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A revista DEP Diplomacia, Estratégia e Política é um periódico trimestral,
editado em português, espanhol e inglês, sobre temas sul-americanos, publicado
no âmbito do Projeto Raúl Prebisch, com o apoio do Ministério das Relações
Exteriores (MRE/Funag Fundação Alexandre de Gusmão/Ipri – Instituto de
Pesquisa de Relações Internacionais), da Construtora Norberto Odebrecht S. A.,
da Andrade Gutierrez S. A. e da Embraer Empresa Brasileira de Aeronáutica S. A.
Editor
Carlos Henrique Cardim
Endereço para correspondência:
Revista DEP
Caixa Postal 2431
Brasília, DF – Brasil
CEP 70842-970
revistadep@yahoo.com.br
www.funag.gov.br/dep
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
DEP: Diplomacia, Estratégia e Política/Projeto Raúl Prebisch no. 7 (julho/setembro 2007)
– . Brasília : Projeto Raúl Prebisch, 2007.
Trimestral
Editada em português, espanhol e inglês.
ISSN 1808-0480
1. América do Sul. 2. Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana,
Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai, Venezuela. I. Projeto Raúl Prebisch.
CDU 327(05)
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Sumário
A recuperação da economia argentina
Aldo Ferrer
Economia da Bolívia: diagnóstico e planos para 2008
Luís Alberto Arce Catacora
Um enfoque qualitativo da economia brasileira
João Paulo de Almeida Magalhães
A economia chilena e os desaos do desenvolvimento
Mauricio Jelvez M.
Economia colombiana na conjuntura:
uma aproximação crítica
Darío Germán Umaña Mendoza
A economia do Equador: um balanço e uma nova noção
de desenvolvimento
Fander Falconí Benítez
Economia da Guiana: avaliação e projeções
Rajendra Rampersaud
D E P
DIPLOMACIA ESTRATÉGIA POLÍTICA
Número 7 Julho / Setembro 2007
ads:
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182
205
219
231
251
Paraguai, uma marcha lenta: situação e
perspectiva econômica
Dionisio Borda
A economia peruana e o desao do crescimento
com inclusão social
Enrique Cornejo Ramírez
Suriname: evolução macroeconômica
André E. Telting
A economia do Uruguai: uma perspectiva empresarial
Jorge Abuchalja
A atual fase de crescimento da economia venezuelana
Nelson Merentes
Philip Moore: alma antiga em corpo moderno
Agnes Jones
Encontro de
economistas da
América do Sul
A
Fundação Alexandre de Gusmão e o Instituto de Pesquisa de Relações
Internacionais (IPRI) com a colaboração da Construtora Camargo Correa
promoveram, no dia 7 de novembro de 2007, no Palácio Itamaraty Rio Janeiro,
o Iº Encontro de Economistas Sul Americanos.
A iniciativa reuniu destacados especialistas dos doze países da região que
foram convidados a apresentar suas reexões/sínteses sobre as economias
nacionais, cujos textos na íntegra são publicados na presente edição da revista
“Diplomacia Estratégia Política DEP”.
A partir dos relatos sobre cada país estabeleceu-se um proveitoso debate
entre os participantes, no qual cou evidente que além da importante troca de
visões e informações sobre a situação e perspectivas internas, existe um sentido
maior de pertinência à região e a consciência de uma história compartilhada.
Registre-se a relevante contribuição da Construtora Camargo Correa que
viabilizou a realização desse primeiro Encontro de Economistas da América
do Sul, atitude que exprime o esclarecido entendimento da empresa sobre o
diálogo que deve sempre existir entre os mundos acadêmico, diplomático e
da iniciativa privada.
DEP
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* Universidade de Buenos Aires
A recuperação da
economia argentina
Aldo Ferrer
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esde meados de 2002 a o presente a economia argentina vem
registrando crescimento superior a 8% anuais, num contexto de controle da
macroeconomia e melhoria dos indicadores sociais. Esse comportamento
contrasta com a trajetória de longo prazo e especialmente com o período
iniciado em 1998 e que culminou na crise de 2001 e início de 2002. Nesse último
período a queda acumulada do PIB foi de 20%, a taxa de desemprego chegou
a 25% e a proporção da população abaixo da linha da pobreza superou 50%.
Finalmente, entraram em colapso o regime de convertibilidade e a paridade
uniria do peso diante do dólar, os depósitos bancários foram congelados a m
de conter a fuga de capitais e o governo declarou o não pagamento da dívida
externa pública. A desordem se reetiu na impossibilidade de cumprimento dos
contratos entre particulares expressos em dólares e na circulação de dezesseis
moedas, emitidas pelas províncias, em face do desmoronamento do sistema
monetário e das nanças públicas.
A crise foi o epílogo de uma estragia econômica fundada num
paradigma que se mostrou incompatível com o crescimento da economia
argentina e o bem-estar social e também com os equilíbrios elementares
A recuperação da economia argentina
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para o funcionamento de um sistema econômico. Tal estratégia provocou
uma deterioração sem precedentes no tecido social e produtivo do país e
terminou por desorganizar os ts eixos fundamentais que asseguram a
ordem de uma economia moderna, a saber: o orçamento, os pagamentos
internacionais e a moeda.
Simultaneamente com esse cerio de crise econômica e convulsão social,
a Argentina enfrentou uma severa crise política. A renúncia do vice-Presidente,
em 2001, e no mesmo ano a do Presidente, seguidas pela disputa no interior da
força majoritária, conguraram um quadro de instabilidade e impotência das
instituições. Em meados de 2002, os prognósticos sobre o futuro da Argentina
eram os piores que se poderia imaginar: hiperinação, caos social e necessidade
inadiável de uma operação internacional de salvamento.
Cinco anos depois, a realidade é totalmente diversa da que se imaginava
naquela época. A democracia argentina resistiu à crise. Em 2003 o ps
renovou em paz seus governantes e agora se encaminha para uma nova
eleição, dentro da Constituição. A economia registra um crescimento sem
precedentes. Os fundamentos macroeconômicos, num contexto internacional
favorável, o sucientemente sólidos para liberar o amplo potencial de
desenvolvimento da Argentina. A crise nanceira permaneceu contida em
seus próprios limites e não impediu o crescimento da economia real e da
taxa de investimentos, que aumentou em 12% no início de 2002 a 23% na
atualidade, nanciada com poupança interna. A recuperação foi feita com
recursos próprios, sem pedir nada a ninguém e pagando as dívidas.
Persistem problemas graves, sobretudo na área social. O desemprego foi
reduzido, mas ainda é de cerca de 10%; a pobreza aige um terço da populão,
o trabalho informal sem cobertura social representa mais de 40% da o de
obra e subsiste uma concentrão exagerada da renda. A política econômica
enfrenta outros desaos, como por exemplo o de compatibilizar uma elevada
taxa de crescimento com razoável estabilidade dos preços. De qualquer forma,
a mudança de rumo foi tão radical que merece um exercício de interpretão e
uma exploração das perspectivas futuras. Este é o objetivo do presente ensaio.
1. O paradigma de política econômica
A notável recuperação da economia argentina nos últimos três anos
reete a convergência das novas circunstâncias decorrentes da própria crise
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e a gestão das mesmas mediante a condução política e econômica. Ambos os
fatores permitiram recuperar a governabilidade da economia.
No início de 2002, a profundidade da recessão havia aumentado em 30%
o hiato entre o produto real e o potencial. Existia então grande quantidade
de recursos ociosos e disponíveis que permitiram recuperar a produção e
o emprego enquanto se expandia a demanda e se estabelecia o controle da
economia. A crise provocou também uma forte queda das importações,
que diante do considerável crescimento das exportações permitiu a geração
de um superávit na balança comercial da ordem de 60 bilhões de dólares
nos últimos cinco anos. Por sua vez, foi possível recuperar a arrecadação
de impostos, nanciar a despesa blica e gerar, em 2004, um superávit
primário consolidado do Estado nacional e das províncias da ordem de 6%
do PIB. Esse superávit se reduziu posteriormente, mas continua acima de 3%.
Finalmente, a desvalorização e o aumento dos preços internos em apenas 1/3
do ajuste cambial melhorou a competitividade da produção de bens e serviços
comerciáveis internacionalmente. Essa notável mudança de circunstâncias
fortaleceu a condução da economia, que ao mesmo tempo havia recuperado
o comando da política monetária e a administração da taxa de câmbio devido
ao abandono da convertibilidade.
A política econômica reagiu de maneira ecaz aos desaos e às novas
circunstâncias determinadas pela crise de 2001/02. Essa foi a causa principal
da recuperação e do crescimento atuais da economia argentina.
Foi dessa forma possível recuperar o comando dos instrumentos da
política econômica e provocar um choque de rentabilidade nas atividades,
especialmente na indústria manufatureira e entre pequenas e médias
empresas, que haviam sido castigadas pela supervalorização cambial e por
outros conteúdos da política anterior. A partir daí iniciou-se a recuperação da
economia argentina.
Os traços principais da atual política econômica são os seguintes:
Manutenção de uma taxa de câmbio consistente com a competitividade
da produção de bens comerciáveis;
Ressurgimento do Estado como árbitro dos conitos inerentes a uma
economia de mercado e uma sociedade pluralista;
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Consolidação dos equilíbrios macroeconômicos no orçamento, moeda
e balanço de pagamentos, a m de disciplinar o funcionamento da
economia e a formação de expectativas dos agentes econômicos;
Redução progressiva do endividamento externo dos setores público e
privado, a m de consolidar os equilíbrio macroeconômicos e sanear
a exposição nanceira do setor privado, e
Utilização da política de rendas como instrumento complementar
dos equilíbrios macroeconômicos a m de orientar a evolução dos
preços e administrar as pressões inacionárias, sem deprimir o nível
da atividade econômica e do emprego.
Diversas características do atual paradigma da política econômica
argentina estão presentes, ao longo da história e na atualidade, nos países
que conseguiram níveis elevados de desenvolvimento, mobilização de seu
potencial produtivo, inserção simétrica no sistema internacional e elevação
do bem-estar de suas sociedades. Em nenhum caso tais países mantiveram
taxas de câmbio hostis à competitividade da produção e nem tampouco
níveis insustentáveis de endividamento. Nesse sentido, pode-se armar que a
economia argentina está se deslocando em direção à normalidade e, o que é
mais importante, as observações predominantes na opinião pública parecem
corroborar esta armação.
O fato de que na Argentina tenham sido aplicadas durante tanto tempo
políticas anormais decorre de que o país não conseguiu, no passado, gerar um
consenso básico de longo prazo sobre a política econômica necessária e
possível para libertar seu potencial produtivo. No fundo, persiste ainda o
debate, fundado em razões complexas da formação histórica do país, a respeito
de saber se uma economia de mercado é um sistema sujeito a regras globais
administradas a partir dos centros do poder mundial ou, ao contrário, é um
sistema que conserve a capacidade de decidir seu próprio rumo, dentro de uma
rede de relações globais de comércio, investimentos e correntes nanceiras.
Segundo o paradigma que sustentou a política dos anos 90, a ordem
mundial é um sistema de âmbito global, planetário, no qual ocorre a maior
parte das transações econômicas e no qual as decisões são tomadas pelos
centros transnacionais de poder, isto é, os mercados nanceiros, as grandes
corporações e em certa medida os governos de um reduzido grupo de países
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altamente industrializados, principalmente os Estados Unidos. Nesse cenário,
os demais países e seus Estados nacionais haviam perdido a capacidade de
tomar decisões sobre os temas fundamentais da produção, investimento e
distribuição da renda.
Nesse enfoque, os países periféricos em relação aos centros de poder do
sistema não possuem poder decisório próprio e seus Estados nacionais são
impotentes para determinar o curso dos acontecimentos. Existe outra idéia
adicional: os mercados sabem mais do que o Estado e portanto as políticas
públicas perturbam a racionalidade econômica. Em conclusão, a única atitude
possível é seguir a corrente e fazer o que os mercados esperam. A política
econômica ca então reduzida a transmitir sinais amistosos de acordo com as
opiniões e interesses dos mercados. Supõe-se que dessa forma os mercados
globais incorporarão o país periférico ao processo de desenvolvimento e
elevarão o bem-estar do conjunto da população.
O fundamento desse paradigma é falso por vários motivos. Em primeiro
lugar, porque a maior parte das transações econômicas e a acumulação
de capital se realizam majoritariamente dentro dos espaços nacionais. As
exportações mundiais representam cerca de 20% do produto bruto mundial e
os investimentos (inclusive o reinvestimento de lucros) das liais de empresas
transnacionais (que são a medida da contribuição do capital estrangeiro para
a capacidade produtiva) nanciam menos de 15% do aumento do capital
produtivo da economia internacional. Conseentemente, 80% da prodão do
mundo é vendida dentro dos mercados internos e a poupança interna nancia
mais de 80% da acumulação de capital. A globalização da ordem mundial
coexiste assim com o fato de que os mercados internos e a poupança dos
países são essenciais como fonte de demanda e de recursos para o crescimento.
Não podem ser ignorados em uma estratégia realista de desenvolvimento e
inserção da economia global.
Em segundo lugar, o desenvolvimento econômico depende da capacidade
das sociedades de colocar em marcha processos de acumulação em sentido
amplo, vale dizer, acumulação de capital, tecnologia, capacidade de gestão
privada e pública, educação, regulamentação econômica e relações criativas
entre as esferas pública e privada. Esse processo de acumulação somente pode
ser gestado a partir de dentro de cada sociedade e não pode ser transplantado
de fora. Ao mesmo tempo, não pode ocorrer de forma alheia ao mercado e
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do acervo de tecnologias e conhecimentos disponíveis no mundo. Não são
possíveis a acumulação e o desenvolvimento subordinados a fatores externos
que desarticulem a coesão social e o tecido produtivo do país e nem tampouco
à margem da globalização. Daí a irracionalidade das posições inspiradas pelas
políticas neoliberais que culminaram na crise argentina.
Quando os países conseguem dar respostas aos desaos e oportunidades
da globalização de maneira coerente com seu desenvolvimento nacional, abrem-
se oportunidades para todos, promovem-se o investimento e o crescimento e
estabelecem-se relações simétricas não subordinadas à ordem global. Quando
se o oposto, prevalecem o subdesenvolvimento, a pobreza, a desigualdade e
a dependência em relação aos centros de poder mundial. A história argentina
ilustra esses fatos com exemplos emblemáticos.
A capacidade de acumulação e desenvolvimento e a ecácia das respostas
à globalização dependem da densidade nacional dos países, isto é, de sua
coesão social, da qualidade das lideranças para acumular poder conservando
o domínio dos principais recursos e abrindo oportunidades de emprego para
a maioria, de estabilidade para as instituições e de ideologias funcionais para
a libertação de potencial dos recursos disponíveis.
A experiência histórica é conclusiva. Observando-se a realidade
contemporânea, percebe-se que uma das características dos países mais bem
sucedidos da Ásia, como a Coréia, Taiwan e Malásia, e mesmo a China e a Índia,
é uma densidade nacional suciente para permitir processos de acumulação
em sentido amplo e conseqüentemente crescer e ampliar os espaços de bem-
estar de suas populações. Na América Latina, no entanto, fraturas sociais,
lideranças que acumulam poder subordinadas a interesses transnacionais,
instituições frágeis e a inuência do que Prebisch chamava “pensamento
cêntrico” impediram a formação de economias de mercado dinâmicas e abertas
ao mundo, preservando o comando do próprio destino.
Esse dilema a respeito da natureza da economia argentina, sua
localização no mundo e seu desenvolvimento estão presentes no debate atual
sobre a política econômica. As propostas em questões o pontuais quanto a
taxa de juros, a taxa de câmbio, a moeda, os gastos públicos e os impostos,
têm sempre, como fundamento, em última análise, uma das duas visões. Daí
decorre que o esclarecimento dessas questões, longe de ser um exercício
de mero âmbito teórico, envolve os problemas concretos e pontuais que
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devem ser resolvidos para que a atual recuperação da economia argentina se
transforme em um processo acelerado, a longo prazo, de desenvolvimento
sustentável com eqüidade.
2. As fases da evolução atual da economia
As políticas do renovado paradigma “desenvolvimentista”
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possibilitaram
a recuperação e o crescimento da economia argentina. Desde o ponto mais
profundo da crise (ns de 2001 e início de 2002) até o presente, a economia
passou por duas fases até culminar, agora, em um novo cenário, no qual voltam
a surgir os problemas do crescimento e da estabilidade.
A primeira fase
Essa fase vai de meados de 2002 à parte nal de 2003. Durante esse período
a demanda acumulada aumentou devido ao elevado superávit dos pagamentos
internacionais e à substituição de importações de bens comercveis, provocada
pela modicação dos preços relativos pós-desvalorização. Os impulsos da
demanda acumulada compensaram com sobras as tendências de contração
causadas pelo superávit primário do setor público consolidado.
A expano da demanda acumulada e a recuperação da competitividade da
produção interna de bens comerciáveis ampliaram os espaços de rentabilidade,
estimularam a atividade privada na indústria e permitiram reduzir a capacidade
produtiva ociosa. O crescimento constante da produção agropecuária
contribuiu para os mesmos efeitos, e pouco depois também a retomada da
indústria de construção. A reação da oferta se reetiu no notável crescimento
do PIB e na recuperação do emprego.
Em seguida ao ajuste inicial de preços internos após o abandono da
convertibilidade e da estabilização posterior da paridade nominal em torno de
3 pesos por um dólar, o aumento de preços internos acabou por representar
uma taxa de câmbio real cerca de 30% mais elevada do que a média dos
últimos 30 anos.
1 L.C. Bresser Pereira denomina “novo desenvolvimentismo” sua proposta de estratégia econômica para
o Brasil, que tem muitas coincidências com o renovado paradigma desenvolvimentista na Argentina. Ver
Macroeconomia da estagnação, Editora 34, São Paulo 2007.
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O comportamento da economia e das empresas foi possível devido
à progressiva recuperação da confiança e das expectativas, fundada na
progressiva normalização do contexto econômico e social. A governabilidade
da economia foi portanto essencial para a recuperação. Esta se baseou nos
seguintes fatos:
O superávit dos pagamentos internacionais e o aumento das reservas
do Banco Central;
O favorecimento da competitividade devido à modicação interna
dos preços relativos;
A “pesicação” do sistema monetário, a conseqüente recuperação
da autoridade monetária e a normalização das operações bancárias, e
nalmente
A bem sucedida operação de desvinculação entre o não pagamento
da parte principal da dívida pública externa e a substancial redução da
exposição em divisas do setor privado.
A recuperação da segurança jurídica e do regime de contratos contribuiu
para gerar um cenário propício para a produção, investimento e emprego.
As regras vigentes no sistema de convertibilidade eram insustentáveis
porque se baseavam num regime econômico e nanceiro estribado em uma
moeda estrangeira, desequilíbrios macroeconômicos crescentes e normas
inqualicáveis, como a xação dos preços dos serviços públicos em dólares e
indexá-los segundo a inação nos Estados Unidos. Depois do inevitável colapso,
as relações jurídicas e o regime de contratos foram se normalizando.
As novas orientações de política econômica contribuíram para a
recuperão da autoconaa do país em suas pprias forças, em sua
capacidade de administrar-se e de libertar seu potencial produtivo.
O extraordinário dinamismo da produção agropecuária e da cadeia
de valor agroindustrial inuiu no processo de recuperação da economia
argentina. Também contribuiu para isso o forte aumento da produção do
setor, impulsionado pela capacidade do empresariado rural, que incorporou a
revolução tecnológica derivada das novas práticas agrícolas, como a semeadura
direta, os pacotes tecnológicos e as sementes transgênicas. A abertura de novos
mercados, particularmente o espaço Ásia-Pacíco, e o aumento dos preços
das commodities, inuíram no mesmo sentido.
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A segunda fase
Esta fase se iniciou na primeira parte de 2004 e está terminando. Em
seu transcurso o impulso da demanda acumulada se manteve mediante o forte
aumento do consumo (devido à recuperação do emprego e dos salários) e
o notável incremento do investimento bruto interno. O superávit primário
consolidado das contas públicas debilitou parcialmente o impulso expansionista
do consumo e do investimento.
Continuaram prevalecendo nessa fase os efeitos positivos da governabilidade
da economia e a modicação dos preços relativos em favor da produção
local dos bens comerciáveis. Esse último fator tendeu a debilitar-se devido
à progressiva apreciação do peso e provoca incerteza futura quanto ao
comportamento da taxa de câmbio real a prazo médio e longo.
Nessa fase, a oferta continuou a responder aos estímulos da demanda.
O PIB manteve taxas de aumento próximas de 9% anuais, com uma constante
e moderada recuperação do emprego e dos salários reais. Permaneceram
espaços atraentes de rentabilidade em todo o aparelho produtivo, o que explica
o aumento do investimento bruto interno.
A atual política de estabilidade se apóia na solidez dos equibrios
macroeconômicos do sistema e em uma política de rendas instrumentada
por meio dos acordos promovidos nos mercados de produtos críticos, das
retenções sobre exportações diversas, dos subsídios aos serviços públicos de
consumo de massa, dos controles de preços dos serviços públicos privatizados
e das orientações a respeito dos limites aceitáveis de aumento de salários.
A política de rendas é um instrumento heterodoxo da política econômica,
legítimo e de amplos antecedentes, inclusive nas economias industriais
adiantadas. Tem dois objetivos principais: administrar as fricções distributivas
dos rendimentos e inuir em sua alocação interna entre setores produtivos e
sociais. Esta última categoria inclui a administração das diferenças de preços
relativos internos diante dos vigentes no mercado internacional, com vistas
a inuir na alocação de recursos dentro de uma economia nacional. É o caso
dos impostos (retenções) sobre a taxa de câmbio aplicada às exportações das
diversas commodities.
Na Argentina, a atual política de rendas tem, simultaneamente, todas
essas motivações. Sua viabilidade depende, em grande medida, da uidez do
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diálogo entre o governo e os atores econômicos e de que seja compatível com
as condições de rentabilidade indispensáveis para sustentar o crescimento
contínuo da oferta.
3. O caminho do desenvolvimento futuro
Cumpridas as duas primeiras fases da recuperação, esgota-se o ímpeto de
crescimento impulsionado pela mudança das regras do jogo. Termina, tamm,
a etapa na qual o novo paradigma de política econômica teve possibilidade de
deslanchar por meio dos instrumentos simples de ajuste scal, “pesicação”
do sistema monetário, xação da taxa de câmbio e recuperação das funções
essenciais do poder administrador.
É necessário consolidar o que foi conseguido e ao mesmo tempo perceber
que, atualmente, o país enfrenta os novos desaos dos dilemas fundamentais
do desenvolvimento, da mudança tecnológica e do processo de acumulação
em toda a sua complexidade. É preciso identicar os objetivos propostos,
de agora em diante, a m de alcançar níveis de desenvolvimento e bem
estar consentâneos com o talento e os recursos disponíveis. Isto é, chegou o
momento e a oportunidade de colocar o país real à altura do país possível.
Surgem assim três questões fundamentais que devem ser enfrentadas.
São elas: a elevação do bem-estar social, a integração do tecido produtivo e
a inserção armativa do país na globalização. O pleno desenvolvimento das
pequenas e médias empresas é uma condição necessária para a solução de tais
desaos. Elas fazem parte do tecido produtivo e social do país, são a fonte
principal do emprego e portanto do bem-estar e nalmente constituem um
instrumento essencial para gerar uma relação simétrica e dinâmica com a
economia mundial.
A m de poder constituir um caminho para o crescimento de longo
prazo, a política econômica deve cumprir tarefas mais complexas do que nas
duas fases de recuperação. Deve, agora, renar os instrumentos para sustentar
o crescimento e a transformação da economia e fortalecer a presença do país
no cenário internacional. Sobre essas bases, terá de abrir novas oportunidades
para a criatividade, raticar que o lugar mais rentável e seguro para investir o
talento e poupança pessoais é o nosso próprio pais e saldar, denitivamente,
a dívida social.
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As questões fundamentais
Desenvolvimento social. Até agora, a recuperação inicial do emprego e os
programas sociais diversos foram sucientes para descomprimir, em certa
medida, as tensões provocadas pela fratura do tecido social e produtivo do
país e sua seqüela de pobres, indigentes e marginalizados. Subsistem, porém,
as reivindicações de uma sociedade golpeada pela pobreza e desigualdade em
tantos anos de desatinos. O emprego de qualidade, a incorporação de todos os
trabalhadores no mercado formal, o fortalecimento dos regimes de proteção
e o aumento da oferta de bens públicos (saúde, educação, previdência, meio
ambiente) emergem agora como questões fundamentais no campo social.
Estrutura produtiva. Em suas duas fases a recuperação reconstituiu, em
certa medida, uma estrutura produtiva mais diversicada e complexa, com uma
amplitude que abarcou diversas regiões do extenso território nacional. Esses
fatos deram início ao caminho para a formação de uma economia moderna,
integrada, aberta e competitiva.
A diversificação estrutural é indispensável para permitir que o
conhecimento cientíco e a tecnologia penetrem em todo o tecido produtivo
e social do país, responda às modicações da demanda e da tecnologia e
ponha em marcha os processos de acumulação de capital, capacitação dos
recursos humanos e gestão de recursos, que constituem a própria essência
do desenvolvimento. Uma estrutura exível e cambiante, tão diversicada e
complexa quanto exige o estado atual dos conhecimentos, é capaz de responder
às mudanças impostas pelas novas tecnologias e pela composição da demanda
dos mercados. É também capaz de ampliar as fontes de inovação e difundir
a aplicação do conhecimento em todo o tecido produtivo e social. Não são
concebíveis uma sociedade moderna do conhecimento e uma estrutura
produtiva apoiadas em apenas um, ou em poucos setores, por maior que seja
a complexidade do processo produtivo que as sustenta, o qual, nesse caso,
revelaria um grau insuciente de integração com o restante da economia.
A Argentina tem a sorte de dispor de recursos humanos valiosos e de
uma ampla e variada dotação de recursos naturais, que lhe permitem inclusive
o auto-abastecimento de energia e alimentos. Esses meios, transformados e
integrados com o desenvolvimento industrial e os serviços portadores de
conhecimento, constituem uma plataforma para o desenvolvimento.
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A experiência histórica é conclusiva: somente prosperam os países
industrializados que valorizam seus recursos naturais e constróem sólidos
sistemas nacionais de ciência e tecnologia. Também é conclusiva no sentido
de que tais metas não são o resultado espontâneo das forças do mercado, e
sim o fruto da utilização do talento e das iniciativas privadas, no contexto de
políticas públicas mobilizadoras do potencial disponível.
Inserção internacional. Uma sociedade coesa e uma base produtiva
diversicada e complexa são condições essenciais para uma participação
plena, dinâmica e construtiva nas correntes globais de comércio, investimento,
nanças e conhecimentos da ordem mundial. São também essenciais para que
a produção local de bens comerciáveis responda às demandas de produtos mais
diferenciados, portadores de inovações e mudanças dos gostos e preferências
dos mercados. Quanto mais diversicada e complexa for a estrutura produtiva
interna, maior será a competitividade nas correntes dinâmicas do comércio
internacional.
O estilo de inserção no mundo dos países que mantêm relões
simétricas, e não subordinadas, com a globalização, é a participação na divisão
internacional do trabalho com base na especialização intra-industrial em nível de
produtos e não de ramos. Esse é o objetivo que deve ser perseguido a m de
preencher o hiato de conteúdo tecnológico entre exportações e importações,
cuja assimetria é um dos indicadores eloqüentes do subdesenvolvimento
relativo do país.
A política econômica
A reaparão do Estado como protagonista insubstituível em uma
economia de mercado e em uma sociedade democrática foi conseguida, nas
duas primeiras fases da recuperação, por meio dos precários instrumentos que
sobreviveram ao desmantelamento das políticas públicas. Isso foi suciente
para conseguir a governabilidade da economia e provocar o choque de
rentabilidade que mudou os rumos da economia.
A construção de um Estado tão reduzido quanto possível em virtude do
cumprimento de suas funções essenciais, eciente e executivo, transparente
e sujeito aos controles do sistema democtico, é um requisito para o
crescimento sustentável a longo prazo com eqüidade. É indispensável para
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consolidar, a médio e longo prazo, a governabilidade conseguida das
variáveis fundamentais da economia, ampliar os espaços de rentabilidade em
toda a extensão da economia nacional e fortalecer a auto-conança do país
em sua capacidade de governar-se e de construir um futuro próspero com
oportunidades para todos.
No início da recuperação a desordem era descomunal e a perda dos
instrumentos de política econômica tinha tal magnitude que decisões básicas
e fundamentais (a “pesicação”, o ajuste cambial, o aumento da arrecadação)
foram sucientes para recuperar a governabilidade da economia nacional e
erguer novamente o país. Agora, as exigências da governabilidade são mais
sutis e faz-se necessária uma sintonia na dos instrumentos scais, monetários
e cambiais a m de viabilizar o crescimento e a estabilidade. A sustentação de
uma paridade competitiva exige agora aperfeiçoar um conjunto de instrumentos
que complementem as medidas de esterilização dos excedentes de liquidez, a
cargo da autoridade monetária. Isso inclui o controle dos capitais especulativos
e uma complementação adequada das políticas monetária e scal.
Como a política de rendas passou a ser considerada instrumento legítimo
da política econômica, os acordos de preços devem ser progressivamente
complementados e substituídos pela melhoria das competitividades e por
um diálogo mais uido entre os atores econômicos e o governo. O objetivo
estabilizador dos acordos deveria fazer parte de consensos amplos de extensão
da capacidade produtiva.
Consolidadas as regras do jogo que consagram a governabilidade
macroeconômica do sistema, a política econômica enfrenta o desao de
alcaar os objetivos fundamentais do desenvolvimento social, a transformação
da estrutura produtiva e a inserção internacional.
As ações sociais não podem ser um subproduto da política econômica,
como no paradigma neoliberal, a m de compensar em parte as conseqüências
supostamente inevitáveis da injustiça na ordem contemporânea. O emprego de
qualidade, o bem-estar, a educação, a oferta de bens públicos diversos, devem
estar incorporados no desenho da política econômica em sua totalidade e em
seus principais instrumentos: scal, monetário e de pagamentos internacionais.
O desao da política econômica na nova etapa é incorporar o desenvolvimento
social às regras do jogo que enquadram e promovem o desenvolvimento do
sistema econômico e sua inserção internacional.
A recuperação da economia argentina
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
20
Não é verdade que o desenvolvimento tecnológico e a globalização
promovam inevitavelmente a desigualdade e marginalizem partes substanciais
da população em relação aos frutos do desenvolvimento. Isso ocorre devido
à ausência de políticas que orientem a mudança, as quais, quando existem,
ampliam e multiplicam o crescimento do sistema, porque aumentam os
mercados e geram novas fontes de iniciativas e de inovação. Assim como
Keynes, na década de 1930, encontrou um caminho de saída para a crise de
um sistema incapaz de resolvê-la dentro de sua própria dinâmica, também na
atualidade é necessário, em escala mundial, um novo paradigma que integre
a mudança e a acumulação com o desenvolvimento social. À medida que a
ordem mundial avança eventualmente nessa direção, é preciso colocar em
marcha, dentro de nosso país, e na maior medida possível, solidariamente
com os países da região, políticas de desenvolvimento que tragam implícita a
mudança social.
A política econômica dispõe de ltiplos instrumentos para impulsionar
a mudança técnica, a integração das cadeias de valor, o desenvolvimento das
regiões, o protagonismo da iniciativa privada, a ampliação dos espaços de
rentabilidade em toda a extensão do país, a capacitação dos recursos humanos,
a incorporação de toda a força de trabalho ao mercado formal e o emprego
de qualidade com remunerações crescentes. A formação de uma estrutura
produtiva diversicada e complexa, aberta e competitiva, fundada na ampla
dotação de recursos naturais e no pleno desenvolvimento industrial, repousa
na sinergia criadora da iniciativa privada com as políticas públicas. Sobre
essas bases a inserção do país na globalização pode e deve ser transformada
até preencher o hiato dos conteúdos de valor agregado e da tecnologia no
comércio exterior do país.
A inação
O aumento de preços é um problema importante na evolução atual
da economia argentina e merece uma breve consideração especial. Desperta
os fantasmas do passado e é compreensível que provoque preocupação na
opinião pública. Em véspera de eleições, além disso, é um tema sensível no
debate político. Segundo dados ociais, o índice de preços ao consumidor está
aumentando à razão de 10% anuais e segundo os opositores mais severos,
aumenta entre 15% e 20%. A experiência revela que uma inação moderada,
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
Aldo Ferrer
21
próxima a 10% é compatível com uma taxa elevada de crescimento da produção
e do emprego.
O debate dessa questão está centrado na suposta aceleração da inação.
Tratemos deste ponto.
Para que a evolução dos preços entre em uma rota de aumento constante
e a taxas cada vez mais elevadas, isto é, para que se acelere, é preciso que ocorra
ao menos uma das três condições seguintes:
1. Desequilíbrios graves nas naas públicas, pagamentos internacionais
e sistema monetário, geralmente presentes em situações de elevado
endividamento e eventual insolvência. Quando isso ocorre, agravam-
se as fricções distributivas e os aumentos preventivos de preços.
O sistema ca então extremamente vulnerável às expectativas dos
operadores internos e também aos choques externos e a volatilidade
das naas internacionais, como demonstra dramaticamente a
experncia argentina sob o regime da convertibilidade e outras
circunstâncias do passado;
2. Preços críticos da economia fortemente desalinhados em relação à sua
posão de equibrio no conjunto da economia. O ajuste indispensável
de um ou vários desses preços, como por exemplo a taxa de câmbio,
os salários ou as tarifas de serviços públicos, acelera inevitavelmente
o aumento do nível geral de preços;
3. Tensões sociais extremas reetidas, por exemplo, em golpes de Estado
ou greves gerais ou setoriais contínuas, que costumam ser chamadas
selvagens, em segmentos importantes da força de trabalho, fora do
controle das autoridades. Os aumentos maciços de salários que
costumam resultar de conitos trabalhistas graves desse tipo agravam
as incertezas e as expectativas e também aceleram a inação.
A história inacionária argentina revela uma elevada inação média a
longo prazo (recorde mundial no culo XX) com acelerações que, em diversos
momentos, culminaram em hiperinação. Essas experiências foram sempre
resultado da presença de uma, duas ou todas as três condições mencionadas.
Nenhuma delas ocorre na situação atual da economia argentina.
Com efeito, a economia continua a operar com o chamado superávit gêmeo
do orçamento e do balanço de pagamentos. Por sua vez, o sistema monetário,
A recuperação da economia argentina
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22
agora baseado na moeda nacional, é efetivamente administrado pela autoridade
monetária. Conseqüentemente, a oferta monetária e sua incidência nos preços
se encontram sob controle. O fato de que as atuais turbulências não tenham
perturbado a economia argentina, além das mudanças nas cotações de valores
e ações e ajustes moderados da taxa de juros, revela a solidez dos equilíbrios
macroeconômicos. Demonstra, além disso, o êxito da resolução do calote da
dívida pública e a normalização da dívida privada.
No que respeita aos preços críticos da economia, nenhum deles se
encontra sensivelmente desalinhado em relação à sua posição de equilíbrio
no conjunto do sistema. A taxa de câmbio registra pressões no sentido da
apreciação mais do que no da desvalorização, os ajustes necessários que se
realizem nas tarifas de serviços públicos estarão dentro dos limites do nível
de inação e os aumentos de salários se darão dentro dos mesmos limites
e segundo o comportamento da produtividade. É claro que existem, aqui
e ali, algumas tensões, mas em nenhum caso situações extremas capazes de
desestabilizar o sistema e acelerar a inação.
Quanto às relações sociais, com exceção de alguns conitos notórios,
parciais e geogracamente localizados, os indicadores de horas perdidas, etc.,
eso dentro de um quadro razoavelmente estável e em um cenário internacional
baseado na Constituição e na vigência das instituições da democracia.
Em resumo, o existe, na atualidade, nenhuma das condões necessárias
para que a inação se acelere. Temos sem dúvida um problema inacionário,
seja qual for o índice de referência e a conabilidade dos índices disponíveis.
Uma economia que está crescendo a mais de 8% por ano nos últimos 60 meses
tem de conseguir que o nível de preços oscile, no máximo, em 10% anuais.
Conter a inação em níveis moderados é indispensável para aumentar
a taxa de poupança e investimento até 30% do PIB, necessária para
seguir crescendo a taxas comparáveis com as atuais, elevar o emprego, os
salários e o bem-estar social. É portanto preciso consolidar os equilíbrios
macroeconômicos, evitar desvios dos preços críticos em relação aos níveis
de equilíbrio dinâmico e preservar a paz social e a racionalidade na solução
dos conitos distributivos, que são inerentes a toda sociedade pluralista e
democrática e a uma economia de mercado.
Isso traz novos desaos para a política econômica. Trata-se de articular
as poticas scal, monetária e cambial, a m de estimular a poupança e
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Aldo Ferrer
23
o investimento, promover a distribuão progressiva da renda e preservar
o sistema de ataques especulativos. Esta última condição exige, entre
outras coisas, uma delicada gestão da esterilização dos excedentes de
oferta monetária derivada do aumento das reservas genuínas de divisas
internacionais, evitar (por meio da taxa de juros efetiva em dólares) a
abertura de oportunidades propícias para a especulação nanceira de curto
prazo e manter um tipo de câmbio real previvel e estável a prazo médio e
longo. É necesrio que haja previsibilidade para o investimento produtivo
e incerteza para a especulação nanceira.
O superávit primário e a consolidação da solvência scal são âncora
indispensável para tal política, dentro de um cenário no qual a dívida esteja
sob controle e possa ser administrada mediante os instrumentos disponíveis
para a política econômica. Felizmente, o contexto internacional atual é também
favorável e promete continuar a ser favorável, a longo prazo, para a libertação
do formidável potencial de desenvolvimento da economia argentina com uma
razoável estabilidade do nível geral de preços.
4. O Mercosul
O horizonte de desenvolvimento da Argentina se expande no cenário do
Mercosul e na integração do espaço sul-americano. Esse é por si mesmo um
empreendimento sucientemente complexo, pom ao contrário da experncia
européia, que é o paradigma desse tipo de processo, os países membros do
Mercosul enfrentam simultaneamente outros desaos maiúsculos. Estes são:
avançar na construção de seu próprio desenvolvimento nacional, transformar
sua inserção na ordem mundial globalizada e responder às profundas assimetrias
de tamanho e níveis de desenvolvimento entre os países membros.
Esse conjunto de circunsncias do Mercosul e, por exteno, da América
do Sul, é especo da região. Nesse sentido, trata-se de uma empresa sem
precedentes. Em outras latitudes, como na Europa e na bacia do oceano Pacíco,
a integração ocorreu, ao decolar, entre economias industriais avançadas ou
emergentes, com níveis de desenvolvimento compaveis, forte coesão de suas
estruturas sociais e uma relação simétrica não subordinada à ordem mundial.
Não é esse o caso do Mercosul, como tampouco foi o das experiências
anteriores da integração latino-americana. Aqui, a integração ocorre entre
A recuperação da economia argentina
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
24
países que ainda não consolidaram sua densidade nacional em questões chave
como a da coesão social, que se encontram em posição vulnerável em relação
ao resto do mundo no contexto do modelo centro-periferia e que têm entre
si assimetrias de dimensão e de desenvolvimento.
Isso caracteriza a complexidade da formação do Mercosul. Portanto,
nesse espaço, o processo não se reduz a xar regras para a integração entre
os países membros e estabelecer políticas públicas de âmbito comunitário.
O processo abarca e ao mesmo tempo está condicionado pelas decisões
próprias de cada país na construção de seu desenvolvimento nacional, pelas
ações conjuntas para transformar a inserção da região no cenário global e
resolver as assimetrias existentes.
Essas circunstâncias especícas do Mercosul não anulam a validade do
projeto, porém caracterizam sua complexidade e condicionam a estratégia
integracionista.
A fragmentação social e as assimetrias prevalecentes na região contribuem
para explicar a diversidade das políticas da Argentina, Brasil, Chile, Uruguai
ou Venezuela, cujos governos, na atualidade, estão motivados por um ímpeto
renovador e progressista.
As conclusões estão longe de ser pessimistas quando se comparam os
resultados alcançados até agora pelo Mercosul e outros vínculos intra-sul-
americanos com a situação existente no passado, isto é, com as relações entre
nossos países na época da decolagem da convergência entre Brasil e Argentina,
e portanto do Mercosul, na Ata de Foz do Iguaçu em 1985. Tal comparação
revela que desde então e até agora foram obtidos avanços notáveis em muitos
planos, inclusive os do comércio, investimentos, solidariedade democrática e
posicionamento internacional. É portanto preciso descartar a visão da integração
ideal do Mercosul e do espaço sul-americano, resgatar o conseguido e
sobretudo desenvolver uma estratégia realista, profunda e plena de integração
de nossos países, atendendo à realidade existente e não às fantasias.
Na atualidade prevalecem na região governos em cujas agendas a questão
social é compreensivelmente prioritária. Cada país processará as exigências
de suas sociedades de acordo com suas próprias realidades. Trata-se de um
problema central do desenvolvimento nacional que inui na integrão
regional, mas esses são temas da esfera interna de cada país.
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
Aldo Ferrer
25
No caminho da transformação, que cada país construirá à sua maneira,
a integração regional conserva um potencial considerável de ampliação dos
mercados, coordenação dos processos produtivos, desenvolvimento da infra-
estrutura compartilhada, promoção da ciência e da tecnologia e concertação
de posições conjuntas diante da ordem mundial, em questões críticas que
nos preocupam, como a paz e a segurança, a defesa do meio ambiente, a luta
contra a dependência das drogas e o narcotráco e as reformas nos regimes
internacionais de comércio, propriedade intelectual e nanças.
Torna-se portanto necessário abandonar o pessimismo fundado em
supostas novas fragmentações entre nossos países e no fracasso de projetos
ideais de integração, que desde o início eram inviáveis, no contexto das
realidades prevalecentes na região. Sobre a base da avaliação objetiva dos fatos,
é necessário e inadiável construir o Mercosul e a integração sul-americana
possíveis, nos múltiplos espaços de convergência abertos na atualidade, que
são muito mais amplos e fecundos do que em qualquer outro momento de
nossa história comum.
Referências
A. Ferrer. A economia argentina desde suas origens no século XXI, Editora
Campus. Rio de Janeiro 2002.
A. Ferrer. La densidad nacional: el caso argentino. Capital Intelectual. Buenos
Aires, 2004.
DEP
Tradução: Sérgio Duarte
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
26
Economia da Bolívia:
diagnóstico e planos
para 2008
Luís Alberto Arce Catacora*
Introdução
A
Bolívia é um país situado no centro da América do Sul e adota a
república unitária, democrática, representativa e presidencialista como forma
de governo. Além disso, sua estrutura política e administrativa compreende
nove departamentos e a sede do governo está na cidade de La Paz. O idioma
ocial é o castelhano, a unidade monetária é o “boliviano” (Bs.) a extensão
territorial é de 1.098.581 km
2
e a população é de 9.329.676 de habitantes.
O país é rico em jazidas minerais, tais como prata, estanho, ferro e zinco;
possui também hidrocarbonetos, principalmente gás natural e produz milho,
trigo, algodão, batatas, arroz, sorgo, soja e madeira, entre outros.
No quadro seguinte aparece a evolão das principais variáveis econômicas
desde a década de 1970 até esta data, e o que se pode perceber é que a
economia boliviana passou por várias décadas de importantes desequilíbrios
macroeconômicos que afetaram o bem-estar de sua população e nos últimos
* Ministro da Fazenda da República da Bolívia
Luís Alberto Arce Catacora
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
27
dois anos conseguiu aproximar-se dos níveis de PIB per capita registrados na
década de 70.
Indicadores econômicos e sociais importantes
(Em média por períodos) 1970-2007
1970-1979 1980-1989 1990-1999 2000-2005 2006-2007
Taxa de Crescimento do PIB real
1
( %)
Taxa de Crescimento do PNB real
2
(%)
PNB per capita
2
(US$)
Inação mensal
3
Décit/Superávit scal
1
(% do PIB)
Décit em conta corrente
1
(milhões de US$)
População
2
4,5
4,3
1.023
1,42
- 2,1
-
4.709.388
- 0,4
- 0,4
850
11,99
- 11,4
- 210,6
5.940.923
4,0
4,3
907
0,76
- 3,7
- 347,8
7.416.825
2,9
2,9
968
0,28
- 5,8
84,2
8.917.934
3,9
3,3
1.007
0,61
3,8
1.107,2
9.638.399
Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE) e Ministério da Fazenda.
Elaboração: Rede de Análise Fiscal.
Nota: 1. No primeiro semestre de 2007. 2. Em ns de 2006. 3. Em setembro de 2007 e em percentagens %.
O documento é organizado em duas partes. A primeira trata da
situação atual da economia, realizando um diagnóstico dos setores real,
externo, monetário e scal e uma breve descrição de temas de conjuntura
acompanhada de análise dos indicadores sociais importantes; a segunda
descreve as perspectivas da economia para 2008 em função do Plano Nacional
de Desenvolvimento.
I. Descrição da economia
Nesta seção descreve-se o comportamento das principais variáveis
macroeconômicas na gestão 2006 e também no primeiro semestre de 2007.
1. Setor real
Durante o ano de 2006 a economia boliviana foi inuenciada por um
contexto externo muito favovel mas também por uma administrão acertada
da política econômica. Ambos os elementos incidiram notavelmente em seu
comportamento.
Economia da Bolívia: diagnóstico e planos para 2008
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
28
No exercício de 2006 o Produto Interno Bruto cresceu 4,6% em
termos reais em relação a 2005, Foi o crescimento mais alto registrado nos
sete anos anteriores e o setor que mais contribuiu para isso foi o da indústria
manufatureira, com 1,33% (ver Quadro 1).
Quadro 1
Produto Interno Bruto por setores econômicos
(Em milhões de Bs. 1990 e em percentagens) 2005-2006
Milhões de Bs. de 1990 Crescimento % Incidência %
2005 2006 2005 2006 2005 2006
PIB a preços de mercado
Impostos indiretos
PIB a preços básicos
PIB extrativas
Petróleo cru e gás natural
Minerais metálicos e não metálicos
PIB não extrativas
Agricultura, silvicultura, caça e pesca
Indústria manufatureira
Eletricidade, gás e água
Consrução
Comércio
Transporte e comuncações
Estabelecimentos nanceiros, seguros
Bens imóveis e serviços às serviços
da administração pública
Outros serviços
Serviços bancários imputados
25.936
2.470
23.466
2.809
1.769
1.040
20.657
3.773
4.285
515
679
2.125
2.847
2.914
2.373
1.897
-752
27.137
2.599
24.537
2.933
1.854
1.079
21.604
3.945
4.631
534
709
2.199
2.963
3.088
2.459
1.941
-865
4,04%
7,43%
3,70%
13,0%
14,54%
10,37%
2,55%
4,82%
2,70%
2,64%
2,61%
2,70%
2,78%
0,39%
3,63%
1,20%
7,40%
4,63%
5,24%
4,57%
4,42%
4,81%
3,75%
4,59%
4,55%
8,06%
3,55%
4,48%
3,50%
4,09%
5,96%
3,65%
2,33%
15,14%
4,04%
0,69%
3,36%
1,29%
0,90%
0,39%
2,06%
0,70%
0,45%
0,05%
0,07%
0,22%
0,31%
0,05%
0,33%
0,09%
-0,21%
4,63%
0,50%
4,13%
0,48%
0,33%
0,15%
3,65%
0,66%
1,33%
0,07%
0,12%
0,29%
0,45%
0,67%
0,33%
0,17%
-0,44%
Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE)
Elaboração: Rede de Análise Fiscal
Igualmente, no primeiro semestre de 2007 o PIB real cresceu 3,15%,
mostrando recuperação em quase todos os setores (gráco 1), com exceção
do setor agropecuário, que foi negativamente afetado pelo fenômeno
El Niño. Esse fenômeno climatológico produziu um choque de oferta
negativo para o abastecimento normal de alimentos na economia, o que
implicou em forte preso sobre o vel de preços da economia, do qual
falaremos adiante.
Luís Alberto Arce Catacora
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
29
Gráco 1
Produto Interno Bruto real por setores econômicos
(Em milhões de Bs. de 1990) 1º semestre 2005 – 1º semestre 2007
Fonte: INE
Elaboração: Rede de Análise Fiscal
O crescimento da demanda interna para 2006 teve incidência positiva no
gasto total da economia em aproximadamente 2,63% (quadro 2), dos 4,63%
que o PIB real experimentou. A variação percentual positiva da demanda
interna foi de 2,7%, no caso de cada um de seus componentes, sendo que o
consumo das famílias cresceu 3,88%, devido à política de rendas implantada
pelo governo via aumento do salário mínima real, que aumentou em 9,7%
desde maio de 2006. Como elemento adicional também o setor exportador
experimentou mudanças positivas nos rendimentos reais devido à orientação
acertada da política cambial, junto com uma elevada demanda externa de
matérias primas e manufaturas. A formação bruta de Capital Fixo (FBKF)
cresceu 7,09%, o que se explica pelo maior dinamismo do setor de construção
e o ambiente político estável; nalmente, a taxa de crescimento do gasto
governamental se situou em 3,27%, crescimento menor do que o registrado
em 2005 em conseqüência da política de austeridade implantada na gestão
2006. A demanda externa reverteu a incidência negativa de 1,27% em 2005,
passando a 2% em relação a 2006.
Economia da Bolívia: diagnóstico e planos para 2008
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30
Quadro 2
Produto Interno Bruto por tipo de gasto
(Em milhões de Bs. de 1999 e em porcentagens) 2005-2006
Tipo de Gasto
Millones de Bs.
de 1990
Crescimiento % Incidência % Participação %
2005 2006 2005 2006 2005 2006 2005 2006
PIB A PREÇOS DE MERCADO
Demanda interna
Gasto público
Consumo privado
Investimento
Varex
FBKF
EXPORTAÇÕES LÍQUIDAS
Exportações de bens e serviços
Importações de bens e serviços
25.936
25.323
2.989
18.644
3.689
333
3.356
613
9.040
8.427
27.137
26.006
3.087
19.369
3.550
-44
3.594
1.131
9.909
8.778
4,04
5,51
3,36
2,72
24,78
-225,1
94,14
-33,99
9,87
15,44
4,63
2,70
3,27
3,88
-3,78
-113,25
7,09
84,61
9,61
4,16
4,04
5,31
0,39
1,98
2,94
2,40
0,54
-1,27
3,26
4,52
4,63
2,63
0,38
2,79
-0,54
-1,45
0,92
2,00
3,35
1,35
100,00
97,64
11,53
71,89
14,22
1,28
12,94
2,36
34,86
32,49
100,00
95,83
11,38
71,37
13,08
-0,16
13,24
4,17
36,52
32,35
Fonte: INE
Elaboração: Rede de Análise Fiscal
As exportações líquidas cresceram 84,6% em 2006, revertendo o processo
negativo de 2005, que foi de 33,9%. São rios os elementos que explicam esse
valor positivo, entre eles, como fatores externos, a maior demanda de matérias
primas das economias da Índia e da China e os bons preços internacionais, mas
também as intensas negociações levadas a efeito pelo governo do presidente
Morales, que conseguiu melhores preços e volumes para a exportação de
gás natural à República Argentina e à República do Brasil. Tomando como
exemplo o caso da negociação com a Argentina, essa melhora representa em
média uma melhora de 65% nos preços de exportação.
2. Setor externo
Durante o ano de 2006 os preços internacionais foram favoráveis, assim
como ocorreu no primeiro semestre da atual gestão, conforme assinala o
Relatório de Política Monetária do Banco Central da Bolívia (BCB daqui em
diante)
1
; a esse elemento deve-se acrescentar o maior dinamismo das economias
da Ásia, especialmente a China e a Índia, e também a zona do euro, junto
com a recuperação da economia dos Estados Unidos. Todos esses elementos
permitiram e permitem ainda a vigência de um período de bonança (gráco 2).
1 Relatório de Política Monetária, julho de 2007.
Luís Alberto Arce Catacora
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
31
Gráco 2
Preço dos principais minerais de exportação
(Em US$ por unidade) 2005-2007
Fonte: FMI
Elaboração: RAF
Economia da Bolívia: diagnóstico e planos para 2008
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
32
As exportações da economia atingiram cifras históricas. Em dezembro
de 2006 chegaram a 4.080 bilhões de dólares e no primeiro semestre de 2007
conseguiu-se chegar a 2.046 bilhões, montante superior a todos os registrados
antes do exercício de 2003 (gráco 3).
Gráco 3
Exportações segundo a atividade econômica
(Em milhões de US$) 1990-2007
Fonte: INE
Elaboração: RAF
(1) Exportações de janeiro a junho de 2007
O valor das importações, tanto em 2006 quanto no primeiro semestre de
2007, mostra trajetória ascendente. Desde o ano de 2001 até 2006 mais de 50%
das importações da economia boliviana são constituídos de matérias primas
e produtos intermediários. A importação de bens de capital é ligeiramente
superior à registrada em 2005 (gráco 4).
Luís Alberto Arce Catacora
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
33
Gráco 4
Importações segundo uso ou destino econômico
(Em milhões de US$) 1990-2007
Fonte: INE
Elaboração: RAF
(1) Importações de janeiro a junho de 2007
Esse cenário externo favorável, combinado com uma gestão adequada da
política cambial, traduziu-se em um superávit do balanço de pagamentos tanto
em 2006 quanto no primeiro semestre de 2007 (Quadro 4). Esse resultado é
conseqüência dos superávits em conta corrente e na conta de capital.
Quadro 4
Balanço de Pagamentos conta corrente e conta de capital
(Em milhões de US$) 2004-2007
2004 2005 2006
1º Semestre
2006 2007
Conta corrente
Conta de capital e nanceira
Saldo do balanço de pagamentos
337,4
-211,5
125,9
622,5
-118,8
503,6
1.319,1
266,2
1.515,5
471,2
374,2
845,5
676,1
22,9
698,9
Fonte: BCB
Elaboração: RAF
Economia da Bolívia: diagnóstico e planos para 2008
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
34
O uxo de remessas que chega à economia, somado ao saldo positivo
da balança comercial, permitiu a obtenção de um superávit na conta corrente
do balanço de pagamentos em dólares de 1.319 bilhão em 2006 e de 1.471,2
bilhão no primeiro semestre de 2007, dos quais 1.054 são atribuíveis à balança
comercial em 2006 e 375 milhões no primeiro semestre de 2007.
O saldo positivo da balaa comercial, o importante uxo de remessas em
2006 e no primeiro semestre de 2007, o alívio e pagamento da dívida externa,
junto com necessidades menores de nanciamento do setor scal, se reetem
em maior acumulação de Reservas Internacionais Líquidas (RIN daqui em
diante) do BCB e do sistema nanceiro, que em junho de 2007 registraram
cifras históricas (gráco 5), o que permitiu à economia gerar estabilidade e
uma cobertura de mais de 100% dos depósitos no sistema nanceiro.
Gráco 5
Reservas internacionais consolidadas do sistema nanceiro
(Em milhões de US$) 2006-2007
Fonte: BCB
Elaboração RAF
Luís Alberto Arce Catacora
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
35
O estoque de RIN em junho de 2007 alcançou a cifra de 4.922 bilhões
de dólares (79% das Reservas Consolidadas do Sistema Financeiro). Esse
importante volume de reservas pressionou o BCB para apreciar a moeda
nacional em relação ao dólar em 0,62% em 2006 e 2,7% em setembro do
corrente ano.
Em 2006 a Taxa de Câmbio Efetiva e Real (Itcer daqui em diante)
depreciou-se em 0,09%, em conseqüência do ritmo mais veloz de apreciação
e taxas de inação de nossos sócios comerciais; em 2007 o Itcer se apreciou
em 0,73% (gráco 6).
Gráco 6
Taxa de câmbio nominal e índice da taxa de câmbio efetiva e real
(Agosto 2003 = 100) 2006-2007
Fonte: BCB
Elaboração: RAF
O Investimento Estrangeiro Direto bruto (IEDb daqui em diante) de
2006 ascendeu a 435,1 milhões de dólares, isto é, 30,7 milhões adicionais
em comparão com o exercício anterior. Destacam-se no peodo os
Economia da Bolívia: diagnóstico e planos para 2008
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36
investimentos no setor minerador (56,4% do total), que cresceu em 37,3%,
devido principalmente ao empreendimento de grandes projetos, como San
Cristóbal e San Bartolomé. Por sua vez, o IEDb do setor de hidrocarbonetos
(24% do investimento) se manteve quase no mesmo vel, com um investimento
de 104,5 milhões (Quadro 5). No primeiro semestre de 2007 observa-se uma
queda da IEDb de 23,9 milhões de dólares em relação a período similar do
exercício passado; no entanto, o desinvestimento nesse período é menor do
que a registrada em 2006.
Quadro 5
Investimentos Estrangeiros Diretos
(Em milhões de US$) 2005-2007
Setor econômico 2005 2006(p)
Janeiro – junho Relações 1º semestre 2007
2006(p) 2007(p)
Variação
absoluta
Composição
%
Crescimento
%
IED BRUTA
Hidrocarbonetos
Mineração
Indústria
Transporte e comunicações
Comércio, eletricidade e serviços
DESINVESTIMENTOS
IED LÍQUIDA
404,4
105
183
58,3
45
13,1
-643
-238,6
435,1
104,5
251,3
47,8
16
15,5
-195
240,1
240,8
31,3
137,1
8,9
33,6
30
-227,5
13,4
216,9
22,9
122,3
20
36,8
14,9
-119,8
97,1
-23,9
-8,4
-14,8
11,1
3,2
-15,1
-
-
100
10,6
56,4
9,2
17,0
6,9
-
-
-9,9
-26,8
-10,8
124,7
9,5
-50,3
-
-
Fonte: BCB
Elaboração: RAF
(p): preliminar
Em ns de dezembro de 2006 o estoque da dívida pública externa
registrava 3.248 bilhões de dólares em consequência dos perdões do Banco
Mundial e do governo do Japão; em ns do primeiro semestre do presente
ano o estoque da dívida se reduziu a 2.056 milhões, devido ao perdão do
BID (gco 7). Todas essas ações reduzem a vulnerabilidade da economia
diante de choques negativos da taxa de juros e do risco do modelo cambial
do setor externo.
Luís Alberto Arce Catacora
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37
Gráco 7
Estoque da dívida externa segundo o credor
(Em milhões de US$) 2005-2007
Fonte: BCB
Elaboração: RAF
3. Setor monetário
A lei 1670 deu ao BCB o mandato de procurar a estabilidade do poder
aquisitivo interno da moeda nacional. Para isso vem sendo aplicada uma
política monetária baseada no uso de instrumentos para a consecução de metas
intermediárias (estabelecendo tetos para as RIN e um piso para o Crédito
Interno Líquido) que permite manter um nível ótimo de RIN compatível com
um tipo de câmbio ajustável e um nível de CIN que não exacerbe o nível de
preços (gráco 8).
Economia da Bolívia: diagnóstico e planos para 2008
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Gráco 8
Base monetária – crédito líquido ao setor público e crédito a bancos
(Em milhões de Bs.) 2005-2007
Fonte: BCB
Elaboração: RAF
Todos os instrumentos de política monetária utilizados pelo BCB se
orientam para alcançar o principal objetivo da entidade emissora, a qual no
início de 2006 anunciou uma meta de faixa para a inação entre 3% e 5% e
em dezembro a inação acumulada fechou em 4,91%, dentro da faixa meta
2
.
No entanto, desde novembro de 2006 observaram-se choques de oferta
que pressionaram o nível de preços. Esses choques de oferta, associados ao
fenômeno El Niño, assumiram importância em janeiro de 2007, estendendo-
se até meados do segundo trimestre da atual gestão e afetando diretamente os
preços dos artigos levados em conta no capítulo de alimentos (gráco 9). Deve-
se mencionar também as expectativas de inação dos agentes econômicos
2 Já que em exercícios passados anunciava-se uma meta numérica pontual.
Luís Alberto Arce Catacora
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39
após uma série de notícias e rumores veiculadas por muitos analistas que
não zeram senão vericar a hipótese de profecias auto-cumpridas e gerar
mais pressões sobre o nível de preços. Não obstante, a inação subjacente,
tanto em dezembro de 2006 quanto em junho de 2007 se encontra abaixo da
observada, o que signica que a alta de preços se explica por efeitos associados
à sazonalidade tanto quanto por choques transitórios (gráco 10).
Gráco 9
Inação acumulada e incidência de alimentos
(Em percentagens) 2006-2007
Fonter: INE
Elaboração: RAF
Economia da Bolívia: diagnóstico e planos para 2008
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Gráco 10
Inação e inação subjacente mensal
(Em percentagens) 2005-2007
Fonte: INE
Elaboração: RAF
A taxa legal de reserva de depósitos se manteve constante ao longo de
2006 em 12% para desitos em moeda nacional e em 21,5% para desitos
em moeda estrangeira, e o mesmo ocorreu no primeiro semestre de 2007. Por
outro lado, as Operações em Mercado Aberto (OMA), principal instrumento
indireto com que conta o BCB, possibilitaram retirar da economia 248,9
milhões de lares, montante superior em 173,5% ao saldo de dezembro
de 2005; mas também no primeiro semestre da atual gestão o saldo é de
498,3 milhões, e dessa forma pode-se neutralizar o impacto potencial das
RIN sobre a inação.
4. Setor scal
Os resultados das ações de política scal no ano de 2006 mostram
um superávit global no Setor Público Não Financeiro (SPNF daqui em
diante) de 4.101 bilhões de bolivianos, o que representa 4,6% do PIB.
Luís Alberto Arce Catacora
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
41
Esse superávit constitui uma cifra histórica não observada desde mais de
66 anos (Gráco 11); am disso, no primeiro semestre de 2007 existe
também um superávit scal de 4,3%, oriundo da aplicação de um programa
nanceiro soberano
3
.
Gráco 11
Superávit – décit (Em percentagem do PIB) 1970-2007
Fonte: Unidade de Programação Fiscal (UPF)
Elaboração: RAF
A geso da fazenda pública no ano 2006 estabeleceu políticas de
incremento das receitas tributárias e uma otimização do gasto scal. Em
coordenação com a política de hidrocarbonetos foram aplicadas políticas;
para incrementar as receitas do SPNF (nacionalização dos hidrocarbonetos e
negociação de melhores preços e volumes de exportação de gás natural); da
mesma forma, foi ampliada a base tributária e aperfeiçoou-se a eciência das
3 Segundo estabelecido pelo Plano Nacional de Desenvolvimento em um de seus capítulos “Bolívia Soberana”,
a Bolívia concluiu o programa “Stand By” com o Fundo Monetário Internacional (FMI) em 31 de março de
2006, e o Ministério da Fazenda vem executando um Programa Financeiro soberano sem inuência de nenhum
organismo internacional.
Economia da Bolívia: diagnóstico e planos para 2008
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42
arrecadações tributárias. Observa-se também um incremento considerável da
pressão tributária a partir de 2005; esse incremento se deve essencialmente
ao contexto externo favorável ao dinamismo da economia interna (quadro 6).
A inclusão do Imposto Direto sobre os Hidrocarbonetos gerou uma mudança
importante na estrutura de participação no sistema tributário. Com efeito, em
2006 sua participação foi de 6,1%, mais de 3% superior ao ano anterior.
Quadro 6
Arrecadação tributária 2004-2007
Em milhões de Bs. Composição en % Em porcentagem do PIB
2004 2005 2006 2007* 2004 2005 2006 2007* 2004 2005 2006 2007*
RECEITA INTERNA
IVA
IUE
IT
ICE
IEHD
IDH
1
Otros
RECEITA ADUANERA
Receitas tributárias
Rendas tributárias sem IDH
10.571
4.411
1.122
1.567
558
1.147
0
1.766
672
11.243
11.243
10.571
4.411
1.122
1.567
558
1.147
0
1.766
672
11.243
11.243
20.376
6.405
2.311
1.812
782
2.000
5.497
1.568
921
21.297
15.799
10.960
3.465
1.286
1.007
465
1.124
2.747
865
509
11.469
8.722
94,0
39,2
10,0
13,9
5,0
10,2
0,0
15,7
6,0
100,0
100,0
95,0
33,1
11,1
10,7
4,2
11,9
14,7
9,3
5,0
100,0
85,3
95,7
30,1
10,9
8,5
3,7
9,4
25,8
7,4
4,3
100,0
74,2
95,6
30,2
11,2
8,8
4,1
9,8
24,0
7,5
4,4
100,0
76,0
15,2
6,3
1,6
2,3
0,8
1,6
0,0
2,5
1,0
16,11
6,1
19,8
6,9
2,3
2,2
0,9
2,5
3,1
1,9
1,0
20,9
17,8
22,8
7,2
2,6
2,0
0,9
2,2
6,1
1,8
1,0
23,8
17,7
22,6
7,1
2,6
2,1
1,0
2,3
5,7
1,8
1,0
23,6
18,0
Fonte: Serviço de Impostos Nacionais e Alfândega Nacional
Elaboração: Rede de Análise Fiscal
* Dados de junho de 2007
1. Imposto arrecadado a partir de janeiro de 2005.
2. PIB anual: Bs. 69.626 bilhões para 2004, Bs. 76.154 bilhões para 2005, Bs. 89.428 bilhões para 2006 e para o
primeiro semestre de 2007 Bs. 48.556 bilhões.
A Política de Austeridade aplicada desde 2006 tem a nalidade de
realocar os recursos em direção a setores marginalizados e esquecidos no
passado. Com efeito, a partir de 1 de março de 2006 o governo aplicou
uma política de austeridade e sacrifício compartilhado que estabeleceu uma
remuneração máxima para o Poder Executivo (Presidente da República, 1.861
dólares; Ministros de Estado 1.737 dólares), e foram eliminados os gastos de
representação no interior do serviço público. Esses recursos foram destinados
à criação de novos itens de trabalho em educação e saúde (gráco 12).
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43
Gráco 12
Política de austeridade
“Novos itens de trabalho saúde educação” (2006)
Fonte: Ministério da Fazenda
Elaboração: RAF
A Política Fiscal também esteve orientada a eliminar os Gastos Reservados
e tornar transparente para a sociedade civil o uso dos recursos estatais.
Da mesma forma, as informações sobre a execução do gasto público
por parte do governo central, Municípios e Prefeituras estão disponíveis ao
público via Internet.
Na gestão 2006 a redução do serviço da dívida interna em 212 milhões
de dólares em relação a 2005 foi em parte resultado do pagamento dos créditos
de liquidez ao BCB (gráco 13).
Economia da Bolívia: diagnóstico e planos para 2008
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Gráco 13
Saldo da dívida interna (Em milhões de US$) 2004-2007
Fonte: Ministério da Fazenda
Elaboração: RAF
Um problema ligado ao crescimento da dívida interna no passado foi
a elevada dolarização. Em ns de 2003, mais de 80% da dívida interna se
constituía em dólares, o que expunha as contas scais a um risco por conta da
taxa de câmbio. Recentemente, o ministério da fazenda realizou um esforço
para reduzir a dívida interna denominada em dólares por meio da utilização de
instrumentos de dívida em Unidades de Fomento de Moradia (UFV). Como
os instrumentos denominados em UFV são indexados à evolução do Índice
de Preços ao Consumidor, a evolução do rendimento desses títulos se ligam
à variação dos preços Na medida em que a autoridade monetária seja capaz
de controlar a taxa de inação é possível amortizar o risco de volatilidade do
valor da dívida interna.
Todos esses resultados em matéria scal em 2006 e parte de 2007
mostram que a política scal foi mais contrativa do que o observado nos
últimos 16 anos. Além disso, ao observa-se o hiato positivo do produto pode-se
indicar que a política scal para 2006 não somente foi contrativa, mas também
anticíclica, assim como mostra o (gráco 14).
Luís Alberto Arce Catacora
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Gráco 14
Impulso scal (Em percentagens) 1990-2006
Fonte: INE, Ministério da Fazenda
Elaboração: RAF
II. Perspectivas
Na mesma ordem segundo a qual foi desenvolvida a primeira parte deste
documento, “situão da economia”, estão expostas em seguida as perspectivas
da economia tanto para 2008 quanto para alguns anos posteriores.
No que respeita ao setor real, a atividade produtiva será impulsionada
pelo investimento a ser realizado nos setores de mineração, hidrocarbonetos,
indústria e construção. 34% do investimento total estarão a cargo da iniciativa
privada, no montante de 460 milhões de dólares, e os restantes 66% pertencem
ao investimento público, no total de 886 milhões de dólares (quadro 7). Neste
último, destaca-se o investimento no setor de hidrocarbonetos por parte da
empresa estatal nacionalizados Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos YPFB,
que por meio desse processo de recuperação e controle total desses recursos
naturais empreendido pelo país em maio de 2006 é possível a YPFB participar
de toda a cadeia produtiva do setor hidrocarburífero do país.
Economia da Bolívia: diagnóstico e planos para 2008
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Quadro 7
Investimento em setores estratégicos (Em milhões de US$) 2008
2008 2009 2010 2011
Investimento total
Investimento privado
Mineração
Mutun e outras minas
Comibol risco compartilhado
hidrocarbonetos
Usinas GTL
Gasodutos
Eletricidade
Investimento público
Financeiro
Indústria
Construção
Casas
Não nanceiro
Hidrocarbonetos (YPFB)
Gasodutos
Projeto “Gás Natural a Líquidos”
Construção
Casas
Estradas e infra-estrutura
1.336
450
294
271
24
106
-132
238
50
886
107
100
7
7
779
152
20
132
627
2
625
1.202
414
457
433
25
-94
-94
50
788
114
100
14
14
674
94
94
580
4
577
1.230
542
568
556
13
-92
-92
66
688
128
100
28
28
560
92
92
468
7
461
1.048
436
477
461
16
-92
-92
52
611
156
100
56
56
455
92
92
363
14
349
Fonte: Ministério do Planejamento
Elaboração: RAF
No que se refere ao setor externo, prevê-se que o contexto internacional
favorável se ainda determinante para o desenvolvimento da economia
nacional. Evidentemente, a desaceleração do mercado imobiliário dos Estados
Unidos é um fator de risco para a continuidade da bonança econômica. No
entanto, o crescimento superior a 10% prognosticado para a economia chinesa
e o dinamismo mundial são fatores exógenos que impulsionarão o desempenho
das exportações do país.
Quanto à ação da política monetária, o BCB orientará todas as suas
medidas no sentido da obtenção de uma inação baixa e estável, para desta
maneira manter o poder aquisitivo interno da moeda nacional, que deverá
alcançar em 2008 e 2009 uma taxa de inação em torno de 4% com uma
Luís Alberto Arce Catacora
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
47
margem de ½ ponto percentual, para dessa forma convergir ao objetivo de
médio prazo previsto pelo Plano Nacional de desenvolvimento (3%). Também
a gestão da taxa de câmbio está subordinada ao objetivo nal de inação.
Com a nalidade de obter uma inação baixa e estável, o governo do
presidente Morales promulgou três Decretos Supremos (D.S.) orientados a
deter a elevação dos preços dos alimentos, combater a especulação e garantir
o abastecimento dos mercados. O objetivo essencial de cada norma é:
Autorizar temporariamente a importação de carnes e animais em pé
com tarifa zero (D.S. 29228);
Suspender temporariamente a exportação de farinha de trigo, trigo
e gordura animal ou vegetal e denir mecanismos para controlar
o contrabando desses produtos, além de estabelecer sanções
(D.S. 29229), e
Autorizar a criação da Empresa de Apoio à Produção de Alimentos
(Emapa) formada com capital inicial do Tesouro Nacional (TGN)
aproximadamente 24,8 milhões de dólares. Na primeira fase, essa
empresa dará prioridade à produção de trigo e arroz (D.S. 29230).
O Orçamento Geral da nação para 2008 está orientado para os objetivos
do Plano Nacional de desenvolvimento, melhorando as capacidades de
formulação de políticas para os setores de desenvolvimento rural, produção,
pequena empresa e hidrocarbonetos. Priorizará os programas e projetos que
têm efeito direto sobre a geração de emprego, crescimento econômico e
proteção social. Também se está trabalhando para implementar um Fundo de
Estabilização, o qual permitirá economizar parte das receitas provenientes dos
hidrocarbonetos com o objetivo de implementar políticas anticíclicas.
Prevê-se igualmente a criação e funcionamento de unidades produtivas
tanto na área rural quanto na urbana, incentivando a pequena empresa.
O Estado promoverá a geração de emprego com a execução de projetos de
infra-estrutura, moradia, reativação da mineração e outros investimentos. Por
outro lado, será consolidada a política de proteção social mediante o estímulo
aos investimentos sociais, especialmente os setores de saúde e educação, com
o objetivo de reduzir os índices de pobreza do país. Prosseguirá a política de
transparência scal assumida pelo governo. Adicionalmente, todas as ações
Economia da Bolívia: diagnóstico e planos para 2008
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
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de política scal empreendidas pelo ministério da Fazenda em 2006 e no
primeiro semestre de 2007 consideram como elemento central a preservação
da estabilidade macroeconômica do país. Para tal propósito, estima-se que
pêra 2008 o Programa Financeiro será elaborado pelo Ministério da Fazenda
em colaboração com o Banco Central da Bolívia.
Quanto às projeções de médio e longo prazo, o Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND) está orientado para a construção de um modelo
alternativo de desenvolvimento. Nesse sentido, pretende-se conseguir:
A Bolívia digna, na qual a pobreza terá sido erradicada, assim como
toda forma de exclusão;
A Bolívia democrática e participativa, fundada na sociedade plurinacional e
comunitária, na qual o povo exerce poder político a partir das regiões;
A Bolívia produtiva, na qual se alcance a industrialização dos recursos
naturais e aumente o valor agregado das exportações com apoio do
Estado promotor e protagonista do desenvolvimento;
A Bolívia Soberana, que toma decisões próprias e autônomas a partir
de suas necessidades, para assim preservar relações harmônicas e de
equilíbrio entre os países.
Os resultados esperados para o ano 2011 seriam:
Crescimento médio de 6,3% do PIB;
Redução da Taxa de Desemprego Aberto de 8,7% em 2004 a 4% em 2011;
Noventa mil novos empregos por ano;
A renda per capita crescerá de 1.000 lares em 2005 para 1.411 em 2011;
Mudança da matriz enertica, de 50% do parque automotor e
reorestamento de meio milhão de hectares;
Industrialização dos recursos naturais não renováveis;
Inação anual inferior a 5%;
Sustentabilidade da dívida pública.
DEP
Tradução: Sérgio Duarte
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Um enfoque
qualitativo da
economia brasileira
João Paulo de Almeida Magalhães
*
Introdução
N
o desenvolvimento do tema versado pelo presente artigo, o caminho
natural seria exposão descritiva e quantitativizada sobre a experncia
brasileira. Optamos por enfoque diferente por dois motivos. Em primeiro lugar,
porque informações sobre a realidade do país se acham fácil e amplamente
disponíveis em meia dúzia de fontes acessíveis pela internet. Em segundo lugar,
porque o Brasil, tendo condições altamente favoráveis ao desenvolvimento, se
acha hoje na terceira década de semi-estagnação. Optou-se, em função disso,
por enfoque analítico-qualitativo capaz de permitir a identicação das causas
do problema e a descrição de possíveis soluções. Passemos ao tema.
Banco de desenvolvimento americano estabeleceu listagem de países
que, pela sua potencialidade de crescimento, deverão ter, em futuro não muito
distante, grande peso na economia mundial. Designou esses países como
os BRICs, Brasil, Índia, China e Rússia. As condições usualmente julgadas
* Presidente do Conselho Regional de Economia – Rio de Janeiro
Um enfoque qualitativo da economia brasileira
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favoráveis ao desenvolvimento são: grande mercado interno, abundância de
recursos naturais, relação favorável população/território, unidade lingüística e
cultural, ausência de conitos étnicos e religiosos internos e bom relacionamento
com vizinhos. Nenhum dos três outros BRICs apresenta, como o Brasil, todas
essas condições favoráveis.
Acontece que, nos últimos vinte anos, a China cresceu na média anual
de cerca de 9% e a Índia na média se 7%. Nos últimos dez anos a Rússia se
expandiu no ritmo anual de 7%. Contrariamente a isso, o Brasil, nos últimos
vinte anos, elevou seu PIB em pouco mais de 2% ao ano.
Quem bem sintetizou o problema foi Armínio Fraga (2006). Na
introdução a livro recente lembrou que o Brasil, durante os 80 primeiros anos
do século passado, registrou incremento no seu PIB per capita de 3,1% ao ano,
resultado apenas superado pelo Japão, com a taxa de 3,2%. Nos 1980s, essa
percentagem caiu no Brasil para 0,5% passando, na década seguinte, para 1%.
Período em que países asiáticos registravam incremento de 6% no seu PIB por
habitante. Os dados disponíveis revelam a par disso que, no período recente, o
Brasil cresceu não apenas muito abaixo das economias emergentes como um
pouco menos que as economias maduras. Dado que o subdesenvolvimento é
medido pela diferença entre estas últimas e as economias retardatárias, é lícito
armar que o Brasil, não só não se desenvolveu como registrou processo de
crescente subdesenvolvimento. Tal é a paradoxal situação que iremos analisar no
presente texto indagando, ao mesmo tempo, como contorná-la e até que ponto
as medidas requeridas para tanto são política e economicamente exeqüíveis.
O texto será dividido em quatro seções: diagnóstico, situação presente,
soluções possíveis e perspectivas futuras.
Diagnóstico
1 Durante os trinta e cinco anos que se seguiram à Segunda Guerra
Mundial, o Brasil cresceu na média anual em torno de 7%, com base no modelo
de substituição de importações. A partir daí, entrou em semi-estagnação que se
prolonga até o presente momento. A primeira indagação é, portanto, quais as
causas do colapso desse modelo e quais as propostas para contornar a situação.
No que se refere às causas, a opinião praticamente unânime dos especialistas
foi de que se tratava de diculdade resultante da insuciência de mercado. Ou,
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especicamente, o processo dinâmico foi interrompido em conseqüência do
esgotamento do estoque de importações substituíveis.
As duas interpretações, com propostas para contornar o problema
basearam-se uma, no alargamento do mercado interno e outra, no recurso ao
mercado externo. Baseadas, cada uma delas, em explicação especíca para a
causa do fracasso do modelo de substituição de importações. Segundo Celso
Furtado (1959), cuja análise é claramente de inspiração marxista, se estava
diante de problema congênito das economias subdesenvolvidas. Nas economias
maduras existia, segundo ele, mecanismo de “feedback”, pelo qual o aumento
do PIB determina elevação proporcional da massa de salários, garantindo
automaticamente o mercado necessário para absorver o aumento da produção.
O mesmo o sucede nos subdesenvolvidos porque, embora suas economias se
caracterizem por superabundância de mão-de-obra, elas são forçadas a lançar
mão de tecnologia “labour saving”, importada dos desenvolvidos. Com isso, se
perpetua algo correspondente a um “ercito industrial de reserva”, que mantém
baixos os salários impedindo o surgimento de demanda proporcional ao aumento
da produção. Tal seria o motivo pelo qual não se passou, automaticamente, do
modelo de substituição de importações para o crescimento auto-sustentado
com base no mercado interno. A forma de contornar o impasse seria política
de redistribuição de renda de largo espectro, que corrigisse a insuciência de
mercado resultante da falta do anel de “feedback”. A redistribuição de renda
aumentaria o mercado interno no montante necessário para compensar a perda
resultante do m do estoque de importações substituíveis.
A segunda interpretação foi de Magalhães (2005) e se baseia na análise
de Rosenstein Rodan (1961) e Nurkse (1955). Esses dois autores analisaram
o problema da insucncia do mercado como obsculo a poticas de
desenvolvimento. A diculdade resultava do tamanho mínimo das unidades
produtivas, tecnologicamente necessário. Segundo Magalhães, o mercado
decorrente do incremento do PIB, complementado pelo estoque de importações
substituíveis, era suciente para contornar o problema do tamanho mínimo
das unidades produtivas. Esgotadas, todavia, as oportunidades de substituição
de importações, surgiu o problema. A solução consistia em complementar o
mercado interno com exportações.
Duas interpretações, acompanhadas de propostas para manter a taxa
elevada de crescimento foram, portanto, apresentadas. Na década dos 1980s
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pouco havia que fazer. Toda a economia brasileira se achava concentrada
na tarefa de produzir os saldos da balança comercial necessários ao serviço
da dívida externa, decorrente dos grandes empréstimos tomados na década
anterior para contornar as diculdades geradas pelos choques do petróleo.
Nos anos 1990s, todavia, a questão se achava equacionada inclusive em
função do Plano Brady. Nesse momento, porém, o Governo brasileiro já
havia optado pelo neoliberalismo do Consenso de Washington, que rejeitava
qualquer intervenção do Estado. Estratégias econômicas eram não
consideradas desnecessárias, como prejudiciais. A conseqüência foi a semi-
estagnação crônica que vitimou a economia brasileira. A responsabilidade
do Consenso de Washington pelo problema (aliás, hoje reconhecida pelos
seus próprios propugnadores conforme se verá adiante) é indiretamente
conrmada pelo sucesso dos países asiáticos, que o ignoraram.
2 Nesse contexto duas perguntas devem ser respondidas. A primeira
delas é porque, não o Brasil como os latino-americanos em geral, aceitaram
a fórmula neoliberal enquanto os países asiáticos a rejeitaram, optando pelo
que o Banco Mundial reconheceu no relatório The East Asian miracle”
(1993) como uma “market friendy intervention”. A resposta oferecida por
Magalhães foi de que isso se deveu à diferença entre os padrões miméticos
– em que se inspiraram uma e outra região.
Pses subdesenvolvidos não criam paradigmas, ou teorias capazes de
orientar suas políticas econômicas. Eles simplesmente copiam os casos de
sucesso conhecidos que se tornam seus padrões miméticos”. E estes o
sempre países de história e cultura semelhantes às suas, além de proximidade
geográca. Ou seja, o padrão mimético dos asiáticos foi o Japão, país que
em meados do século XIX era, não só subdesenvolvido, como país de
características medievais. Seu sucesso em termos de crescimento resultou,
assim, de ação sistemática do Estado criando empresas, depois transferidas
a particulares, investindo na formação de mão-de-obra qualificada,
patrocinando a atualização tecnogica, criando infra-estrutura moderna
e assim por diante. Ou seja, exatamente o que deve fazer qualquer nação
desejosa de eliminar seu atraso econômico. Isto é, tudo completamente
diferente do proposto no Consenso de Washington. Donde a resistência dos
países asiáticos à aceitação do formulário neoliberal por este patrocinado.
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O padrão mimético da América Latina foram os Estados Unidos. País
que nunca foi subdesenvolvido apenas fazendo parte, como a Alemanha, da
segunda onda de industrialização. Seu crescimento se baseou na iniciativa
privada e nos mecanismos de mercado. A ação do Poder Público se restringiu
ao protecionismo, instrumento cujo signicado a “mainstream economics”
procura hoje desvalorizar. Nada mais natural, portanto, que o Brasil e os países
da América Latina em geral aceitassem, não com facilidade, mas até com
avidez, a cartilha do Consenso de Washington.
Isso esclarece a diferença de comportamento entre os newly
industrializing countriesasiáticos e os países latino-americanos. Mas como
explicar o caso do Japão? Este, não se baseou em políticas econômicas levadas
adiante por terceiros países, mas copiou diretamente o que acontecia nas
economias americana e européias. O comodoro Peary, que levou ao Japão
a solicitação da abertura de sua economia aos países ocidentais fracassou
quando, com a exibição de poderio militar, pretendeu obter daquele país
comportamento igual ao da China e Índia. Teria sido melhor sucedido se,
em vez de uma exibição de força, houvesse oferecido às autoridades locais
cópia da Riqueza das Nações de Adam Smith, apresentando o livro como a
blia que comandara a prosperidade das economias ocidentais. Nesse caso,
ao copiar a fórmula smithiana da mão invisível”, o Japão teria aberto sua
economia e renunciado a qualquer intervenção do Estado nas atividades
econômicas. Com isso permaneceria subdesenvolvido arrastando em sua
esteira o restante da Ásia.
3 A segunda pergunta é porque o neoliberalismo do Consenso
de Washington não proporcionou os resultados anunciados. Sobretudo
considerando que suas propostas se baseavam no que havia de mais avançado
em termos de ciência econômica. Aprofundemos esse ponto.
Antes da Segunda Guerra Mundial, a Economia era considerada, como
qualquer outra ciência, de aplicabilidade absolutamente geral. Não existiam
para ela países subdesenvolvidos, mas simplesmente economias que ainda não
haviam tido tempo de alcançar o pleno desenvolvimento ou eram pobres por
estarem implementando políticas econômicas erradas. Terminado o conito
houve, porém, aguda tomada de consciência de que, não existiam economias
subdesenvolvidas como seu atraso se agravava constantemente. A generalidade
das conclusões de qualquer ciência depende, para cada caso, da validade das
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precondições em que se baseia. A partir dos 1950s passou-se a aceitar que
estas eram diferentes entre desenvolvidos e subdesenvolvidos
Num primeiro momento predominou percepção otimista do problema.
Considerava-se que o desenvolvimento em escala planetária era, não desejável,
como possível. Foram as Décadas do Desenvolvimento das Nações Unidas.
Essa foi igualmente a época áurea da Economia do Desenvolvimento que
proporcionou, inclusive, o Prêmio Nobel a dois dos seus especialistas, Gunar
Myrdal (1974) e Arthur Lewis (1979). Ambos de países desenvolvidos.
A Economia do Desenvolvimento nasceu, em última análise, do
reconhecimento de que o crescimento retardatário não repetia a experiência
histórica dos atuais desenvolvidos. Donde não ter sentido a aplicação aos
subdesenvolvidos das conclusões aceitas e patrocinadas pela “mainstream
economics”. Para se eliminar o atraso econômico, políticas de desenvolvimento
com ação sistemática do Estado na economia, se faziam indispensáveis.
O subdesenvolvimento era, em última análise, conseqüência de uma grande
“falha de mercado”.
As economias desenvolvidas não tardaram, porém, a perceber que
políticas de desenvolvimento em escala planetária implicariam em rios
ônus para elas, em termos de elevação do preço de recursos naturais não
renováveis e de investimentos destinados a reduzir a agressão ambiental de
suas atividades econômicas. O apoio às políticas de eliminação do atraso
econômico perdem força e com ele desapareceram, ou caíram drasticamente,
os “grants” proporcionados às pesquisas da Economia do Desenvolvimento.
A disciplina (pelo menos como formuladora de paradigmas ou teorias ajustadas
às economias retardatárias) entrou em declínio ou praticamente desapareceu.
Contribuições importantes, como a de Arthur Lewis, sobre o crescimento em
condições de oferta ilimitada de mão-de-obra, e de Rosenstein Rodan, sobre
a insuciência do mercado como obstáculo ao desenvolvimento, em vez de
aperfeiçoadas e aprofundadas foram simplesmente abandonadas. As fórmulas
e interpretações da “mainstream economics” voltaram a ser consideradas de
aplicação em nível planetário.
Dutt e Ros (2003) denem bem o problema ao armarem. A mainstream
economics’ raramente reconhece (...) a existência de enfoques alternativos
aos seus. O que agora é a ‘mainstream economics’ é usualmente chamada
economia neoclássica”(p. 7) E continuam Embora houvesse diversas
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escolas competitivas inicialmente, pelo meio do culo XX a economia
neoclássica se tornou relativamente estandartizada e estabeleceu seu domínio
na prossão (apesar do crescimento da economia keynesiana que se tornou
crescentemente ‘neoclássica’) Essa tendência da teoria neoclássica de dominar
a prossão econômica alcançou um ponto no qual a maioria dos economistas
(principalmente nos Estados Unidos) deniriam a economia como economia
neoclássica.” (p. 8)
Nascia dessa forma o que se tornou conhecido como pensamento
único. O pensamento único deu lugar ao que se poderia chamar de “barreira
ideológica” pela qual análises como a teoria protecionista de Prebisch (1949) e
a teoria heterodoxa da inação de economistas brasileiros foram rejeitadas sem
que houvessem sido efetivamente refutadas (no primeiro caso), ou deixadas
de lado em importantes debates, como o da independência do Banco Central
(no segundo caso). Aprofundemos esse aspecto.
Antes da Segunda Guerra Mundial os países industrializados garantiram
o monopólio da produção manufatureira através de instrumentos como
o pacto colonial, imposto a boa parte da África e Ásia. No caso de países
independentes, como os da América Latina, outros tipos de pressão foram
utilizados. No Brasil, tivemos a imposição pela a Inglaterra de tarifa aduaneira
máxima de 15% sobre seus produtos, quando os artigos vindos de Portugal
eram onerados com tarifas de 16%. Situação que perdurou até meados do
século XIX, inviabilizando, nesse período crítico, qualquer veleidade de política
protecionista. Como esses instrumentos deixaram de ser utilizáveis após o
conito, seu papel foi assumido pelo pensamento único e a barreira ideológica,
dos quais o Consenso de Washington se tornou o instrumento principal.
A imposição do pensamento único foi facilitada pelo fato de os países
subdesenvolvidos não criarem, mas importarem, ciência. E na “mainstream
economics” a receita neoliberal era apresentada como garantidora da máxima
eciência. Não há dúvida ser importante na operação do pensamento único
e da barreira ideológica o fato de organismos nanceiros internacionais,
como o FMI e o Banco Mundial condicionarem seu apoio à aceitação dos
ditames do Consenso de Washington. Na verdade, porém, a força principal
desses dois instrumentos de dominação decorre do fato de as lideranças dos
subdesenvolvidos estarem convencidas de que, ao aceitarem o neoliberalismo,
estão agindo de acordo com o melhor interesse de seus países. O que não
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acontecia no caso das políticas impostas no período anterior à Segunda Guerra
Mundial, cujos aspectos negativos eram plenamente conscientizados pelos
que a elas se submetiam.
Não se tratava a partir dos 1950s de manter a especialização agrícola
das economias subdesenvolvidas, mas apenas impedir que fossem além da
produção de “commodities” industriais. Ou, no caso de países como o Brasil,
que já haviam ingressado na produção de manufaturas de maior renamento,
o objetivo é reverter tal situação através de instrumentos como a ALCA e a
Rodada de Doha da OMC.
Para concluir observe-se que o pensamento único teve duas conseqüências
básicas. A primeira, consistiu no abandono dos estudos e pesquisas sobre a
especicidade do crescimento retardatário. A segunda foi impedir a justicação
cientifica de poticas favoráveis ao desenvolvimento. Para sublinhar a
importância desta segunda conseqüência cabe relembrar o que sucedeu no
século XIX com o protecionismo viabilizador da industrialização dos Estados
Unidos e Alemanha. Alexander Hamilton, levando em conta a realidade do
seu país, propugnava a defesa contra a concorrência estrangeira, do setor
manufatureiro americano. Sua pregação, todavia, dicilmente teria sucesso
contra o liberalismo sustentado pela “mainstream economics”, se o recebesse
o embasamento teórico proporcionado pela teoria protecionista de List.
Em suma não se trata, para o analista da economia brasileira, de
propor esta ou aquela política econômica para corrigir o longo período de
semi-estagnação do país. O importante, no momento presente, é superar
o pensamento único e eliminar a barreira ideológica visto que, enquanto
persistirem, representarão obstáculo absolutamente impeditivo da adoção
de qualquer estratégia econômica capaz de recolocar o país na trilha do
crescimento acelerado.
Situação presente
1 O objetivo deste parágrafo é mostrar como o pensamento único e a
barreira ideológica vêm afetando condução da política econômica no Brasil.
A mainstream economics”, baseada na experiência das economias
maduras que não têm atraso econômico a eliminar, valoriza o curto prazo.
O papel do Governo é, em suma, garantir os equilíbrios fundamentais, cambial,
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scal e monetário dado que, com isso, o crescimento econômico se seguirá
pela simples ação das forças do mercado. Essa visão curtoprazista passou a
dominar a condução da política econômica no Brasil. Esse fato cou bastante
claro em pesquisa conduzida sob patronio da Cepal e IPEA por Bielschwosky
e Mussi (2002) Nela, foram entrevistados 43 economistas escolhidos entre os
de mais alto nível disponível no país. Foi-lhes indagado sobre suas propostas
para recolocar o Brasil no caminho do crescimento acelerado. A conclusão
dos responsáveis pela pesquisa foi de que o tema não fazia parte das análises
e estudos dos entrevistados e que a preocupação deles com os equilíbrios de
curto prazo distorcia seriamente a percepção do problema. O que explica a
forma como, até então, era interpretada a situação econômica do país.
Dado que a inação é baixa, a dívida pública se acha sob controle e a
balança comercial registra saldos não positivos como grandes e crescentes,
os equilíbrios fundamentais estão sob controle. E, portanto, a economia “vai
bem”. Esse tipo de visão dominou, de forma total e irrestrita, não os
especialistas como os formadores de opinião (lideranças políticas e sociais,
comentaristas econômicos de grandes periódicos, etc.). Assim, apesar da
grave crise política registrada no primeiro mandato do Presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, se armava estar garantida sua reeleição porque a economia
brasileira “ia bem”.
Ninguém se preocupava com o fato de o país estar crescendo pouco
mais de 2% ao ano, quando as estimativas são de que, somente para absorver
a mão-de-obra nova que se apresenta anualmente ao mercado, o PIB deve
crescer, conforme as estimativas, de 4% (Saboia, 2005) a 6% ao ano (Rocha e
Albuquerque, 2006). Tampouco se tomava conhecimento de que pses asiáticos
e vizinhos, como a Venezuela e Argentina, cresciam três vezes mais rapidamente
que o Brasil, ou mesmo que este, nas três décadas posteriores à Segunda Guerra
Mundial, se expandira, sem maiores problemas, a 7% ao ano.
Não se levava em consideração o fato de a estabilidade monetária estar
sendo obtida com base numa das mais elevadas taxas de juros do mundo
que desencorajavam os investimentos privados; e que o controle da dívida
blica era conseguido através de superávits primários que destram a
capacidade de investimento do Governo. Ou ainda que, no comércio externo
a sobrevalorização do real desestimulava exportações de alta tecnologia e
elevado valor adicionado por trabalhador (encorajando importações com
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iguais características) em processo qualicado por importante instituto de
pesquisa (IEDI) como de desindustrialização relativa do país. Esse otimismo
foi abalado por episódio que serve, paradoxalmente, para sublinhar a força
barreira ideológica.
2 Em agosto de 2005 realizou-se em Florianópolis, Santa Catarina o
XVI Congresso dos Economistas Brasileiros. Foi nele aprovada, e largamente
divulgada, a Carta de Florianópolis sob o título de A necessidade de visão
de longo prazo na política econômica brasileira”. O documento, apesar
de se referir a aspecto de extrema importância para o país, não teve maior
repercussão.
A situação apenas se modicou quando periódico de grande circulação,
ao comentar estatísticas publicadas sobre a América Latina, numa exploração
tipicamente jornalística, colocou em manchete a informação de que, em
termos de incremento do PIB, o Brasil apenas superara o Haiti. O impacto da
notícia sobre a opinião pública levou os responsáveis pela economia brasileira
a reconhecerem, pela primeira vez, que o “espetáculo do crescimento”,
amplamente anunciado pelo Presidente da República no início do seu
primeiro mandato, se achava longe de acontecer. Ou seja, percebeu-se que a
economia não “ia bem”. Lançou-se em função disso, no começo de 2007, ou
seja, no primeiro ano do segundo mandato do atual presidente, o Plano de
Aceleração do Crescimento – PAC. Iniciativa sem dúvida importante porque
traduz o reconhecimento de não ser suciente a simples consecução dos três
equilíbrios fundamentais (cambial, scal e monetário) para se obter a volta do
crescimento acelerado. E ainda, que a taxa de incremento do PIB constitui
critério fundamental para se avaliar políticas econômicas O Plano prevê,
entre outras iniciativas, a duplicação dos investimentos públicos (embora isso
signique apenas seu aumento de 0,5% para 1% do PIB), o aumento dos
investimentos privados e outras medidas para estimular o desenvolvimento.
Na verdade, porém, o PAC não conseguiu escapar do curtoprazismo.
O Brasil registrou crescimento acelerado, entre 1850 e 1930, com base
em modelo primário-exportador. Deste último ano até 1980, obteve resultado
ainda melhor com base no modelo de substituição de importações. O que se
esperava, portanto, do PAC era a denição de nova estratégia que permitisse ao
país voltar a crescer, pelo menos durante os próximos cinqüenta anos, à taxa
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não inferior à dia anual de 7% registrada por longo período no passado. Ora,
o PAC abrange apenas quatro anos e, na prática, o melhor que dele se pode
esperar é a obtenção no segundo mandato do atual presidente de resultados
econômicos superiores aos registrados no primeiro.
Os investimentos programados pelo PAC se concentram fundamentalmente
em infra-estrutura, tal como acontece em políticas adotadas para corrigir
tendências recessivas de curto prazo. E como arma Hirschman (1959),
investimentos em infra-estrutura apenas permitem e o determinam o
desenvolvimento. De nada adianta construir estradas se não caminhões
para utilizá-las, ou instalar hidroelétricas se inexistem empresas para aproveitá-
las. Programas de desenvolvimento, segundo Hirschman, devem se basear
em atividades diretamente produtivas, o que não acontece com o PAC que,
portanto, também desse ponto de vista, não escapou do curtoprazismo.
Os analistas da semi-estagnação brasileira apontam como distorções a
serem corrigidas para relançar o desenvolvimento econômico, as elevadíssimas
taxas de juros vigentes no país e a sobrevalorização do real. O PAC nada fez
a respeito porque isso prejudicaria os equilíbrios fundamentais. A baixa da
taxa de juros poderia levar à fuga dos capitais estrangeiros e determinaria,
além disso, o aumento de pressões inacionárias. A desvalorização do real, ao
aumentar o preço de bens importados, teria igualmente impacto inacionário.
Corolários inaceitáveis dentro da perspectiva de curto prazo.
Finalmente, o PAC estabeleceu como teto para o incremento do PIB
a taxa anual de 5%. A explicação é simples. Teme-se que crescimento acima
de 5% determine pressões inacionárias e eventuais repercussões negativas
de tipo cambial e scal. Ou seja, a manutenção dos equilíbrios fundamentais
continua a ter prioridade em relação ao crescimento acelerado.
3 Para completar nossa alise cabe agora especular sobre o que poderia,
ou deveria ser, o PAC dentro de perspectiva claramente desenvolvimentista.
Esse ponto é importante porque, entre outras coisas, as autoridades econômicas
do país alegam freqüentemente que seus críticos não oferecem alternativas.
O documento Uma Estratégia de Desenvolvimento para o Brasil”
(2006) publicado pelo Centro de Estudos para o Desenvolvimento CED
do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro mostra existirem
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pelo menos duas propostas de nova estratégia econômica para o Brasil.
E é relevante observar que, em termos gerais, elas retomam as propostas de
Furtado e Magalhães oferecidas anos 1980, como alternativa ao esgotado
modelo de substituição de importações. O que, de certa forma, conrma a
ecácia potencial dessas sugestões no sentido de evitar o longo período de
semi-estagnação que vitimou o país.
Ponto preliminar a ser estabelecido é que as estratégias econômicas são
montadas e designadas em função do mercado em que se apóiam. Assim, no
Brasil, tivemos a estratégia primário-exportadora, baseada no mercado externo
de bens primários, e a estratégia de substituição de importações, apoiada no
mercado interno de manufaturas. O papel central do mercado foi conrmado
pela experiência dos países asiáticos, que mostrou depender o sucesso das
políticas de desenvolvimento, não de nível adequado de poupanças, como
até recentemente se acreditava, mas da existência de mercado de dimensões
e dinamismo adequados.
Essa percepção resultou, em última análise, das conclusões do relatório
do Banco Mundial The East Asian miracle (1993). Segundo este, a
aceleração do crescimento dos países da região antecedeu e não sucedeu
ao aumento das poupanças. Os analistas desse fato mostraram que, diante
de oportunidades de investimento ou desenvolvimento, as poupanças se
elevavam endogenamente. Ora, essas oportunidades nada mais fazem do
que sinalizar a existência de mercado, assumindo assim a disponibilidade
ou garantia deste, papel de condicionante principal do sucesso das políticas
de desenvolvimento.
Segundo o CED, a primeira proposta de nova estratégia de desenvolvimento
para o Brasil é de autoria do Instituto da Cidadania, entidade ligada ao Partido
dos Trabalhadores PT a que pertence o atual Presidente da República.
O Instituto da Cidadania defende a retomada do desenvolvimento acelerado
com base no mercado interno. Propõe que, através da correção dos elevados
níveis de concentração de renda existentes no Brasil, se transforme o país numa
sociedade de consumo de massas. Com isso, se conferiria ao mercado interno
tamanho suciente para constituir a base de novo bem sucedido modelo de
desenvolvimento.
A alternativa a essa proposta, oferecida fundamentalmente pela
comunidade acadêmica, é de crescimento baseado em exportações. Não,
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pom, nas vendas externas de commodities agrícolas e industriais,
como vem ocorrendo atualmente no Brasil. A idéia é basear a nova fase do
crescimento brasileiro na competitividade internacional de produtos de alta
tecnologia e elevado valor adicionado por trabalhador. Estar-se-ia, dessa forma,
reproduzindo o modelo de países asiáticos como Coréia do Sul, Taiwan, Hong
Kong e Cingapura.
O CED mostrou que, seja por se achar o país em situação semi-recessiva,
seja pelo fato de o patrimônio dos grupos de alta renda estar imobilizado
em bens físicos, qualquer redistribuição de renda das dimensões necessárias
para dar partida a novo processo de desenvolvimento seria inexeqüível, tanto
econômica quanto politicamente. O que inviabiliza a estratégia de crescimento
para dentro, do tipo bem sucedido no caso do modelo de substituição
de importações.
Quanto à estratégia de crescimento para fora, seu sucesso dependeria
do efeito multiplicador das exportações sobre o mercado interno. Ora, dado
o elevado conteúdo importado no consumo dos grupos de alta renda e da
elevada participação destes no PIB brasileiro, o efeito multiplicador se
necessariamente baixo. Conclusão, aliás, conrmada pelo reduzido efeito, em
termos de crescimento, do recente aumento das exportações brasileiras.
Ainda segundo o CED, as duas propostas são, no entanto, naturalmente
complementares. O crescimento para fora, com base em setores dimicos e de
alto valor adicionado, aceleraria o incremento do produto e todo adicional deste
poderia ser aproveitado para reduzir a concentração de renda, elevando o efeito
multiplicador das exportações. Ter-se-ia, dessa forma, criado circulo virtuoso
capaz de arrancar o Brasil do seu longo período de semi-estagnação.
Estas são apenas as linhas básicas de nova estratégia combinando as
duas principais alternativas propostas. Algumas de suas demais características
podem, no entanto, ser assinaladas. Em termos de crescimento para fora, a
ponta de lança do processo deveriam ser empresas de capital nacional, seja
porque as multinacionais têm restrições à penetração nos grandes mercados
mundiais, controlados por suas matrizes, seja porque o esforço de criação de
competitividade internacional, a ser patrocinado pelo Poder Público, deveria
ser naturalmente orientado em benefício das empresas locais. A prioridade
concedida ao setor de alta tecnologia não deveria, por outro lado, signicar
abandono do segmento de “commodities” agrícolas e industriais, no qual
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o país usufrui de vantagens comparativas naturais. O apoio a esse setor deveria,
entre outros aspectos, visar o aumento do valor adicionado contido em suas
exportações.
No que se refere ao mercado interno, as medidas redistributivas seriam
complementadas por protecionismo pelo tempo necessário para evitar que
importações de países de industrialização recente, e baixo custo de mão-de-obra,
inviabilizem setores importantes da economia nacional. Medidas defensivas
deveriam igualmente ser adotadas em favor de setores de alta tecnologia, pelo
tempo necessário para que atinjam competitividade internacional.
Em termos de instituições internacionais, o Mercosul seria redenido
no sentido de ir além da simples abertura comercial e eventual criação de
instrumentos do tipo existente na União Européia. A denição de programa
conjunto de desenvolvimento constituiria parte importante do programa.
A ALCA, que diante da concorrência americana conduziria inevitavelmente à
especialização do Brasil em “commodities”, deveria ser liminarmente rejeitada.
O mesmo vale para a Rodada de Doha, em que a troca de vantagens no setor
agrícola pela abertura nos segmentos manufatureiros e de serviços, levaria ao
mesmo resultado.
Em suma, o reconhecimento dos maus resultados do neoliberalismo
ainda não se revelou suciente para a total eliminação no Brasil da perspectiva
curtoprazista. Para que esta desapareça, abrindo caminho para a adoção de
estratégias de longo prazo, é indispensável eliminar o pensamento único
que dá apoio à barreira ideológica. Na próxima seção se mostrará como isso
pode ser feito.
Solução possível
1 Indagão preliminar é se o pensamento único viabilizador da
barreira ideológica é ou o o resultado de conspiração antidesenvolvimentista
patrocinada pelas economias maduras.
H.J. Chang (2002), professor da Universidade de Cambridge, reponde
positivamente à pergunta. No seu livro “Chutando a escada”, retoma a tese
de List de que os países desenvolvidos estão, consciente e sistematicamente,
patrocinando poticas cujo objetivo é impedir o acesso das economias
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retardatárias ao pleno desenvolvimento. Em sentido contrário, poder-
se-ia lembrar que o declínio da Economia do Desenvolvimento, com a
conseqüente viabilização do pensamento único, não resultou da imposição
de qualquer obstáculo intransponível aos especialistas na disciplina. Houve
simplesmente o desinteresse pela matéria de parte dos países ricos, com o
normal desaparecimento dos fundos que nanciavam as pesquisas sobre
o subdesenvolvimento. Myrdal, no seu discurso de aceitação do Prêmio
Nobel, se declarava preocupado com o fato de os economistas de países
subdesenvolvidos não estarem contribuindo adequadamente para o estudo
de suas economias. Se estes houvessem assumido as pesquisas abandonadas
pela academia do Primeiro Mundo não haveria condições para o predomínio
do pensamento único. Sem tomar posição sobre o debate, analisaremos
simplesmente os motivos que determinaram a persistência do pensamento único.
Os especialistas em Filosoa das Ciências mostram que uma teoria
é derrubada por outra. Isso porque é a teoria que indica ao cientista o que
pesquisar, como pesquisar e de que forma interpretar os resultados obtidos.
No caso especíco da Economia, Blaug (1979) mostrou que, embora a Escola
Institucionalista Americana houvesse apresentado sérias objeções à visão
neoclássica, esta nunca foi derrubada. E isso resultou simplesmente de os
intitucionalistas terem sido incapazes de oferecer teoria alternativa.
Quando uma teoria erra nas suas previsões, ou entra em choque com a
realidade observada, ela recebe simplesmente modicações “ad hoc”, de forma
a poder continuar a ser utilizada enquanto outra melhor não for oferecida.
O Consenso de Washington, inspirado na vio neoliberal, registrou estrondoso
fracasso em toda a América Latina. Como, todavia, não se ofereceu alternativa
à teoria neoclássica em que se inspira, ele simplesmente recebeu a modicação
“ad hoc” representada pelo Consenso de Washington Ampliado.
Segundo este, o Consenso de Washington, na sua rmula original,
continua perfeitamente válido. Faz-se simplesmente necessário adicionar às
suas propostas a exigência de ajustamentos institucionais. Entendidos estes
como adoção pelos países subdesenvolvidos de regras do jogo compatíveis
com o crescimento econômico. Tratava-se, em última análise, de implementar
legislação que garanta o direito de propriedade, proporcione segurança
jurisdicional, flexibilize as vantagens trabalhistas, defenda o acionista
minoritário, regule adequadamente o processo falimentar e assim por diante.
Um enfoque qualitativo da economia brasileira
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Ou seja, para que o Consenso de Washington fosse sucateado teria de ser
confrontado por teoria, ou paradigma, montado com base nas características
especícas do crescimento retardatário. O que não aconteceu. Vejamos como
essa deciência pode ser corrigida.
2 – Existem hoje no Brasil centros de pesquisa econômica de primeiro
nível. Dentro, contudo, da tradição do Hemisfério Sul (e isso vale para todos
os ramos cientícos e não apenas para a Economia) eles são, salvo em casos
excepcionais, aplicadores e não criadores de ciência. Fato esse sem maior
importância nas ciências exatas, mas de conseqüências altamente negativas
nas ciências sociais e particularmente na Economia.
Para contornar o problema, o CED propôs criação do que chamou de
núcleo de pensamento crítico com as seguintes características básicas:
Equipe técnica composta de pesquisadores, selecionados entre os
mais capacitados do país e especialistas estrangeiros trabalhando em
Economia do Desenvolvimento;
Pesquisa orientada para a crião de paradigma ajustado ao crescimento
retardatário, e capaz de dar cobertura cientíca a políticas econômicas
levando em conta a especicidade desse crescimento, e
Trabalho levado adiante em termos de “scientic research programs”
tal como denidos por Lakatos.
Este último ponto é extremamente importante e deve ser explicitado.
Programas cientícos de pesquisa concentram-se, de forma permanente e
ininterrupta, em determinado aspecto da realidade previamente denido,
discutindo e aprofundando os resultados obtidos, confrontando-os com os
de programas alternativos, defendendo-os ou modicando-os conforme for
o caso. Referimo-nos anteriormente à teoria protecionista de Prebisch, que
foi rejeitada sem que houvesse sido efetivamente refutada. Isso ocorreu por
não estar inserida em programa cientíco de pesquisa, no qual teria sido
aprofundada e defendida contra críticas que não atingissem seus postulados
fundamentais. Caso diferente foi o da teoria heterodoxa da inflação,
desenvolvida por economistas da Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro. Ela nasceu no âmbito de programa cientíco de pesquisa levado
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adiante naquela entidade e a validade de suas conclusões foi conrmada pelo
sucesso do Plano Real, que liquidou o processo hiperinacionário brasileiro.
Logo após, todavia, a equipe responsável pelo Programa se dissolveu. O que
resultou no seu abandono, voltando-se a aplicar no Brasil as rmulas ortodoxas
de estabilização monetária.
Em suma, não se revelam sucientes contribuições tópicas, ainda que de
alto nível, para a Economia do Desenvolvimento. É necessário que estejam
inseridas em trabalho permanente e ininterrupto sob a forma de programa
cientíco de pesquisa.
3 A ultrapassagem do pensamento único não será, todavia, tarefa
simples. Ela se defronta com mitos, gerados no âmbito deste que devem ser
previamente eliminados. O primeiro deles se acha congurado no Consenso
de Washington Ampliado, quando este arma ser a inadequação de instituições
a causa básica do subdesenvolvimento. O segundo mito se refere às relações
entre desenvolvimento e surto inacionário. Comecemos pelo primeiro.
H.J. Chang, ele mesmo da corrente institucionalista, denuncia a invalidade
da alegação de que o fracasso do Consenso de Washington, na sua versão
original, decorreu de não ter ele proposto a criação de instituições ajustadas ao
desenvolvimento. Chang mostra que muitos dos atuais países subdesenvolvidos
dispõem de instituições mais avançadas do que as das atuais economias
maduras em sua fase de expansão acelerada. Arma, além disso, que boa parte
das instituições existente nos desenvolvidos constitui efeito e não causa do
crescimento econômico.
Mais importante, contudo, é a própria experiência histórica brasileira.
Nos trinta e cinco anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, o país
registrou uma das mais elevadas taxas de crescimento do mundo. O que,
segundo o Consenso de Washington Ampliado, só poderia ter acontecido se
as instituições estivessem perfeitamente ajustadas ao processo dinâmico. Ora, a
partir de 1980, o Brasil ingressou em semi-estagnação que dura três décadas.
Fato que, de acordo com o Consenso de Washington Ampliado, poderia ter
acontecido como resultado de grave colapso institucional. Na verdade o que
sucedeu foi exatamente o oposto. Não não houve colapso como, nos anos
seguintes, as instituições brasileiras se aperfeiçoaram constantemente.
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Fatos desse tipo não impediram o Banco Mundial de dedicar seu relatório
de 2002 à tese da necessidade de mudanças institucionais para garantir o
desenvolvimento. Colocando, inclusive, em epígrafe frase de Dudley North
(1993) autor que, no seu principal trabalho, declara a falência da Economia
do Desenvolvimento.
Com respeito à inação, dois mitos que vêm prejudicando seriamente
a correta interpretação do processo. O primeiro deles é o de que qualquer
aumento de preços tende rapidamente a se acelerar. O segundo é que a inação
se revela altamente prejudicial aos grupos de menor renda.
O primeiro mito se enraizou no Brasil em função de circunstâncias
que passamos a descrever. O Governo Fernando Henrique conseguiu a
partir de 1994, com base no Plano Real, colocar a hiperinação brasileira
sob controle. Tendo, porém, aderido ao Consenso de Washington não
conseguiu, como esperava, recolocar o país no caminho do crescimento
acelerado. Diante disso, passou a valorizar a política conservadora adotada
pelo Governo armando que o objetivo desta era preservar a estabilidade
monetária conquistada com o Plano Real. E para reforçar essa justicação,
criou o mito de que qualquer aceleração de preços, por menor que fosse,
escaparia rapidamente de controle.
A alegação carece, na verdade, de qualquer embasamento factual.
Nos anos 1970s, por ocasião dos dois choques do petróleo, países asiáticos,
inclusive a Coréia do Sul, aceitaram a aceleração inacionária como forma
de preservar seu desenvolvimento. Nesse período, a Coréia registrou inação
anual média de 20%. Na década seguinte essa percentagem caiu para 5%,
sem qualquer hiperinação intercalar. Experiência semelhante ocorreu em
outros países asiáticos.
Nos trinta primeiros anos após a Segunda Guerra Mundial, o Brasil
registrou elevação anual média de preços em torno de 20% (com incremento
do PIB de 7% a.a.) sem que se observasse qualquer tendência a incontrolável
aceleração. A hiperinflação do fim do período resultou de erros que
poderiam ter sido evitados, como a recusa pelo Governo militar de se adaptar
corretamente aos choques do petróleo e a não adoção de estratégia capaz de
manter o crescimento acelerado da economia. Contribuiu, igualmente, para
tal resultado a adoção, fora de controle, da correção monetária. Ou seja, nem
a longa experiência do Brasil de inação sob controle, nem fatos observados
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em outros países, dão cobertura ao mito de que qualquer surto inacionário
tende incoercivelmente à aceleração.
O mito de que a inação causa danos graves e irreparáveis aos grupos
de menor renda teve em Franco (1998) possivelmente seu mais importante
divulgador, donde ser importante recapitular sua argumentação. Segundo ele:
A inação e os décits scais revelaram-se fundamentais como mecanismos
para viabilizar, através da poupança forçada, a sustentão de elevados
níveis de investimento público, contribuindo signicativamente para que as
taxas de investimento agregadas permanecessem em torno de 25% do PIB.
O crescimento pôde se sustentar em taxas elevadas durante muitos anos,
mercê deste alto ritmo de formação de capital, mas na presença de crescentes
diculdades. Os impactos sobre a distribuição de renda de um crescimento
fortemente, e cada vez mais, dependente da inação foram os piores possíveis.
O Brasil cresceu, mas se tornou um país industrial à custa de um aumento
extraordinário dos níveis de desigualdade” (pgs. 59 e 60).
Franco arma, portanto, (a) que a inação colocou as poupanças do país
no nível de 25% do PIB, (b) que isso permitiu crescimento em taxas elevadas
durante muitos anos e (c) que, dessa forma, o Brasil pode se tornar um país
industrial. A objeção decorre da concentração de renda e essa deve, portanto,
ser examinada.
Evidentemente não se pode raciocinar com a inação fora de controle,
observada após choques do petróleo, porque essa é incompatível com o
desenvolvimento. A espiral de preços que, segundo Franco, deu ao Brasil
longo período de rápido crescimento, taxas de poupança perto de 25% do
PIB e acelerado processo industrial, foi a que se manteve em torno de 20%
ao ano, nas três décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial. Avaliemos seu
impacto distributivo.
Com esse nível de inação, um salário de 1000 reais declina, no m de 12
meses (isto é até à véspera de novo reajustamento ), para 830 reais com média,
durante o período, de 900 reais e perda de poder aquisitivo de cerca de 10%.
Em inação estável, a perda se limitaria a essa percentagem. Cumpre, porém,
considerar que, em processo de crescimento acelerado, os salários aumentam
na mesma proporção que o produto per capita. Assim, com o crescimento
anual do PIB de 7%, observado no período analisado por Franco, essa perda
seria compensada em dois ou três anos.
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Outro aspecto importante é que para a economia brasileira ser capaz de
dar emprego a cerca de 1,5 milhão se novos trabalhadores que se apresentam
anualmente ao mercado, o PIB brasileiro deveria crescer anualmente entre 4%
6%, conforme estimativas anteriormente referidas. O que de fato aconteceu
nas duas décadas e meia posteriores à Segunda Guerra Mundial. E de acordo
com opinião insuspeitíssima de Franco, essa taxa foi proporcionada pelo surto
inacionário do período. Assim sendo, como colocar a inão como completa
e necessariamente desfavorável ao trabalhador?
Possivelmente a forma correta de atender à preocupação social de Franco
seria indagar dos sindicatos se aceitariam queda de 10% nos seus salários
para que a oferta de postos de trabalho aumentasse para 1,5 milhões ao ano.
E deixando claro que a queda salarial seria compensada em, no máximo, três
anos. Ou seja, não se nega o impacto negativo da inação sobre o poder
aquisitivo dos salários. Mas apenas se arma que a questão deve ser examinada
no contexto global de políticas de desenvolvimento. No caso, por exemplo,
examinado por Franco a inação seria provavelmente considerada favorável
aos trabalhadores.
Observação nal se faz necessária. Durante os anos 1950s e 1960s
importante grupo de economistas brasileiros defendeu a tese de que inação
moderada e sob controle era importante para se obter crescimento acelerado
da economia. Isso porque, em função do fato de os preços crescerem
constantemente e os salários serem ajustados periodicamente, os lucros se
elevavam e, com eles, as poupanças. Já hoje a experiência dos países asiáticos
mostra que, diante de estratégias corretas de desenvolvimento, as poupanças
se elevam endogenamente. Deixa, assim, de ter sentido defender-se a inação
como instrumento aceitável em políticas de desenvolvimento.
O problema é que longo período de semi-estagnação da economia
brasileira, e as distorções dele resultantes, fazem com que dicilmente se
poderá reacelerar o crescimento sem que surjam tensões inacionárias as quais
poderão, eventualmente, se transformar em inação aberta. Trata-se, no caso
de desequilíbrio estritamente provisório e rapidamente controlável. Os mitos
da incoercível aceleração da espiral de preços e de sua extrema malignidade
social levam a que tais desequilíbrios o sejam aceitos, tornando extremamente
difícil o lançamento de estratégias econômicas capazes de recolocar o país na
trilha do crescimento acelerado.
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A experiência dos países asiáticos mostra que o crescimento acelerado
pode ser obtido com o teto de 5% para o aumento anual de preços. Mas
mostra igualmente que em situações especiais inão moderada e sob
controle deve ser aceita para manter ou retomar o desenvolvimento. Essas
o as lições que devem ser aproveitadas em qualquer política econômica
racionalmente conduzida.
O objetivo sico do Núcleo de Pensamento Crítico é, em última análise,
através de rigorosa análise cientíca, denir as características especícas do
crescimento retardatário, descrevendo as políticas econômicas a eles aplicáveis,
e impedindo a proliferação de mitos, como os acima examinados.
Perspectivas futuras
1 – A análise anterior mostrou a complexidade da situação econômica
brasileira. Os maus resultados obtidos têm raízes menos econômicas do que
psicológicas, sociais e políticas. Quaisquer previsões devem, portanto, levar
em conta esse aspecto.
Fato determinante da evolução futura da economia brasileira é a de que
ela se acha presentemente comandada pelo Banco Central. Recapitulemos.
Após 1994, com o sucesso do Plano Real de estabilização monetária,
a inação caiu no Brasil para a taxa anual de um dígito. Em 2002, quando
se tornou claro que a presidência da república seria assumida por líder de
esquerda, os preços se elevaram de 12% a 17%, conforme o índice considerado.
A assessoria da área nanceira do Governo empossado em 2003, apoiada
inclusive no temor exagerado do problema patrocinado pela administração
Fernando Henrique, convenceu a cúpula política que o país se achava no limiar
de nova hiperinação. A tarefa de evitá-la, seja de imediato, seja em futuro
próximo, foi atribuída ao Banco Central que passou, assim, a ditar as regras
da política econômica nacional.
sérias razões para se acreditar que o alegado risco de hiperinação
jamais existiu. Assim, no último ano do Governo Kubitschek (1960), o
aumento anual de preços atingiu a taxa de 30%. No período seguinte, o caos
político decorrente da renúncia de um Presidente da República e a resistência
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à posse do seu sucessor legal, determinou aumento anual de preços de até
60%. Normalizada a situação em 1974, a espiral de preços voltou ao seu nível
histórico, sem qualquer ameaça de hiperinação. Fatos desse tipo não foram
levados em conta e a conseqüência foi que toda economia brasileira passou a ser
comandada em função da necessidade de manter a estabilidade de preços. Ou
seja, as metas de inação, administradas pelo Banco Central se sobrepunham
de forma absoluta ao objetivo de retomar o crescimento acelerado.
Em tal contexto, nos prazos curto e médio deve-se esperar incremento
anual médio do PIB entre 4,5% e 5%, tal como proposto no PAC. A taxa de
5% passou a ser considerada como um teto, porque qualquer “ameaça” de
crescimento acima dela será bloqueada, para evitar o eventual agravamento de
pressões inacionárias. A esse respeito, o Banco Central brasileiro nada mais
faz do que imitar o que ocorre nos Estados Unidos onde o FED, para não por
em risco a estabilidade monetária, adota medidas restritivas ao incremento do
PIB sempre que este tende a superar o nível anual de 4%.
A taxa de 4,5% constitui, por outro lado, um mínimo porque, com o
PAC, se passou a considerar entre os critérios para julgar o sucesso econômico,
a par dos equilíbrios fundamentais, também a taxa de incremento do PIB.
Qualquer crescimento inferior a 4,5% será, portanto, considerado insuciente.
E como no período recente ganhou força a parcela desenvolvimentista da
equipe econômica ocial, inclusive com a criação de Ministério Extraordinário
para políticas de longo prazo, qualquer resultado inferior será imediatamente
denunciado. E como longa experiência passada mostra que o Brasil não
encontra diculdade em crescer até a 7% ao ano, medidas corretoras serão
imediatamente adotadas. Em suma, nos prazos curto e médio a economia
brasileira deverá crescer em torno de 5%, menos por motivos econômicos do
que por injunções de caráter político.
O que se esperar, porém, do longo prazo? A questão pode ser enfocada
de duas maneiras. A primeira é indagando se, mantidas as condições
presentes, a taxa de 4,5% a 5% podese manter indenidamente. Grupo
importante de economistas brasileiros responde negativamente, dado que
o foram equacionados problemas fundamentais como os da elevada taxa
de juros, da sobrevalorização cambial, da pesada e crescente carga scal,
das despesas públicas crescendo mais que o PIB, etc. Possivelmente, no
entanto, a justicação mais objetiva da avaliação pessimista das perspectivas
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de longo prazo se acha na ausência de estratégia econômica para a economia
brasileira. Os investimentos em infra-estrutura previstos criarão emprego
e acelerarão o PIB enquanto durarem as obras neles previstas. Terminadas
estas, e na inexistência de estratégia de desenvolvimento baseada em
atividades diretamente produtivas de mercados dinâmicos, a semi-estagnação
voltará a se impor. A fase de alívio pode, inclusive, ter o efeito negativo
de se considerar resolvido o problema econômico tornando desnecessária
qualquer estratégia.
A segunda forma de enfocar a questão de longo prazo é a seguinte; se
o Brasil tem condições excepcionalmente favoráveis ao desenvolvimento, e
numerosos países em que estas são inferiores estão crescendo muito acima de
5%, porque considerar essa taxa aceitável, ou mesmo como limite superior ao
incremento do PIB? A tomada de conscncia desse fato o levará à eliminão
nal do pensamento único e da barreira ideológica?
Os defensores da manutenção da taxa de 5% como teto, alegam que dado
que a taxa de incremento demográco é hoje menor no Brasil, crescimento
atual de 5% equivale, em termos per capita, aos 7% do passado. Diante disso,
alegam eles, não ter sentido, para acelerar ainda mais o crescimento, correr o
risco da volta de desequilíbrios, como a inação.
Contra isso se objeta que, se a nalidade das políticas de desenvolvimento
é eliminar o atraso econômico tão rapidamente quanto possível, torna-se
inaceitável crescimento de 5%; taxa muito aquém da efetiva capacidade do
país. Lembra-se, a par disso, que se o rápido incremento do PIB acarreta
tensões do tipo cambial, scal e monetário, isso constitui parte integrante
e normal de qualquer processo de crescimento acelerado. A denição dos
meios e modos de manter essas tensões sob controle faz parte das políticas
de desenvolvimento.
Outro argumento importante da corrente desenvolvimentista é que,
dada a existência do efeito de imitação ou emulação, não para as economias
retardatárias a opção entre crescer rápida ou lentamente. Os grupos de menor
renda desses países tomam conhecimento dos elevados padrões de vida das
economias maduras, inclusive copiado pelas camadas mais ricas do seu próprio
país. Passam, assim, a reivindicar esses padrões forçando o Governo a despesas
que reduzem seu nível de poupança. O mesmo sucede com o setor privado,
na medida em que o Governo, para atender reivindicações, aumenta impostos,
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eleva o salário mínimo, estende o período de férias, reduz o número permitido
de horas de trabalho etc.
No Brasil, esse tipo de problema se manifesta, entre outros, no fato de
que no passado o Governo poupava 4% do PIB e, hoje, registra poupanças
negativas. O atendimento das aposentadorias equivale presentemente a cerca
a 7%, o que alguns analistas consideram percentagem excessiva para país
subdesenvolvido. Acontece que, se após 1980 o PIB brasileiro mantivesse o
incremento de 7% ao ano do período anterior, ele seria atualmente três vezes
maior. Com a percentagem dos gastos de aposentadoria um terço da presente.
Ou seja, novamente aqui temos o crescimento econômico insuciente para
atender a reivindicações por melhores condições de vida.
Fenômenos, desse tipo, constituem manifestações do efeito de
imitação, o que torna o desenvolvimento uma corrida entre a pressão das
reivindicações de padrões de vida mais elevados e a capacidade do Governo
de aten-las. Sem comprometer a margem de poupaas necessárias à
manutenção do crescimento.
Em suma, da perspectiva de longo prazo motivos para crer que ocorra
a ruptura nal com o pensamento único e barreira ideológica permitindo
nalmente ao Brasil crescer no ritmo que, seja suas condições econômicas
favoráveis, seja sua experiência histórica revelam ser possíveis e normais.
A explicação de se, como, quando isso acontecerá cabe mais a cientistas
políticos e sociólogos do que a economistas.
Conclusão
O Brasil usufrui de condições extremamente favoráveis ao desenvolvimento
e os quase trinta anos de semi-estagnação, a partir de 1980, podem ser
explicados por erros fundamentais de política econômica. Congurados
essencialmente na falta de estratégia de desenvolvimento, conseqüência esta,
por sua vez, da aceitação do neoliberalismo patrocinado pelo Consenso de
Washington. Ignorando a tentativa de perpetuá-lo através do Consenso de
Washington Ampliado, o PAC deu o primeiro passo no sentido de livrar o país
da semi-estagnação. Essa iniciativa deveria ser complementado pela denição
de nova estratégia de desenvolvimento, o que determinaria a eliminação nal
do curtoprazismo, corolário básico do pensamento único.
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Para que tal seja conseguido, é fundamental se criar para o crescimento
retardatário paradigma que ofereça alternativa às receitas da “mainstream
economics e proporcione embasamento cientíco de alto vel à nova
estratégia proposta. Alguns passos vêm sendo dados nesse sentido, com
base numa versão de longo prazo das teses keynesianas. O relatório de 2006
da Unctad, ao defender em apêndice teórico, investimentos autônomos cujo
resultado nal seria a correspondente elevação de poupanças, oferece primeira
contribuição para esse novo enfoque.
No Brasil, João Sicsú (2005) defende a tese que os novos keynesianos
desvirtuaram as contribuões do autor que dá nome à sua corrente, e
inova ao armar com Philips, e contra a teoria neoclássica das expectativas
racionais, a possibilidade de reduzir o desemprego através de novos
investimentos. Juntamente com Bresser Pereira propõe o que chama de novo-
desenvolvimentismo, cuja justicação teórica começa a ser esboçada.
Referimo-nos anteriormente à importância de ampliar e consolidar
esse esforço através de núcleo de pensamento ctico. Sua crião se
importante, não somente para o Brasil como para toda América Latina que
o teve como os asiáticos, o benefício de padrão mimético ajustado à sua
realidade. Donde a conveniência de trabalho conjunto dos países da região
na criação desse núcleo.
Cristina Kirchner (2007) apoia essa posição ao armar “É muito bom
que (...se) proporcione pensamento crítico aos governos da região, que durante
tanto tempo receberam pensamentos alheios e muitas vezes contrários aos
interesses de seus países, produtos de outras usinas intelectuais que não
respondem exatamente aos interesses da região. Assim, creio que em boa hora
estão soprando novos ventos na região latino-americana”. (p. 5)
Apêndice
Nota introdutória
A presente nota resume análise de conferência a ser proximamente
publicada. Como a exposição foi feita para não especialistas o texto evitou
colocações de caráter mais técnico.
Um enfoque qualitativo da economia brasileira
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Impacto do pensamento único nas teorias econômicas
1
1 Em outros trabalhos tivemos a oportunidade de mostrar como a teoria
protecionista de Prebisch e a teoria heterodoxa da inação de economistas
brasileiros foram deixadas de lado sem que houvessem sido efetivamente
refutadas ou ultrapassadas. Algo semelhante aconteceu com a Economia do
Desenvolvimento. No presente texto mostraremos como a manutenção e o
aprofundamento das análises da Economia do Desenvolvimento teria sido
capaz de indicar rumos diferentes para políticas econômicas implementadas
no Brasil, com importantes benefícios para o país. E curiosamente essas
políticas estariam bastante próximas das praticadas pelos países do Leste e
Sul da Ásia.
Concentraremos a análise na contribuição de Lewis, certamente a mais
importante registrada na disciplina. E que lhe valeu o Prêmio Nobel de
Economia.
Segundo Lewis, o crescimento retardatário, diferentemente do que sucede
nas economias desenvolvidas, é levado adiante em condições de oferta ilimitada
do fator trabalho. Esse simples fato tem, como se verá, corolários importantes
no que se refere à denição de políticas de desenvolvimento.
A conseqüência principal da oferta ilimitada de mão-de-obra é a existência
generalizada do desemprego disfaado. Exemplicando: na agricultura familiar
os lhos são automaticamente incorporados à atividade econômica, sem que
isso resulte em qualquer aumento da produção. Esta, portanto, não registrará
nenhuma redução se eles forem deslocados para outra atividade. Donde ser
lícito armar que se acham tecnicamente em situação de desemprego, embora
seja este disfarçado por atividade sem qualquer resultado efetivo.
Esse simples fato leva à conclusão de ser extremamente importante,
em economias subdesenvolvidas, a diferença entre custo real e custo de
oportunidade. O custo real é dado pelo valor da totalidade dos insumos
incorporados em cada produto. O custo de oportunidade do bem A é medido
pelo valor do bem B que se deixa de produzir para obter A. O enfoque do
custo real é fundamentalmente microeconômico sendo ele, além disso, o único
1 O impacto negativo do pensamento único é igualmente examinado em CED Economia brasileira, do
pensamento único a vinte cinco anos de semi-estagnação (capítulo V).
João Paulo de Almeida Magalhães
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registrado pelo mercado para a tomada de decisão nas empresas. O enfoque do
custo de oportunidade é macroeconômico, porque incorpora visão global da
economia. Levando em conta, implicitamente, a existência de fatores ociosos
viabilizadores da produção de um bem sem redução na oferta de outros.
No caso dos países subdesenvolvidos, onde existe situação generalizada
de desemprego disfarçado, o custo de oportunidade da mão-de-obra é zero.
Apesar disso, qualquer empresa que recrute trabalhador em situação de
desemprego disfarçado deve pagar-lhe um salário, o que cria importante
diferença entre o custo real e custo de oportunidade. E como as decisões
baseadas no mecanismo de preços apenas consideram o custo real, ou seja,
decisões ecomicas estritamente baseadas nas indicões de mercado,
conforme exige a visão neoliberal patrocinada pelo pensamento único, são
infra-ótimas nos países subdesenvolvidos. A forma de corrigir tal distorção
consiste em ação sistemática do Estado na Economia com base em política
de desenvolvimento.
Exemplo aritmético simples ilustrará o problema. Hipotético ps
subdesenvolvido considera a possibilidade de investir em atividade industrial
que produzirá bem de valor 100. Os custos estimados são de 30 em salários
e 70 em outros insumos, totalizando 100. Diante disso, em termos estritos
das indicações de mercado, a produção desse bem deve ser considerada anti-
econômica, pelo fato de os preços serem inferiores aos custos. Isso em termos
de custo real. No custo de oportunidade, todavia, o valor do trabalho é zero
e, portanto, o custo total do bem é de 70; nível perfeitamente compatível
como preço 100 obtido pelo produto no mercado. Ou seja, estamos diante
de falha de mercado que nas economias subdesenvolvidas põe em dúvida a
ecácia do mecanismo de preços. Ou seja, a primeira consequência da análise
de Lewis é de que, em países subdesenvolvidos, o mecanismo de preços
funciona inadequadamente, o que torna de vital importância ação sistemática
do Estado na economia.
2 Vimos anteriormente que a condicionante principal da política de
desenvolvimento é a garantia de mercado. Ora, a decisão de investimento
levando em conta o custo real, e não de oportunidade, reduz injusticadamente
o mercado interno de grande importância na fase inicial de políticas de
desenvolvimento. O que deve ser corrigido através de medidas protecionistas
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adotadas pelo Estado. Ilustração importante das conseqüências negativas
dessa falha de mercado se acha nas relações econômicas internacionais.
Exempliquemos com a industrialização brasileira.
O pensamento ortodoxo, baseado nas proposições da “mainstream
economics”, condenava quaisquer medidas protecionistas no país, por
resultarem na produção local de bens cujo custo real superava o do produto
importado. Uma das alegações era de que não tinha sentido deixar de produzir
café, no que éramos ecientes, para fabricar produtos industriais, caros e de
qualidade. Raciocínio correto em termos de custo real, mas errado para país
subdesenvolvido por o levar em conta o valor zero do custo de oportunidade
do trabalho. Em termos de custo de oportunidade o produto brasileiro era
perfeitamente competitivo. Ou seja, se estava diante de “falha de mercado” a
ser corrigida por medida protecionista.
No caso de estrito respeito aos mecanismos de mercado, a industrializão
brasileira jamais teria ocorrido. Ela apenas teve lugar em conseqüência da
Grande Depressão dos anos 1930s que, ao derrubar o preço do café, reduziu
drasticamente a capacidade do país de importar manufaturas estrangeiras.
A conrmação do baixo custo de oportunidade do produto industrial brasileiro
foi dada pelo fato de que, contrariamente ao previsto pelos ortodoxos, a
atividade manufatureira cresceu rapidamente sem qualquer declínio nas safras
agrícolas. Ou seja, o segundo corolário do aprofundamento da análise de Lewis
é de que a garantia da parcela de mercado interno necessária às políticas de
desenvolvimento, depende de medidas protecionistas implementadas pelo
Estado. E esse protecionismo é tecnicamente justicável por estar corrigindo
grave falha de mercado.
3 Isso no que se refere ao mercado interno. Problema semelhante
ocorre com respeito ao mercado externo envolvendo a denição da taxa de
câmbio. Da perspectiva de longo prazo, única relevante em termos da política
de desenvolvimento, a taxa de câmbio entre dois países é determinada pela
paridade do poder aquisitivo das respectivas moedas. Assim, se uma “cesta”
de bens nos Estados Unidos vale 100 dólares e se a mesma cesta é vendida
no Brasil por 200 reais à taxa natural de câmbio entre os dois países, que
resultará da livre atuação do mecanismo de preços tenderá para a relação de
2 reais por 1 dólar. Esta seria a taxa natural de câmbio determinada pelos
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preços vigentes nos mercados dos dois países, preços determinados pelo
custo real dos bens.
Acontece que em termos de mecanismo de preço apenas o custo real
é considerado.
Supondo-se que o custo de oportunidade da mão-de-obra no Brasil seja
de zero e que corresponda a 50% do custo, a cesta brasileira estará sendo cotada
pelo dobro do seu valor real. Com dois dólares os americanos deveriam estar
obtendo duas cestas e não apenas uma, ou seja, o produto brasileiro estará
muito caro para eles o que faz com que o Brasil esteja exportando pouco
para os Estados Unidos. Em sentido oposto as mercadorias americanas estão
baratas para os brasileiros que trocam uma cesta sua por uma cesta americana
quando deveriam estar dando duas. O que faz que o Brasil importe muito dos
Estados Unidos.
A solução para voltar à troca equilibrada seria o Governo brasileiro,
através da desvalorização do real, passar a taxa de câmbio para 4 reais por 1
dólar. Com isso os americanos poderiam adquirir duas cestas básicas brasileiras
com uma de suas cestas e os brasileiros teriam de dar duas cestas para obter
uma cesta americana. Ou seja, dentro da linha analítica proposta por Lewis
é necessária e justicável a desvalorização da moeda nacional nos países em
desenvolvimento como forma de conquistar o mercado externo, necessário
ao sucesso de suas políticas de desenvolvimento. Novamente aqui a medida é
tecnicamente justicável por estar corrigindo falha de mercado.
4 Outro caso em que o abandono da teoria de Lewis signicou
prejuízo real ou potencial para pses subdesenvolvidos é o da potica
antiinacionária. Para comprovar esse fato devemos começar recapitulando as
duas explicações propostas para a inação. De acordo com a primeira delas,
a inação resulta do excesso de moeda, sancionando aumentos de custos
ou de demanda. Outra explicação arma que a espiral de preços resulta da
disputa dos agentes econômicos em torno do PIB, quando o somatório de
suas reivindicações supera o montante deste. Esta é a teoria heterodoxa da
inação inercial em que se baseou o Plano Real, que liquidou a hiperinação
brasileira. Aprofundemos esse aspecto.
Aceitando-se, para simplicar, a exisncia de apenas dois agentes
econômicos, trabalhadores e empresas, essa disputa se traduz em aumentos
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sucessivos de salários e preços. Ponto importante, e que ajuda a compreender
a diferença entre os dois enfoques é que, enquanto na primeira concepção do
surto inacionário o aumento da moeda pode ser considerado causa básica
do processo, no segundo ela é interpretada como efeito. Ou seja, diante dos
sucessivos aumentos de salários e preços o Governo se obrigado a aumentar
a moeda para evitar crise de liquidez.
Nas economias desenvolvidas a disputa em torno do PIB o pode existir
porque ela usualmente ocorre quando os salários baixam como conseqüência
do aumento de pros pelas empresas desejosas de elevar sua margem de lucros.
Sucede que, nesses países, a mão-de-obra é escassa e, portanto, os sindicatos
têm elevado poder de negociação. Ao perceberem que os reajustamentos de
suas remunerações são logo após, neutralizados por novo aumento de preços,
eles impõem escala móvel de salários pela qual qualquer elevação de preços
é prontamente compensada por aumento proporcional de salários. O que
inviabiliza a disputa em torno do PIB.
Nos subdesenvolvidos o fator trabalho é superabundante, conforme
demonstrou Lewis, sendo, portanto, débil poder de negociação dos sindicatos
Eles são, dessa forma, incapazes de defender ecazmente o poder aquisitivo
de suas remunerações, através de medidas ecazes como a escala vel.
Pode-se lembrar, nesse sentido, que, no Brasil, apesar de inação anual média
de 20% nos trinta anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, os sindicatos
jamais conseguiram impor escala móvel de salários. O que conrma a tese de a
inação resultar da disputa em torno do PIB. Tal foi à concepção aceita pelos
proponentes da teoria heterodoxa da inação, cuja validade foi conrmada
pelo sucesso do Plano Real.
Exemplo simples ilustrará o procedimento adotado neste último. Numa
inação anual de 20%, salário real de 1000, com reajustamento a cada doze
meses, declina até o m do período para 800. Com a média, portanto, de
900. O comportamento dos lucros é exatamente o oposto, caindo para o
nível mínimo quando os salários se acham em 1000 e alcançando seu valor
máximo com salários de 800. Na fórmula heterodoxa de controle de inação,
os salários são colocados no seu nível real médio de 900, o mesmo se fazendo
com os preços determinantes do montante dos lucros. Como o somatório das
remunerações reais médias dos agentes econômicos é, por denição, igual ao
PIB, esse procedimento elimina a causa básica da espiral de preços.
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Do ponto de vista de políticas de desenvolvimento, o importante é que
sendo a inação nos subdesenvolvidos decorrente da disputa dos agentes
econômicos em torno do PIB, ela deve ser controlada através de políticas de
rendimentos e não de políticas monetárias.
Os alssimos juros praticados no Brasil que vêm impedindo, ou
dicultando seriamente, a retomada do desenvolvimento, são justicados pelo
Banco Central como forma de conter a inação, quando o correto seria adotar
uma política de rendimentos. Estamos, assim diante de erro fundamental que
não estaria sendo cometido se os corolários da contribuição teórica de Lewis
estivessem sendo levados em conta.
5 A análise acima permite igualmente solucionar paradoxo que põe em
dúvida a própria validade da ciência econômica. Os países latino-americanos
que, com base no Consenso de Washington seguiram rigorosamente a receita da
“mainstream economics” registraram estrondoso fracasso. Os países asiáticos,
que ignoraram essa receita e inclusive muitas vezes zeram exatamente o
oposto, registraram excepcional sucesso. O que compromete seriamente a
Economia como ciência.
A análise acima, que explora os corolários da principal contribuição
teórica para a análise do crescimento retardatário, permite colocar a questão
em termos mais favoráveis à disciplina. De fato, as linhas básicas da política
de desenvolvimento dos países asiáticos seguiram, fundamentalmente, os
quatro corolários acima propostos para a contribuição de Lewis. A saber.
(a) os países da rego registraram ação ampla e sistemática do Estado
no estímulo e orientação de suas economias; (b) através de medidas
protecionistas protegeram as atividades locais enquanto estas não alcançaram
vel internacional de competitividade; (c) facilitaram a penetração de seus
produtos no mercado externo através de taxas de câmbio que desvalorizavam
suas moedas e, nalmente (d) mantiveram a estabilidade de preços, o
através de políticas monetárias como a elevação da taxa de juros, mas através
de políticas de rendimento.
Em suma, o que de fato se acha em jogo não é a validade da Economia
como ciência, mas a inaceitável tentativa de utilizar as teorizações da
“mainstream economics” em contexto em que não o válidas as precondições
em que ela se baseia. Como por exemplo, a escassez relativa da mão-de-obra,
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típica das economias maduras enquanto nos subdesenvolvidos existe oferta
ilimitada de mão-de-obra, conforme postula Lewis. Ou seja, o problema não se
acha nas deciências da Economia como ciência, mas a indevida persistência
do pensamento único.
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DEP
Tradução: Sérgio Duarte
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A economia chilena
e os desaos do
desenvolvimento
*
Mauricio Jelvez M.
**
I. A economia chilena na democracia
N
o concerto internacional, o “modelo chilenotem sido apresentado nas
últimas cadas como exemplo de êxito para atingir a combinação de equibrios
macroeconômicos, alto crescimento e combate ecaz contra a pobreza.
Não obstante, essa armação tem falhas que induzem ao erro. Primeiro, a
experiência do extremo neoliberalismo aplicado na ditadura (1973-1989) difere
substantivamente da experiência de crescimento com eqüidade implementado
na democracia (1990-2007).
Enquanto que no primeiro período buscou-se estabelecer a primazia do
sistema de mercado – por meio da aplicação do receituário dos economistas
ortodoxos, que consistia na liberalização e desregulamentação dos mercados,
abertura unilateral da economia ao comércio internacional e uma política
* A primeira parte do texto se baseia em Ricardo Ffrench-Davis (2007). “Desarrollo económico en Chile: desafíos
hacia el bicentenário.In. Perspectivas económicas para el Chile del bicentenario: desafíos y oportunidades
(vários autores). Editor: Mauricio Jelvez M.
** Diretor Executivo do Centro de Estudos para o Desenvolvimento (CED)
A economia chilena e os desaos do desenvolvimento
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favorável ao capital estrangeiro, re-privatização e privatização das empresas
públicas, redução do gasto público e uma nova estrutura tributária que perdeu
o caráter progressista no segundo foram impulsionadas reformas às reformas
a m de corrigir o modelo herdado, introduzindo importantes doses de
pragmatismo e progresso. Para isso, a direção da mudança se orientou para o
incremento da taxa de investimento, a aplicão de uma gestão macroecomica
que conseguisse equilíbrios sustentáveis, tanto nanceiros quanto da economia
real, reduzir a vulnerabilidade a choques externos e atender exigências sociais
mais urgentes. Com isso, procurava-se conciliar equilíbrios macro-sociais
e macroeconômicos e instaurar uma política econômica que fosse legítima
no novo cenário democrático. Assim, em 1990, com o início do governo de
transição democrática, foram apresentados dois projetos que marcaram o
ponto de inexão com o governo anterior: um projeto de reforma tributária
para aumentar as receitas scais e modicar a composição da despesa pública,
aumentando a participação do gasto social; e um projeto de reforma trabalhista
que procurava, entre outros objetivos, equilibrar o poder de negociação dos
empregadores e o dos trabalhadores, em busca de maior legitimidade para a
legislação trabalhista.
Em resumo, como explicou Manuel Castells, para estabelecer a diferença
entre as duas experiências: “passamos de um modelo de desenvolvimento
liberal no terreno econômico, autoritário no político e excludente no social
a outro politicamente democrático, socialmente inclusivo e que manteve a
matriz econômica liberal”.
Em segundo lugar, as diferenças não ocorrem somente no enfoque
político de cada modelo mas também no enorme contraste entre os resultados
de cada um. Nesse particular, os algarismos são eloqüentes.
Resultados durante o governo de:
Pinochet
1974-1989
Concertação
1990-2006
Crescimento efetivo do PIB (%) 2,9 5,5
Crescimento do PIB por habitante (%) 1,3 4,2
Crescimento das exportações (%) 10,7 8
Taxa de inação (%) 79,9 7,5
Taxa de desemprego (%) 18 8,3
Mauricio Jelvez M.
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Salário real (1970 = 100) 81,8 125,2
Investimento bruto xo (% do PIB) em pesos 2003 13,6 20,6
Superávit geral do governo (% do PIB) 0,3 1,6
Superávit estrutural (% do PIB) s/d 0,7
População em situação de pobreza (1989 vs. 2006) 38,7 13,7
Distribuição da renda (Q5/Q1) 18,5 14,8
Crescimento da população (%) 1,6 1,4
Em conseqüência, embora a comparação entre o período ditatorial
e o democrático mostre um saldo esmagadoramente superior no que toca
ao segundo, o certo é que as cifras médias, na democracia, escondem uma
realidade mais matizada. Isto, é, se dividirmos o período dos governos da
Concertação, veremos que entre os anos 1990-1998 os resultados, no âmbito
estritamente econômico, são melhores do que os conseguidos entre 1999
e 2006. Se tomarmos indicadores macroeconômicos chave entre ambos os
períodos, veremos que em três entre quatro indicadores, o resultado obtido
é melhor no primeiro desses dois períodos de democracia. As dias o
as seguintes: crescimento efetivo do PIB, 7,1% vs. 3,6%; crescimento das
exportações, 9,9% vs. 5,8%; taxa de desemprego, 7% vs. 10% e inação 11,7%
vs. 2,9%, respectivamente.
A diferença entre ambos os períodos deixam claros os fracassos e
contradições, além da falta de maiores reformas às reformas.
Com o contágio da crise asiática, a parte nal do governo do Presidente
Frei Ruiz-Tagle (1999) e o primeiro quadrnio do Presidente Lagos (2000-2003)
se desenvolveram num ambiente econômico deprimido. Em 1999, nosso PIB
real havia se reduzido em 0,8% e a estagnação posterior da atividade econômica
se concentrou nos setores não exportadores, que representavam cerca de 70%
do PIB. Essa estagnação representou, adicionalmente, um impacto negativo
sobre as pequenas e médias empresas (Pymes) e sobre o emprego.
Embora seja verdade que o efeito externo signicou uma expansão menor
do volume exportado e que este foi acompanhado por uma deterioração dos
termos de troca, cerca de 80% do menor dinamismo localizou-se no mercado
interno. Essa realidade coloca o ônus da prova na responsabilidade de nossa
política econômica.
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Se tivéssemos vivido em uma economia super-endividada no exterior,
sem reservas internacionais e sem acesso ao crédito externo, com um sistema
scal de passivos elevados, essa multiplicação interna do choque externo
seria compreenvel. No entanto, nenhuma dessas condições limitantes
existia no Chile daquela época. O resultado de um qüinqüênio de recessão foi
conseqüência da opção de não enfrentar o choque externo negativo por meio
de um choque interno positivo.
O contágio da crise asiática no Chile se manifestou por meio de dois
canais. Por um lado, houve uma intensa deterioração dos termos de troca,
da ordem de 3% do PIB. Por outro, produziu-se uma redução generalizada
dos uxos de capitais em direção aos países emergentes. Dessa forma,
desde ns de 1997 surgiram fortes expectativas de depreciação que o
Banco Central combateu decididamente durante 1998, devido ao temor a
um novo surto inaciorio numa economia super-aquecida na época e
ao objetivo explícito de facilitar a amortizão da vida em dólares dos
grupos econômicos nacionais.
Primeiro, o Banco Central realizou vendas maciças de divisas, a preços
de mercado articialmente baixos. Em seguida, em meados de 1998, reduziu
drasticamente a amplitude da banda cambial a m de sinalizar estabilidade
na cotação nominal do dólar, em combinação com uma elevação da taxa de
juros, que chegou a 14,5% reais. Nesse contexto crítico, não apenas houve
redução nos créditos externos mas também produziu-se uma fuga de capitais
dos residentes. Com efeito, desde janeiro de 1998 houve volumosa saída
de recursos, principalmente os dos fundos de pensão que especularam
contra o peso totalizando a saída de quase 18% do PIB em 18 meses.
Naturalmente, isso teve impacto contrativo na liquidez moneria e na
demanda acumulada e conseqüentemente um dispendioso ajuste recessivo
em termos de crescimento e equidade.
O surgimento de um hiato entre o PIB efetivo e a fronteira produtiva
foi seguida por uma queda no investimento produtivo. Assim como ocorreu
no México e na Argentina em 1995 e na Coréia em 1998, no Chile houve um
brusco retrocesso dos investimentos em 1999, e até 2004 ainda não se havia
voltado a atingir os níveis de 1998.
O elevado descompasso entre o PIB efetivo e o PIB potencial resultou em
sub-utilização do trabalho e do capital no qüinqüênio 1999-2003. Esses fatores
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afastaram a economia chilena da velocidade de 7% anuais à qual se expandia
a fronteira produtiva na década de 90, fazendo-a cair à planície de 4%.
Não obstante, os bons fundamentos econômicos colhidos nos anos
anteriores permitiram às autoridades, com decisão política, intensicar os
avanços no gasto social após a crise. Foram estabelecidos programas de apoio
integral aos mais pobres (Chile Solidário) e foi lançado o programa Salud
Auge. Isso foi conseguido, em parte, graças a um novo esquema de política
scal estrutural, que evita reações pró-cíclicas na política scal e foi, portanto,
possível prosseguir na redução da pobreza.
Desde o ano de 2003, os mercados internacionais experimentaram
aumento signicativo dos preços das matérias primas, o que implicou forte
choque externo positivo em economias intensivas na produção desse tipo de
recurso. Com efeito, o Chile teve um aumento notável nos termos de troca,
equivalente a 10% do PIB entre o período recessivo 1999-2003 e 2004-2005.
Esse choque exógeno positivo elevou a demanda acumulada e com ela a taxa
média de crescimento do produto efetivo, de 2,6% a 5,8% nos respectivos
sub-períodos.
Naturalmente, a intensidade da recuperação esteve também baseada nos
méritos próprios da economia nacional acumulados nos anos anteriores, mas
a força predominante foi o choque externo. Assim, a melhoria dos termos de
troca também aumentou diretamente a capacidade de gasto do setor privado, e
as expectativas econômicas para o ano de 2006 se tornaram mais otimistas.
Embora diversas projeções estimassem para 2006 um crescimento do
PIB próximo de 6%, isso não sucedeu, pois a taxa de crescimento chegou
somente a 4%. Os motivos de fundo, além das situações pontuais, seriam:
i) um freio prematuro à política monetária, com os sucessivos aumentos de
taxas, principalmente durante 2005 e 2006; ii) a excessiva apreciação cambial
e seu impacto negativo sobre a produção de bens comerciáveis, como mostra
o elevado incremento da demanda por importações e a estagnada demanda
por produção interna; iii) esterilizou-se parte substancial do efeito expansivo
do elevado preço do cobre, porém permitiu-se a operação da maior parte do
efeito recessivo do aumento do preço do petróleo; e iv) a força insuciente da
política scal de equilíbrio estrutural, que avançou do pró-cíclico ao neutro,
sem chegar ao contra-cíclico, pois a estabilização dos gastos é neutra e não
contra-cíclica.
A economia chilena e os desaos do desenvolvimento
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
88
Nesse contexto, e considerando um cenário internacional favorável e
o importante impulso scal que segundo o orçamento público de 2007
registra uma expansão de 9% do gasto estatal é licito projetar para este ano
um crescimento da atividade econômica em uma faixa entre 5,75% e 6,25%
anuais, enquanto que a demanda interna cresceria em torno de 7% anuais,
apoiada em uma expansão semelhante no consumo privado, ao mesmo tempo
em que o investimento aumentaria acima de 8% anuais.
No mercado de trabalho, estimamos que a taxa de desemprego
continuará a reduzir-se durante 2007, situando-se em uma taxa dia anual
da ordem de 7%.
Adicionalmente, as perspectivas para o setor externo tamm se
mantêm favoráveis para 2007. Não apenas o cobre foi beneciado pelo sólido
dinamismo demonstrado pela China, Índia e outras economias importadoras
de commodities mas também outros produtos primários, como metais, matérias
primas e alimentos se viram favorecidos por esse maior dinamismo econômico.
Com efeito, os preços das commodities atingiram valores muito superiores a
seus níveis de longo prazo, registrando um incremento de quase 100% desde
o início de 2004, medido em dólares. Nesse contexto, as exportações totais
de bens se localizarão nas proximidades de 65 bilhões de dólares, enquanto
que o total de importações alcançará cerca de 39 bilhões. Isso faria com que o
superávit em conta corrente casse em torno de 4,5% do PIB durante 2007.
Apenas a inação teve comportamento diferente do esperado. Para
efeitos ociais, a meta está xada pelo Banco Central numa faixa entre 2% e
4%. No entanto, as projeções atuais estimam para o m do ano uma inação
um tanto superior a 6%.
As causas principais do aumento da inão obedecem a fatores externos
e exógenos, como o aumento sustentado do preço do petróleo, laticínios
e carnes, por um lado, e o efeito de um inverno muito rude que afetou
signicativamente a produção de frutas e verduras. Todos esse fatores tiveram
impacto na inação devido ao peso relativo na cesta de cálculo.
Seja como for, a situação de nossa economia mostra uma melhora
importante em comparação com o ano de 2006. Essa bonança gerou um
consenso inusitado entre os economistas, tanto os de escolas mais ortodoxas
quanto heterodoxas, ao reconhecer que as maiores taxas de crescimento
Mauricio Jelvez M.
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
89
esperadas para o presente ano se explicam principalmente por um choque
reativador interno, resultado de um orçamento mais expansivo, reetido no
aumento do gasto social da ordem de 11%.
O quadro geral aqui descrito produziu um “efeito colateral” inesperado
na sociedade chilena. Especicamente, as condições excepcionais provenientes
do alto preço do cobre, que permitem projetar uma acumulação de excedentes
scais para 2008 da ordem de 30 bilhões de dólares, sem contar as reservas
do Banco Central, projetadas em 15 bilhões adicionais, instaurou no debate
público a sensação de que nos encontramos diante de uma oportunidade
histórica para empreender com decisão o desao de percorrer com êxito a
segunda metade de nosso caminho para o desenvolvimento.
Em última análise, produziu-se um deslocamento para cima na curva
de expectativas dos chilenos e chilenas. Essas expectativas estão fortemente
ligadas à necessidade de construir um projeto-país que marque um ponto
de inexão para a instalação de uma estratégia de desenvolvimento capaz
de assumir sem complexos a necessidade de contar com um Estado mais
pró-ativo na constrão de uma sociedade mais igualitária e no impulso
para um desenvolvimento produtivo com níveis mais elevados de inovação
e capacidade competitiva.
II. Os desaos do desenvolvimento chileno
Os progressos registrados durante os governos da Concertação
constituem a base sobre a qual se procura edicar uma nova estratégia de
desenvolvimento para o Chile do Bicentenário (2010). Mais do que um mal-
estar com o fato, a demanda de mudanças se liga a um certo temor de que
nos tenhamos instalado em um esquema econômico que ameaça fazer-nos
cair em uma fase de “rendimentos insucientes”, sobretudo considerando que
a economia chilena continua a demonstrar taxas potenciais de crescimento
próximas a 5% anuais.
Falamos de outro projeto-país, pois trata-se de reformas de maior
densidade e complexidade.
Nesse sentido, a linha de continuidade e mudança toma o caráter de
reformas que deverão estender-se em planos múltiplos e que se sucedam de
maneira simultânea.
A economia chilena e os desaos do desenvolvimento
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
90
Sem dúvida, os conteúdos desta reexão se instalam com maior ou
menor intensidade em função da procedência político-ideológica dos atores
que as promovem.
À maneira de ilustrão, um esquema de sua estrutura pode ser expresso
mediante os seguintes elementos de inovação no campo de algumas poticas
públicas. Primeiro, na política social, passar de um esquema centrado na
erradicação da pobreza que privilegia a focalização do gasto social a outro que
ataque a desigualdade e que privilegie a construção de um Estado garante de
direitos sociais e econômicos para toda a populão. Segundo, em maria de
potica educacional, passar da consecão de 12 anos de escolaridade obrigatória,
de uma jornada ampliada, de um aumento da cobertura na fase pré-escolar, dia
e universitária, do acesso a novos bens e instrumentos destinados à execução do
processo educativo, a uma política que intervenha diretamente nas condições que
afetam a qualidade e a distribuão mais eqüitativa das aprendizagens. Terceiro,
em política ecomico-produtiva, passar de uma visão que privilegia a estrita
gestão dos equibrios macroeconômicos e ênfase à explorão dos recursos
naturais a m de aproveitar a expansão dos mercados externos gerados pela
subscrão de TLC, a uma política que aie e acompanhe as pequenas e dias
empresas para incorporá-las aos benefícios gerados pelos novos mercados
mediante o aperfeiçoamento de suas capacidades competitivas, inovadoras, de
geração de conhecimento e de adaptação do progresso tecnológico, assegurando
nossa sustentabilidade ambiental. Quarto, em matéria habitacional, passar de
uma política centrada na solução e superação dos cits de moradia a outra
orientada para a qualidade de vida, o que pressupõe moradia de qualidade e uma
política urbana que integre a população e o uma política que a segregue. Quinto,
em matéria potico-institucional, passar de uma política de aperfeoamentos
limitados e reduzidos de nosso sistema democtico, que procurou maximizar a
fuão da governabilidade, a outra que aprofunde nossa democracia, fortala
nossa sociedade civil e incentive a participação dos cidadãos e cidadãs no vir a
ser da vida em sociedade.
O país vem tomando consciência crescente, embora esse processo não
esteja ainda completamente maduro, da necessidade de construir previamente
uma visão compartilhada em torno de um projeto de desenvolvimento integral
para o Chile. Isso pressupõe reconhecer a relação de interdependência que
existe entre o manejo de uma política econômica para o desenvolvimento e
a necessidade de expandir o capital político (desenvolvimento institucional),
Mauricio Jelvez M.
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
91
o capital social e o capital humano disponível na sociedade. Essa soma de
“capitais” geraria uma sinergia que nos permitirá, como país, propiciar a busca
de desenvolvimento mais am da mera acumulação de riqueza e de crescimento
do PIB, incorporando a dimensão da qualidade de vida e a expansão das
liberdades humanas.
1. Fortalecimento do capital político
Uma nova Constituição para o Chile do Bicentenário. O eixo dessa
reforma deveria ser a consagração constitucional de nossa qualidade de Estado
Democrático e Social de Direito. Essa armação não é uma questão puramente
semântica, e sim constitui um elemento ativador de um debate da mais alta
transcendência, dirigido a romper a lógica individualista somente atenta à
proteção de interesses particulares e a recolocar a noção de comunidade como
elemento articulador de nossa sociedade e instituições. Não para restringir a
liberdade individual, e sim para ampliá-la, especialmente para todos aqueles
que se vêem limitados estritamente por motivos econômicos e sociais.
Impulsionar a descentralização do país, propiciando uma maior
distribuição de competências e poderes, desde o Estado central até corpos
intermediários, privilegiando numa primeira etapa regiões e municípios. Trata-
se de conseguir uma distribuição melhor dos recursos do país em seu próprio
território e ativar as forças especícas de suas regiões, um aporte direto mais
elevado à equidade social, uma redução do componente territorial da pobreza,
um uso mais eciente e mais bem focalizado das políticas sociais e a promoção
de novas instâncias de inuência política para os marginalizados.
2. Fortalecimento do capital social
A organização da sociedade tem peso nos processos econômicos e
políticos do desenvolvimento, e por isso acreditamos necessário promover
uma maior sociabilidade como contrapeso diante de qualquer modelo que
privilegie a ação individual do egoísta racional, como é o da economia de
mercado no sentido estrito.
Nessa visão, o fortalecimento da sociedade civil como mecanismo para
facilitar as transações econômicas, diminuir o risco e o oportunismo, alentar
a especialização, a criatividade e a ação coletiva, age como facilitador do
crescimento e desenvolvimento da sociedade.
A economia chilena e os desaos do desenvolvimento
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
92
Fomentar o ressurgimento de um importante movimento sindical que
contribua não apenas para a diversicação do poder dos atores sociais do
país alarmantemente desequilibrado em favor do ator empresarial mas
também como contribuição essencial à construção de um sistema de relações
trabalhistas baseado no diálogo, na cooperação e na negociação e por esse
meio atender democraticamente, e não por imposição unilateral, a necessidade
de exibilidade atualmente existente.
Com esse mesmo propósito é necessário vontade política a m de legislar
e implementar políticas públicas tendentes a fortalecer nossas organizações
intermediárias e intensicar a associatividade no Chile.
Em conseqüência, uma das tarefas que devemos empreender é fortalecer
o vínculo entre a sociedade civil e o Estado orientado, pelo menos, a três
objetivos: i) enriquecer as expectativas dos pobres como mecanismo básico
para fortalecer a conança na mudança social e reduzir sua aversão ao risco;
ii) dar poder às organizações da sociedade para que tenham capacidade de
projetar normas e suas respectivas sanções como mecanismos para aançar
o respeito às regras e o império da lei; iii) construir elos verticais entre as
organizações de base e o restante da sociedade para distribuir melhor os
recursos disponíveis, garantir sua sustentabilidade e estender as oportunidades
a todos os setores sociais.
3. O Estado como líder estratégico do
desenvolvimento chileno
O Chile precisa de um Estado maior e melhor a m de articular
uma visão nacional e uma estratégia de desenvolvimento que convoque e
mobilize os principais atores sociais, e que tenha capacidade de liderar sua
implementação.
O Chile precisa reivindicar o papel insubstituível do Estado para a
construção de uma sociedade que amplie as liberdades e as oportunidades para
seu povo. Da mesma forma, é necessário reconhecer a importância do Estado
no cumprimento de pelo menos os seguintes objetivos: garantir a estabilidade
política e os equilíbrios macroeconômicos; assegurar a sustentabilidade de
um sistema de promoção e proteção social integral, não apenas focalizado
na população mais pobre mas também capaz de prover as condições para
mobilidade social dos setores médios; regular o bom e correto funcionamento
Mauricio Jelvez M.
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
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dos mercados; prover ecientemente os bens e serviços que a sociedade exija
e incentivar a acumulação de capital humano e social.
Adicionalmente, necessitamos um Estado que assuma um papel mais
ativo na articulão da cooperão público-privada para o fomento do
desenvolvimento competitivo e exportador do Chile. O Estado deveria ser
mais agressivo para convocar separadamente cada um dos setores e clusters de
nossa economia, identicar junto com eles os principais obstáculos normativos,
tecnológicos, de redes comerciais internacionais, de capital humano e de
marca-país; e trabalhar conjuntamente, co-nanciando ativamente o trabalho
de levantamento desses obstáculos a nosso progresso produtivo. Deveríamos
aplicar essa política com especial intensidade no caso das Pymes (pequenas e
médias empresas), única forma de retirá-las de sua precariedade e integrá-las
às oportunidades geradas pela incorporação do Chile ao comércio mundial
por meio dos tratados de livre comércio assinados na última década.
4. Uma economia para o desenvolvimento das pessoas
Armamos que uma economia a serviço das pessoas pressupõe uma
preocupação preferencial com a economia real e produtiva e não somente
em relação ao aspecto nanceiro, à busca da inação baixa e ao equilíbrio
orçamentário. Quando somente ocorre esta última condição, tendência a
manter a economia abaixo do que se chama fronteira produtiva e, portanto, deixa-
se de aproveitar o potencial de crescimento do país pela sub-utilização de nossa
disponibilidade de recursos humanos, materiais e tecnogicos. Assim, termina-se
por sub-utilizar a criatividade e a capacidade dos chilenos e chilenas.
Em conseqüência, é necesrio contribuir para melhorar o funcionamento
dos mercados, fortalecendo a importância dos horizontes de prazo mais longo
e dos fatores de produção. O objetivo é um processo de desenvolvimento
endógeno e de cooperação entre todos os atores, orientado “de dentro”
para conquistar os mercados mundiais. Um espaço fundamental cabe à
regulamentação dos movimentos de capital, dos tipos de câmbio e da política
comercial, e à aplicação de uma política de desenvolvimento produtivo.
Esta deve incluir o aperfeiçoamento sistemático dos mercados de fatores
e orientar a distribuição de recursos para investimento em capital físico e
humano para, dessa maneira, melhorar deliberadamente a distribuição da
produtividade e as oportunidades na sociedade, e promover a aquisição de
vantagens comparativas e competitivas.
A economia chilena e os desaos do desenvolvimento
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
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Em última análise, trata-se de proporcionar uma gestão da economia que
promova a inovação e a mudança tecnológica, a diversicação produtiva e o
investimento em capital, especialmente em capital humano, como condição
necessária para garantir um crescimento econômico sustentado e reduzir o
hiato com o mundo desenvolvido.
5. Uma economia para enfrentar a excessiva
heterogeneidade produtiva do país
A persistência de nossa distribuição da renda não podeser corrigida
se não enfrentarmos a tremenda heterogeneidade produtiva que caracteriza
nossa economia. Esta se expressa em importantes diferenças de produtividade
entre empresas de diferentes setores, tamanhos e regiões, o que redunda tanto
em grandes desigualdades salariais quanto na qualidade do emprego.
Necessitamos uma potica de fomento produtivo que, por um lado, apóie
a inovação tecnológica em empresas atrasadas dentro de setores com grande
potencial competitivo de maneira a incrementar a produtividade média de
nossa economia e, por outro lado, possa gerar mecanismos de política pública
para fortalecer os níveis de acumulação, inovação e acesso às oportunidades
de capacitação e de nanciamento que caracterizam certas atividades cuja
produtividade do trabalho é extremamente baixa.
Uma política integral de fomento produtivo deve potencializar a inovação
e o empreendimento focalizando as pequenas e médias empresas, onde
maiores espaços para produzir externalidades positivas e gerar novas fontes
de emprego em quantidade e qualidade necessárias para incorporar amplos
setores aos benefícios do progresso econômico e às oportunidade abertas
pelos mercados globalizados.
6. Um novo pacto scal para um novo pacto social
Nosso país ainda tem muitos desaos pendentes para chegar a converter-
se em uma sociedade desenvolvida. A construção de uma sociedade com níveis
crescentes de humanizão exige não apenas um projeto-ps de cater integral
mas também a decisão de avançar juntos, em comunidade, unidos pelas idéias,
valores e objetivos comuns, afetos e esforços compartilhados. Enm, velar
para que os valores de igualdade, solidariedade e comunidade se expressem
concretamente na sociedade, e portanto o Chile seja a nação onde os direitos
Mauricio Jelvez M.
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
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e as oportunidades estejam ao alcance de todos, sem distinção de sexo, idade,
raça, estirpe ou condição econômica.
Esses sonhos não serão possíveis se não assumirmos com seriedade e
responsabilidade que necessitamos de mais, e não menos recursos públicos
para encetar essas tarefas. Se quisermos reduzir o hiato tecnológico, melhorar
a qualidade de nossa educação, contar com mão de obra de classe mundial e
expandir as oportunidades para os jovens, as mulheres e nossos idosos, teremos
também de incrementar gradualmente nosso gasto público para colocarmo-
nos, pelo menos, no nível médio dos países desenvolvidos. Isso não será viável
se não aumentarmos nossa carga tributária a m de nanciar o gasto público
e evitar o décit scal.
Nesse sentido, países como o nosso apresentam uma janela de
oportunidade para avançar, de maneira gradual e sustentável, em direção a um
maior alinhamento com os países desenvolvidos em matéria de arrecadação
de impostos para nanciar o impulso ao desenvolvimento produtivo e
à eqüidade.
Evidentemente, a busca dessa convergência deve levar em conta
previamente medidas tendentes a reduzir a evasão fiscal, assim como
contemplar um projeto de estrutura impositiva progressiva, e não regressiva,
que permita incrementar a arrecadação scal e ao mesmo tempo manter um
reduzido impacto sobre o crescimento.
Em conseqüência, é preciso admitir que o Chile terá de ajustar sua carga
tributária aumentando-a na medida em que seu produto per capita consolide
uma tendência em direção à convergência, de maneira a converter o Estado
em um agente que promova a igualdade de oportunidades e efetue uma
redistribuão eciente para executar melhores políticas públicas que ao mesmo
tempo estimulem o crescimento e reduzam a desigualdade e a pobreza.
DEP
Tradução: Sérgio Duarte
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
96
Economia colombiana
na conjuntura: uma
aproximação crítica
Darío Germán Umaña Mendoza
*
Síntese:
O
presente trabalho foi apresentado no I Encontro de Economistas
Sul-Americanos, realizado no Rio de Janeiro, Brasil. Nele se faz um resumo
da situação da economia colombiana e sua relação com a integração e a
globalização, partindo da hipótese de que atualmente estamos vivendo um
momento de interrupção do crescimento, decorrente da fragilidade nanceira
do país, tanto nas contas internas quanto nas externas, o qual se manifesta no
aumento das taxas de juros, na volatilidade da taxa de câmbio, na recorrência
da inação e em expectativas menos otimistas sobre o nível das variáveis
macroeconômicas.
Em geral considera-se que existe um excesso de endividamento
dos agentes econômicos e do próprio governo, até agora satisfeito pela
permanência, nos balanços, de situações estáveis nos rendimentos correntes.
Se esses uxos se modicarem, corre-se o risco de viver uma recessão, cuja
* Diretor do Centro de Pesquisas para o Desenvolvimento da Universidade Nacional da Colômbia.
Darío Germán Umaña Mendoza
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duração e profundidade dependerão das medidas tomadas no setor interno
do ponto de vista da liquidez, e por outro lado, da profundidade da possível
recessão nos Estados Unidos e seus efeitos sobre a economia mundial.
1. Caracterização
O PIB da Colômbia te em 2007 um aumento acima de 6%, consolidando
assim uma tendência de crescimento que se tornou evidente a partir de 2000,
ano no qual o país superou uma dura recessão, aparentemente criando as
condições externas e internas para assegurar no futuro uma evolução positiva
e sustentada da economia nacional.
Os fatos apresentados pelos analistas econômicos do establishment para
sustentar as armações expostas são a existência de indicadores robustos no
setor nanceiro, os bons resultados da política monetária, um pequeno saldo
negativo no balanço de contas correntes, a meta inacionaria reduzida a um
gito, o crescimento das reservas internacionais, a recuperação do investimento,
a estabilidade das taxas de câmbio e de juros, bons indicadores scais do setor
público consolidado, maior abertura e aprofundamento do setor nanceiro,
melhoria dos termos de troca devido à melhora dos preços internacionais de
produtos primários e agropecuários, abundância de nanciamento externo e
boas taxas de crescimento do PIB
1
.
Tabela nº 1
PIB total e taxas anuais de crescimento 1999-2006
(Milhões de dólares constantes de 1994)
Ano Variação anual % Milhões de dólares
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005(p)
2006(p)
-4.20
2.92
1.47
1.93
3.86
4.87
4.72
6.79
87,411
89,968
91,292
93,057
96,647
101,351
106,136
113,338
(p) – provisório
Nota: PIB em dólares de 1994 = PIB em milhões de pesos de 1994 sobre a taxa de câmbio nominal média de 1994.
Fonte: DANE Diretoria de Síntese e Contas Nacionais e Banco da República, Estudos Econômicos Estatística.
1 Banco da República. Grupo de Macroeconomia 2006. A economia colombiana: situação atual diante da
década de 90 e perspectivas.
Economia colombiana na conjuntura: uma aproximação crítica
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
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O crescimento do PIB per capita vem evoluindo a taxas signicativas
a partir do ano 2003, mas em todo caso inferiores às do crescimento
do PIB total.
Tabela nº 2
PIB per capita e variações anuais 1999-2006
(milhões de dólares constantes de 1994)
Ano Variação anual % Milhões de dólares
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005(p)
2006(p)
-5.96
1.14
-0.29
0.16
2.11
3.15
3.10
5.11
2,102
2,126
2,120
2,123
2,168
2,236
2,305
2,423
(p) – Provisório.
Nota: PIB em dólares de 1994 = PIB em milhões de pesos de 1994 sobre a taxa de câmbio nominal média de 1994.
Fonte: DANE Diretoria de Síntese e Contas Nacionais e Banco da República, Estudos Econômicos Estatística.
Não obstante, o índice GINI de concentração da renda, medido até
2004 mostra como a situação de concentração e centralização do capital
não contribui para a melhoria das condições de distribuição da renda. Não
contamos com informações sobre esse indicador durante os últimos anos,
mas tudo parece dar a entender, como resultado das medidas tributárias e
scais tomadas, o favorecimento do capital em detrimento do trabalho e que
o aumento dos ganhos não estaria acompanhado de uma melhor distribuição
da renda obtida.
Darío Germán Umaña Mendoza
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
99
Tabela nº 3
Coeciente de GINI 1991-2004
Ano
Total Nacional
Pessoas Lugares
Total Cabeceira Resto Total Cabeceira Resto
1991
1993
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
0.55
0.56
0.54
0.56
0.56
0.56
0.57
0.56
0.58
0.55
0.56
0.53
0.53
0.50
0.52
0.52
0.52
0.54
0.54
0.57
0.54
0.54
0.50
0.51
0.50
0.50
0.57
0.54
0.51
0.49
0.53
0.45
0.46
0.54
0.55
0.53
0.54
0.55
0.54
0.58
0.58
0.60
0.58
0.58
0.52
0.53
0.49
0.52
0.51
0.51
0.55
0.56
0.59
0.56
0.56
0.52
0.51
0.50
0.49
0.57
0.55
0.53
0.53
0.57
0.50
0.51
Fonte: Sistema de informação e estatística. CID. Universidade Nacional da Colômbia.
Para os analistas que acreditam que a crise foi denitivamente superada,
a mudança se produziu a partir de 2002, tanto no aspecto estrutural quanto
no institucional. Não obstante, mesmo assim eles armam que existem alguns
riscos que se manifestam no seguinte: o importante décit estrutural do
governo central diante do superávit das regiões, os altos e persistentes níveis da
dívida blica externa e interna, a debilidade e fragilidade do sistema nanceiro
diante dos TES, o incomum exagero nos gastos de consumo, a deterioração da
carteira bancária de curto prazo, a inação no preço dos ativos, a revalorização
da moeda junto com problemas de competitividade e a instabilidade das taxas
de juros devido às mudanças que estão se produzindo no cenário nanceiro
e econômico mundial.
Muitas dessas características são comuns na economia colombiana diante
da crise que se apresentou em ns da década de 90. Nessa etapa, foi evidente
o fato de que produziu-se uma turbulência internacional com a conseqüente
saída acelerada de capitais de curto prazo, um excesso de gastos, a falta de
previsão, e porque não dizer de prudência, na gestão da carteira por parte
do setor nanceiro, o aumento de preços e a bolha do setor de habitação e
o comportamento irracional dos mercados nanceiros. Como conseqüência
desse último aspecto e diante do aumento dos uxos nanceiros, o gasto de
Economia colombiana na conjuntura: uma aproximação crítica
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100
consumo disparou, produzindo efeitos conseqüentes sobre a revalorização da
taxa de câmbio diante de uma clara desregulamentação que impediu a adoção
oportuna de medidas corretivas e a adequada identicação do comportamento
dos agentes econômicos.
2. Uma interpretação nanceira
Não pretendo armar que a situação atual seja inteiramente semelhante
à que ocorreu no passado. Não obstante, os sintomas de hoje mostram
uma série de fatores idênticos aos do nal do surto de prosperidade dos
anos 90, especialmente quando analisamos as variáveis reais, nanceiras e
monetárias. Segundo Minsky 86, “Desregulamentação nanceira: fragilidade
e instabilidade”, e Gligman 2002 “Economia Aberta”, os desequilíbrios se
originam nos bons tempos, quando existe ordem nos balanços de curto prazo
dos agentes, quando sinais conáveis de que a atividade econômica e a
autoridade e disciplina monetária se afrouxam
2
.
Na economia colombiana dos tempos presentes os investimentos dos
agentes estão alavancados com dívida, existe um otimismo das famílias sobre
os padrões de consumo durável, os bancos e o comércio, especialmente
as grandes superfícies, planejaram mecanismos inovadores de endividamento
e crédito para os consumidores, os ganhos do setor nanceiro são crescentes
e até agora tem existido abundante nanciamento externo com baixas
taxas de juros.
Em conseqüência, os compromissos de curto prazo o cumpridos,
existe entre os empresários a percepção de que a economia e as atividades
produtivas continuarão em crescimento, a taxa de câmbio seguirá valorizada e
as de juros permanecerão baixas; há um crescimento exponencial nos preços
dos ativos e, naturalmente, nos das ações (característica esta diferente das da
crise dos anos 90).
As expectativas dos agentes, do governo e do Banco Central são
otimistas, no sentido de que a boa situação que estamos atravessando
2 Moreno Álvaro e Junca Gustavo, “Las consecuencias econômicas de Mr. Uribe. Otra vez los felices noventa?
Bienestar e Macroeconomia, 2007, Más allá de la retórica. CID, Universidade Nacional da Colômbia. Essa
característica é analisada com mais profundidade no capítulo do livro citado. Recomendo sua leitura.
Darío Germán Umaña Mendoza
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
101
tenderia a reproduzir-se. Não obstante, a realidade dos mercados mostra
sinais de deterioração ou pelo menos de redução da velocidade da economia
mundial, a crise do nanciamento da habitação nos Estados Unidos
parece aprofundar-se e afetar signicativamente o setor nanceiro e real
da economia.
Bastaria analisar de maneira simples a equação de Minsky sobre a forma
pela qual os benefícios acumulados de uma economia derivam do gasto dos
agentes econômicos e da demanda autônoma, que é fonte dos ingressos de
capital. Assim:
B = I + (G – T) + (X – M) + C(K) – S (W)
onde B são os ganhos acumulados, I o investimento, G T o comportamento
scal, X M a balaa comercial, CK o consumo autônomo e S(W) a
poupança dos trabalhadores. Analisemos brevemente o que se poderia
esperar dos ganhos acumulados da economia, levando em conta a situação
atual das contas internas e externas e além disso as características do
panorama internacional.
3. Contas externas
3.1. Balança comercial
A balança comercial mudou de sinal desde 2006, convertendo-se
em negativa, e no primeiro semestre de 2007 se encontra em um valor
próximo dos 1,1 bilhão de dólares; no nal deste ano estaria em
pouco mais de 2 biles, o que pode ser fundamentalmente atribuído
à revalorização do peso, pois os pros das matérias primas e produtos
agrícolas mantiveram a tendência à alta. As importações se explicam
essencialmente pelo aumento de demanda de matérias primas, insumos
e bens de consumo leves e duráveis, especialmente, nessa rubrica, as
correspondentes a material de transporte.
Economia colombiana na conjuntura: uma aproximação crítica
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
102
Tabela nº 4
Balança comercial 2000-2007 – Milhões de dólares
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Acum
2007-II
Exportações
Importações FOB
Balança Comercial
13,099
10,655
2,444
12,233
11,826
407
11,794
11,653
141
12,933
12,792
141
16,442
15,324
1,119
20,818
19,431
1,387
23,930
23,976
-47
12,938
14,007
-1,069
Fonte: Banco da República
A pauta de exportações é essencialmente de produtos pririos
e tradicionais, com cerca de 65% do total; os bens com valor agregado
ou produtos industriais e não tradicionais vêm perdendo participação
(35% do total)
3
.
3.2. Balança de serviços
A balança de serviços é decitária durante todo o período do estudo
e aumentou de forma representativa nos últimos três anos. No ano de 2007
o nível negativo será semelhante ao de 2006, mais ou menos 2,1 bilhões
de dólares.
Tabela no. 5
Balança de serviços 2000-2007 – Milhões de dólares
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Acum.
2007-II
Exportações
Importatações
Balança de Servicios
2,049
3,308
-1,259
2,190
3,602
-1,412
1,867
3,302
-1,435
1,921
3,360
-1,439
2,255
3,935
-1,680
2,664
4,766
-2,102
3,373
5,493
-2,120
1,645
2,727
-1,082
Fonte: Banco de República
As exportações de serviços se limitam às rubricas de transporte, viagens,
comunicações, informação e informática, e em menor medida a serviços
3 Umaña Mendoza, Germán, Política comercial, bilateralismo y sector externo. Em Bien-Esta y Macroeconomia,
2007. Más allá de la retórica. CID, Universidade Nacional da Colômbia. O comportamento e estrutura das
exportações se encontra no quadro da página 205.
Darío Germán Umaña Mendoza
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103
empresariais e construção, o que mostra o baixo valor agregado de nossas
exportações. Não obstante, quando se leva em conta as remessas feitas pelos
colombianos no exterior, o sinal muda nos últimos anos, pois tais remessas
podem ser estatisticamente consideradas exportações de serviços. Por sua vez,
as importações são principalmente explicadas por transporte e turismo, mas
nesse caso os serviços com valor agregado são representativos, o que indica
forte assimetria na composição do comércio com terceiros países
4
.
3.3. Balança de conta corrente
Em conseqüência, a balança de conta corrente evolui em direção a um
décit importante em 2007 e alcançaria a cifra de -6,5 bilhões, equivalente,
mais ou menos, a 4% do PIB colombiano deste ano.
Tabela no. 6
Balança em conta corrente 2000-2007 – Milhões de dólares
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Acum
2007-II
Bens
Serviços
Rendimento dos fatores
Transferências correntes
Conta corrente
2,633
-1,259
-2,277
1,673
770
579
-1,412
-2,609
2,354
-1,088
239
-1,435
-2,867
2,706
-1,357
555
-1,439
-3,398
3,309
-974
1,346
-1,680
-4,297
3,724
-906
1,595
-2,102
-5,456
4,082
-1,881
322
-2,120
-6,003
4,743
-3,057
-986
-1,082
-3,508
2,365
-3,211
Fonte: Banco da República
O cit crescente da balança de conta corrente somente será sustentável
caso as exportações de bens e serviços aumentem mais do que as importações,
o que não parece provável enquanto não se produzir uma mudança estrutural
nas características da oferta exportável de bens e serviços.
Esta balança de conta corrente tem importante contribuição no sinal
negativo devido ao rendimento de fatores, cujas saídas praticamente triplicaram
durante os últimos quatro anos, e em 2007 atingirão aproximadamente
7 bilhões de dólares.
4 Umaña Mendoza, Germán, Política comercial, bilateralismo y sector externo. Em Bien-estar y Macroeconomia,
más allá de la retórica. CID, Universidade Nacional da Colômbia.
Economia colombiana na conjuntura: uma aproximação crítica
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104
Por outro lado, também pelas transferências correntes, cuja principal
rubrica são as remessas dos trabalhadores no exterior, de saldo quido crescente
e positivo. Isto é, a balança de conta corrente, se encontram em situação menos
caótica por causa da saída de cidadãos nacionais para o exterior e as remessas
que fazem para suas famílias. Não obstante, diversos estudos mencionam que
parte dessas remessas pode estar contaminada por dinheiro do narcotráco e
outras fontes, provenientes de migrantes ilegais. Em parte, essa é a economia
da miséria e da ilegalidade.
3.4. Conta de capital
Tabela nº 7
Balança em conta de capital 2000-2007 – Milhões de dólares
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Acum.
2007-II
Fluxos nanceiros de longo prazo
Fluxos nanceiros de curto prazo
Conta de capital
2,077
-2,019
59
5,035
-2,588
2,447
-1,391
2,695
1,304
966
-309
657
2,624
581
3,205
4,361
-1,130
3,230
6,861
-4,062
2,799
4,249
3,136
7,385
Fonte: Banco da República
Finalmente, a conta de capitais por investimentos estrangeiros diretos,
que deve ser dividida entre investimento estrangeiro direto e de carteira.
O investimento estrangeiro direto vem crescendo, porém simplesmente
nos setores conhecidos de produtos primários, e principalmente devido
a privatizações e compras de empresas existentes. Os investimentos em
novos setores produtivos são na prática pouco representativos. Os uxos
nanceiros de curto prazo aumentaram em 2007, porém, diante da instabilidade
do comportamento da economia internacional, os fatores de incerteza sobre
sua permanência são relevantes. Por enquanto, aumentam as taxas de juros
nacionais e diminuem as internacionais.
Darío Germán Umaña Mendoza
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105
3.5. Balanço de pagamentos
Tabela nº 8
Balanço de pagamentos 2000-2007 – Milhões de dólares
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Acum.
2007-II
Conta corrente
Conta de capital e nanceira
Erros e omissões líquidos
Variação das reservas
internacionais líquidas
770
59
41
869
-1,088
2,447
-140
1,167
-1,357
1,304
191
188
-974
657
133
-186
-906
3,205
242
2,543
-1,881
3,230
380
1,723
-3,057
2,799
280
23
-3,211
7,385
227
4,400
Fonte: Banco da República
As reservas internacionais estão aumentando, especialmente durante
2007. No entanto, ao medir sua evolução em relação às obrigações de serviço
da dívida, este valor representa um colchão de cinco a seis meses.
Em síntese, as balaas de bens e serviços apresentam um sinal
crescentemente negativo, o que se aprofunda pelo aumento das remessas
das empresas multinacionais estabelecidas em Colômbia a suas matrizes no
exterior. Somente as remessas feitas pelos colombianos no exterior contribuem
para mitigar essa tendência. Até agora a conta de capitais é positiva, mas a
manutenção desse sinal dependerá muito da evolução das privatizações das
empresas regionais, privatizações essas combatidas por parte dos atores
locais e por outro lado, das novas fusões e aquisições feitas com empresas
multinacionais à custa das empresas de capital nacional; na verdade, não
restam muitas.
É pois importante ter em mente, a m de determinar as expectativas de
futuros benefícios macroeconômicos, que os sinais de deterioração da balança
de conta corrente e a instabilidade dos uxos de capitais podem modicar as
expectativas de dio prazo da economia e dos agentes ecomicos, sobretudo
no caso de agravar-se a crise imobiliária dos Estados Unidos.
Economia colombiana na conjuntura: uma aproximação crítica
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106
4. Contas scais
No período compreendido entre os anos de 2000 e 2006, as contas scais
do governo mostram décit médio de 5%, com exceção do ano 2006. Em
2007 e 2008 a tendência ao gasto não parece diminuir, especialmente se for
levado em conta o gasto relativo ao setor militar e à segurança democrática.
As reduções que venham a produzir-se nos recursos norte-americanos do
“Plano Colômbia” e a mudança de sua orientação para componentes mais
institucionais, como fortalecimento da justiça e dos direitos humanos, de
preferência à compra de armamentos, obrigarão o país a destinar aos gastos de
defesa maiores recursos, e de forma mais permanente. Alguns analistas calculam
que para tornar sustentável o gasto militar haveria que assegurar um aumento
de dois pontos no crescimento do PIB, aumentar os impostos ou reduzir os
gastos em outros componentes, como o social (saúde ou educação)
5
.
Tabela nº 9
Balanço scal do governo nacional central 2000 – 2006
Porcentagem do PIB
Ano Com privatizações Sem privatizações
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
-5.49
-5.83
-5.47
-4.81
-4.44
-4.78
-3.66
-5.91
-5.92
-5.47
-4.87
-4.45
-5.00
-3.69
Fonte: CONFIS, Ministério da Fazenda e Crédito Público.
Nota: a partir de 1994 utilizou-se o PIB com a metodologia do SCN 93.
Por outro lado, tanto regionalmente quanto no resultado consolidado dos
governos territoriais, os balanços scais são positivos em proporção similar
aos desequilíbrios do governo central, o que mostra uma importante disciplina
no gasto dos governos descentralizados e certamente explica a voracidade do
governo central e seus devaneios de centralização política e econômica.
5 Ver Moreno e Junca. Obra citada.
Darío Germán Umaña Mendoza
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Ano Tributários
Não
Tributários
Transfe-
rências
Ingressos
de capital
Total de
ingresos
Gastos
correntes do
funcionamento
Interesses
Transfe-
rências
Gastos
de capital
Total de
gastos
Empréstimos
Líquidos
Balanço
scal
2000
2001
2002
2003
2004
2005
4,695
5,030
5,737
6,854
7,933
8,950
955
675
953
1,215
1,241
1,576
7,300
8,851
10,453
12,425
14,136
15,513
348
190
276
126
91
166
13,297
14,747
17,419
20,621
23,400
26,205
8,753
10,061
11,543
13,685
15,656
18,483
787
608
638
599
620
602
1,482
1,752
1,575
1,597
1,751
1,984
3,583
2,330
3,436
3,958
3,298
4,984
14,606
14,751
17,192
19,839
21,325
26,054
-239
-4
8
4
7
-423
-1,070
-0
220
778
2,068
574
Tabela nº 10
Balanço scal consolidado dos governos territoriais 2000-2005
Bilhões de pesos
Fonte: Subgerência de Estudos Econômicos – Banco da República.
Economia colombiana na conjuntura: uma aproximação crítica
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
108
Logicamente, isso contribuiu para gerar tensões entre o nível central e as
regiões. De fato, o Congresso da República da Colômbia aprovou durante 2006
uma reforma das transfencias efetuadas pelo governo nacional às regiões para
saúde, educação e água potável, o que implica uma redução importante dos
recursos esperados segundo a legislação anterior. Isso aprofundou as tensões
e o Partido Liberal realizou coleta de assinaturas para submeter essa decisão
a um referendo de revogação
6
.
Em essência, os riscos scais persistem e será necessária uma contração
do gasto no momento em que a economia pareça estar orientada para taxas
menores de crescimento do PIB, o que diminuirá a percepção positiva dos
agentes sobre o comportamento dos benefícios macroeconômicos futuros e
provavelmente agravaria o tamanho da recessão. Tudo isso aconselha políticas
econômicas e nanças sadias.
5. Preços macroeconômicos, emprego e inação
A oferta monetária tem sido frouxa nos últimos anos, fato que junto a um
importante volume de divisas entradas no país, tanto formais quanto informais,
desencadeou um surto de consumo que, pela inuência do signicativo
crescimento das importações com uma taxa de câmbio revalorizada, não
permitiu o crescimento da inação e, portanto, até 2006 o Banco da República
cumpriu as metas de inação.
6 Para maiores informações sobre a reforma das transferências, ver Rodriguez, Oscar “As transferências entre
o sistema de proteção social, a governabilidade macro e construção social do Estado”. Em Bem-Estar e
Macroeconomia, 2007. Mas allá de la retórica. CID, Universidade Nacional da Colômbia.
Darío Germán Umaña Mendoza
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109
Gráco nº 1
Variação por ano corrido do Índice de Preços ao Consumidor 1999-2007
* Acumulado até novembro
Fonte: DANE
Não obstante, em 2007 reapareceram as tendências inacionárias e em
novembro é evidente que não será cumprida a meta estabelecida a respeito
pelo Banco da República; está também claro que o aumento da carteira em
mora no crédito de consumo, inclusive hipotecário, tem reduzido a liquidez.
O Banco Central aumentou as taxas de juros, os bancos privados muito mais
e a taxa de câmbio se comporta com permanentes utuações.
Tabela nº 11
Índice de Preços ao Consumidor 1999-2007 – Variações percentuais
Mês 1999 2000 2001 2002 2004 2004
Base dezembro de 1998 = 100,00
2005 2006 2007
Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
Maio
Junho
Julho
Agosto
Setembro
Outubro
Novembro
Dezembro
No ano corrido
2.21
1.70
0.94
0.78
0.48
0.28
0.31
0.50
0.33
0.35
0.48
0.53
9.23
1.29
2.30
1.71
1.00
0.52
-0.02
-0.04
0.32
0.43
0.15
0.33
0.46
8.75
1.05
1.89
1.48
1.15
0.42
0.04
0.11
0.26
0.37
0.19
0.12
0.34
7.65
0.80
1.26
0.71
0.92
0.60
0.43
0.02
0.09
0.36
0.56
0.78
0.27
6.99
1.17
1.11
1.05
1.15
0.49
-0.05
-0.14
0.31
0.22
0.06
0.35
0.61
6.49
0.89
1.20
0.98
0.46
0.38
0.60
-0.03
0.03
0.30
-0.01
0.28
0.30
5.50
0.82
1.02
0.77
0.44
0.41
0.40
0.05
0.00
0.43
0.23
0.11
0.07
4.85
0.54
0.66
0.70
0.45
0.33
0.30
0.41
0.39
0.29
-0.14
0.24
0.23
4.48
0.77
1.17
1.21
0.90
0.30
0.12
0.17
-0.13
0.08
0.01
0.47
5.17
Fonte: DANE
Economia colombiana na conjuntura: uma aproximação crítica
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110
Gráco nº 2
Taxas de juros dos Certicados de Depósito a prazo de 90 dias – DTF
Fonte: Banco da República com informação fornecida pela Superintendência Financeira da Colômbia
Por sua vez, o desemprego mostra uma tendência positiva e no
primeiro trimestre de 2007 se situava em níveis de 12% como percentagem
da população economicamente ativa e nos dois trimestres posteriores se
aproximou de 10%. No entanto, a taxa de desemprego permanece constante e a
informalidade se encontra acima de 40% da PEA, o que faz com que o debate
sobre o emprego continue no centro das atenções, pois não necessariamente
o crescimento conduz a melhores condições de empregabilidade e renda.
Tabela nº 12
Taxa de emprego, desemprego e informalidade 2001-2007
Ano Taxa de ocupação Taxa de desemprego Taxa de informalidade
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Sem I
Sem I
Sem I
Sem I
Sem I
Sem I
51.73
51.56
52.63
52.05
51.87
52.36
15.71
16.12
14.61
14.74
12.70
12.01
39.50
38.72
39.39
41.37
41.29
41.51
Fonte: DANE – Pesquisa contínua de famílias
Darío Germán Umaña Mendoza
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111
A taxa de câmbio evoluiu de uma forte desvalorização até o ano de
2004 para uma revalorização de magnitude semelhante, que durou até 2006.
Recuperou-se ligeiramente em 2006 e durante os últimos meses de 2007 mostra
sinais de instabilidade e incerteza, que indica que o mercado internacional se
encontra nervoso e à espera de como nalmente a crise dos subprime afetará
a economia dos Estados Unidos e a liquidez internacional.
Tabela nº 13
Taxa representativa do mercado 2000-2007 – Pesos por dólar
Período Média
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2,087.42
2,299.77
2,507.96
2,877.79
2,626.22
2,320.77
2,357.98
Flutuante, incerteza
Fonte: Banco da República
Gráco nº 3
Taxa representativa do mercado – Média anual
Fonte: Banco da República
Economia colombiana na conjuntura: uma aproximação crítica
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112
6. Globalização e integração
Nesta seção apresenta-se uma síntese dos principais aspectos vividos
pela Colômbia em matéria de globalização e integração nos últimos anos,
mais amplamente desenvolvidos no capítulo citado do livro Bem-Estar e
Macroeconomia.
Durante a última década e até o momento atual a Colômbia procurou
ser parte de uma economia cada vez mais internacionalizada no aspecto
econômico e no comercial. Como membro da Organização Mundial do
Comércio, obrigou-se aos limites consolidados máximo e mínimo na aplicação
de sua política comercial, tanto em liberalização de bens quanto em serviços
e capitais, e delegou sua soberania na solução de controvérsias nos campos
negociados, assim como em maria de propriedade intelectual, com a diferença
de que este aspecto não produz maior liberalização no “capital conhecimento
e sim, ao contrário, o que se consegue é um mínimo de liberalização que
pode ser modicada com maiores níveis de proteção em acordos bilaterais
ou plurilaterais posteriores.
Não faremos nesta seção uma análise detalhada do que foi negociado
por nosso país nos diversos foros internacionais. Simplesmente, sem juízos
de valor, apresentaremos um mapa dos compromissos nos denominados
acordos de integração.
Entendido um esquema de integração profunda, como o que implica
uma crescente cessão da soberania nacional nos âmbitos político, econômico,
social e comercial, não seria temerário armar que a Colômbia não participa
de nenhuma alternativa dessa natureza.
Não obstante, o que mais se aproxima dessa caracterização é a
Comunidade Andina, que não apenas conseguiu aperfeiçoar uma zona de
livre comércio (bens e serviços) mas também uma União Aduaneira parcial,
inclusive políticas comuns em maria comercial, como por exemplo o controle
da competição desleal e do abuso de posição dominante no mercado, faixas
de preços, normas sanitárias, salvaguardas a terceiros, etc.
Também houve avanços no que toca à livre circulação de pessoas e
no reconhecimento de títulos de prossionais dos diversos paises membros
do Acordo de Cartagena, inclusive propostas não terminadas para o
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desenvolvimento da dimensão social da integração e esboços do que será uma
política de migrações e de proteção social comunitária.
Igualmente, existe uma política comum em matéria de propriedade
intelectual e bastante menos profunda em matéria de investimentos, ameaçadas
atualmente pela assinatura dos acordos de promoção do comércio subscritos
pela Colômbia, Peru e Estados Unidos e a retirada denitiva da Venezuela
da CAN (Comunidade Andina de Nações), assim como a eliminação de
compromissos em matéria da Tarifa Externa Comum.
Além disso, criou-se uma institucionalidade relativamente estável no
aspecto nanceiro, com a Corporação Andina de Fomento, o Fundo Latino-
americano de reservas (FLAR), uma secretaria técnica independente que teve
oportunamente um papel muito importante tanto em zelar pelo cumprimento
do que foi estatuído no Tratado quanto na solução inicial de controvérsias, um
Tribunal Interestatal Andino de Justiça, forte no aspecto institucional porém
débil no momento de forçar o cumprimento de suas decisões, e um arremedo
de parlamento andino.
A participação da sociedade civil se limitou aos aspectos trabalhista e
empresarial, com guras de organismos consultivos que infelizmente nunca
se tornaram contraparte importante dos governos e em geral sua participação
se converteu em uma alternativa mais burocrática do que real para fortalecer
a integração andina.
A Comunidade Andina perdeu relevância na atualidade porque em
2006 ocorreu a retirada de um de seus principaiscios, a Venezuela; além
disso, tem sido deixada em segundo plano por parte do Peru e da Colômbia
com a aplicação de seu esquema de integração aberta e especialmente pelas
negociações bilaterais com os Estados Unidos e as
diferenças de caráter
político com o Equador e a Bolívia. Em essência, é uma importante alternativa
de integrão a agora fracassada, na qual a Combia atualmente o
desempenha nenhum papel a o ser tratar de defender uma zona de livre
comércio que com a saída da Venezuela se encontra em graves diculdades
para o futuro.
Por sua vez, a Alalc, ao ser substitda pela Aladi e com o desaparecimento
da cláusula de nação mais favorecida devido ao ingresso do México no
Nafta, sem terem sido estendidas aos demais países da Aladi as preferências
Economia colombiana na conjuntura: uma aproximação crítica
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concedidas aos Estados Unidos e Canadá, mostra que os avanços da integração
latino-americana se limitaram, nos aspectos econômico e comercial, a uma
série de acordos bilaterais, seja com outras zonas de integração, que se chamem
Mercosul ou CAN, do qual participa a Colômbia, ou deste país com o triângulo
norte da América Central, ou parciais com o Caricom.
Em geral, cada um desses acordos se caracteriza simplesmente por
evoluir em direção a zonas totais ou parciais de livre comércio, com reduções
taririas, denição de regras de origem para beneciar-se dos tratamentos
preferenciais e outros catulos que não têm relevância ptica. grande
debilidade no que se refere à solução de controvérsias, débil denição de
objetivos de aprofundamento em dirão a uma integrão mais ampla,
nenhuma institucionalidade e muito menos inclusão da dimensão social
da integração.
Existe também uma nova geração de acordos como os subscritos
pela Colômbia com o Chile e o triângulo norte da América Central, que
avançam um pouco mais na liberalizão do comércio de servos, normas
em compras do setor público, proteção de investimentos e solão de
controvérsias. No entanto, no aspecto normativo, suas características
vinculantes são bastante débeis.
Os mal chamados TLC (tratados de livre comércio) com países
desenvolvidos não parecem ser outra coisa senão uma evolução ao
desconhecimento do princípio de responsabilidade compartilhada na luta
contra o agelo universal das drogas, desaparecimento das preferências
unilaterais e um salto a tratados bilaterais e proteção de investimentos.
Com efeito, quando se estuda o Acordo de Cooperação já rmado
com os Estados Unidos, embora não em vigor, é fácil observar que a maior
realização da Colômbia em matéria de comércio de bens é haver conservado o
Atpdea, com adições muito pequenas, sem ter obtido nada, ou quase nada, em
matéria de eliminação de subsídios, ajudas internas e outras medidas de efeito
equivalente no setor agrícola, nem em antidumping, nem em salvaguardas,
nem em normas da zona de integração em matéria de controle do abuso da
posição dominante no mercado e nem na eliminação de obstáculos técnicos
com características para-tarifárias.
Na verdade, em sentido contrário, ocorre uma abertura unilateral
fortalecida pelo fato de que as normas colombianas para o controle da
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115
competição desleal são bastante fracas e têm uma tendência à abertura, mais do
que de proteção à produção local, como aliás acontece nos Estados Unidos.
Em matéria de investimentos, o TLC é um acordo que inclui não
apenas guras como o pré-estabelecimento para a proteção do investimento
estrangeiro, mas tamm a exproprião indireta, e no caso do capital
conhecimento, o desprezo ou anulação de benefícios. Todas as alternativas
anteriores são formas de evitar o exercício de políticas públicas que
possam afetar os investidores norte-americanos, e avançam no sentido
de estabelecer uma protão quase innita aos investimentos externos,
coisa que para alguns é mbolo de estabilidade e para outros uma vulgar
entrega da soberania.
Em matéria de solução de controvérsias não apenas se estabelece que
os conitos entre Estados sejam objeto de ações nos tribunais internacionais
(especialmente no Ciadi), mas também incluem os que derivam de divergências
entre investidores e Estado.
A cobertura do TLC é maior do que a determinada no âmbito multilateral
ou em qualquer outro acordo de integração que a Colômbia tenha assinado,
pois inclui não apenas o investimento estrangeiro direto em bens, mas também
em serviços, capital de portfolio (as medidas tomadas pelo governo ou o Banco
da República para o controle de capitais só poderão ser demandadas um ano
após sua aplicação), divida externa, capital de conhecimento e – surpresa – é
o único esquema que contempla a possibilidade de cláusula de salvaguarda
por crise no balanço de pagamentos.
Enm, é o sonho do investidor norte-americano, que nem sequer
esperaria por isso no fracassado Acordo Multilateral de Investimentos (AMI),
proposto pela OCDE e atacado pelos países em desenvolvimento e até pela
igreja católica no mundo, motivo pelo qual nunca foi aprovado. Claro que
supera tudo o que foi decidido na CAN.
No tema da propriedade intelectual, pouco ou nada se conseguiu no
que se refere ao controle da pirataria, aos conhecimentos tradicionais e
exceções nas indústrias culturais; ao contrário, aceitaram-se extensões da
possibilidade de patenteamento, da proteção de informação não divulgada,
direitos autorais, especialmente os de copyright (empresas que compram dos
criadores os direitos autorais), controle da pirataria, links entre propriedade
intelectual e aprovação de registros sanitários e maiores prazos para os
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direitos autorais, assim como a incorporação automática, sem passar pela
OMC, de alguns dos aspectos que sejam negociados na OMPI, especialmente
os relativos ao reforço dos controles administrativos e coercitivos para o
respeito à propriedade intelectual.
Além disso, a saúde da população o obteve prioridade sobre os
interesses monopolistas das multinacionais e as normas de propriedade
intelectual. Tampouco foi fortalecido com controle ecaz, de acordo com a
legislação colombiana, o controle das práticas anticompetitivas derivadas do
controle monopolista outorgado pelas patentes ou direitos autorais.
Quanto às compras do setor público e aos serviços, o ponto essencial é
que não se conseguiu um acesso real e sem nenhuma restrição aos mercados
dos dois países, porque para os Estados Unidos foram aceitas muitas exceções
geográcas e administrativas. Os Estados Unidos manterão fora do Tratado
seus estados (cerca de 45) e suas exceções, enquanto que a Colômbia negocia
como país unitário. Dessa maneira, a lista de liberalizações em compras estatais
é substancialmente assimétrica para a Colômbia.
Nos capítulos sobre serviços não se trata do tema dos investimentos e
sim do de investimento, renunciando em grande parte à aplicação de políticas
públicas. Não se liberaliza o modo de prestação de serviços (pessoais) nem
se esclarecem as políticas de migração, e até o momento pouco ou nada se
negociou em matéria de reconhecimento de títulos educativos ou outorga de
vistos para prestação de serviços prossionais; tampouco foi estabelecido um
mecanismo de solução de divergências nessa matéria.
Em serviços de telecomunicações, o principal risco se encontra na decisão
de acesso às redes públicas somente com critérios técnicos e não econômicos,
assim como na liberdade de prestar serviços por parte de redes privadas, o
que colocaria em contradição a própria viabilidade nanceira das empresas
públicas de telecomunicações.
Os aspectos trabalhistas e ambientais em nada contemplam a dimensão
social da integração e o respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores
ou a adesão a tratados ambientais por parte dos Estados Unidos, como a
Convenção de Quioto sobre emissões ou o Tratado de Cooperão Amazônica.
Limitam-se simplesmente ao respeito às legislações nacionais internas,
circunscrevem-se à aplicação de multas e eventualmente sanções comerciais, o
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que em essência signica aplicar os conceitos de “dumping social e ambiental”
aplicando os princípios de solução de controvérsias no âmbito do Tratado e
desnaturalizando os foros multilaterais como a OIT e os tratados ambientais
no quadro das Nações Unidas.
Embora o Acordo TLC tenha sido subscrito pelos dois governos,
o partido democrata propôs sua reabertura nos aspectos ambientais e
trabalhistas. As conseqüências dessa decisão implicaram no estabelecimento
de novas condicionalidades e sanções de mão única, porque os Estados
Unidos não foram incluídos nas novas decisões. Veremos isso quando
amanheça. Enquanto isso, o governo da Combia nada mais é do que
um espectador das negociações entre os principais partidos no Congresso
norte-americano.
O sistema de solução de controvérsias tem duas características. Em
aspectos como o da liberalização do comércio, o mecanismo geral é débil e
pouco vinculante, enquanto que em investimentos e propriedade intelectual
dene-se um mecanismo absolutamente vinculante e forte. É outra assimetria
em favor dos investidores, e estes são em geral os norte-americanos.
Finalmente, a negociação de um possível acordo de associação da CAN
com a União Européia se encontra atualmente no limbo. Mesmo assim,
pode-se objetivamente pensar que a Colômbia negociacom a UE em condições
semelhantes às das negociações com os Estados Unidos. Não poderíamos dar
nem receber mais de um grupo de países de menor desenvolvimento relativo
do que o norte-americano.
Em ntese, em matéria de liberalização de bens e serviços prioritários
para a Colômbia, os avanços são nimos em relação ao que foi decidido
no quadro multilateral e os mecanismos de solução de controvérsias são
débeis. No que respeita aos investimentos, ocorre exatamente o oposto e
os avanços são substanciais. Portanto, não é temerário armar que não nos
encontramos diante de um acordo de livre comércio, e sim de um tratado
de proteção de investimentos. É o paraíso do bilateralismo, é dar as costas
à integração latino-americana, e o porque esperar em curto prazo
resultados que contribuam para mudar o sinal negativo do balanço de conta
corrente e nem investimentos que fortaleçam a conta de capitais. Até agora
tudo mudou para pior.
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Conclusão
A caracterização da economia colombiana que acabe de ser feita mostra
que embora nos últimos anos tenha havido um comportamento de relativa
estabilidade e crescimento, os riscos nanceiros acumulados tanto nas contas
externas – balanços de conta corrente, de capitais e de pagamentos – quanto
nas internas – décit scal do governo central, riscos de sustentabilidade dos
gastos em defesa e em segurança democrática assim como o excesso de
consumo baseado no crédito com sinais que acarretaram aumentos da taxa de
juros e leves surtos de recrudescimento inacionário, implicam em um sinal
de alerta em relação ao comportamento futuro.
Se a isso acrescentarmos a situação da economia norte-americana, a
incerteza e debilidade da estratégia de integração econômica e comercial acima
descritas, podemos armar que nos encontramos diante de uma necessária
mudança de rumo na orientação da política econômica, sob pena de repetição
de uma crise como a que ocorreu no nal dos “felizes noventa”.
Referências
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noventa y perspectivas. 2006.
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Darío Germán Umaña Mendoza
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
119
Uma Mendoza, Germán. “Política comercial, bilateralismo y sector externo”.
Em Bien-Estar y macroeconomía 2007. Más allá de la retórica. Centro de
Pesquisas para o Desenvolvimento Universidade Nacional da Colômbia.
Bogotá. 2007.
DEP
Tradução: Sérgio Duarte
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
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A economia do
Equador: um balanço
e uma nova noção de
desenvolvimento
Fander Falconí Benítez
*
Balanço geral da política neoliberal no Equador
O
modelo de crescimento prevalecente no Equador nos últimos 15 anos
provocou a simplicação da produção nacional mediante ao predomínio de
ramos produtivos que geram receitas devido a preços internacionais favoráveis,
enquanto que as bases de uma estrutura produtiva nacional e autônoma foram
anuladas por um modelo de importações que benecia consumidores de
elevada renda e uns poucos empresários importadores.
Esse processo, de verdadeira reprimarização” da economia, junto
com o escasso investimento produtivo e a ênfase na proteção do capital
estrangeiro, impediu a reativação da estrutura produtiva nacional após a
crise nanceira de 1998-99 e sua diversicação, que teria sustentado um
crescimento mais equilibrado.
* Secretário Nacional de Planejamento da República do Equador
acordova@senplades.gov.ec
Fander Falconí Benítez
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
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A competitividade se limitou à redução dos custos do trabalho e à
obtenção de rendimentos extrativos à custa da deterioração dos ecossistemas,
diante de um processo desordenado de desregulamentação dos mercados e
de um sistema tributário incapaz de regular os contribuintes de rendas mais
elevadas. Esses fatores tiveram graves conseqüências no enfraquecimento das
funções do Estado como garante de direitos, como produtor de bens públicos
de qualidade e como promotor eciente de um desenvolvimento humano
estável e soberano.
Quadro 1
Evolução da pobreza e da extrema pobreza no consumo,
2005-2006 – como percentagem da população
ECV
1995 1998 1999 2006
Pobreza
Pobreza
extrema
Pobreza
Pobreza
extrema
Pobreza
Pobreza
extrema
Pobreza
Pobreza
extrema
Região
Costa 36.07 9.06 46.44 16.30 52.85 15.98 40.31 10.85
Serra 41.73 18.53 42.15 21.77 51.44 24.65 33.75 12.20
Amazônia 60.57 23.80 50.04 22.25 n.d. n.d. 59.74 39.60
Área
Rural 63.00 27.37 66.75 33.91 75.05 37.68 61.54 26.88
Urbana 23.02 4.11 28.72 7.80 36.39 7.99 24.88 4.78
Nacional 39.34 13.60 44.75 18.81 52.18 20.12 38.28 12.86
Fonte: Siise-INEC com base em INEC, ECV. Vários anos
Elaboração: Senplades
O cenário político do modelo resumido nas linhas precedentes foi o da
continuidade das relações de poder com as quais as classes dominantes surgiram
como únicas beneciarias dos parcos frutos do crescimento conseguido.
O poder econômico teve forte inuencia política nas decisões. Assim, a
fragilidade das instituições e do aparelho produtivo se evidenciou em ns
do século passado,quando não foi possível enfrentar fatores adversos como
o fenômeno do El Niño (1998) e a crise bancária (1999), que determinaram
um aumento da pobreza, de 12,84% em 1995 para 52,18% em 1999
(Quadro 1). A estabilidade nominal proporcionada pela dolarização permitiu
que seis anos depois a pobreza e a extrema pobreza voltassem a veis
semelhantes aos registrados uma década. Não obstante, dado o crescimento
A economia do Equador: um balanço e uma nova noção de desenvolvimento
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da população e sabendo que a taxa de fecundidade dos mais pobres é mais
elevada do que a do resto da população, pode-se armar que nos últimos
10 anos existe um número maior de pobres em termos absolutos.
Os problemas causados pelos desastres naturais, pela crise nanceira ou
pela mudança de moeda, não afetaram da mesma maneira toda a população.
Segundo o SIEH-Enemdu, entre 1990 e 2006 somente os lares pertencentes às
camadas de rendimentos mais elevados não viram recuar sua renda per capita,
enquanto que, sistematicamente, os oito primeiros decís da população tiveram
reduzidos seus níveis de percepção de rendimentos. Nos 16 anos considerados,
o nono decil manteve sua participação de 16,2% na renda, enquanto que o
decil mais favorecido a aumentou de 35,5% para 41,8%. No período analisado
produziu-se uma polarização reetida no fato de que enquanto em 1990 a
diferença entre os 10% mais ricos era de 18,6 vezes mais do que os 10% mais
pobres, em 2006 essa diferença é de 38 vezes mais.
Gráco 1
Concentração da renda per capita do lar
Fonte: SIEH-enemdu, 1990-2006
Elaboração: Senplades
Ao contrário do que prevê a teoria neoclássica, o processo de abertura
da economia equatoriana não gerou um aumento da demanda do fator mais
abundante a mão de obra pouco qualicada. Pelo contrario, gerou um
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incremento da demanda de mão de obra de alta qualicação, o que provocou
um aumento do hiato salarial entre qualicados e não qualicados e isso
contribuiu para o incremento da concentração de renda e da desigualdade
1
.
A redução da pobreza entre 1999 e 2006 (Gráco 1) não está ligada a
transformações estruturais, geração de empregos e controle da desigualdade.
As políticas sociais “focalizadas” continuam a considerar a pessoa pobre como
um “outro” que precisa de assistência mas cuja inclusão social ca à mercê
da improvável reação mecânica de um mercado que, na realidade, orienta os
investidores para a assimilação de tecnologias que expulsam a mão de obra.
Assim, a evolução de pobreza está, na verdade, vinculada aos ciclos econômicos,
em especial aos preços internacionais do petróleo e à entrada de remessas.
Em conseqüência, o crescimento, entendido em sentido abstrato
2
, e a
estabilidade macroeconômica, são condões necessárias, porem não sucientes,
para reduzir a pobreza. Mais ainda, o crescimento e a estabilidade macro não
são valores em si mesmos, e sim instrumentos que devem ser articulados em
benefício de todos, especialmente os pobres.
Quadro 2
Concentração industrial 2005
*
: coeciente de Gini
**
Bebidas
1
Laticíneos
2
Comércio
3
Hotéis
4
Construção
5
Vendas 0,9651 0,9507 0,9411 0,8828 0,8015
Ativos 0,9519 0,9434 0,9412 0,9211 0,8948
* Ramos de atividade escolhidos ao acaso
** O coeciente de Gini de consumo é uma medida estatística da desigualdade na distribuição do consumo per
capita dos lares, que varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade, e corresponde a 0 no
caso hipotético de uma distribuição totalmente eqüitativa.
1) Trinta e uma empresas, das quais sete não informaram vendas
2) Noventa e sete empresas, das quais quarenta e seis não informaram vendas
3) Oitenta empresas, das quais dezoito não informaram vendas
4) Cem primeiras empresas em vendas
5) Cem primeiras empresas em vendas.
Fonte: Produto Indicador, 2005
Elaboração: Senplades
1 Isso não parece haver mudado; não e simples coincidências que hoje em dia a escolaridade media dos
trabalhadores dedicados a atividades exportadoras (o denominado setor transável) seja quase 4 anos maior
do que a da forca de trabalho empregada em setores dedicados ao mercado interno (o chamado setor não
comerciável da economia).
2 Abstrato porque não cria uma estrutura produtiva capaz de integrar o trabalho nacional e promover soberania
diante das variações dos fatores externos.
A economia do Equador: um balanço e uma nova noção de desenvolvimento
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A renda e o consumo familiar não se distribuíram de forma eqüitativa,
freando o crescimento da demanda agregada e as possibilidades de expansão
da economia. A produção se concentrou, favorecendo as empresas formadoras
de preços à custa das empresas tomadoras de preços
3
, limitando as condições
reais de competição, obstaculizando as práticas transparentes de mercado
e freando a expansão da demanda de emprego formal, bem remunerado e
includente (Quadro 2).
As iniqüidades consolidadas por esse esquema de crescimento não
se limitam à distribuição da renda ou à concentração da propriedade
privada (estrangeira ou nacional) do aparelho produtivo. A preponderância
outorgada ao setor externo, como guia do crescimento econômico, inibe um
desenvolvimento humano equilibrado em todo o território nacional, porque
evita que suas regiões se integrem em um processo harmônico, no qual as
disparidades se reduzam.
Apesar da ênfase que lhe foi dada, durante a década passada, o setor
transável experimentou limitado incremento de produtividade. Entre 1992
e 1997 houve um aumento de 2,4% para todos os transáveis e 1,3% para os
transáveis com exceção do petróleo. Os ramos de uso intensivo de capital
petróleo (transável) eletricidade e água (até então não transáveis) tiveram
crescimentos signicativos de produtividade (8,5% e 13%, respectivamente),
mas sua demanda de emprego somente alcançou 0,7% da demanda total de
emprego dos setores não agrícolas. Enquanto isso, os ramos de atividade não
transáveis e não agrícolas, que ocuparam 82,7% da demanda total de empregos
não agrícolas, tiveram um retrocesso de 0,9% em sua produtividade
4
.
Este conjunto de dados reete duas décadas perdidas de desenvolvimento,
cujo magro crescimento foi revertido pela operação de salvamento bancário de
1999 que, em troca, beneciou um setor com enormes deciências de gestão e
amplas margens de discricionalidade e interesses vinculados na administração
da poupança da cidadania.
3 As empresas formadoras de preços são as poucas empresas de caráter monopolista que podem aumentar
os preços de seus produtos sem enfrentar uma redução importante da demanda. As tomadoras de preços, ao
contrário, são as pequenas empresas que não dispõem de maior ingerência na denição dos preços de mercado.
4 Rob Vos (2002) “Ecuador, economic liberalization, adjustment and poverty, 1988-99”, em Rob Vos, Lance
Taylor e Ricardo Paes de Barros, “Economic Liberalization, Distribution and Poverty, Latin America in the
1990s”, Edgard Elgar Publishing Limited, UK.
Fander Falconí Benítez
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Gráco 2
Exportações e importações 1993-2006 como percentagem do PIB
Fonte: Banco Central do Equador
Elaboração: Senplades
Desde 2000, o argumento central para sustentar a dolarização baseou-se
na necessidade de exportar cada vez mais a m de nanciar a banca externa num
cenário geral de abertura econômica. Não obstante, os resultados alcançados
mostram o fracasso dessa estratégia. Embora entre 2000 e 2005 o índice de
abertura da economia equatoriana tenha aumentado de 0,748 a 0,812, o que
segundo a ortodoxia indicaria uma evolução adequada da economia, a balança
comercial se deteriorou. A abertura foi maior graças a um crescimento real
das importações da ordem de 45,1%, enquanto que as exportações somente
cresceram 34,1%, em especial devido à evolução do preço internacional do
petróleo, variável exógena e totalmente fora de controle (Gráco 2).
O aumento das importações não signicou barateamento de custos e
nem melhores níveis de competitividade da produção nacional remanescente,
pois outros são os fatores que a criam
5
. Pelo contrário, o incremento das
importações implicou também na conversão de um setor de empresas de
orientação produtiva para o setor intermediário ou especulativo (nanceiro,
imobiliário) e a competição desleal (dumping social) com a prodão da
5 Entre os principais, credibilidade das instituições, paz social baseada em efetivo avanço da justiça para todos,
qualidade e pertinência da educação, sistema adequado de ciência e tecnologia, regulamentação dos mercados, etc.
A economia do Equador: um balanço e uma nova noção de desenvolvimento
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economia popular, que também foi degradada à condição de intermediária
(setor informal urbano) ou deslocada do mercado (pequena produção
agropecuária). A segurança alimentar, e mais ainda, a soberania alimentar, se
deterioraram gravemente, e para compensar o décit do comércio exterior,
foram privilegiadas as exportações à custa da vida dos trabalhadores e dos
efeitos irreversíveis na natureza, o que gerou desequilíbrios ecológicos que
terão grande repercussão no futuro.
O crescimento acelerado das importações e o lento crescimento das
exportações não petrolíferas explicam as poucas opções de criação de postos
de trabalho digno, o que contribuiu para prejudicar as condições de vida da
população pela via do desemprego, subemprego, emprego precário e redução
dos salários reais.
A recuperação das exportações de petróleo, embora tenha contribuído
para sustentar o gasto scal, não representa uma opção real para o crescimento
do emprego, dada a mínima absorção de mão de obra nesse ramo de atividade,
extremamente dependente do fator capital. Anal, a abertura, que no total foi
negativa desde 2001, se apóia nas remessas enviadas do exterior pela mão de
obra expulsa de um país que não apresenta taxas de investimento satisfatórias
nos ramos em que mais pode ser assimilada a força de trabalho (Gráco 3).
Gráco 3
Rendimento de remessas e migração 1990-2005
Fonte: Banco Central do Equador e Diretoria Nacional de Migração, Instituto Nacional de Estatística e Censo.
Os dados de 2006 sobre uxos migratórios estão levantados até o mês de setembro.
Elaboração: Senplades.
Fander Falconí Benítez
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A sociedade equatoriana tem sofrido, em suma, as conseqüências do
ajuste estrutural imposto pela coalizão de foas poticas e econômicas externas
e das elites nacionais carentes de projeto próprio, mais alem da acumulação
conseguida à base de posições de privilegio. As “turbulências” políticas e a
crescente desconança das instituições conformaram o que as políticas do
Consenso de Washington antecipavam: uma sociedade ostentadora e injusta,
tendente a contínuos problemas de instabilidade e conito político.
Uma nova noção de desenvolvimento
Na cada dos 90 do século passado predominaram as políticas de
estabilização e ajuste estrutural, dedicadas a produzir crescimento econômico
por meio de uma inserção indiscriminada no mercado global. Sem duvida, o
crescimento econômico é preferível à estagnação e constitui a base para gerar
e dispor dos recursos necessários para alcançar melhores condições de vida,
mas a possibilidade de contar com rendas adicionais não garante que estas se
transformem em desenvolvimento humano. O modelo de crescimento tem
tanta importância quanto sua forma de evolução e pode acontecer que certos
tipos de crescimento obstaculizem o desenvolvimento, aumentem os níveis
de pobreza e piorem os impactos sobre o meio ambiente e em ultima análise
não democratizem seus frutos. Tal situação evidenciou-se nas ultimas décadas
no Equador e em quase todos os países da região.
Tradicionalmente, tem-se tendido a confundir meios e ns. O crescimento
econômico, a modernização e a mudança tecnológica são meios para o
desenvolvimento. A nalidade deste último é a ampliação das capacidades e
liberdades dos seres humanos. Essas liberdades são essenciais como valores
em si mesmas. Todo ser humano tem direito a exercê-las, e na medida
em que o faça contribui para um crescimento econômico de qualidade, à
democratização da sociedade e ao estabelecimento de relações sociais mais
uidas e igualitárias.
Assim, o crescimento deixa de ser um fim em si mesmo para
transformar-se em meio para facilitar a consecução dos dois principais
componente do desenvolvimento humano: a formação e potencialização de
capacidade humanas que compreendem um melhor estado de saúde de cada
individuo e o acesso adequado a conhecimentos e habilidades particulares e
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o uso efetivo que cada cidadão faz dessas capacidades a m de auto-realizar-
se e levar uma vida satisfatória através do exercício de suas faculdades e
desejos (o trabalho, a produção, as atividades sociais, culturais, artísticas e
políticas, o lazer, etc.).
É necessário ter uma denição mais ampla de desenvolvimento, cujo
objetivo nal supere qualitativamente a idéia quantitativa de crescimento
econômico. Para isso propomos um modo de ver que nos permita aprofundar
os esforços para conseguir objetivos nacionais mais ambiciosos. Dessa forma,
entendemos por desenvolvimento a consecução do bem viver de todos e
todas, em paz e harmonia com a natureza e o prolongamento indenido das
culturas humanas. O bem viver pressupõe que as liberdades, oportunidades,
capacidades e potencialidades reais dos indivíduos se ampliem de modo a poder
conseguir simultaneamente aquilo que a sociedade, os territórios, as diversas
identidades coletivas e cada um visto como ser humano universal e particular
ao mesmo tempo – valoriza como objetivo de vida desejável. Nosso conceito
de desenvolvimento nos obriga a reconhecermo-nos, compreendermo-nos
e valorizarmo-nos uns aos outros a m de possibilitar a auto-realização e a
construção de um futuro compartilhado.
O desenvolvimento é mais do que o incremento da riqueza; é também
a expansão das capacidades (cognitivas, emocionais, imaginativas
6
) e o
desabrochar das faculdades, garantindo a satisfação das necessidades
intrínsecas do ser humano. Isso implica em entender que a satisfação das
necessidades, a igualdade de oportunidades e o estímulo ao exercício das
capacidades são fatores fundamentais para o desenvolvimento endógeno e
para o crescimento econômico.
O desenvolvimento humano também considera a proteção do meio
ambiente como uma de suas preocupações fundamentais. A m de não
destruir a diversidade e a complexidade dos sistemas ecológicos, as atividades
humanas e seus efeitos devem ser regulados segundo certos critérios mínimos
de precaução e ajustar-se de acordo com certos limites físicos.
A sustentabilidade constitui elemento vinculante entre os sistemas
econômicos para, em primeiro lugar, manter indenidamente a vida humana
e para desenvolver a pluralidade de estratégias econômicas e culturais com
6 Referimo-nos principalmente à saúde e integridade corporal, os sentidos, a imaginação, o pensamento, as
emoções, a razão prática, a liação, respeito, o jogo, o controle do próprio entorno (político e material).
Fander Falconí Benítez
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que historicamente os diversos grupos, povos e nacionalidades que habitam
o país têm-se relacionado com a natureza.
Esta não é uma proposta isolada do governo do Equador. Acreditamos
estar dando um enorme passo em direção a uma proposta mundial, que
permita uma mudança qualitativa de rumo ao colocar diante da comunidade
internacional o reconhecimento do valor de uso das coisas e dos atos. Isso
implica uma reviravolta radical, pois reconhecer-se-ia que existem coisas que
o necessariamente se vendem ou se compram no mercado, mas que nem
por isso deixam de ter valor social, cultural, estético ou ambiental. Implica
também em reconhecer que existem bens públicos mundiais e uma aposta
pela construção de um modo de desenvolvimento que leva ao bem-estar
coletivo mundial.
No quadro desses princípios seminais, o governo do Equador apresentou
à sociedade equatoriana um novo contrato potico, social, econômico, ambiental
e cultural sob a forma de um Plano nacional de desenvolvimento, com o
propósito nal de alcançar 12 objetivos de desenvolvimento humano:
1. Auspiciar a igualdade, coesão e integração social e territorial;
2. Melhora as capacidades e potencialidades da cidadania;
3. Aumentar a esperança e a qualidade de vida da população;
4. Promover um meio ambiente saudável e sustentável e garantir o
acesso à água, ar e solo seguros;
5. Garantir a soberania nacional, a paz e auspiciar a integração latino-
americana;
6. Garantir o trabalho estável, justo e digno;
7. Construir e fortalecer o espaço público e de encontro comum;
8. Armar a identidade nacional e fortalecer as identidades diversas e
a interculturalidade;
9. Fomentar o acesso à justiça;
10. Garantir o aceso à participação publica e política;
11. Estabelecer um sistema econômico solidário e sustentável, e
12. Reformar o estado para o bem-estar coletivo.
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A estratégia nacional de desenvolvimento
A promoção da igualdade econômica e política origina uma sociedade
plenamente livre, que se constrói em uma democracia radical, expressão da
organização social fortalecida e da plena realização da cidadania. O Estado é o
promotor desse processo e o garante do exercício universal dos direitos civis,
políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais, condição indispensável
para anular as relações de dominação e subordinação entre pessoas e
para criar cerios sociais e políticos que canalizem sua emancipação e
auto-realização.
O livre desenvolvimento de cada cidadão é condição necessária para
o livre desenvolvimento do conjunto “cidadania” O objetivo da estratégia
de desenvolvimento é, portanto, a expansão das capacidades de todos os
indivíduos para que possam escolher autonomamente, de maneira individual
ou associada, seus objetivos vitais. O acesso a níveis mínimos de bens e
serviços não realiza essa expansão; é necessário distribuir de forma igualitária
as condições de vida para potencializar a conversão do consumo de bens e
serviços em autênticas capacidades humanas.
Como esse processo se sustenta no cumprimento dos direitos humanos
universais, os eixos desta nova estratégia de desenvolvimento não podem ser
conduzidos com base em políticas seletivas. Em conseqüência, o objetivo
da produção e distribuão de bens blicos pressupõe universalizar as
coberturas e melhorar a qualidade das prestações, assim como o objetivo
da produção de bens e serviços de mercado é melhorar a qualidade de
vida dos cidadãos.
Dessa maneira, as oito estratégias gerais, detalhadas a seguir, para a
consecução dos objetivos do Plano Nacional de Desenvolvimento, conjugam
as dimensões social, econômica cultural e política que constituem a essência
da vida dos seres humanos em sociedade. O desao do desenvolvimento
humano é qualitativamente superior ao desao do crescimento econômico.
Enquanto o primeiro considera a plena realização dos cidadãos, o segundo
se milita a otimizar as condições dos mercados em que se enfrentam
consumidores e produtores, é apenas um subconjunto do conjunto sociedade,
maior e mais complexo.
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1. Desenvolvimento interno, inclusão social
e competitividade real
A dotação de serviços públicos gratuitos e universais de educação
e saúde, o acesso à moradia e a formação e capacitação permanentes são
meios adequados para ampliar as capacidades da cidadania. O pelo exercício
e desenvolvimento dessas capacidades é possível por meio da geração de
emprego produtivo, do apoio decidido e permanente às pequenas e médias
empresas, do acesso a recursos produtivos e da promoção de organizações de
economia solidária (cooperativas e outras associações).
O acesso dos pequenos produtores camponeses a ativos produtivos
(terra, maquinaria, ferramentas, fertilizantes, sementes de qualidade e água)
constitui um fator de desenvolvimento inclusivo e contribui de maneira direta
para a segurança alimentar, a conservação da agro-biodiversidade e ao pleno
exercício do direito de produzir e a consumir alimentos sadios, adequados e
culturalmente apropriados.
Formas alternativas de organização e produção econômica elevam os
níveis de renda da população rural e urbana marginal do país, diversicam as
fontes de renda e possibilitam uma distribuição justa do valor agregado. Em
especial, projetos que integrem seus objetivos produtivos ao acesso a serviços
básicos, moradia, saúde, educação de qualidade e mais oportunidades: sistemas
de produção estratégicos (combinando cultivos como o milho, o cacau, o café,
o arroz, carne e laticínios, as ervas e outros, junto com a pecuária menor)
que considerem, em nível regional, as características geográcas, as vocações
produtivas e as necessidades básicas da população; o turismo sustentado na
diversidade cultural e ecológica, conduzido por comunidades e associações
populares; e os planos de moradia social que proporcionam qualidade de vida
digna para todos os habitantes do país.
A expansão da demanda interna de bens e serviços, mediante programas
e projetos de compras blicas para abastecer os programas e alimentação
e educação do Estado e para prover de bens e serviços a administração
blica impulsionam a produção realizada em micro e pequenas empresas.
Igualmente, a organização de feiras geridas de forma participativa vincula
diretamente produtores e consumidores, melhorando a distribuição da renda
e a qualidade dos produtos.
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O estado protege os povos indígenas em isolamento voluntário,
garantindo seus territórios, denindo lindes e resolvendo conitos de limites,
para que seus esforços por conservar sua herança física e cultural não sejam
desperdiçados em aventuras oportunistas. Também sustenta o direito à
consulta, para salvaguardar a continuidade dos processos sociais, culturais e
naturais desses povos.
É fundamental para o desenvolvimento humano o investimento em
ciência e tecnologia, dirigido para a satisfação direta ou indireta das necessidades
básicas, mediante o apoio à produção, a racionalização do consumo e o
melhoramento da qualidade de vida de todos os equatorianos e equatorianas,
num diálogo de saberes e visões do cosmos que respeita as diversidades
culturais, sociais, econômicas e geográcas.
Essa nova visão do desenvolvimento exige uma plataforma suciente
de crescimento econômico, impulsionado por ganhos constantes de
produtividade, sob condições de eciência social, econômica e ambiental no
uso dos recursos. Uma inserção competitiva no mercado mundial se baseia no
desenvolvimento regional e local harmônico, que integre políticas produtivas
sociais e ambientais. Junto com a demanda externa, a promoção da demanda
dos mercados internos expande as possibilidades de crescimento integral, reduz
as brechas de produtividade e contribui para ampliar a oferta de melhores
produtos com maior incorporação de valor agregado. Na medida em que os
mercados não se auto-regulam, a correção de suas imperfeições exige uma
estrutura institucional independente, cooperativa e técnica.
Para incrementar a produção de bens e serviços, é necesrio dar
prioridade à apropriação e re-investimento nacional do excedente econômico,
racionalizar o uso dos recursos, melhorar a produtividade, diversicar os bens
e aperfeiçoar sua qualidade, gestão empresarial (pública e privada) e atividades
de auto-gestão mais ecazes e rendas dignas (expressas como salários ou como
resultado liquido da produção de comunidades ou trabalhadores associados),
sem desmerecer nenhum outro fator envolvido. Esse processo virtuoso exige
mercados de fatores, de bens e de serviços capazes de gerar uma adequada
distribuição e uso dos recursos.
Por serem nitos, a energia, a água e os recursos naturais devem ser
usados de maneira responsável, democrática e racional. Sempre que possível,
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os impactos ambientais provocados nos processos produtivos, devem ser
imputados aos custos de produção, mas caso seus efeitos sejam social ou
ecologicamente destrutivos, devem ser evitados a qualquer custo econômico.
A produtividade do conjunto da economia estendida a uma diversidade
de setores interdependentes, sujeita a seus limites físicos e entendida
como eciência social e não mero produtivismo material, fundamenta um
desenvolvimento produtivo soberano, harmônico e amplo, que constitui a
base da autêntica competitividade.
Para corrigir os desequilíbrios setoriais de produtividade, provocado pelo
crescimento guiado pelas exportações, é preciso uma estratégia de capacitação
agressiva, connua e generalizada, dirigida a fortalecer e aperfeoar as destrezas
e habilidades da força de trabalho, em todos os ramos de atividade, em especial
aquelas cuja capacidade de absorção de empregos seja mais importante
(agricultura, turismo, indústria e serviços). A melhor capacitação da forca
de trabalho torna mais fácil melhorar as rendas, o que contribui para mitigar
alguns aspectos secundários de conito social.
Os desequilíbrios setoriais também podem se combatidos mediante
programas e projetos de desenvolvimento local, sustentados na consolidação
de cadeias produtivas, denidas a partir de acordos entre as associações,
comunidades, cooperativas e pessoas nelas envolvidas. A co-gestão, o apoio
nanceiro, tecnológico e político e a organização dos mercados que articulam
essas cadeias constituem objetivos prioritários de atenção do Estado.
O mercado é um mecanismo de atribuição de recursos que pode ser um
instrumento para a consecução do desenvolvimento humano, articulando-
se, numa estrutura institucional cooperativa, com a obtenção dos objetivos
de desenvolvimento propostos. Esse é o caso, por exemplo, da promoção
estatal de sistemas de compras públicas para o cumprimento de suas políticas
sociais e de suas funções básicas, o que ao mesmo tempo contribui para
dinamizar a demanda interna. Do lado da oferta, os sistemas produtivos
assim dinamizados ajudarão a reverter a excluo ecomica que afeta
importantes regiões do país.
É função do Estado manter e expandir um sistema de transporte, portos
e aeroportos eciente e competitivo, que integre os circuitos comerciais
internos e facilite a exportação de bens de todas as regiões do país. Também
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é sua responsabilidade prover serviços alfandegários ágeis e transparentes,
que facilitem a menor custo as atividades de importação e exportação,
melhorem o controle dos uxos comerciais e o poder tarifário e que suprimam
o contrabando.
Um processo de desenvolvimento ético repudia as condutas voltadas
para a obtenção de rendimentos nanceiros, articuladas em torno de bens e
serviços públicos, em especial as relacionadas com o uso da energia e com
os recursos provenientes do petróleo. A autoridade pública tem obrigação de
corrigi-las mediante a aplicação de normas emanadas de entidades de controle
independentes e prossionais. Da mesma maneira, os produtores de bens e
serviços devem exigir combate frontal à corrupção e ao contrabando, para
alentar uma competição franca e leal.
O novo impulso dado à produtividade integra as estratégias sociais,
econômicas e produtivas às ambientais e de sustentabilidade do patrimônio
natural. As políticas de fomento produtivo abarcam considerações ambientais
e sua diversicação inclui o fomento de atividades alternativas à extração ou
uso tradicional dos recursos naturais, como o turismo sustentável em áreas
protegidas e o turismo comunitário, atividades de grande demanda de emprego
e amplos encadeamentos inter-setoriais.
2. Relações internacionais soberanas e inserção inteligente e
ativa no mercado mundial
O desenvolvimento endógeno exige uma política exterior soberana
exercida mediante políticas internacionais comerciais e financeiras
pragmáticas, de apoio ao desenvolvimento territorial harmônico do país. Para
isso, promove-se o multilateralismo e a negociação em bloco, rechaçando
as concessões unilaterais o negociadas. São prioritárias as negociações
internacionais em temas de meio ambiente e mudança do clima, a necessidade
de negociar compensações com os países industrializados devido aos efeitos
causados no ambiente, o estabelecimento de mecanismos globais para o
pagamento da divida ecológica e o fomento de uma visão responsável de
alcance mundial para a gestão dos recursos hídricos, com base em convênios
e acordos regionais e mundiais.
A integração sub-regional e o fortalecimento dos mercados Sul-Sul
são considerados prioritários. A política comercial externa, busca uma
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inserção inteligente nos mercados mundiais e se subordina à estratégia de
desenvolvimento produtivo interno do país. Para promover o crescimento
econômico, a política comercial deve apoiar o melhoramento da produtividade
em nível nacional, a criação de encadeamentos produtivos, o aproveitamento
de economias de escala e a redução das desigualdades internas.
A política comercial constitui elemento primordial de coordenação
inter-setorial e territorial para facilitar acordos entre o Estado, empresários,
trabalhadores, pequenos produtores urbanos e rurais, associões, cooperativas
e outras formas de cooperação econômica privada ou coletiva. Também é um
mecanismo idôneo para a promoção de setores estratégicos, em função de
suas capacidades atuais e potenciais. O Estado evitará a criação de enclaves
sob controle estrangeiro.
O exercício ativo da política comercial é um instrumento de mudança
do padrão de especialização produtiva e exportadora do país, para diversicar
os mercados e a gama de produtos exportados. Entende-se que a liberalização
comercial unilateral não é benéca quando se comercia principalmente com
países que possuem estruturas produtivas muito diferentes da equatoriana.
A política comercial ativa, deve aproveitar as possibilidades atualmente
oferecidas pela normatizão internacional da Organização Mundial do
Comércio mediante o uso de subsídios, tarifas seletivas, promoção de
exportações, etc.
A política de propriedade intelectual se vincula à política de ciência,
tecnologia e pesquisa aplicada, assim como às estratégias de sustentabilidade
ambiental e de conservação e aproveitamento da dotação de recursos
da biodiversidade.
Os uxos nanceiros internacionais e a banca estrangeira também
se entendem subordinados à estratégia de desenvolvimento e à política
comercial e são instrumentos para acelerar o desenvolvimento produtivo.
O ingresso de capitais é promovido quando são destinados ao investimento e
nanciamento de iniciativas produtivas de longo prazo Os controles da capital,
são mecanismos adequados para reduzir a especulação e o risco de crises
bancárias, nanceiras e monerias, assim como para controlar o endividamento
privado, favorecendo o setor nanceiro local em sua relação com os setores
produtivos estratégicos.
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O investimento estrangeiro direto, é estimulado como canal de
transferência de tecnologia e conhecimento em setores chave, e é promovido
por meio da política comercial, como suporte para a inovação doméstica.
Estimula-se a cooperação internacional para acelerar as mudanças sociais,
econômicas e políticas, consideradas indispensáveis para alcançar os objetivos
do desenvolvimento.
3. Diversicação produtiva
O processo de desenvolvimento humano inclusivo exige maiores níveis
de valor agregado, com o objetivo de incrementar a renda gerada a partir da
exploração de bens primários, da produção de bens agrícolas suscetíveis de
transformação na indústria agro-alimentar, da produção de bens intermediários
e da produção de bens e serviços de alta tecnologia.
Considera-se prioritária a recuperação da capacidade instalada da
empresa estatal de reno de petróleo, assim como novo investimento de alta
tecnologia para processar óleos crus pesados e com maior conteúdo de enxofre.
O horizonte desses investimentos não é o determinado pela relação entre
jazidas provadas e taxa de exploração, e sim um processo de desenvolvimento
de longo prazo para um país pós-petrolífero, que continuará a necessitar esse
tipo de energia. Essa decisão aliviará, ao mesmo tempo, as extremas pressões
sobre as contas correntes do balanço de pagamentos, a que conduziu a carência
de políticas industriais.
Para articular os ramos extrativos com o processo de desenvolvimento
humano includente, evitar-se-á sua natural tendência a operar como enclaves
desvinculados do restante da economia e os efeitos negativos que comprometem
a sustentabilidade ambiental. Os promissores empreendimentos mineradores
do país devem respeitar esses critérios. Os encadeamentos scais o garantem
autêntica inclusão social e a determinação dos padrões ambientais deve
considerar a opinião das comunidades locais.
Os esforços do Estado, coordenados com os dos pequenos e médios
produtores, são canalizados para impedir a re-primarização da economia,
diversificando a oferta de bens e serviços que incorporem mais valor
agregado. Com esse propósito, fomentar-se-á a indústria química produtora
de medicamentos genéricos, o turismo e o ecoturismo comunitário, como
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alternativa para exportar conservação e se reconstituirá indústria petroquímica
e outros ramos estratégicos. Esses esforços devem, em geral, consolidar uma
renovada e prática política de industrialização substitutiva, planejada como
mecanismo para expandir a demanda de emprego e fortalecer a conta corrente
do balanço de pagamentos.
O conjunto de fatores climáticos e naturais que favorecem o meio
físico equatoriano, constitui a plataforma ideal para projetar uma indústria
alimentar altamente competitiva e includente, capaz de regenerar o tecido
social perdido nas últimas décadas e de intensicar a demanda de emprego, não
como tentativa de reproduzir processos industriais próprios do Norte, e sim
como base para uma inserção inteligente nos mercados mundiais. Isso exige
uma estratégia de nanciamento de longo prazo, investimentos em ciência e
tecnologia, capacitação da força de trabalho, concertação de cadeias de valor,
determinação de padrões mínimos sanitários e to-sanitários, normas de
qualidade, apoio público para a abertura de mercados e associatividade, para
gerar economias de escala e controle de empresas interessadas em restringir
a competição. A soberania alimentar implica tanto a segurança alimentar, que
considera a produção para o auto-consumo das regiões, ainda a custos superiores
(segmentação de mercados) quanto a denição estratégica das tecnologias e
produtos para atender à demanda nacional e o interesse em exportar com
vantagens para o país sem espoliar os recursos naturais não renováveis.
As necessidades de aumentar a demanda de emprego e de diversicar
a oferta exportável de bens e serviços, podem ser conjugadas na promoção
de instrias de bens intermediários, que permitem obter maior valor
agregado, à base de tecnologias de mais fácil assimilação em uma economia
com severos problemas de competitividade. Também é possível reverter a
desindustrialização promovendo a oferta de bens e serviços em atividades que
incorporam importantes componentes de alta tecnologia, como a farmacêutica,
a bioquímica e a indústria de software, que apresentam vantagens comparativas
estáticas e dinâmicas e que podem ser impulsionadas a partir de programas de
proteção exigentes, denidos para o longo prazo.
4. Integração territorial e desenvolvimento rural
O desafio do desenvolvimento territorial é procurar um avanço
equilibrado e sustentável de todas as regiões do país, a m de melhorar o nível
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de vida de toda a população, redistribuir a riqueza e potencializar a construção
da cidadania, quadro geral de referência das decisões e ações com efeitos
territoriais importantes das instâncias públicas e da cidadania.
O desenvolvimento territorial (entendido como processo contínuo)
exige planejamento técnico e participativo, com o propósito de alcançar o
equilíbrio entre as unidades territoriais subnacionais. Baseia-se nos princípios
de coordenação, concorrência, complementaridade, subsidiariedade,
descentralização e produtividade. Sua gestão privilegia a equidade e a inclusão,
a sustentabilidade ecológica e a estabilidade econômica, a precaução e a
prevenção, a transparência, a solidariedade e a co-responsabilidade.
Em sua dimensão territorial, o desenvolvimento busca o paulatino
equilíbrio entre regiões, com o objetivo de conseguir um crescimento maior
repartido geogracamente entre as províncias e localidades, assim como entre
as áreas urbanas e rurais. Isso exige a concertação de um acordo de âmbito
nacional para formar regiões capazes de aproveitar economias de escala,
melhorar a cobertura de infra-estrutura e serviços, executar projetos comuns
de infra-estrutura e equipamento, consolidar sub-sistemas de centros urbanos
coordenados que facilitem o reordenamento regional do país e melhorar a
estrutura e gestão administrativa, a produtividade e a participação política de
nível parlamentar articulada ao território de maneira eciente.
Esse novo ordenamento territorial será consolidado a partir de três
propostas fundamentais de política: desenvolvimento de um sistema equilibrado
e policêntrico de cidades e de novas relações funcionais entre campo e cidade;
garantia de acesso equivalente à dotação de infra-estrutura, serviços públicos
e conhecimento; e gestão racional, responsável e protetora da natureza, dos
recursos produtivos e do patrimônio cultural.
Os objetivos da estratégia territorial regerão todas as atividades
promovidas a partir da esfera pública. O nível nacional fortalecerá os níveis
intermediários para convertê-los em atores capazes de gerar o desenvolvimento
endógeno de seus territórios.
A combinação dos objetivos de desenvolvimento, equilíbrio e conservação
nos diferentes territórios do país fornece as bases para um desenvolvimento
equilibrado e sustentável no âmbito nacional. Esse desao pressupõe reforçar
as zonas estruturalmente mais débeis e nelas impulsionar melhores condições
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de vida e de trabalho. Nesse processo, os centros urbanos consolidados
poderão integrar-se com uma melhor base social nos processos de globalização
do capital.
5. Sustentabilidade do patrimônio natural
O objetivo do desenvolvimento o melhoramento contínuo da qualidade
de vida implica em respeitar o patrimônio natural, gerir estrategicamente os
recursos naturais e melhorar o planejamento ambiental dos centros urbanos.
Tudo isso constitui uma nova ética de desenvolvimento e sustenta o principio
da justiça inter-generacional.
Os espaços de proteção e conservação estabelecidos pelo Estado estão
sujeitos a múltiplas pressões sociais e precisam consolidar-se aplicando
programas e projetos de biodiversidade que assegurem sua viabilidade e a
integralidade dos ecossistemas. A incorporação do patrimônio natural ao
planejamento nacional, regional e local necessita melhorar a capacidade de
planejamento do Estado para o uso do espaço.
As atividades de extração de petróleo, mineração, pesca e orestais, assim
como a indústria e a agricultura, devem submeter-se ao controle e scalização
ambiental do Estado. Isso pressupõe a recuperação da autoridade pública
e o fortalecimento das instituições em seus âmbitos administrativos locais
para gerir os recursos ambientais, elaborar e aplicar políticas e estratégias.
A complexa, fragmentada e superposta gestão de competências para o manejo
dos recursos naturais das instancias públicas, pode convalescer criando-se uma
entidade de caráter nacional encarregada do cumprimento dos programas e
projetos, das normas e padrões ambientais e do controle e scalização dos
recursos naturais.
Novas instituições facilitarão a regulamentação da bio-seguraa
(incluídos o controle de organismos geneticamente modicados e a introdução
de escies exóticas), o acesso aos recursos geticos e a proteção dos
conhecimentos tradicionais dos povos indígenas, afro-equatorianos e outras
comunidades locais.
A água é um bem público cujo uso, qualidade e conservação competem
ao Estado, que pode outorgar direitos de usufruto ou descentralizar a gestão
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sem por isso renunciar a sua responsabilidade de custódio dos mananciais e
de seu uso racional. Sua obrigação é assegurar o planejamento desse recurso,
garantir suas condições sanitárias e sua habilitação para o consumo em todos
os lares do país, ampliar a superfície agrícola irrigada e projetar instrumentos
e modelos de regulamentação para conser-la e certicar sua qualidade.
Isso implica em melhorar a coordenação entre autoridades locais e nacionais
encarregadas dos recursos hídricos, de sua distribuição, gestão para consumo
humano e saneamento, num processo racional de descentralização. Tudo isso
pressupõe um quadro jurídico institucional e coerente para fortalecer o papel
regulador da autoridade hídrica nacional.
É necessário xar limites para o deorestamento, fornecendo atividades
alternativas sustentáveis, vinculadas aos mercados externos, internos e locais,
e aplicando instrumentos de controle com o apoio das comunidades locais
afetadas, sob os princípios de sustentabilidade da produção, manutenção
da cobertura vegetal, conservação da biodiversidade, co-responsabilidade
e redução dos impactos ambientais e sociais negativos. A valorizão
dos bosques nativos e plantações de orestas contribui para seu manejo
sustentável, assim como a modernização das instituições e do quadro jurídico,
a capacitação de todos os envolvidos e a dotação de nanciamento suciente
para a operação do sistema.
A participação de populações rurais, povos e nacionalidade indígenas
e afro-equatorianas nos processos de tomada de decisões e de planejamento,
execução e acompanhamento de programas orestais e de conservação é fator
de inclusão social e de co-responsabilidade inadiável.
A economia extrativa, organizada por empresas dedicadas a ganhos
ilimitados, frequentemente esquece suas responsabilidades ambientais. Suas
concessões e operões devem obedecer a uma regulamentação efetiva,
superior ao requisito formal do licenciamento, capaz de mitigar os impactos
ambientais e de conciliar as necessidades sociais com as responsabilidades
ambientais, econômicas e culturais envolvidas. O desenvolvimento local exige
projetos ecientes, à base de energia renováveis.
As proporções a que chegou a mudança de clima já não são sucientes
para monitorá-lo e gerir com maior prudência seus efeitos sociais, econômicos
e ambientais. As políticas públicas devem inuir nas condutas da cidadania
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e em suas formas de organização produtiva a m de modicar a tendência
dessa mudança. A gestão de risco exige fortalecer-se por meio de uma defesa
civil técnica.
O direito a preservar a riqueza natural e cultural é superior às necessidades
de desenvolvimento econômico. O impacto das atividades produtivas realizadas
em zonas frágeis do patrimônio natural, exige regulamentação mais ecaz.
As instâncias locais e seccionais exigem mais capacidades a m de monitorar
efetivamente atividades potencialmente nocivas ao ambiente e a conservação
da biodiversidade e para realizar auditorias e avaliações de impacto ambiental
dos projetos de desenvolvimento industrial e energético, sobretudo nos setores
petrolífero, mineiro, pesqueiro e orestal.
A qualidade do planejamento ambiental dos centros urbanos é deciente
e heterogênea. É preciso melhorá-la em coordenação com os municípios para
promover ações de decontaminação atmosférica e de recuperação da qualidade
do ar e para denir políticas gerais e aperfeiçoar normas de gestão das emissões
e resíduos sólidos e líquidos (domiciliares e industriais). A preservação da
paisagem e da qualidade de vida dos assentamentos humanos, sobretudo
em áreas periféricas e em zonas de risco, exigem normas coordenadas nos
diferentes níveis de governo.
6. Estado com capacidade efetiva de planejamento,
regulamentação de gestão
O desenvolvimento equilibrado e inclusivo do Equador exige um
Estado com regime eqüitativo de competências territoriais (descentralizadas e
autônomas) capaz de constituir um sistema no qual a organização do território
se complemente com os processos ecomicos, sociais e ambientais planejados
para um horizonte de longo prazo.
Para superar as limitações dos planos setoriais, originados na oferta
ministerial de ações e intervenções não integradas e coordenar as políticas
públicas, constitui-se o Sistema Nacional de Planejamento. O eixo de sua
implementação é o governo central, com a participão vinculante dos
governos seccionais. Sua concepção sismica, prospectiva e vinculante é a base
da articulação dos diversos atores do desenvolvimento: movimentos coletivos,
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comunidades étnicas, corporações de proprietários e trabalhadores, organizações
não governamentais, agencias internacionais e grupos econômicos.
O Sistema Nacional de Planejamento se expressa e se concretiza em
planos nacionais que enfatizam a importância do investimento público, para
o pleno desenvolvimento das capacidades humanas, sem deixar de atender ao
investimento em capital sico, em energia e em conectividade. Essa nova escala
de prioridades se inscreve na mudança de padrões distributivos, indispensáveis
para cumprir os propósitos de ampliação das capacidades e liberdades da
cidadania; na necessidade de corrigir as desigualdades de renda e de acesso aos
serviços públicos e ativos nacionais; e no respeito aos limites determinados
pela sustentabilidade ambiental.
Depois das agudas crises ocorridas durante a década nal do século XX,
consolidaram-se vários consensos mínimos para sustentar o desenvolvimento
econômico. No entanto, isso o é suciente para impulsionar o desenvolvimento
humano. Torna-se imperativa uma nova forma de regulamentação dos
mercados de bens e serviços, nanceiros e de comércio interno e exterior,
assim como uma autoridade publica com capacidades sucientes para executar
os programas sociais de redistribuição da renda, segundo políticas de receitas
e gastos eqüitativa e includente.
Os mercados não se auto-regulam. Um ambiente de negócios seguro, ágil e
competitivo se desenvolve em uma estrutura institucional uida e transparente,
projetada para atenuar a incerteza enfrentada por todas as empresas produtivas.
Entidades autônomas e técnicas de regulamentação, padronização informação
e controle reduzem os custos de transação, democratizam o uso da informação
e denem normas para controlar praticas contrarias à competição.
A recuperação da capacidade reguladora do Estado pressupõe uma
Função Judicial independente, autônoma e ecaz, comprometida com os
valores fundamentais do desenvolvimento humano e organizada a partir
da noção de acesso universal ao direito à justiça. Alem disso, um sistema
de administração de justiça independente e técnico consolida a segurança
jurídica e reduz os custos de transações, reduzindo a incerteza e armando o
cumprimento dos contratos.
A estabilidade macroeconômica é fundamental para dar segurança à
vida quotidiana, para dotar de referencias mínimas de certeza na tomada de
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143
decisões (de investimento, endividamento, produção, consumo, capacitação e
aprendizagem) e em geral para ampliar as capacidades da cidadania. A estabilidade
se entende, no curto prazo, como estabilidade de preços, prudência e disciplina
scal e viabilidade do balanço de pagamentos. Mas também compreende
outros equilíbrios do setor real da economia, em especial o emprego da força
de trabalho e o investimento em capacidades humanas e capital físico. Além
disso, abarca, no longo prazo, a sustentabilidade baseada na renovação e nos
equilíbrios dos sistemas naturais. Os objetivos do desenvolvimento humano
exigem ampliar a noção de estabilidade a todos esses fatores.
O poder econômico não pode ser contrabalançado unicamente a partir
da sociedade civil. Para que a alocação de recursos assuma uma tendência mais
democrática é necessário ampliar a capacidade de regulamentação estatal da
economia. Isso exige um conjunto de interveões orientadas à regulamentação
do mercado de trabalho e à qualidade da produção, a assegurar as melhores
condições de saúde e segurança dos trabalhadores, a controlar a deterioração
ambiental, a evitar os monopólios e a estimular a competitividade. O ponto
crucial de referência dessa orientação é a expressão cabal das necessidades da
sociedade civil nas atividades reguladoras do Estado.
O fator fundamental da economia é o trabalho. A paz social se sustenta em
remunerões justas, apoiadas por políticas de emprego que incorporam a xação
de salários mínimos e a eliminação de qualquer forma de trabalho precário, a
universalização da segurança social e programas de capacitação vitalícios para
melhorar a produtividade. O Estado alenta a sindicalização trabalhista e seu livre
exercício desde que não afete o patrinio da nação ou a qualidade dos servos
que está obrigado a prestar. A insuciência dinâmica do investimento privado
e público torna necessário impedir a exclusão social e as praticas trabalhistas
precárias resultantes da desregulamentação do mercado de trabalho mediante
o auspicio público de formas alternativas de organização produtiva, como a
economia social e solidária e em particular o cooperativismo.
Por não ser transável no mercado, o trabalho reprodutivo no lar, vital
para o funcionamento de todo sistema econômico, tornou-se invisível devido
aos modos predominantes de produção; é preciso reconhecê-lo e garantir os
direitos a ele associados para cumprir o principio da eqüidade.
A produção competitiva de bens e servos exige incrementar sua
qualidade mediante ganhos de produtividade. O bom governo corporativo
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incrementa essa produtividade, segundo normas de qualidade aceitas
internacionalmente ou denidas internamente e em uma legislação societária
transparente e ágil, que xe as condições mínimas de entrada e saída dos
mercados, o estatuto das minorias societárias, facilidade para o investimento
acionário aberto, a prossionalização da gestão empresarial, o tratamento
do capital estrangeiro, a responsabilidade societária e as obrigações scais,
ambientais e de prestação de informação veraz, oportuna e transparente.
Em particular, a produtividade empresarial se benecia com normas de
competição e controle de praticas monopolistas.
O crescimento da economia depende crucialmente da taxa de investimento
produtivo, que por sua vez é sensível às condições do mercado nanceiro e
da segurança jurídica. Tanto quando a busca de lucro de seus proprietários,
o sistema nanceiro deve cumprir seu papel social fundamental: fomentar a
poupança e alocar ecientemente o crédito, para promover com eqüidade a
expansão da capacidade produtiva. As limitações da banca comercial devem
ser supridas reconstituindo-se as capacidades do sistema nanceiro público,
ampliando o campo de ão do mercado bursátil e incorporando a poupança de
longo prazo da segurança social à oferta de recursos nanceiros destinados ao
investimento. O nanciamento deve considerar prioritariamente mecanismos
de acesso ao crédito para as pequenas e médias empresas, mediante sistemas
de nanças solidárias que proporcionem soluções integrais para a produção
familiar ou comunitária e para as organizações econômicas que incorporam
componentes sociais em seus projetos.
Existem áreas estratégicas para potencializar o crescimento econômico
que sustenta o desenvolvimento humano (energia, petróleo, telecomunicações,
ciência e tecnologia, mineração, água e desenvolvimento rural) de especial
atenção por parte do Estado. Para geri-las serão consolidadas, mediante
uma lei, as empresas públicas que se considerem necessárias, capazes de
administrar os recursos estratégicos de competência do Estado, em forma
independente, rentável, transparente e sustentável, de acordo com os
objetivos propostos.
Este novo modelo de Estado se orienta à obtenção de resultados, ao
melhoramento da eciência e ecácia das políticas públicas, à simplicação e
transparência dos procedimentos, ao aperfeiçoamento dos serviços públicos,
ao combate contra a corrupção e à recuperação da potestade pública.
Fander Falconí Benítez
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Isso implica em reorganizar o território nacional mediante uma nova
divisão política e administrativa, catalisadora dos processos de descentralização
e desconcentração, concebidos como meios para transferir as atribuições do
governo central aos governos intermediários e locais, de acordo com suas
possibilidades reais de assumir novas gestões, administrar recursos e prestar
contas aos cidadãos. Esta transformação se desenvolverá em um processo
de médio e longo prazo que terminará na construção de regiões autônomas,
capazes de assumir atribuições e funções cada vez maiores.
A nova divio potica resultante, implica maior proximidade dos
cidadãos a seus governos, mais opções para expressar a vontade blica
diante destes e melhores condições para exigir contas. Além disso, vencer
a pobreza e as desigualdades sociais e territoriais e conseguir o bem-estar
da cidadania é fator fundamental na mudança em direção a um modelo de
Estado descentralizado no setor administrativo e scal, com autonomia
regional, indispensável para alcançar plenamente os objetivos coletivos do
desenvolvimento humano.
7. Democratização econômica e protagonismo social
As necessidades e demandas da cidadania orientam o desenvolvimento
do Estado e do mercado para alcançar os objetivos do desenvolvimento
humano. A sociedade civil organizada deve orientar as atividades econômicas
e a distribuição, uso e controle dos bens e serviços públicos. Isso exige
canais institucionais que permitam às associações e aos indivíduos aumentar
seu protagonismo e poder de decisão sobre os processos políticos e sobre
os critérios para orientar a produção e a distribuição da riqueza social, o
que a distância dos modelos estatistas e livre-cambistas de crescimento e
desenvolvimento humano.
Uma sociedade civil ativa e vigorosa precisa dinamizar suas formas
de organização coletiva voluntária a partir de redes sociais, associações,
movimentos sociais, cooperativas, etc., para aumentar seu poder social e incidir
efetivamente na organização da produção e alocação dos recursos coletivos.
O fortalecimento da sociedade civil implica alentar suas organizações
a exercer maior controle das ações estatais que condicionam a atividade
econômica e também a incrementar suas margens de manobra e incidência,
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direta e indireta, sobre o poder econômico. Uma sociedade civil fortalecida pela
promoção da associatividade consolida poderes sociais autônomos, capazes
de equilibrar os poderes de fato e de construir uma sociedade sem exclusões.
Mais e melhores formas associativas, nos diversos âmbitos da vida, com um
saudável equilíbrio do que é comunitário social com o que é individual e
fragmentado, fundamentam uma nova forma de Estado de novas estruturas
de mercado nas quais atores coletivos autônomos e informados aprofundam
e ampliam a democracia e geram poder social.
O primeiro fator para dinamizar o poder social é a democratização
radical do Estado, que ao mesmo tempo contrabalança a enorme inuência
nas principais decisões estatais dos grandes grupos de poder econômico. Esta
inuência desviou as nalidades da atividade econômica para a satisfação
dos imperativos de acumulão de capital, esquecendo a satisfação das
necessidades humanas. Nas sociedades modernas a democratização radical do
Estado constitui um m em si mesmo, tanto quanto um processo para que a
prestação de bens e serviços públicos e as pautas de distribuição da riqueza
sejam orientadas pela sociedade civil. Essa é a razão pela qual os serviços
públicos devem ser democratizados e não privatizados.
Para precisar as preferências públicas, são relevantes os projetos
institucionais inovadores de democracia participativa. Os pressupostos
participativos permitem melhorar a eciência dos serviços públicos,
orientar o gasto estatal para os setores menos favorecidos e conseguir o
controle e a prestação de contas das instituições democráticas. Na hora de
decidir sobre o uso e orientação dos recursos públicos, o protagonismo
das organizações da sociedade civil e dos cidaos mobilizados dota a
democracia de conteúdos reais.
Uma colaboração ampla entre agências estatais e associações sociais,
em diversos tipos de atividades governamentais, além do fortalecimento dos
mecanismos de democracia representativa e da promoção de novas formas de
controle e vericação sociais, complementa o processo de democratização da
regulamentão estatal. Essa colaboração pode expressar-se em forma de pactos
corporativos entre o Estado, as associações patronais e as de trabalhadores,
com o objetivo de acordar novas formas de regulamentação salarial e de xar,
sob certos níveis de consenso, condições de trabalho adequadas em setores
especícos da economia.
Fander Falconí Benítez
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Estes esquemas de colaboração podem ser estendidos para gerir outros
aspectos da vida social, como os problemas ambientais, o uso de recursos
naturais, o funcionamento dos serviços públicos de saúde e educação, de forma
que as diversas instâncias organizadas da sociedade civil e o Estado possam
regular conjuntamente o uso e a alocação dos recursos coletivos. Trata-se de
promover o funcionamento de redes publicas mistas (nas quais interagem
atores públicos e privados) e mecanismos de democracia associativa para a
gestão governamental.
As redes e mecanismos da democracia associativa devem assegurar que as
instâncias sociais representem a sociedade civil e que as decisões delas emanadas
sejam amplamente deliberadas, tornadas transparentes e submetidas ao controle
social de outros atores sociais e políticos. Desprivatizar o Estado implica em
que os conselhos e diretórios, com representação social e alta incidência na
gestão publica, sejam efetivamente pluralistas, includentes e democráticos
em sua composição e funcionamento. Não se trata de retirar poder dos
grupos sociais organizados, e sim de canalizá-lo para que seu funcionamento
constitua, efetivamente, um instrumento de participação cidadã democrática
e de incidência coletiva na vida econômica.
A regulamentação democrática da atividade econômica também se
benecia de uma maior participação coletiva de trabalhadores, usuários e
consumidores na regulamentação das condições de trabalho e no controle
da qualidade dos servos e bens produzidos pelas empresas. Isso gera
novas regras sociais para incrementar os níveis de participação e decisão
dos trabalhadores nos conselhos de administração das empresas, para incluir
nesses conselhos funcionários e clientes e para fomentar o controle das
atividades empresariais por parte dos movimentos sociais, que promovem o
respeito aos direitos trabalhistas e os dos consumidores. Isso exige fortalecer
os processos de organização coletiva dos trabalhadores prejudicados com
a exibilização trabalhista e dos cidadãos, tanto como usuários quanto
como consumidores.
Para revigorar o poder da sociedade civil organizada, também se promove
o fortalecimento da economia social ou solidária, mediante a participação
direta de associações da sociedade civil na organização de diversos aspectos
da atividade econômica. A economia social se caracteriza por buscar,
prioritariamente, a satisfação das necessidades humanas e não a maximização
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de seus ganhos. Promover a economia social implica em que o Estado nancie
determinados tipos de prodões socialmente organizadas (associões
artísticas, cooperativas e comércio justo, redes de cuidado a anciãos, crianças,
etc.) com a nalidade de que os trabalhadores em tais circuitos alcancem níveis
de vida adequados.
As privações econômicas e materiais com que subsiste grande parte
da cidadania constituem limites severos para a estratégia de fortalecimento
do poder social. A organização desse poder exige de cada cidao uma
dedicação nima de tempo que muitas vezes o pode ser satisfeita por
imperativos de subsistência. Além disso, a escassez de recursos impulsiona
muitas organizações sociais a estabelecer clientelas com instancias políticas
ou estatais ou a instaurar nexos de dependência com a benecência privada
ou com grupos nanciados a partir do exterior. Isso retira autonomia
organizativa aos atores coletivos, e por isso é necessário estabelecer um
rendimento básico não condicionada ou uma receita cidadã universal,
compatível com o princípio igualitário de justiça social que constitui a base
para dar poder efetivo à sociedade civil.
8. Garantia de direitos
O Estado equatoriano promove o exercício da plena cidadania, entendida
como garantia integral dos direitos civis, poticos, econômicos, sociais,
culturais e coletivos, assim como a participação em uma comunidade política
e a exigência de responsabilidades cidadãs.
Um ps que busca garantir a cidadania plena incorpora, amplia e radicaliza
dos direitos a ela inerentes, fundamentados no caráter laico do Estado. Isso
pressue a existência de um sistema de educação pública que promova valores
como o respeito, a tolerância, o reconhecimento da diversidade e da diferença
e garantias para exercer a liberdade de consciência e de culto. A plena cidadania
pressupõe também verdadeira equidade de nero, garantia dos direitos sexuais
e reprodutivos, livres de qualquer discriminação, coerção ou violência.
A cidadania ampla e ativa somente é possível no quadro de uma
democracia radical, na qual as leis e a Constituição privilegiem o protagonismo
da cidadania e a construção do poder social no desenvolvimento da democracia
e suas formas de expressão.
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Promover a participação dos que habitam esta comunidade política
consti uma cidadania universal, diferenciada e diversa, que não se fundamenta
unicamente na nacionalidade, mas também na idéia coletiva de nação,
independentemente de haver-se ou não nascido nela.
A verdadeira participação cidadã se inicia com a promão de mecanismos
e instrumentos de democracia direta, onde a iniciativa legislativa, a liberdade
de expressão, a capacidade vinculante de consulta e a participação social, a
deliberação pública, o acesso à informação, o controle social e a co-gestão
cidadã são os valores centrais de uma democracia que combina e articula o
aspecto representativo com o participativo.
No entanto, a plena cidadania não se alcança somente com o respeito
às liberdades individuais e aos direitos políticos de um Estado abstencionista.
A plena cidadania pressupõe, antes de tudo, o papel ativo do Estado para
garantir os direitos econômicos, sociais e culturais.
A garantia desses direitos passa por um papel ativo e protagônico
do Estado na prestação de serviços sociais sicos e na universalidade de
políticasblicas essenciais (saúde e educação, por exemplo). Assim como
nos anos 60 e 70 do culo passado, consolidou-se um modelo de Estado
caracterizado pela intervenção, promoção de direitos e construção de uma
cidadania social, o novo modelo de Estado tem um papel central ao garantir
os direitos de terceira geração mediante um aparelho governamental ágil,
policêntrico, descentralizado e desconcentrado, mais próximo da cidadania
e com melhores capacidades de resposta para enfrentar os problemas e as
demandas sociais e locais.
Seja a partir da prestação de serviços educativos e de saúde, ou como
garante dos direitos a propriedade, ao trabalho e a moradia digna, o Estado
intervém para convalidar aqueles direitos que supõem ões políticas concretas
e não somente o papel passivo de respeito à liberdade individual.
O direito à propriedade deve ser ampliado e radicalizado, de modo
que em prazo dio, o Equador se converta em um país de proprietários
e produtores. Em uma democracia que se preze, nenhuma forma de
propriedade pode constitui-se em monopólio e nem pode vulnerar os
princípios constitucionais da proteção ambiental, a integridade do espaço
público e sua destinação ao uso comum.
A economia do Equador: um balanço e uma nova noção de desenvolvimento
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O direito ao trabalho deve conservar as garantias próprias do clássico
direito social como a liberdade de associação, o direito à sindicalização, o
direito pleno à greve, o principio de identidade entre salário e trabalho, entre
outras. O exercício adequado desses direitos está ligado a uma sociedade que
se propõe a eliminar toda forma de emprego precário, garantir um entorno
normativo e institucional que contemple o direito à estabilidade, o salário justo
e a igualdade de salário entre homens e mulheres.
Em relação aos direitos coletivos, de natureza étnica e cultural, o país se
compromete a assimilar plenamente as normas internacionais, o que pressupõe
reconhecer, por exemplo, o convenio 169 da OIT, para garantir os direitos
dos povos indígenas e afro-equatorianos.
Na lógica de advogar uma cidadania plena, deve ser descartada a categoria
de grupos vulneráveis, que tem orientado a política pública nas últimas décadas e
que se xou nas pessoas objeto de especial proteção por parte do Estado. Por
isso, é necessário modicar a atual denição constitucional de grupos vulneráveis,
pois arma que as crianças, adolescentes, mulheres grávidas, inválidos e pessoas
da terceira idade são beneciários de políticas públicas especiais e objeto de
atenção prioritária de parte do Estado e da sociedade. Esses grupos sociais não
podem ser tratados como meros objetos de uma política pública assistência, e
sim devem passar a ser titulares diretos de direitos que devem ser garantidos
por políticas públicas diferenciadas e universais.
Uma cidadania plena também contempla o exercício da diferença, pois
os diferentes grupos culturais têm necessidades particulares que devem ser
reconhecidas para o exercício de uma cidadania multicultural, que respeite
plenamente as identidades diversas.
DEP
Tradução: Sérgio Duarte
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Economia da Guiana:
avaliação e projeções
Rajendra Rampersaud*
1. Introdução
A
Guiana é a única economia de língua inglesa na América do Sul, tem
uma superfície de 83 mil milhas quadradas, ou 215 mil quilômetros quadrados,
está situada na costa setentrional do continente, limitada ao norte pelo Oceano
Atlântico, a leste pelo Suriname, ao sul pelo Brasil e a oeste pela Venezuela.
A Guiana tem quase o mesmo tamanho da Grã-Bretanha, porém mais de 80%
do país é coberto de orestas. Somente 10% do território, principalmente na
faixa costeira, são habitados pela população.
A Guiana se divide em quatro tipos de formas de território: 1) um
cinturão plano litorâneo de solo argiloso, a cerca de 1,80 a 2,40 metros abaixo
do nível do mar, onde se situa a maior parte da atividade agrícola; 2) um
cinturão arenoso de que fazem parte as regiões intermediárias de savanas; 3) uma
peneplanície central que inclui as luxuriantes orestas em estado primitivo e
extensas jazidas minerais; 4) as terras altas, onde cam as cordilheiras.
A Guiana também conta com abundantes recursos naturais, terras férteis
para a agricultura, ampla variedade de minerais, entre os quais ouro, diamantes,
* Vice-Presidente do Banco Central da Guiana
Economia da Guiana: avaliação e projeções
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bauxita, manganês, outras pedras preciosas e semipreciosas, uma multidão de
animais de criação, peixes e camarões. Há indicações de reservas de ouro e de
gás natural que estão começando a ser exploradas.
O país tem uma populão multi-racial, no total de 740 mil pessoas de seis
raças diferentes. A renda per capita é de apenas cerca de 1.200 dólares, muito
abaixo do potencial econômico. A baixa renda per capita pode ser atribuída a
períodos de crescimento e progresso desiguais desde a independência.
2. Desempenho econômico e social
A Guiana pode ser caracterizada como uma economia pequena e aberta,
orientada para o mercado e muito vulnerável a choques, tanto endógenos
quando exógenos. Depois de passar por um período de crescimento
irregular desde o nal da década de 1990, a economia regressou a um alto
vel de crescimento, estimado em 4,5% em 2006. Para suas receitas de
exportações, o país continua a ser dependente de açúcar, arroz, bauxita e
ouro, que constituem os principais pilares de suas atividades econômicas.
Em conseqüência, a produção de bens primários é a base das principais
atividades econômicas, os padrões de crescimento tendem a ser muito cíclicos
e muito inuenciado pelas variações dos preços das commodities no mercado
internacional. As atividades econômicas são também muito vulneráveis tanto
a choques domésticos quanto externos.
3. Produção e exportações
No passado, a Guiana dependia muito dos arranjos preferenciais com a
Uno Européia e ACP para as exportações de açúcar e arroz. A exportação total
variou de 550 a 600 milhões de dólares nos últimos três anos, sendo o açúcar
(137 milhões de dólares) e o ouro (114 milhões) os maiores contribuintes em
2006. O desempenho das exportações foi impelido pelos preços internacionais
muito favoráveis de ambos os produtos no mercado mundial. O preço atual
do açúcar na UE é de quase 650 dólares por tonelada, enquanto que o preço
do ouro superou 765 dólares a onça em 2007. Bauxita, arroz e madeiras são
as outras exportações que contribuem signicativamente para as receitas de
exportação da economia. A parte mais volumosa das receitas de exportação
Rajendra Rampersaud
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do país é constituída de produtos primários cujos preços permanecem à mercê
das variações dos preços internacionais de matérias primas.
Sem falar dos riscos negativos das variações dos preços das commodities,
a União Européia se encontra atualmente empenhada na negociação de um
novo Acordo de Parceria Econômica (APE) com o grupo de países africanos,
caribenhos e do Pacíco (ACP) a m de substituir o Acordo de Cotonou. Não
se acredita que o acordo APE possa estar pronto no prazo xado, e por isso
receia-se que a EU prera impor o Sistema Geral de Preferências (GSP) se
não for possível chegar a um acordo até o m de 2007. Esse resultado não
seria favorável para a Guiana.
A economia guianense vem sofrendo por causa da imposição unilateral
de um corte de preços do úcar da ordem de 37%, a começar no corrente ano,
enquanto que o preço do arroz tinha sido objeto de reduções. Os cortes dos
preços do arroz e do açúcar tiveram graves efeitos sobre uma ampla parcela
da população que depende tanto direta quanto indiretamente de um ou outro
produto. Em conseqüência, a erosão preferencial terá impacto negativo sobre
a renda da agricultura e sobre a economia como um todo.
As indústrias de ouro e bauxita têm gozado de preços mundiais mais
elevados, e o preço do ouro atingiu o nível mais elevado dos últimos 15
anos. No entanto, os preços dos minérios percorreram uma montanha
russa na última década e os ganhos decorrentes de preços superiores aos
esperadosm de ser geridos com muita prudência. Apesar de seu enorme
potencial, a Guiana não tinha tido possibilidade de aproveitar oportunidades
lucrativas na exportação de frutas e hortaliças para o mercado norte-
americano, especialmente os Estados Unidos e o Canadá, que possuem
numerosa população caribenha. Esse grupo tem tendência a preferir produtos
nostálgicos do Caribe. Além disso, existem grandes oportunidades, não
exploradas no passado, de exportação para países do Caribe de arroz e açúcar
já embalados, com valor agregado.
O setor manufatureiro cresceu 4% em 2006, mas dada a base de recursos
naturais da Guiana, seria de esperar-se maior dinamismo nesse setor ao longo
dos anos. Tem havido alguns êxitos notáveis no sub-setor de mobiliário e de
rum engarrafado nos mercados de exportação. No entanto, a ampla base de
matérias primas proporcionou ampla oportunidade de maior diversicação da
produção e das exportações. O aumento de 36,4% no setor de crédito privado
Economia da Guiana: avaliação e projeções
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foi um sinal bem recebido de que o investimento no setor manufatureiro está
agora se encaminhando na direção correta.
O setor de serviços mostrou forte tendência de crescimento nos últimos
tempos, impelido pela indústria de hospedagem, especialmente depois que a
Guiana hospedou com êxito seis das oito partidas “super oito” da Copa do
Mundo de Críquete (2007). Em seguida a Guiana foi palco de conferências
internacionais, como por exemplo o encontro de Chefes de Governo do Grupo
do Rio e as Conferências Financeiras da Comunidade Britânica de Nações,
recentemente concluídas. Esses eventos permitiram à Guiana ser mais bem
conhecida no mundo exterior e deverão contribuir para maior interesse pelo
esforço de ecoturismo no país no futuro.
Apesar da melhora nos preços das commodities e o clima atualmente
favorável, a economia precisa ajustar-se aos choques externos dos preços
do petróleo, que há pouco se elevaram ao patamar mais alto de 88 dólares o
barril. O preço do petróleo, mais alto do que de costume, tem causado impacto
negativo nos termos de troca para a Guiana. Esses preços têm trazido picos
de inação que apresentam desaos inesperados às autoridades monetárias.
As importações de petróleo representam 25% a 28% do PIB da Guiana.
A possibilidade de exploração de petróleo e o potencial de energia hídrica do
país estão sendo agora profundamente investigados a m de mitigar futuros
impactos negativos causados pela elevação do custo da energia.
4. Balanço de pagamentos, taxa de câmbio e inação
Espera-se que os atuais preços favoráveis das commodities reduzam o
impacto geral dos preços elevados do petróleo e portanto diminuam o décit
em contas correntes para 475 milhões de dólares em 2007, o que representa
melhoria em relação ao nível de 2006. O cit será ainda mais reduzido
com o uxo quido de capital de dio e longo prazo de 137 milhões de
dólares em 2007.
A posição favorável do balanço de pagamentos teimpacto positivo
sobre a estabilidade da taxa de mbio. A Guiana possui atualmente um
regime de taxa de câmbio utuante que se tem mantido bastante estável
nos últimos cinco anos, a GY$200 para um dólar. No entanto, a economia
experimenta um rápido aumento da inação nos anos recentes, devido
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155
ao veloz incremento dos preços do petróleo. Esse fato, somado ao custo
crescente de outras importações, levou a um pido aumento da inação,
estimado em 12% em junho de 2007. Espera-se, no entanto, que com as
políticasscais e monetárias mais restritivas a inação venha a declinar no
nal do ano de 2007 até a meta de 8%.
5. Dívida externa e iniciativa Hipic
No início da década de 1990 a Guiana era considerada um país altamente
endividado, com uma dívida externa total de 2,1 bilhões de dólares, equivalente
a 675% do PIB, que consumia mais de 90% das receitas de exportação do
país. No entanto, graças à Iniciativa para países Pobres Altamente Endividados
(Hipic na sigla em inglês) o atual décit externo foi drasticamente reduzido.
A recente Iniciativa Multilateral de Alívio da Dívida (MDRI) que
proporcionou redução adicional em relação à Hipic original, fez com que a
economia guianense retornasse a uma proporção sustentável da dívida. Em
conseqüência da iniciativa MDRI o serviço da dívida externa guianense cou
reduzido a uma proporção de 5% – 7% das exportações durante os últimos
cinco anos. Espera-se que o estoque total da dívida externa diminua a 625,6
milhões de dólares no nal de 2007. A maior parte do total representa dívidas
em condições favoráveis.
Embora as principais variáveis macroeconômicas pareçam bastante
estáveis em médio prazo, o maior desao no futuro próximo é aumentar
a renda per capita com mais rapidez. Na década de 90 a Guiana conseguiu
deagrar o crescimento após sofrer com a “década perdida” de 1980. Após
crescer a um rápido ritmo de 7% anuais durante a maior parte dos anos 90, a
economia perdeu o rumo e experimentou um período de crescimento lento
ou negativo no início do novo milênio. Isso trouxe ao centro dos debates a
questão de não apenas retomar o crescimento mas também de sustentá-lo e
impelir o desenvolvimento em prazo mais longo.
6. O setor social e as Metas de Desenvolvimento do Minio
A Guiana tem obtido progresso signicativo na implementação de
estragias e intervenções destinadas a atingir as oito Metas de Desenvolvimento
Economia da Guiana: avaliação e projeções
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156
do Milênio (MDG, na sigla em inglês), mas é preciso fazer muito mais para
que o país possa realizá-las até 2015. Em muitos casos os atrasos se devem a
restrições nanceiras e de origem externa.
As oito Metas do Milênio são as seguintes: 1) erradicação da extrema
pobreza e fome; 2) educação primária universal; 3) promoção da igualdade de
gênero e empoderamento das mulheres; 4) redução da mortalidade infantil;
5) melhoria da saúde materna; 6) combate à HIV/AIDS, malária e outras
doenças; 7) sustentabilidade ambiental; e 8) construir uma parceria global para
o desenvolvimento. Cada uma dessas metas tem seus próprios objetivos, num
total de 18 a serem atingidas em prazos determinados.
A mais recente avaliação das metas mostra que a Guiana conseguiu
progredir substancialmente na redução e erradicação da pobreza. Os últimos
dados revelam declínio do número de crianças de menos de 5 anos que sofrem
de subnutrição, comparado com o ano-base de 1995; em 2007 a Guiana
preencheu a meta. No esforço de combate à fome, o governo tem priorizado
escolas e clínicas de saúde nos programas de nutrição.
A Guiana também está bem situada no que toca ao preenchimento das
metas de educação primária universal. Estatísticas recentes mostram que a taxa
de crianças repetentes caiu de 4% em 1996 para 1% em 2002. Esses dados
reetem mudanças no currículo escolar, uma taxa maior de professores por
aluno e metas programadas para crianças mais necessitadas. O foco principal é
assegurar educação primária universal até 2009, por existir percentagem maior
de crianças freqüentando a escola.
A m de promover a igualdade de gênero e o empoderamento das
mulheres, a Guiana aderiu à convenção sobre eliminação de todas as formas
de discriminação contra as mulheres e à Convenção Inter-americana para a
prevenção e erradicação da violência contra as mulheres.
A Guiana está a caminho de preencher, senão de ultrapassar, a meta
para redução da mortalidade infantil. Embora haja dados conitantes entre o
Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde, não duvida de que
tenha sido conseguido rápido progresso nesse campo. Também se registrou
avanço na melhora dos cuidados de saúde a mulheres grávidas e tem havido
atenção cuidadosa in loco no monitoramento para prevenção da transmissão de
mãe para lho do HIV/AIDS e outras infecções sexualmente transmissíveis,
por meio de sessões de treinamento intensivo.
Rajendra Rampersaud
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A política agressiva de combate à HIV/AIDS, malária e outras doenças
progride bem. A taxa de HIV/AIDS em mulheres grávidas baixou de 5,6%
em 2004 para 2,6% em 2006. As mulheres grávidas estão sendo testadas
atualmente em clinicas pré-natais e o apoio maternal a órfãos e crianças
vulneráveis, assim como o despacho para o interior de equipes móveis de
tratamento, compostas por pessoal técnico qualicado, permitem prever
bons resultados nos cuidados de saúde.
A Guiana avançou signicativamente na implementação das 8 MDGs
e na obtenção de progressos para a consecução da maior parte das metas
até 2015. No entanto, a disponibilidade de recursos domésticos e as longas
demoras burocráticas na utilização da ajuda internacional têm sido obstáculos
principais, embora tenha passado metade do tempo para a realização das
metas até 2015. Apesar dos progressos nas 8 MDGs, o principal desao é a
implementação da capacidade institucional para sustentar o rápido progresso
no setor social. O investimento no setor social tem assegurado a distribuição
eqüitativa dos avanços da última década, mas é preciso manter a capacidade
institucional em prazo mais longo.
Apesar do ambiente macroeconômico estável e do progresso nas
MDGs, somente essas oito não são sucientes para sustentar o rápido avanço
econômico da Guiana. Em conseqüência, dado o atual panorama mundial,
o governo tem tratado de reestruturar os setores tradicionais, como açúcar,
arroz e bauxita e de estimular a ascensão e desenvolvimento de setores não
tradicionais e emergentes.
7. Desaos do futuro. Diversicação de produção
e mercados
O mercado mundial de açúcar está passando por grande reforma, à
medida que grandes importadores, como a União Européia e os Estados
Unidos, vêm sendo obrigados e retirar subsídios que distorcem o mercado e
começam a tornar seus regimes de comércio mais compatíveis com as regras
da OMC. A União Européia teve de reduzir seus preços subsidiados em
37% no período 2006-2007. Essa redução terá impacto sobre os exportadores
do regime de APC; no entanto em prazo mais longo seria melhor que
os países tivessem de reestruturar com maior valor agregado sua produção
de açúcar.
Economia da Guiana: avaliação e projeções
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158
Junto com a Guysico, o governo preparou 5 anos atrás um Plano
Estratégico de Ação para a indústria do açúcar a m de enfrentar a redução das
preferências sobre o produto. O Plano de Ação é considerado um recurso de
médio prazo para fomento da produtividade agrícola, aumentar o investimento
na pesquisa e desenvolvimento e a construção de novas instalações de
processamento. As principais estratégias para diversicação são a adição de
maior valor agregado ao açúcar por meio do desenvolvimento da capacidade
de reno, o desenvolvimento da embalagem de uma marca de açúcar “Guiana”
e a diversicação no setor energético, como a co-geração de eletricidade.
A co-geração de eletricidade é um projeto de grandes dimenes que busca
substituir parte do combustível fóssil de custo elevado por bio-combustível.
Este ano realizou-se na Guiana uma confencia internacional com a
participação de países do Caribe, Banco Inter-americano de Desenvolvimento,
Instituto Inter-americano de Agricultura, Banco de Desenvolvimento do Caribe
e Caricom, que concordou em iniciar estudos para implementar o processo
de produção de bio-combustível. Para isso, espera-se que a Guiana e os países
do Caribe aproveitem a experiência brasileira na produção de etanol. Também
existe um plano para construção de uma grande instalação de destilação para
a fabricação de rum engarrafado, produto nal na propriedade Skeldon.
O principal projeto, no entanto, em direção à reestruturação completa
da indústria do açúcar é um projeto de modernização de Skeldon no valor de
169 milhões de dólares, que se espera possa ser terminado em poucos anos.
A nova fábrica de açúcar deverá produzir 110 mil toneladas anuais a um custo
de 8 centavos de dólar por libra, o que tornará a produção guianense de açúcar
altamente competitiva em termos internacionais. O projeto deverá também
contribuir signicativamente para o aumento da produção de açúcar para 450
mil toneladas anuais. Também haverá reabilitação de outras fabricas de açúcar,
como a Albion, a m de torná-las mais ecientes.
O açúcar refinado como produto final proporciona importante
oportunidade. A região do Caricom é um mercado lucrativo para o açúcar
renado. O açúcar empacotado tem também mercado imediato no Caricom
e na América do Norte. O bagaço de cana será utilizado na produção de
eletricidade a m de fornecer cerca de 10 megawatts de potência à rede
nacional em Berbice. O rum é outro produto derivado do açúcar que tem
grande potencial. O rum da Guiana é detentor constante de prêmios na Feira
Internacional do Rum. Um projeto de nova destilaria em conjunto com uma
Rajendra Rampersaud
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grande companhia do setor privado está em curso na nova fábrica de açúcar
Skeldon e com o turismo do Caricom o potencial desse mercado para o rum
será muito lucrativo para a Guiana.
O arroz também foi prejudicado com a perda do mercado preferencial
na Europa. No entanto, a perda ocorrida desde o nal da década de 90 está
sendo contrabalançada pela existência de uma estratégia de competitividade a
m de permitir que a instria sobreviva sem necessidade de protão. Grandes
investimentos em drenagem e irrigação levaram ao aumento das colheitas.
O Instituto de Pesquisa investiu em controle de qualidade e em variedades
tropicais que causarão a duplicação da produção de arroz. Está em curso no
momento uma importante reestruturação da Junta Guianense de Fomento do
Arroz com o objetivo de liderar a busca de mercados de exportação. Existe
um grande potencial de mercados não explorados na região latino-americana,
para os quais a Guiana deverá voltar a atenção.
A demanda de bauxita da Guiana está novamente atingindo todo o seu
potencial mediante grandes investimentos da empresa russa Russal. Esperam-se
investimentos privados de cerca de 150 milhões de dólares nos próximos anos.
As principais indústrias em Linden e Everton deverão ser reequipadas. Também
planos em desenvolvimento para um complexo integrado de bauxita e
alumina e um estudo de factibilidade de uma nova fábrica de alumínio com
capacidade de pelo menos um milhão de toneladas anuais, em fase nal.
Uma vez revivicados os setores tradicionais que formaram os principais
pilares da economia durante mais de duzentos anos, as atenções se voltam
para o desenvolvimento do setor não tradicional e emergente da economia.
Essa diversicação da base econômica e redução da dependência do país
em exportações de commodities, que causa extrema vulnerabilidade a choques
externos, é o caminho para o progresso.
8. Setor manufatureiro
O setor manufatureiro possui grande potencial, mas continua a funcionar
abaixo de sua capacidade. O sub-setor farmacêutico está crescendo de forma
constante tanto em produção quanto em exportações e é o setor de vanguarda,
com novos produtos, inovação e pesquisa. As exportações de produtos
farmacêuticos da Guiana penetraram nos mercados norte-americano e
europeu. O aumento das construções levou a um incremento na demanda de
Economia da Guiana: avaliação e projeções
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produtos de engenharia e construção, mas esse sub-setor se encontra ainda
no estágio inicial de desenvolvimento.
Nos últimos anos houve indicações de crescimento das indústrias de
manufaturas leves e agro-processamento. Essas indústrias têm utilizado
matérias primas e insumos vindos da economia doméstica. É evidente que
esses produtos de maior valor agregado estimularão tanto as instrias
manufatureiras de ponta quanto as tradicionais na Guiana.
Um sub-setor que teve boa penetração no mercado de exportação foi
o de gado, frutos do mar, aqüicultura, produtos orestais e frutas e legumes
frescos. As exportações de produtos agrícolas não tradicionais têm crescido
constantemente à razão de 6% anuais nas últimas duas décadas. A Guiana
está bem situada para aproveitar em grande escala o mercado do Caricom,
que importa cerca de 3 bilhões de dólares em alimentos. No entanto, um
impedimento importante é a falta de infra-estrutura que permita o rápido
escoamento das exportações de maneira oportuna e adequada.
A Guiana é hoje um dos principais produtores de frutos do mar para o
mercado norte-americano e recebeu recentemente certicação para exportação
de camarões aos Estados Unidos pelo sexto ano consecutivo. Há grande
demanda para as frutas e legumes frescos da Guiana, mas seu potencial é
limitado pela infra-estrutura de exportação. A infra-estrutura para a preservação
de alimentos, capaz de prolongar sua duração útil, ainda é insuciente. Em
conseqüência, não tem sido possível atender ao incremento da demanda para
seus produtos no mercado de exportação.
A oresta tropical da Guiana fornece ao setor moveleiro diferentes tipos
de madeiras com as quais satisfazer uma indústria crescente de mobiliário.
O setor de moradias, em rápido crescimento, aumentou a demanda por veis
produzidos localmente, em particular devido à recente Copa do Mundo de
Críquete em 2007 e à grande quantidade de novos hotéis, o que resultou em
uma demanda de mobília maior do que o esperado. Durante dois anos o
mercado de exportação sofreu retração. A capacidade de fabricação de mobília
está agora se ajustando ao aumento da demanda.
9. Setor de TCI
Talvez o maior potencial inexplorado esteja na área de tecnologia da
comunicação e da informação (TCI). A localização geográca da Guiana no
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centro do continente, com o ings como língua materna e populão altamente
instruída proporciona todos os pré-requisitos para um setor de TCI dinâmico.
certas limitões de infra-estrutura que eso sendo agora objeto de atenção,
como o alto custo da banda larga internacional e o fornecimento pouco
conável de eletricidade, fator que uma vez corrigido facilitará o crescimento
do sub-setor de TCI. Com produtos baseados no conhecimento, esse sub-setor
proporcionará empregos de altos salários e aceleração do PIB per capita.
Uma análise dos diversos sub-setores da economia guianense revela
claramente a sub-utilização da capacidade. A utilização integral contribuipara
que a Guiana possa mais do que dobrar o crescimento de seu PIB per capita
na próxima década. Porém, para que essa capacidade possa ser adequadamente
aproveitada, os gargalos estruturais terão de ser removidos, a m de facilitar
o crescimento econômico sustentável.
10. Desenvolvimento recente da infra-estrutura
A infra-estrutura física existente é incapaz de proporcionar o apoio
necessário para que a Guiana assuma o lugar que lhe cabe num ambiente
globalizado. Além disso, por não ter tido acesso ao crédito na “década perdida”
de 1980, a infra-estrutura existente cou gravemente deteriorada. O desao
do período atual é não apenas reabilitar o que existe mas também a criação de
infra-estrutura nova, que possa estimular a produção e as exportações. Essa
é uma tarefa muito dispendiosa que terá de ser executada sistematicamente,
dadas as limitações orçamentárias. A seção seguinte detalhaalguns dos
acontecimentos recentes.
a) Estradas e pontes
Um dos projetos mais importantes para a ligação entre a Guiana e o Brasil
é a construção de uma estrada de Bom Fim, no Brasil, a Linden, na Guiana.
Estão em curso obras na ponte sobre o rio Takutu, que ligará a Guiana ao
Brasil numa das conees continentais mais importantes. O governo da Guiana
está investindo em um complexo de GY$ 128 milhões em Linden a m de
proporcionar serviços como irrigação, alfândega, polícia e saúde. Esse é um
dos projetos inovadores de infra-estrutura que integrarão mais profundamente
a Guiana e seus parceiros latino-americanos. Também criará oportunidades
de comércio, turismo e rede de transportes na América do Sul.
Economia da Guiana: avaliação e projeções
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Há outro grande projeto de investimento viário na estrada Nova
Amsterdam Riacho Moleson, num custo total de mais de 5 milhões de
GY$. Essa estrada permitirá fácil acesso da Guiana a seus outros vizinhos sul-
americanos, aumentando assim as oportunidades de mercado, intercâmbio de
culturas e facilidade para o livre movimento de pessoas em todo o continente.
Além da restauração das estradas existentes, a constrão de novas
estradas criará a rede disponível para facilitar as comunicações nas regiões não
tradicionais e os laços continentais mais amplos. A atual malha viária somente
liga o litoral e como tal o facilitou o desenvolvimento de regiões mais amplas.
A construção pelo setor privado da ponte sobre o rio Berbice, atualmente em
curso, é outra grande iniciativa de infra-estrutura que ligará os municípios de
Berice e Demerara, estimulando simultaneamente o progresso econômico em
ambas as municipalidades. Ao ser completada, espera-se que seja a maior ponte
utuante do mundo. A ponte substituirá um sistema antiquado de travessia do
rio que liga dois dos territórios mais densamente povoados da Guiana.
O projeto da ponte sobre o rio Berbice coincidi com os planos
de construção de um porto de águas profundas no mesmo curso d’água.
Atualmente, apenas navios de pequeno calado podem chegar à Guiana devido
ao baixo nível do rio Demerara, onde a maioria dos portos estão situados,
e por isso o custo do comércio no país quase dobrou. Com a dragagem e
dessalinização do rio Berbice, navios grandes poderão chegar à Guiana e a
armazenagem de grandes contêineres será facilitada. O porto proporcionará
oportunidade para instalações portuárias modernas e de melhor qualidade de
categoria internacional. Essas instalações muito contribuirão para aperfeiçoar
a competitividade exportadora da Guiana.
b) Suprimento de eletricidade e energia
Durante mais de quatro décadas o suprimento de energia elétrica na
Guiana permaneceu dependente da antiga Guyana Light and Power Company
dos anos 50, que ainda usa combustível fóssil bastante dispendioso. O custo
e as limitações de suprimento dessa empresa foram identicados como um
dos principais obstáculos ao desenvolvimento de um setor manufatureiro
dinâmico. A Guyana Light and Power Company tem procurado aumentar
a eciência por meio de um plano de melhoria da geração e distribuição e
redução da perda comercial e técnica, que é atualmente estimada em mais de
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30%. Esses aperfeiçoamentos aumentarão a competitividade da Guiana no
setor de manufaturas, pois o custo da energia é um dos principais formadores
do valor do produto.
O imenso potencial de energia hídrica da Guiana tem estado
inaproveitado apesar de diversas tentativas anteriores. Uma empresa privada, a
Synergy Holding Inc. encontra-se atualmente obtendo nanciamento a m de
desenvolver um projeto de energia hídrica nas Quedas Amélia, no rio Pataro.
Esse projeto tem o potencial de produção de 100 MW de energia durante os
próximos 100 anos. Espera-se que as operações comerciais estejam operando a
todo vapor até 2010. Será uma fonte de energia abundante e barata que poderá
impulsionar o esforço manufatureiro da Guiana.
c) Transporte aéreo
O desenvolvimento do setor de transporte aéreo está em curso. Os
melhoramentos introduzidos no aeroporto internacional Cheddi Jagan para
a Copa do Mundo de Críquete (2007) e no aeroporto doméstico Ogle, que
oferece vôos para o interior do país e países do Caribe, constituem um grande
estímulo ao turismo. No entanto, a capacidade de carga do aeroporto é ainda
limitada. necessidade de modernizar as instalações e os armazéns, com
melhoria das unidades de refrigeração e embalagem a m de aumentar a
exportação de frutas, legumes, carnes e outros produtos perecíveis.
11. Conclusão
A economia guianense progrediu muito durante a última década na
consecução da estabilidade macro-ecomica. A economia apresentou
crescimento positivo na maior parte do período e a inação foi controlada
apesar dos choques internos e externos. O crescimento e desenvolvimento
da Guiana foi mais eqüitativo e a economia atingiu a maioria doas Metas de
Desenvolvimento do Milênio estabelecidas para 2007.
No entanto, apesar da abundância de recursos e da estabilidade macro-
econômica, a economia o conseguiu melhoria mais rápida do PIB per
capita. Os obstáculos são o nível da infra-estrutura física para facilitar o
crescimento e o desenvolvimento em rito mais veloz. A reabilitação da infra-
estrutura de comunicações, energia e equipamento industrial contribuirá
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para a aceleração geral do crescimento e do desenvolvimento e na melhoria
do padrão de vida.
I. Indicadores econômicos selecionados
Indicadores 2002 2003 2004 2005 2006
1.0 Contas nacionais acumuladas
1.1 Taxa de crescimento do PIB real 1.1 -0.6 1.6 1.9 4.7
1.2 PIB ao custo de fatores (US$ milhões) 617.8 631.0 652.7 683.6 741.2
1.3 PNB a custo dos fatores (US$ milhões) 562.7 588.4 621.7 663.5 698.1
1.4 PIB per capita (US$) 829.2 840.2 864.4 902.6 974.9
1.5 PNB per capita (US$) 755.4 783.5 822.5 875.6 918.2
1.6 Renda bruta nacional disponível (US$
milhões)
705.2 763.7 781.5 931.6 1,032.0
1.7 Consumo privado como % da despesa
bruta interna
45.1 44.8 49.2 55.3 47.5
1.8 Consumo público como % da despesa
bruta interna
21.1 23.7 21.8 20.3 18.2
2.0 Comércio exterior e nanças (US$)
2.1 BP conta corrente da balança -106.7 -60.6 -70.0 -167.1 -181.4
2.2 Importações de bem e serviços não
fatores (G & NFS)
-758.9 -743.8 -854.5 -984.5 -1,103.2
2.3 Exportações de bens e serviços não
fatores (G & NFS)
667.2 669.6 749.9 698.9 748.8
2.4 Saldo de recursos -91.7 -74.2 -104.6 -285.7 -354.4
2.5 Importações de G& NFS/PIB (%) 122.8 117.9 130.9 144.0 148.8
2.6 Exportações de G & NFS/PIB (%) 108.0 106.1 114.9 103.2 101.0
2.7 Reservas internacionais líquidas do
Banco da Guiana
183.2 176.2 136.6 160.5 222.3
2.8 Dívida pública externa pendente 1,246.7 1,084.5 1,071.1 1,094.0 920.6
3.0 Preços, salários e produção
3.1 Taxa de inação (5 transformados
em IPC urbano)
7.1 4.9 7.2 8.3 *4.2
3.2 Salário mínimo mensal no setor
público em G$ (e.o.p.)
21,047.3 22,099.0 23,204.0 24,828.3 26,069.0
3.3 Taxa de crescimento (%) 5.0 5.0 5.0 7.0 5.0
3.4 Geração de eletricidade (em MWH) 512.7 488.9 514.9 528.4 534.6
Fonte: Serviço de Estatísticas e Ministério das Finanças
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II. Indicadores sociais selecionados
Indicadores 2002 2003 2004 2005 2006
4.0 População e estatísticas vitais
4.1 População no meio do ano (‘000) 747.7 752.5 755.1 757.6 760.2
4.2 Taxa de crescimento da população 0.9 0.3 0.3 0.3 0.3
4.3 Migração líquida (‘000) N.A N.A N.A N.A N.A
4.4 Chegadas de visitantes (‘000) 104.3 100.9 121.9 116.6 113.5
4.5 Taxa bruta de natalidade (por 1.000) 23.5 25.8 23.1 N.A N.A
4.6 Taxa bruta de mortalidade (por 1.000) 7.3 7.3 6.8 N.A N.A
4.7 Taxa bruta de casamentos (por 1.000) 7.3 6.4 5.9 4.8 6.1
4.8 Taxa de mortalidade infantil (por 1.000) 20.3 17.0 20.7 22.8 18.4
4.9 Taxa de mortalidade até 5 anos (por 1.000
nascimentos vivos)
24.9 21.2 26.0 N.A N.A
5.0 Saúde e educação
5.1 Gastos públicos 18.2 14.4 15.5 13.7 13.0
5.1.1 Educação como % do orçamento 8.8 8.9 9.5 7.5 9.0
5.1.2 Saúde como % do orçamento 4.6 4.1 4.2 4.3 4.9
5.2 Número de médicos por 10.000 habit. 10.5 14.0 34.0 34.0 13.1
5.3 Número de enfermeiras (os) por 10.000 42.4 43.6 43.6 43.5 24.8
5.4 Número de leitos por 10.000 11.5 11.9 11.8 11.8 N.A
5.5 Nascidos com peso <2,5 kg. como % dos
nascidos vivos
0.7 0.6 1.0 0.6 N.A
5.6 Gravemente desnutridos 9.3 8.8 9.3 7.0 N.A
5.7 Moderadamente desnutridos 3.9 4.7 5.2 4.7 N.A
5.8 Peso acima do normal
6.0 Amplitude da vacinação
6.1. Crianças de 1 ano vacinadas c/ penta-valente (%) 85.0 91.0 92.0 92.0 92.0
6.2 Crianças de 1 ano vacinadas contra MMR,
febre amarela (%)
93.0 90.0 90.0 92.0 92.0
6.3 Crianças de 1 ano vacinadas contra poliomielite (%) 93.0 90.0 90.0 93.0 92.0
6.4 Crianças de 1 ano vacinadas contra TB, BCG (%) 95.0 94.0 94.0 96.0 96.0
7.0 Crime
7.1 Crimes graves denunciados 3,470.0 2,941.0 3,450.0 2,808.0 2,376.0
7.2 dos quais: homicídios 142.0 206.0 131.0 125.0 153.0
Fonte: Bureau de Estatísticas e Ministério das Finanças.
DEP
Tradução: Sérgio Duarte
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166
Paraguai, uma marcha
lenta: situação e
perspectiva econômica
Dionisio Borda
*
O
problema central no Paraguai é o baixo crescimento econômico e
a persistência da pobreza e da desigualdade. Esses obstáculos se originam
no pouco desenvolvimento das instituições do Estado, o que gera alta
informalidade e débil presença da economia de mercado. O exercício do poder
de forma discricionária e arbitrária atrasa a construção de um Estado eciente,
da economia de mercado e da distribuição mais eqüitativa das oportunidades
e recursos. As reformas institucionais projetadas não são sustentáveis nesse
contexto, as políticas econômicas somente dão resultados de curto prazo e
não se vislumbra no cenário político um esforço para construir uma estratégia
de médio prazo capaz de reverter a situação econômica e social.
1
* Diretor do Centro de Análise e Estudos da Economia Paraguaia (Cadep)
dborda@isugw.indstate.edu
1 Este trabalho se baseia em obras anteriores do autor, tais como: “Paraguai, resultados das reformas
(2003-2005) e suas perspectivas. Série Informes e estudios especiales, Cepal, Chile, 2007. Economia y empleo en el Paraguay,
org. Cadep, Paraguai, 2007. “Paraguai, crecimiento y progreso social” (versão preliminar) para a KAS, Paraguai,
2007. Borda, D. e Richards, D. “The predatory State and economic reform: an examintion of Paraguay’s
potential economic transition”, en J.M. Fanelli Understanding market reforms in Latin America: similar reforms, diverse
constituencies, varied results: Palgrave, 2007.
Dionisio Borda
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
167
1. Antecedentes institucionais e econômicos
A economia paraguaia, ao contrário dos demais países latino-americanos,
conseguiu manter relativa estabilidade macroeconômica, baixo nível de
endividamento e abertura comercial desde a década de 60. No campo
institucional, o país não logrou formar instituições públicas ecientes e dignas
de crédito. O desenvolvimento dos três poderes do Estado foi e continua a ser
débil; inicialmente em conseqüência da ditadura (1954-1989) e posteriormente
durante a transição, o governo não conseguiu superar o sectarismo e continua
fortemente submetido aos interesses político partidários. Essa forma de
administrar o Estado tem sido responsável pelo baixo crescimento com
altos níveis de pobreza e desigualdade. As inecncias e insuciências
institucionais se reetiam nos índices de transparência, de governabilidade e
de competitividade em nível mundial
2
.
A ditadura criou uma relação de poder baseada no Estado, no partido
único e nas forças armadas, o que impediu o desenvolvimento da burocracia
prossional e dos partidos de oposição e a formação de uma cidadania ativa.
A transição para a democracia teve origem em um golpe de Estado liderado
pelas forças armadas (fevereiro de 1989). Com essa ação militar e pela mão
do mesmo partido político abriram-se as portas para a democracia, depois
de 35 anos de ditadura, porém sem até agora consolidar a democracia e o
desenvolvimento do Estado. Três presidentes eleitos precederam o atual
governo.
3
O último foi substituído antes de completar um ano de mandato, por
um governo designado pelo Parlamento
4
, diante de sua iminente destituição
mediante julgamento político devido ao assassinato do vice-presidente (março
de 1999). Nesse período de 16 anos de democracia, além disso, ocorreram
três tentativas fracassadas de golpes de Estado
5
, que denotam a parca
tradição democrática da sociedade, em particular da classe política, e o débil
desenvolvimento institucional do Estado.
2 Transparência Internacional identica o Paraguai no índice de percepção da corrupção em 92º lugar entre 102
países (2002).; 123º em 133 (2003); 140º em 145 (2004) e 144º em 158 (2005); segundo Latinobarometro em 1996,
59% dos paraguaios preferiam o governo democrático e somente 26% preferiam um governo ditatorial. Em 2005,
no entanto, somente 32% continuavam apostando em um governo democrático e 44% em um governo ditatorial.
Em seu índice de competitividade, o Foro Econômico Mundial colocou o Paraguai em 76º lugar num total de 80
países (2002-2003); no 95º lugar entre 101 países (2003-2004) e no 11entre 117 (2005-2006).
3 N. Duarte F: 2003-2008 e A. Rodriguez: 1989-1993; J.C Wasmosy: 1993-1998; e R. Cubas: 1998-2003.
4 L.A. Gonzalez M: 1999-2003.
5 Dezembro de 1995, abril de 1996 e dezembro de 2001.
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Esse contexto político possui necessariamente derivações econômicas.
O crescimento econômico dio durante 1981-2005 foi de apenas 2%,
enquanto o crescimento demográfico se manteve na ordem de 2,8%.
O crescimento por habitante nesse período reduziu-se em 16%, uma das piores
cifras da região. Esse retrocesso econômico teve várias causas. Os fatores
externos foram desfavoráveis e recorrentes. A volatilidade econômica de países
vizinhos, como o Brasil e a Argentina, principais sócios comerciais, abalou
esta economia no passado recente. A seca e a queda dos preços internacionais,
principalmente do algoo, também contribram para o estancamento
econômico. A crião do Mercosul em 1991 reduziu o corcio de triangulão
(importação e reexportação) principalmente com o Brasil, afetando de maneira
adversa a economia doméstica. Os fatores internos, por sua vez, têm sido
pouco favoráveis à geração de melhores condições para o desenvolvimento do
mercado e dos investimentos privados nas duas últimas décadas. A corrupção
e a economia informal impediram investimentos privados sérios. As altas taxas
demográcas, a alocação ineciente dos investimentos e as crises nanceiras dos
anos 90 tampouco contribuíram para impulsionar o crescimento econômico.
A auncia de uma estratégia que melhore a qualicão dos recursos humanos,
que priorize o investimento público em infra-estrutura e que desenvolva as
instituições do Estado tem peso especico muito importante para lograr o
crescimento e a redução da pobreza e da desigualdade
6
.
2. Reformas empreendidas
No Paraguai as reformas têm sido parciais e não contínuas, e em muitos
casos, reversíveis. Tampouco têm elas sido seqüenciais. Essa situação tem
explicações que merecem ser revistas como ponto de partida. A instabilidade
macroeconômica nunca chegou a níveis de hiperinação, o décit scal não
subiu a mais de 5% do PIB e os endividamentos não foram superiores a 45%
do PIB nos piores momentos, e nem houve atraso no pagamento da vida que
signicasse corte das transferências externas. Ao contrário de outros países, a
economia paraguaia era aberta: a importação e reexportação de bens foi uma
das estratégias para penetrar nas economias protegidas do Brasil e da Argentina,
cuja conseqüência adversa se reetia em uma economia doméstica subterrânea
6 D. Borda, “La economia y el empleo en el Paraguay” (pp. 1-13), em D. Borda (org.) Economia y empleo en el
Paraguay. Assunção: Cadep, 2007.
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169
ou informal de grande peso, o que debilitava o exercício do controle estatal e
gerava corrupção. Da mesma forma, a intervenção do Estado focalizava mais
a gestão das empresas do Estado de serviços públicos (eletricidade, água
e telefonia), de produção de bens (cimento, aço álcool e cana) e de serviços
(portos, aeroporto, frota marítima, linhas aéreas, instituições nanceiras de
primeiro plano) do que em controles de preços dos mercados regulados.
As xações de preços de produtos da cesta familiar não eram ecazes porque
o governo não dispunha da capacidade de exercer controle. No caso das
taxas de juros e de câmbio, no entanto, possuía melhores formas de controle.
Ambas as intervenções, tanto nas empresas públicas quanto no controle de
preços, reforçavam a corrupção e não exatamente permitiam a consecução
dos objetivos dessas políticas.
Outra peculiaridade consiste no fato de que nos anos 60 e 70 o governo
do Paraguai, sem fazer reforma agria, distribuiu terras de propriedade
do Estado a pequenos produtores e era também o grande provedor de
empregos devido à ausência de empresas de grande porte. A distribuição de
terras e a geração de empregos públicos reforçaram as lealdades políticas,
atrasando mais ainda o desenvolvimento do Estado, a formação de uma
burocracia prossional e uma cidadania mais autônoma, assim como também
o desenvolvimento do mercado. Da mesma forma, o exercício do poder
em mãos de um único partido político o permitiu o desenvolvimento
das instituões do Estado, a competão no mercado e a vigência dos
partidos políticos com opções de poder. A relação Estado-partido gerou
um empresariado altamente dependente do governo e grande clientelismo
em torno da criação de emprego direto na burocracia e indireto mediante
a repartição das terras públicas. Dentro desse contexto peculiar, é possível
entender as iniciativas de reformas da política macroecomica e a liberalização
dos mercados e do comércio exterior do Paraguai.
Política macroeconômica
As reformas da política econômica passaram por duas fases. A primeira
ocorreu no início de 1989; o governo enfrentava um surto inacionário,
décit scal e atraso no pagamento das dívidas. Na segunda, no começo de
2003, o governo enfrentou os mesmos problemas da primeira, que voltaram
a manifestar-se.
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Na primeira fase foi promulgada a nova lei tributária de 1991 que
simplificou o sistema de arrecadação de impostos, ampliou a base de
contribuintes e conferiu eciência e neutralidade à alocação de recursos,
modicando ao mesmo tempo a estrutura tarifária. O novo regime tributário
substituiu mais de 30 impostos, além de simplicar e modernizar o sistema
impositivo paraguaio. Essa lei compreendia a reforma dos impostos internos
e a reforma tarifária, por meio da qual todas as tarifas de importação caram
reduzidas drasticamente, em 10% em média.
Outra medida importante aplicada em 1989 foi a adoção de um novo
regime cambial. Foi abandonado o sistema de câmbio múltiplo no qual o
dólar tinha preços xos diferentes
7
. A partir de fevereiro de 1989 passou-se
do câmbio múltiplo a um câmbio único e livre dentro do sistema de utuação
administrada, no qual o mercado determina o preço das divisas segundo certa
banda estabelecida pelo Banco Central do Paraguai (BCP), conforme seu
programa monetário de controle da inação. Esse sistema corrigia as distorções
criadas pelo regime de taxas múltiplas, porém absorvia excessivamente o custo
do controle da inação, expresso em termos de perda cambial
8
.
Essa primeira onda de reformas foi perdendo peso com os decretos
regulamentadores que signicavam novas alterações da reforma tributária
e ausência do controle de gastos. Em 2002, o décit scal mostrava uma
tendência expansiva a partir de 1995; a média do décit anual era da ordem
de 2,5% do PIB, e de 3,37% em 1999, 4,27% em 2000 e 2,95% em 2002. Essa
situação decorria, em parte, do escasso incremento das arrecadações apesar
da reforma, que não passava de 10,5% do PIB, devido às múltiplas isenções e
exceções à lei de reforma tributária de 1991 (Shome et al., 1999), à debilidade
administrativa e à conhecida corrupção da Subsecretaria de Tributação e da
Diretoria de Alfândega.
Esse ressurgimento do desequilíbrio começou a expandir-se no início
dos primeiros anos 2000. O crescente décit scal e o incremento da dívida
pública colocavam o país diante de uma iminente cessação de pagamentos.
O décit scal e o atraso nos pagamentos da dívida somente foram tratados
7 Existiam: i) taxa para exportações; ii) taxa para importações; iii) taxa preferencial para importações de insumos
e maquinaria utilizada para investimento no setor produtivo; iv) taxa preferencial para importações do Estado
e v) taxa preferencial para o pagamento da dívida externa pública.
8 A inação acumulada era muito maior do que o incremento do preço do dólar em termos de moeda doméstica.
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em 2003-2004, por meio de um conjunto de medidas: a lei de adequação scal,
a reforma da caixa scal, a renegociação da dívida interna e a adoção de um
novo código aduaneiro. O inicio da reforma marca a promulgação da Lei da
Caixa Fiscal (dezembro de 2003). Essa reforma consistiu na modicação no
sistema de aposentadorias e pensão do setor público, que gerava um décit
operacional crescente, nanciado pelo governo central
9
.
A reforma tributária, chamada Adequação Fiscal, foi promulgada em
julho de 2004. Essa reforma contemplava a formalização da economia e a
correção da carga tributária demasiadamente baixa (10% do PIB), mantendo
taxas impositivas baixas; a ampliação das bases tributárias e a incorporação de
novos impostos. A norma tributária prévia tinha grande número de cláusulas
de escape legais (46 isenções) que dicultavam a administração: padecia das
inexplicáveis ausências de outros impostos universais, como o tributo sobre os
rendimentos pessoais, sobre os ganhos de capital ou sobre o rendimento das
empresas pecuárias e agrícolas
10
. A nova reforma simplicou o sistema com
uma fórmula 10-10-10, isto é, 10% de IVA para todos os produtos e serviços;
10% de imposto sobre a renda pessoal com rendimentos superior a 10 salários
mínimos legais, e 10% sobre a renda de todas as empresas (agropecuárias,
industriais e de serviços)
11
. A receita estimada com a vigência plena da reforma
era da ordem de 1,5% do PIB.
Mesmo com a vantagem dessas taxas baixas, a competitividade do
país não melhorou
12
. Os elevados décits dos serviços públicos
13
e a baixa
qualidade dos gastos do Estado constituem dois problemas graves para o
desenvolvimento. Uma das limitações é a alocação incorreta dos escassos
recursos para investir em pessoas e serviços, principalmente viários, em um
país sem litoral marítimo; outra é a baixa arrecadação devido à corrupção e
aos privilégios. Isso parece ser um círculo vicioso funcional em um Estado
9 Borda, D. (org.) (2003). Globalización y crisis scal: casos de Argentina, Brasil y Paraguay. Assunção: Cadep.
10 Shome, P. et al. (1999). Paraguay: Estrategia de la reforma del Sistema Tributario. Departamento de Finanzas
Publicas, PMI.
11 Três aspectos são relevantes: o IVA para a soja (que o Congresso eliminou), a inclusão do imposto de renda
pessoal pela primeira vez e o imposto sobre ganhos das empresas agropecuárias. A redução do imposto sobre
os ganhos das empresas de 30% para 10% obedeceu a i) o rendimento desse imposto nunca passou de 10% por
causa das isenções; ii) para a introdução do imposto sobre a renda pessoal (trade off) e as sociedades de emissão
de capital pagavam somente 10%.
12 O Paraguai está na 113ª posição numa amostra de 117 países (Brasil 65, Uruguai 54 e Argentina 72) Segundo
o índice de competitividade do Foro Econômico Mundial The Global Competitiveness Report 2005-2006.
13 Banco Mundial (1996). The role of the State. Informe Nº 15044-PA. Washington, DC.
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ineciente e corrupto e um empresariado conservador e inquilino. O Paraguai
é o país que menos possui infra-estrutura e qualicação de recursos humanos
na região e paradoxalmente é o país com menor carga tributária; essa situação
limita suas possibilidades de crescimento em uma economia globalizada.
Outra reforma importante no campo fiscal, vinculada às duas já
mencionadas, foi a promulgação em 2004 do novo Código Alfandegário, que
atualizou as normas segundo o padrão internacional, permitiu a modernização
administrativa de uma instituição-símbolo de arranjos políticos e abriu a
possibilidade de prossionalização dos recursos humanos
14
.
Liberalização dos mercados
A liberalização das taxas de juros e a eliminação do crédito dirigido foram
medidas aplicadas em 1990
15
. Desde outubro desse ano foram liberadas as
taxas de juros e a partir de então o mercado determinava o preço do dinheiro.
O outro aspecto da reforma nanceira foi a eliminação do crédito dirigido.
Conseguiram-se importantes progressos em relação à moldura
reguladora do setor nanceiro com a promulgação da nova Carta Orgânica
do Banco Central do Paraguai, a nova Lei de Bancos e a Lei de Seguros. Além
disso, foram promulgadas cinco novas leis vinculadas ao mercado de capitais
16
.
Ainda mais especicamente em relação ao sistema nanceiro, houve mudanças
importantes no marco regulatório durante a segunda fase da transição.
O mero de nanceiras reguladas (legais) era de 29 em 1989 e passou a
61 em 1997. Quanto às nanceiras o reguladas, estima-se que existiam
60 em 1989, reduzindo-se gradualmente até chegar a 37. A facilidade de
ingresso no sistema de empresas nanceiras, somada à baixa capacidade de
supervisão do Banco Central, contribuiria em seguida para a geração das
sucessivas crises nanceiras de 1995 e 1998
17
. Em 1995 existiam 34 bancos
e 63 nanceiras; em 1998, depois da rie de crises bancárias, permaneceram
14 Segundo uma pesquisa realizada pelo Banco Mundial e pelo CISNI, a Diretoria de Alfândegas, o Poder
Judiciário e a Subsecretaria de Tributação surgem entre as instituições mais corruptas do Estado.
15 Os limites superiores para as taxas de juros eram de 28% para uma taxa ativa (empréstimos comerciais), 12%
para a taxa passiva (poupanças à vista) e 18% para a taxa passiva de depósitos a prazo em 1989. Em 1990 os limites
eram de 40%, 12% e 26%, respectivamente, ainda xados pela Diretoria do Banco Central do Paraguai.
16 Lei de mercado de capitais, de auditoria externa, empresas qualicadoras de riscos, bolsa de produtos e
securitizacão.
17 Com relação aos bancos, existiam 24 em 1988 e 35 em março de 1995, antes da primeira crise. Isto é, em
6 anos de transição foram criados 11 novos bancos.
Dionisio Borda
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173
23 bancos e 36 nanceiras. Posteriormente, em 2002, após a quebra de um
banco importante, o sistema se reduziu ainda mais; em 2005 havia somente
13 bancos e 13 nanceiras
18
.
Com a experiência da primeira fase da reforma nanceira foi aprendida
uma lição importante: a necessidade de rapidez em caso de fechamento de
um banco. Nessa segunda fase das reformas, o governo logrou promulgar a
lei (dezembro de 2003) de criação de um fundo de garantia de depósitos a
m de proteger os poupadores no caso de eventual quebra de uma entidade
nanceira. Conseguiu-se também baixar as taxas de juros ativas ponderadas
de 26,8% em 2000 para 15% em 2006. No entanto, as condições para outorga
de créditos continuaram sendo de curto prazo. As opções dos bancos para
aquisição de bônus de curto prazo do Banco Central reduzem a possibilidade de
criação de um ambiente de maior competição entre os bancos a m de colocar
os créditos
19
. Mas na área da banca pública não foram feitas modicações na
primeira fase das reformas de primeira geração. A reforma da banca pública
somente foi enfrentada na segunda fase, com o novo governo (2003-2008).
Foi criada a Agencia Financeira de Desenvolvimento (AFD) como banco de
segunda linha, mediante a fusão de três fundos existentes. As operações foram
iniciadas em 2006, adiando-se a criação da banca de primeira linha devido a
interesses políticos do governo.
Com o governo atual (2003-2008) buscou-se retomar a intervenção do
capital privado através da capitalização, terceirização ou concessão de algumas
das empresas, principalmente a empresa vendedora de petróleo, a de cimento e a
de água, porém nalmente isso não foi conseguido com nenhuma delas. Muitas
dessas empresas trabalham com perdas operacionais e não podem honrar
suas dívidas, de cujo pagamento se ocupa o Tesouro, o que gera uma pressão
nanceira adicional ao orçamento scal. A maioria das empresas tampouco
melhorou seus serviços, com exceção da de eletricidade. Em última análise,
as empresas públicas continuam com os mesmos problemas de cobertura e
serviços decientes, porém se mantêm como entidades autônomas embora em
m de contas o Tesouro se encarregue dos pagamentos da dívida externa.
18 D. Borda, “Políticas e reformas empreendidas: resultados e desaos para o desenvolvimento” em D. Borda,
org. Economia y empleo en el Paraguay, Assunçao: Cadep 2007.
19 D. Borda. “Paraguai: resultados das reformas (2003-2005) e suas perspectivas”. Cepal: Informes e Estudios
Especiales no. 18, 2007.
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A abertura do comércio exterior não foi resultado das reformas, e sim
parte da estratégia do país para penetrar nas economias fechadas da região.
A inserção paraguaia no Cone Sul havia ocorrido anteriormente à assinatura do
próprio Tratado de Assunção, que criou o Mercosul em 1991
20
. A exportão de
duas ou três matérias primas agrícolas e o comércio fronteiriço de triangulação
(ou reexportação) haviam permitido certa integração regional. Além disso,
as fronteiras paraguaias totalmente permeáveis (devido a um alto grau de
comércio ilegal ou contrabando) permitiam a entrada quase irrestrita de artigos
importados da região e do mundo. Para o Paraguai, o desao do Mercosul
signicava na verdade a integração com base em maior industrialização e mais
exportação, principalmente de produtos não tradicionais.
Políticas sociais
As reformas mais importantes e contínuas foram as de educação, em
termos de maior cobertura, mais recursos e maior nível de escolaridade. Na
década de 80 a execução orçamentária do Ministério da Educação não passava
de 1% do PIB; nos anos 90 essa participação chegou a 2,5% e no período
2000-2006 aumentou a quase 4% do PIB. Uma parte importante se destinou
ao incremento salarial. A cobertura da educação primária e média aumentou,
mas a média de escolaridade em nível nacional continua baixa, de 7,5 anos
em 2005, sem avaliar a qualidade da educação, que continua a ser deciente
(Schiefelbein, 2007).
A saúde pública o foi reformada e mantém uma ampla rede de
clientelismo político. No entanto, houve um aumento de 0,3% do PIB nos
últimos anos da década de 80 para mais de 1% do PIB nos anos 90 e seguintes.
Foram construídos mais postos de saúde, porém a presença de prossionais
e insumos é escassa, principalmente no interior do país.
Na área da luta contra a pobreza observa-se ausência de estratégia e de
política, apesar da criação de uma série de secretarias ligadas à Presidência
da Reblica. A expansão do cultivo de soja e da pecuária e a falta de
oportunidades de trabalho geraram forte uxo migratório interno e externo,
assim como ocupações de terras rurais e urbanas.
20 D. Borda e F. Masi. Los limites de la transicion. Assunção: Cidsep-UC, 1998.
Dionisio Borda
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175
Reformas institucionais
As reformas institucionais em geral não se originaram na liderança de
atores políticos, sociais ou empresariais locais. Em sua grande maioria, essas
reformas surgiram de iniciativas externas, e poro contarem com aliados
nacionais convencidos de sua necessidade, eram principalmente consideradas
parte das condições prévias da cooperação. A debilidade dos partidos
políticos de oposição, a falta de líderes reformistas no partido do governo
e a pouca capacidade de inncia da sociedade civil não favoreceram
a gestação de idéias próprias, com exceção da mudança constitucional.
A primeira reforma de origem doméstica foi a modicação da Constituição
em 1992. Essa reforma outorgou muitos poderes ao Congresso, como
reação ao extremo centralismo da ditadura. Dessa forma, consagrou o voto
direto e a não reeleição do Presidente e Vice-Presidente da República, elevou
a instância municipal a cargos eletivos e deu também nova sionomia
aos governadores
21
.
Em uma publicação recente (Abente, 2007)
22
são apresentados alguns
dos problemas dos poderes do Estado. O Poder Executivo continua a ser
administrado segundo uma relação de patrocínio, porém fortemente limitado
pelo Congresso, o qual entre outras coisas possui competência para derrotar
um veto presidencial mediante maioria simples das duas Casas, para pedir
tratamento de urgência com o voto de uma única Casa e para modicar o
orçamento scal sem levar em conta as estimativas e restrições da receita.
O Poder Legislativo tem poderes discricionários em temas administrativos
a m de controlar os outros dois poderes. Essas faculdades constituem um
caldo de cultura para a corrupção e debilitam ainda mais a capacidade de
legislar em matéria de políticas públicas adequadas. Além disso, o Parlamento
apresenta alta fragmentação política e as eleições anuais para a Mesa Diretora
e para as Comissões criam um clima eleitoralista e acarretam perda de tempo
para legislar. O Poder Judiciário está altamente politizado a partir da Suprema
Corte de Justiça, inclusive o Conselho da Magistratura, o Júri de Indiciamento
e os juízes; a justiça carece de credibilidade na opinião pública e dispõe de
21 Anteriormente existiam Delegações de Governo, encarregadas da segurança pública (polícia), nomeados
pelo Presidente da República; os Prefeitos ou Alcaides não eram eleitos e sim nomeados pelo Poder Executivo,
tal como os membros da Suprema Corte de Justiça.
22 D. Abente. “El malestar de la democracia o la democracia del malestar?” em D. Abente e F. Mais, orgs.
Estado, economia e sociedade: una mirada internacional a la democracia paraguaya. Assunção: Cadep, 2006.
Paraguai, uma marcha lenta: situação e perspectiva econômica
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176
uma série de instrumentos (p. ex., inconstitucionalidade) usados para atrasar
processos e negociar sentenças.
Ambiente de Negócios
O desenvolvimento das empresas está limitado por diversos fatores.
Um primeiro motivo é a incerteza a respeito das políticas públicas e a escassa
proteção jurídica tanto dos bens sicos quanto da propriedade intelectual.
Essa situação limita a colocação de investimentos estrangeiros diretos e
também os investimentos nacionais. Outros dois fatores limitantes são as vias
de acesso ou de infra-estrutura para o comércio internacional, como também
a ausência de programas consistentes de formação de recursos humanos e de
políticasblicas proativas para a promoção de investimentos e mercados.
As empresas de telefonia celular e os bancos estrangeiros registraram níveis
elevados de lucros e de investimentos, principalmente os primeiros, a partir
do nal dos anos 90.
Um segundo motivo tem a ver com a proteção do direito de propriedade,
tema muito particular no Paraguai, porque se trata de uma economia agrária
com numerosa população rural que vive da agricultura e ao mesmo tempo
uma grande concentração da propriedade de terras, com um coeciente de
Gini superior a 0,9. Essas economias agrícolas familiares, que historicamente
tinham acesso sem maiores diculdades às terras de propriedade do governo,
enfrentaram a partir dos anos 80 o esgotamento das terras do Estado.
Simultaneamente, a expansão da soja e da pecuária gerou um incremento do
preço da terra, o que serviu como atrativo para o deslocamento de uma parte
da populão rural para os centros urbanos; pom, ao mesmo tempo, um setor
considerável de produtores organizados iniciou, desde os anos 90, freqüentes
ocupações de terras privadas. Essa dualidade e a grande desigualdade na
distribuição da terra, além da falta de uma política agrícola de consolidação das
unidades produtivas menores de 20 hectares, colocam em risco a estabilidade
social e a vigência do direito de propriedade.
Por último, o setor das micro, pequenas e médias empresas (Mpymes),
que gera a maior quantidade de empregos, perdeu competitividade diante do
comércio de importação, o que não foi acompanhado por políticas setoriais
adequadas. A m de sobreviver, as Mpymes são pressionadas em direção à
informalidade, reetida em baixos salários, condições trabalhistas inadequadas
Dionisio Borda
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
177
e ausência de segurança social. Desde 1997/98 até 2005 aumentou a ocupação
no setor informal e reduziu-se o emprego no setor das grandes empresas
(Berry 2007).
3. Resultados e perspectivas
A economia paraguaia não passou pela mesma experiência de outros
países com fortes desequilíbrios macroecomicos. A política scal e a
monetária não conseguiram reverter a situação inacionária e o atraso no
pagamento da dívida (Quadro 1). Mas a qualidade da política é questionável.
As medidas tomadas não são sucientes para modicar as causas subjacentes
dos problemas. A política scal traduziu-se em duas reformas tributárias, mas
a tendência à exibilização por meio de regulamentações da lei ou o adiamento
da entrada em vigor de alguns dos artigos debilitam a reforma, por pressões
setoriais. Assim ocorreu com a primeira lei em 1992 e está ocorrendo com a
segunda, de 2004, com a diferença de que essa segunda duplicou em 4 anos a
quantidade de contribuintes e o incremento da arrecadação anual se manteve.
A baixa pressão tributária (11% do PIB) é compensada com as transferências
de privilégios e a cessão de energia das empresas hidrelétricas (4% do PIB), mas
ainda assim a carga tributária é baixa. Por outro lado, o incremento de gastos
não corresponde a um planejamento prévio a m de cumprir as prioridades
do governo, e sim segue a pauta de critérios políticos e pressões setoriais.
A política monetária tem sido relativamente ecaz no controle da inão,
mas não muito eciente para gerar um mercado nanceiro que promova o
desenvolvimento, devido ao alto custo do dinheiro e aos créditos de curto
prazo. As reformas nanceiras tiveram problemas de seqüência: primeiro foram
liberadas as taxas de juros, em seguida foram feitas mudanças normativas e
nalmente tratou-se da formação técnica e equipamento para o cumprimento
das funções de controle do sistema nanceiro. A liberalização do regime
cambial foi positiva porque eliminou um fator de alta distorção dos preços e
um mecanismo de corrupção. A utuação administrada da taxa de câmbio foi
inicialmente utilizada para controle da inação; em seguida entrou em vigor
o uso de bônus de curto prazo como instrumento de política monetária e
atualmente adotou-se como política a xação de metas de inação. As elevadas
taxas de juros do sistema são atribuídas à política monetária (bônus) assim
como a perda de competitividade pela apreciação da taxa de câmbio. Em geral,
Paraguai, uma marcha lenta: situação e perspectiva econômica
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178
a política monetária tem estado menos exposta a pressões políticas do que a
política scal.
Quadro 1
Algumas variáveis macroecônomicas – Valores médios por período (em %)
Períodos
Receitas
tributários/
PIB
Gastos/
PIB
Superávit/
décit/
PIB
Inação
Taxa real
de câmbio
(US$/G)
Dívida
pública/
PIB
RIN/
PIB
1985-1989 7.8 8.8 0.5 24.9 n.d. n.d. 14.1
1990-1994 9.7 13.6 0.8 17.1 -8.4 24.0 13.3
1995-2000 11.2 19.8 -2.5 8.9 2.9 21.7 12.0
2001-2006 11.2 18.2 -0.2 9.8 6.7 35.1 16.4
Fonte: BCP
A liberalização dos mercados e do comércio exterior não têm estado
no centro das reformas. O comércio exterior sempre esteve aberto devido
à atividade de importação e reexportação do Paraguai na região (Quadro 2).
Por causa do alto grau de corrupção e incapacidade do Estado, os controles
e regulamentação de preços nos mercados não funcionavam na prática; os
monopólios das empresas do Estado não foram afetados e o contrabando
no caso do cimento, aço e combustível constituem resposta aos monopólios
criados pelas empresas estatais. Os mercados internos para os itens agrícolas
são de fato oligopólios (algodão, cana de açúcar, etc.) por problemas de infra-
estrutura, fornecimento de insumos e transporte.
Quadro 2
Crescimento e Comércio Exterior
Períodos
PIB per capita
Constante (US$)
1994 = 100
Crescimento do
PIB per capita (%)
Crescimento do
PIB (%)
Balança
comercial/PIB
(%)
1985-1989 2,711 0.8 3.9 1.7
1990-1994 2,763 0.5 3.3 -10.9
1995-2000 2,795 -1.4 0.8 -18.2
2001-2006 2,615 0.8 2.8 -18.4
Fonte: BCP
Dionisio Borda
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179
O aspecto mais débil do país para lograr o desenvolvimento consiste
na falta de institucionalidade do Estado, dos partidos políticos e das
agremiações empresariais. As reformas projetadas o se arraigaram no
país, tanto devido à debilidade dos partidos políticos e atores econômicos
quanto pela ausência de uma tradição de bom desempenho do servo
civil. As reformas institucionais que ocorreram por meio da cooperação
externa não se ocuparam da tradição de informalidade dentro do próprio
setor público. O mecanismo de projetos e as operações da burocracia o
débeis e inuenciadas pelos partidos políticos e a prática muito arraigada de
corrupção sobrevive sob as novas formas de organização e regras do jogo
que as reformas pretendem conseguir.
Esse tipo de Estado constrói uma rede intrincada de relações para
extrair receitas a partir do exercício do poder. A elite política estabelece
relacionamentos pessoais com os agentes econômicos sobre princípios que
não favorecem a construção de instituições que permitam o desenvolvimento
do Estado e do mercado, tais como o tráco de inuências, isenções scais e
das regras das agências de regulação, concessões de contratos para compras
do Estado e até distorção de normas jurídicas, que debilitam a competição do
mercado e o cumprimento das normas. A discricionalidade no exercício do
poder se estende também ao controle interno da burocracia estatal, que impede
o desenvolvimento do serviço civil prossional. Os partidos de oposição e a
sociedade civil são débeis para atuar como contrapeso do Estado arbitrário
e discricionário, e até mesmo os partidos de oposição têm sido arrastados
pelas práticas clientelistas. As pressões externas têm conseguido inuenciar as
políticas e as reformas, mas nem sempre levam em conta que a informalidade
do Estado termina por inviabilizar as reformas ou faz com que as políticas
econômicas percam a sustentabilidade a curto prazo.
Os resultados em termos de crescimento e redução da pobreza (Quadro
2) não têm sido favoráveis. Registrou-se um crescimento muito baixo na década
de 90, muito inferior ao dos anos 60 e 70 e ligeiramente menor do que nos
anos 2000. O incremento da renda por habitante, de 2,5% na década de 60
e de 6,8% na de 70, experimentou uma forte queda de 0,8% na de 80, e na
de 90 registrou-se praticamente um crescimento nulo, de 0,1%. No período
2003-2006 a economia voltou a recuperar-se, com um crescimento médio de
4,0%, mas nos anos imediatamente anteriores, 2000-2002, acusou o impacto
Paraguai, uma marcha lenta: situação e perspectiva econômica
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180
de uma forte etapa recessiva
23
. Apesar da retração do PIB nos anos 90, a
participação da agricultura (15,0%) principalmente o aumento de prodão da
soja (7,4%) e da pecuária (5,4%) foi superior a da década de 80. No período
2000-2006 a contribuição da agricultura aumentou (18%) e a produção de soja
continua crescendo (5,7%)
24
.
Os indicadores sociais tampouco melhoraram na medida das
expectativas da população. Os níveis de pobreza e a insuciência de
emprego continuam elevados e a desigualdade praticamente não se
modicou. No período 1995-2001
25
os níveis de pobreza e indincia
foram da ordem de 17,1% e 16,1%; entre 2002-2006 subiram a 22,7% e
18,6%, respectivamente. Embora a taxa de desemprego tenha aumentado
apenas ligeiramente, o subemprego em ambos períodos mencionados
ampliou-se de 19,6% e 23,9% da força de trabalho. O coeciente de Gini
tanto de renda per capita quanto por família não se modicou; o de renda
per capita caiu em 0,1. A distribuão da renda entre os 10% mais ricos e
os 40% mais pobres não registrou mudança.
Os avanços logrados nos primeiros anos do atual governo permitiram
restabelecer o equilíbrio scal, eliminar os atrasos na dívida externa e iniciar
uma recuperação econômica com a ajuda de condições favoráveis na região.
No entanto, essas mudanças não se reetem em uma modicação das regras
do jogo. O que buscam rendimentos na esfera do Estado ou as empresas a ele
vinculadas ainda têm forca suciente para impor-se aos setores inovadores,
tanto no campo econômico quanto na arena política. A disputa pelo controle
do Estado continua a ser uma competição em busca do controle da receita
econômica. Essa concepção do poder freia o desenvolvimento do mercado,
do Estado e do exercício da democracia mais além do simples ato eleitoral e
das tentativas de reformas econômicas.
23 Cálculos próprios, baseados nas estatísticas do Banco Central.
24 Borda, D. (2007).
25 Não existe base conável de dados anteriormente a esse período e por conseguinte o debate ca restrito
aos anos mencionados.
Rajendra Rampersaud
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181
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DEP
Tradução: Sérgio Duarte
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
182
A economia peruana
e o desao do
crescimento com
inclusão social
Enrique Cornejo Ramírez
*
1. Introdução
A
economia peruana entrou no sétimo ano consecutivo de crescimento,
acompanhado por uma inação de um digito e um crescimento importante
das exportações e das reservas internacionais liquidas, o que a converteu em
um interessante destino para os investimentos. Os bons preços dos produtos
de base nos mercados internacionais e a dinâmica alcançada pela demanda
interna permitem sublinhar que a economia manterá um vigoroso processo
de crescimento e esta sucientemente preparada para resistir a eventuais
choques externos.
Não obstante, o grande desao consiste em fazer com que os frutos
desse crescimento se traduzam também num crescimento sustentado
do emprego e que contribuam para reduzir substancialmente a pobreza
* Presidente Executivo do Banco da Nação do Peru.
Enrique Cornejo Ramírez
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183
(especialmente a extrema pobreza) e a desigualdade que existe no país.
Embora alguns dos principais indicadores sociais tenham começado a
demonstrar sinais positivos, a velocidade com que essas mudanças sejam
percebidas pela população em particular os setores de menor renda e
a maneira pela qual seja possível aproximar os tempos administrativos
dos tempos políticos, serão fatores fundamentais para que o crescimento
seja acompanhado por estabilidade social e governabilidade democrática.
Nesse ultimo aspecto, um tema crucial é o relativo à necessária reforma que
deve ser feita na administração do Estado para poder acompanhar
adequadamente o processo
1
.
Também é importante considerar as caractesticas peculiares da
economia peruana e que inuem na eciência das poticas econômicas
aplicadas. O Peru é um país megadiverso no qual conuem diferentes raças,
nguas e ecossistemas, o que lhe confere grande potencialidade em setores
como o da agroindústria, turismo e indústria orestal. Sua complexa geograa,
no entanto, diculta a integração física entre os peruanos e põe à prova a mais
sosticada engenharia. Uma parte apreciável das transações econômicas o
realizadas em condições de informalidade e coexistem com a modernidade
do satélite e da Internet, práticas de escambo e uso do arado tradicional no
campo. As empresas o, em geral, de tamanho dio ou pequeno e o
dezenas de milhares em todo o país os denominados micronegocios a cargo
de uma só família ou mesmo de um indivíduo, porém que empregam uma
signicativa parte da população em idade de trabalhar.
Conforme assinalamos em um ensaio anterior, “...são quatro os tipos
de economia que coexistem no país: uma economia de autosustentação
(A) que inclui setores rurais em situação de extrema pobreza; uma economia
informal urbana (I) que explica cerca de 70% da atividade produtiva; uma
economia moderna e industrial (M) que desenvolve estratégias competitivas; e
uma economia do conhecimento e de serviços (C), ainda não muito importante
quanto ao tamanho relativo, porém de grande potencialidade”
2
.
1 Consultar, a respeito, o seguinte ensaio do autor: Cornejo Ramirez, Enrique: “Hacia uma Transformación
Del Estado en América Latina”, publicado na revista “Nueva Sociedad”, Caracas, setembro-outubro de 2005,
nº 199, págs. 104-119.
2 Cornejo Ramirez, Enrique: “La Economía Peruana: balance, perspectivas y propeustas”, ensaio
publicado na revista “Diplomacia Estrategia e Política DEP”, Brasília, DF, Brasil, abril-junho de 2005;
Ano I, Número 3, páginas 119-141.
A economia peruana e o desao do crescimento com inclusão social
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
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As quatro categorias da economia coexistem; as duas primeiras são
as mais importantes quanto à população envolvida e níveis de pobreza; as
outras duas proporcionam a maior contribuição ao produto bruto interno
(PIB), à geração de divisas, ao pagamento de impostos e ao contato com o
mundo moderno. A estratégia de desenvolvimento deve procurar diminuir o
hiato entre esses diferentes tipos de economia, entendendo as características
especicas de A e I (às quais não se pode aplicar com êxito políticas padrão
que estejam preparadas para outro contexto) e buscando sua aproximação e
inclusão em M e C.
Analisaremos, a seguir, os aspectos econômicos, sociais e políticos que
o Peru apresenta e as perspectivas a prazo médio.
2. Estabilidade macroeconômica e crescimento
A economia peruana cresce de forma sustentada. No período
2002-2005 a taxa de crescimento do PIB foi de 5%; no ano de 2006 o
crescimento chegou a 8% e em 2007 espera-se uma taxa de 7%. No período
2008-2011 o crescimento esperado é de pelo menos 6% anuais. Nas últimas
cadas o houve um crescimento tão prolongado, pom igualmente
importante é o fato de que quando a taxa de crescimento anual supera 7%,
acrescentam-se outros importantes benefícios.
A cada ano, cerca de 350 mil jovens peruanos completam 15 anos de
idade, e portanto passam a formar parte da população economicamente
ativa (PEA). Segundo as últimas cifras de insumo-produto de que dispomos,
cada ponto percentual do PIB gera 50 mil postos de trabalho diretos.
Levando em conta ambas as cifras, será necessário portanto um mínimo
de 7% de crescimento anual para dar emprego à nova força de trabalho.
Depois de muitos anos o Peru tem crescido a taxas que geram emprego
produtivo sustentado.
Em comparação com outros países sul-americanos, durante os últimos
sete anos o Peru registra o segundo maior crescimento do PIB per capita da
região, conforme mostra o Gráco 1. A sustentabilidade do crescimento
da economia peruana pode também ser observada ao vericar-se que este
não depende apenas da boa situação atual da economia mundial, mas também
Enrique Cornejo Ramírez
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185
da dinâmica da demanda interna e dos setores produtivos o primários que
vêm crescendo a taxas mais elevadas.
Gráco nº 1
PIB per capita (Taxa de variação média anual 2000-2007)
Fonte: World Economic Outlook em Evolução Macroeconômica do último ano. Velarde, Julio. Banco Central
de Reserva do Peru (BCRP) 2007.
No Gráco 2 pode-se apreciar que, no período 2001-2005, o
crescimento da economia teve um forte impulso exportador. Não obstante,
nos anos 2006 e 2007 a demanda interna tem sido o motor do crescimento.
Nesses anos, a demanda interna cresceu entre 9% e 10,6%, muito mais do
que as taxas correspondentes do PIB e das exportações. No mesmo sentido,
os setores produtivos manufatureiros cresceram no biênio 2006-2007 a uma
taxa média de 8,8%, enquanto que os setores primários cresceram a cerca
de 4% no mesmo período. O setor de construção experimentou as maiores
taxas de crescimento (entre 12,5% e 14,7%) nos anos 2006 e 2007.
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Gráco nº 2
Crescimento da demanda interna (Variação percentual)
Fonte: Velarde, Julio. Evolução Macroeconômica do último ano. Banco Central de Reserva do Peru. BCRP. 2007
O crescimento econômico traduziu-se em maior capacidade de gasto
para as famílias. Segundo cifras do Banco Central de Reserva do Peru
3
a Renda
Nacional Disponível cresceu 11,9% em 2006 e 12,7% no período janeiro-
junho de 2007
4
. A renda familiar mensal aumentou, além disso, de maneira
descentralizada, elevando-se no período 2003-2007 em 53% na cidade de
Cuzco, 43% na cidade de Iquitos, 34% em Huancayo, 30% em Trujillo, 25%
em Chiclayo, e 22% em Arequipa.
Essa maior capacidade de gasto se traduz nas estatísticas de vendas
vericadas em quase todos os setores econômicos. Segundo cifras da Apoyo
Consultoria
5
, no período janeiro-julho de 2007 as vendas de televisores a cores
aumentaram em 60%, as vendas de telefones celulares em 59%, as assinaturas
de televisão a cabo em 29% e o acesso à Internet em 12%. Esse importante
3 Banco Central de Reserva do Peru, BCRP: “Evolução Macroeconômica do Último Ano. Exposição do Dr. Julio
Velarde, Presidente do BCRP na Presidência do Conselho de Ministros; Lima, julho de 2007.
4 Para o aumento da reda das famílias peruanas contribuíram também as remessas periodicamente enviadas
pelos peruanos que vivem no exterior, as quais são estimadas em mais de 3.500 milhões de dólares anuais, assim
como maiores transferências recebidas do exterior, após o desconto das correspondentes remessas de lucros
remetidas ao exterior.
5 Para maiores detalhes, consultar site do Instituto Apoyo (www.apoyo.com), que inclui informações sobre as
dez empresas que formam o Grupo Apoyo, inclusive Apoyo Consultoria.
Enrique Cornejo Ramírez
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comportamento do consumo de bens duráveis ocorre tanto em Lima quanto
nas principais cidades do interior do país.
No que se refere a materiais de construção, as cifras do ano de 2007 são
também eloqüentes: aumento do consumo de cimento em 53% e de 29% no
uso de revestimentos de piso, etc. Entre os anos de 2002 e 2006 a indústria de
construção cresceu quase 40%, destacando-se o maior consumo de cimento,
ferro, tábuas para tetos, cerâmicas e tintas.
No Quadro 1 pode-se apreciar o crescimento do produto interno
bruto setorial, vericando-se que no ano de 2007 a construção (com 16,8%
de crescimento), o comércio e os serviços (com mais de 7% de crescimento
cada um), e as manufaturas (com 6,6%) são os setores sobre os quais se apóia o
crescimento global. O setor agropecuário apresenta nesse ano um crescimento
de 3,5%, enquanto que a minerão e a pesca registram percentagens
menores. Segundo projeções do Ministério de Economia e Finanças
6
esse
comportamento setorial se mante em seus aspectos essenciais no ano de 2008,
porém com uma taxa mais elevada de crescimento nos setores de mineração,
hidrocarburetos e pesca.
Quadro nº 1
PIB Global e PIB Setorial (Variação percentual real)
2006 2007 p/ 2008 e/
PIB Global
Agropecuario
Pesca
Mineração e
Hidrocarburetos
Manufaturas
Construção
Comércio
Serviços
7.6
7.4
2.4
1.4
7.4
14.8
11.1
7.0
7.2
3.5
0.4
2.3
6.6
16.8
7.4
7.9
6.2
4.1
3.2
6.4
6.3
14.0
6.5
5.4
p/ Projetado
e/ Estimado
Fonte: Ministério da Economia e Finanças
6 Para mais informação sobre projeções macroeconômicas da economia peruana pode-se visitar o site do
Ministério de Economia e Finanças do Peru (www.mef.gob.pe) em particular no que se refere ao Marco
Macroeconômico Multianual 2008-2010.
A economia peruana e o desao do crescimento com inclusão social
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As projeções do crescimento econômico para o ano de 2008 aparecem
no Quadro 2. Os analistas de diversas instituições concordam em projetar
o crescimento do PIB em cerca de 7% no ano de 2007 e de 6% no ano de
2008. Incluem-se projeções do FMI, do Banco Central de Reserva e do
Ministério da Economia e Finanças, assim como do Instituto Peruano de
Economia (IPE) e de dois importantes bancos corporativos que operam na
praça peruana tais como o Banco Continental e o Scotiabank Peru (BBVA).
Quadro nº 2
Projeções do crescimento do PIB: 2008 (Variação percentual)
Entidade/Instituição 2007 2008
Fundo Monetário Internacional (FMI)
Banco Central de Reserva do Peru (BCRP)
Ministério da Economia e Finanças (MEF)
Scotiabank Peru
BBVA Banco Continental
Instituto Peruano de Economia (IPE)
7.0
7.2
7.2
6.2
7.5
7.5
6.0
6.0
6.2
6.2
6.5
6.1
Fonte: Diversas instituições.
Elaboração própria.
O crescimento vericado se traduz em importantes receitas scais que
aumentaram a disponibilidade de caixa do governo nacional, mas também
da maioria dos governos regionais e municipais
7
que recebem recursos
oriundos dos “royalties” e sobretaxas pagos às unidades estaduais produtoras
de petróleo e do Fundo de Compensação Municipal Foncomun
8
para
nanciar seus projetos e obras de infra-estrutura
9
. As receitas tributárias
do governo nacional aumentaram em cerca de 15% como percentagem do
7 No Peru existem 25 governos regionais, 195 municípios provinciais e mais de 1800 municípios distritais.
8 O Foncomun e financiado pela receita derivada do imposto de promoção municipal, que equivale
a 2% do Imposto Geral sobre Vendas (IGV), que atualmente é de 19% do valor das vendas (IVA em
outros países).
9 Um dos poblemas que a gestao cal enfrenta é a reduzida velocidade dos diferentes níveis de governo
para executar seus projetos. A execução do gasto orçamentado é lenta devido a problemas derivados de
procedimentos de avaliação e scalizaçãao ainda complicados e centralizados, assim como pela deciente
capacidade de gestão de muitos governos subnacionais.
Enrique Cornejo Ramírez
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PIB e se estima uma percentagem semelhante para os anos de 2007 e 2008
(ver Gráco 3).
No ano de 2006 registrou-se um superávit scal de 2% do PIB.
Estima-se que no ano de 2007 esse superávit chegará a 0,8% do PIB
10
.
Se considerarmos o resultado estrutural do Setor blico o Financeiro
(SPNF) registra-se um décit de 0,2% no ano de 2006 e de 1,8% em 2007.
Em linhas gerais, verica-se uma geso responsável e transparente das
contas scais o que, sem dúvida, contribui para a consecução de um ambiente
macroeconômico conável.
Gráco nº 3
Resultados scais e ciclo econômico
Fonte: IPE
No Quadro 3 verica-se a evolução e projeção dos indicadores
macroeconômicos mais importantes, além do crescimento, segundo
estimativas ociais do Banco Central de Reserva do Peru. No período
2000-2007 o Peru registrou a inação média mais baixa da América Latina,
como uma taxa de 2,1%. No ano de 2007 a estimativa inicial da inação é de
10 Segundo estimativas do Instituto Peruano de Economia – IPE.
A economia peruana e o desao do crescimento com inclusão social
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
190
2,5%, porém fatores de origem externa
11
poderiam elevar essa taxa a cerca
de 3%, o que ainda é uma inação bastante baixa.
Quadro nº 3
Peru: principais indicadores econômicos
Ano
Inação
(Variação
Anual)
Exportações
totais
(milhões de US$)
Importações
totais
(milhões de US$)
Reservas
internacionais
líquidas
(milhões de US$)
Saldo da
dívida pública
externa
(% do PIB)
2005
2006
2007 (p*)
2008 (e**)
1.5
1.1
2.5
2.0
17367,7
23800,0
27312.0
29470.0
12081,6
14866,0
18114.0
21106.0
14097.0
17275.0
22827.0
25939.9***
28.1
23.6
19.2
17.4
* Projeção BCRP
** Estimativa BCRP
*** Estimativa própria
Fonte: BCRP. Elaboração própria.
O nível de exportações totais atingirá em 2007 27 bilhões de dólares
(cifra recorde) e espera-se que chegue próximo a 30 bilhões em 2008.
O aspecto importante é que o crescimento das exportações com valor
agregado (as denominadas “não tradicionais ) em alguns itens é amesmo
superior ao observado em nível global. Como era de esperar-se, também as
importações vêm crescendo de forma sustentada, e deverão alcançar pouco
mais de 18 bilhões no ano de 2007 e mais de 21 bilhões em 2008. Em 2006
as importações de bens de capital cresceram a uma taxa de 35% e em maio
de 2007 o ritmo de crescimento foi de 41%.
O nível de reservas internacionais liquidas (RIN) subiu em 2007 a
cerca de 23 bilhões de dólares, montante que equivale a mais de 15 meses
de importações normais e que já supera o estoque da vida pública externa.
A proporção do saldo da dívida pública externa em relação ao PIB desceu a
11 No segundo semestre de 2007 o Índice de Preços ao Consumidor registrou um aumento em conseqüência
da conuência de incrementos dos preços de importação de alimentos (trigo, milho, laticínios) e do petróleo;
todos incidem signicativamente na cesta de consumo familiar no Peru.
Enrique Cornejo Ramírez
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191
19% em conseqüência de uma política deliberada do ministério da Economia
e Finanças, que realizou nos últimos anos diversas operações de pagamento
antecipado de sua dívida, principalmente com o Clube de Paris, além de
trocar dívidas denominadas em dólares por seu equivalente em novos soles
e melhorar o perl do serviço futuro em termos de taxas e prazos. O Peru
demonstra assim suciente robustez nanceira para cumprir com suas
obrigões e enfrentar eventuais choques externos
12
.
Pode-se afirmar que o crescimento econômico por que passa a
economia peruana é sustentado por um forte impulso da demanda
interna, pela expansão dos setores produtivos não primários, por
investimentos crescentes, pelo superávit da balança comercial e por
uma gestão responsável das finanças públicas. Esse crescimento está
começando a ter impacto positivo na geração de empregos e ocorre de
maneira descentralizada.
3. O crescimento do investimento e a determinação
do risco país
O crescimento dos investimentos, que impulsiona o crescimento,
se expressa claramente no comportamento dos indicadores que podem
ser vistos no Gco nº 4. No período compreendido entre os anos
2002 e 2007 o investimento privado tem crescido de maneira sustentada
a cada trimestre. Nos anos 2006 a 2007 o investimento privado cresceu
a um ritmo de 20%. Estima-se que em 2007 os investimentos privados
constituam 19% do PIB. As expectativas dos investidores, tanto nacionais
quanto estrangeiros, o muito positivas em relação ao futuro da economia
peruana, motivo pelo qual se espera que para o ano de 2010 a percentagem
do PIB chegue a 30%.
12 A existência de uma importante entrada de dólares norte-americanos provenientes de maiores
exportões, investimentos externos, remessas, crescimento do turismo em direção ao Peru, e mesmo do
narcotráco, gera um problema estrutural de tendência decrescente da taxa de câmbio. A debilidade do
dólar norte-americano contrasta com o fortalecimento do novo sol peruano, o que obriga o Banco Central
de Reserva a operar freqüentemente no mercado de divisas como comprador a m de evitar uma queda
maior da taxa de câmbio que prejudique a rentabilidade dos exportadores.
A economia peruana e o desao do crescimento com inclusão social
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
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Gráco nº 4
Fonte: IPE Fonte: BCRP e MEF. Elaboração própria
* Estimativas MEF
No período compreendido entre 2007 e 2010 espera-se um nível
de investimento privado superior a 20 bilhões de dólares em projetos
importantes nos setores de mineração, hidrocarburetos, telecomunicações,
indústrias, infraestrutura, eletricidade e serviços. No Quadro nº 4 aparecem
os mais importantes projetos e empresas envolvidas e os montantes de
investimento esperados.
Avultam projetos de mineração de grande envergadura como Toro
Mocho ou Rio Blanco, cada um dos quais implica um nível de investimentos
estimado em 1,5 bilhão de dólares. No setor de hidrocarburetos, somente a
segunda parte do Projeto Camisea exige investimentos da ordem de 2,2 bilhões,
enquanto que o denominado Lote 67 pressupõe investimentos de 1,6 bilhão.
A amplião da rede vel e da banda larga de telefonia necessita não menos de
1 bilhões em novos investimentos e a construção do Cais Sul para contêineres
no porto de Callao implica em mais de 600 milhões em investimentos.
Quanto a projetos industriais, a ampliação da Renaria de Zinco em
Cajamarquilla e a exploração de fosfatos em Bayovar (Piura) exigirão cada um
500 milhões de dólares em investimentos O consórcio brasileiro Camargo
Corrêa planeja investir 200 milhões em uma nova brica de cimento, e a
empresa de cervejaria Backus inaugurou uma ampliação de sua fábrica
como um investimento de 250 milhões. Cimentos Lima pensa investir cerca
de 180 milhões no projeto denominado “El Platanal”, enquanto importantes
rmas comerciais (peruanas e chilenas) projetam construir megacentros
Enrique Cornejo Ramírez
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193
comerciais em diversas cidades do país, com investimentos superiores a
250 milhões de dólares.
Quadro nº 4
Projetos de investimento: 2007-2010 (Milhões de US$)
Setor/ Empresas Projetos Montante
Mineração
Do qual: Peru Copper S.A
Zijin Mining Group
Minera Yanacocha
Xatrata
Toromocho
Rio Blanco
Minas Conga
Las Bambas
9.697
1.500
1.400
935
930
Hidrocarburetos
Do qual: Peru LNG
Barrel Resources
Petrobrás – Petroperu
Camisea II
Lote 67
Planta Petroquímica
5.051
2.200
1.600
800
Telecomunicações
Do qual: Telefónica del Peru
América Móvil (Claro)
Ampliação rede móvel e banda larga
Obras em telefonia móvel
1.993
1.000
560
Industrial
Do qual: Votorantim Metais
Vale do Rio Doce
Camargo Correa
Backus
Expansão da renaria Cajamarquilla
Fosfatos de Bayovar
Construção de fábrica de cimento
Ampliação de fábricas
2.129
500
450
200
250
Infraestrutura
Do qual: Dubai Ports World Callao
Grupo Romano
Cais Sul – Callao
Porto em Ancón
1.051
617
200
Eletricidade
Do qual: Cimentos Lima El Platanal
245
180
Outros setores
Do qual: Totlus
Casagrande
Sodimac – Grupo Falabella
Parque Arauco
Corporación Pesquera Inca
Parque Arauco, Gloria, Wiese
Grupo Wong
Graña y Montero
Energo Projexp Niscogradnjo
Agroindustrial Laredo
24 lojas em Lima, Trujillo e Chiclayo
Destilaria e desenvolvimento de campos de cultivo
Diversas lojas
Complexo comercial San Isidro
Embarcações e fábrica
Mega loja Arequipa
Centro Comercial Lima Praça Norte
Concessão Programa Viário Costa-Serra 1 (Piura)
Estrada Callacuyan-Huamachuco
Projeto Açucareiro Arena Dulce
794
100
66
60
54
50
40
35
31
24
20
Total 20.960
Fonte: Reporte de Inación. Banco Central de Reserva do Perú (BCRP). Setembro 2007.
A economia peruana e o desao do crescimento com inclusão social
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194
Essa importante demanda de novos investimentos impulsiona o
crescimento da capacidade produtiva e o aumento da produtividade. Esse
último fenômeno o se observava anteriormente. Segundo um estudo
da Groningen Growth Development Centre citado pelo Banco Central
de Reserva
13
, o Peru apresenta um dos maiores índices de crescimento da
produtividade da mão de obra na América Latina. Com efeito, no período
2000-2006 a produtividade da mão de obra no Peru cresceu em 2%, enquanto
que o indicador correspondente no Chile foi de 1,8%, de 1,4% no México,
0,9% no Brasil e 0,4% na Colômbia, em todos os casos no mesmo período.
Por outro lado, segundo uma pesquisa de expectativas realizada com uma
amostra de 277 empresas principais peruanas
14
, 70% delas responderam que
tiveram incrementos de produtividade nos últimos dois anos
15
superiores a 4%.
Além disso, o aumento das importações de bens de capital que assinalamos
também facilitou o incremento da produtividade.
A diversificação de mercados, o estabelecimento de estratégias
competitivas baseadas em diferenciação ou alta segmentação e a melhoria da
produtividade também tiveram importância no considerável crescimento das
exportações com maior valor agregado (que em 2007 se situam em cerca de
6 bilhões de dólares). Numa pesquisa recente
16
por nós realizada para 166
empresas exportadoras peruanas bem sucedidas, 26% delas consideraram
que a produtividade é o fator mais importante para explicar a melhora da
competitividade, enquanto 47% das empresas entrevistadas responderam
que a m de aumentar a produtividade é preciso melhorar os rendimentos de
todos os fatores produtivos.
A avaliação do risco país é um dos fatores de maior incidência na
tomada de decisões dos investidores, principalmente os estrangeiros. Cada
um dos bancos e agências classicadoras tem sua própria metodologia, mas o
denominador comum busca determinar que o país se encontra em condições
13 O estudo foi elaborado pelo Groningen Growth Development Centre e The Conference Board (Total
Economy Database) e foi citado pelo Banco Central de Reserva do Peru: “Evolución Macroeconomica do
Ulrimo Ano”, Op. cit.: Lima, julho de 2007, p. 30.
14 Banco Central de Reserva do Peru: Op. cit., p. 31.
15 As estimativas de produtividade das empresas entrevistadas foram feitas levando em conta as diferentes
medidas utilizadas por cada empresa: unidades sicas produzidas ou vendidas por trabalhador; unidades sicas
produzidas ou vendidas por matéria prima consumida, entre outras.
16 Cornejo Ramirez, Enrique: “El desao Compertitivo: Estratégias de empresas exportadoras peruanas bem
sucedidas”. Editorial San Marcos, Lima, abril de 2007, p. 240-242.
Enrique Cornejo Ramírez
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195
de cumprir com suas obrigações internacionais e qual é o “ambiente” para o
bom desempenho dos investimentos, o que implica na consideração de fatores
econômicos, sociais, políticos e culturais.
Nos Grácos 5 e 6 pode-se observar que a partir de 2002 ocorreu
uma queda constante do índice de risco país do Peru. Em todo esse período
o risco país peruano foi até mesmo inferior à média latino-americana, e na
altura de meados de 2007 alcançou nível recorde, aproximando-se do índice
mexicano correspondente.
Gráco nº 5
Risco país: EMBI + Peru (pbs) (2000-2007)
Fonte: Bloomberg. Elaboração própria.
Gráco nº 6
América Latina – Spreads de bônus soberanos (em pontos básicos)
Fonte: Bloomberg. Elaboração própria.
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196
Sem dúvida, porém, o mais interessante para os analistas internacionais
é apreciar a evolução do risco país do Peru durante o governo social-
democrata do presidente Alan Garcia, que se iniciou em julho de 2007
e cujo mandato constitucional vai até 2011. A preocupação especial pelo
desempenho do governo aprista neste seu segundo mandato se deve a
que em sua gestão anterior (no período 1985-1990) a atuação no campo
econômico teve sérios problemas.
Como se verica no Gráco 7, entre 9 de agosto de 2006 e 12 de
junho de 2007 o risco país do Peru vem diminuindo constantemente e até
mesmo estabeleceu recordes históricos em varias ocasiões. Os mercados
internacionais têm portanto uma avaliação favorável da economia peruana e
do desempenho que o governo nacional vem mostrando nesse aspecto. Alguns
chamaram esse desempenho “efeito Garcia” ou “Born again Garcia”.
Gráco nº 7
Peru: risco país (Mínimos históricos 2006-2007)
Fonte: Bloomberg. Elaboração própria.
Em outubro de 2007, a agência de avaliação de crédito do Canadá,
Dominion Bond Rating Service (DBRS) conferiu ao Peru grau BBB low de
investimento”...pela robustez de sua economia, disciplina scal e política
monetária adequada que o governo vem aplicando”
17
. A DBRS é uma das
17 Ministério da Economia e Finanças do Peru (MEF): “Peru: Grau de Investimento”; nota de imprensa
publicada na página web do MEF, www.mef.gob.pe; Lima, 19 de outubro de 2007.
Enrique Cornejo Ramírez
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197
sete organizações de Avaliação de Crédito Nacionalmente Reconhecidas
(conhecidas pela sigla em inglês Nrsro) nos Estados Unidos, junto com
Moody’s, Standard and Poor’s, Fitch, A&M Best Company, Japan Credit Rating
Agency e R&I Inc. Em outubro de 2007, a Standard and Poor’s classicou
o Peru como BB+ (um ponto abaixo do grau de investimento); a Fitch
Ratings deu a classicação BB+ (um ponto abaixo do grau de investimento)
e a Moody’s conferiu a classicação Ba2 (dois pontos abaixo do grau de
investimento) tudo parece indicar que em prazo curto essas agências também
darão ao Peru o grau de investimento, pois, como dizem os analistas, “na
prática o Peru já está no grau de investimento”.
6. Emprego e indicadores sociais
No início deste ensaio sublinhávamos que o principal desao enfrentado
pela economia peruana é conseguir que os frutos do sólido crescimento
econômico que analisamos em detalhe sejam também percebidos como
positivos por importantes setores da população, que vivem em condições
de pobreza e extrema pobreza. Isso é o que se denomina “inclusão social”,
“eqüidade” ou “justiça social”.
18
Segundo números ociais do ministério do Trabalho e Promoção do
Emprego, em maio de 2007, o emprego urbano em empresas de dez ou mais
trabalhadores está crescendo a um ritmo de 8,5% anuais, a mais elevada taxa
dos últimos anos. Esse crescimento do emprego não ocorre apenas na cidade
de Lima, mas também nas principais regiões do país.
No período compreendido entre janeiro e maio de 2007, comparado
com período semelhante do ano anterior, o emprego em Trujillo cresceu
21%, 17% em Talara, 12% em Sullana e Arequipa, 10% em Piura e Cuzco,
9% em Lima, 7% Huancayo, Ica, Chiclayo e Tarapoto e 6% em Puno. Esse
crescimento descentralizado do emprego fez com que em cidades como
Trujillo e Ica ocorra em certos meses do ano uma situação de “pleno
emprego local” segundo a sazonalidade dos negócios de agroexportação.
Assim, o crescimento do emprego ocorre fundamentalmente em setores
como manufaturas, agroindústria, construção e serviços.
18 O aspecto central do plano de governo do partido aprista peruano liderado pelo dr. Alan Garcia Pérez é a
consecução do desenvolvimento com justiça social no quadro de uma democracia econômica e social que Vitor
Raul Haya de la Torre (fundador do partido) denominava “uma democracia de pão com liberdade”.
A economia peruana e o desao do crescimento com inclusão social
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
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No Quadro 5 aparece um conjunto de indicadores sociais para
o ano de 2006. Observa-se que mesmo quando as cifras de emprego
começam a mellhorar em zonas urbanas, o problema fundamental que
é preciso enfrentar é o do subemprego, que envolve mais da metade da
PEA. Por outro lado, na altura de 2004, a pobreza era estimada em 51,6%
da população. Segundo esses algarismos, cinco em cada dez peruanos são
pobres e dois são extremamente pobres.
Quadro nº 5
Peru: principais indicadores sociais (2006)
Indicadores 2006
Emprego
1
Desemprego
1
Subemprego
1
Pobreza
2
Pobreza absoluta
2
Taxa de analfabetismo
Taxa bruta de natalidade (por mil)
Taxa bruta de mortalidade (por mil)
Taxa de mortalidade infantil (por mil)
Taxa de crescimento da população
91%
8,5%
54%
51,6%
13.830.804
11,4%
21,80
6,05
29,90
1,4%
1. Percentagem da PEA. Trimestre móvel maio-junho-julho
2. Dados de 2004
Fonte: INEI, FMI, e Cepal. Elaboração própria
A taxa de analfabetismo é ainda de 11,4%; a taxa bruta de mortalidade
infantil ainda é de 29,9 por mil enquanto que os índices de desnutrição são
signicativos sobretudo na população infantil das camadas de menor renda.
O cumprimento dos oito “Objetivos do Milênio” estabelecidos pelas Nações
Unidas é tarefa árdua e tomará muito tempo.
19
19 Os oito Objetivos do Milênio são: erradicar a extrema pobreza e a fome; assegurar educação primária
universal; promover igualdade de gênero e a autonomia da mulher; reduzir a mortalidade infantil; melhorar
a saúde materna; combater o HIV/AIDS, o impaludismo, a tuberculose e outras enfermidades; garantir a
sustentabilidade do meio ambiente; e fomentar a associação mundial para o desenvolvimento. Para maiores
esclarecimentos ver: www.onu.org.pe/odm
Enrique Cornejo Ramírez
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No Gráco 8 pode-se observar a pirâmide de distribuição da
PEA no Peru. 27,7% se compõem de micro-empresas rurais; 24,3% por
micro-empresas urbanas, e 13,2% da PEA são independente urbanos sem
qualicação. Essas três camadas representam um total de 65,2% da população
em idade de trabalhar.
Gráco nº 8
Peru: distribuição da PEA
Fonte: Mintra
Os pequenos empresários formam 7,3% da PEA; as empresas médias
e grandes constituem outros 7,3%; os trabalhadores do setor público 6,5%
do total; os desempregados 5%; os independentes o qualicados rurais,
4,4%; as trabalhadoras do lar, 3,3% e os independentes qualicados apenas
1% do total.
As políticas de emprego e os programas sociais que vêm sendo
implementados procuram enfrentar de maneira integral o problema apresentado
pela pirâmide, tal como se pode apreciar no Gráco nº 9.
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Gráco nº 9
Peru: políticas sociais e de emprego 2006-2011
Fonte: Mintra
Para os desempregados que se encontram na parte inferior da pirâmide, o
governo lançou um programa de emprego temporário chamado “Construindo
o Peru”, assim como um programa de formação prossional para jovens. Os
diversos apoios sociais estão agrupados no programa “Crescer” e no programa
de transferência condicionada denominado “Juntos”, que benecia cerca de
400 mil famílias que vivem em condições de extrema pobreza.
Para o setor dos autônomos não qualicados urbanos e trabalhadores
do lar foi estabelecida uma Bolsa de Trabalho. O apoio às micro e pequenas
empresas repousa no Programa “Mi Empresa” e nos esforços levados a cabo
no Prompyme
20
para promover ocinas, mercados e a construção de parques
industriais. Finalmente, para as empresas médias e grandes, assim como para
os autônomos qualicados, o ministério do Trabalho e Promoção do Emprego
promove a normatividade adequada e realiza a vigilância do cumprimento das
normas trabalhistas.
20 Comissão de Promoção da Pequena e Micro – Empresa – Prompyme.
Enrique Cornejo Ramírez
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201
Outro programa entre os que foram lançados pelo governo é o apoio
às instituições nanceiras que se dedicam à outorga de micro-créditos, tais
como as Caixas Municipais, Caixas Rurais e Empresas de Desenvolvimento
da Pequena e Micro Empresa – Edpymes
21
. Esse apoio é realizado por meio
do Banco da Nação, que atua com plataforma de segunda instância e mediante
convênios contribuiu para outorgar cerca de 40 mil novos micro-créditos,
principalmente em zonas rurais pobres.
Por outro lado, um dos principais problemas que explicam a exclusão
social é a deciência ou ausência de infra-estrutura básica (estradas, pontes,
água, eletricidade, telefonia, portos, aeroportos). Estudos levados a efeito no
país ou por organismos internacionais constatam que os pobres são os mais
prejudicados pela falta de infra-estrutura.
Gráco nº 10
Regiões: infra-estrutura e abertura
21 O conjunto das outorgas orientadas para a micro-empresa ascendia, em ns do mês de agosto de 2007,
a mais de 2 bilhões de dólares, com um total de 1.119.000 créditos outorgados e um crédito médio de 5.600
novos soles. Do total de micro-créditos outorgados, as Caixas Municipais representam 36%, as Edpymes 23%
e as Caixas Rurais 7%.
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No Gráco 10 verica-se que uma grande percentagem da população
peruana, principalmente no interior do país, ainda não conta com serviços
blicos sicos, e também que uma percentagem signicativamente importante
da população em nível nacional não foi beneciada com as facilidades de
abertura comercial decorrentes de acordos como o de preferências tarifárias
andinas com os Estados Unidos.
Portanto, a tarefa fundamental a que se propõe o governo do presidente
Garcia, ao lado da promoção do crescimento e do incentivo aos investimentos,
é a redução da pobreza e desigualdade que ainda afetam milhões de peruanos.
O Quadro 6 mostra as principais metas traçadas pelo governo para o
ano 2011.
Quadro nº 6
Plano de Governo do Presidente Alan Garcia: metas para 2011
Redução da pobreza de 50% a 30%
O Peru produzirá 140 bilhões
A desnutrição será reduzida de
25% para 18%
250 mil moradias para um milhão e
200 mil peruanos
90% dos peruanos terão água
potável e eletricidade
800 mil títulos de propriedade
O analfabetismo será erradicado
A educação será de melhor
qualidade na leitura e no raciocínio
matemático
O emprego informal será reduzido
de 53% para 35%
As regiões e municípios terão 66%
das verbas paras obras.
Entre as principais metas estabelecidas estão a diminuição da pobreza de
50% para 30%; a redão da desnutrão infantil de 25% para 16%; a construção
de pelo menos 250 mil moradias e a outorga de 800 mil títulos de propriedade.
Planeja-se também dotar de água potável e eletricidade 90% dos peruanos,
reduzir o emprego informal para 35% e a erradicar o analfabetismo.
O cumprimento desses objetivos e a correspondente consecução das
metas dependerá, em boa parte, da superação de algumas limitações que
afetam atualmente a eciência da gestão blica. Mais importante, como
assinalado, tem a ver com a necessidade de transformação do Estado,
cujas normas, regulamentos e procedimentos, assim como a mentalidade de
seus funcionários, muitas vezes não permitem que os tempos burocráticos
coincidam com os tempos políticos. Por outro lado, a populão exige
Enrique Cornejo Ramírez
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203
resposta rápida a suas exigências, e portanto outro aspecto fundamental é o
grau de consenso que é preciso obter em relação à necessidade de manter a
estabilidade macroeconômica e o crescimento como políticas do Estado, de
forma a responder à demanda da população com responsabilidade scal.
7. Crescimento, inclusão social e governabilidade
Conforme cou dito, para que o crescimento seja sustentável é preciso
que seja acompanhado de inclusão social, e isso deve ocorrer em um contexto
de governabilidade democrática. É esse o tripé sobre o qual deve repousar
a estratégia de desenvolvimento, e nesse esforço se encontra o Peru, com
uma macroeconomia sólida e um crescimento sustentado, porém ainda com
importantes desaos vinculados à necessária inclusão social.
Armamos, porém, existir uma exigência adicional: em economias como
a peruana é indispensável que as políticas ecomicas levem em conta o ponto
de partida inicial”, que não é exatamente o ideal e que condiciona a ecácia
das medidas adotadas. Conforme está esquematizado no Quadro nº 7, nossa
proposta é que existe uma “etapa competitiva anterior” que normalmente não
é levada em conta mas cujas características devem ser entendidas e também
aproveitadas e convertidas em pontos fortes.
Quadro nº 7
Módulo de explicação do “ponto de partida inicial”
para a análise da competitividade em países em desenvolvimento
* PED: Países em desenvolvimento
Elaboração: o autor
A economia peruana e o desao do crescimento com inclusão social
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204
Nesse sentido, o que encontramos são negócios de dimensões pequenas
ou muito pequenas, com baixos níveis de produtividade, mas que envolvem
dezenas de milhares de peruanos. Como incluí-los? Essa é uma das tarefas e
para a mesma devem conuir temas como o do nanciamento, o da assistência
técnica e o da capacitão. Outro problema concreto é o de como tornar menos
complexa e dispendiosa a formalização das empresas, e para isso é preciso dar
facilidades administrativas e tributárias. Por outro lado, as regulamentações
bancárias, e também as normas de Basiléia, não foram feitas para a micro-
nança, mas a realidade é que as instituições micro-nanceiras são as que estão
realizando o maior esforço de serviços bancários e inclusão social.
Por outro lado, a diversidade cultural, a complexidade geográca e
também a forma de comunicação oral característica da maioria da população
peruana devem ser aproveitadas para conseguir um crescimento mais inclusivo,
considerando a habilidade e criatividade que os peruanos demonstraram para
enfrentar suas necessidades mais prementes.
Levar em conta essas características da “etapa competitiva anterior”
o signica que não se deva considerar com igual ênfase as estratégias
de competitividade baseadas no incremento da produtividade, inovação
e liderança que já possam ser aproveitadas pelas empresas que atingiram
dimensões ecientes e organização moderna. As políticas econômicas devem
considerar ambas as etapas, e não apenas a segunda, como comumente ocorre.
Somente assim poderemos conseguir que as economias A e I do modelo que
caracterizamos no início deste ensaio se aproximem das economias M e C,
gerando assim um desenvolvimento com inclusão social e governabilidade
democrática.
DEP
Tradução: Sérgio Duarte
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
205
Suriname: evolução
macroeconômica
André E. Telting
*
1. Introdução
O
Suriname é o menor dos países soberanos na massa continental da
América do Sul, tanto em termos de território quanto de população.
O solo fértil e o clima tropical do país oferecem numerosas possibilidades
para a agricultura; as reservas de água doce constituem potencial de irrigação
e drenagem, além de serem adequadas para projetos de aquicultura.
Os recursos naturais compreendem bauxita, ouro, petróleo, madeiras,
peixes e camarões. Além disso, uma vasta região de oresta úmida, em
grande parte inexplorada, foi declarada reserva natural. As principais commodities
de exportação são alumina, ouro, petróleo, madeiras, peixes, camarão,
arroz e bananas.
O Suriname passou por forte instabilidade econômica e política durante
as duas décadas seguintes à indepenncia em 1975. As condições decientes da
economia durante a década de 1980 resultaram de uma combinação de fatores,
entre os quais avultam o governo político interno, o isolamento internacional,
a debilidade dos preços de exportação de produtos de base e principalmente
* Presidente do Banco Central da República do Suriname
atelting@cbvs.sr
Suriname: evolução macroeconômica
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
206
respostas políticas inadequadas. Em apenas dois anos, 1995 e 1996, houve certa
recuperação, porém de curta duração. Seguiram-se deteriorações rápidas de
1997 a 2000, especicamente devido a políticas scais indisciplinadas e políticas
monetárias benevolentes. Após esse episódio desastroso, o Suriname conseguiu
progresso signicativo nos anos subseqüentes, que redundou nalmente em
sólida estabilidade macroeconômica e fortalecimento da democracia.
Este estudo enfatiza as respostas de política inspiradas por uma gestão
macroecomica abrangente a partir do último trimestre de 2000. Inicialmente,
uma breve visão geral dos acontecimentos que levaram a economia surinamesa
a um beco sem saída na altura de 2000; em seguida, o estudo prossegue com
uma explicação das medidas tomadas para tratar da situação econômica e
nanceira extremamente precária e da forma pela qual foi possível reverter
o quadro até chegar-se ao atual ambiente macroeconômico de estabilidade
no Suriname.
2. Ponto de partida
A brutal eliminação de 15 cidadãos proeminentes em 1982 pelo regime
militar no poder provocou forte condenação internacional e imediata suspensão
da assistência nanceira ao governo militar. A comunidade internacional,
principalmente os Países Baixos, a França e outros pses europeus, os
Estados Unidos da América, a Venezuela e o Brasil imediatamente cessaram
as relações amistosas com o Suriname, sem no entanto chamar de volta seus
embaixadores. A conseqüente queda dos uxos de capital coincidiu com a
deterioração dos preços das commodities de exportação. O governo militar no
poder não teve condições de tomar medidas adequadas em relação à suspensão
da assistência nanceira. As primeiras administrações civis (1988-1990)
conseguiram restabelecer as relações de amizade e restabelecer a assistência
nanceira externa. Não puderam, no entanto, preencher o hiato estrutural
de décits scais. Portanto, durante onze anos consecutivos (1983-1993) os
governos que se sucederam recorreram ao nanciamento de elevados décits
scais somente por meio de emissões de moeda. O resultado foi um cenário
macroeconômico problemático, cujas principais características eram:
Completo exaurimento das reservas de divisas;
Mercado paralelo de moedas estrangeiras;
André E. Telting
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
207
Distorções de preços e volatilidade cambial em rápido crescimento;
Deterioração da produção da economia, e
Inação crescente.
No início dos anos 90 foi feita uma primeira tentativa de tratamento das
diculdades econômicas com a adoção de um programa de ajuste estrutural
em novembro de 1992. Esse programa se destinava à criação de uma base
para o crescimento, por meio de:
Atenção aos problemas scais;
Redução da intervenção do Estado na economia;
Liberalização do regime de câmbio, e
Liberalização do comércio exterior.
Inicialmente as medidas de ajuste aceleraram a inação, porém acabaram
por proporcionar estabilidade à economia em meados da década de 1990.
Naquela época aproximavam-se novas eleições gerais, após as quais um novo
governo foi empossado em setembro de 1996. Esse governo mais uma vez
recorreu a políticas econômicas expansionistas.
Seguiram-se quatro anos de rápida deterioração da economia, de
1997 a 2000:
A inação disparou de – 0,7% em ns de 1996 a quase 100% no nal
de 1999;
Os equilíbrios scais se deterioraram a um décit de cerca de 12%
do PIB em 2000;
As reservas de divisas declinaram de 177 milhões de dólares em 1996
a menos de parcos 15 milhões em 2000;
O estoque de dinheiro mais do que duplicou no curso de um exercício,
no ano 2000;
A dívida pública cresceu de 20% do PIB em 1996 para 80% do PIB
em 2000, e
Ficou evidente a escassez de bens importados para consumo
e investimento.
Suriname: evolução macroeconômica
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208
3. Re-engenharia da economia
O clima econômico geral provocou descontentamento público.
Manifestações de massa em 1999 contra o governo obrigaram à realização de
eleições antecipadas em 2000. O novo governo que tomou posse em agosto
de 2000 reconheceu a precária situação da economia, que exigia ação decisiva
urgente. Problemas complexos derivados dos décits scais crescentes levaram
as autoridades a promulgar legislação de emergência elaborada no Parlamento
a m de tratar dos problemas nanceiros cruciais do país:
Finanças públicas:
Suspensão da monetização dos décits scais;
Gestão adequada dos gastos governamentais, e
Preparação e implementação de uma estratégia para aumentar as
receitas do Estado.
Em um ano, o progresso nesses problemas principais permitiu a
eliminação da legislação de emergência. O problema seguinte foi a necessidade
de tratar de outras áreas urgentes que necessitavam atenção especial:
Compilação das dívidas do Estado e determinação do nível exato
da dívida;
Reestruturação das dívidas interna e externa, e
Adoção de uma nova Lei da Dívida Governamental, em março de
2002, que não apenas estabelece um teto para a dívida governamental
doméstica e externa mas também atribui competência exclusiva ao
Ministro das Finanças para autorizar acordos sobre a dívida, além de
instituir um Escritório da Dívida Governamental com a atribuição de
gerir e controlar a dívida do governo.
Gestão monetária:
Reconstrução das reservas monetárias com o Banco Central, inclusive
moedas-ouro e reservas de divisas;
Imposição aos bancos de exigências de reservas em moeda local e
estrangeira;
Reforma monetária, com o lançamento de nova moeda em 1 de janeiro
de 2004, e
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209
Emenda à lei do Banco Central conferindo virtual independência a
esse Banco.
Mercado de divisas:
Eliminão de exigências de depósito sobre receitas de exportação, e
Unicação e estabilização da taxa de câmbio.
4. Desempenho econômico recente
Aproveitando as condições mais favoráveis dos mercados internacionais
de commodities, a medida do desempenho econômico produziu rápida melhora.
Com base na doutrina auto-aplicável de “nenhuma despesa sem cobertura”,
não foram autorizadas novas monetizações dos décits scais. Mesmo assim,
o governo conseguiu reduzir o hiato scal entre receita e despesa e até mesmo
registrar superávits nos anos seguintes. Esses resultados scais positivos
tendem agora a assumir caráter estrutural. Medidas monetárias suplementares
objetivam o crescimento do estoque monetário, a estabilização da taxa de
câmbio e a redução da inação e das taxas de juros.
Equilíbrios scais
Fontes: Ministério das Finanças; Bureau Geral de Estatísticas e Escritório Nacional de Planejamento
* Dados preliminares
Ao longo dos anos 2003-2006 o saldo scal geral foi superavitário,
com uma média de 0,6% do PIB. As receitas foram superiores às despesas na
primeira metade de 2007, o que promete um novo ano favorável, com leve
superávit scal. Para os anos scais seguintes a expectativa é de implementação
Suriname: evolução macroeconômica
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de certa realocação e corte de despesas, porque o orçamento para 2008 mostra
um décit geral de 5,6% do PIB. A obserncia de nossa doutrina de “nenhuma
despesa sem cobertura” torna improvável a ocorrência desse décit.
Equilíbrio scal geral (Orçamentado versus realizado)
Fonte: Ministério das Finanças
* Dados preliminares
** Dados do orçamento de 2007 vs. Realizações parciais.
Vale a pena notar que a taxa de câmbio permaneceu bastante estável
desde 2004 até os tempos atuais. Desde 2006 o crescimento do estoque de
dinheiro somente decorre do uxo líquido de ativos estrangeiros.
Crescimento do estoque monetário
Fonte: Banco Central e Bureau Geral de Estatísticas
* Março 2004 em relação a março 2003 ** Projeção feita pelo Banco Central
Posteriormente o Banco Central reduziu a proporção da reserva em
moeda local a m de facilitar a expansão de créditos bancários competitivos
em moeda local. A implementação dessa medida evitou prudentemente as
pressões sobre o mercado de divisas.
André E. Telting
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211
Evolução da taxa de câmbio e proporção das reservas em moeda local
Fonte: Banco Central
O Suriname conseguiu conter a inação provocada pela demanda, mas
sua pequena economia, inteiramente aberta, é altamente vulnerável a choques
de preços oriundos do exterior. Os atuais preços elevados do petróleo no
mercado mundial afetam diretamente o nível geral de preços. No último
trimestre de 2005, o governo adotou novo método para determinar o preço
mensal dos combustíveis nos postos de serviço.
Inação média anual
Fonte: Banco Central e Bureau geral de Estatísticas
* Março de 2004 em relação a março de 2003
** Projeção do Banco Central
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212
Dolarização
Apesar da tendência a saldar certas transações em moeda forte, a
economia nunca chegou ao estágio de plena dolarização. A abolão de
exigências de retenção de ganhos de exportações em 2002 acrescentou nova
dimensão ao crescimento de depósitos em moeda estrangeira dos cidadãos
em bancos locais. A conseqüente exposição do sistema bancário a riscos
de liquidez em moeda estrangeira levou o Banco Central a tomar medidas
cautelares. O Banco Central impôs proporções de reserva sobre ativos em
moeda estrangeira, com a nalidade principal de proteger os bancos em caso
de uma súbita corrida. A proporção foi inicialmente xada em 17,5%. Hoje é
de 33,3%, desde 2005. Essas reservas compulsórias seriam primordialmente
utilizadas em caso de corrida aos bancos em busca de moeda forte. O Banco
Central reforçou sua própria capacidade de efetuar operações de salvamento
de bancos que se encontram em situação assim precária.
Essa medida reduziu a taxa de dolarizão de 58% em 2004 para
54% em 2007. Temos conança em que o prosseguimento da estabilização
macroeconômica e a crescente conança no dólar surinamês aos poucos
reduzirá a dolarização.
A queda da inação facilitou a redão das taxas de juros, o que estimulará
o crescimento, o crédito bancário e os investimentos.
Taxas nominais de juros em moeda local* (%)
Fonte: Banco Central
* Média ponderada
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Produção
A economia cresceu a uma taxa média de quase 6% entre 2003 e 2007.
O setor de mineração foi o principal impulsionador do crescimento.
Crescimento do PIB
Fonte: Bureau Geral de Estatístcas e Serviço Nacional de Planejamento
O setor de bauxita continuou a liderar as exportações. Em 2006, as
exportações de alumina aumentaram em 45%. A rmas que exploram a bauxita
estão atualmente em negociações com o governo a m de obter concessões
para mineração na parte ocidental do país. Jazidas conhecidas de bauxita
naquela região, totalizando cerca de 325 miles de toneladas o extremamente
promissoras para o prosseguimento da indústria durante muitas décadas.
A Companhia Estatal de Petróleo registrou grandes lucros em 2006, inclusive
uma parcela inesperada resultante do incremento dos preços do petróleo no
mercado mundial. A empresa planeja novos investimentos na produção de
petróleo bruto e em operações de reno para 2008 e celebrou acordos de
co-exploração e produção com empresas petrolíferas estrangeiras em áreas
marinhas na plataforma continental do Suriname. Os dados de prospecção até
o momento são promissores. A disputa marítima com a Guiana, já resolvida,
permitiu a xação da fronteira marinha entre os dois países. Até que houvesse
acordo, a Companhia Petrofera Estatal absteve-se intencionalmente de
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atividades na área, deixando-a de lado a m de não agravar a disputa. As
atividades de exploração de petróleo e gás natural por parte da empresa estatal
e suas parceiras internacionais são agora iminentes naquela área marinha
segundo os interesses do Suriname.
O setor aurífero continua a beneciar-se dos preços favoráveis. A empresa
canadense Iamgold adquiriu a mina de ouro Rosebel em novembro de 2006
após sua fusão com a Cambior, outra empresa canadense. A mina Rosebel
está localizada na parte central do interior do país e produziu cerca de 301
mil onças de ouro em 2006. A prospecção realizada pela empresa mineradora
Newmont, baseada em Denver, também poderá dar resultados positivos para
a mineração de ouro em larga escala na região oriental do país. As descobertas
preliminares são encorajadoras. A mineração em pequena escala, amplamente
praticada por mineiros individuais surinameses e garimpeiros brasileiros
contribui signicativamente para as exportações surinamesas de ouro.
Outros setores da economia, especialmente a agricultura (arroz, legumes,
bananas) tamm ganharam impulso com o efeito conjunto da estabilidade
macroecomica e preços mundiais em asceno. O setor arrozeiro se encontra
em reforma. Espera-se que o setor bananeiro contribua mais para as exportações
devido à expectativa de expansão da produção em 35% em 2007.
O turismo é uma indústria nascente no Suriname. Com base na taxa
de crescimento, tende a torna-se importante na atividade econômica geral.
Atualmente três novos hotéis em construção em Paramaribo, um dos quais
de propriedade integral de surinameses, outro é inteiramente de propriedade
estrangeira e o terceiro é um empreendimento conjunto com participação
nacional e estrangeira.
Outras atividades em andamento pressupõem investimentos em:
Telecomunicações:
Liberalização do mercado de telefonia móvel.
Infra-estrutura:
Construção e recuperação de estradas;
Melhoria e expansão de instalações portuárias e ancoradouros, e
Modernização do sistema de controle do tráfego aéreo.
André E. Telting
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Setor de saúde:
Centros de atendimento primário no interior, e
Centro de radio terapia no Hospital Acadêmico de Paramaribo.
Educação:
Reabertura de escolas primárias nos distritos meridionais, fechadas
desde a época das guerrilhas na segunda metade da década de 1980;
Introdução de uma tedra especial sobre sistema monetário e credicio
na universidade de Paramaribo, e
Expansão das instalações para acolher maior número de alunos nas
escolas de treinamento técnico e prossional em nível secundário.
Moradia:
Programa de facilidades especiais de crédito de 7% para hipotecas
em bancos locais para grupos de renda média, lançado pelo Banco
Central, e
Programa de Proteção de Baixa Renda, patrocinado pelo Banco
Inter-americano de Desenvolvimento, para grupos de baixa renda.
Setor externo
Firme desempenho das exportações de commodities, assim como preços
internacionais favoráveis, contribuíram para a recuperação das contas correntes
no balanço de pagamentos, passando do décit a um superávit crescente em
2006 e até o momento em 2007.
Contas correntes do balanço de pagamentos e saldo geral
Fonte: Banco Central
* Dados preliminares
Suriname: evolução macroeconômica
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O superávit do balanço de pagamentos mais do que dobrou as reservas
monetárias ociais durante o ano de 2006 e até meados de 2007. Isso
facilitou a recuperação do crédito, pois possibilitou amplos pagamentos da
dívida externa.
Reservas internacionais
Fonte: Banco Central
Além disso, o aumento das reservas internacionais inuiu positivamente
nas proporções de cobertura monetária e de importações. A proporção
reservada pelo Banco Central para seus passivos corrente é xada em lei em
50%, porém atualmente ultrapassa o dobro dessa cobertura (100%), o que
constitui sólido fundamento para a moeda. Ao mesmo tempo, a proporção
para cobertura de importações ultrapassa 3 meses de importações.
Proporções de cobertura monetária e de importações
Fonte: Banco Central
Nota: A proporção de cobertura das importações se baseia nas importações de bens e serviços
André E. Telting
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Dívida do governo
A situação das dívidas do governo melhorou signicativamente e se
aproxima de um dígito
Dívida doméstica e externa do governo (% do PIB)
Fonte: BSS
* Dados preliminares
Desde 2001, a dívida do governo tem sido mantida dentro dos critérios
da União Européia. Atualmente o nível da dívida se encontra bem abaixo do
teto de 60% (critério de Maastrich)
Dívida governamental total (% do PIB)
Fonte: BSS
* Dados preliminares
Suriname: evolução macroeconômica
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O objetivo do governo é seguir uma estratégia abrangente, de maneira
a tratar devidamente do serviço da dívida doméstica e da externa. O que se
pretende é que os pagamentos que vêm sendo feitos forneçam um histórico
de bom desempenho a m de recuperar a conança soberana, o crédito e a
conança no mundo como um todo.
5. Perspectivas de crescimento
Em sua alocução ao Parlamento no início do novo ano scal em
de outubro de 2007, o Presidente da República anunciou a continuação da
adesão do governo a políticas scais prudentes. A comunidade de negócios
recebeu essa declaração com satisfação. Aparentemente, empresários locais e
estrangeiros continuarão a expressar conança na economia e em seu potencial
de crescimento mediante seus investimentos.
As perspectivas para o novo período são consideradas favoráveis, dados
os investimentos no setor privado na maioria dos segmentos da economia e
especialmente em novos projetos.
Na indústria de mineração, em fase de euforia, está em curso o seguinte:
Negociações para a mineração de bauxita na área de Bakhuys, no
oeste do país;
Intenção de importantes investimentos de parte de Repsol YPF na
exploração de óleo no leito do mar, inclusive perfuração;
A prospecção de ouro de parte de Newmont na região de Nassau no
leste do país está tendo resultados promissores, e
Expansão da capacidade de produção e reno da Empresa Petrolífera
Estatal.
As iniciativas no setor privado abrangem a indústria emergente de
turismo, com instalações para eco-turistas:
Construção de um novo conjunto de lazer 4 estrelas na região de Berg en
Dal, localizado na parte central do interior do Suriname, parcialmente
nanciado pelo Banco Inter-americano de Desenvolvimento, e
O conjunto de lazer de Kabalebo, na parte oeste do interior do
Suriname.
DEP
Tradução: Sérgio Duarte
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
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A economia do Uruguai:
uma perspectiva
empresarial
Jorge Abuchalja*
1. Introdução
A
m de abordar o tema em uma perspectiva empresarial, devemos
primeiramente considerar os diferentes comportamentos da economia no
contexto internacional para em seguida tratar da situação especíca de nosso
país e das perspectivas de prazo médio.
2. As perspectivas internacionais e a região
a. O cenário internacional
Quanto às perspectivas no horizonte imediato (o próximo ano e meio)
espera-se a manutenção das condições favoráveis no plano internacional.
Nesse sentido, o FMI projeta um crescimento do produto mundial da ordem
de 4,9%, tanto para este ano quanto para 2008.
Dessa forma, a economia global completaria um dos períodos mais
longos de crescimento a taxas superiores à média dos últimos trinta anos.
* Presidente da Associação dos Dirigentes de Marketing da República Oriental do Uruguai.
A economia do Uruguai: uma perspectiva empresarial
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
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Apesar da desaceleração prevista nos Estados Unidos para o ano corrente, as
boas perspectivas surgem generalizadas para as diversas zonas econômicas.
Estima-se que a economia norte-americana registre uma expansão de 2,1%
este ano e de 2,6% em 2008, enquanto que na zona do euro o crescimento
estimado é de 2,5% em 2007 e de 2,2% no próximo ano.
Nesse quadro é possível prever um importante dinamismo para as
economias emergentes. O FMI projeta uma expansão econômica de 7,5%
e de 7,1% em 2007 e 2008, respectivamente. Essas perspectivas estão
estreitamente ligadas a um bom desempenho da economia chinesa no
próximo ano e meio, a propósito da qual é necessário levar em conta que a
economia do gigante asiático cresceu à razão de 11% no corrente ano.
No que se refere aos mercados nanceiros, o cerio central de
prognóstico aponta para uma estabilidade das taxas de juros a curto prazo,
em linha com a projeção de manutenção das taxas norte-americanas de
referência. Assim, espera-se que a moeda dos Estados Unidos continue a
debilitar-se no restante de 2007 e nos primeiros meses de 2008 e a partir de
então poderia experimentar leve recuperação.
Ainda que as perspectivas anteriormente descritas sejam favoráveis,
o podemos desconhecer a existência de riscos importantes em fatores
que poderiam determinar uma deterioração do desempenho da economia
mundial nos próximos anos. Entre os principais fatores de risco devemos
levar em consideração o efeito recessivo que um ajuste profundo no
mercado imobiliário dos Estados Unidos poderia gerar, assim como a
eventual intensicação das pressões inacionárias nas principais economias
desenvolvidas, comportamentos que poderiam redundar na adoção e
aprofundamento de políticas monetárias restritivas.
Ao que cou dito é preciso acrescentar os efeitos dos elevados preços
do petleo, assim como a volatilidade desse mercado. Os cenários de
conitos entre países e no interior de alguns deles contribuem para aumentar
o grau de incerteza.
b. A situação nos países vizinhos
Nesse cenário atualmente auspicioso, as economias da região mostrariam
um desempenho favorável no próximo ano e meio. No caso da Argentina,
apresentar-se-iam boas taxas de crescimento econômico e seriam atingidos
Jorge Abuchalja
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
221
novos recordes de exportações, ao mesmo tempo em que o Banco Central
manteria a taxa de câmbio nos níveis atuais e o governo teria êxito relativo no
controle da inação (que não superaria 15%). No cenário argentino descrito
observam-se dois fatores capazes de incidir negativamente nessas projeções:
por um lado, as expectativas dos diferentes atores da economia a partir dos
resultados das eleições presidenciais de outubro de 2007 e, por outro, os efeitos
de um agravamento da crise energética.
Dentre os fatores anteriormente mencionados, a crise energética surge
como o risco mais grave, embora o governo tenha insistido em dar-lhe pouca
importância. Não obstante, é indubitável que caso persistam os problemas
durante alguns meses, produzir-se-ia uma desaceleração natural do ritmo de
crescimento da produção de bens e serviços. Se vier a produzir-se uma escassez
de combustíveis e forem estabelecidas restrições ao uso da energia elétrica,
a indústria poderia ser o setor mais afetado, e em conseqüência haveria uma
redução do ritmo de crescimento, o que por sua vez provocaria a desaceleração
do crescimento do PIB, levando para 6,5% a taxa prevista em 2007 e fazendo-a
cair para 4% em 2008.
No que respeita ao Brasil, a economia do país mostraria expansão
considerável durante o transcurso de 2007 e 2008. Observando-se o desempenho
da economia brasileira, pode-se afirmar que em curto prazo o motor
do crescimento da atividade econômica é a demanda interna. Nesse cenário,
estima-se uma expansão do PIB da ordem de 4% anuais em 2007-2008.
Naturalmente, manter essas taxas de crescimento implica desaos
importantes, para os quais os investimentos e a manutenção dos equilíbrios
macroeconômicos são imprescindíveis. Além disso, a inação parece estar sob
controle e em torno de 4%.
3. Análise e perspectivas da economia do Uruguai 2007-2008
a. Crescimento da economia
Num quadro internacional muito favorável, a atividade econômica
mostrou um crescimento de 7% no ano de 2006. No período já decorrido de
2007, a análise dos indicadores macroeconômicos nos permite armar que a
economia uruguaia mantém um caminho de rme crescimento.
A economia do Uruguai: uma perspectiva empresarial
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Essa evolução se explica fundamentalmente por uma demanda externa
sustentada e por um maior dinamismo do gasto doméstico.
b. O dilema da política monetária
Encerrado o exercício de 2006, a inação se situou abaixo do limite
superior da faixa de metas do Banco Central do Uruguai (BCU), de 6,5%.
Na primeira metade de 2007 a inação de preços no varejo mostrou forte
aumento, atingindo um máximo de 8,3% em maio.
Embora o incremento de alguns preços muito voláteis, como o das
frutas e verduras, tenha incidido de forma importante nos últimos meses, a
inação subjacente permanece em níveis elevados desde o inicio de 2006.
Essa situação evidencia um cenário de alerta para as autoridades econômicas
quanto ao cumprimento da meta de inação para o corrente ano de 2007.
A inação subjacente – que exclui o comportamento dos bens cujos preços
o mais voláteis – permaneceu persistentemente acima de 6%, em termos
anuais, desde fevereiro de 2006. Ao depurar bens como frutas, verduras,
carne e combustíveis, a inação subjacente permite medir de maneira mais
precisa a evolução do que se conhece como núcleoinacionário, que
talvez seja o mais indicado para ser utilizado como insumo das decisões
de política monetária.
Em sua ultima reunião, a Comissão de Coordenação Macroeconômica,
óro formado por autoridades do Banco Central e do Ministério de
Economia e Finanças, reconheceu a existência de pressões que poderiam
afastar o registro da inação do último degrau estabelecido (4% 6%),
vigente a partir de junho de 2008.
No comunicado emitido em fins de março de 2007, a Comiso
reconhece que o processo inacionário atual responde a uma série de fatores,
entre os quais os choques de ofertas (por exemplo, o vinculado às frutas), o
crescimento econômico, a inação importada e os aumentos de salários.
Com relação a este último fator, a interação entre salários nominais
e preços tem sido historicamente decisiva na determinação dos registros
inacionários no Uruguai.
A relação entre política salarial e as metas de inação marca um dos
principais dilemas enfrentados pelo atual governo: a meta de recuperação
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223
salarial estaria em contraposição ao objetivo de continuar reduzindo os
registros inacionários abaixo dos 5% – 6% anuais.
Assim, num cenário de inação mais elevada, o BCU anunciou um ajuste
na política monetária, implementando a esse respeito medidas contrativas. No
entanto, dado o atraso com que se vericam os efeitos das políticas monetárias,
somente uma parte desses efeitos poderia afetar a inação no corrente ano.
Não obstante, não elementos que induzam a pensar que o BCU
abandonará seu compromisso com as metas de inação. Pelo contrário, é
provável que a autoridade monetária continue aplicando medidas como a
elevão das taxas de juros e que incremente o esfoo para alinhar as expectativas
dos agentes locais, com o propósito de que a inação retorne à trajetória para
o objetivo xado pela Comissão de Coordenação Macroeconômica.
Em conseqüência, poderia observar-se nos próximos meses maior
restrição monetária. A m de que isso, consequentemente, redunde em queda
da inação, seria preciso que a autoridade monetária permitisse um declínio
adicional da taxa de mbio, o que seria consistente com a evolução do dólar no
sentido da baixa nos mercados internacionais (se bem que esse comportamento
não afetaria de maneira signicativa a competitividade da produção nacional,
tampouco permitiria uma recuperação ou um incremento real).
c. A política scal
Em linhas gerais, durante a primeira metade do ano de 2007, as contas
públicas evoluíram segundo o previsto no programa nanceiro do governo.
A situação climática possibilitou uma queda importante no custo da geração
de energia elétrica, o que acarretou sensível melhora nos resultados da gestão
da UTA (o órgão energético estatal).
Por outro lado, a arrecadação de impostos continuou crescendo em
ritmo adequado, compensando um aumento moderado do gasto primário do
conjunto Governo Central- Banco de Previsão Social (BPS). Dessa maneira,
nos doze meses terminados em maio, o resultado primário do setor público
se situava em 4,4% do PIB.
Como se indicou anteriormente, a situação econômica favorável dos
últimos anos permitiu aumentar o gasto nas áreas denidas como prioritárias
(área social, infra-estrutura, educação). Nesse sentido, está sendo cumprido
A economia do Uruguai: uma perspectiva empresarial
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224
o objetivo do governo de aumentar o gasto na medida em que a arrecadação
o permita.
o obstante, certas interrogações e incertezas no que toca ao objetivo
de alcançar o equilíbrio scal (décit zero) ao nal do período de governo.
A melhora do resultado scal se baseia, em parte, no crescimento econômico
previsto, assim como no aumento da receita mediante redução da evasão.
Nesse ponto, é necessário levar em consideração que a sustentação do notável
crescimento da receita da repartição arrecadadora (DGI), por melhorias na
“administração tributária”, tem restrições a prazo médio.
Por outro lado, o crescimento da despesa se acelerou, especialmente no
último ano, ao mesmo tempo em que as fontes de nanciamento apresentam
diculdades de crescimento nos próximos exercícios (crescimento econômico,
redução da evasão, lucros dos bancos estaduais).
Isso coloca outro dilema para as autoridades governamentais quanto
às políticas a executar: reduzir a “vulnerabilidade scal” versus atender às
necessidades das áreas denidas como prioritárias.
4. Uma visão sobre as perspectivas do Uruguai
Levando em consideração o panorama externo favorável descrito nos
parágrafos anteriores, assim como as observações sobre política econômica
feitas precedentemente, pode-se antecipar uma visão das perspectivas de
nosso país.
No que respeita ao PIB, estima-se ser possível atingir um crescimento
da ordem de 5,2% para o ano de 2008, em conseqüência da sustentação do
dinamismo dos investimentos e da exportação, de um importante aumento
do consumo privado e de uma maior atividade econômica induzida pelo
lançamento da fábrica de celulose da empresa Botnia.
Quanto à inação, é oportuno destacar que com a política de redução de
tarifas adotada pelo governo, que assumiu o conseqüente custo scal, e com a
queda da taxa nominal de câmbio, pode-se projetar uma inação em dólares
da ordem de 8% em 2007 e de 8,7% em 2008. A conseqüente redução da taxa
real de câmbio estaria em sintonia com o enfraquecimento do dólar em nível
internacional e, portanto não representaria uma deterioração signicativa da
Jorge Abuchalja
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225
competitividade da economia uruguaia diante de terceiros países, conforme
comentado anteriormente.
a. A imprescindível inserção internacional
Neste ponto, deve-se levar em conta que a demanda tem marcado,
historicamente, a evolução de nossa economia, assim como sua inserção no
mercado internacional.
O comportamento empresarial, em seu conjunto, não mostrou forte
vocação de conquista dos mercados internacionais; pelo contrário, dedicou os
maiores esforços ao mercado interno. Ao mesmo tempo, esse mercado interno,
que é um destino nal relevante para a produção do país, apresenta tamanho
reduzido e restrito, o que obriga à abordagem da inserção internacional como
ação imprescindível para o crescimento, determinando a busca de caminhos
que reduzam a vulnerabilidade nas relações com o mundo.
Essa situação signica que o empresariado uruguaio precisa, necessária e
imperativamente, melhorar sua competitividade no interior da economia, com
adequação constante da qualidade às exigências da demanda internacional,
como forma de posicionar-se nos mercados externos e ao mesmo tempo
como barreira ecaz para o ingresso de produtos e serviços competitivos de
origem internacional.
Nosso país se encontra empenhado, fundamentalmente, por meio de
gestões organizadas pelos diferentes governos, na busca de novos mercados
que nos permitam diversicar a colocação de nossos produtos. Esse esforço
se refere também à diversicação da oferta produtiva nacional.
Isso, porém, somente será possível realizando ações concretas,
participando de missões comerciais, apresentando nossos produtos em feiras
e mantendo contatos permanentes em nível empresarial.
Vamos demorar na análise deste tema porque o mesmo, em nossa
opinião, é de relevância central para o desenvolvimento sustentado do país.
Devemos, por isso, recordar que a economia uruguaia demonstrou, durante
a década de 1990, um desempenho macroeconômico que podemos denir
como satisfatório, apesar da leve recessão sofrida em 1995 como reação parcial
ao “efeito Tequila”.
A economia do Uruguai: uma perspectiva empresarial
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
226
As taxas de crescimento do produto real per capita foram relativamente
elevadas e sustentadas até 1998, momento a partir do qual o país entrou em
um período recessivo, caracterizado por uma forte contração da economia
real. Esse processo culminou, em 2002, na pior crise econômica sofrida pelo
Uruguai desde a década de 1930.
A crise desatada em 2002 teve efeitos principalmente sobre o sistema
nanceiro, a taxa de câmbio e a solvência scal do país. Essa situação pode ser
explicada a partir da conuência de uma serie de fatores negativos externos,
entre os quais se destacaram: a) a desvalorização da moeda brasileira, que
ocorreu em janeiro de 1999 e a visível pressão por ela exercida sobre as
taxas de câmbio bilaterais no Mercosul; b) a crise argentina que ocorreu em
dezembro de 2001 (esta crise teve forte impacto sobre nosso país devido à
importância da Argentina na demanda acumulada e nos preços relativos, e que
foi amplicada pela presença de bancos argentinos com problemas na praça
nanceira uruguaia; c) a deterioração dos termos internacionais de troca e os
efeitos sobre as exportações de carne relacionados com o surgimento de um
surto de febre aftosa em 2001; e por último d) a falta de visão e a inoperância
dos atores empresariais, que se conformaram com a bonança do Mercosul e
com as relações mornas da região.
A partir de 2003 a economia uruguaia começou a recuperar-se,
apresentando indicadores altamente positivos a partir de 2004. Não obstante,
para que se produza uma melhoria sensível no bem-estar da população, é
fundamental a aceleração do crescimento econômico, sobre a base do que foi
registrado, de maneira sustentada, durante os últimos quatro anos.
A crise, além disso, denunciou a necessidade inegável de uma inserção
internacional, levando em conta as limitações do mercado interno. O esforço
realizado nesse sentido permitiu atingir escalas de produção e eciência
econômicas que de outro modo não poderiam ter sido alcançadas.
Lamentavelmente, foi necessária uma grave crise para internalizar esse
ensinamento. Nós, empresários, soubemos sair para o mundo a m de detectar
novas possibilidades e torná-las concretas, aprendeu-se a respeitar o crédito
e a austeridade nas empresas, compreendeu-se que os estoques devem ser
mantidos somente nos níveis necessários e que era possível terceirizar todas
as atividades e processos não críticos.
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227
b. A captação do investimento
A captação de investimentos é de fundamental relevância para nosso
país, pois gera aspectos positivos na economia que ultrapassam o investimento
original. Isso se manifesta no efeito multiplicador, tanto na geração de novos
empregos quanto de novas demandas, em necessidades de insumos e em outras
inter-relações com a economia e a sociedade.
Por isso, o investimento é fator chave para o crescimento sustentado
no tempo. Nosso ps apresenta bom clima para negócios, estabilidade
macroeconômica, posição geográfica privilegiada, estabilidade político-
institucional, estabilidade social, além de tratamento promocional igualitário
para o capital nacional e estrangeiro. Esses fatores fazem que o Uruguai conte
com um ambiente atraente para o investimento.
Com relão ao que foi indicado anteriormente, no Uruguai não
existem controles de capital e nem de câmbio, o que permite realizar e exigir
cumprimento dos contratos em qualquer moeda estrangeira. Não existem
limitações às atividades nanceiras e comerciais relativas à compra e venda
de propriedades. O Uruguai não discrimina entre investimentos nacionais e
estrangeiros e prevê grande número de incentivos ao investimento.
Não obstante, o investimento, tanto nacional quanto estrangeiro é baixo
em comparação com outros países da região. Nos últimos anos, os uxos
de investimento m-se dirigido majoritariamente a setores exportadores
de bens (florestamento, processamento de alimentos, frigoríficos) e
a serviços (principalmente software, turismo e serviços bancários). No
peodo recente registraram-se investimentos importantes, impulsionados
fundamentalmente, pela instalação em nosso país da fábrica de celulose da
empresa nlandesa Botnia.
O Uruguai possui muitas das vantagens reais e incentivos tributários que
os investidores estrangeiros procuram a m de explorar a produção de bens e
servos. A recente reforma tributária, aprovada pelo Parlamento, inclui diversos
incentivos ao investimento, que detalhamos sinteticamente em seguida:
Redução da taxa de imposto de renda de 30% para 25%;
Melhoria do lucro dos investimentos, até 40% do rendimento
líquido scal;
A economia do Uruguai: uma perspectiva empresarial
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228
Extensão do prazo de prescrição de perdas scais, de 3 a 5 exercícios;
Exonerões de rendimentos vinculados à pesquisa e desenvolvimento:
biotecnologia, bioinformática e software destinados ao exterior;
Redução dos custos de nanciamento das empresas;
Mudaas nos subdios a empresas públicas que melhoram a
competitividade por meio de tarifas mais baixas, e
Coerência com regimes de promoção.
Além disso, o regime de Zonas Francas constitui poderoso incentivo
para que o país se transforme em lugar preferido do mercado, onde empresas
transnacionais localizem atividades de serviços como Centros de Serviços
Compartilhados para toda a região (a exemplo do observado em Costa Rica e
na Irlanda). Esse regime está em plena expansão e seguramente terá o impacto
esperado, que o governo e os empresários estão empenhados na divulgação
de tantos benefícios.
Por último, é preciso acentuar a necessidade de que o investimento
aumente de maneira signicativa, o que redundaria em melhoria da relação
dívida/capital (ainda alta no Uruguai) e que se dirija a setores que contribuam
para a geração de emprego e de exportações, à transferência de tecnologia e
à capacitação da força de trabalho.
As modicações em curso na legislação, com o propósito de eliminar a
discricionalidade na alocação de recursos, aumentar a transparência e melhorar
a eciência, assim como a recomposição da coesão social, no quadro dos
compromissos assumidos pelo governo, devem contribuir signicativamente
para a estabilidade, a segurança e o desenvolvimento sustentado do país.
c. A necessidade de multiplicar os contatos comerciais
Como os benefícios do atual Mercosul ainda não são os esperados, está
ocorrendo um retorno aos objetivos originais. Isso comporta a necessidade
de continuar a trabalhar em tratados bilaterais (por exemplo, Uruguai-México)
e em missões comerciais como a que está sendo realizada pela Presidência da
República em companhia de empresários. Essas ações indicam a multiplicação
de contatos que, por m, serão os que permitirão a detecção de necessidades
e a conseqüente abertura e consolidação de novos mercados. Naturalmente,
Jorge Abuchalja
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229
esses esforços para a celebração de tratados bilaterais não implicam que não
se envidem esforços para avançar na integração produtiva regional, no quadro
dos postulados do Mercosul, de maneira a tornar as empresas e sociedades
mais competitivas aproveitando o melhor delas mesmas, avançando em
conjunto em direção a um mundo cada vez mais globalizado e em permanente
mudança, exigindo de nós o desenvolvimento permanente de inovação e
conhecimentos.
A situação geográca, assim como os acordos político-jurídicos existentes,
nos permitem identicar o Mercosul como plataforma poderosa para gerar as
bases e a preparação necessária a m de maximizar o acesso do Uruguai aos
mercados mundiais. Embora esta seja a alternativa a ser enfrentada pelos países
da sub-região, diversos aspectos têm surgido, em muitos casos decorrentes da
assimetria dos sócios, que não permitiram atingir o objetivo anteriormente
denido, o que levou o governo de nosso país a avaliar diferentes alternativas
de inserção no mundo. Dessa forma, apresentam-se formulações multipolares
que, embora priorizem o Mercosul, aconselham prosseguir avançando na
integração com o resto do mundo particularmente no âmbito multilateral
e nos grandes acordos plurilaterais, a m de abrir mercados para a produção
local. Como exemplo, pode-se mencionar o acordo de livre comércio alcaado
com o México.
Conclusão
O Uruguai está levando a cabo uma série de transformações em todos os
seus aspectos, da mesma forma que muitos países da América Latina. Embora
façam parte do Programa de Governo e se processem em nível parlamentar,
essas transformações não são as únicas necessárias e nem as únicas em curso
em nosso país. As reformas contempladas em nível governamental possuem
em muitos casos caráter estrutural: a reforma tributária, a reforma da saúde, a
reforma do Estado, entre outras, estão sendo levadas adiante sem incorrer em
populismo, com critérios medidos e focalizando em sua parte fundamental a
inserção do Uruguai no mundo para o bem-estar de sua população.
No âmbito empresarial, a partir da crise de 2002, também ocorreram e
continuam a ocorrer transformações de alta voltagem. Partindo da premissa de
que o desenvolvimento das economias dos países exige, inevitavelmente e como
A economia do Uruguai: uma perspectiva empresarial
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complemento da gestão dos governos, da atividade empresarial, é necessário
manter e acrescentar a evolução nesse setor. Para isso, é imprescindível a alta
capacitação em todos os níveis e a participação, em missões comerciais junto
com o governo, assim como a busca incessante de necessidades e oportunidades
para negócios e investimentos nos diversos países, por meio do trabalho das
Câmaras Empresariais e das associações prossionais. O desenvolvimento de
novos conceitos em produtos e serviços e sua exportação (como no caso dos
intangíveis ou de bens terciários) permitirá aproveitar as amplas oportunidades
que o mercado internacional apresenta. O Uruguai tem incursões na área de
tecnologia, software, serviços nanceiros, consultorias, tele-trabalhos, serviços
culturais, cinematograa, publicidade e turismo como fatores de incremento
do PIB. O Uruguai está passando por um bom momento econômico e as
perspectivas de prazo médio se apresentam de forma auspiciosa, sempre que
as condições internacionais e os esforços locais se mantiverem.
O estímulo e o reconhecimento da atividade empresarial são elementos
coadjuvantes para conseguir uma sinergia perfeita entre as reformas do Estado
e a atividade dos empresários e são também fatores determinantes para o
aproveitamento das oportunidades oferecidas pelo cenário internacional.
A formação de novos empresários a partir da base, como a que resulta de
ações como a do Desao Sebrae (programa levado a cabo por universitários
uruguaios) é exemplo dos esforços que se realizam no país para chegar ao
desenvolvimento.
Fontes: Informações de conjuntura Deloitte e Pricewaterhouse 2007.
Clima de Negócios Iniciativa do BID 2005. Ministério da Economia e
Finanças.
DEP
Tradução: Sérgio Duarte
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231
A atual fase de
crescimento da economia
venezuelana
Nelson Merentes*
Principais variáveis macroeconômicas
V
ale a pena recordar que a Venezuela havia crescido a uma média
inter-anual de 5% entre os anos 60 e o nal dos 70. Na década de 80, iniciou-se
um ciclo de utuações de descréscimo e crescimento, o que em certa medida
produziu um sacrifício social progressivo, deteriorando as políticas liberais
estabelecidas pelos governos da época. O clímax dessa deterioração social
foi o denominado carachazo” de 1989 e as rebeliões militares de 1992,
quando surgiu uma nova força política liderada pela atual Presidente Chávez.
O projeto político proposto se baseava na “árvore de três raízes”, com as idéias
de Simon Bolívar, Ezequiel Zamora e Samuel Robinson. As linhas estratégicas
desse projeto estão reetidas na Constituição adotada em 1999 por meio da
Assembléia Constituinte e aprovada pela maioria da população venezuelana
mediante um referendo nesse mesmo ano.
Atualmente a Venezuela se encontra em uma fase de crescimento desde
o ano 2004-2007, com média superior a 8%. Esse período de crescimento é
mais longo do que o ocorrido nos anos 80 e superior ao conseguido na década
de 60-70, como se pode vericar no gráco seguinte.
* Ex-Ministro da Fazenda da República Bolivariana da Venezuela.
nmer@euler.ciens.ucv.ve
A atual fase de crescimento da economia venezuelana
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Crescimento inter-anual do PIB
Fonte: Banco Central da Venezuela
O ano de 2007 fechou um ciclo de 17 trimestres sucessivos de crescimento
do PIB que não se sucedia na economia venezuelana desde a década de 1970.
A variação do PIB trimestral particularmente foi superior a 8%, como mostra
o gráco a seguir.
Crescimento trimestral do PIB
Fonte: Banco Central da Venezuela
Nelson Merentes
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233
O setor que apresentou maior crescimento foi o não petrolífero, com
taxa superior a 10%.
Crescimento do PIB por setor produtivo
Fonte: Banco Central da Venezuela
O setor privado retomou o caminho do crescimento, a uma taxa superior
a 11% trimestrais no mesmo período.
Crescimento do PIB por setor institucional
Fonte: Banco Central da Venezuela
A atual fase de crescimento da economia venezuelana
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234
O PIB nominal no encerramento do ano de 2007 será provavelmente
o dobro do registrado em 1998, saltando de 91 bilhões para 200 bilhões de
dólares. É importante acentuar que embora o gráco descreva o crescimento
do PIB nominal em intervalos de cinco anos (qüinqüênios presidenciais), a
presidência de Hugo Chávez já acumula oito anos de mandato.
PIB nominal por período presidencial
Fonte: Banco Central da Venezuela
A variação do PIB per capita aumentou em torno de 142% nestes
últimos quatro anos, crescendo de 3.258 dólares no ano de 2003 para 7.997
dólares estimados por pessoa no ano de 2007. Os níveis atuais do PIB per
capita superam os valores alcançados nos anos 80, como se pode ver no
gráco seguinte.
Nelson Merentes
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PIB per capita, em US$
Fonte: Banco Central da Venezuela, estimativas próprias
O crescimento foi sustentado pela expansão das seguintes atividades
econômicas:
Fonte: Banco Central da Venezuela
A Venezuela apresentou uma “arritmia” inacionária anual a partir dos
anos 80, com o valor mais baixo (9%) no ano de 1985 e o máximo no ano de
1997, com 103%. No período 1999-2007, a inação média alcançou níveis de
A atual fase de crescimento da economia venezuelana
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236
18,7%. A pergunta importante é saber quais são os fatores que produzem essas
altas utuações no índice de preços ao consumidor (IPC) e suas respectivas
ponderações.
Particularmente, as preses no sentido da elevação de preços na
Venezuela se originam em muitos fatores, especialmente as expectativas e
risco político (evidenciado pelo que aconteceu em 2002-2003), o que poderia
sugerir a necessidade de pesquisar e projetar um modelo econométrico que
permita dispor de melhor instrumento para estruturas políticas que incluam o
controle da inação. Atualmente a Venezuela carece desse modelo que permita
precisar adequadamente políticas inacionárias.
Inação anual por períodos presidenciais
Fonte: Banco Central da Venezuela
Atualmente, a taxa de desemprego é a mais baixa dos últimos 20 anos,
chegando a um dígito (9%). Junto com a redução da taxa de inação, ocorreu
uma apreciação do salário real.
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Taxa anual de desemprego
Fonte: Instituto Nacional de Estatísticas
Antes que o Presidente Chávez assumisse a direção do país, os
trabalhadores do setor urbano recebiam o dobro dos rendimentos dos das áreas
rurais, os empregadores de porteiros e trabalhadores domésticos não eram
obrigados a pagar o salário mínimo, como tampouco o faziam as empresas
que tinham jovens em formação. Hoje, todos os que se encontram nessas
condições têm direito a receber o salário mínimo.
As organizações onde trabalhavam até 20 pessoas também não tinham
obrigação de pagar o salário mínimo. Isso fazia com que muitos empresários
criassem várias pequenas empresas ou que as transferissem para o setor rural,
e dessa forma um número signicativo de trabalhadores era explorado.
Hoje em dia, o poder aquisitivo dos venezuelanos melhorou,
principalmente na classicação econômica segundo os rendimentos mais
baixos (D e E), revertendo o que acontecia nos anos 90, durante os quais a
inação era superior ao aumento do salário mínimo.
Em termos de dólares, em 1996, quando a inflação venezuelana
superou 100%, o salário mínimo no país chegou a ser de 36 dólares, um
dos mais baixos do mundo. No ano de 2007, o salário alcançou 286 dólares.
Segundo os cálculos do Ministério do Trabalho, somando-se o salário mínimo
A atual fase de crescimento da economia venezuelana
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nacional e a bonicação alimentar, os funcionários da Administração Pública
nacional recebem renda equivalente ou próxima ao valor da cesta básica, que
compreende alimentos e serviços.
Salário mínimo e poder aquisitivo
Fonte: Banco Central da Venezuela, Ministério do Trabalho
Principais variáveis scais
Apesar do esforço realizado pelo país para diversicar sua economia,
ainda é signicativamente dependente do mercado do petróleo e seus derivados
e dos ciclos econômicos desses produtos.
No entanto, em termos nominais e reais a receita scal aumentou. Com
respeito às receitas petrolíferas, estas duplicaram de 6,75% do PIB em 1999 a
13,6% do PIB em 2007. Para isso contribuiu a combinação do comportamento
dos preços e uma profunda reforma scal petrolífera realizada nos anos de
2005 e 2006.
Nelson Merentes
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Evolução recente da distribuição de rendas
Fonte: Escritório Nacional de Orçamento
Quanto às receitas o petrolíferas, o gráco anterior mostra que
aumentaram de 9% do PIB em 1999 a 16,6% do PIB em 2007 (apenas um ciclo
de 8 anos). Esse incremento obedece essencialmente ao plano de evasão zero
e contrabando zero, à capacitação dos recursos humanos e à modernização
das alfândegas e tributos internos.
Igualmente, no ano de 2005, os uxos nanceiros da República foram
transformados segundo a Lei do Banco Central da Venezuela. Isso permitiu
a criação do Fundo de Desenvolvimento Nacional (Fonden), que recebeu
recursos de aproximadamente 30 bilhões de dólares nos últimos dois anos.
Desse montante, 13 bilhões, ou 43,3%, provém da indústria petrolífera.
Além disso, essa indústria assume um compromisso social segundo o plano
estratégico de semeadura petrolífera (planos sociais) da ordem de 6 bilhões
de dólares anuais.
A fonte de nanciamento do Fonden provém de Petróleos de Venezuela
(Pdvsa) e do Banco Central da Venezuela (BCV) que utiliza uma técnica para
calcular o montante ou o nível das reservas adequadas (ótimas) de um país.
A atual fase de crescimento da economia venezuelana
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A metodologia para o cálculo das reservas ótimas foi estudada por
muitos autores. Trifn (1948) utiliza o número de meses de importações.
Outros autores, como Wijnholds e Kapetyn, Heller (1966), Garcia y Soto
(2004) e Frenkel e Jovanovic (1981) apresentaram outros critérios a respeito
desse tema. Na Venezuela utilizou-se uma regra de critérios múltiplos (Rojas
2005) para selecionar um único valor estimado do nível adequado de reservas
internacionais e obter valores pontuais e categorias do nível adequado de
reservas internacionais, estimados segundo diversos critérios e estudos.
Receitas scais petrolíferas, valores reais
Fonte: Escritório Nacional de Orçamento, cálculos próprios
Embora nos últimos anos as receitas petrolíferas tenham alcançado
seus valores máximos nominais, é prudente acentuar que em termos reais
esse crescimento é pequeno em relação aos obtidos na década de 80, como
se pode vericar no gráco anterior.
O incremento da arrecadação scal petrolífera e não petrolífera e os
novos uxos nanceiros da nação permitiram melhor distribuição da renda,
com um crescimento de 8,8% do PIB no setor social no ano de 1998 para
18,6% do PIB no ano de 2006, o que representa um incremento de 9,8 pontos
percentuais do PIB. 45% do orçamento formulado em 2006 se destinam aos
Nelson Merentes
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setores sociais. No setor produtivo, evidencia-se um crescimento de 10,1%
do PIB em 1998 para 24,9% do PIB em 2006, com um aumento de
14,8 pontos percentuais.
Fonte: Banco Central da Venezuela, estimativas próprias
Atualmente, as reservas internacionais da Venezuela ultrapassam
30 bilhões de dólares, o que excede o nível da dívida externa venezuelana (em
aproximadamente 26 bilhões de dólares). Além disso, com a criação do Fundo
de Desenvolvimento Nacional (Fonden) ca garantida a existência de uxos
nanceiros para mais de 110 projetos produtivos no âmbito social, produtivo,
energético, de comunicações e de ciência e tecnologia.
A atual fase de crescimento da economia venezuelana
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Reservas internacionais 2004-2007
Fonte: Banco Central da Venezuela, estimativas próprias
A Venezuela desacelerou o ritmo de seu endividamento, evidenciando-
se uma redão de 76,6% do PIB a 23,3% do PIB em 2006. A redução mais
importante ocorreu em 2006, quando foi pago totalmente um montante
aproximado em 5,5 bilhões de lares em vida externa, o que permitiu
que o ano de 2006 terminasse com uma percentagem de 14,6% do PIB.
Com relação à dívida interna, atualmente alcança 8,6% do PIB, em
conseqüência do renanciamento de quatro para 15 anos de vencimento, com
redução de juros e mudança na estrutura de cupões variáveis para cupões xos.
Dívida como percentagem do PIB
Fonte: Escritório Nacional de Crédito Público, cálculos próprios.
Nelson Merentes
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A liberação dos uxos orçamentários de caixa, antes comprometidos com
o serviço da dívida, permitiu que o peso no orçamento se reduzisse de 74%
em 1995 a 19% em 2006, aumentando a disponibilidade de recursos para o
investimento social produtivo. Entre os projetos principais para a recuperação
sócio-econômica estão a proposta de um plano estratégico nacional e as
denominadas Missões.
Serviço da dívida em relação ao orçamento anual
Fonte: Escritório Nacional de Orçamento, cálculos próprios
As missões sociais representam um instrumento estratégico, por meio
do qual é possível enfrentar as expressões mais extremas de desigualdade,
discriminação e pobreza, que originam a insuciência alimentar, os décits
sanitários, o analfabetismo, o desemprego e a ausência de mecanismos de
participação cidadã, que até 1998 haviam convertido o país em uma gigantesca
fábrica de exclusão social.
Segundo o relatório e os cálculos do Ministério da Saúde, havia nessa
área em 1998 1628 médicos que exerciam a atenção primária a uma população
de 23,4 milhões de pessoas. No ano de 2006, havia 19.571 médicos para uma
população de 27 milhões de pessoas.
Em 1998 havia 417 salas de emergência, 74 centros de reabilitação e
1.628 centros de atenção primária. Em ns de 2006, ao contrário, existiam
A atual fase de crescimento da economia venezuelana
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721 salas de emergência, 445 centros de reabilitação, 8.621 centros de atenção
primária, inclusive 6.500 pontos de consulta, localizados geralmente nos
bairros pobres.
De 2004 a 2006, mais de 400 mil pessoas foram operadas dos olhos e
recuperaram a visão. Antes, essas pessoas simplesmente não recebiam atenção.
A estratégia de desenvolvimento do governo nacional deu prioridade
absoluta ao objetivo de inclusão social, no sentido de oferecer oportunidades
reais às maiorias marginalizadas da populão, a fim de incorporá-las
dignamente na atividade produtiva da nação.
A política de inclusão social tem um enfoque que parte da premissa de
que os verdadeiros mecanismos de superação da pobreza são a capacitação,
a criação de fontes de trabalho, a defesa do salário real, a criação de renda
social mediante serviços públicos acessíveis, para elevar a qualidade de vida
da população mais pobre.
Missões sociais
Fonte: Portal das Missões Bolivarianas na Internet
Nelson Merentes
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
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Com as missões sociais aspira-se a um processo de adestramento
produtivo, atenção à saúde, alimentação, prestação de serviços básicos e em
geral à criação de condições iniciais para a incorporação de toda a população
a uma função socialmente produtiva.
No aspecto alimentar, os relatórios e cálculos do Ministério da
Alimentação indicam que no ano de 2006 existiam em todo o país 15.726
estabelecimentos que comercializaram alimentos a preços subsidiados, com
uma economia de entre 27% e 39% em comparação com os pros de mercado
para 2005 e 2006. Adicionalmente, expandiram-se os programas especiais
para atenção a pessoas em situação de extrema pobreza (como as Casas de
Alimentação e o programa de fornecimento de alimentos gratuitos conhecido
como Suplemento Alimentar) que beneciaram 67% e 43% da população de
2005 e 2006, respectivamente. Esses dados não incluem 1,8 milhão de crianças
em idade escolar beneciárias do programa de alimentação escolar em 2006,
contrastando com 252 mil crianças beneciadas em 1999.
No aspecto educativo, o mero de alunos das escolas bolivarianas
de educação primária aumentou de 271.593 no ano escolar 1999/2000 a
1.098.489 no ano escolar 2005/2006. Igualmente, mais de 1,3 milhão de
pessoas participaram de programas de alfabetização de adultos Miso
Robinson I, mais de 1,5 milhão ingressaram no sistema de educação básica
Missão Robinson II e, em 2006, 250 mil pessoas receberam o título de
bacharelado, com mais 500 mil a poucos meses de consegui-lo. Por sua
parte, a Missão Sucre reporta em 2006 o ingresso de mais de um milhão de
pessoas no sistema de educação superior.
Em 1993 havia 5,2 miles de matriculados, em 1998 registraram-se 5,5
milhões de matriculados, ou seja, um crescimento de 6,6%. No ano de 2006,
registraram-se 9,3 milhões de matriculados, o que signica que 1,5 milo de
pessoas alfabetizadas em dois anos elevaram a taxa para mais de 90%. Uma média
de 1,7 milhão de pessoas foram reinseridas no sistema educativo desde 2002.
A taxa bruta de escolaridade histórica aumentou signicativamente.
Em 1993 foram incluídas no sistema educativo 56 de cada 100 pessoas
entre 3 e 24 anos, e no ano de 2006 serão incluídas aproximadamente 80
de cada 100 pessoas.
Com respeito à Missão Ciência, consolidaram-se 435 Redes de Inovação
Produtiva formadas para o ano de 2006 e espera-se que sejam formadas
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65 no ano de 2007, apoiando 57.258 produtores associados. Em 2006 foram
outorgadas 1.022 bolsas para formação de talentos em pós-graduação
aumentado os 4.986 bolsistas existentes, dos quais 102 pertencem ao povo
indígena. Igualmente, atualizaram-se 1.356 docentes procedentes de 347
liceus bolivarianos. Também foi oferecido acesso gratuito à Internet a 9.500
usuários mensais nos 545 infocentros, infoveis ou megainfocentros
abertos ao público.
Evolução do índice de desenvolvimento humano
Fonte: Programa Nações Unidas
Essa política social progressista do Estado venezuelano continuará
a ser aplicada com maior profundidade a partir de 2007. 45% dos 115,2
bilhões de bolívares estimados para o orçamento de 2007 serão destinados
exclusivamente às áreas sociais, cifra sem precedentes na história sócio-
econômica do país.
Embora o tempo de execução dessas políticas tenha sido curto, seu efeito
pode ser visto no índice de desenvolvimento humano, que passou de 0,7370
em 1999 a 8,144 em 2005, segundo a metodologia aplicada pelo PNUD.
Nelson Merentes
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Lares em situação de extrema pobreza
Fonte: Instituto Nacional de Estatísticas, Datanalisis
Segundo estudo realizado pela empresa de dados Datanalisis em
mao de 2007, a renda da classe E cresceu 61% em termos reais e segundo
o Instituto Nacional de Estastica os lares em situação de extrema pobreza
reduziram-se de 25% do total de lares em 2003 a 9,1% do total de lares
em 2006.
o obstante, estamos conscientes da existência de muitos problemas
e necessidades da população, e para avançar mais aceleradamente na
busca da satisfão das necessidades de nossos povos, é necesrio buscar
mecanismos de integração ecientes nos pses da América do Sul, como
por exemplo a integrão nanceira, que permitiria chegar com o tempo
a uma moeda única.
Por esse motivo a Venezuela, junto com países irmãos, lançou os
primeiros incentivos para o desenvolvimento dos mercados regionais de
capitais. Essa política, em especial, no caso das compras de bônus argentinos e
da emissão do Bônus do Sul, teve um alcance de mais de 5 bilhões de dólares.
Essa experncia permitiu que a Argentina obtivesse o nanciamento necesrio
para sua economia e que a Venezuela se especializasse no mercado secundário
de bônus emergentes, ganhando mais de 400 milhões de dólares.
A história tem demonstrado a impossibilidade de que os países pobres
consolidem seu desenvolvimento no contexto das condições nanceiras
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internacionais vigentes. Por isso, torna-se urgente promover a criação de
uma instituição para o desenvolvimento nanceiro que tem por objeto a
integrão regional mediante o fornecimento de recursos para projetos
de desenvolvimento entre os países da América do Sul. Até o momento o
Brasil, a Argentina, o Equador, a Bolívia, o Paraguai, o Uruguai e a Venezuela
concordaram em participar, enquanto que outras nações, como a Colômbia,
estão avaliando a possibilidade de juntar-se à iniciativa.
A criação do Banco do Sul não implica na criação de uma instituição
nanceira comum, sustentada na ptica de condições onerosas para a
outorga de empréstimos, e sim de uma nova estratégia para potencializar
o desenvolvimento da América Latina. A nova proposta para integração
nanceira poderia progredir com o esquema de menos a mais”, como
começou a Telesur, com a participação de dois ou três países aos quais outros
poderiam juntar-se posteriormente.
Participação democrática – Eventos eleitorais
Fuente: Conselho Nacional Eleitoral, cálculos própios
Para concluir, é impossível o mencionar o processo político venezuelano
no quadro nacional e internacional. Entre 1958 e 2006 realizaram-se 26 eventos
eleitorais, dos quais 11 ocorreram nos últimos oito anos. Nas eleições de 3 de
Nelson Merentes
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dezembro de 2006 houve a mais baixa abstenção desde 2989 (25,03%), que
ocorrera pela ultima vez nos anos 80.
Isso indica a existência de alta motivação de participação política e
estamos em vésperas de um novo evento eleitoral no qual se propõe uma
reforma da Constituição de 1999, que foi aprovada pela vontade popular por
meio de um referendo.
O exposto acima está raticado pela conrmação, por meio do voto, da
liderança do Presidente Chávez, em quatro processos eleitorais. Entre 1998 e
2006 a proporção de votos a favor do Presidente cresceu em 87,7%, enquanto
que os votos contrários cresceram em 42%.
Apoio às políticas presidenciais
Fuente: Conselho Nacional Eleitoral, cálculos própios.
DEP
Tradução: Sérgio Duarte
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Philip Moore: alma
antiga em corpo
moderno
Agnes Jones*
P
ara compreender e bem apreciar a obra de Phillip Moore, é preciso
estudar seu desenvolvimento como pessoa, desde o nascimento em outubro
de 1921 na região central Corentyne da Guiana: o tempo que passou na
* Burrowes School of Art.
Não dê cartão vermelho para os jogos da vida (Copa do Mundo de 1998)
Acrílico sobre tela / 20
1/2
x 29 polegadas
Philip Moore: alma antiga em corpo moderno
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
252
pequena escola da aldeia, a Manchester Church of Scotland School, onde
recebeu o estímulo de um professor bem preparado, coisa rara em seu tempo,
aprendendo a desenhar, pintar, cantar hinos religiosos e canções patrióticas e a
recitar poemas lidos em aula, além de sua ligação com o Movimento Jordanita
na adolescência, que o levou ao estudo da religião comparada e de técnicas de
meditação. Todas essas experiências contribuíram para a formação de Philip
Moore como artista.
Ao crescer numa comunidade em que camponeses africanos viviam
lado a lado com homens de negócios e agricultores indianos, Philip percebia
diariamente sua herança africana. Sabia quem era e ao mesmo tempo tinha
apreço pelo modo de vida e preocupações de seus vizinhos indianos na aldeia.
Isso fez com que se aprofundasse mais no estudo de crenças e práticas religiosas
da África. O fato de viver num ambiente de estreita comunhão com a Natureza
produziu nele uma certa independência e liberdade de espírito que raramente
as populações urbanas conhecem. Todo o seu ser se envolvia em misticismo
durante as buscas no domínio da losoa e enquanto aprendia sozinho a criar
artefatos inspirados por sonhos, usando os materiais à sua disposição.
Embora orgulhoso de ser guianense e caribenho e sem ter jamais ido à
África, é sinceramente africano em sua maneira de ver e de viver; sua obra tem
estreita semelhança com a de artistas de várias partes do continente africano.
Sua pintura e escultura reetem espontaneamente suas crenças, acompanhando
inconscientemente as tradições tecnológicas de seus antepassados. Com efeito,
a marca distintiva de sua arte é a sinceridade, a decisão de armar-se como
caribenho e não simplesmente cópia da escultura ou da pintura africanas.
A importância de sua contribuição é seu zeloso desejo de revelar suas idéias em
forma em suas palavras “de um espírito nascido em um corpo africano na
terra da Guiana e no Universo”. Professa com vigor a teoria de que o homem
é mais do que um corpo; a alma é de importância primordial e a presença de
Deus existe em cada ser humano. Para ele, o homem é “uma alma antiga em
um corpo moderno”.
Errol G.R. Brewster, produtor de um extraordinário documentário,
intitulado “Uma alma antiga”, arma durante a narração do vídeo:
O principal aspecto da obra de Philip não é sua inovação técnica; seu trabalho
deriva de uma experiência espiritual pessoal e tem valor espiritual e losóco.
Agnes Jones
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253
Ambos são produto de seus encontros com o misterioso imaginário que brota do
mundo mágico de seu subconsciente, de sua explorão da pura potencialidade
da polêmica inspirada na África, transformando miraculosamente o mundo
conhecido e enriquecendo todos aqueles que entram em contato com ele.
Como artista intuitivo e visionário cuja obra passou a ser notada
pelo público por volta de 1947, ele arma: “Depois de ter minhas visões e
entendimento, senti que deveria compartilhar essa alegria, deixar que o mundo
soubesse que o homem é mais do que um punhado de terra.E Philip tem sido
generoso nessa partilha: além de entalhar, esculpir e pintar, escreveu também
poemas e canções que iluminam sua obra nas artes visuais.
A maior parte de suas pinturas e esculturas narram uma história
e exprimem profunda preocupação com pessoas e situações existentes.
A escultura veio primeiro, baseada inicialmente em retratos: o rei George VI;
auto-retrato; o Pastor; rostos guianenses; Lance Gibbs, e mais tarde exibindo
intensa preocupação social: a cidade superpopulosa; todos juntos; a Máscara
de Diamantes; não tirem os espinhos das rosas. Muitas esculturas da primeira
fase foram pintadas com tinta acrílica e em seguida laqueadas. A partir da
metade dos anos 60, Philip passou a interessar-se mais pela pintura, dando
asas a sua imaginação e seu individualismo.
Um quadro de Philip Moore é reconhecível pelo jogo de cores e pelos
intrincados detalhes que mostram uma qualidade de tapeçaria. Muitas peças
podem ser consideradas desenhos de bordado, que trazem uma variedade
de pontos multicoloridos. Os temas focalizam o folclore, acontecimentos
importantes, pessoas e lugares excepcionais, assuntos de interesse social
por exemplo, Casamento Jumbie, Reincarnação de Martin Luther King, King
Sparrow; Nat King Cole; Ponte Canje; União em Guiana; Meditação contra os
cigarros; furacão Flora. A atitude é de ingenuidade, as guras são construídas
com simplicidade quase infantil, mas ele não pode ser considerado artista
“primitivo” ou naïve” porque ao longo dos anos leu extensamente, estudou
e compreendeu a natureza da arte. Conhece as obras dos mestres europeus,
mas prefere traçar seu próprio rumo. Faz suas próprias regras em matéria de
pintura e de escultura.
Durante a década de 1970, Philip Moore foi convidado a ser artista
residente nos Estados Unidos, em universidades prestigiosas como Princeton
Philip Moore: alma antiga em corpo moderno
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e Rutgers. Também durante essa época, entre 1970 e 1975, desempenhou a
função de diretor de Arte da Fundação Heritage, em New Brunswick e Nova
Jérsei, e deu aulas na Escola Secundária Central de Trenton, em Nova Jérsei.
A temporada que passou nos Estados Unidos robusteceu suas convicções
sobre arte, estimulou-o no trabalho e proporcionou a produção de telas
grandes, como a Brooklyn Bridge; Big City Sky Scraping; Four Seasons e Architectural
Shadows. Durante esses cinco anos resistiu a ofertas de compra de seus
trabalhos, decidiu que as pinturas e esculturas deveriam car na Guiana, sua
pátria, para informar seus concidadãos sobre os mistérios da vida que achava
lhe terem sido revelados. Também tinha o desejo ardente de fundar um Museu
da Meditação. Acreditava que “essa exposição inspirará pensadores, artistas e
cientistas a estudar-se mais e experimentar algumas das técnicas que eu próprio
utilizei em minha realização pessoal a m de procurar entender que a sinfonia
da vida é sempre incompleta e inacabada para o indivíduo”.
Arma sempre que A Coleção que vendi em bloco ao departamento
de Cultura, além do que vendi e doei anteriormente, precisa de um prédio
especial para alojá-la.Mais de uma centena de pinturas e esculturas de sua
autoria fazem agora parte da Coleção Nacional e estão na Casa Castellani, em
Georgetown. A coleção Philip Moore esteve em exibição desde agosto de 1995
a janeiro de 1996, ocupando dois andares e o sótão da Galeria Nacional, mas
o artista continua a luta para organizar um Museu da Meditação. Enquanto
espera, colocou em funcionamento um Museu doméstico em sua casa na aldeia
Lancaster, em Corentyne, mas vai freqüentemente a Georgetown para manter
contato com a arte e com artistas da capital, sempre esperando que seu apelo
seja ouvido e seu sonho se realize.
Nos anos recentes Philip vem acentuando a necessidade de arte
funcional. Para ele, a cultura das galerias é um tanto irrelevante. Como os
artistas africanos tradicionais, acredita que a arte deve ter papel importante
na decoração de prédios, roupas e artigos de uso doméstico. Também tem
defendido a reciclagem de materiais deixados no lixo e dedicou grande parte de
suas energias a adornar barris com desenhos intrincados, fabricar candelabros
a partir de cabaças, arame, latas e outros materiais. Dedica-se a essas tarefas
com entusiasmo igual ao que demonstra ao pintar um quadro ou uma peça
de escultura. Em seu afã de criar artefatos, tornou-se excelente modelo para
os jovens artistas.
Agnes Jones
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Para ele, a arte é uma ocupação de tempo integral todos os dias, todas
as semanas, todos os meses. O artista precisa encontrar material – comercial,
articial ou jogado fora; as mãos do artista têm de estar sempre trabalhando.
Durante os últimos seis meses, tem estado esculpindo laboriosamente
uma peça circular que descreve a situação das vans de transporte de passageiros
na cidade de Georgetown. Entalha e pinta pacientemente, interpretando o
dilema de morar e movimentar-se na selva urbana.
Philip Moore, pai da arte intuitiva do movimento de aldeia, não
fez nenhum esforço para seguir as tendências da arte eurocêntrica. Está
comprometido com sua atitude em relação à arte, e convencido dela. Suas os
ativas esculpem ou pintam suas idéias e seus sonhos, preparando o ideal de um
museu que explicará a seus conterrâneos e a outros as teorias que esse artista
original deseja revelar. Sua contribuição para a arte guianense foi endossada
por meio do reconhecimento geral e pelos muitos prêmios que recebeu em
sua terra, assim como na Inglaterra e nos Estados Unidos. Em 1975 foi aceito
seu projeto para o Monumento 1763, a m de comemorar a importante
rebelião de escravos de Berbice; e ele prosseguiu, em seu estilo meditado e
decidido, erigindo um monumento que suscitou grande controvérsia ao ser
visto por olhos habituados somente à representação realista, gurativa. Nesse
aspecto, Philip Moore está em boa companhia, pois na história da Arte muitos
artistas foram objeto de desprezo, ridículo e até mesmo perseguição. A obra
de Philip Moore precisa ser examinada com um entendimento baseado em
sua dedicação a uma mensagem que ele acredita ter sido inspirado para levar
a seus concidadãos.
DEP
Tradução: Sérgio Duarte
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Destaques da Odebrecht em 2007
na América do Sul
O
compromisso da Construtora Norberto Odebrecht com o
desenvolvimento socioeconômico dos países sul-americanos remonta ao ano
de 1979, quando se iniciou o processo de internacionalização dos negócios da
empresa. As primeiras e bem-sucedidas obras no exterior foram a construção
da Hidrelétrica de Charcani V, no Peru, e a realização do desvio do Rio Maule
para o sistema hidrelétrico de Colbún-Machicura, no Chile. Estes primeiros
contratos assinalaram o início da interação com outras nações, culturas e
tecnologias; dinâmicas estas que viriam a apoiar o desenvolvimento das
equipes da empresa e gerar resultados econômicos para o Brasil e os países
clientes. Além disso, estas iniciativas lançaram as bases para o estabelecimento
do relacionamento de conança que a Odebrecht mantém até o presente
com seus clientes da América do Sul, assim como abriram as portas para
a conquista de parcerias e oportunidades de longo prazo para a empresa e
seus contratantes.
Em 1987 a Odebrecht iniciou sua atuação no Equador com a construção
do projeto de irrigação Santa Elena, na região de Guayaquil. Em 1989,
www.odebrecht.com.br
Construtora
Norberto Odebrecht
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construiu a Hidrelétrica de Pichi-Picún-Leufú, na Patagônia, sua primeira
obra na Argentina. No decorrer da década de 1990, a Odebrecht passa a atuar
na América do Norte e Ásia, expande sua presença na África e aprofunda
decisivamente sua inserção nos países da América Latina. No Peru, desenvolveu
a segunda etapa do projeto Chavimochic, iniciado em 1990, para irrigação
de áreas desérticas no país. Em 1992, começou a operar na Venezuela, com
a construção do Centro Lago Mall, no Uruguai, onde executou as obras de
saneamento de Montevidéu, e no México, com a execução da barragem de
aproveitamento múltiplo de Los Huites. No ano seguinte (1993), leva seus
serviços a dois novos países, após ganhar as concorrências para construir a
Ferrovia La Loma-Santa Marta, na Colômbia, e a rodovia Santa Cruz de La
Sierra-Trinidad, na Bolívia.
Atualmente, a Odebrecht opera projetos em quatro continentes, reunindo
mais de 46 mil integrantes, de 20 diferentes nacionalidades, cinco religiões e
que falam cerca de duas dezenas de línguas. Ademais, nos últimos cinco anos,
ingressou em quatro novos mercados: República Dominicana, Emirados Árabes
Unidos, Panamá e Líbia. Contudo, mesmo com sua projeção em continentes
no além-mar, a América do Sul se mantém como nosso principal mercado e
fonte de nossos mais consolidados laços com clientes e as comunidades às
quais servimos.
Seguindo a macrotendência global de crescimento econômico e promão
do comércio internacional, a região sul-americana demanda progressivamente
que lhe seja provida malha infra-estrutural para viabilizar o incremento da
produção e a melhoria do transporte. A demanda por estes fatores essenciais
para integrar as cadeias produtivas regionais, formar economias de escala e
aprimorar as condições de competitividade dos produtos sul-americanos,
permitiu à Odebrecht ser contemplada durante o ano de 2007 com novas
oportunidades de trabalho e novas chances de reiterar seu papel de liderança
no setor de Engenharia Civil na América do Sul.
Em 2007, a Odebrecht completou 20 anos de atuação no Equador.
Durante este peodo realizamos 10 projetos de grande porte, entre as
áreas de transportes, irrigão, energia e saneamento. Em junho de 2007,
o governo equatoriano recebeu a Usina Hidrelétrica de San Francisco, a
mais recente obra conclda pela Odebrecht no país. A usina aproveita a
descarga das águas turbinadas da Hidrelétrica de Agoyán e tem potência
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
259
instalada de 230 MW. Desde sua inauguração, as duas turbinas estão
produzindo 1.446 GW/hora ano, o que equivale a 12% de toda a energia
disponível no Equador.
Usina Hidrelétrica de San Francisco, no Equador.
San Francisco impressiona, pois é composta quase que totalmente de
neis, galerias e cavernas subterrâneas. Dessa forma, é invisível para quem passa
pela rodovia que acompanha o rio Pastaza e que leva à Amazônia equatoriana,
alguns quilômetros à frente. No auge dos serviços aproximadamente mil
trabalhadores empregados eram da região. Os outros 600 moravam em dois
alojamentos, um próximo das obras e outro na cidade de Baños de Água Santa,
onde residem cerca de 10 mil habitantes.
Atualmente, a geração hidráulica responde por 52% da matriz energética
equatoriana. Para suprir a demanda remanescente, o Equador faz uso de usinas
termelétricas, o que inibe uma maior diversicação em sua matriz energética.
Contudo, mesmo recorrendo a essas fontes alternativas, o país ainda necessita
importar energia da Colômbia e do Peru. Neste cenário, o Projeto Hidrelétrico
San Francisco, surge como um empreendimento de caráter estratégico para
compensar o atual décit de energia elétrica no Equador.
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260
No ano 2000, em Brasília, 12 chefes de Estado sul-americanos
assinaram o compromisso de construir nove eixos de integração no
continente, em um projeto que cou conhecido como IIRSA (Iniciativa
para a Integrão da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana). Quatro
desses nove eixos cruzam o território peruano. De um deles, o Eixo
Interoceânico, a Odebrecht participa intensamente: constrói o Corredor Sul
(conhecido como IIRSA Sul), com 2.603 km, que conecta Urcos a Iñapari,
e o Multimodal Amazonas Norte (IIRSA Norte), formado por uma rodovia
de 955 km que liga o Porto de Paita, na costa peruana, ao porto uvial de
Yurimaguas, na região amazônica do Peru, integrando-se às hidrovias que
chegam a Iquitos e Manaus.
No Peru, ao longo de julho foram entregues à população peruana alguns
trechos das obras rodoviárias em andamento. No Corredor Interoceânico
Sul obra que beneciará 10 departamentos peruanos (30% do território
do país) e 6 milhões de pessoas (20% da população) – a Odebrecht entregou
parte da primeira etapa do trecho 2, que compreendeu a pavimentação de
40 km de via e construção de 42 pontes, entre outros serviços, nos distritos de
Ccatca e Ocongate, em Cusco. Entregou também a primeira etapa do trecho
3, no trajeto Ponte Inambari-Iñapari, que compreendeu a pavimentação de
60 km de estrada, 162 m de pontes e muros de contenção, entre outras obras.
no Corredor Viário Norte, foram concluídos os trechos 1, que faz o trajeto
Yurimaguas-Tarapoto, e 5 e 6, trajeto Paita-Piura-Olmos.
As obras em execução também beneciaram a sociedade no âmbito
sócio-ambiental. A equipe do Corredor Viário Interoceânico Sul implementou
o projeto Estrategia Integral de Acción y Contribución Socio Ambiental e
estruturou dois planos de ação para o período de execução das obras (2006-
2010). 1) Plano de Manejo de Assuntos Sociais, integrado pelos programas
“Relações Comunitárias”; “Contratação de Mão-de-Obra Local”; “Negociação
de Terrenos”; e “Incentivo à Produção Local”. 2) Plano de Responsabilidade
Social, integrado pelo “Programa de Formação em Hotelaria e Turismo” e
“Programa Itinerante de Apoio à Saúde e Educação”. Entre os resultados
das ações, destacam-se 11.500 pessoas beneciadas pelo programa itinerante,
mais de 60% do efetivo total do contrato proveniente de mão-de-obra local
e emissão de documentos de identidade para mais de quatro mil crianças e
jovens, entre outros.
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Obras em execução na IIRSA SUL, Trecho 2, no Peru.
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Além destas realizações, a Odebrecht mantém em andamento as obras
do Projeto Olmos de irrigação e geração de energia através da construção de
um sistema de transvase de águas através do Tunel Transandino e da represa de
Limón. Ademais, ainda a Planta de GLP de Pampa Melchorita e o sistema
de água potável de Iquitos. Atualmente, a Odebrecht é a maior exportadora
brasileira de serviços de engenharia para o Peru onde atua há quase 30 anos
e já desenvolveu mais de 50 projetos.
Na Argentina, a Odebrecht iniciou recentemente a constrão das
obras de ampliação do Sistema Argentino de Transporte de Gás. Trata-se de
dois novos contratos, compreendendo a construção de loops, ou seja, novos
trechos de gasodutos paralelos a outros existentes. No gasoduto Cammesa
serão executados 979 km de gasodutos e 12 plantas de compressão. o projeto
do gasoduto Albanesi terá 648 km de extensão e três plantas de compressão.
Os dois gasodutos cortarão o país desde o extremo sul ao norte e, quando
concluídos, aumentarão a capacidade de transporte do sistema argentino de
gás em 15 milhões de metros cúbicos/dia.
Na Venezuela, onde a Odebrecht completa 15 anos de atuação. No
ano de 2007, o destaque principal vai para a construção da terceira ponte
sobre o Rio Orinoco. Com 4,8 km de extensão, torres que chegarão em 137m
de altura e uma ferrovia em sua parte inferior, a ponte ligará os municípios
de Caicara del Orinoco, no Estado Bolívar, e Cabruta, no Estado Guárico.
A obra foi iniciada em 2007 e incluirá ainda dois viadutos, um ao norte com
3,5 km e outro ao e sul com 2,5 km de extensão.
Igualmente importante foi a conquista do projeto de construção da
Hidrelétrica Manuel Piar (Tocoma), a primeira obra no setor de energia que
a Odebrecht realiza no país. A obra iniciada também em 2007 tem lugar em
Tocoma (15 km a jusante da Hidrelétrica Simón Bolívar), em Guayana, último
ponto de aproveitamento do Complexo Hidrelétrico do Baixo Caroní, o
segundo maior rio da Venezuela. Quando nalizada, a hidrelétrica de Tocoma
terá capacidade instalada de 2.160 MW.
Também relevante foi o início da construção da Linha 5 do Metrô de
Caracas, que tem extensão prevista de 7,5 km e 6 novas estações que deverão
ser conectadas a duas outras existentes. A obra possibilitará o atendimento
de 227 mil a 300 mil passageiros por dia e faz parte do conjunto de obras no
setor de transportes na Venezuela que tiveram início com a construção da
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linha 4 do Metrô de Caracas, em 1998, e a construção da Linha 3 (que está
em andamento, terá 5,9 km, 4 estações e atenderá à 240 mil passageiros ao
dia). Além destas obras, iniciou-se também em 2007 a extensão do Metrô de
Los Teques, com a construção de uma nova linha de 12,1 km e seis estações
no município da região metropolitana de Caracas.
Na Bovia, a Odebrecht constrói a rodovia El Cármen Arroyo
Concepcn, obra com 102 km de exteno e conforma o trecho 5 da
rodovia que ligará Santa Cruz de la Sierra a Puerto Suárez. Nas obras o
empregadas 900 pessoas, das quais 95% são membros da comunidade local.
A estrada nalizará a ligação entre Bolívia e Brasil. O trecho 5, contratado pela
Administradora Boliviana de Carretera (ABC) e nanciado pela Corporação
Andina de Fomento (CAF) no valor US$ 75 milhões, faz parte do Corredor
Bioceânico, que ligará por terra portos brasileiros, como o de Santos, à costa
do Peru e do Chile, o que irá facilitar e baratear o transporte entre o Mercosul
Obras da Rodovia El Cármen – Arroyo Concepción, Corredor Bioceânico, na Bolívia.
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e a Comunidade Andina. Ademais, a constrão implicará em signicativa
melhora nas condições de transporte entre a fronteira do Brasil e a província
de Santa Cruz, percurso que atualmente exige pelo menos 20 horas de viagem
de trem, carro ou ônibus, mas que passará a demandar menos de 8 horas de
locomoção quando a estrada estiver conclda em meados de 2008.
As ações da Odebrecht na Bolívia se estendem ainda às comunidades
vizinhas de suas obras. É o caso do povoado de Yacuces, que ganhou iluminão
e reforma na praça principal, além de uma Campanha de Assistência Médica
Social que inclui consultas gratuitas com médicos. No total, a Odebrecht
atendeu, com ações de caráter social, mais de 3 mil bolivianos. São ações que
o desde a retirada de toneladas de lixo de um terreno baldio a o atendimento
médico, quando solicitado, de pessoas da comunidade.
Os destaques apresentados acima servem para ilustrar a relevância que
a América do Sul tem desempenhado para a Odebrecht e como serviços de
engenharia em infra-estrutura contribuem tanto para o desenvolvimento dos
países sul-americanos quanto para a melhoria na qualidade de vida dos cidadãos
de nosso continente. Desde que iniciou sua internacionalização, a Odebrecht
realizou mais de 700 obras em quatro continentes em que atua e a América
do Sul contribuiu largamente para estas conquistas.
Atualmente, mais de 65% da receita bruta anual da Odebrecht é
advinda de obras fora do Brasil, enquanto em 1985 as obras no exterior
representavam o mais 30% dos contratos em carteira da empresa. Em
ns de 2006, o número de integrantes da empresa no exterior superou pela
primeira vez o total empregado no Brasil: hoje, a Odebrecht tem mais de
26 mil integrantes em terras estrangeiras e quase 20 mil em solo nacional.
Estes dados, somados às conquistas e realizações mencionadas, evidenciam
que o ano de 2007 representou mais uma importante etapa do corrente
processo de internacionalização da empresa, uma dinâmica que nos permite
disponibilizar maiores subsídios para desenvolvimento integrado das nações
sul-americanas e nos incentiva a sempre servir melhor às comunidades nas
quais estamos inseridos.
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Grupo
Andrade Gutierrez
América do Sul: o desao da infra-estrutura
E
m matéria de política externa, o discurso do atual governo brasileiro
dá alta prioridade à América do Sul, cuja integração é vista como um projeto
político, indo, pois, bem além da mera noção de entrosamento econômico dos
países da região. Essa ênfase na nossa circunvizinhança geográca certamente
não envolve um abandono do velho ideal de solidariedade latino-americana,
mas parece dar-lhe uma orientação mais pragmática, no sentido de delimitar
melhor o que é possível fazer em cada área.
Tal situação torna-se mais clara pela observação da nossa prática
internacional desde o começo do atual governo do que pela simples leitura das
manifestações públicas de nossas mais altas autoridades durante a campanha
eleitoral de 2002 ou logo no início da atual gestão. Assim, existe um claro
interesse no desenvolvimento de relações mais estreitas com o México e
mesmo com países da América Central e do Caribe, além de uma presença
crescente de empresas brasileiras na área. Aparentemente por considerações
de factibilidade, o grande projeto político integracionista limita-se, entretanto,
à América do Sul, que não seria realista estendê-lo a países já diretamente
vinculados aos Estados Unidos por laços jurídicos de conteúdo econômico.
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Isso não signica, porém, que não estejamos desenvolvendo ou que não
pretendamos desenvolver, neles e com eles, uma forte presença brasileira.
Em certo sentido, poder-se-ia dizer que, no seu discurso básico, o
governo Lula retomou, aparentemente com ainda maior ênfase, parte da
visão regional do de Fernando Henrique Cardoso, a cuja iniciativa se deve a
realização da primeira reunião de cúpula dos países da América do Sul. Na
época, em artigo publicado na Carta Internacional
1
, seu Ministro das Relações
Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, deixou claro ter havido uma decisão de não
incluir países “vinculados de forma mais próxima e direta à América do Norte,
em particular aos Estados Unidos”, numa reunião cujo objeto deveria ser um
“projeto pragmático de organização do espaço sul-americano”. Apesar de
quaisquer diferenças de meios e de estilos, há, pois, uma certa continuidade
no sentido do estabelecimento, no continente, de um novo regionalismo, o
sul-americanismo, distinto tanto da noção monroísta de pan-americanismo
quanto do latino-americanismo tradicional, de remota inspiração bolivariana.
Esse novo regionalismo deniria melhor os tipos de atuação adequados a
cada região, mas não excluiria antes procuraria reforçar os laços com
outros países da América.
A orientação atual trataria assim de, sem choques ou atritos com a
“hiperpotência” setentrional, contornar o pan-americanismo absorvente, que
tenderia, pela dinâmica das forças em presença, a levar, de maneira mais ou
menos formal, todos os países do continente para a órbita de Washington.
Por outro lado, haveria a intenção de, no dizer de nosso atual Ministro das
Relações Exteriores, Celso Amorim, desenvolver com os Estados Unidos
uma relação madura, de caráter mais estratégico, na qual nosso país seria
visto como “parceiro indispensável para a estabilidade da América do Sul e
mesmo da África”. Tratar-se-ia, pois, de assegurar nossa posição geopolítica
na América do Sul, ao mesmo tempo em que se procuraria dar um salto
qualitativo nas relações com os Estados Unidos e se evitaria uma situação
de manejo mais delicado, ao deixar uma espécie de indenição construtiva à
forma de relacionamento concreto com aquela área de facto particularmente
vinculada aos Estados Unidos. Com alguma simplicação, poder-se-ia
dizer que nossa visão geopolítica do continente se escalona em círculos
1 “Cúpula da América do Sul”, Carta Internacional, no. 87, ano VIII, maio de 2000.
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concêntricos: no primeiro, coloca-se a América do Sul, que desejamos ver
integrada numa estreita comunidade de Estados Democráticos; algo mais
distante em termos da denição prévia de nossa ação futura, situar-se-iam
o México, a América Central e o Caribe, onde nossa capacidade de ação
diplomática seria menos signicativa, inclusive em função dos fortes vínculos
daquela área com os Estados Unidos; nalmente, os Estados Unidos e o
Canadá, com os quais nossas relações teriam um caráter claramente distinto
das duas regiões anteriores.
Assim, em vez das opções mais abrangentes e algo difusas do pan-
americanismo e do latino-americanismo, que efetivamente pouco prosperaram
no passado, propõe-se hoje o Brasil, em sua política regional, dar ênfase à
integração da América do Sul a partir de um projeto integrativo já existente,
o Mercosul, apesar de suas conhecidas mazelas e limitações. Para tanto, seria
preciso fortalecer o que existe, habilitando-o assim a tornar-se o núcleo de
Usina binacional de Itaipu (Brasil – Paraguai)
Foto: Arquivo Andrade Gutierrez
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um futuro bloco integrado subcontinental. O objetivo último é, portanto, a
integração da América do Sul como um todo, aparecendo o Mercosul como
uma primeira etapa ou um instrumento necessário para a consecução
daquela meta.
Trata-se de um projeto altamente positivo, tanto para o Brasil como para
o conjunto da América do Sul, já que a cooperação sistemática e abrangente
entre todos os países do nosso subcontinente vistos em conjunto possibilitará
a exploração de sinergias potenciais, até hoje adormecidas ou esquecidas.
E esse caráter positivo não se deve apenas ao evidente incremento da
projeção política externa dos países envolvidos em tal empreendimento, mas,
em sentido mais estrito e concreto, a áreas como a defesa do meio ambiente
e o desenvolvimento de uma infra-estrutura regional, indispensáveis ao
desenvolvimento econômico pleno e sustentável da área. Resta saber se tal
esquema é viável, ou mais exatamente, dentro de que horizonte temporal ele
seria exeqüível.
Pela própria essência do projeto, a primeira etapa para a sua concretização
seria o fortalecimento da estrutura criada pelo Tratado de Assunção, que
a pedra angular do projeto sul-americano de Brasília seria um Mercosul
que zesse jus ao seu ambicioso rótulo de Mercado Comum do Sul. Como
grande parte dessa etapa se resumiria no cumprimento de compromissos
assumidos naquele instrumento internacional, duas perguntas que se
impõem de imediato. A primeira é por que, decorridos cerca de dezessete anos
da assinatura do referido tratado, tão poucos desses compromissos puderam
ser efetivamente cumpridos. A segunda é se, hoje, haveria condições de, num
prazo razoável, estabelecer um mercado comum e o quadro institucional
necessário ao seu funcionamento. Em outras palavras, se os quatro signatários
do Tratado de Assunção consideram poder realizar hoje aquilo com que se
comprometeram em 1991, mas até agora não conseguiram concretizar.
Em termos econômicos, demográcos e territoriais, Brasil e Argentina
representam cerca de 95% do Mercosul. Desse ponto de vista, os dois
países praticamente são o Mercosul. O progresso do conjunto passa, pois,
necessariamente, por um entendimento político profundo e estável entre os
dois grandes parceiros sobre o que ambos solidariamente consideram que
aquele agrupamento político-econômico deve representar, no continente e
no mundo, para os países que o integram. Enquanto qualquer dos dois ou
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269
ambos – perceber o Tratado de Assunção como um mero acordo comercial
ou como parte apenas de sua política sub-regional; enquanto Brasília e
Buenos Aires não tiverem uma percepção comum ou pelo menos perceões
convergentes sobre como uma genuína integração dos países do Mercosul
(e a mais longo prazo de toda a América do Sul) afetará positivamente a
projeção internacional e o desenvolvimento sustentável de cada um dos dois
países e que, conseqüentemente, se impõe uma atuação acordada e solidária
de ambos na área externa; enquanto tal situação prevalecer, será impossível
chegar a efetivos compromissos políticos e a transformações institucionais
capazes de fazer do Mercosul algo mais do que uma espécie de Mini-Aladi.
E o que é pior. o risco de que como aparentemente vem acontecendo
sua relevância para os próprios Estados-Partes passe a diminuir em vez
de aumentar.
Assim, uma convergência de percepções políticas entre o Brasil e a
Argentina é essencial para o avanço do Mercosul mas não basta. O progresso
de um agrupamento político-econômico exige um grau de eqüidade no seu
funcionamento que assegure o desejo dos sócios menores de contribuírem para
o avanço do conjunto. Hoje, nem paraguaios nem uruguaios parecem acreditar,
entretanto, que o processo de integração de que vêm participando assegure
tal eqüidade ou que o quadro institucional do Mercosul, tal como existe,
seja capaz de corrigir as injustiças percebidas ou de dirimir adequadamente
as divergências entre os Estados que o integram. No caso do Paraguai, é
ilustrativo que a Senhora Bianca Ovelar, candidata à presidência do seu
país nas eleições de abril próximo, se tenha referido muito recentemente,
em entrevista a um jornal brasileiro
2
, ao sentimento dominante no seu
país de repúdio “à histórica unilateralidade do Brasil quando se trata de
questões bilaterais”. Embora assinalando que esse sentimento mudou de
forma expressiva durante o governo do Presidente Lula”, explicitou que
“ainda temos de avançar muito para ter um relacionamento plenamente
justo”. Não importa examinar aqui se tais acusações se justicam ou não.
O que se pretende ressaltar é que, se o existisse na opinião pública do
país vizinho uma signicativa percepção de injustiça, fundada ou não,
semelhantes armativas o teriam sido feitas por alguém que disputa a
2 O Globo, 10 de fevereiro de 2008, p. 37.
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presidência do Paraguai. No tocante ao Uruguai, são notórios seu interesse
em concluir um acordo bilateral de comércio com os Estados Unidos o
que provavelmente teria incidências negativas sobre o sistema oriundo do
Tratado de Assunção e sua insatisfação com o Mercosul tal como existe
hoje. Paralelamente, a desavença com a Argentina em torno da construção
de uma fábrica de celulose em território uruguaio, porém perto da fronteira
com aquele país vizinho, mostra a falta de regulamentação adequada numa
área-chave como a proteção do meio ambiente e a inecácia das instituições
do mercado comum para dirimir controvérsias sobre questões relevantes
para a integração regional.
Tais divergências e frustrações são comuns a todos os esquemas de
integração onde existem grandes assimetrias materiais entre os Estados-
Membros. Resolvê-las, de modo a evitar que percepções de injustiça, fundadas
ou não, venham a minar a estabilidade da integração desejada, é, entretanto,
indispensável. O Mercosul não pode fugir a essa regra.
Note-se, porém, que até agora estivemos tratando essencialmente de
problemas ligados diretamente ao Mercosul, ainda que tenhamos deixado
claro que ele é apenas a etapa inicial no longo caminho para o objetivo
último de integração da América do Sul. E embora com as especicidades
inerentes a cada situação nacional, os problemas exemplicativamente
mencionados até aqui tenderão a multiplicar-se à medida que se amplie o
âmbito da integração.
Numa área de integração ampla e caracterizada por grandes assimetrias
internas, como é o caso da América do Sul, colocam-se inevitavelmente
dois tipos de problemas. O primeiro é a necessidade de um certo grau de
harmonização das posições e percepções dos sócios maiores no tocante às
linhas mestras e aos objetivos centrais da integração. Tal harmonização é
indispensável para que as divergências inevitáveis no curso das deliberações
nos órgãos decisórios comunitários possam manter-se em níveis manejáveis,
de modo que os principais protagonistas tenham condições de atuar de
forma convergente, promovendo o avanço do projeto comum. O exemplo
clássico é o da cooperação franco-alemã na construção da Europa atual, que
permitiu evoluir de um passado de conitos sangrentos para a edicação
da União Européia. O segundo é o estabelecimento de um sistema cujo
funcionamento assegure um mínimo de eqüidade estrutural na distribuição,
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271
entre os seus integrantes, dos benefícios da integração, de modo que mesmo
os sócios menores sintam que as concessões tópicas necessárias são mais do
que compensadas pelas vantagens decorrentes do avanço do projeto comum.
De novo, a construção da União Européia, para a qual foi preciso criar
mecanismos capazes de, sem prejuízo da integração econômico-comercial,
promover a prosperidade de regiões menos aquinhoadas, é um exemplo
relevante. Tais mecanismos possibilitaram a integração de algumas das
economias mais avançadas do mundo com outras relativamente pobres na
época de suas respectivas adesões e, assim, muito contribuíram para viabilizar
a expansão de uma Europa de Seis (os signatários do Tratado de Roma) para
os vinte e sete que hoje integram a União Européia.
Evidentemente, situações mencionadas acima a título exemplicativo
e que ilustram, com relação ao Mercosul, os dois tipos de diculdades
indicados no parágrafo anterior tenderão a multiplicar-se e acentuar-se
na medida em que se trate de estender o processo de integração a toda a
América do Sul. Isso é perceptível em países hoje apenas associados ou
em processo de adesão ao Mercosul. Sem aprofundar o exame nem, muito
menos, entrar no mérito das posições respectivas, é fácil perceber que a
orientação de política externa e o ativismo do governo venezuelano, por
exemplo, divergem substancialmente da posição de alguns países da região
ao mesmo tempo em que se aproximam da de outros ou a inuenciam. Isso
não nos pode impedir, entretanto, de ter presente que a Venezuela é peça-
chave em qualquer esquema geral de integração da América do Sul. Por outro
lado, é igualmente válido apontar que, na eventual negociação de uma
adesão plena, um país como a Bolívia, hoje associado ao Mercosul, terá bons
argumentos para pleitear dispositivos capazes de compensar algumas de suas
atuais desvantagens econômicas.
O problema é particularmente complexo porque cada situação
nacional, embora enquadrável nas categorias gerais acima apontadas, tem
peculiaridades que tornam extremamente difícil sua solução satisfatória no
quadro de fórmulas gerais aplicáveis a todos os Estados-Membros. Assim,
pode ser relativamente simples formular princípios gerais de eqüidade ou
de compensação para situações de agrante assimetria, porém muito mais
árduo passar daí para fórmulas operacionais capazes de compensar falhas de
eqüidade reais ou percebidas. Da extrema diculdade de operacionalizar
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um instrumento abrangente como o Tratado de Assunção dando
cumprimento efetivo aos compromissos e boas intenções nele contidos
e, mais ainda, fazer o mesmo com algum ainda hipotético instrumento
semelhante que abarque toda a América do Sul se e quando for possível
concluir um.
Em suma, temos uma meta de política regional válida, cuja consecução
muito poderia aumentar a projeção internacional dos países envolvidos, bem
como contribuir para encaminhar a solução de problemas comuns da região e
que, em tese, é aceita por todos os participantes potenciais nenhum país sul-
americano é declaradamente contrário à integração do nosso subcontinente.
O grande problema é que distintos países têm, compreensivelmente,
percepções diferentes do que tal integração deveria ser na prática. Conciliar
tais divergências a ponto de possibilitar o estabelecimento de um sistema
de integração que, ao mesmo tempo, seja aceitável por todos os países da
região e além de um elenco de boas intenções e de compromissos que
se mantenham apenas no papel é, entretanto, algo que provavelmente se
conseguirá a muito longo prazo. E, tomando emprestado a conhecida frase
de Keynes, a longo prazo estaremos todos mortos...
Que fazer? Abandonar um projeto político meritório porque não
pode ser realizado plenamente num futuro previsível? Tentar levar avante a
negociação prematura de algum grande esquema integracionista, num esforço
quixotesco que poderá terminar por desacreditar um objetivo desejável? Ou
partir para empreendimentos menos abrangentes e por isso mesmo mais
exeqüíveis – que possam, entretanto, contribuir concretamente para a efetiva
aproximação entre países da América do Sul e, conseqüentemente, de forma
direta ou indireta, para o objetivo último da integração regional?
Em tese, qualquer empreendimento que envolva mais de um país sul-
americano na consecução de um objetivo de interesse comum contribui para
desenvolver hábitos de cooperação entre eles e, portanto, ainda que de maneira
modesta e indireta, facilitará um esforço maior no sentido da integração
regional. É evidente, porém, que áreas que terão de ser contempladas
em qualquer esquema integracionista e onde, conseqüentemente, tais ações
transnacionais de âmbito limitado terão uma incidência mais direta sobre
a meta nal. Assim, arranjos tendentes a facilitar o comércio entre países
vizinhos, entendimentos binacionais ou plurinacionais relativos à proteção
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do meio ambiente ou empreendimentos relacionados com a infra-estrutura
regional ou mesmo nacional que envolvam entidades de mais de um país
cairiam em tal categoria. Nesse contexto, é essa última categoria a infra-
estrutura regional que parece ser a mais relevante, na medida em que é
essencial para a integração física dos países da América do Sul, sem a qual a
desejada integração político-econômica será pouco mais do que uma expressão
retórica. Abundando no óbvio, sem rodovias, ferrovias e hidrovias ecientes,
bem como uma adequada rede de comunicações, o mais bem concebido
dos tratados de integração valerá pouco mais do que o papel em que for
escrito. Assim, a diplomacia e a engenharia civil terão de andar de mãos dadas
se quisermos tornar realidade o objetivo maior da integração econômica
sul-americana.
O Brasil encontra-se em situação particularmente favorável para
desenvolver tais ações. Maior e mais desenvolvida economia da América
do Sul, com uma população de mais de 180 milhões de habitantes, é um
mercado particularmente atraente para os países vizinhos. Pode, pois,
com mais probabilidade de êxito do que a maioria, promover arranjos
geogracamente limitados que, mesmo sem a abrangência substantiva de um
esquema de integração, levem em conta eventuais assimetrias e contribuam
para o desenvolvimento sustentável próprio e dos parceiros.
Ao mesmo tempo, a extensão territorial do nosso país que o torna
limítrofe de dez dos doze países da América do Sul e o adiantamento da
nossa indústria de engenharia civil tornam particularmente importante para
nós o desenvolvimento de uma rede regional de transporte e comunicações
e dão-nos condições de contribuir destacadamente para a sua construção.
Recorde-se, a título ilustrativo, que numa lista das cinqüenta maiores empresas
mundiais de construção civil, as únicas latino-americanas são brasileiras. Isso
explica a forte presença de empresas brasileiras como a Andrade Gutierrez
e outras, de grande porte no setor, num número considerável de países
sul-americanos, como Argentina, Equador, Peru e Venezuela. Em última
análise, a participação da iniciativa privada brasileira na realização de grandes
projetos de infra-estrutura do interesse de nossos vizinhos cria hábitos de
cooperação entre os países e contribui para a integração física da América
do Sul, algo indispensável para a concretização do objetivo unanimemente
aceito de integração político-econômica.
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A importância acima atribuída ao desenvolvimento de uma infra-
estrutura regional adequada pelos governos do nosso subcontinente é bem
ilustrada e corroborada pelo lançamento e aprovação unânime da iniciativa
para a Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (Iirsa), há cerca
de oito anos. Surgida na primeira reunião de cúpula dos países da América do
Sul, realizada em Brasília, em agosto de 2000, a Iirsa é um foro de diálogo entre
as autoridades responsáveis pela infra-estrutura de transporte, comunicações
e energia nos doze países sul-americanos. Seu objetivo é desenvolver tal
infra-estrutura dentro de um enfoque regional, de modo a favorecer a
integração física dos países que dela participam e promover um padrão de
desenvolvimento territorial eqüitativo e sustentável. O órgão central da Iirsa
é o Comitê de Direção Executiva (CDE), integrado por representantes de
alto nível de todos os países participantes, pertencentes àquelas entidades
nacionais que cada governo julgue competente na matéria. Abaixo dele, o
Comitê de Coordenação Técnica (CCT) é composto de representantes não
apenas dos governos, mas também das três entidades nanceiras internacionais
diretamente relacionadas com a iniciativa BID, CAF e Fonplata. A Iirsa
elaborou uma Agenda de Implementação Consensuada 2005-2010”, que
Rodovia Interoceânica (Iirsa)
Foto: Arquivo Andrade Gutierrez
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compreende um primeiro conjunto de trinta e um projetos, sobretudo na
área de transportes, já acordados pelos governos que dela participam.
Talvez seja ainda um pouco cedo para analisar a contribuição efetiva
da Iirsa para o desenvolvimento da integração física da América do Sul,
que obras de infra-estrutura são demoradas por sua própria natureza.
O trabalho por ela feito até agora e nele incluo tanto o esforço de
coordenação plurinacional como as obras concretas de grandes empresas
de engenharia como a Andrade Gutierrez parece, entretanto, ilustrar e
corroborar a sugestão central deste artigo, que é a conveniência de concentrar
esforços em empreendimentos substantiva e/ou geogracamente limitados,
mas que representem uma contribuição signicativa para qualquer esquema
de integração mais abrangente. o se trata evidentemente de abandonar
a idéia mais ambiciosa de integração político-econômica dos países sul-
americanos, mas simplesmente de tirar certas ilações práticas de fatos
que parecem indiscutíveis. O primeiro é que, embora desejável, aquele
projeto grandioso de integração de toda a América do Sul suscita, pela sua
envergadura, diculdades muito maiores e, conseqüentemente, sua realização
demanda muito mais tempo. Nesse interregno, iniciativas concorrentes ou
conitantes certamente surgiriam, tornando ainda mais problemática a
realização do grande projeto subcontinental. Em certo sentido, foi o que
ocorreu com o lançamento da Iniciativa para as Américas, do Presidente
Bush (pai), de que terminou resultando a proposta já bem mais concreta da
Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). No mínimo, tal processo
distraiu a atenção dos países latino-americanos da idéia de uma possível
integração entre eles com a miragem da abertura irrestrita do imenso
mercado dos Estados Unidos. No caso da América do Sul, fez mais do que
isso, seduzindo países integrantes de um sistema sub-regional existente ou
a ele associados com a perspectiva de acordos bilaterais com Washington,
considerados mais atraentes do que a integração com mercados muito mais
modestos do nosso subcontinente. O segundo é que podemos contribuir
para o êxito do projeto nal avançando em áreas menos controversas,
com empreendimentos cuja realização, embora também requeira tempo
e esforço, como no exemplo citado da construção de uma rede de
infra-estrutura regional, deverão, em muitos casos, ser levados a cabo em
qualquer hipótese, antes ou depois de formalizada a decisão política da
integração subcontinental.
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276
Em suma, o que aqui se defende é manter vivo o objetivo da integração
sul-americana, porém de forma realista, priorizando aquelas áreas em que
temos uma vantagem competitiva e que sejam mais relevantes para o objetivo
nal, como é o caso da construção de uma rede regional de transporte e
comunicações, e aquelas em que as dimensões e o desenvolvimento relativo da
nossa economia nos atribuam uma posição natural de especial preeminência
na América do Sul.
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277
www.embraer.com.br
Embraer Empresa Brasileira
de Aeronáutica S.A.
A internacionalização da Embraer
I
ntrodução
A Indústria Aeroespacial, da qual a Indústria Aeronáutica constitui o
segmento mais expressivo, reúne uma combinação de características altamente
demandantes, que a fazem especial e diferenciada.
Poucas indústrias no mundo embutem combinação de desaos tão
formidáveis como a indústria aeronáutica: do emprego simultâneo de múltiplas
tecnologias de vanguarda, passando pela mão-de-obra de elevada qualicação,
pelas exigências de uma indústria global por denição, à exibilidade necessária
para reagir a abruptas mudanças de cenário e os grandes volumes de capital
exigidos em sua operação.
Como fruto da experiência acumulada em mais de três décadas de atuação
neste mercado competitivo, agressivo e sosticado, na Embraer costumamos
armar que o negócio aeronáutico se fundamenta em cinco grandes pilares,
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
278
que tem como base única a satisfação dos nossos clientes, fonte geradora dos
resultados que permitirão o retorno aos nossos acionistas e a continuidade da
Empresa ao longo dos tempos:
Tecnologias avançadas: em decorrência de requisitos operacionais
muito exigentes quanto à segurança, de variações ambientais extremas,
e de restrições de peso e volume, a indústria aeronáutica emprega uma
multiplicidade de tecnologias de ponta e reconhecidamente constitui
laboratório para o seu amadurecimento, antes que sejam repassadas
a outros segmentos e atividades produtivas. Tecnologias complexas
e sosticadas estão presentes não somente no produto, mas também
nos métodos e processos de desenvolvimento e fabricação, sendo
necessário ainda a utilização das melhores práticas disponíveis no que
concerne à gestão nanceira e de pessoas.
Força de trabalho de elevada qualicação: para que se possa fazer
uso eciente e produtivo compatível destas tecnologias avançadas,
é fundamental que pessoas capacitadas estejam dispoveis, em
todos os níveis de atividades da indústria: no projeto apoiado por
computadores, no relacionamento com fornecedores e clientes
baseados nos cinco continentes, na manufatura com base em máquinas
de controle numérico sosticadas, e na construção de elaboradas
soluções nanceiras com instituições internacionais.
Flexibilidade: abruptas mudanças de cerio afetando a economia e a
ordem geopolítica em escala mundial, das quais o exemplo mais recente
vem dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, tem imediato
impacto sobre a instria de transporte reo e, por decorrência, sobre os
fabricantes de aeronaves. A exibilidade para adaptar-se a estas mudaas,
com mínima perda de eciência e custos, constitui característica crucial
para assegurar sua sobrevivência e preservação.
Intensidade de Capital: investimentos maciços requeridos para o
desenvolvimento de novos produtos e melhorias em qualidade e
produtividade, aliados a longos ciclos de desenvolvimento e maturão,
fazem da intensidade de capital outra característica marcante deste
negócio. Apenas para exemplicar, o desenvolvimento da nova família
de aeronaves comerciais EMBRAER 170/190 requereu investimentos
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
279
da ordem de US$ 1 bilhão e o novo avião Airbus A350 deverá requerer
nada menos que US$ 15 bilhões!
Indústria global: os baixos volumes de produção e os custos elevados
fazem com que a indústria aeronáutica seja exportadora e global por
natureza, tanto no que se refere à sua base de clientes, como a de
fornecedores, ou das instituições nanceiras e investidores que a apóiam.
A mesma aeronave EMBRAER 170 que opera sob as cores da empresa
nlandesa Finnair no rigoroso inverno escandinavo deve igualmente
suportar as condições de elevadas umidade e temperatura do sul dos
Estados Unidos, operando sob as cores da United Express. Em ambas as
circunstâncias, a Embraer deve se fazer permanentemente presente junto
a seus clientes, provendo apoio técnico local e acesso imediato a peças e
componentes, demonstrando compromisso com o êxito de seus negócios
e objetivando, sempre, a satisfação plena que assegura novas encomendas
no futuro. Ao mesmo tempo, tem que viver os diversos ambientes em
que opera para perceber tendências e mudanças nos cenários, positivas
ou adversas, e ter a capacidade de reagir com rapidez.
Legacy 600
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
280
Todas essas características tornam a indústria aeronáutica um negócio, ao
mesmo tempo, fascinante e de elevado risco. O insucesso de um novo produto
pode implicar a inviabilidade e conseqüente saída do mercado da empresa que
o desenvolveu. O desaparecimento de empresas tradicionais, como a holandesa
Fokker, e a saída da sueca Saab do mercado aeronáutico civil, dentre outras,
constituem duro atestado desta realidade.
A despeito dos grandes riscos envolvidos, desenvolver uma indústria
aeronáutica autóctone, forte e autônoma, tem sido parte da agenda estratégica
de muitas nações, que através dos anos investem pesadamente em sua
implantação, apoiando-a de forma recorrente por meio de vários expedientes:
rmando grandes contratos de sistemas e produtos de Defesa, nanciando
programas de desenvolvimento de novas aeronaves em condições favoráveis
e propiciando incentivos scais de toda a sorte
A internacionalização da Embraer
Consciente de que a conquista de novos mercados, fundamentais
para o crescimento e consolidação da empresa, somente se dará de forma
efetiva se acompanhada de sua presença física nestes mercados, por meio
de unidades industriais ou de prestação de serviços de pós-venda e apoio ao
cliente, a Embraer adotou, a partir de sua privatização, em 1994, a progressiva
internacionalização de suas operações como um objetivo estratégico a
perseguir.
Longe de signicar perda de sua identidade brasileira e afastamento de
suas origens, a internacionalização da Embraer assegurará novos negócios, o
fortalecimento da nossa marca e a criação de mais empregos de alta qualicação
no Brasil, em proporções sempre superiores aos empregos gerados em suas
subsidiárias e controladas localizadas fora do país.
A partir do ano de 1997, em franca recuperação após o lançamento
no mercado do jato regional ERJ 145, a Embraer deu partida à sua estratégia
de internacionalização por meio de um misto de ações que envolveram:
1- a expansão ou implantação de escritórios de vendas e marketing e centros
de distribuição de peças de reposição; 2- realização de “joint ventures” e;
3- aquisição de empresas especializadas em serviços aeronáuticos tradicionais
e reputadas no mercado.
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
281
Estados Unidos e Europa: presenças consolidadas
Em território norte-americano e europeu a Embraer encontra-se
presente de longa data: desde 1978 e 1983, respectivamente, por meio de
escritórios de vendas e marketing e unidades de apoio ao cliente (peças e
serviços).
Ambas as unidades tiveram e têm papel vital na expansão de seus
negócios nos dois principais mercados de Aviação Comercial em todo o
mundo, onde voam hoje, incluído o Brasil, cerca de 950 jatos comerciais,
que se somam aos cerca de 800 aviões turboélices e mais aviões militares
fabricados pela Empresa. Os mercados norte-americano e europeu são
responsáveis por cerca de 95% do total das exportações.
No caso da unidade norte-americana, baseada em Fort-Lauderdale,
no Estado da Flórida, as instalações foram expandidas para fazer frente
ao crescimento dos negócios da Empresa a partir da primeira entrega do
jato regional ERJ 145, em dezembro de 1996. Em novembro de 2006 esta
Phenom 100 e Phenom 300
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282
unidade empregava 234 pessoas e gerenciava um estoque de peças com mais
de 50 mil itens.
Como resultado do aumento de seus negócios e da base de clientes
estabelecida em território europeu, a Embraer decidiu reunir em uma única
sede, localizada em Villepinte, nas proximidades do aeroporto de Roissy-
Charles de Gaulle, em Paris, suas unidades de vendas e marketing e apoio
ao cliente, incluindo importante depósito de peças sobressalentes, até
então divididas entre a mesma localidade de Villepinte, e o aeroporto de
Le Bourget. As novas instalações, integradas, deverão proporcionar maior
ecácia operacional a um corpo de 194 empregados, responsáveis pela gestão
de € 172 milhões de ativos e servir mais de 37 clientes.
China e Ásia-Pacíco: mercados estratégicos
Pela importância de sua economia, que cresce ininterruptamente a taxas
elevadas há mais de duas décadas, somada ao valor estratégico do transporte
aéreo como elemento integrador e viabilizador do desenvolvimento em um
território dimensões continentais, a China foi eleita pela Embraer como
objetivo estratégico a alcançar, exigindo tratamento próprio e diferenciado,
em face de características culturais próprias, muito distantes do mundo
ocidental.
O estabelecimento da presença da Embraer em território chinês deu-
se inicialmente em maio de 2000, por meio da abertura de um escritório de
vendas e marketing, na cidade de Pequim, logo seguido da abertura de um
centro de distribuição de peças de reposição na mesma cidade.
Nos anos 2001 e 2002, a Embraer negociou com autoridades chinesas
um acordo que lhe permitisse instalar uma unidade industrial destinada à
fabricação de aviões da família ERJ 145 destinadas ao mercado chinês.
Finalmente, em dezembro de 2002, foi rmado um acordo com a
Aviation Industry of China II (AVIC II), que levou à criação da Harbin
Embraer Aircraft Industry (HEAI), “joint venture” da qual a Embraer detém
o controle, com 51% das ações com direito a voto.
Em fevereiro de 2004, a Embraer anunciou a sua primeira venda
na China por meio da HEAI seis jatos ERJ 145 para a empresa China
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283
Southern. Seguiram-se outras importantes vendas, do mesmo modelo e na
mesma quantidade, para a China Eastern Jiangsu, março de 2005, e para a
China Eastern Wuhan, em janeiro de 2006.
Em agosto de 2006, a Embraer anunciou a venda de 50 aviões ERJ 145
e 50 jatos EMBRAER 190 ao Grupo HNA, quarta maior empresa aérea da
China. O negócio representou o primeiro contrato de venda de um E-Jet na
China continental. O valor total das encomendas rmes, ao preço de lista,
é de US$ 2,7 bilhões. As entregas dos ERJ 145 começarão em setembro de
2007. O jato, de 50 assentos, será produzido pela própria HEAI, na cidade de
Harbin, Província Heilongjiang.
Até o nal de 2006 a HEAI terá entregado 13 unidades do ERJ 145
que, somadas às cinco aeronaves vendidas em 2000, antes da implantação
de sua “joint venture”, para a Sichuan, totalizarão 18 jatos em operação por
empresas aéreas chinesas.
Vista aérea da sede da Embraer em São José dos Campos
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
284
Com respeito à região da Ásia Pacíco, desde dezembro de 2000, a
Embraer opera um escritório de vendas e marketing localizado em Cingapura,
com a responsabilidade de desenvolver a estratégia comercial da companhia
para os mercados da região, incluindo o subcontinente indiano.
O mercado aéreo indiano passa por processo de desregulamentação
e com interessantes perspectivas de crescimento. Nesse cenário, a empresa
Paramount, recentemente criada, anunciou o início de suas operações, com
base em dois jatos EMRAER 170 e três EMBRAER 175, sob o regime de
“leasing operacional”.
Foi também na Índia, com governo local, que a Embraer assinou
importante contrato de venda de cinco jatos Legacy 600, congurados
especialmente para atender a requisitos de conforto e segurança aplicáveis às
autoridades daquele país.
Expandindo a base de serviços e apoio ao cliente
A Embraer deverá continuar expandindo a área de serviços, não só no
que diz respeito a assegurar os excelentes índices de despachabilidade para a
frota de seus aviões, mas também servir seus clientes com outros serviços,
como a manutenção e o reparo de aviões, garantindo a sua plena satisfação,
condição essencial à geração dos nossos resultados e crescimento das nossas
operações.
Assim é que, além de consolidar sua base de atendimento no Brasil, com
a transferência de seu Centro de Serviços para a Unidade Gavião Peixoto,
foram expandidas sua participação nos Estados Unidos, com a adição de
novas instalações da Embraer Aircraft Maintenance Services (EAMS), em
Nashville, Estado do Tennessee, e também na Europa, com a aquisição da
OGMA Indústria Aeronáutica de Portugal S.A, em Alverca, Portugal,
anunciada em dezembro de 2004, ao nal do processo de privatização.
No início de 2005, a EAMS expandiu suas instalações no Aeroporto
Internacional de Nashville para aumentar a capacidade de realização de
serviços de manutenção, em vista da crescente frota de aviões da Embraer
em operação nos Estados Unidos. Como conseqüência dessa importante
decisão, a partir de 2005, novos empregados foram progressivamente
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
285
contratados pela EAMS, cujos quadros contavam, em novembro de 2006,
com 277 empregados.
A OGMA, fundada em 1918, tem desde então se dedicado à manutenção
aeronáutica, sendo hoje importante representante da indústria aeronáutica
européia, oferecendo serviços de manutenção e reparo de aeronaves civis e
militares, motores e componentes, modicações e montagens de componentes
estruturais e suporte de engenharia.
Seus principais clientes militares são a Força Aérea Portuguesa, a Força
Aérea Francesa, a Força Aérea e a Marinha dos Estados Unidos, a Agência de
Manutenção e Suprimento da OTAN e as Marinhas da Noruega e Holanda,
entre outros. No segmento comercial, a OGMA vem prestando serviços a
empresas aéreas como a TAP, Portugalia, British Midland e Luxair, e também
para companhias como a Embraer e a Rolls-Royce.
Além de trabalhos na área de manutenção, a OGMA fabrica componentes
estruturais e materiais compostos para a Boeing, Airbus, Lockheed Martin,
Dassault e Pilatus. Em novembro de 2006 contava com 1.606 empregados,
constituindo-se na maior das unidades e subsidiária da Embraer.
Família EMBRAER 170/190
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
286
A preservação da cultura, valores e atitude:
desao permanente
A velocidade da expansão da Embraer a partir de 1996, ano que marcou
a entrada em operação da aeronave ERJ 145, trouxe consigo enormes desaos
sob os enfoques da preservação da cultura, valores e atitudes que norteiam e
deverão continuar norteando suas ações.
Apenas para exemplicar a dimensão desse desao, basta citar que, em
abril de 1997, a Empresa contava com apenas 3.200 empregados distribuídos
em um total de cinco unidades operacionais, sendo três no Brasil e duas no
exterior. Hoje, decorridos nove anos, são 18.670 empregados distribuídos
em treze unidades operacionais, sendo cinco no Brasil e oito no exterior.
Em apenas uma de suas unidades, situada na França, existem cerca de 26
nacionalidades e 19 línguas distintas dentre 194 empregados.
Saber reconhecer a rica diversidade étnica e cultural de seus empregados
e os diferentes ambientes em que desenvolvem suas atividades, incluídas
as legislações trabalhistas especícas, e, ao mesmo tempo, desenvolver seu
máximo potencial criativo, canalizando suas energias para os objetivos
do negócio, em perfeito alinhamento com os valores éticos e morais da
companhia, constitui uma das grandes prioridades de seus administradores.
O principal elemento no alcance desse intento é a chamada Metodologia
de Gestão pelo Plano de Ação. Anualmente, a Embraer elabora um Plano de
Ação com uma visão de cinco anos e segue um modelo de planejamento
estratégico considerando mercados, competidores, competências da Empresa,
oportunidades e riscos, prioridades e resultados, dentre outros fatores.
O Plano de Ação da Companhia é resultante do desdobramento interno
de planos equivalentes para cada área corporativa, funcional e de negócio,
chegando ao nível de chão de fábrica, a partir da divulgação, na estrutura
organizacional, de diretrizes gerais emitidas pela administração superior para
a Empresa. A política de remuneração variável da Companhia, que se estende
a todos os seus empregados, leva em conta as metas pactuadas entre líderes
e liderados ao longo de toda a cadeia de comando. Em assim sendo, o Plano
de Ação passa a constituir o instrumento central de empresariamento do
negócio, alinhamento e comprometimento de todos os empregados com as
metas e resultados planejados.
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
287
Juntamente com a Metodologia do Plano de Ação, a Embraer pratica
uma forte cultura de Comunicação Interna direcionada para a integração entre
empregados e seus familiares e para a disseminação dos principais valores e
conceitos Embraer.
A Comunicação Interna da Embraer atua de forma global e integrada,
lançando mão de ferramentas modernas e de grande atratividade junto aos
empregados:
O Diretor-Presidente da Embraer dispõe de ferramenta própria
de comunicação com os empregados, denominado Em Tempo,
produzido simultaneamente nos idiomas português e inglês. Mais
recentemente, passaram a serem produzidas edições especiais do Em
Tempo gravadas em vídeo;
A Intranet Embraer constitui hoje ferramenta de alcance corporativo
e a principal fonte de informações de nossos empregados, com uma
média de 24,5 mil acessos diários;
Cerca de 600 comunicados internos são produzidos anualmente e
disponibilizados aos empregados via Intranet e em quadros de avisos,
sendo 25% destes comunicados de alcance corporativo;
O informativo Embraer Notícias divulga temas essenciais à cultura
Embraer: a Metodologia de Gestão pelo Plano de Ação, a importância
do discernimento e contenção de custos, o combate ao desperdício, a
integração entre equipes em torno dos grandes objetivos empresariais
da Embraer, etc;
Entrevistas concedidas pelos principais executivos da Empresa são
traduzidas e enviadas para as unidades situadas fora do país. Por
abordarem, invariavelmente, avaliações de mercado, assim como
estratégias e objetivos da Companhia, constituem objeto de grande
atenção por parte dos empregados;
Artigos publicados na mídia nacional e internacional, abordando
temas de interesse aos negócios da Embraer, o traduzidos e
disponibilizados aos empregados.
Com essa visão e determinação, centrada em valores éticos e morais, e
tendo a integridade como base do desenvolvimento das ações, a Embraer se
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
288
lança ao empresariamento de um negócio global, extremamente desaante
e competitivo. E o faz levando aos diversos mercados a imagem de uma
empresa brasileira eciente, ágil e com produtos de qualidade e atualidade
tecnológica.
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289
D E P
DIPLOMACIA ESTRATÉGIA POLÍTICA
Número 6 Abril / Junho 2007
5
15
35
49
61
76
91
Sumário
Realidade da Argentina e região
Cristina Fernández de Kirchner
Diplomacia para a vida
Pablo Solón
Brasil 2007: pronto para crescer novamente
Guido Mantega
A integração regional: fator de desenvolvimento
sustentável
Emílio Odebrecht
Em busca do crescimento com eqüidade
Ricardo Ffrench-Davis
Colômbia: desaos até 2010
Álvaro Uribe Vélez
Um plano para o Equador
Rafael Correa Delgado
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
290
Identidade cultural e creolização
na Guiana
Prem Misir
Paraguai: Estado patrimonial e clientelismo
Milda Rivarola
Colonialidade do poder, globalização e democracia
Aníbal Quijano
Combate ao narcotráco no Suriname
Subhaas Punwasi
Mercosul: projeto e perspectivas
Luis Alberto Lacalle de Herrera
Acerca da grandíssima importância de um partido
Hugo Chávez
Guayasamín por ele mesmo
97
109
132
180
193
202
229
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
291
D E P
DIPLOMACIA ESTRATÉGIA POLÍTICA
Número 5 Janeiro / Março 2007
Sumário
Idéias, ideologias e política exterior na Argentina
José Paradiso
A integração da infra-estrutura na América do Sul:
um impulso ao desenvolvimento sustentável e à
integração regional
Enrique García
Paciência e eleições
Antônio Delm Netto
Perspectivas das relações entre o Chile e a Bolívia
Luis Maira
Fatores de força da Colômbia
Fernando Cepeda Ulloa
Política exterior e segurança democrática e humana
Diego Ribadeneira Espinosa
A nova ordem humana global de Cheddi Jagan
Ralph Ramkharan
5
26
36
40
56
78
86
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
292
92
108
128
144
182
191
Situação econômica e perspectivas do Paraguai
Dionisio Borda
Visão estratégica regional da política externa
do Peru
José Antonio García Belaunde
Suriname por seus autores
Jerome Egger
Mercosul: quo vadis?
Gerardo Caetano
Plena Soberania Petrolífera
Rafael Ramírez
Silvano Cuéllar – Alegoria da Nação
María Victoria de Robayo
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
293
D E P
DIPLOMACIA ESTRATÉGIA POLÍTICA
Número 4 Abril / Junho 2006
5
16
28
44
66
86
101
Sumário
Objetivos e desaos da política exterior argentina
Jorge Taiana
Bolívia, fator de integração
Evo Morales
Desaos e perspectivas da economia brasileira
Paulo Skaf
Programa de governo (2006-2010)
Michelle Bachelet
A armadilha do bilateralismo
Germán Umaña Mendoza
A Organização do Tratado de Cooperação
Amazônica (Otca): um desao permanente
Rosalía Arteaga Serrano
A Guiana – vinculando o Brasil ao Caribe:
um potencial que encontra a sua oportunidade
Peter R. Ramsaroop
Eric M. Phillips
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
294
120
134
155
169
206
232
A encruzilhada política paraguaia
Pedro Fadul
A grande transformação
Ollanta Humala
Suriname, uma visão macroeconômica:
desaos e perspectivas
André E. Telting
A inserção externa do Uruguai:
uma visão política e estratégica
Sergio Abreu
“Há um outro mundo, e está neste”
José Vicente Rangel
Pedro Lira
Milan Ivelic
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295
D E P
DIPLOMACIA ESTRATÉGIA POLÍTICA
Ano I Número 3 Abril / Junho 2005
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
296
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
297
D E P
DIPLOMACIA ESTRATÉGIA POLÍTICA
Ano I Número 2 Janeiro / Março 2005
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
298
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
299
D E P
DIPLOMACIA ESTRATÉGIA POLÍTICA
Ano I Número 1 Outubro / Dezembro 2004
Dip l om a ci a , Es t r a t é g i a & po l ít i ca Ju l h o /sE t E m b r o 2007
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