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MICHELLE BAPTISTA GRAN TEIXEIRA
PINTURA PAISAGÍSTICA DO RIO DE JANEIRO NO SÉCULO XIX: O OLHAR DE
FACCHINETTI
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Artes
Visuais, Escola de Belas Artes,
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em História e
Crítica da Arte.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Gonçalves Terra
Rio de Janeiro
2010
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MICHELLE BAPTISTA GRAN TEIXEIRA
PINTURA PAISAGÍSTICA DO RIO DE JANEIRO NO SÉCULO XIX: O OLHAR DE
FACCHINETTI
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Artes
Visuais, Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do tulo de Mestre em História e Crítica da
Arte.
______________________________________
Prof. Dr. Carlos Gonçalves Terra Orientador
Universidade Federal do Rio de Janeiro
______________________________________
Profª. Drª. Ana Maria Tavares Cavalcanti
Universidade Federal do Rio de Janeiro
______________________________________
Prof. Dr. José Augusto Avancini
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Rio de Janeiro
Setembro de 2010
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A Arlindo Gran e Oscar Teixeira (in memoriam), e a
Cristian Regis, personagens que compõem o primeiro
plano dessa estranha, porém fascinante, paisagem
chamada vida.
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AGRADECIMENTOS
A Carlos Gonçalves Terra, orientador atencioso e afável, que me encaminhou para o
mestrado e nessa curta trajetória tornou-se um valioso amigo.
A Cristian Regis Teixeira pela sua infalível dedicação na leitura paciente, precisa e
crítica, pelas conversas fecundas e pelas indicações de leituras sempre pertinentes.
À Maria Célia, amiga inestimável, que, mesmo sempre muito atarefada, encontrou
tempo para ler o trabalho e me poupar de alguns desvios gramaticais.
A Naza pela sempre boa e produtiva conversa e por disponibilizar sua biblioteca.
A Sérgio, pai artístico de longa data, pelo seu entusiasmo.
A Almir Paredes Cunha pelos bate-papos agradáveis e pelo seu precioso dicionário
que me salvou em vários momentos.
À Sonia Gomes Pereira e José Augusto Fialho Rodrigues pelo interesse na pesquisa
e valiosa ajuda.
À Ana Maria Tavares Cavalcanti e Cybele Neto Vidal Fernandes pela participação
nas bancas de qualificação e defesa e pelas importantes críticas e sugestões.
A José Augusto Avancini pela participação na banca de defesa.
A Sérgio Fadel que com seu desprendimento disponibilizou suas obras de
Facchinetti para análise.
À Marilka Mendes por abrir as portas de seu ateliê e pelas informações valiosas.
Aos amigos de mestrado Cristina, Ade e Francisco pelas trocas proveitosas.
Ao Museu Nacional de Belas Artes e ao Museu D. João VI.
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Paisagens, quero-as comigo
Paisagens, quero-as comigo.
Paisagens, quadros que são...
Ondular louro do trigo,
Faróis de sóis que sigo,
Céu mau, juncos, solidão...
Umas pela mão de Deus,
Outras pelas mãos das fadas,
Outras por acasos meus,
Outras por lembranças dadas...
Paisagens... Recordações,
Porque até o que se vê
Com primeiras impressões
Algures foi o que é,
No ciclo das sensações.
Paisagens... Enfim, o teor
Da que está aqui é a rua
Onde ao sol bom do torpor
Que na alma se me insinua
Não vejo nada melhor.
(Fernando Pessoa)
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RESUMO
PINTURA PAISAGÍSTICA DO RIO DE JANEIRO NO SÉCULO XIX: O OLHAR DE
FACCHINETTI.
O trabalho analisa as mudanças na produção pictórica do pintor italiano Nicolau
Facchinetti durante a segunda metade do século XIX, quando viveu na cidade do
Rio de Janeiro e seus arredores, bem como suas impregnações italianas que o
acompanharam na sua produção aqui realizada. Pintor de paisagem requisitado
pelas elites, Facchinetti registrou em suas telas vários recantos da cidade num
primeiro momento com um ―olhar estrangeiro‖ e, mais tarde, com um ―olhar de
pertencimento‖. Sendo o registro pictórico da paisagem uma construção cultural que
se altera no tempo e no espaço, fez-se necessário observar o nascimento e a
gênese do conceito de paisagem no Ocidente, assim como a evolução da prática da
pintura de paisagem na cidade carioca. Diante da indissolúvel relação entre arte e
história, busca-se examinar o contexto histórico vivido pelo pintor durante sua longa
estadia no Rio de Janeiro.
Palavras-chave: Nicolau Facchinetti. Pintura de Paisagem. Rio de Janeiro. Século
XIX.
7
ABSTRACT
LANDSCAP PAINTING OF RIO DE JANEIRO IN THE NINETEENTH CENTURY:
THE LOOK FACCHINETTI.
The work will examine the changes in the pictorial production of the Italian painter
Nicholas Facchinetti during the second half of the nineteenth century, period he lived
in Rio de Janeiro and its surroundings as well as his Italian impregnations that were
inseried his production held Rio de Janeiro. Facchinetti was a landscape painter
required (or sought after) by the elites, who recorded on his screens every part of the
city at first with a "foreign look" and, later, with a " native look " As the pictorial record
of the landscape is a cultural construction that changes in time and space, it was
necessary to observe the birth and genesis of the concept of landscape in the West,
as well as the evolution of the practice of landscape painting in the city of Rio. Due to
the inextricable relationship between art and history, This study examines the
historical context experience by the painter during his long stay in Rio de Janeiro.
Keywords: Facchinetti. Landscape painting. Rio de Janeiro. the Nineteenth Century.
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 9
2 A CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM NA PINTURA ................................................. 14
3 A CIDADE CARIOCA NA PINTURA DO SÉCULO XIX ........................................ 63
4 A PAISAGEM DO RIO DE JANEIRO NO OLHAR DE
NICOLAU FACCHINETTI ................................................................................... 117
5 CONCLUSÃO .................................................................................................... 179
6 REFERÊNCIAS ...................................................................................................183
7 ANEXO ........................................................................................................... 192
9
1 INTRODUÇÃO
Privilegiada por suas riquezas naturais, a cidade do Rio de Janeiro seria, ao
longo de sua história, retratada exaustivamente por diversos artistas locais e
estrangeiros. Sobretudo a partir do início do século XIX, as paisagens cariocas,
com sua natureza exuberante, iriam inebriar os diferentes olhares de artistas
viajantes que, encantados ou surpresos com essa beleza, passariam a perpetuar
os variados ângulos da paisagem carioca em seus registros pictóricos, cada qual
imprimindo em suas produções uma visão pessoal da paisagem que se
descortinava diante de seus olhos.
Como se verá, no início do século XIX, com a chegada da Família Real ao
Brasil, tornou-se comum a presença, por longos períodos, de um número cada
vez maior e mais variado de viajantes na cidade de São Sebastião do Rio de
Janeiro. Possuindo interesses diversos, muitas expedições trariam naturalistas e
artistas que retratariam as paisagens cariocas. Alguns desses artistas se
envolveram de tal forma com a cultura local e com as paisagens naturais que
acabaram por se estabelecer definitivamente na cidade. É dentro desse contexto
que a presente pesquisa se insere e seu objetivo principal é procurar entender
aspectos da construção da paisagem carioca na percepção e interpretação de
artistas com culturas díspares, enfocando mais especificamente nos elementos e
contornos que esse processo adquire junto a um pintor em especial: o italiano
Nicolau Antonio Facchinetti.
O resultado desta proposta de trabalho pretende se inserir na concepção de
História da Arte defendida, entre outros, por Giulio Carlo Argan. Assim, entende-
se que o papel da História da Arte o é tão somente o de coletar informações
sobre os fatos artísticos: a vida dos artistas, datação da obra, localização e
circunstâncias de sua execução mesmo considerando que esses fatos muitas
vezes tenham uma relevância fundamental , pois se entende que cabe à História
da Arte, em essência, desvendar como a consciência apreende a arte. Em outras
palavras: não se faz História da Arte apenas para conservar a memória artística,
mas para historicizá-la, pois como Carlo Argan argumenta:
10
Deve-se, naturalmente, descartar que a pesquisa histórica tenha a função
de prover com conjecturas satisfatórias a falta de dados precisos sobre o
lugar, o tempo e as circunstâncias em que determinada obra foi executada.
A informação abundante e exata ajuda sem dúvida a formular mas não
resolve o problema do significado e do alcance de um fato. (ARGAN, 2005,
p. 14).
Nessa concepção, a obra de arte não é entendida como um puro e simples
epifenômeno social, mas acredita-se na existência de uma relação inextricável entre
arte e sociedade e, dessa forma, a pesquisa histórica, mesmo que analise uma única
obra, não pode ficar circunscrita a ela, deve buscar os seus nexos e a situação
cultural mais ampla da sua formação. Esses nexos, entretanto, não são tão somente
tipológicos, técnicos, iconográficos etc, são nexos históricos e, portanto, apenas o
discurso histórico pode -los em evidência:
Se a arte é um dos grandes tipos de estrutura cultural, a alise da obra de
arte deve dizer respeito, de um lado, à matéria estruturada, de outro, ao
processo de estruturação. Em cada objeto artístico se reconhece facilmente
um sedimento de noções que o artista tem em comum com a sociedade de
que faz parte, sendo como a linguagem histórica e falada de que se serve o
poeta. (ARGAN, 2005, p. 29).
Ainda segundo Argan, na cultura moderna não se faz história da arte sem a
crítica da arte, pois é por meio da crítica que se opera, segundo as suas próprias
metodologias, a avaliação e interpretação das obras artísticas que se inserem no
sistema geral da cultura:
Deve-se precisamente à formação de uma crítica de arte e à actividade dos
primeiros ―conhecedores‖, o facto de o interesse se ter progressivamente
deslocado da história externa para a interna: para componentes da cultura
artística, para o modo como se entrelaçam e agem entre si no decurso da
sua obra, para o tipo de processo através do qual a obra se formou.
(ARGAN, 1988, p. 142).
O papel da crítica de arte não é de estabelecer um julgamento qualitativo de
uma obra artística, mas o de explicar o seu fenômeno situando-a num contexto
histórico, levando-se em conta o conjunto de relações em que ela se insere. O que
define o fenômeno artístico o é o tipo de obra, mas o tipo de processo: como ela
11
se insere num contexto cultural e funciona: ―(...) É um juízo histórico que não se
encerra, mas abre a investigação‖ (ARGAN, 2005, p. 22).
Também se mostraram de grande valia para o desenvolvimento das análises
as formulações de Erwin Panofsky, sobretudo as que dizem respeito ao seu método
iconológico. Segundo o autor, a iconologia estuda o significado enfatizando a
importância dos costumes cotidianos para se compreender as representações
simbólicas. É um método de interpretação, é o requisito básico para a análise
iconográfica:
Assim, concebo a iconologia como uma iconografia que se torna
interpretativa e, desse modo, converter-se em parte integral do estudo da
arte, em vez de ficar limitada ao papel de exame estatístico preliminar.
(PANOFSKY, 2007, p. 54).
Portanto, a partir do momento em que a iconografia, que é a descrição e
classificação das imagens, se afasta de seu isolamento e começa a fazer parte de
um todo histórico ou crítico, sua base se modifica passando a receber o termo
iconologia. Como observou Argan:
O método iconológico de Panofsky nada tem a ver com aquela ciência
subsidiária da historia da arte que é a iconografia, a qual, em última análise,
se reduz a formar classes de objetos que têm certas marcas distintivas em
comum. É um método histórico, porque não forma classes mas séries, ou
seja, reconstrói o desenvolvimento ou o percurso das tradições de imagem.
(ARGAN, 2005, p. 52).
Segundo Panofsky, a história da arte se divide em três níveis de
compreensão, a saber: 1) primário ou natural; 2) secundário ou convencional; e, 3)
significado intrínseco ou conteúdo. A iconologia se insere no significado intrínseco
ou conteúdo, que considera a história pessoal, técnica e cultural para entender a
obra de arte. No nível iconológico, a pesquisa dos significados intrínsecos extrapola
as fronteiras cartesianas do conhecimento e faz com que as várias áreas do saber
se relacionem, e as múltiplas informações se entrecruzem. Nas palavras do autor,
―(...) é na pesquisa de significados intrínsecos ou conteúdo que as diversas
disciplinas humanísticas se encontram num plano comum, em vez de servirem
apenas de criadas umas das outras‖ (PANOFSKY, 2007, p. 63). É exatamente nesse
sentido que se buscou um enfoque interdisciplinar na abordagem dos temas
12
apresentados.
Pelo exposto, ao se analisar as representações paisagísticas do século XIX e
a produção pictórica de Nicolau Facchinetti, se almejou desenvolver uma pesquisa
iconológica tal como proposta por Panofsky com o intuito de compreender o
significado mais profundo das obras e suas relações com seus contextos sociais e
culturais, pois, como percebe Argan,
Basta lembrar também de Poussin, Claude Lorrain, Corot, para nos
persuadimos de que há toda uma iconologia da paisagem, fácil de encontrar
na escolha do motivo, do corte, da perspectiva, dos componentes
naturalistas (árvores, rochedos, água, nuvens), da estação da hora.
Tampouco adianta invocar a emoção súbita do artista diante do verdadeiro
(se que se trata de paisagem do natural), uma vez que ele escolheu aquele
verdadeiro e ele foi buscar aquela emoção. Isso sem mencionar que a
emoção ainda é um fato da imaginação-memória, mesmo se suscitada por
um estímulo externo. (ARGAN, 2005, p. 55).
Na apreciação das transformações pictóricas ocorridas nas representações
de Facchinetti especificamente, se fez necessário avaliar o contexto cultural
vivenciado pelo artista e como a permanência em um ambiente paisagístico e
cultural diverso influenciou essa transformação, pois, as imagens representadas
poderiam ter-se constituído na imaginação do artista de maneira confusa em um
amálgama da bagagem de noções, hábitos e convenções que o artista carregaria.
Afinal, no campo da iconologia, todo esse acidentado terreno cultural se torna
imprescindível para a análise uma vez que ele concorre para modificar todo o
esquema de convenções em que a obra se situa.
Para facilitar a exposição e o encadeamento das reflexões desenvolvidas,
optou-se por dividir o presente trabalho em três capítulos.
No primeiro A CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM NA PINTURA se
desenvolve o exame da representação pictórica da natureza ao longo do tempo,
tendo em vista a paisagem como uma construção histórica, e a elucidação da
gênese do conceito de paisagem no Ocidente e as suas metamorfoses.
no segundo capítulo A CIDADE CARIOCA NA PINTURA DO SÉCULO
XIX , se tem como objetivo a análise de como os artistas estrangeiros, munidos de
uma cultura diversa, adaptaram (ou não) seus esquemas de representação pictórica
ao se depararem com uma paisagem ―desconhecida‖. Nesse sentido, se pretendeu
13
realizar um panorama histórico da cidade do Rio de Janeiro e da produção da
pintura de paisagem carioca desenvolvida no século XIX, buscando-se também
refletir sobre a alteridade cultural vivenciada pelos artistas estrangeiros e as
possíveis transformações nas interpretações pictóricas daí decorrentes.
No terceiro e ultimo capítulo A PAISAGEM DO RIO DE JANEIRO NO
OLHAR DE NICOLAU FACCHINETTI , busca-se mensurar as possíveis
transformações que ocorrem na obra paisagística do pintor Nicolau Facchinetti ao
longo do tempo: tarefa facilitada pelo fato de o artista ter produzido várias versões
de paisagens específicas, onde altera o tratamento pictórico e reproduz efeitos de
luz em diversos momentos do dia. Desta forma, nosso foco será, num primeiro
momento, a paisagem do Rio de Janeiro do século XIX no olhar ―estrangeiro‖ de
Nicolau Facchinetti: sua representação, seus procedimentos, sua formação e suas
influências artísticas para, em seguida, proceder à análise das possíveis
modificações operadas em sua obra em razão das influências culturais que ele
vivencia na cidade do Rio de Janeiro e que seduzem o seu olhar de estrangeiro e
torna-no um olhar mais carioca, um olhar de pertencimento.
Dessa maneira, o presente trabalho pretende contribuir para ―fechar‖ mais
uma lacuna no que se relaciona a pintura de paisagem brasileira no século XIX.
Como, algumas vezes, as imagens impressas não permitem uma observação
mais acurada, está disponível, em anexo, CD com todas as ilustrações digitalizadas.
14
2 A CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM NA PINTURA
No teu corpo ao luar
girassóis vou pintar
com trigais de Van Gogh e rios
e as reverberações
clarearão teu corpo tonto de amarelazuis...
De Gauguin vou tomar
a neblina do mar
e manchar os lençóis de ilhas
esmaltes maoris,
rubores de caquis
valúne nave Tahiti!
De Lautrec pegar
A inglesa do Star
O can-can do Moulin e o circo
e a dança de Marcelle
acende ma chandelle
eu rodo por Paris bebendo,
beijo Jane Avril
Pra encerrar, de Cézanne,
sob um céu de reclame,
o azul sangrará em pane
e o Arlequim trará
laranjas e maças
para o castelo de Médan...
E quando amanhecer
Um toque só de sol
Reunirá os dois destinos
E rindo igual meninos
Tocados pelo mar
Nos vamos descansar
Ouvindo os sinos!
(Impressionados. Guinga / Aldir Blanc)
15
A representação pictórica da natureza sempre acompanhou a humanidade
desde os seus primórdios, como atesta, por exemplo, a arte rupestre que se pode
observar em Altamira, na Cantábria (Espanha). Ao longo da história, evidentemente,
ocorreram modificações na forma de conceber a natureza em função do
desenvolvimento da técnica pictórica e, sobretudo, como consequência da mudança
de atitude do homem em relação ao seu meio ambiente. É nesse contexto que a
representação pictórica da natureza, como apreensão dos aspectos individuais
reconhecíveis do entorno, se transforma em pintura de paisagem, constituída pelo
conjunto dos elementos naturais e arquitetônicos concebidos no processo de
interação entre o homem e a natureza.
O conceito de paisagem
1
passa por diversas modificações, desde o século
XV, até a nossa contemporaneidade. Atravessando várias fronteiras desde a sua
origem, a cada adição, ganhou um sentido mais amplo. Nos dicionários brasileiros
Aurélio e Houaiss, por exemplo, a palavra paisagem possui dois sentidos principais:
tanto significa ―espaço de terreno que se abrange num lance de vista‖, quanto,
―pintura, gravura ou desenho que representa uma paisagem natural ou urbana‖.
Mas, a polissemia do termo não se encerra, pelo contrário, se amplia quando se
analisa a sua utilização pelas inúmeras disciplinas: ―se um geógrafo, um historiador,
um arquitecto se debruçarem sobre a mesma paisagem, o resultado dos seus
trabalhos e a maneira de conduzi-los serão diferentes, segundo o ângulo de visão
de cada um dos que a examinam‖ (BLANC-PAMARD; RAISON, 1986, p. 138). O
traço de união entre as diversas definições é a sua conotação humana, sendo a
paisagem entendida como ―a natureza vista através do olhar humano, transformada
pela intervenção e pelos olhos do homem‖ (BLANC-PAMARD; RAISON, 1986, p.
138). Em outras palavras, assim como Maximiano, entende-se paisagem como
1
Do latim pagus, significando aldeia, povoação, povoado, surgiram vários derivados desde
pagonalia (paganais, festas aldeãs) até Pagensis, empregado no sentido de ―habitante de uma
pagus‖, acumulado ao francês pays com os sentidos de ―habitante‖ e ―território‖, havendo uma
derivação no século XVI para paysage (paisagem), passando para paysagiste, no século XVII, como
termos de pintura tomando um sentido mais amplo no século XVIII, e no culo XIX o sentido
geográfico. As línguas espanhola, italiana e portuguesa tomam de empréstimo as palavras
francesas: pays, paysage e paysagiste, obtendo o mesmo significado, resultando em italiano
paesaggio, em espanhol paisaje e, em português, paisagem. Na língua alemã e inglesa surge land,
com o mesmo significado de pagus, formando em seguida as palavras landschaft para o alemão e
landscape para o inglês, para traduzir o termo holandês landskip empregado para se referir à
representação pictórica.
16
produto visual de elementos naturais e sociais que se interagem, pois a paisagem
não está dissociada da existência humana (MAXIMIANO, 2004, p. 83).
Tema clássico da geografia, a inclusão da existência humana no conceito de
paisagem vem sendo desenvolvida desde o século XIX, pois:
No favorável contexto dessa centúria, a geografia interessada com o
surgimento de novos saberes, de novas ciências define mais
precisamente seu campo de conhecimento. Observa, sistematiza e
classifica os fatos, elabora categorias e conceitos, constrói discurso e
linguagem próprios para criar representações da natureza e da sociedade,
alvos eleitos e objetos do seu saber. (SILVA, 2009, p. 15).
Como aponta Miriam Leite (1997, p. 207): ―a geografia de Humboldt era um
estudo da natureza que englobava a humanidade como espécie ativa‖. Afirmativa
corroborada por Paul Claval (2004, p. 21): ―eles [geógrafos] se interrogam sobre a
influência que o meio exerce sobre os indivíduos e grupos, e procuram medir as
transformações que a atividade humana desencadeia no meio ambiente‖.
A conotação artística, porém, também está presente nas diversas definições
de paisagem. Segundo José Roberto Teixeira Leite, em seu Dicionário crítico da
pintura no Brasil (1988, p. 373), paisagem se define como ―representação pictórica
de um sítio ao ar livre, no qual a natureza desempenha o papel exclusivo, ou
preponderante (paisagem pura, paisagem animada, com ruínas, etc.)‖. Para Almir
Paredes Cunha, em seu Dicionário de artes plásticas (2005, p. 264), paisagem é a:
―denominação dada à reprodução, mais ou menos minuciosa ou, ainda, fantasiosa,
de trechos da natureza‖. E completa: ―geralmente, o termo paisagem está
associado à predominância da vegetação, com ou sem elementos de arquitetura e
figuras humanas, complementares‖.
Assim sendo, nem sempre a pintura de paisagem esteve presente na história
humana. Os egípcios, por exemplo, tinham uma relação inextricável com a natureza
em razão da vida no deserto ser possível graças às cheias do rio Nilo. A forte
relação dos egípcios com a natureza também fica evidenciada nos seus jardins
(Ilustração 1) que eram organizados com tanques de água, varandas, árvores
cuja finalidade era o prazer e rodeados por muros com o propósito de proteger a
propriedade de intrusos e das forças da natureza. Em suma, ―os jardins, em geral,
eram como oásis trazidos para dentro das cidades fortificadas‖ (MAXIMIANO, 2004,
17
p. 84). Na arte egípcia, contudo, não pintura de paisagem, pois, apesar de
apresentar elementos da natureza estes jamais m um papel predominante e o
artista egípcio representa a natureza não como a vê, mas como sabe, pintando de
memória apenas o essencial com a utilização de regras e convenções rígidas que
conferem a cada obra um efeito de estabilidade e equilíbrio.
Ilustração 1. O jardim de Nebamum, c. 1400 a.C., mural de um túmulo
em Tebas, 64 x 74,2 cm. Britsh Museum, Londres.
Alguns autores, como, por exemplo, Alain Roger, defendem o surgimento do
registro de paisagem na Antiguidade clássica, como atestariam os trabalhos murais
e os mosaicos descobertos em Pompeia e Herculano (ANDRADE, 2002, p. 16). Na
Antiguidade greco-romana, a representação da natureza desenvolve-se em pinturas
murais nas casas dos citadinos, aparecendo como fundo para a narrativa humana
ou para a decoração que iludia o olhar, como, por exemplo, na pintura de janelas
que se abriam para a paisagem.
No interior da casa romana são criados magníficos jardins pintados (TERRA,
2007, p. 316), mas essas pinturas não representam cenas reais do campo ou
referências a belas paisagens, e sim representações de cenas idílicas, pastoris,
18
montanhas e ermidas rústicas que são dispostas harmoniosamente. Os pintores da
Antiguidade desconhecem as leis da perspectiva e, para obter a noção de
profundidade, os artistas pintam os objetos próximos maiores e os diminuem
conforme se distanciam. Em sua evolução, as representações pictóricas da
natureza, durante a Antiguidade, passam a buscar cada vez mais realismo, porém,
como não articulam um sistema de relações entre altura, largura e profundidade, a
noção de espaço permanece ausente: o espaço não envolve os objetos, eles se
intercalam de forma superposta ou sucessiva.
Não são poucos os autores, no entanto, que questionam a existência de
pintura de paisagem na Antiguidade. Para Maximiano (2004, p. 84) a natureza na
sua forma selvagem não exercia um papel importante na arte romana, pois era
sempre representada com cenas antropomórficas, em que o homem e a natureza
se opõem. Igualmente Cauquelin afirma:
Não há duvida de que a Natureza não era figurada na forma da paisagem.
Se ela aceitava ser representada concretamente, era em termos de
ordenamento, de distribuição organizada. Potência atuante nos objetos
animados e inanimados, a metáfora que se encarregava dela para torná-la
inteligível era de ordem antropomórfica. (CAUQUELIN, 2007, p. 45).
Augustin Berque também questiona a existência de pintura de paisagem na
Antiguidade argumentando que não houve uma reflexão romana sobre o tema:
Lo que definitivamente les faltó a los romanos fue uma conciencia del
paisaje en cuanto tal, con la palabra que lo designa. En consonancia con
ello, em Roma no hubo una reflexión sobre el paisaje, ni el de escala
natural, ni el pictórico
2
. (BERQUE, 1977, p. 11).
Nessa mesma linha de crítica, Kenneth Clark observa que a Antiguidade,
impregnada do sentido grego de valores humanos, reserva um papel secundário
para a natureza, cuja finalidade é meramente decorativa, representando os
elementos paisagísticos como cenários:
2
O que definitivamente faltou aos romanos foi uma consciência da paisagem enquanto tal, como a
palavra a designa. Em consonância com isso, não houve em Roma uma reflexão sobre a
paisagem, nem na dimensão natural, nem na pictórica.
19
O pintor helenístico, com sua visão penetrante dirigida para o mundo
visível, desenvolveu uma escola de pintura de paisagem, mas [...] a sua
habilidade para registrar efeitos de luz era usada principalmente com fins
decorativos. (CLARK, 1961, p. 19).
Ainda segundo Clark, o nascimento da pintura de paisagem ocorre na Idade
Média em função da mudança na percepção do homem em relação à natureza e ao
espaço:
A pintura de paisagem marca as fases da nossa concepção da Natureza. O
seu aparecimento e desenvolvimento desde a Idade Média é parte de um
ciclo no qual o espírito humano tenta mais uma vez criar harmonia com
aquilo que o rodeia. (CLARK, 1961, p. 19).
A arte medieval representa os objetos por meio de símbolos que não têm
uma relação necessária com a aparência real, pois o mundo é compreendido a
partir de ideais e dogmas religiosos. A vida terrena não deveria absorver a nossa
atenção, pois as sensações agradáveis eram consideradas pecaminosas tornando-
se imprescindível à interpretação simbólica da natureza, como descreve Clark:
Santo Anselmo, que escreveu nos princípios do século XII, sustentava que
as coisas eram perigosas em proporção com as sensações agradáveis que
em nós despertavam, e consequentemente considerava perigoso estar
sentado num jardim onde havia rosas que davam prazer pelo aroma e cor,
assim como canções e histórias que agradavam aos ouvidos. (CLARK,
1961, p. 20).
Para o homem medieval, a natureza parece-lhe como um ambiente hostil e
estranho: o campo significa trabalho árduo; o mar é visto como perigoso por causa
das tempestades e da pirataria; a extensão da terra causa horror com suas
intermináveis florestas e pântanos. Mas, a mentalidade medieval possui o poder de
transformar simbolicamente todos os objetos materiais em verdades espirituais e
sagradas e, dessa forma, começa a olhar a natureza como modelo do sagrado, do
divino, e a valorizar esses elementos. Em um momento seguinte, a observação dos
elementos individuais da natureza cederia espaço para a noção de conjunto como
símbolo de perfeição. Esse grande avanço decorre do ressurgimento do jardim com
todas as suas sensações que, anteriormente vistas como perigosas, passam a ser
20
aceitas pela Igreja ―como uma antevisão do Paraíso‖ (CLARK, 1961, p. 22).
O pensamento do homem medieval vai, aos poucos, se transformando e
poetas como Dante, Boccacio e Petrarca passam a expressar o sentimento religioso
com as sensações terrenas retiradas da observação da natureza. Petrarca, dizem
os estudiosos, seria o primeiro homem a exprimir o desejo de deixar a vida agitada
da cidade para viver a vida tranquila do campo e, consequentemente, o primeiro
homem a subir no topo de uma montanha pelo simples prazer da apreciação da
paisagem panorâmica.
Em relação à pintura, esta também reflete as mudanças da época. Giotto,
mesmo permanecendo fiel à temática religiosa, passa a compor suas cenas com
maior profundidade. Lorenzetti pinta os afrescos da série Alegoria do bom ou mau
governo (Ilustração 2), considerados por muitos como as primeiras pinturas de
paisagens no sentido moderno. Ao pintar o poeta Petrarca, Simone Martini:
Representa o poeta sentado num pomar florido, enquanto junto a ele um
pastor e uma parreira simbolizam as Eclogas e as Geórgicas. Pela primeira
vez desde a Antiguidade, episódios da vida campestre são representados
na arte como fonte de felicidade e poesia. (CLARK, 1961, p. 25).
Ilustração 2. Ambrogio Lorenzetti. Os efeitos do mau governo nos campos (detalhe). 1338-1340,
afresco. Pallazzo Pubblico, Siena.
21
Nos fins da Idade Média, a natureza ainda se apresenta perturbadora e
atemorizante, mas nesse momento o homem pode domesticá-la, criando um jardim
fechado, como atestam os afrescos de Avignon, considerados como as primeiras
representações pictóricas dessa nova relação com a natureza (CLARK, 1961, p.
26). Entretanto, essa tese do nascimento da pintura de paisagem na Idade Média,
defendida por Kenneth Clark, não é compartilhada por todos, muito pelo contrário.
Ernest Gombrich comenta que o termo ―paisagem‖ foi utilizado pela primeira
vez durante o Renascimento, em Veneza, para designar uma pintura específica.
Segundo o autor, a pintura de paisagem se torna possível durante o
Renascimento, pois foi quando o sistema de representação visual adquiriu
autonomia: ―a pintura paisagista, da maneira como a conhecemos, nunca poderia
ter-se desenvolvido sem as teorias artísticas do Renascimento italiano‖
(GOMBRICH, 1990, p. 141).
para o geógrafo Paul Claval (2004, p. 13), o termo landskip surge, no
século XV, nos Países Baixos, aplicado à pintura de paisagem que apresenta em
seus quadros um pedaço da natureza a partir de um determinado enquadramento
(uma janela, por exemplo), onde os personagens têm papel secundário. Ainda
segundo Claval, o surgimento da paisagem na pintura é uma consequência da
introdução da técnica da perspectiva afirmação corroborada por Anne Cauquelin:
A invenção da perspectiva é justamente o da questão. Ao fixar a ordem
de apresentação e os meios de realizá-la em um corpo de doutrina, a
perspectiva tida como ―legítima‖ justifica o aparecimento da paisagem no
quadro [...]. A perspectiva que é passagem através, abertura (per-
scapare) alcança o infinito, um ―além‖ que sua linha evoca. Mas é um
além nu, uma geometria, o número de uma busca. A sensualidade está
ausente, assim como o acaso, mas eles logo vão voltar à cena e exercerão
seu encanto: aqui, uma planta se apoiará sobre um balcão; ali, o pináculo
aéreo de uma árvore atrás daquele muro; enfim, um mar que, bem na linha
do horizonte, virá como um falar tentador do absoluto. A paisagem parece
se instalar timidamente, hesitar, vacilar, para depois se afirmar.
(CAUQUELIN, 2007, p. 36).
Javier Maderuelo (1997, p. 5), por sua vez, observa que paisagem é um
termo moderno: seu conceito é formado na Europa somente no final do século XVI.
Anteriormente não existia o conceito, pois paisagem não é um objeto físico, é uma
construção mental elaborada quando se contempla um território, o que depende de
valores estéticos e emocionais. No entanto, Maximiano (2004, p. 84) afirma que a
22
noção de paisagem estava presente de forma embrionária na memória humana
mesmo antes da elaboração do conceito, baseada na observação do meio.
Seja como for, a pintura de paisagem nos séculos XV e XVI é marcada por
uma nova concepção de espaço e de luz que se apresenta simultaneamente na arte
flamenga e italiana. No entanto, essa nova concepção se apresenta de modo
diferenciado nas duas escolas no que diz respeito aos meios e intenções artísticas:
na arte flamenga, a concepção pictórica da natureza se pela percepção da luz
em relação ao mundo visível, ao passo que, na arte italiana, as formas e o entorno
são concebidos num espaço matemático desenvolvido pelos florentinos a partir da
perspectiva científica, inventada por Brunelleschi e teorizada por Alberti, o que pode
ser visto como uma revolução na arte. Como explica Antonio Manetti, na sua obra A
vida de Brunelleschi:
Aquilo que os pintores atualmente chamam perspectiva (prospettiva)... é
aquela parte da ciência da Perspectiva que se volta praticamente a reduzir
ou ampliar sistematicamente, conforme aquilo que o olho percebe, os objetos
que estão respectivamente afastados ou próximos que se trata de
construções, planícies, montanhas e paisagens de todo tipo e de figuras e
outros objetos em todos os lugares pelo tamanho que parecem ter de certa
distância, correspondendo ao seu maior ou menor distanciamento.
(MANETTI, apud BAXANDALL, 1991, p. 200).
A nova percepção do mundo que o Renascimento enseja influencia também
a construção dos jardins. Alberti é um dos grandes mentores da paisagem do
século XV e suas características fundamentais para a formulação do jardim se
encontram na escolha do terreno inclinado, onde a vila deveria ser colocada no
ponto mais alto do terreno, obtendo-se uma visão panorâmica da paisagem. Como
destaca Carlos Gonçalves Terra:
[...] Alberti recomendava que as villas e seus jardins fossem situados em
encostas, pois as mesmas possuiriam vistas extraordinárias. Além disso, o
grande desnível permitiria a escolha de uma correta orientação para o sol e
o vento, possibilitando, ainda, uma ampla perspectiva, um motivo
recorrente na pintura da época. [...] O jardim deveria ser murado, mas sua
localização no terreno inclinado deveria permitir a observação de áreas
situadas imediatamente ao redor da residência e até onde a visão
alcançasse. Se possível, ter uma vista da cidade, bem como da terra, mar
ou picos de montanhas conhecidas. (TERRA, 2007, p. 317-318).
23
A perspectiva mostra-se como um importante instrumento para a elaboração
do espaço na arquitetura, e permite uma ordenação mais exata em profundidade
dos elementos composicionais da pintura. Podemos citar como exemplo o pintor
Piero Della Francesca (Ilustração 3) que, nutrindo uma profunda admiração pela
perspectiva científica, concebe-a como a base de toda a sua pintura. Ele
desenvolve em suas composições pictóricas um rigoroso esquema matemático,
demonstrando como a perspectiva é aplicada na representação de formas
arquitetônicas e de figuras humanas. Seus desenhos são construídos
geometricamente e para tanto utiliza esferas, cilindros, cubos, cones, pirâmides,
tornando visível a solidez dos corpos. Ele se destaca, principalmente, pela
simplificação sistemática das formas naturais (JANSON, 1992, p. 418).
Ilustração 3. Piero Della Francesca. A prova da verdadeira cruz, c. 1452, afresco, 356 x 373 cm.
Igreja de São Francisco, Arezzo.
24
A pintura de paisagem flamenga, por sua vez, não se preocupa muito com as
matemáticas da perspectiva e o espaço é combinado por outro meio unificador: a
luz. No início do século XV, os irmãos Jan e Hubert Van Eyck revolucionaram as
artes, observando como os efeitos da luz e do ar incidem sobre os objetos. Suas
pinturas eram minuciosas, reproduzindo com precisão os detalhes da natureza,
visando sempre ao belo e ao harmonioso.
Jan Van Eyck, a quem se atribui a invenção da pintura a óleo, pinta
admiráveis trechos de paisagem com um minucioso detalhamento analítico sem,
contudo, perder o lirismo pictórico evocado na presença atmosférica. Um bom
exemplo de seu lirismo está presente no Retábulo do cordeiro místico (Ilustração 4).
A paciência e o extremo cuidado, sem abrir mão do lirismo, com que produz suas
pinturas o diferenciam dos artistas de Florença, para os quais o que importa é
representar a natureza com exatidão quase científica:
Os artistas meridionais da sua geração, os mestres florentinos do Círculo
Brunelleschi, tinham desenvolvido um método pelo qual a natureza podia
ser representada num quadro com exatidão quase científica. Começavam
com uma estrutura de linhas em perspectiva e, construíam o corpo humano
graças aos seus conhecimentos de anatomia e as leis da perspectiva. Van
Eyck adotou o caminho oposto. Realizou a ilusão da natureza mediante a
paciente adição de detalhe após detalhe, até que a totalidade da sua
pintura se convertesse num espelho do mundo visível. (GOMBRICH, 1999,
p. 239).
Ilustração 4. Jan Van Eych. O retábulo do cordeiro místico (detalhe), 1432, madeira, 146,2 x 51,4
cm. Catedral de S. Bavão, Gand.
25
Kenneth Clark atribui às pinturas do Livro das horas de Turim, produzidos entre
os anos de 1414 e 1417, a Hubert Van Eyck. Nessa obra, Hubert representa a
paisagem com extraordinária verossimilhança, observando atenciosamente os
elementos da natureza e utilizando um efeito, desenvolvido por ele e por seu irmão,
que ficou conhecido como perspectiva atmosférica técnica que simula a distância
entre os objetos utilizando efeitos de cor. Como lembra H. W. Janson:
Até em dias límpidos, o ar que fica entre nós e os objectos distantes produz
o efeito de uma ligeira cortina de voa que impede uma percepção nítida
das formas: no limite da visibilidade, os contornos fundem-se e apagam-se
diluídos. A perspectiva atmosférica é fundamental para a percepção da
profundidade do espaço, mais que a perspectiva linear que registra a
diminuição do tamanho aparente dos objetos à medida que aumenta o seu
afastamento. (JANSON, 1992, p. 374).
As representações pictóricas dos irmãos Van Eyck reproduzem, com uma
técnica acurada de superposição da tinta óleo, uma saturação da luz mediante a
alteração da cor, obtendo uma incrível sutileza no tom da paisagem:
É difícil reconstituir a técnica exata do seu método, mas não dúvida que
utilizaram o óleo com extraordinário requinte. Alternando as camadas
opacas e translúcidas de tinta conseguiram uma tonalidade de brilho suave
e ardente que nunca foi igualada, provavelmente porque se deve tanto à
sensibilidade individual como à perícia artesanal desses grandes pintores.
(JANSON, 1992, p. 375).
O recurso técnico que inventam para refletir a luz do céu ao entardecer sobre
a água teve um grande impacto sobre os artistas da época e tornou-se um efeito,
por muito tempo, quase que obrigatório nas iconografias de paisagem.
No Renascimento do século XVI, os pintores continuam atentos à
observação da natureza. Contudo, essa observação torna-se cada vez mais
minuciosa possibilitando uma maior liberdade na representação pictórica que, aos
poucos, se afasta das regras rígidas do classicismo. Nesse contexto, a pintura
paisagística, no século XVI, passa a ser valorizada como uma grande descoberta
artística e conquista novos adeptos. A distinção rígida entre as paisagens utilizadas
para complementar uma cena e as paisagens como tema absoluto vai se tornando
26
cada vez mais tênue:
Ouvimos falar de como, no século XVI, as paisagens naturalistas em
segundo plano engoliam, por assim dizer, o primeiro plano, até chegar ao
ponto em que [...] o tema religioso ou mitológico se reduz a um mero
―pretexto‖. (GOMBRICH, 1990, p. 142).
O artista alemão Albrecht rer, por exemplo, se mostrou atento em suas
contemplações e reflexões sobre a natureza, desenvolvendo as formas e ideias do
Renascimento combinadas com o individualismo da tradição gótica (MIRADOR,
1990, p. 8408). Seus estudos e esboços demonstram o quanto ele se esforça para
copiar e imitar perfeitamente os elementos naturais. Suas aquarelas traduzem uma
delicada percepção de luz, como se pode observar em Ervas (Ilustração 5).
Ilustração 5. Albrech Dürer. Ervas, c. 1526-1528, 30 x 22 cm.
Alte Pinakothek, Munique.
27
Na Itália, Leonardo da Vinci (Ilustração 6) concebe uma nova visão de
natureza, na qual o homem se torna um de seus elementos, dando uma grande
importância à pintura de paisagem e associando, nas suas representações, efeitos
fantásticos que ele desenvolve nos seus estudos científicos. Nesse sentido,
pesquisou incessantemente as formas das pedras e das nuvens, os efeitos
atmosféricos, o crescimento das árvores... Como observa Gombrich:
A exploração da natureza era para ele [Leonardo da Vinci], em primeiro
lugar e acima de tudo, um meio de adquirir conhecimentos sobre o mundo
visível conhecimentos de que necessitaria para a sua arte. (GOMBRICH,
1999, p. 294).
Ilustração 6. Leonardo da Vinci. Anunciação, 1472-1475, óleo sobre painel, 98 x 217 cm. Galeria
dos Uffizi, Florença.
Leonardo da Vinci é o primeiro artista a desenvolver um aguçado estudo
científico das montanhas. Possui um enorme interesse pelas rochas, fazendo uma
variedade de desenhos que demonstram suas pesquisas e habilidades. Mais tarde
se interessaria pelo movimento da água estudando-o analiticamente. Em suas
representações, deixa de usar somente a perspectiva geométrica e passa a
empregar efeitos da mudança de tonalidade com o uso do sfumato
3
, o que se pode
verificar na paisagem de fundo da pintura Mona Lisa.
3
―Palavra italiana que significa esfumaçado. É um efeito de claro-escuro, no qual os tons passam
de um a outro, gradualmente, sem qualquer solução de continuidade, sendo essa mudança quase
imperceptível‖ (CUNHA, 2005, p. 416).
28
Os pintores renascentistas italianos, em geral, trabalham com o perfeito
equilíbrio entre o desenho e a luz, enquanto os pintores de Veneza,
especificamente, estudam incansavelmente o uso da cor. Possivelmente, essa
diferença de tratamento pictórico é consequência da atmosfera local de Veneza que
nubla os contornos dos objetos e funde suas cores numa luz esplendorosa.
O veneziano Giovanni Bellini (Ilustração 7), por exemplo, aplica em suas
pinturas cores com impressionante riqueza e suavidade. Possui uma enorme
sensibilidade na observação unificada da luz e da cor nos objetos, que resulta em
diversas tonalidades.
Ilustração 7. Giovanni Bellini. S. Francisco em êxtase, c. 1485, painel, 123 x 139 cm. Coleção
Frick, Nova York.
Para Bellini, o efeito da luz tornou-se o motivo principal de suas obras,
escolhendo o momento do alvorecer para os seus temas. Segundo Kenneth Clark:
29
As paisagens de Bellini são suprema consequência dos factos
transfigurados pelo amor. Poucos artistas foram capazes de um tal amor,
que abarca cada ramo de árvore, cada pedra, o mais ínfimo pormenor,
assim como a mais grandiosa perspectiva, e apenas pode ser conseguido
com uma profunda humildade. (CLARK, 1961, p. 45).
Bellini trabalha a luz em diferentes momentos. Em suas primeiras pinturas
utiliza a luz do crepúsculo buscando intensificar a dramaticidade dos temas. Com o
passar dos anos passaria a dar preferência à luz do dia para banhar a sua tela,
ensejando, dessa forma, a aparição definida dos objetos. Nas suas últimas obras,
Bellini fundiria as formas na atmosfera, utilizando o efeito luminoso do entardecer.
Com essa aguçada sensibilidade para a cor e para as diferentes escalas tonais
Bellini dá uma grande contribuição para o desenvolvimento da pintura de paisagem.
na obra de Giorgione, evidencia-se a unificação da cor e da luz. Sua obra,
ao mesmo tempo clássica e romântica, possibilita várias leituras e abre caminhos
para a própria questão da paisagem que ganha, pioneiramente, vida própria. Os
pintores venezianos dessa época, último quartel do século XV e início do século
XVI, despertam um grande interesse pelos poetas gregos e passam a representar
cenas idílicas de amor pastoral e a retratar a beleza de Vênus e das ninfas.
Giorgione sofre essa influência, mas na sua obra A Tempestade (Ilustração 8) o que
surpreende não são as figuras expostas, mas o cenário da paisagem que preenche
a maior parte da pintura combinada com a união impregnante da luz e da
atmosfera. Como destaca o crítico E. Gombrich:
É a luz sobrenatural de uma tempestade, e, pela primeira vez, a paisagem
diante da qual os personagens do quadro se movimentam não constitui
apenas um fundo. Ela está por direito próprio, como o verdadeiro tema
da pintura. (GOMBRICH, 1999, p. 329).
30
Ilustração 8. Giorgione. A tempestade, c. 1508, óleo sobre tela, 82
x 73 cm. Academia, Veneza.
De fato, A Tempestade é céu, nuvens, árvores vibrando pelo toque dos
ventos... Observando a pintura percebe-se que Giorgione pensou a natureza como
personagem, e não simplesmente como um cenário para compor a narrativa, como
também observa Anne Cauquelin:
Ora, o que parece sobrar são os personagens. Como que esmagados pelo
espetáculo ao qual viram as costas, e que só o espectador pode ver, eles
parecem expulsos, não do paraíso terrestre, mas da representação da
Natureza. Seus olhares meditativos (o homem) e melancólicos (a mulher)
se ausentam, ao passo que atrás deles se desenrola a cena primordial: o
quadro pintado deixa aparecer a verdade-paisagem da Natureza.
(CAUQUELIN, 2007, p. 90-91).
Toda essa importância dada à paisagem foi responsável por um grande
avanço no domínio da pintura de paisagem e sua importância pode ser comparada
à criação da perspectiva. Após Giorgione, a paisagem assume um novo papel na
arte e, em razão da sua morte prematura, os frutos dessa inovação seriam colhidos
31
por seu aluno Ticiano, considerado um dos maiores pintores de seu tempo. Apesar
de ser mais conhecido por suas pinturas retratísticas, Ticiano (Ilustração 9) contribui
para a pintura de paisagem com a forma expressiva com que trabalha as árvores
com folhagens volumosas e troncos espessos, e as montanhas que enriquecem
todo o fundo de muitas de suas telas. Esses recursos paisagísticos se tornariam
fonte de inspiração para pintores como Claude, Poussin, Rubens, Constable e
Turner.
Ilustração 9. Ticiano. Bacanal, c. 1518, 175 x 193 cm. Museu do
Prado, Madri.
Contrariando todo o convencionalismo empregado na pintura dos séculos XV
e XVI, encontra-se um dos pintores mais perturbadores dessa época, Hieronymus
Bosch. O mistério da arte de Bosch está envolto no intenso misticismo que rondava
a Europa desde finais da Idade Média:
Nas aldeias do norte, envoltas em bruma, camponeses supersticiosos viam
em todas as coisas conteúdos assombrosos, desígnios sobre-humanos,
manifestações divinas ou diabólicas. E justamente esse mundo povoado de
terror, esse permanente pesadelo em que o pecado espreita a cada
momento, esse mundo onde não lugar para a razão e onde o homem
vive dilacerado por forças superiores esse mundo macabro e tenebroso é
o tema objetivo da pintura de Bosch. (GÊNIOS DA PINTURA, 1980, p.
162).
32
Walter Bosing corrobora a mesma ideia ao afirmar que:
Durante a época de Bosch, a crença em diabos alcançou uma intensidade
incrível. Erasmo
4
acusava os demônios do Inferno de meros espantalhos e
ilusões ocas, mas a maioria dos seus contemporâneos acreditava que os
diabos intervinham, com um empenho maligno, em todos os aspectos da
vida humana, quer directa quer indirectamente, através de seus agentes,
bruxas ou feiticeiros. (BOSING, 2006, p. 66).
A obra de Bosch (Ilustração 10) destaca-se pela sua percepção e criatividade
diante da natureza, e, mesmo sendo conhecido como um dos maiores mestres da
fantasia, seus fundos pictóricos contêm verdadeiras e objetivas paisagens da
Holanda e, por isso, é considerado pelos estudiosos um pintor de paisagem. Ele
concentra a sua atenção nas iluminuras dos fins da Idade Média e provavelmente
tenha daí surgido o singular efeito emotivo na luz do fogo que caracteriza a sua
obra, alcançado pela extrema agudez com que aplicava os tons de laranjas e
vermelhos na envolvente escuridão (CLARK, 1961, p. 47 e passim).
Ilustração 10. Hieronynus Bosch. O jardim das delícias, c. 1500, (tríptico) 220 x 389 cm. Museu do
Prado, Madri.
4
Trata-se de Erasmo de Roterdam: teólogo, filólogo e escritor holandês, considerado um importante
humanista do começo do século XVI. Sua obra mais conhecida é Elogio da loucura, 1509.
33
No decorrer do século XVI, alguns temas foram cultuados pelos pintores
sendo as cenas da vida cotidiana as que mais representam o período e que, mais
tarde, passariam a ser conhecidas como ―pinturas de gênero‖. Um dos maiores
pintores de gênero, do século XVI, foi Pieter Bruegel, artista que se notabilizaria por
suas cenas da vida camponesa e com a documentação detalhada da natureza.
Bruegel apura o estilo maneirista de representar a paisagem: ponto de vista alto, fila
de montanhas, panorama de um rio ou costa marítima distante... Sobre a sua forma
de representação, Kenneth Clark observa:
Começa com provérbio e alegorias, nas quais a paisagem é um cenário e
um acessório e evolui para as grandes paisagens em que os acidentes da
vida humana, são apenas acidentes entre os do tempo e das estações.
(CLARK, 1961, p. 48).
Nas pinturas de Bruegel, considerado por Kenneth Clark como o maior pintor
da paisagem holandesa, a natureza não é mais representada como simples cenário
para a atividade do homem, ela é o assunto principal sendo a condição humana por
ela envolvida. É verdade que a valorização da natureza em detrimento do homem,
conforme o fez Giorgione, como visto anteriormente, ou a valorização da relação
entre o homem e a natureza, pode ser constatada desde o início do século nos
italianos, porém, Bruegel incorporou-a em sua pintura com uma fidelidade até então
desconhecida e, nesse sentido, é considerado por muitos críticos como o mais
original pintor flamengo do culo XVI e o primeiro grande mestre do realismo
moderno (MIRADOR, 1990, v. 4, p. 1812). H. W. Janson analisando a pintura O
regresso dos caçadores (Ilustração 11) comenta:
Agora, porém, a natureza é mais que um cenário para a actividade do
homem é ela própria o assunto principal do quadro. O homem em suas
actividades sazonais é secundário em relação ao grandioso ciclo anual da
morte e renascimento que constitui o ritmo orgânico do cosmos. (JANSON,
1992, p. 495).
34
lustração 11. Pieter Bruegel. Caçadores da Neve, 1565, 117 x 162 cm. Museu Histórico de Arte,
Viena.
Mas, o espírito humano dessa época ainda está cercado por grandes
ameaças. Pintores, como é o caso do pintor alemão Albrecht Altdorfer (Ilustração
12), transferem para as suas representações paisagísticas todo esse atemorizante
sentimento. Ele imprime um sentido ameaçador nas representações de árvores e
nas suas composições os elementos são organizados para obter formas densas e
hostis. Para conseguir tal proeza, Altdorfer caminha pelas florestas e sobe
montanhas com o propósito de estudar as formas dos rochedos e árvores sofridos
pelas intempéries da natureza. Vale destacar que em muitas das suas obras a
natureza aparece como único tema, sem nenhuma narrativa e nem representação
humana (GOMBRICH, 1999, p. 355).
35
Ilustração 12. Albrecht Altdorfer. Paisagem, c.
1526-1528, 30 x 22 cm. Alte Pinakothek, Munique.
Outros dois artistas produzem significativas paisagens: El Greco e Tintoretto.
Em suas pinturas maneiristas eles utilizam elementos excitantes da paisagem que
independem da realidade. El Greco lança mão das cores e formas deformadoras
criando uma paisagem incrivelmente expressiva como em Vista de Toledo
(Ilustração 13), e o pintor Tintoretto (Ilustração 14) dramatiza a paisagem com os
grandes efeitos de luz e sombra aplicados a uma natureza completamente
idealizada, conforme descreve Gombrich:
Um homem como Tintoretto queria mostrar as imagens sob uma nova luz,
queria explorar caminhos ainda não trilhados para a representação de
lendas e mitos do passado. Considerava terminada a sua pintura desde o
momento em que tivesse transmitido uma visão pessoal da cena lendária.
Um acabamento meticuloso não o interessava, pois não servia aos seus
propósitos. Pelo contrário, até poderia desviar a atenção dos eventos
dramáticos do quadro. Assim deixava-o tal como estava e as pessoas
que tratassem de usar a imaginação. (GOMBRICH, 1999, p. 371).
36
Ilustração 13. El Greco. Vista de Toledo, 1610-1614,
óleo sobre tela, 121 x 109 cm. Metropolitan Museum
of Art, Nova York.
Ilustração 14. Tintoretto. São Jorge e
o dragão, 1555-1558, óleo sobre tela,
157,5 x 100,3 cm. National Gallery,
Londres.
o obstante ao debate sobre o momento inaugural da palavra, do conceito
e do registro pictórico da paisagem, conforme se destaca anteriormente, cabe
ressaltar que é consenso entre os pesquisadores que, a partir do século XVII, a
pintura paisagística, mesmo sendo desqualificada pelas Academias de Arte, ganha
autonomia e se institui como objeto principal de interesse, senão exclusivo, de
muitos pintores. Mas, como se argumenta até aqui, um longo caminho foi percorrido
para que a prática da pintura de paisagem, entendida como representação pictórica
da natureza, se estabelecesse.
No século XVII, a observação cada vez mais atenta da natureza e uma nova
forma de concebê-la, renovando e descobrindo harmonias entre cores e luzes,
passam a fazer parte da prática de um número cada vez maior de pintores e, nesse
sentido, vale uma breve análise.
As características estéticas desses artistas eram muito variadas, porém,
todos dialogavam com as artes da Roma antiga e da renascença:
37
Assim, como o centro da cultura européia é Roma, e a Roma ocorrem
pintores franceses, alemães, flamengos, o tema da paisagem,
especialmente no campo romano, se funde com o tema histórico
mitológico; por outro lado, Roma, com suas ruínas, que conservam sob a
aparência das pedras e das grutas e sob o manto de uma vegetação
pujante o esqueleto do monumento, é a prova gritante de que a civilização,
nascida da natureza, retorna à natureza. (ARGAN, 2004, p. 157).
Os pintores Nicolas Poussin e Claude Lorrain representam cenas
pastorais em que o homem e a natureza vivem em completa harmonia, e, mesmo
possuindo uma pintura paisagística idealizada, pode-se observar em suas
representações o desejo de documentar a natureza de forma realista. Como
observa Carlos Gonçalves Terra:
Os artistas franceses Nicolas Poussin e Claude Lorrain pintavam, na
maioria das vezes, uma paisagem idealizada e mostravam em suas obras
uma influência dos campos e da vida pastoril, sempre representando a
integração entre o homem e a natureza. Eles revelavam uma naturalidade
calculada reconhecível. Nasce assim uma nova forma de considerar a
natureza. (TERRA, 2007, p. 320).
Na concepção de Nicolas Poussin (Ilustração 15) a natureza se apresenta
equilibrada e com sua estrutura organizada, sobretudo, por meio do traço, do
desenho (MAHLER; UPJOHN; WINGERT, 1979, v. 4, p. 127 e passim). Em suas
composições esquematizadas introduz a arquitetura para conferir grandiosidade e
um aspecto de antigo ao tema. Para Poussin, a pintura deveria representar as
ações nobres com seriedade e de maneira ordenada, apelando mais para a
inteligência do que para os sentimentos suprimindo qualquer trivialidade.
Desenvolve uma pintura idealizada com cenas heróicas, mas sem deixar de
valorizar a natureza, representada em sua forma plena e luxuriante (CLARK, 1961,
p. 94).
38
Ilustração 15. Nicolas Poussin. Paisagem com funeral de Phocion, 1648, 119 x 179 cm. Museu do
Louvre, Paris.
Claude Lorrain (Ilustração 16) estuda e esboça os campos dos arredores de
Roma (Campagna) com total carinho e interesse demonstrando intensa capacidade
de observação, e o resultado são composições banhadas por uma atmosfera
luminosa com encantadoras tonalidades. Demonstra-se um mestre da
representação realista da natureza em seus esboços, mas para a pintura acabada
ele seleciona tão somente os motivos que considerava dignos para a representação
do mundo ideal, segundo suas convenções:
À sua maneira, Claude Lorrain compõe paisagens com os dados da
natureza arranjando convencionalmente estes dados. O aspecto da
natureza foi modificado para que nela se encontrem a ordem e a harmonia
exigidas pela época. (MAHLER; UPJOHN; WINGERT, 1979, v. 4, p. 130).
Nas artes holandesas do século XVII, a pintura de paisagem torna-se um dos
motivos predominantes e se pode constatar no seu interior uma vasta gama de
variedades temáticas e até mesmo uma especialização dos pintores: florestas,
39
dunas e estradas rurais, vistas panorâmicas, cenas de inverno, rios e canais, entre
outras. Igualmente se pode notar que pinturas de paisagem evocando cenas
pastorais da Campagna romana não deixaram de existir, pelo contrário, em todo o
decorrer do culo, muitos artistas holandeses continuariam empregando as ruínas
clássicas em meio à paisagem. Mesmo pintores que jamais haviam pisado em solo
italiano se reportam às ruínas para compor suas telas.
Ilustração 16. Claude Lorrain. Paisagem com sacrifício a Apolo, 1662-1663, óleo sobre tela, 174
x 220 cm. Abadia de Anglesey, Cambridgeshire.
Os pintores holandeses, assim como seus contemporâneos franceses
Nicolas Poussin e Claude Lorrain, ao modificarem sua maneira de ―olhar‖ para a
natureza elevam a pintura de paisagem a um alto grau de perfeição e sentimento
contribuindo para o reconhecimento de sua real importância e para a conquista de
mais espaço dentro do mercado de pinturas, como esclarece Peter Sutton:
40
No obstante, la inmensa mayoría de los cuadros holandeses que
representan escenas de paisaje fueron pintados como obras
independientes de arte y ya no aludían a las Estaciones, a los Elementos,
a los Sentidos, a las Edades del Hombre o a cualquiera de las otras series
de ciclos alegóricos tardo medievales que antaño se ilustraban con
elementos paisajísticos. Seguramente no es casual que la decadencia de
los temas alegóricos coincida con el momento en el que la producción de
paisajes se incrementó espectacularmente
5
. (SUTTON, 1994, p. 55).
A pintura holandesa também se caracterizou por seu naturalismo seletivo,
isto é, pela disposição, ou não, de alguns detalhes da natureza objetivando alcançar
uma melhor harmonia estética na obra. Como exemplo dessa leitura idealizada da
paisagem pode-se citar o Castelo de Bentheim (Ilustração 17), de Ruisdael, onde a
sua representação do castelo e da paisagem é organizada conforme a sua livre
imaginação.
Ilustração 17. Jacob Van Ruisdael. O Castelo de Bentheim, 1653, óleo sobre tela, 110,5 x 144
cm. National Gallery da Irlanda, Dublin.
5
Não obstante, a grande maioria dos quadros holandeses que representam cenas de paisagens
foram pintadas como obras de arte independentes e não aludiam às Estações, aos Elementos, aos
Sentidos, às Idades do Homem ou a qualquer outra série de ciclos alegóricos tardo-medievais, que
antes eram ilustrados com elementos paisagísticos. Certamente não é coincidência que o declínio
de temas alegóricos coincida com o momento em que a produção de paisagem cresceu
espetacularmente.
41
Conforme observa Peter Sutton:
El logro más acabado de Ruisdael como paisajista se concretó en su
habilidad para manipular los alrededores de la fortaleza con la intención de
alcanzar un efecto expresivo sin que por ello perdiera su apariencia natural.
La montaña sobre la que pinta el castillo de Bentheim es completamente
imaginaria. Incluso en el anterior paisaje del año 1651 las onduladas
colinas que rodean el distante castillo son puras convenciones artísticas.
No obstante, en ambos casos el efecto es enteramente plausible y
―verossímil‖
6
. (SUTTON, 1994, p. 45).
Seymour Slige compartilha com a ideia acima observando que:
O castelo de Bentheim fica, na verdade, numa imponente colina, mas em
sua pintura Ruisdael a transformou numa montanha coberta de árvores,
dando ao castelo uma posição dominante. [...] Até os últimos anos,
Ruisdael continuou a incluir o castelo de Bentheim em suas paisagens,
visto em vários cenários e de diferentes pontos de vista. Embora nenhum
deles tenha chegado até nós, ele deve ter feito desenhos in situ do castelo,
que mais tarde serviriam como estudos preliminares para pinturas. (SLIGE,
1998, p. 200).
Sendo um dos pintores holandeses que maiores variações de temas
apresentam, Jacob van Ruisdael aplica em suas telas notáveis recursos pictóricos
transformando-as em vigorosas, porém harmoniosas, composições. Deu grande
importância às árvores, tornando-as heroínas de suas cenas. As folhas das árvores
agitam-se com o vento e seus troncos expõem sua força e robustez. As árvores se
esticam sinuosas para alcançarem o céu de nuvens densas dando vida a toda a
tela.
Outro aspecto fundamental e marcante da pintura de paisagem holandesa do
período é o destaque conferido à representação do céu. Nas pinturas de Ruisdael
observa-se que dois terços da tela são ocupados pelo céu, criando uma
impressionante amplidão atmosférica que levou o crítico K. Clark (1961, p. 53) a
afirmar peremptoriamente: ―a Holanda é um país de grandes céus‖. É recorrente a
6
A principal conquista de Ruisdael como paisagista se materializou na sua capacidade de
manipular os arredores da fortaleza, com a intenção de alcançar um efeito mais expressivo, sem
com isso perder sua aparência natural. A montanha sobre a qual pinta o castelo de Bentheim é
inteiramente imaginária. Inclusive a paisagem anterior ao ano de 1651, a paisagem com colinas
onduladas ao redor do castelo distante, é pura convenção artística. No entanto, em ambos os
casos, o efeito é totalmente plausível e "verossímil".
42
representação de moinhos de vento com um sentimento de monumentalidade, cujo
objetivo é guiar, com espírito heróico, o olhar para o céu e destacá-lo a ponto dos
moinhos se tornarem um símbolo da Holanda.
No clássico Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes, uma
interessante passagem que destaca essa monumentalidade dos moinhos de vento:
Quando nisto iam, descobriram trinta ou quarenta moinhos de vento, que
há naquele campo. Assim que Dom Quixote os viu, disse para o escudeiro:
A aventura vai encaminhando os nossos negócios melhor do que
soubemos desejar; porque vês ali, amigo Sancho Pança, onde se
descobrem trinta ou mais desaforados gigantes, com quem penso
fazer batalha, e tirar-lhes a todos as vidas, e com cujos despojos
começaremos a enriquecer; que esta é boa guerra e bom serviço faz a
Deus quem tira tão má raça da face da terra.
Quais gigantes? disse Sancho Pança.
Aqueles que ali vês respondeu o amo , de braços tão compridos,
que alguns os têm de quase duas léguas.
Olhe bem Vossa Mercê disse o escudeiro , que aquilo não são
gigantes, são moinhos de vento; e o que parecem braços não são
senão as velas, que tocadas do vento fazem trabalhar as mós (sic).
(CERVANTES, 2002, p. 59).
Jacob Van Ruisdael foi o primeiro pintor a tratar os moinhos de vento como
tema principal de uma pintura, mas quem se tornaria especialista nesse tema seria
o seu discípulo Meindert Hobbema (Ilustração 18), a quem coube a difusão dos
moinhos nas pinturas de paisagem. Nas pinturas paisagísticas de Meindert
Hobbema, observa-se uma imagem da natureza mais ensolarada e menos
melancólica. Suas composições se abrem em uma perspectiva distante e reluzente
com um céu luminoso de cores intensas que se complementam com uma cintilante
luz diurna; suas árvores alongadas e esguias traduzem uma grande elegância e
leveza. Mas, a maior virtude de Hobbema revela-se na sua habilidade de introduzir
novas variações na composição de suas pinturas que apresentam tonalidades vivas
e cores variadas, enquanto os seus motivos paisagísticos oscilam entre paisagens
planas com árvores esparsas, florestas ensolaradas com lagos reluzentes e abertas
por estradas, e, é claro, moinhos de vento, pelos quais nutria um especial apreço.
43
Ilustração 18. Meindert Hobbema. Moinho de vento na beira do rio, 1659- 1660, 28 x 37 cm.
Museu Bredius, Holanda.
Igualmente marcante na pintura holandesa do século XVII, são as
representações de marinhas. Esse gênero ficou muito popularizado na Holanda por
consequência da ligação indissolúvel dos holandeses com o mar. Sua economia
cresceu em torno das atividades marinhas e transformou os Países Baixos, no
século XVII, na nação mais rica da Europa (SLIGE, 1998, p. 213). Essa ligação dos
holandeses com o mar fez nascer uma sensibilidade para essas paisagens, e
consequentemente, despertou um novo ―olhar‖ nos vários viajantes que por ali
chegavam:
A Holanda vista dos diques, mar de pradarias ou superfície espelhada,
ensina o espetáculo do u; por pouco que o turista se impressione, ela
prepara a admiração da superfície do mar. Realizando o milagre de ser ao
mesmo tempo graciosa e infinita, a Holanda propõe uma transição entre o
modelo clássico de apreciação da paisagem e o gosto pela imensidão.
(CORBIN, 1989, p. 47).
Dentre os muitos pintores de marinhas, Van Cappelle (Ilustração 19) destaca-
se pelos efeitos atmosféricos que produz. Sua qualidade se mostra presente nas
minuciosas formações de nuvens, nas transparências das sombras e nos reflexos
44
coloridos sob águas tranquilas colocados de forma sutil (SLIGE, 1998, p. 219). Suas
pinturas de marinhas variam no tratamento da cena: utiliza em algumas pinturas
uma tonalidade prateada sob um mar calmo, em outras um mar agitado pelo vento.
Quase que exclusivamente representa águas de costas marítimas e raras vezes
mares abertos (SUTTON, 1994, p. 38).
Finalmente, sobre a pintura de paisagem holandesa do século XVII, cabe
ressaltar que seus pintores são pioneiros na valorização da abordagem da natureza
como uma temática nacional buscando a compreensão e exaltação de suas
paisagens, que se tornaram um tema digno e independente.
Ilustração 19. J. V. Cappelle. Um rio gelado com figuras, 1653, óleo sobre tela, 48 x 56
cm. Coleção privada, Nova York.
Como bem observou Seymour Slige:
Os holandeses [...] foram os primeiros a ensinar que a natureza, em todos
os seus variados aspectos, tem uma grandiosidade e um intimismo
próprios que podem ser apreciados fora dos limites rígidos do classicismo.
Eles mostraram que na natureza um encanto pictórico que os
45
pintores podem expressar e transmitir. Não foi por acaso que os grandes
artistas oitocentistas que trabalhavam ao ar livre recorreram repetidamente
aos mestres holandeses em busca de inspiração, e apontaram suas
realizações como justificativa de sua própria abordagem da natureza.
(SLIGE, 1998, p. 178).
Diferente da pintura de paisagem holandesa, a maior parte da arte europeia,
do século XVII, estava envolvida com a representação de assuntos religiosos.
Muitos pintores, especialmente os italianos, foram grandes decoradores dos
interiores das igrejas católicas e de palácios, produzindo magníficos afrescos.
Entretanto, no decorrer do século XVIII, um pequeno grupo de pintores
italianos conseguiria atuar fora da temática decorativa e religiosa e começariam a
pintar, principalmente em Veneza, panoramas que ficariam conhecidos como
veduta
7
. Esses pintores captam e representam Veneza a partir de uma imagem
ideal e turística, e esses panoramas acabam servindo como uma espécie de
souvenirs para os viajantes que aportam na cidade (GOMBRICH, 1999, p. 444).
Giovanni Antonio Canal, que ficaria conhecido como Canaletto (Ilustração
20), representa vistas de Veneza com o uso elaborado da perspectiva exata,
conseguindo uma notável precisão nos detalhes da paisagem. Suas obras que
não reproduzem somente a Veneza de edifícios imponentes, mas também
pequenos recantos mais íntimos são construídas buscando a realidade e
exatidão dos objetos representados, produzindo vistas calmas em uma atmosfera
saturada de luz. É possível e provável que Canaletto tenha se utilizado de uma
―câmara escura‖ aparelho que auxiliava, por meio de lentes e espelhos, a
construção da perspectiva, tornando possível uma representação mais exata da
paisagem observada. Inicialmente, sua obra apresenta grandiosos espaços,
conseguidos pela elevação do horizonte e das linhas de perspectiva mais
acentuadas. Aos poucos, a linha do horizonte se abaixa nas suas obras e são
criados espaços mais abertos com céus de nuvens transparentes. Suas cores,
contrastantes inicialmente, transformar-se-iam em cores mais leves, claras de
atmosfera cristalina. Como observou Argan:
7
Almir Paredes Cunha, em Dicionário de artes plásticas, explica que a denominação veduta é
empregada para designar uma pintura de paisagem. E prossegue explicando que o termo é
associado à pintura italiana do século XVIII, representada nas obras de Canaletto e Guardi
(CUNHA, 2005, p. 279).
46
Nas primeiras vistas a perspectiva age sobretudo como elemento de
separação entre plano de luz e plano de sombra; depois, luz e sombra
deixam de ser veladuras sobrepostas e se identificam com as diversas
notas da cor: cada uma, depositada clara e distintamente sobre a tela por
um toque sereno e exato, leva consigo a própria gotícula de luz. Canaletto
chega assim a uma construção rigorosamente perspéctica e
exclusivamente cromática. (ARGAN, 2003, p. 405).
Ilustração 20. Canaletto. Vista do canal grande em direção à bacia de São Marcos, 1731-1735, 53
x 70 cm. Pinacoteca de Brera, Milão.
O pintor de veduta veneziano Francisco Guardi, cuja obra se caracteriza por
seu gosto pelo movimento e os efeitos audaciosos, típicos do espírito barroco,
deixando transparecer a sua interpretação pessoal da paisagem em suas vistas da
cidade. Apreende que, ao apresentar a impressão geral de uma cena, os detalhes
complementares podem ser acrescentados pelo observador, assim, olhando
atentamente e de uma pequena distância para seus gondoleiros, na obra Vista de
S. Giorgio Maggiore (Ilustração 21), pode-se perceber que eles são representados
por meio de manchas coloridas, mas quando se recua um pouco, é dada a perfeita
ilusão de personagem (GOMBRICH, 1999, p. 445)
8
.
8
Em outra obra, Gombrich chamaria esse efeito pictórico de ―projeção dirigida‖ (GOMBRICH, 2007,
p. 170).
47
Ilustração 21. Francesco Guardi. Vista de S. Giorgio Maggiore, Veneza, c. 1775- 1780,
óleo sobre tela, 70,5 x 93,5 cm. Wallace Collection, Londres.
Na mesma época, na França, vale destacar o pintor Antoine Watteau que
projeta decorações de interiores de palácios, mas que, não se satisfazendo com
cenas reais, passou a pintar cenas por ele idealizadas, em geral, cenas galantes ao
gosto da aristocracia e, por esse motivo, na Academia Real Francesa é classificado
como especialista em ―pintura de festas galantes‖:
[...] parques de sonho onde nunca chove, de saraus musicais onde todas
as damas são belas e todos os amantes esbeltos e graciosos, uma
sociedade em que todos se vestem de refulgentes sedas sem
apresentarem um ar de chocante ostentação, e onde a vida de pastores e
pastoras parece ser uma sucessão de minuetos. (GOMBRICH, 1999, p.
454).
No começo do século XVIII, período que ficaria conhecido como rococó, os
pintores buscam se adaptar ao gosto da aristocracia francesa da época: com cores
claras, decorações delicadas e certa dose de artificialismo. Mas a pintura de
Watteau não fica resumida à artificialidade, pois sua obra possui qualidades
ímpares demonstradas com o seu traço fino de pincel e suas harmonias cromáticas
feitas com muita delicadeza.
48
Sua obra Peregrinação para Citera (Ilustração 22) evoca da mitologia
clássica a ilha onde Vênus, deusa da beleza e do amor, teria nascido. Jovens
namorados embarcam para a (ou retornam da
9
) ilha do amor. As personagens são
diminutas se comparadas à grandiosidade da antiga paisagem, no entanto, a
representação das personagens é facilmente reconhecível, ao passo que o
ambiente ao seu redor o é facilmente compreensível. Como descreve Norbert
Elias:
Em forte contraste com o jogo de luz e sombra claro-escuro enevoado que
domina todo o quadro, está a luminosidade do sol poente, a radiante
claridade à direita, no fundo. Isso confere um caráter de inquietude à
composição. E, em contraste com a tranquilidade do antigo jardim com as
copas verde-escuras das árvores e sua doce serenidade, a surda
movimentação do cortejo dos amantes torna-se ainda mais intensa à
medida que aqui, nessa claridade, os contornos de algo desconhecido,
que não se deixa conhecer, perfis de construções que, precisamente
por reluzirem como sombras através da névoa clara e radiosa,
provocam um ligeiro arrepio, como sinal de perigo. (ELIAS, 2005, p. 21,
grifo nosso).
Ilustração 22. Antoine Watteau. Perigrinação para Citera, 1717, 1,295 x 1,943 m. Museu do
Louvre, Paris.
9
Alguns autores sugerem a hipótese de tratar-se não de uma partida para a ilha do amor, mas, ao
contrário, de uma partida da ilha do amor. A esse propósito ver: ELIAS, 2005, p. 26 e passim.
49
para os artistas ingleses, a natureza é idealizada como uma espécie de
refúgio. A própria elaboração dos parques e jardins ingleses busca refletir as
belezas naturais compondo belos cenários capazes de seduzir os olhos de um
pintor. E é exatamente ao pintor que os ingleses recorriam para a construção de
seus ambientes paisagísticos (GOMBRICH, 1999, p. 461) que, como já foi dito
anteriormente, se inspira, muitas vezes, nas pinturas de Claude Lorrain.
Essa idealização da natureza como refúgio se pode perceber nitidamente
nas pinturas paisagísticas de Thomas Gainsborough. Apaixonado pela pintura de
paisagem, Gainsborough se sentia infeliz com a enorme encomenda de retratos que
recebia e que acabavam o impedindo de pintar a natureza que ele tanto admirava,
porém, para o seu próprio deleite, criou vários esboços em que retrata árvores e
colinas dos campos ingleses em composições pitorescas
10
:
[...] Gainsborough amava a paz campestre, e entre os seus poucos
divertimentos ele realmente gostava da música de câmera. Infelizmente,
Gainsborough não pôde encontrar muitos compradores para as suas
paisagens, e por isso um grande número dos seus quadros não passava
de um simples esboços, feitos para a sua satisfação pessoal. (GOMBRICH,
1999, p. 469).
Como não pode dedicar-se exclusivamente à pintura de paisagem, uma vez
que a sua sobrevivência era garantida com a pintura de retratos, inseriu neles o
meio paisagístico. Mas, só é possível perceber toda a sua grandeza nas suas
poucas pinturas de paisagem, onde transparece sua pincelada rápida, porém
minuciosa, e um olhar cheio de lirismo. Nessas pinturas, a natureza é representada
com árvores frondosas, regatos, nuvens coloridas com um verde-azulado na
descrição meticulosa de uma paisagem rural tipicamente inglesa. O tratamento
pictórico dispensado à natureza em suas pinturas de paisagem pode ser entendido
como uma antecipação do movimento artístico que surgiria logo depois e seria
chamado de Romantismo.
No final do século XVIII e início do século XIX, o movimento romântico elege
a natureza como a essência da arte uma vez que:
10
A palavra pitoresco ―deriva do termo 'pinturesco', isto é, aquilo que merece ser pintado‖ (CUNHA,
2005, p. 304). Ver também: ARGAN, 1992, p. 17.
50
A pintura romântica quer ser expressão do sentimento; o sentimento é um
estado de espírito frente à realidade; sendo individual, é a única ligação
possível entre o indivíduo e a natureza, o particular e o universal; assim,
sendo o sentimento o que há de mais natural no homem, não existe
sentimento que não seja sentimento da natureza. (ARGAN, 1992, p. 33).
O romantismo intensifica o olhar individual sobre a natureza, e a pintura de
paisagem ganha uma nova dimensão, pois, apesar de ainda ser considerada pelos
acadêmicos como um gênero inferior e somente válido enquanto um dos elementos
da pintura histórica, muitos artistas a elegem como tema principal. Nesse momento
em que a pintura de paisagem conquista autonomia, aquela concepção de
natureza, que idealizava o mundo rural como um refúgio tranquilo para as mazelas
da vida urbana, paulatinamente é abandonada e, em seu lugar, nasce uma
concepção de natureza associada ao sentimento de identidade nacional: as
características naturais o vistas agora como elementos que definem uma nação.
Não por acaso, esse também é o momento das grandes expedições científicas que
vão descortinar um novo mundo aos olhos dos artistas europeus. Um novo mundo
de paisagens não mais pitorescas, mas sublimes
11
e exóticas.
Para os pintores do romantismo, a natureza possui uma vida intensa e é
múltipla, cabendo-lhes a tarefa de capturar a singularidade de um momento. Em
muitos casos, a figura humana, quando não é completamente omitida ou
desprezada, se apresenta diminuta em relação à imensa paisagem representando
montanhas, bosques, florestas com seus recantos escuros. O sentimento
contemplativo diante de uma natureza soberana parece induzir o homem a pensar
na sua pequenez. Em outros casos, contudo, o homem, entendido como parte da
natureza, está com ela completamente integrado na tela. Tratava-se de uma
diferença na interpretação da natureza, sendo a primeira sublime e a segunda
pitoresca.
Segundo Argan, a representação pictórica do sublime e do pitoresco se
diferenciava não do ponto de vista interpretativo, mas até mesmo do ponto de
vista técnico. O ―pitoresco‖ possui cores quentes e luminosas com vigorosas
11
Segundo Argan, será dupla a interpretação da natureza em relação à sociedade: ―a natureza
amiga, acolhedora, propícia, interessante na variedade de suas aparências e na contínua
mutação de seus aspectos, cheia de estímulos para a inspiração do artista (o 'pitoresco'); e a
natureza inimiga, ameaçadora, caprichosa, imagem das forças cósmicas que transcendem o
homem (o 'sublime')‖ (2004, p. 157).
51
pinceladas colocando em relevo a irregularidade dos objetos; possui repertório
variado passando por troncos caídos, árvores, poças de água, choupanas de
camponeses, animais no pasto etc. o ―sublime‖ possui cores foscas e pálidas,
traços fortemente marcados, gestos excessivos, sentimentos de angústia. A figura
sempre aparece fechada num esquema geométrico, anulando seus esforços e
aprisionando-a (ARGAN, 1992, p. 19).
No romantismo momento em que a pintura paisagística se traduz pela
individualidade dos sentimentos que ligam o homem a natureza e que a pintura de
paisagem ganha dignidade se destacam artistas de visões e propostas distintas,
dentre os quais John Constable, Willian Turner e Caspar David Friedrich.
Constable (Ilustração 23), influenciado pela pintura realista holandesa, tem
como proposta mostrar a verdade com paisagens exatas e jamais idealizada.
―Segundo ele, a pintura de paisagem devia basear-se em factos observáveis, devia
captar a perfeição de efeitos naturais puros‖ (JANSON, 1992, p. 593).
Ilustração 23. John Constable. A carroça de feno, 1821, óleo sobre tela, 130,2 x 185,4 cm. National
Gallery, Londres.
52
Constable procura captar o imediato das coisas através de manchas
coloridas que produz com pinceladas rápidas e vigorosas de cores brilhantes e
nítidas. Despreza os efeitos convencionais da técnica pictórica como artificiais e
inexatos. A esse respeito, ilustra Gombrich:
Conta-se que um amigo o censurava por não dar ao seu primeiro plano o
castanho suave de um velho violino, e Constable imediatamente apanhou
um violino e depositou-o na grama diante dele, para mostrar ao amigo a
diferença entre o verde fresco, tal como o vemos, e os tons cálidos que
pedem as convenções. (GOMBRICH, 1999, p. 495).
Em suma, a Constable interessa pintar o observado, estudando todas as
formas e aspectos da natureza, transpondo-a para suas telas de maneira firme e
audaciosa sem seguir as convenções pictóricas.
Diferentemente de Constable, William Turner (Ilustração 24) que deixa
transparecer claramente em sua primeira fase toda a sua admiração por Claude
Lorrain entende que a construção do espaço se por meio da intuição que se
movimenta com o fervilhamento das forças cósmicas (ARGAN, 1992, p. 40).
Ilustração 24. William Turner. O aguerrido "Temeraire", rebocado até ao seu último pouso para
ser desmanchado, 1838, óleo sobre tela, 91 x 122 cm. National Gallery, Londres.
53
Suas pinturas são tomadas por uma intensa luz reproduzida por meio de
massas coloridas; suas cenas são movimentadas com uma visão grandiosa e, por
vezes, dramática da natureza, representando a sua inesgotável força. Sobre essa
visão de Turner, Carlo Argan comenta:
Para Tuner, é sempre a intuição a priori de um espaço universal ou
cósmico que se concretiza e se apresenta à percepção nos temas
particulares. [...] A visão de Turner revela um dinamismo cósmico que
escapa ao controle da razão, mas que pode arrastar a alma humana em
êxtases paradisíacos ou precipitá-la na angústia. É, portanto, uma vista
emocionante. (ARGAN, 1992, p. 40).
Turner produz inúmeros estudos de observação direta da natureza nos quais
escolhe os cenários de acordo com sua visão romântica ora sublime, ora pitoresca:
mar, montanha, lugares conhecidos por alguma ação histórica... Inúmeras vezes, as
paisagens que escolhe são tão alteradas que os seus elementos tornam-se
irreconhecíveis (JANSON, 1992, p. 594). As obras de Turner se definem como
representações paisagísticas de um eterno movimento dramático, onde os
sentimentos humanos são tragados por uma natureza turbulenta e violenta:
Em Turner, a natureza reflete e expressa sempre as emoções do homem.
Sentimo-nos pequenos e esmagados em face de poderes que não
podemos controlar, e somos compelidos a admirar o artista que tinha as
forças da natureza sob seu domínio. (GOMBRICH, 1999, p. 494).
Contrapondo-se a esse sentimento atemorizante da natureza de Turner,
encontra-se o pintor alemão Caspar David Friedrich (Ilustração 25). Suas paisagens
possuem o espírito do romantismo lírico, representado através da estética do
sublime, em que a imensidão da natureza impõe ao espírito solitário do homem um
sentimento de profunda admiração e respeito. Em suas pinturas deixa transparecer
uma tristeza desoladora que reflete a sua própria melancolia. Representa a
paisagem em grandes vistas com efeitos da luz se difundindo na bruma,
aumentando a sensação de isolamento e solidão e mostrando a pequenez do
homem diante das constantes transformações da natureza.
54
Ilustração 25. Caspar David Friedrich. Paisagem nas montanhas da Silésia, c.
1815-1820, óleo sobre tela, 54,9 x 70,3 cm. Neue Pinakotheck, Munique.
Assim, o romantismo marcou uma nova fase na representação pictórica da
paisagem, caracterizada por uma concepção da natureza que privilegia a união
entre a observação direta da sua totalidade e os sentimentos do homem. Toda essa
pesquisa e experimentação dos componentes pictóricos da natureza abrem
caminho para uma rica produção da pintura paisagística no decorrer do século XIX.
Os acontecimentos políticos, sociais, econômicos e culturais, ocorridos
no decorrer do século XIX, influenciam as produções artísticas então caracterizadas
pela coexistência e diálogo de diversas correntes. Sem participar ativamente dos
grandes movimentos artísticos da sua época, mas sofrendo uma inflexão romântica
com o passar do tempo, Camille Corot é considerado um dos maiores pintores
paisagistas do século XIX e o responsável por uma redefinição do sentimento, visto
por ele como um modo de conhecimento (ARGAN, 1992, p. 59).
Corot (Ilustração 26) aliou os valores de harmonia do desenho a um rigoroso
método de estudo da cor, buscando o equilíbrio e a claridade, tão bem definidos em
Poussin e Lorrain. Em suas pinturas, a luz e a atmosfera radiantes permeiam todo
espaço da tela, as sombras são muito bem distribuídas e a cor é definida com
clareza, preferindo os tons de cinzas prateados ou cinzas esverdeados que
realçava com uma pequena pincelada de cor mais acentuada (MAHLER; UPJOHN;
55
WINGERT, 1979, v. 4, p. 220). Traduz a paisagem não como objeto, mas como
motivo: não é a natureza que importa, mas sim o sentimento da natureza.
Ilustração 26. Jean-Baptiste Camille Corot. Tivoli, os jardins da Villa d'Este, 1843, óleo sobre
tela, 43,5 x 60,5 cm. Museu do Louvre, Paris.
Reagindo contra a visão extremamente romantizada da natureza, que
caracteriza o início do século XIX, o grupo de Barbizon
12
passa a fazer uma
representação mais minuciosa da realidade, buscando pintar a paisagem não mais
como a sentiam, mas como a viam. Um dos integrantes mais destacados do grupo
é o pintor Jean-François Millet, que estende o programa da paisagem às
representações de figuras, passando a pintar cenas da vida rural. Sua grande
inovação é trazer para as telas a questão social: seus camponeses são os
protagonistas das representações. É verdade que, com o passar do tempo, Millet,
possivelmente por uma questão política, daria um passo para trás como pintor
regredindo do Realismo ao Naturalismo romântico (ARGAN, 1992, p. 71), mas isso
não lhe retira o mérito de ter sido pioneiro na abordagem da questão social.
Essas representações de cunho social ganham, de Gustave Courbet, a
denominação de realismo: movimento que marcaria profundamente e para sempre
a história da arte. A preocupação exclusiva de Courbet (Ilustração 27) é pintar o que
12
Escola de Barbizon: denominação dada a um grupo de pintores paisagistas que entre os anos de
1835 a 1870, se reunia na orla da floresta de Fontaineblau na aldeia de Barbizon para pintar a
natureza, foi liderada pelo pintor Theodore Rousseau (CUNHA, 2005, p. 243).
56
a natureza e a vida, de forma geral, lhe mostrava. Não se preocupa com a beleza,
mas com a verdade, pois, retratando figuras em cenas da vida cotidiana, pretende
que suas pinturas sejam vistas como um protesto contra as convenções de sua
época (GOMBRICH, 1999, p. 511). Em suas representações com cenas da vida no
campo, reinventa a paisagem com figuras humanas.
Ilustração 27. Gustave Courbet. O Castelo de Chillon, 1874, óleo sobre tela, 86 x 100 cm.
Museu Courbet, Ornans.
É importante lembrar que as pinturas de paisagens com presença humana
(com camponeses, pastores, caçadores, burgueses...) é intensa ao longo da
história, contudo, até meados do século XIX, ou os pintores subordinavam as
figuras à paisagem, ou a paisagem às figuras. É nesse sentido que Courbet
reinventa essa forma de representação, uma vez que equiparou figuras humanas e
paisagens, que passam, muitas vezes, a competir, na atenção do observador. Vale
destacar que, apesar de Coubert ter sido um pintor crítico de seu tempo,
abandonando muitas das convenções, o que normalmente levaria a um isolamento,
suas pinturas de paisagens foram muito bem aceitas em sua época, tendo recebido
várias encomendas ao longo do tempo (MASANÈS, 2007, p. 58). A determinação
de Courbet na busca de uma representação realista da paisagem faria escola e
57
suas ideias estimulariam vários artistas a seguirem o mesmo caminho.
Dentre esses artistas merece destaque o pintor Édouard Manet. A
Importância de Manet para a pintura de paisagem está, principalmente, na relação
que ele estabelece entre os objetos e a cor. A luz se identifica com a cor, não
relações de claro e escuro para modelar as formas, ―não existem elementos
positivos e negativos, tudo se apresenta à vista através da cor‖ (ARGAN, 1992, p.
97). No seu espaço pictórico, a sombra se apresenta através de manchas de cor
que se relacionam influenciando umas as outras e, assim, seu espaço pictórico é
composto vigorosamente. Essa nova dimensão que a cor adquire nas obras de
Manet é responsável, em grande medida, pelo intenso estudo das cores que será
uma característica marcante do movimento artístico que surgia em seguida: o
Impressionismo.
O movimento impressionista surge na inauguração de uma exposição
coletiva de desconhecidos pintores, em 1874, ocorrida no atelier do fotografo Nadar,
em Paris. Entre esses pintores destacaram-se Auguste Renoir, Paul Cézane, Alfred
Sisley, Edgard Degas, Camile Pissarro, Claude Monet e Berth Morisot. A expressão
impressionista nasce de um artigo publicado no jornal parisiense ―Charivari‖, tendo
sido retirada do título de um dos quadros de Monet: Impressão, sol levante
(Ilustração 28).
Ilustração 28. Claude Monet. Impressão, sol nascente, 1872,
óleo sobre tela, 48 x 63,5 cm. Museu Marmottan, Paris.
58
Os impressionistas partem da ideia de que a natureza muda a todo instante e
o pintor que se propusesse a pintá-la não poderia perder tempo ao combinar cores
e nem aplicá-las em camadas, dessa forma, passam a simplificar suas paletas,
obtendo tintas claras e cintilantes. As cores o mais são misturadas, mas
encostadas umas as outras. Captam diretamente da natureza in loco as suas
impressões de luz e cor, tendo muitas vezes que pintar de uma forma muito rápida
sobre a tela (GOMBRICH, 1999, p. 518-519). Em razão dessa preocupação, os
pintores impressionistas seriam também chamados de plein air
13
. Essa nova e
ousada proposta, vale registrar, não foi bem aceita pelo público, e muito menos
pelos críticos, que os condenam como falsos pintores, como esbocistas e
manchadores de tela que nunca terminavam o que pintavam. O escritor Jules
Castagnary, no entanto, viu como positiva a nova proposta:
Que percepção ágil do objeto e que pinceladas divertidas! É verdade, é
resumido, mas como são precisas as indicações! ... A concepção comum
que os une enquanto grupo e lhes a força coletiva em meio a nossa
desagradável época é a determinação de não procurar uma execução
suave, de se satisfazer com certo aspecto geral. Uma vez capturada a
impressão, declaram que seu papel terminou... Se quisermos caracterizá-
los com uma única palavra que explique seus esforços, teríamos de criar o
termo novo de impressionistas. São impressionistas no sentido de que o
pintam uma paisagem, mas a impressão causada por uma paisagem
14
.
(CASTAGNARY, 1874, p. 329 apud HARRISON, 1998, p. 144).
Ao contrário do naturalismo
15
, o impressionismo não buscaria criar a ilusão
da imagem, seu objetivo seria apresentar os elementos que fundamentam o
assunto. Afirmam que as cores na natureza não são sempre as mesmas, elas estão
sempre mudando desde o amanhecer ao anoitecer e, nesse sentido, um dos pontos
mais importantes da concepção de pintura dos impressionistas é a dinâmica da cor.
Assim, Claude Monet, por exemplo, documenta as constantes mudanças das cores,
pintando no mesmo dia, em diferentes horas, a mesma paisagem ou o mesmo local.
Em uma de suas documentações, Monet pinta a fachada da catedral gótica da
cidade de Rouen, obtendo ao amanhecer e ao anoitecer, diferentes visões
13
―Expressão francesa que significa que uma pintura é feita ao ar livre, isto é, no exterior e não no
interior de um ateliê‖. (CUNHA, 2005, p. 267).
14
Outra importante exceção dentre os críticos franceses fora Emile Zola. Ver: ZOLA, 1989.
15
Nas artes, é caracterizado como a reprodução exata da realidade (CUNHA, 2005, p. 260).
59
luminosas.
Para os impressionistas, a linha é uma abstração criada pelo homem, pois a
linha inexiste na natureza e a forma dos objetos é produzida pela cor, isto é, a forma
é dada pelo término e começo de uma superfície colorida. Como para os
impressionistas a cor está sempre em mutação, a forma também muda
constantemente. As sombras não mais são vistas como pretas e escuras, mas
coloridas e luminosas. Segundo eles, não pode existir a cor preta onde
luminosidade solar e, por conta disso, a cor preta que era muito usada pelos
pintores para dar o efeito claro-escuro, foi eliminada de suas paletas (ARGAN,
1992, p. 76). Suas paletas e quadros passam a ser luminosos, uma vez que para
eles a paleta com a cor preta e as suas misturas com outras cores davam um tom
pesado, sem leveza e limpidez. Eliminando-as criam cores radiosas e maravilhosas
transparências, principalmente nas paisagens de marinhas. A grande originalidade
dos impressionistas é a transformação dessas observações numa teoria que une
luz e cor.
Na oitava exposição dos impressionistas, no ano de 1886, ganha destaque a
técnica do pontilhismo ou divisionismo que vários pintores impressionistas vinham
aplicando como, por exemplo, Camille Pissarro, Georges Seurat e Paul Signac.
Para obter as cores da natureza, com toda a sua transparência e limpidez, usam,
em vez do tubo de tinta pronto, cores aproximadas, obtendo um efeito mais
natural. Essas pequenas pinceladas miúdas, chamadas de divisionismo, exigem
uma perspicácia visual maior. Monet, mostra em seus estudos, uma evolução da
técnica de pinceladas breves e virguladas, muito usadas em sua última fase.
Paul Cézanne, apesar de ter participado da primeira e terceira exposição do
grupo, reage contra os impressionistas, pois, nas suas palavras, eles haviam
destruído a matéria. Não nega as conquistas no domínio da cor alcançada pelos
impressionistas, mas não admite o tratamento dispensado ao momento transitório.
Dessa forma, decide combinar as teorias da luz com a estrutura pictórica dos
antigos mestres, pois sentia falta do desenho mais harmonioso, do perfeito
equilíbrio que existira nas pinturas do passado. Entretanto, não desejou retornar aos
moldes acadêmicos do desenho e do sombreado para dar a ilusão sólida dos
objetos e muito menos às antigas composições paisagísticas para conseguir
harmonia na construção: Cézanne, que gosta de cores fortes e intensas, quer
transmitir em suas pinturas os diversos tons uniformes pertencentes à natureza e a
60
sensação de profundidade e solidez (GOMBRICH, 1999, p. 539 e passim). Tenta
sugerir o volume apenas com a cor e observa que as superfícies do espaço
parecem avançar e recuar de acordo com o emprego de determinadas cores. Essa
observação possibilitaria a modelação de massas utilizando somente a cor e o
estabelecimento de uma sucessão de planos com diferentes tonalidades (MAHLER;
UPJOHN; WINGERT, 1979, v. 6, p. 144). Seus estudos sobre a cor pura e a
estrutura são aplicados às pinturas de paisagens, como, por exemplo, as que
retrataram a montanha Sainte-Victoire (Ilustração 29).
Ilustração 29. Paul zanne. O Monte Sainte-Victoire visto do planalto de Bibemus, c. 1898-
1900, 647 x 812 cm. Museu de Arte de Baltimore.
Vincent van Gogh (Ilustração 30) também absorve as lições do
impressionismo, sobretudo a utilização da técnica de pintar com pontos e
pinceladas vigorosas de cores puras. Utiliza essa técnica para dispersar a cor
espessa e para externar suas emoções. Não se preocupa com formas exatas e
reais da natureza, exagerando e até mudando as aparências das coisas
(GOMBRICH, 1999, p. 547-548). Sua fase impressionista durou pouco tempo, pois
considerou que o impressionismo não lhe oferecia a liberdade necessária para
exprimir suas emoções.
61
Ilustração 30. Vincent Van Gogh. A Noite Estrelada, 1889, óleo sobre tela, 73,7 x 92,1 cm. Museu de
Arte Moderna, Nova York.
Vincent van Gogh dedica-se, ao máximo, à pintura de paisagens, retratando-
as com enorme dinamismo. Seus empastamentos de tintas e os movimentos do
pincel atingiam a superfície da tela formando maravilhosas ondulações, que se
traduziam numa eterna agitação da natureza. Para ele, ―era a cor e não a forma que
determinava o conteúdo expressivo dos seus quadros‖ (JANSON, 1992, p. 644).
Van Gogh e Cézanne, apesar de terem motivações diferentes, assemelham-se pelo
propósito de abandonar a ideia de que a pintura deveria ser a ―imitação da
natureza‖. Gombrich observa que:
Quando Cézanne pintava uma natureza-morta, queria explorar as relações
de formas e cores, e só aproveitava da ―perspectiva correta‖ aquela parcela
de que por ventura necessitasse para uma determinada experiência. Van
Gogh, por sua parte, queria que a sua pintura expressasse o que ele
sentia, e, se a distorção o ajudasse a realizar esse objetivo, utilizaria a
distorção sem hesitar. (Gombrich, 1999, p. 548).
Outro artista que parte do Impressionismo, mas o supera, é Gauguin
(Ilustração 31) que se destaca por buscar apreender a natureza com novas
percepções. O seu modelado e a perspectiva se transformam em formas planas,
62
intensamente contornadas a preto e com um colorido brilhante (JANSON, 1992, p.
645). Para ele a arte deve ser simples e intensa, e por isso simplifica o contorno das
formas e utiliza manchas de cores fortes em áreas extensas, não se importando se
essas simplificações e esquemas de cores tornavam suas pinturas planas
(GOMBRICH, 1999, p. 551).
Por conta das insatisfações e ansiedades de Cézanne, Van Gogh e Gauguin,
juntamente com suas novas propostas e soluções, nascem as novas tendências
artísticas que marcariam o século XX: cubismo, expressionismo e primitivismo.
Essas novas tendências artísticas iriam influenciar também as representações da
paisagem, permitindo o uso de diferentes materiais e novas possibilidades de
interpretações e, consequentemente, ampliando os horizontes para a nossa
percepção, nossos sentimentos e nossas reflexões sobre a pintura de paisagem.
Ilustração 31: Paul Gauguin. Les Alyscamps, 1888, óleo sobre
tela, 92 x 73 cm. Museu d'Orsay, Paris.
63
3 A CIDADE CARIOCA NA PINTURA DO SÉCULO XIX
Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenho o sol na página deserta!
Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas...
Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar? Também sou da
paisagem...
Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando.
(Mario Quintana)
muito, historiadores se sentem desconfortáveis com a ideia de que
imagens e textos simplesmente refletem ou imitam a realidade social, sobretudo, os
filiados à chamada História Cultural (BURKE, 2008, p. 99). Mas isso não significa
que as imagens sejam epifenômenos dissociados da realidade social: ―não são nem
um reflexo da realidade social nem um sistema de signos sem relação com a
realidade social, mas ocupam uma variedade de posições entre esses extremos‖
(BURKE, 2004, p. 232). Como lembra Argan, cabe à História da Arte, em essência,
desvendar como a consciência apreende a arte. Ou seja, não se faz História da Arte
apenas para conservar a memória artística, mas para historicizá-la (ARGAN, 2005,
p. 14). É necessário, portanto, reconhecer nas pinturas de paisagem aquilo que elas
comungam do seu tempo e, para tanto, os aspectos simbólicos são imprescindíveis.
Sem ignorar as dimensões morfológicas, funcionais, espaciais, etc., importa
64
desvendar a dimensão simbólica da paisagem, seus significados que expressam
valores, crenças, mitos, utopias. Nesse sentido, acredita-se ser importante, mesmo
que brevemente, contextualizar a chegada dos pintores viajantes à cidade do Rio de
Janeiro, seus encantos e desencantos com a arte e com a cidade.
A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro vive profundas transformações
ao longo do século XIX. O ano de 1808 pode ser considerado um marco na história
da cidade e do Brasil uma vez que a transferência da Família Real para o Rio de
Janeiro enseja uma série de transformações que levariam a antiga colônia lusitana à
emancipação política.
Na conturbada situação europeia diante do Bloqueio Continental à Inglaterra
decretado por Napoleão Bonaparte, em 1806, o príncipe regente D. João que
assumira o trono em razão da demência de sua mãe, D. Maria, a qual ganharia a
alcunha de a louca se viu premido pela França e pela Inglaterra, na época as duas
nações mais poderosas do mundo. Dom João adia o quanto pode uma decisão,
mas, não podendo aderir ao decreto napoleônico, e muito menos enfrentar o
exército francês, resolve partir, sob a ―proteção‖ da Inglaterra, para a sua rica colônia
na América.
Antes mesmo de chegar ao Rio de Janeiro, que passaria a ser a sede do
império lusitano, Dom João decreta a abertura dos portos às nações amigas
abolindo o exclusivo comercial e, na prática, o sistema colonial. A chegada da Corte
à cidade de São Sebastião, em 1808, é impactante. É frequente entre estudiosos a
ideia de que um grande e quase instantâneo crescimento demográfico teria ocorrido,
pois a cidade, com uma população estimada entre 43 e 50 mil habitantes, teria
recebido em alguns meses cerca de 15 mil portugueses um incremento
populacional da ordem de 25%
16
.
No entanto, em estudo relativamente recente, Nireu Cavalcanti
questiona esse número. Analisando a capacidade de acomodação das embarcações
comerciais e de guerra da época, que, em geral, eram dimensionadas para 80
passageiros, o autor conclui que seriam necessárias 1.875 embarcações para
transladar 15 mil pessoas, o que nem de longe teria ocorrido. A partir das listas de
passageiros que desembarcaram no Rio de Janeiro nos anos de 1808 e 1809,
16
Ver, por exemplo: RIOS FILHO, 2000, p. 181; BENCHIMOL, 1992, p. 24; LESSA, 2001, p. 77;
SCHWARCZ, 2008, p. 171.
65
Cavalcanti calcula o número de acompanhantes deslocados com a Família Real em
torno de 500 pessoas (CAVALCANTI, 2004, p. 96).
17
Esse diminuto número se comparado aos 15 mil consagrados pela
historiografia não diminui, contudo, a importância política da transferência da Corte
portuguesa para o Brasil, como avalia o próprio autor:
Desembarcado de uma fantasia e conduzido à real expressão numérica dos
que emigraram naquela memorável ocasião, foi possível perceber que não
havia necessidade de exagerar nos números para poder aquilatar o alcance
político das transformações resultantes dessa imensa reviravolta, qual seja,
o fato inédito de uma metrópole transferir-se para a sua colônia
(CAVALCANTI, 2004, p. 97).
A cidade que os viajantes e a Corte portuguesa encontram ao desembarcar
na Baía de Guanabara desagrada, por certo, a muitos, pois se trata de uma
acanhada cidade colonial cujo cleo principal é limitado pelos morros do Castelo,
de São Bento, de Santo Antônio e da Conceição; uma cidade simples, encurralada
entre o mar, montanhas e pântanos, de ruas estreitas e irregulares:
A necessidade de evitar obstáculos naturais, e a inexistência de um plano
preconcebido uma vez que o urbanismo era praticado por um ―arruador‖
e por um ―meirinho encarregado de andar com a corda de medir‖ , deu
como conseqüência a formação de ruas sinuosas e irregulares, e de
quarteirões nada homogêneos (RIOS FILHO, 1941, p. 46)
18
.
Como observa José Carlos Barreiro, os logradouros estreitos, tortuosos,
inclinados e irregulares em todos os sentidos são objetos de insistentes comentários
dos viajantes estrangeiros, desde inícios do século XIX, assim como os fortes e
desagradáveis odores da cidade (BARREIRO, 2002, p. 76). Poder-se-ia obstar que
os depoimentos dos viajantes estrangeiros o, muitas vezes, carregados de
exageros e preconceitos e, nesse sentido, não seriam ―confiáveis‖. É verdade,
17
Ver também a esse respeito: TERRA, 2004, p. 81.
18
Em seu clássico ensaio ―O semeador e o ladrilhador‖, em que compara o nascimento das cidades
da América espanhola com as brasileiras, Sérgio Buarque de Holanda atribui o ordenamento
preciso das cidades de colonização espanhola ao desejo de fazer das novas terras mais que
simples feitorias comerciais, o que faltou à colonização portuguesa no Brasil (HOLANDA, 1995, p.
95).
66
porém, estes depoimentos, assim como quaisquer outras fontes ou indícios
19
históricos, podem ser úteis desde que criticados, contextualizados e cotejados com
outros documentos. Ademais, os próprios exageros e preconceitos dos viajantes
estrangeiros podem revelar aspectos importantes do imaginário estrangeiro sobre o
Brasil.
Nesse caso, contudo, parece não haver preconceito ou exagero, pois a
documentação oficial dos próprios portugueses e do Império
20
atestam que os
odores e a sujeira da cidade eram quase que insuportáveis, uma vez que não existia
esgotamento sanitário daí a necessidade dos tigres (escravos encarregados de
transportar as fezes das casas para o mar), citados com repugnância pelos
estrangeiros; o abastecimento de água era precário; inexistia coleta de lixo.
Assim, a percepção negativa da cidade relacionava-se à sua estrutura urbana
e a uma série de hábitos da população maculam as ruas da cidade:
[...] fazendo da calçada, picadeiro de lenha, atirando para o meio da rua o
bicho morto, o resto de comida, a água servida, às vezes até a sujeira do
penico [...], as biqueiras descarregando com toda a força sobre o meio da
rua as águas da chuva. (FREYRE, 2003, p. 33).
Não por acaso, uma das primeiras posturas determinadas por Dom João
proíbe o lançamento de águas servidas nas ruas antes das 9 horas da noite e impõe
que estas devem ser precedidas de três anúncios inteligíveis de “água vai”.
Luís Edmundo, com humor, relata que a limpeza urbana dependia da
natureza:
O que vale é que as chuvas, sobretudo as do estio, profiláticas e
violentas, em cheias mais ou menos notáveis, inundando tudo,
acabam por conduzir todas essas abjecções caminho do mar.
Natureza mãe! Natureza amiga! O homem suja, o vento varre, a água
lava e o sol, depois enxuga! (EDMUNDO, 2000, p. 39).
19
Muitos historiadores têm questionado a ideia de ―fontes‖ uma vez que ela implica a possibilidade
ilusória de relatar o passado sem a contaminação de intermediários. Prefere-se a ideia de ―indícios do
passado no presente‖, que seria inclusive mais amplo incluindo manuscritos, impressos, prédios,
mobílias, imagens... Ver a propósito: BURKE, 2004, p. 16; GINZBURG, 1989, p. 157, entre outros.
20
Ver, por exemplo, documentos citados por EDMUNDO, 2000, p. 19.
67
Somava-se aos problemas estruturais da cidade às características sociais,
pois, ao longo da colonização, a cidade do Rio de Janeiro, quiçá o Brasil, adquiriu
uma ―paisagem social‖ facilmente confundida com uma cidade oriental. Como
observa Gilberto Freyre, formou-se ―uma paisagem social com muita coisa de
asiático, de mourisco, de africano: os elementos nativos deformados num sentido
francamente oriental e não puramente português‖ (FREYRE, 2003, p. 430 e passim).
É curioso observar, nesse sentido, que uma das primeiras medidas
urbanísticas que Dom João impõe ao chegar ao Rio de Janeiro foi o banimento do
uso de alguns elementos da arquitetura mourisca como, por exemplo, da gelosia
grande janela de treliça de madeira com grades que ocupavam o vão de uma janela
e de onde se podia ver a rua sem ser visto (SOARES, 2008, p. 362).
Com a chegada da Corte, tornou-se necessário e urgente dar, a então sede
da monarquia portuguesa, uma estrutura e hábitos condizentes com esse novo
status, até porque a cidade passa a receber frequentes visitas de legiões
estrangeiras, do corpo diplomático e de militares de outras nações europeias. Era
preciso civilizar o Brasil, e o brasileiro. Nesse sentido, com a chegada de Dom João
e da Corte portuguesa ocorre um processo de mudanças nos hábitos na cidade,
definido por Gilberto Freyre como reeuropeização:
A colônia portuguesa da América adquirira qualidades e condições de vida
tão exóticas do ponto de vista europeu que o século XIX, renovando o
contato do Brasil com a Europa que agora era outra: industrial,
comercial, mecânica, a burguesia triunfante teve para o nosso País o
caráter de uma reeuropeização. (FREYRE, 2003, p. 430, grifo nosso).
Esse ―olhar estrangeiro‖ não passa despercebido na Corte portuguesa aqui
instalada e muito menos na sociedade carioca e brasileira. Pelo contrário, o Brasil,
mas principalmente a cidade carioca do século XIX, passaria a viver sob a
―obsessão dos olhos estrangeiros‖, dos ―olhos europeus‖:
Eram os olhos que, talvez, mais que os de Deus, nos preocupavam no
meado do século XIX na verdade desde a abertura dos portos: ―os olhos
estrangeiros‖. Os olhos do inglês. Os olhos do francês. Os olhos do
europeu. (FREYRE, 2003, p. 516).
68
Somou-se à ―obsessão dos olhos estrangeiros‖ a necessidade de estruturar a
cidade às demandas de uma nova classe social até então praticamente inexistente,
assim como para o desempenho das atividades econômicas, políticas e ideológicas
que a cidade passa a exercer (ABREU, 1987, p. 35). Nesse sentido, uma série de
melhorias é introduzida na cidade, como, por exemplo: a Impressão Régia, o Banco
do Brasil, a circulação de moedas, as escolas de medicina, a Biblioteca Real, o
Jardim Botânico o teatro de São João, além da transferência de toda a pesada
estrutura administrativa lusitana (SCHWARCZ, 2008a, p. 175). A elevação do Brasil
à condição de Reino Unido, em 1815, parece ser um claro indício de que Dom João
VI, a despeito da queda de Napoleão Bonaparte, não pretendia voltar tão cedo a
Lisboa. Como argumenta Sonia Gomes Pereira:
[...] esteve também presente na política portuguesa durante a permanência
no Brasil a idéia de construir um Império Português Ultramarino, transferindo
de vez para o Brasil a sua sede idéia polêmica que acabou sendo
abandonada, mas que certamente motivou o investimento na estruturação
da Colônia de um arcabouço compatível à condição de capital da monarquia
portuguesa. (PEREIRA, 2008, p. 13).
O retorno do coroado Dom João VI a Portugal, entretanto, não tardaria. A
derrota de Napoleão Bonaparte, em 1814, depois da retirada dramática de seu
exército de Moscou, onde dos 610 mil homens que tinham atravessado a fronteira
russa apenas 100 mil retornaram (HOBSBAWM, 1997, p. 128), altera o quadro
político europeu. Em 1820, eclode em Portugal a Revolução Liberal que exige o
retorno de Dom João VI fato que se concretiza no ano seguinte. As cortes
portuguesas (parlamento) adotam medidas recolonizadoras que precipitam o
rompimento do Brasil, em 1822: o país adquire autonomia política.
A construção do Estado nacional brasileiro, contudo, não seria simples. O
chamado Primeiro Reinado (1822-1831), marcado por uma grave crise econômica, é
palco de constantes conflitos entre o Imperador Dom Pedro I e as elites nacionais: a
imposição da Constituição de 1824, a Confederação do Equador, a Guerra da
Cisplatina, o interesse do Imperador no trono português.
Tais conflitos acabariam levando o imperador à abdicação e ao início do
chamado Período Regencial (1831-1840), igualmente marcado pela instabilidade
política e por grandes revoltas: Cabanagem, no Grão-Pará; Balaiada, no Maranhão;
Sabinada e Malês, na Bahia; e, Farroupilha, no Rio Grande do Sul.
69
Situação bem distinta o país viveria durante o Segundo Reinado (1840-1889).
O cultivo do café, que se espalhou no vale do rio Paraíba do Sul, na província do Rio
de Janeiro, e depois na província de São Paulo, promoveu a superação da crise e
um crescimento econômico que ensejou uma nova elite econômica, os chamados
barões do café (classe latifundiária escravista). Esse crescimento econômico foi um
fator decisivo para a estabilidade política que marcou o reinado de Dom Pedro II e
possibilitou uma série de melhoramentos na cidade de São Sebastião, então capital
do império brasileiro.
Ainda em 1850, cedendo às pressões externas, sobretudo inglesas, o tráfico
de escravos é abolido, pelo menos do ponto vista legal. Um grande volume de
capital se desloca do tráfico para outros empreendimentos e a cidade vive, entre
1850 e 1860, uma febre empresarial sem precedentes que ―resultou no
estabelecimento de 62 companhias industriais, 23 companhias de seguros, vinte
companhias de navegação a vapor, quatorze bancos, oito companhias de
mineração, oito estradas de ferro [...]‖ (SILVA, 1997, p. 74).
Paralelamente a essa febre empresarial, a cidade civiliza-se, ao menos na
região central. Em 1851, é estabelecida a primeira linha de navios a vapor ligando
Liverpool-Rio-Buenos Aires, com frequência regular de 28 dias. Os antigos e
malcheirosos lampiões de azeite de peixe são substituídos, em 1854, por moderna
iluminação a gás; no mesmo ano, é inaugurada a primeira estrada de ferro do país
ligando o porto Estrela a Raiz da Serra; em 1857, a primeira linha aérea de
telégrafos, ligando a Corte a Petrópolis e o primeiro contrato para a construção de
um sistema de esgotos; em 1858, um trecho de 48 quilômetros da estrada de Ferro
Dom Pedro II é inaugurado; em 1875, a companhia de Aleixo Gary passa a fazer a
coleta regular de lixo domiciliar e das vias públicas (LESSA, 2001, p. 143)
21
.
Não se deve, entretanto, perder a dimensão histórica e superestimar esses
melhoramentos, uma vez que, para os padrões europeus, a cidade ainda era
desoladora: ―o Rio de Janeiro continuava a ser aquele mesmo velho e conformado
burgo colonial de ruas estreitas e mal varridas, prédios públicos descuidados,
letreiros desbotados, calçadas esburacadas [...]‖ (SILVA, 1997, p. 74). Nesse
sentido, viajantes, que estiveram na cidade do Rio de Janeiro a partir da década de
21
A respeito do desenvolvimento econômico e urbano da cidade na segunda metade do século XIX,
ver também: TERRA, 2004, p. 92 e passim.
70
1850, ainda destacariam seu descontentamento com as ruas estreitas e sujas da
cidade. Segundo o casal de naturalistas Luís e Elizabeth Agassiz que, em 1865,
estiveram no Brasil:
Que contraste quando se pensa na ordem, no asseio, na regularidade das
nossas cidades! Ruas estreitas infalivelmente cortadas, no centro, por uma
vala onde se acumulam imundices de todo o gênero; esgotos de nenhuma
espécie; um aspecto de descalabro geral [...]. (AGASSIZ, 2000, p. 67).
Igualmente, Oscar Canstatt, que esteve no Brasil em 1871, chama atenção
para as ruas estreitas e para o mau cheiro da cidade decorrente dos detritos
acumulados nas ruas e que ―a cidade em geral não causa boa impressão aos que a
percorrem‖ (CANSTATT, 2002, 296).
Preconceito de viajantes europeus? Parece que não, pois, em 1886, o
jornalista e crítico de arte carioca Gonzaga Duque afirma:
Em 1860, Maximiliano, arquiduque da Áustria, entrando no Rio de Janeiro,
levou o lenço ao nariz.
vinte e seis anos que se deu este fato e a cidade de São Sebastião
continua a ser, pouco mais ou menos, o que era. Além da grande falta de
limpeza que caracteriza a capital do império, incúria por tudo quanto diz
respeito à beleza da cidade [...]. A primeira impressão que recebe, diante
da cidade, quem chega de capitais como Paris, Londres, Viena, Haia e
Roma, é a de se achar em uma aldeia que foi crescendo, ganhando grande
extensão, a pouco e pouco, a proporção que número de habitantes ia
aumentando. (DUQUE
22
, 1995, p. 66).
Mas, pelo exposto até aqui, não se pode negar que a cidade se transforma
ao longo do século XIX. Ao mesmo tempo em que a cidade do Rio de Janeiro viveu
importantes transformações urbanas e sociais, a sua paisagem também se
transformou. Se é verdade que a natureza, sofrendo a intervenção humana, se
alterou, isso não explica automaticamente como a forma de olhar essa natureza
isto é, a paisagem também mudou. É possível perceber ao longo do século XIX
uma intensa transformação na representação da paisagem carioca, sobretudo, nas
representações pictóricas.
22
Nas várias edições de suas obras encontram-se variadas formas de referência: Duque-Estrada,
Duque-estrada, Gonzaga-Duque, Gonzaga Duque... Adota-se a última forma, mas alerta-se que
se trata do jornalista, crítico, pintor e escritor Luiz Gonzaga Duque Estrada.
71
A metamorfose na paisagem decorre do fato de que ela é uma forma de ver
mediada por elementos históricos, sociais e culturais; ela significa a natureza
esteticamente processada. O historiador norte-americano Simon Schama,
analisando as atitudes ocidentais em relação à paisagem ao longo do tempo, em
Paisagem e memória, adverte que ―até mesmo as paisagens que parecem mais
livres de nossa cultura, a um exame mais atento, podem revelar-se como seu
produto‖ (SCHAMA,1996, p. 20). É a nossa percepção transformadora que
estabelece a diferença entre essência (como natureza) e paisagem (como
representação), pois ―paisagem é cultura antes de ser natureza; um constructo da
imaginação projetado sobre a mata, água, rocha‖ (ibidem, p. 70). Assim, os
significados simbólicos de uma paisagem sofrem ao longo do tempo uma
transformação e variam no espaço tornando as generalizações que desconsideram
as diferenças no espaço e no tempo muito perigosas:
Nem todas as culturas abraçam a natureza e paisagem com igual ardor, e
as que as abraçam conhecem fases de maior ou menor entusiasmo. O que
os mitos da floresta antiga significam para uma cultura européia nacional
pode se traduzir em algo totalmente diverso em outra cultura. Na Alemanha,
por exemplo, a floresta primitiva era o lugar da auto-afirmação tribal contra o
Império romano de pedras e leis. Na Inglaterra, o bosque verde era o local
onde o rei ostentava seu poder nas caçadas reais e, contudo, corrigia as
injustiças de seus oficiais. (SCHAMA, 1996, p. 25).
Viajantes de diferentes origens e gerações não veriam da mesma forma a
paisagem tropical. Além disso, a representação desse cenário natural não
transcorreria impunemente, pois fazendo concessões aos padrões europeus, esses
artistas acabariam por deformar sua espontaneidade, como bem observa Ana Maria
Belluzzo (1996, p. 18), ―o ver não é uma ocorrência natural e sim um fato histórico,
interligado aos critérios de valoração e aos modos operativos que o homem dispõe‖.
Miriam Leite (LEITE, 1997, p. 09) afirma que o viajante, por ser estrangeiro,
isto é, não fazendo parte da cultura visitada, percebia aspectos, incoerências e
contradições do cotidiano que o habitante, pertencente a esse meio, se via incapaz
de perceber. Isabel Portella corrobora essa afirmação ao analisar a diferença entre o
olhar local e o olhar estrangeiro:
72
O olhar de um estrangeiro pode ser considerado parcial, carregado de
preconceitos e de esquemas preconcebidos. Mas, ao mesmo tempo, pode
se tratar de um enfoque novo, capaz de perceber o que os olhos
acostumados já não notam mais. (PORTELLA, 2001, p. 52).
Por outro lado, contudo, esses viajantes não veem com olhos neutros, eles
veem através de rearranjos de suas experiências, de seus esquemas interpretativos
e de suas convenções. Isso vale sobretudo para os pintores estrangeiros que aqui
estiveram, pois como observou Gombrich em Arte e ilusão retomando sua afirmação
de que ―nenhum artista é capaz de 'pintar o que vê'‖:
O familiar será, sempre, o ponto de partida para a representação do
desconhecido; uma representação existente exerce sempre certo fascínio
sobre o artista, mesmo quando ele se esforça para registrar a verdade.
os críticos antigos tinham observado que vários dos artistas da Antiguidade
haviam cometido um estranho erro na representação de cavalos:
mostravam-nos com cílios na pálpebra inferior, o que é próprio do olho
humano, mas não do olho do cavalo. (GOMBRICH, 2007, p. 72).
Deve-se considerar que esses pintores viajantes são portadores de outra
cultura e que a mesma funciona como uma espécie de lente através da qual o
homem o mundo e consequentemente tende a considerar a sua forma de ver e o
seu modo de vida como o correto e natural, isto é, tende a ser etnocêntrico (LARAIA,
2002, p. 72). Os diferentes ―olhares‖ e comportamentos resultam das lentes
diversas, das diferenças culturais:
Por exemplo, a floresta amazônica não passa para o antropólogo
desprovido de um razoável conhecimento de botânica de um amontoado
confuso de árvores e arbustos, dos mais diversos tamanhos e com uma
imensa variedade de tonalidades de verdes. A visão que um índio Tupi tem
deste mesmo cenário é totalmente diversa: cada um desses vegetais tem
um significado qualitativo e uma referência espacial. (LARAIA, 2002, p. 67).
A própria nomeação, ou não nomeação, de cores e tonalidades, por exemplo,
é determinada pela cultura. Não que os membros de certa cultura sejam incapazes
fisicamente de enxergar algumas cores, mas não veem nessas cores diferenças
substantivas em relação a outras:
Os japoneses, por exemplo, têm apenas uma palavra, aoi, para designar a
parte do espectro que abrange o verde e o azul. Mas o fato de não fazerem
73
distinção lingüística entre elas não significa que não as possam separar se
quiserem pois obviamente o fazem através de descrições, comparações e
metáforas. Significa apenas que a língua e, de modo geral, a cultura
japonesa não parecem exigir essa distinção para efeitos da vida cotidiana.
(RODRIGUES, 1989. p. 136).
Anne Cauquelin vai além quando afirma que se não dispõe do paradigma da
cor simplesmente não se vê:
Temos grande dificuldade em imaginar a Grécia privada do azul que banha
as ilhas, inunda o céu, transforma-se em violeta nas colinas longínquas,
matiza-se em rosa e em verde-cinza ao cair da noite. Mas devemos nos
render aos fatos: as cores são idéias de cores e quem não tem a amostra (o
paradigma) não tem a coisa. Ora, os gregos não tinham amostra de azul. As
quatro cores disponíveis eram o branco, o preto o amarelo/o ocre e o
vermelho. Para eles, o mar era verde pardo e vermelho-violáceo nos tempos
de tempestade [...]. (CAUQUELIN, 2007, p. 54).
Cabe destacar que a cultura, num ritmo maior ou menor, está sempre em
transformação, ela não é estática. Ao entrar em contato com a cultura do ―outro‖, por
exemplo, o homem influencia e é influenciado na sua própria cultura, na sua própria
visão do mundo. Mary Louise Pratt chama esse espaço de encontro de indivíduos e
culturas de ―zona de contato‖:
[...] ―zona de contato‖ é uma tentativa de se invocar a presença espacial e
temporal conjunta de sujeitos anteriormente separados por
descontinuidades históricas e geográficas cujas trajetórias agora se cruzam.
[...] Uma ―perspectiva de contato‖ põe em relevo a questão de como os
sujeitos são constituídos nas e pelas relações entre colonizados e
colonizadores, ou viajantes e ―visitados‖, não em termos de separação ou
segregação, mas em termos de presença comum, interação, entendimentos
e práticas interligadas, freqüentemente dentro de relações radicalmente
assimétricas de poder. (PRATT, 1999, p. 32, grifo nosso).
Assim, a representação da paisagem carioca pelos artistas viajantes se altera
ao longo do tempo. Mas que transformação seria essa na paisagem e como ela se
daria?
Como se viu anteriormente, a Corte portuguesa se transfere para o Brasil, em
1808. Essa transferência e a abertura dos portos intensifica a pintura paisagística no
Brasil, pois, anteriormente, os viajantes enfrentaram uma considerável barreira para
o estudo do território brasileiro, uma vez que esses estudos eram considerados por
Portugal empreendimentos militares e expansionistas (RAMINELI, 2002, p. 711).
74
Com exceção dos pintores de Maurício de Nassau, a paisagem permaneceria, até o
século XIX, ausente nas representações pictóricas:
É preciso também lembrar, confirmando a indissolúvel relação da arte com a
vida social, que o sistema colonial, ao impedir qualquer desenvolvimento
brasileiro que não servisse diretamente aos interesses da Metrópole,
acabou por limitar a produção artística a certas necessidades mínimas
locais, levando a própria pintura a restringir-se à ornamentação das igrejas e
aos retratos encomendados pelas irmandades religiosas. Não fôra a obra
dos artistas que vieram com o príncipe holandês Maurício de Nassau, no
século XVII, e nos faltaria uma visão pictórica do cenário colonial.
(CAMPOFIORITO, 1983, p. 15).
Essa situação se altera quando o Brasil passa a ser percorrido por inúmeros
viajantes, sendo realizados inventários sobre a geografia, comunidades, flora e
fauna brasileiras. Através de mapeamentos, relatos e remessas de espécies, essas
viagens promoveram avanços das ciências europeias e auxiliaram o
desenvolvimento econômico e controle territorial brasileiro.
Muitos cientistas, então chamados de naturalistas, haviam percebido que a
descrição meramente verbal apresentava indiscutíveis deficiências e, nesse sentido,
―começaram, eles mesmos, a desenhar ou passaram a levar consigo desenhistas
durante as suas excursões‖ (KELLER, 2008, p. 25). Assim, como a escala no porto
do Rio de Janeiro era praticamente obrigatória, os viajantes europeus começaram a
lançar sobre a paisagem carioca um olhar de natureza diferente do colonizador que
a via como perigosa (MARTINS, 2001, p. 14). Esse novo olhar ―não é mais o do
artista a serviço de um príncipe, mas o de indivíduos que escolheram vir para à
procura do pitoresco [...]‖ (BANDEIRA, 1998, p. 38). Cabe destacar que não havia
naquele momento expedições francesas de viajantes, pois, chegando ao Rio de
Janeiro, o príncipe regente Dom João declara guerra à França essa situação se
reverteria a partir de 18 de julho de 1814, quando Dom João manda publicar que a
relação com a França era amigável, permitindo o livre trânsito de franceses em
Portugal e no Brasil.
Muitos desenhistas e pintores chegam à cidade acompanhando naturalistas,
diplomatas, militares e comerciantes. Esses artistas são encarregados de
documentar a natureza e os tipos humanos da nossa terra distante e, assim, seria
construída uma imagem do Brasil, e particularmente do Rio de Janeiro, no
imaginário europeu que oscilava entre o enaltecimento e a degradação:
75
Em tais relatos é constante o contraponto entre o embevecimento ante a
exótica e exuberante paisagem natural desta cidade dos trópicos, com sua
ampla baía e suas imponentes montanhas, e a aversão, a repugnância
suscitada pela paisagem material e humana. (BENCHIMOL,1992, p. 27).
Ou:
Nas descrições dos viajantes europeus, encontra-se amiúde uma
apreciação ambígua da cidade: de um lado, o entusiasmo diante da
paisagem natural, exótica e deslumbrante; e de outro, uma indisfarçável
aversão à paisagem urbana, freqüentemente comparada a uma cidade
árabe, com comércio ruidoso e fervilhante, ruas estreitas, atravancadas e
sujas. (PEREIRA, 1991, p. 31).
Mas para os artistas viajantes a paisagem natural do Rio de Janeiro
sobrepujou os problemas sociais da cidade:
Na verdade, foram as matas, o relevo e a fauna brasileiras os únicos
aspectos que levaram o Rio de Janeiro a ser a cidade mais visitada naquele
então pelos artistas viajantes das primeiras décadas do século XIX.
(BANDEIRA, 1998, p. 33).
Com sua natureza exuberante e exótica, o Rio de Janeiro faz-se ponto
referente para artistas naturalistas. Dentre esses artistas, pode-se destacar Johan
Jacob Steinmann, Johan Motirz Rugendas, Joseph Alfred Martinet, George Lothian
Hall, Victor Frond, Willian Gore Ouseley, Joaquim Insley Pacheco, C. V. Browne,
Willian Havell, Auguste Earle, Thomas Ender, Conrad Martens, entre outros. Seus
motivos paisagísticos são diversos, retratando diferentes cenários do Rio de Janeiro
como, por exemplo, a Mata Atlântica de Teresópolis, vários recantos de Niterói,
paisagens longínquas ou próximas do centro da cidade. Porém, a Baía de
Guanabara é, sem sombra de dúvida, a paisagem mais relatada
23
, retratada e
aquela que ganharia fama pelos seus encantos naturais: ―segundo Darwin, sob o
comando do capitão Fitzroy, o Brigue teve que aguardar para entrar na Baía de
Guanabara em plena luz do dia para que a tripulação pudesse ver a paisagem e ser
23
―Autores como John Luccock, Auguste Sanit-Hilaire, Von Spix e Von Martius, Gaudichard, De La
Touane, Teodoro Bösche, Johann Moritz Rugendas, Carl Seidler, Charles Darwin, Alcide d‘Orbigny,
De La Sale, Daniel P. Kidder, Fisquet, Ferdinand Denis, De Ferrière-La Vayer, Ida Pffeifer, Gardner,
Charles Mansfiel, Charles Ribeyrolles, Charles Expilly e Hart, entre outros, enalteceram, nos seus
relatos, a beleza e a grandiosidade da Baía de Guanabara‖ (SANTOS, 2002, p. 66).
76
vista‖ (MARTINS, 2001, p. 21). Daniel Kidder, resume claramente esse
encantamento dos estrangeiros diante da Baía de Guanabara:
A primeira vez que alguém entra na Baía do Rio de Janeiro marca uma
época na sua vida: ―uma hora donde pode datar para o futuro,
eternamente‖. Até o mais desanimado dos observadores, dessa data em
diante, passa prezar melhor a múltipla beleza e majestade do Creador. Vi
marinheiros russos dos mais rudes e ignorantes, um aventureiro australiano
imoral, incapaz de qualquer reflexão, juntamente com europeus refinados e
cultos, ficarem mudos, estáticos, no passadiço, acordes na admiração da
colossal avenida de montanhas e ilhas cobertas de palmeiras, que, como as
pilastras de granito na frente do templo de Luxor, formam a digna coluna
para o pórtico da mais bela baía do mundo. (KIDDER e FLETCHER, 1941,
p. 4).
A ideia de paisagem que se forma com esses e outros viajantes é de uma
natureza exuberante ainda pouco transformada pelo homem. Essa paisagem que,
no início do século XIX, é penetrada por um olhar de estrangeiro cientificista, tornar-
se-ia, em meados do mesmo século, um olhar repleto de emoções e sentimentos
diante de uma natureza sublime, mas, ao mesmo tempo, pitoresca em suas cores,
uma vez que ―certos modos de apreciação do universo europeu do século XIX se
casaram com estímulos da topografia, da geografia, da vegetação e da vida humana
no Brasil‖ (BELLUZZO, 2008, p. 42), porquanto, ―tomado exclusivamente no contexto
da pintura, a paisagem se reduziria, pois, a uma representação figurada, destinada a
seduzir o olhar do espectador, por meio da ilusão de perspectiva‖ (CAUQUELIN,
2007, p. 37). Ou, como afirma Burke,
Parece não ser mais do que senso comum sugerir que pintores de
paisagens desejam oferecer aos espectadores prazer mais do que
comunicar uma mensagem. [...] o que numa determinada cultura parece
ser ―senso comum‖ precisa ser analisado pelos historiadores e
antropólogos como parte de um sistema cultural. No caso da paisagem,
árvores e campos, rochas e rios, todos esses elementos comportam
associações conscientes ou inconscientes para os espectadores. (BURKE,
2004, p. 53).
O longo caminho que a pintura de paisagem percorreu no Brasil, no decorrer
do século XIX, esteve intimamente associada à Academia Imperial de Belas Artes,
fundada após a independência, precisamente em 1826. A gestação da Academia,
contudo, remonta a dez anos antes, quando chega ao Brasil a chamada ―Missão
Artística Francesa‖, organizada por Joachim Lebreton e composta, além do próprio
77
Lebreton, pelo arquiteto Grandjean de Montigny, o escultor August Taunay, o
gravador Charles Pradier, os pintores Nicolas Taunay e Jean-Baptiste Debret e,
sendo posteriormente incorporados, os escultores Marc e Zépherin Ferrez. O
transcurso de dez anos entre a chegada da Missão à fundação da Academia explica-
se pelas inúmeras dificuldades práticas na hora de sua implementação, mas duas
questões foram decisivas. A primeira fora ―a morte prematura do Conde da Barca,
aquele que mais lutara por tal instituição. Outra foi a oposição do cônsul francês
Maler aos artistas da missão, devido às suspeitas de simpatias bonapartistas que
existiam em relação a eles‖ (LOPES, 1995, p. 17).
Na historiografia está consagrada a ideia de que esses artistas franceses
teriam vindo para o Brasil contratados por Dom João que teria o projeto de criar uma
iconografia da Corte fundamental na conformação de uma simbologia tria local
numa sociedade majoritariamente iletrada e fundar uma Academia Real de Belas
Artes, nos moldes da francesa, para difundir o ensino das artes.
Dom Antônio de Araujo de Azevedo, o francófilo Conde da Barca, teria
convencido Dom João VI a contratar artistas neoclássicos franceses acostumados à
glorificação do poder e que, naquele momento, estariam isolados politicamente após
a queda de Napoleão alguns até chamados de ―regicidas de Luís XVI‖. O Marquês
de Marialva, Dom Pedro JoJoaquim Vito de Meneses Coutinho, uma espécie de
embaixador de Portugal na França, ficaria encarregado de contratar esses
reconhecidos artistas e, para tanto, contatou o naturalista alemão Alexander Von
Humboldt que, por sua vez, teria indicado o seu colega do Instituto de França
Joachim Lebreton para reunir esses artistas. No entanto, Marialva deixa o seu cargo
na França, em 1815, antes de fechar quaisquer acordos com Lebreton e os artistas
franceses. Marialva fora substituído pelo ministro português Francisco José Maria de
Brito, o Chevalier de Brito, que teria garantido a viagem dos artistas.
Lilia M. Schwarcz, no entanto, retoma a tese de Mário Pedrosa, de 1957,
segundo a qual a ideia de que os artistas franceses formavam uma ―missão‖ seria
uma lenda. Percorrendo o debate que se iniciou com Voyage pittoresque et
historique au Brésil, de Debret, publicado entre 1834 e 1839 passando por Araújo
Porto Alegre, Gonzaga Duque, Oliveira Lima, Afonso d‘Escragnole Taunay, Laudelino
Freire, Morales de los Rios Filhos e Mario Barata conclui que não houve uma
intencionalidade no projeto:
78
Hora de dispor as cartas: artistas desempregados ou em vias de perder o
emprego; uma moda francesa nas artes; uma monarquia européia
estacionada nas Américas; uma colônia até então fechada aos estrangeiros
sobretudo franceses e com imensas possibilidades de comércio,
mercado e artes, e um príncipe carente de representação oficial. É preciso,
pois, combinar isso tudo e ainda adicionar dois elementos: o papel do Brasil
no imaginário francês e o fato de nossos viajantes saberem que a língua
culta da realeza e de uma parte da elite da corte era justamente o francês.
Com todos esses elementos reunidos, talvez o mais correto seria pensar
que, juntando a fome com a vontade de comer, os viajantes decidiram partir:
alguns financiados outros não. Por seu lado, a Coroa daria seu
resguardo e apoio após a notícia da chegada definitiva dos franceses; ou
melhor, com o fato consumado. (SCHWARCZ, 2008a, p. 188).
Seja como for, chega ao Rio de Janeiro, em 26 de março de 1816, o brigue
nomeado Calpe, trazendo, o que se convencionou chamar, ―Missão Artística
Francesa‖. Fundada a Academia, em 1826, seus preceitos estariam apoiados no
Neoclassicismo: a arte deveria ser compreendida e representada através do belo
ideal, valorizando os temas nobres como a pintura histórica e a estrutura do desenho
(PEREIRA, 200_, 45). Vale destacar que nesse período a pintura de retratos e os
temas históricos eram amplamente valorizados, pois, chegara o momento do Brasil
constituir-se como nação e, nada mais nacional que cultivar os feitos históricos,
como bem observa Cybele Vidal Neto Fernandes:
Para a instituição, a pintura histórica era um gênero afeto aos artistas de
grande talento, aos quais estaria reservada a elevada missão de perpetuar
os episódios da história nacional: comprometida com o programa oficial,
devendo voltar-se para o culto à pátria através da narrativa do passado da
nação; para a consagração da moral e das virtudes, através dos símbolos e
das alegorias; para a representação da nobreza através dos retratos. Tais
representações, de cunho oficial, iriam contribuir para a construção do
imaginário da nação, no discurso narrativo dos temas representados.
(FERNANDES, 2001/2002, p. 13).
Assim, o ensino na Academia inicialmente valoriza a pintura histórica e
retratista. Os desenhos de anatomia, a figura humana, são o objeto nobre das artes.
Porém, mesmo dentro desse panorama acadêmico, alguns artistas fazem inserções
pelas representações paisagísticas. Vale destacar que essa valorização acentuada
da pintura histórica e retratista não implicava uma demanda menor na pintura de
79
paisagem, pois, mesmo inferior dentro de certa hierarquia
24
, era também bastante
tradicional na Europa, passando a identificar-se, no início do culo XIX, com
discursos de identidade nacional. O momento era de revelar ―como a paisagem
carrega o suposto da diferença e, com ele, a própria noção de identidade‖.
(SCHWARCZ, 2008a, p. 119). Como argumenta José Augusto Avancini,
[...] o desenvolvimento do gênero paisagístico no ocidente que vindo do
século XV, atinge no século XIX um extraordinário desenvolvimento técnico
e temático, atingindo todos os rincões da civilização ocidental, da Rússia à
América Latina. Todos os países integrantes dessa comunidade tiveram
suas escolas e pintores renomados na pintura de paisagem. Esse gênero
assumiu foros de expressão universal simbólica nas lides da construção dos
novos estados-nação. Se era menos referencial do que a pintura histórica,
contudo não deixava de contribuir para o objetivo comum de montagem das
identidades nacionais e regionais, nesta vasta área do planeta. (AVANCINI,
2008, p. 106).
Diante dessa confluência entre paisagem e nacionalidade no Brasil do início
do século XIX, os artistas da ―Missão‖ se veem envolvidos tanto nas características
peculiares dessa nova nação quanto nos seus esquemas representativos
acadêmicos, pois, aqui, os gêneros se fundiam. Vera Beatriz Siqueira comenta:
No caso brasileiro diante dessa natureza sem história, de acordo com o
entendimento da época a fusão dos gêneros dos debates acadêmicos
ganhava nova direção. Afinal fazer história do Brasil seria fazer a história
dessa natureza. Na incorporação das contingências históricas do país, os
dados da natureza e da cultura tropical são essenciais. A questão da
existência desse Novo Mundo era basicamente um problema de
representação, no qual os gêneros de história e paisagem se fundiam.
(SIQUEIRA, 2008, p. 418).
Outra questão de igual importância para a representação da nação, por meio
da paisagem, é o romantismo, que encontra no meio natural um importante tema a
ser destacado no universo literário e pictórico. Lilia Moritz Schwarcz observa:
24
Na Academia Francesa do final do século XIX, que era referência na pintura, e que inspirou a
brasileira, havia uma rígida hierarquia: no topo estaria a pintura histórica que abarcava temas
bíblicos, história e mitologia antiga e história contemporânea. Abaixo vinham a pintura de paisagem,
o retrato e, por fim, a natureza morta. A pintura de paisagem se destinava ―geralmente ao interior
das casas, com função meramente decorativa, ou como acessório de fundo numa pintura histórica.
A paisagem, no campo da arte, era definida como uma representação do mundo natural; a seleção
de uma experiência visual prazerosa e vinculada ao cenário rural‖ (SCHWARCZ, 2008a, p. 75),
como se pode perceber, por exemplo, na obra de Facchinetti, conforme veremos no próximo
capítulo.
80
O gênero da paisagem também receberia novo impulso com o
fortalecimento do romantismo. A despeito das oscilações próprias a cada
país, o que se sabe é que essa tradição se vinculou ao ideal romântico,
mais evidente no começo do século XIX, de que cada nação carregaria uma
unidade cultural. Nesse sentido, enquanto o Iluminismo dominante do
século XVIII enfatizava o universalismo e a racionalidade, o romantismo,
por oposição, destacava a subjetividade, o particular e a força da cultura
para a formação nacional. (SCHWARCZ, 2008a, p. 127).
O romantismo brasileiro engendrou uma ideologia nacionalista de auto-estima
tão necessária a um estado Nacional recém fundado. Particularmente no Brasil, essa
tendência romântica para com a natureza se fortaleceria com os mestres franceses,
interessados pelas características específicas da nossa paisagem, que, dentro da
Academia de Belas Artes, seria reservada uma área específica para o estudo da
mesma no projeto de Lebreton (FERNANDES, 2001/2002, p. 191).
Isso pode ser claramente observado nos estatutos e nos regimentos da
Academia. Percebe-se contrariando o que alguns autores afirmam que apesar
da grande valorização dos temas históricos dentro da hierarquia da pintura, a
produção e o ensino da pintura de paisagem exercia um destacável papel no
ambiente artístico acadêmico. O projeto de Lebreton embasou o estatuto provisório
da Academia Imperial de Belas Artes até 1831 ano da Reforma Lino Coutinho que
ocorreu durante a direção de Félix-Émile Taunay. Nessa Reforma, foi concedida
relevante importância à pintura, sendo constituída com duas sessões de ensino:
Pintura de Paisagem e Pintura Histórica (FERNANDES, 2001, p. 178). Dessa forma,
a pintura de paisagem se constituía como uma área independente em função da
particularidade do nosso país onde, conforme abordado anteriormente, natureza e
representação histórica se fundiam.
Durante a direção de Felix-Émile Taunay outros fatos importantes marcariam
o desenvolvimento da Academia, como a criação dos Prêmios de Medalha, das
Exposições Gerais e dos Prêmios de Viagem, nos quais a pintura de paisagem
sempre marcaria presença significativa, ainda mais se considerando o seu lugar
dentro da hierarquia da pintura acadêmica.
Por iniciativa de Debret, ocorre, em 1829, a primeira exposição da Academia
tendo como título: Exposição da Classe de Pintura Histórica na Imperial Academia
das Belas Artes, onde são apresentadas quatro pinturas de paisagem. Em 1830,
Debret novamente organiza, agora juntamente com Manoel de Araújo Porto-alegre,
81
a Segunda Exposição e nessa a paisagem estaria representada por diversos
estudos da natureza produzidos pelo próprio Araújo Porto-alegre, assim como
diversos quadros e estudos de Félix-Émile Taunay. Ainda na Segunda Exposição,
seriam apresentadas várias cópias dos estudos da natureza realizadas por Porto-
alegre e Félix-Émile Taunay, feitas por alunos.
Com a partida de Debret para a Europa, em 1831, as Exposições somente
tornariam a acontecer no ano de 1840. Essa Exposição é considerada como a
primeira verdadeira mostra de artes no Brasil, pois deixou de ser uma exibição
escolar para tornar-se realmente pública, sendo intitulada como Exposição Geral de
Belas Artes. Logo nessa primeira Exposição Geral três artistas expuseram pinturas
paisagísticas: Augusto Müller, Félix-Émile Taunay e Abraham-Louis Buvelot. Vale
registrar que Müller recebeu, nessa Exposição, medalha de ouro (RIOS FILHO,
1941, p. 166 e passim).
De 1840 a 1884, ocorreram 26 Exposições Gerais e, em todas, a pintura de
paisagem esteve presente, sendo muitas vezes premiada
25
. Nesse sentido, pode-se
afirmar que as críticas feitas à Academia, no que diz respeito ao fato de diminuírem
a importância da pintura de paisagem, inferiorizando-a, e serem contrários à prática
da pintura ao ar livre, se observados os dados da época, são exageradas: as obras
representando as paisagens nas Exposições Gerais, as premiações com medalhas e
as indicações para que essas obras fossem adquiridas para a Pinacoteca
contradizem as críticas. Ao que tudo indica, essas críticas se inseriam num contexto
mais amplo ligado à luta pelo controle da instituição e pelo desejo de mudança
engendrado pela proclamação da República (CAVALCANTI, 2008, p. 337).
Igualmente contradiz os críticos a importância que a pintura paisagística
adquiriu dentro do programa de ensino das Belas Artes. Em 1855, é implantada na
gestão de Araújo Porto-alegre a Reforma Pedreira, substituindo a Reforma Lino
Coutinho, que orientou o ensino na Academia até 1890. O decreto assinado pelo
ministro do Império, Dr. Luiz Pedreira do Couto Ferraz, aprova uma remodelação no
ensino artístico.
25
Ver a propósito o catálogo de artistas e obras das Exposições Gerais da Academia Imperial e da
Escola Nacional de Belas Artes organizado por Carlos Roberto Maciel Levi. (LEVI, 1990).
82
Dá novos Estatutos à Academia das Bellas Artes.
Usando da autorização concedida pelo Decreto 805 de 23 de setembro
de 1854: Hei por bem que na Academia das Bellas Artes se observem os
Estatutos que com este baixaram assinados por Luiz Pedreira do Couto
Ferraz, do Meu Conselho de Ministro e Secretario d‘Estado dos Negócios do
Império, que assim o tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio de
Janeiro em quatorze de maio de mil oitocentos cincoenta e cinco, trigésimo
quarto da Independencia e do Império.
Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador
Luiz Pedreira do Couto Ferraz
(Decreto Nº 1603 de 14 de Maio de 1855)
Nos novos Estatutos da Academia de Belas Artes, o Curso de Estudos fica
dividido em cinco seções, a saber: Arquitetura, Escultura, Pintura, Ciências
Acessórias e Música. A seção de Pintura, por sua vez, é subdividida nas cadeiras de
desenho figurado; paisagem, flores e animais; e pintura histórica. Esses Estatutos
permitiriam um importante avanço na uniformização do ensino, pois, para cada uma
das cadeiras, ficava detalhada a metodologia a ser aplicada. Dessa forma, nos
Estatutos de 1855, seção IX, ficaria estabelecido para as aulas de paisagem, flores e
animais:
Art. 34. O Professor de Paisagem ensinará o desenho da sua cadeira, e fica
obrigado a ir com seus alumnos mais adiantados estudar a natureza, e
fazer-lhes á vista della as explicações que forem convenientes. (Arquivo do
Museu D. João VI/EBA/UFRJ).
Carlos Roberto Maciel Levy observa que:
O uso do verbo ―estudar‖ não deixa vida que, no caso, a natureza seria
para a paisagem nada mais do que o referencial estritamente necessário, tal
qual o corpo humano deveria ser, para o desenho de anatomia ou para a
aula de modelo vivo, objeto de análise para fins diversos daqueles que lhe
fossem intrínsecos. (LEVY, 1980, p. 19).
Essa iniciativa de modernização do ensino da pintura de paisagem também é
observada por Adolfo Morales de los Rios Filho:
83
Na cadeira de paisagem, o princípio fundamental a ser observado era o
contato direto com a natureza. Dava-se, dessa forma, um grande passo a
frente, porquanto a pintura de paisagem deixava de ser uma mera cópia de
estampas da Europa... Por sua vez, o professor deve ser mudo para tornar-
se o verdadeiro guia oral dos discentes. (RIOS FILHO, 1942, p. 238 apud
PORTELLA, 2001, p. 80).
Dentre os anos de 1855 e 1889, a disciplina é ministrada por seis professores:
Augusto Müller, Agostinho José da Motta, Vitor Meireles de Lima, Georg Grimm,
João Zeferino da Costa e Rodolfo Amoedo. No entanto, mesmo sendo ministradas
por diferentes professores, poucas foram as iniciativas reais para pôr em prática nas
aulas o que os Estatutos e o que Araújo Porto-alegre, então diretor, preconizavam.
Por várias vezes, Porto-alegre exaltou a execução da pintura de paisagem ao ar
livre:
Começava por defender a necessidade da prática das aulas, tomados
diretamente aos modelos da natureza brasileira, de preferência in loco,
evitando assim perpetuar o hábito das cópias de estampas européias o que,
além de não ser o melhor método, ia contra o espírito da Reforma, privando
o aluno de captar os exemplares característicos do local da paisagem
trabalhada. (FERNANDES, 2001, p. 180).
Ao que tudo indica, apenas dois professores, convictos dessa verdadeira
necessidade para o desenvolvimento dos pintores paisagistas, seguiram o caminho
proposto pela Reforma Pedreira e incentivado por Porto-alegre: Johan Georg Grimm
e João Zeferino da Costa.
O pintor paisagista Johan Georg Grimm nasceu na Baviera, em 1846, e
chegou ao Rio de Janeiro por volta de 1878. Durante o seu período de permanência
no Brasil, viaja por Petrópolis, Valença e Minas Gerais e, nessa época, executa por
encomenda, a pintura de propriedades no campo e fazendas de café com uma
objetividade quase fotográfica. Como destaca Maciel Levy:
Estes trabalhos conseguem ser, apesar de realizados com intuito de
registrar com o máximo de fidelidade os locais fixados, bastante
significativos no que concerne ao tratamento dispensado à paisagem. A
questão da luminosidade como elemento de definição dos volumes se
apresenta equacionada da maneira muito próxima daquela que viria a ser
adotada nas pinturas posteriores ao exercício de Grimm como professor da
Academia Imperial. (LEVY, 1980, p. 21).
84
No ano de 1882, é realizada no Rio de Janeiro uma grande exposição pública
promovida pela Sociedade Propagadora das Belas Artes no Liceu de Artes e Ofícios.
Nessa mostra, Georg Grimm expõem 128 pinturas e aquarelas, entre elas,
paisagens dos lugares que visitara. Suas obras recebem críticas bastante favoráveis
e fazem um imenso sucesso, a porque todas as paisagens foram pintadas do
natural isto é, in loco o que era praticado por um número bastante reduzido de
artistas aqui no Brasil. Como corolário desse sucesso, três meses depois da
exposição realizada, Grimm seria contratado, como interino, pela Academia Imperial
de Belas Artes para reger a cadeira de Paisagem, Flores e Animais, onde
permaneceria até meados de 1884 (LEITE, 1988, p. 230).
Como professor de pintura de paisagem da Academia, revolucionariamente
recusou-se, no primeiro dia de aula, a trabalhar dentro do atelier e passou a levar
os seus alunos para notáveis expedições pelos recantos paisagísticos do Rio de
Janeiro, para a prática da pintura ao ar livre, como observa o crítico Gonzaga Duque:
Grimm, um robusto homem de quarenta anos: rosto másculo, ruborizado,
olhos azuis e miúdos, melena e longas barbas louras, nesse meio
convencional, fez o efeito de um revolucionário temido por entre uma turba
de medrosos. Era ele o único que ali pisava forte com seus sapatos ferrados
de andarilho. Quando tomou conta da cadeira que o governo lhe concedeu
por contrato, mediu os alunos, perfilou-se como um artilheiro, e, puxando a
aba do largo chapéu de feltro, disse com sua voz germânica:
Quem quer aprende [sic] pintar arruma cavalete, vai pra mato.
E retirou-se. Seguiram-lhe os passos os alunos, que entusiasmados por
essa franqueza de falar, sentiram chegar a ocasião de um estudo
consciencioso e aproveitável. Daí por diante, às duas horas da tarde,
debaixo dos raios de um sol inclemente, sol de tontear passarinhos e rachar
o tronco das árvores, andava o grupo de futuros artistas pelo alto das
montanhas, pelas praias, pelos arredores da cidade, a estudar paisagem,
segundo processo novo, porque na Academia lhes ensinavam a copiar
quadros e a preparar palhetas. (DUQUE, 1995, p. 194).
Da mesma forma, Maciel Levy salienta:
Na vetusta Academia Imperial a aula de Georg Grimm passou a ser o centro
de compensação das frustrações geradas pelo imobilismo dos processos de
ensino então adotados. O mestre alemão professava a mais ampla
admiração pela natureza e agora, sob o sol e a luminosidade tropicais,
encontrava o melhor ambiente para entregar-se a seu espírito andarilho e
aventureiro. Todas as localidades, próximas ou distantes, passam a ser
objeto do interesse do professor e dos seus alunos. (LEVY, 1980, p. 35).
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Grimm era considerado um mestre competente e severo, que fazia os seus
alunos trabalharem sem descanso. Porém, despertaria rapidamente em seus alunos
a simpatia e o entusiasmo. Com suas atitudes, acabou por estimular os seus
discípulos a produzirem suas pinturas inteiramente ao ar livre. Entretanto, Grimm
não se adaptou ao sistema da Academia e, em 1884, se retira levando consigo um
grupo de alunos com os quais passou a trabalhar em Niterói esse grupo ficaria
conhecido como ―grupo Grimm‖. Sobre as iniciativas de Grimm, Gonzaga Duque
comenta: ―Duas coisas que, no Rio de Janeiro, ninguém conseguiu fazer e Jorge
Grimm alcançou realizá-las: reunir em exposição cento e cinco [sic] quadros e fundar
escola!‖ (DUQUE, 1995, p. 193).
No entanto, Cybele Vidal Neto Fernandes (2001, p. 182) argumenta que
apesar da importância da passagem de Grimm pela Academia no que se refere ao
seu trabalho com os alunos frente à natureza os seus ensinamentos não criaram
profundas raízes, uma vez que o tempo que ele atuou como regente da disciplina
teria sido insuficiente. As mudanças profundas e significativas na pintura de
paisagem, dentro do sistema acadêmico, seriam levadas a cabo por João Zeferino
da Costa, que regeu o ensino de paisagem nos anos de 1885, 1888 e 1889.
João Zeferino da Costa nasceu no Rio de Janeiro, em 1840. Em 1857,
matricula-se na Academia Imperial de Belas Artes, onde permaneceria por onze
anos e conquistaria sucessivas menções honrosas, medalhas e o cobiçado Prêmio
de Viagem. Zeferino da Costa fora aluno de Vitor Meireles e em sua estadia na
Europa, por conta do Prêmio de Viagem, frequentou a Academia de São Lucas, em
Roma, onde se destacou e conquistou, por duas vezes, o primeiro lugar em pintura
no concurso de final de ano. No primeiro prêmio, em 1871, apresentou uma pintura
no gênero histórico e, no segundo, em 1872, um estudo do natural. Como professor
da Academia Imperial de Belas Artes, Zeferino da Costa guia-se pela seriedade,
exigindo dos seus alunos o máximo de rendimento possível e propõe medidas
eficazes para tornar suas aulas plenamente equipadas. Adotou uma atitude
renovada em suas orientações, encaminhando seus alunos para a pintura do natural
(KELLY, 1979, p. 554, 1 v). Para aplicar seus métodos nas aulas de paisagem,
Zeferino da Costa solicitou à Congregação permissão para trabalhar com horário
livre, pois acreditava que para a formação de um pintor paisagista seria
imprescindível o treinamento nas diversas horas do dia. Dessa forma, argumentou:
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O horário desta aula que tem sido marcado oficialmente, nos anos
anteriores, impróprio como é, não pode vigorar. O paisagista deve variar o
mais possível seus estudos, aproveitando os diferentes efeitos da natureza,
desde o nascer até o ocaso do sol; conforme procedi no p. passado ano
guiando os alunos desta aula nos seus estudos e com que obtiveram eles
incontestáveis progressos, relativamente ao estado de atraso em que antes
se achavam. (COSTA, 1888 apud GALVÃO, 1993, p.120).
O projeto de Zeferino da Costa de empregar recursos mais modernos para o
ensino da pintura de paisagem enfrentou enormes dificuldades no sistema
acadêmico, mas a principal barreira foi a falta de condições materiais para o correto
desempenho de suas atividades docentes. Em diversos relatórios e ofícios
apresentados por ele à Congregação durante o ano de 1887, comentava essas
dificuldades e solicitava recursos para o desenvolvimento das aulas. A realização
dos estudos e de obras diretamente ao ar livre era considerada por ele ―como o
único caminho para o paisagista moderno‖, e, nesse sentido, não mediu esforços
para conseguir que o governo destinasse mais verbas à Academia, pois, para o
estudo da pintura de paisagem, era necessário o deslocamento de seus alunos a
locais afastados da Academia motivo pelo qual solicitou passes de bonde e
quantidade adequada de material de pintura que, muitas vezes, era insuficiente, até
porque havia um bom número de alunos matriculados que não podia arcar com
esses custos.
Zeferino da Costa, de fato, considerava a aula de paisagem extremamente
importante, uma vez que acreditava ser ela uma fonte de conhecimento para o
crescimento do ser humano, pois as lições seriam retiradas diretamente da natureza
(FERNANDES, 2001, p. 183 e passim). Cabe ressaltar sua luta para que suas aulas
pudessem incrementar as artes no país:
Cresce mais notar que, esta aula sendo uma das aulas superiores da
Academia, aquela que, talvez, mais do que a de Pintura histórica ensina a
pintar, atento os recursos que nos prodigaliza a natureza (melhor mestre do
artista), sempre pronta a servir-nos em seus variados e diferentes acidentes,
tendo um horário livre, provirá por certo, em favor do incremento das artes
no país; visto como, maior número de alunos poderá matricular-se nesta
aula, aproveitando as horas que não compliquem os estudos de outras
aulas, cujo horário for obrigado. (COSTA, 1888 apud GALVÃO, 1993, p.
120).
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Os problemas e percalços que encontrou para o provimento de suas aulas,
contudo, não seriam de todo resolvidos e, em relatório de final de ano, Zeferino da
Costa desabafou:
De que serve todo esse material generosamente concedido aos alunos, se
por falta de outros meios, os de condução aos diferentes arredores
da Cidade não puderam eles regularmente comparecer aos lugares
por mim designados para executarem os estudos?
Quero crer que para uma parte dos alunos não seja esta a causa capital da
pouca assiduidade ao estudo: a causa principal para esta parte de alunos
provem da deficiência do regulamento, não podendo ser contestado que
para outra parte dos mesmos alunos, a razão cooperativa para o não
comparecimento ao trabalho no campo é a absoluta falta de meios.
Assim é que, dos 20 alunos matriculados neste ano, na aula de Paisagem,
[...] se tivessem procedido com rigor, segundo os estatutos, apenas um
aluno, [...] teria o direito de ser admitido à última prova; pois foi o único que
frequentou com assiduidade. (COSTA, 1888 apud GALVÃO, 1993, p. 132,
grifo do autor).
Ele, porém, não desanima e mais adiante comentaria: ―Concluindo, direi que,
em geral, a aula de Paisagem neste ano foi ainda mais infeliz do que no ano
passado‖ (Idem, p. 133). Observando os ofícios, cartas e relatórios trocados entre a
Congregação e Zeferino da Costa, percebe-se o seu grande interesse e esforço para
a profícua realização do seu trabalho como professor da cadeira de paisagem.
Nesse contexto do ensino da arte na Academia, e, mesmo com todas as
dificuldades enfrentadas para o desenvolvimento pleno da pintura de paisagem,
muitos seriam os artistas a se dedicarem à pintura paisagística desde o início do
século XIX. Alguns exemplos, se acredita, merecem comentários.
Jean-Baptiste Debret fora especialista em pintura histórica e ao chegar ao Rio
de Janeiro possui considerável fama em seu meio. Fora discípulo de seu primo
Jacques-Louis David, mestre da pintura neoclássica e logo ao chegar à cidade do
Rio de Janeiro, passa a desenvolver intensa atividade retratando membros da
Família Real e acontecimentos que enalteciam os feitos da Corte Portuguesa.
Para muitos críticos, suas telas de temas históricos produzidas no Brasil não
possuem maior relevância, tendo em vista o seu vasto trabalho documentando os
hábitos e costumes da sociedade carioca, onde se revelou exímio observador. Toda
essa documentação fez parte de um projeto maior: Viagem pitoresca e histórica ao
Brasil, publicado quando o mesmo retornou à França.
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Segundo Pedro Corrêa do Lago, no seu livro Debret e o Brasil (2007, p. 56),
foi de suma importância o papel dos livros ilustrados de viajantes para a
disseminação da imagem do país no século XIX, e, igualmente, para a recuperação
da memória brasileira em nossos dias. Nesse sentido, ele afirma que a obra de
Debret é o melhor espelho que se dispõe do passado colonial.
Sobre os desenhos e aquarelas de Debret, o crítico Quirino Campofiorito
(1983, p. 42, 2 v.) destaca a sua aguda sensibilidade e grande capacidade de
observação. O crítico argumenta que, no desenho, Debret foi muito inspirado ao
registrar a vida da cidade longe dos ambientes oficiais. Anteriormente, Myriam Ellis,
na introdução da reedição de Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, destacou que
ao retratar os tipos e costumes populares superou suas obras históricas:
Realmente, é no desenho e na aquarela de tonalidades mansas e
harmoniosas que Debret revela o seu grande gênio criador, seu domínio
técnico e a sua libertação das cores acentuadas e contrastantes. É quando
o pintor das aquarelas descritivas dos vegetais, de tipos e costumes
populares brasileiros, ao descobrir e penetrar um novo mundo, ultrapassa
em autenticidade, arte e beleza, o hierático pintor de História. (ELLIS, 1971,
p. 9).
Corroborando a mesma ideia, Sonia Gomes Pereira observa:
Essa parte da obra de Debret possui uma leveza e uma animação, que não
são só próprias do meio o desenho e a aquarela , mas revelam também
uma maior espontaneidade própria inclusive dos esboços. (PEREIRA,
2008, p. 22).
Surpreendentemente, apesar de Debret ser mais conhecido pelas imagens
que retratam o cotidiano dos habitantes da cidade, fez-se notável também nos seus
registros das paisagens cariocas, como, por exemplo, as aquarelas em que
representa a Cascata Grande da Tijuca (Ilustração 32).
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Ilustração 32. Debret, Cascata grande da Tijuca, c. 1818-1819. Aquarela.
Em 1755, no seio de uma família de artesãos, nasce, em Paris, Nicolas-
Antoine Taunay. Aos 13 anos de idade, passa a estudar pintura com grandes
artistas, sendo seu último mestre o pintor Francisco Casanova. Em 1784, parte para
a Itália como pensionista da Academia de França em Roma, usufruindo a estadia de
três anos. Ao chegar a Roma, depara-se com o sucesso de Jacques-Louis David,
mestre da escola neoclássica que impôs a supremacia dos temas históricos e a volta
da Antiguidade clássica. Com o neoclassicismo em voga, as habilidades de Taunay
não passariam desapercebidas.
As vivências nesse ambiente neoclássico marcado pelo predomínio da
razão sobre a emoção, do desenho sobre o colorido e da estaticidade sobre o
movimento aos poucos vão modificando a sua pintura. As paisagens associadas à
arquitetura clássica passam a conter maior nitidez dos contornos com linhas
geométricas precisas, o horizonte é ampliado e a luminosidade ganha tons
amarelados, refletindo-se em toda a tela. Voltando de Roma para Paris, Taunay
passa a pintar telas históricas de grandes dimensões, com temáticas que valorizam
os feitos napoleônicos. Porém, mesmo produzindo telas com temáticas históricas,
90
introduz a paisagem e, em alguns momentos, chega mesmo a destacá-las
(Ilustração 33).
Ilustração 33. Nicolas-Antoine Taunay, O exército francês
descendo o Saint-Bernard, 1800. Óleo sobre tela, 162 x 118 cm.
Musée National dês Châteaux de Versailles.
Chega ao Brasil em 1816, juntamente com o grupo de artistas da ―Missão‖, e
inicialmente é alojado em uma casa na Corte, mas, maravilhado com a paisagem do
Rio de Janeiro, adquire um terreno na Tijuca onde constrói sua casa próxima a uma
cascata. Começa a fazer longas caminhadas pelas florestas da cidade à procura de
novos pontos de vista, revelando, na captação da atmosfera da cidade, sua
sensibilidade romântica (PEREIRA, 200_, p. 48). A pintura Cascatinha da Tijuca é
um quadro emblemático da sua valorização da natureza:
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Não é simples coincidência que a fonte de água e a fonte de luz encontrem-
se, ao nascer do dia, na atmosfera poética criada pelas pinturas de Taunay.
A paisagem romântica nasce desse processo associativo, pelo qual os
estímulos da natureza são transformados simbolicamente em imagens de
origem da vida. (BELUZZO, 1999, p. 125, v. 3 apud PORTELLA, 2001).
Durante a sua permanência no Brasil, a natureza exuberante do Rio de
Janeiro ganha lugar cada vez mais privilegiado em suas telas, onde a grandiosidade
do neoclassicismo combinou com a grandiosidade do cenário tropical. ―Era a
novidade dos trópicos que se impunha: uma mata bem valia uma catedral, assim
como um riacho poderia corresponder a um belo monumento francês‖ (SCHWARCZ,
2008b, p. 19).
Taunay esforçou-se para traduzir a paisagem diversa com que se deparou. A
paisagem dos trópicos revelava-se completamente estranha e muito diferente de
suas telas inspiradas na Antiguidade romana. A vegetação, as luzes, os tipos e as
cores do Brasil se apresentavam fora do seu contexto cultural, nesse sentido,
procurou traduzir para suas telas neoclássicas a difícil luminosidade dos trópicos,
que não se deixava captar: ―[...] a natureza brasileira parecia pouco caber nas
palhetas de Nicolas-Antoine: o verde era forte demais; o céu, muito radiante; a luz do
sol, brilhante em excesso‖ (SCHWARCZ, 2008a, p. 19).
Em suas representações, releu o que viu, adaptando a paisagem brasileira ao
seu estilo, aos esquemas interpretativos e às convenções que possuía. Nesse
contexto, a sua pintura paisagística traduz o que desejou representar e não
exatamente o que observou. Como observa Gombrich:
O estilo, como veículo, cria uma atividade mental que leva o artista a
procurar na paisagem que o cerca os elementos que seja capaz de
reproduzir. A pintura é uma atividade, e o artista tende, conseqüentemente,
a ver o que pinta em vez de pintar o que vê. (GOMBRICH, 2007, p. 73).
Nesse mesmo sentido, afirma Anne Cauquelin: ―O homem está
permanentemente 'educando' seu modo de ver e de sentir e, nesse sentido, a
pintura de paisagem está submetida às convenções pictóricas e literárias, de certo
estado de cultura‖ (CAUQUELIN, 2007, p. 14).
A tela Entrada da baía e da cidade do Rio, a partir do terraço do convento de
Santo Antônio (Ilustração 34), nos remete a uma paisagem urbana ambientada na
cidade carioca que é, ao mesmo tempo, idealizada nas formas dos casarios que
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lembram as vilas italianas, mas, vale registrar, que as paisagens que Taunay produz
no Brasil, são mais precisas das que foram produzidas em Roma. Nessa tela
podemos perceber que os tons se tornaram mais claros, os verdes mais fortes e a
luminosidade brasileira percorrem toda a paisagem.
Ilustração 34. Nicolas-Antoine Taunay, Entrada da baía e da cidade do Rio, a partir do terraço do
convento de Santo Antônio, 1816. Óleo sobre tela, 45 x 56,5 cm. Museu Nacional de Belas Artes.
O que se pode perceber através das pinturas de Taunay, é que o artista
tentou traduzir ao máximo para suas telas, a cultura e paisagem tão diferente que
presenciou, e, ao voltar para França, em 1821, não consegue se livrar dessa
paisagem de cores o diversas que conhecera, expressando através de suas
pinturas a união de diferentes valores culturais (SCHWARCZ, 2008a, p. 289 e
passim).
Félix-Emile Taunay, filho e provavelmente discípulo de Nicolas-Antoine
Taunay, veio para o Brasil acompanhando o pai. Foi pintor e professor da cadeira de
Pintura de Paisagem da Academia Imperial de Belas Artes, sendo seu diretor em
1834. Aprendeu a observar a natureza pintando do natural. Sua pintura tem um
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caráter nacional colocando o ambiente como elemento de um processo histórico e
objeto de reflexão moral, e, nesse sentido, suas telas, na maioria das vezes,
contribuem para a divulgação de uma mensagem consciente do autor. A obra Vista
de um mato virgem que se está reduzindo a carvão (Ilustração 35), por exemplo,
apresenta como tema a destruição da natureza, narra um episódio que ocorrera na
Floresta da Tijuca, local que sua família habitava. Acabava, por fim, por tentar
educar por meio da pintura de paisagem. A tela divide-se em duas partes: de um
lado a natureza intocada, e de outro o desmatamento talvez uma crítica ao
desenvolvimento irresponsável. Sobre esse aspecto, Elaine Dias comenta:
Félix-Émile mostra no primeiro plano da pintura o sentido da obra. Não é
acaso que a imensa árvore se encontra já amparada pelos galhos estreitos,
como muletas naturais, desprovida da cor verdejante que ainda reside na
mata fechada, em estreito diálogo e contraposição à fumaça carvoeira do
lado oposto que, espiritualizada, junta-se às nuvens na estreita faixa de céu
azul. A mensagem de Félix-Émile é explícita, e sua escolha formal constitui
um ponto-chave a essa interpretação. (DIAS, 2008, p. 247).
Diferentemente do pai, Félix-Émile Taunay não idealiza suas paisagens. Suas
pinturas são concebidas como documento histórico, refletindo a realidade à sua
volta.
Ilustração 35. lix-Émile Taunay, Vista de um mato virgem que se está reduzindo a
carvão, c. 1843. Óleo sobre tela, 135 x 195 cm. Museu Nacional de Belas Artes.
94
Manuel de Araújo Porto-alegre (Ilustração 36) outro bom exemplo de artista
acadêmico que, no século XIX, se dedicou à pintura de paisagem nasce, em 1806,
em Rio Pardo no sul do país. Sendo um dos primeiros alunos da Academia Imperial
de Belas Artes, matriculando-se em 1827, torna-se discípulo de Debret. Em 1831,
viaja para a França acompanhando seu mestre e logo se matricula na École des
Beaux Arts, destacando-se no curso. Durante sua permanência em Paris, Porto-
alegre compartilha da companhia de várias celebridades ligadas ao meio cultural
(LEITE, 1988, p. 417). Regressa ao Brasil, em 1837, após sucessivas viagens à
Itália, Suíça, Bélgica e Inglaterra passando a exercer a atividade de professor da
Academia na cadeira de pintura histórica até a sua saída, em 1848. Retorna a
Academia, em 1854, agora na função de diretor.
Ilustração 36. Araújo Porto-alegre, Grande Cascata da Tijuca, 1833. Óleo sobre tela, 65 x 81,2 cm.
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Porto-alegre possuía um espírito versátil se enveredando por diversas áreas
ligadas à cultura: foi pintor, caricaturista, escritor, poeta, crítico de arte entre outras
coisas. Como pintor deixou poucos registros, se destacando mais como divulgador
cultural. Entretanto, fora reconhecido como um excelente professor de pintura, e,
como observou Luiz Roberto Lopes, um dos primeiros artistas da Academia a
levantar a questão sobre a real importância que a natureza exerce no meio artístico:
[...] foi um dos primeiros acadêmicos que questionou se não poderiam as
flores, plantas e frutos da terra inspirar o artista brasileiro. Mais ainda,
perguntou por que não poderiam ser as decorações e ornamentos dos
prédios ―grotestos [sic] e arabescos‖, como dizia – substituídos pelos
elementos da ―nossa natureza americana‖. (LOPES, 1995, p. 34).
Entre os anos de 1850 e 1854, realiza uma série de ensaios paisagísticos
com características românticas:
Devemos incluir as paisagens pintadas por Araújo Porto Alegre, [...] em um
surto romântico, que se externou também em certos esboços de florestas,
feitos em álbuns ou isoladamente a crayon... (BARATA, 1983, p. 405).
Augusto Müller nasceu em Baden, na Alemanha, chegando ao Rio de Janeiro
ainda criança. Em 1829, ingressa na Academia, tornando-se aluno de Debret e, dois
anos depois, recebe a medalha de paisagem. Aos vinte anos de idade, é nomeado
na Academia como professor da cadeira de paisagem, cargo que exerceria entre os
anos de 1835 a 1860. Dedicou-se a pintura de paisagem, histórica e retratos.
Todavia, é na pintura paisagística que se destaca por seu colorido brilhante e
execução segura (LEITE, 1979, p. 476, 1v.). As obras de Augusto Müller assumiriam
um alto nível de sensibilidade e ele tornar-se-ia romântico:
A obra de Müller é bastante interessante e assumiu um nível de
sensibilidade vibrante que a tornou de certa maneira mais moderna, isto é,
romântica, menos convencional que a dos seus contemporâneos. (BARATA,
1983, p. 408).
Com esse espírito romântico, entre os anos de 1835 e 1840, pinta os bairros
do Catete e Flamengo e a Baía de Guanabara, retratando sensíveis paisagens.
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Agostinho José da Mota (Ilustração 37) nasce no Rio de Janeiro em 1824.
Matricula-se na Academia Imperial de Belas Artes em 1837, onde conquistaria o
Prêmio de Viagem à Europa, no ano de 1850, tornando-se o primeiro pintor
paisagista a obter o prêmio. Em Roma, foi discípulo do pintor paisagista francês
Jean-Achille Benouville. Retorna ao Brasil, em 1859, e torna-se professor da
Academia, inicialmente da cadeira de desenho, e no ano seguinte da cadeira de
paisagem. Conquistou, por várias vezes, prêmios nas Exposições Gerais e é
considerado por muitos um excelente mestre da pintura de paisagem e natureza-
morta (LEITE, 1988, p. 335):
Na paisagem e em natureza morta (flores e frutos) Agostinho da Motta o
tem com quem possa sofrer confronto, posto que não tivesse um toque
vigoroso e seguro, um estilo terso e nobre. O temperamento de Motta não
lhe permitiu ser criador e arrojado, mas brando, manso, e delicado, e, por
isso, a feição mais tenra e suavemente poética que existia na natureza
brasileira, ele apanhou e traduziu como ninguém ainda, até em nossos dias,
a tem compreendido e interpretado com maior saber e igual talento.
(DUQUE, 1995, p. 131).
Ilustração 37. Agostinho José da Mota, Fábrica do Barão de Capanema, 1862. Óleo sobre tela, 52 x
35 cm. Museu Nacional de Belas Artes.
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Vitor Meireles de Lima nasce em Desterro, atual Florianópolis, em 1832. No
ano de 1847, matricula-se na Academia e torna-se aluno dos pintores José Correia
de Lima e Félix-Émile Taunay. Em 1852, conquista o Prêmio de Viagem e parte para
a Europa. Fixa-se primeiramente em Roma, estudando com os mestres Tommaso
Minardi e Nicolau Consoni e, em 1856, muda-se para a França onde passa a ser
discípulo de Leon Cogniet e, logo em seguida, de Andrea Gastaldi. Volta para o
Brasil somente em 1861 e é nomeado professor da Academia, onde lecionaria até
1890 (LEITE, 1988, p. 533). Vítor Meireles de Lima trabalhou durante um longo
período com temas bíblicos, mitológicos, alegóricos e históricos alcançando grande
reconhecimento nessas categorias de pintura, mas, no final de sua vida, passa a se
dedicar à pintura de paisagens e panoramas. Seu primeiro panorama circular-
giratório do Rio de Janeiro é iniciado em 1885, composto por seis segmentos:
Entrada da Barra do Rio de Janeiro, Morro do Castelo (Ilustração 38), Morro de
Santo Antonio e Ilha das Cobras, Morro de Santo Antonio e Largo do Rocio, e Morro
do Corcovado e Tijuca.
Ilustração 38. Vitor Meireles, Estudo para o panorama do Rio de Janeiro.
Morro do Castelo, 1885. Óleo sobre tela, 100 x 100 cm. Museu Nacional
de Belas Artes.
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Para execução desse projeto cria uma empresa de panoramas juntamente
com o pintor belga Henri Langerock os esboços são realizados no Rio de Janeiro e
a enorme tela na Bélgica. O panorama seria exibido em Bruxelas, Paris e Rio de
Janeiro. Lamentavelmente, contudo, o panorama não mais existe e restaram
somente seis estudos (COLI; XEXÉO, 2004, p. 59). Sobre a sua forma de retratar a
natureza, Gonzaga Duque observa:
O característico mais importante na individualidade de Vitor Meireles é o
sentimento poético, embora convencional, com que ele interpreta a
natureza. A perspectiva aérea constitui um segredo seu. Os raios dourados
do sol poente enchem os seus quadros de uma suave melancolia,
espiritualizam as longínquas matas onde sempre figuram os dois coqueiros
gêmeos e a copa opulenta das massarandubas enastradas de parasitárias.
É aí que o pintor tem a sua alma. (DUQUE, 1995, p. 179).
Em meados do século XIX, a pintura de paisagem ganharia um novo impulso
e um novo enfoque ―[...] no qual a própria natureza deveria ser a fonte de inspiração‖
(MARTINS, 2001, p. 136). Na década de 1880, contudo, é que a pintura paisagística
brasileira sofreria uma verdadeira revolução com a formação do grupo Grimm,
quando pintores paisagistas passariam a receber aulas ao ar livre, ministradas pelo
pintor alemão George Grimm, conforme se afirmou anteriormente. Dentre seus
alunos descacam-se Antônio Parreiras, Hipólito Caron, Garcia y Vásques e Giovanni
Battista Castagneto.
Nascido em Niterói em 1860, Antônio Parreiras (Ilustração 39) frequenta, a
partir de 1878, a aula de desenho do curso noturno da Academia Imperial de Belas
Artes, como aluno livre e, no início de 1883, torna-se aluno de Grimm. Em meados
de 1884, acompanhando seu mestre, afasta-se da Academia. Quatro anos mais
tarde, buscando aperfeiçoar-se, seguiria para a Europa e se tornaria aluno de Filippo
Carcano. Nesse estágio de sua formação, perde o entusiasmo pela cópia fiel da
natureza conforme preconizava Grimm. Teixeira Leite comenta que, em certo dia, no
período do inverno, quando Parreiras praticava a sua pintura ao ar livre, percebeu
ser impossível reproduzir minuciosamente as infinidades de formas que se
modificavam na neblina e, esquecendo de todos os ensinamentos dos mestres,
começa a se entregar inteiramente à pintura, guiando-se não mais pela observação,
mas pelo seu instinto:
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Quanto tempo se passou não sei. A tela estava literalmente cheia. Borrão
informe, áspero, pastoso, rugoso de perto. De longe, porém, tudo se
envolvia em tinta cinzenta, bastante transparente para, através dela, se
sentir vibrando o tom local. Tudo em redor de mim se apagava dentro de um
ambiente vaporoso... Tudo sem contornos... apenas massas‖. Então vi na
minha tela a visão daquela natureza. Desde este dia, deixei de copiar para
interpretar; e, para sempre, me separei de Grimm... (PARREIRAS apud
LEITE, 1988, p. 386).
Assim, como observa Campofiorito:
Pouco a pouco, fazendo-se independente das limitações contidas no ensino
de Grimm, fruto do rigoroso naturalismo que o fazia por demais objetivo ante
as sugestões da natureza, Antônio Parreiras desembaraça mais e mais
seus pincéis e enriquece suas tintas, tornando-se um admirável paisagista.
(CAMPOFIORITO, 1983, p. 47, 4 v).
Ilustração 39. Antônio Parreiras, Tormenta, 1905. Óleo sobre tela, 80,5 x 150 cm.
Os críticos da época destacaram essa transformação na palheta de Antônio
Parreiras: enquanto seguia literalmente os ensinamentos de Grimm suas telas eram
marcadas pelas cores ―mornas‖, ―pálidas‖, pelos aspectos tristonhos da natureza, ao
passo que, ao se ―libertar‖ das amarras tecidas pelas convenções acadêmicas do
mestre, sua percepção para as cores, próprias da natureza brasileira, começaram a
transparecer nas suas pinturas conduzindo-o a um estilo próprio: ―ultimamente a sua
maneira de pintar de nenhum modo recorda a maneira do professor. Vai tendo a sua
100
maneira própria, o seu estilo‖ (DUQUE, 1995, p. 198). Esse processo de
distanciamento do mestre igualmente ocorreu com Castagneto.
Giovanni Battista Castagneto (Ilustração 40) nasce em Gênova, Itália, em
1851. Chega ao Rio de Janeiro em 1874, e, quatro anos mais tarde, ingressa na
Academia Imperial onde estudaria até o final de 1884, quando se retira
acompanhando seu mestre Grimm, no mesmo ano em que participara da Exposição
Geral de Belas Artes e recebera a medalha de ouro. No período em que Castagneto
permaneceu com o mestre, sua composição pictórica é rigorosamente organizada,
influência clara do mestre Grimm. Nesse sentido, vale registrar que no período em
que alguns artistas acompanharam os ensinamentos de Grimm, suas obras pouco
se distinguiam das do mestre. Mas, assim como Parreiras, Castagneto desenvolveria
um estilo próprio. No final da cada de 1880, pode-se verificar uma transformação
significativa na sua pintura (LEVY, 1980, p. 47). Angela Ancora da Luz observa que:
Anuncia-se em Castagneto que a modernidade é possível. Sua fatura larga,
deixando a tinta se sentir em sua materialidade, nos revela a liberdade da
mão que iniciou o processo de emancipação da regra e da norma. (LUZ,
2005, p. 180).
Ilustração 40. Giovanni Battista Castagneto, Porto do Rio de Janeiro, 1884. Óleo sobre tela, 54,07 x
94 cm. Museu Nacional de Belas Artes.
101
Em 1890, Castagneto embarca por conta própria para a França onde receberia
aulas do marinhista Frédéric Motenard que, por sua vez, o apresentaria a François
Nardi. Seus críticos afirmam que, nessa época, o pintor evolui muito em termos
técnicos, todavia sua espontaneidade seria sufocada demonstrando sua
insegurança. Em 1893, Castagneto retorna ao Rio de Janeiro e participa do primeiro
Salão Nacional de Belas Artes e, alguns anos mais tarde, realizaria algumas
exposições, contudo sua saúde começa a declinar e com ela sua produção artística.
A justa fama que adquiriu como marinhista, por certo, perduraria:
Revelar-seum pintor marinhista de excepcional capacidade, a que junta
uma forte personalidade. Irresistível boêmio, deverá marcar sua obra com
traços que muito a particularizam na pintura brasileira, dada a
despreocupação com que trabalhava, e de que são exemplos típicos os
suportes improvisados, as célebres tabuinhas de tampa de caixa de charuto,
sobre as quais realizou preciosa seqüência de pequenos quadros com
técnica espontânea e surpreendente sensibilidade de cor e de matéria
pictórica. (CAMPOFIORITO, 1983, p. 74, 4 v).
As suas pinturas de paisagem marítimas são verdadeiras representações
emocionadas da natureza. Por meio do seu pincel, a poesia do mar com suas
ondas golpeando os rochedos, ou, simplesmente o borbulhar no encontro com a
areia traduzem-se em valiosas apreensões paisagísticas:
Como artista ele sente, por uma maneira originalíssima, maneira de que
ele possui o segredo, todos os enlevos, toda a poesia das vagas. A voz
tormentosa das águas, o doudo soluçar das ondas, as ciclópicas lutas do
oceano, vibram dentro dele estranhas cordas sonoras de um
sentimentalismo que a mais ninguém a natureza deu. E como o mar, a sua
pintura é forte e é doce, é rápida e é vagarosa, tem asperezas e tem
carícias, parece transparente e parece compacta, brilha e se entenebrece.
(DUQUE, 1995, p. 198).
A partir das iniciativas do Grupo Grimm, a pintura paisagística do final do
século XIX e início do século XX passaria a não mais se limitar a retratar somente o
que viam na natureza. Com eles, os críticos e o público passam a exigir dos
pintores: ―a capacidade de transmitir ‗o característico‘ da paisagem brasileira,
sobretudo suas cores e a capacidade de transmitir sua própria emoção diante da
natureza, e, por conseguinte emocionar o público‖ (CAVALCANTI, 2008, p. 337).
Nesse sentido, João Batista da Costa, Eliseu Visconti, Belmiro de Almeida, entre
outros, contribuiriam decisivamente para essa nova e moderna concepção da
percepção paisagística.
102
É importante observar que a pintura de paisagem no Rio de Janeiro não ficou
restrita aos pintores da Academia, e, como dito anteriormente, muitos artistas
viajantes percorreram a costa carioca no intuito de registrarem os aspectos da
natureza tropical de nosso litoral. Nesse sentido, se a cidade não oferecia uma
impressão agradável da sua malha urbana, a paisagem passa a ser, desde a
chegada da Corte, o cartão de visita e ao mesmo tempo uma espécie de elemento
de propaganda para atrair novos viajantes, que, a partir desse momento, poderiam
estudar, pesquisar e conhecer a nossa natureza. Na verdade, muitos artistas
viajantes que aqui chegaram, associaram a nossa paisagem ao jardim do Éden,
fazendo referência à Arcádia, ao Paraíso, aos Campos Elíseos, à Atlanta... As
representações pictóricas, tanto de vistas costeiras quanto dos jardins cultivados do
Rio de Janeiro ajudaram a construir uma imagem do nosso país ―como terra
civilizada, onde o visitante poderia ter expectativa de uma vida prazerosa e próspera
(MANTHORNE, 1996 p. 62 e passim). Como bem observa Carlos Gonçalves Terra:
[...] a transferência de uma corte européia para fez com que nascesse
uma nova sensibilidade em relação à paisagem e uma nova maneira de
pensar a natureza no contexto urbano, já que a cidade possuía um grande
jardim ―natural‖ ao seu redor. (TERRA, 2004, p. 80).
A paisagem do Rio de Janeiro apresenta-se aos pintores viajantes como uma
inigualável oportunidade de exercerem suas habilidades artísticas, pois, na Europa,
os artistas paisagistas desconsideravam os aspectos urbanos, precisando se retirar
para o meio rural, no Rio de Janeiro ―puderam perceber que a cidade era capaz de
oferecer uma visão paisagística propriamente pitoresca, tal qual uma pintura
romântica‖ (ANDRADE, 2002, p. 46). Variados são os exemplos.
Thomas Ender (1793-1875), pintor austríaco, especializou-se na pintura de
paisagem estudando na Academia de Belas Artes da Áustria. Chega ao Rio de
Janeiro, em 1817, acompanhando a comitiva da Arquiduquesa Leopoldina, filha do
Imperador Francisco I, que logo se tornaria a Imperatriz do Brasil. Juntamente com a
Princesa Leopoldina seria enviada ao Brasil uma expedição com o objetivo de
recolher espécies da flora e fauna, assim como objetos curiosos dos povos que
viviam no interior do país. Nesse sentido, Ender fora encarregado pelo Imperador da
Áustria de pintar as paisagens brasileiras:
103
Naquele ano foi enviada uma expedição científica para o Brasil, por ocasião
do casamento da Princesa Leopoldina com Dom Pedro. Juntamente com a
expedição deveria ser enviado também um pintor. Como sempre senti no
meu íntimo um imenso desejo de viajar, nada poderia me deixar mais feliz
do que uma viagem como aquela. (ENDER apud KAISER, 2007, p. 30).
Durante o tempo em que permaneceu no Brasil aproximadamente dez
meses pintou incansavelmente a cidade do Rio de Janeiro e seus arredores
pitorescos: Palácio Imperial, aqueduto perto de Santa Teresa, Quinta da Boa Vista,
igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, Corcovado, Floresta da Tijuca, entre
outros (WAGNER, 2007, p. 37 e passim). Suas aquarelas são de extrema
sensibilidade, retratando a paisagem e os habitantes da cidade em traços elegantes,
finos e ágeis. Ender utiliza cores intensas, conseguindo demonstrar o domínio da
técnica da aquarela por meio da transparência e da luminosidade, em que a leveza e
a habilidade revelam a emoção da primeira impressão diante dos motivos escolhidos
(LEITE, 1988, p. 176).
Provavelmente, as impressões da paisagem capturadas por Ender foram
consequência dos ideais românticos existentes, desde o século XVIII, nos países
germânicos, que reconheciam a autonomia artística da imitação da natureza, e,
como ponto de partida, a paisagem. Pode-se estabelecer esse paralelo Ender e o
Romantismo em razão da valorização da paisagem ligada às sensações. A
sensibilidade da percepção paisagística, unindo a observação e o sentimento à
interpretação, é um atributo essencial para artistas germânicos como Ender e
Rugendas, por exemplo. No entanto, vale ressaltar, que os motivos paisagísticos são
obviamente selecionados pelos artistas, o que indica que pintar uma paisagem é um
constructo intelectual e, consequentemente, um arranjo artístico previamente
elaborado (ANDRADE, 2002, p. 42 e passim). Nesse sentido, Maria Pace Chiavari
observa:
Os pontos de vista escolhidos pelos artistas são significativos, assim como
as interpretações que cada um deu do mesmo tema, verdadeiras
declarações de sua proveniência, de sua escola e do impacto que o novo
mundo teve em sua imaginação. A paisagem se transforma no olhar de
cada artista. (CHIAVARI, 2000, p. 63).
104
Thomas Ender retratou incansavelmente vários recantos do Rio de Janeiro,
assim como os costumes e os habitantes da cidade. Retrata, em sua pintura, a Igreja
de Nossa Senhora da Glória do Outeiro (Ilustração 41), fez a escolha de representá-
la lateralmente, colocando-a em primeiro plano para destacar a sua arquitetura ao
mesmo tempo em que destaca a morfologia do Rio de Janeiro: o encontro do mar e
montanha. A vegetação é trabalhada de forma livre em sua aquarela; os traços
rápidos e simples mostram a essência da paisagem em consonância com a cidade
construída ao fundo.
Ilustração 41.Thomas Ender, Vista da Glória e da cidade do Rio de Janeiro, 1817-1818. Pena e sépia
sobre lápis, 272 x 433 cm.
A vista da Igreja da Glória, a propósito, foi retratada diversas vezes por muitos
artistas estrangeiros uma visão pitoresca da cidade, na qual a grandeza da
paisagem se identifica com a imponência da arquitetura. O citado pintor Nicolas-
Antoine Taunay, por exemplo, também a retratou (Ilustração 42) e, ao compará-la
com a pintura de Ender, percebe-se que Taunay evidencia a arquitetura monumental
da igreja que se sobressai à paisagem destacando-a contra a imensidão do céu. No
caso de Taunay, a composição é trabalhada dentro da visão neoclássica não se
comprometendo com a realidade. na obra de Ender, a igreja e a natureza estão
integradas: uma visão cientificista que busca apreender a realidade carioca. Dessa
105
forma, a pintura de Ender pode ser considerada menos idealista que a pintura de
Taunay.
Ilustração 42. Nicolas-Antoine Taunay, Vista da igreja da Glória, 1816-1821. Óleo sobre
tela, 50 x 65 cm. Coleção particular, São Paulo.
O mesmo tratamento dispensado por Ender às pinturas das paisagens do Rio
de Janeiro pode-se observar na obra Zona de Botafogo (Ilustração 43). Nessa vista,
a natureza emerge em toda parte e tanto a arquitetura quanto os poucos habitantes
registrados são envolvidos por ela, deixando transparecer uma harmonia entre o
urbano, o cultural e o natural. A vegetação é trabalhada com inúmeros detalhes,
demonstrando sua preocupação cientificista de retratar os aspectos mais
característicos da paisagem tropical, porém, ao mesmo tempo, Ender apresenta o
Rio de Janeiro numa perspectiva de permanente conformidade entre paisagem
natural e paisagem construída.
106
Ilustração 43. Thomas Ender, Zona de Botafogo, 1817-1818. Aquarela por cima de lápis, 250 x 402
mm.
Outro bom exemplo de artista que harmoniza a paisagem natural com a
construída pelo homem é Johann Moritz Rugendas. O pintor chega ao Rio de
Janeiro, em 1821, contratado como desenhista da expedição científica do barão
Georg Heinrich Langsdorff. Nascera em Augsburgo, na Baviera, em 1802, tendo
estudado em 1817 na Academia de Belas Artes de Munique. A expedição pelo Brasil
não ocorreria, contudo, de imediato, pois, na época de seu desembarque, a cidade
se encontrava em meio à agitação ligada aos fatos políticos que culminariam logo
adiante na Independência. Rugendas não ficaria quieto à espera do início da
expedição e logo passa a caminhar pela cidade registrando a paisagem e os
habitantes, e, em pouco tempo, executaria inúmeros esboços que seriam utilizados
em Viagem pitoresca através do Brasil, obra que havia planejado para ser
publicada quando regressasse à Europa (LEITE, 1988, p. 454).
O Brasil proporcionou-lhe várias vistas paisagísticas, ocupando-o por tempo
integral. Em seus estudos procurou reproduzir com a máxima fidelidade possível a
natureza tropical e, como muitos artistas estrangeiros, Rugendas adquiriu uma
profunda admiração pelos aspectos paisagísticos da cidade do Rio de Janeiro: u,
mar e montanha relacionando-se em sintonia. Em Vista do Rio de Janeiro tomada
dos arredores da igreja de Nossa Senhora da Glória (Ilustração 44), Rugendas
também registra a importância da Igreja da Glória na representação da cidade, no
107
entanto, diferentemente de Taunay e Ender, ele registra a vista da cidade ―tomada
da igreja‖ e o a ―vista da igreja‖ e, dessa forma, utiliza uma tomada de vista
diversa dos outros dois pintores.
A tela é banhada por um suave colorido, a vegetação, a arquitetura e os
transeuntes colocados no primeiro plano são ricamente trabalhados, e a disposição
desses elementos contribui para que se percorra visualmente a pintura até o ponto
mais longínquo da Serra dos Órgãos. Igualmente a Ender, Rugendas deixa
transparecer a interação entre paisagem, arquitetura e habitantes.
Ilustração 44. Johann Moritz Rugendas, Vista do Rio de Janeiro tomada dos arredores da igreja de
Nossa Senhora da Glória, 1826-1835. 30,5 x 41,5 cm.
O desejo de registrar documentalmente a natureza e os habitantes da cidade
pode ser identificado também na obra Vista da praia de Copacabana tomada do
morro do Leme no Rio de Janeiro (Ilustração 45), onde retrata detalhadamente a
vegetação e as figuras humanas no primeiro plano. A vista estende-se pelo litoral,
passando por pequenas construções de residências, chegando às formações
108
rochosas que se encontram com o mar. A luz banha a pintura por igual, utilizando
cores suaves sem muitos contrastes, no qual predominam o verde da vegetação e o
azul claro do céu e mar. Novamente, constata-se um diálogo entre natureza e
homem, pois, nas paisagens de Rugendas, a flora exuberante e o encontro do mar
com montanhas se destacam em meio às construções e ações humanas e, nesse
sentido, ele desconsidera qualquer conflito entre o natural e o social: tudo está em
perfeito equilíbrio.
Ilustração 45. Johann Moritz Rugendas, Vista da praia de Copacabana tomada do morro do Leme no
Rio de Janeiro, c.1826-1835, 30,5 x 41,5 cm.
Não apenas artistas estrangeiros pertencentes a expedições ou grupos
acadêmicos desembarcaram na capital do Império. Alguns viriam por conta própria
109
e, aqui, permaneceriam por um longo tempo, como é o caso de Abrahan Louis
Buvelot, Henri-Nicolas Vinet e Nicolau Antonio Facchinetti. A longa permanência
desses artistas abre a possibilidade para se avaliar as mudanças ocorridas em suas
paletas ao longo do tempo, ou seja, pode permitir aquilatar como o contato com uma
natureza e uma cultura diversa das suas origens influenciou suas paisagens.
O pintor suíço Abraham Louis Buvelot (1814-1888) aporta na cidade, em
1840, e vive no país por dezessete anos. Já, no ano de sua chegada, participa da
Exposição Geral com as obras Praia de Santa Luzia e Praia da Gamboa. Pintor de
inspiração voltada diretamente para a natureza, fez da beleza panorâmica e do
litoral brasileiro sua nova fonte de estímulo. Vários recantos urbanos foram motivo
para suas telas registrando intensamente as paisagens cariocas e participando
constantemente das Exposições Gerais. Segundo José Roberto Teixeira Leite,
Buvelot foi esplêndido paisagista, e as diversas paisagens que realizou no
Brasil distinguem-se sobremaneira entre as muitas executadas na primeira
metade do Oitocentos [sic] pelos artistas europeus de passagem pelo país.
(LEITE, 1988, p. 94).
Pode-se identificar em suas obras Saco da Gamboa, de 1840 (Ilustração 46),
e Vista da Gamboa, de 1852 (Ilustração 47), mudanças na atmosfera e no colorido.
Na primeira, vê-se um quase monocromatismo, com tons terras e amarelos opacos.
Na segunda, doze anos depois, a mesma vista apresenta cores vibrantes e
luminosas. Todavia, a disposição dos elementos paisagísticos na tela continua a
mesma. A luminosidade, apesar da mudança no colorido, não banha a pintura por
igual, o primeiro plano é trabalhado com tons mais escuros e conforme vai
distanciando a vista os tons vão clareando. O equilíbrio da composição também
permanece o mesma: o morro colocado do lado esquerdo da tela, as embarcações
dispostas na parte frontal, que, de certa maneira, preenche a pintura de uma ponta a
outra, e a vista que se distancia indo ao encontro das formações montanhosas ao
fundo.
110
Ilustração 46. Abraham Louis Buvelot, Saco da Gamboa, 1840. Óleo sobre tela colada sobre
madeira, 42 x 64,5 cm. Museu Imperial de Petrópolis.
Ilustração 47. Abraham Louis Buvelot. Vista da Gamboa, 1852. Óleo sobre tela, 39 x 47,2
cm. Museu Nacional de Belas Artes.
111
Apesar de ser possível identificar claramente nas telas de Buvelot uma
transformação intensa na sua forma de retratar as paisagens cariocas ao longo do
tempo, entende-se, contudo, que durante sua permanência em nossas terras suas
obras não sofreram mudanças contínuas, pois, embora tenha pintado algumas
paisagens onde se percebe cores e luminosidades mais aproximadas à realidade
brasileira, sua representação paisagística, na mesma década ou mais adiante,
novamente, volta-se para a sua convenção artística europeia como se pode
verificar nas pinturas Palmeira do Rio Comprido, de 1853 (Ilustração 48) e
Paisagem, Rio de Janeiro, de 1865 (Ilustração 49).
Ilustração 48. Louis Buvelot, Palmeiras do Rio Comprido, 1853. Aquarela sobre papel, 20 x 27 cm.
112
Ilustração 49. Louis Buvelot, Paisagem (Rio de Janeiro), 1865. Óleo sobre tela, 32 x 52 cm. Coleção
Fadel.
A mesma questão está presente na obra de Henri-Nicolas Vinet (1817-1876),
pintor francês, ex-aluno de Corot com quem aprendeu a tratar a paisagem
livremente e que chega ao Brasil em 1856. Sua pintura é romântica, feita do
natural, sendo um dos primeiros artistas a praticar no Brasil a pintura de plein air. As
paisagens do Rio de Janeiro foram por ele interpretadas com verdadeiro sentimento:
A quebrada solitária de um caminho, a taciturna quietude dos pântanos, as
sussurrantes fontes sombreadas pelas franças das trepadeiras em flor, os
velhos troncos carcomidos, abandonados sobre a margem dos córregos que
vão ladeando a terra úmida e escura onde crescem fartos tinhorões e
arrimam-se ninfeias de folhas espalmadas, todos esses sítios, onde quer
que houvesse um tom romântico e saudoso, foram, por ele, interpretados
com verdadeiro sentimento. (DUQUE, 1995, p. 136).
Nesse mesmo sentido, José Roberto Teixeira Leite comenta:
É provável, inclusive, que sua vinda para o Brasil se prendesse a alguma
necessidade íntima de entrar em contato com a natureza tropical do jovem
país, e de, ao mesmo tempo se subtrair ao ambiente artístico parisiense, tão
mais convencional. (LEITE, 1988, p. 527).
113
Em suas obras, é verdade, pode-se verificar uma transformação na forma de
retratar a paisagem carioca, como, por exemplo, nas telas em que retrata a
paisagem da Baía de Guanabara com um intervalo de dez anos, precisamente em
1858 e em 1868. Na primeira pintura, Vista da Baía de Guanabara entrada da
Barra (Ilustração 50), sua paleta obtém tons ―apagados‖, sombrios e opacos. Na
segunda, Entrada da Baía do Rio de Janeiro (Ilustração 51), as tonalidades tornam-
se mais claras, iluminadas e coloridas. Mesmo as duas obras sendo pintadas in loco,
observa-se nitidamente que, passados dez anos, seu olhar torna-se mais atento
para as questões da atmosfera tropical. Porém, as duas pinturas, mesmo com a
diferença na coloração, possuem tratamento composicional idêntico: primeiro plano
em tons escurecidos e representações extensas da vegetação, que com a colocação
de construções arquitetônicas ao longe e pontos mais iluminados, guiam o olhar
para o motivo principal a Baía de Guanabara.
Ilustração 50. Henri Nicolas Vinet, Vista da Baía de Guanabara, 1858. Óleo sobre tela, 46,5 x 61 cm.
Museu Castro Maya.
114
Ilustração 51. Henri Nicolas Vinet. Entrada da Baía do Rio de Janeiro, 1866-1868. Óleo sobre tela,
122 x 159 cm. Museu Imperial de Petrópolis.
Entretanto, não se pode afirmar que essa transformação pictórica se estende
a toda a sua obra, pelo contrário, essa mudança não se pode verificar no decorrer
dos anos em que reside no Rio de Janeiro. Numa observação mais atenta, pode-se
identificar constantemente o seu retorno aos procedimentos pictóricos de sua
formação artística, tal como ocorre com o pintor Buvelot. Duas obras produzidas por
Vinet podem atestar esse ―regresso‖: Vista da Enseada de Botafogo, 1868
(Ilustração 52) e Paisagem com Figuras, 1874 (Ilustração 53). Essas pinturas
apresentam a mesma tonalidade pálida da tela Vista da baía de Guanabara
entrada da Barra, todavia, a utilização das colorações europeias nessas obras não
indica um ―regresso‖ pictórico permanente, pois, em outras representações
paisagísticas, consegue imprimir as cores do Rio de Janeiro. Ao que parece, tanto
Vinet como Buvelot percorrem uma trajetória que se alterna entre o olhar estrangeiro
e o olhar de pertencimento.
115
Ilustração 52. Henri Nicolas Vinet, Vista da enseada de Botafogo, Rio de Janeiro,
1868. Óleo sobre tela, 68 x 100 cm. Coleção Fadel.
Ilustração 53. Henri Nicolas Vinet, Paisagem com
figuras, c. 1874. Óleo sobre tela, 33 x 23 cm. Coleção
Fadel.
116
Muitas características de Buvelot e Vinet, a utilização de tons mais escuros no
primeiro plano, por exemplo, também podem ser identificadas nas telas de Nicolau
Facchinetti artista de procedência italiana que chega ao Rio de Janeiro em 1849 e
que aqui reside por cinquenta anos. Crê-se que a análise das suas representações
paisagísticas, dos seus procedimentos, da sua formação, das influências sofridas,
em consonância ou dissonância com o ambiente cultural que ele encontra e vivencia
na cidade do Rio de Janeiro pode ser reveladora no que diz respeito à tensa
dialética ―olhar estrangeiro / olhar de pertencimento‖, conforme se verá no próximo
capítulo.
117
4 A PAISAGEM DO RIO DE JANEIRO NO OLHAR DE NICOLAU
FACCHINETTI
Luz do sol,
Que a folha traga e traduz
Em verde novo em folha, Em graça,
em vida, em força, em luz...
Céu azul
Que venha até onde os pés
Tocam na terra
E a terra inspira e exala seus
azuis...
Reza, reza o rio,
Córrego pra o rio,
O rio pro mar...
Reza a correnteza,
Roça a beira,
Doura a areia...
Marcha o homem sobre o chão
Leva no coração uma ferida acesa
Dono do sim e do não
Diante da visão da infinita beleza
Finda por ferir com a mão,
Essa delicadeza
A coisa mais querida,
A glória, da vida...
(Luz do Sol. Caetano Veloso)
Filho do pintor profissional Ângelo Facchinetto
26
e da artesã Catterina Moretti
Toffolo, nasce, em setembro de 1824, Nicolau Antonio Facchinetti no então reino
Lombardo-Veneziano, na Itália, precisamente na privilegiada cultural e
geograficamente província de Treviso. Regada por uma extensa bacia hidrográfica,
onde foram criados diversos canais atravessados por pontes, a cidade em muito
recorda a famosa cidade vizinha: Veneza. O centro histórico de Treviso possui
26
O sobrenome Facchinetto é o mesmo que Facchinetti. Na Itália era comum variar a última vogal e
até mesmo empregar o plural para combinar os sobrenomes com o gênero das pessoas ou para se
referir aos membros da família (CHIAVARI, 2004, p. 36).
118
praças com diversas edificações comerciais e institucionais, conventos, igrejas e
catedral ricamente decorados com retábulos e afrescos dos mais renomados artistas
da região do Vêneto o que afirma a grande importância do local no âmbito
comercial e cultural, uma vez que, desde o período romano, o intercâmbio no local
fora facilitado pelos vários canais navegáveis da região.
Pelo que se pode apurar, são poucas as fontes com informações disponíveis
sobre a vida desse pintor na Itália. No que diz respeito à sua formação artística,
alguns autores o citam como um pintor autodidata, o que parece pouco provável
até porque, como se afirmou, seu pai era um pintor profissional. Pelo contrário,
Donato Mello Júnior, em seu livro Facchinetti, de 1982, afirma que Facchinetti teve
formação artística: ele teria estudado durante três anos em Veneza (MELLO
JÚNIOR, 1982, p. 6).
Essa afirmativa é corroborada por Maria Pace Chiavari, que realizou uma
ampla pesquisa sobre a vida do pintor em sua terra natal. Segundo a autora,
Facchinetti aparece nas atas da distribuição dos prêmios da Imperiale Regia
Academia di Belle Arti de Veneza, no ano de 1842, recebendo o primeiro prêmio por
―cópia de gravura‖, disciplina que fazia parte do domínio da ―Escola de Elementos‖.
Maria Pace Chiavari ainda observa que nas atas da Academia o artista é nomeado
como Nicolò Facchinetti di Bassano, denominação derivada da província de Bassano
Del Grapa, localizada a 50 km de distância de Treviso e, onde, desde 1810,
funcionava uma escola de desenho. Também na cidade de Bassano funcionava a
oficina de gravuras Remondini, muito conhecida desde o final do século XVIII em
toda a Europa talvez o trabalho de Facchinetti tenha sido influenciado pelo contato
direto com a oficina. Vale ressaltar que a Academia de Veneza selecionava os
melhores trabalhos dos alunos oriundos da região Vêneta, concedendo prêmios aos
que se destacavam em cada disciplina (CHIAVARI, 2004, p. 38).
Ainda segundo Maria Pace Chiaviari, o nome de Facchinetti é mencionado
novamente nas atas da Academia de Veneza, em 1843, recebendo o prêmio como
terceiro colocado ―pela invenção mobiliária‖, gênero referente à Escola de
Ornamentos. Era de praxe que os alunos da Escola de Desenho de Bassano
119
prosseguissem seus estudos na Academia de Veneza, e deste modo é provável que
Nicolau Facchinetti tenha seguido a mesma tradição
27
.
Se Nicolau Facchinetti vinha se destacando como artista em sua terra natal, o
que o teria levado a se expatriar e embarcar rumo ao Brasil? Alguns autores
defendem a ideia de que o fato teria se dado por motivações políticas, como
ressalta, por exemplo, o crítico Gonzaga Duque:
Havia muitos anos que ele aqui chegara. Foi em 1850 [sic]. Causas
políticas, abraçadas com exaltamento partidário, obrigaram-no a deixar as
terras da Itália e procurar, noutro continente, um canto de país hospedeiro,
sossegado e simples, onde vivesse seu longo tempo de exílio. E, um dia,
Nicolau Facchinetti entrou nesta cidade, talvez a convite de algum
compatriota exul [sic], talvez guiado por sua boa estrela [...]. (DUQUE, 1997,
p. 47).
De fato, a situação política italiana era muito instável desde 1814, quando o
Congresso de Viena impôs a divisão da região em pequenos estados. Treviso, terra
natal de Facchinetti, pertencia ao reino Lombardo-Veneziano e era governado
diretamente pela Áustria. A oeste ficava o reino Piemonte-Sardenha que era o único
governado por uma dinastia italiana, a Casa di Savoia, e igualmente o único fora da
influência austríaca
28
. Na década de 1840, existia em toda região da Itália
movimentos que lutavam pela unificação do país, dentre os quais se destacavam
três tendências: os neoguelfistas, que defendiam a formação de uma confederação
de estados sob a direção superior do papa; os monarquistas constitucionais que
lutavam por um estado único governado pela Casa di Savoia; e os republicanos que
pretendiam estabelecer uma República Democrática: o país era um verdadeiro ―barril
de pólvora‖ e, mais cedo ou mais tarde, conflitos ocorreriam, bastava uma centelha.
A centelha veio em 1848, ano da denominada ―Primavera dos Povos‖, quando
uma onda revolucionária liberal se inicia na França e atinge quase todos os estados
italianos, mas ali adquire um caráter fortemente nacionalista. O rei Carlos Alberto do
Piemonte-Sardenha convicto da necessidade de expulsar os austríacos da
27
Maria Pace Chiavari argumenta que na época de sua pesquisa os arquivos da Academia não se
encontravam disponíveis para consulta, e dessa forma, não foi possível adquirir dados mais
precisos.
28
Havia ainda, sob forte influência austríaca, o reino das Duas Sicílias (governado pela Dinastia dos
Bourbon), os estados Pontifícios (governados pelo papa) e os ducados de Parma, Módena e
Toscana (governados por duques indicados pela Áustria).
120
Lombardia-Veneza se aproveita do momento e declara guerra à Áustria, porém,
como observa Eric Hobsbawn:
Graças à fraqueza militar dos Estados italianos, à hesitação do Piemonte e,
talvez acima de tudo, à recusa em apelar para os franceses (que
fortaleceriam, acreditava-se, a causa republicana), eles foram duramente
derrotados pelo reagrupado exército austríaco. (HOBSBAWN, 1996, p. 38).
A derrota desacreditou os moderados e os radicais (os republicanos) tomaram
o poder em diversos estados italianos, porém, mais uma vez, o exército austríaco
reage firmemente e apenas Veneza se mantém independente sob o governo de
Daniele Manin, mas sitiada pelas forças austríacas. Em toda região do Vêneto,
numerosos voluntários se alistam para defender Veneza e dentre eles, como
especula Maria Pace Chiavari, talvez estivesse o pintor Nicolau Facchinetti
(CHIAVARI, 2004, p. 38). Contudo, apesar do entusiasmo do povo do Vêneto a
resistência da República, em agosto de 1849, cede e a Áustria restaura o antigo
regime.
Nesse contexto de intensas e violentas disputas políticas, parece ser bastante
plausível que Nicolau Facchinetti tenha enfrentado problemas políticos e resolvido se
autoexilar no Brasil. Mas, por que no Brasil?
Donato Mello Júnior lembra a existência de um importante músico no Recife,
na década de 1840, chamado José Facchinetti, mas, como ele mesmo admite, não
existem indícios de seu parentesco com o pintor (MELLO JÚNIOR, 1982, p. 6) e,
além disso, o sobrenome Facchinetti é comum em diversas regiões da Itália. Todas
as biografias de Facchinetti não conseguem definir com clareza as motivações que o
levaram a optar pelo Brasil, porém, vale destacar, que, naquele momento, o Brasil
gozava de uma imagem atraente e acolhedora na Itália:
Na Itália falava-se muito do Brasil, meta dos refugiados políticos, mas
também país em expansão com possibilidades de trabalho e riqueza. A
presença de uma imperatriz italiana, Maria Tereza Cristina dos Bourbon de
Nápoles e os interesses culturais do imperador Pedro II, apaixonado pela
Itália, faziam da cidade do Rio de Janeiro, tão elogiada pela sua beleza
natural, uma meta ideal. Os artistas sabiam que podiam contar com a
Academia Imperial de Belas Artes e os seus numerosos teatros, onde as
companhias líricas e teatrais italianas exibiam-se com grande sucesso.
(CHIAVARI, 2004, p. 42).
121
O certo é que Nicolau Antonio Facchinetti chega ao Rio de Janeiro em 16 de
novembro de 1849
29
. Mesmo não havendo nenhum documento histórico que o
comprove, é razoável supor que o pintor, ao chegar ao Rio de Janeiro, já dispusesse
de alguns importantes contatos na cidade, pois como explicar sua participação,
apresentando um retrato, na X Exposição Geral de Belas Artes inaugurada em 08 de
dezembro
30
do mesmo ano? Como explicar que no Almanaque Laemmert
31
, o meio
de divulgação por excelência de todas as atividades econômicas e comerciais da
cidade, publicado em 15 de janeiro de 1850, conste o seu nome como pintor
retratista? A existência de contatos junto à elite carioca explicaria essa meteórica
inserção de um jovem artista estrangeiro na sociedade carioca, a porque o
mercado artístico no Rio de Janeiro era bastante limitado.
O casal Agassiz, que esteve no Rio de Janeiro em 1865, observou que nas
casas brasileiras dificilmente se encontravam quadros ou livros e, por isso,
afirmaram peremptoriamente que ―as artes são muito desprezadas no Brasil e é
medíocre o interesse que despertam‖ (AGASSIZ, 2000, p. 435). Francisco
Acquarone, analisando as artes plásticas em meados do século XIX, afirma que a
profissão de artista não era tida como das mais honrosas, a ponto dos artistas, ao se
anunciarem no ―Jornal do Comércio‖ ou no ―Diário Mercantil‖, ocultarem seus nomes.
O autor cita alguns exemplos contundentes:
Pintor, retratista, recém chegado ao Rio de Janeiro, se encarrega de tirar
fielmente retratos em miniatura, a óleo e pastel, segundo o gosto das
pessoas. Também retoca e da semelhança a retratos errados Rua do
Ouvidor 157.
Pintor ultimamente chegado da Europa, oferece-se ao respeitável público
desta Corte para ensinar desenho. Também encarrega-se de qualquer
pintura, tanto fina como ordinária, a preços módicos Rua dos quartéis, 22,
onde se poderá ver suas obras. (ACQUARONE, 1980, p. 133-4).
29
No Jornal do Commercio na seção Movimento do Porto, Embarques e Desembarques, e no Correio
Mercantil, ambos datados de 17 de novembro de 1849, é reportado: ―Na lista dos passageiros
encontram-se, entre os italianos, sobrenomes originários de diversas regiões do norte da Itália, tais
como, Lucchesi, Marelghetti, Landi, Stephani, Grisanti, Giovanetti, Sei, Poli e Nichola Facchinetti‖.
(CHIAVARI, 2004, p. 42).
30
Ver a respeito da X Exposição Geral: MORAIS, 1995, p. 207 e LEVY, 1990, p. 91.
31
A coleção completa do Laemmert encontra-se disponível em http://www.crl.edu/brazil/almanak.
122
Igual comentário, sobre o descrédito das artes, fez o viajante estrangeiro
Oscar Canstatt, que esteve no Brasil em 1871, chamando atenção para a ideia
corrente no país de que o valor de uma obra seria mensurado pelo seu tamanho:
Gostam muito de toda sorte de bugigangas, vidros, porcelanas, vasos e
outros reservatórios de pó, enquanto objetos de valor artístico, quadros a
óleo, por exemplo, excepcionalmente se vêem no Brasil. Estes são tão
poucos apreciados, que eu próprio ouvi de circunspecto dignitário do estado
a ingênua pergunta se esses quadros eram pagos na Europa, conforme
suas dimensões. (CANSTATT, 2002, p. 305).
A pergunta do ―dignitário do estado‖ não era, de fato, tão absurda, pois, o
próprio Facchinetti vivenciou a prática comum no Brasil de vender obra ―a metro‖.
Em anúncio multilíngue de página inteira do pintor, publicado no Almanaque
Laemmert, em 1869, se pode ler que uma pintura de 50 x 80 centímetros custava
sessenta mil réis (60$000); 44 x 56 cinquenta mil réis; e, 30 x 45 quarenta mil réis.
ainda a seguinte observação: ―Faz-se sobre encommendas pinturas de
paysagens, de costumes, etc, de todos os comprimentos e a preços commodos‖
(Ilustração 54).
Ilustração 54. Almanaque Laemmert,
1869. Anuncio de página inteira do
Pintor Nicolau Facchinetti.
123
Ao que tudo indica, Facchinetti empreendeu uma sondagem prévia do
mercado brasileiro de arte (CHIAVARI, 2004, p. 43) e superou o pequeno interesse
pela pintura em geral dedicando-se ao retrato: à época, meados do século XIX, o
gênero prosperava no Império, pois a tradição monárquica de encomendar a
grandes artistas retratos de membros da Família Imperial chega à alta burguesia.
Assim, ―o grande ‗status‘ da nobreza e da alta burguesia consistia em apresentar nas
suas salas de visitas retratos de seus antepassados, do casal ou mesmo dos filhos‖
(MELLO JÚNIOR,1992, p. 8).
A nova e poderosa elite econômica, os ―barões do café‖, se apresentava
como uma opulenta clientela:
Data de meados do século o maior interesse pela ostentação da riqueza
simbolizada nas casas de morada, que se tornam maiores e com recheios
mais ricos e variados. [...] Grande novidade, porém, foi a construção de
casas mais refinadas e bem montadas, para o baronato do café, nas sedes
urbanas dos municípios [...]. Os moveis e as alfaias domésticas aumentam
em número e em sofisticação, aparecendo colchões, travesseiros, tapetes
espelhos, quadros, escarradeiras, sofás, mesas de jantar. (FARIA, 2002, p.
79, grifo nosso).
Não se dispõe de informações que permitam aquilatar a situação financeira
de Facchinetti nas duas primeiras décadas de sua estadia no Brasil, quando se
dedicou principalmente aos retratos, uma vez que quase todas as pinturas de
paisagens que localizamos são posteriores a 1868. Mas, supomos que a atividade
de retratista não estava lhe rendendo o suficiente, pois, no documento com notação
5070 (Ilustração 55) que se encontra no arquivo do Museu Dom João VI da Escola
de Belas Artes/ UFRJ, Facchinetti solicita ao Conselheiro Gomes Santos, diretor da
Academia, licença para ensinar desenho e, no verso do próprio documento
encontra-se a resposta afirmativa da direção reconhecendo suas habilidades
artísticas.
124
Ilustração 55. Solicitação de
licença para ensinar desenho
feita por Facchinetti a Academia
Imperial de Belas Artes, 1867.
Museu Dom João VI.
Também como professor Facchinetti se destacaria na sociedade carioca
conforme comenta Gonzaga Duque:
Desta escolha resultou o unânime acolhimento de seus trabalhos, aliás
justo, pois eles atingiram a uma intensidade colorida ainda não excedida e,
como panoramas, a uma fidelidade incomparável.
Essas razões tornaram-no o pintor predileto da sociedade fluminense, em
que não houve família rica que deixasse suas habilidosas vergônteas sem
algum tempo de estudo sob a direção do velho Facchinetti. (DUQUE, 1997,
p. 51).
É importante observar que essa ascensão de Facchinetti ocorre justamente
quando ele passa a se dedicar à pintura de paisagem, gênero que lhe renderia certa
popularidade:
125
Nicola Facchinetti foi um paisagista cuja técnica excessivamente minuciosa
o tornou inconfundível, proporcionando-lhe uma grande popularidade.
Extremamente operoso, trabalhando sempre ao ar livre, ele afirmou, com
seus incontáveis trabalhos, o seu alto valor. (RIOS FILHO, 1941, p. 181).
Essa popularidade também seria destacada por diversos críticos
contemporâneos do pintor, como por exemplo, Ângelo Agostini:
Nessa mesma exposição acham-se algumas paisagens do Sr. Facchinetti.
Parece-me inútil falar desse simpático artista, tão conhecido do nosso
público. Estamos convencidos de que ele encontrará apreciadores, pois que
em matéria de artegostos para todos os gêneros. O sistema de pintar do
Sr. Facchinetti pertence a ele só; em qualquer galeria de quadros de algum
amador fluminense, e ainda mesmo colocado muito alto, com toda a
facilidade se dirá: Aquilo é um Facchinetti‖. (AGOSTINI, 1886 apud MELLO
JÚNIOR, 1982, p. 34).
Cabe ressaltar, contudo, que o gênero paisagem, quando Facchinetti chega
ao Brasil, não era muito valorizado no mercado artístico, pois nem sequer constava
no índice do Almanaque Laemmert, ou seja, ninguém se oferecia para esse tipo de
serviço. É somente a partir de 1853 que o gênero consta no índice do Laemmert,
contudo, de maneira muito tímida, pois dentre os vinte e um pintores que oferecem
seus serviços apenas dois (Alfredo Marineti e F. Hagerdorn) se oferecem como
pintores de paisagem nesse ano Facchinetti oferece apenas o serviço de retratista.
Um importante fato reforça a hipótese de Facchinetti ter-se dedicado
inicialmente ao gênero retrato: de sua primeira participação nas Exposições Gerais,
em 1849, até 1867 ele expõe predominantemente retratos, chegando a totalizar oito
inserções na Exposição de 1864, na qual, porém, expõe também uma paisagem:
Uma vista em Teresópolis (ilustração 56) (LEVY, 1990, p. 156). Nessa Exposição
Geral de 1864, é concedido a Facchinetti uma Menção Honrosa pelo retrato 18.
No ano seguinte, na Exposição Geral de 1865, recebe Medalha de Prata pelo retrato
de 22 (MELLO JÚNIOR, 1982, p. 23)
32
. Infelizmente, contudo, não se sabe onde
se encontram os seus inúmeros retratos e Carlos Martins (2004, p. 11 e passim)
comenta que no período de levantamento das obras para a exposição Facchinetti
realizada em 2004 já mencionada anteriormente foram localizados somente
quatro retratos, sendo um deles um retrato póstumo de Gabriel Francisco Junqueira,
o barão de Alfenas, que se encontra na matriz de São Tomé das Letras, Minas
32
Ver a esse respeito: LEVY, 1990.
126
Gerais. Tal desaparecimento se explica em grande medida pelo fato dos retratos não
especificarem os retratados, o que era comum, excetuando-se retratos de membros
da Família Imperial (MELLO JÚNIOR, 1982, p.23).
Ilustração 56. Uma vista em Teresópolis [Várzea], 1863. Grafite, nanquim, guache branco e sépia
sobre papel, 45,2 x 57 cm. Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand.
Analisando as pouquíssimas obras retratísticas de Facchinetti, Valéria Piccoli
comenta:
Um de seus poucos retratos conhecidos revela o quanto ele se atém às
convenções do gênero. As grandes dimensões da pintura evidenciam certa
dureza e pouco desembaraço no desenho da figura humana, mas um já
notável domínio do uso da cor. (PICCOLI, 2004, p. 27).
E seria realmente a cor, tão peculiar no Rio de Janeiro, juntamente com o
excesso de detalhes, produzidos em quadros de pequenos formatos, que
caracterizaria a obra paisagística do artista, o que lhe renderia a designação de
127
miniaturista, tornando-o inconfundível na sua técnica de representação. O crítico
Gonzaga Duque, nesse sentido, observa:
No gênero a que se dedicou, a miniatura
33
, não tem, atualmente, quem
possa confundi-lo e empanar-lhe o brilho do nome. Os seus quadros são
pintados com um característico e paciente cuidado, coloridos com um
esplendor fora do vulgar, desenhados com um escrúpulo extraordinário,
quase fatigante. (DUQUE, 1995, p. 132).
As suas produções paisagísticas, que inicialmente foram alvo de algumas
críticas negativas por parte de intelectuais da época, vão aos poucos conquistando
seu lugar no meio artístico. Alguns de seus críticos aos poucos se rendem diante de
suas habilidades, como é o caso, por exemplo, do próprio Gonzaga Duque, que
inicialmente o criticava pela falta de emoção nas suas paisagens e que, com o
passar do tempo, passa a exaltar o calor do seu colorido:
Reconhece-se, ao mais ligeiro golpe de vista, um grande artifício
empregado pelo pintor para vencer tudo quanto escapou à sua faculdade de
coordenação; e o trabalho que, a pouco e pouco, vai-se-nos afigurando
melhor, pela habilidade da sua técnica, pelo calor do seu colorido, é, na sua
complexidade, mais uma obra de paciência, mais uma prova de infatigável
cuidado, do que uma simples obra de arte. (DUQUE, 1995, p. 133).
De fato, Facchinetti é possuidor de uma acurada técnica pictórica. Pintor
extremamente detalhista produz uma vasta obra onde sobressaem suas
características estilísticas, dentre as quais se podem destacar a riqueza pictórica
empregada em telas de pequenos formatos; a tendência à pintura de panoramas; o
detalhismo no primeiro plano da pintura e um colorido que imprime um destacado
grau de sentimentalismo em suas paisagens precisas e controladas.
Participando várias vezes da Exposição Geral de Belas Artes, começa a partir
do ano de 1870, a expor somente paisagens, chegando a apresentar um total de 15
pinturas paisagísticas no ano de 1884.
Sua presença nas Exposições Gerais pode ser notada até o ano de 1900, ano
de sua morte, mas, o seu relacionamento com a Academia, não se restringiu
33
O mesmo que iluminura. O termo deriva, por associação, de um corante vermelho mínio muito
usado na sua execução. Por serem as miniaturas verdadeiros quadros, de pequenas dimensões, o
termo passou, por extensão, a designar qualquer objeto representado em tamanho reduzido‖.
(CUNHA, 2005, p. 412).
128
somente às Exposições Gerais: em duas cartas em italiano (Ilustração 57),
Facchinetti convida o amigo e escultor Rodolfo Bernardelli nessa ocasião, diretor
da Academia para a exposição de suas obras e as de sua aluna Maria A. Forneiro.
129
Ilustração 57. Cartas de
Facchinetti dirigidas a Rodolfo
Bernardelli convidando-o para
exposição de suas obras e de
sua aluna Maria Forneiro,
1898.
Essas cartas-bilhete também demonstram o que muitos críticos ressaltavam
em relação à personalidade do artista: cortesia e amabilidade. Gonzaga Duque em
Graves & Frívolos assim descreve o pintor:
Às vezes, em dias incertos da semana e em incertas semanas dos meses,
pelos gastos lajedos feios da estreita Ouvidor, aparecia um velho baixo e
robusto, atochado de formas, invariavelmente trajado de negro, bastos
cabelos brancos emaravalhados sob as grandes abas do escuro sombrero,
veneráveis barbas prateadas de rei bíblico roseando, por contraste, a tinta
pletórica do rosto largo que a velhice lavrava, e nas carnudas órbitas
esmaltes azuis de olhos esmerilhadores, mas suavizados por uma
transundante bonomia de avô e como que um tanto fatigados do mormaço
dos verões tropicais.Raros o desconheciam, porque esse velho parava de
quando em quando, um pouco arqueado de ombros e de enorme guarda-
chuva filipino à axila esquerda, acercava-se de grupos, palestrava
animadamente, saudava passeantes e fazia o seu trajeto com as demoras
de uma sumidade política [...]. (DUQUE, 1997, p. 47).
130
Suas paisagens são de extrema sinceridade e acuidade detalhista,
transportando para suas telas a realidade vista e as cores que o enfeitiçavam.
Mostrou-se amante e mestre no domínio das perspectivas aéreas como lembra
Valéria Piccoli na citação a seguir:
Os pontos de vista que o artista escolhe são naturalmente cenográficos.
em suas pinturas um gosto claro pela amplidão das vistas e pela extensão
dos espaços, sendo esse sentido grandioso da paisagem uma das
características constitutivas de sua poética. (PICCOLI, 2004, p. 25).
Suas pinturas paisagísticas, apesar de muitos panoramas extensos, não
sugerem grandiosidade ou ameaça da natureza, mas sensações de aconchego,
aproximando o homem da natureza. Mesmo retratando a paisagem com excesso de
detalhes, do primeiro ao último plano, não perde a visão de conjunto da obra. Em
relação a sua técnica de execução, declara o crítico Gonzaga Duque:
Antes de pintar, ele ia ao local, estudava o ponto, esquadrinhando todos os
detalhes. Depois tracejava o motivo em separado, numa página de álbum,
numa folha de papel, que lentamente completava. Preparado com esse
exato desenho, decalcava-o na tela, a carvão, cobria-o com grafite e
terminava fixando-o com tinta comum, por meio de aguda pena de aço.
Uma ocasião, estranhando-lhe eu todo esse lento, meticuloso processo, que
anulava a emoção, respondeu-me que o seu interesse era a verdade,
quanto mais exata, mais acabada fosse a cópia, tanto maior seria o mérito
do seu trabalho[...]. (DUQUE, 1997, p. 50).
Facchinetti, fiel a realidade, pintava suas telas in loco, montando seu ateliê no
local, onde permanecia ao momento exato da conclusão da obra. Extremamente
meticuloso, anotava no verso de seus quadros a data, o local, a hora, se era ao
amanhecer ou entardecer e, muitas vezes, a legenda: ―pintado do natural‖. Em suas
pinturas paisagísticas, é com extremo sucesso que consegue fixar a atmosfera
luminosa do Rio de Janeiro, como aponta Donato Mello Júnior:
A luz é uma constante nas suas paisagens, principalmente nos panoramas
em que explora os efeitos de tarde ou de madrugada do Rio, de Paquetá ou
de Teresópolis. (MELLO JÚNIOR, 1982, p. 33).
131
Sua produção paisagística alcançou um alto grau de aprimoramento e, o que
era desígnio de críticas, acabou por agradar grande parte da sociedade emergente
do Rio de Janeiro de então, passando a ser um dos mais procurados pintores
recebendo várias encomendas de paisagens. Seu público alvo era constituído pela
alta aristocracia Duque de Saxe, Conde d‘Eu, Princesa Isabel, Princesa
Leopoldina e vários barões do café que queriam ver suas propriedades e as
paisagens que os encantavam retratadas com a fidelidade e detalhamento tão
característico do artista, como afirma Carlos Martins:
De fato, o que o fazia alvo de críticas, a excessiva fidelidade à realidade em
detrimento da expressão, parece ser exatamente o que seduzia o público do
artista. Suas paisagens idílicas, compostas e coloridas com apuro, sem
dúvida, satisfaziam o gosto de uma classe emergente, que queria ver bem
retratadas suas propriedades ou mesmo as paisagens de que desfrutava.
(MARTINS, 2004, p. 12).
Provavelmente, a ligação que Nicolau Antonio Facchinetti estabeleceu com
nobres do Império foi fundamental para a sua carreira não por acaso nos anúncios
no Almanaque Lammert, a partir de 1887, ele destaca ser pintor de ―Sua Alteza
Duque de Saxe‖. Não existem informações dos seus biógrafos de como ele teve
acesso à Família Imperial, mas sabe-se que o seu primeiro ateliê se localizava no
bairro nobre de São Cristóvão, onde se encontrava o Palácio Imperial. Essa ligação
de Facchinetti com a Família Imperial pode ser demonstrada nas várias obras
paisagísticas encomendadas, como por exemplo: Habitação do Duque de Saxe,
Petrópolis (Ilustração 58) e Cascata do Itamaraty, Petrópolis (Ilustração 59),
encomendadas por Dom Augusto, o Duque de Saxe. Outros exemplos são: Baía do
Rio de Janeiro tomada do forte do Leme (Ilustração 60) e Praia de Copacabana
tomada do forte do Leme (Ilustração 61), encomendadas pela Princesa Isabel e
Conde d‘Eu; Praia de Icaraí, Niterói (Ilustração 62) e Enseada de Paquetá (Ilustração
63), doadas para as ações de caridades promovidas pela Princesa Isabel.
132
Ilustração 58. Habitação do Duque de Saxe, Petrópolis, 1869. Óleo sobre tela, 54 x 79 cm. Coleção
particular, Rio de Janeiro.
133
Ilustração 59. Cascata do
Itamarati, Petrópolis, 1869.
Óleo sobre tela, 65,8 x 48,7
cm. Coleção Brasiliana /
Fundação Estudar, São Paulo.
Ilustração 60. Baía do Rio de Janeiro tomada do forte do Leme, 1872. Óleo sobre tela, 57,5 x
93,5 cm. Coleção D. João de Orleans e Bragança, Rio de Janeiro.
134
Ilustração 61. Praia de Copacabana tomada do forte do Leme, 1872. Óleo sobre tela, 56,5 x 92 cm.
Coleção D. João de Orleans e Bragança, Rio de Janeiro.
Ilustração 62. Praia de Icaraí, Niterói, 1877. Óleo sobre madeira, 26 x 38 cm. Pinacoteca do Estado
de São Paulo.
135
Ilustração 63. Enseada de Paquetá, 1887. Óleo sobre madeira, 21,5 x 45 cm. Coleção Eloísa
Zarzur, São Paulo.
Facchinetti, contudo, não limitou sua clientela aos nobres e à Família Imperial.
Um bom exemplo dessa diversificação são as várias vistas de Paquetá,
encomendadas pelos ingleses Richard Norton e George Megaw que possuíam
sociedade na empresa Norton & Megaw que investia em construções de ferrovias e
na exportação de café. A ilha de Paquetá, na época, era um importante pólo
comercial de produtos oriundos do interior do Rio de Janeiro, além de desempenhar
um destacado papel econômico com a fabricação de cal e na extração de madeira.
Esses dois ingleses mantinham uma grande admiração pelo local, o que pode ser
comprovado pelas representações paisagísticas feitas em formas de cartões-postais
ou nas variadas vistas da região: Ponta do Catimbao dos Lobos, Paquetá (Ilustração
64); Praia da Guarda, Paquetá (Ilustração 65); Enseada da ilha de Paquetá
(Ilustração 66), entre outras.
Ilustração 64. Ponta do
Catimbao dos Lobos, Paquetá,
187[8]. Óleo sobre cartão, 10,8
x 16,6 cm. Coleção particular,
São Paulo.
136
Ilustração 65. Praia da Guarda, Paquetá, 1878. Óleo sobre cartão, 10,8 x
16,6 cm. Coleção particular, São Paulo.
Ilustração 66. Enseada da ilha de Paquetá, 1878. Óleo sobre cartão, 10,8
x 16,6 cm. Coleção particular, São Paulo.
Outros clientes de destaque foram os membros da família Oliveira Roxo. Eles
encomendaram diversas representações paisagísticas de vistas de Botafogo,
Teresópolis e da fazenda Montalto: Serra dos Órgãos tomada do morro da pedreira
em Botafogo (Ilustração 67), Praia de Botafogo (Ilustração 68), Alto da Boa Vista em
Teresópolis (Ilustração 69) e Serra dos Órgãos na Várzea em Teresópolis (Ilustração
70).
137
lustração 67. Serra dos Órgãos tomada do morro da pedreira em Botafogo, 1870. Óleo sobre tela, 50
x 82 cm. Coleção particular, Rio de Janeiro.
Ilustração 68. Praia de Botafogo, 1869. Óleo sobre tela, 50,5 x 84,5 cm. Museu de Arte de São Paulo
Assis Chateaubriand.
138
Ilustração 69: Alto da Boa Vista em Teresópolis, 1882. Óleo sobre tela colada sobre
madeira, 22 x 41 cm. Coleção Jones Berfamin, Rio de Janeiro.
Ilustração 70. Serra dos Órgãos na Várzea em Teresópolis, 1882. Óleo sobre madeira, 17
x 36,5 cm. Coleção particular, Rio de Janeiro.
Nicolau Facchinetti também retratou a região serrana de Petrópolis localizada
no topo da Serra da Estrela, pertencente à região montanhosa da Serra dos Órgãos.
A história da cidade de Petrópolis começa a configurar-se em 1822, quando Dom
Pedro I, a caminho de Minas Gerais pelo Caminho do Ouro, mais precisamente pelo
Caminho do Proença ou Variante do Caminho Novo da Estrada Real, hospedou-se
na fazenda do padre Correia e ficou encantado com a região. Dom Pedro I teria
tentado comprar as terras, mas sem obter sucesso adquiriu uma fazenda vizinha, a
fazenda do Córrego Seco, que renomeou como Imperial Fazenda da Concórdia,
onde pretendia construir o Palácio da Concórdia. Seria, contudo, seu filho, Dom
139
Pedro II, que levaria o plano adiante quando, em 1843, assina decreto determinando
o assentamento de uma povoação e a construção de um palácio de verão que seria
inaugurado em 1847. Desde então, durante o verão quando o forte calor e as
epidemias assolavam a cidade de São Sebastião , a capital do Império era
transferida para Petrópolis: daí a alcunha de ―Cidade Imperial‖. Vista do Hotel
Orléans na rua d. Afonso, Petrópolis (Ilustração 71), é um exemplo da peregrinação
do pintor pela região.
Ilustração 71. Vista do Hotel Orléans na rua d. Afonso, Petrópolis, 1883. Óleo sobre madeira, 22,5 x
38 cm. Coleção Museu Imperial / Maria Cecília e Paulo Fontainha Geyer, Rio de Janeiro.
Na retratação da vista, Facchinetti utiliza a perspectiva linear para obter o
efeito de profundidade e representa, no primeiro plano, árvores detalhadamente
pintadas. Uma ponte faz a ligação entre as duas margens do rio. Pode-se observar
uma carruagem que segue em direção ao hotel, algumas figuras humanas, um
cachorro, o rio que, em perspectiva, se encontra com o hotel no plano de fundo e
algumas construções, provavelmente residências. Retrata a rua praticamente
deserta, as poucas pessoas que integram a composição estão localizadas na
carruagem do lado inferior direito da tela; um homem, sobre a ponte, encontra-se de
costas para o observador e na calçada, no lado inferior esquerdo, é representada
uma figura feminina em trajes negros e, mais adiante, outras duas pessoas. O artista
140
utiliza tons escuros com partes iluminadas no primeiro plano. A pintura é produzida
com tonalidades esverdeadas, amareladas e avermelhadas, que se destacam contra
o céu e onde algumas massas de nuvens com bordas amareladas criam um efeito
de luminosidade.
Próximo de Petrópolis encontra-se a cidade de Teresópolis que seria, sem
sombra de dúvida, uma das regiões mais representadas nas vistas paisagísticas de
Nicolau Facchinetti, que, a partir da década de 1880, passou a retratá-la
exaustivamente. Como ressalta Gilberto Ferrez, em Colonização de Teresópolis,
Facchinetti foi:
[...] o primeiro a descobrir as belezas da serra, passando aa morar numa
casinha no caminho que do Alto sai para o Quebra-Frasco. Foi também o
artista que nos deixou o maior número de telas daquela região. (FERREZ,
1970 apud MELLO JÚNIOR, 1982, p. 31).
Segundo o crítico Félix Ferreira, contemporâneo do pintor: ―As suas vistas de
Teresópolis, Serra dos Órgãos, Cascata da Soledade, Barreira do Rio Soberbo, são
verdadeiros idílios da natureza‖ (FERREIRA apud MELLO JÚNIOR, 1982, p. 34).
A exuberância da Mata Atlântica, a grandiosidade de suas montanhas, as
formações rochosas da Serra dos Órgãos e os pontos de vista onde essa paisagem
se descortina encontrando-se com a tão afamada Baía de Guanabara, fascina o
nosso pintor que não titubeou diante das inúmeras dificuldades, alcançou os lugares
de vistas espetaculares e os eternizou em suas telas essa beleza sublime. Para se
chegar a Teresópolis era necessário fazer uma significativa viagem. O caminho
começava por via marítima navegando-se até Paquetá para, em seguida, prosseguir
até o fundo da baía de Guanabara onde se localizava o porto de Piedade situado
ao da serra onde a viagem prosseguia subindo-se de liteira ou a cavalo por
tortuosa e íngreme estrada que cortava a densa floresta.
Muitas das pinturas da paisagem de Teresópolis produzidas por Facchinetti
fizeram parte de encomendas realizadas pelos irmãos Fischer, os Lemgruber, José
Augusto Vieira, entre outros. São exemplos dessas pinturas: Fazenda Santo Antonio
(Ilustração 72) e Chalé no Vale do Quebra Frasco (Ilustração 73). Nelas, e nas
demais produções paisagísticas retratando vistas de Teresópolis, podem ser
contempladas as características marcantes do seu estilo pictórico: a representação
panorâmica da paisagem, o detalhamento e a fidelidade ao que era retratado.
141
Ilustração 72. Fazenda Santo Antonio, 1880. Óleo sobre tela, 34,5 x 82 cm. Coleção particular Rio de
Janeiro.
Ilustração 73. Chalé do Vale Quebra-frasco, 1893. Óleo sobre tela, 26,5 x 51 cm. Coleção particular,
Rio de Janeiro.
Em 1882, Nicolau Facchinetti retrataria a fazenda Barreira do Soberbo em
uma região de Teresópolis que hoje faz parte do Parque Nacional da Serra dos
Órgãos que possui três sedes: Guapimirim, Teresópolis e Petrópolis. A vista
intitulada Barreira do Rio Soberbo (Ilustração 74) atualmente se localiza na sede de
Guapimirim, a 75 km da cidade do Rio de Janeiro. Segundo uma placa com
informações aos turistas, existiu no local um sistema de produção econômica
142
(plantio, colheita e processamento) da Quina Calysaia da qual é extraído o quinino,
usado, no século XIX, no combate à malária. A fazenda denominada Barreira do
Soberbo teria sido propriedade de Henrique Dias que teria recebido apoio financeiro
do Império, em 1844, para o cultivo da quina. Ainda segundo informações contidas
no local, em 1876, o próprio Imperador D. Pedro II teria visitado pessoalmente o
local para avaliar as plantações que, durante a Guerra do Paraguai, abasteciam o
Exército brasileiro.
Ilustração 74. Barreira do rio Soberbo, 1882. Óleo sobre madeira, 30,5 x 45,5 cm. Coleção Fadel, Rio
de Janeiro.
Nessa pintura paisagística, Facchinetti representa no primeiro plano da tela
um pequeno grupo de pessoas: uns carregam uma liteira, que era o meio de
transporte de passageiros utilizado no trecho entre o pé da serra e Teresópolis antes
de ser construída a ferrovia ligando Piedade a Teresópolis, inaugurada em 1908; um
homem a cavalo e outro homem a que caminha à frente de todos. Ainda no
primeiro plano, retrata um muro de pedras, árvores, uma vegetação detalhada uma
característica do estilo do artista, que é aperfeiçoado cada vez mais com o passar do
tempo –, uma queda d‘água, as formações rochosas dessa cachoeira e uma capela.
143
Os tons desse plano são mais escuros, possuindo, contudo, pontos luminosos no
caminho onde está localizado o pequeno grupo de pessoas, na capela, em algumas
formações rochosas próximas à queda d‘água e nas partes superiores da
vegetação. O efeito de profundidade é construído por meio da perspectiva aérea e
as tonalidades que mais marcam a composição são os tons avermelhados e as
variadas tonalidades de verdes. O céu compõe um terço da tela em tonalidades de
azuis com pequenos tons de amarelo nas bordas das poucas formações de nuvens.
Alguns aspectos da região retratada pelo pintor ainda se encontram
preservados nos dias de hoje e, nesse sentido, se pode constatar a fidelidade de
Facchinetti ao retratar a realidade no que diz respeito às nossas paisagens. Por
meio de contato direto com a obra, foi possível verificar as anotações do artista no
verso da tela: Barreira do rio Soberbo, às faldas da Serra dos Órgãos. (Brasil.
Prov.cia do Rio de Janeiro.) Quadro pintado fielmente do natural em Outubro do
1882. (nota do autor N. Facchinetti), assim, pode-se observar que a inscrição
―pintado fielmente do natural‖ é bastante verídica, fato que se pode comprovar com
fotografias atuais da Capela de Nossa Senhora da Conceição do Soberbo
34
(Ilustração 75), do muro de pedras e ponte (Ilustração 76) e da queda d‘água do
Soberbo (Ilustração 77), hoje conhecida como Poço da Capela.
Ilustração 75. Capela
de Nossa Senhora da
Conceição do soberbo,
Parque Nacional da
Serra dos Órgãos, foto
da autora.
34
A Capela de Nossa Senhora da Conceição do Soberbo, datada de 1713, remonta ao início do
processo de colonização da baixada da Baía de Guanabara e foi tombada, em 1989, pelo
INEPAC/ RJ. A lateral direita trata-se de uma ampliação do início do século XX.
144
Ilustração 76. Ponte sobre o rio Soberbo, Parque Nacional da Serra dos
Órgãos, foto da autora.
Ilustração 77. Poço da Capela, Parque Nacional da Serra dos Órgãos, foto
da autora.
Na obra paisagística Várzea em Teresópolis (Ilustração 78), Facchinetti
trabalha a tela com tonalidades avermelhadas, destacando a terra de cores
145
barrentas e os telhados das casas, e os vários tons esverdeados, típicos da mata
serrana. Esses tons se destacam contra um céu completamente azul em que
praticamente não existem formações de nuvens. Analisando a obra que pertence à
coleção Fadel, foi possível observar manchas de tonalidades violetas na coloração
do céu, o que seria uma novidade na paleta do nosso pintor. Porém, numa entrevista
informal com a restauradora Marilka Mendes, que presta serviço à família Fadel, ela
informou que essas tonalidades violáceas teriam sido causadas por retoques
errôneos em um processo de restauro há, aproximadamente, trinta anos e que a
obra, em breve, passaria novamente por uma restauração e retornaria à sua
tonalidade original.
Ilustração 78. Várzea em Teresópolis, 1892. Óleo sobre tela, 48 x 100 cm. Coleção Fadel, Rio de
Janeiro.
Nessa obra, Facchinetti destaca no primeiro plano a vegetação e um caminho
de terra, induzindo o olhar para o plano de fundo da pintura onde se encontram as
formações montanhosas do local. Ainda no primeiro plano, trabalha os tons mais
escuros, introduzindo pequenos detalhes claros. A profundidade é construída por
meio de escalas tonais e pela aplicação da perspectiva que culmina na montanha. A
composição paisagística é equilibrada entre a vegetação do lado esquerdo e a
massa de montanha do lado direito da tela. Utiliza, nessa vista, três planos de luz
que se tornam mais claros conforme se distanciam do primeiro plano. Juntamente
com a retratação da vegetação, representa também uma vila com casas, entretanto,
sem destacá-las: elas estão integradas ao meio natural. Mesmo com a
146
representação da vila, Facchinetti não introduz a figura humana, retrata tanto a
paisagem natural quanto a construída, mas sem focalizar a presença humana.
Nessa, e na maioria de suas pinturas, dá preferência aos elementos da natureza em
detrimento das pessoas. A pintura é trabalhada com um excessivo detalhismo
aplicado do primeiro ao último plano da tela.
Nessa mesma obra, Facchinetti ressalta a conformação montanhosa de
Teresópolis, representando no último plano a elevação rochosa denominada Dedo
de Deus. Observando a paisagem de Teresópolis in loco, pode-se constatar a
modificação do elemento paisagístico produzida pelo pintor, pois ele representa o
Dedo de Deus muito mais alongado do que na realidade. Outra distorção se pode
notar no distanciamento entre o Dedo de Deus e a formação rochosa denominada
Cabeça de Peixe: o pintor exagera no distanciamento assim como na pequena curva
que os ligam, pois não é tão acentuada como o artista a retratou (Ilustração 79).
Dedo de Cabeça
Deus de Peixe
Ilustração 79. Pico do Dedo de Deus visto da trilha Cartão Postal, Parque Nacional da
Serra dos Órgãos, foto da autora.
Em Vista da Rua Provincial na Várzea, Teresópolis (Ilustração 80), Facchinetti
trabalha sua pintura sobre um suporte diferente: produz sua vista sobre um prato de
147
porcelana. As tonalidades da composição obedecem ao mesmo padrão da obra
anterior, com tons avermelhados e esverdeados que se destacam sobre o céu azul
com luminosidade amarelada, o qual abrange metade da pintura, e novamente sem
muitas formações de nuvens. Assim como na composição anterior, o primeiro plano
é trabalhado com tons mais escuros, sendo destacada a vegetação e a rua de terra,
que leva o olhar para o plano de fundo onde estão representadas as formações
rochosas da Serra dos Órgãos. Essa vista em muito se assemelha àquela que se
analisou anteriormente: a composição contém três planos de luminosidade, criando
profundidade por meio da perspectiva aérea, sendo a dimensão da vista ampla. Na
vista estão representados os casarios, a vegetação do entorno, que tem seu
destaque na alta árvore localizada no lado direito da pintura, e as elevações da
Serra dos Órgãos. O Dedo de Deus é colocado quase no centro da pintura, e,
igualmente, aparece mais alongado e com a curva que o separa do morro Cabeça
de Peixe mais acentuada do que na realidade.
Ilustração 80. Vista da rua Provincial na Várzea, Teresópilis, sem data.
Óleo sobre porcelana, Ø 24 cm. Museu Imperial, Petrópolis.
148
Na verdade, Facchinetti realizava diversas versões de uma mesma paisagem,
que, muitas vezes, eram encomendadas não como objeto decorativo, mas
também como souvenirs
35
. As várias versões de uma mesma paisagem simulavam
diferentes luminosidades, pois eram produzidas em variados momentos do dia o
que era, na maioria das vezes, anotado no verso da tela e algumas dessas vistas
foram alteradas em suas colorações ou em sua escala. Contudo, diferentemente dos
impressionistas, Facchinetti utilizava a cor preta.
Donato Mello Júnior, analisando as obras de Facchinetti pertencentes à
coleção da Cultura Inglesa, destaca as duas versões que o artista produziu da vista
da cascata Brer-Debuyser, localizada na região de Teresópolis:
A mesma cascata aparece interpretada em outra obra, de 1873, em coleção
particular carioca. Ambas submetidas a idêntico ponto-de-vista, sendo a da
Cultura Inglesa dominada por um conjunto de altas árvores tropicais esguias
e de copas ralas, que se dispõem num espaço mais aberto e claro. A outra
que conhecemos é de uma floresta de árvores bem copadas e detalhadas,
num conjunto fechado e mais escuro, de uma floresta virgem e pujante.
Necessário se faz o confronto entre os dois originais: um é de floresta em
ampla transparência para o céu; o outro possui densidade que dificulta a
passagem da luz, ambos porém expressando contraste das altas copas
contra o céu claro.
Em apenas cinco anos, de 1873 a 1878, terá havido tanta modificação neste
isolado trecho de floresta? Baseado no verismo clássico de Facchinetti,
como explicar tanta diferença no tratamento dos elementos presentes em
ambos: teria sido um deles pintado do natural e o outro de memória ou
imaginação? (MELLO JÚNIOR, 1994, p. 130, grifo nosso).
Acreditamos que a segunda resposta proposta por Mello Júnior é mais
adequada, pois, como se verá, em outras obras fica evidente tratar-se de pinturas
feitas com base na memória.
Nas representações paisagísticas de Teresópolis, Carlos Martins observa
nas variadas versões do Dedo de Deus retratadas por Facchinetti que:
O Dedo de Deus visto ora da Várzea, no alto da serra, ora de Paquetá, foi
registrado à exaustão pelo artista, em versões diferentes de escala e
―efeitos‖ de luz. As extravagâncias do cenário natural propiciavam pontos de
vista inusitados, que o artista explorava situando a formação rochosa da
Serra dos Órgãos em primeiro plano, com ampla perspectiva da baía de
Guanabara descortinando-se ao fundo. Ou então trabalhava as escarpas da
serra e os vales onde se situavam propriedades rurais que pertenciam aos
muitos estrangeiros povoadores da região [...]. (MARTINS, 2004, p. 15).
35
Palavra francesa que significa lembrança, recordação.
149
Com base nas diversas modificações dos elementos paisagísticos produzidos
por Facchinetti, é possível estabelecer uma ligação entre as suas representações da
paisagem do Rio de Janeiro, ou pelo menos de suas interpretações do Dedo de
Deus, com sua tradição artística, precisamente com a produção do capriccio
36
, muito
utilizado no século XVIII na Itália, principalmente pelos vênetos, como, por exemplo,
nas obras de Francesco Guardi e Canaletto. Esse gênero paisagístico não exigia
muito compromisso com a realidade e, dessa maneira, o pintor experimentava uma
maior liberdade para praticar e expressar a sua imaginação. Valéria Piccoli destaca
outras duas obras do nosso artista produzidas com essa liberdade imaginativa:
Composição com Pão de Açúcar que traz anotado em seu verso ―Quadro
composto e pintado sobre o natural [...]‖ e Vegetação de adorno intitulado com
esse nome por Ângelo Agostini.
No entanto, Facchinetti seria muito requisitado pela elite carioca exatamente
por sua habilidade em registrar, com o máximo de exatidão possível, os aspectos
mais relevantes da paisagem fluminense. Dentre os membros da elite que
requisitaram seus serviços, destacaram-se os grandes cafeicultores que
encomendavam representações de vistas de suas fazendas de café. Para analisar
as pinturas de Facchinetti relacionadas as fazendas de café é preciso retornar e
relembrar alguns aspectos da sociedade carioca, pois, dessa maneira, podemos
justificar suas obras relacionadas aos ―barões do café‖.
Foi no século XVIII que as primeiras mudas de café chegaram ao Brasil, mais
precisamente por volta de 1727, pelas mãos do oficial português Francisco de Melo
Palheta, que as recebeu da senhora d‘Orvilliers, esposa do governador da Guiana
Francesa, quando lá se encontrava em missão. Entretanto, foi no vale do rio Paraíba
do Sul, no início do século XIX, ―entre as encostas das serras atlânticas e os
contrafortes da serra do Mar, composto de solos e clima adequados e de vias de
transporte existentes, que o café obteve os melhores resultados na sua primeira
etapa‖ (FARIA, 2002, p. 106). A expansão da produção cafeeira, desde então, foi
rápida e muito lucrativa, tornando o Brasil, durante o período monárquico, o principal
produtor, responsável por cerca de 50% da produção mundial. Assim, pode-se
afirmar que a principal característica da economia brasileira na segunda metade do
36
Sinônimo de vedutà ideata, é a denominação em italiano para designar uma representação
fantasiosa da paisagem, podendo empregar componentes arquitetônicos, mesclando elementos
reais e imaginários. (CUNHA, 2005, p. 235 e 279).
150
século XIX é a proeminência do café
37
. O café do vale do Paraíba fluminense, e
mais tarde paulista, seria responsável pela criação de uma nova sociedade
aristocrática denominada ―barões do café‖.
Muitos foram os fazendeiros que buscavam a titulação nobiliárquica de
―barão‖ para conquistar o reconhecimento do seu poder econômico e garantir
prestígio diante da sociedade. Contudo, esse título, que era destinado somente aos
proprietários rurais, constituía a nomeação mais baixa dentro da hierarquia da
nobreza, uma vez que as titulações mais altas (visconde, conde, marquês e duque)
eram concedidas apenas aos proprietários e burocratas que ocupassem cargos
militares ou públicos. Mesmo assim, entrar para a nobreza significava a glorificação
que englobava poder, prestígio e fortuna e, por isso, no vale do rio Paraíba, vários
cafeicultores requisitaram e receberam o título de barão
38
. Como o título
nobiliárquico aproximava-os da sociedade da corte, tornava-se imprescindível aos
barões o refinamento do gosto e dos costumes, o que resultaria na modernização da
arquitetura de seus palacetes, na decoração e na vestimenta à maneira europeia. É
nesse sentido que a arte passaria a ser valorizada por esses grandes proprietários
rurais e que Nicolau Facchinetti, após conquistar fama de ―documentarista‖ e
paisagista, começa a ser constantemente solicitado para retratar as ricas
propriedades dos fazendeiros.
Carlos Martins (2004, p. 13) comenta que uma das obras mais antigas
catalogadas para a exposição Facchinetti é um desenho retratando uma vista da
fazenda do comendador Antônio Joaquim Soares Ribeiro, localizada em Maricá,
datada de 1855 (Ilustração 81).
37
Para dados precisos sobre a importância do café na economia brasileira do século XIX, ver: PINTO,
1975; FRAGOSO, 1990.
38
No final da monarquia, a quantidade de barões do café cresceu de forma tão exagerada que o título
passou a ser ridicularizado pela literatura e pela imprensa. Tal fato decorreu da ―generosidade‖ de
Dom Pedro II que, para compensar os problemas causados pela abolição da escravatura e as
dificuldades financeiras dos proprietários cafeeiros, distribuiu inúmeros títulos de nobreza: o que a
coroa tirava em termos materiais era pago em símbolos de status (FARIA, 2002, p. 78).
151
Ilustração 81. O Pilar, 1855. Grafite, nanquim, e guache branco sobre papel, 21,5 x 30 cm. Coleção
particular, Rio de Janeiro.
A partir da década de 1870, pode-se verificar uma profusão de obras do
artista dedicadas às propriedades rurais, como por exemplo, as encomendadas pelo
Barão de Rio Preto, Domingos Custódio Guimarães Júnior; pelo Barão de Alfenas,
Gabriel Francisco Junqueira; pelo Barão de Amparo, Manoel Gomes de Carvalho,
entre outros:
Não conhecemos artista que tenha se dedicado com tanta persistência e
seriedade à representação destas grandes propriedades rurais, a maior
parte delas outrora situadas no vale do Paraíba, em sua época áurea, dos
meados do século XIX ao evento da abolição da escravatura. (MELLO
JÚNIOR, 1994, p. 134).
Analisando duas representações de vistas de fazendas produzidas por
Nicolau Facchinetti, pode-se sintetizar em seis pontos o seu estilo característico ao
152
representar esse tipo de vista: 1) geralmente telas de grandes dimensões; 2)
utilização de um ponto de vista abrangente, quase sempre do alto e de longe; 3) uso
da perspectiva panorâmica, conseguindo, dessa forma, um efeito cenográfico; 4) o
primeiro plano é trabalhado com tons mais escurecidos, retratando logo em seguida
as construções e as várias atividades da fazenda; 5) valorização e destaque das
montanhas; e, 6) o horizonte distante e o céu com poucas ou sem nenhuma
formação de nuvens.
Em 1875, Facchinetti retrata a fazenda Flores do Paraíso (Ilustração 82), obra
encomendada pelo segundo Barão do Rio Preto, Domingos Custódio Guimarães.
Grande produtora de café, a fazenda, localizada no município de Valença e
popularmente conhecida como a ―jóia de Valença‖, se destacou no cenário
fluminense, no início da década de 1860, por adotar várias inovações técnicas:
iluminação a gás, terreiros asfaltados e um avançado maquinário norte-americano
de beneficiamento de cafeeiro (MARQUESE, 2007, p. 61). Quando seu pai, o
Visconde do Rio Preto, faleceu, em 1868, constava no inventário da família, além de
diversos imóveis em Valença e na Corte, cinco grandiosas fazendas cafeeiras com
quase um milhar de escravos e que, desse total, mais da metade residia na fazenda
Flores do Paraíso.
Ilustração 82. Fazenda Flores do Paraíso, 1875. Óleo sobre madeira, 54 x 73 cm. Coleção particular,
São Paulo.
153
Como haviam observado Valéria Piccoli (2004, p. 25) e Rafael Marquese
(2007, p. 62), na representação da fazenda Flores do Paraíso, Facchinetti estrutura
a sua obra em três planos e, fazendo uso de escalas tonais, trabalha o primeiro
plano com tons mais escuros que vão clareando até o plano de fundo. Como dito
anteriormente, retrata a fazenda com vista panorâmica. É importante salientar o fato
de que a fazenda possuía, conforme foi mencionado, uma quantidade bastante
significativa de escravos e que estes não são representados pelo pintor: na vista
paisagística da fazenda são destacados somente os elementos tipicamente
topográficos, ficando ausentes os personagens que possivelmente estariam
trabalhando na produtiva fazenda cafeeira. Outro ponto que deve ser observado está
na retratação do cafezal localizado do lado direito da tela: a cor ocre do morro indica
um processo de erosão do solo típico da produção do café
39
. No lado esquerdo da
tela, Facchinetti deixa explícita numa visão quiçá crítica, uma vez que ele poderia
escolher um ponto de vista
40
que ocultasse o fenômeno a transformação da Mata
Atlântica em pasto, visão que é reforçada pela presença de um grande terreno
desmatado. Sobre a representação pictórica da fazenda produzida por Facchinetti,
Rafael Marquese destaca:
Foi justamente este último cafezal, com mais de vinte e cinco anos de
exploração, que Facchinetti representou. Ao anotar visualmente o que
estava ocorrendo de fato na propriedade do segundo barão do Rio Preto, o
italiano dava a ver toda a lógica da formação da paisagem agrária do Vale
do Paraíba (derrubada das matas, plantio alinhado vertical dos cafezais,
exploração por cerca de um quarto de século, esgotamento das plantas,
conversão dos cafezais envelhecidos em pasto), sem omitir seus resultados
profundamente danosos, como o processo erosivo. (MARQUESE, 2007, p.
64).
Outro exemplo é a representação pictórica da fazenda Montalto (Ilustração
83), localizada no município de Barra do Piraí, que fora encomendada pelo
proprietário, Mathias Gonçalves de Oliveira Roxo, e finalizada pelo nosso pintor em
1881.
39
A respeito da deterioração do solo provocado pelo cultivo de café ver, por exemplo: LATIF, 1965,
p. 173; FARIA, 2002, p. 108.
40
Peter Burke comenta que mesmo fotografias podem revelar associações políticas e ideológicas:
―de acordo com suas atitudes políticas, os fotógrafos escolhiam repesentar as casas mais
deterioradas, a fim de apoiar a campanha pela extinção dos cortiços, ou as de melhor aparência,
para se oporem a isto‖ (BURKE, 2004, p. 106).
154
Ilustração 83. Fazenda Montalto, 1881. Óleo sobre tela, 47 x 107 cm. Coleção Fadel, Rio de Janeiro.
Em contato direto com a obra, pôde-se constatar que a representação da
fazenda foi, realmente, realizada por encomenda, uma vez que Nicolau Facchinetti
registrou no verso da tela vários detalhes: Fazenda Montalto. Propriedade do JLL:
Snr. Mathias Gonçalves d’Oliveira Roxo – Quadro de encomenda do mesmo Senhor,
pintado fielmente do natural de Julho a Agosto de 1881. (effeito da manhã a 8 horas
e + 2).
Mais uma vez, Facchinetti retrata a fazenda com vista panorâmica e utiliza-se
de escalas tonais perspectiva rea para conseguir o efeito de profundidade. A
pintura contém uma palheta com tonalidades avermelhadas e esverdeadas na
representação das montanhas e vales que compreendem a maior parte da tela. As
montanhas e os vales se destacam sobre um céu completamente azul e sem
formação de nuvens. O primeiro plano, no qual é representado no canto esquerdo
uma elevação de terra onde estão plantadas algumas árvores, entre elas bananeiras
e s de café, é novamente trabalhado com tons mais escuros que o restante da
obra. Um pouco mais adiante se pode observar, em plena atividade, a
representação da sede da fazenda, porém, figuram no local somente cinco escravos
que, comparados à grandiosidade da paisagem, aparecem diminutos e quase
imperceptíveis. Chama atenção o fato de que, apesar da pintura retratar a fazenda,
Facchinetti concebe e retrata o espaço arquitetônico de maneira secundária, dando
prioridade para a representação da topografia da região.
155
De forma idêntica à pintura anterior, da fazenda Flores do Paraíso, Facchinetti
retrata a fazenda Montalto focalizando a devastação da mata para o plantio do café.
No primeiro plano, está concentrada a produção cafeeira e a plantação, a erosão do
solo e a conversão do velho cafezal improdutivo em pasto estão apontadas no plano
mais ao fundo, juntamente com o morro mais elevado que se encontra no centro da
pintura morro que deu origem ao nome da fazenda. Quando o olhar se desloca em
direção ao lado direito da tela, o pintor parece chamar a atenção do expectador para
essa degradação.
Talvez, o enfoque adotado por Facchinetti nessas duas representações
pictóricas de fazendas, esteja relacionado à discussão, então em voga, entre
intelectuais da época, sobre a questão ambiental na valorização da nação, na
construção da nacionalidade. Como mencionado no capítulo anterior, os discursos
de identidade nacional se davam também por meio da pintura com temas históricos,
retratos e da valorização das características peculiares de nossa paisagem
41
,
consagrada com o romantismo que se desenvolveu no Brasil que engendrou uma
ideologia nacionalista para o recente criado estado brasileiro. Como destaca Maria
Pace Chiavari:
A sua especialização no estudo da paisagem coincide cronologicamente
com a consagração do romantismo no Brasil, prenunciada na poesia, na
literatura e na música. Paralelamente, o novo interesse pelo ―gênero‖ reflete
a grande importância adquirida nesse período histórico do espaço
construído, fosse ele urbano, como produto coletivo, ou agrário, como uma
fazenda de café, organizada segundo novos métodos de produção.
(CHIAVARI, 2004, p. 45).
Pelo argumentado até aqui, pode-se ter a falsa impressão de que Nicolau
Antonio Facchinetti, ao se tornar pintor de paisagens, passou a se dedicar às vistas
rurais, ou às de regiões distantes da urbe central do Rio de Janeiro: fazendas,
Petrópolis, Teresópolis, Paque... Na verdade, Facchinetti também se dedicou as
clássicas vistas eternizadas por outros pintores estrangeiros e nacionais. Seus
pincéis também buscariam traduzir para as telas a paisagem da cidade, cuja peculiar
luminosidade inebria o olhar:
41
Ver a respeito dessa discussão, por exemplo: MATTOS, 2008.
156
Auroras em que o azul se irmana com o rosa e o amarelo. Dias luminosos,
sem iguais no Mundo. Céu riscado de sangue, ouro, prata e roxo.
Impenetraveis nuvens plúmbeas ou lençóis de algodão estacionam no
espaço, tornando a atmosfera triste ou alegre. Nuvens transparentes, rolos
fugidios ou montanhas e paisagens aéreas que avançam, correm e
desaparecem. Ocaso: quase sempre incendiado; do dia que não volta mais.
(RIOS FILHO, 1941, p. 43).
Na sua leitura da nossa paisagem, Nicolau Facchinetti dá preferência às
representações paisagísticas onde o u é retratado com poucas ou sem nenhuma
formação de nuvens. Nesse sentido, elege as primeiras horas do dia ou o
entardecer, momentos em que a coloração do firmamento deixa transparecer as
tonalidades avermelhadas, amareladas e rosáceas, que iriam caracterizá-lo,
combinadas com o sol dos trópicos e o azul da atmosfera, ou combinadas no
encontro da luz tropical com as formações montanhosas que contornam a nossa
cidade. As escolhas dos motivos paisagísticos que caracterizam a geografia do Rio
de Janeiro variaram entre as retratações litorâneas e arredores da cidade: Baía de
Guanabara, Botafogo, Flamengo, Lagoa Rodrigo de Freitas, Praça XV e Tijuca.
Conforme se comentou no capítulo anterior, a Baía de Guanabara se
destacava diante dos olhos estrangeiros. Muitas vistas pictóricas da baía buscariam
enfatizar a autêntica paisagem tropical destacando, talvez na maioria das vezes, o
seu elemento tido como o mais significativo para os viajantes: o Pão de úcar
provavelmente em razão de sua privilegiada posição que permite a observação de
diferentes pontos da cidade como, por exemplo, do Centro, da Lagoa e de
Copacabana a Ipanema (CHIAVARI, 2000, p. 72). Porém, também seriam
numerosas as pinturas produzidas por artistas viajantes evidenciando uma visão de
conjunto da paisagem natural com a urbana.
Numa observação mais acurada dessas representações paisagísticas, pode-
se verificar a tendência a produções panorâmicas, nas quais a composição
normalmente se divide em três faixas que compreendem o mar, a terra e o céu. A
paisagem, em geral, é bem delineada (predominando o desenho sobre a cor), a
cidade parece se expandir luminosa e serenamente enquanto a parte marítima é
retratada com diversas embarcações a povoá-la. Como destaca Anna Maria Fausto
Monteiro de Carvalho (2000, p. 45), trata-se de ―uma visão bucólica, romântica, em
que a natureza e o construído convivem numa atmosfera serena e luminosa‖.
Durante o período em que Facchinetti viveu na cidade, parece haver nas
representações da Baía da Guanabara, incluindo nas suas, um conflito velado:
157
Do Segundo Reinado aos inícios da República, o embate entre fruição
estética e documentação, entre a natureza e o construído, entre sentimento
e contemplação se acentua através da sensibilidade de pintores,
gravuristas, e também através das novas técnicas de apreensão da imagem
a daguerreotipia e a fotografia. (CARVALHO, 2000, p. 45).
A Baía de Guanabara, com sua mítica configuração geológica
42
, encanta o
olhar do pintor Nicolau Facchinetti, motivando-o a retratá-la diversas vezes. Um bom
exemplo dessas representações é a tela intitulada Entrada da Baía do Rio de
Janeiro (Ilustração 84), de 1883, que, segundo declaração do autor inscrita no verso
da mesma, seria a primeira repetição do quadro original de mesmo título. É uma
pintura de vista panorâmica horizontal, onde o céu compreende a metade superior
da tela em tonalidades de azul e amarelo apresentando uma atmosfera límpida,
isenta de nuvens.
Ilustração 84. Entrada da baía do Rio de Janeiro, 1883. Óleo sobre madeira, 20,4 x 70 cm. Museu do
Primeiro Reinado, Rio de Janeiro.
A metade inferior abarca as formações rochosas e as águas calmas da baía
em cores que variam do azul ao esverdeado. A vegetação que circunda os morros
também é representada, e a luz banha toda a paisagem por igual. O pintor utiliza
tons quentes na composição e, mais uma vez, o primeiro plano se apresenta em
tonalidades mais escurecidas e o efeito de profundidade é produzido com o uso da
perspectiva aérea; traduz para a tela a vegetação ricamente trabalhada nos seus
detalhes, sendo possível identificarem-se elementos naturais típicos da região, como
42
Os sucessivos relevos da Pedra da Gávea até o Pão de Açúcar, vistos do mar ao longo da costa, à
entrada da baía, dão a ilusão de um gigante deitado, escultura atribuída a artífices de tribos
desconhecidas inspirando diversos contos míticos (CHIAVARI, 2000, p. 67).
158
as palmeiras e alguns cactos que surgem no entorno das pedras. A disposição dos
elementos paisagísticos, as tonalidades e a horizontalidade da pintura deixa
transparecer uma tranquilidade reinante no local. Diferentemente de outros artistas
viajantes que retrataram a Baía de Guanabara, Facchinetti não representa nesta
vista as idas e vindas de embarcações, seu objeto de estudo parece ser tão
somente a natureza.
A mesma sensação de tranquilidade pode-se perceber na obra Panorama do
Rio de Janeiro (Ilustração 85).
Ilustração 85. Panorama do Rio de Janeiro, sem data. Óleo sobre tela, 100,8 x 300,0 cm. Museu
Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
Com um ângulo de visão diverso da pintura anterior, a composição possui
uma luz centralizada destacando a Ilha Fiscal e, como o próprio título da obra
anuncia, trata-se de uma vista panorâmica. A estrutura da tela é trabalhada na
horizontal buscando enquadrar o máximo possível da extensão da baía. Na pintura,
trabalhada em tonalidades violáceas e esverdeada, são representadas algumas
embarcações ao longo do extenso mar e de variadas casas no entorno da baía
demonstrando que, já naquela época, a região era bastante povoada (Ilustração 86).
159
Ilustração 86. Panorama do Rio de Janeiro, sem data. Óleo sobre tela, 100,8 x 300,0 cm. Museu
Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. (detalhe).
O primeiro plano, onde ele utiliza tons mais escurecidos e onde se destaca
um pequeno ângulo de luminosidade, é formado pela representação dos aspectos
marítimos da baía, pela Ilha Fiscal e por uma embarcação. Analiticamente, pode-se
dividir a tela em duas partes iguais: na parte inferior, o pintor interpreta o mar com
águas serenas e tranquilas, ao passo que, na parte superior, representa o céu em
tonalidades violáceas com pontos de luminosidade amareladas. A separação entre o
mar e o céu é feita pelo encadeamento de montanhas que cinge a Baía de
Guanabara e pode-se avistar, mais ao fundo, do lado esquerdo da tela, a insinuação
do conjunto rochoso do Dedo de Deus. O olhar do observador, em razão da
utilização da perspectiva linear adotada pelo pintor na reprodução, dirige-se
naturalmente da base da Ilha Fiscal para o Dedo de Deus. Essa composição, se
comparada a várias outras representações paisagísticas do artista, se destaca por
apresentar algumas novidades: Facchinetti muda sua palheta dedicando-se aos tons
mais frios, uma grande massa de nuvens, um céu praticamente nublado, substitui
seu costumeiro céu azul e uma razoável movimentação de transportes marítimos é
retratada.
Ainda em relação às pinturas paisagísticas de Facchinetti, cujo objeto é a
Baía de Guanabara, vale destacar que em visita às obras do pintor pertencentes à
coleção Fadel, se teve contato com uma preciosidade, ausente na bibliografia sobre
160
o pintor, que em muito se difere das pinturas analisadas até aqui: trata-se da obra
Paisagem Marinha, de 1893 (Ilustração 87).
Ilustração 87. Paisagem Marinha, 1893. Óleo sobre tela. Coleção Fadel, Rio de Janeiro.
Talvez o principal diferencial encontrado nessa obra paisagística seja a
presença de uma vocação cronística no pintor. Na obra é retratada uma
movimentação da Praça XV que, pelo menos até o ano de 1910, era bastante
movimentada em razão de ser o principal cais de desembarque de mercadorias e
passageiros com inúmeras embarcações, quiosques e vários grupos de pessoas
o que não se vê em outras obras do artista.
O famoso Largo do Paço, na época do Império, era considerado o coração da
cidade e foi testemunha de muitos acontecimentos históricos marcantes do país e,
com a Proclamação da República, em 1889, foi renomeada para Praça XV de
Novembro data da proclamação. Na pintura, Facchinetti não enfoca os grandes
ícones do local como o Paço Imperial e o chafariz da pirâmide do Mestre Valentin,
mas, até aqui, não haveria novidade, pois, como se viu, o pintor buscava quase
sempre valorizar o natural em detrimento do construído. Porém, e aí sim uma
161
novidade, na pintura os elementos naturais estão dispostos juntos com os
construídos, ela é, ao mesmo tempo, uma paisagem natural e urbana do Rio de
Janeiro, uma reprodução do dia-a-dia do cais com transeuntes, quiosques,
embarcações com passageiros e tripulantes. Cabe salientar, contudo, que toda essa
narrativa se concentra no primeiro plano da pintura e, nos planos subsequentes, ele
segue com a retratação da paisagem: a representação do mar com embarcações; o
casario no bairro da Saúde, no lado esquerdo da tela; a Ilha Fiscal; a Ilha das
Cobras; e mais adiante, no plano de fundo, as cadeias de montanhas da baía. A
composição é bem equilibrada, a luz é introduzida banhando toda a tela e a
tonalidade da obra varia nos vermelhos, azuis e verdes. A tela se divide em três
faixas horizontais: Praça XV, parte marítima até a linha das montanhas e o
firmamento, no qual predomina a cor azul intensa e pode-se perceber, nos três
planos, grande desenvoltura do pintor nos detalhes empregando técnicas
miniaturistas. Observando a obra, pode-se afirmar que se trata de uma escolha
atípica em se comparando a outras vistas produzidas pelo artista. No entanto,
mesmo sendo atípica essa escolha do motivo paisagístico, podemos constatar a
fidelidade do pintor em representar os aspectos da realidade, como demonstra
fotografia do mesmo local realizada no início do século XX (Ilustração 88).
Ilustração 88. Praça Quinze de Novembro, Rio de Janeiro, início do século XX. (COHEN, 1998, p.
20).
162
Nicolau Facchinetti não produziria vistas da cidade do Rio de Janeiro somente
da área Central, mas também em algumas áreas da Zona Norte, como, por exemplo,
a região da Tijuca. O bairro começou a ser densamente ocupado em função das
plantações de café, depois do declínio da cana-de-açúcar. Em 1870, a região passa
a ser considerada como zona urbana e seus vários sítios e chácaras vão, pouco a
pouco, desaparecendo para dar lugar às inúmeras ruas que modificam por inteiro a
característica anterior do bairro (SEARA, 2004, p. 176). Na região, Facchinetti
retratou, tal como os naturalistas e pintores documentaristas do início do século XIX,
um fenômeno natural que ele observara na Rua Haddock Lobo e que recebera o
título de Fenômeno vegetal Figueira brava (Ilustração 89). A obra, datada de 1897,
foi a última do artista a figurar em uma Exposição Geral de Belas Artes,
precisamente na do ano de 1900. Nessa obra, o tema principal são as duas árvores
germinadas que estão dispostas no centro da tela em grandes massas de variadas
tonalidades de verdes. A composição, produzida em espaço vertical, é bem
equilibrada nas duas extremidades da tela, as quais estão organizadas com o lado
esquerdo representando um pequeno estábulo e o lado direito com a representação
de uma residência. As imensas árvores de copas verdes se destacam no céu azul
com algumas massas de nuvens de coloração mais escurecida em suas bordas. A
profundidade é produzida por meio de escalas tonais sendo o primeiro plano
trabalhado em tons mais escuros e no plano de fundo estão representados grupos
de palmeiras, residências e uma fábrica que lança pela sua chaminé fumaças que se
fundem com a formação de nuvens.
163
Ilustração 89. Fenômeno vegetal figueira brava, 1897. Óleo sobre tela colada sobre madeira, 54,5
x 49,2 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
Vale lembrar que a região, no século XIX, abrigou diversas fábricas de
tecidos, xarope e cigarros e essa mesma época foi construída a Fábrica Confiança
que seria eternizada na música Três Apitos de Noel Rosa: ―Quando o apito / da
fábrica de tecidos / vem ferir os meus ouvidos / eu me lembro de você [...]. Você que
atende ao apito / de uma chaminé de barro / por que não atende aos gritos / tão
aflitos da buzina do meu carro?‖.
164
A representação da vista paisagística Fenômeno vegetal Figueira brava
possui o reconhecível estilo detalhista de Facchinetti que, mais uma vez, reproduz
os variados pormenores do local, do primeiro ao último plano da pintura.
A Zona Sul da cidade carioca também é objeto de várias obras do artista,
parece ser, na realidade, a região com o maior número de representações feitas pelo
artista. Na Exposição Geral de 1884, na qual Facchinetti apresenta nada menos que
quinze pinturas paisagísticas, por exemplo, expôs a obra Lagoa Rodrigo de Freitas
(Ilustração 90), que parece ter agradado aos acadêmicos, pois, no ano seguinte, a
mesma seria adquirida pela Academia Imperial de Belas Artes como demonstra o
recibo de compra pertencente ao Museu Dom João VI (Ilustração 91). Sobre a obra,
Ângelo Agostini declara: ―É o melhor quadro que tem pintado o distinto paronamista‖
(AGOSTINI apud MELLO JÚNIOR, 1982, p. 34).
Ilustração 90: Lagoa Rodrigo de Freitas, c. 1884. Óleo sobre madeira, 22,7 X 65 cm. Museu Nacional
de Belas Artes, Rio de Janeiro.
165
Ilustração 91. Recibo da compra efetuada pela Academia do quadro “Lagoa
Rodrigo de Freitas”. Documento 1299, Museu D. João VI / EBA / UFRJ, Rio de
Janeiro.
Na verdade, a Lagoa Rodrigo de Freitas é retratada várias vezes pelo pintor,
mas vale destacar, além da acima citada, três outras obras: Vista da Lagoa Rodrigo
de Freitas tomada da Chácara Tosta (Ilustração 92), Parte ocidental da Lagoa
Rodrigo de Freitas tomada da quinta do Callau (Ilustração 93) ambas de 1879 e
Vista tomada da varanda da casa nº 81 no Cosme Velho (Ilustração 94), de 1885.
166
Ilustração 92. Vista da Lagoa Rodrigo de Freitas tomada da Chácara Tosta, 1879. Óleo sobre
madeira, 13 x 23 cm. Museu Imperial de Petrópolis, Rio de Janeiro.
Ilustração 93. Parte ocidental da Lagoa Rodrigo de Freitas tomada da Quinta do Callau, c. 1879.
Óleo sobre madeira, 13 x 23 cm. Museu Imperial de Petrópolis, Rio de Janeiro.
167
Ilustração 94. Vista tomada da varanda da casa nº 81 no Cosme Velho, 1885. Óleo sobre madeira,
18 x 45 cm. Museu Imperial de Petrópolis, Rio de Janeiro.
As duas obras de 1879 se assemelham por seu colorido de tonalidades mais
terrosas e verdes acinzentados, por massas pictóricas nas representações de
montanhas não muito trabalhadas no plano de fundo das telas e por grupos de
vegetação inseridos no primeiro plano. Nessas duas vistas da Lagoa, diferenciadas
no seu ângulo de visão uma é do lado oriental e outra do lado ocidental , a
vegetação do primeiro plano, apesar dos detalhes nas folhagens das variadas
árvores, se configura por meio de pequenos grupos de manchas pictóricas
esverdeadas que parecem aplicadas de forma espontânea e rápida sobre a tela.
a obra, que participou da Exposição de 1884, se sobressai em relação às
outras duas pelo seu tratamento pictórico e esquema compositivo. A pintura é
apresentada de maneira mais equilibrada, os volumes são distribuídos por todo o
espaço do suporte e o detalhismo é aplicado do primeiro ao último plano da tela,
onde se podem perceber com nitidez as formações montanhosas ao fundo inseridas
com suavidade na representação paisagística. As tonalidades quentes são
trabalhadas com cores mais intensas, e a luz é empregada de maneira uniforme
sobre toda a pintura e a horizontalidade da tela nos oferece uma visão mais extensa
da Lagoa Rodrigo de Freitas.
A pintura de 1885 é muito semelhante à que figurou na Exposição, tanto no
que diz respeito às tonalidades quentes utilizadas, quanto à distribuição dos
elementos paisagísticos na composição da obra. Além disso, o artista adota a
mesma atitude representativa nas vistas paisagísticas da Lagoa retratadas em 1884
e em 1885, a saber: 1) pintura equilibrada por meio das duas massas de vegetação
168
dispostas nos dois lados da tela; 2) utilização de escalas tonais para obter a
perspectiva aérea; 3) ângulo de visão extenso da Lagoa; 4) formações montanhosas
no plano de fundo, representadas nitidamente; 5) luz banhando toda a tela, e; 6)
emprego do detalhismo em todos os planos da pintura.
Se diferenças significativas nos dois grupos de pinturas, as de 1879 e as
da década seguinte, há, contudo, também semelhanças. As quatro vistas
apresentam organização da composição que intercala os elementos paisagísticos: a
vegetação introduzida no primeiro plano em tonalidades mais escuras; a retratação
da água e das montanhas que se destacam contra o céu; a presença de palmeiras
no plano de destaque, e; a reprodução de edificações sem, no entanto, a presença
da figura humana.
Também na Zona Sul da cidade, o pintor retratou vários recantos do bairro do
Flamengo, que teria recebido esse nome devido aos inúmeros pássaros viventes em
suas imediações chamados de flamingos ou de flamengos. Na região, que somente
seria transformada em bairro residencial de classe alta por volta da segunda metade
do século XIX, destacava-se a Rua Paissandu, assim nomeada em homenagem à
conquista pelo Brasil do porto fluvial de Paissandu, em 1864, no Prata. O destaque
da rua, ornamentada com palmeiras imperiais, devia-se ao fato de ali residir o casal
Conde d‘Eu e Princesa Isabel, no Palácio que hoje se conhece como Palácio
Guanabara sede do Governo (COHEN, 1998, p. 69 e passim).
Facchinetti registrou a famosa rua em sua tela Rua Paissandu e Barão do
Flamengo balneário High Life, de 1886 (Ilustração 95). O artista utiliza nessa
pintura tonalidades de cores quentes que se sobrepõem a um céu de cor azul que
abrange grande parte da tela, sendo somente cortado pela representação de duas
palmeiras em destaque no primeiro plano da tela, que obedece ao mesmo padrão
adotado nas obras já analisadas: aplicação de tons mais escuros. O olhar do
observador é direcionado através da linha perspéctica utilizada na execução das
ruas que vão ao encontro do conjunto de montanhas onde está localizado e se
destaca o Corcovado. A composição é bem equilibrada e detalhada com
representações de palmeiras, construções arquitetônicas, tipos variados de
vegetação e montanhas. É importante se observar que, da mesma forma que nas
várias outras vistas retratadas por Facchinetti, nesta também se encontra ausente a
representação de figuras humanas, mesmo sendo a localidade possuidora de
diversas residências.
169
Ilustração 95. Rua Paissandu e Barão do Flamengo Balneário High Life, 1886. Óleo sobre madeira,
17,5 x 29,5 cm. Museu Imperial de Petrópolis, Rio de Janeiro.
Bem próximo ao bairro do Flamengo e também na Zona Sul da cidade,
encontra-se o bairro de Botafogo onde Facchinetti retratou várias vistas. Até o início
do século XIX, Botafogo era uma região ocupada por grandes fazendas que aos
poucos seriam desmembradas e formariam uma rie de chácaras, inicialmente
destinadas ao lazer e ao descanso das elites. Na segunda metade do século XIX, as
chácaras vão se tornando residências definitivas, e muitos barões do café se
estabelecem na região dando início ao processo de urbanização do bairro que
ensejou o surgimento de comércio, a construção de inúmeras outras casas e um
serviço regular de transportes (os bondes). Também contribuiu para o
desenvolvimento do bairro a Praia de Botafogo que, no século XIX, era considerada
como o melhor local para o banho de mar prática consagrada pelos membros da
Família Imperial que a elegeram como sua praia favorita
43
.
Em geral, as vistas produzidas por Facchinetti em Botafogo focalizam a
paisagem praiana, porém, em 1879, finaliza a obra Vista do Corcovado tomada da
casa 49 da Rua Real Grandeza (Ilustração 96), onde a vista se volta para o
43
Para maiores esclarecimentos a respeito do bairro de Botafogo ver, por exemplo: CAVALCANTI,
1986; TERRA, 2004.
170
interior do bairro. Pintura feita por encomenda pelo proprietário da residência, a
composição é realizada com grandes massas pictóricas que formam o Morro do
Corcovado, no plano de fundo, e um pequeno morro com vegetação no primeiro
plano. Como de costume, no primeiro plano o adotados tonalidades mais escuras
e o efeito de profundidade é conseguido com a utilização de escalas tonais. A vista
do Corcovado é destacada pela introdução de uma árvore no canto esquerdo da
tela, que se comunica com a verticalidade do mesmo, e pela incidência maior de luz
em tonalidades amareladas e alaranjadas contrastadas com o azul do céu. Na
extensão da pintura, o artista reproduz as inúmeras casinhas localizadas entre os
dois planos compostos pelos morros e, apesar do detalhamento da árvore no
primeiro plano, a pintura não segue a característica marcante do pintor, o
detalhismo, pois é concebida por meio de manchas que apenas sugerem os
detalhes.
Ilustração 96. Vista do Corcovado tomada da casa 49 da Rua Real Grandeza, 1879. Óleo sobre
madeira, 12,6 x 23 cm. Museu Imperial de Petrópolis, Rio de Janeiro.
Em relação às vistas praianas de Botafogo, três representações paisagísticas,
produzidas por Nicolau Facchinetti, acredita-se, merecem destaque: Vista do Morro
Pão de Açúcar, Praia de Botafogo e Vista de Botafogo tomada da casa nº 49 da Rua
Real Grandeza. As três obras possuem algumas semelhanças entre si e entre o
171
conjunto da obra do pintor, facilmente detectáveis: 1) utilização de escalas tonais
para produzir o efeito de profundidade; 2) tonalidades terrosas e esverdeadas; 3)
vegetação em destaque no primeiro plano, sendo este trabalhado em tons mais
escuros; 4) representação de residências, de montanhas e do mar com águas
tranquilas, e; 5) a retratação do céu abrangendo, pelo menos, metade da tela.
Na representação paisagística Praia de Botafogo (Ilustração 97), de 1868, em
que Facchinetti retratou a extensão da orla, a visão do observador é dimensionada
pela aplicação de pontos de fuga próximos ao morro do Corcovado localizado à
direita da tela. As folhagens da árvore, a qual aparece no lado esquerdo da pintura,
assim como as palmeiras, são detalhadamente trabalhadas. Pode-se observar uma
profusão de residências no entorno da orla e que algumas poucas pessoas são
retratadas no local, pelo menos não é uma ausência absoluta como em outras telas.
Ilustração 97. Praia de Botafogo, 1868. Óleo sobre tela, 50 x 84 cm. Museu Imperial de Petrópolis, Rio
de Janeiro.
A representação da figura humana também está presente na obra Vista do
Morro Pão de Açúcar (Ilustração 98), de 1868, porém, nesta pintura, é retratada
somente uma figura masculina que se apresenta quase de costas para o
observador. A imagem marítima possui maior amplitude e reflete as tonalidades
terrosas do céu; a paisagem se apresenta com tons mais densos, o verde da
172
vegetação é mais carregado e o morro é representado com cores mais sombrias; a
composição é trabalhada com uma luz que banha toda a pintura e a maior
concentração de massa do lado direito da tela induz o olhar do observador, numa
espécie de curva, ao tema principal da obra: o Morro Pão de Açúcar.
a pintura Vista de Botafogo tomada da casa 49 da Rua Real Grandeza
(Ilustração 99), de 1879 mesmo endereço e ano da Vista do Corcovado, analisada
anteriormente , difere das duas obras anteriores no que diz respeito ao ângulo de
visão. Trata-se de uma vista panorâmica da região, onde se pode observar uma
vasta extensão da malha urbana que vai ao encontro do mar que parece espremido
entre as montanhas e a cidade. No primeiro plano, localizada bem no centro da tela,
novamente se destaca uma árvore, e a sua verticalidade e centralidade faz a pintura
se dividir em duas partes, sendo que a maior massa está presente no lado direito.
Apesar das numerosas residências, a paisagem natural se sobrepõe à construída e,
mais uma vez, percebe-se a ausência total de figuras humanas.
Ilustração 98. Vista do morro Pão de úcar, 1868. Óleo sobre tela, 56,5 x 79,5 cm. Coleção Fadel,
Rio de Janeiro.
173
Ilustração 99. Vista de Botafogo tomada da casa 49 da Rua Real Grandeza, 1879. Óleo sobre
madeira, 12,7 x 23,6 cm. Museu Imperial de Petrópolis, Rio de Janeiro.
Na pesquisa iconográfica que se desenvolveu sobre as obras de Nicolau
Facchinetti, encontrou-se, no livro Facchinetti, de Donato Mello Júnior, a reprodução
de uma obra intitulada Vista do Pão de Açúcar (Ilustração 100), sem data,
praticamente idêntica à obra mencionada anteriormente, Vista do Morro Pão de
Açúcar. Ambas possuem as mesmas dimensões, o mesmo motivo paisagístico,
exatamente o mesmo ponto de vista, a mesma composição, o mesmo traçado, o
mesmo desenho... As únicas mudanças perceptíveis são as tonalidades mais
escurecidas, puxadas para o marrons e ocre a pintura é praticamente
monocromática e a ausência da figura masculina no primeiro plano.
174
Ilustração 100. Vista do Pão de Açúcar, sem data, óleo sobre tela, 56 x 80 cm. (MELLO JÚNIOR,
1982).
Feita essa breve análise de algumas obras de Nicolau Facchinetti, cabe
desvendar se existe relação entre as suas pinturas paisagísticas do Rio de Janeiro e
a tradição artística italiana do pintor para que se possa compreender as suas
escolhas e as suas características estilísticas.
Ao que tudo indica, suas influências artísticas estão intimamente ligadas ao
seu passado italiano, quando, na região do vêneto, vivenciou, até seu embarque
para o Brasil aos vinte e cinco anos, o ambiente artístico desenvolvido na região
naquela época e onde a pintura de paisagem se destacava.
A pintura de paisagem, amplamente praticada em Veneza, alcançaria, a partir
do século XVIII, um papel de grande destaque, sobretudo após a grande
notoriedade conquistada por artistas como Canaletto, Bernardo Bellotto, Francesco
Guardi, entre outros, e seria difundida em grande escala na região até, pelo menos,
a metade do século XIX. Muitos fatores contribuíram para o sucesso da pintura
paisagística veneziana, mas esse sucesso deveu-se, em grande medida, ao intenso
175
mercado de artes da região que era alimentado por muitos estrangeiros e
colecionadores, que por demandarem esse tipo de pintura acabariam por influenciar
as escolhas e os critérios utilizados pelos pintores que desejavam obter algum
destaque no ambiente artístico e comercial daquele período. Nicolau Facchinetti, por
certo, não passou incólume por esse contexto artístico e cultural e podemos verificar
algumas influências dos pintores vênetos do século XVIII em especial Guardi
incutidas nas características estilísticas do pintor. O uso da perspectiva aérea e da
luz que cria vibrações cromáticas peculiares (CHIAVARI, 2004, p. 40), por exemplo,
está presente na obra do pintor. Mas a influência não para por aí: é também
reconhecível claramente em Facchinetti a sua ligação com as vedutas venezianas
44
,
que consistiam numa acurada representação paisagística de caráter topográfico
valendo-se do domínio da perspectiva. Analisando suas vistas, se evidencia a sua
preferência por pontos de vista altos, pelos recantos e pequenas enseadas, que é
por certo uma característica da veduta.
Valéria Piccoli comenta que a produção da veduta não foi uma exclusividade
de Veneza e afirma que o gênero era praticado também em outras regiões da
península itálica, como em Nápoles e Roma. Segundo a autora, é possível encontrar
nas produções paisagísticas de Facchinetti semelhanças com outros vedutistas
italianos no que diz respeito à estrutura da pintura dentro das normas clássicas e o
apurado desenho que visa à investigação da natureza. A autora ainda destaca as
semelhanças geográficas entre o litoral napolitano e o carioca. Nesse sentido
observa:
Embora possa parecer pouco ortodoxo, que Facchinetti provavelmente
nunca esteve em Nápoles, comparações entre alguns de seus quadros e
vistas da capital borbônica da Itália meridional podem ser esclarecedoras.
Afinal, a conformação do litoral napolitano guarda semelhanças com a
situação geográfica em que se assenta o Rio de Janeiro. A paisagem
napolitana, assim como a carioca, é marcada pela presença de
promontórios que oferecem pontos de vista para golfos e baías, onde se
multiplicam ilhas e perfis longínquos de montanhas. (PICCOLI, 2004, p. 28).
Outro traço referente à veduta presente nas telas do nosso pintor são os
souvenirs: várias versões de uma mesma paisagem feitas em pequenos formatos e
que eram vendidos aos turistas em Veneza. Nicolau Facchinetti, como se viu,
44
Para maiores explicações sobre as vedutas venezianas, ver: ARGAN, 2003, p. 404.
176
também foi representante desse tipo de arte e pode-se destacar a esse respeito as
inúmeras reproduções semelhantes de vistas de Paquetá ou de Teresópolis.
Igual influência se pode perceber em uma das características mais relevantes
da pintura de Facchinetti que é a dedicação cautelosa na aplicação dos valores
tonais da paisagem, e, nesse sentido, é necessário que se destaquem as suas obras
produzidas com a técnica da grisalha
45
a qual permite a criação da tonalidade geral
da pintura que é submetida, em seguida, a aplicação de camadas transparentes de
cor. Esse método utilizado pelo nosso artista em algumas obras foi muito utilizado
pelos pintores vênetos.
As representações paisagísticas de Facchinetti também são marcadas pelo
seu verismo
46
, visivelmente caracterizado na sua preocupação de registrar
meticulosamente os pequenos detalhes do conjunto paisagístico. Sua obra segue os
cânones clássicos da composição paisagística, estruturando a pintura em três
planos de representação e fazendo uso das escalas tonais, onde o primeiro plano é
trabalhado em tonalidades mais escuras. Utiliza elementos verticais, geralmente
árvores como nas retratações de palmeiras ou formações montanhosas para
enquadrar a visão do observador que é induzida para o plano de fundo da tela, este
com maior incidência de luz.
Vale observar que nas pinturas de paisagem, tradicionalmente, são
introduzidos no primeiro plano, pequenos grupos de figuras humanas exercendo
alguma ação para dar dinamismo à pintura onde normalmente é concentrado o
elemento narrativo. As paisagens de Facchinetti, contudo, não seguem esse
princípio geral da pintura de paisagem, pelo contrário, o artista não costuma registrar
o homem participando ativamente de suas cenas paisagísticas. Seu único motivo e
interesse é a paisagem em si, é registrar os variados pormenores que a natureza
exprime e, nesse sentido, pode-se notar sua predileção pela retratação de
elementos vegetativos no primeiro plano, e sua narrativa parece ser o que a
natureza se propõe a mostrar. Assim, em suas pinturas, a figura humana é sempre
diminuta, sendo apenas um pequeno detalhe inserido na paisagem e aparecem
solitárias ou em pequenos grupos. Isso quando a figura humana é representada,
45
―Pintura monocromática, em tons de cinza, branco e preto, destinada a sugerir relevo‖. (CUNHA,
2005, p. 410).
46
O termo verismo é designado ao movimento artístico desenvolvido na Itália no século XIX, sendo
uma vertente do naturalismo francês.
177
pois, na maior parte de suas paisagens, a presença humana está totalmente
ausente.
É possível perceber que a tipicidade do trabalho paisagístico de Facchinetti
está no encontro entre a sua tradição de origem italiana e as particularidades da
paisagem carioca, suas pinturas de paisagem oscilam entre a retratação marítima e
serrana, mas, muitas vezes, o ângulo de visão que ele adota evidencia o aspecto
geográfico mais marcante da paisagem carioca: a união entre o mar e a montanha.
É possível verificar-se, contudo, que a pintura de paisagem de Facchinetti
sofre algumas transformações no decorrer de sua permanência no Rio de Janeiro.
Apesar de tênue, nota-se uma transformação nas tonalidades que o pintor utiliza e
no detalhamento dos motivos. Suas obras, a partir da década de 1880, apresentam
tonalidades mais quentes; a representação do céu é trabalhada com pouca ou
nenhuma formação de nuvens e com áreas de luminosidade amareladas ou
alaranjadas, onde a coloração azul se apresenta com predominância; há maior
variedade de tonalidades verdes na vegetação. Também se pode verificar um
detalhamento maior da composição paisagística o que anteriormente era mais
trabalhado somente no primeiro plano, se estende, com mais frequência, até o último
plano. Em suma, o artista atinge um alto nível de perfeição da técnica pictórica e
suas pinturas, que anteriormente eram mais destacadas pelo traçado linear, passam
a se traduzir por meio da aplicação mais apurada do matiz.
As sutis modificações ocorridas em suas representações paisagísticas não o
caracterizam como um pintor inclinado aos movimentos artísticos de inspiração mais
moderna, pois sua produção permanece ligada às interpretações mais sóbrias da
pintura, no que diz respeito à pincelada suave, ao esquema compositivo e ao
tratamento dos entretons da paisagem. Vale registrar que o artista retratou as
diversas vistas do Rio de Janeiro sempre com esse estilo sóbrio que irá notabilizá-lo
praticando uma pintura com sua marca registrada: a especialidade em registrar com
fidelidade e detalhismo as peculiaridades da nossa paisagem. Afinal, essa paisagem
seria, em grande parte, registrada em razão de inúmeras encomendas requeridas
por uma emergente elite carioca que, como se viu no capítulo anterior, se
envergonhava, de certa forma, de sua nação, e buscava apresentar uma
mentalidade europeia e, assim, reproduzia tudo o que era ligado ao estilo de vida
tradicional do velho continente, em especial ao estilo de vida francês: ao contrário do
período da Independência, em que as elites intelectuais, adeptas do romantismo,
178
buscaram identificar nos indígenas o modelo de nacionalidade, as elites, do final do
século XIX, manifestavam um desejo de ser estrangeiros‖ (SEVCENKO, 2003, p.
51; SCHWARCZ, 2001, p. 23).
Nesse sentido, para as elites, a decoração de suas residências seria baseada
nos moldes mais clássicos da arte e a pintura passaria a se encontrar dentro dessa
predileção. Desta forma, a permanência de Facchinetti no Brasil e a convivência com
a cultura paisagística carioca não exigiria grandes modificações na sua arte, mas
uma maior percepção das distintas gradações atmosféricas das vistas do Rio de
Janeiro. Esse entrosamento com as nuanças resplandecentes da nossa paisagem,
todavia, modificaria para sempre o seu olhar: o ―olhar estrangeiro‖ se entrega ao
―olhar de pertencimento‖.
179
5 CONCLUSÃO
Desde as últimas décadas do século XX aos dias de hoje, a sociedade e a
arte do século XIX m recebendo uma atenção cada vez maior dos pesquisadores
e, a cada ano, o volume de pesquisas sobre o período cresce substancialmente.
Igualmente, pode-se perceber um considerado avanço no estudo da paisagem, seja
do ponto de vista geográfico, científico, histórico ou artístico. Na linha de pesquisa
adotada, analisou-se a paisagem enquanto representação pictórica, e, diante das
múltiplas abordagens possíveis em função da grande extensão analítica que o tema
paisagem enseja, considerou-se válido examinar a origem e as transformações do
conceito ao longo do tempo para melhor se compreender a construção histórica da
pintura paisagística.
Nas diversas definições de paisagem no decorrer da história, pode-se verificar
na quase totalidade delas um ponto em comum: a paisagem é um constructo da
mente humana, é a natureza vista através do nosso olhar e, portanto, a paisagem
não poder ser dissociada da existência humana. Em outras palavras: na paisagem,
natureza e homem interagem mutuamente.
Nas representações pictóricas, as inúmeras concepções da paisagem de que,
hoje, tem-se conhecimento resultaram das também inúmeras mudanças ocorridas
no relacionamento do homem com o seu entorno: a paisagem não foi sempre
percebida da mesma maneira, e isso, em grande medida, influenciou sua
representação pictórica. É certo que a representação pictórica da natureza sempre
esteve presente na vida do homem, porém, a pintura de paisagem, como hoje se
entende, não acompanhou o homem desde os seus primórdios, ela foi sendo
desenvolvida, modificada e apreendida com o passar dos séculos.
A partir da era renascentista, com o desenvolvimento das teorias artísticas e
da técnica da perspectiva, juntamente com uma nova concepção e estudo da luz e
da cor, intensificam-se mudanças na percepção do homem em relação à natureza e
ao espaço, resultando num enorme avanço no domínio da representação pictórica
da paisagem, que, consequentemente, começa a constituir-se como tema autônomo,
no século XVII, em razão da observação cada vez mais minuciosa do conjunto
paisagístico. Desenvolvendo-se no século XVIII e adentrando pelo culo XIX, a
paisagem adquire mais e mais autonomia e ganha uma nova dimensão: a paisagem
passa a ser concebida como um dos elementos que caracteriza e define uma nação.
180
No século XIX, o movimento romântico introduz uma nova concepção, um
novo olhar sobre a natureza, em que a observação direta de seu conjunto é
associada aos sentimentos do homem. Essa nova compreensão da paisagem,
associada à valorização da paisagem como ícone nacional e à pesquisa científica,
caracteriza um período de enorme importância no estudo da pintura de paisagem
brasileira, pois, nessa mesma época, diversas expedições científicas estrangeiras
percorreriam o país, revelando para os olhos europeus um novo mundo.
Afinal, com a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808, o antigo
isolamento da colônia é rompido com a abertura dos portos às nações amigas, e o
futuro país passa a ser visitado por inúmeros viajantes. Esse afluxo de estrangeiros,
que se daria ao longo de todo século XIX, se torna ainda mais intenso, a partir de
1815, quando o Congresso de Viena estabelece a paz na Europa. Dentre esses
viajantes, encontravam-se vários pintores paisagistas que aqui aportam ávidos para
entrarem em contato com a fauna e flora brasileira que muito interesse despertavam
em toda a Europa.
Pertencentes à outra cultura, esses viajantes perceberam aspectos da
realidade local que passavam despercebidos para os colonos, mas, por outro lado,
tiveram grandes dificuldades para compreenderem outros tantos aspectos dessa
mesma realidade o que é próprio do etnocentrismo. Para os pintores paisagistas,
essa relação foi ainda mais problemática, uma vez que eles não dispunham de
instrumentos culturais para retratar a nova paisagem que se apresentava diante de
seus olhos: o sol ―excessivamente brilhante‖, as cores vibrantes e múltiplas, típicas
da atmosfera tropical, geravam um certo desconforto para esses artistas.
Não existe ―olhar‖ livre de cultura. Do ponto de vista fisiológico, o olho de
qualquer ser humano exceto, é claro, para aqueles que possuem alguma patologia
é capaz de enxergar os mesmos objetos, as mesmas cores e luminosidades, mas
não de vê-las, pois, enquanto o ―enxergar‖ é uma ocorrência natural, o ―ver‖ pertence
ao domínio da cultura, uma vez que cada cultura possui as suas convenções visuais.
A cultura, no entanto, não é estática, ela está sempre em processo de transformação
e esse processo se acelera quando se estabelece uma ―zona de contato‖ onde
culturas diferentes interagem reciprocamente. Tal fato ocorreria com os pintores
estrangeiros do século XIX que se fixaram no Brasil.
No caso do pintor eleito como objeto de estudo mais específico, o italiano
Nicolau Antonio Facchinetti, a interação cultural influencia, em certa medida, o seu
181
olhar para a paisagem carioca, não provocando, contudo, mudanças radicais.
Facchinetti, sendo um pintor que se especializa em atender às encomendas da
Corte e da alta burguesia carioca, utilizou-se de suas convenções artísticas
europeias para produzir suas obras paisagísticas que retratavam as vistas do Rio de
Janeiro, pois, essa elite com mentalidade marcadamente europeia demandava
por pinturas tradicionais ao gosto do velho continente.
Atendendo aos desejos de seu seleto público, Facchinetti omitiu ou
representou poucas figuras humanas em suas obras, pois as elites não faziam a
mínima questão de ver populares, negros e mestiços em sua maioria, retratados nas
pinturas paisagísticas que encomendavam e, dessa forma, parece que o pintor
―limpava a paisagem‖, retratando e valorizando tão somente a paisagem natural.
Essa dependência em relação aos anseios de sua clientela, que almejava pinturas o
mais fidedignas possível à realidade natural, acabou por algemar e obliterar a sua
espontaneidade, garantindo a continuidade dos seus procedimentos artísticos
ligados à sua tradição europeia.
Essa continuidade, de certo modo, contraria a crença tácita de historiadores e
cientistas sociais ocidentais na transformação incessante que é normalmente
acompanhada por uma aversão à paralisia, mas deve-se ―considerar não só o
grande drama da transformação progressiva, mas também a implavel tragédia da
permanência histórica‖ (MAYER, 1987, p. 14).
Até porque, continuidade não significa ausência total de mudança. Pode-se
perceber uma pequena transformação na palheta e na cnica pictórica de
Facchinetti: com o passar dos anos em que esteve em contato com a paisagem do
Rio de Janeiro, ele desenvolve uma acurada técnica de miniaturista, seus elementos
paisagísticos vão adquirindo maior detalhamento e passam a ser aplicados em todos
os planos da tela. O artista também consegue apreender a luminosidade da
atmosfera carioca passando a utilizar tonalidades mais quentes e a retratar o céu
com uma imensidão azul, típico dos dias de verão. Como frisa Gonzaga Duque:
Pela favorável aceitação obtida Nicolau Facchinetti dedicou-se com amor à
sua arte, que a necessidade e as tendências lhe fizeram escolher. A pouco
e pouco foi-se aproximando da natureza, dando aos seus trabalhos o mérito
da fidelidade, quase o valor duma estampa botânica. Mas, em
compensação, melhorava a tonalidade, entrava, como se diz na gíria de
atelier, na cor dos nossos pores-de-sol, dos nossos verdes...
Essas duas qualidades, pacientemente conseguidas, constituíram a sua
individualidade artística. (DUQUE, 1997, p. 49).
182
Em suma, acredita-se, que o pintor Nicolau Antonio Facchinetti primou por
ingerir, adaptar e assimilar, de maneira seletiva, novos olhares, novas ideias e
práticas pictóricas, sem, contudo, ameaçar seriamente seu status de pintor europeu
admirado pela Corte; sem ameaçar seu status de “peintre de S. A. LE DUC DE
SAXE AU BRÉSIL”, conforme ele mesmo se anunciava no Laemmert, em 1897
(Ilustração 101).
Ilustração 101. Anúncio no Almanaque Laemmert de 1897.
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Estado do Rio de Janeiro: 2009.
SIQUEIRA, Vera Beatriz. Taunay e Debret: pintura e história nos trópicos. In:
Oitocentos: Arte Brasileira do Império à Primeira República. Rio de Janeiro: EBA-
UFRJ/ Dezenovevinte, 2008.
SLIGE, Seymour. Pintura holandesa 1600-1800. Tradução de Miguel Lana e
Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac & Naify, 1998.
SOARES, Rosane Bezerra. Tradição versus modernização na arquitetura do Rio de
Janeiro: ornamentos mouriscos. In: CAVALCANTI, Ana Maria Tavares (Org.).
Oitocentos Arte brasileira do Império à Primeira República. Rio de Janeiro:
EBA-UFRJ/Dezenovevinte, 2008.
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural
na Primeira República. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
SUTTON, Peter C.. El siglo de oro del paisaje holandés (Catálogo da Exposição).
Madri: Fundación Coleccion Thyssen-Bornemisza, 1994.
TERRA, Carlos Gonçalves. Paisagens construídas: Jardins, praças e parques do
Rio de Janeiro do século XIX. Tese (doutorado em História e Crítica da Arte)
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
______. A representação dos jardins na pintura. In: Anais do XXVI colóquio do
comitê brasileiro de história da arte. / Organização: Marília Andrés Ribeiro e Maria
Izabel Branco Ribeiro. Belo Horizonte: C/ Arte, 2007.
VAINFAS, Ronaldo (Org.). Dicionário do Brasil imperial (1822-1889). Rio de
Janeiro: Objetiva, 2002.
VELOSO, Caetano. Luz do sol. In: Caetanear. Rio de Janeiro: Polygram, 1989. 1
CD. Faixa 05.
WAGNER, Robert. A viagem de Thomas Ender para o Brasil. In: Abre Alas
Thomas Ender: encontro com uma nova luz. [S.l.]: Ministério Federal de Assuntos
Europeus e Internacionais da Áustria, 2007.
ZOLA, Emile. A batalha do impressionismo. Tradução de Martha Gambini. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1989. (col. Oficina das Artes).
192
7 ANEXO
Ilustrações digitalizadas da dissertação
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