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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
PALOMA SÁ DE CASTRO CORNELIO
REISADO CARETA:
brincadeira para louvar Santo Reis
São Luís
2009
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2
PALOMA SÁ DE CASTRO CORNELIO
REISADO CARETA:
brincadeira para louvar Santo Reis
Dissertação apresentada ao Curso
de Mestrado em Ciências Sociais
da Universidade Federal do
Maranhão para obtenção do título
de Mestre em Ciências Sociais
com especialização em
Antropologia.
Orientador: Prof. Dr. Sérgio
Figueiredo Ferretti.
São Luís
2009
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Cornelio, Paloma Sá de Castro
Reisado Careta: brincadeira para louvar Santo Reis/Paloma de
Castro Cornelio.- São Luís, 2009.
80 f.
Impresso por computador (fotocópia).
Orientador: Sérgio Figueiredo Ferretti.
Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Maranhão,
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, 2009.
1. Cultura popular Caxias Maranhão 2. Festa 3. Ritual 4.
Reisado Careta
CDU 394.2 ( 812.1)
4
PALOMA SÁ DE CASTRO CORNELIO
REISADO CARETA:
brincadeira para louvar Santo Reis
Dissertação apresentada ao Curso
de Mestrado em Ciências Sociais
da Universidade Federal do
Maranhão para obtenção do título
de Mestre em Ciências Sociais
com especialização em
Antropologia.
Aprovada em 23 / 07 / 2009
BANCA EXAMINADORA
__________________________
Prof. Dr. Sérgio Figueiredo Ferretti (Orientador)
Universidade Federal do Maranhão
_________________________
Profa. Dra. Madian de Jesus Pereira Frazão
Universidade Federal do Maranhão
_________________________
Profa. Dra. Mundicarmo Maria Rocha Ferretti
Universidade Estadual do Maranhão
5
Dedico este trabalho a Santo Reis e
seus devotos que com a alegria
festejam todos os anos apesar da
dureza do dia-a-dia.
6
AGRADECIMENTOS
À minha amada família, por tudo.
À Jandir Gonçalves, pela generosidade.
À todos os integrantes do “Careta Encanto da Terra”, pela acolhida.
À Dona Nair, Dona Martinha e Dona Filomena, pelas conversas.
Ao Pelé e ao Zé Luís e família, pelas caronas.
À Madalena e a Conceição, pelo carinho.
Ao Mestre Patinho, Erlene, Alaíde e Áurea, pelo colo.
À Joíza Maria, pelo teto.
À todas e todos da Estrela Brilhante e da Fraternidade Colibri, pela força.
Ao Totó, Michele, Mariana, Helena, Filho, Raquel, Flávia, Lucimara, Ana Paula e Maíra,
pelo companheirismo e soluções práticas.
À Lúcio Enrico Attia, Mônica, Beatriz Arosa e a Andréa Bastos, pela amizade e o suporte
técnico.
À Juliana Manhães, por me apresentar as “coisas” do Maranhão de forma tão especial.
Meus sinceros agradecimentos ao Prof. Dr. Sérgio Figueiredo Ferretti, pela sabedoria e
respeito com os quais me orientou nessa árdua tarefa de gerar uma vida e uma dissertação, ao
mesmo tempo.
Aos professores do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal
do Maranhão.
À FAPEMA pelo auxílio financeiro parcial para o desenvolvimento desta pesquisa.
7
“Boi, boi, boi
Boi da cara preta
Pega essa menina
Que tem medo de careta.”
(Domínio Público)
8
RESUMO
Análise do folguedo Reisado Careta, com música, dança, canto e poesia; realizado por
agricultores da região do Médio Itapecuru, sertão leste do Maranhão, especialmente na cidade
de Caxias. O Reisado Careta é uma festa para louvar Santo Reis e acontece em forma de
jornada que simboliza o caminho feito pelos Três Reis do Oriente desde a noite do dia 25 de
dezembro, data do nascimento de Cristo Jesus até o dia 06 de janeiro, quando os Reis
chegaram a Belém. As personagens representadas na brincadeira variam entre seres animais
(burrinha, boi, galo, ema, babau), humanos (Nega-véia) e fantásticos (jaraguaia, os caretas),
entre outros conforme cada grupo de brincantes apresentar. Os instrumentos também variam
entre sanfona, rabeca, banjo, viola, pandeiro, triângulo e tambor. Criação cultural de uma
comunidade é baseada em suas tradições.
Palavras-Chaves: Cultura Popular. Festas. Ritual. Reisado. Careta.
9
ABSTRACT
Analysis of mirth Reisado Careta, with music, dance, singing and poetry, performed by
farmers of the Middle Itapecuru, wilderness east of Maranhão, especially in the city of
Caxias. The Grimace Epiphany is a feast for kings and Holy praise is in the form of journey
that symbolizes the path made by the Three Kings of Orient since the night of December 25,
date of birth of Jesus Christ until the day 06 of January, when Kings came to Bethlehem The
characters represented in the game vary between humans animals (donkey, ox, rooster, emu,
babau), human (Nega-vein) and fantastic (jaraguaia, the faces), among others as each group
brincantes present. The instruments also vary between accordion, fiddle, banjo, guitar,
tambourine, triangle and drum. Creation of a cultural community is based on their traditions.
Keywords: Popular Culture, Parties, Ritual, Reisado. Careta.
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
p. 1- Máscara de careta do grupo "Careta Encanto da Terra", Caxias, MA. ....................... 76
2- Babau do grupo “Careta Encanto da Terra”, Caxias, MA. ................................................ 76
3- Burrinha dançando no terreiro. .......................................................................................... 77
4 – Nega-Véia dançando no terreiro. ..................................................................................... 77
5- Brincantes no caminhão, de Campos de Belém para Lagoa Feia. .................................... 78
6- Sebastião Chinês, em frente a uma casa que anuncia em sua parede a realização de uma
festa para Santo Reis, no dia 05 de janeiro. .............................................................................78
7- Promesseira em frente ao altar, com a bandeira de Santo Reis, do Careta Encanto da
Terra”, segurando a tradicional imagem dos Reis entregando seus presentes ao menino
Deus..........................................................................................................................................79
8- Leilão do festejo do dia 06 de janeiro de 2008, em Campos de Belém. ........................... 79
9- Dona Nair, rezadeira e dona de "Reisado Careta" na Barra do Inhinga, MA e sua rabeca 80
10- Foliões da Divindade de Campos de Belém, Caxias, MA................................................ 80
11
SUMÁRIO
p.
1INTRODUÇÃO............................................................................................................. 12
2 CULTURAS POPULARES E FESTAS ...................................................................... 18
2.1 As culturas populares ................................................................................................. 18
2.2 As festas ...................................................................................................................... 21
2.3 Os rituais...................................................................................................................... 24
2.4 Os folguedos folclóricos.............................................................................................. 26
2.5 Reisados....................................................................................................................... 29
2.6 Caretas......................................................................................................................... 32
3. O REISADO CARETA DE CAXIAS ........................................................................ 37
3.1 Caxias, sertão do Maranhão: um panorama da região................................................. 37
3.2 O Reisado Careta.......................................................................................................... 39
3.3 Religiosidade na brincadeira......................................................................................... 52
3.4 A diversidade na forma de se apresentar ..................................................................... 60
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 67
REFERÊNCIAS............................................................................................................. 69
ANEXOS ....................................................................................................................... 75
12
INTRODUÇÃO
Nesse trabalho, aplicaremos o estudo ritual a um caso específico, o Reisado
Careta. Foram fundamentais para essa dissertação a colaboração dos integrantes do grupo
“Careta Encanto da Terra”, de Sebastião Chinês, com sede no bairro Campos de Belém, da
cidade de Caxias, na região leste do Maranhão. Apesar de morarem na cidade, são
trabalhadores rurais. Colocam linhas de roça
1
em terrenos partilhados com outros
agricultores, em interiores próximos. Suas rendas dependem da quantidade de arroz, feijão,
milho, mandioca, maxixe, quiabo, tomate, ou o que mais plantarem e colherem em cada
estação. As mulheres se dedicam à colheita, quebra e extração do azeite e do coco de babaçu.
Alguns possuem poucos animais como porco e galinha, que engordam apenas para consumo
próprio.
Efetivado no período natalino, os Reisados estão relacionado ao mito de origem
cristã dos Três Reis Magos. Encontramos festividades de louvação aos Santos Reis, em quase
todo território nacional e em grande parte do mundo. Na Bíblia Sagrada, Novo Testamento,
Mateus (2,1-12) relata que os reis Gaspar, Baltazar e Melchior foram do oriente a Jerusalém
levar presentes ao menino Jesus que acabara de nascer tendo como guia uma estrela. Levavam
ouro, incenso e mirra. Chegaram a Belém da Judéia no dia 06 de janeiro, data em que se
comemora até hoje o dia dos Santos Reis do Oriente, ou como é denominado em nosso campo
de estudo: “Santo Reis”.
No Brasil, encontramos festividades para louvar Santo Reis em diversos formatos
e nomenclaturas, como por exemplo: Reisado Careta, Bois de Reis, Folia de Reis, Cavalo
Marinho, entre outras. Dão-se principalmente para o pagamento de promessas ou herança
familiar. Como é recorrente nas culturas populares, estão repletas de comicidade. São rituais
onde o profano e o sagrado andam juntos, festas que acontecem para a comunicação das
pessoas entre si e com o sobrenatural. Marcam a passagem de um ano para o outro, portanto,
vêm renovando a esperança de dias melhores, na do catolicismo popular também veiculado
aos cultos de origem afro-brasileiros e ameríndios.
1 Nome da medida da terra em braços, utilizado na região e em quase todo o estado do Maranhão.
13
Meu interesse em estudar o Reisado Careta começou nas férias de julho do ano de
2005 na cidade de São Luís. Natural do Rio de Janeiro estava conhecendo a capital do
Maranhão. Havia desembarcado em 29 de junho, dia de São Pedro, feriado local. Amigos
foram me buscar no aeroporto e me levaram direto para o “Arraiá do Renascença”, onde tive
o prazer de presenciar a apresentação do “Boi de Maracanã”, um dos mais destacados grupos
de Bumba-meu-boi no Maranhão
2
. No dia seguinte, fui ainda pela manhã acompanhar o Dia
de São Marçal, no “Encontro de Bois do João Paulo” que reunia muitos grupos de Bumba-
meu-boi da ilha de São Luís, com destaque para o sotaque de matraca
3
.
Tive a oportunidade de acompanhar por uma semana a Festa do Divino Espírito
Santo da “Casa Fanti-Ashanti”, dirigida por Pai Euclides, realizada na primeira semana de
julho de 2005; assisti a festa de Vomissã (também conhecida como Ana de Força, Nanã ou
Santana), no terreiro “Pedra de Encantaria”, dirigido por Jorge Itaparandi e frequentei as rodas
de capoeira de Mestre Pato
4
e seus discípulos. Tudo se passa em um ambiente familiar, pois
os componentes compartilham uma história de vida, que os encontros (festivos, brincantes
e religiosos) são o ápice de todo um ano de convivência e dedicação.
Mais adiante, pude assistir as apresentações dos grupos folclóricos fora de seu
contexto ritual. A diferença do comportamento dos grupos em seu lugar de origem para o
lugar de apresentação, os arredores e o próprio palco para show, onde aparece claramente a
separação entre platéia e atração é visível. Ocupei então o papel de espectadora, dos
espetáculos de caráter efetivamente turístico, onde os grupos recebem cachês para se
apresentarem, como as atrações do projeto Vale Festejar
5
e “Reviver
6
.
Como demonstra
Ferretti, S. (2002:30), atualmente no Maranhão como em outras partes do país, o folclore
passa a ser encarado como mais um serviço que é oferecido ao turista, provavelmente pelo
2
Sobre o Bumba-meu-boi no Maranhão ver Carvalho, M. (1995), Prado (2007), entre outros.
3
Instrumento musical feito de madeira que o brincante toca batendo uma contra a outra, se apresentam
sempre em pares e tem o formato retangular. Seu tamanho pode variar, chegando a ter até mais de um
metro de comprimento. Nesse mesmo dia fui presenteada com um par, demonstração da receptividade dos
moradores locais.
4
Sobre a festa do Divino no Maranhão ver Ferretti, S. (1995), Pacheco, Gouveia, Abreu (2005) e Barbosa
(2006); sobre a “Casa Fanti- Ashanti” ver Ferreira (1987) e Ferretti, M. (2000); sobre o terreiro “Pedra de
Encantaria” ver Antônio Honady Furtado Cunha (2002) e sobre o mestre Pato ver Ferreira (2007), Vaz
(2007), Aranha (2008) entre outros.
5
Patrocinado pela empresa Vale do Rio Doce, acontece no mês de julho no Convento das Mercês, no centro
histórico de São Luís, reunindo grupos de Bumba-Meu-Boi, Dança Portuguesa, Cacuriá, Tambor de
Crioula, Dança do Lelê, Dança do Caroço de Tutóia, entre outras.
6
Projeto para “revitalizar” o Centro Histórico de São Luís.
14
interesse das autoridades governamentais em localizá-lo como mais uma fonte de divisas para
os Estados.
Enquanto no primeiro, o evento folclórico está integrado em um acontecimento
mais amplo e que lhe dá sentido não só cerimonial, como social, em seus níveis mais
profundos, no segundo, o evento está desligado de um contexto também ritualizado
e mais amplo e, consequentemente, perde normas e modos de atuação específicos
de um ritual. (BRANDÃO apud FERRETTI S., 2002:30)
Através do viés turístico que tomei conhecimento da manifestação que viria a ser
o objeto da pesquisa do presente trabalho. Foi em uma visita à “Casa das Festas”, do Centro
de Cultura Popular Domingos Vieira Filho, localizado no Centro Histórico de São Luís do
Maranhão onde pude observar o material de uma manifestação que jamais tivera notícia: o
Reisado dos Caretas. Na exposição permanente da Casa, que como o nome demonstra, retrata
as festas populares do Estado, uma parte destinada a essa brincadeira do ciclo natalino.
Fiquei bastante surpresa e interessada, afinal não tinha conhecimento de que havia reisado no
Maranhão, que os órgãos responsáveis pela veiculação do estado na mídia me parecem
mais interessados em divulgar outras manifestações das culturas populares locais.
Fui à “Biblioteca do Folclore”, do Centro de Cultura Popular Domingos Vieira
Filho tentar obter mais informações sobre o Reisado Careta e o pesquisador Jandir Gonçalves
7
informou que as peças haviam sido coletadas em 1993, no sertão do Maranhão, região leste
do estado, Médio Itapecuru e Médio Parnaíba, nos municípios de Aldeias Altas, Caxias,
Matões, Parnarama e Timon. Ele, gentilmente me mostrou três trabalhos que abordam o tema.
A monografia do curso de jornalismo da UFMA, vencedora do II Concurso de Folclore
promovido pela Fundação Cultural do Maranhão, escrita por José Ribamar Guimarães Corrêa
(1976), com fotos de Murilo Santos; o cd “Maranhão de Natal” (Careta, 2001), produzido
pela mesma FUNCMA, contendo três faixas gravadas pelo grupo Caretas “Reisado Encanto
da Terra”, de Caxias e o livro “Brinquedos Encantados”, de Albani Ramos (2003), com
algumas imagens dos Caretas. Eram os únicos registros disponíveis sobre esse reisado no
Maranhão.
Devido ao fato de eu vir estudando com apoio da Faperj e orientação de Maria
Laura Cavalcanti, sob o âmbito de uma iniciação científica do curso em Ciências Socais da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, uma outra manifestação da cultura popular brasileira
7
Desenvolve trabalhos de pesquisa e documentação fotográfica de manifestações populares. Chefe da Casa de
Nhozinho / CCPDVF/ Secretaria de Estado da Cultura-MA.
15
que acontece também no período natalino, o Cavalo Marinho da Zona da Mata Norte de
Pernambuco, fiquei muito interessada em saber mais sobre aquela brincadeira que escapara
da massiva divulgação dos festejos juninos da região maranhense. Acreditei que seria
enriquecedora a iniciativa de pesquisar sobre o Reisado Careta no Maranhão.
Indo ao encontro a Pierre Bourdieu (1989:9), para quem “todos os nossos
conhecimentos devem ser baseados na observação”, optei por tentar a seleção do curso de
mestrado no estado onde está localizado meu objeto de estudo, o Maranhão. Na tentativa de
melhor perceber suas condições sociais, considerei importante essa inserção, na intenção de
superar os estereótipos imagéticos acerca do Norte-Nordeste que estão inseridas no
pensamento intelectual brasileiro, e que como observa Albuquerque Júnior (2006:21), “passa
pela procura das relações de poder e de saber que produziram certas imagens e clichês desta
região”. Assim, passei a residir na capital São Luís, em fevereiro de 2007.
No período de março de 2007 a abril de 2008, tive a oportunidade de fazer cinco
viagens para visitar alguns grupos de Reisado Careta, sendo duas delas na companhia de
Jandir Gonçalves, que vem acompanhando a brincadeira mais de dez anos. Além do fato
dele ter sido o curador da exposição que me mostrou alguns elementos da manifestação, ele
foi a pessoa que me levou aos lugares onde moram os brincantes. Tendo em vista que grande
parte dos grupos é formada por famílias que residem em povoados bastante carentes de infra-
estrutura como energia elétrica, saneamento básico, transportes públicos diários, entre outras,
fica evidente que eu jamais conseguiria chegar até lá em tão pouco tempo, sem a generosidade
de Jandir. Inclusive porque nas sedes dos municípios é raro encontrar alguém que saiba dar
informação sobre a brincadeira, a grande maioria da população ou nunca ouviu falar nos
caretas, ou pensa que não existem mais.
Em março de 2007, nós dois estivemos por apenas um dia em Caxias, para
acompanhar a visita de cova
8
do Careta de Seu Manoel Romão, em homenagem aos sete anos
de sua morte. Tínhamos a intenção de assistir a brincadeira do Reisado, mas a viúva
conseguiu organizar os brincantes do Bumba-meu-boi do falecido marido. Em agosto de
2007, passei dois dias na cidade, onde tive oportunidade de conversar com Dona Nair, Dona
Martinha (ambas donas de grupos de Reisado Careta) e com integrantes do grupo “Reisado
8
Quando o dono ou algum integrante do Reisado Careta falece, a família tem o costume de levar o grupo
para brincar no cemitério, no dia do aniversário de morte do falecido ou durante a jornada para Santo Reis,
em frente á sua cova. Mais informações no terceiro tópico desta dissertação.
16
Encanto da Terra”, que na ocasião fizeram uma apresentação com versos, músicas,
instrumentos, bonecos, máscaras e fardas, para eu assistir. em novembro de 2007, visitei
interiores e cidades da região do Médio Itapecuru onde tive a oportunidade de conhecer os
donos e o material de sete grupos diferentes. Fui acompanhando Jandir Gonçalves, que estava
organizando uma exposição para a “Casa do Maranhão”, localizada na capital, veiculada à
“Casa de Nhozinho”.
Após essa viagem, eu escolhi acompanhar o grupo “Reisado Encanto da Terra”,
coordenado por Sebastião Rodrigues dos Santos, o Chinês, morador do bairro Campos de
Belém, localizado na cidade de Caxias. Essa escolha deveu-se ao fato de esse ser o único
grupo, que tive conhecimento, que estende sua jornada entre as noites de 24 de dezembro a 06
de janeiro, descansando somente nas noites de 25, 31 de dezembro e 01 de janeiro. Então,
achei que seria mais proveitoso para a compreensão da manifestação, o acompanhar de pelo
menos essas onze noites. Em dezembro de 2007 acompanhei o grupo na jornada das noites de
24, 26, 27, 28, 29 e 30 de dezembro, 01 (que nesse ano aconteceu no povoado chamado Lagoa
Feia), 02 e 06 de janeiro de 2008. Fiquei hospedada na casa e sede do grupo durante esse
período. Em março de 2008 retornei para mais uma conversa e em julho de 2009 voltei para
lhes entregar o presente trabalho.
Considero importante esclarecer que apesar do desejo de acompanhar outros
grupos localizados nos interiores dos municípios do Médio Itapecuru, podendo assim
acompanhar mais de perto sua diversidade, isso não foi possível, durante o período da
pesquisa. Portanto as considerações expressas aqui estão baseadas nas observações de apenas
um grupo e não pretendem de forma alguma serem generalizantes. Certamente, para uma
análise mais densa serão necessários vários períodos de convivência com os brincantes, a
brincadeira e seu universo. Entretanto, apresento algumas reflexões que espero possam
contribuir de alguma forma para os estudos das culturas populares brasileiras, pelo ineditismo
do tema, e principalmente para àqueles que dela fazem parte.
No tópico dois fiz um apanhado sobre as categorias que utilizei no decorrer da
dissertação, tais como cultura popular, festas, ritual, folguedos folclóricos, reisados e caretas.
Baseando-me nas referências bibliográficas, esses temas foram abordados de forma sucinta e
sistemática, servindo de base para a análise da estrutura da festa que está localizada no tópico
três. Neste terceiro tópico, fiz primeiramente um pequeno histórico da cidade de Caxias, local
17
onde está localizado o principal grupo com quem trabalhei. Depois, apresento o Reisado
Careta em seus múltiplos aspectos. Discorro sobre suas especificidades, como cantigas,
coreografias, adereços (como a bandeira branca pintada com a imagem do santo) e
indumentárias, como a careta (que nome à manifestação) e personagens. Abordo a
dimensão religiosa da festa, que é muitas vezes feita como pagamento de promessa e
apresento as diversas formas de apresentação da brincadeira. Nas considerações finais, abordo
as transformações que ocorrem derivadas do período limar que o ritual proporciona e no
anexo exponho algumas fotos registradas por mim durante a pesquisa.
18
2- CULTURAS POPULARES E FESTAS
Com o intuito de analisar o Reisado Careta, optei por apresentar inicialmente
certas categorias com que irei trabalhar. Fiz uma rápida síntese das várias noções de “cultura”
existentes, baseadas nas referências bibliográficas. Discuto seu uso no plural e suas supostas
subdivisões, como por exemplo, em popular e de elite. A palavra “cultura” foi usada com
diversos sentidos pelos interlocutores do trabalho, portanto senti a necessidade de
conceitualizá-la nesse tópico. Decidi por abordar esse tema também pelo fato da pesquisa
girar em torno de grupos que alcançam notoriedade principalmente por suas manifestações
culturais, festas, rituais e folguedos folclóricos.
Pude perceber que os integrantes do grupo “Reisado Encanto da Terra”, sempre se
referiam aos funcionários públicos vinculados à “cultura”, seja do Ministério, do Governo ou
da Prefeitura como “o povo da cultura”. Também assim denominavam os pesquisadores e
fotógrafos que se interessavam por sua brincadeira devocional, muitas vezes não sabendo
diferenciá-los nas suas respectivas funções. Por outro lado, os brincantes que participam do
Reisado Careta são mencionados pelo “povo da cultura” como “os representantes da cultura
popular”, o que demonstra uma distância enorme ou até mesmo um desconhecimento
recíproco entre os diversos níveis que a “cultura” engloba.
2.1 As culturas populares
Na contemporaneidade certa dificuldade em conceituar o que vem a ser
“cultura”. Há a noção que indica que é o acúmulo de conhecimentos e aptidões intelectuais e
estéticas, com a qual não iremos trabalhar. Interessa-nos as principais narrativas sobre
“cultura”, analisadas por Canclini (2007:43-47).
1)Cultura como a instância em que cada grupo organiza a sua identidade.
2)Cultura como a instância simbólica da produção e reprodução da sociedade.
3)Cultura como uma instância de conformação do consenso e da hegemonia, ou seja, de
configuração da cultura política e também da legitimidade.
4)Cultura como dramatização eufemizada dos conflitos sociais.
19
As quatro vertentes não estão desconectadas. Através de qualquer uma delas, podemos chegar
ao que expressa melhor a concepção de cultura que adotamos aqui.
Concordamos com Canclini (2007: 45), quando afirma que não podemos retornar
à velha definição antropológica que identifica a “cultura” com a totalidade da vida social
afinal, “todas as práticas sociais contêm uma dimensão cultural, mas nestas práticas sociais
nem tudo é cultura”. Os processos culturais não são apenas o resultado de uma relação de
cultivo, de acordo com o sentido filológico da palavra cultura pois nos apropriamos de outros
repertórios disponíveis em outras partes do mundo. Só por um artifício metodológico-
analítico podemos distinguir o cultural daquilo que não é.
Segundo Ferretti (2007:1), “cultura relaciona-se com o imaterial, o espiritual, a
liberdade de expressão, criatividade e mudança”. Quando numa sociedade se joga, se canta ou
se dança, fala-se de outras coisas, não é daquilo que se está fazendo explicitamente. Somos
habituados a fazer uma dramatização simbólica do que nos está acontecendo, por isso temos
religiões, festas, teatro, artes plásticas, cinema, canções e esportes. Porém, a eufemização dos
conflitos sociais não se faz sempre da mesma maneira nem se faz ao mesmo tempo em todas
as classes. Travassos (1997) observou a presença da tensão, cunhada como “paradoxo do
primitivismo”, que sintetiza a relação entre o “eu civilizado” e o “outro primitivo”, por meio
de um jogo de ausência e presença de qualidades culturais.
Para Bakhtin (1999:3), a concepção estreita do caráter popular e do folclore,
nasceu na época pré-romântica e foi concluída essencialmente por Herder. O neologismo
anglo-saxão folk-lore, foi criado pelo etnólogo inglês William John Thoms, em 1848.
Segundo Burke (2005:29), a idéia de “cultura popular” ou Volkskultur se originou no mesmo
lugar e momento que a de “história cultural”: na Alemanha do final do século XVIII. O autor
acrescenta que canções e contos populares, danças, rituais, artes e ofícios foram descobertos
pelos intelectuais de classe média que valorizavam a diferença e a particularidade, no
movimento que foi denominado de Romantismo. “Arte” foi considerada um termo
inadequado e acrescido de adjetivos como popular, primitiva, ingênua. Como coloca Boas no
seu livro Primitive Art (1927), cada cultura pode ser entendida através de sua própria
experiência, determinada pela história, geografia e o social local. Até mesmo as mais pobres
tribos têm produzido trabalhos que lhes dão satisfação estética, não importa quantas idéias
diferentes de beleza, possam existir.
20
Oliveira, M. (2004:2), em sua dissertação sobre o Cavalo Marinho, reisado de
Pernambuco, afirma que o principal motivo estético para o Romantismo seria uma reação
contra o Classicismo, excessivamente normativo, e também contra o Iluminismo, com sua
ênfase na razão. Para José Jorge Carvalho (2000), simultaneamente, era erigido o ideal de
cultura clássica e erudita, sendo útil a união entre ambos tanto para elevar a tradição popular
quanto para legitimar a universalidade da tradição erudita. Cavalcanti (1998:296) lembra que
os Antiquários, foram os autores dos primeiros escritos que, nos séculos XVII e XVIII,
retrataram os costumes populares.
No Brasil, uma ampla movimentação em torno do folclore iniciou-se na década de
1950, reunindo nomes como Cecília Meireles, Câmara Cascudo, Gilberto Freyre, Artur
Ramos, entre outros, e foi designado como Movimento Folclórico, como demonstra
Cavalcanti (1998:297). Essa trajetória histórica que começa, pelo menos, com Sílvio Romero
no final do século XIX, está bem expressa na Carta do Folclore Brasileiro, de 1951. O mesmo
clima intelectual gerado em torno da Carta (que levou, mais tarde, à criação da Campanha de
Defesa do Folclore Brasileiro), esteve também por trás da Carta del Folclore Americano,
escrita em Caracas em 1970 por um grupo de folcloristas de vários países da América Latina
(Carvalho, J., 1991:5).
Conforme Burke (2005:31), a ascensão do interesse pela cultura popular na
década de 1960 coincidiu com a ascensão dos “estudos culturais”, seguindo o modelo do
Centro de Estudos Culturais Contemporâneos, na Universidade de Birmingham, dirigido por
Stuart Hall. O sucesso internacional do movimento pró-estudos culturais sugere que ele
atendeu a uma demanda, correspondeu a uma crítica à ênfase sobre a alta cultura tradicional
dada pelas escolas e universidades, e também satisfez a necessidade de entender o cambiante
mundo de mercadorias, publicidade e televisão.
Segundo Bakhtin (1999), existe uma influência recíproca ou uma circularidade
entre a cultura das classes subalternas e a das classes dominantes, que funcionou segundo o
autor, especialmente durante a Idade Média e até a metade do culo XVI. Canclini fala em
culturas bridas e Burke em hibridismo cultural e outros falam em sincretismo cultural e em
multiculturalismo (Kippenberg apud Ferretti, 2007:2-3). Para Cavalcanti (1998:297), cultura
não são comportamentos concretos, mas sim significados permanentemente atribuídos pelos
21
homens às coisas. São fatos e processos que atravessam as fronteiras entre as chamadas
culturas popular, erudita, ou de massa, e mesmo os limites entre as diferentes camadas sociais.
Teremos de novo que qualificar essa noção generalizadora de cultura popular, para
compreender em que distingue, enquanto produto, um programa de auditório de TV
de uma folia de reis ou de uma peça de pagode, por exemplo. A crítica às
taxonomias e classificações pode ser válida em muitos casos, mas permanece o
problema de como fazer distinções e traçar limites entre processos e formas que,
certamente, não se confundem. (CARAVALHO, J.,1991:7)
Acreditamos que o termo “culturas populares”, no plural, seja atualmente mais
eficiente para abordar o tema. Apesar de os termos “cultura” e “popular” ainda serem bastante
polêmicos e contraditórios, suas definições são de extrema importância para a compreensão
do que estamos tentando analisar. Quando a colocamos no plural, tentamos nos aproximar da
vasta dimensão que os termos abrangem e mais ainda das múltiplas funções à que estão
relacionados.
A cultura é o cenário em que adquirem sentido as mudanças, a administração do
poder e a luta contra o poder. Os recursos simbólicos e seus diversos modos de
organização têm a ver com os modos de auto-representar-se e de representar os
outros nas relações de diferenças e desigualdade, ou seja, nomeando ou
desconhecendo, valorizando ou desqualificando. (CANCLINI; 2007:46)
Existem diversas culturas e não “a cultura”. As relações entre as culturas
populares, as culturas eruditas e as culturas de massa, são bem diversas. Todos somos
consumidores e produtores de algum tipo de cultura. Segundo Bourdieu (1989), as diferentes
classes são determinadas pelo capital cultural, capital econômico e capital social. Ao mesmo
tempo em que os principais eixos de discriminação derivam da etnia, gênero e classe. Porém,
tudo passa por uma questão de luta pelo poder. Sujeitos históricos privilegiados podem
escolher que tipos de cultura querem produzir e consumir.
2.2 As festas
Constituiriam as festas sociabilização ou controle social? Resistência ou dominação?
Promoção do espírito revoltoso ou válvula de escape? Momento propiciador de
identidade e coesão étnica ou consolidação dos instrumentos de mando? Elemento
pacificador de tensões ou ensaio para a revolta? Representação da economia afetiva
entre mando paternal e obediência filial ou símbolo da memória coletiva de um
grupo? (OLIVEIRA, M., 2006: 23)
As festas vêm sendo objeto de estudo de importantes intelectuais brasileiros
(Cavalcanti, 1994; DaMatta, 1979; Ferretti, 2007; entre outros). Muitas delas seguem as datas
22
de um calendário litúrgico. No Maranhão, temos como exemplos as festas do Divino Espírito
Santo, que geralmente acontecem a partir do mês de abril ou maio dependendo da localização
do Domingo de Pentecostes; o Bumba-meu-boi, no período junino, os festejos para São
Benedito, geralmente em agosto, os Pastores e Reisados no período natalino, além das
festividades que ocorrem nas casas de cultos afro-brasileiros, entre outras.
Em seu trabalho sobre o bumba-meu-boi do Maranhão, Prado (2007) observa que
o lexema “festa” é utilizado pelos camponeses, para designar as reuniões sociais promovidas
pelos moradores da região visando comemorar um santo do hagiológico católico romano.
Tanto faz ser uma festa de promesseiro ou de festeiro, apresentar-se de maneira
modesta ou completa, incluir o “baile” ou um “folguedo”, inserir ou não uma reza,
desde porém que a reunião gravite em torno de um santo, ela recebe o nome de
festa. (PRADO, 2007:115)
Nas festas, destacam-se seu caráter aglutinador de pessoas, grupos e categorias
sociais, sendo por isso mesmo acontecimentos que escapam da rotina da vida diária. As
festas, então, são momentos extraordinários marcados pela alegria e por valores que são
considerados altamente positivos. Conforme DaMatta (1979:40), a rotina da vida diária é que
é vista como negativa. Daí o quotidiano ser designado pela expressão dia-a-dia ou, mais
significativamente, vida ou dura realidade da vida. Festas são eventos dominados pela
brincadeira, diversão e/ou licença, ou seja, situações onde o comportamento é dominado pela
liberdade decorrente da suspensão temporária das regras de uma hierarquia repressora.
Da Matta (1979:40) cita Bercé para lembrar que de qualquer modo, é preciso não
esquecer essa importante associação entre a festa, como um domínio especial, e as alternativas
de ação que ela pode abrir, seja para voltar satisfeito ao cotidiano, seja para transformá-lo. O
autor chama de “zonas de encontro e mediação”, onde o tempo fica suspenso “entre a rotina
automática e a festa que reconstrói o mundo”. para Carlos Brandão (apud Ferretti, 2002),
festa é um tipo de ritual e os limites do ritual podem ser alargados a todas as ações que
objetivam e produzem comunicação social. Conforme Bakhtin (1999), festas revestiam a
segunda vida do povo, o qual penetrava temporariamente no reino utópico da universalidade,
liberdade, igualdade e abundância.
Para Cavalcanti (1998), festas acontecem em um tempo cíclico e ao voltarem,
trazem consigo alguma novidade. Sua natureza simbólica e seu apelo aos sentidos humanos
estão na base de sua notável dimensão estética e capacidade de resistência à usura do tempo.
23
São adequadas à expressão da história, dos valores, conflitos e dinâmica social dos grupos e
das regiões que as promovem. Integram a história concreta dos grupos humanos e participam
ativamente da construção de identidades sociais. Festas não são simplesmente eventos, mas
culminância de processos culturais que se estendem ao longo do ano. Deitam raízes profundas
na vida dos grupos que as promovem. São tão necessárias à existência do grupo quanto à
reprodução das bases econômicas.
Festas podem surgir como resultado de visões de mundo. Segundo Cavalcanti
(2002), festas populares integram. Envolvem ricos e pobres: brancos, mulatos, caboclos,
pretos, sagrado e profano. Não resolvem conflitos e desigualdades sociais, mas expressam
uma face da coletividade que se superpõe a essas diferenças.
As grandes festas populares brasileiras como o carnaval, o bumba-meu-boi, a festa
do Divino, as congadas e outras, são festas sincréticas, com a junção de elementos
de origens distintas. Nelas podemos encontrar paralelismos, misturas e
convergências de culturas decorrentes de contribuições brancas, negras e indígenas
que fertilizaram nossa cultura, nos instrumentos musicais, nos cânticos, nas danças,
nas vestimentas, na alimentação, na alegria e na capacidade de organização das
festas. (FERRETTI, 2007:4)
Os brincantes, mesmo estando doentes, não perdem uma brincadeira. É um
momento de esquecer as mazelas do cotidiano e se entregar ao mundo onde tudo é possível,
como no “faz de contas” das crianças. O ato de brincar permite ao brincante usar a
imaginação. Nesse ato lúdico, vestem suas fantasias e se permitem ser quem bem entenderem.
É comum ouvir que se pudessem passavam a vida toda na brincadeira. É a fase onde as
responsabilidades ordinárias, são deixadas em segundo plano, e o ser humano se permite
gozar apenas do “bom viver”. Festas são marcadas por acontecimentos que escapam da rotina,
como o uso de roupas e acessórios extravagantes, o fato de todos falarem ao mesmo tempo, a
alteração do volume e até do conteúdo destas falas. São momentos de relaxamento das
amarras sociais, onde o indivíduo se sente à vontade para expressar suas indignações e
indagações, mesmo que não passe de mero desabafo e tudo volte “ao normal” quando a festa
acabar.
24
2.3 Os rituais
Na linguagem cio-antropológica, as palavras rito e ritual são usadas
comumente com referência a uma série de atividades sociais. Por meio de reforço, inversão ou
neutralização dos aspectos do cotidiano é dado o clima do ritual. Van Gennep (1978)
percebeu o rito marcado por fases e mecanismos invariantes e universais. E isto lhe permitiu
isolá-lo como unidade de estudo e pensá-lo através de uma perspectiva sequencialista,
constituído das seguintes fases.
a) Ritos de separação quando o sujeito ritual desprende-se do antigo estado de coisas ou da
situação social precedente. Equivalente à estrutura social.
b) Ritos de Margem (Liminaridade) período de transição no qual o sujeito ritual está
isolado do estado anterior mas ainda não foi introduzido no subsequente. Suspensão da vida
social. Período de margem, fora da sociedade, fora do cotidiano. O indivíduo se transforma
mas o rito de passagem é coletivo. Sujeito ritual está em um reino que tem pouco ou nenhum
dos atributos do estado anterior e do vindouro. Estado transformador. Situação inter-
estrutural.
c) Ritos de Agregação Consuma-se a passagem. Agregação ao novo estado ou posição
social, ou re-agregação ao antigo, agora em novos termos. O sujeito ritual, seja ele individual
ou coletivo, permanece num estado relativamente estável mais uma vez, e em virtude disto
tem direitos e obrigações de tipo claramente definido e “estrutural”, esperando-se que se
comporte de acordo com certas normas costumeiras e padrões éticos, que vinculam os
incumbidos de uma posição social, num sistema de tais posições.
Rituais demarcam nossa trajetória social. São em grande parte elaborados como
eventos festivos, que permeiam toda a nossa existência. Temos como exemplos os ritos de
batismo, aniversário de um ano natalício, festa de debutante, casamentos, bodas, carnaval,
festas juninas, natal, reveillon, etc. Observamos que em cada região, em cada época e em cada
cultura os ritos são diferentes, entretanto a presença de rituais em todas as civilizações
conhecidas até hoje. O sentimento de grupo se pela realização dos ritos que são como a
cola das relações sociais. Nossa história é muitas vezes contada tendo por base casos rituais.
A própria vida social pode ser pensada como um ritual.
25
É importante atentar para o fato que nem sempre o processo ritual, que é social,
equivale ao tempo natural. Temos como exemplo a festa de debutante, que marca a entrada na
adolescência mas nem sempre coincide com o biológico (menina menstrua antes ou depois).
Ou seja, a puberdade social nem sempre coincide com a puberdade biológica. As crianças
devem ser agregadas mediante cerimônias, raro que seja considerada membro propriamente
dito, “completo”, desde o nascimento. Para o alcance do “mundo sagrado” também se vai
através de ritos de passagem, que vão de acordo com cada crença e/ou religião.
Assim fenômenos folclóricos de natureza religiosa ou não, podem ser vistos como
ações rituais, isto é, ações que predominam aspectos simbólicos e que dizem alguma
coisa a respeito das pessoas que as praticam. Desta maneira, as manifestações
folclóricas passam a ser encaradas como formas simbólicas de comunicação e de
expressão, um modo de dizer algo sobre a estrutura da sociedade que as produz.
(FERRETTI,2002:27)
Como demonstra Turner (1974:16), antropólogos, incluindo Boas e Lowie,
Malinowski, Evans-Pritchard, Griaulle e Dieterlen, e um grande número de seus coetâneos e
sucessores, trabalharam intensamente na área do ritual pré-letrado, fazendo observações
meticulosas e exatas sobre centenas de atos e registrando com dedicada atenção textos e
vernáculos de mitos e preces, tomados de especialistas em religião. O próprio Turner é um
dos mais destacados autores sobre a teoria ritual, na antropologia. Junto ao povo ndembo, que
pertence a uma grande conglomerado de culturas da África Central e Ocidental, observou que
eles associam considerável habilidade na escultura em madeira e nas artes plásticas a um
complicado desenvolvimento do simbolismo ritual. A palavra ndembo usada para designar
“ritual” é chidika, que também significa “um compromisso especial” ou “uma obrigação”
(Tuner,1974:25). Pôde constatar que esses povos têm ritos complexos de iniciação, com
longos períodos de reclusão na floresta, para treinamento de noviços em costumes esotéricos,
freqüentemente associado à presença de dançarinos mascarados, que retratam espíritos dos
ancestrais ou deidades.
Os rituais são ricos em simbolismos e férteis em significado. As contradições e
tentações do dia-a-dia são desfeitas na sacralidade do ritual. Segundo Ferretti (1995:125),
ritos são dramas que se representam. Para Monica Wilson:
Os rituais revelam os valores no seu vel mais profundo [...] os homens expressam
no ritual aquilo que os toca mais intensamente e, sendo a forma de expressão
convencional e obrigatória, os valores do grupo é que são revelados. Vejo no estudo
26
dos ritos a chave para compreender-se a constituição essencial das sociedades
humanas. (WILSON apud TURNER,1974:19)
O Novo Dicionário de Aurélio Buarque de Holanda (1975) conceitua rito como
sendo o “tipo de cerimônia em que à maneira de agir, às fórmulas, aos gestos e aos símbolos
usados, se atribuem virtudes ou poderes inerentes, suscetíveis de produzirem determinados
efeitos ou resultados”. O “Vocabulário Essencial da Sociologia” de Jean Golfin, afirma que os
ritos “são um aspecto importante das relações sociais [...] A maior parte das atividades sociais,
na medida em que estas se tornam regulares, originam o estabelecimento de ritos, sinal
manifesto da importância do simbolismo na vida” (Golfin apud Ferretti, 2002: 25).
Conforme Turner (1974:143): “Todos os rituais têm esse caráter exemplar,
modelar”. Peirano (2003:10) demonstra que o ritual ressalta o que é comum a um
determinado grupo. Os elementos que entram no ritual já existem, fazem parte de um
repertório usual, mas são então reiventados. Peirano (2003:51) confirma que “por meio da
análise de rituais, podemos observar aspectos fundamentais de como uma sociedade vive, se
pensa e se transforma – o que não é pouco”.
Os rituais, em certo sentido, “criam” a sociedade. Assim, através da dinâmica da
brincadeira, podemos perceber a dinâmica da vida de seus integrantes. Portanto, o estudo ritual
mostra-se como uma forma de estudo social. Já que os povos se manifestam, cantam, tocam,
dançam, interpretam, se expressam de múltiplas maneiras; quanto maior o número de análises
empíricas de rituais, maior será a oportunidade de esclarecermos nossos hábitos e costumes,
para assim podermos reivindicar nossas necessidades, de maneira plena e consciente.
2.4 Os folguedos folclóricos
Um folguedo reúne letra, música, coreografia e temática, segundo definição de
Câmara Cascudo (2002:241), em seu Dicionário do Folclore Brasileiro. O folguedo possui um
corpo de regras e convenções básicas bem definidas e conhecidas tanto por quem faz como
por quem assiste. Improvisa enredos estruturados, atualizando-se sempre, reunindo um
conjunto de técnicas próprio, transmitido através de aprendizados específicos. O ponto de
partida é um núcleo restrito de pessoas. Roberto Benjamin (2007) referindo-se a todo fato
27
folclórico, como imbuído da idéia do folgar, acabou por generalizar os motivos e significados
dos bailados, autos, danças dramáticas e espetáculos populares em geral.
Como consta no Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, brincadeira é
o ato ou efeito de brincar; divertimento, sobretudo entre crianças; brinquedo, jogo;
passatempo,entretimento, entretenimento,divertimento; gracejo, pilhéria; caçoada,
galhofa, zombaria; coisa que se faz irrefletidamente ou por ostentação e que custam
mais do que se esperava; folguedo, festa, festança; diversão carnavalesca, folia;
coisa de pouco importância, festa informal ou improvisada.(HOLLANDA, 1975,
grifo nosso)
Como mostra Da Matta (1979:112), deve ser mencionado como um dado
importante que o verbo cantar, como o verbo brincar, está cheio de possibilidades metafóricas
no Brasil. Assim, brincar significa também relacionar-se procurando romper as fronteiras
entre posições sociais, criar um clima não verdadeiro, superimposto à realidade. No carnaval,
então, quando “brincamos”, estamos nos relacionando e também simulando posições e
sentimentos. Ou seja: estamos dramatizando relações, possibilidades, desejos, posições
sociais. Daí o carnaval ser uma época onde todos estão vivendo como que num grande palco.
Brincadeira é a denominação mais freqüente para os folguedos brasileiros. O ato
de brincar está, geralmente, ligado ao universo infantil. Entretanto, é como denominamos a
ação desencadeada por atores sociais em seus momentos de diversão. É uma atividade lúdica,
que nos permite viajar por diversas experiências, sensações e contextos. São momentos que
divergem da vida ordinária e portanto podemos determinar que correspondem a fase liminar,
segundo classificação dos rituais de Van Gennep (1978). Fase onde se dá a suspensão da vida
social; período de margem, fora do cotidiano. Momento onde o sujeito ritual está em um reino
que tem pouco ou nenhum dos atributos do estado anterior ou vindouro, ou seja, onde está
livre das amarras da estrutura social. Uma situação inter-estrutural onde a possibilidade de
uma criatividade livre e até mesmo de elaboração conceitual. Portanto, um estado
majoritariamente transformador.
Segundo Carneiro (1982), é através do folclore que o povo se torna presente na
sociedade oficial e voz aos seus desejos, cria para si mesmo um teatro e uma escola,
preserva um imenso cabedal de conhecimentos, mantém a sua alegria, a sua coesão e o seu
espírito de iniciativa. As brincadeiras são para o povo, momentos de imensa criatividade e
elaboração conceitual, onde encontramos uma moralidade aberta que margens a todo tipo
de especulação. Notamos que muitas manifestações das culturas populares são denominadas
28
ora de brincadeira, ora de folguedo, ora de festa. Qualquer que seja a nomenclatura usada,
mesmo que disfarçado, o sentido religioso está sempre presente.
A brincadeira também pode ser encarada como um tipo de teatro popular, com
elementos sagrados e profanos. Seu lado profano é associado ao teor pornográfico, irônico,
grotesco e violento das piadas. Pertencendo a um período festivo, se caracteriza pela vasta
ingestão de comidas e bebidas, pelo uso e abuso, pelo excesso e pela pândega. Porém, é um
dos momentos em que mais se faz sentir a força da coesão do grupo e da fraternidade, que
um convívio desta natureza pode gerar. Fato que nos faz lembrar que a brincadeira também é
coisa divina, que a grande maioria das brincadeiras populares brasileira é feita em devoção
às entidades religiosas. A força regeneradora do brincar popular está não somente no riso e no
êxtase, mas também na crença no santo protetor da brincadeira. Aos santos relacionam-se
também o período em que cada manifestação acontece.
Em seu estudo sobre o Pastor em São Luis, Nunes (1997) demonstra que durante
o processo de colonização portuguesa no Brasil, os jesuítas tinham a idéia de utilizar o canto,
a música, a dança, mímicas, as máscaras e as plumas para atrair os índios com o objetivo de
cristianizá-los e civilizá-los. Segundo Cascudo (2002), a dança teria sofrido modificações no
seu caráter sagrado, imediato e utilitário em detrimento de um espírito lúdico, fruto de um
longo processo de automização da arte, que diversificou a sua função social ao longo dos
tempos. Mário de Andrade escreveu sobre o teatro folclórico:
Todos têm fundo religioso. Ou melhor dizendo: o tema, o assunto de cada bailado é
conjuntamente profano e religioso, nisso de representar ao mesmo tempo um fator
prático, imediatamente condicionado a uma transfiguração religiosa...A vontade de
caçoar, de se libertar de valores dominantes por meio do riso, produziu a inflação de
episódios como esses, em que o povo atinge inocentemente o próprio sacrilégio,
numa serena ausência de pecado. (ANDRADE,1934: 24-26)
Não é por acaso que quase sempre antes do período da brincadeira há um batizado
do próprio brinquedo. Ou reza-se uma novena, um terço, um bendito ou todos, para pedir
proteção aos seres, que os brincantes acreditam ter o poder de livrar-lhes de todo o mal. Mal
que deve ser mantido afastado do período em que se brinca e também do restante do ano. Por
isso, as brincadeiras acontecem de forma cíclica, “todo ano tem” (Prado, 2007), para que a
cada ano se renove a esperança e a guarnição divina da comunidade.
29
2.5 Reisados
As festas de Natal, Ano Bom, Reis, chamadas janeiras em Portugal, são as mais
alegres e travessas para o nosso povo; são quinze dias de folgares constantes e
variados. (ROMERO, 1954:51)
Apesar da escassa literatura a cerca dos Reisados, estes sempre foram objetos de
muita apreciação. Mário de Andrade (1934) declara em seu livro “Danças Dramáticas do
Brasil”, que a palavra Reisado deriva evidentemente de “Reis” e foi uma masculinização
brasileira da palavra portuguesa. Em Portugal existe o termo “Reisada”, como quem diz
“rapaziada” e “patuscada” (coisas próprias de rapazes ou de patuscos. Farra ou ajuntamento
festivo de gente que se reúne para dançar e cantar). Para Andrade, o desleixo natural da
nomenclatura popular pode ocasionalmente chamar de Rancho a um Reisado, ou de Terno a
um Rancho.
Os Reisados são folganças muito variadas. O característico deles é terem sempre, no
fim de várias cantigas e danças, o brinquedo do Bumba-meu-Boi. Originalmente,
nos Reisados cantam-se xácaras antigas, velhos romances, novas canções satíricas,
chulas, etc. (ROMERO apud ANDRADE, 1934: 35)
Em seu “Pequeno Dicionário do Natal”, Roberto Benjamin (2007), qualifica
Reisado como:
Formas de dramatização do cotidiano ou de transposição para a forma dramática de
romances e xácaras, formas literárias populares tradicionais em verso. Cada assunto
origem a um entremeio conciso que é representado em meio a uma série de
entremeios que vem a constituir o folguedo. (BENJAMIN, 2007)
Mário de Andrade (1934) cita que Mello Morais:
[...] designa os Pastoris como especiais das cidades do litoral, e substituídos no
interior de ‘quase todo o norte’ pelos Reisados. Que sempre existiram também a
beiramar. E ainda mais desatentamente afirma que ‘Bailes e Reisados’(entre os quais
enumera o Bumba-meu-Boi) eram dançados dentro das casas, ao passo que as
Cheganças bem como os ‘ranchos de Reis” com a competente Burrinha se dançava
ao ar livre. Nas ‘Festas e Tradições’ distingue sem hesitar Pastoris, Cheganças e
Reisados, adiantando que os dois últimos gêneros são da exclusividade das classes
populares[...] nas ‘Serenatas e Saraus”, a ação de cada Reisado ‘gira inteira em torno
duma figura ou dum personagem, que o nome ao Reisado’[...] e no ‘Quadros e
Crônicas’, que vários Reisados podem se seguir unidos dentro do mesmo brinquedo.
(MORAIS apud ANDRADE, 1934:36)
Andrade descreve os Reisados como adaptação dramático-coreográfica de
romances e cantigas populares; uma representação dançada e cantada, consistindo num
episódio só, que contém sinteticamente a significação completa do assunto.
30
Não havia apenas as xácaras tradicionais de origem ibérica nascente. Tinha também
os romances locais do romanceiro nacional nascente, que o povo num átimo adotou
aos seus Reisados e foi com isto que este reforçaram a sua grande originalidade
brasileira. (ANDRADE, 1934:30)
Os exemplos citados pelo autor são os seguintes: Reisado do do Vale,
aproveitado de um romance brasileiro do ciclo do cangaço; do Cavalo Marinho (incorporado
ao Bumba-meu-Boi; um núcleo básico principal vai sendo recheado de temas apostos,
pertinentes ou não ao assunto original); do Caipora, do Mestre Domingos, o Folguedo da
Trança (consiste numa vara com fitas, segurada no centro da roda por um figurante. Os
demais bailarinos, pegando as fitas pela outra ponta livre, traçam e destrançam em figurações
variadas); o da Burrinha, o do Engenho, dos Caboclos, etc.
Os agrupamentos instrumentais variam bem de lugar para lugar, e são poucos os
bailados que possuem exigências instrumentais fixas [...] Pelo que se vê, e continua
sendo verdade nos costumes atuais, o acompanhamento instrumental às mais das
vezes é criado pelas possibilidades do momento, com os tocadores que existirem à
mão. Luís da Câmara Cascudo (37, março de 1929) diz que nos Reisados atuais de
origem lusa “a orquestra antecede o canto, executando o motivo” (ANDRADE,
1934:68-69).
Na procura de uma unidade conceitual Andrade (1934) coloca a forma estética do
Reisado, onde os episódios esporádicos ainda são ajuntados de maneira a constituir um todo
harmonioso mais ou menos como foi a formação da Odisséia, quer ela tenha como autor
Homero ou o tempo; dotado de um núcleo temático básico, com temas agregados. quanto
ao conteúdo temático, alega que a origem dos diversos Reisados residiria no processo de
transposição de uma forma verbal e poética à forma dramática dançada.
Edison Carneiro (1974) em “Folguedos Tradicionais” coloca que:
O Reisado e, modernamente, o Guerreiro, ligam-se ao Natal. Um e outro são
rapsódias populares, reunião de cenas e episódios sem ligação entre si, alguns
específicos da representação, outros tomados à vontade a outros autos, desfiles e
diversões tradicionais. São, num e noutro caso, um bando de foliões que bate à porta
dos amigos para brindá-los com um espetáculo que se constrói com “entremeios”
cômicos, “peças” cantadas e “embaixadas” declamadas. (CARNEIRO, 1974:169).
31
Para Barroso (2007) em sua tese sobre o Reisado Careta no Ceará, criar uma
conceituação para diferentes Reisados, não significa afirmar Reisados exemplares, construir
modelos, ou mesmo dizer como eles deveriam ser. “Há sempre variações, por menores que
sejam, na constituição do figural (quadro de figuras), na sua caracterização, nos entremeios
que entram na seqüência e na importância dada aos entremeios etc [...]”. Muitas vezes, a
denominação dada pelas populações locais aos seus Reisados sofre influências de fatos e
costumes locais.
[...] cheguei à conceituação do Reisado como um folguedo tradicional do ciclo
natalino, que se estrutura na forma de um cortejo de brincantes, representando a
peregrinação dos Reis Magos à Belém, e se desenvolve, em autos, como uma
rapsódia de cantos, danças e entremeses
,
incluindo obrigatoriamente o episódio do
Boi. (BARROSO, 2007:25)
Pude observar que o episódio do boi, apesar de estar sempre presente, não ocupa
obrigatoriamente lugar central no Reisado do Maranhão, tanto para os brincantes como para a
assistência. No grupo “Reisado Encanto da Terra”, do Bairro Campos de Belém, em Caxias
por exemplo, a aparição do boi não ganha qualquer destaque, e a cena da morte fica mesmo
por conta dos caretas. Lá, é o careta velho que morre e ressuscita no meio da brincadeira. O
dono do grupo, Sebastião Chinês, contou que na região costuma ser assim, que viu boi
morrendo em Reisado no Piauí.
No livro sobre as Festas de Reis do Nordeste Transmontano de Portugal, Tiza
(2004:113) declara que o Padre Firmino Martins se refere a uma antiga tradição realizada em
Vale das Fontes e em outras localidades como o “Ramo do Natal”, a representação teatral do
nascimento de Jesus afirmando ser neste ciclo festivo “que se faziam as representações, restos
do teatro popular que a igreja protegeu e difundiu, proibindo-o mais tarde, naturalmente
devido a abusos”. Gomes (2006) acredita que a forma tradicional dos rituais do Natal e do
Carnaval que persiste em certos pontos da Europa, tem como origem mais provável as
“saturnais”, festas imperiais da Antiguidade realizadas em Roma em louvor a Saturno,
divindade agrária e soberano dos deuses, com vista à expulsão das forças malignas do Inverno
e à renovação da vegetação.
No Brasil, encontramos manifestações em louvação aos Reis Magos e ao
nascimento do menino Jesus, com muitas formas e nomenclaturas, espalhadas por diversas
regiões. Temos como exemplos, conforme demonstra Silva (2006), as Folias de Reis, no Rio
de Janeiro, Brasília, Minas Gerais e Goiás, as Companhias de Reis em São Paulo, o Terno de
32
Reis na Bahia, a Tiração de Reis e Boi-de-Máscara no Pará, o Presépio, as Pastorinhas, os
Pastoris, o Pastor e o Bumba-meu-boi do nordeste brasileiro oriental, o Boi-de-Mamão em
Santa Catarina e Paraná, o Boi de Reis no Espírito Santo, o Reis de Bois, Reis de Careta ou
Reisado no sertão do Ceará, o Cavalo-Marinho em Pernambuco e na Paraíba, os Reisado e
Guerreiros e Boi Calemba em Alagoas, no Ceará, Sergipe e Rio Grande do Norte, o Reisado
Careta ou Caretas na região do sertão que engloba o Maranhão, Tocantins, Ceará e Piauí,
entre outros. Porém,
É necessário lembrar que, dentro do ciclo natalino, existem manifestações que
apesar de serem habitualmente chamadas de Reisados, não possuem temática dos
Reis Magos e do Menino Jesus, o que não impossibilita a participação desses grupos
nas Festas de Santos Reis. Como por exemplo, temos a Chegança e a Marujada
(temática náutica, envolvendo a luta dos Mouros contra os Cristãos), a Taieira e o
Ticumbi (temática afro-brasileira). (CAVALCANTE e TORRES, 2007:18).
Atenta às conceituações referentes aos reisados e me baseando na observação
empírica de algumas dessas manifestações, posso determinar que sob o meu ponto de vista
Reisado é: uma brincadeira do período natalino, com música, canto, coreografia e poesia.
Devido à grande diversidade cultural, decorrente da também imensa diversidade social
encontrada no não menos vasto território brasileiro, opto por esta conceituação que, embora
simples, se pretende ampla. Sem desvalorizar a importância da conceituação que a
comunidade intelectual cria na tentativa de delimitar as culturas populares para melhor
estudá-las, pretendo, desta forma, dar mais liberdade à própria comunidade de brincantes em
relação a auto-classificação de suas brincadeiras votivas.
2.6 Caretas
Caretas ou máscaras fazem parte da história cultural humana desde os tempos
mais remotos. Sua produção e uso são universais e podem ser encontradas entre as mais
antigas sociedades, como a egípcia, grega, asiática, pré-colombiana, entre outras. Atualmente,
têm uma distribuição geográfica quase universal. A expressão careta corresponde à falsa-cara
ou cara-pequena e está ligada a uma forma milenar de intimidação, como nos informa Câmara
Cascudo (2002:113). Segundo Tiza (2004) são geralmente rituais ou mágicas, afinal, a
palavra máscara origina-se do baixo latim, mascha, que significa feiticeira.
[...] em Portugal o uso ritual da máscara é pelo menos anterior à Inquisição, que
condenou à fogueira vários mascarados. D. João V autoriza-as no século XVIII, para
embelezamento dos Carnavais palacianos e dos bailes da corte, enriquecidos pelo
33
brilho passageiro do ouro do Brasil [...] A solenização do tempo com liturgias
mascaradas foi costume pagão nas festas romanas das Juvenais e também dedicadas
a Baco, as Bacanais [...](TIZA, 2006:35)
Conforme Lody (1999) a máscara vai além de uma peça; é antes de tudo uma
preparação, um estado de predisposição e entrega àquilo que será a personagem. “Trata-se de
compromisso e partilha com o significado prescrito pela própria máscara, por sua
simbologia”. O mascaramento pode conferir poderes de seres selvagens e sobrenaturais. Estar
mascarado é estar em mudança do aspecto natural e cotidiano. A função das máscaras pode
ser inclusive de reversão do status de quem as usam. As máscaras asseguram o anonimato de
quem as utilizam.
O ato de se mascarar é um ato representativo. Pode ter uma dimensão religiosa,
teatral, ambas e outras. Está presente em diversas culturas e abrange diferentes níveis da vida
social. As comunidades arcaicas puderam, no decurso dos séculos, conservar um espólio de
antigas máscaras, que são patrimônios valiosos para o conhecimento das axiologias
comunitárias, e fonte de inspiração para novas criações, levando à renovação da tradição. Está
baseada numa peculiar inter-relação da realidade e da imagem, característica das formas mais
antigas dos ritos e espetáculos. Estar mascarado é estar em mudança do aspecto natural e
cotidiano.
Peter Junge (2004) observa que o uso de máscaras nas sociedades rurais e
reinos africanos pode estar associado a diferentes esferas da vida. Nestes contextos, desfiles e
encenações de máscaras manifestam sistemas distintos de educação, ensino, entretenimento,
integração social, cultural e econômica, como também de controle social, com suas funções
judicial, punitiva e de regulação do poder político.
Podemos admitir que, na Grécia e na Ásia Menor, a prossopa antes de chegar a
elemento da comédia, tivesse uma função daimônica, iniciática e religião[...] Mas,
quanto às máscaras africanas e asiáticas, temos por certo mediante os estudos de
antropólogos como Jorge Dias (para o caso dos Macondes) e Mário Milheiros e José
Redinha (para o caso das tribos angolanas), que elas m uma função daimónica,
mediúnica e salutífera, mediante a feitiçaria médica. A máscara é o sinal de que o
seu utente não é aquela pessoa, mas o espírito que, pela máscara, ela reveste. (TIZA,
2006:15-16)
A ação de arrancar a máscara dos outros, torna pública a vida privada. A máscara
pode ser considerada como expressão das metamorfoses, das violações das fronteiras naturais,
da ridicularização, dos apelidos; encarna o princípio de jogo da vida. A caricatura, a careta, as
contorções e as “macaquices” são derivadas da máscara. A interação da máscara com quem a
34
usa, se como se fosse um ato mágico, isto é, de transformação profunda, ocasionada pelo
significado e a incorporação deste. A utilização da máscara assumiu novas alternativas na
representação das fábulas, ou contos cujas personagens são seres humanos personificados em
animais e até é possível autores criarem animais travestidos de máscaras humanas.
O ato estético de mascarar, transformar, intervir na imagem do rosto, da
cabeça, de todo o corpo, pressupõe o uso de peça convencionalmente preparada para tal
finalidade, podendo ainda receber acréscimos de roupas, pinturas, acessórios e ambientações
de contextos vários. Os ornamentos corporais, assim como as vestes, constituem elementos
impregnados de poder para quem os usa. Todos nós, e nem só os palhaços, nos caracterizamos
de um modo ou de outro. Grande parte das mulheres e até mesmo alguns homens se utilizam
de disfarces, como a maquiagem, para transformar características físicas desagradáveis.
Usamos expressões como “deixar cair a máscara”, “fazer caretas”, “ficar de trombas”, “ficar
de cara”, “fazer cara de anjo”, “estar de cara limpa” para expressar sentimentos, como se o
que demonstramos nas feições pudessem refletir nossos sentimentos verdadeiros.
A transformação interna que opera a máscara é descrita geralmente como um
poder extraordinário, que permite fazer tudo o que não se pode fazer quando não mascarado.
Porque o mascarado é um tipo de super-homem, um ser momentaneamente fora da linguagem
humana, fora da própria identidade, mas ainda homem na natureza e na forma (desfocadas).
Um ser cuja liberdade de ação e de inversão das normas lhes confere simultâneos poderes de
juiz e carrasco. O mascarado torna-se um ser superior, mágico e profético, diabo e sacerdote
ao mesmo tempo, gozando de um estatuto sui generis com uma liberdade quase sem limites,
com a faculdade de destruir, criticar, troçar ou acariciar segundo a sua vontade. Dificilmente
identificáveis, se não de todo impossível todo tipo de brincadeiras lhes é permitido fazer.
No Brasil, a presença dos mascarados é uma constante em numerosas
manifestações populares. Personagens mascarados podem ser observados entre o fofão, no
carnaval maranhense; os clóvis ou bate-bola, no carnaval carioca; o papangu do carnaval de
Recife; os caretas de Bezerros, cidade do agreste pernambucano; as figuras do Cavalo
Marinho da Zona da Mata Norte de Pernambuco e da Paraíba; o cazumba do Bumba-meu-boi
do Maranhão; os palhaços das Folias de Reis; os mascarados das Cavalhadas de Goiás; os
palhaços de circos, entre muitos outros. Segundo Bitter (2006) estes personagens se
assemelham por um conjunto de traços como a esperteza, a comicidade e, sobretudo, a
35
astúcia, muitas vezes acentuadas por um princípio de rivalidade, tornando-os ainda bastante
briguentos. O uso de chicotes, bexigas, porretes de madeira ou facões, é outro elemento de elo
entre esses personagens grotescos das festas de rua do país.
No seu trabalho sobre “o congo de máscara” do estado do Espírito Santo, Mazoco
(2003:32-33) ressalta a expressão totêmica das máscaras nesta festa. O autor buscou a
sabedoria de “Seu” Queiroz, dono de Banda de Congo, que sintetizou as duas finalidades da
máscara na brincadeira da seguinte forma: “a primeira, de ocultar e disfarçar o indivíduo que
a usa e a segunda a de assustar, hilariar a brincadeira, dar alegria à festa”.
O comportamento dos mascarados durante o cortejo da festa lembra a alegria da
bicharada de Reis de Boi, no norte do Espírito Santo; aquele comportamento de uma
alegria amalucada irreverente, de liberdade, de criatividade; a materialização de um
imaginário popular, da alegria e do medo, das recordações da infância à vida adulta,
do bicho-papão e do congraçamento com os seus comuns pela sua identificação
cultural. (MAZOCO, 2003-33).
Interessante o fato de Mazoco (2003), ressaltar o medo do bicho-papão e as
recordações da infância à vida adulta, pois acredito serem essas brincadeiras populares a fonte
de inspiração para as cantigas de ninar como a que coloco na epígrafe desta dissertação.
Recolhi alguns depoimentos de adultos que lembram com bastante clareza o pavor que as
caretas dos reisados lhes causavam; as caretas dos Caretas, as do Babau e as do “Boi da cara
preta”. Além do contexto musical infantil, essas personagens eram usadas pelos adultos para
impor limites aos pequenos, como por exemplo: “não que o careta te pega”, conforme
relato de uma tradicional família de Caxias, com quem tive a oportunidade de almoçar.
Borba Filho (1965: 4-5) em “Bumba-meu-boi” de Pernambuco, considera a máscara como um
elemento de aproximação entre atores e público. Lembra que “os que não usam máscara
lançam mão de uma maquilagem bem carregada de carvão ou farinha de trigo que se
assemelha á própria máscara”.
No Reisado Careta, as máscaras podem ser feitas com qualquer tipo de
material, como couro de bicho, latão, papelão, cabaça, carcaça de animal ou o que tiver
disponível para sua confecção. Os caretas poderiam ser chamados de reis, que simbolizam
os Reis do Oriente, entretanto suas máscaras sobressaem tanto que acabaram dando nome não
a personagem como ao Reisado. Os outros brinquedos do Reisado no Maranhão que se
apresentam na forma de bonecos, também podem ser classificados como detentores de uma
espécie de máscara. Afinal, a cabeça do boi, a cabeça da burrinha, do jaraguaia, da ema, do
36
galo, da nega-véia, e do babau são também caretas. As personagens e o material com que são
confeccionadas podem variar conforme o grupo mas as caretas estão presente em todos eles.
37
3- O REISADO CARETA DE CAXIAS
3.1 Caxias, sertão do Maranhão: um panorama da região.
Segundo César Marques (2008:317-330), quase que sem exceção, as cidades
ribeirinhas do norte do Brasil, nasceram em conseqüência dos chamados "pousos" ou "paióis".
Esses pousos eram casebres construídos de folhas de palmeiras geralmente tapados de palhas,
e serviam aos tocadores de gado que provinham da bacia do São Francisco, na direção do
litoral, notadamente para São Luís. Os paióis eram depósitos provisórios construídos pelos
lavradores de cultivo intenso da terra, onde armazenavam nas colheitas o produto de seu
trabalho. Encerrado o ciclo produtivo levantavam tenda, para queimada de novas matas e
construção de novos roçados, via de regra à margem dos rios, única via de acesso para
escoamento da produção.
Em seu “Dicionário histórico-geográfico da Província do Maranhão”, Marques
(2008) escreve que os sertanistas que partiram do sul e leste do Brasil penetravam nos sertões
do Piauí atravessando o rio Parnaíba e atingiram fundo nas imediações de Caxias, o curso do
médio Itapecuru, como o haviam feito na região de Pastos Bons, na parte alta do rio. A
criação de gado foi a origem da povoação em Caxias que jamais fora fundada num dia e hora
certos. O local onde hoje está situada a cidade foi um agregado de aldeias de índios timbiras e
gamelas, os quais, perseguidos pelos portugueses, que queriam reduzí-los a escravos e vendê-
los, fugiam para as montanhas e florestas, abandonando suas habitações. Seu primeiro nome,
o de “Aldeias Altas”, vem assim desse conglomerado de aldeias de onde se destacavam as
tribos chamadas Guanarés.
O Professor Basílio de Magalhães em anotações à obra de Spix e Martius (1981)
grafa Cachias. Diz ali que é a melhor grafia do topônimo, pois provém sem dúvida do nome
cachia, a "esponja", flor do arbusto chamado "corona christi" e não de caixa. segundo
Cascudo (apud Koster: 1978), a grafia Caxias veio de Portugal onde denomina “cidade”.
Porém para Marques (2008) alguns entendem o nome Caxias como de origem indígena
38
significando “rio de pedras chatas”, não pela abundância de pedras no leito como pela
semelhança com o batráquio “cururu”
9
.
Hoje, Caxias pertence à Zona Fisiológica do Itapecuru, distante da capital São
Luís do Maranhão, rumo S. S. E. em linha reta, 276 quilômetros. Bem próxima à faixa
equatorial, baixa altitude ao nível do mar, tem clima quente, amenizado pelas matas, rios e
riachos que a cortam e atravessam em todas as direções. A área de unidade territorial é de
5.224 Km² e a população de 143.197 habitantes, segundo o IBGE (2007). No final da década
de 1830, como demonstra Franchetti (2007:57), ali se deu a revolta da Balaiada, movimento
popular que juntou, contra o governo central, vaqueiros, lavradores, camponeses, artesãos,
negros, mestiços e índios. “A rebelião só foi debelada pelo futuro duque de Caxias, e foi
encerrada em 1841, quando D. Pedro II, tendo a sua maioridade antecipada, ofereceu anistia
aos revoltosos, com a condição de que os participantes negros fossem reescravizados”.
O rio Itapecuru é o principal da região. O rio Parnaíba banha pequena extensão do
município e serve de limite com o Piauí. O riacho Gameleira é limite com Codó, o riacho
Prata também limita com Codó. Seus morros o: o Sanharol, o do Araim e o das Tabocas,
que virou Alecrim depois do poema “Morro do Alecrim” de Gonçalves Dias (1969), que
nasceu na cidade e o escreveu em sua homenagem. Palmeiras, babaçu, tucum, carnaúba,
piqui, bacuri, maçaranduba, angelim, aroeira e jurubeba são algumas representantes da flora
regional. As atividades econômicas mais destacadas no município ainda são da lavoura e a da
extração de amêndoas de babaçu, ambas praticadas por métodos primitivos, sendo que, na
produção agrícola, destacam-se: arroz, algodão e milho, com largo consumo local e como
artigos exportáveis. A pecuária também ocupa lugar de destaque.
No perímetro urbano houve uma importante fábrica de tecidos que funcionou na
cidade após a abolição e em cujo prédio restaurado atualmente funciona o Centro Cultural da
Prefeitura. Destacam-se na arquitetura local templos religiosos representantes do catolicismo
inicial de sua constituição como a Igreja Matriz, de Nossa Senhora da Conceição e de São
José, na Praça Cândido Mendes e a Igreja de São Benedito, na Praça Vespesiano Ramos.
Atualmente, é possível notar uma série de igrejas batista, adventista, protestantes, entre
9 Segundo Ferretti, S. pode ser que o nome Caxias derive de Cachéu, região da África na atual Guiné Bissau,
onde um rio de nome Cachéu e os habitantes são chamados de Cacheu, dos quais vieram muitos
escravos para o Maranhão que aqui eram chamados caxéus ou caxias. Na Casa das Minas uma vez ao ano
se canta para os caxias ou caxéus. (Informação verbal fornecida em outubro de 2007).
39
outras, além dos espaços destinados às religiões afrobrasileiras, que é mais denominada na
região como terecô ou tambor da mata.
3.2 O Reisado Careta
A sede do grupo “Reisado Encanto da Terra” está localizada no bairro Campos de
Belém, cidade e município de Caxias, na casa de dona Zélia e seu esposo Sebastião Chinês,
dono, cantador e idealizador dos brinquedos e músicas. Os integrantes do grupo no ano de
2007 eram Francisco Ferreira de Souza, artesão dos brinquedos; Geraldo; Natal Medina dos
Santos; Wallison; Francisco França Aquino, todos caretas; Chico, careta velho e fazedor de
cantiga; Antônio Rodrigues dos Santos, também careta velho; Sirilo, que coloca a burrinha;
Fernando, que veste o boi e o babau; Flávio, que brinca no jaraguaia e na burrinha; Cristina
Regina, que brinca na cabeça de fogo; Natanael, que brinca no galo; Jamilda, que toca
triângulo e faz a segunda voz; Lindomar Ribeiro da Silva que é cantador; Luís Abreu, que
toca bumbo e Luís Valério Duarte tocador de banjo.
A vizinhança participa como noitante. São pessoas responsáveis em organizar e
pagar as despesas com a contratação dos rezadores (a), fogos de artifício, velas e alimentação
em cada noite de reza que acontece na sede do grupo antes da jornada sair às ruas. São
servidos geralmente café ou leite com chocolate, com bolo ou biscoito. Os familiares também
colaboram com a confecção das vestimentas e com o almoço que é servido aos brincantes
hospedados na sede, durante os onze dias e noites que se estende o festejo. O forno à lenha
onde se assa os bolos fica localizado em uma casa bem próxima a sede que é do primo de
Sebastião Chinês. Sua esposa, Zélia, sua mãe, Dona Conceição, sua filha Fabiana e seu filho
Gabriel, apesar de não colocarem nenhuma figura, diretamente no Reisado, estão sempre
juntos ao grupo, cuidando para que tudo corra bem.
A concentração para o início da festa desse Reisado Careta começa com a reza
que acontece ainda na sede do grupo. Geralmente, reza-se o terço e tira-se o bendito. No
grupo “Reisado Encanto da Terra” cada noite tem um responsável para puxar a reza. Muitas
pessoas da região têm o costume de festejar vários santos do calendário litúrgico, durante o
ano, além de seguirem procissões e romarias para cidades como Juazeiro do Norte, Canindé e
Aparecida do Norte. É comum haver em um bairro ou povoado, mais de um rezador (a). Pude
observar que os devotos mais velhos tinham sempre uma criança, em geral um neto ou outro
40
familiar o acompanhando. Notei um maior número de crianças em relação aos jovens e
adultos, na hora de rezar a ladainha
10
.
Observei que apesar de usarem a expressão “rezar o terço”, nem sempre essa reza
se estende até completar o número de contas do objeto que não necessariamente precisa estar
na mão do rezador (a). Mas sempre se entoa na forma de cântico ou apenas falado, Credo,
Ave Maria, Pai Nosso e Salve Rainha. Cascudo (2002:673) classifica o terço de São Gonçalo
como “ato religioso praticado por seus devotos diante do altar. Durante o terço não rezas,
somente cantos laudatórios [...]”. No caso do Reisado Careta em Caxias, há reza e também
cântico, que são denominados pelos devotos como benditos. Segundo Cascudo (2002:61-62),
bendito é “canto religioso com que são acompanhadas as procissões e, outrora, as visitas do
Santíssimo. Denomina o gênero o uso da palavra bendito, iniciando o canto, uníssono [...]”.
Me guardai por essa noite,
Amanhã, por todos os dias
Rezemo Ave Maria
Lá nos pés da santa cruz
Peço que rezemos agora
Para sempre amém Jesus
Um Pai Nosso, uma Ave Maria
Para o Santo neste dia
Os versos entoados não se restringem a pedir proteção e bênçãos apenas para o
santo festejado naquele período. É constante a presença de outras imagens na santidade
(forma local para designar o altar).
Nossa Senhora do Carmo
É madrinha de São João
Eu também sou afilhado
Da Virgem da Conceição
Essa Devoção
É de Nossa Senhora
Ela me ajuda
Entrar lá na Glória
Aquele Senhor
Que está numa cruz
Salvai nossas almas
Meu doce Jesus
10 De Nossa Senhora, Sagrado Coração, Todos os Santos etc. Tirada (declamada) ou cantada durante os terços,
novenas, trios, sua popularidade é baseada nos poderes místicos da imprecação religiosa. Os velhos tiradores de
ladainhas no sertão do Nordeste tinham vozes de alta expressão trágica, causando inesquecível impressão pela
inflexão sonora e patética, abalando as almas[...] (CASCUDO, 2002: 322).
41
Quando os devotos acabam de rezar, eles vão cantar para “beijar a santa” que
estiver em cima da santidade,
Levanta devoto
Vem beijar Maria
Nossa protetora
Nossa Luz e Guia
depois vão cantar para “guardar o santo”,
Rezadeira guarda o Santo
Guardai todas alegrias
Guardai o menino Deus
Filho da Virgem Maria
que é levado para dentro da casa, e então são dados os vivas da noite: Viva o dono da casa!
Viva Santo Reis! Viva o Menino Jesus! E soltam foguetes para animar o festejo.
Então são servidos bolo, biscoito, café ou chocolate. Os músicos vão preparar
seus instrumentos, os brincantes vão vestir suas fardas, os bonecos são colocados em um
carrinho improvisado, para dar início à jornada (caminhada até as casas que recebem a
brincadeira). Alguns vizinhos partem junto aos brincantes e o resto da assistência vai se
juntando ao grupo na medida em que vão se dando as abrições de porta”. A jornada não é
acompanhada por música. É ali que se a conversação amigável entre os integrantes do
grupo e as pessoas que os acompanham na visita às cerca de dez a quinze casas que serão
visitadas naquela noite. A bandeira, feita de tecido branco e pintada com a imagem de Santo
Reis é aberta bem encostada à porta da frente da casa visitada e os quatro cantadores (as)
começam a entoar seus cânticos.
Segundo Sebastião Chinês: “A gente cantando e os careta respondendo. Mas se
nós estivermos na apresentação, nós canta e nós mesmo responde, porque não para escutar
eles. Mas se nós estiver na brincadeira, nós canta e eles respondem”. Essa fala sinaliza para as
mudanças que ocorrem na manifestação dependo do contexto em que está inserida. Porém,
quando apenas os cantadores ficam responsáveis pelo “pé” (nomenclatura local para designar
os “versos”), um primeiro puxa, um segundo repete; outro primeiro puxa, outro segundo
repete, da seguinte forma:
Santo Reis do Oriente - 1º : 1
Me mandou que eu cá viesse -1º : 1
Me mandou que eu cá viesse – 2º : 1
42
Santo Reis na sua porta -1º: 2
Quem mandou foi São José -1º: 2
Quem mandou foi São José – 2º: 2
O dono da casa abre a porta e os caretas começam a fazer graça, dizendo tudo
errado, tudo ao contrário. Alguns exemplos são: “Bom dia! A luz estava acesa e nós não
quisemos bater”; “Esse branquinho veio para atrapalhar nossa festa”, referindo-se à um
tocador negro do grupo; “Ah, você não veio não? Não trouxe o seu amigo, né?”; “ Ainda bem
que tá com seu pai no braço, no braço não, nas pernas” para uma mulher com o filho no colo;
“Aqui tá fazendo um frio danado”; dão o endereço e o dia do cortejo para Santo Reis, trocado.
Como os caretas simbolizam os Reis Magos que estavam querendo despistar Herodes, esse
pode ser um motivo para falarem ao inverso.
Além disso, é comum encontrarmos referências ao uso da inversão como forma de
comédia nas culturas populares. Em seu estudo sobre o Cavalo Marinho, Acselrad (2002)
declara que o gosto pelo jogo, pela festa, pela farra, mas também pelo trocadilho, pela
inversão, pela denúncia caracterizam a natureza do humor nas brincadeiras populares.
Aliás, é esta obrigação fundamental inerente ao papel do palhaço, aquela que o
grupo espera que seja por ele desempenhada: comportar-se e falar erradamente.
Neste momento, uma reconversão de negativo em positivo se opera. Nele o erro e a
maneira é que são o certo e o verdadeiro, pois “quanto mais ele faz feio, mais é o
bonito, mais faz graça pro pessoal”. Quanto mais foge dos padrões, quanto mais
inversão realiza, mais comunicação e audiência consegue, liberando ainda que
momentaneamente, assuntos proibidos ou abafados pela consciência em estado de
sentinela. (PRADO, 2007:216, grifo nosso)
Os caretas são os palhaços da festa, costumam dizer todo tipo de piada entre si,
em relação à assistência, aos músicos, até mesmo sobre um animal que esteja por ali; todos os
presentes podem ser vítimas de suas mungangas
11
. Afinal, o humor exime o palhaço da
responsabilidade de seus atos. E apesar de direcionar críticas de todas as formas e maneiras,
jamais é acusado de heresia, não importa o que afirme desde que se exprima de modo bufo.
Os caretas mais engraçados são aqueles com maior capacidade de improvisação. Como
demonstra Prado (2007:213), “o palhaço se torna palhaço quando, a partir de uma idéia
inicial, consegue, por uma habilidade de criação continua, introduzir o inesperado”. Ao
escrever sobre o ator cômico em seu estudo sobre o Bumba-meu-boi maranhense Prado
(2007:213) lembra que é “por esta razão que os informantes o concebem como o repentista
por excelência dentro do conjunto de brincantes”. Conforme o dono do grupo “Reisado
11 Trejeitos, caretas, movimentos bruscos, sugerindo comicidade[...] (CASCUDO, 2002:404).
43
Encanto da Terra”:
“Muitos pé agente vai fazendo tudinho, e vai dando certo. Agora o careta sendo bom
de verso, ele mesmo faz. nem carece eu passando para ele, ele mesmo, da
cabeça dele faz um verso ligeiro demais, o pessoal acha graça. Cada um tem uma
idéia. Cada um que naquele momento, daquela brincadeira, cada um tem, é desse
jeito". (CHINÊS, Sesbastião;2007)
E é com toda picardia que os caretas vão “tirar as esmolas”, “negociar a
brincadeira”. Perguntam para o dono (a) da casa se podem “botar” todos os bichos para
dançar. Se o dono (a) da casa não tiver quase nada para oferecer ao grupo, o Reisado brinca
com menos brinquedos, poupando assim tempo e disposição dos músicos e brincantes. Não
existe um valor estipulado para ser pago. Inclusive, é mais comum o uso da palavra “agrado”
ao invés de pagamento. Ele pode ser em forma de moedas de dinheiro ou algum tipo de
bebida ou alimento. O dono da casa entrega a “jóia do santo” que fica com a senhora que
carrega a bandeira e que se destina, junto ao dinheiro arrecado no leilão que acontece no dia
06 de janeiro, para cobrir as despesas com o festejo. As esmolas que são pedidas nas portas,
servem para arcar com a comida (que consiste em porco, arroz, farinha e café), para pagar os
músicos, os foguetes, as velas e aprumar as fardas, bonecos e instrumentos.
Cada brincante depois da apresentação de seu bicho joga um lencinho
12
no ombro
do dono da casa para esse depositar seu “agrado”, que varia geralmente entre cinco centavos a
um real. Esse valor pode parecer irrisório para o leitor urbano, mas é de grande valia para a
população local. Tanto que o acúmulo das “sortes” recebidas é guardado com bastante zelo
por seus receptores. Essa importância pode ser ilustrada pelo fato de ao serem requeridos
para colaborar com o que pudessem para uma sopa que ia ser servida no final da jornada na
casa do dono do grupo, muitos deram, com grande pesar, o valor de dez centavos. E apesar de
a sopa ter ficado deliciosa, foi feita uma única vez, provavelmente pelo fato de a
“vaquinha” ter gerado certo desconforto entre os integrantes.
Os músicos recebem, geralmente, do dono da brincadeira, pois não tem lencinho
para jogar aos donos da casa. Isso pode derivar do papel profano que a música desempenha no
ritual, ou também pela profissionalização desses artistas, que muitas vezes deixam de estar
trabalhando em outras festas para dedicarem-se todas essas noites à Santo Reis. Os
instrumentos do Reisado Careta que acompanhei eram pandeiro, bumbo, banjo e triângulo
12 Objeto entregue ao dono da casa durante a apresentação e devolvido a cada brincante ao final da encenação,
acrescido de poucas moedas ou um bocado de alimento como farinha ou arroz.
44
mas geralmente o grupo dos músicos também é composto por violão, cavaquinho, rabeca ou
sanfona. Dona Nair, dona do grupo de Reisado Careta do povoado da Barra do Inhinga, no
município de Matões alterna; um ano contrata sanfoneiro e no outro rabequeiro. Os brincantes
do “Reisado Encanto da Terra” me disseram que gostariam de colocar sanfona, que fica bem
melhor mas que não tem condições, pois é muito dispendioso.
A bandeira é levada para dentro da casa pela devota que abriu a porta. Em
algumas ocasiões, os caretas também entram para sapatear e dizer versos, assim como para
beber alguma coisa, antes de brincarem no terreiro. Dada a permissão cada personagem
(brinquedo, bicho ou passarinho) vai dançar dentro do círculo formado pelos caretas e pelos
músicos, onde se desenvolve a manifestação. A assistência se posiciona ao redor deles. Cada
brinquedo tem sua música específica, muitas recebidas através dos “antigos” e muitas outras
inventadas pelos atuais brincantes. Os músicos puxam a “dança dos caretas”:
Senhora dona da casa
Eu mandei foi te chamar
Senhora varre o terreiro
Que o careta quer brincar
Careta-Véio
Tu pisa o milho
Tu pisa o milho
E a poeira a voar
Um careta canta:
Careta-Véio
Mais o caretinha
Tú vai lá fora
Buscar farinha
Todos cantam:
Ê,ê,ê,
Ê,ê,ê
Ê,ê,ê
Macumbambá
Outro careta canta:
Tenho uma prima
Que se chama Marilu
Ela tá com o dedo fino
De tanto botar no olho
Todos cantam:
Ê,ê,ê,
45
Ê,ê,ê
Ê,ê,ê
Macumbambá
E assim, cada careta entoa o seu verso. Mas nem todos necessariamente cantam. E
o mesmo careta pode cantar mais de uma vez, versos diversos. Cada careta tem um nome, um
apelido de careta para ninguém saber quem é a pessoa. no “pé” chamam pelo nome que
pode ser Mocotó, Jatobá, Macaúba, Savasquara, Come ovo, Avião de frango, etc. Na verdade,
quem tem a maior responsabilidade em dizer versos e comandar o grupo é chamado de
“Careta-Véio”. Ele veste a mesma farda que os demais, mas geralmente tem um objeto que o
diferencia, como um lenço amarrado na cintura.
uma música chamada “Sanharó” com o seguinte refrão: “sanharó, me mordeu
mas não doeu”. É mais um momento onde os caretas falam da assistência e fazem piadas com
seus nomes. Fazem “trufia” (apostas e desafios) entre si e ficam dizendo “belas” (trocadilhos)
tudo em forma de verso. Costumam dizer coisas engraçadas e pornográficas. Como observa
Barroso (2007:137), em seu estudo sobre os Reisados de Careta no Ceará “Alguns deles usam
orações paródicas, versos feitos e fórmulas fixas também encontrados em outros Reisados”.
Os caretas nunca são menos de três, porque representam os Santos Reis do
Oriente. E podem ser mais. No grupo “Reisado Encanto da Terra”, de Caxias, giram em torno
de oito. A explicação do dono, Sebastião Chinês é que assim fica mais bonito, mais animado.
É o personagem de grande destaque, muita gente pede para brincar e ele deixa. Mas sabe que:
“O certo são três mesmo. Acho que vou botar mais gente, porque tem aqueles
meninos que brincam naqueles brinquedos ali, que querem botar careta, aí agente vai
fazer o que? O jeito é deixar. o quero botar porque, tem muito, e muito demais
é muito, complica demais. Quando eu comecei não, era bom, era três, quatro careta,
no princípio de brincadeira que eu tinha. Mas só que bom demais, muita gente aí,
todo mundo animado. Aí eu vou caçar quem vai sair no boi, no babau, que ainda não
tem”. (CHINÊS, Sebastião;2007).
Suas fardas, isto é, indumentária genérica para diferenciar do vestir cotidiano e,
assim como a máscara, dificultar o reconhecimento da pessoa que ali está atuando, são feitas
de palha de buriti, os formatos variam de reisado para reisado. Em Vargem Grande,
usam a saia com um cofo pequeno pendurado na cintura, cheio de lata para fazer zoada
quando eles sapateam. Em outros lugares, eles vestem também um colete feito de palha.
Segundo Corrêa, o careta:
Apresenta-se de maneira peculiar, usando uma longa saia entrançada feita de imbira
46
(palha de tucum esfiapada); seu tronco fica coberto por uma espécie de peitoral,
mais ou menos do mesmo feitio da saia, que lhe fica preso ao pescoço. O seu modo
de vestir lembra guerreiros africanos e índio da tribo dos Canelas do Maranhão.
(CORRÊA, 1977: 9)
As máscaras podem ser feitas com qualquer tipo de material como latão, papelão,
tapete, plástico, couro de animal, etc. No grupo que acompanhei, elas são feitas de couro de
boi, possuem uma coroa embutida feita com tecido brilhoso e são semelhantes entre si. O
nariz tem geralmente um formato comprido e cilíndrico, a boca pode ter dentes e língua e a
barba é feita com pelos de crina de cavalo ou boi. São costuradas em um pano que é vestido
na cabeça do brincante ou pode ser fixa por uma fio, tudo conforme o grupo achar mais
viável. Servem para esconder a cara do brincante, que fica a vontade para dizer todo tipo de
pilhéria para a assistência, aos músicos e entre si.
Os caretas sempre levam algum objeto na mão. Pode ser um “chicote de couro,
comprido tendo na ponta pedaço de cordão esfiapado, que provoca fortes estalos”
(Corrêa,1977:10) ou uma taca, um pedaço de pau. Tem por função assustar a assistência junto
ao barulho que os caretas fazem com a voz e também são usados na dança chamada “Corta
Jaca”, feita em alguns grupos. Ela se desenvolve da seguinte forma: Os caretas colocam suas
tacas no chão e vão dançar por cima delas, pulando de um lado para o outro em um sapateado
que levanta poeira, mas não podem tocá-las. Se algum esbarrar nas tacas do chão, apanha dos
outros caretas, de brincadeira. Essa dança desperta o riso da assistência, assim como o
“Sanharó” e a “morte do careta” que ocorrem algumas vezes, podendo passar um noite
toda sem acontecer.
É possível observarmos alguns grupos que fazem “a morte” ou “a palhaçada” ou
“a comédia” do careta. Conforme Sebastião Chinês,
“A morte do careta não tem nada a ver com a morte do boi. O careta tem a morte
dele, o boi tem a morte dele também. O boi do Reisado, aqui nós não matamo. Aqui
nós não fazemo aqui, que já ouvi falar em Reisado que mata mas ainda não vi,
né? Tem Reisado que no derradeiro dia eles pegam, laçam , fazem aquela morte do
boi”
(CHINÊS, Sebastião;2007).
Em Caxias, pode ser no final ou no meio da brincadeira que acontece a “morte do
careta”. Um careta cai no chão, se fazendo de morto. Os outros caretas vão tentar lhe reanimar
com todo tipo de palhaçada e conseguem quando ameaçam enfiar a taca ou o chicote
comprido de couro no anus do morto, como se fosse uma injeção. Então, o careta que estava
47
desacordado levanta e sai correndo. Depois desta cena é a vez do “baião dos caretas”.
Baião
13
é festa bem popular nas cidades que abarcam a fronteira do Maranhão
com o Piauí. Quando a população local fala em baião, está se referindo à música, à dança e a
festa em si. Nesta região, é comum ter baião nos finais de semana. Pela semelhança entre os
versos e a forma de se dançar, acredito que o baião é uma derivação do que Oliveira, N.
(1977:25-26) classifica como Pagode, em seu livro “Folclore Brasileiro – Piauí”. Para o autor,
“é dança de negro, mas todo mundo participa. Na cidade de Amarante, raro é o sábado em que
não se ouve o batuque [...] É uma tradição que vem do tempo da escravidão”. Transcrevo aqui
um trecho coletado por Oliveira, para que possamos observar a similaridade:
Boi estrela mangueira
Boi estrela mangueira
Quem te ensinou a dançar
Rodou, trocou
No pilar café
Quero me casar
Mas papai não quer
A cobra salamanca
É uma cobra de agonia
Se pisar no meio quebra
Se pisar no rabo chia
A seguir, o relato de Sebastião Chinês que evidencia a renovação que ocorreu na
brincadeira com o passar dos anos. “Agente fazemo para descançar mais. Aí no derradeiro dia
agente tem que fazer. Agente tem dois baião. Tem o baião antigo e o que foi feito agora para
esse ano. Antes era boi estrela mangueira. Nós mudamos para não falar no boi”. Agora é
assim:
Ai,ai,ai,ai ô mangueira
Ai,ai,ai, ô mangueira
Pra que mandou me chamar
Pisei pilão de pisar café
Eu quero me casar
Mas papai não quer
Eu procuro porque é
é,é,é,é
Cobra saramanta
É uma cobra de folia
Se pisar no meio eu quebro
13 “Baião” ou “baiano” designam um tipo de dança viva, veloz, que exige habilidade de pés, e de música com
células rítmicas e melódicas visíveis de cocos, sempre binárias. (CASCUDO; 2002:41-42)
48
Se ficar no mato chia
A sequência de aparição e as próprias personagens mudam de um Reisado para
outro e até mesmo dentro de um mesmo grupo, ao decorrer do tempo. Cada uma tem sua
música específica que é entoada na hora que elas devem entrar em cena. As formas de dançar
e os passos são também exclusivos de cada personagem, assim como a vestimenta e o boneco.
No “Reisado Encanto da Terra”, no ano de 2007, tinham duas burrinhas, um boi, um
jaraguaia, um babau, uma nega-véia ou cabeça de fogo ou pião, uma ema e um galo. Para o
próximo ano eles já estavam programando de colocar a sariema. No Reisado Careta de
Timon, há também a pomba e a caipora.
É o careta que chama a burrinha, também chamada de burrinha-de-meu-amo,
com um punhado de farinha no papeiro para atraí-la para o meio da roda. Os cantadores
chamam: “Lá na minha casa tinha um de qualquer nome de um pau, que falar um nome de
um careta para trazer a burra”. O brincante vem nela montado. Ele usa camisa de manga
comprida, calça e chapéu vistosos. A burrinha é feita com uma armação que pode ser de
madeira ou cipó, coberto com peças de pano colorido. Sebastião Chinês me explicou as
transformações que ocorreram sobre a música da burrinha da seguinte maneira: “de primeiro
agente cantava assim”:
Tome , tome minha burrinha
Vem beber mingau
Tem açucar, tem mantega
Na colher de pau
“Mas aqui nós já botamo ela assim”:
O Careta-Véio
Mais o Caretinha
Tú vai lá fora
Buscar farinha
O Careta- Véio
E o careta novo
Faz a alegria
Pro meio do povo
Lá vem aurora
Lá vem o dia
Chegou burrinha
Que nós queria
“Ficou mais interessante assim, porque a burrinha tem que vir para o meio do povo, né? Pra
49
esses tempo que agente botando assim, porque cada ano agente bota um novo. Tem
sempre umas que agente muda, outras agente fica direto mesmo”.
Apesar do gosto pela inovação que notamos neste grupo, outros que preferem
fazer “como do jeito antigo”. Porém, uma coisa todos me disseram: “que hoje tudo muito
violento, não se pode mais roubar nada da casa de ninguém”, costume que fazia parte da
brincadeira. Para fazer graça, os caretas entravam na casa, pegavam algum objeto, entregavam
para o babau que chegava a quebrá-lo, o que hoje em dia torna-se inadmissível. Mas o babau
continua sendo o brinquedo mais violento e também o que desperta mais euforia na
assistência. Ele é feito com uma carcaça de cabeça de cavalo ou jumento, com a queixada que
abre e fecha fingindo estar tentado morder os caretas, que fogem se jogando em cima das
pessoas, causando grande alvoroço. O careta tenta dominar o babau, montando em cima de
sua garupa. Quando isso acontece, saem de cena, sob o aplauso de todos.
Babau é o nome que se dá para o jegue na região. Antigamente os caretas
quebravam a cabeça do babau com suas tacas no último dia de brincadeira mas hoje isso
não acontece, pois está cada vez mais difícil achar a carcaça. Sebastião Chinês explica o
motivo da mudança: “achei que tava dando prejuízo para mim porque isso é difícil demais do
cara fazendo todo ano. Agente fazia porque o povo acha bonito, mas quando chega no
tempo, cumpade vai andar atrás de cabeça, eu parei um pouco com isso aí”. A cantiga do
babau que eu recolhi no festejo de Caxias faz referência ao Piauí e ao Pará, estados limítrofes
com o Maranhão:
Eu botei meu milho no coxo
Pra chamar cavalo véio
Meu cavalo, velho
tome,tome,tome,tome
Careta-Véio tem cuidado
Senão o bicho te come
Ele vem com a boca aberta
Ele vem danado de fome
Meu cavalo veio
tome,tome,tome ( caretas respondendo)
Meu cavalo vem de longe
Ele vem lá do Pará
Meu careta vem do lado
Que tá na hora de brinca
Meu cavalo vem de longe
Ele vem do Piauí
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Meu careta vem do lado
Tá na hora de subir
o jaraguaia, também é feito com a carcaça de cavalo ou jumento mas sem a
queixada. Porém, o grupo de Timon o fez de madeira, “porque está muito difícil de localizar a
cabeça do animal”. Ele tem os passos mais lentos, um pescoço comprido coberto por um pano
geralmente de chita que cobre o corpo todo do brincante. Olha de cima como se fosse uma
assombração mas não mete medo nem nos caretas nem na assistência. Sua música faz
referência à viagem para Bahia, provavelmente por ser um destino bem comum no ciclo do
gado sertanejo.
Jaraguai vou me embora
Que eu já disse que vou
Vou me embora pra Bahia
Cidade de Salvador
Vou me embora , vou me embora
Como eu já disse que vou
Eu volto para o ano
Se lá eu ainda vivo for
A personagem Nega-Véia ou cabeça de fogo é feita com uma cabaça ou cumbuca,
onde desenham e cortam as bocas, olhos e nariz e acendem uma vela dentro. É também
bastante alta e o brincante fica por dentro do pano, com um buraco apenas para colocar os
olhos para fora, como se fossem o umbigo da grande boneca. Em alguns grupos, são vestidas
por homens que levantam a saia para fazer graça à assistência. É a única figura feminina que
eu pude observar. Segundo os brincantes, mulheres podem brincar em qualquer bicho mas
ainda não tive notícia de nenhuma vestindo careta nos Reisados da região.
O nega marvada
Tu matou meu gavião
Foi tu nega
Não fui eu
Não fui eu não
A Nega-Véia
Quando vem das aroeiras
Ela vem com o pé ligeiro
Deixando a poeira voar
Se despede minha nega
Dá um paço e vai simbora
O boi do Reisado Careta é maior e mais desengonçado que o do Bumba-meu-boi.
51
Alguns chamam de “boi espalha merda”, pois é mais lento e anda como se estivesse nadando.
Em alguns grupos o tecido de seu corpo é feito de chita, já em outros tem um couro de veludo
preto bordado com o nome do grupo.
Chegou meu boi
Vamo vadiá
Boi do sertão
Vamo vadia
Chegou meu boi
Na minha cama
Chegou meu boi
O de baixo da rama
A ema tem o corpo parecido com o do boi, onde o brincante também como um
miolo, fica por baixo da armação. A ema tem um pescoço fino e comprido e um bico que
pode ser de verdade ou de qualquer material que o imite. Ela vem tentando bicar os caretas.
Ô ema, Ô ema
Vou dançar a sariema
Olha o passo da Ema
Vou dançar a Sariema
Olha o bico da Ema
Vou dançar a Sariema
Olha a canela da Ema
Vou dançar a sariema
Sacode minha Ema
Olha a asa da ema
Se despede minha ema
Para o ano vou voltar
O brincante do galo dança como se estivesse ciscando.
Senhora dona da casa
Careta está na porta
E o galo dança no terreiro
A caipora é feita com uma quibane (peneira de palha) na cabeça e um pau
atravessado como se fosse o braço, com um lençol branco por cima e a língua é feita com um
lenço vermelho, caído para fora da boca. O grupo que acompanhei não coloca esse
brinquedo, bastante comum entre outros grupos de Reisado Careta no Maranhão. É feito
geralmente por uma criança, pois é uma figura bem baixinha. Se é o neto do dono do grupo
que faz, quando esse cresce, muda de brinquedo e é preciso arrumar outra criança para vestir a
caipora.
Para cada personagem que aparece no Reisado Careta, Sebastião Chinês tem uma
explicação lógica. Diz que os caretas são os Reis Magos e os bichos os animais que estavam
52
presentes no estábulo onde nasceu Jesus Cristo. O boi, a burrinha e o galo aparecem
tradicionalmente nos presépios. A ema estava para catar os carrapatos da pata do boi,
segundo ele. O babau representa um cavalo velho. A nega-véia, ou cabeça de fogo, é a
encarnação de Satanás e o jaraguaia o representante das almas.
3.3 Religiosidade na brincadeira
Santo Reis é uma entidade muito cultuada na região do sertão do Ceará, Piauí
e Maranhão, além de outras localidades. O catolicismo popular elevou os três Reis que
entregaram presentes ao menino Deus à santos, embora a Igreja católica não os tenha
canonizado. Na Bíblia Sagrada, Novo Testamento, Mateus (2, 1-12) relata como se deu o
encontro dos reis com o Rei:
Os magos do oriente
Tendo, pois, nascido Jesus em Belém da Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que
vieram do oriente a Jerusalém uns magos que perguntaram: Onde está aquele que é
nascido rei dos judeus? pois do oriente vimos a sua estrela e viemos adora-lo. O rei
Herodes, ouvindo isso, pertubou-se[...]perguntava-lhes onde havia de nascer o
Cristo. Responderam-lhe eles: Em Belém da Judéia; pois assim es escrito pelo
profeta[...]partiram; e eis que a estrela que tinham visto quando no oriente ia adiante
deles, até que, chegando, se deteve sobre o lugar onde estava o menino. Ao verem
eles a estrela, regozijaram-se com grande alegria. E, entrando na casa, viram o
menino com Maria sua mãe e, prostando-se o adoraram; e abrindo os seus tesouros,
ofertaram-lhe dádivas: ouro, incenso e mirra. Ora, sendo por divina revelação
avisados em sonhos para não voltarem a Herodes, regressaram à sua terra por outro
caminho. (MATEUS, 1990, grifo nosso)
Na sabedoria popular, muitas revelações se dão através de sonhos. Quando um
devoto se encontra com alguma dificuldade, geralmente é em sonho que ele toma
conhecimento do que precisa fazer para se curar. Muitas vezes é o próprio santo quem aparece
no sonho dando a “receita” da cura. Assim, ao acordar, o devoto vai procurar a solução do
problema que fora prescrita ou pode mesmo acordar curado, faltando-lhe apenas o
pagamento da promessa que se dará geralmente por um período mínimo de sete anos,
conforme tradição local. Prado (2007:176) observara que entre os integrantes das culturas
populares maranhense “as imagens oníricas não são tomadas como “pesadelos” que logo ao
acordar se dissipam e o afastadas como mentirosas ou desprovidas de sentido, mas como
mensagens, predileções, advertências às quais o sujeito deve dar ouvidos e obedecer”.
[...] as interações sociais mais íntimas com os seres supraterrestres são vividas pelo
indivíduo, principalmente, mas não exclusivamente, no transcurso de um sonho.
53
Aliás, o fato de contactar as entidades extra-humanas, no sonho, acresce em
legitimidade o conteúdo das revelações, do mesmo modo que acarreta prestígio aos
experimentadores. Confessar que assim se age porque assim se sonhou, contribui
socialmente para desfazer qualquer dúvida gerada a respeito das decisões e condutas
tomadas. (PRADO, 2007: 176).
Apesar de serem através de sonhos que a maior parte dos devotos recebe suas
revelações, estas também podem ocorrer em outras ocasiões como através de seres encantados
nas casas de terecô ou tambor da mata, muito comuns e frequentadas na região ou através de
vozes que os chamados “sensitivos” são capazes de escutar. Raimundo Magarefe, morador do
Bairro Campos de Belém na cidade de Caxias, começou a cantar no Reisado Careta por
promessa. Contou-me que seu filho teve o pescoço cortado e que para salvá-lo, brincaria de
careta para Santo Reis lhe ajudar. Foi agraciado. Foi a única vez que saiu de careta e fez
questão de dizer que seu lencinho
voltou recheado; sinal de que tinha feito muita graça e fora
reconhecido por tal, segundo ele. Não brincou mais, até ficar com o bastante ruim e ter
uma revelação de cura em sonho. Sonhou com Santo Reis, um novilho branquinho no cruzeiro
de Juazeiro do Norte - CE, ao lado de Padre Cícero. Quando acordou, seu vizinho foi lhe
convidar para cantar Reis e ele aceitou. E então, o machucado do que estava muito feio,
sarou. Não precisou mais andar calçado. Passou para o chinelo e logo depois, pôde andar da
maneira que mais lhe agrada, descalço.
Dona Nair, além de possuir um grupo de Reisado Careta na Barra do Inhinga,
município de Matões, é rezadeira e tem um salão de terecô. Um dia, seu marido chegou em
casa “doido, andando de um lado para o outro e sem dizer coisa com coisa”. Então, a senhora
foi ao da imagem de Santo Reis e o pediu para livrar seu marido dessa tormenta. Se
comprometeu a rezar sete anos e então ouviu uma voz dizendo que era fazer um chá de
pimenta para o velho ficar bom. Antes de completar os sete anos, o marido adoeceu de novo e
a voz com o segredo para curar apareceu de novo também. Então ela resolveu que não vai
mais parar. Enquanto puder, vai andando, seguindo a jornada de Santo Reis.
Nesses contextos, a cura é tida como um milagre. E não é simplesmente o
efeito do medicamento em si que faz os doentes recuperarem a saúde, na percepção do
devoto, pois este seria apenas o canal de comunicação através do qual a divindade aplicaria
sua benção. Pude chegar a essa reflexão, inclusive, porque os males para mim relatados
variavam entre loucura, dores na perna, feridas no e corte na garganta. Esta disparidade de
54
problemas demonstra que as indicações das “garrafadas” e chás de plantas nativas surtiam
efeito por estarem atrelados ao principal elemento para o processo de cura: a fé
14.
Entre os donos dos grupos com quem conversei com exceção dos que
receberam a brincadeira por herança familiar, todos começaram a “tirar reisado”, como
pagamento de promessa. também os promesseiros que não chegam a montar um grupo em
si, participam pagando suas promessas veiculados a um grupo com quem tenham contato. Os
versos de “abrição de porta” fazem referência à ajuda que o dono da promessa, que se
encontrava doente, recebe através da benção do santo.
Ô de casa ô de fora
Menina vem ver quem é
Santo Reis na sua porta
Ele veio te abençoar
Venha ver os santos reis
Venha logo minha gente
O dono dessa promessa
Se achou muito doente
O senhor, dono da casa
Eu voltei para ti chamar
Venha ver o Santo Reis
Ele pode te ajudar
Pude observar uma devota que seguiu a brincadeira durante uma noite,
acendendo velas no chão na frente de todas as portas por onde a jornada passou, como forma
de agradecimento à Santo Reis. Outra senhora, como forma de pagar sua graça alcançada,
deitou-se no chão em baixo da santidade durante toda a cerimônia de reza do terço que
geralmente acontece antes do grupo sair para a jornada. Há devotos que levam animais que se
encontravam doentes e ficaram bons, depois de promessas feitas à Santo Reis, para
acompanharem a caminhada do Reisado também como forma de agradecimento ao Santo.
Todo dono (a) da casa que abre a porta para o Reisado brincar tem devoção por
Santo Reis. Acreditam que é uma forma de agradar ao Santo e assim receber a benção D´ele,
para si e para sua família, naquele momento de festa e para todo o ano que se inicia no
período natalino onde a manifestação acontece. Tudo é acertado com o dono da brincadeira
com certa antecedência. Portanto, os devotos já estão à espera do grupo e fingem estar com
14 Sobre a eficácia simbólica da fé ver Durkheim (1989) e Lévi-Strauss (2003).
55
as portas fechadas e as luzes apagadas, quando ele chega. Mas se o Reisado chega e o dono
não abre a porta, os caretas começam a praguejar contra a pessoa que não abriu.
Quando o devoto recebe a bandeira com a imagem de Santo Reis em sua casa, é
como se estivesse recebendo o próprio santo. Ela é beijada e reverenciada com toda
sacralidade. Alguns grupos andam com um andor onde podem levar o santo em uma espécie
de desenho fotográfico ou em imagem. Apesar de os próprios caretas simbolizarem os Reis
Magos e sua peregrinação está sempre relacionada com o caminho que Eles fizeram para
chegar até Belém, a imagem trazida no andor e na bandeira é detêm o maior poder simbólico
para a devoção local.
Este desenho fotográfico vem geralmente do Canindé, trazido por caixeiros
viajantes do sertão, ou pelos próprios festeiros, por essa ser uma cidade de intensa
peregrinação da região. É um desenho onde aparecem os Três Reis e seus presentes sendo
entregues ao menino Jesus, deitado em sua manjedoura. São José e a Virgem Maria também
estão retratados na imagem. Já, o santo de madeira ou de gesso, é apenas um rei, o Santo
Reis, já divinizado pelo catolicismo popular. Nota-se que não é nenhum dos Três Reis
especificamente mas a personificação dos três em só uma entidade.
Alguns brincantes do Reisado Encanto da Terra” falaram que apesar de terem
muito respeito e até louvarem Santo Reis durante suas participações no Reisado, estão ali
majoritariamente para se divertir. O motivo do grupo apresentar cerca de oito caretas é
realmente para animar mais a festa. Porém conforme observou Gonçalves (2008) em
Caraíbas, povoado do município de São João do Sóter, há um grupo de Reisado Careta onde o
número de caretas pode chegar até a trinta. os brincantes são todos penitentes, brincam no
Reisado para pagar suas promessas e a procissão que ocorre no povoado no dia 06 de janeiro
é feita para louvar não apenas Santo Reis mas também Nossa Senhora da Conceição.
Em Nazaré do Bruno, povoado localizado a 70 quilômetros da sede de Caxias, o
grupo de Seu Luís Domingos faz a festa do dia 06 de janeiro dentro do seu terreiro de terecô.
Nessa ocasião, todas as personagens brincam simultaneamente. Nazaré do Bruno é tido com
um lugar de muita magia. Bruno era um curador que se mudou para a região e as pessoas que
iam para se curar com ele, acabaram ficando para morar. Hoje cerca de oito a nove
terreiros nesse povoado e dois grupos de Reisado Careta . Dona Nair, que já morou em Caxias
e hoje mora em Barra do Inhinga, povoado de Matões também tem um terreiro de terecô e é
56
dona de Reisado Careta. Dona Martinha também é rezadeira, além de dona de Reisado Careta.
Já o grupo de Sebastião Chinês, vai brincar no terreiro que o convida.
Alguns grupos de Reisado Careta têm o costume de fazer o “pedido de abrição
de porta” no cemitério. O reisado tem uma cantoria específica para essa ocasião que difere
daquela cantada em outras portas. Muda o conteúdo dos versos e o formato também. Dona
Martinha que mora no centro de Caxias, amanhasse do dia 05 para o dia 06 de janeiro no
“Cemitério das Pedras”, onde está enterrado seu marido. visita a sua cova, onde faz uma
cantoria específica para ele. Nas Caraíbas, povoado de São João do Sóter, a procissão que
acontece todo dia 06 de janeiro vai até o cemitério e faz a visita para algumas covas onde
estão enterradas pessoas que eram ligadas à brincadeira. Lá o festejo não épara Santo Reis
mas também para Nossa Senhora da Conceição. Então, tem bastante gente que acompanha a
jornada para pagar suas promessas. É inclusive que tem um cavalo que acompanha a
procissão a alguns anos. No livro de Ramos (2003), tem uma foto ilustrando esta cena.
Na região do Médio Itapecuru esse movimento de visitação de covas é bastante
comum. As brincadeiras como o Bumba-meu-boi, a Divindade e o Tambor-de-Crioula
também o fazem. Os donos das brincadeiras vão ao cemitério homenagear algum integrante
falecido. Quando o dono da brincadeira é quem falece, os outros integrantes ou a família
organizam a visita de cova, geralmente no dia de seu aniversário de morte. Os conhecidos
saem da frente da casa do falecido e seguem em procissão, junto aos músicos e os outros
integrantes do grupo, com seus acessórios e adereços, até a cova onde ele está enterrado. Lá se
a cantoria especial em sua homenagem. As mulheres idosas choram. Então, todos fazem o
caminho de volta para a porta da casa do morto e acontece a brincadeira completa. Como é
costume, algumas pessoas serem donas de mais de uma brincadeira, a cova pode ser visita por
todas elas de uma só vez.
A relação entre as brincadeiras é bastante estreita na região. Grande parte da
população local tem devoção por vários santos. Observei que a maioria das casas tem uma
santidade em algum cômodo. Ali, geralmente, encontramos as imagens dos santos do corrente
mês. O de maior devoção do dono da casa fica localizado no centro, seguido à direita na
ordem dos que virão e à esquerda, do que já passou. Por exemplo, em dezembro, a imagem de
Santo Reis pode ficar no meio (já que começa ser festejado no dia 25 desse mês). Se for dia
57
dez, Santa Bárbara fica à esquerda e Santa Luzia, que será reverenciada no dia 13, à direita.
Essa alocação dos santos também se dá nas casas de culto afro-brasileiro do Maranhão.
A ligação que Santo Reis tem com o Divino Espírito Santo me foi sinalizada por
todos os donos de Caretas com quem conversei. Dizem que “a Divindade anda de dia e o
Reisado anda à noite” ou até que Santo Reis é primo-irmão do Divino Espírito Santo”.
Divindade são grupos que fazem uma jornada, com música, canto e poesia para louvar o
Divino, muito comum na região. Festejam geralmente no mês de maio, próximo ao Domingo
de Pentecostes. São formados por quatro pessoas no coro, como no Reisado. Também
carregam a bandeira com a imagem da Divindade bordada ou pintada em um tecido. Levam a
imagem da pomba do Divino, em madeira ou gesso, dentro do andor. Os instrumentos
utilizados costumam variar entre rabeca, violão e caixa, tocados majoritariamente por
homens. Dona Nair nos cantou o seguinte “pé”:
Santo Reis mais o Divino
Nasceram tudo num dia
Santo Reis pelo careta
Divino pela folia
Dona Nair como chamam Alaíde, trabalha na roça e cria porcos para assar nos
dias de festejo. Dona do salão de terecô, dona de Reisado Careta, faz Roda de São Benedito,
Roda de São Gonçalo e Pastor. Reza três dias para São Bento, com procissão e 31 dias para a
Virgem Imaculada da Conceição. Disse que o cortejo do festejo do Divino Espírito Santo já se
hospedou em sua casa. Se sente satisfeita por trabalhar no campo da saúde, que considera uma
coisa especial, positiva, referindo-se aos processos de cura desencadeados por suas rezas.
Quando faz roda de São Benedito
15
contrata tocador de violão e sanfona e ela mesma vai
dizendo os versos:
Meu São Benedito
Vós nos dá
Meu São Benedito
No pé do altar
Meu São Benedito
É um santo de preto
15 “Santo popular na Sicília, nascido em Sanfratello e falecido em Palermo em 4 de abril de 1589, com 65 anos
de idade. Preto e humilde, não aprendeu a ler e chegou a guardião do seu convento. Profeta e taumaturgo, era
venerado em toda a ilha, e sua imagem foi divulgada antes da canonização regular [...] Sua cor popularizou-se
entre os negros, e no Brasil tem prestigioso culto tradicional[...].” ( Cascudo, 2002:62)
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Que fala na boca
Responde no peito
Que santo é aquele?
Que está sentadinho?
É São Benedito
Bença meu padrinho
Podemos observar que os versos fazem referência à aspectos do cotidiano da
gente que festeja o Santo. Fazem alusão ao altar presente na maioria das residências da região,
relembram sua inclusão como um “santo de preto” na tradição popular e ainda remetem à
importância que o compadrio exerce em certas camadas da sociedade. Além de representar a
origem africana da população brasileira, o festejo para São Benedito, também evoca questões
da tradição portuguesa. Nota-se nos versos entoados por Dona Nair, transcritos a abaixo, a
valorização da vestimenta do Santo, que pode simbolizar o cuidado exercido pelos festeiros
para com a ornamentação dos objetos ritualísticos de seus festejos.
Meu São Benedito
Não quer mais a crôa
Só quer uma camisa
Feita em Lisboa
Meu São Benedito
Já comprou fazenda
Camisa de seda
Enfeitada de renda
Consta no livro “Folclore Brasileiro Piauí”, de Noé Mendes de Oliveira (1977),
que a Roda de São Benedito:
Não é tão difundida como a de São Gonçalo. Faz parte da Novena em homenagem
ao santo. Depois das rezas, organiza-se a roda, que tem coreografia simples, com
volteios e ritmo bem marcado. É de caráter religioso, tanto que o batuque só é
dançado depois de todas as funções religiosas, inclusive o leilão. Duas fileiras de
homens e mulheres fazem evoluções em torno do altar improvisado, ao som de
instrumentos, cantando[...] (OLIVEIRA, N., 1977:24)
Dentre os cinco versos que o autor transcreveu em seu texto sobre a Roda de São Benedito,
observamos um exatamente igual ao que Dona Nair nos mostrou trinta anos depois, o que
demonstra a permanência de certos costumes e tradição das culturas populares da região. Esse
mesmo verso também esregistrado no livro sobre o tambor de crioula, de Sérgio Ferretti
(2002), que é igualmente uma manifestação de louvação à São Benedito.
59
Dona Nair encara as rezas e festas como obrigação. Tem consciência de que é
muita coisa para estudar e para fazer mas faz sem decorar. Pede firmeza, vai cantando e os
versos vêm vindo. Não sabe explicar que memória é essa. Disse que alguns padres aceitam as
brincadeiras devocionais do catolicismo popular, outros não. Contou que pode rezar fora do
tempo, isto é, fora do período em que se festeja o santo que não problema, e até foi
apresentar o Reisado Careta no colégio e na faculdade de Caxias, onde morou. Na Barra do
Inhinga, interior onde dona Nair mora atualmente, existem casas distantes duas léguas uma da
outra, então o grupo acaba levando mais tempo para visitar um menor número de casas do que
nos bairros das cidades onde muitas casas próximas. Ela disse que seu grupo começa a
jornada pelas 20hs e acaba no amanhecer do dia. E que apesar de os brincantes dos caretas
beberem, ela não trisca em nada alcoólico. “Se não souber andar, babau cachimbo de pau”.
Nunca colocou a personagem ema, porque o bico é de ferro e poderia machucar.
Falou que pretende colocar o brinquedo besouro, que tem cantiga e apesar de ainda não ter
aprendido, vai botar. Também gostaria de colocar o Pinhão, brinquedo que olhou em
Teresina. Gosta do boi feito com palha velha de banana, pois acredita que apesar de o povo
gostar de coisa nova, deve fazer como no tempo antigo. Como no “boi de caboclo”, maneira
como os brincantes se referem ao Bumba-meu-boi na região, que tinha que ter Pai Chico e
Catirina, com balaio de baixo do vestido para mostrar que estava “buchuda”. Também tinha o
Doutor da Medicina, o Doutor Cachaça:
Oh Doutor Cachaça
Boi que morre
Pula por cima do boi
Lapada nele
Como não observei a brincadeira do grupo de Dona Nair, que no Natal de 2007
havia voltado para seu interior mas transcrevo alguns versos que ela amigavelmente cantou
para mim em outra circunstância:
Ô de casa ô de fora
Maria vem ver quem é
É a Armada Brasileira
Embarcação da Maré
Santo Reis do Oriente
Me mandou que cá viesse
Tirando suas esmolas
Que suas esmolas desse
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Quando Deus andou no mundo
Disse para São Pedro assim
Quem não quer pobre na porta
Também não quer a mim
Lá nos pés de Santo Reis
Nasceu açucena cheirosa
Quatro cravo, quatro rosa
Nos pé de Nossa Senhora
Não foi possível identificar uma data precisa para o surgimento da
manifestação. Quando questionados por uma provável data, os brincantes respondiam que
sempre existiu. Dona Nair conta que o Reisado veio do começo do mundo. Todos brincam,
existe no mundo inteiro”. É uma brincadeira que existe para louvar à Santo Reis. Atualmente,
porém, não é apenas no contexto devocional que a brincadeira acontece. Fora do período
natalino é possível e bem quisto pelos grupos o contrato para eles se apresentarem, no
aniversário da cidade, em dias festivos como o do trabalhador, o do folclore, em escolas,
universidades, congressos e até mesmo em programas de televisão. A seguir descreverei
algumas situações distintas onde pude observar essas diferentes formas de se apresentar.
3.4 A diversidade na forma de se apresentar
Meu primeiro contato com o Reisado Careta de Caxias se deu no dia 30 de agosto
de 2007. Fui com Pelé, grande incentivador das culturas populares e funcionário da Secretaria
de Cultura da Prefeitura de Caxias à sede do grupo. Como Pelé havia lhes avisado que
iríamos, estavam todos no quintal a nossa espera. Conversamos bastante, contei-lhes sobre
meu interesse em fazer uma pesquisa sobre o Reisado Careta e eles ficaram bem satisfeitos
com a idéia. Qualquer interesse sobre a manifestação é encarada pelos brincantes como um
reconhecimento do empenho que eles têm em manter a brincadeira atuante, como um
estímulo para que eles continuem a vivenciá-la. Fora isso a expectativa de que a
divulgação do folguedo, mesmo que somente nos meios acadêmicos, possa trazer benefícios
para o grupo, apesar de isso nem sempre acontecer e de algumas pessoas considerarem
negativa essa exposição, com receio que as manifestações se descaracterizem.
nesse primeiro momento, os integrantes do “Reisado Encanto da Terra”
foram se preparar para encenar uma parte da brincadeira para que eu pudesse ver. Com essa
61
atitude, eles estavam demonstrando que a pesquisa fora muito bem aceita e até mesmo
desejada pelo grupo. Fique extremamente grata e a vizinhança também, pois ninguém
esperava, nem mesmo eu, uma representação assim, de uma hora para outra. Certamente fui
pega de surpresa. Em nenhum momento imaginei que eles fossem me apresentar sua
manifestação votiva já naquele primeiro encontro. De forma algum sugeri que o fizessem, isto
é conscientemente, que minha presença ali foi o que os motivou para tal ato. Entretanto,
mesmo concordando com o relato que Victor Turner deu em seu livro “O processo ritual”,
referindo-se a experiência que ele e sua esposa tiveram em suas pesquisas pelo continente
africano;
Durante todo esse tempo, nunca pedimos que um ritual fosse realizado
exclusivamente para nosso proveito antropológico; não somos favoráveis a
semelhante representação teatral artificial. (TURNER,1974:23)
fiquei satisfeita em poder ver, mesmo que fora de seu momento ritualístico, uma pequena
representação da brincadeira , que eu vinha tentando me aproximar.
Mesmo porque fora uma manifestação espontânea, em seu lugar de origem e
não uma apresentação para turista ou políticos verem. Apesar de alguns brincantes parecerem
meio inibidos na hora da conversa, caracterizados, eles ficaram bem sem vergonha. Como
demonstra DaMatta:
[...]
esses rituais festivos ajudam a separar papéis sociais, pois neles todos se
descobrem como duas pessoas: uma que atua no quotidiano, sendo séria e pouco
dada a “brincadeira”, outra safada e malandra, capaz de operar como um ator
perfeito, simulando as emoções mais proibidas e mais vergonhosas, ou, como
falamos, as “mais baixas”. (DA MATTA, 1979:112)
Era como se o laço de reciprocidade entre nós estivesse começado a se estender
naquele momento. Eu fui até esperando receber algum voto de confiança, ou pelo menos
algum interesse, por parte dos próprios sujeitos rituais, para me dedicar, como estudiosa
interessada no que eles vivenciam por brincadeira e devoção. Eu apenas conhecia as
vestimentas e os instrumentos usados no Reisado Careta, distanciados por um vidro, expostas
em um museu da capital. Então, por mais artificial que fosse essa encenação, era como se
aqueles bonecos, tivessem ganhado movimento, vozes, cheiro, ritmo; isto é, alma.
Meu segundo contato com a brincadeira aconteceu no dia 10 de dezembro de
2007, em São Luís do Maranhão. Dois grupos de Reisado Careta foram selecionados para
62
participarem da programação de Natal da Superintendência de Cultura Popular da Secretaria
de Estado da Cultura na capital: o “Reisado Encanto da Terra” e o Reisado Careta de Timon.
Depois das cerca de sete horas de viagem, os brincantes deixaram as coisas em um hotel
localizado na Praia Grande e foram direto para o cortejo organizado pelo órgão, que saiu do
Museu Histórico e Artístico-MHAM, na rua do Sol, passaram pela rua Grande e tiveram
como destino a Casa do Maranhão, na rua do Trapiche, local que tem a proposta de ser “uma
vitrine das belezas existentes no estado”, conforme podemos ler no site da instituição. Quem
olhava se admirava com aqueles bonecos grandes e coloridos desfilando no meio da rua junto
a seres mascarados, vestidos com saias e corpetes de palha de buriti, com chicotes e pedaços
de paus nas mãos, fazendo uma grande arruaça e dizendo coisas engraçadas e ao inverso.
Causavam certo estranhamento para os desavisados transeuntes, mas também certo
encantamento.
A apresentação foi tratada como um espetáculo para agradar o público da casa.
Cada um teve 30 minutos para se apresentar e passado essa tempo, eles voltaram à arena para
mais dez minutos de show, sempre acompanhados por palmas, instigadas pelo ator
responsável em apresentar os grupos e as brincadeiras. Na finalização, devido ao adiantado da
hora, os grupos foram convidados a entrarem juntos em cena. Percebi certa inquietação dos
brincantes, afinal, as músicas eram diferentes, os passos e até a sequência dos brinquedos
dançarem, mas como a ordem era essa, eles obedeceram. Cumpriram com seu dever,
ganharam o cachê e a tão esperada oportunidade de conhecer a capital do Estado em que
nasceram, que muitos vinham a São Luís pela primeira vez. Estavam todos demonstrando
satisfação.
Sebastião Chinês se sente orgulhoso de “participar de uma entidade que pode
representar o Estado”. Brinca fora de época “para ganhar um trocado, apesar de não gostar
muito. Mas faz porque é um grupo humilde e precisa da verba”. Portanto, não é apenas o
Santo que precisa da ajuda de seus fiéis. O dono da brincadeira, também precisa de apoio para
arcar com as despesas e organização da festa. Sebastião Chinês reclama que não tem apoio do
poder público, acha que deveria ter. Segundo ele, a Prefeitura de Caxias só contribui com uma
caixa de som e um microfone e alguns homens para fazer a segurança, a paisana, na procissão
que ocorre no bairro Campos de Belém, no dia de Reis. Por isso, pensa em montar uma
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associação, com CNPJ, “como o grupo de forró Canário Verde, que recebe apoio”. Disse que
não é o maior nem melhor mas que “tudo que fazemos com amor, com carinho, dá certo”.
O mito dos Reis Magos está presente em muitas civilizações. Porém, no
Maranhão “Reisado é brincadeira de pobre”, como observar Dona Nair e outros donos de
Reisado Careta da região. Todos reclamaram que não têm apoio e que a festa é muito
dispendiosa. Dona Nair diz que não pede nada para ninguém mas que também não é mal
educada de recusar uma oferta. “Hoje, onde andamos, só vemos coisa ruim mas Santo Reis é
forte e no interior o povo ajuda muito”. Portanto são sempre louváveis as oportunidade que os
grupos têm de se apresentar, na visão dos próprios brincantes. “A verba não é muita mas
ajuda a enfeitar mais a brincadeira”, segundo Sebastião Chinês, que recebeu o valor de R$
250,00 no dia de maio de 2007 para brincar na festa da cidade de Caxias, quando o salário
mínino era de R$ 380,00. “Divido uns trocadinhos para os brincantes e junto o resto. Junto
para madeira, roupa. Se tivesse condição financeira, patrocínio, essas coisas, todo ano
mudava. Agente vai pechinchando para comprar, senão não dá”.
O “Reisado Encanto da Terra”, seja pela sua organização, pela maior facilidade do
acesso à sua sede ou pelo fato de poder investir mais na brincadeira justamente por ter ido
mais vezes se apresentar fora de seu contexto ritual e assim ter ganhado mais verba, tem sido
mais privilegiado que outros Reisados do estado, inclusive nessa pesquisa. Isto se torna
evidente, pelo fato do grupo ter sido o escolhido para gravar suas músicas em três faixas do
CD “Maranhão de Natal” (Careta, 2001) e principalmente por terem sido levados à São Luís,
para gravar umas imagens que foram veiculadas no Programa Especial Xuxa de Natal da
Rede Globo de Televisão, no ano de 2005. A produção do Programa da Xuxa, havia
contactado a Secretaria de Culura do Maranhão, em busca de uma manifestação que retratasse
de forma lúdica, através das culturas populares o natal maranhense.
Neste programa são apresentadas diversas manifestações natalinas das culturas
populares brasileiras. Então, a Superintendência de Cultura Popular da Secretaria de Estado
da Cultura do Maranhão trouxe o “Reisado Encanto da Terra” em Caxias e os levaram para
fazer uma gravação durante toda uma tarde no bairro da Madre Deus, região central da
capital. Uma parte muito pequena da gravação foi aproveitada para o Programa exibido na
noite de 24 de dezembro de 2005, exibido pela emissora. Mesmo assim, a alegria dos
integrantes da filmagem ao assisterem a gravação, foi enorme. Gostariam de ter tido acesso à
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todo o material filmado sem a edição, mas infelizmente esse, nem eu nem eles pudemos
recuperar. O pesquisador Lúcio Enrico Attia, meu amigo pessoal, consultor e coreógrafo do
Programa havia me chamado a atenção sobre a participação do grupo e me cedeu apenas a
cópia caseira, que eu lhes entreguei, do que tinha ido ao ar.
Na noite do dia 24 de dezembro de 2007, tive meu primeiro contato direto com a
brincadeira, acontecendo em seu tempo e espaço originais. Imersa em uma época de muita
comoção, onde se festeja o nascimento de Jesus Cristo, símbolo de fraternidade, pude
observar que a aurea de uma esperança renovadora estava sempre presente nas falas e atitudes
dos brincantes. Brigas de casais, entre irmãos, mãe e filha e mesmo entre amigos que vinham
se arrastando dias, meses ou até mesmo por anos, foram desenroladas durante o período que
durou a jornada. No dia 06 de janeiro, tive notícia de pelo menos três situaçãos claras em que
o perdão e o amor haviam tomado o lugar do conflito.
Nessa primeira noite da jornada de 2007, a brincadeira aconteceu na rua em frente
a sede do grupo. A reza começou entre sete e oito horas da noite e durou cerca de duas horas.
Muitos foguetes foram soltos durante a reza. As pessoas que chegavam eram na sua maioria
idosos acompanhados por crianças. Os jovens foram se aproximando apenas quando iniciada
a destribuição do bolo com café e ao início da parte profana da festa, a dança dos caretas. A
presença de pessoas de fora do bairro era escassa. Fora eu e uma casal de amigos meus
vindos do Rio de Janeiro que acompanharam a primeira noite do festejo, havia o Pelé (amigo
pessoal do grupo e agitador cultural da cidade) e Luís, a quem eu informei que a
manifestação aconteceria, quando o conheci em visita à Academia Caxiense de Letras
naquela tarde. Segundo me informou, tinha a intenção de contratar o grupo para uma
apresentação na mesma, no mês de março, quando tomaria posse, como imortal.
Depois de guardarem os santos, os componentes foram vestir suas fardas, os
músicos pegaram seus instrumentos e o povo se posicionou em forma de círculo para poder
acompanhar o folguedo. A primeira noite é tida pelos integrantes do grupo como um ensaio
geral, afinal eles não fazem a “abrição de portae brincam uma única vez, em frente à
sede. Os caretas começaram a fazer suas “belas”, muito engraçadas. São piadas criadas pelos
brincantes naquele momento. Têm conteúdos pornográficos e de implicância com os aspectos
físicos dos presentes. Toda a assistência acha graça. Os caretas também fazem suas “rufadas”,
espécie de barulho misto de grito, uivo e gargalhada que tem a função de assustar mas acaba
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aumentando a euforia daqueles que percebem que alguém levou um susto! Nessa noite o
grupo fez o “baião dos caretas”, o “sanharó”, a “morte dos caretas” e as burrinhas, o boi, o
jaraguiá, o babau, a ema e o galo dançaram no terreiro. Por volta de uma hora da manhã a
assistência já havia se desperçado e os brincantes se recolhido.
O dia seguinte, 25 de dezembro de 2007, feriado nacional, foi calmo. Era o
descanso dos brincantes que sabiam que nas próximas noites, dormiriam pouquíssimo.
Quem quisesse “ir vadiar”, conforme colocou Sebastião Chinês, tudo bem, o compromisso
com o grupo e com Santo Reis estava marcado para 19 horas do dia 26. A partir daí, o grupo
tinha o compromisso de ir visitar cerca de 10 a 12 casas por noite. Cada noite era um bairro da
cidade o visitado, sendo que o Campos de Belém ocupava duas noites, pelo grande número de
devotos interessados em receber o Reisado em sua porta. A visita ao bairro Ponte é a mais
esperada pelos brincantes, pois é o que agrega casas onde moram as famílias com maior poder
aquisitivo e assim os “agrados” são mais elevados. Porém, em todas as noites a alegria e a
satisfação de se estar brincando e louvando pode ser observada entre os brincantes e
acompanhantes da jornada.
No dia 01 de janeiro de 2008 o “Reisado Encanto da Terra” foi brincar no
interior do município de Caxias chamado Lagoa Feia. Era a casa de uma vizinha do bairro
Campos de Belém, que havia sido curada em um problema na perna e tinha mandado chamar
o Reisado para pagar sua promessa feita à Santo Reis, que lhe trouxe a cura. Ela foi a
responsável pelo aluguel do transporte, um caminhão com pedaços de madeira improvisados
como bancos na caçamba, realmente lotado, com o qual chegamos na localidade três horas
depois. Todos nós fomos recebidos com muitas hospitalidade e um almoço caprichado com
arroz, feijão, farinha, saladas e carnes variadas.
Ao anoitecer a reza aconteceu em frente a divindade montada mesmo dentro da
casa da devota. E depois o Reisado foi brincar no terreiro, isto é, no lado de fora da casa. A
assistência se divertiu muito. A maioria estava assistindo pela primeira vez. Os integrantes,
apesar de cansados da viagem, também gostaram muito de ter ido até lá. A volta aconteceu
logo depois de terminada a obrigação. Mais quatro horas até Campos de Belém, pois dessa
vez, com a chuva nos acompanhando e a escuridão da noite, o motorista teve mais cuidado
com a estrada de terra batida.
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No dia 06 de janeiro de 2008 a festa teve início às 17hs com uma missa na sede do
grupo. Um altar foi montado no quintal, que havia sido coberto com um teto de palha,
especialmente para essa ocasião. Um padre da igreja católica foi contratado para rezar a missa
para Santo Reis e fazer o batizado de três crianças do bairro. Os familiares das crianças
estavam muito contentes e tiraram algumas fotos. Soube que pagaram R$ 50,00 por cada
batismo, ao padre. Nos anos anteriores ocorreram casamentos, mas talvez pela falta de casais
interessados em sacralizar sua união ou pelo preço elevado para a realização do casório, que
nesse ano era de R$250,00, não ocorreu nenhum. O valor do salário mínimo no período era de
R$ 380,00 entretanto, a população presente raramente ganha um sálario completo, pois a
grande maioria é agricultor e não chega a somar essa quantia no final de cada mês de trabalho.
Quando terminou a missa, haviam muitas pessoas na rua e o caminhão com a
caixa de som estava pronto para dar partida à tão comentada procissão para Santo Reis,
patrocinada pelos devotos, com dinheiro levantado pelo grupo durante a jornada, fora a caixa
de som sedida pela Prefeitura de Caxias. Cada acompanhante levava uma vela acessa nas
mãos. Éramos em torno de 300 pessoas acompanhando o carro com a imagem do santo e as
preces em forma de cantoria, que uma senhora, rezadeira, entoava no microfone, junto ao
caminhão. O percurso se deu no próprio bairro Campos de Belém. Alguns vizinhos iam se
juntando a nós, na medida em que a procissão passava pelas suas portas.
O destino da procissão foi a casa ao lado da sede do grupo, pertencente a Dona
Maria, noitante, amiga e grande colaboradora do grupo, onde foram depositadas os tocos de
velas que ainda restavam, no de um cruzeiro improvisado. Ali também foi montada a
banquinha onde se daria o leilão de garrafas de bebidas e bolos doados ao Santo. O leiloeiro
com grande entusiasmo, fez todos da vizinhança se animarem em arrecadar os produtos
oferecidos. Após o leilão, se fecharia mais um ciclo natalino, com a brincadeira dos Caretas.
Eram tantas pessoas reunidas que ficava difícil de enxergar a movimentação dentro do
“espaço cênico”. Mesmo cansados, após nove noites sem dormir; andando, dançando,
tocando, cantando, bebendo, todos estavam renovados para mais um ano de labuta.
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4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tentei esboçar neste trabalho alguns elementos do Reisado Careta do Maranhão,
me baseando principalmente na observação do grupo “Reisado Encanto da Terra”, da cidade
de Caxias. Entretanto, é preciso ter em mente que a visão aqui relatada é apenas uma das
várias maneiras que existem de brincar o Reisado Careta. Inclusive, essa foi uma forma
observada em um tempo preciso, período natalino de 2007 para 2008, e que certamente vem
sofrendo alterações, inclusive dentro do próprio grupo estudado. Isto se deve ao fato do
dinamismo presente nas culturas populares, que vão se modificando com o passar do tempo
sem necessariamente perder suas raízes com tais transformações orgânicas. Portanto, tomo
essa dissertação apenas como o registro de um determinado momento histórico. Que possui
seu valor, principalmente pelo ineditismo do tema, embora não represente nenhum tipo de
modelo de como é ou como deve ser esquematizada a brincadeira.
As festas populares amenizam a dureza da vida de seus brincantes. Para Bakhtin
(1999) o autêntico humanismo que caracteriza as relações nas festas das culturas populares
não é em absoluto fruto da imaginação ou do pensamento abstrato, mas experimenta-se
concretamente no contato vivo, material e sensível que o ritual propociona. A força
regeneradora do riso grotesco oferece a possibilidade de um mundo diferente. Pude aferir que
o Reisado Careta é um espaço de comicidade e ludicidade. A brincadeira é penetrada pela
vida dos brincantes, assim como a vida dos brincantes é penetrada pela brincadeira, gerando
algo único porém com dupla face. Assim, o ritual é capaz de transformar a vida ordinária
daqueles que dele participam, onde a graça e a esperança se expandem para o resto do ano na
forma da fé.
Seja pela crença no milagre do santo, seja pela situação inter-estrutural que o
ritual proporciona, o Reisado Careta a seus integrantes condições de uma transformação
individual que para mim ficou bem clara quando alguns integrantes ao término da jornada
vieram me contar que “fizeram as pazes” com alguém que estavam brigados. O fato do
período natalino, dedicado integralmente ao Reisado pelos brincantes, ser um período de
transição no qual o sujeito ritual está isolado do estado anterior mas ainda não foi introduzido
no subseqüente (Turner, 1974), trás a possibilidade de uma nova visão do mundo. A
suspensão da vida social que esta fase liminar provoca, faz com que os brincantes deixem as
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mágoas despertadas na vida cotidiana e se permitam ser contaminados pela alegria da vida
festiva.
Conforme Turner (1974:162), “a estrutura tende a ser pragmática e mundana,
enquanto a “communitas” é com frequência especulativa e geradora de imagens e idéias
filosóficas”. No caso dos integrantes do “Reisado Encanto da Terra”, essas idéias geraram
algo concreto: a “sociedade mão amiga”. Seu criador e peça fundamental para sua
concretização explica melhor:
Aqui é uma sociedade que agente montando aqui, do grupo, entendeu? Você
que todos nós , agente tem dificuldade. Eu chamei todo mundo, fizeram a reunião
tudinho, para nós fazer, para nós amontar uma sociedade dentro do nosso grupo e
mais algumas pessoas , as vezes adoece, ai não tem, é uma dificuldade para arrumar
as coisas, agente precisamo fazendo esse trabalho. Agente tá cooperando, cada dá
um real, junta de todo mundo, dezembro agente dá aquele balanço. É um
realzinho todo mês que pagamo. Se no caso, um adoecer e precisar de um médico,
comprar um remédio, aí agente tem que se reunir. Eu sou o coordenador mas parece
que tem mais quatro pessoas. Tamo montando a diretoria. Aí tem o tesoureiro,
assessor, tem que prestar conta com os sócios. Essa nossa sociedade aqui, agente
chama de mão amiga, né? Tem 44 pessoas para esse ano. Aqui tem os brincante que
perde serviço, é dormir e fazer aquela festa. Os brinquedos, é tudo aquele gasto,
agente mesmo que faz. o tem aquele terreno ali? No caso o pessoal monta
associação lá. Primeiramente eles tem que ter um pistolão, junto com o prefeito,
tudinho, para eles montar isso aí. pede projeto para a associação. Aqui é nós
mesmo, não tem nada de projeto. Ali tem projeto de água, de luz, todos os
moradores daquele terreno vão participar. Aí é associação. Enquanto nós aqui, nossa
sociedade, é para nós mesmo. Quando tiver o dia-a-dia de cada um. Por exemplo,
esse rapaz que chegou aqui, antigo que brinca comigo, pegou um negócio de febre
aí, não sei nem que febre era aquela passou quase um mês e pouco aí doente e
agente teve que ajudar. Agente ia lá, ele sem poder trabalhar nem nada. As vezes,
nem todos os brincantes sabem que a pessoa doente, a pessoa necessitando e
com nossa sociedade, todos nós vamos saber, porque quando a pessoa precisar, nós
chamamos todo mundo na reunião e bora fazer isso aqui, que fulano precisando
disso aqui. Não querendo mexer naquele bocado que nós ajuntando, nós tem que
mexer no bolso, ajuntar um real, cinqüenta centavos, nós tem que fazer um vaquinha
para comprar qualquer coisa que ele tiver necessitando. É desse jeito.
(CHINÊS,
SEBASTIÃO, maio de 2008)
Uma vez que as técnicas e teorias não são neutras e que mudanças nos métodos de
análise certamente provocam o surgimento de novos sentidos para o próprio objeto, espero ter
contribuído de alguma forma com essa manifestação das culturas populares maranhense e
principalmente para os sujeitos que a faz existir. Com desejo de aprofundar meus estudos e o
material disponível sobre o ritual, viso a produção de um filme documentário sobre o Reisado
Careta no Maranhão e seus integrantes, com os quais o sentido da reciprocidade está apenas
começando.
69
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FIGURAS
76
Ilustração 1: Máscara de careta do grupo "Careta Encanto da Terra", Caxias, MA.
Ilustração 2: Babau do grupo “Careta Encanto da Terra”, Caxias, MA.
77
Ilustração 3: Burrinha dançando no terreiro.
Ilustração 4: Nega-Véia dançando no terreiro.
78
Ilustração 5: Brincantes no caminhão, de Campos de Belém para Lagoa Feia.
Ilustração 6: Sebastião Chinês, em frente a uma casa que anuncia em sua parede a realização de uma festa
para Santo Reis, no dia 05 de janeiro.
79
Ilustração 7: Promesseira em frente ao altar, com a bandeira de Santo Reis, do “Careta Encanto da
Terra”, segurando a tradicional imagem dos Reis entregando seus presentes ao menino Deus.
Ilustração 8: Leilão do festejo do dia 06 de janeiro, em Campos de Belém.
80
Ilustração 9: Dona Nair, rezadeira e dona de "Reisado Careta" na Barra do Ininga, MA e sua rabeca.
Ilustração 10: Foliões da Divindade de Campos de Belém, Caxias, MA.
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