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individualista, é o instante do exercício poético de transmutação da linguagem
comunicativa em linguagem poética.
O exercício da escrita é individual no sentido de ser o momento em que
poeta e obra encontram-se, encaminham-se para o texto desejado. É no ato da
criação que se experimenta as palavras, exclui-se as indesejadas e busca-se a que
melhor completa o pensamento. É nesse instante que o poeta toma posse do objeto,
e ilumina-o, observa-o por todos os ângulos e escolhe as melhores construções
semânticas e sintáticas, as construções que melhor desenham seu objeto.
Sobre esse individual momento da criação, diz Edgar Allan Poe:
Compus essa estância, nesse ponto, primeiramente porque,
estabelecendo o ponto culminante, melhor poderia variar e graduar,
no que se refere à seriedade e importância, as perguntas
precedentes do amante e, em segundo lugar, porque poderia
definitivamente assentar o ritmo, o metro, a extensão e o arranjo
geral da estância, assim como graduar as estâncias que deviam
preceder, para que nenhuma delas pudesse ultrapassá-la em seu
efeito rítmico. Tivesse eu sido capaz, na composição subsequente,
de construir estâncias mais vigorosas, não teria hesitações em
enfraquecê-las propositadamente, para que não interferissem como
efeito culminante (POE, 2000, p.411).
Esse excerto de Filosofia da Composição, de Edgar Allan Poe, é aqui
usado não como ilustração do momento criativo, mas principalmente para
percebermos que a escritura do poeta revela que ele pensa, ou melhor, o que ele
deseja para aquela obra. Essa descrição de Poe é a explicação didática do ‘tijolo
sobre tijolo’ dito por Cabral, mas há um elemento intangível na obra, pois ninguém
consegue pensar em absolutamente tudo. No entanto, pode-se entender que a
escritura impõe suas necessidades, conforme o poema vai tomando corpo, ele
também indica as possibilidades de composição semântica. Como diz Poe:
“Percebendo a oportunidade que assim se me oferecia, ou, mais estritamente, que
se me impunha no desenrolar da composição, estabeleci na mente o clímax, ou a
pergunta conclusiva (...)” (POE, 2000, p.411). Poe traz à luz o suor da concepção
poética, apresenta aos seus leitores o que e como pensou sua obra. Deste modo, a
arte literária não é fruto de um “sutil frenesi” (POE, 2000, p.407), mas um trabalho
pensado, medido, planejado sob total domínio do poeta. Está em suas mãos, o
poder de variação da obra “melhor poderia variar”, identifica-se também a
determinação do poeta, cabe a ele determinar o momento em que deve interferir no