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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIAS DA
RELIGIÃO
RECUPERANDO O IMAGINÁRIO DA DEUSA: ESTUDO
SOBRE A DIVINDADE ASERÁ NO ANTIGO ISRAEL
ANA LUISA ALVES CORDEIRO
GOIÂNIA
2009
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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIAS DA
RELIGIÃO
RECUPERANDO O IMAGINÁRIO DA DEUSA: ESTUDO SOBRE A
DIVINDADE ASERÁ NO ANTIGO ISRAEL
ANA LUISA ALVES CORDEIRO
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação Stricto
Sensu em Ciências da Religião como
requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Haroldo Reimer
GOIÂNIA
2009
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FOLHA DE APROVAÇÃO
ANA LUISA ALVES CORDEIRO.
RECUPERANDO O IMAGINÁRIO DA DEUSA: ESTUDO SOBRE A DIVINDADE
ASERÁ NO ANTIGO ISRAEL.
Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, da Universidade Católica de
Goiás, a ser defendida em 12 de agosto de 2009 para obtenção do grau de mestre.
BANCA EXAMINADORA
1. Dr. Haroldo Reimer (Presidente)................................................................................
2. Dr(a). Ivoni Richter Reimer (Membro)........................................................................
3. Dr. Osvaldo Luiz Ribeiro (Membro de outra IES)......................................................
Em memória das Deusas e dos Deuses,
dos corpos que n’Ela encontraram e continuam encontrando
o ressoar do feminino sagrado.
Em memória da mulher, menina, mãe, anciã,
que sonha, que luta, que ama, que é e que faz.
Em memória da mulher amante e amada,
em memória d’Ela, delas com eles, nossa...
Em memória do amor entre a mulher e o homem,
da cumplicidade, do companheirismo, do desejo...
Eu dedico este trabalho!
Agradeço aos Deuses e às Deusas pelo longo trajeto percorrido;
Ao corpo docente do Mestrado em Ciências da Religião, pelos horizontes ampliados;
Ao meu orientador, Dr. Haroldo Reimer, pelo incentivo, apoio, desafio,
realizando, sempre, com muita competência e humanidade seu trabalho;
Ao Centro de Estudos Bíblicos por ensinar que a Palavra precisa iluminar a Vida;
À entidade alemã, ADVENIAT, que me concedeu a Bolsa de Estudos no mestrado;
À minha família, por todo o apoio, leitura dos meus escritos, sugestões, em especial
Á minha mãe Maria José, ao meu irmão Carlos Eduardo e minha mana Brenda,
por todo o amor e
Às amigas, aos amigos, aos colegas, a todas as pessoas que direta ou
indiretamente, sugeriram, criticaram e me ajudaram a fazer melhor o caminho.
“Ser livre é ir mais além:
é buscar outro espaço, outras dimensões,
é ampliar a órbita da vida.
É não estar acorrentado.
É não viver obrigatoriamente entre quatro paredes”
(Cecília Meireles)
RESUMO
CORDEIRO, Ana Luisa Alves. Recuperando o Imaginário da Deusa: estudo sobre a
divindade Aserá no antigo Israel. Dissertação do Mestrado em Ciências da Religião
– Universidade Católica de Goiás, 2009.
Para a maioria das pessoas que lêem a Bíblia, a idéia de um único Deus, Javé,
parece ser clara. No entanto, tanto a Bíblia quanto algumas descobertas
arqueológicas deixam entrever que nem sempre foi assim. Antes de uma elaboração
teológica monoteísta no antigo Israel havia uma realidade religiosa politeísta, da qual
Javé também fazia parte. A pesquisa busca elucidar essa realidade, perguntando
pela presença da divindade feminina, em especial Aserá, pelos impactos da reforma
de Josias (em meados do século VII a.C., no antigo Israel) e as relevâncias da
discussão sobre a Deusa na atualidade. A pesquisa busca analisar o texto de 2Reis
23,4-7, demonstrando que se trata de medidas impetradas em prol do monoteísmo,
permeadas de intolerância, violência e supressão do(a) outro(a). A representação
feminina, enquanto Deusa, esteve presente no antigo Israel e apesar de suprimidas
no processo de elaboração monoteísta, as Deusas continuam ressurgindo na
atualidade como possibilidade simbólica de imaginar o sagrado.
Palavras-chave: Deusa, Aserá, feminino, símbolo, reforma de Josias, supressão.
ABSTRACT
CORDEIRO, Ana Luisa Alves. Recovering the Imagination of Goddess: study about
the divinity Asherah in the ancient Israel. Master’s thesis in Sciences of Religion
Catholic University of Goiás, 2009.
To several readers of the holy Bible the idea of a single God, Yahweh, seems to be
clear. Thought, the Bible and some other archaeological discoverys shows that things
were not always like this. Before a monotheist theological elaboration on ancient
Israel, there was a religious polytheistic reality, wich Yahweh was part of. The
research intend to clarify this reality, questioning for the presence of the female
divinity, specially Asherah, for the impacts of Josiah’ reform (around the VII b.C.
century, in the ancient Israel) and the important points on the discution about the
Goddess nowadays. The research intend to study 2Kings 23,4-7, showing that are
actions taken for the good of monotheism, are held by intolerance, violence and
suppression of the other. The female representation, while Goddess, was present in
the ancient Israel and even suppressed in the monotheist elaboration’ process, the
Goddess continue resurging nowadays like symbolic possibility to imagine the holy.
Keywords: Goddess, Asherah, feminine, symbol, Josiah’ reform, supression.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Jarro do Templo do Fosso de Laquis........................................................65
Figura 2 – Inscrição proto-cananéia sobre o jarro do Templo do Fosso em Laquis..66
Figura 3 – Pingente ugarítico.....................................................................................66
Figura 4 “Estatuetas judaítas de pilar” feitas de cerâmica, representando Deusas
da fertilidade...............................................................................................................67
Figura 5 – Pedestal de culto de Tanac.......................................................................68
Figura 6 – Pinturas e inscrições sobre um pithos em Kuntillet ‘Ajrud.........................69
Figura 7 – Pintura egípcia do Túmulo do Faraó Tuthmosis III...................................70
Figura 8 – Pintura árvore sagrada flanqueada de leões............................................70
LISTA DE ABREVIATURAS
a.C. – antes de Cristo
Am – Amós
BHS – Bíblia Hebraica Stuttgartensia
BM – Bronze Médio
BT – Bronze Tardio
cf. – confira
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
Cr – Crônicas
Dt – Deuteronômio
Ex – Êxodo
Ez – Ezequiel
Gn – Gênesis
HD – História Deuteronomista
Is – Isaías
Jr – Jeremias
Js – Josué
Jz – Juízes
Mq – Miquéias
Nm – Números
Os – Oséias
Pr – Provérbios
Rs – Reis
Sl – Salmos
Sm – Samuel
TEB – Tradução Ecumênica da Bíblia
Zc – Zacarias
SUMÁRIO
RESUMO....................................................................................................................06
ABSTRACT................................................................................................................07
LISTA DE ILUSTRAÇÕES........................................................................................08
LISTA DE ABREVIATURAS......................................................................................09
INTRODUÇÃO...........................................................................................................12
1 DESENVOLVIMENTO DA RELIGIÃO HEBRAICA........................................17
1.1 FASES DO MONOTEÍSMO.............................................................................17
1.2 SÍMBOLO, REPRESENTAÇÃO E IMAGINÁRIO............................................20
1.3 HISTÓRIA DA RELIGIÃO DOS ANTIGOS HEBREUS...................................23
1.3.1 Época da pré-história de Israel (anterior a 1250 a.C.).....................................23
1.3.2 Formação do povo de Israel (1250 a 1040 a.C.).............................................27
1.3.3 Durante a Monarquia (1040 a 586 a.C.)..........................................................30
1.3.3.1 Monarquia Unida (1040 a 931 a.C.)...............................................................32
1.3.3.2 Monarquia Dividida: Israel (931 a 722 a.C.) e Judá (931 a 586 a.C.)............33
1.3.4 Exílio Babilônico (586 a 539 a.C.)....................................................................37
1.3.5 Reconstrução sob os persas (539 a 332 a.C.)................................................39
1.4 SÍNTESE E PERSPECTIVAS..........................................................................42
2 ANÁLISE DE 2REIS 23,4-7.............................................................................43
2.1 HISTÓRIA DEUTERONOMISTA.....................................................................45
2.2 ANÁLISE LITERÁRIA......................................................................................47
2.2.1 Texto Massorético: 2Reis 23,4-7.....................................................................47
2.2.2 Crítica Textual..................................................................................................49
2.2.3 Tradução Literal...............................................................................................52
2.2.4 Moldura de 1-2Reis.........................................................................................53
2.2.5 Estrutura do Texto de 2Rs 22-23.....................................................................55
2.2.6 Delimitação do Texto: 2Rs 23,4-7...................................................................56
2.3 MEDIDAS REFORMISTAS DA CORTE JOSIÂNICA......................................57
2.4 QUEM ERA ASERÁ?.......................................................................................65
2.4.1 Aserá em Textos e Representações Extrabíblicas..........................................65
2.4.2 Aserá na Bíblia Hebraica.................................................................................72
2.4.2.1 Aserá como Deusa, no singular:
כa
shērāh.....................................................73
2.4.2.2 Aserá como Deusa, no plural:
כa
shērôt..........................................................74
2.4.2.3 Aserá como objeto cúltico, no singular:
כa
shērāh...........................................74
2.4.2.4 Aserá como objeto cúltico, no plural:
כa
shērôt e
כa
shērîm...............................77
2.5 SÍNTESE E PERSPECTIVAS..........................................................................82
3 IMPLICAÇÕES PARA O IMAGINÁRIO FEMININO DA DIVINDADE............84
3.1 HERMENÊUTICA FEMINISTA E DE GENÊRO DA BÍBLIA............................85
3.2 A DEUSA COMO UMA POSSIBILIDADE SIMBÓLICA DO SAGRADO.........89
3.3 SÍNTESE E PERSPECTIVAS.........................................................................94
CONCLUSÃO............................................................................................................96
REFERÊNCIAS........................................................................................................100
ANEXO.....................................................................................................................109
INTRODUÇÃO
Refletir sobre o processo de supressão
1
da Deusa Aserá no antigo Israel, a
partir de um estudo do texto de 2Rs 23,4-7, que trata da Reforma de Josias, é uma
tentativa de reconstruir a memória e a imagem desta Deusa, bem como a sua
presença e significância no contexto vital de mulheres e homens israelitas. A
supressão de Aserá pode ser estudada de formas distintas, aqui optamos pela
análise de 2Rs 23,4-7 por ser um texto que nos possibilita visualizar as atitudes
violentas que permeiam as relações simbólicas.
Atualmente existe uma ampla discussão entre os(as) pesquisadores(as) se
Aserá foi realmente uma Deusa ou apenas um atributo de Javé. Diante das últimas
descobertas arqueológicas, acreditamos que Aserá possivelmente foi uma Deusa e
que por determinado tempo foi adorada como esposa/parceira de Javé, no panteão
religioso caananita.
Partimos do pressuposto, afirmado pela pesquisa recente, de que nas origens
o antigo Israel se caracterizava por um contexto religioso politeísta (adoração a
várias divindades). Por isso, re-imaginar a presença de Ase no antigo Israel é
munir-se de coragem e audácia para poder, em meio a um contexto religioso
construído processualmente monoteísta e patriarcal, dar voz a uma realidade
politeísta, onde Deuses e Deusas faziam parte de um mesmo contexto.
A pesquisa em torno deste tema vem sendo realizada mais de cinco anos,
durante os estudos no bacharelado em Teologia e agora prosseguindo no Mestrado
em Ciências da Religião. A grande provocação em relação a essa temática surgiu
um pouco antes em 2003, durante uma semana de estudos bíblicos, com o biblista
Ildo Bohn Gass, na cidade de Porto Alegre/RS. Ali, nós, um grupo de mulheres,
estudamos a Bíblia na ótica do pobre e da mulher e perguntamos por Aserá.
Uma semana foi suficiente para suscitar inquietações e curiosidades, que são
pertinentes ao espírito pesquisador. Uma semana foi suficiente para mudar o trajeto
que até ali vinha sendo percorrido! A curiosidade de uma mulher perguntando pela
1
O termo ‘supressão’ é entendido como o ato ou efeito de suprimir algo, ou seja, impedir que este
algo apareça; eliminar; extinguir; cassar; anular (FERREIRA, 1993). Porém, com o termo ‘supressão’
não estamos querendo afirmar uma extinção e anulação por completo da divindade feminina no
antigo Israel. Apenas queremos dizer que historicamente a representação feminina da divindade no
antigo Israel sofreu impactos e proibições com o desenvolvimento do monoteísmo, ou um processo
de negativização, porém essa mesma representação feminina encontrou outras formas de burlar
essas proibições que vinham do âmbito oficial, como veremos no decorrer da pesquisa.
13
Deusa, os olhos que agora viam a Deusa, foi o que impulsionou esta pesquisa. Mas
um longo caminho precisava ainda ser trilhado e está sendo.
Em 2004, abandonando a Faculdade de História e ingressando na Faculdade
de Teologia, começamos a pesquisar sobre Aserá. Em 2007 concluímos a
graduação com a monografia sob o título “Asherah, a Deusa Proibida”. Os primeiros
passos começaram a ser dados. As perguntas estavam postas: Aserá era uma
Deusa? Quem era Aserá? Ela foi adorada ao lado de Javé? O que a Bíblia fala de
Aserá? Qual o significado de falar da Deusa hoje?
No entanto, a pesquisa monográfica se ateve a dados mais gerais.
Preocupou-se em trazer alguns elementos acerca da construção do monoteísmo
hebraico, sobre as últimas descobertas arqueológicas referentes a Aserá e em fazer
um levantamento das citações bíblicas que mencionam a Deusa ou seu símbolo.
As perguntas continuaram. Em agosto de 2007, ingressando no Mestrado em
Ciências da Religião, continuamos o desafio de perguntar por Aserá. A indagação se
referia aos períodos no antigo Israel em que o processo de supressão e
negativização da diversidade religiosa foi mais forte e decisivo. Apesar de sabermos
ser o período do exílio e pós-exílio como decisivo, como o momento em que
realmente se cristaliza uma teologia monoteísta, optamos por analisar a reforma
político-religiosa do rei Josias (2Rs 22-23), na segunda metade do c. VII a.C, em
Judá, uma reforma com medidas não tanto pacíficas, que ao nosso ver foram
impactantes e violentas.
Biblicamente, este processo de proibição e exclusão da Deusa Aserá do
âmbito religioso é sentido e visualizado claramente por meio das mais de quarenta
referências a Aserá na Bíblia Hebraica ou Primeiro Testamento
2
.
Os estudos realizados aaqui, a partir de uma hermenêutica feminista e de
gênero da Bíblia, possibilitaram reconstruir parcialmente a presença de Aserá no
antigo Israel. Neste sentido, as descobertas arqueológicas
3
das últimas décadas
foram e são fundamentais para pesquisa, de modo a permitir a percepção de certa
tendenciosidade na redação dos escritos bíblicos.
O impacto que a abordagem de tal tema pode causar nas mulheres hoje, e
porque não nos homens também, é primeiro um sinal de espanto, susto, dúvidas e
2
Confira, por exemplo, além do texto em análise 2Rs 23,4-7, textos como: 1Rs 15,13; 18,19; 2Cr
15,16; 17,6; 34, 6. Confira também a lista com as citações bíblicas no segundo capítulo.
3
Por exemplo, a de Khirbet el-Qom, em 1967, e de Kuntillet ‘Ajrud, em 1975-1976.
14
até mesmo recusa, pois muitos(as) de nós crescemos certos(as) de que Deus
sempre foi único, Javé, Senhor, Pai, ou seja, quase sempre caracteristicamente
masculino. Remontar uma época em que Deusas e Deuses eram adorados(as) em
par, como casais, ou separadamente, é desconstruir ou pelo menos provocar
questionamentos diante do modelo sagrado oficial estabelecido ao longo dos
séculos e vigente até hoje.
É possível observar aspectos desse impacto na reportagem “Deus bíblico
pode ter tido uma esposa, afirmam pesquisadores” (LOPES, 2008), publicada no
portal eletrônico da Revista G1, onde as pessoas puderam ler e fazer seus
comentários. Cerca de 98% dos 249 comentários foram de uma vertente radical e
fundamentalista, repudiando tal discussão sobre a Deusa. Abaixo são destacados
alguns comentários que podem ser conferidos no próprio site
4
:
Os profetas da Bíblia falam sobre isso o tempo todo: o povo gostava de
misturar cultos e divindades e achava que podia acender uma vela para
Deus e outra para o diabo. Toda a história de Israel é isso, os profetas
alertando o povo contra a idolatria e a cegueira. Simples assim [Valter,
08/06/08, 15h39].
Haja ignorância, Deus não é homem e nem mulher Ele é um ser iluminado e
nós não somos digno de ver a sua face, um exemplo claro foi Moisés que
falava com deus e não via, sentia a sua presença e Deus nunca disse que
era homem ou mulher. Que Deus de sabedoria a todos e aos cientistas tmb
[Anderson, 08/06/208, 17h05]
Que absurdo!!! Javé, ou seja Jeová o Soberano do universo, não tem
necessidade de uma presença feminina. Estão totalmente enganados, a
Bíblia não menciona nenhuma vez a presença de uma Deusa, da parte de
Jeová. A mulher é a última criação, como poderia existir uma Deusa?
[Sabrina, 08/06/08, 19h11]
É incrível a preocupação em derrubar por terra as verdades bíblicas, esse é
um grande sinal do retorno de Cristo. Ele voltará mais cedo do que muitos
pensam, em Apocalipse está muito claro os últimos acontecimentos,
confirmando o que havia sido previsto em Isaías. Obrigada
pesquisadores, continuem [Renata, 08/06/08, 19h26]
A Bíblia diz que os israelitas foram punidos por usarem imagens na
adoração, foram exilados em Babilônia. Esta reportagem só prova que a
Bíblia está correta, que os israelitas estavam desobedecendo Deus. O
dos 10 mandamentos proíbe o uso de imagens e adorar qualquer outro ser
além do único Deus [Só confirma o que a Bíblia fala, sem parcialidade,
09/06/08, 09h46]
Parabéns!!! Em uma sociedade marcada pelo patriarcado, retomar a figura
da Deusa é essencial! Aos que não conhecem o estudo teológico e
arqueológico um conselho: estudem... estudar é mais fácil que criticar... e
crítica precisa no mínimo ser embasada em conhecimento!!!! [Júlio,
14/06/08, 22h27]
4
www.g1.globo.com
15
A negativização e a supressão das Deusas lesou as mulheres e os homens,
pois retirou a possibilidade de representação do feminino no sagrado, enquanto
Deusa. E isto é bem diferente do feminino ser somente um simples atributo do Deus
masculino, como por exemplo: um Deus que é Pai e Mãe; um Deus que gera, que
amamenta (Is 42,14; 66,9; Os 11,3-4); traços femininos que foram agregados a um
Deus masculino.
Desta forma, acredita-se que esta pesquisa poderá contribuir ainda mais para
a reflexão feminista e de gênero, uma vez que a reconstrução e a apropriação da
memória e do imaginário feminino da divindade, como forma não de poder, mas
de possibilidade de significação para vida, é mais um aspecto no fortalecimento das
mulheres nas suas vivências e lutas diárias.
Considerando que o imaginário pelo qual uma sociedade se reveste é um
forte elemento justificador das relações sociais estabelecidas, acreditamos que uma
única imagem do sagrado, predominantemente masculina, possibilitou relações de
gênero desequilibradas, na supervalorização do masculino, enquanto único caminho
de se viver o transcendente e se tornar sagrado ou de chegar ao sagrado.
Reconstruir a presença da Deusa é, portanto, falar de mulheres, de seus corpos, de
seus sonhos, de seus ciclos, de seus sangues, de suas lutas, enfim de tudo o que
abarca o universo feminino.
Esta talvez seja uma importante contribuição da reflexão feminista, uma vez
que nos desloca e nos provoca a dar visibilidade às representações femininas do
sagrado como possibilidade de analisar a sociedade e as estruturas cristalizadas
secularmente.
O presente trabalho é uma pesquisa teórica, baseada em um levantamento
bibliográfico qualitativo e está estruturada em três capítulos. O primeiro capítulo trata
do ‘Desenvolvimento da Religião Hebraica’. Nele é realizado um estudo acerca do
símbolo, procurando identificar, mesmo que parcialmente, elementos da diversidade
religiosa no antigo Israel, bem como o processo de elaboração do que se
convencionou chamar de ‘monoteísmo hebraico’.
O segundo capítulo, ‘Análise de 2Rs 23,4-7’, faz um recorte na história de
Israel, estudando a reforma do Rei Josias (622 a.C.), a partir da perícope de 2Rs
23,4-7. Destacamos aqui alguns elementos definidores sobre o que é designado de
História Deuteronomista HD (Deuteronômio, Josué, Juízes, 1-2Samuel e 1-2Reis)
e como a reforma josiânica se insere nessa perspectiva. A pergunta subjacente é em
16
que medida a reforma de Josias contribuiu no processo de supressão de Aserá no
antigo Israel. O capítulo termina retratando Aserá, bíblica e arqueologicamente.
No terceiro capítulo, ‘Implicações para o Imaginário Feminino da Divindade’,
refletimos as relevâncias da hermenêutica feminista e de gênero da Bíblia, em
vinculação com o objeto da pesquisa. Trata-se de um método que percorre toda a
pesquisa, indagando sobre alguns aspectos pertinentes quanto aos atributos da
Deusa que queremos reconstruir, a Deusa como possibilidade simbólica do sagrado
em busca de relações de gênero mais prazerosas e equilibradas, num mundo
ocidental cristianizado tão marcadamente ainda patriarcal.
que se perguntar, para uma reflexão crítico-feminista, em que uma
pesquisa sobre a Deusa Aserá contribui no sentido da vida real e cotidiana das
mulheres e refletir sobre quais atributos da Deusa devem ser resgatados para
afirmar relações mais humanizadas e integradoras, entre mulheres e homens. Eis
aqui um grande desafio!
1 DESENVOLVIMENTO DA RELIGIÃO HEBRAICA
O monoteísmo hebraico desenvolveu-se gradualmente como configuração
religiosa no antigo Israel, basicamente entre os séculos IX e V a.C., a partir de uma
realidade politeísta (existência de várias divindades) vivida há longo tempo pelo
povo hebreu. Esta forma de adoração consistia na negação de outras
representações religiosas e na ênfase do culto a Javé como único Deus.
Neste capítulo queremos destacar alguns elementos dessa diversidade
religiosa (politeísta), bem como parte da complexidade simbólica que está por detrás
do processo de desenvolvimento da religião hebraica. Partindo do conceito de que o
sagrado “é o real por excelência, ao mesmo tempo poder, eficiência, fonte de vida e
fecundidade” (ELIADE, 1992, p. 27), acreditamos que este sagrado, no antigo Israel,
não esteve enclausurado em uma única manifestação religiosa, mas foi partilhado
por meio de uma vasta simbologia.
1.1 FASES DO MONOTEÍSMO
Conforme Reimer (2003, p. 979), o desenvolvimento do monoteísmo no
antigo Israel, propriamente entre os séculos IX e V a.C., pode ser esboçado em
cinco fases:
A primeira fase seria marcada pelo sincretismo entre El e Javé, no qual El é
uma divindade cananéia cujas características é ser criador da terra e pai dos Deuses
(REIMER, 2003, p. 979-980).
A segunda fase, por volta do século IX a.C., seria marcada pelos conflitos
com a divindade Baal. No imaginário religioso, Baal era filho de El; sua característica
principal era ser responsável pela fertilidade (REIMER, 2003, p. 980).
Crüsemann (2001, p. 780) aponta especialmente a época do profeta Elias
5
(aproximadamente século IX a.C.), como o momento histórico em que se começa a
falar da exclusividade do Deus de Israel, principalmente no embate com o Deus Baal
e no processo de sincretismo no qual Javé incorpora as características de Baal. Para
o pesquisador, os escritos bíblicos do Primeiro Testamento teriam em si a
5
Confira, em 1Rs 18,19-40, o embate entre os profetas de Javé (Elias) e os profetas de Baal; neste
confronto Javé sai vitorioso. O raio é a característica de Baal, porém é Javé quem tem o poder sobre
a chuva e o raio.
18
tendência de mostrar, do início ao fim, a realidade do monoteísmo: “a proibição de
se adorar outras divindades já é pressuposta em Gênesis e formulada claramente no
Sinai (Ex 20,2)” (p. 781).
A terceira fase estaria marcada pela ênfase da adoração exclusiva a Javé. O
profeta Oséias
6
, no século VIII a.C., equipara a idolatria à adoração de outras
divindades. Neste período acontece a reforma de Ezequias (2Rs 18,4), que, entre
outras ações, promove a remoção dos lugares altos e a destruição da serpente de
bronze, Neustã. A reforma é legitimada legalmente por meio do Código da Aliança
(Ex 20,22-23,29) (REIMER, 2003, p. 980-981).
Ribeiro (2002, p. 994) destaca que a citação de 2Rs 18,4 faz entender que
Neustã constituía, ao lado de Ase e Javé, uma tríade divina em Jerusalém.
Neustã era, portanto,
uma divindade relacionada aos harashim, trabalhadores dos metais (ouro,
prata, bronze, ferro), da pedra e da madeira. Esteve desde cedo relacionada
aos trabalhadores da mineração. Serpentes de cobre foram localizadas nos
vestígios arqueológicos das minas de cobre ao sul de Israel, exatamente na
região onde a tradição blica localiza o episódio das serpentes de bronze
(Nm 21,4-9) (RIBEIRO, 2002, p. 994).
Este terceiro momento seria caracterizado também pelo sincretismo entre
Baal e Javé, bem como com outras divindades. Conforme Secretti (2006, p. 98), o
processo pelo qual os atributos de Baal passam a ser apropriados por Ja
denomina-se ‘baalização’ de Javé. A divindade Javé passa a ser afirmada como
responsável pela fertilidade, função que antes era de Baal.
A quarta fase remeteria à época imediatamente posterior à dominação assíria,
com a reforma de Josias (2Rs 22-23), justificada legalmente pelo Código
Deuteronômico. Ela engloba uma série de medidas que visavam a exclusividade de
Javé e sua centralidade em Jerusalém. Trata-se de algo como um “monoteísmo
nacional”, que afirma a ideologia de um “deus nacional”, sendo que o santuário
central e seus agentes religiosos (sacerdotes e profetas) desempenham funções
importantes neste processo” (REIMER, 2008, p. 13). Reimer (2003, p. 982) afirma
que
do templo de Jerusalém teriam sido retirados utensílios feitos para Baal,
Aserá e o Exército do céu; sacerdotes dos 'altos' foram depostos, a estaca
6
Para informações mais detalhadas sobre o profeta Oséias, cf. Secretti (2006).
19
sagrada (hebraico: asherah) foi destruída, cabanas onde as mulheres
teciam véus para Aserá foram demolidas etc. Também os santuários do
interior foram desautorizados e desmantelados. Houve, assim, claramente,
uma concentração do culto a Yahveh em Jerusalém, com a conseqüente
exigência da adoração exclusiva dessa divindade.
Cada vez mais, as reformas religiosas vêm carregadas de intolerância
religiosa, proibindo qualquer tipo de imagens de divindades, mesmo que de Javé.
Esta fase teria repercutido intensamente no culto à Deusa Aserá, cultuada até este
período como possível consorte de Javé (REIMER, 2003, p. 982).
Secretti (2006, p. 141) ressalta que
com o surgimento do Estado, a religião camponesa, com seus mitos, foi
apropriada e funcionalizada a favor do mesmo Estado, que passou a
perseguir e eliminar toda e qualquer expressão religiosa popular, seus
símbolos, a centralizar o culto num Deus único, em Jerusalém (2Rs 23,4-
20).
A quinta fase seria marcada pelo monoteísmo absoluto que teve sua
sintetização no período do exílio (597-539 a.C.). Esta realidade pode ser percebida
com clareza em Is 45,5, onde, pela boca do profeta, o próprio Jaafirma: “Eu sou
Javé e fora de mim não existe outro Deus”. E Gn 1 seria a afirmação do poder
criacional de Javé diante do domínio babilônico ancorado na fidelidade à divindade
Marduc. No entanto, o pós-exílio (539-445 a.C.), época do domínio persa e do
retorno das elites sacerdotais exiladas na Babilônia, seria o momento de maior
afirmação do monoteísmo absoluto em Javé, bem como, da supressão de qualquer
referência a outras divindades, sobretudo femininas. Toda a literatura bíblica
produzida e finalizada neste período te essa tendência exclusivista em Javé
(REIMER, 2003, p. 983-984), sem, contudo, apagar por completo os
indícios/vestígios e a pluralidade anterior (REIMER, 2005).
Mesmo com o desenvolvimento da configuração religiosa caracteristicamente
monoteísta e patriarcal no antigo Israel, a divindade feminina e seus atributos não
foram totalmente ‘suprimidos’. Os símbolos da representação feminina na divindade,
suas funções, seus atributos, de certa forma também foram incorporados à
divindade masculina, como, por exemplo, imagens
7
de um Deus que é Pai e Mãe,
um Deus que gera, que amamenta (Is 42,14; 66,9; Os 11,3-4). E até mesmo não
7
Cf. Reimer (2005). Deus é ainda imaginado como uma parteira (Sl 22,9), uma amante (Sl 123,2),
como uma mulher (Is 46,3-4). Resgatar essas imagens é algo importante hoje, no que tange as
nossas representações de Deus e relações de gênero que tragam mais vida.
20
podemos dizer que essa apropriação de funções tenha aniquilado a presença da
divindade feminina no antigo Israel. As Deusas, seus símbolos, sobreviveram, na
mente, nos corpos, no imaginário popular.
1.2 SÍMBOLO, REPRESENTAÇÃO E IMAGINÁRIO
Destacamos o símbolo como um “componente essencial e um dos principais
fundamentos da ação social [...] qualquer coisa que toma o lugar de outra coisa ou
ainda qualquer coisa que substitui e evoca uma outra coisa” (ROCHER, 1971, p.
156). Etimologicamente, a palavra ‘símbolo’ vem do grego sym-ballo que significa
reunir. O termo ‘símbolo’ relaciona-se “à união de duas coisas” (CROATTO, 2001, p.
84).
A linguagem simbólica torna a humanidade possível à medida que
significado à vida e às coisas, à medida que é expressão dos sonhos, da poesia, do
amor, da arte e principalmente da experiência religiosa.
Podemos pensar em um ‘símbolo’ como uma imagem que abre a nossa
consciência para diferentes maneiras de entender. Um mbolo sugere
idéias, reúne conceitos e percepções diferentes. Toca alguma parte de nós
que não podemos explicar facilmente ou colocar em palavras. Os símbolos
e as imagens fazem todas essas coisas porque têm sua origem nos corpos
em nossos próprios corpos, nos corpos dos animais ou em características
do céu ou da Terra (POLLACK, 1998, p. 25-26).
As construções simbólicas e seu imaginário sempre estiveram presentes na
história da humanidade; são o material primordial dos mitos e dos ritos que em seu
conjunto constituem o que chamamos de religião. “A religião é a ousada tentativa de
conceber o universo inteiro como humanamente significativo” (BERGER, 1985, p.
41). Por trás de todo símbolo existe a realidade de pessoas e de grupos, de saberes
coletivos condensados ao longo de gerações.
Neste sentido, a religião, os símbolos, as estruturas sociais o todas elas
construções humanas de várias gerações, mas uma construção que se de forma
dialética. Como Berger (1985, p. 15) destaca,
toda sociedade humana é um empreendimento de construção do mundo. A
religião ocupa um lugar destacado nesse empreendimento [...] A sociedade
é um fenômeno dialético por ser um produto humano, e nada mais que um
produto humano, que no entanto retroage continuamente sobre o seu
produtor. A sociedade é produto do homem [...] o homem é um produto da
21
sociedade. Toda biografia individual é um episódio dentro da história da
sociedade, que a precede e lhe sobrevive. A sociedade existia antes que o
indivíduo nascesse, e continuará a existir após a sua morte.
Berger (1985, p. 46) vai mais longe e afirma que a religião tem uma função
legitimadora das instituições sociais, na medida em que as reveste de um status
ontológico de validade suprema”, ou seja colocando-as num patamar sagrado e
cósmico.
Os símbolos têm, assim, uma função de “concretizar, tornar visuais e
tangíveis realidades abstratas, mentais ou morais da sociedade”, mantendo vivo o
sentimento de pertença e participação dos indivíduos que asseguram a ordem social
(ROCHER, 1971, p. 167-168).
Esses apontamentos iniciais sobre o símbolo nos ajudam a compreender que
não podemos tratar o processo de desenvolvimento da religião hebraica como algo
unilateral, tranqüilo e natural, mas que devemos olhar para este processo como uma
relação de trocas simbólicas, de conflitos, de choques, de imposições, mas também
de re-significações. “A ação social banha-se total e constantemente no simbolismo,
que recorre aos símbolos de múltiplas maneiras e que é simultaneamente motivada
e configurada por diferentes tipos de símbolos” (ROCHER, 1971, p. 155).
O enfoque simbólico será nosso viés de análise, a nossa porta de entrada ao
mundo do antigo Israel, sempre com um questionamento subjacente acerca de
Aserá, da presença da divindade feminina. Os símbolos serão a alavanca que nos
ajudará a compreender um pouco mais a cultura e religião hebraica, dando voz à
diversidade religiosa seja antes ou depois da consolidação daquilo que identificamos
como monoteísmo hebraico, isto é, o sistema de adoração de um único Deus, Javé.
Isso fazemos considerando que os símbolos
evocam representações múltiplas, expressam experiências pessoais e
sociais profundas. Entendendo-se um símbolo podemos descobrir toda a
riqueza de um texto e, assim, conhecer melhor a história pessoal, social e
comunitária que está veiculada pelo texto. Através de símbolos podemos
conhecer as relações de poder na organização sócio-cultural (RICHTER
REIMER, 2000, p. 20).
Conforme Pesavento (2005), representação é uma construção feita a partir da
realidade através do qual os seres humanos dão significado ao mundo que os cerca.
“A representação envolve processos de percepção, identificação, reconhecimento,
classificação, legitimação e exclusão” (p. 40). Repletas de simbolismo, as
22
representações sociais naturalizam sentidos ocultos e mais “aquele que tem o poder
simbólico de dizer e fazer crer o mundo tem o controle da vida social e expressa a
supremacia conquistada em uma relação histórica de forças” (p. 41). Isso,
gradualmente, pode ser representado pela instauração de um sacerdócio masculino,
simbolizando a divindade masculina na terra. É, sobretudo, a partir do auge da
monarquia, da urbanização, que restrições funcionais vão sendo impostas às
mulheres, inclusive no âmbito religioso (MEYERS, 1988, p. 22-25).
Por imaginário entendemos “um sistema de idéias e imagens de
representação coletiva que os homens, em todas as épocas, construíram para si,
dando sentindo ao mundo” (PESAVENTO, 2005, p. 43). As imagens são carregadas
de significado e poder mobilizador que levam à ação. Neste aspecto o importante é
ver como os homens se representam, a si próprios e ao mundo, e quais os
valores e conceitos que experimentavam e que queriam passar, de maneira
direta ou subliminar, com o que se atinge a dimensão simbólica da
representação (PESAVENTO, 2005, p. 87-88)
Como enfatiza Christ (2005, p. 17), “a Deusa é um símbolo do divino como
feminino e, portanto, do feminino como divino ou dentro da imagem do divino”. Por
isso, a memória da Deusa é uma memória da realidade de mulheres e de homens,
mas em específico de mulheres, pois a Deusa é este símbolo maior que abarca o
mundo feminino, a partir do corpo da mulher, de seus ciclos, de seus sentimentos,
de suas lutas, de seus sonhos. Quem era Aserá? Quem eram as mulheres e os
homens que adoravam esta Deusa? Por que essa divindade cananéia foi purgada
de Israel? E será que a divindade feminina foi totalmente suprimida? Serão essas e
outras tantas perguntas que caminharão conosco e continuarão conosco neste
trabalho.
Nos próximos tópicos faremos uma análise panorâmica da história da religião
dos antigos hebreus, passando pelas diversas fases da história, que aqui será
subdividida em: Época da pré-história de Israel (anterior a 1250 a.C.); Formação do
povo de Israel (1250 a 1040 a.C.); Época da Monarquia (1040 a 586 a.C.); Exílio
Babilônico (586 a 539 a.C.); Reconstrução sob os persas (539 a 332 a.C.). Não
um consenso entre os(as) pesquisadores(as) em relação a datação dos períodos
históricos. Aqui nos valemos da datação utilizada por Gass (2005; 2005a; 2005b;
23
2005c), na coleção “Uma Introdução à Bíblia”, que segue a proposta do “Guia de
Leitura aos Mapas da Bíblia”, da Editora Paulus.
1.3 HISTÓRIA DA RELIGIÃO DOS ANTIGOS HEBREUS
1.3.1 Época da pré-história de Israel (anterior a 1250 a.C.)
A época da pré-história de Israel (anterior a 1250 a.C.) é uma fase histórica
em que a diversidade de Deuses e Deusas, de manifestações religiosas, não era
tanto um problema, mas simplesmente a realidade com a qual as pessoas conviviam
diariamente e expressavam sua forma de crer. Em termos espaciais ou geográficos
falamos de Canaã/Israel ou Palestina
8
como um recorte dentro do antigo Oriente
Próximo. Neste espaço físico e cultural, a religião se configurava de forma politeísta
em suas origens.
Antes de Israel emergir como tribo e depois como Estado, o território de
Canaã estava habitado milhares de anos (MAZAR, 2003). Não existem
testemunhos textuais importantes sobre Israel até a metade do segundo milênio
a.C., sendo necessário recorrer à arqueologia e à iconografia para obter maiores
informações (SCHROER, 2008, p. 99).
Os próprios textos bíblicos demonstram como o território de Canaã era um
espaço habitado antes de qualquer organização israelita. Em Ex 3,8 é mencionada a
8
A mesma região territorial, onde grande parte dos acontecimentos bíblicos se desenrola, recebeu ao
longo da história diversos nomes: Canaã, Israel/Reino do Norte, Judá/Reino do Sul e Palestina. Antes
da formação do povo de Israel, essa terra era chamada de Terra de Canaã. viviam os povos
cananeus. A partir da organização das tribos israelitas, passou a ser chamada Terra de Israel.
Em 931 a.C. após a morte do rei Salomão, houve a divisão do reinado. A parte norte ficou conhecida
como Reino de Israel ou Reino do Norte. E a parte sul, de Reino de Judá ou Reino do Sul. No tempo
de Jesus, os romanos passaram a chamar toda a região de Palestina. As três províncias mais
lembradas no Segundo Testamento são: Judéia ao Sul, Samaria ao centro e Galiléia ao norte.
A terra de Canaã era uma passagem para outras regiões, uma terra muito disputada pela sua
localização geográfica (lugar estratégico), uma vez que liga três grandes continentes, a saber: África,
Ásia e Europa.
“Sob ‘Palestina’ entende-se em geral o palco da história bíblica, portanto preferencialmente a
Cisjordânia, mas também as partes da Transjordânia: os territórios dos atuais estados de Israel e da
Jordânia, e os territórios palestinos. O nome ‘Palestina’ é a forma grega do termo aramaico P
e
lishta’in
(em hebraico P
e
lishtim) e designava originalmente o território povoado pelos filisteus na planície
litorânea. Após a segunda revolta judaica (132-135 d.C.), os romanos mudaram o nome da província
de Iudaea, instituída por eles, para Palaestina, designando com este termo não a planície
litorânea, mas também as regiões montanhosas da Cisjordânia. No curso das alterações territoriais e
administrativas nos territórios orientais do Império Romano, o nome incorporou finalmente também as
regiões situadas a leste do Jordão, incluindo partes da Arábia, uma província romana mais antiga”
(DONNER, 1997a, p. 50)
24
existência de vários pequenos reinos: cananeus, hititas, amorreus, fereseus, heveus,
jebuseus e ainda outros. “Eram pequenos reinos constituídos por uma cidade
cercada por uma muralha, que controlava um conjunto de vilas de camponeses
estabelecidas ao seu redor. Esse conjunto formava um pequeno Estado. Por isso,
são chamados de ‘cidade-estado’” (GASS, 2005, p. 19).
No período Mesolítico e Neolítico (12000-4500 a.C.), Canaã integra um
espaço cultural que vai da Anatólia a Mesopotâmia, e da Síria a Israel até a
Península do Sinai ou Egito. Na época do Neolítico pré-cerâmico, o culto aos mortos
foi central, provavelmente um culto aos ancestrais de matriz patrilinear (SCHROER,
2008, p. 99-100).
No Calcolítico (4500-3200 a.C.) há referências a várias figuras de marfim
masculinas. No Neolítico começa a produção de figurinhas femininas que ressaltam
a dimensão da fertilidade e da abundância de vida. No Calcolítico, os bodes e seus
chifres se tornam o centro do sistema simbólico religioso, sendo que na Idade do
Bronze Recente (terceiro milênio a.C.) tal centralidade passa a ser assumida pelo
boi (SCHROER, 2008, p. 100).
No terceiro milênio a.C., as cidades ganham destaque e se caracterizam pela
divisão do trabalho, pela hierarquização e centralização. O culto sai do âmbito das
casas ou de santuários ao ar livre para os templos citadinos. Nessa época a
invenção da escrita. Em Canaã três aspectos ganham força: a criação de gado, a
imagem do rei e a guerra (SCHROER, 2008, p. 100).
Na cidade, a dominação era estrutural e ideologicamente mantida pelos
sacerdotes, templos e religião. As idéias, os ritos e os símbolos religiosos
explicavam o mundo, e a partir desta ideologia o rei era considerado o sacerdote
principal (GASS, 2005, p. 22).
No século XVIII a.C., a vida em Canaã melhora devido a diminuição de
guerras, dando condições necessárias para o surgimento de uma “nova cultura de
cidades-estado, ligadas ao espaço rio”. A influência do Egito ainda é pouca; isso
ajuda no fortalecimento dos soberanos das cidades-estado. Com apenas dois
séculos, nasce na Idade do Bronze Médio (primeira metade do segundo milênio
a.C.) a cultura cananéia. Representações iconográficas mostram que o poder
político está concentrado em homens, uma vez que a representação em tronos é
somente de governantes masculinos e não de mulheres (SCHROER, 2008, p. 101).
25
Para Ottermann (2004, p. 3), no que se refere à presença da Deusa em
Canaã, da Idade do Bronze à Idade do Ferro, no Oriente Médio, datando a Idade do
Bronze Médio, entre 1800 e 1500 a.C., a representação da Deusa é caracterizada
como “Deusa-Nua”. Destacando-se o triângulo púbico, emergindo também
representações em forma de ramos ou pequenas árvores estilizadas, combinação
que vem a ser denominada “Deusa-Árvore”, remetendo à vegetação e ao seu
crescimento.
Assim destaca-se a importância da deusa para a fertilidade e o crescimento
abundante. Essa ligação da deusa com a fertilidade, principalmente com a
vegetação, é tão forte que a ‘Deusa Nua’ de Canaã e do Israel primitivo
pode ser considerada a personificação do poder da terra frutífera, e o tipo
combinado com atributos vegetais costuma ser chamado de ‘Deusa Árvore’
(OTTERMANN, 2005, p. 47-48).
Biblicamente, a importância da divindade feminina Aserá pode ser percebida
por meio das quarenta passagens bíblicas que se referem a Ela, demonstrando sua
relevância na cultura hebraica. Aserá é mencionada na Bíblia Hebraica de três
formas diferentes, ora como uma imagem que representa a própria Deusa, ora como
uma árvore ou como um tronco de árvore, que a simbolizam
9
(HESTRIN, 1991, p.
50).
No início do culo XVI a.C., o Egito domina a Síria e Israel até o Eufrates. A
partir deste momento histórico, as divindades masculinas ganham espaço,
principalmente as caracteristicamente lutadoras e guerreiras. As Deusas passam a
um espaço secundário, sendo que na religião popular continuam com um papel
importante. Isso foi constatado por um grande número de terracotas encontradas na
forma de Deusa. Raramente se têm Deusas militarizadas. “Poder real, briga e guerra
são os temas-chave dessa época, e nisso uma clara correlação entre a política e
a imagem de Deus. Os brutamontes aumentam no céu como na terra” (SCHROER,
2008, p. 102).
Na Idade do Bronze Tardio (1550-1250/1150 a.C.), a Deusa-Árvore apresenta
duas mudanças, aparecendo em forma de uma árvore sagrada flanqueada por
cabritos ou como um triângulo púbico, que substitui a árvore. Neste período se
nota a tendência de substituição da representação corporal da Deusa pelos seus
atributos, em especial a árvore. Aparece, então,
9
Confira a lista de passagens bíblicas no segundo capítulo.
26
na passagem do BM para o BT uma mudança decisiva no campo das
figuras de material mais precioso: as Deusas Nuas foram substituídas em
grande parte por deuses guerreiros como Baal e Reshef [...] o encontro dos
sexos fica claramente relegado ao segundo plano e é substituído por
representações de legitimação, luta, dominação e lealdade político-imperial
(OTTERMANN, 2004, p. 5).
A Idade do Bronze Tardio corresponde biblicamente à chamada época dos
patriarcas e matriarcas. Eram períodos de fome, de falta de chuva em Canaã, que
obrigam à emigração de pessoas (Abrão e Sarai no Egito, os irmãos de José,
israelitas no Egito). “A grande importância da gravidez e da descendência e a baixa
expectativa de vida de mulheres por causa disso (as matriarcas Sara, Rebeca e
Raquel morrem antes de seus maridos)”, bem como a importância da criação de
gado de pequeno porte e os conflitos com os egípcios e com os moradores das
cidades são aspectos que remontam à Idade do Bronze Tardio (SCHROER, 2008, p.
102-103).
No contexto cananeu, as divindades eram simbolizadas por elementos da
natureza que expressavam suas forças por meio de aspectos como a gravidez, a
colheita, as chuvas, a seca (GASS, 2005, p. 36).
Conforme Fohrer (1982, p. 49-53), no período antigo de Israel, a diversidade
religiosa era grande. Com mencionamos anteriormente, havia no contexto
cananeu a divindade El, que significava ‘pai dos deuses’, ‘pai da humanidade’ e
‘criador de todas as criaturas’. Havia Aserá, que neste período era consorte de El,
sendo também adorada como ‘criadora de deuses’. Baal significava ‘senhor’,
‘proprietário’ ou ‘marido’, e representava o deus da tempestade, da chuva e da
fertilidade. Anat é a irmã de Baal, denominada de ‘virgem Anat’ representava a
juventude e os poderes de vida, da concepção e do amor. Anat, de um lado,
transpirava sexualidade, porém, de outro, era uma deusa da guerra, sanguinária.
Yam era rival de Baal. Yam significa ‘príncipe do mar’, ‘soberano do rio’, era o
dominador do mar. Mot, que significa ‘morte’, também rival de Baal, tinha o domínio
sobre a maturidade e a morte. Na mitologia cananéia Mot derrota Baal por
determinado tempo, desfalecendo nesse período a natureza. Astarte, que
corresponde à deusa babilônica Ishtar, é mencionada diversas vezes em textos
ugaríticos. Deusa da fertilidade, com culto sexual, também tinha aspectos bélicos e
astrais. Dagon foi adorado na Mesopotâmia e na Síria, onde era considerado o deus
do cereal e o doador da fertilidade (Jz 16,23; 1Sm 5,2-5). Dagon foi também o deus
27
principal da região filistéia, com templos em Gaza (Jz 16,23) e Asdod (1Sm 5,1-5).
Reshef, também adorado na região cananéia, combina traços de violência e
destruição, mas também de paz e prosperidade.
A arqueóloga Meyers (1988, p. 13) destaca que neste contexto as mulheres
serviam principalmente às divindades femininas e que as contínuas referências
bíblicas a Anat e Aserá (Jz 3,7; 1Rs 15,13; 2Cr 15,16; 1Rs 18,19; Jr 44,15s)
evidenciam uma participação ativa das mulheres na vida cúltica e pública.
Podemos dizer que a época da pré-história de Israel (anterior a 1250 a.C.) foi
um período de bastante diversidade religiosa e simbólica, sendo que mencionamos
somente algumas das divindades e manifestações religiosas. É importante destacar
que já nesse período as divindades com representações simbólicas masculinas
ganham espaço gradativamente, o que reforça um contexto social de guerras, de
mudanças na produção. As guerras são empreendidas e executadas em sua maioria
por homens.
1.3.2 Formação do povo de Israel (1250 a 1040 a.C.)
No fim da Idade do Bronze Tardio, o Egito aos poucos perde seu poderio na
região de Canaã. Praticamente todas as cidades-estado cananéias sob domínio do
Egito foram destruídas, acentuando o processo de desurbanização. Soma-se a isso
a invasão dos povos do mar. Nesta época havia um processo de re-sedentarização
de grupos que não eram sedentários. São em geral, pastores, que sob a dominação
egípcia andavam pelas regiões de assentamentos. Começam a fundar pequenas
cidades na região montanhosa da Samaria e de Judá. Além do pastoreio, cultivam
roças, hortas e vinhas. “Os locais de culto dessa época são, em sua grande maioria,
santuários ao ar livre, dentro ou fora dos assentamentos. Além disso existem
indícios arqueológicos para cultos domésticos” (SCHROER, 2008, p. 103).
Schwantes (2008, p. 12 13) aponta que a formação de Israel foi o resultado
da desintegração social, das cidades-estado cananéias, possibilitando aos
camponeses buscar alternativas para melhorar suas condições de vida, uma delas
foi o êxodo para as montanhas. Nas montanhas os camponeses contavam com a
técnica das cisternas e o uso do ferro.
Diversos grupos participaram da formação de Israel. Além dos camponeses
cananeus empobrecidos, cuja divindade era El, havia também pastores
28
seminômades de Canaã, tais como representados nas figuras de Abraão, Sara,
Agar, Isaac, Rebeca, Jacó, Lia, Raquel. Com relação à divindade, pode-se dizer:
é o Deus da benção (Gn 12,1-3), da promessa de água e pasto para os
rebanhos, bem como de herdeiro (Gn 15;17) [...] os pastores não tem
templo. Seu lugar de culto é junto a árvores frondosas (Gn 18,1), a colunas
(Gn 28,18.22; 31,13; 35,14), ou em qualquer lugar. O altar é de terra ou de
pedras não lavradas (Ex 20,22-26). Não sacerdotes especializados. As
funções sacerdotais são realizadas pelos membros das famílias, isto é, pelo
pai (Gn 17,23) e por mulheres (Gn 31,19s; Ex 4,24ss) (GASS, 2005, p. 42).
Essa ligação com a família é expressa em Ex 3,6: Eu sou o Deus de seus
antepassados, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacó”. Existiam
também os terafins’, deuses dos lares (Gn 31,19-42) e as deusas da fecundidade,
ou seja, pequenas imagens usadas nos cultos domésticos ou nos pequenos
santuários (GASS, 2005, p. 44). Diferente destes havia os pastores de Cades,
região considerada um oásis e por isto permeada de lutas pela água (SCHWANTES,
2008, p. 23).
Outro grupo teria sido composto por trabalhadores forçados vindos do Egito,
também representados nas figuras de Moisés, Aarão e Miriam. Sua divindade era
chamada de ‘Deus dos hebreus’ (Ex 3,18; 5,3; 7,16; 9,1.13; 10,3).
A divindade Javé teria sido trazida de fora do contexto cananeu. O Deus El
ocupava o topo do panteão divino quando Javé passou a integrar o contexto
israelita, sem contudo negar a existência e a diversidade de outras divindades
(REIMER, 2006, p. 116).
Os pastores seminômades vindos do Sinai, em Madiã, são aqueles que
possivelmente trouxeram a divindade Javé para o contexto cananeu. Conforme Gass
(2005, p. 58-59), Javé estava ligado a fenômenos climáticos. Um texto egípcio
anterior a 1400 a.C. refere-se ao culto a divindade do Sinai. Jetro é o sacerdote
deste culto (Ex 3,1; 18,1-12).
Os espaços religiosos dos seminômades são as árvores sagradas (Gn
12,6ss; 21,33; 35,4; cf. Jz 4,5; 9,6), pedras sagradas (Gn 28,10-22), passagens de
rios (Gn 32, 22-32) e montanhas (Gn 22). Os primeiros santuários de Javé começam
a surgir, como o de Silo, administrados por sacerdotes masculinos (SCHROER,
2008, p. 105-106). “Os sacerdotes atuavam em santuários espalhados pelo interior:
em Tabor (Jz 4,6.14), em Silo (1Sm 1,3; 3,1ss), em Betel (Jz 20,26ss), em Guilgal
(Jz 3,19; 1Sm 11,15)” (GASS, 2005, p. 85).
29
Schwantes (2008, p. 14) afirma que é na montanha que estes grupos se
unem fugindo da opressão. O êxodo do Egito passa a ser um modelo de outros
tantos êxodos, um símbolo de libertação.
Para Bright (2003, p. 127), diversos nomes no Primeiro Testamento
evidenciam que “os antepassados hebreus adoravam a Deus sob o nome de ‘El’ [...]
nome do deus principal do panteão canaanita”. O autor ressalta ainda que
Shaddai, que parece significar ‘A Montanha’ (isto é, uma das montanhas
cósmicas), e que é o mais freqüente dos nomes [...] pode muito bem ter sido
o título de uma divindade patriarcal antiga de origem amorita, introduzida na
Palestina pelos próprios antepassados hebreus, e aí identificada como El e
adorada como El Shaddai (p. 128).
O título Shadai tem um aspecto interessante. Como apontam Gass e Almeida,
este título antigo do Deus de Israel é mais um sinal da presença da Deusa. Shadai
teria sido traduzido de forma equivocada como Todo-Poderoso (Gn 17,1; Ex 6,3).
Shadai deriva de Shad (plural: Shadaim), que quer dizer peito, mama, seio.
Mais de uma vez, esta forma de se dirigir a Deus es intimamente
vinculada à divindade da fecundidade, que amamenta ‘abundantemente’
seus filhos e suas filhas para que se multipliquem. Por isso, uma tradução
mais adequada para Shaddai é ‘abundância’ ou ‘fartura’. Que o Deus da
abundância te abençoe, faça-te fecundo e te multiplique... (Gn 38,3; cf
35,11; 48,3-4; 49,25) (GASS e ALMEIDA, 2008, p. 10).
Existem outros títulos para a divindade, ligados a famílias ou clãs, como: El
Elion (Gn 14,18-20); El Roi (Gn 16,13-14) e El Olam (Gn 21,33), entre outros. Porém
é interessante notar que “se os hebreus designavam seu Deus com o termo El, isso
significa que eles, em sua origem, também participam da cultura e da religião
cananéia” (GASS, 2005, p. 37).
Neste período da formação do povo de Israel, a Deusa continua perdendo
representatividade e as divindades masculinas vão ganhando cada vez mais força,
principalmente a partir de características dominadoras e guerreiras. Na Idade do
Ferro I (1250/1150-1000 a.C.), a forma corporal da Deusa-Árvore vai desaparecendo
enquanto que formas de animais que amamentam filhotes, às vezes com a presença
de uma árvore estilizada, ganham mais espaço na glíptica, significando a
prosperidade e a fertilidade. A presença da Deusa fica relegada aos espaços de
religiosidade das mulheres (OTTERMANN, 2004, p. 5).
30
Israel é acima de tudo um fenômeno, um produto da própria terra de Israel, ao
qual se agregam outros grupos de diversificadas origens, como acabamos de ver
(pastores do Sinai, “escravos” fugidos do Egito, etc.) (SCHWANTES, 2008, p. 11).
Para Finkelstein e Silberman (2003, p. 87), a emergência dos(as) israelitas
como um grupo diferenciado em Canaã deu-se de forma gradativa. No final do
século XVIII a.C.,
a emergência do antigo Israel foi o resultado do colapso da cultura
cananéia, e não a sua causa. E a maioria dos israelitas não chegou de fora
de Canaã, surgiu do interior da própria região. o houve êxodo em massa
no Egito. Não houve uma violenta conquista de Canaã. A maioria das
pessoas que formou o antigo Israel era população local, as mesmas
pessoas que vemos nas regiões montanhosas através das idades do
Bronze e do Ferro. Os antigos israelitas eram ironia das ironias eles
próprios originalmente cananeus (2003, p. 168).
Para Gass (2005), a constituição das tribos de Israel foi um novo jeito de
conviver. Todos esses grupos (camponeses cananeus oprimidos, pastores do Sinai,
“escravos” fugidos do Egito, etc.) tinham algo próprio, mas também algo que era
comum aos demais: “acima de tudo, sua condição socioeconômica os unia. Eram
hebreus, isto é, excluídos; fizeram oposição às cidades-estado; fizeram seu êxodo,
sua libertação da dominação dos reis; todos fizeram uma experiência de passagem,
de Páscoa; fizeram uma forte experiência de Deus no processo histórico de
libertação” (2005, p. 63-64). Biblicamente, o livro de Josué relata que Israel se
organizou em 12 tribos, porém, isso corresponde mais a um ideal do que à realidade
histórica.
1.3.3 Durante a Monarquia (1040 a 586 a.C.)
Uma série de mudanças no século X a.C. acontece: assentamentos pequenos
na região montanhosa são abandonados, aldeias se tornam cidades fortificadas,
novas cidades são fundadas. Está é a época de surgimento e de consolidação da
monarquia (SCHROER, 2008, p. 108).
A partir da literatura bíblica, pode-se constatar que a maior ameaça para
Israel nesse período vinha dos filisteus, poderosos política e militarmente. Os
filisteus tinham o monopólio do ferro (1Sm 13,19-23) e atacavam Israel
31
constantemente (Jz 3,31; 10,6s; 13,1; 1Sm 4-7; 16-17). Além dos filisteus, os
madianitas destroem e roubam as plantações israelitas (Jz 6,1-6).
Apesar de o modelo de sociedade tribal criado pelos israelitas ter sido algo
novo, logo surgiu o desejo por um sistema de governo igual ao dos povos vizinhos
(Edom, Moab, Amon,...), “para que ele nos governe, como acontece com todas as
nações” (1Sm 8, 5.20).
Várias causas internas e externas levaram à concretização da monarquia
como sistema de poder em Israel. A corrupção dos sacerdotes (1Sm 2, 12-17), a
corrupção dos juízes (1Sm 8,1-9), o aparecimento de novas técnicas agrícolas (o
arado, o machado de ferro, as cisternas, os reservatórios de águas e o uso de bois
no preparo da terra), a introdução do arado de ferro e do boi na agricultura, que foi
uma revolução tecnológica na agricultura da época. Os bois servem para puxar o
arado na lavra da terra, para transportar toda a produção. Com isso, os interesses
econômicos, a introdução do arado com lâmina de ferro (1Sm 13,19-21) e puxado
pelo boi aumentou significativamente a produção agrícola (GASS, 2005a, p. 16-17).
Conseqüentemente apareceram as desigualdades sociais. Por isso, para
salvaguardar a livre circulação das mercadorias dos camponeses ricos, surge a
necessidade de um exército permanente. Algumas tribos estavam se tornando mais
fortes que as outras e isto destruiu o equilíbrio interno da confederação de tribos. Em
suma, garantir os interesses econômicos, políticos e ideológicos dos mais abastados
contra a resistência popular e as ameaças externas foi a principal causa que levou à
consolidação da monarquia em Israel (GASS, 2005a, p. 17).
Já para o pesquisador Donner (1997, p. 201),
a formação de um Estado nacional israelita não necessariamente resultou
das formas de vida das tribos pré-monárquicas, ela deve ter sido
conseqüência de pressões externas: pressões que estavam fundamentadas
na situação histórica da Palestina por volta da virada do 2º para o 1º milênio
a.C. Este é, de fato, o caso, e neste sentido a primeira formação estatal
israelita foi produto de uma emergência [...] a ameaça veio dos filisteus.
A época da monarquia em Israel pode ser subdividida em dois momentos
históricos: monarquia unida (1040 a 931 a.C.) e monarquia dividida (931 a 586 a.C).
A monarquia dividida corresponde ao reino do Norte ou Israel (931 a 722 a.C.) e ao
reino do Sul ou Judá (931 a 586 a.C.).
32
1.3.3.1 Monarquia Unida (1040 a 931 a.C.)
Esta fase, entre 1040 a 931 a.C., é em geral denominada de monarquia unida
(1040 a 931 a.C.), sendo representada pelo domínio de três reis: Saul Davi
Salomão.
Saul, tradicionalmente, é apresentado como o primeiro rei de Israel. Era, no
entanto, mais um líder carismático que mantinha uma pequena corte, um chefe
militar que vem corresponder às necessidades de proteção. A literatura bíblica conta
que Saul era filho de Cis (1Sm 9,1-2. 21; 11,1-15), da aldeia de Gabaá, da tribo de
Benjamim. Inicialmente foi pastor, cuidava dos bois no campo, ou seja tinha alto
poder aquisitivo (1Sm 11,5) (GASS, 2005a, p. 18-19).
Saul e seus chefes militares dedicaram-se à guerra, ao acúmulo de terra
(1Sm 22,7), transgredindo leis tribais (1Sm 15,10-23). Saul representou a
“passagem” para a monarquia, em ruptura com a sociedade tribal, a fase
intermediária entre essas duas configurações sociais. As guerras de defesa dos
interesses dos donos de boi foram a grande marca de seu reinado. Saul morreu
durante uma guerra contra os filisteus (1Sm 31) (GASS, 2005a, p. 19-20).
Após a morte de Saul, Davi surge como rei em Israel. Ele cria uma monarquia
estável, escolhe como capital Jerusalém, estabelece uma corte com cargos e
funcionários, cria um exército permanente, tem um harém e cobra tributos e serviços
da população. “A fundação da monarquia sob Davi significou uma incisão enorme na
vida das mulheres na Palestina” (SCHROER, 2008, p. 108-109).
Biblicamente, Davi é apresentado como o caçula de oito filhos de Jessé, da
tribo de Judá, um pobre pastor de ovelhas em Belém, diferente de Saul que era rico
(1Sm 16,1-13). Davi foi ungido rei pelo profeta Samuel.
Davi levou a Arca da Aliança de Javé para Jerusalém (Js 8,33; Jz 20,26-28;
1Sm 4,3-4), desejou construir um templo para Javé (2Sm 7,1-7), fundou uma
dinastia (2Sm 7,8-16) e adotou a ideologia da filiação divina dos reis (Sl 2,7-8)
(GASS, 2005a, p. 29-30).
Salomão representou a continuidade de Davi em muitos aspectos. Ele
“manda adaptar o templo do Deus Sol em Jerusalém para o santuário central de
YHWH” (SCHROER, 2008, p. 108-109). Foi ungido rei pelo profeta Natã e pelo
sacerdote Sadoc, a mando de Davi (1Rs 1,32-40). Sua realeza se consolidou
eliminando todos os seus adversários (1Rs 2,46).
33
Salomão empreendeu muitas construções, entre elas, o Templo, cujo relato
está em 1Rs 6-7. A Arca da Aliança também foi transferida para o Templo (1Rs 8,1-
13), o que legitimou religiosamente seu reinado. Tiro fornecia mão-de-obra
especializada e madeira nobre para as construções. Em troca, Salomão fornecia
produtos de primeira necessidade, como trigo e azeite. Outra construção foi o
Palácio (1Rs 7,1-12). Além disso, Salomão fortificou várias cidades e também
construiu templos para deuses estrangeiros e para as divindades de suas mulheres
estrangeiras (1Rs 11,1-8) (GASS, 2005a, p. 46-47).
O rei Salomão cometeu muitos abusos de poder explorando as tribos do
Norte e recrutando trabalhadores (1Rs 5,27-32). “Salomão tinha doze prefeitos sobre
todo Israel, que proviam o rei e sua casa; cada um cuidava do abastecimento
durante um mês do ano” (1Rs 4,7; 5,7).
Com a centralização do culto estatal em Jerusalém, “o Deus no templo de
Jerusalém não luta, mas está entronizado soberanamente, como Deus real supremo
(sem representação iconográfica), sobre os querubim” (SCHROER, 2008, p. 117).
1.3.3.2 Monarquia Dividida: Israel (931 a 722 a.C.) e Judá (931 a 586 a.C.)
Depois da morte de Salomão, o Reino se divide em Reino do Norte ou Israel
(931 a 722 a.C.) e Reino do Sul ou Judá (931 a 586 a.C.). O Reino do Norte teve
uma história mais tumultuada e instável, de sucessões na base dos “golpes
militares” e mudanças de capital. O Reino do Sul teve uma sucessão hereditária,
davídica, com a capital sempre em Jerusalém e com reis apoiados pela teologia do
templo. No Reino do Norte, reis de diversas famílias se sucederam no poder (1Rs
16,16.21-22). Já o Reino do Sul foi governado sempre por alguém da família de
Davi, com exceção dos seis anos de reinado da rainha Atalia.
Na Idade do Ferro IIA (1000-900 a.C.), as Deusas passam a ser simbolizadas
por seus atributos. A forma vegetal da Deusa confunde-se com seu símbolo, a
árvore estilizada, sendo que muitas vezes é substituída por ele. Essas imagens são
vistas como representações da Deusa Aserá (OTTERMANN, 2004a, p. 1).
Com Jeroboão I, no reino de Israel, Betel e Dã, antigos santuários, foram
valorizados. Essa atitude buscava evitar peregrinações ao templo de Jerusalém. Os
bezerros de ouro, símbolo de Baal, passam também a simbolizar a divindade Javé
(GASS, 2005b, p. 9).
34
Na Idade do Ferro IIB (925-720/700 a.C.), Israel e Judá apresentam
diferenças no âmbito simbólico. Os documentos epigráficos de Kuntillet ‘Ajrud e de
Khirbet el-Qom destacam um vínculo estreito entre Asee Javé, o que acima de
tudo demonstra um contexto politeísta (OTTERMANN, 2004a, p. 3).
Antes da cristalização do reino de Judá como Estado plenamente
burocratizado, as idéias religiosas eram várias e dispersas [...] existia um
culto real no Templo de Jerusalém, incontáveis cultos da fertilidade e dos
ancestrais na zona rural e ainda uma mistura espalhada da veneração de
YHWH com a de outros deuses (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p.
333).
Por isso, para Finkelstein e Silberman (2003, p. 318), o que foi considerado
“idolatria” cometida pelo povo de Judá, rompendo com o monoteísmo, na verdade,
consistia na pluralidade e diversidade, na maneira religiosa como o povo de Judá
venerava há centenas de anos”.
O rei Acab introduz, no Reino do Norte, o culto oficial a Baal, construindo um
templo em Samaria para essa divindade (1Rs 16,31-32). Além de Baal, Aserá (1Rs
16,31-33; 18,19; 2Rs 10,18-27) e Astarte (1Rs 11,5.33; 2Rs 23,13) receberam
destaque em seu reinado. Acab valorizou os santuários do interior, os chamados
‘lugares altos’ (1Rs 12,31) (GASS, 2005b, p. 20).
Em 1Rs 18 temos o embate entre os profetas de Baal e Aserá com o profeta
Elias, profeta de Javé. A partir desse relato, Javé é quem detém as funções que na
religião cananéia pertencem a Baal. Para Elias “é Yahveh quem domina a chuva e o
raio e, com isso, todo o âmbito da fertilidade” (CRUSEMANN, 2001, p. 787).
Com a queda do Reino do Norte, em 722 a.C., grande parte da população
migrou para o sul, levando consigo as tradições deuteronômicas, que continham
instruções para o povo referente à obediência à aliança com Javé. Estes escritos
são chamados de História Deuteronomista - HD (Deuteronômio; Josué; Juízes; 1-2
Samuel; 1-2 Reis), pois suas idéias e princípios estão expostos claramente no livro
do Deuteronômio 12-26.
Reimer (2008a, p. 150) destaca que a HD
é uma obra compilada sob o impacto da profecia. Nesta obra há coleções
menores, existentes antes de seu surgimento. Ao ter o Deuteronômio
como sua introdução, esta obra apresenta uma retrospectiva da história do
povo hebreu, indicando especialmente sua legislação fundante, contida nas
leis do ‘código deuteronômico’ (cap. 12 a 26) e ampliada nas ‘leis
deuteronômicas ampliadas’ (incluindo cap. 5-11). Após indicar as bases
35
lesgilastivas, é descrita a conquista da terra de Canaã, o estabelecimento
da autonomia nacional (tribalismo e monarquia), culminando, ao final de
toda a obra, exatamente na perda desta autonomia com o desmantelamento
da estrutura estatal e a crise do exílio.
A em Ja criou uma identidade religiosa e o relato da assembléia de
Siquém indica isso: “Nós serviremos a Javé nosso Deus e a ele obedeceremos” (Js
24,1-28). Para Reimer e Ribeiro (2008, p. 56-57), em Js 24 trata-se de uma narrativa
mítico-literária tardia, situada na monarquia tardia, sendo que “a tendência da
narrativa é claramente no sentido da afirmação de um pacto religioso, no qual se
propõe e se aceita a vinculação com uma só divindade, no caso Yahweh” (p. 59).
O que vai distinguindo a divindade Javé das outras divindades existentes, é
que sua adoração se desenvolve a partir de aspectos anicônicos (práticas religiosas
sem a utilização de imagens). Para Rocha (2007, p. 120),
a normalização da proibição de imagens em Israel encontra-se no livro do
Êxodo: ‘Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do
que há, nos céus, nem embaixo, na terra, nem nas águas debaixo da terra’
(20,4). Esta proibição faz parte da legislação religiosa de Moisés e pode ser
entendida, dentre outros textos, por meio de Isaías: ‘A quem havereis de
comparar a Deus? Que semelhança podereis produzir dele? (40,18).
Na reforma religiosa empreendida por Josias em Judá, por volta de 622 a.C.,
a tradição deuteronômica surge como a base documentária impulsionadora da
reforma. A HD legitimou a reforma de Josias, dando sustentação à destruição dos
santuários de Israel, à centralização do culto em Jerusalém e à extensão do poder
da dinastia davídica sobre as tribos do norte.
Ezequias e Josias são dois reis reformadores em Judá. Ezequias
10
teria
removido os lugares altos, destruído os postes sagrados, deposto Aserá e Neustã
(RIBEIRO, 2002). Josias suprimiu as práticas de culto nativas, entre elas, Asee
Baal, removeu os lugares altos, destruiu a casa dos prostitutos(as) sagrados(as) do
templo, assassinou sacerdotes (2Rs 23,4-7), entre outras medidas que veremos
mais detalhadamente no segundo capítulo. As idéias deuteronomistas dão a base
para essas e outras medidas reformadoras. Para Donner (1997a, p. 395), “a reforma
cultual de Josias foi, no mínimo, também expressão de uma concepção política
global , dentro da qual a pureza do culto era apenas um aspecto entre outros”.
10
Cf. Silva (2005). Para o pesquisador, duas vozes proféticas se levantam em defesa do javismo,
Isaías (Is 1-39) e Miquéias.
36
Uma coisa precisamos levar em conta, “o culto de YHWH estava longe de
poder satisfazer todas as necessidades religiosas cotidianas dos e das israelitas”
(SCHROER, 2008, p. 120). O simbolismo da Deusa e tudo o que ela representa
continua sendo evocado pela fertilidade, pelo crescimento das plantas, animais e
pessoas e pelo amor” (p. 120), em suma, pela geração e manutenção da vida. Assim
podemos afirmar que houve tentativas de supressão da divindade feminina, mas o
culto da Deusa nunca foi eliminado por completo (p. 121).
É significativo, como esclarece Gass e Almeida (2008, p. 14), que
até a época do exílio na Babilônia, Israel não era monoteísta, isto é, o
tinha formulado uma teologia sobre a existência de um Deus. O que
Israel praticava era a monolatria, ou seja, o culto a um Deus comum sem,
no entanto, negar a existência de outras divindades e os cultos particulares.
O fato, por exemplo, de insistir em o ter outros deuses e de apresentar
seu Deus com ciúmes de divindades concorrentes (Ex 20,3-6) revela uma
teologia monolátrica.
Conforme Fohrer (1982, p. 209), até a época da monarquia, a existência de
El, Baal, Aserá e Astarte ao lado de Javé, era ainda uma realidade no meio popular.
Além dessas divindades são mencionados
o culto em Betel (Am 3,14), a ‘rainha do céu’ (Ishtar; Jr 7,18; 44,17ss),
Tamuz (Ez 8,14), o deus-sol (2Rs 23,5.11; Jr 8,2; Ez 8,16) e as
constelações (2Rs 21,3; Jr 8,2), bem como a divindades locais, tais como
Ashimah da Samaria e Dod de Bersabéia (Am 8,14, corrigido), sendo o
primeiro deles mencionado em 2Rs 17,30 como o deus de Hamat
(FOHRER, 1982, p. 209-210).
Possivelmente, o santuário de Betel foi uma ameaça ao templo de Jerusalém,
e na época de Josias representou uma “concorrência perigosa para as ambições
políticas, territoriais e teológicas de Judá(FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p.
231).
Na Idade do Ferro IIC (720/700-600 a.C.), a Babilônia derrubou a Assíria e
passou a dominar sobre Israel e Judá. Neste período encontramos o símbolo
tradicional da Deusa, a árvore e o ramo. Vários selos ou impressões de selos que
associam símbolos astrais com árvores estilizadas foram encontrados na Palestina e
na Transjordânia. Isso reforça interpretações sobre a existência de um culto a Deusa
Aserá ao lado do Deus Javé. É principalmente na forma de árvore estilizada que, ao
longo de séculos, Aserá esteve presente em Israel (OTTERMANN, 2004a, p. 5).
37
Os chamados ‘lugares altos’, lugares de culto nos topos das colinas são de
difícil detecção arqueológica, uma vez que eram em espaços abertos ao ar livre. No
entanto, para Finkelstein e Silberman (2003, p. 327) “a evidência arqueológica mais
clara e definitiva da popularidade desse tipo de prática religiosa, em todo o reino, é a
descoberta de centenas de figuras de barro de deusas da fertilidade nuas em todos
os sítios da antiga monarquia em Judá”.
1.3.4 Exílio Babilônico (586 a 539 a.C.)
Em 586 a.C., o imperador Nabucodonosor depois de um tempo de cerco à
Jerusalém, conquistou e incendiou a cidade, deportando pela segunda vez parte da
população. Este período histórico marcou profundamente a vida do povo israelita,
atingiu brutalmente sua cultura e religião, sua identidade enquanto povo.
Uma crise se abateu sobre pessoas que ficaram em Israel, bem como nas
pessoas que foram deportadas para a Babilônia. Como entender e explicar tal
tragédia era a grande questão.
Desde Davi uma literatura ufanista vinha sendo construída. Era uma literatura
e ideologia que destacava a descendência de Davi, a inviolabilidade de Jerusalém,
por lá estar o templo de Javé, ou seja, a cidade nunca seria destruída por ser o lugar
de habitação da divindade
11
. Destacava também a terra como herança de Javé. E
com a experiência do exílio, foram perdidos os principais referenciais que davam
identidade nacional aos judaítas: o estado, o rei, a terra, o templo, a cidade santa
(GASS, 2005c, p. 14).
Uma revisão da história é realizada com a intenção de explicar a tragédia.
Nesta revisão, o sentimento de culpa perpassa os escritos que antes tinham uma
visão ufanista da história. Na ótica dos redatores da História Deuteronomista, “a
ruína da monarquia foi um justo castigo pela infidelidade à lei de Deus, pela não
manutenção integral da reforma empreendida por Josias em 622 a.C.” (2Rs 24,19-
20) (GASS, 2005c, p. 18)
No exílio começam as reflexões de cunho monoteísta, proibindo até mesmo
as imagens de Javé. Isaías 40-55 já traz uma linguagem monoteísta: “Eu sou Javé, e
não existe outro; fora de mim não existe deus algum” (Is 45,5). Os grupos
11
Sobre a importância do Templo e da Cidade, cf. também Mazzarollo (1994).
38
deuteronomistas relêem a história de Israel a partir do sentimento de culpa
(SCHROER, 2008, p. 124). Não é só um período de revisão, mas também um
período muito rico quanto à produção de narrativa histórica” (PIXLEY, 1991, p. 84).
Porém, essa não foi a única leitura histórica em vistas de explicar a tragédia
do exílio. Conforme Jr 44,15-19, para parte da população o desastre de 586 a.C. foi
causado justamente pela “purificação do culto a YHWH realizada pela reforma de
Josias. Segundo essa avaliação, foi a suspensão do culto à Rainha dos Céus
12
,
violando os lugares de culto a Aserá, que causou a tragédia” (GASS, 2005c, p. 19).
Para a maioria dos judeus que permaneceu em Israel, nunca houve um exílio
no sentido de deportação. O fato é que nem todos os judeus regressaram a Israel,
com o Edito de Ciro. O cativeiro neobabilônico do século VI a.C. foi uma fase de
dispersão mais ampla de judeus, iniciada na destruição assíria do Israel do Norte,
em 722 a.C., e acelerada durante os períodos persa e helenístico (GOTTWALD,
1988, p. 394).
A dispersão e a restauração foram assim um processo amplo, no qual tanto
os judeus em Israel quanto os do exterior participaram de forma diversa. Desde 586
até 63 a.C. existiu uma comunidade em Israel, organizando aspectos de sua própria
vida, e paralelamente comunidades espalhadas pelo exterior, principalmente pelos
mundos persa e greco-romano (GOTTWALD, 1988, p. 394-396).
A destruição de Jerusalém e a infra-estrutura de Judá em 586 a.C. apontam,
portanto, para uma mudança importante na “autonomia israelita. Cai o estado
monárquico em Israel e descentraliza-se o culto em Jerusalém. Passando por este
rompimento político e institucional, após 586 a.C., a história dos judeus será de
tensões e conflitos entre os judeus palestinenses e os judeus da diáspora
(GOTTWALD, 1988, p. 397).
A comunidade de judeus que continua em Israel, “o povo pobre da terra”,
tenta se reorganizar. O culto continua sobre as ruínas do Templo, presidido por
sacerdotes de ordens inferiores. Uma composição desta experiência é o texto das
Lamentações. Quanto aos judeus na dispersão, formas improvisadas de religião são
criadas (GOTTWALD, 1988, p. 397-400).
O fim da monarquia e a destruição do templo desestabilizaram a estrutura
patriarcal, que era legitimada por estes dois espaços. Os papéis sociais foram
12
Sobre a Rainha dos Céus, [“Queen of Heaven”], cf. Ide (1991, p. 33-34).
39
profundamente abalados. “Em meio aos remanescentes, a religião passou a ter forte
ligação com a família, como na época das tribos. A casa, espaço próprio das
mulheres, torna-se o lugar onde a fé é vivida e expressada” (GASS, 2005c, p. 15).
É necessário destacar também que com o exílio grupos de diferentes regiões
e tradições religiosas, bem como contextos sociais, políticos e culturais diferentes
entram em contato trazendo conseqüências para o imaginário religioso. Neste
contexto,
mulheres, as imagens das mulheres e a questão do culto à Deusa
desempenham um papel central. Em princípio, podemos constatar que a
queda da monarquia e a destruição do templo de Jerusalém sacudiram
maciçamente a ordem patriarcal estabelecida e que, nesse sentido,
mulheres tiveram novas chances, porque os padrões tradicionais de papéis
sociais e os sistemas da deixaram de ter sua validade automática. De
repente, a religiosidade de Israel estava de novo ligada fortemente à família
e ao clã, como na época pré-estatal (SCHROER, 2008, p. 122).
1.3.5 Reconstrução sob os persas (539 a 332 a.C.)
Em 550 a.C., Ciro de Ansã, príncipe dos medos, apodera-se do trono da
Média dominando toda a região norte a leste da Babilônia. Seu império é conhecido
como Pérsia. Em 539 a.C., a Pérsia conquista a Babilônia, ajudada por funcionários
babilônicos e sacerdotes de Marduc, que estavam decepcionados com o governo de
Nabônides (555-539 a.C.). Ciro inaugurou um programa de extensão, cujas
características eram: povos submetidos, mas com certa autonomia local, respeito
pela vida cultural e religiosa, um sistema melhorado de comunicação, espionagem e
aparelhamento militar rígidos. Ciro integrou o vasto império num todo político viável,
restituiu os povos cativos às suas terras, e ajudou na restauração de seus cultos
religiosos caducados. O Edito de Ciro permitiu aos exilados judeus o retorno a Judá,
ajudando-os na reconstrução do templo. A liderança dentro da comunidade judaica
restaurada ficou dividida em esferas civis e religiosas de responsabilidade,
delegadas respectivamente a um governador e a um sumo sacerdote chefe
(GOTTWALD, 1988, p. 401-403).
Em 538 a.C., Ciro enviou uma delegação de judeus do exílio, cujo chefe era
Sasabassar, com a missão de restabelecer a comunidade judaíta. Em 520 a.C.,
Zorobabel é nomeado comissário civil e Josué sumo sacerdote à frente de uma
grande imigração de judeus do exílio para Judá. Os repatriados são especificados
40
em sub-grupos acreditados como legítimos descendentes dos primeiros exilados. O
templo foi reconstruído nesta época (GOTTWALD, 1988, p. 403-404).
Em 445 a.C., Neemias é enviado à frente de uma delegação, como
governador da província, com plenos poderes para fortificar Jerusalém e para
reorganizar os modelos de instalação e administração provincial. Neemias começa
um repovoamento de Judá, enfatiza a observância do sábado diante das violações
agrícolas e comerciais do dia do repouso, se opõe aos matrimônios de judeus com
mulheres estrangeiras, suscita uma opinião blica contra credores severos e
estipula ajuda aos levitas (GOTTWALD, 1988, p. 405-407).
A partir de uma leitura bíblica, em meados de 458 a.C., o sacerdote Esdras é
enviado juntamente com um grupo de exilados, para investigar a prática da lei
judaica. Ele é autorizado a nomear juízes que imporiam a observância correta da lei.
Introduz o livro da lei como base para a jurisprudência civil e religiosa. Do lado dos
judeus, a Lei/Torá assegurava uma comunidade definida e purificada, do lado dos
persas, a Lei/Torá garantia um governo colonial disciplinado e fidedigno. Enfim, todo
este processo é crucial para a canonização dos escritos judaicos, através de um ato
político imposto à comunidade judaica palestinense, por autoridades imperiais
persas e pela elite colonial judaica vinda do exílio (GOTTWALD, 1988, p. 407-410).
Neemias e Esdras enfatizaram o funcionamento do templo (Ne 13,4-14), a
observância do sábado (Ne 13,15-22) e a pureza étnica (Ne 13,23-31; Esd 9-10,
veja a ruptura dos matrimônios com mulheres estrangeiras). Literaturas como o livro
de Cantares, de Rute e de Sabedoria são, de certa forma, uma contra-proposta à
política de Esdras e Neemias (GASS, 2005c, p. 130-131).
Para Schroer (2008, p. 124) a idéia do puro e impuro foi construída por
círculos sacerdotais e no que tange ao âmbito do sagrado, ao espaço do templo, a
separação do que é impuro é algo significativo no culto. Neste aspecto, a
cosmovisão sacerdotal torna-se excludente e misógina, uma vez que as mulheres,
devido à menstruação e ao parto ficam inaptas a participar do culto por longos dias
(Lv 12; 15, 19-33).
A ênfase da circuncisão também ajudou a fortalecer o vínculo sagrado dos
homens com a divindade Javé, uma vez que somente homens são circuncidados,
recebendo assim na carne a marca da aliança com seu Deus. Neste aspecto, as
mulheres não têm vez. Para Reimer (2008, p. 14) “o compromisso com a expressão
41
de fé no Deus Yahveh passa a ser elemento distintivo de toda a comunidade
judaica”, claro sob a influência constante dos sacerdotes e do templo.
Conforme Finkelstein e Silberman, todas essas regulamentações de Esdras e
Neemias “formularam os princípios para o judaísmo do Segundo Templo, com o
estabelecimento de limites claros entre o povo judeu e seus vizinhos e com estrita
observância da Lei do Deuteronômio” (2003, p. 403).
É sobretudo na época pós-exílica que as vertentes políticas e religiosas
dominantes vão excluir e proibir a presença de uma divindade feminina
(OTTERMANN, 2005, p. 52). Entretanto, como apontamos inicialmente existem
tentativas de resgatar o feminino dentro do próprio monoteísmo. No sistema
simbólico observamos a imagem da hokmah, da personificação da sabedoria, que
possui traços femininos (SCHROER, 2008, p. 128).
Porém, em Provérbios 1-9, tanto a sabedoria como a insensatez são
representadas na forma de mulher. A sabedoria “é uma mulher eloqüente que
apregoa seus produtos nas ruas e praças (Pr 1,20-21). Ela é uma professora cujo
trabalho é ensinar aos ingênuos e tolos a trilha certa, a trilha da vida (Pr 1,24ss)”,
muitas vezes aparece também na figura de noiva/esposa (Pr 3,13-18; 4,6-9)
(BRENNER, 2001, p. 54-55).
Percebemos que mesmo com a supressão e negativização das Deusas no
monoteísmo hebraico, o simbolismo feminino do sagrado encontrou outras formas
de representação, como também no caso dos rabinos que
identificam com a Shekinah, um termo bíblico que originalmente significava
a ‘presença viva’ de Deus, ou seja, a manifestação física de Deus no
santuário dos santuários. Na Idade Média e posteriormente, Shekinah
tornou-se uma presença feminina, abrigando o fiel com suas asas. A
metade feminina de Deus recebeu o nome de Chokmah, ou Sabedoria. Os
gregos deram a esta Deusa o nome grego para sabedoria, Shophia
(POLLACK, 1998, p. 30).
A imagem da hokmah, da sabedoria personificada, conforme Schroer (2008,
p. 128), condensa em si aspectos de “mulheres que constroem casas, ensinam e
aconselham e também as imagens das Deusas no Antigo Oriente”. Esta imagem
teria sido delineada no Judá pós-exílico. Hokmah não seria uma Deusa, por não
possuir um culto próprio, mas
42
uma tentativa de enraizar, dentro do sistema simbólico firmemente
elaborado no sentido monoteísta, mas que permitia o pluralismo, um
discurso feminino de Deus que se refere à realidade da mulher de maneira
positiva (SCHROER, 2008, p. 128).
Lopes (2005, p. 71-72) aponta que em Pr 1,22-23 Hokmah aparece como
uma figura feminina para falar de Javé. Em Pr 3,18 Hokmah é comparada a uma
‘árvore da vida’. Esta imagem resgata o símbolo de Aserá e as tradições da árvore
da vida e da árvore do conhecimento do bem e do mal expressas em Gn 2,9 e 3,22.
Por fim mencionamos o texto bíblico de Zacarias 5,5-11. Para Ribeiro (2006,
p. 22) esse relato expressa a expulsão da Deusa, sua interdição e
conseqüentemente a interdição da intermediação feminina ao sagrado.
Possivelmente represente Aserá, suas sacerdotisas e profetisas, proibidas de
exercer suas funções com a “instalação de um sistema monolátrico, anicônico e
masculino em Judá” (p. 23). “E eis que um disco de chumbo foi levantado: havia uma
mulher sentada dentro do alqueire. E disse: ‘Esta é a iniqüidade’. E recolocou-a
dentro do alqueire, em cuja boca colocou o peso de chumbo” (Zc 5, 5-11
).
1.4 SÍNTESE E PERSPECTIVAS
Este primeiro capítulo nos ajudou a perceber que o desenvolvimento da
religião hebraica esteve envolto por um vasto simbolismo. “A fé monoteísta é apenas
o auge dum processo e não o ponto de partida” (ROSA, 2003, p. 48). É importante
ressaltar que aqui damos apenas alguns dados. Muitos outros aspectos da religião
hebraica foram inclusive trabalhados por diversos(as) pesquisadores(as) e outros
tantos continuam nos desafiando em nossas pesquisas.
O desenvolvimento da religião hebraica foi permeado de trocas simbólicas, de
tensões, de conflitos e de re-significações. Neste processo, a representação
feminina do sagrado foi, em grande parte, lesada e negativizada. A partir de Keel
(1995, p. 17), percebemos que esta constatação nos ajuda a superar também um
“anticanaanismo” presente no Primeiro Testamento, entendendo que Israel era parte
da população cananéia.
No próximo capítulo faremos um recorte na história, analisando a perícope de
2Rs 23,4-7, relativa às medidas reformistas do reinado de Josias (640-609 a.C.),
com especial destaque à presença de Aserá no antigo Israel.
2 ANÁLISE DE 2REIS 23,4-7
Neste capítulo faremos um estudo observando questões exegéticas do texto
de 2Rs 23,4-7, que integra a chamada História Deuteronomista (Deuteronômio;
Josué; Juízes; 1-2Samuel; 1-2Reis)
13
. Esta perícope faz parte dos capítulos (2Rs 22-
23) que tratam do reinado de Josias (640-609 a.C.), em Judá, e da reforma político-
religiosa empreendida por seu governo, por meio do qual o culto e a imagem da
Deusa Aserá foram profundamente afetados.
Conforme o relato bíblico, Josias tornou-se rei quando tinha apenas oito anos
de idade e reinou em Jerusalém por trinta e um anos. Sua mãe, Idida, é
mencionada. Diferentemente da maioria dos reis, tanto do sul quanto do norte,
Josias é exaltado como alguém que “fez o que é agradável aos olhos de Javé e
imitou em tudo a conduta de seu antepassado Davi, sem se desviar para a direita
nem para a esquerda” (2Rs 22,2).
No décimo oitavo ano de seu reinado, Josias empreendeu uma reforma no
templo de Jerusalém
14
. Durante a reforma, o sacerdote Helcias/Hilquias “encontrou o
livro da Lei” e o entregou ao secretário Safã, que o leu para si e depois para o rei
Josias. Após ouvir a leitura, Josias rasgou suas vestes e ordenou a Helcias, Aicam,
Acobor, Safã e Asaías que consultassem Javé, na pessoa da profetisa Hulda
15
,
acerca das palavras do livro.
Em resposta, Javé disse por meio da profetisa Hulda: “Eis que estou para
fazer cair a desgraça sobre este lugar e sobre os seus habitantes, tudo o que diz o
livro que o rei de Judá acaba de ler, porque me abandonaram e sacrificaram a outros
deuses, para me irritar com suas ações” (2Rs 22,16-17). Josias, porém, por escutar
as palavras do livro e se humilhar morreria em paz e seria reunido aos seus pais. Os
cincos enviados de Josias à profetisa Hulda relatam ao rei o que Hulda disse.
Josias mandou reunir todos os anciãos de Judá e Jerusalém. No templo de
Jerusalém, diante de todos os habitantes de Jerusalém, dos sacerdotes, dos
profetas, de todo o povo, Josias leu o livro da Lei “encontrado” no templo de
13
Para uma breve revisão sobre o que Noth chamou de História deuteronomista”, sua tese e as
revisões feitas nela, cf. Pixley (2008).
14
Conforme Bergant e Karris (Orgs.) (2001, p. 291), a purificação do templo de Jerusalém
empreendida por Josias tem as amplitudes da profanação antes provocada por Manassés. A reforma
parece também abarcar a remoção dos objetos cúlticos deixados no templo por Salomão, Acaz e
Manassés em Judá e Jeroboão em Israel.
15
Cf. artigo de Edelman (2003), “Hulda, a profetisa – de Yhwh ou de Aserá?”.
44
Jerusalém. “O rei estava em sobre o estrado e concluiu diante de Javé a aliança
que o obrigava a seguir Javé e a guardar seus mandamentos, seus testemunhos e
seus estatutos de todo o seu coração e de toda a sua alma, para pôr em prática as
cláusulas da Aliança escrita nesse livro. Todo o povo aderiu à aliança” (2Rs 23,3).
Se todo o povo realmente aderiu à aliança é um grande questionamento.
Entretanto, após este evento várias medidas reformadoras no templo foram
desencadeadas. De dentro do santuário de Javé foram retirados e destruídos todos
os objetos de culto feitos para Baal, Aserá e para o exército do céu. Os sacerdotes
dos lugares altos foram destituídos. As casas dentro do templo de Jerusalém, onde
as mulheres teciam véus para Aserá, foram demolidas.
Os sacerdotes dos lugares altos foram trazidos para Judá e os lugares altos
demolidos. Contudo, esses sacerdotes estavam proibidos de subir ao altar de Javé.
De acordo com o editor da blia de Jerusalém (2002), a centralização do culto de
todo o território de Judá em Jerusalém cumpria a lei da unidade do santuário (Dt 12).
Os ‘lugares altos’ também são santuários de adoração à Javé, porém condenados
por transgredirem essa lei. A lei (Dt 18,6-8) previa que sacerdotes do interior, uma
vez em Jerusalém, teriam os mesmos direitos que os sacerdotes da cidade. A
oposição dos sacerdotes da capital aos sacerdotes dos ‘lugares altos’ reduziu estes
a uma classe inferior.
Josias mandou destruir ainda os lugares de oferenda à Moloc, os cavalos
dedicados ao sol que ficavam na entrada do templo de Javé, os carros de sol, os
altares edificados por Acaz e Manassés dentro do templo de Javé. Josias profanou
ainda os lugares altos construídos para Astarte e Melcom. Entres outras medidas
nas dependências de Judá e Jerusalém.
Ampliando sua dominação para o antigo Reino do Norte, Josias demoliu e
profanou o lugar de culto em Betel. Destruiu também todos os templos dos lugares
altos situados em Samaria. Todos os sacerdotes que estavam nestes lugares altos
foram assassinados. “Depois regressou a Jerusalém” (2Rs 23,20) e ordenou a todo
o povo que celebrassem a Páscoa.
“Josias eliminou também os necromantes, os adivinhos, os deuses
domésticos, os ídolos e todas as abominações que se viam na terra de Judá e em
Jerusalém” (2Rs 23,24).
Por todas essas medidas reformistas, Josias foi exaltado pelos redatores
bíblicos. “Não houve antes dele rei algum que se tivesse voltado, como ele, para
45
Javé, de todo o seu coração, de toda a sua alma e com toda a sua força, em toda a
fidelidade à Lei de Moisés; nem depois dele houve algum que se lhe pudesse
comparar” (2Rs 23,25). Josias morre no embate contra o faraó egípcio Necao, sendo
enterrado em Jerusalém.
Nesta reforma religiosa empreendida por Josias, por volta de 622 a.C., a
tradição deuteronômica surge como uma base documentária impulsionadora da
reforma. A História Deuteronomista legitimou a reforma de Josias, dando
sustentação à destruição dos santuários de Israel, à centralização do culto em
Jerusalém e à extensão do poder da dinastia davídica sobre as tribos do Norte.
As mudanças políticas que ocorriam no período da ascensão de Josias foram
um fator muito importante. Os conflitos que envolviam o império assírio contribuíram,
de certa forma, para o enfraquecimento militar na região Síria-Palestina, dando
alguma autonomia política à Judá, o que encorajou aspirações nacionalistas. Josias
tornou-se rei ainda criança, ou seja, provavelmente o poder real ficou nas mãos de
sacerdotes, escribas e famílias importantes da corte real, grupos dos quais os
deuteronomistas certamente participavam (RÖMER, 2008, p. 74-75).
2.1 HISTÓRIA DEUTERONOMISTA
Segundo tese aceita na pesquisa, a formulação da primeira versão da HD
teve seu lugar no século VII a.C., como uma literatura de propaganda do reinado de
Josias. Escribas deuteronomistas da época de Josias foram os grandes
elaboradores, porém, não devemos atribuir a essa época a elaboração da HD em
sua forma atual (Dt até 2Rs), mas sim ao período exílico como uma forma de
enfrentar a crise nacional e religiosa de 597/587 (RÖMER, 2008, p 50). É importante
ressaltar que estes livros não estão livres de acréscimos posteriores ao exílio
16
.
É importante destacar que foi Frank Moore Cross (apud PIXLEY, 2008, p.
141), que com a publicação do livro Canaanite Myth and Hebrew Epic, em 1973,
quem ressaltou a primeira edição da HD na época de Josias e uma definitiva no
exílio, com isso revisando a teoria da HD de Martin Noth.
A principal redação da HD teria sido, portanto, realizada pelos escribas da
corte, na época de Josias, com claras intenções de legitimar a reforma religiosa
16
Cf. Reimer (2008a).
46
empreendida e apresentar Josias como um novo Davi (GASS, 2005b, p. 141-142). A
reforma é apresentada como modelo de adesão que o rei e o povo devem dar a
Javé (FARMER, 2000, p. 588).
Nakanose (2000, p. 68) destaca que precisamos ter claro que a HD é como
um rio com vários afluentes que abrange várias histórias da época tribal ou pré-
monárquica (1250-1030 a.C.), dos relatos da conquista da terra (Js 2-11) até a
queda da monarquia (587-582 a.C.). A redação deste período passou por um longo
processo, no qual as histórias pré-monárquicas foram transmitidas oralmente,
escritas e guardadas nos santuários, sendo que posteriormente receberam
acréscimos e foram reelaboradas em sucessivas redações.
Um dos principais objetivos da HD, principalmente após a experiência do
exílio babilônico, era mostrar que o reino de Judá sobreviveu a inúmeras ameaças e
crises, graças à sua fidelidade a Javé e à dinastia de Davi (GASS, 2005b, p. 134-
142). Para Römer (2008, p. 112-113),
o exílio tornou-se parte da construção da identidade judaica. É claro que os
acontecimentos de 597 e 587 constituíram uma grande crise para a elite
judaíta, e especialmente para a escola deuteronomista. Esta crise levou os
deuteronomistas, que haviam presenciado a queda da monarquia judaíta, a
modificar de forma significativa suas idéias sobre as origens de Israel e a
monarquia judaíta e a reeditar inteiramente as obras literárias de seus
predecessores da época neo-assíria.
A destruição do templo e da cidade abalou a crença no caráter inabalável de
Jerusalém, do templo e da dinastia de Davi. Os acréscimos mudaram a perspectiva
ufanista da edição anterior feita na época de Josias. A Lei ganhou um forte destaque
como base para a vida de Israel, com a anteposição do Deuteronômio, os pilares
passam a ser: um Deus, um Povo e uma Lei. Conforme Reimer e Ribeiro
(2008, p. 54) é, sobretudo, no período do pós-exílio que a elaboração de uma
síntese monoteísta, em âmbito oficial, a partir da reorganização de Israel nos limites
de Judá.
Com a releitura a partir da experiência do exílio fica clara a avaliação dos
deuteronomistas. Para eles, a causa fundamental da queda foi a desobediência à lei
de Javé e o seguimento de outras divindades. “O tema do culto a outros deuses e da
rejeição de Javé percorre todos os livros do Deuteronômio até Reis, e apresenta
uma importante explicação para a catástrofe do exílio e a destruição tanto de Israel
47
como Judá” (RÖMER, 2008, p. 47). Para Römer (2008, p. 166), o período persa “é o
período em que ocorreu a transformação da religião judaíta javista em judaísmo”.
Resumindo, pode-se afirmar que a primeira edição da HD feita na época do
rei Josias teve uma forte marca propagandística em favor da reforma político-
religiosa, com a intenção de restaurar o antigo reino davídico. Diferente é a edição
durante o exílio, cujo tom é pessimista, e limita-se a justificar a tragédia de 586 a.C.
(exílio babilônico), quando grande parte das esperanças haviam desaparecido
(GASS, 2005c, p. 30-32).
2.2 ANÁLISE LITERÁRIA
A análise literária visa “estudar textos como unidades literalmente formuladas
e acabadas” (WEGNER, 1998, p. 84); definindo para isso a delimitação do texto, a
sua estrutura literária, bem como o uso de fontes literárias. A perícope que
delimitamos é 2Rs 23,4-7.
Mainville (1999, p. 91) afirma que o método da análise literária possui dois
objetivos, que são:
- identificar a forma em vista de sua classificação específica, ou seja, que
permita determinar seu gênero como escrito;
- identificar o ambiente vital, ou contexto (em alemão, Sitz in Leben), posto
que a criação de um gênero literário responde a uma situação ou a uma
necessidade existencial particular; assim entendido, o mesmo gênero
literário pode reaparecer aplicado em épocas diferentes, mas em situações
análogas.
A crítica literária tem por objetivo “descobrir a intenção do autor, o que ele
quis dizer, levando em consideração as circunstâncias e modalidades de produção
do texto, o estilo, o destinatário, etc” (KONINGS,1991, p. 64).
2.2.1 Texto Massorético: 2Rs 23,4-7
A Bíblia Hebraica Stuttgartensia (BHS) apresenta-nos o texto do dice de
Leningradense, datável de 1008 d.C. Tentando nos aproximar ao máximo do que foi
o texto original, é transcrita
17
abaixo a perícope de 2Rs 23,4-7:
17
BIBLE WORKS FOR WINDOWS. E. E. U. Version 5. Michael S. Bushell, Hermenêutica Software
Copyright, 2001.
48
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gôt shāmi bātîm lā 
a
shērāh
49
2.2.2 Crítica Textual
Conforme Wegner (1998, p.17), o método histórico-crítico é ‘histórico’ por
tratar de fontes históricas antigas, por estudar essas fontes numa perspectiva
evolutiva historicamente e por se interessar pelas condições históricas nas quais
estes textos nasceram. E é um método ‘crítico’ pois emite opiniões acerca das fontes
estudadas.
A pesquisadora Mainville (1999, p. 10) aponta que os benefícios do método
histórico-crítico são muitos, conduzindo a uma interpretação mais esclarecida, onde
a aproximação e a compreensão da intenção original do texto evita interpretações
equivocadas, inclusive fundamentalistas.
O objetivo da crítica textual é reconstituir o texto como foi escrito
originalmente pelo autor. Textos antigos necessitam ainda da detecção de possíveis
modificações, intencionais ou não, no processo de transmissão ao longo dos anos
(KONINGS, 1991, p. 62).
Neste sentido, o papel da exegese no estudo aprofundado e minucioso de um
texto é fundamental. O pesquisador Wegner (1998, p. 11) afirma que “exegese é,
pois, o trabalho de explicação e interpretação de um ou mais textos bíblicos”. O
termo ‘exegese’ vem da palavra grega exegesis, podendo significar apresentação,
descrição ou narração, bem como explicação e interpretação.
Para Wegner (1998, p. 12-13), a primeira tarefa da exegese é tornar
entendível, para as pessoas de hoje, as situações que estão por detrás dos textos
em seu momento originário. A segunda tarefa é perceber a intenção que o texto teve
quando se originou. A terceira é verificar até que ponto opções éticas e doutrinais
devem ser reafirmadas ou revistas.
Marie-Theres Wacker (2008, p. 39) afirma que “exegese bíblica significa a
interpretação científico-histórica e científico-literária da Bíblia”. Wacker destaca que
uma “interpretação sócio-histórica da Bíblia significa uma reconstrução da forma
mais abrangente e concreta possível do mundo vivencial bíblico” (p. 75).
Tratando dos aspectos da crítica textual, destacamos que na Bíblia Hebraica
Stuttgartensia-BHS (1997), o editor, no versículo 4b, afirma que o Targum faz a
leitura sem pressupor o artigo definido. O editor sugere ler o texto em hebraico sem
o artigo. No hebraico está a expressão:
éhn<v.Mih; ynEåh]Ko-ta,w>
vi
כ
et-koh
a
nēy
50
hamish
e
nēh, “os sacerdotes de segunda ordem”
18
, se leria no singular “e sacerdote
secundário”. No entanto, como o cargo de sumo sacerdote é um cargo único é
provável que seja acompanhado de um artigo. A proposta do editor não tem base
em manuscritos, exceto o Targum, não havendo assim argumento para acatar a
proposta, permanecendo com o texto hebraico original.
As Bíblias Almeida (1993), Pastoral (1990) e CNBB (2008) traduzem
“sacerdotes de/a segunda ordem”. A Bíblia TEB (2002) traduz como “segundos
sacerdotes”. A Jerusalém (2002) “sacerdotes que ocupavam o segundo lugar” e a
Peregrino (2002), diferentemente de todas, traduz como “vigário”.
As traduções também se diferenciam ao traduzir
hr'êvea]
כa
shērah=Aserá”. A
Bíblia TEB (2002) traduz como “Asherá”, a Pastoral (1990) coloca “ídolo Aserá” e
a Jerusalém (2002) “Aserá”. A Almeida (1993) “poste-ídolo” e a Peregrino (2002) e
CNBB (2008) estranhamente traduzem por “Astarte”, divindade assíria. Conforme
Alonso Schökel (1997, p. 83-84), a palavra
hr'êvea]
כa
shērah, significa ‘estela ltica,
poste, Aserá (Deusa-mãe) ou sua estátua’.
Para o v. 4c, o editor da BHS (1997) informa que os manuscritos da
Septuaginta e a Siríaca lêem no plural:
~peúr>f.YIw:)
vayiś
e
r
e
fēm,
“arremessou-os/
retirou-os”, em lugar do singular: “arremessou ele/ retirou ele”. Nas traduções
Almeida (1993), TEB (2002), Peregrino (2002), CNBB (2008), Pastoral (1990) e
Jerusalém (2002) colocam o verbo “queimar” em diferentes conjugações.
No versículo 5a, para a palavra
tyBiäv.hiw>
v
e
hish
e
bît, “e fez parar”, o editor da
BHS (1997) indica que todas as versões da Septuaginta apresentam a palavra grega
καί κατέκαυεν “e colocou para baixo/ e depôs”.
As Bíblias Almeida (1993), Jerusalém (2002) e Pastoral (1990) colocam o
termo “destituiu”. A TEB (2002) “pôs fim”. A CNBB (2008) “depôs” e a Peregrino
(2002) “suprimiu”.
Na BHS (1997), no v. 5b, no texto hebraico consta a forma verbal
rJEÜq;y>w:
vay
e
qathēr, “e fez subir/ e sacrificou/ e queimou”. A expressão pressupõe como
sujeito o rei Josias, embora não especifique o objeto da ação sacrificial. Teria
sacrificado os sacerdotes?
18
Para Davidson (1997, p. 388), levando em consideração 2Rs 25,18 e Jr 52,24 é possível que a
palavra “sacerdotes” devesse estar no singular.
51
Em lugar da palavra
rJEÜq;y>w:
vay
e
qathēr, no texto grego da recensão de
Luciano e no Targum, um plural “e sacrificavam”. O editor propõe ler
rטקְל
l
e
qtr,
“para sacrificar”, indicando para isso a versão grega de Luciano, a Siríaca e a
Vulgata. Neste caso a expressão indicaria uma atividade própria dos
~yrIªm'K.
k
e
mārîm
traduzido por ‘falsos sacerdotes’.
As Bíblias Pastoral (1990), TEB (2002) e Peregrino (2002) utilizam o verbo
“queimar”. A CNBB (2008) e Jerusalém (2002) o termo “sacrifícios” e Almeida (1993)
o verbo “incensarem”. O editor da Jerusalém aponta que no grego, Targum, consta
“e que ofereciam sacrifícios” e em hebraico “e ele oferecia sacrifícios”. Para este
editor os v. 4b-5 podem ter sido uma adição.
No v. 5c, o editor da BHS (1997) anota que poucos manuscritos, Septuaginta,
Targum e Vulgata, inserem a partícula
b
bet. Isso nada muda. Em 5d, anota-se que
exceto o Targum, muitos manuscritos, Septuaginta, Siríaca e Vulgata, lêem a
conjunção aditiva “e”.
No v. 6a, o editor da BHS (1997) indica que a expressão
hw"÷hy> tyBe’mi
mibêt
YHWH, “Casa do Senhor”, deve ter sido tomada do Targum. As blias Jerusalém
(2002) e Pastoral (1990) traduzem por “Templo de Javé”. A TEB (2002), CNBB
(2008) e Almeida (1993) por “Casa do Senhor” e a Peregrino (2002) por “templo”.
O editor da BHS (1997), no v. 6b, destaca que com relação a palavra
rb,q<ß
qeber, a Septuaginta, a Siríaca e o Targum lêem no plural “túmulos”. As Bíblias
Jerusalém (2002), Almeida (1993), TEB (2002), CNBB (2008) e Peregrino (2002)
traduzem por “vala comum” e a Almeida (1993) por “sepulturas”.
Quanto ao símbolo de Aserá no v. 6 existe uma diferenciação nas traduções.
As Bíblias TEB (2002) e Jerusalém (2002) utilizam “poste sagrado”. A Pastoral
(1990) “ídolo Aserá”. A CNBB (2008) por “tronco sagrado”. A Almeida (1993) por
“poste-ídolo”. A Peregrino (2002) interessantemente traduz por “estela”, que
conforme Nakanose (2000, p. 102-103) representava Baal, significa “em hebraico,
massebah [
tb;äC.m;
], um tipo de coluna de pedra, tosca ou talhada [...] provavelmente
um símbolo fálico, comumente encontrada nos lugares altos”. Mas como
mencionamos, Alonso Schökel (1997, p. 93-84) menciona que o termo
hr'êvea]
כa
shērah pode significar “estela cúltica” e representar Aserá, o que é nesse caso.
52
Conforme a BHS (1997), no v. 7a, a Septuaginta e o Targum lêem um
singular
b
bet ao invés do plural
yTeäB
bātêr que consta no hebraico.
Em 7b, na BHS (1997), uma discussão em torno da palavra
~yTiÞB'
bātîm
que no hebraico significa “casas”. A Septuaginta têm a palavra στολάς “manta”, por
isso, o editor sugere ler “vestes” que ele acha que vêm do árabe.
As Bíblias Pastoral (1990), TEB (2002) e CNBB (2008) traduzem por “vestes”.
A Peregrino (2002) por “véus”, para seu editor o termo hebraico “casas” é
inexplicável, e mudando uma letra a palavra “vestespode ser traduzida por “linho”.
A Jerusalém (2002) traduz por “véus” e menciona que pode-se aproximar de
“vestes”, do grego, “linho”, do assírio-babilônico ou “túnica” do hebraico.
Para Croatto (2001a, p. 41), o verbo “tecer” remete a tecidos, e isto é o motivo
pelo qual alguns tradutores traduzem
~yTiÞB'
bātîm por “vestidos”, que neste caso
seriam feitos para a estátua de Aserá. Porém, no v. 7 os
~yTiÞB'
bātîm são demolidos
o que pode indicar alguma estrutura, “casas”, ou “camarim” ou um dossel.
A palavra
~yviêdeQ.
q
e
dēshîm que significa pessoas com atuação no âmbito do
sagrado é geralmente traduzida por “prostitutos”, o que tem uma conotação
negativa. A melhor tradução seria “hieródulos”. Não se sabe se somente atuavam ou
viviam no templo de Javé.
As Bíblias Peregrino (2002) e Pastoral (1990) traduzem o termo hebraico por
“prostituição sagrada”. A TEB (2002) e Jerusalém (2002) por “prostitutos sagrados”.
A Almeida (1993) por “prostituição cultual” e a CNBB (2008) por “prostíbulos
sagrados”. Novamente a Bíblia Peregrino coloca o nome “Astarte” no lugar de
“Aserá”.
2.2.3 Tradução Literal
A tradução a seguir, de 2Rs 23,4-7, foi realizada da maneira mais literal.
Utilizamos o texto hebraico da Bíblia Hebraica Stuttgartensia (1997) e o Dicionário
Bíblico Hebraico-Português, de Luis Alonso Schökel (1997):
4
E ordenou o rei a Hilquias, o sacerdote grande e aos sacerdotes
secundários e aos guardas da porta para fazer sair do templo de YHWH
todos os objetos feitos para Baal e para Aserá e para todo exército dos
53
céus; e queimou-os [para] fora em direção a Jerusalém, nos campos de
Quidron e levou as cinzas deles para Betel.
5
E fez cessar os sacerdotes, os quais deram os reis de Judá e para
incensar nos lugares altos nas cidades de Jue arredores de Jerusalém, e
os que queimavam incenso para Baal, para o sol, e para a lua, para as
constelações e para todo exército dos céus.
6
E fez sair a Aserá da casa de YHWH, para [fora] Jerusalém para o vale de
Quidron e a queimou no vale de Quidron
19
, e o poste sagrado reduziu para
pó e lançou o pó dela sobre os túmulos dos filhos do povo.
7
E demoliu as casas dos hieródulos, os quais atuavam no templo de
YHWH, onde as mulheres teciam vestes para Aserá.
2.2.4 Moldura de 1-2Reis
Os relatos dos reis são envolvidos por uma moldura característica da obra.
Consta de frases introdutórias e conclusivas que são sempre as mesmas. A
introdução contém o seguinte esquema: a) a data de acesso ao poder; b) informação
sobre a residência real; c) informação sobre a duração do reinado; d) julgamento
sobre a piedade do rei; e) idade do soberano por ocasião de sua subida ao trono e f)
informação sobre o nome e pátria de origem da mãe do monarca. A conclusão: a)
referência a determinadas fontes históricas; b) informações sobre a morte e lugar de
sepultura do rei; c) informações sobre seu sucessor (SELLIN; FOHRER, 1977, p.
324).
Aplicando estas informações à 2Rs 22-23, relato do reinado de Josias, fica o
seguinte:
Introdução:
a data de acesso ao poder : 640 a.C.
residência real : Jerusalém (22,1).
duração do reinado: reinou 31 anos (22,1).
julgamento sobre a piedade do rei: fez o que é agradável aos olhos de Javé e
imitou em tudo a conduta de seu antepassado Davi, sem se desviar para a
direita nem para a esquerda (22,2).
idade do soberano por ocasião de sua subida ao trono: subiu ao trono com
oito anos de idade (22,1).
19
Ou Cedron, era um vale que corria de norte a sul em Jerusalém, entre a cidade e o morro das
Oliveiras. É provável que o "campo do Cedron" fora a parte norte deste vale, que é bastante larga (ver
Jr 31,40). Asa tinha queimado o ídolo de Maaca junto ao "torrente de Cedron" (1 Rs 15,13) (WHITE,
2009).
54
nome e pátria de origem da mãe do monarca: sua mãe se chamava Idida,
filha de Hadaia, natural de Besecat (22,1).
Conclusão:
referência a determinadas fontes históricas: Livro dos Anais dos Reis de Judá
(23,28).
informações sobre a morte e lugar de sepultura do rei: Josias foi morto pelo
faraó Necao, em Meguido, e sepultado em Jerusalém (23,29-30).
informações sobre seu sucessor: o povo da terra ungiu rei a Joacaz, filho de
Josias (23,30).
Quanto ao processo de formação do livro dos Reis vários são os
apontamentos, descartando-se a opinião talmúdica, segundo a qual Jeremias seria o
seu autor. Podemos considerar três opiniões: a primeira admite a existência de um
livro pré-deuteronomista dos Reis (SELLIN; FOHRER, 1977, p. 321-322).
Uma segunda opinião é a de Jepsen (apud SELLIN; FOHRER, 1977, p. 322-
323) que supõe a existência de um livro pré-deuteronomista dos Reis e de um
paulatino processo de formação do livro. Para ele a base seria uma crônica
sincronística, contida em 1Rs 2,10-2Rs 18,8, que teria sido redigida no final do
século VIII a.C., segundo moldes babilônicos, para contrapor às correntes mudanças
do reino do Norte. Por volta de 580 a.C., uma primeira redação sacerdotal teria sido
feita em Jerusalém, sendo juntada às duas bases e ampliada com alguns
complementos, como por exemplo, 2Rs 23,4-15. Uma segunda redação, em 561
a.C., teria inserido as lendas proféticas e julgado a história a partir das categorias
“deuteronomistas” e sido feita em Masfa, por um discípulo de Jeremias (SELLIN;
FOHRER, 1977, p. 322-323).
Contrapondo essa idéia de uma única crônica analística homogênea está o
fato das diversas denominações que se dão às fontes e as referências expressas.
Ao invés de duas redações admitiu-se, entretanto, com maior embasamento, o
trabalho de duas mãos deuteronomistas (SELLIN; FOHRER, 1977, p. 321-324).
Noth (apud SELLIN; FOHRER, 1977, p. 323-324), por fim, defende a tese
relativa à existência de uma história deuteronomista, para o livro dos Reis, em
meados do século VI a.C., quando um autor deuteronomista teria reunido o antigo
material, selecionando-o e ordenando-o segundo determinados princípios históricos
e teológicos. No entanto, tal opinião não se aplica para o Deuteronômio e nem para
o livro de Josué (SELLIN; FOHRER, 1977, p. 323-324).
55
Os livros dos Reis são obra de um redator deuteronomista, diferenciando-se
dos “estratos fontes” do Hexateuco e dos livros que seguem a este. Encontramos
nesses livros uma obra planejada e redigida por mão deuteronomista (SELLIN;
FOHRER, 1977, p. 321-324).
Conforme Veras (2008, p. 127), os livros dos Reis contam acontecimentos
que perpassam um período de mais de 400 anos da história de Israel.
Podem ser divididos em três partes: a primeira descreve o reinado de
Salomão (1Rs 1-11), a segunda narra a divisão do reino e as histórias
paralelas dos dois reinos até a queda da Samaria (1Rs 12-2Rs 17), e a
terceira contém a história de Judá a partir da Samaria (2Rs 18-25).
Quanto a 2Rs 22-23, Römer (2008, p. 61) destaca que a narrativa
provavelmente passou por estágios de editoração sucessivos.
O núcleo proveniente do período assírio (aproximadamente 22,1-7*.9.13aα;
23,1.3-15*.25aα) focalizou a supressão dos símbolos cultuais asssírios e a
centralização do culto a Javé no santuário real restaurado. A história da
renovação do templo, a consulta da profetisa e o oráculo anunciando o
julgamento divino no cap. 23 foram acrescentados após 587 a.C. a fim de
explicar o colapso de Judá e Jerusalém. A última revisão, provavelmente
incluindo o motivo da descoberta do livro, foi feita durante o período persa.
A finalidade desta redação foi [...] substituir o culto no templo pela leitura do
livro.
O livro da Lei “descoberto” dentro do templo de Jerusalém e identificado por
muitos(as) pesquisadores(as) como sendo Dt 12-26, para Römer (2008, p. 56-57)
ressalta que 2Rs 22-23, numa reflexão sobre a destruição de Jerusalém e do exílio
babilônico, “é sobretudo o ‘mito fundante’ do deuteronomistas [...] a descoberta do
livro forneceu a possibilidade de entender esta destruição e de adorar Javé sem
qualquer templo”.
2.2.5 Estrutura do Texto de 2Rs 22-23
Nakanose (2000, p. 79) estrutura os capítulos de 2Rs 22-23, relacionados à
reforma de Josias, identificando as palavras e frases que se repetem no texto:
I. 22,3 “O rei Josias mandou” Templo, livro, arrependimento
II. 22,12 “O rei ordenou” Consulta profética
56
III. 23,1 “O rei mandou” Realização da aliança
IV. 23,4 “O rei ordenou” Medidas da reforma
V. 23,21 “O rei ordenou” Páscoa em Jerusalém.
Trata-se de um quiasmo, cuja mensagem central está em 2Rs 23,1-3, na
realização da aliança. Em torno dessa “aliança”, o redator estrutura o texto de 2Rs
22,1-23,30, formado por uma introdução (22,1-2), cinco perícopes (22,3-23,28) e
uma conclusão (23,29-30).
o pesquisador Herbert Donner (1997a, p. 393-394) afirma que 2Rs 22-23
pode ser dividido nos seguintes trechos:
1. 22.3-13: uma narrativa sobre o achado e os destinos do “livro da lei”,
o documento da reforma josiânica. A narrativa é anterior ao exílio e apenas
retrabalhada pelos deuteronomistas (v.13).
2. 22.14-20: o oráculo da profetisa Hulda, fortemente redigido pelos
deuteronomistas em vários estágios, se é que não foi criado por eles.
3. 23.1-3: o relato sobre a afirmação do pacto de Josias, com
participação deuteronomista no v.1.
4. 23.4-15, 19s.,24: um relato substancialmente autêntico e anterior ao
exílio sobre as medidas de reforma de Josias, com leves retoques
deuteronomistas (vv.13s.) e uma interpretação deuteronomista (v.24). É
verossímil que uma fonte oficial tenha servido de base para esse relato,
mesmo que essa fonte como muitas vezes se supôs não tenha sido os
anais dos reis de Judá.
5. 23.21-23: o relato sobre a Páscoa josiânica como encerramento de
toda exposição [...]
Resta ainda 23.16-18: um acréscimo deuteronomista tardio que se reporta à
lenda sobre o profeta em 1Rs 12.33-13.32, e que aqui pode ser deixado
totalmente de lado.
2.2.6 Delimitação do Texto: 2Rs 23,4-7
Conforme o pesquisador Wegner (1998, p. 86), na delimitação de um texto
uma série de critérios podem ser usados para distinguir uma unidade
autônoma de sentido, ou seja, o início e o fim de uma perícope [...] esta
coerência interna evidencia-se, sobretudo quando em relação ao conteúdo
se pode destacar um assunto central ou pensamento normativo que
perpassa a perícope e que, simultaneamente, se diferem do assunto
anterior e posterior.
A perícope de 2Rs 23,4-7 começa com a ordem de Josias para que as
medidas sejam realizadas e termina com a destruição das casas de prostituição
sagrada para Deusa Aserá que havia dentro do Templo de Jerusalém:
57
4
O rei ordenou a Helcias, o sumo sacerdote, aos sacerdotes que ocupavam o
segundo lugar e aos guardas das portas que
retirassem do santuário de Iahweh todos os objetos de culto que tinham sido feitos
para Baal, para Aserá e para todo o exército do céu;
queimou-os fora de Jerusalém, nos campos do Cedron e
levou as cinzas para Betel.
5
Destituiu os falsos sacerdotes que os reis de Judá haviam estabelecido e que
ofereciam sacrifícios nos lugares altos, nas cidades de Judá e nos arredores de
Jerusalém, e os que ofereciam sacrifícios a Baal, ao sol, à lua, às constelações e a
todo o exército do céu.
6
Transportou do Templo de Iahweh para fora de Jerusalém, para o vale do Cedron, o
poste sagrado e
queimou-o no vale do Cedron;
reduziu-o a cinzas e
lançou suas cinzas na vala comum.
7
Demoliu as casas dos prostitutos sagrados, que estavam no Templo de Iahweh,
onde as mulheres teciam véus para Aserá” (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2002).
Como vimos no tópico anterior, alguns pesquisadores delimitam esta
perícope do v. 4 até o v. 14/15 ou ainda até o v. 20. Optamos por realizar um estudo
de 2Rs 23,4-7, apenas quatro versículos que trazem uma grande riqueza simbólica a
ser estudada.
2.3 MEDIDAS REFORMISTAS DA CORTE JOSIÂNICA
Schwantes (2008, p. 49) destaca que o reinado de Josias (640-609 a.C.) foi
um período muito importante para Judá. “É o último respiro de autonomia e
autodeterminação antes da catástrofe do exílio” (p. 49), cujas condições favoráveis
foram dadas pelo enfraquecimento do império assírio no cenário internacional. Para
o autor, a reforma ou “revolução” como chama, trouxe à tona um sujeito, os
deuteronomistas. Este grupo do interior se constitui desde o reinado de Manassés.
Conforme Nakanose (2000, p. 100), no relato das medidas da reforma
podemos constatar elementos antigos, possivelmente retirados dos Anais dos Reis
de Judá. Um dos motivos é o estilo diferenciado de narrativa, que difere da narrativa
58
histórica das seções anteriores. Aqui a história é contada de forma literal, curta e
abrupta, característica dos documentos reais da época. 2Rs 23,4-7 provavelmente
foi retirado dos arquivos da corte e feito folheto de propaganda política de Josias.
Portanto, o gênero literário é uma narrativa com base em documento real.
Para se referir às histórias dos reis da época pós-salomônica em geral, o
autor deuteronomista extraiu breves notícias de duas fontes, utilizadas de forma
mais pormenorizada para Atalaia e Joás (2Rs 11ss) e para a reforma de Josias (2Rs
22s). As fontes são: História dos Reis de Israel (1Rs 14,19 2Rs 15,31) e História
dos Reis de Judá (1Rs 14,29 2Rs 24,5). Pelos escritos, em especial 2Rs 22-23,
que abrange a reforma de Josias é possível constatar a utilização de uma fonte
histórica, os Anais dos Reis de Judá, que certamente continha extratos dos anais da
corte real, possivelmente compilações de fatos isolados (SELLIN; FOHRER, 1977, p.
124-125).
Os anais dos reis de Israel provavelmente devem ter chegado a Jerusalém
após a queda de Samaria em 722. Seu uso nos livros dos Reis, porém,
reflete claramente uma perspectiva sulista sobre o reino do Norte, cujos reis
são sistematicamente censurados por prosseguir o ‘pecado de Jeroboão’ e
não respeitar o templo de Jerusalém. Os reis do Sul, por sua vez, são
julgados segundo sua conformidade ao modelo de Davi, nenhum obedece
ao modelo davídico exceto Ezequias (2Rs 18,3-6) e Josias (2Rs 22,2)
(RÖMER, 2008, p. 106).
No entanto, diversas categorias de provas podem fornecer dados para esta
época. Além das fontes de historiografia deuteronomista, completadas por Crônicas,
e das fontes de arquivos reais, mencionadas acima, temos tradições literárias na
forma de narrativas proféticas (GOTTWALD, 1988, p. 345-347).
A partir do relato bíblico de 2Rs 22-23, as medidas reformistas da corte
josiânica, sejam elas políticas, religiosas ou econômicas, parecem ter sido
impulsionadas pela “descoberta” do livro da Lei (2Rs 22,8), dentro do Templo de
Jerusalém. Este livro é identificado como Dt 12-26, uma versão original do
Deuteronômio e
continha as características básicas do monoteísmo bíblico: a exclusiva
veneração a um único Deus em um único lugar; a observância nacional e
centralizada dos principais festivais e dos dias santificados do ano judaico,
Páscoa e Tabernáculos; e um conjunto de legislação definindo regras de
bem-estar social, justiça e moralidade pessoal (FINKELSTEIN e
SILBERMAN, 2003, p. 371-372).
59
Para mer (2008, p. 61), porém, a reforma não se baseou na descoberta do
livro, apesar de haver indícios de mudanças cultuais e políticas feitas por Josias. No
entanto, para o pesquisador a primeira edição do Deuteronômio pode ter sido feita
na época de Josias.
Os pontos afirmados na reforma, de certa maneira, supriram os interesses do
campo ao afirmar o tribalismo, um dos aspectos centrais no Deuteronômio, bem
como a afirmação em Javé como único Deus, mediante a expansão dos cultos de
fertilidade no período de dominação assíria. Mas também supriu os interesses da
cidade, em especial dos sacerdotes do templo de Jerusalém, local que ganha
destaque e torna-se o único espaço de culto sacrificial (SCHWANTES, 2008, p. 50).
Os profetas e as profetisas que atuaram entre 640-609 a.C. tiveram opiniões
diferentes sobre a reforma de Josias. Sofonias, situado antes de 622 a.C., não
futuro para a cidade, Jerusalém, nem para o templo, colocando-se ao lado dos
oprimidos. Hulda também não futuro para Jerusalém. Jeremias parece ter sido
favorável a reforma de Josias, silenciando-se por algum tempo. Para Jeremias
Josias “fez justiça” (Jr 22,15) (SCHWANTES, 2008, p. 51-52).
Todavia, a partir do texto que estamos analisando, 2Rs 23,4-7, nos
deparamos com uma série de medidas reformistas:
No versículo 4 a expressão: “aos sacerdotes que ocupavam o segundo lugar
e aos guardas das portas”, pode se referir aos sacerdotes de segunda ordem que
eram um tipo de superintendente do templo; os guardas da porta, altos
funcionários do templo, são mencionados na Bíblia logo após o chefe dos
sacerdotes e segundo sacerdote, a eles cabia a função de receber as oferendas do
povo (NAKANOSE, 2000, p. 102).
Ainda no v. 4: “O rei ordenou a Helcias, o sumo sacerdote, aos sacerdotes
que ocupavam o segundo lugar e aos guardas das portas que retirassem do
santuário de Yahweh todos os objetos de culto que tinham sido feitos para Baal,
para Aserá e para todo o exército do u”. Três divindades são distinguidas: Baal,
Aserá e o exército do céu
20
(NAKANOSE, 2000, p. 103).
Baal em hebraico significa senhor, no sentido de dono das coisas. Seu culto é
encontrado no antigo Israel, simbolizado pela “estela”, em hebraico, massebah, um
20
Cf. Donner, 1997a. Para Donner a combinação Baal, Aserá e exército dos céus pode ser
‘interpretações cananéias’ para divindades assírias, sendo que Baal e Aserá provavelmente se tratem
de Ashur e Ishtar” (p. 382).
60
tipo de coluna de pedra, tosca ou talhada, provavelmente um mbolo fálico,
encontrado nos chamados ‘lugares altos’. A religião cananéia-fenícia era patriarcal e
politeísta, preocupada com a ordem do cosmo e a manutenção da vida. El era o pai
dos deuses. Baal tinha o papel principal; era o deus da tempestade e guerreiro
cosmogônico. Anat era sua consorte. A união de Baal e Anat era representada pelo
encontro sexual entre um sacerdote e uma sacerdotisa e dos fiéis com os(as)
“prostitutos(as)” sagrados(os) ou hieródulos(as). Essa união visava atrair o poder
divino da fecundidade para os seres humanos, animais e plantas (NAKANOSE,
2000, p. 102-103).
Aserá, considerada divindade da fertilidade, é muitas vezes confundida com
Anat e Astarte. É uma deusa nativa de Canaã, cultuada no meio do povo, ao lado de
Javé. Seu objeto de culto era uma estaca, um pedaço de madeira ou uma árvore. No
tempo dos deuteronomistas Aseestava sendo cultuada dentro do santuário oficial,
no entanto, os ‘lugares altos’ eram considerados um lugar sagrado. Os
deuteronomistas, para fortalecer o javismo oficial e o patriarcalismo, perseguiram
manifestações religiosas populares, associando Aserá como esposa de Baal e como
divindade dos pagãos, de tal forma que foi separada do culto a Javé, eliminada do
templo oficial e do interior (NAKANOSE, 2000, p. 103-104).
Para Ide (1991, p. 27), Aserá existia muito antes de Javé e sua principal
característica era a fecundidade. Aserá era considerada a “Mãe da Criação” e tinha
mais importância para a população cananéia que as divindades masculinas. Os
numerosos santuários e bosques sagrados dedicados à Aserá ressaltam sua
popularidade. Ela dava o nascimento a terra e às pessoas.
A menção de um culto a Aserá dentro do templo de Jerusalém demonstra seu
status oficial e o relato de sua expulsão apenas reforça isso. Aseera adorada nos
templos de Jerusalém e Samaria. Tanto textos bíblicos como textos extrabíblicos
sugerem o status de Aserá como esposa de Javé. “A proibição, em Dt 16,21, de se
colocar uma
a
sêrâ ao lado do altar de YHWH indica que as duas divindades eram
intimamente associadas por algumas pessoas de Judá” (BRENNER, 2003, p. 313).
No v.5: “a Baal, ao sol, à lua, às constelações e a todo o exército do céu”. Em
Dt 4,19 aparece algo semelhante, exceto o nome de Baal e a palavra estrelas, que é
substituída por constelações, termo próprio dos babilônios. Durante o reinado de
Manassés esses objetos, provenientes da Assíria e Babilônia, foram cultuados
61
dentro do Templo. Josias tenta eliminar todo resquício de aliança com os
estrangeiros (NAKANOSE, 2000, p. 104).
Os “lugares altos”
21
(v. 5) eram lugares de culto no topo das montanhas,
colinas ou elevações, próximas das cidades. Provavelmente as eiras, lugar onde se
recolhia e limpava o produto agrícola, também funcionavam lado a lado com os
lugares altos (NAKANOSE, 2000, p. 105). “Os bāmôt eram santuários locais (ao ar
livre?) onde Javé era venerado provavelmente em associação com sua ‘esposa’
Aserá” (RÖMER, 2008, p. 148).
Josias profanou os antigos lugares de sacrifício para Javé concentrando os
sacerdotes em Jerusalém. Quanto aos santuários de Betel e dos altos da cidade de
Samaria (2Rs 23,19s.), Josias mandou exterminar seus sacerdotes. “As razões disso
não são desconhecidas. Talvez os sacerdotes houvessem se oposto à política de
Josias, tendo de pagar por isso com a vida” (DONNER, 1997a, p. 398-399).
Além dos reformistas josiânicos queimarem a estaca da Deusa Ase e
jogarem o no vale do Cedron, local de cemitério (v. 6). Também destruíram as
“casas dos prostitutos sagrados”
22
ou ‘hieródulos’(v. 7), sendo que certamente havia
homens e mulheres nesses lugares. Nestas casas as mulheres teciam vestes para
Aserá, a tradução literal do texto hebraico é ‘teciam casas’, mas conforme o texto
grego pode ser traduzido como ‘tecer vestidos’, como vimos anteriormente
(NAKANOSE, 2000, p. 106).
Conforme Monloubou e Du Buit (1996, p. 652), a palavra ‘prostituta’ traz,
biblicamente, duas realidades: a prostituta (zone) e a cortesã (qedesha). A
qedesha
23
está a serviço do templo religioso, inclusive o de Jerusalém (1Rs 14,24),
sendo que além das mulheres, homens também prestavam este serviço (1Rs 15,12).
Os(as) qedesha são proibidos pela Lei e expulsos do templo de Jerusalém (Dt 23,18;
2Rs 23,7).
Vincent (1969, p. 410) destaca que a ‘prostituição’ cultual era comum nos
cultos cananeus e semíticos em geral, onde existiam hieródulos de ambos os sexos
(1Rs 14,24). Os templos das Deusas possuíam anexos onde mulheres consagradas,
21
Para Davidson (1997, p. 388), a destruição dos objetos de culto parece que não era suficiente para
tornar um ‘lugar alto’ desativado como santuário. A profanação de um lugar de culto exigia medidas
mais drásticas.
22
Ver 1Rs 14,24, a forma do masculino pode abranger os dois sexos. Cf. Davidson (1997, p. 388).
23
O termo usado para descrever Tamar, que se prostitui por dinheiro, é K
e
desah, “mulher sagrada”, e
não Zona. Provavelmente era uma prostituta do Templo, cf. McKenzie (1983, p. 749). Cf. também
Diez (2003) e seu estudo sobre Raab (zonah).
62
representando a Deusa, praticavam a prostituição ritual. O encontro com uma
prostituta sagrada visava evocar o princípio feminino da fertilidade (MCKENZIE,
1983, p. 749).
O termo ‘prostituição’ tem quase sempre uma interpretação negativa,
principalmente na atualidade. No entanto, em contexto cananeu, numa sociedade
agrária,
sendo um culto da fertilidade, a religião cananéia estava familiarizada com a
prostituição sagrada, que se difundia por todo o antigo Oriente dio. Ela
deve ser entendida a partir da perspectiva de uma religião agrícola e suas
necessidades. Em tal religião, servia para fortalecer a divindade e conservar
as poderosas forças operantes na vida (FOHRER, 1982, p. 64).
Em 2Rs 23,4-7 aparece, portanto, uma série de medidas que visam a
centralização política e religiosa do reinado de Josias em Jerusalém. Este é um texto
cheio de tensões que mostram grupos em choque. De um lado o grupo da corte e
dos sacerdotes do templo de Jerusalém e de outro o grupo de sacerdotes do interior.
Ou seja, o sumo sacerdote Helcias, os sacerdotes de segunda ordem, os guardas da
porta, e o rei Josias, numa relação de conflito com os sacerdotes dos lugares altos,
os sacerdotes que ofereciam culto à Baal, ao Sol, à lua, as constelações, ao exército
do céu e à Aserá, os(as) hieródulos(as), e as mulheres que teciam véus para Aserá
dentro do templo de Jerusalém. Para Gass e Almeida (2008, p. 11),
as principais intenções de Josias, ao centralizar o culto exclusivo ao Deus
nacional de Judá em Jerusalém, foram, de um lado, manter a unidade em
função dos interesses expansionistas do estado e, de outro, garantir o poder
nas mãos da dinastia davídica. A repressão aos cultos populares nas
aldeias e famílias do interior trouxe muitos prejuízos à espiritualidade
popular em torno de suas necessidades vitais imediatas.
Quanto aos aspectos econômicos, esta centralização política e religiosa na
capital possibilitava ao grupo dominante: recolher maior tributo dos camponeses,
maior controle da rotas comerciais, aumentar o lucro dos comerciantes, incrementar
as peregrinações a Jerusalém, com aumento das ofertas ao templo, controle sobre a
vida religiosa do povo, a eliminação dos santuários “concorrentes” do interior e
expandir as fronteiras, invadindo inclusive o antigo reino do Norte.
Toda a desautorização dos santuários do interior levou à centralização
religiosa no templo de Jerusalém. Logo o povo do interior teria que realizar
peregrinações à capital, o que movimentava mais dinheiro, enriquecendo a corte e o
63
templo, e empobrecendo o povo cada vez mais. Para Donner (1997a, p. 395), “a
reforma cultual de Josias foi, no mínimo, também expressão de uma concepção
política global, dentro da qual a pureza do culto era apenas um aspecto entre
outros”.
Nakanose (2000, p. 129) ressalta que a reforma político-religiosa de Josias
talvez seja uma das ações mais brutais relatadas no Primeiro Testamento,
empreendidas em nome de Javé. Principalmente no que tange à ação sangrenta de
Josias e seu grupo, na profanação, destruição e queima dos lugares altos e dos
santuários locais, na eliminação das pessoas envolvidas com práticas religiosas
populares e estrangeiras. Para alcançar seus objetivos, Josias utiliza medidas
baseadas na supressão do outro. Sua dinâmica política envolve: “tirar”, “queimar”,
“destituir”, “retirar” e “reduzir”. Neste contexto, Josias celebra a Páscoa como uma
grandiosa festa nacional no templo de Jerusalém.
A reforma religiosa empreendida por Josias foi possível porque o império
assírio estava se desintegrando estando enfraquecido (PIXLEY, 1991, p. 73-79).
“Josias de modo algum se satisfez com uma política emancipacionista em relação à
Assíria, mas que aproveitou a perda de poder do império para passar à anexação de
territórios” (DONNER, 1997a, p. 397).
As medidas reformistas de Josias foram além do âmbito religioso, dados
abordados anteriormente. Conforme o pesquisador Brigth (2003, p. 384), a reforma
de Josias
foi, antes de tudo, um expurgo radical de cultos e práticas estrangeiros [...]
Os reparos do templo, em pleno andamento em 622, representaram talvez a
purificação que se seguiu à remoção oficial. Vários cultos solares e astrais,
a maioria dos quais sem dúvida de origem mesopotâmica (2Rs
23,4ss.11ss), também foram banidos, como o foram os cultos pagãos
nativos, alguns introduzidos per Manassés (vv.6.10), vários de longa data
(vv.13ss). Seu pessoal, incluindo sacerdotes eunucos, prostitutas e
prostitutos, foi todo morto. Além disso, a prática da adivinhação e da magia
foi suprimida (v.24). Os locais de culto do norte de Israel sendo, do ponto
de vista de Jerusalém, uniformemente idólatras dificilmente poderiam
passar despercebidos a um reformador tão zeloso quanto Josias. À medida
que tomou o controle do norte, a reforma também se estendeu naquela
região, os santuários da Samaria, particularmente o templo rival de Betel,
foram profanados e destruídos, sendo mortos os seus sacerdotes (vv.15-20)
[...] O coroamento das medidas de Josias foi fazer o que Ezequias havia
tentado fazer, mas sem sucesso permanente: fechando todos os santuários
de Javé em todo Judá, ele centralizou toda a adoração pública em
Jerusalém.
64
A afirmação da teologia oficial a partir de Judá levou concomitantemente à
ênfase na escolha de Sião por Javé, um retorno a perspectiva davídica. Esse
nacionalismo fez da cidade a sede do domínio de Javé, bem como o centro religioso
nacional (BRIGTH, 2003, p. 385). Esta ideologia é extremamente ufanista e será
abalada com a tragédia do exílio babilônico.
Na perícope de 2Rs 23,4-7, o Deus Javé é apresentado como aliado à corte
josiânica, justificando as medidas sangrentas impetradas pela reforma. Esta imagem
entra em choque com a imagem de um Javé que caminha com o povo em defesa da
vida, na busca da libertação, uma vez que é usada por Josias para legitimar os
mandos e desmandos no seu reinado. “Foi este Javé que abençoou as ações
violentas da reforma religiosa do rei Josias, descritas por verbos como ‘demolir’
(23,15), ‘destruir’ (23,15), ‘quebrar’ (23,14), ‘queimar’ (23,4.11.20), e ‘fazer
desaparecer’ (23,19)” (NAKANOSE, 2000, p. 123).
Em âmbito nacionalista, estamos num momento histórico em que Javé é
afirmado como único Deus, fortalecendo o processo de desenvolvimento do
monoteísmo hebraico, que no pós-exílio se afirmado em âmbito universal. Para
Rosa (2003, p. 64), “a Reforma de Josias foi o último esforço que acolheu e
consolidou idéias proféticas que combatiam o culto a outros deuses”.
Javé é único e fora Dele não é admitida nenhuma outra manifestação ou
divindade. Tudo deve ser abolido, extirpado, extinguido, ações que a corte josiânica
empreendeu, inclusive assassinando pessoas. Josias ainda se apropriou da festa da
Páscoa (2Rs 23,21), que era celebrada pelas famílias nas casas, ordenou o povo a
celebrar esta festa, agora presidida pelos sacerdotes e dentro do templo
(NAKANOSE, 2000, p. 123).
Para Lowery (2004, p. 307), o Rei Josias governou em um contexto
privilegiado, livre do jugo imperial da Assíria, que estava enfraquecida em âmbito
internacional. “A reforma de Josias foi o coração de uma revolução cultural
nacionalista que ganhou momento com o fim do domínio assírio no Ocidente”.
Mas em tudo isso, quem era de fato Aserá? A Bíblia quase não nos dá
elementos para sabermos da representação e do culto de Aserá. As menções
bíblicas a Ela o quase sempre feitas negativamente. No próximo tópico,
recorremos às últimas descobertas arqueológicas e algumas pesquisas para
conhecer mais de perto a Deusa Aserá.
65
Figura 1: Jarro do Templo do
Fosso de Laquis
Fonte: Hestrin (1991, p. 51).
2.4 QUEM ERA ASERÁ?
24
Não há um consenso entre teólogos(as) e arqueólogos(as) de que Aserá seja
uma Deusa, consorte de Javé. Muitos(as) pesquisadores(as) defendem a hipótese
de que seja apenas uma característica/atributo de Javé. O arqueólogo Dever (1984,
p. 21) afirma que isso
é testemunhado por: (1) a confusão [...] entre 'Asherah', 'asherim',
'asheroth', e a forma alterada 'Ashtoreth'/'Ashtaroth'; e (2) a ambigüidade no
uso destes termos, que referem-se aparentemente de maneira
indiscriminada também a uma divindade presumida ou uma enigmática
imagem cultuada, representando muitos textos supostamente
incompreensíveis.
Dever (apud THE FORBIDDEN GODDESS, 1993) afirma que Aserá era
venerada ao lado de Jano antigo Israel, que a idéia monoteísta transmitida pela
Torá não esconde isso e que nos mesmos escritos existem cerca de quarenta
referências a Aserá ou a seu símbolo (árvore ou tronco de árvore).
2.4.1 Aserá em Textos e Representações Extrabíblicas
Em 1934, o arqueólogo britânico James L.
Starkey encontrou o jarro de Laquis, datado para o
século XIII a.C., provavelmente ano 1220 a.C.
25
(HESTRIN, 1991, p. 54).
O jarro é decorado e contém inscrições raras do
antigo alfabeto semítico. Na decoração o desenho
de uma árvore flanqueada por duas cabras com
longos chifres para trás, que, segundo Hestrin (1991,
p. 54), representa Aserá. Uma inscrição que segue
pela borda do jarro foi reconstruída e traduzida por
Frank M. Cross (apud HESTRIN, 1991, p. 54), como:
“Mattan. Um oferecimento para minha senhora 'Elat”.
24
Parte das informações que seguem foram publicadas em produções da própria autora do trabalho.
Cf. Cordeiro (2008).
25
Confira os períodos arqueológicos referentes à Palestina em anexo.
66
Figura 2: Inscrição proto-cananéia sobre o jarro do Templo do Fosso
em Laquis
Fonte: Mazar (2003, p. 274).
Não se sabe quem é Mattan, mas está claro que ele faz uma oferenda para
'Elat, que é o feminino de El, chefe do panteão cananeu no II milênio a.C.,
equivalente a Aserá. Nota-se um dado importante. O nome 'Elat está escrito logo
acima da árvore, representação de 'Elat/ Aserá. uma possibilidade deste jarro e
seu conteúdo terem sido uma oferenda à Deusa (HESTRIN, 1991, p. 54).
Também foram escavados vários pingentes ugaríticos que retratam uma
Deusa, provavelmente Atirat/‘Elat. A figura humana estilizada nestes pingentes
contém o rosto, os seios e a região púbica e uma pequena árvore estilizada gravada
acima do triângulo púbico.
Figura 3: Pingente Ugarítico
Fonte: Hestrin (1991, p. 56).
67
No Negueb, ao sul de Jerusalém, no templo de Arad, arqueólogos
encontraram fortes evidências de um lugar de culto onde Javé e Aserá podem ter
sido adorados. No santuário interno foram encontrados dois altares diante de um par
de pedras verticais, possivelmente lugar de culto a Javé e Aserá. Um outro altar foi
encontrado no pátio externo do templo com tigelas dos sacerdotes e cinzas de ossos
de animais queimados, no canto uma irmandade local e altares com pedras duplas
(THE FORBIDDEN GODDESS, 1993).
Em 1960, a arqueóloga inglesa Kathleen Kenyon descobriu centenas de
estatuetas femininas quebradas em uma caverna perto do templo de Salomão em
Jerusalém (THE FORBIDDEN GODDESS, 1993).
Em Khirbet el-Qom, ao oeste de Hebron, em 1967, foi descoberto um túmulo
judaico da segunda metade do século VIII a.C.
26
, com uma inscrição na parede
interior. Croatto (2001a, p. 36) traduz a inscrição assim:
1. Urijahu [...] sua inscrição.
2. Abençoado seja Urijahu por Javé (lyhwh)
3. sua luz por Aserá, a que mantém sua mão sobre ele
4. por sua rpy, que...
Em 1968, o arqueólogo americano Paul Lapp escavou um outro artefato muito
famoso em Tanac, datando ao final do século X a.C. (HESTRIN, 1991, p. 57). Num
26
Para visualizar imagens das escavações e obter informações mais detalhadas, veja o documentário
da Discovery (THE FORBIDDEN GODDESS, 1993).
Figura
4: “Estatuetas judaítas de pilar” feitas de cerâmica,
representando Deusas da fertilidade.
Fonte: MAZAR (2003, p. 476).
68
dos quartos da instalação cúltica foram encontrados prensa de óleo, forma para
fazer figuras de Aserá, sessenta pesos de tear e 140 ossos de articulações de
ovelhas e cabras (NEUENFELDT, 1999, p. 7).
Neste mesmo lugar, um quadrado
oco de terracota, aberto na base,
composto de quatro níveis ou róis
também foi encontrado. Conforme Hestrin
(1991, p. 57-58), no rol inferior, uma
mulher nua flanqueada por dois leões é
mais uma representação de Aserá,
Deusa-mãe. No segundo rol, temos uma
abertura vazia no meio flanqueada por
duas esfinges (corpo de leão, asas de
pássaros e cabeça de mulher). O terceiro
rol traz uma árvore sagrada da qual saem
três pares de galhos, simbolizando a
Deusa principal, Aserá, consorte de Baal
e fonte da fertilidade, sendo flanqueada possivelmente por duas leoas. No rol
superior, temos um touro sem chifres, com um disco de sol em cima, o que simboliza
o Deus supremo não na Mesopotâmia e no panteão hitita, como também no
panteão cananeu. O jovem touro representa Baal, principal Deus do panteão
cananeu, que no II milênio a.C. substituiu El, cabeça do panteão.
Segundo Hestrin (1991, p. 56), em 1975-1976, o arqueólogo israelita Ze’ev
Meshel, em Kuntillet ‘Ajrud, 50km ao sul de Cades-Barnea, na antiga estrada de
Gaza a Elat, escavou uma pousada no deserto que continha várias inscrições.
Controlado por Israel, este posto estatal encontrava-se em território de Judá e
funcionou aproximadamente entre 800-775 a.C. No prédio principal, em sua entrada,
duas jarras de armazenagem com desenhos e inscrições foram encontradas e
identificadas como pithos A e pithos B. Na inscrição do pithos A se (HESTRIN,
1991, p. 56):
Diz... Diga a Jehallel... Josafá e...:
Abençoo-vos em YHWH de Samaria e sua Asherah.
Figura 5: Pedestal de culto de Tanac
Fonte: MAZAR (2003, p. 366).
69
No pithos B se lê:
Diz Amarjahu: Diga ao meu Senhor: Estás bem?
Abençoo-te em YHWH de Teman e sua Asherah
Ele te abençoa e te guarde e com meu senhor.
Neste pithos
27
aparecem três figuras. Duas são masculinas (pênis em
destaque) e retratam o Deus egípcio Bes; a terceira é claramente feminina (seios em
destaque) tocando uma lira.
Para Mazar (2003, p. 428), “as descobertas em Kuntillet ‘Ajrud abrem uma
janela para o mundo da religião israelita da época em um período anterior à teologia
deuteronomista de Jerusalém”.
Imagens eróticas como esta apontam que apesar de no antigo Israel existir
uma tendência anicônica, esta convivia com tradições que utilizavam imagens
visuais da divindade (REIMER, 2005, p. 15).
Hestrin (1991, p. 55-56) aponta outra pintura egípcia, do túmulo do faraó
Tuthmosis III, onde está retratada uma Deusa
28
em forma humana no tronco de uma
árvore, apresentando alimento para o rei através do seio que é sustentado pelo
braço, ambos saindo da árvore.
27
Day (1997) destaca que pesquisadores discordam que “sua Aserá” refira-se a Deusa Aserá,
parecendo ser mais a seu símbolo, o poste sagrado.
28
Conforme Rose-Marie Hagen e Rainer Hagen (2006, p. 182) pode-se ler no desenho que a deusa
das árvores “Hátor do sicômoro meridional” um seio ao faraó defunto. “Ele é aleitado por sua
mãe Isís”. Isís e Hátor, as Grandes Mães, fundiram-se no decorrer dos séculos numa única divindade.
Figura 6: Pinturas e inscrições sobre um pithos
em
Kuntillet ‘Ajrud
Fonte: Mazar (2003, p. 426).
70
Para Dever (apud THE FORBIDDEN GODDESS, 1993), a dama-leão também
é uma forte evidência de que Aserá existiu como Deusa no início de Israel. No
mundo antigo, o leão quase sempre acompanhou o Deus chefe. Em uma estela
egípcia, a Deusa despida em cima de um leão é chamada de Qudshu, que para
William F. Albright (apud HESTRIN, 1991, p. 55) e Frank M. Cross (apud HESTRIN,
1991, p. 55) é o equivalente egípcio do ugarítico ‘Atirat/ ‘Elat e do bíblico Aserá. Em
outra figura a árvore sagrada que representa Aserá é colocada em cima de um leão
(HESTRIN, 1991, p. 55-57).
Figura 7: Pintura egípcia do túmulo do Fara
ó
Tuthmosis III
Fonte: Rose-Marie & Rainer Hagen (2006, p. 182).
Figura 8: Pintura árvore sagrada flanqueada de leões
Fonte: Hestrin (1991, p. 58).
71
Todas essas descobertas são fortes evidências da existência de Ase
enquanto Deusa. Parece claro que por determinado tempo essa Deusa teve mais
espaço e representatividade na vida do povo em Canaã/Israel, até ser taxada como
a causa de todos os males que o povo estava sofrendo nas mãos de seus
dominadores, em especial na época da dominação Babilônica (597-539 a.C.), com
toda experiência de destruição e exílio. Conforme Ottermann (2005, p. 48),
Aserá, na maioria do tempo venerada sob o corpo de uma árvore, era,
inicialmente, a parceira de YHWH, mas com o crescente desenvolvimento
do javismo como religião de um deus masculino, transcendente e único, ela
foi taxada como sua maior rival e inimiga.
As venerações a Aserá exprimiam “rituais para a fertilidade da terra e as
bênçãos dos antepassados davam esperança ao povo, para o bem-estar de suas
famílias, e santificavam a posse do campo e das terras de pastos” (FINKELSTEIN e
SILBERMAN, 2003, p. 326).
A existência da Deusa Aserá remonta a uma época de adoração a vários
Deuses e Deusas. Ottermann (2005, p. 49) afirma que
o culto da Deusa Árvore Aserá realizava-se, principalmente, em torno de
uma árvore natural ou estilizada, ou seja, de um poste sagrado que podia
estar ao lado de um altar seu ou de uma outra divindade, inclusive YHWH.
Porém, seu culto foi realizado, de preferência, debaixo de uma árvore
natural, nos chamados 'lugares altos', santuários ao ar vivo no topo das
colinas e montanhas. Na maioria do tempo, uma imagem ou símbolo de
Aserá estava também presente dentro do próprio templo de Jerusalém.
O fato de Aserá ter sido adorada principalmente nos chamados ‘lugares altos’
(bāmôt), espaços abertos ao ar livre, provavelmente no topo das colinas, dificultou a
identificação arqueológica de sua existência. “A evidência arqueológica mais clara e
definitiva da popularidade desse tipo de prática religiosa, em todo o reino, é a
descoberta de centenas de figuras de barro de deusas da fertilidade nuas em todos
os tios da antiga monarquia em Judá” (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p.
327).
Uma religião, centrada em Javé (um Deus sem imagens monoteísmo
anicônico), vai se construindo e se impondo a partir da proibição a qualquer tipo de
representação religiosa que não fosse Javé. De fonte politeísta, Israel passa a se
constituir monoteísta, pelo menos na religião oficial. Provavelmente, adorações a
Deuses e Deusas dentro das casas continuaram por longo tempo. A centralização
72
em Javé, que nesse processo também se apropriou das funções de Aserá, afetou
profundamente inúmeras representações religiosas
29
.
2.4.2 Aserá na Bíblia Hebraica
A proibição “não plantarás um poste sagrado ou qualquer árvore ao lado de
um altar de Javé teu Deus que hajas feito para ti, nem levantarás uma estela, porque
Javé teu Deus a odeia” (Dt 16,21-22), conforme Croatto (2001a, p. 42), revela que o
objeto que simboliza Aserá é feito de madeira, que está plantado, ou seja, é um
poste ou uma estaca e não uma estátua, que sua colocação “ao lado de um altar de
Javé” transparece o caráter cultual do símbolo e principalmente a associação da
Deusa simbolizada junto com o próprio Javé.
Conforme Croatto (2001a, p. 40-43) os termos que designam Aserá como
objeto ltico são: no singular ‘poste’,
כa
shērāh, que aparece em diversas passagens
bíblicas (Dt 16,21; Jz 6,25.26.28.30; 1Rs 16,33; 2Rs 13,6; 17,16; 18,4; 21,3; 23,6;
23,15), no plural ‘os postes’,
כa
shērôt, que é encontrado em poucos passagens
(2Cr 19,3; 33,3; e no singular em 2Rs 21,3). No plural, aparece geralmente no
masculino
כa
shērîm (Ex 34,13; Dt 7,5; 12,3; 1Rs 14,15.23; 2Rs 17,10; 23,14; Is 17,8;
27,9; Jr 17,2; Mq 5,13; 2Cr 14,2; 17,6; 24,18; 31,1; 34,3.4.7). Nestas citações o
termo perdeu seu sentido original de símbolo da Deusa Aserá (
כa
shērāh), num
processo de “masculinização” que tenta apagar qualquer memória da Deusa. No
singular menções a Aserá
כa
shērāh enquanto Deusa estariam em 1Rs 15,13; 18,19;
2Rs 21,7; 23,4
30
; 23,7; 2Cr 15,16 e no plural
כa
shērôt, em Jz 3,7.
Concordamos com Dever (apud THE FORBIDDEN GODDESS, 1993),
quando este afirma que Aseera venerada ao lado de Javé no antigo Israel, que a
idéia monoteísta transmitida pela Torá não esconde isso e que nos mesmos escritos
existem cerca de quarenta referências a Aserá ou a seu símbolo (árvore ou tronco
de árvore).
Atualmente são identificadas 40 passagens bíblicas que mencionam Aserá ou
seus símbolos, ‘poste-sagrado’ (também traduzido por ‘poste-ídolo’ ou ‘estelas’) e
‘árvore’. Abaixo, nas citações, usamos a tradução da Bíblia de Jerusalém (2002) e
29
Para uma visão mais geral sobre os impactos histórico-culturais do aniconismo identitário em Israel,
cf. Rocha (2007).
30
Para Day (1997), o fato do nome de Aserá vir equiparado ao nome de Baal, bem como com o
Exército dos Céus, indica que Aserá também era uma divindade.
73
subdividimos as referências a partir daquilo que cada termo designa, seguindo a
sugestão de Croatto (2001a, p. 40-43).
2.4.2.1 Aserá como Deusa, no singular:
כa
shērāh
1Rs 15,13: “Chegou a retirar de sua avó a dignidade de Grande Dama,
porque ela fizera um ídolo para Aserá [
hr'_vea]
כ
a
shērāh]; Asa quebrou o
ídolo e queimou-o no vale do Cedron”.
As traduções das Bíblias Peregrino (2002) e CNBB (2008) traduzem
כa
shērāh
como ‘Astarte’, divindade assíria. A TEB (2002) e Pastoral (1990) por ‘Aserá’. a
tradução Almeida (1993) por ‘poste-ídolo’, termo carregado de preconceito, pois
menciona a Deusa como um objeto idolátrico simplesmente.
1Rs 18,19: Pois bem, manda que se reúna junto de mim, no monte
Carmelo, todo o Israel com os quatrocentos e cinqüenta profetas de Baal e
os quatrocentos profetas de Aserá [
hr'vea]
כ
a
shērāh], que comem à mesa
de Jezabel”.
Aqui é interessante, pois as traduções Peregrino (2002) e Pastoral (1990)
excluem a referência aos profetas de Aserá. A CNBB (2008) e TEB (2002) traduzem
por ‘Aserá’ e a Almeida (1993) novamente por ‘poste-ídolo’.
2Rs 21,7: “Colocou o ídolo de Aserá [
hr'Þvea]
כ
a
shērāh] que mandara
esculpir, no Templo, do qual Iahweh dissera a Davi e a seu filho Salomão:
Neste Templo e em Jerusalém, cidade que escolhi entre todas as tribos de
Israel, colocarei meu Nome para sempre”.
A tradução Peregrino (2002) traduz por ‘imagem de Astarte’. A TEB (2002) e
Pastoral (1990) por ‘ídolo de Aserá’. A CNBB (2008), ‘tronco sagrado de Aserá’ e a
Almeida (1993), ‘poste-ídolo’. Ressaltamos que a utilização do termo ‘ídolo’ vem
carregada de sentido pejorativo pois remete à idolatria, tão combatida pela tradição
judaico-cristã.
2Rs 23,4: “O rei ordenou a Helcias, o sumo sacerdote, aos sacerdotes que
ocupavam o segundo lugar e aos guardas das portas que retirassem do
santuário de Iahweh todos os objetos de culto que tinham sido feitos para
Baal, para Aserá [
hr'êvea]
כ
a
shērāh] e para todo o exército do u;
queimou-os fora de Jerusalém, nos campos do Cedron e levou suas cinzas
para Betel”.
74
A tradução TEB (2002) utiliza ‘Aserá’. A Pastoral (1990), ‘ídolo de Aserá’.
as traduções CNBB (2008) e Peregrino (2002), ‘Astarte’ e a Almeida (1993), ‘poste-
ídolo’.
2Rs 23,7: Demoliu as casas dos prostitutos sagrados, que estavam no
Templo de Iahweh, onde as mulheres teciam véus para Aserá [
hr'(vea
]
כ
a
shērāh]”.
As traduções TEB (2002), Pastoral (1990) e CNBB (2008) traduzem por
‘Aserá’. A Peregrino (2002), ‘Astarte’ e a Almeida (1993), ‘poste-ídolo’.
2Cr 15,16: “Até Maaca, mãe do rei Asa, foi destituída da dignidade de
Grande Dama, por ter feito um ídolo para Aserá [
hr'Þvea]
כ
a
shērāh]; Asa
quebrou o ídolo, reduziu-o a pó e queimou-o na torrente do Cedron”.
As traduções TEB (2002) e Pastoral (1990) utilizam ‘Aserá’ como ídolo. A
CNBB (2008), ‘imagem para Aserá’. A Peregrino (2002), ‘imagem para Astarte’ e a
Almeida (1993), ‘Aserá’.
2.4.2.2 Aserá como Deusa, no plural:
כa
shērôt
Jz 3,7: “Os israelitas fizeram o que é mau aos olhos de Iahweh.
Esqueceram Iahweh seu Deus para servir aos baais e às aserás [
tAr)vea]
-
כ
a
shērôt]”.
‘Astarte’ é novamente utilizada nas traduções Peregrino (2002) e CNBB
(2008). A TEB (2002), ‘Aserás’. A Pastoral (1990), ‘Aserá’ e a Almeida (1993),
‘poste-ídolo’.
2.4.2.3 Aserá como objeto cúltico, no singular:
כa
shērāh
Dt 16,21: Não plantarás um poste sagrado [
hr'Þvea]
כ
a
shērāh] ou
qualquer árvore ao lado de um altar de Iahweh teu Deus que hajas feito
para ti”.
A CNBB (2008) traduz por ‘tronco sagrado’. A TEB (2002), ‘poste de madeira’.
A Peregrino (2002), ‘postes sagrados’. A Pastoral (1990), ‘poste sagrado e a
Almeida (1993), ‘poste-ídolo’.
75
Jz 6,25: Aconteceu que, naquela mesma noite, Iahweh disse a Gedeão:
Toma o touro de teu pai, o touro de sete anos, de uma segunda cria destrói
o altar de Baal que pertence a teu pai e quebra o poste sagrado [
hr'îvea]
כ
a
shērāh] que está ao lado”.
A TEB (2002) e a Pastoral (1990) traduzem por ‘poste sagrado’. A CNBB
(2008) por ‘tronco sagrado’. A Almeida (1993), ‘poste-ídolo’. A Peregrino (2002),
‘árvore sagrada’, seu editor destaca que a árvore sagrada pode ser um pau ou haste
fincada na terra, como símbolo da divindade feminina cananéia.
Jz 6,26: Em seguida construirás a Iahweh teu Deus, no cume desse lugar
forte, um altar feito segundo a regra. Tomarás então o touro da segunda cria
e o oferecerás em holocausto sobre a lenha do poste sagrado [
hr'Þvea]
כ
a
shērāh] que terás destruído”.
As traduções Pastoral (1990) e TEB (2002) utilizam ‘poste sagrado’. A CNBB
(2008), ‘tronco sagrado’. A Almeida (1993), ‘poste-ídolo’ e a Peregrino (2002) por
‘árvore’, seu editor afirma que o destino da árvore como combustível do sacrifício à
Javé, simboliza o triunfo do culto de Javé e expressa a fidelidade dos bons javistas.
Jz 6,28: “No dia seguinte, bem cedo, o povo da cidade se levantou, e eis
que o altar de Baal tinha sido destruído, o poste sagrado [
hr'îvea]
כ
a
shērāh] que estava ao lado tinha sido cortado, e o touro da segunda cria
fora oferecido em holocausto sobre o altar recém-construído”.
A TEB (2002) e a Pastoral (1990) traduzem por ‘poste sagrado’. A CNBB
(2008), ‘tronco sagrado’. A Peregrino (2002), ‘árvore sagradae a Almeida (1993),
‘poste-ídolo’.
Jz 6,30: “Os habitantes da cidade disseram então a Joás: Traze para fora o
teu filho, para que morra, porquanto destruiu o altar de Baal e cortou o
poste sagrado [
hr'îvea]
כ
a
shērāh] que estava ao lado”.
Novamente a Pastoral (1990) e a TEB (2002) utilizam ‘poste sagrado’. A
CNBB (2008), ‘tronco sagrado’. A Peregrino (2002), ‘árvore sagrada’ e a Almeida
(1993), ‘poste-ídolo’.
1Rs 16,33: “Acab erigiu também um poste sagrado [
hr'_vea]
כ
a
shērāh] e
cometeu ainda outros pecados, irritando Iahweh, Deus de Israel, mais que
todos os reis de Israel que o precederam”.
76
‘Poste sagrado’ é utilizado pela TEB (2002) e Pastoral (1990). A Peregrino
(2002), ‘estela’. A CNBB (2008), ‘poste idolátrico’ e a Almeida (1993), ‘poste-ídolo’.
2Rs 13,6: “Todavia, não se apartaram do pecado ao qual a casa de
Jeroboão havia arrastado Israel; obstinaram-se nele e amesmo o poste
sagrado [
hr'êvea]
כ
a
shērāh] permaneceu de pé em Samaria”.
2Rs 17,16: “Rejeitaram todos os mandamentos de Iahweh seu Deus,
fabricaram para si estátuas de metal fundido, os dois bezerros de ouro,
fizeram um poste sagrado [
hr'ªyvea
]
כ
a
shêrāh], adoraram todo o exército
do céu e prestaram culto a Baal”.
2Rs 18,4: “Foi ele que aboliu os lugares altos, quebrou as estelas, cortou o
poste sagrado [
hr'_vea]'
-
כ
a
shērāh], e reduziu a pedaços a serpente de
bronze que Moisés havia feito, pois os israelitas a então ofereciam-lhe
incenso; chamavam-na Noestã”.
2Rs 21,3: “Reconstruiu os lugares altos que Ezequias, seu pai, havia
destruído, ergueu altares a Baal, fabricou um poste sagrado [
hr'vea]
כ
a
shērāh], como havia feito Acab, rei de Israel, e prostou-se diante de todo o
exército do céu e lhe prestou culto”.
Nestas quatro passagens bíblicas a CNBB (2008) traduz por ‘tronco sagrado’.
A Peregrino (2002) por ‘estela’ e ‘estelas’, em 2Rs 18,4. A Almeida (1993), ‘poste-
ídolo’. A Pastoral (1990) e a TEB (2002), ‘poste sagrado’ e ‘postes sagrados’, em
2Rs 18,4.
2Rs 23,6: “Transportou do Templo de Iahweh para fora de Jerusalém, para
o vale do Cedron, o poste sagrado [
hr'vea]
כ
a
shērāh] e queimou-o no
vale do Cedron; reduziu-o a cinzas e lançou suas cinzas na vala comum”.
A TEB (2002) traduz por ‘poste sagrado’. Já a Pastoral (1990) por ‘ídolo
Aserá’. A Peregrino (2002), ‘estela’. A CNBB (2008), ‘tronco sagrado’ e a Almeida
(1993), ‘poste-ídolo’.
2Rs 23,15: “Demoliu também o altar que estava em Betel, o lugar alto
edificado por Jeroboão, filho de Nabat, que havia arrastado Israel ao
pecado; demoliu também esse altar e esse lugar alto, queimou o lugar alto e
o reduziu a pó; queimou o poste sagrado [
hr'(vea]
כ
a
shērāh]”.
A Peregrino (2002) utiliza ‘estela’. A TEB (2002) e Pastoral (1990), ‘poste
sagrado’. A CNBB (2008), ‘tronco sagrado’. É interessante a menção, do editor da
Peregrino, de que a destruição do altar em Betel mostra que Josias tinha estendido
77
seu domínio político até a região de Efraim. Essa expansão, como vimos, foi
possível devido a decadência da Assíria. Josias tinha pretensões de unificar um
novo reino, como nos tempos de Davi, com um santuário central, como nos tempos
de Salomão. Betel era símbolo do cisma que dividiu o território em dois reinos, Norte
e Sul, Israel e Judá. Símbolo do começo de um ‘pecado’ que terminou com a
destruição do reino do Norte. A purificação de Betel foi um ato simbólico importante
para os seguidores de Javé.
2.4.2.4 Aserá como objeto cúltico, no plural:
כa
shērôt e
כa
shērîm
2Cr 19,3: “Todavia, foi encontrado em ti algo de bom, pois eliminaste da
terra as aserás [
tArvea]
כ
a
shērôt] e aplicaste teu coração à procura de
Deus”.
A TEB (2002) e a Pastoral (1990) traduzem por ‘postes sagrados’. A
Peregrino (2002), ‘estelas’. A CNBB (2008), ‘troncos idolátricos’ e a Almeida (1993),
‘postes-ídolos’.
2Cr 33,3: “Reconstruiu os lugares altos que Ezequias, seu pai, havia
destruído, ergueu altares para os baais, fabricou postes sagrados [
tArêvea]
כ
a
shērôt], prostou-se diante de todo o exército do céu e lhe prestou culto”.
A Peregrino (2002) utiliza ‘estelas’. A TEB (2002) e Pastoral (1990), ‘postes
sagrados’. A Almeida (1993), ‘postes-ídolos’ e a CNBB (2008), ‘postes sagrados’.
Ex 34,13: “Ao contrário, derrubareis os seus altares, quebrareis as suas
colunas e os seus postes sagrados [
wyr'Þvea]
-
כ
a
shērâ]”.
A Almeida (1993) traduz ‘quebrareis as suas colunas e cortareis os seus
postes-ídolos’. A TEB (2002), quebrareis as suas estelas; despedaçareis os vasos
sagrados’. A Peregrino (2002), ‘destroçarás suas estelas, cortarás suas árvores
sagradas’. A Pastoral (1990), ‘quebrem as estelas e postes sagrados’. E a CNBB
(2008), ‘quebrareis as colunas sagradas e cortareis os troncos idolátricos’. Esta
passagem bíblica é interessante, pois aqui, o termo ‘estela’ representa a divindade
masculina. O editor da TEB afirma que as estelas (pedras erguidas) podiam
constituir a lembrança de um compromisso (cf. Gn 31,51-52; Ex 24,4; Js 24,25-27), o
78
memorial de um falecido (cf. Gn 35,20; 2Sm 18,18) ou o sinal de uma presença
divina (cf. Gn 28,18), foram condenadas à medida que ofereciam o risco de serem
assimiladas a ídolos talhados em pedras (cf. Lv 26,1). Os postes sagrados (hebr.
Aserá) eram objetos de madeira, erguidos nos santuários cananeus em honra da
deusa Aserá, mãe de Baal e protetora da vegetação. Porém, como vimos
anteriormente o termo ‘estela’ pode também ser uma referência ao símbolo da
divindade feminina.
Dt 7,5: Eis como deveis tratá-los: demolir seus altares, despedaçar suas
estelas, cortar seus postes sagrados [
~h,reyve(a]
כ
a
shêrēhem] e queimar
seus ídolos”.
A CNBB (2008) e a Pastoral (1990) traduzem por ‘postes sagrados’. A TEB
(2002), ‘vasos sagrados’. A Peregrino (2002), ‘postes’ e a Almeida (1993), ‘postes-
ídolos’.
Dt 12,3: “Demolireis seus altares, despedaçareis suas estelas, queimareis
seus postes sagrados [
~h,yreve(a]
כ
a
shêrehem] e esmagareis os ídolos
dos seus deuses, fazendo com que o nome deles desapareça de tal lugar”.
A TEB (2002) utiliza ‘vasos sagrados’. A Peregrino (2002) e a Pastoral (1990),
‘postes sagrados’. A CNBB (2008), ‘troncos sagrados’ e a Almeida (1993), ‘poste-
ídolo’. O editor da Peregrino afirma que as estelas costumavam ser de pedra, com
figuras lavradas ou lisas (talvez símbolos fálicos em honra do Baal da fecundidade).
Os ‘postes’ eram paus ou estacas, substitutos de ‘árvores sagradas’, geralmente
ligados a uma Deusa, Aserá ou Astarte (1Rs 15,13). Para o editor, ao destruir
imagens e nomes, se destroem a presença e a lembrança das divindades, o que não
evitou a apropriação de atributos, títulos e funções por parte da divindade Javé.
1Rs 14,15: Iahweh ferirá Israel, como o caniço que vacila na água;
arrancará Israel desta boa terra que deu a seus pais e o dispersará do outro
lado do Rio, porque fizeram seus postes sagrados [
~h,êyreveäa
]
כ
a
shērêhem], provocando a ira de Iahweh ”.
A Pastoral (1990) e a TEB (2002) traduzem por ‘postes sagrados’. A CNBB
(2008), ‘postes idolátricos’. A Peregrino (2002), ‘estelas’ e a Almeida (1993), ‘postes-
ídolos’.
79
1Rs 14,23: “construindo lugares altos, erguendo estelas e postes sagrados
[
~yrI+vea]
כ
a
shērîm] sobre toda colina elevada e debaixo de toda árvore
frondosa”.
A TEB (2002) e a Pastoral (1990) traduzem ‘estelas e postes sagrados’. A
Peregrino (2002), ‘postes sagrados e estelas’. A CNBB (2008), ‘colunas e postes
idolátricos’ e a Almeida (1993), ‘colunas e postes-ídolos’.
2Rs 17,10: “Erigiam para si estelas e postes sagrados [
~yrI+vea]:
כ
a
shērîm] sobre toda colina elevada e debaixo de toda árvore verdejante”.
Novamente a TEB (2002) e a Pastoral (1990) traduzem por ‘estelas e postes
sagrados’. A Peregrino (2002), ‘postes e estelas’. A CNBB (2008), ‘colunas e troncos
sagrados’ e a Almeida (1993), ‘colunas e postes-ídolos’.
2Rs 23,14: Quebrou as estelas, cortou os postes sagrados [
~yrI+vea
]
כ
a
shērîm] e encheu de ossos humanos o seu local”.
A TEB (2002) traduz ‘quebrou as estelas, derrubou os postes sagrados’. A
Peregrino (2002), ‘quebrou os postes sagrados, cortou as estelas’. A Almeida (1993),
‘fez em pedaços as colunas e cortou os postes-ídolos’. A Pastoral (1990), ‘quebrou
as estelas, derrubou os postes sagrados’ e a CNBB (2008), ‘destruiu as colunas
sagradas e arrancou os troncos sagrados’.
2Cr 14,2: “Eliminou os altares do estrangeiro e os lugares altos, despedaçou
as estelas, destruiu as aserás [
~yrI)vea]
כ
a
shērîm]”.
A Almeida (1993) traduz por ‘quebrou as colunas e cortou os postes-ídolos’. A
Peregrino (2002), ‘suprimiu as capelas dos lugares altos e os postes’. A Pastoral
(1990), ‘demoliu as estelas e derrubou os postes sagrados’. E a CNBB (2008),
‘quebrar as colunas sagradas e cortar os postes idolátricos’.
2Cr 17,6: “Seu coração caminhou nas sendas de Iahweh e ele suprimiu de
novo em Judá os lugares altos e as aserás [
~yrIßvea]
כ
a
shērîm]”.
A Pastoral (1990), a TEB (2002) e a CNBB (2008) utilizam ‘postes sagrados’.
A Peregrino (2002), ‘estelas’. A Almeida (1993), ‘postes-ídolos’.
80
2Cr 24,18: “O povo de Judá abandonou o Templo de Iahweh, Deus de
Israel, Deus de seus pais, para prestar culto aos postes sagrados [
~yrIßvea]
כ
a
shērîm] e aos ídolos”.
A Pastoral (1990) e a TEB (2002) traduzem ‘postes sagrados’. A CNBB
(2008), ‘postes idolátricos’. A Peregrino (2002), ‘estelas’ e a Almeida (1993), ‘postes-
ídolos’.
2Cr 31,1: “Terminadas todas essas festas, todo o Israel que se achava
saiu pelas cidades de Judá quebrando as estelas, despedaçando as aserás
[
~yrI‡vea
]
כ
a
shērîm], demolindo os lugares altos e os altares, para eliminá-
los por completo de todo o Judá, Benjamim, Efraim e Manassés. A seguir,
todos os israelitas voltaram para suas cidades, cada um para seu
patrimônio”.
A Almeida (1993) menciona ‘quebraram as estátuas, cortaram os postes-
ídolos’. A TEB (2002), ‘quebrar as estelas, despedaçar os postes sagrados’. A
Peregrino (2002), ‘destruindo os postes sagrados, cortando as estelas’. A Pastoral
(1990), ‘derrubando os postes sagrados, demolindo as estelas’. A CNBB (2008),
‘reduziram a pó as pedras memoriais, derrubaram os postes sagrados’.
2Cr 33,19: “Sua oração e como foi ouvido, todos os seus pecados e sua
impiedade, os sítios onde havia construído os lugares altos e erguido
aserás [
~yrIåvea]
כ
a
shērîm] e ídolos antes de se ter humilhado, tudo está
consignado na história de Hozai”.
2Cr 34,3: “No oitavo ano do seu reinado, quando ainda não era mais que
um adolescente, começou a buscar ao Deus de Davi, seu antepassado. No
décimo segundo ano do seu reinado, começou a purificar Judá e Jerusalém
dos lugares altos, das aserás [
~yrIêvea]
כ
a
shērîm], dos ídolos de madeira
ou de metal fundido”.
As Bíblias TEB (2002), Pastoral (1990) e CNBB (2008) traduzem por ‘postes
sagrados’. A Peregrino (2002), ‘estelas’ e a Almeida (1993), ‘postes-ídolos’.
2Cr 34,4: Derrubaram diante dele os altares dos baais, ele próprio demoliu
os altares de incenso que estavam sobre eles, despedaçou as aserás
[
~yrIvea
]
כ
a
shērîm], os ídolos de madeira ou de metal fundido, e tendo-os
reduzido a pó, espalhou o sobre os túmulos dos que lhe ofereceram
sacrifícios”.
2Cr 34,7: “ele demoliu os altares, as aserás [
~yrIÜvea
]
כ
a
shērîm], quebrou e
pulverizou os ídolos, derrubou os altares de incenso em toda a terra de
Israel e depois voltou para Jerusalém”.
81
A TEB (2002), Peregrino (2002), Pastoral (1990) e CNBB (2008) traduzem por
‘postes sagrados’. A Almeida (1993), ‘postes-ídolos’.
Is 17,8: “Ele não tornará a atentar para os altares, obra das suas mãos,
objeto que os seus dedos fabricaram; ele não voltará a olhar para as
estelas sagradas [
~yrIßvea]
כ
a
shērîm], nem para os altares de incenso”.
A Pastoral (1990) utiliza ‘postes sagrados’. A TEB (2002), ‘estelas sagradas’.
A Peregrino (2002), ‘estelas’. A CNBB (2008), ‘troncos sagrados’ e a Almeida (1993),
‘postes-ídolos’.
Is 27,9: “Porque, com isto, será expiada a iniqüidade de Jacó. Este será o
fruto que ele de recolher da renúncia ao seu pecado, quando reduzir
todas as pedras do altar a pedaços, como pedras de calcário, quando as
Aserás [
~yrIßvea
]
כ
a
shērîm] e os altares de incenso já não permanecerem
de pé”.
A TEB (2002) e a Pastoral (1990) traduzem por ‘postes sagrados’. A
Peregrino (2002), ‘estelas’. A CNBB (2008), ‘tronco sagrado’ e a Almeida (1993),
‘postes-ídolos’.
Jr 17,2: “para que seus filhos se lembrem de seus altares e de seus postes
sagrados [
~h,Þyrevea
]
כ
a
shērêhēm] perto das árvores verdejantes, sobre as
colinas elevadas”.
A TEB (2002), a Peregrino (2002) e a Pastoral (1990) mencionam ‘postes
sagrados’. A Almeida (1993), ‘postes-ídolos’. A CNBB (2008), ‘símbolos pagãos’.
Mq 5,13: “arrancarei do teu seio os teus postes sagrados [
^yr,Þyvea]]
כ
a
shêrêkā] e destruirei as tuas cidades”.
A Peregrino (2002) e a TEB (2002) utilizam ‘postes sagrados’. A Pastoral
(1990), ‘pilares sagrados’. A CNBB (2008), ‘troncos sagrados de Aserá’ e a Almeida
‘postes-ídolos’.
Este trabalho comparativo entre algumas traduções bíblicas nos ajuda a
perceber como tendências de apagar a presença de Aserá nos escritos se fazem
presente no exercício de traduzir os mesmos, bem como tendências de masculinizar
a imagem da divindade feminina.
82
A reforma josiânica insere-se, assim, nesta tendência de supressão simbólica.
Sendo parte de um processo maior, o de elaboração do monoteísmo hebraico, a
reforma josiânica foi realizada a partir de medidas violentas, de tentativas de apagar
a imagem, o símbolo de outras divindades, que não fossem Javé, e com isso tentar
apagar sua presença e memória na história de Israel
31
.
Por mais que nos esforcemos em falar somente de imagens de Javé
libertador, Deus dos pobres, que caminha com seu povo, entre outros discursos,
precisamos enfrentar o problema da violência que permeia os escritos da Bíblia
Hebraica. A violência está lá, é relatada e tem conseqüentemente provocado um
afastamento em muitas pessoas que lêem a Bíblia. Em outras, justificado seus
próprios atos violentos. Encará-la de frente, discutir sobre o processo de elaboração
da que utiliza também da violência para se firmar e se fazer valer é uma atitude
necessária ao estudo bíblico sério. Como afirma Magalhães (2007, p. 17), “nos
movemos dentro de uma estrutura de símbolos e de configurações históricas bem
concretas em que a violência é parte integrante da religião, e assim o é porque é
parte integral da própria vida”.
O símbolo da divindade feminina foi purgado em nome de Javé. Reconstruir,
mesmo que a partir da negação de textos bíblicos, a presença de Aserá é dizer Elas,
as Deusas estavam , e por isso estão aqui hoje. O grande poder do símbolo é a
capacidade de dizer várias coisas, significar inúmeros sentidos e com isso se
perpetuar no imaginário simbólico de um povo. Mesmo suprimida pela reforma
josiânia e pela releitura do exílio, Aserá sobreviveu. A divindade feminina sobreviveu,
encontrando outras formas de se manifestar como representação social ao longo da
história, porque assim como a violência integra a vida, o feminino ainda mais o é
parte constituinte dela.
2.5 SÍNTESE E PERSPECTIVAS
Pode ser equivocado querer defender, neste contexto, uma sociedade no
antigo Israel onde a mulher possuía forte papel ou participação social, pelo simples
fato de existirem as representações de Deusas. Pelo contrário, como reflete Simone
31
Sobre violência simbólica e monoteísmo, cf. Magalhães (2007). O autor aborda de uma forma
interessante o desdobrar da violência como parte dos valores incorporados por sistemas monoteístas.
A violência não é um “mero acidente de percurso da religião, antes encontra-se no seu nascedouro e
em seus símbolos fundacionais”.
83
de Beauvoir (2002, p. 91), o culto à Deusa pode acontecer dentro de um contexto
patriarcal. Porém, a perda de representação da Deusa, além de levar ao
enfraquecimento do próprio universo simbólico masculino, atinge profundamente e
principalmente o universo simbólico das mulheres. Desta forma, o culto a Aserá vai
sobrevivendo, até ser definitivamente proibido e suprimido dos espaços religiosos
oficiais
32
. No entanto, o imaginário feminino da divindade, mesmo marginalizado,
continua presente na vida de mulheres e homens, atravessando séculos e
encontrando formas de burlar a teologia oficial.
É nesse contexto patriarcal que Javé se torna uma forte representação
masculina do sagrado, justificando a dominação masculina, tanto no âmbito social,
econômico, político, quanto religioso. A religião oficial israelita absorve, então, uma
identidade fortemente masculina, na qual o feminino passa a ser relegado ao espaço
particular das mulheres.
A reforma do rei Josias pode ter sido o evento mais incisivo e impactante, que
negativizou e suprimiu inúmeras expressões religiosas, que não Javé, em especial a
reverência à Deusa Aserá, contribuindo decisivamente para a afirmação do
monoteísmo anicônico (práticas religiosas sem a utilização de imagens) como um
credo nacional do povo hebreu, nos limites do reino de Judá e sua abrangência.
Porém, a supressão de divindades femininas foi uma das medidas dentro de um
longo processo de instituição do monoteísmo no antigo Israel, não se restringindo
somente a época de Josias.
A elaboração e instituição do monoteísmo hebraico se deram a partir de um
contexto politeísta, no qual Deuses e Deusas faziam parte das representações
simbólicas do sagrado. A centralidade em Javé não foi um processo pacífico, pelo
contrário, envolveu destruição, profanação, destituição e assassinatos, realidade
bem elucidada em 2Rs 23,4-7. No próximo capítulo destacaremos alguns aspectos
simbólicos da Deusa que queremos resgatar e quais são as relevâncias de falar da
Deusa na atualidade.
32
O pesquisador Ribeiro (2006) aborda a expulsão da Deusa e suas sacerdotisas do templo (pós-
exílio), refletindo o texto de Zc 5,5-11.
3 IMPLICAÇÕES PARA O IMAGINÁRIO FEMININO DA DIVINDADE
No primeiro capítulo definimos imaginário como “um sistema de idéias e
imagens de representação coletiva” (PESAVENTO, 2005, p. 43), que mulheres e
homens constroem para dar sentido à vida e às coisas que os cercam. Imaginário
feminino da divindade é, pois, parte de um sistema de idéias e imagens femininas
construídas, reconstruídas e utilizadas para representar coletivamente a divindade,
como Deusa. Conforme Croatto (2001, p. 118),
o símbolo é a linguagem básica da experiência religiosa. Funda todas as
outras. Tem seu valor essencial que é necessário destacar mais uma vez: o
símbolo ‘faz pensar’; o símbolo ‘diz sempre mais do que diz’. É a linguagem
do profundo, da intuição, do enigma. Por isso é a linguagem dos sonhos, da
poesia, do amor, da experiência religiosa.
Reconstruir a divindade como Deusa implica, primeiramente, em re-pensar o
imaginário masculino da divindade, que se reveste de um status único, dominante e
patriarcal. Mas implica também re-pensar o silenciamento das representações
femininas da divindade, sua negativização, proibição e supressão, re-imaginando a
Deusa a partir de símbolos já existentes historicamente ou de possibilidades novas.
Quando utilizamos o termo ‘re-imaginar’, fazemo-lo a partir das idéias de
Christ (2005), que destaca a re-imaginação como um processo de afirmação do
poder, do corpo e da vontade feminina. Re-imaginar é questionar compreensões
fechadas acerca do poder divino, questionar a dominação masculina sobre
mulheres, homens e outros seres vivos. Re-imaginar é poder dar voz àquilo que
nunca deixou de existir, o imaginário feminino da divindade, a representação
feminina da Deusa.
Falar da Deusa na atualidade não é nenhuma novidade. Existe hoje o
chamado ‘movimento contemporâneo da Deusa’, que nomeia toda uma dinâmica de
pessoas que vivenciam uma espiritualidade a partir de representações simbólicas
das Deusas. Nossa pesquisa se soma a muitas outras.
A Deusa como uma representação coletiva questiona politicamente
construções monoteístas patriarcais que silenciaram e excluíram mulheres do
discurso teológico sobre o sagrado. A Deusa como fonte de vida, força, amor e
criatividade questiona o lugar e os espaços aos quais as mulheres foram relegadas
85
nas instituições religiosas e, muitas vezes, silenciadas em suas opiniões, visões e
possibilidades de assumir, conduzir e administrar cargos de poder.
A Deusa, como representação, provoca a estudar e reler textos bíblicos
construídos e ordenados para legitimar Deus, Javé, como único, com um olhar
crítico frente à teologia monoteísta patriarcal. Com isso, não queremos afirmar que o
imaginário masculino da divindade deva ser agora suprimido ou negativizado. Não
vamos cair no mesmo erro histórico. Pelo contrário, queremos afirmar que fechar
experiências culturais e religiosas em uma única possibilidade é uma posição,
postura e atitude que omite um universo rico em representações simbólicas.
Por isto mesmo, o desafio foi e é relermos textos bíblicos perguntando por
quem é silenciada(o). Concordamos com Neuenfeldt (2006, p. 92) que
ler o texto contra ele mesmo, a partir da proibição, da condenação, da
denúncia ou das práticas consideradas incorretas e transgressoras,
representa outra possibilidade metodológica para resgatar as práticas e as
experiências das mulheres. Este é um exercício que tem sido chamado de
hermenêutica bíblica feminista.
Estamos fazendo este exercício hermenêutico no decorrer do trabalho.
Acreditamos que o processo de supressão do culto e da imagem da Deusa Aserá
traz consigo conseqüências profundas para as relações de gênero, afetando em
especial a realidade das mulheres, que tinham na Deusa uma possibilidade de
representação simbólica do feminino, enquanto sagrado.
Este olhar crítico para a história e para o texto bíblico, chamado de
hermenêutica feminista e de gênero, nos deu as ferramentas necessárias para
analisar a diversidade simbólica do antigo Israel, reconstruindo a partir dai a
presença da Deusa Aserá. “Ler textos bíblicos numa perspectiva feminista é
questionar profundamente as concepções androcêntricas e patriarcais que
perpassam nossas milenares experiências, seus textos e suas interpretações”
(RICTHER REIMER, 2005, p. 34).
3.1 HERMENÊUTICA FEMINISTA E DE GENÊRO DA BÍBLIA
Analisar textos bíblicos perguntando pelo imaginário feminino da divindade, a
partir de uma hermenêutica feminista, é uma maneira de questionar e investigar
realidades de mulheres. Agregar a este enfoque feminista a categoria de gênero
86
amplia nossos horizontes e soma a esta análise aspectos das relações tecidas entre
mulheres e homens, nas diversas dimensões e esferas da vida e da sociedade,
sendo nesta pesquisa, em especial, as relações, construções e re-significações
simbólicas em torno das representações das divindades no antigo Israel.
Conforme Zunhammer (1996, p. 210), no Dicionário de Teologia Feminista,
“hermenêutica é a ciência que se ocupa com a explicação e a interpretação de
escritos, textos, declarações, relatórios”, e existe enquanto ciência porque entre a
criação do texto e a(o) intérprete existem obstáculos temporais, espaciais e
compreensivos.
Nesta mesma direção, Gebara (1994, p. 61) afirma que hermenêutica “é o
conjunto de operações que utilizamos na tarefa de compreender um texto, de
aproximá-lo de nós, sobretudo quando se trata de um texto cronologicamente e
culturalmente distante”.
O termo ‘hermenêutica’ vem do verbo grego hermeneuein, significando
também ‘interpretar’ e indica, sobretudo, “os princípios que regem as interpretações
dos textos” (WEGNER, 1998, p. 11).
O alemão Friedrich Schleiermacher (1768-1834) (apud REIMER, s.d., p. 9) foi
quem impulsionou a formulação de uma teoria da hermenêutica, tanto que é
considerado fundador da hermenêutica moderna.
Para Schleiermacher, a hermenêutica não deve ser somente uma disciplina
auxiliar de determinadas ciências, mas deve constituir-se como a arte do
compreender em geral. Segundo ele, sem compreender não é possível
interpretar e explicar. Quem compreende compreendendo, interpreta e
explica -, ultrapassa o texto e as objetivações lingüísticas do pensamento do
autor e alcança o próprio pensamento do autor (REIMER, s.d., p. 9).
Para Croatto (1986, p. 9), o lugar privilegiado da hermenêutica é,
primeiramente, a interpretação dos textos. No entanto, é relevante a constatação de
que o intérprete e sua leitura são condicionados por uma pré-compreensão que
surge de seu contexto vital, e que todo ato hermenêutico contribui para ampliação do
sentido do texto em estudo.
No diálogo entre texto e intérprete, o intérprete não é alguém neutro, mas
alguém que vai ao texto com as visões de mundo de sua época, do contexto no qual
está inserido. Da mesma forma, o texto não é neutro e sim é uma construção de
grupos sociais que visavam legitimar determinada realidade ou projetar uma
87
proposição de mundo no texto. “É nesse sentido que a experiência das mulheres
entra como ponto de partida para a hermenêutica feminista” (NEUNFELDT, 2000, p.
48).
O corpo é o lugar privilegiado da experiência feita pelas mulheres. “É a partir
de cada corpo de mulher que tem a sua experiência com o sagrado, que vive a
experiência do divino na sua corporalidade, que se faz a hermenêutica e teologia
feminista” (NEUNFELDT, 2000, p. 49-50).
Schüssler Fiorenza (1992, p. 89) aponta que “uma análise sistêmica de textos
androcêntricos” não é suficiente. Junto com esta análise deve haver uma
“hermenêutica feminista de suspeita, que entende textos androcêntricos como
articulação ideológica de varões expressando e também mantendo, condições
históricas patriarcais”. Neste sentido, Neuenfeldt (2000, p. 50) afirma que
uma hermenêutica feminista deve tomar em conta e respeitar as distinções
individuais e culturais das mulheres, mas deve denunciar o patriarcado
como a ordem sexista e androcêntrica que limita, oprime e explora as
mulheres. A hermenêutica feminista tem o papel fundamental de denunciar
essa construção nos textos sagrados e na longa história da tradição, onde a
interpretação é tão ou às vezes mais patriarcal que na própria Escritura.
A hermenêutica feminista trata, assim, diretamente do silenciamento que as
mulheres sofreram no processo de formulação dos textos da Bíblia, em
conseqüência de seu silenciamento histórico. Este processo invisibilizou o
protagonismo das mulheres e as desautorizou de assumirem funções de poder no
decorrer da história (RICHTER REIMER, 2005, p. 16), em geral, em virtude de
processos de violência e interdição. É claro que a hermenêutica feminista trata
também de uma análise ou perspectiva a partir da qual se analisa qualquer
representação.
É muito importante termos consciência de que quando falamos de antigo
Israel, falamos de um amplo universo simbólico, com diversos grupos. É fato que
grupos adeptos do culto a Javé ganharam força no decorrer da história, mas o
foram o único grupo israelita. Dentro do próprio culto a Javé havia diferenciações.
Apesar de os textos bíblicos falarem da Deusa na perspectiva da proibição e
da negação, precisamos levar em conta aspectos no qual a dimensão do feminino
88
no sagrado sobrevive, mesmo que apenas como um atributo da divindade
masculina
33
.
Portanto, como esboça Tea Frigerio (1994, p.30), no processo hermenêutico é
necessário:
a) Respeitar a autonomia do texto. [...]
b) Ir ao texto com as perguntas que nós mulheres temos hoje.
c) Superar os condicionamentos do patriarcalismo. O texto bíblico não é
neutro. Seu contexto determinou o escrito que chega até nós.
d) Alimentar constantemente a suspeita ideológica.
Gênero, para Richter Reimer (2004, p. 37), é uma categoria de análise que
abrange todas as realidades e dimensões da vida, tanto pessoal, familiar, quanto
coletiva (cultural, social, econômica, religiosa, política, sexual...). A categoria de
gênero “entende o ser humano dentro de um emaranhado de relações que ele
próprio ajuda a construir e/ou a reproduzir consciente ou incoscientemente” (p. 37).
O conceito gênero refere-se a um sistema de papéis e relações entre
mulheres e homens, mulheres e mulheres, homens e homens. Essas
relações não são determinadas pela biologia, mas pelo contexto social,
político, econômico, cultural e religioso. nero é, portanto, uma construção
social de relações (RICTHER REIMER, 2004, p. 38).
Para Weiler (2000, p. 37), uma hermenêutica bíblica de gênero contribui para
a compreensão e identificação de como as imagens e os símbolos do feminino e do
masculino são utilizadas no cotidiano, tanto do escrito quanto na leitura do escrito,
ampliando os horizontes para além do escrito.
O fato de as características de gênero serem construções sociais, passíveis
de mudança é para Neuenfeldt (2000, p. 489), “a contribuição específica do
instrumental das relações de gênero à hermenêutica feminista”. A categoria de
gênero amplia as possibilidades de abordagem da hermenêutica feminista,
permitindo
não isolar as mulheres para analisá-las como um grupo à parte, sem
interconexão com outros grupos e outras condições, mas buscar o contexto
das tramas sociais. Isto faz com que se vá além da visibilização dos sujeitos
mulheres, para perguntar pelas relações de poder, de classe, de gênero e
de geração presentes nos textos bíblicos em estudo (NEUENFELDT, 2006,
p. 80).
33
No primeiro capítulo fizemos menção a alguns atributos de outras divindades apropriados a Javé no
processo de desenvolvimento do monoteísmo hebraico.
89
Em nossa crítica feminista ao Primeiro Testamento precisamos cuidar para
não cair na armadilha do antijudaísmo, principalmente quando reconstruímos a
presença das Deusas. Isto não significa que não devamos falar da importância que
as divindades femininas tiveram no antigo Israel, do processo de supressão e
negativização. Entretanto é necessário que contextualizemos historicamente nosso
falar sobre a Deusa, pois quando grupos judaicos primitivos, “para quem a deusa era
um espinho no olho, são identificados simplesmente como os judeus, em
generalização sem referência a um tempo específico, deve ser constatado um
estreitamento do olhar antijudaico” (WACKER, 2008, p. 58).
A leitura feminista da Bíblia não é simples, pois estamos diante de textos
antigos, com culturas, época e gramáticas diferentes das nossas. Por isto, “a
hermenêutica que assume as relações sociais de gênero como lugar privilegiado da
leitura deve ser atrevida, ir além dos cânones tradicionais da ciência exegética”
(PEREIRA, 1996, p. 5).
3.2 A DEUSA COMO UMA POSSIBILIDADE SIMBÓLICA DO SAGRADO
Uma única possibilidade simbólica do sagrado, como representação
masculina, ajudou historicamente a legitimar práticas opressoras masculinas.
Sabemos que na Antiguidade também existiram representações de Deusas com
características militares e guerreiras, apesar de menos que os Deuses. Por isto,
quando falamos da Deusa hoje, precisamos nos questionar sobre que atributos da
Deusa desejamos reconstruir e irão contribuir no tecer de relações de gênero
saudáveis, libertadoras e gostosas, que tragam mais vida para a humanidade.
O discurso bíblico-feminista precisa levar em conta as últimas descobertas
sobre a história da religião pré-monoteísta de Israel. “É preciso esclarecimento
histórico da extensão em que divindades femininas eram cultuadas no Israel bíblico,
ao lado ou até em lugar de YHWH, e da forma como mulheres participavam disso ou
também eram as portadoras principais” (WACKER, 2008, p. 35).
As descobertas arqueológicas das últimas décadas trouxeram informações de
que anteriormente não se dispunha. Nosso discurso a partir da Bíblia precisa estar
atento a estes dados. A pesquisa não para e com ela também evoluímos em nossas
análises, agregando ao nosso estudo e discurso bíblico informações que nos
aproximem mais do que foi o ambiente vital dos grupos que estudamos.
90
Neste movimento de descobertas, mulheres e homens, cada grupo a sua
maneira tem cada vez mais recorrido à representação da Deusa. De fato existe hoje
um ‘movimento da Deusa’. Na atualidade, vários grupos, seja no seio de instituições
tradicionais seja fora delas, têm refletido aspectos históricos e culturais que ajudam
na reconstrução do imaginário feminino da divindade. Esta realidade simplesmente
nos mostra que uma imagem exclusivamente masculina da divindade não é capaz
de suprir nossas necessidades de representação simbólica
34
.
Essa atitude de reconstruir a presença das Deusas, em diversos contextos e
espaços, critica fortemente a cultura ocidental que ainda é marcada fortemente pelo
sistema patriarcal e quiriarcal. “No plano religioso a estrutura hierárquica da
dominação patriarcal e da prática da feminilidade que a sociedade deseja se repete
na idéia que se tem de Deus ou de deuses e deusas” (SCHOTTROFF;
SCHAUMBERGER, 1997, p. 369-374). Por patriarcado entendemos
um sistema hierárquico de dominação de homens sobre mulheres, crianças
e demais dependentes, inclusive outros homens. Além disso, o sistema
patriarcal torna-se mais complexo, porque vinculado com as dinâmicas de
dominação quiriacal, isto é, do patriarca senhor (do grego kyrios), que
determina todos os veis de relações de subordinação na casa, na
sociedade, no Estado e nas instituições religiosas (RICHTER REIMER,
2005, p. 19).
Patriarcado, conforme Wacker (2008, p. 51), refere-se “a uma ordem da
sociedade determinada, por sua vez, por uma religião ou ideologia do monoteísmo
masculino, pela eliminação do feminino divino”. Isso conseqüentemente leva à
dominação do mundo e do cosmos, numa atitude de desprezo a mulheres e à
natureza.
Para Christ (2005, p. 21), o estudo da Deusa de certa forma foi influenciado
pela mentalidade patriarcal, principalmente quando rotulou e identificou a Deusa
apenas com as funções de fertilidade e reprodução, o que restringiu a influência do
34
Vale a pena ressaltar, mesmo que brevemente, as indagações que alguns pesquisadores e
algumas pesquisadoras vem fazendo dentro da tradição cristã. Como, por exemplo, Pinheiro (2000)
que procura compreender a manifestação do arquétipo da Deusa na Trindade e na Mariologia, “diante
de uma religião de divindades masculinas, o inconsciente escolheu Maria como a Grande Deusa
cristã”. Richter Reimer (2008a), após uma reflexão histórica importante, destaca que muitas vezes na
espiritualidade popular, Maria tem o poder e a devoção devidos à divindade. E Martins (2008) que no
seu estudo retrata o arquétipo da ‘Mulher Selvagem’, a figura mítica de Lilith e a personagem bíblica
Maria Madalena, refletindo sobre a demonização, negativização e confinamento das divindades
femininas.
91
imaginário que as Deusas tinham sobre o indivíduo e o coletivo antigamente.
Citando Marija Gimbutas (apud CHRIST, 2005, p. 21), a pesquisadora ressalta que
nas culturas pré-patriacais, deusas eram simbólicas para todos os poderes
criativos do universo, o somente para o poder de fazer nascer crianças e
colheitas, também para a criatividade que levou à invenção da agricultura e
da tecelagem, do fazer objetos de cerâmica, poesias e nticos, e da
própria arte de escrever.
que se enfatizar hoje aspectos e funções da Deusa que contribuam com o
processo de conscientização das mulheres, enquanto mulheres; que valorizem seus
corpos, seus sentimentos, suas visões de mundo, sua inteligência. Falar da força
criadora da Deusa possibilita considerar a força que existe dentro de cada mulher,
para gerar e manter filhos e filhas, sim, mas também para inventar, criar, gerir e
conduzir com inteligência as demandas de nosso mundo.
Segundo o mitólogo Joseph Campbell (apud MISTÉRIOS DO
DESCONHECIDO, 1997, p. 11),
não resta dúvida de que nas épocas mais remotas da história do homem a
força mágica e misteriosa da fêmea era tão maravilhosa quanto o próprio
universo; e isto atribuiu à mulher um poder prodigioso, poder este que tem
sido uma das principais preocupações da parte masculina da população
como quebrá-lo, controlá-lo e usá-lo para seus próprios fins.
Mecanismos de dominação e controle a partir do homem não ficaram
somente nas épocas remotas da história, mas continuam até hoje, revestindo-se de
novas faces e características. Por isso, “re-imaginar o poder divino como Deusa tem
importantes conseqüências psicológicas e políticas” (CHRIST, 2005, p. 17), como
caminho de desconstrução do pensamento que naturaliza a dominação masculina.
Re-imaginações feministas de Deus desafiam todas as imagens e
compreensões do poder divino como dominação ou poder sobre,
renomeando o poder divino como poder com, como inspiração, simpatia e
amor (CHRIST, 2005, p. 17).
Isso é muito importante em nosso discurso sobre a Deusa e Deus.
Necessitamos não de um outro lado, o feminino como dominador, mas do equilíbrio
saudável. Além do mais, tudo o que é dominador e opressor só é prejudicial.
Conhecer a existência de divindades femininas e “criar alternativa para a
imagem do poder masculino como dominação é um assunto profundamente político
92
que é pertinente a todas as mulheres de todas as cores e todas as culturas e a
homens e a todas as coisas vivas” (CHRIST, 2005, p. 19).
O ato de conhecer é algo próprio do ser humano, dando-se por meio da
observação, assimilando crenças religiosas, por meio dos sentimentos e das
motivações, num processo que é dinâmico. Portanto, pode-se dizer que “ao
conhecer, desvelamos a realidade e a possibilidade de ação e de controle sobre
essa mesma realidade, por isso o conhecimento possui uma dimensão política em
termos de se ter mais poder sobre tudo o que acontece em nossa vida” (LEHFELD,
2007, p. 23).
O simbólico divino imaginado exclusivamente como masculino desempoderou
as mulheres, suprimiu o imaginário feminino da divindade e negativizou as
representações e práticas sagradas das mulheres, bem como as próprias mulheres,
ao longo da história. Desta forma, “o recente (re)despertar da religião da Deusa é
uma religião, e um movimento, de realidades básicas, de nascimento e morte, dos
ciclos da Lua e do Sol, da menstruação e da gravidez, da excitação e do orgasmo”
(POLLACK, 1998, p. 26).
A memória da Deusa é uma memória da realidade dos corpos das mulheres.
Imaginar a divindade como Deusa é falar do feminino e das coisas femininas, a partir
do corpo da mulher, de forma positiva e construtiva. Contudo, é importante ter um
discurso a partir da Deusa em parceria Deus. Richter Reimer (2004, p. 44) destaca
que “a religião, assim, pode ajudar a criar novos paradigmas de relação justa e
gostosa entre homens e mulheres. A experiência religiosa pode ajudar a construir
relações de poder compartilhado e que parte do princípio dialógico e democrático”.
Christ (2005, p. 26) aponta que re-imaginar de um jeito novo os símbolos
utilizando os próprios recursos das tradições não é novidade. “Tradições israelitas
antigas, cristãs primitivas, mulçumanas, hindus e budistas foram formadas por um
processo de re-imaginar criativamente os símbolos religiosos existentes, a partir de
novos pontos de vista”. Re-imaginar a divindade feminina é uma continuação deste
processo pelo qual os símbolos foram criados ou ressignificados ao longo do tempo,
com um diferencial, hoje estamos conscientes de que somos sujeitos no processo de
criação dos símbolos.
Os símbolos o construções humanas condensadas de significado, que
refletem a realidade cultural e histórica de um povo. Por serem construções, os
93
símbolos podem ser alterados e há sempre que se questionar se estão sendo
utilizados para oprimir ou para defender a vida (RICTHER REIMER, 2004, p. 45).
Para Croatto (2001b, p. 31), o verdadeiro avanço é recuperar a Deusa, em
vista de símbolos femininos claros e equilibrados, dando à mulher possibilidade de
um modelo feminino divino que corresponda a ela e para que desconstrua a
legitimação num Deus exclusivamente masculino. Como mulheres ter acesso ao
imaginário feminino da divindade, poder acessá-lo nomeando-o como Deusa é
saudável para ambos os sexos.
As representações da Deusa nunca foram únicas. Conforme Patrícia
Monaghan (2003, p. 16),
cada continente e cada cultura tiveram sua própria visão de como o
caminho do divino feminino poderia ser trilhado. Cada cultura retratou a
Deusa de acordo com sua própria imagem. Ela era negra na África, de
cabelos loiros na Escandinávia, de rosto redondo no Japão, de olhos
escuros na Índia, pois a Deusa era a essência da força e da beleza de cada
uma de suas filhas, portanto Ela deveria se parecer com elas. Quando as
antigas mulheres olhavam para sua deusa, elas viam a si mesmas.
É comum atualmente, a Deusa ser representada como Mãe Terra ou a partir
dos diferentes momentos cronológicos da vida da mulher: Donzela, Mãe e Anciã. A
Deusa Tríplice pode ser encontrada em diversas culturas. No entanto,
representações retratam que a Deusa também é “liberdade e alegria, o amor pela
busca e pela mudança. Ela é criatividade e serenidade. Ela é primavera, cheia de
potencial e energia. Ela é a semente e o broto irrompendo em vida” (MONAGHAN,
2003, p. 18).
Em seu livro She Who Changes, [“Ela que muda”], Christ (apud CHRIST,
2005, p. 23) descreve a imagem da Deusa de uma forma interessante:
Ela muda tudo, Ela toca e tudo que Ela toca muda. O mundo é o corpo
Dela. O mundo está nEla e Ela está no mundo. Ela nos cerca como o ar que
respiramos. Ela estão perto de nós como nossa própria respiração. Ela é
energia, movimento, criatividade, simpatia, entendimento e amor. Nela
vivemos e nos movemos e co-criamos nosso ser. Ela sempre está presente
para todos e todas, cada um e cada uma de nós, partículas de átomos,
células, animais, e animais humanos. Aos olhos dEla, todos e todas somos
preciosos e preciosas. Ela nos entende e se lembra de nós com infinita
simpatia. Ela nos inspira a viver em criatividade, alegria, e em harmonia com
os outros seres na rede da vida. Porém, a escolha é nossa. O mundo que é
o corpo dEla é co-criado. As escolhas de cada partícula individual de um
átomo, de cada célula individual, de cada animal individual, de cada animal
humano individual, fazem parte. A aventura da vida no planeta terra e no
universo como um todo será ampliado ou diminuído pelas escolhas que
94
fazemos. Ela ouve os gritos do mundo, compartilhando nossas
preocupações com infinita compaixão. Com uma voz silenciosa, pequena,
Ela sussurra o desejo do coração dEla: a Vida deve ser desfrutada. Ela
coloca diante de nós a vida e a morte. Podemos escolher a vida. Mudança
existe. Toque existe. Tudo que tocamos pode mudar.
3.3 SÍNTESE E PERSPECTIVAS
As iniciativas em busca da Deusa estão em movimento, a dinâmica existe, a
necessidade é real. É extremamente desafiante falar da Deusa, ou Deus em parceria
com a Deusa, pois a maioria de nós foi educada religiosamente a partir de um único
símbolo divino, caracteristicamente masculino, Deus. Porém, a descontrução é
necessária em vista de construir relações de gênero mais equilibradas, integradoras
e prazerosas.
Re-imaginar a Deusa a partir de atributos como a fertilidade, a abundância,
extremamente ligados à natureza, quem sabe nos possibilite atitudes de maior
cuidado e respeito com o cosmos que nos cerca.
Agora ampliar esses atributos para a capacidade criativa, inteligente,
inovadora, empreendedora fortalece as mulheres em seu cotidiano. Pois pode-se
então visualizar na Deusa aquilo que se tem dentro de si mesma, sem necessitar da
mediação do homem, o que acontece numa imagem divina somente masculina.
Quando existe somente a representação masculina de Deus, as mulheres se tornam
dependentes da intermediação masculina para se tornarem sagradas e divinas.
O imaginário feminino da divindade quebra esse círculo vicioso de dominação
simbólica patriarcal, possibilitando que mulheres possam acessar a representação
feminina da Deusa, com isso tendo acesso a um espaço onde mulheres possam
falar de suas realidades como mulheres. Num imaginário masculino da divindade,
utilizamos expressões, figuras, sentimentos predominantemente do universo
masculino, dos homens, como por exemplo, imagens de Deus como Pai, Rei,
Senhor, Filho, etc. Limitar o imaginário divino apenas ao masculino exclui metade da
humanidade, as mulheres, que são Mães, Rainhas, Senhoras, Filhas, etc. E a
vivência é diferente para ambos. É importante que mulheres também tenham vez e
voz para se expressarem de modo diferente dos homens, o que é enriquecedor para
ambos.
O imaginário feminino da divindade é a possibilidade de, enquanto mulher,
poder falar, refletir e projetar a vida a partir das realidades que o pertinentes ao
95
universo feminino, sem anular ou excluir o masculino. O masculino, Deus, é parceiro.
Deusa em parceria com Deus é a possibilidade de um mundo mais gostoso de viver,
de ambientes religiosos mais leves e livres do jugo da dominação patriarcal e de um
discurso mais respeitoso e integrador. As diferenças não deixarão de existir e nem
devem. As diferenças enriquecem o que agora é parceria, não mais dominação,
silenciamento, exclusão ou competição.
96
CONCLUSÃO
Em nosso estudo sobre o processo de supressão da Deusa Aserá no antigo
Israel analisamos panoramicamente a reforma josiânica (622 a.C.), que se insere no
processo de elaboração monoteísta em Israel. Nos três capítulos procuramos
identificar as relações simbólicas que permeiam este processo, bem como as
implicações para a atualidade.
Começamos refletindo sobre o processo de desenvolvimento da religião
hebraica até se configurar em moldes monoteístas. Percebemos a grande riqueza e
diversidade simbólica no antigo Israel, bem como algumas construções e trocas
simbólicas que envolveram esse processo. De certo modo, o viés simbólico nos
ajuda a compreender como as construções sociais e culturais vão sendo tecidas,
pois o símbolo incorpora valores, normas, condutas e crenças de uma sociedade ou
determinado grupo. O símbolo é pleno de significado.
Como destacamos no primeiro capítulo, o desenvolvimento do monoteísmo
no antigo Israel, entre os séculos IX e V a.C., teria passado por algumas fases.
Primeiro foi marcado pelo sincretismo entre Javé e El, divindade Cananéia. Depois
por conflitos com a divindade Baal, por volta do século IX a.C. O século VIII a.C. foi
marcado pela ênfase na adoração exclusiva de Javé e pelo sincretismo com Baal e
outras divindades. Por volta do século VII a.C., a reforma de Josias (2Rs 22-23)
englobou inúmeras medidas visando a exclusividade de Javé e sua centralidade em
Jerusalém. E enfim, o período do exílio (597-539 a.C.) e pós-exílio (539-445 a.C.)
marcados pela sintetização e afirmação do monoteísmo absoluto,
conseqüentemente pela supressão de qualquer referência a outras divindades.
Constatamos que o desenvolvimento da religião hebraica foi permeado de
trocas simbólicas, envoltas de tensões, de conflitos e de re-significações, que
atingiram e negativizaram as representações femininas da divindade. Apontamos
para a superação do “anticanaanismo”, presente no Primeiro Testamento,
compreendendo que Israel foi também parte da população cananéia.
Analisar 2Rs 23,4-7, no segundo capítulo, nos possibilitou perceber que nem
sempre as construções ou trocas simbólicas são um processo tranqüilo, e isto em
qualquer sociedade, mas podem envolver imposição, intolerância, violência e
supressão, como aconteceu na reforma de Josias (622 a.C.). Este olhar para o texto
bíblico contra ele mesmo, encontrando brechas para outras experiências religiosas
97
diversas, oportuniza o resgate de corpos silenciados e silenciosos, a reconstrução
da Deusa, de Aserá.
As medidas impetradas pela reforma de Josias, além de objetivarem a
‘purificação’ do território, visaram a centralização política e religiosa em Jerusalém e
a ampliação da dominação sobre os territórios do Norte. Para isso, Josias destruiu
as referências a outras divindades, assassinou sacerdotes dos lugares altos e
desautorizou os santuários do interior.
A reconstrução da representação feminina da divindade nos provoca a re-
pensarmos nossas relações de gênero, tão marcadas pela ideologia patriarcal
ocidental. Nos provoca a re-pensarmos o imaginário masculino da divindade,
afirmado e crido como único, reconstruindo o imaginário feminino da divindade,
buscando a parceria entre Deus e a Deusa.
A reforma do rei Josias foi, assim, o evento mais incisivo e impactante, que
negativizou e suprimiu inúmeras expressões religiosas, que não Javé, em especial a
reverência à Deusa Aserá, contribuindo decisivamente para a afirmação do
monoteísmo anicônico (práticas religiosas sem a utilização de imagens) como um
credo nacional do povo hebreu, nos limites do reino de Judá e sua abrangência.
A proibição da Deusa Aserá foi conseqüência do processo de elaboração do
monoteísmo hebraico, entre os culos IX e V a.C. Sua proibição faz parte de um
amplo leque de restrições, que visavam a adoração de uma única divindade, Javé.
No terceiro capítulo constatamos que as descobertas arqueológicas, os
estudos recentes, o ‘movimento contemporâneo da Deusa’, queiramos ou não são
uma realidade que questiona diretamente a naturalização da dominação patriarcal.
As iniciativas em busca da Deusa estão em movimento, a dinâmica existe, a
necessidade é real. É extremamente desafiante falar da Deusa, ou Deus em parceria
com a Deusa, pois a maioria de nós foi educada religiosamente a partir de um único
símbolo divino, caracteristicamente masculino, Deus. Porém, a descontrução é
necessária em vista de construir relações de gênero mais equilibradas, integradoras
e prazerosas.
Re-imaginar a Deusa a partir de atributos como a fertilidade, a abundância,
extremamente ligados à natureza, quem sabe nos possibilite atitudes de maior
cuidado e respeito com o cosmos que nos cerca.
Agora ampliar esses atributos para a capacidade criativa, inteligente,
inovadora e empreendedora fortalece as mulheres em seu cotidiano. Pois pode-se
98
então visualizar na Deusa aquilo que se tem dentro de si mesma, sem necessitar da
mediação do homem, o que acontece numa imagem divina somente masculina.
Quando existe somente a representação masculina de Deus, as mulheres precisam
dessa intermediação masculina para se tornarem também sagradas e divinas.
O imaginário feminino da divindade quebra esse círculo vicioso de dominação
simbólica patriarcal, possibilitando que mulheres possam acessar a representação
feminina da Deusa, com isso tendo acesso a um espaço onde mulheres possam
falar de suas realidades como mulheres. Num imaginário masculino da divindade,
utilizamos expressões, figuras, sentimentos predominantemente do universo
masculino, dos homens, como por exemplo, imagens de Deus como Pai, Rei,
Senhor, Filho, etc. Limitar o imaginário divino apenas ao masculino exclui metade da
humanidade, as mulheres, que são Mães, Rainhas, Senhoras, Filhas, etc. E a
vivência é diferente para ambos. É importante que mulheres também tenham vez e
voz para se expressarem de modo diferente dos homens, o que é enriquecedor para
ambos.
O imaginário feminino da divindade é a possibilidade de enquanto mulher
poder falar, refletir e projetar a vida a partir das realidades que o pertinentes ao
universo feminino, sem anular ou excluir o masculino. O masculino, Deus, é parceiro.
Deusa em parceria com Deus é a possibilidade de um mundo mais gostoso de viver,
de ambientes religiosos mais leves e livres do jugo da dominação patriarcal e de um
discurso mais respeitoso e integrador. As diferenças não deixarão de existir e nem
devem. As diferenças enriquecem o que deve ser parceria, não mais dominação,
silenciamento, exclusão ou competição.
Concluimos que Aserá possivelmente foi uma representação feminina da
divindade, uma Deusa, e consorte de Javé no antigo Israel e não um simples atributo
Dele. Várias descobertas arqueológicas nas últimas décadas e mencionadas nesta
pesquisa nos ajudam nesta reflexão e nos possibilitam uma aproximação maior do
que foram os contextos vitais no antigo Israel. Sem contar que as quarenta
referências a Aserá na Bíblia Hebraica, refletem a importância que Ela tinha no
antigo Israel.
Re-imaginar o sagrado como Deusa é re-imaginar as relações de poder, o
numa tentativa de apagar a presença de Deus, mas sim de dar espaço ao feminino
no sagrado, novamente o feminino não como um atributo do Deus masculino, mas
como Deusa. Este re-imaginar do sagrado a partir da Deusa e de Deus precisa se
99
tornar presente em nossos ambientes acadêmicos e comunitários, como
possibilidade de transformação da realidade, para elaboração, construção e vivência
de relações de gênero mais humanizadas e integradas, dispostos(as) a responder à
realidade e aos desafios de nossa época.
100
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19:03.
109
ANEXO OS PERÍODOS ARQUEOLÓGICOS DA PALESTINA (DO NEOLÍTICO
AA IDADE DO FERRO) (MAZAR, 2003, p. 51)
Neolítico Pré-Cerâmica A aprox. 8500-7500 a.C.
Neolítico Pré-Cerâmica B aprox. 7500-6000 a.C.
Neolítico de Cerâmica A aprox. 6000-5000 a.C.
Neolítico de Cerâmica B aprox. 5000-4300 a.C.
Calcolítico aprox. 4300-3300 a.C.
Bronze Antigo I aprox. 3300-3050 a.C.
Bronze Antigo II-III aprox. 3050-2300 a.C.
Bronze Antigo IV/Bronze Médio I aprox. 2300-2000 a.C.
Bronze Médio IIA aprox. 2000-1800/1750 a.C.
Bronze Médio IIB-C aprox. 1800/1750-1550 a.C.
Bronze Recente I aprox. 1550-1400 a.C.
Bronze Recente IIA-B aprox. 1400-1200 a.C.
Ferro IA aprox. 1200-1150 a.C.
Ferro IB aprox. 1150-1000 a.C.
Ferro IIA aprox. 1000-925 a.C.
Ferro IIB aprox. 925-720 a.C.
Ferro IIC aprox. 720-586 a.C.
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