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ou seja, os interesses dos indivíduos pertencentes a esses grupos, mesmo que os
objetivos fossem os mesmos de antes: obtenção de riqueza, dignitas, auctoritas, honos,
laus, gloria e clientes estrangeiros poderosos
477
.
Dito isso, podemos observar que no período da Segunda Guerra Púnica o Senado
é retratado nas Histórias como um grupo coeso e dominante
478
. Alguns exemplos
podem ser citados
479
.
477
A liderança da aristocracia romana era mantida por algumas normas, identificadas pelos conceitos de
mos maiorum, amicitia, virtus e honos. Os mos maiorum eram as tradições, os costumes antigos,
identificados com a ideologia dos membros mais velhos da aristocracia. O povo romano tinha uma
veneração especial pela autoridade, pelo precedente e pela tradição. Tinha também uma aversão enraizada
por mudanças, que eram aceitas apenas quando em harmonia com os costumes ancestrais, ou os mos
maiorum. Essa mesma aristocracia mantinha e controlava três “armas”: a família, os bens e a aliança
política, esta última caracterizada pelo termo amicitia, ou factio. Em Roma as facções políticas, ou seja,
as alianças políticas podiam ser duradouras, entre famílias, ou alianças temporárias, relacionadas a algum
fato político específico que unisse partes da aristocracia. Uma facção política romana era, então, uma
união política conhecida como amicitia ou factio. Virtus compreendia o ganho de preeminência e glória
pessoal, a partir de grandes feitos a serviço do Estado romano, como as vitórias nas guerras. Os
sacerdócios, por exemplo, faziam parte também do método aristocrático de preencher com virtude suas
posições faccionais, ou seja, políticas. Honos era um conceito relativo à honra na política, ao sucesso na
carreira política. Dessa forma, relacionava-se também à participação nos sacerdócios. Sendo assim, mos
maiorum, amicitia, virtus e honos faziam parte da identidade de grupo da nobilitas, um grupo de
personalidades fortes, a força diretora da produção do meio onde esses ideais eram construídos. Essa
produção dependia, claro, do contexto histórico, e também de considerações individuais, além das
considerações de grupo. Os escritores do final da República e posteriores estavam preocupados com a
deterioração desses ideais. Portanto, a avaliação dos indivíduos em posição de liderança era feita em
termos de laudationes e elogia (textos laudatórios, louvações, elogios), que enfatizavam o ideal do líder
público. Esse ideal compreendia três áreas de atividade, especificadas em separado, porém inseparáveis
(ou seja, as três tinham que estar presentes no líder): o governo, o exército e o culto do Estado, atividades
conduzidas segundo as normas dos mos maiorum, de amicitia, de virtus e de honos. Assim, nas avaliações
dos líderes romanos, nas laudationes e nos elogia, o indivíduo era descrito como sábio e bravo, perito na
guerra e em conselho, versado em assuntos militares, eloqüente orador, conhecedor das leis, forte de
caráter e pensamento, rico por meios honrados (Szemler, 1972, p. 31-33; Beard; North; Price, 2004b, p.
224).
478
Segundo Políbio, antes da Primeira Guerra Púnica existia, para os romanos, um entrave a respeito do
bellum iustum, da justificativa da guerra contra Cartago. O Senado votou contrariamente à guerra, mas os
cônsules foram à assembléia e conseguiram o voto favorável. O Senado, então, aprovou a declaração do
conflito (I,10.3 -11.3). Essa é a única instância em que Políbio nos informa sobre uma decisão tomada em
assembléia e posteriormente ratificada pelo Senado. Como os senadores precisavam de uma justificativa
para a guerra, a inversão da decisão está explicada. Políbio, inclusive, conforme comentamos, considera a
constituição romana como a ideal “a melhor” (VI,11.1), por que, entre outras coisas, não é dominada
pelas assembléias (VI,51.1-51.8).
479
A união no interior da nobilitas está exposta no texto, nos relatos de Políbio sobre a Primeira Guerra
Púnica. Quando, em 256 a.C., os romanos desembarcam na Líbia, após a vitória na batalha naval de
Ecnomos, enviam uma missão para Roma, “para relatar a respeito dos eventos recentes e inquirir sobre o
que deveriam fazer no futuro e como lidar com a situação como um todo” (I,29.6). Como resposta, o
Senado ordena a “um dos cônsules permanecer no local com uma força adequada e que o outro retorne
com a frota para Roma” (I,29.8). A ordem senatorial é cumprida à risca pelos magistrados (I,29.9-29.10).
A atitude dos cônsules, diante da possibilidade de finalização da guerra, uma vez que estavam com um
exército na Líbia após infligirem uma grande derrota naval aos cartagineses, é esclarecedora. Não existe
nenhum comentário de Políbio sobre disputas a respeito de quem permanece com o exército e quem volta
para Roma. O próprio fato de dois cônsules estarem no mesmo teatro de guerra já sugere que a
competição no seio da aristocracia romana não existia, ou, se existia, não afetava de forma notável a
distribuição dos comandos, pois ambos tinham ordens de, juntos, “navegar para a Líbia e deslocar a
guerra para aquela região, de forma que os cartagineses encontrassem, não mais a Sicília, mas eles