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fundamentadas no que tange à atual literatura secundária sobre o poema. Refiro-me aos
trabalhos de Nestor Cordero, em que se encontra a idéia de que, sendo a verdade e as
opiniões modos de pensamento, têm igualmente em comum aquilo sobre o que versam:
a realidade sensível. Segundo essa interpretação, a diferença reside no que talvez se
possa chamar modulação: discursar sobre o real, tal como o faz Parmênides ao considerar
o ente na parte intermediária do poema, é dizê-lo verdadeiramente, é dizê-lo no modo da
verdade; ao passo que as opiniões, tratando deste mesmo real, difeririam da verdade por
dizê-lo desde um erro, nomeada e principalmente, o de confundir ser e não-ser. Ora, a
referida interpretação respeita, muito adequadamente, a argumentação rigidamente
lógica de Parmênides, adotando-a também para desenvolver a sua própria
argumentação. Mantendo, pois, a questão dentro desse mesmo domínio, ergue-se uma
pergunta inevitável: se opiniões e verdade tratam do mesmo, mas apenas de diferentes
modos, uma desde o próprio e, a outra, desde o impróprio, temos que, logicamente, as
opiniões são uma possibilidade e não uma necessidade, no sentido de serem
inevitáveis
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. O problema que aqui se põe é que no proêmio as opiniões são declaradas,
mais do que possíveis, necessárias
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. Necessidade e possibilidade são, logicamente,
muito distintas. E se a precisão lógica e terminológica de Parmênides deve ser
respeitada e é válida para todos os casos, também o é para este. Não é uma filigrana
nem uma bizantinice. Dentro do contexto em que se apresenta, é questão principal.
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Diga-se a favor de Cordero que a sua posição, ao contrário da minha, considera que o texto do poema
situa as opiniões como possíveis, não como necessárias. Tive a feliz oportunidade de dialogar
pessoalmente com o professor Cordero a esse respeito. O autor baseia a sua posição no verso final do
fragmento 1 (B1, 32), em que
xrh=n
(chrên), que indica o que é necessário, apresenta-se no imperfeito,
sendo, portanto, uma forma passada. Segundo esse argumento, as opiniões teriam sido necessárias e,
agora, não mais, após o anúncio da verdade. Entretanto, essa mesma necessidade é referida outras duas
vezes no poema. Uma sob a sua forma verbal no presente do indicativo,
xrewÜ
(B1, 28), e outra em caráter
indireto, através de um imperativo,
ma/nqane
(“aprende”; B8,52), pelo que a deusa ordena e exorta o seu
ouvinte a aprender as opiniões dos mortais. Frente a essas duas outras passagens não vejo, sinceramente –
e apesar da pertinência da observação de Cordero –, como não considerar as opiniões como necessárias
segundo o texto de Parmênides. Além disso, a forma imperfeita aludida pelo autor pode ser
tranqüilamente traduzida para o presente do indicativo das línguas modernas, uma vez que o imperfeito
grego podia ser utilizado, em certas circunstâncias gramaticais, com valor presente e não passado. E
parece ser esse o caso da passagem em questão: no verso final do proêmio, o imperfeito
xrh=n
relaciona-se
com um verso anterior, quando o “ser necessário” assume sua forma presente
xrew/
, como mencionados
acima. Ambos referem-se às opiniões. Segundo Smyth, é este o caso mais exemplar do uso do imperfeito
com valor de presente, quando há a repetição de formas verbais que refiram a um mesmo objeto ou
sujeito, indo a segunda destas formas para o imperfeito. Ora, é exatamente esse o caso dos versos 28 e 32
do proêmio acima citados. Curiosamente, essa construção é chamada “imperfeito filosófico”. Há, ainda,
um outro caso em que o uso do imperfeito remete ao tempo presente no grego antigo: para os verbos cujos
significados são de dever ou obrigação. Mais uma vez, é justamente este o caso, visto que
xrew/
indica o
que é necessário, isto é, obrigatório, inevitável. Vê-se, assim, que a construção gramatical em questão na
passagem analisada inclui justamente os dois casos em que o imperfeito grego assume, paradoxalmente,
valor de tempo presente (SMYTH, H.W. Greek Grammar. Harvard University Press, 1956, p.426).
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B1, 28-32.