
compreensão da História da Salvação”
109
. Tudo no passado é interpretado como preparação
para o Cristo, ele é o ponto final que esclarece o passado, o presente e antecipa o futuro. A
Teofania mostra-se no fundo uma Cristofania. O sacramento de Cristo possui dimensão
cósmica
110
.
A transparência cumpre também outra função no pensamento de Leonardo Boff: é a
categoria que permite melhor compreender a relação entre Deus e o mundo
111
. Trabalharemos
este ponto no tópico 3.
2.4. Fundamentação do pensar sacramental
Leonardo Boff está ciente de que a situação cultural do nosso tempo, marcado
principalmente pela técnico-ciência, coloca-nos num horizonte secular
112
no qual o pensar
sacramental não é mais evidente para todos, como fora para os antigos, ainda que reconheça
na religiosidade popular uma expressão desse modo de pensar
113
. Procura, então, fundamentá-
109
BOFF, Leonardo. O pensar sacramental: sua estrutura e articulação (I). Revista Eclesiástica Brasileira,
Petrópolis, v. 35, fasc. 139, p. 530, set. 1975.
110
Boff cita os nomes de Duns Scotus, Rahner e Schillebeeckx, que teriam desenvolvido sistematicamente a
dimensão cósmica de Cristo no contexto de uma teologia transcendental. Outros nomes que formularam uma
compreensão específica do pensar sacramental cristão segundo Boff são: Ireneu de Lião, Tertuliano, Orígenes,
Agostinho e Teilhard de Chardin. Cf. BOFF, Leonardo. O pensar sacramental: sua estrutura e articulação (I).
Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v. 35, fasc. 139, p. 529-32, set. 1975.
111
Cf. BOFF, Leonardo. O pensar sacramental: sua estrutura e articulação (I). Revista Eclesiástica Brasileira,
Petrópolis, v. 35, fasc. 139, p. 522, set. 1975.
112
“Secularização é o nome que damos ao processo histórico-universal pelo qual o homem, em sua relação frente
ao mundo, se vai libertando das interpretações míticas, metafísicas e religiosas”. BOFF, Leonardo (1981). Vida
segundo o Espírito. 5 ed. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 134. Conforme Boff, na secularização ocorre uma
racionalização do mundo, que passa a ser explicado a partir unicamente de princípios intramundanos e da razão
científica. Algumas de suas características fundamentais são: a consistência do mundo, a autonomia do homem,
a racionalidade e objetividade das relações homem-mundo, a funcionalidade nas relações intramundanas, a
eficiência no trabalho e a autoridade da competência (cf. p. 136-9). Tema que repercute fortemente na obra de L.
Boff, a secularização é freqüentemente abordada em seus escritos até meados de 1976 (o texto referido acima,
retirado do capítulo IX do livro citado, foi originalmente publicado com o título Vida religiosa e secularização.
Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v. 31, fasc. 123, p. 561-80, set. 1971). Schaper chega a considerar o
pensar sacramental uma resposta à secularização. Cf. Experiência de Deus como transparência do mundo. O
“pensar sacramental” em Leonardo Boff entre história e cosmologia. 1998. 468f. Tese (Doutorado em Teologia)
– Escola Superior de Teologia – EST, Instituto Ecumênico de Pós-graduação em Teologia, São Leopoldo, p.382.
E afirma ainda (p. 386) que até 1974 o tema era tratado por Boff a partir de preocupações européias, o que
significa a colocação do tema nos pólos do diálogo entre ciência e fé. O livro O Evangelho do Cristo Cósmico
(1971) ilustraria tal perspectiva ao colocar como embate principal na interpretação do mundo a disputa entre
secularização e diafania teilhardiana. No entanto, em 1974 a secularização começa a ser re-considerada, agora
sob uma ótica latino-americana. Trabalharemos esta questão no tópico 3.2. Já Baptista considera o tema da
secularização como um “„certo‟ limite à percepção [de Boff] do fenômeno religioso e, por conseqüência, ao
diálogo inter-religioso”. Cf. Libertação e Diálogo: a articulação entre teologia da libertação e teologia do
pluralismo religioso em Leonardo Boff. 2007. 476f. Tese (Doutorado em Ciência da Religião) – Instituto de
Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora, p. 56.
113
Boff compreende a religiosidade popular dotada de uma visão das coisas que não dicotomiza fé e vida,
libertação “espiritual” e libertação histórica, sobrenatural e natural. A religião popular tem um modo de pensar
sacramental. Ele chega mesmo a afirmar que a cosmovisão religiosa é natural ao povo pobre, “que não passou,