
Mas apesar da corrida contra o tempo para se adaptar a este distinto conflito, a vitória,
mesmo que a duras penas serviu como álibi em favor do Império e seus objetivos. Como
outros autores já destacaram, essa guerra foi o ápice do regime monárquico embora tenha sido
também o início de sua derrocada, pois desnudou muitas de suas limitações. Das muitas
observações feitas à época sobre o conflito, seja a favor ou contra tudo o que se viu durante os
mais de cinco anos de luta, destacamos o parecer de Joaquim Nabuco:
Na guerra da Tríplice Aliança, a epopéia, o mito nacional, é paraguaio. A causa aliada é a
causa da justiça, da liberdade, da civilização; López encarna e representa o seqüestro, a mortal
estrutura de um povo sob a cola convulsa de um tirano ferido e desapontado. Apesar de tudo, o
heróico, patético, o infinitamente humano que faz a epopéia, está, nessa guerra, do lado do
Paraguai. Não é a história da coragem, do esforço varonil, da vitória final das potências; é da
resistência, da abnegação, do suicídio da nação paraguaia, (...). Decerto, o que fizeram os
aliados foi muito; mas calculados os seus recursos, o que demonstraram como resolução,
tenacidade, intensidade de sacrifício, foi nada ao lado do que demonstrou a nação paraguaia. O
maior peso, quase todo o peso de sacrifício nacional na Aliança, recaiu sobre o Brasil, também,
em mais de um sentido, desenvolveu-se, fortificou-se, lucrou com a guerra, e quanto a
Montevidéu e Buenos Aires, positividade prosperaram. É isso o que faz que a grandeza, a
sublimidade do esforço pertença nesse caso ao Paraguai: literalmente, sem exceção quase, a
raça paraguaia em sua totalidade colocou a guerra, durante todo o tempo que ela durou, acima
de qualquer outro interesse, preocupação ou dever. Para os três países aliados, a guerra foi um
episódio, um acidente exterior longínquo; para o Paraguai, foi o sacrifício deliberado de todo o
seu ser, de tudo que podia ter o valor aos olhos de cada um: vida, riqueza, bem-estar, afeições,
família. Um sentimento absoluto assim – porque foi um sentimento – tem alguma coisa de
sobre-humano, sai da esfera utilitária em que se movem com todo o seu ideal e consciência os
povos modernos, e não basta para explicá-lo a escravidão política; é preciso mais, o fundo
religioso da raça, como é preciso a doçura, a coragem, o amor ilimitado. A bravura foi igual de
parte a parte: o sacrifício não foi. Os que foram ao Paraguai e lá morreram ou de lá voltaram,
valem pelo heroísmo tanto como os que se bateram com eles valeriam mais pela inteligência,
pela cultura, e até se o sacrifício está na razão da inteligência e da liberdade, pela abnegação
que mostraram. A intensidade nacional, porém, do sacrifício não se compara. (...) Isso, porém,
não é o oferecimento de uma nação inteira; o abandono, a renúncia de tudo, a aceitação da
morte, da miséria, da fome, da desonra, dos perigos, por amor da pátria como o paraguaio o
compreendia; (...) A guerra do Paraguai foi um dos grandes crimes da América do Sul; não foi,
porém, o crime do vencedor; foi o crime de López, que exigiu do seu povo até o suicídio. Esse
suicídio, na sua trágica inconsciência, é um dos mais nobres holocaustos que o sentimento
moderno de pátria tenha deixado na história; é duvidoso mesmo que tenha igual, e cerca com
um resplendor legendário de mártir o nome do Paraguai.
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O texto de Nabuco faz uma interessante síntese de muitas idéias que permearam as
discussões sobre a guerra na época. Ao Brasil e aos aliados cabia a tarefa de libertadores e de
países que defendiam os princípios civilizadores. Neste caso dissipou-se por força das
circunstâncias a diferença entre Monarquia “civilizada” e República “bárbara” e caudilhesca
ao se necessitar de uma aliança para derrotar o inimigo comum. Nabuco ratificou o esforço
maior do Brasil nesta união de forças, até porque o país usou muito mais recursos que os
demais participantes, seja material ou humano. Também reafirmava a tirania de López e sua
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NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império. 5ª ed., Rio de Janeiro: Topbooks, 1997, vol. II, pp. 792-5.