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Vista do alto de uma árvore ou de um telhado, a aldeia Bororo é parecida com uma roda
de carroça cujo círculo seria desenhado pelas casas familiares, os raios, pelas picadas, e
em cujo centro a casa dos homens Baitemanageo representaria o mancal
16
.
As metades e os clãs [da aldeia Bororo] são exogâmicos, matrilineares e matrilocais
17
. A
aldeia circular de Quejara [aldeia que Lévi-Strauss visitou] é tangente à margem
esquerda do rio Vermelho. Este corre numa direção aproximativa leste-oeste. Um
diâmetro da aldeia, teoricamente paralelo ao rio, divide a população em dois grupos: ao
norte, os Sera [...], ao sul, os Tugaré.
[...] Assim, no momento do casamento, um indígena atravessa a clareira, cruza o diâmetro
ideal que separa as metades e vai morar do outro lado. A casa dos homens tempera esse
desenraizamento, já que sua posição central avança sobre o território das duas metades.
Mas as regras de residência explicam que a porta que dá para o território sera chama-se
porta tugaré, e a do território tugaré, porta sera. Na verdade, o uso delas é reservado aos
homens, e todos os que moram num setor são originários do outro e vice-versa
18
.
Os Maxakali não se dividem em duas metades exogâmicas como os Bororo
19
. Isso não
quer dizer, contudo, que a kuxex não faça uma separação que guarda semelhança àquela feita
pela baitemanageo. Se esta é o primeiro lugar que um homem Bororo deve atravessar para se
casar com uma mulher da outra metade, a kuxex, por sua vez, é o primeiro lugar que os
espíritos devem passar para penetrar no interior do mundo dos humanos e tentarem
estabelecer relações com os Tikmũ’ũn
20
.
No entanto, percebemos uma diferença crucial que marca as duas casas com relação às
suas portas. Como vimos, na longa citação de Lévi-Strauss, a baitemanageo possui aberturas
voltadas para o interior de cada metade que divide a aldeia Bororo. É por essas aberturas que
um homem penetra no interior da outra metade onde encontrará a sua esposa. Portanto, se
entre os Bororo, trata-se de um movimento simétrico entre as duas metades, a recíproca não é
verdadeira entre os Maxakali. Não há o caminho inverso, uma abertura da kuxex para que os
16
LÉVI-STRAUSS, 1996, p. 206.
17
(LÉVI-STRAUSS, 2002, p. 63
18
LÉVI-STRAUSS, 1996, p. 207.
19
O que não quer dizer, contudo, que não opere separações internas na sociedade Maxakali. Há entre os
Maxakali um complexo sistema de doação e recepção de cantos nos quais uma pessoa recebe de um parente
um canto de um determinado espírito, passa a ser dona daquele canto e, muitas vezes, se identifica com os
cantos. Apesar de esse ser um aspecto que nos parece de extrema importância para a socialidade e
sociabilidade Maxakali, poucos dados temos a respeito. À medida que os trabalhos de transcrição e tradução
dos cantos vierem à tona, e novas etnografias também, esse aspecto certamente começará a ter uma discussão
mais profícua. No momento, temos condições apenas de anunciá-la. Pires Rosse (2007, p. 12-14) realiza uma
boa síntese sobre esse processo. Ver também ÁLVARES, 1992, p. 54.
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Esta semelhança, explica, por conseguinte, uma diferença crucial entre as duas: a kuxex não é considerada
como uma casa dos homens. Os Tikmũ’ũn sempre se referem a ela como “uma casa dos espíritos”
diferentemente da baitemanageo, conhecida, pelo menos no modo como foi traduzida pelos etnólogos, como
“casa dos homens. Apesar disso, é preciso ter em mente que a baitemanageo “desempenha o papel de
santuário para a vida religiosa, ao mesmo tempo em que apresenta a imagem da sociedade das almas, para os
vivos” (LÉVI-STRAUSS, 2004, p. 309-310).