
25
vontade e da memória? Não seria o significado dessa busca o resgate da união
primeira, o primeiro estado de satisfação?
Oh! Lâmpadas de fogo, / Em cujos resplendores / As profundas cavernas
dos sentidos / - que estava escuro e cego, - / Com estranhos primores /
Calor e luz dão junto ao seu querido! / Essas cavernas são as potências da
alma, - memória, entendimento, e vontade. São tanto mais profundas
quanto mais capazes de receberes grandes bens; pois, para enchê-las, é
preciso nada menos do que o infinito. [...] / Quanto à primeira caverna, - o
entendimento – [...] o seu vazio é sede de Deus [...] E esta sede é das
águas da sabedoria de Deus, objeto do entendimento. / A segunda caverna
é a vontade e o seu vazio é fome de Deus [...] fome de perfeição de amor
[...] / A terceira caverna é a memória; [...] [a lembrança e] a esperança de
Deus [ser absoluto e infinito]. / Profunda é, pois, a capacidade dessas
cavernas, por quanto nelas só pode caber o que é profundo e infinito, ou
seja, o mesmo Deus. Assim, de certo modo a sua capacidade será infinita;
sua sede, também infinita; sua fome, igualmente profunda e infinita; seu
desfalecimento e pena é morte infinita e embora não seja sofrimento tão
intenso, como na outra vida, contudo, é uma viva imagem daquela privação
infinita [inicial]. (JOÃO DA CRUZ, 2002, p. 872, 883, 884, 885, grifo nosso).
Essa moção (regung)
13
, “estado de urgência ou de desejo” (FREUD,
1950[1885]/1996, p. 371), movimento inicial interno de desejo, reaparecerá
reinvestindo a imagem mnêmica do objeto que propiciou o primeiro estado de
satisfação ao sujeito. Trata-se de uma busca para reencontrar o objeto.
É isso que Freud designa para nós quando nos diz que o objetivo primeiro e
imediato [...] não é a de encontrar na percepção real um objeto que
corresponda ao representado, mas reencontrá-lo, convencer-se de que ele
ainda está presente. [...] Esse objeto estará aí quando todas as condições
forem preenchidas, no final das contas – evidentemente, é claro que o que
se trata de encontrar não pode ser reencontrado. É por sua natureza que o
objeto é perdido como tal. Jamais ele será reencontrado. [...] O mundo
freudiano, ou seja, o da nossa experiência comporta que é esse objeto, das
Ding, enquanto Outro absoluto do sujeito, que se trata de reencontrar.
Reencontramo-lo no máximo como saudade. Não é ele que reencontramos,
mas suas coordenadas de prazer, é nesse estado de ansiar por ele e de
esperá-lo que será buscada, em nome do principio do prazer, a tensão
ótima abaixo da qual não há mais nem percepção nem esforço. No final das
contas, sem algo que o alucine enquanto sistema de referência, nenhum
mundo da percepção chega a ordenar-se de maneira válida, a constituir-se
de maneira humana. O mundo da percepção nos é dado por Freud como
que dependendo dessa alucinação fundamental sem a qual não haveria
atenção disponível. (LACAN, 1959-1960/1991, p.69).
Como podemos ver na citação acima, é no “O Seminário, livro 7: a ética da
psicanálise” quando Lacan (1959-1960/1991) retoma a das Ding freudiana que se
pode compreender melhor a questão do “reencontrar o objeto” perdido como
13
No “Dicionário comentado do Alemão de Freud”, há uma nota sobre a tradução deste termo que é
relevante para a compreensão do termo desejo (wunsch) em Freud: “Regung é termo de difícil
tradução (alguns tradutores têm optado por “moção de desejo”), significa algo como ‘movimento
inicial interno’, tendo a conotação de ‘iniciativa’, ‘gesto inicial’, ‘esboço’” (HANNS, 1996, p.140).