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STORYTELLING NAS
HISTORIAS EM
QUADRINHOS: O
DESIGN DO NOVO
FORMATO GRÁFICO
E O CAVALEIRO
DAS TREVAS
STORYTELLING NAS
HISTÓRIAS EM
QUADRINHOS: O
DESIGN DO NOVO
FORMATO GRÁFICO
E O CAVALEIRO
DAS TREVAS
RICARDO TROULA
mestrado em design
universidade anhembi morumbi
são paulo, 2008
STORYTELLING NAS HISTORIAS EM QUADRINHOS
RICARDO TROULA
2008
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1
STORYTELLING NAS
HISTORIAS EM
QUADRINHOS: O
DESIGN DO NOVO
FORMATO GRÁFICO
E O CAVALEIRO
DAS TREVAS
RICARDO TROULA
mestrado em design
universidade anhembi morumbi
são paulo, 2008
orientadora: profa. dra. gisela belluzzo
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3
Prof. Dr. Francisco Homem de Melo, Examinador Externo
FAU - USP
Profa. Dra. Claudia Marinho, Examinadora Interna
Universidade Anhembi Morumbi
Profa. Dra. Gisela Belluzzo de Campos, Orientadora
Universidade Anhembi Morumbi
banca examinadora
5
O gibi “Batman O Cavaleiro das Trevas”, de Frank Miller, é
o objeto de estudo desta dissertação que busca estudar
o storytelling ou a narrativa visual nas histórias em
quadrinhos e a evolução gráfica do meio nos Estados Unidos.
Através de um resgate histórico da utilização dos recursos
e processos gráficos desde 1930 e da presença do design
gráfico nos quadrinhos, objetiva-se analisar a introdução
do novo formato gráfico na década de 1980 e da utilização
subseqüente deste nos demais quadrinhos publicados, até
a ampla e desmedida utilização na década de 1990 e a
maturidade gráfica do meio no novo século. O storytelling
na linguagem dos quadrinhos também é abordado de forma
histórica comparando sua gênese com a do cinema clássico
hollywoodiano e o desenvolvimento desta narrativa com a
entrada de diferentes profissionais no meio pós-censura nas
décadas de 1960, 1970 e 1980, dentre eles Frank Miller. E as
mudanças causadas pela introdução do novo formato que
permitiram uma alteração nessa narrativa, sem jamais negá-
la. A dissertação investiga também o resgate feito por Miller
do personagem Batman quando da publicação de sua obra.
Através de um resgate histórico da carreira do quadrinista e da
história do próprio personagem, investigo as conseqüências
do objeto de estudo no meio e para o Batman. Por fim, aplico
o estudo acima em uma análise no objeto de estudo.
Palavras-chave: Histórias em Quadrinhos. Design Gráfico.
Cinema. Batman. Frank Miller.
resumo
The graphic novel “Batman The Dark Knight Returns”, by
Frank Miller, is the object of this dissertation. The main goal
is studying the storytelling on comic books and the graphic
evolution of the media in the United States. Through the study
of the graphic resources and process of comic book history
since 1930 and the application of graphic design in comics,
this dissertation has the intent of analyzing the introduction
of the new format at the decade of 1980, its consequences
on the release of the further comic books of the 1990s and
the graphic achievements of the market in the new century.
The storytelling at the comic book’s language is also retreated
historically making a comparison to the classical Hollywood
cinema and its specific narrative and the evolution of its
storytelling with the entrance of new kind of professionals
after the post-censorship at the decades of 1960, 1970
and 1980, including Frank Miller. The new format suggests
different approaches in the classic narrative but it has never
denied it. This dissertation also investigates the Miller’s point
of view of character Batman when “Batman The Dark Knight
Returns” was published. Through the recapitulated of Miller’s
career and the history of the character itself, I look at the
consequences of the graphic novel on the comic book field
and Batman. Finally, using the study above I analyze the
object of this dissertation.
abstract
Keywords: Comic Books. Graphic Design. Cinema. Batman.
Frank Miller.
7
SU
RIO
INTRO
DUÇÃO
Pg.
1.
HISTÓRIAS EM
QUADRINHOS
E SEU
DESENVOLVIMENTO
GRÁFICO: A CAPA,
A EMBALAGEM E
O NOVO FORMATO
Pg.10
2.
NARRATIVA
VISUAL E A
LINGUAGEM
DOS
QUADRINHOS
Pg.
3.
CAVALEIRO
DAS
TREVAS
Pg.
4.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS: O QUE
FICA E O QUE
MUDA
Pg.
5.
REFERÊNCIAS
BIBLIO
GRÁFICAS
Pg.
250
6
72
166
246
9
O objetivo dessa dissertação é discutir o storytelling nas
histórias em quadrinhos investigando-a como uma forma
narrativa e conduzindo uma análise de sua evolução gráfica
e tecnológica. Para isso, farei uso da HQ Batman The Dark
Knight Returns (Batman: O Cavaleiro das Trevas) como estudo
de caso, pois esta se insere em um momento de transição
gráfica, narrativa e principalmente temática na história dos
quadrinhos norte americanos.
Uma história em quadrinhos é uma narrativa, majoritariamente
visual, contada através de uma seqüência de imagens, com os
diálogos dos personagens incorporados através dos balões e os
demais efeitos sonoros inseridos na forma de onomatopéias.
Por ser uma forma hibrida, combinando imagem e texto, os
quadrinhos oferecem um problema ao serem analisados.
Ao utilizar uma comparação com a ficção literária para tal
análise, o pesquisador acaba por ignorar a narrativa visual
do meio, sua principal característica. Por isso, optei por fazer
uma comparação com o cinema objetivando investigar e
estabelecer os princípios narrativos dos quadrinhos para em
seguida analisar as mudanças que ele sofreu. No entanto,
também considerei o texto nos quadrinhos pois, mesmo
em menor proporção, ele também é parte fundamental da
linguagem dos quadrinhos.
Essa dissertação procura demonstrar que quadrinhos é uma
linguagem narrativa rica e complexa, tendo publicado histórias
de diversos gêneros objetivando os mais variados tipos de
leitores. Essa complexidade se evidencia ao observarmos que
quadrinhos interage com diversas outras áreas, apropriando-
se de elementos e soluções e, muitas vezes, transformando-
as conforme as utiliza. Mas também emprestando recursos
e técnicas características de sua linguagem a outros meios,
como o uso dos balões e onomatopéias, por exemplo. O meio
mais próximo das HQs é provavelmente o cinema, mas diversos
gibis demonstraram que sua utilização da linguagem dos
quadrinhos sofre influências de outros meios, como a arte,
a ilustração, a fotografia, a televisão, a literatura e o design.
Estas influências variam do emprego de elementos, até se
beneficiar do avanço tecnológico destas áreas. A linguagem
dos quadrinhos possui essa riqueza de influências sem
perder sua identidade de narrativa seqüencial e visual, e o
faz sendo uma linguagem popular e de cultura de massa.
A linguagem dos quadrinhos pode oferecer histórias para
quase qualquer público de qualquer idade disposto a ler,
suas soluções técnicas podem ser manipuladas para atender
os diferentes níveis de complexidade narrativa dependendo
do tipo de leitor e, principalmente, do tipo de história a ser
contada. A diversidade de temas e gêneros nos quadrinhos
permite um maior acesso a leitores diferentes oferecendo
possibilidades variadas.
Para construir essa dissertação abordo, no primeiro capítulo, a
história gráfica dos quadrinhos desde seu início na década de
1930, até o novo século. Estudo de forma aprofundada o processo
de produção de uma história em quadrinhos e conduzo um breve
int odução
R
11
resgate histórico da evolução dos aspectos gráficos e do formato
do gibi. Investigo especificamente a embalagem de uma HQ, ou
seja as capas, considerando a presença cada vez mais intensa de
profissionais especializados trabalhando com as questões gráficas
e de composição visual nas mesmas. Para isso, selecionei três
desses profissionais especializados em trabalhar com capas de
quadrinhos e analiso algumas peças de seus trabalhos buscando
ilustrar esse estudo. Dei preferência a profissionais que fossem
responsáveis pela totalidade dos elementos em uma capa, tanto
textuais quanto visuais, e optei também por aqueles que tivessem
uma formação e uma experiência especifica em lidar com as
necessidades de produzir uma peça gráfica como uma capa. Em
seguida abordo os resultados dessa evolução gráfica através do
surgimento das graphic novels na década de 1970, da introdução
do chamado new format (novo formato) na década de 1980, e
da sua subseqüente difusão através do meio com a cacofonia de
soluções de impressão e exageros gráficos da década de 1990
até sua solidificação e maturação no novo século. O objetivo de
estudar a evolução gráfica das HQs é investigar a importância
deste novo formato na constituição do objeto de estudo do ponto
de vista da utilização da linguagem em uma nova configuração
gráfica e em seu subseqüente sucesso de público. Além de estudar
as capas com o objetivo de analisar a intensificação da presença
do design gráfico nas histórias em quadrinhos que hoje não se
restringe apenas a parte externa de um gibi.
Em seguida, no segundo capítulo, abordo o storytelling
na linguagem dos quadrinhos e sua forma visual. Para isso
investigo os elementos que compõe uma HQ e as técnicas,
soluções e estratégias narrativas usadas pelos quadrinistas
para contar uma história visualmente. Selecionei elementos
visuais que constituem e formam o produto da história em
quadrinhos, que é a história contada nas páginas do gibi, bem
como a montagem destas páginas e a arte dos quadrinhos.
Quanto a arte me refiro as características que perfazem a
linguagem do desenhista e sua produção que ocupa o interior
dos quadrinhos em uma página. Abordo também o texto nas
HQs e sua aplicação através dos balões e onomatopéias e a
relação entre a combinação de imagens e texto. Por fim, analiso
também os elementos narrativos do meio traçando um paralelo
entre a narrativa clássica das histórias em quadrinhos e sua
evolução com a narrativa clássica do cinema hollywoodiano. A
opção por utilizar o cinema se deu em função da proximidade
que estes dois meios possuem no que concerne seus objetivos
e algumas de suas soluções e técnicas, mesmo possuindo
linguagens diferentes. Além disso, o cinema possui um estudo
mais amplo acerca de sua história narrativa oferecendo pontos
de reflexão que podem ser transpostos para os quadrinhos, que
possui ainda pouca bibliografia disponível sobre o assunto. A
base para discussão de narrativa nesta dissertação veio dos
livros de cinema presentes na bibliografia.
E por fim, o terceiro capítulo, é dedicado a análise do
objeto de estudo tomando como base o que foi discutido
nos primeiros dois capítulos. Primeiro fiz um breve
resumo da história da série e abordei quatro elementos
temáticos e técnicos da HQ que julguei pertinentes por
sua importância histórica e conceitual para o Batman. Em
seguida, abordo partes específicas da história utilizando
as seqüências para nortear a análise de acordo com os
temas abordados. Obviamente que a obra inteira não foi
analisada de forma detalhada, mas sim partes dela que
servirão ao estudo que esta dissertação se propõe.
O final da dissertação traz algumas considerações a
respeito das histórias em quadrinhos, do personagem
Batman e do objeto de estudo, bem como da pesquisa e
possíveis desdobramentos.
13
1.
1.2. Histórias em quadrinhos e seu
desenvolvimento gráfico
formato e cor
1 As revistas pulp foram publicadas nos Estados Unidos a partir da década de 1920 até a metade do século. Eram publicações baratas que traziam histórias de
ficção com temas diversos como o policial, a aventura, o velho-oeste e o romance, para citar alguns.
2 A Era de Ouro dos quadrinhos norte-americanos começou em 1939 com o lançamento de Action Comics #1 e o surgimento do Superman, e estendeu-se até
o final da década de 1940. Nela, o super-herói foi definido e a maioria dos personagens clássicos foram introduzidos.
O início dos quadrinhos nos Estados Unidos se deu nos jornais,
primeiro com as charges, como na Inglaterra (SABIN, 2003, pg.12),
no final do século XIX, e em seguida com as tiras. As primeiras
tiras eram curtas, compostas de apenas alguns quadros, mas
logo evoluíram para seqüências maiores e coloridas, geralmente
abordando sátiras políticas ou sociais, passando a fazer mais
sucesso. Os editores dos jornais norte-americanos perceberam
que as tiras em quadrinhos agradavam ao público e ajudavam
a vender mais jornais (WEINER, 2003, p.1), assim, as tiras
ganharam um suplemento publicado aos domingos dedicado
exclusivamente a elas (SABIN, 2003, pg.20).
Logo, estas tiras começaram a diversificar sua temática,
emprestando boa parte das revistas pulp
1
tão famosas na época
ou de adaptações de obras literárias como Tarzan. Com o sucesso
comercial das tiras, diversas editoras começaram a publicar
compilações de tiras de jornal em livros, mas estes obtiveram
pouco sucesso, pois os leitores da época não queriam pagar a mais
por algo que eles já recebiam de graça em seu jornal (IBID, p.34).
Algumas tentativas foram feitas buscando encontrar um formato
que vendesse, até que em 1934, Maxwell C. Gaines, empresário
do ramo gráfico, dobrou um jornal que tem aproximadamente 60
cm por 38 cm em quatro partes e criou o formato de revistas em
quadrinhos norte- americanos, com cerca de 25,4 cm por 17,8 cm
(JONES, 2006, p.126). Ele publicou sua primeira revista, Famous
Funnies, que contava com uma generosa quantidade de tiras
coloridas organizadas nesse novo formato. Mais barato do que
os anteriores (SABIN, 2003, p. 21), este novo formato distanciou
as tiras dos livros, agradou aos leitores e abriu as portas para a
produção de material exclusivo para as revistas. Este formato
consistia em uma revista no tamanho citado anteriormente,
com cerca de vinte a trinta páginas, uma dobra e grampeada. As
histórias eram impressas em papel jornal e quadricromia. Quando
Superman foi lançado em Action Comics #1 (figura 1), em 1938,
representando o início da Era de Ouro
2
dos quadrinhos, este
novo formato já estava estabelecido. A revista em quadrinhos
voltaria a sofrer mudanças na década de 1980, mas voltaremos a
isso mais tarde.
Não foi apenas o formato que sofreu poucas modificações,
o processo de colorização dos quadrinhos e o papel utilizado
também mudou pouco. Desde sua inserção nas tiras de
quadrinhos, a cor sempre foi um diferencial para o público,
mas evoluiu pouco até a década de 1970. Desde as primeiras
revistas em quadrinhos, o colorista possuía apenas 63 cores
para escolher, as quais ele aplicava de forma manual sobre
uma cópia da arte em preto e branco, quase como um livro
de colorir. As chamadas cores primárias, amarelo, magenta e
histórias em
as
QUADRINHOS
e seu
desenvolvimento
gráfico
:
a
CAPA
,
EMBALAGEM
e o
NOVO
formato
a
15
cyan são as bases para a composição de todas as outras cores.
Elas também são chamadas de aditivas, pois quando somadas
geram outras cores. Nos quadrinhos, seu uso era restrito
a 100%, 50% e 20%, o que significava que os coloristas
podiam utilizar três intensidades dessas cores, o que limitava a
quantidade de tons possíveis a 63, somadas ao preto, a quarta
cor. Depois de aplicar as cores sobre a página, o colorista então
as indicava através de curtos códigos escritos na própria página
para que o separador de cores pudesse, na gráfica, atingir os
mesmos tons que ele queria (figura 2). Cada editora possuía
sua própria tabela de cores e códigos correspondentes.
O visual destas cores impressas em papel jornal (do início
dos quadrinhos) gerou um produto final sofrível, mas que foi
bem absorvido pelo público norte americano. Para compensar
esse “efeito empobrecedor” do papel jornal e se destacar da
concorrência, os heróis foram trajados em uniformes que
possuíam cores primárias brilhantes, e foram inseridos num
mundo de cores primárias (McCLOUD, 2005, p.188).
Na década de 1970, a entrada de desenhistas oriundos de
outros campos causou uma revolução na arte dos quadrinhos.
O trabalho de Jim Steranko e Neal Adams mudou a forma
como o desenho nos quadrinhos vinha sendo feito até então
distanciando-a do traço de seus fundadores como Jack Kirby,
Will Eisner e Winsor McCay. Como pioneiros, estes quadrinistas
não ajudaram a desenvolver a linguagem do meio, como se
desenvolveram dentro dele. Dessa forma, sua evolução artística e
narrativa ficou contida no campo dos quadrinhos e foi quebrada
com a entrada desses novos quadrinistas. Steranko trouxe os
movimentos de arte para suas revistas, introduzindo conceitos
da pop art, op art e surrealismo (figura 3) em suas capas e
páginas. Adams introduziu soluções e técnicas que tornaram o
visual dos quadrinhos mais realista e dramático (figura 4), com
sombras e figuras humanas próximas à ilustração clássica.
Oriundo da publicidade e acostumado com uma gama de cores
muito maior do que a dos quadrinhos na época, Adams forçou
uma evolução no processo de impressão nos quadrinhos
elevando para 124 a quantidade de cores à disposição dos
coloristas nas tabelas das editoras. Mas foi na década de
1980 que a mudança no processo realmente foi significativa,
com a introdução do computador na separação de cores e
subseqüentemente na própria colorização digital das páginas,
que tornou-se um padrão na década de 1990. Hoje, a grande
maioria dos quadrinhos são coloridos digitalmente através
de softwares específicos como o Photoshop. Esta colorização
beneficiou-se do avanço tecnológico tanto dos computadores
e periféricos gráficos como os tablets (mesa digitalizadora)
e scanners, como das impressoras e parques gráficos que
permitiram uma maior qualidade nas cores impressas.
Figura 2 Separação de cores CHIARELLO, 2004.
(a direita e abaixo) Figura 1 Action Comics Superman Cover to Cover, 2006.
(abaixo) Figura 3 Fury DUIN, 1998.
(a direita) Figura 4 Realismo Adams Superman Cover to Cover, 2006.
17
anteriormente é mantida. O desenhista geralmente trabalha
com grafite, seja através de um lápis ou de uma lapiseira, para
construir a arte das páginas. Quando estas estão devidamente
desenhadas, o arte-finalista assume o trabalho e aplica nanquim
às páginas, fazendo com que elas sejam mais fáceis de serem
reproduzidas. Esta era a função inicial dos arte-finalistas, pois
quando os quadrinhos surgiram era muito difícil reproduzir o
grafite na impressão final. Durante a evolução da linguagem
dos quadrinhos, os arte-finalistas desenvolveram uma série de
técnicas, muitas emprestadas da ilustração, e aumentaram sua
contribuição ao processo produtivo trabalhando texturas, a
narrativa através do contraste e acrescentando dramaticidade
alterando a informação expressiva do desenho. O Batman,
por exemplo, é um personagem sombrio, que atua a noite, e
portanto é sempre representado com grandes áreas chapadas
de preto. Essa solução seria muito trabalhosa para se obter
no lápis, e muito menos eficiente do que quando é feita com
nanquim, que é capaz de oferecer ao desenho esse tipo de
sombra (figura 5). Hoje, o nanquim ainda faz parte do processo,
apesar de já existirem soluções digitais para a finalização e de
já, há algum tempo, ser possível imprimir páginas à lápis com
qualidade. Já existem alguns exemplos de arte-finalização
digital, mas ainda são poucos e a forma tradicional de arte-
finalizar ainda é bastante presente. Mais comum é a colorização
diretamente sobre o lápis, prática que vem sendo adotada
com uma certa freqüência. Depois da arte-final, o processo
migra de vez para o digital com os processos de colorização
e letrerização. Ambos originalmente eram feitos de forma
a estrutura de produção de uma hq
O projeto nas histórias em quadrinhos começa com o roteiro,
definindo a história a ser contada e a melhor forma de fazê-lo.
Dennis O’Neal estabelece que “uma história é uma narrativa
estruturada e projetada para obter um efeito emocional,
apresentar uma proposta ou revelar um personagem” (2001,
p.13). Assim, o objetivo do escritor é contar uma história
da melhor forma possível considerando a mensagem que
ele quer transmitir e o efeito que ele quer causar. Essa
responsabilidade para com o leitor segue para a arte, onde o
modo de contar a história ganha um outro aspecto, o visual.
É função do desenhista transmitir essa mensagem (a história),
ou informação de um modo interessante (JANSON, 2002, p.55)
e, para isso, sua preocupação deve ir além da qualidade do
desenho. Não importa quão boa seja a arte dos quadros se a
relação entre estes e a sua organização na página não seguir o
propósito de melhor contar a história.
Depois que o roteiro é escrito, o desenhista passa a história
para a página tornando-a visual. São dele as opções de layout
de página e de enquadramento. Em muitos casos, o roteirista
sugere algumas dessas opções como, por exemplo, quantos
quadros a página terá, mas fica a cargo do desenhista a
solução final. Obviamente que esta dinâmica entre escritor e
desenhista depende do status de cada um, se o escritor for
muito mais conceituado do que o desenhista, o segundo tende
a seguir o roteiro de forma mais precisa. Se o contrário for
verdadeiro, o desenhista pode decidir mais livremente. Mas em
uma situação onde as partes se equivalem, a dinâmica citada
Figura 5 Arte Final JANSON, 2003.
19
O roteiro de uma história em quadrinhos é semelhante a um
roteiro de filme, porém adaptado à sua própria linguagem.
Enquanto em um roteiro de filme cada página equivale mais
ou menos a um minuto de projeção, nas HQs a medida de
tempo remete-se a página. Mas o formato dos roteiros de HQ
não é tão homogêneo quanto no cinema e aqui cabe uma
explicação a esse respeito.
O mercado de quadrinhos norte-americano possui inúmeras
editoras, porém duas grandes dominam a maior parte dele: a
Marvel Comics, editora do Homem-Aranha, Capitão América,
sobre roteiro
manual, a colorização, que será abordada mais adiante, era a
aplicação da tinta sobre as páginas, geralmente aquarela ou
ecoline, antes de seguir para a impressão. Desde a década de
1980, o processo de separação de cor é feito por computador,
e um pouco mais tarde, a própria colorização passou a ser
feita de forma digital. Existem gibis coloridos de outras formas,
mas o padrão da indústria e a grande maioria das revistas são
coloridas assim. A letrerização também era originalmente feita
de forma manual em processo semelhante ao da caligrafia.
Um letrista, como eram chamados os profissionais, escrevia os
textos e desenhava os balões antes do arte finalista entrar no
processo. Hoje esta parte também é feita por computador, mas
voltaremos a isso mais adiante.
o processo de produção e a linguagem das hqs
O processo de produção de uma HQ em seus primórdios ainda
era muito dependente dos artistas ou dos escritores, raramente
de ambos. Mesmo os roteiros da DC ainda dependiam muito
de quem os tornaria visuais, e se pensarmos em um processo
de produção resultante de um projeto nas HQs, ele certamente
X-Men, entre outros; e a DC Comics, que publica Batman,
Super-Homem, Mulher Maravilha, e outros. Desde que foram
criadas, estas duas editoras estabeleceram modos diferentes
de abordar o roteiro e subseqüentemente o processo produtivo
de uma HQ. Na década de 1960, a Marvel era comandada por
apenas um editor, Stan Lee, que escrevia a maior parte dos
roteiros da casa, e, por causa disso, não conseguia escrever
roteiros completos. Assim, ele escrevia o enredo da história
dividido em alguns parágrafos, mas sem entrar em detalhes
de separação por páginas, quadros e nem diálogos. Ele então
enviava esse roteiro para o desenhista e este fazia a divisão
dos quadros e páginas e cuidava da narrativa visual. As
páginas retornavam para Lee que escrevia os diálogos e as
enviava para o letrista que dava seqüência ao processo. Esse
tipo de roteiro passou a ser conhecido na indústria como Plot-
First, que denotava a característica de se priorizar o enredo da
história. Isso era possível nas décadas de 1940 e 1950, pois
os artistas que trabalhavam para a Marvel conseguiam extrair
dos parágrafos de Lee uma história inteiramente visual.
Stan trabalhava com artistas brilhantes como Jack Kirby e
Steve Ditko, soberbos na arte de contar histórias visualmente
e trabalhar com narrativas (storytelling), e com décadas
de experiência no mercado que, ou não queriam ou não
precisavam de muitos detalhes (nos roteiros que recebiam)
(O’NEIL, 2001, p.26).
A DC possuía uma outra forma de trabalhar conhecida como
Full-Script. Os roteiros se assemelhavam mais aos de televisão
e cinema, sendo extremamente detalhados e completos.
Quando estes chegavam às mãos do desenhista, o enredo
estava dividido por páginas, os quadrinhos sugeridos e os
diálogos escritos. Não que a DC não tivesse bons artistas
como a Marvel, mas, a grosso modo, ela surgiu como uma
empresa maior e mais estruturada. A DC possuía mais gente
em seu corpo de funcionários e mais roteiristas entre eles.
Estes tinham mais tempo para dedicar a seus roteiros e
conseqüentemente torná-los mais completos.
Hoje em dia, com diversos escritores trabalhando para as duas
editoras, e com a existência de diversas outras editoras no
mercado, esta separação no formato dos roteiros não existe
mais desta forma. Até por características do pós-modernismo
como a desconstrução da grade e a apropriação de elementos
externos (POYNOR, 2003), os roteiros de hoje são, em sua
maioria, híbridos destas duas formas se assemelhando mais
ao Full-Script, mas com diversas inserções de outros formatos,
inclusive de outras mídias.
ainda não existia nesta época. Se retomarmos a idéia de que
uma narrativa visual em quadrinhos acontece através da
utilização entre texto e imagem, é fácil notar que o campo
ainda estava em formação. O processo ainda era muito
individual e marcado por cada um desses artistas. Ainda
não havia uma linguagem gráfica nos quadrinhos nem uma
estrutura ou um processo produtivo padrão a ser seguido. Na
época, cada um dos artistas tinha o seu próprio arsenal de
soluções gráficas para aplicar nas páginas e, como a grande
maioria vinha de outras áreas, eles traziam consigo soluções
de outras mídias visuais como a publicidade e a ilustração.
Cada artista trabalhava individualmente aplicando sua própria
fórmula, o que não consistia em uma linguagem única para
os quadrinhos. Pode-se dizer que, nesta época nas HQs, não
havia o uso consciente de uma linguagem visual como, por
exemplo, no layout de página. A linguagem das HQs ainda
estava nascendo e aqueles que a criaram estavam apenas
entrando no mercado.
Os primeiros mestres da forma dos quadrinhos eram muito
mais desenhistas do que contadores de histórias. Winsor
McCay, Hal Foster (figura 6) e Alex Raymond, por exemplo,
eram artistas clássicos que se preocupavam muito com o
visual de suas histórias, cujos enredos serviam apenas de pano
de fundo para estas imagens.
Não que as histórias fossem ruins, não eram, mas a arte era muito
mais sofisticada do que o texto. Todo o brilhantismo técnico
21
atribuído à McCay em seu Little Nemo in Slumberland (figura 7),
explorando diferentes formatos de quadros e desenhos inspirados
na art noveau
3
, faltava a seu texto emocionalmente frio (SABIN,
2003, pg.20). Talvez por serem de diferentes formações ou por se
tratar do início dos quadrinhos, cada artista possuía seu próprio
processo e gama de soluções. McCain, um dos pioneiros da
animação, objetivava uma narrativa visual mais cinematográfica
no que diz respeito a movimentação de seus personagens. Já Hal
Foster era um ilustrador cujo primeiro trabalho com quadrinhos
foi a adaptação do livro de Edgar Rice Burroughs, Tarzan.
No fim da década de 1930 começaram a surgir os primeiros
grandes nomes que haviam se formado desenhando quadrinhos,
notadamente Will Eisner e Jack Kirby. Ambos foram os principais
responsáveis pela formação da linguagem de quadrinhos. Eisner
criou muitas das soluções narrativas e visuais utilizadas até hoje
em sua tira, e depois revista, The Spirit (figura 8). Ele explorou
3 O art noveau foi um movimento internacional nas artes e na arquitetura que teve seu ápice na virada do século XX. O movimento buscava inspiração nas
formas orgânicas e naturais e nas pinturas japonesas. Eram comuns as linhas curvas, sinuosas e as texturas padronizadas.
a forma gráfica dos quadrinhos, através de layouts inovadores
e diversificados em suas páginas e usando elementos criativos
em suas composições. Kirby desenvolveu outras soluções, tidas
como cinematográficas e de expressividade de movimento,
trabalhando majoritariamente com super-heróis. E explorou
a narrativa visual, buscando melhorar a representação da
movimentação de seus personagens e o dinamismo de seus
quadros e páginas (figura 9).
Kirby criou uma nova gramática para a narrativa visual e uma
movimentação cinemática. Personagens até então estáticos,
saltavam de um quadrinho para o outro – ou de uma página
a outra ameaçando sair da página e aterrissar no colo
do leitor. A força dos socos desferidos era visualmente e
explosivamente evidente. Mesmo parado, um personagem
de Kirby pulsava com tensão e energia de uma forma que
faz com que versões do mesmo personagem para o cinema
pareçam estáticas se comparadas (STAPLES, 2007).
Figura 6 Prince Valiant DUIN, 1998.
(a esquerda e abaixo) Figura 7 Little Nemo SABIN, 2003.
(a esquerda) Figura 8 Spirit DUIN, 1998.
(a abaixo) Figura 9 Kirby DANIELS, 1991.
23
Com o passar dos anos, o meio foi vagarosamente evoluindo
após o baque da censura
4
e o estabelecimento do Comics Code
Authority. As soluções criadas por Jack Kirby, Will Eisner, entre
outros mestres, passaram a ser utilizadas por mais artistas,
especialmente na década de 1970, quando Eisner publicou o seu
livro “Quadrinhos e Arte Seqüencial”, a linguagem das HQs
se apresentava estabelecida, ajudada também pela solidificação
das primeiras editoras e do papel do editor que contribuíram
para a padronização dos processos produtivos. O livro de Eisner,
elaborado a partir de suas próprias experiências e das de seus
pares, defendia a existência de uma linguagem única para
as histórias em quadrinhos. A partir de então, os quadrinhos
possuíam um guia que permitia o estudo e a introdução à sua
linguagem. Eisner fez uso disso ao explorar essa linguagem de
forma consciente em suas graphic novels , mas ele foi apenas um
dos muitos a fazê-lo seguido por toda uma geração de artistas
que vieram depois. No prefácio de seu livro, Eisner define:
Este trabalho tem o intuito de considerar e examinar a singular
estética da Arte Seqüencial como um veículo de expressão
criativa, uma disciplina distinta, uma forma artística e literária
que lida com a disposição de figuras ou imagens e palavras para
narrar uma história ou dramatizar uma idéia. Ela é estudada
aqui dentro do quadro da sua aplicação, as revistas e as tiras de
quadrinhos, onde é universalmente empregada (EISNER, 1995).
A primeira publicação a abordar a forma dos quadrinhos
foi importante, Eisner inaugurou a prática do estudo dos
quadrinhos como linguagem, mas ele não foi o primeiro a
escrever sobre quadrinhos. Jules Feiffer o havia feito em seu
The Great Comic Book Heroes (Os Grandes Super Heróis 1960), e
felizmente não seria o último. Scott McCloud, em 1993, publicou
Understanding Comics, lançado no Brasil anos mais tarde com
o título “Desvendando os Quadrinhos”. McCloud escreveu e
desenhou uma graphic novel sobre quadrinhos em quadrinhos.
Understanding Comics é em parte uma análise de como os
quadrinhos são feitos, em parte uma história dos quadrinhos,
em parte um estudo de como os quadrinhos (ou a arte
seqüencial, a narrativa com imagens seqüenciais) funcionava, e
principalmente uma leitura educativa, interessante e divertida
que leitores de dentro e fora do mercado de quadrinhos jamais
tinham visto (WEINER, 2003, p.48).
a evolução e o estudo da linguagem dos quadrinhos
4 Em 1954, o psicólogo alemão radicado nos Estados Unidos Dr. Frederic Wertham publicou um livro chamado Seduction of the Innocent(A Sedução do
Inocente). Nele, ele basicamente acusava os quadrinhos de serem responsáveis pela delinqüência juvenil. Em seu livro Wertham defendia que os quadrinhos
apresentavam violência, sexo, uso de drogas e outros temas adultos disfarçados em suas histórias, e que tal material encorajava as crianças a fazer o mesmo.
Suas afirmações eram baseadas em relatos dos seus pacientes, que diziam ter lido quadrinhos quando crianças. Ele defendia em artigos e depois em seu livro,
que o crime e a violência mostrados nos quadrinhos eram uma importante influência na mente dos jovens que entravam para a criminalidade (Lambiek). Suas
alegações eram vagas e subjetivas, especialmente quando citavam sugestões sexuais em desenhos de músculos e de árvores, e ao caracterizar a relação de
Batman e Robin como homossexual. Mesmo apresentando poucas e duvidosas evidências de suas alegações, Wertham havia construído um nome para si, o que
por si só já chamavam atenção para o livro, mas mais importante do que isso, o país vivia um momento turbulento durante a Guerra Fria e a caça aos comunistas.
Seu status o credenciou como um depoente no Subcomitê de Delinqüência Juvenil liderado pelo senador Estes Kefauver. Wertham repetiu suas acusações que
McCloud publicou mais dois livros dando continuidade ao
estudo da forma dos quadrinhos: Reinventing Comics: How
Imagination and Technology are Revolutionazing an Art Form
de 2000 (“Reinventando os Quadrinhos”) e Making Comics:
Storytelling Secrets of Comics Manga and Graphic Novels, de
2006 (Desenhando os Quadrinhos).
Os estudos sobre a linguagem dos quadrinhos, em especial
o livro de Eisner, somado ao retorno desde a década de
1960 de grandes profissionais, escritores e artistas, que
haviam se distanciado do campo dos quadrinhos durante a
censura e a instalação do CCA, além da entrada de artistas
oriundos de diferentes meios, como os citados Jim
Steranko e Neal Adams no fim da década de 1970, aliado
a profissionalização do processo produtivo de uma história
em quadrinhos e as evoluções tecnológicas que chegavam
aos quadrinhos na época (durante as décadas de 1970 e
1980), o meio tornou-se mais consciente de sua linguagem
e de suas possibilidades. A partir de então, os demais
artistas de quadrinhos começaram a ter conhecimento
desta linguagem na hora de empregá-la, pois tinham onde
aprender e possuíam os editores e os demais artistas mais
estabelecidos para acompanhar seus trabalhos. Isso não
significa dizer que eles perderam a individualidade em suas
criações, mas sim que ganharam uma maior consciência do
processo como um todo. Desta forma, o mesmo tornou-se
mais homogêneo na indústria, o modo de fazer e produzir
uma HQ tornou-se conhecido e, a partir dessa época, os
quadrinhos passaram a ter um projeto aplicável a grande
maioria das revistas produzidas, independente do tema ou
dos profissionais envolvidos.
A maneira como eles (os quadrinhos) foram criados
evoluiu de um trabalho escrito e desenhado por um
único indivíduo para um casamento entre o trabalho
do escritor e do artista. Isto estabeleceu um processo
que empregou as habilidades de um escritor talentoso
e um artista de grande sofisticação. Tudo isso atraiu
aprovação da crítica e elevou os padrões do meio
(EISNER apud WEINER, 2003, p. IX).
foram bem recebidas pelos parlamentares. Apesar da decisão final do Subcomitê não caracterizar os quadrinhos como responsável pela delinqüência juvenil, eles
indicaram que o meio deveria se preocupar mais com seu conteúdo. As editoras, temendo uma censura externa, trataram de criar seu próprio código regulador,
o Comics Code Authority (CCA). O código estabelecia normas para a publicação de quadrinhos e determinava que certos temas e palavras não poderiam ser
usados em uma HQ como, por exemplo, zumbis, lobisomens e a palavra crime. As normas do código eram tão subjetivas quanto as acusações de Wertham, mas
se estabeleceram nos quadrinhos de forma implacável. Gerard Jones destaca em seu livro que o código foi usado como uma estratégia das grandes editoras para
retirar do mercado um de seus mais ferozes concorrentes, a EC Comics, uma editora cuja temática era mais adulta e que publicava muitos títulos de terror, horror
e suspense. O código passou a regular a publicação de quadrinhos e uma revista que não tivesse o selo do CCA na capa não poderia ser distribuída. A opressão foi
muito forte até a década de 1970, quando os primeiros criadores começaram a abordar temas mais profundos e relevantes para os jovens e optaram por publicar
seus gibis sem o código, que não permitiria tais assuntos. Mas a presença do código ainda levaria 20 anos para se dissipar.
25
Este novo processo permitia que os profissionais envolvidos
fossem especialistas em suas funções e pudessem contribuir
a melhor forma para este processo. E cabia ao editor
gerenciar todos estes profissionais cuidando para que o
projeto, que é criar, produzir e publicar uma história em
quadrinhos, não se perdesse em meio as suas partes.
a capa e a importância da embalagem
O processo de produção de uma HQ fora propagado e
aplicado pelos editores país afora fornecendo, por um lado,
consistência à produção de quadrinhos norte-americanos,
mas por outro, estabelecendo um sistema que, em muitas
ocasiões, permitiria que basicamente qualquer quadrinista
trabalhasse nele. Com isso, os quadrinhos logo se tornaram
uma indústria produtiva, pois financeiramente já o era
muito tempo. Porém, o que os editores e quadrinistas
levaram mais tempo para ver foi a importância da
embalagem de seu produto ou a valorização da capa e de
como apresentá-la.
Durante a história das HQs, a capa teve diferentes funções.
No início era apenas uma representação do conteúdo da
história ou meramente uma amostra dos personagens que
o leitor encontraria dentro da revista. Uma prova disso é a
constante presença dos balões nas capas da Era de Ouro, que
auxiliavam nessa comunicação com o leitor, funcionando
muitas vezes como um grande quadrinho introdutório
ou apresentando um resumo do enredo (figura 10). Com
o crescimento do mercado e o aumento da disputa entre
editoras por leitores, as capas tornaram-se importantes
chamarizes, e sua função primordial evidenciou-se: a de
ajudar a vender as revistas. Até hoje essa continua sendo sua
principal premissa, porém, com a entrada de profissionais
mais qualificados e especificamente conhecedores de design
gráfico, elas adquiriram maior visibilidade e passaram a ser
tratadas como uma parte individual no processo, tal qual o
desenho, a arte-final ou a cor.
Durante muitos anos, o artista que desenhava a HQ era também
responsável pela capa. Com algum ou nenhum conhecimento
de design, ele era chamado a criar uma arte individual que
era organizada em uma página com um logotipo, os dados de
publicação
5
e o código de barras. Esta organização era feita de
modo a privilegiar a arte em detrimento dos demais elementos
e destacar o nome do gibi. E isso era feito à revelia de qualquer
projeto gráfico, pois fazia-se o desenho e depois “encaixavam-
se” as informações textuais. Nas décadas de 1960 e 1970, com
a entrada dos artistas acostumados a trabalhar em mídias
gráficas como a publicidade e o design, como Carmine Infantino
e os citados Jim Steranko e Neal Adams, os quadrinistas
passaram a desenhar pensando mais no espaço que teriam
para trabalhar, considerando as demais informações citadas,
e começaram a criar desenhos que não atrapalhassem estas
5 Os dados de publicação são o número da edição, ano, mês e etc.
(a direita) Figura 10 Capa Antiga DANIELS, 1991.
(a extrema direita) Figura 11 Batman Logos Batman Cover to Cover, 2005.
27
demais informações, que também sofreram mudanças, ou até
que dialogassem com elas. Os títulos das revistas, que antes
eram escritos apenas com fontes fantasia ou relacionadas ao
gênero da história, tornaram-se logotipos e passaram a sofrer
renovações constantes como mostra a Figura 11. Este exemplo
será discutido na parte sobre letristas.
Algumas inovações surgiram depois devido a essa entrada do
projeto na produção de uma capa, como a integração entre
arte e o logotipo do personagem, a diminuição do espaço que
os dados de publicação ocupavam e a mudança de posição do
código de barras
6
em função do layout da capa.
Tudo isso levou a criação da função do capista ou o
entendimento e a afirmação de que era importante ter uma
pessoa capacitada especificamente para fazer as capas,
aumentando a importância destas para as editoras. Atualmente,
de um modo geral, os grandes e mais famosos desenhistas
realizam suas próprias capas, mas os demais acabam cedendo
o espaço para um capista profissional. Este geralmente é um
ilustrador oriundo dos próprios quadrinhos, da ilustração
publicitária e de livros e, muitas vezes, é um designer gráfico
ou ambos, como veremos a seguir. Na figura 12, a capa da
esquerda foi feita pelo próprio desenhista do gibi, Michael
Lark, e a capa da direita pelo capista Marko Djurdjevic. Lark fez
a capa apenas de sua edição de estréia no título, depois disso
apenas Djurdjevic trabalhou nas capas.
Desde a década de 1990, o lançamento de múltiplas capas
de uma mesma edição tem sido comum na indústria e
funciona como uma estratégia das editoras para ganhar
dinheiro através do mercado de colecionadores. Com a
chegada dos capistas, estas capas extras permitem que,
mesmo quando o desenhista da HQ é famoso, os editores
possam fazer parcerias com estes profissionais e cobrar
mais caro por suas edições. Outra estratégia é usar o
capista em séries novas ou em títulos com personagens
menos expressivos para atrair a atenção dos leitores. É
muito comum inclusive a utilização de grandes capistas
em títulos cujo desenhista seja bem menos expressivo,
prática que causa descontentamento na grande maioria
dos leitores. Retornaremos a isso ao falarmos da mudança
do produto. Para exemplificar essa evolução no processo
produtivo das capas e edições de quadrinhos, investiguemos
três profissionais do meio: Chipp Kidd, por ser um dos mais
conceituados e atuantes no mercado de quadrinhos, e por
ser um designer trabalhando no mercado de quadrinhos;
Brian Wood, por seu trabalho que abrange todas as etapas da
produção de uma HQ; e James Jean, por ser essencialmente
um capista, mas que trabalha com a imagem e o texto.
Obviamente que nem todos os trabalhos de cada um deles
serão analisados ou entrarão no estudo, pois são muitos,
mas uma seleção será feita. Antes, é importante estabelecer
como eram as capas de quadrinhos historicamente para
auxiliar no entendimento da transformação.
6 O código de barras desde a sua aplicação na capa de um gibi costuma ocupar o canto inferior esquerdo.
Figura 12 Daredevil Capas BRUBAKER, 2007.
29
o novo visual do personagem, o já clássico uniforme vermelho
e amarelo com o relâmpago no peito, e desenvolveu novas
soluções gráficas para representar velocidade e movimento.
O Flash passou a ser retratado como uma mancha vermelha
e amarela com muitas linhas de movimento, técnica que
permanece em uso até hoje (figura 14). O sucesso de seu
trabalho em Flash o credenciou a assumir o Batman, e o
trabalho que ele havia feito nas capas do homem mais rápido
do mundo, agora ele aplicava ao homem morcego. Em ambos os
casos, Infantino fez uso de soluções de composição abusando
da interação do personagem com o logo (figura 15).
Mais de vinte anos depois, no final da década de 1980, a DC
Comics lançou sob seu selo adulto Vertigo, a série mensal
Sandman, criada e escrita por Neil Gaiman. O escritor inglês
decidiu revitalizar um personagem da editora da década de
1940, Sandman, que combatia o crime utilizando uma pistola
de gás do sono, porém com uma nova roupagem. A história
de Gaiman narrava a jornada heróica de Morfeu, a encarnação
do sono, para retomar o seu reino. Símbolo de uma nova era
nos quadrinhos, o título, apesar de mensal, quebrou com uma
característica quase imutável nos quadrinhos, terminando sua
história em 1996. Além disso, Sandman era capitaneada por
um escritor e possuía artistas rotativos que, segundo a opinião
de Gaiman e da editora, melhor se encaixavam na história.
O único artista que permaneceu durante toda a série foi o
capista Dave McKean. Também inglês, McKean é o que se pode
chamar de um artista visual. Pintor, fotógrafo, desenhista,
As primeiras revistas em quadrinhos estabeleceram um
padrão no layout das capas que é seguido até hoje pela
grande maioria das publicações: o logo do personagem ou do
nome da revista no topo da página, as informações numéricas
da mesma dispostas próximas ao título e o personagem
protagonista necessariamente figurando na capa. Conforme
os gibis evoluíam, essa estrutura da capa se aperfeiçoou e se
padronizou. A capa estereotipada durante as décadas de 1950
e 1960 consistia em uma imagem icônica do personagem,
mostrando-o em uma pose heróica e destacada, ladeada
pelas informações textuais (como alguma chamada para a
história), com o título do gibi ainda no topo da página e ao
lado esquerdo deste, um box retangular vertical que continha
o logo da editora e toda a informação da publicação (número
da edição, ano e até o selo do CCA). Mesmo as capas de artistas
mais inovadores não fugia desta estrutura, como o trabalho
de Steranko no Capitão America (figura 13). Este formato se
mantém funcional até hoje com algumas mudanças, o que não
significa dizer que não existiram variações como, por exemplo,
no trabalho de Carmine Infantino e de Dave McKean.
Na década de 1960, no início da Era de Ouro dos quadrinhos,
Carmine Infantino, então desenhista da DC Comics, foi
escalado pelo editor Julius Schwartz para desenhar o Batman
em uma tentativa de resgatar o personagem depois do abalo
sofrido em função da censura. Infantino estreara na DC em
1956 como desenhista do Flash, primeiro personagem que a
editora apostou na renovação depois do CCA. Infantino criou
capas ontem e hoje
(acima) Figura 13 Steranko Cap DUIIN, 1998. (acima) Figura 15 Infantino Batman Batman Cover to Cover, 2005.
(abaixo) Figura 14 Flash SCHUMER, 2003.
31
escultor, ilustrador e designer gráfico, ele é versado em todas
estas áreas visuais e as combina com freqüência em suas
produções. Depois de apresentar este estilo virtuoso em Black
Orchid (Orquídea Negra) e Batman Arkham Asylum (Batman
Asilo Arkham) (Figura 16), ambas no início da década de 1980,
McKean foi contratado para cuidar das capas de Sandman.
O resultado foram capas inovadoras que não possuíam seu
personagem principal em destaque, nem se conformavam com
as estruturas estereotipadas da época. McKean combinava
ilustração com recortes fotográficos, com textos apresentados
em diferentes criações tipográficas, sem deixar de alinhar
as informações da publicação, o código de barras e o logo
da editora, porém sem o box, como mostra a figura 17, em
que ele trabalha com mídias e técnicas diferentes para criar
a capa. Grafite e aquarela no desenho de fundo, fotografia
e colagem nas correntes e cadeados. Esses elementos são
compostos na capa juntamente com as informações textuais.
Mesmo quando ele trabalha com menos técnicas, como na
figura 24, o resultado é diferente do usual. Nesta capa ele
fotografou toda a cena e inseriu as informações textuais
finalizando a composição. Ele não fugia por completo do
layout clássico, pois o título permanecia no topo da página e
as informações textuais à esquerda, porém as organizava de
forma mais harmoniosa. Quanto a temática das capas, McKean
trabalhava imagens e composições que captavam a atmosfera
do gibi (WEINER, 2003, p.42) sem usar personagens que
necessariamente apareciam nas edições que ele trabalhava. As
capas de Sandman representaram uma quebra na estrutura
das capas de quadrinhos.
Depois de Sandman, da revolução iniciada por Infantino
duas décadas antes, e a valorização do formato na década
de 1980 (que será abordado mais adiante), a década de 1990
viu uma supervalorização das capas como instrumento de
venda. Marcada por uma super-exploração comercial dos
quadrinhos que quase levou a Marvel Comics à falência,
muitas estratégias foram empregadas para tirar proveito
do novo status que o meio possuía após o sucesso das
publicações da década anterior. A utilização de recursos
gráficos e de impressão nas capas e a publicação de muitas
capas para uma mesma edição tornaram-se práticas
amplamente utilizadas. Capas holográficas (figura 18), com
alto relevo (figura 19), com cores especiais (figura 20) e
papéis diferenciados foram empregadas à exaustão pelas
grandes editoras. A figura 18 mostra uma capa de The
Amazing Spider-Man #385 (O Espetacular Homem-Aranha)
que foi publicada com um cartão colado com uma imagem
holográfica do personagem. A figura 19 mostra uma versão
da capa de The Amazing Spider-Men #400 que foi publicada
com um papel especial onde a imagem era valorizada através
do alto relevo. A capa original desta edição, figura 20, foi
impressa com cores especiais e papel de maior qualidade.
Revistas foram encerradas e reiniciadas sob o pretexto de
um novo número 1 que atrairia mais leitores seduzidos pela
(a esquerda) Figura 16 Arkham SABIN, 2003.
(abaixo) Figura 17 Sandman DUIN, 1998.
33
possibilidade de ler um título desde o início e colecionadores
que, a esta altura, haviam invadido o mercado. O aumento
na popularidade dos quadrinhos na década de 1980, que
será abordado mais adiante, fomentou a formação de uma
grande base de fãs, que não eram mais apenas leitores, e sim
fãs. A proliferação de lojas especializadas em quadrinhos na
década de 1970 (WEINER, 2003, p.13) ofereceu um espaço
para que estes fãs se encontrassem, e estes encontros logo
se transformaram em convenções realizadas em hotéis. Hoje,
estas convenções se estabeleceram como grandes eventos da
cultura pop, e a convenção de San Diego é tida como o maior
evento pop do mundo atraindo lançamentos da indústria
cinematográfica e dos games. O meio dos quadrinhos voltou a
movimentar muito dinheiro e atraiu colecionadores dispostos
a pagar altas somas por edições antigas e raras, o que atraiu
também especuladores dispostos a lucrar. Estas edições
lançadas na década de 1990 se tornaram um chamariz para
estes especuladores. A Marvel, por exemplo, lançou uma nova
série mensal do Homem-Aranha intitulada Spider-Man. O
número um foi publicado com oito capas, todas contando com
o mesmo desenho, layout e arte, com o personagem envolto
em teias, porém com diferentes cores e acabamento. A capa
original foi produzida e finalizada de forma usual, as sete
demais possuíam fundo preto onde as teias e textos foram
impressos com cores especiais, em alto relevo ou ambos. Essa
proliferação de capas a longo prazo provou-se prejudicial. As
vendas foram absurdamente altas, mas irreais, e ao fim da
década, as grandes editoras enfrentaram problemas financeiros.
Esses problemas não foram causados apenas pelas capas, mas
estas representaram uma das estratégias falhas aplicadas aos
quadrinhos na época. A Marvel entrou em concordata e a DC
Comics só não seguiu o mesmo caminho, pois sua estrutura é
muito mais sólida
7
.
Graficamente, estas experimentações e opulências foram
importantes no novo século. Após o início da recuperação
do mercado, em parte pela mudança do corpo editorial e
em parte por opções estratégicas melhores, as editoras não
deixaram de fazer uso das soluções gráficas, porém com
mais parcimônia. A Marvel, impulsionada pelo sucesso de
seus personagens no cinema e pelo retorno que estes filmes
lhe traziam, lançou, no início do século, uma nova linha que
visava rejuvenescer seus títulos e torná-los mais condizentes
com a época. A linha Ultimates foi lançada com uma
característica inovadora no meio: todas as capas possuíam
uma mesma identidade visual. À época de seu lançamento,
7 O código de barras desde a sua aplicação na capa de um gibi costuma ocupar o canto inferior esquerdo.
a linha contava com quatro títulos: Ultimates, uma versão
dos Vingadores (Supremos no Brasil), Ultimate X-Men
(Marvel Milenium X-Men), Ultimate Spider-Man (Marvel
Milenium Homem-Aranha) e Ultimate Fantastic Four (Marvel
Milenium Quarteto Fantástico). Todas as capas consistiam
em uma imagem ladeada por duas tiras em cada lateral da
capa confinando a arte neste retângulo central. O logo com o
nome do gibi ocupava o canto superior esquerdo e o número
da edição, o canto superior direito. O código de barras e o
logo da editora eram posicionados abaixo e à esquerda e os
nomes dos criadores, prática que solidificou-se na década de
1990, ocupava a parte inferior direita. No exemplo abaixo,
figuras 21, 22 e 23, este padrão é mostrado. As duas primeiras
imagens da esquerda apresentam duas edições diferentes
do titulo Ultimate, que mesmo com desenhos diferentes e
composição dos elementos diferente mantém o layout da
série. A terceira imagem mostra essa identidade aplicada
à outro titulo, Ultimate Spider-Man #112. Todas as capas
Ultimate possuíam este layout, com pequenas variações,
estabelecendo uma identidade muito clara para a linha.
Esta preocupação com a identidade visual tem se tornado
mais e mais presente nos quadrinhos, isto tem acontecido
(a direita no alto) Figura 18 Spidey Holo COUPER-SMARTT, 2004.
(a direita no centro) Figura 19 Spidey relevo COUPER-SMARTT, 2004.
(a direita na base) Figura 20 Spidey cor COUPER-SMARTT, 2004.
35
especialmente nas mini-séries
8
, mas começou a ocorrer
também nos títulos mensais. algum tempo, as duas
grandes editoras realizam grandes sagas que se espalham por
todos ou quase todos os seus títulos. No início, estes eventos
eram mais esparsos e resumiam-se a grandes histórias
atreladas a grandes personagens como, por exemplo, a
história Death of Superman (Morte do Super-Homem).
Neste novo milênio, o acirramento da disputa entre as duas
editoras gerou uma maior preocupação com estes grandes
eventos que, potencialmente, podem gerar uma receita
maior. A Marvel, em 2007, escalou seus melhores escritores
para elaborar o grande evento do ano, a mini-série Civil War,
e demonstrou uma integração eficiente entre seus títulos
mensais e a mini-série. Geralmente estas grandes sagas
aconteciam principalmente na mini-série que as narrava e os
demais títulos mensais recebiam as pequenas conseqüências
destes eventos. Desta maneira, acabava por ser enfadonho,
sem falar em caro, acompanhar tudo o que acontecia em
uma determinada saga. Não valia a pena acompanhar os
títulos mensais e a sintonia dos escritores destes títulos
não era tão grande com os escritores da saga principal.
em Civil War, a Marvel conseguiu tornar a maior parte dos
títulos mensais interessantes, com histórias que interferiram
8 Existem três tipos de publicação no mercado americano: a publicação
mensal, a mini-série e as edições únicas (chamadas de one shot). A publicação
mensal é a mais comum e são os títulos que saem todo mês e possuem
histórias continuadas. As mini-séries são histórias contadas em um número
pré-estabelecido de edições. E as edições únicas são histórias que começam e
terminam em uma mesma edição.
Figura 21 Ultimates #4 MILLAR, 2002.
Figura 22 Ultimates #7 MILLAR, 2002.
Figura 23 Ultimate Spider-Man #112 BENDIS, 2008.
37
no evento principal, sem diminuir a importância do título
principal. E essa preocupação se refletiu na linguagem visual
aplicada a esta saga.
O título principal da Civil War recebeu um tratamento gráfico
diferenciado. As capas, ao invés de privilegiar apenas a arte,
também trataram de estabelecer uma linguagem visual para
toda a série. Uma grande área branca ocupa a metade de baixo
da capa e da contra capa, dividindo-a em duas partes (figuras
24 e 25). Na parte de cima uma outra área destinada a
imagem. Nesta área branca são organizados o logotipo da
revista, o subtítulo, os nomes dos profissionais trabalhando na
revista e o número da edição. Na contra capa, um texto e uma
frase emblemática sobre o tema, além do código de barras.
A organização visual demonstra um cuidado típico de livros
e até cartazes. O logotipo é composto de uma fonte sóbria
e serifada, diferente da maioria das outras publicações. A
organização deste quebra o título em duas linhas e ainda separa
uma palavra para cada lado, sendo que a primeira palavra
invade a arte. Esta separação de linhas e lados é mantida em
todos os textos diagramados, inclusive na frase da contra capa
Whose side are you on?”, aludindo a temática da história que
separa os super-heróis em dois grupos na guerra civil que
nome a série. A arte fica confinada a uma tira retangular na
parte de cima da capa e contra capa funcionando como um
pôster horizontal. Esta identidade visual é mantida durante os
sete números da mini-série. O mais interessante e, até então
inédito nos quadrinhos, é a idéia da editora de estender esta
identidade para todos os títulos mensais participantes da
saga. Todos estes títulos mensais também tiveram suas capas
divididas em duas áreas, a inferior com texto e a superior com
arte. O título do gibi é escrito com a mesma fonte do Civil War,
e aparece em cima da área destinada a textos. Na base fica
o próprio logotipo da saga e o número da edição. Esta área
para textos, branca no Civil War, varia a cor de HQ para HQ,
coerente com a cor predominante do super-herói (Figura 26).
Mas nos títulos mensais isso ocorre apenas na capa, pois a
contra capa é destinada à publicidade.
Assim, através de uma identidade visual coesa em todos os
títulos, é fácil para o leitor identificar quais revistas fazem
parte da saga Civil War e também identificar as informações
pertinentes para acompanhá-la (número da edição, por
exemplo). Este tipo de solução gráfica nunca havia sido
aplicada desta forma. Ela havia sido feita em mini-séries,
como é o caso da Superman Identity Crisis (Figura 27), por
exemplo, em que a mesma linguagem foi mantida para todas
as quatro edições da série, mas nunca se estendido para os
títulos mensais, que tem suas capas mais ou menos iguais
anos. Além de uma inteligente solução gráfica do ponto
de vista dessa identidade e, conseqüentemente do design
gráfico que demonstra um planejamento gráfico para o
projeto como um todo, ela também o é do ponto de vista do
marketing, pois as capas com grandes tarjas de uma mesma
cor se destacam nas estantes de venda em meio a tantas
capas extremamente coloridas. Uma outra possibilidade de
identidade visual era, originalmente, unir as capas de uma
mesma coleção através da arte. Os desenhistas criavam em
cada capa desenhos que funcionavam individualmente, mas
que, quando colocadas lado a lado, formavam uma grande
ilustração, como um cartaz. Na figura 28 é apresentado
um exemplo recente desta prática na mini-série Gotham
Unerground. Publicada em nove partes, cada capa é um
pedaço do grande cartaz formado pela junção de todas.
Atualmente essa conexão ocorre também através do design
gráfico, obviamente não da mesma forma.
39
Figura 24 Civil War #1 MILLAR, 2006.
Figura 26 Civil War titles MILLAR, 2006.
Figura 25 Civil War #4 MILLAR, 2006.
41
Um outro recurso herdado da década de opulência gráfica foi
o das chamadas “capa pôster”. Na década de 1990 as editoras
costumavam publicar títulos importantes com recursos
gráficos elaborados, como foi visto, e uma das variações que
elas encontraram foram as capas compostas de mais de uma
página. Nestas o desenho da capa se iniciava na quarta capa e
terminava na capa. Ou então ele começava na própria capa e
terminava em uma folha que funcionava como prolongamento
da capa e geralmente vinha dobrada para trás da capa. Hoje,
este recurso continua sendo utilizado em títulos importantes,
mas com algumas diferenças. Em Batman #619, último número
da saga Hush que opôs o protagonista à todos os seus vilões, a
DC Comics publicou o gibi com duas capas diferentes, ambas
feitas pelo time criativo da história (Jim Lee desenhando e Scott
Williams arte-finalizando). Uma estrelando o “time” dos heróis
(figura 29), e uma o dos vilões. Em ambas as capas, o recurso
foi utilizado, porém a capa tripla se iniciava na própria capa
e se estendia por duas folhas anexas. Essa decisão permitia
que a editora não perdesse o espaço de publicidade da quarta
capa, que é o mais valioso, e ainda utilizasse todo verso da
capa tripla também para anúncios.
Esse recurso é bastante popular entre os fãs e colecionadores, e
apesar de não ser barato, costuma ser empregado em ocasiões
especiais, como o lançamento da terceiro ano da série Ultimates
pela Marvel no final de 2007. A série é um dos títulos mais
vendidos da editora, e é tratada como uma série de televisão,
pois é dividida em temporadas. A primeira, Ultimates, escrita
por Mark Millar, desenhada por Brian Hitch e arte-finalizada
por Paul Neary, foi lançada em 2002 e durou 12 edições. A
série naugurou o universo Ultimates que é uma espécie de
versão alternativa do universo da editora com histórias mais
realistas e com os personagens mais ambientados no mundo
real. Mais violento e cínico, o universo Ultimates foi um sucesso
de público e as vendas tornaram o título principal um dos mais
importantes da editora. A segunda, Ultimates 2, contando com
o mesmo criativo foi lançada em 2004. Ela durou 13 edições e a
última e aguardada conclusão da saga contou com um splash
de 8 páginas, inédito no meio. Voltarei a ela ao falar de páginas
splash no capítulo 2. Ultimates 3 foi lançado em 2007 e trouxe
uma mudança significativa, saiu o time original, que além de
ter trabalhado por 25 edições no titulo, foram os criadores da
série. No lugar entraram Jeph Loeb no roteiro e Joe Madureira
nos desenhos, acompanhado de Christian Lichtner colorindo.
O escritor é bem diferente de Millar e foi recebido com duvidas
pelos fãs, mas o desenhista é um dos mais famosos da geração
que estourou no final década de 1990, e estava afastado do
meio ha alguns anos. A editora publicou a primeira edição
Figura 27 Superman Secret Identity BUSIEK, 2004.
(a direita) Figura 28 Gotham Underground TIERRI, 2007.
43
(figura 30), que marcou a estréia deles, com uma capa tripla
nos mesmos moldes da do Batman, com uma para os heróis
e uma para os vilões, mas a da Marvel começava na quarta
capa, continuava na capa e terminava em uma folha anexa a
capa. O objetivo era valorizar o retorno de Joe Madureira, que
no título, não contava com um arte-finalista, a colorização era
aplicada diretamente sobre o traço à lápis.
Os títulos mensais ainda mantém parcialmente o design
clássico estabelecido na Era de Ouro e sacramentado na
Era de Prata, mas sofreram uma modernização. As imagens
interagem melhor com as informações textuais e com o logo e,
geralmente são pensadas para isso. O box com as informações
da edição está bem menor e ocupando muito menos espaço,
apesar de ainda se localizar no alto à esquerda. Mas a
principal característica das novas capas é a maior liberdade na
organização dos elementos. Com exceção do logo no alto da
página, que apesar de diversas capas terem trabalhado com
variações ainda é o mais comum, e o logo da editora do lado
esquerdo no alto, as demais informações tem sido organizadas
com mais liberdade criativa.
Ao longo desse processo, a natureza do profissional
envolvido com a produção de uma capa de quadrinhos
mudou. De um desenhista para um quadrinista, para um
capista e até para um designer. Investiguemos, como
citado, alguns destes profissionais especialistas que
adentraram o mercado dos quadrinhos.
(acima) Figura 29 Batman Capa Tripla LOEB, 2003.
(abaixo) Figura 30 Ultimates 3 LOEB, 2007.
45
Um indicativo do aumento da importância dada a linguagem
visual nas HQs é a contratação de designers para cuidar do
projeto gráfico de certas edições. O pioneiro e o mais prolífico
destes designers é Chipp Kidd. Designer gráfico e escritor norte-
americano que trabalha há anos criando capas de livros, Kidd é
diretor de arte da Alfred A. Knopf e editor associado da editora
Pantheon. Seu trabalho no meio quadrinístico é vasto; de autor
e designer do livro Batman Animated (1999) sobre a série de
desenhos animados do Homem Morcego, a designer de livros
específicos sobre autores como Peanuts: The Art of Charles M.
Schulz (2003) e sua arte como o criador de Snoopy. Ele foi
responsável pelo design do livro Mythology (2003) sobre a arte
de Alex Ross, Batman Collected (2001), entre outros. Mas seus
trabalhos não se limitaram a livros, pois Kidd foi responsável
por uma série de projetos para a DC em sua linha de HQs. Ele
cuidou do design dos TPBs
9
de Batman The Dark Knight Returns
(Batman O Cavaleiro das Trevas) de 2002 e Batman The Dark
Knight Strikes Again (Batman O Cavaleiro das Trevas 2) de 2004,
bem como a edição de luxo de Batman Year One (Batman: Ano
Um) de 2006. Em todos estes trabalhos, ele foi creditado nas
edições como responsável pelo design da capa e da publicação
(cover and publicaton design), o que é um fato não tão comum
em uma obra de quadrinhos. Em Batman: Year One, ele se
utilizou de um desenho de David Mazzucchelli, artista original
da série, impresso sobre um papel cinza, e criou uma sobrecapa
recortada por uma faca especial
10
(figura 31). Este corte na
diagonal divide o próprio título da publicação revelando a figura
do personagem ao fundo. A cuidadosa montagem permite
que o texto na lombada comece na capa sobre o desenho do
Batman e termine na sobrecapa. A cor cinza de fundo remete
a sobriedade do personagem enquanto a sobrecapa magenta
chama atenção para o título e as demais informações através
do contraste. Esta edição de luxo contém extras inéditos nos
moldes de um DVD. Estes extras trazem ao leitor páginas do
roteiro original e páginas originais a lápis de Mazzucchelli antes
de serem arte-finalizadas, bem como outras partes do processo,
e tudo isso também foi organizado e visualmente cuidado por
Chipp Kidd. Das páginas de informação e introdução, passando
pelas imagens usadas como quebra de capítulos aos extras,
todo o design da publicação foi feito por ele.
Esta capa apresenta uma sobrecapa cortada por uma faca
especial, que se inclina para a direita e apara as letras,
imitando Bruce Wayne cortando a corrupção e decadência
que infesta Gotham City apresentado no enredo. A HQ
recontando a história do Batman é, para mim, a melhor
história do personagem já feita. A confluência da habilidade
na escrita, desenho e colorização é suprema e ainda não foi
batida (KIDD, 2005, p.394).
chip kidd
9 TPB, que significa Trade Paperback, é uma publicação que compila diversas edições de quadrinhos em um único volume. Geralmente dedicado a publicar
mini-séries em um só volume, os TPBs também são lançados compilando as edições mensais em pequenos lotes.
10 Faca especial é uma guilhotina no formato previamente estipulado por um projeto gráfico para recortar ou dobrar o papel ou qualquer outro material em
formatos diferenciados. O formato da faca é o contorno em volta do recorte de papel.
No TPB Batman The Dark Knight Returns (figura 32), que é o
objeto de estudo desta dissertação, Kidd trabalhou com uma
grande imagem recortada da silhueta da cabeça de Batman
destacando o personagem de forma grandiosa em sua maior
obra; e, em uma área separada embaixo, todos os demais
personagens. No TPB seguinte, Batman The Dark Knight Strikes
Again, no lugar da cabeça do Batman, um close extremo do
olho do personagem. Além de ter um design ousado e pouco
comum nos quadrinhos, o TPB mantinha a mesma identidade
visual do TPB anterior, criado através do design gráfico e não
do personagem, como era mais comum no meio. Depois
disso, Kidd cuidou do design dos novos TPBs de Sin City,
lançados em 2005, criando uma linguagem gráfica para toda
a série. Ele estabeleceu duas áreas muito claras no layout das
capas, uma para a arte e outra para as informações textuais
(figura 33). A arte é apresentada em preto e branco assim
como ela é no interior dos TPBs, que é uma característica da
linguagem em alto contraste de Miller para a série. O texto,
composto do título e das demais informações, é organizado
em um retângulo em cor chapada. Durante a série, que é preto
e branca, Miller utilizou em alguns momentos inserções de cor
pontualmente. Em A Dame to Kill For, o segundo volume (figura
34), os olhos de Ava, uma das protagonistas, são azuis, e são
a única parte colorida em toda a história. No quarto volume
(figura 35), That Yellow Bastard, o vilão, depois de inúmeras
cirurgias, passa a ser representado com a cor amarela, também
a única parte colorida na série. Kidd faz uso desta estratégia
nas capas, mas as mantém diversificadas e diferenciando o
posicionamento dos itens. Além disso, Kidd estruturou as
lombadas quadradas para que, quando dispostas lado a lado
em uma estante, formem o desenho de uma das personagens
tornando os TPBs facilmente reconhecíveis (figura 36).
Eu estava tentando atrair a atenção de Frank (Miller)
anos, primeiro nas páginas de Batman Collected, e depois em
Batman: The Complete History, ambos com seções sobre seu
trabalho. Mas foi o livro sobre o Plasticman que finalmente
chamou sua atenção. Ele ficou bastante impressionado com
o trabalho de retrabalhar arte de quadrinhos existente e
para minha alegria me chamou para fazer o mesmo não
na sua edição compilada de Batman: The Dark Knight Strikes
Again, mas também para a edição correspondente de seu
seminal Batman: The Dark Knight Returns. Se algum projeto
pedia escalas extremas, esse era ele, com Batman pairando
enorme sobre o resto dos personagens reunidos. A Robin/
Catgirl de Miller, Carrie Kelly, está em ambas as lombadas,
que ela é central para ambas as histórias. A DC estava
bastante nervosa a respeito da capa de Strikes Again, pois
eles não achavam que alguém fosse reconhecer o Batman.
Frank lhes garantiu que funcionaria, e ele gostou tanto do
resultado que me pediu para recriar as capas para todos os
seus Sin City (IBID, p.374).
No início do século XXI, a DC Comics encomendou a Chipp Kidd
a criação de um novo logotipo para todos os títulos mensais
do Batman e uma identidade visual para todos. Kidd criou
uma área reservada para o título e as demais informações
da publicação, que passaram a ocupar o cabeçalho de todas
as capas mensais do personagem, estabelecendo uma inédita
47
(a direita) Figura 31 Batman: Year One MILLER, 2005.
(abaixo) Figura 32 Batman DKR MILLER, 2002.
49
identidade visual através do design gráfico em títulos deste
porte. Em 2005, a mesma DC Comics lançou uma nova
linha mensal de HQs com seus dois principais personagens,
Superman e Batman, Intitulada All Star. O intuito da série
mensal era colocar grandes escritores ao lado de grandes
desenhistas e contar histórias livres, não necessariamente
ligadas a cronologia atual dos personagens. Para ambas as
séries, All Star Superman (Figura 37) e All Star Batman &
Robin The Boy Wonder (Figura 38), a editora contratou Kidd
para cuidar do design das capas de modo que elas tivessem
uma identidade visual, ou seja, que os títulos pudessem ter
uma linguagem própria, mas que informassem visualmente
ao leitor os gibis que fazem parte desta série. Kidd estabeleceu
uma área na parte de cima das capas ocupada por um
retângulo preto que destaca o título e as informações da
publicação. Os nomes da equipe criativa que trabalha na HQ
geralmente são dispostos verticalmente na capa e organizados
por sobrenome. Kidd colocou os nomes completos (nome e
sobrenome) do escritor e desenhista em uma tarja no alto da
capa, acima do retângulo preto organizados horizontalmente
(ela é vermelha no All Star Superman e amarela no All Star
Batman & Robin The Boy Wonder). Dessa forma, ele destacou
os nomes de acordo com o objetivo da série All Star que era
a parceria entre escritores e desenhistas conceituados, e
ainda acrescentou um sinal de mais (+) entre os nomes para
enfatizar a colaboração. Abaixo destes nomes, em cinza e com
menos destaque, o nome do terceiro (ou quarto e quinto no
caso do All Star Batman & Robin The Boy Wonder) membro
da equipe criativa. O logotipo da revista, no caso o nome
do personagem, destaca-se do retângulo preto. Em ligeira
diagonal e em perspectiva, o logo da All Star Superman transita
de fora para dentro da capa, da esquerda para a direita, com
uma das extremidades recortada pela borda. No caso do
All Star Batman & Robin The Boy Wonder, a orientação da
diagonal é de dentro para fora da capa, ou seja, os logotipos
são espelhados. Além disso, a própria tipografia dos títulos
é diferenciada, sendo sóbria, sem serifa, na cor branca, sem
nenhum efeito que volume as letras (recurso comum a
grande parte dos títulos de quadrinhos) ou qualquer outro
recurso de fantasia. Completam a capa, nos dois casos, o
logotipo da editora com uma pequena interferência do texto
All Star circundando-o, e o número da edição em destaque.
Ambos foram posicionados entre o título e a borda da revista.
Esta concentração dos elementos textuais de informação
na capa facilita a identificação da revista e auxilia o leitor,
deixando um espaço sem interferências para a arte.
Chipp Kidd aborda um trabalho em quadrinhos como o designer
que é, analisando os elementos e combinando-os da forma mais
eficiente de acordo com a proposta e sua própria criação. Ele
produz tudo que aplica em suas capas e publicações, direta ou
indiretamente. Seu trabalho é tão respeitado e valorizado no
meio dos quadrinhos que ele geralmente tem liberdade para
decidir sobre a criação.
(acima) Figura 34 Sin City: A Dame to Kill For MELNICK, 2005.
(a esquerda no centro) Figura 33 Sin City MELNICK, 2005.
(a esquerda) Figura 35 Sin City: That Yellow Bastard MELNICK, 2005.
(abaixo) Figura 36 Sin City lateral MELNICK, 2005.
51
Outro designer gráfico a se estabelecer no mercado dos
quadrinhos foi Brian Wood. Ilustrador por formação, Wood
fez seu primeiro trabalho para os quadrinhos em 1997,
quando escreveu e ilustrou Channel Zero, publicado pela
Image Comics. A mini-série em cinco partes fazia parte de seu
trabalho de conclusão de curso na faculdade e era composta
de muitas fotos e montagens, bem como diversas soluções
gráficas, logos e textos, todos de sua autoria, incluindo o
material de divulgação da série. Este foi publicado alguns
anos mais tarde em uma edição especial chamada Public
Domain (figura 39), apresentando todo material de produção
e ainda peças não-publicadas, muito semelhante ao que se
faz como os extras de um DVD. A HQ, originalmente feita
de forma manual, possui uma linguagem bastante gráfica,
com interferências tipográficas diversas algumas vezes,
a tipografia transforma-se em imagem e/ou textura. Wood
mistura ilustração e fontes, imagens com bastante contraste,
riqueza de detalhes e áreas chapadas de cor, acentuadas pela
arte em preto e branco. Algumas ilustrações parecem fotos
da cidade e várias descrevem cenas e lugares urbanos, um
dos pontos centrais de sua produção. O trabalho de Wood
faz questão de incorporar a experimentação gráfica, mas
considerando-a parte do processo e da criação. Ele explora
várias opções de composição distribuindo os elementos de
diferentes maneiras dentro dos quadros, com grandes espaços
brancos buscando dar maior tempo de leitura ao leitor ou com
o desenho saindo do quadro para expressar força e valorizar
todo o sentimento do personagem destacado. Explora o branco
para a leitura do preto e vice-versa, com espaços positivos e
negativos. Às vezes, ele se utiliza de sarjetas pretas diminuindo
o tempo de leitura e fazendo com que a arte em branco se
destaque ainda mais.
Eu tento criar meus gibis do mesmo jeito que eu imagino
que algumas pessoas façam discos. Eu desenho muito,
produzo muitas páginas; muito mais do que é necessário,
com seqüências alternativas e múltiplas versões das mesmas
páginas e, quando eu tenho todo esse material, eu começo
a “misturá-lo”, montando a narrativa, cortando quadrinhos
desta página e colando-os em outras. Eu acrescento quadros
de transição e páginas novas quando preciso e, ao final do
processo, me resta a história final e algo como duas ou cinco
vezes mais material produzido do que eu usei sobrando
(WOOD, 2002, p.4).
Depois de publicar Channel Zero, Wood passou alguns anos
longe dos quadrinhos, trabalhando como designer gráfico
para inúmeros sites e para a Rockstar Games, estúdio que
produz jogos de vídeo game como Max Payne, Midnight
Club e, seu maior sucesso, a série Grand Theft Auto. Ele
foi parte da equipe de designers por quatro anos até
sair para retornar ao mercado de quadrinhos. Em 2004
assumiu o posto de diretor de arte da AiT/Planet-Lar, uma
editora independente de quadrinhos, onde ficou por cerca
de oito meses e trabalhou em todas as frentes visuais da
editora, criando o logo da empresa e de seus diversos selos,
cuidando da identidade visual dos títulos e fazendo as
capas dos gibis publicados por eles. Nesse período, Wood
brian wood
(a esquerda) Figura 37 All Star Batman MILLER, 2006.
(a esquerda e abaixo) Figura 38 All Star Superman MORRISON, 2006.
53
foi contratado para trabalhar como capista da mini–série
em doze partes Global Frequency, escrita por Warren Ellis
e publicada pela Wildstorm
11
, que trata de uma agência
mundial liderada por uma ex-agente secreta que luta
contra os mais diferentes tipos de ameaças. As capas dessa
mini-série lhe renderam prêmios no meio quadrinístico e
sacramentaram sua posição no mercado. Primeiro, por ser
um título de uma grande editora, Global Frequency (figura
40) era publicado pela Vertigo - braço adulto da DC Comics;
segundo, por ser escrito por Warren Ellis, que era um
roteirista de quadrinhos conceituado na época e estava a
caminho de tornar-se um dos principais; e terceiro, porque
o seu trabalho destacou-se das demais capas. Produzindo
a partir de fotos que ele mesmo tirou, Wood criou capas
completamente diferentes do que haviam sido feitas.
Usando fotografia nas capas que criou, uma solução que
não era inédita nos quadrinhos, mas ainda não havia sido
feita da forma como ele fez. Desde a década de 1960, alguns
quadrinistas como Jack Kirby e Neal Adams usam fotos em
suas capas, mas o mais comum era aplicá-las em conjunto
com um personagem, geralmente como fundo. O que Wood
fez foi trabalhar as fotos como elementos protagonistas em
suas capas combinando-as com textos, cores e desenhos.
Ele trabalhou também com bastante contraste, sempre em
preto e branco ou em preto e alguma outra cor, algumas
vezes emulando luzes ou combinando cores vibrantes.
áreas de imagens bem claras e separadas por assunto.
O logo do gibi, que também é dele, foi criado através da
manipulação de fontes e, o subtítulo, remete a fontes
antigas de máquinas de escrever.
Oito meses depois de entrar, ele deixou seu cargo de diretor
de arte da AiT/Planet Lar e, em parceria com a artista Becky
Cloonan, lançou Demo (figura 41), uma maxi-série em
doze partes focando histórias curtas, mais dramáticas e
humanas, calcadas na realidade, diferentemente do que ele
vinha fazendo em Channel Zero e outros títulos. Cloonan
cuidou da arte e Wood dos roteiros, das capas e do design
das edições. Além disso, Wood foi responsável pela capa e
pela linguagem gráfica do gibi. O logotipo foi criado por ele
a partir de manipulação de uma fonte, buscando expressar
visualmente um certo desgaste, com falhas e riscos
representados como interferências nas letras, remetendo
também ao processo de impressão tipográfica tradicional
que, por ser feito manualmente, sempre estava sujeito
“falhas” na cor, na impressão e no próprio processo. Em
vez da letra “D” possuir o contorno interno usual da fonte,
ela traz uma estrela vazada ou com cor, dependendo da
cor do restante do logo. Em toda a série, o logotipo possui
uma área delimitada, e com a mesma identidade visual
encontrada na tipografia “suja”, o traçado que separa a
fonte da arte parece desgastado também. Do roteiro,
11 Wildstorm é a editora fundada por Jim Lee, um dos mais influentes e famosos desenhistas dos quadrinhos norte-americanos, especialmente a partir
do final da década de 1980. Inicialmente parte da Image Comics, a Wildstorm separou-se da editora e foi vendida por seu criador para a DC Comics no
final da década de 1990.
(abaixo) Figura 40 Global Frequency ELLIS, 2004.
(a esquerda) Figura 41 Demo WOOD, 2005.
Figura 39 Public Domain WOOD, 1997.
55
Wood privilegiou finais abertos - inclusive para oferecer
ao leitor a possibilidade dele mesmo decidir e interpretar a
continuação da história - e evitou finais felizes tradicionais.
O foco da série é na vida nua e crua, tratando das escolhas,
muitas vezes difíceis, que as pessoas tem que fazer e que
irão mudar o resto de suas vidas. Em todo seu trabalho,
Wood possui diversas referências, inclusive a linguagem do
cinema, e Demo é um exemplo.
Depois de namorar uma diretora de cinema logo antes de
começar Demo, eu havia passado horas e horas assistindo
a curta metragens (eu querendo ou não), e eu passei a
gostar do formato. O melhor curta ou história não é uma
história em três atos espremida em um espaço pequeno,
mas sim uma única cena ou um momento, que ainda
funciona por conta própria. Se teve um mandamento que
eu trouxe comigo para Demo foi o de escrever esses curtas
em quadrinhos e explorar a forma. Para essa finalidade,
não importava qual era a história por trás ou o que os
personagens fizeram depois da página 24. Não importava
(WOOD apud BRADY, 2007).
Em 2005, ele retornou para a Vertigo e publicou DMZ (figuras 42
e 43), uma série mensal que aborda uma Nova York pós-guerra
civil em pleno século XXI. Ricardo Burcelli foi escalado para
os desenhos enquanto Wood escrevia e era responsável pelas
capas. DMZ possui um tom político no seu roteiro e na sua arte
onde suas capas retratam uma qualidade urbana, representada
com símbolos, excessos, contrastes, fontes bold – incluindo a do
logo - e outras que lembram placas de rua, texturas e grafite. No
ano seguinte, ele escreveu e cuidou do design da mini-série em
quatro partes Supermarket, cuja arte ficou a cargo de Kristian
Donaldson. A colorização remete a pop arte, com mistura de
cores ácidas e fortes. E em 2007, Wood lançou seu segundo
título pela Vertigo, Northlanders, que aborda um viking e sua
jornada de volta para casa. Mais uma vez os roteiros e o design
da série, que é mensal, ficaram a cargo de Wood, enquanto a
arte é de Massimo Carnevale e Davide
Brian Wood caracteriza-se nos quadrinhos pelo design total,
ou seja, por cuidar de todas as partes as quais ele tem acesso
da produção. Do roteiro a capa, passando pelo logo e qualquer
outro elemento visual da publicação.
(acima) Figura 42 DMZ Showcase WOOD, 2007.
(a direita) Figura 43 DMZ #20 WOOD, 2007.
57
Por fim, o último dos exemplos que serão abordados é também
o mais recente a entrar no mercado. James Jean, assim como
Brian Wood, é um ilustrador. Mas outro tipo de ilustrador.
Enquanto Wood possui um estilo mais gráfico, com figuras
estilizadas, cores sólidas e contrastes acentuados, Jean é um
ilustrador que possui um estilo clássico, porém moderno.
Ele possui um traço limpo, que beira o cartunizado, mas sua
finalização é elaborada e realista como as pinturas classicistas
e suas alegorias. Seu trabalho é inspirado em artistas clássicos
japoneses como Hokusai, Yoshitoshi e Hiroshige, mas possui
características bastante originais. A arte de Jean é hiper-
realista, porém não representa a realidade como ela é, e sim
como ele a vê, adicionado um caráter interpretativo à suas
obras. Esse realismo extremo, em grande parte resultado de
sua técnica apurada, é usado para representar interpretações
fantasiosas, que combinam diversos elementos gráficos a sua
arte, como arabescos e florais. Sua arte possui uma estranheza
perturbadora em qualquer de suas composições, representada
através de temas e soluções. O quadrinista e ilustrador Paul
Pope fala sobre essa característica na introdução do primeiro
livro sobre a arte de Jean:
A segunda estranheza é uma estranheza em
transformação, algo que em um primeiro momento nos
pega e então gradualmente deixa completamente de ser
estranho... uma estranheza que, eventualmente, se torna
familiar e invisível. Ao invés de ofender, ela permeia,
torna-se parte da forma como vemos e pensamos (POPE
apud JEAN, 2005, p.6).
James Jean é um dos mais requisitados e premiados capistas
do mercado, e seu trabalho não se concentra apenas nos
quadrinhos, ilustrando para grande parte das revistas norte
americanas e para a publicidade, além de grandes clientes
como Nike (figura 44), Atlantic Records, Time Magazine
e Prada. E sua produção não se concentra meramente
na arte, mas também no design, porém direcionado para
a organização dos elementos textuais e visuais. Jean é
responsável pelo design das peças que trabalha, sejam elas
capas, pôsteres ou embalagens.
Nos quadrinhos, ele é quase um homem de uma casa só, pois
a grande maioria de sua produção foi feita para a DC Comics.
Seu primeiro grande trabalho para o meio, e sua estréia na
editora, foi em 2000 como capista da série Batgirl durante
dezesseis edições. No ano seguinte, ele tornou-se capista do
título Green Arrow (Arqueiro Verde), para quem fez quatorze
capas, e foi responsável pela capa da primeira antologia
Meathaüs, organizada por alunos da School of Visual Arts
de Nova York, onde ele próprio se formou. Em 2002, Jean
iniciou o trabalho pelo qual ganhou mais reconhecimento
e inúmeros prêmios, e que formará a maioria dessa análise.
Ele foi contratado como capista da debutante série Fables.
Criada e escrita por Bill Willingham e desenhada, em sua
maioria, por Mark Buckingham, Fables conta a história dos
personagens dos contos de fada e folclore que foram expulsos
de sua terra natal por um inimigo comum e formaram uma
comunidade clandestina em Nova York. Publicada pelo
james jean
Figura 44 Jean Nike FENNER, 2007.
59
selo Vertigo, Fables, desde o número um, teve James Jean
como capista, posto que ele ocupa até hoje, tendo criado
e executado setenta e duas edições. Neste meio tempo, ele
criou diversas outras capas, notadamente Amazing Fantasy
(2004) e Runaways (2005), dois títulos da Marvel, para duas
mini-séries do Batman, War Drums (2004) e War Games
(2005), e para a Dark Horse Comics, onde fez uma capa
de The Escapist (2006) e foi o capista das seis edições da
mini série The Umbrella Academy (2007), escrita pelo cantor
Gerard Way e desenhada pelo brasileiro Gabriel Bá.
Seu trabalho em Fables oferece uma amostra de seu
processo de trabalho profissional. A partir do roteiro ou de
um resumo da história, Jean começa esboçando soluções
para a capa. O sketch é parte fundamental de seu processo,
e ele os faz em profusão até atingir o ponto em que “a
composição se acerta”.
Eu recebo um roteiro ou um resumo do meu editor, e depois
de absorver a informação começo esboçando em papel
Bond (papel de alta gramatura e maior qualidade). Depois
de alguns thumbnails, eu dobro um pedaço de papel A4 em
dois e começo a trabalhar em um sketch refinado. Depois
que isso é feito, eu o scanneio e mando para aprovação (do
editor). Quando aprovado, eu amplio o sketch na minha
impressora e o transfiro para um papel Bristol usando
uma mesa de luz. Depois que o desenho final está pronto,
eu scanneio e no computador trabalho a colorização no
Photoshop (JEAN in ELLIS, 2005).
Nas capas mensais de Fables, Jean trabalha os elementos
de composição tentando integrar todos. Desde o sketch até
o layout final, todos os elementos estão presentes. O logo
da revista é sempre escrito com a mesma fonte, mas Jean
trabalha com diferentes formas de organizá-lo e apresentá-lo.
Seja horizontal, vertical, desarrumado ou integrado a imagem,
o que é o mais comum, a fonte é sempre a mesma. A capa do
número 60 (figura 45), apresenta uma orientação vertical. A
ilustração mostra o personagem, Fly Catcher (sapo cururu no
Brasil), de corpo inteiro limpando o chão. O logo é disposto
verticalmente com as letras dentro de círculos, e o número da
edição ao lado do “S”. O logo da editora, como é de praxe, está
no alto e à esquerda, e um pouco abaixo, o nome da história
com sua própria fonte e disposição. Abaixo estão os nomes dos
criadores. As informações da publicação foram organizadas na
parte inferior direita, exatamente oposta ao logo da editora.
O último item, o código de barras, ocupa a parte inferior
esquerda. Jean usa os contrastes da cor da ilustração para
destacar elementos gráficos como o título sobre a parte mais
clara da parede e o número da edição na parte mais escura.
No número 61 de Fables (figura 46), a composição como um
todo também é vertical. A ilustração, com o macaco alado
segurando um elmo e a corda presa a um galho no topo
da página pendendo até a parte de baixo, é vertical em sua
orientação. O logo, com as letras contidas em círculos, também
o é, bem como o número da edição estabelecido abaixo do “S”.
Por causa do galho, importante elemento na história, o logo
Figura 45 Fables #60 WILLINGHAM, 2007.
61
da editora foi deslocado para a direita. Os nomes dos criadores
bem como o da história foram posicionados entre a cabeça do
macaco e o galho também de forma vertical. Tanto o código de
barras quanto as informações da edição foram posicionados
no canto inferior direito, formando uma tarja de informações
textuais à direita da capa. O rabo do macaco quebra esta faixa,
se enrolando no número da edição conectando ilustração e
texto. Jean é detalhista e suas capas refletem isso, o arabesco
que separa o título da história de sua numeração possui uma
mosca no meio, alusão ao protagonista da história.
A capa do número 65 (figura 47) utiliza as mesmas soluções
das anteriores, porém com pequenas mudanças e outra
orientação. A ilustração possui elementos horizontais, bem
como a informação textual. O cavaleiro na padiola sendo
carregado e o tigre em primeiro plano são horizontais. O
logo, ainda contido nos círculos, também está na horizontal.
A disposição dos elementos na capa é centralizada e a cor é
um importante elemento narrativo. O tigre é laranja e está
em primeiro plano. Para valorizar o logo do gibi, Jean coloriu
os círculos que contém suas letras também de laranja. A cor
ainda alude ao uniforme do protagonista na primeira capa da
série (número 60). A variação é outra tática utilizada por ele
para tornar suas capas dinâmicas.
O número 64 (figura 48), que mostra o aniversário dos filhos de
dois dos protagonistas, tem uma capa bem mais alegre que as
descritas aqui, com cores quentes e vibrantes. O layout circular
(a direita) Figura 46 Fables #61 WILLINGHAM, 2007.
(a extrema direita) Figura 47 Fables #65 WILLINGHAM, 2007.
63
torna a composição forte e coesa, representando o significado
de família. As informações textuais são mais discretas nesta
capa do que nas outras. Jean se aproveita do fato do título
estar estabelecido no mercado, e cria variações na relação
entre a imagem e o texto. Geralmente, a imagem tem mais
destaque do que o texto como neste caso, mas essa relação
é mutante tornando-se às vezes mais igualitária. Em algumas
capas, Jean procura integrar mais a imagem e o logo.
No número 71 (figura 49), o logo corta a capa em diagonal
da esquerda para a direita, guiando o olhar do leitor para
o número da edição posicionado no canto superior direito.
Muito maior do que ele costuma aparecer, o logo torna-
se um elemento de composição do fundo, principalmente
porque a personagem, protagonista da história, está
centralizada verticalmente e na frente do logo. A fonte
do logo não é alterada e divide as cores com o restante
dos elementos da capa. Tudo oscila entre o vermelho
e o branco. Outro exemplo desta integração, a capa do
número 72 (figura 50), apresenta o logo “misturado” a
imagem. A ilustração mostra uma briga, com personagens
espalhados pela capa. O logo quebrado ao meio possui uma
organização irregular que se enquadra na ação. O “FAB”
posicionado diagonalmente sobre a cabeça do homem em
primeiro plano possui sangue espirrado da boca do homem
a sua frente. O “LES”, destacado do restante do logo, está
ligeiramente rotacionado sobre o braço da protagonista.
Essas variações entre a disposição dos elementos e as
soluções gráficas e técnicas empregadas sem perder a
identidade do título tornam possível que um mesmo
capista se mantenha durante tanto tempo em um mesmo
gibi. Nesse caso específico, há mais de setenta edições.
(a esquerda) Figura 48 Fables #64 WILLINGHAM, 2007.
(abaixo) Figura 49 Fables #71 WILLINGHAM, 2008.
(abaixo e a direita) Figura 50 Fables #72 WILLINGHAM, 2008.
65
a sutil mudança na “embalagem”
Até a década de 1980 muito pouco mudara no formato das
revistas em quadrinhos criado por Maxwell C. Gaines cinqüenta
anos antes ao dobrar um jornal em quatro partes. Durante todo
esse tempo, a qualidade baixa do papel usado para impressão
manteve-se, a quantidade de cores utilizadas nas máquinas
sofreu vagarosa evolução, como vimos anteriormente, e pouco
se fez para sair da lombada canoa
12
, organizada em cadernos
e presa por grampos. Quanto as razões para isso nos cabe
apenas especular, pois não há informações precisas sobre esse
desenvolvimento. Mas é possível que seja em função da tardia
formação e profissionalização do meio, e também devido a
censura e ao código que certamente desaceleraram a evolução
dos quadrinhos norte-americanos, quase parando-os. Assim
que a indústria se restabeleceu e começou a atrair de volta
aqueles profissionais que a haviam deixado e abriu espaço
para outros especialistas e, em alguns casos, mais capacitados
em diversas outras áreas, essa evolução foi retomada. Desde
a década de 1960, artistas com Gil Kane, então atuando no
mercado de quadrinhos, começaram a experimentar a partir
da forma, testando, por exemplo, diferentes layouts de página
e soluções de composição novas, tornando-se cada vez mais
ousados, até atingir o ápice da experimentação artística nos
quadrinhos no fim da década de 1970. Durante a década de
1980, através dos trabalhos de Jim Steranko e Neal Adams,
Bill Sienkiewicz, John J. Muth e mais tarde Dave McKean,
esse experimentalismo se espalhou pelo meio conquistando
espaço nos quadrinhos e expandindo as fronteiras criativas
que haviam sido ampliadas por seus antecessores. Essas
experimentações geraram uma necessidade de novos tipos de
publicações em termos de formatação gráfica. Desde o final da
década de 1960, as HQs começaram a “flertar” com diferentes
formatos de publicação além do clássico (25,4 cm x 17,8 cm),
como o romance em quadrinhos de Gil Kane e Archie Goodwin
His name is Savage publicado em formato de revistas, e as
duas edições de The Spectacular Spider-Man publicadas no
mesmo formato e ano pela Marvel. His name is Savage é tido
por muitos como um dos precursores das graphic novels, ou
para alguns, a primeira graphic novel.
A autoria do termo graphic novel é bastante imprecisa, mas
a primeira vez que ela foi usada em uma HQ foi em 1976
por Richard Corben ao adaptar a obra literária de Robert E.
Howard, Bloodstar. O quadrinho é descrito pelos próprios
editores como “um conceito revolucionário, uma graphic novel
que combina toda a imaginação e poder visual da arte dos
quadrinhos com a riqueza do romance tradicional” (Brucke,
2003). O gibi era uma história em quadrinhos adaptando um
livro, não possuía inovações em seu formato e, apesar de ser
muito difícil precisar, possui a primeira citação do termo.
Considerando o formato, a obra de Gil Kane Blackmark, de
1971, é bem mais experimental do que a de Corben e foi, trinta
anos depois, reconhecida como a graphic novel original pelos
12 A lombada canoa é utilizada em publicações com um número de páginas não muito alto, pois emprega grampos, o que não é um acabamento indicado para
impressões com muitas páginas.
seus editores. O termo teve diversas aplicações na década de
1960, sempre buscando atribuir ao quadrinho uma suposta
qualidade narrativa de romance e não simplesmente de
quadrinhos, mas foi realmente popularizado pelo trabalho
de Will Eisner, A Contract with God and other tenement
stories (Um Contrato com Deus e outras histórias de cortiço)
lançado em 1978 (figura 51). Eisner criou um novo tipo de
quadrinho abordando um tema adulto, incomum ao meio,
com histórias curtas e finitas, fugindo dos gêneros em voga
de super-heróis, como Superman e Batman, e quadrinhos
infantis como os da Disney. A HQ contava quatro histórias
curtas unidas tematicamente que juntas formavam um retrato
da classe trabalhadora judaica durante a Grande Depressão
em Nova York (WEINER, 2003, p.17). Ela possuía lombada
quadrada, também incomum nos quadrinhos e característica
de livros, um papel de melhor qualidade e recebera um
tratamento editorial estampando na capa o termo graphic
novel, buscando diferenciá-la dos quadrinhos existentes.
A lombada quadrada é mais cara do que a canoa, primeiro
por permitir publicações com mais páginas, e segundo, pois a
lombada canoa demanda apenas um vinco e um grampo como
acabamento, enquanto a lombada quadrada requer cola ou
até costura dependendo do tipo. O sucesso desta publicação
popularizou o termo e erroneamente creditou Eisner como
criador do mesmo, o que ele próprio admite não ser. Eisner não
criou o termo nem o novo formato, mas apropriou-se do que
havia sido feito por alguns outros criadores e desenvolveu o
formato de graphic novel que dominaria o meio desde então.
Figura 51 Contrato EISNER, 1995.
67
Não pretendo aqui debater mais sobre a criação do termo ou
não e sobre as características narrativas das graphic novel, e
sim sobre o formato gráfico dos quadrinhos, mas abordarei as
mudanças estabelecidas por Eisner quando falar de narrativa
visual nos quadrinhos.
O formato usual das revistas em quadrinhos, popularmente
chamado de revista, era bem mais simples do que a graphic
novel. Sem nenhum acabamento diferenciado, ele consistia
em alguns cadernos presos por uma lombada canoa e um ou
dois grampos. Na época do surgimento das graphic novels, as
revistas em quadrinhos ainda eram impressas em papel jornal
de baixa qualidade e em uma quantidade limitada de cores.
Depois do sucesso de “Um Contrato com Deus”, os editores
passaram a investir nas graphic novels, criando inclusive
variações para o formato, que logo chegou aos super-
heróis. De 1982 a 1988, a Marvel Comics publicou uma linha
chamada de Marvel Graphic Novel em formato americano
(25,4 cm x 17,78 cm). Essa primeira coleção não trouxe
nenhuma mudança propriamente dita no formato, pois era
o mesmo dos gibis, mas possuía mais páginas, com uma
qualidade comparativamente superior de papel, e fazia uso
de mais cores, fato conquistado na década anterior. A DC
Comics seguiu o mesmo caminho lançando suas publicações
mais importantes da década, Batman: O Cavaleiro das Trevas
e Watchmen
13
(figura 52), ambas lançadas em 1986, no que
viria a ser conhecido como novo formato (new format). E não
foi a única. A Pantheon Books, uma editora que até então
publicava livros, lançou Maus
14
(figura 53) nesse novo
formato, que consistia em papel de melhor qualidade, pois
as HQs sempre foram impressas em papel jornal e passaram
a figurar em papel couchê, em lombada quadrada, muito
mais páginas por edição as revistas, que tinham de vinte
13 Wacthmen é uma mini-série publicada originalmente em 12 partes, e depois lançada como uma graphic novel, pela DC Comics, escrita por Alan Moore e
desenhada por Dave Gibbons. A série, que se passa nos Estados Unidos em uma versão alternativa de 1985, trata de uma América onde os super-heróis existem
de verdade e as conseqüências de sua presença interferem nos eventos históricos. A tensão nuclear entre russos e americanos está para explodir enquanto um
dos super-heróis do passado é assassinado, o que lança os demais em uma investigação. Os heróis de Moore são pessoas reais que tem de lidar com questões
éticas e sociais e enfrentar falhas e “neuroses”. A série foi a única história em quadrinhos a receber um prêmio Hugo, conferido todo ano as melhores publicações
sobre ficção científica e fantasia, foi incluído na lista dos 100 melhores livros desde 1923 da revista Time e recebeu os maiores prêmios dos quadrinhos. Além
de ser um marco na indústria por sua inovadora abordagem dos super-heróis, Watchmen ajudou a enterrar o estigma de que quadrinhos era um produto para
criança, e estabelecer o meio como uma forma narrativa apta a contar qualquer história para qualquer público.
14 Maus é uma graphic novel escrita e desenhada por Art Spiegelman que reconta a luta de seus pais, judeus poloneses, para sobreviver ao Holocausto nazista
a partir das lembranças de seu pai. Paralelamente a isso relata, de forma autobiográfica, a conturbada relação do autor com seu excêntrico pai que, de muitas
formas, ainda revive a guerra (WEINER, 2003, p.35). E ainda, a própria luta do autor contra a trágica história de sua família. Inteiramente em preto e branco, a
história apresenta todos os personagens de forma antropomórfica: os judeus são ratos, os poloneses são porcos e os nazistas são gatos. A graphic novel recebeu
todos os grandes prêmios de quadrinhos e um prêmio Pullitzer.
e cinco a trinta páginas passaram a ter cinqüenta, com
capas impressas em papel cartonado e maior qualidade na
impressão. E esse formato não era apenas usado nas edições
encadernadas lançadas depois desse boom das graphic novels,
mas também nas edições mensais. Batman: O Cavaleiro
das Trevas, por exemplo, foi uma mini-série publicada em
quatro partes. Enquanto um gibi normal se estende por vinte
e poucas páginas, Batman possuía cinqüenta por edição,
com lombada quadrada, capa cartonada, páginas mais bem
impressas e papel couchê. Essa melhoria na qualidade do
produto aliada a histórias mais sérias cujo o público alvo era
mais adulto, fizeram com que os quadrinhos chamassem a
atenção da mídia não especializada. A graphic novel ganhou
reviews em diversos jornais e figurou quarenta semanas
na lista dos livros mais vendidos na Inglaterra. Além dela,
Watchmen foi revisado por críticos literários de diversos
grandes jornais americanos como, por exemplo, o New York
Times, e Maus recebeu o prêmio Pullitzer. Toda esta atenção
recebida representou um aumento expressivo nas vendas,
mas principalmente ajudou a desfazer o estigma que sempre
acompanhou os quadrinhos, de subproduto cultural ou de
“coisas para criança”, estabelecendo o gibi como uma forma
narrativa tão boa quanto qualquer outra. Outro benefício
que as graphic novels trouxeram foi a possibilidade das
editoras sempre terem material importante sendo publicado.
Ao lançar histórias em formatos mais bem produzidos e
compilar edições mensais da mesma forma, elas podiam
manter em publicação suas histórias mais importantes, o
que não ocorria antes quando os quadrinhos eram apenas
lançados em edições mensais. Batman: The Dark Knight
Returns continua sendo publicado até hoje, e teve edições
comemorativas encadernadas em seus aniversários de dez
e vinte anos de publicação, todos eles publicados com a
qualidade estabelecida pelas graphic novels.
A DC apoiou o trabalho de Miller com um pacote que
incluiu mais páginas, lombada quadrada e papel brilhante
de alta qualidade para exibir a aquarela usada por Lynn
Varley. Os quadrinhos americanos nunca haviam tido
esse tratamento, mas uma nova geração de leitores que
sabia distinguir e escolher o que queria, servidos por
uma crescente rede de lojas especializadas, apoiaram o
formato mais caro. The Dark Knight Returns atingiu vendas
impressionantes (DANIELS, 1999, p.149).
Essa melhoria gráfica foi aos poucos se estendendo para as
edições mensais e, na década seguinte, com o surgimento da
Image Comics, o new format estabeleceu-se definitivamente.
Formada pelos mais famosos desenhistas da época, a Image
Comics logo se tornou a terceira maior editora de quadrinhos
dos Estados Unidos, logo atrás da Marvel e da DC Comics.
Comandada por artistas, o foco da editora era majoritariamente
visual e suas histórias refletiam isso. Para valorizar suas HQs,
os criadores fizeram uso das novas tecnologias gráficas, de
impressão, não economizando nos custos e efeitos. Papéis
de qualidade, impressões de alta precisão e muitos efeitos
gráficos como, por exemplo, capas holográficas, colorização
digital, utilização de cores especiais, vernizes e alto relevo
foram bastante utilizados. Logo, as demais editoras seguiram
Figura 52 Watchmen MOORE, 1987.
Figura 53 Maus SPEGELMAN, 2003.
69
(abaixo) Figura 54 Asterix SABIN, 2003.
(a direita) Figura 55 Siegfried ALICE, 2007.
71
um caminho semelhante e muitas capas de edições especiais
passaram a utilizar efeitos de impressão ou de acabamento. As
graphic novels, que continuavam sendo publicadas e faziam
mais sucesso do que nunca, não detinham exclusividade nos
formatos mais bem cuidados. Esse tratamento foi estendido
à todos os gibis, que passaram a ser publicados em papel de
maior qualidade e impressos da mesma forma.
É válido ressaltar que o formato dos quadrinhos europeus
se beneficiava de papéis de melhor qualidade e mais espaço
nas páginas desde seu surgimento. Na Europa, os títulos
geralmente surgiam em revistas que publicavam diversas
histórias curtas, como, por exemplo, a Pilot, e caso fizessem
sucesso, eram compiladas em edições encadernadas passando
a ser lançadas direto nesse formato. Essas revistas como a
Pilot, onde surgiram clássicos como Tin Tin e Asterix (figura
54), serviam como um teste para os novos personagens.
Aqueles que agradavam ao público eram publicados em
grandes álbuns com uma qualidade superior aos quadrinhos
americanos. Mas na Europa, os quadrinhos possuem um status
diferente e seus consumidores não se importam de pagar mais
caro por eles. O custo de um álbum europeu é mais alto do
que o de um gibi nos Estados Unidos, obviamente em função
de suas estruturas formais o álbum europeu, no geral, tem
um formato maior, possui mais páginas, é impresso em papel
de melhor qualidade (figura 55) e geralmente encadernado e
publicado com capa dura. Esses álbuns se assemelham muito
mais às graphic novels do que aos gibis mensais. A presença
de quadrinhos europeus publicados nos Estados Unidos era
pequena como ainda é, mas é possível afirmar que os editores
norte-americanos sabiam que a tecnologia existia e que essa
melhoria gráfica podia ser feita, mas demoraram a fazê-la. Isto
aconteceu provavelmente porque essa nova tecnologia não
seria bem recebida na década de 1970 quando os quadrinhos
ainda eram uma indústria em crescimento, diferentemente da
forma como ela foi na década de 1990, quando este mercado
estava estabelecido, preparado para essa mudança e que
colhia os frutos de duas décadas muito boas.
Neste novo milênio, os quadrinhos descobriram
definitivamente as edições de luxo. Estas edições existem
no mercado desde a década de 1990, quando as grandes
obras de quadrinhos começaram a fazer aniversário, mas
recentemente ganharam um tratamento gráfico bem mais
cuidadoso. Tomemos como exemplo Batman Dark Knight
Returns, publicado em 1986. Dez anos depois, a publicação
ganhou uma versão comemorativa que trazia três TPBs em
uma luva especial. Um dos TPBs continha a HQ original, o
outro sketches
15
originais de Frank Miller e o último o script
original. Eles eram bem organizados, com um acabamento
luxuoso, pois vinham em uma luva exclusiva, e eram
limitados a 1000 cópias, mas seu principal apelo não era
o design da edição em si, e sim os extras que ela trazia (e
para o público colecionador norte-americano a quantidade
limitada de cópias disponíveis no mercado). Dez anos depois
em 2006, a DC lançou uma nova edição comemorativa para
Figura 56 Absolute DKR O Autor, 2008.
Figura 57 Absolute New Frontier O Autor, 2008.
73
celebrar os 20 anos da publicação, e não contratou Chip
Kidd para cuidar do design da edição, como anunciou em
propagandas que ele estaria encarregado da tarefa. Esta
edição possui o formato maior do que a original (21,5 x 32
cm contra 17 x 26 cm do original), e todas as páginas foram
ampliadas proporcionalmente. Ela conta com uma sobrecapa
em papel especial, capa dura e é vendida em uma luva
16
.
Além disso, a edição traz não a HQ Dark Knight Returns,
como também sua seqüência Dark Knight Strikes Again, além
de muitos extras. Kidd foi responsável pela sobrecapa bem
como o design interno da publicação de mais de 500 páginas.
Absolute Dark Knight Returns é uma edição luxuosa e com o
design cuidadosamente elaborado (figura 56).
A série Absolute, que foi lançada em 2006 pela DC, não
pára de crescer e, depois do Absolute Dark Knight Returns,
a segunda mini-série foi Absolute New Frontier (figura
57) , publicada no mesmo ano. O interessante é que o
responsável pelo design da versão de luxo foi o próprio
escritor e artista da série original, Darwyn Cooke. Oriundo da
animação, Cooke trabalhou como designer e ilustrador para
o mercado publicitário norte-americano antes de trabalhar
com quadrinhos. A terceira publicação de luxo foi Absolute
Kingdom Come, de 2006, versão da edição lançada na década
de 1990. A publicação foi cuidada pelo escritório de design
de Nova York Brainchild Studios. Mais três Absolutes foram
lançados, Absolute Watchmen (figura 58), de 2005, e Absolute
Sandman Vol. 1, 2 e 3, de 2006, 2007 e 2008 respectivamente.
Porém, as edições com design especialmente cuidadoso não
são exclusividade da DC Comics, o último trabalho do escritor
Alan Moore, Lost Girls, de 2006, foi lançado pela editora Top
Shelf diretamente em uma edição de luxo, separada em três
HQs com tamanho maior do que o usual, com papel especial
e capa dura, acondicionada em uma luva. Recentemente
uma edição comemorativa da tira de jornal Calvin and
Hobbes (Calvin e Haroldo) foi lançada compilando todas as
tiras publicadas (figura 59). Três grandes volumes, com
mais de 500 páginas cada, lançados em uma luva especial,
todos com papel especial, cuidadoso design interno e capa
dura. O acabamento tornou-se enfim importante em uma
publicação de quadrinhos, e isso não se resumiu às revistas
em quadrinhos e o design gráfico tornou-se valorizado.
A evolução do processo gráfico chegou tardiamente aos
quadrinhos nos Estados Unidos, mas foi um crescimento conciso
que se espalhou pelo meio e veio para ficar e produzir obras
melhores, tornando o produto quadrinhos mais interessante e
pronto a atingir audiências maiores e mais adultas.
15 Sketches são esboços de desenhos, que podem ser preliminares para algum trabalho final, exercícios, idéias criativas ou até parte do processo de criação.
17 Luva é um tipo de caixa com um dos lados aberto que serve para acondicionar um ou mais livros. Ela costuma ter um visual compatível com o tema ou com
a própria capa do livro e sua função é tanto decorativa quanto funcional.
18 www.brainchildstudiosnyc.com
(a esquerda) Figura 58 Absolute Watchmen O Autor, 2008.
(a esquerda e abaixo) Figura 59 Complete Calvin and Hobbes O Autor, 2008.
75
A narrativa nas histórias em quadrinhos acontece através
da combinação de texto e imagem. A leitura de uma página
de quadrinhos é feita, em sua maior parte, pelas imagens. A
importância do texto também não pode ser ignorada que
é uma parte fundamental da história, ou seja, os diálogos,
que carregam informações que nem sempre podem ser
representadas de forma visual, são inseridos na página em
forma de texto com ou sem os balões. Assim, para efetivamente
se analisar a narrativa visual de uma HQ, é preciso pensar tanto
no visual quanto no textual. Falarei mais detalhadamente
sobre essa relação na parte a seguir sobre storytelling.
Visualmente uma página de quadrinhos possui diversos
elementos narrativos, mas os mais importantes podem ser
definidos como os quadros, a distribuição destes na página
e o formato dos mesmos; e a arte ou a ilustração dentro dos
quadros. Textualmente existem duas principais utilizações
em uma página dentro da narrativa: os diálogos, geralmente
apresentados dentro de balões e as onomatopéias que
representam os efeitos sonoros em uma HQ. São estes cinco
elementos que levarei em consideração na minha análise do
objeto de estudo.
Para isso, vou estabelecer as bases do storytelling
primeiro, para em seguida abordar o que estes elementos
são e quais suas funções e aplicações em uma história
em quadrinhos e, em depois, discutirei a narrativa em si e
como ela funciona em uma HQ.
O storytelling, que pode ser traduzido como narrativa, é a
parte da linguagem dos quadrinhos responsável por contar
a história visualmente. Quaisquer que sejam as estratégias
do quadrinista para atingir este objetivo, elas devem ajudar
o leitor a ler a história e não atrapalhá-lo, a menos que esta
seja a intenção. O princípio e o guia do storytelling é o roteiro
ou a história. É ela quem será o combustível para quaisquer
soluções gráficas criativas que o quadrinista empregará
buscando contar esta história visualmente da forma mais
interessante possível. Como ele contará essa história faz toda
a diferença, como sumariza Klaus Janson nesta analogia:
Todo mundo deve ter tido a experiência de contar uma
piada sem sucesso eu com certeza. Como uma pessoa
pode contar uma piada e ser muito engraçada, e outra
contar a mesma piada e ser péssimo? Se os personagens
e a conclusão são os mesmos, o provável é que a resposta
esteja na maneira como a piada foi contada. Ou a seqüência
de eventos estava bagunçada, ou o ritmo estava errado,
ou talvez os personagens estivessem mal definidos, ou
a conclusão foi mal resolvida. Talvez o contador da piada
tenha apenas repetido as palavras, sem se comprometer
emocionalmente em contar a piada. Qualquer que seja o
problema, a falha é sempre resultado da inabilidade da pessoa
que está contando em organizar os eventos e apresentá-los
de maneira interessante (JANSON, 2002, p.82).
De acordo com Klaus Janson, a organização dos eventos é
fundamental para contar uma história de forma eficiente.
Esta organização, que parte do roteiro, é responsabilidade do
Enquadramento, Composição e Storytelling
2.
narrativa
VISUAL
e
a linguagem
dos
QUADRINHOS
77
desenhista. Em uma história linear e clássica (veremos mais
sobre isso na parte sobre narrativa), uma forma de conseguir
isto é assegurar constantemente que o leitor não se perca.
Para isso, o quadrinista deve contar visualmente em cada
página quem, o quê, onde e quando. Ou seja, o leitor deve
ser capaz de entender com facilidade quem é o protagonista
da cena que está se passando, o quê está acontecendo nesta
cena e onde e quando ela está se passando. Se o leitor precisar
voltar algumas páginas pois ele se perdeu, uma quebra na
continuidade da história, o que atrapalha a fluidez da mesma.
É um conceito semelhante ao de um filme em que voltar a uma
cena anterior para entender alguma parte confusa subverte o
propósito. Para atingir este objetivo, o quadrinista conta com
muitos recursos visuais e narrativos como o desenho, a arte
final, a cor, os balões e as onomatopéias, o estilo, o timing,
o ritmo, entre outros, que podem tanto elevar uma história
quanto “derrubá-la”. Porém, nada disso terá qualquer serventia
se a história não sustentar a narrativa. Por mais que a arte
seja interessante ou belíssima, se a história for fraca e falhar
em interessar o leitor, o storytelling não terá obtido sucesso.
Na verdade, o storytelling transcende a qualidade estética do
desenho. É importante entender que o ele deve ressaltar a
história, e não o contrário (CAPUTO, 2003, p.26).
Uma relação fundamental para o storytelling é entre texto
e imagem. Scott McCloud dedica um capítulo em seu livro
“Desvendando os Quadrinhos” a essa relação, onde ele faz um
resgate histórico do texto e imagem na nossa sociedade. Apesar
de extremamente importante, esse resgate histórico não será
abordado aqui, mas sim a classificação que McCloud faz em
seu livro das sete formas existentes de trabalhar a relação entre
texto e imagem (2005, p.152). A primeira é a que ele chama
de combinação Específica de Palavras (IBID., p.153), nela a
imagem serve apenas para ilustrar o que o texto está dizendo,
não acrescentando nada ou muito pouco (figura 60). A segunda
combinação, ele denomina de Específica da Imagem que, ao
contrário da anterior, é ditada pelo visual. O texto serve apenas
como trilha sonora de uma seqüência visual (figura 61).
A terceiro combinação é a Duo Específica (figura 62), onde
texto e imagem transmitem a mesma mensagem (IBID., p.153).
A quarta é a Aditiva, nela as palavras ampliam ou elaboram o
significado que a imagem já carrega com ela (figura 63).
A quinta trata de Combinações Paralelas, em que as imagens e as
palavras não tem nenhuma relação aparente, seguindo caminhos
diferentes que podem ou não fazer sentido dentro da história
(figura 64). A sexta é a que ele denomina de Montagem (figura
65), onde as palavras fazem parte da imagem. Esta relação não
é tão comum nos quadrinhos, a não ser quando onomatopéias
interagem com o desenho, mas ela existe em quadrinhos
experimentais assemelhando-se aos trabalhos dadaístas.
E a última combinação é a Interdependente (figura 66), nela
imagens e palavras se combinam para transmitir uma idéia
que nenhuma das duas seria capaz de fazer sozinha (IBID.,
p.155). Dessas combinações, a mais comum nos quadrinhos
é a última, mas a primeira e a segunda também são muito
utilizadas. É importante ressaltar que elas não constituem
uma fórmula, mas foram observadas nos próprios quadrinhos,
e a utilização das mesmas depende da necessidade da história
e da criatividade do quadrinista.
Em quadrinhos, as palavras e imagens são como parceiros
de dança e cada um assume a sua vez conduzindo. Quando
os dois tentam conduzir, a concorrência pode subverter as
metas globais, embora uma pequena concorrência, às vezes,
possa produzir resultados apreciáveis. No entanto, quando
cada parceiro conhece seu papel e se apóiam mutuamente, os
quadrinhos podem se equiparar a qualquer uma das formas
de arte da qual extrai de todo o seu potencial (IBID, p.156).
De maneira geral, as duas formas que geram resultados mais
interessantes ao storytelling, são a combinação Específica
de Imagem e a Interdependente. Como é uma mídia visual,
se a narrativa acontece principalmente através da imagem,
o storytelling é mais eficiente e interessante do que se ela
ocorrer majoritariamente através do texto. Mas a melhor
combinação entre imagens e texto em uma narrativa de
quadrinhos é a Interdependente, pois ambas as partes se
complementam. O texto é utilizado para contar o que não
seria possível fazer com a imagem (BYRNE, apud, CAPUTO,
2003, p.159), ou o que seria muito trabalhoso e consumiria
páginas demais, enquanto a imagem funcionaria como o
principal veículo do storytelling. A opção por texto e imagem
geralmente considera a história em primeiro lugar, alguns
eventos e ações podem se beneficiar de serem apresentados
de forma puramente visual, enquanto outros podem ser
(a direita) Figura 60 Espeífica de Palavras McCLOUD, 2005.
(a extrema direita) Figura 61 Espeífica de Imagem McCLOUD, 2005.
(acima) Figura 62 Duo McCLOUD, 2005.
(acima e a direita) Figura 63 Aditiva McCLOUD, 2005.
(acima) Figura 64 Paralelas McCLOUD, 2005.
(a direita) Figura 65 Montagem McCLOUD, 2005.
(acima) Figura 66 Interdependente McCLOUD, 2005.
79
mais compreensíveis se auxiliados por texto. A opção do
quadrinista sempre deve privilegiar a história a ser contada.
Quadrinhos é um meio majoritariamente visual, afinal, existem
quadrinhos sem texto, mas não quadrinhos sem imagens. Por
isso, o storytelling objetiva contar a história visualmente,
sem que o texto tenha que explicar o que está acontecendo.
O quadrinista deve decidir quando contar algo somente de
forma visual, e quando contar através de imagens e textos
ou quadrinhos e balões. Essas decisões cabem ao roteirista
na estrutura especializada de produção de uma HQ ou ao
próprio desenhista, dependendo de quanta liberdade ele tem
para interferir. Esse tipo de decisão, benéfica ao storytelling,
tende a acontecer com mais freqüência quando o escritor e o
desenhista são a mesma pessoa. É importante que a história
em quadrinhos funcione como narrativa visual, o texto pode
ser usado para acrescentar, como diálogos e narrações, por
exemplo, mas a ação deve se desenrolar visualmente.
Um dos elementos essenciais do storytelling é o ritmo. Nos
quadrinhos, o ritmo pode ser entendido de duas formas:
o ritmo de leitura, ou seja, o tempo que o leitor leva para
ler e absorver as informações de uma ou mais páginas e a
intencionalidade do quadrinista em guiar o leitor em sua
leitura. Quanto a primeira, o quadrinista tem pouco ou nenhum
controle, podendo apenas estimar considerando a cultura e
as referências de seu leitor, mas jamais ter certeza. sobre
o segundo, o autor pode exercer total controle dependendo
da forma como ele controlar as opções como a distribuição
de balões e as onomatopéias, a organização de página e a
disposição de quadros, a construção das cenas dentro dos
quadros e sua relação com os quadros anterior e o seguinte.
Essas opções determinam a fluidez ou não da leitura de sua HQ,
ou seja, o ritmo de seu storytelling. E este ritmo pode e deve
ser manipulado dependendo das necessidades que a história
estabelece e da intenção do quadrinista. Isto também depende
do gênero em qual sua história está inserida. Tomemos como
exemplo as duas páginas de Greg Capullo mostrando a mesma
cena. O garoto-robô é recebido pela velhinha com um jarro de
biscoitos na mão. De dentro do jarro, ela saca uma pistola e
dispara atingindo o garoto-robô. Ele montou a mesma cena
de duas formas diferentes. Na primeiro quadrinho da primeira
página (figura 67), ele apresenta os personagens. No segundo,
um close na mão da velhinha, e no terceiro, ela disparando
sua arma despedaçando a cabeça do garoto. Esta página busca
dar um susto no leitor, ela começa e termina abruptamente
sem qualquer valorização do tempo. Tudo acontece muito
rápido e a ação é resolvida quase de imediato. A resolução
é apresentada logo depois de estabelecer o evento e o leitor
não tem tempo de se preparar. O quadrinho de apresentação e
principalmente o de finalização são os mais importantes.
No segundo exemplo (figura 68), Capullo usa muito mais
quadros para dramatizar a cena. Enquanto na primeira são três,
na segunda são quatorze quadros. O quadrinista faz do leitor
um cúmplice da ação, apresentando a cena e cada momento
Figura 67 Ritmo 1 WIZARD #57, 1996.
Figura 68 Ritmo 2 WIZARD #57, 1996.
81
O ritmo pode ser constante em uma história ou sofrer variações
dentro da própria dependendo da necessidade ditada pelo
roteiro. Para trabalhar o ritmo nas HQs, o quadrinista pode
manipular o layout de uma página, os quadrinhos e sarjetas
que ela contém: muitos quadrinhos em uma página tornam
essa mais difícil de ler e também mais demorada, enquanto
poucos quadros aceleram a leitura tornando-a mais objetiva.
Essa opção pela quantidade de quadros considera o ritmo
relevante na construção da história e é permeada pela
preocupação do quadrinista ao organizar a página.
O layout de uma página deve servir a duas finalidades básicas:
apresentar a história através dos quadros, organizados de
forma compreensiva se for essa a intenção, e guiar o leitor
de acordo com a história. Guiar a leitura é uma das premissas
básicas do storytelling e a melhor forma de fazê-lo é
trabalhando a organização da página através dos citados
grids. Ao decidir que tipo de grid vai ser usada, o quadrinista
o faz sabendo que tipo de imagens ele terá que desenhar
dentro dos quadros. E antes de fazê-lo, ele tem que considerar
a relação das imagens que ele está posicionando lado a lado.
Isso porque o leitor entenderá dois quadrinhos lado a lado
como uma continuidade, se a ação se inicia no primeiro e
termina no segundo, ele fará a conexão entre os dois criando
em sua mente a ação intermediária. Este processo ocorre em
função da justaposição entre os dois quadros, que força uma
assimilação da informação dos dois. Os leitores de quadrinhos
assimilam os quadrinhos de uma página, somando-os, para
obter um entendimento mais completo da história (JANSON,
separado construindo a tensão até o clímax. O primeiro e o
último quadrinhos são os mais importantes, mas são bem
menores do que no outro exemplo. Os quadros estreitos são
lidos de forma mais rápida e ajudam a criar essa tensão. O ritmo
da primeira, que pode ser entendido como parte do gênero
de terror, é mais rápido, enquanto o segundo, uma página de
suspense, o ritmo é mais lento. Esta relação de gêneros e ritmo
é bem descrita por Hitchcock em sua entrevista para Truffaut:
A diferença entre suspense e surpresa é muito simples, e
costumo falar muito sobre isso. Mesmo assim, é freqüente
que haja nos filmes uma confusão entre essas duas noções.
Estamos conversando, talvez exista uma bomba embaixo desta
mesa e nossa conversa é muito banal, não acontece nada de
especial, e de repente: bum, explosão. O público fica surpreso,
mas, antes que tenha se surpreendido, mostraram-lhe uma
cena absolutamente banal, destituída de interesse. Agora,
examinemos o suspense. A bomba está embaixo da mesa e
a platéia sabe disso, provavelmente porque viu o anarquista
colocá-la. A platéia sabe que a bomba explodirá à uma hora e
sabem que falta quinze para uma – há um relógio no cenário.
De súbito, a mesma conversa banal fica interessantíssima
porque o público participa da cena. Tem vontade de dizer aos
personagens que estão na tela: “Vocês não deveriam contar
coisas tão banais, uma bomba debaixo da mesa, e ela vai
explodir!”. No primeiro caso, oferecemos ao público quinze
segundos de surpresa no momento da explosão. No segundo
caso, oferecemos quinze minutos de suspense, donde se
conclui que é necessário informar o público sempre que
possível, a não ser quando a surpresa for um twist, ou seja,
quando o inesperado da conclusão construir o sal da anedota
(HITCHCOCK apud TRUFFAUT, 2004, p.77).
2002, p.56). O quadrinista está no controle não das
imagens dentro dos quadros como também sugere ao leitor
o que acontece entre os quadros, ou seja, na sarjeta, onde a
assimilação da justaposição acontece. Essa participação do
leitor é única dos quadrinhos.
A qualidade da narrativa depende da organização de texto
e imagem. Espera-se que o leitor participe. “Ler as imagens”
requer experiência e permite que o próprio leitor determine
o ritmo de absorção das mesmas. O leitor deve fornecer som
e ação em sua própria mente (EISNER, 2002, p.69).
Para que a justaposição seja eficiente, é importante que o
conteúdo de cada quadrinho seja pensado pelo quadrinista,
que ele conduza a história e faça sentido com seu quadrinho
anterior e posterior.
Eu faço distinção entre dois tipos primários de percepção
(nos quadrinhos) – intrínseco e extrínseco:
Percepção intrínseca remete especificamente aos
componentes da imagem. Uma foto de um bebê sentado
no chão, segurando um ursinho de pelúcia e olhando
para cima surpreso de forma inocente sugere felicidade e
contentamento, nada mais do que é – uma imagem neutra.
Percepção extrínseca se desenvolve quando a imagem
descrita acima é justaposta à uma imagem de um carro
em movimento, que por si é uma imagem neutra
(denotando pouco mais talvez do que sua idade e estado de
conservação). Juntas, no entanto, elas geram uma resposta
de choque e suspense (particularmente se o carro for visto se
deslocando em direção ao leitor visto de um ângulo baixo),
que sugere que o bebê está no caminho do carro, mesmo
que eles possam estar em lugares diferentes. Apesar de não
existir qualquer evidência de proximidade, a mente do leitor
faz uma conexão narrativa, criando um terceiro significado
completamente diferente que pode ser derivado das imagens
individualmente (STERANKO in CAPUTO, 2003, p.173).
A relação de um quadro para o outro é importante na
justaposição, e por isso a opção do quadrinista quanto à
quais quadrinhos justapor é fundamental para ajudar o leitor
a acompanhar a história. Na figura 69, seis quadrinhos
numerados de 1 a 6. Considerarmos a seguinte ordem de
leitura: 6, 1, 5, 2, 3 e 4. O primeiro quadrinho, 6, funciona como
um estabilishing shot dizendo ao leitor onde a cena se passa. O
segundo quadrinho, o 1, apresenta um pássaro voando. O leitor
entende, através da justaposição, que ele está voando na local
estabelecido pelo quadrinho anterior, mesmo não existindo
qualquer relação visual explicita entre os quadros. Nenhum dos
elementos visuais apresentados no primeiro quadrinho pode
ser visto no segundo. O terceiro quadrinho é um close de um
garoto chorando segurando uma arma, e o leitor entende que
ele está no mesmo ambiente, e que possivelmente o pássaro
é seu alvo, ou possui qualquer tipo de relação entre eles, em
função da justaposição das duas imagens. O quarto quadrinho,
2, mostra o garoto preparando seu rifle e o quinto, 3, atirando.
E por fim a cena termina com a conclusão obvia da morte do
pássaro. Essa versão não traz muita informação sobre o enredo,
não transmite nenhuma outra certeza a não ser que a história
83
se trata de um garoto que matou um pássaro. Qualquer outra
interpretação é especulativa. Para o storytelling clássico essa
quantidade de incertezas e variáveis é incomum e dificilmente
seria o objetivo do quadrinista. A disposição de uma história
estruturada visualmente seria: 2, 1, 3, 4, 5 e 6 (figura 70). A
cena abre com o garoto observando algo com um rifle na
mão. Em seguida um pássaro é mostrado e o leitor conecta
as duas imagens justapostas entendendo que o garoto está
olhando para o pássaro. A terceira mostra um close da arma
disparando, o leitor pode supor o que ocorreu. Suposição essa
que é confirmada pelo quadrinho seguinte, o 4, que mostra o
resultado do tiro. O quinto quadrinho oferece uma imagem
mais dramática do garoto chorando e o leitor entende que
ele se arrependeu do que fez, e o último quadrinho oferece
a informação de onde tudo isso ocorreu, mas funciona como
um quadrinho reflexivo sobre a cena, que pode ser resumida
como a perda da inocência (JANSON, 2002, p. 60). As imagens
são rigorosamente as mesmas, mas a simples mudança na
disposição das mesmas altera completamente, a partir da
justaposição, o sentido da história.
Voltando aos grids, abordados anteriormente, a opção
do quadrinista ao escolher o grid que ele usará na página
deve considerar a informação a ser passada. O layout do
grid clássico não oferece nenhuma informação inicial
ao leitor quanto aos quadros, pois todos são do mesmo
tamanho (figura 71). o free form tende a estabelecer uma
hierarquia de importância nos quadros da página, assim o
leitor entenderá que os quadros maiores são as partes mais
importantes da história (figura 72). A organização dos quadros,
a relação entre eles, seus tamanhos e formas transmitem
informações ao leitor mesmo sem pensarmos nas imagens
no interior deles (JANSON, 2002, p.61). A opção por qual grid
usar deve ser baseada no conteúdo a ser passado, ou seja, na
história. O quadrinista pode manipular essa opção por grids
de acordo com os interesses da história, e pode alternar o uso
de grids dependendo do que ele precisa contar. Cenas mais
tensas podem pedir mais quadros por página, com ou sem
valorização em algum deles como vimos no exemplo anterior
de Greg Capullo e como mostra a figura 71. Cenas de ação
podem ser trabalhadas com quadros maiores cujo espaço
possa ser aproveitado para valorizá-las, como na figura 72.
Porém, guiar a leitura é sim uma das premissas básicas do
storytelling, e para fazê-lo o quadrinista deve primeiro
considerar a cultura para qual ele está produzindo a HQ, pois
esta determinará o sentido de leitura que guiará as opções de
leiaute e composição da página. Nos quadrinhos americanos,
a leitura acontece da esquerda para a direita e de cima para
baixo, e essa é a informação principal que o quadrinista
possui ao organizar uma página. O layout em forma de “Z” é
o mais básico e utilizado, que leva essa ordem de leitura, da
esquerda para direita em consideração. Mas existem muitas
outras possibilidades de layout, seja de cima para baixo, na
diagonal, ou em qualquer outra solução visual. Independente
da escolhida, o critério mais importante a ser seguido é o da
clareza. O storytelling clássico, como será abordado a seguir,
Figura 69 Justaposição 1 JANSON, 2002.
Figura 70 Justaposição 2 JANSON, 2002.
85
preconiza que, para este ser bem sucedido, precisa seguir
dois critérios: clareza e entretenimento. Se a organização dos
quadros dificulta a leitura, o leitor pode se perder na história. É
possível controlar a clareza de uma página explorando leiautes
diferentes e inovadores, mas o risco do leitor se perder é
grande, o que pode ser prejudicial ao entendimento.
Desde que as pessoas contam histórias umas as outras,
storytellers como eu e você queremos duas coisas do
nosso público. Nós queremos que eles entendam o que
nós temos para contar, e queremos que eles se importem o
suficiente para continuar prestando atenção até acabarmos
(McCLOUD, 2006, p.8).
Desde a década de 1960, os quadrinistas começaram a explorar
soluções visuais diversas de layout e narrativa, mas a maior
parte da produção de quadrinhos permanece muito próximo do
clássico. Exemplos como a página de 1967 de Neal Adams para
a HQ Deadman (figura 73), e seu trabalho de 1969 para X-Men
(figura 74), de 1969 mostram layouts inovadores. No primeiro,
ele trabalha o layout da página de forma conservadora, mas o
estrutura de forma ousada, compondo os desenhos dos quadros
para que eles formem uma outra figura, a cabeça do protagonista.
No segundo, Adams trabalha a diagonal da página de forma
dinâmica, mudando a ordem de leitura da mesma. Semelhante ao
que Adam Kubert fez em Action Comics Annual #11, ao trabalhar
a diagonal formando um arco crescente dos quadros da página
(figura 75). Kubert também explorou a ordem de leitura (figura
76), fazendo com que o leitor primeiro lesse o quadrinho longo da
(a extrema esquerda) Figura 71 Grid Clássico BOLLAND apud CHIARELLO, 1996.
(a esquerda) Figura 72 Free Form LOEB, 2007.
87
esquerda, depois siga a seqüência do centro da página e por fim
leia o quadrinho final a direita da página.
O layout sofreu uma evolução visual devido a diversos fatores,
porém a grande maioria dos quadrinhos permanecem presos
as soluções da narrativa clássica, que será abordada a seguir. A
entrada de quadrinistas com formações artísticas, gráficas e
narrativas mais especializadas certamente contribuiu para esse
desenvolvimento. A exploração visual das páginas que esses
profissionais realizaram, potencializou as soluções gráficas das
páginas de quadrinhos. A entrada de produções estrangeiras
no mercado americano também contribuíram para esse
desenvolvimento do storytetlling. Mangás (figura 77) possuem
diferentes técnicas narrativas oriundas das soluções e padrões
característicos de sua cultura e da diversidade muito maior de
gêneros abordados, enquanto os quadrinhos europeus (figura
78), que sempre foram considerados produtos narrativos
de qualidade desde seu surgimento, são obras de qualidade
artística e estética e graficamente superiores a qualquer outra
publicação de quadrinhos. Essa contaminação positiva que os
quadrinhos americanos sofreram ofereceu novos horizontes
narrativos, especialmente visuais e técnicos. Soluções e técnicas
narrativas foram absorvidas e combinadas a antigas formas de
contar histórias visualmente, o que resultou em produtos mais
elaborados e inovadores. Parte dessas soluções se deu dentro
dos quadros, parte na justaposição dos quadros lado a lado e nas
transições, e as opções que o quadrinista tem que fazer para criar
uma narrativa visual envolvem ambas.
A composição das imagens dentro dos quadros é fundamental
para a compreensão dos mesmos, e esta composição passa por
duas questões: o que mostrar e como mostrar. O que mostrar
depende da seleção feita pelo quadrinista do momento da ação
que ele está representando. A escolha do momento decide o
que incluir e o que deixar de fora visualmente em uma história.
A grosso modo essa escolha representa a quantidade de
quadros que serão necessários para apresentar a ação e quais
quadros serão esses. Ela determina também a forma como
a história será contada, quanto mais direta, provavelmente,
menos quadros. Cada quadrinho avança o enredo em direção
a sua conclusão. Mas o quadrinista também pode valorizar
partes dessa narrativa optando por usar mais quadros e contar
a história de forma mais demorada, como visto anteriormente.
(acima) Figura 74 Deadman DUIN, 1998.
(acima e a direita) Figura 75 Adams X-Men DANIELS, 1991.
(acima ) Figura 76 Kubert 1 JOHNS, 2008.
(acima ) Figura 77 Kubert 2 JOHNS, 2008.
89
(a direita ) Figura 77 Blade SAMURA, 2007.
(a extrema direita ) Figura 78 Blacksad CANALES, 2000.
91
Cada quadrinho mostra uma ação individual que é parte de
uma ação maior ou evento e, dependendo do que o quadrinista
quer fazer, pode ser manipulada de acordo com a necessidade,
seja ela, por exemplo, diminuir a velocidade da narrativa
para valorizar um determinado momento, ou saltar para um
momento chave. Para essa manipulação, existem seis formas
de transição entre quadros, segundo a catalogação de Scott
McCloud em seu “Desvendando os Quadrinhos” (2005, p.70). A
primeira, que ele denominou Momento-Para-Momento (figura
79), demanda pouca conclusão por parte do leitor, pois o tempo
que se passa entre um quadro e outro é muito pequeno. Nela,
uma única ação é representada por uma série de momentos
(McCLOUD, 2006, p.15). Essa transição pode ser usada para
capturar uma movimentação mais realista nos quadrinhos,
mais próxima dos filmes, ou para agregar suspense ou drama
a uma ação diminuindo a velocidade da narrativa, ou ainda
dando mais atenção a algum detalhe. Como mostra o exemplo,
os quadros sofrem pequenas alterações na seqüência.
A segunda é a Ação-Para-Ação (figura 80), que apresenta
um único assunto em uma série de ações (IBID.). Ou seja, se
comparada a anterior, se passa mais tempo de um quadro
ao outro. A ação é apresentada em uma progressão direta,
ideal para manter o enredo avançando de forma rápida, pois
o quadrinista seleciona e apresenta um único momento
por ação, como o ataque do personagem ao soldado no
exemplo abaixo.
A terceira é a Tema-Para-Tema (figura 81). Essa transição
pressupõe um grau de envolvimento muito maior do leitor.
As cenas não são diretamente seqüenciais em uma ação, mas
permanecem dentro de uma mesma idéia ou cena. Ela também
é bastante eficiente em acelerar o enredo, pois muda o enfoque
sem sair da cena ajudando a manter o leitor interessado. No
exemplo abaixo, o personagem no segundo quadrinho comenta
a discussão realizada no primeiro. Ele não esta presente na
cena, mas sua participação é parte da seqüência.
A quarta, exige uma capacidade de conclusão e assimilação
maior do leitor. Na transição Cena-Para-Cena (figura 82),
ele é conduzido por distâncias significativas de tempo e
espaço (McCLOUD, 2005, p.71), o que permite ao quadrinista
trabalhar longas passagens de tempo na história, e ambientá-
la em cenários distantes e ainda manter o gibi dentro de uma
quantidade de páginas razoável. Na figura abaixo passa-se o
tempo suficiente para que os personagens mostrados andando
(abaixo ) Figura 79 Momento-Para-Momento MIGNOLA, 2004.
(acima e a direita ) Figura 80 Ação-Para-Ação MIGNOLA, 2004.
(abaixo e a direita) Figura 81 Tema-Para-Tema MIGNOLA, 2002.
Figura 82 Cena-Para-Cena MIGNOLA, 2003.
93
na neve no primeiro quadrinho, se tornem as caveiras que são
mostradas no segundo. A justaposição das imagens faz com
que o leitor faça tal conexão.
O quinto tipo de transição, denominada Aspecto-Para-Aspecto
(figura 83), não oferece informações tão claras sobre a
passagem do tempo, mas requer um olhar atento por parte do
leitor para detalhes e características migratórios de uma cena
a outra sobre diferentes aspectos, sejam através de lugares,
idéias ou atmosferas. Originária dos quadrinhos japoneses
e hoje amplamente usadas nos americanos, esta transição
oferece a chance do quadrinista ignorar a passagem do tempo,
possivelmente congelando-o, e deixar o olhar do leitor vagar
pelos quadros, muitas vezes, mais poético do que objetivo.
No exemplo abaixo, não é possível precisar quanto tempo se
passa do primeiro para o quadrinho, que é o estabilishing shot
da próxima seqüência.
E a sexta e última forma de transição é chamada de Non-
Sequitur (figura 84), que não oferece nenhuma seqüência
lógica entre os quadros (IBID., p.72), ou pelo menos nenhuma
lógica tradicional na narrativa, pois suas conseqüências
poéticas e abstratas nos quadrinhos experimentais não podem
ser menosprezadas. No exemplo que se passa entre o primeiro,
segundo e terceiro quadros é difícil precisar o tempo, mas o
leitor consegue compreender que do primeiro para o segundo
quadro, o quadrinista representa a destruição do monstro
transformado em caveira e consumido pelo solo, no quadrinho
2. O terceiro quadro não tem relação clara com o que vinha
sendo mostrado, mas funciona como um quadrinho de pausa
para que o leitor absorva o que aconteceu, antes de retornar
para a narrativa cronológica (quadrinho 4).
Dependendo do tipo de história a ser contada, a opção pela
transição a ser usada é bastante clara. Em histórias guiadas
pelo avanço do enredo, transições de Ação-Para-Ação serão
bastante úteis para tornar dinâmico o avanço da história,
bem como algumas Tema-Para-Tema e Cena-Para-Cena. Se o
objetivo for contar uma história com apelo emocional maior, as
transições Momento-Para-Momento e Aspecto-Para-Aspecto
serão mais utilizadas pois permitem mais clareza nos detalhes
e também uma poesia maior nas passagens. Essa dinâmica
entre as transições nos quadrinhos clássicos, como veremos
a seguir, deve funcionar por trás da história, permitindo que o
conteúdo apareça. McCloud, em seguida, analisou a utilização
dessas transições em diferentes publicações chegando a
conclusões bastante interessantes, mas as que nos interessam
aqui são as relacionadas aos quadrinhos americanos. Ao
analisar um quadrinho de Jack Kirby de 1966, ele encontrou
uma predominância de transições Ação-Para-Ação (IBID.,
p.74), o que condiz com o trabalho de Kirby que é, como visto
anteriormente, norteado pela ação, objetividade e movimento
dramático e exagerado característico de um animista. Mais da
metade das transições do gibi, cerca de 65%, são Ação-Para-
Ação, o restante divide-se entre Tema-Para-Tema e Cena-
Para-Cena. Essa proporção, na verdade, pode ser observada na
grande maioria das HQs americanas, e até européias, pois as
transições descritas são as mais eficientes para se contar uma
história de forma objetiva e clara. Obviamente existem diversos
quadrinistas com diferentes abordagens, mas a grande maioria
da produção de quadrinhos americanos se encaixa nestas
transições em função de grande parte das histórias funcionarem
como uma série de eventos cronológicos interligados por um
enredo. A primeira transição não é tão empregada, pois ela faz
basicamente o mesmo do que a segunda, que requer mais
quadros o que, um quadrinista produzindo um gibi mensal de
vinte e poucas páginas, nem sempre pode se dar ao luxo de
usar. a quinta, é uma transição em que, efetivamente em
termos de progressão de história, nada “acontece”. E a sexta não
(acima) Figura 83 Aspecto-Para-Aspecto MIGNOLA, 2004.
(no alto) Figura 84 Non-Sequitur MIGNOLA, 2004.
95
se preocupa com eventos ou qualquer proposta mais objetiva
de narrativa. Essa preocupação com o objetivo que guia as
histórias é melhor expressa pelas três transições citadas.
Essa dinâmica vem mudando aos poucos com a exposição às
técnicas narrativas dos quadrinhos orientais, onde o uso de
transições é mais equilibrado.
Com as transições estabelecidas, o quadrinista pode se
concentrar em como mostrar o que ele precisa. A opção
pelo enquadramento envolve a composição do quadro, o
ângulo e o equilíbrio da cena. A composição permite que
ele monte os elementos visuais do quadrinho para guiar o
olhar do leitor mantendo a história interessante, como visto,
o eye movement. Para isso, ele pode também trabalhar a
variação do ponto focal na cena, tornando mais dinâmica
a leitura e fugindo da monotonia das figuras centrais. O
quadrinista pode também expressar significados através do
posicionamento das figuras no quadro, como, por exemplo, ao
mostrar um personagem depressivo isolado na composição.
E trabalhar a dramaticidade e emoção no quadrinho variando
a proximidade do personagem ao quadro, alternando entre
closes, que permitem uma proximidade maior do leitor,
ou mais distantes, revelando mais da cena. O quadrinista
também pode manipular a orientação do leitor de acordo com
os interesses da narrativa variando o ângulo do conteúdo
do quadrinho, que representa, a grosso modo, a visão que o
leitor terá da cena quando olhar o quadro, ou, analogamente,
seria o ângulo de visão da câmera no cinema. Ele pode variar
da altura dos olhos, que é a mais comum (figura 85), a uma
visão de baixo que confere grandeza a cena (figura 86), ou
de cima (figura 87), que oferece uma panorama mais claro
da cena para o leitor dando mais informações de onde se
encontram os elementos. Essas opções dependem muito do
que o quadrinista precisa mostrar.
(acima) Figura 85 Normal MILLER, 1996.
(abaixo) Figura 87 Alto JOHNS, 2008.
(a esquerda) Figura 86 Baixo LOEB, 2005.
97
O estabilishing shot, que será aprofundado na parte sobre
narrativa, quadrinho que apresenta basicamente um
cenário, é muito comum e amplamente utilizado para situar
o leitor, especialmente em transições de Cena-Para-Cena.
Independente do ângulo usado, ele tende a apresentar o lugar
onde a ação a ser mostrada se passa ou, em alguns casos, onde
a ação mostrada se passou, e dependendo da quantidade
de informação que ela contiver, pode oferecer uma sensação
de lugar ao leitor que o situará inclusive nas demais cenas.
Muitos quadrinistas utilizam o estabilishing shot bem
caracterizado, para poderem abrir mão do fundo em quadros
onde os personagens aparecem conversando, o que faz com
que a mensagem dita por eles seja mais facilmente absorvida,
sendo mais valorizada. Estratégias como essa são o cerne do
storytelling e podem representar muito para compreensão,
mas o uso excessivo de alternâncias de ângulo de visão podem
confundir o leitor e atrapalhar a história.
Quanto às imagens dentro dos quadros, o quadrinista tem
uma gama grande de opções para trabalhar. O princípio
norteador continua sendo o da clareza, mas neste caso,
ele refere-se à comunicação. Nos quadrinhos, um desenho
bem feito ou um quadrinho bem construído pode chamar a
atenção dos fãs, mas se ele falhar em comunicar a porção da
história que lhe cabe, o quadrinista terá que reavaliá-lo. Se o
storytelling transcende a mera qualidade estética da arte nos
quadrinhos, a opção pela imagem dentro do quadro deve ser
relacionada a história em primeiro lugar. Um artista habilidoso
é um grande beneficio para qualquer narrativa visual, seja
qual for a sua linguagem, se ele consegue fazer com que os
elementos nos quadros pareçam o que elas são, já permitem
que o leitor entenda o que está representado. É aqui que
toda a teoria de arte dos quadrinhos é aplicada: anatomia,
perspectiva, luz e sombra, e etc. Tudo isso é utilizado de acordo
com a linguagem do quadrinista. Alguns poucos conseguem
variar seu estilo dentro da própria linguagem dependendo
da necessidade da história, mas a grande maioria possui um
mesmo traço e um mesmo conjunto de soluções que ele
aplica para cada história em que trabalha, independente do
gênero ou tema. Esta linguagem torna-se a ser característica
daquele quadrinista e passa a ser seguida por muitos leitores.
Nem todos os desenhistas trabalhando nos quadrinhos
possuem linguagens elaboradas, na verdade, muitos apenas
seguem soluções e traços estabelecidos por outros. Na
década de 1990, por exemplo, a Marvel possuía um grupo
de artistas que se tornaram muito reconhecidos e passaram
a atrair uma legião de fãs, e depois saíram da editora para
formar a Image Comics. Depois do surgimento deles, muitos
outros desenhistas passaram a “imitar” sua linguagem, ou
pelo menos tentar. Jim Lee
19
, por exemplo, ficou famoso
desenhando o gibi do Punisher (Justiceiro) na Marvel, mas
sua fama realmente atingiu níveis impressionantes quando
desenhou os X-Men (figura 88), um dos carros chefe da
editora. Logo, diversos artistas surgiram tentando imitar seu
trabalho com algum ou nenhum sucesso, e passaram a ser
usados pela editora tentando pegar carona no sucesso de Lee.
Essa prática não é exclusividade da Marvel, e nem da década
de 1990, mas ficou bastante em evidência nesta época em
função da quantidade de desenhistas nesta situação.
Por outro lado, alguns quadrinistas são praticamente
inimitáveis, pois adaptam sua linguagem de acordo com
a história, variando o traço, a técnica e o estilo. Stuart
Immonem
20
é um deles. Ao trabalhar em Superman Secret
Identity (figura 89), seu traço se aproximou muito mais da
19 Jim Lee é um desenhista de quadrinhos nascido na Coréia, mas que imigrou muito cedo para os Estados Unidos. Lee ingressou no mercado em 1986 e,
trabalhando para a Marvel, desenhou a HQ Tropa Alfa. Em seguida, trabalhou com o Justiceiro e X-Men. Na década de 1990, ele deixou a Marvel para fundar junto
com mais seis desenhistas, a Image Comics. Sob o selo Wildstorm, Lee publicou co-escreveu e desenhou WildC.a.t.s., título de estréia de sua editora. No início do
novo século, ele vendeu sua editora para a DC Comics e passou a trabalhar como desenhista para a editora em títulos do Batman e Superman.
20 Stuart Immonen é um quadrinista canadense que entrou no mercado de quadrinhos em 1988 com a Playground, uma série que ele mesmo publicou. Em
1993, ele entrou nas grande editoras e trabalhou com personagens diversos como Superman, Hulk, Legion of Super Heroes e X-Men. Recentemente, Immonen
trabalhou no universo Ultimate da Marvel nos títulos Ultimate Fantastic Four e Ultimate Spider-Man, além da série alternativa Nextwave, escrita por Warren Ellis.
Ele mantém também duas tiras online, de co-autoria de sua mulher, chamadas Never as Bad as You Think e Moving Pictures.
ilustração, representando os personagens de forma realista e
pouco caricatos. Immonen trabalhou o lápis de forma a não
precisar de arte final, a cor é aplicada diretamente sobre o
grafite. Em Ultimate Spider-Man (figura 90), seu mais recente
trabalho, ele usa toda a estrutura tradicional dos quadrinhos,
desenhando à lápis e arte-finalizando à nanquim. Seu traço
é bem mais definido e os personagens muito mais caricatos.
em sua tira online, Moving Pictures, Immonen utiliza um
traço bastante estilizado, com alto contraste e poucas linhas.
A opção de como mostrar as imagens dentro dos quadrinhos
é importante para o storytelling, mas ela geralmente é feita
levando-se em conta as características do quadrinista, a
menos que ele consiga suplantá-las em prol da história que
ele decidir contar.
A disposição dos balões pode ser uma importante aliada
do quadrinista no storytelling, contanto que ele não
Figura 88 Jim Lee MEADOWS, 2008.
99
Figura 89 Immonen 1 BUSIEK, 2004.
101
sobreponha partes importantes da arte com ela. Ao dispor
os balões, é importante que nenhuma parte fundamental da
arte seja coberta, e é indicado que a ordem dessa disposição
seja pensada para o balão de quem fala primeiro esteja
posicionado na frente dos demais considerando o sentido
da leitura, ou seja, que quem fala primeiro esteja à esquerda
do quadro. Geralmente os balões são posicionados dentro
de um quadro acima dos personagens que estão falando,
mas ele pode ser colocado basicamente em qualquer
lugar se esses cuidados forem tomados. Além disso, os
balões também podem ser usados para auxiliar a leitura
da página como um todo. No ocidente, a leitura, como
foi dito, é feita da esquerda para a direita e de cima para
baixo e, em uma página de quadrinhos, isto ocorre dentro
do balão, no quadrinho e na página inteira (KLEIN, 2004,
p.101). Quando o layout da página é fácil de ser lido, a
disposição dos balões não apresenta grandes dificuldades,
mas quando a distribuição de quadros é mais complicada, o
posicionamento de balões pode ser mais difícil de ser feito,
porém eles podem auxiliar a leitura (figura 91). A melhor
forma de fazer essa distribuição é deixar uma trilha de
balões para o leitor seguir ao ler a página (IBID., p.103).
Para garantir que o leitor não tenha que parar nem
por uma fração de segundo para tentar entender qual
balão é o próximo, o quadrinista deve fazer os balões e
onomatopéias considerando a fluidez da narrativa e o
caminho da leitura desejado (CAPUTO, 2003, p.38).
Figura 90 Immonen 2 BENDIS, 2008.
Figura 91 Distribuição de Balões CHIARELLO, 2004.
103
A organização dos quadros em uma página parte do roteiro
da HQ. O desenhista, a partir dele, divide a história em
imagens e as distribui na página de acordo com a necessidade
que esta história apresenta. Muitos escritores já dividem
seus roteiros nos quadros, descrevendo o que acontece
em cada um deles e sugerindo uma quantidade destes em
cada página, enquanto outros optam por descrever o que
acontece na página e deixam a cargo do desenhista fazer a
divisão em quadrinhos. Ao pensar o layout de uma página,
o desenhista considera a distribuição dos quadros
21
como
um todo, mas deve considerar também o que eles significam
individualmente, levando em conta o que o formato de cada
quadro representa e como a disposição destes influência a
leitura e o entendimento da própria página. Ou seja, ele deve
pensar na página toda como um produto gráfico formado
por elementos, mas também deve pensar cada um destes
elementos individualmente e as relações entre eles.
A organização dos quadros em uma página pode partir de
uma estrutura pré-definida regular ou irregular, chamada
de grid. No início das HQs era comum a utilização do que
hoje denominamos de grid clássico ou simples que denota
uma disposição de quatro quadros do mesmo tamanho
divididos igualmente na página (figura 92). Sua origem vem
das primeiras HQs, onde tiras de quadrinhos oriundas de
jornais eram organizadas no formato de revista. Quando
passou-se a produzir material específico para este formato
de revista, aplicaram essa disposição de quadros clássica
a suas páginas. Com o desenvolvimento da linguagem e a
entrada de artistas oriundos de outros meios, os layouts de
página sofreram mudanças e tornaram-se cada vez mais
irregulares e diferenciados.
O próprio formato dos quadros também passou a ser modificado
e começou a carregar diferentes significados, tornando-se
ainda mais parte da linguagem não-verbal dos quadrinhos,
oferecendo ao leitor informações a respeito do que ele está
mostrando e da própria disposição dos elementos da página.
Geralmente, quanto maior o tamanho do quadrinho em uma
página, maior a sua importância em termos de história. A
figura 93 mostra uma página de Bill Sienckiewicz para a HQ
Daredevil onde o último quadrinho claramente se destaca,
ao contrário da página de Springer para a HQ Volunteer 2
(figura 94), nela o tamanho dos quadrinhos não possui muita
diferença, conferindo a mesma importância a todos eles. Mas
este tamanho também pode representar sensações espaciais,
quadros estreitos para ambientes fechados e quadros largos
para espaços abertos. O próprio traçado do requadro carrega
significado. O quadrinho cujas bordas são regulares determina
que a ação se passa no presente, a menos que o texto diga
o contrário. Um traçado mais sinuoso ou ondulado tende a
expressar que a ação se passa no passado, que os eventos ali
quadros em uma página
21 A palavra quadrinho, no singular, denota um quadro preenchido em uma página com uma imagem e/ou texto. A moldura do quadro sem conteúdo é chamada
de requadro.
apresentados ocorreram; ou em alguns casos, pode remeter
a algum estado de inconsciência do personagem representado
no quadro. Existe ainda o requadro com traçado “dentado”
que denota tensão, o requadro duplo, que oferece mais
destaque ao quadro, e o requadro rompido pela arte. A opção
pelo tipo de requadro depende da necessidade da história
e de quem a conta. Dependendo do que o quadrinista quer
informar, ele pode optar pelo tipo de requadro que melhor
se adequa a cena que ele está desenhando, mas é importante
considerar a informação que cada requadro transmite ao
leitor, o requadro rompido pela arte, por exemplo, chamará
toda a atenção da página para si em detrimento dos demais
quadrinhos da página (CAPUTO, 2003, p.170). Se esta não for
intenção, a página carregará uma informação errada e pode
atrapalhar a leitura.
A função fundamental da arte dos quadrinhos (tira ou
revista), que é comunicar idéias e/ou histórias por meio
de palavras e figuras, envolve o movimento de certas
imagens (tais como pessoas ou coisas) no espaço. Para
lidar com a captura ou encapsulamento desses eventos
no fluxo da narrativa, eles devem ser decompostos em
segmentos seqüenciais. Esses segmentos são chamados
de quadrinho (EISNER, 2002, p.38).
Além do tipo de quadrinho, a relação entre os quadrinhos em
uma página e o espaço existente entre eles também carrega
Figura 92 Grid JANSON, 2002.
105
Figura 93
Sienckiewicz Daredevil
MILLER, 1986.
Figura 94
Volunteer
SPRINGER, 2004.
107
informações narrativas. O espaço entre um quadro e outro é
conhecido como “sarjeta” (gutter no original), e é nele que ocorre
a maior participação do leitor na narrativa. O que acontece entre
um quadro e outro depende do que foi mostrado no quadro
anterior e no seguinte, mas depende também da largura da
sarjeta e da cor. Se em um quadrinho é apresentada uma pessoa
pondo a mesa e no seguinte a mesma pessoa sentada satisfeita,
o leitor entenderá que houve uma refeição neste intervalo. É no
limbo da sarjeta que a imaginação humana capta duas imagens
distintas e as transforma em uma única idéia (McCLOUD, 2005,
pg. 66). A conexão entre as imagens será feita na mente do
próprio leitor. A quantidade de tempo que se passa na sarjeta
é completamente variada e determinada pela história, podem
se passar minutos como o exemplo citado acima, podem se
passar segundos ou até eras. Para trabalhar esta passagem de
tempo o desenhista tem diversas opções, muitas na disposição
dos quadros, que discutirei no próximo parágrafo, e algumas no
que concerne a manipulação da sarjeta. Uma delas é aumentar
o espaço da sarjeta fazendo com que o leitor leve mais tempo
de um quadro a outro. Outra solução é mudar a cor da sarjeta,
que geralmente é branca (figura 95), ao torná-la preta (96), ou
seja, da mesma cor dos requadros, o desenhista torna a leitura
mais rápida. Essa manipulação também pode ser feita através
do formato ou da repetição dos quadros. Um quadro mais longo
tende a levar mais tempo para ser lido, bem como um mesmo
quadro repetido mais de uma vez comunica ao leitor a passagem
mais demorada do tempo. Manipulando o quadro e a sarjeta, as
possibilidades da linguagem visual das HQs se multiplicam.
(a direita) Figura 95 Sarjeta Branca DINI, 2007.
(a extrema direita) Figura 96 Sarjeta Preta SIENCKIEWICZ apud CHIARELLO, 1996.
109
A participação do leitor em uma história em quadrinhos é ativa,
sem sua atuação a narrativa não acontece. É ele quem vira as
páginas, quem conecta os quadros e que comanda o ritmo
da leitura. As opções que o quadrinista faz manipulando os
elementos visuais de uma página ajudam a conduzir a leitura,
tais como a disposição dos balões, o formato dos quadros,
a composição das páginas e o enquadramento dos quadros,
mas se o leitor não atuar, a narrativa não acontece. Por isso,
essas opções visuais na criação, desenvolvimento e montagem
da página são tão importantes, pois é possível contar uma
história com poucos ou muitos quadros, em muitas ou poucas
páginas, e cabe ao quadrinista decidir como fazê-lo.
estabelecidos pelo desenhista. Os balões (figura 97) são
parte da linguagem pictórica dos quadrinhos e sua forma é
conhecida dos leitores que sabem identificar o tipo do balão
com o tipo da mensagem. O mais comum desses balões é o de
fala, que apresenta o que o personagem diz, e é representado
por uma elipse ou um círculo. Ele é ligado ao personagem
que está falando por um triângulo curvo chamado de
“ponta” ou “cauda”. O balão de pensamento originalmente
era representado por uma elipse com a borda ondulada,
como uma nuvem, cuja cauda era composta de elipses em
tamanho decrescente em direção ao personagem. Na década
de 1980, com a prática de explorar mais os pensamentos
dos personagens e usar os mesmos para narrar as histórias,
os letristas passaram a usar o balão de narrador também
como o de pensamento. Apenas recentemente o balão de
pensamento original voltou a ser usado especificamente
no título The Mighty Avengers (figura 98). Além desses três
mais característicos, existem diversos outros que buscam
representar diferentes tipos de dispositivos de comunicação
ou fala como o balão de grito, com as bordas pontiagudas
e irregulares, o de sussurro, com o contorno tracejado, o
de rádio, com o contorno ondulado emulando eletricidade
estática, e até alguns criativos, como o balão de telepatia
que não se conecta ao personagem e possui as bordas do
contorno vazadas. A forma e a linha de contorno do balão
sempre buscam representar as características dessa fala.
Com o desenvolvimento do balão, ele também foi se
aprimorando, e deixou de ter a forma de um requadro.
balões e onomatopéia
O balão nos quadrinhos é um recurso que busca captar a
fala e representá-la de forma gráfica. A onomatopéia ou
o efeito sonoro faz a mesma coisa com o som. Ambos são
responsabilidade do letrista que, segundo Todd Klein, um
dos primeiros a ser creditado pela função, é responsável por
colocar as palavras do escritor na arte do desenhista (2004,
p.83). Mas ele divide com o desenhista a responsabilidade
de posicionar e muitas vezes até elaborar as onomatopéias.
Depois que toda a arte está pronta, as páginas da HQ
chegam ao letrista que é responsável por desenhar os
balões, escrever os diálogos e onomatopéias e escolher ou
criar as fontes a serem usadas nesse processo. Ele também
organiza os balões na página, geralmente em espaços pré-
Adquiriu significado e passou a contribuir para a narração. À
medida que o uso dos balões foi se ampliando, seu contorno
passou a ter uma função maior do que de simples cercado
para a fala. Logo lhe foi atribuída a tarefa de acrescentar
significado e de comunicar a característica do som à
narrativa (EISNER, 2002, p.27).
Além do formato dos balões e do texto dentro deles, a
própria disposição dos balões é função do letrista, porém
em conjunto com o desenhista. Esta organização é parte
do storytelling, como foi abordada anteriormente. O
texto dentro dos balões originalmente era escrito com
fontes semelhantes que estabeleceram um padrão e
geraram diversas fontes conhecidas por nomes ligados
aos quadrinhos, como, por exemplo, a Comic Sans, a
mais famosa delas. Com a evolução da linguagem dos
quadrinhos e a especialização do meio, o cargo de letrista
começou a ser ocupado por designers e por tipógrafos que
passaram a empregar as mais diversas fontes e também
a criar famílias tipográficas para personagens e títulos.
Estas fontes buscam revelar a identidade do personagem,
o que já é feito através do visual do mesmo, e tem
continuidade na fonte presente em seu balão, emulando a
voz e/ou a forma como ele fala. Isto acontece geralmente
para o protagonista da história, para o grande vilão ou
até algum personagem mais importante (figura 99). Mas
dificilmente ocorre para todos os personagens de uma
HQ, pois a informação visual seria excessiva e por demais
dispersiva para o leitor.
Alguns escritores pedirão para que você desenvolva uma
família tipográfica única e exclusiva para uma história ou um
personagem específico. Este pode ser uma forma eficiente
de destacar tal personagem, mas o estilo da fonte precisa
combinar com a personalidade do personagem, e não pode
ser tão incomum visualmente a ponto de distrair o leitor da
história, ou torná-la difícil de ler. Os estilos das letras podem
ser sutis como uma borda ligeiramente mais grossa ou uma
letra em uma forma alternativa do alfabeto usual. Ou eles
podem ser tão elaborados a ponto de ter um personagem
melodramaticamente teatral falando através de uma fonte
floreada e com um estilo decorativo de um pôster de circo.
Alguns exemplos são mostrados e você encontrará mais em
seu gibi favorito, mas lembre-se de não abusar. Uma história
em que cada personagem possui um estilo diferente em sua
fala pode ser um pesadelo para ler (KLEIN, 2004, p.99).
Em alguns casos, e isto vem tornando-se cada vez mais
comum desde a década de 1990, a fonte utilizada no gibi
de um artista renomado é feita a partir da escrita manual
do próprio artista. Isso remete ao início dos quadrinhos,
quando apenas uma pessoa cuidava de todas as partes do
processo e o desenhista letrerizava suas próprias histórias
e, sem treinamento tipográfico algum, acabava por sempre
empregar sua própria escrita. Hoje, estas fontes são criadas por
estúdios especializados em tipografia, alguns até trabalhando
especificamente com tipografia para quadrinhos, que fazem
uma fonte digital a pedido do artista, e que depois poderá ser
usada por qualquer letrista que venha a trabalhar em seu título.
A figura 100 mostra dois exemplos dessa prática, o da esquerda,
apresenta a fonte baseada na escrita manual do desenhista
(acima) Figura 97 Balões O’NEIL, 2001.
(acima) Figura 98 Balão de Pensamento BENDIS, 2008.
(a esquerda) Figura 99 Balão de Personagem CHIARELLO, 2004.
111
Joe Madureira, e o da direita, a baseada na escrita do capista
Travis Charest. Ambas foram feitas pelo estúdio especializado
em tipografia e design para quadrinhos Comicraft. O estúdio
foi fundado na década de 1990 por Richard Starkings, letrista
inglês com uma longa carreira no meio.
Todas as preocupações de um designer gráfico ou tipográfo
ao diagramar um texto também existem em um balão: espaço
entrelinhas, kerning, opções por caixa alta e baixa, viúvas e
alinhamento. Porém, a existência de alguns deles são menos
problemáticos nos quadrinhos, como as viúvas e o alinhamento
do texto, que nos balões de fala quase que exclusivamente é
central e nos balões de narrador alinhados à esquerda. Além
da fonte, a forma como o texto é escrito ajuda o entendimento
do leitor. Recursos como negrito, itálico e o tamanho da fonte
podem auxiliar a caracterizar uma frase ou uma fala.
Variando o estilo, tamanho e a espessura das letras é possível
sugerir tipos de discurso. Pra mim ISTO É UM GRITO,
ISTO É UM
SUSSURRO, isto é uma frase tensa, esta palavra é pronunciada
com ênfase, um pouco mais alto do que o normal. Antes era
uma prática comum dos editores rechear os balões de palavras
em negrito, muitas vezes sem se preocupar com o conteúdo
do diálogo. A idéia era de oferecer algo interessante para
o leitor visualmente para variar a presumida monotonia
do letreiramento comum. Pode ter havido algo válido nesta
teoria, mas quando palavras ilógicas eram enfatizadas, a
prática causava mais danos à qualidade literária e narrativa
do trabalho do que benefícios (O’NEIL, 2001, p.20).
Além desses exemplos do uso de tipografia entre as funções
do letrista também estão as onomatopéias, que são palavras
usadas para representar algum efeito sonoro cujo visual
auxilia nessa função. Elas são tratadas de forma semelhante a
logotipos com sombras, diferentes fontes e soluções gráficas,
porém, elas muitas vezes servem para auxiliar a narrativa
visual. Em inglês, a grande maioria das onomatopéias
utilizam a palavra relacionada ao som que ela representa.
Por exemplo, a onomatopéia de uma chicotada é whip”, que
em inglês significa chicote. A própria representação visual da
onomatopéia é condizente com o seu efeito sonoro na história.
Letras grossas e blocadas são utilizadas para o som pesado de
um impacto, cuja palavra em inglês é thump”, que significa
pancada (figura 101). Letras finas e tremidas são para um grito
fantasmagórico e assustador (KLEIN, 2004, p.95). Expansivas e
grandes para uma explosão ou um impacto muito forte, como
mostra a figura 102, e assim por diante.
Onomatopéias são invenções visuais que você pode
improvisar como louco. Não certo e errado, mas existem
algumas variações com as quais você pode improvisar,
incluindo altura, geralmente indicada pelo tamanho, pela
grossura das letras, inclinação e pontos de exclamação,
timbre, a qualidade do som, sua textura, ondulação, agudeza
e etc. Associação, o estilo da fonte e sua forma podem
remeter ou imitar a origem do som e integração gráfica, que
são considerações puramente relacionadas ao design como
a forma, a linha e a cor – assim como o efeito interage com
a imagem (McCLOUD, 2006, p.147).
Além da onomatopéia, quaisquer textos existentes nas páginas
e nos quadrinhos são função do letrista, a menos que elas
sejam feitas por outros. Textos inseridos na composição dos
quadros como outdoors, letreiros de lojas ou quaisquer outras
informações textuais em uma cidade, por exemplo, podem
ser feitos pelo desenhista. Se isso ocorrer, eles passarão pelo
restante do processo como qualquer outro desenho, sendo
arte finalizados e coloridos. Caso eles não sejam feitos pelo
desenhista, cabe ao letrista acrescentá-los ao espaço deixado
pelo desenhista. O título da história e os créditos também
são criados e aplicados na página pelo letrista. Tanto os
letreiros, outdoors quanto os títulos e créditos são criados
como qualquer produção gráfica que envolva letras de forma
semelhante a criação de um logo. A opção pela fonte, a
preocupação com a organização e a utilização do espaço, bem
como a legibilidade e a estética também são pontos relevantes
neste trabalho. Uma complicação para o letrista é ter que
realizar essa criação sobre uma página já preenchida que pode
ou não estar preparada para receber sua criação. No exemplo
da figura 103, o letrista uniu os créditos a imagem, dispondo-
os na placa da lanchonete mostrada nesta página. Os números
de página também podem ser feitos pelo letrista que, como já
foi dito, acaba atuando também com a finalização gráfica da
edição, ou seja, como um designer responsável pela publicação
que cuidará da finalização da mesma acrescentando os títulos,
créditos, números de página e quaisquer outras informações
necessárias ao gibi. Em muitos casos, os letristas ainda são
responsáveis por finalizar o contorno e a borda dos quadros.
Outro indicativo de que o letrista por vezes faz o trabalho
de um designer gráfico, são os logotipos das revistas e
personagens. Quando as revistas em quadrinhos surgiram,
os logotipos eram criados por funcionários das editoras,
geralmente responsáveis pela impressão ou com algum
contato com a parte gráfica do processo produtivo. Com a
entrada dos letristas no mercado para a assumir a função, a
criação ou remodelação dos logos passou a ser feita por eles.
Hoje, as editoras costumam contratar estúdios especializados
em design e tipografia para cuidar de seus logos. A figura
11, mostrada antes, apresenta as mudanças sofridas pelo
logotipos da HQ do Batman, desde seu lançamento quando
ele ainda era feito por funcionários da empresa, até o
número 9, e o criado por Chip Kidd na década de 1990 para o
personagem, número 10, e o mais recente de todos.
Em 2005, a DC Comics realizou uma remodelação em seu logo,
que era o mesmo desde a década de 1970. A história do logo
da editora começou em 1940 quando apareceu pela primeira
vez em uma edição do Batman composto apenas pelas letras
“DC”. O logo passou por algumas pequenas mudanças desde
sua criação, até que na década de 1970, a editora contratou
Milton Glaser para reformular seu logo. Glaser é um dos mais
famosos designers gráficos americanos, tendo trabalhando em
inúmeros projetos. Ele é conhecido por sua prolífica produção
de capas de livro, por cartazes e publicações diversas como
New York Magazine, fundada por ele. O resultado, que teve
sua estréia em 1976, foi um logo forte, utilizando uma fonte
angulosa e com as letras “DC” dentro de um círculo cujas bordas
Figura 100 Fontes STARKIINGS, 2001.
Figura 101 Thump MIGNOLA, 2001.
113
azuis possuem quatro estrelas brancas (figura 104). O logo, que
ficou conhecido como the bullet (a bala) por se assemelhar a
base de um projétil, marcou a editora e permaneceu em uso
até 2005, quando foi substituído por uma versão criada por
Josh Beatman do estúdio Brainchild (figura 105). A razão
para a remodelação, além da modernização natural do visual,
foi a necessidade de uma marca que pudesse ser usada em
diversas mídias. Quando Glaiser criou o antigo logo, o único
produto da editora eram revistas em quadrinhos e artigos de
merchandising, que podiam acomodar o logo sem alterações
em suas embalagens. Hoje em dia a editora estampa seu logo
em muitos produtos e em diversas produções, inclusive em
filmes e desenhos animados. Assim, ela julgou precisar de um
logo que servisse a todas as mídias e procurou um estúdio
de design para remodelação. O logo é mais dinâmico que o
anterior, apesar de não ter a mesma força, possui uma fonte
mais curvilínea que a anterior e mais suave. O círculo foi
mantido, mas ele é apresentado na diagonal e sem envolver
o nome, e apenas uma estrela completa o logo. Apesar de ter
contratado um estúdio de design para retrabalhar seu logo,
a DC Comics costuma utilizar seus letristas para cuidar dos
logos internos, sejam de revistas ou de personagens.
Dos recursos exclusivos da linguagem dos quadrinhos, o balão
e a onomatopéia são dois dos mais característicos e únicos
do meio. Além de serem dois elementos gráficos e visuais
da linguagem, eles também são empregados no storytelling,
como veremos mais adiante.
(a esquerda) Figura 102 Choom JOHNS, 2008.
(acima) Figura 103 Letreiro Thor JOHNS, 2008.
(acima e a esquerda) Figura 104 Bullet DUIN, 1998.
(acima e a direita) Figura 105 Novo DINI, 2008.
115
Tempo, enquadramento e composição
Também é opção do quadrinista manipular as soluções visuais
de layout para melhor exprimir o que a história tem a contar,
e entre estas opções, uma das mais importantes e eficientes
é a manipulação do tempo e do ritmo na narrativa. Contar
uma ação visualmente permite que o desenhista trabalhe a
passagem do tempo da forma que achar mais condizente com
a história e com o objetivo que ele queira atingir. Ele pode ser
mais realista ao representar a passagem do tempo, ou pode
manipular essa passagem para valorizar ou explorar melhor a
ação, o que é chamado de timing (figura 106).
A habilidade de expressar tempo é decisiva para o sucesso
de uma narrativa visual. É essa dimensão da compreensão
humana que nos torna capazes de reconhecer e de
compartilhar emocionalmente a surpresa, o humor, o
terror e todos no âmbito da experiência humana. Nesse
teatro da nossa compreensão, o narrador gráfico exercita
sua arte. No cerne do uso seqüencial de imagens com
o intuito de expressar tempo está a comunidade de sua
percepção. Mas, para expressar o timing, que é o uso dos
elementos de tempo para a obtenção de uma mensagem
específica, os quadrinhos tornam-se um elemento
fundamental. Uma história em quadrinhos torna-se “real”
quando o tempo e o timing tornam-se componentes
ativos da criação (EISNER, 2001, p. 26).
As histórias em quadrinhos são um meio único na forma
como lida com o tempo, pois o faz manipulando-o através do
espaço, utilizando a página, os quadros nela distribuídos e as
imagens que compõem estes quadros e a relação entre elas.
Nos quadrinhos como no cinema ou na televisão, o quadro que
o leitor está representa o presente (McCLOUD, 2005, p.104).
Todos os quadros que antecedem este são passado, e aqueles
que estão depois dele são o futuro. Mas nos quadrinhos,
em uma mesma página, o leitor pode ver todos os quadros,
fixando-se no agora, mas captando também o passado e
futuro. O quadrinista pressupõe que a leitura se dará sempre a
caminho do futuro, lendo os quadros um atrás do outro, mas
o leitor pode simplesmente olhar para o lado e verá os quadros
passados, “quebrando” assim a ordem desejada de leitura. Por
isso, as opções de formato de quadros e a disposição deles lado
a lado deve ser cuidadosa para não “perder” o leitor durante a
história, bem como a imagem dentro do quadro.
Quando aprendemos a ler quadrinhos, aprendemos a
perceber o tempo espacialmente, pois nas histórias
em quadrinhos, tempo e espaço são uma única coisa. O
problema é que não há diagrama de conversão. Os poucos
centímetros que nos transportam de segundo para segundo
numa seqüência podem nos levar por centenas de milhões
de anos em outra. Assim sendo, como leitores, nós temos
a vaga sensação de que, movendo-se pelo espaço, nossos
olhos estão se movendo pelo tempo não sabemos
quanto (McCLOUD, 2005, p.100).
O elemento básico em uma página de quadrinhos para a
manipulação do tempo é o quadro. Ele é o instrumento de divisão
do tempo e age como um indicador desta fragmentação de uma
ação ou evento (McCLOUD, 2005, p.99). A forma como o quadrinista
decide representar uma passagem do roteiro visualmente envolve
a opção do que mostrar no quadro e como mostrar. Isso porque
dificilmente ele mostrará uma ação inteira, mas fará uso dos
quadros para fragmentá-la e contá-la ao leitor em menos espaço
do que ela provavelmente tomaria em termos reais. Eisner, figura
107, estabelece um exemplo onde um casal chega separado a
um carro e o toma para seguir caminho juntos (2002, p.39). Para
representar esta cena inteira, o quadrinista poderia mostrar os
dois personagens indo em direção ao carro, se encontrando nele,
entrando, e depois saindo com ele, mas precisaria de pelo menos
quatro quadros, se considerarmos que ele conseguiria mostrar
ambos indo para o carro no mesmo quadro. Se esta for uma
cena principal, ele pode valorizá-la usando muito mais do que
quatro quadros, mas se não for, ele tem que ser capaz de contá-
la com a menor quantidade de quadros possível. Para tanto, ele
deve escolher o que mostrar, ou seja, qual parte dessa seqüência
melhor representaria toda a cena. A opção de Eisner neste caso
específico é pelo momento em que o casal chega no carro. Se
ele decidisse mostrar o antes, caso os personagens não tivessem
sidos apresentados, ou não tivesse sido caracterizada uma relação
entre eles, o leitor não compreenderia que eles estão se dirigindo
para o mesmo carro, ou nem mesmo que eles estão se dirigindo
para um carro. Se ele optasse por enquadrar a terceira imagem,
não ficaria claro que o casal acabou de se encontrar e entrou no
carro, o leitor poderia entender que eles já estavam no carro. Por
isso, a segunda imagem da seqüência, neste caso, é a ideal.
O quadrinista pode também, caso ele tenha espaço para fazê-
lo, apresentar uma seqüência em mais quadros. Neste caso
ele deve optar por quais partes da ação mostrar. É importante
(acima) Figura 106 Timing EISNER, 2002.
(abaixo) Figura 107 O que mostrar EISNER, 2002.
117
considerar o entendimento e a compreensão do leitor e
escolher os quadros que melhor a representem, mas também
é importante pensar quais quadros carregam mais emoção.
No exemplo a seguir, figura 108, Eisner desenhou a ação em
três quadros e, do lado direito, indicou os demais momentos
que compõe a totalidade dessa ação. Nele é possível ver os
quadros-chave, que são aqueles capazes de contar a história,
e os intermediários. Aqui, uma ação que poderia levar até uma
hora, ou mais, é contada em alguns segundos.
Outra estratégia utilizada pelos quadrinistas para manter
a atenção do leitor “presa” na página é variar o ponto
focal de cada quadrinho em uma seqüência, o que é
chamado de eye movement (que pode ser traduzido
como a movimentação do olhar). Existe uma teoria em
quadrinhos que diz que o interesse do leitor em uma
página pode ser medido pela movimentação de seus
olhos ao lê-la (JANSON, 2002, p.90). Obviamente que
não dados científicos ligados a isso, mas meramente
uma intencionalidade do quadrinista de tornar a leitura
mais dinâmica através da variação do ponto de interesse
em cada quadrinho. Assim, se em uma seqüência de três
quadros o ponto focal estiver sempre no meio de cada
quadrinho e a imagem, conseqüentemente, for trabalhada
a partir disso, ela será menos interessante do que se os
pontos tivessem variações. Nela os pontos representam o
foco de cada quadrinho. A primeira linha de quadrinhos é
mais monótona do que a segunda e a terceira.
Essa mudança do ponto focal pode ser controlada guiando
o leitor pela página. É claro que não é uma regra e que,
dependendo da história, o quadrinista pode construir os quadros
como achar melhor, mesmo que isso signifique trabalhar com
pontos focais seguidamente no mesmo local dependendo da
necessidade. Mas esta variação pode ser empregada para tornar
a leitura mais dinâmica e auxiliar a narrativa. No exemplo da
figura 109, Steranko compõe os quadrinhos para conduzir o
olhar do leitor. O segundo quadrinho possui uma orientação
diagonal para baixo, indicada pelo punho cerrado do homem
no segundo plano. Essa orientação leva a base do terceiro
quadrinho, que por sua vez tem uma composição diagonal
para cima, indicada pela mão que leva ao quarto quadrinho
cuja cabeça do personagem forma uma diagonal para baixo. A
mesma sequencia se repete nos quadrinhos 5, 6 e 7.
Essas opções constituem a base da narrativa, pois é a partir
delas que esta é composta. Porém, a simples opção por qual
parte da ação mostrar não constitui o todo, pois existe ainda
a possibilidade do quadrinista manipular essa apresentação
de acordo com a necessidade ditada pela história. Ao
manipular o tempo em uma determinada seqüência, ele
deve auxiliar o leitor a entender e identificar essa passagem
de tempo, a menos que sua intenção seja confundi-lo. No
exemplo à seguir, figura 110, os elementos apresentados
no quadro são familiares a qualquer leitor, pois tratam de
uma conversa. Isso torna mais fácil para ele determinar a
duração desta seqüência. No primeiro e no último quadro
Figura 108 Sequência EISNER, 2002.
Figura 109 Steranko Eye Movement CAPUTO, 2003.
119
existem falas, o que torna fácil a identificação da passagem
do tempo. O quadro do meio, que na ação é o de pausa, não
tem nenhuma indicação aparente, mas por estar entre os
outros dois é facilmente entendido como alguns segundos,
pois ele é o único sem balão e isso torna sua leitura mais
rápida. Caso o quadrinista quisesse manipular esta pausa, ele
poderia reproduzir o quadro de pausa mais vezes, e isso faria
com que o leitor, ao ler mais de uma vez o mesmo quadro,
entenda a repetição do momento. Ou poderia manipular com
a sarjeta, aumentando a distância entre os quadros e fazendo
com a leitura seja mais demorada, indicando ao leitor que a
passagem de um quadro para o outro não é comum. Ou ainda
poderia explorar o formato do quadro tornando-o maior do
que os demais fazendo com que o leitor levasse mais tempo
para lê-lo e entendesse que mais tempo
Além das opções relacionadas a passagem do tempo e do
que mostrar no quadro, o quadrinista deve escolher como
fazê-lo. que dificilmente ele vai mostrar uma ação inteira,
ele deve escolher o que mostrar e como mostrar.
A arte dos quadros
Ilustração ou cartum?
No que concerne as opções dentro do quadro, vou considerar
duas, a arte, ou seja, o desenho, a arte-final e a cor; e a
composição e o enquadramento. O texto, através dos balões e
onomatopéias, será considerado parte da composição.
O desenho nos quadrinhos é uma das bases da narrativa
visual, e é através dele que o roteiro é transformado
visualmente em uma HQ. Mas basta folhear algumas revistas
em quadrinhos para se perceber a diversidade de estilos e
linguagens nos mais diferentes títulos. Nos quadrinhos,
um desenho pode ser classificado, de acordo com Scott
McCloud, dentro de um escala que vai do cartum ao realismo
dependendo do seu nível de abstração (figura 111). Esta
variação tem o desenho realista como ícones que mais se
aproximam da representação da realidade (figura 112),
e no extremo oposto, o cartum, que, em sua abordagem
mais extrema, simplifica ao máximo a imagem, eliminando
detalhes e concentrando nas características gerais (figura
113). O desenho realista opta por mostrar características
específicas de forma trabalhada e habilidosa a ponto de
se confundir com o objeto representado. O cartum escolhe
mostrar características gerais de forma universal, reduzindo
a imagem quase ao seu significado puro.
Chamarei de linguagem todas as opções visuais do autor,
sejam de estilo, soluções gráficas ou formas de representação.
Tzevetan Todorov define que a linguagem é a matéria do poeta
ou da obra (2003, p. 54), podemos traçar uma analogia e dizer
que a linguagem é aqui definida como a matéria do autor.
Portanto, toda solução visual empregada por ele faz parte de
sua linguagem.
Figura 110 Tempo McCLOUD, 2005.
121
Cada artista possui uma abordagem variando dentro desta
escala, mas mais na linguagem do que simplesmente a forma
como o artista representa a realidade. Scott McCloud, ao buscar
uma classificação para o estilo de arte de um quadrinista,
definiu quatro grupos em que, segundo ele, basicamente
todos os artistas podem ser encaixados, e alguns possuem
características de mais de um dos grupos (2006, p.230). Para
definir esses grupos, ele enumera uma coleção de valores para
cada um. O primeiro, que ele chama de classicistas, em alusão
ao movimento de arte, é o grupo dos artistas cuja preocupação
primordial é com a beleza estética de sua arte e com a extrema
habilidade técnica. Estes possuem uma tradição de excelência
e domínio das técnicas do desenho e, muitas vezes, também
da arte-final. Seu objetivo é produzir arte que sempre será
apreciada, atemporal, e sua busca será sempre em direção
a perfeição dos traços precisos e formas bem construídas.
O segundo grupo, é denominado de animistas, que remete a
doutrina filosófica e científica de animar o inanimado, de dar
alma a alguma coisa. Seu foco principal é no conteúdo de
suas criações muito mais no que na forma. Sua habilidade
está a serviço do propósito e eles acreditam que se a força da
história e dos personagens for passada, nada mais importará
(IBID., p.230). O terceiro grupo, chamado de formalistas, é o dos
quadrinistas adeptos da exploração das possibilidades da forma
dos quadrinhos. Seu objetivo é testar possibilidades de todos
os tipos buscando compreender este potencial. Eles se dispõem
a colocar a história e a técnica em segundo plano em prol da
exploração. E o último grupo, os iconoclastas, cujo compromisso
principal é com a representação da realidade crua e da forma
mais verdadeira possível. Esta abordagem remete mais a
temática de suas histórias do que a representação gráfica, mas
eles tendem a ter linguagens que representam bem sua visão de
mundo. McCloud define estes grupos, de forma análoga, como
fogueiras onde os quadrinistas se reúnem em volta, e explicita
o fato de que a maioria dos artistas busca ter um pouco de
cada um dos grupos, mas que em quase todos os casos, é
possível distinguir qual destas fogueiras brilha mais, ou seja, a
qual grupo ele se remete mais, e a qual destas fogueiras ele
raramente ou nunca vai (2006, p.232). E que, por isso, é comum
encontrar características de dois grupos em um só artista. Essa
classificação de McCloud engloba não só a linguagem visual de
um quadrinista, mas também sua capacidade narrativa como
um storyteller. É importante ressaltar que qualquer sistema de
classificação de arte, por si, só pode ser visto como reducionista,
e muitas vezes o é, mas neste caso, não qualquer objetivo
de taxar os quadrinistas, e sim auxiliar a análise que será feita.
Obviamente que os artistas classificados a seguir são mais do
que a soma de suas virtudes, mas para efeito desta análise, me
concentrarei nestes quatro grupos.
Assim, tomarei alguns exemplos para aplicá-la e melhor
entendê-la e depois analisarei Frank Miller, autor do objeto de
análise deste estudo. Alex Toth, conhecido por suas criações
visuais para o estúdio de animação Hanna-Barbera, trabalhou
Figura 111 Escala McCLOUD, 2005.
(abaixo) Figura 112 Realismo DINI, 2005.
(a esquerda) Figura 113 Cartum WATTERSON, 2006.
123
muito tempo nos quadrinhos em diversos títulos. Entre seus
trabalhos mais famosos estão sua passagem pela DC Comics
desenhando personagens como The Flash e Green Lantern
(Lanterna Verde), e sua adaptação de Zorro (figura 114) para
os quadrinhos. Alex Toth possui um traço cartunizado, e sua
preocupação primordial sempre foi com a história em primeiro
lugar. Mas ele era um desenhista habilidoso que jamais
descuidou da forma. Ele seria um animista com preocupações
de um classicista, contanto que estas preocupações não
interferissem na história.
Will Eisner, de quem muito foi dito, é um dos principais
nomes da história dos quadrinhos. Sua tira e depois revista
The Spirit, publicada na década de 1940, foi laboratório
de muitas criações que até hoje são utilizadas pelos
quadrinistas. E criou as graphic novels como elas são
conhecidas, como Invisible People (figura 115). Para ele,
assim como Toth, a história está em primeiro lugar, mas
sua técnica e preocupação com o visual são inegáveis. Ele
também é um animista com traços de um classicista. Mas
sua preocupação com a forma, como é bem evidenciada
por suas publicações sobre o tema, denota algumas
características de um formalista, mas em menor escala,
principalmente porque suas explorações se concentram na
narrativa mais do que na forma em si.
Jack Kirby, por outro lado, é completamente animista. Com uma
produção nos quadrinhos inteiramente dedicada aos super-
heróis, Kirby foi um pioneiro nas soluções narrativas durante a
década de 1960 e 1970. Sua arte e técnica existem em função
da história, e todas as soluções narrativas que ele desenvolveu,
assim como as de Eisner, foram sempre em prol das histórias.
Sua linguagem visual é bastante gráfica, pouco rebuscada e
completamente objetiva. Suas tentativas e sucesso em tentar
representar graficamente conceitos abstratos como poder e
energia (figura 116) são recursos utilizados por quadrinistas
até hoje (SCHUMER, 2003, p.72).
Já Robert Crumb, ícone do movimento underground dos
quadrinhos da década de 1960, é um iconoclasta. Sua
preocupação é com a representação crua da realidade
caracterizada por sua visão satírica da sociedade americana.
(a extrema direita) Figura 115 Eisner Invisible EISNER, 2002.
(a direita) Figura 114 Toth DUIN, 1998.
125
O traço de Crumb (figura 117) é um símbolo da arte
underground, finalizadas com canetas nanquim baratas, com
muitas hachuras e sombras pesadas. Sua representação das
figuras é caricatural e crítica.
Jim Steranko foi um dos símbolos da ressurreição dos
quadrinhos durante a Era de Prata desenhando Nick Fury,
Agent of S.H.I.E.L.D.. Desenhista oriundo da ilustração
publicitária, Steranko trouxe para os quadrinhos uma técnica
apurada e soluções oriundas da arte, de movimentos como,
por exemplo, o surrealismo, a op art e a pop art. Com sólidas
noções de design gráfico, ele explorou o layout da página de
forma inovadora. Ele fundiu os conhecimentos de um designer
gráfico com uma abordagem de ilustração no meio do
storytelling seqüencial (IBID, p.137). Steranko é um classicista,
possui traços dos formalistas no que concerne as soluções de
organização de página e layout, mas sua característica mais
marcante é a preocupação técnica (figura 118).
Neal Adams, como Steranko, foi instrumental na recuperação
do meio pós-código de censura. Recém-chegado do mercado
publicitário, Adams desenhou personagens importantes na
DC Comics como Batman (figura 119) e depois Green Arrow
& Green Lantern. Sua linguagem de anatomia dinâmica e
impressionantemente real foi um marco nos quadrinhos.
Seu traço realista trouxe uma gama de emoções humanas
diferentes dos padrões do meio até então. Adams é a definição
do classicista com traços de animista.
Bill Sienkiewicz, quadrinista que ficou famoso na década de
1980 pelos trabalhos com os personagens Batman, Moon
Knight, Daredevil (figura 120) e Elektra, segue a linha de
Steranko. Ilustrador e pintor, Sienkiewicz experimentou
diversas técnicas nas páginas que desenhou.
Art Spiegelman, que surgiu como um quadrinista underground
na década de 1960 e depois se consagrou com o citado Maus
na década de 1980, é um dos patronos dos formalistas (IBID.,
p.233). Suas experimentações com a forma em suas publicações
underground, como a revista RAW (figura 121), trouxeram
diversas inovações para o meio. Porém, sua preocupação com
a cuidadosa representação da realidade, seja da sociedade
americana em seus quadrinhos underground e os publicados
depois de Maus, ou dos judeus e alemães durante a Segunda
Guerra, o classificam também como um iconoclasta.
A arte de Dave McKean, citado ilustrador, fotógrafo, escultor
e designer, combina experimentações dos formalistas com a
busca pela excelência visual dos classicistas (figura 122).
(a esquerda) Figura 116 Kirby Power SCHUMER, 2003.
(a direita) Figura 117 Crumb ROSEKRANZ, 2008.
(abaixo) Figura 118 Steranko Cap SCHUMER, 2003.
(acima) Figura 121 Spiegelman DUIN, 1998.
127
(a direita) Figura 119 Adams O’NEIL, 2004.
(acima) Figura 120 Sienkiewicz MILLER, 1986.
129
Mike Mignola, criador de Hellboy (figura 123), construiu
sua arte sempre preocupado em submetê-la a história, o
que o caracterizaria como um animista. Porém, seu estilo
gráfico de sombras pesadas e largas áreas chapadas, e suas
experimentações com layouts e soluções visuais demonstram
traços dos formalistas.
Alex Ross inaugurou uma nova categoria de artistas nos
quadrinhos, o pintor de quadrinhos. Com uma arte foto-
realista, Ross surgiu na década de 1990 com a série
Marvels abordando o início do universo Marvel, mas foi
na DC Comics trabalhando com os principais personagens
da editora que ele se consagrou (figura 124). Apesar de ser
também escritor, o foco de Ross como artista é na qualidade
visual da arte, cada quadro de uma página é como uma
pintura, o que faz dele um classicista.
Chris Ware, que surgiu nos quadrinhos no fim da década
de 1980, mas se destacou pela criação de The Acme Comics
Library, publicada pela Fantagraphics Books em 1993 e já está
na sua décima oitava edição, e pela inovadora graphic novel
Jimmy Corrigan, the Smartest Kid on Earth (figura 125), Ware
é um dos principais formalistas nos quadrinhos atuais. Sua
revista, The Acme Comics Library, é dedicada exclusivamente a
experimentação da forma dos quadrinhos. Suas edições variam
de formato e tamanho e contém histórias de diferentes estilos
e linguagens. Mesmo sua graphic novel explora bastante
a forma, com grandes seqüências sem texto e páginas cujo
objetivo é a composição gráfica. Sua arte geométrica e precisa
é eclética e reflete seu interesse na arte americana e no design
gráfico do século XX. Ware possui traços dos iconoclastas, pois
suas histórias exploram a vida real.
Frank Miller, autor do objeto de estudo desta dissertação,
e cuja história é contada com mais detalhes no capítulo
dois, é um animista. Sua grande preocupação é a história e
a forma de contá-la. Quando ele entrou nos quadrinhos, sua
arte ainda estava em desenvolvimento, ainda era bastante
classicista, pois remetia muito aqueles que o inspiraram.
Porém, ele gradativamente foi migrando para uma linguagem
mais gráfica e objetiva, concentrando-se primordialmente na
história e na narrativa. Ronin (figura 126) foi um momento
de experimentação técnica combinando influências da arte
oriental e européia. Em Batman The Dark Knight Returns
(figura 127), ele iniciou sua caminhada rumo a uma maior
estilização, passando a construir corpos mais angulares e
usando sombras mais pesadas em suas composições. Esta
linguagem se solidificaria e se estabeleceria em Sin City (figura
(a direita) Figura 122 McKean MORRISON, 1987.
(a extrema direita) Figura 123 Mignola MIGNOLA, 1998.
131
133
(acima) Figura 125 Ware MELNICK, 2005.
(a direita) Figura 126 Miller Ronin MILLER, 1987.
(página anterior) Figura 124 Ross DANIELS, 2001.
(a extrema direita) Figura 127 Miller DKR MILLER, 1986.
135
Figura 128 Miller Sin City MILLER, 1996.
137
128), onde a arte em preto e branco e de contraste exagerado
tornou-se sua marca e caracterizando um estilo único para
ele. Sua exploração classicista foi escrava de sua preocupação
animista e cada vez mais ele busca referências cartunescas
para compor sua linguagem.
Com a passagem dos anos, eu me vejo mais e mais apaixonado
por coisas que se assemelham a cartunização exagerada. Eu
quero que o suor das pessoas voe de suas cabeças quando
elas estiverem nervosas. Isso é algo que os quadrinhos
podem fazer (MILLER in BROWNSTEIN, 2005, p.39).
Todas essas etapas, a criação das páginas à lápis, a arte-
finalização à nanquim e a colorização digital, na maioria das
vezes, são ditadas pela linguagem do artista, sendo ele uma
pessoa responsável por todas as etapas, ou mais de uma, onde
geralmente impera o estilo do desenhista, a menos que alguém
mais conceituado ocupe alguma das duas outras posições.
cor
A cor também é um elemento importante do storytelling que, se
usado de forma consciente, pode ajudar o leitor a ler a história.
A cor como elemento narrativo e não simplesmente como
complemento da arte é um poderoso aliado do quadrinista ao
contar uma história. Ela pode ser usada para colorir as coisas
como elas são e, dessa forma, apenas traduzir as informações
básicas do que está sendo mostrado em uma página, ou pode
ser usada para comunicar melhor a história. Nesta última
opção, o quadrinista passa a considerar o roteiro em cenas e
não mais em páginas, isso porque a colorização assume um
caráter informacional. No exemplo abaixo, figura 129, a cor
auxilia o leitor a entender onde a cena se passa. Quando a ação
ocorre dentro da sala, a colorização é esverdeada. Quando
acontece fora, ela é azulada.
Além de estabelecer um guia de cores através das páginas,
a cor pode também ajudar a dar foco a um quadrinho
destacando planos e personagens. E por fim, a cor
complementa o desenho e por isso, deve dialogar com a
linguagem do artista. Qualquer sombra deve ser linear,
gráfica e não muito rebuscada (CHIARELLO, 2004, p.31).
Enquanto páginas desenhadas por artistas detalhistas, com
muitas hachuras e adeptos de linhas intensas requerem uma
colorização altamente renderizada e detalhista, explorando
assim todas as suas características. Obviamente que nem
todos os quadrinhos são coloridos, muitos são em preto e
branco, seja por opção criativa ou debilidade financeira. A
forma como ambos são trabalhados difere muito em termos
de processo, pois no quadrinho preto e branco, geralmente, a
arte final é o último passo que a imagem sofre e também em
termos de resultado final para o leitor.
A diferença entre quadrinhos em preto e branco e em cores
é profunda, afetando cada nível da experiência de leitura. Em
preto e branco, as idéias por trás são comunicadas de maneira
mais direta. O significado transcende a forma. Em cores planas,
as formas assumem mais significância. O mundo torna-se
Figura 129 Narrativa por Cor MILLAR, 2002.
139
um playground de forma e espaço. E, através de cores mais
expressivas, os quadrinhos podem transmitir sensações que
só a cor é capaz de proporcionar (McCLOUD, 2005, p.192).
O storytelling depende de todos esses elementos, e como
muitos sistemas de comunicação, ele é mais do que a soma
de suas partes, pois depende principalmente, da forma como
eles são usados e combinados. O processo de produção de
uma história em quadrinhos nada mais é do que a montagem
de uma história contada visual e textualmente. O sucesso das
soluções usadas pelo quadrinista dependem do planejamento
realizado por ele. Muito do storytelling é resolvido na parte
inicial, no planejamento das páginas. Grande parte dos
quadrinistas começa a elaborar uma página visualmente
através de sketches pequenos das próprias páginas chamados
de thumbnail. Nestes sketches de planejamento ele estabelece
a quantidade de quadros em cada página, a disposição dos
elementos em cada quadro e o posicionamento dos balões e
onomatopéias. A principal razão para a universalidade desta
prática é a facilidade que os thumbnails oferecem para que
o quadrinista visualize a página como um todo, e a relação
desta com as demais, podendo até ter um entendimento de
todo o gibi. É muito mais fácil ter esse controle com versões
reduzidas das páginas do que com elas em tamanho natural,
além de ser mais rápido e prático de se trabalhar layouts de
alguns centímetros ao invés de páginas inteiras. Se um dos
objetivos do storytelling é conduzir o olhar do leitor através
do layout da página e da organização de seus elementos, ter
uma visão geral da mesma é sempre benéfico. Em muitos
casos, se o artista e o roteirista são a mesma pessoa, o
quadrinista opta por escrever e trabalhar o layout ao mesmo
tempo, desconsiderando o roteiro tradicional. O objetivo
do thumbnail não é engessar o processo, mas sim ajudar a
guiá-lo. É comum mudanças acontecerem na passagem de
uma página em thumbnail para seu tamanho final, mesmo
porque existe uma diferença entre um sketch e um desenho
finalizado, assim como existe entre o projeto e o produto
final, mas esta diferença, se o processo for respeitado, pode
ser uma evolução da idéia inicial. No exemplo (figura 130), as
duas primeira imagens da esquerda mostram os thumbnails
de Juanjo Guarnido para uma página de Blacksad. No
primeiro, o traço é solto e livre, mais preocupado em planejar
os espaços do que definir as imagens dos quadrinhos. A
imagem seguinte mostra um segundo thumbnail mais
definido e com os quadrinhos mais resolvidos. O quadrinista
alterou o ângulo do quadrinho maior e direção da cabeça do
personagem no quarto quadrinho. A página finalizada a lápis
aparece na figura 131, e a versão final da mesma na 132.
141
(acima) Figura 130 Thumbnail CANALES, 2005. (acima) Figura 131 Lápis Final CANALES, 2005.
(a direita) Figura 132 Página Final CANALES, 2000.
143
Trabalhar a partir do thumbnail permite que o quadrinista
decida como organizar as páginas em termos da quantidade
de quadrinhos por página, pois ao ter uma visão geral da
HQ ele pode balancear esse uso. Um recurso à disposição é
a página splash, que pode ser dupla ou individual. A página
splash consiste em uma página inteira sem quadrinhos com
apenas uma grande imagem, mais ou menos como um pôster
(figura 133). Ela pode contar com balões e onomatopéias, mas
geralmente não com quadrinhos. Existem casos de páginas
splash com um ou dois quadrinhos inseridos, mas essa solução
diminui o impacto, que é o propósito principal desse artifício.
Existem dois tipos de página splash, a no começo do gibi e a
no interior dele. A página de abertura de uma HQ geralmente
é um splash, que ainda pode conter o título da história e os
créditos (JANSON, 2002, p.77). Nos primórdios dos quadrinhos,
ela sempre era usada na primeira página para capturar a
atenção do leitor, o que não mudou, mas não é incomum que
o quadrinista postergue a aparição da página splash até no
máximo a quarta página da HQ para assim valorizá-la. Quando
ela é usada no interior do gibi, sua função e composição é
outra. Ela não possui o título da história nem os créditos e
não funciona como uma porta de entrada na história, mas
sim para ilustrar uma parte dramática da história que pode
beneficiar-se de uma página inteira (IBID).
Existem também as páginas duplas que podem conter um
splash duplo ou quadrinhos contínuos. No primeiro caso,
funciona como uma splash normal, porém o resultado é muito
mais dramático pela amplitude do espaço (figura 134).
No segundo caso (figura 135), o quadrinista pode compor
a organização dos quadros considerando duas páginas ao
invés de uma. Isso oferece uma gama de novas possibilidades,
mas pode também desnortear o leitor. O layout pode ser
pensado de forma contínua com os quadrinhos seguindo
de uma página para outra na horizontal, ou podem seguir
sua estrutura de leitura normal, mas ambas as páginas
devem funcionar juntas. O perigo aqui é usar esse elemento
inadvertidamente, especialmente se as páginas seguintes
voltarem ao layout de uma página só, pois o leitor pode
tentar ler novamente as páginas como se fossem duplas, o
que certamente não funcionará.
Figura 133 Splash STARCZIINSKY, 2007.
145
(acima) Figura 134 Splash Duplo McFARLAINE, 1996.
(abaixo) Figura 135 Splash Duplo 2 JOHNS, 2008.
147
Para melhor exemplificar todas estas soluções citadas,
olhemos uma seqüência do gibi Action Comics Annual #11
escrito por Geof Johns, roteirista de quadrinhos, Richard
Donner, o cineasta diretor de filmes como Superman I e II,
Goonies e Lethal Weapon (Máquina Mortífera), e desenhado
por Adam Kubert. Na primeira página (figura 136) do gibi, o
layout é bem cinematográfico em termos de organização de
página, com quadros longos horizontalmente. As imagens
mostram closes de jornais e já apresentam os créditos de
forma gradual distribuindo-os pelos quadrinhos. Ao virar a
página o leitor se depara com um splash duplo apresentando
a cidade, funcionando como um grande estabilishing shot que
ainda contém o restante dos créditos e o titulo da história
(figura 137). Continuando com splashs duplos visando não
desnortear o leitor e fazer uso da dramaticidade que este
recurso oferece, Kubert organiza os quadros nas páginas 4 e
5 do gibi (figura 138). O layout é livre (free form) e faz uso de
formas irregulares nos quadrinhos. Nas páginas seguintes o
quadrinista mantém o uso de páginas splash duplas, porém
variando o layout das mesmas e a forma dos quadrinhos bem
como as transições. Nas páginas 6 e 7 as transições são bem
mais pontuais, passando-se muito pouco tempo de um quadro
ao outro (figura 139). Kubert mantem esse uso dos splash
duplos com quadrinhos por toda a HQ, como nas páginas 20 e
21 (figura 140), mas ocasionalmente retorna ao splash duplo
sem quadros, como na página 27 (figura 141).
Figura 136 Kubert Pg. 1 JOHNS, 2008.
Figura 137 Kubert Pgs. 2 e 3 JOHNS, 2008.
149
(a esquerda e acima) Figura 138 Kubert Pgs. 4 e 5 JOHNS, 2008.
(a esquerda e abaixo) Figura 139 Kubert Pgs. 6 e 7 JOHNS, 2008.
(abaixo) Figura 140 Kubert Pgs. 21 e 22 JOHNS, 2008.
(próxima página) Figura 141 Kubert Pgs. 27 e 28 JOHNS, 2008.
151
153
As páginas splash permitem diversas soluções criativas, e
geralmente são usadas pelos quadrinistas para trabalhar as
partes mais dramáticas da história de forma grandiosa. No
exemplo da figura 142, extraído da mini série Hush publicada
na HQ Batman do número 608 ao 619, vemos a utilização da
página splash no começo do gibi com os créditos dos criadores
e da história. O letrista, Richard Starkings, estabeleceu um grid
para as informações textuais que se repete em todas as edições
da série. Trabalhando juntamente com o quadrinista, Jim Lee,
ele cria um padrão de identidade para a série facilitando o
entendimento do leitor, funcionando analogamente como
uma apresentação do episódio de uma série de televisão.
Frank Miller também faz uso de soluções originais no emprego
das páginas splash duplas em sua mini série em 6 partes Sin City
Figura 142 Hush LOEB, 2006.
155
That Yellow Bastard (1996). O início de toda edição possui uma
splash dupla composta da segunda capa e da primeira página
do gibi. Sempre uma imagem continua que introduz a história
dando inicio a narrativa. A figura 143 mostra o splash do número
1 do gibi, enquanto a figura 144 a do número 2. Em ambas o
titulo da história é apresentado de acordo com a composição
da imagem, que estabelece a história através do conteúdo
das imagens, estabilishing shot, e da presença dos balões de
texto. As figuras 145 e 146 mostram as splashs da terceira e
da quarta edição, seguindo o mesmo padrão de imagem, texto
e o titulo da história, que é sempre apresentado com a mesma
fonte dando continuidade a identidade. O quadrinista se utiliza
desse recurso narrativo para reforçar um acontecimento da
história. No final da quinta edição o protagonista é subjugado
pelo vilão. Este o prende a uma corda amarrada no ventilador
e o deixa para morrer enforcado. No começo da sexta e última
parte da história, figura 147, Miller abre o gibi com uma cena
do protagonista enforcado, ao virar a página o leitor se depara
com a mesma imagem, figura 148, porém o personagem esta
morto, e para reforçar isso, Miller insere os créditos da edição.
Durante toda a série estes créditos sempre aprecem no fim
da HQ, ao colocá-los na quarta página ele brinca com o leitor
sugerindo que o protagonista esta verdadeiramente morto. O
que é reforçado pelo fato do mesmo ser um personagem mais
velho, que quase havia morrido do coração duas vezes durante
a história. Ao virar a página o leitor que mais uma vez ele
volta a vida (figura 149). Uma solução técnica utilizada para
reforçar um momento dramático da história.
(acima) Figura 143 Yellow 1 MILLER, 1996. (abaixo) Figura 145 Yellow 3 MILLER, 1996.
(acima) Figura 144 Yellow 2 MILLER, 1996. (abaixo) Figura 146 Yellow 4 MILLER, 1996.
157
(acima) Figura 147 Yellow 5 MILLER, 1996.
(acima) Figura 149 Yellow 7 MILLER, 1996.
(a direita) Figura 148 Yellow 6 MILLER, 1996.
159
As soluções citadas e exemplificadas acima, e as demais
existentes na linguagem de quadrinhos para contar uma
história funcionam se forem usadas pensando na história
e na força de seu resultado. Qualquer dos recursos do
storytelling, se usado em demasia, perde sua intensidade.
A soluções de layout, técnicas e artísticas atingem seu
efeito desejado se forem equilibradas. Usar páginas splash
em toda página fará com que o recurso perca a sua força,
o que não significa dizer que não pode ser feito. Stan Lee
e Jack Kirby publicaram uma história do Surfista Prateado
na década de 1960 composta apenas por páginas splash.
A solução foi criada para ilustrar de forma visualmente
emblemática a melancolia do personagem no vasto espaço
sideral. Eles sabiam o que estavam fazendo e o fizeram
de forma experimental. Muito poucas coisas não podem
ser feitas, tudo depende da intenção do quadrinista e da
necessidade da história.
quadrinhos se encaixam nesta estrutura, apesar de diferir na
forma, assemelhando-se mais a estrutura de séries televisivas.
Isso porque o roteiro de um filme é criado para uma narrativa
completa a ser contada no período de duração do filme. O de
uma história em quadrinhos também o é para a duração de
uma revista, mas é muito comum que a história se estenda
por diversas edições, neste caso, cada revista deve funcionar
como um episódio da história maior, semelhante a uma serie
de televisão. Cada um desses episódios geralmente obedece a
estrutura de três atos, mas avança um pouco mais na trama
principal. No roteiro de cinema, cada página corresponde
mais ou menos a um minuto de filme enquanto o roteiro de
quadrinhos é dividido em páginas. Cada página de roteiro
corresponde a uma página de quadrinhos, dependendo do
tipo de roteiro (como visto anteriormente). Alguns roteiristas
são mais detalhistas ou algumas páginas demandam mais
descrição e podem ocupar mais páginas do roteiro. Apesar de
bastante próximos, os dois meios são formas bem distintas,
como veremos a seguir.
Os quadros em um filme são temporalmente contínuos. Tudo
que o público tem que fazer é se recostar na cadeira e prestar
atenção a ação se desenrolando na tela, seguindo os personagens
conforme ele cruzam um quarto, cometem um assassinato, ou
apenas olham pela janela. Quadrinhos, por outro lado, não são
contínuos da mesma forma, e não existe verdadeiramente uma
movimentação. Por exemplo, os leitores vão “ligar os pontos”
entre os quadros no seu próprio ritmo. Alguns podem ler uma
cena de combate em slow motion, outros podem lê-la em um
piscar de olhos (CAPUTO, 2003, p.38).
Narrativa Cinematográfica
A narrativa nas histórias em quadrinhos guarda muito mais
semelhanças com a narrativa do cinema do que com a literária.
A estrutura de roteiro dos filmes clássicos hollywoodianos
de três atos é seguida nos roteiros de quadrinhos. Esta,
organiza uma história em três partes: começo, meio e fim,
ou a apresentação dos personagens e locais (the setup), a
confrontação e a resolução. Grande parte dos roteiros de
Os quadrinhos como uma forma de arte narrativa cujo principal
objetivo é contar uma história, mostra-se ilimitada em suas
possibilidades, pois conta com três formas para fazê-lo: texto,
imagem e a justaposição de ambos. Ao contrário de um filme,
por exemplo, quadrinhos não tem orçamento de produção, não
sofre cortes em função de verba e sua única limitação reside na
criatividade do autor. Quadrinhos, assim como cinema, é uma
forma narrativa que pode ser palco de qualquer temática ou
gênero. Além disso, a narrativa nos quadrinhos guarda muitas
semelhanças com a narrativa cinematográfica, e não na
forma como os seus roteiros são construídos, mas também
em termos de montagem e até historicamente. Will Eisner, o
primeiro a publicar um estudo da forma dos quadrinhos como
uma linguagem única, relata ter baseado-se na linguagem de
cinema para nortear a sua busca por uma específica para os
quadrinhos (EISNER in BROWNSTEIN, 2005, p.88). Ele baseou-
se em diversos conceitos do cinema clássico para criar suas
histórias, que acabaram por gerar seus estudos da forma das
HQs. Mas, apesar de Eisner ter estudado cinema clássico e ser
fã declarado da forma, ele definiu a linguagem de quadrinhos
como uma forma narrativa única, e não um subproduto do
cinema como se chegou a acreditar. Apesar de possuírem
semelhanças, suas formas narrativas são diferentes.
Ele (Eisner) foi um pioneiro ao definir quadrinhos como
quadrinhos, e não simplesmente como um filme de quinta
categoria. (...) Quadrinhos e filmes possuem gêneses semelhantes
e objetivos narrativos parecidos, mas são duas formas de contar
histórias diferentes (MILLER in SALISBURY, 2000, pg. 162 e 164).
Uma das grandes diferenças entre filmes e quadrinhos é que
as histórias em quadrinhos não precisam necessariamente ter
um processo colaborativo. Nos chamados quadrinhos de autor,
a produção toda é feita por uma única pessoa. Da concepção
ao roteiro, dos desenhos à finalização, tudo é feito por um
quadrinista, como Sin City de Frank Miller, Strangers in Paradise
de Terry Moore, Hellboy de Mike Mignola ou qualquer trabalho
de Eisner. Os quadrinhos oferecem um tipo de liberdade
criativa em todas as etapas que o cinema raramente consegue
igualar. Talvez apenas o cinema documentário em seus mais
extremos exemplos pode ser comparado. Os quadrinhos
mensais das grandes editoras se assemelham ao processo
produtivo colaborativo dos grandes estúdios de cinema, mas
os quadrinhos de autor oferecem uma forma do storyteller
visual trabalhar livre de exigências de software, hardware e
de orçamento (CAPUTO, 2003, p.55). Isso porque, ao contrario
de um filme que precisa pagar por tudo que é vai aparecer
na tela, dos atores aos efeitos, nos quadrinhos o limite é a
habilidade do desenhista.
Eisner, além de ter estruturado suas próprias narrativas a
partir dos princípios de storytelling do cinema clássico quando
escreveu “Quadrinhos e Arte Seqüencial”, o primeiro livro a
oferecer uma análise do modo de produção, da estrutura
visual e narrativa dos quadrinhos, estabeleceu estes mesmos
princípios como válidos para uma produção de HQs. Ele
definiu que o princípio básico ao se contar uma história em
quadrinhos era ter uma narrativa clara e objetiva (EISNER,
161
2002, p.11), princípio encontrado também na base do cinema
clássico norte-americano, que visa uma narrativa com
unidade e clareza (THOMPSON, 2001, pg. 12). Narrativa esta
que pode ser considerada uma cadeia de eventos de causa e
efeito ocorrendo em tempo e espaço (BORDWELL, THOMPSON,
2003, p. 69). O cinema clássico hollywoodiano, segundo David
Bordwell, estende-se, de forma geral de 1917 até 1960, e
consiste em uma forma de fazer filmes que se utilizam de um
mesmo estilo, tanto visual quanto sonoro, e buscam sempre
contar uma história de forma continuada cuja narrativa visual
é “invisível”, ou seja, sem que a presença da câmera seja notada
pelo expectador (1985, p.3). Além desse estilo homogêneo e
distinto em seus filmes que manteve-se constante durante
décadas, gêneros, estúdios e funcionários (IBID, p.3), o
cinema clássico hollywoodiano também caracterizou-se por
padronizar o modo de produção dos filmes. Esse conjunto de
normas que perfaz o estilo clássico de cinema hollywoodiano
é seguido até hoje, apesar das inovações e novas soluções
narrativas e produtivas, e também depois do fim do período
ao qual ele pertence (THOMPSON, 2001, p.44). Isso acontece
devido a solidez e eficiência do estilo clássico, o que não
significa dizer que o cinema não mudou desde então, mas
sim que, mesmo depois de todas as mudanças tecnológicas
e na narrativa, diversas normas estabelecidas pelo sistema
clássico ainda são seguidas nos filmes hollywoodianos, o que
se assemelha bastante a linguagem dos quadrinhos. Quando
Eisner reconheceu uma linguagem coesa para a forma dos
quadrinhos e descreveu suas regras iniciais, ele definiu que
seu objetivo maior era contar uma história de forma clara e
objetiva para o leitor, o que, obviamente, não implica em uma
história simples (THOMPSON, 2001, pg. 10), como pode ser
observado em The Spirit ou mesmo em suas graphic novels,
como a já citada Um Contrato com Deus, e Outras Histórias de
Cortiço. Em The Spirit, Eisner diversas vezes contava histórias
cuja estrutura encaixava-se no modelo clássico, mas as
trabalhava de forma visualmente inovadora. E fez isso mais
vezes em suas graphic novels, que permitiam histórias mais
complexas e visuais ainda mais ousadas. Mas, apesar de toda a
ousadia que ele mostrava nestas HQs, as histórias mantinham-
se claras e objetivas.
O princípio mais básico do cinema clássico hollywoodiano
é o de que uma narrativa deve consistir em uma cadeia de
causas e efeitos que sejam fáceis para o espectador seguir
(THOMPSON, 2001, pg. 10).
O objetivo deste sistema de normas nos quadrinhos é contar a
história, e se ele é aplicado de forma eficiente, o leitor passará
pelos balões, pelas onomatopéias, pelos quadrinhos e pelas
imagens e entenderá e guardará simplesmente a história, e
não a forma. Este era o preceito defendido por Eisner que é
valido para a grande maioria das HQs até hoje, como pode
ser observado também no cinema, onde as narrativas atuais
hollywoodianas ainda guardam muitas das características
da forma clássica. Mesmo o pós-cinema clássico e todos os
sistemas que o seguiram ainda guardam características do
cinema clássico hollywoodiano, e se tomarmos os filmes
produzidos em Hollywood, isto fica ainda mais evidente.
Por mais não lineares que sejam algumas das histórias
em quadrinhos modernas, diversos preceitos clássicos da
linguagem ainda são usados, mesmo em obras marcantes
que trouxeram muitas mudanças, atenção para o meio e o
fizeram sem se distanciar tanto das normas estabelecidas na
década de 1970. Obviamente que existem diversas histórias
que trabalham com estruturas diferentes, mas o mais comum
das produções tidas como inovadoras é ocorrer uma mescla
de soluções novas com soluções clássicas, como veremos no
capítulo da análise.
É sempre complicado estabelecer datas de início e fim para
movimentos e sistemas de normas, mas se a estrutura clássica
do cinema hollywoodiano caracterizou-se e estabeleceu-
se no período de 1917 a 1960, a dos quadrinhos pode ser
entendida do final da década de 1930 até o final da década de
1970. O início do cinema clássico hollywoodiano aconteceu,
segundo Kristin Thompson, com o fim do cinema mudo e o
estabelecimento de Hollywood como o maior produtor de
cinema no mundo, e seu fim ocorreu no pós Segunda Guerra
Mundial com a quebra no sistema tradicional de estúdios
que caracterizara a época. Nos quadrinhos, o início pode ser
atribuído ao surgimento dos super-heróis e o estabelecimento
da produção de material específico para o formato de
revistas em quadrinhos, cujo representante principal pode ser
entendido como a HQ Action Comics #1, de 1938, que marca
o nascimento oficial de Superman. Esta estrutura clássica
começou a sofrer mudanças mais significativas no final da
década de 1970 e início da década de 1980, com a entrada de
artistas oriundos de diferentes áreas que passaram a trazer o
experimentalismo para o mainstream dos quadrinhos norte-
americanos e realizar pequenas mudanças no modo de contar
uma história visualmente, e também pela mudança no tom das
histórias contadas. É possível argumentar que esta estrutura
clássica tenha se mantido apenas durante a Era de Ouro dos
quadrinhos que terminou no fim da década de 1940, mas seria
leviano deixar de fora as contribuições à linguagem clássica
dos quadrinhos feitas pelos pioneiros da Era de Prata como Gil
Kane e Carmine Infantino.
Tanto os quadrinhos como o cinema, como qualquer mídia
narrativa visual que produza entretenimento, se preocupa
e busca a imersão de sua audiência no produto, seja ele um
filme, uma história em quadrinhos, uma animação ou um jogo.
Para que uma história entretenha seu espectador, segundo
Tony C. Caputo, ela precisa ter clareza, dinamismo, realismo
e continuidade (2003, p.66). Clareza, como visto, é o principio
básico tanto do cinema quanto dos quadrinhos clássicos. Essa
clareza não implica em soluções simplistas, mas sim em ter a
história como primeiro plano da narrativa, e soluções técnicas
em segundo. A imersão no cinema é mais profunda do que nos
quadrinhos, o filme conta com uma estrutura propícia para
tanto, a sala de cinema, e possui mais recursos que permitem
essa imersão como o som, por exemplo. Nos quadrinhos, a
imersão depende da qualidade da narrativa e da história, mas
163
depende muito também do leitor. Como foi discutido, se
ele quiser saber o que acontecerá depois, basta dirigir o olhar
para a página ao lado. O dinamismo pode ser obtido em ambas
as mídias, mas através de recursos diferentes. As soluções de
montagem são semelhantes, mas as de movimento diferem.
Enquanto o cinema mostra o movimento, o quadrinhos
emula. O cinema possui um dinamismo narrativo dentro de
um mesmo espaço, a tela, enquanto os quadrinhos possuem
o dinamismo da página que se beneficia de todas as soluções
gráficas citadas. O realismo é bastante variado em ambas
as mídias, mas o cinema é uma mídia realista simplesmente
por mostrar imagens fotograficamente reais, ou seja, filmadas.
As cenas de um determinado filme podem ser irreais e
impossíveis de acontecer, mas elas parecem verdadeiras, pois
o meio as faz possíveis (IBID., p.72). Os quadrinhos interpretam
essa realidade através dos traços do desenhista. Porém, a
construção do ambiente nos quadrinhos pode suprir essa
necessidade através de cenários realistas e bem construídos.
Se esforçar para colocar todos os detalhes de um cenário
pode fazer a diferença entre desenhar uma página em seis
horas ou em vinte, mas para os leitores, pode ser a diferença
entre saber onde a história está se passando e estar lá
(McCLOUD, 2006, p.159).
A imersão no cinema depende de diversos fatores, entre
eles, a cinematografia notável, a beleza cênica, as grandes
atuações ou as estrelas carismáticas, os efeitos especiais
de última geração, a construção do suspense ou medo, e
etc. (CAPUTO, 2003, p.81). Nos quadrinhos, essa imersão
depende da qualidade das imagens oferecidas ao leitor, do
storytelling, das soluções gráficas adotadas e da qualidade
da história a ser contada. Em ambos os casos, a imersão
depende de soluções técnicas e narrativas misturadas a
uma solução estética acertada de acordo com a proposta no
resultado final. A representação e a busca por esses quatro
itens existem em todas as mídias visuais, mas ela pode
variar de intensidade dependendo de quão interpretativa
for a obra produzida.
Realismo, clareza, continuidade, dinamismo o objetivo
máximo de qualquer storyteller visual é usar essas ferramentas
para criar um mundo onde a imersão é completa, um em que
o leitor, espectador, ou jogador “caia” e, uma vez lá, não queira
sair. Qualquer coisa que não funcione no contexto da história
sendo contada, do estilo e da produção do meio sendo usado
para contá-la, pode interferir na imersão (IBID., p.80).
Muitas técnicas são semelhantes entre quadrinhos e cinema,
algumas são muito parecidos, outras bem diferentes em suas
aplicabilidades e muitas possuem a mesma denominação.
Duas técnicas podem ser usadas para comparar como o cinema
e os quadrinhos abordam a narrativa, e quão semelhantes
as duas mídias são mesmo sendo em meios individuais: o
estabilishing shot e a continuidade. O estabilishing shot
basicamente é uma cena que apresenta o espaço onde a ação
está se passando, vai se passar ou se passou (figura 150).
Nos quadrinhos, ela é utilizada para dar uma sensação de
espaço para o leitor, e é geralmente um quadrinho largo que
diz ao leitor onde ele está (IBID., p.160).
O princípio desta técnica é, além de estabelecer onde está
ocorrendo a ação, economizar trabalho e valorizar tomadas
mais dramáticas. Isso porque, depois que o ambiente está
estabelecido, o quadrinista pode, ao trabalhar com closes e
enquadramentos mais próximos dos personagens, apenas
sugerir esse ambiente através de partes do cenário. Além
de economizar tempo, pois desenhar o cenário inteiro é
bem mais demorado do que apenas fragmentos, ajuda a
concentrar os quadrinhos nos protagonistas, especialmente se
estes estiverem falando. Neste caso, muito cenário pode ser
dispersivo. A utilização do estabilishing shot pode ser variada,
e com resultados diversos. O quadrinista pode optar por
mostrá-lo no início da cena, e depois seguir com a ação, mas
pode também optar por começar a cena e somente revelar o
lugar onde ela se passa depois. Ele pode durar mais do que um
quadrinho, como pode também ser feito em um quadrinho
pequeno. No cinema clássico, o estabilishing shot faz parte da
primeira fase da anatomia de uma cena, que Bordwell chama
de expositiva, sendo a segunda a de desenvolvimento (1985,
p.63). Com o mesmo objetivo dos quadrinhos, ele serve para
situar o espectador dizendo onde ele está. Aqui ela é ditada
pela história e serve meramente como um espaço que contém
o personagem, e geralmente é a parte mais rápida da cena
(IBID.). Desde que o cinema passou a usar múltiplas tomadas
em uma mesma cena, no início do século XIX, o estabilishing
Figura 150 ES BUSIEK, 2004.
165
shot ganhou a incumbência de mostrar ao leitor onde a
cena está se passando (THOMPSON, 1985, p.196), para que o
diretor tenha mais liberdade de montar a seqüência e possa
usar enquadramentos mais dramáticos, como close up
22
, por
exemplo. Em ambos os casos, tanto nos quadrinhos quanto
no cinema, o estabilishing shot é um recurso narrativo que
permite ao quadrinista/diretor montar a cena da forma que
melhor servir a história, tendo que apenas uma vez mostrar
onde ela se passa. Ela oferece a possibilidade de uma maior
dramatização das cenas com personagens sem correr o risco
de desorientar o leitor/espectador.
O estabilishing shot não precisa ser o primeiro quadrinho,
mas ele tem que estar em algum lugar, para que nós
saibamos onde estamos, quem está na cena, o que está
acontecendo e o por quê. Clareza, clareza, clareza... e afaste
a câmera (BYRNE in CAPUTO, 2003, p.66).
continuidade é uma regra da imersão ou um esforço no
sentido de manter os elementos visuais de uma cena coerentes
com a seguinte e com as demais que virão para que o leitor/
espectador não seja desconectado, a menos que algum evento
na história os altere. Sendo assim, a continuidade visual, que é
a que nos interessa aqui, é uma extensão do estabilishing shot.
Ela representa a narrativa visual através de objetos de cenário
e de composição. Tanto nos quadrinhos quanto no cinema
cuidar da continuidade visual significa manter uma coerência
entre os objetos e elementos presentes em uma cena (figura
151). A grande diferença é que nos quadrinhos esses objetos
são gráficos, ou seja desenhados, e no filme eles são reais,
filmados de objetos do mis-en-scene
23
. Mas o princípio é o
mesmo do estabilishing shot: o cenário que foi estabelecido
deve ser reproduzido nas demais cenas/quadrinhos, mesmo
que seja apenas uma parte dele. É possível usar esses
elementos da composição do cenário de forma narrativa
como, por exemplo, caracterizar um determinado ambiente
por alguma peça de sua decoração e sempre que ele aparecer
na história enfocar tal objeto auxiliando o leitor/expectador
a acompanhar a história. Além disso, um dos objetivos desse
continuísmo gráfico no cinema clássico é oferecer um senso
de realismo as cenas e convidar o espectador a olhar através da
tela (BORDWELL, 1985, p.55), como se ele estivesse assistindo
algo real. Nos quadrinhos, essa pretensão também existe, mas
em menor escala e faz parte do processo de imersão constituir
uma cena de forma plausível com o roteiro e a história.
Como o cinema, a produção de quadrinhos se distanciou aos
poucos do clássico, mas nunca o abandonou. Diversas das
soluções e técnicas do cinema clássico bem como da linguagem
22 O close up surgiu nesta época e solidificou-se com o estabelecimento do chamado star system (BORDWELL, 1985, p.201), que foi a época onde os filmes
passaram a contar com atores importantes e reconhecidos, com elevado status de estrelas, que valorizavam e davam importância aos closes.
23 Mis-enscene é a manipulação do espaço cinematográfico de tudo aquilo que aparece na frente da câmera. O termo trata da disposição e a organização de
figuras, formas, espaços e da iluminação em uma cena.
clássica dos quadrinhos, como já citados anteriormente, ainda
são amplamente usadas, mesmo pelos mais revolucionários
gibis. O próprio Eisner explorou a forma em sua primeira
graphic novel, “Um Contrato com Deus e outras Histórias de
Cortiço”, onde a arte carregava a maior parte da narrativa da
história (WEINER, 2003, p.17). Scott McCloud e sua série de
quadrinhos Zot! focam mais a forma dos quadrinhos do que
a história em si, o que não quer dizer que ele não cuida do
enredo, como também o faz Chris Ware em Jimmy Corrigan,
The Smartest Kid on Earth. O próprio McCloud, que é um dos
principais defensores da inovação e da exploração na forma
dos quadrinhos, defende em seu mais recente livro a respeito
da linguagem do meio que, o mais básico princípio de qualquer
quadrinista deve ser a clareza em suas narrativas, independente
das soluções técnicas adotadas (2006, p.9). Mesmo se olharmos
os quadrinhos na internet, uma categoria de HQs defendida e
incentivada pelo próprio McCloud, perceberemos que a maior
parte delas foca suas experimentações narrativas na forma e
na estrutura, mantendo a clareza da história em seu cerne.
A inter-relação entre os campos apresenta-se quando
pensamos na narrativa visual. Quadrinhos emprestou técnicas
e elementos de cinema, que nos últimos anos vem buscando
referências em quadrinhos para soluções narrativas em seus
filmes. Essa troca dentro de um mesmo tema também é válida se
considerarmos quadrinhos e a televisão, a animação e também
os jogos de vídeo game. Essa discussão é claramente ampla e
tema para um outro trabalho, mas basta observar as produções
ou profissionais para notar que essas trocas vem acontecendo
um bom tempo. Winsor McCay, autor e criador de Little
Nemo in Slumberland, foi um dos pioneiros da animação
com seu desenho Gertie the Dinossaur. Jim Steranko, famoso
nos quadrinhos, trabalhou em todos estes campos aplicando
técnicas da fotografia nos quadrinhos, técnicas de quadrinhos
no cinema, técnicas de cinema em ilustração e técnicas
de ilustração em seu trabalho em animação (SPURLOCK in
CAPUTO, 2003, p.46). Hergé, criador de Tin Tin também utilizou
técnicas de cinema em seus gibis (CAPUTO, 2003, p.46). A
série 24 Horas usa muito da linguagem de quadrinhos em
suas soluções narrativas para apresentar eventos ocorrendo
ao mesmo tempo. Kevin Smith, que é diretor e roteirista de
cinema, escreveu uma importante série nos quadrinhos
abordando o personagem Daredevil (Demolidor). Quando a
oitava temporada da série televisiva Buffy foi cancelada na
televisão, seu criador, o diretor e roteirista de quadrinhos Joss
Whedon, levou a série para os quadrinhos. E cada vez mais
filmes sobre personagens de quadrinhos tem sido feitos, e
cada vez mais elementos da linguagem dos quadrinhos tem
aparecido nestas produções. Essa troca poliniza todos os
meios beneficiando suas respectivas linguagens.
167
Figura 151 Continuista CANALES, 2000.
169
3.
‘Batman O Cavaleiro das Trevas’ conta a história de um
Batman mais velho reassumindo o manto para limpar sua
cidade. Escrito e desenhado por Frank Miller, arte-finalizado
por Klaus Janson e colorido por Lynn Varley, a série foi um
sucesso que beneficiou não só seu autor, mas também o
próprio personagem e o meio. Os quadrinhos nunca tiveram
tanta atenção dos meios de comunicação externos ao universo
das HQs. Batman, criado em 1939 por Bob Kane, sofria
criativamente nos gibis desde a implementação do Código,
com as vendas despencando. O resgate ao personagem havia
sido iniciado na década de 1960 pelo editor Julius Schwartz
e o artista Carmine Infantino, e havia sido continuado por
Denny O’Neil e Neal Adams na década desguinte. A dupla fez
do Batman um personagem mais sério e sombrio novamente
retornando-o a suas origens. Mas coube a Miller caracterizar o
personagem de acordo com a época em que ele vivia. The Dark
Knight Returns enfoca um Batman cinquentão que abandona
sua aposentadoria para pôr fim a uma crescente onda de
crimes na cidade de Gotham, decisão que o leva a batalha final
contra seus maiores inimigos e até seu maior aliado.
A HQ chamou atenção pela releitura que trouxe do personagem
e de seu universo, ao caracterizá-lo como um combatente do
crime cínico guiado por seus demônios internos cada vez
mais incontroláveis. Tudo aquilo que Miller havia trazido para
Daredevil
24
ele agora aplicava ao Homem-Morcego. Porém, em
Daredevil ele recriou o personagem ou a forma como ele era
abordado e compreendido, tornando-o um produto da época.
Com Batman, o resultado foi uma história extremamente
violenta cujo protagonista passa a agir como juiz, júri e
carrasco em sua cruzada. Miller tornou Batman uma criatura
assustadora novamente, não como uma figura gótica
Uma leitura do quadrinho
24 Daredevil é uma HQ que conta a luta do personagem homônimo contra o crime. Matt Murdock, o alter ego de Daredevil, é um advogado que perdeu a visão
ao tentar salvar um idoso de ser atropelado por um caminhão transportando material radioativo. Murdock conseguiu salvá-lo, mas foi atingido no rosto por um
frasco que caiu do caminhão. O frasco lhe tirou a visão, mas a radiação aguçou seus demais sentidos de forma sobre-humana, conferindo-lhe inclusive um radar.
Na época, um personagem de segunda linha da Marvel, Daredevil foi a porta de entrada do então jovem Frank Miller no mercado de quadrinhos. Ele assumiu
os desenhos na edição 158 e dez números depois também passou a escrevê-lo. Logo introduziu uma atmosfera noir na história, caracterizando-a como uma
espécie de HQ de crime urbana com super-heróis. Somando a isso cenas de ação dinâmicas e uma boa dose de artes marciais, Miller modificou completamente
a abordagem do personagem. A forma como ele abordou o personagem retratando-o sob um olhar mais realista para os padrões de sua época, ajudaram a tirar
a Marvel de sua era de inocência. Drogas, ninjas, máfia, misticismo, prostituição e assassinatos frios não eram temas comumente abordados em gibis da editora,
muito menos ao mesmo tempo. O grande apelo do personagem até então era sua disposição de lutar contra o crime mesmo à luz de sua deficiência, ele era um
advogado bom moço e estudioso durante o dia e um combatente do crime jocoso a noite. A empatia que o personagem gerava vinha de seu passado sofrido,
pois seu pai havia sido assassinado por gângsteres, e de sua deficiência física adquirida ao ajudar um estranho. Miller tratou de mudar essa visão do pobre Matt
Murdock para o destemido combatente do crime. E ele fez isso acabando com a diferenciação entre o advogado e o herói, pois não havia mais o bom samaritano
de dia e o justiceiro implacável à noite, ambos eram a mesma pessoa e seus conflitos estavam expostos. Miller “abriu a mente” do personagem para os leitores
como um psicólogo, revelando questionamentos complexos e muito mais reais.
cavaleiro
das
trevas
171
envolta em sombras, mas também por sua brutalidade. Fruto
do olhar de Miller para a vida nova-iorquina na década de
1980 com o aumento dos desabrigados e da violência nas
ruas, o personagem que emergiu da série era violento, frio e
psicologicamente complexo como ele jamais fora. O Batman
de Miller fazia exatamente o que os leitores da época queriam
que ele fizesse, ele reagia a uma realidade cada vez mais
violenta e assustadora.
Obviamente que essa versão era trabalhada dentro do universo
do personagem dos quadrinhos, pois o próprio Miller foi o
primeiro a admitir que o personagem não duraria cinco minutos
no mundo real (Comic Book Superheroes Unmasked, 2003).
Mesmo profundamente influenciado pela realidade que cercava
seu autor, Batman ainda foi tratado como um personagem
ficcional que é, e Miller fez questão de representá-lo como tal,
porém levando-o ao extremo dentro deste universo ficcional
realista. Todos os personagens coadjuvantes importantes na
história do Batman são representados dentro da realidade
da HQ, Gordon, comissário de polícia e principal aliado dele,
está a beira da aposentadoria; Alfred, seu fiel mordomo, é um
idoso que ainda conserva seu afiado senso de humor inglês;
e Robin, surge através de uma menina adolescente. E Miller
não esquece de Gotham, a cidade de Batman, representada
como uma versão exagerada da Nova York que o próprio
quadrinista vivia. A história é uma investigação da mente
torturada do personagem (DANIELS, 1995, p. 190), e sua
relação com a cidade que ele jurou defender, além de explorar
a relação de Batman e seus pares no mundo dos super-heróis,
notadamente Superman, que na representação de Miller
se aliara ao governo e passara a ser nada mais do que um
fantoche da extrema direita americana, uma clara antítese
ao posicionamento anárquico e quase terrorista do Morcego.
As posições conflitantes dos dois maiores personagens da
DC Comics se chocariam no eletrizante final da história.
Batman enfrentou a corrupção em todos os níveis, das ruas
ao governo, de Superman a TV (DANIELS, 1999, p. 151). Miller
retornaria ao tema anos mais tarde em Sin City . Voltarei aos
personagens e sua abordagem no Cavaleiro das Trevas, bem
como a relação de Batman e Superman um pouco adiante. É
importante notar também que, o que Miller fez com Batman,
difere do que ele fez com Daredevil em um ponto. Como vimos
anteriormente em Daredevil, Miller retratou um personagem
que era um advogado certinho que se transformava em
um combatente do crime acrobata e despreocupado e o
transformou em um violento e profundo personagem. Ele
introduziu uma nova abordagem que acabou por se tornar a
forma como este é representado até hoje. O Batman sempre foi
o que se mostra em O Cavaleiro das Trevas, e o que Miller fez
foi explicitar seus métodos de forma crua e clara para leitores
que esperavam por isso e cuja realidade permitia. A própria
origem do personagem já impõe certas condições ao seu
perfil. O assassinato de seus pais que foi o início de tudo, fez
com que ele partisse em busca de vingança. Em suas primeiras
histórias, ele carregava uma pistola e pouco se importava se
os bandidos viviam ou morriam, contanto que eles pagassem
por seus crimes. Esse perfil foi abrandado durante os anos por
uma série de razões, até atingir seu ápice na série de televisão
da década de 1960, mas nunca com sucesso absoluto. A versão
que Miller introduziu em Dark Knight foi um retorno às origens
do personagem à luz de uma sociedade mais cínica e suja. Esta
interpretação do personagem atingiu em cheio as expectativas
de muitos leitores, mas não de todos, pois para alguns a versão
de Miller beirava o fascismo (Ibid, 1999, p. 151).
A seguir, farei uma abordagem mais específica sobre alguns
aspectos desta história e seus personagens. É importante
denotar que caso o leitor ainda não tenha lido Batman O
Cavaleiro das Trevas, sugiro que o faça pois esmiuçarei a
história e revelarei partes do enredo, e isso pode estragar a
futura leitura.
Miller estrutura a história como a última aventura do
personagem e, para isso, a trata como uma ópera (MILLER
apud SALISBURY, 2000, p.176). Fora da cronologia normal do
Batman, a mini-série parte do princípio de que Bruce Wayne
“pendurou o manto” depois da morte do segundo Robin.
Depois de anos afastado, e já tendo vivido mais de meio
século, ele retorna para uma última missão, limpar Gotham
dos vermes que a infestam. Essa estrutura de ópera que Miller
cita, refere-se a dramaticidade do gênero, pois ele queria
retornar o personagem a sua origem e dar a ele um fim digno
do seu começo, e ele divide as quatro partes da história com
esse objetivo. A primeira edição, The Dark Knight Returns (A
Figura 152 DKR 1 MILLER, 2002.
173
Volta do Cavaleiro das Trevas) (figura 152), apresenta um Bruce
Wayne tentando afogar sua culpa e suas memórias em álcool
e passatempos perigosos, e financiando a cirurgia e o processo
de recuperação de seu ex-amigo e depois inimigo Harvey Dent,
o Duas Caras. Aliado a isso, o gibi apresenta a situação caótica
de Gotham e o fim do tempo de serviço de seu mais notório
defensor público, o Comissário Gordon. Batman demora
a aparecer, pois Miller foca boa parte da edição no conflito
interno de Burce Wayne revivendo as situações que o levaram
a se tornar o que é. Mas quando ele aparece, lá pela metade da
edição, o leitor não o vê. Notícias e flashes são apresentados,
mas ainda demora um pouco para que o Homem Morcego
apareça em toda sua glória e em uma página inteira. O que
acontece a seguir é que é Bruce Wayne quem desaparece
da história. Miller faz da primeira edição uma batalha entre
Wayne e Batman com o único resultado possível, a vitória do
segundo, pois o primeiro morreu há quarenta anos junto com
seus pais. O retorno do Batman suscita todo o tipo de reação
dos mais diversos personagens e setores sociais, e Miller
toma o cuidado de representar todos. O Coringa também
retorna do estado catatônico em que se encontrava desde o
desaparecimento do Batman. Miller reafirma a idéia de que
o vilão não existiria sem o herói. A edição também apresenta
os Mutantes, um grupo criminoso que assola a cidade e seu
líder. Ela termina com o retorno do supostamente recuperado
Harvey Dent ao crime, que é preso em seguida pelo Batman,
marcando a sua volta em definitivo. A recaída ao crime de
Duas Curas, que havia sido regenerado por uma cirurgia
plástica, prova que o monstro na verdade está dentro e não na
superfície do personagem, exatamente como Batman.
A segunda edição, The Dark Knight Triumphant (O Cavaleiro
das Trevas Triunfa) (figura 153), mostra a luta de Batman
contra os Mutantes e a substituta de Gordon, a Capitã Ellen
Yindell, que não é a favor de um vigilante em sua cidade.
Miller mostra o herói atacando a corrupção ao desmascarar
um general que fornecia armas aos Mutantes. Batman
enfrenta o líder dos Mutantes no lixão da cidade quando eles
se organizavam para atacar a central da polícia de Gotham.
A luta com o monstruoso líder do grupo serve para mostrar
os efeitos do tempo sobre o personagem. Ele toma uma
surra e sofre ferimentos graves nas mãos do mais jovem,
mais rápido e mais violento inimigo. Então surge a Robin
aparece para salvá-lo e levá-lo de volta a Batcaverna, onde
ele a aceita como sua parceira. O líder dos Mutantes vence,
mas não sai ileso e é preso por Gordon e seus homens.
Miller continua mostrando as reações da sociedade e,
principalmente, as da mídia, às ações do Batman. A presença
de Superman é citada e ele aparece conversando com o
presidente dos Estados Unidos, mas o leitor não o vê, apenas
acompanha o diálogo. O prefeito incapaz de Gotham tenta
fazer um acordo com o aprisionado líder dos Mutantes e
é assassinado. A derrota mostra a Batman que ele deve
assumir o controle da situação e manipulá-la ao invés de
tentar vencer seus oponentes na força física. Ajudado por
Gordon e Robin, ele reconduz o líder dos Mutantes para
o lixão e o vence diante de sua gangue. Usando mais a
estratégia do que a força bruta, Miller mostra um Batman
violento e cínico que transmite uma mensagem eficiente
aos criminosos de sua cidade apelando para truculência e
a inteligência. Ao lutar com o líder em um lamaçal, Batman
diz ao subjugado oponente: “Você não entende garoto, isso
não é uma poça de lama, mas uma mesa cirúrgica... e eu sou
o cirurgião.” Após extrair o câncer de sua cidade, Batman
vê, no encerramento da edição, Gordon se aposentando.
Na terceira edição, Hunt the Dark Knight (Caça ao Cavaleiro
das Trevas) (figura 154), apresenta Batman e Robin atuando
como um time enquanto a jovem parceira recebe treinamento
no campo de batalha. Superman contata Batman a mando
do governo buscando uma solução pacífica para a situação.
O governo teme que alguém atuando fora de seu controle se
torne perigoso. Batman se recusa a aceitar e Superman parte
para “policiar” o mundo. Enquanto isso, a nova Comissária de
polícia não poupa esforços na caça ao Homem Morcego, e o
Coringa revela seus planos ao assassinar uma platéia inteira
de um programa de entrevistas cuja atração principal era ele
mesmo. O debate dos grupos pró e contra Batman toma conta
da sociedade e da televisão. Em uma conclusão explosiva,
Batman, ajudado pela Robin, enfrenta o Coringa, seus capangas
e a polícia em um parque de diversões lotado. A seqüencia tensa
chega ao seu clímax com a briga final entre Batman e Coringa. O
Homem Morcego fura um dos olhos de seu inimigo, mas recebe
um tiro na barriga. Ao fim, Batman torce o pescoço do vilão
Figura 153 DKR2 MILLER, 2002.
175
deixando o paralítico, mas incapaz de trair seu voto de nunca
matar ele hesita. Por mais violenta que seja a representação de
Miller, ele jamais traí os princípios do personagem. Ao fim da
edição, Coringa, literalmente, morre de rir.
A quarta e última edição, The Dark Knight Falls (A Queda do
Cavaleiro das Trevas) (Figura 155), começa onde a última
terminou, no campo de batalha que se transformou o parque
de diversões. Batman enfrenta a polícia e a Comissária e é,
mais uma vez, salvo pela Robin. Seu corpo envelhecido sofre
danos significativos que são reparados dentro do possível por
Alfred. Um novo grupo de jovens violentos surge, entitulando-
se Filhos do Batman, e eles buscam fazer justiça com as
próprias mãos. Superman é enviado para impedir que um
míssel atômico disparado pela União Soviética chegue aos
Estados Unidos. Os dois governos, em uma das muitas disputas
na Guerra Fria, tentavam obter o controle da ilha Corto
Maltese no Caribe Miller da nome a ilha de um importante
personagem dos quadrinhos italiano criado por Hugo Pratt.
Superman consegue desviar a bomba para um deserto, mas
a nuvem eletromagnética se espalha pelo país criando uma
espécie de inverno nuclear. Superman é testado contra o
poder de uma explosão nuclear e sobrevive. Em Gotham, um
Batman parcialmente recuperado luta contra a disseminação
dos Filhos de Batman e, prevendo o caos com a chegada da
nuvem atômica, alista tanto os Mutantes presos quanto os
Filhos do Batman e os disciplina como um pequeno exército.
Miller trabalha o poder de liderança do personagem enquanto
seu exército luta para conter o caos nas ruas de Gotham.
Gordon oferece uma visão civil dos eventos ajudando outros
cidadãos em meio a crise. A parte final da edição é dedicada ao
inevitável enfrentamento entre Batman e Superman. Batman
representa uma alternativa ao governo totalitário do presidente
Ronald Reagan, que se vende como a única opção provedora
da nação, especialmente depois da nuvem nuclear que aleijou
o país. Mas não Gotham, graças aos esforços de Batman. Na
crítica de Miller ao governo americano durante a Guerra Fria,
Superman é o cão de guarda desse governo e é enviado para
suprimir essa ameaça ao domínio. A batalha que se segue é um
dos momentos mais memoráveis da história dos quadrinhos e
o fim de uma era na relação entre os personagens, que será
abordada mais a frente. Batman vence o duelo da estratégia
contra o poder, ele bate o Superman, que abertamente não
quer enfrentar uma disputa inevitável, mas morre em seguida.
O fim da edição e da série mostra que a morte de Batman foi
encenada e que a luta continuará mesmo sem os holofotes,
de acordo com o planejado. Miller apresenta Batman como o
grande estrategista, que emprega seus recursos em prol de seu
plano e vence desafios maiores do que ele.
Figura 154 DKR3 MILLER, 2002.
Figura 155 DKR4 MILLER, 2002.
177
Quatro elementos são importantes e ainda não foram
propriamente abordados aqui: a Robin, Gotham, os narradores
e Superman. O primeiro é a presença de uma Robin na história.
Muitos fãs da fase mais violenta do Batman não gostam do
Robin por acreditarem que ele tira um pouco desse caráter do
personagem, o que não deixa de ser verdade, afinal, quando
Bob Kane introduziu um parceiro mirim para o Batman foi
exatamente para suavizar sua representação e aumentar o
apelo com as crianças. Criado por Jerry Robinson na década
de 1940, Robin sempre fora um personagem controverso no
universo do Batman. A presença de um garoto nas HQs do
Homem Morcego tirou gradativamente o peso das histórias,
abrandando o personagem e o tom de suas aventuras. E a
DC nunca soube muito bem o que fazer com o personagem.
O primeiro Robin, Dick Grayson, foi um sucesso e conseguiu
atrair fãs mais jovens para o personagem, mas sua participação
foi afetada pelo ataque da censura. Depois das acusações
de homossexualismo a editora tratou de buscar soluções
para desmenti-las e sua participação nos títulos do Batman
nunca mais foi a mesma. Na década de 1970, quando O’Neil
e Adams trabalhavam com o retorno de um Batman mais
sombrio, a DC tratou de envelhecer e emancipar o Robin,
pois é difícil imaginar um Batman sombrio com um garoto
como parceiro no combate ao crime. Grayson crescera e se
tornara um personagem independente líder de um grupo de
jovens super-heróis chamado New Teen Titans (Novos Titãs).
Como resultado ele abandonou o manto de Robin e tornou-se
o Nightwing (Asa Noturna) (figura 156). Em 1983, a editora
particularidades
tentou um novo Robin, o segundo. Jason Todd foi apresentado
aos leitores como um órfão vivendo nas rua. Todd era um
Robin mais arrogante e nunca fez sucesso com os fãs. Em
1988, a DC resolveu matá-lo. Surrado pelo Coringa e deixado
para morrer em um galpão prestes a explodir, a vida de Jason
Todd estava nas mãos dos leitores. A editora disponibilizou
um telefone para que estes ligassem e votassem se o Robin
deveria ou não morrer. No mesmo ano, a mini-série A Death
in The Family marcou o fim do segundo Robin (figura 157).
Atualmente existe um terceiro Robin, que surgiu em 1991
e dura até hoje com alguns intervalos de ausência. A Robin
de Miller em The Dark Knight Returns é uma menina. Miller,
mesmo 30 anos depois da censura, ainda buscava claramente
distanciar o personagem das acusações sofridas na época do
CCA (figura 157). Além disso, ele reconhece a importância de
Robin para o Batman ao estabelecer que, na história de sua
série, depois da morte de Jason Todd ele abandonaria a luta, e
ao determinar como Robin é importante para o personagem.
Essa parceira não funciona sempre, mas dependendo de como
ele é tratado, pode oferecer soluções interessantes para a
história. Batman é um personagem forte o suficiente para ser
trabalhado sozinho, mas seu universo não está completo sem
os personagens coadjuvantes que o cercam. Miller reintroduz
Robin na história como uma menina, Carrie Kelley, como uma
resposta final as acusações de Wertham e uma solução para
a temática da história. Conforme ele retorna para combater
o crime, Batman é cada vez mais frio e implacável em sua
luta, e cabe a Robin oferecer o lado humano na história. Ela
Figura 156 Nightwing LOEB, 2006.
179
(a esquerda) Figura 157 A death in the Family DANIELS, 1991.
(acima) Figura 158 Carrie Kelly MILLER, 2002.
(a direita) Figura 159 Gotham MILLER, 2002.
181
representa ainda a incerteza da juventude, como todos os
Robins, mas o faz do ponto de vista de uma menina, fato inédito
no universo masculino do personagem. Carrie é também um
retrato social da época, pois ela também é a única Robin a não
ser órfã, mas a ter pais ausentes. Eles mal são mostrados na
história, e quando são, servem apenas para reforçar a idéia de
descaso. Ela encontra em Bruce Wayne uma figura paterna e
uma forma de lutar contra o sistema opressor e criminoso que
infestara a cidade. Visualmente ela também reforça o tamanho
do personagem, que comparado a ela é um gigante.
A cidade de Gotham é um personagem na história. Quando
Bill Finger caracterizou a cidade do Batman como Gotham
ao invés de Nova York ou qualquer outra cidade real, ele
criou um dos mais importantes personagens do universo do
Homem Morcego. Além de abrir uma porta criativa para todos
aqueles que trabalhariam com o personagem depois, Finger
criou uma bandeira para que o personagem defendesse.
Gotham é a cidade do Batman. E Miller não esquece de dela,
representado-a como uma versão exagerada da Nova York que
o próprio quadrinista vivia. A história é uma investigação da
mente torturada do personagem (DANIELS, 1995, p. 190), e sua
relação com a cidade que ele jurou defender Em O Cavaleiro
das Trevas Gotham é o palco de toda a ação e é utilizada por
Miller como um elemento narrativo. De tempos em tempos
ele utiliza uma visão panorâmica da cidade para quebrar o
ritmo frenético da história (figura 159), além de trabalhar
constantemente a relação do personagem com a cidade.
Miller utiliza-se de diversos narradores na história, e faz isso
dando acesso para o leitor aos pensamentos dos personagens,
característica do quadrinista em todos os seus títulos, e uma
das características que destacou seu trabalho em Daredevil. Os
personagens e seus balões de pensamento são diferenciados
pelo modo como pensam e pelas cores. O principal e mais
constante narrador na história é o Batman, como não poderia
deixar de ser. Sua presença é constante na história inteira e
a utilização dessa narrativa através dos pensamentos do
personagem oferece um interessante recurso para o leitor
acompanhar a história. Enquanto Bruce Wayne está no
controle, seu balão de pensamento é branco (figura 160), mas
sempre que ele pensa como Batman, o balão fica cinza (figura
161). Quando ele reassume o manto, seus balões passam a ser
cinza até o fim da história.
No início da história o Comissário Gordon também oferece
seus pensamentos ao leitor, e sua visão é diferente da do
Batman, principalmente quando ele deixa de ser Comissário
e oferece uma visão das ruas de Gotham no desenvolvimento
dos eventos. Seu balão é branco (figura 162), mas torna-se
preto durante o caos que se segue à explosão da bomba (figura
163), manifestando sua revolta, decepção e medo.
Robin aparece também como narrador de suas partes na
história e possibilita ao leitor acompanhar mais de perto
sua situação, os pais ausentes, e seu desenvolvimento até se
tornar Robin. Seu balão é amarelo como sua capa (figura 164).
Até o Coringa, com seu balão destacadamente verde (figura
165), oferece uma breve visão em seus pensamentos em uma
curta passagem que antecede seu retorno criminoso, bem
como Superman, cujo balão é azul (figura 166). Miller faz uso
da possibilidade de manifestar os pensamentos do Homem de
Aço para caracterizar bem as diferenças entre ele e Batman.
Figura 160 Wayne MILLER, 2002. Figura 161 Batman MILLER, 2002. Figura 164 Robin MILLER, 2002.
(acima) Figura 166 Superman MILLER, 2002.
(a esquerda) Figura 165 Coringa MILLER, 2002.
(acima e a direita) Figura 162 Comissário 1 MILLER, 2002.
(acima e a extrema direita) Figura 162 Comissário 1 MILLER, 2002.
183
E por fim, Miller fez uso de um recurso de narrativa incomum
nos quadrinhos, mas bastante presente na época: a televisão. As
páginas do Cavaleiro das Trevas são recheadas de quadrinhos
que remetem ao formato da tela de uma televisão, e esse
recurso é introduzido logo no início, na primeira página da
primeira edição. Miller usou a televisão para retratar grande
parte da repercussão que o retorno do herói tem na sociedade,
revelando os mais diversos personagens (figura 167). Por
diversos momentos, o que é dito na televisão avança em muito
pouco, ou em quase nada a história, contrariando um preceito
básico da narrativa clássica, mas serve ao propósito de ilustrar
a cacofonia de opiniões que a mídia televisiva suscita. Das mais
absurdas e irrelevantes as mais cruas, essas opiniões oferecem
ao leitor um interessante olhar da sociedade de Gotham e,
porque não, da sociedade americana na década de 1980.
Esse excesso de quadrinhos por páginas, que será abordado a
seguir, dificulta a leitura, e a presença dessa grande quantidade
de quadrinhos televisivos também não ajuda, algo que pode
ser notado na grande maioria dos relatos dos fãs que leram
o gibi quando ele foi lançado. Mas a solução de Miller tem
um propósito narrativo mais intrínseco a história, o de elevar
a tensão. As constantes entrevistas de pseudo-profissionais
das mais diversas áreas analisando os acontecimentos servem
para tumultuar o ambiente da narrativa, bem como os debates
acalorados dos prós e contras ao Batman que preenchem
quadros e mais quadros (figura 168).
Miller utiliza esse recurso dos quadrinhos televisivos como
uma narrativa secundária, por vezes paralela a primeira
que é a cruzada do Batman, como ao mostrar o discurso
de despedida do Comissário Gordon introduzindo a nova
Comissária que se tornaria um problema para o personagem
(figura 169). Por vezes até terciária ou até mais distante da
primária, como os incessantes debates entre os médicos de
Harvey Dent e os contrários a sua volta ou os favoráveis ou
contrários a volta de Batman (figura 167). Mas por vezes
torna essa narrativa protagonista, como ao mostrar o ataque
do Coringa à platéia do programa de entrevistas do qual
ele é o convidado. A apresentadora do noticiário é uma das
personagens mais presentes na história, e as entrevistas
com diversos personagens que ela apresenta também são
interessantes do ponto de vista narrativo, pois oferecem uma
base de comparação entre o que eles dizem e o que pensam.
Miller, ao tornar o leitor cúmplice dos personagens dividindo
os pensamentos dos mesmos, consegue uma proximidade
com a narrativa e com a temática do gibi que lhe permitiu
seguir o caminho que seguiu. É interessante notar que, como
um resultado disso, ele consegue a simpatia e a aprovação
do leitor em relação aos métodos questionáveis do Batman,
ou pelo menos da maioria dos leitores. Além disso, ao
alternar o nível de importância para história das informações
apresentadas nos quadrinhos televisivos, Miller busca impedir
que o leitor disperse da história. Eles não podem ser ignorados,
pois o leitor nunca sabe se informação terá relação direta com
Figura 167 Balões Televisivos MILLER, 2002.
185
a história ou não. Esse recurso inovador, apesar de não ser
inédito, foi rapidamente absorvido pelo meio e pode ser visto
em diferentes histórias, como em Spawn, por exemplo (figura
170), porém com muito menos uso para a história.
A relação entre Superman e Batman merece uma atenção
especial, pois Miller a transformou para sempre. Desde o
surgimento dos dois personagens na década de 1930, eles
foram amigos. Depois do estabelecimento de ambos e da
condição de principais personagens da editora, Superman
e Batman se tornaram aliados e amigos aparecendo juntos
em diversas histórias e inúmeras capas de gibis. Na década
de 1940, a DC criou um título estrelado pela dupla chamado
World’s Finest (Os Melhores do Mundo) (figura 171), que
apresentava aventuras vividas por eles, muitas vezes com
inúmeros personagens do universo DC. Eles eram apresentados
como melhores amigos.
Mas isso foi possível pela suavização na representação do
Homem Morcego, pois sua versão original diferia sensivelmente
da visão de mundo do Homem de Aço (figura 172). Superman
é um alienígena que foi adotado por pais terráqueos depois
que seu planeta explodiu, ele fora enviado para a Terra por
seus pais biológicos como o último sobrevivente. Na Terra,
possuidor de poderes sobre humanos, ele decide usá-los a
serviço da humanidade e combater o crime e a injustiça no
mundo. Ele assume uma identidade secreta entre os humanos,
a do atrapalhado repórter Clark Kent, completamente oposta
(acima) Figura 168 Anti Batman MILLER, 2002.
(a direita) Figura 169 Adeus Gordon MILLER, 2002.
(abaixo) Figura 170 Spawn TV McFARLAINE, 1994.
187
ao seu eu verdadeiro. Superman como personagem é um mito
que representa todas as boas qualidades da sociedade norte-
americana, ou pelo menos as que seus criadores entendiam
como tais. Ele é honesto, justo, se importa com os outros a
ponto de tomar atitudes, não se importa em se colocar em
perigo para ajudar as pessoas e respeita a vida acima de tudo.
Ele é um dos mais poderosos personagens dos quadrinhos,
mas usa esse poder em prol do bem geral, mesmo ao custo de
sua própria segurança. Ele representa um otimista, daqueles
que acreditam que as pessoas são boas por natureza. Ele é o
cidadão perfeito, o ser humano exemplar, mesmo sendo um
alienígena. Batman (figura 173), por outro lado, possui um
outro olhar. Ele é um personagem nascido da vingança, e que
não poupa esforços para punir os criminosos.
Ao voltar para casa, vindos do cinema, Thomas Wayne, sua
mulher e seu filho são surpreendidos por um assaltante
armado que exige o colar da mãe de Bruce. O pai tenta
defendê-la e é morto. Ela grita, chamando pela polícia, e
é baleada também. O pequeno Bruce Wayne pai e mãe
morrerem na sua frente. Dias depois, rezando ao pé da cama
ele diz: “Juro pela alma de meus pais que vou vingar a morte
deles e passar o resto da vida em guerra contra todos os
criminosos”. Durante 15 anos, ele se exercita para ser um
grande cientista e um atleta. Mas precisa de um disfarce:
“Bandidos são covardes supersticiosos. Então meu disfarce
tem que ser capaz de infundir terror neles. Preciso ser
uma criatura noturna, negra, terrível... um... um...””Como
resposta um enorme morcego passa voando diante da janela
aberta.””Um morcego! É isso! Esse é o sinal. Eu hei de me
tornar um MORCEGO!” (IBID, p.186).
Ele era humano, não tinha super poderes e podia se machucar.
Além disso, ao contrário do Homem de Aço, Batman era
um personagem violento, que carregava uma arma de fogo,
casualmente matava e não se importava se seus inimigos
morressem durante o combate. Um personagem era pura
esperança e o outro puro cinismo (WAGNER apud DUIN, 1998,
p.44). Ele havia surgido de uma tragédia e buscava vingança.
Quando o personagem se provou no mercado e suas vendas
subiram, a editora tratou de tentar suavizá-lo. Ele perdeu
a arma e Kane foi encorajado a acabar com as mortes. Seu
mais importante voto passou a ser o de não matar, mas
antes disso tudo é válido. Ele não é cruel, mas também não
é misericordioso, ele faz o que tem que fazer para atingir
seus objetivos. A versão de Miller para ambos os personagens
é bastante curiosa. Ele mostra que o personagem Batman é
por demais forte, e esse lado desafiador e não subserviente a
ninguém é muito presente, e que qualquer tentativa de ajustá-
lo aos padrões e regras da sociedade estará fadada a falhar. Ele
surgiu para os quadrinhos combatendo a polícia, passou a ser
aliado do Comissário Gordon, mas não possui a aceitação de
todos os órgãos da lei. A grande maioria, na verdade, preferia
vê-lo preso, pois eles não tem qualquer controle sobre ele ou
sobre o que ele faz. O Batman não precisa da lei, mas a lei
precisa do Batman, e a versão de Miller deixa isso bem claro.
o Superman lutou a vida inteira para se encaixar nos padrões
sociais. Como um forasteiro, ele se esforçou para se tornar
um cidadão exemplar e, por suas crenças e caráter, virou
um modelo de “bom moço”. Miller eleva essa representação
e a distorce mostrando-o como um fantoche do governo. O
motivo, segundo ele, é evitar uma guerra entre humanos e não
humanos. A versão de Miller deturpa por completo o conceito
original do personagem, e desagradou muitos fãs, mas ela faz
sentido dentro da história por dois motivos. Primeiro, para o
Batman ser o supremo desafiador, o Superman tinha que ser o
grande pilar de sustentação da situação. Miller relatou em mais
de uma ocasião que esta não é sua visão do Superman, mas
uma licença criativa que ele tomou por sua série não se passar
em nenhuma cronologia oficial da DC. Com o Homem de Aço
como cão de guarda do governo que o Batman seguidamente
desafiava e ignorava, Miller alinhou ambos em uma batalha
final inevitável, que gerou o aclamado clímax de sua história.
Em segundo lugar, a versão de Miller faz sentido de acordo com
o Batman que ele estava criando. A versão dele do personagem
é quase um anti-herói, cujos métodos são questionáveis, mas
o resultado é benéfico. Essa versão de protagonista, que ditou
o modo como o Batman passou a ser representado, e que é
completamente contrária ao conceito do Superman, estava
alinhada com o que os leitores da época pensavam sobre um
herói. Essa versão de herói, que é a valorizada até hoje, não
é a do herói certinho e bom moço, mas sim a do herói sujo e
violento, que não poupa esforços para obter seus objetivos e
que escancara o lado humano, amargo e vingativo. Hoje em
dia, o herói correto e respeitador de leis “está em baixa”, a
pureza de caráter e de coração que fizeram sucesso e eram
vistos como virtudes na Era de Ouro, hoje são entendidos
Figura 171 World’s Finest DANIELS, 1995.
189
como fraquezas. Os personagens dominantes de antes, como
Superman e Captain America
25
, deram lugar aos Wolverines
26
(figura 174) e Spawns
27
(figura 175). O resultado dessa
representação de Miller foi o fim da amizade cristalina entre
Superman e Batman como existia, e a transformação desta
para uma amizade difícil e um respeito ressentido, cercada
de tensão. Ambos os personagens se respeitam e confiam um
no outro, mas sabem que seus métodos são completamente
diferentes e ambos desaprovam a posição um do outro, mas
as toleram. Essa visão do relacionamento dos dois tornou-se
a padrão no mercado de quadrinhos e ainda é presente até
hoje. Um exemplo dessa nova relação é o fato de Superman
ter confiado a última pedra de kriptonita
28
na Terra ao
Batman por saber que se ele, Superman, algum dia saísse
do controle, o Homem Morcego não hesitaria em tomar as
providências necessárias.
O legado do trabalho de Miller no Cavaleiro das Trevas já está
profundamente enraizado no personagem. As representações
do Batman que vieram depois foram invariavelmente sombrias,
violentas e obsessivas como a de Miller, incluindo a versão do
já citado filme de Tim Burton. Esse resultado ajudou a formar
o personagem, mas espalhou uma febre pelos quadrinhos
cujos resultados são questionáveis. A HQ de Miller é creditada,
25 Captain America (Capitão América), cuja identidade secreta é Steve Rogers, é um personagem da Marvel Comics. Criado em 1941 por Jack Kirby e Joe
Simon, ele foi concebido e lançado no início da Segunda Guerra Mundial. Ele é o soldado perfeito, mais forte e rápido do que um humano normal graças a um
experimento militar, Captain America é o combatente supremo e o maior patriota. Sua primeira aparição, em Captain America#1, o mostrava na capa dando
um soco em Hitler. Seus gibis eram enviados para o front de batalha para incentivar os soldados. Depois da guerra, em sua última missão, ele caiu em um lago
gelado e ficou congelado até a década de 1960 quando ele foi descoberto pelo super grupo de heróis Avengers (Vingadores). Desde então ele tem sido o líder
do grupo formado originalmente por Iron Man (Homem de Ferro), Thor, Hulk, entre outros. O personagem luta pelos ideais da justiça e verdade para todos, e
sua posição tem sido bastante delicada no atual cenário mundial. Recentemente ele foi morto por um de seus maiores vilões, e sua morte chamou atenção da
mídia não especializada.
26 Wolverine, cuja identidade é Logan, é um personagem canadense da Marvel Comics criado por Len Wein e John Romita Jr. como um adversário do Hulk
em 1974. O personagem foi recrutado no ano seguinte para integrar o grupo de mutantes X-Men. Depois de um inicio incerto, o personagem se desenvolveu,
em parte graças ao trabalho de Chris Claremont e John Byrne, e em parte ao trabalho de Frank Miller, e se tornou um dos principais personagens do grupo.
Wolverine é um mutante que possui um olfato sobrehumano e uma capacidade de regeneração que o faz se recuperar de qualquer dano. O último, chamado
de fator de cura, permitiu que, em um experimento do governo canadense, ele tivesse seu esqueleto revestido com o metal indestrutível Adamantium. Seu
temperamento explosivo e selvagem, aliado a sua natureza bestial que ele luta para controlar, fizeram dele um perfeito candidato para qualquer interpretação
mais violenta e extrema. Ele se tornou o X-Men mas famoso e hoje é um dos personagens mais populares dos quadrinhos, eleito o primeiro dos 200 personagens
mais importantes em uma recente edição da revista Wizard (2008, 200, p.27).
27 Spawn é um personagem criado por Todd McFarlaine no nascimento da Image Comics em 1992. Ele era um soldado que ao morrer faz um acordo com o
demônio Malebolgia para retornar e ver sua mulher uma última vez. Ele retorna como um enviado do inferno (hellspawn) descarnado e possuidor de poderes
mágicos ilimitados e força sobrehumana. Ao descobrir que cinco anos se passaram e que sua mulher está casada com seu melhor amigo e tem uma filha, Spawn
tenta renegociar seu acordo acusando o demônio de traição, mas não tem sucesso. Ele passa a lutar para não perder sua humanidade enquanto combate forças
místicas e reais. O título é bastante violento e o personagem pode ser considerado um anti-herói.
28 Kriptonita é um minério oriundo de Kripton, planeta natal do Superman. O minério é sua maior fraqueza, pois sua exposição a ele pode matá-lo.
juntamente com Watchmen, por dar início a uma era grim
and gritty (que pode ser traduzido como severo, inflexível, sujo
e violento) nos quadrinhos de super-heróis que estendeu-se
até a metade da década de 1990. Nesse período muitos temas
adultos foram abordados à exaustão, geralmente violência
explicita e sexo, independente dos personagens envolvidos.
Em muitos casos, essa interpretação tinha muito pouco a
ver com o personagem, mas foi realizada do mesmo jeito por
se enquadrar naquilo que vendia na época. Nos quadrinhos
de hoje, depois da febre inicial, ainda é possível identificar
traços do que estes títulos introduziram, e a representação
de Batman deve até hoje muito ao que Frank Miller fez no
Cavaleiro das Trevas.
Dentro dos quadrinhos, os resultados (do Cavaleiro das
Trevas) foram misturados e sua influência ainda pode ser
sentida. O Cavaleiro das Trevas incitou alguns criadores
a seguir em direções idiossincráticas com seus trabalhos,
enquanto outros foram inspirados à cultivar a estética
suja, violenta e visceral dos super-heróis que tomou conta
do final da década de 1980 e começo de 1990. Enquanto
os resultados do Cavaleiro das Trevas são variados, seu
impacto no meio quadrinistico e em sua linguagem é
inegável (BROWNSTEIN, 2000).
191
Figura 172 Superman Atual Superman Cover to Cover, 2006.
Figura 173 Batman Atual Batman Cover to Cover, 2005.
Figura 174 Wolverine BENDIS, 2005.
Figura 175 Spawn McFARLAINE, 1996.
193
Frank Miller estruturou sua narrativa visualmente a partir da
história, mas o fez pensando na temática e no impacto das
soluções visuais, mesmo, em alguns momentos, sacrificando a
clareza e a objetividade pregada pela narrativa clássica. O que
não significa dizer que ele inovou. Na verdade, seu trabalho
era bastante clássico em muitos sentidos, mas com soluções
diferentes. A análise que se seguirá abordará uma parte destas
soluções, mas não objetiva abordar todas pois seria inviável
nessa dissertação e desnecessária ao estudo. Os assuntos
estão divididos em subtítulos, mas é importante ressaltar que
as soluções e técnicas são utilizadas em conjunto umas com
as outras e dificilmente uma página possui apenas uma. A
divisão foi feita para facilitar a análise e o entendimento.
Miller queria criar uma história do Batman que fosse extrema,
que remetesse o personagem aos seus melhores momentos e
ainda fosse inserida no contexto social da década de 1980. Ele
queria que o tema de sua história fosse mitológico, dramático
como uma ópera (MILLER apud SALISBURY, 2000, p.176). A
forma que ele encontrou para representar essas qualidades de
forma visual foi trabalhar com layouts caóticos e extremamente
cheios, com uma profusão de textos e quadros em cada
página. No modelo clássico de narrativa, aquele estabelecido
por Eisner em seu Quadrinhos e Arte Seqüencial, a quantidade
de quadros por página deveria seguir um equilíbrio em sua
distribuição, sempre levando em consideração a clareza e
fluidez da história. Não era comum utilizar muitos quadros
por página, e se o autor o fizesse, compensaria nas demais
4.1. Cavaleiro das Trevas: uma análise visual
utilizando uma quantidade menor para não cansar o leitor.
Quando Miller chegou aos quadrinhos, essa prática estava
em transição, diversos quadrinistas como Neal Adams, Jim
Steranko, Steve Ditko, trabalhavam com layouts de página
mais ousados, variando a quantidade de quadros. O próprio
Miller fizera uso dessas soluções abusando da quantidade
de quadros por página em prol da tensão na narrativa em
Daredevil e em Ronin. Em Batman The Dark Knight Returns,
ele elevou isso ao extremo aplicando um grid inicial de 16
quadros que se repete em todas as páginas durante a toda
mini-série. Ele trabalha com variações, utilizando menos
quadros em algumas páginas, mas sempre dentro desse grid.
Ele faz uso de elementos clássicos como as páginas splash
com bastante propriedade, utiliza as onomatopéias com os
elementos narrativos e visuais e manipula os textos e imagens
para criar um storytelling tenso como a temática da história.
grid
Miller apresenta esse grid (figura 176) logo na primeira página
(figura 177), em que ele introduz o protagonista Bruce Wayne
em closes se acidentando. Dos 16 quadros da página, 13
são idênticos em tamanho e formato, apresentando Wayne
pilotando e em seguida se acidentando, mas os três últimos
quadros introduzem os já citados quadrinhos televisivos e
a âncora do telejornal, personagem que aparecerá na série
inteira. É interessante notar que o texto é sempre colocado
(acima) Figura 176 Grid 16 O Autor, 2008.
(a direita) Figura 177 DKR 1 Pg. 1 MILLER, 2002.
195
fora desses quadrinhos, acima deles, e nunca dentro. Miller
representa a televisão como ela é, separando texto e desenho,
representando a separação entre som e imagem.
A segunda página traz a cidade de Gotham quebrando parte
do grid, ocupando o espaço de 6 quadros em uma página
infestada de quadrinhos televisivos (figura 178). Essa imagem
de Gotham se repete por toda a série, sempre oferecendo um
respiro ao leitor do tenso ritmo estabelecido pelo grid de 16
quadros. Acontece de novo na página 5 (figura 179), porém
de forma inversa, na base da página, retornando ao alto na
18 (figura 180), e na 34 da primeira edição (figura 181). No
decorrer da série, Miller usa muito menos esse recurso de
manipulação do ritmo.
Na segunda edição, ele quase não o faz, e Gotham aparece
apenas na página 40, representada como uma silhueta
ocupando metade da página. Na terceira edição, ele não usa, e
na quarta, a cidade faz uma breve aparição na página 17 e na
página 20, mostrando um avião em queda e o resultado dessa
queda na cidade. A cena toma os quatro quadrinhos de ambas
as páginas. Ele volta a mostrar Gotham da mesma forma
na mesma edição na página 31, exibindo os efeitos do inverno
nuclear com a neve caindo sobre a cidade (figura 159), e um
quadrinho televisivo inserido sobre ela. Essa tomada da cidade
é usada por Miller para trabalhar a passagem de tempo na
história, e é exatamente igual a trabalhada por ele na quarta
página da primeira edição, onde ela também é usada para
apresentar o clima da cidade, nesse caso um calor infernal
introduzido na primeira vez que Miller apresenta a cidade
(página 2). Ele usa a cidade de novo para comentar o clima
na página 18 da mesma edição (figura 180), uma tempestade
desta vez. Essa repetição de formato e tema, além de cumprir
a função de quebrar o ritmo, como foi dito, ajuda a situar
o leitor durante o avanço da história funcionando como um
estabilishing shot recorrente. As únicas vezes que ele usa esse
recurso de forma diferente são nas páginas 31, da primeira
edição, e na 40, da segunda edição. Na 31, Miller mostra
Gotham amanhecendo e, no quadrinho televisivo inserido, a
ativista pró Batman faz menção a expectativa de ver o batsinal
projetado nas torres gêmeas da cidade, o que é exatamente
mostrado na visão da cidade apresentada na página 40 da
segunda edição, o símbolo do personagem projetado sobre as
torres da cidade (figura 182).
A segunda página da primeira edição, na verdade, oferece uma
amostra do que está por vir (figura 178). Ela é composta por
dez quadrinhos televisivos que Miller usa para introduzir três
informações vitais para a história: Gotham sofre com uma onda
de violência, o Comissário Gordon está prestes a se aposentar
e Batman está ha dez anos sem ser visto. Essa quantidade
grande de informações é passada de forma eficiente ao leitor
com o dinamismo da televisão, onde notícias são transmitidas
em alta velocidade. E o último quadrinho da página faz a
conexão com a próxima página e com a cena seguinte. Um
dos preceitos básicos da narrativa de quadrinhos é o da
importância do último quadrinho da página da direita, pois ele
deve ser interessante o suficiente para fazer com que o leitor
vire a página. Miller faz isso mostrando no último quadrinho
a âncora do telejornal falando em tom de despedida, como
se o leitor estivesse para desligar a televisão. A proximidade
dela da “tela” também ajuda a chamar atenção para o quadro.
Ao virar a página, ele é conduzido para o mundo “real”, fora
da televisão. A transição funciona pois Miller cumpre o que
promete, ao desligar a televisão o leitor “retorna” ao mundo
real (figura 183).
As páginas 3 e 4 (figuras 183 e 184) oferecem uma possibilidade
de analisar a forma como Miller manipulará esse grid de 16
quadros em seus layouts por toda a série. Ao olhar a página três,
o leitor identifica que o quadrinho mais importante é o último
da página, pois ele é o maior ocupando metade do grid. Os oito
primeiros quadros focam a conversa entre os dois personagens
mencionados pela âncora de televisão na página anterior, Bruce
Wayne e o Comissário Gordon. Miller trabalha todos os quadros
da mesma forma, com closes e enquadramentos parecidos.
O foco é nos personagens e no que eles estão dizendo, por
isso o fundo é composto apenas pela cor. A cena é simples,
mas ele usa técnicas da narrativa clássica para torná-la ainda
mais compreensível, como manter o posicionamento dos
personagens em relação um ao outro, Gordon sempre aparece
olhando para a direita e Wayne para a esquerda. Quando ele
introduz um elemento característico do personagem, o charuto
de Gordon, ele o utiliza para solidificar as posições entre os
personagens, no sétimo quadrinho onde o charuto aparece em
primeiro plano recortando Wayne, e aproveita para mostrar a
resposta de Wayne a incômoda pergunta de Gordon sobre Dick
Grayson, o primeiro Robin, de frente. Miller já usava as sombras
pesadas e largas que aparecem na série, e que caracterizariam
o seu trabalho daí para frente, em alguns desses quadros.
Figura 178 DKR 1 Pg. 2 MILLER, 2002.
Figura 179 DKR 1 Pg. 5 MILLER, 2002.
197
Figura 180 DKR 1 Pg. 18 MILLER, 2002.
Figura 181 DKR 1 Pg. 34 MILLER, 2002.
(acima e a direita) Figura 182 DKR 1 Pg. 40 MILLER, 2002.
(a direita) Figura 183 DKR 1 Pg. 3 MILLER, 2002.
199
sob um poste de luz no Beco do Crime, local onde seus pais
foram mortos quarenta anos atrás. O beco é emblemático na
história do personagem e também o é nesta história, pois é aqui
que o Batman se manifesta pela primeira vez como uma fera
clamando por liberdade. Nos quadrinhos que se seguem, do
sexto ao décimo, Miller enfatiza o personagem. Ele apresenta o
perigo através dos balões dos ladrões, os mostra brevemente no
oitavo quadrinho como figuras enquadrando Wayne, mas eles
são meros coadjuvantes na ação. Os ladrões funcionam como
catalisadores do ressurgimento do Morcego, e Miller mostra
isso graficamente. O foco é completamente no protagonista, a
presença dos bandidos é sentida nas reações de Wayne cada
vez mais próximas no enquadramento, e nos balões de fala dos
ladrões. E o balão cinza do Batman faz sua primeira aparição
diferenciando-o do de Wayne. A cor também é trabalhada em
prol da narrativa, nos primeiros quadros da página 3 as cores
são mais quentes e ajudam a compor o fundo do quadrinho,
demonstrando uma sensação de aconchego do espaço interno.
A partir do nono quadrinho, as cores ficam frias e quase
monocromáticas, representando a desolação da cidade e sua
aspereza emocional. Elas escurecem gradualmente conforme
a narrativa progride rumo a página seguinte, mas Lynn Varley
trabalha a valorização de alguns quadrinhos importantes
tornado-os mais claros, quase brancos, como o quarto e o
sétimo da página quatro. Essa identidade visual de cores é
mantida sempre que a cidade é mostrada como uma metrópole
melancólica sob os olhos do protagonista.
Notadamente o segundo, o terceiro, o quarto e o oitavo. Como
não é importante para esta parte da cena que o leitor saiba
onde os personagens estão, Miller não mostra nenhum indício,
e guarda o estabilishing shot para o último quadrinho da
página. Na verdade, esta imagem também estabelece o cenário
da próxima página, mostrando Wayne caminhando pelas ruas
sujas e caóticas de Gotham. Miller deixou um espaço lateral ao
lado do quadro para o texto letrerizado por John Constanza. A
imagem, sem nenhuma interferência textual, oferece ao leitor
a primeira chance de ver por completo o envelhecido Bruce
Wayne e de vivenciar a decadência de Gotham. O quadrinho
maior permite que o leitor leve mais tempo nele e absorva de
forma mais demorada a situação melancólica e conflituosa
do protagonista. O texto complementa a informação como
uma combinação interdependente, e em parte duo específico.
Na página 4, os primeiros quadrinhos apresentam o primeiro
contato do leitor com os pensamentos do personagem
conforme ele a si mesmo desculpas por ter abandonado o
combate ao crime. Os enquadramentos vão ficando cada vez
mais próximos e apertados representando essa luta interna do
personagem, enquanto quem continua a história é o texto em
uma combinação específica de palavras. Miller muda o ângulo
do enquadramento do quarto quadrinho, o último da seqüência,
abordando o personagem de cima, como se fosse a visão do
poste de luz do quinto quadrinho da página, trabalhando
com a antecipação. O quinto quadrinho é o mais importante
da página, pois ele mostra o velho e bigodudo Wayne parado
Figura 184 DKR 1 Pg. 3 MILLER, 2002.
201
quadrinho
Miller usa a relação do quadrinho com a mensagem em
diversos momentos. Um exemplo disto está na página 6 (figura
185), quando o cirurgião plástico e o psiquiatra de Harvey
Dent, ex-Duas Caras, se preparam para retirar as bandagens
do rosto recém operado de seu paciente. Duas Caras possui
metade do rosto desfigurado devido à um acidente com ácido,
e essa condição se reflete em sua dupla personalidade. Miller
explora essa dualidade do personagem na disposição dos
quadrinhos a partir do oitavo. Todos os quadrinhos até o fim
da página são divididos ao meio sendo compostos por dois
quadros. E a divisão sempre cai estrategicamente no meio do
rosto de Harvey Dent. Isso se repete até o último quadrinho
da página quando a totalidade da imagem é restabelecida de
forma análoga à reconstituição do rosto do personagem, que
ainda não é revelado ao leitor escondido por um espelho. A
curiosidade impele o leitor a virar a página, valorizando o último
quadrinho, e ele é recompensado pelo primeiro quadrinho da
página 7 (figura 186), que mostra o rosto completo de Dent.
Os quadrinhos televisivos fazem o papel de transição na história
conectando a cena de Dent com a cena do sonho de Wayne,
que é a seguinte (figura 187). Essa conexão funciona para
avançar a história ao mesmo tempo que oferece explicações
adicionais e reflexões sobre os eventos recém apresentados. A
televisão mostra a repercussão do caso de Dent ao entrevistar
os médicos, o próprio Dent recuperado, o Comissário Gordon
e termina com as declarações de Wayne, que foi o patrocinador
da operação de Dent. Ao terminar em Wayne, a seqüência de
quadrinhos televisivos conecta as duas cenas.
A cena a seguir é importante para explicar a formação do
personagem. Ela havia sido feita antes, mas brevemente,
não com tamanha exploração visual e dramaticidade como fez
Miller. Ela é tão forte que foi reproduzida no recente filme de
Christopher Nolan Batman Begins. A cena mostra um sonho
de Wayne relembrando seu primeiro contato com os morcegos
que habitam as cavernas abaixo da mansão de sua família. Ela
começa na metade da oitava página (figura 187), e Miller usa
três quadrinhos para fazer um estabilishing shot dramático
e temático apresentando uma silhueta da mansão Wayne
contra a lua cheia, que é cruzada por um morcego voando.
O estabilishing shot, usado de forma inovadora e diferente da
narrativa clássica, apresenta o lugar, mas também o tom
à seqüência. Através da justaposição das imagens, o leitor
entende que Wayne, mostrado no décimo segundo quadrinho,
está no lugar estabelecido no quadrinho anterior, a mansão. A
cor ajuda a dar unidade a cena, pois o azul é mantido durante
a passagem. O texto auxilia a passagem seguinte, do décimo
segundo para o décimo terceiro quadrinho. Wayne murmura
ao dormir ...mais rápido do que um coelho...”, e no quadrinho
seguinte aparece ainda criança correndo atrás de um coelho. O
leitor entende que o garoto mostrado é o pequeno Wayne em
função também da justaposição de imagens e da informação
textual. A cores desaturadas e claras destacam o sonho da
realidade até o último quadrinho da página que mostra o
pequeno Wayne caindo em um buraco. Miller vazou o preto
Figura 185 DKR 1 Pg. 6 MILLER, 2002.
203
do quadrinho para o fim da página dando continuidade a
imagem, e o balão de um dos pais do garoto gritando seu
nome ajuda a tornar a cena forte. Na página seguinte (figura
188), Miller continua a narrativa com um longo quadrinho
vertical ocupando todo o lado esquerdo da página. Ele
representa a profundidade da caverna com o formato vertical
do quadrinho e ao desenhar o garoto pequeno em relação
ao tamanho do quadrinho. A onomatopéia é fundamental
nesta seqüência. A base do quadrinho é povoada de palavras
repetidas que surgem da escuridão. Elas representam os sons
emitidos pelos morcegos. Miller repete o recurso no segundo
quadrinho, porém invertendo as posições do garoto e das
onomatopéias reforçando a idéia de que ele caiu e aterrisou. O
balão de Wayne auxilia a leitura conectando os dois quadros.
Ele compõe os dois quadrinhos seguintes de forma bastante
gráfica variando a posição dos morcegos entre o primeiro
e o terceiro plano mantendo Wayne no segundo, dando
a sensação de que o garoto está cercado pelos animais. A
onomatopéia ocupa todo fundo dos quadros ajudando a
demonstrar a desorientação. Conforme os morcegos passam
pelo garoto, no quinto quadrinho, as onomatopéias diminuem
de tamanho e intensidade, demonstrada pela mudança da
cor vermelha para cinza usando um recurso técnico de forma
narrativa. Miller distancia a “câmera” do garoto mostrando a
amplitude da caverna e valorizando a condição solitária em
que ele se encontra. No quadrinho seguinte, ele amplifica esse
sentimento com um close em Wayne, mas sem ocupar o quadro
todo, o garoto aparece no canto inferior direito do quadrinho.
A próxima imagem é um close extremo do rosto de Wayne
dividido em quatro partes. Esse recurso dramatiza a imagem
ao diminuir a velocidade de leitura do quadro, forçando o leitor
a absorver cada parte da imagem por vez, que mostra Wayne
assustado olhando para algo. O último quadrinho da página
é completamente preto, quebrado por dois olhos e narinas
alaranjados. O quadro é precedido por um texto narrado por
Wayne. A narração é feita da mesma forma que anteriormente
quando o personagem mais velho foi apresentado pensando,
e isso serve para conectar os dois Waynes. A décima página
(figura 189) começa com uma seqüência de oito quadrinhos
mostrando a aproximação do morcego em direção ao garoto,
consumindo-o com sua sombra. Miller mostra a cena ritmada,
com os quadrinhos todos do mesmo tamanho e a ação se
desenrolando seqüencialmente interrompida apenas no
quinto quadrinho por um close assustador do morcego. O
texto continua fora dos quadrinhos até o último da seqüência,
o oitavo, quando o texto é inserido em um balão de narração
dentro do quadro e na cor cinza característica do Batman.
A página termina com um grande quadrinho ocupando a
metade de baixo mostrando o Wayne mais velho observando
a caverna. A cena é mostrada de cima com o intuito de revelar
a base do Batman completamente desativada, com todos
os veículos e equipamentos cobertos por lençóis. O texto
se estabelece do lado esquerdo do quadro, sem interferir
na imagem, deixando a mensagem visual bastante clara. O
quadro é igual ao mostrado na página três, quando vimos
Wayne por inteiro pela primeira vez, porém é invertido. A cor
(acima) Figura 186 DKR 1 Pg. 7 MILLER, 2002.
(a direita) Figura 187 DKR 1 Pg. 8 MILLER, 2002.
205
(a extrema direita) Figura 188 DKR 1 Pg. 9 MILLER, 2002.
(a direita) Figura 189 DKR 1 Pg. 10 MILLER, 2002.
(abaixo) Figura 190 DKR 1 Pg. 12 MILLER, 2002.
(página 206) Figura 191 DKR 1 Pg. 13 MILLER, 2002.
(página 207) Figura 192 DKR 1 Pg. 14 MILLER, 2002.
(página 208) Figura 193 DKR 1 Pg. 15 MILLER, 2002.
(página 209) Figura 194 DKR 1 Pg. 16 MILLER, 2002.
207
também transmite uma mensagem interessante e importante
para a história. Wayne e a caverna são representados com tons
frios e desaturados, cinzas e marrons, enquanto o morcego, o
agente transformador da mudança do personagem, é sempre
representado com cores quentes e vivas, laranjas e vermelhos,
destacando-o em detrimento do personagem.
Nas páginas 13 e 14, Miller aborda o momento mais famoso da
história do personagem, o assassinato de seus pais. Desde sua
introdução na cronologia do Batman, a cena é provavelmente
a passagem mais visitada por quadrinistas em toda a sua
história. Toda HQ dele remete a esse evento que marcou o
nascimento do Batman. Miller trabalha sua interpretação da
seqüência como o restante da história, de forma dramática.
É um dos poucos momentos da mini-série em que Miller
utiliza o grid de 16 quadros por completo por mais de uma
página. O leitor é forçado a ler as duas páginas sem respiro, e
a ação se desenrola vagarosamente como uma seqüência em
slow motion. Miller obtém esse efeito através da quantidade
de quadros por página. A cena começa na página anterior, 12
(figura 190), com Bruce Wayne assistindo televisão e o filme
lhe desperta lembranças perturbadoras. A Máscara do Zorro
é o mesmo filme que ele fora assistir com os pais no cinema
quando estes foram assassinados. O primeiro quadrinho da
página 13 (figura 191) mostra o velho Wayne bebendo vinho
em frente à televisão. Nos três quadrinhos seguintes, a câmera
se aproxima do rosto de Wayne enquanto ele percebe o filme
que começa. Na linha de baixo, Miller intercala quadrinhos
do velho Wayne assustado com a lembrança, e imagens da
própria lembrança. Conforme a memória assume o papel
central na narrativa, Miller concentra as imagens nas reações
do pequeno Wayne brincando. Seus pais são apresentados
nos três primeiros quadrinhos da lembrança, respectivamente
o sexto, o oitavo e o nono da página, mas em seguida, as
atenções são voltadas para o garoto. Miller antecipa o assalto
através da expressão nas mãos de Thomas Wayne, pai de Bruce,
agarrando a camisa do filho e puxando-o para trás de si. No
penúltimo quadrinho da página, o leitor o rosto assustado
do garoto e em seguida o cano da arma. O quadrinista
compôs as imagens dentro dos quadrinhos de modo que elas
ficassem uma de frente para outra, para estressar a relação e
a justaposição, Bruce Wayne olha para a direita enquanto a
arma aponta para a esquerda. Nos dois primeiros quadrinhos
da página seguinte (figura 192), Miller retorna ao mesmo
enquadramento da mão do pai sobre o filho. Novamente, o
leitor vê as reações do pai através da expressividade das mãos,
neste caso, o pai cerra o punho indicando que ele não aceitará
pacificamente o assalto. No terceiro e quarto quadrinhos,
Miller inverte o ponto de vista fazendo um contra plano, como
é chamada essa inversão no cinema. O leitor agora está atrás
do garoto e do pai vendo o assaltante pela primeira vez. A
cabeça do jovem Wayne está em primeiro plano, a silhueta do
braço do pai é mostrada no segundo plano, e o assaltante em
terceiro. No quarto quadrinho, o braço do pai está mais alto
mostrando a reação ao assaltante. Nos cinco quadrinhos que
se seguem, Miller usa closes extremos da arma para mostrar
o disparo que vitima Thomas. Primeiro o leitor acompanha
o gatilho sendo pressionado e depois a trajetória da cápsula
da bala sendo ejetada da arma. No décimo quadrinho Miller
retorna para o enquadramento do garoto e da mão do pai,
para mostrar indiretamente a morte do mesmo. Os últimos
quadrinhos da página apresentam enquadramentos de partes
do corpo do pai caindo e da mãe sendo atacada pelo assaltante,
remetendo a confusão instaurada na cena. Miller potencializa
a dramaticidade da cena através de closes e super closes.
Enquanto o ladrão busca o colar de pérolas da mãe, o leitor
passa para a página seguinte, décima quinta (figura 193),
onde Miller inicia a conclusão da cena voltando a intercalar
imagens da lembrança com as do presente. A morte da mãe
é mostrada também de forma indireta, mais até do que a do
pai, pois o leitor vê o bandido apontar a arma para o pescoço
dela enroscando seu braço no colar, e entende que o tiro
foi disparado ao ver as contas do colar se separarem. Essas
últimas cenas são gradativamente intercaladas por imagens
do rosto do velho Bruce assustado. Miller acrescenta balões
do som da televisão reportando crimes cometidos em Gotham,
como o seqüestro de crianças pela gangue dos Mutantes. A
seqüência termina com um último quadrinho focando um
apresentador de televisão. Miller quebra o grid preenchendo a
composição de quadros emulando Wayne zapeando entre os
canais tentando fugir das notícias ruins que estão em todos
os canais. Ele intercala imagens do protagonista com diversos
apresentadores de televisão até culminar na já conhecida
âncora do telejornal, que enfim traz boas noticias sobre o
tempo (do quadrinho nove ao dezesseis). As onomatopéias
presentes nos quadrinhos que mostram Wayne trocando de
canal ajudam o leitor a entender que ele está operando o
controle remoto. Ao retornar para o grid padrão, o quadrinista
mostra cenas de Wyane sucumbindo a tristeza intercaladas
por um quadrinho das contas do colar de sua mãe ainda
intactas. O último quadrinho da página apresenta um close
do protagonista com a mão na frente do rosto, a imagem e a
posição da mão fazendo uma menção à ele mesmo vestindo
a máscara do Batman. A décima sexta página (figura 194)
começa com um quadrinho amplo, onde o grid faz as vezes
das janelas da mansão enquanto um Wayne transtornado
esbarra e derruba uma estátua em sua casa quebrando-a. O
movimento de queda da estátua é repetido pelos balões de
pensamento do personagem dando mais dinâmica a cena e
ajudando a conduzir o olhar do leitor. Na metade de baixo da
página, Miller intercala imagens de Wayne no chuveiro com
imagens do flashback, a cápsula da bala ejetada, ele quando
jovem em pânico e as contas do colar voando, tudo isso com
balões de pensamento fora dos quadros documentando a luta
interna do personagem. Ao virar a página mais uma vez, o leitor
é confrontado pelo grid quase completo de novo. Miller mostra
uma imagem de Wayne no escritório de sua casa, a grade da
janela está em primeiro plano representando o aprisionamento
do Batman dentro de Wayne. O quadrinista intercala imagens
do protagonista sofrendo ao ouvir mensagens de sua secretária
eletrônica, uma de Harvey Dent, ex-inimigo supostamente
209
211
213
reformado, uma de Clark Kent, amigo distante, e Selina Kyle, ex-
rival e amante, todos relacionados primariamente ao Batman
e não a Wayne, com imagens da janela e de um morcego se
aproximando desta. A iluminação é sombria e escura, recortada
apenas pelos relâmpagos. Conforme a câmera se aproxima do
personagem e da janela, as imagens quase se unem, e Wayne
abandona o rosto desesperado se conformando e abraçando a
mudança. No último quadrinho da página, o maior ocupando
quatro quadros do grid, Miller mostra um morcego destruindo
a vidraça da casa. A imagem é simbólica pois representa
a primeira vez que ele se tornou o Batman, e é usada aqui
para marcar sua ressurreição. As cores de toda a seqüência
seguem uma identidade, o flashback transita entre o cinza e o
marrom, semelhantes aos do outro flashback, as imagens de
Wayne em sua casa são majoritariamente azuis com exceção
das que mostram o efeito do relâmpago na iluminação, e as da
televisão são coloridas e mais saturadas. A seqüência de Miller
é muito original e faz uso eficiente do seu grid e da temática
mais dramática e exagerada da série. Não foi por acaso que
esta seqüência tornou-se uma referência da passagem na
história do Batman.
onomatopéia
O som, emulado através da onomatopéia, é um elemento muito
importante no storytelling do Cavaleiro das Trevas, tanto para
o layout das páginas, como para a narrativa visual, como para
o andamento da história. Na página 23 da primeira edição
(figura 195), Miller abre com uma grande onomatopéia de um
trovão ocupando toda primeira parte horizontal de cima do
grid. Mas a própria onomatopéia faz as vezes do quadrinho já
que o próprio relâmpago é mostrado dentro dela. A narrativa
progride mostrando Carrie, a futura Robin, e uma amiga
andando por uma região iluminada por neons na cidade. Ele
usa o neon de um desses lugares para caracterizar o corte na
eletricidade (quadrinhos sete e oito), e reforça essa situação
trabalhando apenas com silhuetas (a partir do quadrinho nove
(acima) Figura 195 DKR 1 Pg. 23 MILLER, 2002.
(a direita) Figura 196 DKR 1 Pg. 24 MILLER, 2002.
215
até o fim da página e na próxima). Na página seguinte (figura
196) mantém consistente esse uso de silhuetas para escuridão,
mostrando cores e detalhes apenas quando os quadros são
iluminados por relâmpagos. Miller usa a onomatopéia como
elemento visual condutor da narrativa no quinto quadrinho,
e do sexto para o sétimo, quebrando a borda do mesmo com
o grito do bandido. Ele repete essa solução na passagem do
nono para o décimo quadrinho com a onomatopéia do braço
do outro bandido se partindo. Esse uso do efeito sonoro ajuda
a conduzir a leitura.
Na página 25 (figura 197), Miller continua usando as
onomatopéias na narração. Nos dois primeiros quadros, ele
faz a conexão visual através dela, e no sétimo e oitavo elas
são utilizadas para mostrar a sirene do carro de polícia e para
conectar dois quadros (o balão de transmissão do rádio da
polícia). Na história, o leitor já leu metade da edição, sabe que
Batman retornou, viu alguns indícios desse retorno, mas
ainda não foi apresentado a ele. Miller constrói esse retorno
aumentando a tensão e espalhando a informação de sua volta.
Os quadrinhos televisivos nas páginas 25 e 26 (figura 198)
relatam os telejornais através de diferentes âncoras dando
notícias de seu aparente retorno, mas ainda sem nenhuma
fonte confiável. Os informes da televisão são intercalados por
cenas de uma perseguição policial à um carro com bandidos. As
cores, sempre laranja, além do formato dos quadrinhos, ajudam
o leitor a diferenciar as transmissões televisivas do mundo
“real”. As onomatopéias são amplamente usadas aqui dando a
sensação conhecida por qualquer habitante de uma metrópole
do alto som e da barulheira do trânsito, especialmente com
uma sirene por perto. Miller trabalha a composição dos
quadros combinando as imagens e os textos da onomatopéia
de forma dinâmica, usando-as para reforçar a movimentação
das figuras. Na perseguição, ele focou os dois policiais de
dentro da viatura, um novato e um experiente. Conforme a
cena chega ao fim da página 26, ele confirma o retorno do
protagonista usando a experiência do policial mais velho que
desliga a sirene, ato reforçado pelo fim da onomatopéia, e
antecipa a entrada do Batman, que é consumada na página
seguinte (figura 199), na primeira página splash da série.
Miller mostra o personagem em toda sua glória, usando
um ângulo baixo para enquadrá-lo caindo do céu e com
aspecto grandioso. A combinação da imagem com o texto é
interdependente oferecendo ao leitor acesso aos pensamentos
do personagem. A página não é um splash clássico pois possui
três inserções de quadrinhos televisivos e seus balões, que
mostram pessoas dando depoimentos sobre uma criatura
sobrenatural ao comentarem sua experiência quando foram
salvas pelo Batman. Os depoimentos servem à dois propósitos:
valorizar o personagem em sua aparição, comparando os
comentários com a imagem e a visão do próprio Batman, e
inseri-lo definitivamente no universo da história dominado
pela televisão. No primeiro quadrinho da página seguinte
(figura 200), o leitor é apresentado ao carro dos bandidos da
seqüência anterior e suas caras espantadas, e é sobre ele que
(acima) Figura 197 DKR 1 Pg. 25 MILLER, 2002.
(a direita) Figura 198 DKR 1 Pg. 26 MILLER, 2002.
217
(acima) Figura 200 DKR 1 Pg. 28 MILLER, 2002.
(abaixo) Figura 202 DKR 1 Pg. 32 MILLER, 2002.
Figura 199 DKR 1 Pg. 27 MILLER, 2002.
(acima) Figura 201 DKR 1 Pg. 31 MILLER, 2002.
219
o Batman cairá. A página é composta apenas por quadrinhos
horizontais quebrando o grid original, que valorizam a
movimentação e a narrativa cinematográfica. A onomatopéia
é fundamental assegurando a sensação de movimento do
carro nos quadros. A do segundo quadrinho, que é o maior da
página, é bastante inovadora ao mostrar a palavra segmentada
por círculos emulando o impacto do Batman aterrisando no
capô do carro. Os demais quadrinhos da página são estreitos e
dinâmicos acelerando a leitura e a movimentação. Nas páginas
31 e 32, Miller faz uso das onomatopéias de forma mais direta.
Na primeira (figura 201), os quadros longos e verticais tornam
a ação ágil e rápida de ler e remetem ao ambiente fechado em
que ela se passa, onde os bandidos estão a mercê do Batman.
Nos primeiros dois quadrinhos, a onomatopéia comunica ao
leitor o barulho do chão de madeira, que mascara a sorrateira
movimentação do Batman. No quarto, a posição das letras
ajuda a caracterizar o movimento do bandido sendo puxado
pelo Homem Morcego. A cor branca da onomatopéia a
destaca do restante do quadrinho. No quinto quadrinho, ela é
posicionada exatamente abaixo da metralhadora disparando,
funcionando como um prolongamento da ação. E por fim, no
quinto quadrinho da página 32 (figura 202), a onomatopéia
ajuda a potencializar os efeitos da cena. O efeito sonoro de
quebra no chute do Batman faz do golpe muito mais potente
do que ele seria sem ela.
Miller abusou do uso de silhuetas e da variação de áreas
coloridas para algumas com poucas cores, e até preto e
brancas na série. Nas páginas 45 e 46 (figuras 203 e 204),
que concluem a primeira edição mostrando o embate final do
Batman com o Duas Caras, ambas as páginas possuem duas
grandes áreas horizontais, no topo e na base, e um intervalo
no meio. Na primeira, a 45, Miller começa com uma tomada
interna de um escritório cuja janela está sendo quebrada por
Batman e Duas Caras se atracando. A cena é toda construída
por silhuetas que são quebradas apenas pela onomatopéia
branca do som dos vidros estilhaçados. O que se segue são
oito quadrinhos intercalados com cenas da briga entre os
personagens, e um helicóptero se afastando. Os quadrinhos
com a briga (três, cinco e sete), que são todos do mesmo
tamanho, são mostradas apenas silhuetas também quebradas
pelas onomatopéias dos golpes, mas Miller usa as bandagens
do rosto do Duas Caras para ajudar o leitor a entender as
largas áreas pretas. os quadrinhos do helicóptero, também
usando puramente silhuetas, vão diminuindo cada vez mais
conforme ele se distancia. A própria onomatopéia também
diminui dando continuidade a mensagem, e as sarjetas ficam
cada vez maiores conforme ele se distancia. Este é um recurso
interessante para resolver o problema do tempo, pois os três
golpes da briga levam menos tempo para se desenrolar do que
o distanciamento do helicóptero. Essa solução ainda ajuda a
silhuetas
Figura 203 DKR 1 Pg. 45 MILLER, 2002.
Figura 204 DKR 1 Pg. 46 MILLER, 2002.
221
criar um senso de expectativa no leitor que leva mais tempo
se deslocando de um quadrinho ao outro. O clímax da página
é a grande explosão do último quadrinho, que também é a
imagem mais colorida da página. No primeiro quadrinho da
página seguinte, Miller mostra o resultado desta explosão de
cores no universo monocromático das páginas. O quadrinho é
preto e branco com as figuras em alto contraste. Os balões são
amarelos destacando-os da composição e facilitado a leitura.
Esse alto contraste e o grande balão amarelo com a fala do
Batman também valoriza o momento em que ele descobre que
o homem por trás das bandagens é mesmo Harvey Dent, ou o
Duas Caras, apesar de sua torcida para que fosse apenas um
imitador. O meio da página retorna ao grid básico da história
e Miller abre espaço para mais nuances e tons fugindo do alto
contraste, mas termina o último quadrinho com a escuridão,
refletindo a conclusão soturna da primeira edição.
Ele usa o recurso da silhueta de forma dramática por toda a
série, como ao apresentar Batman patrulhando a cidade pela
primeira vez na segunda edição (página 3) (figura 205), ou na
conversa de Batman com Gordon no topo da delegacia (página
40) (figura 206). Ele faz variações na silhueta de diversos
personagens, como ao mostrar a capa amarela da Robin na
página 8 da terceira edição, ou a capa vermelha do Superman
em diversos momentos (figura 207). Esse uso da silhueta é um
marca registrada de seu trabalho e ele elevou a prática com
maestria em Sin City, sua HQ em preto e branco.
(acima) Figura 205 DKR 2 Pg. 3 MILLER, 2002.
(acima e a direita) Figura 207 DKR 4 Pg. 24 MILLER, 2002.
(a direita) Figura 206 DKR 2 Pg. 40 MILLER, 2002.
223
O quadrinista também recorre aos balões para conduzir a
narrativa dependendo da necessidade. Na página 10 da segunda
edição (figura 208), Miller usa os doze últimos quadrinhos
da página para trabalhar de forma criativa um evento na
história. Os quadrinhos são todos pretos, a exceção dos três
últimos que começam a revelar gradativamente uma cidade,
através do que parecem ser dedos. Ao virar a página (figura
209), o leitor se depara com Batman, que capturara um do
integrantes dos Mutantes, interrogando o criminoso no topo
de um prédio. Ele o prendeu em um gárgula amarrado pelos
pés de cabeça para baixo. A visão que os últimos quadrinhos
da página dez oferecem ao leitor é a visão do próprio Mutante
pendurado. Visão esta que é descortinada pelos dedos da mão
do Batman. Nesses quadrinhos pretos, Miller usa os balões
para dar continuidade a narrativa. Caracterizando dois tipos
de balão diferentes, um cinza e sólido, que o leitor sabe
ser do Batman, e um magenta e irregular para o bandido.
Miller coloca o leitor na posição do Mutante desde o início,
ambos estão desorientados e não sabem o que aconteceu, e
a situação é revelada a ambos ao mesmo tempo aumentando
o impacto para o leitor. Miller utiliza esse recurso novamente
quando o líder dos Mutantes escapa da prisão por um duto
de ventilação em uma estratégia do Batman (página 41 da
segunda edição) (figura 210). Mas neste caso, ele faz uso das
onomatopéias para caracterizar o espaço e as mudanças de
local do personagem.
balões
(acima) Figura 208 DKR 2 Pg. 10 MILLER, 2002.
(a direita) Figura 209 DKR 2 Pg. 11 MILLER, 2002.
(a extrema direita) Figura 210 DKR 2 Pg. 41 MILLER, 2002.
225
Miller mostra interessantes soluções de ritmo e construção de
página dentro de seu grid nas duas brigas de Batman com
o líder dos Mutantes, ainda na segunda edição. Na primeira,
iniciada na página 16 (figura 211), ele começa com um
grande quadrinho, o maior da página, apresentando o líder
aos leitores. Até então ele só havia aparecido em silhuetas. Em
um quadrinho ocupando metade da página, Miller introduz
o personagem de forma definitiva. Usando o mesmo recurso
de separar o pensamento do Batman em uma tarja lateral
da imagem, ele adiciona os balões do personagem ao lado
do quadrinho do líder. Nos três quadrinhos que se seguem,
ele apresenta closes extremos do vilão discursando a seus
comandados, e no quinto quadrinho da página, mostra o
Batman observando a cena de dentro do Batmóvel - um close
na mão dele apertando um gatilho no sexto quadrinho, e um
maior, o último da página, com o líder tomando um tiro na
tocha que ele empunhava. A onomatopéia funciona como um
último quadrinho convidando o leitor a mudar de página. As
cores de Varley servem à narrativa mantendo-se quentes nas
cenas do líder, e frias dentro do Batmóvel.
Nas duas páginas que se seguem Miller apresenta a sua versão
do carro do Batman, mais realista, ela se assemelha a um
descomunal tanque de guerra. A versão serviu de inspiração
para o Batmóvel do recente filme do Homem Morcego,
Batman Begins. As páginas possuem poucos quadrinhos,
quatro na primeira, na página 17 (figura 212), e um splash
na segunda, na página 18 (figura 213). O foco de Miller é
no arsenal do carro, as onomatopéias grandes extrapolam
as bordas do quadrinho e as explosões tomam conta. As
cores se mantém consistentes às estabelecidas na página
anterior. Na página 19 (figura 214), em meio a cacofonia de
sons e cores representando a batalha, Miller introduz dois
quadrinhos, sexto e sétimo da página, sem qualquer relação
com a mesma e completamente diferentes. Eles mostram os
pais da Robin se lembrando da existência da filha, que havia
sido mostrada no quadrinho anterior no campo de batalha
(no quinto quadrinho especificamente). O interlúdio oferece
um respiro ao leitor antes da briga realmente começar. Mas
Miller se certifica de manter o leitor dentro da cena principal
ao mostrar a metade de baixo da página a escala do Batmóvel
cara a cara com o líder. Na página seguinte (figura 215). Ele
oferece uma visão do Batman dentro do carro cercado por
painéis, controles e gatilhos. Ele enxerga o lado de fora através
de um monóculo tecnológico. Miller usa o formato deste
para destacar o líder em pequenos quadrinhos circulares que
quebram o grid, intercalados à closes do Batman.
Ao virar a página, o leitor se depara com uma página splash
do Homem Morcego saindo do Batmóvel para enfrentar
o vilão (figura 216). Ele sorri enquanto cerra os punhos
a caminho da briga. A cena serve como um respiro ao
leitor, depois de cinco páginas de antecipação ao combate.
Quando a briga realmente começa (figura 217), Miller varia
entre quadros compridos horizontalmente e menores,
dentro do grid, apresentando detalhes e resultados de
ritmo e construção de página
(a direita) Figura 211 DKR 2 Pg. 16 MILLER, 2002.
(a extrema direita acima) Figura 212 DKR 2 Pg. 17 MILLER, 2002.
(a extrema direita abaixo) Figura 213 DKR 2 Pg. 18 MILLER, 2002.
227
golpes, e cenas abertas mostrando chutes e socos por
completo. A cor é mais escura, ainda dentro da mesma
cromia, mas representando o fim das explosões e tiros.
O clima sombrio ajuda a construir a atmosfera da cena
quebrada apenas pelas onomatopéias brancas dos golpes e
ossos se partindo. Miller as distribui pela página auxiliando
a leitura e valorizando a movimentação dos personagens
e a intencionalidade dos movimentos. Mesmo os dois
personagens sendo bastante diferentes, ele caracterizou
o líder com óculos cujo visor vermelho o destaca nos
quadrinhos tornando qualquer confusão improvável. Miller
também usa silhuetas diversas vezes criando uma variação
de soluções gráficas, como a do sétimo quadrinho da
página 23 (figura 218), onde ao representar o líder da visão
do surrado Batman, ele o desenha como um contorno
disforme e embaçado emulando a condição física abalada
do protagonista. A variação no tamanho dos quadros
cria um ritmo frenético, mas possível de ser aproveitado
pelo leitor conforme a briga se desenrola. E em alguns
momentos, Miller valoriza alguma cena específica, como o
último quadrinho da página 24 (figura 219) quando o líder
fratura o braço de Batman. É um quadrinho sem requadro e
com o fundo branco, a variação chama atenção e aumenta o
impacto da cena, ajudada pela única onomatopéia colorida
de toda a seqüência. As últimas duas páginas (figuras
220 e 221) não tem onomatopéias, como se o Batman
estivesse por demais ferido para conseguir ouvir qualquer
barulho. Conforme o espancamento termina e a Robin
Figura 214 DKR 2 Pg. 19 MILLER, 2002.
Figura 215 DKR 2 Pg. 20 MILLER, 2002.
Figura 216 DKR 2 Pg. 21 MILLER, 2002.
229
Figura 217 DKR 2 Pg. 22 MILLER, 2002.
Figura 218 DKR 2 Pg. 23 MILLER, 2002.
(acima e a direita) Figura 219 DKR 2 Pg. 24 MILLER, 2002.
Figura 220 DKR 2 Pg. 25 MILLER, 2002. Figura 221 DKR 2 Pg. 26 MILLER, 2002.
231
entra em cena para ajudar o protagonista, o único “som”
são os pensamentos de Batman. A cena termina em um
quadrinho sem fundo nem bordas com o Homem Morcego
extremamente ferido no chão, ajudado pela Robin.
Na história, depois do primeiro embate perdido pelo Batman, ele
chega a conclusão de que seu erro foi lutar como um jovem, mas
sendo um velho, foi tentar igualar a selvageria e a ferocidade de
seu inimigo quando ele não mais podia. Quando eles voltam a
se enfrentar, na página 42 (figura 222), ele usa sua inteligência e
estratégia superiores ao líder para vencer. Miller representa essa
mudança de duas formas. A segunda briga é bem mais rápida do
que a primeira e Miller dá atenção à platéia. Enquanto a primeira
se estendeu por onze páginas, a segunda leva apenas quatro.
Começando na página 41 (figura 210) da segunda edição, ela
também é visualmente mais clara e colorida do que a primeira.
O céu é azul (figura 223), a lama, parte da estratégia do Homem
Morcego para tornar seu oponente mais lento, é marrom, bem
como os personagens que a ocupam, e a platéia é uma grande
silhueta coletiva e preta recortada pelos visores vermelhos dos
Mutantes. O objetivo do personagem é humilhar o líder para acabar
com a gangue, já que eles são muitos para serem presos, por isso
a importância da platéia. No decorrer da briga, Miller posiciona
alguns quadros com comentários de membros da gangue, e
como não importa quem eles sejam individualmente, os trata
como silhuetas. A segunda briga também possui muito menos
quadrinhos abertos e longos e mais quadros que se mantém no
grid, ela é quase toda ditada pelo Batman conforme sua estratégia
funciona (figura 224). Ele repete algumas soluções reforçando
a narrativa, o golpe final é a única onomatopéia colorida do
combate, mas desta vez quem o aplica é o protagonista. A luta
termina em um grande quadro ocupando metade da página 45
(figura 225) mostrando Batman em e seu oponente caído,
ambos cercados por Mutantes atônitos. Miller enquadra a cena de
cima apresentando-a em sua totalidade. Ela é quebrada por um
único quadrinho televisivo com os novos Seguidores de Batman.
Figura 222 DKR 2 Pg. 42 MILLER, 2002. Figura 223 DKR 2 Pg. 43 MILLER, 2002.
Figura 224 DKR 2 Pg. 44 MILLER, 2002. Figura 225 DKR 2 Pg. 45 MILLER, 2002.
233
Miller usa uma interessante solução para introduzir o
Superman na história sem mostrá-lo, como é sua estratégia
para todos os grandes personagens. Na página 26 da segunda
edição, ele mostra a Casa Branca em um quadrinho horizontal
ocupando toda a fileira do topo (figura 226). O estabilising
shot apresenta o espaço através das grades e mostra uma
bandeira americana tremulando acima da casa. Nos oito
quadrinhos que se seguem, cada um se aproxima mais um
pouco da bandeira, até ela se tornar apenas listras vermelhas,
e então curvas vermelhas e brancas, que se tornam vermelhas
e amarelas e se caracterizam, no nono quadrinho da página,
como o emblema no peito do Homem de Aço. Além de
apresentar o personagem de forma sutil, Miller estabelece
a condição dele de fantoche do governo totalitário. Os textos
funcionam como uma Combinação Paralela às imagens, os
balões organizados nos quadros mostram a conversa entre
Superman e o presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan,
e as imagens reforçam gráfica e indiretamente essa relação de
subserviência. O presidente pede ao Homem de Aço que fale
com o Batman, pois ele está “passando dos limites’.
estabilishing shots
splashes
Miller trata os splashes em suas páginas como interrupções
no ritmo frenético da história. Na seqüência que se inicia na
página 8 da terceira edição, ele, depois de sete páginas de
um combate entre Batman e um grupo nazista em uma loja
de conveniência, é entrecortado por inúmeros quadrinhos
televisivos cobrindo a repercussão do retorno do Homem
Morcego nos diferentes escalões de poder e na sociedade, e
pela aparição de Superman como um raio. Depois de quase
uma centena de quadros em apenas sete páginas, a oitava
termina com uma silhueta de Batman e da Robin correndo
pelo topo dos prédios de Gotham (figura 227). Batman chama
a atenção dela por tê-lo desobedecido durante o combate e
ela o questiona a respeito da existência ou não de Superman.
O início do diálogo acontece nesse quadrinho, mas ele é
interrompido por uma página splash da dupla em pleno ar
(figura 228). Sem qualquer palavra, o leitor é convidado a
contemplar a primeira aparição da dupla dinâmica em uma
splash. O diálogo continua no primeiro quadrinho da página
10 (figura 229). A página splash oferece uma quebra no ritmo
dando ao leitor uma chance de respirar e aproveitar a arte.
Quando eu estava criando o layout o Cavaleiro das Trevas, a
primeira coisa que eu fiz foi estabelecer o grid de dezesseis
quadros que toda a série se basearia. Era eu tentando tratar
os quadrinhos como notas musicas em uma tentativa
para controlar o ritmo. Era um gibi muito denso, eu estava
aglutinando muita coisa naquele ponto, mas você vai notar
que a tensão daqueles pequenos quadrinhos staccato é
quebrado de vez em quando por uma imagem inteira de meia
página ou página inteira que foram elaborados não para
tirá-lo da história, mas para fazê-lo parar e entender em que
parte a história está. Minha favorita está na terceira edição,
quando você vira a página e da de cara com uma imagem
do Batman e Robin sobre a cidade, e você esta olhando para
cima para vê-los e é provavelmente a cena mais heróica
deles em toda a série. Eu fiquei muito satisfeito com o efeito,
especialmente depois que Lynn a coloriu, porque eu senti
que esse era uma de parar o trânsito e era exatamente isso
que eu queria. Eu queria que todos respirassem, absorvessem
a cena e pensassem sobre ela, e eu acho que funcionou
(MILLER apud SALESBURY, 2000, p.178).
Mas nem sempre as soluções funcionam tão bem. O Cavaleiro
das Trevas é um gibi mais difícil de ser lido do que a média
dos quadrinhos, pois em alguns trechos, a narrativa pode ficar
bem complexa. Na página 35 da terceira edição (figura 230),
Miller mostra em uma mesma página, o Coringa distribuindo
algodão doce junto de seu capanga para crianças em um
parque de diversão, três quadrinhos televisivos discutindo
a onda de crimes do vilão, o resultado dos algodões doces
envenenados, Batman chegando na cena com a Robin e mais
dois quadrinhos televisivos apresentando um partidário e
um contrário ao Batman discutindo. Além de ser bastante
informação para uma única página, existem balões de narração
à exaustão: os da televisão, os do Batman e os do Coringa. O
quadrinho do vilão, que é o maior da página, é profusamente
colorido por ser um parque de diversões, e ainda conta com os
balões de pensamento verdes do Coringa. Os demais quadros
possuem os balões cinzas do Batman e os brancos da televisão.
As imagens são sempre cheias e a única que oferece algum
respiro, a das crianças mortas, possui uma pesada sombra e
dois balões de pensamento do Batman. O leitor não se perde,
mas a página demanda bastante esforço para ser lida.
Figura 226 DKR 2 Pg. 26 MILLER, 2002.
235
(a esquerda) Figura 227 DKR 3 Pg. 8 MILLER, 2002.
(a extrema esquerda) Figura 228 DKR 3 Pg. 9 MILLER, 2002.
(abaixo) Figura 229 DKR 3 Pg. 10 MILLER, 2002.
237
Conforme a história atinge seu clímax, próximo do fim da
quarta edição, Miller intensifica o uso da sarjeta preta, como na
página 23 (figura 231). Essa solução torna a leitura mais ágil,
pois o leitor conecta os quadrinhos mais rapidamente, e para
ajudar nesse processo, ele usa muitas silhuetas nos quadros
tornado-os mais gráficos. Os três primeiros quadros da página
são coloridos normalmente, pois eles se ligam diretamente
aos eventos anteriores. A partir do quarto quadrinho, o leitor
passa a acompanhar a luta de Jim Gordon, ex-comissário, para
ajudar as pessoas na rua em meio ao caos que se segue a
detonação da bomba nuclear. Gordon aparece liderando os
civis, ajudando uma enfermeira, e por fim toma parte em uma
linha de pessoas que carregam baldes para conter o fogo da
queda do avião paralisado pela descarga eletromagnética
emitida pela bomba. As cores de Varley são mais poéticas e
recortam as silhuetas negras com detalhes em branco dos
personagens. Os balões de pensamento do Batman são pretos
e mais pesados como a situação, e os de Gordon surgem
sem nenhum recorte, como palavras soltas sobre a imagem,
exatamente como as do Superman que ocupam os três últimos
quadros da página. O laranja e o amarelo do fogo chamam a
atenção para estes quadros que se destacam do grid básico,
e conectam com os quatro primeiros da página seguinte, que
sarjeta preta
mostram um Superman quase cadavérico levantando dos
escombros da explosão da bomba (figura 232). As cores que
completam a página nos três quadros que faltam são as mais
diferentes em toda a série, as que mais fogem da linguagem
aquarelada da HQ. Para representar os efeitos do coração
da explosão nuclear, Varley emprega cores extremamente
saturadas e quentes. Quando o leitor o Homem de Aço no
sexto e maior quadrinho da página, ele é apenas uma fração
do que ele foi, seu corpo consumido pela radiação e pela
explosão. Ele é reconhecível apenas pelo uniforme e por seus
balões de pensamento que se mantém azuis auxiliando o
entendimento. O último quadrinho da página mostra o herói
distante e pequeno tentando subir para o sol em meio ao céu
violeta. Ao virar a página (figura 233), Miller atrai a atenção
do leitor com uma visão de Superman sendo atingido por um
relâmpago. O quadrinho é o maior da página ocupando duas
colunas do grid e segue a mesma cor dos últimos. E não som
em meio à nevoa, somente os pensamentos do personagem.
Os oito quadrinhos que se seguem mostram o Homem de Aço
caindo e atingindo o solo ainda intacto, distante da explosão e
sendo gradativamente regenerado pela força do sol. Superman
se recupera por completo nos primeiros quadrinhos da página
seguinte, voltando a sua cor e forma originais (figura 234).
Figura 230 DKR 3 Pg. 35 MILLER, 2002.
239
Figura 231 DKR 4 Pg. 23 MILLER, 2002.
Figura 232 DKR 4 Pg. 24 MILLER, 2002.
Figura 233 DKR 4 Pg. 25 MILLER, 2002.
Figura 234 DKR 4 Pg. 26 MILLER, 2002.
241
A última parte a ser analisada é o embate final entre Batman
e Superman. Além de ser o clímax da história, Miller sabia
da importância da cena porque, entre os fãs, sempre houve
um acirrado debate sobre quem venceria em uma luta, o
poder do Homem de Aço ou a inteligência do Homem
Morcego. A resposta de Miller é mais complicada do que
isso, pois ambos representam os dois extremos do universo
do Cavaleiro das Trevas. Superman chega para o combate
sem querer lutar, tentando racionalizar, mas Batman tem
um plano e sua estratégia foi cuidadosamente preparada
para atingir seu objetivo. A questão não é o combate em si,
pois ninguém é páreo para o Superman, mas o “homem” do
“super” pode ser derrotado. Miller monta a cena com uma
multiplicidade de quadrinhos e soluções e a espalha por oito
páginas cuidadosamente montadas. O combate começa duas
páginas antes deles se encontrarem, na página 35 da quarta
edição (figura 235). Superman enfrenta mísseis teleguiados
disparados por Alfred, e uma carga do Batmóvel pilotado
pela Robin (figura 236). Quando ele chega ao Beco do Crime
(figura 237), Batman o espera trajando uma armadura de
batalha, empunhando uma arma e com fios conectando-o
ao poste de luz. A cena é apresentada em um quadrinho
longo e alto, o maior da página. Superman é apenas uma
silhueta com uma capa vermelha. Ele fala, mas o leitor
não pode ouvir, pois o Batman não pode ouvir, ele tem
os ouvidos protegidos, e Miller acesso apenas aos seus
pensamentos. A briga se inicia e o Homem Morcego dispara
uma carga sônica e em seguida uma magnética conforme
Superman destrói seus equipamentos. Esse desenrolar é
mostrado em diversos quadrinhos estreitos, como frações
da briga. Muitos closes extremos, interrompidos apenas por
um quadrinho preto e o batimento do coração do Batman,
elemento introduzido antes como motivo de preocupação
do velho personagem. A briga é congelada em um dos
momentos mais épicos da história dos quadrinhos, um soco
do Batman no primeiro quadrinho da página 38 (figura 238).
A imagem, que ocupa metade da página, é possível graças
a sua armadura especial ter sugado a força da cidade para se
fortalecer. O restante da página é preenchido com mais cenas
do combate e dos desdobramentos da Robin enfrentando os
militares, e apresenta os primeiros balões de pensamento
do Superman. A página seguinte (figura 239) retorna ao
combate principal enquanto ambos trocam golpes. Batman
narra a maior parte com seus pensamentos, mas o maior
quadrinho é do Superman ao quebrar três costelas de seu
adversário. A página 40 (figura 240) mostra a entrada do
velho Green Arrow (Arqueiro Verde) no combate disparando
a última cartada do Homem Morcego, uma flecha com a
ponta revestida de kriptonita. Superman a impede de atingi-
lo, mas a flecha explode no primeiro quadrinho da página
seguinte (figura 241). A cor, que era bastante quente nas
páginas anteriores, torna-se verde em função da kriptonita,
tornado o combate mais dramático conforme ele fica cada
vez mais pessoal. Superman percebe a condição do coração
do Batman enquanto o Homem Morcego se aproveita da
fraqueza causada pela kriptonita para surrar o Homem de
Aço, que quase não reage. A página possui doze quadros,
metade dos quais dedicados ao combate, os demais tratam
da Robin resgatando o Arqueiro Verde. A cor ajuda a
distinguir bem as cenas. A última página do combate abre
com uma imagem enorme, tomando quase a página inteira,
do Batman desferindo um chute no queixo do Superman e
arrancando sangue (figura 242). A imagem é mais forte do
que a primeira, assim como os pensamentos do Batman. Os
últimos quatro quadrinhos na base da página mostram um
Superman vencido e um Batman triunfante, mas derrubado
por um ataque do coração. O terceiro e quarto quadrinho
possuem o mesmo enquadramento e são separados pelo fim
dos batimentos do Batman. A briga termina com a suposta
morte do Homem Morcego. As duas últimas páginas do
combate não possuem onomatopéias, retornando ao silêncio
utilizado pelo autor nos momentos mais dramáticos.
243
Figura 235 DKR 4 Pg. 35 MILLER, 2002.
Figura 236 DKR 4 Pg. 36 MILLER, 2002.
Figura 237 DKR 4 Pg. 37 MILLER, 2002.
Figura 238 DKR 4 Pg. 38 MILLER, 2002.
245
Figura 239 DKR 4 Pg. 39 MILLER, 2002.
Figura 240 DKR 4 Pg. 40 MILLER, 2002. Figura 241 DKR 4 Pg. 41 MILLER, 2002.
247
Miller combinou em seu trabalho soluções clássicas e
algumas inovadoras, e as aplicou em um personagem
importante de uma grande editora. Ele não criou os
quadrinhos televisivos, por exemplo, eles haviam sido
empregados por Howard Chaykin em seu American Flagg
(1983), mas os utilizou de forma mais intensa e presente
na narrativa. Outros quadrinistas haviam feito uso de
páginas com muitos quadrinhos, mas poucos sustentaram
um grid como o do Cavaleiro das Trevas durante toda uma
série. Miller também fez uso de alguns elementos clássicos
porém dentro da coerência de sua narrativa, como o
estabilishing shot prolongado dramaticamente por três
quadrinhos na seqüência em que o jovem Bruce Wayne cai
na caverna. Ou o uso das páginas splash estrategicamente
posicionadas para quebrar o ritmo frenético e dramático
da história. Miller valoriza a narrativa clássica através da
utilização criteriosa das soluções e técnicas de acordo com
a história que ele queria contar, manipulando-as em prol
do enredo, mas não se limitando a elas e criando novas.
Além das soluções narrativas, ele fez uso do novo formato
gráfico a sua disposição, explorando a maior quantidade de
páginas para ditar o ritmo de sua história e melhor distribuí-
la graficamente. As cores de Lynn Varley foram valorizadas
pelo papel de melhor qualidade e pela impressão superior
aos quadrinhos da época, que reproduziam com precisão as
manchas de aquarela. E a qualidade do produto Cavaleiro
das Trevas permitiu que ele atingisse uma audiência
muito maior do que as histórias em quadrinhos estavam
acostumadas. A narrativa do Cavaleiro das Trevas é por
vezes caótica por seus elementos excessivos, e foi confusa
para alguns leitores que a leram à época de seu lançamento,
mas ela não se distancia demais dos princípios clássicos da
narrativa dos quadrinhos e mantém a história como seu
foco principal. Depois da primeira edição, quando os leitores
se acostumaram as páginas mais cheias e a narrativa mais
frenética, a leitura se tornou objetiva e direcionada pela
história. A série foi um marco nos quadrinhos e estabeleceu
uma nova forma de trabalhar com super heróis e de conduzir
uma narrativa visual. Miller trouxe questionamentos para
o Batman, modificou para sempre a relação deste com o
outro grande ícone da editora, criou uma obra inserida
em seu tempo e atualizou o personagem para toda uma
nova geração. Mais do que isso, Miller recuperou o Batman
devolvendo-o ao seu lugar.
Recapitulação
Figura 242 DKR 4 Pg. 42 MILLER, 2002.
249
considerações
As histórias em quadrinhos nos Estados Unidos sofreu um
processo de transição em sua linguagem, em sua narrativa
visual e em sua estrutura gráfica que iniciou-se no final
da década de 1960 e culminou no ano de 1986 com a
publicação de três títulos: Batman The Dark Knight Returns
(Batman o Cavaleiro das Trevas), Watchmen e Maus. Todas as
inovações introduzidas na linguagem no período pós-código
de censura pelos quadrinistas que voltaram para a indústria
no final da década de 1960 e durante toda a década de
1970 e aqueles que entraram no meio neste mesmo período,
foram agregadas pelos quadrinistas que entraram no
mercado na década de 1980, como é o caso de Frank Miller.
Todas as experimentações técnicas e gráficas que vinham
sendo feitas, aliadas ao surgimento das graphic novels,
culminaram em um novo formato gráfico introduzido em
1986. Este, foi instrumental no sucesso comercial dos títulos
citados acima e particularmente no Batman de Miller, porém
sua contribuição ao meio não foi apenas financeira, mas
também criativa. Materiais e técnicas melhores permitiram
reproduções com maior qualidade e mais fidedignas ao que
era criado, inspirando quadrinistas a desenvolverem trabalhos
mais complexos. Essa maior qualidade atraiu profissionais
mais especializados que, depois de uma fase de adaptação
do meio à essa qualidade, agregaram muito aos quadrinhos,
seja na produção de capas, na identidade das revistas ou no
cuidado gráfico com o produto quadrinhos. Essa maturidade
gráfica permitiu maiores experimentações e contaminações
de linguagens como, por exemplo, o cinema, promovendo a
troca de elementos, técnicas e soluções entre as mídias, e
desenvolvendo tantas outras.
Todas essas modificações refletiram-se também nas histórias,
que se tornaram mais realistas em seus temas e mais
conectadas a situação social de sua época, ambientando o
super-herói no mundo real da década de 1980 e abrindo seus
pensamentos para o leitor, apresentando todos os problemas e
a complexidade desses personagens. Os próprios super-heróis,
desde a introdução do Homem-Aranha, passaram a refletir
mais a sociedade. Batman e Superman, melhores amigos
durante quarenta anos, tiveram sua amizade reestruturada.
O super-herói puro e cristalino dos quadrinhos tornou-se um
espécime em extinção e, cada vez mais, anti-heróis e heróis
violentos passaram a dominar o meio. Essas histórias atraíram
um publico mais velho para os quadrinhos o que credenciou
o meio a explorar novos gêneros e temas adentrando o
mercado que, desde a década de 1970 e da graphic novel
“Um Contrato com Deus”, está aberto a temas sociais que não
necessariamente abordem super heróis.
Combinando imagens e textos de um modo único, os quadrinhos
podem ser utilizados para diversas funções, mas sua principal
aplicação é como uma forma de entretenimento de massa.
Desde seu surgimento, as histórias em quadrinhos tem sido
relegadas a condição de subproduto e de entretenimento
barato para crianças, particularmente nos Estados Unidos e
conseqüentemente no Brasil. Porém, desde a década de 1980,
FINAIS
:
o
QUE
fica
e
o
MUDA
4.
que
251
esta visão vem se modificando, com a expansão dos gêneros
contemplados pelo meio, com a diversificação do público
leitor de quadrinhos e com o amadurecimento desse público.
Essa nova condição dos quadrinhos permitiu um aumento das
trocas com outros meios, oferecendo conteúdo para diversas
mídias e recebendo de tantas outras.
Em termos narrativos, muitas mudanças surgiram no meio, mas
estas não inibiram a presença das soluções e técnicas da narrativa
clássica dos quadrinhos que ainda forma a base da grande
maioria das HQs, sendo também utilizada pelos mais criativos
e inovadores autores, como o próprio Miller. Não obstante,
estes mesmos quadrinistas provaram que é possível fazer uma
história em quadrinhos que não se prenda por completo aos
padrões de clareza e objetividade pregados na Era de Ouro, se
o compromisso com o storytelling for mantido. Muitos desses
quadrinistas acabaram por valorizar a narrativa clássica dos
quadrinhos ao usar suas técnicas e soluções de forma criteriosa
e categórica. Esta pesquisa demonstrou que, ao contrário do
que se pensa e se “vende” em grande parte das escolas e nos
cursos de quadrinhos, a habilidade de um quadrinista está em
contar uma boa história sabendo usar todos ou quase todos
os elementos narrativos e visuais que o meio oferece. Todas as
soluções técnicas, estéticas e especializadas são importantes
e agregam muito à uma história em quadrinhos, mas de nada
servirão se a história não for boa.
Essa especialização de funções e o reconhecimento da
necessidade de certos tipos de profissionais que nem
sempre foram presentes nos quadrinhos, abriu espaço para a
participação de novos especialistas. As editoras hoje procuram
bons capistas com a mesma intensidade que procuram
desenhistas e roteiristas, o que não ocorria vinte anos atrás.
O mesmo acontece com profissionais do meio gráfico, como
designers e tipógrafos. As grandes editoras têm buscado cada
vez mais estúdios de design para criar soluções para os seus
produtos, assim como mais estúdios têm se especializado em
lidar exclusivamente com quadrinhos. O design gráfico tem
uma contribuição importante para os quadrinhos, no que
concerne as soluções gráficas, de impressão e acabamento, e
por isso, o meio tem representado nos últimos dez anos um
campo fértil para o trabalho de designers gráficos, tipógrafos
e ilustradores. E tanto o mercado e os profissionais quanto os
produtos evoluem e com esse amadurecimento conjunto.
Esta dissertação abriu diversos caminhos de pesquisa possíveis
que poderão ser explorados no futuro, aprofundando ainda
mais a história gráfica do meio, possivelmente tomando
como base as capas de quadrinhos, fazendo um levantamento
histórico e uma reflexão sobre as mesmas, o que não existe
dentre as publicações do meio. Bem como investigar de forma
mais aprofundada as relações entre cinema e quadrinhos e,
por que não, outras relações pertinentes com outros meios.
Além disso, outra possível pesquisa futura, seria estudar a
arte nos quadrinhos, com ênfase na ilustração dos quadros,
investigando os recursos técnicos e criativos e relacionando
com a História da Arte.
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