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3. 2 Polifonia e Argumentação: trajetórias
Na ótica de Bakhtin, a língua poderia ser, como para Saussure, um fato
social cuja existência se funda nas necessidades da comunicação. Mas Bakhtin valoriza
a fala, a enunciação, afirmando sua natureza social (não individual), enquanto Saussure
e os estruturalistas, seus seguidores, dedicam-se ao estudo da língua como um objeto
abstrato ideal, um sistema sincrônico e homogêneo.
Para o filósofo, a fala está sempre ligada às condições sociais de interação
que, por sua vez, estão sempre ligadas às estruturas sociais. Portanto, a comunicação
verbal revela e confronta valores sociais contraditórios que lutam entre si estabelecendo
relações de dominação, de resistência, de adaptação ou resistência à hierarquia e
implica, também, a utilização da língua pela classe dominante como recurso para
reforçar seu poder. Essas relações são analisadas pelo autor no uso dos recursos
linguísticos que constituem a materialidade do enunciado, graças às formas de
apresentação do discurso do outro.
Ao atentar para os conflitos geradores das variações de um mesmo sistema,
Bakhtin conclui que os motivos dessas variações da língua obedecem tanto a leis
internas (reconstrução analógica e economia) como, principalmente, a leis externas, de
natureza social. Bakhtin (2002, p. 89) critica a idéia de sistema de oposição língua/ fala,
sincronia/ diacronia de Saussure
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; por julgar o signo dialético, vivo, e questiona qual o
verdadeiro núcleo da realidade linguística. O autor opta não pela língua, mas pelo ato
individual da fala - a enunciação. Para ele, o modo de existência da realidade linguística
é a evolução criadora ininterrupta e não a imutabilidade de normas idênticas a si
mesmas. A forma linguística é sempre mutável. Na enunciação, então, juntam-se outras
condições (como entonação, conteúdo ideológico, situação social determinada) que
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Segundo as concepções deste autor, a língua se opõe à fala como o social ao individual. Portanto, a
língua, para ele, é um princípio de classificação, ela é um produto que o sujeito registra passivamente. A
fala, ao contrário é um ato individual de vontade e de inteligência no interior do qual se distingue,
constitui a história da língua, com seu caráter individual e acidental, seria um processo diacrônico. Então
o sistema lingüístico, que constitui um fato objetivo externo à consciência individual - ou seja, a língua,
seria um sistema sincrônico. Para Bakhtin, esse sistema sincrônico, objetivamente, não existe em nenhum
verdadeiro momento da história e, portanto, em nenhum momento efetivo do processo de evolução da
língua.