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LUIZ CARLOS DA SILVA
Representações em tempos de guerra: Marinha, Civilização e o quadro
Combate Naval do Riachuelo de Victor Meirelles (1868 – 1872).
CURITIBA
2009
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LUIZ CARLOS DA SILVA
Representações em tempos de guerra: Marinha, Civilização e o quadro
Combate Naval do Riachuelo de Victor Meirelles (1868 – 1872).
Dissertação apresentada à linha de pesquisa Espaço e
Sociabilidades, Programa de Pós-Graduação em
História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da
Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em História.
Orientadora: Profª. Drª. Ana Paula Vosne Martins.
Co-orientador: Prof. Dr. Luiz Geraldo Santos da Silva.
CURITIBA
2009
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AGRADECIMENTOS
Terminados os trabalhos de pesquisa e escrita da dissertação é hora de lembrar
daqueles que de uma maneira ou de outra participaram dessa jornada de aprendizado.
O agradecimento maior é mesmo para a minha orientadora, a professora Ana Paula
Vosne Martins, que se interessou pelo meu projeto e se esmerou para que
desenvolvêssemos um trabalho consistente em um campo ainda cheio de desafios a
serem superados: a abordagem histórica de uma obra de arte.
Agradecimentos também ao meu co-orientador, o professor Luiz Gerado Silva,
que além das contribuições referentes a alguns aspectos relacionados a arte, foi
fundamental nas pesquisas e leituras sobre a Marinha, os conflitos da região do Prata e
a Guerra do Paraguai.
Fica ainda o muito agradecido pelas observações sempre pertinentes da
professora Maria Luiza Andreazza nos Seminários de Espaço e Sociabilidade bem como
aos professores que participaram da minha qualificação: a professora Joseli Maria
Nunes Mendonça e o professor José Roberto Braga Portella.
SUMÁRIO
RESUMO ................................................................................................................................ iv
ABSTRACT ............................................................................................................................. v
LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................ vi
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 01
1 ESTADO MONÁRQUICO E MARINHA: CONSERVADORISMO E GUERRA.. 10
1.1 Tensões no Prata: uma monarquia entre repúblicas ....................................................... 12
1.2 Guerra do Paraguai: “a causa aliada é a causa da justiça, da liberdade, da civilização”.17
1.3 Combate Naval do Riachuelo e Passagem de Humaitá: “gloriosas jornadas” ............... 23
1.4 Affonso Celso: crise política, defesa da Marinha e a encomenda dos quadros ............. 28
2 VICTOR MEIRELLES DE LIMA: A SERVIÇO DO IMPÉRIO ............................. 35
2.1 Academia Imperial de Belas Artes: dos limites de sua adequação .................................. 38
2.2 Academia e desenho: desenvolvendo o “belo simétrico” ................................................ 44
2.3 Corte, Academia e Meirelles: reduto de artistas artesãos ................................................ 49
2.4 Victor Meirelles: artistas e críticos devem seguir as normas estabelecidas .................... 54
3 COMBATE NAVAL DO RIACHUELO: MONUMENTO À VITÓRIA ................ 60
3.1 Pintura Histórica e Estado Nacional: de Debret a Meirelles ............................................62
3.2 O Brasil e o outro: a civilização vai à guerra .................................................................. 68
3.3 Sobre a composição: um triunfo como tema ................................................................... 75
CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 84
FONTES ................................................................................................................................. 87
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 91
ANEXO 1 ............................................................................................................................... 95
ANEXO 2 ............................................................................................................................... 96
ANEXO 3 ............................................................................................................................... 97
ANEXO 4 ............................................................................................................................... 98
ANEXO 5 ............................................................................................................................... 99
RESUMO
Esta dissertação estuda a gênese do quadro Combate Naval do Riachuelo (1868 1872) de
Victor Meirelles de Lima (1832 1903) a partir de sua relação com os discursos do Estado
monárquico brasileiro e da Marinha durante a Guerra do Paraguai (1864 1870). A
monarquia brasileira, única entre as repúblicas sul-americanas, além de laborar pela
manutenção de sua forma de governo, dizia-se representante da civilização nos trópicos. Por
sua vez os oficiais e ministros da Marinha reagiram frente às severas críticas sofridas durante
a guerra, pois a corporação era para eles detentora de um passado de glórias e as vitórias no
conflito só reafirmavam a sua força e importância. Num primeiro momento analisamos os
relatórios ministeriais do Império e da Marinha que revelaram o conservadorismo da elite
monárquica e da Marinha bem como a relação entre o conceito de civilização e os propósitos
políticos da monarquia. Em seguida, recorrendo aos relatórios dos diretores da Academia
Imperial de Belas Artes percebemos a importância desta instituição como “elemento
civilizador” a serviço do Estado brasileiro. Desenho e pintura histórica constituem a
linguagem da Academia para a ação civilizadora. os textos de Meirelles demonstraram a
relação deste pintor com os pressupostos acadêmicos. A tela foi analisada relacionando-a ao
amplo espectro social bem como demos ao fazer artístico uma autoridade que lhe foi própria.
Dito de outro modo, a análise levou em conta que a tela teve parte das soluções de sua
composição atreladas a uma função e às ideologias de seu período e lugar históricos bem
como a própria pintura ajudou a significar esta mesma sociedade.
Palavras-chave: Marinha, Riachuelo, civilização, pintura histórica.
ABSTRACT
This dissertation studies the origin of the painting Combate Naval do Riachuelo” (1868
1872) by Victor Meirelles de Lima (1832 1903) from the relation between the Brazilian
Monarchic States speeches and the Navy during the Paraguay War (1864 – 1870). The
Brazilian Monarchy, the only one among the south-American republics, besides working for
the maintenance of its government form, was said to be the representative of the Tropic
civilizations. On the other hand, the officials and ministers of the Navy reacted against the
severe critics suffered during the War, because, to them, the corporations held a past of
glories and victories in the conflict only to reassert its strength and importance. At first, we
analyzed the Empire’s and the Navy’s ministers’ reports which revealed the monarchic elite’s
and the Navy’s conservativeness, as well as the relation between the concept of civilization
and the political purposes of the Monarchy. Thereafter, recurring to the reports of the Fine
Arts Imperial Academy we realized the importance of this institution as “civilization element”
at the Brazilian State’s service. Historic drawing and painting constitute the Academy’s
language for the civilization’s action. On the other hand, the texts by Meirelles showed the
relation of this painter with the academic premises. The canvas was analyzed having it related
to the broad social spectrum and we attributed a self-authority to the artistic acts. In other
words, the analysis took into account that the canvas was part of the solutions of its
composition connected to a function and to the ideologies of its period and historic places, as
well as the painting itself helped to give meaning to this same society.
Key-words: Navy, Riachuelo, civilization, historical painting.
LISTA DE FIGURAS.
FIGURA 1 Retrato de Victor Meirelles (1832-1903) [Reprodução fotográfica por] A.
Pelliciari, 1915 Gelatina, p&b, carvão colado em cartão - 58,5 x 48,1 cm. ........................... 35
FIGURA 2 Victor Meirelles de Lima. Vista da face ocidental do Largo do Palácio da
cidade do Desterro, circa 1846. Aquarela sobre papel, 36,4 x 61,8 cm. ............................... 35
FIGURA 3 Vitor Meirelles de Lima. São João Batista no Cárcere, circa 1852. Óleo sobre
tela, 88,7 x 105,9 cm. .............................................................................................................. 36
FIGURA 4 Academia Imperial de Belas Artes. Anônimo, 1846. Litografia 13,4 x 21,5cm
P&B, com um tílburi à frente e cidadãos passeando. .............................................................. 38
FIGURA 5 – Victor Meirelles de Lima. Busto Clássico, 1856, carvão sobre papel, 72,2 x 54,3
cm. ........................................................................................................................................... 50
FIGURA 6 Victor Meirelles de Lima. Academia masculina, 1856, grafite e crayon sobre
papel, 57,8 x 44,2 cm. ............................................................................................................. 50
FIGURA 7 Victor Meirelles de Lima. Degolação de São João Batista, Itália, 1856. Óleo
sobre tela, 127,2 x 96,4 cm. .................................................................................................... 51
FIGURA 8 Victor Meirelles de Lima. Flagelação de Cristo, Itália, 1856. Óleo sobre tela,
156,7 x 115,5 cm. .................................................................................................................... 51
FIGURA 9 Victor Meirelles de Lima. A Bacante, França, circa 1557/1858. Óleo sobre tela,
77,9 x 97,5 cm. ........................................................................................................................ 52
FIGURA 10 Victor Meirelles de Lima. Primeira Missa no Brasil, França, 1860. Óleo
sobre tela, 2,56 x 3,57 m. ........................................................................................................ 52
FIGURA 11 Victor Meirelles de Lima. Estudo para Questão Christie, 1864. Óleo sobre
tela, 47,2 x 69,3cm. ................................................................................................................. 54
FIGURA 12 – Victor Meirelles de Lima. Moema, 1866. Óleo sobre tela, 1,29 x 1,90 m. ... 55
FIGURA 13 Victor Meirelles de Lima. Batalha dos Guararapes, 1879. Óleo sobre tela,
4,95 x 9,23 m. .......................................................................................................................... 56
FIGURA 14 Victor Meirelles de Lima. Estudo para o Panorama do Rio de Janeiro
(Entrada da Barra), circa 1885. Óleo sobre tela, 57 x 195,3 cm. ........................................ 58
FIGURA 15 Victor Meirelles de Lima. Combate Naval do Riachuelo, Paris, circa
1882/1883. Óleo sobre tela, 4,60 x 8,20m. ............................................................................. 60
FIGURA 16 Jean Baptiste Debret. Pano de Boca executado para a representação
extraordinária dada no teatro da corte por ocasião da coroação de Dom Pedro I,
imperador do Brasil. Litografia s/ papel, 16 x 31,7cm. ........................................................ 64
FIGURA 17 Jean Baptiste Debret. Estudo para Cerimônia da Coroação de Dom Pedro,
Imperador do Brasil, 1828. Óleo sobre tela, 3,40 x 6,40m. ................................................. 64
FIGURA 18 Jean Baptiste Debret. Desembarque de D. Leopoldina no Brasil, água-forte
colorida, 21,6 x 30,1 cm. ......................................................................................................... 65
FIGURA 19 Jean Baptiste Debret. Estudo para Aclamação de D. Pedro I, s.d. Óleo sobre
tela, 46 x 69 cm. ...................................................................................................................... 66
FIGURA 20 Victor Meirelles de Lima. Juramento da Princesa Isabel. Óleo sobre tela,
1875. 1,77 x 2,60 m. ................................................................................................................ 66
FIGURA 21 Victor Meirelles de Lima. O Naufrágio da Medusa, circa 1857/1858. Cópia
do original de Theodore Gericault. ......................................................................................... 76
FIGURA 22 Auguste Étienne François Mayer. The Redoutable at Trafalgar, 21st
October 1805. França, 1836. Óleo sobre tela, 1,05 x 1,62 m. ............................................... 78
FIGURA 23 François-René Moreau. Proclamação da Independência, 1844. Óleo sobre
tela, 2,44 x 3,83 m. .................................................................................................................. 80
FIGURA 24 Cópia fotográfica da versão do quadro Combate Naval do Riachuelo,
1874. Anônimo. Fotografia colada sobre cartão. .................................................................... 83
INTRODUÇÃO
Em seu relatório para o ano de 1868 o Conselheiro e então diretor da Academia
Imperial de Belas Artes, Thomas Gomes do Santos, registrava que ao pintor e professor da
cadeira de Pintura Histórica Victor Meirelles de Lima havia sido confiada a tarefa, a pedido
do Ministério da Marinha, de executar duas grandes telas (Anexo 1) com temas relacionados à
Guerra do Paraguai (1864 – 1870). Uma representando o Combate Naval do Riachuelo
ocorrido em 11 de junho de 1865 e outra sobre a passagem pela fortaleza de Humaitá em 19
de fevereiro de 1868
1
.
Para levar a cabo a tarefa que lhe foi atribuída, Meirelles embarcou para o Paraguai em
15 de junho de 1868. A esquadra brasileira ocupava o porto Elisiário e estava sob o comando
do almirante Joaquim José Inácio de Barros (1808–1869), que deu consentimento ao pintor
para permanecer a bordo do navio-chefe da divisão, o Brasil. Como o artista costumava fazer
antes de executar uma grande obra, foram vários os desenhos e anotações realizados no front.
Retornando ao Brasil, instalou-se em uma das dependências do Convento de Santo Antônio
no Rio de Janeiro. Como a Academia não oferecia espaço adequado para a tarefa, o Ministério
da Marinha enviou ao Convento um pedido, em nome do Governo Imperial, solicitando uma
sala para a execução da obra. Todo este empenho teve como resultado os quadros Combate
Naval do Riachuelo, Passagem de Humaitá e inúmeros desenhos e estudos, compondo
importante conjunto iconográfico sobre a guerra. As duas grandes telas foram expostas na 22ª
Exposição Geral da Academia, iniciada em junho de 1872
2
.
Nesta pesquisa analisamos a tela Combate Naval do Riachuelo estabelecendo como
objetivo principal compreender os propósitos de sua encomenda. Neste sentido a análise de
determinada retórica da elite monárquica e dos oficiais da Marinha bem como o do fazer
artístico da Academia Imperial de Belas Artes mostrou-se fundamental para se entender a
gênese desta tela e responder às questões deste estudo. Tanto a Marinha quanto a elite política
brasileira, além de armas e acordos, enfrentaram a guerra alicerçadas em forte
conservadorismo. De um lado os líderes monárquicos prezaram pela manutenção de sua
forma de governo, única em meio às demais repúblicas, e julgavam-se representantes de uma
civilização nos trópicos; de outro a Marinha enfrentava as críticas sofridas durante o conflito
1
SANTOS, Thomas Gomes dos. Relatório do diretor da Academia das Belas Artes. In: SOUZA, Paulino Jose
Soares de. Relatório do ano de 1868 apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 1ª sessão da 14ª
legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1869, p. 2. Também a mara Municipal da Corte solicitou
encomenda ao pintor sobre a abordagem dos paraguaios ao “monitor” Alagoas comandando pelo Capitão-
Tenente Mauriti em 19 de fevereiro de 1868.
2
ROSA, Ângelo Proença. et alli. Victor Meirelles de Lima (1832-1903). Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1982.
com uma retórica sobre o passado vitorioso da corporação. Nos embates ideológicos a
Academia Imperial de Belas Artes desempenhou papel não menos importante naquele
conflituoso momento da política nacional. Analisamos também a singular participação do
ministro da Marinha, Affonso Celso de Assis Figueiredo, os descaminhos entre decisões
políticas e militares que minaram o Gabinete Zacarias, e sobretudo a trajetória de um dos
principais pintores do período monárquico brasileiro: Victor Meirelles de Lima.
Arte e sociedade: a pintura histórica do século XIX.
Analisar a tela do Combate nos remete a uma discussão muito particular sobre a arte
brasileira, qual seja, a retomada de atenção a respeito da pintura acadêmica no século XIX.
Esta, por longa, data esteve relegada a um segundo plano, embora seja fato que tal fração da
arte brasileira teve seus dedicados pesquisadores que são referências importantes para quem
se dedica ao estudo das artes plásticas no Brasil. Nunca é demais salientar nomes como os dos
historiadores da arte Quirino Campofiorito, Carlos Rubens, Donato Melo Júnior, Carlos
Roberto Maciel Levy, José Roberto Teixeira Leite, Jorge Coli, entre outros, cujas obras foram
consideradas em análises e momentos específicos desta dissertação, os quais produziram
relevantes pesquisas sobre os artistas acadêmicos. Mais recentemente uma série de novos
trabalhos incluindo um número considerável de pesquisas desenvolvidas no âmbito de
programas de pós-graduação, como dissertações e teses vem aos poucos problematizando
questões pouco ou não observadas da arte deste período e redimensionando sua importância
no processo de formação cultural do Brasil. Em texto de síntese recente, Jorge Coli define este
longo “silêncio” e a nova safra de pesquisas como “autoritarismo moderno e renovação
crítica”:
Vivemos (o Brasil), como todo Ocidente, o triunfo da modernidade que se impôs no correr dos
últimos cem anos. Ele não somente trouxe uma profunda modificação nos produtos artísticos,
no papel dos criadores e na postura dos críticos. Acarretou também a eliminação de tudo aquilo
que não parecia estar dentro dos parâmetros que esses modernos estabeleciam. (...) Porém, ao
desdém com que, alguns anos os quadros ditos acadêmicos eram ignorados, seguiu-se uma
atenção carinhosa e interessada. Vários estudos se sucederam nos anos de 1970 a 1980, até que
Jacques Thuillier – significativamente um historiador do século XVII, portanto livre dos
preconceitos que os especialistas do campo específico nutriam publicou uma espécie de
admirável manifesto intitulado Peut-on parler d’une peinture “ponpier”?, onde a questão da
arte chamada acadêmica era disposta com agudeza e novidade, abrindo o campo efetivo para
uma séria reflexão sobre o assunto.
3
3
COLI, Jorge. Como estudar a arte do século XIX? São Paulo: Senac, 2005, pp. 9-10.
Quirino Campofiorito, um dos principais estudioso da arte do século XIX no Brasil,
escreveu sobre a importância das transformações sofridas neste século e de sua arte. A elas
deu a merecida importância para a compreensão do processo cultural brasileiro dizendo que
“O século XIX apresenta à História da Arte no Brasil o sério desafio de ter sido a época
decisiva para a formação de nossa cultura nacional (...) tudo o que até o advento republicano
pôde condicionar a inteligência brasileira para receber e reassimilar as influências
internacionais, aconteceu de fato nesses primeiros cem anos de nossa História independente”
4
.
Na esteira desse período de grandes transformações, a pintura histórica contribuiu para
a sedimentação de idéias e valores ao mesmo tempo em que foi o produto dessas
transformações. A historiadora Terezinha Sueli Franz, ao tratar da tela Primeira Missa no
Brasil, escreveu a este propósito que esta obra “é o resultado de uma complexa rede de
relações entre as idéias e utopias que se desenvolveram dentro do chamado “Projeto
Civilizatório”, presente no imaginário da elite cultural e política do século XIX brasileiro”
5
. Já
Rafael Cardoso diz que:
(...) a pintura histórica constituiu, ao longo do século XIX, uma instância privilegiada de
representação. Primeiramente, por ser pintura: no Brasil como na Europa moderna, a pintura de
cavalete veio a estabelecer-se como a classe das chamadas belas-artes que mais reclamava a
atenção de público, críticos e compradores; era o objeto artístico preferido das elites urbanas,
que encontravam nela a satisfação das suas aspirações às formas da cultura aristocrática, mas
de maneira mais adequada ao seu estilo de vida cada vez menos senhorial.
6
O número de visitantes às exposições da Academia comprova esta preferência pela
pintura de cavalete. A 25ª Exposição Geral de 1879, por exemplo, uma das maiores do
período, registrou a presença de 292.286 visitantes
7
. O motivo para este sucesso foi a
exposição dos quadros Batalha dos Guararapes, de Victor Meirelles de Lima (1832 1903),
e Batalha do Avaí, de Pedro Américo de Figueiredo e Melo (1843 1905). Some-se a isso o
fato de ser a pintura histórica a mais importante na hierarquia da pintura acadêmica,
englobando os conhecimentos dos demais gêneros de pintura para a composição de grandes
painéis históricos. Dessa forma, podemos afirmar que nossa pesquisa se insere nesta retomada
4
CAMPOFIORITO, Quirino. História da pintura brasileira no século XIX. Rio de Janeiro: Pinakotheke,
1983, p. 13.
5
FRANZ, Terezinha Sueli. Victor Meirelles e a construção da identidade brasileira. Disponível em:
http://www.dezenovevinte.net. Ver também: FRANZ, Terezinha Sueli. Educação para uma compreensão
crítica da arte. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2003.
6
CARDOSO, Rafael. Ressuscitando um Velho Cavalo de Batalha: Novas Dimensões da Pintura Histórica do
Segundo Reinado. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net.
7
JÚNIOR. Donato Mello. Temas históricos. In: ROSA, Ângelo Proença. et alli. Op. Cit., p. 87.
de interesse pela arte do século XIX, bem como se inclui entre os trabalhos que consideram
esta pintura relevante para a compreensão do processo histórico e cultural brasileiro.
Uma segunda questão que se impõe quando nos propomos a analisar uma obra de arte
diz respeito à insistente separação que se costuma fazer entre o artístico e o histórico. Como
veremos a seguir uma abordagem de fato produtiva não deve criar esta dicotomia e sim levar
em consideração tanto a especificidade do artefato artístico no caso da pintura histórica
quanto a historicidade da produção deste artefato.
A produção da Academia Imperial de Belas Artes esteve por longa data restrita a
estudos particulares de seus usos, utilizada para definir as sucessivas “fases” de uma História
da Arte, enfatizando mudanças de estilo e de técnica. Ou seja, uma abordagem linear centrada
no conhecimento artístico e não numa problematização histórica. Para a historiadora Isis
Pimentel de Castro, esta relação entre os conhecimentos artísticos e históricos ainda acarreta,
atualmente, alguns problemas devido ao grau de “autonomização” que estes campos de
estudos adquiriram:
O processo de especialização, intensificado no último século, dividiu em disciplinas saberes
que até então, não se reconheciam como distintos entre si. (...) A ligação entre pintura histórica
e a disciplina Histórica vai além das evidentes pistas que o próprio nome leva a pensar. o se
trata apenas da temática das telas, mas também de uma ligação estreita entre o trabalho do
artista e do historiador, ambos engajados na construção de uma memória nacional e no
estabelecimento de uma identidade. Como forma de legitimar a autoridade sobre o passado, o
historiador e o pintor procuraram marcá-la por meio da investigação científica.
8
A
pintura histórica, da qual nos ocupamos nesta dissertação, não deve ser analisada
levando-se em consideração única e exclusivamente elementos estéticos, embora estes
também estejam condicionados por processos históricos específicos. As telas históricas da
Academia brasileira produzidas no século XIX estavam atreladas a um pensamento
historiográfico representado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro com fins
políticos e ideológicos postulados pelo regime monárquico do período. Os pintores deste
gênero tinham que se preocupar em ser fiéis a muitas das informações sobre o fato
representado. Roupas, objetos, topografia, tudo tinha que ser reproduzido com fidelidade
baseado em pesquisas do artista e nas informações obtidas na produção historiográfica do
período. Não era um simples exercício de imaginação do pintor, mas um intrincado uso dos
mais variados conhecimentos entremeados por verossimilhança de objetos e paisagens,
ideologias e crenças políticas.
8
CASTRO, Isis Pimentel de. Os pintores de história: a pintura histórica e sua relação com a cultura histórica
oitocentista. In: Pergaminho. Revista eletrônica de história da UFPB. Ano 1, nº zero, out/2005, p. 65.
Este problema de “autonomização” apontado pela historiadora é discussão que aparece
na obra de muitos autores que se dedicam ao estudo do campo artístico. Para Henri Zerner a
história da arte ou “o discurso sobre a arte, está preso, para não dizer que está comprimido,
entre a história e a crítica”
9
. Ainda segundo Zerner a história tradicional da arte é uma
abordagem empírica e positivista extremamente desconfiada de toda teoria e de qualquer
estudo mais aprofundado das obras de arte. Por sua vez a crítica na maioria das vezes se apega
ao postulado de que “aquilo que procura definir, iluminar da obra, o que faz com que ela seja
obra de arte, escapa ao tempo e, em conseqüência, à história”
10
.
O curador Ivan Gaskell também discute as limitações que a história da arte possui ao
trabalhar com os materiais visuais e nos alerta para outra questão, a de que o historiador não
está tão preparado assim para lidar com essa produção. Para Gaskell o historiador está mais
bem “equipado” para inserir a produção visual na discussão de sua produção e consumo como
atividades sociais, econômicas e políticas
11
. Parafraseando Baxandall que dizia que discutir a
arte dentro da história não é mais do que um “gosto especial”, Gaskell afirma que “a
recuperação histórica e a avaliação crítica não são inerentemente melhores uma que a outra;
na verdade, na medida em que a recuperação histórica é baseada em critérios contingentes,
não é nada mais que uma forma especial de avaliação crítica”
12
. Ele sugere que uma vez que a
crítica está mais preocupada com as atuais questões cultuais e sociais e não com as “verdades”
universais e perpétuas da história, estaria menos propensa a interpretar mal os materiais
visuais:
Talvez possamos sempre conhecer a arte do presente, parte da qual é o que sobrevive do
passado, proporcionando apenas o acesso mais tênue e incerto àquele passado. O significado do
material visual se modifica; as interpretações diferem através dos limites cronológicos e
culturais: aqueles que conhecemos só podem ser sempre aqueles que nós próprios geramos.
13
Gaskell acerta ao afirmar que os historiadores estão mais qualificados para interpretar
a produção visual em sua relação social, política e econômica embora erre ao dizer que a
história está preocupada com “verdades” universais, atitude que muito parece ter sido
criticada e abandonada.
9
ZERNER, Henri. A arte. In: LE GOFF, Jacques; NORA. Pierre. História: novas abordagens. Rio de Janeiro:
F. Alves, 1976, p. 144.
10
ZERNER, Henri. Op. Cit., p. 144.
11
GASKELL, Ivan. História das imagens. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas.
São Paulo: Fundunesp, 1992, p. 269.
12
Idem. Ibidem., p. 263.
13
Idem, pp. 263-4.
A preocupação em nossa pesquisa foi a de propor uma interpretação histórica da tela
Combate Naval do Riachuelo sem deixar de lado as possíveis contribuições que a teoria da
arte pode nos proporcionar. Neste sentido escreve Zerner que “Já se afirmou, no entanto, se
demonstrou, seria eu tentado a dizer, que uma reflexão bem fundamentada sobre a arte, uma
‘ciência’ da arte teria que ser, ao mesmo tempo, histórica e teórica”
14
. O artefato artístico
exige que se leve em consideração muitas variáveis, sejam elas artísticas ou históricas, para
uma profícua análise de sua gênese.
Arte, história e memória.
Os problemas encontrados pelos historiadores no uso das imagens bem como a
importância da produção iconográfica para a pesquisa histórica foram abordados por Peter
Burke em seu livro Testemunha Ocular: história e imagem. Nesta obra Burke se mostra
especialmente interessado no uso das imagens como fontes históricas. Para o autor o livro foi
escrito tanto para encorajar quanto para advertir “usuários em potencial a respeito de possíveis
perigos”
15
. Entre esses “possíveis perigos” está o fato de a produção imagética, em sua
maioria, não visar obviamente o interesse de futuros pesquisadores; foram elaboradas com
finalidades muito específicas e para seu próprio momento histórico. A propósito da pintura
adverte o autor que “(...) historiadores, não raramente ignoram essa mensagem a fim de ler as
pinturas nas ‘entrelinhas’ e aprender algo que os artistas desconheciam estar ensinando”
16
.
Tanto quanto os documentos escritos, a produção visual pode ser ambígua, tendenciosa ou
simplesmente confeccionada sem a mínima intenção de comunicar algo à posteridade.
Conhecer, pois, uma determinada sociedade em sua especificidade histórica é de suma
importância para a compreensão de muitas características da produção imagética correlata.
História, especificidades artísticas e o problemático uso simultâneo desses
conhecimentos estão presentes também na obra de Jean-Claude Schmitt sobre a iconografia
medieval. Analisando o livro History And Its Images (1973) de Francis Haskell, Jean-Claude
levantou uma discussão que sempre cercou as imagens, a de que elas possam ser
representações mais ou menos fieis da realidade. Não se pode negar que uma pintura, por
exemplo, possa ser a imagem de alguma coisa. “Mas a verdadeira questão não está aí, e as
próprias imagens conseguem mais de uma vez nos lembrar que sua função é menos
14
ZERNER, Henri. Op. Cit., p. 144.
15
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. São Paulo: Edusc, 2004, p. 11.
16
Idem. Ibidem., p. 18.
representar uma realidade exterior do que construir o real de um modo que lhe é próprio”
17
.
Segundo Schmitt, a preocupação deve ser menos a de isolar e ler o conteúdo das imagens do
que compreendê-las em sua “totalidade, em sua forma e estrutura, em seu funcionamento e
suas funções”
18
. Desta forma inserimos a imagem no amplo espectro social bem como damos
ao fazer artístico uma autoridade que lhe é própria. Dito de outro modo, uma pintura como a
que analisamos nesta dissertação tem parte das soluções de sua composição atrelada a uma
função política e às ideologias de seu período e lugar históricos bem como a própria pintura
produz significados sociais. Isto significa levar em conta, como disse Jean-Claude “o lugar
reservado às imagens no funcionamento das sociedades”
19
.
Com relação à pintura Pierre Francastel é outro teórico da arte a quem recorremos e
que defende a especificidade do que ele chama de “pensamento plástico” ao mesmo tempo em
que considera o comprometimento da obra com a sociedade e o período em questão. Em
outras palavras, se por um lado uma obra de arte deve ser compreendida dentro do processo
histórico que a engendrou, por outro é preciso levar em conta a mediação da arte ou a
especificidade do pensamento plástico em seu resultado final:
O pensamento plástico não se limita a reutilizar materiais elaborados. Ele é um dos modos
pelos quais o homem informa o universo. Por conseguinte, deve necessariamente ser
apreendido por uma tomada imediata em atos particulares que não são nunca autônomos,
mas sempre específicos.
20
O pintor não está livre das contingências de seu contexto, mas tem a possibilidade de
intervir, emitir um parecer visual, significar determinado assunto. Por meio do pensamento
plástico formula-se um olhar próprio não redutível a outras formas do saber humano:
“Mesclando elementos tirados das tradições imaginárias do indivíduo ou da sociedade, o
artista utiliza as técnicas para informar uma matéria. Ele cria assim objetos para permitir à
sociedade tomar consciência dela mesma e comunicar a outras suas hipóteses”
21
. Neste
sentido, mais do que simplesmente “imitar” ou “reproduzir”, o pintor, munido de seu
respectivo conhecimento artístico, será mais uma variável a ser levada em consideração para
se chegar a uma compreensão satisfatória da pintura analisada. O artista recebe um conjunto
17
SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens: ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. Bauru: Edusc,
2007, p. 27.
18
Idem. Ibidem., p. 27.
19
Idem, p. 26.
20
FRANCASTEL, Pierre. A realidade figurativa. São Paulo: Perspectiva, 2. ed., 1993, p. 4.
21
Idem. Ibidem., p. 16.
de informações e as reorganiza por meio de uma linguagem com regras muito próprias que é o
da representação pictórica.
Foi este desafio de considerar articuladamente os acontecimentos relativos à guerra, o
contexto político e social de longa data e as especificidades do fazer artístico que enfrentamos
na elaboração desta dissertação. O trabalho, obviamente, não foi esgotado e nem era esta a
intenção. ainda uma série de estudos que podem ser feitos para se ter uma visão mais
acurada sobre o lugar da pintura histórica e de toda a arte do século XIX na formação cultural
do período imperial brasileiro.
Em cada capítulo deste trabalho procuramos analisar as intricadas relações políticas,
sociais e ideológicas dos agentes sociais que consideramos essenciais para se compreender a
produção artística de Victor Meirelles e, em especial, do quadro Combate Naval do
Riachuelo, representação pictórica mais importante sobre o combate naval que ainda hoje é
considerado pela Marinha brasileira como o mais célebre de sua história.
Os Capítulos.
No primeiro capítulo abordamos algumas das principais características da Guerra do
Paraguai dando ênfase ao fato de ser uma guerra muita distinta de outras ocorridas
anteriormente na América do Sul. A maneira como a elite brasileira se posicionou
ideologicamente diante do inimigo é outra questão deste capítulo. Neste caso destacamos o
ideal de civilização que serviu para legitimar os propósitos da monarquia brasileira e por
extensão de seus aliados da Tríplice Aliança. Em seguida explicitamos as características dos
principais combates navais da guerra, o Combate do Riachuelo e a Passagem de Humaitá, e
principalmente os discursos de oficiais e ministros da Marinha que valorizaram a importância
destes combates bem como da participação da Esquadra, escudados em uma tradição
corporativa que enxergava a Marinha Imperial como detentora de um passado de glórias e de
significativa importância para a soberania do país. Por esse prisma destacamos a atuação do
ministro Affonso Celso de Assis Figueiredo que, partícipe do conturbado Gabinete Zacarias,
tornou oportuno este período para com veemência defender a corporação que dirigia à época.
E entre suas ações destacou-se a encomenda dos quadros ao pintor Victor Meirelles. Os
relatórios do Ministério da Marinha, as memórias do oficial da Marinha, Euzébio José
Antunes, o parecer do Almirante Barroso sobre o Riachuelo e as observações de Joaquim
Nabuco sobre o conflito foram as principais fontes para este capítulo.
No segundo capítulo analisamos a rígida formação do pintor Victor Meirelles de Lima
em sua relação com a Academia Imperial de Belas Artes e de seu comprometimento como
artista a serviço da monarquia. Em um primeiro momento explicitamos as características da
Academia dando ênfase à dificultosa tarefa de acomodar uma instituição oficial de
características únicas em meio a uma sociedade escravista e que pouco podia absorver da
produção artística desta escola. Em seguida analisamos a importância do desenho para a
Academia bem como sua influência na obra de Meirelles que teve no seu domínio uma das
principais características de sua pintura. Analisamos a seguir o artista acadêmico como um
artista-artesão que devia seguir sua rígida formação e produzir segundo o gosto do mecenas,
produzindo uma obra que não podia seguir regras pessoais de criação, tendo que se sujeitar
aos poucos interessados neste tipo de arte. Demonstramos também que apesar desses ditames
da Academia e de um mecenato oficial, Meirelles aceitou, ensinou e defendeu a arte
acadêmica. Os relatórios do Ministério do Império e da Academia Imperial de Belas Artes, o
relatório do Panorama de Meirelles e seus artigos na imprensa foram as fontes consultadas
para neste capítulo.
No terceiro capítulo analisamos mais detidamente a tela do Combate Naval do
Riachuelo. Partindo da observação do quadro retomamos com mais detalhes a discussão sobre
o ideal de civilização que permeou a retórica monárquica brasileira em relação aos demais
países sul-americanos e como padrão interno de desenvolvimento artístico e técnico. Tanto
este conceito quanto o discurso dos oficiais da Marinha sobre seu passado corporativo são
retomados e analisados à luz do conceito de Representações Sociais. Sempre se ancorando na
abordagem histórica sobre este quadro e analisando-o como uma das fontes de sua própria
gênese, levou-se em conta na medida do possível, as discussões artísticas levantadas nesta
introdução. As fontes consultadas para os capítulos anteriores foram também utilizadas neste
capítulo que contou ainda com as Instruções para os pensionistas da Academia e com outros
quadros que em certa medida serviram de referência para que Meirelles elaborasse seu
Combate.
A intenção, é claro, não foi esgotar o debate sobre esta tela, mas propor o uso da obra
de arte como fonte histórica e levantar algumas questões que possam explicar os motivos de
sua produção em um momento tão conturbado na relação da monarquia brasileira com as
repúblicas sul-americanas, agravado pela delicada situação política interna.
1 ESTADO MOÁRQUICO E MARINHA: CONSERVADORISMO E GUERRA.
A eclosão da Guerra do Paraguai, inédita até então em suas dimensões e
características, não exigiu apenas a elaboração de táticas militares e acordos políticos por
parte das elites brasileiras em uma já histórica e conflituosa relação com os países do Prata.
Internamente todo um senso ideológico voltado para a consolidação do Estado monárquico
tinha que ser reafirmado visto que o conflito ampliava os espaços para críticas a muitos dos
alicerces deste Estado incluído o próprio regime monárquico (exceção em meio às demais
repúblicas sul-americanas), à base escravista de sua economia, e o limitado aparato militar.
Desde o início de sua trajetória independente as elites políticas e econômicas brasileiras
optaram por acordos conservadores:
Caracterizou-se aqui uma trajetória social nitidamente conservadora em que o país, ao emergir
para a vida independente não manteve como reiterou vários traços principais de seu passado
colonial, reelaborados embora pela nova inserção internacional e pela situação de Estado
soberano: a grande propriedade agrária exportadora, explorada pelo trabalho escravo, cujos
interesses mantiveram a direção do processo de independência. Foi também a única nação da
América (com exceção da efêmera experiência do México) a adotar a forma monárquica de
governo, implantando na América um ramo da dinastia de Bragança. (...).
22
Outro dado importante sobre estas elites é que se caracterizaram, na primeira metade
do século XIX, por certa homogeneidade em sua formação. Para Murilo de Carvalho a elite
daqui, em especial a da primeira metade do século XIX teve treinamento em Coimbra,
especialmente na formação jurídica: “Essa transposição de um grupo dirigente teve talvez
maior importância que a transposição da própria Corte portuguesa e foi fenômeno único na
América”
23
. Para o autor, esta educação específica foi sem dúvida uma ferramenta poderosa
na consolidação ideológica, política e territorial da ex-colônia ao formar um grupo que, se não
era totalmente coeso, pelo menos não ameaçava a integridade do Império. Também a
ocupação era uma forma de homogeneizar esse grupo. Levando-se em conta que quase toda a
elite política tinha formação superior chega-se a dedução de que apenas 0,3 da população
22
COSTA, Wilma Peres. A espada de mocles: o exército, a guerra do Paraguai e a crise do império. São
Paulo: Hucitec, 1996, pp. 34-5.
23
Ainda segundo o autor, a educação em Coimbra foi aos poucos sendo deixada de lado depois da chegada da
Corte portuguesa em 1808. A elite política brasileira seria especialmente atendida com a instalação das
faculdades de direito que começaram a funcionar em 1828 na cidade de São Paulo e Olinda (transferida em 1854
para Recife).
O acesso a estas instituições de ensino dava a elite uma característica ainda mais distanciada da
realidade nacional, mergulhada no escravismo e no analfabetismo. Ver: CARVALHO, José Murilo de. A
construção da ordem: a elite política imperial Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro:
Relume Dumará, 2. ed., 1996, pp. 209-10, p. 33.
ativa ou 0,1 da população total tinha condições de ocupar cargos de importância no Império
24
.
Somada a uma certa estabilidade da política imperial estes fatores permitiam a “construção de
longas carreiras políticas”
25
. Pelo tipo de educação, ocupação e treinamento, esta elite não era
representativa, segundo o autor, nem da população deste país e nem mesmo das “divergências
ou da ausência de articulação dos diversos setores da classe dominante, embora não
representasse interesses que fossem a eles radicalmente opostos”
26
.
Entremeando o pensamento desta elite política e mesmo intelectual comprometida
com as instituições monárquicas estava o ideal de civilização. Não foram poucas as vezes em
que membros do governo justificaram suas certezas em nome do “civilizado”. Neste sentido é
necessário levar em conta que, se por um lado havia a crença de que o progresso nas mais
variadas produções da arte e da “industria” era característica de um país civilizado, por outro
este ideal imbricava-se a questões de Estado tais como a integridade territorial e política e a
manutenção das fronteiras, assunto sempre delicado na região do Prata.
Igualmente elitista em sua formação e também detentora de um discurso muito
próprio, era o oficialato da Marinha, que se empenhou em defender o que achava legítimo e,
se a guerra desvelou limitações, também foi oportuna para seus oficiais e ministros
defenderem a importância da Armada como força necessária para a soberania do Império.
Fundamentados na crença da sua importância bem como em um senso de corporação e
nobreza, oficiais da Marinha e ministros não apenas relataram sobre as ações da Armada na
Guerra do Paraguai, mas as agregaram a uma tradicional memória de um consagrado passado
do grupo. As vitórias navais também serviram como defesa contra as severas críticas por
suposta inação durante o conflito. Neste caso destacou-se o ministro Affonso Celso de Assis
Figueiredo, que ocupou este ministério entre os anos de 1866 e 1868 durante o Gabinete
Zacarias, por sinal o mais conturbado do período monárquico.
Neste capitulo demonstramos que ao lidar com a guerra, tanto o Estado monárquico
brasileiro quanto os oficiais da Marinha estavam escudados em forte conservadorismo. O
primeiro tendo que fortalecer sua legitimidade frente às repúblicas sul-americanas, o segundo
apegado a seu passado de vitórias e respeito.
24
Idem. Ibidem., p. 85.
25
Segundo Murilo de Carvalho a maior parte da elite era recrutada entre pessoas vinculadas à propriedade da
terra, do comércio e da mineração.
26
CARVALHO, José Murilo de. Op. Cit., p. 211.
1.1 TENSÕES NO PRATA: UMA MONARQUIA ENTRE REPÚBLICAS.
Nos momentos conflituosos em torno da questão do Prata à monarquia brasileira
pesava não apenas a manutenção de uma pretensa territorialidade mas a defesa do próprio
Império do Brasil ameaçado pelas idéias republicanas adotadas pelas ex-colônias espanholas
na América do Sul. Território, soberania, defesa de uma dada forma de governar e a região do
Prata, como veremos neste tópico, foram questões que se imbricaram por longo tempo.
As discussões referentes a esta porção de terra ao sul do continente conhecida como
região do Prata, passou a figurar mais incisivamente nas pretensões da expansão ultramarina
portuguesa a partir do fim da União Ibérica (1580 1640). Durante este período partes das
possessões portuguesas na África e na América foram invadidas pelos holandeses exigindo
ainda durante a União a instalação de instituições político-administrativas com o propósito de
ter maior domínio e controle sobre as terras na América. Na restauração portuguesa o
processo de expansão ganhou ainda mais força nos territórios do Atlântico Sul junto a
medidas que pudessem viabilizar a retomada de controle sobre o todo do império ultramarino
português. Medida importante neste sentido, por exemplo, foi a criação do Conselho
Ultramarino em 1642, reeditando em novo estilo o Conselho das Índias e das Conquistas
Ultramarinas (1604). O Conselho era responsável por administrar todos os negócios referentes
aos Estados do Brasil, Índia, Guiné, ilhas de São Tomé e Cabo Verde e demais territórios da
África vinculados à Portugal.
27
As muitas medidas adotadas trouxeram para os vários territórios portugueses uma
dada forma de governar e administrar tipicamente de Antigo Regime. Fazia parte deste
processo a atribuição de ofícios e cargos civis, militares e eclesiásticos bem como a concessão
de privilégios comerciais a indivíduos e grupos associados ao processo de expansão. Essas
concessões acabaram criando uma rede de poder e hierarquias que, se estendendo do reino,
dinamizava e ampliava os propósitos portugueses em seus territórios mais distantes.
“Materializava-se, assim uma dada noção de pacto e de soberania (...), caracterizada por
valores e práticas tipicamente de Antigo Regime, ou, dito de outra forma, por uma economia
política de privilégios”
28
. E ao Brasil coube espaço destacado dentro do complexo Atlântico
como se depreende de sua elevação à condição de “Principado” em carta gia de 26 de
27
GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Poder político e administração na formação do complexo atlântico
português (1645 1808). In: BICALHO, Maria Fernanda; FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima Silva
(Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI – XVIII). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001, pp. 289-92.
28
Idem. Ibidem., p. 288.
outubro de 1645. Medida que buscava principalmente aproximar o Brasil do soberano
português, ausente fisicamente, mas formulando meios que criavam elos entre o rei e seus
vassalos do Atlântico Sul. Importância que só cresceu no correr dos séculos XVII e XVIII em
comparação aos demais territórios ultramarinos portugueses
29
. Neste processo de expansão e
domínio de Portugal sobre as terras sul-americanas os problemas das fronteiras com as
possessões espanholas foram constantes e ganharam dimensões belicosas a partir do momento
em que os portugueses instalaram a Nova Colônia do Santíssimo Sacramento em 1680 na
margem esquerda do Rio da Prata. Junto a esta as terras do oeste (Mato Grosso) e do norte, no
trecho entre o Amazonas e o Oiapoc, também eram divisas a serem delimitadas.
No norte o problema maior era com os franceses de Caiena, que reiteradas vezes
tentaram se apossar da chamada Costa do Cabo do Norte. Os espanhóis até se mostraram
interessados na região, no entanto, as dificuldades de acesso e a pobreza de materiais
preciosos foram desestimulando esta inicial atenção. Entre acordos e desacordos com os
franceses o assunto se arrastou até meados do século XIX
30
.
No oeste e principalmente no sul os problemas eram mais sérios pois a Colônia de
Sacramento era caminho para o contrabando da prata peruana realizado por portugueses e
ingleses e também uma espécie de moeda de troca de Portugal nas questões européias que
como se percebe a Inglaterra, a quem Portugal se aliara, saía ganhado com este ponto
estratégico no Prata
31
. Os tratados de Ultrecht (1715), Madri (1750) e Santo Ildefonso (1777)
foram as principais tentativas de dirimir a contenda entre espanhóis e portugueses. Tentativas
porem frustradas pela instabilidade política nas nações ibéricas, e que eram agravadas pela
interferência e o conflito entre ingleses e franceses. A mútua desconfiança entre Portugal e
Espanha também impediram a demarcação de fato do que fora proposto nestes tratados
32
.
É cercado de todas estas questões que em 1808 a família real portuguesa desembarcou
em suas possessões na América. Apesar de estar trazendo consigo velhos problemas e antigas
formas de administrar, a permanência de D. João VI iria se inserir em um novo contexto na
região, qual seja, o fim das colônias espanholas e portuguesas na América que entre outras
coisas resultaram, por um lado, no surgimento de regimes republicanos nas ex-colônias
espanholas e, por outro, na manutenção da monarquia na ex-colônia portuguesa. Manter o
regime monárquico a partir de 1822 seria faze-lo tendo que evitar que idéias republicanas
29
GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Op. Cit.; p. 294.
30
REIS, Arthur Cézar Ferreira. Os tratados de limites. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (org). História geral
da civilização brasileira. Tomo I. Vol. 1, 4ª ed., São Paulo: Difel, 1985, pp. 365-79.
31
Idem. Ibidem. Ver também: COSTA, Wilma Peres. Op. Cit., pp. 78-9.
32
Idem.
intervissem nas questões internas. Tarefa que se mostrou complicada visto que a belicosidade
nas novas repúblicas e as indefinidas questões de fronteiras propiciavam pontos de contato
entre regimes distintos.
A partir de 1822, a ruptura com Portugal, embora de início não tenha significado de
fato a consolidação do Estado e muito menos de uma nação, trouxe a possibilidade de
viabilização de um corpo político próprio
33
. Mesmo assim, persistiram decisões
conservadoras para tal processo. Optando-se por soluções mais conservadoras, manteve-se e
até mesmo se reiterou algumas características coloniais. O Brasil entrava para a vida
independente sob a égide de uma monarquia escravista em meio a repúblicas não escravistas.
Esta solução se foi um dos alicerces do não desmantelamento do grande território da ex-
colônia portuguesa (ao aglutinar sobre um mesmo interesse a manutenção da escravidão
grupos espalhados pelo vasto território), também acarretou problemas para o poder central.
No que se refere ao estabelecimento do monopólio da força, por exemplo, não havia o
necessário apoio das elites regionais para tal atribuição. A independência do Brasil, muito
distinta dos processos de seus vizinhos pode ser caracterizada com uma “revolução
conservadora”
34
.
Neste período turbulento em que as ex-colônia ibéricas assumiam novas posturas no
Prata, delimitar e manter os domínios territoriais equivalia a lutar pela manutenção do próprio
Estado. Uma carta publicada no Diário do Governo em 11 de fevereiro de 1823, por um leitor
que se intitulava o “observador constitucional” reclamava que as “Cortes de Lisboa” e seus
correspondentes, ciosos da grandeza do Brasil” e em sua “sabedoria e liberalismo” diziam
que o Rio da Prata não deveria ser mais a fronteira natural do Brasil. Segundo o mesmo leitor,
o Império ficaria assim exposto e vulnerável, pois “diferentes Estados Americanos do Sul
ainda se acham em armas, e não gozam de uma forma de governo tranqüila, e estável”. Desta
forma a construção do Estado se inseria em uma conjuntura mais ampla na medida em que
dependia também do republicanismo na região
35
.
Além da manutenção do Estado, a idéia de nacional também passava a entrar com
mais força após 1822. Na Guerra da Cisplatina (1825 1828), que se mostrou desastrosa para
D. Pedro I, o próprio imperador, em texto publicado no Diário Fluminense de 24 de maio de
1825, clamava a ajuda de seus súditos em nome do Império: “Esquadrão de Minas, Batalhão
33
PIMENTA, João Paulo Garrido, Estado e nação no fim dos impérios ibéricos no prata (1808-1828). ed.,
São Paulo: Hucitec, 2006, p. 186.
34
COSTA, Wilma Peres. OP. Cit., p. 34; PIMENTA, João Paulo Garrido. Op. Cit., p. 196. Este processo de
conservação foi facilitado por aquela homogeneidade da elite política que vimos na introdução deste capítulo.
35
João Paulo Garrido. Op. Cit., p. 195.
do Imperador, Batalhão de Granadeiros, primeira, e quarta divisão das Brigadas de Artilharia
Montada; acha-se ameaçada em Montevidéu a integridade do Império, é nossa obrigação
sustentarmo-la; eia pois camaradas marchemos”
36
.Conclamava-se em nome de uma
nacionalidade e de velhas fronteiras e reiterava-se a idéia de Império.
A partir da definitiva instalação da República do Uruguai a política do monarquia
brasileira se esforçou tanto para evitar que convulsões mais sérias acontecessem no Rio
Grande do Sul provocadas pela “caudilhagem” do Estado vizinho, quanto evitar que as
Províncias Unidas anexassem o recém criado Uruguai, acreditando que aquela quisesse reaver
os territórios que outrora foram do Vice-Reino. Na defesa de seus interesses na região sul-
americana: a monarquia, a escravidão, e a unidade nacional, herdados do Antigo Regime
português, a política externa brasileira não terá a tão sonhada “tranqüilidade”:
Entre a letra e a prática do tratado de 1828 se debaterá a política externa do Império até a
Guerra do Paraguai. Seu princípio sagrado: o veto à reconstituição do Vice-Reino do Rio da
Prata erigia a Argentina como inimigo potencial principal, mas se desdobrava a qualquer
esforço no sentido de criação de um Estado que unificasse as regiões ribeirinhas do Prata,
como o “Grande Uruguai” de Rivera ou o “Grande Paraguai de López.
37
O Uruguai viu-se em permanente protetorado tanto do Brasil quanto das Províncias
Unidas, e a eles recorria quando os belicosos partidos uruguaios (colorados e blancos)
entravam em confronto. A situação interna das Províncias Unidas também não ajudava na
questão, já que viviam em constante conflito entre unitários e federalistas o que resultou, após
1852, na cisão que criou a Confederação Argentina e o Estado de Buenos-Aires, situação que
se prolongou até 1862 quando Bartolomé Mitre as unificou
38
.
O Conflito de 1851-2 foi resultante da intersecção desses desacordos internos e a
política externa de Uruguai, Brasil e as Províncias Unidas na região do Prata. De um lado
estava o Brasil, aliado a algumas cidades do que seria a futura Confederação e ao governo do
Uruguai (colorado), sitiado em Montevidéu; do outro o argentino Juan Manuel Rosas e o
uruguaio Manuel Oribe (do partido blanco). Outra questão que agravava este conflito e exigia
a intervenção brasileira era a reclamação dos estancieiros gaúchos que alegavam que Oribe
dificultava o contrabando de gado para o Rio Grande do Sul. Estes mesmos estancieiros
invadiam o território uruguaio em busca de gado e escravos fugidos, complicando ainda mais
as questões de fronteiras. Suas reclamações também estiveram entre os motivos alegados pelo
36
João Paulo Garrido. Op. Cit., p. 232.
37
COSTA, Wilma Peres. Op. Cit., p. 90.
38
Idem, p. 91.
governo brasileiro quando da intervenção do Uruguai em 1864 às vésperas da guerra contra o
Paraguai
39
.
Vencidos os rivais de mais este confronto armado, permaneceu, porém, a preocupação
com o Uruguai. A belicosidade de seus partidos rivais não deixava de chamar a atenção da
política brasileira, bem como a situação dos gaúchos em território vizinho, ameaçados pelas
lutas internas uruguaias. A partir de 1862, com Solano Lopez assumindo o governo paraguaio,
acrescentava-se outra variável importante nas relações do Prata. Lopez passou a exigir maior
participação nos rumos da região como que criando uma “terceira via” de negociações para a
instável região. Nem Brasil e nem a unificada Argentina (1862), aceitaram esta exigência
paraguaia, vista como intromissão na histórica medição de forças entre Brasil e a agora
Argentina.
No conflituoso Uruguai chocaram-se os muitos interesses a respeito da região do Prata
iniciando a maior guerra sul-americana. O governo brasileiro defendeu nesta contenda sua
legitimidade como monarquia, as pretensas fronteiras herdadas do antigo império português e
também, como veremos a seguir, atribuía-se a condição de nação civilizada no conflito e que
pelas circunstâncias, foi estendida a seus aliados.
39
DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São
Paulo: Companhia das Letras, 2002; TORAL, André. Imagens em desordem: a iconografia da guerra do
Paraguai. São Paulo: Humanitás, 2002.
1.2 GUERRA DO PARAGUAI: “A CAUSA ALIADA É A CAUSA DA JUSTIÇA, DA
LIBERDADE, DA CIVILIZAÇÃO”.
Como vimos anteriormente, cada nova nação surgida na região do Prata em princípios
do século XIX buscou estabelecer as condições externas que lhe fossem favoráveis diante de
seus vizinhos. Estas relações geraram escaramuças diplomáticas, conflitos e intervenções
como as do Brasil em território uruguaio. A guerra com o Paraguai “foi, na verdade, resultado
do processo de construção dos Estados nacionais na região do Prata e, ao mesmo tempo,
marco nas suas consolidações”
40
. Neste caso, José Murilo de Carvalho abre um parêntese,
afirmando que para Argentina, Paraguai e Uruguai, a guerra foi de fato um marco nesse
processo, mas, não seria esse o caso do Brasil. Para ele o Império era um Estado-nacional
consolidado em 1865. Sua política intervencionista havia começado no final da década de
1840, na época em que os conservadores tinham conquistado a sua hegemonia interna e
sentiram-se confiantes nas investidas externas. Foi neste momento que se definiu a política de
conter o avanço argentino por meio da independência do Uruguai e Paraguai
41
. Ainda
segundo Doratioto:
No Uruguai, cruzavam-se os interesses dos governos argentino, brasileiro e paraguaio. Perante
a tentativa de Montevidéu de estabelecer uma aliança com Assunção, o presidente Mitre
(Argentina) reagiu e buscou compor-se com o Brasil. Favoreciam esse projeto a convergência
ideológica dos governos argentino e brasileiro, exercido por liberais, e a existência, pela
primeira vez, de interesses concretos comuns, pois ambos não viam com bons olhos os blancos
e tinham questões de fronteiras a tratar com o Paraguai. Mitre planejava acabar com a
bipolarização histórica Buenos Aires Rio de Janeiro, substituindo-o por um eixo de
cooperação. Solano López, por sua vez, ambicionava introduzir seu país como mais um pólo
regional e constituir assim, um equilíbrio triangular de forças.
42
Em outras palavras, que não se distanciam das afirmações anteriores, Wilma Peres
Costa argumenta que a guerra foi a resultante do reiterado intervencionismo brasileiro no
Uruguai somado a novos condicionantes introduzidos na região do Prata a partir da guerra
contra Oribe e Rosas, principalmente a emergência de um projeto de afirmação nacional do
Paraguai que se negou a integrar-se à Confederação (Argentina) e impôs ao Brasil
dificuldades à navegabilidade dos rios comuns na região, bem como discordou de ambos ao
tratar dos territórios que haviam sido ocupados pelos jesuítas no período colonial
43
.
40
DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. Op. Cit., p. 23.
41
CARVALHO, José Murilo de. Forças armadas e política no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p.
189.
42
DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. Op. Cit., pp. 473-4.
43
COSTA, Wilma Peres. Op. Cit., p. 146.
Fato é que Solano López, cumprindo uma ameaça feita em nota de 30 de agosto de
1864, apreendeu o vapor brasileiro Marquês de Olinda em 12 de novembro e em 28 de
dezembro com o envio de tropas paraguaias que tomaram o forte de Coimbra em Mato
Grosso, iniciou a guerra que se estendeu até março de 1870 com a morte de López em Cerro
Corá.
A Guerra do Paraguai alterou ou colocou em xeque características importantes na
organização social, política e econômica dos países envolvidos, possuindo, pois, uma
impressionante complexidade. No caso brasileiro, o descompasso entre as decisões políticas e
militares foi um dos reveses sofridos pelo Império, sobre o que trataremos melhor quando
falarmos das ações do ministro da Marinha, Affonso Celso de Assis Figueiredo. Em relação
as Forças Armadas brasileiras, ficou evidente que estas não dispunham das condições ideais
para enfrentar uma guerra de tais dimensões. E isto não só por causa da histórica incapacidade
do Império em recrutar e manter corpos militares bem treinados e em números exigidos pelos
ministros da Marinha e da Guerra. Mas principalmente, pelo conflito apresentar-se como algo
novo se comparado aos confrontos anteriores:
Quando afirmamos, portanto, que a queda de Rosas encerra o ‘ciclo gaúcho’ da Questão
Platina, queremos caracterizar um período em que os riscos militares vividos pelo Estado
Imperial, a despeito das dificuldades estruturais em desenvolver o monopólio da violência,
ficavam ocultos sob a ação da milícia rio-grandense, força que revelava grande eficiência
quando enfrentava, como enfrentou até então, adversários do mesmo tipo: forças milicianas e
caudilhescas. Os recursos superiores do Império, a coordenação das tropas de linha e o apoio
da marinha de guerra foram suficientes para determinar um balanço favorável às forças
imperiais. O divisor de águas, entretanto, emergiu mais de uma década depois, quando o
Paraguai colocou pela primeira vez no cenário platino um exército nacional moderno, tanto no
sentido da conscrição universal de seus efetivos, como no da disciplina e coesão em torno de
seus chefes, inviabilizando a tática, até então comum nas guerras caudilhescas, de provocar
divisões no campo adversário aliando-se a uma das facções em perpétuo litígio.
44
Desta forma a guerra da Tríplice Aliança foi um novo marco no histórico da Questão
Platina, ao exigir das forças aliadas uma organização que fugia aos modos tradicionais,
inclusive a união de antigos adversários como o Brasil e a recém unificada Argentina
45
.
Exemplo desta diferença foi a pouca resistência que as tropas de López tiveram ao
ingressarem no Brasil, primeiro por Mato Grosso, depois pelo Rio Grande do Sul. A primeira
província recebeu duas expedições invasoras; uma fluvial, composta por 4200 homens que
chegaram ao forte de Coimbra na noite de 26 de dezembro de 1864 e o tomaram em definitivo
no dia 28. A expedição terrestre contava com cerca de 3500 homens com destino inicial a
44
COSTA, Wilma Peres. Op. Cit., p. 145.
45
Idem, p. 145.
Miranda e Coxim
46
. O Rio Grande do Sul foi atacado pelos homens do coronel Estigarribia,
em número aproximado de 12000 que desembarcaram nas proximidades de São Borja em 10
de junho de 1865
47
. Isoladamente as forças alocadas em Mato Grosso e no Rio Grande do Sul
não foram suficientes frente a um exército maior e mais moderno.
Nos relatórios sobre as Armas brasileiras sobraram reclamações a respeito das
deficiências e a impossibilidade, no princípio da guerra, de responder com a mesma eficiência
do contingente bélico paraguaio. O ministro da Guerra, José Egydio Gordilho de Barbuda, no
relatório referente ao ano de 1864 reclamou que:
Bem pouca tropa tínhamos nós em pontos fronteiros assaz importantes, e quando o dever
indeclinável de nos fazermos respeitar do vizinho turbulento, obrigou-se a recorrer á ultima
razão das nações ofendidas, vós sois testemunhas das dificuldades que se encontraram em fazer
convergir para um ponto batalhões espalhados pelas províncias, e nestas mesmas subdivididos
em longinquos destacamentos pelo interior, de modo que ainda hoje vem chegando à corte
contingentes de corpos, que marcharão incompletos para o teatro da guerra.
48
Para enfrentar um inimigo de formação mais coesa e monolítica, o Brasil contava com
um contingente diminuto e disperso pelo vasto território. Somado a isto estava o despreparo
de todo este pessoal, como fica evidente do relatório do ministro da Marinha, Affonso Celso
de Assis Figueiredo, para o ano de 1866:
Admitindo mesmo a hipótese, que julgo improvável, de que os resultados dos incessantes
bombardeamentos não correspondem de um modo efetivo á intenção de hostilizar e prejudicar
o inimigo, todavia, restam vantagens firmadas na experiência, em abono do procedimento da
Esquadra. Os exercícios de fogo tem sido fecundos em lições úteis para os nossos artilheiros
que ficam assim conhecendo a principal arma dos combates, ao passo que as evoluções da
esquadra concorrem para bem apreciar as condições estratégicas do rio.
49
Neste trecho, o ministro da Marinha falava dos bombardeios à fortaleza de Curupaiti,
reduto que por sinal se tornou o maior revés militar dos aliados, ocorrido em 1866. Mesmo
levando em consideração que alguns pontos bombardeados estavam em lugares de pouca
visibilidade, percebe-se que a ineficiência se deve também ao pouco conhecimento sobre as
armas utilizadas. O front se tornou batismo de fogo para muitos e serviu como lugar
privilegiado para o treinamento desses militares.
46
DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. Op. Cit., p. 100.
47
Idem, pp. 170-1.
48
BARBUDA, José Egydio Gordilho de. Relatório do ano de 1864 apresentado a Assembléia Geral
Legislativa na 3ª sessão da 12ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1865, p. 2.
49
FIGUEIREDO, Affonso Celso de Assis. Relatório do ano de 1866 apresentado a Assembléia Geral
Legislativa na 1ª sessão de 13ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Perseverança, 1867, p. 23.
Mas apesar da corrida contra o tempo para se adaptar a este distinto conflito, a vitória,
mesmo que a duras penas serviu como álibi em favor do Império e seus objetivos. Como
outros autores já destacaram, essa guerra foi o ápice do regime monárquico embora tenha sido
também o início de sua derrocada, pois desnudou muitas de suas limitações. Das muitas
observações feitas à época sobre o conflito, seja a favor ou contra tudo o que se viu durante os
mais de cinco anos de luta, destacamos o parecer de Joaquim Nabuco:
Na guerra da Tríplice Aliança, a epopéia, o mito nacional, é paraguaio. A causa aliada é a
causa da justiça, da liberdade, da civilização; López encarna e representa o seqüestro, a mortal
estrutura de um povo sob a cola convulsa de um tirano ferido e desapontado. Apesar de tudo, o
heróico, patético, o infinitamente humano que faz a epopéia, está, nessa guerra, do lado do
Paraguai. Não é a história da coragem, do esforço varonil, da vitória final das potências; é da
resistência, da abnegação, do suicídio da nação paraguaia, (...). Decerto, o que fizeram os
aliados foi muito; mas calculados os seus recursos, o que demonstraram como resolução,
tenacidade, intensidade de sacrifício, foi nada ao lado do que demonstrou a nação paraguaia. O
maior peso, quase todo o peso de sacrifício nacional na Aliança, recaiu sobre o Brasil, também,
em mais de um sentido, desenvolveu-se, fortificou-se, lucrou com a guerra, e quanto a
Montevidéu e Buenos Aires, positividade prosperaram. É isso o que faz que a grandeza, a
sublimidade do esforço pertença nesse caso ao Paraguai: literalmente, sem exceção quase, a
raça paraguaia em sua totalidade colocou a guerra, durante todo o tempo que ela durou, acima
de qualquer outro interesse, preocupação ou dever. Para os três países aliados, a guerra foi um
episódio, um acidente exterior longínquo; para o Paraguai, foi o sacrifício deliberado de todo o
seu ser, de tudo que podia ter o valor aos olhos de cada um: vida, riqueza, bem-estar, afeições,
família. Um sentimento absoluto assim porque foi um sentimento tem alguma coisa de
sobre-humano, sai da esfera utilitária em que se movem com todo o seu ideal e consciência os
povos modernos, e não basta para explicá-lo a escravidão política; é preciso mais, o fundo
religioso da raça, como é preciso a doçura, a coragem, o amor ilimitado. A bravura foi igual de
parte a parte: o sacrifício não foi. Os que foram ao Paraguai e morreram ou de voltaram,
valem pelo heroísmo tanto como os que se bateram com eles valeriam mais pela inteligência,
pela cultura, e até se o sacrifício está na razão da inteligência e da liberdade, pela abnegação
que mostraram. A intensidade nacional, porém, do sacrifício não se compara. (...) Isso, porém,
não é o oferecimento de uma nação inteira; o abandono, a renúncia de tudo, a aceitação da
morte, da miséria, da fome, da desonra, dos perigos, por amor da pátria como o paraguaio o
compreendia; (...) A guerra do Paraguai foi um dos grandes crimes da América do Sul; não foi,
porém, o crime do vencedor; foi o crime de López, que exigiu do seu povo até o suicídio. Esse
suicídio, na sua trágica inconsciência, é um dos mais nobres holocaustos que o sentimento
moderno de pátria tenha deixado na história; é duvidoso mesmo que tenha igual, e cerca com
um resplendor legendário de mártir o nome do Paraguai.
50
O texto de Nabuco faz uma interessante síntese de muitas idéias que permearam as
discussões sobre a guerra na época. Ao Brasil e aos aliados cabia a tarefa de libertadores e de
países que defendiam os princípios civilizadores. Neste caso dissipou-se por força das
circunstâncias a diferença entre Monarquia “civilizada” e República “bárbara” e caudilhesca
ao se necessitar de uma aliança para derrotar o inimigo comum. Nabuco ratificou o esforço
maior do Brasil nesta união de forças, até porque o país usou muito mais recursos que os
demais participantes, seja material ou humano. Também reafirmava a tirania de López e sua
50
NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império. 5ª ed., Rio de Janeiro: Topbooks, 1997, vol. II, pp. 792-5.
responsabilidade por “um dos grandes crimes da América do Sul” e a “cega” abnegação dos
paraguaios a seu líder. Invariavelmente a pecha criminosa era dada ao ditador e não aos
demais paraguaios; sobre estes os adjetivos mais comuns eram ignorância, coragem e
dedicação sem limites. O autor valorizou sobremaneira essa luta paraguaia, buscando
explicação para tanta abnegação em um valor maior que a “escravidão política”, qual seja, o
“fundo religioso da raça”, resultando em um “moderno sentimento de pátria”.
A guerra afetou em vários níveis a vida interna do Brasil, mas Joaquim Nabuco
minimizou este impacto dizendo que foi algo “distante”, incomparável ao que ocorreu em
terras paraguaias. A movimentação sem precedentes de tropas brasileiras, os descaminhos da
política interna, os exemplos de patriotismo inicial com os chamados Voluntários da Pátria
parecem desmentir este distanciamento, embora de fato a convulsão bélica tenha sido
incomparavelmente mais intensa no solo paraguaio, pois foi que as tropas se debateram a
maior parte do tempo. O que talvez explique este posicionamento de Nabuco sejam as
divergências partidárias que tanto prejudicaram as decisões militares durante o conflito:
Precauções de ordem muito diversa, sacrifícios de outras exigências políticas, eram
indispensáveis para se cercar e fazer prisioneiro a López; provavelmente, porém, pela terrível
lista de atrocidades que ele cometera, pelas crueldades que infligira a brasileiros mesmo, o
general-em-chefe pensou que não devia sacrificar vidas e suspender a lei da guerra para
impossibilitá-lo de morrer pelejando. Ao passo que a atitude conservadora era essa de sustentar
uma guerra de extermínio, talvez contra o sentimento de Caxias de algum modo, deixando o
exército, ele dera a guerra por acabada com a tomada de Assunção – os liberais, por hostilidade
a Caxias e ao governo, identificavam-se com o conde d’Eu e com Osório, que ele tinha ao seu
lado.
51
Em 1869 Nabuco havia publicado um texto intitulado O Povo e o Trono: profissão de
política de Juvenal romano da decadência, com fortes críticas aos conservadores: “O
Partido Liberal entende que no art. 12 (da Constituição) estão os seus símbolos de fé: Todos
os poderes no Brasil são delegações da Nação! O Partido Conservador entende que o rei deve
reinar e governar, e ser irresponsável praticando o mal (...)”
52
.
Esse peso partidário talvez tenha influenciado no julgamento que Nabuco fez da
participação brasileira, mas, como visto, não deixou de incluir os dizeres da época sobre de
que lado estava a civilização, quem era o ditador e responsável pelo estrago da guerra, a
valorização do empenho dos soldados paraguaios, a polêmica “caçada” a Solano Lopez com a
anuência de Pedro II, a discórdia partidária, entre outras observações.
51
NABUCO, Joaquim. Op. Cit., p. 791.
52
SILVA, Leonardo Dantas. Nabuco e a República: textos de Joaquin Nabuco. Recife: Massangana, 1990.
Disponível em: www.fundaj.gov.br.
A distinta guerra foi também desafiadora para as Armas do Império e, no caso da
Marinha, oportuna para fazer ecoar um discurso todo particular. As vitórias navais
significaram passos importantes na ofensiva aliada, mas também se agregaram a um discurso
em favor da própria Armada e para se defender das severas críticas por suposta inação.
A vitória em Riachuelo geralmente aparece na retórica da Marinha como o grande
feito naval das paragens sul-americanas, mas nunca como algo isolado, ou seja, como se fosse
a única vitória consistente na história da Armada. Sucessivos relatórios do Ministério da
Marinha e memórias de seus oficiais entremearam problemas, limitações, vitórias e a
importância desta Arma para os destinos do Império. E isto era mais evidente em momentos
conflituosos como, por exemplo, a supracitada guerra contra Oribe e Rosas entre os anos de
1851 e 1852. No relatório para o ano de 1851, o ministro Manoel Vieira Costa escreveu:
A Esquadra do Rio da Prata foi confiada à ilustrada direção do Vice-Almirante da Armada
Nacional e Imperial, João Pascoe Grenfell, o qual nesta tão difícil, quanto honrosa comissão,
plenamente correspondeu ás vistas do Governo Imperial, e à expectação publica, firmando
mais uma vez a brilhante reputação militar, que na memorável época da nossa Independência, e
n’outras adquirira à custa de seu sangue nessas mesmas paragens, que vieram a ser o teatro da
recente gloria, conseguida por ele e por seus intrépidos companheiros d’armas, durante a
penosa e ativíssima Campanha do Sul, especialmente no belo feito do Tonelero.
53
Destaca-se neste comentário a existência de uma reputação militar adquirida e que
foi reafirmada durante o conflito com o Paraguai como se percebe no relatório do ministro
Francisco de Paula da Silveira Lobo:
Os belos feitos da nossa marinha realçam pela aprovação insuspeita das grandes potencias. O
combate de Riachuelo, ato de bravura ousadia e inteligência de um chefe venerável, e de alguns
comandantes, mereceu descrição minuciosa, e a critica profissional dos primeiros jornais da
Europa. Jamais se vira, desde o emprego do vapor nas evoluções navais (e em teatro tão
singular!) esquadra contra esquadra disputando a vitória. Foi um fato nos anais da marinha a
vapor, que veio mostrar, em grande, o magnífico quadro do desejado conflito, que até então
apenas se dera em pelejas parciais, sem resolver a questão. A história discutirá a importância
d’essa vitória, que, a não ser nossa, daria aos paraguaios o domínio do Rio da Prata, até que
lenta e dificilmente obtivéssemos a desforra.
54
E este olhar todo particular sobre a jornada em Riachuelo também perpassou o
primeiro documento oficial sobre o fato elaborado pelo Almirante Barroso, sobre o que
falaremos no próximo tópico. Começava a aura heróica sobre o Combate Naval do
Riachuelo.
53
TOSTA, Monoel Vieira. Relatório do ano de 1851 apresentado a Assembléia Geral Legislativa na
sessão da 8ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1852, p. 3.
54
LOBO, Francisco de Paula da Silveira. Relatório do ano de 1865 apresentado a Assembléia Geral
Legislativa na 4ª sessão da 12ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Perseverança, 1866, p. 13.
1.3 COMBATE NAVAL DO RIACHUELO E PASSAGEM DE HUMAITÁ: “GLORIOSAS
JORNADAS”.
A Marinha brasileira desempenhou papel relevante na Guerra do Paraguai. As vitórias
em Riachuelo (1865) afluente do Rio Paraná e na fortaleza de Humaitá (1868) no Rio
Paraguai foram consideradas por seus oficiais como fundamentais para os aliados (Brasil,
Argentina e Uruguai) contra o Paraguai. A primeira ajudou a por fim ao avanço das tropas
paraguaias e a segunda fez parte do plano estabelecido para abrir caminho para a invasão
aliada à Assunção.
O Combate Naval do Riachuelo ocorreu em 11 de junho de 1865 (um domingo) e
contava a esquadra brasileira (2ª e divisões) com nove embarcações sob o comando do
Capitão de Mar e Guerra, Francisco Manuel Barroso da Silva (1804 1882). Do lado
paraguaio também nove embarcações (a maior parte delas adaptadas para o combate) sob o
comando de Pedro Inácio Meza
55
. Durante a madrugada do dia 11 a esquadra paraguaia
desceu o rio, vinda de Humaitá, a fim de logo pela manhã e de surpresa atacar os navios
brasileiros com a tarefa não de destruir e sim capturar as embarcações brasileiras. Mas atrasos
ao saírem de Humaitá e avarias na hélice do navio Iberá retardaram o ataque e, o fator
surpresa, essencial para os paraguaios, não pode ser cumprido. Pelas nove horas da manhã
começou o combate que durou mais de sete horas.
O ano de 1868 foi marcado por mais uma celebrada vitória da esquadra imperial ao
forçar a passagem pela fortaleza de Humaitá, um dos ícones do sistema defensivo paraguaio.
Em fevereiro daquele ano o comando geral das tropas aliadas estava sob responsabilidade
do Marquês de Caxias. No mês anterior, Bartolomé Mitre havia voltado para a Argentina.
Mitre foi um dos que mais exigiu que a esquadra brasileira ultrapassasse as barreiras impostas
por Humaitá que por terra o contorno se realizara. Mas por algum tempo a esquadra foi
marcada pelo imobilismo. Corria a desconfiança entre os militares brasileiros de que Mitre
queria ver a esquadra brasileira destruída, o que facilitaria investidas da Argentina no pós-
guerra. Em meio a estas desconfianças, Caxias enviou uma correspondência datada de 12 de
dezembro de 1868 a Mitre: “Estou seguro e pode V. Exª contar (...) que a passagem de
Humaitá se há de dar desde que tivermos a convicção de que não importará ela completa ruína
55
Faziam parte da esquadra brasileira a fragata a vapor Amazonas, as corvetas a vapor Jequitinhonha e Beberibe
e as canhoneiras Belmonte, Parnaíba, Mearim, Araguari, Iguatemi e Ipiranga. Do lado paraguaio as embarcações
eram o Paraguari, Igurei, Iporá, Salto, Pirabebé, Jejuí, Taquari, Rangel e o Marquêz de Olinda, navio brasileiro
apreendido antes de começar a guerra por causa das questões de navegabilidade no rio Paraguai. Ver: OURO
PRETO, Afonso Celso de Assis Figueiredo, Visconde de. A Marinha D’outrora: subsídios para a história. 3.
ed., Serviço de Documentação da Marinha, 1981.
da esquadra encouraçada brasileira e quando possa ser secundada pelos exércitos aliados”.
56
Mesmo assim muitas das críticas pela demora recaíram sobre o Vice-Almirante Visconde de
Tamandaré e do Chefe de Esquadra Joaquim José Inácio, este, responsável pelo grupo que
acabou executando a tarefa na madrugada de 19 de fevereiro de 1868.
O desfecho vitorioso em Riachuelo tornou-se desde o princípio um dos principais
argumentos da Armada contra as críticas que se avolumaram durante toda a guerra. O fato de
ter acontecido logo nos primeiros meses do conflito ajudou neste álibi em favor dos serviços
prestados pela corporação à causa aliada. Com o passar dos anos, a vitória ganhou lugar de
honra na história da Marinha Imperial, rememorado em relatórios, quadros e na criação do
“Dia da Marinha”, não por acaso, em 11 de junho. O Combate contou com muitos elementos
que puderam ser capitalizados pela Marinha tais como o impedimento do avanço e
conseqüente domínio paraguaio sobre os rios da região; o fato de ser, na prática, a única força
naval dos aliados; e aão do almirante Barroso, utilizando o Amazonas como aríete e pondo
a pique quatro embarcações paraguaias, que teve apelo heróico facilmente transformado em
símbolo daquele 11 de junho de 1865.
No dia 12 de junho, o almirante Barroso elaborou o primeiro documento oficial sobre o
ocorrido: “No dia 11 do corrente, domingo da Santíssima Trindade, foram tomados pela
Divisão sob meu comando quatro vapores de guerra paraguaios e seis chatas ou baterias
flutuantes com rodízios de calibre 80”
57
. Com certa ironia de vencedor, ele narrou os
primeiros momentos de luta: “Pelas 9 horas da manhã, à hora do almoço, fui avisado de que
se avistaram vapores paraguaios. (...) Logo lhes fizemos as continências que mereciam e eles
nos responderam por igual modo. Chovia de parte a parte balas e metralhas. Era uma chuva de
respeito”
58
. Mais adiante, contabilizou os prejuízos humanos do embate: Temos em toda a
Esquadra, entre mortos e feridos, de 180 a 190. Os mortos, oficiais, marinheiros e soldados
hão de regular de 80 a 90”
59
. Mas a vitória foi retratada em tons gloriosos apesar das muitas
vicissitudes enfrentas:
Como chefe destas Divisões, que me foram confiadas pelo Exmo. Vice-Almirante Visconde de
Tamandaré preparei-me a dar um dia de glória à Nação Brasileira, fazendo respeitável o seu
pavilhão. Tive de atender a mil circunstâncias e de vencer as dificuldades do nosso confuso
regimento de sinais”.
60
56
OURO PRETO, Afonso Celso de Assis Figueiredo, Visconde de. Op. Cit., p 180.
57
ANTUNES, Euzébio José. Memórias das campanhas contra o Estado Oriental do Uruguai e a República
do Paraguai durante o comando do Almirante Visconde de Tamandaré. Rio de Janeiro: Serviço de
Documentação da Marinha, 2007, p. 118.
58
Idem, p. 118.
59
Idem, p. 121.
60
Idem, p. 118.
Nas palavras de Barroso, dissiparam-se as incertezas quanto à jornada que se seguiu, os
preparativos eram para um dia de “glória” e o para um combate com fim incerto, que
dúvidas sobre o poderio do inimigo e o pouco conhecimento da região foram desafios
constantes da participação brasileira em terras paraguaias. O combate em Riachuelo, desde as
primeiras palavras, se desenhava como triunfo inconteste sobre o qual as dificuldades
fizeram valorizar ainda mais tal façanha.
Antes da proclamada vitória, porém, a Esquadra brasileira teve que se desvencilhar de
situações que ameaçaram este desenlace vitorioso. Dentre tantas dificuldades, a abordagem
que os paraguaios fizeram a canhoneira Parnaíba passou a figurar sempre nos relatos sobre
esse dia 11 de junho. Foi de fato um dos momentos mais complicados do combate e que
obviamente foi citado por Barroso em seu primeiro relato:
O Parnaíba está com o leme partido. Quando este vapor descia, quatro dos vapores paraguaios
procuraram a um tempo abordá-lo. Seu comandante, o Capitão-Tenente Aurélio Garcindo
Fernando de Sá, como vinha de águas abaixo, aproou sobre o Paraguai e disparou-lhe um dos
rodízios, com o que o inutilizou; dos outros três, um não de abordar pela proa pela grande
resistência que encontrou; mas dois pela popa puderam operar de modo que uma grande porção
de paraguaios ocuparam a tolda da Parnaíba, mataram nossa gente que ali se achava e que lhes
opunha resistência, entre os quais o Capitão do 9º Batalhão Pedro Afonso Ferreira e o Guarda-
Marinha Grenhalgh, que com grande bravura e coragem defendiam a Bandeira Nacional e
morreram no seu posto de honra.
61
Barroso contabilizou um total de 33 mortos, 28 feridos e mais “uns 20 extraviados,
que se supõe terem caído no rio”
62
. O controle da Parnaíba foi retomado pelos brasileiros,
mas muitos foram os estragos causados na embarcação. Para constranger ainda mais a
situação, a bandeira brasileira chegou a ser descida do mastro mas, segundo os relatos oficias,
foi recolocada em seu lugar. Como se vê na citação, esta parte da abordagem não é comentada
por Barroso, pelo menos não desta forma, limitando-se a falar da defesa daBandeira
Nacional”. No quadro de Meirelles está a Parnaíba representada no momento do renhido
combate e com a distinta bandeira arriada se debruçando sobre a popa da embarcação.
Mas de todas as manobras realizadas pelos brasileiros naquele dia, a atitude de
Barroso ao utilizar a proa do Amazonas contra as embarcações paraguaias, foi o mbolo da
vitória em Riachuelo. O próprio comandante narrou seu feito:
61
ANTUNES, Euzébio José. Op. Cit., pp. 120-1.
62
A questão dos meros na Guerra do Paraguai ainda é um problema para os pesquisadores do tema.
variações dependendo do autor que se consulte.
(...) subi com a resolução firme de acabar de uma vez com a Esquadra paraguaia, o que eu teria
conseguido se quatro de seus vapores que estavam mais acima não tivessem fugido. Assim pus
a proa sobre o primeiro que mais próximo me ficava e com tal ímpeto que o inutilizei
completamente, ficando de água aberta e indo pouco depois a fundo. Segui a mesma manobra
contra o segundo, que era o Marquês de Olinda, e contra o terceiro, que era o Salto e todos eles
inutilizei. O quarto vapor contra o qual me arremessei, o Paraguary, recebeu tal rombo no
costado e caldeiras que foi encalhar em uma ilha em frente, para a qual fugiu a sua gente,
abandonando-o. Em seguimento aproei a uma das baterias flutuantes. Que foi logo a pique com
o choque e um tiro. Todas estas manobras foram feitas pelo Amazonas debaixo do mais vivo
fogo, quer dos navios e chatas, quer das baterias e mosquetaria de terra.
63
A aura criada em torno de tal atitude coroou a difícil vitória. O Capitão-Tenente
Antunes, em suas “memórias”, bem a dimensão da importância atribuída pelos oficiais da
época ao relato de Barroso sobre o ocorrido: “É, portanto, com um sentimento de admiração e
respeito por sua modéstia, patriotismo e valor que lhe cedemos a pena, e transcrevemos sua
parte oficial, que todos os brasileiros devem saber de cor, e recitar com verdadeiro orgulho”
64
.
Além do óbvio comprometimento à corporação, Antunes é apenas um exemplo da onda de
celebração em torno do evento e da não contestação do documento de Barroso. Desde os
primeiros momentos após a vitória em 11 de junho de 1865, o Combate Naval do Riachuelo
ganhou sua aura heróica. Não foi daqueles eventos retomados tempos depois para celebrar ou
marcar algo que muito mais tarde ganhou importância, caso da Primeira Missa, um mito
criado e celebrado no século XIX.
Além desses dois festejados combates foram muitas as vezes em que a Esquadra
brasileira teve que mostrar serviço na Guerra do Paraguai. O ministro da Marinha, Mauricio
Wanderlei, elencou uma série de participações: Riachuelo, Mercedes, Cuevas, Corrientes,
Uruguaiana, Passo da Pátria, Itapirú, Ilha do Cabrita, Curuzú, Curupaiti, Humaitá, Timbó,
Tayi, Tebiquari, Angostura e Manduvirá. Todas estas ações, segundo ele: “são padrões de sua
marcha vitoriosa
65
. Um “padrão” que, no entanto, não livrou a Marinha de outra igualmente
longa lista de críticas. Os problemas da Marinha não eram no front mas também no Brasil
nas vezes em que seus integrantes tiveram que dar satisfação sobre a suposta inação da qual a
Esquadra era acusada. Oficiais e ministros, é claro, não se calaram e dentre eles Affonso
Celso de Assis Figueiredo, se destacou na defesa da corporação em um dos momentos mais
críticos da política no Segundo Reinado sob o comando do Gabinete Zacarias.
Enquanto soldados e marinheiros passavam por severas privações e desafios no
Paraguai, no Brasil as questões políticas não estavam menos complicadas, pois uma das
63
ANTUNES, Euzébio José. Op. Cit., p. 119.
64
Idem, p. 117.
65
WANDERLEY, João Mauricio. Relatório do ano de 1869 apresentado a Assembléia Geral Legislativa na
2ª sessão da 14ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário do Rio de Janeiro, 1870, p. 20.
resultantes da guerra para o Brasil foi sacudir as relações políticas internas. Como argumentou
Wilma Peres Costa, a dinâmica da guerra e a dinâmica política do Império entraram em rota
de colisão. O terceiro gabinete Zacarias (3 de agosto de 1866 a 16 de julho de 1868), do qual
fez parte Affonso Celso como ministro da Marinha, foi talvez o que sofreu o maior golpe
dessa desarticulação entre decisões políticas e militares. Uma breve análise deste período é
relevante pois foi um período que se tornou oportuno para que este ministro defende-se com
rara veemência os serviços da Marinha. E não falando ou escrevendo mas executando
outras atitudes como a criação do Museu da Marinha e a encomenda dos quadros a Meirelles
que podem ser vistos como resultantes desta defesa. Ou seja, se a crise do gabinete e as
desarticulações com os rumos militares trouxeram muitas críticas, também criaram um
ambiente oportuno para que Affonso Celso pudesse expor os “bons” serviços desta
corporação.
1.4 AFFONSO CELSO: CRISE POLÍTICA, DEFESA DA MARINHA E A ENCOMENDA
DOS QUADROS.
Desde 1862 a política nacional estava em boa medida nas mãos da chamada Liga
Progressista. Esta liga era formada por conservadores dissidentes e liberais moderados,
criando assim uma “terceira” opção. Na mente de alguns ex-conservadores, como Nabuco de
Araújo, Saraiva e Zacarias de Góes e Vasconcelos, esta aliança deveria representar uma
renovação da vida partidária. Mas o que ocorreu foi um acirramento ainda maior, na medida
em que a Liga sofria um ataque mais ríspido dos chamados conservadores “duros” e liberais
históricos. Eram duas frentes de opositores a criticarem os trabalhos desta nova tentativa
partidária. A explicação para esta conturbada relação estaria não em ideologias ou programas
partidários, mas, nas relações de “patronato” e “clientela” que os “progressistas” vieram
desarrumar:
O bipartidarismo, movido em primeira instância pela câmara e em última pelo Poder
Moderador, era um sistema de alternância em que o que estava em jogo, a cada inversão
partidária, era uma extensa “árvore” de cargos nacionais, provinciais e locais. Para o partido
que era alçado ao poder, seu período de governo significava uma transação entre o nível
nacional e o poder local que envolvia o controle absoluto, pelos homens do partido, dos cargos
de administração e exercício da coerção, bem como os mais modestos postos do funcionalismo
público. A alternância era o sinal para uma “derrubada” geral que equivalia, no dizer de Sérgio
Buarque, a um verdadeiro golpe de estado.
66
Como a alternância era garantida, o impacto pela perda de todos estes cargos se
minimizada pela certeza de que na próxima mudança o partido rival iria sofrer a mesma
derrubada. Com a criação da Liga a partir de 1862 esta lógica foi desarrumada, além de
estabelecer “adesismos” odiados pelos dois partidos que levavam em conta a lealdade
partidária.
O gabinete Zacarias
67
, que atuou de 3 de agosto de 1866 a 16 de julho de 1868, foi
formado por partidários da Liga. Zacarias de Góes e Vasconcelos (1815 1877) ficou na
pasta da Fazenda além de ser o presidente do Conselho; José Joaquim Fernandes Torres (1797
– 1869), no Ministério do Império; João Lustosa da Cunha Paranaguá (1821 – 1912), Ministro
da Justiça; Martim Francisco Ribeiro de Andrada (1825 1886), Negócios Estrangeiros;
Affonso Celso de Assis Figueiredo (1836 1912), Ministro da Marinha; Ângelo Monis da
Silva Ferraz (1812- 1867), a pedido do Imperador, permanecia no Ministério da Guerra;
Manuel Pinto de Souza Dantas (1831 1894), Ministro da Agricultura. Serem “progressistas”
66
COSTA, Wilma Peres. Op. Cit., p. 129.
67
Algumas trocas aconteceram entre esses ministros durante o período do Gabinete.
não foi o único motivo das preocupações enfrentadas por este grupo. As decisões necessárias
para lidar com a guerra causaram um forte impacto. Joaquim Nabuco resumiu bem o
andamento da guerra ao tempo do gabinete:
O ministério Zacarias preencheu um período (3 de agosto de 1866 a 16 de julho de 1868) que
se pode dizer o mais difícil e ingrato da guerra do Paraguai. Pouco tempo depois da sua
formação, em 1866, as armas aliadas sofrem o grande revés de Curupaiti (22 de setembro) e
em 1868, dias depois da demissão do gabinete, é que caem em nosso poder as fortificações de
Humaitá, últimas trincheiras do formidável Quadrilátero. Durante esse período nenhum feito
d’armas verdadeiramente decisivo, exceto a passagem de Humaitá (19 de fevereiro de 1868),
vem tirar o espírito público, tão alerta, tão vibrante nos primeiros tempos de guerra, da apatia
em que tinha caído. (...) O fato, entretanto, é este: que tocou ao gabinete de 3 de agosto,
primeiro, o período de inação de Tuiuti e Curuzu (setembro de 1866 a julho de 1867); depois, a
parte aparentemente estéril das operações em torno do Quadrilátero, operações que se seguiram
à marcha de flanco, de Tuiuti para Tuiu-Cuê, começada em julho de 1867, e que, cheia de
conseqüências e decisiva, de fato, para a causa aliada, não era então compreendida nem tinha
ainda sido justificada pelo sucesso final, alcançado um ano depois, quando o gabinete se
retirava. A passagem de Curupaiti (15 de agosto. 1867), uma série de vitórias parciais e,
sobretudo, o grande feito de Humaitá, são clarões nessa longa noite de ansiedades; mas o
ataque e incêndio de uma parte do acampamento aliado em Tuiuti (3 de setembro, 1867), as
duas abordagens dos encouraçados (2 de março e 9 de julho, 1868) e a repulsa de Osório das
trincheiras de Humaitá (16 de julho, 1868) eram outros tantos sinais de que as defesas de
López ainda eram consideráveis e temível (...).
68
Visto desta forma, pode-se dizer que o grupo de Zacarias não conseguiu capitalizar os
momentos vitoriosos no conflito. Os grandes resultados obtidos em Humaitá e nas ações de
Caxias só foram de fato comemorados após a queda de Zacarias e demais membros do
Ministério. Caxias, aliás, foi o personagem central da crise que minou de vez o desgastado
gabinete.
Em 20 de fevereiro de 1868 o Conselho e o Imperador foram chamados a discutirem
sobre um assunto inédito até aquele momento. Zacarias expôs a seguinte questão. O ministro
da guerra havia recebido de Caxias uma correspondência na qual o general pedia dispensa por
motivos de saúde, mas, junto a esta, uma carta particular especificava os verdadeiros motivos
do pedido. Dizia Caxias que em vista do que lia nos jornais e com base em correspondências
particulares, não encontrava a confiança que o Ministério havia manifestado depositar nele
quando de sua aceitação ao cargo em 1866. Zacarias havia dito que se em 1866 Caxias não
aceitasse o chamado por “repugnância de servir conosco” estava o ministro e seu séqüito
disposto a deixar o cargo por entender que a guerra não era questão de partido e que o mais
importante era acabar com o conflito. Agora, com o pedido do general, reafirmava Zacarias a
sua opinião pedindo demissão do gabinete e provando dessa forma que havia sim apoio do
68
NABUCO, Joaquim. Op. Cit., pp. 737-8.
Ministério ao prosseguimento do comando de Caxias. Em outras palavras, Zacarias jogava ao
Conselho a decisão de aceitar a demissão do Ministério ou a de Caxias.
De fato em 1866, Caxias, um conservador, havia pedido todas as garantias ao Gabinete
“progressista” de Zacarias, sabendo dos problemas que as diferenças partidárias causavam
nestes assuntos. Nesta época os aliados tinham acabado de sofre a maior derrota da guerra em
Curupaiti e a principal causa aventada foi a da multiplicidade de comando acordada desde o
Tratado da Tríplice Aliança. A unificação deste comando foi vista como inevitável e o nome
de Caxias a escolha necessária para a tarefa. A sua entrada significou a saída de um de seus
principais adversários, o ministro da Guerra, Ângelo Munis da Silva Ferraz (remanescente do
Gabinete anterior a pedido de Pedro II) e a entrada de João Lustosa da Cunha Paranaguá
(saído da pasta da Justiça), e também a substituição de Tamandaré por José Joaquim Inácio no
comando da Esquadra, que ficava também sob a tutela de Caxias.
Joaquim Nabuco lembrou que embora a saída de Ferraz tenha sido feita por solicitação
própria, tinha um importante significado, pois se “sacrificou” o ministro da guerra para poder
mandar ao Paraguai o novo comandante em chefe, Zacarias consentiu de “antemão à sua
própria demissão” caso o próprio ministro fosse causa de incompatibilidades futuras. Para
Nabuco, se tinha sido possível sacrificar o ministro da Guerra, também seria possível fazer o
mesmo com o Ministério. Em outras palavras, o “gabinete estava a mercê do general”
69
.
As palavras de Nabuco para o ano de 1866 se tornaram acertadas para 1868. Zacarias,
ao consultar o Conselho e o Imperador sobre sua demissão colocava o Ministério a mercê de
um pedido militar. Abaeté afirmou que “Seria um perigo gravíssimo (...) a suspeita ainda que
mal fundada, de se ter feito uma exceção (na organização e dissolução dos gabinetes) por
causa de influências militares. O principio da autoridade seria patente neste caso”
70
. O
Conselho é quase todo consenso de que o governo deve dar explicações e dissipar a suposição
falsa de Caxias. Uma das exceções ficou por conta de Olinda que pediu a demissão do
Gabinete. Mas no parecer do Imperador não houve solução satisfatória e então ele reformulou
a questão em outros termos: “(...) qual julga o Conselho menor mal, a demissão do general ou
a do Ministério?”
71
. O Conselho julgou então ser menor mal aceitar a demissão do general,
optando pela primazia do poder civil, mas, tentou contornar a questão pedindo uma
reconciliação entre o general e o Gabinete. que o estrago estava feito, o Gabinete saiu
69
NABUCO, Joaquim. Op. Cit., pp. 740-1.
70
Idem, p. 756.
71
Idem, p. 757.
enfraquecido: “menos por ter sido desafiado pelo general do que por ter tido seu destino posto
em questão pelo Imperador”
72
.
Foi em meio a esse fogo cruzado do Gabinete Zacarias que Affonso Celso atuou como
ministro da Marinha e teve na carreira política seus principais serviços prestados ao Império.
Mesmo não sendo um militar de carreira, Affonso Celso defendeu como poucos os brios da
Marinha, em especial, a Esquadra. Assim como o Exército, a Marinha também teve suas
ações no Paraguai contestadas pelos parlamentares brasileiros. Reclamações que encontraram
veementes respostas nos discursos e em outras ações do futuro Visconde de Ouro Preto.
Affonso Celso de Assis Figueiredo nasceu em 21 de fevereiro de 1836 em Ouro Preto,
Minas Gerais. Fez seus estudos Secundários no Liceu Mineiro e Bacharelado em Direito na
Faculdade de Direito de São Paulo. Por Minas Gerais foi eleito Deputado Provincial em duas
legislaturas, Deputado Geral em quatro oportunidades: 1864 a 1866, 1867 a 1868, 1877, 1878
a 1879, e Senador em 1879 e 1889. Por São Paulo ocupou os cargos de Inspetor da Tesouraria
e Procurador Fiscal da Fazenda Geral da Província. Como ministro ocupou a pasta da
Marinha entre os anos de 1866 e 1868, e da Fazenda entre 1879-80 e 1889. Nesta segunda
oportunidade à frente dos negócios da Fazenda foi também Presidente do Conselho de
Ministros. No Rio de Janeiro foi ainda professor de Direito Civil e Comercial da Faculdade
Livre de Ciências Jurídicas e Sociais
73
.
Além de sua atuação como ministro da Marinha, que analisaremos mais adiante, o
nome de Affonso Celso é frequantemente lembrado à frente da pasta da Fazenda entre 1879-
80, período em que realizou o plano para amortização do papel-moeda; divisão da proposta
orçamentária em projetos distintos para cada Ministério; exclusividade à Tipografia Nacional
para a impressão de leis, Diário Oficial e demais publicações oficiais; criação da taxa sobre
transportes, conhecida como imposto do vintém, execrada pela população; e proposta de
reorganização administrativa. Seu nome é também citado quando da queda do regime
monárquico em 1889, período em que ocupava os cargos de ministro da Fazenda e Presidente
do Conselho de Ministros
74
. No ano anterior havia recebido o título de Visconde de Ouro
Preto. Por ocasião da queda do regime monárquico esteve exilado até o ano de 1891. Faleceu
em Petrópolis em 21 de Dezembro de 1912.
Junto a seus discursos nos cargos públicos, Affonso Celso expôs suas idéias em várias
publicações com destaque para as seguintes obras: A Esquadra e a Oposição Parlamentar
72
COSTA, Wilma Peres. Op. Cit., p. 254.
73
Dados disponíveis em: www.senado.gov.br e www.fazenda.gov.br.
74
Dados disponíveis em: www.fazenda.gov.br.
(1868); Reforma Administrativa e Municipal (1868); As Finanças do Império (1876);
Algumas Idéias Sobre a Instrução (1883); Resposta a Uma Impugnação (1885); Advento da
Ditadura Militar no Brasil (1891); A Marinha de outrora: Subsídios Para a História (1894).
Enquanto esteve na pasta da Marinha, Affonso Celso se esmerou na tarefa de
responder aos críticos da Armada e criar meios para sua valorização. Em 14 de março de
1868, com o Decreto 4116, foi criado um museu a ser instalado no arsenal da Marinha da
Corte até que um prédio próprio para isso fosse construído: “Hei por bem criar no arsenal de
marinha da corte um museu, onde se recolham todos os objetos, cuja conservação interesse à
armada nacional (...)”. Em seu artigo 3ª o decreto especificava dois grupos de objetos a serem
preservados: “O edifício, dividir-se-á em duas partes: na primeira se distribuirão modelos,
máquinas, armas, troféus, etc; na segunda quadros históricos, retratos, bustos e estátuas de
oficiais brasileiros ou estrangeiros, que tenham prestado serviços ao Brasil”
75
. E no mesmo
ano da criação do museu, o relatório do diretor da Academia Imperial de Belas Artes
registrava mais uma iniciativa do ministro:
O Governo Imperial pelo Ministro da Marinha encarregou o Professor de Pintura histórica,
Victor Meirelles de Lima, da execução de dois grandes quadros a óleo, representando a
passagem de Humaitá pela Esquadra Imperial na madrugada de 19 de fevereiro de 1868, e o
Combate naval de Riachuelo em 11 de Junho de 1865. A Ilustríssima Câmara Municipal da
Corte encomendou ao mesmo artista um outro quadro representando a abordagem dos
Paraguaios ao monitor Alagoas comandado pelo Capitão-Tenente Maurity em 19 de Fevereiro
de 1868.
76
Criando o museu e encomendando telas Affonso Celso, ao mesmo tempo em que
enfatizava a importância daqueles combates navais, buscava resgatar e preservar a história da
corporação. Se a guerra e as muitas críticas expuseram as limitações navais brasileiras
também foram oportunas para a reafirmação da memória que se fazia sobre esta corporação.
Mesmo depois de deixar o ministério, em julho de 1868, Affonso Celso prosseguiu em
defesa da Esquadra, desta vez expondo suas idéias em um livreto
77
datado de 10 de outubro de
1868, no qual o ex-ministro pretendia “demonstrar que foram de tudo injustas as censuras
dirigidas no parlamento aos comandantes da esquadra em operações contra o Paraguai e à
75
WANDERLEY, João Mauricio. Relatório do ano de 1868 apresentado a Assembléia Geral Legislativa na
1ª sessão da 14ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário do Rio de Janeiro, 1869.
76
SANTOS, Thomas Gomes dos. Relatório do diretor da Academia das Belas Artes. In: SOUZA, Paulino Jose
Soares de. Relatório do ano de 1868 apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 1ª sessão da 14ª
legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1869, p. 3.
77
OURO PRETO, Affonso Celso de Assis Figueiredo, visconde de. A esquadra e a oposição parlamentar. Rio
de Janeiro: Tipografia e Litografia Francesa, 1868.
própria esquadra”
78
. O livreto se divide basicamente em duas partes; uma abordando o
comando do almirante Tamandaré até 1866, e outra o de José Joaquim Inácio, o futuro barão
de Inhaúma. O primeiro, no comando ao tempo da vitória em Riachuelo, o segundo, em
Humaitá. Logo no início do documento, um resumo dos ânimos parlamentares sobre o tema:
Largo e animado debate abriu-se, nas duas casas do parlamento, durante as sessões legislativas
de 1867 e 1868, e principalmente nos três meses incompletos d’esta ultima, sobre as operações
da guerra, à que nos provocou o presidente do Paraguai. A’ situação política fulminada, na
frase eloqüente do Sr. Nabuco, pelo raio de 16 de julho, cabe exclusivamente a
responsabilidade tremenda de tão porfiada luta; Graves erros cometidos na direção puramente
militar da guerra também lhe devem ser lançados em conta; Não soube o governo aproveitar os
grandes recursos, que o entusiasmo nacional acumulou no teatro das operações; Maior
proveito, mais decisivas vantagens poder-se-ia colher da bravura, patriotismo e poder do
exercito e da esquadra imperial! Assim o proclamavam os oradores da oposição.
79
A defesa deste ministro à corporação se explica em boa medida ao fato de ter ocupado
a pasta da Marinha. Qualquer outro político em seu lugar não iria deixar que duvidassem da
eficiência do grupo sendo que seu próprio nome estaria em cheque. Mas também é certo
afirmar que em Affonso Celso a Esquadra encontrou um defensor aguerrido num nível que
não foi suplantado pelos demais ocupantes deste ministério ao tempo da guerra.
Isto nos faz incluir um outro fator importante que não deve jamais ser ignorado, o das
especificidades das corporações militares. Em outras palavras elas não apenas refletem as
contingências sociais em que estão imersas, mas constroem uma dinâmica que lhes são
próprias
80
. As atitudes de Affonso Celso buscavam cristalizar uma visão triunfante da Armada
e por isso podemos dizer que foram influenciadas por esses ideais corporativos. No que diz
respeito ao trabalho de Meirelles, este árduo trabalho de defesa da corporação, seja por parte
de ministros ou oficiais, talhada ao longo de décadas, é um dos motivos que ajudam a explicar
o porque uma obra tão demorada e dispendiosa, e que não traria resultados imediatos, foi
solicitada.
O campo artístico tornou-se território privilegiado para fazer valer a visão das elites da
corte, até porque o mecenato proporcionado pelo Estado garantia essa via de propagação
ideológica. Pátria, civilização e nação foram ideais almejados por aqueles que arquitetavam a
consolidação do Império, e patriotismo e heroísmo permearam a retórica dos oficiais da
Marinha. Em que pese às várias formas artísticas serem territórios privilegiados da
imaginação “tais representações, contudo, não deixam jamais de ter o real como referente.
78
OURO PRETO, Affonso Celso de Assis Figueiredo, visconde de. A Esquadra..., p. 5.
79
Idem, p. 4.
80
CARVALHO. José Murilo de. Forças armadas e política no Brasil..., p. 13.
Seja como confirmação, negação, ultrapassagem transformação, inscrição de um sonho,
fixação de normas e códigos, registro de medos e pesadelos, exteriorização de expectativas
(...) A arte diz o real de outra forma (...)”
81
. A Academia Imperial de Belas Artes e artistas
como Victor Meirelles de Lima ajudaram nesta tarefa de consolidação ideológica do regime
monárquico brasileiro.
81
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Este mundo verdadeiro das coisas de mentira: entre a arte e a história. In:
Estudos Históricos, Arte e História, nº. 30, 2002/2.
2 VICTOR MEIRELLES DE LIMA: A SERVIÇO DO IMPÉRIO.
Victor Meirelles de Lima nasceu em 18 de
Agosto de 1832 em Nossa Senhora do Desterro atual
Florianópolis, província de Santa Catarina. Pacata
cidade que, para o Império, talvez o mais importante
fosse o fato de tratar-se de um ponto geograficamente
estratégico nas questões de fronteiras. No campo das
artes plásticas a cidade não dispunha de escolas, tanto
que o primeiro professor de Meirelles foi um imigrante argentino chamado Marciano Moreno,
contratado pelos pais do futuro artista a partir de 1845. As aulas se pautavam em alguns
fundamentos do desenho geométrico.
Em 1846, de passagem
pela cidade, para participar de
uma conferência oficial, o
Conselheiro do Império
Joaquim Francisco Coelho,
ouvindo falar de um talentoso
menino, resolveu conhecê-lo.
A pedido do Conselheiro, que
ofereceu pincéis e tintas,
Meirelles realizou uma
litografia de tema mitológico
(Lacoonte) e uma aquarela do Desterro que foi registrada no 7º Salão das Belas Artes de 1846
com o nome de Vista da face ocidental do Largo do Palácio da cidade do Desterro, atual
Praça XV de Novembro. O próprio Francisco Coelho as levou para o Rio e apresentou ao
diretor da Academia, Félix Émile Taunay (1795 1881). Meirelles havia produzido
algumas pinturas da paisagem urbana do Desterro, mas neste caso a tela serviu para apresenta-
lo ao conselho da Academia.
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Fonte: CD ROM Museu Victor Meirelles.
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Fonte:
CD ROM Museu Victor Meirelles.
Com ajuda de custo do conselheiro e de políticos locais como o senador José da Silva
Mafra, Meirelles embarcou para o Rio, matriculando-se na Academia em 03 de maio de 1847.
No livro de matrículas da Academia consta que Meirelles matriculou-se na Classe de Desenho
nos anos de 1847 e 1848. Entre os anos de 1849 e 1852 esteve na Classe de Pintura
Histórica
82
. Em 1852 participou do Prêmio de Viagem ao Exterior e sagrou-se vencedor do
concurso com a tela São João Batista No Cárcere, assunto solicitado pela própria Academia.
Percebe-se neste quadro que a temática religiosa, que fazia parte da produção da Academia, e
o desenho de linhas neoclássicas distanciavam Meirelles de suas paisagens urbanas do
Desterro. Embarcou em 10 de janeiro de 1853 para a Europa passando por Paris e instalando-
se em Roma onde permaneceu até 1856. Seguiu posteriormente para Paris e continuou seus
estudos até 1861. Entre 1859 e 1860 executou a sua mais aclamada tela: Primeira Missa no
Brasil, à qual retornaremos mais adiante.
Em agosto de 1861
desembarcou no Brasil e foi
condecorado com o Grau de
Cavaleiro da Ordem da Rosa, e
em 1862 assumiu o cargo de
professor da Cadeira de Pintura
Histórica. Até o final de sua vida
pintou algumas das mais
destacadas obras do período
imperial: Moema (1866),
Combate Naval do Riachuelo e
Passagem de Humaitá (1872),
Batalha dos Guararapes (1879), a
segunda versão do Combate
Naval do Riachuelo (1883), o imenso Panorama do Rio de Janeiro (1888) além de outras
obras inacabadas (por motivos pessoais ou políticos) e dezenas de retratos. Faleceu em 22 de
fevereiro de 1903 na cidade do Rio de Janeiro. Em linhas gerais são estas as obras e os
“caminhos” percorridos por Meirelles segundo as obras que se tem produzido sobre este
pintor. Mas o que de fato interessa nessa trajetória das biografias e outros estudos são as
82
ROSA, Ângelo de Proença; PEIXOTO, Elza Ramos. Biografia. In: ROSA, Ângelo Proença. et alli. Op. Cit.,
28.
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Fonte:
COLI: 2004, P. 20.
implicações políticas e estéticas que se iam atrelando ao trabalho deste artista
83
. “Os
acontecimentos biográficos definem-se antes”, escreve Bourdieu, “como alocações e como
deslocamentos no espaço social, isto é, mais precisamente, nos diferentes estados sucessivos
da estrutura da distribuição dos diferentes tipos de capital que estão em jogo no campo
considerado”
84
. Segundo Bourdieu ao comentar sobre os escritores, mas, podendo esta idéia
ser aplicada também aos pintores:
(...) a teoria da biografia enquanto integração retrospectiva de toda história pessoal do artista
em um projeto puramente estético ou a representação da “criação” enquanto expressão da
pessoa do artista em sua singularidade, somente podem ser compreendidas inteiramente se
forem recolocadas no campo ideológico de que fazem parte e que exprime, de uma forma mais
ou menos transfigurada, a posição de uma categoria particular de escritores na estrutura do
campo intelectual, por sua vez incluído em um tipo específico de campo político, cabendo uma
posição determinada à fração intelectual e artística.
85
Ou seja, são inúmeras e simultâneas contingências de caráter econômico, político e
cultural que de uma forma ou de outra servem como possibilidades ou obrigações a serem
vivenciadas pelo artista influenciando seu trabalho e que, mais do que isso, justificam e
legitimam a produção deste artista. Meirelles foi o primeiro grande “resultado” pictórico dos
esforços do Estado monárquico e da Academia Imperial de Belas Artes. O artista dominava o
desenho como poucos, característica de suma importância dentro da Academia; não criou
entraves para esta instituição nem para o Império ao não se rebelar contra a escola que o havia
ensinado, como aconteceu com artistas neoclássicos na Europa, entre eles Jacques Luis David
(1748 – 1825). Seguiu servindo conforme as exigências de seu mecenas – Estado/Imperador –
em um período e país que oferecia reduzida condição de sobrevivência para os pintores fora
desta instituição oficial.
Uma análise de algumas das principais características da Academia Imperial de Belas
Artes e a maneira como estas apareceram na obra de Meirelles e foram defendidas por ele,
bem como da sua posição como artista indissociável dos ditames de um mecenato, são os
objetivos deste capítulo.
83
Ver: COLI, Jorge. Primeira Missa e invenção da descoberta. IN: NOVAES, Adauto (org.).A descoberta do
homem e do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 107-121; COLI, Jorge. A pintura e o olhar
sobre si: Victor Meirelles e a invenção de uma história visual no século XIX brasileiro. IN: FREITAS, Marcos
Cezar de (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998, p. 375-404; COLI,
Jorge. O que é arte, São Paulo: Brasiliense, 1ed. 2000; CAMPOFIORITO, Quirino. História da pintura
brasileira no século XIX. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983; ROSA, Ângelo Proença. et alli. Victor Meirelles
de Lima (1832-1903). Rio de Janeiro: Pinakotheke; LEITE, José Roberto Teixeira. 500 Anos da pintura
brasileira. São Paulo: Log On Informática, 1999 s/p. 1 CD-ROM; RUBENS, Carlos. Vitor Meireles, sua vida e
sua obra. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945.
84
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996, pp. 81-2.
85
BOURDIEU, Pierre. A Economia das trocas simbólicas. 5ª ed., São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 184.
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2.1 ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES: DOS LIMITES DE SUA
ADEQUAÇÃO.
Ter o aval, inicialmente de D. João VI e posteriormente de D. Pedro I e D. Pedro II,
não significou facilidades para a instalação e manutenção da Academia Imperial de Belas
Artes no Brasil
86
. O objetivo principal deste tópico é demonstrar que a Academia sempre
colecionou detratores e que suas atividades nunca foram aceitas com unanimidade. Veremos
também que apesar das muitas críticas sofridas por esta instituição e contra as quais teve que
lidar em praticamente todo o período de seu funcionamento de 1826 até 1889, levando-se em
consideração aqui apenas o período monárquico da Academia, seus defensores, fossem eles
políticos ou artistas, procuraram adequá-la conforme as necessidades da sociedade na qual
estava inserida.
O curador Luciano
Migliaccio disse certa vez que
embora visto como encadeamento
lógico “a vinda da Missão
Francesa e a criação da Academia
não ocorreram desse modo: o
nascimento da escola se deu
muito mais tarde, e com
características resultantes de um complexo processo político”
87
. Ainda segundo Migliaccio:
Ao longo do tempo, a sociedade portuguesa fora estruturando-se de modo a se adaptar às
exigências da administração militar e comercial de um grande império marítimo. Por isso a
Coroa criara uma classe de engenheiros militares que, em muitos casos, centralizavam funções
que noutros países era dos arquitetos. A marca fortemente religiosa que a própria história
imprimira à sociedade portuguesa também condicionava suas escolhas estéticas e formais.
Durante séculos, as artes haviam sido um poderoso instrumento de evangelização nas mãos das
ordens religiosas que, de fato, haviam formado as cidades. Até mesmo as práticas de
construção eram entregues a corporações (...).
88
86
O grupo de franceses ao qual historicamente denominamos “Missão Artística Francesa”, que por muito tempo
se cogitou ter sido convidado por D. João VI, teve na verdade a necessidade de se retirar da França que àquela
época não era mais favorável aos artistas que outrora serviram Napoleão. Oferecer os serviços mais do que ser
convidado a prestá-los, este é o tom do documento de Joachim Lebreton, organizador da Missão, enviado ao
Conde da Barca em 1816. Ver: Memória do Cavaleiro Joachim Lebretom para o estabelecimento da Escola
de Belas Artes, no Rio de Janeiro, 1816. Texto disponível em: www.dezenovevinte.net.
87
MIGLIACCIO, Luciano. Da colônia à independência. In: AGUILAR, Nelson (org). Mostra do
redescobrimento: Século XIX. Fundação Bienal SP, São Paulo: Associação Brasil 500 anos artes visuais, 2000,
s/p.
88
Idem. Ibidem.
Era contra esta longa tradição administrativa, militar e religiosa, com implicações na
arquitetura, desenho e pintura, que os franceses e seus defensores em terras brasileiras a partir
de 1816, tiveram que brigar para instalar métodos artísticos muito distintos dos existentes no
então Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Desta forma não foi apenas uma mudança
estética que a Academia veio fomentar; incluía-se passar para as mãos dos recém chegados
atribuições tradicionalmente desempenhadas por outros seguimentos da sociedade.
Em 07 de agosto de 1826, três meses antes da inauguração da Academia, um artigo do
jornal O Spectador, intitulado “As Belas-Artes” animou uma pequena discussão que ilustra
bem, no campo artístico, este desacordo entre aqueles que defendiam uma arte “brasileira” e
os que achavam que os franceses vinham tirar o Brasil de uma “inércia” artística. O artigo
elogiava um quadro do pintor Simplício de representando “Suas Majestades Imperiais” e
vinculava esta desenvoltura artística ao fato de ser o pintor um dos alunos de Debret:
(...) este Sr. foi discípulo do insigne David da França; a sua chegada ao Brasil, tanto pelo
magnífico quadro histórico que está pintando para perpetuar a memória da feliz Sagração de
S.M.I., como pelos bons discípulos que está formando, fará época na história da pintura no
país.
89
O redator (P. Plancher, editor do jornal) via os franceses como um divisor de águas nas
artes do Brasil:
A pintura, antes da chegada dos artistas franceses, era uma arte pouco apreciada entre nós; não
por falta de gosto natural da nossa parte, mas sim, por falta de ocasiões de mostrá-lo, estando as
poucas pinturas boas que aqui havia nas mãos de particulares e retiradas da pública inspeção;
mas, como na música é preciso que uma pessoa tenha ouvido muito dela, boa, para poder
distinguir as suas belezas particulares e diferentes partes no meio da bulha geral da orquestra,
assim é a pintura; é preciso ter visto muito dela e boa, para poder distinguir as suas belezas e
excelências no meio do mero esplendor das diferentes cores (...).
90
P. Planchert também escreveu sobre as dificuldades de adaptação dos franceses aqui
chegados assim como das dificuldades de recepção dos que não estavam habituados com a
pintura do “belo estilo” e citou uma anedota a esse respeito, na qual uma freguesa reclamava
que o pintor colocou no seu retrato uma mancha em seu pescoço que ela não via motivo para
que ali estivesse e por isso rejeitava a obra deixando o pintor furioso. O redator argumentava
que ambos tinham em parte razão. O pintor tinha, segundo ele, vivido no centro do bom gosto
para a sua arte, e seus ouvidos estavam estragados pelas “ridículas interjeições laudatórias dos
89
KUHL, Paulo Mugayar. A Academia de Belas-Artes em 1826: uma pequena polêmica nos jornais cariocas.
IN: Rotunda. Campinas: Unicamp, nº 1, abril 2003, pp. 39-59. Disponível em: www.iar.unicamp.br/rotunda.
90
Idem. Ibidem., pp. 44-45.
parisienses (...) mesmo para os objetos mais frívolos”. a Sra. não estava obrigada a ser
conhecedora da “bela pintura à primeira vista, da qual as nossas idéias, geralmente falando,
eram limitadas (...) “
91
.
O artigo se encerrava com elogios ao prédio da Academia, ironizando a presença de
outras casas que estariam sendo construídas em frente: “(...) serão para escondê-lo da vista
dos estrangeiros que no-lo podiam invejar? Ou serão para que as belezas da arquitetura da
Academia se possam melhor contemplar à sua sombra?
92
.
Este óbvia aceitação aos franceses e o desdém com a arte anterior à Missão causou a
ira de um leitor que enviou uma correspondência a outro jornal, o Diário Fluminense, que a
publicou em 24 de agosto de 1826. O autor das críticas não disse o nome, apenas assinou
como “De um seu constante leitor, que sendo amigo de Platão é mais amigo da verdade”.
O “amigo de Platão” não discordava do mérito dos franceses, mas de forma alguma
concordava com a acusação do artigo sobre uma arte não apreciada antes da chegada da
Missão. Dizia que “Ninguém impugna o mérito de todos estes Srs; quanto deles se diz é justo
e é verdade. O que se impugna é que não são só eles, provando-se por este artigo que a pintura
era apreciada antes da vinda de M. Debret (...)”
93
. Contradizendo o outro artigo que dizia que
as poucas pinturas boas estavam sob a guarda de particulares respondeu:
Poder-se-á conceituar pouco apreciada uma coisa, quando ela se acha servindo de adorno e
ornato ao santuário de Deus Vivo, nos altares, nos tetos, nas paredes dos templos; aos paços,
nas salas de respeito, às sacristias das igrejas e aos claustros dos conventos? Estando ali
colocada, poder-se-á dizer que existe em mão de particulares?
94
Na seqüência enumerou uma série de artistas, entre os quais o diretor da Academia,
Henrique José da Silva, como um dos representantes da pintura anterior aos franceses. Mesmo
respeitando a obra de Debret, argumentava que este produziu muito pouco até então e ensinou
a poucos para que dele se dissesse que marcaria época. E ironizou: “se tal época faz época,
não sei que denominação terá esta época nas futuras épocas”
95
. Chamou de falso e parcial o
artigo do Spectador e que voltaria ao assunto em futura correspondência.
Nesse meio termo outra correspondência foi publicada pelo Spectador em 21 de
Agosto e assinada pelo “O Carioca Constitucional/B.F.G.”. Entre as suas reclamações acusava
o pintor Manoel Dias de usufruir de benefícios financeiros e outros mais oferecidos por
91
KUHL, Paulo Mugayar. Op. Cit., p. 45.
92
Idem, p. 46.
93
Idem, p. 47.
94
Idem, p. 48.
95
Idem, p. 48.
membros importantes da corte como Francisco Bento Maria Targini (1756 1827), visconde
de São Lourenço. O acusava também de usar para a pintura do nu um modelo inadequado
96
.
E eis que o “amigo de Platão” retornou em outra correspondência publicada no Diário
Fluminense em 30 de Agosto: “Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência! Para
elogiar certos e determinados indivíduos estrangeiros e seus aderentes não há encômios que se
não tributem; para deprimir os nacionais que não são da facção, não há depressões de que não
os acumulem.”
97
. Respondeu a esta outra correspondência dizendo que se Manoel Dias
estudou às custas do Estado os discípulos de Debret também o fizeram e seguiu enumerando
mais nomes da arte “brasileira”. Deixando de lado outros comentários deste “nacional”
protetor de nossas “virtudes” é interessante o comentário deste sobre quem faz as épocas. O
Estado na pessoa do rei ou monarca deveria receber os méritos pelos estímulos às artes:
As épocas quem as fazem são os monarcas e não os articulistas. À proteção e ao estímulo que
lhes oferece o Imperador, dando-lhes espaço para o seu desenvolvimento é que se devem as
grandes obras e os grandes gênios. É pois Sua Majestade quem forma a época da história do
renascimento da arte da pintura; tirar a glória do Augusto Protetor para a dar ao protegido é,
além de sumo atrevimento, ignorância suma.
98
A exposição um tanto longa deste debate nos jornais foi apenas um exemplo bastante
revelador dos humores que cercaram a chegada dos artistas franceses da Missão ao Brasil.
Mas a arte anterior à chegada dos fundadores da Academia foi superada. No entanto as
críticas direcionadas a esta instituição não cessaram e muitas vezes eram direcionadas a
determinados artistas reconhecidamente expoentes da arte produzida na Academia. Era o caso
de Victor Meirelles que, como veremos mais adiante, respondeu com igual virulência a seus
detratores.
Se a Academia parecia um corpo estranho em meio a uma sociedade escravista
99
, não
deixou de reorganizar-se buscando uma dificultosa adequação às necessidades do país. E isso
não apenas nas chamadas “belas artes” mas também nas “artes mecânicas”. Mesmo sendo
rígida em termos estéticos não ficou estática nem imune à sociedade na qual foi implantada,
como se observa nas propostas de mudança elaboradas a partir de 1854 e oficializadas em
1855. Esta não foi a primeira e nem a última reforma sofrida pela Academia mas certamente
96
KUHL, Paulo Mugayar. Op. Cit., p. 51.
97
Idem, p. 55.
98
Idem, p. 59.
99
No problemático início das atividades da Academia, podemos destacar o trabalho de Debret, que foi o
professor da primeira classe de pintura iniciada em 1827. Organizou também a primeira exposição de arte no
Brasil inaugurada em 2 de dezembro de 1829. Dentre os alunos de Debret estava Manuel de Araújo Porto-Alegre
que se tornou diretor da Academia e foi um dos grandes incentivadores de Meirelles.
foi a mais complexa no período do Império e mostrava a preocupação em adaptar a instituição
aos propósitos da corte tornando-a de fato útil. O ministro do Império, Couto Ferraz, em seu
relatório para o ano de 1853 estava incomodado com a pouca adequação desta escola de artes
ao que o Estado de fato queria:
O Governo, tendo meditado sobre os resultados apresentados por esta Academia, fundada em
1826, entende que ela não tem correspondido às necessidades do País, pois que o espírito que
presidiu à sua organização, aliás muito louvável, foi um tanto longe do que pedia então o nosso
estado de civilização. Nos países, onde a indústria e a arquitetura ainda não têm raízes, as artes
da pintura, da estatuaria, e da gravura, não podem sobressair, porque elas só progridem quando
precedidas por elementos próprios, que lhes abrem caminho. Considero por isso de urgente
necessidade para o País a reorganização deste Estabelecimento artístico, para que ele possa em
mais larga e mais positivamente espalhar o seu benigno influxo sobre as outras artes, que tem
por base de sua perfeição o desenho, para que elas se desenvolvam no estudo do belo simétrico,
e na disciplina da estética: por que as artes sem um guia permanente, sem esses exemplares
consagrados pelo gosto, podem cair na degeneração de todas as tradições recebidas.
100
A Academia, bem como as demais instituições de ensino, tornavam-se de certa
maneira ferramentas de um “projeto civilizador”. Ser útil ao Brasil, esta era a tarefa:
A nossa indústria não tem na generalidade o caráter de beleza e perfeição que se encontra nos
trabalhos do artífice educado em outros países, porque lhes tem até hoje faltado o ensino
necessário. A Academia das Belas Artes pode satisfazer a esta urgente necessidade, dirigindo
igualmente a mocidade que se dedica ás artes mecânicas e a outras que não pertencem á
categoria das artes sublimes. É preciso encarnar o espírito artístico na indústria, para que seus
artefatos se mostrem revestidos da mesma formosura e elegância que observamos nos produtos
da Europa civilizada, e que lhes dão a preferência da parte de todas as pessoas de gosto (...) As
reformas que se estão fazendo nas instituições cientificas e literárias exigem que se atenda ao
mesmo tempo ao ensino das artes, a fim de que o pensamento do Governo se generalize e
marche harmonicamente em todos os elementos civilizadores. Está hoje á testa d’Academia o
Lente da Escola Militar Manoel de Araújo Porto-Alegre, que ao zelo e inteligência de que é
dotado, reúne estudos especiais para coadjuvar eficazmente as reformas que o Governo intenta
fazer na mesma Academia.
101
Outras adequações vieram no correr dos anos quando se percebeu que os objetivos
pretendidos ainda não tinham sido alcançados. Apesar de algumas conquistas e avaliando os
resultados dos novos estatutos até o ano de 1858, o ministro do Império, Sérgio Teixeira de
Macedo, dizia que nem todos os dispositivos estavam surtindo os efeitos esperados. Para ele
faltava ainda em nosso país “a animação publica aos artistas, e a emulação entre eles”
102
. Esta
foi uma reclamação que apareceu em vários outros relatórios, tanto dos ministros do Império
quanto dos diretores da Academia. Necessário seria que o governo solicitasse encomendas aos
100
FERRAZ, Luiz Pedreira do Coutto. Relatório do ano de 1853 apresentado a Assembléia Geral Legislativa
na 2ª sessão da 9ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário, 1854, pp. 69-70.
101
Idem. Ibidem., p. 70.
102
MACEDO. Sergio Teixeira de. Relatório do ano de 1858 apresentado a Assembléia Geral Legislativa na
3ª sessão da 10ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1859, p. 13.
artistas, pois, a sociedade não absorvia a contento as demandas exigidas por este
estabelecimento, fato que se aplicava especialmente à pintura histórica.
Já no campo das “artes mecânicas” sugeriu-se que o ensino fosse ministrado também à
noite, dirimindo-se uma das dificuldades que “mais obstam á vulgarização do estudo das belas
artes aplicadas á indústria, facilitando-se assim o ensino deste ramo aos artistas que durante o
dia não se podem distrair de suas ocupações”
103
. O curso noturno foi instituído pelo Decreto
2424 de 25 de maio de 1859, e a primeira turma iniciou as atividades em 1860 com 38 alunos.
No período diurno, para este mesmo ano, matricularam-se 53 alunos.
A medida de fato surtiu efeito e em poucos anos o número de alunos no ensino
noturno superou com folga aos que estudavam durante o dia. Em 1868, ano da encomenda dos
quadros sobre os combates navais, a Academia contou com 363 alunos matriculados,
divididos em 294 no curso noturno e 69 no diurno. Freqüentavam ainda, como ouvintes outros
66 alunos
104
.
Como pudemos observar, em um sentido ideológico a Academia encontrava seu
caminho nos propósitos de um “projeto civilizador”. Na prática sua influência na sociedade se
daria não apenas nas “belas artes” mas na “indústria” que incluía desde a cunhagem de
moedas até grandes projetos arquitetônicos. Tanto nas “belas artes” quanto na “indústria” a
base de ensino era a mesma, a do desenho. Este era o fio condutor do ensino acadêmico, o
caminho pelo qual a Academia poderia influenciar a sociedade e assim, como disse Couto
Ferraz no supracitado relatório de 1853: “espalhar o seu benigno influxo sobre as outras artes,
que tem por base de sua perfeição o desenho, para que elas se desenvolvam no estudo do belo
simétrico, e na disciplina da estética”
105
. É sobre a importância do desenho na Academia e sua
influência na obra de Meirelles que falaremos a seguir.
103
MACEDO. Sergio Teixeira de. Relatório do ano de 1858 apresentado a Assembléia Geral Legislativa na
3ª sessão da 10ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1859, p.13.
104
O curioso neste número fica por conta dos 131 alunos que perderam o ano por causa das faltas. Uma das
explicações é que muitos estavam se matriculando apenas para fugir do recrutamento forçado. Apesar da
situação se manter em 1868, já no ano anterior procurou-se uma maneira de acabar com esta realidade ao criar-se
o Decreto 3833 para estabelecer novas regras nas matrículas.
105
FERRAZ, Luiz Pedreira do Coutto. Relatório do ano de 1853 apresentado a Assembléia Geral Legislativa
na 2ª sessão da 9ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário, 1854, p. 70.
2.2 ACADEMIA E DESENHO: DESENVOLVENDO O “BELO SIMÉTRICO”.
A plêiade de artistas e artífices da chamada Missão Artística Francesa trouxe consigo a
herança neoclássica européia, com a exigência do desenho e da anatomia e a rígida
organização na composição dos quadros. Trouxe também a influência do Romantismo que por
aqui ganhou matizes próprios. Em sua busca por tradições e no culto à história o Romantismo
brasileiro era tributário do nacionalismo. Um nacionalismo ao mesmo tempo nativista e
patriótico. Nativista na medida em que cultuava a figura do índio e da natureza. Patriótico no
sentido do respeito e apreço pela jovem nação e pela busca de uma literatura própria que
ecoou também na arte acadêmica
106
.
Desde seus primeiros anos de atividades a Academia teve no desenho a base de seu
fazer artístico. E não eram apenas em obras da “arte sublime” ou do “belo estilo” que se fazia
sua aplicação. É o que se pode observar nos novos Estatutos da Academia das Belas Artes
elaborados na maior reforma pela qual a Academia passou em 1855. Os artigos 18 e 19,
referentes ao desenho geométrico e industrial, mostram bem os rumos que se queria dar a esta
instituição, adequando-a as novas exigências do Estado:
Art. 18. A aula de desenho geométrico será dividida em duas séries: a complementar da
cadeira de matemáticas constará do desenho linear: a 2ª de aplicações especiais do mesmo
desenho á industria conforme a profissão ou destino dos alunos. Art. 19. Todos os alunos são
obrigados a freqüentar o ensino da serie antes de passarem para o estudo de qualquer outro
ramo artístico.
107
Nota-se um esforço em adequar o ensino da Academia às exigências dos diversos
ramos da “indústria” bem como a obrigatoriedade do desenho em todas as seções de ensino da
instituição. Os artigos 78 e 79 sobre “desenho industrial” reforçam ainda mais a necessidade
da formação do artífice:
Art. 78. As aulas de Matemáticas aplicadas, de Desenho geométrico, de Escultura de Ornatos e
de Desenho de Ornatos, que fazem parte do ensino Acadêmico, têm por fim também auxiliar os
progressos das Artes e da indústria Nacional. Art. 79. Havesempre nestas três ultimas aulas
duas espécies de alunos: os Artistas e os Artífices, os que se dedicam ás Belas Artes, e os que
professam as Artes mecânicas. Os alunos desta segunda espécie terão um livro próprio de
106
SCHLICHTA, Consuelo Alcioni Borba Duarte. A pintura histórica e a elaboração de uma certidão visual
para a nação no século XIX. Tese (Doutorado). UFPR, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa
de Pós-Graduação em História, 2006, p. 91.
107
Decreto nº 1603 de 14 de maio de 1855. novos Estatutos à Academia das Belas Artes. In: FERRAZ, Luiz
Pedreira do Coutto. Relatório do ano de 1854 apresentado a Assembléia Geral Legislativa na sessão da
legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1855, p. 3.
matricula, na qual se declarará a profissão que seguem, para que os Professores o saibam e
possam dirigir os seus estudos convenientemente.
108
Observa-se que este era um assunto que extrapolava os limites desta instituição, e fazia
parte de um projeto amplo que animasse o desenvolvimento da “indústria” local: “No Brasil,
o reduto dessa discussão centrada no Desenho reside e prolifera nos Liceus de Artes e Ofícios,
abarcando a freqüência aos operários, trabalhadores, homens comuns, atrelando a arte à
produção industrial”
109
. A partir da instalação do Liceu do Rio por iniciativa da Sociedade
Propagadora da Instrução Popular, outras tantas proliferam pelo país durante o século XIX:
Bahia (1872), São Paulo (1873), Pernambuco (1880), Santa Catarina (1883), Amazonas e
Alagoas (1884). Em Minas Gerais foram implantados Liceus em Serro (1879), Outro Preto
(1886) e Diamantina (1896)
110
.
Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806 1879), falando a respeito na inauguração das
aulas de Desenho Geométrico na Academia, dizia que:
Os espíritos vulgares consideram o desenho como uma arte de luxo, ou passatempo agradável,
porém, os homens que pensam, as inteligências superiores, o encaram como uma necessidade
para a civilização; porque ele é uma revelação do pensamento a escrita da linguagem das
formas.
111
Em uma das cartas que escreveu a Victor Meirelles em 1855, quando este era
pensionista do Estado e estava estudando na Itália, Porto-Alegre alertou o artista sobre a
atenção que deveria dar ao desenho:
(...) Estude o nu, estude anatomia, estude bem o desenho, e veja se toma Mr. Delaroche por
mestre, que é hoje o pintor o mais filosófico e o mais estético que eu conheço. Estude cavalos,
porque as nossas batalhas exigem este estudo (...) Anatomia e perspectiva, e muito desenho
porque nossa escola está muito fraca no desenho, muito e muito fraca, e V.S. de chegar a
tempo de tomar conta dela e dar-lhe o impulso desejado; sua missão é bela porque os tempos
lhe são favoráveis. Adeus, estude, creia na afeição de seu patrício muito brasileiro.
112
Porto-Alegre até se repetia na exigência pelo desenho e pela anatomia que eram de
fato exigências da Academia e se mostrava preocupado com o estágio em que se encontrava o
108
Decreto nº 1603 de 14 de maio de 1855, p. 9.
109
SOUZA. Iara Lis F.S.C., Das tramas do ver: Belmiro de Almeida. Dissertação (Mestrado). Campinas:
Unicamp, 1990, P. 34.
110
Idem. Ibidem., p. 34.
111
Idem, p. 35.
112
GALVÃO. Alfredo. Manuel de Araújo Porto-Alegre: sua influência na Academia Imperial de Belas Artes e
no meio artístico do Rio de Janeiro. In: Revista do patrimônio histórico e artístico nacional, vol.14, 1959, p.
73.
uso do desenho na instituição. O domínio sobre o desenho era uma característica essencial
para que Meirelles assumisse futuras funções dentro da Academia Imperial de Belas Artes.
Bittencourt da Silva, formado na Academia, escreveu na Revista Brasil Artístico de
1857 a respeito do Liceu, no qual foi diretor e arquiteto, destacando a importância do desenho
e a desejada influência do artista na elaboração de “obras da indústria nacional”:
O desenho, esse precioso ramo dos conhecimentos, como a escrita, é entre nós completamente
ignorado, não obstante a sua qualidade gráfica, três ou quatro pessoas o sabem, três ou quatro o
compreendem. (...) Ninguém hoje ignora que as belas artes são o influxo de todas as indústrias,
as bases de toda a perfeição manufatureira. (...) Que valor não terão as obras da indústria
nacional, quando as Belas Artes tiverem enriquecido os adornos de todas as nossas produções,
melhorando o seu fabrico, harmonizando as suas linhas, dando-lhes uma nova forma,
aplicando-lhes todos os recursos da natureza brasileira.
113
A fala de Bittencourt da Silva estabelece uma tida diferença entre a produção
manufatureira em geral, destituída do ideal domínio do desenho nos níveis e formas exigidos
e a Academia que desde o início estava ancorada no uso do desenho, e que era chamada a
colaborar com esta reformulação na maneira de se produzir. Desde os primórdios do século
XIX o desenho era o elemento principal dentro da pedagogia neoclássica, preocupado com a
exatidão da linha e do modelado: “A importância desses elementos envia à influência dos
exercícios de observação da escultura antiga, que existente em maior número, em comparação
com a pintura, fincara-se como modelo constantemente citado
114
. Conhecido na época por
escrever sobre arte, o jornalista Felix Ferreira, por volta da década de 1850, considerou o
desprestígio do desenho e o estado da indústria em virtude do uso de escravos:
Os escravos entre nós são empregados não nos mais pesados ofícios e serviços secundários
das fábricas mas também, nas artes mais delicadas e industriais mais apuradas como o fabrico
dos chapéus, jóias, móveis, nas coisas de moda, tipografias, etc. Arredar tão desvantajosa
concorrência das fábricas e oficinas é uma das medidas mais úteis que se pode tomar em favor
do desenvolvimento da indústria nacional, como também de não maior alcance é propagar o
ensino artístico pelas classes operárias.
115
Se a Academia tinha algo muito específico a fazer, a tarefa de criar imagens que
representassem fatos e personagens de uma história nacional em construção, também se
inseria em um projeto amplo de melhoramento da “indústria nacional”, contribuindo com o
ensino do desenho. Como escreveu Iara Liz:
113
SOUZA. Iara Lis F.S.C., Op. Cit., pp. 35-6.
114
Idem, p. 36.
115
Idem, pp. 36-7.
Neste projeto de várias vontades e discursos manifestos (amplificando-se no social por uma
complementação, não havendo sequer uma voz recalcitrante), uma das tarefas desse desenho
destinado à indústria consiste num refinamento do gosto em geral, asseverando o padrão de
civilização e tendo por finalidade o povo, tornando-o ‘capaz’ através do desenho.
116
Lembremos neste caso o que foi citado no tópico anterior sobre a Academia quando o
ministro do Império, Sérgio Teixeira de Macedo, falou em diminuir as dificuldades que “mais
obstam à vulgarização do estudo das belas artes aplicadas à industria, facilitando-se assim o
ensino deste ramo aos artistas que durante o dia não se podem distrair de suas ocupações”
117
,
recorrendo neste caso ao ensino noturno que de fato como vimos atraiu em pouco tempo a
maior parcela dos alunos da Academia.
Para aqueles que se dedicaram a avaliar as produções artísticas e industriais do
período, não lhes escapou o domínio do desenho como um dos parâmetros desta avaliação.
Felix Ferreira, falando a respeito da exposição do Liceu de 1882, apresentou uma descrição
em que arte e indústria se entremeavam e, embora não dizendo explicitamente, isso de fazia
por meio do desenho:
Como na passagem do reino animal para o vegetal, apresentam-se por tal modo os indivíduos
que participam de ambos os reinos, assim certos produtos de artes industriais atingem a tal grau
de perfeição, que tanto podem ser classificados nas belas artes como na indústria: tais são as
litografias, as fotografias, os objetos de ourivesaria, ornatos de metal fundido e até impressões
tipográficas.
118
Aliás, por essa época Victor Meirelles já estava em Paris (1882 1883) executando a
segunda versão do Combate Naval do Riachuelo. E sobre o marinheiro alvejado no centro
deste quadro, observou Félix Ferreira em seu livro publicado em 1885:
Uma figura como essa basta para firmar a reputação de um artista. Não se chega a esse
resultado sem muito trabalho, muito estudo e muita observação. Não se arranca à anatomia o
segredo de uma musculatura tão perfeita, como a que nos apresenta aquelas pernas seminuas,
sem que se tenha pleno conhecimento do necessário da ciência para o complemento da arte.
119
A preocupação de Meirelles com o desenho, a exatidão com que produzia os mais
simples detalhes não escapou ao olhar do mais importante crítico de arte da época, Luiz
Gonzaga Duque Estrada, quando escreveu seu livro em 1888:
116
SOUZA. Iara Lis F.S.C., Op. Cit., p. 37.
117
MACEDO. Sergio Teixeira de. Relatório do ano de 1858 apresentado a Assembléia Geral Legislativa na
3ª sessão da 10ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1859, p. 13.
118
FERREIRA, Félix. Belas Artes, estudos e apreciações. Rio de Janeiro: Baldomero Carqueja Fuentes
editor; Pedro Jardim & Gaspar impressores, 1885. In: LEVY, Carlos Roberto Maciel. Publicação Digital.
ArteData, 1998. Disponível em: www.artedata.com, s/p.
119
Idem. Ibidem.
O seu desenho parece feito a compasso, é exato. Estuda-o durante horas e horas, bosqueja-o,
mede, relaciona, estabelece proporções precisas nos mais insignificantes trabalhos e a mesma
paciência emprega na execução. Para fazer a mão de um retrato do general Tibúrcio gastou dois
croquis, um a carvão, outro a óleo; e para pintar a mão do sargento-mor Dias Cardoso, na
batalha dos Guararapes, despendeu igual trabalho. Um acessório qualquer, uma jóia em
vestimenta de dama, uma condecoração na casaca de um cavalheiro, custam-lhe tanto tempo
quanto é preciso para um pintor moderno executar uma boa mancha.
120
Meirelles absorveu e colocou em prática os ensinamentos dessa escola oficial de artes
e foi defensor deste postulado estilístico trazido pelos franceses e adaptado segundo as
necessidades do Estado monárquico. Seu apego a essa cnica rígida da Academia associado
às exigências das encomendas o acompanhou por toda a vida. Pode-se argumentar que
Meirelles foi artista mas também foi um artesão no sentido de não estar preocupado em criar,
palavra quase proibida para os artistas acadêmicos, mas em dar uma imagem aos anseios
ideológicos e políticos de seus mecenas. É sobre a rígida formação deste artista-artesão que
falaremos a seguir.
120
ESTRADA, Luiz Gonzaga Duque. A arte brasileira, pintura e escultura. Rio de Janeiro: H. Lombaerts &
Companhia, 1888. In: LEVY, Carlos Roberto Maciel. Publicação Digital. ArteData, 1998. Disponível em:
www.artedata.com, s/p.
2.3 CORTE, ACADEMIA E MEIRELLES: REDUTO DE ARTISTAS ARTESÃOS.
No período da Guerra do Paraguai o governo brasileiro tinha a sua disposição pelo
menos dois pintores capazes de dar cores aos grandes combates, fossem eles de tempos idos
(como Guararapes), ou aqueles que estavam acontecendo nos Chacos, rios e campos
paraguaios. Eram Victor Meirelles e Pedro Américo, um da província de Santa Catarina e o
outro do Ceará. É sobre a rígida formação do primeiro que falaremos a seguir.
Como observamos logo na introdução deste capítulo, Meirelles foi “descoberto” por
um conselheiro do Império e encaminhado para a Academia Imperial de Belas Artes. Este
expediente se repetiu outras tantas vezes nas diversas províncias do Brasil. A instalação da
Academia em 1826 criou a única instituição centralizada a serviço da corte do Império. O
pouco conhecimento artístico que alguns traziam de seus lugares de origem praticamente não
importava em uma instituição que era em tudo diferente da realidade local e comprometida
com anseios políticos e ideológicos.
Uma questão que se impõe num caso como esse é a demanda que a sociedade podia
oferecer por tão distinta instituição. Manuel de Araújo Porto-Alegre alertou o artista sobre os
limitados ganhos que se podia obter com a pintura no país: “O artista aqui deve ser uma
dualidade: pintar para si, para sua glória, e retratista para o homem que precisa de meios”
121
.
A pintura de retrato era talvez o caminho mais fácil para um artista conseguir se sustentar,
mas mesmo assim o público era limitado: políticos, donos de escravos e alguns intelectuais
compunham majoritariamente os interessados.
Quando estudou o desenvolvimento artístico da arte de Mozart em sua relação com a
sociedade na qual vivia, Norbert Elias qualificou esta arte atrelada ao gosto do patrono como
“arte artesanal”. A criação artística, neste caso, tinha suas características determinadas pelo
gosto do mecenas em detrimento da imaginação do artista. Os “consumidores” deste tipo de
arte não eram “agregados” individuais, com personalidade própria, e que escolhiam a obra
com base em convicções muito pessoais (arte de artista). Pelo contrário, a “arte artesanal”
tinha como meta agradar a um grupo fortemente coeso:
Num caso em que um artista-artesão trabalha para um cliente conhecido, o produto
normalmente é criado com um propósito específico, socialmente determinado. Não importa
que seja uma festividade pública ou um ritual privado – a criação de um produto artístico exige
que a fantasia pessoal do produtor se subordine a um padrão social de produção artística,
consagrado pela tradição e garantido pelo poder de quem consome arte. (...) uma das funções
121
GALVÃO. Alfredo. Op. Cit., p. 75.
importantes da obra de arte é ser uma maneira de a sociedade se exibir, como grupo e como
uma série de indivíduos dentro de um grupo.
122
Com referência ao que Elias chamou de “arte de
artista”, o pintor ou músico tem mais espaço socialmente
aceito para a experimentação. O consumo da obra de arte
depende do questionamento de cada indivíduo com relação ao
que lhe agrada. Dessa forma se reduz a pressão social da
tradição e o autocondicionamento imposto pela consciência
do produtor de arte ganha espaço
123
. Por esse prisma de Elias,
Victor Meirelles se aproximava do primeiro caso. Neste sentido é exemplar o longo período
de sua formação antes de produzir a primeira grande obra “original” e assumir a cadeira de
professor. Foram 14 anos de estudo, sendo 9 deles na Europa.
As Instruções para a execução do Título dos
Estatutos da Academia das Belas Artes, instituídas pela
Portaria de 31 de outubro de 1855, referentes aos pensionistas
do Estado revelam bem esta tutela do Império sobre os
pintores da Academia bem como os caminhos artísticos que o
futuro artista deveria seguir. Aos pensionistas eram
concedidos três mil francos anuais pagos trimestralmente
durante a permanência em Roma e Paris. As Instruções
estabeleciam três anos de atividades em Paris e com relação a
Roma não dava um período preciso, apenas que “os pintores
históricos, os escultores, e arquitetos deverão demorar-se na
Itália o tempo necessário para executarem os trabalhos
prescritos nestas Instruções, findos os quais poderão viajar
por outros paises”
124
.
122
ELIAS, Norbert. Mozart: sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995, p. 49.
123
Idem. Ibidem., p. 50.
124
Portaria de 31 de outubro de 1855. Instruções para a execução do Título dos Estatutos da Academia das
Belas Artes que trata dos Pensionistas do Estado. In: FERRAZ, Luiz Pedreira do Coutto. Relatório do ano de
1855 apresentado a Assembléia Geral Legislativa na sessão da legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia
Nacional, 1856, p. 3.
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Fonte: COLI: 2004, p 66.
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Fonte: COLI: 2004, p. 75.
Assim como a escolha da cidade, o professor ou mestre do pensionista ficava a cargo
do governo brasileiro. Ao futuro artista ou arquiteto não era dada a liberdade de escolher e
nem entrar em contato com ateliês que ensinassem regras distintas das que eram consideradas
pelas Academias. No caso da França, por exemplo, o professor escolhido tinha que ser
membro do Institut de France e professor da Escola de Belas Artes, escolha que obviamente
não era por acaso. Lebreton, chefe da chamada “Missão Francesa” que chegou ao Brasil em
1816, ocupou o cargo de secretário perpétuo do Institut de France antes de ser demitido
quando Napoleão foi vencido em 1815 e os artistas que trabalhavam para ele fossem
perseguidos. Em Roma a referência era a Academia de São Lucas.
Quando da publicação das Instruções, Meirelles
havia embarcado para a Europa em 10 de janeiro de 1853, mas
suas atividades, ao que parece, não foram diferentes das regras
oficialmente instituídas por este documento. Em Roma estudou
no ateliê de Tommaso Minardi da Academia de São Lucas
e de seu discípulo Nicola Consoni. A partir do final de 1856 se
estabeleceu em Paris e passou a ter aulas no ateliê de Leon
Cogniet. A intenção inicial era tomar aulas com Delaroche mas
este morreu antes de Meirelles chegar a Paris.
Pelo que consta nas
Instruções a preocupação maior
do governo brasileiro era com as
atividades desenvolvidas em
Paris. Para cada um dos três anos havia uma lista definida de
tarefas a serem executadas pelo pensionista. Para os pintores no
primeiro ano, exigia-se que mandassem ao Brasil doze
academias ou estudos do modelo vivo ou ainda de estátuas
antigas, e todos deveriam ser rubricados pelo mestre do
pensionista. Pedia-se também uma cópia de quadro indicado
pela Academia Imperial de Belas Artes. No segundo ano o
aluno deveria mandar doze academias pintadas a óleo e seis
desenhos produzidos na Escola de Belas Artes bem como uma
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Fonte: CD ROM
Museu Victor Meirelles.
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Fonte:
COLI: 2004, p. 35.
composição ou bosquejo de um “objeto tirado da História Nacional ou Religiosa”
125
. A cópia
de quadro indicado pela Academia também era tarefa deste segundo ano. No terceiro ano o
aluno deveria mandar uma composição, uma cabeça (estudo) e um tronco em tamanho natural
(estudo) além das demais exigências estabelecidas para os dois primeiros anos.
Foi no cumprimento dessas exigências, tanto
em Paris quanto em Roma, que Meirelles produziu
obras como Degolação de São João Batista,
Flagelação de Cristo e A Bacante. Foi seguindo
essas regras que o artista fez cópias como O
Naufrágio da Medusa, do original de Theodore Gericault, sobre a qual falaremos no terceiro
capítulo, e que influenciou na composição do Combate Naval do Riachuelo. Até mesmo a tela
Primeira Missa no Brasil encontrava justificativa nas Instruções:
O pensionista que, antes de acabar o seu tempo, quiser empreender algum desses trabalhos
denominados de grande máquina, deverá mandar à Academia um bosquejo dele, bem acabado
e explicado, para que esta julgue se convêm a sua execução, a qual nunca excederá de mais de
dois anos. Esta graça será somente concedida aos pintores e escultores.
126
Victor Meirelles seguiu estes
passos e demorou quase dois anos (1859
– 60) para produzir a sua Missa. Foi com
esta obra que ele ingressou no Salon de
Paris em 1861, tornando-se o primeiro
pintor brasileiro a conquistar tal
distinção. Encerrou-se desta maneira a
sua fase de formação, e a aceitação de
seu quadro em Paris pode ser
considerado o primeiro grande triunfo
pictórico da Academia brasileira. Todos
os esforços desde sua inauguração em
1826 produziram uma imagem que marcou o imaginário brasileiro.
125
Instruções, p. 3.
126
Instruções, p. 4.
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Fonte: COLI: 2004, p. 22.
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Fonte: CD ROM Museu Victor Meirelles.
Terminado o pensionato, ao artista restavam poucas oportunidades no Brasil. No caso
de Meirelles, ele ainda pode contar com o cargo de professor, mas não era a regra geral para a
maioria dos alunos, principalmente para aqueles que não eram contemplados com essas
viagens para Roma e Paris. Em seu discurso de posse em 11 de maio de 1854 Porto-Alegre
havia chamado a atenção para as restrições em relação ao “mercado” para as obras de arte
produzidas na Academia:
Todos sabem que unicamente Suas Majestades são os que compram obras de arte nas nossas
exposições; e que aqueles trabalhos que não tiveram a fortuna de lhes agradar voltaram para o
estúdio do artista, e se conservam como exemplares de um desengano bem doloroso de
suportar-se. Portanto a vossa missão será de uma ordem mais modesta, porém mais útil e
necessária à atualidade: pertence à organização dos estudos, a preparar solidamente essa
mocidade que deve servir ao país; antes do artista se deve preparar o bom artífice, assim como
antes deste já deve existir o necessário artesão.
127
Se a rígida formação observada acima já encaminhava pintores como Meirelles a uma
“arte de artesão”, as restrições quanto ao “mercado” para as produções acadêmicas
restringiam mais ainda a maneira de se produzir quadros e esculturas uma vez que os
interessados representavam parcela muito pequena da sociedade. Porto-Alegre alertava Victor
Meirelles quanto ao seu papel no ensino. Como “artista-artesão” formado nas rígidas regras
da Academia deveria o pintor ensinar, formar novos discípulos ao estilo que fora imposto.
Criar algo novo ficava fora de qualquer possibilidade para quem pretendia sobreviver com
este tipo de arte. Mas apesar dessa relação que restringia a forma do fazer artístico, fato é que
Meirelles não se mostrou contrariado por essas regras. O artista aceitou, ensinou e defendeu o
ensino acadêmico e acreditava que a arte estava acima das exigências e opiniões pessoais do
artista ou daqueles que falavam sobre o assunto, que a arte possuía regras que não deveriam se
dobrar a esta individualidade como veremos a seguir nas respostas que o artista deu a seus
críticos.
127
GALVÃO. Alfredo. Op. Cit., pp. 26-7.
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Fonte:
COLI: 2004, p. 90.
2.4 VICTOR MEIRELLES: ARTISTAS E CRÍTICOS DEVEM SEGUIR AS NORMAS
ESTABELECIDAS.
Atrelado a uma gida
formação artística e ao mecenato do
Estado monárquico, Meirelles não
apenas desenvolveu sua carreira
artística conforme estas regras
estéticas, políticas e ideológicas, foi
também um defensor desta arte
acadêmica patrocinada pelo Estado.
Pelo menos é o que se percebe nas
respostas que ele deu a seus críticos
por meio da imprensa e num
relatório publicado em 1889.
Após voltar da Europa a tarefa de Meirelles foi a de ensinar os futuros artistas da
Academia, atividade que dividia com as pequenas encomendas de retratos que executou por
toda a vida. Também participava das exposições gerais da Academia e de vez em quando
tinha que escrever na imprensa para se defender de algum crítico mais ranzinza. As
encomendas oficiais foram raras até o período da guerra. Na verdade, desde que desembarcou
no Brasil em 1861 e até 1868, Meirelles recebeu uma encomenda de real importância do
governo em 1864 sobre a chamada Questão Christie. Este é o termo histórico usado para se
referir aos vários incidentes diplomáticos entre a corte brasileira e o representante da
Inglaterra no Brasil William Dougall Christie.
Em 1861 o navio inglês Prince of Wales naufragou na costa do Rio Grande do Sul e
foi saqueado por moradores da região. Christie acusou o governo brasileiro de descaso por
deixar os saqueadores fugirem. Em 1862 voltou ao tema e exigiu indenização pelo saque e
ameaçou represálias caso o pagamento não fosse feito. No final de 1862 uma esquadra inglesa
bloqueou o porto do Rio e apresou cinco embarcações mercantes brasileiras, causando grande
indignação da população e autoridades. D. Pedro pediu explicações ao Foreign Office de
Londres, mas, não satisfeito com a resposta, rompeu relações com a Inglaterra que foram
reatadas em 1865 no acampamento de Uruguaiana no Rio Grande do Sul durante a Guerra do
Paraguai. Aproveitando a presença de D.Pedro II na região o ministro Edward Norton
entregou as desculpas formais da rainha Vitória e o caso foi encerrado.
O quadro de Meirelles não foi concluído, restando apenas um estudo apresentado no
catálogo da exposição da Academia em 1865 com o título de Sua majestade o Imperador
Dom Pedro II falando ao povo na tarde do dia 5 de janeiro de 1864. No catálogo da
Exposição de 1865 a tela foi acompanhada por este texto que situava historicamente a cena
retratada pelo artista:
Depois de verificar a notícia de que os vapores de guerra ingleses Stromboli e Curlew haviam
apresado navios de propriedade brasileira; Sua Majestade o Imperador, dirigindo-se pela seis
horas da tarde ao Paço da Cidade, onde se reunia o Conselho de Ministros, viu-se cercado por
uma multidão imensa de povo que rompia em vivas aclamações ao Chefe de Estado: Sua
Majestade comovido falou ao ajuntamento, e disse que era ele primeiro que tudo brasileiro, e
como tal mais do que ninguém empenhado em manter ilesas a dignidade e a honra da nação; e
que assim como ele confiava no entusiasmo do seu povo, confiasse o povo nele e no seu
governo, que ia proceder como as circunstâncias requeriam, mas de modo a que não fosse
aviltado o nome brasileiro.
128
Outra obra de importância
executada por Meirelles antes da
guerra foi Moema, de 1865. Esta não
lhe foi encomendada e traz as
influências do indianismo romântico
brasileiro, tornando-se, aliás, uma das
mais famosas telas desta temática.
Inspirada no poema Caramuru, de
Santa Rita Durão, foi dos raros nus
produzidos pelo artista. A obra fez
parte da exposição da Academia de
1866 e foi bem recebida pelos
críticos, embora um ou outro encontrasse alguma justificativa para desmerecer a tela.
Entre um quadro e outro e suas aulas na Academia, Victor Meirelles não deixou de
responder aos sempre ferrenhos críticos da sua obra. Em alguns momentos foi tão ríspido
quanto seus detratores, taxando-os de medíocres. Também enxergava na arte uma ferramenta
necessária para civilizar o país. Algumas situações, apesar de extrapolarem o período aqui
estudado, ajudarão a compreender o posicionamento do artista frente aos desafios culturais e
políticos da época.
128
LEVY, Carlos Roberto Maciel. Exposições gerais da Academia Imperial e Escola Nacional de Belas
Artes. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1990, p. 166.
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Fonte: CD ROM Museu Victor Meirelles.
A questão artística de
1879, quando da exposição na
Academia, exaltou os ânimos de
críticos, artistas e jornalistas sobre
as qualidades e defeitos da tela
Batalha dos Guararapes. Nesta
mesma exposição Pedro Américo
apresentou a sua Batalha do Avai,
que foi, aliás, a referência na qual
os críticos se apoiavam para
desfavorecer a tela de Victor
Meirelles. Respondendo às críticas escreveu no Jornal do Comércio:
Na representação do quadro da Batalha dos Guararapes não tive em vista o fato da batalha no
aspecto cruento e feroz propriamente dito. Para mim a batalha não foi isso, foi o encontro feliz,
onde os heróis daquela época se viram todos reunidos. A tela dos Guararapes é uma dívida de
honra que tínhamos a pagar como reconhecimento, em memória do valor e patriotismo
daqueles ilustres varões (...) A minha preocupação foi tornar saliente, pelo modo que julguei
mais próprio e mais digno, o merecimento respectivo de cada um deles, conforme a
importância que lhes reconhece de direito (...) O movimento na arte de compor um quadro não
é nem pode ser tomado no sentido que lhe querem dar os nossos críticos. O movimento resulta
do contraste das figuras entre si e dos grupos entre uns e outros; dos diversos movimentos, nas
atitudes e na variedade das expressões, assim como também nos efeitos bem calculados das
massas de sombra e de luz, pela perfeita inteligência da perspectiva, que graduando os planos,
nos dá também – a devida proporção entre as figuras em seus diferentes afastamentos nasce a
natureza do movimento, sobre o aspecto do verossímil, e não como o cunho do delírio.
129
O pintor neste caso se preocupou mais em erigir um monumento em homenagem a um
grupo de “patriotas” a buscar uma reprodução “fidedigna” de um combate. A “veracidade”
pela qual Meirelles parece ter se preocupado foi no sentido de reproduzir a importância dada
pela tradição histórica da época a cada um dos personagens em destaque na obra. Além do
mais, toda esta subordinação e organização dos grupos citada pelo pintor estava em
conformidade com a pintura Neoclássica. Complementando sua defesa, Meirelles
desqualificou os críticos e o estado da arte local:
A arte entre nós está no período da juventude, a produção, como a crítica, não pode deixar de
seguir as normas estabelecidas pelos povos em que uma e outra tem melhor florescido. Os
meus estudos feitos na Europa, nos países onde mais se engrandece o culto das musas, deu-me
129
LIMA, Victor Meirelles de. A exposição das belas artes. In: Jornal do Comércio. 19 de abril de 1879.
o conhecimento, ao menos, dos princípios fundamentais da composição artística que não se
eleva ou se abate pela vontade do artista ou dos que o deprimem.
130
No mesmo ano ocorreu uma exposição de alunos da Academia entre os dias 7 e 9 de
dezembro e mais uma vez a produção acadêmica sofreu com as iras da crítica de plantão, que
acusavam a instituição de nada ensinar. Em sua resposta, desta vez mais contundente,
Meirelles fez menção a “Gazetilha” do Jornal do Comércio, ao “Folhetimdo Caipira e a
Gazeta de Notícias, acusando-os de “deprimir o mérito e até o caráter dos membros do corpo
acadêmico, atacando-se particularmente tudo quanto se refere ao professor de pintura
histórica”
131
. Em dois momentos de seu artigo, Meirelles mostrou sua indisposição com seus
críticos. Um deles foi em resposta à “Gazetilha”:
O censor artístico da Gazetilha, que me distingue com a sua antipatia desde o dia em que veio
ao meu atelier para ver o quadro dos Guararapes, não perde ocasião de ofender-me e
menoscabar-me, por isso que, nessa visita, pretendendo impor-me as suas idéias e teorias com
as quais, por errôneas e falsas, não podia eu concordar (...) Assim é que tão grande ‘autoridade’
em belas-artes, nos seus artigos da Revista Musical, em folhetins do jornal e em outras
publicações de que dispões ou pode influir, não perde ocasião de vingar-se (...).
132
De forma irônica, Meirelles ainda o chama de “habilíssimo professor de estética”
capaz de assumir a cadeira do respectivo professor em sua ausência na Academia. Mais
irônico e contundente ainda se mostrou ao comentar as críticas do jornal Caipira:
Não pretendo defender-me nem discutir as puerilidades de que trata o Caipira sobre o método
de ensino, que pus em pratica na aula de paisagem, que pouco tempo dirijo. Quem fala de
‘lápis próprio para paisagem’, lembrando-se do que por ventura alguém lhe disse, por ter visto
assim proceder em algum ‘colegiosinho’, por isso boa idéia da sua competência em tal
matéria”.
133
Meirelles também tinha pleno conhecimento das intenções ideológicas com as quais
uma pintura podia ser elaborada. Anos depois, quando estava envolvido com a produção e
exposição do Panorama do Rio de Janeiro, publicou um relatório dirigido aos sócios da
“empresa” criada por ele para financiar o projeto. Em um dos trechos mais interessantes do
documento, ele se mostrou conhecedor da força discursiva, ideológica e política da arte:
130
LIMA, Victor Meirelles de. A exposição das belas artes...
131
SÃO PAIO, João Zeferino Rangel de. O quadro da batalhas dos Guararapes, seu autor e seus críticos.
Rio de Janeiro: Tipografia João José Alves, 1883, p. 324.
132
Idem. Ibidem., p. 324.
133
Idem, p. 324.
(...) Muito de industria, os americanos do norte, que nada são utopistas mas antes
eminentemente práticos, lembraram-se de concorrer a uma exposição universal de Londres,
com um enorme quadro, aparentemente como pura obra de arte, mas no fundo como meio de
eloqüente propaganda. Representava a tela a chegada de emigrantes às plagas americanas
acolhidos por compatriotas ha anos estabelecidos nos Estados-Unidos, representando estes
gordos, corados e ricamente trajados e aqueles esquálidos, famintos e andrajosos. Este quadro,
que como produção artística passaria quase despercebido, atraiu a atenção do povo, ferio-lhe a
imaginação, e despertou tal entusiasmo pela América do Norte, nos operários principalmente,
que a corrente imigratória d’esta classe desenvolveu-se como até então nunca houvera
exemplo. Este sucesso sabido d’aqueles que conhecem a historia da emigração norte-
americana, foi um dos exemplos que mais me decidiram a considerar a exposição do panorama
do Rio de Janeiro nas cidades européias, como elemento da maior utilidade para a solução de
um dos mais notáveis problemas do desenvolvimento do Brasil – o do aumento da sua
população produtora.
134
Não há como provar aqui se tal obra produzida pelos norte-americanos alcançou
tamanha força propagandista entre os operários. O que é mais interessante notar é a fácil
compreensão de Victor Meirelles sobre uma obra carregada de ideologia, na qual se
mostravam recém-chegados em estado miserável sendo recebidos por colonos em plena força
física e economicamente melhor situados.
Civilização, indústria, atraso, “colono moralizado”, uma gama de idéias que se
entrecruzavam à época, estão colocados neste documento. Os discursos que vimos quando
analisamos a reforma da Academia e a formação inicial do artista estão aqui presentes e, mais
do que isso, sendo colocados em prática, por meio da arte. Meirelles, com o Panorama,
procurou fazer por meio de sua educação artística aquilo que a grande reforma de 1855
propunha: generalizar o pensamento do governo sobre todos os “elementos civilizadores”, ou
seja, sobre todas as instituições de ensino, entre elas a Academia. Meirelles não fugiu à regra
134
LIMA, Victor Meirelles de. Relatório apresentado aos srs. sócios da Empresa do Panorama da cidade do
Rio de Janeiro pelo sócio gerente. Rio de Janeiro: Imprensa Mont’Alverne,1889, pp. 5-6.
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Fonte: CD ROM Museu Victor Meirelles.
e carregou consigo este ideal civilizador que perpassou os centros de conhecimento com os
quais ele teve contato. O Panorama do Rio foi um imenso e claro esforço neste sentido.
No entanto, não seria correto dizer que esta “função” do Panorama esteja presente no
quadro do Combate. Se no Panorama há uma clara iniciativa do artista, na tela do Riachuelo a
demanda partiu da Marinha. Se as transformações sociais citadas por Meirelles no momento
em que o final da escravidão era iminente e a imigração uma realidade davam o tom da
justificativa de tal empreitada, o Combate tem outros fundamentos, o primeiro e mais óbvio
deles está no discurso e nos interesses da Marinha. Mas ambas as obras tinham propósitos que
extrapolaram a individualidade de Meirelles, permeadas que estavam pelas contingências
históricas e culturais da época. Como pintura histórica, a tela do Combate se coadunava com o
tipo de história produzida no IHGB.
Este relatório bem como os artigos publicados nos jornais só reforçam a idéia de apego
do artista aos ditames acadêmicos. Como artista artesão Victor Meirelles determinou a
importância de sua obra segundo seus ensinamentos na Academia. O crítico e historiador da
arte José Roberto Teixeira Leite resumiu assim a trajetória de Meirelles na relação com o
meio artístico em que vivia:
Na verdade, em nosso entender a parte mais admirável de sua obra acha-se nas paisagens e nas
vistas urbanas que executou a começar pela Rua do Desterro (sua primeira pintura, feita aos 19
anos) até o Panorama da Primeira Missa, de 1900. Em tais obras, e nos sete estudos que
ficaram para os panoramas, seis do Rio de Janeiro e o sétimo para comemorar a vitória do
governo na Revolta da Armada, Vítor Meireles revela-se um grande artista. Estilisticamente um
romântico, Vítor partiu sempre da realidade objetiva, que nunca pretendeu superar: faltava-lhe
para tanto os amplos vôos da imaginação e o prejudicavam os próprios rasgos do
temperamento, que não lhe permitia ousar. Escudado em técnica perfeita, transformou amiúde
essa técnica em fim, e não em meio. A forma passou a tudo significar, atrofiando-se
inversamente a emoção. (...) A época e o meio impediram-no de ser um grande artista; em
contrapartida, foi o maior entre os pintores de seu meio no seu tempo.
135
Política, guerra, uma estética oficial, um artista ciente dos poderes ideológicos da
pintura. Com essas e outras variáveis, Meirelles se empenhou por quatro anos para dar cores
ao Combate Naval do Riachuelo.
135
LEITE, José Roberto Teixeira. 500 Anos da pintura brasileira. São Paulo: Log On Informática, 1999 s/p. 1
CD-ROM.
3 COMBATE NAVAL DO RIACHUELO: MONUMENTO À VITÓRIA.
A partir do momento em
que Meirelles foi incumbido pela
Academia para dar conta da
encomenda do então ministro da
Marinha, Affonso Celso, o artista
ficou responsável por uma longa e
trabalhosa tarefa de pesquisa e
execução de um tipo de pintura
geralmente elaborada em grandes
dimensões e atendendo a gidas
regras de composição típicas da pintura acadêmica. Mas para além deste esforço artístico e
técnico o pintor deveria cumprir uma função inerente a uma encomenda oficial. E qual seria
esta função? Provavelmente a mesma exigida pelo IHGB ao historiador interessado em
escrever a história nacional:
Deve o Historiador, se não quiser que sobre ele carregue grave e dolorosa responsabilidade pôr
a mira em satisfazer aos fins político e moral da historia. Com os sucessos do passado ensinará
à geração presente em que consiste sua verdadeira felicidade, chamando-a a um nexo comum,
inspirando-lhe o mais nobre patriotismo, o amor ás instituições monárquico constitucionais, o
sentimento religioso, e a inclinação aos bons costumes. Seu estilo deve ser nobre, correto,
porém simples e claro. Sua história deve ser escrita para o povo.
136
Fica assim evidente que o historiador não poderia fazer uma pesquisa livre de suas
obrigações com o Estado. Esta comprometida relação entre IHGB e Estado selecionava os
fatos e heróis que melhor representassem a memória e a identidade bem como legitimava a
condição política vigente por meio de uma história laudatória. Além do mais deveria o
historiador primar por um texto simples que pudesse alcançar um maior número de leitores.
Uma simplicidade que se tornaria, de certa forma, didática. Era preciso formar uma nação de
patriotas, direcionando as condutas, criando mitos e símbolos.
E não eram apenas os fatos históricos resgatados do passado que deveriam ocupar os
trabalhos do Instituto. O próprio imperador D. Pedro II em uma de suas inúmeras aparições
nesta instituição formulou outra tarefa aos seus integrantes na sessão 212 de 15 de novembro
de 1849:
136
Revista do IHGB. Rio de Janeiro, tomo 9. Abr./Jun., 2. ed., 1869, pp. 286-7.
FIGURA 15: Victor Meirelles de Lima. Combate Naval do Riachuelo,
Paris, circa 1882/1883. Óleo sobre tela, 4,60 x 8,20m. Museu Histórico
Nacional, Rio de Janeiro, RJ. Fonte: LEITE: 1999, s/p.
Sem dúvida, Srs., que a vossa publicação trimensal tem prestado valiosos serviços, mostrando
ao velho mundo o apreço, que também no novo merecem as aplicações da inteligência; mas
para que esse alvo se atinja perfeitamente, é de mister que não reunais os trabalhos das
gerações passadas, ao que vos tendes dedicado quase que unicamente, como também, pelos
vossos próprios, torneis aquela a que pertenço digna realmente das elogios da posteridade: não
dividi pois as vossas forças, o amor tão nobre, útil, e difícil empresa, erijamos um padrão de
glória á civilização da nossa pátria.
137
Aqui, história, pátria e memória se imbricavam nesta ênfase do presente como parte de
uma história nacional. Assim como o IHGB coletava e arquivava documentos do passado para
os que quisessem escrever a história, também deveriam, de acordo com o imperador, registrar
o presente em seus traços mais nobres, heróicos e vitoriosos propositadamente endereçados às
gerações posteriores. Este padrão de glória sugerido pelo Imperador é bastante visível na
pintura histórica da Academia, que não é nunca uma crítica mas um monumento aos triunfos
militares e políticos da monarquia brasileira. Monumento no sentido utilizado por Le Goff
que nos diz que o que transforma um documento em monumento é a sua utilização pelo
poder:
O documento é monumento. Resultado do esforço das sociedades históricas para impor ao
futuro voluntária ou involuntariamente determinada imagem de si próprias. (...) É preciso
começar por desmontar, demolir esta montagem, desestruturar esta construção e analisar as
condições de produção dos documentos-monumentos.
138
Utilizando o quadro como fonte (documento) para ajudar a entender o contexto de sua
própria produção, podemos assim alcançar e compreender parte das ideologias e
representações que perpassaram a sua gênese enquanto monumento comprometido em
representar ideais conservadores e corporativos.
Em um primeiro momento demonstramos que a pintura histórica nasceu atrelada aos
desígnios do Estado monárquico brasileiro servindo para cristalizar aquelas situações e os
personagens que mais diziam respeito aos propósitos da monarquia brasileira. Em seguida
buscamos compreender alguns traços da composição pictórica em relação ao ideal de
civilização que perpassava todo o discurso de engrandecimento do Império. Por último, uma
análise geral da composição que se mostra mais como monumento em homenagem a uma
corporação vitoriosa que ao propósito de tentar reproduzir os principais traços do Combate do
Riachuelo em 11 de junho de 1865.
137
Revista do IHGB. Rio de Janeiro, tomo 12. Out./Dez., 2. ed., 1874, P. 552.
138
LE GOFF. Jacques. História e memória. 4ª ed., Campinas: Unicamp, 1996, p. 548.
3.1 PINTURA HISTÓRICA E ESTADO NACIONAL: DE DEBRET A MEIRELLES.
É fato bastante difundido a ligação entre a pintura histórica da Academia e os
propósitos políticos da monarquia brasileira. No correr das primeiras décadas da vida
independente brasileira, a legitimação de uma memória e de uma história nacional foi tarefa
que ocupou as elites monárquicas preocupadas em consolidar o vasto território e plasmar uma
lógica política que eliminasse os conflitos internos. É aliás nestes momentos conflituosos, seja
em contendas internas ou guerras entre nações, que essas ideologias ou utopias são hasteadas
com mais veemência e em nome das quais se diz estar lutando e defendendo. Como bem disse
Murilo de Carvalho: “A manipulação do imaginário social é particularmente importante em
momentos de mudança política e social, em momentos de redefinição de identidades
coletivas”
139
. Diríamos também, em momentos de ameaças a certos rumos políticos e
ideológicos. Ainda segundo Murilo de Carvalho:
O imaginário social é constituído e se expressa por ideologias e utopias, sem dúvida, mas
também (...) por símbolos, alegorias, rituais, mitos. mbolos e mitos podem, por seu caráter
difuso, por sua leitura menos codificada, tornar-se elementos poderosos de projeção de
interesses, aspirações e medos coletivos. Na medida em que tenham êxito em atingir o
imaginário, podem também plasmar visões de mundo e modelar condutas. (...) Mirabeau disse-
o com clareza: não basta mostrar a verdade, é necessário fazer com que o povo a ame, é
necessário apoderar-se da imaginação do povo.
140
As elites brasileiras não entoaram apenas para si os valores de civilização e pátria, era
preciso conclamar ao mesmo tempo que pacificar os espíritos mais revoltosos espalhados pelo
país em nome de um sentimento de nacionalidade. Legitimar o passado e o presente da
monarquia era ao mesmo tempo laborar pela consolidação de um Estado que em vários
momentos teve sua lógica ameaçada. E as artes (teatro, literatura, pintura) foram vias para se
propagar esse discurso. O pintor francês Jacques Luis David, principal nome do
neoclassicismo e adepto da Revolução Francesa, usava do seu talento para propagar idéias
políticas. Para ele o classicismo não era tão somente um estilo ou uma linguagem artística.
Era uma visão do mundo clássico com seus valores sociais e políticos. Era a simplicidade,
nobreza e o civismo de antigas repúblicas, a austeridade espartana e a dedicação dos heróis
romanos. Deveria o artista usar sua arte para difundir esses valores
141
. Para David:
139
CARVALHO. JoMurilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990, p. 11.
140
Idem. Ibidem., pp. 10-1.
141
Idem, p. 11.
(...) não foi apenas encantando os olhos que os monumentos artísticos atingiram seu objetivo,
mas penetrando a alma, causando no espírito uma impressão profunda, semelhante à da
realidade. É então que os traços de heroísmo, das virtudes cívicas, oferecidos ao olhar do povo
eletrizarão a sua alma e farão germinar nele todas as paixões de glória, de devotamento a sua
pátria.
142
No Brasil, desde que por aqui chegou em 1816, Jean Baptiste Debret (1768-1848),
discípulo de David, uniu arte, política e valores nacionais em arranjos cenográficos ou na
pintura atendendo aos pedidos de D. João VI e mais tarde de D. Pedro I. Falando a membros
do Estado, Debret explicou a finalidade do pintor de história que para ele era mais importante
que os que pintavam figuras:
O primeiro, meditando sempre sobre as maravilhas que têm honrado o gênero humano, e
sempre ocupado com o que possa enobrecer e elevar o espírito, acha-se sempre pronto, quando
a ocasião se lhe apresenta, de fazer reviver na lembrança as preciosas coisas, e de as arrancar,
por assim dizer, do esquecimento depois de longos séculos. O pintor mostra ainda muito maior
sagacidade e talento quando animado de um nobre ardor, uma circunspecção adequada e uma
exatidão verdadeira e persuasiva, traça sobre o pano um daqueles fatos memoráveis da história
de seu país, de que talvez fosse testemunha. Deve, então, ser exato sem faltar as relações, nem
esfriar o interesse, dará uma justa idéia não da amplitude do seu gênio, como também da
nobreza do seu caráter.
143
Para Iara Liz, Debret sabia que a política poderia ser enobrecida pela arte, bastando
para isso “percorrer a obra de David”. Ainda segundo Iara Liz:
Talvez a qualidade artística de Debret, com sua habilidade em discorrer, com o pincel ou a
pena, a respeito do Brasil, sua arte de matriz mais cosmopolita e universal, ajudassem a
construir um sentido comemorativo da política e de D. Pedro. Por outro lado, sua pintura
desfazia-se dos temas norteados num mundo português que, paulatinamente, ia sendo associado
ao jugo e qualificado de tirânico, descartando a origem da realeza em Afonso Henriques e, pari
passu, trazia consigo algumas nuanças napoleônicas. Noutra ponta, mas na mesma direção, a
contínua associação entre D. Pedro e a América vista nas praças, nas festas, nos quadros,
concorria para esse esquecimento e, mais e mais, casava o imperador e seu território, forjando
um marco zero que ancorava-se nas ligações entre o governante e esta terra. (...) Debret, por
seu turno, colaborou na elaboração de um elo estreito entre o soberano e o Brasil, sem recorrer
à história portuguesa; enlaçava-o à natureza brasílica e ao povo brasileiro, exaltando-os.
144
Desde os primeiros anos de trajetória independente a monarquia brasileira se valeu dos
serviços da arte para ajudar a forjar uma unidade entre soberano, Estado, território e povo. As
obras de Debret que representaram as cerimônias oficiais rumaram neste sentido. E o Pano de
Boca executado para a representação extraordinária dada no teatro da corte por ocasião da
coroação de Dom Pedro I, imperador do Brasil, é o maior exemplo deste trabalho em
142
NAVES, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira. São Paulo: Editora Ática, 2. ed., 1997, p. 49.
143
Souza, Iara Lis Franco Schiavinatto Carvalho. Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo 1780
– 1831. São Paulo: Fundunesp, 1999, p. 291.
144
Idem. Ibidem., p. 295-6.
representar os vários elementos de um Estado em formação sob a tutela do monarca. A
descrição feita pelo artista reafirma a intenção da obra. No texto destaca-se o anúncio de
um Estado que conquistou sua independência, a união dos diversos tipos humanos em defesa
deste Estado, índios, negros, paulistas, mineiros, caboclos. E as armas também estão
representadas com evidente destaque para o oficial da Marinha do lado direito da obra que
“jura (...) sustentar o governo imperial”
145
.
A importância desta arma foi
novamente citada pelo artista na tela
Cerimônia da Coroação de Dom Pedro,
Imperador do Brasil: “Através das
aberturas da porta, vêem-se as primeiras
lanternas do caminho de honra do cortejo
e mais longe, em meio à fumaça das
salvas de artilharia, distingui-se a
marinha imperial embandeirada”
146
. A
própria Marinha como vimos defendia
que a manutenção desta Arma era
garantia da soberania do Estado monárquico. Neste sentido o ministro da Marinha, Miguel de
Souza Mello e Alvim, ainda sob os efeitos da derrota na Guerra Cisplatina, afirmou em seu
relatório para o ano de 1828 que “(...) o Brasil não pode prescindir de ser uma potencia
essencialmente marítima, sem quebra de sua glória, de sua dignidade e de seus mais caros
interesses”
147
.
145
DEBRET, Jean Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Tradução e notas: Sérgio Milliet. São
Paulo: Círculo do Livro, vol. II, s.d., p. 646.
146
Idem. Ibidem., p. 643.
147
ALVIM, Miguel de Souza Mello e. Relatório do ano de 1828 apresentando a Assembléia Geral em 30 de
maio de 1829. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1876, p. 14.
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Fonte:
SCHLICHTA: 2006, p. 124.
No mesmo quadro da Coroação, a submissão de todo o povo ao monarca (assim como
no pano de boca) é mais uma vez observada por Debret ao apresentar o Imperador “recebendo
o juramento de fidelidade prestado em nome do povo pelo presidente do Senado da Câmara
Municipal do Rio de Janeiro, Lúcio Soares Teixeira de Gouveia”
148
.
Outra questão que aparece nos textos e
obras de Debret é a diferença entre a arte
trazida pelo francês e o que até aquele
momento se fazia no Brasil e que foi alvo de
críticas do artista. Ao representar o
desembarque da princesa Leopoldina, escreveu a respeito das ornamentações montadas para o
evento:
O arco do triunfo de estilo português, erguido pelos oficiais da marinha, apresenta a
extravagância dos detalhes arqueológicos, inclinados no sentido do suave declive que recobre.
Mostra do lado do mar, na sua face principal, o escudo do novo Reino Unido, do qual pendem
guirlandas ligadas aos pilares maciços em desarmonia com as quatro colunas frágeis que
suportam o resto desse monumento fantasista. Duas pequenas pirâmides, colocadas
perpendicularmente sobre as pilastras, compartilham incomodamente seu ponto de apoio com a
base do arco, em cima de uma cornija excessivamente saliente; a outra é enfeitada por duas
figuras alegóricas pintadas de cinzento, e pequenos troféus de marinha ornam os lados
exteriores da abóbada. Todos os suportes e balaustradas estão pintados de azul e branco, e a
parte superior de vermelho e amarelo; essa estranha ornamentação se explica pela união das
cores portuguesas, empregadas pelos engenheiros com a ingenuidade da infância da arte.
149
Em outra obra, Aclamação de Dom Pedro I no Campo de Sant’Ana, Debret mais uma
vez observa e julga a qualidade estética do cenário representado:
Utilizou-se, para celebrar o ato da aclamação, o palacete, favoravelmente situado no centro do
vasto Campo de Sant’Ana e que servira anteriormente de camarote para que a corte apreciasse
os fogos de artifício por ocasião das festas da coroação do rei. Mas desta feita , a arte presidiu a
sua construção e, às suas arcadas em ogiva, de um estilo bárbaro, substituíram-se cimbres,
adaptando-se também os detalhes a uma arquitetura mais simples. A decoração interna atendia
igualmente, pelos seus ornatos mais grandiosos, à dignidade do edifício.
150
A “arte presidiu a sua construção”, disse o artista, como a afirmar que em outras
ocasiões e até mesmo que antes da chegada de seu grupo de artistas, ornamentações e
148
DEBRET, Jean Baptiste. Op. Cit., p. 641.
149
Idem, 587-9.
150
Idem, p. 638.
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arquitetura pecavam pela ausência do que era reconhecido como arte. Ou por estarem os
locais ainda na “infância da arte”, idéia reafirmada por Victor Meirelles em 1879.
Debret pode ser considerado o
primeiro pintor histórico segundo as regras
de uma Academia a trabalhar para o Estado
brasileiro. Este gênero de arte nascia no
Brasil atrelado a interesses oficiais e sempre
que eventos ou fatos de elevada importância
política ou ideológica ecoavam em território
brasileiro ou que deveriam ser resgatados de
um passado distante, o Estado se valia
dessas encomendas. Depois de Debret foi a
vez de Manuel de Araújo Porto-Alegre empregar seus esforços em favor dos interesses do
Estado e deixou obras como Estudo para a Sagração de D. Pedro II, de 1840 (Anexo 2).
Estar atrelado aos desígnios
do Estado fez com que este gênero
de pintura fosse executado em
raros momentos, principalmente na
primeira metade do século XIX.
Depois do trabalho de Debret,
executado em um período de
redefinições políticas do Brasil, a
primeira grande obra do gênero foi
a Primeira Missa no Brasil em
1860. Mas foi a partir da Guerra do
Paraguai que o gênero obteve
apoio para as imensas telas históricas de Meirelles e Pedro Américo, notadamente de batalhas,
e mesmo em outras de apelo oficial como Juramento da Princesa Isabel de 1875, para
registrar a sessão extraordinária da Assembléia Geral no Paço do Senado em 22 de maio de
1871, quando oficialmente a princesa assumia o lugar de Pedro II que embarcava em viagem.
Neste sentido a pintura histórica foi circunstancial, atendendo a momentos de ebulição
política e ideológica e para registrar celebrações oficiais que por vários motivos reforçavam a
importância das instituições monárquicas.
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. Fonte: LEITE: 1999, s/p.
No caso de Meirelles e a tela do Combate, foram as vicissitudes políticas e militares
suscitadas pela Guerra do Paraguai que lhe trouxeram a oportunidade e a obrigação de
elaborar uma imagem para ajudar a sedimentar a importância que se queria dar à Marinha
durante o conflito. Como tratamos nos primeiros capítulos desta dissertação, havia todo um
ideário monárquico a ser reafirmado neste conturbado período de lutas em terras paraguaias.
Do mesmo modo a Marinha assentava seu discurso sobre uma memória da corporação
permeada por triunfos e heroísmos. O descompasso entre a política e as movimentações
militares no front geraram severas críticas ao então gabinete Zacarias e à suposta inércia da
Marinha. Contando com a figura singular e combativa do ministro Affonso Celso no comando
deste ministério a delicada situação se tornou oportuna para encomendar os dois grandes
quadros históricos a Meirelles e para criar o Museu Naval em1868.
Os próprios diretores da Academia Imperial de Belas Artes deixaram claro em seus
relatórios a relação deste tipo de pintura com o Estado e mais do que isso, como vimos, da
necessidade de encomendas oficiais para de fato se produzir as imensas telas históricas e até
de produções menores. É o caso do Conselheiro Thomaz Gomes dos Santos em seu relatório
datado de 7 de abril de 1863, dando conta das atividades da Academia para o ano de 1862:
Em nossa Marinha de Guerra, no Exército, [ ], nas letras, e nas artes, na Política, e em nossa
vida civil temos de sobra motivos capazes de excitar a imaginação dos nossos artistas, e de
darem excelentes produções de belas-artes; e entretanto, naquelas estações públicas onde se
reúnem os Representantes da Nação, e os Funcionários do Estado, nada absolutamente recorda
os feitos gloriosos dos nossos maiores; nem um quadro, nem uma estátua, nem sequer um
busto (...).
151
As grandes telas eram sempre as mais difíceis de serem encomendadas mas percebe-se
que nem mesmo as pequenas produções ganhavam, pelo menos para o diretor, a devida
atenção. Seja de políticos, militares ou civis, praticamente não havia grupo ou pessoa da
sociedade que não pudesse ser motivo para os pintores da Academia desde que considerados
importantes para a história do país. Neste sentido, servir ao Império não era apenas cumprir
uma função para a qual tinha sido criada, a Academia necessitava desse mecenato e o gênero
pintura histórica era o símbolo desta necessária ligação.
151
SANTOS, Thomas Gomes dos. Relatório do diretor da Academia das Belas Artes. In: LIMA, Pedro de
Araújo. Relatório do ano de 1862 apresentado a Assembléia Geral Legislativa na sessão da 11ª
legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1863, p. 2.
3.2 O BRASIL E O OUTRO: A CIVILIZAÇÃO VAI ÀGUERRA.
Com a exceção de alguns poucos brasileiros e paraguaios espalhados pelo rio, a tela do
Combate Naval do Riachuelo nos apresenta em sua composição dois grupos de combatentes
bem definidos e separados. Na parte inferior da direita a embarcação paraguaia naufragando, e
no que sobrou do convés estão amontoados os que ainda resistem à investida brasileira bem
como outros tantos espantados e sem reação. Da metade para o lado esquerdo da tela o
destaque fica para a marinhagem e oficiais brasileiros reunidos na proa da fragata Amazonas
em gestos que simbolizam a vitória. Mesmo que não soubéssemos de antemão o resultado
deste combate o trabalho de Meirelles deixa claro para que lado pendeu a vitória. Não um
confronto de fato, o que se sobressai nestas massas de combatentes é a acentuada separação
entre ambos e a maneira como cada um desses grupos é trabalhado pelo artista sugerindo não
apenas o triunfo de um dos lados mas a diferença entre eles. Um caminho possível para se
pensar esta solução do artista está no conceito de civilização que as elites brasileiras
empregavam corriqueiramente naquela época preocupados que estavam em distinguir e
legitimar a monarquia brasileira frente às repúblicas sul-americanas. É o que procuramos
demonstrar neste tópico do capítulo.
Debruçando-se sobre a documentação das diversas repartições oficiais da monarquia
brasileira ou sobre a imprensa e literatura da época não é difícil encontrar termos como
civilização, civilizado, civilizar. Praticamente toda e qualquer realização humana podia ser
referenciada por algumas destas palavras. Como bem disse Norbert Elias “nada que não
possa ser feito de forma ‘civilizada’ ou ‘incivilizada’”. Incluem-se o nível da tecnologia,
maneiras de agir, os conhecimentos científicos, idéias religiosas e costumes, habitações, as
diferenças de atitude entre mulheres e homens, o preparo de alimentos, a forma de punição
segundo um determinado sistema judiciário. Dessa maneira não é tarefa fácil listar tudo o que
se pode descrever como civilizado. Mas segundo Norbert Elias “se examinarmos o que
realmente constitui a função geral do conceito de civilização (...) partimos de uma descoberta
muito simples: este conceito expressa a consciência que o Ocidente tem de si mesmo.
Poderíamos até dizer; a consciência nacional”
152
.
No entanto, é grande a diferença na maneira com que as nações européias utilizaram o
conceito de civilização, em especial entre franceses, ingleses e alemães. Para os primeiros o
152
ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990, vol
I, p. 23.
termo parece trazer o orgulho da importância de suas realizações para o progresso do
Ocidente. Para os alemães a Zivisisation tem sua importância mas é secundária se
comparada ao termo que para eles tem maior significado, a Kultur, que “alude basicamente a
fatos intelectuais artísticos e religiosos e apresenta a tendência de traçar uma nítida linha
divisória entre fatos desse tipo e fatos políticos econômicos e sociais, por outro”
153
. O
conceito francês e inglês de civilização faz referência a fatos políticos, econômicos,
religiosos, técnicos, morais e sociais, matizando o olhar sobre praticamente todo o
comportamento das pessoas e julgando-as de acordo com o que se acredita ser civilizado ou
não
154
.
No caso brasileiro parece mais correto afirmar que o conceito francês e inglês de
civilização (incluindo uma consciência nacional e julgando praticamente todas as realizações
humanas) fincou raízes e serviu para qualificar desde uma simples ornamentação
arquitetônica até os ideais que norteavam as leis, a economia, os períodos de paz, ou criticar
os que causavam agitações de toda ordem. Era, aliás, nos momentos turbulentos que se
levantava com mais imposição a bandeira da civilização deixando entrever o entrelaçamento
deste conceito com questões partidárias, conservadorismo e a sempre presente questão da
unidade do império, seja ela territorial ou ideológica. Como escreveu o historiador Ilmar
Rohloff Mattos “a Nação não se apresentava como um corpo uno e indiviso (...) o território do
Império devia ocupar o seu lugar, sendo a sua integridade e indivisibilidade um ‘dogma
político’”
155
.
Um dos usos que se deu a este conceito de civilização pelas elites políticas e
intelectuais da época foi no sentido de pensar o Brasil como nação digna de figurar entre as
nações civilizadas européias. Com alguma exceção nota-se que havia um sentimento de que o
país ainda não tinha alcançado o grau de civilização desejado se comparado aos modelos
europeus, embora estas elites se esforçassem para demonstrar que havia motivos para
acreditar que tal condição podia ser alcançada. É o que se pode observar nas palavras do
primeiro presidente do IHGB, José Feliciano Fernandes Pinheiro (Visconde de São Leopoldo)
em 1839. Para ele o Brasil estava colocado no “ponto geográfico o mais vantajoso do
universo” com portos “boníssimos”, grandes lagos, rios navegáveis. O talento humano
também foi lembrado por ele, incomodado que parecia estar ao dizer que viajantes
estrangeiros “vulgares invejosos não viram em nossos jovens mais que uma efêmera
153
ELIAS, Norbert. Op. Cit., p. 24.
154
Idem, p. 24.
155
MATTOS, Ilmar Rholoff. O tempo saquarema: a formação do estado imperial. São Paulo: Hucitec, 2.ª ed.,
1990, p. 86.
imaginação ardente, influxo do clima, quando nada menos era que os vislumbres rápidos e
frisantes do talento”
156
. Para Fernandes Pinheiro tudo pressagiava que o Brasil seria “não
acidentalmente, mas de necessidade, um centro de luzes e de civilização, e o árbitro da
política do Novo Mundo”
157
. Desta forma ele argumentava que tanto geograficamente quanto
em talento humano o Brasil se mostrava apto em ser uma grande e “civilizada” nação. Longe
de ser um problema, ou moradia de selvagens, a natureza se tornaria aliada nesta “civilização
dos trópicos”.
O discurso de Fernandes Pinheiro encontrava algo de similar nas ginas da revista A
Ilustração Luso-Brasileira de novembro de 1858, em matéria laudatória sobre o reinado de D.
Pedro II:
O seu império imenso recortado de rios caudalosíssimos e constantemente coberto de uma
vegetação maravilhosa, que vai debruçar-se no oceano (...) é hoje considerado o ponto central
da civilização do Novo Mundo (...) salvo da anarquia que pouco a pouco devora os outros
estados da América do Sul (...) É lá que floresce, no seu solo virgem, um novo ramo da antiga e
transplantada árvore dos Bragança (...) Os primeiros anos não foram felizes. O Brasil estava
bastante inculto para compreender a nobreza do lugar que tinha de ocupar entre as nações
civilizadas (...) foi o imperador D. Pedro II que pacificou e lhe deu a prosperidade que hoje se
vê naquele magnífico império cujo destino está, mais do que em outras nações ligado com o de
seu monarca.
158
Em 1857,escrevendo para a revista do IHGB, Porto-Alegre expressou sua opinião
sobre esta relação entre o Brasil e outras nações. No caso específico, sua preocupação girava
em torno do que falavam do país em outros cantos do mundo:
Os erros do passado estão pesando ainda sobre nós, e mais pesam ainda as informações que
d’aqui vão para a Europa por alguns espíritos malévolos que em troca de nossa generosa
hospitalidade nos pintam nos jornais da Europa, e escritos isolados, como antropófagos de
nova espécie, que só esperam colonos para lhes beber o sangue e devorar-lhes as carnes.
159
Mesmo Victor Meirelles no relatório sobre o Panorama do Rio de Janeiro, publicado
em 1889, ainda reclamava da maneira como o país era observado por europeus. Algumas de
suas observações para o Brasil da época nos são familiares nos dias atuais: “Para a Europa, o
Brasil é o Rio de Janeiro, da boa ou má fama, d’este depende o bom ou o mau credito de todo
o país”
160
. E complementa com certa dose de ironia: “Os espíritos incultos, e até mesmo de
156
PINHEIRO, JoFeliciano Fernandes. Programa histórico. In: Revista do IHGB. Rio de Janeiro, tomo 1,
2, Abr./Jun., 2. ed., 1856, pp. 77-8.
157
Idem. Ibidem., p. 78.
158
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 125.
159
PORTO-ALEGRE, Manuel de Araújo. Relatório do 1º secretário (suplemento). In: Revista do IHGB. Rio de
Janeiro, tomo 20, Out./Dez., 1857, p. 58.
160
LIMA, Victor Meirelles de. Relatório apresentado aos srs. sócios da Empresa do Panorama..., p. 6.
certa cultura na Europa, ignoram o estado verdadeiro de nossa civilização, e não raro se
pergunta, e até nas grandes capitais, se no Rio de Janeiro pode-se andar à noite sem receio de
ser atacado pelas feras e canibais”
161
.
Esta valorização de si e dos outros permeou os assuntos referentes à Guerra do
Paraguai. No relatório para o ano de 1865, o ministro da Marinha, Francisco de Paula da
Silveira Lobo, descreveu com perceptível orgulho a jornada do Riachuelo, trazendo em seus
comentários a idéia de civilização e uma porção de otimismo, acreditando que a guerra se
aproximava de seu fim:
A guerra aproxima-se, finalmente, ao almejado desenlace. Cabe-nos a gloria de resolver nas
regiões da América mais um grande problema concernente á liberdade e civilização dos povos.
O Paraguai beijará a mão que lhe quebra os grilhões do cativeiro; mas o sangue dos nosso
bravos é infelizmente o preço da derrota de um déspota, que se contrapõe á toda política
generosa e nobre.
162
Em poucas palavras o ministro deu ao combate mais do que os louros de manobras
bem sucedidas, cercando-a de valores bem mais amplos, como o da suposta libertação dos
paraguaios das mãos de Lopes, a quem os oficiais da época costumavam chamar de déspota.
Uma tarefa “libertadora que também estava matizada pelo ideal de civilização e que,
segundo o ministro, o Brasil o representava nas “regiões da América”, dando assim a este país
um valor que o posicionava de forma distinta entre os demais países da região. O sempre
combativo ministro Affonso Celso, quando na pasta da Marinha também observou a guerra
cercando-se destes valores, como se percebe em seu relatório para o ano de 1866:
Nenhum brasileiro ignora os brilhantes episódios dessa luta formidável, que estamos
sustentando em nome do direito e da civilização. A historia da guerra, consagrando os fins
generosos de nosso procedimento, e recordando que o mais precioso sangue brasileiro foi
cimentar a liberdade, em um pais que parecia destinado á perpetua tirania, será uma majestosa
epopéia divulgada por a toda parte, em honra e gloria da primeira nação da América do Sul.
163
Na Guerra do Paraguai ao Brasil era destinado o papel da nação civilizada com a tarefa
não de defender-se, mas restabelecer a liberdade de outro país. Como visto anteriormente,
o conceito de civilização, carregava esta característica de difusão para além das fronteiras de
um país, acreditando-se que tais valores deveriam ser comuns a todos, pelo menos por aqueles
que se proclamavam “civilizados”.
161
LIMA, Victor Meirelles de. Relatório apresentado aos srs. sócios da Empresa do Panorama..., p. 7.
162
LOBO, Francisco de Paula da Silveira. Relatório do ano de 1865 apresentado a Assembléia Geral
Legislativa na 4ª sessão da 12ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Perseverança, 1866, p. 13.
163
FIGUEIREDO, Affonso Celso de Assis. Relatório do ano de 1866 apresentado a Assembléia Geral
Legislativa na 1ª sessão de 13ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Perseverança, 1867, p. 17.
O historiador Ilmar Mattos ao tratar das ideologias presentes nos trâmites nacionais
afirmou que fundadores e consolidadores do Império do Brasil tinham os olhos na Europa e
os pés América”. Os olhos na Europa, pois tinham como ideal erigir um Império soberano ao
modo dos estados nacionais europeus. Inspirados na antiga metrópole versavam sobre uma
igualdade que por um lado repelia a subordinação colonial e por outro almejava um
reconhecimento do Império “como Reino irmão e como Nação grande e poderosa”. Exigiam
um lugar na Civilização por se acharem também “filhos da Ilustração”. Com os olhos voltados
para a Europa acompanhavam a Revolução e as conquistas da liberdade, um nacionalismo em
ascensão, as garantias constitucionais, observando o “Povo enquanto multidão organizada”. A
Razão desvelava a essência do absolutismo levando a “Vontade Geral” a repudiar o
despotismo e o clericalismo. Mas os pés na América davam outros rumos a estes ideais e
valores. Ameaçados pela Inglaterra, afirmavam serem singulares no conjunto da civilização,
como era o caso da própria Monarquia, respondendo às rebeliões, sedições e insurreições que
sublinhavam a particularidade da sociedade imperial ao apresentar seus elementos de forma
distinta e hierarquizada dos “mundos do Governo, da Desordem e do Trabalho: O Povo, A
Plebe e os Escravos, respectivamente”
164
.
O Brasil reclamou seu lugar na civilização e se dizia um “centro de luzes” entre as
nações sul-americanas. Inspirado nestes valores usou-os, no entanto, a seu modo, adaptando-
os (conscientemente ou não) segundo suas próprias especificidades econômicas, políticas e
ideológicas, o que matizou o olhar da elite brasileira sobre seus vizinhos republicanos.
A consideração que deve ficar retida desta breve discussão sobre civilização é o fato
de que esse ideal, ou melhor, a crença e o uso que se fazia dele estavam entremeados por
diversos outros comprometimentos a ponto de não se saber muito bem onde começava um e
terminava o outro. Neste sentido a maneira como o psicólogo social Serge Moscovici
apresenta o conceito de Representações Sociais bem como o papel das ideologias sob esta
ótica ajuda a entender melhor a inserção do ideal de civilização no pensamento da época. Para
Moscovici as representações possuem precisamente duas funções:
Em primeiro lugar, elas convencionalizam os objetos, pessoas ou acontecimentos, que
encontram. Elas lhes dão uma forma definitiva, as localizam em uma determinada categoria e
gradualmente as colocam em um modelo de determinado tipo, distinto e partilhado por um
grupo de pessoas. Todos os novos elementos se juntam a esse modelo e se sintetizam nele.
Assim, nós passamos a afirmar que a terra é redonda, associamos comunismo com a cor
vermelha, inflação com o decréscimo do valor do dinheiro (...). Em segundo lugar,
representações são prescritivas, isto é, elas se impõem sobre nós com uma força irresistível.
Essa força é uma combinação de uma estrutura que está presente antes mesmo que nós
164
MATTOS, Ilmar Rholoff. Op. Cit., pp. 126-7.
comecemos a pensar e de uma tradição que decreta o que deve ser pensado. (...) Poderíamos
(...) mencionar a psicologia mecanicista, ou uma psicologia que considera o homem como se
fosse uma máquina, ou o paradigma científico de uma comunidade específica.
165
Moscovici ainda acrescenta outras características que devem ser levadas em conta ao
se tratar das representações:
As representações devem ser vistas como uma maneira específica de compreender e comunicar
o que nós sabemos. Elas ocupam, com efeito, uma posição curiosa, em algum ponto entre
conceitos, que têm como seu objetivo abstrair sentido do mundo e introduzir nele ordem e
percepções, que reproduzam o mundo de uma forma significativa. (...) o que é mais chocante
ao observador contemporâneo é seu caráter móvel e circulante; em suma, sua plasticidade.
Mais: nós as vemos como estruturas dinâmicas, operando em um conjunto de relações e de
comportamentos que surgem e desaparecem, junto com as representações.
166
É uma maneira de compreender marcada pela reafirmação das tradições. Sendo assim,
é possível argumentar que em momentos como uma guerra, algumas crenças, em lugar de
serem desmentidas, são reforçadas apesar de todas as vicissitudes. Cristalizada com o tempo,
esta maneira de pensar fica mais evidente no momento em que esses valores são ameaçados.
É o novo sendo influenciado pelo tradicional uma vez que os sistemas de classificação,
imagens e descrições que circulam em uma sociedade, mesmo descrições científicas, estariam
implicadas “com prévios sistemas e imagens, uma estratificação na memória coletiva e uma
reprodução na linguagem que, invariavelmente, reflete um conhecimento anterior e que
quebra as amarras da informação presente”
167
.
Apesar de nem os conhecimentos específicos das ciências escaparem a tais sistemas
prévios, tanto a ciência quanto as representações pertencem a “universos” distintos. São o que
Moscovici chama de “universos consensuais” e “universos reificados”. Os primeiros dizem
respeito à produção do conhecimento no nível do “senso comum”, elaborado cotidianamente
sem regras rigidamente definidas. Para Moscovici, esta parcela social se como um grupo
de indivíduos de igual valor e irredutíveis. São “livres” para atuarem como “amadores” e
“observadores curiosos”, que manifestam opiniões, teorizam e apresentam respostas para
todos os problemas. É nesse “universo” que as representações se formam. No outro
“universo”, estaria o conhecimento construído pelos saberes “eruditos”, por especialistas
como cientistas e técnicos. Esta sociedade se como um sistema formado por diferentes
papéis e categorias, nas quais os participantes não são igualmente autorizados a falar em
165
MOSCOVICI. Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2003,
pp. 34-7.
166
Idem. Ibidem., pp. 46-8.
167
Idem, p. 37.
grupos distintos dos seus. Desenvolvem conhecimentos altamente especializados e depurados
por regras e formas de legitimação. Para cada situação ou lugar desenvolvem comportamentos
e afirmações adequados
168
.
Partindo desta idéia, Moscovici fala a respeito de algo bastante conhecido pelos
historiadores, as ideologias. Para ele a “natureza verdadeira” das ideologias é a de “facilitar a
transição de um mundo a outro”, de transformar categorias consensuais em reificadas e tentar
subordinar as primeiras às segundas. Por isso, para Moscovici, elas não possuem uma
estrutura específica e podem tanto ser vistas como representações ou ciências. É neste duplo
sentido (o de uma representação a serviço de um grupo específico) que podemos pensar o uso
do conceito de “civilização” como o faziam os responsáveis pelo Estado monárquico,
interessados que estavam em estabelecer uma ordem política e o desenvolvimento técnico
valendo-se não apenas de leis e armas, mas de ideais como pátria, nação e civilização.
Ideologia no seu sentido político de convencimento, cooptação, dominação em favor de uma
causa de Estado; representação no sentido de ser uma crença de fato e que servia como
parâmetro de avaliação de comportamentos, pensamentos e desenvolvimento técnico. E no
caso de uma guerra, no sentido usado por Joaquim Nabuco: “A causa aliada é a causa da
justiça, da liberdade, da civilização”
169
, dando razão aos propósitos da monarquia brasileira,
de seus anseios territoriais e políticos.
Não documentos escritos que possibilitem uma análise mais precisa sobre como
Meirelles trabalhou uma questão como esta em seu quadro. Não temos um documento como o
relatório a respeito do Panorama que tão bem definiu seus propósitos com a obra, mas
podemos ler a construção imagética do seu quadro. A maneira como cada grupo de
marinheiros está posto na tela sugere uma grande diferença. De um lado paraguaios
maltrapilhos esboçando uma desordenada reação no que restou de sua embarcação, de outro,
gestos de vitória e os oficiais da esquadra brasileira postados como estátuas comemorativas a
um grande feito. É este grupo colocado sobre o Amazonas, aliás, que parece sintetizar os
propósitos desta tela. Como veremos a seguir ao analisarmos mais detidamente sua
composição, trata-se de um monumento a uma grande vitória, a um triunfo mais do que
qualquer tentativa de descrever o Combate do Riachuelo.
168
SPINK, Mary Jane (org.). O conhecimento no cotidiano: as representações sócias na perspectiva da
psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1993, p. 29.
169
NABUCO, Joaquim. Op. Cit., pp. 792.
3.3 SOBRE A COMPOSIÇÃO: UM TRIUNFO COMO TEMA.
O pintor, escultor e gravador inglês John Burnet (1784 1868) foi autor de vários
ensaios sobre arte entre os anos de 1827 e 1852. O professor de História da Arte, Ângelo de
Proença Rosa, a respeito de um desses ensaios traduzido para o francês em 1835, “L’Art De
La Peinture”, disse que para Burnet:
(...) a composição é a arte de grupar figuras ou objetos a fim de representar um assunto
qualquer e que a invenção (criação) é a combinação de idéias adquiridas pelo estudo e pela
pesquisa daquilo que existe e, portanto, através de um método regular, os pintores deviam
estudar as invenções (criações) dos outros, pois este era o caminho para se aprender a
inventar.
170
Não é a toa que este ensaio se assemelha ao trabalho de composição aplicado por
Victor Meirelles em suas obras, pois a tradução para o francês deste texto era de propriedade
do pintor e várias observações de Meirelles estão anotadas em suas páginas. Mesmo não se
podendo reduzir a característica do trabalho de Meirelles aos ensinamentos desta obra, os
pontos de contato entre as idéias do artista e de Burnet sugere sua influência na pintura do
brasileiro
171
.
Usar soluções de outros autores da época bem como efetuar uma incansável pesquisa
sobre o tema e os personagens a serem retratados, como sugere o autor inglês, eram de fato
características de Victor Meirelles, bem como de outros pintores históricos do período
educados pela Academia Imperial de Belas Artes. Em obras como Primeira Missa no Brasil e
mesmo no Combate Naval do Riachuelo estas são características fundamentais para se
compreender a maneira como Meirelles organizou a composição dessas telas. Mas o uso de
achados estéticos de outros artistas foi considerado plágio pelos críticos de plantão,
principalmente nas últimas décadas do século XIX quando novas formas de pintar lentamente
penetravam no fazer artístico brasileiro e eram exigidas pelos críticos de arte, sobretudo, por
Gonzaga Duque.
No caso de Meirelles o exemplo mais célebre de acusação de plágio foi justamente
contra sua obra mais famosa, Primeira Missa no Brasil. Dela dizia-se que o grupo central
plagiava o quadro do francês Horace Vernet (1789 1863), Première Messe em Kabilie
(Anexo 3). O uso de “citações” de outras obras era um recurso legítimo na pintura histórica,
170
Rosa, Ângelo de Proença. Análise da composição. In: Rosa, Ângelo de Proença. et alli. Op. Cit., p. 117.
171
Idem, p. 119.
“a cultura visual mostrava-se tão importante quanto a invenção”.
172
Assim, mais do que
inventar, era preciso conhecer. A pintura histórica seria desta forma um híbrido de invenção e
absorção desses achados. É justamente este o caminho sugerido pelo artigo de Burnet
supracitado e do qual Meirelles tomou conhecimento. Ao artista era solicitada uma tarefa e
cabia a ele dar conta de tal encomenda utilizando conhecimento e “invenção”.
No Combate Naval do Riachuelo, assim como havia acontecido com a Primeira Missa
oito anos antes, Meirelles efetuou pesquisa minuciosa (inclusive se deslocando até o local da
guerra entre agosto e outubro de 1868), bem como se valeu de conhecimentos adquiridos por
meio da observação de outras obras. Neste caso note-se o grupo de paraguaios à direita do
quadro esparramados sobre os destroços da embarcação prestes a ir a pique. Sobre este grupo
o historiador da arte José Roberto Teixeira Leite observou:
Um céu esfumaçado, os mastros que se sucedem ao fundo à esquerda e o grupo de marinheiros
paraguaios que se agarram à direita, no primeiro plano, aos destroços de seus barcos destruídos
compõe uma cena de belos efeitos pictóricos e dramáticos, não sendo demais salientar que esse
aludido grupo de náufragos possui alguma afinidade com o representado por Géricault no
Naufrágio da Medusa, copiado por Vítor Meirelles quando estudante em Paris, em 1856.
173
De fato o quadro copiado por Meirelles e
hoje no acervo do Museu Victor Meirelles em
Florianópolis lembra em alguns detalhes o grupo de
marinheiros paraguaios caídos ou tentando se salvar
em meio aos destroços. O resultado final, no
entanto, difere principalmente pela inserção desta
“citação” em uma composição muito distinta da
do artista francês. Se na obra deste os
desesperados náufragos são o centro da atenção e
únicas almas a aparecerem no quadro, no caso do
Combate, eles são apenas parte da solução dada à composição acrescida de outros detalhes
muito distintos que fazem sentido na tela de Meirelles, como é o caso das armas que os
paraguaios apontam para a embarcação brasileira.
No centro da tela destaca-se a figura de um marinheiro negro brasileiro alvejado por
oficial paraguaio. Com mão ao peito e rosto voltado para o alto, tem algo de vítima e herói.
172
COLI, Jorge. Primeira Missa e invenção da descoberta. In: NOVAES, Adauto (org.). A descoberta do
homem e do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 112.
173
LEITE, José Roberto Teixeira. Op. Cit.
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Fonte: CR ROM Museu Victor Meirelles.
Sobre este personagem, segundo o jornalista e crítico Félix Ferreira, chegou-se a dizer que
fazia parte das páginas oficias do combate o que, para ele, nada tinha de verdadeiro:
Querem muitos que esse episódio seja histórico, havendo até quem dissesse pela imprensa
constar ele das partes oficiais, quando na verdade nenhuma menção se encontra de semelhante
fato nos documentos conhecidos com cunho autoritário. No entanto, estudada com mais
atenção, reconhece-se que essa figura ali está menos pelo rigor histórico, que realmente não
existe, do que talvez pela necessidade que teve o artista de ir levantando animado o primeiro
plano, de modo a conduzir a vista do espectador, naturalmente e sem esforço, ao vapor
Amazonas, em cuja proa está posto o grupo culminante da estética do quadro. Uma figura
como esta basta para firmar a reputação de um artista.
174
Félix Ferreira se mostrou particularmente impressionado
por este personagem e fixou sua importância no quadro como
solução estética em detrimento de qualquer relação histórica. Ele
realmente domina a parte central da obra e serve como ponte
para o olhar do observador que se desloca dos náufragos
paraguaios para o grupo postado sobre o vapor Amazonas.
A figura do almirante Barroso, sobre o Amazonas,
embora minguada se comparada ao marinheiro alvejado,
apresenta-se imponente como aquelas estátuas de bronze que vemos em praça pública. Logo à
frente (sentado) o imediato Delfim Carlos de Carvalho dirigindo a manobra da embarcação;
mais ao fundo o trio formado pelo prático argentino Bernardino Gustavino, o capitão de
fragata Teotônio Raimundo de Brito e o
guarda-marinha Manuel José Alves Barbosa.
Também estes em pose que lembram mais
estátuas comemorativas que oficiais em
momento de combate. Todos a bordo do
objeto de maior imponência da obra, o vapor
Amazonas, que tem ao seu lado o conjunto
formado pela canhoneira Parnaíba cercada por duas embarcações paraguaias. A disposição
destas embarcações bem como o arranjo geral da composição da tela faz lembrar vagamente a
tela do pintor francês Auguste Étienne François Mayer (1805 1890) intitulada The
Redoutable At Trafalgar 21 Setembro 1805, datada de 1836. Seguindo interpretação sugerida
pelo título, refere-se à participação do navio francês Redoutable na batalha naval ocorrida no
cabo de Trafalgar na costa espanhola em 21 de setembro de 1805. A esquadra franco-
174
FERREIRA, Félix. Op. Cit.
espanhola foi comandada pelo almirante Villeneuve e a inglesa pelo lendário almirante
Nelson. No combate, vencido pelos ingleses, Nelson morreu a bordo do HMS Victory após
confronto com o Redoutable.
A grande embarcação do
quadro francês, com suas enormes
velas se sobrepondo às nuvens,
enche o lado direito da tela ao
passo que os mastros e a fumaça
do Amazonas ocupam o lado
esquerdo. O navio francês tem sua
popa apontada para o canto
inferior direito da tela enquanto
que a proa do Amazonas está
direcionada para o lado esquerdo
da composição. E neste espaço
entre o canto direto da tela francesa, e esquerdo no caso da
obra de Meirelles, três outras embarcações complementam
o conjunto, tornando-se, a nosso ver, o detalhe mais
semelhante entre as duas composições, embora, no caso
do Combate, este trio de embarcações ganhou maior
volume e destaque na tela. Mesmo as embarcações
dispostas logo atrás do vapor Amazonas parecem seguir esta mesma ordenação.
Apesar das semelhanças que se possa
observar, mesmo com sua composição invertida, a
obra de Meirelles difere principalmente pela
presença dos marinheiros que, aliás, ocupam o
primeiro plano da tela, “empurrando” as
embarcações mais para o fundo da composição. São eles que roubam a cena e caracterizam a
jornada vitoriosa da esquadra brasileira em contrapartida à desesperada e inútil reação dos
paraguaios. No entanto o violento confronto entre as embarcações que se observa na tela de
Mayer nem vagamente lembra a lentidão e placidez que emana, sobretudo, do fundo e do lado
esquerdo do Combate. Em seu aspecto geral a composição de Mayer representa um momento
violento da refrega, a de Meirelles sublinha o triunfo de uma jornada.
FIGURA 22: Auguste Étienne François Mayer. The Redoutable at
Trafalgar, 21st October 1805. França, 1836. Óleo sobre tela, 1,05 x 1,62
m. Coleção: Musee de la Marine, Paris, França.
Fonte:
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.
Naquilo que se pode chamar de inventivo na maneira de
fazer mas se apoiando nos eventos do combate, destacamos a
figura do marinheiro negro alvejado pelo oficial paraguaio e que
domina a parte central da tela. Além de seu algoz, ao seu lado
estão um marinheiro muito jovem e assustado e um velho que
corre sem demonstrar combatividade. Note-se que este pequeno
grupo faz uma síntese da faixa etária dos contingentes militares
que foram à guerra. As populações de ambos os países se viram,
com o passar do tempo, forçosamente envolvidas no front. Com o elevado número de mortos
ao longo da guerra, os comandantes, especialmente no caso paraguaio, se valiam de todos os
recursos humanos possíveis para manter a frente de batalha. Nem mesmo crianças e
adolescentes foram poupados. Até porque muitos soldados levavam suas famílias nos
intermináveis deslocamentos pelo interior do país, impostos pelo presidente paraguaio Solano
López. Meirelles, ao que parece, tinha conhecimento destas informações.
A parte histórica do evento foi também
observada com a presença das “chatas” paraguaias
na composição. Acertá-las era tarefa difícil, pois o
tiro deveria ser certeiro em sua pequena superfície
e aproximar-se delas poderia provocar o
encalhamento dos grandes barcos, que ficavam
ancoradas em locais de pouca profundidade. Soma-se a isso a abordagem do Parnaíba, as
várias embarcações à deriva pela ação célebre de Barroso e outros pequenos detalhes e fica
evidente a preocupação do artista nas questões que, ao tempo da encomenda, eram parte da
história naval e nacional e obviamente não poderiam ser esquecidas.
Mas voltemos ao grupo de marinheiros e oficiais da Armada brasileira em seus gestos
de comemoração liderados pelo almirante Barroso. Sua pose sobre o convés do Amazonas é
talvez o melhor exemplo, na tela, da utilização de um artifício que não é exatamente uma
regra da pintura acadêmica nem uma “invenção” para dar conta de explicar alguma
característica da guerra, muito embora se diga que Barroso tenha se portado de tal modo. O
gesto deste oficial é um signo que está há tempos presente no imaginário social significando o
triunfo. Não é na pintura que o vemos, a escultura também emprega gesto semelhante em
que pesem as especificidades de cada arte. A clássica iconografia do triunfo” como disse
Peter Burke foi expediente corriqueiro na representação de líderes e governantes e utilizada de
diversas formas em rituais, arquitetura (arcos do triunfo), escultura (estátuas), detalhes
decorativos (coroa de louros, troféus), personificações da vitória (uma mulher alada).
Exemplo citado por Burke é a estátua do imperador romano Augusto (63 a.c. 14 d.c.)
pertencente ao Museu Gregoriano Profano de Roma (Anexo 4). Em tamanho maior que o
natural o imperador é representado em sua armadura e segurando uma lança. Os detalhes da
armadura reforçam a mensagem da escultura ao representarem os Parlas derrotados
devolvendo os estandartes romanos outrora roubados por estes. Os pés descalços do soberano
não fazem referência a nenhum gesto de humildade, é um meio de comparar o imperador a
um deus
175
.
O exemplo é antigo e na pintura
brasileira o gesto triunfal em tempos
monárquicos tinha um grande exemplar
no quadro Proclamação da Independência
de 1844, elaborado pelo francês François-
René Moreau (1807 – 1860). D. Pedro é
visto cercado pelo povo em sua chegada
após ter proferido o célebre “grito” que o
consagrou. Depois do Combate Naval do
Riachuelo o gesto triunfal voltou a aparecer
na representação de um outro momento importantíssimo da história brasileira em A
Proclamação da República (Anexo 5) de autoria de Henrique Bernardelli (1858 - 1936). A
tela apresenta o marechal Deodoro que pelas características físicas, farda e quepe na mão
lembra o almirante na obra de Meirelles.
Na tela do Combate o gesto é ainda reforçado na multiplicação de atitudes similares
por outros marinheiros a bordo da embarcação vitoriosa criando um ambiente à parte dentro
da composição que nada lembra um momento de luta mas que como viemos afirmando está
relacionado ao que de fato interessava aos que encomendaram esta obra, deixar um registro
monumental sobre um dia reconhecidamente importante para as pretensões aliadas e, mais
ainda, para a história da Marinha. No caso da Armada suas vitórias na Guerra do Paraguai se
tornaram “padrões de sua marcha vitoriosa” nas palavras do ministro da Marinha, Mauricio
175
BURKE, Peter. Op. Cit., p. 83. Lembrando o que disse Francastel sobre as especificidades da pintura, cabe
ressaltar aqui o exemplo citado acima em comparação ao quadro do Combate. Se na estátua o grupo derrotado
está inserido no espaço limitado da própria escultura, no quadro, em sua espacialidade distinta, os oponentes se
espalham no entorno do líder vencedor. A matéria é a mesma, no caso uma vitória militar, mas a maneira de
informar é distinta tanto quanto o são as diferenças do recurso artístico utilizado.
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Fonte:
LEITE: 1999, s/p.
Wanderlei
176
. Um padrão defendido por esta corporação desde muito antes da guerra contra o
Paraguai e que para oficiais e ministros deveria ser respeitado. Uma representação de si que
traçava uma história da corporação como imprescindível à manutenção do Estado brasileiro;
que enxergava vez por outra suas limitações bélicas mas que nem por isso arranhava a
imagem “combativa” e “heróica” de seus marinheiros e a “inteligência” de seus oficiais em
manobras como as do Riachuelo.
Estas falas sobre si – da elite política e de oficiais da Marinha – são representações que
não poderiam ser desmentidas na obra encomendada a Meirelles. A veracidade de gestos e
apetrechos bélicos deveria servir a uma narrativa de triunfo pois, mais do que as dificuldades
enfrentadas em águas conflituosas, a vitória se impunha como o tema por excelência do
quadro. Mesmo Francastel, tão combativo em nome da especificidade da arte, de forma
alguma nega o imbricamento entre o pensamento plástico e um pensamento social de
interesses similares:
Como observou Halbwachs, o grupo não é apenas, com efeito, uma reunião de indivíduos; o
que o constitui essencialmente é a existência de um interesse, de uma fonte de idéias e de
preocupações especiais que refletem, em cada um dos membros do grupo, alguma coisa da
personalidade dos outros, revelando-se ao mesmo tempo demasiado gerais e impessoais para
conservar seu sentido, mesmo quando ocorrem no grupo desaparecimentos e substituições de
pessoas.
177
Retomando Moscovici o pensamento pode ser considerado como um ambiente, como
atmosfera social e cultural. Estamos, tanto individualmente quanto coletivamente, quer
queiramos ou não, cercados por palavras, idéias e imagens que penetram nossos sentidos.
Nesta atmosfera construímos nossas representações que, apesar de nossa intervenção, têm sua
parcela de independência
178
.
Este interesse por representar artisticamente um combate, além de encontrar
justificativas em uma histórica tradição em reafirmar valores monárquicos e de corporação,
também se apóia no momento conflituoso em que a obra foi solicitada em 1868. Nos
lembremos da difícil situação do gabinete Zacarias, das incertezas sobre o curso da guerra, da
desarticulação entre decisões políticas e militares, das muitas críticas à Liga Progressista e à
Marinha, acusada de inação, crítica que parecia ser a que mais incomodava seus oficiais.
Desta forma o ambiente se tornou propício para se agarrar a qualquer vitória e destacar os
176
WANDERLEY, João Mauricio. Relatório do ano de 1869 apresentado a Assembléia Geral Legislativa na
2ª sessão da 14ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário do Rio de Janeiro, 1870, p. 20.
177
FRANCASTEL, Pierre. Op. Cit., p. 42. Ver também: HALBWACHS, Maurice. La mémoire Collective et le
temps. In: Cahiers internationaux de Sociologie, vol. II, 1947, pp. 3-31.
178
MOSCOVICI, Serge. Op. Cit., pp. 33-4.
méritos de tal façanha. Com a jornada do Riachuelo no currículo desde 1865, a delicada
situação de 1868 e a recém conquistada passagem pela fortaleza de Humaitá (19 de fevereiro
de 1868) foram justificativas oportunas para legitimar esta empreitada artística em pleno
conflito.
A tela do Combate foi uma das muitas respostas dadas às vicissitudes do conflito,
sejam elas políticas, militares ou ideológicas. Olhando para aquele grande painel o que
primeiramente se sobressai é a maneira festiva como os brasileiros estão postados sobre o
Amazonas. Embora vários elementos do que foi considerado o principal combate naval da
Guerra do Paraguai estejam lá, a palavra que de fato resume os propósitos da obra é triunfo. E
é oportuno observar também o destaque dado aos oficiais brasileiros em detrimento dos
demais combatentes da embarcação, o que corresponde ao respeito e valor que esses oficiais
davam a si mesmos como podemos observar no relatório de Affonso Celso referente ao ano
de 1867:
Os brilhantes feitos de armas, praticados ultimamente nas águas do rio Paraguai,
demonstrariam por si sós a consideração, que aos poderes do estado devem merecer as classes
de embarque da repartição da marinha, particularmente o corpo de oficiais da armada, se fatos
importantíssimos já não os tivessem recomendado à gratidão do país.
179
As posturas solenes dos oficiais no quadro lembram personagens que estão sendo
homenageados em lugar de serem representados em um momento ríspido de um combate. A
vitória suplantou o lado violento da refrega como inspiração para a tela. Relembremos das
palavras de Meirelles quando em 1879 defendeu a composição da Batalha dos Guararapes:
Na representação do quadro da Batalha dos Guararapes não tive em vista o fato da batalha no
aspecto cruento e feroz propriamente dito. Para mim a batalha não foi isso, foi o encontro feliz,
onde os heróis daquela época se viram todos reunidos. A tela dos Guararapes é uma dívida de
honra que tínhamos a pagar como reconhecimento, em memória do valor e patriotismo
daqueles ilustres varões (...) A minha preocupação foi tornar saliente, pelo modo que julguei
mais próprio e mais digno, o merecimento respectivo de cada um deles, conforme a
importância que lhes reconhece de direito (...).
180
Referindo-se a outra obra Meirelles pistas de como devemos observar a tela do
Combate. Memória, patriotismo, merecimento pelos serviços prestados, tudo isso parece fazer
parte também da representação deste combate naval.
179
FIGUEIREDO, Affonso Celso de Assis. Relatório do ano de 1867 apresentado a Assembléia Geral
Legislativa na 2ª sessão da 13ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário do Rio de Janeiro, 1868, p. 2.
180
LIMA, Victor Meirelles de. A exposição das belas artes...
Como observarmos neste capítulo a pintura histórica da Academia nasceu para servir
aos propósitos do Estado monárquico. Uma relação necessária pois não havia na sociedade
brasileira outros interessados neste tipo de pintura a não ser a elite política. O uso deste tipo
de obra, no entanto, foi circunstancial atendendo a momentos muito específicos tais como
cerimoniais de coroação, casamento e, no caso do Combate, para registrar um feito
considerado notável em período turbulento da política nacional, fruto dos descaminhos entre
política, guerras e partidarismos. Meirelles como defensor que era da pintura acadêmica não
fugiu aos ditames desta instituição e fez um minucioso trabalho de pesquisa além de utilizar
achados estéticos que fossem úteis para dar conta da encomenda. Ao final a tela não é tanto a
representação de um combate mas um monumento à vitória.
Uma última consideração a ser
feita sobre o Combate é que
trabalhamos nesta pesquisa com a
segunda versão da obra, produzida em
Paris entre os anos de 1882 e 1883. A
primeira versão, levada para a
exposição da Filadélfia em 1876, foi
irreversivelmente danificada em seu
retorno ao Brasil por erros no
transporte e acondicionamento da tela.
Segundo Donato Mello Júnior, existe uma fotografia desta primeira versão sobre placa
esmaltada que estaria no acervo do Museu Naval no Rio de Janeiro
181
. também uma
fotografia colada sobre cartão pertencente ao acervo da Biblioteca Rio-Grandense com a
seguinte dedicatória: “Ao Ilmo. Sr. José de Vasconcellos em sinal de muita amizade, respeito
e admiração oferece Victor Meirelles de Lima. Recife, 25 de março de 1874”. Pela data,
refere-se à tela de 1872. Observando a foto percebe-se que o quadro de 1883 reproduziu a
composição do original. Esta observação também é corroborada por Félix Ferreira ao afirmar
que “Reproduzindo o perdido quadro do Combate Naval do Riachuelo, o Sr. Victor Meirelles
conservou-lhe a primitiva composição, dando apenas maior desenvolvimento aos personagens
e navios, na proporção do aumento que deu a toda a tela, que foi nada menos de dois metros
no comprimento e um na altura”
182
. Meirelles manteve a gênese do original.
181
JÚNIOR, Donato Melo. Op. Cit., p.77.
182
FERREIRA, Félix. Op. Cit.
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Acervo: Biblioteca Rio-Grandense, Rio Grande, RS.
CONCLUSÃO
Como única monarquia em meio às demais repúblicas sul-americanas, a corte
brasileira teve dificuldades na manutenção da sua unidade política e territorial. Um de seus
propósitos era justamente evitar a propagação de idéias republicanas nas províncias do
Império, tarefa especialmente complicada no Rio Grande do Sul e sua fronteira com o
Uruguai. Ao lidar com situações como essa e a partir de critérios muito próprios a elite
brasileira trilhava primeiramente os caminhos diplomáticos, mas não abria mão do uso da
força caso seus propósitos não fossem alcançados apenas com acordos políticos. Matizando o
olhar brasileiro e influindo também na relação com seus vizinhos estava o ideal de civilização
como que a definir o papel dessa monarquia diante dessas repúblicas. Ou seja, ao Brasil cabia
a alcunha de nação civilizada inclusive por ser uma monarquia. Isto fez com que interesses
políticos se imbricassem a esse ideal de civilidade a tal ponto que se tornava difícil saber onde
começava um e terminava o outro. Com o início da Guerra do Paraguai a elite brasileira em
várias oportunidades salientou que seus interesses diante do inimigo eram os de um país
civilizado e que junto com seus aliados, Argentina e Uruguai, representavam uma aliança em
nome da liberdade e da civilização.
Este comprometimento político, contudo, não fez desaparecer a crença de fato a
respeito do conceito de civilização. Atitudes sociais, ciências, artes e todo tipo de produção
humana eram avaliados a partir deste ideal. Neste sentido as instituições de ensino, como as
faculdades de direito e medicina, eram vistas como parte do processo civilizador. Era o caso
também da Academia Imperial de Belas Artes. Instalada finalmente em 1826, após uma
década de improviso dos franceses da “Missão Artística Francesa”, a Academia foi uma das
vias para a corte imperial brasileira propagar suas ideologias e educar parcela da população
segundo uma estética européia que, na prática, influenciou desde atividades simples como a
cunhagem de moedas até a arquitetura, escultura e pintura. Esteticamente marcada pelo
neoclassicismo a Academia tinha no desenho seu fio condutor na educação de artistas e
artífices e como disse o ministro Couto Ferraz em 1855, fazia parte dos elementos
civilizadores da sociedade brasileira.
Dos gêneros de pintura desta instituição o que mais interessava às elites políticas da
corte era a pintura histórica. Um artista responsável por uma encomenda deste tipo tinha pela
frente uma longa tarefa de pesquisa e estudos para dar conta de suas obrigações. Os temas
eram inspirados pela história nacional, que desde 1838 tinha no IHGB o centro por excelência
de uma historiografia também comprometida com questões de Estado e que exerceu
influência nos assuntos selecionados para se tornarem grandes quadros históricos pelas mãos
dos artistas da Academia.
A formação de um pintor histórico na Academia demandava muito tempo e
investimento do governo além de seguir rígidas regras artísticas. Por praticarem uma pintura
dentro de normas artísticas pré-estabelecidas minando em grande parte invenções estéticas e
terem que produzir seguindo as exigências políticas inerentes a um mecenato de Estado,
podemos chamá-los de artistas-artesãos na forma como definiu Norbert Elias.
Na época da Guerra do Paraguai havia dois pintores em condições de empreender uma
tarefa artística deste porte: o catarinense Victor Meirelles de Lima e o paraibano Pedro
Américo de Figueiredo e Melo. Ambos produziram obras tratando da guerra. Victor Meirelles
ao assumir encomenda do Ministério da Marinha por intermédio do ministro Affonso Celso
de Assis Figueiredo agregava ao seu trabalho as exigências e a tradição até então defendidas
por esta corporação a respeito de si mesma. Os oficiais da Marinha bem como os ministros
que a defendiam atribuíam, em especial à marinha de guerra, um passado glorioso e
lembravam aos integrantes da monarquia que a soberania do Estado brasileiro dependia
também de uma Marinha forte e bem treinada.
Em meio a uma longa e dispendiosa guerra a encomenda de um quadro pode parecer
num primeiro momento um gasto desnecessário. Não serviria, e o próprio ministro
provavelmente sabia disso, ao propósito imediato de propaganda com o intuito de chamar
recrutas para o front, pois o tempo para a elaboração desse tipo de pintura era muito longo. Se
havia algum propósito de mais urgência este era o de responder às severas críticas que a
Marinha vinha sofrendo por suposta inação, que como observamos, parece ser a acusação
que mais incomodava aos oficiais desta corporação. Somava-se a isto o fato de Affonso Celso
pertencer ao Gabinete Zacarias, talvez o mais criticado durante a monarquia. Disputas
partidárias e a desarticulação entre decisões políticas e militares foram os principais fatores
que levaram este Gabinete a um momento crítico da política nacional. No entanto, estes
fatores se tornaram oportunos nas mãos do ministro da Marinha, Affonso Celso. Como um
dos personagens mais singulares da política brasileira foi combativo e sempre pronto a dar
respostas aos seus detratores políticos. Affonso Celso transformou o delicado momento do
Gabinete e da guerra em oportunidade para expor as virtudes da corporação que dirigia. Para
isso usou seu discurso nas sessões ministeriais, na publicação de seu livreto A Esquadra e a
Oposição Parlamentar, na encomenda dos quadros e na fundação do Museu da Marinha.
Em que pesem todas essas vicissitudes específicas do período da guerra como
argumentos que contribuíram para a encomenda e o resultado final dos quadros de Meirelles,
não se pode esquecer também das velhas tradições. Tanto os oficiais da Marinha quanto os
integrantes da elite política monárquica reafirmaram suas certezas. Do lado do governo a
monarquia se posicionava como nação ofendida e seus propósitos seguiam os desejos de
justiça e liberdade das nações civilizadas. No maior conflito bélico vivenciado no período
monárquico a vitória no front serviu para legitimar a força deste regime como condutor dos
rumos do Estado e da nação. A Marinha reafirmou seu passado de glórias e o Combate do
Riachuelo veio a confirmar, segundo seus oficiais e ministros, esta tradição. Suas
deficiências bélicas apenas sublinharam a “determinação” e o “patriotismo” dos marinheiros
da Esquadra. O novo, o circunstancial, o específico da guerra foram permeados pelas velhas
certezas, pelas antigas representações.
Em 1872 estavam prontas as telas encomendas a Victor Meirelles em 1868. Passagem
de Humaitá e Combate Naval do Riachuelo foram expostas na 22ª Exposição Geral da
Academia. Ao primeiro olhar destaca-se o gesto de comemoração sobre a fragata Amazonas
proporcionado pelo “heróido combate, o Almirante Barroso, e que é seguida por outros
tantos marinheiros. É este o grupo que parece sintetizar os propósitos da obra, qual seja, o de
celebrar o triunfo da Marinha brasileira neste combate de 11 de junho de 1865. Não há de fato
um combate mas a celebração desta vitória em que se destacam os marinheiros brasileiros e
mais ainda os oficiais postados como estátuas que celebram mais do que representam. Suas
poses são de heróis que estão sendo lembrados e homenageados e não de combatentes de um
momento violento do combate. Marinheiros paraguaios estropiados de um lado e brasileiros
bem acomodados de outro deve nos fazer acreditar no ideal de civilização da elite
monárquica.
Da guerra Meirelles procurou representar tudo o que era fato cristalizado sobre as
mais de sete horas de luta em Riachuelo. As chatas paraguaias, a abordagem à canhoneira
Parnaíba, as várias faixas etárias dos envolvidos que mais que característica do combate o foi
da Guerra do Paraguai. Na organização de todos estes elementos nota-se o uso de “citações”
estéticas de outras obras, característico da pintura histórica. Neste sentido a composição
parece resultar de elementos encontrados na obra de Theodore Gericoult, O Naufrágio da
Medusa, e de Auguste Étienne François Mayer, The Redoutable at Trafalgar, 21st October
1805. Meirelles produziu um monumento em homenagem aos “patriotas” e “heróis” de um
combate que entrou para a galeria da Marinha, mas que também serviu aos propósitos da
monarquia e de sua história.
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ANEXO 1 COMBATE NAVAL DO RIACHUELO E PASSAGEM DE HUMAITÁ,
VICTOR MEIRELLES DE LIMA.
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Fonte: O Exército na história do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército. Odebrecht, Volume II, 1998, p. 163.
ANEXO 2 ESTUDO PARA A SAGRAÇÃO DE D. PEDRO II, MANUEL DE
ARAÚJO PORTO-ALAGRE.
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Fonte: LEITE, José Roberto Teixeira Leite. CD ROM 500 anos da
pintura brasileira.
ANEXO 3 –PREMIÈRE MESSE EM KABILIE, HORACE VERNET.
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Fonte: NOVAES, Adauto (org.). A
descoberta do homem e do mundo.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
ANEXO 4 – ESTÁTUA DO IMPERADOR AUGUSTO (63 a.c. – 14 d.c.)
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Fonte: BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem.
São Paulo: Edusc, 2004, p. 82.
ANEXO 5 – PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA, HENRIQUE BERNARDELLI.
Proclamação da República. Óleo sobre tela.
Academia Nacional das Agulhas Negras.
Fonte: CARVALHO. José Murilo de. A formação das almas: o
imaginário da república no Brasil. o Paulo: Companhia das Letras,
1990, p. 97.
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