corpos de prova) até artefatos e
seus usos (os corpos de prova em si, as máquinas de teste mecânico disponíveis no LQI-
TECPAR e utilizadas nos ensaios), e estas possuem, sobretudo, um caráter legítimo dentro de
uma coletividade (entre os pesquisadores de formação em Química, Física, Engenharia, por
exemplo), desvela-se todo um corpo de práticas de testes de laboratório pressupostas na
representação (
enactment) das próprias normas. Em outros termos, pelo fato de uma norma
ditar como se deve agir praxiologicamente na realização de um ensaio técnico, objetivando
mensurar, testar, analisar ou alcançar algum resultado já tido como padrão, de acepção
legítima em um campo profissional, pode-se aqui afirmar que, nesta etapa da aplicação dos
conhecimentos tecnológicos de uso e manuseio da tecnologia social do bambu no
shape de
skate da empresa Alfa, vemos as normas atuarem como estruturas condicionantes das práticas
pressupostas na realização dos testes necessários para o desenvolvimento dos
shapes de
bambu e, por conseguinte, condicionantes do manuseio da tecnologia social em questão
(ORLIKOWSKI, 2000; RECKWITZ, 2002a).
É interessante perceber que, mesmo se tratando de um coletivo organizado – o grupo
diretamente envolvido no desenvolvimento do projeto do
shape de bambu o papel
desempenhado pela estagiária da INTEC-TECPAR foi significativo no que tange a entender
111
como, mediante a agência humana nas suas acepções iterativa, transpositivo-projetiva, e
avaliativo-prática (EMIRBAYER; MISCHE, 1998), empreendeu-se mudanças em práticas
específicas, à luz, especificamente, do corpo de conhecimentos da prática (ORLIKOWSKI,
2002) de pesquisa científica absorvidos em experiências prévias por esta:
Quando você aprende uma disciplina, de maneira disjuntiva na universidade, por
exemplo, você
vendo tudo 'redondinho' lá, mas quando você vai no laboratório,
para de fato fazer o experimento, se você tiver uma normatização rígida e séria, você
está tranquilo, porque é tudo protocolado; porém, e quando você começa a perceber
que as coisas já não estão funcionando bem, pelo fato de que o teu ferramental
, de
alguma maneira, dificultando o processo? Foi nisso que a estagiária do projeto
começou a ver, no uso das normas, outras maneiras de lidar com essas normas,
tendo que adaptá-las para o caso do bambu [...] foi assim que se chegou à questão do
posicionamento das lâminas do bambu, juntamente com o ponto de vista dos
usuários, porque complementou-se, ou melhor, confrontou-se esses protótipos com
os dados coletados do
QFD, das oficinas de QFD que foram feitos junto aos
skatistas (GERENTE DA DST-TECPAR).
Tal colocação nos leva ao ponto definido inicialmente no projeto de desenvolvimento
do
shape de bambu e ainda não contemplado diretamente nesta análise acerca dos testes
envolvendo os usuários da tecnologia em si. Frisa-se, novamente, que esta etapa do
desenvolvimento do produto foi desmembrada nesta análise apenas a título de didática
expositiva, tendo esta acontecido em paralelo à realização dos testes laboratoriais nos corpos
de prova.
4.2.2.2 Análise das práticas dos usuários da tecnologia
A realização dos testes até aqui descritos fez uso de normas não necessariamente
destinadas ao específico produto em desenvolvimento, mas sim de normas que, enquanto
destinadas à aplicação em compensados de madeira, tiveram de ser adaptadas, a partir da
capacidade “agêntica” dos envolvidos no projeto, no que dizia respeito a agir, modificando-as
mediante adaptações e acessando práticas e conhecimentos de outros corpos de práticas
(GIDDENS, 2003; ORLIKOWSKI, 2006), que não as protocoladas nessas normas utilizadas
para o projeto. Contudo figuraram como fatores determinantes para o desenvolvimento do
shape de bambu os requisitos de utilização desse tipo de produto a partir de especificações
dos praticantes do próprio esporte, e do que se tem como aspectos qualitativos de desempenho
112
do produto, institucionalizados na prática da modalidade do esporte à qual o produto era
destinado.
Essas especificações foram apreendidas no projeto mediante a utilização, junto aos
skatistas profissionais (patrocinados pela empresa Alfa para representarem-na e aos seus
produtos), de uma ferramenta de planejamento e de avaliação do grau de satisfação do cliente,
denominada
Quality Function Deploy (QFD). Essa ferramenta traduz as necessidades dos
clientes em requisitos equivalentes para o desenvolvimento do produto, a partir da coleta
desses dados subjetivos por meio de questionários aplicados após a utilização efetiva (na
prática) dos protótipos de um produto. Especificamente acerca do projeto dos
shapes de
bambu, consta o registro desta etapa em Fontana (2006, p. 39-41), explicando em que tal
metodologia consistiu, e como foi aplicada:
Os dados referentes aos requisitos dos clientes em relação ao produto são coletados
através de pesquisa de campo exploratória, com questionários em conjunto com os
protótipos do produto,
skate. Estes relatórios de acompanhamento são distribuídos
para três atletas do esporte. [...] As perguntas do questionário são ordenadas em seis
tópicos, relacionados ao produto [...] Essas perguntas dos questionários são
incorporadas no projeto por meio de um conjunto de matrizes partindo dos requisitos
expostos pelos clientes, tais como
pop(batida); “dureza” da prancha; lascas e a
leveza e transforma-os em especificações técnicas do produto, como rigidez
compressão do
skate, resistência à flexão estática (valor nominal); qualidade da
lâmina (quantidade de amido) relacionada com a idade das espécies de bambu
dentre as estudadas e a espessura do
shape de skate. Essas variáveis foram
estipuladas pesos relativos em relação da sua importância perante as necessidades
dos clientes, atletas do esporte. [...] às matrizes, realizam-se algumas operações
básicas de extração, relação e conversão, em que: i) a extração é o processo de criar
uma tabela a partir de outra, ou seja, de utilizar os elementos de uma tabela como
referência para se obterem os elementos de outra tabela; ii) a relação é o processo de
identificar a intensidade do relacionamento entre os dados das duas tabelas que
compõem a matriz; iii) na conversão existem dois tipos de conversão. O primeiro,
significa a transformação (ou modificação) dos dados originais coletados em
pesquisas de mercado para dados “trabalhados” e analisados que podem ser usados
como requisitos dos clientes. É, portanto, um processo qualitativo. O segundo se
refere ao processo de transferir a importância relativa (peso) dos dados de uma
tabela da matriz para os dados da outra tabela, em função da intensidade das relações
existentes entre eles. É, portanto, um processo quantitativo. [...] O QFD está
contextualizada neste projeto como a matriz que auxilia o desdobramento dos
requisitos do cliente em especificações técnicas do produto e permite que sejam
estipulados os valores e metas a serem atingidos para o desempenho em termos
destas características.
A partir da formulação desse conjunto de matrizes, definiu-se então uma 'Matriz da
Qualidade', que indicava as características técnicas mais importantes para o desenvolvimento
do produto. Segundo esta, constava que a rigidez, a adesividade da resina e a qualidade da
lâmina eram as características que interferiam mais significativamente na satisfação dos
usuários do produto, pois quanto maior fossem i) o valor da rigidez da compressão mensurada
113
pelo teste de impacto, ii) a adesividade da resina com a lâmina, e iii) menor fosse quantidade
de amido na folha, em especial de bambu, melhor seria a batida
pop do shape –, por
proporcionar elevada dureza da prancha, bem como menor saída de lascas das lâminas do
shape. A relevância destas dimensões subjetivas apreendidas a partir dos usuários da
tecnologia pôde ser captada segundo as colocações do proprietário da empresa
Alfa, as quais
enfatizam a relevância da dimensão prática e do conhecimento subjacente a ela:
O shape, na verdade, é a alma do skatista; se o shape for ruim, automaticamente o
cara não vai conseguir andar [...]
quem, digamos assim, souber andar, tiver
conhecimento da prática do esporte, ele vai saber quais são as manobras que
existem, que podem ser feitas, ele vai saber
qual o tipo de shape melhor, o som da
batida do
shape – que não pode ser um som “choco”, tem que ser um som específico
do impacto na hora da manobra –, a resposta do
shape a cada manobra [...] então o
processo é diferente dos
shapes de madeira comum para os shapes que levam o
bambu, que são produtos que atendem a uma outra série de exigências por parte do
consumidor [...] você tem que ter cuidado, você tem que ter acompanhamento desse
processo. [...] Os testes de laboratório (para colagem das lâminas, resistência, etc.)
são importantes, claro, para se ter um documento, para também podermos ter o
posicionamento da situação do produto de alguns concorrentes, o que e como eles
estão produzindo agora, como estão saindo os produtos deles e tudo mais; mas
os
testes práticos são, na verdade, muito mais importantes do que os testes de
laboratório
justamente pela ausência de uma normatização padrão que vigore [...]
então, os testes feitos pelos atletas, por quem anda, eles são muito mais importantes
do que os testes de laboratório
, porque neles os atletas te dão um feedback
imediato [...] não sendo isso, o parâmetro de vendas do mercado mesmo
(PROPRIETÁRIO DA EMPRESA
ALFA).
É relevante atentar para o fato de ser, provavelmente, nos testes práticos junto aos
usuários, que melhor se pode perceber a dualidade da tecnologia sustentada por Orlikowski
(1992, 2000). Tendo em mente que os testes práticos ocorreram ao longo de todo o processo
de desenvolvimento do
shape de bambu – com o estabelecimento da 'Matriz de Qualidade' em
uma pré-fase do projeto mediante o QFD, e obtendo o retorno imediato dos usuários da
tecnologia embutida no produto à medida que os protótipos iam sendo testados foi, de
acordo com a recorrência do uso da tecnologia (social do bambu, aplicada ao produto, o
skate em si) por parte dos seus usuários, que os aprimoramentos nos shapes foram ocorrendo.
No caso do
shape de bambu, enquanto produto que abarca uma tecnologia específica (a
tecnologia social do bambu) vê-se nitidamente os componentes contemplados no conceito de
dualidade da tecnologia em Orlikowski (1992, p. 409): i) agentes humanos
(designers e
usuários da tecnologia, aqui representados pelos pesquisadores envolvidos no projeto de
desenvolvimento do
shape, os funcionários da empresa Alfa, e os skatistas como os usuários
da tecnologia); ii) o artefato
material em si que leva a tecnologia (o shape de bambu que
possibilita a prática do esporte, mediando a prática esportiva e sendo condicionada por ela, a
114
partir das suas diversas modalidades e estilos de prática existentes, e continuamente
aprimoradas pelos seus praticantes); e iii) as propriedades institucionais da tecnologia
(contemplando uma cultura sustentada nesta prática esportiva, procedimentos praxiológicos
recursivamente institucionalizados de como fazer uso do
shape à luz das manobras do esporte,
expertise para a conduta na prática do esporte). Dessa forma, a tecnologia social do bambu
aplicada aos
shapes de skates realiza a mediação da prática esportiva ao mesmo tempo em que
é moldada pelos seus usuários (os
skatistas praticantes da modalidade à qual os shapes de
bambu são destinados), sendo, assim, meio e fim da ação humana, à luz de condições
institucionais de interação para com esta tecnologia (os estoques de conhecimentos das
práticas de uso dos
shapes definidas a partir das práticas sustentadas no esporte).
Também sobre o papel dos usuários da tecnologia na sua constituição recursiva,
temos o fato de que, no caso em questão, os
skatistas que participaram do processo de
desenvolvimento do
shape de bambu atuaram como praticantes profissionais do esporte que
sustenta e que é sustentado pelo tipo de produto (artefato material) aqui desenvolvido (o
shape de skate), aplicando os conhecimentos da prática esportiva no espaço-tempo das
interações com a tecnologia, durante os testes. Conforme destaca Scott (2008, p. 223), na
conjuntura social em que se vive hoje, tem-se, nas próprias atividades profissionais e nos seus
agentes, legítimos condutores de instituições, dado o fato de que “[...] as profissões funcionam
como agentes institucionais como definidores, intérpretes, e aplicadores de elementos
institucionais”, abarcando no seu cerne a capacidade agêntica de criar e aplicar um conjunto
de elementos cultural-cognitivos, normativos e/ou regulativos, contemplando assim, os pilares
fundamentais das instituições sociais (SCOTT, 2001). Tal 'aplicação' de conhecimento à qual
Scott (2008) se refere, não se sob nenhuma outra circunstância, senão na própria
sustentação de uma prática – aqui, representada pela prática esportiva do
skate.
Ainda acerca desse papel desempenhado pelos praticantes do esporte, a função destes
no desenvolvimento do
shape de bambu, ao aplicar os seus conhecimentos da prática
esportiva, refletem demandas de consumo do público-alvo do produto final desse processo de
transferência de tecnologia. Uma vez que uma dada prática (tomando aqui o caso da prática
esportiva do
skate) possui suas próprias convenções (coletivas, legitimadas e
institucionalizadas) de ação e representação, as quais contemplam elementos técnicos e
institucionais (GIDDENS, 2003; ORLIKOWSKI, 2007; RECKWITZ, 2002a; SAVIGNY,
2001; SCHATZKI; KNORR CETINA), deve-se notar que os consumidores de um produto,
que sustentam uma prática de consumo e de uso de determinado produto/serviço (neste caso,
praticantes de um esporte que fazem uso do artefato imprescindível para sua realização), não
115
são meros espectadores e receptores de qualquer tipo de produto/serviço que lhes seja
ofertado: eles são usuários de determinado produto/serviço de acordo com a satisfação que
uma prática de uso e de consumo de algo lhes proporciona, contemplando elementos
sociais, institucionais e de desempenho técnico (ALLEN, 2002; WARDE, 2005), conforme se
pode perceber pelas colocações de alguns entrevistados na pesquisa, a seguir:
[...] essa cadeia de desenvolvimento, que se chama de transferência de tecnologia,
até chegar ao mercado, tem que levar em conta a demanda, o mercado, como que o
valor será atribuído e apropriado ao produto/serviço; se o
shape de bambu não fosse
tão bom, mecanicamente como ele é, por ser bambu, não daria certo. Isso se
justifica, sobretudo, pelo fato de que, na coisa do desenvolvimento de tecnologias,
em princípio, é uma questão bastante interdisciplinar, em que plataformas distintas
convergem para que todo o processo funcione; se você vai desenvolver um
shape de
bambu, por exemplo, então você precisa ter o conhecimento tácito daquilo que o
cliente entende como valor de um bom
shape, o conhecimento tácito de saber como
trazer isso ao produto e de como fabricar isso, as ferramentas específicas para gerar,
mecanicamente, o produto, os métodos e ferramentas definidas para isso, que vão
atuar como o norte do processo, o guia do que precisa ser feito no processo. Esse
referencial, de como agir, se faz presente no caso da empresa
Alfa, quando você
percebe que foram mais os testes técnicos de cisalhamento, resistência,
flexibilidade que foram moldando o processo, do que a inventividade por si do
empreendedor, de querer inovar em um produto. Mas veja:
não apenas isso (ênfase
na fala do entrevistado
), pois esses testes eram, e são, em geral, multifatoriais, com
interações entre variáveis diversas, variáveis essas, 'imputadas' por aspectos
objetivos, e também subjetivos, pois era então que entrava o ferramental do
QFD, e
da opinião dos usuários do produtos, que no caso eram os
skatistas que testavam os
protótipos (SUBGERENTE DA DTS-TECPAR).
O
shape de bambu é destinado (ou mais direcionado) ao skatista profissional, e o
produto é mais destinado a modalidade
street, ao skate de rua; não tanto para andar
nas rampas verticais; é mais o uso do
street mesmo. Sendo a modalidade street uma
modalidade mais de impacto, e menos “circense”, é justamente que a qualidade e
resistência diferenciada do bambu se faz presente e singular, por causa da
constituição físico-química da matéria-prima, e da combinação desta na colagem das
lâminas (respeitando as linhas ou sequências das fibras do bambu), além do
know-how de produzir o shape que leva a tecnologia social do bambu na densidade
adequada, na sua composição ideal de bambu e lâminas de madeira, no seu peso, etc.
(PROPRIETÁRIO DA EMPRESA
ALFA).
Em geral, se o seguinte: o
shape de bambu, é uma idéia até paradigmática, pela
questão da sustentabilidade
; contudo, o bambu ainda não tem uma cadeia de
produção suficientemente desenvolvida no Brasil tanto é que ele é classificado
como uma opção de tecnologia social, porque fica restrito a alguns produtores e
algumas comunidades produtoras, que muitas vezes, fazem um manejo sustentado
do cultivo do bambu, não explorando o solo, mas integrando o seu cultivo na área da
propriedade rural, de modo equilibrado. [...] o mercado de marcas 'ecologicamente
corretas' é um segmento bem restrito, e isso faz desse tipo de produto, um tipo mais
complexo por si só, porque a transferência da tecnologia em si, não é suficiente para
explicar o produto; tem toda a questão da percepção do consumidor que vai a
reboque [...] é uma dimensão mais difícil de captar, porque ela ainda é nova, e tem
premissas distintas, aspectos culturais, de consciência, atitude do consumidor, etc.
[...] os 'produtos verdes', têm que ter uma abordagem horizontal e vertical no que diz
respeito a como se organiza a cadeia de valor que vai possibilitar a sua confecção
(GERENTE DA DTS-TECPAR).
116
O shape da Alfa, esse de bambu, funciona muito bem pra mim, porque eu sinto ele
mais forte, mais resistente do que os
shapes comuns, os de madeira, no caso [...] ele
não trinca fácil, não quebra rápido, nem de uma vez, que nem os outros de madeira
normal quebram [...] até trinca, claro, porque a gente tem uma constância de uso
muito grande, mas ele é mais forte sim, e também é mais leve [...] a batida é boa,
bate firme e seco, agrada a gente que anda (ATLETA PATROCINADO PELA
EMPRESA
ALFA).
Embora se tenha focado, nesta seção, no papel dos usuários, também se pode
perceber que o processo de transferência da tecnologia social do bambu para os
shapes da
empresa
Alfa implicaram algumas modificações no processo produtivo da empresa, como será
explicitado a seguir.
4.2.2.3 Análise das práticas de produção na empresa
Alfa
Segundo a descrição do processo de produção dos shapes concedida a esse estudo
por parte da empresa
Alfa, foi possível evidenciar que, no que concerne à ação laboral dos
colaboradores de nível operacional da empresa, responsáveis pela produção dos
shapes,
sim, diferença na maneira como os
shapes de bambu são confeccionados sob um cuidado
mais artesanal em comparação com os
shapes de madeira comum das marcas “Básica” e
“Mediana” da empresa. Porém, além desse impacto (sutil) nas práticas de produção dos
shapes de bambu, também foi possível perceber que mudanças no maquinário para esse
processo de produção tiveram de ocorrer, levando-se em conta, sobretudo, o conhecimento
dos métodos de produção dos
shapes obtido a partir dos testes realizados no LQI-TECPAR, e
subjacentes a todo o processo de desenvolvimento do
shape e de transferência da tecnologia
social do bambu para a empresa
Alfa. Conforme nos relatou o proprietário da empresa Alfa:
O maquinário da empresa Alfa é diferenciado do da concorrência, pois são máquinas
desenhadas especialmente para o processo de produção dos
shapes mesmo; [...] são
máquinas brasileiras mesmo [...] por serem máquinas desenhadas (e não adaptadas)
para esse tipo de produto, então o produto é feito sob uma precisão que já diferencia
o artigo.
A diferença, basicamente, está nos equipamentos que você tem, e,
lógico, na vivência de estar produzindo aquilo sempre
, nas maneiras diferentes
que você tem de cuidar, de gerir o teu processo, e daí, associa-se também a cultura
que cada empresa tem, a cultura de trabalho de cada empresa.
117
Embora não tenha sido intenção do presente estudo mensurar ou focar
exclusivamente a questão do conhecimento na empresa, por razões de propósito da pesquisa,
além de escolhas teórico-metodológicas, não é correto afirmar que não um conhecimento
fundamentado na prática de desenvolvimento da tecnologia em questão, refletido, por
conseguinte, na própria produção dos
shapes, depois de concluído processo de transferência
da tecnologia social do bambu para o produto da empresa. Os conhecimentos em questão são
tanto tecnológicos (exemplificados pelas pesquisas realizadas durante a incubação da empresa
no TECPAR, ou ainda sob a forma de artesanalidade na confecção dos
shapes, a qual
pressupõe conhecimentos tecnológicos aprimorados do processo de produção mediante o
exercício laboral humano), quanto não-tecnológicos (exemplificados pelos conhecimentos da
prática esportiva possuídos pelos praticantes do esporte, e utilizados enquanto fonte de dados
primários contemplando aspectos subjetivos da tecnologia) (ORLIKOWSKI, 1992, 2000.
2002. 2006). Corroborando este argumento aqui defendido, não apenas a citação anterior
indica essa presença de conhecimentos no processo de transferência de tecnologia analisado,
mas também a seguinte colocação do gerente da INTEC-TECPAR que acompanhou o projeto:
No sentido de conhecimento fruto desse processo de modificação das normas de
testes, dentro desse processo de transferência de tecnologia, tivemos mais a retenção
do conhecimento apreendido da vivência do processo, do que conhecimentos
externalizados, ou registrados sabe [...] foi mais o conhecimento de quem esteve
envolvido, trabalhando no projeto de desenvolvimento do
shape, do que de
relatórios e tudo mais; claro, documentação
toda aí, para mapear o que que
aconteceu, mas o peso do conhecimento tácito, para um processo dessa natureza, eu
acho que é o fator mais determinante mesmo [...] porque, não tem jeito, transferência
de tecnologia é algo mais dinâmico mesmo [...] pensou, um 'Protocolo de Boas
Práticas de Transferência de Tecnologia' em mãos? Se existe, eu não conheço, e se
pudesse haver, seria bom que alguém começasse a escrever isso logo, porque eu
queria dar uma olhada e ter um desses comigo (
risos) [...] não dá, porque cada caso é
um caso, é um processo que tem a sua complexidade natural mesmo, por causa da
questão interdisciplinar que nós conversamos antes.
Dessa forma, pode-se perceber que houve um conhecimento relevante, criado e
disseminado pelas distintas práticas acessadas (práticas científicas de pesquisa, práticas do
processo de produção, práticas dos usuários do esporte) e levadas a efeito (leia-se,
representadas
enacted) por parte dos envolvidos no projeto, bem como no coletivo que a
própria empresa
Alfa representa, sendo o seu 'chão de fábrica' o derradeiro exemplo:
118
O projeto em si, contou com o auxílio de profissionais de outras disciplinas para o
seu planejamento e desenvolvimento, e não apenas do pessoal de Química
Ambiental a estagiária, e o engenheiro florestal que atuava como consultor da
empresa. Não isso: os profissionais envolvidos tiveram de adquirir competência
interdisciplinar, que era importante para o processo de pesquisa e inovação do
produto, sem falar também do pessoal que produzia os
shapes, que teve de aprender
a operar direitinho o maquinário da empresa, o maquinário que foi investido para
que a produção dos
shapes pudesse sair, e também teve de aprender o “ponto” de
combinação das matérias-primas, da qualidade do
shape de bambu em sua
respectiva etapa do processo de produção (PROPRIETÁRIO DA EMPRESA
ALFA).
4.2.2.4 Concluindo o processo de transferência da tecnologia social do bambu: os testes de
resina
Em dezembro de 2007, após realizados todos os testes definidos inicialmente para o
projeto, ocorreu o desligamento da estagiária química ambiental do projeto o motivo foi o
fato de ela concluir seus estudos na instituição de ensino superior à qual estava vinculada. A
essa altura, relata o estudo de Fontana (2006, p. 81, grifo nosso), as conclusões das pesquisas
e do projeto puderam ser resumidas da seguinte maneira:
Desta forma, o bambu Gigante laminado, colado com resina epóxi, apresentou
excelentes resultados, como matéria-prima aplicada ao
shape de skate. De acordo
com os testes realizados se constatou que tanto a espécie
Dendrocalamus giganteus
quanto a Phyllostachys pubescens, apresentam resultados de médias similares.
Porém, a opção do
Dendrocalamus giganteus deve-se principalmente à formação de
seus galhos ao longo da vara. Outro fator considerado foi a produção de biomassa
que no bambu Gigante é bem maior do que no bambu Mossô. Assim,
o bambu
Gigante apresentou alto desempenho para o
skate profissional, com um
potencial elevado para manobras de alto desempenho, em função do baixo peso,
elevada flexibilidade e resistência ao impacto
. Além disto, como agregado
ecológico, possui um papel importante na fabricação de
shapes, pois aumenta a
durabilidade do produto e a gradativa substituição do uso de madeiras nativas como
o marfim principal madeira utilizada na produção de pranchas de qualidade. Esta
maior durabilidade ocorre em função da elevada orientação e grande comprimento
das fibras do bambu.
Porém, ainda que as conclusões da pesquisa fossem satisfatórias no que dizia
respeito ao desenvolvimento do projeto e da efetiva transferência da tecnologia, cogitou-se em
aprimorar o conceito do produto (aproveitando-se do fato de que ainda restavam alguns meses
de incubação, de acordo com a natureza dos trabalhos de parceria tecnológica entre a INTEC-
TECPAR e a empresa
Alfa) à luz da própria cultura de trabalho que a INTEC-TECPAR dava
(e segue dando) aos trabalhos de desenvolvimento e transferência de tecnologias:
119
[...] essa ênfase na questão do negócio, que nós adotamos aqui, se faz diferenciada
quando se encara a realidade de mercado; de demanda e oferta. Muitas vezes, os
empreendedores das empresas que aqui vêm não sabem nem conceituar o produto;
uma coisa é a funcionalidade do produto; outra coisa é ele entender do conceito do
produto/serviço, pois este é menos dele, e mais do mercado. É a história do valor
:
quem o valor do teu produto/serviço? É o mercado. E é essa ênfase que ele tem
que começar a entender, senão ele vai ficar mais na coisa da funcionalidade, sem
entender as outras variáveis que estão em jogo nessa coisa toda da inovação, da
tecnologia [...] nem sempre aquilo que se imagina com uma funcionalidade dá certo.
Uma coisa é você desenvolver o produto aqui dentro; outra coisa é saber conceituá-
lo e situá-lo no mercado. Veja o caso da tecnologia do bambu mesmo: o bambu
por si mesmo, não se sustenta; se ele não for um pacote, no qual estejam inclusos o
conceito do produto, a lógica de um produto verde que ele comporta, o custo-
benefício, assim como a sua própria funcionalidade, ele não deslancha (GERENTE
DA INTEC-TECPAR).
Por isso, retornando à idéia inicial de desenvolver um produto de cunho sustentável,
que tivesse como público-alvo consumidores que se preocupassem com uma questão
ecologicamente correta, aliado à necessidade de um produto funcionalmente melhor do que os
que eram ofertados no mercado de acordo com a modalidade do esporte praticada pelo
usuário tentou-se, então, desenvolver uma resina que aumentasse a coerência interna do
conceito do produto, enquanto item ecologicamente correto, já que os
shapes eram produzidos
com epóxi, o qual corresponde a um material de composição química a base de petróleo, que
não é tido como uma matéria sustentável, renovável, ou de fácil biodegradabilidade, como é
explicitado em um outro estudo resultante desse projeto, o de Moretti (2007).
Convocou-se assim, para esta etapa do projeto de desenvolvimento do
shape de
bambu, uma estagiária de Química Ambiental da DTS-TECPAR, a qual se encontrava na
divisão realizando uma pesquisa de um Projeto PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica da instituição de ensino superior à qual estava vinculada) acerca de
resinas ecológicas à base do óleo vegetal da mamona e da análise química deste óleo junto a
reagentes específicos. Esta estagiária da DTS-TECPAR, que já desempenhava suas atividades
nesta divisão desde junho de 2006, ingressou no projeto de desenvolvimento do
shape de
bambu em dezembro de 2007, dando continuidade a partir do ponto da pesquisa que a
estagiária anterior, a da INTEC-TECPAR, deixara.
A estagiária da DTS-TECPAR teve como papel no projeto, desenvolver a resina à
base do óleo de mamona, efetuando, para isso, testes de cisalhamento nos corpos de prova dos
shapes de bambu, os quais já estavam sendo montados (leia-se, produzidos) segundo as
especificações técnicas desenvolvidas ao longo do período de quase 2 anos de andamento do
projeto, até aquele momento. Relatou a estagiária que suas atividades contemplavam,
120
basicamente: i) pesquisar e coletar informações técnicas e científicas para o desenvolvimento
da resina, de maneira análoga ao próprio projeto de iniciação científica à qual ela estava
vinculada na sua instituição de ensino superior; ii) realizar ensaios técnicos de infravermelho
para analisar as reações químicas envolvidas nos testes para o desenvolvimento da resina; e
por fim, iii) realizar testes de cisalhamento no LQI-TECPAR com diversos corpos de prova
produzidos na linha de produção da empresa
Alfa, aplicando neles a resina à base do óleo da
mamona.
Nesse estudo que dissertou sobre essa etapa do projeto, Moretti (2007) frisa que o
benefício de empregar essa resina (em terminologia científica específica, esse 'adesivo') à base
do óleo da mamona aos
shapes de bambu, reside no fato de esta matéria-prima ser mais
resistente ao processo de descolamento das lâminas do
shape, quando submetido à ação da
água (tanto quente quanto fria), do que o adesivo sintético convencional de epóxi,
favorecendo, assim, ao produto, ter uma durabilidade maior frente a situações de uso mais
extremas, ao mesmo tempo em que o torna mais coerente na sua proposta de ser um item
'ecologicamente correto':
O desenvolvimento dos poliuteranos derivados de óleo de mamona (Ricinus
communis
) teve origem em trabalhos propostos na década de 40 [...]. A tendência
mundial à procura de materiais biodegradáveis, não poluentes e derivados da
biomassa fez com que as pesquisas com poliuteranos derivados de óleo de mamona
se tornassem um tema atual, abrindo assim novas perspectivas para o seu
desenvolvimento. [...] A utilização do óleo de mamona está voltada para fins
industriais, formulação de fluidos hidráulicos, tintas e vernizes, produtos
farmacêuticos, além da possibilidade de fabricação de inúmeros derivados, com
interesse comercial em produtos específicos ou para a substituição de produtos
similares, usualmente de origem petroquímica. [...] indicações de que o adesivo
de poliuterano à base de óleo de mamona é uma cola promissora para a manufatura
de compensados de madeira, menos agressivo ao meio ambiente e aos seres
humanos. [...] Os PU's [poliuteranos] podem unir a maioria dos materiais sob a
forma de adesivos eficientes, resistentes à vibração e aplicáveis em grande faixa de
temperaturas. Produzem juntas de alta resistência, permitindo a união de
componentes sem necessidade de perfurá-los, evitando a distorção térmica resultante
dos processos de união em temperaturas elevadas. [...] O adesivo de poliuterano a
partir de óleo de mamona é classificado como impermeável, além de representar
uma tecnologia brasileira (MORETTI, 2007, p. 4-5, p, 13-15).
Para os corpos de teste produzidos para esta etapa da pesquisa, foram utilizados os
shapes que vinham sendo produzidos na empresa Alfa, segundo as especificações técnicas até
então desenvolvidas pelo próprio projeto do
shape de bambu: shapes com 5 lâminas, sendo 2
de eucalipto, 2 de bambu Mossô (
Phyllostachys pubescens) ou de bambu Gigante
(
Dendrocalamus giganteus) e 1 lâmina de madeira de marfim (Balfourodendron riedeliaum),
unidas por um adesivo de óleo de mamona, comparando, mediante resultados dos testes de
121
cisalhamento, com corpos de prova nos quais se aplicaram resina epóxi convencional. Os
resultados, como foram salientados, foram positivos para o desempenho e justificativa de
uso da resina (ou adesivo) à base de óleo de mamona. Porém, por limitações de tempo e
recursos financeiros, os demais testes como testes toxicológicos, por exemplo não
puderam ser realizados, e estudos precisos de viabilidade econômico-fincanceira para a
produção da resina, levando-se em conta questões de cadeia produtiva, não puderam,
tampouco, ser efevitados.
Vê-se, no caso desta etapa do projeto do desenvolvimento dos
shapes, a entrada de
mais um campo de saber tecnológico específico, de base científica, por parte da pesquisa
realizada por essa estagiária da DTS-TECPAR. Ainda que ambas fossem estudantes de
Química Industrial, o conhecimento e o foco de pesquisa eram distintos, pois no caso dessa
segunda estagiária, o foco era mais na prática laboratorial de análise dos elementos químicos
combinados entre as matérias-primas em questão, enquanto na estagiária da INTEC-
TECPAR, era mais na composição e combinação físico-química das matérias-primas do
shape, e na sua funcionalidade frente aos usuários, etc. De uma maneira ou de outra, pode-se
afirmar tratar-se de conhecimentos de cunho tecnológicos provenientes de práticas
laboratoriais específicas, relacionadas a um campo do saber científico em comum, mas que
ainda assim, por acepções de empregabilidade e uso na prática cotidiana – ou seja, nas
circunstâncias da práxis dos indivíduos engajados no projeto se mostravam
complementarmente distintas (ORLIKOWSKI, 1992, 2002, 2006; PATRIOTTA, 2003a).
Diante dos términos do Projeto PIBIC da estagiária da DTS-TECPAR e do seu curso
de graduação na instituição de ensino superior à qual estava vinculada, esta participante do
projeto se desligou deste em fevereiro de 2008, e, neste mesmo período, encerrou-se o projeto
de desenvolvimento do
shape de bambu a partir da incubação da empresa Alfa na INTEC-
TECPAR, devido à expiração do prazo limite de 24 meses de incubação. Com isso, o
processo de transferência da tecnologia social do bambu para os
shapes da empresa Alfa se
deu por concluído, e a tecnologia social em si, absorvida ao produto e à empresa. Os
conhecimentos técnicos criados, desenvolvidos e aprimorados mediante a incubação, assim
como o conhecimento (
know-how, expertise, etc.) existente na empresa, de como se
produzir um
shape de skate, guiaram a empresa Alfa na produção dos shapes de bambu,
integrando-os à sua linha de produção, passando a se preocupar então, com questões de
logística de produção, distribuição e de desenvolvimento publicitário do novo item
realizados pelo próprio departamento administrativo da empresa.
122
Um ponto interessante a ser destacado do projeto como um todo, mas que teve o seu
foco um pouco mais forte, nesta etapa do projeto, foi o concernimento ecologicamente
sustentável manifestado pela empresa
Alfa, no que tange ao produto do shape de bambu.
Somando-se à intenção de acesso e utilização de uma tecnologia social para um produto que
tornasse a empresa diferenciada no seu mercado de atuação, temos também a intenção de
tornar este produto o mais ecologicamente correto possível. Essa preocupação pode ser
percebida no discurso sustentado por todos os 10 (formalmente) entrevistados nesta pesquisa,
com frases como “Hoje em dia a necessidade desse investimento todo em tecnologias
sustentáveis [...].” (ESTAGIÁRIA DA INTEC-TECPAR), ou ainda em outras passagens aqui
já expostas das falas dos Gerentes e do Subgerente das Divisões envolvidas no projeto.
Porém, essa preocupação se manifesta mais claramente na seguinte passagem, proferida pelo
proprietário da empresa
Alfa:
Eu estou preocupado com a sustentabilidade desde o começo dos anos 1990, de uns
projetos de outros trabalhos que eu fiz sabe [...] na verdade, a gente
buscando uma
alternativa de você não agredir a natureza, ou não consumir algo que logo pode fazer
falta para todos nós [...] então isso é uma preocupação nossa sabe, é uma
preocupação no sentido de que no nosso ramo sabe, a coisa
cada vez mais
complicada [...] voachar alternativas de produção para mudar o corte de árvores
nativas, coisa que leva anos e anos, ou você fazer alguma parceria, como a que
temos para a matéria-prima dos nossos
shapes de madeira comum, na Argentina,
onde eles têm a floresta e eles fazem o manejo, o corte, tudo controlado e com
replantio e tudo mais [...] então essa é uma preocupação minha, de a gente fazer uma
empresa que se preocupe nesse sentido [...] muitas vezes, infelizmente, a gente não
tem poder aquisitivo para fazer tudo isso, para mudarmos tudo isso, fazer o
reaproveitamento do que nós produzimos, ou algumas outras coisas que nós
gostaríamos de fazer e não fazemos [...] mas nós temos essa preocupação e a nossa
filosofia de trabalho vai tentando pôr isso em prática, essa intenção [...] com o
bambu, já demos um 'passinho'.
À luz dos conceitos de tecnologia e flexibilidade interpretativa da tecnologia
apresentados por Orlikowski (1992), e que servem de referência para o presente estudo,
temos, analisando o excerto acima que, uma tecnologia possui, de fato, não apenas
propriedades estruturais de cunho físico, mas também de cunho social, derivadas do contexto
institucional de referência ao qual a tecnologia pertence, e que são apreendidas, representadas
(
enacted) e sustentadas mediante a recorrência do seu uso na prática. Pelas falas dos
entrevistados, os elementos da
sustentabilidade, do ecologicamente correto, e da
preocupação com o desenvolvimento sócio-econômico, caminharam paralelamente ao
argumento da funcionalidade técnica que a tecnologia social do bambu traria (e efetivamente
traz, como constataram as pesquisas realizadas) ao produto em questão, indicando tanto uma
propriedade estrutural física/técnica, quanto uma propriedade social-construída desta
123
tecnologia, sustentadas intersubjetivamente no grupo dos envolvidos no projeto, as quais
refletem o contexto ambiental onde as organizações envolvidas no projeto se encontravam: i)
o instituto de pesquisa, com a sua missão, objetivos, funções societais e valores de
desenvolvimento social e econômico, a partir da pesquisa e da disseminação tecnológica, e a
ii) empresa
Alfa, que se trata de uma pequena empresa, cujo proprietário é um indivíduo
proveniente da área rural, e que não apenas nela cresceu, como nela segue a viver, enxergando
nela o seu sustento, fonte de vida presente e futura, tendo dessa forma uma relação particular
com a natureza, por valores familiares transmitidos nas socializações primária e secundárias
às quais foi submetido ao longo da vida (BERGER; LUCKMANN, 2003; ORLIKOWSKI,
1992, 2000). Além disso, por tratar-se de uma tecnologia social, a propriedade da
flexibilidade interpretativa (ORLIKOWSKI, 1992, 2000) ganha robustez para o entendimento
das relações subjacentes à interação entre os envolvidos no processo e ela (a tecnologia em
si), pois, como apregoam Lassance Jr. e Pedreira (2004, p. 73):
Por serem inovadoras, as TSs exigiriam a mudança de determinadas regras ou
padrões de interpretação. Fazer o que nunca foi feito esbarra na lógica burocrática de
zelar e preservar os padrões existentes. Os aspectos de racionalidade (modicidade,
legalidade, economicidade, sustentabilidade) que as TSs podem conquistar ajudam
em muito a cumprir esse circuito, assim como a ampliação de experiências concretas
de implantação em vários governos. As tecnologias se respaldam ao criar
precedentes com parceiros institucionais (prefeituras, governos estaduais, entidades
nacionais reconhecidas), que demonstraram ter autoridade suficiente para orientar
suas burocracias a dotar de lógica administrativa o processo de implementação
dessas práticas inovadoras.
Voltando à narrativa, devido às limitações financeiras salientadas anteriormente, as
prioridades de investimento da empresa
Alfa a levam a, momentaneamente, não focar na
continuação do projeto da resina a base do óleo de mamona ato este o qual faz sentido,
quando se leva em consideração o fato de se tratar, ainda, de uma pequena empresa. Apesar
disso, o proprietário e responsável pelo setor de produção da empresa
Alfa manifestou,
durante as entrevistas, que a intenção, por parte da empresa, de dar sequência ao
desenvolvimento dessa resina ecologicamente adequada ao conceito do produto,
aprimorando-o na sua concepção originariamente pretendida.
Atualmente, a empresa
Alfa produz os shapes de bambu numa combinação com a
madeira da espécie
Pinus Argentino, por se tratar de uma madeira de manejo sustentável e que
não se encontra sob ameaça de extinção, como a madeira de marfim (pau-marfim,
Balfourodendron riedeliaum), antes empregada na confecção dos shapes de bambu
(FONTANA, 2006; MORETTI, 2007). Até o término do presente estudo, a empresa
Alfa
124
informou estar indo para o 2º lote de produção e venda do shape de skate que leva a
tecnologia social do bambu, pelo fato do 1º lote produzido já ter sido bem recebido e
consumido no mercado de atuação da empresa após o seu lançamento oficial ter acontecido
no fim do segundo semestre do ano de 2008. Contudo, o
shape de bambu ainda não é
produzido em larga escala, em decorrência das restrições da cadeia produtiva do bambu
existente no Brasil.
4.3 O PROCESSO DE TRANSFERÊNCIA DA TECNOLOGIA ANALISADA À LUZ DA
PERSPECTIVA DA “TECNOLOGIAS-NA-PRÁTICA”
De acordo com o arrazoado construído para que o processo de transferência de
tecnologia aqui abordado pudesse ser analisado, pode-se elencar alguns elementos estruturais
representativos no desenvolvimento do projeto do
shape de bambu anteriormente relatado.
Em essência, tem-se que, ao longo das etapas do projeto, distintos agentes engajaram-se no
projeto, agregando-lhe saberes profissionais oriundos dos seus campos de atuação
profissional, que contribuíram para o desenvolvimento do produto pretendido, incluindo
nisso: engenheiros florestais, engenheiros químicos, biólogos, químicos ambientais, além de
gestores de diversas sortes. Por tratar-se de um projeto de transferência de tecnologia inter-
organizacional (LUNDQUIST, 2003) envolvendo iniciativa privada (a empresa
Alfa) e um
instituto de pesquisa de forte vinculação a instituições de ensino, pesquisa e extensão
acadêmicas (o TECPAR), essas combinações, bem como a contribuição da capacidade
agêntica de cada um desses envolvidos (GIDDENS, 2003) pôde ser mais bem ressaltada ao
longo de vários eventos descritos, como, por exemplo:
As colaborações entre os profissionais envolvidos no projeto, a exemplo do
trabalho em parceria entre a estagiária da INTEC-TECPAR e o engenheiro florestal
que atuava como consultor na empresa
Alfa (como foi manifestado pela própria
entrevistada) na coleta de matérias-primas em campo, junto aos produtores de
bambu visitados, na etapa de definição de qual(is) espécie(s) de bambu poderia(m)
ser utilizada(s) na confecção do
shape.
Os conhecimentos aplicados pelos gestores do projeto no caso, os gerentes da
INTEC-TECPAR e da DTS-TECPAR – na coordenação e desenvolvimento do
125
conceito do produto, levando ainda em conta as questões de apelo mercadológico
do item em si.
Os conhecimentos da estagiária da INTEC-TECPAR aplicados aos procedimentos
das práticas laboratoriais, além da representação (
enactment) das práticas das
normas dos testes, que atuavam como estruturas condicionantes da ação desta, e
que tiveram de ser modificadas no seu próprio momento de acontecimento: i)
buscando adaptações das normas de compensados de madeira para o material do
bambu, ii) conduzindo a uma disposição específica das lâminas de bambu
combinadas com as lâminas de madeira, iii) interferindo no modo como tratar os
resultados dos testes, necessitando, para tal, desenvolver metodologias
comparativas desses resultados, no intuito de fornecer-lhes significado e sentido,
conferindo-lhe parâmetros norteadores da pesquisa.
Os conhecimentos técnicos do subgerente da DTS-TECPAR acerca das práticas e
dos procedimentos laboratoriais na adaptação necessária da norma para testes de
joulímetro para materiais/produtos que levassem à tecnologia social do bambu
aplicada/embutida.
Os conhecimentos da estagiária da DTS-TECPAR no desenvolvimento do projeto
durante a etapa de testes contemplando a resina a base do óleo da mamona aplicado
na confecção dos
shapes como alternativa para a resina fenólica de epóxi
tradicionalmente utilizada em compensados de madeira.
Os conhecimentos (de natureza tácita e não tecnológica ou científica) das
atividades motoras dos usuários do produto em questão os praticantes do esporte,
no caso, os
skatistas –, constituindo práticas de uso a partir das manobras com o
skate, e da resposta percebida em termos de funcionalidade dos shapes que levam a
tecnologia social do bambu – ou seja, as práticas esportivas em si, contemplando as
manobras e a interação direta do praticante com essas práticas mediadas pelo
skate,
de acordo com a modalidade do esporte à qual o item era destinado.
Na presente pesquisa, portanto, coletaram-se evidências e indicativos substanciais
que sugerem que todos esses conhecimentos acima descritos acabaram sendo retidos ou nos
termos associados à literatura acerca do tema da transferência de tecnologia, 'absorvidos'
pela empresa receptora da tecnologia (KREMIC, 2003), mediante um processo de
institucionalização do conhecimento, fruto da recorrência de acesso, representação
(
enactment), interação de práticas de uso e modificação sutil de diversas práticas
126
organizacionais e profissionais (PATRIOTTA, 2003a), presentes no projeto a partir dos
envolvidos nele, e relevantes não apenas para o desenvolvimento do produto ainda enquanto
projeto, mas também para o próprio processo de produção do
shape na empresa Alfa,
atualmente, significando um estoque de conhecimento estabilizado numa 'caixa-preta', nos
termos de Patriotta (2003a) a partir da recorrência de utilização, aplicando-os no modo
como se produzem os
shapes o know-how/expertise de como produzir os shapes de madeira
comum, e agora, os que levam a tecnologia social do bambu em suas especificidades, detalhes
técnicos, ajustes no maquinário da linha de produção, cuidado no manuseio e aplicação da
matéria-prima, e qualidade da peça na sequência de produção. Essa constatação e consequente
afirmação se sustenta na 'amarra' entre os temas da tecnologia e do conhecimento
estabelecidos no corpo deste estudo, a partir da qual entende-se que estes dois elementos são
intrinsecamente relacionados, à parte da natureza do conhecimento em questão quer se trate
de um corpo de conhecimentos tecnológicos, não-tecnológicos, científicos, não-científicos, de
senso comum, etc. –, permitindo que se fale, a partir desse arrazoado, em transferência de
tecnologia e em transferência de conhecimentos no presente caso, de conhecimentos de
natureza tecnológica, científica e também não-científica – como fenômenos indissociáveis.
Sistematizando essas práticas, poder-se-ia dispô-las da seguinte maneira: foram
identificadas, no processo de transferência da tecnologia social do bambu, i) práticas
organizacionais tanto da empresa
Alfa, quanto do TECPAR, e ii) práticas
extraorganizacionais, as quais 'conversaram' recorrentemente com as práticas organizacionais
identificadas, a partir da lógica de entendimento das organizações como sistemas abertos e
fechados que se mantêm em interação (SCOTT, 2003), tanto com os elementos constitutivos
internos (no caso, os diversos profissionais engajados no projeto de desenvolvimento do
produto, durante a incubação da empresa
Alfa no TECPAR), quanto com o ambiente no qual
ela se encontra (os usuários praticantes do esporte e público-alvo da empresa, representados
pelos atletas profissionais que, sendo patrocinados pela empresa
Alfa, contribuíram para o
desenvolvimento do produto a partir dos testes práticos utilizando os protótipos dos
shapes),
contemplando suas facetas técnica e institucional. A título de exposição, essas referidas
práticas, seriam:
127
Quadro 2 – Sistematização e natureza das práticas encontradas no caso estudado
Fonte: Elaborado pelo autor.
No entendimento da relação dessas práticas entre si, pode-se afirmar, à luz do
argumento estruturacionista que norteia o presente estudo, que a recursividade mais evidente
na transferência da tecnologia aqui analisada, repousa na relação entre as práticas de produção
e de teste do
shape de skate que leva a tecnologia social do bambu, e as práticas de uso deste,
por parte dos usuários praticantes do esporte. Como pôde ser evidenciado ao longo dos fatos
da narrativa, pelas falas dos entrevistados, e pelos dados secundários coletados em especial
o estudo de Fontana (2006) foi o
feedback concedido pelos skatistas testando os protótipos
dos
shapes que levavam a tecnologia social do bambu, o fator que guiou os ajustes de como
os
shapes deveriam ser produzidos na linha de produção da empresa Alfa seguindo as
especificações técnicas que eram constatadas dos resultados dos testes realizados no
laboratório a partir das normas modificadas/adaptadas, contemplando, assim: a disposição das
Práticas Extraorganizacionais
Práticas
Organizacionais
Práticas sustentadas pelas
organizações de acordo com as
suas atividades-fim, e que
podem se influenciar
mutuamente, sob
circunstâncias interativas
pressupostas no processo de
transferência de uma
tecnologia
Práticas sustentadas pelos
usuários de uma tecnologia no
campo de atuação da(s)
organizações
Empresa Alfa: as práticas de produção dos
shapes de skate, com a utilização de
conhecimentos tecnológicos e não-tecnológicos,
que tendem a se institucionalizar ao longo do
tempo, mediante sua recorrência
TECPAR (nas Divisões envolvidas no processo
de transferência da tecnologia): as práticas de
testes laboratoriais, que fizeram uso de
procedimentos operacionais padronizados e que
sofreram modificações adaptativas; as práticas de
gestão de projeto; e o conhecimento
multidisciplinar oriundo de distintas práticas
profissionais trazidas por parte dos envolvidos no
projeto de desenvolvimento do
shape, enquanto
componentes de uma equipe
As práticas de uso dos praticantes do esporte (no
caso, os
skatistas e atletas profissionais
patrocinados pela empresa A
lfa), na modalidade
a qual o produto/serviço se destina,
contemplando manobras, ações psicomotoras etc.
128
lâminas do bambu com as de madeira, a combinação destas entre si, e a quantidade de resina
aplicada entre elas, de modo que a funcionalidade dos
shapes pudesse ser aprimorada. Essa
constatação aponta para o conceito da dualidade da tecnologia de Orlikowski (1992; 2000, p.
407) como corpo teórico explicativo para o fenômeno da transferência da tecnologia
analisada, pois, segundo a autora, “a interação dos usuários com uma tecnologia é, então,
recursiva na recorrência das suas práticas, os usuários moldam a estrutura da tecnologia que
molda a sua utilização”; ou seja, a dualidade da tecnologia social do bambu aqui analisada
reside na recursividade entre as práticas de produção dos
shapes/testes de laboratório, e as
práticas de uso sustentadas pelos usuários da tecnologia – os praticantes da modalidade
esportiva à qual o produto que levava a específica tecnologia era destinado.
Uma tecnologia não gera modificações apenas no âmbito restrito da tecnologia em si,
mas também em outras dimensões de uma realidade organizacional, dependendo,
necessariamente, da maneira como ela é apropriada, representada (
enacted) e utilizada na
prática (ORLIKOWSKI, 2000), de modo que tais modificações não ocorrem, por
determinação apenas, no seu núcleo central, mas ocorrem, também, nos seus elementos
estruturais, que dela se desdobram. Assim, no caso da cooperação tecnológica entre o
TECPAR e a empresa
Alfa, pode-se sugerir (diante das limitações do corte temporal da
pesquisa) que a institucionalização da tecnologia (e dos conhecimentos tecnológicos
pertinentes ao seu manuseio), a partir do seu uso e inserção no produto do
shape de skate da
empresa
Alfa, se deu mediante modificações adaptativas nas práticas de testes laboratoriais
necessários ao desenvolvimento do produto, e nas práticas de produção desta, norteadas pela
acepção do conhecimento profissional da prática dos usuários da tecnologia: os praticantes do
esporte (ORLIKOWSKI, 1992, 2000, 2002, 2006; PATRIOTTA, 2003a; SCOTT, 2008).
No presente estudo, foram poucos os mecanismos de transferência de tecnologia (por
conseguinte, de conhecimento) de natureza formal, identificados como sendo relevantes para
o processo analisado. Talvez esse fato decorra por tratar-se de uma pequena empresa, cuja
estrutura organizacional não se mostrou sólida o suficiente a ponto de ter um robusto corpo de
mecanismos para esse fim, conforme os elencados nas definições constitutiva e operacional
do presente trabalho. Contudo, além de alguns mecanismos formais identificados e utilizados
(a exemplo de relatórios, reuniões de projeto, acompanhamento das estagiárias por parte dos
gestores do projeto na INTEC-TECPAR e na DTS-TECPAR, bem como a própria orientação
que estas receberam por parte de profissionais das suas áreas de conhecimento profissional
específico), foram mais as próprias práticas, quando institucionalizadas na sua recorrência,
que atuaram como mecanismos de transferência da tecnologia social do bambu, como se pode
129
perceber nos seguintes excertos da fala do gerente da INTEC-TECPAR, gestor responsável
pelo projeto de desenvolvimento do
shape de bambu:
[...] diversas práticas foram aplicadas por meio da presença de profissionais
específicos de cada área contemplada nesse projeto, que se configurou como um
projeto multidisciplinar: práticas silvícolas trazidas pelos engenheiros florestais,
práticas de laboratório usadas nos testes, práticas de consultoria da área da
qualidade, práticas de gestão de projeto [...] pois se precisa de todas elas
[...]
desenvolvimento de um produto novo, ele exige, uma certa configuração estrutural
mais robusta, vamos dizer assim; ele não se faz só, não vem do gênio inventivo
do negócio, do processo inventivo empreendedor.
O caso da empresa Alfa aqui relatado talvez possa ser mais bem entendido, quando se
leva em consideração o fato de que, segundo estudiosos do tema (BOZEMAN, 2000;
HAGEDOORN, 1990; HSIAO; TSAI; LEE, 2006; KREMIC, 2003; LUNDQUIST, 2003;
ROGERS; TAKEGAMI; YIN, 2001; SAAD, 2000; SEGATTO-MENDES; MENDES, 2006),
a transferência de tecnologia não é um fenômeno de fórmulas dadas, genericamente aplicadas
na sua plenitude, mas sim um processo que nasce e se desenvolve, em boa parte,
emergentemente no seu desenrolar, tendo, evidentemente, alguma(s) estrutura(s)
referencial(is) para a sua realização, pelo que se acumula em termos de conhecimento
institucionalizado de procedimentos da prática das organizações:
[...] para mim, estou cada vez mais certo de que todo desenvolvimento em sistemas
de inovação se baseia naquela idéia de sistemas complexos, ou seja: muita interação,
e geralmente fatores emergentes de fazem presentes. Por exemplo, no caso da
Alfa,
percebeu-se claramente a necessidade de ferramentas mais robustas para os testes,
para a realização das próprias práticas dos testes. [...] é que a gente, geralmente,
parte daquela premissa de que, se for aquela coisa tradicional de transferência de
uma tecnologia 'acabada', eu detendo tecnologia e conhecimentos e repassando-os
puramente para ti, é uma coisa; mas se formos desenvolver juntos, essa premissa
muda, porque as bases mudam: as bases de cooperação, a estruturação dos
mecanismos de cooperação, o conhecimento da prática que vai se formulando
durante o processo, os momentos de interação conjunta, a utilização de mecanismos
de alta tecnologia de compartilhamento virtual, instrumentos de tecnologia
avançada, confiança na relação das partes (GERENTE DA INTEC-TECPAR).
Adicionalmente, o fato de a empresa Alfa não representar uma empresa de grande
porte, com estruturas formais e elaboradas de desenvolvimento tecnológico, parece significar
aqui um ponto que, diferentemente do que a literatura por vezes aponta como dificultador,
dada a simplicidade das suas estruturas e conhecimentos tecnológicos, mostrou-se um fator
positivo, pois a necessidade de incubação da empresa aproximou os parceiros, e a
'simplicidade' não apenas abriu maior espaço para o “desenvolver juntos”, citado
anteriormente pelo gerente da INTEC-TECPAR, como também conduziu a algo distinto de
130
“aquela coisa tradicional de transferência de uma tecnologia”, o que tornou o caso e o seu
processo colaborativo muito mais enriquecedor para o estudo proposto.
Conforme a sistematização das práticas encontradas na realidade pesquisada, exposta
no Quadro 2, pode-se ilustrar as mesmas práticas identificadas em campo, à luz da figura que
representa as categorias de análise do presente estudo, correspondendo assim, a seguinte
representação:
Figura 9 – Exposição das práticas identificadas na pesquisa segundo o modelo teórico proposto no estudo
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Barley e Tolbert (1997, p. 101), Orlikowski
et al. (1995, p. 440), e
Whittington (2006, p. 621).
Apregoamos então que i) práticas de gestão de projetos existentes no TECPAR, ii) as
práticas profissionais interdisciplinares sustentadas durante o processo de transferência de
tecnologia, e iii) as práticas de produção dos
shapes de skate na empresa Alfa podem ser
enquadradas na categoria das 'práticas que se mantiveram preservadas' ou sutilmente
influenciadas pelas outras práticas elencadas no Quadro 2. Em sequência, pode-se alocar as
práticas dos testes laboratoriais sustentadas no TECPAR na categoria das 'práticas
modificadas' ao longo do processo, pelas razões expostas e arguidas até este ponto da
131
análise. Por fim, e de maneira mais interessante, percebeu-se durante a pesquisa a existência
de uma categoria analítica relevante não contemplada no modelo teórico inicial deste estudo,
exposto na Figura 8: as práticas que, mesmo fora das realidades organizacionais pesquisadas
(o TECPAR e a empresa
Alfa) mantinham relação direta de influência com as outras práticas
identificadas e expostas na figura acima as práticas de uso dos
shapes de skate por parte dos
usuários mais diretos deste produto, e da tecnologia social do bambu que o projeto em questão
abarcava.
Diante disso, pode-se elucidar mais apropriadamente as categorias de análise do
presente estudo, a partir da ampliação realizado com base nas constatações ontológicas do
campo desta pesquisa – da figura que as representa, já disposta antes neste trabalho:
Figura 10 – Ampliação das categorias de análise da pesquisa a partir das constatações do caso abordado
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Barley e Tolbert (1997, p. 101), Orlikowski
et al. (1995, p. 440), e
Whittington (2006, p. 621).
Explicativamente: em um processo de transferência de uma dada tecnologia, a ser
iniciado em um momento espaciotemporalmente circunscrito (T1), a criação de
conhecimentos subjacentes ao uso dessa tecnologia é decorrente do estoque de práticas
existentes não apenas dentro da realidade organizacional à qual a tecnologia que está sendo
132
transferida se destina, mas também do conhecimento das práticas de uso sustentadas no
campo onde atua a organização (contemplando assim, o conhecimento prático de uso por
parte dos usuários/consumidores finais de uma tecnologia, ofertada na forma de um
produto/serviço). À medida que o processo de transferência dessa dada tecnologia avança
mediante o seu desenvolvimento e implantação, a utilização recorrente dos conhecimentos
provenientes das práticas existentes dentro da organização em si e fora da organização
(práticas extraorganizacionais, provenientes do campo de atuação da organização, sustentadas
por usuários de produtos/serviços ofertados pela organização, e que carregam consigo a
tecnologia), ou dos conhecimentos criados desde o início do processo de transferência
tecnológica incorre, por sua vez, no reforçar ou no modificar dessas práticas existentes e
sustentadas dentro e fora daquela realidade organizacional, dada a lógica recursiva do uso da
tecnologia pressuposta na perspectiva da “Tecnologias-na-Prática”. Com isso, ao final do
processo de transferência dessa dada tecnologia (T2), a absorção desta corresponde, de certa
forma, à institucionalização e/ou desinstitucionalização das práticas e conhecimentos
subjacentes ao uso da tecnologia transferida (OLIVER, 1992; ORLIKOWSKI, 1992, 2000,
2002; PATRIOTTA, 2003a), de tal maneira que, uma vez concluído tal processo, identifica-se
três quadros não mutuamente excludentes: práticas organizacionais referentes ao uso dessa
tecnologia que são mantidas (boa parte das práticas de produção do
shape de bambu na linha
de produção do item, na empresa
Alfa); práticas organizacionais que são (sutil ou mesmo
razoavelmente) modificadas (as práticas de realização dos testes laboratoriais envolvendo a
tecnologia social do bambu no TECPAR, e algumas etapas do processo de produção do
shape
de bambu na linha de produção do item, na empresa Alfa); e a persistência ou o
aprimoramento das práticas extraorganizacionais (a prática esportiva em si, a prática do
skate)
que, por fazerem uso de tecnologias embutidas em produtos/serviços ofertados pelas
organizações, podem empreender mudanças no seu campo de utilização, a partir dos seus
usuários, contemplando questões de i) hábitos de consumo, ii) perfis e comportamentos dos
consumidores, iii) valores e crenças atribuídos a escolhas de consumo e de uso de
determinados produtos/serviços, e iv) aprimoramento das práticas segundo a funcionalidade
operacional de determinada tecnologia embutida em um produto/serviço, diante de
circunstâncias de utilização por parte dos seus usuários (ALLEN, 2002; WARDE, 2005). É
exatamente quanto à persistência ou o aprimoramento das práticas extraorganizacionais que o
modelo teórico-explicativo do processo de transferência de tecnologia aqui proposto contribui
para a literatura existente, ao apresentar subsídios empíricos para que se destaque a relevância
de práticas por diversas vezes externas às organizações em termos físicos ou estrutural-
133
organizacionais, mas plenamente atreladas e significativas para estas em questões técnicas,
funcionais e mercadológicas – sobretudo quando se tratar do desenvolvimento de produtos ou
serviços destinados a um consumidor final externo à realidade organizacional.
Assim, considerando-se que o projeto de desenvolvimento do
shape de bambu
abarcou profissionais de distintas áreas para o seu desenvolvimento (e, dessa forma, saberes e
conhecimentos de práticas profissionais específicas), sob uma lógica multidisciplinar, pode-se
atentar analiticamente para o fato de que as práticas envolvidas no projeto foram, no final das
contas, diversas estruturas que esses diversos profissionais envolvidos tinham como
referência, dando vazão ao entendimento de que o caso se explica pela influência de múltiplas
práticas, oriundas de distintos campos do saber profissional, sendo acessadas e representadas
(
enacted), para fins de um projeto comum (BOARDMAN; PONOMARIOV, 2009; NIETO;
SANTAMARÍA, 2007; SCOTT, 2008). Ou seja, tratou-se de práticas existentes
(legitimadas e dominadas, em termos de saberes de uso prático) em distintos campos de
saberes profissionais, as quais acabaram propiciando a transferência dessa tecnologia em
questão, à luz de interações e conversações entre elas.
134
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo de caso aqui analisado contemplou um processo de transferência de uma
tecnologia social de um instituto de pesquisa para uma pequena empresa do ramo de artigos
esportivos, a qual recorreu àquele no intuito de desenvolver, mediante a realização de um
acordo cooperativo e por meio da incubação tecnológica, um produto que fizesse uso dessa
tecnologia, em razão dos benefícios técnicos (funcionais) e sociais (concernentes ao conceito
pretendido para o produto) da tecnologia em questão. Com base nesse caso, pode-se responder
ao problema de pesquisa posto neste trabalho, afirmando que o processo de transferência de
uma específica tecnologia, dos seus detentores aos seus receptores, ocorre por intermédio de
diversas práticas organizacionais e extraorganizacionais, de origens multidisciplinares, que, a
partir do acesso a estas, das suas representações (
enactment), e da incidência (no uso
praxiológico) de distintos conhecimentos (tecnológicos e não-tecnológicos, e de cunho
profissional) por parte dos envolvidos no processo em si, dialogam, se interpolam, e se
influenciam entre si, constituindo, numa lógica recursiva, o uso e as propriedades estruturais
da tecnologia em questão no processo de transferência.
No caso da transferência da tecnologia social do bambu, do TECPAR para a empresa
Alfa, inserindo-a nos shapes de skate produzidos pela última, deu-se ênfase nas interações e
influências das práticas aqui identificadas por parte dos agentes envolvidos no projeto: os
profissionais provenientes de distintas áreas, contemplando pesquisa científica e o próprio
mercado consumidor do item no qual a tecnologia social transferida foi inserida. Esses
agentes, organizacionais e não-organizacionais, se encontravam, de certa forma, distribuídos
ao longo de distintas dimensões de saberes profissionais e de corpos de práticas e de
conhecimentos pertinentes às suas próprias atividades; entretanto, ainda que estes agentes e as
atividades realizadas por estes estivessem espaciotemporalmente circunscritas nem sempre
ocorrendo ao mesmo tempo, embora todas fizessem parte de um mesmo projeto –, eles
estavam unidos e reunidos em prol de um objetivo comum (o desenvolvimento do produto
pretendido), contemplando, em muitas situações, sistemas simbólicos e culturais similares a
exemplo da preocupação com a questão do 'ecologicamente correto' manifestada pelos
entrevistados, e que se tratava de uma dimensão relevante para o conceito do produto –, assim
como papéis, práticas e atividades praxiológicas complementares para o projeto.
Nessa trajetória, foi possível também evidenciar enquanto contribuição desta
pesquisa, a natureza
sui generis do caso abordado, por se tratar não de um caso de spin off
135
nem de incubação de uma empresa na sua fase inicial, mas sim de uma empresa
estabelecida e relativamente 'madura' em termos de suas competências essenciais, que se
incuba em função de uma cooperação. Tal conduta não apenas se diferencia das práticas
usuais relatadas na literatura acerca de transferência de tecnologia em processos de incubação
(BERGEK; NORRMAN, 2008, p. 22), como também sugere a relevância que as atividades
práticas espaciotemporalmente situadas tem para o entendimento do processo inter-
institucional analisado, já que se evidenciou a importância dos saberes profissionais dos
envolvidos no projeto do
shape de bambu e das relações e interações entre estas (NIETO;
SANTAMARÍA, 2007), requerendo assim um arranjo estrutural mais dinâmico para a
realização da transferência tecnológica. Assim, essa constatação harmoniza com o argumento
aqui sustentado da relação direta entre transferência de tecnologia e conhecimento, e as
relações destes com o uso prático de uma tecnologia, dada a importância nuclear que as
práticas têm para a estruturação de uma realidade organizacional, das inúmeras atividades que
nela ocorrem, e para o processo de criação, utilização e institucionalização do conhecimento
que subjaz o processo de desenvolvimento cooperativo de um produto, como foi aqui
analisado (PATRIOTTA, 2003a; SCHATZKI; 1996).
Sobre o tema da transferência de tecnologia, o presente estudo e o seu modelo teórico
contribuem para a literatura ao chamar a atenção para o fato de que, em tal processo, não
apenas as interações circunscritas as realidades organizacionais que se almejam estudar são
suficientes, quando se deseja entender as relações e os acontecimentos importantes de tal
fenômeno; deve-se igualmente atentar para influências externas às organizações, sobretudo
quando uma transferência tecnológica tiver fins de desenvolvimento de produtos e/ou serviços
cujos consumidores definitivos sejam indivíduos fora das organizações. Essas 'conversações'
entre elementos organizacionais e não-organizacionais foram percebidas no presente estudo,
consideradas no modelo teórico final deste, e já representam relações significativas para
estudos do tema da transferência de tecnologia na literatura contemporânea, a exemplo do
estudo realizado por Nieto e Santamaría (2007).
Foi propósito deste estudo, ao pôr as práticas sociais (sustentadas em uma
organização, ou que a influencie, em algum grau) no centro da análise, chamar a atenção para
o fato de que conhecimento, aprendizado, cognição e ação constituem elementos subjacentes
à pesquisa social do fenômeno da transferência de tecnologia que, não apenas acontecem e se
manifestam de maneira situada nos indivíduos, mas principalmente nas interações (também
situadas) entre aspectos materiais, sociais e intersubjetivos das circunstâncias ontológicas das
práticas (SCHWANDT, 2005). Como se pôde evidenciar ao longo da análise aqui realizada,
136
constatou-se que, de fato, há transferência de conhecimento ao mesmo tempo em que se
transfere tecnologia cooperando tecnologicamente para fins de desenvolvimento de um
produto, como o caso abordado exemplifica e estes conhecimentos, podem ser diversas
sortes: tecnológicos e/ou não-tecnológicos; científicos e/ou não-científicos. Embora não tenha
sido o foco do presente estudo definir e analisar os níveis do conhecimento existente no caso
se os conhecimentos tecnológicos aqui expostos eram mais individuais ou organizacionais
pode-se afirmar, a partir do papel das práticas organizacionais como
lócus primário de
condução de conhecimentos, que no caso do desenvolvimento do
shape de bambu da empresa
Alfa, tanto conhecimentos tecnológicos e científicos de nível individual, quanto
conhecimentos tecnológicos organizacionais institucionalizados em práticas de produção e
teste foram compartilhados, acessados e relevantes para o processo de cooperação
tecnológica. De uma forma ou de outra, seja o conhecimento em acepções explícitas ou
tácitas, constatou-se que é na ação situada na prática que um conhecimento toma vida e ganha
sentido e coerência de aplicabilidade e utilização, chamando, por isso, atenção novamente,
para a relevância de estudos que enfoquem o caráter mais ontológico que as teorias das
práticas sociais abarcam (COULTER, 2001; ORLIKOWSKI, 2002; PATRIOTTA, 2003a;
SCHATZKI, 1996).
É igualmente relevante frisar que a lente estruturacionista aplicada ao estudo de
tecnologias se fez extremamente rica e útil, utilizando-se, para tal, do modelo estruturacional
da tecnologia segundo Orlikowski (1992). Mediante o emprego da perspectiva da
“Tecnologias-na-Prática”, foi possível entender e fazer emergir, no caso em questão, diversas
dimensões que caminharam paralelamente ao processo de desenvolvimento do produto
analisado, a citar: 1) a dimensão funcional que conferia utilidade e qualidade ao produto
pretendido; 2) a dimensão técnica da parte das engenharias de produto e processo da
cooperação tecnológica; e 3) a dimensão institucional que abarcava, sobretudo, as questões
sociais, de valores, crenças e fatores cognitivos, moldando a conduta humana dos envolvidos
no processo em questão, ressaltando-se aspectos de posicionamentos políticos acerca da
sustentabilidade e da ecologia, bem como a atribuição de significados na prática de consumo
por parte dos usuários do produto desenvolvido. Além disso, é mister também indicar a
validade que o presente estudo tem ao fazer uso dessa abordagem teórica para se entender
uma tecnologia social material, ao invés das tecnologias (usualmente) virtuais, encontradas na
grande maioria das pesquisas existentes no campo (DESANCTIS; POOLE, 1994;
DOUGERHTY, 1992; GABRIEL, 2008; ORLIKOWSKI, 1992, 2000, 2002; ORLIKOWSKI
et al., 1995; ORLIKOWSKI; YATES, 1994, 2002; POZZEBON; PINSONNEAULT, 2005;
137
SCHULTZE; ORLIKOWSKI, 2004; SLOCUM; BALOGUN, 2007; YATES;
ORLIKOWSKI; OKAMURA, 1999), consistindo, por isso, num contraponto e numa tentativa
de ampliação do potencial explicativo da perspectiva da “Tecnologias-na-Prática”, por
conseguinte, de elementos da Teoria da Estruturação (GIDDENS, 2003) nos estudos sobre
tecnologias em organizações.
Ao final, algumas últimas considerações repousam nas questões da recursividade, da
recorrência, da simultaneidade e da agência humana enquanto elementos cruciais para se
entender processos de interação complexos como o da cooperação tecnológica para fins de
desenvolvimento de um produto baseado na transferência de conhecimentos tecnológicos.
Apesar de ter sido uma opção consciente focar um pouco mais na empresa
Alfa para se
entender como o produto desenvolvido em cooperação com o TECPAR efetivamente passou a
fazer parte do portfólio da empresa, foi possível perceber a relação de “mão-dupla” que uma
cooperação tecnológica representa, integrando e confrontando as diferentes realidades
organizacionais que constituem esse arranjo interinstitucional, a partir da recursividade entre
as práticas sustentadas por cada uma delas. Mostrou-se, assim, como práticas de realidades
organizacionais distintas se influenciam simultânea e recorrentemente, moldando as ações dos
indivíduos, bem como toda a trajetória desse complexo engajamento de partes, que é a
cooperação tecnológica. Por último, foi possível ainda, evidenciar, de que maneira uma
mudança impulsionada pela capacidade agêntica substancialmente no seu elemento
avaliativo-prático, mas não exclusivamente por ele (EMIRBAYER; MISCHE, 1998) se dá,
endogenamente,
na e pela estrutura, de modo que é correto afirmar que o ato de representar
uma ação a partir do conjunto de regras e recursos que norteiam a conduta humana (o
enactment de estruturas virtuais) significa não apenas reproduzir passivamente algo (uma
mera reprodução das regras e dos recursos que compõem essa estrutura), mas sim agir e atuar
ativamente na produção de novas regras e recursos, construindo e sustentando,
intersubjetivamente, uma realidade mediante práticas sociais espaciotemporalmente situadas
(WEICK, 1995).
Com relação a possíveis sugestões e recomendações para pesquisas futuras, estas
derivam não apenas de possibilidades vislumbradas a partir das conclusões do presente
estudo, mas também de limitações evidenciadas ao longo da realização da coleta de dados no
campo desta pesquisa.
A primeira possibilidade seriam estudos que aprofundassem analiticamente melhor a
dimensão cognitiva, bem como questões de esquemas interpretativos (MACHADO-DA-
SILVA; FONSECA; CRUBELLATE, 2005), dos usuários de tecnologias em organizações,
138
apontadas na análise deste trabalho. Embora tenha sido possível salientar e trabalhar
elementos que indicaram a presença e a relevância no engajamento dos participantes do
projeto de desenvolvimento dos
shapes de bambu a partir do fato desta se tratar de uma
tecnologia social a qual abarca questões tanto da faceta técnica quanto da faceta
institucional do ambiente no qual as organizações envolvidas estavam inseridas não foi
possível tecer uma análise densa acerca das influências que as questões de valores, crenças e
de elementos cognitivos intersubjetivamente compartilhados tiveram no grupo do projeto. A
validade de estudos que desenvolvam, a partir de análises da cognição e dos esquemas
interpretativos de indivíduos engajados no uso de determinadas tecnologias na prática (que
não apenas tecnologias virtuais como a maioria dos estudos estruturacionistas da tecnologia
apresentam), um entendimento das relações complexas que se fazem presentes no uso de
tecnologias em organizações reside no fato de que uma tecnologia é moldada, em parte
também, a partir do elemento da “flexibilidade interpretativa” que toda tecnologia comporta
(ORLIKOWSKI, 2000), auxiliando na compreensão de modificações conscientes e
inconscientes em uma tecnologia, mediante sua utilização, dentro de contextos
organizacionais.
Conforme pôde ser apresentado no presente estudo, i) o desenvolvimento do
shape
de bambu, ii) a opção de abraçar uma tecnologia social, e iii) a vontade de fazer a diferença
mediante o exercício da capacidade “agêntica” consciente, foram tópicos presentes tanto no
que concernia a empresa
Alfa, quanto no que dizia respeito às atividades da DTS-TECPAR.
Apesar da contemporaneidade do debate da sustentabilidade, faz-se mais coerente sugerir aqui
que todas essas questões tiveram mais relação com o desejo de empreender institucionalmente
(por parte das organizações) no campo de atuação, do que com questões de modismo e
absorção de tendências. Por isso, estudos que aproximem análises e diálogos entre
tecnologias, práticas sociais e empreendedorismo institucional (DIMAGGIO, 1988; GARUD,
HARDY; MAGUIRE, 2007) podem ser interessantes possibilidades de se conceder maior
robustez explicativa a mudanças empreendidas por determinados agentes nos seus campos de
atuação profissional, possibilitando evidências mais nítidas das influências entre, e da
predominância das facetas técnica e institucional dos ambientes onde se encontram
organizações (SCOTT, 2001).
Por último, uma recomendação de pesquisa que contemple especificamente a
natureza estrutural da organização se faz válida. No presente estudo, analisou-se o caso de
uma empresa de pequeno porte, o qual, embora não tenha comprometido a complexidade e
riqueza das relações que compunham o processo de transferência da tecnologia avaliado, não
139
permitiu que confrontações com outras organizações similares pudessem ser feitas – em
virtude de o fato desta tecnologia e do produto agora desenvolvido pela empresa
Alfa ser
singular no mercado no qual a empresa atua. Levando-se em conta a incipiência, no Brasil, de
estudos que trabalhem os temas da tecnologia, instituições e práticas sociais conforme foi
salientado na seção introdutória deste trabalho recomenda-se, assim, que pesquisas futuras
ousem abordar organizações de maior porte, tanto para se entender, no caso de processos de
transferência de tecnologia, como acontecem as interações entre as práticas de uso e de
transferência de uma dada tecnologia entre organizações, como também entre divisões ou
filiais de uma mesma organização, a exemplo de empresas multinacionais, que começam a
ganhar força enquanto casos para pesquisa, em vista das fragilidades explicativas de teorias
contemporâneas (KOSTOVA; ROTH; DACIN, 2008).
140
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157
APÊNDICE A – Roteiro de entrevista A1
8
1) Comente sobre o processo de transferência da tecnologia do bambu tratado e
laminado, em termos de sua participação, função, e tempo de atuação no projeto.
2) Comente sobre as práticas (ou seja, as atividades propriamente ditas) relacionadas ao
processo de transferência da tecnologia social do bambu, realizadas pelo senhor(a) ou
das quais o senhor(a) participou durante o processo.
Quais são elas?
Como se relacionam entre si?
Há uma sequência para o acontecimento destas?
Quais as etapas em que acontecem dentro desse processo?
Quais as suas freqüências de acontecimento (regularidades)?
3) Essas práticas (ou seja, essas atividades) existiam na empresa antes do processo de
transferência da tecnologia do bambu?
Caso sim, há quanto tempo?
Caso não, de que maneira surgiram (foram importadas do TECPAR ou da empresa
Alfa, de outros modelos empresariais, foram concebidas na empresa)?
Comente sobre esse surgimento.
4) Comente sobre o conhecimento produzido nesse processo:
Existem mecanismos específicos que visem à transferência/disseminação e
absorção desse conhecimento (ex.: treinamentos, aulas expositivas/técnicas,
reuniões e conferências de equipes envolvidas no projeto de transferência dessa
tecnologia, bancos de dados, plataformas de tecnologia da informação)?
Qual o papel desempenhado por esses mecanismos de transferência de
conhecimento no processo de transferência da tecnologia do bambu?
Como esses mecanismos de transferência de conhecimento se relacionam com as
práticas existentes no processo de transferência da tecnologia?
5) Comente sobre o papel desempenhado por essas práticas que o senhor(a) salientou e os
mencionados mecanismos no processo de transferência da tecnologia do bambu.
Qual a influência delas(es) na absorção da tecnologia social do bambu?
Quais as mudanças/ajustes/adaptações que essa tecnologia teve de sofrer para ser
absorvida nos produtos da empresa, por intermédio dessas práticas/mecanismos?
8
Roteiro de entrevista utilizado tanto para entrevistados das Divisões do TECPAR envolvidas no projeto, quanto
para envolvidos no projeto por parte da empresa
Alfa.
158
APÊNDICE B – Roteiro de entrevista A2
9
1) Comente sobre o processo de produção dos shapes de skate.
Nome das etapas?
O que acontece nelas?
A sequência delas.
Quantos turnos de produção?
A natureza da produção é pull / push / push-pull?
'Controle de Qualidade' no processo (como um todo, em alguma etapa, ao
final)?
Sobre a matéria-prima (já a adquire tratada e beneficiada, ou faz-se esse processo
na própria fábrica)?
Quais os tipos (espécies) de madeira utilizadas?
Foi feita alguma engenharia reversa no produto de algum concorrente para a
produção do modelo com o bambu?
Sobre as normas existentes e adotadas no processo de produção, qual a sua
situação?
Com relação à colagem das lâminas no shape e a constituição deste: que tipo de
material é empregado nessa etapa do processo?
Com relação ao papel dos skatistas profissionais e o feedback deles: qual a
natureza da participação deles no projeto; qual a regularidade em que eles
participaram do processo de desenvolvimento do
shape de bambu; eles seguem a
participar de alguma maneira, do controle de qualidade dos produtos da empresa?
2) Comente sobre as práticas (ou seja, as atividades propriamente ditas) relacionadas ao
processo de produção dos
shapes de skate com a lâmina do bambu.
O que mudou no processo de produção de skates (em termos de etapas do
processo) após a transferência da tecnologia?
Quando os testes no TECPAR se concluíram, como foi a primeira produção do
shape aqui na fábrica?
Realizou-se algum treinamento para que se passassem as orientações aos
colaboradores de como eles deveriam produzir?
Ajustou-se o maquinário e foi-se produzindo incrementalmente para que se
aprendesse devidamente como produzir o produto?
3) Comente sobre o lançamento do produto no mercado, e da situação das vendas deste
até agora: o que pode ser comentado disso?
9
Roteiro de entrevista utilizado apenas junto a envolvidos no projeto por parte da empresa Alfa, dado o foco
exclusivo no entendimento do processo de produção de
shapes da empresa.
159
APÊNDICE C – Constituição estrutural da narrativa do caso
Desse modo, realizadas as análises de conteúdo das transcrições das entrevistas
segundo Bardin (2004) e a análise documental nos dados secundários coletados segundo
Creswell (2007) –, foi possível agrupar os elementos referenciais, em termos de frequência de
aparição e de relação com os temas elencados nas categorias analíticas, do presente estudo.
Dessa forma, sistematizando contextualmente esses elementos referenciais, pode-se montar a
estrutura da narrativa do caso, apresentada nos quadros a seguir.
O primeiro quadro, em que a propriedade da narrativa é a sequência no tempo, os
elementos relacionados às categorias analíticas do estudo foram os eventos dispostos segundo
o próprio desenvolver do processo analisado; os fatos observados foram:
Propriedade da Narrativa:
- Sequência no tempo
(alguns dos eventos enumerados aconteceram concomitantemente entre si, de modo que a sequência acima
disposta justifica-se mais por razões didático-analíticas, do que pela efetiva cronologia de acontecimento ou
seja, foram desmembrados meramente a título de facilitação da análise e da composição da narrativa)
Elementos Relacionados às Categorias Analíticas do Estudo:
- Eventos dispostos segundo o próprio desenvolver do processo analisado
Descrição de Fatos Relatados na Narrativa do Caso Analisado:
Diante das explicações anteriores sobre a condução operacional das análises dos dados coletados, a
sequência de eventos presentes na narrativa do processo abordado pode ser assim descrita:
1. Intenção, por parte do proprietário da empresa Alfa, de desenvolver um produto diferenciado e
ainda inexistente no mercado brasileiro, que pudesse compor, no seu portfólio, uma alternativa na
qual ele mesmo acreditasse ser coerente com valores e crenças pessoais nas questões de
sustentabilidade contemporâneas.
2. Questionamento junto a DTS-TECPAR, em dezembro de 2005, acerca de possibilidades
tecnológicas detidas pelo instituto, para o desenvolvimento desse tipo de produto.
3. Contratação dos serviços da DTS-TECPAR para o desenvolvimento de shapes que levassem a
tecnologia social do bambu, iniciado em fevereiro de 2006, a partir da incubação da empresa
Alfa na
INTEC-TECPAR.
4. Início do projeto de desenvolvimento dos shapes de bambu a partir do convite e alocação neste da
estagiária de Química Ambiental que trabalhava no Laboratório de Calcário e Fertilizantes do
TECPAR.
5. Visitas técnicas à empresa Alfa, a fim de que se pudesse entender melhor o processo produtivo e as
necessidades esperadas da empresa, no que correspondia ao produto pretendido.
6. Pesquisa, em campo rural, de espécies de bambu aptas a serem testadas no projeto, a partir da visita
a produtores das regiões de SC, SP e PR, com o auxílio de um engenheiro florestal que prestava
consultoria para a empresa
Alfa, e que se engajou no projeto de desenvolvimento dos shapes de
bambu a fim de trabalhar em conjunto com a estagiária da INTEC-TECPAR.
7. Discussão e verificação de metodologias para o tratamento de laminação requerido pelas matérias-
primas, para sua inserção em um
shape de skate.
160
8.
Definição de 2 espécies de bambu aptas a serem utilizadas no projeto.
9. Definição dos testes necessários a serem aplicados aos protótipos dos shapes de bambu, a fim de
que suas qualidades e funcionalidades pudessem estar à altura (ou superassem) os
shapes encontrados
no mercado brasileiro.
10. Elaboração do plano fatorial no qual variáveis eram combinadas estatisticamente, a fim de que se
pudesse desenvolver diversas combinações possíveis entre as matérias-primas selecionadas para a
confecção dos protótipos.
11. Aplicação do método Quality Function Deploy (QFD) junto aos skatistas profissionais
patrocinados pela empresa
Alfa, a fim de captar as dimensões mais subjetivas dos usuários aos quais o
produto final se destinava, e precisava abarcar.
12. Preparo dos corpos de prova na linha de produção da empresa Alfa, segundo as combinações
definidas no plano fatorial.
13. Realização sequenciada dos testes de laboratório – de cisalhamento, resistência a flexão estática, e
de joulímetro – no LQI-TECPAR, balizados por Normas específicas.
14. Constatação de dificuldades na obtenção de resultados aptos a serem confrontados com os
resultados protocolados nas Normas utilizadas, devido ao fato de estas não serem específicas nem à
produção de
shapes de skate, nem aos tipos de madeira (ou de combinação delas) envolvidas no
projeto.
15. Necessidade de aprimoramentos metodológicos mediante a realização de adaptações e
modificações nas Normas utilizadas, a fim de que os resultados dos testes pudessem ser confrontados
com os diversos parâmetros qualitativos e quantitativos estabelecidos e esperados de um bom
shape
de skate.
16. Os protótipos que passavam nos testes eram submetidos aos testes práticos dos atletas
patrocinados pela empresa
Alfa, até que se alcançou uma combinação ótima segundo a qual os shapes
de bambu poderiam ser produzidos atendendo aos requisitos estabelecidos no início do projeto.
17. Saída da estagiária da INTEC-TECPAR do projeto, por motivos burocráticos, em dezembro de
2007.
18. Modificações adaptativas no maquinário da empresa, e algumas correções artesanais no processo
de produção dos
shapes na própria empresa Alfa tiveram de ocorrer, em virtude do produto que
passaria a ser produzido na linha da empresa.
19. Com o produto desenvolvido segundo as necessidades manifestadas no início do projeto, surge a
intenção de aprimorar o conceito do produto 'verde' ou 'ecologicamente correto', realizando estudos
que contemplem uma resina alternativa a resina epóxi utilizada, a qual é derivada de petróleo,
material considerado não 'ecologicamente correto'.
20. Ingresso no projeto, em dezembro de 2007, da estagiária da DTS-TECPAR, a qual por ser
Química Ambiental, trabalhava em um Projeto PBIC de desenvolvimento de uma resina a base de
óleo de mamona.
21. Realização de testes de cisalhamento, por parte da estagiária, no LQI-TEPCAR, substituindo a
resina epóxi nos
shapes que levavam a tecnologia social do bambu pela resina à base de óleo de
mamona.
22. Embora tenha sido possível, então, concluir resultados positivos dessa etapa da pesquisa, a mesma
não pode se desenvolver mais robustamente por limitações de tempo e recursos.
23. Desligamento, por razões burocráticas, da estagiária da DTS-TECPAR do projeto de
desenvolvimento do
shape de bambu em Fevereiro de 2008, e conclusão, após 2 anos de incubação,
do processo de desenvolvimento e transferência da tecnologia social do bambu para os
shapes da
empresa
Alfa.
O segundo quadro, em que a propriedade da narrativa é o contexto sócio-técnico, os
elementos relacionados às categorias analíticas do estudo foram os valores culturais e
161
pressupostos norteadores da conduta praxiológica dos indivíduos envolvidos no processo
analisado, e os fatos observados foram:
Propriedade da Narrativa:
- Contexto socio-técnico
Elementos Relacionados às Categorias Analíticas do Estudo:
- Valores culturais e pressupostos
Descrição de Fatos Relatados na Narrativa do Caso Analisado:
1. Elementos convergentes com preocupações contemporâneas de posturas 'ecologicamente corretas'.
2. Discurso defensor da sustentabilidade ecológica.
3. Conscientização da importância das tecnologias sociais e de alternativas à vigente situação crítica
que empresas do setor secundário da Economia vêm enfrentando.
4. Desejo e importância de desenvolver um produto que, além de respeitar essas dimensões sociais,
tivesse qualidade funcional à altura ou superior aos produtos existentes no mercado no qual a empresa
atua.
O terceiro quadro, em que a propriedade da narrativa são demais elementos
relevantes e pertinentes ao contexto organizacional estudado, os fatos observados foram:
Propriedade da Narrativa:
- Outros elementos
Elementos Relacionados às Categorias Analíticas do Estudo:
- Outros aspectos do contexto
Descrição de Fatos Relatados na Narrativa do Caso Analisado:
1. Complexidade nas relações entre as partes envolvidas em um processo de transferência de uma
tecnologia.
2. Busca por convergências de interesses diante da multidisciplinaridade envolvida nesse tipo de
processo.
3. Ausência de práticas e modelos de atividade prontamente definidos.
4. Construção coletiva do conhecimento mediante as atividades que se desenrolam na práxis
5.
Absorção (institucionalização) de conhecimentos desenvolvidos durante o processo de
162
transferência de uma tecnologia a partir da recorrência do acesso e utilização destes.
O quarto quadro, em que a propriedade da narrativa são as práticas organizacionais
apontadas pelas análises dos dados, temos como elementos relacionados às categorias
analíticas do estudo as principais 'estruturas' identificadas na pesquisa, as quais figuraram
como fatores condicionantes cruciais para o entendimento do processo analisado. Os fatos
observados foram:
Propriedade da Narrativa:
- Práticas apontadas
Elementos Relacionados às Categorias Analíticas do Estudo:
- As principais 'estruturas' identificadas na pesquisa, e que figuram como fatores (condicionantes)
cruciais para o entendimento do processo analisado
Descrição de Fatos Relatados na Narrativa do Caso Analisado:
Com relação às práticas identificadas nas Divisões do TECPAR envolvidas no projeto:
1. Reuniões para o estabelecimento de diretrizes do projeto, e acompanhamento do seu andamento.
2. Realização de testes laboratoriais de cisalhamento, resistência à flexão estática, e joulímetro nos
corpos de prova encomendados junto à empresa
Alfa, por parte da estagiária da INTEC-TECPAR.
3. Realização de testes de cisalhamento nos corpos de prova encomendados junto à empresa Alfa, por
parte da estagiária da DTS-TECPAR, na tentativa de aplicar a resina à base de óleo de mamona na
colagem das lâminas de madeira do
shape, substituindo a resina de epóxi convencional.
Com relação às práticas identificadas na empresa
Alfa:
1. Práticas de produção de shapes de skate (conhecimentos/know-how/expertise envolvidos no que
tange a como produzir esse tipo de artigo esportivo), mantidas na sua integralidade, porém sutilmente
modificadas para a produção dos
shapes que levam a tecnologia social do bambu, dada a
artesanalidade e a qualidade esperada do produto final.
Com relação a práticas identificadas que não puderam ser enquadradas nas realidades organizacionais
pesquisadas:
1. As práticas de uso do skate dentro da modalidade do esporte à qual os shapes de bambu se
destinam – ou seja, as práticas de uso dos
skatistas que optam pela modalidade street, contemplando
as diversas manobras e atividades psicomotoras dessa modalidade do esporte, trazendo a reboque
todas as expectativas de desempenho, funcionalidade e também de conceito do produto esperadas
pelo consumidor final desse tipo de artigo esportivo.
O quinto e último quadro apresenta como propriedade da narrativa as atividades
apontadas da práxis dos indivíduos engajados no processo estudado, contemplando assim as
163
minúcias praxiológicas do processo em questão no que tange aos elementos relacionados às
categorias analíticas deste trabalho. Assim, os fatos observados foram:
Propriedade da Narrativa:
- Atividades apontadas
Elementos Relacionados às Categorias Analíticas do Estudo:
- Respondendo às questões praxiológicas do processo estudado
Descrição de Fatos Relatados na Narrativa do Caso Analisado:
Com relação ao TECPAR, durante a realização do projeto de desenvolvimento do shape de bambu:
1. Realização de reuniões definindo etapas para o andamento do projeto.
2. Pesquisa e coleta de matérias-primas em campo, realizadas com a estagiária da INTEC-TECPAR e
com o engenheiro florestal participante do projeto.
3. Elaboração, a partir da consulta a estudos anteriores, normas referenciais, corpo de conhecimentos
acadêmicos e orientação dos demais profissionais envolvidos no projeto, do plano fatorial para as
possíveis combinações de matérias-primas e suas composições, para o preparo dos corpos de prova, e
do
Qualitiy Function Deploy (QFD) para obtenção, junto aos usuários da tecnologia, de categorias
subjetivas acerca da funcionalidade e qualidade esperada dos
shapes.
4. Encomenda, na linha de produção da empresa Alfa, dos corpos de prova necessários.
5. Acompanhamento da confecção e recolhimento dos corpos de prova encomendados na empresa
Alfa para a realização dos testes.
6. Condução dos testes de cisalhamento, elasticidade e resistência a flexão estática, e joulímetro
(nessa sequência) com os corpos de prova.
7. Orientação individual das estagiárias, em períodos distintos do projeto, por parte dos gerentes da
DTS-TECPAR e da INTEC-TECPAR, além do subgerente da DTS-TECPAR e de profissionais do
LQI-TECPAR no que dizia respeito a entraves na realização dos testes laboratoriais nos corpos de
prova, por causa das normas adotadas.
8. Realização de adaptações das normas dos testes, à luz dos resultados obtidos, e considerando as
combinações estatísticas das matérias-primas, a partir do plano fatorial elaborado.
9. Confrontação qualitativa junto aos skatistas profissionais usuários do shape que levava a
tecnologia social do bambu.
10. Desenvolvimento de pesquisa acerca da resina a base de óleo da mamona por parte da estagiária
da DTS-TECPAR.
11. Condução de testes de cisalhamento em laboratório, utilizando-se de corpos de prova produzidos
na empresa
Alfa que já levavam a tecnologia social do bambu.
Com relação à empresa
Alfa, durante a realização do projeto de desenvolvimento do shape de bambu,
e atualmente, depois de concluída a transferência da tecnologia:
- Processo de produção dos
shapes:
1. Aquisição de matérias-primas.
2. Tratamento de matérias-primas.
3. Colagem das matérias-primas.
4. Lixamento do produto já iniciado, em termos de confecção.
164
5.
Prensagem do produto ao longo do seu processo de produção.
6. Acabamento do produto.
7. Encaminhamento logístico em termos de vendas e distribuição do produto de acordo com as
marcas próprias de produtos da empresa.
8. Atendimento direto aos atletas patrocinados pela marca da empresa Alfa que leva a tecnologia
social do bambu, produzindo os
shapes pedidos por estes para eventos, campeonatos, e prática
esportiva cotidiana.
Com relação às práticas identificadas na empresa
Alfa:
1. Práticas de produção de shapes de skate (conhecimentos/know-how/expertise envolvidos no que
tange a como produzir esse tipo de artigo esportivo), mantidas na sua integralidade, porém sutilmente
modificadas para a produção dos
shapes que levam a tecnologia social do bambu, dada a
artesanalidade e a qualidade esperada do produto final.
Com relação à práticas identificadas que não puderam ser enquadradas nas realidades organizacionais
pesquisadas:
1. As práticas de uso do skate dentro da modalidade do esporte à qual os shapes de bambu se
destinam – ou seja, as práticas de uso dos
skatistas que optam pela modalidade street, contemplando
as diversas manobras e atividades psicomotoras dessa modalidade do esporte, trazendo a reboque
todas as expectativas de desempenho, funcionalidade e também de conceito do produto esperadas
pelo consumidor final desse tipo de artigo esportivo.
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