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a mulher que é Mura com quem se casou por seu modo no rio da Madeira. Segundo me
explicou, no lago dos Guatazes, aonde em dilatadas campanas tem o Mura grande
poder e por conseqüência muitas roças de mandioca, milho e outras frutas de que
vivem com fartura, além da pesca de que os fornece o mesmo lago de peixe-boi e
tartarugas, com outros inumeráveis peixes. Ele falando mal a língua geral, mas em
tudo murificado até nos dois ossos como grandes dentes que trazem um no beiço de
baixo e outro no de cima pelo terem os Mura apanhado na povoação de Paraguari, e
terem-no assim desfigurado a ele, uma irmã que aqui trouxe consigo pagã; por
apanhada ainda pequena, mas falando bem a língua geral com a mãe, que também veio
e com ele foi apanhada, por nome Joana
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” (Boletim de Pesquisa, 1984, p. 25).
Reiterando o que havíamos falado anteriormente sobre os vários atores presentes
nos eventos relativos à redução, o tal Ambrózio trouxe um principal Chumana como
parte da sua “gente toda corpulenta e muito trabalhadores”, devendo depois vir o resto
das terras do Japurá desta mesma nação que por lá ficaram. Depois pretendiam estes
passar ao Juruá, “praticar o Mura” daquele rio, de quem ele era sócio, e “pô-los de paz,
reduzindo-os a fazer”, ou no mesmo Juruá, descerem com ele a aumentar a povoação ou
povoações no mesmo Amaná. Segundo o relato, o principal Chumana teria dito que foi
“obrigado pelo medo que o sobredito Ambrósio lhe impusera, mas que descia e
pretendia estabelecer-se com ele; e que antecipadamente teria já descido para o Maripi:
“Apresentou-se-me este troço de Ambrósio e principal Chumana com dezenove pessoas
adultas e algumas crianças; entre aquelas vinham dous Mura, um cunhado do
Ambrósio e outro que suponho, como espia, que era. Para o acompanhar teria deixado
o primeiro principal que me apareceu e que pratiquei, e que também diz pretende no
mesmo lago aonde tem muitos aliados Mura fazer a sua povoação, que se entendeu ser
junto com o dito Ambrósio, depois que se recolhesse, de fazer aos mais Mura a prática
que já participei a V. Excia. no meu ofício de janeiro próximo passado” (Boletim de
Pesquisa, 1984, p. 26).
A partir daí, segundo as correspondências, os lugares em que os Mura “fizeram a
paz” iam se multiplicando: Amaná, povoação de Nogueira, Alvarães, Alvelos, margem
do Solimões em um lugar que chamam Paricatuba, entre outros. O evento da redução
acima relatado, que se traduzia também na “conversão” dos Mura, será objeto, por sua
vez, de um poema épico neste período. O “Épico Muhuraida ou O Triunfo da Fé na
bem fundada Esperança da Enteira Conversão, e Reconciliação da Grande, e Feróz
Nação do Gentio Muhura, 1785”, de João Henrique Wilkens não deixa de ser, no final
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Segundo o relato, “esta Joana serviu de língua, e entre todas as práticas que lhe fiz, ainda que não tão
enérgicas como V. Ex. é servido instruir-me, me respondeu que ele ia já dar princípio à sua povoação no
lago do Amaná em uma tapera aonde em outro tempo esteve a povoação dos Alvarães, e que por causa do
mesmo Mura se retirou” (Boletim de Pesquisa, 1984, p 26).