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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS
MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS
ERNÂNI GETIRANA DE LIMA
BAMBURRISTAS DA TERRA DA OPALA:
Identidade sociocultural e os desafios frente a políticas de inserção produtiva em
Pedro II-PI
TERESINA-PI
OUTUBRO, 2008
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1
ERNÂNI GETIRANA DE LIMA
BAMBURRISTAS DA TERRA DA OPALA:
Identidade sociocultural e os desafios frente a políticas de inserção produtiva em
Pedro II-PI
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Universidade Federal do Piauí, como exigência parcial à
obtenção do título de Mestre em Políticas Públicas, sob a
orientação da Professora Doutora Maria Dione Carvalho
de Morais.
TERESINA-PI
OUTUBRO DE 2008
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2
L732b Lima, Ernâni Getirana de.
Bamburristas da Terra do Opala [manuscrito]: identidade
sociocultural e os desafios frente a políticas de inserção produtiva em
Pedro II, Piauí / Ernâni Getirana de Lima. – 2008.
226 f.
Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas) Universidade
Federal do Piauí, 2008.
Orientadora: Profª. Drª. Maria Dione Carvalho de Morais.
1. Garimpeiros Situação Sócio Econômica. 2. Garimpeiros
Piauí Pedro II. 3. Bamburristas Identidade Sociocultutal. 4. Opala.
I. Título.
CDD 622.2
3
ERNÂNI GETIRANA DE LIMA
BAMBURRISTAS DA TERRA DA OPALA:
Identidade sociocultural e os desafios frente a políticas de inserção produtiva em
Pedro II-PI
Dissertação submetida à coordenação do Curso de Mestrado em Políticas Públicas do Centro
de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal do Piauí.
Aprovado em:_______/_______/_________
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Prof
a
Dr
a
Maria Dione Carvalho de Morais - UFPI
Orientadora e presidente
_____________________________________________________
Prof
a
Dr
a
Maria D’Alva Macedo Ferreira -UFPI
Examinadora
_____________________________________________________
Prof. Dr. José Luís Lopes Araújo - UFPI
Examinador
Teresina
2008
4
“Penso que não se deve ter medo de se ser
ignorante, e sim procurar multiplicar esses
momentos de ignorância, porque o que interessa é
justamente a passagem da ignorância absoluta
para a descoberta de algo novo. Considero que o
verdadeiro perigo está em nos tornarmos
competentes” (Carlo Ginzburg).
5
DEDICATÓRIA
Aos bamburristas da Terra da Opala, homens que
mergulham na Terra e na vida com a mesma
certeza de que tudo é uma questão de risco e de
esperança.
À memória de meu avô, Epifânio Getirana, um
dos primeiros a pôr os olhos nas gemas de opala
dessas paragens.
6
AGRADECIMENTOS
À Rosa, minha esposa, pelo apoio incondicional e devotada compreensão;
Aos meus filhos Rosâne, Matheus e Renata, pela paciência e respeito ao tempo que o pai
determinou a si mesmo;
Aos meus pais, Deusdedete e Luiza, pelo incentivo silencioso, mesmo não compreendendo
muito o porquê de o filho escrever tanto;
Aos irmãos e irmãs, por assumirem funções que eram minhas;
À Drª Maria Dione Carvalho de Morais, por acreditar em mim, mostrando-me o rumo para o
tateamento das coisas que ainda não estavam, de todo, delineadas;
À professora Assunção Sousa, pelo diálogo franco que alumiou idéias;
Aos amigos e amigas, pela preocupação em saber como as coisas iam indo;
À FAPEPI, cuja bolsa me permitiu desenvolver com algum sossego a pesquisa.
7
RESUMO
Os bamburristas de opala do município de Pedro II-PI, grupo social que sessenta anos
compõe a base da cadeia produtiva da opala, constroem e renegociam sua identidade
sociocultural, como pequenos garimpeiros, no bojo de um histórico processo de invisibilidade
social. Nesta dissertação, abordam-se mecanismos e fatores que contribuem para a
invisibilidade desses atores sociais, visado a compreender como são vistos e se vêm no âmbito
do Arranjo Produtivo Local - APL Opala, instituído em 2005. Com efeito, o desenho dessa
política pública de inserção produtiva parece carecer de legitimidade para os bamburristas,
ante o seu usufruto financeiro e simbólico da extração da gema de opala frente aos demais
elos que se articulam no âmbito das atividades relacionadas à produção dessa gema. Numa
abordagem de cunho qualitativo, o trabalho de campo teve por base a observação direta e, a
partir de treze entrevistas semi-estruturadas, abrangendo os rios segmentos da cadeia
produtiva da opala, em Pedro II, fez-se uso da análise de conteúdo enriquecida pelas
pesquisas documental e bibliográfica. A despeito do processo histórico de invisibilidade
social dos sujeitos pesquisados, constatou-se que estes dialogam e negociam com demais
segmentos do APL Opala, no processo de reconstrução identitária, a partir de suas práticas
garimpeiras e do garimpo como espaço físico e simbólico. Assim, ancoram-se em sua própria
experiência e memória coletiva para fazer frente às pressões exercidas pelos demais grupos
que reivindicam o protagonismo na história da opala em Pedro II.
PALAVRAS-CHAVE: Bamburristas, Identidade sociocultural, Invisibilidade Social,
Garimpo, Opala.
8
ABSTRACT
Bamburristas of opal gem from Pedro II (Piauí state, Brazil), a social group that for sixty
years makes up the base of the productive chain of opal gem, build and renegotiate their
sociocultural identity, as small opal miners, into a historical process of social invisibility. On
this dissertation, approach mechanisms and factors that contribute for the invisibility of these
social actors, aim at understand how they are seen and see themselves in the sphere of the
Local Production System - LPS Opal, established in 2005. In fact, the drawing of that policy
of production insertion seems to lack legitimacy to the bamburristas, before their financial and
symbolic benefit face to the other links that articulate themselves into the sphere of the
activities related to the production of that gem. On an approach of imprint quality, the
fieldwork was based on the direct observation and, from thirteen semi-structure interviews,
covering the various segments from the productive chain of opal gem, in Pedro II, it was
made use of the content analysis enriched by documentary and bibliographic researches.
Despite the historical process of social invisibility of the subjects researched, it was found that
they talk and negotiate with other segments of the LPS Opal, in the reconstruction of identity
process, from their opal miner practices and the opal mining as a physical and symbolic space.
Thus, they anchor themselves in their own experience and collective memory to face the
pressure from the other groups that claim the role in the history of opal in Pedro II.
KEY-WORDS: Bamburristas, Sociocultural identity, social invisibility, opal mining, opal.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 16
CAPÍTULO I ....................................................................................................................... 21
GARIMPANDO IDÉIAS: da relação entre humanos e minerais ................................... 21
1.1 DE HUMANIDADE, MINERAIS E MINÉRIOS ......................................................... 21
1.2 DAS ATIVIDADES GARIMPEIRAS E MINERADORAS ......................................... 24
1.3 DA MINERAÇÃO NO BRASIL ................................................................................... 28
1.4 DA GARIMPAGEM DE OPALA NO MUNICÍPIO DE PEDRO II – PI ..................... 37
1.4.1 Sobre o município de Pedro II ..................................................................................... 37
1.4.2 Sobre a ocorrência da opala ......................................................................................... 42
1.4.3 Dos garimpeiros: prolegômenos .................................................................................. 53
CAPÍTULO II ...................................................................................................................... 63
PENEIRANDO A HISTÓRIA DA OPALA: pedras de primeira, homens de
segunda? ............................................................................................................................... 63
2.1 PERCURSO DO MÉTODO ........................................................................................... 63
2.2 DOS SUJEITOS DO MUNDO DA OPALA ABORDADOS NA PESQUISA ............ 71
2.2.1 Trabalhadores do garimpo ........................................................................................... 72
2.2.1.1 Bamburristas ............................................................................................................. 72
2.2.1.2 Técnicos .................................................................................................................... 75
2.2.2 Empresários garimpeiros ............................................................................................. 75
2.2.2.1 Grandes garimpeiros ................................................................................................. 76
2.2.2.2 Médios garimpeiros .................................................................................................. 77
2.2.2.3 Lapidários/as e joalheiro/as ..................................................................................... 78
2.2.2.4 Mineradores .............................................................................................................. 81
2.2.5 Policy makers .............................................................................................................. 82
2.3 DO GARIMPO COMO ESPAÇO SOCIOECONÔMICO, POLÍTICO
E SIMBÓLICO ..................................................................................................................... 82
2.4 DA INVISIBILIDADE SOCIAL DOS BAMBURRISTAS DE PEDRO II-PI ............. 96
2.5 SOBRE ATIVIDADES GARIMPEIRAS COMO CONSTRUTORAS
10
DE IDENTIDADES .............................................................................................................. 102
2.6 DO LUGAR DOS BAMBURRISTAS NA SOCIEDADE PEDROSSEGUNDENSE .. 113
2.7 DA NORMATIZAÇÃO DAS ATIVIDADES GARIMPEIRAS .................................... 117
CAPÍTULO III .................................................................................................................... 126
GARIMPANDO A RELAÇÃO ENTRE SUJEITOS SOCIAIS E POLÍTICAS
PÚBLICAS: bamburristas de Pedro II no âmbito do APL Opala ................................. 126
3.1 POLÍTICAS PÚBLICAS DO SETOR MINERAL, NO BRASIL ................................. 126
3.2 SOBRE ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS – APLS: ............................................. 132
3.3 PROJETO COOPERATIVO EM REDE DO ARRANJO PRODUTIVO –
APL OPALA ......................................................................................................................... 139
3.3.1 Política norteadora, desenho, legitimidade e correlações de forças internas do APL
Opala ...................................................................................................................................... 141
3.4 COMO OS BAMBURRISTAS SÃO PERCEBIDOS E SE PERCEBEM NO
ÂMBITO DO APL OPALA .................................................................................................. 160
3.4.1 Como os bamburristas são vistos no âmbito do APL Opala ....................................... 160
3.4.2 Como os bamburristas se vêem no APL Opala ........................................................... 177
CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 186
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 190
ANEXOS
11
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Mapa de localização do município de Pedro II .................................................... 40
Figura 2 – Mapa de acesso a Pedro II a partir de Teresina .................................................... 41
Figura 3 – Mapa de ocorrência de opala no Piauí.................................................................. 45
Figura 4 – Mapa da localização dos garimpos de opala no município de Pedro II ............... 46
Figura 5 Fluxograma da extração, lapidação e comércio da opala no município de
Pedro II-PI ............................................................................................................................ 51
Fotografia 1: Portal de entrada da cidade de Pedro II-PI ...................................................... 58
Fotografia 2: Atividade de extração da opala no Garimpo Boi Morto. ................................. 69
Fotografia 3: Oficina de lapidação de Opala. ........................................................................ 69
Fotografia 4: Bamburrista preparando-se para deixar o garimpo .......................................... 111
Fotografia 5: Bamburrista em atividade no garimpo ............................................................. 111
Fotografia 6: Bamburrista peneirando chibiu ....................................................................... 112
Fotografia 7: Bamburristas durante descanso no garimpo .................................................... 112
Fotografia 8: Aspecto do Garimpo Boi Morto ...................................................................... 123
Fotografia 9: Palhoça onde bamburristas fazem as refeições no Garimpo Boi Morto .......... 123
Figura 6: Gráfico da carga tributária do setor de gemas e metais preciosos, no mundo ....... 129
Figura 7: Mapa dos municípios com aglomerados de APLs no Brasil ................................. 134
Figura 8: Logomarca dos componentes do APL Opala ......................................................... 143
Fotografia 10: Placa sobre a política de qualidade da COOGP, no Garimpo Boi Morto,
Pedro II – PI ........................................................................................................................... 164
12
LISTA DE TABELAS
Quadro 1 – Quadro sinótico das categorias profissionais da cadeia produtiva da opala .............. 72
Tabela 1 – Produção anual de opala do município de Pedro II (2005-2007 ................................ 78
Tabela 2 – Bamburristas por entidade produtora ......................................................................... 97
Tabela 3 – Resumo orçamentário da 1
a
etapa do APL Opala (2005 -2007 .................................. 148
Tabela 4 – Destino do investimento no APL Opala (2005 – 2007 .............................................. 161
Tabela 5 – Metas do APL Opala construídas a partir do Projeto Cooperativo em Rede
do Arranjo Produtivo de Opala na Região de Pedro II – Cronograma de execução 2005 ........... 174
Tabela 6 – Novos projetos introduzidos pelo APL Opala ............................................................ 176
13
ANEXOS
Anexo A – Bandeira do município de Pedro II .................................................................... 206
Anexo B – Hino de Pedro II ................................................................................................. 207
Anexo C - Samba enredo da Escola de Samba Skindô do carnaval 2002 ............................ 208
Anexo D – Tabela fundiária do Piauí e de Pedro II .............................................................. 209
Anexo E – Estatuto do garimpeiro ........................................................................................ 210
Anexo F– Algumas ilustrações do Catálogo de jóias “Pedras Primeiras de Pedro
Segundo” ............................................................................................................................... 214
Anexo G Projeto Cooperativo em Rede do Arranjo Produtivo de Opala na Região de
Pedro II – Cronograma de execução 2005............................................................................. 220
Anexo H – Processo de extração, lapidação e comercialização de opala em Pedro II .......... 225
14
SIGLÁRIO
ABC – Associação Brasileira de Cooperativas
AC – Análise de conteúdo
ACI - Aliança Cooperativa Internacional
AJOLP - Associação de Joalheiros e Lapidários de Pedro II
APEX- Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimento
APL - Arranjo Produtivo Local
APROPI – Associação dos Produtores de Opala do Piauí
CATE – Centro de Aplicação de Tecnologias Eficientes
CEP- Centro Ecológico Pirapora
CETEM - Centro de Tecnologia Mineral
CGEE - Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
COOGP - Cooperativa dos Garimpeiros de Pedro II
COOMOP – Cooperativa de Mineradores de Opala de Pedro II
CP- Cadeias Produtivas
CPM – Cadeia Produtiva Mineral
CPO - Cadeia Produtiva da Opala
DLIS- (Metodologia) Desenvolvimento Local Integral e Sustentável
DNPM - Departamento Nacional de Produção Mineral
EMATER – Empresa de Assistência Técnica e extensão Rural
EMIBRA- Empresa de Mineração do Brasil
EUA – Estados Unidos da América
FINEP- Financiadora de Estudos e Projetos
GPRM - Grupo de Pesquisa em Recursos Minerais
IBGM - Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos
IBM- Instituto Brasileiro de Mineração
IBRAM- Instituto Brasileiro de Mineração
ICMS - Imposto Comercial Sobre Mercadorias e Serviços
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
IELPR – Instituto Euvaldo Lodi do Paraná
IEURJ - Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
15
IUM - Imposto Único sobre Minerais
MCT - Ministério da Ciência e Tecnologia
MDIC - Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
MME - Ministério de Minas e Energia
OCB- Organização das Cooperativas Brasileiras
ONG - Organização Não Governamental
OPISA – Opalas do Piauí Sociedade Anônima
PDO - Plano de Desenvolvimento da Opala
PIB- Produto Interno Bruto
PMP- Prefeitura Municipal de Pedro I
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPA- Plano Pluri Anual
PSI – Programa Setorial Integrado de Apoio As Exportações e Gemas e Pedras Preciosas
RIMA - Relatório de Impacto Ambiental
Sebrae - PI- Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Piauí
SETDETUR- Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Econômico, Tecnológico e do
Turismo.
STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais
UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
16
INTRODUÇÃO
A mineração e a garimpagem são, provavelmente, duas das mais antigas e
difundidas atividades de trabalho praticadas pelos seres humanos no tempo e no espaço. O
elemento mineral, desta forma, tem fornecido não apenas a base material sobre a qual
civilizações são erigidas, mas constitui parte insofismável de seus mitos e memórias, de seu
arcabouço simbólico.
Distinguindo-se da mineração pelo uso de ferramentas rústicas, a garimpagem do
ouro e de pedras preciosas foi responsável pelo processo de interiorização do Brasil no século
XVIII, ressaltando-se nesse contexto a figura do bandeirante e, posteriormente, a do
garimpeiro como a do homem arredio, fugitivo da lei, heroicizado pelo povo e que conseguia
seu sustento a partir das pepitas retiradas dos garimpos e escondidas nas grimpas
1
.
Os garimpeiros que desfrutavam, até bem pouco tempo, da imagem de
aventureiros atribuída, no imaginário social, aos bandeirantes (PRADO JÚNIOR, 1994), na
atualidade, passam a ser monitorados em grande medida, por grupos sociais cuja visão
ambientalista, constantemente difundida e reforçada pela mídia, elegeram-nos como vilões
ambientais (BARBOSA, 1991). Mais do que isso, como se pretende ver, nessa dissertação, ao
tratar a problemática dos pequenos garimpeiros, aqui denominados bamburristas de opala do
município de Pedro II PI, que estes sofrem de um processo de invisibilidade social cujas
raízes, por um lado, estão fincadas na precarização do trabalho acirrada pelo atual estágio de
expansão do capitalismo mundial, que em um país como o Brasil adquire contornos cruéis
(ANTUNES, 2006) e, por outro, alojam-se em uma sociedade local ainda fortemente marcada
por traços de um sistema de valores com matizes do fenômeno conhecido como coronelismo
(FAORO, 2004), caso da sociedade pedrossegundense.
Num país conhecido mundialmente pela exportação de matérias primas,
incluindo-se as de origem mineral, pedras preciosas e gemas, o município de Pedro II-PI,
cuja alcunha é “Terra da Opala”, destaca-se como o maior produtor de gemas de opala de boa
qualidade do mundo. O mercado de opala, embora formado quase exclusivamente por
homens, já absorve uma parcela de mulheres que trabalham na lapidação, nas joalherias locais
e na catação de “chibius”, termo empregado, localmente, para designar fragmentos de opala
1
A propósito, cf. item 1.4.3 do capítulo I desta dissertação garimpeiro (SANTOS, 1976).
17
de, aproximadamente, meio centímetro quadrado (0,5 cm
2
) que, dependendo da qualidade
gemológica, podem atingir valores entre cinco (R$ 5,00) e trinta reais (R$ 30,00).
Os bamburristas, ao contrário dos demais sujeitos da cadeia produtiva da opala e
do Arranjo Produtivo Local da Opala (empresários garimpeiros: joalheiros, lapidários,
mineradores e designers), pouco têm usufruído do bônus financeiro e simbólico da extração
dessa gema, sobrevivendo no plano da invisibilidade social, cujo texto e fotografias do
catálogo “Pedra primeira de Pedro Segundo”, lançado em janeiro de 2007, vêm reforçar
2
.
Nesse sentido, motivada pela necessidade de se compreender como os
bamburristas de opala do município de Pedro II - PI, sistematicamente silenciados, constroem
e renegociam sua identidade no espaço social disputado pelos demais sujeitos sociais que
lutam pela hegemonia da história e da memória da opala, tanto no plano econômico quanto
simbólico, dentro e fora da cadeia produtiva, antes e depois da institucionalização do arranjo
produtivo no município, em 2005, a pesquisa confirma os pressupostos iniciais segundo os
quais, a despeito da invisibilidade social desse grupo, existe a construção de sua identidade
sociocultural que se em um processo de renegociação com os demais sujeitos sociais que
disputam o protagonismo da memória da história da opala.
Desse modo, esta dissertação aborda o tema da identidade sociocultural desses
bamburristas de Pedro II–PI e os desafios desse grupo frente a políticas de inserção produtiva,
detendo-se de modo aprofundado sobre aspectos relevantes da sua realidade social, de forma a
trazê-la à cena, não “simplesmente como uma ruptura ou um vínculo com o passado e o
futuro, mas sincronicamente, revelando as descontinuidades, suas desigualdades, (...)”
(BHABHA, 1998, p. 23).
Assim, como se trata de uma abordagem de cunho predominantemente
qualitativo, tanto o problema de pesquisa quanto o pressuposto inicial foram pensados como
norteadores da pesquisa passíveis, no entanto, de irem sendo reelaborados no decorrer da
mesma; sobretudo na conseqüente formulação dos objetivos geral e específicos, decorrentes
da problematização. Inicialmente, o objetivo geral da pesquisa foi o de compreender a
identidade cultural dos garimpeiros de opala do município de Pedro II, evidenciando as
transformações nessa identidade no processo de construção da memória desses garimpeiros
em face do apagamento social de que são vitimizados. No entanto, no prosseguir da pesquisa,
o foco foi a questão da identidade sem descartar, aí, o papel da memória, esta como pano de
fundo no processo de construção e reconstrução identitária. Ao mesmo tempo, a interpelação
2
Esse tema será tratado no item 3, subitem 3.3, do capítulo III desta dissertação.
18
do Arranjo Produtivo da Opala aos bamburristas ganhou relevo na compreensão da
construção identitária desses sujeitos. Em função disso, ocorreram algumas alterações nos três
objetivos específicos inicialmente pensados: Identificar e analisar o processo de construção da
memória e da identidade cultural dos garimpeiros de opala do município de Pedro II PI;
analisar o processo de apagamento social vivenciado pelos garimpeiros e detectar e analisar,
caso haja, aspectos de políticas públicas dirigidas aos garimpeiros que contemplem a questão
identitária por eles vivenciada. Assim, em relação ao primeiro, a ênfase foi posta no processo
de construção identitária incluindo-se, então, o papel da memória coletiva. No que tange ao
segundo, a idéia de invisibilidade foi privilegiada em relação à de apagamento, por se mostrar
heuristicamente mais rica. E quanto ao terceiro, a este se voltou para trazer para a análise a
interpelação do Arranjo Produtivo Local da Opala (APL Opala) como política pública de
inserção produtiva dos bamburristas.
Constatou-se, de forma singular, que, embora a grande maioria dos bamburristas
pratique a agricultura de aprovisionamento
3
, um número considerável deles tem uma segunda
atividade de trabalho, tais como zeladores e vigias (contratados ou não), pedreiros e, em
menor número, funcionários públicos. Acredita-se que esse aspecto contribua, em parte, para
o processo de construção identitária desse grupo, no sentido de, no campo do trabalho,
acentuar sua invisibilidade social.
Com isso, concebe-se esse sujeito social como minoria social apartada não apenas
do bônus financeiro de seu trabalho, mas também do bônus simbólico, em um processo de
apagamento na paisagem social do município, sendo necessário, portanto, a construção de
pontos de “memoração da memória” (DIEHL, 2002) dos bamburristas, para que se examine
no processo de construção da identidade social desses sujeitos a ação dos próprios
garimpeiros e, nesse sentido, se os perceba como atores sociais.
Nesse trabalho, delineia-se como problema de pesquisa: como os bamburristas de
opala de Pedro II - PI, grupo social incluído marginalmente na cadeia produtiva, em um
histórico processo de invisibilidade social, conseguem negociar sua identidade sociocultural
com os demais sujeitos no bojo dessa cadeia e fora dela, e como constroem sua memória
coletiva antes e depois de interpelados pelo Arranjo Produtivo Local da Opala como política
de inserção produtiva?
Como pressuposto inicial da pesquisa, supôs-se, a despeito de uma situação
3
Agricultura de aprovisionamento diz respeito à agricultura camponesa voltada, em primeiro lugar, para o
aprovisionamento da família, o que não quer dizer que seja desligada do mercado. A propósito conferir Godoi
(1999) e Moraes (2000).
19
econômica e socialmente desvantajosa diante dos demais sujeitos que disputam a história da
opala em Pedro II, os bamburristas constroem sua identidade sociocultural, fazendo
prevalecer uma memória coletiva que evidencia sua condição de grupo, a partir do garimpo e
das práticas garimpeiras, e da negociação com o APL Opala, assimilando estrategicamente o
que lhes interessa do discurso deste.
Essa dissertação tem como objetivo geral compreender como os bamburristas de
opala do município de Pedro II-PI, grupo social incluído marginalmente na cadeia produtiva,
negociam sua identidade sociocultural com os demais sujeitos incluídos nessa cadeia e fora
dela e, a despeito do processo de invisibilidade social de que são vitimizados, como são
interpelados pelo Arranjo Produtivo Local como política pública de inserção produtiva.
Como objetivos específicos: identificar estratégias de negociação identitária dos
bamburristas com os demais sujeitos da Cadeia Produtiva da Opala, compreender como os
bamburristas são vistos e se vêem no âmbito da CPO e do APL da Opala, e compreender
como os bamburristas são interpelados pelo APL Opala como política pública de inserção
produtiva.
Esta dissertação está estruturada em três capítulos, além da introdução, conclusão
e anexos. Na organização do texto, visto que a discussão teórica se faz a cada capítulo, à
medida que for pertinente, não há, exclusivamente, um capítulo teórico.
O primeiro capítulo traz uma contextualização do universo do garimpo e dos
garimpeiros, retomando aspectos históricos da mineração mundial e no Brasil, o processo de
formação da gema de opala e do garimpo em Pedro II. Trata de forma preliminar da
participação dos bamburristas (pequenos garimpeiros) no processo de produção da opala.
O segundo capítulo expõe o método empregado na pesquisa, a tipologia dos
sujeitos abordados e categorias teóricas utilizadas tais como identidade, memória, garimpo,
campesinato, dentre outras. Em seguida, apresenta o diálogo entre os resultados da pesquisa
empírica realizada com bamburristas de opala do município de Pedro II e o arcabouço teórico
fundamentado, sobretudo, em Bergson (1999), Halbwachs (2006), Pollak (1992), Le Goff
(2003), Nora (1993), Bourdieu (1998, 2004), Moraes (2000), Godoi (1999), dentre outro/as.
No terceiro capítulo, procuram-se localizar os bamburristas no âmbito da Cadeia
Produtiva da Opala CPO (IBGM, 2005, MORAIS, 2006), bem como estudar a dinâmica
desses atores sociais no Arranjo Produtivo da Opala APL Opala, baseando-se em: Albacli,
(2003), Caporali, (2003), Sebrae (2004, 2007), (Brasil/MME/DNPM (2001), Vale (2000),
IEUFRJ (2000), Morais (2006), IBGM (2005), Termo de referência para a atuação do sistema
Sebrae em arranjos produtivos locais (2003), dentre outros. Dessa forma, são analisadas
20
políticas públicas de inserção produtiva (DAGNINO, 2002, COSTA JÚNIOR, 2007, RUA,
1998, DINIZ, 2005, ANTUNIASSI, 1993, FAGNANI, 1977, Sebrae, 2007) que começam a
ser implantadas junto ao setor de extração e beneficiamento da gema de opala no município
de Pedro II - PI, com o objetivo de compreender as interpelações provocadas por essa
implementação, no município, do Arranjo Produtivo Local da Opala junto aos bamburristas, e
como estes constroem, nessa situação, sua identidade sociocultural em grande medida
ancorada na memória social da categoria. Com isso, procuram-se trabalhar questões então
levantadas no primeiro capítulo.
Na conclusão da pesquisa são destacados os pontos principais alcançados na
pesquisa sendo apontados, ainda, aspectos relevantes a serem considerados pelas políticas
públicas de inserção produtiva dos bamburristas como elo mais desprotegido da Cadeia
Produtiva da Opala, assim como suas possibilidades e limites.
Finalmente, os anexos contêm imagens fotográficas da bandeira do município, dos
garimpos, dos processos de extração, lapidação e venda da opala, do catálogo de jóias “Pedra
Primeira de Pedro Segundo”, além das letras do hino do município e de um samba enredo do
carnaval 2002 de Teresina alusivo à Terra da Opala; cópias das tabelas da estrutura fundiária
do Estado do Piauí e do município de Pedro II, do Estatuto do Garimpeiro e do Projeto
Cooperativo em Rede do Arranjo Produtivo de Opala na Região de Pedro II – Cronograma de
execução 2005.
21
CAPÍTULO I
GARIMPANDO IDÉIAS: DA RELAÇÃO ENTRE HUMANOS E MINERAIS
Nesse capítulo, traça-se, inicialmente, um breve panorama da mineração,
focalizando esta atividade no Brasil, concentrando-se mais detidamente na mineração e
garimpagem de opala do município de Pedro II, Estado do Piauí. Principal exportador
nacional da gema de opala, Pedro II tem-se notabilizado internacionalmente no setor.
Contudo, apesar de algumas melhorias trazidas pelo Arranjo Produtivo Local da Opala-APL
Opala, a realidade econômica e sociocultural de seus pequenos garimpeiros, que fazem parte
do primeiro elo da Cadeia Produtiva da Opala - CPO, deixa ainda muito a desejar. Os
bamburristas, fundamentais no processo de extração da opala, são duplamente invisibilizados,
tanto no seio da CPO e do APL como fora destes, por uma sociedade que não os reconhece
como sujeitos de direito.
1.1 DE HUMANIDADES, MINERAIS E MINÉRIOS
A interação do ser humano com os minerais e minérios
4
remonta a tempos
imemoriais. Fonte primeira da vida, do sustento do próprio ser humano, a natureza com suas
potencialidades transformadas em recursos ambientais
5
, foi, e continua sendo vista como a
grande e provedora, fonte inesgotável de suprimentos para esse animal, que ao contrário
dos demais, modifica profundamente o ambiente onde vive, visando a seus próprios
interesses. A utilização dos minerais na fabricação de utensílios
6
domésticos, bélicos e
artísticos, insere-se nessa visão providencialista do homem para com a natureza.
Enquanto a
atividade de mineração (ou mineratória) se utiliza de instrumentos mais sofisticados para a
extração de minérios localizados em depósitos subterrâneos, a de garimpo (ou garimpagem) é
atividade artesanal, ocorrida em região de aluvião, que emprega instrumentos rudimentares, as
4
Minério seria o termo adequado para significar o mineral isento de impurezas. Geralmente o minério é
resultante da ação do trabalho humano (CAMPOS, 2002).
5
“Atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo e os elementos
da biosfera” (Art. 3
0
da Lei 6.938, de 31/08/81, Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e
mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências).
6
Os primeiros utensílios de pedra foram produzidos pelos Australopithecus e datam de dois milhões e seiscentos
mil anos. (CAMPOS, 2002).
22
práticas mineradoras, assim como as de garimpagem, aparecem como uma constante na
maioria das sociedades humanas estudadas. Panelas e potes, vasos e lanças, jóias, adornos
corporais e estátuas, enfim, objetos que têm nos minerais sua razão de ser, polvilham a
história de grupos humanos os mais diferenciados no tempo e no espaço (NEVES, 2007).
Em quase todas as cosmogonias, narrativas que procuram explicar a criação do
universo, e teogonias, cosmogonias centrada na deidade, alusão a minerais como um dos
elementos basilares das civilizações (PAULI, 2007), em função, provavelmente, dessa
imbricada relação dos humanos com aqueles. No mundo ocidental cristão, por exemplo, a
narrativa bíblica de Adão, palavra que significa “homem de barro”, é emblemática. Adão,
segundo as escrituras sagradas, teria sido criado por Deus, a partir do barro da Terra e
recebido do criador uma alma, quando este lhe soprou as narinas. Ainda, segundo essa
narrativa, a companheira do primeiro homem nasceu de uma de suas costelas. A experiência
humana do contato com os minerais tem sido tão intensa que
bem antes que as sábias análises dos químicos modernos tivessem
encontrado em nossa carne viva as substâncias que constituem a terra, a
experiência mais direta ensina ao homem que, uma vez cessando a vida de
transfigurar a matéria de que é formado o corpo, nada mais o distingue de
qualquer conglomerado, rápida decomposição, reintegrando-o na lama
(BIOT, 1962, p. 9).
O que fica sugerido é que, independentemente de como ou onde tenham surgido
esses mitos de origem, eles têm como referente a Terra, os minérios, ou alguma coisa ligada
ao solo, como também se pode perceber, por exemplo, no mito de origem dos índios
Kamaurá, habitantes do Alto Xingu, no Estado do Mato Grosso, segundo o qual o primeiro
homem (Mavutsinim), não suportando mais a solidão que o aflige, transforma uma concha em
mulher e casa-se com ela (BOAS, 1975). -se, por analogia, que tanto a concha (no mito
Kamaurá), quanto a costela (no mito judaico-cristão) são ricas em cálcio, elemento químico
de número atômico 20, da família dos metais alcalinos terrosos, abundante em muitas regiões
da crosta terrestre, notadamente em regiões desérticas, como indica a pedologia, ciência que
estuda a classificação dos solos.
Mas não são apenas as narrativas míticas que fazem alusão à simbiose entre seres
humanos e minerais. A própria palavra homem deriva do latim humus “produto da
decomposição parcial dos restos vegetais aos quais se juntam restos animais em menor
escala” (FERREIRA, 1988, p. 346). A decomposição desses restos orgânicos, como se sabe,
resulta, em última análise, em resíduos mais simples, isto é, inorgânicos. Minerais, portanto.
23
Os minerais, como se pode perceber, não fazem parte, apenas, da estrutura física
dos homens e mulheres. Seres pensantes que são, seres de linguagem, seres simbólicos,
homens e mulheres lidam com os minerais no mundo de suas estruturas mentais e os
empregam em inúmeras de suas expressões cotidianas, como, “vontade férrea”, “nervos de
aço”, “pé de chumbo”, “coração de pedra”, “chumbo grosso”, dentre outras. De fato, em
linguagem literária, o emprego de nomes de minerais bem como de construções metafóricas
nas quais eles estão presentes é considerável.
A presença dos minerais no imaginário social chega a tal ponto que estes têm sido
também empregados para nomear diversas épocas e períodos da História
7
: Idade da pedra
lascada, Idade da pedra polida, Idade dos metais (bronze, ferro). No que tange a eventos da
era moderna, tem-se a expressão “corrida do ouro”, na Califórnia, EUA, em 1848, assim
como o “ciclo do ourono Brasil, no final do século XVII. Para períodos de tempo mais
longos que marcam a união entre os amantes usam-se: “bodas de prata”, “bodas de ouro”,
“bodas de diamante”
8
. Nos torneios esportivos, o terceiro, o segundo e o primeiro lugares são
respectivamente comparados ao bronze, à prata e ao ouro, estabelecendo-se, assim, uma
escala crescente de valor e importância na premiação.
Além disso, minerais nominam espaços geográficos: “Vale do Silício”,
“Quadrilátero Ferrífero”, “Itabira”, “Ouro Preto”, “Diamantina”. Nominam pessoas: “Pedro”,
“Safira”, “Rúbia”, “Áurea”. Se algo tem muito valor, por analogia, diz-se que tal coisa é um
“pingo de ouro”, que tal coisa ou alguém “vale ouro em pó”. Ou, ainda, que essa coisa ou
pessoa é “um brinco” (jóia). Os ditos populares estão repletos de expressões que fazem alusão
aos minerais ou às suas qualidades: “Nem tudo que reluz é ouro”, diz-se de uma situação da
qual se está ressabiado. De alguém em quem não se confia dizia-se, até décadas, atrás, que,
“não valia meia pataca” ou “não vale um níquel”.
Os minerais, enfim, simbolizam aspectos do mundo do conhecimento quando,
querendo ressaltar a importância de algo em que uma série de outras coisas se fundamenta, a
essa idéia primeira se faz referências como sendo apedra filosofal”, demarcadora do
elemento original. Os exemplos abundam.
Por fim, os minerais servem, ainda, de suporte para guardar o que se julga
essencial para si mesmo, para um grupo de pessoas. Homens e mulheres, na ânsia de
7
O objetivo aqui, muito mais do que apresentar uma classificação minuciosa e rígida acerca dos minerais, é de
deixar evidente a forte presença de elementos componentes da crosta terrestre na simbolização da vida social.
8
“Bodas de algodão”, fugindo à classificação com base mineral, é empregado para um curto período de cinco
anos de união conjugal.
24
perenização de seus feitos, recorrem à ductilidade dos minerais e neles gravam verdadeiros
arquivos de suas vidas (e mortes). Não contentes com a transmissão de seu DNA
9
, e diante da
fragilidade da vida, exposta à fugacidade inexorável da passagem do tempo, lançam aos
minerais como se esses fossem um último recurso de que dispusessem para ajudá-los a mantê-
los (a eles, seres humanos) na lembrança, na memória dos que continuarão vivendo após sua
morte física. Assim, graças aos minerais, a memória pode ser literalmente petrificada em
moedas, jóias de família, lápides, estátuas, monumentos, esculturas,
10
enfim.
Nas últimas décadas, os avanços da tecnologia possibilitaram a gravação de som e
imagem por aparelhos cada vez menores e mais possantes, chegando-se ao micro-
processamento e à digitalização de dados
11
em uma quantidade assombrosa. Contudo, essa
tecnologia, por mais moderna e sofisticada que possa parecer, e que de fato é, continua
ancorada no uso dos minerais, agora também através da manipulação de sua estrutura
nanométrica
12
. Os minérios, apesar de toda a sua importância na história da humanidade, de
nada adiantariam se os seres humanos não fossem capazes de dominar técnicas, de organizar
estratégias de médio e longo prazo e, assim, realizarem atividades rotineiras de apropriação do
meio natural que os circundam. Assim, tratar da relação estreita entre humanos e minérios,
supõe diferir atividades que lhes permitiram, ao longo do tempo, obter se não o domínio, ao
menos o manejo dos minérios. Trata-se de uma plêiade de atividades às quais denominam-se
atividades mineradoras e garimpeiras. Enquanto as primeiras estão relacionadas mais ao
emprego de ferramentas sofisticadas, as atividades garimpeiras, propriamente ditas, baseiam-
se no uso de ferramentas rústicas, como as empregadas pelos bamburristas de opala de Pedro
II. Por essa razão, trata-se, aqui, destas últimas.
1.2 DAS ATIVIDADES GARIMPEIRAS E MINERADORAS
As atividades garimpeiras são também conhecidas como “práticas garimpeiras”,
se bem que esta última denominação pode conter um significado mais amplo, indo além do
espaço do garimpo e incorporando os modos de ser dos garimpeiros. Essas atividades
ocorrem no âmbito do garimpo. Nesse ponto, faz-se necessário precisar os significados dos
9
Ácido desoxirribonucléico-DNA, substância química que juntamente com o ácido ribonucléico-RNA são
responsáveis pela transmissão de caracteres hereditários e produção de proteínas, compostos essenciais na
constituição física dos seres vivos (KESSLER, 2008).
10
Pierre Nora denomina esses lugares de “lugares de memória” (NORA, 1984).
11
Sobre esse assunto ver Botelho (2007). Ver o capítulo 6 de Hawking (2002).
12
Estruturas de dimensões inferiores a um milésimo de milímetro (SPADA, 2007).
25
termos “garimpo” (e “mina”), e “garimpeiro”, que referem, respectivamente, o espaço e os
sujeitos abordados nessa pesquisa. Cotidianamente as definições dadas a garimpo e mina são
polissêmicas. Ora, tais termos são usados, indistintamente, para indicar o lugar da extração de
minério. Assim, ouve-se de garimpeiros, por exemplo, que a mina do Boi Morto fica na Serra
dos Matões ou que o garimpo do Cantinho foi fechado; ora, o sentido de mina e de garimpo
está relacionado ao tipo de tecnologia usada na extração dos minérios. A mina seria o lugar de
tecnologia mais sofisticada (maquinário pesado). O garimpo, por sua vez, o lugar onde se faz
uso, apenas, de ferramentas rústicas (picaretas, pás e cavadores, dentre outras). Como a região
da mina Boi Morto durante muito tempo foi palco de operações de escavação realizadas por
mineradoras
13
, os garimpeiros, provavelmente, quando usam o termo mina se referindo à
região, estão pensando no tipo de ferramentas ali empregadas. Outras vezes, ainda, o termo
mina é empregado em sentido genérico: “cavidade artificial na terra, para se extraírem
minérios, combustíveis, água, etc” (FERREIRA, 1988, p. 432). Nesse sentido, todo garimpo
seria uma mina, que localizado em lugares baixos, próximos a cursos de água
(DICIONÁRIO..., 2007).
Por sua vez, o termo garimpeiro também é polissêmico. Pode ser usado tanto para
referir o dono de extensas áreas de terra não tituladas, equipamentos de médio e grande porte,
como também o trabalhador, que tem apenas sua força de trabalho, de mina ou garimpo
14
.
Pode-se também distinguir o garimpeiro do mineiro dizendo que enquanto o primeiro exerce o
trabalho com o uso de ferramentas primitivas, a céu aberto, o segundo maneja ferramentas
mais complexas, no interior da Terra.
Legalmente, porém, o Estatuto do Garimpeiro, votado e aprovado em novembro
de 2007, sancionado pelo Vice-Presidente da República (no exercício da presidência) em 02
de junho de 2008, busca normatizar as definições de garimpo e garimpeiro. Assim, o Art.
desse Estatuto diz: “Fica instituído o Estatuto do Garimpeiro, destinado a disciplinar direitos e
deveres assegurados aos garimpeiros”. No Art. 2º, lê-se:
Para fins previstos nesta Lei entende-se por: I - Garimpeiro: toda pessoa
física de nacionalidade brasileira que, individualmente ou em forma
associativa, atue diretamente no processo da extração de substâncias
minerais garimpáveis; II - garimpo: a localidade onde é desenvolvida a
13
Desde 2005, a região da mina Boi Morto, que permaneceu interditada para a exploração de opala entre 1998 e
2004, voltou a ser explorada, mediante acordo, em parte por uma mineradora e em parte por bamburristas
filiados à Cooperativa dos Garimpeiros de Pedro II - COOGP.
14
O termo trabalho, aqui, é tomado no sentido de Karl Marx, para quem “antes de tudo, o trabalho é um processo
do qual participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona,
regula e controla seu intercâmbio material com a natureza” (MÉDICI, 1983).
26
atividade de extração de sustâncias minerais garimpáveis, com
aproveitamento imediato do jazimento mineral que, por sua natureza,
dimensão, localização e utilização econômica, possam ser lavrados,
independentemente de prévios trabalhos de pesquisa, segundo critérios
técnicos do Departamento Nacional de Produção Mineral DNPM
(ESTATUTO... 2007).
Nesse trabalho, pois, adota-se o conceito de garimpo e de garimpeiro, conforme
reza o Estatuto do Garimpeiro. Dessa forma, faz-se uso do termo garimpo para referir os
lugares onde se a extração da opala. Os garimpos de opala do município de Pedro II, por
sua vez, estão divididos em dois tipos: garimpos a céu aberto, que representam 99% do total, e
garimpos subterrâneos, o que denota a forte marca de uma extração de feições artesanais. Os
primeiros assemelham-se a crateras, chamadas localmente de “barreiros”, abertas no chão, das
quais é retirado o cascalho de opala misturado à areia. Os segundos assemelham-se a grutas
abertas no sopé de um morro ou elevação natural
15
.
Como exposto na sessão anterior, atividades mineradoras e garimpeiras são das
mais antigas exercidas pelos seres humanos. Na verdade, essas atividades tiveram início ainda
na pré-história, por volta de 300.000 a.C., quando se retiravam sílex, rocha dura composta por
grãos muito finos, à base de sílica (SiO
2
) e cherte, rocha sedimentar química ou biolítica,
semivítrea que contém quartzo microcristalino, encontradas em pedreiras e usadas para a
fabricação de utensílios líticos. Há, contudo diferença entre essas duas atividades. Enquanto a
expressão atividades mineradoras (ou mineratórias) é empregada de forma genérica para
significar a extração de minerais de algum lugar (mina), atividades garimpeiras é expressão
usada para significar uma forma artesanal de exploração com a utilização de ferramentas
rústicas tais como pá, enxada e chibanca.
Como referido, o contato dos seres humanos com as pedras, matérias minerais
sólidas que constituem as rochas é, quase sempre, acompanhado de forte significado
simbólico. O culto aos mortos foi, com o ritual de sobreposição de pedras ao corpo sem vida
de um membro do bando
16
, muito provavelmente, uma das primeiras manifestações da idéia
sub-reptícia de que algo ou alguém existiu e foi, de certa forma, importante para os demais
membros de seu bando. O emprego de pedras na construção de dolmens (monumentos pré-
históricos, em forma de portal, construídos por sacerdotes druidas na região comum à Gália,
15
Para maiores detalhes ver Germani (2002).
16
Segundo Ciro Flamarion Cardoso, “um bando é sobretudo uma associação residencial de famílias nucleares ou
restritas, segundo um sistema exogâmico e virilocal (os homens de um bando devem buscar esposas em outros
bandos), e estas vêm residir no bando dos maridos” (CARDOSO, 1996).
27
Bretanha e Germânia), de pirâmides, de colunas, de espaços públicos, enfim, é
abundantemente citado em arqueologia como lugares de realização de rituais, espaços de
contato entre os mundos do visível e do invisível, do além, num provável desejo de
transcendência que parece existir na espécie humana
17
.
Para além das pedreiras, outros espaços passaram a ser usados nas práticas de
mineração: galerias, poços e, por fim, na exploração subterrânea. Pode-se dizer que, o início
da extração de minérios metálicos ocorreu por volta de 40.000 a.C., quando foi encontrada a
hematita, principal mineral-minério de ferro usado em pinturas ritualísticas. À medida que a
mineração se expandia, tanto em diversidade de elementos, quanto no emprego de novas
técnicas, inicia-se a atividade da metalurgia do cobre, entre 70.000 a.C. e 4.000 a.C. a fase
da pirometalurgia só teve início em 1.200 a.C., na região hoje conhecida como Oriente Médio
(INSTITUTO..., 2007).
Seja como for, a história dos minérios está atrelada à dos próprios homens e
mulheres e de uma forma muito concreta, através do trabalho, às vezes na condição de
escravidão ou de semi-escravidão ou, ainda, como trabalhadores de grandes empresas
mineradoras. Confinados às profundezas da Terra ou expostos a sol e chuva, quer fazendo uso
das mais modernas máquinas, quer se utilizando de ferramentas semi-artesanais, reconfiguram
espacial e socialmente minas e garimpos e, nesse sentido, tais espaços são construtores de
identidades.
A busca por minérios diversificou-se ao longo do tempo e estendeu-se também à
busca por pedras preciosas e gemas
18
. Assim, centenas de narrativas sobre a prática da
mineração são encontradas em civilizações como a egípcia, a grega, a romana, a maia, a inca,
dentre outras. A história do novo continente, por exemplo, está eivada dessas narrativas, cujo
resumo bem poderia ser: “Os espanhóis retiraram milhares de toneladas de metais preciosos
das entranhas da América. E levaram milhões de nativos à morte” (CAMPOS, 2002, p.124). É
conhecido o episódio meio lendário no qual o imperador inca Atahualpa aprisionado por
Pizarro, oferecera, como pagamento do resgate, uma sala com 35 m
2
de ouro. O assassinato do
chefe inca pelo colonizador espanhol deu origem à lenda do Eldorado, a cidade feita de ouro,
buscada por tantos aventureiros.
17
Para Márcia Pompei, é devido à riqueza escondida que a mineração (e, muito provavelmente, a garimpagem)
pode ser vista como atividade ancestral e algo mística, cercada por crenças populares ao mesmo tempo que
representa um trabalho penoso, mas onde a esperança é renovada. Mesmo turistas se sentem atraídos por minas
abandonadas nas quais, talvez, fantasiem o encontro com alguma pepita (POMPEI, 2007).
18
Todo material raro e bonito com o qual se possa confeccionar jóias e objetos de adorno. A grande maioria das
gemas é de origem mineral. De origem orgânica temos âmbar, marfim, azeviche, pérolas, conchas, corais,
carapaças de tartarugas. Cf.http://www.dicionario.pro.br/dicionario/index.php?title=Gema (2007).
28
Muito antes da Idade Moderna, a mineração era um fato, até certo ponto, do
cotidiano das sociedades. O bronze passou a ser produzido a partir de 2.600 a.C., e o cobre e a
prata a partir de 2.000 a.C., pelos povos do Mediterrâneo Oriental. Nessa mesma época, os
povos hititas, que habitavam a Ásia Menor, cerca de 1900 a.C, usavam o ferro enquanto os
chineses, por sua vez, faziam uso do carvão vegetal como combustível. As minas de chumbo
de Laurim, próximas a Atenas, na Grécia, começaram a ser exploradas no II milênio a.C..
Eram minas a céu aberto com pequenas galerias, forte indício de que mineração e arquitetura
sempre se instigaram, criativamente. Abandonadas, estas minas foram retomadas em 600 a.C.,
época em que poços de acesso e de ventilação foram construídos, com a utilização do método
de câmaras e pilares. Os fenícios iniciam a exploração de Rio Tinto, na Espanha, para obter
prata e as primeiras ferramentas de ferro para a extração de sal gema
19
(GONÇALVES, 2008,
BRASIL..., 2008, NOVA..., 1996).
Na Idade Média, as minas ganharam o imaginário popular como lugares
demoníacos, provavelmente associadas ao reino subterrâneo dos infernos, na visão cristã. A
observação de erupções vulcânicas, com a projeção de enormes quantidades de s sulfúrico,
certamente contribuiu para uma gama de narrativas populares que viam nas descomunais
forças oriundas das profundezas da Terra, manifestações demoníacas causadoras de destruição
e morte atribuídas, desde os tempos romanos, ao deus Vulcano, ao mesmo tempo em que a
lenda construída em torno dos alquimistas, homens que, segundo a crença popular de então,
sonhavam em transformar chumbo e outros elementos em ouro, reforça ainda mais a idéia da
estreita convivência dos humanos com os minerais (e minérios) e seus mistérios. Uma das
primeiras obras acerca dos minerais, “Sobre as Pedras”, de Teofrasto, foi escrita em 265 a. C
(BRASIL..., 2008, ZIERER, 2008).
No ano 900 da era cristã, a porcelana foi inventada pelos chineses. Os romanos,
por seu turno, deixaram um grande legado à mineração, com a invenção de dispositivos para
remoção de água, dentre eles a nora e o parafuso de Arquimedes que através da
movimentação mecânica de partes móveis faziam com que o fluxo de água fosse conduzido
no sentido oposto ao da gravidade, deixando seco o terreno a ser explorado. Os carris, esteiras
usadas na movimentação dos minérios passaram a ser usados a partir de 1553, na República
Tcheca. Em 1627, testavam-se, na Hungria, os primeiros explosivos em mineração. Em 1768,
as primeiras bombas a vapor, encarregadas de retirar água das minas de estanho, foram
testadas na Cornualha, na França (NOVA..., 1996).
19
Cloreto de sódio usado para obtenção de cloro, sódio, ácido clorídrico, carbonato de dio e outros fins
industriais (HOUAISS, 2001).
29
Mas somente com o advento da Revolução Industrial, na segunda metade do
século VXII, como em nenhuma outra fase anterior da história, que as minas passaram a ser
vistas como fontes primárias, indispensáveis ao modo capitalista de produção. Nesse sentido,
ao contrário do que geralmente se acreditou, não foram as chaminés o símbolo do progresso
nascente. Essas representariam uma segunda etapa desse processo produtivo. Foram as
minas de carvão vegetal que se constituíram na base da indústria nascente, alterando
substancialmente, e em escala global (GUSDORF, 1982), o modo de vida das pessoas. Eram
minas, em sua maioria, subterrâneas e, portanto fora do alcance da visão (assim como os
mineiros), o oposto, portanto, das chaminés. Com a Revolução Industrial, também as práticas
de mineração e de garimpagem sofreram mudanças advindas da aceleração dos processos de
exploração, dos mecanismos de condução do material explorado, com a construção de esteiras
mais velozes, e com maior capacidade de transporte e beneficiamento dos minérios.
Desde então, as inovações tecnológicas no setor de mineração, como nos demais
setores da indústria, vêm-se modernizando de forma exponencial, haja vista o emprego de
maquinário pesado, de caminhões gigantes que transportam dezenas de toneladas de material
extraído de minas e de garimpos, localizados nas mais remotas regiões do globo, de brocas de
diamante adaptadas a sensores de fibra ótica, o uso, enfim, da computação, conexão em rede,
e satélites artificiais no mapeamento de minérios e na segurança das minas. Vê-se, pois, que
as práticas mineradoras têm sido responsáveis pelo apuro de novas técnicas de construção, de
manuseio de materiais, e de condução desses materiais os quais repercutem sobremaneira na
vida hodierna de milhões de pessoas, ajudando a construir, inclusive, a crença no
desenvolvimento a todo preço. “Assim, perseguido a todo custo, o desenvolvimento tornou-se
um fim em si mesmo governado pela ciência que se tornou uma força de produção”
(ANDRADE, 2001, p. 19).
Frise-se, porém, que a despeito de toda essa indústria high-tec no setor da
mineração, subsiste outra forma, artesanal, com a presença física de homens que executam
tarefas insalubres e extremamente perigosas, lembrando, muito de perto, outros cenários do
passado, quando as atividades mineiras e garimpeiras desenvolviam-se, muitas vezes, em um
ambiente policialesco e mesmo escravagista.
1.3 DA MINERAÇÃO NO BRASIL
O Brasil não recebeu, de imediato, do colonizador português, a atenção devida,
sobretudo, porque entre 1580 e 1640 a coroa portuguesa esteve, na prática, subordinada à
30
espanhola e, dessa forma, os interesses portugueses aos dos espanhóis. A política guerreira
dos Habsburgos solapou não apenas o dinheiro, mas o vigor do povo português que se viu
forçado a dispender sua energia em uma aventura que não lhes dizia respeito. Dessa forma,
“estava definitivamente perdido para Portugal o comércio asiático; as pequenas colônias que
ainda conservará no Oriente não têm expressão apreciável” (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 49).
O Brasil, quase lhe escapara das mãos e, por pouco, não terminara nas dos holandeses e
franceses. Aliás,
no terceiro decênio do séc. XVI o Rei de Portugal estará bem convencido
que nem seu direito sobre as terras brasileiras, fundado embora na soberania
do Papa, nem o sistema, até então seguido, de simples guarda-costas
volantes, era suficiente para afugentar os franceses que cada vez mais tomam
em suas possessões americanas. Cogitará então de defendê-las por
processo mais amplo e seguro: a ocupação efetiva pelo povoamento e
colonização. Mas para isso ocorria uma dificuldade: ninguém se interessava
pelo Brasil. A não ser os traficantes de madeira - e estes mesmos já
começavam a abandonar uma empresa cujos proveitos iam em declínio
ninguém se interessara seriamente, até então, pelas novas terras; menos
ainda para habitá-las. Todas as atenções de Portugal estavam voltadas para o
Oriente, cujo comércio chegara nesse momento ao apogeu. Nem o reino
contava com população suficiente para sofrer novas sangrias; os seus parcos
habitantes, que não chegavam a dois milhões, suportavam com grande
sacrifício as expedições orientais. Nestas condições, realizar o povoamento
de uma costa imensa como a do Brasil era tarefa difícil (PRADO JÚNIOR,
1994, p. 31).
O povoamento, portanto, se daria trinta anos mais tarde após a primeira
aportagem nas costas brasileiras e, ainda assim, sem grandes esforços da Coroa. O primeiro
movimento no sentido de, efetivamente, apoderar-se da terra recém-encontrada, se
vislumbrou com o envio de uma esquadra, por ordem do rei, D. João III (1521-1557). O
comandante da esquadra era o nobre português Martim Afonso de Sousa, que acompanhado
de seu irmão, Pêro Lopes de Sousa, vinha saber da veracidade da notícia de que havia prata
abundante em mãos de selvagens que habitavam as proximidades do rio Solis. Não
encontrando prata alguma, a esquadra retornou a Portugal em 1533. Prata não havia, mas
havia ouro. Ouro de lavagem, isto é, ouro em pouca quantidade, encontrado exatamente na
capitania de São Vicente (atual estado de São Paulo) que tinha como donatário Martin
Afonso. Esta capitania juntamente com a de Pernambuco, de Duarte Coelho, foram as únicas
duas, de um total de doze, que realmente prosperaram. É, pois, do ouro de lavagem que as
primeiras práticas mineradoras (e, por extensão as de garimpagem) em solo brasileiro se
originaram.
31
Os metais preciosos tinham preocupado os portugueses desde o início da
colonização. As prematuras descobertas castelhanas no México e no Peru
incendiaram as imaginações, e tornaram-se crença arraigada que qualquer
território da América encerrava necessariamente os preciosos metais. Com a
esperança de encontrá-los, não foram poucos os aventureiros que desde o
primeiro momento da ocupação do litoral brasileiro se tinham internado pelo
território desconhecido. Deles ficaram notícias vagas, pois quase todos se
perderam: quando escapavam dos obstáculos de uma natureza agreste, iam
acabar às mãos dos indígenas (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 56).
Portugal, todavia, não teve a mesma sorte que a Espanha
20
quanto à ocorrência de
ouro. Aliás, o ciclo do ouro brasileiro foi relativamente breve, ocorrendo entre os anos de
1700 e 1850 com a produção de cerca de 16 t/ano, sobretudo na região do Quadrilátero
Ferrífero (MG), explorado pelos Bandeirantes (PRADO JÚNIOR, 1994). Este metal seria
encontrado, em quantidade economicamente viável, no século XVII, um século e meio
depois, portanto, dos achados auríferos da capitania de S. Vicente. Esta segunda etapa,
incontestavelmente, foi a responsável direta pela interiorização do desenvolvimento no país,
bem como pelo processo de expansão de suas fronteiras. A riqueza gerada pelas práticas
mineradoras desse período foi determinante para o surgimento daquilo que mais tarde seriam
os pólos regionais de gemas e jóias. Mesmo assim, os problemas de infra-estrutura
continuariam constituindo-se num grande empecilho ao desenvolvimento do setor (PRADO
JÚNIOR, 1994).
A coroa portuguesa, a despeito de tudo, elegeu a mineração no Brasil como uma
de suas prioridades, visto que era a partir da mineração que todos os demais problemas
poderiam ser sanados, como as dívidas com outros países, sobretudo, a Inglaterra. Dessa
forma, “ao contrário do que se com a agricultura e em outras atividades da colônia, a
mineração foi submetida desde o início a um regime especial que minuciosa e rigorosamente
a disciplina” (PRADO JÚNIOR, 2004, p. 174). Assim, a legislação aurífera do país, por
20
Símbolo de poder e de glória para os espanhóis, a mineração praticada por este povo na América, representou
para os povos nativos dessa parte do planeta o quase extermínio. Ciro Flamarion Cardoso, a esse respeito,
parafraseando André Pinaol, diz que, devido à ganância dos espanhóis, as civilizações indígenas foram
brutalmente escravizadas. Esse autor, contudo, chama a atenção para a falsa impressão que, muitas, vezes se tem
de que os indígenas americanos viviam na mais perfeita harmonia antes da chegada de seus algozes. Ao,
contrário, há indícios arqueológicos segundo os quais esses povos guerreavam entre si e destruíam velhos
códices uns dos outros, prática comum, entre os astescas (CARDOSO, 1996). Vale ressaltar também que os
povos pré-colombianos que habitavam a América conheciam alguns minérios, pedras preciosas e gemas e os
incorporavam, de forma simbólica e mítica, à sua vida social. Entre o povo asteca, por exemplo, os homens
exerciam a função de agricultor-soldado e eram socialmente pressionados a exercer a arte da guerra, pois, se
vencedores, conseguiriam bons cargos no governo. E, como assegura Jacques Soustelle, “Posteriormente, graças
a seus méritos, iria[m] adquirindo novos títulos, tais como o otomiti, com direito a usar determinadas ias e
emblemas e tomar parte nas grandes danças rituais” (SOUSTELLE, 1997, p. 31). Também na sociedade asteca, a
classe dos pochteca (comerciantes) podia usar ias de ouro e seus membros eram considerados tios da família
do imperador (SOUSTELLE, 1997).
32
exemplo, já aparece na Carta Régia de 15 de agosto de 1603, estabelecendo a livre exploração
do ouro, cabendo à coroa “o quinto de todo ouro extraído” (PRADO JÚNIOR, 2004, 174).
Para tanto, foi criada uma administração especial, a Intendência de Minas que ficava sob os
cuidados de um superintendente. Se havia um projeto político voltado para a mineração, este
era o de encher os cofres da metrópole.
Para Sérgio Buarque de Holanda, coube aos portugueses, como “sua maior missão
histórica” (HOLANDA, 1995, p. 43), a conquista do trópico, uma vez que “nenhum outro
povo do Velho Mundo achou-se tão bem armado para se aventurar à exploração regular e
intensa das terras próximas à linha equatorial, onde os homens degeneram, segundo o
conceito generalizado na era quinhentista” (HOLANDA, 1995, p. 43). Assim, visto do
presente, o governo português não realizou “um empreendimento metódico e racional, [pois o
mesmo] não emanou de uma vontade construtora e energética: fez-se antes com desleixo e
certo abandono” (HOLANDA, 1995, p. 43). O autor, porém, tem o cuidado de, no mesmo
parágrafo, assinalar que, à época, não restava aos portugueses outra alternativa, senão agir
como, de fato, agiram (HOLANDA, 1995).
A falta de planejamento para com o Brasil, contudo, não seria privilégio apenas
das autoridades governamentais. Para Roberto Campos, a falta de planejamento econômico,
com vistas ao desenvolvimento, estaria arraigada na própria sociedade brasileira, não sendo,
contudo algo com caráter de imutabilidade “A circunstância cultural brasileira é ineficiente
como clima de desenvolvimento. A realização dessa situação existencial não tem, no entanto,
a fatalidade da Moira, do lado clássico. É suscetível de superação” (CAMPOS, 1976, p.112).
(Itálico no original).
Celso Furtado distingue na economia nacional, particularmente, o modelo de
desenvolvimento da economia da, hoje, região nordestina. Segundo este autor, essa economia
regional, desde seu início, tinha caráter puramente extensivo, mediante a incorporação de
terra e mão-de-obra, não implicando modificações estruturais que repercutissem nos custos de
produção e, portanto, na produtividade” (FURTADO, 1986, p. 61). A concentração da terra
nas mãos de poucos, em especial no Nordeste, terá sérias conseqüências para a exploração
mineral dessa região, sendo uma delas a sedimentação de um regime de subemprego nos
garimpos ali existentes, alimentado por políticas de combate à seca que se mostraram, em
essência, assistencialistas e que, de fato, perduram até os dias de hoje
21
.
21
Sobre esse assunto ver a série “Estudos sobre as secas no Nordeste”, organizada por Renato Santos Duarte, em
seis volumes (BNB/FJN, 2002).
33
No caso da mineração nacional, com o ouro fora de cena, entre 1726 e 1866,
devido tanto a causas naturais (esgotamento de veios de superfície) como a causas
econômicas e sociais (falta de investimento governamental), o Brasil se tornou o principal
produtor de diamante do mundo. O governo, porém, ao permitir que homens das mais
diferentes procedências sociais, entrincheirassem-se em garimpos desprovidos das mínimas
condições de segurança e higiene e, largados à mercê da sorte, garimpassem e contribuíssem
para instituir zonas onde imperava a lei do mais forte. Este aspecto negativo da garimpagem
de diamante estava presente na garimpagem do ouro. Esta, por sinal, prosseguiu por várias
décadas, paralelamente à febre dos diamantes, que agora então, sob a forma de
“faiscagem”, isto é, sob a ação de um novo sujeito, o “faiscador” que ciscava nos amontoados
de dejetos minerais, as montoeiras, à procura de pequenas pepitas de ouro. A convivência com
doenças, homicídios e prostituição se tornou, assim, para muitos, um risco a ser corrido em
troca do sonho de enriquecimento.
É com o diamante, que, segundo Caio Prado Júnior, aparecerá a figura lendária do
garimpeiro. Veja-se, a propósito, o que Caio Prado Júnior diz acerca do homem que arriscava
a própria vida à cata de pedras e gemas preciosas, naquele contexto:
Odiado e perseguido pela administração, admirado pelo povo, temido por
todos, vivia o garimpeiro à margem da lei, constantemente a um passo da
forca, do tiro de espingarda, invadindo as áreas proibidas para minerar nelas,
desafiando não raro as autoridades a quem chegava a fazer frente de armas
na mão. Andava geralmente em grupos mais ou menos numerosos em que
reinava disciplina férrea sob as ordens do mais audaz e inteligente. Bandos
rebeldes, inimigos da lei, eles se aproximavam naturalmente dos humildes e
dos oprimidos, que protegem e defendem. Tudo isto cercou o garimpeiro de
uma auréola de simpatia, de respeito, até de glória; e suas façanhas,
transmitidas de geração em geração, chegaram até nós (PRADO JÚNIOR,
2004, pp. 183-184).
Assim, aos garimpeiros restavam “os conhecimentos empíricos adquiridos pela
experiência e que se reduziam a poucas medidas, sempre as mesmas” (PRADO JÚNIOR,
2004, p. 170). Não apenas os garimpeiros carregavam uma profunda ignorância acerca das
práticas mineradoras, como também os próprios mineradores de ouro partilhavam dessa
mesma ignorância acerca de seu ofício:
A indústria mineradora no Brasil nunca foi além, na verdade, desta aventura
passageira que mal tocava um ponto para abandoná-lo logo em seguida e
passar da riqueza relativamente avultada que produziu, drenada, aliás, toda
para fora do país, deixar tão poucos vestígios, a não ser a prodigiosa
destruição de recursos naturais que semeou pelos distritos mineradores, e
34
que ainda hoje fere a vista do observador; e também este aspecto geral de
mina que em princípio do século passado Saint-Hilaire notava consternado, e
que não se apagou ainda de todo em nossos dias (PRADO JÚNIOR, 2004,
p.171).
Os garimpeiros eram vistos como alguém estranho, ambicioso, capaz de arriscar a
própria vida por algumas pepitas. Baseado nos dois princípios divergentes que norteiam a
atividade humana, a saber, o tipo coletor e o tipo trabalhador
22
, Holanda (1995), encaixa o
garimpeiro no primeiro princípio. Assim, o garimpeiro seria visto como um aventureiro,
alguém em quem não se deve confiar, estigma ao qual, com o tempo, como se verá nos
próximos capítulos, acumular-se-ão outros predicados igualmente preconceituosos.
No Brasil colonial, o ouro era explorado apenas em quatro províncias: Minas
Gerais, Goiás, Mato Grosso e Bahia. Os demais pontos de exploração desse metal eram
insignificantes. Holanda (1995), ao criticar a postura governamental, ressaltando o oneroso
sistema fiscal, e, somada àquela, a ignorância do ofício por parte dos mineradores, parece
isentar os donos de mineradoras da responsabilidade pela situação da exploração do ouro no
Brasil, cuja normatização legal apresenta sérios problemas até os dias atuais, a qual pode ser
dividida igualmente entre a sociedade e a Coroa:
A ignorância, a rotina, a incapacidade de organização nesta sociedade
caótica que se instalara nas ruínas, e cuja constituição não fora condicionada
por outro critério que dar quintos a um rei esbanjador e à sua corte de
aventureiros davam-se a mão para completar o desastre. Nada mais era
possível fazer só com recursos locais, para reerguer a indústria de mineração
no Brasil (PRADO JÚNIOR, 2004, p. 171).
O que tanto Holanda (1995) quanto Caio Prado (2004) não mostram com clareza é
que os donos de mineradoras souberam tirar proveito da situação caótica, lançando mão de
um expediente largamente utilizado pelo empresariado nacional: a informalidade. Em relação
à atividade, vale, ainda, considerar que embora as práticas mineradoras (e garimpeiras) no
Brasil existam desde fins do século XVII, o mesmo não ocorreu com a lapidação de jóias. Foi
apenas na década de 1940, que as gemas brasileiras começaram a se destacar no mercado
mundial, fazendo com que lapidários europeus, refugiados da II Guerra Mundial (1939-1945)
viessem para o Brasil.
Os primeiros pólos lapidadores brasileiros desenvolveram-se em Petrópolis, no
Rio de Janeiro, e em Mar da Esperança, Minas Gerais, onde trabalharam mais de cinco mil
22
O tipo aventureiro corresponderia, nas sociedades rudimentares, aos povos caçadores e coletores. o tipo
trabalhador, nessas mesmas sociedades, corresponderia aos povos lavradores (HOLANDA, 2005).
35
lapidários de diamante. No entanto, segundo IBGM (2005), a falta de apoio governamental
aos lapidários os forçou a migrar. Os de origem judaica foram para Imsaul, em Israel. Outros
retornaram a seus países de origem. Esse fato, segundo ainda IBGM (2005), atrasou muito as
exportações brasileiras de pedras preciosas, que só vieram a ocorreram a partir de 1971.
Em 1975, foi estabelecida uma política específica para o setor de jóias com a
orientação de que era preciso o governo brasileiro implementar uma política de exportação de
jóias e gemas, sob pena de o país perder espaço no mercado internacional. Mas nas décadas
de 1980 e 1990, a indústria de pedras preciosas no país decresceu, vindo a erguer-se, somente,
com a implantação do Plano Real, em 1994
23
. Contudo, o aumento da alíquota cobrada pelo
governo sobre a venda de jóias de 5% para 20% em 1990, resultou no crescimento da
informalidade no setor e inibiu novos investimentos, o que forçou a criação de uma infra-
estrutura de apoio técnico
24
.
Segundo IBGM (2005), políticas públicas dirigidas ao setor, notadamente aquelas
voltadas para a inserção produtiva, com origem no final do século XVII, têm esbarrado no
tratamento tributário. Com efeito, a carga tributária sobre gemas e metais preciosos no Brasil
é de 53%, enquanto na Itália é de 20%, 16% na Espanha e Alemanha, 15% no México, 7%
nos Estados Unidos, 5% no Japão, 1,2% no Líbano (IBGM, 2005)
25
.
A despeito da importância econômica do ouro, o Brasil é conhecido
internacionalmente pela diversidade e pela grande ocorrência de pedras preciosas e
ornamentais, além das gemas. O país produz um terço do volume de gemas do mundo
(IBGM, 2005) oriundas de pequenas empresas de mineração e de garimpeiros. Não é à toa
que a informalidade no setor é superior a 50%. Dentre as inúmeras gemas de que o país é
produtor, uma vem destacando-se nas últimas décadas: a opala (IBGM, 2005).
Mas, em essência, a situação da mineração no Brasil, em termos legais, não
mudou muito deste o Brasil colônia, se se pensar que, num certo sentido, no garimpo de Serra
Pelada - PA, comandado por Sebastião Curió, em pleno final do século XX, em que este
homem dispunha quase das mesmas prerrogativas de um Intendente do século XVIII, em
Minas Gerais. No entanto, como observa Cioccari (2004), a questão ecológica suscitada pela
presença incômoda do garimpeiro no novo modelo desenvolvimentista brasileiro, marcado
23
Plano de estabilização econômica implantado em junho de 1994 durante o governo Itamar Franco, tendo como
ministro da fazenda Fernando Henrique Cardoso.
24
Fazem parte dessa infra-estrutura: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnologia (CNPq),
Instituto Brasileiro de Gemas e Jóias (IBGM), Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimento
(Apex), Programa Setorial Integrado (PSI).
25
A respeito disso, ver tabela completa no capitulo II. Uma abordagem pormenorizada acerca das políticas
públicas do setor mineral, em especial, das que tratam do APL Opala, será feita no capítulo III dessa dissertação.
36
pelo ideal de sustentabilidade, põe a mineração e a garimpagem na condição de situação
problema, e, por isso mesmo suscetível de “integrar a agenda pública” (SILVA, 2001, p.38).
No entanto, isto não se pela ótica dos pequenos garimpeiros. Nesse sentido, “o que a
política faz é modelar a implementação, definindo a arena na qual o processo ocorre, a
identidade e o papel dos principais sujeitos, o alcance de possíveis instrumentos desenhados
para a ação, bem como os critérios para alocação de recursos” (SILVA, 2001, p. 40),
Na visão do IBGM (2005) a exploração mineral no país, como atividade
empresarial, teve sempre um caráter precário devido à ingerência governamental no setor.
Somente a partir de 1930 é que a lapidação de jóias passou a ser considerada de certa
importância com a chegada, por aqui, de lapidários europeus. O país, contudo, continuou e
ainda continua a ser visto como um grande exportador de pedras preciosas brutas. O
contrabando continuou existindo e mesmo com a criação dos pólos lapidários em Petrópolis,
RJ, e Mar de Espanha, MG, o governo não ofereceu qualquer estímulo para os mais de cinco
mil lapidários europeus que aqui haviam aportado e que, por isso, retornaram, algum tempo
depois, a seus países de origem, notadamente ao Estado de Israel, então, recém-criado.
Para o IBGM, quando o mercado joalheiro mundial entrou em fase de recuperação
durante as décadas de 1950 e 1960, o governo brasileiro, mais uma vez teria ignorado o
cenário auspicioso e, embora um terço das jóias comercializadas no mundo seja brasileiro, os
benefícios advindos desse comércio para o país continuaram irrisórios, sendo as políticas
fiscais e cambiais adotadas ao longo do tempo pelo governo do país, uma das causas
principais dessa falta de benefícios, segundo essa entidade (IBGM, 2005).
Assim, somente a partir de 1975, deu-se o estabelecimento de uma política
específica para o setor de mineração que não parece muito acertada que durante as décadas
de 1980 e 1990 a indústria desse setor decresceu, embora os dados do IBGM (2001) apontem
para a soma de US$ 30 (trinta) milhões por ano com a venda de jóias de ouro pelo Brasil.
Outro fator inibidor da exportação por parte de pequenas empresas de mineração é o fato de
que somente as dez maiores empresas do país respondiam em 2001 por cerca de 91%
(noventa e um por cento) do mercado de jóias e somente as empresas de jóias Armsterdã
Sauer e H. Stern responderam por 67% (sessenta e sete por cento) das vendas externas
brasileiras em 1990 (IBGM, 2005).
Além dessas questões, outras, nos países importadores, como a forte
concentração destes até 1995, que representam 86% (oitenta e seis por cento) das compras às
jóias brasileiras, sendo que as cinco principais empresas exportadoras representavam 73%
(setenta e três por cento) do total (IBGM, 2005). A inserção da jóia brasileira no mercado
37
internacional tem sido conduzida pelo Programa Setorial Integrado, Instituto Brasileiro de
Gemas e Metais Precisos (através da Agência brasileira de Promoção de Exportação e
Investimento - APEX). O aumento na alíquota de 5% (cinco por cento) para 20% (vinte por
cento) em 1990, fez ampliar o mercado informal de jóias, e a criação da arrecadação
simplificada de arrecadação tributária – SIMPLES, permitiu que as empresas crescessem, mas
não muito, sob pena de saírem da lista de empresas privilegiadas. Um fato positivo, contudo,
foi a criação de uma infra-estrutura de apoio técnico e tecnológico ao setor, congregando as
seguintes instituições: CNPq, IBGM, APEX - Brasil e PSI.
1.4 DA GARIMPAGEM DE OPALA NO MUNICÍPIO DE PEDRO II - PI
1.4.1 Sobre o município de Pedro II
Segundo Pereira (1988), o município de Pedro II teria sido fundado no final do
século XVIII por João Alves Pereira que chegara por ali na companhia de seus irmãos Albino
Pereira dos Santos, Abel Pereira dos Santos e do primo Antonio Pereira da Silva. Seriam
todos de origem portuguesa e um de seus primeiros atos foi a construção de uma capela
devotada a Nossa Senhora da Conceição, mediante a doação feita por João Alves Pereira de
1,5 Km
2
de terra à Igreja. A Paróquia de Nossa Senhora da Conceição dos Matões teria sido
criada pela Lei Provincial 295, de 26 de agosto de 1851. O núcleo social ali constituído
seguiu o padrão dos demais núcleos populacionais do Estado do Piauí à época, isto é, baseou-
se na fazenda e na família. Segundo Wilson de Andrade Brandão:
Na ausência de autoridade definida, em virtude do sistema de substituição
dos membros do órgão governamental, os fazendeiros, continuadores da
tradição dos predecessores, avaros e cúpidos, dão surgimento às primeiras
oligarquias e encarnam um “novo poder”, adversário do poder legalmente
constituído. Para isso, arrogam-se direitos, prerrogativas e privilégios
ilegítimos. A luta pelo poder e os modos de exercer-se influência sobre ele
levam a esses extremos (BRANDÃO, 1995, p. 24). (Aspas internas no
original).
Na verdade, não se vai dizer aqui que a sociedade de Pedro II, nos termos de
sociedade de origem colonial, surge exclusivamente a partir desses povoadores portugueses
que ali chegaram, ao final do século XVIII e que fixaram moradia no lugar por eles
denominado de “Pequizeiro”. Tal visão simplória da formação das gentes piauienses não tem
mais sentido. Muito provavelmente os negros fugitivos formavam uma pequena
comunidade na região de sertão conhecida como “São Luis”. Outros trazidos na condição de
38
escravos deram início ao que hoje é o bairro “Saborá”, primeiro bairro da periferia da cidade
de Pedro II, habitado por escravos ou seus descendentes, como parecem sugerir as notas de
compra e venda de escravos ainda existentes em um dos cartórios locais. Desse bairro,
procedem as primeiras lavadeiras e engomadeiras que serviam nas casas da elite econômica e
política local. Além do que, na formação da sociedade pedrossegundense não se pode ignorar
a presença indígena, cuja descendência fixou-se, sobretudo, na comunidade “Nazaré”
26
.
A partir daí, tal sociedade seguiu um padrão conhecido de todos que a estudam. A
rigidez de sua estrutura social, a concentração do poder político nas mãos de poucas famílias
locais, o domínio do latifúndio, dentre outros fatores, marcaram e ainda marcam
profundamente o modo de ser dos pedrossegundenses.
Fortes disputas políticas entre as, assim chamadas, “famílias tradicionais”
27
pontuam a história desse município, na vigência do coronelismo, segundo Faoro (2004), uma
prática de cunho político-social que vingou na Primeira República (1889-1930), nas cidades
do interior do Brasil cujos dignitários (os coronéis) exerciam o poder em toda a plenitude da
vida social, concentrando cargos, favorecendo amigos e aliados e cometendo os mais abjetos
desmandos.
As inquietações urbanas, as angústias européias da elite, a sede de mando de
civis e militares, a demagogia inquieta e impaciente tudo se amortece e
paralisa diante de uma muralha apagada e inerte. O senhor da soberania, o
povo que vota e decide, cala e obedece, permanece mudo ao apelo à sua
palavra. O bacharel reformista, o militar devotado de ideais, o revolucionário
intoxicado de retórica e de sonhos, todos modernizadores nos propósitos,
têm os pés embarcados pelo lodo secular. Os extraviados cedem o lugar,
forçados pela mensagem da realidade, aos homens práticos, despidos de
teorias e, não raro, de letras. No campo, no distrito, no município, o chefe
político, o coronel tardo e solene, realista e autoritário, amortece na
linguagem corrente, o francês mal traduzido e o inglês indigerido. Ele
municipaliza a expressão erudita, comunicando-lhe, de seu lado, sentido e
conteúdo, converte o frio jurídico do governo no bucal caboclo (FAORO,
2004, p. 620). (Itálico no original).
As práticas coronelistas que, de fato, determinavam a vida política do município,
alijaram, econômica e socialmente, parte considerável da população pedrossegundense,
sobretudo devido à concentração da terra, aspecto da realidade do município de Pedro II que
será aprofundado no capítulo III, ao se abordar o contexto social no qual os bamburristas, de
opala estão inseridos.
26
Sobre essas etnias, estudos preliminares realizados pela professora pedrossegundense Adeodata Maria dos
Anjos.
27
Famílias Pereira Brandão, Nogueira Lima, Braga de Oliveira, Mourão e Cordeiro.
39
A Comarca Geral de primeira instância do município foi criada pela Lei
provincial 872, de 15 de junho de 1875. Faziam parte da Comarca duas freguesias: a de
Piripiri e a de Pedro II (grafado “Pedro Segundo”). A sede da segunda Comarca era a Vila de
Pedro Segundo, assim consta no anexo da fala do Exmo. Dr. Raimundo Teodorico de Castro
Silva, presidente da província do Piauí, na abertura da 2ª Sessão ordinária da 25ª legislatura da
Assembléia Provincial do Piauí, no dia de junho de 1885, reproduzida por José Eduardo
Pereira:
A Vila de Pedro 2º, sede da Comarca, está situada em terreno acidentado,
acha-se cercada de serrotes e outeiros pedregosos, de algumas serras frescas,
pouco extensas, o que faz constituir a variedade de seu clima, em geral muito
ameno e agradável. O solo, por conseguinte, divide-se em duas partes
distintas, montanhosa e sertaneja, sendo aquela muito fresca, produtiva e
coberta de matos, e esta, cortada de ribeiros que correm pelo inverno, de
tabuleiros e serrotes, e de excelentes pastagens (CASTRO SILVA, 1885
apud PEREIRA, 1988, p. 51).
Para Pereira (1988), a economia da então vila de Pedro II baseava-se no cultivo da
cana-de-açúcar (Saccharum officiarum), da qual se extraía a cachaça em cerca de sessenta
engenhos espalhados pela região.
Além da cana-de-açúcar, produzia-se na província de Pedro II, àquela época,
milho (Zea mays), mandioca (Manihot esculenta), feijão (Phaseolus vulgaris) e arroz (Oryga
sativa) e extraia-se cera de carnaúba (Copernica Cerífera). O rebanho de gado vacum apenas
movimentava um pálido comércio de couro e de sola. Nenhuma menção é feita aos demais
rebanhos caprino, eqüino, ovino e suíno.
Antes de fazer parte da Comarca Geral, pela lei supracitada (Lei provincial nº 872,
de 15 de junho de 1875), a Vila de Pedro II chamara-se “Matões” e pertencia à freguesia de
Piracuruca. A povoação foi elevada à categoria de freguesia pela Lei provincial 295, de 22
de agosto de 1851, consagrada a Nossa Senhora da Conceição, com os seguintes limites:
pela parte do Norte: toda a serrinha da Serra, Curral Queimado,
Chiminguar, Vereda e volta; pelo lado Leste São João dos Matos, Veado,
Monte Alegre, Ponta da Serra, lapa, Chapada e Sítio; pelo Sul: o Sobrado,
Alagoas, Macacos, Buriti do Meio, Porteiras, Caraubas, Ininga; e pelo
Poente todas as terras das Cascondas, Olho D’ Água da Pedra e canto; e
para a Serrinha do ponto de partida do círculo limítrofe (CASTRO SILVA,
1885 apud PEREIRA, 1988, p. 51).
40
Figura 1: Mapa de localização do município de Pedro II.
Fonte: Modificado a partir de Gomes, 1990, e do Departamento de Geografia da UFPI, 2007.
Em 14 de agosto de 1854, a povoação Matões é elevada à categoria de vila, pela
Lei provincial 367. A inauguração, porém, só ocorreu a 25 de agosto de 1855, com o nome
de “Vila de Pedro Segundo” (que continuava a fazer parte da comarca de Parnaíba). Os
41
limites anteriores da freguesia são mantidos. A Serra dos Matões passou a fazer parte do
patrimônio da municipalidade pela Lei provincial 384, de 14 de dezembro de 1855. Em 28 de
dezembro de 1889, a vila e o município de Pedro II voltam a se chamar Matões. Em 21 de
fevereiro de 1891, a Vila passa à categoria de cidade com o nome de Itamarati, em
homenagem ao Palácio da Presidência da República. Finalmente, pela Lei 641, de 13 de
julho de 1911, até a presente data, a cidade passou a chamar-se Pedro II, em homenagem ao
imperador do Brasil.
A sede do município (Fig. 2) localiza-se a 25’ 18” de Latitude Sul e a 41º 27’
34” de Longitude W, Gr., a uma altitude média de 550 m a 209 Km da capital do Estado.
Pertencente à Bacia do Parnaíba, a hidrografia do município consiste de pequenos cursos
d´água: Corrente, Matos, Capivaras, Parafuso e os olhos d´água Pirapora, Bonsucesso,
Sucuruju, Bananeiras e Buritizinho, além dos açudes Mamoeiro e Joana.
Figura 2: Mapa de acesso ao município de Pedro II a partir de Teresina.
Fonte: Global Insight (2002).
Os primeiros relatos sobre o município de Pedro II não fazem nenhuma menção à
existência da opala ou de qualquer outra gema ou minério. A opala, como se verá mais
adiante, só seria encontrada acidentalmente na década de 1950.
Conhecido em outras épocas como “Terra do Clima Bom”, “Terra da Rede”,
“Terra da Água Boa”, “Suíça Piauiense” e desde dezembro de 2007, como “Primeira
Fig.1 Localização do município de Pedro II.
Fonte: MME 2004.
PEDRO II
Distância de Pedro
II a Teresina: 209
Km.
42
Maravilha do Piauí”, nenhuma outra alcunha, entretanto, tem sido tão marcante para o
município de Pedro II como a de “Terra da Opala”. A opala tem feito a riqueza de poucos, a
desgraça de alguns e não tem mudado o estado de pobreza, e mesmo de miséria, de boa parte
dos pedrossegundenses. O Índice de Desenvolvimento Humano IDH do município é de
0,605 (PNUD, 2000). O fato de ser a “Terra da Opala”, não a isenta das mazelas sociais que
assolam a grande maioria dos mais de 5.500 municípios brasileiros, como também faz pensar
sobre as razões pelas quais elas persistem e, mais especificamente, porque os bamburristas
sofrem tanto as agruras da pobreza material, quanto são eclipsados no espaço social
pedrossegundense, em um processo de invisibilidade social.
1.4.2 Sobre a ocorrência da opala
A palavra opala (do sânscrito upala) significa “pedra preciosa”. Trata-se de uma
gema
28
geomorficamente formada 60 milhões de anos. É composta por micro-esferas de
cristobalita imersas em massa de sílica hidrogenada. Essas micro-esferas, ao serem expostas à
luz, produzem o fenômeno ótico da refração, provocando um interessante jogo de cores. Do
ponto de vista mineralógico, a opala pertence ao grupo do quartzo e possui, em média, cerca
de 30% de água. Muito rara, a opala é uma gema, em torno da qual, inúmeras lendas foram
criadas. Por uns é considerada “portadora de fortuna, amor e abundância”. Por outros,
“portadora de azar e morte”. É possível que a associação da opala a coisas negativas deve-se,
na verdade, a estratégias usadas por alguns exploradores para afastar possíveis concorrentes
das minas e dos garimpos.
Para povos romanos, a opala era símbolo de pureza e de esperança. Já para árabes,
as gemas de opala eram presentes dos deuses ofertados aos homens e mulheres. Na Idade
Média, na Europa, a opala era usada contra uma série de doenças, dentre as quais, as de olhos.
Supunha-se, também, que a opala pudesse fazer com que seu/sua portador/a ficasse invisível.
Por isso, segundo certas crendices populares, era uma gema muito visada por ladrões e ladras.
De acordo ainda com essas crenças, as moças louras costumavam lavar os cabelos com a água
escorrida da lavagem de gemas de opala para mantê-los sempre louros (SAKALL, 2007).
Mas essas crenças não fazem parte apenas do passado. Em algumas regiões da
América Latina, mesmo na atualidade, não se deve pronunciar a palavra “opala”. Acredita-se
que isso traz azar para quem o fizer. No lugar dessa palavra, as pessoas costumam usar,
28
Segundo Rainer Schultz-Güttler “Gemas são cristais naturais ou sintéticos, às vezes com aspecto áspero ou
irregular, transformados pelo ser humano em objetos lapidados e atrativos. Como tal, as gemas são empregadas
em jóias desde tempos antigos e até como investimento em tempos modernos”.
http://www.igc.usp.br/geologia/gemas.php (2006).
43
curiosamente, a expressão “pedra da morte”. Entre os praticantes de esoterismo, a gema de
opala é vista como elemento catalisador de energia receptiva e projetiva. Costumam, também,
relacioná-la com todos os planetas e elementos naturais, que não são manufaturados pelo
homem, e fazem uso dessa gema em terapias de energização dos chakras, pontos estratégicos
do corpo humano pelos quais, segundo algumas crenças hindus, se daria a troca de energia
deste com o ambiente e vice-versa. Tal tratamento levaria em conta a cor predominantemente
emitida por cada gema. Os praticantes do tarô têm na opala a representação do mundo. Em
astrologia, a opala representa o signo de Libra (SAKALL, 2007).
As descrições da gema de opala, fora da área especializada, em geral, são
poéticas, artificiais e, por vezes, podem conduzir pesquisador/as menos avisado/as a erros
grosseiros. Nessa pesquisa, tem-se detectado um número elevadíssimo de informações
inexatas sobre a gema de opala, sendo a mais comum o emprego do termo pedra no lugar de
gema. E, sem dúvida, por um lado, glamourização, pela mídia, da gema de opala,
enquanto, por outro, dá-se a invisibilidade dos bamburristas.
Quem uma opala pela primeira vez pode ter a impressão de que não está
enxergando muito bem, que seus olhos estão lhe pregando uma peça, tal é o
jogo de cores e transparências revelado pela luz que incide sobre ela. A
pedra turquesa de repente emite um reflexo vermelho, passa para o azul
profundo, fica transparente, se torna amarelada, lilás... Sim, existem opalas
tão perfeitas, chamadas de extra, que carregam em si as sete cores do
espectro luminoso. As mais simples, porém, podem ter apenas uma cor, ou
menos transparências (chamadas leitosas), mas são sempre radiantes, até
mesmo a rara e valiosíssima opala negra (KUBRUSLY, 2007, p. 7).
(Negrito e parênteses internos no original).
A ocorrência do minério de opala em escala mundial é bastante reduzida. Apenas
Austrália, México, Honduras, Brasil e, para alguns autores, Hungria
29
são produtores de
opala. Em decorrência disso, a quantidade de garimpos de opala existentes no Brasil é de
apenas 20
30
, o que representa 1,06 % do total de garimpos em operação no país. Computam-se
464 garimpos de diamante (24,52 %), 335 garimpos de turmalina (17, 71%), 55 garimpos de
topázio (2,91 %) e 20 garimpos de gemas não especificadas (1,06%) (GPRM, 2001). Do
ponto de vista econômico, a cotação das gemas de opala pode chegar a patamares superiores
ao do ouro, tudo dependendo da qualidade de cada gema. Essa, aliás, é uma forte
característica da opala: cada gema é única.
29
Ao contrário do que se pensa, esse país não é produtor de gema de opala, mas movimenta um poderoso
comércio paralelo dessa gema, como intermediário.
30
uma aparente discrepância numérica entre esse número, apresentado pelo Grupo de Pesquisa em Recursos
Minerais (GPRM), e os 34 garimpos de opala, segundo dados da Associação de Joalheiros e Lapidários de Opala
de Pedro II (AJOLP). Facilmente explicável é que, enquanto o GPRM leva em conta toda a região de garimpo do
município, com cerca de 1330 ha, como apenas um único garimpo, a AJOLP considera cada um dos 34 pontos
de exploração como sendo um garimpo.
44
Uma das primeiras constatações dessa pesquisa foi a de que a ocorrência do
minério de opala no Piauí (Fig. 3) não se dá, apenas, como a imprensa parece fazer crer, no
município de Pedro II. Segundo Érico Gomes, autor de um dos raros trabalhos sobre a
ocorrência dessa gema no município de Pedro II,
diversos autores, tais como Lima & Leite (1978), Baptista (1985), Souza
(1985), Brasil (1986) e Rosa (1988), citam várias ocorrências de opala no
estado (sic) do Piauí, tais como as dos municípios de: Alto Longá (na
Fazenda Vista Alegre), Angical, Beniditinos, Campo Maior (na Serra
Grande, associado com Pirita e quartzo, junto a dique de diabásio), Capitão
de Campos, Castelo do Piauí (entre as localidades de Nova Olinda e
Tranqueiras, associado com limonita, junto a dique aplítico (?)), Floriano
(próximo à pista de pouso do antigo aeroporto, junto ao diabásio), Oeiras,
Olho D´Água grande, Picos, Piripiri, São Miguel do Tapuio e Várzea Grande
(nas localidades Luminária, Casa do Manoelzinho e Malhada do Jatobá, com
ocorrência semelhante à de Castelo do Piauí). Estas, quando plotadas no
mapa de lineamentos estruturais do estado (sic) do Piauí, distribuem-se
preferencialmente segundo a orientação dos Lineamentos Sobral - Pedro II
(Transbrasiliano) e Picos-Santa Inês (GOMES, 1990, p. 15). (Ponto de
interrogação no original).
Vale ressaltar, no entanto, que o que distingue as opalas de Pedro II, extraídas em
34 garimpos
31
oficialmente catalogados (Fig. 4) das demais opalas encontradas no Estado do
Piauí é, de um lado, a sua alta qualidade gemológica, tais como diversidade de cores, índice
de refração e ductilidade e, de outro, a quantidade de suas reservas significativas que é a
quantidade de opala mensurada por explorar. Cardoso
32
(2006) classifica a opala em seis
tipos: nobre, extra, forte, fraca, média e refugo (cascalho). O mesmo autor estima que as
reservas de opala do município chegam a 12,5 milhões de gramas de reserva indicada e em
torno de 38,5 milhões de gramas de reserva inferida.
31
A atividade garimpeira nos garimpos de Pedro II foi retomada com a Permissão de Lavra Garimpeira 46 de
09 de junho de 2006, outorgada pelo Ministério de Minas e Energia, através do Departamento Nacional de
Produção Mineral- DNMP. A outorga é “pelo prazo de 05 (cinco) anos, [concedida] à COOPERATIVA DOS
GARIMPEIROS DE PEDRO II, a permissão para extrair OPALA (GEMA), no Município de Pedro II, Estado
do Piauí, numa área de 741,43ha, delimitada por um polígono que tem um vértice a 4.817m, no rumo verdadeiro
de 65°38'SW, do ponto de Coordenadas Geográficas: Lat. 04°25'29,6"S e Long. 41°27'28,0"W e os lados a partir
desse vértice, com os seguintes comprimentos e rumos verdadeiros: 1.956,09m-W, 700m-S, 350m-E, 469,90m-
S, 1.050m-W, 469,90m-N, 588,61m-W, 101,20m-S, 308,60m-W, 107,90m-S, 693,10m-E, 25,90m-S, 6,90m-E,
497,90m-S, 331,40m-E, 24,70m-S, 3,40m-E, 71,80m-S, 449,60m-E, 101,90m-N, 264,20m-E, 423,90m-S,
713,80m-W, 106,20m-S, 342,90m-W, 888,50m-S, 296,19m-W, 23,90m-S, 287,09m-E, 23,40m-N, 311,60m-E,
337,20m-N, 688,40m-E, 23,40m-S, 12,71m-E, 228,40m-S, 366,50m-E, 22,20m-S, 13,79m-E, 1.033,40m-S,
266,80m-E, 34m-S, 20,70m-E, 282,40m-S, 25,30m-E, 20,40m-N, 700m-E, 20,40m-S, 464,69m-E, 859m-N,
1.050m-W, 494m-N, 1.050m-E, 2.142,90m-N, 567,29m-W, 523,80m-N, 399,29m-E, 23,80m-S, 168m-E,
137,32m-N. (DNPM 803099/2005-0011) - (Cód. 5.13). MIGUEL ANTONIO CEDRAZNER - Diretor-Geral
DNPM” http://www.dnpm.gov.br/conteudo.asp?IDSecao=66&IDPagina=81&ID Publicacao =
6484&IDPublicacaoCategoria=7 (2006).
32
Cf. em www.opalasnordeste.kit.net (2006).
45
Figura 3: Mapa de ocorrência de opala no Piauí.
Fonte: Gomes (1990)
46
Figura 4. Mapa da localização dos garimpos de opala no município de Pedro II – PI.
Fonte: APL Opala (2006)
33
.
Os primeiros indícios de opala no município de Pedro II datam dos anos de 1930.
Segundo Maria Tangnett Meneses de Almorim Galvão,
o homem [por nome Simão, morador do senhor Raimundo Monteiro] levou a
pedra estranha ao Sr. Lauro Cordeiro, chefe político de grande influência na
cidade, por quem o homem tinha grande respeito. O Sr. Lauro Cordeiro
aproveitando uma ida a Teresina mostrou a pedra a um engenheiro que disse
ser a tal opala. Teve início uma extração ainda mida da pedra leitosa em
Pedro II. Coisa que ninguém deu muita importância. Mais tarde o Sr. João
Alberto Vieira encontrou outras pedras de opala no lugar conhecido como
“Centro”, na propriedade dos Joaquinos. O material foi trazido a Pedro II
pelo Sr. João Alberto que o apresentou ao Sr. Epifânio Pinto Getirana,
tabelião, professor e comerciante, homem de vasta cultura, que chegou à
mesma conclusão do Sr. Lauro Cordeiro: tratava-se de opala. Foram
encontradas mais pedras de opala no lugar “Bom Lugar”, de propriedade do
Sr. Pedro Braga e finalmente foi encontrada opala no lugar “Roça” de
propriedade do Sr. Mundote Galvão (GALVÃO, 2001, p.5).
33
Trata-se de um levantamento tanto dos garimpos em atividade como de pontos onde a ocorrência de opala
refluiu. Identificou-se, ainda, locais de ocorrência de opala que, à época (década de 1980) eram chamados
localmente de “minas”.
47
Para essa autora, o ano de 1958 marca o início da exploração da opala com feições
empresariais. Um empresário local, do setor agro-pastoril, João Pinheiro, já falecido, o grande
garimpeiro Raimundo Daltro Galvão (Mundote), 81 anos de idade, e o senhor Nogueira Filho
(1930-2003) arrendaram a mina “Boi Morto”
34
iniciando, ali, “a exportação da opala através
da EMIBRA, de propriedade do Sr. Nilson Lacerda Barbosa (falecido em acidente
automobilístico, em 1980, ao retornar da [mina] Boi Morto). Este senhor tornou a opala
mundialmente famosa” (GALVÃO, 2001, p. 6). Note-se que desde o início de sua exploração
a opala foi responsável pela vinda de mineradores para Pedro II. Inicialmente tratava-se de
mineradores brasileiros, posteriormente, viriam os estrangeiros, australianos, nas décadas de
1970 e 1980 e a partir da década de 1990 mineradores de outras procedências, como
estadunidenses, japoneses e indonésios.
Segundo o geólogo Érico Gomes
35
, “as jazidas de opalas preciosas de Pedro II,
localizadas na região Nordeste do Estado do Piauí, têm sua gênese hidrotermal, suportada por
evidências texturais de campo, mineralógicas e geoquímicas” (GOMES, 1990, p.1). Quanto à
variedade dessa gema, esse autor explica que depende do tipo de rocha-mãe (ou rocha básica)
à qual a opala está associada. Em “veios e vênulas no diabásio, arenito, siltito, folhelho e
albitito” (GOMES, 1990, p. 1), são encontradas as variedades arlequim, faixa, chuveiro e asa
de borboleta. a opala negra, raríssima, ocorre apenas em vênulas no diabásio. Há, ainda, a
ocorrência de opala amorfa (A), cristobalita-tridimita (CT) e cristobalita (C), que foram
identificadas pelo método de difratogramas de raios-X, segundo o mesmo autor. Finalmente,
associados a essas últimas variedades de opala, foram encontrados calcedônia, cristal de rocha
e ametista.
Do ponto de vista químico, Gomes (1990) salienta que as opalas de Pedro II são
ricas em alumínio e sódio, se comparadas às correspondentes australianas. Possuem, ainda,
baixos traços de níquel, cobre e cromo. Não há, porém, ainda, consenso a respeito da
morfologia das opalas extraídas dos 34 garimpos existentes no município. Há, sim, dois
enfoques antagônicos. Um defendido por Érico Gomes e, o outro, pelos gemólogos Jugen
Schnellrath (CETEM) e Érica Silva (UFRJ), que realizam um trabalho conjunto. Ambas
34
É a mina (também chamada de garimpo) de opala mais antiga do município e uma das que mais produziu
opala. Após ter os trabalhos paralisados nos últimos oito anos em função de problemas com a legislação de
mineração, a mina voltou a funcionar em 2005, entregue a uma empresa mineradora, a OPEX Opala do Brasil
LTDA. Atualmente uma equipe de cerca de dez homens, entre técnicos e operadores de escavadeiras, trabalha
nesse garimpo.
35
Érico Gomes residiu em Pedro II por cerca de cinco anos, até 2005, onde trabalhava como geólogo no garimpo
da Roça, de propriedade do Sr. Raimundo Daltro Galvão. Atualmente presta consultoria na região sul do Piauí e
é membro da equipe técnica do APL Opala. É autor de um dos raros trabalhos (GOMES, 1990) sobre a opala de
Pedro II.
48
interpretações, contudo, devido ao elevado grau de rigor técnico, fogem às pretensões dessa
dissertação, sendo interessante apenas constatar que, mesmo sobre uma possível “identidade
da opala” de Pedro II, divergências quanto ao seu processo de formação, de fundamental
importância para o que esses estudiosos têm em mente. A identificação da opala de Pedro II,
contudo é uma necessidade imposta pelo mercado de gemas e os estudos gemológicos
contribuem com esse propósito.
Os garimpos de opala, por sua vez, muito foram todos devidamente
identificados como indicado na Figura 4. Estão localizados “nas folhas [geológicas] Pedro
II (MI-746) e Piripiri (MI – 745)” (GOMES, 1990, p.5). A superfície de extração dos
garimpos está a uma distância média de seis quilômetros da sede do município, em terras
pertencentes, até recentemente, antes da implementação do Arranjo Produtivo da Opala - APL
Opala, a famílias de latifundiários, Brandão, Mourão e Nogueira, sobretudo. O acesso às áreas
de garimpo se por estradas de revestimento primário. Nos garimpos (exceto em parte do
garimpo Boi Morto onde atua a mineradora OPEX Opala do Brasil LTDA) pratica-se a
extração da opala de forma artesanal, com o emprego de ferramentas manuais e com a
inserção física dos garimpeiros, no interior do garimpo, muito próximo do que era feito
seis décadas, quando essas atividades tiveram início.
Durante esse tempo, concomitantemente ao forte apelo estético atribuído às gemas
de opala e ao conseqüente enriquecimento oriundo de sua venda haver privilegiado um
reduzidíssimo número de lapidários e empresários do ramo da opala, alguns incidentes
ambientais têm marcado a história dos pequenos garimpos de Pedro II sendo que os dois de
maior repercussão ocorreram em 1995, 1998 e 2004, com a contaminação das águas do riacho
da comunidade Fazendinha, por dejetos do garimpo Boi Morto. Com a reincidência da
agressão ambiental, somada à extração ilegal, o garimpo foi fechado por seis meses pelo
Ibama e Polícia Federal, até as devidas modificações serem feitas em função da ação de uma
Organização Não-Governamental-ONG local, o Centro Ecológico Pirapora-CEP. Os
benefícios sociais que a exploração, a lapidação e a exportação da opala até agora geraram são
insignificantes se comparados ao volume de dinheiro ganho por muito poucos. Devido ao
contrabando que imperou e ainda impera no mercado de opala de Pedro II, os dados da
produção e comercialização de opala são praticamente inexistentes e, quando existem de fato,
pouco confiáveis, podendo-se, no máximo, se fazerem estimativas em função da não
existência, até onde se sabe, de um banco de dados, mesmo incipiente, ao qual se possa ter
acesso. No passado, a prática corrente era a de transações realizadas verbalmente, através de
acordos orais, dispensando-se o emprego de documentos escritos. Atualmente, embora esta
49
prática esteja quase em desuso, ainda viceja uma espécie de comércio subterrâneo no setor
com a sonegação de impostos nas das transações. Assunto tabu no município, o contrabando
tomou dimensões midiáticas quando, há alguns anos, em entrevista a um canal de televisão de
Teresina, TV Meio Norte, um garimpeiro local, apelidado de Jacózinho da Barra, admitiu a
existência de “um comércio negro de opala”, segundo suas próprias palavras.
Com efeito, o contrabando é mencionado em várias reportagens veiculadas pela
imprensa do Estado e contribui para o escoamento de riqueza e renda do município, como
refere matéria publicada em 11/08/ 2005, às 08 h 06 min., no site
36
do Centro de Tecnologia
Mineral - CETEM, de autoria da assessora de imprensa daquele órgão, jornalista Helena
Beltrão:
A opala vem sendo extraída em Pedro II desde o final da década de 1950,
mas de forma descontínua e sem muito controle. A maior parte da produção
era extraída por empresas estrangeiras que exportavam as pedras em estado
bruto, enquanto garimpeiros locais mineravam de forma rudimentar e
informal, vendendo as opalas a preços abaixo do valor de mercado. Assim, a
extração das opalas nobres na região não contribuiu para a geração de
riqueza no município (BELTRÃO, 2005, p. 1 de 2). (Grifou-se).
Além disso, o aproveitamento das gemas pelos lapidários locais foi sempre
comprometido, principalmente em função da falta de investimento na capacitação profissional
dos mesmos e pela inexistência de financiamento para a compra de equipamentos compatíveis
com a evolução dos processos e técnicas de lapidação.
A citada jornalista, ainda, no mesmo web site, indica que
especialistas do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), vinculado ao
Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), vão atuar na regulamentação da
extração da opala, na introdução de práticas e tecnologias de mineração
apropriadas e na melhoria da qualidade da lapidação dessas pedras. O
projeto é financiado com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos
(Finep), agência de fomento à pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência e
Tecnologia (MCT), e terá a duração de dois anos (BELTRÃO, 2005, pp. 1-
2).
A interdição, ocorrida em 2004, e que contou com o emprego maciço de força
policial e do Ibama, levou à busca de uma solução duradoura por parte de entidades
representativas dos garimpeiros, joalheiros e órgãos governamentais. Dessa forma, o Arranjo
36
www.cetem.gov.br/noticias/cetem%20midia/not.site.mct.11.08.05.html (2005).
50
Produtivo Local da Opala APL
37
, assinado em março de 2005, foi instituído com o objetivo
expresso de corrigir uma série histórica de desacertos ocorridos no setor produtivo da cadeia
da opala
38
de Pedro II, dentre os quais a não-regularização das áreas de garimpo, a
informalidade das atividades relacionadas à cadeia produtiva, baixa qualificação dos
profissionais do setor de lapidação e joalheria (PDO, 2007). Segundo Marcelo Morais,
coordenador do APL no município, em consonância com as diretrizes gerais do modelo de
Arranjos Produtivos, o objetivo do APL Opala é atuar “na pacificação do trabalho realizado
pelas empresas mineradoras e os garimpeiros autônomos. Além disso, buscamos agregar valor
à exploração da opala, gerando emprego e renda para a população local”
39
. Essa é a
perspectiva do IBGM, pela qual a proposta do APL, é uma tentativa de ação do Estado como
agente fomentador de políticas públicas que procuram corrigir distorções oriundas de um
modelo econômico que privilegia apenas a grandes empresas. O arranjo produtivo adota
idéias associativistas, e torna-se um passo concreto para responder à insegurança sobretudo,
das empresas mineradoras de pequeno porte. Sem a política de arranjos produtivos “após
realizarem os investimentos em pesquisa e montagem da infra-estrutura, diversas mineradoras
de menor porte têm sido invadidas por garimpeiros, gerando insegurança quanto à garantia
dos títulos minerários que possuem” (IBGM, 2005 p. 37). Este e outros pontos correlatos
serão retomados com maior profundidade no capítulo III desta dissertação.
Dessa forma, com base na implantação do APL Opala no município de Pedro II,
definem-se, aqui, três segmentos sociais componentes do primeiro elo da cadeia produtiva da
opala, que lidam diretamente com as práticas de garimpagem. O primeiro segmento,
composto pelos pequenos garimpeiros, cerca de cem (100) associados à COOGP, o segundo
segmento, pelas mineradoras OPEX Opala do Brasil LTDA e Mineração e Construção M. C.
LTDA, conhecida como Mineração Paulista
40
e, o terceiro segmento, formado por médios e
grandes garimpeiros que formam a Associação de Proprietários de Opala do Piauí - APROPI.
37
A implementação dos APLs prevê a existência de uma concentração geográfica de empresas, fornecedores,
prestadores de serviços ao mesmo tempo competindo e cooperando entre si, numa cadeia de produção
compartilhada e especializada que seja capaz de ainda dialogar com outros agentes como instituições de
pesquisa e fomento (IBGM, 2005).
38
Cadeia Produtiva pode ser entendida como o conjunto de atividades que se articulam progressivamente desde
os insumos e matérias-primas até o produto final, incluindo a extração e o processamento da matéria-prima e sua
transformação, a distribuição e comercialização do produto, nos mercados nacional e internacional, construindo
os segmentos de uma corrente ou cadeia (IBGM, 2005).
39
Entrevista concedida à repórter Lucy Ana Brandão, em 24/03/2006 disponível no site
http://www.appm.org.br/novo/notícia.php?cn=5346 (2006).
40
A OPEX Opala do Brasil LTDA, detentora de uma área de 500 hectares, dividida em 10 títulos de 50 hectares
cada, e a Mineração e Construção M. C. LTDA, arrendatária de uma área de 50 hectares, onde trabalham oito
funcionários contratados (bamburristas) a R$16,00 por dia.
51
LAPIDAÇÃO
Ao todo, garimpeiros, lapidadores e joalheiros somam, segundo Juscelino Araújo, então
presidente da Associação de Joalheiros e Lapidários AJOLP à época da pesquisa, cerca de
mil (1000) pessoas que atuam no mercado de opala no município de Pedro II (figura 5).
Figura 5- Fluxograma da exploração, lapidação e comércio de opala de Pedro II-PI
Fonte: Elaboração própria, a partir de dados da pesquisa.
Bamburristas não filiados à COOGP.
Como as áreas de montoeiras são bastante visadas por pequenos garimpeiros que
não dispõem de dinheiro para investir em áreas virgens, a empresa OPEX Opala do Brasil
LTDA acordou, após um intenso e nervoso processo de negociação com cerca de setenta
garimpeiros, filados à COOGP, em 2006, a doação de sua área de montoeira, e de mais dois
títulos de 50 hectares cada um, segundo Adilson Freire, chefe da regional do Departamento
Nacional de Produção Mineral - DNPM.
EXPLORAÇÃO
COOGP
Bamburristas cooperados
APROPI
- Médios e grandes
garimpeiros;
- Bamburristas que
trabalham para eles
OPEX OPALAS
DO BRASIL
MINERAÇÃO E
CONSTRUÇÃO
M.C LTDA
FAISQUEIRO/A/S
AJOLP
LAPIDÁRIOS E JOALHEIROS
AUTÔNOMOS
COMÉRCIO
MERCADO
LOCAL
MERCADO
NACIONAL
MERCADO
INTERNACIONAL
52
Vale dizer que o mercado de opala do município de Pedro II, por questão de
sobrevivência, sempre reagiu aos percalços inerentes a uma atividade instável como é a
garimpagem. Às temporadas de “bamburro”, quando um volume de opala considerado acima
da média é garimpado, seguem-se outras de “blefo”, termo usado pelos garimpeiros para
significar o interregno entre dois “bamburros” consecutivos. No passado, tal reação consistia,
grosso modo, em burlar a legislação minerária, cheia de brechas. A presença, contudo de
entidades ambientais, tem pressionado os sujeitos da Cadeia Produtiva da Opala - CPO a
adequarem-se à nova demanda mercadológica de exportação de gemas lapidadas que
incorpora conceitos como os de sustentabilidade, preservação ambiental, qualidade de vida,
dentre outras. Assim, com a institucionalização, no município, do Arranjo Produtivo Local da
Opala - APL Opala, em 2005, chega-se ao que pode ser denominado de terceira fase da
extração (e lapidação) da opala. As duas outras anteriores seriam a fase de total improvisação
da extração da opala, de1950 a 1975, caracterizada pela ausência de estudos gemológicos, e a
de operação de mineradoras nacionais e estrangeiras (1975 a 2000) que realizaram os
primeiros estudos geológicos e gemológicos da região opalina, além de estabelecerem um
ritmo de trabalho de feições industriais com o emprego de maquinário pesado, sobretudo nos
garimpos do Boi Morto e Roça. Segundo Gomes (1990), as empresas que já exploraram opala
em Pedro II, entre 1978 e 1983, foram: EMIBRA, ORION OPALA, OPISA e MINERAÇÃO
CRISTÃ LTDA, período durante o qual ocorreram as maiores produções de opala como
também os maiores contrabandos.
A partir de comunicações verbais, dos pedristas de Pedro II, a maior
produção de opala da região, ocorreu durante a década de setenta, oriunda
essencialmente da mina do Boi Morto, então lavrada pela empresa
EMIBRA. Nesta época, saía[m] regularmente da cidade, aviões de pequeno
porte carregados com opala, sem controle e/ou fiscalização pelos órgãos
governamentais competentes. Para se ter uma idéia, em 1965, segundo
Cassedanne & Cassedanne (1971), a mina supracitada, produziu uma
tonelada de opala, a qual teria sido exportada para a Alemanha (GOMES,
1990, p. 86).
A presença, no município, de imigrantes estrangeiros do sexo masculino, ligados
ao setor de produção de opala, não se restringiu a esse setor. Muitos deles constituíram
relações estáveis com nativas, o que exigiria um estudo à parte que fugiria ao propósito dessa
dissertação.
A produção de opala sob o comando de estrangeiros não deixou rastro, nem
documentos oficiais de qualquer natureza, mesmo geológica. Findo o período de extração por
53
parte das empresas mineradoras que atuaram no município, fechados seus escritórios, ao que
parece, toda a documentação seguiu viagem com seus donos. Não registros do montante
resultante da venda de opala, sequer, nos órgãos fazendários do município. Com efeito,
devido ao contrabando generalizado, a opala, muitas vezes, nem chega a ser citada como parte
da economia pedrossegundense. Assim, desde o início dessa pesquisa houve dificuldade de
acesso a dados mais precisos para que se pudesse, de fato, avaliar a participação da opala na
economia do município. Aliás, os dados da economia municipal, como um todo, carecem de
melhor sistematização.
Paralelamente ao contrabando de opala, outras perdas maiores ocorreram em
“desmoronamentos de barreiros”, como se diz no jargão dos garimpeiros, vitimizando
mortalmente, desde o início da exploração da gema de opala no município, pelo menos, dez
pessoas, e deixando outras dez como portadoras de deficiência física.
Registre-se, ainda, um assassinato, ocorrido em 1975, e o acidente
automobilístico, em 1980, referido. Esses incidentes, além de não terem sido devidamente
periciados à época, foram motivadores de especulações e histórias fantásticas que passaram a
fazer parte do folclore local com histórias das visagens
41
que rondariam as áreas de garimpo
com suas luzes e ruídos estranhos, além da idéia disseminada de que a opala traria azar.
Em meio a histórias fantásticas ou não, um personagem coletivo cujas história
e memória se confundem com a própria história da opala em Pedro II: bamburristas, termo
que significa “que ou aquele que faz bambúrrio; (...) que é sempre favorecido pela sorte”
(HOUAISS, 2001, p. 391). Por sua vez, bambúrrio ou bamburro significa “descoberta casual
de ouro e/ou pedras preciosas, sorte, acaso” (HOUAISS, 2001, p. 391). Nesse sentido, pode-
se pensar os bamburristas, por oposição, à categoria empresários garimpeiros os quais, via de
regra; pela própria dimensão dos seus negócios têm reais chances de se tornarem
bamburradores, ou seja, aqueles que encontram grandes quantidades de ouro, pedras preciosas
ou gemas (HOUAISS, 2001, p. 391)
42
1.4.3 Dos garimpeiros: prolegômenos
O espaço de trabalho dos bamburristas de opala de Pedro II é o garimpo, aqui,
entendido como espaço social primordial do garimpeiro, em sentido lato. Trata-se, pois, de
41
Na acepção regionalista, referem “aparições sobrenaturais; assombração, fantasma” (HOUAISS, 2001, p.
2.870).
42
Uma melhor conceituação e caracterização das categorias sociais significativas nesse estudo se encontra no
capítulo II dessa dissertação.
54
um espaço que ultrapassa em muito a dimensão meramente econômica que também é uma de
suas marcas indeléveis. No garimpo, os bamburristas, chegam por volta das oito horas da
manhã e permanecem até às dezessete horas. Com pequenos intervalos para o almoço e
necessidades fisiológicas, passam longas horas a cavar, a remover terra, cascalhos e rochas,
recurvados sobre ferramentas rústicas como a picareta, um de seus principais instrumentos de
trabalho. De quando em vez, uma pausa breve, ali mesmo, dentro do garimpo, para afastar o
suor que poreja na testa, para fumar um cigarro, conversar com o colega mais próximo ou
“gritar uma lorota”. São, como observa Marta Cioccari, formas de conviver com os perigos de
um trabalho insalubre.
Segundo Cioccari (2004), o trabalho nas minas está associado a perigo, à
penalização criminal, a trabalho escravo, ao mundo subterrâneo (dos infernos)
43
. Cornélia
Eckert, ao traçar a trajetória de vida de uma comunidade de mineiros francesa, La Grand-
Combe, revela aspectos da domesticação social à qual essa comunidade foi submetida.
Situação semelhante havia sido exposta, no plano ficcional, no romance “Germinal”, de
Zola (1979)
44
, no qual a situação dramática vivida por crianças, jovens, adulto/as e idoso/a)s
que moram numa vila mineira francesa é descrita em detalhes. Por analogia, a situação de
miséria exposta no romance se parece muito com a situação dos campos de concentração
nazistas com seus dramas individuais e coletivos: a tentativa brutal de apagamento dos
sujeitos (individual e coletivamente) e a conseqüente impossibilidade de “narrativa da
experiência”, por estes, nos termos de Benjamim (1975). Acostumados à lida diária, à rotina
de seu trabalho mergulhados no barreiro, alguns dos atuais bamburristas de Pedro II formam
uma terceira geração de garimpeiros na mesma família.
No interior dos garimpos, os bamburristas têm um propósito: encontrar uma gema
de opala, preferencialmente que lhes renda um bom dinheiro. Mas é também muito mais do
que isso. Muitos se expressam, com relação ao ato de garimpar a opala, de forma
instigantemente metafórica, como sendo, tal ato, “uma cachaça”, “um vício”, “um jogo”. O
emprego desses vocábulos pelos atores sociais, dependendo do lugar, e do momento, poderá
comprometê-los perante terceiros, principalmente quando parte de lideranças garimpeiras, de
quem se espera um discurso mais sóbrio. Contudo, como se verá mais amiúde no capítulo II,
esse jeito de ser é parte das identidades socioculturais desses bamburristas.
43
Para uma leitura mais aprofundada acerca dessa temática, ver texto “Paraíso versus inferno: a visão de
Trúndado e a viagem medieval em busca da salvação da alma (séc. XII)”, de Adriana Zierer, disponível em
www. revistamirabilia.com/Numeros/Num2/tundalo.html (2008).
44
Que inspirou o filme de mesmo nome, dirigido por Claude Beri, em 1993, com duração de 170 min., colorido;
numa co-produção Belgo-franco-italiana.
55
A lida dos bamburristas de opala reflete-se nos objetos que os cercam, tanto os
objetos no interior do garimpo, quanto no espaço do garimpo como um todo, nos arredores e
nos objetos de sua casa, que refletem seu cotidiano. Além das ferramentas de trabalho, quase
todos levam para casa, cascalhos de opala, que lhes parecem interessantes e que, muitas
vezes, passam a ser amuletos da sorte. Assim, fazem pequenas coleções, pequenos
mostruários de pedras, ao que parece, para seu puro deleite ou porque esses objetos
relembram fatos acontecidos no interior do garimpo. Se, como lembra Henri Bergson, “os
objetos que cercam meu corpo refletem a ação possível de meu corpo sobre eles”
(BERGSON, 1999, pp. 15-16) é também a partir do próprio corpo como imagem invariável
que a pessoa estrutura todas as demais imagens com as quais se relaciona, quer no passado, no
presente ou no futuro, ou seja, o processo de percepção vital “consiste antes de tudo nesse
discernimento prático” (BERGSON, 1999, p. 49). Nessa linha de raciocínio, a imagem que a
pessoa tem do próprio corpo é privilegiada, pois é a partir do próprio corpo que ela estabelece
relações com os demais corpos e objetos que a cercam. Essas relações, porém, não são
fortuitas, são antes trabalhadas pela consciência (BERGSON, 1999) porque na perspectiva
bergsoniana de memória, pode-se dizer, os bamburristas como sujeitos de memória
determinam suas próprias interpretações compondo lembranças das quais algumas se
cristalizam em suas mentes e os fazem sujeitos de memória. A memória, por seu turno,
responde a necessidades de construções identitárias, não apenas como fenômeno individual;
ela é, também, um fenômeno coletivo e social (HALBWACHS, 2006) formada tanto por
acontecimentos que realmente presenciamos como por outros que “vivenciamos por tabela”
(POLLAK, 1993, p. 201).
Historicamente, segundo Santos (1976) a palavra garimpeiro teria evoluído de
“grimpeiro”, que por seu turno, provém de grimpa, denominação genérica para lugares
desérticos, localizados nos pontos mais altos das serras. Era para as grimpas que homens
livres e pobres da região das Minas Gerais, na segunda metade do século XVIII, dirigiam-se a
fim de fugirem do olhar das autoridades, em razão do caráter ilegal de suas atividades.
Regiões de mina e de garimpo têm sido, historicamente, associadas à humilhação e à
degradação, tanto física quanto moral, de seres humanos. Situação social que perdura com
pouca diferença até os dias atuais. A imprensa, corriqueiramente, noticia abusos sofridos por
trabalhadores ligados às práticas de garimpagem e mineiras, em vários pontos do planeta,
notadamente, nas minas de diamante sul africanas e em garimpos brasileiros como o de Serra
Pelada, no Estado do Pará.
56
Não por acaso, os garimpeiros, no Brasil, até recentemente, não eram
reconhecidos como categoria profissional. Somente a partir da Constituição Federal de 1988,
é que o Estado brasileiro foi levado a favorecer a organização da atividade garimpeira. Assim,
pela lei n
º
7.805, de 18 de julho de 1989
45
, as cooperativas de garimpeiros passaram a ter
prioridade na obtenção de autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos
minerais. Ora, o fato de viver em uma sociedade capitalista, na qual a profissão é vista como
um dos aspectos mais importantes da identidade social (CUCHE, 2002) de uma pessoa, e ela
não ter em lei sua profissão reconhecida, significa não ser considerada como sujeito de
direito, inclusive não ser considerada consumidora, o que nessa mesma sociedade é algo bem
mais complexo do que parece, uma vez que o consumo pode ser definido como “conjunto de
processos socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos”
(CANCLINI, 1995, p. 53), relacionando-se, muitas vezes, cidadania a consumo. Essa
ausência de reconhecimento profissional, leva à estigmatização (GOFFMAN, 1988) desses
sujeitos sociais.
Nesse sentido adjetivos jocosos, de que são alvos tanto o garimpo quanto
garimpeiros, podem ser tomados como índices de percepção da sociedade em relação a
ambos. Garimpo, como “campo de extermínio humano”, “antro de perdição de menores”,
“valhaluto de lupens e marginais”, “favelas de mineração”. Garimpeiros, como “responsáveis
por correntes migratórias”, “desarticuladores da fronteira agrícola”, “maiores agentes de
desagregação ambiental”, “dilapidadores de jazimentos minerais”, “bóias-frias do ouro”,
“agentes agravadores da saúde”, “responsáveis-mor pela evasão e descaminho do ouro”,
“responsáveis pelo entesouramento”, dentre outros
46
. Nesse cenário cultural em que se
inserem os bamburristas de opala do município de Pedro II, esse estigma reflete em suas
construções identitárias, pois, como lembra Denys Cuche, se a cultura “pode existir sem a
consciência de identidade” (CUCHE, 2002, p. 176), a identidade sociocultural não pode
existir sem um sistema cultural. Assim, identidade pode ser compreendida através de
processos conscientes vinculados a normas em oposições binárias (CUCHE, 2002;
OLIVEIRA, 1988)
A situação de penúria desses bamburristas é referida por Ana Paulino Galvão:
[Há] uns trinta anos atrás sabia-se desta polêmica de riquezas [oriundas da
opala], sem que o município tivesse o menor proveito ou participação
lucrativa. O valor das preciosas pedras [que] era[m] comercializada fora,
cabendo apenas pão para os nossos trabalhadores dos garimpos: trabalho
45
A Lei, contudo, só foi regulamentada pelo decreto n
0
98.812, de 9 de janeiro de 1990.
46
Disponível em: htpp//www.seicom.pa.gov.br/diram/docs/traba_public/camga/cant_gas2 (2006).
57
braçal forjado e alguns trocados que eram entregues na primeira quitanda
pelo de cada dia. Sabe-se que continua na mão de poucos, mas, o
conhecimento da existência da OPALA, já é generalizado, faltando apenas
união de esforços, para que equipamentos e novas indústrias venham
agregar-se aos existentes, fazendo com que mais recursos venham e
circule[m] como marco de riquezas na região (GALVÃO, 1995, p. 425).
(Destaque no original).
De fato, a Terra da Opala traz sua gema preciosa em seus símbolos pátrios:
desenhada em sua bandeira (Anexo A) e citada na letra de seu hino (Anexo B). Em função
disso o município de Pedro II foi cantado no carnaval teresinense de 2002
47
. Na entrada da
sede do município, o portal
48
com a inscrição “Pedro II, Terra da Opala” (Fig. 5), contudo,
parece ignorar sistematicamente seus bamburristas. À primeira vista, o vertiginoso aumento
no grau de visibilidade das gemas de opala, nos últimos anos, é inversamente proporcional à
visibilidade dos homens que, buscando-as nas profundezas da terra, inserem-nas no mundo da
cultura, o que nos termos de Geertz (1989) aponta para cultura como atribuição de valores às
coisas que cercam os grupos sociais e que pode ser interpretada a partir do código desses
mesmos grupos que as criam.
Talvez um único evento anual tenha enaltecido a figura do garimpeiro de opala do
município: a “Festa do garimpeiro” realizada de 1990 a 2000, por iniciativa de uma colunista
social local, Marlene Rodrigues. Seria pertinente, porém, discutir se havia nesse evento algo
de verdadeiramente enaltecedor da figura dos bamburristas ou, antes se o evento voltava-se
para o prestígio de que então desfrutavam os grandes garimpeiros bamburradores. Vale
lembrar, ainda, que foi fundado o “Museu da Roça”, alusão ao garimpo de mesmo nome, por
iniciativa das filhas de um velho garimpeiro local. Salvo o forte caráter marcadamente
autobiográfico do museu, essa iniciativa faz supor um esboço de resistência ao apagamento
social de que se vem tratando nesse trabalho.
Com efeito, apesar de pertencer à Terra da opala, a maioria considerável da
população do município de Pedro II inclusive bamburristas, tem usufruído muito pouco da
receita financeira gerada pelo comércio dessa gema, ao longo de mais de seis cadas, desde
sua descoberta. Uma das causas é, sem dúvida, o referido contrabando. No entanto, observa-
se que entre os muitos grupos sociais de que a sociedade de Pedro II é formada, os
bamburristas, localizados na base da cadeia produtiva da opala, são estigmatizados e
duplamente excluídos, pois o são dentro e fora da cadeia produtiva da opala. Uma vez que a
47
Samba enredo Na Terra da Opala, Lua-de-mel é na rede”, de autoria de Jamil Said, Fernandes, Luciane e
Jr. Guéri Guéri, da escola de samba Skindô de Teresina-PI.
48
Construído em 2005, quando da realização do I Festival de Inverno de Pedro II (BR-404).
58
gema de opala ultrapassa as fronteiras do garimpo, é como se a figura dos bamburristas se
tornasse incômoda, quase persona non grata, enquanto produto de seu trabalho, a gema de
opala, após percorrer um difícil caminho termina “pousada na maciez do estojo, sob as luzes
da vitrine em que se expõe” (KUBRUSLY, 2007, p.16). Exemplo disso deu-se quando do
lançamento do arranjo produtivo, em 22 de março de 2005, nos discursos ali, proferidos, não
se ouviu, literalmente, a voz dos bamburristas, a qual foi posta entre parênteses, diante do
peso político dos demais discursos
49
das demais categorias, ali, presentes: empresários
garimpeiros, autoridades governamentais, técnicos em mineração, enfim.
Fotografia 1: Portal de entrada da cidade de Pedro II.
Fonte: Socorro do Vale/AJOLPI (2005).
No entanto, os bamburristas de opala de Pedro II, diz-se, são os primeiros a extrair
do chão a gema rara. É a partir das mãos desses homens que toda a cadeia produtiva da gema
de opala tem início, na incansável busca da gema. Segundo um velho garimpeiro local “o dia
49
A propósito ver Orlandi (1998; 1999) e Maingueneau (1989).
59
do garimpeiro é sempre o dia de amanhã: se ele não encontra a pedra hoje, amanhã encontra”
(Sr. Mundote, 81 anos, citado em KUBRUSLY, 2007, p. 2). Mas os bamburristas de opala,
na encruzilhada entre a luta pelo pão de cada dia e o não reconhecimento social, passam a
maior parte de seu tempo no anonimato. Longe dos holofotes da mídia, das viagens de
negócio, eles investem tudo o que têm na procura da gema e na maioria das vezes esse
investimento, que não é apenas financeiro, mas também emocional, não tem o retorno
desejado. Na sociedade, abrangente, por seu turno, “deseja apenas que você continue no jogo
e tenha fichas suficientes para permanecer no jogo” (BAUMAN, 2005, p. 58). Os
bamburristas de opala aparentemente têm poucas fichas nesse jogo, do qual participam
ativamente outros grupos locais mais poderosos que também lutam com todas as armas de que
dispõem na busca da opala.
Nesse processo, essa luta se situa, também, no plano das identidades pois,
(...) a faca da identidade também é brandida pelo outro lado, maior e mais
forte. Esse lado deseja que não se dê importância às diferenças, que a
presença delas seja aceita como inevitável e permanente, embora insista que
elas não são suficientes para impedir a fidelidade e uma totalidade mais
ampla que está pronta a abraçar e a abrigar todas essas diferenças e todos os
seus portadores (BAUMAN, 2005, p. 83).
Esse parece ser o ponto a partir do qual se pode pensar o processo de construção
identitária dos bamburristas de opala de Pedro II: a refrega das lutas por identidades entre os
muitos grupos ao longo da cadeia produtiva da opala.
De início, a imagem estigmatizada dos bamburristas, poderia ser pensada pela
oposição através da qual Sérgio Buarque de Holanda concebe “perfil aventureiro” e “perfil
trabalhador”, referidos aos que colonizaram o novo mundo. Assim, bamburristas teriam um
perfil mais próximo do aventureiro (caçador/coletor). Se essa foi, contudo, uma qualidade do
garimpeiro no passado, certamente não é mais. Diz-se no passado porque “na obra da
conquista e colonização dos novos mundos, coube ao 'trabalhador', no sentido aqui
compreendido, papel muito limitado, quase nulo” (HOLANDA, 1995, p. 45) (aspas internas
no original), enquanto o garimpeiro (na verdade, o bandeirante) representava o tipo de “gestos
e façanhas audaciosos, galardoando bem [como] os homens de grandes vôos” (HOLANDA,
1995, p. 45). Esses papéis foram invertidos nos tempos de hoje como diz Lívia Barbosa, ao
trazer, para a atualidade o debate em torno da figura dos garimpeiros. Diz a autora que os
mesmos permaneceram, após o século do ouro, em “nosso mapa mental como conteúdo de
livro didático [e como personagens de romance], como história, e não como matéria viva
60
através da qual se fazia a sociedade brasileira” (BARBOSA, 1991, p. 229).
Barbosa (1991) acrescenta ainda que no fim da década de 1970, os garimpeiros
ressurgiram no debate sobre o novo modelo de desenvolvimento nacional, mas em uma
realidade que não lhes apresentava maiores espaços, pois se impunha, ainda que de forma
incipiente, uma questão e um discurso ambientalistas, segundo os quais os garimpeiros não
poderiam desempenhar outro papel que não o de vilão ambiental. “Independentes desses
interlocutores [sociedades indígenas, meio ambiente, empresas de mineração] eles não
possuem qualquer legitimidade ou identidade positiva” (BARBOSA, 1991, p. 229). Nessa
nova lógica de desenvolvimento nacional, garimpos e garimpeiros são vistos como opositores
à nova identidade buscada para o país: “Tornaram-se o nosso outro complementar que, além
de nos permitir tomar consciência do que somos, sinaliza para tudo o que não queremos ser e
ter” (BARBOSA, 1991, p. 230).
Por questão de sobrevivência, as lideranças garimpeiras tiveram que se adaptar
aos novos tempos, desenvolvendo uma retórica ambientalista, apresentando relatórios de
impacto ambiental-RIMA, ancorando-se, enfim, no saber da ciência como forma de
legitimação de seu (deles, garimpeiros) discurso; legitimação no sentido abordado por Pierre
Bourdieu, de um novo modelo da atividade garimpeira.
Ambientalistas e garimpeiros, assim, com opiniões na maioria divergentes em
torno da garimpagem, emprestam a essa valores simbólicos distintos. De fato, a maneira como
dois grupos quaisquer atribuem valor a determinada coisa indica a sua natureza simbólica,
como sugere Peirce (1972). A natureza é vista de forma radicalmente diferente por
ambientalistas e garimpeiros. Enquanto para os primeiros, ela é tida como símbolo de um
novo paradigma, para os segundos é a continuidade de uma tradição de ocupação de
fronteiras em que meio ambiente e populações nativas são entendidos como entraves ao
desenvolvimento” (BARBOSA, 1991, p. 233). Uma das conseqüências desse enfrentamento
entre ambientalistas e garimpeiros é que devido ao maior capital simbólico (BOURDIEU,
1998) daqueles, a comunidade garimpeira que até há pouco pregava “a exploração da 'riqueza'
a qualquer preço [...] [torna-se] simbolicamente deficitária” (BARBOSA, 1991, p. 233).
(Aspas internas no original).
A garimpagem de opala em Pedro II e, sobretudo sua exploração por empresas
mineradoras, a exemplo da mineração brasileira em geral, foi sempre alvo da preocupação
diuturna das autoridades governamentais. Contudo, trata-se de uma preocupação quase
policialesca, voltada para o controle absoluto da produção, negligente para com o trabalhador,
61
e para com os cofres blicos. Dessa forma, o contrabando
50
torna-se moeda corrente, com
livre trânsito tanto entre bamburristas como entre altos escalões de gerenciamento dos
garimpos.
Nesse contexto, garimpeiros é uma categoria profissional cuja herança social a
sociedade civil, em grande medida, estigmatiza. O que redunda em pouca atenção a esses
sujeitos, em termos de políticas públicas. Resta-lhes, assim, um espaço lacunar o qual
necessita ser compreendido. De fato, são sujeitos sociais e históricos a despeito de uma
história oficial da opala, cujo protagonismo outros arrogam para si, excluindo os
bamburristas.
Por seu turno, na memória individual e coletiva dos bamburristas persistem
acontecimentos, personagens e lugares, pois a memória “está ancorada no tempo [e, por isso
mesmo faz] (...) parte de perspectivas de futuro, de utopias, de conseqüências do passado e de
sofrimentos” (DIEHL, 2002, p. 146), mas também de alegrias, além de projetar outros
eventos. Nesse sentido, é dinâmica, construída, conforme concebem Pollak (1989, 1992) e
Halbwachs (2006), dentre outros.
De fato, a história oficial da opala contempla grupos privilegiados que a
impregnam com seus respectivos “valores de grupo” (BOURDIEU, 1998) e se expressa
através de documentos, livros e monumentos que seus representantes mandam erigir,
conforme sinaliza Nora (2003) acerca do significado dos monumentos. Assim, a opala como
símbolo (e Pedro II como a “Terra da opala”) são apropriados ideologicamente e
representados segundo a perspectiva dos grupos com maior capital simbólico (BOURDIEU,
1998) que, no caso, corresponde àqueles de maior capital financeiro, também. A memória dos
bamburristas, por sua vez é construída, sobretudo, pela oralidade. E nisso está muito
provavelmente parte de sua riqueza, pois é exatamente da fricção entre os vários relatos
acerca de um fato que a própria memória se ajusta, redimensionando, trazendo novas luzes ao
fato (BOSI, 2003).
A par disso, concorda-se com Homi Bhabha ao dizer que são as “minorias
destituídas [que] cada vez mais [produzem] as culturas 'nacionais'” (BHABHA, 1998, p. 25)
(apas internas no original). Pensar a produção da cultura implica, necessariamente, em pensar
sujeitos produtores. O mundo do trabalho e da cultura dos bamburristas (e esse é um ponto
50
“O Piauí vem enfrentando a extração e contrabando de minérios de forma jamais vista em sua história. A
denúncia é do diretor de Recursos Naturais do Instituto de Desenvolvimento Mineral do Piauí (IDEPI), Luis
Gonzaga Paes Landim. Segundo ele, o caso é ainda mais grave em municípios como Picos e Pedro II, ricos em
argila branca (cerâmica nobre) e opala, respectivamente”. Disponível em:
www.http//180graus.brasilpostais.com.br/geral/cresce-contrabando-de-menerios-no-paui-17491.html (2007).
62
chave) perpassa e é perpassado pelo espaço do garimpo com sua riqueza de detalhes, suas
nuances e significações, com sua simbologia própria, vivenciada em uma determinada
atividade laboral, por homens concretos, pois são “os homens e não o Homem, [que] vivem
na Terra e habitam o mundo do trabalho [...]” (ARENDT, 1995, p. 15). Os garimpeiros são,
sobretudo, sujeitos de ação, atores sociais, sendo esta uma atividade política por excelência e,
como diz Arendt (1995), a ação é responsável para que a lembrança ocorra.
De fato, uma questão dos bamburristas de opala de Pedro II que clama por
transitar da mera especulação e achismos para uma problematização. Para tanto, é preciso que
a identidade ancorada, inclusive, em uma memória coletiva desses sujeitos, seja pensada e,
assim, trazida de um umbral, onde parece se encontrar, à superfície da vida social em que terá
chance de se relacionarem, em condições de menor desigualdade, com outras memórias que
disputam a história da opala, tais questões serão desenvolvidas nos capítulos II e III dessa
dissertação.
63
CAPÍTULO II
PENEIRANDO A HISTÓRIA DA OPALA: PEDRAS DE PRIMEIRA, HOMENS DE
SEGUNDA?
Neste capítulo, apresenta-se o pressuposto metodológico da pesquisa, com ênfase
nos sujeitos abordados e nas categorias sociais identificadas/construídas. Analisa-se o
garimpo como espaço produtivo e simbólico e o lugar social historicamente destinado na
sociedade pedrossegundense aos bamburristas. Para tanto, promover-se-á o diálogo entre
teoria e resultados da pesquisa de campo, buscando, sobretudo, explicitar a condição dos
bamburristas, os quais padecem do fenômeno da invisibilidade social, próprio de grupos
sociais e narrativas eclipsados (GRAMSCI, 1978, MORAES, 2000).
2.1 PERCURSO DO MÉTODO
O/a pesquisador/a em ciências sociais tem que enfrentar o fato de que “as próprias
condições de suas pesquisas constituem variável complexa e importante para o que se
considera como os resultados de suas investigações” (CICOUREL, 1990, p. 87). Chamando
atenção, ainda, para a diferença que o/a pesquisador/a sente ao pesquisar em sua própria
sociedade, ou noutra sociedade estrangeira, Aron Cicourel, lembrando Alfred Schutz, diz que
ao se estudar a realidade social, deve-se partir da observação do senso comum realizada por
homens concretos que vivem essa realidade.
Nesse sentido, compreende-se como pesquisa científica em ciências sociais
a construção de conhecimento original, de acordo com certas exigências
científicas. Não precisa ser também empírica, embora normalmente se
suponha esta como a mais comum e importante. Em nosso caso, referimo-
nos especialmente à pesquisa teórico-empírica, ou seja, àquela produção
científica que busca conhecer a realidade, incluindo neste ato um trabalho
teórico e um trabalho emrico (DEMO, 1981, pp. 7-8).
De fato, a pesquisa “é sempre tateante, mas ao progredir elabora critérios que lhe
permitem orientar-se de modo cada vez mais preciso e que, aliás, ela não pára de aperfeiçoar
confrontando de modo crítico os métodos utilizados e os resultados” (LADRIERE, 1999, p.
16). Nesse sentido, é
64
um processo disciplinado de ações com vistas à construção de um
conhecimento novo ou à revisão de algum conhecimento já constituído em
alguma área específica. Nessa perspectiva, pesquisa é uma coleta
sistematizada de informações relativas a algum acontecimento ou fenômeno
particular para fins de sua exploração, sua descrição e respectiva explicação.
É o estabelecimento de relações entre as informações transformadas em
dados e em fatos, de modo que possam ser explanados, compreendidos e
incorporados num sistema teórico (COUTINHO, 2004, pp. 39 – 40).
Ao afirmar que o método pode ser pensado como um caminho a ser trilhado
pelo/a pesquisador/a durante a realização de sua pesquisa, Oliveira (1998) ressalta que esse
caminho deve ser seguro
51
, “uma via de acesso que permita interpretar com a maior coerência
e correção possíveis as questões sociais propostas num dado estudo, dentro da perspectiva
abraçada pelo pesquisador” (OLIVEIRA, 1998, p. 17). O método, porém, não se deve
restringir à mera aplicação da técnica. É preciso que seja mais do que simplesmente isso.
Trata-se de uma maneira de perceber o próprio mundo, sendo necessário que o/a
pesquisador/a se comporte como se fosse artesão/ã de seu próprio fazer científico. Isso
implica em estar ao mesmo tempo consciente da necessidade do método e cuidadoso/a no
sentido de evitar a mera observância de regras em si mesmas. É preciso que se exercite a
imaginação ao mesmo tempo em que devote apuro e “atenção com a linguagem, recusando a
afetação e o hermetismo” (OLIVEIRA, 1998, p. 18).
Espera-se de uma pesquisa social que o/a estudioso/a esteja atento/a aos atores
sociais, ao mesmo tempo deles se distanciado
52
, atento às estruturas de significados de que
fazem uso os atores da cena “que deseja observar, ao mesmo tempo que traduz tais estruturas
para os construtos consistentes com os seus interesses teóricos” (CICOUREL, 1990, p. 99).
Para Pierre Bourdieu, um objeto de pesquisa “só pode ser definido e construído
em função de uma problemática teórica que permita submeter a uma interrogação sistemática
os aspectos da realidade postos em relação entre si pela questão que lhes é formulada”
(BOURDIEU, 2004, p. 48), sendo que o diálogo estabelecido entre tal realidade e o/a
pesquisador/a é ampliado e aprofundado à medida que este/a “se obriga à melhor percepção
possível para melhor poder registrar” (WHITAKER, 2002, p. 124).
Seja como for, a complexidade social da qual o/a pesquisador/a e sua pesquisa
também fazem parte possui sua própria pulsão e como tal deve ser considerada “em sua
efetuação, não em seus efeitos, [contudo], se os efeitos são observáveis, a própria ação
51
Segurança, aqui, não corresponde a certezas, pois, esse caminho deve sempre estar aberto aos imponderáveis.
52
Ver a propósito, Velho (1978) sobre o familiar e o exótico.
65
considerada em seu movimento constituinte não é” (LADRIERE, 1999, p. 10). Compete, pois,
a quem pesquisa, refletir sobre ações de outros sujeitos e, tomando como base sua própria
experiência, reconstruí-las utilizando-se da “linguagem dos sentidos” como contraponto à
“linguagem do sistema”, (LADRIERE, 1999, p.10).
A presente pesquisa, como referido, é uma abordagem de cunho qualitativo
53
. A
preocupação do/a pesquisador/a na abordagem qualitativa, consciente do alcance e do limite
de cada método, não deve ser com a “representatividade numérica do grupo pesquisado, mas
com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, de uma
instituição, de uma trajetória, etc.” (GOLDENBERG, 2001, p. 14). Isso, porque, em ciências
sociais, deve-se buscar a complexidade do espaço social no qual homens e mulheres transitam
entre outro/as e entre coisas feitas por ele/as mesmo/as e por outro/as. Coisas que estão
impregnadas com o fazer humano. Esse espaço não pode ser meramente mensurado ou ter
seus eventos catalogados com precisão absoluta, pois não se trata de um espaço newtoniano,
mas einsteiniano
54
, no caso deste estudo, densamente pululado por singularidades, categorias
profissionais se interpenetram, confundem-se, requerendo um fino exercício de observação da
parte do pesquisador.
Na presente investigação, pensa-se que pesquisadore/as são sujeitos e objetos de
suas pesquisas sendo, por isso “natural que cientistas sociais se interessem por pesquisar
aquilo que valorizam” (GOLDENBERG, 2001, p. 19). E, como dito por Max Weber, os
valores estão presentes desde a escolha do tema. Sabe-se que a mera presença do observador,
o direcionamento do seu olhar antecipam escolhas e trazem uma carga reflexiva sobre esse
espaço que não é, reitera-se, apenas o espaço físico, geográfico, pois é evidente que “o
homem necessita de um espaço para viver, mesmo que este seja debaixo de alguma ponte. Ele
necessita de um lugar para comer, dormir, descansar, um lugar usado para reposição de
energia, da reprodução da força de trabalho e da espécie” (CARLOS, 1992. p. 25). Assim,
53
Para Pedro Demo, “a origem etimológica de qualidade privilegia a idéia de ‘essência’, conotando no fenômeno
o que lhe seria mais próprio e definidor, além da expectativa comum de que representaria a parte central na qual
tudo se poderia resumir” (DEMO, 2001, p. 13) (aspas internas no original). Esse autor prossegue, chamando
atenção para o fato de que a noção de intensidade “volta-se, em segundo lugar, para dimensões do fenômeno
marcado pela profundidade, objeto da pesquisa qualitativa, pelo envolvimento e pela participação, sem que seja,
no momento, possível extrair daí a idéia de que extensão se reduza a coisas superficiais, distantes ou inertes"
(DEMO, 2001, p. 15). Mas deve-se lembrar que “não convém dicotomizar entre quantidade e qualidade porque
são apenas modos diferentes de manifestação, funcionamento e dinâmica” (DEMO, 1997, p. 16).
54
Enquanto para Isaac Newton, tempo e espaço são variáveis universais, independentes do observador, para
Albert Einstein, formam uma unidade complexa, o tempo-espaço, na qual uma não faz sentido sem a outra, e a
presença do observador interfere no fenômeno observado, o que aumenta, significantemente, o grau de
complexidade nessa abordagem (TASSINARI, 2006).
66
trabalha-se, aqui, espaço como “Natureza Segunda, natureza transformada, natureza social ou
socializada” (SANTOS, 1986, p.163).
A pesquisa de campo foi realizada nos meses de junho a outubro de 2007,
compreendendo-se aí, observação direta, em cujo âmbito se realizaram contatos, visitas,
entrevistas e conversas no cotidiano (SPINK, 1999). As entrevistas foram de teor não-
diretivo. Este tipo de entrevista coaduna-se com a natureza dessa abordagem, uma vez que “o
recurso à entrevista não-diretiva, (...) [opõe-se às] entrevistas por questionário com perguntas
fechadas que representam o pólo extremo da diretividade” (MICHELAT, 1987, p. 192).
Assim,
o emprego da entrevista qualitativa para mapear o mundo da vida dos
respondentes é o ponto de entrada para o cientista social que introduz, então,
esquemas interpretativos para compreender as narrativas dos atores em
termos mais conceptuais e abstratos, muitas vezes em relação a outras
observações. A entrevista qualitativa, pois, fornece os dados básicos para o
desenvolvimento e a compreensão das relações entre atores sociais e sua
situação. O objetivo é uma compreensão detalhada das crenças, atitudes,
valores e motivações, em relação aos comportamentos das pessoas em
contextos sociais específicos (GASKELL, 2002, p. 65).
Foram realizadas treze entrevistas semi-estruturadas, sendo doze individuais, com
garimpeiros e ex-garimpeiros bamburristas, médios e grandes, e uma grupal com lapidários e
joalheiros no período de 02/10 a 31/10/2007. Levou-se em consideração para a elaboração das
perguntas o que Tim May reitera:
as perguntas são normalmente específicas, mas o entrevistador está mais
livre para ir além das respostas de uma maneira que pareceria prejudicial
para as metas de padronização e compatibilidade. As informações sobre
idade, sexo, ocupação, tipo de domicílio e assim por diante podem ser
perguntadas em um formato padronizado. O entrevistador, que pode buscar
tanto o esclarecimento quanto a elaboração das respostas dadas, pode
registrar informações qualitativas sobre o tópico em questão. Isso permite
que ele tenha mais espaço para sondar além das respostas e, assim,
estabelecer um diálogo com o entrevistado (MAY, 2004, p. 148). (Em itálico
no original).
As entrevistas foram agendadas em contatos prévios com o/as interlocutore/as
quando se expôs o objetivo da pesquisa. O acesso aos sujeitos da pesquisa foi mediado pelos
então dirigentes da COOGP, Antonio Sepúlveda e AJOLP, Juscelino Araújo, à época. No
caso da APROPI - que só foi criada em 2007 - o contato deu-se com o Sr. José de Ribamar,
pessoa de referência na organização da entidade. Quanto ao contato com essas pessoas, este se
67
deu com a apresentação do pesquisador e dos objetivos da pesquisa. A partir desses contatos,
os demais foram se estabelecendo pela técnica da bola de neve (WEBER, 1996). O fato de o
pesquisador ser do município, viver e trabalhar, facilitou o estabelecimento dos contatos e
das negociações com interlocutores da pesquisa. A condução das entrevistas foi orientada por
tópicos-guia privilegiando-se aspectos das atividades garimpeiras, de modo a ressaltar
elementos da identidade e da memória sociocultural dos bamburristas. Tópicos-guia, como
lembra George Gaskell,
não são uma rie extensa de perguntas específicas, mas, ao contrário, um
conjunto de títulos de parágrafos. Ele funciona como um lembrete para o
entrevistador, como uma salvaguarda quando der um ‘branco’ no meio de
uma entrevista, um sinal de que uma agenda a ser seguida, e (se um
número de minutos é fixado a cada parágrafo) um meio de monitorar o
andamento do tempo da entrevista. Um bom tópico guia i criar um
referencial fácil e confortável para uma discussão, fornecendo uma
progressão lógica e plausível através dos temas em foco. À medida que o
tópico-guia é desenvolvido, ele se torna um lembrete para o pesquisador de
que questões sobre temas sociais científicos devem ser apresentadas em uma
linguagem simples, empregando termos familiares adaptados ao
entrevistado. Finalmente, ele funciona como um esquema preliminar para a
análise das transcrições (GASKELL, 2002, pp. 66 67). (Aspas internas e
parênteses no original).
Num primeiro momento, após as primeiras entrevistas, deparou-se com
informações fornecidas pelos entrevistados que, aparentemente, destoavam entre si, pois
as primeiras [entrevistas] são cheias de surpresas. As diferenças entre as
narrativas são chocantes e, às vezes, ficamos imaginando se ali algumas
semelhanças. Contudo, temas comuns começam a aparecer e,
progressivamente sente-se uma confiança crescente na compreensão
emergente do fenômeno. A certa altura, o pesquisador se conta que não
aparecerão novas surpresas ou percepções. Neste ponto de saturação de
sentido, o pesquisador pode deixar seu tópico guia para conferir sua
compreensão, e se a avaliação do fenômeno é corroborada, é um sinal de que
é tempo de parar (GASKELL, 2002, p. 71).
Com efeito, a leitura detida de cada entrevista, assim como a fricção entre as
diversas entrevistas, (MICHELAT, 1987), aos poucos, forneceram uma compreensão
crescente da condição dos bamburristas.
Toda pesquisa com entrevistas é um processo social, uma interação ou um
empreendimento cooperativo, em que as palavras são o meio principal de
troca. Não apenas um processo de informação de mão única passando de um
(o entrevistador) para o outro (o entrevistado). Ao contrário, ela é uma
interação, uma troca de idéias e de significados, em que várias realidades e
percepções são exploradas e desenvolvidas. Com respeito a isso, tanto o(s)
68
entrevistado(s) como o entrevistador estão, de maneiras diferentes,
envolvidos na produção de conhecimento. Quando nós lidamos com sentidos
e sentimentos sobre o mundo e sobre os acontecimentos, existem diferentes
realidades possíveis, dependendo da situação e da natureza da interação.
Deste modo, a entrevista é uma tarefa comum, uma partilha e uma
negociação de realidades (...) [Isso porque o] sentido não é uma tarefa
individual ou privada, mas é sempre influenciado pelo ‘outro’, concreto ou
imaginado (GASKELL, 2002, p. 73 74). (Parênteses e aspas internas no
original).
Tanto as entrevistas individuais, quanto a entrevista em grupo visaram a
compreender o funcionamento do negócio da opala em Pedro II, sobretudo, como os
bamburristas se vêem e são vistos pelos demais sujeitos da cadeia produtiva da opala.
O corpus da pesquisa, dado à análise, constituiu-se, ainda de informações de
pesquisa documental, visto que estas ajudam
a situar os relatos contemporâneos em um contexto histórico (...) fazer
comparações entre as interpretações dos eventos feitos pelo observador e
aquelas registradas nos documentos relacionados aos mesmos [fora o fato de
que] essas fontes podem ser utilizadas por seu próprio mérito (...). A maneira
como os documentos são usados tem a ver com “questões metodológicas e
teóricas, assim como a temática relativa às tecnicidades que cercam o
método (...). (...). [Os documentos podem ser vistos como] parte das
maneiras nas quais a verdade [socialmente construída] é processada” (MAY,
2004, pp. 205-207).
As fontes secundárias, tais como documentos oficiais do APL, de jornais, de
revistas, da World Wide Web, apresentaram uma complementação aos assuntos referidos
durante as entrevistas que careciam de confirmações e esclarecimentos.
Acresceu-se a esses procedimentos, a análise de elementos iconográficos
presentes em uma peça publicitária. Trata-se de um catálogo denominado “Pedra primeira de
Pedro Segundo”. A análise dessa peça, sobretudo, dos elementos iconográficos, possibilita
perceber a concepção exógena que os policy makers do APL Opala têm sobre os
bamburristas. A análise iconográfica em questão insere-se na análise de conteúdos (BAUER,
2002), pois,
[embora a análise de conteúdo trabalhe] tradicionalmente com materiais
textuais escritos, (...) procedimento semelhante pode ser aplicado a imagens
(...) ou sons (...). dois tipos de textos: textos que são construídos para
outras finalidades quaisquer, como jornais ou memorandos de corporações.
Os materiais clássicos da AC [análise de conteúdo] são textos escritos que já
foram usados para algum outro propósito. Todos esses textos, contudo,
podem ser manipulados para fornecer respostas às perguntas do pesquisador
(BAUER, 2002, pp. 190 - 195).
69
Foi utilizada, ainda, na pesquisa, a produção de imagens fotográficas na forma
documental (LOIZOS, 2003; BITTENCOURT, 1998) as quais estão inseridas ao longo do
texto desta dissertação.
Devido ao caráter qualitativo da pesquisa, a amostragem não foi definida
estatisticamente de forma aleatória. Assim, tratou-se de uma seleção de sujeitos, de forma
intencional, no processo mesmo da pesquisa. Isso porque “a finalidade real de uma pesquisa
qualitativa não é contar opiniões ou pessoas, mas ao contrário, explorar o espectro de
opiniões, as diferentes representações sobre o assunto em questão” (GASKELL, 2002, p. 68)
Na pesquisa de campo, alguns garimpos foram visitados e escolheu-se para a
investigação o Garimpo do “Boi Morto
55
(Fotografia 2), por este reunir, em grande parte,
elementos essenciais para a melhor compreensão de situações vivenciadas pelos bamburristas,
nas relações tradição/modernização, produção artesanal/produção mecanizada. Esse é o
garimpo mais antigo da região, e onde teve início a história da opala em Pedro II.
56
Visitaram-
se, também, as sedes da COOGP e AJOLP, além de joalherias e oficinas de lapidação
(Fotografia 3).
55
Localizado a 4 km da sede do município de Pedro II, onde se deu a primeira ocorrência de opala, na década de
1950.
56
Para mais informações sobre o Garimpo Boi Morto, conferir o documento “Carta Ambiental do Boi Morto”,
disponível em www.aplopalapiaui.com.br (2006).
Fotografia 3: Oficina de lapidação de Opala.
Fonte: Lima (2008)
Fotografia 2: Atividade de extração da opala no
Garimpo Boi Morto.
Fonte: Lima (2008)
70
Fez-se uso do diário de campo (BRANDÃO, 1982, PINTO, 1992 e WITHAKER,
2002, indispensável tanto no trabalho de observação quanto durante a realização das
entrevistas e outros procedimentos. Assim, o diário de campo foi peça-chave para o resgate e
a compreensão de vários aspectos observados durante conversas preliminares mantidas com
garimpeiros e demais categorias abordadas. Gestos, expressões faciais, maneiras de sentar, de
olhar, de dirigir-se ao pesquisador, atos falhos de entrevistados, foram registrados no diário de
campo, mostrando-se de grande ajuda para a transcrição das entrevistas, sobretudo, pois
trouxeram o clima sociopsicológico no qual estas aconteceram.
A pesquisa bibliográfica teve prosseguimento durante todo o processo de pesquisa
de campo como maneira de promover o diálogo entre empiria e teoria, no sentido de
estabelecer uma contínua revisão teórico-conceitual, e de vigilância epistemológica.
No que concerne ao método de análise, optou-se nesse trabalho, pela análise de
conteúdo. Tal escolha deveu-se ao fato observado, desde os primeiros contatos com os
bamburristas, de que estes fazem uso abundante da oralidade, havendo, farto material a ser
submetido a esse tipo de análise, principalmente, em sua vertente que lida com tipos,
qualidades e com distinções mais do que propriamente com quantificação (BAUER 2002).
Nesse sentido,
a análise de conteúdo tem como objetivo investigar as informações, os dados, as
‘idéias’, os termos e o léxico inscritos nos textos documentais. Essa análise é um
método de observação que vai além de uma simples leitura do senso comum, mas que
visa, antes de tudo, a simplificar, enumerar, descrever e interpretar os documentos. Os
textos/documentos devem passar por várias leituras para o desvendamento da
respectiva temática, das idéias recorrentes e para se conhecer sua variedade lexical,
visando à escolha de categorias que irão representar os assuntos aí contidos. As
categorias para a análise de conteúdo são eleitas num vaivém entre os documentos e o
marco teórico da pesquisa, num encontro constante entre empiria e teoria.
Estabelecidas algumas categorias, os textos devem ser classificados de acordo com
estas (COUTINHO, 2004, pp. 100 – 101). (Aspas internas no original).
Após a constituição do corpus procedeu-se à análise do mesmo visando à
construção dos dados da pesquisa. Com base em Michelat (1987) e Bauer (2002) foram
realizadas as leituras verticais e horizontais das entrevistas, o que permitiu montar a matriz
temática com as principais categorias. Como se sabe, nas leituras verticais guarda-se “a lógica
própria de cada [entrevista] e as leituras horizontais [servem] para estabelecer a relação com
as outras entrevistas” (MICHELAT, 1987, p. 206). No caso em estudo, as categorias foram
organizadas, considerando as entrevistas como unidades temáticas ou “unidades de análise”
(APPOLINÁRIO, 2006, p. 162).
71
2.2 DOS SUJEITOS DO MUNDO DA OPALA ABORDADOS NA PESQUISA
Como sinalizado, num primeiro momento, tinha-se, como sujeitos desta pesquisa,
os garimpeiros de opala do município de Pedro II, Piauí, tomados como categoria social
desprestigiada e vitimizada pelo fenômeno da invisibilidade social. A tipologia inicial
contemplava supostamente três subgrupos, a saber: pequenos, médios e grandes garimpeiros.
Contudo, o desenrolar da pesquisa demonstrou que essa tipologia se mostrava
insuficiente para retratar a complexidade inerente ao mundo dos garimpeiros. Os subgrupos
grandes e médios garimpeiros, muitas vezes se comportam como empresários da opala pouco
tendo em comum com os pequenos garimpeiros (bamburristas). Constatou-se que, de fato,
apenas estes e não os garimpeiros, em geral, sofrem, efetivamente, o estigma da invisibilidade
social e que têm, de fato, como únicas opções de trabalho, as práticas garimpeiras e as práticas
agrícolas, que a maioria deles é formada por agricultores, filiados ao Sindicato dos
Trabalhadores Rurais - STR local.
Avaliou-se que a referida tipologia tripartite que supunha contemplar o universo
da extração de opala em pequenos, médios e grande garimpeiros, além de demasiadamente
forçada, não respondia a muitas das perguntas sobre a situação dos bamburristas, ao mesmo
tempo que a distinção entre médio e grande garimpeiro, muitas vezes tornava-se imprecisa,
não apresentando uma diferenciação expressa.
Neste sentido, decidiu-se recompor o quadro com uma tipologia que retratasse a
distinção entre os que são afetados pela invisibilidade e por suas conseqüências e aqueles que
não são, isto é, empresários garimpeiros e trabalhadore/as do garimpo, cada uma dessas
comportando outras sub-categorias. Essa tipologia, dentro dos seus limites, parece melhor
denotar as condições reais nas quais os sujeitos pesquisados estão inseridos. Com ela, em
certa medida, entendeu-se que se removem certas inconveniências no nível metodológico, por
possibilitarem melhor apreender a complexidade que caracteriza o objeto de estudo. Tomou-
se como critério a relação direta com a extração da gema de opala, especificamente do
garimpo, e passou-se a considerar trabalhadores do garimpo em oposição a empresários
garimpeiros como identidades contrastivas (OLIVEIRA, 2006). Para os demais sujeitos,
adotou-se, do ponto de vista lógico, o mesmo critério: a relação destes para com a cadeia
produtiva e/ou o APL Opala (Quadro1).
72
Categorias principais Atividades Sub-categorias
Empresários
garimpeiros
Extração e comércio Médios garimpeiros e grandes garimpeiros
Lapidação e joalheria Lapidador/a/es , Joalheiro/a/s e designers
Comércio Pequeno/a/s comerciantes
Trabalhadores
do garimpo
Extração Bamburristas e
*
faisqueiro/a/s
Técnica Gemólogo/a/s, geólogo/a/s, engenheiro/a/s,
psicólogo/a/s
Técnico-artístico Designers
Quadro 1: Quadro sinótico das categorias profissionais da cadeia produtiva da opala.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da pesquisa.
2.2.1. Trabalhadores/as do garimpo
Compreendem-se por trabalhadores do garimpo aqueles que dispõem apenas de
sua força de trabalho, quer no garimpo propriamente dito, extraindo o material opalino, como
os bamburristas, quer prestando assessoria cnica, como geólogos, gemólogos, engenheiros,
assistentes sociais e psicólogos, em atividades dos diversos elos da cadeia produtiva.
2.2.1.1. Bamburristas
Encontram-se, aproximadamente trezentos (300), dos quais cerca de cem (100)
são filiados à Cooperativa de Garimpeiros de Pedro II- COOGP, o restante trabalhando para
médios e grandes garimpeiros
57
e recebendo, em média, cento e vinte reais (R$ 120,00) por
mês com base na produtividade. Os bamburrista vivem da venda de chibius
58
conseguidos
com muito esforço após dias, semanas ou meses de trabalho duro realizado com o auxílio de
ferramentas rústicas como enxadas, cavadores, chibancas, pás, peneiras e mangueiras de água.
Do ponto de vista financeiro, geralmente estão inadimplentes com o comércio local e sofrem
de forma acentuada as agruras do cotidiano da extração da opala.
Os bamburristas são, em sua totalidade, homens
59
que iniciam suas atividades por
volta dos dezesseis anos, mas que com a implementação do Arranjo Produtivo Local - APL
Opala, em 2005, e a proibição da permanência de menores de idade trabalhando nos
57
Como explicitado na Quadro 1 desta dissertação.
58
O termo chibiu é empregado, localmente, para designar fragmentos de opala de, aproximadamente, meio
centímetro quadrado (0,5 cm
2
), que dependendo da qualidade gemológica, podem atingir valores entre cinco
(RS 5, 00) e trinta reais (R$ 30, 00).
59
Segundo informou o atual presidente da COOGP, Sr. José Cícero da Silva Oliveira, há cerca de cinco
mulheres que atuam como faisqueiras nos garimpos, durante o período chuvoso e que é intenção da nova
diretoria incorporá-las legalmente à cooperativa, no que ele chama de “presença feminina na opala”.
73
garimpos, o início dessa atividade é agora aos dezoito anos, podendo se estender até aos
setenta e cinco anos, em alguns casos. Contudo 70% desse universo é composto por homens
na faixa etária dos trinta aos cinqüenta anos. Embora a presença feminina não se faça sentir
diretamente no garimpo, as mulheres são as responsáveis pelo preparo das refeições
principais, da merenda
60
e da lavagem de roupa. Costumam ir trabalhar a pé, se o garimpo for
próximo à sede do município; de bicicleta (a maioria) ou veículo motorizado (motocicletas e
automóveis) no caso de garimpeiros mais distantes. Esses meios de transporte pertencem a
empresários garimpeiros.
O dia de trabalho tem início por volta das sete e meia e se estende até às dezessete
horas, de segunda a sábado, durante o período de estiagem, entre os meses de março a
novembro. Nos demais meses, os bamburristas praticam a agricultura no geral (GODOI,
1999, MORAES, 2000), em terra de terceiros.
61
As chances de virem a lucrar com a venda de uma gema de opala de grande valor
são raríssimas, pois esse segmento de garimpeiros, ou trabalha nas montoeiras, enormes
depósitos de dejetos opalinos já explorados, ou trabalha em garimpos de empresários
garimpeiros (médios e grandes garimpeiros e/ou lapidário/as), que ficam com vinte por cento
(20%) do valor da venda da gema. Neste caso, o restante do valor é rateado entre seis, dez ou
mais bamburristas que, por não terem poder de barganha, terminam por se desfazer da gema
por preços muito abaixo do valor de mercado. O grama da gema de opala bruta gira em torno
de cento e cinqüenta reais (R$150,00) ao câmbio de março de 2007. Quando lapidada, essa
mesma gema passa a valer dez vezes mais. Descontado o que devem no comércio e os
excessos da farra com o bamburro, pouco sobra aos bamburristas.
Lembrando a concepção do termo referida no capítulo I, acrescenta-se que do
ponto de vista dos bamburristas bamburro é a descoberta de gemas de opala que permitam
cobrir os gastos do mês, quitar débitos comerciais e conseguir um saldo capaz de “aliviar”, ou
seja, permitir alguma margem de manobra financeira. Além desses aspectos econômicos,
os simbólicos que compõem o bambúrrio: pagamento de rodadas de bebida para amigos,
reforma da casa, aquisição de veículo motorizado, novo (motocicleta, automóvel) e acessórios
corporais (relógios de marcas famosas, correntes de ouro, etc) para si e familiares.
60
Merenda é o nome dado a uma espécie de lanche, constituído por rapadura com farinha, cacom pão e
banana, consumido por volta das 10:00 h da manhã.
61
Um exemplo da precariedade de acesso à terra é o fato de moradores de bairros periféricos da cidade
assinarem um termo de responsabilidade de não fazerem alicerces em suas casas, por não serem proprietários dos
lotes. Ocorre que, paralelamente, os donos dos lotes urbanos são, no geral, os proprietários rurais em cujas
propriedades residem e trabalham, como moradores, parte significativa dos bamburristas.
74
Os bamburristas filiados à COOGP pagam dez por cento (10%) da venda da opala
à cooperativa e esta procura vender as gemas pelo preço de mercado. Na prática, contudo, isso
não ocorre devido ao limitado raio de ação da mesma, que em dezembro de 2007 contava
apenas com uma centena de cooperados. Bamburristas, por sua vez, comercializam as gemas
in natura, sendo essa uma das razões do baixo valor obtido com a venda.
(...) o pequeno garimpeiro que... Eu acredito é aquele pobre que ali ... Na
hora que ele encontra [opala], o primeiro preço que... Encontra, o cara
[comprador] que vem ali ele vende. Quando ele vende para o outro, o outro
vend[e]... Então ali passa as três coisas: o pequeno é aquele que tá
sofrendo lá. Mês, semana, mês... Sem nada encontrar... Muitos se não tem
associação com nada, passa até fome... E, aí, na hora que ele encontra
[opala], tem... Existe compradorzinho de pedra de todo jeito. Aqueles que
anda atrás... É pra ... Ganhar porque paga, mas uma mincharia [ninharia].
Aí, aquele garimpeiro vende. Outros, mais ali, que vê que [a opala] vale, que
faz que não quer ... E ele termina vendendo. É, termina vendendo, porque ele
tá precisando, diz: “- rapaz, eu não acho outra pessoa”. Termina vendendo.
62
Para um joalheiro, o bamburrista
(...) é aquele que trabalha por diária, né? Que infelizmente é o que
acontece... É o... O que eu mostrei pra você. Pessoas... É... Menos
afortunadas, que estão trabalhando, é... Quem pega, ali, no grosso, é quem...
Bamburra, propriamente dito, pega nas opala e tudo e passa pra o
intermediário, ali, que é o patrão.
63
Por seu turno, um dos bamburristas entrevistados expressa a concepção que define
a categoria no sentido aqui abordado: “(...) [bamburrista] seria aquele garimpeiro que
sempre... É... Ficou no garimpo na época que tem a vantagem, por exemplo, tá lá. Mas tem
sempre outra ocupação que ele afasta e vai fazer a rocinha dele...”.
64
Com efeito, esses sujeitos desenvolvem as atividades garimpeira pequenas de
maneira sazonal, pois durante o período das chuvas, de janeiro a abril, trabalham no cultivo
agrícola em pequenas roças, principalmente, de milho (Zea mays), feijão (Phareolus
vulgaris), arroz (Oryza sativa) e mandioca (Manihot esculenta). A maioria reside em bairros
periféricos da cidade de Pedro II, em casas modestas e tanto os moradores de propriedades
rurais como os residentes nos bairros da cidade têm famílias com uma média de quatro filhos,
62
Sr. Ribamar Galvão, 68 anos, grande garimpeiro filiado à APROPI, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni
Getirana de Lima, em 09/10/2007.
63
Sr. José Evandro da Silva, 40 anos, joalheiro não filiado à AJOLP, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni
Getirana de Lima, em 27/10/2007.
64
Sr. Antonio Ferreira Neto (Marola), 45 anos, bamburrista, funcionário da FUNASA, Pedro II. Entrevista
concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 06/10/2007.
75
e as esposas e companheiras exercem atividades em sua própria ou de outrem. Alguns desses
garimpeiros também exercem outras funções como as de vigias noturnos de repartições e
logradouros públicos administrados pelo município ou pelo Estado. Seus filhos e filhas
estudam em colégios da rede pública municipal ou estadual.
Como se constatou, os bamburristas estão diretamente inseridos no garimpo, no
sentido de que ou trabalham ou não têm como sobreviver. O garimpo é, assim um dos
espaços imediatos, de convivência da categoria ao longo do dia e, por isso mesmo muito
importante como elemento de construção de sua memória coletiva e de sua identidade.
Conhecer esse espaço é de fundamental importância para a compreensão desse sujeito social.
2.2.1.2 Técnicos
O pessoal da área técnica que suporte ao Arranjo Produtivo Local da Opala -
APL Opala é formado por profissionais das instituições parceiras do APL Opala. Fazem parte
dessa equipe: dois geólogos e um pesquisador (SETDETUR), um arquiteto, um engenheiro
agrimensor e dois engenheiros de minas (CREA-PI), uma assistente social e uma psicóloga
(Sebrae - PI), todos oriundos de Teresina, PI contratados pelo Arranjo para atuarem durante o
tempo de vigência deste (2005-2009). Há, ainda, dois pesquisadores (gemólogos) do
Departamento Nacional de Pesquisa Mineral e Universidade Federal do Rio de Janeiro,
oriundos da cidade do Rio de Janeiro, que realizam uma pesquisa visando a identificar as
características da opala pedrossegundense. A equipe técnica obedece a um cronograma que
contempla cursos, encontros e outras atividades junto a garimpeiros e lapidários no município
de Pedro II.
2.2.2 Empresários garimpeiros
Compreendem-se por empresários garimpeiros os detentores dos meios de
produção (no sentido marxista) da gema de opala, incluindo-se, aí, os setores de extração e
beneficiamento (lapidação e joalheria), assim como o comércio em grande escala. Se
pertencem ao primeiro elo da cadeia produtiva, extração, podem ser classificados como
grandes ou médios garimpeiros; se pertencem ao segundo elo, lapidação, podem ser
classificados como lapidários ou joalheiros, sendo que lapidários também comercializam a
gema de opala trabalhada e em grande quantidade, inclusive com compradores nacionais e
estrangeiros. Em grande medida empresários garimpeiros se compõem por proprietários rurais
76
que se instalaram na sede do município, sobretudo, nas três últimas décadas, e que atualmente
fazem parte da nova elite econômica local, atuando, principalmente, no ramo do comércio
(supermercados, drogarias, postos de gasolina) e, alguns deles, também, no negócio de opala.
2.2.2.1 Grandes Garimpeiros
São cerca de cinco, todos homens e filiados à Associação de Produtores de Opala
do Piauí - APROPI. Na visão de um bamburrista, o grande garimpeiro “é aquele que vem,
manda lapidar, leva pra... Pra fora. Esse é o... O que... É o [que ganha] dinheiro mesmo do
garimpo, é esse. É dinheiro grosso!”
65
. Os grandes garimpeiros ou são oriundos de famílias
tradicionais de latifundiários locais em cujas terras os garimpos foram instalados, ou
arrendatários dessas terras. Nunca houve propriamente um comércio de compra e venda de
terras para a extração da opala, mas as interdições dos garimpos, já mencionadas, e,
posteriormente, com a instalação do Arranjo Produtivo Local, fez-se necessária a
regulamentação da área de garimpos entre COOGP (750 hectares), APROPI (350 hectares),
OPEX Opala do Brasil LTDA (150 hectares) e Mineração e Construção M. C. LTDA (50
hectares). A área total tende a permanecer a mesma, pois todos os possíveis novos pontos de
extração de opala estão sob a tutela da Companhia Siderúrgica Vale do Rio Doce, a título de
reserva estratégica, como informado pelo então presidente da AJOLP, Juscelino Araújo.
Os grandes garimpeiros contratam bamburristas em maior número que os médios,
entre dez e vinte. Podem bancar as despesas do garimpo por até um ano, um ano e meio,
mesmo que nesse período não haja bamburro algum, como mencionado, disponibilizam o
deslocamento dos bamburristas até o garimpo em transportes improvisados, geralmente,
veículos motorizados antigos e sem segurança. Os grandes garimpeiros podem também
comercializar as gemas já lapidadas e vendê-las em municípios circunvizinhos, o que é mais
raro, ou, ainda, esperar a chegada de algum comprador externo, brasileiro ou estrangeiro. A
gema em poder dos grandes e médios garimpeiros é cotada em moeda estrangeira (dólar
americano ou euro) e pesada em quilate, enquanto que aquela em poder dos bamburristas é
cotada em moeda nacional e a medida usada para pesá-la é o grama
66
.
65
Sr. Ribamar Galvão, grande garimpeiro, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em
09/10/2007.
66
O quilate tanto é uma medida de massa, como uma medida de composição em ligas de ouro. A origem da
palavra vem do grego keratio, significando uma semente que era usada como unidade de peso na antiga Grécia.
Para evitar disparidades entre as medidas, em 1907 foi adotada a correspondência de 200 miligramas (0,2
gramas) para cada quilate, que, desde então, passou a ser o valor usado em joalheria. Cada quilate, por sua vez, é
subdividido em cem (100) pontos, valendo cada ponto dois microgramas (2mg). Dicionário Livre de Geociências
(2008).
77
2.2.2.2 Médios Garimpeiros
Os médios garimpeiros, em torno de 20 homens, a exemplo dos grandes,
contratam o trabalho assalariado dos bamburristas para a extração da gema de opala, mas em
número menor, entre quarto e oito. Possuem outra fonte de renda, geralmente, oriunda de um
estabelecimento comercial conseguido com a venda de opala, além do emprego de carros de
aluguel que fazem o percurso das comunidades interioranas para a sede do município
mediante a cobrança de passagem a usuário/as. Residem na sede do município com a família e
possuem casa própria.
Essa categoria de garimpeiros também atua no campo da produção agropecuária,
não pratica diretamente a agricultura e, sempre explora a terra em parceria com outras
pessoas, (que podem ser bamburristas) na forma da terça ou sociedade em “três por um”,
como é chamado esse consórcio praticado na região quando da colheita da safra de feijão,
arroz e mandioca
67
. Esses médios garimpeiros quando bamburram, costumam empregar parte
do dinheiro ganho em imóveis e estabelecimento comercial mediano, como o Sr. José Nunes
Lopes, 40 anos, casado, ex-bamburrista conhecido como Riba do Peixe, devido ao ramo no
qual trabalhava antes de ser “seduzido pela opala”, como afirma. De fato, o senhor Riba é um
dos raros exemplos de bamburristas que conseguiu juntar algum dinheiro. Tendo ascendido na
escala social do garimpo, hoje é tido como um médio garimpeiro. É dono de um comércio de
porte médio
68
, possui uma bela casa própria, para os padrões locais, e veículo motorizado. Ele
explica a mudança de ramo de trabalho para a garimpagem de opala, assim: “a gente tem
vontade de ganhar um dinheirinho a mais e, então, encontrar o minério e dar uma bamburrada
e encontrar cem gramas, cinqüenta gramas de pedra, e, aí, a gente melhora mais um
pouquinho de vida, de situação”
69
. Os médios garimpeiros podem bancar um garimpo por
três, seis, nove meses. Estão sempre com algum dinheiro disponível, entre seis e vinte mil
reais, segundo informações dos próprios garimpeiros. Se não ocorre o bamburro no período de
tempo por eles estipulado, e os prejuízos advindos do garimpo começam a se avolumar, os
67
Trata-se de um contrato verbal, segundo o qual o grande garimpeiro fornece as sementes para serem plantadas
pelo morador (que pode ser seu bamburrista) que entra com a mão de obra na capinagem, plantio, limpa e
colheita da lavoura, quando, então, esta é repartida na proporção de três partes para o morador e uma parte para o
dono da terra. Essa forma de contrato verbal é típica das relações da sociedade de trato como referido por
Martins (2003).
68
Entende-se por comércio de porte médio, para os padrões locais, aquele tido como referência para compras
regulares por um grupo de pessoas de diferentes bairros ou partes da cidade e cujas instalações são de
propriedade do comerciante, ou alugadas, possuindo estoque regulador permanente.
69
Sr. José Ribamar Galvão, 68 anos, médio garimpeiro, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de
Lima, em 26/09/2007.
78
médios garimpeiros podem suspender a garimpagem e aplicar o dinheiro em outras operações
mais rentáveis e de menor risco. Mas é quase certo que sempre voltarão a investir no garimpo.
Observou-se, contudo, que deles que aplicam um montante bem superior a vinte mil reais
(R$ 20.000,00) por temporada, podendo este chegar a trinta, quarenta mil reais quando a
produção da opala está em alta. No entanto, não se divulgam esses valores, reinando o
silêncio como estratégia de comércio, como diz um famoso dito popular: “o segredo é a alma
do negócio”.
2.2.2.3 Lapidário/as e joalheiro/as
Enquanto bamburristas, médios e grandes garimpeiros pertencem ao primeiro
segmento da Cadeia Produtiva da Opala, lapidário/as e joalheiro/as pertencem ao segundo
segmento dessa cadeia. Ao contrário também dos bamburristas, categoria marcadamente
masculina, na de lapidário/as e de joalheiro/as, a presença feminina se tanto nestas
atividades quanto na de designers que ministram cursos em Pedro II. Lapidário/as e
joalheiro/as comercializam grandes quantidades de gemas lapidadas pesadas em quilates e
cotadas em dólar (Tabela 1).
Quantidade em gramas Valor em real
Ano Pedra bruta Pedra
lapidada
Jóia
(peças)
Pedra bruta Pedra lapidada
Jóias
2005 142.000 g 85.200 910 532.200,00 748.800,00 654.600
2006 146.150 g 148.8000 10.920 970.800,00
1.635.600,00 717.600,00
2007 492.240.g 48.480 16.320 511.800,00 362.400,00 957.600,00
Tabela 1. Produção anual de opala no município de Pedro II - PI: 2005 – 2007.
Fonte: AJOLP (2007).
Tem-se dito que a produção de opala vem diminuindo nos últimos anos.
Verificando-se documentos fornecidos pela AJOLP os quais contêm a produção de opala
entre os anos de 2005 e 2007, pôde-se constatar que um aumento da quantidade de
cascalho, o que, assim, explicaria um aumento na produção ao fim das contas. A produção de
opala de boa qualidade, porém, vem caindo, daí a diferença entre quantidade de pedra bruta e
de pedra lapidada, tanto em gramas quanto em valor em dinheiro, apresentada na tabela 1.
79
A pesquisa revelou que alguns lapidários, assim como alguns joalheiros, também
possuem garimpo na qualidade de grandes garimpeiros o que apenas denota que, muitas
vezes, lapidários deslizam entre as categorias garimpeiro e lapidário, tornando a categorização
desses sujeitos algo extremamente delicado. Nesses casos, optou-se pela categoria a cuja
entidade representativa as pessoas estão filiadas: COOGP, AJOLP, ou APROPI. Nos demais
casos, optou-se pela semelhança da/s atividade/s praticada/s pelas pessoas com relação ao
modelo categorial, aqui, proposto.
Do ponto de vista, propriamente, da atividade que desenvolvem, pode-se ver que
enquanto joalheiro/as fazem um trabalho artesanal de embelezamento da opala, lapidário/s
lidam com ferramentas mais sofisticadas. Outra diferença básica entre joalheiro/s e
lapidário/as é que o/s primeiro/s podem trabalhar, muitas vezes, com a gema lapidada,
adaptando-a ao tucum, fruto de palmeiras dos gêneros Astrocaryum e Cactis (sobretudo, o
bactris setosa), à prata e ao ouro (adquiridos, sobretudo, no Estado de São Paulo) pela técnica
da encastoagem. lapidário/as adquirem a gema de opala em estado bruto e a lapidam, para
depois vendê-la como gema lapidada ou como jóia, nesse caso, encastoando-a também como
fazem o/as joalheiro/as. Ultimamente, lapidário/as vêm estabelecendo parcerias com
designers de jóias, de Teresina, e de outros Estados do país, e produzindo coleções que são
lançadas em eventos nacionais e internacionais.
Lapidários/as e alguns/mas joalheiros/as viajam com regularidade para
participarem de congressos, feiras, e cursos de formação profissional, estes, também,
acontecendo em Pedro II, promovidos e organizados pelo Sebrae - PI. Os garimpos dos quais
alguns lapidários são donos podem ser considerados como uma reserva estratégica para
manter o suprimento de matéria-prima como também uma forma de eles conseguirem
financiamento, a partir da aprovação de projetos por órgãos ambientais, uma vez que foram
eles, lapidários, juntamente com a COOGP, os médios e grandes garimpeiros, que
articularam, em boa medida, a reabertura dos garimpos, em 2005, quando da última interdição
destes, em 2004, pelo IBAMA.
Há lapidários/as, inclusive, com acento tanto na COOGP quanto na AJOLP, o que
evidencia o poder simbólico (BOURDIEU, 1998) desse segmento da cadeia produtiva. O fato
de haver lapidários compondo a chapa vitoriosa na disputada da penúltima
70
eleição, para a
cooperativa de garimpeiros, foi motivo de muita controvérsia entre bamburristas, chegando-se
a ponto de haver agressões físicas entre integrantes das duas chapas concorrentes.
70
A última eleição ocorreu em junho de 2008, tendo sido eleito para presidir a cooperativa o senhor José Cícero
da Silva Oliveira.
80
Nessa categoria, também há quem possui um garimpo com certo número de
bamburristas trabalhando sob o comando de uma pessoa de sua inteira confiança. Mesmo
nesses casos, continuam, se definindo como lapidário/as. Já trabalhos de lapidação, costumam
ter entre quatro e dez empregado/as altamente qualificado/as no manuseio da opala. Isso, no
caso de lapidário/as, sobretudo, e joalheiro/as, em menor número, categorias que fazem a
chamada “rota da opala”
71
. São também eles que estabelecem o valor médio da opala vendida
localmente, ficando com a maior parte dos lucros financeiros da opala. Isso implica em
manter, por um lado, estratégias de vendas com outros centros lapidários e joalheiros tanto
nacionais quanto estrangeiros e, ao mesmo tempo, promover alianças, parcerias e conchavos
com os demais sujeitos da Cadeia Produtiva da Opala, visando a manter o controle desta nas
mãos de lapidários.
Assim, a criação da COOGP, em 2003, foi uma tentativa de, por um lado, retomar
a idéia mal-lograda, em 1982, de organização dos garimpeiros como categoria profissional.
Foi também a sinalização da necessidade de se preparar o terreno para a institucionalização do
Arranjo Produtivo Local da Opala - APL Opala, o que acabou acontecendo em 2005. Desde
sua criação, contudo, a COOGP teve como presidentes pessoas ligadas a lapidários, inclusive
com acento, na AJOLP, como sócio-fundadores. Isto porque o estatuto da cooperativa é
flexível e admite a filiação de qualquer pessoa que tenha algum vínculo com a opala. Assim,
desde o início, a COOGP em última análise, privilegia lapidários/as e joalheiros/as, em
detrimento dos bamburristas. Por trás da criação da COOGP há, na verdade, uma cadeia de
fatos reveladores da luta por poder do controle econômico, político e simbólico da opala.
Até a primeira metade da década de 1980, o comércio dessa gema estava
polarizado entre dois grandes empresários locais, que haviam construído tal reputação na
década anterior, quando a hegemonia do comércio de opala se encontrava nas mãos de
empresas mineradoras. Estas, por sua vez, ao se retirarem do município, acusadas de
contrabando generalizado e desrespeito à legislação ambiental, deixaram um vácuo de poder,
logo ocupado pelos dois empresários. O comércio da opala ficou, dessa forma, polarizado, ao
mesmo tempo em que um sem-número de pequenos lapidadores (termo usado à época, e que
denota uma atividade de caráter menos técnico do que aquela desenvolvida por lapidários),
antes ofuscados pelo poder das empresas mineradoras, passaram a orbitar os dois empresários,
num claro sinal de dependência, tanto econômica (tomavam dinheiro emprestado), quanto
técnica (recebiam gemas semi-lapidadas para confeccionar jóias).
71
Essa rota passa por Teófilo Otoni, em Minas Gerais, cidade do Rio de Janeiro, e daí prossegue para outros
países como a Austrália, Estados Unidos, China, dentre outros.
81
A partir do início da década de 1990, porém, lapidadores, como se apurou na
pesquisa em contato com alguns deles (que, agora, se autodenominam lapidários), tornaram-
se menos dependentes da influência dos dois empresários, devido, sobretudo, ao atendimento
a reivindicações por cursos de capacitação, feitas pelo grupo ao Sebrae-PI, e à abertura de
linha de crédito, via Banco do Nordeste, o que forçou os dois empresários a buscarem, como
compensação, o direcionamento de parte de sua produção para o mercado internacional, ao
mesmo tempo em que intensificaram suas vendas, no nacional.
De fato, a criação da AJOLP se impôs tanto pela necessidade de amparo legal dos,
agora, lapidários, como, também, pela necessidade de monitoração da produção de opala, por
parte dos dois empresários, sobretudo de um deles, cuja influência se fez notar ao eleger a
esposa para sucedê-lo na presidência dessa associação. Com a institucionalização do Arranjo
Produtivo Local da Opala, em 2005, a AJOLP passa a influir no reordenamento das forças
políticas atuantes no mercado local de opala, carreando para si o grosso dos investimentos
aprovados pelo APL Opala
72
.
2.2.2.4 Mineradores
Entende-se por mineradores, os sócios-proprietários, ou os sócios de empresas
nacionais ou mistas, sobretudo australianas, que m negócios no setor de mineração de opala
com escritório no município de Pedro II. Os primeiros mineradores chegaram a Pedro II na
primeira metade da cada de 1970, e, a partir daí, até 2000, sucessivas empresas se
instalaram no município e, posteriormente, retiraram-se, devido a questões de natureza
jurídica envolvendo a prefeitura local e entidades ambientais de um lado, e mineradoras, de
outro; bem como questões de natureza econômica, como atraso do pagamento de seus
empregados, dentre outras. Ao todo, pelo menos cinco empresas mineradoras se instalaram
sucessivamente no município, havendo, no momento, duas, a OPEX Opala do Brasil LTDA,
que atua no garimpo Boi Morto com uma equipe composta por onze (11) garimpeiros, quatro
(04) operadores de máquina escavadeiras, dois técnicos em gemologia, dois engenheiros de
mina pelo CREA-PI, um administrador (contratado), dois proprietários (estrangeiros). A opala
extraída por esta mineradora, assim como pelas que a antecederam, é exportada para fora do
país, sobretudo para Austrália, Europa e Estados Unidos; e a Mineração e Construção M. C.
72
Valores demonstrados na tabela 3, capítulo III desta dissertação.
82
LTDA, conhecida como Mineração Paulista, em função do dono ser oriundo daquele estado
da região sudeste. Atuante no município oito anos, conta com um administrador, e o apoio
técnico de um engenheiro contratado do CREA-PI. A mineradora tem uma área arrendada de
50 hectares, onde trabalham oito (08) funcionários contratados a dezesseis (R$16,00) por dia e
sua produção centra-se no mercado nacional.
2.2.3 Policy makers
Policy makers é uma expressão consagrada no campo das políticas públicas,
policies, para designar fazedores dessas políticas. Quando tais políticas estão direcionadas ao
setor mineral, dizem-se políticas públicas do setor mineral. No caso referido, são os arquitetos
das políticas públicas direcionadas ao APL Opala de Pedro II. Para Maria das Graças Rua, “a
política consiste no conjunto de procedimentos formais e informais que expressam relações de
poder e que se destinam à solução pacífica dos conflitos quanto a bens públicos”
73
(RUA,
1998, p. 231). Os policies makers do APL Opala são CT MINERAL, MME Sebrae - PI,
FINEP, DNPM e IBGM. Além desses há os apoiadores PMP, SEMAR, PMP, PMBM,
GOVERNO DO ESTADO DO PIAUÍ; entidades financiadoras: FINEP; entidades de
pesquisa: FUNDAPE; entidades técnicas: CREA-PI; entidades participantes: COOGP,
AJOLP, APROPI, OPEX OPALA DO BRASIL, LTDA e MINERAÇÃO e CONSTRUÇÃO
M. C. LTDA.
2.3 DO GARIMPO COMO ESPAÇO SOCIOECONÔMICO, POLÍTICO E SIMBÓLICO
No capítulo I, o garimpo de opala foi apresentado preliminarmente, agora, cabe
uma abordagem teórica mais aprofundada, enriquecida pelo trabalho de campo, fundamental
para a compreensão desse locus dos bamburristas . É a partir da compreensão do que é
garimpo, como espaço socioeconômico, político e simbólico, que possivelmente se possa
contribuir para a visibilidade dos bamburristas.
A concepção de espaço assim como a de tempo são próprias de cada época
histórica, no entanto ambas estão presentes em todos os grupos humanos de todas as latitudes
73
Maria das graças Rua, compilando idéias de diversos autores clássicos da área de políticas públicas, diferencia
coerção pura e simples de política dizendo que, embora ambos os termos remetam à noção de coerção, o
segundo não se restringe a ela. Diferencia, ainda, policies (políticas públicas) de politics (atividades políticas).
(RUA, 1998).
83
do globo. Segundo Iná Elias Castro, Friedrich Ratzel desenvolveu dois conceitos
fundamentais sobre o espaço: como apropriação por um determinado grupo humano, e como
“as necessidades territoriais de uma sociedade em função de seu desenvolvimento
tecnológico, do total da população e dos recursos minerais” (CASTRO, 1995, p.18). Os
garimpos de opala do município de Pedro II, em certa medida, podem ser pensados pelas
categorias espaciais de origem ratzeliana, constituindo-se, assim, no espaço mais imediato dos
bamburristas, onde a busca da sorte tem lugar e imprime seus desdobramentos ao longo do
tempo. O garimpo, como mencionado, é o espaço no qual os garimpeiros vivem muito
provavelmente suas mais significativas emoções, experiências e lembranças e, por isso
mesmo, a partir do qual eles constroem suas identidades e sua memória coletiva no exercício
das práticas garimpeiras.
Com efeito, práticas garimpeiras, como toda prática humana, acontecem no
espaço e no tempo. São, pois, práticas espaciais, conforme Iná Elias Castro e Milton Santos.
Para a autora, tais práticas consistem em “um conjunto de ações espacialmente localizadas
que impactam diretamente sobre o espaço, alterando-o no todo ou em parte ou preservando-o
em suas formas e interações espaciais” (CASTRO, 1995, p. 35); enquanto o autor trata da
questão do espaço de forma seminal, resgatando uma multiplicidade de aspectos
despercebidos por inúmeros geógrafos, a ponto de afirmar que a geografia foi, durante muito,
tempo “viúva do espaço” (SANTOS, 2002, p.119).
Com base em Milton Santos, pois, defende-se aqui a idéia de que o garimpo é, de
fato, o espaço social imediato por excelência dos bamburristas de opala. Com isso, rompe-se
com a idéia de tomá-lo, apenas, como espaço econômico da produção. Sem dúvida, o garimpo
é um espaço econômico, o sendo por ser social. Morfologicamente, como se viu, o sujeito
garimpeiro derivou-se do lugar de sua labuta, o garimpo, a grimpa. Mas não há dúvida que, do
ponto de vista do fazer, do garimpar, é o ser humano quem toma as rédeas e age.
Como visto no Capítulo I, o termo garimpo, segundo o Estatuto do Garimpeiro, é
o local onde a atividade extrativa de substâncias minerais, passíveis de serem garimpadas, é
desenvolvida por apresentar viabilidade econômica, mas certamente não é essa a concepção
de garimpo da qual os garimpeiros compartilham. Para pequenos garimpeiros, o garimpo é um
segundo lar, espaço no qual passam boa parte do dia e de suas vidas, pois bamburrista de
opala ainda em atividade aos setenta e cinco (75) anos de idade, dos quais os últimos quarenta
(40) anos passados no garimpo. Segundo um garimpeiro entrevistado, “oitenta por cento dos
84
garimpeiros, eles são velhotes. Eles são pessoas de idade”
74
. certo exagero nessa fala,
mas, de fato, o percentual de jovens, entre dezoito e vinte e cinco anos, na condição de
bamburristas é pequeno, não chegando a quinze (15%) por cento, de acordo com a COOGP. É
certo que os bamburristas de opala também vêem o garimpo como espaço de produção, assim
como espaço no qual se convive com o perigo. Aliás, o perigo funciona como amálgama
catalisador de solidariedade e de amizade, reforçando a identidade do grupo intimamente
ligada à mina e ao garimpo, como depreende Cioccari (2004), ao estudar trabalhadores de
uma mina de carvão, e como também detectado nesta pesquisa quando das visitas aos
garimpos.
O espaço do garimpo é cheio de segredos e mistérios, envolto em muitas histórias
e superstições. Os bamburristas têm, às vezes, para com a terra, uma relação panteísta,
segundo a qual a terra seria a grande provedora e, exatamente, em função disso, se sentiria no
direito de cobrar sua parte. Os bamburristas parecem aceitar esse fato de uma maneira natural,
dir-se-ia, estóica. Isso possivelmente explicaria a imensa paciência demonstrada por todos os
bamburristas entrevistados, e por outros com quem se conversou informalmente. O que faz,
inclusive, com que a expressão “luta contra a natureza” empregada por alguns autores, quando
se referem ao trabalho dos garimpeiros, não seja auto-aplicável em muitas situações. Em
alguns casos, trata-se mais de uma espécie de contrato baseado na reciprocidade entre
natureza e cultura. O Sr. Benedito Pereira, por exemplo, refere-se ao que chama de
“pagamento da terra” nestes termos:
Eu lhe dizer que não tem jeito, não tem jeito. O sujeito trabalha na
montoeira, um cava, tira uma, duas, três pedras, aquilo que ele tira a
quarta,... Se tem mesmo pedra, pode ficar na certeza que passou. vai
peneirar, outro bocado. Se vai lavar, dá outro bocado. Não tem fim. Você
tem de jogar porque vai ter que ficar, porque todo minério tem o pagamento
da terra
75
Isto é, por mais que os bamburristas tirem opala da terra, esta sempre cobra um
pagamento que consiste em ficar com alguma gema de opala que escapa aos olhos atentos,
mesmo dos garimpeiros mais astutos.
Outras vezes, o garimpo não é um espaço nada amistoso, ao contrário. Nesse
sentido, há relatos de várias mortes (dez, pelos cálculos dos bamburristas) ocorridas em
74
Sr. Antonio Ferreira Neto (Marola), bamburrista afastado temporariamente, funcionário da Fundação Nacional
de Saúde (FUNASA), 45 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 06/10/2007.
75
Sr. Benedito Pereira, bamburrista, 65 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em
20/10/2007.
85
sessenta anos da existência de garimpos de opala na região de Pedro II, durante os quais
quarenta deles com a exploração quase ininterrupta dos garimpos. A taxa de mortes não é
elevada se comparada à de outros garimpos do país. Contudo, percebe-se que, no caso dos
bamburristas, essas mortes têm um significado para esses homens que vai além do respeito à
memória dos colegas falecidos. Esses acontecimentos trágicos funcionam, dentre outras
coisas, como pontos demarcatórios para o feixe de narrativas acerca da opala e, dessa forma,
amarram blocos de tempo que ao serem traduzidos nas falas dos bamburristas,
consubstanciam o que poderia chamar-se de história da opala na ótica dos bamburristas.
Devido à relação emocional que demonstram ter para com o garimpo, ao referirem esse lugar,
os bamburristas resignificam-no de forma a incorporá-lo a suas vidas no que estas têm de
mais íntimo. Referem o garimpo com a mesma intimidade com que referem a casa, o bar,
outros espaços de seu cotidiano.
Assim, o garimpo é um espaço diferenciado, apresenta nuances de textura,
temperatura, profundidade, área, como também, dependendo da estação do ano, determina
que tipo de extração pode ser realizada:
A gente trabalha com sebo [seixo], só peneirando. Tem também outras áreas,
a gente trabalha também com motores, com água, para lavar o material. Tem
áreas de garimpo que a gente trabalha só na argila, que é também a área de...
Exploração e... Tem outros meios de... Da gente ir garimpando ela [opala],
entendeu? Lavando manual mesmo e assim é... Ela é encontrada. Na
exploração ela é encontrada de várias formas, né
76
?
É também um espaço usado, pelos bamburristas, como parâmetro com outros
lugares:
E, , a gente partiu para as grandes metrópoles, né? São Paulo, o Rio de
Janeiro, no qual eu passei três anos no Rio de Janeiro, então logo voltando,
né? a gente começou a estudar no segundo grau e a ocupação que tinha era o
garimpo, né? a gente... Essa ocupação no garimpo. (...)... Eu comparo o
garimpo com uma família grande. Uma família grande! (...) Então, voltando
ao assunto do sofrimento do garimpo, na época era um sofrimento, você ter
que tirar... Chegar no barranco, é... E aquele material que encontrava a opala,
ele só tinha lá embaixo... Depois... É... Depois da água, né?
77
O garimpo é, inclusive, referência ao lugar de moradia:
76
Sr Antonio Sepúlveda, ex-presidente da COOGP, 39 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de
Lima, em 25/09/2007.
77
Sr. Antonio Ferreira Neto (Marola), bamburrista afastado temporariamente, funcionário da Fundação Nacional
de Saúde (FUNASA), 45 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 06/10/2007.
86
Bom, a minha labuta com a opala, é... Eu morava aqui, perto aqui da... Do
garimpo... Eu me criei ali mesmo [voz ascendente]. Nessa época, veio essas
empresas, e eu era bem novinho ainda, tinha uns quinze anos, mas comecei a
trabalhar com eles, tinha uns quinze [15] anos. Trabalhei, aí, com eles, no
garimpo
78
.
Ou ao lugar de ocorrência da tragédia:
Foi acidente. Ninguém sabe como foi. Ele [um tratorista] foi encontrado
morto lá no garimpo, ninguém sabe contar a morte dele, não
79
.
Às vezes, é apresentado como lugar de incertezas e dúvidas, insegurança:
Se nós achava a pedra, era capaz de nós ficar sem ela, né? Por que nós não
tinha [voz ascendente e alongada] documento nenhum de garimpo, não tinha
(...)
80
.
Como também um espaço do inusitado:
Eu acho bom ir pra [garimpo], por que... O garimpeiro, aqui, eles têm
medo de entrar no garimpo. Pessoas novas, né?
81
Mas é, também, retratado como espaço vocacional, de crença no bamburrismo,
onde se pode encontrar a estabilidade financeira, desde que seja o dono:
Toda vida eu fui... Tive vocação pra garimpo. (...). Eu uns trinta anos
atrás, eu... De modo que fui fazer eu já tinha essa vocação pra garimpo.
quando me casei, fui morar nos terrenos do meu sogro, na Roça dos Pereira
(...). Rapaz, eu pra mim,... Eu acredito muito na opala! Eu nunca tive
prejuízo como garimpeiro, como dono de garimpo. (...). Por que eu mesmo
não trabalho, mas arrisco... O dinheiro lá é o meu. Todo mundo, no garimpo,
lá, é meu. Os meus sócios, que trabalham comigo, entram com o serviço.
(...). Tenho muita fé em garimpo
82
78
Sr. Antonio Rodrigues (Sitõe), bamburrista, 63 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de
Lima, em 03/10/2007.
79
Sr. Antonio Rodrigues (Sitõe), bamburrista, 63 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de
Lima, em 03/10/2007.
80
Sr. Antonio Rodrigues (Sitõe), bamburrista, 63 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de
Lima, em 03/10/2007.
81
Sr. Antonio Rodrigues (Sitõe), bamburrista, 63 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de
Lima, em 03/10/2007
82
Sr. José Ribamar Galvão (Riba Rufo), grande garimpeiro, 68 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni
Getirana de Lima, em 09/10/2007.
87
O garimpo, por fim, é, ainda, lugar evitado por alguns e desejado por outros,
sendo, assim, visto como algo envolvente, sedutor, com seus segredos:
Mas não quiseram [filhos] trabalhar no garimpo, não. Acharam ruim.
Porque o garimpo é um serviço pesado, e... E o sol é muito quente. (...). E
[bamburristas] acham bom, também, trabalhar no garimpo e também não
querem deixar o garimpo. (...). Não tem quem tire! Tem esse segredo no
garimpo.
83
Com efeito, é no espaço do garimpo que o cotidiano dos bamburristas flui e onde
esses homens efetivamente tornam-se garimpeiros. Diz-se tornam-se porque compreende-se
que as atividades de garimpagem constituem-se como ofício e esse fato é marcante para a
construção da memória e das próprias identidades dos bamburristas de opala. Nesse sentido,
segundo Luciano Rodrigues Costa,
o ofício se apresenta como um elemento estruturante das organizações
produtivistas, ou ainda, como um conjunto de conhecimentos e de saber
fazer ligados às atividades do trabalho, que evoluem ou se modificam com o
tempo [e que, modernamente, podem ser entendido como] (...) o conjunto de
habilidades técnicas, intelectuais e manuais associadas à experiência”
(COSTA, 2007, p. 8).
84
No garimpo, os laços de amizade são reforçados à medida que os conhecimentos
acumulados pelos garimpeiros mais velhos, a exemplo dos mestres, são repassados aos
garimpeiros mais jovens, esses na qualidade de discípulos ou aprendizes. Nesse sentido, o
garimpo é o espaço de aprendizado, ao mesmo tempo em que se exercita o estoicismo, a
esperança do eterno recomeço por dias melhores.
Por isso mesmo as práticas garimpeiras escapam, por vezes, de uma visão
estritamente produtivista a que especialistas querem a todo custo reduzi-las. Caracterizar,
porém, o garimpo como espaço socioeconômico e simbólico implica, necessariamente, em
compreendê-lo numa lógica humana, isto é, numa lógica de espaço habitado e vivenciado por
homens concretos, reais, com suas vivências e experiências, sonhos, expectativas, alegrias e
medos, memórias e identidades. Talvez assim se possa compreender como identidades são
construídas e negociadas no âmbito tanto da Cadeia Produtiva da opala - CPO como do
83
Sr. Benedito Pereira, bamburrista, 65 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em
20/10/2007.
84
O mesmo autor lembra que o termo ofício surgiu no século X, e que, etimologicamente, remete à noção de
servidão e escravidão, fato explicado plenamente já que na Idade Média o trabalho era sempre inferior às
atividades de rezar e combater (COSTA, 2007). A propósito, convém lembrar asa corporações de ofício, nos
burgos de sociedades feudais, que se reuniam mestres e aprendizes na transmissão do ofício.
88
Arranjo Produtivo Local da Opala - APL Opala. Identidades, estas, em grande parte,
construídas a partir da rememoração, porquanto “na maioria das memórias existem marcos ou
pontos relativamente invariáveis, imutáveis” (POLLAK, 1992, p. 201). No caso dos
bamburristas, pode-se identificar pelo menos dois desses pontos: as mortes nos garimpos,
citadas, e os bamburros, simbolizando os momentos mais tristes e os mais alegres em um
garimpo, respectivamente. Na gíria dos garimpeiros, a palavra que se opõe a bamburro é
“blefo”. Um “blefado” é um garimpeiro temporariamente sem sorte, com as economias
abaladas e devendo mais que de costume. Por analogia, o maior dos blefos seria a morte no
garimpo.
O garimpo é, sem vida, um espaço onde a memória é “constantemente
refrescada” (DIEHL, 2002, p. 29) pelo fato de ser possibilitador da ocorrência de lembranças
variadas em diferentes levas de garimpeiros que por ali passaram, ou que ainda estão e que
compartilham das histórias (deste ou daquele garimpo), tão mais ou menos iguais, mais ou
menos parecidas. A cristalização de algumas dessas histórias, ou melhor, de algumas dessas
lembranças é que passa a constituir no sentido de Halbwachs (2006) a memória dos
bamburristas.
Segundo Michael Pollak, uma ligação fenomenológica entre memória e
sentimento de identidade. Ora, como a pesquisa comprovou, através das entrevistas e de
conversas do cotidiano (SPINK, 1999) com bamburristas, tal memória aponta para
identidades mediante sentimentos de coerência, de negociação e de conflito, nos termos de
Pollak (1992), em trajetórias sociais no garimpo.
O sentimento de coerência é notório e sempre converge para aquilo que Martins
(2007) denomina identidade garimpeira, à qual se fez menção no capítulo I dessa
dissertação. o sentimento de negociação tem emergido sempre que os garimpos foram
fechados e os bamburristas tiveram que defender seu ganha-pão, ou em outras ocasiões nas
quais se faz necessário que esses mesmos bamburristas se percebam como sujeitos sociais e
políticos. Nesses casos, a COOGP é a entidade que, teoricamente ao menos, desempenha o
papel de defender o ponto de vista dos bamburristas. Por fim, o sentimento de conflito, este,
mais sub-reptício, vem dando mostras de sua existência desde que bamburristas entendem não
estarem devidamente contemplados no APL Opala.
Não restam dúvidas de que são os bamburristas os mais afetados pelo
descumprimento de metas por parte das entidades que administram o APL Opala, conforme
registra-se a seguir:
89
Com certeza. Nós estava [reunião] e o chefe lá, de Teresina, prometeu.
Primeiro eles prometeram quinhentas [500] hora [de máquina para o
desbaste da montoeira]. A primeira promessa foi quinhentas hora. Aí, depois
prometeram que iam arrumar um carro, diminuíram as hora. Aí, prometeram
um carro e nem apareceu nem as hora, nem o carro. Agora, até agora mesmo
[outubro de 2007], mês trasado eles garantiram que ia botar cem [100] hora.
E essas cem hora tamo esperando. E até agora não apareceu. Já o
resolvendo [bamburristas] se ajuntar pra pagar. [Tosse]. Cada sócio do
barreiro paga uma [1] hora. Uma hora é cento e sessenta... Cento e sessenta e
cinco reais [R$ 165,00]. Cento e sessenta e cinco reais e quer arrumar uns
quinze [15][bamburristas] pra botar umas quinze [15] hora, pra ir começando
enquanto essas hora chega. Mas eu achando meio difícil por que
prometeram desde o ano passado, ainda não deram! (...). E nessa situação.
Se ele não... Não ajudar mesmo, por que eles fizero um projeto aí, o projeto
pra dar essas hora de máquina. Se não botarem, a coisa vai pegar, os cabra
tão... Tão até esperando pra assim que ele chegar falar pra ele: “-Rapaz sem
essas horas de máquina ... Por que senão não certo, por que nós não tamo
podendo trabalhar, não”. Lá mesmo naquele barreiro que você andou, no Boi
Morto, foi preciso parar. Tem que tirar pra frente.
85
Dava pra todo mundo trabalhar tranqüilo ali. Agora, do jeito que tá, eu tô
achando muito mais fácil [provável] parar de que... De que continuar. Por
causa que... Tá muito, tá muito difícil da gente chegar lá, tem muita quentura
e, aí, nós não tem como chegar lá. Máquina, não tem como pagar. se
fosse mesmo o governo que desse, que alimpasse, assim, a área duns, duns,
cinqüenta [50 m
2
], cem metros quadrados [100 m
2
] e desse pra nós trabalhar.
Aí, sim, aí o garimpeiro tinha como... Trabalhar mais tranqüilo. E era só o
que o garimpeiro queria. Eu não queria nada deles lá, não. a área limpa
para nós trabalhar. E nós conhece a área, conhece o chão deles, ali. Conhece,
se limpar, nós acha pedra [opala] ali. Mas... difícil. Porque... Eu acho
assim, né? É... O deenipêeme [DNPM], o ibama [Ibama], o deênieme
[DNM],... Acho difícil porque... Pra meter máquina ali [no garimpo] tá
destruindo, né? Então [voz alterada, ajeita-se na cadeira, gesticula] eles
deram pra nós pra quê, né? Se nós não pode... .
86
Financiando aquelas horas/máquina. Então, é a dificuldade da gente, da
cooperativa. São esses... Essas coisas que falta a Apple [APL] fazer... Pro
nosso garimpo funcionar perfeitamente. Por que que hoje ela vem sempre
pedindo um, uma, um acompanhamento, digamos assim, de produção? Mas
como é que a gente pode ter uma produção, dessa forma? Ela exige que
tenha uma produção xis [X]. Mas como é que ela quer exigir uma coisa, se
ela não dá condição pro garimpeiro?
87
Outros segmentos da cadeia produtiva têm uma visão mais complacente e mesmo
vaga de como os bamburristas são tratados pelo Arranjo, mesmo porque esses segmentos,
lapidários, joalheiros e mineradores, têm sido os mais beneficiados:
85
Sr. Benedito Pereira, bamburrista, 65 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em
20/10/2007.
86
Sr. Antonio Rodrigues (Sitõe), bamburrista, 63 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de
Lima, em 03/10/2007.
87
Sr. Antonio Ferreira Neto (Marola), bamburrista afastado temporariamente, funcionário da Fundação Nacional
de Saúde - FUNASA, 45 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 06/10/2007.
90
É... Tem havido mudança pra melhor. Uma vez que esses organismos, essas
instituições, , elas têm capacitado novas pessoas. Então, aqui, a gente
que pessoas que outrora não tinha uma ocupação, hoje, já tem. Hoje, já tem...
É uma pessoa... Tem pessoa que tem auto-estima, já trabalha por conta
própria. Essas... Empresas governamentais que... Têm possibilitado a vida
dessas pessoas aqui, dando oportunidade, na questão da... Se você for
analisar, professor Ernâni, é... Em cada bairro aqui já tem uma oficina [de
opala] que foram... É... É... Beneficiada com... Com o sebrai [Sebrae], na
certa. Então, isso é interessante. E que o Sebrae, aqui, essas... Essas
empresas governamentais, em Pedro II, aqui, por que que eu digo que elas
têm facilitado a vida de... De muitas pessoas? Porque essas pessoas, elas,
elas... Aprenderam a profissão, hoje, elas também tão dando emprego a
outras pessoas, então, mais... Pessoas que aprendem, que sabem fazer esse
trabalho, aí, eu mesmo me sinto feliz. (...). Não, essa... Essa melhora do
arranjo produtivo, eu acho que a melhora mesmo vai ser talvez a médio ou a
longo prazo. Mas, já no momento, a gente a alegria que eles
[bamburristas] têm, a confiança que eles o tendo é... É até mesmo a
satisfação de... De agora ter uma cooperativa que vai olhar pra eles. Então
isso traz até mais... Segurança pra eles no trabalho, mais ânimo. Eles, com
certeza, aumentou a auto-estima deles como garimpeiro. Uma vez que tem
esse órgão que vai olhar pra eles, né? Que olhando pra eles, que, de uma
forma talvez até indireta no momento, tá... está os ajudando, de modo
que é... O... Os garimpeiros mesmo, eles têm mais a ganhar com... Com
esses novos arranjos aí, mencionados por você.
88
Cada “barreiro”, como é chamado o espaço com cerca de dois metros quadrados,
onde trabalham de três a seis bamburristas, compõe um espaço maior, o garimpo
propriamente dito. O número de barreiros por garimpo varia muito, em função da área total do
garimpo, do número de bamburrista em atividade em determinado garimpo, das condições de
garimpagem, como a presença de lençóis d’água, de camadas rochosas mais resistentes,
dentre outras. Dentro do garimpo, corpos e mentes se condicionam ao ritmo da respiração e
aos movimentos repetitivos, ali, dentro do cubículo. São homens praticamente apartados do
resto do mundo, pois como diz Cioccari (2004), a mina (e o garimpo) é um mundo à parte. As
batidas ritmadas das ferramentas artesanais contra a dureza das pedras compõem uma espécie
de trilha sonora, algo como uma música de trabalho (TERRA, 2004) enquanto o olhar
(provavelmente o sentido mais exercitado pelos bamburrista) busca, capta, seleciona,
compara, elege, alguns elementos dentre uma infinidade de matizes de que o solo é composto.
Segundo, porém, Íris Marion Young, manifestações espontâneas que surgem
dentro dos grupos revelariam muito mais que um mero estado de espírito de seus membros,
mas informariam sobre a própria perspectiva social do grupo. Trata-se
88
Sr. José Evandro da Silva, joalheiro não filiado à AJOLP, 40 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni
Getirana de Lima, em 27/10/2007.
91
[d]o ponto de vista que os membros de um grupo mantêm sobre os processos
sociais em função das posições que neles ocupam (...). [Assim,] (...) a
perspectiva pode se revelar em histórias e em canções, em brincadeiras e em
jogos de palavras, assim como em formas de expressão mais assertivas e
analíticas” (YOUNG, 2006, p. 164).
Defensora de uma lógica relacional segundo a qual pessoas e grupos socialmente
próximos tendem a ter uma compreensão de fatos sociais de maneira parecida, embora não
sem fissuras e contradições, a autora contribui para a compreensão da complexidade reinante
no interior dos grupos sociais, ao afirmar que é “a partir de cada perspectiva social, [que]
alguns aspectos da realidade dos processos sociais são mais visíveis que outros” (YOUNG,
2006, p. 163). Nesse sentido, pode-se pensar, teoricamente, uma série de eventos no mundo
dos bamburrisas, fugindo de uma perspectiva essencialista para pensar identidades.
Compreende-se, assim, que no âmbito dos bamburristas várias vertentes de pensamento
posicionadas quanto ao papel do APL Opala, aspecto que será aprofundado no capítulo III.
Por hora diz-se apenas que tais vertentes podem ser divididas em duas principais: uma, mais
comedida, ligada de alguma forma à direção da COOGP, e outra que esboça uma visão crítica
dos rumos do APL Opala, no qual não estariam contemplados os bamburristas.
Durante as dez visitas realizadas ao garimpo Boi Morto, observou-se que os
bamburristas, no interior do garimpo, se vêm a si mesmos, por um lado como desassistidos,
entregues à própria sorte e sem opções:
E então eu fico... Eu fiquei caladinho, escutando para ver se... A opala
volta, nunca voltou... Ele [coronel Lauro Cordeiro] nunca mandou [de volta].
Aí, quando ele entrou lá... “- Francisco, o que eu vou fazer contigo é o
seguinte: eu... Vou ficar lá, com a pedra, mas eu vou te pagar bem pra tu
ficar trabalhando aqui no garimpo”. Aí, [eu disse:] “-Tá bem”. Aí, nesse
tempo, era dois [mil] e quinhentos [CR$ 2.500,00]. Daqueles tempos era...
Era mil réis (...).
89
Por outro lado, vêem-se como lutadores, esperançosos, capazes de enfrentar
adversidades, anos a fio.
Dentro desses sessenta e cinco [65] anos eu comecei a garimpar, eu comecei
a garimpar em... [19]62. Em [19]62, eu não lembrado o mês, mas lá de
89
Sr. Francisco Silvino Mendes (Simão), 83 anos, ex-bamburrista, aposentado como lavrador, primeira pessoa a
encontrar a gema de opala no município, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em
22/10/2007.
92
[19]62, eu nunca passei uma semana [longe do garimpo]. Não trabalho mais
de roça, nem nada, é só do garimpo mesmo.
90
Assim, a identidade bamburrista se constrói entre um pólo negativo e outro
positivo, e depende de muitas variáveis para se manifestar, tais como longos períodos sem
bamburro, morte de um companheiro de trabalho no garimpo, dentre outras.
A despeito do real cansaço a que as atividades garimpeiras submetem os corpos
desses homens, eles quase sempre a elas se reportam como uma “cachaça”, um “vício”, um
“jogo”, em conversas informais com eles mantidas, parecendo, contudo evitá-las durante
momentos tidos como mais formais, nas entrevistas, para não causar má impressão, segredam.
Ao mesmo tempo em que esses termos revelam elementos de certa maneira de ser,
de pensar e de agir dos bamburristas, como expressão de suas identidades, vê-se também
nessas falas, onde cachaça, vício, jogo, brincadeira, aparecem com freqüência, resquícios de
um discurso que os desqualifica e às atividades garimpeiras, no campo discursivo do mundo
do trabalho. São expressões com carga semântica oposta ao normalmente usado nesse campo,
pelo teor lúdico-emotivo e não tecnicista. Como diz Michel Foucault, o discurso
não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também,
aquilo que é o objeto do desejo, e visto que – isso a história não cessa de nos
ensinar - o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os
sistemas de dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder do qual nos
queremos apoderar (FOUCAULT, 2004, p. 10). (Parênteses no original).
Nesse sentido, o trabalho no garimpo não é visto nem assimilado pelos próprios
bamburristas tão somente como um trabalho, uma ocupação, uma tarefa (árdua, por sinal),
mas é tido como um “passa-tempo”, o que talvez dificulte a construção de uma imagem de
trabalhador por parte dos demais sujeitos do ramo de opala, acerca dos bamburristas, assim
como deles próprios. Desta forma, é compreensível a fala de um deles sobre seu cotidiano.
“Rapaz, [pausa] garimpeiro mesm... É poucos. Garimpeiro mesmo. Porque nós, nós, eu não
me acho, assim..., Porque eu trabalho lá no garimpo, mas eu não sou garimpeiro. Eu
trabalho lá no garimpo, é provisório também. Eu acho bom ir pra lá...”. Só que minutos antes,
na mesma entrevista ele havia declarado:
“(...) comecei a trabalhar com eles [donos de
90
Sr. Benedito Pereira, bamburrista, 65 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em
20/10/2007.
93
garimpo], tinha uns quinze anos”
91
, isto é, o Sr. Sitõe, embora trabalhe no garimpo
quarenta e oito anos, não se apercebe como trabalhador.
Na opinião de outro velho ex-bamburrista, isso ocorre porque “a gente não tem
pra onde ir, tem que ir pro garimpo mesmo, porque a gente não faz nada, mas um dia pode
arrumar alguma coisa”
92
. Ressalta-se que o Sr. Arimatéia, segundo a tipologia adotada nesse
trabalho, seria considerado um médio garimpeiro. No entanto, parece assumir a condição de
bamburrista do passado, tendo sido, inclusive membro do conselho fiscal da COOGP, na
gestão anterior, de junho de 2005 a junho de 2008. Para o Sr. Arimatéia, os bamburristas não
se identificam como tal porque “têm medo [da falta] da aposentadoria”. Dessa forma, muitos
bamburristas, ainda na ativa, são aposentados como trabalhadores rurais, pois “o garimpeiro
daqui tudo é agricultor. No inverno [período chuvoso, de novembro a março] ele fazendo a
roça, no verão [período de estiagem, de abril a novembro] ele no garimpo, né?”. Essa
sazonalidade é confirmada pela extensionista da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e
Extensão Rural - Emater PI, Aldenira Martins, na pesquisa de campo. Segundo ela, é bem
mais fácil para esses homens se aposentarem como trabalhadores rurais do que como
garimpeiros, o que aponta, talvez, para a precariedade de uma política de trabalho e proteção
social a esse tipo de trabalhador. O Sr. Arimatéia, contudo, diz acreditar que, com a criação da
COOGP, muitos sócios irão se aposentar como garimpeiros. o presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Pedro II - STR, Sr. Manoel dos Santos, Manelito, confirmou que nos
últimos dois anos (2005-2007) alguns bamburristas que estavam sindicalizados como
trabalhadores rurais pediram desfiliação do sindicato e se filiaram à COOGP.
No entanto, em que pesem esses problemas reais na vida dos bamburristas, a
maneira como se referem ao garimpo revela o quanto este representa para si mesmos, indo
muito além de um mero lugar físico, de um buraco na terra do qual tiram seu sustento diário e
ao qual estão presos muitos de seus sonhos.
Com efeito, o garimpo é o espaço material e simbólico no qual garimpeiros
constroem suas identidades. No garimpo, eles sentem, provavelmente, as emoções mais fortes
e significativas de suas vidas, como garimpeiros, seja em uma situação de alegria:
A emoção [de encontrar uma pedra de opala] é a mesma emoção que sente
um jogador de [futebol] quando faz um gol. Eu comparo assim, ele sente
91
Sr. Antonio Rodrigues (Sitõe), bamburrista, 63 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de
Lima, em 03/10/2007.
92
Sr. JoBarroso de Arimatéia, ex-bamburrista (atualmente podendo ser classificado como médio garimpeiro),
65 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 25/10/2007.
94
aquela emoção é... De grande explosão. É uma explosão que ele sente no
momento que a alegria dele é pular, é... Ele sabe que... Quando ele
bamburra, né? Quando ele acha uma pedra grande, a gente chama
“bamburro”, é uma pedra grande, quando a gente acha, né? Então ele já, ele
já sabe o conteúdo de dinheiro que... Que vai pegar naquela pedra, né? Então
é como se ele fizesse um gol... É... Na seleção brasileira, no caso. A emoção
é aquela. A gente compara com aquela emoção, né?
93
Seja em situação de desastres:
Ele chegou a avisar duas vezes. quando foi no fim de semana... Chuuuu!
[imita o barulho do desabamento e faz o gesto com as mãos]. Onde morreu,
parece que foi quatro a cinco pessoas. Aí, depois que eu voltei [de São
Paulo]... Ele [o pai] chegou lá em casa com a mesma estória: que não era um
barreiro muito alto, mas que poderia morrer gente. eu tava em casa,
quando chegou o cara dizendo: -ó, o barreiro do teu pai... É... Desabou!”.
Aí, eu pensei: “-Não, difícil. Dele não desaba. Pode acontecer [de desabar],
né? Mas acho difícil”. E realmente não foi o barreiro dele. Foi até onde um...
O filho do senhor que, né? ... Cavav... Que era dono da terra. né? Do
cidadão, dono da terra, né? E realmente quando chegou [pai] não foi ele
dizendo o seguinte: “-Eu avisei, mas brincaram!”. Então ele sempre teve esse
cuidado quando ele vai trabalhar, a primei... A primeira preocupação dele é
com a segurança e [d]as pessoas com que[m] ele encarregado. O dono [do
garimpo] disse assim: “- Cave aqui, cave acolá!” Mas ele disse logo: “- Não
me diga como eu faço!”.
94
Em vários outros momentos, durante o trabalho de campo, pôde-se perceber que,
uma vez instalados no interior do garimpo, curvados sobre o cavador, a pá, a peneira, o
carrinho de mão, os bamburristas apartam-se, sensivelmente, do mundo exterior e passam a
vivenciar outro espaço no qual o ritmo é ditado pelos movimentos resultantes do manuseio de
suas ferramentas de trabalho. A seis, oito, dez metros de profundidade, eles cavam a terra
fazendo montículos, que, depois, são retirados em carrinhos de mão utilizados para remover o
material para fora do barreiro, onde outros bamburristas esperam para peneirar o conteúdo
que, após ser separado da areia, mas não do pedregulho, recebe um fluxo de água proveniente
de uma mangueira conectada, por gravidade, a uma caixa d´água ou, em alguns casos, a uma
bomba de sucção, cujo objetivo é fazer saltar aos olhos “algum brilho de pedra”, como dizem.
Todo o procedimento cotidiano de extração da opala, incluindo-se a produção, é
supervisionado pelo encarregado do garimpo, geralmente, um garimpeiro mais experiente e,
93
Sr. Antonio Ferreira Neto (Marola), bamburrista afastado temporariamente, funcionário da Fundação Nacional
de Saúde - FUNASA, 45 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 06/10/2007.
94
Sr. Raimundo Alves Amorim Filho, ex-bamburrista, 36 anos, professor de informática, Pedro II. Entrevista
concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 05/10/2007.
95
periodicamente, engenheiros, gemólogos e geólogos, após uma vistoria, emitem laudo técnico
das condições de garimpagem.
Costumam trabalhar em pequenos grupos de três ou quatro bamburristas que
dividem uma área, o barreiro, de não mais quatro, cinco metros quadrados, embora haja
garimpos com barreiros grandes nos quais trabalham dez ou doze homens numa área de dez,
quinze metros quadrados ou mais. Essa segunda modalidade de garimpo é mais comum
acontecer em propriedades particulares, cujos donos são médios ou grandes garimpeiros
filiados à APROPI.
Nas profundezas dos garimpos, como se pôde presenciar, os sons do ambiente ao
redor praticamente silenciam, restando o barulho ritmado das ferramentas, às vezes por cerca
de uma hora antes que algum bamburrista pare abruptamente, recoloque a espinha dorsal em
posição ereta e enxugue com o dorso da mão escondida em uma luva velha e surrada, o suor
que poreja na testa. É comum, nesse momento, que os bamburristas lancem um olhar
panorâmico pelo garimpo como a quererem avaliar o quanto já trabalharam até àquela hora do
dia, como costumam se referir à passagem do tempo. Essa é tomada, geralmente, pela sombra
projetada por uma das paredes do barreiro, independentemente da existência de relógios que
um ou outro conduz.
Esse estar junto, cotidianamente, compartilhando tarefas, responsabilidades e
riscos, constitui-se de elementos que denotam a identidade social desses sujeitos, através de
vinculações em um sistema social: vinculação a uma classe sexual, a uma
classe de idade, a uma classe social, a uma nação, etc. [Pois] a identidade
permite que o indivíduo se localize em um sistema social e seja localizado
socialmente. Mas a identidade social não diz respeito unicamente aos
indivíduos. Todo grupo é dotado de uma identidade que corresponde à sua
definição social, definição que permite situá-lo no conjunto social. A
identidade social é ao mesmo tempo inclusão e exclusão: ela identifica o
grupo (são membros do grupo os que são idênticos sob certo ponto de vista)
e o distingue dos outros grupos (cujos membros são diferentes dos primeiros
sob o mesmo ponto de vista). Nessa perspectiva, a identidade cultural
aparece como uma modalidade de categorização da distinção nós/eles,
baseada na diferença cultural (CUCHE, 2002, p. 177).
Nas práticas garimpeiras há, como lembra Marta Cioccari, citando Lucas (1981)
um embate travado pelos garimpeiros contra o elemento natural. Essa batalha travada pelos
garimpeiros, embora esteja na contemporaneidade, em certa medida, mediatizada pelas
máquinas, constitui-se como um elemento de construção de sua (dos garimpeiros) identidade
cultural (CIOCARRI, 2004).
96
Marcos Lobato Martins, concordando com Marta Cioccari, diz que são as práticas
culturais e os elementos simbólicos “que uma vez reiteradas pelos mineradores, por séculos,
consolidam determinadas formas de identidade garimpeira” (MARTINS, 2007, p. 2). Esse
autor refere elementos revelados pela literatura, a qual retrata a figura dos garimpeiros e a
delineia, dentre outras características, como aqueles homens que trabalham sozinhos ou com
reduzido número de companheiros os quais são tidos como irmãos. Têm forte senso de
camaradagem, gostam de vida ao ar livre, estão acostumados às intempéries tanto da natureza
quanto da sorte. Essa imagem dos garimpeiros esfortemente atrelada ao espaço do garimpo
e não corresponde à opinião pública que os garimpeiros como um inimigo ambiental em
potencial, como lembra Ciocarri (2004).
Esse aspecto da identidade garimpeira será retomado adiante, quando se tratará da
nova imagem do garimpeiro referida por Cioccari (2004). Imagem com fortes conotações
negativas a partir de concepção plasmada pela mídia, sobretudo a televisiva que em discurso
de cunho ambientalista, vem transformando o garimpeiro em um dos vilões ambientais da
sociedade. Esses fatores, dentre outros, seriam umas das causas geradoras do processo de
invisibilidade social, que não se limita, obviamente, aos meios midiáticos. Trata-se de um
processo sociohistórico, no qual os demais sujeitos da cadeia produtiva da opala e do APL
Opala, bem como a sociedade pedrossegundense, parecem não considerá-los como
protagonistas, dentre os demais, da história e da memória da opala.
2.4 DA INVISIBILIDADE SOCIAL DOS BAMBURRISTAS DE PEDRO II – PI
A invisibilidade dos bamburristas de opala do município de Pedro II pode ser
pensada como a que ocorre com categorias profissionais que realizam trabalho braçal no
Brasil, no sentido próximo à compreensão de Fernando Braga da Costa
95
para quem a
invisibilidade pública está profundamente ligada à divisão social do trabalho, na sociedade
capitalista, onde se enxerga apenas a função e não a pessoa que a desempenha. Assim,
bamburristas sofrem dessa invisibilidade pública tanto quanto garis, catadore/as de material
reciclável, pedreiros, empregado/as doméstico/as, enfim, todo/as aquele/as que têm na força
braçal o seu sustento. O processo de invisibilidade dos bamburristas não se restringe apenas à
indiferença, por parte de terceiros, da presença física desse ou daquele bamburrista.
95
Autor de Homens invisíveis: relatos de uma humilhação social”. Cf. entrevista concedida ao site:
www.estudosturisticos.com.br/invisibilidade_social.htm (2007).
97
Com efeito, refere-se, aqui, à invisibilidade social como conceito aplicado aos
socialmente eclipsados (MORAES, 2000) seja pela atitude de indiferença, seja pelo
preconceito de terceiros, em suas múltiplas manifestações. Trata-se, pois, de “relações onde
os sujeitos não têm a sua capacidade cognitiva reconhecida, sendo privados de relações
dialógicas, em determinado campus, como conseqüência das relações de poder e evidenciada
na interação com outros grupos sociais” (RODRIGUES, 2007, p. 6).
Assim esse eclipse social dos bamburristas decorre de fatores sociais, quando são
discriminados por outros grupos sociais de dentro e de fora da cadeia produtiva e do arranjo
produtivo da opala; culturais, quando não são historicamente reconhecidos como sujeito
coletivo dentre os demais grupos que disputam o poder no arranjo produtivo; econômicos,
quando não têm crédito, ou o têm pouco, no comércio local ou em bancos, o que remete à
precarização do trabalho; e, finalmente, fatores estéticos, quando são vistos pelos demais
grupos sociais como não apresentáveis, isto é, como sujos, grosseiros, mal vestidos, mal
cheirosos, capiaus, “pebas”, “homens tatus”. A interpelação dessas identidades atribuídas
(CUCHE, 2002) será pormenorizada no capítulo III dessa dissertação.
Segundo dados recentes da COOGP (Tabela 2), trezentos e quatro (304)
bamburristas trabalham, atualmente, em trinta e quatro (34) garimpos de opala em
funcionamento no município numa área total de 1.330 hectares,
conhecida como região de
garimpo
96
. Desse total, cem (100) bamburristas fazem parte da COOGP e os demais
trabalham para sete (7) empresários garimpeiros (médios e grandes garimpeiros) que, em
novembro de 2007, fundaram a Associação de Produtores de Opala do Piauí - APROPI, com
sede no município de Pedro II. A essa associação somar-se-ão, ainda, em 2008, produtores de
opala do município vizinho de Buriti dos Montes.
Tabela 2. Número de bamburristas e de garimpos por entidades produtoras.
Fonte: AJOLP/COOGP (2007)
98
.
96
A região de garimpo sinaliza, na verdade, uma oposição à região de lavoura, evocando, dessa forma, uma série
de significados relacionados ao fascínio que a opala encerra, tais como perigo, curiosidade e sonho de riqueza.
97
Convém lembrar que se tratam de bamburristas a serviço de empresários garimpeiros sócios da APROPI.
98
Na verdade, na OPEX Opala do Brasil, onze (11) bamburristas contratados, e quatro (04) operadores de
máquinas escavadeiras. O número total de bamburristas em atividade nos garimpos num determinado período
pode variar em função da ocorrência de bamburro, e da não-remoção de montoeiras, dentre outros.
ENTIDADE
(Tipo)
COOGP APROPI OPEX
MINERAÇÃO e
CONSTRUÇÃO
M. C. LTDA
TOTAL
BAMBURRISTAS
(Quantidade)
100 185
97
11 08
304
GARIMPOS
(Quantidade)
18 15 01 01
34
98
A tabela 2 serve, também, para se pensar os bamburristas de Pedro II como um
grupo fragmentado, do qual aproximadamente um terço está filiado à COOGP e os outros dois
terços trabalham para médios e grandes garimpeiros. Tal situação não é nova nem é
exclusividade dos bamburristas, podendo ser compreendida, a partir do conceito de
precarização do trabalho (ANTUNES, 2006).
Isso significa que o processo de invisibilidade social dos bamburristas pode ser
compreendido a partir das reais condições socioeconômicas, políticas e culturais nas quais
estão inseridos e das quais fazem parte, pois “o estudo e a compreensão das identidades deve
enfrentar a intransparência cultural e a atemporalidade estrutural não apenas materializadas
através dos fatores socioeconômicos, mas dimensionados simbolicamente por e em grupos
sociais” (DIEHL, 2002, p. 144).
Como evidenciado na tabela 2, as próprias conclusões objetivas de trabalho e de
filiação a entidades de representação político-trabalhista não permitem pensar o grupo de
bamburristas de opala de Pedro II como coeso, ou uníssono. Ao contrário, é diversificado,
com todas as implicações que isso pode trazer à realidade vivida por esse grupo como, por
exemplo, o fato de muitos de seus membros não se sentirem devidamente representados.
Conforme Iris Marion Young, “as pessoas, muitas vezes, reclamam que os grupos sociais dos
quais fazem parte ou com os quais têm afinidade não são devidamente representados nos
organismos influentes de discussões e tomadas de decisão (...)” (YOUNG, 2006 p. 140). No
caso dos bamburristas, tais organismos seriam a COOGP e o APL Opala.
Assim, levar em conta contradições internas entre bamburristas, permite evitar-se
o erro de vê-los como um grupo homogêneo, fugindo-se, assim, da visão da existência de uma
identidade harmônica, como se houvesse um congelamento das “relações fluidas numa
identidade unificada, o que pode[ria] recriar exclusões opressivas” (YOUNG, 2006, p. 142),
isto é, deixar-se de tratar de determinados aspectos centrais da problemática desses
garimpeiros por supô-las inexistentes ou irrelevantes sob o manto de uma pseudo-
homogeneidade.
A identidade, como se sabe, não é una. Stuart Hall tratara do descentramento
das identidades, dizendo que “as identidades modernas estão sendo ‘descentradas’, isto é,
deslocadas ou fragmentadas” (HALL, 2005, p. 8)
99
. Pensar a problemática dos bamburristas
no âmbito da modernidade, ou mais especificamente, no da chamada pós-modernidade
100
, é
99
Aspas internas no original.
100
O termo pós-modernidade é empregado, aqui, no sentido de Homi Bhabha, isto é, como processo estético-
ideológico de fragmentação cultural (BHABHA, 1998).
99
lançar novas luzes sobre a questão de sua condição social, uma vez que a atividade dos
bamburristas, artesanal, por excelência, mas fundamental na construção de suas identidades e,
por enquanto, imprescindível para o funcionamento da cadeia produtiva da opala, é
constantemente vista como um empecilho ao aumento da produção, sendo necessário, na ótica
dos policy makers do APL Opala, uma urgente adaptação desses garimpeiros ao ritmo
exigente do mercado. Assim, a problemática vivida pelos bamburristas de Pedro II inscreve-
se, por um lado, no universo mais amplo da reestruturação do mundo do trabalho e, por outro
no da precarização do trabalho, como se dá com pequenos garimpeiros brasileiros.
Vale lembrar que o número estimado de garimpeiros do Brasil varia. Para o
Governo Federal, eles são em torno de 1,5 milhão. Segundo, porém, a Organização das
Cooperativas Brasileiras - OCB
101
, esse número chegaria a 2 milhões, sendo que somente 350
mil possuem carteira assinada e têm direitos trabalhistas garantidos como férias e décimo -
terceiro salário. Trata-se, portanto, de uma grande massa trabalhadora na informalidade,
categoria profissional que somente em novembro de 2007 teve seu estatuto profissional
votado no Congresso Nacional, mas, ainda, à espera da sanção presidencial. O Projeto de Lei
7505, de 2006, que institui o estatuto do garimpeiro, contudo, nasceu gerando polêmica.
Enquanto, para algumas lideranças garimpeiras, ele representa um significativo avanço nas
conquistas da categoria, para outras prioriza apenas o processo produtivo, deixando o
garimpeiro sem ganhos reais.
Para o relator do estatuto do garimpeiro, deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP),
[o estatuto trouxe] aqui, o reconhecimento, [enquanto] fora [nas Guianas,
onde brasileiros são submetidos a trabalho semi-escravo, em garimpos], a
escravidão. De posse do estatuto da classe, aprovado pela Comissão de
Minas e Energia da Câmara dos Deputados e às vésperas de se transformar
em lei, cerca de dois milhões de garimpeiros deverão ser reconhecidos no
País. Todos poderão se filiar a associações, cooperativas e sindicatos
devidamente registrados. Cooperativas legalmente constituídas, titulares de
direitos minerários, deverão informar anualmente ao Departamento Nacional
da Produção Mineral (DNPM) anualmente, a relação dos garimpeiros
cooperados, exclusivamente para fins de registro. (OCB, 2007).
O relator, no parecer do projeto que estabelece o estatuto, afirma que a aprovação
do mesmo significa “(...) maior segurança e reconhecimento ao trabalho de garimpagem e se
configura num resgate histórico de uma figura romântica [sic] e de sua importância para a
expansão territorial do País” (OCB, 2007). A propósito, o jornalista Montezuma Cruz diz
101
Disponível em: http://www.meujornal.com.br/ocb/Jornal/materias/integra.aspx?id=24890 (2007).
100
textualmente: “O garimpeiro vai ser gente de verdade no Brasil, no entanto, ainda trabalha em
regime de escravidão na fronteira com países vizinhos” (OCB, 2007), referindo-se ao fato de,
no Brasil, os garimpeiros não serem, até então, considerados sujeitos de direito. Assim,
somente o estatuto é que os traria à existência legal. Tal visão assemelha-se ao que expressa o
garimpeiro na pesquisa:
A gente passava, era ignorado pelos outros... A pessoa [garimpeiro] não era
vista, né? E... Numa ocasião, né? A gente... Numa ocasião... Tava com três
meses sem achar nada [opala], né? E a gente era visto por essa forma,
assim,... Essa coisa, e... Os próprios comerciantes num queria nem coisa... A
gente até entrava [na quitanda], nem... Nem lhe conhecia... É aquela coisa,
né?
102
Às vezes, a idéia de invisibilidade se traduz em vocábulos desqualificadores que
tomam o coletivo (bamburristas, sobretudo) como um todo social monolítico, como deixa
transparecer esta fala: “aquela caboqueirinha, não sabe? Nos garimpos...”
103
, no emprego do
vocábulo “caboqueirinha”, uma corruptela de caboclo, usado, geralmente, com sentido
depreciativo. O próprio vocábulo caboclo, no contexto que é empregado, traz conotação
pejorativa: seria aquele que não sabe se comportar bem, que não tem modos e, por isso, deve
ser ignorado, invisível aos olhos públicos. No preconceito relativo à condição social dos
bamburristas, são todos da “caboqueirinha”, da ralé, portanto. O sufixo diminutivo apenas
acentua o traço preconceituoso da fala, herança, talvez, de um Brasil escravagista no qual a
figura do garimpeiro colocava-se à marginalidade, e as atividades garimpeiras, igualmente,
associavam-se à escravidão ou trabalho servil.
Um dos traços dessa invisibilidade evidenciou-se na pesquisa, ao se tentar
conversar, mesmo informalmente, com alguns/algumas faiscadeiro/as (ou faisqueiro/as), não
se obtendo sucesso. De fato, faisqueiro/as, fazem questão de permanecer no anonimato, pois a
catação de chibius, muitas vezes, é comparada à ação de aves de rapina, indigna, portanto de
seres humanos, ou a catadores de lixo. Presenciou-se, contudo algumas vezes, em que se
conversava com um grande garimpeiro local, abordagens feitas por algum faisqueiro àquele,
oferecendo-lhe chibius. Segundo esse garimpeiro, ele costuma comprar semanalmente uma
quantidade de gemas de tamanho reduzido (inferior a 0,5 cm
3
) de vário/as faisqueiro/as. Ele
afirma, que, atualmente, cerca de cem faisqueiro/as de gema de opala operando em Pedro
II.
102
Sr. Antonio Ferreira Neto (Marola), 45 anos, bamburrista, árbitro de futebol, funcionário da Fundação
Nacional de Saúde – FUNASA, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 06/10/2007.
103
Sra. Maria Luiza Malaquias, 73 anos, pequena comerciante de opala, professora aposentada, Pedro II.
Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 27/10/2007.
101
Os bamburristas, como dito, formam um grupo que não é monolítico, contudo,
para que haja um grupo de pessoas, é preciso haver certo grau de solidariedade entre elas, pois
“a solidariedade envolve os indivíduos prontos para sofrer em benefício de um grupo mais
amplo e sua expectativa é de que cada membro desse grupo faça o mesmo por eles”
(DOUGLAS, 1998, p.15). Para George Gaskell, “a emergência do grupo caminha lado a lado
com o desenvolvimento de uma identidade compartilhada, esse sentido de um destino comum
presente quando dizemos ‘nós’” (GASKELL, 2002, p. 75) (aspas internas no original),
sempre privilegiado numa oposição binária, hierarquizada, com relação a “eles”, (Jacques
Derrida apud Silva, 2000). Esse sentimento de que existe amizade e solidariedade entre
bamburristas de opala é percebido, por exemplo, na fala de um lapidário que, então, recém-
chegado de Minas Gerais, fez uma experiência como bamburrista em um dos garimpos de
Pedro II:
Então pra mim... Eu quando eu cheguei, eu tive uma experiência talvez de
umas duas semanas. Desde quando marcar [no garimpo] o espaço
quadrado e aprofundar, acho que foi de um metro, metro e meio. Eu disse,
“não, aqui não vai dar certo não, né?” [risos]. Mas eu vi, perto, pessoas que
acharam... Como que falam, opala de ninhada’, né? Acha um grupo de
opala. Então a gente a alegria deles. Quando são sócios, né? E o
interessante são aquela amizade que eles têm entre um e outro. Um
confiando no outro, [para] quando achar, repartir entre si, né?
104
Essa fala indica a presença de solidariedade e amizade presentes no cotidiano dos
bamburristas. Esse sentimento de solidariedade, aliás, é mencionado por vários autores
105
que
se debruçaram sobre a problemática garimpeira e o vêem como um traço constituinte da
identidade daqueles.
Tais elementos parecem indicar que o tempo de convivência física no garimpo,
incomparavelmente maior entre bamburristas do que entre médios e grandes garimpeiros,
acentua e consolida um maior grau de camaradagem, de confiança recíproca e reforça
sentimento de pertencimento. Os bamburristas encontram-se não apenas cotidianamente nos
garimpos durante a jornada de trabalho, mas também, à noite, durante a semana, sobretudo às
sextas–feiras quando, sentados na calçada da sede da COOGP, rememoram o passado
próximo e o remoto. Assim, pode-se dizer que as identidades garimpeiras fiam-se, sobretudo,
no ambiente de trabalho dos bamburristas, e as relações de trabalho são determinantes nessa
construção coletiva.
104
Sr. Wadson Alves de Bastos, 37 anos, lapidário filiado à AJOLP, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni
Getirana de Lima, em 15/10/2007.
105
Cf. Martins (1997), Couto (1954), Machado (1985), Santos (1976).
102
2.5 SOBRE ATIVIDADES GARIMPEIRAS COMO CONSTRUTORAS DE
IDENTIDADES
Em que pese o desprestígio da categoria trabalho na formação da identidade dos
trabalhadores, como observou Offe (1989), muito provavelmente essa categoria ainda goze
de prestígio no imaginário popular, como sugere Souza (2005). Como se sabe, nos estudos de
identidade, a relação indivíduo-ego serve de base para se pensar o conceito de identidade
pessoal a qual, ao relacionar-se com a identidade grupal (ou social), irá determinar um grau de
identificação do indivíduo com relação ao grupo.
A identidade social, qual um espelho, reflete o indivíduo na perspectiva de
pertencimento a certo grupo, fazendo com que aquele assimile uma lógica de ação pertinente
a este. É dessa forma que “o grupo passa a representar um meio de o indivíduo defender sua
existência e visibilidade social, garantindo a priori sua integração à comunidade” (SOUZA,
2005, p. 198). O ponto fulcral, contudo, no que diz respeito aos bamburristas é o fato de o
grupo ao qual pertencem sofrer invisibilidade social. Pergunta-se como assumir uma
identidade social se o grupo ao qual se pertence é, ele mesmo, relegado à invisibilidade
social? Ou o grupo aceita tal situação, pacifica e resignadamente, (mais improvável) e é
extinto, ou a aceita em parte, estrategicamente, e reage. No caso específico dos bamburristas
de opala de Pedro II, ao que parece, a segunda opção é a que tem predominado.
De fato, a pesquisa empírica mostrou que os bamburristas sentem-se e agem como
grupo. Durante as entrevistas, essa marca de pertencimento aparece várias vezes quando, por
exemplo, eles usam o pronome “nós”: “Lá de junto do de onde nós tinha chegado, de junto
do pé de caju, aí, tinha assim umas moitas”
106
, ou, ainda “no Boi Morto. Nós tava lá,
trabalhando, todo mundo trabalhando dentro, aí, quando [o comprador de opala] chegou,
comprou (...)”
107
. E ainda:
É, [o bamburrista] não sabe mexer [com dinheiro]. Todo dinheiro é bom.
Todo dinheiro é dinheiro. E o garimpo é bom porque se você for trabalhar de
diária, não compra uma casinha, nunquinha, nem de três mil reais. Porque
num garimpo, você pode pegar cinco mil [R$ 5.000,00], dez mil [R$
10.000,00] num dia. Já aconteceu com nós
108
.
106
Sr. Benedito Pereira, bamburrista, 65 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 20
/10/2007.
107
Sr. Benedito Pereira, bamburrista, 65 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em
20/10/2007.
108
Sr. Benedito Pereira, bamburrista, 65 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em
20/10/2007.
103
Falas como essas contrastam com outras, de outros bamburristas e, mesmo, de
certa forma, com falas anteriores do mesmo garimpeiro, na mesma entrevista. Não se
nisso, contudo, contradição e sim nuances da própria fluidez e liqüidez das identidades, uma
vez que estas coexistem, consoante Zygmunt Bauman quando diz: “a vida líqüida é uma vida
precária, vivida em condições de incerteza constante” (BAUMAN, 2007, p. 8). Não seriam,
pois, os bamburristas que estariam, imunes a essa fluidez e liqüidez. Pelo contrário, na
condição de grupo social menos prestigiado, quer dentro ou fora da Cadeia Produtiva da
Opala, ou, mesmo, no âmbito do arranjo produtivo, esses garimpeiros lançam mão de várias
estratégias em suas construções identitárias sendo que muitas são aparentemente
contraditórias se não forem vistas com lente de aumento capaz de, ao final das contas,
contribuir para a compreensão do mosaico identitário.
Nesse sentido, a pesquisa identificou duas vertentes nesse jogo de construção da
identidade garimpeira: uma que procura manter o que se poderia entender como identidades
garimpeiras tradicionais e outra que busca adequar o grupo ao novo paradigma
ambiental/mercadológico trazido pelo APL Opala, como se verá no capítulo III dessa
dissertação. A postura dos bamburristas de Pedro II busca contemplar essas duas vertentes,
tirando proveito de ambas sempre que as circunstâncias assim o permitirem, embora a
segunda vertente modernizadora seja assimilada de formas diferentes dentro do próprio grupo,
havendo maior dificuldade de identificação com ela, principalmente, pelos garimpeiros mais
velhos.
Essa aparente contradição entre afirmação/negação na identidade bamburrista
aponta para o fato de que, teoricamente, quando um grupo não corresponde às expectativas do
indivíduo, uma crise identitária. No limite dessa insatisfação, o grupo se fragmenta e os
indivíduos são levados a buscarem outros grupos (SOUZA, 2005). Mas não é o caso
específico dos bamburristas de Pedro II, no qual a permanência no grupo vai além da
necessidade do emprego, o que reforça a tese da identidade garimpeira construída a despeito
(ou mesmo em função) de todas as adversidades que esse grupo historicamente tem sofrido.
Convém lembrar ainda, que os bamburristas pedrossegundenses se incluem no
contexto tanto histórico quanto mítico de sertão com as implicações socioculturais que isso
carrega. Com efeito, os bamburristas de opala de Pedro II são, como todos os piauienses, nas
narrativas mítico-históricas, “netos dos sertanistas baianos e dos bandeirantes paulistas”
(CASTELO BRANCO 1970, p.68), o que faz lembrar que essa presença bandeirante foi
calcada não apenas na mistura de povos, mas também no extermínio de populações indígenas.
Para Moraes (2005) o ser piauiense estende-se para o ser sertanejo, e, nesse sentido, talvez
104
fosse pertinente aventar paralelismo entre a figura do garimpeiro de opala de Pedro II e a
figura do vaqueiro, ambas, oriundas do espaço físico e simbólico de sertão.
Então, como pensar a aura de herói cultural em torno da figura do vaqueiro, em
oposição a representações sociais sobre bamburristas? “Talvez pelo fato de a classe
dominante de fazendeiros não ter gerado heróis, esta precisou, para simbolizar sua hegemonia,
de um tipo econômico e socialmente subordinado” (MORAES, 2005, p. 12). Com o vaqueiro
ocupando essa função, aos garimpeiros restaria a fama de aventureiro simbolicamente
construída, a partir do fato de essa figura estar presente nos sertões, historicamente, desde os
tempos coloniais (ABREU, 1982; PRADO JR. 1980 e RIBEIRO, 1998, dentre outros). Poder-
se-ia, ainda, nessa fricção do imaginário entre vaqueiro e garimpeiro, talvez, dizer que a
produção do vaqueiro é/era algo palpável e mensurável no dia-a-dia da fazenda. o
garimpeiro, arredio, é/era visto como alguém que não produz continuamente, um dependente
da sorte, nunca visto como trabalhador, de fato. Numa sociedade como a pedrossegundense,
historicamente pautada no patrimonialismo e estratificada, de forma marcante, entre homens e
mulheres, ricos e pobres, escravos e senhores, brancos e caboclos, como lembra Falci (2002),
alguém com o perfil de garimpeiro não encontra espaço social e o ônus da invisibilidade,
inclusive no plano simbólico, põe-se como conseqüência.
Todavia, embora a figura social dos bamburristas de opala pareça um tanto
ambígua, por transitar, pelo menos em tese, entre a pobreza e a riqueza, identifica-se tanto
como garimpeiro quanto como lavrador; alguém para quem a atividade garimpeira é dura,
sofrida, penosa, mas também é uma cachaça, um vício e, por isso mesmo é prazerosa. Por se
identificar nesse grupo social uma gama considerável de sensações, percepções, e lembranças,
por vezes, aparentemente contraditórias, sub-reptícias, escamoteadoras, evasivas, enfim, é que
o dizer desse sujeito coletivo aqui identificado como bamburristas de opala de Pedro II,
constrói de suas identidades, ganhando substância e concretude, pois
(...) no campo do imaginário social, interessam significados, trilhas e
ambigüidades, de modo a que a própria representação identitária presente
nas imagens é, em si, um ato ficcional, não querendo dizer com isso que se
tratam de declarações fictícias sem poder de avaliação da realidade. Com
efeito, é um processo de invenção social e de imaginação criadora que
produz signos com poder de instituição social (...). (MORAES, 2005, p. 7).
Nas falas dos bamburristas, não há, apenas, propriamente, uma negação taxativa
do ser garimpeiro. Há, sim, o reconhecimento da discriminação sofrida, logo, o
reconhecimento de um grau de invisibilidade social, e a tentativa de compreender e explicar
essa discriminação: “Eu não vou dizer, como o Caixão [apelido de um garimpeiro] diz, que o
105
garimpeiro não vale nada. Não, o garimpeiro vale. Agora, que o crédito dele é pouco. Por
que ele tá trabalhando num serviço de risco, né?”
109
.
O não reconhecimento dos bamburristas pelos demais grupos que disputam a
história local da opala ou a memória social da opala em Pedro II, parece ter sua origem no
fato de aquele grupo “ter pouco crédito”, como diz o Sr. Benedito, isto é, ter pouco poder
simbólico, de acordo com Bourdieu (1998). Quando o Sr. Benedito atribui o pouco crédito
dos bamburristas ao risco a que estão submetidos, como se isso fosse uma das razões
explicativas de seu desprestígio pelos demais grupos, isso implica, necessariamente, na noção
de precarização do trabalho como um fator a ser levado em conta para o entendimento mais
completo da identidade e memória social desse grupo. Contudo, nesse ponto é importante
relembrar que se, historicamente, o processo de invisibilidade sofrido pelos bamburristas teve,
em linhas gerais, a feição, um novo componente negativo vem-se somar a um elenco
historicamente constituído: a eleição dos bamburristas como vilões ambientais, nos termos de
Barbosa (1991). Sobretudo parece ser como vilões que a imagem dos bamburristas tem
chegado às novas gerações e não poderia ser diferente já que não há um discurso pró-
garimpeiro capaz de contrapor-se ao discurso hegemônico que assim o retrata.
A propósito, um estudo referente a dados do Instituto Brasileiro de Mineração -
IBRAM, construídos mediante um questionário elaborado por técnicos do Centro de
Tecnologia Mineral CETEM, a partir de um inquérito sobre a percepção que a sociedade
tem dessa atividade extrativa, e distribuído em feiras e eventos sobre mineração, aponta,
dentre outras coisas, para o fato de que a população, no geral, desconhece a importância da
mineração, havendo um vazio de conhecimento sobre o que ocorre entre as atividades
extrativas e o uso dos minerais delas extraídos (CASTRO, 2005). Dessa forma, observa-se
desconhecimento, por parte da população, das cadeias produtivas do setor mineral. O referido
estudo sinaliza para o fato de que há imagens, veiculadas pela mídia, relativas à mineração e à
garimpagem como, por exemplo, a contaminação mercurial de cursos de água, de forte
impacto que
permanecem na memória (...). É certo, também, que nem todas as empresas
de mineração agem com a responsabilidade que deveriam agir, nem para
com a sociedade, nem para com o meio ambiente, o que ajuda e muito a
afirmar a imagem negativa que ela tem. E também é certo que, mesmo
empresas social e ambientalmente responsáveis, continuam fechadas, não
informando ao público sobre suas operações. Isso tem levado, nos últimos
109
Sr. Benedito Pereira, 65, bamburrista, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em
20/10/2007.
106
anos, a um aumento enorme de organizações antimineração, com tanta força,
que impediram a implantação de novos e grandes empreendimentos minerais
em diversas partes do mundo (CASTRO, 2005, p. 525).
De fato, a normatização das atividades mineradoras e garimpeiras
110
vem
ocorrendo ao longo dos últimos anos, em grande parte, devido à pressão do movimento
ambientalista internacional e nacional. A imagem de vilão ambiental atribuída aos
garimpeiros e a desinformação por parte das empresas acerca das atividades mineradoras e
garimpeiras apenas reforçam a imagem negativa do garimpeiro e do garimpo.
Na temática das identidades dos garimpeiros, que se ressaltar que os
bamburristas vivenciam um sentimento de pertencimento que
é a crença subjetiva numa origem comum que une distintos indivíduos. Os
indivíduos pensam em si mesmos como membros de uma coletividade na
qual símbolos expressam valores, medos e aspirações (...) [e] podem ser
reconhecidos na forma como um grupo desenvolve sua atividade de
produção, manutenção e aprofundamento das diferenças, cujo significado é
dado por eles próprios em suas relações sociais (AMARAL, 2006, p.1).
Esse sentimento atrela, pois, o grupo a um lugar e, ao mesmo tempo, nutre a
sensação de que esse lugar pertence ao grupo. Como sujeito coletivo, como grupo social
concreto, portador de vontades e desejos, de um querer ser e estar no mundo, os bamburristas,
situados no tempo e no espaço, constroem suas identidades ancorados na memória social do
que é ser garimpeiro.
(...) a memória é uma construção. Ela não nos conduz a reconstituir o
passado, mas sim a reconstruí-lo com base nas questões que nos fazemos,
que faremos a ele, questões que nos dizem mais de nós mesmos, de nossa
perspectiva presente, que do frescor dos acontecimentos passados
(GONDAR, 2005, p. 18).
Esse sentimento de pertencimento disseminado entre os bamburristas se expressa,
inclusive, em um texto de natureza xenófoba intitulado “Relatório”, que circulou durante a
disputa pela direção da COOGP na eleição ocorrida em 2005. O texto, distribuído por um ex-
bamburrista, então, médio garimpeiro, fazia pesadas críticas a um minerador estrangeiro que,
à época, disputava, na justiça, uma área de garimpo com um grupo de bamburristas. Isso
aponta para a necessidade de se tratar do espaço como um fator de extremo significado para
as práticas garimpeiras; quer como espaço sócio-histórico e geográfico do município de Pedro
110
Tema a ser tratado no próximo sub-item.
107
II, quer como espaço mais restrito do garimpo de opala. Tratar de questões relativas às
identidades e memória dos bamburristas de opala passa, pois, necessariamente, pela dimensão
espacial, pois o garimpo é o espaço onde as primeiras manifestações identitárias são
manifestadas e fortalecidas.
Dessa forma, o espaço do garimpo, como referido, constitui elemento
indispensável para a compreensão da complexa realidade dos garimpeiros. Por isso, vale
retomar a idéia de garimpo como espaço socioeconômico, político e simbólico, pois
do espaço o se pode dizer que seja um produto como qualquer outro, uma
coisa ou uma coleção de coisas, uma mercadoria ou um conjunto de
mercadorias. Não se pode dizer que seja simplesmente um instrumento, o
mais importante de todos os instrumentos, o pressuposto de toda produção e
de todo o intercâmbio. Estaria essencialmente vinculado com a reprodução
das relações (sociais) de produção (LEFREBVRE, apud CASTRO, 1995, pp.
25-26). (Parênteses internos no original).
E mais uma vez, recorrendo a Milton Santos, convém lembrar que o espaço
humano, em qualquer época da presença do homem no tempo histórico, é “um resultado da
produção” (SANTOS, 1986, p. 161). Assim, “a produção, pois, supõe uma intermediação
entre o homem e a natureza, através das técnicas e dos instrumentos de trabalho inventados
para o exercício desse intermédio” (SANTOS, 1986, p. 162).
Segundo Castro (1995), espaço é algo absoluto que deve ser pensado em sua
totalidade, com existência própria. Se, como referido, trata-se dos conceitos desenvolvidos
por Friedrich Ratzel sobre espaço, aqui se quer registrar que historiograficamente, a matriz
ratizeliana do conceito de espaço (e por extensão, do de território e territorialidade) está presa
também a uma historiografia mais tradicional por ela mesma fundada, ao passo que os estudos
mais recentes dão conta de uma presença maciça da história cultural, segundo a qual as
análises estão centradas na representação, na mentalidade e na dimensão simbólica.
O conceito de espaço, portanto, traz pontos em aberto e polêmicos. Espaço, mais
do que “um instrumento político, [é] um campo de ações de um indivíduo ou grupo, ligado ao
processo de reprodução da força de trabalho através do consumo” (CASTRO, 1995, p. 25).
Nessa ótica, espaço é o lugar onde se reproduzem as relações sociais de produção, isto é,
“reprodução da sociedade”, práticas humanas que estabelecem conceitos diferentes de espaço,
como tendo, este, papel fundamental “para a constituição e o devir da sociedade” (CASTRO,
1995, pp. 24 e 26). Assim, “uma sociedade se torna concreta através de seu espaço, do
espaço que ela produz e, por outro lado, o espaço é inteligível através da sociedade”
108
(CASTRO, 1995, p. 26). O espaço do garimpo, além de, materialmente, fazer parte da vida
dos bamburristas, dos garimpeiros, simbolicamente constitui elemento de suas identidades e
memória coletiva, e é parte, também, de um espaço maior na sociedade pedrossegundense.
Inclusive, da “tradição inventada”, (HOBSBAWN e RANGER, 1984), pois, afinal, Pedro II é
a Terra da Opala, em que o garimpo se realiza como espaço identitário, a partir da atividade
de extração da opala, ali, levada a cabo.
Para mim, a pedra de opala é um meio de sobrevivência pra todas as pessoas
que são dependentes do ramo da opala. O cara que dentro [no garimpo]
é [trecho inaudito] e nós que fazemos a montagem da jóia pra outras pessoas
que cobra da gente, e que... De outras pessoas que cobra da gente, também, e
ainda sobrevive disso, porque... E ainda de outras pessoas né? Porque a
gente ainda vende em escala, e... É isso que eu acho.
111
Para o senhor José de Ribamar Andrade, tudo se inicia com os garimpeiros, dentro
do garimpo. É a partir da ação dos garimpeiros que a cadeia produtiva da opala tem início,
com todo o resto dependendo do seu trabalho. A associação lógico-morfológica imediata que
se faz parece ser “garimpo/garimpeiros” e não, necessariamente, “garimpo/opala”. Isto é,
relacionam-se “garimpeiros” com o seu espaço de ação imediato (o garimpo) e não
propriamente com o produto ali encontrado (a opala). No espaço do garimpo, homens e gemas
podem, eventualmente, encontrar-se no bamburro, este, um momento inesquecível. Ao sair do
espaço do garimpo, porém, a tendência, por força das circunstâncias de penúria, é que
bamburristas e gemas sejam apartados.
As gemas em estado bruto (in natura) aparecem aos olhos dos garimpeiros de
modo diverso do que se apresentam para lapidários, já a imaginando, estes, como lapidada. Os
lapidários, ao contrário, não aceitam uma gema ao natural, como foi retirada do solo. Eles
sempre a concebem, em termos valorativos, como gema lapidada, apartada não apenas dos
garimpeiros e do garimpo, mas da parte que não se aproveita, isto é do cascalho do qual a
própria gema se formou. Dessa forma, a fala do Sr. José de Ribamar Andrade evoca a imagem
do garimpeiro não refletindo, de fato, um pensar sobre o garimpeiro, mas sobre a opala. Se
para lapidários apenas a parte boa da gema interessa, para garimpeiros o próprio cascalho é
valioso como índice (PEIRCE, 1972), isto é, como indicador de que, em aparecendo o
cascalho, a gema propriamente dita pode estar por perto.
Não é propósito, dessa dissertação, adentrar ao que viria a ser uma estética da
opala, mas apenas enfatizar que a maneira com que os bamburristas se relacionam com essa
111
Sr. José de Ribamar Andrade de Oliveira, 40 anos, joalheiro, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana
de Lima, em 15/10/2007.
109
gema parece ser bem mais rica (simbolicamente) do que normalmente se crê. A gema de
opala, ao ser encontrada na escuridão do “barreiro” pode significar (se bem que raramente) a
redenção econômica, durante algum tempo, dos bamburristas que a encontraram, e, nesse
sentido, não resta dúvida de que a gema é tratada como uma mercadoria, isto é, “um bem
móvel destinado ao comércio” (ARAÚJO, 2006. p. 5). No entanto, um valor simbólico
atribuído à gema, e ao garimpo de opala, pelos bamburristas, que ultrapassa os conceitos
correntes de mercadoria e do garimpo como espaço econômico, apenas.
Olha, quando a gente uma pedra lapidada é uma jóia, né? Linda! A gente
imagina assim: a luta, né? O trabalho que o garimpeiro teve para encontrar
aquela pedra que quando ela é encontrada, ela é bonita, é linda quando
encontra. Mas quando é lapidada a gente vê a beleza que é aquela pedra. E a
gente imagina o trabalho que deu, a luta que o garimpeiro teve para trazer
aqui para a... As lapidações, né? Para o... Turista, o visitante, ver e comprar
e... Uma pedra muito linda, depois de lapidada.
112
Assim, a partir do ponto em que o espaço do garimpo começa a sofrer ingerências
externas também no plano simbólico, parece que os bamburristas começam a sentir algumas
perturbações de suas marcas identitárias tradicionais, e a reagir a essas ingerências, de alguma
forma, sobretudo porque os garimpeiros são submetidos à lógica homogeneizadora “(...) que
inclui uma métrica regular e monótona de contagem tanto do espaço como do tempo, e à
eficiência da técnica que elimina certas especificidades do meio” (CASTRO, 1995, p. 32).
Assim, o olhar dos garimpeiros para com a gema de opala, carregado de significação daquilo
que o torna um garimpeiro, vai perdendo espaço, tornando-se dispensável no âmbito do
mercado. Outros olhares, agora, capturam a gema, dando-lhe novos significados muitos dos
quais diversos dos garimpeiros, e que irão determinar, dentre outros itens, sua nova forma e
função totalmente apartadas do olhar dos garimpeiros. É o que se pode pensar como
alienação, no sentido de Marx (1983).
Uma vez apartada dos garimpeiros, as gemas de opala seguem novos caminhos,
na lógica do mercado de gemas, disputando espaço no mundo das mercadorias. Não é à toa,
pois, que um dos obstáculos a serem superados, de acordo com o PDP é: “determinar a
quantidade e qualidade das opalas passíveis de serem utilizadas pelas lapidações e
ourivesarias locais” (PLANO..., 2007, p. 3). E um dos desafios a serem alcançados: “as gemas
comercializadas e utilizadas em Pedro II devem ter um certificado de autenticidade e de
112
Sr. Antonio Sepúlveda Almendra Sobrinho, 39 anos, presidente da COOGP à época da pesquisa, Pedro II.
Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 25/09/2007.
110
origem, que deverão ser itens obrigatórios nas garantias dos produtos elaborados como
também nas propagandas das gemas da região” (PLANO..., 2007, p. 6).
Segundo Santos (1986), novas práticas sociais geram novos espaços vividos,
portadores de novos atributos. Garimpeiros, porém, parecem não se adaptar com facilidade
aos novos espaços sociais que emergem no mundo da opala, diferentemente dos lapidários (e,
em menor medida, dos joalheiros) que os habitam com desenvoltura por necessitarem desses
espaços para vender seus produtos, e agregar valor (expressão-chave do mercado) às gemas.
Com efeito, garimpeiros são incluídos marginal e simbolicamente nesses espaços, e os são, ao
que parece, pelo requinte que a maioria desses espaços exibe, tidos como “espaços elegantes”,
“espaços de gente de posse”, “chiques”, “de cerimônia” (que, por essa acepção, tem o sentido
de vergonha), na linguagem dos bamburristas, onde não guardam qualquer relação, de fato
com as gemas que agora transitam sob posse de outrem. Então, apartados da gema que
encontram no garimpo, não resta aos garimpeiros nada a fazer em tais espaços.
Assim, referências ao garimpo são constantes nas falas dos garimpeiros, com uma
forte carga semântica que remete à rudeza do trabalho, ali, realizado.
O garimpo é um serviço pesado e o sol é muito quente, você sabe... É o
garimpo que você mexe mais com ele no verão. E que tem poeira, tem sol
quente, tem o peso. Porque só mexe com pá, picareta, [a]lavanca, chibanca e
peneira, carregando balde de terra, essas coisas. (...). Mas enquanto vida eu
tiver eu cavo pedra. Ah, Eu sou doido por pedra! É bom demais!
113
Outras vezes, o garimpo é retratado como lugar amistoso, acolhedor, conhecido.
Lugar de lembranças:
Aí, que quando veio... , Aí, foi o garimpo, quando foi pra... Recomeçar outra
vez, veio os tratores, né? [Pausa longa], aí, já... Eu não, não fui mais
trabalhar, no garimpo. Aí, nós fiquemos sem, sem trabalhar nesse tempo,
aí, fui trabalhar de roça. [Pausa longa] Trabalhar na lavoura, aí... E aí...
Nessa época, que os trator vieram, foi mais com ele [Dr.Nilson Lacerda]
não. Depois que [pausadamente] que esse cabra do trator veio, [o tratorista]
morreu também aqui no garimpo, né?
114
Corroborando a idéia do garimpo como espaço de vivências, lembra Cornélia
Eckert, quando trata da história de uma comunidade de mineiros, em função da mina de
carvão onde seus habitantes trabalhavam:
113
Sr. Benedito Pereira, 65, bamburrista, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em:
20/10/2007.
114
Sr. Antonio Rodrigues (Sitõe), 63 anos, bamburrista há 48 anos, pedreiro e trabalhador rural, Pedro II.
Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 02/10/2007.
111
Fotografia 4: Bamburrista preparando-se para
deixar o garimpo.
Fonte: Lima (2008)
Fotografia 5: Bamburrista em atividade no
garimpo.
Fonte: Socorro do Vale/AJOLP (2005)
Foi com a garantia do trabalho que eles encontraram na vila a estabilidade
desejada, suporte espacial e afetivo para o ‘repouso’ da memória e do grupo,
elementar para poder reordenar o tempo vivido e encontrar sob as
transformações a duração do grupo de identidade [...] (ECKERT, 1993, p.
40). (Destaque no original).
Convém lembrar que os bamburristas são os primeiros a, literalmente, tocarem as
gemas de opala. E esse ato está impregnado de significado, pois, segundo Hannah Arendt, “os
homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles entram em contato torna-se
imediatamente uma condição de sua existência” (ARENDT, 1995, p. 17). No espaço dos
bamburristas, a simbiose entre homens e solo se inclusive, de forma sensorial. Os corpos
dos garimpeiros assimilam a rotina de movimentos, sons, odores e sensações táteis ali
existentes. Seus olhos captam as formações geomórficas do garimpo e analisam-nas segundo
a textura, a cor, a tonalidade, a espessura das camadas que se mostram no corte longitudinal
desnudado por seus instrumentos de trabalho, dentro de uma lógica segundo a qual a prática
tem mais peso do que o estudo (a teoria).
112
Nesse sentido, os bamburristas vêem o geólogo, no garimpo, com certo desdém,
como já notara Martins (2007).
a gente se acostuma, aprende [a interpretar o garimpo]. Porque muito
geólogo... Ele... Ele estuda, mas... Mas não tem a prática que nós tem não,
êh!!! O estudo é um e a prática é completamente diferente. A prática, lá,
onde ela tá, é que é o negócio. Lá é que eu quero saber se o cabra é bom! O
cabra olha, assim, um morro desse, diz assim: “não, naquela fita, naquela
fita”. A Terra é toda cheia de capa. É toda cheia de capa. Tem capa que é de
sete [7 cm], tem capa que é de vinte [20 cm], só de vinte, como é... Tem capa
que é só de dez [10 cm], de cinco [5 cm], tem delas até de um [1] centímetro.
Até de um centímetro de grossura você fez o teste, de cada um material
daquele ali é uma coisa, dentro do garimpo é uma indicação. É uma
Fotografia 6: Bamburrista peneirando chibiu.
Fonte: Lima (2008)
Fotografia 7: Bamburristas durante descanso no garimpo.
Fonte: Lima (2008)
113
indicação. Se você não souber, perdido. Mesmo na pedra, que tem opala,
por cima, logo de... O que Deus faz, faz bem feito! Deus o tino à
pessoa: tem o cascalho, tem essa pedra que nós tamos mostrando pra você
aqui... Dá o sentido logo. Aqui, é em riba da pedra.
115
A fala do senhor Benedito, ao descrever como decifra os sinais do ambiente de
trabalho, constitui-se em parte de um habitus (BOURDIEU, 2001) incorporado. Cioccari
(2004) também descreve, com base nas falas de garimpeiros, que a mina é tida por eles como
“um mundo à parte” (CIOCARRI, 2004, p.125). Embora essa autora se refira a uma mina
especificamente subterrânea
116
, muita similaridade entre os temas de conversas entre os
mineiros por ela estudados e os bamburristas de opala, aqui, referidos.
2.6 DO LUGAR DOS BAMBURRISTAS NA SOCIEDADE PEDROSSEGUNDENSE
Não é tarefa fácil definir-se o que é uma sociedade, pois “uma sociedade não é
uma coisa muito palpável, é um conceito muito flexível e difícil de ser concebido
concretamente (...)” (DECA, 2002, p.8). Em um contexto social, “a identidade de um grupo
social forma-se normalmente por sinais externos e por um conjunto de símbolos e valores a
partir dos quais se opera uma identificação” (DECA, 2002, p. 8). A partir dessa idéia de
grupo, o que se conhece por sociedade pedrossegundense, expressa-se em grande medida, no
dizer-se “sou de Pedro II, a terra da opala”, manifestação (misto de racionalidade e de
emocionalidade) mais imediata dessa identidade e que, no sentido de Hall (2005), constitui-se
como discurso. Nesse discurso, que as classes dirigentes pretendem linear, natural (na
verdade, naturalizado), a opala emerge como símbolo, estrela de primeira grandeza a fazer
brilhar alguns e a ofuscar outros, estes, os que a extraem das entranhas da terra. Melhor
dizendo, o discurso hegemônico de linearidade identitária com base na opala, tende a ofuscar
os bamburristas, reservando-lhes um lugar pré-estabelecido, de subordinação.
No nosso sistema, tão fortemente marcado pelo trabalho escravo, as relações
entre patrões e empregados ficaram definitivamente confundidas. Pois numa
sociedade que Gilberto Freyre chamava de patriarcal e escravocrata, o patrão
sendo dono do trabalhador é muito mais que um explorador do trabalho.
Ele é também o representante exclusivo do trabalhador no plano social,
político e moral (DA MATTA, 2003, p. 17).
115
Sr. Benedito Pereira, 65 anos, bamburrista, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em
20/10/2207.
116
Trata-se da mina de carvão localizada em Minas do Leão, RS.
114
Assim, na sociedade pedrossegundense, a subordinação dos bamburristas se
traduz como um hiato social, econômico, e cultural, aqui, visto como invisibilidade social.
Nesse contexto, é compreensível que esta sociedade hierarquizada defina os garimpeiros com
base em suas (deles, garimpeiros) práticas: extração da gema de opala. As práticas
garimpeiras referidas, engendram uma memória garimpeira, como possibilidade “do
enraizamento dinâmico” (MORAES, 2005, p. 6) frente a novos tempos, desafiadores,
ambíguos e instigantes.
Essa ambigüidade só pode ser captada por quem se aproxima e apreende os
sentidos construídos pelos próprios sujeitos e relaciona-se ao meio natural onde vivem os
bamburristas, em que a “circularidade inverno/verão [delimita] tempos, modos e gestos de um
povo (...)” (MORAES, 2005, p. 11). De fato, essa circularidade marca tempos e atividades
desse grupo: no “inverno”
117
dedicam-se à agricultura de aprovisionamento; no “verão”, ao
garimpo.
Vale lembrar que a sociedade pedrossegundense, a exemplo de todas as demais
estudadas, não é harmônica, ao contrário do que pressupõe seu mito de origem fundado no
elemento português, artífice dessa sociedade, que obscurece o elemento indígena. Esse mito
fundacional reproduz em seu microcosmo o do país, da região Nordeste e dos demais
municípios piauienses encerrando tensões, conflitos, descasos, ódios, ressentimentos e
coações como as querelas da política paroquial feita a ferro e fogo sob o jugo dos coronéis,
num passado mais distante, ou como os embates entre forças políticas menos e mais
conservadoras, dos últimos tempos.
Assim, no cipoal de forças políticas dos diversos grupos sociais de que a
sociedade pedrossegundense é constituída, a gema de opala surge como mercadoria cerca
de sessenta anos, e rapidamente é apropriada por sujeitos de uma classe dominante local, em
grande medida, composta por latifundiários com livre trânsito no comércio e na política
locais. Em poucas décadas, a opala, galga o topo da economia de Pedro II, mas, ao contrário
dos demais produtos como a cera de carnaúba, o couro de boi, o algodão, o milho, o feijão, a
mandioca, sobressai como produto de exportação, atraindo mineradores nacionais e
estrangeiros, alguns vindo, inclusive, a residir em Pedro II.
Os bamburristas, como referido, constituem-se, na maioria, de pequenos
agricultores que, para o ficarem desempregados durante a estação seca do ano, tornam-se
117
Por inverno, compreendem-se, na linguagem local os meses chuvosos (dezembro a março) e, por verão, os
meses de estio (abril a novembro).
115
garimpeiros para contribuir com o orçamento doméstico, anteriormente mantido basicamente
pela mulher que exercia as atividades de empregada doméstica, lavadeira e/ou engomadeira
em “casas de família” como se diz localmente. A mesma mulher que sempre tinha uma rede
de linho ou de três panos no tear, quando Pedro II era conhecido como a “Terra da rede”,
entre as décadas de 1940 a 1980. Não é à toa que a bandeira do município, como símbolo
pátrio, contém o desenho de uma rede (dada à importância econômica e simbólica que essa
atividade alcançou em Pedro II), uma carnaubeira e uma gema de opala. Três categorias
profissionais igualmente invibilizadas: as redeiras (hoje substituídas em grande parte pela
mecanização das atividades dessa cadeia produtiva), os coletores de cera de carnaúba (hoje,
quase extintos) e os bamburristas, estes socialmente invizibiliados.
A exemplo das redeiras e dos coletores de cera de carnaúba, assim como de outras
categorias profissionais que, historicamente, sofreram e continuam sofrendo de invisibilidade
pública, os bamburristas, por um lado, emparedam-se com essas demais categorias
profissionais nesse tipo de invisibilidade; por outro, ultrapassam-nas, contudo, muito
provavelmente, devido, entre outras coisas, à enorme margem de ganho tanto do ponto de
vista econômico, quanto simbólico, que a extração de opala tem gerado para categorias
dominantes locais, diretamente proporcional à precarização do trabalho desenvolvido pelos
bamburristas. A invisibilidade social dos bamburristas, portanto, é socialmente construída em
uma sociedade fortemente hierarquizada cujos resquícios do sistema coronelista estão
entranhados em seu tecido social, produzindo um discurso ufanista que exime os bamburistas
da participação efetiva no processo de produção da opala e tem-se um processo de
fetichização, pelo qual a opala é, logo, alienada do sujeito que a insere no mundo da cultura.
Uma vez que os bamburristas de opala, como grupo social, não são vistos pelos demais
grupos como sujeito dialógico, resta o apelo ufanista de ser a “Terra da Opala”.
Como visto no primeiro capítulo dessa dissertação, uma tese de que os
garimpeiros frente à nova lógica de desenvolvimento nacional “não possuem qualquer
legitimidade ou identidade positiva” (BARBOSA, 1991, p. 229). Entrevistas realizadas para
essa dissertação apontam para o que essa autora diz.
Meu pai já... Foi garimpeiro por cerca de trinta [30] anos aproximadamente
(...) mas eu nunca me tornei garimpeiro. Eu nunca tive esse interesse. (...)
Mas o trabalho do garimpo, aqui, é muito relacionado com a sorte. É muito
desorganizado... A maioria dos... Dos garimpeiros são pessoas com o nível
de instrução mínimo, ? E eles estão garimpando opala por... Praticamente
por falta de outra opção. Durante o inverno, eles são lavradores e, durante o
verão, o garimpeiro, né? Porque, aqui, a gente pode ver alguns deles que
conseguiram emprego de vigia, de zelador, alguma coisa assim, eles optaram
sempre por um emprego [em vez do garimpo]. É claro que por falta de
116
opção. Agora, é também é... É... Esse trabalho que eles realizam lá no
garimpo, é... É... Também na esperança de mudar de vida, de a qualquer
momento encontrar uma, uma, uma opala de... De... Grande valor.
118
O presidente da AJOLP
119
, em primeiro lugar, não se identificou com a profissão
de bamburrista exercida pelo pai, por quase trinta anos. Associa a atividade dos garimpeiros à
sorte, os garimpeiros como pessoas sem instrução, desprovidas, pois, de educação formal
e, por isso não têm opção de trabalho e que aqueles que tiveram a chance de conseguir
outros empregos (vigia, zelador) optaram por essa nova atividade. Não é o que a pesquisa
pôde apurar. De fato, garimpeiros têm outras ocupações, mas continuam garimpando, caso
que não é exceção, como o exemplo do Sr. Antonio Ferreira Neto (Marola) árbitro da Liga de
futebol de Pedro II, e funcionário da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA.
Pode-se explicar esse fenômeno da seguinte maneira: os bamburristas conseguem
trabalho que lhes garantam uma quantia fixa em dinheiro e, ao mesmo tempo, ficam
“futurando”, como dizem, isto é, garimpando na esperança de encontrarem uma gema de
opala, cuja venda lhes renda uma boa quantia em dinheiro. Ao mesmo tempo, o ex-presidente
da AJOLP reconhece que os garimpeiros realizam um trabalho “lá no garimpo” isto é, os
garimpeiros realizam um trabalho que é visto como longínquo, exterior, periférico. Trata-se
de um espaço do garimpeiro ao qual ele deve restringir-se. Isso porque, provavelmente, o
espaço do mercado de opala caberia, na opinião do ex-presidente da AJOLP, apenas aos
joalheiros e lapidários. Em outras palavras, o discurso do ex-presidente da AJOLP parece
querer manter os bamburristas no que seria considerado seu lugar devido. Observam-se,
então, resquícios de um discurso autoritário, no sentido de Orlandi (1999).
O garimpo, então, seria o primeiro espaço da opala, os demais seriam os espaços
do mercado (da ourivesaria, da lapidação, das casas de jóia), além do espaço do poder
decisório dos técnicos e das autoridades governamentais. Os bamburristas estão ausentes ou
em extrema desvantagem em todos esses outros espaços.
Com efeito, os bamburristas não participam ativamente como sujeitos desses
outros espaços da opala, exceto o espaço do garimpo (agora, vigiado por técnicos). Se, como
parece, eles são alijados e não se fazem ouvir nesses outros espaços sociais, sua invisibilidade
118
Sr. Juscelino Araújo, 37 anos, lapidário, presidente da AJOLP à época da pesquisa, Pedro II. Entrevista
concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 15/10/2007.
119
A AJOLP elegeu, em julho de 2008, nova diretoria. A atual presidente, com mandato de dois anos (2008 -
2010) é a senhora Áurea Amélia de Andrade, esposa do ex-presidente.
117
não se deve ao acaso. Trata-se, na verdade de uma invisibilidade institucionalizada que,
paradoxalmente, encontra guarida, inclusive, nas entrelinhas do próprio Estatuto do
Garimpeiro
120
, que, como se disse, está mais voltado para a problemática da produção e do
comércio, do que para a problemática dos sujeitos sociais garimpeiros.
O rastro dessa invisibilidade social (e política) foi captado por Lívia Barbosa que
aponta para o fato de que os garimpeiros são representados socialmente como vilões da
sociedade brasileira contemporânea, pois suas práticas de trabalho vão de encontro ao ideal de
progresso nacional adotado desde os anos 1950 pelos sucessivos governos federais.
(BARBOSA, 1991).
2.7 DA NORMATIZAÇÃO DAS ATIVIDADES GARIMPEIRAS
Não é de admirar que somente em dezembro de 2007, após anos de tramitação no
congresso nacional, o Estatuto do Garimpeiro (Lei 7505/2004) tenha sido votado e, agora,
encontra-se à espera da sanção presidencial. Antes disso, um dos poucos marcos legais que
vigoravam norteando as atividades mineradoras e garimpeiras era o Código de Mineração,
Decreto Lei 000.227-1967, sancionado durante o governo Castelo Branco. De acordo com
esse código em seu Art. 70, Cap. VI, Da Garimpagem, Faiscação e Cata:
I- Considera-se garimpagem, o trabalho individual de quem utilize
instrumentos rudimentares, aparelhos manuais ou máquinas simples e
portáteis, na extração de pedras preciosas, semi-preciosas e minerais
metálicos ou não metálicos, valiosos, em depósitos de eluvião ou aluvião,
nos álveos de cursos d’água ou nas margens reservadas, bem como nos
depósitos secundários ou chapadas (grupiaras), vertentes e altos de morros;
depósitos esses genericamente denominados garimpos. II - Faiscação, o
trabalho individual de quem utilize instrumentos rudimentares, aparelhos
manuais ou máquinas simples e portáteis, na extração de metais nobres
nativos em depósitos de aluvião, fluviais ou marinhos, depósitos esses
genericamente denominados faisqueiros; e, III - Cata, o trabalho individual
de quem faça por processos equiparáveis aos de garimpagem e faiscagem e
faiscação, na parte decomposta dos afloramentos dos vilões e veeiros, a
extração de substâncias minerais úteis, sem o emprego de explosivo as apure
por processos rudimentares.
no Art. 71 do mesmo documento é dito que ao trabalhador que extrai
substâncias minerais úteis, por processo rudimentar e individual de mineração, garimpagem,
120
Tema a ser tratado ainda neste capítulo.
118
faiscação ou cata, denomina-se genericamente, garimpeiro. A garimpagem, a faiscação e a
cata são descritas no Art. 72 do Código, respectivamente, como: “I - pela forma rudimentar de
mineração; II - pela natureza dos depósitos trabalhados; e, III - pelo caráter individual do
trabalho, sempre por conta própria”.
Vale considerar que, embora o Art. 4
0
do Estatuto estabeleça como modalidades
de trabalho: I - autônomo; II- em regime de economia familiar; III - individual, com formação
de relação de emprego; IV - mediante Contrato de Parceria, mediante Instrumento Particular
registrado em cartório; e V- em cooperativa ou outra forma de associativismo; aos
bamburristas de Pedro II não resta opção a não ser o cooperativismo, uma vez que as demais
modalidades de trabalho, devido a altos custos financeiros que acarretam, dentre outros
fatores, estariam, na prática, fora do alcance daqueles. Dessa forma, a COOGP, na tentativa
de conseguir o maior número possível de bamburristas filiados, espalhou a falsa notícia de
que a filiação destes à entidade é obrigatória, estabelecendo o prazo-limite de um (1) ano, a
partir de abril de 2008. Instala-se o dilema: ou os bamburristas se filiam à COOGP e, assim,
teriam melhores condições de disputar com os demais sujeitos da cadeia produtiva e do
arranjo produtivo ou tendem a ter seus interesses sobrepostos pelos dos médios e grandes
garimpeiros (como, de fato, já o são).
Sabe-se, porém, que o desamparo legal, em termos previdenciários, dos
garimpeiros, é gritante. Nesse sentido, há muita cobrança acumulada, ao longo de décadas, em
relação a um dispositivo legal que fosse capaz de sanar uma série de injustiças sociais à
categoria de mineradores, sobretudo, à de pequenos garimpeiros, por serem, estes, o elo mais
fraco da corrente. Assim, o Estatuto do Garimpeiro gerou muita expectativa. As opiniões
acerca do Estatuto, contudo, são divergentes. os que o vêem como um avanço e os que
nele vêem um retrocesso.
Para o presidente dos garimpeiros de Serra Pelada, no Estado do Pará, Raimundo
Benigno, o estatuto representa
(...) uma alforria para a categoria que 500 anos produz riqueza no país e
ainda não é reconhecida como entidade. (...). [Dessa forma o estatuto é] uma
inclusão social, porque esse estatuto delimita direitos e deveres da categoria.
Nós seremos incluídos na sociedade, com nossos direitos de lavrar e
comercializar nosso produto para o consumidor final. Veja quantas
apreensões de ouro e diamantes com garimpeiros que não têm origem. Agora
sim, nós vamos ter uma origem, vamos ter uma categoria formalizada.
121
121
Disponível em: http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/12/01/materia.2007-12-01.7699455812/view
(2007).
119
Da mesma opinião é o deputado Paulo Rocha (PT-PA) ao dizer que
vários requisitos estão colocados ali [no estatuto], desde a regularização da
profissão [de garimpeiro], o desenvolvimento sustentável, o meio
ambiente
122
até direitos conquistados por outros trabalhadores que antes [os
garimpeiros] não tinham, como direitos trabalhistas [e] seguridade social
123
Mas quem discorde disso. As conseqüências negativas dessa lei são apontadas
por especialistas e estudiosos da questão garimpeira.
A Lei 7805/89 instituiu o regime de permissão de lavra e eliminou o
registro de matrícula dos garimpeiros. Garimpeiro é todo trabalhador que
presta serviço de extração mineral em cooperativas de garimpeiros ou que
produz independentemente substâncias minerais” (TEIXEIRA, 2004, p.1)
(Grifos do autor da dissertação).
A eliminação do registro de matrícula dos garimpeiros, na prática, significa uma
profunda intervenção do Estado no modo de ser desses homens, instituindo a figura do
associativismo, sobretudo através do sistema de cooperativa, como referido. Trata-se de
uma intervenção que atinge suas identidades naquilo que elas têm de mais estrutural que é a
forma como os garimpeiros se relacionam no cotidiano do garimpo. No entanto, várias
reportagens têm mostrado a situação de penúria em que a maioria das cooperativas de
garimpeiro se encontra, país afora. A maioria delas não passa de uma pequena sala onde se
marcam consultas médicas para garimpeiros doentes, cuja inadimplência chega a quarenta por
cento (40%), segundo a Associação Brasileira de Cooperativas - ABC.
Desta forma, a questão da regulamentação das atividades garimpeiras ganha o
debate público parlamentar. Para o deputado federal Ernandes Amorim (PTB-RO)
124
122
De fato, a temática ambiental não pode ser desconsiderada no âmbito das atividades mineradoras e das
atividades garimpeiras, pois, como se sabe, ambas são provocadoras de forte impacto ambiental, mesmo quando
a legislação ambiental é respeitada. Sabe-se também que as atividades mineradoras e as atividades garimpeiras
mexem com interesses econômicos poderosos, muitas vezes travestidos de um discurso pseudo-ambiental,
visando, tão somente, à aprovação de projetos extrativos. No entremeio dessa querela, o discurso institucional
parece oscilar ora em um sentido, ora em outro, isto é, ajuda a aprovar dispositivos legais, como o Estatuto do
Garimpeiro, que enquadram os garimpeiros, como categoria social, nos moldes do mercado; e, outras vezes,
desenvolve um discurso ambientalista com elementos alegóricos para agradar a organismos ambientais nacionais
e internacionais. Tal estratégia governamental, às vezes, é também imitada por entidades mineradoras e
entidades garimpeiras, ao sabor dos interesses de momento, como durante a fase de aprovação de projetos de
interesse dessas entidades. Nesse sentido, o Projeto de Lei 7505, de 2006, que institui o Estatuto do
Garimpeiro, adota tanto elementos do discurso ambiental como do discurso do mercado. Com efeito, o
garimpeiro torna-se, no presente, o “vilão paradigmático dos problemas ambientais” (BARBOSA, 1991, p. 235).
123
Disponível em www.meujornal.com.br/ocb/jornal/materia/integra.aspx?id=28643(2007).
124
Segundo reportagem intitulada “Amorim apela em defesa de 600 mil trabalhadores na clandestinidade”, de 28
de setembro de 2007. www.ariquemesonline.com.br/noticia.php?mostra=noticiacompleta&id=aab90947f3
(2007).
120
esse ‘estatuto’ a nosso juízo, nada tem a ver com o garimpeiro, ele trata
exclusivamente da atividade comercial da garimpagem. Estou preparando
um substitutivo, pois ele não atende os anseios da classe, os verdadeiros
garimpeiros não aceitam esse projeto, ele é ruim, é um Frankstein, que nos
assusta e nos causa perplexidade, pela insensibilidade e descaso com o
trabalhador (...). Quero chamar a atenção dos trabalhadores brasileiros da
garimpagem, dos meus colegas da Comissão de Minas e Energia e, em
especial, do ilustre deputado Arnaldo Jardim. Onde está o homem nesse
projeto de lei? Ele é simplesmente ignorado, o artigo 11 diz: ‘fica assegurado
o registro de garimpagem nas carteiras expedidas pelas cooperativas de
garimpeiros’. O que não significa absolutamente nada em termos de direito e
segurança do trabalhador. (Aspas internas no original)
Com efeito, o Estatuto ao privilegiar, sobremaneira, uma abordagem ambientalista
desvia o foco do homem garimpeiro, tratado como algo a ser catalogado, normatizado,
enquadrado, enfim. Isso conduz a sérios desvirtuamentos que dizem respeito à relação
homem-natureza, já observados pelo eminente geógrafo Aziz Ab’Sáber em um outro contexto
mais amplo, mas que se aplicaria perfeitamente à problemática garimpeira aqui tratada. Diz
esse autor em uma reportagem
125
intitulada ‘Triste lembrança’ que “quando se pensa em
previsão de impactos, analisam-se apenas aspectos físicos, biológicos, ecológicos. Mas
esquecem-se os impactos sociais”.
Ora, a Lei nº 7805/89 traz mudanças consideráveis para a vida de pessoas e
famílias diretamente ligadas às práticas garimpeiras, interferindo diretamente na percepção do
espaço do garimpo como locus de construção identitária dos garimpeiros, a partir do instante
em que o garimpo começa a ser planificado, visando tanto à adaptação deste, às novas
determinações ambientais
126
e ao aumento da produtividade, como à adaptabilidade dos
garimpeiros, como trabalhadores especializados, ao mercado. Nunca é demais repetir que com
esse tratamento o estatuto choca-se com a índole garimpeira avessa a normatizações.
No caso específico do município de Pedro II, as lógicas ambientalistas e de
mercado que norteiam o Estatuto do Garimpeiro estão reproduzidas no documento “Plano de
Desenvolvimento da Opala: Região de Pedro II-PI - PDO” divulgado em março de 2007 pelas
entidades com compõem o APL Opala. O plano foi elaborado “com base nas informações
colhidas junto a profissionais, técnicos e empresários na implementação das ações do Projeto
Cooperativo em Rede do Arranjo Produtivo de Opala na Região de Pedro II e posterior
125
Disponível em www.reporterbrasil.org.br (2007).
126
“Entretanto, todos os esforços garimpeiros para se tornarem ambientalmente menos predatórios não
encontram eco nos círculos ambientalistas, levando a comunidade garimpeira a atestar que o meio ambiente não
conhece o garimpo. Quer apenas usá-lo como bode expiatório da questão ambiental no Brasil” (BARBOSA,
1991, p. 233).
121
inserção da região de Buriti dos Montes (...)” (PLANO..., 2005, p. 3). Em linhas gerais,
embora o documento aparentemente contemple ações a serem desenvolvidas nos garimpos
127
,
de fato, não vêm ocorrendo a contento, como se observa nas falas dos bamburristas. Essa
questão será retomada no último capítulo quando, então, se tratará de forma mais aprofundada
do Arranjo Produtivo Local da Opala.
Os garimpeiros parecem assimilar a presença de técnicos e especialistas (a quem
chamam de “eles”, “os doutores”, “os homens”, “o pessoal do deenipêeme [DNPM]”, “o
pessoal do créa [CREA]”, nos garimpos, mas, por outro lado, vêem essa intervenção no
sentido de se sentirem sob o olhar de um outro que aparece no garimpo para observar, medir,
dizer como deve ser feito este ou aquele desbaste de cascalho. Não se trata apenas de uma
invasão da privacidade do garimpo como espaço social. Esses “outros” dão novos nomes
(científicos) às camadas do solo, aos tipos de rocha, a técnicas ancestrais desenvolvidas pelos
bamburristas, os quais, porém, parecem aceitar o fato de entidades/órgãos intervirem no
garimpo porque, assim, mantêm suas atividades garimpeiras dentro da legalidade. O garimpo,
então, é também um espaço institucional gerido a partir da ótica da lei, que, por sua vez, é de
conhecimento e domínio do outro, do letrado, do assessor.
Porque muito geólogo... Ele... Ele estuda, mas... Mas não tem a prática que
nós tem não, êh!!! O estudo é um e a prática é completamente diferente. A
prática, lá, onde ela tá, é que é o negócio
128
.
Mesmo garimpeiros que fazem parte da diretoria da COOGP manifestam certo
grau de insatisfação com a interferência desses órgãos que gerem o APL Opala: “Ê, rapaz,
gente rica é sabido. Gente rica é sabido. Nunca... Enrola o pobre de todo jeito. Pobre não tem.
Tem que esperar, né?
129
. Assim, emergem questões relativas à legitimidade da política que
cria o APL Opala
130
. Por seu turno, a experiência dolorosa da última intervenção da força
federal nos garimpos deixou marcas profundas na memória dos garimpeiros, de forma que
eles preferem trabalhar sob certas circunstâncias, por vezes incômodas, do que não terem
127
Dentre outras, “identificar a capacidade de produção de cada jazida, determinar a quantidade e qualidade das
opalas passíveis de serem utilizadas pelas lapidações e ourivesarias locais, levantamento sobre a possibilidade de
garimpagem no subsolo abaixo do entulho na Mina do Boi Morto, ainda não explorado, local que os garimpeiros
acreditam ter opalas de tamanho e qualidade extra, garimpo e várias de rejeitos com pequenas possibilidades de
garimpagem de peças maiores e mais volumosas” (PLANO..., 2005, p. 5).
128
Sr. Benedito Pereira, 65 anos, bamburrista, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em
20/10/2207.
129
Sr. Benedito Pereira, bamburrista, 65 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 20
/10/2007.
130
Tema que será tratado no capítulo III dessa dissertação.
122
trabalho algum, como confirma um recém-emancipado médio garimpeiro, que durante anos
foi bamburrista:
A vantagem [do APL] que tem é que a... A... Conseguiram depois da
cooperativa [de garimpeiros], conseguiram umas áreas pros garimpeiros
trabalhar, né? É... Antes era complicado. O deenipeeme [DNPM] vinha, até a
Polícia Federal veio. No tempo época], eu era presidente de uma
associação, lá, no [garimpo] Boi Morto e aconteceu [que], a polícia militar
veio duas vezes e fechou lá o garimpo
131
Os bamburristas, estrategicamente, parecem aceitar as normas do DNPM bem
como a intervenção das demais entidades do APL Opala em vez de correrem o risco de haver
uma nova intervenção da Polícia Federal, como ressaltam em conversas informais. Se a
interferência externa é, hoje, inerente ao funcionamento dos próprios garimpos, pois que ao
menos essa interferência se de tal forma que as atividades garimpeiras não sejam
paralisadas como já o foram algumas vezes, no passado.
Nesse contexto, no garimpo Boi Morto, atuam, lado a lado, dois grupos
diferenciados de garimpeiros: o primeiro deles localiza-se na área de montoeira, com cerca de
onze (11) barreiros localizados em uma área de quatro (4) hectares, na qual trabalham trinta
(30) garimpeiros filiados à COOGP, numa média de três (3) garimpeiros bamburristas por
barreiro; o segundo com cerca de quinze (15) garimpeiros, trabalha para a mineradora OPEX
Opala do LTDA, cujo sócio majoritário é um senhor australiano conhecido como Dag
Johnson. Dessa forma, a região do Boi Morto comporta a um tempo, do ponto de vista da
legislação mineral, uma mina e um garimpo.
Enquanto a mina, ao que parece, funciona dentro dos padrões de segurança e
higiene necessários, a região do garimpo encontra-se em situação precária de funcionamento
(Figura 8), apesar do investimento que os policy makers do APL Opala afirmam ter feito até o
momento, de cerca de um milhão e meio de reais (R$ 1.500.000,00), e que se resume à
terraplanagem de uma pequena área e à construção de vias de escoamento de água precárias.
Ali, os bamburristas não dispõem, sequer, de banheiro, e a única forma de fugirem ao sol
causticante é colocarem-se debaixo de uma palhoça, de cerca de oito por seis
metros quadrado
(8 X 6 m
2
), onde se encontram duas mesas e dois bancos igualmente toscos. Os bamburristas
usam as mesas como suporte para suas marmitas de comida e garrafas, com água para beber, e
para sacolas onde guardam seus pertences (Figura 9).
131
Sr. José Nunes Lopes (Riba do Peixe), 40 anos, médio garimpeiro e comerciante, Pedro II. Entrevista
concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 26/09/2007.
123
Fotografia 8: Aspecto do Garimpo Boi Morto
Fonte: Lima (2008).
Fotografia 9: Palhoça onde bamburristas fazem as refeições e descansam, no Garimpo Boi Morto,
Pedro II-PI.
Fonte: Lima (2008).
124
Segundo informação do Sr. Raimundo Costa Santos, 47 anos, bamburrista encarregado
da supervisão do garimpo Boi Morto, ali se podem encontrar até cinco gramas de opala por
semana, o que renderia o valor de cerca de um salário mínimo/mês (baseado no salário
mínimo vigente em agosto de 2007, no valor de quatrocentos e vinte reais (R$ 420,00) para
cada garimpeiro. Na prática, porém, o rendimento médio, mensal, dos bamburristas é de
apenas cento e sessenta reais (R$ 160,00) segundo informações dos próprios, que alegam
passar por grandes períodos sem acharem opala. Pode acontecer que, devido a
desmoronamentos de barreiros, os bamburristas tenham que usar todo o seu período de
trabalho no garimpo para remover o cascalho sem receberem pagamento por este serviço. Tal
situação, porém, vem mudando, desde que o CREA assumiu o monitoramento das atividades
garimpeiras, reduzindo as chances de ocorrência de grandes desmoronamentos. No entanto,
quando ocorrem desmoronamentos, em que os trabalhos dos bamburristas, na montoeira, são
paralisados para que se remova o excesso de cascalho, ainda perdura a situação de trabalho
sem remuneração.
No Garimpo “Boi Morto”, porém uma placa próxima à palhoça que traduz o
espírito do APL:
Ao visitante: Seja bem-vindo. Política de qualidade COOGP [Cooperativa
dos Garimpeiros de Pedro II]: atender nossos clientes satisfazendo suas
necessidades e expectativas, buscar a melhoria contínua através de
investimentos em produtos e serviços com tecnologia e qualidade,
desenvolver entre as pessoas a criatividade e o trabalho em equipe e
estabelecer parcerias.
Estranhamente, a placa não faz menção direta aos garimpeiros. uma ênfase no
mercado pela qual se pode deduzir que na visão propugnada pelo APL as expectativas dos
clientes se restringem à opala como mercadoria, isto é, “bem móvel destinado ao comércio”
(CASTRO, 2006, p.5). Aliás,
em tempos de neoliberalismo, o processo de fetichização da mercadoria se
intensifica. Trata-se do mercado, que é colocado acima de todos e de tudo. É
a mais clara “adoração” e culto ao mercado, que vai se impondo e
impregnando todos os espaços da vida social. Tudo é justificado pelos
neoliberais do mercado (DRUCK, 2000, p. 11) (destaque no original).
Portanto, os bamburristas estão invisibilizados em seu próprio ambiente de
trabalho, por um discurso que visa a ressaltar a opala em detrimento daqueles que iniciam a
cadeia produtiva, no processo de fetichização (MARX, 1970) da opala, demarcado na
125
engenhosidade mercadológica do neoliberalismo. Com discursos ufanista, exógeno, e
fetichista, conforme se viu neste capítulo, é que se cristaliza, pela linguagem, a opala, em
Pedro II, ao mesmo tempo em que o bamburrista é simbolicamente eclipsado na cadeia
produtiva da opala.
126
CAPÍTULO III
GARIMPANDO A RELAÇÃO ENTRE SUJEITOS SOCIAIS E POLÍTICAS
PÚBLICAS: BAMBURRISTAS DE PEDRO II NO ÂMBITO DO APL OPALA
Para falar dos bamburristas de opala de Pedro II, no âmbito do APL Opala, neste
capítulo, centra-se, no primeiro momento, em aspectos conceituais sobre políticas públicas no
setor mineral do Brasil, e sobre Arranjos Produtivos Locais APLs, afunilando para o APL
Opala em suas práticas norteadoras e relações de parceria, delineando as correlações de forças
internas. Em seguida, diz-se como os bamburristas são vistos e se vêem no âmbito desse
arranjo produtivo. Assim, abordam-se questões relativas à construção e reconstrução da
identidade garimpeira no bojo da cadeia produtiva, no processo da institucionalização do APL
Opala. Nessa discussão destacam-se temas relativos a desenho e legitimidade das políticas
públicas para pensar o caso específico de Pedro II, no que se refere ao APL Opala, na forma
pela qual essa política repercute na realidade dos bamburristas.
3.1 POLÍTICAS PÚBLICAS NO SETOR MINERAL, NO BRASIL
Segundo Maria das Graças Rua, as sociedades modernas, em função da
diversidade de objetos e de atributos diferenciados, são marcadas de forma profunda pelo
conflito. Este, por sua vez, precisa ser mantido sob certos limites aceitáveis. Para que isso de
fato ocorra, apenas duas alternativas são possíveis: a coerção pura e simples e a política. A
política, portanto, “consiste no conjunto de procedimentos formais e informais que expressam
relações de poder e que se destinam à solução pacífica dos conflitos quanto a bens públicos”
(RUA, 1998 p. 231). Dessa forma, as políticas públicas “compreendem o conjunto das
decisões e ações relativas à alocação imperativa de valores (...). Uma política pública
geralmente envolve mais do que uma decisão e requer diversas ações estrategicamente
selecionadas para implementar as decisões tomadas” (RUA, 1998 p. 231) De uma maneira
mais ampla,
127
toda política pública é uma forma de regulação ou intervenção na sociedade.
Articula diferentes sujeitos, que apresentam interesses e expectativas
diversas. Constitui um conjunto de ações ou omissões do Estado decorrente
de decisões e não decisões, constituída por um jogo de interesses, tendo
como limites e condicionamentos os processos econômicos, políticos e
sociais. Isso significa que uma política pública se estrutura, se organiza e se
concretiza a partir de interesses sociais organizados em torno de recursos que
também são produzidos socialmente. Seu desenvolvimento se expressa por
momentos articulados e, muitas vezes, concomitantemente e
interdependentes, que comportam seqüências de ações e forma de respostas,
mais ou menos institucionalizadas, a situações consideradas problemáticas,
materializadas mediante programas, projetos e serviços. Ainda, toda política
pública é um mecanismo de mudança social, orientada para promover o
bem-estar de segmentos sociais, principalmente os mais destituídos, devendo
ser um mecanismo de distribuição de renda e de eqüidade social. Vista como
mecanismo que contém contradições, contrapõe-se à percepção da política
pública como mero recurso de legitimação política ou de uma intervenção
estatal subordinada tão somente à lógica da acumulação capitalista (SILVA,
2005, p. 37).
No caso aqui tratado, isto é as políticas públicas do setor mineral que norteiam o
APL Opala, é possível observar-se um policy cycle (RUA, 1998) que vai de 2005 a 2007
que pode ser tomado pelos policy makers (RUA, 1998) como parâmetro para a
implementação da segunda fase do APL Opala, pensada para o período 2007 2009, o que
permite, também ter-se uma idéia de como funciona a policy network (RUA, 1998) e em
especial no caso de arranjos produtivos na conformação dessa política. Como observa Klaus
Frey, para que um tema se torne de tal forma relevante a ponto de fazer parte da policy arena
ele precisa sair da condição de inquietação e transformar-se em um problema social.
Como referido no capítulo I, desta dissertação, de um modo geral, os
acontecimentos mais recentes envolvendo as políticas públicas do setor mineral brasileiro
remontam ao ano de 1975, quando passou a vigorar a Portaria 281, de 28 de agosto, daquele
ano, em função da assim chamada primeira crise do petróleo, ocorrida em 1973. Essa portaria
procurou sanar as dificuldades advindas do tratamento tributário ao setor de mineração.
Dentre as medidas ali adotadas citam-se: a dedução (até 1984), de até 90% (noventa por
cento) por pessoas físicas; anistia fiscal, redução do IPI de 18% (dezoito por cento) para 5%
(cinco por cento) dos artigos de joalheria, bijuteria e metais folheados, e a redução para 0%
(zero por cento) de IPI da pedra lapidada (IBGM, 2005), e novamente um retrocesso: a
tributação do Imposto Comercial sobre Mercadoria - ICM volta ao patamar de 1974, que era
de 190,7 % e as gemas passam a ser tributáveis em todas as etapas do processo (IBGM,
2005).
128
Em agosto de 1998, foi implantada a primeira etapa do PSI de Apoio às
Exportações de Gemas e Metais Preciosos com o objetivo de conscientizar, treinar, capacitar
pessoal e, assim, adequar os produtos além de promover a pesquisa e realizar eventos
promocionais no Brasil e no exterior. Em 1999, o número de empresas que aderiram ao
programa superou as expectativas de 150 (cento e cinqüenta) empresas, como previsto. Eram
213 (duzentas e treze) empresas que passaram a atuar num mercado com diversos segmentos:
high end jewelley (jóias de grifes), low end jewelley (jóias mais baratas) e faixa intermediária,
com preço mais relevante, mas com design e qualidade (IBGM, 2005).
Os números do setor mineral resultantes de políticas governamentais
implementadas entre os anos de 1975 e 1984, e que, segundo o IBGM, significaram um
melhor desempenho daquele setor, devem ser vistos como componentes de um quadro
econômico de extrema instabilidade, com fortes restrições do Governo Federal
à importação de matérias primas devido aos problemas no balanço de
pagamentos. Entre elas, um depósito compulsório de 100% sobre as
importações, com 360 dias de prazo para restituição, sobre o valor FOB dos
produtos importados, o qual provocou grande diferença cambial entre as
cotações de mercado e as oficiais. O ágio entre o mercado paralelo e o oficial
atingiu 262% em 1976, estimulando o descaminho e dificultando as
exportações oficiais (IBGM, 2005, p. 15).
A constituição de 1988 extinguiu o Imposto Único sobre Minerais - IUM que
incidia sobre o ouro e gemas, com alíquota de 1% (um por cento) em todo o território
nacional, e o substituiu pelo Imposto Comercial sobre Mercadorias e Serviços - ICMS, cujas
alíquotas médias são de 18% (dezoito por cento) para operações no próprio estado e 12%
(doze por cento) ou 7% (sete por cento) para operações interestaduais, dependendo do destino.
Isso dificultou a regularização das pedras preciosas e das gemas em sua origem, (IBGM,
2005). Assim, “essa sucessão de desacertos das políticas governamentais dificultou a
expansão das exportações do setor por duas décadas. As políticas adotadas, contudo,
favoreceram, como ainda favorecem, a exportação de matérias-primas e penalizam as
manufaturas, que agregam valor e emprego” (IBGM, 2005, p.17). Com efeito, a carga
tributária do setor de gemas e metais preciosos no Brasil é muito alta se comparada com a de
outros países (Figura 8).
132
132
Na verdade, essa tributação não se restringe ao setor de jóias, mas a vários outros da economia do país. No
que diz àquele, a situação do mercado de ias, a tributação permanece praticamente inalterada desde 2005,
segundo o IBGM.
129
Figura 06: Gráfico da carga tributária do setor de gemas e metais preciosos, no mundo.
Fonte: IBGM, 2005.
Pelo menos desde as décadas de 1960/1970, o Brasil vem, quase sempre,
perdendo oportunidades sinalizadas por condições favoráveis, isto é, pelos ciclos de
crescimento e prosperidade em termos do mercado de mineração (e nesse caso específico de
jóias e gemas) internacional, o que reforça os gargalos acumulados pelo setor. Os gargalos
detectados no, assim chamado, segundo elo da cadeia produtiva de gemas e jóias, a indústria
de lapidação, são constantemente trazidos ao primeiro plano de discussão pelos sujeitos que
compõem este elo, pelo fato de ser formado por um grupo com maior capital simbólico, nos
termos de Bourdieu (1988). Por seu turno, o primeiro elo dessa cadeia, representado pelo
segmento de extração/mineração (inclusive os serviços utilizados na extração da matéria-
prima) ocupam a região de penumbra dessa discussão, marcadamente delineada pela crescente
influência do discurso ambientalista.
Nesse sentido, as políticas públicas ainda trazem um ranço de autoritarismo que,
em larga medida, as impede de chegar a quem de direito. Não se pode perder de vista, como
acentua Eduardo Fagnani, a situação do país no contexto mundial, sob pena de perder-se o
senso crítico acerca das políticas públicas em vigor. Com isso está-se querendo dizer que o
caso dos bamburristas de Pedro II é apenas um exemplo entre muitos outros grupos sociais
num contexto socioeconômico e cultural de países como o Brasil.
130
A especificidade da nossa situação de subdesenvolvimento impõe enorme
distância entre o Brasil e os países industrializados, de capitalismo maduro,
nos quais a maioria da população está integrada e possui renda para acessar
diretamente no mercado bens e serviços sociais de que necessita. Nestes
países, um contingente populacional relativamente menos expressivo é
considerado pobre e encontra-se à margem do mercado. Este quadro
contrapõe-se ao do Brasil, onde a realidade é radicalmente oposta: a imensa
maioria da população não tem condições de comprar com seu próprio salário
e/ou renda, bens e serviços sociais no mercado. Parcela expressiva de
pessoas está impedida de pagar um plano privado de saúde, por exemplo, ou
de arcar com os custos financeiros de um programa habitacional regido
exclusivamente pelas leis do mercado (FAGNANI, 2001, pp. 119-120).
Essa condição socioeconômica referida pode ser constatada nos indicadores de
concentração brutal da renda, na forte heterogeneidade social e regional e, provavelmente, o
mais cruel de todos, no desenraizamento de que é vítima a população pobre, sendo que as
“formas precárias de inserção no mercado de trabalho, como os baixos salários, o
desemprego, os empregos temporários, a alta rotatividade, a assustadora e crescente
informalização etc” (FAGNANI, 2001, p. 120) são as partes mais visíveis do estado de
precarização que assola a classe trabalhadora brasileira. Um aspecto a ser considerado na
análise deste autor é o de chamar atenção para o fato de que a distinção entre política
econômica e política social é meramente formal e que, assim, “determinada política
econômica pode ter maior ou menor conteúdo formal. Uma política econômica com conteúdo
social contempla instrumentos que compatibilizam positivamente o desenvolvimento
econômico e o social” (FAGNANI, 2001, p. 121).
Nessa direção, o APL Opala tem de promover essa compatibilização. A
propósito, os bamburristas têm consciência da precariedade de sua atividade. Muitas vezes
isso é motivo de piadas e brincadeiras dentro do garimpo, como referido por Barbosa (1991);
geralmente, porém, a consciência da tragicidade da profissão que exercem está presente nas
falas:
Ele [bamburrista] trabalhando num serviço de risco: ele pode achar, mas
pode não achar. O cara quando vai se fornecer no comércio, ele
[comerciante] diz assim: -Rapaz, você trabalha de que é? Você é
aposentado?”, “-Sou não”. “-Você é empregado?” “-Sou não”. “-Trabalha de
que?” “-Trabalho no garimpo”. “-E você acha pedra toda semana, ou todos
os mês?” Às vezes, tem uns que vai mentir, diz que acha. Mas nem adiante,
ele não vai achar nem todos os mês, nem toda semana, não. ele diz: “-
Acho!” ele vai trabalhar, e o cara [comerciante] na expectativa que ele
[bamburrista] vai achar. trabalha um mês, dois, três aí ele não acha nada.
Aí, o comerciante manda procurar ele. Aí, ele [bamburrista] diz: “-Rapaz, eu
ainda não achei nada, mas vou lhe pagar, mas na hora que eu achar [opala],
131
vou lhe pagar”. E o cara: “-Não, você falou que toda semana achava, pra eu
mesmo”. Aí, acocha ele, aí, ele [bamburrista] arruma o dinheiro daqui
d’acolá, e paga. E ele cisma do garimpo, né? Ele cisma por que ele não
arrumando com que pague os custo dele, né? Aí ele cisma. Agora, como eu e
outros mais, é porque tem de onde vim [o dinheiro]
133
.
A questão é que, mesmo no nível local, o APL Opala não conseguiu responder,
até o momento, às principais reivindicações, como se verá no item 3.4 deste capítulo, oriundas
dos bamburristas. Ao passo que com relação aos empresários garimpeiros , lapidários e
joalheiros, ambas as interfaces vêm-se harmonizando a olhos vistos. Convém lembrar que os
grandes lapidários e joalheiros possuem capital simbólico (BOURDIEU, 1998) tanto no nível
local quanto no global, constituindo-se numa nova elite econômica local.
Os policy makers do APL Opala, sobretudo o Sebrae –PI, têm oferecido cursos
aos bamburristas, assim como aos lapidários e joalheiros. Mas nesses cursos, segundo os
bamburristas dentre outras coisas, há dificuldade na assimilação dos objetivos propugnados
pelo arranjo produtivo, assim como diferentes graus de confiança na atuação da COOGP.
Algumas temáticas tratadas por esses cursos, tais como segurança no trabalho,
meio ambiente, melhores condições de higiene, requerem investimentos, além de suscitarem
reivindicações das quais boa parte não é atendida. Há, ainda a questão da credibilidade que o
sistema legal pode possuir ou não perante os trabalhadores. No caso dos bamburristas, como
referido, existe uma desconfiança histórica por parte desses sujeitos em relação ao sistema
legal, alimentada pelo não cumprimento de metas (tabela 5) de seu interesse. De fato,
no nível de resultados e impacto, a habilidade das pessoas de usar o sistema
legal e de tirar proveito dele depende, por sua vez, de como o sistema legal
funciona naquele contexto se determinados grupos são discriminados, se
apoios e disponibilidade de recursos para os queixosos etc (ROCHE,
2002, p. 42).
Assim, se são ensinadas técnicas de proteção a acidentes no trabalho, na prática os
bamburristas não dispõem de ferramentas, adereços como capacete e roupas adequadas a uma
situação de segurança. Mesmo que as tivessem, os mais velhos, como se observou, sentem-se
desconfortáveis com tais apetrechos, devido ao hábito de não havê-los usado até então.
Esta parece ser, a situação de garimpeiros no país, incluindo-se, aí, a dos
bamburristas de opala de Pedro II. “O pequeno garimpeiro dificilmente guarda dinheiro, pois
133
Sr. Benedito Pereira, 65 anos, bamburrista, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em
20/10/2007.
132
gasta tudo com comida, bebida ou jogo. Porém, os intermediários que compram sua produção
precisam de bancos para proteger seu lucro”
134
.
3.2 SOBRE ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS – APLS
Durante o século XX, ganha força a idéia de que desenvolvimento não é fruto do
clima, da raça, da posição geográfica ou de crenças religiosas, mas da capacidade de
previsibilidade de tendências futuras. Com base nesse ideário, nas últimas três décadas, países
como Estados Unidos, Irlanda e China, dentre outros, desenvolveram políticas públicas
direcionadas para o “desenvolvimento produtivo dos circuitos de distribuição” (BARBOZA,
2004, p. 12). O Brasil, segundo esse autor, a partir de 2004, com a implementação do Plano
Plurianual - PPA, 2004-2007, elege a política industrial como uma das estratégias de
desenvolvimento. Foi “no interior da política industrial mais ampla, [que] o PPA [incluiu] o
desenvolvimento de Arranjos Produtivos Locais (APLs) como uma das estratégias de política
industrial” (BARBOZA, p. 12, 2004). Em que pesem as discrepâncias conceituais,
arranjos produtivos locais (local production systems) constituem um tipo
particular de cluster, formado por pequenas e médias empresas, agrupadas
em torno de uma profissão ou de um negócio, onde se enfatiza o papel
desempenhado pelos relacionamentos-formais e informais - entre empresas e
demais instituições envolvidas. As firmas compartilham uma cultura comum
e interagem, como um grupo, com o ambiente sociocultural local. Essas
instituições, de natureza cooperativa e/ou competitiva, estendem-se além do
relacionamento comercial e tendem a gerar, afora os ganhos de escala,
economias externas, associadas à comercialização do conhecimento e à
redução dos custos de transação. (...) as unidades produtivas podem ter
atividades participantes – empresas produtoras de bens e serviços, centros de
pesquisa, centros de capacitação e treinamento e unidades de pesquisa e
desenvolvimento, públicos e privados (CAPORALI, 2004, pp. 130 – 131).
A literatura sobre Arranjos Produtivos Locais o é consensual sobre o conceito
de arranjo produtivo. Este é comumente descrito como se fora distrito industrial, tomando-se
como ponto em comum o fato de que ambos são formados por pequenas empresas
(CAPORALI, 2004). Não resta dúvida de que o modelo econômico de Arranjos Produtivos
Locais tornou-se, nas últimas três décadas, um dos mais articulados junto a pequenos
134
Cf. A triste herança, (SAKO, 2001).Disponível em:
http://www.reporterbrasil.org.br/imprimir.php?id=19&escravo=0. Acesso: 20/12/2007.
http://www.reporterbrasil.org.br/imprimir.php?id=19&escravo=0. Acesso: 20/12/2007.
133
empreendedores em todas as regiões do Brasil (Figura 7). Em termos conceituais, segundo o
Instituto Euvaldo Lodi do Paraná - IELPR,
Arranjo Produtivo Local – APL é o termo que se usa para definir uma
aglomeração de empresas com a mesma especialização produtiva e que se
localiza em um mesmo espaço geográfico. Os APLs mantêm vínculos de
articulação, interação, cooperação e aprendizagem entre si, contando
também com apoio de instituições de articulações locais como Governo,
associações empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa. Os
APLs têm um papel fundamental no desenvolvimento econômico, social e
tecnológico de uma região, beneficiando todas as empresas e engajando
comunidades locais, centros de tecnologia e pesquisa, instituições de ensino
e entidades públicas ou privadas. Tudo isso possibilita a geração de maior
competência às empresas, maior competitividade e inserção em novos
mercados, inclusive externos. As empresas instaladas em APLs exercem o
aprendizado coletivo, a troca de informações, a eficiência coletiva e o
aumento da competitividade (IELPR, 2007, p.3) (Grifo no original).
135
O regimento interno da Rede Brasileira de Informação de Arranjos Produtivos
Locais de Base Mineral - Rede APL mineral, lançada e instalada em 9 de novembro de 2004,
em Belo Horizonte MG, durante o I Simpósio de Tecnologia para APLs de Base Mineral,
em seu capítulo I, Art. 4º, diz:
Arranjos Produtivos Locais (APLs) são conjuntos significativos de agentes
econômicos, políticos e sociais, localizados em um mesmo território,
desenvolvendo atividades econômicas correlatas e que apresentam vínculos
expressivos de produção, interação, cooperação e aprendizagem (REDE...,
2007, p. 3).
Ainda no mesmo regimento, capítulo I, Art. 5º, os Arranjos Produtivos Locais de
Base Mineral são definidos como “conjuntos significativos de empreendimentos e de
indivíduos em um mesmo território, atuando em torno de uma cadeia produtiva que tenha
como base a atividade extrativa e de transformação mineral” (REDE..., 2007, p. 3).
Os APLs, porém, têm suas origens, e servem a propósitos, bem mais complexos
do que os apontados acima. Para serem devidamente compreendidos em sua envergadura,
devem ser vistos como uma nova exigência do mercado a pequenos produtores, no presente
estágio do capitalismo mundial, frente à globalização. São, pois, estratégias de expansão do
capital ou daquilo que Octavio Ianni diz ser mais um reflexo da globalização, isto é, a
expansão “dos mercados, da industrialização, da urbanização e da ocidentalização,
135
Disponível em: www.ielor.org.br/FreeComponent1575content6082.shtml (2007).
134
envolvendo nações e nacionalidades, culturas e civilizações” (IANNI, 2003, p. 29). O mesmo
autor, em outro lugar, caracteriza esse processo de globalização do capitalismo associando-o
ao binômio “regional/local”. Para ele, portanto,
a globalização do capitalismo está sendo acompanhada da forma de vários
sistemas econômicos regionais, nos quais as economias nacionais são
integradas em todos mais amplos, criando-se assim condições diferentes para
a organização e o desenvolvimento das atividades produtivas. Em lugar de
ser um obstáculo à globalização, a regionalização recria a nação, de modo a
conformá-la à dinâmica da economia transnacional (IANNI, 1999, p. 101).
Figura 7: Mapa dos municípios com aglomerados de APLs, Brasil.
Fonte: Sebrae, 2007.
Não é propósito neste trabalho, discutir os meandros da globalização, muito
menos as malhas de expansão do capitalismo, tampouco teorizar sobre APLs, pura e
simplesmente. Trata-se, antes, de se procurar olhar mais detidamente para a problemática dos
bamburristas de opala de Pedro II como categoria profissional menos privilegiada da cadeia
produtiva da opala, no âmbito do sistema capitalista, o qual provavelmente, encontra-se em
N
135
uma de suas maiores ondas expansionistas. Olhar para esta situação, implica apreender a
configuração do APL mineral e, a partir daí, tentar compreender como tal configuração muitas
vezes estranha a esses bamburristas, em diversos momentos, de fato, entra em choque com o
modo garimpeiro tradicional de ser, de pensar e de agir.
Interessa, portanto, saber como o APL Opala os percebe e incorpora. Pelo menos
até onde se consegue perceber, para eles, bamburristas, a sua posição na cadeia produtiva da
opala se lhes apresenta em última instância, sob a forma de precarização do trabalho, de uma
posição subalterna no mercado de opala. De fato, “a regulamentação do mercado é uma
regulamentação competitiva, não tem nada de solidária e se orienta para atuar num mercado
solvável, quer dizer, junto a quem tem dinheiro para pagar as contas. Quem não tem dinheiro,
não é mercado, não está contemplado na sociedade” (BAVA, 1999, p. 137).
Dessa forma, as empresas de grande porte (e o Estado de feição neoliberal) ditam
as regras de um jogo perverso.
A lógica destrutiva que o capital historicamente firmou impõe a dúvida
quanto à viabilidade de tais políticas [de desenvolvimento] em realidades
como a brasileira, considerando que as determinações estruturais do
capitalismo, ao restringirem cada vez mais o número de postos de trabalho,
criam e recriam, na informalidade, uma série de ocupações precárias que,
embora sirvam a sobrevivência dessas populações, longe estão de permitir
um mínimo de dignidade aos trabalhadores (SALES, 2007, p. 7).
A mesma lógica do capital promove uma alta competitividade entre as empresas e
é geradora de uma concorrência que vai além da disputa por melhores preços. As novas
estratégias empresariais passam a ser, então, mais sofisticadas tendo como ênfase o
“desenvolvimento de capacidade inovativa” (CASSIOLATO e LASTRESS, 2000, p. 3)
136
ou
seja, é preciso sair, e manter-se, sempre, à frente da concorrência, sob pena de desaparecer do
mercado.
O capital, contudo, para continuar a se expandir encontrou “[n]a integração
funcional e [n]a montagem de redes (...) vantagens importantes (...) na busca de rapidez no
processo inovativo” (CASSIOLATO e LASTRESS, 2000, p.3). O processo inovativo, por sua
vez, incorpora conceitos como flexibilidade, interdisciplinaridade e fertilização cruzada de
idéias; os quais são trabalhados no nível administrativo e laboratorial nas empresas, visando,
sobretudo, à expansão da margem de lucro. De forma sintética, pode-se dizer que as redes de
136
Disponível em: www. aprender.unb.br/file.php/ 1500
/4o_encontro/arranjos_e_sistemas_produtivos_locais_na_ industria_brasileira. pdf (2000).
136
APLs visam, em última instância, à continuidade e à expansão da produtividade e, por tabela,
do consumo. Os APLs procuram desempenhar um papel na produção para o qual os setores
industriais tradicionais mostraram-se incapazes, devido ao aspecto de agregação maior desses
setores, fator impeditivo para uma leitura mais realista das turbulências de mercado que
ocorrem no nível local, o que é notadamente preocupante para os capitalistas, pois pode
significar perda na lucratividade. A estratégia de APLs, então, aparentemente, funcionaria
como um guarda-chuva que abrigasse certa quantidade de pequenas empresas com apoio de
entidades de pesquisa e financiadoras, com a participação de atores sociais locais, mais a
chancela do Governo. Dessa forma, a aparente contradição entre o global e o local estaria
superada e a lucratividade assegurada, que do ponto de vista capitalista o local, nos termos
de Ianni (1999), interessa tanto quanto o global, pelo fato de facilitar, em primeiro lugar, os
processos coletivos de aprendizado, de tal maneira que informação e
conhecimento rapidamente se difundem no ambiente local aumentando a
capacidade criativa das firmas e instituições. Em segundo lugar, um sistema
produtivo localizado auxilia a reduzir os elementos de ‘incerteza dinâmica’ o
que também facilita a inovação local pois permite um melhor entendimento
dos possíveis resultados das decisões da firma (CASSIOLATO e LASTRES,
2000, p.18). (Aspas internas no original).
De maneira geral, os defensores do modelo de Arranjo Produtivo Local
argumentam que a aglomeração de APLs é importante para países em desenvolvimento, o que
seria o caso do Brasil, pois auxiliaria médias e pequenas empresas a vencer as barreiras da
comercialização (leia-se: da concorrência). No caso brasileiro, o modelo de APLs só se tornou
possível devido ao processo de estabilização (em termos) da economia após nove planos de
estabilização implementados entre 1980 e 1994. Não se pode esquecer, contudo, que o
modelo de arranjos produtivos forma-se a partir da priorização de cadeias produtivas diversas
(
CASSIOLATO e LASTRES, 2000
).
Levando-se em conta tal realidade em relação ao caso brasileiro, constata-se que
as várias cadeias produtivas necessitaram adaptar-se ao dinamismo do mercado,
principalmente ao dinamismo do mercado internacional, uma vez que a exportação de
produtos é uma das metas visadas pelas entidades e instituições que dão suporte financeiro e
técnico aos arranjos. De forma geral, porém, as análises da dinâmica de mercado que vicejam
no interior dessas cadeias produtivas são ainda incipientes, notadamente no tocante à cadeia
produtiva mineral; não havendo, dessa forma, na literatura pesquisada, estudos mais
aprofundados sobre essa cadeia produtiva. A se tomar por base, porém, um desses estudos
137
sobre a cadeia produtiva agroindustrial (CARBINATO, 2008), por exemplo, pode-se avaliar
que, salvo as peculiaridades de cada cadeia, seu mecanismo de funcionamento não difere,
muito, do mecanismo de funcionamento da cadeia produtiva mineral. Segundo esse estudo,
as mudanças por que passa a economia brasileira, induzidas pela integração
do País numa economia global e pela mudança na forma de intervenção do
governo na economia, têm exigido, do setor agroindustrial, grande esforço
de adaptação. O desafio que ora se apresenta é uma adequação do setor
agroalimentar e respectivas cadeias produtivas às mudanças, visando à
eficiência na produção e na distribuição de alimentos e matéria-prima, em
condições de competitividade nos principais mercados nacional e
internacional. Para enfrentar a concorrência com os produtos de outros
países, é necessário todo empenho para eliminar os pontos de
estrangulamento das principais cadeias produtivas brasileiras (VIEIRA,
2001, p.1)
A necessidade de empenho no sentido de eliminar os pontos impeditivos para a
realização, a contento, das principais cadeias produtivas do país, e, aqui, inclui-se a cadeia
produtiva de base mineral, ressaltando-se a da opala, pode ser entendida, em outros termos,
como a necessidade da adoção de políticas públicas dirigidas aos vários setores da economia
que é, segundo Vieira (2001), o que de fato já vem ocorrendo.
Nos últimos anos, as relações entre as economias das nações pautam por
uma acirrada concorrência no mercado internacional de bens e serviço. As
políticas públicas dirigidas ao setor, por imposição da globalização dos
mercados e da tendência mundial de desmantelamento das barreiras
tarifárias, têm-se orientado por aspectos que influenciam a competitividade
dos produtos agrícolas e agroindustriais. Em termos de desempenho, a
competitividade expressa-se como a capacidade de sobrevivência e expansão
nos mercados nacional e internacional (VIEIRA, 2001, p. 17).
Nesse sentido, no Brasil, atualmente, são os seguintes APLs de Base Mineral em
atividade: Gemas e jóias MG, Opala de Pedro II PI, Calcário e argila vermelha CE,
Minerais industriais RN PB, Pedra sabão MG, Gemas e jóias RS - PA, Gesso PE,
Rocha ornamental ES, Calcário, Cal e Talco PR, Rocha ornamental RJ - BA, Ardósia
MG, Quartzito/Argila GO, Cerâmica de revestimento SP- SC, Argila AP TO (VI
SNGEH, 2006).
Para fazer frente a esta realidade dos arranjos produtivos, a Rede Brasileira de
Informação de APL de base mineral é uma entidade criada em novembro de 2004 pela
Secretaria de Política de Informática e Tecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia e a
Rede Brasil de Tecnologia - RBT, em parceria com a Secretaria de Geologia, Mineração e
138
Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia, com a participação da comunidade
científica e tecnológica. Nos seus próprios termos, essa rede tem como função promover o
intercâmbio e a propagação de conhecimento do tema, difundindo e popularizando práticas e
gestão tecnológica de forma a contribuir para a solução dos problemas comuns dos arranjos
produtivos locais por ela envolvidos (REDE ..., 2008).
Assim, o modelo de arranjos produtivos visa a integrar de forma mais efetiva a
esse mercado, as micro e pequenas empresas, normatizadas pelo Estatuto da Micro Empresa e
da Empresa de Pequeno Porte, Lei 9.841, de 5 de outubro de 1999. Segundo esse estatuto,
micro empresa é aquela cuja receita bruta anual é igual ou inferior a R$ 244. 000,00 (duzentos
e quarenta e quatro mil reais) e pequena empresa aquela cuja receita bruta é superior a R$
244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais) e inferior ou igual a R$ 1.200.000,00 (um
milhão e duzentos mil reais). Segundo dados divulgados pelo Sebrae, as micro e pequenas
empresas respondem por cerca de 30% (trinta por cento) do Produto Interno Bruto - PIB e
58% (cinqüenta e oito por cento) dos empregos do país.
Em termos nacionais, no que diz respeito diretamente ao setor de jóias e gemas o
modelo de arranjo produtivo, em tese, tem como uma de suas metas principais, segundo o
IBGM, buscar uma identidade da jóia brasileira, uma vez que até pouco tempo faltava ao
Brasil um projeto que levasse em conta a identidade dos produtos, tão valorizada em tempos
de globalização. Anteriormente, a única preocupação do setor, o que realmente importava, era
apenas o fato de exportar. No entanto, agora, é parte do pacote de exportação, uma identidade
para a jóia e para a gema brasileiras, apostando-se, segundo alguns designers de jóias, no seu
considerável impacto visual capaz de traduzir atributos, como alegria, movimento, cor e
diversidade, que são algumas das características atribuídas, mundialmente, ao Brasil (IBGM,
2005)
137
.
Não se pode deixar de notar, nessa percepção do setor de jóias e gemas, um
exemplo de que “a construção da identidade é tanto simbólica quanto social” (SILVA, 2000,
p.10, grifo no original) e a importância que, agora, isso apresenta como fator agregador de
valor de mercado. Isso representou, ressalve-se, uma mudança de mentalidade do ponto de
vista mercadológico uma vez que, até então, o Brasil sobressaía-se apenas como um dos
maiores exportadores mundiais de pedras e gemas in natura. Nessa perspectiva de construção
137
Vale lembrar que, segundo Roberto Da Matta, o brasileiro não se apega, porém, a visões mono-identitárias e
dualistas. Ao contrário, há, na construção identitária do povo brasileiro diversas contrariedades que, mesmo
opostas, são interdependentes. (DA MATTA,1984).
139
identitária, somando-se as referidas questões relacionadas à dimensão ambiental, uma série de
esforços conjuntos vêm sendo implementados com vistas a consubstanciar “políticas,
diretrizes e ações para o desenvolvimento [da cadeia produtiva de base mineral]” (IBGM,
2005, p. 9).
O impacto advindo dessa percepção da jóia e da gema como fator agregador de
valor de mercado, com ênfase na identidade, ficou evidenciado quando da realização do
Fórum de Competitividade da Cadeia Produtiva de Gemas, Jóias e Afins, realizado em
Brasília, em junho de 2005, do qual participaram, dentre outros, o Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - MDIC, e o Instituto Brasileiro de Gemas e
Metais Preciosos - IBGM. O diagnóstico oriundo desse fórum tem servido de base para outras
iniciativas empreendedoras no setor. O fórum revelou, por exemplo, que o Brasil produz,
atualmente, cerca de um terço (1/3) de todas as gemas e jóias comercializadas no mundo
(exceto diamante, rubi e safira), e, por outro lado, que os benefícios provenientes desse
mercado para o país são, contudo, ainda escassos, sendo que mesmo a diversificação da oferta
de gemas e jóias tem um êxito ainda relativo. O que permite supor: primeiro, que o modelo de
APL mineral provavelmente ainda não alcançou, de fato, os objetivos a que se propõe.
Segundo que, muito provavelmente, também nos demais APLs de base mineral, os
garimpeiros sejam penalizados, o que reforçaria a necessidade de adoção (melhor seria,
talvez, dizer correção) de políticas públicas, que norteiam esses Arranjos no sentido de dar
maior visibilidade a esse sujeito coletivo, no caso específico do APL Opala de Pedro II, aos
bamburristas. Esse ponto será tratado, adiante, neste capítulo.
3.3 PROJETO COOPERATIVO EM REDE
138
DO ARRANJO PRODUTIVO DE OPALA
APL OPALA
O documento norteador do APL Opala, Plano de Desenvolvimento da Opala
Região de Pedro II - PDO
139
, no item denominado “contextualização e caracterização do
arranjo”, após brevíssima e superficial análise das condições de produção da gema de opala na
região de Pedro II, Piauí, analisa a primeira fase do Projeto Cooperativo (julho de 2005- julho
138
A expressão “em rede” é empregada, quando se trata de APLs, geralmente para reforçar o caráter relacional
entre arranjos já existentes em dada região geográfica, entre arranjos de diferentes regiões geográficas, e entre
arranjos já existentes e possíveis futuros arranjos (ALBACLI, 2003).
139
Doravante referido como PDO.
140
de 2007) e prevê sua segunda fase de julho de 2007 a julho de 2009
140
. Segundo o documento,
o objetivo principal do APL Opala é
aumentar a produtividade e consolidar a cadeia produtiva da opala por meio
de uma abordagem sistêmica e cooperativa que inclua as seguintes etapas de
agregação de valor: pesquisa mineral, lavra, beneficiamento, lapidação,
design, joalharia, comercialização, promoção comercial e gestão. Serão
abordados também o fortalecimento dos laços entre os parceiros por meio de
ações integradas para o desenvolvimento sustentável regional, [o APL
Opala] prevê transparência de recursos financeiros oriundos do fundo
setorial CT Mineral e destinados a aporte direto ao CONVENENTE e
recursos destinados a Bolsas de Desenvolvimento Tecnológico a serem
transferidos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – CNPq (PLANO..., 2007, p. 2).
O APL Opala possui vários participantes que no jargão do projeto, são
parceiros
141
(Figura 8) sendo que um dos mais presentes e atuantes é o Sebrae já com larga
tradição de atuação nesse setor, principalmente, no que concerne a programas de formação e
qualificação profissional em, praticamente, todo o território nacional. Em função, muito
provavelmente, desse know how, a pesquisade comprovar, pelas falas tanto de bamburistas
como de joalheiros e lapidários que esta instituição é o ator com maior ascendência no APL
Opala em Pedro II, delineando-lhe conceitos, ritmo, e abrangência, e conferindo-lhe a
importância devida. Por essa razão, faz-se necessário expor o ponto de vista dessa instituição
acerca de APLs por ser a sua concepção a que parece prevalecer no caso do arranjo produtivo
aqui tratado para, então, passar-se ao tema de como os bamburristas se percebem e são
percebidos no âmbito do APL Opala, bem como analisar, do seu ponto de vista, aspectos de
políticas públicas a eles dirigidas.
Para isso foram planejadas ações estratégicas “no Sistema Sebrae para alinhar
conceitos, idéias e ações de apoio a empreendimentos coletivos” (SEBRAE, 2007, p. 1), em
municípios que adotaram a chamada Metodologia Local Integrada e Sustentável – DLIS
142
ou,
ainda, sob a forma de Arranjos Produtivos Locais (APLs).
140
A redação final do documento ficou a cargo do superintendente de Desenvolvimento Econômico da
Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Econômico, Tecnológico e Turismo - SETDETUR, o engenheiro
civil com especialização em meio ambiente, Marcelo Morais.
141
Termo usado para referir a entidades de classe, financiadoras e de fomento à pesquisa, além de instituições
governamentais que dão suporte ao Arranjo.
142
“O DLIS hoje é mais uma espécie de ‘filosofia’ de promoção do desenvolvimento humano e social
sustentável por meio do investimento em capital social priorizando a articulação e animação de redes sociais
distribuídas (P2P) e a democratização das relações na base da sociedade e no quotidiano do cidadão do que
simplesmente uma metodologia stricto sensu(FRANCO, 2007, p. 1) (aspas internas e parágrafo interno no
original).
141
3.3.1 Política norteadora: desenho, legitimidade, hierarquia e correlação de forças internas do
APL Opala:
Para uma questão tornar-se objeto de uma política pública, é necessário que passe
ao plano de debate político. Não é demais lembrar que as demandas por proteção social são
organizadas de formas diferentes em cada sociedade. Assim, “uma política pública se
estrutura, se organiza e se concretiza, a partir de interesses sociais organizados em torno de
recursos que também são produzidos socialmente” (SILVA, 2005, p. 37 38). Isso equivale a
dizer que uma política pública, desde seu nascedouro, está indissociavelmente ligada, dentre
outros fatores, à
noção de sucesso e fracasso, destacando-se a relevância dos sujeitos sociais
desse processo e suas racionalidades. Assim, o processo das políticas
públicas é assumido, nos seus diferentes momentos, por uma diversidade de
sujeitos que entram, saem ou permanecem no processo, sendo estes
orientados por diferentes racionalidades e movidos por diferentes interesses,
fazendo o desenvolvimento das políticas públicas um processo contraditório
e não linear. Esses interesses são mediados pelo Estado, especificamente
pelo sistema político, (...). (SILVA, 2002, p. 41).
Assim, os principais sujeitos de uma política pública são os grupos de pressão, os
partidos políticos, os administradores, os técnicos, o judiciário e a mídia, esta última como
visibilizadora dos problemas sociais (SILVA, 2002). Isto aponta para o tema dos interesses
dos sujeitos, mais especificadamente, da legitimidade (legitimacy) das políticas públicas
(Rothstein, 1998).
[No que tange à] legitimidade política de uma política, (...). Seu sucesso ou
fracasso depende da] confiança do grupo [a]o qual é dirigida, ou para a
grande maioria dos cidadãos. Por exemplo, muitos programas requerem o
consentimento (ou inostilidade, pelo menos) do grupo que foi designado para
ser implementado prosperamente. (ROTHSTEIN, 1998, p. 72)
143
(Parênteses
no original)
Convém lembrar que o processo avaliativo das políticas públicas é significativo
por revelar o real interesse de seus mais expressivos policy makers. No geral, no Brasil, tais
avaliações deixam ainda muito a desejar, segundo Maria Ozanira da Silva e Silva. Para essa
autora as avaliações das políticas públicas a partir dos anos 1980 sinalizam, dentre outras
143
Em tradução livre de Paulo de Tarso Silva Santos.
142
coisas, para a “desfocalização dos programas sociais em relação à população mais
necessitada” (SILVA, 2005, p. 46). A avaliação das políticas públicas se pauta, de maneira
geral, no simples controle de gastos. Numa tentativa de mudar esse enfoque reducionista de
viés economicista, aos poucos se tem procurado perseguir, nas avaliações dessas políticas, um
campo mais amplo que comporte, dentre outras metas, o cumprimento de objetivos ou de
impactos e, em função disso, levam-se em conta critérios avaliativos tais como eficiência,
eficácia e efetividade.
A avaliação de políticas públicas não constitui um exercício formal
‘desinteressado’ [...] Ela está fortemente ancorada num conjunto de valores e
noções sobre a realidade social partilhado pelos membros relevantes de uma
maioria de governo incluídos elites políticas e burocráticas que os
permite distinguir a ‘boa’ e a ‘má’ política (SILVA, 2005, p. 53). (Aspas no
original).
As políticas blicas não são, pois, frutos do acaso. Pelo contrário, são gestadas,
pensadas, implementadas e avaliadas em meio ao tirocínio de interesses os mais distintos
possíveis, dos mais diferentes grupos de pressão
144
. Levando-se em conta o perfil de baixa
legitimidade das políticas públicas vigentes no país, embora carentes de análises mais
aprofundadas, vê-se que são oriundas de demandas de uma sociedade recém-saída de um
regime ditatorial, a exemplos das demais sociedades latino-americanas. Dessa forma,
compreende-se o resquício de paternalismo, assistencialismo e de outros vícios de que tais
políticas possam (ainda) ser portadoras.
O APL Opala foi instalado, oficialmente, no município de Pedro II com previsão
de, numa primeira fase, funcionar de julho de 2005 a junho de 2007 “com vistas à execução
de projetos elaborados no decorrer de 22 (vinte e dois) meses” (PLANO..., 2007, p. 3). O
projeto do arranjo foi renovado em abril de 2007 com validade até 2009, “conforme indicação
do MME - Ministério das Minas e Energia e MCT Ministério da Ciência e Tecnologia”
(PLANO..., 2007, p. 3).
Além das duas instituições públicas citadas, acima, ambas componentes do
conselho consultivo do APL Opala, fazem parte do arranjo as seguintes entidades: a Fundação
144
Por isso, segundo nia Míriam Draibe não é de causar espanto quando se percebe que as reformas advindas
de tais políticas, no que diz respeito à eqüidade social, são ainda quase nulas, quando se observam os dois
principais frutos dessa desigualdade estrutural, o desemprego e a precarização do trabalho. A autora enfatiza que
não se pode esquecer que o atraso dos países latino-americanos na construção do Welfare State deve-se a fatores
tanto estruturais, quanto institucionais e organizacionais. Dessa forma, uma sobrecarga das políticas sociais
para resolver todos os problemas sociais (DRAIBE, 1997) o que pode gerar um ciclo vicioso demandando mais
políticas assistencialistas.
143
de Desenvolvimento e Apoio a Pesquisa, Ensino e Extensão FUNDAPE PI; como
interveniente/co-financiador o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Piauí
Sebrae; e como instituições colaboradoras: o Centro de Tecnologia Mineral - CETEM, o
Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM, o Instituto Brasileiro de Gemas e
Metais Preciosos IBGM, o Serviço Geológico do Brasil-CPRM, a Secretaria do Trabalho e
Desenvolvimento Econômico, Tecnológico e Turístico do Estado do Piauí– SETDETUR, a
Cooperativa dos Garimpeiros de Pedro II – COOGP, a Associação dos Joalheiros e Lapidários
de Pedro II AJOLP (conforme convênio FINEP n
º
3686/04), e a Associação de Produtores
de Opala do Piauí APROPI, esta, criada em novembro de 2007 (fig. 11). Outras instituições
como o Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – CREA, a Secretaria de
Meio Ambiente e Recursos Naturais SEMAR, o Banco do Nordeste do Brasil BNB, e a
Companhia de Desenvolvimento do Piauí COMDEPI, formalizaram contrato de adesão ao
projeto em seu transcurso” (MORAIS..., 2007, p. 3).
Figura 8: Logomarca dos componentes do APL Opala. Fonte: APL (2007).
144
Na verdade, o APL Opala faz parte do APL do Setor Mineral ou, simplesmente,
APL mineral, como referido, uma das metas perseguidas pela política pública mineral do
governo federal. De acordo com essa política, priorizar a mineração, faz-se necessário, devido
a “seus efeitos geradores de divisas indispensáveis à redução da vulnerabilidade externa e à
sustentação do crescimento” (VI SNGRH, 2006, p. 1). A importância do setor mineral do
país, segundo Helion França Moreira é tamanha que o Governo não pode mais ignorar que o
setor da indústria extrativa mineral brasileira, após o processo de transformação, chega a 8,5%
(oito e meio por cento) do Produto Interno Bruto – PIB.
Apesar dos incômodos causados ao meio ambiente, historicamente a
mineração é essencial para que a humanidade atinja os dois valores
socioeconômicos importantes tais como qualidade de vida e
desenvolvimento sustentável. E não como alcançar esses valores sem a
oferta adequada de bens minerais (MOREIRA, 2002, p. 4).
Nesse sentido, a ausência de medidas específicas de desenvolvimento no setor
mineral tornou-se um pesado ônus cuja responsabilidade, porém, é também do setor de
mineração. Historicamente, empresas de mineração familiares mantiveram relações escusas
com a lei, embora a alegação, muitas vezes, é de que esta fosse, provavelmente, a única
alternativa de burlar a pesada burocracia e corrupção governamentais. Agora, contudo,
percebida a alta lucratividade do setor mineral, a avidez governamental e da iniciativa privada
por superavits se amplia. Nesse sentido, é preciso que as políticas públicas do setor mineral
tenham caráter, também, de políticas laborais e sociais, atingindo, efetivamente, a categoria
do/a/s trabalhador/a/es diretamente ligado/as ao setor de mineração. No caso do APL Opala,
para os bamburristas, o arranjo parece carecer de legitimidade, esta entendida como o que
se refere ao funcionamento das instituições políticas dos regimes
democráticos, mas a legitimidade democrática pode se referir a questões
mais amplas, como é o caso dos instrumentos que os governos m a mão
para a coordenação da sociedade. Deste modo, não as instituições do
regime democrático demandam legitimidade, mas também as políticas
públicas que interferem na economia e no bem-estar social. Como observou
Habermas (1998), instituições são mecanismos adotados pelas sociedades
complexas para atribuir legitimidade a decisões políticas. No entanto, a
complexidade social implica que nem todas as decisões políticas são
efetivamente submetidas pelos canais de legitimação política, pois as
organizações públicas também implementam políticas de forma autônoma,
sem a interferência do legislativo. Além disso, o principal instrumento de
regulação social das democracias contemporâneas são as leis, mas o sistema
legal possui um caráter ambíguo: legalidade não implica necessariamente
legitimidade. O funcionamento do sistema econômico, por exemplo, é
145
regulado por leis, o que atribui ao mesmo uma aparência de legitimidade,
sacramentando as injustiças distributivas e impedindo mudanças no status
quo. (ANDREWS, 2008, p. 1)
145
No que tange à legitimidade da política de inserção produtiva norteadora do APL
Opala, enfocando-a sob a ótica dos bamburristas, pode-se dizer que tal política faz parte
daquelas que se agrupam em torno do eixo emprego e trabalho (CARDOSO JR, 2005)
146
.
Nesse sentido, bamburristas podem ser vistos como categoria social pertencente ao mundo da
subsistência rural, que juntamente com a da subsistência urbana, “constituem a maioria da
população em idade ativa do país” (CARDOSO JR, 2005, p. 205). São atores sociais situados
no extremo inferior da estrutura social brasileira, numa inclusão precária tanto econômica,
quanto social e política (MARTINS, 2002). De fato, a maioria (cerca de 95 %) dos
bamburristas de opala de Pedro II é composta de camponeses, como reconhece o documento
CPO, referindo-os como trabalhadores rurais, e constituindo base laboral para a
institucionalização do APL Opala de Pedro II.
Nesse contexto, como situar o Estatuto do garimpeiro? Após décadas de
promessas de sua institucionalização, era de se esperar que o Estatuto do garimpeiro, na forma
da lei, viesse a beneficiar o elo mais fraco da cadeia produtiva da opala ou de minérios. Mas o
referido Estatuto, assim como as políticas públicas de inserção produtiva destinadas aos
bamburristas, parecem apresentar várias contradições e omissões. É que o Estatuto parece
privilegiar a produção em detrimento dos seus sujeitos, no caso, os pequenos garimpeiros.
Quando, por exemplo, em seu Art. 15, diz que: “As cooperativas, legalmente constituídas,
titulares de direitos minerários, deverão informar ao DNPM, anualmente, a relação dos
garimpeiros cooperados, exclusivamente para fins de registro”, e que o não cumprimento
desse artigo implicará em multa. Em caso de reincidência, “a multa seem dobro, podendo,
no caso de não pagamento ou nova ocorrência ensejar a caducidade do título” (parágrafo
segundo). A lei, assim, parece desconhecer a situação de precariedade na qual se encontram
cooperativas garimpeiras, estabelecendo uma situação de conflito (RUA, 1998) a qual incide
diretamente na questão da legitimidade das políticas públicas para os garimpeiros.
Com efeito, o APL Opala se situa no bojo de políticas públicas, que podem ser
vistas como
145
Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010462762006000200008&lng=en&nrm=iso (2008)
146
Para melhor compreensão dessa temática, ver Cardoso JR (2005).
146
(...) um conjunto de ações ou omissões do Estado decorrente de decisões e
não decisões, constituída por jogo de interesses, tendo como limites e
condicionamentos os processos econômicos, políticos e sociais. (...) uma
política pública se estrutura, se organiza e se concretiza a partir de interesses
sociais organizados em torno de recursos que também o produzidos
socialmente. Seu desenvolvimento se expressa por momentos articulados e,
muitas vezes, concomitantes e interdependentes, que comportam seqüências
de ações em forma de respostas, mais ou menos institucionalizadas, a
situações consideradas problemáticas, materializadas mediante programas,
projetos e serviços (SILVA, 2001, pp.37-38).
Nesse sentido, compreende-se que o desenho de uma política pública é complexo,
ensejando controvérsias e contradições, quer no jogo de interesses no interior da
administração pública, como nas disparidades socioculturais entre gestores e possíveis
beneficiários e, nesse sentido, “qualquer programa, mesmo que habilmente projetado, falhará
se sua implementação é confiada a uma organização inadequada para o propósito”
(ROTHSTEIN, 1998, p. 71)
147
. No caso do APL Opala, metas direcionadas aos bamburristas
não são cumpridas a contento, como indicado na tabela 5. Assim,
(...) eles [dirigentes do APL] não [es]tão vendo a condição do garimpeiro
chegar até e garimpar, sabendo que já faz quase que dois [2] anos da
apêele [APL] e não tem nenhuma política voltada, dizer assim, duma
sustentação do garimpeiro de, de fazer uma frente... De dar uma a condição
dele [bamburrista] chegar na pedra matriz. Então, até hoje, continua a
mesma dificuldade (...)
148
.
Se o desenho de uma política pública é fundamental para “se alcançar ou não seu
propósito” (ROTHSTEIN, 1998, p. 74), no caso do APL Opala, no que tange aos
bamburristas, questiona-se sua legitimidade entendendo-se que, aí, se tenha em conta a
aceitação por parte dos sujeitos contemplados pela política em questão.
Com efeito, na elaboração do próprio Estatuto do garimpeiro parece ter-se
desconhecido que “só aqueles fenômenos que se prendem na vida cotidiana de determinadas
comunidades territoriais têm capacidade transformadora da sociedade” (VILLASANTE,
1984, p. 12). Se, ao contrário, o Estatuto e as políticas públicas nas quais o APL Opala está
inserido tomam um rumo que não é o almejado pelos bamburristas, como os próprios
bamburristas ouvidos na pesquisa, ao referirem o Arranjo, a situação de liminaridade e
147
Em tradução livre de Paulo de Tarso Silva Santos.
148
Sr. Antonio Ferreira Neto (Marola), 45 anos, bamburrista, funcionário da FUNASA, Pedro II. Entrevista
concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 06/10/2007
147
invisibilidade social de que padecem continuará imperando, agora, acobertada pelo manto da
legalidade.
Na ótica governamental, em tempos recentes, especial atenção tem sido dada ao
setor de mineração e, conseqüentemente, ao modelo de APL mineral. Umas das metas
contempladas pelo Plano Plurianual PPA 2004 2007 do governo federal reconhece, por
exemplo, que “o crescimento da indústria é essencial para o processo do desenvolvimento
sustentável no Brasil” (VI SNGEH, 2006, p. 1). Dentre as cinco orientações governamentais
discutidas no VI Seminário Nacional de Gestão de Resíduos e recursos Hídricos, 2006,
uma que diz ser preciso “realizar a extração mineral, em especial, apoiando as pequenas
unidades produtivas”. Compreenda-se, assim, que tal extração se dará, como de fato vem se
dando, basicamente, através de redes de APLs. Apoiar pequenas unidades produtivas,
contudo, implica em considerar uma série de questões e variáveis pelos policy makers.
Como se tem procurado demonstrar nessa dissertação, os APLs são diversos e
diversificados, compostos por uma miríade de sujeitos sociais com maior ou menor capital
simbólico (BOURDIEU, 1998). A literatura sobre análise de políticas públicas
(ROTHSTEIN, 1998), (RUA 1998) mostra o quão complexo, e até certo ponto imprevisível, é
o ambiente no qual essas políticas se desenrolam
149
. Segundo Evelina Dagnino, o processo de
construção de uma democracia é de extrema complexidade, “não linear, mas contraditório e
fragmentado” (DAGNINO, 2002, p. 279). Isso se aplica bem ao caso brasileiro. O país ainda
tem dificuldade de lidar com alguns expedientes de um estado social de direito em função das
marcas deixadas pelo regime militar (1964 1984). Boa parte dos estudos sobre o Estado e a
sociedade realizados ao longo do tempo, sobretudo os que se detiveram no período de tempo
referido acima, põem, de um lado, o Estado como redutor de incompetência e, de outro, a
sociedade civil como nicho de qualidade, o que seria uma visão reducionista (DAGNINO,
2002). De fato, vários fatores dificultariam a participação da sociedade civil na discussão das
várias temáticas, dentre estas a das políticas públicas, comprometendo, assim, em alguns
casos, sua legitimidade. Dentre estes fatores a “exigência de qualificação técnica e política”
(DAGNINO, 2002, p. 283) e, por outro lado, a perpetuação de pessoas que possuem esta
149
A expressão política social, empregada para referir a atuação governamental no âmbito das políticas públicas
de conteúdo social, pode ser conceitualmente expressa por três modelos explicativos: um de caráter
predominantemente econômico; um explicativo de conteúdo evolucionista que traz à discussão o rompimento da
noção de solidariedade na sociedade moderna; e, finalmente, um terceiro, de base política, “que aponta para a
necessidade de legitimação do poder como explicação da atuação estatal no âmbito das políticas sociais que,
além de constituir uma base evolutiva comum na sociedade, atenderia às demandas universais” (SILVA, 1999, p.
30).
148
qualificação, têm definido os rumos que as políticas públicas têm tomado no tocante,
sobretudo à sua legitimidade.
150
A discussão em torno do Estatuto do garimpeiro, mesmo este não podendo mais
ser alterado, no curto prazo, é pertinente, à medida que se insere em um debate mais amplo
sobre as políticas públicas do setor. E, assim como volta atenção à identidade dos produtos,
pelos seus atributos de localidade, deve, também, trazer à baila questões relativas às
identidades dos sujeitos sociais envolvidos na atividade, inclusive, seu poder de barganha.
O APL Opala é um dos referidos 19 (dezenove) APLs de base mineral atualmente
em atividade no país, projetado para se instalar em duas etapas compreendidas entre 2005 e
2009. Esse Arranjo já possui uma história que pode ser analisada, inclusive com dados
orçamentários da primeira etapa (Tabela 3).
Instituições
Recursos
(FNDT)
Contrapartida Convênio Contrapartida
Termo
Total
FUNDAPE 132.000,00 - - 132.000,00
SEBRAE 50.000,00 130.000,00 - 180.000,00
CETEM 110.000,00 - 131.724,00 141.724,00
CETEM-Bolsa
109.533,00 - - 109.000,00
IBGM 77.700,00 - - 77.000,00
DNPM 9.000,00 - 22.8000,00 31.8000,00
CPRM 11.600,00 - 96.000,00 107.600,00
SETDETUR - 67.200,00 - 67.000,00
TOTAL 499.833,60 197.200,00 317.724,00 1.014.757,00
Tabela 3. Resumo orçamentário da 1ª Etapa do APL: 2005-2007.
Fonte: APL Opala, 2005.
150
As concepções de políticas públicas surgiram no bojo do Wellfare State, termo cuja compreensão pode ser
entendida a partir de duas matrizes teóricas, a Pluralista e a Marxista: “Em termos gerais, os Pluralistas assumem
uma posição que atribui às origens do desenvolvimento do Welfare State como decorrência do desenvolvimento
do capitalismo em termos de modernização, industrialização e urbanização. Isto é, o Welfare State é produto
geral dos processos de crescimento e diferenciação decorrentes da modernização da sociedade. (...). Para os
Marxistas, a política social é produto específico do desenvolvimento capitalista, considerada indispensável para
garantir a acumulação do capital, bem como para regular os conflitos de classe” (SILVA, 1999, p. 30). No
Brasil, pode-se eleger a Constituição Federal de 1988 como marco que traz o alargamento do arco dos direitos
sociais e o campo da proteção social sob a responsabilidade estatal, com impactos relevantes no que diz respeito
ao desenho das políticas, à definição dos beneficiários e dos benefícios. A ampliação das situações sociais
reconhecidas como objeto de garantias legais de proteção e submetidas à regulamentação estatal implicam
significativa expansão da responsabilidade pública em face de vários problemas cujo enfrentamento se dava,
parcial ou integralmente, no espaço privado. (CARDOSO JR, 2005, p. 182). Dentre os avanços trazidos pela
Constituição de 1988 que direcionam a responsabilidade estatal para a proteção do/a cidadão/ã, pode-se citar a
instituição da Seguridade Social (articuladora das políticas públicas de seguro social, assistência social e saúde);
instituição do Sistema Único de Saúde; o reconhecimento, como política pública, da assistência social, dentre
outros (CARDOSO JR, 2005). Em que pesem as contribuições que tais políticas trouxeram ao conjunto da
sociedade brasileira, “não foram submetidas a um princípio único, seja da garantia de proteção a todos os
cidadãos, seja de reforço ao modelo conservador de bem-estar até então em vigor” (CARDOSO JR, 2005, p.
183).
149
Nesse contexto, o termo “sebralização” já se faz ouvir em vários momentos
durante os quais se discutem temas como cadeia produtiva, treinamento de pessoas e arranjos
produtivos. O termo, a despeito de, provavelmente, conter uma certa dose de preconceito por
parte de quem o usa, denota que a entidade Sebrae norteia, estrategicamente, um determinado
empreendimento. Dentre os muitos modelos produtivos adotados pelo Sebrae, o dos APLs é,
sem dúvida, um dos mais difundidos pela entidade, segundo a qual, a estratégia de APLs
contribui com o aprofundamento da democracia e da erradicação da pobreza, combinando
crescimento econômico com redução da desigualdade.
A manutenção da estabilidade macroenconômica é condição necessária, mas
não suficiente, para que essas transformações [aprofundar a democracia e
erradicar a pobreza] possam se dar. É preciso ir além, evitando reeditar
modelos do passado, nos quais desenvolvimento se reduziu ao crescimento
da acumulação e concentração do capital em detrimento do bem-estar do
conjunto da população, do equilíbrio das contas externas, do poder de
compra da moeda, do meio ambiente e da própria democracia. Não adianta,
pois, investir no desenvolvimento de iniciativas empresariais sem levar em
conta outros pressupostos do desenvolvimento tais como: o capital humano
(os conhecimentos, habilidades e competências da população local, as
condições e a qualidade de vida); o capital social (os níveis de confiança,
cooperação, reciprocidade, organização social e empoderamento da
população local); a governança (a capacidade do governo e os níveis de
participação e controle social); e o uso sustentável do capital natural
(SEBRAE, 2007, p. 1)
151
.
O Sebrae diz-se um incentivador e um apoiador dos APLs que para essa entidade
tem sua base teórica na dimensão territorial do desenvolvimento (SEBRAE, 2007), como
espaço de compartilhamento de “redes locais (empresariais, sociais e institucionais), onde
essas condições sejam levadas em conta da mesma forma que a dimensão econômica”
(SEBRAE, 2007, p.1)
152
(parênteses interno no original). O marco teórico adotado pela
entidade contempla duas correntes do pensamento contemporâneo: a que discute o conceito
de capital social e a que leva em conta o conceito de dimensão territorial do desenvolvimento
e que insiste na idéia de que a competitividade é um atributo do ambiente,
antes mesmo se ser um triunfo de cada firma. (...). A organização das
empresas em arranjos produtivos constitui-se em importante fonte geradora
de vantagens competitivas duradouras, principalmente quando essas são
construídas a partir do enraizamento de capacidades produtivas e inovativas
(SEBRAE, 2007, p.1)
153
.
151
Disponível em: www.sebrae.com.br/br/cooperecrescer/arranjosprodutivoslocias_1768.asp (2007).
152
Disponível em: www.sebrae.com.br/br/cooperecrescer/arranjosprodutivoslocias_1768.asp (2007).
153
Disponível em: www.sebrae.com.br/br/cooperecrescer/arranjosprodutivoslocias_1768.asp (2007).
150
Esta instituição defende que a organização das empresas em APLs promove
vantagens competitivas entre as empresas, mas reconhece que a proximidade espacial, fator
importante no conceito de arranjo, não é a única condição a ser levada em conta na instalação
de APLs. Por outro lado, ressalta que “a orientação para o mercado será o eixo central da
abordagem em Arranjos Produtivos Locais” (SEBRAE, 2007, p. 1)
154
, podendo haver casos
em que o dinamismo das aglomerações de empresas, em cada região, pede outra solução que
não o arranjo, caso dos distritos industriais. Estes
locais de produção caracterizados pela existência de um conjunto de
pequenas e médias empresas em torno de uma indústria dominante, em que
as firmas, freqüentemente, se especializam em diferentes etapas do processo
produtivo. Essas firmas, em geral pertencentes à comunidade local, a ela se
integram por meio de uma extensa teia de relacionamentos. Tais sistemas
caracterizam-se, ainda, pela existência de um fluxo de comércio substancial
entre as empresas e pelo fato de as firmas partilharem diferentes serviços
especializados, o mesmo mercado de trabalho especializado e o estoque de
conhecimento.
(CAPORALI, 2004, p. 280).
Assim, segundo o Sebrae, o modelo de APL funciona quando se leva em conta,
pois, “um conjunto de variáveis que, uma vez mobilizadas por redes de empresários e outros
atores, possibilita transformar a proximidade espacial das empresas numa melhor inserção
competitiva e sustentável no mercado” (SEBRAE, 2007, p. 1). Esta instituição tem como
critério de escolha da região, onde se instalará o APL, o fato de ela
possui[r] um caráter flexível, aberto e adaptável, visando [a] contemplar a
multiplicidade e a complexidade das realidades locais. A metodologia
[DLIS] considera três dimensões para análise competitiva de /um APL, de
maneira a fornecer estratégias de atuação e definir ões. As dimensões são:
Empresarial, Estrutural e Sistêmica (SEBRAE, 2007, p.1).
O conceito de APLs, cuja abordagem contempla como eixo central a, assim
chamada, orientação para o mercado, na visão do Sebrae, está baseado na noção de
cooperativismo que por sua vez remonta a filosofias de caráter humanístico e que levam em
conta a solidariedade, a confiança, e a organização funcional de grupos (SEBRAE, 2007). A
instituição faz questão de ressaltar (e esse fato está diretamente relacionado ao caso específico
do APL Opala) que “atuará com especial atenção nos territórios que apresentam efetivo
potencial de maior dinamismo econômico e, em particular, naqueles que tenham maior
154
Disponível em: www.sebrae.com.br/br/cooperecrescer/arranjosprodutivoslocias_1768.asp (2007).
151
capacidade de responder aos desafios da exportação, bem como substituição competitiva de
importações” (SEBRAE, 2007, p.1). Vale dizer, que mesmo antes da instalação do APL
Opala em Pedro II, os principais lapidários e joalheiros do município tinham nome
sedimentado no mercado. O APL Opala significou, assim, mais um importante insumo (tanto
econômico quanto simbólico) que se agregaria ao prestígio dessas categorias, ao tempo em
que permitiu a exploração ininterrupta da gema de opala pelos bamburristas, pela concessão
de lavra.
Finalmente, o Sebrae admite atuar também em áreas de baixa densidade
empresarial, promovendo o empreendedorismo
155
, como atividade de inclusão social da
política da instituição. Para reforçar seu ponto de vista, esta instituição fornece alguns
números como os da Aliança Cooperativa Internacional - ACI, segundo os quais cerca de
oitocentos (800) milhões de pessoas cooperadas em todo o mundo, o que corresponde
aproximadamente a um sexto (1/6) da população mundial. No Brasil, esses números seriam de
seis (6) milhões de pessoas, perfazendo um total de cento e sessenta mil (160) empregos
diretos gerados pelos cálculos da Associação Brasileira de Cooperativas - ABC (SEBRAE,
2007).
Em outubro de 2007, como previsto no documento CPO (2005), mais uma
entidade foi criada e aderiu ao APL Opala. Trata-se da Associação de Produtores de Opala do
Piauí APROPI, com rum em Pedro II. Faz parte dessa entidade a categoria localmente
denominada “donos de garimpo”, na verdade, médios e grandes garimpeiros, ou seja,
empresários garimpeiros que não haviam se filiado à COOGP (caso de Pedro II, porquanto
empresários garimpeiros do município de Buriti dos Montes também se associaram à
entidade), mas que, ao contrário, desestimulam os bamburristas ainda não cooperados à
COOGP e que trabalham para eles, médios e grandes garimpeiros, a também não se filiarem.
(...) esse pessoal que trabalha comigo [bamburristas] a cooperativa [dos
garimpeiros] foi atrás deles pra... Mas eles nunca quiseram [se associar].
Eles dizem que não querem. Trabalham... Esses que trabalham comigo...
Porque a área é minha! É requerida por mim! É propriedade particular.
Então esses garimpeiro,... Eles dizem que para trabalhar pra cooperativa vão
155
Durante a década de 1970, como se sabe, o capitalismo sofreu uma crise estrutural que forçou alterações no
padrão de acumulação baseado no modelo taylorista-fordista de produção industrial, forçando a adoção de novas
metas de reestruturação produtiva do capital a partir do emprego de uma série de transformações, como
automação, robótica, e “novas formas organizacionais do trabalho” (SERAINE, 2008, p. 171), dentre outras.
Para estudiosos do assunto, no entanto, é o emprego, e não a produção e está em crise. É nesse contexto que se
pode compreender a ideologia do empreendedorismo, de combate ao desemprego, no discurso da “estratégia
capaz de promover desenvolvimento com inclusão social” (SERAINE, 2008, p. 277). Assim, no Brasil, o
discurso do empreendedorismo está focado na micro e pequena empresas, sendo endossado por várias
instituições, dentre as quais o Sebrae.
152
pagar uma renda que pra umas pessoas que não são proprietário (enfático).
Eu digo: “-Rapaz, vocês é que sabe. Querem ir, eu é que não vou”. Porque
eles [dirigentes da COOGP] querem mesmo é santo [dinheiro]. Eles
[bamburristas] dizem mesmo:-Não, nós mesmo não queremo [filiarem-se à
COOGP”. Foi o caso de nós [médios e grandes garimpeiros] formar essa
associação [APROPI]
156
.
Observe-se que, ao contrário da COOGP, a APROPI é uma associação que foi
criada para atuar na esfera estadual, o que denota, pelo menos em tese, seu maior poder de
manobra no âmbito do arranjo produtivo.
Aliás, a criação da APROPI altera a correlação de forças políticas dos grupos que
disputam o poder no interior da cadeia produtiva da opala e do APL Opala, pois enfraquece o
campo de ação da COOGP, uma vez que a APROPI tem atraído, para si, cerca de um terço
(1/3) dos bamburristas. Isso garante aos empresários garimpeiros mão-de-obra abundante e a
baixo custo. Na prática, a criação da APROPI institucionaliza laços de afinidade e interesse
que, de fato, existiam entre esta associação e a AJOLP. Ao somarem forças, neutralizam,
pelo menos, em parte, a atuação da COOGP junto aos bamburristas, à CPO e ao próprio APL
Opala. O possível risco de uma concorrência no mercado de opala entre AJOLP e COOGP,
que até então esteve despido de perigo real para lapidários e joalheiros, tornou-se ainda menos
ameaçador com a criação da APROPI (antevista em documentos do APL Opala), pois, como
se viu, esta associação concorre diretamente (no mesmo segmento da cadeia) com a COOGP,
deixando a AJOLP numa situação ainda mais confortável. Convém lembrar uma vez mais,
que não há, propriamente, separação nítida entre alguns empresários garimpeiros, por um
lado, e lapidários e joalheiros, por outro, uma vez que alguns destes têm bamburristas sob o
seu comando.
Os empresários garimpeiros não se identificam com os bamburristas. Aqueles
geralmente referiam-se e ainda referem-se a estes como empregados, vocábulo que,
dependendo da situação, agora, pode ser substituído por “sócios”, como convém ao discurso
tido como politicamente correto. Mas, de fato, o que se mantém é a mesma relação trabalhista
de antes, agora, legalizada, ou seja: bamburristas não filiados à COOGP trabalhando para
empresários garimpeiros filiados à APROPI. Em outras palavras, os bamburristas continuam
arcando com as conseqüências da precarização do trabalho no garimpo.
O fato é que a APROPI já nasce como uma associação consolidada perante tanto à
CPO quanto ao APL Opala, uma vez que seus membros são influentes, política e
156
Sr. Ribamar Galvão, 68 anos, grande garimpeiro filiado à APROPI, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni
Getirana de Lima, em 09/10/2007.
153
economicamente, isto é, têm maior capital social, (BOURDIEU, 2004) que aqueles que
compõem a COOGP. Dessa forma, a APROPI é vista com simpatia pela AJOLP que,
inclusive, estimulou e apoiou sua criação. O que parece é que com a criação da APROPI, a
AJOLP torna-se menos dependente da COOGP quanto à compra de opala para a manutenção
do seu (dela, AJOLP) estoque. Pode-se aduzir que a criação da APROPI poderá significar, se
não um atrofiamento, pelo menos uma estagnação do raio de ação da COOGP (que não era
grande), o que significa, na prática, perda do poder de convencimento da cooperativa junto a
novos bamburristas, no sentido de que estes venham, ali, a cerrar fileiras.
A fala de um desses empresários garimpeiros, nesse sentido, é reveladora: “Por
que eu mesmo não trabalho, mas arrisco... O dinheiro [no garimpo] é o meu. Todo mundo
no garimpo, lá, é meu. Os meus sócios que trabalham comigo, entram com o serviço”
157
.
Note-se que a expressão ‘só entram com o serviço’, nessa fala significa que os homens que
trabalham para esse empresário têm de si mesmos, a força de trabalho. Tomando-se esse
exemplo, pode-se supor que os benefícios advindos das políticas públicas, que orientam o
APL Opala, ainda não se fazem sentir de fato, de maneira satisfatória na vida dos
bamburristas de opala do município de Pedro II.
Com efeito, a precarização do trabalho dos bamburristas de Pedro II inscreve-se
no mesmo rol de riscos sociais dos demais trabalhadores no país de que tratam Cardoso Jr e
Jaccoud (2005), a saber, doença, velhice, morte, desemprego. Quando uma das últimas metas
do APL Opala trata da inclusão dos bamburristas e daqueles que com eles convivem
(familiares), e essa meta é pensada para o último ano de vigência da segunda etapa do
Projeto (2007 2009), pode-se deduzir que o conceito de inclusão para os policy makers do
APL Opala vai de encontro a um ponto, hoje, central na gestão das políticas públicas e que a
literatura especializada (CARDOSO JR e JACCOUD, 2005) tem reiterado: o fato de que o
mercado não resolve tudo, sendo preciso que a dimensão econômica seja pensada em de
igualdade com o que é socialmente relevante para os bamburristas. Isto significa que
os conflitos sociais associados ao processo de industrialização das
sociedades modernas impulsionam o Estado a intervir e a instituir certas
garantias na medida em que ampliou-se o reconhecimento da incapacidade
da esfera econômica para suprir, via mercado, um conjunto de necessidades
consideradas socialmente relevantes (CARDOSO JR e JACCOUD, 2005, p.
184).
157
Sr. José Ribamar Galvão, 69 anos, médio garimpeiro, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de
Lima, em 09/10/2007.
154
Há, porém, no caso dos bamburristas de Pedro II um agravante: o Estado (via
APL Opala) não intervém no sentido de instituir certas garantias socialmente relevantes (além
do direito de organização dos bamburristas sem cooperativa, e de concessão de lavra) capazes
de compensar a incapacidade do mercado de assumir esse papel. O poder de barganha do
grupo, representado pela COOGP
158
, é muito pequeno, isso explicaria, em parte, o
desinteresse de bamburistas de se filiarem à cooperativa. Embora os bamburristas já consigam
garimpar em áreas previamente determinadas, pelo menos no caso do Garimpo Boi Morto, as
melhores áreas para se encontrar a gema de opala, como já se disse, não são destinadas a eles.
Assim, a estrutura fundiária do Estado do Piauí (anexo 4) interfere, ainda que indiretamente,
em quaisquer iniciativas que visem de uma forma ou de outra a beneficiar as camadas mais
pobres da população, como observa Luis Carlos Cruz Puskas:
até programas especialmente voltados para os pequenos produtores
beneficiam pela rigidez da estrutura fundiária do Piauí, por causa da alta
concentração da propriedade da terra, fundamentalmente os grandes
proprietários, porque inevitavelmente qualquer programa que venha atender
ao pequeno produtor, tem que beneficiar em princípio ao grande
proprietário, embora o mesmo não usufrua diretamente daquele beneficio, e
sim indiretamente com a valorização de suas terras (PUSKAS, 1993, p. 82).
Basta que se troque a expressão “pequenos produtores”, na fala acima, por
bamburristas e se tem um quadro aproximado das reais condições de trabalho desse grupo
social, inclusive no interior do APL Opala. Um bamburrista e membro da COOGP sintetiza
bem esta condição, pela experiência com essa realidade.
preciso] que o próprio governo mesmo, o pessoal que entende se
interessasse mais assim no caso de ajudar. Seria importante, porque é o
único meio dela [COOGP] funcionar se ela tivesse condição de comprar a
pedra. Pra poder chamar a atenção do comprador vim lá de fora, pra comprar
coisa, aumentar a cooperativa, né? Porque se ela ficar nessa situação que
tá, sem poder comprar, os garimpeiros sem poder vender opala, tá difícil. (...)
porque até hoje ela [COOGP] não funcionou nessa natureza, não
159
.
A opinião do senhor José Arimatéia não cai no vazio e faz coro com a de outros
bamburristas e pequenos proprietários de garimpo do país, como Rossini Rodrigues,
158
O não-cumprimento das horas de máquina para a remoção de rejeitos nos garimpos, a inexistência de
instalações adequadas (sanitárias, inclusive) nos garimpos, melhor remuneração dos bamburristas, maior
autonomia de gestão por parte da COOGP no sentido de poder vender a opala diretamente ao comprador
estrangeiro, denotam a fragilidade da cooperativa perante as demais entidades do APL Opala.
159
Sr. José Barros de Arimatéia, 65 anos, bamburrista e membro do conselho fiscal da COOGP entre 2005 e
2207, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 29/10/2007.
155
proprietário do sítio e lavra D. Maria, no Espírito Santo. Para ele, restabelecer a dignidade do
garimpeiro
significa o amparo institucional. Um órgão legal que o oriente quanto ao
preço das pedras. A proteção do fisco. Dar ao garimpeiro o direito de
explorar o local onde se encontra, o que seria de alto interesse para o Brasil.
Em 1987 ocorreu um fato que deixou isso muito claro. Perto de Nova Era
[cidade capixaba] houve a descoberta da alexandrita, a pedra mais nobre.
Extraiu-se em quantidade significativa e o mercado [de alexandrita]
desmoronou a alexandrita. Aconteceu uma corrida, à semelhança à de Serra
Pelada
160
.
O senhor Antonio Rodrigues, ou Sitõe, como bamburrista, a exemplo do senhor
José Barroso de Arimatéia, compreende que alguma coisa está faltando, não vai bem no rumo
que a política pública direcionadora do APL Opala tomou, melhor dizendo, o rumo adotado
pela política pública norteadora do APL Opala, a priori. Este rumo, essa logística, não
contemplam, definitivamente, os bamburristas. Como se disse em outro lugar dessa
dissertação, basta que se olhe o item ‘Os desafios a serem alcançados’, constante no PDO.
Dos 18 itens elencados no documento, apenas o item de número VIII “Fortalecimento da
Cooperativa dos garimpeiros e da Associação dos joalheiros” (PDO, 2007, p. 6), reporta-se
diretamente aos garimpeiros e mesmo assim, a meta é dividida com os joalheiros, que, como
referido, é a categoria profissional de fato contemplada por esse fortalecimento. Ora, os
empresários da opala (lapidários e joalheiros), sem dúvida, têm maior cacife político nessa
policy arena da opala, e os bamburristas perdem nesse cenário, mas aprenderam também a
compensar tais perdas. Nas conversas informais com bamburristas, um dos assuntos-tabus é o
contrabando. Ao serem perguntados sobre esse assunto, desconversam, mudam de assunto.
Quando muito, comentam casos de contrabando praticados por mineradoras que atuaram em
Pedro II, de conhecimento público.
Ele [avião] vinha lá de [Teresina] pra cá, chegava, parava. Pra baixar. E
quando saía daí [pista de pouso improvisada], tornava o vôo e embora até o
[Estado do] Rio [de Janeiro]. Era mais ou menos dois quilômetro[s], quase.
Era o vôo do avião. E, aí, ia embora, né? (...). Mas moço, aqui é o seguinte:
meu filho, tinha uma... Uma serraria aqui... Fazia dezesseis caixão... Zinho
aqui serrando as madeira, ele fazia uns caixãozinho médio... Naturalmente
era combinado com eles [contrabandistas de opala] já... Os depósito que
esse aviãozinho podia carregar, desses teco-teco, de... Viagem. Ele voava
no São Luís [comunidade local] bem numa rampa, assim, depois de
Domingos Mourão [município visinho a Pedro II], pra uma coisinha
160
“Brasil, pátria dos cristais”, disponível em: http://qtalonline.com.br/fusao 03.html Acesso: 22/11/2007.
156
assim. O avião vinha, tinha um pátio numa casa, ele fazia manobra, ele
ficava esperando lá. Que quando o cara [contrabandista] ia deixar [a opala],
eles tinham uma [caminhonete dêvinte [D 20] velha...
161
Mas há, também, o pequeno contrabando praticado por bamburristas. Pequenas
gemas cuidadosamente escondidas no cós da calça, debaixo da axila, ou sob o chapéu. Gemas
podem ser, ainda, enterradas em lugar demarcado para serem recolhidas depois. Esse
contrabando miúdo estabelece um pacto de confiança entre bamburristas e compradores.
Todos sabem que o contrabando miúdo existe, mas ninguém denuncia ninguém. Um pacto de
silêncio. Mesmo após a institucionalização do APL Opala, médios e grandes garimpeiros, e
mineradores, na tentativa de coibir essa prática, continuam contratando olheiros que visitam
os garimpos para saber se alguma gema recém-encontrada, dizendo que “arranjam
comprador”, como se diz localmente.
A capacidade de pressão dos empresários, no APL, porém, é fato, pois,
sem qualquer sombra de dúvida, [os empresários] são atores [sociais] de
grande capacidade de influir nas políticas públicas, já que são capazes de
afetar a economia do país: controlam as atividades de produção, parcelas do
mercado e a oferta de empregos. Os empresários podem se manifestar como
atores individuais isolados ou como atores coletivos (RUA, 1998, p. 234).
Como lembra Draibe (1997), os trabalhadores dependem da importância
estratégica do setor onde atuam. No caso, difícil é avaliar a importância econômica do setor
produtivo da opala para a economia do município de Pedro II. Como referido, não há,
praticamente, registros que possam fornecer informações com a profundidade e a segurança
para uma avaliação. De fato, isso não se apenas no município de Pedro II, uma vez que a
falta de dados precisos tem sido, historicamente, uma constante nas regiões de garimpo
espalhadas pelo Brasil. Nesse contexto, recorre-se à memória dos bamburristas para uma
estimativa de quanto foi retirado de opala dos cerca de 34 (trinta e quatro) garimpos, ao
longo de seis cadas e atinge-se a casa de dezenas de toneladas. no tocante ao quanto
disso foi efetivamente revestido a favor da população local não nenhum segredo. Tem sido
até o presente momento ínfimo, como reconhece o próprio Sebrae, devido principalmente à
existência de monopólio, formado por intermediários do Município, de
outros Estados e do exterior que, além de não pagarem o devido imposto (no
161
Senhor Ernesto Braga, 86 anos, ex-grande garimpeiro, agropecuarista. Entrevista concedida a Ernâni Getirana
de Lima, em 31/10/2007.
157
valor real da pedra), pagam a quem lhes vende apenas 10% do seu valor,
ficando o pagamento do restante (90%) para depois de sua comercialização
no Brasil ou exterior. Sabe-se que quem detém capital no Município compra
as gemas por preços muito abaixo do valor de mercado e as revende com
grande margem de lucro, ocorrendo muitas vezes receberem as pedras em
pagamento de equipamento, alimentos e remédios que forneceram ao
garimpeiro, tornado-o por conseqüência impotente para impor preço justo
para o minério extraído (DIAGNÓSTICO... 1991, p. 87).
Percebe-se que no Diagnóstico sócio-econômico do município de Pedro II, de
1991 (um dos poucos documentos onde a opala é citada como fazendo parte da economia
local) se apresenta a percepção por parte dos técnicos do Sebrae de que se deveriam adotar
“medidas que possam coibir e frenar a ação dos intermediários, fazendo com que eles
possam adquirir a opala, através da COOMOP
162
, cuja Cooperativa deverá envidar todos os
esforços no sentido de que toda a produção de opalas só seja comercializada após a lapidação”
(DIAGNÓSTICO... 1991, p. 88).
O referido diagnóstico, porém, diz que a COOMOP é composta por associados
“com baixo nível de conscientização (...) [e que] por esse motivo, torna-se muito débil para
enfrentar os obstáculos que se antepõem à mineração no Município” (DIAGNÓSTICO...
1991, p. 86). Em função disso, propõe treinamento sobre associativismo para os associados da
cooperativa. O APL Opala se utiliza desse diagnóstico de 1991 e, possivelmente, de outras
informações pertinentes, transformadas em metas de ação. Há ainda, ao final do documento,
um item denominado “Indicações da Equipe Técnica, de Alternativas para Investimento e
Desenvolvimento do Município” que trata dos setores agroindustrial, industrial, educacional,
mineiro e turístico. Mais uma vez, no entanto, no que diz respeito ao setor opaleiro as
indicações são no sentido do beneficiamento da gema de opala, restando aos bamburristas a
remota referência da “existência de mão-de-obra” (DIAGNÓSTICO... 1991, p. 100). O
documento diz ainda que
Em síntese, espera-se que o Governo do Piauí, por ser um o único Estado
produtor de opala nobre do País, cujo minério adquire no mercado
internacional preços mais altos do que o ouro, a adoção de medidas efetivas
com o objetivo de cercear a ação de intermediários, fomentar a produção e
comercialização de máquinas, equipamentos e serviços indispensáveis à
mineração, tais como: tratores, bombas, dragas, transportes, lapidação,
energia, condições sanitárias, assistência médica e fornecimento de gêneros
alimentícios. Isto redunda em desenvolvimento para a região e aumento de
divisas para o País (DIAGNÓSTICO... 1991, p. 88).
162
Cooperativa de Mineradores de Opala de Pedro II (1983 – 1995), antecessora da COOGP.
158
Dezessete anos depois, porém, a recomendação dos técnicos que elaboraram o
documento referido o foi de todo atendida, notadamente, no que diz respeito aos
bamburristas. Com a diminuição da produção de opala, como atestam os bamburristas, o
estado de precarização do trabalho desse grupo social aparentemente aumentou, o que gera
insatisfação.
Vem ajuda pra tudo no mundo, menos para garimpeiros nem para a
cooperativa (...). Veio ajuda para os lapidários, joalheiros, né? Esse outro
povo que trabalhando aí, [equipe técnica que assessora o APL Opala],
tudo ganhando dinheiro, mas para o garimpeiro não tem nada. Tem
garimpeiro, aí, que não pode ir pro garimpo se não tiver alguém que uma
merenda pra ele.
163
Em outras palavras, a tendência dos bamburristas (tanto sócios quanto não sócios
da COOGP), pelo menos no curto e no médio prazos, é continuarem sofrendo invisibilidade
social quer seja dentro ou fora da CPO como do APL Opala e na própria sociedade local.
Aqui, cabe explicitar melhor o fato apenas mencionado de que bamburristas estão em campos
opostos a empresários garimpeiros.
São precisamente os empresários, comumente chamados de médios e grandes
garimpeiros, que com os grandes joalheiros e os grandes lapidários, aliados ao poder político
local, que não se esgota na figura do atual prefeito com mandato entre 2005-2008 (também,
um dos empresários garimpeiros), que na prática, acham-se no papel de detentores da história
oficial da opala, arvorando-se como seus legítimos representantes, pois, exatamente “quem
tem o poder de representar tem o poder de definir e determinar a identidade” (SILVA, 2000 p.
91). Médios e grandes garimpeiros, lapidários e joalheiros, e designers ou por outra,
empresários garimpeiros correspondem a uma “identidade normal” (SILVA, 2000, p.83) em
oposição a bamburristas. E como “todas as práticas de significação que produzem significados
envolvem relações de poder, incluindo o poder para definir quem é incluído e quem é
excluído” (WOODWARD, 2000, p. 18), os empresários garimpeiros, de fato, exercem seu
poder de nomear (CUCHE, 2002) sobre bamburristas.
Com efeito, a identidade dos bamburristas não se encontra visível na história
oficial da opala, mas numa história oficiosa, paralela, subterrânea dessa gema. Assim, a
história e identidade de um sujeito social submetido à invisibilidade social parece poder
163
Sr. José Barroso de Arimatéia, 65 anos, bamburrista e membro do conselho fiscal da COOGP entre 2005 e
2207, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 29/10/2007.
159
existir, num plano igualmente subterrâneo, conseqüência do próprio processo de
invisibilidade, até que possam (se é que podem), de alguma forma, virem à superfície da arena
das relações sociais.
Nesse contexto, é de se perguntar a quem pertence o poder de legitimizar a
política de inserção produtiva implementada no âmbito do APL Opala ou, mais precisamente,
que participação, nesse processo, têm os bamburristas como sujeito coletivo, frente a outros
igualmente interessados em conquistar a maior fatia de poder no arranjo produtivo? No caso,
trata-se de trabalhadores, dos quais, em sentido amplo, pode-se dizer que o
o seu poder resulta da ação organizada, portanto, atuam através de seus
sindicatos [e cooperativas] que eventualmente são ligados a partidos, ONGs
[organizações não-governamentais] e até mesmo a igrejas. No caso dos
trabalhadores, é importante considerar que, dependendo da importância
estratégica do setor onde atuam, podem dispor de maior ou menor poder de
pressão (RUA, 1998, p. 235).
Como a legalidade está diretamente associada ao grau de satisfação dos atores,
deduz-se, das falas de bamburristas, que existe, de fato, um espaço de descontentamento no
âmbito da política norteadora do APL Opala. Se, como sugere RUA (1998), para se saber
quais os atores de uma política pública se faça a pergunta “quem tem alguma coisa em jogo[?]
Quem pode ganhar ou perder com tal política, quem tem interesse diretamente afetados pelas
decisões e ações que compõem a política em questão[?]” (RUA, 1998, pp. 235-236).
Atrelando-se isso a indicações de satisfação de bamburristas no bojo do APL Opala, ver-se-á
que enquanto a legitimidade dessa política é questionada por esses sujeitos sociais, é elogiada
por lapidário/as e joalheiro/as. Estes, aliás, têm o perfil do que Rua (1998) chama de atores
privados, quase sempre com grande capacidade de influir nas políticas públicas e com grande
capacidade de pressão, ao contrário dos bamburristas. No caso do APL Opala, tem-se, de um
lado bamburritas e, de outro, empresários garimpeiros e burocratas, estes, valendo-se do
conhecimento especializado (informação) e autoridade.
Quanto aos bamburristas e sua problemática, aliás, a sua própria visibilidade
social, encontra-se ainda como um estado de coisa (RUA, 1998), pois, de fato, embora
inseridos no Estatuto do garimpeiro e na agenda governamental, não se encontram entre as
prioridades dos tomadores de decisão (policy makers) do ramo da opala.
Note-se que a apropriação identitária do símbolo opala, tomado no sentido de
Peirce (1972), por parte de empresários garimpeiros, por ser ou parecer um símbolo da força
homogeneizadora dessa identidade, faz com que esta apropriação seja quase invisível e,
160
portanto, com poder de naturalizar as relações sociais dos sujeitos que disputam a história da
opala, precisamente porque “a força homogeneizadora da identidade normal é diretamente
proporcional (...) a essa invisibilidade” (SILVA, 2000, p. 83). Assim, construída dessa forma,
a história da opala ganha status de verdade absoluta, calcada na tradição.
As características distintivas da tradição são o ritual e a repetição. As
tradições são sempre propriedades de grupos, comunidades ou coletividades.
Indivíduos podem seguir tradições ou costumes, mas as tradições não são
uma característica do comportamento individual do modo como os hábitos
são (GIDDENS, 2000, pp. 51 – 52).
Não se pode esquecer, porém, que é o mesmo Giddens (2000) lembrando
Hobsbawn e Ranger (1984) quem adverte para o fato de que as tradições e os costumes são,
eles mesmos, uma criação da modernidade, inventados, construídos socialmente, portanto,
não surgindo espontaneamente. Nesse sentido, assim como se diz como os bamburristas são
percebidos no âmbito do APL Opala, interessa, também, saber como eles se percebem, uma
idéia de como esse grupo constrói sua identidade e sua memória coletiva. É disso que se vai
tratar na sessão seguinte, compreendendo-se que a identidade e a diferença são faces de uma
mesma moeda e que é pela fricção entre a autopercepção dos bamburristas e de como são
percebidos pelos demais sujeitos do APL Opala, e da sociedade mais ampla, que se poderão
colher indícios de sua manifestação identitária.
3.4 COMO BAMBURRISTAS SÃO PERCEBIDOS E SE PERCEBEM NO ÂMBITO DO
APL OPALA
3.4.1 Como os bamburristas são vistos no âmbito do APL Opala
A primeira impressão que se tem ao se lerem e relerem documentos que tratam do
conceito de APL mineral, e em especial, os que tratam do APL Opala, é de que são escassas
as referências aos bamburristas. O APL Opala, em documento, logo no momento de dizer a
que veio, refere-se aos bamburristas por último (tanto na apresentação em si quanto no
cronograma de metas), parecendo esquecer de que, na verdade, são eles, bamburristas, que
compõem o primeiro segmento da CPO. Assim, o grosso dos recursos do APL Opala não está
sendo direcionado aos bamburristas, mas aos lapidários e joalheiros (Tabela 4).
161
Destino do investimento APL Opala
(2005-2007)
Valor do investimento
Museu da Roça
R$ 41.752, 00
Aproveitamento da opala de Pedro II como gemas
artesanatos e artefatos minerais de modo associativo
R$ 400. 000, 00
Projeto de recuperação de áreas degradadas nos
garimpos de opala.
R$ 707. 400, 00
Turismo mineral
R$ 615.000, 00
Projeto edital FINEP SET
R$ 900. 000, 00
TOTAL R$ 2. 664. 152, 00
TABELA 4. Destino do investimento no APL Opala 2005 – 2007.
Fonte: APL Opala, 2005.
Projeto realizado com a participação da Empresa Brasileira de Petróleo SA - PETROBRÁS. O museu está localizado na
propriedade Roça, do Sr. Raimundo Dalto Galvão (conhecido como ‘Mundote’), grande garimpeiro, a cerca de cinco km do
centro da cidade de Pedro II. O museu contém, além, de referências à opala, várias salas com coleções de objetos antigos
doados por moradores locais, e um restaurante.
∗∗
Trata-se de um projeto que objetiva incrementar de forma contínua o fluxo de turistas em visita aos garimpos, joalherias,
oficinas de lapidação e Museu da Roça, além de promover palestras sobre a gema de opala.
∗∗∗
Projeto que visa ao desenvolvimento de tecnologias e equipamentos integrados ao APL da opala do Piauí, pela Secretaria
Estadual de Tecnologia.
Essa mesma lógica de gestão do APL Opala, segundo a qual os bamburristas são
mantidos na periferia do processo decisório, é reforçada pelas linhas de ação do Arranjo que
são, ainda de acordo com o documento APL Opala Piauí, “pesquisa mineral, lavra,
beneficiamento, lapidação, design, joalheria, comercialização, promoção comercial, gestão,
mobilização social e recursos hídricos e meio ambiente” (APL Opala Piauí, 2005, p.14). No
mesmo documento, o item constante na tabela 4, “Projeto de recuperação de áreas degradadas
nos garimpos de opala” apesar da importância da atividade denotada pelo montante previsto,
ainda não havia sido liberado até 2007, o que denota uma possível falta de interesse
demonstrada pelos articuladores do APL para com a questão da sustentabilidade ambiental
que, como se sabe, tem sido usada, no geral como panacéia em projetos, muitas vezes, como
forma de garantir (ou apressar) a liberação de recursos.
Por seu turno, o item “Aproveitamento da opala de Pedro II como gemas artefatos
e artefato minerais de modo associativo”, no mesmo período, teve o montante prontamente
liberado, contemplando lapidários e joalheiros. Estes, por sinal, dizem-se satisfeitos com o
andamento do APL Opala.
É... O... O objetivo da, da ajolpe [AJOLP] é organizar e promover o
crescimento do setor de, de lapidação e de joalheria, né? E contribuir a... De
forma possível, também, com a mineração que é a base, né? Mas assim,
desde, desde que foi fundada, vários projetos pra esse fim, já,
aconteceram. Já, já realizamos cursos de joalheria, já é... Capacitamos vários
jovens nessa área, aconteceram cursos de desáine [design], para a gente
abrir mão às técnicas de joalheria e também as técnicas... . Com relação a
outro ponto muito forte, nós estamos trabalhando a promoção da, da opala. A
162
promoção, hoje em dia, a promoção de Pedro segundo, e... Se a gente for
listar, provavelmente a gente ter vinte eventos no decorrer de um [do]
ano.
164
Aliás, a consulta a documentos na pesquisa tem revelado o lugar destinado aos
bamburristas no âmbito do APL Opala como, por exemplo, indica um desses documentos
denominado APL Opala Piauí, apresentado em power point por Marcelo Morais
165
,
representando, na ocasião, todas as instituições e entidades componentes do arranjo produtivo,
em junho de 2005 na cidade de Pedro II para uma audiência composta por entidades ligadas
aos garimpeiros, joalheiros e lapidários, autoridades locais e o publico em geral, quando da
implementação do APL. Apenas no slide de mero 105 (de um total de 111) intitulado
“Governança do APL Opala”, como último item listado naquela tela lê-se: “2009: inclusão
social dos garimpeiros e daqueles que dependem direta ou indiretamente deles” (APL ... 2005,
p. 105). Ressalte-se que a apresentação mostrava o cronograma do APL Opala entre 2005 e
2009, ou seja, a inclusão dos bamburristas foi pensada em último lugar, em uma série de
metas a serem atingidas, o que, aponta para o fato de que, esses sujeitos não seriam
devidamente ouvidos, nem teriam suas opiniões levadas em conta no bojo do Arranjo. Pelo
que consta no documento citado, o Arranjo não seria feito com os bamburristas, mas para
eles.
Com efeito, documentos, notoriamente redigidos sob o enfoque do paradigma da
sustentabilidade ambiental, como o Plano de Desenvolvimento da Opala-PDO e a Carta
Ambiental da Mina do Boi Morto Pedro II - Piauí, sobretudo, embora enfoquem questões
sociais dos bamburristas, de fato não têm, efetivamente, sido acompanhados do cumprimento
de metas dirigidas a estes, refletindo dimensão do que, no capítulo II dessa dissertação,
denominou-se invisibilidade social.
A Elaboração da Carta Ambiental da Mina Boi Morto em Pedro II Piauí é
uma realização do APL da Opala de Pedro II e Buriti dos Montes. O objetivo
[da carta ambiental] é mapear e levantar a situação da área, estabelecendo
ações necessárias de resgate da Micro Bacia do Rio dos Matos, servindo
também como referência para a Bacia do Rio Corrente. (...). A iniciativa
permite conhecer detalhadamente essa realidade para auxiliar nas medidas de
conservação, além de difundir oportunidades de turismo mineral da região,
bem como verificar os efeitos da ação antrópica no ecossistema. A Carta
Ambiental visa ainda [a] estimular o desenvolvimento de projetos de cunho
social, turístico, ambiental, tecnológico que apontam melhorias para a
164
Sr. Juscelino Araújo, 37 anos, lapidário, presidente da AJOLP à época da pesquisa, Pedro II. Entrevista
concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 15/10/2007.
165
Coordenador do APL Opala.
163
qualidade de vida da população. (...). Objetiva-se [,] com este sistema de
lavra garimpeira, tornar o garimpo mais coletivo e mais humano. Esta ão
visa [a] guarnecer os garimpeiros com auxílio de máquinas que vão
desbastar a pilha de rejeito, colocando-os em lotes para serem regarimpados,
numa área pré-estabelecida, em local próximo, onde terá [haverá] refeitório,
banheiros e um depósito para seu material de trabalho. No local será [serão]
instalado[s], além de uma caixa d’água que abastecerá todos os lotes, abrigos
para descanso (CARTA... 2007, p.1)
166
. (Caixa alta no original).
As referências de melhorias (refeitório, banheiros, alojamento) listadas no
documento supracitado não saíram do papel até à conclusão dessa dissertação. No tocante à
saúde dos bamburristas, em que pese a inexistência de pesquisa acerca desse item, informes
de funcionário da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA dão conta da existência de um
alto índice (para os padrões locais) de esquistossomose entre bamburristas. Quanto aos demais
itens, caberia uma pesquisa, talvez, por iniciativa do próprio APL Opala.
Os bamburristas do garimpo Boi Morto (os demais garimpos encontram-se em
situação semelhante, exceto aqueles operados pelas duas mineradoras) dispõem de uma
pequena área coberta, a referida “palhoça”, na verdade, um galpão improvisado, onde
entulham suas bicicletas, mochilas, recipientes com água e comida, e, sob o qual, se
resguardam do sol entre onze e meia e quatorze horas, quando, então, almoçam e descansam
para jornada de trabalho vespertina.
Na “palhoça”, como é chamada localmente a estrutura improvisada que
serve de abrigo a bamburristas e a suas bicicletas, além de recipientes com
água e comida, entre onze e quatorze horas, durante o período no qual
almoçam e descansam um pouco, duas placas de zinco, fixadas em umas
estacas de madeira. Uma de boas-vindas à/ao visitante e outra onde se pode
ler: ‘Política da [de] qualidade COOGP: atender nossos clientes satisfazendo
suas necessidades e expectativas; buscar a melhoria contínua através de
investimentos em produtos e serviços com tecnologia de qualidade;
desenvolver entre as pessoas a criatividade e o trabalho em equipe;
estabelecer parcerias’ (LIMA, 2007, p.2). (Aspas no original).
A mensagem, contida em uma das placas do garimpo Boi Morto (Fotografia 10),
denota preocupação com a qualidade do serviço prestado ao/à eventual cliente, de modo a
satisfazer-lhes necessidades e expectativas. Objetivo difícil de ser alcançado, entretanto,
quando se sabe que os homens que trabalham ali, no garimpo, não dispõem de um lugar
decente onde possam atender, sequer, a necessidades fisiológicas.
166
Disponível em: www.aplopalapiaui.com.br
164
Fotografia 10: Placa sobre a política de qualidade da COOGP no Garimpo
Boi Morto, Pedro II – PI.
Fonte: (LIMA, 2008).
No entanto, em entrevista, o coordenador do APL Opala, Marcelo Morais, quando
respondeu à pergunta “qual a importância do arranjo produtivo para o desenvolvimento da
região [de opala]?”, disse:
não dúvida de que o projeto [APL Opala] vai ajudar a região [de Pedro
II]. Para se ter uma idéia, estamos concluindo a capacitação de uma turma de
quinze [15] novos ourives que serão imediatamente absorvidos pelo mercado
de trabalho. Os parceiros, como a Prefeitura, a Câmara de Vereadores e toda
a sociedade organizada da região, já percebem retorno. Estamos oferecendo
um curso de trezentas e sessentas [360] horas, com três [3] consultores,
acompanhando esses alunos que estudam ourivesaria. Isso é geração de
emprego direto, pois na hora em que terminarem, terão emprego. E temos
uma demanda de mais duzentos e cinqüenta [250] ourives e lapidários.
Como vamos absorver esse grupo? Eles serão treinados e logo que a turma
for concluída, vamos abrir outra e assim por diante. Esperamos que, nos
próximos três ou quatro anos, na área de ourives e lapidários, teremos
gerado duzentos e setenta [270] empregos em Pedro II. Isso vai beneficiar
diretamente cerca de mil pessoas, porque o trabalho envolve as famílias.
Essas pessoas serão futuros empreendedores em lapidação e joalheria em
Pedro II, Buriti dos Montes e região (ENTREVISTA... 2006, p. 2).
Note-se que a pergunta permite ao entrevistado uma abordagem que poderia
incluir o segmento bamburrista, o que não acontece. A resposta, contudo, segue um padrão
que se detectou em inúmeras entrevistas
167
do gênero com silenciamento sobre bamburristas
167
Divulgadas no site www.pi.gov.br , setor notícias.
165
por parte daqueles que falam em nome do arranjo. Em contrapartida, o enfoque recai, na
mesma proporção, sobre o segmento lapidação e joalheria.
As escassas referências ao direito desses trabalhadores, aliás, não é privilégio
apenas da documentação que trata dos APLs Minerais, mas da que trata da mineração e,
principalmente, das práticas garimpeiras como um todo, incluindo-se, aí, o próprio Estatuto
do garimpeiro, quando em seu Art. 11, diz que “fica assegurado o registro de garimpagem nas
carteiras expedidas pelas cooperativas garimpeiras”. Isso tem pouco significado prático em
termos de direitos e segurança do trabalhador, pois seria desejável que garimpeiros gozassem
de um amparo previdenciário que garantisse à sua família condições mínimas de
sobrevivência no caso de morte ou invalidez daquele. Reconhece-se, contudo, que o estatuto
assegura a garimpeiros uma maior tranqüilidade quanto ao exercício das práticas garimpeiras
ao permitir a concessão de lavra, como previsto no Art. 5
o
: “As cooperativas de garimpeiros
terão prioridade na obtenção de título para aproveitamento mineral dos recursos e jazidas de
minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando (...)”.
A invisibilidade institucionalizada dos bamburristas, no Plano de
Desenvolvimento da Opala PDO, ultrapassaria, aliás, o nível das formalidades legais desse
documento e se instalaria no âmbito de um discurso
168
exógeno e, por isso mesmo,
intervencionista, voltado demasiadamente para a produção. Em essência, trata-se de um
discurso que, desconsidera a lógica garimpeira (CIOCCARI, 2004; ECKERT, 1993) e, no
caso, de bamburristas como sujeito coletivo fundamental na cadeia produtiva, pois sem eles
sequer haveria a produção de opala. E o próprio APL, nos moldes em que foi concebido,
também não existiria.
Por outro lado, como a produção de opala vem decaindo consideravelmente (fato
do conhecimento de todo/a/s que lidam com a opala) nas últimas duas décadas, alguns
bamburristas levantam a possibilidade de que o futuro dos garimpos de opala de Pedro II
seria a mecanização, pois “a opala está cada vez mais funda”, como costumam dizer. A
mecanização dos garimpos de opala, diga-se de passagem, há muito que é um fato, pelo
menos parcialmente, no garimpo Boi Morto, onde, ao longo dos últimos cinqüenta anos,
várias mineradoras ali se instalaram, sucessivamente, com seu maquinário pesado. A quem
interessaria, afinal, a mecanização dos garimpos de opala senão ao mercado sempre ávido por
gemas?
168
Discurso é aqui tomado no sentido dado por Orlandi (1987). Parra essa autora, enquanto o discurso interpela
o sujeito de forma, muitas vezes, inconsciente, pois revestido por uma ideologia; a fala tem um caráter mais
consciente do exercício individual da língua, guardando, porém, traços desse ou daquele discurso.
166
Ora, o discurso hegemônico das entidades que detêm o controle real do APL
Opala, como mencionado, é o discurso do empreendedorismo e não se restringe ao APL
Opala de Pedro II, pelo contrário, trata-se de uma narrativa mestra (MORAES, 2000), a partir
da lógica neoliberal da economia, que se traduz concretamente entre outros elementos num
processo de mecanização crescente do trabalho, em escala mundial, de acordo com o que
Michel Maffesoli reconhece como violência totalitária.
Tudo isso [referindo-se à transferência para as instâncias longínquas e
abstratas da tarefa de gestão do bem comum e dos limites do coletivo] me
levou a dizer que, em muitos aspectos, assistimos à instauração de uma
‘violência totalitária’ que, invertendo a terminologia durkheimiana, permite
o deslizamento de uma solidariedade orgânica’, mais próxima do cotidiano,
para uma ‘solidariedade mecânica’, promovida por uma estrutura técnica que
se autoproclama avalista do bom funcionamento da vida social”
(MAFFESOLI, 2004, p. 15). (Aspas internas no original).
Concretamente, esse processo de mecanização das minas e garimpos está em
marcha no mundo, e visa, por um lado, à contenção de despesas de firmas e empresas
mineradoras e, por outro, ao máximo de lucratividade das mesmas.
De modo geral, as operações de mina a céu aberto, externas, utilizam
reduzida mão de obra se comparado com o que se pratica no Brasil. Tem
sido correta a política das empresas de utilizar mão de obra somente onde ela
é necessária. A aplicação nas minas dos equipamentos de maior porte traz
economia para as operações, uma tendência da atividade no mundo e que
também está sendo seguida aqui no Brasil, na medida do possível
(GERMANI, 2002, pp. 25-26).
Para esse autor, que sintetiza a opinião do mercado na ótica dos empresários,
interessa tão somente a economia nas operações, ignorando-se o desemprego estrutural que
essa medida provoca. É interessante perceber que enquanto uma possível futura mecanização
dos garimpos de opala desperta uma remota preocupação em alguns bamburristas, para
lapidários e joalheiros do setor ela é bem-vinda, tanto no segmento de extração da cadeia
produtiva, quanto no próprio setor de lapidação, este, representado por lapidários e joalheiros.
O setor de lapidação, por conseguinte, tem sido, de longe, o mais contemplado
com os aportes financeiros, inclusive, como referido, com aquisição de aparelhos sofisticados
para uso na lapidação de opala no âmbito do APL Opala. O que parece significativo para
lapidários e joalheiros é a manutenção da produção de opala. Se essa produção é fruto de
extração manual ou mecânica pouco importa. O que importa é ter a gema de forma contínua e
167
em grande quantidade para ser lapidada, encastoada no tucum, no ouro ou na prata de uma
maneira mais artesanal ou sob a orientação de um/a desingner de jóia. De preferência, um/a
profissional que consiga captar a referida “essência local” e, se possível, levar as jóias até à
mídia ou, ao contrário, trazer a mídia até elas e, assim, incrementar essa fatia do mercado.
Esse marketing vem efetivamente acontecendo e atingiu seu ponto máximo com a
realização do Festival de Inverno de Pedro II, a Terra da Opala, em sua quinta edição em
2008.
Um dos desafios auto-impostos pelo próprio APL Opala é dar visibilidade ao
mercado de opala de Pedro II e, conseqüentemente, à região produtora de opala, com a
criação da Associação de Produtores de Opala do Estado do Piauí - APROPI que inclui,
também, o município vizinho de Buriti dos Montes. Dessa forma, a proximidade entre esse
arranjo produtivo e a mídia tem ocorrido de forma sistemática desde que aquele foi
oficialmente instituído. Sabe-se que, por definição, o modelo de arranjos produtivos trabalha
com conceitos de região ou território. Uma das formas de se obter tal visibilidade é tornar a
região conhecida, sobretudo via mídia. Essa visibilidade operada através da mídia não se
gratuitamente, nos vários sentidos de gratuidade, inclusive, no simbólico. Assim, de certa
forma, ela acontece mediante um processo de espetacularização, isto é, da abordagem de fatos
que explora o trágico, o insólito, o excêntrico, tidos como categorias, que manipuladas, são
geradoras de audiência e, conseqüentemente, de retorno financeiro para os patrocinadores. A
gema de opala é tratada pela mídia como algo raro, de grande beleza e valor, estabelecendo-
se, aí, um contraste com a população local, ordinária e empobrecida que necessita da opala
para brilhar. A opala torna-se, assim, motivo de orgulho para pedrossegundenses,
constituindo-se naquilo que se tem chamado de mito da opala e que é endossado pelas grandes
narrativas (MORAES, 2000) locais, construídas sobre essa gema.
No caso em questão, a mídia, sobretudo a televisiva, atrela à abordagem
espetacularizada a atividade de lapidação e joalheria em detrimento da atividade extrativa da
opala, onde se encontram os bamburristas. No processo de espetacularização, algo
(material ou imaterial) a ser consumido e potenciais consumidores.
Uma localidade ou região extrapola o conceito geográfico de limites e
assume o conceito de espaço onde ocorrem relações de diversas grandezas
social cultural econômica política, quando aparece na mídia. A busca
para evidenciar sua presença, no mundo, é medida pelo processo
comunicacional, afinal lugares são espaços de vivência e convivência. (...).
Contudo ignoram-se processos de negociação entre os emissores e
produtores do ‘mass midia’ que se apropriam dos diversos elementos
168
culturais e recriam uma imagem espetacular e inusitada, para atender a uma
audiência sempre ávida pelo espetáculo. (...). Ganhar visibilidade tornou-se
uma regra básica em uma sociedade marcada pela tecnologia (...). Sem
dúvida alguma estamos inseridos na sociedade do espetáculo, quer seja no
espaço regional ou no espaço global, afinal não é o espaço que delimita o
comportamento imagético e diferenciador. Debord (1997) correlaciona a
sociedade de consumo e o suporte midiático das comunicações de massa
como variáveis que possibilitam a esta mesma sociedade sua transformação
na ‘sociedade do espetáculo’, ou melhor, segundo o autor, o espetáculo
tornara-se a forma de ser da sociedade de consumo, pois o espetáculo
consiste na multiplicação de ícones e imagens principalmente através dos
meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos,
religiosos e hábitos de consumo (...) [de] tudo [que] transmite uma sensação
de permanente aventura, felicidade e grandiosidade (GALINDO, 2007,
pp.1-2). (aspas no original).
Com efeito, quando se buscam notícias, na mídia, acerca da opala de Pedro II,
nota-se que, geralmente, as reportagens ficam na espetacularização, na glamourização dessa
gema. Quando muito, vertem a opinião dos policy makers das políticas públicas que norteiam
o APL Opala, ou repassam a visão de grandes lapidários e joalheiros. A voz (e sobretudo a
imagem) dos bamburristas está geralmente ausente, invisível. Ao mostrar a Terra da Opala, a
mídia colabora, paradoxalmente com o processo de invisibilidade dos bamburristas, pois
parece não haver lugar para eles nas fotografias coloridas, nas reportagens de TV
169
, nos
websites, enfim. É como se a figura dos bamburristas não fosse fotogênica, por ser desprovida
de glamour. A mídia glamouriza a gema de opala, esta, sim, objeto de desejo, fetiche e
visibilidade à gema de opala, ressaltando-lhes propriedades gemológicas como cor,
ductilidades, e a raridade. Nesse sentido, a gema é rara, os bamburristas o. As poucas vezes
em que a mídia reproduz a fala de bamburristas, o faz de forma superficial; muitas vezes, sem
citar-lhes os nomes, discorrendo sobre assuntos que, em geral, não dominam, e que, nas
mesmas reportagens, são abordados de forma aprofundada por técnicos, lapidários e
joalheiros. “Acho que a parte de organização melhorou 100%’, diz um dos garimpeiros”, é a
única frase pinçada, por exemplo, no resumo da reportagem da Caravana JN
170
. Em
contrapartida, a mesma reportagem dedicou um tempo considerável às falas dos demais
sujeitos da Cadeia Produtiva da Opala. Perceba-se que aos bamburristas é perguntado sobre o
APL Opala e não, especificamente, sobre suas atividades no garimpo. O bamburrista, em
169
A opala tem aparecido em inúmeras reportagens de TV (listadas em sites como o do APL Opala,
www.aplopala.com.br) em rede nacional, no entanto tais reportagens enfocam apenas as qualidades gemológicas
da opala e a visão de lapidários e joalheiros. Os bamburristas aparecem apenas como um número.
170
Série de reportagens realizadas pelo repórter Pedro Bial, e exibida em cadeia nacional pelo Jornal Nacional,
da Rede Globo de Televisão, de julho a setembro de 2006. Disponível em:
http://jornalnacional.globo.com/Telejornais/JN/0, MUL568850-10406,00-
O+PODER+DE+UMA+PEDRA+PRECIOSA.html (2008).
169
questão, na reportagem, parece não possuir nome, identidade, ao contrário dos demais
entrevistados. E, presumivelmente, fala pelos demais bamburristas, como a reportagem parece
fazer crer.
Convém lembrar, no caso da opala, mais um dos princípios de utilidade das coisas
aos cinco já consensuais: utilidade econômica, utilidade forma, utilidade lugar, utilidade
tempo e utilidade posse (ROCHA, 1983). Trata-se do princípio da utilidade marginal, segundo
o qual a importância de uma coisa deve-se mais à sua raridade. Com efeito, a utilidade
marginal da opala, tem aparecido nas mídias, sobretudo na eletrônica (televisiva e a internet),
ou pelo menos na quase totalidade das reportagens sobre o tema nas mídias piauiense e
nacional. A visão midiática consolidada em torno da gema de opala, mais do que imagens e
palavras, emite opinião acerca da gema de opala, opinião esta, fortemente influenciada pelos
orquestradores do arranjo produtivo. Os bamburristas, no entanto, sequer são “ponto de
pauta”, como se diz no jargão midiático, o que aponta para a invisibilidade desse grupo social
para os próprios orquestradores do APL, e para a aceitação factual, da mídia, desse
encobertamento.
Vale considerar, ainda, que são os bens materiais e imateriais que “carregam em si
a carga de significados essenciais para a construção de sentido através dos diversos processos
comunicacionais, que promovem visibilidade com significado” (GALINDO, 2007, p. 2), e
esta pode ser encontrada no âmbito dos sujeitos aos quais estão ligadas. Nesse sentido, a
opala como bem material e imaterial dos pedrossegundenses, efetivamente, não é em si
mesma, promotora da visibilidade dos bamburristas. Estes não ascenderam à visibilidade
social no mesmo de igualdade dos demais sujeitos que disputam a história social da opala,
em Pedro II.
Isso se evidenciou, por exemplo, quando do lançamento do catálogo “Pedra
Primeira de Pedro Segundo”
171
, em 2007 (Anexo F). Apesar de o texto inicial tecer elogios
aos bamburristas, estes são descritos, poeticamente, como exóticos
cabras destemidos, que não hesitam em descer quase vinte metros num poço
terra a dentro à procura do veio luminoso encravado na argila, ou passar o
dia sob o sol do sertão vasculhando, peneirando, levando rejeitos (terra,
pedra, cascalho) da mina, em busca dos preciosos fragmentos da opala
(KUBRUSLY, 2007, p. 16). (Parêntese interno no original).
171
Trata-se de uma peça publicitária de refinado acabamento gráfico e conceitual, cuja realização ficou a cargo
do Governo Federal (Ministério do Desenvolvimento Agrário) e do Sebrae e contou com o apoio das demais
parceiros do APL Opala.
170
Bamburristas aparecem, assim, como semi-heróis épicos, distantes, pois, da
realidade cotidiana. Nessa perspectiva, seu trabalho assemelhar-se-ia, talvez, mais aos “Doze
trabalhos de Hércules” da mitologia grega que a um trabalho humano. Essa espécie de
heroicização presente no catálogo apenas afasta o/a leitor/a de possibilidades reais de
visualizar bamburristas como homens no espaço de homens e mulheres reais, mais
precisamente, impede de vê-los como um dos sujeitos sociais da história da opala. Por outro
lado, como referido, não é esse aspecto da cadeia produtiva da opala, muito menos, o trabalho
árduo dos bamburristas que, de fato, têm espaço na mídia, no geral e, conseqüentemente, nas
mentes das pessoas. Com efeito, a mídia contribui para a invisibilidade social dos
bamburristas devido à superficialidade e espetacularização na cobertura das matérias relativas
à opala e, também, ao aparente atrelamento das notícias à versão oficial dos fatos, dada pelas
autoridades do APL Opala
172
.
Não resta dúvida de que a gema de opala, além do valor econômico, possui forte
apelo visual. Suas cores e formas mesmo in natura têm o poder de seduzir os olhares de
quanto/a/s a procuram. Aliás, tal propriedade não é primazia da opala, mas devido à sua
raridade e, ainda, ao seu relativo desconhecimento por parte de um público mais amplo, as
fotografias de gemas de opala não passam despercebidas. Ao longo da trajetória da
exploração da gema de opala, no município de Pedro II, algumas dessas fotografias se
tornaram verdadeiros ícones, sendo reproduzidas ao longo do tempo em jornais, revistas,
folders e catálogos.
Um olhar mais detido nas fotografias do referido catálogo permite deduzir o lugar
secundário, ali, reservado aos bamburristas. O enfoque que lhe é dado nessa peça publicitária
pode ser tomado como uma síntese de como esses sujeitos são vistos pelo APL Opala, pela
mídia e pelo grande público, ao mesmo tempo. Pelo APL Opala, porquanto uma peça
publicitária desse porte não conseguiria chegar à impressão sem o aval dos parceiros; da
mídia, porque a peça é feita por profissionais do ramo de publicidade, a partir de pesquisa
acerca tanto do produto quanto do potencial público consumidor e, finalmente, do grande
público, porque o catalogo reproduz, em parte, o que se espera que reproduza, isto é,
endossa uma narrativa de forte cunho homogeneizador acerca da opala e dos bamburristas.
Dentre as fotografias de bamburristas, nove coloridas, mas em nenhuma delas
um rosto é mostrado. Ou os bamburristas são fotografados em planos longos e seus corpos
misturam-se à paisagem desértica do garimpo ou são fotografados em close, quando então
172
O que pode ser pensado, teoricamente, nos termos do que Moraes (2000) alude como narrativas-mestras.
171
aparecem apenas suas mãos, ressaltando-se o que realmente interessa ressaltar desses homens,
na ótica da produtividade. As fotografias das mãos se confundem com as de suas ferramentas,
também, em close.
Nesse sentido, os bamburristas são mostrados como máquinas humanas
conjugadas às ferramentas, extensão naturalizada de seus braços, cuja função é extrair a gema
bruta das entranhas da terra. Seus corpos envoltos em roupas velhas, lenços cobrindo-lhes o
rosto, chapéus de abas longas para barrar os raios do sol inclemente, posam ao lado de um
montículo de gemas igualmente rotas porque ainda envoltas pelo barro sob o qual
descansavam antes. O catálogo reforça, assim, o apagamento social dos bamburristas, pois,
embora o seu texto pretenda-se enaltecedor das figuras dos garimpeiros, apenas os inscrevem
em um mundo rústico, exótico, povoado por superstições. Em nenhum momento do catálogo,
os bamburristas são mostrados em sua dignidade de trabalhadores. Na segunda parte (16
páginas de um total de 20), as coleções de gemas de opala brilham absolutas sem mais a
figura dos bamburristas a contrastá-las.
Pode-se argumentar que os organizadores do catálogo tinham como meta realçar
as gemas ali fotografadas e que, ao incluírem as figuras dos bamburristas, prestaram-lhes uma
justa homenagem. Contudo, sabe-se que o olhar pressupõe escolhas, julgamentos, isto é, trata-
se de algo socialmente construído. A própria fotografia, ao congelar o tempo eterniza o
momento. Mas como o olhar, a fotografia não é ingênua, havendo escolhas (algumas
inconscientes) feitas pelo/a fotógrafo/a (FABRIS, 1994; MURRAD, 2000; BUSSELLE, 1977;
BERENSON, 1972) . Ao se fotografar seres humanos “a fotografia constrói uma identidade
social, uma identidade padronizada, que desafia, não raro, o conceito de individualidade,
permitindo forjar as mais variadas tipologias” (FABRIS, 1994 p.15).
Com efeito, nesse processo de divulgação das atividades opalinas em Pedro II, a
linguagem midiática enfatiza as vantagens da instituição do APL Opala
173
.
As minas de opala na cidade de Pedro II (...) foram exploradas
clandestinamente por mais de 40 anos, sem qualquer preocupação com o
meio ambiente. Há exatos 23 meses, essa realidade começou a mudar com as
ações do APL. (...). Segundo estimativas não-oficiais da Associação dos
Joalheiros, em 2005, eram extraídos 60 quilos de jóias [sic] por ano das
minas de Pedro II. Hoje, a produção mais que triplicou, passando a 200
quilos (...).
173
Em reportagem publicada em 09/07/2007 cujo título é “Ações triplicam produção de jóias de opala”,
Disponível em www.gp1.com.br/materia.asp?notcod=1378 (2007).
172
No entanto, de fato, verifica-se uma queda na produção de opala nos últimos anos.
Tanto bamburristas quanto empresários garimpeiros são unânimes em dizer que “não se acha
mais opala grande como antigamente”, “a opala difícil, mais funda”, “só se acha pedra
miúda”. As falas de vários bamburristas apontam para a falta de opala e, não raramente,
também, percebe-se inconformismo desses sujeitos sociais para com o APL Opala. De fato,
ante a diminuição da produção de opala, tanto bamburristas quanto empresários garimpeiros
ressentem-se de que o APL Opala ainda não está devidamente estruturado para responder às
demandas represadas:
[O APL] mudou muita pouca coisa (...) pois sabemos que já faz quase dois
[2] anos da apêele [APL] e o tem nenhuma política voltada, dizer assim,
duma sustentação do garimpeiro de, de fazer uma frente... De dar uma
[pausa longa] a condição dele chegar na pedra matriz. Então, até hoje,
continua a mesma dificuldade... Não tanta, mas que... De ver muita pouca
coisa feita pela apêele.
174
O ex-presidente da AJOLP também admite a queda na produção de opala que vem
ocorrendo nos últimos anos, embora pareça acreditar que seja temporária:
Uma mudança pra melhor [refere-se ao APL]. Inicialmente... É... É...
Atrapalha os projetos de... Num primeiro momento, causou problemas, caiu
a produção, né? Caiu a produção porque toda... Parou pra começar, mas...
[pausa longa] hoje, uma boa parte do pessoal envolvido já está começando a
produzir mais... Está legalizado
175
A fala do ex-presidente da AJOLP deixa transparecer o fato, igualmente
compartilhado pelos bamburristas de que, fundamentalmente, o APL contribuiu com o
processo de legalização das áreas de garimpagem, levando a termo as normas de segurança do
trabalho (às vezes ainda burladas) cujo cumprimento monitorado pelo CREA tem inibido
garimpeiros de desenvolverem a exploração de opala segundo prática anteriormente adotada.
Nesse sentido, o caso do Boi Morto, tido como o garimpo de opala mais antigo do
país, é emblemático: sem a remoção dos cerca de 5 milhões de m
3
de rejeitos, segundo dados
do APL Opala, não condições para se trabalhar por mais tempo. Assim, embora
reconheçam a importância do APL na regularização dos garimpos, antes interditados pelo
Ministério Público, só isso não basta.
174
Sr. Antonio Ferreira Neto, 45 anos, bamburrista, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima,
em 06/10/2007.
175
Sr. Juscelino Araújo, lapidário e EG, 37 anos, presidiu a AJOLP entre 2005 2008, Pedro II. Entrevista
concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 15/12/2007.
173
que aí, a máquina veio [e] deu cinqüenta [50] horas, né? E foi mais
dividida pra lá [refe-se às terras da OPEX Opala do Brasil LTDA]. deu
vinte [20] horas lá e... E, vinte [20] horas cá, adonde dos meninos tão
cavando no chibiu [fragmentos de gema de opala], como você sabe, né?
Você viu lá. E nós [pausa longa, olhar perdido] nós fiquemo teimando, né?
Eu disse: “- rapaz, nós vamos ficar aqui... Nós vamos achar barreiro, aqui é
nossa pedra, aqui”. E, aí, ficaram prometendo vim... Vem e não vem e, aí, o
certo é que já tamo com dois anos que tamo, ali, e as horas que veio [foram]
essas, não veio mais. Veio outra [máquina]... Eles trouxeram um tratorzin
véi [um trator qualquer], lá, que o tratorzin véi hum... Nós não deixemos
ele mexer lá, não, porque ele não sai nem de dentro [do barreiro], se ele
tivesse entrado lá, né? Fuçou, ainda aqui em cima, mas não, não tinha
com...
176
No caso do garimpo Boi Morto (6,29 ha de área trabalhada), pelo menos, este é o
ponto a partir do qual os bamburristas começam a desacreditar no APL Opala: o não
cumprimento de algumas metas de forte impacto nas vidas desses garimpeiros. Isto é, à
medida que algumas das promessas do APL Opala não são cumpridas, os bamburristas
começam a se dar conta de que suas reivindicações não são consideradas no interior do
arranjo, como se pode ver a partir das informações do Projeto Cooperativo em Rede do
Arranjo Produtivo de Opala na Região de Pedro II Cronograma de Execução 2005, (Anexo
G) elaborado pelo APL Opala, a partir do qual se construiu a tabela 5. Ressalte-se que, apesar
do documento supracitado não explicitar se as atividades foram efetivamente cumpridas,
conversas mantidas com bamburristas, assim como com outros sujeitos da cadeia produtiva,
ajudaram na confecção da referida tabela.
Assim, proporcionalmente, do total de quatro metas planejadas, a de número 2,
que deveria beneficiar bamburristas, foi a que menos obteve sucesso na execução das
respectivas atividades cumpridas (14,2%). O oposto ocorreu com a meta física 3, cujas
atividades cumpridas atingiram 60%, beneficiando diretamente lapidários e joalheiros. A meta
física 4, com 58% de atividades cumpridas tem como alvo, também, lapidários e joalheiros.
Quanto à meta 1, trata-se de uma meta que mais ampla, visando a cadeia produtiva como um
todo. Disso se conclui que, de fato, a política pública norteadora do APL Opala não
contempla os bamburristas como sujeito de direitos.
176
Sr. Antonio Rodrigues (Sitõe), 63 anos, bamburrista, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de
Lima, em 03/10/2007.
174
Metas físicas Atividades
C
PC
NC
Meta física 1:
Formalizar a
atividade produtiva
da opala e seus
derivados.
1. Apoiar e participar no levantamento para elaboração de cadastro das frentes de lavra com informações sobre
localização, condições trabalhistas e ambientais, titularidade e outros parâmetros.
2-Promover a regularização das áreas de extração mineral da opala
3- Mapeamento geológico e metalogenético em escala adequada
apontando áreas potenciais de extração de opala.
4- Promover e realizar em parceria com outras instituições colaboradoras,
a extensão mineral, treinamento e cursos de noções de geologia,
topografia e mapeamento geológico para micro mineradores
X
X
X
X
Total – Relação programado/resultados
T %
2 50%
Meta física 2:
Melhoria das
condições de
Trabalho e da
atividade extrativa
mineral, incluindo os
parâmetros
ambientais,
incorporando
tecnologias
apropriadas.
1-Participar, em parceria com outras instituições colaboradoras, na elaboração do diagnóstico das atividades de lavra,
incluindo: condições de trabalho, técnicas utilizadas, recuperação e impactos ambientais.
2- Realizar treinamento/ cursos sobre segurança do trabalho; curso sobre lavra; processo de beneficiamento mineral;
curso sobre educação ambiental;
3- Promover e apoiar, em parceria com outras instituições colaboradoras a implantação de novas técnicas de lavra e
beneficiamento mineral, incluindo técnicas de manuseio e aproveitamento de resíduos estéreis e rejeitos.
4- Caracterizar tecnologicamente o minério, rejeito e estéreis para definição de técnicas de lavra, disposição e
aproveitamento de rejeitos e resíduos.
5- Elaborar com outras instituições colaboradoras o diagnóstico das áreas degradadas.
6 – Definir em parceria com outras instituições colaboradoras, planos de reabilitação das áreas degradadas.
7- Elaborar em parceria com outras instituições colaboradoras o manual de lavra, beneficiamento, disposição de
resíduos e rejeitos
X
X
X
X
X
X
X
Total – Relação programado/resultados
T %
1 14,2 %
Meta física 3:
Agregação de valor
da opala na cadeia
produtiva com ênfase
na lapidação,
joalheria e design.
1-Elaborar diagnóstico sobre lapidação, joalheria e design na cadeia produtiva da opala incluindo: saúde do
trabalhador, disposição e aproveitamento de rejeitos e técnicas existentes.
2- Realizar treinamento e curso sobre lapidação, joalheria e design, incluindo práticas de saúde, do trabalho e
classificação tratamento e padronização da opala.
3- Apoiar e promover, em parceria com outras instituições colaboradoras, a realização de exposição de produtos da
opala em feiras locais, estaduais e internacionais.
4- Apoiar e promover, em parceria com outras instituições colaboradoras, a realização de visitas técnicas para
treinamento e capacitação em lapidação e design.
5- Elaborar , em parceria com outras instituições colaboradoras, o Manual de lapidação, joalheria e design, incluindo
tratamento,classificação, critérios de valoração, além de outros parâmetros.
X
X
X
X
X
Total – Relação programado/resultados
T %
3 60%
175
Meta física 4:
Fortalecimento
gerencial dos
envolvidos na cadeia
produtiva e promoção
comercial da opala e
seus produtos.
1- Apoio a associações e cooperativas visando o fortalecimento destas Instituições
2-
Realização de cursos de gestão empresarial e comercial, empreendedorismo, trabalho em equipe e relações
interpessoais.
3- Criação de marcas e proposição de estratégias de divulgação de Produtos
4- Elaboração de projetos de turismo mineral envolvendo toda cadeia produtiva da opala e inserção de outros roteiros
turísticos da região;
5- Viabilizar linhas de créditos para atividades extrativas, lapidação e joalheria por meio da criação de grupos de
trabalho com agentes financeiros;
6 - Implantar, coordenar e articular rede cooperativa do APL em grupos temáticos de trabalho, comitê gestor técnico e
câmara técnica da opala;
7- Elaboração do manual de gestão, comercialização e crédito;
8- Participar da definição de critérios e ações a serem priorizadas,bem como observar o cumprimento das diretrizes,
metas, fases de execução e demais itens;
9- Divulgar a parceria ora estabelecida, os resultados e impactos produzidos pela execução do projeto.
10- Elaborar, em parceria com outras instituições colaboradoras, relatório de prestação de contas e relatórios técnicos
semestrais e finais a serem entregues à FINEP;
11- Convocar, promover e apoiar administrativamente a realização de reuniões do comitê gestor e comitê consultivo da
opala;
12 - Incentivar a participação e colaboração de seus associados nas ações do APL do Opala de Pedro II;
13 - Promover constantes trocas de informações com seus associados com o objetivo de articular o empenho dos
mesmos na busca de soluções conjuntas do setor;
14- Incentivar a participação e colaboração de seus cooperados nas ações do APL opala de Pedro II;
15- Fomentar a busca de diferencial competitivo aos seus associados através da propagação dos conceitos e ações do
APL opala de Pedro II;
16- Elaboração, em parceria com as demais instituições colaboradoras, do Plano de Desenvolvimento do APL de Opala
do Piauí de acordo a metodologia do Grupo de Trabalho Permanente de Arranjos Produtivos Locais coordenado pelo
MDIC;
17- Promover e apoiar a Campanha de Erradicação do Trabalho Infantil na Mineração e Pedreira
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Total – Relação programado/resultados
T %
10 58%
TABELA 5. Metas do APL Opala a partir do documento Projeto Cooperativo em Rede do Arranjo Produtivo de Opala na Região de Pedro II- Cronograma de Execução 2005.
Fonte: APL Opala, 2006. Disponível em: www.aplopalapiaui.com.br
atividade cumprida, ∗∗atividade parcialmente cumprida, ∗∗∗atividade não-cumprida.
176
Proporcionalmente, do total de quatro metas
177
contempladas no Relatório Final
FINEP 2007 (RELATÓRIO... 2007), as de número 1 e 2 foram as que menos obtiveram
sucesso, sendo essas as que dizem respeito diretamente aos bamburristas. Ao contrário, as
metas 3 e 4, que priorizam lapidários e joalheiros, foram as que tiveram maior índice de
atividades cumprido.
O documento citado apresenta, ainda, três novos projetos do APL Opala (Tabela
6).
Projeto Órgão executor Montante Situação
Aproveitamento da opala de
Pedro II como gema, artesanato e
artesanato mineral de modo
associativo
Ministério da
Interação
R$ 848.356,00
Aprovado e em
andamento
Projeto de recuperação de áreas
degradadas
Secretaria de
Recursos Hídricos
R$ 707.400,00 Em análise
Turismo mineral Ministerio da
Integração
R$ 409.190,00 Em análise
Desenvolvimento de tecnologias
e equipamentos
Edital FINEP
07/09/2006
R$ 889.524,48 Aprovado e em
andamento
Tabela 6. Novos projetos do APL Opala.
Fonte: Plano de desenvolvimento da opala região Pedro II – PI - PDO, 2007.
Como indicado na tabela 6, os projetos que dizem respeito diretamente ao setor de
joalheria e lapidação obtiveram aprovação, enquanto o Projeto de Recuperação de Áreas
Degradadas de garimpos de opala, por exemplo, encontrava-se, ainda, até 2007, data de
conclusão do PDO, em análise. Mas como a produção de opala precisa atingir certo patamar
por mês, sob pena de se cassarem as concessões de lavra dos garimpeiros, como reza uma das
cláusulas contratuais entre o DNPM e a APROPI, isso tem levado empresários garimpeiros a
declarar uma produção de opala irreal: “Tá muito... Cavado já os garimpos, então é... É... Tem
mais dificuldade pra gente, garimpeiro. (...). Mas nesses dez mês [de exploração] já fui
obrigado [a] fazer declaração como vendendo pedra xis [quantidade X de pedra]. A... A
cota mais baixa que podia existir...”
178
(grifou-se).
Percebem-se, pelo menos, dois padrões de discurso no interior do APL Opala. O
primeiro oriundo das instituições governamentais e entidades técnicas que compõem o
arranjo. É o discurso homogenizador, dos relatórios, o que consegue chegar à mídia e ao
grande público, que por sua vez o reproduz com freqüência e de forma repetitiva, como
177
As metas estão disponíveis em www.aplopalapiaui.com.br
178
Sr. JoRibamar Galvão (Riba Rufo), grande garimpeiro, 68 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni
Getirana de Lima, em 09/10/2007.
177
“narrativa mestra” (MORAES, 2000). É também o discurso corroborado em alguns momentos
(mas não o tempo todo) pela direção da COOGP. Outro é o dos bamburristas, contestatório ao
primeiro, embora, em alguns momentos, alinhe-se à direção da COOGP e, por extensão, ao
arranjo. Esse alinhamento acontece quando reconhecem algum esforço da direção da
cooperativa, no sentido de lutar pelos interesses dos bamburristas, ocorrendo o oposto quando
percebem diferente.
(...) eles [bamburristas] trabalhavam sem ter nenhum apoio, nenhuma
segurança, e a partir de... Foi iniciado o apêele [APL] juntamente com a
cooperativa dos garimpeiros, é, foi aonde nós tivemos a felicidade, assim, de
organizar o... As próprias áreas, [por]que os garimpeiros não tinha área
própria
179
[O APL] Mudou o seguinte: o que mudou na vida do garimpeiro porque, de
primeiro, o garimpeiro trabalhava nas terras dos proprietário, pagava vinte
por cento [20%]. De cada mil reais [R$ 1000,00] que você achava, pagava
duzentos [R$ 200,00].
180
E tá nessa situação. Se ele [APL] não... Não ajudar mesmo porque eles
[técnicos do APL] fizero um projeto aí, o projeto pra dar essas hora de
máquina se não botarem, a coisa vai pegar! Os cabra [bamburristas] tão...
Tão até esperando pra assim que ele [técnico do APL] chegar falar pra ele: “-
Rapaz, sem essas horas de máquina... Porque senão não dá certo, por que nós
não tamo podendo trabalhar, não”. Lá, mesmo, naquele barreiro que você
andou, no Boi Morto, foi preciso parar. Tem que tirar pra frente...
181
Então, a gente por esse lado: o governo fez uma coisa bonita que é a
apêele [APL], a gente admira e a gente viu que foi um avanço muito grande,
só que falta essa parte [apoio efetivo]. Agora, falta essa parte (...). Que é essa
parte da apêele, né? Em conjunto, ceder essas horas, essas áreas pra gente...
Mas eu acredito também que está faltando [apoio] pela parte local, né?
Digamos, assim... O município [governo municipal] em si.
182
3.4.2 Como os bamburristas se vêem no APL Opala
Pode-se dizer que há consenso entre bamburristas no que tange ao reconhecimento
de que, se por um lado, o Arranjo Produtivo Local da Opala - APL Opala foi responsável pela
179
Sr. Antonio de Almendra Sepúlveda, 39 anos, ex-presidente da GOOGAP (2006-2008), Pedro II. Em
entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em: 25/09/2007.
180
Sr. Antonio Rodrigues (Sitõe), 63 anos, bamburrista Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de
Lima, em 03/10/2007.
181
Sr. Benedito Pereira, 65 anos, bamburrista, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em
20/10/2007.
182
Sr. Antonio Ferreira Neto (Marola), 45 anos, bamburrista, funcionário da FUNASA, Pedro II. Entrevista
concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 06/10/2007.
178
regularização das terras de garimpo, por outro lado, não estaria cumprindo boa parte das
metas apresentadas na tabela 5, direcionadas à extração da opala, dentre estas, as “horas de
máquina”, no dizer da categoria. Trata-se da atividade 3, Meta Física 2 que objetiva
“promover e apoiar, em parceria com outras instituições colaboradoras a implantação de
novas técnicas de lavra e beneficiamento mineral, incluindo técnicas de manuseio e
aproveitamento de resíduos estéreis e rejeitos” (RELATÓRIO..., 2007, p.6).
De fato, bamburristas não parecem ter uma idéia clara do que seja o arranjo
produtivo e, geralmente, o reduzem à ação da COOGP, ou melhor, é a partir da cooperativa,
algo mais concreto para eles, que pensam e respondem ao arranjo produtivo.
[
Com o APL] melhorou. Quer dizer, melhorou assim... Porque, antes da
cooperativa [o assunto que estava sendo tratado era APL Opala], porque toda
vez [antes do APL], a gente trabalhou, aí, trabalhava irregular, né?
Melhorou, assim, porque se hoje você acha pedra, você não tem o risco de
[ser] tomada ela, né? Você pode vender... Mesmo você não vai [ter a pedra]
tomada, você vende pelo preço que... Normal [preço de mercado] que nós
vende aí, né? [pausa longa]. Porque, de primeiro, [antes do APL Opala], se
você achasse [uma gema de opala], quando trabalhava, aí, se achasse um...
Um molhado [grupo de gemas encontradas a alguns metros de
profundidade] de pedra, você vendia, mas vendia, assim, vendia escondido,
pra ninguém saber, porque se soubesse, eles [donos de garimpo] iam tomar.
Hoje, não, com a cooperativa não, você tem o terreno, aí, [legalizado], se
você achar [opala], você pode vender por um preço normal [de mercado],
né?
183
Nós estava [em um das reuniões que antecederam a implementação do
arranjo], e o chefe, de Teresina, prometeu. Primeiro, eles prometeram
quinhentas [500] hora. A primeira promessa foi quinhentas hora. Aí, depois,
prometeram que iam arrumar um carro, diminuíram as hora. Aí, prometeram
um carro e nem apareceu nem as hora, nem o carro. Agora, até agora
mesmo, mês trasado [setembro de 2007], eles garantiram que ia botar cem
[100] hora. E essas cem hora tamo esperando. E até agora, não apareceu.
[es]tão resolvendo [os bamburristas] se juntar pra pagar [as horas de
máquina]. Cada sócio do barreiro paga uma hora. Uma hora é cento e
sessenta... Cento e sessenta [R$ 160,00] reais e [os bamburristas] quer[em]
arrumar uns quinze [deles] pra botar umas quinze [15] hora, pra ir
começando, enquanto essas hora [prometidas] chega. Mas eu achando
meio difícil porque prometeram desde o ano passado [2006], ainda não
deram!
184
183
Sr. Antonio Rodrigues (Sitõe), 63 anos, bamburrista, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de
Lima, em: 03/10/2007.
184
Sr. Benedito Pereira, 65 anos, bamburrista, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em
20/10/2007.
179
O fato, porém, de bamburristas não apresentarem uma compreensão mais ampla
do APL Opala, não quer dizer que não sejam interpelados por ele. Assim, o senhor Antonio
Rodrigues, por exemplo, incorpora de legalidade ao seu discurso, vista, agora, como um valor
(ao contrário de antes do arranjo, quando a ilegalidade era valorizada), “porque toda vez
[antes do APL], a gente trabalhou (...). (...) a gente vendia [opala], mas vendia escondido (...)
[contrabandeava].”
185
Para ele, no entanto, a legalidade não tem propriamente um valor ético,
mas prático: sem a legalização dos garimpos não haveria mais exploração da gema de opala.
Os bamburristas, então, abrem uma brecha em seu ethos garimpeiro para acomodar algo do
discurso do outro e, assim, continuar garimpando. O que, aqui, é dito sobre a legalização das
atividades garimpeiras presente no discurso do APL Opala e assimilado pelos bamburristas,
vale para conceitos como: meio ambiente, mercado, sustentabilidade, dentre outros.
Vale considerar que, embora incorporando o discurso do APL, este é visto pelos
bamburristas como formado por pessoas de fora que vêm lhes dizer o que deve e o que não
deve ser feito. Não se vêem a si mesmos inseridos no arranjo. Essa percepção remete ao
conceito de representação da identidade, de Pierre Bourdieu, expresso por Dennys Cuche:
somente os que dispõem de autoridade legítima, ou seja, de autoridade
conferida pelo poder, podem impor suas próprias definições de si mesmos e
dos outros. O conjunto das definições de identidade funciona como um
sistema de classificação que fixa as respectivas posições de cada grupo. A
autoridade legítima tem o poder simbólico de fazer reconhecer como
fundamentadas as suas categorias de representação da realidade social e seus
próprios princípios de divisão do mundo social. Por isso mesmo, esta
autoridade pode fazer e desfazer os grupos (CUCHE, 2002, p. 186).
Nesse sentido, o arranjo intervém no cotidiano dos bamburristas forçando-os a se
adaptarem, sobretudo, às novas demandas da produção (agilização do processo produtivo,
obediência às regras de segurança no trabalho, dentre outras), e, ao mesmo tempo, a
assimilarem o discurso ambientalista, como se pode depreender do item 4, (Resultados
Esperados), subitens 2 (capacitação) e 5 (meio ambiente), respectivamente, do Plano de
Desenvolvimento da Opala: Região de Pedro II-Piauí – PDO Opala.
4. Resultados Esperados: (...). 2-CAPACITAÇÃO: 2.1. Desenvolvimento de
cursos de capacitação profissional para os profissionais em ourivesaria; 2.
Profissionais de design capacitados e trabalhando no desenvolvimento de
coleções de jóias; 2.3. PROCOMPI (FIEPI). (...). 5. MEIO AMBIENTE:
185
Sr. Antonio Rodrigues (Sitõe), 63 anos, bamburrista, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de
Lima, em: 03/10/2007.
180
5.1 Áreas degradadas pelos garimpos recuperadas; 5.2. Destinação correta
dos resíduos gerados na lapidação de joalheria; 5.3. Reflorestamento das
áreas desmatadas no garimpo; 5.4. Programa de acessibilidade a portadores
de necessidades especiais nas lojas e oficinas de lapidação e joalheria; 5.5.
Cultura de recursos hídricos e meio ambiente internalizados no processo
produtivo de mineração e joalheria da região [de Pedro II] (PLANO..., 2007,
p.7).
186
Conforme bamburristas, na articulação do Arranjo Produtivo Local da Opala, em
2005, houve um “treinamento” ou “conversa da cooperativa”, como eles chamam, realizado
pelo Sebrae, em Pedro II, por cerca de quinze dias (entre 1 e 15 de junho), durante o qual
discutiram-se, dentre outros temas, arranjo produtivo, cooperativismo, meio ambiente e
produção. O referido encontro é lembrado por bamburristas como tendo sido um momento de
muita conversa e do qual saíram com pastas cheias de papel, guardadas com orgulho, como,
no dizer de Nora (1995), se tais papéis ganhassem status de documentos. Algo parecido
aconteceu nas reuniões que antecederam a criação da cooperativa de garimpeiros, em 2003.
Aí, quando [o bamburrista] assiste aquelas aula tudinho, pra saber como é
que a coisa [cooperativa] vai funcionar, aí, se associa na cooperativa. Aí, que
vai trabalhar no terreno [garimpo], dá pra pagar dez [10%] por cento [taxa de
cooperado]. Agora, se você, trabalhando lá dentro, falta uma picareta, uma
pá, um carrinho de mão, uma coisa assim, qualquer espécie de material que
você precisar e não tiver, a cooperativa dá. Aí, no dia que você conseguir
[encontrar opala], você devolve também. “-Rapaz, eu levei, agora, eu
bamburrei, agora eu vou dar [devolver] um carrinho de mão da cooperativa”,
e fica pro outro [bamburrista]
187
.
Como referido, a construção identitária dos bamburristas passa, necessariamente,
pelo espaço (físico e simbólico) do garimpo. Por outro lado, o arranjo produtivo os interpela
e, esse fato, repercute nessa construção identitária, em um processo tanto de reação quanto de
assimilação às novas idéias e práticas, no sentido de que “(...) a identidade se constrói e se
reconstrói constantemente no interior das trocas sociais. Esta concepção dinâmica se opõe
àquela que a identidade como um atributo original e permanente que não poderia evoluir”
(CUCHE, 2002, p. 182).
186
Em entrevista, o engenheiro José Borges Araújo, presidente do Conselho Regional de Engenharia,
Arquitetura e Agronomia, sessão do Piauí - CREA-PI, também revela o mesmo espírito do PDO: “o arranjo
produtivo deve ser incentivado e o CREA-PI está presente em iniciativas como esta. Além de fiscalizarmos se as
explorações estão sendo acompanhadas por profissionais capacitados, temos a função social de proteção do meio
ambiente e exploração sustentável”. Disponível em: www.appm.org.br/noticia.php?en=5346 (2006).
187
Sr. Benedito Pereira, 65 anos, bamburrista, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em
20/10/2007.
181
Sob o aspecto da construção e reconstrução identitária, o arranjo produtivo é
percebido pelos bamburristas como um discurso exógeno, intervencionista, mas, com o qual,
devem negociar. Primeiro, porque, como dito, um reconhecimento dos bamburristas do
papel que o arranjo teve no processo de legalização dos garimpos e, segundo, porque se
sentem, muito provavelmente, em condições pouco recomendáveis para recusar qualquer
ajuda. Afinal,
(...) a identidade [que] marca o encontro de nosso passado com as relações
sociais, culturais e econômicas nas quais vivemos agora (...), é a intersecção
de nossas vidas cotidianas com as relações econômicas e políticas de
subordinação e dominação (RUTHERFORD, 1990, pp. 19-20, apud
WOODWARD, 2000, p. 19).
Assim, bamburristas dialogam no âmbito do APL, mesmo que por vezes se sintam
desprestigiados, invisibilizados, também, ali.
São esses... Essas coisas que falta a APL fazer.... Pro nosso garimpo
funcionar perfeitamente. Por que que hoje ela [APL] vem sempre pedindo
um, uma, um acompanhamento, digamos assim, de produção? Mas como é
que a gente pode ter uma produção, dessa forma? Ela [APL] exige que tenha
uma produção xis [determinada]. Mas como é que ela [APL] quer exigir uma
coisa, se ela não dá condição pro garimpeiro?
188
Ao referir o APL Opala, a partir da cooperativa, esta é vista pelos bamburristas,
como protetora de seus direitos e intermediadora legal na venda da produção de opala. A
COOGP tem, contudo, como toda cooperativa, seus problemas internos, grande parte deles
com origem nas seqüelas deixadas pelas disputas acirradas na eleição de 2005
189
, quando,
então, dois grupos de bamburristas se antagonizaram, apoiados por políticos locais de situação
e de oposição, resultando, daí, mágoas de lado a lado. Além disso, médios e grandes
garimpeiros procuram desqualificar a cooperativa de garimpeiros perante os bamburristas,
embora a fala daqueles neguem esse fato.
Assim, médios e grandes garimpeiros filiados à Associação de Produtores de
Opala do Piauí –APROPI disseminam a idéia de que aqueles que estão na direção da
cooperativa não participam do dia-a-dia do garimpo, por isso não teriam representatividade
para os bamburristas.
188
Sr. Antonio Ferreira Neto (Marola), bamburrista afastado temporariamente, funcionário da Fundação
Nacional de Saúde - FUNASA, 45 anos, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em
06/10/2007.
189
A última eleição aconteceu em julho de 2008, na qual foi eleito o Sr. José Cícero da Silva Oliveira.
182
(...) esse pessoal [bamburristas] que trabalha comigo, a cooperativa foi
atrás deles pra... Mas eles nunca quiseram. Eles dizem que não querem
[fazer parte da cooperativa]. (...). (...) eles [bamburristas] dizem que, para
trabalhar pra cooperativa, vão pagar uma renda [mensalidade] pra umas
pessoas que não são proprietário [refere-se à diretoria da cooperativa]
190
.
Em parte, esse discurso tem sido exitoso e pode ser compreendido como mais um
ponto de que há, propriamente da parte da COOGP, um discurso próximo ao do arranjo
produtivo, que não é, necessariamente, compartilhado por bamburristas.
O apêele [APL] ajudou, está ajudando nós a legalização de áreas, de
capacitação, formações de garimpeiro, educando a parte do meio ambiente,
como deve ser recuperado. Então a gente vem, um... Um... Mudando a
mentalidade desses garimpeiros que, antes, não tinha essa, essa visão. Então,
este trabalho junto com o apêele, tá... Melhorando... A, a vida do garimpeiro
e a situação da legalização das pedras [de opala] de Pedro II
191
.
A fala do ex-presidente da COOGP incorpora o tema ambiental como uma marca
do discurso do APL Opala, sobretudo o que é apresentado na meta física 2 do Projeto
Cooperativo em Rede do Arranjo Produtivo de Opala na região de Pedro II Cronograma de
execução 2005 (tabela 5). O ex-presidente não apenas ressalta o papel do APL Opala de
mudar a mentalidade dos bamburristas, mas aponta para o fato de que a cooperativa tem
ajudado nesse processo. A fala do ex-presidente da COOGP sinaliza para uma possível
mudança de visão, sobre as potencialidades naturais, por parte de garimpeiros que estariam
abandonando velhas práticas predatórias do ambiente natural e assimilando novas práticas,
ecológicas baseadas na idéia de sustentabilidade. O discurso que traz essa referida mudança
de mentalidade aponta para o que percebeu Barbosa (1991) acerca da postura garimpeira em
termos nacionais, como dito no capítulo I desta dissertação: a mudança do discurso nos
últimos anos, sobretudo, por parte de lideranças garimpeiras, segundo as quais a questão
ambiental torna-se central no ramo.
No entanto, nessa fala, a questão ambiental, não se revela assimilada como algo
realmente apreendido em sua essência, mas como um meio de se garantir a legalização dos
garimpos “o apêele [APL] ajudou, está ajudando nós a legalização de áreas (...). (...) o apêele
melhorando (...) a situação da legalização da pedra [de opala]”, diz. Essa assimilação, por
parte dos bamburristas de Pedro II, dá-se no contexto de renegociações identitárias dos
próprios garimpeiros. Com efeito, as atividades garimpeiras, por mais controladas que possam
190
Sr. José Ribamar Galvão, 64 anos, EG. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 09/10/2007.
191
Sr. Antonio de Almendra Sepúlveda, 39 anos, ex-presidente da GOOGAP (2006-2008), Pedro II. Em
entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em: 25/09/2007.
183
ser, e em que pese o emprego da mais refinada tecnologia, causam danos ambientais. Dessa
forma, a adoção do discurso ambientalista por parte desses sujeitos está diretamente ligada à
sobrevivência de sua atividade profissional que, por definição é predatória. Em última análise,
o que está em questão não é o fato de banir tais danos - o que implicaria, muito
provavelmente, em extinguir as atividades garimpeiras - mas de minimizá-los ao máximo.
Além disso, interessa aos demais elos da cadeia produtiva da opala que a extração dessa gema
não seja interrompida, havendo um esforço de todos em manter os bamburristas no garimpo.
A partir desse ponto, contudo, as dúvidas da efetividade do Arranjo começam a
aparecer. E, aí, faz-se necessário compreender como se constrói, socialmente, um bamburrista
de opala, em Pedro II, a partir dos próprios sujeitos.
A maioria iniciou as atividades no garimpo ainda jovem, levado por alguém da
família, o pai, um tio, um irmão mais velho, ou por um amigo, que já trabalhavam no
garimpo:
Sim, o que me trouxe a trabalhar com a opala foi, já, pessoas da minha
família, que trabalhava com a opala, e, com isso, eu fui me envolvendo,
trabalhando e gostando, e na esperança de, um dia, ter uma vida com
condições melhores, através da opala.
192
Alguns tinham outra profissão/atividade abandonada pela de bamburrista:
Sei [como começou a trabalhar no garimpo]. Eu sei, Ernâni, eu comecei em
sessenta e nove [1969], né? Sessenta e nove. Aí, eu trabalhei mesmo um ano,
cavando, sem encontrar nenhuma pedra, que eu não tinha experiência de
cavar (...). Eu era padeiro em Piripiri [município piauiense vizinho].
193
Mas há, também, casos em que a pessoa se sente como tendo sido levada a
trabalhar no garimpo por restrições de oportunidades no mercado de trabalho,
por falta de opção. No caso, a gente não... Que não é nenhum profissional, e
a gente não procurou aprender nenhuma profissão, né? E, no momento que a
gente terminou os estudos, né? Na época que concluiu o primeiro grau, não
tinha segundo grau [em Pedro II] e, aí, em virtude da gente ser de família
pobre, família carente, a gente não tinha condição, meus pais não tinha
condição de levar até onde tinha segundo grau, que era em Teresina, né?
Nem tão pouco fazer a sustentação da gente, no colégio. E, aí, a gente
partiu para as grandes metrópoles, né? São Paulo, o Rio de Janeiro, no qual
192
Sr. Antonio de Almendra Sepúlveda, 39 anos, ex-presidente da GOOGAP (2006-2008), Pedro II. Em
entrevista concedida a Ernâni Getirana de Lima, em: 25/09/2007.
193
Sr. João Ferreira do Nascimento (João Damião), MG, (ex-bamburrista), 66 anos, Pedro II. Entrevista
concedida a Ernâni Getirana de Lima, em 04/11/2007.
184
eu passei três [3] anos, no Rio de Janeiro, então, logo voltando, né? A gente
começou a estudar no [recém criado] segundo grau e a ocupação que tinha
era o garimpo, né?
194
Essas histórias individuais se cruzam, através de gerações de bamburristas, pois é
no âmbito das gerações que as coisas humanas podem perdurar, podem ser recolocadas e “têm
a função de estabilizar a vida humana; sua objetividade, isto é, sua identidade no contato com
objetos que não variam, como a mesma cadeira e a mesma mesa” (ARENDT, 1995, p. 150).
As falas dos bamburristas sobre o arranjo produtivo são recortadas por pausas
longas, divagações, silenciamentos, não apenas, propriamente, no âmbito da fala, mas também
do discurso, podendo-se inferir uma gama de significados, pois, como se sabe, o
silenciamento, dentre outros sentidos, pode enunciar o que se tem a dizer, mas não é dito; o
que se nega a dizer pela hesitação de enunciar um discurso que compromete ainda mais os
bamburristas como testemunhos de sua invisibilidade (ORLANDI, 1987). O silenciamento
dos bamburristas ante o arranjo produtivo também pode expressar conflitos com o outro
(médio e grande empresários).
A construção da categoria ‘identidade social’ [deve ser vista] a partir de uma
noção constrativa, envolvendo um ‘eu’ e um ‘outro’ num fundo virtual e
não numa essência. Assim, a identidade social diz respeito à maneira como o
sujeito se vê, a partir da relação natureza-cultura, eu-outro (CIOCCARI,
2004, p.42). (aspas no original).
Os bamburristas têm, pois, com o APL Opala, uma relação, de certo modo,
conflituosa entre aquilo que são (ou julgam ser) e aquilo que o arranjo espera que eles sejam
(ou venham a ser). Ao reconhecimento de que o arranjo trouxe a legalização das atividades
garimpeiras, opõe-se o desconforto de se sentirem controlados.
Desta forma, a primeira fase de atuação do APL Opala (2005 2007) parece
longe de contemplar as expectativas e demandas dos bamburristas. É que passado esse
primeiro momento durante o qual se garantiu a legalidade do trabalho dos garimpeiros, em
geral, através da concessão de lavra, as preocupações dos bamburristas se voltam,
necessariamente, para outras questões de monta, dentre as quais, o cumprimento de metas
como as horas/máquina para a remoção de montoeiras, o funcionamento a contendo da
COOGP, que “devia funcionar com a cota pelo menos, de cem mil reais [R$ 100.000,00], pra
194
Marola), 45 anos, bamburrista, funcionário da FUNASA, Pedro II. Entrevista concedida a Ernâni Getirana de
Lima, em 06/10/2007.
185
comprar pedra do garimpeiro [bamburrista] e alguma coisa [dinheiro] pro garimpeiro ganhar
com a produção”, o aumento no número de garimpeiros filiados à cooperativa, elaboração de
projetos sustentáveis do ponto de vista social, econômico e ambiental de forma a fortalecer o
papel da cooperativa tanto dentro como fora do APL Opala.
A agravante nesse quadro em que se encontram os bamburristas é a sua não-
priorização como sujeito da ação social como se pode deduzir da leitura de documentos do
Arranjo Produtivo. Em contrapartida, o segundo segmento da CPO, joalheiros e lapidários, é
assim considerado, tendo maior visibilidade social (midiática, inclusive), e cujo discurso tem
maior visibilidade social, e peso. De certa maneira, pode-se dizer que este segmento da CPO
assumiu o papel, outrora, do grande bamburrador, isto é, daquele garimpeiro que,
repentinamente, ficava rico com o achado de uma considerável quantidade de opala. Os
lapidários e joalheiros, pelo menos os mais importantes, assumiram esse papel capital tanto do
ponto de vista econômico quanto simbólico. Verdadeiros empresários do setor têm
ramificações com importantes joalherias em várias partes do país, como a H. Stern e do
mundo, como a Amsterdam Sauer e, dessa forma, conseguem financiamentos, inclusive
governamentais, com certa facilidade
195
.
195
No início, negociantes de opala se dirigiam ao Sudeste do país, sobretudo Rio de Janeiro, “carregados da
pedra”, como se diz localmente. Posteriormente, esse comércio se estenderia a outros países como Austrália,
Estados Unidos, Alemanha e, ultimamente, China.
186
CONCLUSÃO
A exploração da gema de opala nas últimas seis décadas, no município de Pedro II
PI, é responsável pelo aparecimento dos chamados bamburristas, grupo social de cerca de
trezentos homens com idades entre dezoito e setenta e cinco anos, que trabalham em trinta e
quatro garimpos. Esse grupo está localizado na base da cadeia produtiva da opala. Conhecido
internacionalmente como o maior exportador de opala de boa qualidade do mundo, o
município de Pedro II – A Terra da Opala - não tem, no entanto, possibilitado a seus
bamburristas usufruírem do bônus financeiro e simbólico
196
dessa gema, cuja importância se
faz sentir tanto no mercado quanto em sua representação em símbolos municipais, como
bandeira e hino, além de outros.
As primeiras duas décadas de exploração da opala caracterizaram-se, sobretudo,
pela improvisação dos trabalhos nos garimpos. Nas décadas de 1970 e 1980 foram os
mineradores estrangeiros quem ficaram com a quase totalidade dos ganhos oriundos da venda
de opala. É a época conhecida por um contrabando generalizado, que resultou em intervenção
Estatal. Com a saída dos mineradores (restam apenas dois), a lucratividade com exploração da
opala, localmente, passou a beneficiar a joalheiros e lapidários e a médios e grandes
garimpeiros os quais compõem o segundo elo da cadeia.
Os bamburristas, contudo tanto no passado quanto no presente vivem numa
situação de invisibilidade social, apesar do Arranjo Produtivo da Opala institucionalizado em
2005. A necessidade de compreender determinantes sociais dessa invisibilidade social dos
bamburrista, e como, nessa realidade adversa constroem sua identidade sociocultural, motivou
esse estudo. Ao focalizar o fenômeno da invisibilidade social que atinge os bamburristas, o
desafio desse trabalho foi o de procurar evidenciar essa categoria social como incluída
marginalmente na Cadeia Produtiva da Opala pelo Arranjo Produtivo Local, este visto como
política pública de inserção produtiva. Dentre outras constatações, destacam-se as que se
seguem:
Quando se apresentou um breve panorama da mineração no mundo, detendo-se
nesta atividade no Brasil, para, em seguida, tratar da mineração e, sobretudo da garimpagem
de opala do município de Pedro II, os bamburristas, fundamentais no processo de extração da
opala, despontaram como duplamente invisibilizados, tanto no seio da CPO e do APL como
196
Exemplo disso é o fato de o coordenador do APL Opala, Marcelo Morais, haver recebido, em 2008, o título
de cidadão pedrossegundense, três anos apenas, após a institucionalização do Arranjo naquele município.
187
fora destes, por uma sociedade que não os reconhece como sujeitos de direitos.
Na análise do garimpo, este pôde ser visto como espaço produtivo e simbólico e
como lugar social historicamente destinado, na sociedade pedrossegundense, aos
bamburristas. Dessa forma promoveu-se o diálogo entre teoria e resultados da pesquisa de
campo, usando categorias como identidade sociocultural e memória social.
A abordagem de aspectos conceituais sobre políticas públicas no setor mineral do
Brasil, Arranjos Produtivos Locais – APLs, práticas norteadoras e a relação de parceria,
delineando as correlações de forças internas, e, a partir disso, como os bamburristas são vistos
e se vêem no âmbito do Arranjo Produtivo Local da Opala, objetivou tratar de questões
relativas ao processo de construção das identidades garimpeiras, no bojo da cadeia produtiva,
na institucionalização do APL Opala. Para tanto, tratou-se dos temas desenho e legitimidade
das políticas públicas minerais, na sociedade brasileira e, no caso específico de Pedro II, no
que se refere ao APL Opala, da forma pela qual essas políticas repercutem na realidade dos
bamburristas.
No que tange à organização dos sujeitos da CPO, enquanto lapidários e joalheiros
associaram-se à AJOLP, e médios e grandes garimpeiros à APROPI, um terço dos
bamburristas são filiados à COOGP, e os demais trabalham para médios e grandes
garimpeiros.
Com a institucionalização do APL Opala, AJOLP e APROPI têm-se fortalecido
mutuamente, contempladas com a política de inserção produtiva, não se dando o mesmo com
a COOGP. O que tem levado bamburristas a questionarem a legitimidade do arranjo.
O APL Opala tem-se mostrado não de todo legítimo na visão de bamburristas, os
quais, porém, são levados, por questões de sobrevivência, a reproduzir, em parte, o próprio
discurso desse Arranjo cujos elementos norteadores, em grande medida são exógenos em
relação aos bamburristas. Entendem ser assim necessário para continuarem exercendo suas
atividades no garimpo, uma vez que foi através do APL que essas atividades foram
legalizadas com a obtenção, no Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM da
licença de lavra.
Uma das conclusões da pesquisa é que bamburristas praticam a garimpagem em
condições de acentuada precarização do trabalho e sofrem de histórica invisibilidade social.
Nesse sentido, a despeito de narrativas oficiais e midiáticas que procuram heroicizar as
atividades garimpeiras e os bamburristas, essa invisibilidade social existe tanto no interior
quanto fora da cadeia produtiva devido a dois fatores preponderantes. O primeiro é a imagem
de vilão ambiental que a sociedade brasileira atribui aos garimpeiros (BARBOSA, 1991). O
188
segundo, apresenta feições locais, com raízes fincadas na herança cultural do coronelismo
(FAORO, 2004), e sua correlata centralização das terras, áreas de garimpo, inclusive, nas
mãos de poucas famílias.
Some-se a esta conclusão, o fato de se poder dizer que o garimpo se constitui
como espaço econômico, social e simbólico na centralidade da identidade e na memória dos
bamburristas, aliado a outros espaços igualmente significativos para esse grupo. Assim, é no
espaço do garimpo onde as práticas garimpeiras, como práticas laborais, consubstanciam essa
identidade a contrapelo da precarização do trabalho referida.
Na existência social desse grupo, quase a totalidade de seus membros pratica a
agricultura de subsistência, podendo-se dizer que os bamburristas m uma identidade
sociocultural que comporta as identidades garimpeira e camponesa em estreita relação com a
sazonalidade das estações seca (garimpo) e chuvosa (roça). Há, porém, bamburristas que
exercem outras atividades como as de pedreiros, vigias, funcionários públicos, dentre outras,
o que também caracteriza a existência social dos campesinatos brasileiros.
Constatou-se que o APL Opala, como implementação de uma política pública de
inserção produtiva, possui um desenho que é assimilado por bamburristas de forma dúbia. Por
um lado, esse desenho ganha legitimidade, pois, teoricamente, pacifica a extração de opala
com a legalização das áreas de garimpo; por outro, é questionado por não corresponder, na
prática, às expectativas de bamburristas no que diz respeito à continuidade de suas atividades
de forma ininterrupta, com os desbastes regulares dos rejeitos nos garimpos.
Isso se deve, dentre outros motivos, ao fato de o APL Opala reger-se pela linha de
atuação do Sebrae, identificada com a ideologia do empreendedorismo, mais voltada para o
caráter mercadológico das atividades de lapidários e joalheiros, o que explicaria, muito
provavelmente, os investimentos vultosos canalizados para esses segmentos da cadeia
produtiva da Opala, em detrimento da escassez de recursos direcionados aos bamburristas,
delineando-se, assim, na prática, certa invisibilidade social desses sujeitos pelos próprios
gestores do arranjo.
De fato, configura-se um conflito entre a lógica de mercado da qual comungam
AJOLP, APROPI e demais entidades e instituições participantes do arranjo (inclusive, de
certa forma, a COOGP) e a lógica garimpeira (BARBOSA, 1991) dos bamburristas, no
âmbito tanto da cadeia produtiva quanto do APL Opala; conflito esse mantenedor da figura
dos bamburristas como sujeitos socialmente subordinados e estigmatizados (GOFFMAN,
1982) isto é, nas mesmas condições, ou algo muito próximo, do eclipse da categoria, anterior
à implementação do arranjo produtivo.
189
Assim, bamburristas se vêem constrangidos a assimilar e reproduzir, dentro de
certos limites, os discursos cooperativista e ambientalista, vistos por eles como exógenos, mas
que os instiga a renegociar suas identidades na arena social na disputa por um lugar dentre os
que se advogam o protagonismo da história e da memória da opala.
O aumenta da produtividade, a consolidação da Cadeia Produtiva da Opala e o
fortalecimento de laços entre parceiros em busca de um desenvolvimento sustentável do
município de Pedro II, é um desafio. Contudo, não se pode continuar ignorando a importância
econômica e social daqueles que, efetivamente, são um dos responsáveis diretos pelos ganhos
da Terra da Opala, inclusive, simbolicamente, com esta gema: os bamburristas. Assim, faz-
se necessário repensar o rumo das políticas públicas norteadoras do APL Opala em relação a
esses sujeitos sociais. As avaliações que se têm feito do APL Opala, parecem insuficientes e
superficiais, a se levar em conta documentos como: Plano de Desenvolvimento da Opala,
Carta Ambiental do Boi Morto, dentre outros. Se, como visto, recursos não são alocados para
contemplar metas traçadas com antecedência de quatro anos e que visem a melhorar as
condições de trabalho dos bamburristas, então parece ser necessário se discutirem os rumos
que o APL vem tomando.
190
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205
ANEXOS
206
ANEXO A - Bandeira do Município de Pedro II
Fonte: Prefeitura Municipal de Pedro II (2005)
207
ANEXO B - Hino do município de Pedro II - PI
Letra: Manoel Nogueira Filho
Musica: Gregório de Moraes
A serra dos matões é a fronteira
De uma cidade que viu nascer
Paredão que parece cordilheira
Para a aventura do saber
Pequizeiro antigamente era teu nome
Nos tempos coloniais
Pedro II, Pedro II
Cada vez te amo mais.
Do ventre da terra vem a força da razão
As águas cortam serra
Borbulham pelo chão
Na opala, no ouro, a grandeza
No heroísmo do povo esta paz
Pedro II, Pedro II
Cada vez te amo mais.
O canto das aves e canção
Como o aboio que ilumina o sertão
Varandas, redeiras, sonhos liberai,
Nuvens altaneiras e carnaubais
Azul e o céu, feliz a tua gente
Na hora do fruto, da flor ou da semente
Homens e mulheres conquistando o mundo
Minha cidade, meu céu de anil
Gloria a ti, Pedro II,
Pedro II do meu Brasil...
208
ANEXO C - Samba enredo da Escola de Samba Skindô, carnaval de 2002
“Na Terra da Opala,
Lua-de-mel é na Rede”
Tema: Jamil Said / Letra: Tânia Said e Zé Fernandes
Música: Zé Fernandes, Luciene e Jr. Gueri Gueri.
Na terra da Opala, lua-de-mel é na rede
(Canto de exaltação)
Desponta, aflora, a “verde e branco” na avenida,
Linda Skindô, ô, ô, ô, eternamente o amor da minha vida.
Embala minha skindô!
Na terra da opala, lua-de-mel é na rede...
(Refrão)
Eu quero rede, quero sombra e água fresca,
Eu quero me embalar nessa paixão (que tesão!),
Vou tecer o meu enredo na trama do teu coração.
(No Sítio)
No sítio arqueológico da Lapa
Enigmas, mistérios, raridades
Contemplação intrigante da História
Vestígios de ancestralidade
(Oh! Nossa Senhora!
Nossa Senhora (Oh! Nossa Senhora!) da Conceição
Os portugueses fundaram essa capela
Povoado Pequizeiro, Vila dos Matões
Cidade de Itamaraty
Pedro Segundo, o éden do Piauí
(Tem opala)
Tem opala, jóias mil (me encantei)
Me encantei com suas lendas
Cospe-cospe, Pirapora, Tamboril
É madrugada, reluziu
Cuidado com a mulher de branco
É noite escura e ela já saiu
Vem, amor, vem me esquentar (na Skindô)
A lua é um convite pra amar
Vem, amor, vem me beijar (na Skindô)
O mel da tua boca vou provar
(De fio)
De fio em fio, vou trançando o meu compasso
No barro o meu samba vou moldar
Artista, pegue a tinta e faça o traço (e a arte)
A arte vai a vida imitar, ô, ô, ô
A Skindô ô, ô, ô, vem cantar a sua gente, ô, ô, ô
Homens ilustres, políticos, bacharéis
Oi, Abre alas, dá licença, sai da frente
Pedro Segundo só dá gente nota dez!
209
ANEXO D - Tabela da estrutura fundiária do Estado do Piauí e do munícipio de Pedro II
Fonte: INCRA, 2008.
Fonte: INCRA, 2008.
210
ANEXO E - Estatuto do garimpeiro
PROJETO DE LEI
Institui o Estatuto do Garimpeiro, e dá outras providências.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1
o
Fica instituído o Estatuto do Garimpeiro, destinado a disciplinar os direitos e
deveres assegurados aos garimpeiros.
Art. 2
o
Para os fins previstos nesta Lei entende-se por:
I - garimpeiro: toda pessoa física de nacionalidade brasileira que, individualmente ou em
forma associativa, atue diretamente no processo da extração de substâncias minerais
garimpáveis;
II - garimpo: a localidade onde é desenvolvida a atividade de extração de substâncias
minerais garimpáveis, com aproveitamento imediato do jazimento mineral que, por sua
natureza, dimensão, localização e utilização econômica, possam ser lavradas,
independentemente de prévios trabalhos de pesquisa, segundo critérios técnicos do
Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM; e
III - minerais garimpáveis: ouro, diamante, cassiterita, columbita, tantalita, wolframita, nas
formas aluvionar, eluvional e coluvial, sheelita, demais gemas, rutilo, quartzo, berilo,
muscovita, espodumenio, lepidolita, feldspato, mica e outros tipos de ocorrência que vierem a
ser indicados a critério do DNPM.
Art. 3
o
O exercício da atividade de garimpagem só poderá ocorrer após outorga do
competente título minerário, sendo o referido título indispensável para a lavra e a primeira
comercialização dos minerais garimpáveis extraídos.
CAPÍTULO II
DAS MODALIDADES DE TRABALHO
Art. 4
o
Os garimpeiros realizarão as atividades de extração de substâncias minerais
garimpáveis sob as seguintes modalidades de trabalho:
I – autônomo;
II – em regime de economia familiar;
III – individual, com formação de relação de emprego;
IV – mediante Contrato de Parceria, mediante Instrumento Particular registrado em
cartório; e
V – em Cooperativa ou outra forma de associativismo.
CAPÍTULO III
DOS DIREITOS E DEVERES DO GARIMPEIRO
2
Seção I Dos Direitos
Art. 5
o
As cooperativas de garimpeiros terão prioridade na obtenção de título para
aproveitamento mineral dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde
estejam atuando,
desde que a ocupação tenha ocorrido nos seguintes casos:
I - em áreas consideradas livres, nos termos do Decreto-Lei n
o
227, de 28 de fevereiro de
211
1967;
II - em áreas requeridas com prioridade, até a data de 20 de julho de 1989; e
III - em áreas onde sejam titulares de permissão de lavra garimpeira.
Parágrafo único. É facultado ao garimpeiro associar-se a mais de uma cooperativa, que
tenha atuação em áreas distintas.
Art. 6
o
As jazidas consideradas pelo DNPM como exauridas economicamente que,
comprovadamente, contenham, nos seus rejeitos, minerais garimpáveis que possam ser objeto
de exploração garimpeira, poderão ser disponibilizadas por meio de edital às cooperativas de
garimpeiros, mediante a manifestação de interesse destas, conforme dispuser Portaria do
Diretor-Geral do DNPM.
Art. 7
o
Os títulos minerários que tenham como objeto substâncias minerais garimpáveis,
em processo de caducidade, que possam ser objeto de atividade garimpeira, poderão ser
disponibilizados
por edital pelo DNPM às cooperativas de garimpeiros, mediante a manifestação de interesse
destas, conforme dispuser Portaria do Diretor-Geral do DNPM.
Art. 8
o
Fica assegurado ao garimpeiro ou à cooperativa de garimpeiros, em qualquer das
modalidades de trabalho, que tenham cumprido todas as exigências legais em relação ao meio
ambiente e direito minerário, o acesso ao aproveitamento de minerais garimpáveis nas áreas
tituladas.
Art. 9
o
Fica assegurado ao garimpeiro, em qualquer das modalidades de trabalho, o direito
de comercialização da sua produção diretamente com o consumidor final, desde que se
comprove a titularidade da área de origem do minério extraído.
Art. 10. A atividade de garimpagem será objeto de elaboração de políticas públicas pelo
Ministério de Minas e Energia destinadas a promover o seu desenvolvimento sustentável.
Art. 11. Fica assegurado o registro do exercício da atividade de garimpagem nas carteiras
expedidas pelas cooperativas de garimpeiros.
Seção II
Dos Deveres do Garimpeiro
Art. 12. O garimpeiro, a cooperativa de garimpeiros e a pessoa que tenha celebrado
Contrato de Parceria com garimpeiros, em qualquer modalidade de trabalho, fica obrigado a:
I - recuperar as áreas degradadas por suas atividades;
II - atender o disposto no Código de Mineração no que lhe couber; e
III - cumprir a legislação vigente em relação a Segurança e Saúde no Trabalho.
3
Art. 13. É proibido o trabalho do menor de dezoito anos na atividade de garimpagem.
CAPÍTULO IV
DAS ENTIDADES DE GARIMPEIROS
Art. 14. É livre a filiação do garimpeiro às associações, confederações, sindicatos,
cooperativas ou outras formas associativas, devidamente registradas, conforme legislação
específica.
Art. 15. As cooperativas, legalmente constituídas, titulares de direitos minerários, deverão
informar ao DNPM, anualmente, a relação dos garimpeiros cooperados, exclusivamente para
fins de registro.
§ 1
o
A apresentação intempestiva ou que contenha informações inverídicas implicará em
multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a ser aplicada pelo DNPM.
§ 2
o
No caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro, podendo, no caso de não
pagamento ou nova ocorrência ensejar a caducidade do titulo.
212
CAPÍTULO V
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 16. O garimpeiro que tenha contrato de parceria com o titular de direito minerário
deverá comprovar a regularidade de sua atividade na área titulada mediante apresentação de
cópias autenticadas do contrato e do respectivo título minerário.
Parágrafo único. O contrato referido no caput não será objeto de averbação no DNPM.
Art. 17. Fica o titular de direito minerário obrigado a enviar, anualmente, ao DNPM, a
relação dos garimpeiros que atuam em sua área, sob a modalidade de contrato de parceria,
com as respectivas cópias desses contratos.
§ 1
o
A apresentação intempestiva ou que contenha informações inverídicas implicará em
multa de R$ 1.000,00 (um mil reais), a ser aplicada pelo DNPM.
§ 2
o
No caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro, podendo, no caso de não
pagamento ou nova ocorrência ensejar a caducidade do titulo.
Art. 18. É instituído o Dia Nacional do Garimpeiro a ser comemorado em 21 de julho.
Art. 19. Fica intitulado Patrono dos Garimpeiros o Bandeirante Fernão Dias Paes Leme.
Art. 20. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília,
4
EM INTERMINISTERIAL Nº 00068/MME/MTE
Brasília, 5 de setembro de 2006
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Submetemos à elevada apreciação de Vossa Excelência a inclusa minuta de
Projeto de Lei, com o propósito de instituir o Estatuto do Garimpeiro e dar outras
providências.
2. Embora prevista na Constituição Federal e na Legislação Mineral, a atividade
garimpeira no País ainda não foi, com raras exceções, foco de políticas públicas visando ao
seu desenvolvimento sustentável. Dessa forma, essa atividade e, principalmente, aqueles que
nela atuam, os garimpeiros, vêm enfrentando toda sorte de dificuldades, além de serem
responsabilizados por danos ambientais.
3. Sem dúvida, há problemas diversos no contexto dessa atividade, mas, também,
existem formas de conduzi-la a patamares de sustentabilidade. O passo inicial para as
transformações necessárias é reconhecer efetivamente a existência de condições geológicas e
econômicas que favorecem a atividade garimpeira e, portanto, a projeção do garimpeiro como
profissional, para, a partir disso, estabelecer programas de apoio e fomento à atividade. Essa
foi a opção feita pelo Ministério de Minas e Energia - MME, a partir de 2003.
4. O objetivo central dos programas estabelecidos pela Secretaria de Geologia,
Mineração e Transformação Mineral - SGM, do MME, foi a formalização da atividade
garimpeira. O grande número de garimpos clandestinos no país leva a problemas tais como: a
evasão fiscal, o não comprometimento com o meio ambiente, saúde e segurança no trabalho e,
é claro, a marginalização social do garimpeiro.
5. Dadas essas condições, pretende-se deflagrar um Programa de Formalização da
atividade garimpeira, que será acompanhado de ações de conscientização e capacitação dos
garimpeiros. Nesse cenário, o projeto de Estatuto do Garimpeiro apresentado traz importantes
elementos que se coadunam com as políticas do MME, entre os quais se destacam:
a) o reconhecimento como trabalhador do garimpo apenas daqueles que atuam em
áreas tituladas pelo Departamento Nacional da Produção Mineral - DNPM, por meio de um
instrumento definido em lei, conforme previsto no art. 3
o
do Projeto;
b) a admissão de vários regimes de trabalho existentes no garimpo, inclusive os
213
contratos de parceria entre o detentor da Permissão de Lavra Garimpeira - PLG no DNPM e
os garimpeiros que atuam na área, evitando, dessa forma, o trabalho escravo, que desqualifica
o trabalhador do garimpo e o mantém à margem da sociedade. Isso será objeto do Capítulo II
do Projeto, intitulado "Das Modalidades de Trabalho";
c) a exigência de que as cooperativas de garimpeiros e os detentores de PLGs com
contrato de parceria com garimpeiros informem ao DNPM os trabalhadores que estão a eles
associados, resguardando-lhes os seus direitos e munindo o DNPM de dados que ele hoje
5
desconhece como, por exemplo, quantos são realmente os garimpeiros no País. Essas
obrigações emanam das normas contidas nos arts. 15 e 16 do Projeto;
d) a necessidade de que as cooperativas de garimpeiros, os detentores de PLG
com contrato de parceria com garimpeiros e os próprios garimpeiros, quando atuem individual
e autonomamente, tenham responsabilidade social, no que se refere à não contratação de
trabalho proibido ao menor, a cuidados com a saúde e segurança do trabalhador e à
responsabilidade perante o meio ambiente. A Seção II, do Capítulo III, do Projeto, nesse
diapasão, cuida "Dos Deveres dos Garimpeiros"; e e) a atribuição de um "endereço" ao
garimpeiro através da PLG.
6. Além de corroborar com a formalização da atividade e sua condução para a
sustentabilidade econômica, ambiental e social, o Estatuto pretende resgatar a cidadania do
garimpeiro, conferindo-lhe maior dignidade. Para tanto, pretende-se instituir o "Dia Nacional
do Garimpeiro" a ser comemorado em 21 de julho, em razão de ser o dia em que se registra,
no ano de 1764, a saída do Bandeirante Fernão Dias Paes Leme de São Paulo em direção ao
interior do País, atual Estado de Minas Gerais.
7. Ao seu turno, o Bandeirante Fernão Dias Paes Leme, nos termos da minuta do
Projeto de Lei, passará a ser considerado Patrono dos Garimpeiros, uma vez que foi ele o
primeiro garimpeiro que a história das conquistas bandeirantes registra e, neste ato, representa
todos aqueles que, à semelhança dos garimpeiros, desbravam o Território Nacional à procura
de pedras e metais preciosos, interiorizando e ampliando as nossas fronteiras.
8. Enfim, percebe-se que a minuta de Projeto de Lei, caso convertida em lei, será um
importante passo para a formalização e o desenvolvimento sustentável da atividade de
garimpagem na República Federativa do Brasil, o que, sem dúvida nenhuma, propiciará uma
melhoria geral na condição econômica e social dos garimpeiros, permitindo-lhes que,
finalmente, tenham sua cidadania resgatada.
9. Essas são, Senhor Presidente, as considerações a respeito da proposta de Projeto
de Lei, que ora levamos à superior deliberação de Vossa Excelência.
Respeitosamente,
Assinado eletronicamente por: Silas Rondeau Cavalcante Silva, Luiz Marinho
214
ANEXO F - Algumas ilustrações do Catálogo de jóias Pedra Primeira de Pedro Segundo
APRESENTAÇÃO
A beleza das opalas e o talento
brasileiro
O Piauí é um Estado de singularidades. A nosso capital, Teresina, que tem o codinome de
"cidade verde", cada vez mais se consolido pela expansão de setores como saúde, confecção
e artesanato.
O artesanato piauiense é encantador aos olhos que apreciam a beleza do trabalho
resultante de mãos que tecem, moldam, entalham, trançam, bordam e lapidam no busco
por dias melhores, exercitando o próprio dom.
A manifestação do opala no Piauí - pedra de reconhecido beleza e de grande variedade de
cores - é fator de regozijo não apenas nas localidades onde o mineral ocorre, Pedro II e Buriti
dos Montes, mas em todo o Estado, especialmente no coração de cada homem e cada mulher
que por aqui habito.
A opala aliado à prato, ao ouro ou ao tucum é pedra de destaque. É motivo de orgulho
paro o nosso artesanato. É beleza que ornamento de um trabalho sem igual.
E é justamente essa beleza que está estampado em cada peço mostrado nesse
catálogo o qual registro o verdadeiro talento do Brasil.
215
A coleção de jóias Opala, Pedra Primeiro de Pedro Segundo apresentado neste catálogo é um
dos resultados obtidos pelo Programo Talentos do Brasil, por meio de ações desenvolvidas
em parceria pelo Sebrae-PI com o MDA - Ministério de Desenvolvimento Agrário. São jóias
desenvolvidas pelos ourives e lapidários da cidade de Pedro II, Piauí, onde se encontra o
maior garimpo de opala do país, sob orientação de designers e outros profissionais com
objetivo de agregar valor, estabelecer identidade cultural e possibilitar inserção em mercados
diferenciados.
Hoje, em Pedro II, 13 micro unidades de produção de joalheiros, lapidários e ourives
associados no AJOLP - Associação dos Joalheiros e Lapidários de Pedro II - e 500
garimpeiros no Cooperativo dos Garimpeiros de Pedro II.
Janeiro, 2007
Delano Rodrigues Rocha
Superintendente do Sebrae no Piauí
Por trás da jóia, por baixo da terra
Maria Emilia Kubrusly
A pedra que reluz, solitária, no engaste perfeito do anel carrega uma história e traçou um caminho
difícil de imaginar, diante da jóia pousada na maciez do estojo, sob as luzes da vitrine em que se
expõe. Antes de chegar à lapidação e à joalheria, a opala precisa ser achada pelos heróis desta
história: os garimpeiros de Pedro II. São cabras destemidos, que não hesitam em descer quase vinte
metros num poço terra a dentro à procura do veio luminoso encravado na argila, ou passar o dia sob o
sol do sertão vasculhando, peneirando, lavando rejeitos (terra, pedra, cascalho) da mina, em busca dos
preciosos fragmentos da opala.
Quase todos garantem que o grande barato é encontrar a pedra, melhor que vender, ganhar e gastar o
dinheiro. E são pessoas que dependem da atividade para pagar as contas do dia-a-dia, enchera panela
da família, a maioria alternando o garimpo no verão (época da estiagem) com a lavoura no inverno
(período chuvoso). Mas se rendem ao prazer e ao fascínio de desbravar a terra em busca da preciosa
pedra.
Na maioria das vezes, nem é possível saber ao certo o valor de uma opala ainda bruta. Ao ser
quebrada, ela pode se revelar muito melhor do que aparenta, ou então decepcionar as expectativas, o
que torna a venda uma loteria. Mas eles não parecem se importar com estes e outros riscos,
comparando o trabalho na mina a um jogo - como tudo na vida, dizem.
Pedro II foi fundada em 1851, com o nome de Pequizeiro, mas a opala seria encontrada 100 anos
depois, no final da década de 50. Pelo menos é o que contam os mais velhos garimpeiros e lapidários,
alguns ainda na ativa.
São muitas as versões para a descoberta da primeira destas pedras: um cara estava caçando um peba
(tatu) e enfiou a mão na toca do bicho, onde encontrou uma opala; outros garantem que foi um
lavrador, que desenterrou uma gema ao preparar a roça para plantar mandioca; outros dizem que foi
um cachorro perseguindo um preá, ou, ainda, alguém que fincava a cerca no chão, ou abria um buraco
para plantar uma bananeira, e por aí vai.
Muita água rolou, muito se· escavou, se achou, vendeu e perdeu opala nestes quase 50 anos.
A organização dos trabalhadores do garimpo, porém, na Cooperativa de Garimpeiros de Pedro II,
criada cerca de 5 anos, reduziu as incertezas, conforme explica um dos fundadores e presidente da
COOGP, Antônio Sepúlveda Almendra Sobrinho, o Toninho: "O garimpo é uma aventura, um vício
que a gente nunca quer abandonar, mas, com a formação da Cooperativa, passamos a ter mais controle
da garimpagem e eliminamos os atravessadores", comemora, esperando que' cada vez mais
garimpeiros se tornem cooperados (hoje são cerca de 80).
216
Relatos de opalas de 4 quilos, pedras de qualidade superior que permitiram a compra do terreno e a
construção da casa rendem horas de conversa com os garimpeiros de Pedro II, assim como os casos
fascinantes que todos contam e que se equilibram no limiar da realidade. A maioria garante que já viu
o acender de fogos durante a noite, que se apagam sozinhos, da mesma forma que incandesceram, e
juram: pode cavar no local onde a chama ardeu que vai ter opala. Engenheiros e técnicos da área de
mineração e geologia sorriem, céticos, diante destas histórias, assim como todos que ouvem os casos
de assombrações que habitam as minas, revelando-se nas raras noites em que é preciso dormir no local
para vigiar. Verdade ou não, esta magia associada ao garimpo da opala serve apenas para tornar ainda
mais fascinante e misteriosa esta gema de múltiplos brilhos e cores.
217
218
219
Av. Campos Soles, 1046, Centro,
Teresina / PI
CEP.: 64.000 - 300
Ulysses Gonçalves Nunes de
Moraes
Delano Rodrigues Rocha
Mário José Lacerda de Meio
Evandro Cosme Soares de Oliveira
Carlos Jorge Gomes Silva
Rosa de Viterbo Cunha
AJOLP - Associação dos Joalheiros e
Lapidários de Pedro II
Endereço: Rua Preso Vargas, 546
- centro CEP 64.255-000 Pedro 11 - PI
COOGP- Cooperativa dos
Garimpeiros de Pedro II
Endereço: Av. Cel. Cordeiro, 703
- centro CEP 64.255 - 000 Pedro II-PI
Rosa de Viterbo Cunha Tel.: (86) 3216-1341
Juscelino Araújo Sousa Tel.: (86) 3271-1559
Marcelo Gonçalves Nunes de Oliveira Morais - Tel.:
(86) 3216-1315
Renato Imbroisi
Gabriela Ricca de Weber
Ângela Klein
Maria Emilia Kubrusly
Monica Severo
Nicolau El-moor
Rodrigo Viana
Monica Severo
João Filipe de Souza Campello
Contato comercial da Coleção
Fone: - + 55 (21)3681.7927
Serviço de Apoio às Micro e
Pequenas empresas do Piauí
- SEBRAE/PI
Presidente do Conselho
Deliberativo Estadual do
SEBRAE no Piauí
Diretoria Executiva
Diretor Superintendente
Diretor Técnico
Diretor Administrativo-
Financeiro
Equipe Técnica
Gerente do Escritório Teresina
Gestora do artesanato
Unidade de Teresina
Entidades
Contatos
Coordenação
Design de jóias
Produção executiva
Texto
Direção de arte
Fotografia estúdio
Fotografia externa
Projeto gráfico e
Diagramação
220
ANEXO G – Projeto Cooperativo em Rede do Arranjo Produtivo de Opala na Região de Pedro II.
221
222
223
224
225
ANEXO H – Processo de extração, lapidação e comercialização de opala em Pedro II
Fonte: Lima (2008).
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