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Elaine Ribeiro
POR UM TRATAMENTO ARGUMENTATIVO
DE PALAVRAS HETEROSSEMÂNTICAS
EM MATERIAIS DIDÁTICOS DE LÍNGUA
ESPANHOLA
Passo Fundo
2010
UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS – MESTRADO EM LETRAS
Campus I – Prédio B4, sala 106 – Bairro São José – Cep. 99001-970 - Passo Fundo/RS
Fone (54) 3316-8341 – Fax (54) 3316-8330 – E-mail: mestradoletr[email protected]
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Elaine Ribeiro
POR UM TRATAMENTO ARGUMENTATIVO
DE PALAVRAS HETEROSSEMÂNTICAS
EM MATERIAIS DIDÁTICOS DE LÍNGUA
ESPANHOLA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras - Mestrado em Letras da
Universidade de Passo Fundo, como requisito à
obtenção do grau de Mestre em Letras, Área de
Concentração Estudos Linguísticos, sob
orientação da Prof.(a) Dr. Telisa Furlanetto
Graeff.
Passo Fundo
2010
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3
A Deus, pela perseverança, proteção, amparo e
motivação diária; a minha mãe e irmãs, por
sempre me apoiarem e acreditarem em mim; ao
Adilson, por me apoiar, incentivar e ser meu
suporte nas horas difíceis, dedico este trabalho.
4
À professora Telisa Furlanetto Graeff meu
reconhecimento, admiração e gratidão por sua
competente, dedicada, paciente e amiga
orientação, que me conduziu na caminhada
exaustiva, mas prazerosa desta dissertação: sua
participação e apoio foram decisivos no sucesso
deste empreendimento.
5
AGRADECIMENTOS
Para mim, este trabalho representa o término de uma etapa e o início de uma nova
fase em minha vida acadêmica e profissional. Certamente, ele não teria sido concretizado se
não fossem o auxílio e a participação de algumas pessoas.
Primeiramente, gostaria de agradecer a Deus, por ter me dado disposição, paciência
e auxílio para que eu pudesse levá-lo adiante nas muitas vezes em que, por alguns
momentos, desanimei.
Agradeço à minha mãe Iris e minhas irmãs Mari, Miriam e Eliane que torcem por
mim e me apoiam, incondicionalmente, em tudo o que faço.
Ao meu namorado Adilson, que sempre me ajuda, compreende e confia na minha
capacidade e força de vontade.
A todos os professores do mestrado em Estudos Linguísticos, pela amizade, pelo
exemplo de profissionalismo e pelo saber compartilhado durante todas as etapas do curso.
Ao Programa de Pós Graduação em Letras da UPF, por ter me proporcionado essa
aprendizagem tão significativa.
A todos os funcionários do IFCH, pela presteza e bom atendimento.
Aos meus alunos, por me motivarem todos os dias.
Aos colegas de trabalho, que souberam me entender e me apoiar nos momentos
difíceis.
Aos meus amigos, por serem meus amigos.
6
Enfim, a todos os que, de uma ou outra forma, contribuíram para mais essa
realização, a minha mais sincera gratidão.
7
Chega mais perto e contempla as palavras
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Carlos Drummond de Andrade
8
Sumário
RESUMO .............................................................................................................................10
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................12
2 PALAVRAS HETEROSSEMÂNTICAS OU “FALSOS AMIGOS”: CONCEITUAÇÃO
E TIPOLOGIA .....................................................................................................................17
2.1 Conceituação ..................................................................................................................17
2.2 Tipologia dos “Falsos Amigos”.....................................................................................24
3 FORMAÇÃO E PROCESSAMENTO COGNITIVO DOS “FALSOS AMIGOS .........36
3.1 Formação dos “Falsos Amigos” .....................................................................................36
3.2 Processamento Cognitivo dos “Falsos Amigos” ............................................................40
4 TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO DA LÍNGUA (ADL) E SENTIDO DISCURSIVO
DE “FALSOS AMIGOS”.....................................................................................................45
4.1 Fundamentos da Teoria da Argumentação da Língua (ADL) ........................................45
4.2 Princípios e conceitos das fases da ADL, especialmente da TBS, e o sentido de “falsos
amigos” neles baseado..........................................................................................................50
5 O TRATAMENTO DOS “FALSOS AMIGOS” EM LIVROS DIDÁTICOS DE
ESPANHOL E PROPOSTA DE ABORDAGEM PELA ADL/TBS...................................57
5.1 Livro Español Sin Fronteras – Volume 4, Editora Scipione .......................................58
5.1.1 Descrição do tratamento dos “falsos amigos” em exercícios do livro Español Sin
Fronteras ..............................................................................................................................58
5.1.2 Proposta de modificação dos exercícios, com base na ADL/TBS ..............................61
5.2 Livro Espanhol Expansión – Volume Único, Editora FTD ...........................................64
5.2.1 O tratamento dos “falsos amigos” no Livro Español Expansión ................................65
5.2.2 Proposta de modificação dos exercícios, com base na ADL/TBS ..............................66
5.3 Livro ¡Por Supuesto! Español Para Brasileños – Volume Único, Editora FTD..........68
5.3.1 O tratamento dos “falsos amigos” no Livro ¡Por Supuesto! Español para brasileños
..............................................................................................................................................68
5.3.2 Proposta de modificação dos exercícios, com base na ADL/TBS ..............................69
5.4 Apostila do Extensivo e Terceirão de espanhol, da editora Positivo..............................71
5.4.1 O tratamento dos “falsos amigos” na Apostila do Extensivo e Terceirão de Espanhol
..............................................................................................................................................71
9
5.4.2 Proposta de modificação dos exercícios, com base na ADL/TBS ..............................76
6 APRESENTAÇÃO E COMENTÁRIO DOS RESULTADOS......................................... 79
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................................81
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................84
ANEXOS.............................................................................................................................. 87
ANEXO A ........................................................................................................................... 88
ANEXO B ........................................................................................................................... 92
ANEXO C ........................................................................................................................... 93
ANEXO D ........................................................................................................................... 96
10
RESUMO
A afinidade existente entre português e espanhol pode facilitar ou dificultar a aquisição do
espanhol como L2. Isso ocorre porque há inúmeros vocábulos que possuem semelhanças no
significante e diferenças no significado, o que se denominou na linguagem comum de
“falsos amigos”, também chamados falsos cognatos ou palavras heterossemânticas.
Observa-se que, em geral, o aprendiz, para atribuir um sentido a essas palavras e/ou
expressões, baseia-se, primeiramente, na semelhança que a palavra ou expressão possa ter
com outras de sua língua materna; em seguida, tenta fazer uma tradução literal, com o
auxílio de dicionário bilíngue. Verifica-se, então, que, na maioria dos casos, isso não é
possível, posto que nem sempre há correspondência de sentido entre palavras ou
expressões das duas línguas, e que os sentidos dicionarizados dificilmente se encaixam no
sentido contextual que as palavras têm nos textos. Propõe-se neste trabalho um tratamento
argumentativo de entidades linguísticas heterossemânticas, com base em Ducrot (2005),
que apresenta um fenômeno de homonímia argumentativa, não informativa, a qual pode
ser percebida por quem se interessa pelas possibilidades argumentativas das palavras. Nessa
perspectiva, este estudo visa a oferecer subsídios baseados numa concepção argumentativa
de materiais didáticos de língua espanhola, mostrando que o sentido literal não conta da
tradução de palavras denominadas heterossemânticas e que o sentido das palavras nos
textos e exercícios é constituído discursivamente, por meio de blocos semânticos, expressos
por encadeamentos argumentativos. Pode-se, por fim, afirmar que a aplicação dos
principais conceitos da ADL, a exercícios de livros didáticos sobre palavras
heterossemânticas, evidenciou a contribuição que essa teoria pode oferecer tanto para a
eficácia destes exercícios quanto para a sua elaboração.
Palavras chave: Blocos semânticos. Encadeamentos argumentativos. Materiais didáticos
de espanhol. Palavras heterossemânticas. Teoria da Argumentação da Língua.
11
ABSTRACT
The similarity between the Portuguese Language and the Spanish language may turn the
acquisition of the Spanish language as a second language easy or difficult. This happens
because there is a great number of words which have similarities in the significant and
differences in meaning. In common language this is called “false friends”, they are also
called false cognates or heterosemantic words. It is noticed that the learner in order to give a
meaning to these words and expressions bases himself/herself on the similitaries these words
and expressions have with their mother tongue. After that, he/she tries to translate them
literally, with the help of a bilingual dictionary. There is an evidence that in most cases this is
not possible since there is not always a correlation in meaning between the words and
expressions of both languages, and the meanings found in dictionaries hardly fit the context
of the words from the text. The aim of this study is to propose an argumentative treatment of
heterosemantic linguistics entities based on Ducrot(2005), which presents an argumentative
homonymy phenomenon , not informative, which may be realized by those who are interested
in the argumentative possibilities of the words. Thus, through this perspective the objective
of this study is to offer subsidies based on an argumentative conception of Spanish language
learning materials, showing that the words literal meaning do not match the translation of the
heterosemantic words and the meaning of the words found in texts and exercises is
discursively constituted of semantic blocks, which are expressed through argumentative
threads. Finally it is possible to state that the application of the main LA concepts in
exercises found in books about heterosemantic words, evidenced the contribution that this
theory may offer to both their efficacy and preparation.
Key words: Semantic blocks. Argumentative threads. Spanish Language learning material.
Heterosemantic words. Linguistic Argumentation Theory.
12
1 INTRODUÇÃO
Devido ao parentesco existente entre a língua espanhola e a portuguesa, ambas
apresentam características peculiares que, se por algumas vezes facilitam o ensino de uma e
de outra como língua estrangeira, por vezes o tornam mais difícil.
No decorrer da história, essas duas línguas conservaram muitas palavras da sua
forma latina. Por apresentarem uma proximidade entre a genealogia e a tipologia
linguística, o português e o espanhol proporcionam ao aprendiz uma aquisição aparente da
língua estudada. Isso ocorre em um momento inicial de aprendizagem que, segundo Espiga
(2001, p. 272), “... é bem mais curto comparando-se às outras línguas não afins”. O
aprendiz percorre fases de aprendizagem e, na maioria das vezes, não percebe que essa
proximidade entre os elementos estruturais existentes no sistema dessas línguas pode
interferir no fracasso ou no sucesso de aprendizagem. Lado (1971, p. 115) afirma que “a
semelhança e a diferença com relação à língua nativa em forma, em sentido e em
distribuição resultarão em facilidade ou dificuldade na aquisição do vocabulário de uma
língua estrangeira.”
Essa grande afinidade existente entre as duas línguas resulta em vocábulos ou
expressões semelhantes, porém com diferentes usos no português e no espanhol, o que pode
facilitar ou dificultar a aquisição do espanhol como L2. Isso ocorre porque esses vocábulos
possuem semelhanças no significante
1
e diferenças no significado, o que se denominou na
linguagem comum de “falsos amigos”, que são chamados por muitos autores de falsos
cognatos e/ou palavras heterossemânticas.
São vários os motivos que podem contribuir para que haja palavras ditas “falsos
amigos” entre duas línguas e, segundo Ceolin (2003, p. 39), um dos fatores mais
decisivos é a afinidade entre elas.”
Muitas vezes, o aprendiz não percebe a presença dessas palavras, o que pode
comprometer a aprendizagem do conteúdo semântico de um determinado enunciado
e, com isso, prejudicar a compreensão, dificultando a interação sócio-discursiva.
1
Significante e significado são entendidos aqui na perspectiva saussureana de constituintes do signo
linguístico.
13
É importante lembrar que os “falsos amigos” não existem apenas entre nguas que
possuem estreitas afinidades históricas, como é o caso da palavra em inglês push que, em
português, é empurre. Portanto, o reconhecimento e o estudo dos “falsos amigos” não
têm importância no que se refere ao processo de ensino/aprendizagem, mas também no que
se refere à tradução. Segundo Ceolin, (2003, p. 40), “o problema da existência de falsos
amigos é que estes podem, numa tradução descontraída ou menos cuidadosa, comprometer
o conteúdo semântico de um determinado enunciado e em consequência o ato
comunicativo”.
Percebe-se que o aluno de espanhol como língua estrangeira tem dificuldades em
traduzir o sentido de palavras e/ou expressões heterossemânticas com que se depara.
Observa-se que, em geral, o aprendiz, para atribuir um sentido a essas palavras e/ou
expressões, baseia-se, primeiramente, na semelhança que a palavra ou expressão possa ter
com outras de sua língua materna; em seguida, tenta fazer uma tradução literal, com o
auxílio de dicionário bilíngue. Percebe, então, que, na maioria dos casos, isso não é
possível, posto que nem sempre há correspondência de sentido entre palavras ou
expressões de duas línguas, e que os sentidos dicionarizados dificilmente se encaixam no
sentido contextual que as palavras têm nos textos.
Ducrot (2005) apresenta um fenômeno de homonímia não informativa, mas
argumentativa, a qual pode ser percebida por quem se interessa pelas possibilidades
argumentativas das palavras. A Teoria da Argumentação na Língua (ADL
2
), de Oswald
Ducrot e Jean-Claude Ascombre (1983), é uma teoria estruturalista segundo a qual o
sentido é construído na língua, sendo essencialmente argumentativo. A ADL tem como
base os princípios estruturalistas de signo, de relação e de língua e fala, embora
modificados. Signo, para Ducrot, é uma entidade abstrata que somente se define quando
entra em relação com outros signos no discurso, sendo essa uma relação sintagmática
expressa em encadeamentos argumentativos.
A ADL apresenta três fases no seu desenvolvimento: ADL, forma “standard”
(1983); a Teoria dos Topoi e Teoria Polifônica da Enunciação (1988); e a Teoria dos
Blocos Semânticos (TBS, Carel 1992). A terceira fase da ADL atualmente
desenvolvida por Ducrot e Carel, mantém a ideia de que o sentido de uma expressão é
2
Assim abreviada por corresponder à sigla do nome em francês da teoria Argumentation dans la Langue.
14
constituído por certos discursos que essa expressão evoca, acrescentando que esses
discursos são denominados encadeamentos argumentativos: dois segmentos ligados
por um conector , que pode ser do tipo DC ( donc = portanto) e PT (pourtant = mesmo
assim). Cumpre destacar a existência de uma interdependência semântica, que cria um
sentido único, indecomponível, entre os segmentos que constituem o encadeamento.
Confira-se, a seguir, o exemplo apresentado pelo semanticista (DUCROT, 2005, p.
35-36) que mostra como os segmentos A e B mudam de sentido no discurso, pela
interdependência semântica produzida, tratando-se num caso de chegada (BS¹) e no outro
de saída (BS²).
No BS¹ observa-se que os quatro encadeamentos expressam ideia de chegada/não
chegada, ou seja, tempo que traz os acontecimentos:
Tarde DC estar oficina. (já chegou)
Cedo DC não estar oficina. (não chegou)
Cedo PT estar oficina. (já chegou)
Tarde PT não estar oficina. (não chegou)
A é favorável a B: O tempo que traz fornece a presença das coisas
A: Tarde
B: estar na oficina
no BS², os quatro encadeamentos expressam ideia de saída/não saída, ou seja, o
tempo que leva os acontecimentos.
Tarde DC não está oficina. (já saiu)
Cedo DC estar oficina. (não saiu)
Cedo PT não estar oficina. (já saiu)
Tarde PT estar na oficina. (não saiu)
A é desfavorável a B: o tempo que destrói é desfavorável à presença das coisas.
A: Tarde
B: estar oficina
15
Com esse exemplo, Ducrot (2005 p. 35) afirma que com dois predicados A e B se
pode, em teoria, construir oito aspectos, que podem ser encontrados em dois blocos. Nos
exemplos relativos a estar em sua oficina se formaram dois blocos que dão a A e a B dois
sentidos diferentes. Nos quatro aspectos do BS¹, A e B têm o mesmo sentido, e nos quatro
aspectos de BS², também dividem o mesmo sentido, porém diferente ao do BS¹. Ducrot
destaca, ainda, que no caso em que A e B mudam seu sentido, se produz um fenômeno de
homonímia não informativa, mas sim argumentativa que, como foi comentado, somente
pode ser percebida por quem se interesse pelas possibilidades argumentativas das palavras.
Em vista disso, julga-se importante a tentativa de resolver o problema de tradução
gerado pelas palavras heterossemânticas pela ADL, visto que ela postula como sentido
básico o sentido argumentativo, que é construído no discurso pela formação de blocos
semânticos, expressos em encadeamentos em DC ou em PT.
Nessa perspectiva, este estudo visa a oferecer subsídios baseados numa concepção
argumentativa de materiais didáticos de língua espanhola, mostrando que o sentido literal
não conta da tradução de palavras denominadas heterossemânticas e que o sentido das
palavras nos textos e exercícios é constituído discursivamente, por meio de blocos
semânticos, expressos por encadeamentos argumentativos.
Pretende-se, portanto, neste estudo, enfatizar a importância dessa concepção
argumentativa de linguagem para a tradução de palavras heterossemânticas, focando
especialmente que o sentido de uma palavra depende de sua relação sintagmática com
outras palavras. Nessa perspectiva, a pesquisa objetiva também auxiliar os professores, em
especial os de língua estrangeira, em seu trabalho com materiais didáticos em sala de aula,
principalmente no que diz respeito à explicitação dos blocos semânticos constituídos e dos
aspectos argumentativos selecionados, podendo, ainda, oferecer uma orientação
teoricamente segura tanto para a leitura e análise de materiais didáticos quanto para a
elaboração destes.
A fim de direcionar a apresentação deste estudo, optou-se pela divisão do texto em
cinco capítulos. No primeiro capítulo, trata-se do conceito de palavras heterossemânticas
considerando que, nos dias de hoje, ao se falar essa expressão ela é entendida como
sinônimo de falsos amigos” e “falsos cognatos”, sendo as três expressões utilizadas para
designar um mesmo fenômeno linguístico. Ainda neste capítulo serão apresentadas as
16
diferentes tipologias do “falso amigo”, sob a perspectiva do que é um verdadeiro “falso
amigo”, considerando o lado interno e externo da palavra, através dos aspectos fonéticos,
ortográficos e semânticos. No segundo capítulo, busca-se discutir a formação e o processo
cognitivo dos “falsos amigos”, em que será verificada a interferência da língua materna
sobre a língua estrangeira, considerando que essa interferência acontece, em princípio, de
forma individual na mente das pessoas que estudam uma ngua estrangeira. No terceiro
capítulo, serão apresentados tanto os conceitos e princípios da ADL quanto uma proposta
de tratamento dos “falsos amigos” neles baseada. Já o quarto capítulo verificará tanto o
tratamento dado aos falsos amigos em livros didáticos de espanhol quanto a eficácia desse
material enquanto facilitador da aprendizagem e do entendimento dessas entidades
linguísticas. Posteriormente, com base nos conhecimentos da ADL, serão propostas
modificações nesses materiais didáticos com o objetivo de qualificar os exercícios de livros
de língua espanhola analisados neste trabalho, no sentido de que os alunos possam usar o
contexto linguístico–discursivo para solucionar questões que envolvam palavras
heterossemânticas. O quinto capítulo buscará sintetizar os resultados obtidos por meio desta
pesquisa e comentá-los com base nos objetivos deste trabalho. Por fim, serão apresentadas
as últimas considerações a respeito do tratamento cognitivo e argumentativo de palavras
heterossemânticas.
Pretende-se que a leitura deste texto possa contribuir com um modo diferente e
promissor de se tratarem os “falsos amigos” no ensino de língua estrangeira.
17
2 PALAVRAS HETEROSSEMÂNTICAS OU “FALSOS AMIGOS”:
CONCEITUAÇÃO E TIPOLOGIA
É muito comum nos dias de hoje que, ao se falar de “falsos amigos”, falsos cognatos
ou heterossemânticos, os três termos sejam considerados como sinônimos, sendo, por este
motivo, utilizados para designar um mesmo fenômeno linguístico. Este capítulo tem o
objetivo de discutir diferentes conceituações dessas palavras, apresentando tipologias feitas
por estudiosos, para, então, esclarecer o conceito escolhido para fins deste trabalho.
Řǯŗȱ³¨
Ao buscar conceituar a expressão “falsos amigos”, verifica-se que, para Vaz da
Silva e Vilar (2004 p. 03), trata-se de uma expressão usada em Linguística, geralmente em
áreas específicas da tradução, para fazer referências a palavras iguais com diferentes
significações, ou seja, o “falso amigo” é aquele signo linguístico que por possuir uma
mesma etimologia, possui sua estrutura muito semelhante ou equivalente a de outros signos
em uma segunda língua mas com significado é diferente.
A denominação “falsos amigos” foi evidenciada pela primeira vez por
Maxime Koessler e Jules Derocquigny, em 1928, na obra Les Faux - Amis ou Les
trahisons Du vocabulaire anglais. O termo Faux-amis, segundo o Dictionnaire de la
Linguistique, de Georges Mounin designa “palavras de etimologia e de forma parecidas,
mas de sentido parcial ou totalmente diferente (MOUNIN, 1974, p. 139 apud VITA,
2004, p. 30).
Para o termo “heterossemântico”, por não encontrar fontes seguras sobre sua
criação, assumir-se-á, conforme Vita, que foi Antenor Nascentes (1934 apud VITA, 2004,
p. 32) em sua obra “Gramática para uso dos Brasileiros”, um dos primeiros a fazer
referência aos homônimos heterosemanticos, que definiu como palavras semelhantes com
significados diferentes”. Mais tarde, com a obrigatoriedade do ensino do espanhol no
18
Brasil, Becker (1967 apud VITA, 2004, p. 32) divulga o termo heterossemântico em seu
“Manual de Español”, publicado em 1945.
Relativamente para o termo “falsos cognatos”, Sabino (2006 p. 253) entende que a
expressão é perfeitamente aceitável somente para aqueles vocábulos que não possuem
origem comum, mas que são formalmente semelhantes, podendo induzir a erros de
interpretação de sentidos pois significam coisas diferentes.
Partindo desses conceitos, percebe-se que a diferença entre esses três termos
está relacionado ao surgimento dessas palavras. Apesar das diferenças, é normal que
pesquisadores, professores e alunos utilizem os termos: “heterossemânticos”, “falsos
amigos” e “falsos cognatos” como sinônimos. Salienta Fonseca da Silva (2003) que, não
obstante, ao chegar a um determinado ponto do caminho, começam a surgir os problemas e
entre outros tantos, estão os heterossemânticos, também denominados falsos amigos ou
falsos cognatos
3
(FONSECA DA SILVA apud VITA, 2004, p. 06).
O autor confirma a questão das dificuldades encontradas pelos alunos falantes da
língua portuguesa na aprendizagem do espanhol como LE, apontando como possíveis
causas as palavras heterossemânticas e citando como sinônimos deste termo as expressões
“falsos amigos” e “falsos cognatos”.
A definição de Andrade Neta (2004) para o termo heterossemânticos reforça essa
questão conceitual e de nomenclatura. Segundo o autor,
esse grupo se compõe dos chamados falsos amigos ou falsos cognatos muito
abundantes entre as duas línguas e os mais perigosos, que podem provocar
interferências mais significativas na comunicação. Os falsos amigos são
vocábulos idênticos ou semelhantes em sua forma gráfica e/ou fônica, porém que
divergem parcial ou totalmente quanto ao seu significado em ambas as nguas
4
.
(ANDRADE NETA apud VITA, 2004, p. 06)
Para Ceolin (2003), não existe um padrão fixo ou único para os “falsos amigos”,
que “são de natureza diversa e o seu conteúdo semântico também é variável, podendo
3
No obstante, al llegar a un determinado punto del camino, empiezan a surgir los escollos y entre otros tantos,
están los vocablos heterosemánticos, también denominados falsos amigos o falsos cognados (Tradução
nossa).
4
Este grupo se compone de los llamados falsos amigos o falsos cognados muy abundantes entre las dos
lenguas (…). Los falsos amigos son vocablos idénticos o semejantes en su forma gráfica y/fónica, pero que
divergen parcial o totalmente en cuanto a su significado en ambas lenguas (Tradução nossa).
19
referir-se a coisas próximas entre si, a coisas que nada têm a ver uma com as
outras ou podem mesmo ter significados completamente opostos”.
Hélder Montero (apud KREBS, 2007, p.40) divide os “falsos amigos” em três
classes, sendo: “os falsos amigos ortográficos”, os quais são definidos como vocábulos
que coincidem, nas duas línguas, na ortografia, mas não coincidem ou podem não
coincidir na pronúncia. Cita-se como exemplo a palavra vaso no espanhol que significa
copo e pronuncia-se /baso/ e, vaso no português que significa vaso e pronuncia-se /vazo/ ;
“os falsos amigos fonéticos”, palavras que não coincidem na ortografia, mas coincidem
ou podem coincidir na fonética. Exemplo: a palavra cuello do espanhol que pronuncia
/cuelho/ e significa pescoço e, coelho do português que pronuncia-se /coelho/ e significa o
animal coelho; e, por fim, os falsos amigos aparentes”, palavras que, sem coincidirem
na escrita nem na pronúncia, lembram outros sentidos e significações diferentes,
devido à forma aproximada e a associações lexicais diversas. Neste caso apresentamos
como exemplo os vocábulos rubio do espanhol que e ruivo do português.
Leiva (apud ALVES, 2002, p. 01) propõe uma classificação dos falsos cognatos em
quatro classes distintas, a partir da etimologia:
1. Duas formações baseadas em duas palavras latinas diferentes, porém com
radicais idênticos: vaso / vaso. E- copo P-parte do banheiro; ou vaso de flor. 2.
Uma única palavra de origem:as duas línguas conservam o significado original, e
ambas (ou uma delas) acrescenta(m) um outro significado: exquisito / esquisito.
P- esquisito E- extraño, raro E- exquisito P- gostoso, saboroso 3. Uma única
palavra de origem com dois ou mais significados que são conservados por uma
das duas nguas. A outra conserva apenas um dos significados originais (e pode
até criar, mais tarde, um outro termo para suprir a falta do(s) outro(s): sugestión /
sugestão. Cf. sugerencia P-E: indução, desejo provocado numa pessoa em estado
de hipnose ou não. 4. Duas palavras semelhantes (ou idênticas), porém de origem
e significado diferentes: rato / rato.E- curto espaço de tempo P-rato.
5
Bechara e Moure (2002, p. 13) em seu Diccionário de falsos amigos en español y
portugués dividem os “falsos amigos” em três casos distintos:
1– Formas semelhantes com significados totalmente diferentes.(...) Por exemplo,
polvo, em espanhol, é o mesmo que em português , enquanto que em
português a palavra polvo é traduzida ao espanhol por pulpo.
2– Formas semelhantes com um (ou mais de um) significado semelhante e
outro(s) ou vário(s) diferentes. Por exemplo, a palavra cambista que nas duas
línguas significa pessoa que negocia com a troca de moedas adquiriu em
5
Na citação leia-se por E - espanhol e por P - português.
20
português, outro significado: pessoa que lucra com a venda ilícita de entradas de
espetáculos que em espanhol corresponde a revendedor. Em relação a esse
sentido diferente, cambista do espanhol e cambista do português são falsos
amigos.
3 Formas semelhantes com significados diferentes no uso atual. É o caso de
latir (do latim glattire, dar ladridos agudos), que nas duas línguas significava:
pulsar, latir (o coração e as artérias) e também ladrar (o cachorro). Atualmente,
entretanto, encontramos latir, em português, somente com o sentido de ladrar, e
em espanhol, somente com a ação de pulsar para o coração e as artérias, que em
português se diz: pulsar, bater (para o coração) e latejar (para as artérias).
6
Como se pode observar, tanto Helder Monteiro quanto Leiva e Bechara e Moure
acima citados, defendem uma classificação semelhante dos “falsos amigos” onde se
percebe que significante e significado não são importantes para sua realização como
também provavelmente são provenientes de uma divergência entre as duas línguas.
É interessante ressaltar que o conteúdo semântico é uma característica importante no “falso
amigo”, uma vez que somente a grafia da palavra não evidencia se o significado é o
mesmo para um vocábulo em duas línguas diferentes. Vaz da Silva e Vilar (2003, p. 05)
enfatizam essa questão sobre os “falsos amigos” quando sustenta que ambas partiram da
mesma etimologia arcaica, estamos perante duas palavras completamente distintas,
cuja evolução fonética aproximou graficamente, mas que continuam afastadas a nível de
significado.
Para Sabino (2006, p. 251), não existia uma conceituação do termo “falso amigo”
que fosse livre de contradições. Segundo ela, “não havia uma definição adequada e que
fosse de aceitação unânime sobre essa questão”. Para ela
havia quem se baseava na etimologia para identificar um falso amigo e aqueles
que desconsideravam a importância de sua origem e outros autores que, ao
classificarem vocábulos como “falsos cognatos”, incluíam, em sua definição,
todos os vocábulos com etimologia comum, quanto aqueles sem etimologia
comum.
6
“1- Formas semejantes con significados totalmente diferentes. (...) Por ejemplo, polvo, en español, es lo
mismo que en portugués, mientras que en portugués la palabra polvo es traducida al español por pulpo.
2-Formas semejantes con un (o más de un) significado semejante y otro(s) o vario(s) diferentes. Por ejemplo
a palabra cambista – que en las dos lenguas significa persona que negocia con cambio de monedas adquirió,
en portugués, otro significado: persona que lucra con la venta ilícita de entradas de espectáculos, que en
español corresponde a revendedor. En relación a ese sentido diferente, cambista del español y cambista del
portugués son falsos amigos.3-Formas semejantes con significados diferentes en el uso actual. Es el caso de
latir ( del latín glattire, dar ladridos agudos), que en las dos lenguas significaba: pulsar, latir ( el corazón y las
arterias) y también ladrar (el perro). Actualmente, sin embargo, encontramos latir, en portugués, solo con el
21
A autora afirma não ser sensato acreditar que os termos “falsos amigos” ou falsos
cognatos sejam sinônimos, tampouco admite que designem de um mesmo fenômeno. Para
tanto, Sabino (2006, p. 252) parte da etimologia do vocábulo cognato, que se originou do
latim cognatu(m) que é a junção de cum (=com) e natus(=nato), significando, assim,
nascido junto, consanguíneo e desta forma palavras de origens diferentes não poderiam ser
consideradas cognatas. Em busca do sentido do verbete falso, percebe-se que muitas
acepções remetem a algo que seja: não verdadeiro, isto é, errado, sem fundamento,
falsificado, enganoso, desleal entre outros. Sabino afirma que atribuir o nome cognatos
“não verdadeiros”, “falsificados” a vocábulos de duas línguas diferentes, que tiveram
origem comum (cognatos), mas que por evoluções semânticas distintas originaram
significados diferentes seria:
tão incoerente quanto afirmar, por exemplo, que dois irmãos, filhos de um mesmo
casal, por possuírem fisionomias distintas, não são filhos legítimos de uma
mesma mãe. Por isso, atribuir a esses vocábulos o nome de falsos cognatos não
parece ser uma designação lógica e racional.( SABINO, 2006, p. 252)
A estudiosa acredita que entre os sentidos encontrados para o vocábulo “falsos” os
mais aceitáveis seriam, no máximo, os de enganoso ou desleal, nesse sentido, pode-se dizer
que palavras, originariamente nascidas juntas e que se assemelham, mas que por evoluções
semânticas assumiram sentidos diferentes, somente poderiam ser chamadas de falsos
cognatos desde que falso seja entendido como enganoso, isto é, cognatos enganosos. Sendo
assim, sugere que o termo deceptive cognates ( cognatos enganadores) possa ser uma boa
alternativa para escaparmos da polissemia de “false”, no caso de false cognates, (...)” (
SABINO, 2006, p. 253).
Sabino, então, propõe as seguintes definições para falsos cognatos e cognatos
enganosos:
Cognatos enganosos são unidades lexicais de duas (ou mais) línguas distintas
que, por serem provenientes de um mesmo étimo, são ortográfica e/ou
fonologicamente idênticas ou semelhantes, mas que, por terem sofrido evoluções
semânticas diferentes, possuem sentidos diferentes. Essas mudanças podem ter
acontecido em apenas uma das línguas, ou nas duas. Sendo assim, é possível que
ambas ainda conservem traços semânticos comuns, ou ainda, que os sentidos
sentido de ladrar, y en español, solamente con el de la acción de pulsar para el corazón y las arterias, que en
portugués se dice: pulsar, bater (para el corazón) y latejar (para las arterias)” ( Tradução nossa).
22
originariamente apresentados por esses pares de unidades lexicais tenham se
distanciado tanto, em ambas as línguas tornando-se, por vezes, até antagônicos
– a ponto de não parecerem ser vocábulos cognatos. (SABINO, 2006, p. 255)
A autora exemplifica com vocábulos nas línguas portuguesa e inglesa. Na tabela que
segue listamos alguns destes exemplos:
VOCÁBULO TRADUÇÃO ETIMOLOGIA COMUM
Attend (Ingl.)
Atender (Port.)
Freqüentar (escola), assistir (a
aulas)
dar atenção a, prestar auxílio a
( L. attendere)
Expert (Ingl.)
Esperto (Port.)
Perito
Espertalhão, inteligente
(L. expertu(m))
Fabric (Ingl.)
Fábrica (Port.)
Tecido, pano
Estabelecimento, industrial
(L. fabrica)
Aos falsos cognatos, Sabino (2006, p. 256) atribui a seguinte definição:
Falsos cognatos são unidades lexicais pertencentes a duas (ou mais) línguas
distintas que, apesar de serem provenientes de étimos diferentes resultaram em
conseqüência das evoluções fonéticas que sofreram, ao longo do tempo em
unidades lexicais ortográficas e/ou fonologicamente idênticas ou semelhantes,
embora seus valores semânticos sejam bastante distintos.
Alguns exemplos citados pelo autor nas línguas portuguesas e inglesas são:
VOCÁBULO TRADUÇÃO ETIMOLOGIA (Oxford, 1992.)
Bravo(Ingl.) muito bem! [do It. bravo, “well done”(muito bem]
Bravo (Port.) furioso, irado [do L. barbaru]
Cute (Ingl.) Gracioso [do L. acutus, “sharp” (agudo)]
Cute (Port.) pele, tez [do L. cute, “cutis” (pele)]
Contest (Ingl.) Competição [do L. contestari]
Contexto
(Port.)
encadeamento das idéias
de um escrito
[do L. contextu]
Sobre o uso do termo “falsos amigos”, enquanto sinônimo de falsos cognatos, este
mesmo autor nos deixa evidente que não classifica os dois termos como sinônimos e
tampouco admite que designem de um mesmo fenômeno, embora acredite que alguns
autores de obras sobre estas expressões mesmo não apresentando distinção entre eles, têm
consciência de que não se referem a um mesmo fenômeno.
23
Após essas considerações percebe-se que o conceito de “falsos amigos deve ser
substituído por “cognatos enganosos”, distinguindo-se de “falsos cognatos”. Pode-se
afirmar que o termo “falso amigo” diz respeito a uma categoria mais ampla, a qual daria
conta dos demais termos falsos cognatos e cognatos enganosos visto que é uma
categoria que abarca aspectos semânticos, fonéticos e sintáticos do sentido.
o termo “heterossemânticos”, sobre o qual, no que se refere à questão
etimológica, nada foi encontrado pela pesquisa, refere-se a uma categoria que abrange
apenas aspectos semânticos da palavra.
Apesar disso, é muito comum que, ao se falar desse léxico, os três termos sejam
citados como sinônimos. Mas, o que permite a sinonímia desses termos? Vita (2004)
acredita que isso aconteça porque muitos desses estudos levam em consideração somente o
que de comum nas três definições (as questões formal e de significação), dispensando a
questão etimológica que compõe tais conceitos.
Em virtude de buscar um trabalho voltado ao aspecto semântico da palavra, optou-
se, nesta pesquisa, pela utilização do termo “heterossemânticos” por ser mais conhecido
no meio acadêmico, e de “falso amigo”, pela abrangência um pouco maior de
bibliografia para o respaldo teórico deste trabalho. Portanto, os dois termos serão
empregados como sinônimos, embora saibamos não se referir ao mesmo fenômeno
linguístico, uma vez que “falso amigo, como se disse antes, considera também questões de
gênero e de eufonia – palavras heterogenéricas e heterotônicas – enquanto heterossemântica
focaliza aspectos de significado.
Cabem algumas últimas considerações a respeito da relação entre a origem das
palavras e seus sentidos possíveis nos dias de hoje, relação esta contida nas considerações
de que ocupa-se aqui, ao menos no campo da Linguística. É bastante curioso observar, por
exemplo, como no conceito de “falsos amigos uma imagem sobre a língua estrangeira.
Como se observou, as palavras “falsas amigas” são vocábulos de duas línguas que, embora
tenham uma origem comum, no decorrer do tempo, distanciaram-se dos valores que as
palavras tinham originalmente. Em função disso, elas levariam a problemas na
comunicação quando o falante de uma das línguas e, ao mesmo tempo, aprendiz da outra
tentasse utilizá-las. Por outro lado, as palavras que não possuem esse título de “falsas”, ou
seja, as amigas” ou cognatas”, seguindo esse mesmo raciocínio, seriam as palavras do
24
espanhol e do português que não apresentam diferenças provavelmente por virem de uma
mesma palavra de origem – e que, portanto, não levariam a problemas na comunicação.
No entanto, nada garante que essas palavras, no percurso que seguiram em cada
uma das culturas, não se distanciem também, total ou parcialmente, de sua significação
original. Acredita-se que essas palavras também possam se distanciar de sua origem e, com
isso, oferecer tantas “ameaças” à comunicação de falantes de línguas diferentes quanto às
chamadas “falsas amigas”. Se seguirmos uma perspectiva discursiva de formação do
sentido, pode-se explicar tal fato pela influência que a história tem na seleção dos valores
possíveis para as palavras em cada cultura, ainda que tenham origem comum. Os
acontecimentos históricos moldam as possibilidades de significação que as palavras podem
ter num enunciado, fazendo com que algumas acepções se tornem mais frequentes e outras
percam força. Em função disso, se em uma mesma língua pode haver esse distanciamento,
isso é ainda mais provável quando tratar de línguas diferentes, em que se cruzarão
determinações histórico-sociais distintas.
Portanto, parece não haver como relegar, que, no contato entre o espanhol e o
português, influência da história somente a uma parte do léxico às “falsas amigas” e
atribuir às “amigas” um lugar seguro, livre dos mal-entendidos.
A seguir, trata-se da tipologia dos “falsos amigos”, com base no aspecto interno
7
e
externo da palavra, procurando estabelecer uma divisão das principais lexias
8
afetadas por
esse fenômeno na relação Espanhol Português, tendo em conta os aspectos fonéticos,
ortográficos e semânticos.
ŘǯŘȱȱȱȱȃȱȄ
7
Ferdinand de Saussure (apud Vaz da Silva e Vilar; 2004 p. 08) séculos estabeleceu que a aparência de
qualquer forma linguística se estabelece por dois parâmetros: externo, o qual permite ao falante reconhecer a
forma, distingui-la e opô-la a outras; e interno, que torna possível dotar a forma de conteúdo linguístico.
8
le.xi.a (cs) sf (gr léxis+ia1) Ling 1 Unidade lexical atualizada, ou seja, entidade definida em nível sintático.
Pode constituir-se de um lexema (ex: flor), de um lexema mais gramema(s) (ex: cantamos), de mais de um
lexema (ex: ter um carro). 2 Unidade lexical memorizada. Ex: pão-de-ló, chover, bom de
bico.(http://michaelis.uol.com.br)
25
Para se confirmar a existência de um verdadeiro “falso amigo” são necessários dois
fatores: semelhança de formas e disparidade de significados. Segundo Vaz da Silva e Vilar
(2004, p. 13), dependendo do plano externo dos signos linguísticos a partir do qual se visa a
orientar a relação de falsa analogia lexical e da graduação que atinja a dissemelhança
semântica, podem-se distinguir apenas duas categorias de “falsos amigos”: o falso amigo
total e o falso amigo parcial.”
Nessa seção, será discutida a tipologia dos falsos amigos sob a perspectiva do que é
um verdadeiro “falso amigo”, considerando o lado interno e externo da palavra através dos
aspectos fonéticos, ortográficos e semânticos.
Uma das classificações mais seguidas pelos estudiosos, segundo Díaz Ferrero (apud
Vaz da Silva e Vilar; 2004, p. 08), é a que se baseia no aspecto que provoca a falsa
analogia. Essa categoria de “falsos amigos” pode ser resumida, segundo o autor, da
seguinte maneira:
1. Diferente sentido e forma idêntica ou semelhante.
1.1.Homógrafos: borracha, tela, vaso, acordar, bolso, salsa,etc.
1.2.Homófonos: galheta, balcão, escova, assinatura, sótão, etc.
2. Diferente gênero gramatical: o nariz, a paisagem , o leite, a árvore, etc.
3.Diferente pronúncia: academia, embolia, sintoma, elogio, nível, etc.
4.Diferente registro lingüístico: dano, perdão, lata, etc.
5. Diferente Grafia: livro, começar, ombro, etc.
Percebe-se, após uma leitura atenciosa desses cinco casos apresentados por Días
Ferrero, que o que provoca a falsa analogia não é outra coisa senão o aspecto físico ou a
aparência externa. Ferdinand de Saussure (apud Vaz da Silva e Vilar, 2004, p. 08),
séculos estabeleceu que a aparência de qualquer forma linguística se estabelece por dois
parâmetros: externo, o qual permite ao falante reconhecer a forma, distingui-la e opô-la a
outras; e interno, que torna possível dotar a forma de conteúdo linguístico. Porém a face
externa da forma linguística pode desdobrar-se em outras facetas, oral e escrita, segundo a
fórmula pela qual o vocábulo seja percebido pelo falante, enquanto o lado interno da
palavra tenta ser único e intransferível para não provocar casos de polissemia ou sinonímia.
Vaz da Silva e Vilar (2004, p. 9), atendendo ao fato de analogia ser baseada no
aspecto externo ou interno da palavra, propõem um resumo dos casos antes apresentados
reagrupando-os da seguinte maneira:
26
Aspecto Externo
a)Escrita:
-Homógrafos
-Diferente Grafia
b)Oralidade:
-Homófonos
-Diferente Pronúncia
Aspecto Interno
-Diferente gênero gramatical
-Diferente registro linguístico
Sobre a perspectiva do que é efetivamente um “falso amigo”, Vaz da Silva e Vilar
(2004 p.9) afirmam haver diversos fatores e cita como sendo um dos mais ameaçadores o
uso que o signo linguístico recebe por parte dos falantes. Para eles, é evidente que “a
utilização social que se faz das palavras é determinante na sua semântica , atendendo a que,
por vezes é o próprio uso que acaba por desviar os termos para um determinado
significado”. Dessa forma, percebe-se que, ao estudar os “falsos amigos”, nem sempre
pode-se contar apenas com o significado, pois fora das divergências ou afinidades
semânticas que as lexias de duas línguas possam oferecer, a falta de uso de uma dessas
formas torna inexistente o par linguístico que compõe o falso amigo.
Ainda para Vaz da Silva e Vilar (2004 p.9), as diferenças ortográficas também não
são suficientes para considerar a existência de um falso amigo. Instituir pares como
canção/canción ou apesar/a pesar, presume-se, na maioria das vezes, analogias confusas
que para o autor nada atendem para os aspectos fonéticos, morfológicos e históricos que
precisamente possibilitaram a existência de duas línguas ao mesmo tempo semelhantes e
diferentes. Além disso, na aprendizagem essas correspondências baseadas na aparência
podem ter efeitos negativos, pois estabelece-se como regra que a terminação portuguesa
ão equivale à terminação espanhola – ón.
É incontestável que Canção/Canción são formas muito parecidas, pois em essência
são a mesma na perspectiva da origem. Se as considerar “falsos amigos” não se teria mais
remédio do que ir progredindo nos exemplos, ampliando-os cada vez mais até chegar a
enfrentar por completo os dois sistemas linguísticos, o espanhol e o português.
Verifica-se, assim, a importância que a questão semântica tem em todo o processo.
Pode-se, por exemplo, nessa continuidade analógica da qual antes se falava imaginar a
inclusão de todos os pares verbais do tipo Cantara/Cantara sugerido por Vaz da Silva e
27
Vilar (2004). Todos os falantes de espanhol viriam a identificar a forma Cantara
portuguesa com o tempo imperfeito do subjuntivo espanhol por desconhecerem que se trata
de uma forma de indicativo e, o que é ainda mais importante, que historicamente é esta
segunda opção a mais correta ou aproximada ao Latim.
Com relação aos processos de formação histórica de línguas, não se deve esquecer
dois casos específicos - as chamadas lexias cognatas e as diferenças de gênero. No primeiro
caso, palavras que partilham o mesmo radical mas que correspondem a usos diferentes,
pode-se afirmar que o Português faz divergir mais étimos do que o Espanhol, como por
exemplo acontece com Dois/Duas, Tráfego/Tráfico ou Sono/Sonho.
Normalmente esses pares com o mesmo étimo equivalem a um termo em Espanhol,
com o qual se visa a estabelecer uma situação de falso amigo. Para melhor entendimento, o
que acontece nesses casos é apenas desconhecimento por parte do aprendiz sobre a
evolução de determinados vocábulos portugueses para duas formas, da mesma forma que o
falante de espanhol desconhece a origem de certas qualidades linguísticas de outras línguas.
Ou seja, a divergência de signos linguísticos a partir de uma mesma etimologia deve ser
tirada unicamente do plano do léxico e ser contemplada dentro do todo da Língua
Portuguesa.
Dessa forma, é preciso eliminar a gravidade do assunto, principalmente quando
mais da metade dessas lexias cognatas não se assemelham a nenhuma outra forma do
Espanhol. Vaz da Silva e Vilar (2004, p.10) verificam que:
as diferenças existentes e apreciáveis entre os três pares de lexemas do Português
antes expostos são percebidas pelo hispanófono da mesma forma que ele
distingue e aprecia determinadas formas que também são coincidentes na forma
da sua Língua Materna.
Para o aprendiz que não possui entendimento sobre a origem da Língua e a evolução
do vocabulário, as divergências entre Dois/Duas, Tráfego/Tráfico ou Sono/Sonho
compreendem-se da mesma forma que em Espanhol se explicam as diferenças do chamado
gênero dimensional, como por exemplo, charco/charca (poça/lagoa).
No que se relaciona às diferenças de gênero morfológico, conforme alguns autores,
esta diferença também serve como motivo para um falso amigo. Da mesma maneira que um
iniciante na aprendizagem de língua portuguesa terá de assimilar novas terminações
28
verbais, também deverá reestruturar muitas terminações genéricas. Porém estas
divergências, puramente externas, do mesmo modo não podem ser consideradas como
“falsos amigos”, ponderando que a analogia realizada pelo aluno resulta positiva.
Nesse caso, o aluno desconhece o processo histórico de redução de casos e gêneros
latinos, o qual nunca foi tão rigoroso conforme colocam alguns estudiosos dos falsos
amigos. Vejam-se estas afirmações de Manuel Alvar e Barnard Pottier (apud VAZ DA
SILVA E VILAR, 2004, p.10):
Disso se deduz que o gênero gramatical em espanhol depende sobretudo de
causas históricas ( se mantém com bastante fidelidade a herança latina), ainda que
estas possam ficar confusas por outras analogias ( os substantivos em e
abundam mais em masculino e, portanto, atraem a alguns femininos), ou, nos
casos de insegurança original, se criam masculinos ou femininos sem grande
rigor em uma divisão que, inclusive, pode manter-se vacilante ao longo de
séculos. Como se comprova, a arbitrariedade do gênero gramatical e a indiferença
da língua frente a tais feitos.
9
Para Vaz da Silva e Vilar (2004, p.10), isso também acontece com os “falsos
amigos”, em que as palavras portuguesas praça ou branco são opostas às espanholas plaza
e blanco, deixando de lado a tendência natural do português para as consoantes laterais
líquidas em interior de sílaba frente à vibrante simples escolhida pelo Espanhol. As
divergências de gênero, junto com as divergências notadas entre /r/ e /l/, bem como o
desaparecimento em Português de todos os /-n-/e /-l-/ latinos intervocálicos
(DOLORE>dolor>door>dor; COLORE>color>coor>cor; FAMINE>fomne>fome) frente à
permanência em espanhol, configuram a essência gramatical portuguesa e nunca podem
ficar longe do olhar do professor ou do investigador.
Com essas considerações, verifica-se que mesmo que o aluno enfrente formas como
Praça/Plaza, Branco/Blanco ou Brando/Blanco, o “falso amigo” nunca se materializa, pois
as equivalências pressupostas, a priori, são as corretas.
9
De ello se infiere que el nero gramatical en español depende –sobre todo- de causas históricas (se
mantiene con bastante fidelidad la herencia latina), aunque éstas puedan quedar perturbadas por otras
analógicas (los sustantivos en e abundan más en masculino y, por tanto, atraen a algunos femeninos), o, en
los casos de inseguridad original, se crean masculinos o femeninos sin gran rigor en una división que, incluso,
puede mantenerse vacilante a lo largo de siglos. Con lo que viene a probarse la arbitrariedad del género
gramatical y la indiferencia de la lengua ante tales hechos” (Tradução nossa).
29
Excluídos, portanto, esses agentes arbitrários sob o critério (ortografia, uso),
direciona-se, a partir deste momento, o olhar para o aspecto mais importante de todos: o
conteúdo semântico do signo linguístico. Vaz da Silva e Vilar (2004, p.9), diz ser:
evidente que a analogia que se quer estabelecer entre palavras resulta falsa graças
à oposição dos respectivos significados. Desde esta perspectiva nada faria pensar
que às vezes resulta complicado determinar quando estamos perante falsos
amigos se não fosse porque, tanto a Língua Espanhola como a Portuguesa,
possuem um elevado índice de polissemia.
Grande parte dos “falsos amigos” apresentados na relação Português- Espanhol são
formados a partir de uma segunda ou até terceira interpretação, para além de outros
segundos significados que se possam atribuir a nível diastrático ou diafásico. Nesse caso
convém ter cautela na hora de estabelecer “falsos amigos” e não eleger significados
paralelos muito limitados no seu uso, pois nesse caso volta-se a diminuir as possibilidades
reais de existência da falsa analogia.
Nesse sentido, Vaz da Silva e Vilar (2004 p.11) apresentam como exemplo a
oposição dos termos Lata/Lata, ambos polissêmicos nas suas línguas de origem. Entretanto,
e além da pluralidade de significados, as duas palavras possuem como primeira
interpretação ‘metal’, enquanto que a partir das seguintes significações começam a
aparecer disparidades. Essa prioridade de significados poderia ficar esquematizada no
seguinte quadro apresentado pelo autor:
Falso Amigo: Lata PORTUGUÊS ESPANHOL
1ª Acepção Metal Metal
2ª Acepção Descaramento Molestar (aborrecer)
Percebe-se, então, que colocar o par Lata/Lata na listagem equivalente a um nível
de iniciação pode levar o aprendiz a evitar o uso correto deste vocábulo na sua primeira
acepção quando essa é a certa. Além disso, é preciso considerar que Lata no sentido
português de descaramento, como mostrado no quadro acima, aparece na expressão
idiomática Ter Lata. Certamente, obter tais níveis de conhecimento está fora não de um
nível inicial de aprendizagem, mas também fora das intenções de fala de um estudante
estrangeiro de Português habitual.
30
Tratando-se de estudantes que possuem o espanhol como língua materna, verifica-se
melhor optar por outra linha de ensino para este caso, em particular, e outros semelhantes
em geral, uma vez que o significado de descaramento reproduz-se igualmente em Espanhol
através de uma perífrase linguística constituída com o verbo Ter. Na língua espanhola, é
possível encontrar um equivalente a Ter Lata na expressão Tener cara” e, visto que as
duas fórmulas populares da expressão dividem o mesmo esquema sintático do Verbo
Ter+Substantivo, parece mais sensato incluir este suposto “falso amigo” num nível mais
elevado de ensino, sempre considerando os usos específicos que o português a alguns
verbos de frequência elevada, como o Ter, Ser ou Estar.
Percebe-se então que, da mesma maneira que se elimina o registro linguístico na
consideração dos “falsos amigos”, deve-se afastar a disposição geográfica do total das
razões que coincidem no surgimento dos “falsos amigos”, e apenas considerá-la em casos
muito particulares. Vaz da Silva e Vilar (2004, p. 12) chamam atenção sobre a importância
de trabalhar sempre com sistemas padrões de língua não apenas por serem o Espanhol e o
Português duas línguas fracionadas em variedades ou modalidades internas (maiores e mais
apreciáveis no Espanhol, se não se ter em consideração as variedades não européias), mas
porque, no caso do Espanhol, a língua encontra-se em constante contato com outras
(Catalão, Basco, Galego e até o Inglês, o Francês e o Árabe, se olharmos para a situação
linguística de Gibraltar, Ceuta e Melilla), o que resulta em inúmeros casos de bilinguismo
que influenciam de maneira importante a variação linguística do hispanófono que se
encontra nessa geografia e posteriormente a sua aprendizagem da Língua Portuguesa,
enquanto seu estudo.
Baseados nessas ideias, esses autores acham justo eliminar, ou pelo menos
reconsiderar, alguns “falsos amigos” típicos dos estudos da relação Português-Espanhol,
tais como Assinar/Asignar ou Assento/Asento. Para eles deve-se reconhecer que a
semelhança dessas formas escritas é elevada, principalmente no segundo caso, e que tendo
as palavras espanholas distinto significado das portuguesas, é possível a produção de um
“falso amigo”. Mas, verificando esses exemplos de uma perspectiva fonética, faz-se
obrigatório recorrer à pronúncia típica de uma variedade regional do Espanhol para o “falso
amigo” chegar a ser concreto. Dessa forma, no primeiro dos exemplos, é necessário que a
realização espanhola oculte a consoante oclusiva sonora para se aproximar, então, da
31
ausência de tal fonema na palavra em Português. Esse desaparecimento é quase impossível
de perceber, pois segundo Vaz da Silva e Vilar (2004, p.12):
a única realização aproximada que se pode comparar é a de substituição da vogal
sonora por um outro fonema aspirado, como é normal das falas andaluzas. Esta
modalidade de fala, que não pode chegar a ser considerada dialecto e que se
extende muito mais além das fronteiras políticas da Andaluzia, também
generaliza o fonema surdo /s/ nos casos onde corresponde /è/, de modo que um
falante desta região faria equivalente o segundo exemplo proposto
(Assento/Acento).
Verifica-se, então, que é perigoso apresentar pares de “falsos amigos” para cuja
existência é preciso recorrer a duas modalidades de oralidade necessárias para preencher o
espaço vazio deixado por duas analogias externas do vocábulo pouco percebidas.
Por fim, e paralelamente a todos esses agentes que constituem os “falsos amigos”,
um fator constante deve ficar em primeiro lugar nesta análise: o contexto. Verifica-se que o
“falso amigo” seja no âmbito do ensino/aprendizagem ou na tradução, inevitavelmente a
analogia linguística passa a depender do contexto. Em inúmeras ocasiões, a determinação
do vocábulo em questão será a base para o principio do processo de engano semântico,
enquanto, em outras situações, acontecerá completamente o contrário.
Conforme Vaz da Silva (2004, p. 12):
o contexto geral no qual se insere o falso amigo já alerta o aluno sobre as futuras
repercursões e, às vezes, torna-se impensável pretender manter o significado que
uma determinada palavra tem na Língua Materna nesse âmbito da comunicação.
Evidentemente, era lícito afirmar-se agora que o contexto pode exercer
precisamente o efeito contrário e gerar por ele próprio o conflito semântico. Mas
a elevada semelhança das escritas do Português e do Espanhol fazem-nos fixar
mais concretamente sobre a estrutura sintáctica como fornecedor de falsos
amigos.
Os autores apontam para a grande divergência existente entre as construções finais
produzidas em ambas as línguas com a estrutura para+si”. A forma de respeito “si” é
inexistente em Espanhol, sendo que esta língua somente possui os níveis de tratamento
informal e formal, representados única e respectivamente por Tú e Usted. Mas o conflito
semântico surge quando, nesse caso, é possível encontrar uma forma plenamente
coincidente com “si” porém equivalente ao condicional “se”.
32
Assim, Vaz da Silva e Vilar (2004, p. 13) afirmam que, quando o estudante
espanhol percebe uma construção do tipo para+si fica à espera da inclusão de uma oração
subordinada (para se) e a oração que tem perante ele não faz sentido, pois necessita de
conteúdo. Esse caso pode ocorrer em uma oração passiva do tipo “Esta promoção é feita
para si”, quando o estudante fica à espera de mais um segmento comunicativo após ler o
introdutor “si”, uma vez que em sua ordem de tradução a frase apresentada equivale a
“Esta promoção é feita para se...”. O aluno, nesse caso, deve fazer frente, não às
divergências de significado, mas também a uma remodelação da ordem de tratamento
formal, incluindo um novo nível (“você”, sem equivalente em Espanhol) e a nova forma
apresentada (“si”).
Para esses pesquisadores, o caso enfocado e outros semelhantes demonstram a
importância do “falso amigo” na aprendizagem das nguas e a necessidade de reorientar
esse fenômeno para além das fronteiras da tradução, isolando as consequências de um e
outro ambiente.
Segundo Vaz da Silva e Vilar (2004, p. 13), quatro requisitos são minimamente
obrigatórios para a consideração de um “falso amigo”, ou seja, para se considerar uma
palavra como “falsa amiga” é necessário que as estruturas externas sejam muito
semelhantes; que o vocábulo produza conflito semântico real, tanto isoladamente quanto no
contexto de fala; que se a semelhança entre pares for fonética, as duas realizações façam
parte dos sistemas padrões de Língua; que as divergências de significados devem proceder
de uma primeira interpretação ou de uma segunda significação suficientemente
generalizada.
Esses requisitos podem ser resumidos em apenas dois fatores: semelhança de formas
e disparidade de significados. Para Vaz da Silva (2004, p. 13), dependendo do plano
externo dos signos linguísticos acerca do qual se visa a orientar a relação de falsa analogia
lexical e da graduação que atinja a dissemelhança semântica, podem-se distinguir apenas
duas categorias de “falsos amigos”: “o falso amigo total e o falso amigo parcial.”
O primeiro caso é aquele onde a semelhança entre dois termos de Línguas diferentes
envolve os dois planos externos do signo linguístico, a escrita e a oralidade, e sempre que o
enfrentamento semântico seja efetuado sobre primeiras acepções. Frente a este caso, o falso
amigo parcial é aquele que se realiza apenas sobre a escrita ou sobre a fala, bem como
33
aquele que confronta segundos significados. Com este procedimento, simplificamos antigas
classificações estabelecidas apenas sobre a aparência externa, considerando agora a
homofonia e a homografia questões secundárias, que neste momento a relevância é dada
totalmente ao nível semântico (VAZ DA SILVA, 2004, p. 13).
A partir dessa perspectiva, Vaz da Silva e Vilar (2004, p. 13) propõem um resumo
no seguinte quadro, dando espaço às situações possíveis:
COINCIDÊNCIA
EXTERNA
CHOQUE TIPO CLASSE
Escrita significação F.A. Parcial Homógrafo
Escrita Fala 1ª significação F.A. Total
Fala 1ª significação F.A. Parcial Homófono
Escrita Fala 2ª significação F.A. Parcial
Verificam-se, então, três categorias de “falsos amigos constituídos a partir do
confronto das duas primeiras acepções não coincidentes e um quarto tipo para aquelas
palavras completamente coincidentes, mas confrontadas num segundo sentido, atribuído
por determinados contextos ou níveis de fala. Desse modo, os autores afirmam que dentro
de cada tipologia seria possível distinguir fenômenos de homografia e homofonia, quando
fossem realmente existentes sobre o sistema padrão de fala. Eles acrescentam à anterior
tabela alguns casos exemplares, chegando ao seguinte quadro:
TERMO
(pt)
COINCIDÊNCIA
EXTERNA
CHOQUE TIPO CLASSE
Aceite Escrita 1ª significação F.A. Parcial Homógrafo
Anedota Escrita 1ª significação F.A. Parcial
Apagar Escrita Fala 1ª significação F.A. Total Homg/Homf
Combinar Escrita Fala 1ª significação F.A. Total Homg/Homf
Ninho Fala 1ª significação F.A. Parcial Homófono
Escova Fala 1ª significação F.A. Parcial
Lata Escrita Fala 2ª significação F.A. Parcial Homg/Homf
Nesse quadro, encontram-se dois pares de “falsos amigos”, os quais Vaz da Silva e
Vilar consideram parciais por se “basearem apenas em aspectos externos, na escrita,
como no caso de Anedota/Anécdota, no caso da oralidade, como acontece em
Escova/Escoba. Junto com eles verifica-se outros dois casos irmãos, os de Aceite/Azeite e
Ninho/Niño, que contêm semelhanças externas até fazerem parte dos fenômenos da
homografia e homofonia, processos que antes não eram possíveis devido a alterações de
34
posição da sílaba tônica e das diferentes realizações do fonema –s” (VAZ DA SILVA,
2004, p. 14).
Verificam-se, também, outros dois casos de “falsos amigos” totais, onde, da mesma
maneira, se reproduzem fenômeno de repetição da escrita e da realização fônica. Dentro
dessa área, o caso mais evidente é o par Apagar/Apagar, onde as correspondentes
pronúncias do Espanhol e do Português não podem encontrar elementos diferentes sendo
que a realização da consoante velar oclusiva sonora intervocálica é única nas duas línguas.
A mesma razão, só que transferida agora para a realização da labial oclusiva sonora, é a que
pode-se apresentar para o par Combinar/Combinar.
Por fim, encontra-se o caso anteriormente mencionado de Lata/Lata, que, conforme
Vaz da Silva e Vilar (2004, p.14), “apesar de apresentado como um par plenamente
coincidente (à excepção de leves diferenças na realização do /l/, que é mais velarizado em
Português do que em Espanhol), tem sido catalogado como exemplo de falso amigo
parcial.” A razão, a qual se conhece, é que as diferenças de significado somente se
constituem no ambiente de fala muito concreto, o qual não nos é suficiente para classificar
o caso como falso amigo geral. Com esta mesma situação encontra-se o exemplo dado
anteriormente, Combinar/Combinar, pois se trata de um par até determinado ponto
incompleto que o significado sobre o qual se fundamenta (‘marcar um encontro com
alguém’) é secundário em Português. Mas, por possuir esse segundo significado um
registro de uso na Língua cotidiana, possivelmente superior à primeira acepção, torna-se,
para a situação de ensino, um falso amigo total.
Percebe-se que, devido à origem comum e a momentos históricos de convívio de
línguas, é na escrita o local que a maioria dos “falsos amigos” na relação Português -
Espanhol se encontram. Na escrita, não se encontra o maior local de produção de falsos
amigos, mas também o maior contexto de análise dos mesmos.
No próximo capítulo, será discutida a formação dos “falsos amigos” em que poderá
ser verificada a interferência da LM
10
sobre a LE. Esta interferência acontece, em princípio,
de forma individual na mente das pessoas que estudam uma LE. É na mente que são
armazenadas as unidades linguísticas, a língua propriamente dita. Quando um aprendiz
busca aprender algo novo, ele tenta comparar o conhecimento novo a algo
10
Daqui em diante entende-se como LM – Língua Materna e LE – Língua Estrangeira
35
conhecido. Percebe-se, então, que, quando o aprendiz descobre o “por quê” e “para quê”,
está aprendendo tais e tais regras ou fatos e quais são as relações entre essas regras e
fatos, as estratégias de ensino e os recursos didáticos são adquiridos mais
eficientemente. Isso mostra que, ao aprender uma língua, esta se influenciada em algum
momento pela LM e que o seu sucesso ou não dependem do envolvimento do
aprendiz com as atividades realizadas na aprendizagem.
36
3 FORMAÇÃO E PROCESSAMENTO COGNITIVO DOS “FALSOS AMIGOS”
As duas partes que constituem o signo linguístico, significante e significado são
aspectos que fazem parte na formação do “falso amigo”, embora nem sempre sejam
considerados em conjunto nas aproximações a este fenômeno.
Nesse capítulo, trataremos formação e processamento cognitivo dos “falsos amigos”
nos aprendizes de língua espanhola, verificando que os sistemas das duas nguas se
“misturam” durante a aprendizagem da LE, uma vez que o falante trabalha com duas
línguas simultaneamente, no nosso caso - Português e Espanhol, sob um efeito de
bilinguismo
11
.
řǯŗȱ³¨ȱȱȃȱȄ
A pergunta feita por Vaz da Silva e Vilar (2004, p. 04) é: (...) o que provoca o falso
amigo, dois significantes semelhantes ou significados divergentes? Para os autores parece
que todos os estudos são direcionados para a comparação de formas orais ou escritas
semelhantes, incidindo com menor influência sobre as suas diferenças de significado. Este
sentido de análise do “falso amigo”, em que se parte do lado externo
12
para acabar no
interno, concluindo que as expectativas de sinonímia não ficam saciadas, é válido, mas para
os autores não é único. Sem que seja necessário alterar a ordem existente para propor um
novo sistema de análise, Vaz da Silva e Vilar (2004, p. 05) realiza esta interrogação:
Quando é que se produz o falso amigo?
Segundo os mesmos autores, o processo do “falso amigo” não está totalmente
concluído até que o elemento semântico entre em jogo, sendo que o processo
significante/significado pode levar a conclusões precipitadas. Para exemplificar tal
11
bilinguismo s.m. 1 coexistência de duas nguas oficiais num país 2 uso regular de duas línguas por um
falante ou grupo (HOUAISS, 2008, p. 100).
12
Entende-se, aqui, lado externo como significante e lado interno como significado.
37
afirmação, buscou-se um contexto real no processo de ensino/aprendizagem de uma
segunda língua. É muito normal, nas primeiras aulas de ensino de língua espanhola,
oferecer ao aprendiz as primeiras noções de vocabulário e de pronúncia com a descrição de
objetos, neste caso, o mobiliário.
Nesse momento, começam a aparecer os primeiros casos de “falsos amigos”. O
aluno, falante de português, tentando se aproximar ao máximo possível de um equivalente
partirá sempre da sua língua materna, ou seja, o aprendiz, ao visualizar a palavra,
automaticamente a remete ao significado de seu conhecimento, transformando-a assim em
um “falso amigo”.
Vaz da Silva e Vilar (2004, p. 5) apresentam três substantivos relativos a mobiliário,
os quais pode-se verificar na tabela a seguir:
Espanhol Português
Silla Cadeira
Mesa Mesa
Pizarra Quadro
Considerando os exemplos dados, percebe-se que a importância do lado externo da
palavra não é suficiente para resultar em um “falso amigo”, pois o caso de palavras como
“mesa” nos mostra que inúmeras vezes as línguas portuguesa e espanhola combinam nas
suas respectivas evoluções.
A partir desses três pares de signos linguísticos apresentados, pode-se delinear um
nível de formação de “falsos amigos”, em que finalmente se percebe a relevância do lado
semântico. No primeiro exemplo silla/cadeira, verifica-se a cautela que a aprendizagem de
espanhol exige do falante de português e como as tentativas de se chegar a uma tradução
fácil são frustradas. o segundo exemplo, mesa/mesa, percebe-se como um “falso amigo”
se desfaz ao se colocar o fator semântico em nossas intuições. Por fim, o exemplo
quadro/pizarra leva ao surgimento, do “falso amigo” cuadro/quadro.
Vaz da Silva e Vilar (2004, p. 05) pretendem demonstrar, a partir dos pares
apresentados, que o “falso amigo”:
se pode considerar tendo em conta o conteúdo semântico. A simples aparência
gráfica da palavra não nos demonstra se se trata da mesma palavra em duas
línguas diferentes, já que ambas partiram do mesmo étimo arcaico, ou se, por
38
outro lado, estamos perante duas palavras completamente distintas, cuja evolução
fonética aproximou graficamente, mas que continuam afastadas a nível do
significado. É precisamente a cadeia significante>significado que nos permite
compreender as palavras coincidentes na sua forma completa.
Percebe-se, assim, que o “falso amigo” resulta de um conflito entre duas faces da
palavra significante e significado. Pode-se dizer, ainda, como Vaz da Silva e Vilar que o
falso amigo em linguística é o equivalente aos falsos silogismos filosóficos ou a regra de
três em matemática, onde o aprendiz usa de dois ou mais elementos linguísticos à procura
de uma resposta, que se estabelece por dedução.
A partir do estudo desses pares de vocábulos heterossemânticos do português/
espanhol, confirma-se a possibilidade de explicar a sua heterossemanticidade, partindo da
premissa de que, na maioria das vezes em que ocorre alteração de sentido, há uma mudança
entre a imagem acústica e o conceito, provocando um deslocamento ou desvio de sentido
no signo linguístico, oportunizando, dessa maneira, que se identifiquem os fatores que
promovem a diferença semântica nesses lexemas.
Em segundo lugar, deve-se considerar a relação genética entre as línguas em
questão, visto que a variedade das causas que promovem a divergência de sentido entre as
palavras relaciona-se com as relações semânticas de polissemia e homonímia. Nos estudos
linguísticos, ainda existe muita polêmica sobre essas duas relações semânticas na
linguagem. Tais fenômenos linguísticos são de origens diferentes e, embora distintas entre
si, contribuem para a ambiguidade lexical.
Acredita-se, não ser possível citar aqui as rias definições dadas por linguistas a
respeito de polissemia e homonímia. A princípio porque se percebe que os próprios termos
apontam para critérios diversos para distingui-los e defini-los. Em seguida, verifica-se que,
em diferentes critérios de análise apresentados ao longo dos estudos linguísticos, nem
sempre uma separação clara entre ambos os termos, ou tais critérios não satisfazem aos
objetivos propostos, embora se acredite que a preocupação da maioria seja, provavelmente,
a mesma, ou seja, examinar a ambiguidade lexical.
Lyons (apud Silva, 2004, p. 147) afirma que a diferença entre a homonímia e a
polissemia é mais fácil de se explicar em termos gerais do que de se definir com base em
critérios objetivos e operacionalmente satisfatórios. Entretanto, vale destacar algumas
definições que contribuirão para nossos estudos.
39
Para Ulmann (apud MARQUES, 2001, p. 65), os significados diferentes são
expressos por um mesmo nome, na homonímia; e os matizes diversos de um mesmo
sentido básico de um nome caracterizam a polissemia. Dessa forma, pode-se dizer que a
polissemia é: poli: vários + semía = significados, isto é, envolve o significado e a sua
multiplicidade. A homonímia: homo = semelhante, igual + nímia < nomen = nome,
envolvendo os significantes e a sua identidade.
Segundo Lyons (apud Silva, 2004, p. 148), numa definição comum do termo,
homônimos são vocábulos ou lexemas que possuem a mesma forma, mas diferem no
significado, e não apenas por terem significados diferentes, mas por serem completamentes
estranhos um ao outro é que são homônimos.
Ullmann (apud Silva, 2004, p. 150) admite que a convergência fonética é um dos
fatores mais comuns pelos quais pode surgir a homonímia, visto que, sob a influência das
alterações fonéticas populares, duas ou mais palavras que tiveram outrora formas distintas
coincidem na linguagem falada, e muitas vezes também na escrita.
Em se tratando de línguas diferentes, percebe-se esse acontecimento, ou seja,
lexemas originalmente diferentes, pois vieram de origens ou raízes etimológicas diferentes,
pelas evoluções eleitas por cada língua para o mesmo som ou grafia, significante igual.
Dessa maneira, considera-se esse critério como um dos possíveis para a criação de
heterossemânticos entre línguas diferentes, como se pode observar entre o português e o
espanhol, em que palavras que tinham anteriormente formas diferentes, sofreram algum
tipo de mudança fonética tendo atualmente formas fonética ou gráfica semelhantes ou
iguais por convergência fonética.
Outro fator importante para o aparecimento da homonímia é o desenvolvimento de
sentidos divergentes, visto que, quando dois ou mais significados da mesma palavra se
separam de tal modo que não haja nenhuma ligação entre eles, a polissemia dará lugar à
homonímia e a unidade da palavra será destruída. Percebe-se que, quando duas palavras
têm som idêntico e a diferença de significado não é muito significativa, certa inclinação
a considerá-las como uma única palavra com dois sentidos. Historicamente, são casos de
homonímia, pois os dois termos provêm de origens distintas, mas o locutor, desconhecedor
de etimologias, estabelecerá uma relação entre eles sobre bases puramente psicológicas.
40
Estes fatores são comuns entre os heterossemânticos do português e do espanhol,
pois se percebe, em algumas palavras, a divergência semântica desde a origem ou fonte; em
outras, verifica-se alguns traços semelhantes na origem, porém logo no sentido de base
divergem completamente; em outros casos, imprecisão ou controvérsias quanto à origem
etimológica. Dessa forma, a divergência semântica pode ser considerada como um dos
fatores para a divergência em palavras heterossemânticas por alguns desses processos.
Acredita-se que os mais comuns sejam quando vêm da mesma origem: a perda do sentido
literal, a distância muito ampla entre o sentido literal e figurado muito ampla, a percepção
dos sentidos como pertencentes a palavras separadas, e, em último caso, as origens
diferentes.
Consideram-se estes fatores como fontes de criação de heterossemânticos mais no
nível fonético, envolvendo a relação da homonímia entre as palavras de duas línguas, pois
estas mudanças estão mais relacionadas ao significante, do que diretamente relacionadas ao
significado. É importante ainda destacar que os pares selecionados para análise são, em sua
grande maioria, semelhantes principalmente na forma fonética e/ou gráfica. Por isso, não
serão aprofundadas as questões fonológicas entre as línguas, pois não seria esse o objetivo
principal, embora se saiba que ambas possuem diferenças fonológicas entre si. Assim, serão
tratados mais especificamente, conforme uma terminologia mais adequada em semântica,
de pares que divergirem quanto ao significado, e de pares homófonos quando as palavras
ou lexemas tiverem a mesma pronúncia (ou semelhante, embora sempre possa haver
diferenças de som entre as línguas), mas divergirem quanto ao sentido, considerando que,
quando a identidade cobre tanto a forma escrita quanto a falada, fala-se em homônimo total,
enquanto quando recobre apenas um único meio ou nível chama-se homônimo parcial.
A seguir trataremos do processamento cognitivo dos “falsos amigos” em que se
verificará a interferência da LM sobre a LE e o modo como, segundo a literatura
consultada, ela acontece na mente do aprendiz.
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41
Quando um aprendiz busca aprender algo novo, ele tenta equiparar o
conhecimento novo a algo conhecido. Isso acontece, por exemplo, quando o indivíduo
trata de aprender uma LE ele recebe a interferência da LM. Esta interferência acontece, em
princípio, na mente das pessoas que estudam uma LE. Vejamos os exemplos que seguem:
Espanhol Português
taller oficina
cubierto talher
oficina escritório
Pode-se observar que primeiramente a palavra taller faz “sinonímia” à oficina como
se na primeira linha e na linha seguinte taller fazendo oposição a talher. O vocábulo
taller (do esp.) é trabalhado como falso amigo de talher (do port.) pela sua forma que é
parecida e pela sua pronúncia que também é parecida.
Percebe-se, assim, a influência, ou melhor, a interferência da LM sobre a LE. Essa
interferência acontece inicialmente de maneira individual na mente das pessoas que
estudam uma LE. É na mente que são armazenadas as unidades linguísticas, a
línguapropriamente dita. Os sistemas das duas línguas se “misturam” durante a
aprendizagem da LE. Essa “mistura” acontece, muitas vezes, conscientemente e, com
menos frequência, inconscientemente. Quando um aprendiz trata de aprender algo novo,
ele tenta equiparar o conhecimento novo a algo conhecido. Nesse sentido, a questão da
metaconsciência do aprendiz sobre a sua própria aprendizagem da LE é muito importante.
Segundo o autor, quando o aluno consegue saber “por quê” e “para quê” es
aprendendo tais e tais regras ou fatos e quais são as relações entre essas regras e
fatos, as estratégias de ensino e os recursos didáticos são aprendidos mais
eficientemente. Isso mostra que a aprendizagem da língua-alvo será influenciada em algum
momento pela LM e que o seu sucesso ou não dependem do envolvimento do aprendiz com
as atividades propostas pelo professor. Para aprender, o aluno precisa estar motivado.
Vaz da Silva e Vilar (2004, p. 05) explicam que, no momento do aparecimento de
um “falso amigo”, o falante trabalha com duas línguas simultaneamente, no caso -
Português e Espanhol, sob um efeito de bilinguismo. Os autores ainda nos colocam que,
para que bilinguismo acontecer não é necessário que o conhecimento ou uso de dois
idiomas, por parte de um mesmo falante, seja total, pois mesmo que exista apenas a
42
produção escrita ou falada de uma segunda língua, bem como a compreensão escrita ou
falada, o fenômeno do bilinguismo considera-se realizado. Dessa forma, os estudantes
portugueses de espanhol, mesmo em nível inicial, começam a realizar o bilinguismo e
assim os processos de interferências linguísticas podem surgir em qualquer momento. Vaz
da Silva e Vilar (2004, p. 06) afirmam, então, que no “falso amigo” dá-se sempre e
obrigatoriamente uma situação de bilinguismo ou, pelo menos, de duas línguas em contato
na mente do falante.
Percebe-se, então que, se estudasse somente uma língua, ou a espanhola ou a
portuguesa, os fenômenos com os quais se iriam trabalhar seriam bem diferentes. A
Homonímia e a Homofonia, por exemplo, também produto de semelhanças incorretas ou
falsas, podem ocorrer no interior de uma única língua, isolada, como também entre dois
idiomas, porém isso não quer dizer que estes fenômenos sejam a base do “falso amigo”.
Contudo, muitas das classificações dos “falsos amigos”, apresentam estas combinações
linguísticas como a sua razão principal. Segundo Vaz da Silva e Vilar (2004, p. 05):
se não tivéssemos em conta que no processo de criação do falso amigo hão-de
aparecer duas línguas activas como mínimo, chegávamos ao resultado da
existência de múltiplas formas de “falsa amizade interna” dentro de cada uma das
línguas isoladamente e mesmo quando tidas como maternas. Tanto as
particularidades da Fonética da Língua Portuguesa, pela complexidade que
oferece a um hispanofalante, como a controvertida
13
ortografia de ambas as
línguas, fazem com que surjam confusões de homofonia e homografia como estas
que apresentamos a seguir:
PORTUGUÊS ESPANHOL
Fato / Facto Baca / Vaca
Hesitar / Excitar Hola / Ola
Anos /Ânus Ala / Hala
Dose / Doze Rebelar / Revelar
Caçar / Casar Sí/Si
Homófonos
Nós / Noz / Nós (pl nó)
Conto (v) / Conto (subs) Vino (v) / Vino (subs)
Homógrafas
Falo (v) / Falo (subs) Velo (v) / Velo (subs)
Verifica-se assim que normalmente quando acontece confusão entre esses tipos de
vocábulos é porque se percebe um erro ortográfico (consequência de um domínio primário
da nova língua estrangeira), visto que em quase todos os exemplos oferecidos,
43
principalmente no Português, a fonética estabelece divergências primordiais para a
distinção de cada elemento linguístico. Conforme os autores, enquanto os pares espanhóis
Hola/Ola e Hala/Ala oferecem sempre e em qualquer situação a mesma realização fônica,
os portugueses citados oferecem claras diferenças, pouco perceptíveis para os alunos de um
nível inicial de E/LE, mas fundamentais na língua. Entra-se assim na consideração da
importância que a oralidade e a escrita têm na relação dos “falsos amigos”.
Vaz da Silva e Vilar (2004, p. 07) afirmam que, devido à origem comum e a
momentos históricos de convívio de nguas, é na escrita o local onde a maioria dos “falsos
amigos” na relação Português/Espanhol se encontram. Para eles, é na escrita que não se
evidencia como o maior local de produção de falsos amigos, mas também como o maior
contexto de análise dos mesmos. Em princípio parece que o falso amigo é um termo apenas
criado e usado pelos estudiosos de línguas para a definição objetiva de algumas das
interferências ocorridas no processo de memorização, mas outra atividade quase passa
despercebida – a tradução.
Em vista disso, Vaz da Silva e Vilar (2004, p. 07) realizam a pergunta: até que
ponto o falso amigo pertence a uma ou a ambas as áreas linguísticas? Os autores acreditam
que a resposta não pode ser decisiva, pois o falso amigo pode ser tanto particular quanto
comum a cada disciplina. Ou seja, para que o “falso amigo” se torne próprio e inerente de
alguma (ou ambas) especialidade, precisaríamos julgá-lo como resultado de determinadas
ações, da mesma maneira que também o “falso amigo” seria nesse caso o contentor de
algum produto ou efeito diferente ao que poderia criar no caso da outra disciplina
linguística. Portanto, pode-se defender que o “falso amigo” produzido por consequência da
tradução não é o mesmo que aquele que surge num determinado momento da aprendizagem
de línguas.
Mas a verdade é que no fundo, a aprendizagem e a tradução partilham este efeito,
até ao ponto de estas duas parcelas da Linguística não serem afastadas nem diferenciadas
em determinadas aproximações aos “falsos amigos”. Assim diz, por exemplo, a Professora
Diaz Ferrero ( apud VAZ DA SILVA, 2004, p. 08):
13
Controvertida entendida como os conflitos que pode provocar a tendência culta do Espanhol frente ao
português (prohibir/proibir, por exemplo) e, ao mesmo tempo, por provocar importantes discussões nos países
da América do Sul e a suas tentativas de reforma, tanto para o espanhol quanto para o português.
44
A semelhança das línguas românicas, especialmente do espanhol e o português,
facilita e agiliza a aprendizagem, porém ao mesmo tempo se converte em uma
armadilha e uma fonte de erros para a tradução
14
.
Observa-se então, que, em geral, o aprendiz, para atribuir um sentido a essas
palavras e/ou expressões, baseia-se, primeiramente, na semelhança que a palavra ou
expressão possa ter com outras de sua língua materna, “caindo”, assim, em uma armadilha
que dificulta o ato de traduzir; em seguida, tenta fazer uma tradução literal, com o auxílio
de dicionário bilíngüe que, na maioria das vezes, não é possível, pois nem sempre
correspondência de sentido entre palavras ou expressões de duas línguas, e os sentidos
dicionarizados dificilmente se encaixam no sentido contextual.
No capítulo seguinte, se fará um delineamento a respeito dos princípios
fundamentais da Semântica Argumentativa, cujo desdobramento principal é a teoria da
Argumentação na Língua que tem como base os princípios estruturalistas de signo, de
relação e de língua e fala, embora modificados. Signo, para Ducrot, é uma entidade abstrata
que somente se define quando entra em relação com outros signos no discurso. Pretende-se,
na sequência, verificar a aplicação dessa teoria à resolução do problema gerado pelas
palavras heterossemânticas a quem estuda a língua espanhola. Pretende-se, na sequência,
verificar a aplicação dessa teoria à resolução do problema gerado pelas palavras
heterossemânticas a quem estuda língua espanhola.
14
“La semejanza de las lenguas románicas, especialmente del español y el portugués, facilita y agiliza el
aprendizaje, pero al mismo tiempo se convierte en una trampa y en una fuente de errores para la traducción”
(Tradução nossa).
45
4 TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO DA LÍNGUA (ADL) E SENTIDO DISCURSIVO
DE “FALSOS AMIGOS”
Neste capítulo, primeiramente, faz-se um delineamento a respeito dos princípios
fundamentais da Semântica Argumentativa, cujo desdobramento principal é a teoria da
Argumentação na Língua, que foi ampliada e modificada por Carel com a Teoria dos
Blocos Semânticos e, mais recentemente, pela Teoria Polifônica Ampliada, as quais vêm
sendo desenvolvidas em conjunto por Carel e Ducrot, a partir de 1995. Na sequência,
apresentam-se os princípios e conceitos de semântica argumentativa, especialmente da
TBS, e um modo discursivo de distinguir o sentido dos “falsos amigos”.
Śǯŗȱȱȱȱȱ³¨ȱȱÇȱǻǼ
Esta seção vai abordar, inicialmente, os princípios e os conceitos básicos da Teoria
da Argumentação da Língua (ADL), seguidos dos princípios e conceitos da TBS,
importantes para o tratamento argumentativo dos heterossemânticos.
A Teoria da Argumentação na Língua, elaborada por Oswald Ducrot, com início na
década de 80, com a colaboração de Jean-Claude Anscombre e posteriormente de Marion
Carel, assume que a argumentação está inscrita no próprio sistema linguístico.
A ADL, tem suas raízes nos princípios estruturalistas concebidos por Saussure e
parte do pressuposto de que a função primeira da linguagem não é informar, mas
argumentar. Essa acepção tem por fim se opor à acepção tradicional de sentido, segundo a
qual o sentido de um enunciado está preso a três aspectos: objetivo, subjetivo e
intersubjetivo
15
(DUCROT, 1990, p. 49). Para Ducrot (1990), a linguagem ordinária não
parece possuir uma parte objetiva, tampouco parece que seus enunciados deem acesso
direto à realidade pelo menos não a descrevem diretamente. Além disso, os aspectos
15
Entenda-se aqui por objetivo o aspecto denotativo, ou seja, aquele que se encontra descrito no dicionário e/
ou outras fontes de consulta; os demais aspectos se encontram no nível da conotação, isto é, do sentido
figurado, não dicionarizado.
46
subjetivo e intersubjetivo da linguagem, apontados por Karl Bühler (apud DUCROT, 1990,
p. 49), consistem no que Ducrot chama de “valor argumentativo” dos enunciados, que, na
verdade, seria a essência de toda descrição semântica.
Em virtude de a ADL estar baseada nos princípios saussureanos e para um
entendimento mais completo da Teoria, faz-se necessário traçar um panorama sobre os
fundamentos concebidos por Saussure, como a definição de signo linguístico, a noção de
relação entre língua e fala, frase e enunciado, texto e discurso, bem como a ideia de
significação e sentido, para, então, abordar a noção de valor argumentativo do enunciado, a
questão do encadeamento argumentativo, a questão dos blocos semânticos, dentre outros
aspectos importantes da teoria.
Saussure (2006) toma a língua como um sistema de signos
16
, no qual cada um está
constituído por duas “faces” inseparáveis uma da outra: o significante impressão psíquica
do som ou imagem acústica; e o significado que o linguista define como sendo um
conceito. Significante e um significado, para ele, são entidades psíquicas e abstratas, que
diferem entre si e, ao mesmo tempo, se completam mutuamente. Desse modo, pode-se
afirmar que um signo não pode ser simplesmente considerado como a união de certo som
com certo conceito, pois, como afirma Saussure (2006, p. 132), “defini-lo assim seria isolá-
lo do sistema do qual faz parte; seria acreditar que é possível começar pelos termos e
construir o sistema fazendo a soma deles [...]”. Para o linguista, o signo se define pela
oposição que faz em relação a outro, isto é, o valor de um signo se por meio de relações
entre eles. Nesse sentido, Saussure defende que a noção de relação é de fundamental para a
descrição semântica. Ducrot escreve:
Em termos gerais, pode afirmar-se que a ADL é uma aplicação do estruturalismo
saussureano à semântica lingüística na medida em que, para Saussure, o
significado de uma expressão reside nas relações dessa expressão com outras
expressões da língua. (CAREL; DUCROT, 2005, p.11).
16
O valor desses signos, segundo Saussure, é definido pela relação de oposição que se pode estabelecer entre
eles.“Assim, o valor de qualquer termo que seja está determinado por aquilo que o rodeia; nem sequer da
palavra que significa “sol” se pode fixar imediatamente o valor sem levar em conta o que lhe existe em redor;
há línguas em que é impossível dizer ‘sentar-se ao sol’” (SAUSSURE, 2006, p. 135, grifo do autor).
47
Na ADL, pode-se afirmar que as palavras ou expressões da língua adquirem
sentido quando tomadas em relação a outras palavras ou expressões, ou seja, quando
consideradas a partir de um discurso. Conforme afirma o próprio Saussure (2006, p. 136):
Quando afirmo simplesmente que uma palavra significa alguma coisa, quando me
atenho à associação da imagem acústica com o conceito, faço uma operação que
pode, em certa medida, ser exata e dar uma ideia da realidade; mas em nenhum
caso exprime o fato linguístico na sua essência e amplitude.
Assim, afirma-se que a expressão hoje está frio somente tem sentido quando ligada
a uma outra expressão, como por exemplo vamos ficar em casa. É um frio que convida à
permanência no lar. Por outro lado, se hoje está frio for ligado à expressão vamos tomar
sol, seu sentido não é o mesmo é um frio que motiva à exposição solar. Dessa forma,
percebe-se nesses exemplos que dois sentidos diferentes para a mesma expressão,
dependendo da continuação discursiva que se a ela. Essa noção de relação e sua
importância na construção do sentido confirmam o vínculo de Ducrot com o estruturalismo.
Outros conceitos desenvolvidos por Saussure tiveram reflexos diretos nos
fundamentos da ADL, como as formulações de ngua e fala. Segundo o linguista, a língua
corresponderia ao sistema linguístico, abstrato, de aspecto homogêneo e coletivo, por isso
prestava-se à descrição. A fala seria a realização da língua. Tais formulações influenciaram
diretamente a definição dos conceitos de frase e enunciado, texto e discurso, significação e
sentido, formulados por Ducrot (1990) e muito utilizados no desenvolvimento da sua teoria
linguística.
Segundo Ducrot é necessário identificar dois elementos distintos na produção de
uma sequência de palavras. Um é de caráter abstrato, ou seja, o material linguístico
empregado pertencente ao sistema da língua. Outro são as várias realizações desse material,
que dizem respeito a uma pessoa (no sentido gramatical), num determinado espaço e
tempo. A partir dessas considerações, Ducrot define uma terminologia que i utilizar no
desenvolvimento de sua teoria linguística, conceituando frase, texto, enunciado e discurso.
Cláudio Delanoy (2008, p. 16) propõe um esquema interessante, que apresenta a
correspondência entre língua/fala de Saussure e frase/enunciado de Ducrot:
48
Entidade abstrata Entidade concreta
Saussure Língua Fala
Ducrot Frase Enunciado
Ducrot diferencia claramente os valores semânticos da frase e do enunciado. Para
ele as frases são ricas de significação e os enunciados têm sentido. O linguista separa
significação de sentido por considerar que esse último é produzido no uso. Ele realiza
essa distinção principalmente quanto à natureza da significação e do sentido, “por
considerar que esse último é produzido no uso, não havendo a idéia de sentido constante
ou literal. A significação, por outro lado, é constituída de instruções abertas, isto é, não pré-
concebidas, que vão produzir sentido no uso da língua (DELANOY, 2008, p. 16-17, grifo
do autor).
Vale salientar que, de acordo com Ducrot, por ter esse caráter pragmático
17
, os
valores semânticos dos enunciados e, consequentemente, dos discursos (1984), não são os
mesmos, visto que a capacidade de fazer referência ao mundo é um atributo das entidades
concretas da língua, ou seja, dos enunciados, não das frases, pois são eles que nos dão
instruções para a construção polifônica do seu sentido. Conforme afirma Ducrot (1990, p.
72), “ o enunciado diz portanto: imagine quais são as posições do locutor e imponha alguns
limites a esta imaginação”
18
. Para o linguista, ainda, a frase ou o enunciado por si
contém esclarecimentos sobre as relações entre os interlocutores, motivo pelo qual toda a
sua teoria sobre a argumentação trata de justificar essa ideia. O autor, ainda, enfatiza que
seu propósito ao desenvolver essa teoria é “[...] mostrar que a frase, e, portanto, toda a
língua contém alusões à atividade da fala, contém alusões sobre o que fazemos quando
falamos”
19
(DUCROT, 1990, p. 64).
Para Ducrot (1990), a argumentação está localizada no interior da língua, inserida
na própria forma linguística, que irá impor certas argumentações em detrimento de outras.
Ducrot (1990, p. 16) adapta a noção tradicional de polifonia à análise linguística e mostra
17
Entenda-se pragmático aqui tanto no sentido contextual quanto no sentido de sua relação com o ato
enunciativo (relacionado ao ato da fala). Essas duas distinções foram explicitadas por Ducrot em seu artigo A
pragmática e o estudo semântico da língua. (Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 40, n.1, p. 9-22, mar. 2005)
18
“El enunciado dice por lo tanto: imagine cuáles son las posiciones del locutor e imponga algunos límites a
esta imaginación” (Tradução nossa).
19
“[...] mostrar que la frase, y por lo tanto la lengua, contiene alusiones a la actividad del habla, contiene alusiones
sobre lo que hacemos cuando hablamos” (Tradução nossa).
49
que o autor de um enunciado não se expressa diretamente, mas coloca em cena um certo
número de personagens, assim, o sentido do enunciado nasce da confrontação desses
diferentes sujeitos, o sentido de um enunciado é o resultado das diferentes vozes que ali
aparecem. Desta forma, ao considerar que a linguagem não descreve diretamente a
realidade, Ducrot (1990, p. 49-50) explica que sua teoria se opõe à concepção tradicional de
sentido e busca suprimir a separação entre denotação e conotação. A idéia central é de que
a argumentação está inscrita no sistema da língua, sendo, portanto, essencial para apreensão
do sentido dos enunciados. “A descrição é feita para argumentar, não para informar, e o
valor argumentativo torna-se o nível fundamental da descrição lingüística” (GRAEFF,
2001, p. 47). Dito de outro modo, as palavras não constatam, não informam, elas
argumentam.
Para a teoria da Argumentação na Língua, o exterior é apontado linguisticamente o
que contraria a ideia tradicional de uma referência externa. “O núcleo semântico profundo
dos enunciadores é constituído não por dados da referência ao mundo, mas pelas relações
que ligam o enunciado com o discurso que o precede e que o segue. Essas relações, como
se percebe, são de natureza inferencial, o que implica dizer argumentativa (GRAEFF,
2001, p. 48).
Isso implica entender que, segundo Ducrot (1990, p. 65), a frase é uma entidade
teórica, linguística, construída pelo linguista, enquanto o enunciado é a realidade empírica,
observável, ou seja, a realização da frase. Supondo-se que um enunciado tenha dois
segmentos S1 e S2, articulados por um conector, o segmento S1 tem sentido a partir de
S2. Desse modo, a sequência S1 + S2 constitui um único enunciado, em que o primeiro
segmento faz alusão ao segundo, funcionando, o primeiro, como argumento para o
segundo, a conclusão. Tem-se, então, um único enunciado e uma única frase.
Assim, entende-se que “... uma conclusão não se explica apenas a partir do fato
expresso por um segmento A, mas por meio da forma linguística de A, o que significa que a
argumentação está marcada na própria língua, inscrita na frase, entendida como uma
estrutura abstrata, cuja significação contém instruções para decodificar o sentido dos
enunciados possíveis.” (GRAEFF, 2001, p. 48) [grifo do autor]. Desta forma, a
argumentação é entendida como conjunto de conclusões possíveis.
50
A partir dessa noção argumentativa de sentido, Ducrot, juntamente com seus
seguidores, vêm, desde a década de 1980, desenvolvendo e aperfeiçoando a ADL, que, até
aqui, passou por três fases distintas: a primeira fase, chamada de forma standard, teve
início em 1983, com a obra Argumentação na língua; a segunda fase contou com a Teoria
dos Topoi articulada com a noção de polifonia (1990); a terceira, e mais importante de
todas, foi o desenvolvimento da TBS (1995), a qual está sendo ampliada pela Teoria
Polifônica Ampliada (2008), que tem como objetivo retomar alguns conceitos da forma
standard da Teoria da Polifonia, especialmente a relação entre locutor e enunciadores, na
análise da negação e da pressuposição.
Baseando-se nas acepções teóricas apresentadas até aqui, verifica-se que Ducrot e
seguidores procuraram embasar a ADL nos princípios estruturalistas saussureanos, os quais
foram reelaborados em alguns momentos, a fim de dar suporte aos seus princípios mais
importantes, dentre eles a noção de que o sentido está inscrito na língua e pode ser
construído a partir dela.
Na próxima seção, busca-se apresentar os princípios e conceitos das fases da ADL
especialmente da TBS e, com base neles, propor a construção do sentido discursivo dos
“falsos amigos”.
ŚǯŘȱÇȱȱȱȱȱȱǰȱȱȱǰȱȱȱ
ȱȃȱȄȱȱ
Nessa seção irá se tratar dos princípios e conceitos da semântica argumentativa,
principalmente da Teoria dos Blocos Semânticos, desenvolvida por Ducrot e Carel a partir
de 1995, e do sentido discursivo dos “falsos amigos”, decorrente dessa base teórica.
A primeira fase da ADL, conhecida como forma standard, parte do princípio de que
a argumentação acontece a partir de um argumento que leva a uma conclusão, cujo
encadeamento discursivo é dado por um conector do tipo de DONC (DC), em francês, ou
portanto, em português. Para Ducrot (1990), essa concepção de linguagem opõe-se à
concepção tradicional da argumentação, para a qual um discurso contém uma
51
argumentação, caso se satisfaçam três condições fundamentais: a primeira condição é que o
discurso deve conter dois segmentos A e C, sendo A o argumento e C a conclusão; a
segunda condição implica que A indica um fato F, que pode ser julgado como falso ou
verdadeiro independentemente de C; a terceira condição expressa a ideia de que a
conclusão C pode ser inferida a partir do fato F, pois uma relação de implicação entre
eles.
O fato de Ducrot e seus colaboradores terem percebido que, todas as línguas,
possuem pares de frases cujos enunciados designam o mesmo fato, quando o contexto é o
mesmo, sendo as argumentações possíveis a partir desses enunciados completamente
distintas, é uma das principais evidências do valor argumentativo das palavras, em
detrimento de seu valor informativo. Confira-se o par de enunciados como exemplo: João
comeu pouco no almoço e João comeu um pouco no almoço. Observe-se que, nos dois
casos, João ingeriu uma pequena quantidade de alimento. Porém, do primeiro pode-se
chegar a uma conclusão negativa e, do segundo, positiva, ou vice e versa.
A ideia de que as conclusões possíveis, a partir de enunciados como esses, o
radicalmente opostas passa a ser contestada, principalmente com base na percepção de que
os dois enunciados acima podem autorizar conclusões iguais, dependendo de como é vista a
ingestão de alimentos, se como prejudicial ou benéfica. Percebeu-se, em outras palavras,
que, com operadores como pouco e um pouco, por exemplo, pode-se chegar à mesma
conclusão com o auxílio argumentativo de diferentes topoi, os quais garantem a passagem
do argumento para a conclusão. Como exemplo do funcionamento dos topoi, podem-se
citar os seguintes enunciados explicitados por Ducrot (1990):
(19) Trabalhou um pouco, vai ter êxito.
(Ha trabajado un poco, va a tener éxito.)
(20) Trabalhou pouco, vai fracassar.
(Ha trabajado poco, va a fracasar.)
(21) Trabalhou pouco, vai ter êxito.
(Ha trabajado poco, va a tener éxito.)
Verifica-se que, caso se acredite que o trabalho induz a êxito, a (19) e (20) são
perfeitamente possíveis, porém, se crer que o trabalho é motivo de fracasso, então, tem
como possível o enunciado (21). Dessa forma, pode-se tirar o mesmo resultado de pouco e
um pouco. Tudo depende da ideia que se tem de trabalho.
52
A noção de topos juntamente com a noção de polifonia modificam a forma standard
da ADL, transformando-a no que se denominou forma standard ampliada. Na forma
ampliada da teoria da Argumentação na Língua, modifica-se o conceito de argumentação e,
devido à polifonia, surge a idéia do sujeito na função de: sujeito empírico (produtor do
enunciado, autor efetivo); locutor (pessoa a quem se atribui a responsabilidade da
enunciação); e enunciador (responsável pelos pontos de vista apresentados pelo enunciado).
Assim, a teoria concentra seus estudos nos diferentes pontos de vista apresentados pelo
enunciado. Conforme Ducrot (1990), um ponto de vista é argumentativo mediante duas
condições: quando tende a uma conclusão e quando essa conclusão convoca um princípio
argumentativo chamado topos, que auxilia o raciocínio, na medida em que permite operar
uma escolha entre caminhos, que vão de um argumento a uma conclusão (apud GRAEFF,
2001, p. 51). Essa passagem entre o argumento e a conclusão pode ser entendida como:
quanto mais verdadeiro é o que se diz no argumento, mais verdadeiro e o que se diz na
conclusão.
Conforme Ducrot (1997), é possível definir o enunciador como a origem de um
ponto de vista, ponto de vista que consiste em evocar um princípio argumentativo que se
pode chamar de topos. É esse topos, considerado comum à coletividade onde o discurso
ocorre, que permite extrair argumento do estado de coisas para justificar essa ou aquela
conclusão. Com essa noção de topos, constitui-se a possibilidade de uma semântica
desvencilhada das condições de verdade.
Tem-se a partir daí que a significação de uma frase é entendida como um conjunto
de topoi, dentre os quais ela autoriza a aplicação do topos que é enunciado. Por exemplo, ao
dizer “esse filme é interessante”, um sujeito falante coloca em cena um enunciador, o qual
aplica ao filme em questão um topos do tipo geral “quanto mais uma obra é interessante,
mais (ou menos)...” (cada preenchimento particular dos pontilhados corresponde a um
topos particular, entre o conjunto de topoi fundado sobre o caráter interessante das obras de
arte) (DUCROT, 1997).
Na ADL, versão standard ampliada, a descrição de uma frase indica, de uma parte o
aspecto polifônico, isto é, as grandes linhas do cenário que os enunciadores deverão pôr em
cena, conforme cada enunciado particular, e, de outra, o aspecto argumentativo que
especifica os topoi que os enunciadores têm à sua disposição (GRAEFF, 2001, p. 52). As
53
noções de polifonia e de topos permitem entrever, então, uma semântica desvencilhada das
condições de verdade.
Carel (1995) apresenta a Teoria dos Blocos Semânticos, mostrando que os
encadeamentos argumentativos conclusivos não exprimem atos argumentativos, sendo seus
segmentos interdependentes. Ao mesmo tempo em que se esclarecem mutuamente, fazem
sentido no conjunto. De acordo com Carel, as duas partes do encadeamento só constituem o
sentido, se tomadas juntas, uma influenciando o sentido da outra.
Carel, em sua Teoria dos Blocos Semânticos, propõe, na tentativa de construir uma
descrição semântica do léxico, que se atribua como sentido a cada palavra um conjunto de
encadeamentos argumentativos em DC (= portanto) e em PT (= pourtant = mesmo assim),
mantendo a decisão fundamental da ADL de não se recorrer à indicação das coisas ou
idéias que a palavra supostamente evocaria.
Dentro desse quadro teórico, o enunciado João economiza, portanto adquire o que
deseja estaria realizando o bloco semântico que relaciona, de forma semanticamente
interdependente, economizar/adquirir. A relação semântica argumentativa que economizar
e adquirir constroem solidariamente, ou seja, esse bloco semântico lugar a quatro
aspectos: os recíprocos, positivo e negativo; e os conversos, normativo e transgressivo.
Confiram-se: (1) os positivos aparentados: encadeamento argumentativo normativo
A DC C economiza DC não adquire coisas supérfluas e encadeamento argumentativo
transgressivo A PT Neg-C, economiza PT adquire coisas supérfluas; (2) os negativos
aparentados: encadeamento argumentativo transgressivo Neg-A DC Neg-C não economiza
DC adquire coisas supérfluas e encadeamento argumentativo transgressivo Neg-A PT C
não economiza PT não adquire coisas supérfluas. Na citação a seguir, Carel destaca uma
questão fundamental para o estabelecimento da diferença entre os aspectos normativos e
transgressivos:
Em particular, segundo minha terminologia, o encadeamento Pedro é rico,
portanto é infeliz [...] é normativo. Por certo, ele é contrário às crenças sociais.
Mas isso não faz dele o que eu chamo de encadeamento transgressivo. Ele é, ao
contrário, normativo, porque, tanto quanto Pedro é rico, portanto é feliz [...], ele
a regra (a riqueza traz infelicidade) como uma prescrição. O encadeamento
Pedro é rico, portanto é infeliz deve, então, ser bem diferenciado de Pedro é rico,
mesmo assim é infeliz: o primeiro contradiz a regra segundo a qual a riqueza traz
felicidade; o segundo se contenta em desobedecê-la (CAREL, 2001, p. 4).
54
Cumpre referir, ainda, que dois modos externo e interno - pelos quais um
aspecto pode estar associado às palavras cujo sentido ele constitui. Conforme Ducrot
(2002), a argumentação externa (AE) de uma palavra é constituída pela pluralidade dos
aspectos constitutivos de seu sentido na língua, e que estão ligados a ela de modo externo,
isto é, quando a entidade é um segmento do encadeamento. No caso de economizar,
examinado antes, pode-se dizer que o aspecto normativo economiza DC não adquire coisas
supérfluas e o aspecto transgressivo economiza PT adquire coisas supérfluas constituem a
sua AE à direita, enquanto sua AE à esquerda seria não gasta em coisa supérfluas DC
economiza e gasta em coisas supéfluas PT economiza.
Observe-se que, no caso da AE à esquerda, uma modificação na regra que é
válida para AE à direita, segundo a qual se a argumentação externa de uma entidade X
(como Economiza em economiza DC não adquire coisas supérfluas) contém o aspecto
normativo, ela contém também o transgressivo e vice-versa. Ducrot explica essa diferença e
o que muda na comparação das duas:
Quando se trata do aspecto externo à esquerda de uma entidade, a regra que
precede, motivada pela preocupação geral de substituir a ordem da realidade pela
ordem do discurso, aplica-se ainda, mas exige uma pequena reformulação: se a
AE da entidade X contém “Y CON X”, ela contém também o aspecto dito
“transposto”, que é “neg-Y CON’ X”. Assim a AE à esquerda de ter pressa
comporta não somente “ter pressa DC apressar-se”, mas igualmente “neg-ter
pressa PT apressar-se”. (DUCROT, 2002, p.9)
Além dessa argumentação externa, que representa a colocação de uma entidade no
discurso, uma vez que se refere aos encadeamentos argumentativos que podem preceder ou
seguir essa entidade, Ducrot e Carel, no desenvolvimento da teoria dos Blocos Semânticos,
postulam a existência de uma argumentação interna (AI), a qual corresponderia aos
encadeamentos que parafraseiam a entidade. Assim, uma AI de Economizar seria não ter
dinheiro para gastar DC não gastar. Observe-se que, no caso da argumentação interna de
uma entidade X, a entidade não pode ser um segmento do encadeamento que a parafraseia,
nem comportar também o aspecto converso.
Como se percebe, na Teoria dos Blocos, mais do que nunca é fortalecida a ideia da
ADL de que somente o discurso é capaz de dar sentido às palavras. Fora dele nada há. Dito
de outro modo, para a TBS (Ducrot e Carel, 2005), o sentido de uma expressão, seja ela
55
uma palavra ou enunciado, é constituído pelos discursos que essa expressão evoca.
Discursos esses que são chamados de encadeamentos argumentativos.
A partir dessas concepções, retoma-se a questão das palavras heterossemânticas já
discutidas neste trabalho. Ao se deparar com palavras e/ou expressões heterossemânticas, o
aluno, falante de português e estudante de espanhol como LE, encontra dificuldades na
compreensão das mesmas. Observa-se que, para encontrar o significado dessas palavras, o
aprendiz baseia-se, inicialmente, na semelhança que essas palavras possuem com a língua
materna; em seguida, busca fazer uma tradução literal com o auxílio do dicionário bilíngue
o que, na maioria dos casos, não é possível, visto que os significados encontrados no
dicionário dificilmente dão conta do sentido contextual que as palavras têm nos textos.
É importante destacar, que, na maioria das vezes, o aprendiz não possui
conhecimento pragmático do assunto apresentado nos enunciados. O sentido, dessa forma,
é entendido conforme o meio em que o leitor está inserido. Conforme expõe Ducrot em
entrevista publicada na revista Delta em 1997:
Entendo, em suma, que a moderação dos impostos para os ricos está conectada
com essa percepção da riqueza, ao passo que a sobrecarga fiscal para os ricos
pressupõe uma outra percepção da riqueza, entendida como, conforme disse,
uma apropriação pessoal daquilo que pertence à comunidade. Isto me levaria a
dizer que a palavra rico muda de sentido segundo a perspectiva de uma sociedade
que sobretaxa a riqueza ou segundo a perspectiva de uma sociedade que deixa a
riqueza proliferar mais livremente. Todavia, podemos traduzir o adjetivo francês
riche pelo adjetivo português rico. Mas não é claro que essa tradução dê conta,
efetivamente, do sentido dessas palavras. Não é por que traduzimos x por y, que y
expressa efetivamente o sentido de x.
Observa-se possível utilizar a palavra rico também para explicitar o caso dos “falsos
amigos”. Ao apresentar o enunciado Este homem é rico entende-se que, é um homem de
muitos bens, riquezas enquanto do enunciado em espanhol Este hombre es rico pode-se
entender que se trata de um homem de riquezas como também que é um homem bom,
generoso, querido. Verifica-se aqui um caso de “falso amigo”, visto que a palavra rico
adquire sentidos diversos em uma língua ou na outra.
Retoma-se, então, a questão argumentativa das palavras, em que Ducrot (2005)
apresenta um fenômeno de homonímia não informativa, mas argumentativa. Num
argumento certas expressões linguísticas indicam a presença de uma conclusão através de
encadeamentos argumentativos. No entanto, muitas vezes essas expressões linguísticas são
56
omitidas, o que dificulta a tarefa de analisar argumentos. Esse fato geralmente ocorre com
palavras heterossemânticas as quais geralmente são tratadas, nos exercícios de matérias
didáticos, de forma isolada ou sem um contexto lingüístico que esclareça o seu significado.
Partindo-se dessas considerações tão discutidas por Ducrot e seus seguidores e
apresentadas aqui, julga-se importante a tentativa de resolver a questão dos “falsos amigos”
pela ADL, visto que ela postula como sentido básico, o sentido argumentativo, que é
construído no discurso pela formação de blocos semânticos e pela expressão de seus
apsectos em enunciados.
O capítulo seguinte faz uma descrição do tratamento de palavras heterossemânticas
em alguns materiais didáticos para ensino do espanhol a brasileiros, verificando a
divergência no campo semântico de palavras formalmente iguais nas nguas portuguesas e
espanholas. Em seguida, apresenta uma proposta de modificação dos exercícios, com base
na ADL/TBS e o modo como essa solução poderia ser aplicada para qualificar os exercícios
de materiais de língua espanhola analisados, no sentido de que os alunos possam usar o
contexto linguístico-discursivo, para solucionar questões que envolvam o uso de palavras
heterossemânticas. Como ficariam esses exercícios caso se assumisse a tese principal da
ADL de que o sentido é constituído discursivamente, isto é, visto que o sentido de uma
palavra depende de sua relação sintagmática com outras palavras? A essa questão o
capítulo que segue pretende apresentar uma resposta.
57
5 O TRATAMENTO DOS “FALSOS AMIGOS” EM LIVROS DIDÁTICOS DE
ESPANHOL E PROPOSTA DE ABORDAGEM PELA ADL/TBS
O tratamento dado às palavras heterossemânticas no ensino de espanhol ainda é algo
que deixa muito a desejar. Para comprovar essa afirmação, basta abrir alguns livros
didáticos, notadamente aqueles destinados ao ensino de língua espanhola, para que se
perceba superficialidade com que esse tema é abordado. Conforme Alves (2002 p. 2), tal
assunto é tratado pelos livros didáticos de forma “divertida”, “jocosa”, porém as
dificuldades que os alunos encontram na leitura dessas palavras não é objeto de reflexão.
O presente capítulo faz uma descrição do tratamento de palavras heterossemânticas
em alguns materiais didáticos para ensino do espanhol a brasileiros, observando a diferença
no campo semântico de palavras formalmente iguais no idioma português e no espanhol.
Em seguida, apresenta uma proposta de modificação dos exercícios, com base na ADL/TBS
e o modo como essa solução poderia ser aplicada para qualificar os exercícios de materiais
de língua espanhola analisados, no sentido de que os alunos possam usar o contexto
linguístico-discursivo, para solucionar questões que envolvam o uso de palavras
heterossemânticas. Como ficariam esses exercícios caso se assumisse a tese principal da
ADL de que o sentido é constituído discursivamente, isto é, visto que o sentido de uma
palavra depende de sua relação sintagmática com outras palavras?
Como base para a pesquisa foram selecionados 04 livros didáticos de ensino de
espanhol para aprendizes brasileiros, destinados ao ensino fundamental e médio, que
contêm listas de palavras e exercícios, sendo eles específicos de heterossemânticas ou não.
A princípio, como se verá na sequência, foram comentados os exercícios
encontrados nos livros didáticos, observando-se os conhecimentos e/ou habilidades que
seriam necessários para resolvê-las e se os materiais didáticos davam, na apresentação
teórica desse conteúdo, suporte para que o aluno obtivesse sucesso na tarefa.
Posteriormente, com base em conhecimentos da ADL/TBS, como noção de bloco
semântico de encadeamento argumentativo, de argumentação externa à direita e à esquerda
e de argumentação interna, os exercícios foram modificados.
58
śǯŗȱȱÛȱȱȱȮȱȱȱŚǰȱȱȱ
Inicialmente verificou-se o livro Español Sin Fronteras Volume 4 da editora
Scipione (2007), elaborado por María de Los Angeles J. García e Josephine Sánchez
Hernández, e destinado ao ensino fundamental.
śǯŗǯŗȱ³¨ȱȱȱȱȃȱȄȱȱ¡ÇȱȱȱÛ
ȱ
Na unidade 6, da obra Español Sin Fronteras (p. 166), encontra-se o título Los falsos
amigos o Heterosemánticos. Abaixo, para introduzir o tema dos “falsos amigos”,
heterossemânticos ou falsos cognatos e, antes mesmo de qualquer explicação, é proposto o
seguinte exercício:
Completa el texto con las palabras del cuadro:
Cachorro sitio finca ratón mientras brincos perro
en cuanto pendientes pelado oso lentillas rato
El sábado pasado fui a una fiesta de disfraces muy divertida en la _ finca___
de un amigo mío. En la puerta había un señor ___pelado____ recogiendo las
invitaciones. ____En cuanto_____ llegué me dirigí al salón donde había
varias mesas. Allí estaban mis amigos esperándome con un ____sitio___
reservado para mí. Juan estaba disfrazado de ____cachorro___ de
___oso___, Rodrigo, de ____ratón_____ Mickey, y Paula estaba vestida de
gitana, con unos ____pendientes____ largos, ____lentillas____ azules y
muchas pulseras. Armando, iba de mono, no paraba de dar ____brincos____,
dejando loco a Dánger, el ____perro____ de Paula. Estuvimos un
___rato___ charlando, ____mientras____ los camareros servían algo para
comer o beber. Después bailamos toda la noche.
59
Sabe-se que o princípio do exercício de lacunas é propor certas situações da língua
ao aluno para fazê-lo empregar a forma linguística adequada à lacuna dada. No exercício
apresentado, pressupõe-se certo contexto, sem explicitá-lo. O aluno, para obter êxito, deve
inferir a (re)construção do enunciado que apresenta lacunas. E não havendo a
contextualização, esse tipo de exercícios pode se tornar simples repetição de respostas
dadas. Na sequência, as autoras apresentam uma definição em que afirmam:
Os falsos amigos ou heterossemânticos são palavras iguais ou semelhantes na
grafia, porém com significado diferente.
20
Percebe-se que o conceito sobre o tema é superficial, não deixando claro ao aluno
quando e por que uma palavra pode ser considerada um “falso amigo”.
Na página 167, uma lista
21
de palavras em espanhol e português, salientando as
diferenças existentes entre ambas as línguas, conforme se pode conferir em alguns
exemplos retirados da obra:
Español Portugués Español Portugués
creer acreditar acreditar dar crédito
bolso bolsa bolsa sacola
pendientes brincos brincos pulos
vasos copos Copos flocos
goma borracha borracha bêbada
jugar brincar Brincar pular
Perro cachorro cachorro filhote
acera calçada calzada rua
niño criança crianza criação
sentido direção dirección endereço
oficina escritório escritorio escrivaninha
cerrar fechar fechar datar
débil fraco flaco magro
conejo coelho cuello pescoço
periódico jornal jornal salário
taller oficina oficina escritório
ratón rato rato momento
apellido sobrenome sobrenombre apelido
copa taça taza xicara
cubierto talher
#
#
#
#
#
#
#
#
#
#
#
#
#
#
#
#
#
#
#
#
#
#
#
#
taller oficina
20
Los falsos amigos o heterosemánticos son palabras iguales o semejantes en la grafía, pero con significado
diferentes.
21
As listas bem como os exercícios apresentados serão encontrados, nos anexos deste trabalho em sua versão
original.
60
ensalada salada salada salgada
postre sobremesa sobremesa Bate papo depois
do almoço
escoba vassoura basura lixo
Essa lista é composta por mais de 160 palavras que buscam apresentar as diferenças
e semelhanças existentes entre o espanhol e português. Nota-se aqui que a preocupação
maior das autoras é apresentar conteúdo para uma possível memorização do aprendiz, ou
quem sabe por a disposição material de consulta, o que, em nenhum caso conduz a
aprendizagem do eficaz. Na sequência, é proposto outro exercício para a prática com
objetivo igual ao anterior, isto é, com lacunas que devem ser preenchidas conforme as
palavras disponíveis. Confira-se:
1. Completa las frases adecuadamente con las palabras del recuadro:
Vasos pelirrojos cubiertos escoba tirar exquisito cepillo
En cuanto mientras cometas pronto copas listo flaco
Jugar goma ensalada firma berro rubios rato
a) Me voy a comprar______para los dientes.
b) Juan se cree un_____, pero es un poco tonto.
c) Aunque sea_______, Luis es muy fuerte.
d) La empleada nos pidió que compráramos una_____, pues la que tenemos
ya no sirve para barrer la casa para la fiesta.
e) Me gustan mucho los hombres_______, pero no me gustan nada los
______.
f) Este zumo que me han servido está muy________.
g) ______lleguemos al salón, buscaremos una mesa libre.
h) ¿Dónde están los______, las _____y los_____para que arreglemos la
mesa?
i) ¿Puedo______ese disfraz que has utilizado en el Carnaval?
j) Esta______rusa está muy sabrosa.
k) Aguarda un _____, pues estoy duchándome.
l) Espero que llegues_______a mi fiesta de cumpleaños.
m) ______lavo los paltos, ¿podrías hacer bocadillos?
n) Sr. Gonzáles, necesito su_____en este documento.
ñ) No me gusta nada la ensalada de_______.
o) ¿Me prestas tu______? Es que necesito borrar esta frase.
q) ¿Ya leíste el libro_______en el cielo?
Percebe-se, nessa obra, que valorização e preocupação com as generalidades
existentes entre a ngua espanhola e portuguesa, uma vez que a mesma apresenta em seu
interior não as palavras heterossemânticas, mas outras consideradas também “falsas
61
amigas” como as heterogenéricas (gênero) e heterotônicas (fonética), porém nem a lista de
palavras nem os exercícios oferecidos parecem atingir as necessidades dos alunos, pois não
proporcionam a ele uma contextualização linguística que permita o entendimento das
palavras em questão.
Vale salientar que as autoras utilizam o termo heterossemântico como sinônimo de
“falsos amigos”, conforme pôde se perceber no conceito apresentado por elas.
śǯŗǯŘȱȱȱ³¨ȱȱ¡ÇǰȱȱȱȱȦ
Nessa seção, tentaremos resolver os problemas de emprego das palavras
heterossemânticas nos exercícios. Para tanto, retoma-se o seguinte exercício apresentado
neste trabalho.
Completa el texto con las palabras del cuadro:
Cachorro sitio finca ratón mientras brincos perro
en cuanto pendientes pelado oso lentillas rato
El sábado pasado fui a una fiesta de disfraces muy divertida en la _ finca___
de un amigo mío. En la puerta había un señor ___pelado____ recogiendo las
invitaciones. ____En cuanto_____ llegué me dirigí al salón donde había
varias mesas. Allí estaban mis amigos esperándome con un ____sitio___
reservado para mí. Juan estaba disfrazado de ____cachorro___ de
___oso___, Rodrigo, de ____ratón_____ Mickey, y Paula estaba vestida de
gitana, con unos ____pendientes____ largos, ____lentillas____ azules y
muchas pulseras. Armando, iba de mono, no paraba de dar ____brincos____,
dejando loco a Dánger, el ____perro____ de Paula. Estuvimos un
___rato___ charlando, ____mientras____ los camareros servían algo para
comer o beber. Después bailamos toda la noche.
Como comentou-se anteriormente, nesse exercício ocorre um problema inicial
uma vez que o mesmo solicita ao aluno que complete as lacunas com as palavras dadas. No
entanto, torna-se difícil ao aprendiz eleger a palavra correta, pois ele desconhece o
significado em português desses vocábulos. Esse problema poderia ser resolvido por
princípios e conceitos postos à disposição pela ADL. É o caso de apresentarmos a palavra
62
heterossemântica seguida de argumentações externas possíveis, posto que a argumentação
externa de uma entidade está constituída pelos encadeamentos que vão para e ou vem de e.
A palavra prudente, por exemplo, poderia ter argumentações externas:
A partir dela – é prudente DC revisa o carro antes de viajar.
Chegam a ela – tem medo DC é prudente ao dirigir.
Toma-se como exemplo a palavra sitio encontrada no exercício em foco.
Considerando que a sitio pode ser encadeado:
un pequeño espacio a ser ocupado
sitio DC un espacio destinado a alguien
espacio para guardar alguna cosa
Percebe-se que o sentido da palavra sitio é dado por cada um dos encadeamentos de
que faz parte, em vista disso o aluno, ao ler o encadeamento, descobre que o significado da
palavra sitio do espanhol não possui o mesmo significado que sítio do português e que se
trata, então, de uma palavra heterossemântica , ou seja, palavras iguais ou semelhantes,
porém com significados diferentes. Dessa forma, o aprendiz chegará ao enunciado que
deverá ser completado com essa palavra. Confira-se:
Allí estaban mis amigos esperándome con un sitio reservado para mí.
Ao relacionar a palavra com os encadeamentos oferecidos, o aprendiz descobre que
sitio do espanhol, corresponde, então, a lugar no português. Desta forma, ao ler o
enunciado, entenderá que os amigos do sujeito reservaram um lugar para ele e que o
melhor espaço a ser preenchido pela palavra é esse. Em outro exemplo cita-se a frase:
Juan estaba disfrazado de _______ de ________...
Em uma primeira leitura verifica-se difícil ao aluno, encontrar a palavra adequada
para o preenchimento das lacunas na frase. A alternativa será buscar no dicionário bilíngue,
um significado para cada palavra proposta pelo exercício, uma tarefa que além de difícil
pode também se tornar frustrante, visto que o aluno, nem sempre encontrará o significado
63
adequado à palavra que se encaixa no enunciado. Vale salientar também que tal atividade
pode se tornar desmotivadora, uma vez que o aprendiz não obtém sucesso na realização da
mesma e na aprendizagem do tema proposto. Ao oferecer encadeamentos argumentativos
para as palavras é oportunizado ao aluno que ele descubra sozinho o sentido contextual da
palavra, possibilitando, além do sucesso motivador, a aprendizagem real do tema. Vejam-se
os encadeamentos evocados a palavra finca:
sitio fuera de la ciudad
finca DC espacio grande en el campo
espacio grande em el campo para creación de
animales
Conhecendo os encadeamentos evocados à palavra finca o aluno rapidamente
encontrará um significado para esta palavra que em português significa fazenda. Dessa
forma ele percebe não ser este o termo que completará a frase, pois ele sabe que não é
possível uma pessoa se disfarçar de finca, ou seja, fazenda no português. Porém, ao ler os
encadeamentos das palavras cachorro e oso verifica-se outra situação. Confira-se:
animal pequeño
CACHORRO DC necesita de la protección de la madre
animal nacido hace poco tiempo
animal peludo de gran porte
OSO DC grande mamífero comedor de pez
animal blanco que vive em áreas heladas
Ao realizar a leitura de tais encadeamentos o aluno descobre que o significado da
palavra cachorro do espanhol nada tem de semelhante com a palavra cachorro do
português, mas sim que essa palavra se refere a um animal pequeno que precisa da proteção
da mãe, ou seja, um filhote. O mesmo acontece com a palavra oso, visto que através dos
encadeamentos propostos torna-se fácil encontrar o significado em português para esta
palavra. Desta forma, o aluno, conhecedor de tais significados e percebendo ser possível
64
um disfarce de filhote de urso completa o enunciado facilmente, sentindo-se motivado a
novas atividades, pois se descobre capaz. Assim tem-se:
Juan estaba disfrazado de ____cachorro___ de ___oso___...
Veja-se outro exemplo retirado do mesmo exercício: a palavra rato. Novamente é
encontrado um caso de “falso amigo”, pois, ao se deparar com a palavra rato do espanhol o
aluno fará uma tradução mental e ao receber a interferência da língua materna, considerará
que a palavra rato significa o mesmo que em português ou seja, animal roedor. Ao
apresentar um encadeamento argumentativo com a palavra rato teremos:
espacio de tiempo rápido
rato DC pequeño espacio de tiempo
ocasión propia
Após ler esses encadeamentos possíveis que constituem a argumentação externa de
rato, o aluno não terá dificuldades para encontrar o enunciado no qual a palavra deverá ser
inserida na lacuna. Confira-se:
Estuvimos um rato charlando (...)
Ao ler o enunciado no texto o aluno, já ciente dos encadeamentos possíveis da
palavra rato e sabedor de que seu significado em português é momento, completará
facilmente a frase.
śǯŘȱȱȱ¡àȱȮȱȱqǰȱȱ
Verificaremos nesta seção a obra Espanhol Expansión Volume Único da editora
FTD (2004), de Henrique Romanos y Jacira Paes de Carvalho, destinado ao Ensino Médio.
65
śǯŘǯŗȱȱȱȱȃȱȄȱȱȱÛȱ¡à
O livro Español Expansión
(ROMANOS Y JACIRA, 2004, p.12)
introduz o tema das
palavras heterossemânticas definindo que:
Heterossemânticos (falsos amigos) - São palavras parecidas a certos vocábulos
portugueses, porém que têm significados diferentes.
22
Verifica-se que o conceito, igualmente ao livro anterior, também não refere maiores
explicações quanto ao fenômeno em questão, o que, mais uma vez, não esclarece ao
aprendiz sobre a formação de um “falso amigo”. Desta forma, o aluno desconhece que a
palavra estudada muitas vezes pode ser ou não um “falso amigo”, dependendo do contexto
em que se encontra. Logo em seguida, é proposto o exercício que segue:
Según el contexto de cada frase, intenta descubrir el
verdadero significado de las palabras en destaque.
1)Mi nombre es Julio y mi apellido es Ramírez.
Explicar: “apelido (port.) = mote, sobrenombre (esp.)
2)Es um cachorro de gata.
Explicar: “cachorro” (port.) = perro (esp.)
3)Quiero um vaso de água.
Explicar: “vaso” (port.) = tiesto, maceta (esp.)
4)Mm, ¡Qué perfume exquisito!
Explicar: “esquisito” (port.) = raro (esp.)
5) El contador trabaja en una oficina.
Explicar: “oficina” (port.) = taller (esp.)
6) Necesito uma escoba para barrer.
Explicar: “oficina” (port.) = cepillo (esp.)
7) Es uma calle larga: son casi 10 Km.
Explicar: “largo” (port.) = ancho (esp.)
8)Él no es gordo, es flaco.
Explicar: “fraco” (port.) = débil (esp.)
Verifica-se nesse livro que, igualmente ao constatado no anterior, não é oferecido ao
aluno uma maneira para encontrar a melhor tradução da palavra destacada. Ao contrário
disso, a obra apenas apresenta algumas palavras, sendo que o aprendiz, com o auxilio do
66
professor, deverá encontrar o sentido. O exercício traz, ainda, uma parte explicativa,
disponível somente no livro do professor, que solicita ao docente que alerte o aluno sobre
as divergências entre as palavras do espanhol e do português. Porém a explicação é
superficial, visto que não possibilita ao aluno descobrir, mesmo com o auxílio do professor,
o significado da palavra por meio do contexto linguístico em que ela está inserida. A obra
não apresenta uma lista de palavras nem tampouco novos exercícios sobre o tema.
śǯŘǯŘȱȱȱ³¨ȱȱ¡ÇǰȱȱȱȱȦ
Para apresentar uma proposta com base na ADL/TBS destaca-se o seguinte
enunciado da obra em foco:
Mi nombre es Julio y mi apellido es Ramírez.
Nesse exercício é solicitado ao aluno que, através do contexto, encontre o
significado da palavra destacada. No enunciado acima apresentado a palavra destacada é
apellido sendo esta considerada um “falso amigo”, pois novamente o aluno sofrerá as
interferências da língua materna, buscando traduzir a palavra com base no que ele
conhece. Deve-se considerar, também, que o aluno pode desconhecer que, em língua
espanhola, Ramírez é um nome de família e, portanto, o sobrenome do sujeito da frase e
não o seu apelido. Pode dizer-se que, embora o exercício preocupe-se com o contexto
linguístico ele não é suficiente para dirimir a dúvida do estudante de espanhol que não tem
esse conhecimento pragmático. Em vista disso busca-se apresentar um encadeamento
argumentativo para esta frase como segue:
Mi nombre es Julio y mi apellido es Ramírez DC pertenezco a la família Ramirez.
22
Son palabras parecidas a ciertos vocablos portugueses, pero que tienen significados distintos (Tradução
nossa)
67
Verifica-se que o encadeamento apresentado possibilita ao leitor o conhecimento de
que, se o sujeito da frase pertence à família Ramírez e seu apellido é Ramírez, então o
significado adequado em português de Apellido da língua espanhola é sobrenome, e não
apelido, conforme se entende numa primeira leitura baseada no português como língua
materna. Confira outro exemplo retirado do mesmo exercício:
Es un cachorro de gata.
Nesse exemplo verifica-se que a palavra cachorro do espanhol é muito semelhante à
palavra cachorro do português, porém o contexto ao qual está inserida não auxilia o aluno
na busca pelo significado adequado. Note-se que seria difícil ler cachorro como filhote no
exemplo. Contudo, se apresentarmos o encadeamento:
Es un cachorro de gata DC aún mama.
Encontramos um sentido para a palavra, pois se estabelece uma interdependência
semântica entre ser cachorro e mamar, que uma representação de cachorro. Já no
enunciado:
Quiero um vaso de água DC tengo sede.
Neste caso é possível identificar o significado da palavra vaso do espanhol através
do encadeamento proposto uma vez que se tenho sede quero um copo de água. O
encadeamento estabelece um sentido para a palavra até então desconhecida pelo aluno,
realizando, assim, uma aprendizagem eficaz pois a dúvida se soluciona na relação
sintagmática, conforme verificou-se na página 15. Na sequência confiram-se outros
exemplos de frases com os encadeamentos possíveis.
Mm, ¡Qué perfume exquisito
es una calle larga: son casi 10 Km
Él no es gordo, es flaco
DC
DC
DC
vou comprá-lo.
caminharei muito.
as roupas ficam grandes
68
Com base no encadeamento argumentativo apresentado o aluno encontraria mais
facilmente o sentido da palavra, conforme solicita o exercício.
śǯřȱȱǸȱǷȱÛȱȱÛȱȮȱȱqǰȱȱȱ
O livro que será apresentado intitula-se ¡Por Supuesto! Español para brasileños
Volume Único da editora FTD, é elaborado por Jair de Oliveira Souza (2003), e destinado
ao Ensino Médio.
śǯřǯŗȱ ȱ ȱ ȱ ȃȱ Ȅȱ ȱ ȱ Ǹȱ Ƿȱ Ûȱ 
Û
A obra traz um apêndice em que são apresentadas divergências léxicas entre o
espanhol e o português. O autor apresenta a conceituação sobre as palavras heterogenéricas,
heterossemânticas e heterotônicas. Sobre as heterossemânticas afirma que:
Heterossemânticos: são vocábulos que, ainda que tenham semelhanças gráficas,
tem significados diferentes em espanhol e português
23
(SOUZA, 2003 p. 243)
A seguir, a obra apresenta uma lista de palavras heterossemânticas com seu
significado em português e com frases que exemplificam o uso das mesmas. Observem-se
alguns exemplos abaixo:
Aborrecer odiar (aborrezco las películas de terror.)
Apellido sobrenombre ( Mi nombre es Jair y mi apellido es Souza.)
Apurado apressado ( Estoy apurado para llegar a la oficina.)
Berro agrião (Me gusta mucho la ensalada de berro con tomate.)
Borrar apagar (El profesor está borrando el pizarrón.)
23
Heterosemánticos: son vocablos que, aunque tengan semejanza gráfica, tienen significados diferentes en
español y en portugués.
69
Brincar saltar (Los deportistas están brincando por sobre los obstáculos.)
Cachorro filhote (Aquela gata ha parido a tres cachorros.)
Calzada pista de rua (En una calle los coches andan por la calzada.)
Cena jantar ( Mi madre suele servir la cena a las ocho de la noche.)
Copo floco (Comemos copos de maíz todas las mañanas.)
Cuello pescoço (La guillotina sirve para cortar cuellos.)
Escoba vassoura (Para barrer el suelo, usamos una escoba) […]
A lista apresenta 40 palavras heterossemânticas com seu significado em português e
frases como exemplo de uso. Verifica-se nesta obra que a intenção do autor é puramente a
memorização do aluno, visto que, além da palavra possuir seu significado o que não
oportuniza ao aprendiz a descoberta do mesmo, nenhum exercício é proposto para prática e
estudo. Destaque-se que o exemplo de uso das palavras em espanhol é completamente
dispensável. Seria diferente se não houvesse o significado em português, posto que o aluno
teria de ler com cuidado os enunciados em espanhol para entender o sentido das palavras.
Vale salientar que a falta de exercícios na obra, desmotiva totalmente o
ensino/aprendizagem, pois o aprendiz não encontra na prática a atividade que acredita-se, o
levaria a aprendizagem. Desta forma, ao se utilizar esta obra, caberá ao professor a
realização de atividades que motivem o aprendiz no interesse do assunto, uma vez
que, somente a leitura da apresentação feita sobre o tema no livro não irá proporcionar um
bom entendimento do assunto.
śǯřǯŘȱȱȱ³¨ȱȱ¡ÇǰȱȱȱȱȦ
Na obra ¡Por Supuesto! Español para brasileños, vista na seção anterior, verifica-
se uma grande necessidade de apresentar um sentido argumentativo às palavras, visto que
as mesmas não oportunizam ao aluno um contexto satisfatório bem como também não
oferecem atividades que possibilitem a prática e uma possível aprendizagem. O significado
da palavra já apresentado ao aluno, é uma fator desmotivador ao aprendiz, para uma leitura
mais atenciosa da frase em que a palavra está inserida. A fim de realizar uma proposta de
modificação com base na ADL/TBS para as palavras e frases apresentadas por essa obra,
destacamos o seguinte enunciado:
70
Apurado apressado ( Estoy apurado para llegar a la oficina.)
A palavra destacada é apresentada como um “falso amigo” ao aprendiz no
momento em que ele, ao ler a palavra e seu significado, percebe essa divergência entre as
línguas estudadas. Observa-se que, se a lista apresentada não trouxesse o significado da
palavra seria possível uma aprendizagem mais aprofundada por parte do aluno. Nesse caso,
seria necessária a busca do significado em dicionários que, como se sabe, não conta do
sentido contextual das palavras. Porém ao apresentar o encadeamento:
no voy a pie, voy coche
Estoy apurado DC no puedo tomar café ahora
hablo contigo después
Ao ler os encadeamentos propostos o aluno perceberá rapidamente que o significado
da palavra apurado do espanhol é apressado no português visto que o encadeamento
oportuniza a ele um significado. Destaca-se aqui que não se trata apenas de pôr as palavras
em um enunciado como no exercício. A continuação em DC descreve a palavra, qualifica o
encadeamento, cria um sentido único. Já em outro exemplo destacamos a frase:
Borrar apagar (El profesor está borrando el pizarrón.)
Nesse enunciado destaca-se o falso cognato da língua espanhola borrando, o qual
significa em português apagando. Para que o aluno chegue a este significado pode-se
oferecer a ele o encadeamento:
El profesor está borrando el pizarrón PT la tiza no salió.
Ao ler o encadeamento apresentado rapidamente se obtém o significado
argumentativo da palavra borrando, pois se explica que, se o giz não saiu, alguém está
tentando limpá-lo. Observa-se nesse caso, que a continuação em DC cria um sentido único
para a palavra não permitindo que ela se torne um “falso amigo” ao aprendiz.
71
śǯŚȱȱȱ¡ȱȱ¨ȱȱǰȱȱȱ
Apresenta-se nessa seção a Apostila do Extensivo e Terceirão de Espanhol, do
grupo Positivo, elaborada para turmas de terceira rie do ensino médio e para cursos de
pré-vestibular.
śǯŚǯŗȱȱȱȱȃȱȄȱȱȱȱ¡ȱȱ¨ȱ

A apostila de espanhol do Positivo apresenta o tema em duas partes. Na primeira,
introduz o assunto com o texto La presunta abuelita
24
, propondo a leitura bem como a
atenção às palavras destacadas, palavras essas já classificadas como heterossemânticas,
conforme segue:
LA PRESUNTA ABUELITA
Había una vez una niña que fue a pasear al bosque. De repente se
acordó de que no le había comprado ningún regalo a su abuelita.
Pasó por un parque y arrancó unos lindos pimpollos rojos. Cuando
llegó al bosque vio una carpa entre los árboles y alrededor unos
cachorros de león comiendo carne. El corazón le empezó a latir
muy fuerte. En cuanto pasó, los leones se pararon y empezaron a
caminar atrás de ella. Buscó algún sitio para refugiarse y no lo
encontró. Eso le pareció espantoso. A lo lejos vio un bulto que se
movía y pensó que había alguien que la podría ayudar. Cuando se
acercó vio un oso de espalda. Se quedó en silencio un rato hasta
que el oso desapareció y luego, como la noche llegaba, se decidió a
prender fuego para cocinar un pastel de berro que sacó del bolso.
Empezó a preparar el estofado y lavó también unas ciruelas. De
repente apareció un hombre pelado con el saco lleno de polvo que
le dijo si podía compartir la cena con él. La niña, aunque muy
asustada, le preguntó su apellido. Él le respondió que su apellido
era Gutiérrez, pero que era más conocido por el sobrenombre
Pepe.
24
O texto bem como os exercícios dessa apostila encontram-se em anexo nesse trabalho em sua versão
original.
72
El señor le dijo que la salsa del estofado estaba exquisita aunque
un poco salada. El hombre le dio un vaso de vino y cuando ella se
enderezó se sintió un poco mareada.
El señor Gutiérrez, al verla borracha, se ofreció a llevarla hasta la
casa de su abuela. Ella se peinó su largo pelo y, agarrados del
brazo, se fueron rumbo a la casita del bosque.
Mientras caminaban vieron unas huellas que parecían de zorro que
iban en dirección al sótano de la casa. El olor de una rica salsa
llegaba hasta la puerta. Al entrar tuvieron una mala impresión: la
abuelita, de espalda, estaba borrando algo en una hoja, sentada
frente al escritorio. Con espanto vieron que bajo su saco asomaba
una cola peluda. El hombre agarró una escoba y le pegó a la
presunta abuela partiéndole una muela. La niña, al verse engañada
por el lobo, quiso desquitarse aplicándole distintos golpes.
Entre tanto, la abuela que estaba amordazada, empezó a golpear la
tapa del sótano para que la sacaran de allí. Al descubrir de nde
venían los golpes, consiguieron unas tenazas para poder abrir el
cerrojo que estaba todo herrumbrado. Cuando la abuela salió, con
la ropa toda sucia de polvo, llamaron a los guardas del bosque para
contar todo lo que había sucedido.
Após o texto comenta que:
Em espanhol, além das palavras que apresentam divergência de acento e de
gênero em relação ao português, também as que podem levar a uma
interpretação de significado completamente diferente, são os heterossemânticas
ou falsos cognatos.
25
Percebe-se que a obra trata dos termos heterossemânticos e falsos cognatos como
sinônimos, fato observado em praticamente todas as obras estudadas para esta análise bem
como em outras de nosso conhecimento.
Em seguida, apresenta uma lista de palavras como exercício, para que o aluno
complete com o significado o qual deverá encontrar com o auxílio do professor ou em
dicionários de língua espanhola. Verifica-se que a atividade consiste apenas em encontrar o
significado no dicionário, não se preocupando se o significado encontrado dará conta de
futuros problemas de emprego da palavra que o aprendiz poderá encontrar em seus estudos,
em sua vida. Confiram-se abaixo alguns exemplos dessa lista bem como a forma como a
mesma é apresentada:
Español Portugués
25
En español, además de las palabras que presentan divergencia de acento y de nero en relación al
portugués, hay también las que pueden llevar a una interpretación de significado completamente distinta, son
los Heterosemánticos o Falsos Cognatos.
73
abrigo sobretudo
aceitar Colocar azeite, azeitar
aceite óleo
asignatura disciplina
balcón Sacada, balcão
borracha bêbada
brincar pular
cachorro filhote
Cena janta
cocina Fogão, cozinha
Cuello pescoço
Embarazada grávida
Finca fazenda
Grasa gordura
Jornal diária
Jugar brincar
Morado roxo
Niño menino
Oficina escritório
Pastel bolo
Polvo
prenda Penhora, peça do vestuário
Note-se, por exemplo, que algumas palavras aceitam mais de um significado em
português, dependendo do contexto linguístico. Como próxima atividade prática, encontra-
se um exercício de completar espaços em branco, com palavras em português que devem
ser traduzidas para o espanhol. Vejamos a seguir:
Da sentido al texto rellenando los huecos con las palabras que están entre
paréntesis, traduciéndolas:
En la __________, una chica que era__________ como Xuxa, decía que la
__________ de la _________ estaba __________ y sin _________; que la
ensalada de __________ y la carne de _________ estaban _________. Quería
también una _________de _________ y un _________ de _________ de
_________ que le parecía muy _________.
( balcão, loira, molho, massa, salgada, salsinha, agrião, gado, gostosos, xícara, chá,
pedaço, bolo, morango, delicioso )
Verifica-se, ao se resolver o exercício proposto, que a ordem das lacunas
corresponde à ordem das palavras oferecidas para o preenchimento dos espaços. O aluno
encontra facilidade em fazer o exercício, a partir do momento em que percebe essa
correspondência, ou seja, não é oportunizada ao aprendiz a chance de raciocínio. Além
74
disso, o enunciado da atividade solicita ao aluno que traduza as palavras propostas, do
português para o espanhol, antes de completar, o que pressuporia que as palavras não
mudam de sentido conforme o contexto. Por exemplo, a palavra massa se traduz em
espanhol por pasta, contudo essa mesma palavra pode significar dinheiro, dependendo do
contexto linguístico em que estiver inserida. Desta forma, concluímos que a tradução da
palavra isolada, pode não corresponder ao contexto no qual ela será inserida no exercício.
Nessa obra, também se propõem questões de vestibulares, conforme se pode verificar no
exemplo que segue:
(FAE PR) As palavras cena, basura, e oficina são heterossemânticas e se
traduzem, respectivamente, ao português, por:
a) jantar, lixeiro, salão;
b) jantar, lixo, escritório;
c) cenário, lixo, sala;
d) cenário, lixeiro, escritório;
e) cena, vassoura, oficina.
Na questão em foco, as palavras são apresentadas totalmente fora de um contexto,
ou seja, isoladas, exigindo, em vista disso, que o aluno possua um vasto conhecimento da
língua espanhola, o que obriga, na maioria das vezes, recorrer à memorização de palavras,
que nem sempre garante sucesso na resolução da questão. Na segunda parte, apresentada na
Clase 60, o tema é introduzido com o conceito:
Como já vimos na aula anterior, os heterossemânticos são os vocábulos de
significados diferentes entre uma e outra ngua. Podem ter a grafia e a fonética
idêntica ou similar ao português, porém os significados das palavras são
diferentes. São também chamados FALSOS COGNATOS.
26
A seguir, apresenta-se novamente um texto para leitura e identificação de palavras
heterossemânticas.
José es un brasileño de 40 anos. Está en la migra, solicitando la visa de
permanencia en España. Acompaña la confusión que se produjo a lo largo de la
encuesta con la funcionaria Maribel.
José: A senhora me perdoe, mas eu não falo espanhol. A senhora pode perguntar
em espanhol, mas vou responder em português.
26
Como ya vimos en La clase anterior, los heterosemanticos son los vocablos de significados diferentes entre
uma y outra lengua. Pueden tener la grafia y la fonética idénticas o similares al portugués, pero los
significados de las palabras son distintos. Son también llamados Falsos Cognatos (Tradução nossa).
75
Maribel: - De acuerdo. ¿Cómo se llama usted?
José: Meu nome é José.
Maribel: ¿Cuál es su apellido?
José: Eu não tenho.
Maribel: ¡Qué raro! Bueno, ¿Está usted casado?
José: Sim, señora.
Mirabel: ¿ Ha traído usted a su mujer?
Y después de una breve pausa:
José: Sim, señora, muitas vezes.
Neste texto, verifica-se o tratamento cômico dado ao tema dos “falsos amigos”, caso
comentado neste trabalho. Após a leitura do texto, supõe-se que o aluno perceberá que o
personagem José entendeu o verbo utilizado ha traído por traição, ou seja, se ele traiu ou
não sua mulher. Verifica-se, então, um caso de “falso amigo”, uma vez que o entendimento
da palavra seria o de ter trazido, ou não, a sua mulher. Devemos, porém, considerar aqui o
conhecimento do aluno sobre a palavra traído. Na falta de esclarecimentos sobre o tema, o
aprendiz poderá perfeitamente aceitar, como significado de ha traído, o fato de José ter
mesmo cometido traição a sua mulher, sendo, então, a resposta dada cômica, devido ao
personagem confessar o adultério, algo não muito comum, principalmente quando se trata
de muitas vezes.
Após a leitura do texto, novas considerações sobre o tema são apresentadas onde é
salientado que
heterossemânticos que podem ter, além dos significados diferentes, outras
aceitações que coincidem com o português.
27
Na sequência, é apresentada uma nova lista de palavras heterossemânticas como
exercício de tradução, seguida de novos exercícios de completar lacunas com palavras a
serem traduzidas bem como exercícios
Nota-se que, nessa obra, é dada maior atenção ao assunto, pois, além de trazer
explicações mais amplas, também se percebe, que em alguns momentos existe uma
preocupação quanto ao contexto em que a palavra está inserida. Os exercícios, porém,
deixam a desejar, uma vez que isolam os vocábulos e solicitam ao aprendiz um significado
que ele deverá buscar na sua memória apenas, pois o contexto linguístico não lhe pistas.
27
Hay heterosemánticos que pueden tener, además de los significados diferentes, otras acepciones que
coiciden con el portugués (Tradução nossa).
76
Caso o significado não seja encontrado na memória poderá ser buscado em um dicionário
bilíngue o qual não dá conta do sentido contextual da palavra.
śǯŚǯŘȱȱȱ³¨ȱȱ¡ÇǰȱȱȱȱȦ
Nessa obra observa-se que, igualmente às outras, a proposta se baseia
principalmente no uso do dicionário e da memorização das palavras e do significado
encontrado. Isso é percebido nos exercícios e na forma como são apresentados.
Para uma proposta com base na ADL/TBS, selecionou-se o seguinte enunciado
retirado do texto La presunta abuelita do livro em estudo:
El señor le dijo que la salsa del estofado estaba exquisita aunque un poco salada.
Mesmo com os demais enunciados presentes no texto fica difícil para o estudante
encontrar o sentido das palavras destacadas as quais foram classificadas pela obra como
sendo um “falso amigo”. A opção para entender o texto será buscar o sentido dessa palavra
no dicionário ou, então, realizar a próxima atividade que propõe colocar o significado das
palavras na lista oferecida, o que o aprendiz somente poderá realizar com o auxílio do
professor ou, mais uma vez, do dicionário. Dessa forma, o entendimento do texto ficará em
segundo plano. Para solucionar esse problema se propôs uma análise argumentativa externa
da palavra esquisita através do encadeamento:
todos repitieran
estaba exquisita DC comieran mucho
quisieran a receta
Através dos encadeamentos oferecidos, torna-se fácil para o aprendiz encontrar o
significado da palavra em foco, pois se estabelece uma relação semântica em que se todos
repetiram, se comeram muito, se queriam a receita, então, era bom, ou seja, se estaba
esquisita estava bom.
77
para a palavra ensalada do mesmo enunciado se propôs uma argumentações
externas com os encadeamentos:
gustosa
un poco salada PT comible
sabrosa
Os encadeamentos propostos para a palavra em foco fazem com que o aluno chegue
a uma conclusão. Ao ler novamente o enunciado e sabedor dos encadeamentos envolvendo
a palavra o aprendiz realizará facilmente a tradução do vocábulo em questão.
Ao oferecer encadeamentos argumentativos às palavras do texto, oportunizou-se ao
aluno o entendimento dessas palavras, o que fará com que ele realize a compreensão do
texto no ato da leitura.
Em outra atividade proposta pela obra encontra-se uma questão típica de vestibular
a qual exige totalmente a memória do aluno, uma vez que traz as palavras isoladas. Confira:
(
FAE PR) As palavras cena, basura, e oficina são heterossemânticas e se
traduzem, respectivamente, ao português, por:
a) jantar, lixeiro, salão;
b) jantar, lixo, escritório;
c) cenário, lixo, sala;
d) cenário, lixeiro, escritório;
e) cena, vassoura, oficina.
Note-se que, para resolvê-lo, o aluno deveria ter memorizado algun(s) sentido(s).
Por exemplo, se soubesse que basura significa lixo, reduziria o número de alternativas de 5
para 2. Então, suas chances de acertar, caso não pudesse contar somente com a
memorização, seria de 50%.
Se, ao trabalhar em sala de aula esse tipo de exercício, se oferecer ao aluno um
encadeamento argumentativo do tipo:
Cena DC momento de alimentación nocturno
Basura DC suciedad en el suelo
Oficina DC local administrativo
78
Com os encadeamentos propostos o aluno encontrará facilmente a alternativa
correta para a questão. É muito comum as questões de provas de vestibular tratar do tema
das heterossemânticas dessa forma, em vista disso verifica-se importante que o material
didático utilizado para estudo apresente a melhor forma para expor e ensinar a busca do
sentido.
79
6 APRESENTAÇÃO E COMENTÁRIO DOS RESULTADOS
Ao realizar a descrição dos exercícios apresentados em materiais didáticos de ensino
de língua espanhola, observou-se que, no que diz respeito à conceituação de palavras
heterossemânticas, em quase todas as obras percebem-se considerações semelhantes.
Verifica-se, também, que o termo heterossemântico é utilizado, nas obras, como sinônimo
de “falsos amigos” e de “falsos cognatos”, caso muito comum e comentado neste
trabalho.
Percebeu-se ainda que os manuais didáticos não dão tanta atenção ao assunto, não
possibilitando uma análise do contexto linguístico por parte dos alunos e também de
muitos professores de língua estrangeira. Viu-se que os manuais tratam o assunto de forma
superficial, exigindo dos alunos simplesmente que visualizem, memorizem e respondam,
pois não há nenhuma explicação que conduza a um procedimento diferente desses.
Nesses momentos, observa-se que o aluno de espanhol como língua estrangeira tem
dificuldades de traduzir o sentido de algumas palavras e/ou expressões com que se depara.
Em geral, esse leitor, para atribuir um sentido a essas palavras e/ou expressões, baseia-se,
primeiramente, na semelhança que a palavra ou expressão possa ter com outras de sua
língua materna; em seguida, tenta fazer uma tradução literal, com o auxílio de dicionário
bilíngue. No entanto, verifica-se que, na maioria dos casos, isso não é possível, posto que
nem sempre há correspondência de sentido entre palavras ou expressões de duas línguas, e
que os sentidos dicionarizados dificilmente se encaixam no sentido contextual que as
palavras têm nos textos. questão de palavras heterossemânticas recebe um tratamento que
defenderia o uso do sentido dicionarizado e memorizado em listas de palavras.
Pôde-se perceber, também, que, ao tentar traduzir uma palavra, a interferência da
língua materna é evidente, fazendo com que o aluno considere que a palavra em estudo
signifique o mesmo que em português. Ao apresentar encadeamentos argumentativos a essa
palavra, oportuniza-se ao estudante uma leitura onde descobrirá com facilidade que o
sentido desta palavra não é o mesmo que em sua língua materna.
Nessa perspectiva, este estudo, ofereceu subsídios baseados numa concepção
argumentativa de materiais didáticos de língua espanhola, mostrando que o sentido literal
80
não conta da tradução de palavras denominadas heterossemânticas e que o sentido das
palavras nos textos e exercícios é constituído discursivamente, por meio de blocos
semânticos, expressos por encadeamentos argumentativos que descrevem as palavras.
Ao retomar a palavra sitio do exercício apresentado pelo livro Español Sin
Fronteras, verificou-se que ela foi apresentada para o aluno de forma isolada, sendo que o
mesmo encontra dificuldades para encontrar a lacuna na qual a palavra deverá ser inserida.
Ao propor encadeamentos argumentativos com a palavra em questão, observou-se que o
aprendiz encontra o sentido mais facilmente na medida em que relacionará a palavra com
os encadeamentos oferecidos encontrando assim, o enunciado ao qual ela pertence.
Confira-se a seguir um dos encadeamentos propostos na seção 4.1.2:
sitio DC un pequeño espacio a ser ocupado
O encadeamento proposto facilita o entendimento por parte do aluno, visto que a
continuidade em DC descreve a palavra, criando, assim, um sentido único.
Através deste trabalho, verificou-se a importância dessa concepção argumentativa
de linguagem para a tradução de palavras heterossemânticas, focando, especialmente que o
sentido de uma palavra depende de sua relação sintagmática com outras palavras. Nessa
perspectiva, a pesquisa objetivou também auxiliar os professores, em especial os de língua
estrangeira, em seu trabalho com materiais didáticos em sala de aula, principalmente no que
diz respeito à explicitação dos blocos semânticos constituídos e dos aspectos
argumentativos selecionados, sendo possível, ainda, oferecer uma orientação teórica segura,
tanto para a leitura e análise de matérias didáticos quanto para a elaboração destes.
81
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização deste estudo motivou-se pela necessidade de oferecer aos professores e
alunos de língua espanhola e também a produtores de materiais didáticos dessa mesma
língua uma alternativa de estudo de palavras heterossemânticas baseada em conhecimentos
trazidos à luz pela semântica argumentativa.
Em virtude da enorme semelhança partilhada entre a língua espanhola e a
portuguesa, ambas apresentam particularidade que, se em muitos casos facilitam a
aprendizagem, em outros podem dificultá-la. Essa grande afinidade existente entre as duas
línguas resulta em vocábulos ou expressões semelhantes no significante e diferente no
significado, o que se denominou na linguagem comum de “falsos amigos”, também
chamados por muitos autores de falsos cognatos e/ou palavras heterossemânticas. Por não
perceber a presença dessas palavras, o aluno, frequentemente, compromete a aprendizagem
do conteúdo semântico de um determinado enunciado, prejudicando assim, a compreensão
e até mesmo a interação comunicativa.
Nesse sentido, buscou-se realizar um estudo dessas palavras e/ou expressões
baseado na teoria da Argumentação da Língua (ADL), visto que ela preconiza que o sentido
de um enunciado é construído com base no que o contexto linguístico aponta, permitindo
que se visualizem novas e diferentes possibilidades de realizar o processo de leitura e
tradução de uma língua estrangeira. Em outras palavras, essa concepção argumentativa de
linguagem para a leitura, tradução e compreensão de palavras heterossemânticas,
desenvolvida neste trabalho, a qual enfatizou, especialmente, a questão da relação
argumentativa entre as palavras no enunciado, possibilitou verificar que essas palavras
heterossemanticas podem ser descritas por encadeamentos argumentativos, isto é, dois
predicados ligados por um conector que pode ser do tipo DC ( donc = portanto) e PT
(pourtant = mesmo assim). Vale salientar a existência de uma interdependência semântica,
que cria um sentido único, indecomponível, entre os segmentos que constituem o
encadeamento. Verifica-se importante apresentar aqui uma breve proposta com base na
ADL/TBS, a fim de confirmar as considerações acima. Confira-se o enunciado analisado
na seção 4.2.2:
82
Mi nombre es Julio y mi apellido es Ramírez.
Ao analisar o enunciado acima apresentado, verificou-se que a palavra destacada
apellido pode ser considerada um “falso amigo”, pois o aluno sofre as interferências da
língua materna, ao buscar traduzir a palavra com base no que ele conhece. Lembre-se
que apelido em língua portuguesa poderia ser usado num enunciado como: seu nome é
Guilherme, mas é conhecido por Gui, seu apelido. Considerou-se, também, que o aluno
pode desconhecer que, em língua espanhola, Ramírez é um nome de família e, portanto, o
sobrenome do sujeito da frase e não o seu apelido. Em vista disso propôs-se um
encadeamento argumentativo para esta frase conforme segue:
Mi nombre es Julio y mi apellido es Ramírez DC pertenezco a la família Ramirez.
A partir do encadeamento proposto possibilita-se ao leitor o conhecimento de que,
se o sujeito da frase pertence à família Ramírez e seu apellido é Ramírez, então o
significado adequado em português de apellido da língua espanhola é sobrenome, e não
apelido, conforme se entende numa primeira leitura baseada no português como língua
materna.
Como se pôde perceber pelos estudos realizados, a abordagem adotada neste
trabalho mostrou-se capaz de simplificar a atividade de leitura e tradução dos “falsos
amigos” em língua espanhola, especialmente para os leitores menos proficientes, visto que
permitiu, com segurança, estabelecer a relação argumentativa entre as palavras dos
enunciados em textos e exercícios apresentados em livros didáticos de língua espanhola.
Os procedimentos de leitura elaborados para este estudo, com base nos principais
conceitos da teoria da Argumentação na Língua, foram de fundamental importância para
que se pudesse apontar com clareza e segurança a argumentação expressa em cada palavra
ou enunciado analisado e, consequentemente, a relação argumentativa entre as palavras.
Na verdade, considera-se que esse processo de leitura, que parte da identificação e
explicitação do valor semântico-argumentativo do encadeamento principal da palavra (que
contém sua argumentação central), por meio dos blocos semânticos constituídos e dos
aspectos selecionados, pode auxiliar professores, tanto de língua materna quanto de ngua
estrangeira, em seu trabalho com os “falsos amigos” em sala de aula, principalmente no que
83
diz respeito à explicitação dos blocos semânticos constituídos e dos aspectos
argumentativos selecionados, visando a ampliar nos alunos a capacidade de compreender e
apontar o sentido das palavras tanto durante a leitura dessas quanto do enunciado em si.
O enfoque aqui apresentado oferece uma orientação teórica segura tanto para a
leitura e análise de matérias didáticos quanto para a elaboração destes. Além disso,
proporciona aos docentes uma forma mais clara e objetiva de trabalhar com palavras
heterossemânticas em sala de aula, visto que ao apresentarem o encadeamento
argumentativo, seja ele uma argumentação interna (AI) ou uma argumentação externa (AE)
dos elementos linguísticos estudados estarão auxiliando o aluno na busca de sentido sem o
auxílio do dicionário e da memória, o que permitirá uma aprendizagem eficaz.
Pode-se, por fim, afirmar que a aplicação dos principais conceitos de palavras
heterossemânticas, argumentação, sentido e tradução, baseados na ADL principalmente no
que diz respeito aos blocos semânticos, na análise dos exercícios selecionados, evidenciou a
contribuição que essa teoria pode oferecer tanto para a o entendimento destes exercícios
quanto para a sua elaboração.
Nesse sentido, espera-se que o estudo realizado amplie os horizontes, especialmente
em relação ao estudo e compreensão dos “falsos amigos”, ao proporcionar, por meio da
ADL, uma nova forma de realizá-lo. Isso porque, como professora de ngua espanhola
adepta desta teoria, sempre preconizei que o entendimento e a tradução das palavras
heterossemânticas nos textos e/ou enunciados facilitariam muito a compreensão textual,
uma vez que, de certa forma, o aluno precisa entender a palavra no discurso para entender o
texto.
Tem-se consciência, entretanto, de que, embora esta pesquisa tenha contribuído para
o conhecimento sobre as questões da tradução relacionadas ao entendimento de palavras
heterossemânticas em ngua espanhola, o tema pode e deve ser enriquecido e ampliado
com base nessa concepção argumentativa de linguagem, segundo a qual é apenas o discurso
que pode determinar o valor linguístico argumentativo das palavras e das expressões da
língua.
84
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20Pacheco>
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ANEXOS
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