124
expandiu através de shows, gravou músicas com artistas nacionais importantes, inseriu seu
trabalho na mídia, participou de eventos que entraram para a história do rap brasileiro, e conta
hoje com o reconhecimento por parte do público e da crítica. Sua última incursão profissional
é a sua atuação como ativista cultural em várias entidades assistenciais que atendem aos
adolescentes infratores, onde executa um trabalho com a escrita, a leitura e o rap.
José Paulo se chama José Paulo, sem sobrenome. Esta condição de anonimato o dilui
numa indigência social/familiar e lhe dá uma condição de universalidade. Por não ser um
alguém portador de um registro oficial de seu passado hereditário, P. MC se torna um
membro representativo da coletividade, e sua genealogia possível, e dedutível, o encaminha
para o berço de todos os homens: o continente africano.
Seja pela cor de sua pele, mas, antes de tudo, por seu passado de exclusão social, P.
MC torna-se um real representante da “ninguendade” brasileira, do anônimo das ruas, do
exilado sem identidade, do expatriado, do errante diaspórico, o que o situa em qualquer lugar
do mundo de hoje marcado pelo número crescente de excluídos dos direitos sociais e de
cidadania. Nosso personagem, consciente do seu despojamento social/racial/econômico, se
percebe como tal e se nutre dessa sua condição para se fazer presente no território de pertença
dos homens pelo caminho mais eloqüente - o da palavra. Através da sua palavra recitada se
imbui do poder da fala incógnita daqueles que representa.
A leitura do trabalho escrito por nosso rapper surpreende por ser tão provocador no
tato, tão prudente na sua eloqüência. P. MC faz do incógnito a lei da sua poesia. A sua
construção de versos é comparável ao plano de uma grande cidade (onde habita
verdadeiramente), em que as pessoas podem movimentar-se despercebidas, escondidas por
blocos de edifícios, portões ou pátios. Na mesma cidade que, em sua obra A situação das
classes trabalhadoras na Inglaterra, Engels descreve:
(...) Pode-se caminhar horas inteiras sem chegar ao menos ao começo de um fim,
tem algo de desconcertante. Esta concentração colossal, este amontoado de dois
milhões e meio de homens em um só lugar, centuplicou a força destes dois milhões e
meio de homens... Mas tudo isto que... isto custou, é algo que se descobre somente
em seguida. Depois de haver vagabundeado vários dias pelas ruas principais...
Começava-se a ver que estes londrinos devem ter sacrificado a melhor parte de sua
humanidade para realizar os milagres da civilização, dos quais a cidade está
fervilhante; que neles permanecem inativas e foram sufocadas cem forças
latentes...Finalmente, o fervedouro das ruas tem algo de desagradável, algo contra
o qual a natureza humana se rebela. Estas centenas e milhares de pessoas, de todas
as classes e de todos os tipos que aí se entrecruzam e se comprimem, não são por
acaso homens, com as mesmas qualidades e capacidades, e com o mesmo interesse
de serem felizes?...E não obstante, ultrapassam-se uns aos outros, apressadamente,
como se nada tivessem em comum, nada a fazer entre si; não obstante, a única
convenção que os une, subentendida, é que cada um se mantenha a direita ao andar
pelas ruas, a fim de que as duas correntes da multidão, que andam em direções