Download PDF
ads:
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Práticas inovadoras na aula universitária:
possibilidades, desafios e perspectivas
São Luis/MA
EDUFMA
2009
BEATRIZ MARIA B. ATRIB ZANCHET
GOMERCINDO GHIGGI
(ORG.)
ads:
Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível
Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia
ZANCHET, Beatriz Maria Boéssio Atrib; GHIGGI, Gomercindo
(org.). Práticas inovadoras na aula universitária: possibili-
dades, desafios e perspectivas. São Luis/MA: EDUFMA, 2009,
226p.
ISBN 978-85-7862-062-2
CDD 378.17 - Educação
Capa: concepção, projeto gráfico e foto de Irapuã Pacheco Martins,
editoração eletrônica de Jefersson Cardoso
Impresso no formato eletrônico - e-book
De acordo com a Lei n.10.994, de 14/12/2004,
foi feito depósito legal na Biblioteca Nacional
Este livro foi autorizado para domínio público e está disponível para
download nos portais do MEC [www.dominiopublico.gov.br] e do
Google Pesquisa de Livro
FICHA DE CATALOGAÇÃO
Projeto gráfico miolo: Paula Trindade da Silva Selbach
Edição desenvolvida através do projeto e-ufma
Visite www.eufma.ufma.br
e saiba mais das nossas propostas de inclusão digital
Universidade Federal do Maranhão
Gabinete da Reitoria - Administração Natalino Salgado Filho
Diretor da Imprensa Universitária: Ezequiel Antonio Silva Filho
Conselho Editorial para a edição
Elisa Lucarelli – Universidad de Buenos Aires – UBA,
Ana Cristina Coll Delgado – Fundação Universidade de Rio Grande –
FURG, Beatriz Maria B. Atrib Zanchet – Universidade Federal de Pelotas –
UFPel, Cleoni Fernandes – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul – PUC/RS, Danilo Streck – Universidade do Vale do Rio dos Sinos
– UNISINOS, Gomercindo Ghiggi – Universidade Federal de Pelotas –
UFPel, Maria Isabel da Cunha – Universidade do Vale do Rio dos Sinos –
UNISINOS, Nóris Eunice Pureza Duarte –
Universidade Federal de Pelotas – UFPel, Odeli Zanchet – Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-riograndense - IFSUL, e
Paulo Eduardo Grischke Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia Sul-riograndense - IFSUL
AGRADECIMENTOS
Agradecer é reconhecer o apoio de todos aqueles que
compartilharam os momentos de construção deste livro e
transformaram seus sonhos, tanto em momentos de entusiasmo
como em momentos de esmorecimento, movimento esse que
caracteriza o ato de quem se envereda pelos caminhos do
conhecimento.
À Elisa que partilhou conosco seu conhecimento e que com
paciência e afeto soube ouvir cada um dos alunos que com ela
estiveram.
Aos mestrandos e doutorandos do Programa de Pós-Graduação
em Educação da UFPel: Adriano, Ana Carolina, Cândida, Cristina,
Gabriela, Gilceane, Helena Beatriz, Irapuã, Michele, Renato e Rita,
que nos mostraram que outras práticas são possíveis quando
acreditamos no trabalho coletivo e a ele nos dedicamos.
À Universidade de Buenos Aires (UBA) que nos recebeu e nos
apoiou para que juntos compartilhássemos um plano de estudos e
de trabalho coletivo.
À Capes (Brasil) e à SPU (Argentina) agradecemos o apoio
financeiro que tem proporcionado o desenvolvimento do Projeto de
Fortalecimento do PPGE da UFPel com a Faculdade de Filosofia e
Letras da UBA.
À UFPel, na figura do Professor Mario Pires que não mediu
esforços para providenciar a documentação necessária para que
pudéssemos encaminhar o referido Projeto à CAPES, em fevereiro
de 2008.
SUMÁRIO
Apresentação
Las práticas innovadoras en el aula universitária:
una mirada desde la investigacion
Elisa Lucarelli
Contra o desperdício da experiência:
pelo diálogo entre teoria e prática na formação de professores
na perspectiva da profissionalização docente
Helena Beatriz Mascarenhas de Souza
A polêmica questão sobre a teoria e a prática:
um olhar histórico-político e pedagógico
Gabriela Medeiros
Inovação e formação docente:
articulação teoria/prática
Cristina Pureza Duarte Boéssio
Entre o ser tradicional e o ousar ser diferente:
uma experiência pedagógica inovadora
na formação de professores
Renato Siqueira Rochefort
9
17
47
63
79
95
Apresentação
Os textos que compõem esta publicação discutem aspectos
relacionados à problemática do ensino e das práticas pedagógicas,
envolvendo diferentes áreas do conhecimento. O objetivo da
publicação é dar visibilidade a um conjunto de reflexões, resultantes
de trabalhos acadêmicos, de mestrandos e doutorandos do Programa
de Pós-Graduação da Universidade Federal de Pelotas, participantes
do Seminário: As práticas inovadoras nas aulas universitárias,
ministrado pela Profª. Drª. Elisa Lucarelli, no PPGE da UFPel. O
referido Seminário foi viabilizado pelo Projeto de Fortalecimento do
PPGE da UFPel, Pelotas, com a Faculdade de Filosofia e Letras da
UBA, Buenos Aires, através do financiamento da CAPES/Brasil e da
Secretaría de Políticas Universitárias/SPU/Argentina. Os referidos
textos abordam, a partir de diferentes olhares e lugares, a discussão
sobre aspectos relacionados à articulação teoria-prática, ao currículo
e à inovação na sala de aula universitária. São textos que apresentam
resultados de pesquisa, experiências e relatos de práticas docentes
no contexto de atuação de cada um dos autores. O desafio de reunir
em um livro essa produção parte do seguinte pressuposto: cada vez
mais se torna importante socializar reflexões vitais à ação docente,
entendendo essa ação como mediação nos processos constitutivos
da formação dos educandos. Enfim, são trabalhos oriundos das
reflexões surgidas em torno das discussões sobre o ensino
universitário e as possibilidades de inovação que nele são possíveis.
123
143
157
173
185
199
215
Formação de professores na EaD:
possibilidades e desafios à inovação na formação docente
na implementação do Curso de Pedagogia UAB/FURG
Rita de Cássia Grecco dos Santos
Aprender a aprender:
a solicitação da figura pecúlio como prática pedagógica
inovadora na formação de professores de teatro
Adriano Moraes de Oliveira
Caminhando a luz de velas em meio a tempestade:
o desafio de uma aula inovadora frente a um novo perfil
de aluno na sociedade da informação
Michele Schuster Borba
Tempos e trajetórias de vida no fazer-se professor:
possibilidade de ruptura com o conhecimento usual
Irapuã Pacheco Martins
Formação de professores:
novas perspectivas educacionais
Cândida Maria de Sousa Custodio
A formação de professora alfabetizadora:
diálogos a partir dos currículos
do Curso de Pedagogia da FAE/UFPEL
Gilceane Caetano Porto
Expectativas sobre currículo:
um olhar buscando uma proposta flexível
Ana Carolina Nogueira Oliveira
Práticas inovadoras na aula universitária 11Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)10
Para construir a presente publicação, os autores refletiram
desde suas práticas docentes e/ou seus trabalhos de pesquisa em
diálogo intenso realizado no Seminário citado, buscando vislumbrar
e afirmar possibilidades da produção de práticas alternativas. Das
discussões também foi possível compreender que muitos são os
desafios colocados aos professores para enfrentar a sala de aula
universitária, especialmente quando os mesmos são despidos da
herança do paradigma da racionalidade técnica.
O resultado aqui exposto é derivado de um exercício de
persistência, de crédito no trabalho coletivo, no trabalho de grupo e
de equipe, pois assim também se desenvolveu o Seminário. Foram
textos gestados, aprofundados e discutidos entre os participantes,
que acreditam na capacidade de mudança no mundo da educação,
em especial da educação escolarizada. Viver e escrever esses textos
permitiu aos alunos dar voz e vez tanto às suas experiências quanto
às suas angústias, permitindo que eles se tornassem sujeitos em
ação no mundo acadêmico.
O texto inicia com a reflexão da Coordenadora do Seminário
acima referido, Elisa Lucarelli. O texto da pesquisadora da UBA,
intutulado Las prácticas innovadoras en el aula universitaria: Una
mirada desde la investigación, traz, inicialmente, uma densa e
atualizada reflexão sobre as características que definem a inovação
e como são entendidas as práticas que as sustentam. Para tanto, a
autora expõe o modelo de inovação de caráter tecnicista, sustentado
na segmentação, na centralização das decisões e no que denomina
de “innovación protagónica”, baseada nos princípios da didática
crítica. Falando mais demoradamente sobre a aula universitária,
desde a perspectiva da didática crítica, a autora defende que a
articulação entre teoria e prática “aparece como un factor central en
la constitución de innovaciones”, o que se deve à importância que a
mesma assume na definição da natureza do conhecimento, tanto
em relação à sua produção como aos processos e conteúdos na
formação dos sujeitos. Enfim, assevera a autora, “los conocimientos
que se presentan en este trabajo acerca de las cátedras universitarias
que llevan a cabo innovaciones y el comportamiento de la articulación
teoría-práctica como eje dinamizador en la estructura didáctico
curricular, sus diversas modalidades de expresión de esa articulación,
así como acerca del papel que juega en el origen y desarrollo de
esas innovaciones, aspiran a constituirse en un aporte potencial en
la conformación de una didáctica universitaria en el marco de la
perspectiva fundamentada crítica. Pueden serlo en la medida en
que contribuyan a esclarecer algunos aspectos de este campo
problemático de reciente constitución disciplinar, a la vez que se
presenten como una puerta de acceso al planteamiento de
interrogantes y al desarrollo de líneas de reflexión e indagación, a
explorar futuras investigaciones en esta área.
Discutindo a relação teoria e pratica, aparece Helena Beatriz
Mascarenhas de Souza, com o texto intitulado Contra o desperdício
da experiência: pelo diálogo entre teoria e prática na formação de
professores na perspectiva da profissionalização docente. A autora
dialoga com Santos, Carr e Gimeno Sacristán para pensar a formação
inicial de professores do ponto de vista da articulação da teoria com
a prática, discutindo suas repercussões na prática e na constituição
da profissionalidade docente. Busca com isso evidenciar que uma
relação não hierarquizada entre teoria e prática é um passo
significativo rumo na direção de um novo paradigma de
conhecimento.
Com o título A polêmica questão sobre a teoria e a prática:
um olhar histórico-político e pedagógico, Gabriela Medeiros Nogueira
também traz para o debate uma reflexão acerca da relação teoria e
prática no cenário educativo desde as perspectivas histórica, política
e pedagógica. Para tanto, realiza um breve relato sobre a situação
da formação de professores no Brasil desde o final do século XIX e
início do século XX a partir de pesquisas na área da História da
Educação e das Política Educacionais. Numa abordagem pedagógica,
traz um relato de experiência realizada com uma turma do Curso de
Pedagogia da FURG, em 2006. A partir dessa experiência, observou
que, ao entrar no campo de trabalho, salas de aulas de Educação
Infantil ou Anos Iniciais do Ensino Fundamental, os alunos abordam
em suas análises elementos tratados teoricamente durante as aulas
na Universidade. Entre os autores que corroboraram na construção
do texto estão Almeida, Arroyo, Candau, Cunha, Gauthier, Nóvoa,
Lucarelli, Tambara e Arriada e Tardif.
Para iniciar a discussão sobre o tema da inovação, Cristina
Pureza Duarte Boéssio, intitulando seu texto Inovação e formação
docente: articulação teoria/prática, parte das transformações pelas
quais vem passando a sociedade moderna, devido a fatores como a
inserção das Tecnologias de Informação e Comunicação, e afirma
Práticas inovadoras na aula universitária 13Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)12
que tal mudança nos obriga a repensar a educação. No texto, a
autora apresenta uma reflexão sobre a articulação teoria/prática,
na proposta da disciplina O ensino de língua espanhola para as séries
iniciais do fundamental, na Universidade Federal do Pampa
(UNIPAMPA).
O texto Entre o ser tradicional e o ousar ser diferente: uma
experiência pedagógica inovadora na formação de professores, de
Renato Siqueira Rochefort, objetiva analisar uma experiência de
ensino e aprendizagem desenvolvida no interior do Curso de Educação
Física da Universidade Federal de Pelotas. A proposta é romper com
o modelo vigente e apresentar uma nova proposta de cotidianidade
pedagógica, assentada em dois eixos norteadores fundamentais:
uma concepção de ensino com pesquisa, pela articulação indissociável
entre eles e a extensão universitária, e uma concepção referenciada
em uma articulação entre teoria e prática, considerando-as partes
inseparáveis de uma mesma unidade. O autor apresenta e discute
as repercussões dessa experiência junto aos estudantes, a partir
das narrativas escritas por eles, ao final de cada aula ministrada, no
“Caderno de Escrita”, organizadas em cinco categorias de análise:
relação professor-aluno, relação teoria e prática, relação ensino e
pesquisa, concepção de conhecimento e inserção no campo
profissional.
A seguir, Formação de Professores na EaD: possibilidades e
desafios à inovação na formação docente na implementação do Curso
de Pedagogia UAB/FURG é o título da reflexão apresentada por Rita
de Cássia Grecco dos Santos. A narrativa da autora emerge de sua
experiência enquanto Professora e Coordenadora do Curso de
Pedagogia-Licenciatura, na modalidade a distância, da Universidade
Federal do Rio Grande – UAB/FURG. O texto apresenta uma análise
do movimento de ressignificação de saberes e de práticas docentes
que tem sido engendrado no processo acima nomeado, bem como
dos limites e possibilidades da formação de professores na mesma
modalidade. O Curso apresenta algumas peculiaridades que
marcadamente a diferenciam da proposta de formação presencial,
quais sejam: tem uma história muito recente e sua concepção tem
como gênese uma demanda indicada em dezembro de 2005 pela
Secretaria de Educação a Distância do Ministério da Educação. A
autora, ao vislumbrar a possibilidade de problematização acerca da
constituição dos saberes docentes, tanto por parte dos professores
do curso quanto por parte dos alunos em processo de formação
inicial, ratifica a pertinência do debate acerca da constituição da
professoralidade na Educação a Distancia – EaD, focadamente no
que tange aos processos de formação e autoformação docente. Para
analisar o processo aqui explicitado, a autora recorre ao diálogo
com autores como Sousa Santos, Cunha, Moran, Tardif e Lucarelli.
Adriano Moraes de Oliveira, através do texto Aprender a
aprender: a solicitação da figura pecúlio como prática pedagógica
inovadora na formação de professores de teatro, afirma que a
natureza do campo de conhecimento do teatro fundamenta-se num
contínuo processo de aprender a aprender. Por esse motivo, muitas
das práticas pedagógicas desenvolvidas no âmbito da Licenciatura
em Teatro da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) podem ser
consideradas inovadoras. Isso ocorre em função da própria herança
deixada pelos principais diretores-pedagogos do início do século XX
na forma de pecúlio, isto é, uma herança que não é dada
naturalmente, mas é preciso acessá-la. Nesse texto, o autor descreve
algumas das práticas significativas realizadas nas disciplinas
Improvisação Teatral I e II e outras atividades desenvolvidas em
projetos sobre formação de ator e espectador. O Autor considera
inovadora uma prática que se configura em momento charneira,
isto é, situações didáticas que impulsionam os alunos/atores a
aprender a aprender, ou seja, que permitem a configuração de uma
situação didática com garantias de autonomia para o aluno.
Ainda com o tema da inovação, Michele Schuster Borba
escreve Caminhando à luz de velas em meio à tempestade: o desafio
de uma aula inovadora frente a um novo perfil de aluno na sociedade
da informação, partindo de uma constatação: a organização da
sociedade vem sofrendo diversas mudanças ao longo do tempo. Nas
últimas décadas o avanço dos meios de comunicação e informação
foi muito grande, não só em termos de difusão, mas também do
surgimento de novas tecnologias que geram uma mudança
significativa nos conceitos até então existentes a respeito da
comunicação e na forma de compreender o espaço e a sociedade. A
autora fala de um público que está bem familiarizado com as
novidades tecnológicas: os jovens. Conectados ao mundo através
de diversos canais, os jovens estão inseridos no mundo de uma
forma diferente daquela registrada há alguns anos. Segundo a autora,
estamos frente a um novo perfil de jovem e, portanto, de aluno. Na
Práticas inovadoras na aula universitária 15Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)14
tentativa de acompanhar o novo cenário, transformado pelos avanços
tecnológicos, que impõem novos ritmos e dimensões à tarefa de
ensinar e aprender, algumas escolas apostam na incorporação de
tecnologias como fenômeno significativo de inovação. Assim, o estudo
procura descrever o atual cenário educacional e as expectativas que
existem em torno das questões a ele relacionadas, que incluem desde
a organização curricular até a atuação do professor em sala de aula.
O texto aborda conceitos sobre inovação para possibilitar a sua
compreensão, os desafios existentes para sua realização e também
o porquê da resistência em encará-la como possível e necessária.
Por fim, traz para a discussão algumas considerações sobre o uso
das tecnologias no ambiente escolar.
Irapuã Pacheco Martins, por sua vez, com o texto Tempos e
trajetórias de vida no fazer-se professor: possibilidade de ruptura
com o conhecimento usual, busca desvendar outra possibilidade de
contato com dimensões complexas no espaço-tempo da interioridade
do ser humano, onde o valor e a potência da mobilização de saberes
advindos da experiência de vida têm origem no tempo vivido. Para o
autor, tal movimento passa a ser orientado para os processos
pedagógicos à medida que reúne condições de trazer à luz referências
de si numa aproximação de uma espécie de educação de
sensibilidades. As reflexões teóricas aqui apresentadas buscam
ressaltar caminhos e desassossegos presentes no tornar-se professor.
A proposta de ruptura perpassa os movimentos existenciais e abre
espaço para a reflexão acerca da condição de aprendiz de si. Tal
perspectiva supõe o resgate das trajetórias, em especial, de
aprendizagens como saberes pessoais temporais e atemporais, no
sentido de ressignificar a dimensão pessoal na profissional, através
da presentificação de representações imaginárias-simbólicas,
passíveis de serem incorporadas como conteúdos fomentadores da
formação docente.
Com o texto intitulado Formação de Professores: novas
perspectivas educacionais, Cândida Maria de Sousa Custodio também
inscreve sua reflexão apostando na inovação. No contexto atual da
educação, para a autora, os professores trabalham com a polêmica
e com o confronto. O questionamento que faz ante tal constatação
é: o que precisam conservar? O que precisam transformar? A Escola,
da mesma forma, está passando por grandes transformações, e essa
nova realidade que a invade é um novo tempo a exigir, de seus
integrantes, novas maneiras de pensar e de agir no cotidiano escolar.
Sob tal contexto, e diante do novo, as palavras de ordem passam a
ser: imaginar, refletir, criar, renovar, inovar, estar aberto para
construir. Por isso, o texto tem o objetivo de provocar um
aprofundamento nos debates sobre o tema proposto, oferecendo
uma compreensão que se refere às complexidades da educação e
das inter-relações entre os pares. Busca, ainda, refletir os temas
propostos a partir de experiências com o Estágio Curricular
Supervisionado e a formação inicial do professor, para o que conta
com o diálogo como autores como Sacristán, Cunha, Lucarelli, Nóvoa,
Pimenta e Schön.
Gilceane Caetano Porto, através do texto A formação da
professora alfabetizadora: diálogos a partir dos currículos do Curso
de Pedagogia da FaE/UFPel, discorre sobre o currículo, a partir de
pesquisa que intenta compreender a relação entre as teorias sobre
alfabetização adquiridas na formação inicial e a prática docente das
egressas do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Pelotas (FaE/UFPel), no período de 1986 a
2006. O texto tem por objetivo compreender as características da
formação inicial das pedagogas para atuação em classes de
alfabetização a partir dos currículos do Curso. Para tanto, a autora
utilizou fontes documentais da Instituição, como Currículos do Curso
e Planos de Ensino das disciplinas do campo da Alfabetização. A
análise indica que as reformulações curriculares em questão
incorporam as modificações teóricas e epistemológicas ocorridas no
campo da Alfabetização a partir da década de 1980. Destaca que a
última reformulação curricular organizada a partir de princípios
globalizadores, por exemplo, buscou romper com um paradigma
racionalista de conhecimento e sugere a teoria construtivista como
a base teórica para o desenvolvimento do trabalho docente nas Séries
Iniciais.
Por fim, o texto Expectativas sobre currículo: um olhar
buscando uma proposta flexível é a proposta de debate que Ana
Carolina Nogueira Oliveira faz para esta publicação, com o objetivo
de apresentar algumas considerações sobre currículo. Alguns
apontamentos acerca do que poderia ser uma definição de currículo,
abordando o estudo comparativo feito por Ángel Díaz Barriga, de
dois modelos curriculares, é parte central da discussão da autora.
Partindo deles, discorre sobre os possíveis desafios a se enfrentar,
Las prácticas innovadoras
en el aula universitaria:
Una mirada desde la investigación
Elisa Lucarelli*
El aula universitaria quizá como ningún otro espacio
institucional revela con claridad cómo se atraviesan en las prácticas
cotidianas, los aspectos intrínsecos a la formación articulados con
las otras funciones históricas de la institución, la producción del
conocimiento y las relaciones que se establecen con el contexto
social del que forma parte. Las acciones que desarrolla el docente
en torno de la programación curricular, la enseñanza, la evaluación,
sus formas relacionales con los estudiantes, manifiestan,
cotidianamente, si se tiene en consideración o no lo producido tanto
por la investigación disciplinar sustantiva como por la investigación
pedagógica, los problemas de la profesión y los avances en ese
campo, así como la presencia explícita o no de lo político, lo
económico, lo social a través de las relaciones y las transferencias
que se guardan con el entorno .
El análisis de esas prácticas cotidianas y la intervención en
las mismas se constituyen, en consecuencia, en un punto de partida
de interés para la consideración de los procesos de cambio en la
universidad, y demandan, a la vez, la búsqueda legítima de
fundamentos que permitan diferenciar cuáles son las prácticas
favorables en función de ese cambio.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)16
ao propor uma ruptura com a lógica adotada pelo modelo vigente,
buscando trabalhar dimensões que permeiam uma proposta flexível,
ancorada teoricamente em Lucarelli e na proposta de transição
paradigmática defendida por Boaventura Santos.
Pelotas, maio de 2009
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet
e Gomercindo Ghigg
Organizadores
* Profesora y Licenciada en Ciencias de la Educación, Doctora en Ciencias de la
Educación. Departamento e Instituto de Investigaciones en Ciencias de la Educación,
Facultad de Filosofía y Letras. Universidad de Buenos Aires. E-mail:.
conducta social; por el contrario, impiden el cambio y se convierten
en instrumentos para la conservación y legitimación del orden
existente
(Popkewitz: 1987). La ecología de la reforma, y por tanto
de sus manifestaciones concretas y específicas como son las
innovaciones, se relaciona con las pautas de regulación que supone
la escolarización. Así dice Popkewitz (1994: 26) “Fijadas en la retórica
de la Reforma, las pautas de escolarización y de la formación del
profesorado y las ciencias de la pedagogía son procedimientos, reglas
y obligaciones múltiples y regionalmente organizadas que ordenan
y regulan cómo se debe contemplar el mundo, actuar sobre él,
sentirse y hablar de él” .
Aparece aquí la relación entre innovación, saber y poder en
un sentido positivo, manifiesto a través de la regulación del conjunto
de prácticas y de los mecanismos tendientes a la modificación
aparente de esas prácticas sin afectar sus estructuras constitutivas.
Las innovaciones tecnicistas concretan este encuadre en el nivel de
su expresión en las aulas.
Dentro de esta perspectiva, la innovación educativa en general,
y particularmente la didáctica, es entendida como modificación parcial
o sustitución específica de los componentes técnicos de la situación
de enseñanza y aprendizaje, sean estos los objetivos, las
metodologías de enseñanza, de evaluación, los recursos o los
formatos de programación, quedando en un segundo plano, las
prácticas de los sujetos que intervienen en la situación, considerados
como los ejecutores de la concreción en el aula de las propuestas de
un proyecto tecnológico.
De esta manera la segmentación se hace evidente tanto en el
énfasis con que se consideran los componentes técnicos, en
contraposición con los humanos, como en la supremacía de algunos
de aquellos en el conjunto; esto se observa especialmente en la
preeminencia de los objetivos en detrimento de los contenidos y en
la sobrevalorización de las técnicas específicas y los aparatos, frente
al lugar que asumen las estrategias didácticas generales.
Una manifestación de la segmentación en relación con la
innovación en el aula de clase es la que diferencia, los aspectos
didácticos de los curriculares oponiéndolos en visiones paralelas e
independientes; según esta mirada fragmentaria aquellos son
encarados como componentes tecnológicos incluyendo el diseño de
instrucción en el nivel de clase, y los que se presentan en la situación
Práticas inovadoras na aula universitária 19
Las instituciones educativas latinoamericanas en general, y
las universidades no son una excepción, cuentan con una penosa
historia de innovaciones ajenas a su idiosincracia e impuestas a sus
actores con la engañosa ilusión de transformar sus realidades
cotidianas en pos de un mejoramiento de la calidad de los servicios
educativos.
De allí la importancia que tiene, para poder comprender el
sentido y las posibilidades de cambio de las prácticas docentes ,
hacer algunas consideraciones desde la perspectiva teórica de la
Didáctica sobre aspectos como las diferencias entre innovación
tecnicista e innovación centrada en los protagonistas y en la relación
entre la teoría y la práctica, , así como aportar información acerca
de los niveles en que esa articulación se expresa en las prácticas en
el aula universitaria.
La innovación didáctico curricular
en las distintas perspectivas teóricas
Encarar el tema de las innovaciones en las prácticas de
enseñanza promueve la reflexión acerca de cuáles son las
características que definen a la innovación y en especial , cómo son
entendidas esas prácticas según fuera la perspectiva didáctica que
las sustentan. En el contexto de este trabajo se consideran algunos
rasgos de dos caracterizaciones contrapuestas en función de esos
fundamentos teóricos: la innovación tecnicista, sustentada en la
segmentación y centralización de decisiones, y la innovación
protagónica, con base en los principios de la Didáctica fundamentada
crítica.
La innovación según la perspectiva didáctica tecnicista
Dos rasgos son constitutivos de la innovación tecnicista : su
tendencia hacia la normatividad y su énfasis en la segmentación.
En relación con el primer rasgo, puede afirmarse que este
tipo de innovación se caracteriza por la connotación que Popkewitz
(1987; 1994) adscribe a las reformas, definidas como parte de
programas institucionales consecuentes con la lógica de la
modernización y que se manifiestan a través de prácticas rituales y
retóricas. Estos programas regulativos generalmente carecen de
sentido para sus actores y, por tanto, no afectan los patrones de la
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)18
tales por cada sujeto particular (es decir por el alumno individual o
el grupo clase). Nuevamente la escisión, en este caso entre las
prácticas anteriores del alumno en su historia de formación y los
nuevos aprendizajes.
En este mismo sentido Angulo Rasco (2000: 23) identifica
como una de las cuestiones propias de estas innovaciones lo que él
denomina “la orientación de la cima hacia abajo, ...[dada] por la
asunción de grupos de jefes de innovadores y de grupos subordinados
de adaptadores”. Dada la dirección de su propagación por el sistema
desde el centro a la periferia, esos innovadores centrales son quienes
toman las decisiones y definen los prototipos de innovación a aplicar
en las instituciones. Las decisiones incluyen las posibles adaptaciones
necesarias para adecuarse a los contextos particulares, puesto que
una variación definida por éstos autónomamente podría ser
considerada como una desviación del modelo previsto, en términos
de incomprensión de los objetivos y estrategias originales.
La innovación en la perspectiva fundamentada crítica
Contrapuesta a la perspectiva tecnicista de la innovación, se
perfila otra perspectiva, la fundamentada crítica, que considera la
nueva práctica como ruptura, esto es ,como la interrupción de una
determinada forma de comportamiento que se repite en el tiempo y
que se legitima, dialécticamente, con la posibilidad de relacionar
esa nueva práctica con las ya existentes a través de mecanismos de
oposición, diferenciación o articulación.
Quizá una clave para entender esta perspectiva de la
innovación consista en preguntarse cómo se da el proceso innovador,
qué es lo que se interrumpe, se altera, con la innovación.
Como respuesta a estos interrogantes la perspectiva
fundamentada crítica permite comprender que la nueva práctica no
tiene un sentido unidimensional sino que, por el contrario, puede
afectar cualquiera de los aspectos que conforman la situación
didáctica: sus componentes técnicos, esto es, los objetivos, los
contenidos, las estrategias de enseñanza, de evaluación, los recursos
para el aprendizaje; las prácticas del enseñar y del aprender; las
relaciones entre los sujetos, las formas de autoridad, de poder, que
se dan en el contexto del aula o de la institución en general.
Práticas inovadoras na aula universitária 21
de enseñanza y evaluación , mientras que los segundos se
circunscriben la definición de macroprogramaciones analíticas. Se
hace presente nuevamente la diferenciación entre los varios procesos
relacionados con la concreción de las prácticas en el aula de clase:
las modificaciones se ejecutarán en nuevas formas a seguir por parte
de los docentes , sin establecer relaciones con los procesos de
transformación de los planes de estudio . Queda fuera toda la historia
de prácticas que el docente ha construido durante su formación en
la escuela, tanto en su etapa de estudiante, como en la del ejercicio
de su rol profesional.
El otro aspecto medular en que se hace presente la
segmentación se vincula con la condición fragmentaria en que se
encuentran los aspectos de la teoría y de la práctica educativa en las
situaciones que afectan las clases.
Esto se evidencia en la división entre disciplinas teóricas y
prácticas en los planes de estudio universitarios y en la ubicación
secuencial de las asignaturas según su acercamiento o alejamiento
de los aspectos relacionados con la puesta en acción de habilidades
relacionadas con el ejercicio de la profesión. También se traslada
esta dicotomía a la organización académico administrativa del
desarrollo de las clases, con horarios, espacios, docentes
diferenciados, según sea su responsabilidad la puesta en acción de
los aspectos “teóricos” o “prácticos” de la enseñanza. En el ámbito
de cada situación de clase puede observarse un esquema de
separación semejante cuando abordan los momentos “teóricos”
identificándolos con la transmisión de información por parte del
docente, mientras que los “prácticos” son aquellos en los que se da
alguna forma de acción posterior por parte del que aprende (Celman:
1994).
Esta forma de entender la práctica separada de la teoría y en
forma diferida es presentada por Heller (1977: 244)
1
como propia
de la “praxis repetitiva”, es decir aquélla que implica la repetición de
esquemas prácticos desarrollados por otros (en este caso los
docentes, los libros, los programas informáticos) y adquiridos como
1
Heller retoma la categoría de praxis repetitiva de Lefebre afirmando que “...la
praxis repetitiva no es más que la repetición de esquemas prácticos desarrollados
por las generaciones precedentes y ya asimilados por el particular”.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)20
El otro rasgo al que se hace mención es el referido al
reconocimiento de las prácticas dentro de la historia de los sujetos,
los grupos o las instituciones. Una práctica renovadora de la
enseñanza puede ser entendida solamente si se la analiza como
parte del conjunto de prácticas que se desarrollan en un determinado
actor; se parte del supuesto que ese comportamiento cobra sentido
a la luz del repertorio de formas de actuar que ha desarrollado ese
sujeto a lo largo de su vida, en este caso en lo referente al desempeño
de su rol docente. Utilizo para esto los aportes realizados por Bleger
(1971: 45) para el análisis de la conducta, en especial a los referidos
al concepto de situación relacionado con el de historia. Bleger define
la situación como “el conjunto de elementos, hechos, relaciones y
condiciones” en los que desarrolla un comportamiento. El hecho de
que la situación “cubre siempre una fase o un cierto período, un
tiempo”, permite considerar cada comportamiento actual en relación
con los anteriores o posteriores referidos a una misma área o a
todas en las que se manifiesta esa conducta; esto es, analizarla en
relación con la historia de ese sujeto o grupo.
Los principios del encuadre histórico y del situacional
elaborados por Bleger (1971: 126) permiten comprender más
ampliamente los procesos que se dan en el aula, dado que el encuadre
histórico es particularmente esclarecedor para la indagación de “una
lógica o una relación entre distintas conductas, fenómenos o
acontecimientos, que se han sucedido en el curso del tiempo”. En el
caso de las innovaciones se hace particularmente presente la forma
del encuadre histórico que reconoce el establecimiento de relaciones
o nexos entre distintas manifestaciones aparecidas en el curso del
tiempo. La posibilidad de establecer relaciones con otras conductas
previas o posteriores, no obliga a pensar en establecer una relación
causal, sino que se trata de comprender que esas conductas son
manifestaciones de un solo proceso o de un mismo conflicto.
3
3
Al respecto señala como una de las formas de la lógica entre distintas conductas
que se establece a partir de la indagación según el encuadre histórico, la siguiente:
“La que establece relaciones o nexos entre distintas manifestaciones aparecidas
en el curso del tiempo, sea en la misma o en distintas áreas de conducta; en este
caso ya no se estudia una conducta dada en función de sus cambios, sino que se
establecen relaciones con otras conductas que la han sucedido o precedido. El
nexo o la relación que se establece no es causal, sino el de ser manifestaciones de
un solo proceso o de un mismo conflicto ...” (Bleger, ob. Cit,126-7.)
Práticas inovadoras na aula universitária 23
Este enfoque de la innovación implica tener en cuenta el rasgo
de multidimensionalidad, lo que deriva en el reconocimiento de las
múltiples variables que afectan la práctica. En esta línea de
pensamiento, la ruptura puede originarse en la modificación de algún
componente técnico, o de una práctica específica de los sujetos,
pero se propaga en el resto de los componentes de la situación. Un
ejemplo de lo que ocurre en una cátedra del área de la salud, es
aclaratorio de esto. En la cátedra de Odontología preventiva y
comunitaria, que introduce la formación en la profesión a través de
acciones extramuros, lo que se altera es la estrategia de
entrenamiento en el rol profesional: se reemplazan las prácticas de
ensayo en el ámbito de la facultad, por salidas a terreno en
instituciones de salud, es decir hay una innovación en el componente
metodológico de la situación didáctica. Sin embargo este cambio de
estrategia implica a la vez cuestionamientos acerca de los contenidos
a enseñar, del concepto de salud bucal, de las relaciones de la
universidad con la sociedad, así como afecta las formas que adopta
el rol docente, con derivaciones en las relaciones que se dan entre
los docentes de distinta jerarquía dentro de la cátedra, y de los
docentes con los alumnos. En la consideración de estas variables no
alcanza con la exclusiva mirada didáctica en lo “técnico”, sino que se
hace preciso hacer uso de herramientas psicosociales y políticas que
den cuenta de un enfoque institucional amplio. Por otro lado,
implementar una nueva estrategia para la adquisición de habilidades
profesionales, seguramente, obliga a un análisis de la profesión desde
un enfoque económico y sociológico, a la vez que una
reconceptualización de qué es conocer acerca del rol profesional.
Esto es, por ejemplo, cómo se define la formación del odontólogo
con relación a la atención bucal de la población, cuáles son los
problemas prioritarios en materia de salud bucal, en qué tipo de
centros de salud se tiene que formar el estudiante, cómo se articulan
contenidos teóricos con contenidos más instrumentales; implica
también abordar la innovación desde las dimensiones epistemológica,
social, económica, que permitan explicar las articulaciones con el
contexto social amplio.
2
2
El estudio de esta cátedra forma parte del Proyecto de Investigación Los espacios
de formación y la articulación teoría-práctica en cátedras innovadoras de la
Universidad de Buenos Aires, con dirección de la autora y desarrollado en el ámbito
del Programa Estudios sobre el aula Universitaria, situado en el Instituto de
Investigaciones en Ciencias de la Educación de la Facultad de Filosofía y Letras,
UBA.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)22
inventiva. Esta es una categoría creada por Heller como opuesta a
la de praxis repetitiva (Heller, 1977:245). Si bien la praxis repetitiva,
al permitir hacer las cosas de manera rápida y precisa, constituye el
fundamento necesario y acumulativo para el desarrollo de actividades
creativas, corre el riesgo de conducir a una cierta rigidez del
pensamiento; ella misma es producto de generalizaciones sin proceso
y espontáneas. Puede, asimismo, reducir la sensibilidad de los sujetos
hacia nuevos fenómenos o problemas, impidiendo el camino hacia
la creatividad y la innovación en su accionar sobre la realidad.
En contrate con esta situación, se considera que la praxis
inventiva incluye siempre la producción de algo nuevo, a través de
la resolución intencional de un problema que puede ser tanto de
índole práctico como puramente teórico. En este campo opera
predominantemente el pensamiento en sentido estricto.
Dado que la búsqueda de lo nuevo está asociada con una
situación insatisfactoria con relación a las prácticas habituales que
desarrolla el docente en la enseñanza y con un problema que las
mismas no pueden solucionar, las innovaciones didáctico curriculares
pueden ser comprendidas a partir de estas notas que distinguen la
praxis inventiva.
De allí que, en este tipo de prácticas, los componentes
didácticos técnicos y humanos cobran sentido en función del sistema
de relaciones que se establecen entre ellos. En consecuencia las
dificultades pueden generarse en cualquiera de los componentes de
la situación didáctica. Cuando esas dificultades son percibidas por el
docente como problemas pueden derivar en la elaboración de formas
de resolución que impliquen modificaciones en el sistema de
relaciones existente entre aquellos componentes, dando lugar a la
generación de experiencias innovadoras. En este proceso la
articulación teoría-práctica opera como un elemento sinérgico de la
situación didáctica, ya que se constituye en una forma de potenciación
de los componentes didácticos y de las acciones de los sujetos de la
enseñanza y el aprendizaje asociados: por ser “...contrahegemónicos,
revierten las racionalidades dominantes, tales como la competencia
y coacción” (Neef, 1986: 45). Esto es, al oponerse a las formas
didácticas instituidas, la articulación teoría-práctica, como factor
sinérgico, consolida las relaciones entre los componentes didácticos
y subjetivos y posibilita el desarrollo de innovaciones.
Práticas inovadoras na aula universitária 25
El encuadre situacional es empleado en el contexto de este
análisis didáctico curricular de las innovaciones para considerar la
totalidad de factores que coexisten y son mutuamente dependientes
en un momento dado, delimitando un campo presente, como corte
transversal e hipotético de una situación dada. Esto no significa
prescindir de la importancia de lo histórico; significa incorporarlo
dialécticamente como activo y presente en la situación actual. En
los análisis realizados por protagonistas de innovaciones, en el
contexto de jornadas organizadas a tal efecto, la representación
social que tienen estos docentes universitarios acerca de qué es una
“innovación”, esta no es identificable con “novedad absoluta” en un
contexto pedagógico amplio, relativo al nivel o al sistema educativo
en el ámbito nacional o internacional, sino que se la enmarca en la
historia y situación de esos sujetos en esa institución específica.
Cabe señalar que esta percepción sobre el grado de relatividad de la
“novedad” de la difusión ya fue observada en el desarrollo de
reuniones de trabajo con el equipo de investigación del Instituto de
Investigaciones en Ciencias de la Educación y con el equipo de
asesores pedagógicos en sesiones de análisis sobre la temática de
las cátedras innovadoras, desarrolladas durante el año 1990. Dieron
por resultado la elaboración colectiva de un documento de circulación
interna “Características de la Innovación” (Lucarelli, E., 1990) que,
a su vez, fue analizado y reelaborado en Taller con docentes que
desarrollaban prácticas innovadoras en el nivel de cátedra en la
Universidad de Buenos Aires, dando, por consiguiente, lugar a una
producción participativa sobre esta temática
Relacionado con esto es dable sostener que tanto el encuadre
histórico como el situacional, posibilitan entender a la innovación
didáctico curricular como una práctica contextualizada. Se trata de
una práctica cuya explicación necesita ser hecha en función y en
relación con los factores concretos que enmarcan esa práctica. En
este caso la situación del aula se extiende al entorno institucional y
al social y comprende los factores peculiares que caracterizan los
sujetos de la innovación; de igual manera, metodologías y recursos
utilizados en el aula son afectados por las especificidades de cada
contenido a enseñar y aprender.
En consideración a los rasgos detectados en las investigaciones
realizadas , la innovación en una perspectiva fundamentada crítica
de la Didáctica, puede ser homologada al concepto de praxis
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)24
efectivamente en todos los procesos de la vida institucional y en la
naturaleza de la decisiones. Esto por un lado, implica ejercer una
influencia real (poder): a) en la toma de decisiones tanto en la política
general de la institución como en la determinación de metas,
estrategias y alternativas de acción; b) en la implementación de las
decisiones; c) en la evaluación permanente del funcionamiento
institucional. Por otro lado significa un cambio no sólo en quiénes
deciden, sino en qué se decide y a quiénes se beneficia, es decir,
una modificación en la estructura de poder” (Sirvent, 1994: 88).
La participación real se hace presente en la práctica
innovadora, al comienzo del proceso , en la etapa de determinación
de las metas y estrategias , para manifestarse también en la
implementación de las decisiones en el aula de clases y en el contexto
institucional afectado por la innovación, y, consecuentemente en la
evaluación de procesos y resultados de todo el proceso.
Es en ese sentido que se afirma que identificar una innovación
como protagónica, implica resaltar su intencionalidad política, dado
que implica procesos que afectan la toma de decisiones al pretender
irrumpir en el desarrollo de las formas tradicionales instituidas.
Supone tener en cuanta a los sujetos que tienen interés en desarrollar
esas prácticas a partir de la definición que hacen de la situación
problemática y de las necesidades a las que responden. De igual
manera opera esa intencionalidad en las modalidades estratégicas y
organizativas que adopten para la modificación de aquellas prácticas.
Así entendida la innovación como práctica protagónica, como
acción de participación real, se contrapone a las consideradas como
“innovaciones” desde una perspectiva tecnicista. En estas la
programación, el diseño y decisiones consecuentes, quedan en manos
de actores externos al ámbito donde se desarrolla la práctica. A los
docentes y sujetos cercanos a la acción del aula se les reservan
actividades de implementación de proyectos que les son ajenos, en
un contexto de participación más aparente que real. Siguiendo la
categorización hecha por Sirvent (1994) se trata de una participación
simbólica donde hay un grado mínimo, en muchos casos ninguno,
de incidencia en la gestión institucional y en las decisiones políticas
de la innovación, con las consecuencias negativas de enmascarar la
situación. En efecto, las situaciones de participación simbólica pueden
Práticas inovadoras na aula universitária 27
El lugar de los sujetos docentes
en las innovaciones en el aula
Esta perspectiva teórico ideológica con que se enfoca las
innovaciones en el aula ha resultado de por sí contrahegemónica en
períodos en que la política educativa de los países latinoamericanos,
( en muchos casos afectando sus universidades), se rigió por
principios ligados al pensamiento único y a una fuerte centralización
de los procesos de cambio impuestos a las instituciones. De allí que
una perspectiva fundamentada crítica vuelve a colocar al docente
como sujeto generador e impulsor de alternativas a las clases
rutinarias y , por consiguiente, protagónico de las innovaciones. Es
en este sentido, estas prácticas en el contexto didáctico curricular
se entienden como expresión de un proceso creativo y de ruptura
con las formas habituales de enseñanza y como producciones
originales en su contexto de realización, gestadas y llevadas a cabo
por un sujeto, o un grupo, a lo largo de todo el proceso. Son
protagónicas en el sentido que sus creadores, al igual que en el
teatro griego, son los personajes principales de la acción y toman
parte en los momentos significativos de la misma.
El concepto de protagonismo que se utiliza en las
investigaciones sobre el aula universitaria
4
tiene las mismas notas
distintivas que el de participación real acuñado por Sirvent ,
asumiéndoselo como equivalente en cuanto a la incidencia de los
actores en la génesis y desarrollo de las innovaciones. Vale recordar
que Sirvent ( 1994) describe a la participación real como aquel tipo
de acciones en las que los actores inciden efectivamente en todos
los momentos claves y muy especialmente en las decisiones. En sus
propias palabras “La participación real ocurre cuando los miembros
de una institución o grupo, a través de sus acciones inciden
4
Se designa protagonistas a los docentes responsables de las innovaciones , tal
como se sintetiza en el Cuaderno de Investigación publicado por el Instituto de
Ciencias de la Educación, al resaltar el carácter participativo del proyecto de
investigación respectivo. (Lucarelli y otros, 1991: p.15). Se retoma el concepto en
una publicación ulterior (Lucarelli, 1994: 11), donde se trabaja la relación encontrada
entre innovación y mejoramiento de calidad de educación y calidad de vida: “La
necesidad humana de participación, o de ser protagonista de su propia historia, es
en este sentido, una de las necesidades no materiales asumidas como condición y
resultante de un proceso de transformación dirigido a elevar la calidad de vida de
una población”.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)26
Práctica emancipatoria e innovación
Me interesa en este análisis de la innovación en el aula
establecer relaciones con una problemática más amplia como es la
de la tensión existente entre regulación y emancipación en la
universidad de nuestro tiempo. Con esta preocupación tomo los
análisis de la institución realizados, en su proceso histórico, por el
sociólogo portugués Boaventura de Sousa Santos, y en lo relativo a
los procesos del aula universitaria por las investigadoras brasileñas,
Leite, y Da Cunha, quienes desde hace dos décadas enfatizan su
preocupación por superar, a través de sus estudios, explicaciones
exclusivamente pedagógicas acerca de esos procesos
La reflexión sobre estos aspectos obliga a reiterar la
articulación que se reconoce entre paradigmas de las Ciencias Sociales
y perspectivas didácticas. En este caso referirse a la innovación
implica reconocer la presencia, en el análisis didáctico, de los
principios y fundamentos que distingue el paradigma de la teoría
crítica, según el cual el conocimiento emancipatorio siempre busca
revelar los mecanismos de poder y hegemonía presentes en los
procesos sociales. (Sirvent, 2002 )
Desde este encuadre resulta importante indagar los rasgos
que Boaventura Santos reconoce en la universidad “en transición
paradigmática”, como facilitadora de las prácticas de enseñanza con
posibilidades de innovación. En “De la Mano de Alicia”, Santos
presenta las características que definen esta institución en el fin de
milenio, las contradicciones que se dan en su interior, las formas de
resolverlas, las notas que distinguen al saber que produce y transmite,
orientándose hacia la construcción de un nuevo modelo de
universidad.
Santos (1998) percibe la universidad actual enfrentada a una
situación compleja, que se presenta entre los desafíos cada vez
mayores que tiene acerca de ella la sociedad, y las presiones del
Estado, cuyas políticas de financiamiento implican restricciones cada
vez más severas. Dada su rigidez funcional y organizativa de la
institución universitaria, el autor cuestiona sus posibilidades para
hacerse cargo de esos desafíos; aparece como un organismo
relativamente impermeable a las presiones externas y con dificultades
para resolver dinámicamente las contradicciones que manifiestan
sus funciones.
Práticas inovadoras na aula universitária 29
generar en los actores la una percepción ilusoria acerca de su
incidencia en los cambios, sin que esto signifique alteraciones en la
estructura de poder institucional. Al respecto dice Sirvent (1994:
88) “… la participación simbólica: a) se refiere a acciones a través
de las cuales no se ejerce influencia en la política o en la gestión
institucional, o se la ejerce en grado mínimo; b) genera en los
individuos y grupos la ilusión de ejercer un poder inexistente, son
un “como si´”.
Por su parte dentro de una perspectiva didáctica
fundamentada, se puede entender a la innovación como aquella
práctica protagónica de enseñanza o de programación de la
enseñanza, en la que a partir de la búsqueda de la solución de un
problema relativo a las formas de operar con uno o varios
componentes didácticos, se produce una ruptura en las prácticas
habituales que se dan en el aula de clase, afectando el conjunto de
relaciones de la situación didáctica.
Este enfoque de comprensión de las innovaciones didáctico
curriculares permite considerar que el proceso de propagación de
estas innovaciones a lo largo del sistema, también desarrolla formas
estratégicas que posibilitan un trabajo participativo y reflexivo, dado
que la generación se produce en las bases del sistema, a partir de
las acciones de los sujetos docentes, posibilitándose la incorporación
en red, de otros docentes motivados hacia la innovación.
De allí que esta transferencia se desarrolla a partir de procesos
reflexivos sobre las prácticas que el docente realiza habitualmente,
a través de una consideración de la propia historia, lo que facilita la
percepción de la necesidad de innovar y la elaboración de estrategias
posibles para cada situación.
Por su parte la imbricación que se da en este tipo de prácticas
entre los procesos de programación e implementación pone de
manifiesto un alto grado de protagonismo en el reconocimiento de
la motivación para la adopción, y consecuentemente, se crean
condiciones para el desarrollo de líneas de participación creciente
en la toma de decisiones por parte de los sujetos responsables de la
práctica de la enseñanza en el aula.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)28
estratégicamente orientada al mediano y largo plazo. Aceptar las
características de esta fase de transición, no implica homologarla
con el pensamiento posmoderno como superador histórico del dominio
de la racionalidad técnica en este terreno.
Desde la perspectiva de la hermeneútica y la ciencia social
crítica, la construcción del conocimiento se da a través de la inclusión
del sujeto en las relaciones con el objeto, la comprensión de
significados como camino metódico, a la articulación dialéctica entre
teoría y práctica, la definición de la dimensión sociohistórica política
en los fenómenos a estudiar, el reconocimiento de la necesidad de la
transformación estratégica de la sociedad incluyendo la participación
reflexiva y crítica de las mayorías.
En el contexto de este paradigma emergente, Boaventura
Santos asocia la universidad con el planteamiento de una doble
ruptura epistemológica. Al ser la primera ruptura aquella de la ciencia
moderna en contra del sentido común, que dio lugar al desarrollo
científico y , a la vez, dificultó la participación de los sujetos en el
descubrimiento del mundo, se hace necesario que esta segunda dé
lugar a la construcción de un nuevo sentido común, que implique
una configuración de saberes.
Es aquí donde Santos (1998: 274) enfrenta el tema de la
innovación, como proceso posible de ser gestado por la propia
institución: “En la fase de transición paradigmática, la universidad
tiene que ser también la alternativa a la universidad. El grado de
disidencia mide el grado de innovación. Las nuevas generaciones de
tecnologías no pueden ser pensadas por separado de las nuevas
generaciones de prácticas e imaginarios sociales”.
Reconoce su potencialidad para ser una institución
“emprendedora” (es decir, con capacidad de hacer las cosas en forma
diferente ), y señala que “... la universidad debe hacer coaliciones
políticas con los grupos y las organizaciones en los que la memoria
de la innovación esté presente” (Santos: 280).
Estas ideas las retoma y actualiza en La crítica de la razón
indolente, donde reconoce la transición paradigmática como período
histórico y como mentalidad: “... La transición paradigmática es,
así, un ambiente de incertidumbre, de complejidad y de caos que
repercute en las estructuras y en las prácticas sociales, en las
instituciones y en las ideologías, en las representaciones sociales y
en las inteligibilidades, en la vida vivida y en la personalidad. Y
Práticas inovadoras na aula universitária 31
Boaventura Santos señala que esas contradicciones se hacen
evidentes a través de una crisis con una triple faceta: de hegemonía,
de legitimidad e institucional.
La crisis de hegemonía se da a partir de la imposibilidad de
resolver la contradicción entre conocimientos “ejemplares” para la
formación de elites y la producción de la alta cultura, como contenidos
históricamente demandados, versus los conocimientos “útiles para
la transformación social” y los destinados a la formación de la fuerza
de trabajo, que se constituyen en nuevas exigencias del contexto
actual.
La crisis de legitimidad, a su vez, es producto de la
contradicción entre la jerarquización de saberes especializados, que
tiene lugar a través de mecanismos como la restricción al acceso y
la certificación de competencias, y las exigencias sociopolíticas de
democratización y de igualdad de oportunidades; esta crisis expresa
la carencia de objetivos colectivamente asumidos acerca de la
institución deteriorando una imagen consolidada de la misma.
Por último, la crisis institucional, concreta la contradicción
entre la autonomía institucional y la demanda de productividad social;
consecuentemente “... su especificidad organizativa es puesta en
tela de juicio y se pretende imponerle modelos organizativos vigentes
en otras instituciones consideradas más eficientes”. (Santos, 1998:
229).
Boaventura Santos al definir a la universidad moderna como
sede “privilegiada y unificada de un saber privilegiado y unificado”,
plantea la necesidad de pensar en otro modelo de alternativo al
vigente. El contenido que produce y transmite la universidad actual
es propio, en la visión de Santos, de las tres racionalidades de la
modernidad: la cognoscitiva instrumental de las ciencias (apropiadas
por las ciencias naturales), la moral práctica del derecho y la ética,
y la estético expresiva de las artes y la literatura. La hegemonía de
la racionalidad cognoscitiva instrumental representa el desarrollo
del paradigma de la ciencia moderna; su crisis conlleva la crisis de la
idea de la universidad moderna.
La universidad debe asumir que está en una fase de transición
paradigmática desde la ciencia moderna a un nuevo tipo de ciencia
con un “perfil vagamente visible”, todavía sin denominación clara, y
que, por tanto, designa como enmarcado en la posmodernidad, una
ciencia que pueda manifestarse como activa, autónoma y
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)30
una de las orientaciones que guían la construcción de una subjetividad
individual y colectiva. Señala como características de la frontera el
uso selectivo e instrumental de las tradiciones, la invención de nuevas
formas de sociabilidad, la existencia de jerarquías débiles, la
pluralidad de poderes y órdenes jurídicos, la fluidez en las relaciones
sociales y la promiscuidad de “extraños e íntimos”, de herencia e
invención. Algunas de estas notas, en especial las relativas a la
existencia de relaciones más dinámicas en la cátedra entre docentes
de distinta categoría, o la articulación de elementos de las prácticas
existentes con los propios de las experiencias innovadoras, se hacen
presentes en mis análisis de las innovaciones didáctico curriculares
en el aula universitaria.
En esta perspectiva se incorporan los aportes de Da Cunha y
Leite quienes
7
afirman que la práctica innovadora se entiende en el
contexto institucional de las relaciones de poder y contiene en sí un
germen de ruptura;
8
esta puede evidenciarse en un cambio de
currículum, de las relaciones entre docentes y alumnos, del encuadre
epistemológico y especialmente de la enseñanza y de la configuración
de la docencia (Leite, Braga y Genro, 1997: 32). En función de aquel
contexto y de la perspectiva teórico-ideológica en que se sitúe, la
innovación puede servir para la perpetuación del paradigma de la
modernidad, como ser un instrumento para su negación, en un
paradigma emancipatorio. Leite, Braga y Genro (Leite, Braga y Genro,
1997: 34-5), reconocen en las innovaciones tendientes a la
emancipación, rasgos como los siguientes: incertidumbre, ruptura,
multiculturalidad, contextualización, historicidad, protagonismo,
complejidad en el conocimiento, y anticipación en las acciones.
9
7
Analizan experiencias universitarias tales como evaluación, educación popular,
enseñanza a distancia, examen de ingreso (vestibular”) y aula universitaria
8
En sus trabajos sobre innovaciones Leite y Da Cunha reconocen haber abordado a
partir de nuestras investigaciones algunas categorías referidas a la innovación en
el aula, tales como ruptura y protagonismo. Al respecto ver Da Cunha (1997,
1998), Leite, org. ( 1999) .
9
Leite, Genro y Braga (1997: 34-5) describen así estos rasgos:
- Surge en contextos de incertidumbre
- Supone ruptura con relación a el sistema conservador neoliberal y con un contexto
de regulación
- Se construye en la articulación de racionalidades que exceden la cognitivo
instrumental, fundamentándose en conocimientos de diversa índole.
Práticas inovadoras na aula universitária 33
repercute muy particularmente tanto en los dispositivos de regulación
social, como en los dispositivos de emancipación social” (Santos,
2000: 257).
De allí, entonces, que analice la transición paradigmática desde
su doble vertiente, epistemológica y societaria, presentándolas como
procesos autónomos y a la vez íntimamente relacionadas.
Este punto permite articular el tema de la institución
universitaria y sus posibilidades de transformación múltiple, con el
de la innovación en las prácticas de enseñanza, puesto que Santos
(2000: 344) señala que “formas alternativas de conocimiento generan
formas sociales alternativas y viceversa”, a la vez que reconoce al
concepto de subjetividad su carácter de mediador entre
conocimientos y prácticas, y sus posibilidades de concreción en
procesos autorreflexivos.
En este contexto se afirma que las innovaciones didáctico
curriculares, de naturaleza protagónica, pueden ser vistas como un
elemento de articulación entre un proyecto macro de transformación
institucional y los cambios sustantivos en el nivel de aula que
posibiliten la formación de sujetos que desarrollen tanto aprendizajes
cognoscitivos como afectivos en situaciones alternativas a la
tradicional.
5
Las acciones emprendidas por los grupos de docentes o
por asesores pedagógicos para dar a conocer las experiencias a otros
docentes, llevando a cabo procesos autorreflexivos, a la manera de
lo descrito por Santos, se presentan como formas autogestionadas
de propagación de la innovación en ámbitos institucionales más
amplios.
6
Aporta el concepto de frontera, presentando a esta como
5
En términos de Santos “...hay que inventar una subjetividad constituida con el
topos de un conocimiento prudente para una vida decente” (ob. cit. p.345)
“...imaginar una subjetividad suficientemente apta para comprender y querer la
transición paradigmática, para transformar la “inquietud” en energía
emancipatoria”.(ob. cit., p. 346)
6
Resultan interesantes las consideraciones de Santos sobre este tema, que son
coincidentes con la estrategia de los Talleres y de las Jornadas de docentes
innovadores y con asesores pedagógicos de las Facultades (Lucarelli, 2000) que se
desarrollaron como parte de la Investigación del IICE mencionada precedentemente;
el autor sostiene que los procesos autorreflexivos se deberían dar ex ante,
posibilitándose así el análisis de las posibles consecuencias de las acciones que
desarrollan las comunidades en este sentido, en sus esfuerzos por la constitución
de redes. (Santos: 2000, pp.342-7)
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)32
“cruzadas”, categoría creada por Fernández (1994), como aquellas
opuestas a las instituciones “cenáculo” , homologables a las
innovaciones tecnicistas.
Fernández indica que las instituciones “cruzadas” asumen la
representación social de ser portadoras de “procesos de
transformación derivados del propósito de democratizar el
conocimiento...” (Fernández, 1994:163), por lo que se organizan
alrededor de un guión utópico, en el cual hay baja conservación de
la tradición y se orienta hacia la innovación y el cambio. Las metas
son abiertas, orientadoras de un proyecto que se delinea en la
práctica; los procesos de control están basados en la autorregulación
de la acción en función del interés de los sujetos en el proyecto, por
lo que la distribución de responsabilidades es flexible, con intercambio
de roles; la estructura de poder da lugar a la participación en la
toma de decisiones (Fernández, 1994: 164-166).
Innovación y articulación teoría-práctica
en el aula universitaria
En una perspectiva didáctica crítica acerca de la enseñanza
en la universidad y sus posibilidades de transformación , la
articulación teoría-práctica aparece como un factor central en la
constitución de innovaciones, dado la importancia que asume en la
institución las definiciones acerca de la naturaleza del conocimiento
tanto en lo relativo a su producción como en lo referente a los
procesos y contenidos en la formación de los sujetos; a la vez, esa
articulación se hace presente en la universidad a través de la inclusión
de la profesión, sus representaciones y sus prácticas, como
anticipatorias del campo laboral del egresado.
En el escenario institucional confrontan distintas perspectivas
acerca de la vinculación de lo teórico y de lo práctico, desde aquellas
que en forma tajante marcan su separación, hasta otras que propician
una articulación dinámica entre los componentes.
Las primeras proclaman predominantemente la supremacía
de la teoría en detrimento de la práctica, a la vez que la homologación
de la práctica con lo técnico; esta escisión hace a un empobrecimiento
en el acceso al conocimiento, traduciéndose en la segmentación de
las propuestas y de las formas de operar de la enseñanza y el
aprendizaje en el aula universitaria. Planes de estudio con asignaturas
Práticas inovadoras na aula universitária 35
Por su parte Da Cunha, en el contexto de transición
paradigmática de la universidad, trabaja con dos ideas principales:
la intencionalidad en la innovación y el profesor como actor principal
en las decisiones universitarias. En sus estudios sobre el aula y sus
procesos (Da Cunha, 1997), insiste en la idea de la intencionalidad
como elemento para provocar rupturas en las tareas de enseñar y
aprender en la universidad. A la vez reconoce algunas tensiones
propias de esos procesos que son favorables para el análisis de las
innovaciones, tales como: la relación enseñanza-investigación, la
relación teoría-práctica (Da Cunha 1997: 80-83), y la relación entre
decisiones académicas y las formas de control de conocimiento hechas
por la estructura de poder económico social. En este contexto el
profesor es actor fundamental en los cambios que se dan en la
universidad, “...dada su condición de dar dirección a la práctica
pedagógica que desarrolla, reconociendo en ella los condicionantes
históricos, sociales y culturales”. (Da Cunha, 1998: 33).
10
En las
propias narrativas de estos actores, aparece una visión epistemológica
diferente a la de la ciencia moderna en la enseñanza, visión que
sirve de base de la propuesta innovadora.
11
Equipos docentes e innovación fundamentada crítica
Los rasgos con que caracterizo la innovación didáctico
curricular en una perspectiva fundamentada crítica me permiten
identificarla con las prácticas que se dan en las instituciones
- Es multicultural y se da en un contexto histórico, en la tensión de espacios micro y
macroinstitucionales, en los juegos de poder y conflicto entre personas (profesores,
alumnos, dirigentes institucionales).
- Implica protagonismo, destacando la importancia de la subjetividad y de la posibilidad
que tienen los sujetos de decir su palabra, y encerrando nuevas configuraciones
de poder, al cambiar las relaciones entre las bases y las decisiones centrales, en el
aula, en la universidad, en el sistema educativo.
- Puede contener un proceso de cambio que no es espontáneo y que surge en
determinadas circunstancias, en un punto en que el todo y las partes se obligan a
tomar otras direcciones, aún cuando no se constituya en un cambio total.
10
Esta temática había sido abordada por Da Cunha dentro de un tratamiento más
general, propio de la problemática del docente en el sistema educativo, en una
obra anterior, (1989) O bom professor e sua prática.
11
La autora elabora un cuadro, (1998: 30) donde contrapone las tendencias
paradigmáticas de la ciencia moderna con las de las ciencia posmoderna, teniendo
en cuenta para ello las contribuciones de Santos sobre el tema.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)34
- Como principio general metodológico
Interesa considerar, en primer lugar, algunos aspectos que
hacen a la articulación teoría-práctica como principio general
metodológico que connota los procesos de enseñar y de aprender
desarrollados en toda situación didáctica.
La articulación de lo teórico y lo práctico se presenta en el
aula de clase por lo menos en tres vertientes: como proceso dialéctico
de apropiación del conocimiento ( Wachowitz ,1995) en el que a
través del método didáctico se trasladan al contexto del aula las
notas propias del método dialéctico, afirmando el carácter activo del
sujeto para aprehender su realidad; como construcción del
conocimiento (en el sentido que lo toma Litwin, 1997, para su
categoría de configuración didáctica
12
), y como aprendizaje
significativo, (en la adquisición de nuevos materiales por parte del
alumno mediante su vinculación a algún aspecto de la estructura
cognitiva existente según la concepción de Ausubel, 1976). Esta
comprensión del aprendizaje en su carácter de proceso general y
genuino, supone la alternancia, sucesión y predominio de momentos
teóricos y prácticos en las actividades previstas en la propuesta de
enseñanza.
En la experiencia didáctica innovadora esta vinculación entre
lo teórico y lo práctico connota los distintos componentes didácticos
y las formas de relacionamiento que se generan entre ellos.
Contenido, estrategias de enseñanza y evaluación, propósitos,
recursos van conformando y son conformados a la vez por tramas
que se ordenan y adquieren sentido en función de cómo se manifiesta
aquella vinculación.
12
Litwin (1997: 97) dice que la configuración didáctica es “... la manera particular
que despliega el docente para favorecer los procesos de construcción del
conocimiento... una construcción elaborada en la que se pueden reconocer los
modos como el docente aborda múltiples temas de su campo disciplinar y que se
expresa en el tratamiento de los contenidos, su particular recorte, los supuestos
que maneja respecto del aprendizaje, la utilización de prácticas metacognitivas,
los vínculos que establece en la clase con las prácticas profesionales involucradas
en el campo de la disciplina de que se trata, el estilo de negociación de significados
que genera, las relaciones entre la práctica y la teoría que incluyen lo metódico y
la particular relación entre el saber y el ignorar”
Práticas inovadoras na aula universitária 37
“teóricas” y “asignaturas prácticas”, con la existencia de tramos
iniciales dedicados a la preparación en los fundamentos teóricos de
la profesión, que se constituyen en la casi totalidad del tiempo previsto
para la formación, a los que sigue un muy limitado espacio final
para el entrenamiento en las “habilidades de la práctica profesional”,
la división horaria entre clases teóricas y prácticas, la existencia de
docentes responsables de la enseñanza de la teoría, los de mayor
prestigio y poder institucional, y de docentes para la enseñanza de
la práctica como aspecto más instrumental de los contenidos a
aprender, son algunas de las consecuencias de estas posiciones frente
al conocimiento.
La segunda perspectiva permite entrever la superación de
ese pensamiento dicotómico e inmutable , posibilitando un espacio
para pensar en cómo articular teoría y práctica sin negar una la
importancia de la otra: la praxis, como forma de acción reflexiva,
puede transformar la teoría que la rige, pues ambas están sometidas
al cambio. “Ni la teoría ni la práctica gozan de preeminencia: cada
una modifica y revisa continuamente la otra”. (Carr, 1996: 101).
La relación teoría-práctica se manifiesta en distintos ángulos:
como producción del conocimiento pedagógico a través de la
investigación, considerando la metodología utilizada para ello; como
función de la teoría con relación a la práctica en el análisis de los
procesos de difusión de experiencias protagónicas; en los distintos
significados que asume la práctica en las acciones reflexivas de
formación docente; y, muy especialmente, como manifestación en
el aula de clase, en su relación con las programaciones y con el
método de enseñanza.
Los niveles de expresión de la articulación teoría-
práctica en el aula universitaria
En la última dimensión mencionada en el párrafo anterior, la
didáctica , es donde se pueden derivar líneas de la articulación teoría-
práctica que resultan significativas para las innovaciones en el aula
universitaria, por lo menos en dos sentidos : como principio general
metodológico que atraviesa la trama en que se manifiestan los
componentes didácticos, posibles ejes de problemas detonadores
de lo innovador ; y, en un sentido más específico de la institución
universitaria, como proceso de formación en la profesión.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)36
- Como proceso de formación en la profesión
Un aspecto particular de la dimensión didáctica, en especial
en lo que respecta al aula universitaria, la formación en la profesión
se hace presente como revelador de las formas que adquiere la
articulación teoría-práctica en esta institución.
La “nueva epistemología de la práctica”, a la que hace
referencia Donald Schön, aporta nuevos enfoques acerca de los
procesos de formación de profesionales en las competencias
específicas cada campo. Esta nueva epistemología supone que la
articulación de la teoría y la práctica se desarrolla a través de una
estrategia metodológica en la que se propicia la reflexión en la acción.
Se alude a la posibilidad de pensar en lo que se hace mientras se
está haciendo, tal como lo realiza el profesional en la resolución de
situaciones cotidianas en las que deben encarar la incertidumbre y
el conflicto sin pretender aislarse de esa situación o detener el proceso
tal cual se produce. El conocimiento en la acción incluye tipos de
conocimiento que se revelan en las acciones inteligentes ya sean
observables o no, ejecutadas en forma espontánea y hábil y
generalemnte no explicitadas en forma verbal, si no media una
reflexión intencional. Esta forma de reflexión se diferencia de la
reflexión sobre la acción, en la que la “reflexión carece de una
conexión directa con la acción presente” (Schön, 1992: 37). Cuando
se reflexiona en la acción, por el contrario, se puede reorganizar lo
que se está haciendo simultáneamente a la acción.
En otro orden, la nueva epistemología de la práctica implica
la acción de investigadores que desarrollan la reflexión sobre la
reflexión en la acción, dando lugar a la elaboración de los principios
fundantes de esa disciplina.
En el caso de la formación en la práctica profesional, el
conocimiento en la acción propio de cada campo adquiere las
características que le otorga el contexto estructurado, social e
institucional, de esa profesión. Conocimiento profesional y sistema
de valores compartido definen un determinado campo profesional y
generan las formas del conocimiento en acción, a la vez que la
concepción epistemológica acerca de la práctica profesional determina
la estrategia general de formación. De allí que según estuviera esa
concepción regida por la racionalidad técnica o, por el contrario, se
diera a través de un proceso dinámico y constructivista, será la
definición de los contenidos curriculares propios de esa práctica y la
Práticas inovadoras na aula universitária 39
En esta línea de pensamiento, en especial en lo relativo al
esclarecimiento de cómo se expresa la innovación, resulta importante
recurrir a los aportes que hace Eisner (1994) quien trabaja, con la
categoría de sintaxis, entendida como ordenamiento de las formas
dentro de un conjunto, esto es, de las partes de un todo.
13
En un
continuo de formas de representación, el autor ubica en sus extremos
a las sintaxis regidas por reglas y a las sintaxis figurativas. Las
primeras, homologadas a los códigos, son las formas de
representación cuyos elementos se deben organizar según una serie
de reglas públicamente codificadas y prescriptivas. Por su parte las
sintaxis figurativas se rigen por regularidades que no están
formalmente codificadas, su carácter no es prescriptivo y no se
orientan a encontrar soluciones uniformes para tareas o problemas
comunes; permiten una interpretación personal y una forma
novedosa (ob.cit.:87). Al necesitar de la imaginación, pueden
identificarse con las metáforas (ob.cit: 89)
A partir de estos hallazgos de Eisner se puede sostener que
los componentes enmarcados en la situación didáctica, expresan
distintas formas de manifestar cómo se relacionan los momentos
teóricos y prácticos que se suceden y alternan en la enseñanza,
definiendo así distintas propuestas de aprendizaje para los alumnos.
Se reconocen así las variadas sintaxis que asumen las formas
estratégicas de enseñanza y las actividades que desarrollan los
estudiantes, es decir la modalidad de cómo se da el ordenamiento
de las formas que asume la relación teoría-práctica dentro de un
conjunto de componentes de la situación didáctica. De este modo se
entiende que las experiencias innovadoras manifiestan un
ordenamiento semejante, en algún grado, al de las sintaxis
figurativas, ya que se prevén situaciones didácticas con alto grado
de flexibilidad en sus formas de llevarlas a la práctica y de ser
desarrolladas por el estudiante en su proceso de aprendizaje.
13
Eisner (1994: 86) al analizar las formas de representación sostiene lo siguiente:
“Todas las formas son formas ordenadas. Y justamente llamo sintaxis al
ordenamiento de las formas. El término sintaxis se aplica sobre todo al lenguaje
hablado o escrito, pero por su raíz (del latín syntaxis) significa “ordenar”. La sintaxis
es entonces, un ordenamiento de las partes dentro de un todo ...el término sintaxis
no se limita al discurso, oral o escrito. Puede designar, como designaba
originalmente, el problema más general de la disposición de elementos dentro de
un todo”.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)38
cit.:198). La experimentación sobre el marco conceptual a partir de
la reflexión dialogada acerca de los componentes que definen la
situación de práctica, caracterizan también la formación en estas
profesiones (Schön, ob. cit.:195), así como en la abogacía y la
medicina.
15
Schön señala estas formas como predominantes de la
tutorización en la formación en cada campo profesional, pero no
absolutas ni excluyentes, dado que el tutor puede cambiar de forma
y combinarlas según las necesidades que se manifiesten en la clase.
Por otro lado estas referencias teóricas permiten trascender
una visión ingenua acerca de cómo y qué incluir en la enseñanza de
una profesión, favoreciendo la adopción de una mirada compleja
sobre los contenidos curriculares. Esta mirada hace a la inclusión de
contenidos de la esfera cognoscitiva como aprendizajes posibles y
deseables, junto a otros de orden personal y socio-institucional, tales
como los relativos al impacto afectivo de los procesos de inserción
en la práctica como parte de la socialización en el rol profesional.
Otros niveles particulares de la articulación teoría-práctica
en el aula universitaria
Como proceso general y genuino de aprendizaje, y como
formación en la profesión, estas dos modalidades sintácticas de
articulación teoría-práctica se constituyen, en las vías principale, o
en el primer nivel, de expresión esa articulación en el aula
universitaria, permitiendo a la vez reconocer otras formas sintácticas
de menor grado de generalidad, denominadas formas específicas y
modalidades particulares .
Las formas específicas de expresión representan el segundo
nivel y hacen referencia a la concreción de la articulación teoría-
práctica como innovación en función de la finalidad o eje central que
ella manifiesta en la situación didáctica. Esa finalidad, entendida
como elemento estructurador de la articulación, puede evidenciarse
15
Schön sintetiza en estas expresiones los tres modelos de formación en la práctica
profesional antes descrito: “¡sígame!”, para la demostración en las artes y el diseño;
“experimentación compartida” para el desarrollo de la puesta en acción reflexionada
del marco conceptual, y “sala de espejos” para el análisis reflexivo de la práctica
profesional del docente tutor o del estudiante, propias de las profesiones centradas
en el comportamiento.
Práticas inovadoras na aula universitária 41
forma estratégica prevista para su enseñanza. Esos contenidos
incluyen, además de los aspectos previsibles de la profesión, tales
como conocimientos y habilidades específicos, aquellos otros
relacionados con situaciones en las que el profesional define cursos
de acción, aceptando la existencia de “zonas indeterminadas de la
práctica” que se caracterizan por la incertidumbre, la singularidad
de la situación y el conflicto de valores.
Consecuente con esta línea de pensamiento, Schön transfiere
al ámbito del aula universitaria, dos rasgos estratégicos que identifica
en formaciones relacionadas con el arte y el diseño: el aprendizaje
en acción y la enseñanza tutorial. A partir de la definición de estos
dispositivos propone la estructuración de un espacio didáctico-
curricular donde concretarlos, esto es un prácticum, “situación
pensada y dispuesta para la tarea de aprender una práctica”( Schön,
ob.cit.: 45). Dado que es propiciador para la nueva epistemología
de la práctica, denomina a este espacio prácticum reflexivo: lugar
donde se ayuda a los estudiantes universitarios que se están
formando en una profesión, a ser capaces de algún tipo de reflexión
en la acción, a través de un diálogo entre docente-tutor y alumno.
14
La articulación teoría-práctica que atraviesa la reflexión en la
acción permite reconocer las diversas formas que adopta la enseñanza
en el prácticum reflexivo, se constituyen así modelos que difieren
según la estrategia general adoptada en función del contenido a
enseñar, determinado, a su vez, por la profesión objeto de formación.
La demostración y la descripción, junto al análisis de la práctica
definen el modelo de enseñanza en las artes y el diseño; el análisis
compartido de la práctica profesional desarrollada por el docente-
tutor es un eje central del modelo desarrollado en otros campos en
los que la práctica tiene fuerte componente personal, como la
docencia, la gestión, el trabajo social o el psicoanálisis (Schön, ob.
14
Dice Schön (1992 ) al respecto: “El marco educativo en el que se desenvuelve
habitualmente un taller de diseño es el de un practicum reflexivo... es reflexivo en
dos sentidos: se pretende ayudar a los estudiantes a llegar a ser capaces en algún
tipo de reflexión en la acción... ello implica un diálogo entre el tutor y el alumno
que adopta una forma de reflexión en la acción recíproca” (p. 10). Amplía más
adelante para destacar el tipo de aprendizaje en la práctica profesional que favorece:
“...denominaré un ‘practicum reflexivo’: unas prácticas que pretenden ayudar a
los estudiantes a adquirir formas de arte que resultan esenciales para ser competente
en als zonas indeterminadas de la práctica”. (p. 30).
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)40
elaborar estrategias para abordarlas, darle resolución y
fundamentarlas.
Como antecedente fundante de esta estrategia, puede
señalarse la importancia que Dewey en Democracia y educación
(1971), atribuye al problema, al reconocerlo como un “estímulo para
el pensamiento”, que se deriva de una situación auténtica de
experiencia en la que el alumno se sienta genuinamente interesado.
16
En el mismo sentido, arriba expresado, de máxima centralidad
para favorecer la construcción del conocimiento, Litwin (1997:121)
reconoce la configuración didáctica centrada en la situación o caso
problema como objeto paradigmático,
17
como una de las ocho
categorías de la clase universitaria, identificadas en las observaciones
realizadas en el marco de su investigación sobre enseñanzanza
superior.
Otra modalidad particular de alta complejidad en la que se
expresa la articulación teoría-práctica, es la relativa a la producción;
esta implica la realización de una tarea o un objeto de tipo cognitivo
o material que permita sintetizar, identificar, derivar o retrabajar
contenidos conceptuales, procedimentales y actitudinales adquiridos
por el alumno. El trabajo en terreno es considerado como una
subcategoría de la producción. Se lo define como la actividad de
articulación teoría-práctica que se concreta en tareas fuera del ámbito
del aula, y que incluye, entre otras, observación y búsqueda de
información, así como desempeños que implican la puesta en acción
de contenidos conceptuales, procedimentales y actitudinales previos,
que, a su vez, pueden operar como “disparadores” para la adquisición
de nuevos contenidos.
16
En la enunciación de las condiciones que debe reunir el método pedagógico Dewey
(1971: 178) destaca el valor del problema en la situación de enseñanza y
aprendizaje, al expresar como recomendable lo siguiente: “Primero, que el alumno
tenga una situación auténtica de experiencia, es decir una actividad continua en la
que esté interesado por su propia cuenta; segundo, que se desarrolle un problema
auténtico dentro de esta situación como un estímulo para el pensamiento; tercero,
que el alumno posea la información y haga las observaciones necesarias para
manejarla; cuarto, que las soluciones sugeridas se le ocurran a él, lo cual le hará
responsable para desarrollarlas de un modo ordenado, y quinto, que tenga la
oportunidad para comprobar las ideas por sus aplicaciones para aclarar su sentido
y descubrir por sí mismo su valor”.
17
Litwin denomina objeto paradigmático al tipo de clases estructuradas alrededor de
un abordaje central en la disciplina, habiéndolo identificado en clases de crítica
literaria, de psicología y de didáctica (ob. cit.: 121).
Práticas inovadoras na aula universitária 43
en torno a los componentes didáctico-curriculares. Tal es el caso del
contenido curricular, que puede manifestar formas alternativas tanto
en su constitución como objeto disciplinar, como en lo relativo a las
modalidades de su organización en la propuesta. En cuanto a lo
metodológico, la experiencia innovadora puede expresar nuevas
formas de encarar la articulación teoría-práctica en lo referido a la
definición de estrategias generales de enseñanza, como también
estrategias particulares relativas a la preparación en los roles
profesionales. Se presentan cinco formas específicas de concreción
de la relación teoría-práctica según estos ejes: estrategia de
entrenamiento en el profesional, núcleo articulador de la organización
curricular, estrategia general metodológica, aprendizaje de la
creatividad, y construcción del objeto de estudio.
El tercer nivel en que se expresa la vinculación de lo teórico
con lo práctico en el aula universitaria, o modalidades particulares
de esa vinculación, son aquellas formas de más baja generalidad,
portadoras de situaciones didácticas que desarrollan la articulación
teoría-práctica, definidas en función de cómo son percibidas por los
sujetos que intervienen en esas situaciones y que se concretan en
las actividades que integran las estrategias de enseñanza.
Se incluyen como modalidades particulares de la articulación
teoría-práctica desde aquellas con un grado bajo de orientación hacia
el aprendizaje significativo y en las que la acción desarrollada por el
estudiante hacia el aprendizaje significativo es más restringida (tal
es el caso de la ejercitación o la ejemplificación) hasta otras como la
resolución de problemas, la producción, el trabajo crítico en las que
las actividades desarrolladas por el alumno son de mayor grado de
complejidad y autonomía en la construcción del conocimiento.
En este encuadre, en la categoría de ejemplificación se
incluyen situaciones en las que el sujeto del aprendizaje desarrolla
acciones destinadas a demostrar, probar o explicar a través de
ejemplos, casos, situaciones particulares que den cuenta de lo que
se describe y sustenta en la presentación de un concepto teórico de
carácter general.
En el otro extremo de complejidad de las categorías de este
nivel, la resolución de situaciones problemáticas es entendida como
una modalidad particular de enseñanza en que la articulación teoría-
práctica se expresa a través de la presentación de problemas,
organizados de tal manera que posibilitan al sujeto del aprendizaje
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)42
DEWEY, J. Democracia y educación. Bs. As. Losada, 1971.
EISNER, E. The educational imagination. On the disign and
evaluation of school programs. New York. Macmillan, 1979.
FERNÁNDEZ, L.M. Instituciones educativas. Dinámicas
institucionales en situaciones críticas. Bs. As. Paidós,1994.
HELLER, A. Sociología de la vida cotidiana (prefacio de Gyorgy
Lukacs). Barcelona. Península,1977.
LEITE, D., MOROSINI, M. y et al. Universidade futurante.
Campinas, Papirus,1997.
LEITE, D., LUCARELLI, E. et al. Inovação como fator de
revitalizaçào do ensinar e do aprender na Universidade. En:
LEITE, D. (org). Pedagogía Universitaria. Porto Alegre. Editora
da universidade /UFRGS, 1999.
LITWIN, E. Las Configuraciones Didácticas. Una nueva agenda
para la enseñanza superior. Bs. As. Paidós, 1997.
LUCARELLI, E. Características de las Innovaciones. Documento
interno del Equipo del IICE. Bs. As. FFyL. IICE, 1990.
LUCARELLI, E.; FALLIK, V. y DONATO, M. Las innovaciones
curriculares en el mejoramiento de la educación universitaria:
un proyecto en acción. En: Cuadernos del IICE Nº 9. Bs.As.
FFYL. UBA, 1991.
LUCARELLI, E. Teoría y práctica como innovación en docencia,
investigación y actualización pedagógica. Cuadernos del IICE
Nº10. FFYL. UBA, 1994.
_____. El asesor pedagógico en la universidad: de la teoría
pedagógica a la práctica en la formación. (organizadora). Bs.
As. Paidós, 2000.
NEEF, M. et al. Desarrollo a escala humana. Una opción para
futuro. Stgo. de Chile. Fundación Dag Hammarskjold /CEPAUR
Development, 1986.
POPKEWITZ, Th. Educational reform: rethoric, ritual and social
interest. Department of Curriculum and Instruction. University
of Wisconsin Press.Madison, 1987.
Práticas inovadoras na aula universitária 45
A modo de conclusión
Los conocimientos que se presentan en este trabajo acerca
de las cátedras universitarias que llevan a cabo innovaciones y el
comportamiento de la articulación teoría-práctica como eje
dinamizador en la estructura didáctico curricular, sus diversas
modalidades de expresión de esa articulación, así como acerca del
papel que juega en el origen y desarrollo de esas innovaciones,
aspiran a constituirse en un aporte potencial en la conformación de
una didáctica universitaria en el marco de la perspectiva
fundamentada crítica.
Pueden serlo en la medida en que contribuyan a esclarecer
algunos aspectos de este campo problemático de reciente constitución
disciplinar, a la vez que se presenten como una puerta de acceso al
planteamiento de interrogantes y al desarrollo de líneas de reflexión
e indagación, a explorar futuras investigaciones en esta área.
Bibliografía
ANGULO RASCO, J. F. Inovação, universidade e sociedade.
En: CASTANHO, S. y CASTANHO, M. E. (Orgs). O que há de
novo na educação superior. Campinas, SP, Papirus, 2000.
AUSUBEL, D.P. Psicología educativa: un punto de vista
cognoscitivo. México. Trillas, 1978.
BLEGER, J. Psicología de la conducta. Buenos Aires. Centro
Editor de América Latina, 1971.
CARR, W. Una teoría para la educación. Hacia una investigación
educativa crítica. Madrid. Morata, 1996.
DA CUNHA, M.I. O Bom Professor e sua práctica. Campinas,
Papirus Editora, 1989.
DA CUNHA, M.I. y LEITE, D. Decisôes pedagógicas e estruturas
de poder na Universidade. Campinas, Papirus Editora, 1996.
DA CUNHA, M. I. Aula universitaria: inovação e pesquisa. En:
LEITE, D. MOROSINI, M. et al. Universidade futurante, 1997.
_____. O professor universitario na transição de paradigmas.
São Paulo, J.M.Editora, 1998.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)44
Contra o desperdício da experiência:
pelo diálogo entre teoria e prática
na formação de professores,
na perspectiva da
profissionalidade docente*
Helena Beatriz Mascarenhas de Souza**
Primeiras idéias
O debate entre teoria e prática como opostos em um
continuum é velho no mundo: do senso comum a uma ciência que
se fez dicotômica em nome de certa racionalidade, estes são termos
habitualmente vistos em uma relação de antagonismo. No campo
da educação este é um debate que parece ser inesgotável e que se
reedita em diferentes áreas – na definição de currículos, no
estabelecimento de políticas nacionais e internacionais para a
educação, na pesquisa em educação, na aula que vamos dar amanhã,
na formação de professores. Nestas e em outras áreas de interesse
da educação, o dilema teoria-prática surge com frequência, em geral
a cobrar posicionamentos e definições. Com estes termos ocorre um
fenômeno de esvaziamento: são tão recorrentes, tão aparentemente
transparentes, que nos apropriamos deles e os usamos como se
dotados de um sentido único e evidente – o mesmo acontece com
idéias como crise da educação, fracasso escolar, inclusão,
globalização. No entanto, qualquer desses termos pode ter diferentes
_____. Sociología política de las reformas educativas. Madrid.
Morata, 1994.
SANTOS, B. de S. De la mano de Alicia. Lo social y lo político
en la posmodernidad. Bogotá. Ediciones Uniandes, 1998.
_____. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a
política na transição paradigmática. Vol. 1: A crítica de razão
indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo.
Cortez, 2000.
SCHÖN, D. La formación de profesionales reflexivos.
Barcelona. Paidós, 1992.
SIRVENT, M.T. Educación de adultos: investigación y
participación. Bs. As. El Quirquincho, 1994.
_____. Clases de Investigación y Estadística Educacional I,
(FFyL, UBA), Desgrabación clases Nº 12 y 13. I cuatrimestre.
Mimeo, 2002.
WACHOWICZ, L. O método dialético na didática. Campinas.
Papirus,1995.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)46
* Início do título (em itálico) emprestado de Boaventura de Sousa Santos.
** Graduada em Letras, habilitação Português-Inglês, mestranda em Educação.
Professora da rede municipal de Pelotas. E-mail: [email protected]
não tem relação com, não contribui com, não responde à prática.
Parece bastante irônico, em um primeiro momento, pensar
que essa mentalidade pragmática dos professores tenha sido forjada
apesar do forte conteúdo teórico de seus cursos de formação. Em
um segundo momento é possível pensar – o que seria talvez ainda
mais irônico – que esse pragmatismo se constitua nos professores
em razão mesmo de e em reação a essa carga teórica de sua
formação inicial. O problema, segundo eu o vejo, não está em que
os programas de formação inicial de professores trabalhem com
uma dose elevada de conteúdos teóricos, e sim no fato de estes
serem de modo geral descontextualizados, dessituados,
desvinculados e desarticulados da prática docente sobre a qual
teorizam.
Pesquisas vêm evidenciando depoimentos de professores no
sentido de que seus cursos de formação pouco contribuíram para a
sua constituição como professores e para a construção dos saberes
necessários à docência, e a concomitante atribuição de maior relevo
ao que aprenderam com a experiência e a prática. O que isso deve
nos indicar não é que a formação teórica deva ser vista como inútil
ou dispensável; não é que conteúdos teóricos devam ser substituídos
por práticos, ou que as cargas horárias dos primeiros devam ser
reduzidas nas grades curriculares em favor do aumento das cargas
horárias dos segundos, simplesmente. O que devemos, a partir da
constatação acima, é questionar que tipo de relação com o saber, no
sentido de Charlot (2000, 2005), os programas de formação vêm
propiciando e permitindo a nós, professores. Que relação
estabelecemos com o saber, nós professores, que uma vez na prática
docente apequenamos e rejeitamos os saberes teóricos? Que tipo
de professores isto nos torna, no momento de possibilitar e contribuir
para mobilizar em nossos alunos uma relação significativa e prazerosa
com o saber?
Em uma área que possui a amplitude e a complexidade da
educação, respostas pontuais e absolutas nunca dão conta dos
problemas. Muitos aspectos intervêm e contribuem para configurar
o estado atual da formação de professores em nosso país, vista em
sua relação com o exercício profissional da docência, no quadro maior
da educação brasileira. Não pretendo escorregar na tentação mais
Práticas inovadoras na aula universitária 49
significados para diferentes pessoas, não significando nada em si
mesmos, a não ser que acompanhados de uma definição ou
explicitação da perspectiva teórica a partir da qual se fala. Constituem
significantes vazios.
1
Este trabalho, de caráter teórico, deseja pensar a prática
docente, tendo como preocupação central a formação de professores
do ponto de vista do papel desempenhado por teoria e prática nesse
campo. Teoria e prática aqui, portanto, em uma primeira
aproximação, dizem respeito a visões de teoria e prática que incidem
no terreno da educação, particularmente no terreno da formação de
professores para o exercício profissional da docência. Assim, embora
a riqueza de uma abordagem de natureza filosófica dos conceitos e
concepções referentes à teoria e prática e à relação entre eles, não
será esse o foco deste trabalho.
Penso que o senso comum é um bom ponto de partida para
esta reflexão. Afinal, todos nós, professores, na nossa ação docente,
nos apoiamos fortemente no senso comum – nosso repertório
“teórico” é cheio de crenças e tradições, nosso repertório “prático” é
recheado de rotinas. Partindo do senso comum, encontro bastante
dificuldade para definir teoria e prática sem que um dos termos
remeta à ausência ou à negação do outro: teoria é o que não é
prática, prática é o que não é teoria. Refiro isto para evidenciar o
quão impregnada temos em nós a visão que opõe os dois termos,
por mais que racionalmente busquemos caminhos que evitem essa
oposição. Entre nós, professores, são comuns manifestações que
desprestigiam e rejeitam o “teórico”, visto, às vezes, como beirando
o inútil. Preocupados com a aula que vamos dar daqui a pouco, e
com o número não pequeno de respostas que precisaremos ter a
problemas de diversas ordens na sala de aula, quem de nós ou não
disse ou não ouviu dizer – “isto é muito bonito na teoria, mas quero
ver na prática!”? De modo semelhante, não é raro ver em nossas
reuniões e discussões pedagógicas, textos e posições postos de lado
sob a alegação de serem muito “teóricos” – ou seja, o que é teórico
1
Estou tomando o conceito de significante vazio como sendo do argentino Ernesto
Laclau (ver, p.ex., artigo de Claes Wrangel em http://thatsnotit.wordpress.com/
2007/05/03/towards-a-modified-discourse-theory-pt-1-laclaus-empty-signifier/);
já vi, no entanto, o conceito ser atribuído a Derrida, a Lacan, e mesmo a Barthes.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)48
Articulação teoria e prática:
um passo rumo a um novo paradigma de conhecimento?
Wilfred Carr e Boaventura Santos
O tratamento dado à relação entre teoria e prática nos
programas de formação de professores é coerente com o paradigma
de conhecimento que dominantemente orienta os cursos de
licenciatura, assim como os demais cursos superiores, a educação
de modo geral, as concepções de ciências e as visões de mundo.
Nos problemas e questionamentos mais diversos que a educação
em todos os seus níveis enfrenta hoje, percebe-se nitidamente a
crise de paradigma de que fala Boaventura Santos (2000). Nessa
área, contudo, que abriga um dos mais prezados ideais da
modernidade, a transição de um paradigma dominante em crise
para um paradigma emergente dá-se a passos lentos, e as
concepções de educação, bem como as formas de organização e
distribuição da educação, aferram-se ao modelo de racionalidade
científica e técnica que, desde principalmente o século XIX, domina
a visão de conhecimento e de ciência, negando caráter científico/
racional às formas de conhecimento que “se não pautarem pelos
seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas”
(SANTOS, 2000, p.61). Este modelo de ciência, constituído a partir
de uma primeira ruptura com o senso comum, considerado
“superficial, ilusório e falso” (op.cit., p.107), “desconfia
sistematicamente das evidências da nossa experiência imediata”
(op.cit. p.62). Santos (op.cit., p.87) chama atenção para o caráter
dualista da ciência moderna: referindo os dualismos “cultura/
natureza, abstrato/concreto, espírito/corpo, sujeito/objeto, ideal/
real”, ressaltando que em todos esses binômios o primeiro pólo é
considerado dominante. Parece que a estes pode ser agregado, com
propriedade, o binômio teoria/prática.
No prólogo à obra de Carr (1996)
2
, Stephen Kemmis, desde
uma perspectiva que pode ser alinhada à anterior, vai identificar, no
final do século XIX e início do XX, o surgimento de uma teoria
2
Trabalhei com a tradução de Pablo Manzano para o espanhol, que recebeu o título
Una Teoría para la Educación: hacia uma investigación educativa crítica. Ediciones
Morata, Madrid, 2006. As citações dessa obra utilizadas neste trabalho foram
traduzidas do espanhol por mim.
Práticas inovadoras na aula universitária 51
fácil de forjar respostas, apresentar soluções, dar receitas ou apontar
saídas mágicas. Quero, contudo, pensar na possibilidade de que
uma outra forma de relação entre teoria e prática, que não a de
oposição, possa contribuir para a qualidade da formação de
professores como profissionais que se apropriem dos saberes
necessários a um exercício menos conturbado, mais seguro e mais
competente de suas funções.
Penso que apesar de já estar tacitamente posto, pelo que foi
dito até aqui, talvez seja necessário precisar o que estou tratando
de teoria e o que estou chamando de prática neste trabalho – ou
seja, aquilo que quero ver em uma relação outra que não a de
oposição. No âmbito desta discussão, que tem por foco os cursos de
formação de professores, refiro-me a teoria e prática tendo em mente
os conteúdos trabalhados nesses cursos: no campo do teórico, teorias
propriamente ditas, conceitos, princípios, conjuntos de conhecimentos
que, sistematizados, constituem um determinado domínio de
conhecimento. No caso da formação de professores, situam-se neste
campo tanto conteúdos das áreas disciplinares específicas quanto
conteúdos pedagógicos. Já quando falo de prática, estou me referindo
a situações e formas variadas de contato com o mundo da escola e
da docência e com experiências e vivências que dizem respeito ao
universo escolar, ao ensino e à aprendizagem. A palavra contato, no
meu entendimento, não precisa nem deve ser vista como indicando
exclusivamente contato concreto, físico, material, com o chão da
escola e com a sala de aula. Não vejo porque não possa ser visto
como contato – e como prática no contexto curricular – a discussão
de assuntos e problemas do cotidiano escolar em outro espaço que
não a escola em si mesma.
A idéia de prática, especialmente, possui um significado muito
deslizante. Ao longo deste trabalho o termo prática será usado, além
do sentido de prática como disciplina constituinte do currículo, no
que se distingue das disciplinas teóricas, também como prática
docente, no sentido do trabalho do professor no exercício da docência.
Acredito que o uso do termo em contexto permitirá que se perceba
seu sentido em cada situação. Explicitarei o sentido que atribuo ao
termo, contudo, se julgar que seu uso deixa margem a ambiguidades,
ou ainda se utilizá-lo com um significado diferente dos que referi
aqui.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)50
dependência poderia contribuir grandemente para avançar em direção
ao paradigma emergente que Santos vislumbra anunciar-se no
horizonte, de “um conhecimento prudente para uma vida decente”,
[...] em busca de uma vida melhor a caminho doutras paragens onde o
otimismo seja mais fundado e a racionalidade mais plural e onde, finalmente,
o conhecimento volte a ser uma aventura encantada. (op.cit., p.74).
No início deste trabalho observei que os professores possuem
um sentimento de inutilidade no que diz respeito à teoria. Santos
chama atenção para o fato de que o senso comum é tão moderno
quanto a própria ciência moderna, pertencendo ambos a uma mesma
constelação cultural, e que a distinção entre ciência e senso comum
é feita a partir de ambas as perspectivas. De sua perspectiva, a
ciência distingue “entre conhecimento objetivo e mera opinião ou
preconceito”. Da perspectiva do senso comum, a distinção é feita
entre “um conhecimento incompreensível e prodigioso e um
conhecimento óbvio e obviamente útil” (p.107). A segunda ruptura
epistemológica proposta pelo sociólogo, com vistas à transformação
do conhecimento científico em um novo senso comum, emancipatório,
pode transformar um quadro como o referido, ampliando o acesso
dos professores ao conhecimento e gerando novas formas de relação
com o saber. Um movimento que articule teoria e prática no âmbito
da formação de professores pode ter esse papel rupturante.
Penso que se pode encontrar apoio para este movimento no
pensamento de Carr.
Carr foi quem me forneceu uma primeira “iluminação” para
pensar a relação teoria-prática, ao apontar três confusões ou formas
equivocadas, no campo da educação, de entender essa relação. A
primeira, e mais comum, é a que vê a relação entre teoria e prática
como uma relação de oposição, em que um termo exclui o outro: a
teoria trata de idéias abstratas, a prática de realidades concretas.
Apontando exemplos que evidenciam que nem todos os aspectos da
prática educativa são limitados por critérios de caráter imediato,
ressalta a função essencial desempenhada pelas generalizações
teóricas e pelas idéias abstratas na prática educativa. E sumariza:
Ao aceitar o duplo suposto de que toda prática é ateórica e que toda teoria
é não prática, este enfoque subestima sempre o fato de que aqueles que
desenvolvem práticas educativas têm que refletir sobre o que tratam de
fazer e, portanto, teorizar sobre isso (CARR, 1996, p.89).
Práticas inovadoras na aula universitária 53
racionalista da ação, “que considerava esta como expressão e
realização de idéias” (in CARR, 1996, p.27):
A teoria racionalista da ação privilegia a teoria com respeito à prática ao
considerar que aquela serve de guia para a prática. Predica a prática baseada
na teoria, deixando na penumbra as formas nas quais a teoria se predica
baseando-se na prática. Por um lado, permite que surja uma relação de
poder na qual aqueles que têm a responsabilidade de teorizar podem
considerar-se superiores, desde os pontos de vista hierárquico e diretivo, a
aqueles que desempenham funções práticas; por outro lado, esvazia de
significado (e desprofissionaliza) a prática e os práticos, enquanto fontes de
idéias (teoria) (CARR, 1996, p.27).
Na mesma discussão, Kemmis vai apontar para a divisão do
trabalho científico que essa concepção institui entre o teórico, ou
investigador da educação, e o prático – o professor:
Daquele se espera que articule uma fonte de idéias acerca de como se deve
levar a cabo a educação para que seja eficaz; do outro se espera que aprenda
as difíceis lições da ciência da educação e as aplique na prática (cumprindo
ordens?). Desta perspectiva deriva-se a conseqüência contraditória que
considera os práticos como indivíduos não muito bem informados sobre a
prática, ainda que a conheçam “por dentro”, ao mesmo tempo que considera
que os teóricos estão bem informados sobre a prática, embora a divisão do
trabalho os separe dela (op.cit.).
É essa a concepção que domina, ainda, os programas de
formação de professores: fundados em um modelo que identifica
teoria com ciência e prática com senso comum – portanto, fora do
campo científico – privilegiam a aquisição teórica de conhecimentos
disciplinares e compreendem a prática como mera aplicação desses
conhecimentos. Criam, assim, dois momentos estanques e
ordenados: primeiro se adquire o conhecimento teórico específico;
em um segundo momento, aplica-se esse conhecimento na prática
escolar. Teoria e prática são desvinculadas, a teoria assume
supremacia epistemológica em relação à prática e esta, como mera
aplicação da teoria, é deslocada para o momento final da formação,
quando se supõe que os professores em formação, aí detentores da
teoria, serão capazes de transpô-la, mecânica e magicamente, para
a prática docente.
Uma perspectiva que veja como possível e busque
implementar nos currículos da formação inicial de professores uma
outra relação entre teoria e prática que não a de oposição ou a de
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)52
Penso que os aportes de Carr contribuem importantemente
para diminuir a distância estabelecida entre teoria e prática nas
discussões educacionais. Segundo ele mesmo, muito desse
distanciamento deve-se aos fundamentos conceituais sobre os quais
foi levantado o edifício da teoria da educação:
(...) só mediante o desmantelamento dos defeituosos fundamentos sobre
os quais foi erigido todo o edifício da ciência da educação podem começar a
ressurgir as questões básicas acerca do estudo teórico da educação e
reafirmar-se as respostas alternativas (op.cit., p.53).
Estes fundamentos são os da ciência moderna e da
racionalidade por ela instituída. Na via da construção de um outro
paradigma, para combater a razão estreita, reducionista, dicotômica,
preguiçosa, que informa o atual, Santos (2000, 2007) propõe uma
nova sociologia, transgressiva e insurgente – uma Sociologia das
Ausências, com a tarefa de
(...) mostrar que o que não existe é produzido ativamente como não-
existente, como uma alternativa não-crível, como uma alternativa
descartável, invisível à realidade hegemônica do mundo (SANTOS, 2007,
p.28-29).
Mais uma vez, vejo como possível aproveitar o exercício
epistemológico de Santos para questionar os pressupostos que
orientam as visões instituídas nos nossos cursos de formação de
professores no que diz respeito às concepções de teoria, de prática
e da relação entre elas.
Se a racionalidade moderna opera por meio de dicotomias
que abrigam hierarquias, devemos enxergar como uma delas a
dicotomia teoria-prática. Nas totalidades dicotômicas, o termo
hierarquicamente inferior é o termo “produzido ativamente como
não existente”, como ausente. Uma das ausências a que se refere
Santos é produzida por uma “monocultura do saber e do rigor”:
(...) a idéia de que o único saber rigoroso é o saber científico; portanto,
outros conhecimentos não têm a validade nem o rigor do conhecimento
científico. Essa monocultura reduz de imediato, contrai o presente, porque
elimina muita realidade que fica fora das concepções científicas da sociedade,
porque há práticas sociais que estão baseadas em conhecimentos populares,
conhecimentos indígenas, conhecimentos camponeses, conhecimentos
urbanos, mas que não são avaliados como importantes ou rigorosos. E,
como tal, todas as práticas sociais que se organizam segundo esse tipo de
conhecimento não são críveis, não existem, não são visíveis (op.cit, p. 29).
Práticas inovadoras na aula universitária 55
A segunda forma de ver a relação entre teoria e prática surge,
segundo Carr, como uma reação à primeira: a prática não é mais
ateórica; pelo contrário, toda prática está carregada de teoria, “rege-
se por um marco teórico implícito que estrutura e orienta as atividades
de quem se dedica a tarefas práticas” (op.cit, p.89). Segundo esta
perspectiva, a prática é regida pela teoria, dependente desta. Um
dos problemas desta linha de pensamento, para o autor, é dar
margem a que os profissionais tornem suas teorias que são
elaboradas fora do âmbito da prática, o que mais uma vez, parece,
estabelece distância entre teoria e prática, entre o trabalho intelectual
dos teóricos e o trabalho desintelectualizado dos professores, em
um enfoque que vê a prática como aplicação da teoria.
O terceiro equívoco é o cometido por linhas de pensamento
que partem da autonomia da prática, considerando-a independente
da e anterior à teoria. Assim fazendo, invertem a relação, passando
a ver a teoria como dependente e originada da prática, o que acaba
reduzindo a prática a um “saber como”, desprovido da disposição
ética que informa as práticas educativas.
Carr aponta, a partir dos argumentos que desenvolve em
torno dessas três visões da relação teoria-prática, para a possibilidade
de que essas análises sejam vistas não como falsas ou incompatíveis,
mas tão somente como incompletas:
É possível que as três características da prática às quais aqui se presta
atenção (sua oposição à teoria, sua dependência da teoria, sua independência
da teoria) sejam também características necessárias de uma prática
educativa; no entanto, ao acentuar somente uma delas, excluindo as demais,
cada uma dessas distintas descrições só pode oferecer uma versão
incompleta, unilateral, daquilo que pode ser uma prática educativa (op.cit,
p.91).
Como uma via para solucionar esse impasse, através de uma
análise histórico-filosófica propõe a recuperação do conceito
aristotélico de práxis: uma forma de ação reflexiva capaz de
transformar a teoria que a rege:
(...) na práxis, a teoria está tão submetida à mudança como a própria prática.
Nem teoria nem prática gozam de preeminência: cada uma modifica e revisa
continuamente a outra (op.cit., p.101).
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)54
dos cursos de formação de professores? Como se concebem, e para
quê se concebem? Com que perspectiva de sujeito lidam? Quem são
os sujeitos egressos dos cursos de formação de professores? São
profissionais que se interrogam sobre o sentido e a pertinência de
todas as decisões em matéria educativa, ou são meros técnicos que
se limitam a aplicar corretamente um conjunto de diretivas? Assumir
a perspectiva da profissionalidade na ação docente
(...) coloca exigências mais complexas às reformas educativas,
nomeadamente no que diz respeito à recusa de programas pontuais de
formação, e pressupõe o resgate da imagem do professor como intelectual,
isto é, como detentor de um discurso que, incorporando elementos técnicos,
exprime as componentes políticas que determinam a prática docente. (Giroux,
1985, apud Gimeno Sacristán, op.cit., p.76)]
No texto Consciência e Acção sobre a Prática como Libertação
Profissional dos Professores, Gimeno Sacristán (1995) discute em
profundidade, e a meu ver com grande pertinência, a relação entre
formação de professores, prática educativa e profissionalidade. Sua
maneira de conceber a prática educativa como práticas aninhadas
(op.cit., p.69), em que vários contextos – sociais, antropológicos,
culturais, institucionais, organizativos, didáticos, e outros externos
mesmo ao ambiente escolar – incluem-se uns nos outros e
influenciam-se reciprocamente, alarga o conceito de prática, não a
restringindo ao espaço escolar, ao metodológico, à sala de aula e às
práticas didáticas propriamente ditas. Percebe-se que essa visão
necessariamente repercutiria nos processos de formação, trazendo
consequências para a concepção dos programas de formação, “(...)
na medida que há um aumento das práticas e dos conhecimentos
profissionais dos professores. Exige-se um currículo de formação
mais completo, que não se restrinja às dimensões didáticas” (op.cit.,
p. 75).
Os programas de formação de professores costumam investir
mais fortemente nos aspectos técnicos da profissão, preocupados
com a constituição de destrezas, despindo-se de dimensões culturais
e pessoais. Para Gimeno Sacristán,
(...) a atividade docente não é exterior às condições psicológicas e culturais
dos professores. Educar e ensinar é, sobretudo, permitir um contacto com a
cultura, na acepção mais geral do termo; trata-se de um processo em que a
própria experiência cultural do professor é determinante (op.cit., p.67).
Práticas inovadoras na aula universitária 57
O que Santos propõe como alternativa não é o
“desmantelamento do edifício”, o que para ele evidenciaria um
“fundamentalismo essencialista anticiência”. Contra as monoculturas
propõe ecologias – e, no caso aqui em questão, uma ecologia dos
saberes, que presentifique, dê visibilidade ao que é ausente:
(...) a possibilidade de que a ciência entre não como monocultura mas como
parte de uma ecologia mais ampla de saberes, que o saber científico possa
dialogar com o saber laico, com o saber popular (...) Estamos tentando uma
concepção pragmática do saber (op.cit, pp 32-33).
Estou procurando dizer que a prática é o termo ausente,
inferior, desprestigiado no par teoria-prática, por pertencer ao mundo
da realidade e à realidade do mundo – o que a coloca, segundo a
razão dominante, no campo do senso comum e fora do campo da
ciência. Dentro desta racionalidade, ciência e senso comum não
dialogam – nem teoria e prática. A Sociologia das Ausências de
Santos aposta nesse diálogo, contra o “desperdício da experiência”
(2000, 2007). Esta pode ser vista como uma resposta alternativa,
de que fala Carr, que possibilite uma relação entre teoria e prática
em que de fato “uma não goze de preeminência em relação à outra”,
em que “cada uma modifique e revise continuamente a outra”.
A contribuição de Gimeno Sacristán:
onde as práticas se encontram
com a idéia de profissionalidade
Um texto exige um ponto final. A discussão aqui esboçada
não pretende esgotar-se aqui. Muitos outros aportes seriam
pertinentes e, decerto, questões importantes deixaram de ser
abordadas. Vejo necessidade de abordar pelo menos uma entre essas,
ao mesmo tempo que busco encaminhar-me para a conclusão desta
escrita, conclusão que prefere ver-se inconclusa e provisória.
Ao se pensar sobre formação de professores, a questão que
se insinua exigindo um olhar, mesmo que de passagem, é a que diz
respeito à idéia de profissionalidade. Daqui em diante entro nesta
questão a partir dos aportes de Gimeno Sacristán (1995). Esta é
uma discussão vasta, de domínio específico. A medida pela qual a
entendo como necessária, aqui, é dada porque a vejo como a
perspectiva em direção à qual devem orientar-se os cursos de
formação de professores. Explico perguntando: qual é o horizonte
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)56
bacharelado, uma grave e comum realidade. Para isso, uma
concepção formativa que invista na perspectiva da profissionalidade
docente e que perceba o ensino como uma prática social, “não só
porque se concretiza na interacção entre professores e alunos, mas
também porque estes actores reflectem a cultura e os contextos
sociais a que pertencem” (op.cit., p.66), parece fundamental.
Isso indica a necessidade de que esses cursos examinem,
revejam, reconstruam suas idéias de prática e, naturalmente, suas
concepções sobre a relação teoria e prática.
Para Gimeno Sacritán, não é suficiente como modelo de
explicação da profissionalidade uma concepção muito divulgada que
vê o ensino como “um ofício que se apóia em saberes adquiridos
pela experiência, cuja essência se centra no “saber-fazer” dos
professores” (op.cit., p.78). Sua visão é de educação como “praxis,
como prática que se desenvolve em contextos reais, carregada de
intenções e de interpretações subjetivas, construída por diversos
atores e reflectida em usos de natureza prática” (op.cit., p.79).
A visão de educação como praxis relaciona
epistemologicamente teoria e prática. E relaciona-as dialeticamente,
de maneira a romper com a idéia dominante na racionalidade técnica,
nos termos tratados anteriormente neste texto, ou seja, a de que a
teoria sustenta a prática. Gimeno Sacritán também identifica a
concepção dominante com uma visão técnico-positivista de entender
a relação teoria-prática:
A formação de professores está impregnada desta lógica, que concebe a
realidade como um campo de aplicação: a prática tem pouca importância
enquanto fenômeno pré-existente, a não ser na perspectiva de uma regulação
(correção) baseada no conhecimento científico (op.cit., p.84).
A realidade mostra que este modelo não se suporta em si
mesmo: os professores, ao ingressarem na prática educativa, não
encontram respostas na teoria “aprendida”, e não conseguem “aplicá-
la” às situações concretas da prática – o que gera neles o sentimento
já mencionado de que a teoria é irrelevante.
Gimeno Sacristán vê na “aquisição de uma consciência
progressiva sobre a prática” aquilo que considera deva ser a “idéia-
força condutora da formação inicial e permanente de professores”
(op.cit., p. 78). Ao apresentar essa proposta, explicita a ressalva de
Práticas inovadoras na aula universitária 59
E ainda:
A competência docente não é tanto uma técnica composta por uma série de
destrezas baseadas em conhecimentos concretos ou na experiência, nem
uma simples descoberta pessoal. O professor não é um técnico nem um
improvisador, mas sim um profissional que pode utilizar o seu conhecimento
e a sua experiência para se desenvolver em contextos pedagógicos práticos
preexistentes (op.cit., p.74).
Constata ainda o autor:
Os professores não produzem o conhecimento que são chamados a reproduzir,
nem determinam as estratégias práticas de acção. Por isso é muito importante
analisar o significado da prática educativa e compreender as suas
conseqüências no plano da formação de professores e do estatuto da profissão
docente (op.cit., p.68).
Penso que este apanhado consegue mostrar o lugar onde
quero chegar, que é o ponto do qual parti. Apóio-me em Gimeno
Sacristán para compreender a prática docente no sentido que este
dá à prática educativa, como a intersecção de diversos contextos,
muito mais ampla do que sua acepção mais imediata de prática
didática. Para que a prática docente se realize na perspectiva aqui
apontada, parece indispensável o suporte de outras práticas e
contextos, tendo em conta dimensões culturais, políticas, históricas,
ideológicas.
Isso aponta para a necessidade de que os cursos de formação
de professores examinem suas concepções e seus horizontes de
chegada – que professores pretendem formar. Se os professores,
para Gimeno Sacritán, devem ser relativamente “irresponsabilizados”
em relação a sua prática – na medida em que esta não depende
exclusivamente deles, visto que para configurar a prática diversos
contextos se articulam, inclusive contextos que extrapolam o
professor, parece-me estar mais do que na hora de que os cursos de
formação, estes sim, sejam mais responsabilizados – mesmo que
também relativamente – pelos resultados e efeitos da formação que
produzem.
Uma das questões que vejo como mais prementes nesse
sentido é que os cursos de formação em nível de licenciatura precisam
constituir urgentemente uma identidade formadora de professores,
acabando com a esquizofrenia das licenciaturas com identidade de
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)58
mais dúvidas, menos soluções absolutas; mais articulações, menos
oposições e exclusões; mais dilemas, menos certezas. Fica aqui
registrada, para que alguém eventualmente curioso possa sair em
busca, a idéia de Gimeno Sacristán para o “desenvolvimento do
pensamento profissional dilemático” (op.cit., p.86), que não abordarei
pelos limites deste trabalho, mas que traduz perfeitamente o que
acabei de referir.
Bibliografia
CARR, Wilfred. Una Teoría para la Educación: hacia una
investigación crítica. Ediciones Morata, Madrid, 1996.
CHARLOT, Bernard. Da Relação com o Saber: elementos para
uma teoria. Artmed, Porto Alegre, 2000.
_____. Relação com o Saber, Formação de Professores e
Globalização: questões para a educação hoje. Artmed, Porto
Alegre, 2005.
GIMENO SACRISTÁN, J. “Consciência a acção sobre a prática
como libertação profissional dos professores”. IN: NÓVOA,
Antonio (org). Profissão professor. Porto Editora: Portugal,
1995.
KEMMIS, Stephen. “La Teoría de la Práctica Educativa”. IN:
CARR, W. Una Teoría para la Educación: hacia una
investigación crítica. Ediciones Morata, Madrid, 1996.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para um Novo Senso Comum:
a ciência, o direito e a política na transição paradigmática.
Volume I. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício
da experiência. Cortez, São Paulo, 2000.
_____. Renovar a Teoria Crítica e Reinventar a Emancipação
Social. Boitempo, São Paulo, 2007.
_____. Para uma Pedagogia do Conflito. IN: SILVA, L.,
AZEVEDO, J., SANTOS, E (orgs). Novos Mapas Culturais Novas
Perspectivas Educacionais. Sulina, Porto Alegre, 1996.
Práticas inovadoras na aula universitária 61
que isto não deve acarretar a desvalorização dos contributos teóricos:
“trata-se, apenas, de recusar uma linearidade (unívoca) entre o
conhecimento teórico e a acção prática” (op.cit):
A comunicação entre o conhecimento e a prática, na educação, é um facto
inerente à sua própria existência, sem prejuízo da possibilidade de realizar
essa comunicação consciente e ordenadamente, partindo de conhecimentos
formalizados como teorias, conclusões investigativas, etc. (op.cit., p.77).
Para que essa comunicação se estabeleça, para que os
professores exerçam uma prática educativa no sentido da praxis,
não vejo como pequeno o papel e a responsabilidade de seus cursos
de formação, terreno por excelência capaz de apontar para a
realização da comunicação consciente e ordenada da qual Gimeno
fala acima.
A idéia de Gimeno Sacristán de esquemas estratégicos faz
vislumbrar a possibilidade de articular teoria (idéias abstratas) e
prática (rotinas): os esquemas estratégicos, para ele,
(...) reflectem a capacidade formal dos professores para articular essas duas
componentes (idéias e práticas) numa determinada situação, que deve ser
avaliada e analisada. A essência da profissão radica neste triângulo: o
pensamento pragmático não pode ser considerado de qualidade inferior ao
pensamento teórico (...) Metodologicamente, isto significa que a formação
de professores tem de procurar dotar-se destas componentes e dos métodos
e situações em que se acciona o pensamento estratégico. Os métodos de
formação baseados na tomada de decisões, realização de projetos para a
prática, resolução de problemas ou análise da prática, apóiam-se nessa
perspectiva. (op.cit., pp. 83-84).
Para finalizar, volto a evidenciar minha preocupação com que
este exercício de reflexão não seja tomado como uma tentativa de
apontar modelos. Reitero que apontar saídas é, em geral, o caminho
mais fácil. Reencontro aqui Santos que, em uma arqueologia
epistemológica, abre espaço para as ausências. Esta é uma postura
coerente com o momento de insegurança epistemológica que
vivemos. Se parássemos de temer as incertezas, seríamos menos
preguiçosos (na acepção de Santos). Consagrar a dúvida
epistemológica como princípio norteador dos programas de formação
de professores seria, na minha opinião, um bom modo de enfrentar
e de solapar o edifício levantado pela racionalidade da ciência
moderna, que nos rege: mais questões, menos respostas fechadas;
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)60
A polêmica questão sobre
a teoria e a prática:
um olhar histórico-político
e pedagógico
Gabriela Medeiros Nogueira*
Introdução
Este trabalho tem como propósito discutir a recorrente e
polêmica questão: teoria e prática na formação de professores.
Trazemos um enfoque histórico, político e pedagógico para refletirmos
como foi se constituindo essa relação ao longo da história da educação
no Brasil, centrando na última década do século XX e no início do
século XXI. Para tanto, utilizamos documentos legais como a LDBEN
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, N° 9.394/96), o
PNE (Plano Nacional de Educação, de 2001) e alguns Pareceres e
Resoluções emitidos pelo CNE (Conselho Nacional de Educação), a
fim de compreender uma rede de discursos e de práticas que vem
caracterizando a educação no período mencionado, a qual contempla
de alguma forma a relação entre teoria e prática.
Para além de uma abordagem teórica, trazemos o relato de
experiência de um projeto de ensino desenvolvido no segundo ano
do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande –
FURG, onde os alunos/professores, em formação, realizaram práticas
em diversas escolas da rede municipal, estadual e particular, com o
propósito de conhecer e refletir as variáveis presentes no cotidiano
WRANGEL, Claes. “Towards a modified discourse theory. Pt.1:
Laclau’s ‘empty signifier. em http://thatsnotit.wordpress.com/
2007/05/03/towards-a-modified-discourse-theory-pt-1-
laclaus-empty-signifier/. Visitado em 27/03/09.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)60
* Pedagoga, doutoranda em Educação. Docente na Universidade Federal do Rio Grande
(FURG). E-mail gabynogueir[email protected]
Esse método de ensino não vigorou por muito tempo, surgindo
à necessidade da criação de um curso de formação de professores.
No ano de 1835, em Niterói, surgiu no Brasil a primeira Escola Normal,
com o objetivo de formar e qualificar docentes para a inserção no
mercado de trabalho. Esse curso tinha a duração de dois anos e
equivalia ao nível secundário, mais tarde sofre uma reformulação e
passa a ter duração de três anos (VILLELA, 1992).
Para Nóvoa (1995, p.15-16), a função docente desenvolveu-
se de forma subsidiária, constituindo-se em sua maioria numa
ocupação secundária. Somente na segunda metade do século XVIII
e início do XIX, no bojo dos movimentos de secularização e de
estatização do ensino é que se passa a ter uma preocupação com a
formação de professores. Os estados agora implantam um controle
rigoroso dos processos educativos. Essa política “prolongou as formas
e os modelos escolares elaborados sob a tutela da igreja, dinamizados
agora por um corpo de professores recrutados pelas autoridades
estatais” (NÓVOA, 1995, p.15).
Outro aspecto fundamental na caracterização da formação
docente, segundo Nóvoa (1995, p.17), é o estabelecimento de um
suporte legal para o exercício da profissão. Essa “funcionarização”
dos professores deve ser vista como uma vontade partilhada do
estado e do corpo docente. A partir de agora, não se permite ensinar
sem uma licença ou autorização do estado. Certas condições devem
ser preenchidas, tais como: habilitações, idade, idoneidade moral,
etc. Essa licença constitui o suporte legal para o exercício da atividade
docente contribuindo para a delimitação do campo profissional do
ensino e a prerrogativa exclusiva dos professores nessa área. Essa
etapa decisiva do processo de profissionalização docente, acaba
forçando a criação de instituições formadoras, as quais aparecem
no século XIX, com a denominação de Escolas Normais.
Em 1939, foi regulamentado o Curso de Pedagogia no Brasil,
através do Decreto-Lei nº 1190/39, tendo como objetivo a formação
dos técnicos em educação. O curso era configurado em um “esquema
3+1”, ou seja, os três primeiros anos eram dedicados à formação
em bacharelado e apenas o quarto ano contemplava a didática e a
prática de ensino. Nessa modalidade, fica bastante evidente uma
dicotomia entre as questões teóricas e as práticas (NISKIER, 1989,
p. 286).
Práticas inovadoras na aula universitária 65
da Educação Infantil e dos quatro primeiros anos do Ensino
Fundamental. Dentre os diversos autores que contribuíram na
construção deste texto, destacamos: Arroyo (2000), Candau (2000),
Cunha (2004), Gauthier (1998), Nóvoa (1995), Lucarelli (2007),
Tambara e Arriada (2005), Tardif (2000) e outros.
Cursos de formação de professores no Brasil:
um breve relato histórico e político
Numa retrospectiva histórico-social, podemos observar que a
organização e a implementação de grande parte dos cursos de
formação de professores no Brasil ocorreram de forma bastante
precária, demonstrando não haver políticas públicas voltadas para
uma formação docente mais consistente, dentro de um planejamento
educacional de Estado.
Após o processo de emancipação (1822), fez-se necessária a
implantação de um curso de formação para professores, pois não
havia um corpo docente qualificado para o ensino elementar, o que
se intensificou com a lei de 15 de outubro de 1827, a qual determina
a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e
lugares mais populosos do Império. Conforme a referida lei, adotar-
se-ia, como método, o ensino mútuo, conhecido também como
“lancasteriano”. Nesse método os melhores alunos eram escolhidos
para serem monitores, quando recebiam um ensino mais
individualizado, para num segundo momento ensinarem os colegas
(TAMBARA; ARRIADA, 2005, p. 23).
Na obra “Instrução Pública no Brasil (1500–1889) História e
Legislação”, Almeida tece o seguinte comentário ao analisar essa
situação:
Compreende-se muito bem esta preferência da lei pelo método de ensino
mútuo, quando se sabe que, por este sistema, duzentas, trezentas crianças
ou mais podem receber a instrução primária suficiente, sem que haja
necessidade de mais que dois ou três professores. Durante as horas de aula
para as crianças, o papel do professor limitou-se à supervisão ativa de círculo
em círculo, de mesa em mesa, cada círculo e cada mesa tendo a sua frente
um monitor, aluno mais avançado, que ficava dirigindo. Fora destas horas,
os monitores recebiam, diretamente dos professores, uma instrução mais
completa, e não era raro ver os mais inteligentes adquirirem a instrução
primária superior (ALMEIDA, 2000, p. 60).
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)64
Em 1961, foi fixado pelo governo federal um currículo mínimo
para o curso de Bacharelado em Pedagogia, definido com sete
disciplinas indicadas pelo Conselho Federal de Educação e mais duas
escolhidas pela instituição mantenedora. Essa medida foi tomada
na tentativa de garantir um currículo único em todo o país,
principalmente tendo em vista a mobilidade de alunos, através das
transferências. A reforma universitária de 1968 e do Ensino de 1º e
2º graus em 1971 também refletem essa política do governo federal
de preparar indivíduos para o mercado. Conforme a análise de Aguiar
e outros (2006), estas medidas pautaram um modelo de formação
de professores fragmentados em âmbitos da universidade: “[...] de
um lado, a faculdade de educação ou unidade acadêmica equivalente,
responsável pelo curso de pedagogia e a formação pedagógica dos
licenciados, e, de outro, os institutos de conteúdos específicos, onde
se formavam bacharéis e licenciados” (AGUIAR e outros, 2006, p.3).
Estas e outras medidas do governo em relação ao Curso de
Pedagogia, formação de professores, licenciaturas, etc.,
impulsionaram a uma grande mobilização por parte dos professores
em discutir sobre os rumos das questões educacionais no país. De
acordo com Aguiar e outros:
O Movimento dos Educadores toma vulto e demonstra sua força, com
resistência ao poder instituído, durante toda a década de 1980, por meio de
debates, embates e manifestações públicas por intermédio de ações sob o
ponto de vista epistemológico, político e didático-pedagógico (AGUIAR e
outros, 2006, p.4)
Nessa mesma década, houve outra reforma curricular com o
intuito de formar professores para atuar na educação pré-escolar e
séries iniciais do ensino de 1º grau. Essas questões são amplamente
discutidas no Parecer n° 5/2005 (p. 4), o qual aponta que:
À medida que o curso de Pedagogia foi se tornando lugar preferencial para
a formação de docentes das séries iniciais de Ensino de 1º grau, bem como
da Pré-Escola, crescia o número de estudantes sem experiência docente e
formação prévia para o exercício do magistério. Essa situação levou os cursos
de Pedagogia a enfrentarem, nem sempre com sucesso, a problemática do
equilíbrio entre formação e exercício profissional, bem como a desafiante
crítica de que os estudos em Pedagogia dicotomizavam teoria e prática.
Práticas inovadoras na aula universitária 67
Nos anos de 1960 e 1970, com a consolidação do modelo
econômico urbano-industrial e com um acordo entre o governo
brasileiro e o norte-americano (MEC – USAID), a educação passa a
atender as expectativas dessa economia, que necessita o mais rápido
possível de mão-de-obra para o mercado de trabalho, surgindo assim
as Escolas Técnicas Profissionalizantes, em substituição às então
Escolas de Artes e Ofícios. O processo de ensino nessas escolas era
caracterizado por uma prática de memorização, numa perspectiva
burocratizada e compartimentada, preponderando a repetição. A
formação de professores era entendida a partir do domínio da técnica,
sendo que esta era vista como garantia de eficácia da aprendizagem.
Algumas escolas eram consideradas como modelo, e os alunos,
futuros professores, tinham que observar como uma boa prática se
constituía na prática. Segundo Monteiro: “[...] ali poderiam observar
as melhores aulas, pois contavam com os professores mais
competentes, e preparados para atuar nas experiências de formação
propiciadas, onde eram aplicados os princípios da racionalidade
técnica (2000, p. 132)”.
Monteiro traz uma discussão sobre práticas na formação
docente, apontando como se pensava esta prática e quais
transformações foram ocorrendo no decorrer dos tempos. Salienta,
ainda, que dentro desta perspectiva tecnicista, o professor era
detentor do saber, portanto, aquele que conduzia a situação, sem
refletir sobre sua prática pedagógica. Na época, nem tão distante,
existiam escolas modelos, consideradas adequadas para que os
alunos, futuros professores, pudessem observar como é que se
efetivava uma “boa prática”:
[...] a preocupação maior era com a sala de aula, o “manejo de classe”, a
capacidade de transmitir conhecimentos, escolher e utilizar as técnicas e
recursos pertinentes, avaliar segundo os parâmetros adequados (MONTEIRO,
2000, p.132).
Pautado numa visão empirista, o tecnicismo atribuiu à
experiência e à observação, papéis fundamentais no ato de conhecer
e na concepção de formação do professor. Nesse sentido, a
observação e a repetição de práticas cotidianas de professores
considerados exemplares estavam previstas durante o processo
formativo. Nessa perspectiva, está implícita a reprodução de práticas
observadas sem a possibilidade de reflexão e questionamento.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)66
Nesse amplo movimento, aparecem também várias
concepções sobre prática
1
, tanto entre educadores, como entre
autores, contudo ainda não é consenso, no universo acadêmico, o
que realmente englobaria uma prática pedagógica. Alguns
consideram que há prática somente quando há encontro com alunos,
seja através da observação, da entrevista ou da regência de classe.
Outros consideram que, ao entrar em contato com a organização da
escola, sua estrutura, já estão realizando práticas. Outros, ainda,
entendem que a elaboração de planejamento, mesmo sem execução,
implica prática.
Se examinarmos as resoluções do Conselho Nacional de
Educação no Parecer n° 744/97, podemos perceber algumas
concepções implícitas a respeito do que vem a ser prática.
O Artigo 2º diz que: “A prática de ensino deverá constituir o
elemento articulador entre formação teórica e prática pedagógica
com vistas a reorganizar o exercício docente em curso”.
Já o Artigo 3º:A prática de ensino deverá incluir além das
atividades de observação e regência de classe, ações relativas a
planejamento, análise e avaliação do processo pedagógico”.
Enquanto o Artigo 4º: “A prática de ensino deverá envolver
ainda as diversas dimensões da dinâmica escolar, gestão, interação
de professores, relacionamento, escola/comunidade, relações com
a família”.
Ao analisarmos o Parecer do CNE/CP nº 009/ 2001, sobre as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
Educação Básica em Nível Superior, aprovado em 8 de maio de 2001,
nos deparamos com uma análise reflexiva e consistente sobre vários
aspectos que envolvem um curso de formação de professores.
No que se refere à prática, podemos perceber uma outra
concepção:
Uma concepção de prática mais como componente curricular implica vê-la
como uma dimensão do conhecimento que tanto está presente nos cursos
de formação, nos momentos em que se trabalha na reflexão sobre a atividade
profissional, durante o estágio, nos momentos em que se exercita a atividade
profissional (Parecer 009/01, p.23).
1
Para aprofundar sobre essas questões ver a obra: Didática, Currículo e saberes
escolares. Organização Vera Maria Candau, 2000.
Práticas inovadoras na aula universitária 69
Como podemos observar neste excerto, a questão da dicotomia
entre teoria e prática aparece de forma bastante explícita, e o curso
de Pedagogia, mesmo após cinquenta anos de regulamentação, ainda
não conseguiu uma maior articulação entre uma formação teórica
que subsidie uma prática e vice-versa.
Observando a Nova LDBEN 9.394/96, encontramos referência
à prática mencionada de forma contextualizada, ou seja, agora como
“prática de ensino”, a qual deve ser realizada conforme o Artigo 65,
com a exigência de, no mínimo, 300 horas para os cursos de
graduação de formação de professores. O Parecer n° 744/97 – CES
– diz que “A prática de ensino é definida como atividades
desenvolvidas com alunos e professores na escola ou outros
ambientes educativos [...] sob acompanhamento e supervisão da
instituição formadora” (1997, p.1).
Essas atividades de prática de ensino, caracterizadas
basicamente pelo estágio supervisionado, sofrem modificações a
partir da Resolução n° 2/2002– CNE/CP – a qual altera para 400
horas o estágio curricular supervisionado. Além disso, propõe mais
400 horas de prática como componente curricular, vivenciadas ao
longo do curso.
Contudo, em 2006 o Curso de Pedagogia sofre novamente
outra alteração através da Resolução nº 1, a qual institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia-
Licenciatura. Nessa resolução, fica determinada uma carga horária
mínima de 3.200 horas de efetivo trabalho acadêmico distribuída da
seguinte forma: 2.800 horas dedicadas a atividades formativas, 300
horas de estágio supervisionado e 100 horas de atividades teórico-
práticas. Mas o processo foi pautado por um amplo debate e muita
pressão por parte de entidades que representam o ensino superior
no país, ou seja, até se concretizar a instituição das Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação de Pedagogia –
Licenciatura, houve um grande movimento e discussão em âmbito
nacional entre as coordenações dos cursos e as entidades – ANFOPE,
FORUNDIR, ANPAE, ANPED, CEDES, etc. Essas discussões tiveram
como marco o ano de 1998 com a constituição da Comissão de
especialistas de Pedagogia para elaborar as diretrizes (AGUIAR, e
outros, 2006, p.5).
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)68
A dimensão pedagógica da prática e da teoria:
um relato de experiência
Desenvolvemos, em uma turma de 2º ano do Curso de
Pedagogia da FURG, um projeto de ensino, pelo qual os alunos foram
encaminhados às escolas de Educação Infantil e/ou Anos Iniciais
(públicas ou de regime privado)
2
, com o objetivo de fazer uma
aproximação do campo de trabalho, ou seja, a sala de aula. Esse
acompanhamento consistia em entrevistar professores, monitorar
práticas e substituir a professora titular por um ou dois dias, conforme
a realidade de cada situação. Concomitante ao trabalho nas
escolas,realizamos seminários, nos quais os alunos relatavam o que
haviam observado e vivenciado ao, uma perspectiva reflexiva, a
partir das diversas situações experienciadas no universo escolar, o
que vai, de certa forma, ao encontro com a proposta de trabalho
defendida pela professora da Universidade de Buenos Aires, Lucarelli,
ou seja:
[...] se desarrolla uma metodologia que alterne la transmisión de información
(a cargo de los protagonistas de la experiência) com la reflexión individual y
el análisis grupal evaluativo, por parte de otros “pares institucionales”,
actividades éstas com orientación pedagógica. (LUCARELLI, 2007, p.11).
No decorrer dos seminários foi possível identificar vários
aspectos que envolvem a prática docente. Os alunos perceberam
que é possível, através da maneira como os professores organizam
as rotinas, conduzem os alunos, propõem os conteúdos, as atividades,
a avaliação, o planejamento, os imprevistos, inferir qual concepção
de ensino e aprendizagem sustenta a prática docente.
Para Gauthier (1998, p. 20)
[...] quem ensina sabe muito bem que, para ensinar, é preciso muito mais
do que simplesmente conhecer a matéria, mesmo que esse conhecimento
seja fundamental. Quem ensina sabe que deve planejar, organizar, avaliar,
que também não pode esquecer os problemas de disciplina, e que deve
estar atento aos alunos mais agitados, muito tranqüilos, mais avançados,
muito lentos, etc.
2
Os alunos tiveram a possibilidade de escolher turmas de Educação Infantil ou Ensino
Fundamental, em virtude de haver alunos de ambas habilitações.
Práticas inovadoras na aula universitária 71
Como podemos observar, a legislação traz de forma clara uma
concepção de prática de ensino; a questão é de que forma podemos
viabilizar essa prática nos cursos de formação! Durante algum tempo,
e ainda hoje, a didática parece ser a disciplina que vem tratando
dessa dimensão na formação do professor, articulando de forma
reflexiva as diversas facetas que envolvem a prática docente.
Para Giesta (2001, p.19), a didática pode e deve oportunizar
que os alunos, futuros professores, atuem como investigadores e
proponentes de ações pedagógicas que possibilitem a compreensão
do ensino como prática social. Considera ainda importante a
realização de atividades que propiciem analisar e discutir a aplicação
de teorias e práticas educacionais estudadas e/ou observadas no
cotidiano das escolas para a formação de um profissional reflexivo,
questionador do contexto escolar e social, contribuindo, dessa forma,
quem sabe, para aprimorar a construção de propostas pedagógicas.
Podemos relacionar as idéias de Giesta com algumas
referências trazidas no parecer n° 009/01 CNE/PC, por exemplo:
[...] a atuação prática possui uma dimensão investigativa e constitui uma
forma não de simples reprodução mas de criação ou, pelo menos, de recriação
do conhecimento. A participação na construção de um projeto pedagógico
institucional, a elaboração de um programa de curso e de planos de aula
envolvem pesquisa bibliográfica, seleção de material pedagógico etc. que
implicam uma atividade investigativa que precisa ser valorizada. (Parecer
009/01, p.24).
Analisando o excerto acima, encontramos a pesquisa como
uma outra perspectiva de prática. Nesse sentido, o trabalho docente
está cada vez mais distante da visão do professor como reprodutor
de conhecimentos produzidos por especialistas. Ao que tudo indica,
torna-se necessário que os cursos de formação de professores
ampliem suas atuações, privilegiando a formação de um profissional
capaz de articular teoria, pesquisa, investigação, docência, etc.,
privilegiando, também, a construção de um trabalho coletivo.
Buscando uma aproximação desses princípios, elaboramos uma
proposta de trabalho, em 2006, no Curso de Pedagogia da FURG,
sobre a qual passamos a fazer algumas considerações.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)70
[...] um de los recursos más idôneos, pareciera ser las actividades que lê
permiten al docente reflexionar críticamente sobre su própria experiencia
ola de um par, em uma acción de reconocimiento de su próprio rol em el
proceso de enseñanza- aprendizaje. (LUCARELLI, 2007, p.11).
É importante percebermos que entre o que sentimos,
pensamos e selecionamos para dizer aos nossos alunos, há uma
grande reflexão, de que nem sempre temos consciência.
As escritas dos alunos, tendo como tema a prática realizada,
começam com uma tímida descrição do ambiente e de algumas cenas
cotidianas e, aos poucos, vão se transformando em reflexões cada
vez mais elaboradas. Através dessas escritas, é possível “enxergar”
o percurso que vai sendo trilhado na constituição do ser professor.
Pensando sobre os relatos dos alunos e alguns comentários que
tecem sobre as crianças, nos chama a atenção o fato de considerarem,
por exemplo que: “As crianças eram normais [...] umas mais
tranqüilas do que outras, mas no que pude observar, todas
participaram das atividades propostas pela professora” (Aluna 1);
As crianças são bem ‘calmas’, nada fora do normal, respeitam a
professora e os colegas” (Aluna 2).
Um pouco de ansiedade, medo, apreensão, insegurança são
sentimentos presentes na expectativa da realização da prática nas
escolas, e, logo após, certo alívio ao constatarem que as crianças
eram “normais” como observamos na seguinte colocação:
Concluímos que, a aula transcorreu de maneira tranqüila e satisfatória,
atendendo a todos os objetivos. Os alunos foram muito receptivos e amorosos,
apresentando comportamento normal diante das professoras, apesar da
ausência da regente da turma (Aluna 4).
Em relação aos detalhes ressaltados durante a observação,
notamos que, de alguma forma, se articulam às temáticas trabalhadas
nas aulas como, por exemplo, concepção de aprendizagem,
autonomia, papel do professor, relação professor e aluno, etc.,
geralmente, numa perspectiva interacionista, enfatizando a
importância da construção do conhecimento pela criança. Podemos
evidenciar isso nas seguintes colocações: “Torna-se viável ressaltar
que a maioria dos trabalhos, anexados nas paredes foram realizados
pelos próprios alunos” (Aluna 4); “Acreditando que o jeito de ser do
professor interfere na sua prática docente, procuramos descrever
Práticas inovadoras na aula universitária 73
Sabendo da importância de conhecer essa especificidade da
tarefa docente, concordamos com Cunha quando diz:
[...] ser professor, não é tarefa que qualquer um faz, pois a multiplicidade
de saberes e conhecimentos que estão em jogo na sua formação, exige uma
dimensão de totalidade, que se distancia da lógica das especificidades, tão
cara a muitas outras profissões, na organização taylorista do mundo do
trabalho (CUNHA, 2004, p. 41).
Dessa forma, a proposta do projeto de ensino previa a
descrição das etapas percorridas na realização da prática desde o
mapeamento do espaço físico da escola, da sala de aula, entrevista
com professores até a elaboração do planejamento para ser
desenvolvido. Consideramos que ir às escolas, a fim de realizar
práticas, implica uma série de questões que nem sempre são tão
simples, começando pela procura do campo de estágio, pois muitas
escolas não disponibilizam espaço para pesquisa. Alguns professores
sentem-se invadidos em sua rotina de aula, e não gostam de
compartilhá-la com pessoas que não fazem parte daquele contexto,
mesmo se tratando de alunos de Pedagogia, ou seja, futuros colegas
de profissão. Segundo Lucarelli:
La observación atenta a la cotidianeidad pedagógica permite advertir, como
situación habitual, la separacioón, cuando no la oposición, entre la teoria y
na practica em múltiples manifestaciones, que hacen tanto a la gestión
didactico curricular de la clase y del perfeccionamiento docente, cuanto a la
producción de conocimiento científico em torno a educación (LUCARELLI,
2007, p.12)
Ao analisarmos os relatos dos alunos sobre suas incursões
nas escolas, suas expectativas anteriores, surpresas, frustrações,
questionamentos, que ocorreram no decorrer da experiência,
percebemos o quanto isso “mexe” conosco, professores/orientadores,
no que compreende nossa história de vida e de vida profissional.
Quando ouvimos, por exemplo, sobre as atitudes tomadas pelos
professores para resolver determinada situação, ou sobre o modo
como organizam e trabalham com os conteúdos, quando nas
entrevistas justificam uma postura, inúmeras cenas circulam em
nossos pensamentos, e também, nos incitam a rever nossos
posicionamentos,
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)72
Entendemos que esses momentos de ida ao campo de
trabalho, de aprofundamento teórico, de discussão e debate no
grande grupo são de extrema importância na formação do professor,
pois, ao escutar pontos de vistas diferentes e confrontar opiniões,
ampliamos nossa visão sobre determinada situação e “refinamos”
nossa análise, podendo, então, aceitar, rejeitar ou superar modelos
vigentes, como tão bem sinaliza Lucarelli.
Considerações finais
Neste trabalho abordamos a questão da teoria e da prática
na formação de professores, buscando situá-la no enfoque histórico
da formação de professores no Brasil e na perspectiva da legislação,
especialmente a partir da década de 90. Buscamos também pontuá-
la numa perspectiva pedagógica através da exposição de um projeto
de ensino desenvolvido com alunos do Curso de Pedagogia na FURG.
Através da breve retrospectiva histórica, percebemos que
questões e problemas da educação atual já se faziam presentes no
início da criação dos cursos de formação de professores e que, de
uma forma ou de outra reaparecem em novos tempos e em novos
contextos. Porém, mesmo que de forma incipiente, mudanças
significativas foram ocorrendo ao longo da história no que tange à
formação de professores e ao papel da teoria e da prática nessa
formação. Em termos de políticas educacionais brasileiras,
encontramos um cenário de discussões e embates entre a
comunidade de professores universitários e entidades de um lado e,
representantes do governo de outro. Cabe ressaltar que, a partir da
década de 70, o Brasil vem assumindo compromissos políticos
internacionais que interferem nas medidas e decisões no cenário de
educacional, caracterizando um contexto mais macro.
Pensando em um micro universo, a sala de aula na
universidade, entendemos que, cada vez mais, se fazem necessárias
propostas que viabilizem aos alunos práticas pautadas em reflexões
teóricas, em diversos contextos educativos, desde o início do curso.
Os relatos dos alunos que foram tratados neste artigo,
possibilitaram uma visualização de como vão se articulando as
questões teóricas com as questões vivenciadas em contexto de
prática nas escolas. Seus textos e seus discursos tratam sobre
Práticas inovadoras na aula universitária 75
um pouco a professora que observamos [...]” (Aluna 2); “Enquanto
os alunos realizam seus trabalhos a professora observa o andamento
das atividades, sem que os alunos percebam, deixando os mesmos
trabalharem com muita autonomia” (Aluna 3).
Observando os planejamentos das alunas, percebemos a
intenção de propor atividades em que as crianças reflitam antes de
escolher alguma alternativa ou chegar a suas próprias conclusões,
não apenas repetindo algo já estabelecido ou, ainda, respondendo o
esperado. Consideramos importante analisar as reflexões dos alunos
sobre a aula dada, assim como sobre todo o processo, desde a
observação até o planejamento e execução.
Conforme relato da aluna 2:
Ficaram algumas lições, entre elas a que nem sempre eles (as crianças) têm
vontade de fazer o que propomos, frente a que precisamos ser flexíveis.
Planejamos coisas que achávamos que eles iriam adorar e outras nem tanto
e nos surpreenderam achando desinteressantes as primeiras e muito
divertidas as segundas.
O reconhecimento da importância do contato com o ambiente
de sala de aula pode ser percebido na seguinte fala:
Como não tínhamos nenhuma experiência em sala de aula, foi de extrema
importância essa oportunidade, só que eram tantas as dúvidas no que se
refere aos conteúdos, às atividades, já que o nosso principal objetivo inicial
era de proporcionar momentos além de educativos, agradáveis e estimulantes
(Aluna 5).
A fala das alunas demonstra, mesmo que de forma incipiente,
diversas reflexões a partir das experiências realizadas em sala de
aula. A forma como descreveram os relatos revela apropriações das
questões teóricas trabalhadas, como por exemplo quando descrevem
a prática da professora e o tipo de trabalho exposto nas paredes da
sala, ou seja, a partir de questões teóricas os alunos foram
aprimorando o olhar. Para Lucarelli (2007, p.33)
El espacio de reflexión que proporcionan los Talleres, las actividades previstas
para ello, possibilita acercarse a la toma de conciencia de sustrato cientifico
y/o ideológico que guia la prática docente esta toma de conciencia por su
parte, abre las possibilidades para analizar los modelos vigentes a las luz de
eses marcos teóricos para sua aceptación, rechazo o superación.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)74
BRASIL, 2001. Legislação do Ensino Superior. Parecer nº 009/
2001 CNE/CP, de 8 de maio de 2001. Diretrizes curriculares
nacionais para a formação de professores da Educação Básica,
em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena.
Distrito Federal.
BRASIL, 2002. Resolução do Conselho Nacional de Educação
nº 2/2002 CNE/CP, de 4 de março de 2002. Institui a carga
horária dos cursos de licenciatura de graduação plena, de
formação de professores da Educação Básica, em nível
superior. Diário Oficial da União (4/3/02) Brasília.
BRASIL, 2004. Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional:
(Lei 9394/96), apresentação Carlos Roberto Cury. Rio de
Janeiro: DP&A.
CANDAU, Vera Maria. Didática, currículo e saberes escolares.
Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
CUNHA, Maria Isabel. A docência como ação complexa: o papel
da didática na formação de professores. In: MARTINS, Pura
Lúcia (org.). Conhecimento local e conhecimento universal:
pesquisa didática e ação docente. Curitiba: Champagnat,
2004.
GAUTHIER, C. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas
contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: Ed. Unijuí, 1998.
GIESTA, N.C. Cotidiano escolar e formação reflexiva do
professor: moda ou valorização do saber docente? Araraquara:
JM Editora, 2001.
LUCARELLI, Elisa. Teoria y Práctica como innovación em
docencia, investigación y actualización pedagógica. Cuadernos
de investigación nº 10, 2007.
MONTEIRO, A. M. A prática de ensino e a produção de saberes
na escola. In NISKIER, Arnaldo. Educação brasileira: 500 anos
de História. São Paulo: Melhoramentos 1989.
NÓVOA, Antonio. O passado e o presente dos professores.
In. NÓVOA, Antonio (org) Profissão Professor. 2 ed. Porto:
Porto Editora, 1995.
Práticas inovadoras na aula universitária 77
diversos temas trabalhados teoricamente e que passam a ser
referências nos momentos em que elegem algum aspecto para se
analisado.
Nesse sentido, entendemos que, mesmo que haja um discurso
instaurado no contexto educativo, de que prática e teoria são dispares
e distintas, fruto de grande parte da história e da política de formação
de professores no Brasil, existe uma tendência atual que impulsiona
a articulação entre ambos, no sentido de compreender que toda
prática está pautada em pressupostos teóricos, mesmo que não
explícitos. E também que as questões teóricas enriquecem, subsidiam
e ampliam as práticas realizadas e refletidas.
Contudo, esse entendimento não é, a nosso ver, algo dado.
Essa questão necessita estar sempre sendo renovada, analisada e
alimentada dentro do universo educacional, pois a própria articulação
entre a teoria e a prática já pressupõe inquietação.
Bibliografia
AGUIAR, Márcia Ângela da S. e outros. Diretrizes Curriculares
do curso de pedagogia no Brasil: disputas de projetos no
campo da formação do profissional da educação. Educação e
Sociedade, Vol. 27 nº 96. Campinas, out 2006.
ALMEIDA, José Carlos Pires de. Instrução Pública no Brasil
(1500 –1889) História e Legislação. São Paulo: EDUC, 2000.
ARROYO, M.G. Ofício de Mestre: imagens e auto- imagens.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. 251 p.
BRASIL, 1997. Parecer nº 744/97. Orientação para o
cumprimento do Artigo 65 da Lei n° 9.394/96 – Prática de
ensino. Câmara de Educação Superior, Brasília.
BRASIL, 2001. Parecer do Conselho Nacional de Educação nº
009/2001 CNE/CP, de 5 de maio de 2001. Diretrizes
curriculares nacionais para a formação de professores da
Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura de
graduação plena. Brasília.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)76
Inovação e formação docente:
articulação teoria/prática
Cristina Pureza Duarte Boéssio*
Introdução
A sociedade hoje passa por diversas mudanças devido a vários
fatores, como, por exemplo, a crise econômica mundial, as mudanças
climáticas e as catástrofes geradas por elas, a inserção das
Tecnologias de Informação e Comunicação em todas as esferas
sociais, o aumento da competitividade para o ingresso no mercado
de trabalho, que se dá cada vez mais cedo na vida do indivíduo, e
muitos outros, difíceis de nomear. Todas essas mudanças estão
postas, e a questão que se apresenta é: como fazer para acompanhá-
las? Como a educação, de maneira geral, facilita aos sujeitos
vivenciarem essas transformações?
Sem pensar numa abordagem mais abrangente sobre
Educação, busco, neste texto, refletir especificamente sobre a
articulação teoria/prática na proposta de uma disciplina: O ensino
de língua espanhola para as séries iniciais do fundamental, realizada
em um contexto específico, na Universidade Federal do Pampa –
UNIPAMPA, Campus Jaguarão/RS, situada em uma região de fronteira
Brasil/Uruguai, fazendo limite com a cidade de Rio Branco/Uruguai.
TAMBARA, Elomar e ARRIADA, Eduardo (org) Coletânea de
Leis sobre o ensino primário e secundário no período imperial
brasileiro. Lei de 1827. Reforma Couto Ferraz (1854). Reforma
Leôncio de Carvalho (1879). Pelotas, Seiva, 2005.
TARDIF, Maurice. Os professores enquanto sujeitos do
conhecimento: subjetividade, prática, e saberes no magistério.
In: CANDAU, Vera Maria (org). Didática, currículo e saberes
escolares. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional.
Petrópolis: Vozes, 2002.
VILLELA, Heloisa. A primeira Escola Normal do Brasil. In:
NUNES, Clarice (org) O passado sempre presente. São Paulo:
Cortez Editora, 1992.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)78
* Graduação em Licenciatura em Letras - Habilitação Língua Espanhola. Universidade
Católica de Pelotas. Graduação em Artes Visuais. Universidade Federal de Pelotas,
UFPel, Brasil. Mestre em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas Estrangeiras,
doutoranda no PPGE/UFPel. Docente na UNIPAMPA, Campus Jaguarão. E-mail:
No Campus Jaguarão são oferecidos dois cursos: Curso de
Pedagogia e Curso de Licenciatura em Letras Habilitação em Língua
Portuguesa e Língua Espanhola e suas respectivas Literaturas. É
inserida neste contexto, atuando como professora, principalmente
nas áreas de Língua Espanhola e Linguística Aplicada ao Ensino de
Língua Espanhola, no Curso de Letras, que pretendo realizar as
reflexões a que me proponho neste texto: como estou possibilitando
a articulação teoria/prática com meus alunos e como está sendo
realizada a integração entre ensino, pesquisa e extensão, proposta
apregoada pela Universidade para uma boa formação acadêmica.
A articulação teoria/prática:
da teoria de aquisição à inovação no currículo
Ciente das peculiaridades existentes em uma região de
fronteira, creio que se faz necessário e desejável o trabalho com a
língua espanhola desde os primeiros anos do fundamental, prática
esta que é observada na rede particular de ensino na cidade de
Jaguarão, seja nos anos iniciais ou mesmo na maioria das pré-escolas
existentes. Essa realidade pode ser justificada pela questão
mercadológica, visto que a legislação brasileira – Lei de Diretrizes e
Bases da Educação – LDB 9394/96 – só obriga o ensino de uma
língua estrangeira a partir do quinto ano do fundamental. Buscando
o diferencial, a rede particular começa essa prática desde cedo.
Preocupada com a abordagem da língua estrangeira nessa
faixa etária, busco refletir sobre ela no contexto universitário,
propondo, então, a inovação referida por Lucarelli, como será adiante
discutido, pois os Cursos de Licenciatura em Letras, em geral, bem
como aquele no qual atuo, preparam o professor para atuar a partir
do quinto ano, como previsto pela legislação. Ocorre que a
Universidade não pode mais se distanciar da realidade, devendo
estar ciente dos novos movimentos impostos pelo mercado de
trabalho, bem como das características peculiares da região onde
está inserida.
Cabe também questionar, como o faz Lucarelli (2004, p. 61),
“se nos é possível desenvolver experiências inovadoras que evoquem,
ao mesmo tempo, impulsos criativos e sistematização didática, sem
que isso implique a normalização da situação de ensino”.
Nessa perspectiva, propus, no Curso de Letras, a criação de
uma disciplina chamada “O ensino da língua espanhola nos anos
Práticas inovadoras na aula universitária 81
Farei um relato da proposta realizada e, por fim, tecerei
algumas reflexões em que aparecerão alguns fragmentos do discurso
de alguns dos sujeitos envolvidos. Como o processo encontra-se em
fase de estudo, a exposição dos discursos será mais ilustrativa,
necessitando ainda de maior aprofundamento teórico. Primeiramente
os discursos revelarão as expectativas e, por fim, a avaliação dos
sujeitos quanto à participação na disciplina.
A UNIPAMPA: uma Universidade na fronteira
Para melhor situar o leitor, cabe explicitar a trajetória
percorrida para o surgimento da UNIPAMPA. Em novembro de 2005
foi assinado, em Brasília, o contrato de Cooperação Técnica entre o
Ministério da Educação e as Universidades Federais de Pelotas (UFPel)
e de Santa Maria (UFSM) para a implantação da Universidade Federal
do Pampa – UNIPAMPA. Essa universidade é uma das novas
instituições federais de ensino superior que estão sendo construídas
por meio dos investimentos do governo federal na expansão do ensino
superior e na ampliação da pesquisa e da tecnologia no país.
A UNIPAMPA nasce com a proposta de atender a metade sul
do Rio Grande do Sul, região que concentra uma população de 2,6
milhões de pessoas, distribuída por 103 municípios. Esta região é
caracterizada por uma economia de base agropecuária e está
localizada na área de divisa do Brasil com o Uruguai e a Argentina,
constituindo-se, portanto, em local privilegiado para a implantação
de projetos voltados para o Mercosul.
A UNIPAMPA está hoje composta por dez campi, distribuídos
em dez municípios: Bagé; Santana do Livramento; Caçapava do
Sul; Dom Pedrito; Jaguarão; Uruguaiana; Alegrete; São Borja; São
Gabriel e Itaqui.
Até a sanção da Lei 11.640, em 11 de janeiro de 2008
1
, a
UNIPAMPA, campus de Jaguarão, foi tutorada pela UFPel, como um
campus fora de sede, sendo todas as suas ações regidas pelas normas
desta Instituição. A partir de 11 de janeiro de 2008, foi instituída a
Fundação Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA, com sede e
foro na cidade de Bagé, no estado do Rio Grande do Sul.
1
Dados sobre a Lei nº 11.640 obtidos no site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
_Ato 2007-2010/2008/Lei/L11640.htm, acessado em 05/05/2008.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)80
ruptura, como interrupção uma determinada forma de comportamento que
se repete no tempo; esta nova forma se legitima, dialeticamente, com a
possibilidade que têm os sujeitos que originam e desenvolvem esta prática,
de relacioná-la com as já existentes através de mecanismos de oposição,
diferenciação ou articulação (LUCARELLI, 2003, p. 2).
Para melhor entender como se dá a articulação teoria/prática,
revisito Lucarelli (2003, p. 110) que reflete sobre três dimensões
dessa relação. A primeira, a dimensão epistemológica, vê esta
articulação em uma perspectiva dialética, em que os dois termos
relacionados “se sintetizam na práxis e se manifestam como modo
específico do ser do homem”. Cabe destacar que a autora utiliza os
conceitos – cunhados por Hellen (1987) – de práxis repetitiva (aquela
que permite que as coisas sejam realizadas de maneira mais rápida
e precisa, mas que pode levar a uma certa rigidez do pensamento,
intimidando os sujeitos ao desenvolvimento da criatividade e da
inovação) e práxis inventiva (aquela que inclui sempre a produção
de algo novo, através da resolução intencional de um problema que
pode ser tanto de índole prático como puramente teórico). Nesse
caso específico, creio estar oportunizando a realização de uma práxis
inventiva, já que os sujeitos envolvidos buscam solucionar dúvidas
acerca de algo anteriormente não refletido nos Cursos de Letras e,
ainda, contando com pouco referencial teórico a respeito – o trabalho
com a língua espanhola para os anos iniciais do fundamental.
A segunda dimensão discutida por Lucarelli (2003, p. 110)
relativa à articulação teoria/prática é a dimensão pedagógica,
segundo a qual esses termos não podem ser concebidos
separadamente dado que um pode atuar sobre o outro, dando origem
a mudanças. Para a autora (2003, p. 117), o que importa “é analisar
a dimensão do problema como produção de conhecimento pedagógico
através da pesquisa, considerando a metodologia utilizada para isto;
como função da teoria com relação à prática na análise de
experiências inovadoras....
A terceira dimensão é a didática, que, segundo Lucarelli (2003,
p. 117), considera a articulação teoria/prática como princípio geral
metodológico que conota os processos de ensinar e aprender
desenvolvidos em toda situação didática. A referida autora embasa-
se em Wachowitz (1995), para quem a aprendizagem é um processo
de apropriação do conhecimento e para quem o método didático
transpõe a este contexto as notas próprias do método dialético.
Práticas inovadoras na aula universitária 83
iniciais do fundamental”. A disciplina possui uma carga horária de
34h/aula e tem caráter optativo, isto é, poderá ser cursada pelos
alunos interessados que já tenham efetivado o terceiro semestre,
tendo, portanto, cursado Língua Espanhola I, II e III. Com essa
proposta viso a proporcionar uma prática inovadora, no sentido de
que essa disciplina é algo novo nos Cursos de Letras e se propõe a
realizar a articulação entre a teoria e a prática, indispensável para a
formação integral. Nesse sentido, me apóio em Lucarelli (2003, p.99)
para quem inovação “é aquela prática protagônica de ensino ou de
programação do ensino, que parte da busca da solução de um
problema relativo às formas de operar com um ou com vários
componentes didáticos, se produz uma ruptura nas práticas habituais
que se dão na sala de aula, afetando o conjunto de relações da
situação didática”.
Rompe-se, assim, com a aula universitária “tradicional”, já
que os alunos, futuros docentes, deverão, além das discussões
teóricas sobre aprendizagem/aquisição de língua estrangeira (LE)
ou segunda língua (L2), (consideradas, neste contexto, como
sinônimos, devido, entre outros fatores, à região geográfica) vivenciar
propostas lúdicas de aquisição de LE/L2, criar propostas de trabalho
com crianças, apresentá-las na aula, dentro do contexto universitário
e, posteriormente, realizar oficinas nas escolas da rede pública da
cidade de Jaguarão.
Para refletir sobre a articulação teoria/prática, busco, em
Lucarelli (2003), conceitos sobre teoria/prática, cuja dimensão
didática “é um princípio geral metodológico que atravessa a
elaboração das propostas curriculares e os processos de ensino
aprendizagem, possibilitando aos sujeitos desses processos a reflexão
na ação” (LUCARELLI, 2003, p.3). A autora se embasa em Wachowitz
(1995) e Shön (1992) e enfatiza que a relação dialética que se cria
com a articulação teoria/prática se manifesta como modo específico
de ser e conhecer do homem.
Outro conceito utilizado pela pesquisadora é o de inovação,
também pertinente à minha reflexão neste texto. Para ela, inovação
está relacionada com a ruptura protagônica nas formas de operar
em determinada situação. Baseada em teóricos como Heller (1997)
e Angulo Rasco (1990, 2000), considera as inovações como
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)82
nenhuma criança adquire uma língua estando exposta primeiramente
só a verbos ou somente a substantivos, existe uma ordem natural
de aquisição que não é premeditada pelos pais ou educadores, apesar
de que se sabe que a criança adquire primeiramente os substantivos.
Por último, a hipótese do filtro afetivo, que assinala que quanto
mais baixo for este filtro, quer dizer, quanto mais aberta e sem
barreiras ao novo estiver a pessoa, melhor será a aquisição da língua.
Quando tratamos de crianças, é mais fácil pensar que essa hipótese
realmente funciona, pois a criança, geralmente, é bem mais aberta,
não se policia tanto como o adulto e tem a vantagem de se expor
mais, sem o medo de errar e sem o receio às críticas. Partindo das
reflexões de Krashen, acredito que o trabalho realizado,
principalmente através do uso de canções, é um trabalho produtivo,
já que as canções representam um input autêntico de língua, que,
na maioria das vezes, é de fácil memorização, facilitando assim sua
aquisição.
Formação docente: a Pedagogia da Comunicação
e a ludicidade
O aporte teórico da Pedagogia da Comunicação, na perspectiva
de Porto (2001) e Penteado (2001), ressalta que, segundo a
Pedagogia da Comunicação, a formação docente é “responsabilidade
não só da academia, mas do espaço onde a ação acontece”. Segundo
Porto,
uma ação colaborativa entre universidade e escola pública constitui uma
importante e forte parceria para o desenvolvimento de professores em serviço
(escola) e para a renovação de saberes dos professores em formação inicial
(universidade). Nesse sentido, constitui espaço privilegiado de reflexão e
produção de conhecimentos, através do conhecimento das práticas e relações
que se estabelecem (ou podem se estabelecer) no cotidiano da escola (PORTO,
2003, p. 89).
Observa-se, nessa premissa, a importância de que a
articulação teoria-prática perpasse todo o processo de formação
inicial, que o futuro docente tenha inserção na escola e que a escola
possa também interagir com a universidade, não ficando restrita
essa retroalimentação (quando ocorre) apenas ao final do Curso de
Licenciatura, já no período de estágios.
Práticas inovadoras na aula universitária 85
Nesse sentido, a autora propõe uma estratégia metodológica, dentro
do contexto universitário, na qual se propicia, segundo conceitos de
Schön (1983), a reflexão na ação e não a reflexão sobre a ação,
permitindo a reorganização ou a reestruturação do que se está
fazendo, no momento em que se está fazendo.
Toda a ruptura e inovação causam, no mínimo, um
estranhamento, principalmente quando os sujeitos envolvidos estão
acostumados a outro tipo de dinâmica que particularmente, no Curso
de Letras, é ancorada no texto, seja em sua interpretação e/ou em
sua produção. Ainda vigora (muitas vezes e por parte de alguns
sujeitos) a concepção de que primeiro se vivencia a teoria, para, no
final do curso, partir-se para a prática na realização do estágio
curricular.
Quando esta lógica que está posta na maioria dos Cursos de
Licenciatura, é alterada, pode haver um desconforto por parte de
alguns sujeitos. Também, quando os alunos, futuros docentes, são
expostos a novas dinâmicas para as quais não estavam preparados,
pode haver reações diversas e, quem sabe, até a rejeição de alguma
proposta. A proposta de trabalho com a língua estrangeira/espanhol
para crianças dos anos iniciais está ancorada na teoria de aquisição
de L2 de Krashen (1985), principalmente nas hipóteses do autor
sobre a diferença entre aprendizagem e aquisição, a hipótese do
input, a da ordem natural e a do filtro afetivo.
Com relação à distinção entre aprendizagem e aquisição, optei
pela perspectiva da aquisição para o trabalho com crianças, isto é,
muita exposição e uso da língua sem reflexões metalinguísticas e
sem exposição à língua escrita, já que essas crianças ainda estão na
fase de alfabetização de sua língua materna, tão próxima e ao mesmo
tempo tão distinta da L2, podendo gerar conflitos no processo de
alfabetização. Quanto à hipótese do input, estou de acordo com o
autor de que, quanto maior for a exposição à língua, uma língua de
boa qualidade, clareza e adequação à faixa etária e aos
conhecimentos prévios do aluno, maior será a possibilidade de sua
aquisição.
Em relação à hipótese da ordem natural, que está diretamente
relacionada ao input, concordo que, quando se trata de exposição à
língua, a exposição é realizada ao “todo” da língua, não havendo a
separação entre elementos mais “fáceis” ou mais “difíceis”, isto é,
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)84
Quanto à formação de professores para o trabalho com
crianças, encontro em Rinaldi (2006), as mesmas preocupações que
me suscitam estas reflexões. Segundo a autora (2006, p. 147),
“Quando decidimos pesquisar a formação de professores de espanhol
para crianças encontramos diversos obstáculos como a escassez de
referências bibliográficas específicas, carência de apoio do
professorado... entre outras” e completa dizendo que
é necessário encontrarmos uma abertura, por menor que seja inicialmente,
para instrumentalizar e habilitar legalmente os professores interessados em
ensinar língua espanhola para crianças com a qualidade a que elas têm
direito.
Afinal, é preciso não perder de vista que cada vez mais aumenta a necessidade
e o interesse pela inclusão de aulas de língua estrangeira nas séries iniciais
do E.F. (RINALDI, 2006, p. 149).
Para Santos (2001, p.16), “a ludicidade, hoje, direcionada
tanto para crianças, jovens ou adultos, em diferentes instituições
como escolas, empresas, universidades, hospitais, tem que ser
tratada com cientificidade para poder ser um fator de transformação”.
Nesse sentido, práticas lúdicas são indispensáveis para a proposta
do ensino da língua espanhola para crianças brasileiras das séries
iniciais do fundamental.
A ludicidade tratada com cientificidade não é algo distante
daquilo que os professores buscam construir em suas práticas
pedagógicas. Afinal, quantas vezes ouvimos e reproduzimos a palavra
“decoreba” em oposição a uma pedagogia prazerosa e construtiva?
Vários autores defendem a ludicidade no campo da educação.
Para Negrine,
as instituições de ensino devem trabalhar no sentido de criar uma cultura
lúdica. A cultura o homem produz, e ao produzi-la ele modifica a si mesmo.
A educação voltada para a criação de uma cultura lúdica deve promover: a)
atividades recreativas de cunho social e ético; b) uma educação não
discriminatória orientada para a igualdade das pessoas e para as suas
possibilidades de realização; c) atividades cooperativas em detrimento das
competitivas, uma vez que as primeiras priorizam a inclusão e as segundas
a exclusão, já que estas sempre são realizadas para se ter um vencedor
(NEGRINE, 2001, p.40).
Práticas inovadoras na aula universitária 87
Além disso, Porto ressalta a importância de que se forme o
futuro professor em um paradigma comunicacional, pois,
uma formação, neste sentido, deve estar aberta a novas experiências, novas
maneiras de ser, de se relacionar e de aprender, estimulando capacidades,
idéias e vivências de cada um; proporcionando vivências que auxiliem
professores e alunos a desenvolverem a sensibilidade e a refletirem e
perceberem seus saberes (de senso comum) como ponto de partida para
entender, processar e transformar a realidade (PORTO, 2001, p.223)
Na perspectiva da autora, a formação do professor deve estar
aberta a novas experiências, maneiras de ser, de se relacionar e
aprender, ou seja, a formação deve ocorrer a partir de um paradigma
comunicacional, vivência na qual o professor em formação sinta-se
aceito pelo professor universitário e pelos colegas e que sejam
compreendidas suas capacidades, idéias e saberes. Está presente
neste paradigma a inclusão de práticas inovadoras.
Esse paradigma comunicacional, ou a compreensão da
necessidade de que sejam estabelecidas relações dialógicas entre
professor e alunos, é reforçado por Lucarelli (2002). A autora, apesar
de não utilizar o termo “comunicacional”, apresenta, também, uma
fundamentação teórico-prática que valoriza práticas inovadoras nos
processos de ensino-aprendizagem. Ela assinala que
a experiência inovadora significa aqui o oposto a uma rotina educativa, a
uma encarnação de modelos reprodutores de ensino e aprendizagem
caracterizados pela fragmentação e pelo tecnicismo, onde a presença
exclusiva do verbal, o conhecimento fechado, sem espaço para a
problematização, a ausência de consulta a fontes, o vazio de informação
genuína, a cisão entre teoria e prática, a falta de oportunidades para adquirir
as competências próprias da profissão, constituem-se nos fatos que assinalam
a vida cotidiana de muitas aulas universitárias (LUCARELLI, 2002, p.153).
As reflexões de Lucarelli (2002) e Porto (2001) convergem
no sentido de que o processo de ensino-aprendizagem dá-se em
uma perspectiva relacional e que, portanto, a sala de aula deve ser
um espaço aberto à reflexão, à inovação, ao encontro entre alunos,
entre professor e alunos e destes com os conhecimentos. Um espaço
em que prevaleçam a problematização e a sensibilidade:
problematização dos desafios de construir saberes conjuntamente;
sensibilidade para aceitar o outro e compreendê-lo em seu processo
de formação.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)86
canções são retidas com facilidade e ficam guardadas na memória
por bastante tempo, facilitando, assim, a aquisição do ritmo e de
aspectos fonéticos e fonológicos, gramaticais, sintáticos e lexicais.
De acordo com Gil-Toresano, “trabalhar com canções é uma
atividade lúdica e criativa que pode propiciar o descobrimento e
aprendizagem da língua e cultura e constituir a base para uma
comunicação autêntica” (GIL-TORESANO, 2000, p.42).
Não são recentes as questões relacionadas à adequação dos
conteúdos e às formas de ensinar que se afastam da mera
transmissão do conhecimento e que privilegiam uma educação de
construção, baseada na comunicação e na interação. Muitos autores
discutem esse paradigma, insistindo em que as instituições de ensino
devem preocupar-se em adequar os conteúdos à vida dos educandos,
fazer com que eles tenham algum significado, sem estarem
deslocados da realidade.
Resultados preliminares
Basicamente, estes foram os assuntos refletidos na disciplina,
não só de maneira teórica (com leituras específicas), mas através
de discussões e confecção de um texto reflexivo como trabalho final.
Também apresentei propostas didáticas com emprego de cações e
atividades lúdicas como, por exemplo, uma canção que trata de
alimentos saudáveis e não saudáveis “A mí me gustan las
hamburguesas” (de D.García/M.Schajris; R.Hernández / Argentina)
com a proposta de que os alunos, futuros docentes, interpretassem,
destacassem o léxico trabalhado e representassem sua compreensão
nas massas de modelar por mim distribuídas, bem como propusessem
outras atividades a partir da letra da canção.
Essa proposta causou, em alguns, uma certa alegria e o desejo
de realizar, intensamente a atividade; já em outros, como pude
verificar em suas expressões faciais, foi visto como algo estranho,
talvez até uma “bobagem”. Outra proposta apresentada por duas
alunas foi a de escutar uma canção que trabalha com as partes do
corpo e fazer a coreografia proposta, o que foi realizado pela maioria
com grande diversão e muitos risos; mas, uma aluna, mais crítica e
resistente, manteve-se sentada, mostrando desconfiança quanto à
seriedade da proposta.
Práticas inovadoras na aula universitária 89
A promoção de uma cultura lúdica no espaço da sala de aula
é fundamental para que tenhamos um processo coletivo de
aprendizagem, um processo onde o aprendente não se sinta
constrangido e, no qual, a brincadeira, através de propostas
pedagógicas significativas, represente uma possibilidade real de
superação, sem, no entanto, a premissa da competitividade.
Nesse sentido, quanto à atuação do professor, Negrine (2001,
p.40) reforça que as atividades lúdicas devem ser pensadas “no
sentido de promover aprendizagens significativas, uma vez que não
tem sentido pensar o lúdico pelo lúdico, já que não existe ação sem
uma intenção, mesmo quando esta escapa à percepção imediata
daquele que a realiza”.
Fortuna assinala que
a sala de aula é um lugar de brincar se o professor consegue conciliar os
objetivos pedagógicos com os desejos do aluno. Para isto é necessário
encontrar o equilíbrio sempre móvel entre o cumprimento de suas funções
pedagógicas – ensinar conteúdos e habilidades, ensinar a aprender – e
psicológicas, contribuir para o desenvolvimento da subjetividade, para a
construção do ser humano autônomo e criativo, na moldura do desempenho
das funções sociais – preparar para o exercício da cidadania e da vida coletiva,
incentivar a busca da justiça social e da igualdade com respeito à diferença
(FORTUNA, 2001, p.116).
Vê-se, na análise de Fortuna (2001), que a questão do cuidado
e do equilíbrio necessários para o trabalho com as crianças está
presente. Daí destaca-se a necessidade do resgate do enfoque no
lúdico a partir da premissa da cientificidade, ou seja, que esta prática
seja vivenciada prazerosamente por professor e alunos sem tornar-
se um peso para o docente.
A mesma autora (2001, p.15) ainda chama a atenção para a
necessidade de que a universidade forme professores para brincar.
Segundo a autora “formar professores na perspectiva lúdica é uma
contribuição possível”.
Também as reflexões teóricas sobre o uso de músicas e
canções no ensino/aprendizagem de línguas são fundamentais pois,
além do caráter lúdico que elas possuem, as canções são, também,
facilitadoras do desenvolvimento da compreensão auditiva, servindo
como input para o desenvolvimento da oralidade e para a aquisição
da língua como um todo, de forma prazerosa, lúdica e natural. As
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)88
muito legal, como era aquela brincadeira [...] muito bom. [...] a
experiência de cada um é de cada um, mas acho que te ensina a
não errar, se a pessoa diz assim, olha, tal coisa deu certo comigo de
repente tu tenta, acho que é válido, tal coisa não deu certo...
L: Ah, eu gostei, eu acho que foi bom. Bom, primeiro eu
fiquei com medo, né? Porque eu não sabia se eu ia conseguir falar
em espanhol, ah meu Deus, a Cristina me olhando e eu falando em
espanhol com as crianças, eu vou errar tudo, (risos), eu vou falar
tudo errado, esse era o meu maior medo...
Realizando uma breve reflexão sobre alguns dos fragmentos,
percebo que a experiência foi válida, apesar das angústias, do medo
ao desconhecido, da inovação. A realização da prática, não só na
disciplina dentro da universidade, mas também junto às crianças,
foi significativa para esses sujeitos. A desconstrução do que existe,
como por exemplo, trabalhar com a leitura e a escrita, para dedicar-
se somente à oralidade, configura-se em uma prática inovadora,
que pode assustar em um primeiro momento, mas que se configura
como positiva, como é possível verificar na fala de S: Sinceramente
eu não imaginei que eles iam aprender tão rápido, sabia que eles
tinham capacidade, mas imaginei que ia ser uma coisa mais lenta.
Me surpreendeu que alguns na mesma aula já estavam falando “rojo”
com a pronúncia certa...
Considerações finais
Em se tratando de um contexto de sala de aula universitária,
acredito que essa dinâmica possibilita o diálogo entre o professor e
os alunos, gerando um crescimento do grupo, com a troca de
experiências e a reflexão sobre as propostas trazidas, não deixando
a realização dessas vivências e reflexões solitárias no fim do curso,
na época do estágio. Ou, ainda pior, como no caso da língua
estrangeira para os anos iniciais, o qual, por não ser regulamentado,
não há nem a realização de estágios para esse adiantamento. Os
alunos, futuros docentes, irão refletir, se o fizerem, somente na sua
atuação docente, pois sem essas possibilidades de realização das
vivências dentro da universidade, não haverá outra oportunidade
que não a prática profissional propriamente dita.
Práticas inovadoras na aula universitária 91
Acredito que para se trabalhar em uma perspectiva lúdica,
deve-se, ao menos, vivenciá-la dentro do contexto universitário,
não apenas realizando leituras sobre o modo de fazer, mas, também,
fazendo, para poder experienciar e refletir. Assim, o que Lucarelli
propõe, embasada em Schön, é uma nova epistemologia da prática,
com relação aos processos de formação de profissionais nas
competências específicas da profissão.
Como esta disciplina ainda se encontra em fase de análise e
reflexão, uma avaliação mais pontual de sua trajetória ainda não
pode ser realizada, mas transcrevo aqui dois fragmentos de discurso
de duas alunas, escolhidas de forma aleatória, no início da disciplina
quando questionadas sobre o quê esperavam dela, e por fim, dois
fragmentos dos mesmos sujeitos ao término da disciplina:
V: encontrar meios de atuar nas séries iniciais sem precisar
“despejar” um monte de regras nos alunos;
S: trabalhar dentro do lúdico, do jogo de atividades
prazerosas;
L: espero que sejam aulas legais, divertidas e que tenhamos
algumas aulas práticas com as crianças e o fundamental, aprender
muito com essa disciplina para que no futuro desenvolva um bom
trabalho.
Já ao final da disciplina, depois da realização das oficinas nas
escolas, assim referiram as alunas:
V: devo admitir que de início me assustou um pouco, pois
trabalhar com crianças era algo que nunca havia sido pensado por
mim. Mas, aos poucos fui me convencendo de que uma atividade
como essa só poderia ser algo de muita valia, e que, com certeza,
acrescenta algo a minha bagagem de experiências, bagagem esta
que devemos carregar por toda vida. E, de fato, como imaginei,
essa experiência foi bastante positiva e inovadora. Nada foi custoso,
na verdade tudo foi muito prazeroso.
S: Aiii, eu nunca tinha me imaginado nesse papel [...] mas
foi bem legal, bem, bem, bem legal mesmo, me surpreendeu, eu
gostei de planejar, eu gostei de tentar fazer coisas que não tivessem
escrita, que era muito difícil tu achar coisas que não tivesse a escrita,
copiar idéias de colegas, bahh... aquela foi boa, das gurias, eu achei
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)90
_____. El eje teoria-práctica en cátedras universitarias
innovadoras, su incidencia dinamizadora en la estructura
didáctico curricular. Tesis de doctorado. Universidad de Buenos
Aires – UBA, 2003.
_____. Um desafio institucional: inovação e formação
pedagógica do docente universitário. In: Castanho, S. e
Castanho M. E. (orgs.) O que há de novo na Educação
Superior: Do projeto Pedagógico à prática transformadora.
Campinas, SP: Papirus, 2004.
NEGRINE, Aírton. Ludicidade como ciência. In: SANTOS, Santa
Marli Pires dos. (org.) A ludicidade como ciência. Vozes,
Petrópolis, 2001.
PENTEADO, Heloísa Dupas. (org.) Pedagogia da Comunicação
– teorias e práticas. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.
PORTO, Tânia Maria Esperon. As mídias na escola: uma
pedagogia da comunicação para formação docente em serviço.
In: PORTO, T. M. E. (org.) Saberes e linguagens de educação
e comunicação. Pelotas: Ed. Universitária/UFPel, 2001.
RINALDI, Simone. Um retrato da formação de professores de
espanhol como língua estrangeira para crianças: um olhar
sobre o passado, uma análise do presente e caminhos para o
futuro. Dissertação de Mestrado em Educação. FaE/USP, São
Paulo, 2006.
SANTOS, Santa Marli Pires dos. (org.) A ludicidade como
ciência. Vozes, Petrópolis, 2001.
SCHÖN, D. La formación de profesionales reflexivos.
Barcelona, Paidós, 1992.
Práticas inovadoras na aula universitária 93
As três dimensões da articulação teoria/prática propostas por
Lucarelli, como se vê, são indissociáveis; portanto, cabe a nós,
professores, uma reflexão de como está sendo conduzida nossa
proposta de trabalho, de como esta proposta está sendo vista e
construída junto com os alunos, e que aportes relevantes podem
ser destacados de modo que os processos de formação de
profissionais possam favorecer à construção de competências
específicas da profissão.
Percebo, assim, que é possível inovar no contexto universitário,
propiciando a articulação teoria/prática conforme apregoa Lucarelli.
Em breve, juntamente com o grupo de alunos, será realizada uma
avaliação sobre a pertinência da disciplina e suas contribuições para
o currículo do Curso de Letras, possibilitando, então, uma reflexão
mais profunda do processo vivido.
Bibliografia
BRASIL. Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº
9394, de 20 de dezembro de 1996. – Disponível em
www.mec.gov.br/home/ftp/LDB.doc
FORTUNA, Tânia Ramos. Formando professores na
universidade para brincar. In: SANTOS, Santa Marli Pires dos.
(org.) A ludicidade como ciência. Vozes, Petrópolis, 2001.
GIL-TORESANO, Manuela. El uso de las canciones y la música
en el desarrollo de la destreza de comprensión aditiva en el
aula de E/LE. Revista Carabela, n. 49. Madrid: Sociedad
General Española de Librería S.A. 2000. pp. 39-54.
KRASHEN, Stephen. D. Principles and Pratice in Second
Language Acquisition. Oxford, Pergamon Press, 1982.
_____. Input Hypothesis: Issues and Implications. London,
Longman, 1985.
LUCARELLI, Elisa. Enseñar y aprender en la universidad: La
articulación teoría-práctica como eje de la innovación en el
aula universitaria. In: CANDAU, Vera Maria (org.). Ensinar e
aprender: sujeitos, saberes e pesquisa. Rio de Janeiro, DP&A,
2002.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)92
Entre o ser tradicional e o ousar ser
diferente: uma experiência pedagógica
inovadora na formação de professores
Renato Siqueira Rochefort*
Aquilo que você pode fazer, ou sonha que pode,
comece a fazer; a audácia tem em si gênio, poder e magia.
Goethe
Introdução
Tanto a tensão quanto a possibilidade, além, é claro, da
oportunidade, de fazer o novo ou não, apresentadas no título deste
artigo, estão presentes no cotidiano de muitos docentes que atuam
nos cursos de formação de professores.
A universidade espelha a sociedade, e, como ela, tem colocado
no conhecimento científico toda a sua expectativa de avanços e
melhorias. Isso se evidencia na maneira como em seu interior ainda
se tem reproduzido, na produção e distribuição do conhecimento, a
forma de fazer ciência alicerçada numa concepção positivista, o que
tem demarcado a organização do conhecimento desenhada a partir
de seus princípios, e mais, como definidora das atividades de ensino.
Para constatar isso, basta um olhar para os currículos e sua lógica
de construção, como salienta Bernstein (1997), compreendidos num
paradigma de coleção, num modelo baseado na autoridade e
norteados pelos conceitos de ordem e controle, assim como para as
atividades realizadas nos locais de aula, onde se pode destacar a
divisão entre o que é teórico – conteúdo é predominantemente
verbalizado pelo professor e recebido em forma de informação pelo
* Licenciado em Educação Física e Esportes, doutorando em Educação. Docente na
Escola Superior de Educação Física/Universidade Federal de Pelotas. E-mail:
realidade escolar, muitas vezes repetindo, no seu fazer pedagógico,
as velhas aulas de seus antigos professores de Educação Física.
Entre outras, as justificativas para isso são quase sempre aquelas
que culpam o distanciamento entre a formação acadêmica e a prática
pedagógica que se realiza no âmbito da escola, reforçadas pela forma
de organização do ensino na universidade, fundamentalmente na
separação e ordenação do conhecimento – primeiro a teoria, depois
a prática.
Lendo Borges (1997), relembro que, em 1992, a Associação
Nacional pela Formação dos Profissionais de Educação – ANFOPE, já
propunha uma estrutura curricular alicerçada em eixos temáticos,
buscando a superação da dicotomia na relação teoria e prática, na
superação da separação entre disciplinas específicas e as da área
pedagógica, entre tantas outras. Era, segundo a Associação,
necessário assumir uma nova postura em relação a essa estrutura,
buscando uma aproximação entre os currículos dos cursos que
formam docentes e a realidade escolar.
Muitos questionamentos surgem então com relação a esta
problemática cotidiana. Será que o problema está na forma como o
currículo é pensado? Será que está no conteúdo? Aquilo que o
professor vem elegendo como conteúdo fundamental para
instrumentalizar o futuro docente está de acordo com as necessidades
da função? Será que o conteúdo está demasiadamente extenso e a
carga horária das disciplinas é muito pequena? Será uma questão
de orientação metodológica? Será isso uma característica própria
dos cursos de Licenciatura em Educação Física, em função das
características dos estudantes que nele ingressam – quase sempre
oriundos de atividades esportivas ou, mais recentemente, de
atividades em academias? Ou será uma característica da carreira
docente universitária, hoje um tanto meritocrática?
Especificamente em relação ao último questionamento, Cunha
(2006) afirma que a formação do professor universitário tem sido
entendida, por força da tradição e ratificada pela legislação, como
atinente quase que exclusivamente aos saberes do conteúdo de
ensino. Espera-se que o professor seja, cada vez mais, um
especialista em sua área, dominando o conteúdo, e este, por sua
vez, esteja alicerçado nas atividades de pesquisa nas quais, segundo
a autora, reside o prestígio do professor universitário, incluindo aí
Práticas inovadoras na aula universitária 97
estudante – e o que é prático – atividades realizadas pelo aprendiz,
a partir da informação e sob o controle do professor.
De acordo com Cunha (2005), é nesse ambiente com todos
os seus condicionantes históricos, sociais e culturais, que tem cabido
ao professor ser o protagonista na realização das mudanças,
fundamentalmente pela sua condição de dar direção à prática
pedagógica que desenvolve, muito embora reconheça nela tais
condicionantes. Na verdade, frente a tantas resistências,
principalmente aquelas que apontam para novos direcionamentos
na estrutura curricular, e que tocam, ideologicamente, nas relações
entre conhecimento e poder, os professores, aliados à mudança,
vêm agregando elementos novos às suas práticas pedagógicas –
elementos esses construídos a partir de suas experiências docentes
e não a partir de sua formação inicial, o que é compreensível, na
medida em que ela foi concebida num modelo de ensino e
aprendizagem praticamente idêntico ao da atualidade, em que eles
atuam profissionalmente.
Alguns fatores vêm contribuindo, e interferindo nas decisões
dos professores em suas tentativas de mudança nas práticas
pedagógicas. Entre eles, é possível citar o dia a dia vivido na
instituição frente às suas estruturas internas de poder; o nível de
satisfação com o que está sendo possível realizar profissionalmente;
a forma como é tratado e produzido o conhecimento e seu
distanciamento da realidade objetiva; a dicotomia entre teoria e
prática; a desarticulação entre as diferentes disciplinas constantes
da grade curricular; o foco de interesse centrado no ensino e não no
modo de como os alunos aprendem; o desinteresse dos estudantes
nas aulas, entre outros.
Atuando na formação de profissionais no campo da Educação
Física, como professor universitário, mais especificamente na área
esportiva e na modalidade voleibol, em torno de vinte e nove anos,
venho acumulando algumas certezas, algumas dúvidas e, sobretudo,
muitas preocupações, principalmente com relação aos processos de
ensino e de aprendizagem no interior das universidades e sua
reverberação na vida cotidiana dos futuros professores. E isso se
evidencia ainda mais quando vejo os estudantes que por nós
passaram em seus cursos de formação e hoje são professores,
desestimulados e impotentes diante da necessidade de intervir na
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)96
Este artigo tem como objetivo analisar, juntamente com o
aporte teórico que o sustenta, uma experiência pedagógica
desenvolvida no interior do Curso de Educação Física da Universidade
Federal de Pelotas, na disciplina “Voleibol”, que tem a pretensão de,
ao romper com o modelo vigente, apresentar uma nova proposta de
cotidianidade pedagógica, assentada em dois eixos norteadores
fundamentais: a) uma concepção referenciada em uma articulação
entre teoria e prática, considerando-as partes inseparáveis de uma
mesma unidade, a partir de um diálogo entre sujeito e realidade,
entre sujeito e objeto de estudo; b) uma concepção de ensino com
pesquisa, pela articulação indissociável entre eles e a extensão
universitária.
Como estou tratando de uma experiência pedagógica
vivenciada em um curso de formação docente no interior da
Universidade
1
, entendo ser importante iniciar pelo ponto que tem
merecido bastante atenção nos últimos tempos nos debates
universitários, e que foi, e ainda é, de uma relevância única para a
construção e concretização de minha proposta de atuação: a
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Logo após,
passarei a tratar sobre a articulação entre teoria e prática e a forma
em que ela aparece como inovação na docência, tendo o professor
como protagonista, no caso do projeto aqui analisado. Finalmente,
apresentarei, na forma de considerações finais, recortes dos textos
produzidos pelos estudantes após cada aula ministrada, registrados
no “Caderno de Escrita”, que é um dos componentes desta proposta,
tentando articulá-los com os referenciais estudados.
O desafio da indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão
Na experiência pedagógica que apresento aqui, uma das
premissas fundantes é a de que há necessidade da construção de
um local onde, de fato, a indissociabilidade entre estes três elementos
1
A forma da escrita, na primeira pessoa do singular e do plural, escolhida para o
texto, pretende ser um misto de narrativa sobre a experiência vivenciada pelo
autor do texto e seus estudantes, atravessada, ao mesmo tempo, pelos conceitos
que lhe dão suporte, aliás, bem de acordo com as características da proposta de
ensino e aprendizagem que aqui será analisada.
Práticas inovadoras na aula universitária 99
suas publicações, participações em eventos cies perspectiva, o ensino,
especialmente o de graduação, é entendido como decorrência das
demais atividades do professor na universidade.
É interessante,aqui neste ponto, analisar o estudo de Würdig
(1998), que objetivou compreender de que forma os professores de
Educação Física constroem as suas práticas pedagógicas, articulando-
as com a formação inicial. Como eixos principais para analisar a
formação inicial e suas repercussões na vida profissional desses
professores, o pesquisador identificou: os aspectos históricos da
formação de professores de Educação Física; as características do
curso na Esef-UFPel; as experiências mais marcantes vividas por
eles no curso: as aulas e os professores, as dificuldades em relação
ao perfil exigido pelo curso e seu distanciamento do espaço escolar;
o ingresso no curso e o direcionamento para o magistério.
Analisando as experiências mais marcantes dos participantes
do estudo, apareceram, com destaque, as dificuldades em se integrar
no perfil do aluno esperado pelos professores (uma espécie de atleta
múltiplo) e a dificuldade em cumprir um currículo que dissociava o
conhecimento técnico do conhecimento pedagógico. Este modelo
técnico apresentou-se como referência que era negado, mas não
superado em termos de prática concreta.
Nas conclusões de seu estudo, entre outras, Würdig (1998)
destacou que os professores, ao ingressarem na rede pública de
ensino, procuraram encontrar formas, construir caminhos, fazer
escolhas e tomar decisões que representaram continuidades e
rupturas em relação à sua formação inicial. Concluiu, então, que há
necessidade de preparar os futuros professores para enfrentarem
as diferenças, os conflitos e as contradições que não são exclusivas
da sala de aula universitária. Os problemas da prática não estão
sempre definidos e estruturados, como normalmente apresentados
aos estudantes na universidade.
Diante de tudo isso, de tantas discussões e reflexões
vivenciadas em eventos municipais, regionais, nacionais e
internacionais, da leitura de artigos, livros e capítulos de livros que
tratam do tema, das narrativas das experiências pedagógicas dos
professores acumuladas ao longo de suas trajetórias profissionais,
resta-me perguntar: Será que não chegamos ao momento propício
de (re)significar a relação entre o quê/como se ensina e o quê/como
se aprende na universidade, nos cursos de formação docente?
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)98
O desafio tornou-se ainda maior, na medida em que
indissociabilidade é uma palavra que, afora outros condicionantes,
não traz em si sequer um acordo conceitual ou uma reflexão sistêmica
sobre seu sentido e seu significado. O meu entendimento sobre
indissociabilidade é diferente daquele que alguns docentes costumam
ter, quando afirmam que ela já está presente quando o professor
faz ensino e tem seus projetos de pesquisa e extensão, mesmo que
essas atividades ocorram em horários diferentes e em locais
específicos para cada uma delas. Como afirma Cunha, esse
entendimento coloca a idéia de indissociabilidade no trânsito de
experiências e conhecimentos que o professor leva aos estudantes,
como resultado de suas vivências acadêmicas. Essa não era
verdadeiramente a minha idéia. Para mim, e como bem diz a autora:
“indissociabilidade é algo indivisível, acontecendo de maneira global
no interior do processo pedagógico” (CUNHA, 2005, p.10).
Então, como colocar isso tudo em prática no sistema curricular
universitário vigente?
A primeira providência foi oferecer um projeto de extensão
comunitário, que denominei de Projeto Voleibol 2008, aberto à
comunidade pelotense, que abrigaria, em seu interior, crianças de
ambos os sexos, pertencentes tanto à rede escolar do município
quanto à região de abrangência da UFPel. O número de vagas a
oferecer, assim como a faixa etária das crianças, ficaram para ser
decididos posteriormente, em reunião do grupo de trabalho. Foram
disponibilizadas dez vagas para os estudantes, sem qualquer
exigência de pré-requisitos. Aqui neste ponto, já havia, em relação
à minha idéia de indissociabilidade, o ensino e a extensão
acontecendo de maneira indivisível, em um mesmo lugar. A pesquisa
veio não só a partir da concepção pedagógica adotada, com certeza
muito diferente do modelo tradicional já descrito brevemente neste
texto, mas também a partir da possibilidade do novo, trazido pelo
método de ensino escolhido para a aprendizagem esportiva. Ela
ingressa na proposta numa concepção de ensino com pesquisa, o
que por si só já significa a necessidade de um rompimento com as
formas atuais de entender o conhecimento e o mundo. Como
argumenta Cunha (2005), nessa perspectiva, as atividades de ensino
necessitam incorporar os princípios da tarefa investigativa, assumindo
os processos metodológicos desta atividade, e ainda, tendo a dúvida,
e não mais o estabelecido, como o lugar de partida da aprendizagem.
Práticas inovadoras na aula universitária 101
da vida universitária – ensino, pesquisa e extensão – aconteçam, no
tempo e no espaço, de forma única, apesar da estrutura curricular
existente. Nela, a idéia de ensinar ainda se resume ao professor
simplesmente ministrar bem as suas aulas, trabalhando
adequadamente o conteúdo, sem qualquer preocupação com o modo
de aquisição do conhecimento por parte dos alunos (BALZAN, 1995).
Nesse tipo de ensino, classificado como tradicional, a
informação é repassada aos estudantes a partir de alguns
pressupostos: o conhecimento é tido como acabado e
descontextualizado; a disciplina intelectual é tomada como
reprodução das palavras, textos e experiências do professor; a
memória, o pensamento convergente e a resposta única são
valorizados; cada disciplina tem um espaço próprio de domínio do
conhecimento que exige cada vez mais aulas para vencer todo o
conteúdo; o professor é a principal fonte de informação; a pesquisa
está fora do alcance dos alunos de graduação, entre outros (CUNHA,
2005).
Com certeza, não era a partir dessa perspectiva que estava
querendo atuar nesta nova proposta de trabalho. Aliás, muito pelo
contrário, queria justamente contrapor-me a ela. Tinha a expectativa,
quase uma convicção, de que um projeto de extensão aliado a uma
prática de ensino com pesquisa funcionaria muito bem como o lugar
de apropriação da leitura da realidade, gerando, nos estudantes, a
partir de suas experiências reais, o sentimento da dúvida, o desejo
da busca, do questionamento, que toda a aprendizagem requer. Um
lugar onde os estudantes, e não só o professor, possam vir a ser o
centro dos processos educativos. São eles que precisam se formar.
Ao professor cabe criar as condições para que isso ocorra, fazendo
com que eles venham a interagir ativamente com a cultura e o
conhecimento universalmente produzido, sendo capazes de analisar,
compor e recompor dados, argumentos e idéias, fazer relações e
posicionar-se frente à realidade.
É num ambiente com este formato, único, onde as atividades
de ensino, pesquisa e extensão se apresentem verdadeiramente
indissociadas, que entendo ser possível pensar o novo, melhor
dizendo, uma nova forma de ensinar e aprender na universidade.
Um ambiente em que a mola propulsora da aprendizagem seja a
dúvida, e onde os estudantes sejam a atração principal, corpos onde
verdadeiramente se dará a indissociabilidade.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)100
b) Freqüência semanal: duas vezes por semana, às 3ªs e 6ªs
feiras, no período da tarde, com a duração de 120 minutos cada
uma. Decidimos também que as aulas iniciariam às 18 horas, o que
facilitaria a participação tanto das crianças que estudam pela manhã
quanto pela tarde.
c) Organização do grupo para as aulas: as aulas seriam
ministradas por duplas de estudantes. Como tínhamos no grupo
estudantes tanto do primeiro semestre quanto dos semestres mais
avançados, ficou decidido que os rodízios de cinco duplas para a
orientação das atividades seriam organizados de forma que, no
primeiro mês, sempre estivessem, nas duplas, um estudante recém
ingressante e um mais adiantado no curso. Haveria obrigatoriedade
da apresentação e arquivamento, em pasta especial, dos planos de
aulas detalhados. Os oito estudantes, não responsáveis pela
orientação da atividade no dia da aula, deveriam comparecer e teriam
as seguintes tarefas: auxílio aos colegas ministrantes; observação e
registro de fatos que lhes chamaram a atenção durante a aula;
filmagens e registros fotográficos das atividades; entre outros.
d) Caderno de Escrita: ao final de cada aula, a dupla de
estudantes deveria registrar, em forma de texto, no Caderno de
Escrita, suas impressões e sentimentos sobre como transcorreu a
atividade, além de relatar fatos que fossem marcantes e, portanto,
merecedores de destaque. Esses textos seriam utilizados tanto como
referências para estudo e avaliação nas reuniões do grupo específicas
para tal, quanto de material de consulta para as pesquisas dos
estudantes.
e) Reuniões de estudo e avaliação: a cada cinco rodízios das
duplas de estudantes, uma reunião de estudos e avaliação deveria
ser realizada, em dia diferente daqueles em que acontecessem as
aulas. Nelas, juntamente com o professor, seriam debatidas as
atividades realizadas no período, destacando: os sucessos; os
problemas; as dificuldades; as soluções encontradas; o conteúdo
específico da modalidade; entre outros. Nessas reuniões seriam
utilizados também, como elementos para debate, os planos de aula
e o Caderno de Escrita. O professor teria o papel de debatedor nesses
encontros e, a seu critério ou por sugestão dos estudantes, poderia
trazer textos, livros, vídeos, etc., que julgasse interessante como
contribuição para os debates. Nesse momento, também seriam
organizados os rodízios dos estudantes.
Práticas inovadoras na aula universitária 103
Encontro em Ibiapina (2008) e em seus escritos sobre pesquisa
colaborativa emancipatória, os pressupostos conceituais necessários
à concretização de minha proposta indissociável. Entre eles,
destacam-se alguns princípios como: a investigação da própria ação
educativa nela intervindo, colocando os estudantes no centro do
processo, não como meros objetos de análise, mas como sujeitos,
não como produtos da história educativa, mas também como seus
agentes; a valorização das atitudes de colaboração e reflexão crítica,
negociadas e construídas coletivamente, que faz com que os
integrantes do grupo se tornem co-parceiros, co-usuários e co-
autores de todo o processo, a partir da participação consciente e
deliberada; o valor da compreensão do microssocial sem que se
perca de vista o macrossocial, o que traz uma maior possibilidade
aos alunos no sentido da compreensão, análise, e, quem sabe até,
da modificação da realidade do cotidiano escolar; o estímulo ao uso
da linguagem, escrita e falada, a partir da reflexão em pares,
individual e em conjunto; a descoberta de relações contraditórias e
a possibilidade de superação, entre outros.
Já com relação aos pressupostos organizativo-metodológicos,
que Ibiapina (2008) chama de dispositivos mediadores, destaco na
proposta: as narrativas escritas – relatos dos estudantes sobre as
atividades diárias; as observações colaborativas – observações
escritas dos colegas não responsáveis pela aula em cada dia; as
sessões reflexivas – reuniões de estudo e avaliação; a vídeoformação
– registros em vídeo e fotografia das atividades; as entrevistas
individuais – realizadas ao longo da atividade com as crianças e
seus pais ou responsáveis; e as entrevistas coletivas – forma de
grupo focal, realizadas com os estudantes universitários participantes
na atividade.
Tendo já um projeto de extensão definido, integrado a uma
disciplina curricular, com uma proposta de ensino com pesquisa e
com os estudantes já matriculados, foi realizada uma primeira reunião
do grupo, durante a qual algumas decisões foram tomadas
coletivamente. Foram elas:
a) Número de alunos: no máximo trinta crianças, escolares,
de ambos os sexos, nascidos nos anos de 1996 e 1997, pertencentes
à comunidade pelotense, assim como aquelas oriundas das regiões
de abrangência da universidade.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)102
h) Período de estudos e preparação: concluído o mini-curso,
os estudantes tiveram duas semanas, antes do início das aulas com
as crianças, para aprofundar seus conhecimentos sobre o método,
preparando-se para efetivamente começar a vivenciar uma
experiência, pelo menos diferente, no interior de seu curso de
formação. Ao final desse tempo de estudos e preparação, foram
encerradas as matrículas das crianças.
Vencida essa etapa de preparação e organização do grupo
de estudantes, construída coletivamente, as atividades do projeto
efetivamente se iniciaram. Agora era “prá valer”! Ali estavam, em
cena, o presente e o futuro, para ensinar e aprender, os alunos/
professores e seus alunos/alunos, sob a observação de um único
espectador: seu professor/aluno. E aqui um novo desafio: romper
com a estruturação dicotômica entre teoria e prática na universidade.
O desafio do ensino: a inovação na articulação
entre teoria e prática na aula universitária
Para avançar neste ponto, penso primeiramente ser necessário
revisitar escritos anteriores, mesmo que superficialmente, localizando
e enfatizando o contexto onde a experiência que narro neste trabalho
efetivamente se concretiza, mais precisamente nos aspectos didático-
organizacionais.
Atualmente os estudantes, tanto da Licenciatura quanto do
Bacharelado, têm, no curso de Educação Física da UFPel, atividades
de caráter eminentemente experiencial, acontecendo tanto na forma
de práticas quanto de estágios curriculares ao longo de sua formação.
Porém, a proposta de ensino que engloba estas atividades, apesar
de serem notadas algumas mudanças, assim como as outras
disciplinas da grade curricular, ainda é aquela tradicional, conforme
o entendimento de Balzan (1995) e de Cunha (2005). Ainda é muito
evidente a separação entre o que é teórico e o que é prático como
espaço de atuação do professor, para que possa ministrar as suas
aulas, informando e repassando o conteúdo, muitas vezes sem
qualquer conexão com a realidade externa. Espera-se que essa
conexão seja realizada pelo aluno em um momento específico para
tal. É o poder da organização institucional, influenciando na prática
cotidiana do professor, na sua forma de agir dentro do programa
curricular, no seu ensino, na sua avaliação e na maneira de como se
relaciona com seus alunos.
Práticas inovadoras na aula universitária 105
f) Método de ensino: decidimos pela utilização de dois métodos
de ensino, a Iniciação Esportiva Universal
2
e a Escola da Bola
3
, que
atualmente, no Brasil, estão concentrados em uma única proposta
denominada Sistema de Aprendizagem e Desenvolvimento Esportivo
– SADE, em aplicação no Programa Segundo Tempo – PST
4
. Essa
decisão quanto ao método foi tomada, basicamente, por dois motivos:
a) por ser uma proposta inovadora na área do ensino e da
aprendizagem esportiva para crianças, na medida em que trabalha
com o conceito de aprendizagem incidental e não intencional, o que
já a configura como um campo muito fértil para acompanhamento,
análise e observação, e de onde poderiam surgir propostas de
investigação; e b) por ser uma proposta que é atualmente vista, por
vários especialistas no país, em função de suas características de
funcionamento, sua fácil aplicabilidade, variedade de possibilidades
de exploração corporal, e fundamentalmente, por não trabalhar na
perspectiva de formar atletas, mas sim jogadores, como uma grande
alternativa para o ensino dos esportes na escola.
g) Oficina/curso sobre o método: com o objetivo de apresentar,
dar conhecimento e instrumentalizar os estudantes com relação ao
método escolhido, decidimos pela realização de uma oficina em forma
de mini-curso, com a duração de 12 horas/aula, coordenado pelo
professor da disciplina. O fato interessante acontecido aqui neste
ponto é que os estudantes matriculados na disciplina resolveram
abrir a possibilidade de participação aos demais alunos do curso de
Educação Física. Assim, em função da disponibilidade, tanto do local
(sala) quanto do material específico, foram abertas sessenta vagas,
todas preenchidas.
2
GRECO, Pablo Juan & BENDA, Rodolfo Novellino (Org). Iniciação Esportiva Universal:
da aprendizagem motora ao treinamento técnico. Belo Horizonte: Editora da UFMG,
1998. GRECO, Pablo Juan (Org). Iniciação Esportiva Universal: metodologia da
iniciação esportiva na escola e no clube. Belo Horizonte: Editora da UFMG,1998.
3
KRÖGER, Christian & ROTH, Klaus. Escola da Bola: um abc para iniciantes nos
jogos esportivos. São Paulo: Phorte Editora, 2006.
4
Programa do Ministério do Esporte, destinado a democratizar o acesso a atividades
esportivas e complementares no contra-turno escolar, desenvolvidas em espaços
físicos públicos ou privados, tendo como enfoque principal o esporte educacional.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)104
utilizados em relação à importância menor que assumem as
estratégias didáticas gerais. Outro ponto importante em que se faz
presente a segmentação, de acordo com Lucarelli (2004), é aquele
que se vincula com a condição fragmentária em que se encontram a
teoria e a prática nas situações educativas. Isso se observa na divisão
entre disciplinas teóricas e disciplinas práticas, nos currículos
universitários, e sua colocação sequencial de acordo tanto com sua
aproximação quanto de seu afastamento dos aspectos relacionados
com a colocação em ação das habilidades requeridas para o exercício
da profissão. Soma-se aqui, também, a forma organizativa das aulas
dessas disciplinas com horários, espaços e, às vezes, até mesmo
professores diferenciados para trabalhar os aspectos teóricos e
práticos do ensino. A autora, ao comentar sobre isso, argumenta
que, se observarmos internamente no âmbito de cada situação de
aula, poderemos verificar, ainda, um esquema de separação
semelhante: o professor primeiramente aborda o conteúdo teórico,
identificando-o como o momento de transmissão da informação,
deixando os aspectos práticos para um momento posterior.
A separação teoria/prática é, segundo Heller (1977), própria
da práxis repetitiva, aquela que implica a repetição de esquemas
práticos desenvolvidos por outros (no caso da universidade quase
sempre os docentes) e assumidos inteiramente pelos estudantes. A
isso Sirvent (1994) chama de participação simbólica já que há uma
participação mínima, muitas vezes nenhuma, dos estudantes na
gestão e nas decisões políticas da mudança.
Já na inovação fundamentada crítica, que se contrapõe à
didática tecnicista, a ruptura trazida pela nova prática é o ponto
central. Lucarelli (2004) caracteriza esta ruptura como a interrupção
de uma determinada forma de comportamento, que se repete no
tempo e que se legitima, dialeticamente, com a possibilidade de
fazer relações entre a nova prática e as já existentes, por meio de
mecanismos de oposição, diferenciação ou articulação. Também é
importante lembrar que essa nova prática não deve ter uma dimensão
única. Pelo contrário, ela deve ser multidimensional e, nesse sentido,
afetar qualquer um dos aspectos da situação didática: os objetivos,
os conteúdos, as estratégias de ensino e de avaliação, os recursos
para a aprendizagem, as relações entre os sujeitos, as formas de
autoridade, de poder, que se manifestam no contexto da aula ou até
Práticas inovadoras na aula universitária 107
Lucarelli (2004) salienta que a análise dessas práticas, no
modelo tradicional, assim como sua intervenção é que devem se
constituir no ponto de partida para efetivar os processos de mudança
na universidade, e que isso demanda uma busca de fundamentação
que permita apontar as práticas mais apropriadas e favoráveis em
função dessas modificações. Além disso, segundo a autora, é
importante que se considere a mudança a partir da perspectiva teórica
da Didática, sob dois aspectos: a) as diferenças entre inovação
tecnicista e inovação centrada nos protagonistas (fundamentada
crítica); e b) a relação entre a teoria e a prática e os níveis em que
esta articulação se evidencia nas aulas na universidade.
Acerca da inovação segundo a perspectiva didática tecnicista,
Lucarelli (2004) evidencia dois pontos: a sua tendência a uma
normatividade e sua ênfase na segmentação. Como escreve
Popkewitz (1994) em relação à normatividade, as mudanças se dão
quase sempre a partir de uma lógica de modernização e se instalam
por meio de práticas rituais e retóricas, que carecem de sentido
para os participantes, e, por isso, não afetam os seus padrões de
conduta social. Popkewitz afirma também que as mudanças realizadas
sob esta lógica acabam por se converter num instrumento de
conservação e legitimação da ordem existente, ou seja, a partir do
discurso da inovação “ordenam e regulam como se deve contemplar
o mundo, atuar sobre ele, sentir-se e falar dele” (POPKEWITZ, 1987,
p. 26).
Ainda com relação à normatividade, a inovação pode ser
entendida como uma modificação parcial ou uma substituição
específica de componentes técnicos das situações de ensino e
aprendizagem, apontando fundamentalmente para os objetivos, as
metodologias, as formas de avaliação, a programação das disciplinas,
entre outras, deixando em segundo plano as práticas dos sujeitos
participantes – professores e estudantes – que passam a ser
considerados apenas como os executores das propostas de
modificações apresentadas.
Lucarelli (2004) salienta que, dessa maneira, a segmentação
se evidencia, de um lado pela ênfase dedicada aos componentes
técnicos em detrimento dos humanos, o que pode ser observado
pela valorização dos objetivos em relação aos conteúdos, e pela
valorização ainda maior das técnicas específicas e dos materiais
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)106
uma prática protagônica de ensino, [...] onde a partir da busca de uma
solução para um problema relacionado às formas de operar com um ou
vários componentes didáticos, se produz uma ruptura nas práticas habituais
que se dão em aula, afetando o conjunto de relações da situação didática
(LUCARELLI, 2004, p. 9)
O segundo aspecto da teoria da Didática apontado como
importante para analisar inovações educativas, é a relação entre a
teoria e a prática e os níveis em que esta articulação se evidencia
nas aulas na universidade.
O cenário institucional confronta distintas perspectivas acerca
da vinculação do que é teórico e do que é prático. De um lado temos
as que muito significativamente marcam sua separação, e no outro
extremo temos as que proporcionam uma articulação dinâmica entre
estes componentes do cotidiano curricular. Concordo com Lucarelli
(2004) quando afirma que a articulação teoria e prática aparece
como um fator central na constituição das inovações, tendo em vista
a importância que assumem na instituição as definições com relação
à natureza do conhecimento, tanto no que se refere à sua produção
quanto aos processos e conteúdos na formação dos estudantes. É
preciso pensar em como articular teoria e prática sem negar a
importância de uma e outra. Carr afirma que a práxis como forma
de ação reflexiva pode transformar a teoria que a rege, pois ambas
estão submetidas à troca. Ele diz que “nem a teoria e nem a prática
gozam de preeminência, ou seja, cada uma modifica e revisa
continuamente a outra” (CARR, 1996, p.101).
A relação entre teoria e prática se manifesta em diferentes
ângulos de abordagem. No caso específico deste trabalho, interessa
a manifestação que trata do espaço da aula na universidade, em
sua relação com os programas e com os métodos de ensino, e como
eles se refletem na aprendizagem dos estudantes, em dois sentidos:
como princípio metodológico geral, e, mais especificamente, como
processo de formação profissional.
Como princípio metodológico mais amplo interessa-me
trabalhar com os estudantes na perspectiva da articulação teoria/
prática, os processos de ensinar e aprender inerentes a toda a
atividade didática. Na experiência pedagógica que estamos
vivenciando, estes se dão em, pelo menos, três formas:
Práticas inovadoras na aula universitária 109
mesmo da instituição. Essa multidimensionalidade significa
considerar, na ruptura, o reconhecimento das múltiplas variáveis
que afetam a prática.
Penso que a experiência que estou oportunizando aos
estudantes na atividade analisada neste trabalho, se encaixa nessa
perspectiva. Ela introduz na formação profissional uma ação
comunitária, por dentro de uma disciplina curricular, alterando a
estratégia de formação pela introdução de práticas docentes
experimentais, com uma intervenção real no terreno da iniciação
esportiva com crianças. De acordo com Lucarelli (2004), isso significa
uma inovação no componente metodológico da situação didática e,
sem dúvida, acredito que ela tem possibilitado aos estudantes muitos
questionamentos e reflexões. Eles, por exemplo, passam a se
perguntar que conteúdos ensinar? Como organizar a aula? Quais
são os conceitos de esporte e iniciação esportiva? Qual a relação da
universidade com a sociedade? Ela está também afetando a maneira
como eles vêm construindo sua docência, a partir das relações que
se dão entre eles e seu professor, entre eles e seus colegas e entre
eles e seus alunos.
Aqui, torna-se necessário fazer uma digressão sobre dois
conceitos que julgo muito importantes nessa perspectiva
fundamentada crítica: história e situação. O primeiro diz respeito ao
reconhecimento das práticas dentro da história dos sujeitos. Uma
atividade inovadora de ensino só pode ser entendida se a analisarmos
como parte de um conjunto de práticas que alguém desenvolve, de
acordo com o repertório de formas de atuar que construiu ao longo
de sua vida. O segundo ponto é relacionado à situação e, para explicá-
lo, aproprio-me das idéias de Bleger (1971), que a define como o
conjunto de elementos, fatos, relações e condições com os quais se
desenvolve um comportamento.
Fiz menção a esses dois conceitos, o histórico e o situacional,
porque ambos possibilitam entender a inovação. Como frisa Lucarelli,
nesse caso a situação da aula se estende ao contexto institucional e
social e compreende os fatores peculiares que caracterizam os sujeitos
da inovação. Da mesma forma, metodologias e recursos utilizados
na aula são afetados pelas especificidades de cada conteúdo a ensinar
e a aprender. Assim, dentro de uma perspectiva fundamentada crítica,
a autora define a inovação como
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)108
situações em que têm que enfrentar as incertezas e os conflitos de
forma real, e não a partir de conjecturas ou informações verbais
provenientes de seus professores, seja em aulas teóricas, seja em
aulas práticas. Além disso, as reuniões de estudo e avaliação
realizadas a cada ciclo de cinco aulas, permitem que os estudantes
e seu professor realizem, ainda dentro da perspectiva desta nova
epistemologia da prática proposta por Schön (1992), a reflexão sobre
a reflexão na ação, debatendo sobre e discutindo os fatos ocorridos
em aula, a partir das observações (feitas pelos estudantes
ministrantes destas aulas e pelos estudantes observadores) assim
como dos textos redigidos no Caderno de Escrita e das imagens
fotográficas ou em vídeo. Este tipo de ação permite também que
sejam levantados tópicos de investigação – situações problema -
por parte dos estudantes sob a orientação do professor, o que atende
à intenção da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão,
acontecendo em um só tempo e em um único espaço, já tratada
neste texto.
Voltando a Schön (1992), este tipo de procedimento no âmbito
da aula universitária pode ser caracterizado então como a
aprendizagem na ação numa forma de ensino tutorial, envolvendo a
estruturação de um espaço didático-curricular que ele denomina de
prácticum, definindo-o como uma situação pensada e disposta para
a tarefa de aprender uma prática. Esse espaço prático-reflexivo,
assim, é o lugar no qual se promove a reflexão na ação por parte
dos estudantes universitários que estão se formando, por meio de
um diálogo entre eles próprios, e entre eles e seu professor tutor.
Os desafios da inovação revisitados nos
escritos dos estudantes: considerações finais
Conforme descrito na parte final da introdução deste texto, o
Caderno de Escrita constituiu-se num espaço de registro, onde os
estudantes, após cada aula vivenciada, transferiam para suas folhas
seus sentimentos sobre a atividade experimentada em todos os seus
aspectos, fossem eles relacionados com a metodologia, o conteúdo,
a condução da aula, os problemas surgidos durante sua realização
mesmas e as soluções encontradas por eles para a resolução, até as
questões mais individuais, como ter ficado satisfeito com seu modo
de condução da atividade, suas frustrações com o que haviam
Práticas inovadoras na aula universitária 111
a) Como processo dialético de apropriação do conhecimento,
na medida em que os estudantes/professores, interagindo com seus
alunos, orientados pelo método didático a ser aplicado, têm o retorno
dessa aplicação e, a partir daí, podem tanto confirmar suas decisões
quanto retificá-las, aceitar ou criticar o método escolhido, observar
as nuances da aplicação com relação à faixa etária e ao sexo das
crianças, entre outros, o que os coloca na condição de sujeitos ativos
para compreender a sua realidade.
b) Como construção do conhecimento, pela forma com que o
professor se afasta intencionalmente da condução da atividade,
justamente para oferecer aos estudantes o espaço para que eles
ativem seus processos de construção do conhecimento, onde eles
poderão reconhecer as diferentes formas de como um professor pode
abordar os diferentes temas de seu campo disciplinar a partir do
trato direto com os conteúdos, com os pressupostos que orientam a
aprendizagem, seus vínculos e estilos de negociação com os alunos,
incluindo nessas ações o metódico e o particular.
c) Como aprendizagem significativa, pela aquisição de novos
conceitos oriundos da experiência por parte dos estudantes/
professores, e relativizada tanto com seus pares quanto pela própria
atividade em si, mediante a vinculação destes com aqueles já
existentes em suas estruturas cognitivas.
Esta compreensão de aprendizagem em sua configuração de
processo geral e autêntico, de acordo com Lucarelli (2004), pressupõe
a alternância, sucessão de momentos teóricos e práticos nas
atividades previstas na proposta de ensino adotada na experiência
que estamos vivenciando.
Como processo de formação profissional, encontro em Schön
(1992), a partir de sua nova epistemologia da prática, a referência
norteadora para as atividades desenvolvidas no interior de nossa
proposta de atividade. O autor evidencia que a articulação da teoria
com a prática se desenrola por meio de uma estratégia metodológica
na qual se propicia a reflexão na ação, ou seja, o estudante tem a
possibilidade de pensar no que faz enquanto está fazendo, da mesma
forma que faz o professor na resolução de situações cotidianas. O
que isso quer dizer? Assim como o professor na escola, em nossa
atividade os estudantes experimentam, ainda durante sua formação,
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)110
Cunha (2005), assim como dos registros escritos dos estudantes no
Caderno de Escrita foram as seguintes: relação professor-aluno;
relação teoria e prática; relação ensino e pesquisa; organização do
trabalho em aula; concepção do conhecimento e inserção no campo
profissional.
Faço aqui, também, as mesmas ressalvas feitas por Cunha
(2005), dizendo que as categorias estão separadas apenas para
melhor entendimento e compreensão. Na realidade de nossa atividade
em aula, elas não aparecem em separado, mas “fazem parte de um
único contexto e só têm sentido se assim analisadas” (p.78).
Na categoria relação professor-aluno, os escritos dos
estudantes parecem evidenciar que, na atividade que estão
realizando, a figura do professor da disciplina sofre um deslocamento
horizontal, no sentido de que ele deixa de ser a única fonte de onde
provêm os conhecimentos a serem aprendidos pelos estudantes.
Isso fica muito evidente quando um deles assim escreve: aqui sou
respeitado pelo que sou e sei fazer. Tanto os colegas quanto o
professor acatam as atividades que proponho. Se estão boas ou
não, discutimos depois no grupo, o que só vem a contribuir comigo.
Nesta disciplina me sinto valorizada.
Assim como Cunha (2005), também encontrei registros que
indicavam, nessa categoria, o prazer. Por exemplo: é muito bom
estar nesta aula, estudar aqui. A gente se sente motivado porque
temos que produzir na dupla e no grupo, [...] o professor assume a
função de facilitar esta nossa produção, ele não é o centro de tudo,
o que sabe tudo. Sentimos e percebemos nosso desenvolvimento a
partir do trabalho com as crianças, e isso é bom demais. Temos tido
muito trabalho, mas está valendo à pena. O registro sugere que, na
perspectiva da proposta de trabalho que venho desenvolvendo com
os estudantes, há um reconhecimento, por parte deles, de que ela
traz para o espaço da aula, por sua configuração baseada na produção
coletiva do conhecimento, o prazer de, ao mesmo tempo, ensinar e
aprender.
Por falar em coletivo, parece que esta dimensão, também no
que diz respeito ao prazer, é motivo de grande satisfação por parte
dos estudantes. Como diz Cunha (2005), a satisfação está na
descoberta da possibilidade da construção no coletivo. A frase a
seguir evidencia essa afirmação: aqui nós e o professor trabalhamos
juntos na elaboração das atividades. Para esta aula contei com a
Práticas inovadoras na aula universitária 113
planejado e que não surtiu o resultado esperado e desejado, a falta
de motivação dos alunos para determinadas atividades que eles
propunham, entre outros.
Na disciplina, esse caderno teve, entre outras, a finalidade
de servir como ponto de referência para as discussões teóricas que
o grupo realizava a cada ciclo de cinco aulas. Aqui neste texto, ele
tem a finalidade de trazer, a estas considerações finais, para reflexão,
elementos da prática descritos pelos estudantes que têm vinculação
com os dois eixos temáticos abordados neste trabalho:
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e articulação
teoria e prática na aula universitária, enriquecendo-os e, de certa
forma, dando-lhes vida.
Ao reler os escritos dos estudantes com o intuito de captar as
percepções deles sobre o que havia acontecido nas aulas para trazer
para este texto, senti, apesar da riqueza de algumas descrições,
que só isso não seria o bastante. Precisava de algo mais, alguma
coisa que ordenasse o pensamento sobre o que estava sendo lido e
sua relação com os pontos abordados.
Afinal, o que acredito como indissociabilidade estava presente,
ou seja, ensino, pesquisa e extensão acontecendo em um único
local e ao mesmo tempo. Também a ruptura na dicotomia entre o
que é teórico, que deve vir antes, e o que é prático, que deve vir
depois, estava ali, acontecendo numa articulação dialética entre
ambas, considerando-as partes inseparáveis de uma mesma unidade.
Poderia simplesmente buscar frases, favoráveis e contrárias, que
tratassem dessas temáticas, transcrevê-las para cá e, a partir delas,
tecer algumas reflexões. Mas confesso, eu queria mais.
Ocorreu-me a idéia de, quem sabe, criar categorias de análise
a partir de minha releitura dos registros escritos dos estudantes. E
assim fiz, tendo como ponto de partida, no que diz respeito à
organização dessas categorias, o que havia de comum nos escritos
registrados no Caderno, e que se relacionasse diretamente com as
duas temáticas mais amplas abordadas por mim neste trabalho.
Nesta tarefa, resolvi buscar também algumas das categorias
elaboradas por Cunha (2005) no seu livro denominado O Professor
Universitário na Transição de Paradigmas, mais especificamente em
seu capítulo 7, no qual a autora trata da aula como espaço da nova
construção paradigmática. As categorias organizadas a partir de
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)112
coletado nas aulas. O recorte a seguir ilustra muito bem isso: aqui
os alunos são reais e os problemas também. A cada aula algo novo
aparece e nos coloca a pensar. Esta atividade está nos preparando
melhor para o cotidiano que iremos enfrentar na escola, não é aquela
coisa fictícia discutida lá na aula teórica, ela acontece mesmo, na
nossa frente.
Como se pode ver, quando os estudantes trabalham a partir
de problemas reais, eles acabam reconstruindo teorias, e estas são
pensadas a partir de suas experiências práticas. A realidade é o
combustível de onde eles retiram suas reflexões e constroem suas
respostas para posterior aplicação, num verdadeiro processo dialético.
Na categoria relação ensino e pesquisa, o espírito investigativo
é que permeia a atividade, não só no incentivo à realização de
trabalhos de pesquisa, mas também no sentido da busca pela
compreensão de determinados fatos ou ocorrências do cotidiano,
incentivando nos estudantes a dúvida e a curiosidade científica.
Observemos as seguintes frases:
a leitura do texto produzido pelo professor mexeu comigo.
Era sobre uma pesquisa feita com crianças em atividade esportiva,
parecida com a nossa. Como tem coisas acontecendo em minhas
aulas que estão me incomodando, vou procurar ler mais sobre isso,
apesar de minha resistência à leitura e, quem sabe, investigar
utilizando a mesma metodologia do texto lido;
antes desta disciplina eu não lia muito [...] eu tinha uma
idéia aqui na minha cabeça de como seria trabalhar com crianças.
Hoje, lendo mais e debatendo com os colegas, eu tenho outra idéia.
Mas será que as coisas acontecem sempre assim como aqui?.
Pelas escritas, pode-se perceber a dúvida como integrante
da vida acadêmica. Isso é muito bom, no sentido de que faz com
que os estudantes estabeleçam, a partir dela, um diálogo com a
realidade, podendo, quem sabe, por meio dele, aprofundar seus
conhecimentos. Outro ponto a destacar são as dificuldades com as
leituras que precisam realizar, como salienta Cunha (2005), o ter
que “correr atrás” das informações e fazer suas próprias elaborações
e, após isso, “pôr as idéias no papel”. Apesar de todas as dificuldades,
a experiência tem mostrado que tanto eu quanto eles estamos
aprendendo, por meio do tipo de prática que estamos desenvolvendo,
e o que se sobressai nela é justamente, entre outros fatores, a
Práticas inovadoras na aula universitária 115
colaboração de todos, e ela foi muito importante para mim, pois
ainda não dominava bem este conteúdo. Este ambiente amigo assim
é muito legal.
Na categoria relação teoria e prática, a análise dos registros
escritos permitiu concentrar a atenção no fato de que há uma
priorização, via reflexão e discussão a partir da situação real, e não
daquela muitas vezes hipotetizada pelo professor na aula teórica e
depois vivenciada por eles, enquanto executantes, na aula prática,
na apropriação do conhecimento por parte dos estudantes. Senão
vejamos: a primeira aula foi muito importante para o grupo.
Precisávamos conhecer os alunos, o que eles gostam e o que eles
sabem fazer, para ai sim, prepararmos nossas aulas e colocá-las
em prática.” Ou então: hoje sentimos que os exercícios escolhidos
por nós não motivaram os alunos para praticar. Não sabemos se o
problema está conosco, com eles ou até mesmo se as atividades
estão difíceis demais para eles. Precisamos repensar isso e discutir
na próxima reunião do grupo.
Lucarelli (1994) afirma que existem diferentes formas de
conceber teoria e prática, e a relação que pode se estabelecer entre
elas. Faz críticas ao fato de que elas são entendidas como tarefas
separadas, desenvolvidas muitas vezes uma em detrimento da outra.
Ao mesmo tempo em que critica, a autora discute a existência de
diferentes maneiras de tratar o conhecimento: numa concepção
dicotômica, compartimentalizada, com o conhecimento tratado de
forma estática; e numa concepção dinâmica, onde o conhecimento
é articulado dialeticamente entre a ação e a reflexão. Como diz
Lucarelli (1994), a tendência das práticas, no 3º grau, é tratar todas
as disciplinas como teóricas, sendo os momentos dedicados às
práticas utilizados para a aplicação das teorias estudadas
anteriormente. Como afirma Cunha (2005), ao invés da prática
alimentar a teoria fornecendo-lhe os elementos para a reflexão,
pressupõe-se que a competência prática começa onde termina o
conhecimento teórico.
Retomando os escritos dos estudantes, a partir do que Heller
(1977) denomina de prática inventiva (aquela que inclui sempre a
produção de algo novo a partir da resolução intencional de um
problema), parece que eles, na atividade proposta, quando
aprofundam alguma teoria, fazem isso quase sempre vinculando-a
às suas experiências vividas ou a partir de dados que possam ter
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)114
tipo de problema quase sempre é fornecida pelo professor e, quase
sempre, com base em sua experiência docente. No modelo que
adotamos, é o grupo que procura a solução, a partir de cada membro,
podendo contar com o auxílio do professor, ou não.
Em minha opinião, essa é uma experiência de ensino e
aprendizagem muito interessante, pois nela os estudantes pensam
juntos, conversam, debatem idéias e leituras, justificam
procedimentos e argumentam sobre eles, num ambiente de discussão
com seus pares. Tal realidade pode ser constatada na frase de um
deles: existem boas idéias que surgem em nossas reuniões. Eu
mesmo tenho aproveitado várias delas para as minhas aulas. Nossa
reunião a cada cinco rodadas de aula é muito importante [...] é o
nosso lugar de expor as idéias e de debatê-las.
Na categoria concepção de conhecimento, os registros escritos
pelos estudantes apontam basicamente para a idéia de que, na
atividade, se trabalha com a construção do conhecimento, não a
considerando como algo absoluto e acabado. Concordo plenamente
com isso, em função de que, quando propus que a disciplina
funcionasse nesta forma, pensei primeiramente em uma participação
efetiva dos alunos na construção das aulas e, em segundo lugar,
que a aula se deveria caracterizar como um espaço onde não só o
conhecimento acadêmico fosse visto como verdadeiro e absoluto.
Assim como Cunha (2005), concordo que o professor não é aquele
que detém todo o saber, como se dele fosse o dono. Se o saber não
é absoluto, ele deve admitir diferentes fontes e formas de elaboração.
Os depoimentos escritos pelos estudantes parecem evidenciar
bem a concepção de conhecimento que está presente na atividade.
Vejamos alguns:
o que estou gostando nestas aulas é que, diferente de outras
em que participo neste semestre, aqui tenho que procurar o
conhecimento e aplicá-lo na realidade. Nas outras aulas é só decorar
e pronto.
o grande valor deste projeto é que o nosso conhecimento vai
sendo construído diretamente na prática, a partir do que vamos
fazendo.
com certeza, o conhecimento que estou produzindo e
adquirindo aqui servirá para minha vida profissional futura, não só
nesta modalidade esportiva, mas para a escola também.
Práticas inovadoras na aula universitária 117
articulação entre ensino e pesquisa. Vejo que essa articulação está
propiciando o novo, e é uma das marcas da ruptura com o ensino
tradicional por eles vivenciado em grande parte na universidade.
Com relação à categoria organização do trabalho em aula,
chamo a atenção para dois pontos que estão sendo relevantes em
nossa atividade: o trabalho colaborativo e a valorização do trabalho
reflexivo. A forma de trabalho em duplas rotativas vem fazendo
com que os estudantes se utilizem, primeiramente, uns dos outros,
trazendo idéias, dúvidas e possíveis soluções, para pensar, debater
e elaborar as propostas de aula. Esta frase de uma estudante
identifica muito bem isso: quero registrar aqui que na elaboração
da aula por nós, duvidei da praticidade do exercício sugerido pela
colega, apesar dela ser mais antiga no curso que eu. Cheguei a
questioná-la, mas ela insistiu. Hoje vi que funcionou mesmo e as
crianças adoraram fazer.
Os estudantes que ficam na observação, filmagens e registros
fotográficos também têm aproveitado bem a organização adotada
por nós, como se pode perceber neste registro: terça, no dia em
que era observador, pude perceber a forma legal dele se relacionar
com as crianças na aula. Como estava tendo dificuldade com alguns
alunos, resolvi tentar adotar a postura dele, e não é que deu certo?
Pela escrita pode-se perceber que a observação da aula fez,
principalmente pela situação de êxito verificada, que ele passasse a
fazer a mesma coisa, mas não no sentido da cópia pura e simples, e
sim no de projetar, para a sua forma de agir, os procedimentos
adotados com sucesso pelo outro.
No que diz respeito à valorização do trabalho reflexivo na
organização do trabalho, diria que ele está presente em todos os
momentos de aula, caracterizado já anteriormente como reflexão
na ação. Porém existe um momento em especial, que tem merecido
certo destaque por parte dos estudantes: as reuniões de avaliação,
onde se faz a reflexão sobre a reflexão na ação (SHÖN, 1992).
A importância dessas reuniões avaliativas fica evidente nesta
escrita: tínhamos um problema real para resolver e levamos para a
reunião. Antes de qualquer proposta de resolução, debatemos o
assunto [...] o professor nos sugeriu alguns caminhos e algumas
leituras. Foi muito boa essa atividade, pois nos permitiu discutir a
questão mais adiante e com mais conhecimento de causa. Numa
situação normal de aula, no modelo vigente, a solução para esse
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)116
A frase foi coletada de uma narrativa, em que a estudante
relata a sua intervenção sobre uma situação de disciplinamento,
portanto para além dos conteúdos específicos da disciplina, que
ocorreu com dois alunos, com repercussão tanto na escola como
também em suas famílias, e para a qual ela teve que equacionar
uma solução. A importância outorgada ao ocorrido reside no fato de
que, muito provavelmente, no ambiente tradicional de ensino
predominante na universidade, uma situação como esta não esteja
presente.
A experiência dessa estudante e de seus colegas só aconteceu
porque o ambiente pedagógico deste tipo de aula universitária que
desenvolvemos, é muito diferente dos ambientes em que
normalmente acontecem aulas na universidade. Aqui aprende-se
pensando, construindo hipóteses e errando, resgatando nos
estudantes o prazer de aprender. Aqui a apropriação do conhecimento
é feita a partir da reflexão e discussão dos problemas reais, pois
eles são mais significativos do que as simulações. Ele é sempre
provisório porque faz parte de um processo em construção. Em nossa
atividade, o espírito investigativo está presente como instrumento
de aprendizagem. Há uma valorização do concreto, do real e da
prática como ponto de partida para novas aprendizagens, com uma
ênfase muito grande no trabalho coletivo e em colaboração. Aqui a
dúvida é o nosso ponto de partida para a aprendizagem, e o erro é
elemento integrante do processo de aprender. Enfim, aqui existe
uma vinculação dos conteúdos acadêmicos, importantes para a
formação dos professores, com aquilo que os estudantes já trazem,
que é reconhecido, respeitado, aceito e valorizado na atividade como
um todo. Mas diferentemente da aula tradicional, aqui os estudantes
podem vincular tudo isso com o contexto histórico e social mais
amplo, como no caso da narrativa citada anteriormente.
Por isso que entre ser tradicional e ousar ser diferente, mesmo
com todos os condicionantes desta ousadia, afirmo que vale a pena
ser diferente. Vale a pena ser o protagonista de uma prática inovadora
na aula universitária. Os estudantes, com certeza, reconhecerão
esta iniciativa.
Assim, dito tudo isso, destaco a frase mencionada: [...] pela
primeira vez aqui no curso me senti uma professora de verdade, e
isso me deixou muito feliz.
Precisa dizer mais?
Práticas inovadoras na aula universitária 119
Da mesma forma que ocorreu com Cunha (2005), nessa
atividade também encontramos termos pouco utilizados no ensino
tradicional como provisoriedade, multiplicidade e movimento, sendo
companheiros cotidianos dos estudantes que participam nas aulas.
Por fim, na categoria inserção no campo profissional, os textos
produzidos pelos alunos, no Caderno de Escrita, manifestam tanto o
sentimento de participação como sujeito de sua formação quanto a
importância da relação entre o que estão experimentando na
disciplina e sua vida profissional futura. Por exemplo: mas é para
isso que serve também esta atividade, para tentarmos, acertando
ou não, e assim crescermos, visando ser um professor melhor a
cada dia. A frase nos dá a exata dimensão dos conceitos de
provisoriedade e movimento tratados no item anterior, quando
ressalta o espaço da aula como um lugar de experimentar, acertar e
errar e a integração destes no seu crescimento enquanto professor.
Ou ainda esta outra: achamos que este acompanhamento próximo,
e esta metodologia, só nos trarão ganhos no futuro, pois estaremos
com nossas bagagens carregadas de experiências. Achamos que
hoje é uma das coisas que mais vale para nós no curso. Ela evidencia,
além da proximidade com a realidade, a importância da multiplicidade
de experiências vividas nas aulas como algo fundamental para o
futuro profissional.
Existem outros escritos que fornecem dados para análise nesta
categoria, ainda voltados para a inserção dos estudantes no campo
profissional. São eles:
agora, mais do que nunca, vejo que estas aulas serão muito
importantes para a minha carreirra,
estas aulas, a meu ver, só nos trarão crescimento, e nos
possibilitarão sermos melhores professores, pois saberemos como
nos portar e posicionar em situações que virão com o decorrer da
docência.
Para concluir este texto, escolhi uma frase, muito curta, mas
de um enorme significado para todos que, como eu, ainda acreditam
na possibilidade de romper com a mesmice acadêmica, que insiste
em residir na universidade há muito tempo, caracterizada pelo modelo
curricular tradicional.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)118
POPKEWITZ, T. Educational reform: rethoric, ritual and social
interest. Madison: University of Wisconsin Press, 1987.
_____. T. Sociologia política de las reformas educativas.
Madrid: Morata, 1994.
SCHÖN, D. La formación de professores reflexivos. Barcelona:
Paidós, 1992.
SIRVENT, M. T. Educación de Adultos: investigación y
participación. Buenos Aires: Quirquineno, 1994).
WÜRDIG, Rogério. C. Dos bancos universitários aos pátios
escolares: da formação inicial à prática pedagógica dos
professores de Educação Física. Centro de Ciências da
Educação – UFSC, 1998 (Dissertação de Mestrado).
Práticas inovadoras na aula universitária 121
Bibliografia
BALZAN, Newton. Formação de Professores. IN: Psicologia
da Educação. São Paulo: PUC/SP, n.01, 21-23, Nov., 1995.
BERNSTEIN, Basil. Clases, Códigos e y Control: Hacia uma
teoria de las transmisiones educativas. Buenos Aires: Akal,
1997.
BLEGER, J. Psicologia de la conducta. Buenos Aires: Centro
Editor da América Latina, 1971.
BORGES, Cecília M. F. Formação e prática pedagógica do
professor de Educação Física: a construção do saber docente.
Anais do X Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte.
Goiânia: V1, pág. 773-785, Outubro, 1997.
CARR, W. Uma teoria para la educación: hacia uma
investigación educativa crítica. Madrid: Morata, 1996.
CUNHA, Maria Isabel da. O Professor Universitário na transição
de paradigmas. Araraquara: Junqueira & Marin Editores, 2005.
CUNHA. Maria Isabel da. Docência na Universidade, cultura e
avaliação institucional: saberes silenciados em questão.
Revista Brasileira de Educação. V11, nº 32, pág.258-371,
maio/ago. 2006.
HELLER, A. Sociologia de la vida cotidiana. Barcelona:
Península, 1977.
IBIAPINA, Ivana Maria L. de M. Pesquisa colaborativa:
Investigação, formação e produção de conhecimentos.
Brasília: Líber Livro Editora, 2008.
LUCARELLI, E. Teoria e práctica como inovación en docência,
investigación y atualización pedagógica. Cuadernos de
Investigación 10. Buenos Aires: Facultad de Filosofia y Letras,
1994.
_____. Elisa. Inovación em El aula: El eje de la articulación
teoria-práctica em la universidad. Cuaderno de Cátedra.
Buenos Aires: Facultad de Filosofia y Letras, pág. 03-28, 2004.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)120
Formação de Professores na EaD:
possibilidades e desafios à inovação na
formação docente na implementação do
Curso de Pedagogia UAB/FURG
Rita de Cássia Grecco dos Santos*
Primeiras considerações
Para chegarmos ao entendimento da possibilidade de
construção de novas práticas e concepções de Educação a Distância
– EaD, sobretudo no que tange ao universo da formação inicial de
professores, trazemos, num primeiro momento, o relato sobre a
experiência de implementação do Curso de Pedagogia – Licenciatura,
na modalidade a distância, oferecido pela Universidade Federal do
Rio Grande – FURG a partir do ano de 2007. Contamos sobre o perfil
do profissional que pretendemos formar, como o curso foi gestado e
nossa experiência nestes três primeiros semestres letivos, indicando,
assim, possibilidades e desafios à inovação nas práticas pedagógicas.
Procuramos socializar com os leitores os diversos papéis que
assumimos neste percurso, seja como Coordenadora do Curso, como
Professora Pesquisadora ou, ainda, como Professora Formadora, com
a responsabilidade de coordenar pedagógica e administrativamente
o curso, planejar as aulas
1
e respectivas atividades, selecionar
1
Durante estes três primeiros semestres do Curso ministrei as disciplinas da área de
Fundamentos da Educação: Sociologia da Educação, História da Educação e Filosofia
da Educação.
* Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais, Mestre em Educação - História da
Educação e doutoranda em Educação - Filosofia e História da Educação pelo PPGE-
FaE/UFPEL. Professora do Instituto de Educação da Universidade Federal do Rio
Grande – FURG. E-mail: ritagrecco@yahoo.com.br
distância tem a mesma qualidade do ensino presencial? Se a educação
a distância tem qualidade, substituirá as tradicionais aulas
presenciais? A educação a distância é apenas um projeto de governo
ou um projeto de Estado? Será que o advento da educação a distância
favorecerá a democratização do acesso e permanência ao ensino ou
a tornará mais elitista?
Pois como indicam Cunha e Lucarelli (2005, p.1):
A condição da inclusão social se afirma como um objetivo do desenvolvimento
sustentável necessário ao exercício da cidadania e a educação superior figura
como condição fundamental para o alcance dessa meta. O equilíbrio entre
expansão e qualidade tem incentivado energias no sentido de compreender
e propiciar experiências de inovação na aula universitária, rompendo com a
perspectiva epistemológica tradicional. Essa tarefa inclui um esforço
intencional no âmbito da formação docente, estimulando saberes e
compreendendo sua construção.
Essas e outras tantas questões “invadem nossas cabeças” e
são manifestadas em diversas reuniões que realizamos com outros
professores, tanto durante o período de concepção da proposta do
curso quanto durante sua implementação e, de certa forma,
permanecem no decorrer do processo, pois algumas delas ainda
não podem ser respondidas, uma vez que o curso está numa fase
ainda bastante inicial.
Origem do Curso Superior de Pedagogia-Licenciatura,
Modalidade a Distância, na FURG
Cremos que até a assunção do Decreto N° 5.622
2
, de 19 de
dezembro de 2005 – regulamentando o Artigo 80 da Lei N° 9.394,
de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu nossa Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional – LDBEN –, culminando no Edital de
Seleção n° 01/2005-SEED/MEC, muito pouco havíamos pensado e/
ou trabalhado acerca da modalidade EaD.
2
Através desse Decreto é lançado o Programa Universidade Aberta do Brasil – UAB,
vinculado à Secretaria de Educação a Distância do Ministério da Educação – SEED/
MEC, tendo, como objetivo primeiro, formar um sistema integrado de instituições
públicas para levar o ensino superior até municípios que não contam com oferta ou
cujos cursos ofertados são insuficientes para atender à população, através da
modalidade de Educação a Distância.
Práticas inovadoras na aula universitária 125
recursos adequados à mediação através das tecnologias disponíveis,
entre outras ações imprescindíveis ao seu desenvolvimento, com o
condicionante de conhecermos muito pouco dos contextos sócio-
antropológicos das cidades contempladas com os Pólos atendidos
pela FURG – até então reconhecida e identificadamente uma
instituição de formação de qualidade apenas na modalidade
presencial.
Num segundo momento, tratamos dos aspectos referentes
ao início do período letivo, do desenrolar das disciplinas, quando
efetivamente passamos a trabalhar com os Tutores Presenciais e os
Tutores a Distância – que têm exercido um importante e fundamental
papel de mediação e interlocução entre todos os sujeitos envolvidos
no processo – e acerca da construção de nossa caminhada como
professores na EaD.
Acreditamos que, partindo da reflexão sobre nossa caminhada
nesse processo, podemos contribuir para a compreensão da docência
no Ensino Superior a Distância. Nesse sentido, tomamos como
referência para reflexão nossa ação docente nos últimos quinze anos
no ensino presencial e, neste momento específico, nossa experiência
inicial com a docência na modalidade a distância, fazendo uma análise
desde a concepção do curso, do processo de planejamento das aulas
e da preparação do material, das aulas virtuais e dos dois encontros
presenciais com os alunos, um ao início e outro ao final do período
de cada disciplina.
Outro ponto abordado refere-se aos alunos, quando fazemos
um movimento no sentido de apreender como estão vivenciando
esta modalidade de ensino, como estão sentindo/percebendo e
organizando suas aprendizagens sem a presença física e, por vezes,
permanente do professor. Para analisarmos esse processo,
dialogamos com alguns autores como Lucarelli (1997; 2001; 2005),
Santos (2000), Cunha (2001; 2005; 2006), entre outros.
Antes de nos debruçarmos sobre os aspectos anunciados,
gostaríamos de compartilhar algumas inquietações que não se calam
em nossa cotidianidade e, mesmo que não tenhamos respostas para
muitas delas, as estamos lançando para, quem sabe, instigar o leitor
a pesquisá-las: Como ensinar alguém que não conhecemos? Como
interagir com os alunos sem contrapor idéias presencialmente? Como
avaliá-los a distância, sendo essa questão tão complexa quando
temos encontros presenciais sistemáticos? Ou ainda, o ensino a
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)124
Depois de muitas reuniões para discutirmos como seria o
Curso, chegamos a um consenso de que ele deveria ter algumas
características que considerávamos indispensáveis à formação do
pedagogo, bem como uma identidade específica, qual seja: um
educador das infâncias formado pela pesquisa, a partir de uma
perspectiva interdisciplinar de construção do conhecimento.
Tal proposta, que acabou sendo contemplada pelo edital em
julho daquele ano, culminou na criação e implementação do Curso
de Pedagogia-Licenciatura UAB/FURG a partir de agosto de 2007 e
fomentou no grupo a emergência da constituição de um “que fazer
docente” adequado às demandas específicas e à dinâmica própria
da EaD. Para além do já citado, cabe ressaltar nossa preocupação
em darmos conta do desenvolvimento dos processos de ensino e
aprendizagem, a partir de uma perspectiva de rompimento com o
ranço histórico da fragilidade e da desqualificação que os cursos e
programas de EaD, via de regra, são estigmatizados, especialmente
em se tratando do contexto brasileiro e latino-americano. Como
verificamos na manifestação de Santos:
Cremos que a articulação desse curso, vinculado ao Sistema Universidade
Aberta do Brasil cumpre uma função social bastante específica, a
interiorização e a expansão da Universidade, mediadas pelas novas
tecnologias em informação e comunicação na educação, procurando constituir
uma nova cultura escolar em Educação a Distância no Brasil (et al., 2007).
Assim, o curso foi organizado em oito Blocos
6
(semestres)
pensados a partir da lógica de organização de quatro grandes Núcleos
Temáticos, norteadores do trabalho a ser desenvolvido nas disciplinas,
culminando na formação dos futuros pedagogos. O primeiro envolve
os chamados Estudos Básicos, em que são articuladas disciplinas de
Psicologia, Políticas Públicas, Metodologia de Pesquisa em Educação,
Fundamentos da Educação, Didática e Alfabetização Digital – posto
que a apropriação das novas tecnologias se faz necessária para
viabilizar a participação no curso. O segundo núcleo é o de
Aprofundamento e Diversificação de Estudos, com disciplinas que
envolvem a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e Projetos de
Pesquisa.
Práticas inovadoras na aula universitária 127
Tomamos conhecimento formal acerca do referido edital no
final de fevereiro de 2006, quando retornávamos de férias
3
e, com o
intuito de corroborar com a política de educação proposta pela atual
administração da União, a FURG, mais precisamente a Pró-Reitoria
de Graduação, desencadeou uma articulação entre os Professores
dos Departamentos de Educação e Ciências do Comportamento
4
e
de Matemática
5
, através do convite para uma Reunião, a fim de que
tomássemos conhecimento do Programa UAB e nos articulássemos
coletivamente para participar da concorrência do referido edital com
a construção de uma proposta de Curso de Pedagogia na modalidade
a distância.
A princípio, o convite nos causou certo estranhamento, pois
até então nossa docência não estava apenas focada, mas centrada
na educação presencial. Sendo que o fato que muito corroborou
para esse estranhamento está vinculado à própria trajetória
estigmatizada da EaD no Brasil, fortemente marcada pela fragilidade
dos processos formativos.
Esta primeira reunião, que assumiu um caráter de
apresentação do edital e da proposta de formação no ensino superior
na modalidade a distância, favoreceu uma salutar discussão acerca
das efetivas possibilidades de realização, bem como dos principais
entraves.
Após, aproximadamente dez dias depois da reunião organizada
pela referida pró-reitoria, parte do coletivo de professores do Curso
de Pedagogia aceitou o desafio de construir uma proposta de Curso
de Pedagogia na modalidade a distância que, ao mesmo tempo,
estivesse em consonância com o Projeto Político-Pedagógico da
Universidade, com as Novas Diretrizes Curriculares para o Curso de
Pedagogia – que estavam por ser promulgadas naquele momento –
e, especialmente, com a concepção de formação de professores que
acreditamos.
3
E, num movimento de atendimento à demanda de vagas na Educação Superior,
represada há tanto tempo no Brasil, subsidiária de uma série de variáveis como
ineficiência das políticas públicas de educação e objetiva falta de um Projeto de
Estado em relação ao acesso à Educação Superior.
4
Em virtude do processo de modificação na Estrutura Organizacional da FURG,
consolidado no segundo semestre de 2008, o Departamento de Educação e Ciências
do Comportamento passou a constituir o atual Instituto de Educação – IEduc desta
IFES.
5
Atual Instituto de Matemática, Estatística e Física – IMEF.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)126
6
Proposta de Curso de Graduação a Distância: Pedagogia-Licenciatura da FURG.
Associados a esta concepção e lançando o olhar no que se
refere à questão da formação de professores, Álvarez Méndez nos
diz que:
Os contextos de formação e da prática estão muito distantes e, em alguns
pontos, podem ser antagônicos. As crianças e os jovens que aparecem nos
livros de estudo – tão exemplares – não têm nada a ver com os alunos – tão
conflituosos – que se encontram na sala de aula. Nem a escola é um nicho
ecológico em que tudo funciona harmonicamente. Os textos de formação de
ontem não resolvem os problemas da sociedade de hoje (2003, p.21).
Posicionamento que é ratificado por Cunha e Lucarelli (2005,
p.3), quando afirmam que:
Ainda que tenha sido fundamental entender e alterar a lógica que aprisiona
e determina as relações de poder no mundo do trabalho, ficou evidente que
a compreensão da profissão docente exige a inclusão de outros processos
analíticos. Entre eles, estabelece-se com destaque, a construção dos saberes
e dos valores, responsáveis pela produção cotidiana do trabalho do professor.
É certo que a docência sofre determinações do sistema e da sociedade,
provocando processos de reprodução social. Mas é reconhecido, também,
que os professores são sujeitos históricos, capazes de transformações,
especialmente quando se sentem protagonistas de seu fazer profissional.
Sendo assim, a formação de professores não poderia deixar
de ser um significativo espaço para discussão e fomento do debate
teórico e também do senso comum. Pois como salientam Freitas,
Rinaldi e Chaigar (2006, p.3):
Na instituição escola ainda é forte a percepção de que os/as educadores/as
não produzem conhecimentos, que isto é uma prerrogativa dos que estão
na Universidade. Entretanto ao negar-se o caráter investigativo da docência
no ensino básico, sobretudo o público, nega-se todo um conhecimento
experiencial legando ao silêncio e à desimportância atores e autores que
podem, de fato, alterar o jogo na sala de aula e na escola.
Consequentemente, pensamos que a formação de professores
está comprometida com o entendimento de si próprio, com o respeito
à trajetória pessoal e profissional de cada um e com a tentativa de
“enquadramento/identificação” em algum referencial epistemológico
específico. Assim, a busca por uma referência que dê uma orientação
pedagógica à prática docente se faz necessária à medida que o “ser
professor” está relacionado de maneira direta com a formação de
outros sujeitos e com sua própria autoformação.
Práticas inovadoras na aula universitária 129
O terceiro núcleo, de Estudos Integradores, busca uma
articulação entre as disciplinas trabalhadas no semestre e as práticas
realizadas nos estágios, favorecendo a aprendizagem do universo
da Educação de Jovens e Adultos e da Gestão Escolar. Por fim, o
quarto núcleo, nomeado de Proposições e Perspectivas Educativas,
visa a articulações entre os conteúdos trabalhados ao longo do curso
e as práticas realizadas.
Salientamos que a proposta contempla a formação do
pedagogo com competência pessoal e ética, habilidades e
conhecimentos que lhe permitam uma sólida educação básica e visão
de mundo, aberta à convivência com a pluralidade e as diferenças.
Em acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais e com o Projeto
Político Pedagógico institucional, o curso pretende formar o pedagogo
para exercer funções de magistério na Educação Infantil, nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental, na Educação de Jovens e Adultos e
na Área de Serviços e Apoio Escolar, bem como em outras áreas nas
quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. Daí emerge a
preocupação em proporcionar aos alunos a inserção nas práticas
educativas desde o início do curso, buscando uma efetiva articulação
entre os aspectos teóricos e práticos.
Engendrando a autoformação docente:
nossa experiência com formação de professores
no Curso de Pedagogia UAB/FURG
Reconhecemos que o mundo não é mais o mesmo da
Modernidade, fruto de uma lógica cartesiana de organização e de
previsibilidade dos eventos e das relações sociais, pelo contrário,
incorporaram-se novas e múltiplas formas de conceber e de produzir
a realidade e/ou redes discursivas de interpretação dos fatos. Daí
reforçamos a necessidade de mobilização para a construção de uma
sociedade mais justa e menos excludente, que garanta o acesso
irrestrito e cada vez mais amplo das populações em geral a esses
novos saberes.
Mais que isso, que promova a formação integral do indivíduo,
possibilitando o desenvolvimento de uma atitude de aprendizagem
e crescimento constante, ou seja, a condição de sujeito inserido e
atuante dentro de um determinado processo sócio-histórico, ou nas
palavras de Santos (2000), um sujeito que conquiste a emancipação
social.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)128
e nos conduziu à construção de novas formas de ação, tais como:
entender que o espaço clássico da universidade não é o único lócus
que dispõe das fontes de informação e conhecimento – pois há que
se reconhecer que muitas teorias são produzidas noutras ambiências,
para além do espaço formal e/ou acadêmico – e perceber que estamos
diante de um processo de aprendizagem sem fronteiras, suscitando
então, a necessidade de apropriação e publicização de outras
ferramentas de informação e comunicação.
Até o momento, temos estabelecido interação síncrona e
assincronamente para discussão dos conteúdos e das temáticas
pertinentes às disciplinas, para além dos dois encontros presenciais,
através de Salas de Bate-papo (que são os Chats), Fóruns, Correio
eletrônico (e-mail) e, mais recentemente, por um novo programa
(Adobe Connect), pelo qual podemos contar com o recurso da câmera
(webcam), ou seja, a imagem em tempo real do professor e do
aluno. Sendo assim, a mediação da tecnologia imprimiu um ritmo
diferente às aulas, estabelecido pela interligação entre ensino,
aprendizagem e interação no ambiente virtual de aprendizagem.
A partir das práticas mencionadas, problematizamos uma
experiência de educação a distância que acreditamos ser qualificada,
uma vez que o docente é encarado como alguém que ensina a
distância, mas não “na distância”. Ou seja, o professor não assume
o papel de um mero transmissor de conteúdos, pelo contrário, é
alguém que interage, debate, suscita questionamentos e instiga à
construção do conhecimento de forma coletiva e colaborativa, e o
aluno, por sua vez, não é um simples receptor de informações, como
bem lembra Moran (2002, p.3):
Educação a distância não é um “fast-food” em que o aluno se serve de algo
pronto. É uma prática que permite um equilíbrio entre as necessidades e
habilidades individuais e as do grupo – de forma presencial e virtual. Nessa
perspectiva, é possível avançar rapidamente, trocar experiências, esclarecer
dúvidas e inferir resultados.
As práticas educativas desenvolvidas na FURG na modalidade
a distância têm se constituído com uma finalidade clara, objetiva e
crítica, qual seja – através da articulação da concepção de formação
de professores, emanada pela Proposta de Curso de Graduação a
Distância: Pedagogia-Licenciatura (RINALDI et al., 2006) e pelo
Projeto Político-Pedagógico da Universidade (FERIS et al., 2004) –
Práticas inovadoras na aula universitária 131
E, reconhecendo o contexto em que se instaura, de modo
consciente e reflexivo, o processo de autoformação, formula-se a
hipótese de que ele é vivenciado como um processo de transformação
de perspectivas, sincrônica e diacronicamente atravessado por uma
conflitualidade que se torna motor de desenvolvimento pessoal e
que, em última análise, conduz à produção singular de si – próprio.
Desse modo, partimos da concepção de autoformação, hoje
defendida por muitos autores, como Nóvoa (1992), Josso (2004) e
Abrahão (2006) entre outros, para os quais se constitui num processo
de apropriação completa e individual do poder de formação, em que
cada pessoa é chamada a ser simultaneamente sujeito e objeto da
sua própria formação.
Portanto, atribuir ao sujeito um lugar central no seu processo
formativo torna-se cada vez mais pertinente no contexto das atuais
correntes de formação de professores. Igualmente, ao proceder ao
aprofundamento dos atuais estudos teóricos, verificamos que a
autoformação é apontada como um dos processos mais adequados
à formação de professores, tanto da Educação Básica quanto da
Educação Superior.
Por isso, temos que lidar com a formação de professores numa
nova realidade, que inclui repensar referenciais teóricos, readequação
dos currículos e novas formas de interação entre professor e aluno,
haja vista que estamos absolutamente imersos num processo de
autoformação. Afinal é a globalidade da vida o lugar privilegiado do
conhecimento e da produção da pessoa.
Dessa maneira, a visão de ensino provoca mudanças no modo
de ser e ensinar do professor, o que determina maior autonomia
para o docente escolher o quê, como e quando ensinar, introduzindo
novas concepções acerca da identidade do professor e, por extensão,
da atividade docente. Como indicam Arriada, Santos e Nogueira
(2007, p.3):
[...] Hoje não apenas ensinamos, mais do que isso, num mundo onde impera
um individualismo assustador, ainda existem aqueles que se propõem ensinar
aprendendo. Sem hierarquias, sem outorga de sermos mais e melhores,
tentamos “socializar” o nosso saber, com aqueles que querem e ousam querer
saber.
Desse modo, salientamos que nossa experiência nestes três
primeiros semestres do curso nos têm feito repensar nossa prática
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)130
a cada nova aula, que pressupõe um ensino a partir da realidade do
aluno para que seja realmente significativo, que privilegie uma
avaliação enfocando o processo e não o produto final, enfim uma
prática dentro da perspectiva da construção do conhecimento a partir
da interação social.
Enveredando pelo universo da produção de
material didático para EaD
Aprender e ensinar a distância, assim como presencialmente,
implica o reconhecimento da alteridade dos sujeitos que, com suas
práticas – ações e formas de pensar a ação e a totalidade da realidade
– constituem o mundo, os processos específicos de educação escolar
e educação não-formal e os processos mais profundos de vivência e
formação humana e da sociedade.
Por sua vez, a aprendizagem e a apropriação do conhecimento
sistematizado, levando em consideração as distintas formas de
manifestação do saber e as potencialidades dos sujeitos, bem como
as relações de poder que permeiam o processo, devem sempre ser
contempladas na reflexão acerca dos programas de formação. Desse
modo, como o texto da Proposta de Curso de Graduação a Distância
– Pedagogia-Licenciatura (2006, p.12) sinaliza:
[...] o currículo que se propõe contempla atividades que estimularão a auto-
aprendizagem, a pesquisa, o investimento na própria formação, a criatividade,
a sensibilidade, e a capacidade de interagir e trabalhar em equipe, sobretudo,
em se tratando de uma modalidade até então distante do contexto da prática
docente dos Professores de nossa instituição.
Destarte, quando consideramos na discussão as dimensões
da sensibilidade e da afetividade na apropriação do conhecimento,
necessitamos recorrer ao diálogo com estudiosos como Maturana
(1998), que afirmam que esta ação nos dá mais diversos segmentos
e competências do saber no mesmo instante e de diferentes formas
e maneiras, portanto, estimular todos os sentidos é uma tarefa difícil,
mas necessária. É nesse contexto que destacamos a produção de
material didático para o curso de Pedagogia UAB/FURG e, por
extensão, as peculiaridades advindas desse processo.
A gênese desta caminhada certamente tem se constituído
num processo novo, desafiador e comprometido com a formação
cidadã dos sujeitos envolvidos, assumindo-se também as incertezas
Práticas inovadoras na aula universitária 133
engendrar uma formação de professores qualificada, em consonância
com a Legislação e em atendimento às demandas educacionais locais
e regionais, favorecendo, inclusive, o processo de autoformação dos
próprios professores da universidade.
Pensando nessa perspectiva, principalmente no que se refere
às “relações complexas”, podemos pensar sobre o impacto que as
relações virtuais estão causando, não só na relação entre as pessoas,
mas acima de tudo na relação que se estabelece com o saber e com
a linguagem. Dessa forma, o primeiro desafio está centrado na
apropriação da linguagem virtual, e uma das nossas preocupações
iniciais ao elaborar as aulas, era justamente nos fazer entender pelos
alunos, já que não haveria inicialmente encontro presencial. Outra
preocupação que tínhamos era em relação aos textos que seriam
utilizados, devendo ser compreensíveis sem ser frágeis teoricamente.
Mais um aspecto considerado foi a utilização das ferramentas
disponíveis no ambiente virtual em que as aulas seriam
disponibilizadas – ambiente Moodle – já que nós, enquanto
professores, não tínhamos amplo domínio da tecnologia. Conforme
Belloni:
Para fazer frente a essa nova situação, o professor terá necessidade muito
acentuada de atualização constante, tanto em sua disciplina específica, quanto
em relação às metodologias de ensino e as novas tecnologias. A redefinição
do papel do professor é crucial para o sucesso dos processos educacionais
presenciais ou a distância. Sua atuação tenderá a passar do monólogo sábio
da sala de aula para o diálogo dinâmico dos laboratórios, salas de meios, e-
mails, telefone e outros meios de interação mediatizada; do monopólio do
saber à construção coletiva do conhecimento através da pesquisa; do
isolamento individual aos trabalhos em equipes interdisciplinares e
complexas; da autoridade à parceria no processo de educação para cidadania
(2006, p.47).
Podemos considerar de certa forma um choque de paradigmas
referenciais, pois conforme nos diz Tardif:
[...] os próprios professores, no exercício de suas funções e na prática de
sua profissão, desenvolvem saberes específicos, baseados em seu trabalho
cotidiano e no conhecimento de seu meio. Esses saberes brotam da
experiência e são por ela validados. Eles incorporam-se à experiência
individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber-fazer
e de saber-ser. Podemos chamar de saberes experienciais ou práticos (op.
cit., p.101).
Desse modo, os saberes que construímos, até então, nos
permitem pensar em uma prática reflexiva que pode ser reconstruída
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)132
Com a invenção da imprensa, criou-se também outra forma
de relação com o conhecimento, refletindo diretamente na história
da educação, pois esta invenção redimensionou a organização do
ensino. Com a imprensa foi possível dispor de uma série de materiais
que auxiliam na dinâmica da organização da aula e,
consequentemente, na forma como se concebe a didática. O tempo
e o espaço passaram a ser redimensionados, a leitura passou a
ocupar diversos lugares, e as notícias passaram a ser divulgadas
rapidamente. Tornou-se possível voltar diversas vezes a um mesmo
texto, repensar idéias e dialogar com o escrito. Com um texto
reproduzido, viabilizou-se que cada aluno pudesse dispor de seu
material e o utilizasse várias vezes, em outros lugares, inclusive,
sem a presença do professor. Nesse sentido, podemos dizer que há
uma descentralização das situações de aprendizagem da figura do
professor.
Na visão de Pablos:
O domínio da escrita, e por extensão de qualquer linguagem ou código, tem
conseqüências na capacidade de abstração, o que resulta em um processo
de descontextualização do conhecimento. Por sua vez, esse processo facilita
o caminho para um tipo de pensamento progressivamente mais complexo
(2006, p.37).
Com a educação a distância há novamente uma alteração na
forma de veiculação da materialidade da linguagem, passando do
papel para a tela do computador. Essa mudança traz consigo uma
nova forma de o leitor se relacionar com o texto, uma nova maneira
de construir e interpretar a linguagem e novas estratégias em
interagir com o material escrito. Essas novidades trazidas pela
interação virtual ainda não são, de domínio de muitos professores e
também de muitos alunos.
Dessa forma, o primeiro desafio está centrado na apropriação
da linguagem virtual, e uma das nossas preocupações iniciais ao
elaborar as aulas, era justamente nos fazer entender pelos alunos,
já que não haveria inicialmente encontro presencial. Portanto, as
instruções das tarefas deveriam ser claras, objetivas e diretas. Outra
preocupação que tínhamos era em relação aos textos que seriam
utilizados, devendo ser compreensíveis sem ser frágeis teoricamente.
Práticas inovadoras na aula universitária 135
e inseguranças, subsidiárias de nossa breve experiência e expectativa
em promover a construção de uma nova cultura de formação na
EaD, identificada com categorias como seriedade e qualidade do
material e dos processos formativos.
Mobilizando a memória e promovendo um verdadeiro processo
de representificação como categoriza Catroga (2001), existiam
apenas duas certezas quando iniciamos a produção de material no
final do primeiro semestre de 2007: necessidade de interação,
conduzindo a uma imperiosa participação, já que todo o material
produzido deveria despertar a participação e colaboração entre os
alunos, tutores e professores e, também, a cooperação, pois o ensino
a distância proposto pela FURG através da UAB, mais que levar em
consideração a participação entre todos os envolvidos, a considera
como condição sine qua non da aprendizagem colaborativa em rede.
Cabe salientar que os cursos da UAB não utilizam material
impresso e sim material na versão digital, favorecendo assim que o
material seja pensado de forma a despertar o máximo interesse dos
alunos, utilizando-se, para tanto, de inúmeros recursos de imagem,
som e animação, a fim de potencializar as possibilidades de
apropriação do conteúdo. Ocorre que para desenhar esse caminho,
há a necessidade de discussão coletiva acerca dos recursos e das
estratégias a serem escolhidos, daí a relevância do que chamamos
de Design Instrucional – podemos dizer que o Design Instrucional é
responsável pela conversão do conteúdo de projetos educacionais
para a metodologia a distância.
Práticas e saberes docentes
Tardif nos diz que “[...] o saber não é uma substância ou um
conteúdo fechado em si mesmo; ele se manifesta através de relações
complexas entre o professor e seus alunos” (op. cit., p.13).
Assim, podemos inferir que o impacto causado pelas relações
virtuais vai para além da relação entre as pessoas, atingindo,
sobremaneira, a relação que se estabelece com o saber, visto que,
se tomarmos como exemplo algumas décadas atrás, as informações
eram veiculadas em um ritmo completamente diferente do que
estamos acostumados hoje em dia, forjando, assim, uma percepção
de tempo e de espaço absolutamente díspar da que partilhamos
hoje.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)134
no campo epistemológico. Como explica Cunha, “[...] a inovação na
educação é um conceito de caráter histórico social marcado por uma
atitude epistemológica do conhecimento para além das regularidades
propostas pela modernidade” (2001, p.37). Para essa autora, a
inovação é caracterizada por experiências que são marcadas por:
[...] ruptura com a forma tradicional de ensinar e aprender e/ou com os
procedimentos acadêmicos inspirados nos princípios positivistas da ciência
moderna; gestão participativa, onde os sujeitos do processo inovador sejam
protagônicos da experiência, desde a concepção até a análise dos resultados;
reconfiguração dos saberes, onde se anulam ou diminuem as clássicas
dualidades entre saber cientifico/saber popular; reorganização da relação
teoria/prática, rompendo com a clássica proposição de que a teoria vem
antes da prática, dicotomizando a perspectiva globalizadora; perspectiva
orgânica no processo de concepção, desenvolvimento e avaliação da
experiência desenvolvida (2001, p.38).
A inovação assim entendida procura explorar novas
alternativas que podem, em alguma medida, tornar-se importantes
marcos para a construção de outras possibilidades. Nessa perspectiva,
também podemos destacar que a inovação, como processo que
contempla a construção de novas alternativas, é uma experiência
pessoal que adquire um significado particular na prática; permite
estabelecer relações significativas entre diferentes saberes; provoca
inquietações nos sujeitos; facilita e provoca a compreensão daquilo
que dá sentido ao conhecimento; é conflituosa e gera um foco de
agitação intelectual permanente, centrado mais no processo do que
no produto. Como explica Lucarelli:
[...] En este contexto, el pedagógico, las innovaciones son analizadas desde
la capacidad que tienen para producir un mejoramiento sensible, mensurable,
deliberado y/o duradero de la situación vigente; en este sentido implican la
selección creadora, la organización y utilización de recursos en una forma
nueva y original que permita alcanzar objetivos definidos. [...] (1997, p.15).
Construir o entendimento de inovação sobre esses
pressupostos leva-nos a perceber que a inovação não acontece no
vazio, contrariando algumas concepções que querem nos fazer crer
que a inovação é a introdução do “novo” dentro de um sistema para
produzir mudanças e reformas. A inovação significa modificar as
formas de atuação como resposta a mudanças nos alunos e implica
uma organização diferente do trabalho, para a qual devem ser
utilizados métodos mais eficazes.
Práticas inovadoras na aula universitária 137
Possibilidades e desafios à inovação na
formação docente
Ainda frágil, a inovação que estamos procurando empreender
no Curso de Pedagogia UAB/FURG, enfrenta dificuldades decorrentes
da presença paradigmática dominante. Entendemos que para assumir
uma formação nessa direção já carregamos o ônus da complexidade
da iniciativa. Santos (2000) afirma que “[...] a luta paradigmática é,
no seu conjunto, altamente arriscada [...]” (op. cit., p.344), pois
exige uma subjetividade emergente que envolve ruptura
epistemológica e societal. Para o autor, “[...] formas alternativas de
conhecimento geram práticas alternativas e vice-versa” (op. cit.,
p.344).
Nesse sentido, Cunha nos ajuda a explicitar que
[...] as inovações que adivinhamos próximas se materializam pelo
reconhecimento de formas alternativas de saberes e experiências, nas quais
imbricam objetividade e subjetividade, senso comum e ciência, teoria e
prática, cultura e natureza, anulando dicotomias e procurando gerar novos
conhecimentos mediante novas práticas (2006, p.18).
A forma como estamos interagindo no Curso exige dos
professores a reconfiguração de saberes e favorece o reconhecimento
da necessidade de trabalhar no sentido de transformar a “[...]
inquietude em energias emancipatórias [...]” como explica Sousa
Santos (op. cit., p.346), e ratifica Lucarelli (2001. p.8), quando se
refere à aula universitária:
[...] identifico a la innovación por oposición y contraste con una situación
presente habitualmente en las aulas universitarias; esto es, reconozco a la
innovación asociada a prácticas de enseñanza que alteren, de alguna manera,
el sistema de relaciones unidireccional que caracteriza una clase tradicional,
conducente a una “didáctica de la transmisión” que, regida por la racionalidad
técnica, reduce al estudiante a un sujeto destinado a recepcionar pasivamente
cualquier información. Innovar, en consecuencia significa alterar el sistema
relacional intersubjetivo de una clase. Esa ruptura del statu quo implica la
inclusión del profesor e del estudiante como sujeto, aún cuando no se agota
en las estructuras de significado subjetivo.
Assim, a noção de inovação, para Lucarelli (2001) e Cunha
(2001), está ligada à epistemologia, ou seja, o conceito de inovação
diz respeito à concepção de conhecimento dentro da transição
paradigmática. Assim, a inovação, na educação, é entendida como
uma ruptura paradigmática nos processos de ensinar e de aprender
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)136
acreditamos só tende a qualificar nossa docência, que deve ser
pautada na perspectiva crítico-reflexivo, que implica projetos
próprios, liberdade de criação, investimento pessoal e reconhecimento
da práxis como lugar de produção do saber.
Bibliografia
ABRAHÃO, Maria Helena. Profissionalização docente e
identidade: narrativas na primeira pessoa. In: SOUZA, Elizeu
(org.). Autobiografias, histórias de vida e formação: pesquisa
e ensino. Porto Alegre: EDIPUCRS: EDUNEB, 2006, p.189-
203.
ÁLVAREZ MÉNDEZ, Juan Manuel. A avaliação em uma prática
crítica. Revista Pátio. Porto Alegre: ARTMED, Ano VII, n. 27,
p.20-23, ago/out 2003.
ARRIADA, Eduardo; SANTOS, Rita de Cássia Grecco;
NOGUEIRA, Gabriela. Docências em História da Educação:
cruzando experiências entre FURG e UFPEL. In: IV SIMPÓSIO
DE EDUCAÇÃO SUPERIOR: DESENVOLVIMENTO
PROFISSIONAL DOCENTE/1 FÓRUM DE PESQUISADORES EM
EDUCAÇÃO SUPERIOR. 2007, Santa Maria. Anais Trajetórias
de Formação na Educação Superior: perspectivas teórico-
metodológicas. Santa Maria: Fato Eventos, 2007, CD Rom.
BELLONI, Maria Luiza. Educação a distância. Campinas:
Autores Associados, 2006.
CATROGA, Fernando. Memória e história. In: PESAVENTO,
Sandra. Fronteiras do Milênio. Porto Alegre: Ed. da UFRGS,
2001.
CUNHA, Maria Isabel. O bom professor e sua prática. 13 ed.
Campinas: Papirus, 2001.
_____. et al. Inovações pedagógicas na formação inicial de
professores. In: FERNANDES, Cleoni; GRILLO, Marlene (orgs.).
Educação Superior, Travessias e atravessamentos. Canoas:
Ed ULBRA, 2001a. p.43
Práticas inovadoras na aula universitária 139
Nessa visão é possível admitir que a inovação possa ser
lançada de cima para baixo, como modelos de mudanças baseados
no saber de especialistas e nas prescrições legais. No entanto, “ela
só se efetivará se puder contar com agentes inovadores e com uma
proposta suficientemente clara para ser aceita e implementada”,
como afirma Cunha (2001, p.37).
Isso nos leva a crer que as inovações têm de ser pensadas,
geridas e realizadas pelos professores, seguindo um movimento de
baixo para cima na direção de uma educação integral que articule as
experiências dos alunos e os problemas sociais com a cultura escolar.
Considerações Finais
Ao nos possibilitar um grande aprendizado, além do desafio
metodológico, reconhecemos que a docência na EaD demanda ainda
a busca por um processo de constante autoformação, afinal fomos
educados numa perspectiva de educação presencial em que a lógica
e a metodologia utilizadas são completamente diversas daquelas as
quais precisamos adotar nesta modalidade. Assim, ao respondermos
e enviarmos e-mails, participarmos dos fóruns e das discussões
síncrona e assincronamente. Essa nova tecnologia da escrita noutros
territórios nos proporciona tanto um contato direto entre professores
e alunos, o exercício do debate e da escrita coletiva, quanto a efetiva
construção do conhecimento. Acreditamos que cabe ao professor,
em constante processo de autoformação, ressignificar os próprios
conceitos e questionamentos de sua constituição docente e de sua
prática educativa. E, em se tratando de EaD, que se aproprie cada
vez mais das tecnologias da informação e comunicação. Nessas
perspectivas, cremos que, com essa experiência, estamos operando
algumas mudanças qualitativas nos processos de ensinar e de
aprender, pois em busca de qualificar as formas de interação e de
problematização do conhecimento, rompendo limitações de barreiras
como espaço e tempo entre professor e aluno, visando à auto-
aprendizagem, estamos também constituindo uma nova concepção
acerca da EaD.
Por fim, enfatizamos que esse movimento de constituição de
nossa professoralidade nesta modalidade, até então estigmatizada
e um tanto desconhecida para nós, tem favorecido uma interessante
interlocução com os processos de educação presencial, o que
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)138
PABLOS, Juan. A visão disciplinar no espaço das tecnologias
da informação e comunicação. In: POSTMAN, Neil. O
desaparecimento da infância. Rio de Janeiro: Graphia, 1999.
RINALDI, Rita de Cássia Grecco et al.. Proposta de Curso de
Graduação a Distância: Pedagogia-Licenciatura. Fundação
Universidade Federal do Rio Grande. Rio Grande: FURG, 2006.
SANTOS, Rita de Cássia Grecco et al.. A experiência da
articulação do Curso de Pedagogia na modalidade a distância
na FURG, vinculado ao Sistema Universidade Aberta do Brasil.
In: XVI ENCONTRO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO E O
MERCOSUL/CONESUL E PAÍSES ASSOCIADOS: DESAFIO
POLÍTICO E PEDAGÓGICO. 2007, Salvador. Anais XVI Encontro
Internacional de Educação e o Mercosul/Conesul e Países
Associados: Desafio Político e Pedagógico. Salvador: Ed. da
ASSERS, 2007, CD Rom.
SANTOS, Boaventura de. Pela mão de Alice: O social e o político
na pós-modernidade. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2000.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional.
Petrópolis: Vozes, 2002.
Práticas inovadoras na aula universitária 141
_____. LUCARELLI, Elisa. Inovações na sala de aula
universitária e saberes docentes: experiências de investigação
e formação que aproximam Argentina e Brasil. In: Primer
Congreso Nacional de Estudios Comparados en Educación,
2005, Buenos Aires. Anais do Congreso Nacional de la Sociedad
Argentina de Estudios Comparados en Educación. 2005. v. 1.
_____. (org.). Pedagogias Universitárias: energias
emancipatórias em tempo neoliberais. Araraquara: Junqueira
e Marin, 2006.
FERIS, Elisabeth et al.. Projeto Político-Pedagógico. Fundação
Universidade Federal do Rio Grande. Rio Grande: FURG, 2004.
FREITAS, Ana Lúcia; RINALDI, Rita de Cássia Grecco;
CHAIGAR, Vânia. Educador/a-pesquisador/a: um paradigma
emergente na formação de professores/as. In: IV SEMINÁRIO
NACIONAL DE PEDAGOGIA UNIVERSITÁRIA. 2006, Porto
Alegre. Anais do IV Seminário Nacional de Pedagogia
Universitária. Porto Alegre: EDIPUC, 2006, CDRom.
JOSSO, Marie-Christine. Experiências de Vida e Formação.
São Paulo: Cortez, 2004.
LUCARELLI, Elisa. Teoría y práctica como innovación en
docencia, investigación y actualización pedagógica. Cuaderno
de Investigación. n. 10. Buenos Aires: Facultad de Filosofia y
Letras de UBA, 1997.
_____. Desarrollos en Pedagogia Universitária: práctica y
teoria en la búsqueda de caminos alternativos en la enseñanza
universitária. XXIII International Congress of the Latin
American Studies Association. Washington, set/2001.
MATURANA, Humberto. Emoções e Linguagens na Educação
e na Política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
MORAN, José Manuel. O que é educação a distância (2002).
Disponível em: http://www.eca.usp.br/prof/moran/dist.htm.
Acesso em maio 2008.
NÓVOA, António (org.). Vidas de professores. Porto: Porto
Editora, 1992.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)140
Aprender a aprender:
a solicitação da figura pecúlio
como prática pedagógica inovadora
na formação de professores de teatro
Adriano Moraes de Oliveira*
Panorama do processo:
os instrumentos e seus participantes
O processo de formação de atores e espectadores para o
teatro, desenvolvido entre 2007 e 2008 com alunos e alunas dos
cursos de Teatro, Artes Visuais e Música do Instituto de Artes e
Design da UFPel, e coordenado por mim, ocorreu por duas vias: por
meio de projetos e através de duas disciplinas práticas obrigatórias
(Improvisação Teatral I e II).
Por meio dessas instâncias institucionais pude promover
encontros dos alunos/atores com espectadores de diversas
comunidades (acadêmica, artistas, etc.). Esses encontros permitiram
que ocorresse aquilo que Aristides Vargas, diretor do Grupo Malayerba
(Equador), considera como essencial na forma artística teatral: a
possibilidade do aprendizado pelo encontro com o outro, pela
mudança que ocorre no momento em que nos colocamos no lugar
do outro. Além dessa possibilidade, um elemento fundamental ao
processo de criação que aqui descrevo sugere o que Eugênio Barba,
diretor-pedagogo do Odin Teatret (Dinamarca), define como a
principal tarefa dos profissionais de teatro: aprender a aprender.
* Bacharel em Artes Cênicas - Interpretação Teatral, doutorando em Educação (UFPel).
Docente do Instituto de Artes e Design da UFPel. E-mail:
adrianomoraesoliveir[email protected]
Para provocar rupturas en las tareas de enseñar y de aprender en la
Universidad es preciso mucha intencionalidad y la constitución de grupos de
trabajo integrados por docentes de las distintas Facultades interesados en
asumir compromisos institucionales, capaces de identificar, descubrir y
promover procesos innovadores que puedan hacer avanzar la calidad y el
compromiso de la educación superior (GRANATA, 2008, p.3).
Como o apontado, os acontecimentos teatrais promovidos
pelos projetos referidos e pelas práticas pedagógicas nas disciplinas
de Improvisação Teatral I, II do curso de Teatro, configuraram-se
em encontros de professores, de alunos, de espectadores. Nos
encontros foi possível ler e experimentar a maioria dos conceitos
fundamentais das poéticas de Stanislavski e de Grotowski. O
cronograma de trabalho teve início com Stanislavski, no primeiro
ano, com Grotowski, no segundo, e abriu a possibilidade de interação
das duas teorias e práticas no terceiro momento, isto é, 2009.
A decisão por estudar Stanislavski seguido de Grotowski não
foi tomada de forma arbitrária: a pesquisa teatral que teve início na
Rússia por Stanislavski, no final do Séc. XIX, é plenamente
desenvolvida a partir de 1940 na Polônia e Itália por Grotowski. Os
estudos do professor Marco de Marinis (2004, 15), da Universidade
de Bologna, legitimam minha decisão, pois nesses estudos a
afirmação de que Stanislavski foi um mestre reconhecido por
Grotowski é ponto de partida para a interessante palestra “A parábola
de Grotowski”.
3
O entrecruzamento das duas pesquisas teatrais – a de
Stanislavski e a de Grotowski – possibilita também que uma visão
panorâmica do teatro ocidental do século XX possa ser esboçada
rapidamente. Essa visão panorâmica em um contexto no qual alunos,
assim como a maioria dos espectadores, desconhecem a história do
teatro recente, configurou-se em um instrumento importante no
processo de formação desses futuros professores de teatro.
3
Palestra realizada em agosto de 2005 no âmbito do XIV Congreso Internacional de
Teatro Iberoamericano y Argentino, promovido pelo GETEA (Grupo de Estúdios de
Teatro Argentino e Latinoamericano) na Universidad de Buenos Aires, Argentina.
Práticas inovadoras na aula universitária 145
Para garantir a qualidade do ensino e da aprendizagem e
evidenciar o caráter de pesquisa, além de estimular o processo de
formação dos envolvidos – alunos/atores e espectadores – denominei
os processos e práticas pedagógicas de “exercícios públicos teatrais”.
Para enfatizar a proposta da pesquisa, coloquei no título e/ou
subtítulo de cada “exercício público teatral” o nome do autor da
teoria que estava sendo praticada: stanislavskiana, grotowskiana
1
.
Desse modo, pude garantir a manutenção da relação triádica:
professor – aluno – conteúdo, respectivamente com as funções:
Coordenador-Diretor, Atores-Espectadores e Dramaturgos-Teóricos
do Teatro. A opção por explicitar o referencial teórico do processo
nas composições teatrais permitiu aos alunos/atores e também aos
espectadores a possibilidade da consciência de que participavam de
uma situação didática.
Neste texto, portanto, tenho como principal finalidade a de
descrever como ocorreram três dos processos de criação, difusão e,
consequentemente, de formação tanto dos atores como dos
espectadores envolvidos. É possível, entretanto, afirmar de antemão
que todos os processos desenvolvidos
2
serviram para que tanto
espectadores quanto atores fossem estimulados a aprenderem mais
sobre teatro. Essa prática de aprendizagem foi reforçada pelo caráter
inovador da própria prática pedagógica. Tal afirmação é possível,
pois, em cada um dos “exercícios públicos”, justamente por possuir
o caráter de exercícios, houve um espaço de confronto entre alunos/
atores e espectadores, por meio de arguições mútuas, permitindo a
avaliação do acontecimento no que se alude ao conhecimento anterior
e posterior aos “exercícios”.
Como nos lembra Maria Luiza Granata, professora da
Universidad Nacional de San Luis, Argentina ,
1
Os títulos dos exercícios explicitam duas de minhas escolhas teóricas, ou seja, a
dos dois diretores-pedagogos que conformam o referencial teórico principal:
Constantin Stanislavski (1863-1938), e Jerzy Grotowski (1933-1999).
2
Ao todo foram desenvolvidos dois processos em 2007 e três em 2008: 1)
Stanislavskiana n. 1: “A mais forte” de Strindberg; 2) Stanislavskiana n. 2: “E o
gato não comeu!” de A. Moraes; 3) Grotowskiana n.1: “Variações sobre um mesmo
Hamlet” com textos de Shakespeare e Heiner Müller; 4) Grotowskiana n. 2: “Máscara
Hamlet” com textos de Genet; 5) Grotowskiana n. 3: “Ofélia” com textos de Heiner
Muller.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)144
pesquisa e da situação didática. Os espectadores não assistiam a
um espetáculo de teatro, mas a um exercício público teatral. Tudo
ali era marcadamente teatral. Ao assumir essa postura colocamo-
nos automaticamente em um lugar discursivo muito claro: o espaço
da pesquisa foi ampliado e, consequentemente, os espectadores
participavam de uma sessão de estudos permeada por teatralidade
e pelo espetáculo.
É o ambiente que suporta os dois grupos (o dos atores e o
dos espectadores). É essa relação, isto é, a teatralidade que dá
sentido ao teatro e faz com que o espetáculo (o momento do
encontro) seja apenas uma parte ínfima do processo. Essa delicada
relação pode ser compreendida pelas palavras de Grotowski:
O teatro se rege pelas leis da teatralidade. No teatro exige em igual medida
“justificativa” o fato de alguém estar em pé assim como o fato de alguém
estar de cabeça para baixo. Tanto em um caso como no outro, vige a lógica
da forma, caso contrário o teatro não é composição, não é estrutura, isto é,
não é arte. No teatro, tudo aquilo que está deveria ser teatro. Ou então, é
não-necessário. Se alguém no espetáculo faz um gesto ou executa alguma
ação, é preciso perguntar: o que é no espaço – só um movimento “natural”
ou um movimento artístico, teatral, um elemento de composição, uma
construção, uma micropantomima? A palavra falada se é só dizer a palavra
(mesmo com o pensamento, mesmo com a intenção) não é ainda algo de
artístico, não é teatro. Onde está o sem-matéria da composição? O som da
palavra é para o teatro forma. Se não se confirma na totalidade da partitura
(sonora e rítmica) é extra teatral (GROTOWSKI, 2007, 45).
Com o intuito de garantir a construção de um espaço
autenticamente teatral, isto é, de um espaço em que todos os
envolvidos entregavam-se para uma experiência autêntica, porque
verdadeira, foram construídos todos os exercícios. Na qualidade de
exercícios havia certa instabilidade cotidiana. Podíamos exercitar
nossa imaginação, nosso controle técnico (corporal, vocal), as
possibilidades do espaço, a interferência do tempo, etc. Tudo podia
ser mudado a qualquer momento. Entretanto, cada exercício
construído possuía limites claros e indicados, na maioria das vezes,
pelos autores com os quais buscávamos diálogos: além dos diretores-
pedagogos (Stanislavski e Grotowski), dramaturgos como Strindberg,
Shakeaspeare, Heiner Muller, Jean Genet.
Práticas inovadoras na aula universitária 147
Metodologia da criação dos exercícios públicos teatrais
Os exercícios públicos teatrais foram construídos a partir de
uma mesma metodologia. Em primeiro lugar um texto teórico foi
escolhido para que servisse de lugar de balizamento nas práticas
desenvolvidas pelo grupo de alunos. No primeiro exercício, foi
escolhido o texto “A preparação do ator” de Stanislavski e, a partir
da leitura, discussão e improvisações em grupo, chegamos em “A
mais forte” de Strindberg. O segundo exercício teve como proposta
inicial um trabalho dirigido às crianças, sendo que o texto-base foi
A construção da personagem” e, após uma série de improvisações,
selecionamos o texto dramático “e o gato não comeu!!” como objeto
de montagem. O terceiro exercício foi desenvolvido sem a escolha
de um texto-base, mas de elementos constitutivos da trajetória de
Grotowski, utilizados na disciplina Improvisação Teatral I, são eles:
a ação física construída a partir das referências pessoais do próprio
ator, a exploração de uma “espacialidade” cênica que permitisse o
pleno desenvolvimento da cerimônia (do encontro) entre atores e
espectadores e a participação do diretor como o espectador
profissional. Esse terceiro exercício foi assumido como um work in
process e, diferentemente dos dois primeiros, foi desenvolvido com
apenas um aluno-ator. Os exercícios seguintes foram construídos a
partir do modelo do terceiro.
O período de criação de cada um dos “exercícios” foi
determinado pelo ritmo de leitura, discussão e experimentação do
próprio grupo: o primeiro ocorreu em seis meses; o segundo em
quatro meses; o terceiro em dois meses; o quarto em três meses; e
o quinto em quatro meses.
Ou seja, o tempo de leitura, seleção de obra dramática,
experimentação de cenas e realização da primeira temporada
observou o tempo de compreensão e apropriação da base teórica
escolhida pelos alunos/atores.
O encontro de dois mundos:
o dos alunos-atores e o dos espectadores
As sessões nas quais atores e espectadores se encontraram
foram marcadas por uma cerimônia. Os espectadores eram alertados
de que se tratava de uma experiência com uma poética específica: o
próprio nome das sessões, conforme já apontado, levava ao foco da
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)146
atores do ocidente. O estudo-espetáculo “stanislavskiana n. 1” representa a
inter-relação de três projetos que ocorrem na UFPel: um voltado à
investigação das práticas teatrais de Pelotas e Região (Do teatro como
representação ao teatro como veículo), um segundo com foco nas práticas
pedagógicas desenvolvidas nas escolas do ensino básico pelotense
(Laboratório de Teatro) e um terceiro que reestrutura-se como um espaço
privilegiado à experiência estética teatral desvinculada das exigências
mercadológicas (Núcleo de Teatro Universitário). Tal inter-relação sugere
que o trabalho de teatro desenvolvido pela UFPel configura-se como a de
um centro de investigação teatral. Como centro é possível apontar duas
importantes tarefas: 1.formar platéias – estimulando tecnicamente
professores e alunos do ensino básico; e 2.fomentar novas estéticas –
promovendo com artistas e espectadores pelotenses, por meio de exercícios
públicos, discussões técnicas da arte do teatro. “A mais forte” de Strindberg,
por ser um texto da fase “naturalista” do autor sueco, nos pareceu um
presente para a experimentação da primeira fase de nossos estudos com as
técnicas do livro “A preparação do ator” de Stanislavski. Como se sabe, a
busca pela verdade na cena fez com que Stanislavski se aproximasse de
uma “estética naturalista”. Consideramos que o diálogo com tal possibilidade
estética era um bom pretexto para levarmos os estudos a outras formas,
isto é, o diálogo com o texto de Strindberg aliado ao nosso cotidiano podia
amplificar nosso objetivo de criar um teatro com fé e sentimento de verdade.
O fato decisivo na definição da dramaturgia foi ter encontrado em “A mais
forte” uma proximidade com o cotidiano dos cafés e doçarias pelotenses. O
“Stanislavskiana n. 1”, portanto, estará sempre inacabado. É um processo
que não tem fim. Não temos um lugar a chegar. O conhecimento de uma
poética (como um modo de fazer) nos levará a avançar para outro.
Trabalhamos com uma idéia de movência. Para tanto, instituímos um jogo
que lança um desafio constante aos atores e atrizes: em cada sessão do
estudo-espetáculo com espectadores, as personagens serão representadas
por atores diferentes. A escolha é feita por sorteio momentos antes de cada
sessão. Espera-se com isso manter o frescor necessário a arte teatral.
Sabemos que há muito que fazer. Como nos alerta o próprio Stanislavski,
“meu sistema é o resultado de uma vida inteira de buscas. (...) não existem
fórmulas”. (OLIVEIRA, 2007, p.2)
Ao final de cada exercício, os espectadores e os alunos/atores
discutiam a experiência estética a partir da explicitação da poética
stanislavskiana.
A ação que inaugurou o processo, ainda em andamento, dessa
prática pedagógica por meio de exercícios públicos teatrais teve o
mérito de demonstrar que a reivindicação da herança deixada pelos
mestres do teatro era também uma inovação pedagógica. Tal inovação
ocorre justamente pelo confronto de interlocutores distintos tanto
dentro da própria Universidade Federal de Pelotas, mas também
entre épocas distantes. O caráter inovador é explicitado na qualidade
do diálogo, como nos indica acima Maria Luiza Granata.
Práticas inovadoras na aula universitária 149
O exercício inaugural
O primeiro exercício público teatral, a “Stanislavskiana n.1”,
foi desenvolvido entre os meses de fevereiro e julho de 2007.
O objeto de encontro foi a interpretação de “A mais forte”, de
August Strindberg, aliado à experiência com os elementos fundantes
da poética de Stanislavski e que podem ser observados na leitura de
A preparação do Ator”.
A cena foi toda marcada pela explicitação das técnicas
utilizadas. Chegou-se ao ponto de, em uma das sessões, as alunas
realizarem a verbalização dos nomes das unidades e objetivos
4
de
cada uma das atrizes.
Em outra ocasião desse mesmo exercício, foi privilegiada a
ação física e não foi utilizada a emissão vocal, permitindo aos
espectadores perceberem apenas uma cena muda, mas com
articulação das palavras. Essas duas experiências ilustram o modo
como a cerimônia era montada: um programa era entregue aos
espectadores e nele havia um texto que contextualizava a pesquisa
e permitia, mesmo a espectadores leigos, uma apreciação da obra
com mais propriedade.
Eis o texto que constava no programa e que também era lido
em voz alta por um dos integrantes da pesquisa antes da sessão do
exercício:
Stanislavski nos legou um pecúlio. A metáfora do pecúlio serve para
compreendermos que é quase impossível estar no teatro sem carregar o
peso dessa herança. O “sistema” de ações físicas criado no final do séc. XIX
e início do séc. XX no Teatro de Arte de Moscou tem sido o princípio teatral
de todo o mundo ocidental. Não há como realizar teatro sem um profundo
conhecimento do “sistema”, pelo menos para quem assume o teatro como
ofício. É possível verificar influências dos ensinamentos de Constantin
Stanislavski e Nemiróvitch-Dânchenko em todas as importantes escolas de
4
‘Unidades e Objetivos’ conformam um dos modos de trabalhar a dramaturgia indicado
por Constatin Stanislavski. Esse modo serve para que o ator possa ter maior controle
sobre sua linha de ações. Consiste em dividir o texto, ou argumento, em partes
(Unidades) e subdividi-las em porções menores (Objetivos). Com isso os atores
têm maior facilidade de controlar a energia empregada em cada uma das partes.
Podendo, com isso, garantir a manutenção do interesse dos espectadores. Isso
ocorre de forma prática e na construção de uma linha contínua de ações que faz
com que os espectadores experimentem sensações diversas, chegando, muitas
vezes, ao prazer estético.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)148
por meio de carta, de desenho, aquilo que tinha chamado mais
atenção no exercício. Quando os grupos voltavam para as devidas
salas de aula, os atores se distribuíam entre essas salas para
conversar e recolherem os comentários dos espectadores.
Nesse momento do processo surgiu a necessidade de
ampliarmos o diálogo com alguns dos leitores de Stanislavski, dentre
eles Peter Brook (1925-)
6
. A presença de Brook nesse momento
estimulou nossos estudos sobre teatralidade e instalou a preocupação
com a manutenção do “interesse” pelos espectadores. Brook afirmava
que o tédio é o pior inimigo do teatro e por isso os atores deviam
permanecer muito atentos para que o tédio não se instalasse.
As contribuições de Brook permitiram que superássemos um
problema com a Stanislavskiana n. 2. Como havia uma participação
muito intensa dos espectadores (o espetáculo não acontecia sem a
participação constante deles) era preciso mantê-los muito atentos.
Para que isso ocorresse, diferentemente da experiência com a
Stanislavskiana n. 1, foi preciso lançar mão de improvisações com
muita constância. Tínhamos que nos manter em movimento o tempo
todo. A orientação que nos revelou uma nova leitura de Stanislavski,
uma que nos autorizou a improvisar com mais propriedade, foi por
meio de aporte de Peter Brook.
A intensidade de Grotowski
Os três últimos exercícios realizados no âmbito da pesquisa
ocorreram entre janeiro e setembro de 2008 e teve como
participantes um aluno para cada exercício. Esses alunos que
iniciavam a pesquisa sobre teatro naquele momento pretendiam,
entre outras coisas, constituírem-se como atores-professores. Como
a pesquisa assumia o aprofundamento nas pesquisas sobre o ator,
aprofundamos as leituras de Grotowski.
A partir das primeiras leituras do mestre polonês,
desenvolvemos um texto para o programa que reflete bem a guinada
de direção, ou a sobreposição de objetivos pelo qual passou a
pesquisa:
6
Diretor inglês radicado em Paris e que coordena atualmente o Centro Internacional
de Pesquisa Teatral. O texto que nos serviu de estímulo a esse momento foi:
BROOK, P. A porta aberta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
Práticas inovadoras na aula universitária 151
A necessidade de movimento e improvisação
O segundo exercício ocorreu entre agosto e novembro de
2007 e teve como objeto o texto “A construção da Personagem”. A
questão da plasticidade foi imperativa, uma vez que toda essa obra
de Stanislavski trata de dar corpo ao elemento ficcional por excelência
do teatro: a persona, a máscara, a personagem. Denominamos de
“Stanislavskiana n. 2”, embora fosse possível perceber alguns indícios
do pensamento de Grotowski. Esses indícios reforçavam a tese do
próprio Grotowski, que reivindicava ser ele o herdeiro legítimo de
Stanislavski (reivindicação autenticada hoje por pesquisas em várias
Universidades, tais como Universidade de Bologna, Universidade de
Nova York, Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
O texto selecionado foi um texto-jogo
5
de minha autoria e
indicado para crianças. Nossa preocupação (minha e a dos alunos
envolvidos) era a de ampliar um de nossos objetivos, isto é, aquele
de contribuir para a formação de espectadores qualificados para
teatro.
Ao iniciarmos a leitura do texto, surgiram algumas dúvidas: o
que pesquisávamos funcionaria também com um grupo de crianças?
Como deveria ser a adaptação dos atores em espaços como os
oferecidos pelas escolas? O processo de caracterização físico-vocal
proposto por Stanislavski manteria a atenção dos espectadores? O
formato do nosso exercício público teatral funcionaria com crianças?
Em resposta a todas essas questões agimos como no exercício
n. 1, porém, com algumas adaptações: os espaços eram diferentes
em cada sessão; os atores e atrizes passavam de sala em sala de
aula explicando a proposta do projeto e esclarecendo os grupos
sobre as regras do jogo; e, após a sessão, por conta do grande
número de espectadores (as sessões desse exercício ocorreram
sempre em escolas) os espectadores eram convidados a expressar,
5
Escolhemos o texto “e o gato não comeu!!!” porque ele é resultado de uma
experiência pedagógica com crianças em processo de alfabetização. Como havia
em nossa motivação fundamentalmente uma preocupação em difundir o teatro
por meio da explicitação de poéticas, entendemos que o texto-suporte devia ter
características muito abertas, isto é, um texto que permitisse a participação ativa
dos espectadores. Pelo caráter interativo do texto-jogo de minha autoria
enveredamos pelo universo do teatro para crianças. Para uma discussão sobre
esse assunto ver: OLIVEIRA, A. M. Brincar com o texto literário: possibilidades de
teatro e de jogo. Dissertação de Mestrado. UDESC, 2005.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)150
comentários e esclarecimentos sobre os processos de criação de
ator ali presenciados.
Na maioria das vezes o tempo de discussão superou em muito
o tempo da cena apresentada. Outro fator importante e que contribuiu
para o diálogo entre pesquisadores e espectadores foi a
autodenominação explícita de work in process, garantindo assim
uma necessidade de debate, pois estávamos entregando a obra para
os espectadores e, ao mesmo tempo, solicitávamos contribuições
destes.
O legitimidade do pecúlio
Embora esteja aprofundando essa experiência em âmbito do
doutorado, ainda considero cedo para tecer afirmações categóricas
sobre os resultados dessas práticas. O que se pode perceber é que
esses exercícios permitiram a alguns participantes que a distância
entre o palco e a platéia fosse encarada em termos de teatralidade,
relembrando, de encontro de dois grupos – o dos atores e o dos
espectadores.
As sessões de debates foram muito maiores em todos os casos
do que as sessões de cena especificamente. Sabemos, eu e meus
alunos, que precisamos garantir o registro dos debates e, por isso,
estamos envolvidos com escrituras as mais diversas: cada aluno
possui um diário de trabalho; algumas das sessões de trabalho com
espectadores foram gravadas em audiovisual. O problema que
enfrentamos não é coletar e analisar a reverberação desses exercícios
no momento em que eles são realizados, mas a de querermos
investigar como nosso trabalho contribui para a formação de atores
e espectadores na cidade de Pelotas.
Por isso é que trabalhamos com a figura jurídica do pecúlio. A
partir dos argumentos explicitados na apresentação do que considero
praticas pedagógicas inovadoras, pode-se afirmar que tanto
Stanislavski como Grotowski legou ao campo das artes performáticas
um pecúlio. Ou seja, o estudo dos textos de Stanislavski e de
Grotowski é a solicitação do benefício deixado. Lembrando Abel Barros
Baptista
7
, do qual reivindico a metáfora do pecúlio, há na tradição
7
Crítico Literário Português, autor de Autobibliografias – a solicitação do livro na
ficção de Machado de Assis. Campinas: Ed. UniCamp, 2003
Práticas inovadoras na aula universitária 153
Tornar-se ator é um processo de desnudamento. Revelar, a partir da utilização
do próprio corpo, uma série de máscaras – inclusive aquelas que vestem e
traduzem-se em personagens – é um ato que solicita um comprometimento
que ultrapassa a própria intelectualidade. É por meio do corpo que o ator se
comunica com a platéia, é também por meio do corpo do ator que o
espectador surpreende-se em pleno prazer estético. O objeto do teatro, o
mais simples e também o mais complexo, portanto, é o próprio corpo do
ator. O trabalho que nos dispusemos a construir é mais do que um ato
teatral. É um trabalho que revela a própria constituição de atores.
O que é apresentado põe às claras um trabalho que teve início há pouco
mais de dois meses e que, por esse motivo mesmo, está ainda em sua
forma embrionária. Não no sentido pejorativo – de inacabamento – mas de
um lugar de pura flexibilidade. O que se busca é flexibilizar-se para poder
metamorfosear-se, o que é fundamental no teatro. É o homem desnudo de
si que se quer no teatro, e sem o “ego” explícito pode surgir a possibilidade
de ficção, de persona, de máscara. A presença de espectadores amplia as
possibilidades de acabamento. O teatro, aquilo que ocorre entre o ator e o
espectador, ocorre sem um alto grau de espetáculo, tão presente no nosso
cotidiano e, muitas vezes, tão esperado pelos atores e pelo público num
acontecimento teatral. O que buscamos é o teatro sem o espetáculo. É o
encontro do homem com ele próprio. E Hamlet é apenas a via que nos serve
para esse processo no qual estamos nos constituindo: como atores, como
espectadores... (OLIVEIRA & DIAS, 2008, p. 2)
Esse texto serviu de início de diálogo com os espectadores e
revela, entre outras coisas, que pretendíamos ouvir cada um deles
ao final da sessão.
As falas dos espectadores, por sua vez, foram garantidas pela
maneira como utilizamos o espaço: as sessões eram realizadas para
um número máximo de 30 espectadores, os quais ficavam de frente
uns para os outros e a cena se passava entre eles, ou seja, no
corredor formado pelos espectadores. Essa disposição espacial causou
um envolvimento muito grande dos espectadores e, em termos
formativos, colocou cada um deles dentro do próprio exercício: era
possível assistir a cada ator e às reações dos outros espectadores.
Para servir de pretexto para a experiência dos alunos/atores
selecionamos as obras: “Hamlet” de Shakespeare, “Hamlet-Máquina”
de Heiner Muller e “O Balcão” de Jean Genet.
Conforme explicado acima, nenhum texto teórico de Grotowski
serviu de base, mas sim alguns elementos fundamentais de sua
trajetória. Em todas as sessões desses exercícios públicos que se
denominaram, respectivamente “Variações sobre um mesmo Hamlet,
“Máscara Hamlet” e “Ofélia”, os espectadores tiveram espaços para
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)152
STANISLAVSKI, Constantin. A preparação do Ator. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
_____. A construção da personagem. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2006.
_____. A criação de um papel. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1984.
Práticas inovadoras na aula universitária 155
uma espécie de elemento “essencial” que nos permite o acesso para
reinventá-la:
(...) é essa questão que a tradição nos transmite, e a ela nos dá acesso o
“pecúlio”, um acesso singular, como se, em cada momento, se formulasse
pela primeira vez. Ao mesmo tempo tradicional e inédita, é a questão (...)
enquanto questão. (BAPTISTA, 2003, p.95)
A metáfora do pecúlio serve, portanto, para compreendermos
que é quase impossível estar no teatro sem carregar o peso dessa
herança. Mais que isso, tem-se o direito de não reivindicar o legado
deixado, mas não se pode negar a herança desses artistas-fundadores
de uma tradição.
Bibliografia
CARREIRA & CABRAL. Metodologias de pesquisa em Artes
Cênicas. Rio de Janeiro: 7 letras, 2006.
GRANATA, Maria Luisa. La gestión de procesos de formación,
innovación y mejora de la docencia universitaria. Una
experiencia en la Universidad Nacional de San Luis. In: Anais
do XIV ENDIPE. Porto Alegre: ENDIPE, 2008.
GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um teatro pobre. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.
GROTOWSKI, Jerzy & FLASZEN, Ludwik. O Teatro Laboratório
de Jerzy Grotowski 1959-1969. São Paulo: Perspectiva / SESC;
Pontedera, It: Fondazione Pontedera de Teatro, 2007.
MARINIS, Marco de. La parábola de Grotowski el secreto del
“novecento” teatral. Buenos Aires: GALERNA/GETEA, 2004.
MÜLLER, H. Hamlet-máquina. Trad. Reinaldo Mestrinel. São
Paulo: Hucitec, 1987.
OLIVEIRA, Adriano M. & DIAS, Leonardo da Costa. Programa
de ‘Variações sobre um mesmo Hamlet. 2008.
OLIVEIRA, Adriano M. Programa de Stanislavskiana nº 1.
2007.
SHAKESPEARE, W. Hamlet. Trad. Millôr Fernandes. Porto
Alegre: LP&M, 1997.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)154
Caminhando à luz de velas
em meio a tempestade:
o desafio de uma aula inovadora
frente a um novo perfil de aluno
na sociedade da informação
Michele Schuster Borba*
Um novo cenário social
O avanço dos meios de comunicação e da tecnologia da
informação tem gerado inúmeras alterações na natureza do trabalho
e, na mesma direção, parece estar alterando as habilidades
necessárias para que as pessoas possam estar integradas na “nova”
sociedade da informação. Vivemos a era digital, o mundo imediato
onde os acontecimentos são mostrados em tempo quase real – o
que há alguns anos poderia ser considerado inatingível – e a
informação se dá de forma simultânea. Gadotti (2000) nos diz que
Nas últimas duas décadas do século XX assistiu-se a grandes mudanças
tanto no campo socioeconômico e político quanto no da cultura, da ciência e
da tecnologia.(...) As transformações tecnológicas tornaram possível o
surgimento da era da informação (GADOTTI, 2000, p.3).
Nosso estilo de vida sofre alterações e, consequentemente,
gera também uma mudança na forma de como percebemos aquilo
que nos rodeia. A comunicação do tempo de nossos antepassados,
feita através de cartas que poderiam levar dias, semanas ou até
* Bacharel em Publicidade e Propaganda, mestranda em Educação pela UFPel.
Servidora Pública do Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas. E-mail:
quando tratamos de identidades, sujeitos e subjetividades, estamos lidando
com construtos implicados em problemáticas afins, cujos significados são
contíguos. As fantásticas mudanças verificadas a partir da segunda metade
do século XX, desencadeadas, sobretudo, pelos vertiginosos avanços nas
tecnologias da informação e da comunicação, estão intimamente relacionadas
com a verdadeira revolução pela qual passam tais conceitos (COSTA, 2006,
p.95).
Podemos assim entender que os avanços tecnológicos e as
mudanças daí decorrentes fazem parte do imaginário do jovem. Não
são vistas como novidades e, sim, como algo já posto em sua vida.
Se há algumas décadas sequer sonhávamos com a existência de
equipamentos que pudessem transmitir imagens e sons, em tempo
real, como as televisões e computadores de hoje, os jovens
atualmente não conseguem imaginar o mundo sem eles.
Sem dúvida “la llegada de la tecnologia digital há conducido a
una proliferación masiva de canales y conductos mediáticos y a una
considerable ampliación del acceso a los médios con que cuentan
los jóvenes”, nos explica Buckingham (2008, p.106).
Esta ampliação do acesso aos meios vem modificando a forma
como o jovem percebe o mundo em que vive. Gadotti (2000, p. 5)
afirma que “eles já estão nascendo com essa nova cultura, a cultura
digital”.
Mesmo que tenhamos conhecimento de todos os problemas
de ordem econômica que acabam por fazer com que muitos não
tenham acesso direto a alguns equipamentos, como o computador,
ainda assim, podemos perceber que os jovens estão familiarizados
com os recursos tecnológicos disponíveis atualmente e não encontram
muita dificuldade em operar os novos equipamentos, nem mesmo
se sentem intimidados ao lidar com o novo.
Para Gimeno Sacristán (1999, p 41) “os indivíduos – em nosso
caso, os alunos (...) são pessoas que vivem realmente de uma ou
outra maneira na sociedade, agora chamada de sociedade da
informação”.
Com a mudança das diferentes realidades individuais
decorrentes do contato com as tecnologias, os sujeitos passam então
a estar no mundo de outra forma, conectados através de vários
canais, o que possibilita uma nova compreensão do tempo e das
distâncias. Estas mudanças também são perceptíveis na realidade
coletiva, nos mais diversos setores da sociedade, o que inclui o cenário
Práticas inovadoras na aula universitária 159
mesmo meses para chegarem ao destino, parece ser algo irreal,
com a qual seria impossível conviver nos dias atuais. O correio hoje
é eletrônico, viaja a uma velocidade inimaginável, alterando nossas
percepções de distância e de espaço. Sentados em frente à tela,
estamos plugados ao resto do mundo; podemos viajar sem sair do
lugar, falar com dezenas de pessoas, ainda que sozinhos em nossa
casa.
Envolvido neste processo encontra-se um público especial,
cada vez mais familiarizado com os avanços tecnológicos, a quem
os meios de comunicação dedicam atenção especial: os jovens.
Sujeitos que, com o passar do tempo, foram, aos poucos,
conquistando seu lugar no cenário social. Vivem uma fase de transição
entre o antigo e o novo, entre a adolescência e a idade adulta, um
período de adaptação, de preparação, no qual um turbilhão de
emoções, sentimentos, desejos e características, às vezes ambíguas,
são encontradas em uma só pessoa.
Entretanto, ainda que ao longo dos anos a juventude seja
descrita por uma ou mais das características acima citadas, podemos
afirmar que o jovem de hoje é diferente daquele que frequentou as
salas de aulas há alguns anos. Isso porque, como afirma Lévy, (2000,
p 22), “é impossível separar o humano de seu ambiente material,
assim como dos signos e das imagens por meio dos quais ele atribui
sentido à vida e ao mundo”. Ou seja, somos diretamente afetados
pelo ambiente que nos rodeia e por tudo aquilo que nele existe.
Nossa identidade foi construída ao longo da vida e, por isso, é
permeada por significados, valores e sentidos que estão
intrinsecamente ligados a tudo aquilo que, atualmente, se faz
presente em nosso cotidiano.
Talvez não fosse possível imaginar, há alguns anos, que o
século XXI trouxesse consigo tantas mudanças para o ser humano.
De acordo com Campos e Souza (2003, p.20), “as novas
tecnologias, o consumo e a influência da mídia marcam, modelam e
constroem as subjetividades contemporâneas”. Costa reitera a
afirmação ao dizer que,
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)158
aproveitamento do tempo do educador que, através desta prática
de ensino grupal, passou a atender diversos alunos ao mesmo tempo.
Para que pudessem ensinar a vários estudantes ao mesmo
tempo, de uma única maneira em uma aula, os professores tomaram
“como ponto de referência o chamado aluno médio, entidade
abstrata” (Canário 2006, p 30), deixando de levar em consideração
a realidade particular de cada um dos sujeitos envolvidos no processo.
Com o passar dos anos, esta estrutura foi se tornando, aos
poucos, algo natural, e nos últimos anos, houve, segundo Gimeno
Sacristán “um triunfo das políticas educacionais conservadoras e
restritivas” que
... se mostraram mais preocupadas com o controle dos currículos do que
com a adaptação dos mesmos às hipotéticas exigências de uma sociedade
aberta ao conhecimento (...) Os conteúdos se padronizaram ao mesmo tempo
em que se falava de políticas para a diversidade (GIMENO SACRISTÁN, 2007,
p 44-45).
Esta estagnação das instituições escolares em relação a todo
o avanço ocorrido na sociedade, principalmente na área da
comunicação e informação, aliada ao fato de que o ato de ensinar
continua sendo considerado uma transmissão de informações em
doses sequenciadas, não atende às expectativas da realidade em
que estamos inseridos.
Atualmente entendemos que a formação não compreende mais
um certo período de tempo, vivido dentro de uma sala de aula, ela
é entendida como um processo permanente, que pode e precisa
durar a vida inteira. Romero (2007, p. 101), afirma “Hoy nos pasamos
la vida aprendiendo o reaprendiendo.” Se educar, antes, era munir o
aluno de conhecimentos previamente estabelecidos e validados pela
sociedade, atualmente o papel da educação vai mais longe. Ela deve
“preparar cidadãos, facilitar o desenvolvimento de sua personalidade,
fazê-los solidários”, conforme afirma Gimeno Sacristán, (2007, p.
44) e ajudar o ser humano a tornar-se versátil, capaz de se adaptar
facilmente às novidades, de estar sempre aprendendo.
Todavia, a escola parece resistir às mudanças e mantém ainda
uma “metodologia vertical e autoritária” de ensino. Por trás dos
muros escolares ainda existe uma “velha” estrutura estabelecida,
rígida e antiquada, com um currículo que pouco/não prevê interações
entre as disciplinas, acaba dificultando a obtenção, por parte dos
Práticas inovadoras na aula universitária 161
educacional. Os alunos, e os professores, trazem “um saber que é
fruto da sua vivência no interior da família e, atualmente, do seu
contato com os meios de comunicação” como explica Coutinho (2000,
p. 39).
Sendo assim, Gimeno Sacristán (2007, p. 41) afirma que “a
educação desenvolve-se em um novo contexto (...) em uma nova
realidade social que as pessoas não podem evitar”, ou seja, as
mudanças geradas na sociedade acabam por se fazer presentes tanto
na escola como na universidade.
1
Sendo a juventude de hoje, diferente “a las generaciones
que las precedieron, tanto del punto de vista social como psicológico”
(Buckingham, 2008, p.106), como já citado anteriormente, relaciona-
se com os outros e com o mundo de uma nova forma, tem outra
percepção do espaço e do tempo, nasceu em um momento no qual
a sociedade vive a expansão tecnológica na área da informação e
comunicação; enfim, é alguém que vê o mundo a sua volta de outra
maneira e por meio de outros olhos, como as “pantallas”, um jovem
muito diferente daquele que freqüentava a escola há alguns anos,
ao qual perguntamos: é possível pensar a educação da mesma forma
que pensávamos há alguns anos?
Se o imaginário é uma língua, de acordo com SILVA, (2000),
poderiam a escola e a universidade continuar “conversando” com os
alunos utilizando o velho idioma conhecido?
A escola de hoje
O conhecido jargão “Templo do saber” foi inúmeras vezes
utilizado para definir a escola, num período onde esta era considerada
a principal fonte de acesso à informação. Quem desejasse entrar
em contato com o saber deveria, obrigatoriamente, freqüentar a
escola. Após um período, “tudo” o que era preciso saber haveria
sido transmitido e o indivíduo poderia considerar-se formado.
No entanto, esta situação não é mais a mesma.
Criada na modernidade, a escola teve como objetivo substituir
o antigo sistema de ensino individual, no qual o aluno era instruído
individualmente por um professor, possibilitando um maior
1
Nesse texto, as situações apresentadas e/ou analisadas sobre a educação
escolarizada podem ser estendidas tanto para a escola como para a universidade.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)160
Costa (2003, p.25) complementa a idéia quando afirma que,
atualmente, a “educação ocorre em muitos lugares: nos meios de
comunicação, nas empresas, na rua, nos clubes, nos sindicatos, nos
movimentos sociais”.
Atualmente, não é preciso sair de casa para ter acesso à
informação. Basta ligar a TV ou conectar-se à internet e “navegar
2
em busca do que se deseja saber.
A facilidade de contato com as informações e a velocidade
com que nos são transmitidas “impõem novos ritmos e dimensões à
tarefa de ensinar e aprender”, como diz Kensky (1998, p. 60).
Entretanto, além das instituições de ensino, estão envolvidos,
neste delicado processo, dois sujeitos indispensáveis: professor e
aluno. Personagens cuja relação com os meios e tecnologias de
informação e comunicação são extremamente diferentes.
A relação entre ambos é complexa e requer atenção e muito
trabalho.
A perspectiva da sala de aula
Ao analisarmos as salas de aula encontramos dois mundos
diferentes que, segundo Matos (2003, p. 91), citando Dayrell (1996),
“às vezes se tocam, se cruzam, mas na maioria das vezes
permanecem separados”.
De um lado os professores, cuja função até algum tempo era
restrita a transmitir o conteúdo de forma preestabelecida, de acordo
com as normas e padrões “ensinados” durante os cursos de
graduação. Alguns, nascidos em uma época onde a maioria das
famílias possuía apenas rádio ou televisão, conheceram o computador
há pouco tempo e, talvez, por julgarem necessário se atualizar foram
se aproximando da máquina e aprendendo a lidar com ela em algumas
situações específicas como, por exemplo, digitar um texto ao invés
de datilografá-lo foi se impondo aos professores como uma
necessidade, assim como “imprimir” as provas ao invés de “rodá-
las” no mimeógrafo.
2
Navegar – do latim navigare. Percorrer o mar em navio; atravessar o espaço. No
campo da informática o termo é utilizado para definir o ato de acessar a Internet à
procura de informações sobre determinado assunto, ou aleatoriamente, em busca
de entretenimento.
Práticas inovadoras na aula universitária 163
alunos desta instituição importante no cenário social, do resultado
esperado.
Com um currículo, segundo Reich (1993), citado por Canário,
que é como
uma linha de produção dividida ordeiramente em disciplinas, ensinadas em
unidades de tempo preestabelecidas, organizadas em graus e controladas
por testes estandardizados, destinados a excluir as unidades defeituosas e
a devolvê-las para reelaboração (CANÁRIO, 2006, p.16).
a escola funciona como uma verdadeira fábrica, que neste
caso específico ainda age como se possuísse a exclusividade de
produção do bem gerado, neste caso o ensino, ou melhor, a
transmissão da informação. Como diz Neto (2003, In Costa, p. 108),
“na medida em que a educação nos molda precoce e amplamente,
passamos a ver como naturais os moldes que ela impõe a todos
nós”.
Inserida em um mundo onde a flexibilidade é cada vez maior,
a organização escolar “tradicional” insiste em manter padrões que
vão de encontro à nova estrutura social, mais democrática e mais
participativa. Mantendo a figura do professor como o único detentor
da verdade, relegando o estudante ao plano de mero coadjuvante,
a escola parece desconhecer que, cada vez mais, sua função é a de
pautar-se pela intensificação das oportunidades de aprendizagem e
autonomia dos alunos em relação à busca de conhecimentos, da definição
de seus caminhos, da liberdade para que possam criar oportunidades e serem
os sujeitos de sua própria existência (KENSKY, 2007, p. 66).
Entretanto, o monopólio sobre a simples transmissão da
informação não mais existe.
A ampliação do acesso às tecnologias de informação e
comunicação contribuiu muito para esta mudança. Já em 1960, antes
mesmo do surgimento do computador de uso pessoal, Carpenter e
McLuhan afirmavam:
Hoy em nuestras ciudades, la mayor parte de la enseñanza tiene lugar fuera
de la escuela. La cantidad de información comunicada por la prensa, las
revistas, la televisión y la radio excede en gran medida la cantidad de
información comunicada por la instrucción y los textos en la escuela. Este
desafio ha destruido el monopolio del libro como ayuda a la enseñanza y ha
derribado los proprios muros de las aulas de modo tan repentino que estamos
confundidos, desconcertados (CARPENTER & MC LUHAN, 1960, p. 235-236).
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)162
Se, como nos lembra Costa (2006, p.101), citando Green &
Bigum (1995), é cada vez mais visível o surgimento de “um novo
tipo de estudante, com novas necessidades e novas capacidades”,
um fenômeno, “produzido na convergência dos discursos
contemporâneos sobre a juventude, sobre a cultura da mídia e sobre
o pós-modernismo”, como explicar o fato de que “(...) nossos
estabelecimentos de ensino têm como base uma organização
estandardizada dos tempos (aula de uma hora), dos espaços (sala
de aula), do agrupamento dos alunos (turma) e dos saberes
(disciplinas)”, como nos diz Canário (2006, p.15).
Transformar este cenário a fim de acompanhar a evolução
que ocorre na sociedade e resulta numa mudança dos conceitos
sobre comunicação, informação e educação é um novo desafio para
a escola.
Já que, segundo Gimeno Sacristán, (1999, p 43), “a educação
não pode ser alheia a ela (sociedade da informação) ou ficar
indiferente ante suas transformações”, algumas escolas posicionam-
se como verdadeiras revolucionárias no cenário da educação,
proclamando e prometendo um ensino diferenciado e “inovador”.
Mas o que é realmente a inovação, tão almejada por uns e rechaçada
por outros tantos?
Aulas inovadoras: desafios e perspectivas
com o uso das tecnologias
Para que possamos discorrer sobre os desafios e perspectivas
trazidos pela inovação, é preciso que tenhamos bem claro em mente
o que ela significa.
Vários são os autores que trabalham o conceito, entretanto
selecionaremos aqueles cujas abordagens são mais próximas daquilo
que entendemos como mais significativo para este estudo.
Lucarelli define a inovação através de duas diferentes
perspectivas teóricas: a perspectiva didática tecnicista e a perspectiva
fundamentada crítica.
No primeiro caso a inovação
Práticas inovadoras na aula universitária 165
Do outro lado encontra-se o aluno, que espera um professor
menos rígido e, ao mesmo tempo, comprometido com o ensino; um
jovem com diversos questionamentos e anseios muitas vezes
desconsiderados pelo professor. Alguém que precisa ver o conteúdo
diretamente ligado à sua vida; que, de acordo com Campos e Souza
(2003, p.14) “nasceu imerso em um mundo com telefone, fax,
computador, televisão etc., onde, tudo é “super”, “extra”, “mega”, e
que, na maioria das vezes, transita livre e facilmente pelo campo da
informática, segundo Fischer (2007, p. 295).
Em contrapartida, com os professores a situação é bem
diferente. Se para os alunos a palavra tecnologia é sinônimo de
avanço, para os educadores se torna motivo de preocupação, já que
muitas vezes até temem que a tecnologia lhes tire o emprego,
substituindo-os por um professor virtual ou, quem sabe, uma série
de CD’s-Rom.
Se antes poderíamos esperar do professor um tipo de conduta
padrão, atualmente a situação é diferente. Explica Obiols que
Los profesores que entran al aula manifiestan diferentes actitudes. Los hay
quienes imponem un clima de terror a partir de pautas rígidas y castigos
ejemplares que pasan tanto por lo disciplinario como por lo académico.
Mantienem una distancia y una rigidez ante la clase que no permite el menor
acercamiento. Acostumbran dar clases académicas para las cuales no és
necesario ni ventajoso que los alumnos intervengan. Respondem claramente
al modelo “autoritário”. En el otro extremo aparece un docente simpático,
buen conversador, capaz de seducir a su audiência, que no sigue programa
alguno, que utiliza métodos de trabajo y evaluación grupales, que entiende
las llegadas tarde, las ausências, todos los problemas que puedan tener sus
alumnos. Responde al modelo “demagógico”. En el medio hay una amplia
franja oscilante que trata de realizar su tarea llevándose bem con la clase y
a veces pierde los estribos (OBIOLS, 2006, p 153).
Ao analisar os tipos de professores citados pelos autores bem
como seus diferentes comportamentos, surge a possibilidade de uma
análise deste quadro. Atitudes tão diferentes em uma mesma sala
de aula, com os mesmos alunos, seriam motivadas apenas pelas
características de personalidade de cada um dos docentes? Ou
poderiam estar ligadas ao fato de que, muitas vezes, os professores
já não sabem mais como agir frente aos alunos, visto terem sido
“treinados” para trabalhar em um contexto totalmente diferente do
real?
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)164
Tratar a inovação como ruptura paradigmática é dar-lhe uma dimensão
emancipatória. Nela não há perspectiva de negação da história, mas sim a
tentativa de partir desta para fazer avançar o processo de mudança,
assumindo a fluidez que se estabelece entre os paradigmas em competição.
(CUNHA, 2006, p.19)
A emancipação dos sujeitos acontece através de uma nova
maneira de agir e de se relacionar com sua história e trajetória.
Parte do ponto em que estes se encontram e propõe, como a própria
palavra sugere, uma “nova-ação” consciente, através da qual o olhar,
antes acostumado às duras lentes da racionalidade técnica, atinge o
objeto observado com a ajuda de uma nova lente: a da pós-
modernidade.
Entretanto inovar, e assim romper com o paradigma vigente,
exige grande esforço e coragem. Isso porque, segundo Mª Manuela
Escobar
3
“as novidades abrem possibilidade de insucesso, requerem
ousadia”.
Assim, voltando nossa atenção para a inovação através do
uso das tecnologias em sala de aula, o que percebemos na maioria
das instituições que dizem inovar é que adotaram o uso de vídeos
didáticos, criaram laboratórios de informática e disponibilizaram
equipamentos modernos como projetores multimídia para alunos e
professores, acreditando ser este o caminho a seguir. Mas, ao
olharmos para a maioria das escolas/ universidades, é possível
perceber que a mudança é apenas superficial. Segundo Moran,
apenas uma adaptação daquilo que já conhecíamos. As tecnologias
e meios de comunicação são utilizados somente como ferramentas,
não sendo explorados como elementos integrados ao processo de
ensino e aprendizagem. A restrição do uso apenas como meros
equipamentos não permite que sejam utilizados para ajudar a
transformar a educação, para inovar.
Em um momento no qual se espera que o professor seja um
“reinventor de práticas, reconfigurando-as de acordo com as
especificidades dos contextos e dos públicos”, como afirma Canário
(2006, p. 68), sendo assim um agente mediador no processo de
construção do conhecimento, ajudando o aluno a analisar as
3
Comentário realizado em disciplina especial realizada na UNISINOS, nos dias 31 de
julho e 1°de agosto de 2008, promovida pelo programa “Casadinhos”, parceria
entre UFPel e UNISINOS.
Práticas inovadoras na aula universitária 167
es entendida como modificación parcial o sustitución específica de los
componentes técnicos de la situación de enseñanza y aprendizaje, sean
estos los objetivos, las metodologias de enseñanza, de evaluación, los
recursos o los formatos de programación, quedando en un segundo plano,
las prácticas de los sujetos que intervienen en la situación, considerados
como los ejecutores de la concreción en el aula de las propuestas de un
proyecto tecnológico (LUCARELLI, 2004, p. 4).
Já vista sob o ponto de vista da perspectiva fundamentada
crítica, a inovação é entendida
como ruptura, esto es, como la interrupción de una determinada forma de
comportamiento que se repite, en el tempo y que se legitima dialécticamente,
con la posibilidad de relacionar esa nueva práctica con las ya existentes a
través de mecanismos de oposición, diferenciación o articulación (LUCARELLI,
2004, p. 6),
Podemos perceber que, embora ambos conceitos tratem de
inovação, o primeiro se refere a uma mudança mais superficial,
relacionada a questões de ordem técnica, como recursos materiais,
organização do programa de aula ou mecanismos de avaliação,
mantendo ainda a condição fragmentada do processo, no qual teoria
e prática andam separadas e onde a supremacia técnica se sobrepõe
às questões didáticas e subjetivas envolvidas, relegadas na maioria
das vezes a segundo plano.
Já o segundo conceito trazido pela autora está diretamente
ligado a uma real e profunda transformação nas concepções
existentes até então, legitimadas pela supremacia tecnicista,
propondo uma ruptura paradigmática cujo sentido é a articulação
entre todos os aspectos ligados ao processo de ensino-aprendizagem,
sejam eles de ordem técnica, política, didática ou pessoal. Não
restringe as consequências das mudanças a um único plano: a
proposta de utilização de um novo equipamento pode revelar a
possibilidade de olhar um assunto sob um novo ângulo, antes
desconhecido e cuja descoberta pode provocar grandes mudanças,
ao invés de significar só a otimização de tempo para a realização de
um trabalho.
A nova prática permite que alunos e professores não sejam
mais meros coadjuvantes e sim sujeitos no processo de ensinar-
aprender. Como nos diz Cunha:
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)166
Mas como pensar em um ensino com cunho construtivista,
em que os alunos são ensinados a aprender a aprender, com a ajuda
das tecnologias, se de acordo com Libâneo (2003) os professores
“(...) saem licenciados com a incumbência de formar mentes
construtivistas sem que eles próprios tenham essa cabeça
construtivista” (Libâneo, In Costa, 2003, p. 49). Alia-se a essa
situação o fato de que, na quase totalidade dos casos, o professor
desconhece as possibilidades e recursos oferecidos pelas tecnologias,
ficando limitado ao uso instrumental dos equipamentos, e, ao invés
de assumir “um papel na equipe produtora dessas novas tecnologias
educativas” (Kenski,1998, p. 70), sendo “agente, produtor, operador
e crítico das novas tecnologias educativas”, torna-se um mero
consumidor de tecnologias ou programas prontos. As afirmações
soam um tanto quanto forte, entretanto, é preciso admitir que elas
condizem com a realidade.
Observando o cenário descrito até aqui, parece-nos cada vez
mais urgente reacender as discussões em torno da utilização das
tecnologias educativas, a fim de que possamos tentar ajudar os
professores a encontrarem, cada vez mais
oportunidades de familiarização com as novas tecnologias educativas, suas
possibilidades e limites para que, na prática, façam escolhas conscientes
sobre o uso das formas mais adequadas ao ensino de um determinado tipo
de conhecimento, em um determinado nível de complexidade, para um grupo
específico de alunos e no tempo disponível” (KENSKI, 1998, p. 70).
Quem sabe, através desta iniciativa, estejamos colaborando
para revelar o ato inovador como algo que não só é possível, como
necessário. Dessa forma, acreditamos estar contribuindo para ajudar
a recuperar o caráter criativo e inovador que existe, latente, dentro
de cada um dos milhares de professores e estudantes espalhados
pelo país.
O caminho percorrido durante esta análise nos fez perceber
que são grandes os desafios existentes para que as tecnologias sejam
usadas de forma a ajudar a promover um ensino que rompa com a
situação vigente do ensino fundamentado na perspectiva tecnicista.
Professores que se sentem muitas vezes intimidados por não
saberem lidar com as tecnologias, como usá-las e com qual objetivo,
confusos sobre como devem agir frente a um “novo” aluno,
familiarizado e “conectado” ao ambiente modificado pelas tecnologias
Práticas inovadoras na aula universitária 169
informações recebidas, refletir a respeito e, somente depois,
transformá-las em conhecimento, é impossível conceber que a
inovação tecnológica utilizada para “revolucionar” uma aula seja a
utilização de um equipamento multimídia que, ao invés de exigir do
professor a escrita do conteúdo sobre o quadro, projete os textos
em grandes telões.
Acreditamos que a tecnologia pode ser utilizada de forma
realmente inovadora e significativa, com base em uma proposta
pedagógica que contemple as questões pertinentes ao nosso tempo.
Para isso, como nos lembra Lion (2000, p. 41), já não podemos
mais admitir a utilização do discurso “hay que enseñar informática,
hay que poner vídeos, aunque no siempre se sepa para qué”.
Sabemos que as instituições de ensino já não podem mais ser um
mundo à parte, um espaço separado da realidade dos estudantes,
onde se ministra um ensino fragmentado, que causa desmotivação.
Entretanto, para isso precisamos deixar de lado a idéia de que
incluir las producciones recientes em el mercado (léase informática,
telemática, correo electrónico, videodiscos interactivos, hipertextos,
multimedia, CD-Rom, realidad virtual, etecétera) eleva a escuela al status
de “moderna” y es suficiente motivo para alguna reforma curricular (LION,
2000, p.42)
Este conceito, sustentado pela perspectiva didática tecnicista
de inovação, precisa ser revisto. O fato de incorporar novas
tecnologias ao processo de ensino-aprendizagem não pressupõe a
inovação pedagógica, esta está atrelada à finalidade com a qual as
tecnologias tomam um novo lugar no cenário educacional.
El uso de médios tecnológicos de enseñanza, incluídas las computadoras,
no garantiza per se que los alumnos o alumnas desarrolen estratégias para
aprender a aprender, ni fomentan el desarrollo de las habilidades cognitivas
de orden superior. La calidad educativa de estes medios de enseñanza
depende, más que de sus características técnicas, del uso o explotación
didáctica que realice el docente y del contexto en el que se desarrolle.
(LIGUORI, 2000, p. 141)
As tecnologias por si só não bastam. A forma como o professor
propõe e permite sua utilização é que faz toda a diferença.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)168
COSTA, Marisa Vorraber. “Quem são? Que querem? Que fazer
com eles? Eis que chegam às nossas escolas as crianças e
jovens do século XXI”. In MOREIRA, Antônio, ALVES, Maria
Palmira e GARCIA, Regina Leite (orgs). Currículo, cotidiano e
tecnologias. Araraquara, São Paulo: Junqueira & Marin, 2006.
COUTINHO, Laura. TV e informática na educação. Brasília:
MEC, 1998.
CUNHA, Maria I. da (org.). Pedagogia Universitária: energias
emancipatórias em tempos neoliberais. Araraquara, São Paulo:
Junqueira & Marin, 2006.
FISCHER, Rosa Maria Bueno. “Mídia, máquinas de imagens e
práticas pedagógicas”. In: Revista Brasileira de educação, vol
12, nº 35. Mai/ago 2007.
GADOTTI, Moacir. “Perspectivas atuais da educação”. In São
Paulo em perspectiva, 2000, vol. 14, nº 2.
GIMENO SACRISTÁN, José. A Educação que ainda é possível.
Porto Alegre: Artmed, 2007.
_____. O aluno como invenção. Porto Alegre: Artmed, 2002.
KENSKI, Vani Moreira. Novas tecnologias: o
redimensionamento do espaço e do tempo e os impactos no
trabalho docente. In:Revista Brasileira de educação, nº 8,
págs 58-71, mai/ago 1998.
_____. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.
LIBÂNEO, José Carlos & PIMENTA, Selma Garrido. Formação
de profissionais da educação: visão crítica e perspectiva de
mudança. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/es/
v20n68/a13v2068.pdf>.Acesso: em 14 de outubro de 2008.
LIGUORI, Laura M. Las nuevas tecnologías de la información
y la comunicación en el marco de los viejos problemas y
desafiíos educativos. In LITWIN, Edith (comp).Tecnología
educativa: política, historias, propuestas. Buenos Ayres:
Paidós, 2000.
Práticas inovadoras na aula universitária 171
de comunicação e informação. Escolas que investem na aquisição
de modernos equipamentos, apostando ser essa a fórmula correta
para resolver, quase que como num passe de mágica, de forma
rápida e segura todos os problemas existentes há décadas no cenário
educacional.
Nessa perspectiva, entendemos que, somente quando houver
a total compreensão de que os benefícios obtidos pelo uso das
tecnologias, em sala de aula, não estão somente ligados ao grau de
modernidade dos equipamentos, dos recursos por eles
disponibilizados ou quaisquer outras características apresentadas,
mas também, e principalmente, à forma como as tecnologias são
utilizadas pelos sujeitos envolvidos no processo, poderemos acreditar
que elas nos ajudarão a repensarmos o ensino.
Isso significa sairmos da “proteção” da grande sombra
oferecida pelo paradigma da modernidade e nos colocarmos sob o
sol, tentando enxergar para além dos dispositivos técnicos. Estaremos
preparados?
Bibliografia
BUCKINGHAM, David. Más allá de la tecnologia: aprendizage
infantil en la era de la cultura digital. Tradução: Elena
Odriozola. Buenos Ayres: Manantial, 2008.
CAMPOS, Cristiana Caldas Guimarães & SOUZA, Solange
Jobim. “Mídia, cultura do consumo e constituição da
subjetividade na infância”. In: Psicologia, ciência e profissão,
vol. 23, págs 12-21, 2003.
CANÁRIO, Rui. A Escola tem futuro: das promessas às
incertezas. Porto Alegre: Artmed, 2006.
CARPENTER & McLuhan, M. El aula sin muros. Barcelona:
Laia, 1981.
COSTA, Marisa Vorraber. A escola tem futuro? Rio de Janeiro:
DP&A, 2003.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)170
“Tempos” e trajetórias de vida
no fazer-se professor:
possibilidade de ruptura
com o conhecimento usual
Irapuã Pacheco Martins*
Este texto tem por objetivo problematizar uma nova forma
de orientação para processos de ensino e aprendizagem,
potencializando alguns aspectos implicados que estão na ordem da
inovação das práticas pedagógicas. Esse movimento reflexivo vem
promover aproximações com possibilidades de rompimento com
modelos usuais, numa ação de convergência com o que vem sendo
proposto e estudado a título de adequação às concepções
contemporâneas relativas às práticas na área da educação.
Amparado, sobretudo pelos estudos do imaginário, o que
proponho são reflexões teóricas acerca da formação docente,
evidenciando os “saberes pessoais” (PERES, 1999) como dispositivos
de autoconhecimento e autoformação. Tais reflexões vêm sendo
assunto de meu interesse enquanto pesquisador.
1
1
Este texto, que decorre dos estudos propostos no seminário “As práticas inovadoras
na aula universitária”, oferecido pelo PPGE/FaE/UFPel, em agosto de 2008, vem
agregar nas reflexões que orientam o Projeto de tese que está sendo estruturado
a partir do tema “o tempo na docência”. O referido Projeto têm, entre os pilares de
discussão, os processos autoformativos de docentes, na perspectiva dos estudos
do imaginário.
LION, Carina Gabriela. Mitos y realidades en la tecnología
educativa. In LITWIN, Edith (comp).Tecnología educativa:
política, historias, propuestas. Buenos Ayres: Paidós, 2000.
LUCARELLI, Elisa. Regionalizacion del curriculum y
capacitación docente: respuestas e interrogantes en la
educación básica latinoamericana. Buenos Ayres: miño e dávila
editores, 1993.
_____. El eje teoría-práctica em cátedras universitarias
innovadoras. Tese de Doutorado. Buenos Ayres.
MATOS, Kelma Socorro Lopes de. Juventude, professores e
escola: possibilidades de encontros. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003.
MORAN, José Manuel. Educação Inovadora na Sociedade da
Informação. Disponível no endereço <http://
www.anped.org.br/reunioes/23/textos/moran>. Acesso: em
17 de novembro de 2007.
NETO, Alfredo Veiga. Pensar a escola como uma instituição
que pelo menos garanta a manutenção das conquistas
fundamentais da Modernidade. In COSTA, Marisa Vorraber. A
escola tem futuro? Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
OBIOLS, Guillermo & SILVIA Di Segni. Adolescencia,
posmodernidad y escuela. Buenos Ayres: Centro de
Publicaciones Educativas y Material Didáctico, 2006.
PERRENOUD, Philippe. Formar professores em contextos
sociais em mudança: prática reflexiva e participação crítica.
Trabalho apresentado na XXII Reunião anual da ANPED,
Caxambu, set 1999
ROMERO, Cláudia. La escuela media en la sociedad del
conocimiento: ideas y herramientas para la gestión educativa,
autoevaluación y planes de mejora. Buenos Aires: Centro de
Publicaciones Educativas y Material Didáctico, 2007.
SILVA, Juremir Machado. As tecnologias do imaginário. Porto
Alegre: 2 ed. Sulina, 2006.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)172
* Bacharel em Administração de Empresas, doutorando em Educação pela UFPel.
Atua na Faculdade de Tecnologia Senac Pelotas. E-mail:
irapua.martins@terra.com.br
Esses movimentos mais atentos às vivências cotidianas na
constituição de professores transitam pelos princípios que estão
orientados para as discussões e os estudos acerca da transição
paradigmática, que aponta para a necessidade de novos modelos de
práticas pedagógicas, assim como evidencia Cunha (2005) quando
trata dessas elaborações acerca do assunto.
O novo paradigma aponta para o que se identificaria com a
idéia de indissociabilidade entre ensino e pesquisa (CUNHA, 2005).
Segundo a autora, essa nova proposta levaria a atividades
pedagógicas que enfocam o conhecimento a partir da localização
histórica de sua produção e o percebem como provisório e relativo.
A proposta pode contribuir para os processos de análise, valorizando
o pensamento divergente como condição para criatividade,
valorizando a curiosidade, o questionamento e a incerteza. O
aguçamento de dispositivos de memória
3
, por exemplo, está na via
do desassossego relativo ao que nos tornamos, neste caso, como
nos tornamos professores. Uma mirada no “antes”, vasculhando
nossos guardados, pode fazer emergir modelos pedagógicos que
contemplem outros conteúdos, importantes para a instauração de
uma temporalidade que traga em si elementos formadores. O que
abre a possibilidade para pensar que o professor não se torna
professor somente nos cursos formadores. É preciso considerar que
essa formação se constrói permeada por muitos outros saberes,
como arquétipos
4
adormecidos, por exemplo, que podem ter
implicações nos rumos do trajeto profissional do docente.
3
Faz-se necessária aqui uma breve revisão conceitual para entendimento da
perspectiva que orienta a reflexão neste texto. Bobbio (1997) trata do “tempo da
memória” e reforça a idéia de que “(...) somos aquilo que pensamos, amamos,
realizamos, (...) somos aquilo que lembramos”. Já Isquierdo (2004), considera
que um acontecimento ou conhecimento só é modulado pela emoção e, partindo
desse princípio, nos diz que (...) nada somos além daquilo que recordamos (apud
BRANDÃO, 2008, p. 12).
4
Imagens psíquicas do inconsciente coletivo, que, segundo o estudioso C.G. Jung,
referem-se ao patrimônio comum a toda a humanidade. Uma espécie de
representação ancorada no a priori do desenvolvimento humano. Ele não se propaga,
de forma alguma, apenas pela tradição, pela linguagem e pela migração, mas
pode renascer espontaneamente em qualquer lugar e tempo. É como dizer que em
cada psique, há prontidões, potencialmente vivas. Formas que, embora
inconscientes, não são, por isso, menos ativas e, geralmente, moldam de antemão
e instintivamente o pensar e o sentir humano (Glossário - Imaginário e Simbólico,
2009).
Práticas inovadoras na aula universitária 175
O ponto de análise deste texto, então, é o da reflexão sobre
caminhos e desassossegos presentes no tornar-se professor, numa
perspectiva mobilizadora de conteúdos que, por questões culturais,
parecem estar sendo esquecidos nas práticas pedagógicas e nas
relações de ensino e aprendizagem de uma maneira geral.
2
Essa articulação que passa a ser pensada, e que transita pela
recuperação ou retomada da nossa subjetividade, configura-se como
um processo gerador de inquietações. Nesse sentido, a memória
apresenta-se como “lugar” possível de operar com a nossa própria
produção, podendo instaurar-se uma leitura desde o campo simbólico,
intimamente relacionado à nossa existência, às nossas ações
cotidianas e, por consequência, poderá atingir aproximações com o
nosso exercício de aprendizes de professores, se mobilizações forem
propostas nesse sentido.
Gaston Bachelard (1978) nos orienta no sentido de propor
uma reflexão sobre um movimento de ensinar e aprender que
reivindica um “novo espírito pedagógico”, no qual o imaginário seja
o elemento fundador. A partir dessa percepção fica fortalecida a
idéia de que as aprendizagens geralmente envolvem associações
simbólicas. Sendo assim, é possível a consideração de que o que se
dá é uma “ruptura com o conhecimento usual” (BACHELARD, 1978).
O que se evidencia é que os caminhos da formação docente
podem começar a ser traçados mesmo antes de empreendermos
nossa formação formal. Isso significa dizer que as experiências
advindas dos trajetos vividos são “fundantes” das relações futuras
(PERES, 1996). Nossos movimentos, demarcados por escolhas, por
rupturas e por continuidades decorrem de construções que são
sempre temporárias. Sendo assim, os trajetos vividos surgem
contextualizados, tanto cultural quanto subjetivamente, orientando
nossas ações do passado e do presente e acionando nossas ações
futuras.
2
Aqui é abordada uma outra/nova forma de ensinar e aprender, diferente das
convencionais, justamente pelo fato de buscar incluir nos processos conteúdos
simbólicos passíveis de serem presentificados ou ressignificados a partir do exercício
de uma espécie de educação de sensibilidades. O trabalho nessa perspectiva me
mobilizou na dissertação de Mestrado e permanece me mobilizando no Curso de
Doutorado. Essa mobilização é potencializada, especialmente, no Grupo de estudos
e pesquisa sobre imaginário, educação e memória – GEPIEM, liderado pela Profª.
Dra. Lúcia Maria Vaz Peres. Nossos encontros e nossas pesquisas têm sido
importantes para pensar nossas práticas, exercitando outros/novos olhares sobre
os processos de formação de professores.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)174
À medida em que se constata a potência desse modelo
disciplinar, que dá conta de uma perspectiva norteada pela
interdisciplinaridade e pelo cunho científico, evidencia-se a
emergência do imaginário, mostrando que esse é fonte de todas as
disciplinas. A força do imaginário está em revelar na trajetória, da
pessoa ao profissional, os múltiplos sentidos de um tempo vivido
com traços temporais e/ou atemporais, atuais e/ou arcaicos.
Essa dinâmica de interações que vai constituindo a vida dos
professores, que se traduz em padrões de comportamento regidos
por histórias, crenças, valores e costumes, identificam as
continuidades e as rupturas, as sincronicidades no tempo e no espaço
e as referências presentes nos vários espaços do vivido.
Dá-se, assim, uma espécie de cultura da interioridade, na
perspectiva de Gilbert Durand (1989), que nos apresenta o imaginário
como o “museu de todas as imagens”. Esse conceito tem origem na
consideração de conteúdos de dimensão simbólica, que podem ser
traduzidos, se presentificados, como a epifania de um mistério
(Durand, 1988).
A consideração da cultura da interionidade para o fim desta
reflexão apóia-se no pressuposto de que o homo sapiens é,
sobretudo, um homo symbolicus e, sendo assim, um animal que
tem como característica construir a sua trajetória imerso em
significados, representações e presentificações eternas e atemporais.
No transcorrer de uma trajetória de vida, como trajeto antropológico,
nos afetam as demandas de espaços-lugares, entre eles, o das escolas
à medida em que mostram-se fomentadoras de representações.
O sentido simbólico da interioridade está em evidenciar
“matizes” de trajetórias narradas, onde o ato de interpretar traduz,
embora de forma difusa, o sentido das próprias palavras. Nesse
tempo não-linear, que é simbólico, os saberes produzem histórias,
refletem trajetórias e, sendo assim, sinalizam traços contínuos e
descontínuos de uma vida desejada, idealizada, trazendo à tona
uma temporalidade que é interior e que remete a uma outra
temporalidade marcada por crenças e valores de caráter arquetípico.
Essa maneira de sentir o tempo dá conta da percepção de
histórias e imagens que ultrapassam a visão intelectualizada de que
tudo tem uma explicação. A partir desse entendimento, o sentido
simbólico poderá nos remeter para frente e para trás, num movimento
Práticas inovadoras na aula universitária 177
A consideração dos conteúdos de memória, assim como
tratados nesta abordagem, que vimos estudando no grupo,
convergem para o entendimento da importância de uma pedagogia
que valorize a visão retrospectiva e prospectiva (NÓVOA, 1992),
que está viva e pulsante na formação dos professores. A relação
com esses saberes seria o papel do imaginário que age como
promotor de mergulhos em vertentes noturnas, na perspectiva
balchelardiana, apresentada como filosofia estimuladora e
investigadora do devaneio, instaurador da aproximação do universo
das imagens para alcançar o poético. Vale chamar a atenção para a
importância do resgate das memórias de infância, que podem servir
de referencial no rastreamento de crenças e valores que irão permitir
ao adulto professor presentificar os saberes adormecidos no professor
que se descobre. Esse movimento nos aproxima da antropologia do
imaginário e valoriza outros saberes que são constitutivos da e na
formação docente. Os movimentos particulares de cada trajetória,
na vida dos professores e/ou aprendizes de professores trazem em
si referências do ser e do fazer-se professor que evidenciam
características arquetipológicas.
Diante disso, o que se dá é uma espécie de temporalidade do
contra, a qual recebe inscrições ativadoras de outros saberes. São
os saberes advindos da experiência de vida – que se manifestam a
partir de outro chronos... O chronos das imagens do imaginário.
É a partir dessas constatações que se desvenda outra
possibilidade de contato com dimensões complexas no espaço-tempo
da interioridade do ser humano. Nele o valor e a potência do resgate
de saberes têm origem no tempo vivido, trazendo à luz, assim,
referências que por si só, normalmente, não encontrariam dispositivos
para serem visibilizados.
Um caminho possível de valorização dos “saberes sombrios”
(porque ainda não presentificados) da trajetória vivida talvez seja o
trabalho através de narrativas autobiográficas que, exercitando
aspectos de memória, podem acionar e presentificar imagens dos
trajetos de professores. Dessa maneira, estaríamos caminhando em
direção de uma prática de uma educação de sensibilidades, em busca
daquilo que Bachelard (1996) denomina de “imagens-lembranças”.
A identificação e o decorrente contato com essas imagens podem
atribuir outros significados ao percurso de formação de professores
e alunos.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)176
continuidades, potencializando-as no meu processo de pesquisa como
motores propulsores.
Os movimentos particulares de cada trajetória, na vida dos
professores e/ou aprendizes de professores trazem em si referências
do ser no fazer-se professor que evidenciam elementos importantes
para a formação desse professor. Seguindo nessa linha de
pensamento, percebo que os estudos e as reflexões decorrentes do
Curso de Mestrado me tornaram mais sensível para o entendimento
de uma outra lógica de ensinar e aprender, e isso se reflete nas
minhas ações cotidianas como professor. Ou seja, o que se instaurou
foi uma outra perspectiva para pensar o ensino e a aprendizagem,
mais próxima da vida e seus tempos e não tão apegada às convenções
dos currículos, numa contraposição aos princípios do ensino
tradicional.
Cunha (2005) trata da nova perspectiva quando a vincula à
valorização das habilidades sócio-intelectuais, o que faz com que
alunos e professores da prática social levem em conta as perspectivas
do futuro e os desafios de pensar em função do novo, do não dado.
Essas perspectivas, por sua vez, abrem a reflexão que nos orienta a
pensar, mais uma vez, sobre as representações de memória,
relevantes como constitutivas das identidades e historicidade dos
indivíduos e dos grupos, sobretudo em tempos de uma sociedade
acelerada e em constante mudança. Tempos, também, reforço, de
revisões paradigmáticas acerca dos modos de ensinar e aprender.
Vale atentar para essa realidade do nosso tempo. E, por isso,
convoco o leitor para esta reflexão sobre o tempo que nos envolve e
faz parte das nossas vidas... Acelerado, norteado pelo consumo e
pelo descarte irrefletido – tempo cronológico que marca, data,
organiza – onde o julgamento crítico se dá em contraponto ao tempo
da memória. Tempo esse, longo, que abre a “brecha” para a
articulação dos nossos conhecimentos, das nossas experiências,
sentimentos e desejos – tempo vivido, possibilidade de sentido do
nosso ser-estar no mundo.
Esse tempo pode estar na memória, mostrando-se como
articulador de processos de interpretação e re-interpretação do
passado para significar o presente (se por ele acionado) e o futuro.
Processos que estão para além das racionalidades e nos aproximam
da dimensão que nos orientará para aproximação do entendimento
dos nossos movimentos na vida.
Práticas inovadoras na aula universitária 179
que potencializa a linguagem indireta e metafórica que, por um lado,
reflete a infância, por outro significa o presente na vida adulta num
passeio antropológico. Essa forma de adentrar o universo do humano
– de si, no mundo – encontra referência em épocas remotas quando
a conexão acontecia pelo conhecimento indireto, onde a poética e o
mítico constituíam-se fundadores de um pensamento simbólico. O
ato de conhecer o humano pela conexão com o cosmos e com os
símbolos trazia respostas e lições.
Na mesma via de entendimento podemos considerar que os
saberes que estão na ordem do conhecimento indireto são
presentificados trazendo códigos culturais que estão enraizados no
tempo e que vertem das profundezas do humano, fazendo valer o
vivido no trajeto antropológico do homo sapiens (DURAND, 1989).
A mobilização dessas subjetividades vem propor a instauração
da dúvida com relação à linguagem direta que tudo explica. Nesse
sentido, passa a ser valorizado o sentido da linguagem simbólica
indireta que assume, então, um outro grau de importância, mais
elevado, na formação de professores. A partir dessa percepção, fica
fortalecida a idéia de que o sentido das imagens pode estar associado
a um símbolo da trajetória antropológica. A possibilidade de contato
com o universo dos símbolos, evidencia outra/nova forma tratar,
significando os processos pedagógicos que, assim como já
apresentado, nas palavras de Bachelard (1978), caracteriza-se como
forma de ruptura com o conhecimento usual. Na mesma perspectiva
dessa outra/nova forma de ensinar e aprender, tempo vivido e
memória relacionam-se aos trabalhos de recuperação, reorganização
e ressignificação (sobretudo) de trajetórias autobiográficas numa
relação direta com processos que envolvem uma espécie de “re-
invenção” de si, assim como denomina Marie Christine Josso (2004).
Esse trabalho de descoberta articulado em projetos existenciais, como
afirma a autora, é ato de dar sentido à vida, princípio dos estudos
do imaginário, antes do ponto de vista da formação humana para
num momento posterior dar sentido à condição de ser professor-
aprendiz.
Minha escrita como pesquisador é exemplo disso. Através dela
retomo a minha história, minha vida e meu trabalho para me pensar
enquanto pessoa e enquanto professor. Foi assim no início dos meus
movimentos no Mestrado, quando parti da narrativa da minha história
de vida para entender minhas metamorfoses, minhas rupturas e
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)178
entre os sujeitos, passando pelas estratégias e práticas de ensino e
aprendizagem. Absolutamente, consonante com as questões que
venho me colocando e pesquisando.
Assim, o tempo, que tem implicações nesses movimentos,
passa a ser considerado não só como tempo cronológico – o khronos
– , aquele que guia o andamento nas escolas e baseado no qual são
estruturadas as grades curriculares, mas, também como tempo
simbólico – o kairós – , aquele que não se sente passar, o tempo do
aconchego. Essa compreensão nos aproxima do entendimento do
conhecimento como relativo, envolvendo uma concepção de
movimento, de vida (CUNHA, 2005).
Teixeira (2006) aborda os “tempos” presentes nos espaços
escolares, entre eles os tempos das festas, os tempos interstícios e,
também, os tempos das aulas. Com relação aos tempos das aulas,
mais especificamente, a autora nos diz que esses constituem o
momento em que os professores estão na escola desenvolvendo
seus trabalhos e onde mantêm relações face a face com seus alunos.
É um tempo caracterizado por tensões, por encontros e desencontros,
por conflitos, por alegrias e dissabores peculiares à convivência no
trabalho pedagógico. É um tempo de confronto com diferenças e
individualidades, ritmos que se misturam e que desafiam o professor
a repensar-se a todo instante diante do inusitado.
O trabalho na Unidade Curricular Criatividade e Propaganda,
no Curso de Marketing, tem me oportunizado transitar pelos tempos
de aula de uma outra forma, menos horizontalizada e ordenada,
mais verticalizada, aparentando uma certa desordem. A
movimentação fácil e previsível da primeira contrapõe-se à
imprevisibilidade, como de um “labirinto”, da outra. Um bom exemplo
disso foi o projeto chamado Laboratório de Criatividade em Marketing,
que surgiu, em aula, da idéia de trabalhar a criatividade a partir das
vivências dos próprios alunos que traziam situações-problema dos
seus cotidianos para pensar soluções criativas. Cada caso um caso,
no seu contexto social e profissional como estímulo ao trabalho com
os conteúdos.
Refletindo sobre essa modalidade, o que se pretende é
ultrapassar a priorização e a interpretação de teorias, dando vez e
voz a uma construção própria, singular pelas vivências, bem como,
representações e teorizações antes de si. A contemplação dos saberes
pessoais, nesse sentido, reforça os traços que singularizam a
Práticas inovadoras na aula universitária 181
Nesse sentido, a memória pode ser considerada como
dispositivo “detonador” de conteúdos adormecidos, que estão à
“sombra”, mas que poderão ser acionados nos aproximando de um
mundo “secreto”, “misterioso”... “intocado”, mas potente como
mobilizador de novos movimentos.
Essas relações partem, justamente, desse momento em que
me percebo mais atento aos ritmos do humano, que nem sempre
estão numa relação direta com o tempo cronológico. Essa diferença
de ritmos, tenho notado, se reflete também nos “tempos” de ensinar.
Meu fazer pedagógico traduz o meu anseio de reflexão sobre
as amarras temporais nos espaços de ensinar, numa perspectiva
que enfoca e valoriza o “amolecimento” criativo-transgressor das
dimensões temporais como tempo esquivo. Minhas experiências com
os alunos do Curso de Marketing da Faculdade de Tecnologia Senac
Pelotas - meu lugar de atuação profissional - fizeram com que uma
outra lógica de utilização do tempo se instaurasse para favorecer
aprendizagens. Dessa forma, se deu a ruptura com os sistemas e
modelos instituídos em busca da inovação, potencializando
experimentos talvez ainda orientados pelo modo tradicional, mas
partindo do entendimento de que “O novo não se constrói sem o
velho e é a situação de tensão e conflito que possibilita a mudança”
(CUNHA, 2005, p.25).
Situações de tensão e conflito têm me mobilizado para refletir
e pesquisar sobre os “tempos” implicados nas práticas pedagógicas,
lançando outros olhares sobre meus desafios cotidianos. Gaston
Bachelard, pela via do imaginário, ressalta a possibilidade do
entendimento de uma nova dimensão de ensinar e aprender, apoiada
numa força de expressão que reúne condições de transcender o
raciocínio formal. É uma perspectiva que está relacionada com valores
pessoais que não fazem parte dos currículos acadêmicos, mas que
estão presentes na vida e seus ritmos. Dizendo de um outro modo,
o que se busca é um conhecimento que não se produz ao acaso, e
sim, a partir de necessidades e contradições humanas e sociais,
parafraseando Cunha (2005).
Lucarelli (2005), quando trata da inovação na perspectiva
fundamentada crítica, considera a nova prática como ruptura, isto
é, como a interrupção de uma determinada forma de comportamento
que se repete no tempo afetando os diversos aspectos envolvidos
na situação didática, desde seus componentes técnicos até as relações
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)180
A partir das contribuições do autor é possível nos
aproximarmos da idéia de que as pesquisas que se utilizam das
narrativas de histórias de vida possibilitam ao professor-pesquisador
estreitar as experiências entre teoria e prática. Sobre essa
possibilidade de promover um olhar para si, Oliveira (2001, p. 20)
apresenta o seguinte sobre o trabalho com as histórias de vida:
É um método que permite a aproximação entre as perspectivas teóricas e os
fatos empíricos. (...) Este método revela a história não como episódio
desempenhado por personagens importantes, senão como processo
cotidianamente vivido por pessoas comuns.
Fica evidenciado que os autores abordados estabelecem
relações entre a abordagem das histórias de vidas com uma
possibilidade de proposta pedagógica que valoriza as trajetórias de
cada um e de todos os envolvidos nos processos de ensino e
aprendizagem. O cenário que se esboça a partir dessa possibilidade
mostra-se multifacetado e dinâmico. Nele as práticas pedagógicas
que buscam a inovação estão no contexto da transição dos
paradigmas, ora à frente em relação às práticas tradicionais, ora
seguindo os modelos instituídos.
Para finalizar, vale lembrar que a reflexão sobre possibilidades
de rompimento com o instituído, segue pela via do despertar para
outros/novos olhares sobre o ser-docente que se constrói em meio
a uma realidade que sinaliza com a necessidade de priorização de
atenção especial aos “tempos” de cada um. É pertinente considerar
que esses outros/novos olhares podem representar ganhos no sentido
da articulação de práticas pedagógicas mais ricas pela mobilização
de significados nos trajetos de “ser docente” refletidos nos trajetos
de “ser aluno”.
Bibliografia
BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a
imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes, 1978.
_____. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes,
1996.
BRANDÃO, Vera Maria Antonieta Tordino. Labirintos da
memória: quem sou eu?. – Coleção questões fundamentais
do ser humando; 7. São Paulo: Paulus, 2008.
Práticas inovadoras na aula universitária 183
formação do professor que estará desenvolvendo a sua sensibilidade
a ser potencializada nos alunos.
Nessa mesma ordem de pensamento, Edgard Morin (2000,
p. 47) anuncia que os seres humanos devam “reconhecer-se em
sua humanidade comum e ao mesmo tempo reconhecer a diversidade
cultural inerente a tudo que é humano”. Esse pensamento, na visão
do autor, aplica-se ao campo da educação à medida que revisa as
suas tendências paradigmáticas com vistas ao futuro.
Também Josso (2004) defende a idéia de que as variadas
experiências, das quais são portadores os alunos, poderão ser
utilizadas para dar sentido (ou não) aos conteúdos disciplinares. E,
ainda, que a consciência dessa possibilidade por parte dos professores
pode ajudar esses mesmos alunos a mudar a sua concepção de
aprendizagem e ensino. Esse movimento de ensinar que se utiliza
de uma outra lógica de construção do conhecimento está relacionado
com um outro ritmo, diverso provavelmente, dos instituídos nas
escolas.
É a partir desse entendimento que a autora nos orienta
dizendo que os trabalhos a partir das trajetórias de vida podem se
constituir numa possibilidade geradora de aprendizado. Nesse
sentido, defende as reflexões teóricas e metodológicas sobre os
estudos das histórias de vida no sentido de que estes possam auxiliar
as mobilizações de dispositivos que promovam a aproximação da
possibilidade de um caminhar para si.
Elizeu Souza (2006) reforça o posicionamento de Josso
(precursora destas idéias) quando aborda a escrita da narrativa como
um processo que remete o sujeito a uma dimensão de auto-escuta,
como se estivesse contando para si próprio suas experiências e as
aprendizagens das quais foi ator ao longo da sua vida para o
conhecimento de si. Ou seja:
É com base nessa perspectiva que a abordagem biográfica instaura-se como
um movimento de investigação-formação, ao enfocar o processo de
conhecimento e de formação que se vincula ao exercício de tomada de
consciência, por parte do sujeito, das itinerâncias e aprendizagens ao longo
da vida, as quais são expressas através da metareflexão do ato de narrar-
se, dizer-se de si para si mesmo como uma evocação dos conhecimentos
construídos nas suas experiências formadoras. (SOUZA, 2006, p. 14)
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)182
Formação de professores:
novas perspectivas educacionais
Cândida M. de Sousa Custodio*
A educação em tempos de mudança
São grandes os desafios que a Educação reserva para os
próximos anos, e é fundamental entender as transformações pelas
quais o mundo está passando, principalmente para quem tem a
missão de educar. Afinal, já não basta o professor repassar
informações para seus educandos. É preciso prepará-los para agirem
como cidadãos e interferirem de modo ativo na sua comunidade.
Diante de tais aspectos, percebo o mundo em movimento
vertiginoso, e, sob o ponto de vista social, industrial, educacional, a
instituição escolar necessita estar preparada para essa realidade e
oferecer a todos que dela participam condições adequadas para que
se tornem agentes dessas mudanças.
É preciso que a Educação esteja no seu conteúdo, nos seus programas e nos
seus métodos – adaptada ao fim que se persegue. Permitir ao homem chegar
a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo, entabular
com os outros homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história.
(...) O homem não pode participar ativamente na história, na sociedade, na
transformação da realidade, se não for ajudado a tomar consciência da
realidade e da sua própria capacidade para a transformar (FREIRE, 1977,
p.47).
CUNHA, Maria Isabel. O professor universitário na transição
de paradigmas. Araraquara: Junqueira e Marin editores, 2005.
DURAND, Gilbert. A imaginação Simbólica. São Paulo: Cultrix,
1988.
_____. As estruturas antropológicas do imaginário. Lisboa:
Editorial Presença, 1989.
GLOSSÁRIO – Imaginário e Simbólico. Disponível em: < http:/
/wp.ufpel.edu.br/gepiem/glossario/ > Acesso em: 20 abr.
2009.
JOSSO, Marie-Christine. Experiências de vida e formação. São
Paulo: Cortez, 2004.
LUCARELLI, Elisa. Innovación en el aula: eje de la articulación
teoria e prática en la universidad. Cuadernos de cátedra. Bs.
As. OPFYL, 2005.
MORIN, Edgard. Da necessidade de um pensamento complexo.
In: Para navegar no século 21: tecnologias do imaginário e
cibercultura. Porto Alegre: PUCRS, 2000.
NÓVOA, Antônio. Vida de professores. Porto: Porto, 1992.
PERES, Lúcia Maria Vaz. Significando o “não-aprender”.
Pelotas: Educat, 1996.
PERES, Lúcia Maria Vaz . Dos saberes pessoais à visibilidade
de uma pedagogia simbólica. (Tese do Doutoramento).
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
1999).
OLIVEIRA, Valeska Fortes de. A formação de professores
revisita os repertórios guardados na memória. In: OLIVEIRA,
Valeska Fortes de. (Org.). Imagens de professor: significações
do trabalho docente. Ijuí: Unijuí, 2000. p. 11-24.
SOUZA, Elizeu. O conhecimento de si: estágio e narrativas de
formação de professores. Salvador: DP&A, 2006.
TEIXEIRA, Inês Assunção de Castro. Arquiteturas do tempo
nos enredos de professores (as). In: OLIVEIRA, Valeska Fortes
de. (Org.) Narrativas e saberes docentes. Ijuí: Unijuí, 2006.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)184
* Graduada em Letras (Português/Espanhol) pela Universidade Católica de Pelotas
(UCPel), Especialista em Educação pela UFPel e Mestranda no Programa de Pós-
Graduação em Educação da UFPel. Supervisora de Escola da Rede Estadual de
Ensino/RS. E-mail: [email protected]
a importância que essa atividade tem do ponto de vista da formação
dos seres humanos.
A exposição, o diálogo, o ponto de vista dos educandos são
fatores que proporcionam, sobretudo, o amadurecimento do
professor, na solidão de seu desempenho profissional. As conversas
no corredor, na sala dos professores, nas reuniões por disciplina são
momentos de socialização das alegrias, frustrações e esperanças. O
professor, no entanto, continua só, reinventando o seu fazer
pedagógico. A importância de os professores interagirem, possibilita
que saberes emergentes da prática profissional se consolidem
(NÓVOA, 1992). Logo, quanto maior e melhor for o entendimento
das funções, dos espaços, das relações e das condições de
funcionamento das partes do sistema e de como interagem, maiores
serão as probabilidades de se beneficiar de seus esforços e resultados.
Nessa rápida mirada de percurso, diante de fatores como a
especificidade do fazer pedagógico, a finalidade da escola, a dimensão
política da educação e a dinâmica do cotidiano escolar, a
transformação pedagógica é importante para que os atores desse
contexto se permitam mudar no seu jeito de ser e de agir.
Nesses termos, creio que o movimento pelos caminhos dos
processos de pesquisas para captar a formação dos professores
perpassa pela rede de conhecimentos rumo às práticas educacionais
baseado pelo poder das idéias, no campo da Educação, que engloba
o cotidiano, as culturas num processo de inserção no pensamento
humano. Ora, o que está realmente em evidência, hoje, não se
restringe apenas ao aperfeiçoamento ou à qualificação na carreira
docente; todavia, nesse contexto de mudanças dos professores, como
sujeitos protagonistas que têm de ser, e das instituições educacionais,
os desafios se impõem no seu cotidiano a partir de um investimento
das suas experiências, nesse processo.
O professor, logo, continua sendo a figura central, ele é o
instrumento de socialização cultural. A palavra professor vem de
professar, tem, portanto, a mesma raiz de professio, que era a
profissão religiosa dos clérigos ou membros de congregações ou
ordens da Igreja Católica. Professor é o que professa.
Hoje, na nova ordem, é o funcionário que desempenha
atividades numa organização civil, a Escola, e tem por função a
difusão do conhecimento. “Criar uma nova cultura não significa
Práticas inovadoras na aula universitária 187
No contexto educacional, os professores trabalham com a
polêmica e com o confronto. O que precisam conservar? O que
precisam transformar? E, a partir de algumas certezas e de muitos
questionamentos, definirem os rumos da Educação.
Aí está o fundamento do papel político exercido pelo professor;
cabe a ele mais do que a qualquer outro representante da sociedade
civil, influenciar na definição de um compromisso político com a
mudança e por seu aperfeiçoamento técnico e pedagógico, já que o
trabalho de educar é um dos mais delicados no sentido psicológico e
tem tudo para ser o melhor, porque não há fragmentação nele: é o
professor que, em sala de aula, possui liberdade de ação para criar.
Não se trata de uma tarefa simples, uma vez que a sociedade
não é um bloco homogêneo; é composta de grupos plurais com
interesses, necessidades, crenças e valores diferenciados.
Ao estar inserido nessa realidade, o professor vivenciará
experiências de ensinar e de aprender, de educar e de viver, onde
uma pedagogia de convivência será fortalecida pelo respeito à vida
em suas diferentes formas, pois, por mais completa que se apresente,
a formação de um professor carece de alguns detalhes, que só a
vivência do processo educativo é capaz de proporcionar.
Para construir uma nova realidade educacional, entretanto,
faz-se necessário implementar um conjunto de políticas emergenciais
e estruturais voltadas para o professor, principal articulador de uma
educação de qualidade; e que a instituição, que se compõe de um
conjunto de funções, passe a ser considerada uma organização social,
cultural e humana, onde possam ser tomadas importantes decisões
educativas, curriculares e pedagógicas.
A formação de professores pode desempenhar um papel importante na
configuração de uma “nova” profissionalidade docente, estimulando a
emergência de uma cultura profissional no seio do professorado e de uma
cultura organizacional no seio das escolas (NÓVOA, 1992, p.24).
A competência técnica do corpo docente, portanto, necessita
de ser estimulada e estar atualizada, para questionar suas práticas
pedagógicas, experimentando e ousando, já que a reconstrução
curricular transita pelo professor.
Nesse sentido, torna-se prioritário reencontrar o professor
como sujeito de sua prática pedagógica, reconhecendo-se que sua
formação se baseia num equilíbrio único, levando-se em consideração
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)186
A questão central relativa à formação de professores, portanto,
gravita em torno da necessária e complexa relação a ser estabelecida
entre a teoria e a prática, que passa a ser trabalhada no âmbito da
formação docente, especialmente, quando a Universidade vem sendo
desafiada pelas mazelas sociais e econômicas da sociedade.
Nesse sentido, frente aos desafios da virada do século, a
situação que se impõe, a uma sociedade democrática, mais exigente
e mais participativa, é a de urgência de uma universidade
qualitativamente superior.
E, para isso, a formação docente é importante na qualidade
da Educação. Há a necessidade de uma ação educacional
transformadora que ofereça, ao professor, condições para que ele
construa saberes, valores, habilidades que lhe permitam assumir a
luta por sua transformação – pela transformação de seu grupo social,
buscando a compreensão e a solução dos problemas coletivos de
forma coletiva.
Tantas são as propostas em resgate à identidade do professor,
como de um sujeito em ação, com suas convicções. Nesse aspecto,
Pimenta (1999) ressalta a formação de professores a partir de suas
práticas, e aponta para a compreensão de que os saberes são fatores
primordiais para estudos propostos à construção da identidade
docente. Para essa pesquisadora, a identidade é construída a partir
da significação social da profissão, da constante revisão desses
significados sociais e da revisão das tradições.
Dessa forma, os professores envolvidos na formação de outros
professores enfrentam dilemas como as articulações entre a teoria
e a prática: o que priorizar? Pela teoria, que fundamenta e consente
um olhar mais atento à realidade ou pela prática que requer o
fundamento teórico que o explique?
Nessa ótica, a formação do professor universitário, no sentido
de qualificação científica e pedagógica, é um dos fatores básicos da
qualidade da Universidade. No que se refere à Didática Universitária,
seu programa deve fundamentar-se no conhecimento do aluno, ao
articular-se com as demais disciplinas, do planejamento do ensino a
partir da aprendizagem e da didática, num processo entre o ensinar
e o aprender.
Práticas inovadoras na aula universitária 189
apenas fazer individualmente descobertas originais, significa também
e sobretudo, difundir criticamente as verdades já descobertas,
socializá-las” (GRAMSCI, s.d).
As relações sociais situam-se em contexto de espaço e tempo,
e, pensar Educação é dialogar sobre projeto de curso, é falar em
formação pedagógica, em formação inicial de professores, em
produção de conhecimentos, na relação da teoria e da prática.
Estágio curricular supervisionado
e a formação inicial do professor
O exercício da profissão docente exige uma significativa
formação, não somente que se refira aos conteúdos científicos
próprios da disciplina, todavia, nos aspectos correspondentes a sua
didática e ao encaminhamento das diversas variáveis que
caracterizam a docência.
Volta, logo, o discurso da Educação como fator fundamental
quanto à necessidade de busca da qualidade de ensino. Dessa forma,
as diferenças individuais e a diversidade de fatos que ocorrem no
processo educacional sistematizado, do qual a Escola detém a maior
responsabilidade, levaram-me a constatar a importância da unificação
de esforços. Da mesma maneira, por conseguinte, é fundamental
que a formação inicial dê um salto adiante, e que as dimensões e a
duração dessa formação indiquem o valor que a sociedade atribui
ao trabalho docente.
Nesse caso, a preparação do professor na sua formação inicial
deve realizar-se, pois, de modo que o torne um profissional ciente
do significado da Educação, e que lhe possibilite, pelo seu
desempenho, a contribuir para a coletividade, no âmbito educacional.
Que lhe proporcione espaço para agir sobre o meio, para elaborar e
reelaborar seu conhecimento pela reflexão e pela troca de
experiências, identificando-o como um ato educativo a ser pensado
além de um projeto de curso, envolvendo professores de formação
em diálogo.
Muitas são as reflexões, inúmeras as propostas no sentido de construir a
identidade do professor, na sua formação inicial. Uma posição, entretanto,
parece convergir para o entendimento de que não é possível construir um
conhecimento pedagógico para além dos professores, isto é, que ignore as
dimensões pessoais e profissionais do trabalho docente (NÓVOA, 1995,
p.32).
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)188
formação de professores, é um dos componentes considerados parte
da prática pedagógica.
A essa questão, soma-se ponto determinante da Resolução
CNE/CP nº 1 de 18 de fevereiro de 2002, que institui em definição
legal e oficial Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores, no que aponta:
Art. 12 – Os cursos de formação de professores em nível superior terão a
sua duração definida pelo Conselho Pleno, em Parecer e resolução específica
sobre sua carga horária.
§ 1º - A prática, na matriz curricular não poderá ficar reduzida ao estágio,
desarticulado do restante do curso.
§ 2º - A prática deverá estar presente desde o início do curso e permear
toda a formação do professor.
§ 3º - No interior das áreas ou das disciplinas que constituírem os
componentes curriculares de formação, e não apenas nas disciplinas
pedagógicas, todas terão a sua dimensão prática.
Art. 13 – Em tempo e espaço curricular específico, a coordenação da dimensão
prática transcenderá o estágio e terá como finalidade promover a articulação
das diferentes práticas, numa perspectiva interdisciplinar.
§ 1º - A prática será desenvolvida com ênfase nos procedimentos de
observação e reflexão, visando à atuação em situações contextualizadas
com o registro dessas observações realizadas e a resolução de situações –
problema.
§ 2º - A presença da prática profissional na formação do professor, que não
prescinde da observação e ação direta, poderá ser enriquecida com
tecnologias da informação, incluídos o computador e o vídeo, narrativas
orais e escritas de professores, produções de alunos, situações simuladoras
e estudo de casos.
§ 3º - O estágio obrigatório, a ser realizado em escola de educação básica,
e respeitado o regime de colaboração entre os sistemas de ensino, deve ter
início desde o primeiro ano e ser avaliado conjuntamente pela escola
formadora e a escola-campo de estágio.
No que se refere à carga horária dos cursos de formação de
professores de educação básica, assim se pronuncia o artigo 1º da
Resolução nº 2/2002:
[...] será efetivada mediante a integralização de, no mínimo, 2.800 (duas
mil e oitocentas) horas, nas quais a articulação teoria-prática garanta, nos
termos dos seus projetos pedagógicos, as seguintes dimensões dos
componentes comuns;
Práticas inovadoras na aula universitária 191
Quando se fala em Universidade como espaço de qualidade
pedagógica, como instituição de Educação Superior, do que se está
falando?
Há necessidade de se prestar atenção ao seu papel como
instituição formadora de novos professores, em especial nos cursos
de licenciatura, em que a perspectiva parta da clareza política
pedagógica de se saber que tipo de profissional se quer.
Esse é o desafio! De preparar novos profissionais,
competentes, para trabalharem a maneira de como construir um
sujeito como um ser social. Um sujeito qualificado para a política de
pesquisa institucional. Daí a necessidade de ações educacionais como
fontes geradoras de um processo de transformação da sociedade,
que represente um salto de qualidade, como uma alavanca propulsora
da busca dessa qualidade.
Nesse contexto, faz-se necessário uma maior compreensão
quanto à LDBEN/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional)
no que se refere à origem do Estágio Supervisionado.
Nessa rápida mirada de percurso histórico, o Estágio
Supervisionado, que teve sua origem na década de 30, tanto pela
criação de cursos superiores de Licenciatura, quanto na habilitação
específica de magistério pela Escola Normal, passou a ser objeto de
preocupação antiga, especialmente com relação ao Estágio Curricular
a partir da Reforma Universitária institucionalizada pela Lei 5.540/
68 (PICONEZ, 1998), com uma visão tecnicista fundada na
racionalidade técnica.
Nessa lógica, o Estágio tinha seu início nas disciplinas teóricas,
a seguir, as pedagógicas e, ao final do curso, o Estágio como espaço
para a aplicabilidade das teorias que o acadêmico assimilava na
Universidade.
O Estágio se embasava no aprender – fazer, numa perspectiva
de que, por fim, o que foi aprendido seria comprovado. Piconez
(1998) reforça essas idéias, quando afirma que o Estágio era
considerado uma disciplina complementar separada do curso e do
espaço escolar.
De modo que, o Estágio Supervisionado, em qualquer área
do conhecimento, hoje, no Brasil, é tido como obrigatório, como
exigência por lei para o exercício profissional. Quanto ao curso de
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)190
Nesse aspecto, vale lembrar que nas licenciaturas, a orientação
de estágio curricular comporta-se de maneira complexa, à medida
que o estagiário estará atuando, na sala de aula, com um grupo
heterogêneo, com seus valores, com sua história de vida.
Há, nesses destaques, uma evidência mais específica no
estágio que, além de mediar, se transforma em ações, com processos
de reflexão e de autoconhecimento.
Nesse sentido, cabe à Universidade proporcionar aos futuros
docentes uma ampla base de conhecimento, como instrumento capaz
de avaliá-los em sua atividade educativa, e torná-los sujeitos
protagonistas no saber. Segundo Gimeno Sacristán (1999, p.103),
“o saber fazer, ou agir, e o saber sobre as ações é uma bagagem
predisposta a ser utilizada nas ações posteriores acumuladas como
experiência individual e coletiva para interpretar o presente”.
Nessa lógica, considerando-se que a Escola Básica já não é
mais a mesma, e que sua realidade exige um suporte teórico com
mais dinamismo, logo, ela poderá ser tanto um espaço excludente
quanto modificador de relações. É necessário, portanto, como ponto
de partida, maior proximidade entre a instituição formadora e a
instituição-campo de estágio, para que se estabeleça uma relação
de diálogo entre ambas, quanto à importância do papel do Estágio
Curricular Supervisionado nos cursos de Formação de Professores.
Pode-se, ainda pensar o estágio em propostas que concebem o percurso
formativo, alternando os momentos de formação dos estudantes na
universidade e no campo de estágio. Essas propostas consideram que teoria
e prática estão presentes tanto na universidade quanto nas instituições-
campo. O desafio é proceder ao inter-câmbio, durante o processo formativo,
entre o que se teoriza e o que se pratica em ambas (PIMENTA, 2008, p.57).
É tempo para refletir sobre o lugar que o Estágio
Supervisionado pode ocupar na formação de professores, e admitir
a possibilidade de perspectivas de mediação social entre a
Universidade e a Escola Básica. Para isso, é essencial que se vivencie
essa experiência com um olhar desnudo da racionalidade técnica, e
que se proporcionem importantes reflexões para a formação inicial
do professor.
Práticas inovadoras na aula universitária 193
I – 400 (quatrocentas) horas de prática como componentes curriculares,
vivenciadas ao longo do curso;
II – 400 (quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado a partir
do início da segunda metade do curso;
III – 1.800 (mil e oitocentas) horas de aula para os conteúdos curriculares
de natureza científico-cultural;
IV – 200 (duzentas) horas para outras formas de atividade acadêmica –
científico – culturais.
O Estágio supervisionado, como campo de conhecimento nos
cursos de formação de professores, abre possibilidades para que
aspectos essenciais sejam trabalhados e ampliados, num processo
de socialização.
O estágio como perspectiva de mediação
Um novo milênio! O homem imerso em seus pensamentos,
em seus ideais!
Ideais de quem está no limiar da vida profissional. O aluno
professor! Encaminhado, conduzido na realidade de estágio, que
busca, no Estágio Curricular Supervisionado, o firmamento de suas
crenças, a interação com o meio, o perfil profissional, com base no
equilíbrio entre os conhecimentos adquiridos na Universidade.
A experiência de estágio, pois, vivê-la significa para
professores que acompanham, assim como para os acadêmicos, um
desafio. Logo, pensar em Estágio Supervisionado é falar em prática
de ensino, em projeto de curso, como fatores indispensáveis para
serem debatidos no âmbito da Universidade.
Para isso, o estagiário, como sujeito que participa, ao transitar
da Universidade para a Escola e desta para a Universidade, se insere
nesse cotidiano educativo para melhor aprender e aprimorar seus
conhecimentos, e interferir no âmbito da Escola em que atua, com
abordagens relacionais.
Nesse caso, aprender a profissão docente, durante o estágio,
supõe estar atento à realidade escolar. A finalidade do estágio é
proporcionar ao acadêmico uma aproximação à realidade na qual
atuara (Pimenta; Gonçalves, 1990).
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)192
A formação de professores deve ser concebida como um dos componentes
da mudança e que (...) essa formação não se faz “antes” da mudança, faz-
se “durante”, produz-se nesse esforço de inovação e de procura dos melhores
percursos para a transformação da escola (NÓVOA, 1992, p.26).
Para inovar a prática pedagógica, entretanto, o professor
precisa de algo mais, para além do concreto, que provoque ruptura.
Grande parte das ações pedagógicas que procuram antecipar inovações,
vivem intensos espaços na transição dos paradigmas, ora vivenciando práticas
que façam avançar o modo tradicional, ora ainda reproduzindo processos
presentes, na história de cada um. O novo não se constrói sem o velho e é
a situação de tensão e conflito que possibilita a mudança (CUNHA, 1998,
p.25).
Nesse contexto, Lucarelli (2000) considera que a pedagogia
universitária é um espaço de conexão de conhecimentos,
subjetividade e cultura, que exige um conteúdo científico, tecnológico
ou artístico bem especializado e bem orientado voltado para a
formação profissional, de modo que a formação do professor
universitário, no sentido de qualificação científica e pedagógica, é
um dos fatores básicos da qualidade da Universidade. No que se
refere à Didática aplicada na Universidade, seu programa deve
fundamentar-se no conhecimento do aluno, ao articular-se com as
demais disciplinas do planejamento do ensino, num processo entre
o ensinar e o aprender.
En el mismo sentido, la articulación de teoria y práctica surge como eje
articulador en La construcción de una Didáctica que pretenda superar la
visión instrumentalista del enseñar y el aprender, ya que posibilita la
vinculación de cada acción que se desarrolla en el aula con propósitos y
fundamentos, permitiendo somenterla a procesos de reflexión que pueden,
a su vez, conformar conocimientos más sistemáticos y orgánicos (LUCARELLI,
1998, p.7).
E a propósito de reflexão, existe um universo rico de
experiências, fervilhando ou latente, no âmbito escolar. De que
maneira se poderá integrar esse mundo ao cotidiano, na prática?
Schön (1992) defende a idéia de que é possível integrar teoria e
prática em uma proposta de formação, na qual a capacidade de
refletir é estimulada pela interação entre os sujeitos, e que a prática,
como característica da profissão docente, permite a construção de
um conhecimento específico ligado à ação.
Práticas inovadoras na aula universitária 195
A formação de professores
e o inovar das ações pedagógicas
Um dos grandes desafios para a Educação, nesses tempos de
mudanças, é a formação docente que vem servindo como fator
importante, em especial, sendo analisada sob diversos aspectos e
diferentes olhares e compreensões. A formação docente está
relacionada ao contexto social e cultural alargado, extensivo,
tornando-se condição favorável à apropriação, pelo professor, de
saberes expressivos e significantes, favorecedores à construção de
sua identidade como sujeito-autor da práxis transformadora.
Nóvoa (1995) defende que o reconhecimento do professor,
como pessoa, desencadeia a necessidade por espaços de interação
entre o Pessoal e o Profissional, e possibilita que o professor se
aproprie de sua formação, propiciando-lhe sentido a sua história de
vida.
Nesse sentido, a formação de professores concretiza-se pela
busca e valorização da pessoa do docente, de sua identidade pessoal,
à medida que torna os conhecimentos operacionais.
Dessa forma, formação (latim: formatio), conforme o
dicionário da Nova Cultura (LAROUSSE, 1992) e da Ática (LUFT,
2000) que apontam o sentido etnológico da palavra como
constituição, ação ou efeito de formar (-se), desenvolvimento, passa
a idéia de algo não completo.
Tais concepções fazem parte da realidade de vida que o
professor constrói no seu percurso profissional. Segundo Nóvoa
(1995, p.25), “a formação deve estimular uma perspectiva crítica-
reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento
autônomo, e que facilite as dinâmicas de auto-formação participada”.
Nessa ótica, o exercício da profissão docente exige uma
significativa formação, não somente que se refira aos conteúdos
científicos próprios da disciplina, todavia, nos aspectos
correspondentes a sua didática e ao encaminhamento das diversas
variáveis que caracterizam a docência.
A formação supõe, assim, o romper com práticas reprodutivas,
rotineiras, modelares, instalando o novo, resultando da articulação
de processos investigativos com práticas educativas.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)194
LUCARELLI, Elisa. Cuadernos de Cátedra. In: La didáctica del
nível superior: Sus notas distintivas. Buenos Aires, FFyL-UBA,
1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de
Educação. Resolução CNE/CP N. 1, de 18 de fevereiro de 2002.
_____. Ministério da Educação. Conselho Nacional de
Educação. Resolução CNE/CP N. 2, de 19 de fevereiro de 2002.
NÓVOA, António. Formação de Professores e Profissão
Docente. In: NÓVOA, António (coord.). Os professores e sua
formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995.
_____. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote,
1992.
OLIVEIRA, Lorita Maria de (org.). Qualidade em educação:
um debate necessário. In: GRAMSCI, A. (s.d.). Liberalismo e
qualidade total: para onde vai a Universidade? Passo Fundo:
Universidade Educação Básica, 1997. (Série
Interinstitucional).
PICONEZ, Stela A. Prática de Ensino e o Estágio
Supervisionado: a aproximação da realidade escolar e a prática
da reflexão. In: PICONEZ, S.A. (org.). A prática de ensino e o
estágio supervisionado. 3. ed. Campinas: Papirus, 1998.
PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio
e docência. In: PIMENTA (1999). Estágio: construção da
identidade profissional docente. 3. ed. São Paulo: Cortez,
2008. (Coleção docência em formação. Série saberes
pedagógicos).
_____. Estágio e docência. In: PIMENTA; GONÇALVES
(1990). Estágio: diferentes concepções. 3. ed. São Paulo:
Cortez, 2008. (Coleção docência em formação. Série saberes
pedagógicos).
_____. Estágio e docência. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
(Coleção docência em formação. Série saberes pedagógicos).
Práticas inovadoras na aula universitária 197
Desse modo, a formação pretendida exige um novo caminho,
que se faz a partir de um profissional reflexivo, ciente de sua prática
educativa. Nesse novo caminho, dá-se a prática pedagógica como
ação num processo de emancipação viabilizada pela pesquisa.
Nessa ótica, o modelo de formação de professor reflexiva
proposto por Schön (1992) tem emergido em muitos programas de
formação. Essa proposta coloca o professor como sujeito principal
da prática profissional reflexiva. Ele toma em suas mãos a própria
gestão de aprendizagem.
Para que aconteçam, entretanto, uma nova atitude na
formação do professor e o desenvolvimento de uma contextualização
inovadora da Educação, a referência ao saber e à cultura cotidianas
representa aspectos fundamentais a serem incorporados ao seu
preparo por meio das instituições formadoras que, por essa
perspectiva, só ocorrerá à medida que se exigir do Estado um olhar
à Educação como investimento social e político.
Assim, diante de tais desafios, torna-se necessário preparar-
se para enfrentar essas transformações que implica mudança na
formação do aluno, na qualificação do professor, numa meta de
construir novos espaços, assumindo efetivamente o papel de agente
de mudança social.
Bibliografia
CUNHA, Maria Isabel da. (org.). Formatos Avaliativos e
Concepção de Docência. In: LUCARELLI (2000). Políticas
públicas e docência na universidade: nova configuração e
possíveis alternativas. Campinas, São Paulo: Autores
Associados, 2005. (Coleção educação contemporânea).
_____. O professor universitário na transição de paradigmas.
Araraquara: JM Editora, 1998.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários
à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, Paulo. A Mensagem de Paulo Freire. Teoria e prática
da libertação. Porto: Nova Crítica, 1977.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)196
A formação da professora alfabetizadora:
diálogos a partir dos currículos do
curso de Pedagogia da FaE/UFPel
Gilceane Caetano Porto *
Introdução
Os reflexos da publicação, no Brasil, do livro “Psicogênese da
língua escrita” (FERREIRO e TEBEROSKY, 1999) são sentidos na
década de 90 do século XX. Esta década e as que a seguem são
marcadas pela “revolução conceitual” proposta por Emília Ferreiro e
seus colaboradores (MELLO, 2007). Os trabalhos de Weiz (1985,
1999, 2001), Azenha (1993) e Mortatti (2000) explicam que o
deslocamento do foco no ensino para a aprendizagem da língua
escrita é o que caracteriza essa “revolução”. Mortatti (2000) refere-
se à divulgação da “Psicogênese da língua escrita” como o quarto
momento
1
, ainda em andamento, da história da alfabetização no
Brasil.
Os estudos no campo da alfabetização têm tomado como
marco temporal esse período que já dura mais de duas décadas.
Nos últimos anos vários trabalhos apresentados no GT de
Alfabetização, Leitura e Escrita da ANPEd tomam esse período como
marco investigativo (ALBUQUERQUE et. alli, 2005; MAMEDE, 2003;
2006, PERNAMBUCO, 2006)
1
Segundo a autora, o primeiro e o segundo, com algumas diferenças, são referentes
às disputas entre os partidários dos métodos sintéticos e analíticos, e o terceiro
entre os defensores do método misto e os do método analítico.
GIMENO SACRISTÁN, J. O currículo. Uma reflexão sobre a
prática. Porto Alegre: ARTMED, 1999.
SCHÖN, Donald A. Formar Professores como Profissionais
Reflexivos. In: NÓVOA, António. Os professores e sua
formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)198
* Licenciada em Pedagogia (FaE/UFPel), doutoranda em Educação pela UFPel. Do-
cente da UNIPAMPA, Campus de Jaguarão. E-mail: gil.porto@terra.com.br
pedagogo à formação dos chamados “especialistas” (GARCIA et al,
1996, p. 8).
Naquele contexto, as idealizações planejadas pelos professores
da FaE/UFPel esbarraram na posição oficial imposta pelo Parecer
252/69, que dicotomizava os aspectos teóricos da formação dos
aspectos práticos, tendo este último prioridade (GARCIA et al, 1996).
O início da década de 80 do século XX é especialmente
marcante para o campo da alfabetização. Os resultados da pesquisa
pioneira de Ferreiro e Teberosky (1999) contribuíram para que se
estabelecessem mudanças no modo de conceber e investigar a
temática da alfabetização. Uma das principais contribuições foi rejeitar
a ênfase nos aspectos metodológicos para a aprendizagem da leitura
e da escrita e centrar a atenção para o como se dá o processo de
aquisição da leitura e da escrita.
Nesse período, professores da FaE desenvolveram diversos
trabalhos com a rede pública de ensino da cidade de Pelotas
realizando a formação continuada e divulgando o paradigma
construtivista no campo da alfabetização, como revelam os
documentos pesquisados. Diversos foram os artigos publicados
2
por
professores da Faculdade, cujo enfoque teórico centrava-se na teoria
construtivista.
O paradigma construtivista vem influenciando o novo perfil
docente a partir da relação entre sua teoria e as políticas educacionais.
A difusão da proposta construtivista é de certa forma oficializada a
partir da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais em 1997,
na medida em que fundamentam, orientam e reorganizam as políticas
educacionais brasileiras e enfatizam teoricamente, essa concepção
de alfabetização (CHAKUR, 2006).
Assim, a divulgação no meio acadêmico do construtivismo
vem redefinindo a figura do aluno, que passa a ser considerado
sujeito ativo diante do objeto de conhecimento, e, por conseguinte,
a da professora que passa a desenvolver um novo papel na relação
de ensino e de aprendizagem. Muito se tem falado sobre a importância
do docente conhecer o processo de construção do conhecimento
dos alunos e de sua necessária mudança de postura pedagógica
2
A revista Cadernos de Educação, N. 2, Pelotas, 1992, apresenta artigos de
professores da FaE nessa perspectiva.
Práticas inovadoras na aula universitária 201
Essas modificações conceituais no campo da alfabetização
têm influenciado a formação inicial das pedagogas. O paradigma de
aprendizagem construtivista propõe uma organização curricular que
busca formar professoras que compreendam o processo de aquisição
da linguagem escrita dos alunos tendo claro que “a obtenção de
conhecimento é um resultado da própria atividade do sujeito”
(FERREIRO e TEBEROSKY, 1999, p. 31) e não resultado de um
determinado método.
Para fins deste texto, analiso, portanto, as características da
formação inicial a partir dos currículos e documentos do Curso de
Pedagogia. A pesquisa documental foi realizada no arquivo passivo
da FaE/UFPel durante o ano de 2008. No processo de investigação,
foram analisados os planos de ensino das disciplinas que compõem
o campo da alfabetização, bem como as reformulações curriculares
que ocorreram no período delimitado para o estudo.
A seguir, contextualizo a gênese da Faculdade de Educação, o
contexto da criação do Curso de Pedagogia e as principais influências
na formação das pedagogas.
O curso de Pedagogia da FaE e a teoria construtivista
A Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas
foi criada em 1976, em um momento em que o Brasil sofria as
consequências da militarização do governo. Era um momento de
reformas educacionais, especialmente no final dos anos 60 e início
dos anos 70. Embora o contexto fosse de repressão, a FaE/UFPel,
desde sua gênese, se caracterizou por estabelecer diálogos com a
comunidade e buscar propostas de formação numa perspectiva crítica
(CUNHA, 2006).
Os ideais pedagógicos do corpo docente impulsionaram a luta
para a criação do Curso de Licenciatura em Pedagogia da FaE/UFPel,
que foi criado em 1978 com o objetivo de “responder às demandas
regionais de capacitação e valorização de professores alfabetizadores
e de séries iniciais” (GHIGGI, 1995, p.1). A proposta de oferecer
habilitação em séries iniciais e organizar um currículo centrado em
concepções humanistas demonstrava que o ideário pedagógico dos
professores da FaE organizava-se em oposição ao tecnicismo da
política educacional oficial com suas tentativas de aligeiramento dos
cursos de formação de professores e de restringir a formação do
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)200
A alfabetização, a partir dos estudos da psicogênese, parte
de uma nova concepção de sujeito e de conhecimento que é
construído na interação do ser humano com o meio:
o sujeito que conhecemos através da teoria de Piaget é um sujeito que
procura compreender o mundo que o rodeia de forma ativa. Ele procura
solucionar as interrogações que este mundo provoca. Não é um sujeito que
espera que alguém que possui um conhecimento o transmita a ele, por um
ato de benevolência. É um sujeito (...) que é capaz de construir suas próprias
categorias de pensamento ao mesmo tempo que organiza seu mundo
(FERREIRO E TEBEROSKY, 1999, p.29).
O processo de aquisição da linguagem escrita investigado pelas
autoras está referenciado na teoria piagetiana. As pesquisas de Piaget
investigaram os processos internos de construção do conhecimento
humano, buscando a sua gênese e pesquisando as manifestações,
reações e comportamentos do sujeito cognoscente desde o seu
nascimento. Especificaram a lógica do funcionamento mental da
criança, construindo conceitos básicos de esquema, assimilação,
acomodação e equilibração, apontando como e porque o
desenvolvimento cognitivo da criança ocorre.
A pesquisa de Ferreiro e Teberosky foi epistemologicamente
embasada na teoria psicolinguística. Consiste na explicação de como
a aprendizagem de um conteúdo da escrita é organizada
psicologicamente pelos alunos. Portanto, não se trata de uma
metodologia da alfabetização, tampouco de uma teoria sobre como
se ensina.
É por levarem em conta os processos de aquisição da lecto-
escrita na perspectiva da psicolinguística que Ferreiro e Teberosky
(1999) fazem uma crítica contundente aos métodos tradicionais para
o ensino da leitura, pois contrariam a lógica do sujeito que está
aprendendo. Em outro estudo que aborda a aprendizagem da leitura
numa perspectiva psicolingüística, Smith (1989) afirma que as
palavras não são lidas letras por letras ou sílaba por sílaba, mas
como um todo não analisado, isto é, através do reconhecimento
instantâneo da palavra e não pelo processamento analítico-sintético.
Outra autora que tem se dedicado ao estudo da leitura e da
escrita a partir da teoria psicolinguística é Mary Kato (1985; 2004).
Ela destaca a preocupação que os educadores têm por um método
de alfabetização como um instrumento seguro para ensinar a ler e a
escrever. A autora salienta que, para a maioria dos professores, o
Práticas inovadoras na aula universitária 203
(MAMEDE, 2001; 2003). Também passaram a ser demandadas
profundas reestruturações na forma e no conteúdo das políticas de
formação do professor. Esses fatores acabam por contribuir para a
constituição de uma nova identidade docente vinculada ao
construtivismo que passa a ser definida tanto no campo teórico
quanto no campo político da formação do professores.
A heterogeneidade é uma das maiores marcas dos profissionais
da educação. Essas diferenças se configuram, entre outras, nas
filiações teóricas e nas áreas de atuação. São essas diferenças que
contribuem para definir as formas de ser professor e professora
exigindo habilidades muito específicas e profundamente distintas.
Nesse sentido, ser alfabetizadora exige saberes muito específicos,
mas que são ainda pouco explorados nas pesquisas educacionais
(GARCIA et.al, 2005).
Tardif analisa a questão dos saberes profissionais e a sua
relação com a profissionalização do ensino e com a formação de
professores. Define o saber docente “como um saber plural, formado
pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da
formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e
experienciais” (TARDIF, 2002, p.36). Nessa perspectiva, os saberes
profissionais dos professores são temporais, plurais e heterogêneos,
personalizados e situados e carregam as marcas do ser humano.
Na seção seguinte trato de esclarecer os principais
pressupostos da “Psicogênese da língua escrita” que tem influenciado
a formação de professores desde a década de 80.
A “Psicogênese da Língua escrita”:
algumas considerações.
Os achados da pesquisa das autoras argentinas Ferreiro e
Teberosky (1999) tiveram grande aceitação no campo educacional
brasileiro. Uma das principais descobertas foi de que as crianças,
desde muito pequenas, já têm idéias sobre a escrita mesmo antes
de ingressarem na escola e serem “autorizadas” a escrever. As autoras
apresentaram a descrição da psicogênese da língua escrita, evitando
sugestões metodológicas, deixando essa tarefa a cargo dos
especialistas em alfabetização. Assim, para os alfabetizadores
brasileiros, as décadas de 80 e 90 do século XX foram marcadas por
um desafio duplo: a apropriação desse legado teórico construtivista
e a transposição desses princípios para a prática alfabetizadora.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)202
positivista influenciou por muitos anos a organização curricular das
licenciaturas. Os professores da FaE/UFPel, desde a sua gênese,
vêm buscando superar esse paradigma, enfrentando a tensão que
se coloca entre as políticas que advêm de órgãos superiores e seus
ideais pedagógicos. Garcia et. al (1996) fazem uma reflexão acerca
das circunstâncias históricas que levaram à criação do Curso de
Pedagogia da Universidade Federal de Pelotas e resgatam o ideário
político-pedagógico que marcou o funcionamento desse Curso, um
ideário, segundo os autores, bastante divergente da política oficial.
Em relação à primeira proposta curricular do Curso de
Pedagogia, Garcia et.al (1996, p.2) destacam que:
a proposta expressa, nas próprias habilitações que oferece, o repúdio ao
tecnicismo da política educacional oficial com suas tentativas de aligeiramento
dos cursos de formação de professores e de restringir a formação do pedagogo
à formação dos chamados “especialistas”, destinados a preencherem as
funções de gerenciamento e controle do processo pedagógico escolar.
Com o objetivo de compreender as características da formação
inicial para atuação em classes de alfabetização a partir dos currículos
e documentos do Curso de Pedagogia, analisei os currículos do curso
desde a sua gênese, enfocando especificamente as disciplinas cujo
enfoque é o processo de ensino e de aprendizagem da leitura e da
escrita. Procurei realizar uma análise em que fosse possível identificar
o espaço de discussão que a alfabetização vem ocupando no currículo.
Destaco a última reformulação curricular, do ano de 2006, por ter
representado um avanço no que se refere a uma nova concepção de
organização curricular da licenciatura em pedagogia.
Ao trabalhar com o conceito de currículo, cabe esclarecer que
compartilho com De Alba quando explica que por:
currículum se entiende a la síntesis de elementos culturales (conocimientos,
valores, costumbres, creencias, habitos) que conformam una propuesta
político-educativa pensada e impulsada por diversos grupos y sectores
sociales cuyos intereses son diversos y contradictorios, aunque algunos
tiendan a ser dominantes o hegemónicos, y otros tiendan a oponerse y
resistirse a tal dominación o hegemonía. (DE ALBA, 2006, p.59)
Nesse sentido, os professores da Faculdade de Educação,
sujeitos da construção curricular, procuraram estabelecer uma
proposta curricular embasada no pensamento crítico. De Alba (2006)
sustenta a importância de uma formação teórica básica na
Práticas inovadoras na aula universitária 205
método “é definido meramente como um conjunto de materiais,
técnicas e procedimentos para se atingir um fim, isto é, um conjunto
programado de atividades para o professor e o aluno” (KATO, 1985,
p.6). Ela indica que um método para ser eficaz deve ter hipóteses
claras sobre a natureza do objeto a ser aprendido e sobre a natureza
da linguagem desse objeto. Observa ainda que é necessário ao
professor conhecer plenamente tais hipóteses para que formule sua
metodologia com base em evidências encontradas em sua prática.
Portanto, as teorias psicolinguísticas enfatizam que só tem
sentido discutir métodos de alfabetização a partir de uma postura
que compreenda as hipóteses e os comportamentos sobre possíveis
concepções da criança diante da escrita.
Apresento, a seguir, algumas reflexões a partir da análise dos
currículos do Curso de Pedagogia e o que eles indicam sobre a
formação inicial para atuação em classes de alfabetização.
Caminhos percorridos: indicações a partir
dos currículos do Curso de Pedagogia da FaE/UFPel
O campo teórico que hoje move as ciências teve sua origem
entre o século XVIII e os primeiros vinte anos do século XX (SANTOS,
2005). Os principais cientistas estão situados ao longo desses quase
duzentos anos. As ciências surgem a partir de um saber baseado na
observação, experimentação e mensuração. “Pode-se dizer que o
método científico nasce do encontro da especulação com o empirismo”
(LAVILLE & DIONNE, 1999, p.23). As ciências surgem com o objetivo
de definir leis da natureza, substituindo o modelo anterior baseado
em leis “divinas”.
A ciência moderna, fortemente influenciada pelos princípios
positivistas, e pela centralidade da matemática, compreende que
conhecer significa quantificar. O rigor científico afere-se pelo rigor das
medições. As qualidades intrínsecas do objeto são, por assim dizer,
desqualificadas e em seu lugar passam a imperar as quantidades em que
eventualmente se podem traduzir. O que não é quantificável é cientificamente
irrelevante (SANTOS, 2005, p. 28).
Nessa perspectiva, o conhecimento só é legítimo perante os
testes dos fatos e a experimentação. Quanto maior a sua capacidade
de generalização, maior a legitimidade. O paradigma científico
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)204
específica sobre alfabetização. A disciplina Métodos e Processos de
Alfabetização tinha uma carga horária de 90 horas aula (h/a) e tinha
como pré-requisito a disciplina “Psicologia da Educação III”.
No currículo correspondente ao ano de 1981 percebe-se uma
alteração vinculada à área da alfabetização. Aparece no sétimo
semestre a disciplina Alfabetização com a mesma carga horária da
anterior, mas não apresenta nenhuma disciplina como pré-requisito.
Embora se percebam mudanças nos currículos de 1981 e 1987 em
várias outras disciplinas, não há mudanças na área da alfabetização.
No currículo de 1988, a área da alfabetização ganha mais
espaço. No quinto semestre começa a ser oferecida a disciplina
Alfabetização I e, no sexto, Alfabetização II. Neste currículo a carga
horária de cada disciplina é 60 (h/a) horas aula totalizando, nos dois
semestres, 120 h/a, o que significa um acréscimo de 30 horas-aula.
A discussão de um currículo não pode ficar centrada em aspectos de
distribuição de carga horária. Ainda assim é importante que se tenha
em vista que o aumento de carga horária em uma disciplina indica a
necessidade de mais tempo para, possivelmente, aprofundar
discussões que anteriormente não eram possíveis.
A análise dos conteúdos programáticos
3
das disciplinas
Alfabetização I e II, do ano de 1990, indica a inserção dos
pressupostos construtivistas na formação das alfabetizadoras.
Analisando os conteúdos é possível perceber que o construtivismo
faz parte das discussões sobre alfabetização. Ambas as disciplinas
constam no currículo como disciplinas teóricas, com quatro créditos
3
Conteúdo Programático da disciplina Alfabetização I (1990): 1)Alfabetização,
educação e sociedade. O problema do analfabetismo. 2) Alfabetização na visão
tradicional. 2.1) Métodos e processos do ensino da leitura. 2.2) A prontidão para
aprendizagem da leitura e da escrita. 2.3) Testes para avaliar a prontidão. Testes
ABC. 3) Alfabetização – aspectos lingüísticos. 3.1) Fonética e fonologia (revisão)
Padrões silábicos. 3.2) Aquisição da linguagem - Patologia da linguagem. 4)
Alfabetização de adultos – o método Paulo Freire. 5) Alfabetização na visão
psicogenética. 5.1) Piaget. 5.2) Emília Ferreiro. 6) Propostas pedagógicas
construtivistas. 7) Avaliação da aprendizagem na 1ª série. Conteúdo Programático
da disciplina Alfabetização II (1990): 1)Alfabetização na visão psicogenética. 1.1)
A teoria de Piaget e os problemas de alfabetização. 1.2) A teoria de Emília Ferreiro.
1.3)Estudo de propostas pedagógicas com base na psicogênese da língua escrita.
2) Compreensão e produção de textos na 1ª série. 3) A avaliação da aprendizagem
na 1ª série. 4) Estudo comparativo de diferentes propostas de alfabetização. 5)
Prática de alfabetização – monitoria em classe de 1ª série
Práticas inovadoras na aula universitária 207
universidade vinculada a uma formação crítico-social que permita
aos egressos a compreensão da importância da sua profissão em
um contexto social mais amplo.
O primeiro currículo do Curso de Pedagogia foi organizado
por disciplinas distribuídas em oito semestres. Nos primeiros
semestres do curso há uma centralidade nas disciplinas teóricas,
principalmente da área dos fundamentos da educação, uma tendência
nacional dos cursos de Pedagogia.
Para Díaz Barriga (1995, p.48):
A estructuración por asignaturas ha sido criticada por diversos tratadistas,
por cuanto constituye una forma particular de fragmentar la realidad. Sus
premisas epistemológicas se encuentran vinculadas al positivismo: el
desarrollo de la ciencia evoluciona a partir de la segmentación de un objeto
de conocimiento, de su formalización y del estudio de sus principios y leyes.
Esta situación dificulta que el estudiante tenga una visión integral del conjunto
de problemas que se presentan en un objeto de estudio particular (...)
Díaz Barriga (1995) destaca ainda que os sujeitos sociais do
desenvolvimento curricular são os professores formadores e os
alunos. São eles que transformam em prática pedagógica um
currículo. Da mesma forma De Alba (2006) enfatiza que a
determinação curricular, embora esteja organizada de uma forma
disciplinar, será moldada de acordo com os sentidos e significados
que os sujeitos envolvidos no processo de formação atribuem a ela.
Isso significa dizer que o envolvimento dos formadores e também
dos estudantes em projetos sociais contribuem para a transformação
da estrutura inicial do currículo.
A construção e implementação de um currículo destinado à
licenciatura em Pedagogia correspondem pensar na formação inicial
dos futuros educadores. A formação inicial é entendida aqui como a
introdução sistemática na profissão docente realizada em um período
prévio ao desempenho da tarefa educativa (LUCARELLI, 1993). É
importante salientar, ainda, que a formação no curso de Pedagogia
por referir-se à formação inicial de futuros professores, significa a
primeira interlocução com o campo educacional pensada sob um
ponto de vista teórico.
Analisando o campo da leitura e da escrita no primeiro currículo
do Curso de Pedagogia da FaE/UFPel de 1979, é possível perceber
que é somente no sexto semestre que os alunos têm uma disciplina
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)206
com a organização sequencial de conteúdos e disciplinas. Conforme
consta na seção “objetivos do curso” apresentadas no Projeto
Pedagógico (2006, p.6):
O que se almeja é a concretização de um currículo que propicie ao aluno a
capacidade de estabelecer redes de significações e relações entre os temas
curriculares e as dimensões oferecidas pelo curso: Educação Infantil, Anos
Iniciais do Ensino Fundamental e Gestão Escolar.
A construção de uma proposta curricular globalizadora
demonstra o avanço dos sujeitos envolvidos com a formação docente
em romper com uma concepção racionalista de conhecimento. Como
assinala Díaz Barriga, (1995, p. 51):
La estructuración de los currículos a través de alguna modalidad globalizadora
aparece como una opción frente a las dificultades que presenta la organización
del contenido por disciplinas. La concepción curricular modular por objetos
de transformación, ha calificado a este último currículo como tradicional,
transmisor de un conocimiento segmentado e enciclopédico.
Foram implementados três princípios curriculares. O primeiro,
“Princípio fundante do Currículo”, define o objetivo da formação. É o
princípio que determina para todas as disciplinas o objetivo da
formação do professor. O segundo, “Princípios epistemológicos”,
estabelece a abordagem epistemológica das disciplinas que compõem
o currículo do curso. Nesse aspecto, três conceitos encaminham a
compreensão das ciências: historicidade, construção e diversidade.
O terceiro princípio curricular diz respeito aos “Princípios
dinamizadores do currículo”. É este que define os três eixos
metodológicos do currículo. O primeiro eixo metodológico
fundamenta-se no trabalho pedagógico ancorado na realidade
educativa da escola. O segundo destaca a polivalência como busca
de compreensão da totalidade da formação básica. Por fim, o terceiro
eixo metodológico enfatiza o princípio de formação ético-política. O
projeto pedagógico do curso (2006, p.14). indica que “a alfabetização
é o eixo ordenador que adquire significado com os conteúdos das
demais áreas do conhecimento e se constitui em porta aberta para
a leitura do mundo”.
A análise aponta para a centralidade que a alfabetização passa
a ocupar na organização curricular do curso de pedagogia. Analisando
as ementas das disciplinas que compõem a última reformulação
curricular e suas respectivas bibliografias, é possível perceber que,
Práticas inovadoras na aula universitária 209
cada uma. A análise do campo de alfabetização, além de nos fazer
pensar sobre o paradigma teórico subjacente às práticas pedagógicas
dos formadores, nos faz a refletir sobre o currículo do curso em
ação.
A última reformulação curricular do Curso de Pedagogia
demonstra os avanços que o novo currículo representa para a
formação das pedagogas. A reformulação curricular começou a ser
discutida e construída em 1996 e implementada no ano de 2000.
Esta foi considerada a última reformulação curricular, pois, para
adequar o currículo às exigências das Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Curso de Pedagogia propostas no Parecer CNE/CP Nº 5/2005,
foram feitas apenas algumas alterações. A construção da última
reformulação curricular iniciou em um momento em que o Brasil
sofria com as políticas neoliberais implementadas no campo da
educação. Muitas foram as reuniões e discussões que envolviam
representações de professores e alunos na busca coletiva de um
currículo que superasse as fragilidades apresentadas nos anteriores.
Cabe salientar que a construção de um currículo é transcorrida muitas
vezes em um processo de tensão entre a regulação ditada pelos
órgãos superiores, as diferentes concepções teóricas e
epistemológicas e as práticas pedagógicas desenvolvidas pelos
formadores.
A última reformulação curricular do Curso de Pedagogia
apresenta uma estrutura bastante diferenciada das anteriores. O
curso é organizado em nove semestres. Cada um deles tem um eixo
norteador, são eles: reconstruindo a trajetória educativa; construindo
olhares sobre o cotidiano escolar; estudando a profissão docente;
compreendendo as relações ensino-aprendizagem no trabalho
escolar; discutindo as propostas pedagógicas para as séries iniciais;
delineando o trabalho escolar, trabalho docente e proposta
pedagógica; construindo e reconstruindo a prática pedagógica;
reconstruindo a trajetória de formação; e discutindo as propostas
metodológicas para as séries iniciais.
Em cada eixo são agrupadas disciplinas que têm por objetivo
trabalhar de forma contextualizada as diferentes áreas do
conhecimento e atender os princípios de integração,
interdisciplinaridade, trabalho coletivo, autonomia, cooperação e
solidariedade, propostos no Projeto Pedagógico do Curso. Uma das
justificativas para a organização curricular em eixos é buscar romper
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)208
Bibliografia
ALBUQUERQUE, Eliana et alli; As práticas cotidianas de
alfabetização: o que fazem as professoras? 2005. Disponível
em http://www.anped.org.br/reunioes/28/textos/gt10/
gt101128int.rtf. Acessado em 17/10/2006.
AZENHA, Maria da Graça. Construtivismo: de Piaget a Emilia
Ferreiro. São Paulo: Ática, 1993.
CHAKUR, Cilene. R. S. L. O Construtivismo e seus desvios:
da política educacional ao professor. 2006. Disponível em:
http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/
GT20-1689—Int.pdf Acessado em 09/11/2006.
CUNHA, Maria Isabel da. A formação de professores como
problema: natureza, temporalidade e cultura. Cadernos de
Educação. n.27, p. 55-71, jul/dez, 2006.
DE ALBA, Alícia. Currículum: crisis, mito y perspectiva. Buenos
Aires: Miño y Dávila, 2006.
DÍAZ BARRIGA. Ensayos sobre la problemática curricular.
México: Trillas: Amuines, 1995 (3. reimp.)
FERREIRO, Emília. & TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua
escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999.
GARCIA, Maria Manuela, et. Al. Emancipação, redenção e
vocação: análise do ideário pedagógico e contexto político-
institucional na gênese de um Curso de Pedagogia. Cadernos
de Educação. FaE/UFPel, Pelotas, n.6, p.5-20, jan./jun.1996.
GARCIA, Maria Manuela; HYPÓLITO, Álvaro Moreira; VIEIRA,
SANTOS, Jarbas. As identidades docentes como fabricação
da docência. Disponível em : http://www.scielo.br. Capturado
em 12/09/2005.
GHIGGI, Gomercindo. Roteiro para coleta de dados: relatório
de atividades de 1994. FaE/UFPel, 1995 (mimeo).
KATO, Mary. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins
Fontes, 1985.
Práticas inovadoras na aula universitária 211
a partir do primeiro semestre, são trabalhadas disciplinas que
possibilitam discussões acerca dos processos de alfabetização,
iniciando pela reconstrução da trajetória dos próprios acadêmicos.
Embora as disciplinas que compreendem a área da linguagem
estejam presentes ao longo do curso, no quinto semestre a disciplina
“Habilitações séries iniciais V” apresenta a seguinte ementa: “exame
das metodologias para alfabetização em língua materna e matemática
bem como de suas bases teóricas. Análise de materiais para o trabalho
com a linguagem nas séries iniciais. Formulação de propostas para
o ensino”. A ementa evidencia a concepção de alfabetização numa
perspectiva de outras linguagens, no caso a matemática. Além disso,
as bibliografias indicadas, tanto para o trabalho na área da
alfabetização, quanto para as demais áreas do conhecimento,
sugerem a teoria construtivista como a base teórica para o
desenvolvimento do trabalho docente nas séries iniciais.
Palavras finais
O Curso de Pedagogia da FaE/UFPel, desde a segunda metade
da década de 80 do século XX, tem sido um agente de divulgação da
teoria construtivista cuja difusão do construtivismo revela uma
tendência presente nos cursos de formação de professores desde o
início da década de 80 do século XX, quando foram divulgados, no
Brasil, em 1986, os resultados da pesquisa pioneira de Ferreiro e
Teberosky (1999).
As reflexões realizadas até o momento cumprem o objetivo
estabelecido para a primeira fase da pesquisa. Nessa primeira etapa
da investigação, a intenção foi, a partir da análise dos currículos,
perceber como as disciplinas do campo da alfabetização estavam
estruturadas, analisando a constituição do campo da alfabetização
e os sentidos dado a ele ao longo da trajetória da FaE/UFPel. A
análise documental indica que as reformulações curriculares em
questão incorporam as modificações teóricas e epistemológicas
ocorridas no campo da alfabetização a partir da década de 1980.
Além disso, é possível iniciar um processo reflexivo sobre o
espaço da alfabetização no currículo do Curso de Pedagogia e,
sobretudo, pensar na relação entre as concepções teóricas e
epistemológicas, as práticas desenvolvidas pelos formadores e o
exercício do trabalho docente dos futuros pedagogos e pedagogas.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)210
SAVEDRA, Vera . A difusão da perspectiva construtivista na
FaE.- UFPEL (décadas de 80-90). FaE/UFPel, Pelotas:2006.
(Dissertação de Mestrado)
SMITH, Frank. Compreendendo a leitura: uma análise
psicolingüística da leitura e do ato de ler. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1989.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2002
WEIZ, Telma. Prefácio. IN: FERREIRO, Emília. Reflexões sobre
alfabetização. São Paulo: Cortez, 1985, p. 5-6.
_____. Apresentação. IN: FERREIRO, Emília. & TEBEROSKY,
Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed,
1999, p. vii-ix.
_____. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo:
Ática, 2001
Práticas inovadoras na aula universitária 213
KATO, Mary. No mundo da escrita: uma perspectiva
psicolingüística. São Paulo, 2004.
LAVILLE, Christian & DIONNE, Jean. A construção do saber:
manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas.
Porto Alegre: Artmed, 2002.
LUCARELLI, Elisa. Regionalización del curriculum y capitación
docente: respuestas e interrogantes en la educación básica
latinoamericana. Buenos Aires: Miño y Dàvila Editores, 1993.
MAMEDE, Inês. Professoras alfabetizadoras: quem são, o que
pensam e como alfabetizam, 2001. Disponível em: http://
www.anped.org.br/24 Capturado em 12/03/2006.
_____. Professoras alfabetizadoras e suas leituras teóricas,
2003. Disponível em: http://www.anped.org.br/26. Capturado
em 12/03/2006.
MELLO, Márcia Cristina de Oliveira. Emília Ferreiro e a
alfabetização no Brasil: um estudo sobre a Psicogênese da
língua escrita. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Os sentidos da
alfabetização. (São Paulo,1876-1994). São Paulo: Editora
UNESP, 2000.
PERNAMBUCO, Déa Lucia Campos. A alfabetizadora
construtivista representada por professoras, 2002. Disponível
em; http://www.anped.org.br/reunioes/25/posteres/
dealuciacampospernambucop10.rtf Capturado em:13/03/
2006.
PIAGET, Jean. A epistemologia genética: sabedoria e ilusões
da filosofia e problemas de psicologia genética. São Paulo:
Abril Cultural, 1978.
PROJETO PEDAGÓGICO. UFPel, Faculdade de Educação- Curso
de Pedagogia. Pelotas, 2006. (mimeo)
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências.
3.ed. São Paulo: Cortez, 2005.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)212
Expectativas sobre o currículo:
um olhar buscando
uma proposta flexível
Ana Carolina Nogueira Oliveira*
Iniciando: o propósito deste artigo
Pensar o currículo como sendo, de forma simplista, a
organização e a sistematização das disciplinas, ordenando quais e
em que hierarquia os conhecimentos devem ser estudados, em
qualquer nível de ensino, pode nos induzir a certa rigidez, como se,
ao determiná-lo, ou ao assumir o existente nas instituições escolares,
já tivéssemos o caminho correto para o ensino, pronto para se seguir
à risca. Essa visão não se ajusta em nenhum momento com a palavra
flexibilidade, parece que são conceitos totalmente dissociados.
Obviamente essa concepção não define o currículo. Diversos
pesquisadores já ampliaram e aprofundaram os estudos sobre este
tema que, devido a sua relevância, pode ser considerado como
“chave” para a educação. Contudo, mesmo levando em consideração
as perspectivas históricas, culturais e funcionais, ainda assim
podemos nos perguntar se é possível conectá-lo ao conceito de
flexibilidade. Essa questão, que a princípio pode parecer utópica,
motivou este trabalho.
Assim, no intuito de encontrar alternativas que possam vir a
contribuir com uma ruptura ou uma inovação no modelo curricular
em vigência, trazemos, no primeiro tópico, um breve resgate da
forma como este se constituiu e de que currículo estamos falando,
* Licenciada em Matemática, mestranda em Educação. Professora da rede municipal
de Pelotas. E-mail: ana.carolina.n.oliveir[email protected]
Percebemos, então, que essa mesma lógica é utilizada no
ensino. Com professores especializados para “transmitir” um
conhecimento que já se encontra pronto, as disciplinas são separadas
não só por conteúdo ou área do saber, mas também por períodos. E
esse princípio está estabelecido em toda a trajetória escolar, desde
o ensino fundamental até a universidade. Assim, olhando mais
especificamente para a universidade, que é foco deste trabalho, a
mesma ciência é fracionada em diversos cursos específicos, com
duração de um semestre ou um ano, de acordo com o regimento
interno de cada instituição. Ao docente cabe o papel de ensinar uma
parte do conhecimento, limitada por um período determinado e pelos
conteúdos sequenciados na estrutura das ementas de cada disciplina,
que por sua vez são ordenadas pelo currículo de cada graduação.
O currículo se constituiu dentro do paradigma da ciência
moderna. Conforme Gimeno Sacristán (1998, p. 147), “sua concepção
mais difundida e restrita é a de ser um programa-resumo dos
conteúdos do ensino” (grifos do autor). Entretanto, esta é
ultrapassada nas mais diversas definições, formuladas a partir de
perspectivas distintas.
Tomaz Tadeu da Silva, por exemplo, direciona-se para uma
perspectiva mais cultural e histórica, pois entende o currículo como
um movimento demarcado por trajetórias, espaços e relações de
poder. Desse modo, discute as teorias que o vêm definindo, inclusive
o currículo oculto que, segundo ele, “é constituído por aqueles
aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial,
explícito, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais
relevantes” (SILVA, 2007, p.78)
Por sua vez, Rosa Maria Martini aborda-o na formação de
professores com outro enfoque:
[...] um currículo da Pedagogia teria que estar organizado, não só por uma
articulação constante de teoria e prática, mas como um esforço de
esclarecimento da própria prática, que é teorizada discursivamente na medida
em que se parte da ação pedagógica problematizada e que deverá ser
justificada racionalmente (MARTINI, 2006, p.121).
Partindo desse olhar, percebemos que o modelo curricular
vigente encontra-se enraizado nos estigmas da racionalidade técnica,
pois traduz a lógica de que a teoria deve preceder a prática,
neutralizando a articulação. Acreditamos que, para a formação
Práticas inovadoras na aula universitária 217
até mesmo para demonstrar o porquê de se desejar uma mudança.
Em seguida, apresentamos o estudo comparativo de duas propostas
curriculares feito por Ángel Díaz Barriga e, partindo delas, abordamos
os possíveis problemas a enfrentar e cuidados a tomar na busca de
um currículo mais articulado e dinâmico – um currículo que procure
no seu próprio desenvolvimento os dados necessários para sua
retroalimentação, ou seja, que extraia do seu movimento no dia-a-
dia os elementos que contribuirão para ajustes periódicos,
aprimorando-se, desta forma, constantemente.
Afinal de contas, o que é currículo?
E por que relacioná-lo com flexibilidade?
Responder ao primeiro questionamento com uma única
definição seria, certamente, uma arbitrariedade. Contudo, não são
raras as vezes em que procuramos uma resposta única e “verdadeira”
para questões como essas – principalmente quem tem maior ligação
com as ciências exatas. São traços da educação que tivemos, baseada
em um modelo de racionalidade técnica que está permanentemente
em busca de verdades supremas.
Boaventura Santos defende que esse modelo está centrado
na concepção da ciência moderna de que, para conhecer, é necessário
quantificar e reduzir a complexidade do objeto de estudo. “O mundo
é complicado e a mente humana não o pode compreender
completamente. Conhecer significa dividir e classificar para depois
poder determinar relações sistemáticas entre o que se separou”
(SANTOS, 2000, p.63).
Dessa forma, a ciência moderna progrediu e segue trabalhando
sob a lógica da fragmentação. Um conhecimento para ser válido
deve ser científico e este só é reconhecido como tal quando, após o
fracionarmos o máximo possível a fim de esmiuçar cada detalhe e
compreender efetivamente as partes que o compõem, é generalizado
e universalizado para qualquer tempo. Essa visão cartesiana torna-
se limitada na medida em que acaba por não considerar o todo.
“Nossa racionalidade se baseia na idéia da transformação do real,
mas não na compreensão do real” (SANTOS, 2007, p.28) ao desprezar
os fatores particulares de cada situação e a influência das outras
partes do sistema, não estamos compreendo/conhecendo, de fato,
o que realmente ocorre.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)216
Por essa lógica, o levantamento fica reduzido a uma
justificativa “bem fundamentada” para as decisões tomadas em
função de uma minoria que provavelmente optará por reproduzir o
modelo vigente que já a favorece.
O marco de referência se constitui de uma análise econômica,
social e histórica das práticas profissionais, buscando pontos
relevantes para a construção do currículo.
Em relação ao perfil do egresso, o autor alerta para o perigo
de acabar por referir-se apenas aos aspectos observáveis do
comportamento do indivíduo, tendendo a regular a orientação do
plano de estudos e a dividir a conduta humana em áreas
compartimentadas. Dessa forma, afirma que:
En este sentido, cobra valor la propuesta de estructurar um curriculum a
partir del estudio de la práctica profesional. Ello resulta válido no sólo porque
este concepto remplaza al de perfil del egresado, sino fundamentalmente
porque definir las prácticas sociales de una profesión, su vínculo en una
sociedad determinada y las condiciones históricas de la misma, implica una
explicación más integral y diversificada de la realidad social y educativa
(DÍAZ BARRIGA, 1995, p.24, grifos do autor).
A organização por disciplinas, seguida por um mapa curricular,
nada mais é do que a realidade que vivenciamos no Brasil, com os
problemas que já conhecemos: por exemplo, a fragmentação do
conhecimento, com professores que se tornam peritos apenas em
sua disciplina, não fazendo conexões com as demais. Ao aluno
compete adaptar-se aos diferentes métodos de trabalho e ritmos
dos mais diversos docentes, além de ter que conectar e estruturar
as informações, o que nem sempre ocorre. Dessa forma o processo
educativo acaba por ser uma transmissão de uma série de
informações e dados ao invés de se construir o conhecimento com
os discentes. E as relações entre as parcelas deste conhecimento,
em certos casos, reduzem-se a uma mera ordem para o mapa
curricular, “un conjunto de ‘flechas’ que, en el mejor de los casos,
indican que alguna materia se relaciona eventualmente com otra”
(DÍAZ BARRIGA, 1995, p.33). Outra tendência desse modelo é a de
ordenar e separar a teoria da prática, contribuindo para:
Práticas inovadoras na aula universitária 219
docente, isso se traduz num quadro desfavorável, pois acaba por
deixar aos alunos a responsabilidade de relacionar tanto as disciplinas
umas com as outras, quanto a teoria trabalhada na graduação e a
prática na sala de aula. E essa relação nem sempre é feita, não por
falta de capacidade dos discentes, mas pelos limites impostos por
uma formação fracionada, que dificulta a re-significação dos
conteúdos. Nesse sentido faz-se necessária uma mudança que
conecte o currículo à palavra flexibilidade.
Assim, para explicitar melhor que mudança é essa, fazemos
algumas considerações a partir de duas propostas abordadas a seguir.
O estudo comparativo de Ángel Díaz Barriga:
duas propostas que podem contribuir para o debate
No livro Ensayos sobre la problemática curricular, Diaz Barriga
faz um comparativo entre duas propostas curriculares: a teoria
curricular estadounidense e a modular por objetos de transformação.
A primeira elabora seu plano de estudos a partir dos seguintes
requisitos: diagnóstico de necessidades, perfil do egresso,
organização por disciplinas, mapa curricular e avaliação curricular
técnica. A segunda parte de um marco de referência, prática
profissional, organização por módulos (eleição dos objetos de
transformação), elaboração dos módulos e avaliação curricular em
função de marcos teóricos.
O diagnóstico de necessidades consiste em determinar, em
termos educacionais, o que é imperativo para os estudantes, para
as condições de aprendizagem e para o bom desenvolvimento dos
objetivos educacionais. Numa visão mais ampla, busca identificar
as exigências da sociedade e, assim, o autor alerta que:
[...] em una sociedad dividida em clases, un diagnóstico de necesidades se
realiza a partir de los intereses de la clase dominante, la cual impone sus
valores a las otras. La noción de diagnóstico de necesidades está indefinida
actualmente por los autores que sostienen la teoría de planes de estúdio.
Con ello se crea desde el discurso curricular un mecanismo de ocultación a
través del cual se supone que se efectuó un diagnóstico para conocer una
realidad, cuando lo que se intentaba era ocultarla (DÍAZ BARRIGA, 1995,
p.20).
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)218
Assim, ao tentar romper com a lógica estabelecida nos
currículos universitários, pode-se encontrar um novo modo de se
produzir o conhecimento, visto que a universidade é, até então, a
instituição legitimada para a sua produção. Portanto, levando em
conta todo o exposto acima e as propostas curriculares já
mencionadas, vamos tecer algumas considerações para a formação
de professores, buscando um pensamento alternativo para as nossas
alternativas.
Lucarelli defende uma proposta flexível em relação às opções
e à diversidade, levando em conta o grupo de alunos e a proposta
pedagógica que se pretende colocar em prática. Além disso, o
currículo deve contemplar estratégias de ensino que possibilitem:
1. A inserção dos discentes nas problemáticas da profissão:
conhecendo os possíveis problemas e situações a serem
enfrentadas no exercício da carreira, os alunos estarão mais
preparados para exercê-la.
2. A recuperação da experiência: refletir sobre ela auxilia na
construção dos saberes experienciais do futuro professor, além
de buscar exemplos concretos para relacionar com a teoria.
3. O confronto entre o conhecimento do senso comum e o
conhecimento científico: esse confronto pode ampliar a nossa
visão dos conhecimentos, gerando novas alternativas e
possibilitando uma base sólida para as decisões futuras.
4. O estabelecimento de vínculos com a investigação: a
pesquisa é uma ferramenta importante para o
desenvolvimento de novas teorias e também para o docente,
que deve manter contato com ela mesmo após ter concluído
a sua formação inicial.
Diante de todos esses aspectos, Lucarelli aponta para duas
dimensões delimitadas por suas relações: uma, a dos atores
curriculares, que relacionam as instituições com os sujeitos que as
constituem; outra, a das ações curriculares, que conectam os
processos com os resultados. A partir daí, a autora afirma que:
Práticas inovadoras na aula universitária 221
[...] que se reproduzca la tendencia de los profesionales novatos a desconocer
las particularidades propias de los problemas de sus “clientes”. Es conocida
la tendencia que tienen los recién graduados a encasillar los problemas reales
que enfrentan en las “teorías” o “tecnologías” aprendidas en la escuela. Esta
es la consecuencia del modelo arriba citado de “primero la teoría y luego la
prática” (FANFANI, 1993, p.55, grifos do autor).
É sabido que essa prática geralmente encontra-se ao final do
curso, sem um espaço ou uma nova disciplina que se dedique à
reflexão e diálogo sobre ela.
Na organização por módulos e sua elaboração existe, por
plano de fundo, a busca pela integração do conteúdo, através do
trabalho com formas que privilegiem a sua articulação. Partindo de
um objeto de transformação, caracterizado por um problema da
realidade, eleito pelo marco de referência, estrutura-se cada módulo.
Considerada como moderna, em uma visão reducionista na qual
toma como tradicional a organização por disciplinas, também é
chamada de globalizada e também apresenta como problema a
divisão do conhecimento. Segundo Díaz Barriga
En los diversos cuestionamentos a la organización por asignaturas y a la
estructura modular se encuentran problemas que no tienen una solución
fácil. La crítica superficial a uno de ellos puede llevar a cometer otros errorres
em la aplicación de una supuesta alternativa (DÍAZ BARRIGA, 1995, p.55).
Por fim a avaliação, que é outro ponto em comum às duas
propostas e que interage com todos os outros requisitos. Para o
autor esse é um tema que carece uma teoria mais desenvolvida e
elaborada, sob pena de se reduzir a um trabalho meramente técnico
que agrupa dados, quantificando os sucessos e fracassos obtidos
em segmentos fragmentados, como por exemplo, na aprendizagem
ou então apenas nos objetivos do plano de estudo.
Tecendo algumas considerações:
uma análise das perspectivas e desafios a se enfrentar
Para começar, vale ressaltar que uma efetiva mudança ocorre
quando ela começa da base. É de acordo com esse preceito que
Santos propõe uma transição paradigmática. Segundo ele:
Não é simplesmente de um conhecimento novo que necessitamos; o que
necessitamos é de um novo modo de produção de conhecimento. Não
necessitamos de alternativas, necessitamos é de um pensamento alternativo
às alternativas (SANTOS, 2007, p.20).
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)220
Analisando sob a perspectiva dessas dimensões, lançamos
então nossos “pensamentos alternativos” às propostas curriculares
abordadas por Díaz Barriga:
Em relação ao diagnóstico de necessidades da teoria
estadounidense, são pertinentes as observações feitas pelo autor.
Contudo, se direcionarmos o olhar para uma realidade menor
2
, esse
diagnóstico poderia servir como um instrumento de mudança, e dessa
forma, trabalhar na perspectiva da ação pessoal. Por exemplo, se ao
ingressar na universidade os alunos fossem questionados em relação
às suas dificuldades, carências e concepções, os professores teriam
um referencial mais sólido para elaborar propostas que
proporcionassem uma prática mais provocativa e, consequentemente,
mais eficaz para uma transformação. Aqui, cabe ressaltar outro ponto
para o qual o autor chama a atenção e com o qual é necessário ter
cuidado: o risco de se cair no pragmatismo, desenvolvendo um
currículo utilitário que acaba negligenciando a teoria. Acreditamos
que essa é uma das situações em que devemos exercitar a constante
articulação entre teoria e prática.
Quanto ao marco de referência, por um lado trata-se de uma
avaliação importante que, se for realizada de forma crítica, auxilia
no resgate e entendimento da profissão e da situação em que se
encontra. Por outro, tomá-la como base para elaboração do plano
de estudo também traz os problemas da reprodução da lógica
dominante e do pragmatismo que visa à urgência do “saber fazer.
O perfil do egresso e a prática profissional trazem importantes
requisitos para a elaboração de um currículo. Não só para a
elaboração, mas também para, digamos, sua manutenção, pois,
assim como no diagnóstico de necessidades, acompanhar a prática
profissional (inicial) dos alunos egressos pode servir como uma
avaliação do plano de estudos. Mais ainda, integrando o diagnóstico
de necessidades (desenvolvido na perspectiva que mencionamos)
com o perfil do egresso e/ou a prática profissional, levando em conta
os resultados obtidos com cada discente estaríamos trabalhando a
dimensão do currículo “como logro”. Esse tipo de análise crítica
2
Aqui procuramos exercitar a proposta de Boaventura de Sousa Santos de olhar o
macro e o micro no intuito de encontrar alternativas com A grande e a pequeno
(significando no contexto de sua fala: A – maiúsculo e a – minúsculo).
Práticas inovadoras na aula universitária 223
El entrecruzamiento de ambos ejes define un campo con cuatro perspectivas
que podríam facilitar la compreensión del concepto de currículum: a. el
currículum como un hacer institucional (instituciones-proceso); b. como
instrumento (instituciones-resultado); c. como acción personal (sujeto-
proceso); d. como logros (sujeto-resultado) (LUCARELLI, 1993, p.22).
Dessa forma, olhar as duas últimas perspectivas (c e d) com
mais cuidado seria interessante, visto que o currículo como ação
pessoal refere-se às mudanças que as práticas propostas em aula
irão gerar nos (nas) alunos(as); isso é importante para a formação
docente, pois, ao ingressarem no curso, os discentes trazem consigo
anos de convivência com diversos professores, ou seja, possuem
uma visão do que é a profissão. Contudo, caracteriza-se como uma
visão de aluno. Conforme Pimenta “o desafio, então, posto aos cursos
de formação inicial é o de colaborar no processo de passagem dos
alunos de seu ver o professor como aluno ao seu ver-se como
professor”(PIMENTA, 2000, p.20). Essa mudança de perspectiva é
importante na medida que leva ao seu auto-reconhecimento e auxilia
na construção de sua identidade profissional. Mas será que as
licenciaturas e cursos de formação conseguem vencer esse desafio?
Mais ainda, será que esses cursos trabalham a dimensão do currículo
como ação pessoal?
Da mesma forma, podemos analisar a última perspectiva,
que integra os sujeitos e os resultados e refere-se às aprendizagens,
experiências, habilidades e conhecimentos adquiridos pelos discentes
em função do desenvolvimento curricular. Esse é outro ponto
importante de ser avaliado, principalmente em um currículo que
tem por proposta romper com antigas práticas pedagógicas, pois se
não houver uma formação “sólida” com um impacto significativo no
aluno, a tendência natural dos futuros professores é buscar nas
suas experiências como alunos modelos de como fazer, reproduzindo
o que até então “sempre deu certo”, ensinando como foram
ensinados. Como efeito, a graduação passa a ser uma etapa um
tanto quanto superficial nas suas carreiras, e a formação didática
caracteriza-se apenas como um verniz pedagógico.
1
1
Idéias discutidas no Seminário de Formação Docente que foi desenvolvido por a
Profª Drª Maria Manuela Esteves, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da
Educação da Universidade de Lisboa.
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)222
não apenas diante das diversas mudanças sofridas diariamente pela
sociedade em seu processo de evolução, mas também diante das
necessidades e perspectivas dos indivíduos que o constituem.
Sendo o resultado de um exercício teórico de reflexão, não
tem a pretensão de fornecer respostas ou resultados, até porque
para tanto seria necessário um estudo mais aprofundado dos temas
abordados. Sua relevância encontra-se na busca do diálogo, na busca
de uma ruptura com um modelo posto e estagnado há tantos anos e
na busca de um olhar, um olhar que atenda às expectativas de uma
proposta curricular flexível.
Bibliografía
BARRIGA, A. D. Ensayos sobre la problemática curricular.
México: Trillas, 1995.
FANFANI, E. T. et. al. Universidad y professiones. Buenos Aires:
Miño y Dávila, 1993.
LUCARELLI, E. Regionalizacion del curriculum y capacitacion
docente. Buenos Aires: Miño y Dávila, 1993.
MARTINI, R. M. F. Garimpando em Habermas idéias para a
reconstrução do currículo. Cadernos de Educação, Pelotas,
Ano 15, n.27, p. 115-134, jul/dez. 2006.
PIMENTA, S. G. et. al. Saberes pedagógicos e atividade
docente. São Paulo: Cortez, 2000.
GIMENO SACRISTÁN, J.e PERÉZ GOMÉZ, A. Compreender e
transformar o ensino. São Paulo: Artmed, 1998.
SANTOS, B. S. Para um novo senso comum: a ciência, o direito
e a política na transição paradigmática. São Paulo: Cortez,
2000.
_____. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação
social. São Paulo: Boitempo, 2007.
SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução às
teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
Práticas inovadoras na aula universitária 225
colabora também para que não haja muitas discrepâncias e ilusões
com relação às diferenças entre o profissional que se deseja e o
profissional que se forma.
A organização por disciplinas com o mapa curricular e a
organização por módulos e sua elaboração possuem semelhanças e
trazem os problemas já relatados acima. Contudo, certamente para
as duas propostas seria interessante que houvesse uma conexão
entre os conteúdos e também entre conhecimentos de forma geral,
assim como uma articulação entre a teoria e a prática.
O último ponto, também comum às duas propostas, é a
avaliação curricular.
Lucarelli aborda a avaliação como um processo que permite
determinar a efetiva ação curricular em função dos objetivos
propostos. Esse processo consiste em investigar, analisar e interpretar
as informações sobre a sua eficácia, auxiliando em futuras ações e
decisões. Uma questão importante é que: “Los resultados permiten
la retroalimentación y ajustes pertinentes de la experiencia en función
de los resultados parciales que se vayan analizando” (Lucarelli, 1993,
p.28). Essa retro-alimentação é um conceito chave para a sua
constante atualização, pois utilizar os dados gerados pelo seu próprio
desenvolvimento possibilita que se determine com maior precisão
quais são os pontos fortes e quais são os pontos que precisam
melhorar, obtendo, assim, subsídios mais concretos para aprimorar
o seu funcionamento e impedindo, dessa forma, um plano de estudos
cristalizado ou estagnado.
Concluindo...
A estruturação das disciplinas e a forma como se relacionam,
propiciando ou não a articulação dos conhecimentos e saberes
necessários para suas futuras práticas, contribuem para as
significações que os (as) futuros (as) professores (as) têm em relação
à profissão, seja ratificando o que eles(as) trazem da formação básica
ou provocando uma ruptura com esta, colaborando, assim, com uma
nova visão.
Desta forma, neste trabalho procuramos pautar alguns pontos
e reflexões que podem contribuir para a construção de um currículo
flexível, desenvolvendo principalmente as dimensões relacionadas
aos seus sujeitos. Um currículo que procure sempre se aperfeiçoar,
Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet e Gomercindo Ghiggi (orgs.)224
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo