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impenetrável. Pode ser que a questão se feche aí e, por um momento, o significante encontre
seu significado, seu ponto de basta, mas também pode ser, não duvidemos da astúcia do
poeta, que a resposta seja uma provocação e, além de um lugar, gravanha possa ser também
uma palavra impenetrável. Impenetrável, quem sabe, no sentido de opaca, de indecifrável, ou
mais ainda, de incompreensível
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. Não se pode penetrar a significância da palavra, não se
pode chegar à sua significação, não se pode decifrar o enigma que ela causa. À maneira da
expressão citada por Lacan no Seminário XX, à tire-larigot, podemos encontrar coisas novas
na busca pelo significado de gravanha, novidades oferecidas pelo próprio poeta ou por seus
leitores, mas nenhum dos significados, sejam os de Rosa ou de Manoel, parece aprisionar ou
cristalizar um significado que se refira ao significante gravanha. Diremos, nesse caso, que o
significante funciona como letra, aumentando o trabalho de significância e transferindo um
novo trabalho ao leitor, o que possibilita uma transmissão. O significante não encontra um
ponto de basta, tampouco uma representação. Gravanha não representa outro significante.
Isso é o que faz o significante alcançar um funcionamento próximo à letra. É dessa forma que
o poeta, ao nos oferecer uma palavra não digerida, a palavra a ponto de traste, deslocada de
seu sentido normal ou de qualquer outro sentido, nos oferece, além de um enigma, também
um trabalho.
Nesse sentido é que sua desaprendizagem não nos conduz à ignorância, mas à
produtividade. A ignorância, se atingida, parece ser de outra ordem. Para essa ignorância,
Manoel de Barros tem nome: ignorãça. Lembremos que, na psicanálise lacaniana, também
encontramos uma distinção entre duas ignorâncias. Para o psicanalista, uma ignorância pode
se reduzir à negação do saber, mas também pode encarnar o não-saber, que é uma forma mais
elaborada do saber: “O fruto positivo da revelação da ignorância é o não-saber, que não é uma
negação do saber, porém sua forma mais elaborada.” (LACAN, 1966, p.360). A forma mais
elaborada do saber seria, justamente, o não sabido, o que ainda está por saber, o saber
impossível de uma significação, o saber ainda não digerido.
Opondo-se à aprendizagem, negando-a com o prefixo des, a desaprendizagem de
Manoel busca operar com um saber que ainda não foi digerido, um saber que não se fixa em
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Ram Mandil, sustentado pela teoria de Barthes, chama a atenção para a distinção entre as escrituras
indecifráveis e as escrituras incompreensíveis. As primeiras indicam uma falha do leitor na tradução, existe
uma cifra para a qual ele não encontra decifração, um enigma de difícil solução. Já no segundo caso, a
ausência de sentido é atribuída não à dificuldade na decodificação, mas à imaginação atribuída ao artista.
Acreditamos que a obra de Manoel de Barros contempla ambas as escrituras, estando a palavra gravanha mais
do lado da escritura incompreensível do que da escritura indecifrável, já que atribuímos o enigma da palavra
ao próprio estilo do poeta, embora saibamos também que esse fato, longe de cessar o trabalho de
decodificação, incita ainda mais a produtividade típica da significância. O mais certo é que, assim como a
distinção entre texto de prazer e texto de gozo, novamente esbarramos em uma vacilação terminológica da
obra de Barthes.