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Fundação Oswaldo Cruz
Casa de Oswaldo Cruz
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências da Saúde
“O QUE TEM DE SER TEM FORÇA”:
NARRATIVA SOBRE A DOENÇA E A INTERNAÇÃO DE PEDRO BAPTISTA,
LEPROSO, MEU AVÔ (1933-1955)
ANDREA BAPTISTA FREITAS BRAGA
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
História das Ciências e da Saúde,
da Casa de Oswaldo Cruz, como
requisito parcial para a obtenção
do grau de mestre.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª ÂNGELA PORTO
Rio de Janeiro
2006
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ANDREA BAPTISTA FREITAS BRAGA
“O QUE TEM DE SER TEM FORÇA”:
NARRATIVA SOBRE A DOENÇA E A INTERNAÇÃO DE PEDRO BAPTISTA,
LEPROSO, MEU AVÔ (1933-1955)
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
História das Ciências e da Saúde,
da Casa de Oswaldo Cruz, como
requisito parcial para a obtenção
do grau de mestre.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª ÂNGELA PORTO
Rio de Janeiro
2006
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ANDREA BAPTISTA FREITAS BRAGA
“O QUE TEM DE SER TEM FORÇA”:
NARRATIVA SOBRE A DOENÇA E A INTERNAÇÃO DE PEDRO BAPTISTA,
LEPROSO, MEU AVÔ (1933-1955)
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em História das
Ciências e da Saúde, da Casa de
Oswaldo Cruz, como requisito parcial
para a obtenção do grau de mestre.
Aprovada em junho de 2006.
BANCA EXAMINADORA
À Maria Lygia Baptista Braga, minha mãe, in memorian.
Para Altamir, meu pai, Marcelo, meu amigo de todas as horas e
Paulo, meu companheiro, homens que me tornaram possível.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Ângela Porto, por ter compartilhado os dois anos intensos do
mestrado. O primeiro, foi dividido entre as matérias e a coordenação do projeto
Abrigando a Prevenção: adolescentes em situação de risco social e as DST/HIV/AIDS,
apoiado pelo Ministério da Saúde, em parceria, com a ONG Logos Sagrado. O segundo,
marcado pela total dedicação à fisioterapia para a recuperação do meu joelho machucado.
Essas intensidades apertaram os prazos, exigiram leituras urgentes, mas não
comprometeram na exigência e na dedicação, meu muito obrigada.
À Laurinda Maciel, por estar presente, atenta aos meus erros e acertos, generosa em
dividir comigo seu conhecimento sobre lepra. Mesmo vivendo o período da qualificação
do doutorado, em nenhum momento deixou de ler os meus textos e também contribuir para
a construção desta dissertação.
Aos professores Robert Wegner, Lorelai Kury, Gilberto Hochman e Flávio Edler,
do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde, pelas leituras e pelos
debates instigantes que promoveram. Desafios que muito contribuíram para o meu
amadurecimento intelectual.
A Araguarino Cabrero dos Reis, Márcio Rocha e Carlos Henrique Santoro, pelo
incentivo ao mestrado e pelos diversos trabalhos que me permitiram realizar sobre a
Aeronáutica Brasileira.
Aos irmãos Belisário, Valesca, Junior, Ana Paula e Ana Carolina, por
compartilharem a vida. Aos meus sobrinhos, Giovanna e Leonardo, que durante três meses
não dormiram na casa de sua tia, apesar dos constantes pedidos. E ao meu enteado Victor,
pelo carinho e apoio sempre.
Às amigas e irmãs, Sônia Hartmann, Valéria Frazão e Carla Toledo, sem as quais
nem sei quem sou.
À amiga Mônica Pinheiro Fernandes, pelas inúmeras vezes que respondeu aos
telefonemas e emails angustiados. Aos amigos, companheiros de trabalho e de militância
por direitos humanos, Maurício Camilo e Jaciléa Santos; sem eles, o primeiro ano no
mestrado, teria sido impossível.
À Lídia Soares Pessoa, pela generosa acolhida na casa de seus pais em Mutum,
onde foi possível reproduzir o Acervo Pessoal de Pedro Baptista. E a Cláudio José de
Souza por ter guardado tão carinhosa e cuidadosamente esse acervo por tantos anos.
À Fundação Oswaldo Cruz pelos seis meses de bolsa que viabilizaram,
principalmente, minha pesquisa no Núcleo de Memória da Saúde do Instituto de Saúde, em
São Paulo.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
p. 008
CAPÍTULO I. LEPRA: “A FILHA MAIS VELHA DA MORTE” -
CONCEITUAÇÃO DA DOENÇA
p. 018
1.1– Lepra: doença infecto-contagiosa
p. 018
1.1.1– Lepra: conceituações sobre a doença e sua profilaxia
p. 021
1.2– Lepra e leproso: estigma e identidade deteriorada
p. 030
1.3– Narrativa da doença: discussão bibliográfica e teórica
p. 039
1.3.1– A escrita epistolar
p. 047
1.3.2– O acervo pessoal Pedro Baptista
p. 050
CAPÍTULO II. “AS MÃOS NÃO SE ALCANÇAVAM”: A REDE ASILAR DO
ESTADO DE SÃO PAULO
p. 055
2.1– A profilaxia da lepra e o Estado de São Paulo: “exemplo a ser imitado”
p. 056
2.2– A rede asilar paulista
p. 063
2.2.1– O modelo conhecido como “tripé”: asilo, dispensário e
preventório
p. 067
2.2.2– Asilo-Colônia Santo Ângelo : “aqui renasce a esperança”
p. 072
2.2.2.1- Asilo-Colônia Santo Ângelo após sua inauguração
p. 075
2.2.3– Asilo-Colônia Pirapitingui
p. 080
2.2.4– Sanatório Padre Bento
p. 085
2.2.5– Asilo-Colônia Cocais
p. 087
2.2.6– Asilo-Colônia Aimorés
p. 088
2.3– A vida asilar
p. 089
CAPÍTULO III. “O QUE TEM DE SER TEM FORÇA”: A INTERNAÇÃO E A
NARRATIVA DA DOENÇA DE PEDRO BAPTISTA
p. 099
3.1 – Apresentação Biográfica
p. 100
3.2 – O Prontuário
p. 108
3.2.1– N.º 8.537: documentos sobre controle e tratamento da doença
p. 112
3.2.2– Memorando: a vigilância do Estado na vida do doente internado
p. 117
3.2.3– Documentos que relatavam eventos ligados à vida pessoal ou
social de Pedro Baptista
p. 119
3.3 – Retratos de uma vida asilar
p. 124
3,3.1– Intensidades fotográficas
p. 124
3.3.2– Asilo-Colônia Pirapitingui
p. 128
3.3.2.1– A presença das crianças
p. 133
3.3.2.2– Pedro Baptista, presidente
p. 136
3.3.2.3– A presença da igreja
p. 137
3.3.3- Asilo-Colônia Santo Ângelo
p. 139
3.4 – Narrativa da doença de Pedro Baptista
p. 142
CONSIDERAÇÕES FINAIS
p. 154
FONTES
p. 159
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
p.163
APÊNDICES
p.168
ANEXOS
p.186
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Fig. 1. Notificação de doentes de lepra – Pedro Baptista p. 015
Fig. 2. Notificação de doentes de lepra – Pedro Baptista p. 015
Fig. 3. Pedro Baptista p. 036
Fig. 4. Silvio, Pedro e Nelson – 16/6/1935 – Verso da fotografia p. 054
Fig. 5. Silvio, Pedro e Nelson – 16/6/1935 p. 054
Quadro n.º 1. Inspectoria de Profilaxia da Lepra p. 071
Fig. 6. Jornal “O Combate” p. 077
Fig. 7. Casas em madeira – Pirapitingui p. 081
Fig. 8. Casas em madeira – Pirapitingui p. 081
Fig. 9. Construção Pavilhão Protestante – Pirapitingui p. 083
Fig. 10. Construção Pavilhão Protestante – Pirapitingui p. 083
Fig. 11. Construção Pavilhão Protestante – Pirapitingui p. 083
Fig. 12. Construção Pavilhão Protestante – Pirapitingui p. 083
Fig. 13. Construção Pavilhão Protestante – Pirapitingui p. 083
Fig. 14. Igreja – Pirapitingui p. 084
Fig. 15. Vista do Asilo-Colônia Pirapitingui – 1936 p. 084
Fig. 16. Salão de Bailes – Pirapitingui p. 084
Fig. 17. Avelina, Esther e Chiquinha p. 086
Fig. 18. Jornal “Diário da Noite” p. 091
Fig. 19. Item “Observações” p. 094
Fig. 20. Carnaval 1936 – Pirapitingui p. 096
Fig. 21. Carnaval 1936 – Pirapitingui p. 096
Fig. 22. Jogo de Cestobol – Pirapitingui p. 096
Fig. 23. Pedro Baptista – 1921 p. 107
Fig. 24. Pedro Baptista – 1951 p. 107
Fig. 25. “Memorando” – Prontuário n.º 8.537 – Pedro Baptista p. 111
Fig. 26. “Ficha de Observações” – Prontuário n.º 8.537 – Pedro Baptista p. 113
Fig. 27. Item V Laudo para Alta Hospitalar” Prontuário n 8.537 Pedro Baptista p. 115
Fig. 28. “Memorando” – Prontuário n.º 8.537 – Pedro Baptista p. 118
Fig. 29. Jovaura, Bennio, Cláudio Nery, Mardro – 1934 p. 127
Fig. 30. Jovaura, Bennio, Cláudio Nery, Mardro – 1934 – verso p. 127
Fig. 31. Maria Lygia – 1941 – verso p. 127
Fig. 32. Maria Lygia – 1941 p. 127
Fig. 33. Jovaura – aos 20 anos p. 127
Fig. 34. Jovaura – aos 20 anos – verso p. 127
Fig. 35. “Grupo de pessoas de saúde” p. 129
Fig. 36. Inauguração da Torrefação de Café de Pirapitingui – verso p. 130
Fig. 37. Inauguração da Torrefação de Café de Pirapitingui p. 130
Fig. 38. Funerais Mário Azevedo p. 130
Fig. 39. Funerais Mário Azevedo p. 130
Fig. 40. Cirurgia de Apêndice – 1935 – Pirapitingui p. 131
Fig. 41. Fotografia na véspera da cirurgia p. 131
Fig. 42. Grupo de Meninas – Açude – Pirapitingui p. 133
Fig. 43. Grupo de Meninos – Açude – Pirapitingui p. 133
Fig. 44. Ditinho – Pirapitingui p. 135
Fig. 45. Grupo de Meninas Uniformizadas – Pirapitingui p. 135
Fig. 46. Aniversário Padre Telesphoro p. 136
Fig. 47. Aniversário Pedro Baptista p. 136
Fig. 48. Interior Igreja – Pirapitingui p. 138
Fig. 49. Igreja – Pirapitingui p. 138
Fig. 50. Vista do Asilo-Colônia Pirapitingui p. 138
Fig. 51. Desfile de Banda de Música p. 138
Fig. 52. Solenidade na Igreja p. 138
Fig. 53. Time de futebol infanto-juvenil p. 138
Fig. 54. “Facies leonino” p. 139
Fig. 55. Asilo-Colônia Santo Ângelo – 1949 p. 141
Fig. 56. Asilo-Colônia Santo Ângelo – 1949 p. 141
Fig. 57. Asilo-Colônia Santo Ângelo – 1949 p. 141
Fig. 58. Chico Xavier p. 141
Fig. 59. Chico Xavier – verso p. 141
RESUMO
Essa dissertação analisa a rede asilar paulista de combate à lepra, constituída como
parte integrante de um projeto de políticas públicas no período do isolamento compulsório
(1929-1967), tendo como foco principal a trajetória de vida de Pedro Baptista, internado
nos leprosários paulistas entre 1934 e 1955. Apresenta a conceituação da lepra como
doença infecto-contagiosa e a discussão sobre a política de isolamento dos doentes; esta
política foi fundamentada através das resoluções aprovadas nas Conferências
Internacionais de Lepra, ocorridas entre 1897 e 1958. Investiga ainda o estigma sobre a
lepra e o leproso através da perspectiva histórica desenvolvida no decorrer do trabalho. O
Asilo-Colônia Santo Ângelo foi o leprosário modelo da rede asilar paulista; esta se
solidificou através da implantação do modelo conhecido como “tripé”, que se organizava
no asilo, dispensário e preventório. A partir do Acervo Pessoal Pedro Baptista, constituído
por cartas e fotografias, e de seu prontuário de internação, foi possível recuperar a
trajetória de vida e analisar sua relação com a doença e com a instituição asilar.
ABSTRACT
This dissertation analyses the Sao Paulo state’s network to struggle the leprosy’s
colonies, formed as an integrated part into a public political project over the compulsory
isolation period (1929-1967), having as its main foucus the life path of Pedro Baptista,
interned at Sao Paulo´s leprosy colonies between 1934 and 1955. Analyses the leprosy
desease as an inffecto-contagious illness and the discussion over the isolation of its
patientes; this policy was fundamented based on the approved resolutions of the
International Leprosy Congresses carried-out between 1897 and 1958. It also investigates
the stigma over the leprosy and leper through the historical perspective developed across
this work. The Santo Ângelo leper colony was considered the modelar institution on Sao
Paulo state’s asilar network that became more solid through the implementation of a model
known as a ‘tripod’, which was organized as being: asile, “dispensario” and “preventorio”.
Based on Pedro Baptista’s private collection, formed by letters and photografies, allied by
to his medical record it was possible to recover his life’s path and analyse his relationship
with the desease as well as to the state’s network institution.
INTRODUÇÃO
“Sou bem nascido, Menino,
Fui como os demais, feliz.
Depois, veio o mau destino
E fez de mim o que quis.”
1
Manuel Bandeira. “Epígrafe”.
No longo processo da história da lepra
2
, elementos se repetem, tais como: a
existência social limítrofe e estigmatizada, a segregação, a interferência da esfera pública
na experiência privada da doença.
Segundo Ivone Marques Dias, o Mycobacterium leprae descoberto por Gerhard
Hansen, em 1872, “é um agente patogênico que provoca danos à humanidade milhares
de anos”
3
.
Na Bíblia, suas primeiras referências são em Levítico; classificado como livro
histórico do Antigo Testamento, foi composto no VI século a.C., sendo sua autoria
atribuída ao sacerdote Esdras. Nos capítulos 13 e 14, uma diversificada descrição de
manchas na pele que podem ou não ser consideradas lepra e para cada uma dessas
identificações, está designada a atitude a ser tomada por parte do sacerdote; quando ocorrer
a confirmação da doença, é recomendado o isolamento do doente. O texto afirma que todo
aquele que a mancha ou ferida se confirmar em lepra será considerado imundo: “Mas quando
nele aparecer a carne viva, então se declarado imundo por juízo do sacerdote, e será
considerado na classe dos imundos. Porque a carne viva se salpicada de lepra, é imunda”
4
.
A lepra, como doença infecto-contagiosa, foi uma das primeiras a ser investigada
pela microbiologia do final do século XIX e início do século XX, no entanto, o bacilo da
lepra não se reproduzia in vitro, não atendendo aos postulados de Koch
5
. Essa
1
BANDEIRA, Manuel. Poesia e Prosa. Rio de Janeiro: Editora Aguilar, 1958, vol. I, p. 9.
2
No Brasil, a partir da Portaria n.º 165, de 14 de maio de 1976, a doença conhecida como lepra,
causada pelo Mycobacterium leprae, passou a ser designada por Hanseníase, e, seus doentes, de
hansenianos e, seu estudo, de hansenologia, com o objetivo de agir sobre o preconceito que a palavra
lepra e correlatos suscitavam. Para manter a coerência com o período estudado nesta dissertação, anos
30 a 60, será mantido, respectivamente, o uso dos termos lepra, leprosos e leprologia. Brasil, Diário
Oficial da União. Portaria n.º 165/BSB de 14 de maio de 1976, publicada em 16 de maio de 1976, p.
8301, seção I, item 6.1.
3
DIAS, Ivone Marques. “Alguns aspectos sobre a lepra na Idade Média em Portugal” In: RIBEIRO,
Maria Eurydice de Barros (org.). A Vida na Idade Média. Brasília: Ed. UnB, 1997, pp. 95-121.
4
Bíblia Sagrada – Antigo e Novo Testamento, Edição Barsa, 1966, p. 84.
5
“(...) postulados por Koch: isolamento do microrganismo em culturas puras, inoculação em animais de
experiência e produção de uma doença cujos sintomas e lesões fossem idênticas ou equiparáveis às da doença
especificidade do Mycobacterium leprae ou bacilo de Hansen desencadeou as mais
complexas discussões científicas sobre o contágio e a profilaxia da doença. No primeiro
congresso internacional sobre lepra, em 1897, ficou determinado que a única forma de
conter o avanço da doença era o isolamento e a vigilância dos doentes.
As Conferências Internacionais de Lepra, na primeira metade do século XX,
reuniam a elite médica dos países, ou ainda colônias, onde a doença era endêmica, para
discutir tratamento, profilaxia e políticas públicas. No Brasil, as resoluções dos congressos
eram publicadas nas principais revistas médicas do país, assim como, os debates sobre a
questão do isolamento como profilaxia de combate à doença.
Entre 1929 e 1967, a internação dos doentes de lepra em São Paulo foi
compulsória. À confirmação do diagnóstico seguia-se o isolamento dos doentes em
leprosários. Ao todo, São Paulo possuiu cinco instituições desse tipo, inauguradas entre
1928 a 1933 (ver Apêndice n.º 1), e que, em 1942, por exemplo, abrigavam quase 9.000
doentes.
O objetivo dessa dissertação é analisar o impacto da internação compulsória na vida
de Pedro Baptista, utilizando as cartas e fotografias enviadas para a família ao longo do
período transcorrido nos leprosários da rede asilar paulista. Uma hipótese levantada é a de
que a implementação de políticas públicas na área da saúde tem relação direta com a
existência privada da doença, em função das práticas adotadas núcleos familiares podem
ser afetados, gerando ausências, silêncios, não-ditos.
O primeiro capítulo desta dissertação, “Lepra: ‘a filha mais velha da morte’”
conceituação da doença”, é dividido em três partes. A primeira delas apresentará a
conceituação da lepra como doença infecto-contagiosa e contextualizará as políticas
públicas para o seu combate no Brasil na primeira metade do século XX.
A segunda parte analisará as diversas representações sobre a lepra, a origem do
nome, a tradição bíblica, o uso da doença como metáfora e a questão do estigma e da
identidade deteriorada proposta pelo clássico trabalho de Erving Goffman
6
.
A terceira discutirá a produção bibliográfica e teórica sobre a narrativa da doença e
como os acervos particulares foram se constituindo em documentos legítimos da pesquisa
histórica. Possui duas subdivisões: a primeira apresenta a escrita epistolar como registro de
típica no homem.” BENCHIMOL, Jaime Larry. “Adolpho Lutz: um esboço biográfico”. História, Ciência e
Saúde – Manguinhos. Rio de Janeiro, vol.10, n.º 1, pp.13-83., jan./abr. 2003.
6
GOFFMAN, Erving. Estigma Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4.ª Edição. Rio
de Janeiro: LTC, 1988 [1963].
memória para análise da experiência social da doença; e a segunda, apresenta o acervo
pessoal de Pedro Baptista.
O segundo capítulo, “’As mãos não se alcançavam’: a rede asilar do Estado de São
Paulo”, também é dividido em três partes. A primeira delas apresentará as discussões sobre
a profilaxia da lepra no Estado de São Paulo e de que forma o modelo isolacionista tornou-
se a sustentação das políticas públicas no combate à lepra. Será analisada, ainda, a criação
da Inspectoria de Profilaxia da Lepra e algumas de suas estratégias para a consolidação da
rede asilar paulista.
A segunda parte analisará a constituição desta rede cujo paradigma é o Asilo-
Colônia Santo Ângelo. O projeto de sua construção foi elaborado pelo arquiteto Adelardo
Cauby, com a participação do Serviço Sanitário daquele Estado. Foi projetado em 1917, a
construção iniciou dois anos depois e foi inaugurado em 1928. O longo período decorrido
entre sua idealização até a inauguração, mobilizou discussões entre a direção do Serviço
Sanitário, a classe médica e a imprensa, sobre o que representava o leprosário modelo na
estrutura de profilaxia da lepra para aquele Estado.
Esta parte subdivide-se em seis itens onde serão apresentados, em cada um deles, as
instituições que compõem a rede asilar paulista. De modo geral, as informações se referem
às construções e sua primeira organização administrativa, para possibilitar a observação
dos processos que justificavam a construção destes asilos e sob qual perspectiva eram
inseridos na rede asilar.
A terceira parte do segundo capítulo analisará as rotinas e práticas sociais da vida
asilar, utilizando alguns depoimentos de doentes internados entre os anos 30 e 60. O
conceito de “instituição total” elaborado por Erving Goffman
7
também será utilizado para a
compreensão da instituição asilar paulista, considerada modelo por autoridades nacionais e
internacionais em leprologia.
O terceiro capítulo, ’O que tem de ser tem força’: a internação e a narrativa da
doença de Pedro Baptista”, é dividido em quatro partes. A primeira delas apresentará
biograficamente Pedro Baptista através de uma organização cronológica, com o objetivo de
recuperar sua trajetória como doente de lepra internado na rede asilar paulista. Nesta
apresentação biográfica, foram utilizados documentos de seu acervo pessoal sob a custódia
de Cláudio José de Souza. Tal acervo é composto por cartas, fotografias, entrevistas com
7
Idem. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2005 [1961].
dois de seus filhos ainda vivos e seu prontuário médico encontrado no Arquivo Estadual de
Hanseníase do Núcleo de Memória da Saúde do Instituto de Saúde, em São Paulo.
A segunda analisará o prontuário de Pedro Baptista e está subdividida em três itens.
O primeiro discutirá os documentos que registraram o controle e o tratamento da doença; o
segundo, os documentos que expressaram a interferência do Estado na vida do doente e o
terceiro item trata dos documentos relacionados às decisões de Pedro Baptista quanto a
sua vida pessoal.
A terceira parte, intitulada “Retratos da vida asilar”, analisará de que forma as
fotografias foram utilizadas para a construção da imagem de si de Pedro Baptista e quais
representações do universo asilar foram por ele apresentadas à família. Esta parte se
subdividirá em três itens: Intensidades fotográficas”, “Asilo-Colônia Pirapitingui” e
“Asilo-Colônia Santo Ângelo”. O primeiro apresentará teórica e metodologicamente a
utilização da fotografia. O segundo analisará séries fotográficas enviadas por Pedro
Baptista para a família e o terceiro item realizará a mesma análise a partir do acervo de
fotografias enviadas de Santo Ângelo.
A quarta e última parte do capítulo três analisará as representações sobre a doença
elaboradas por Pedro Baptista, a partir de 1933, quando saiu de Mutum, onde residia com a
mulher e filhos, até os momentos finais da sua vida, em 1955.
Para tanto, será necessário o desenvolvimento de três perspectivas distintas e
complementares entre si. A primeira, objetiva delimitar a definição clínica da lepra e
discutir a construção social da doença, analisando as práticas adotadas pelas diversas
instâncias governamentais para profilaxia da lepra baseada no isolamento. Para essa
discussão, foi fundamental a obra de Heraclídes-Cesar de Souza Araújo, “A História da
Lepra”, por reproduzir vasta documentação dos debates médicos e políticos do final do
século XIX e início do XX sobre a lepra. A partir do entendimento da doença, será
apresentada a discussão sobre seu estigma e narrativa. Nessa construção serão referências a
obra de Erving Goffman e a de Ângela de Castro Gomes
8
.
É fundamental para esta dissertação a crescente valorização dos acervos pessoais e
a compreensão de que esses conjuntos de documentos constituídos pelas famílias revelam
não somente sobre uma trajetória de vida, mas relacionam, inventariam, preservam sobre o
contexto social no qual a pessoa viveu. Por meio da correspondência de Pedro Baptista,
além da construção de sua biografia, será possível aprender sobre a instituição asilar e as
8
GOMES, Ângela de Castro. “Escrita de si, escrita da história: A título de prólogo”. In:
______________. Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
práticas sociais dos internados. Na produção historiográfica sobre arquivos pessoais
podemos destacar o que de social na produção deste tipo de memória dos indivíduos,
localizando neste tipo de fonte um campo estratégico para a exploração de um tema
‘clássico’ nas ciências sociais, qual seja, o da relação entre indivíduo e sociedade
9
.
A segunda perspectiva desenvolvida nesta dissertação será a constituição da rede
asilar no Estado de São Paulo. Iniciada sua construção a partir dos anos 20, a rede asilar foi
produto da transformação da saúde pública como questão social relevante para o
desenvolvimento do Estado de São Paulo e da nação brasileira. O sistema político adotado
pela República era fundamentado no federalismo, o que conferia autonomia aos estados, no
entanto, em 1922, 16 estados (eram 21 à época) assinaram acordos com o governo federal
para a implementação de serviços de profilaxia e combate às endemias rurais, São Paulo e
o Rio Grande do Sul o assinaram este acordo
10
. Em 1925, São Paulo adotou o
regulamento federal para o combate à lepra, mas revogou essa medida com a promulgação
da lei de 1929, que organizou o modelo conhecido como “tripé”, constituído por asilo,
dispensário e preventório.
A contribuição da segunda parte desta dissertação será o entendimento do
leprosário enquanto “instituição total”, com o objetivo de compreender tanto o contexto
histórico e político do período de internação de Pedro Baptista, como as representações e
as práticas culturais da instituição asilar paulista.
Pedro Baptista viveu nos leprosários de São Paulo entre os anos 1934 a 1955. Saiu
de casa para a capital do Estado
11
na busca de um diagnóstico para sua doença, em 1933.
Iniciou tratamento médico em Belo Horizonte, o primeiro diagnóstico que informou para a
família dizia sofrer de sífilis e todos os sintomas eram fruto do estado avançado da doença.
9
HEYMANN, Luciana Quillet. “Indivíduo, Memória e Resíduo Histórico: Uma Reflexão sobre Arquivos
Pessoais e o caso Filinto Müller”. Revista Estudos Históricos. Indivíduo, biografia, história. Rio de Janeiro,
n.º 2 , pp. 51-74, 1997.
10
“Distrito Federal, Minas Gerais, Paraná e Maranhão tinham feito convênios em 1919, seguiram-
nos o Rio de Janeiro, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Alagoas, Bahia,
Ceará, Pará, Amazonas, Santa Catarina e Mato Grosso. Em 1922, não tinham firmado convênios para
o saneamento rural os estados de Goiás, Sergipe e Piauí; dois estados importantes com forte tradição
autonomista estavam fora desses convênios: São Paulo e Rio Grande do Sul. No caso de São Paulo, o
estado tinha realizado uma reforma nos seus próprios serviços de saúde pública ainda em 1917, e
dispensou a ajuda federal até o final da Primeira República.” Ver também: CASTRO SANTOS, Luís.
“O pensamento sanitarista na Primeira República: uma ideologia de construção da nacionalidade”.
Dados, vol. 28, n.º 2, 1985 e MERHY, Emerson. A Saúdeblica como Política. São Paulo: HUCITEC,
1992. Apud HOCHMAN, Gilberto. “Regulando os efeitos da interdependência: sobre as relações ente
saúde pública e construção do Estado (Brasil 1910-1930)”. Estudos Históricos. Os Anos 20. Rio de
Janeiro, n.º 11, pp.40-61, 1993.
11
Residia com a esposa e quatro filhos na cidade de Mutum, Minas Gerais.
Não desconsiderando por completo este diagnóstico, Pedro descrevia características
específicas da lepra como o mal perfurante plantar
12
, além de manchas e dormências.
Desde 1918, o isolamento de leprosos, em Minas Gerais, era obrigatório e
regulamentado pelo decreto n.º 5.010, de 18 de junho
13
. A questão do isolamento dos
doentes sempre suscitava o problema da infra-estrutura para sua implementação. Três anos
mais tarde, seriam tomadas as primeiras providências para a construção de leprosários e
seria lançada a pedra fundamental da primeira colônia de leprosos do Estado: a Colônia
Santa Isabel, situada a 50 quilômetros de Belo Horizonte. Suas obras foram efetivamente
iniciadas em janeiro de 1926. No ano seguinte, foi aprovada uma reforma do código
sanitário, decreto n.º 8.116, de 31 de dezembro, de autoria da Secretária de Segurança e
Assistência Pública, de Minas Gerais. Os artigos 246 a 310 eram referentes à lepra e
organizavam as medidas necessárias para o isolamento dos doentes de lepra. A
transferência de doentes para a Colônia Santa Isabel, em 23 de dezembro de 1931, marcou
sua inauguração.
No ano de 1931 ocorreu, também, a reorganização dos serviços de lepra do Estado
organizados sob o Centro de Estudos e Profilaxia da Lepra que extinguia órgãos anteriores
e reunia os serviços do Estado de combate à doença, tais como: O Dispensário Central, o
Hospital de Sabará, a Colônia Santa Isabel e pequenas unidades de atendimento à saúde.
Foi fundada a Sociedade Mineira de Proteção aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra que
multiplicou-se por diversos municípios do Estado, tendo como primeira realização a
construção, a instalação e a manutenção do Preventório São Tarcísio, em Belo Horizonte.
Mais dois leprosários foram construídos, Leprosário “Santa Fé” em Três Corações, e o de
“Padre Damião”, em Ubá.
Não é possível inferir se Pedro Baptista mentiu para a família ou se o primeiro
diagnóstico foi mesmo sífilis e, caso soubesse ser doente de lepra, por que o médico em
Belo Horizonte não o internou? Não foi possível pesquisar como se organizou o processo
de isolamento compulsório em Minas Gerais, pois, esse tema muito me desviaria do
objetivo desta dissertação. Pedro chegou a integrar uma comissão metodista que visitou a
Colônia Santa Isabel, em 1933, e observou que muito o condoeu os doentes de Mutum:
“aproximaram-se de mim umas mulheres, uma menina e uns homens que me olhavam e
12
Sintoma neurológico ocasionado pela inflamação do nervo, causando perda progressiva de
sensibilidade ao calor e ao toque, alterando a capacidade articular e circulatória da planta dos pés,
levando á formação de ulceração.
13
SOUZA ARAÚJO, H. C. História da Lepra no Brasil. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa
Nacional, 1956, 3 vol, p. 260.
não me podiam falar, sufocados pelas lágrimas. Conheci-os e chorei com eles. Eram os
doentes de Mutum. Jamais poderei te descrever cena tão dolorosa”
14
.
Por quase um ano trabalhou como pastor-ajudante, atuando em cidades do interior do
Estado de São Paulo. Para sua permanência no corpo de pastores da Igreja foi exigido um
exame e um atestado de saúde. Apesar de residir com sua família em Minas Gerais, Pedro
Baptista era natural de São Paulo e sua internação foi compulsória à identificação de sua
doença em ambulatório na cidade de São Paulo, em novembro de 1934 (Figura n 1 e 2).
Pedro dedicou-se à formação de pastor metodista e assumiu o discurso religioso
para a cura de sua doença: Vivo inteiramente preocupado como serviço do Mestre. Estou
muito edificado. Tenho me fortalecido na e aumentado em confiança em Deus. Era um
homem morto moral, física e espiritualmente. Deus teve de mim e me levantou.”
15
.
Segundo Charles Rosenberg, na perspectiva do paciente, o diagnóstico de uma doença
causa impacto sobre o passado e sobre o futuro, assim como estrutura uma nova narrativa
que oscila entre a saúde e a doença, a recuperação e a morte
16
.
A terceira perspectiva centra-se no período de internação nos leprosários da rede
asilar paulista desenvolvida na última parte desta dissertação. Serão utilizadas duas fontes
documentais, o acervo pessoal sob a custódia da família e o prontuário encontrado no
Arquivo Estadual de Hanseníase, do Núcleo de Memória da Saúde do Instituto de Saúde,
São Paulo.
14
Carta de Pedro Baptista para Maricas. Belo Horizonte, 31 de outubro de 1934. Acervo Pessoal Pedro
Baptista, sob custódia de Cláudio José de Souza.
15
Carta de Pedro Baptista para Maricas. Rio Paranaíba, 17 de abril de 1934. Acervo Pessoal Pedro
Baptista, sob custódia de Cláudio José de Souza.
16
ROSENBERG, Charles. “Introduction: Framing Diseae: Illness, society and history”. In: Framing
Disease, Studies in Cultural History. ROSENBERG, Charles e GOLDEN, Janet (orgs). New Brunswick
e New Jersey: Rugters Universtity Press, 1992, pp. xiii-xxvi.
Ficha de Notificação de doente de Lepra de Pedro Baptista, emitida em 27 de novembro de 1934. No item
observações no verso da ficha, encontra-se escrito: “Deseja internar-se em leprosário”.
Fonte: Prontuário n.º 8.537. Pedro Baptista. Núcleo de Memória da Saúde do Instituto de Saúde, São Paulo.
Figura n.º 1
Figura n.º 2
Esses dois conjuntos de documentos serão utilizados para recuperar a trajetória de
vida de Pedro Baptista. A contingência de se asilar por causa da lepra e seu afastamento do
núcleo familiar geraram um grande silêncio sobre sua história. A doença além de retirar
Pedro da família, o retirou da sua própria vida, causou uma “perda da vida futura (...) e foi
levado de roldão pelo inopinado acontecimento da moléstia
17
. Essas palavras utilizadas
por Ângela Porto para analisar o poema “Epígrafe”, de Manuel Bandeira, falam também
sobre o doente Pedro Baptista. Na escrita de si elaborada no primeiro período de
internação, Pedro utilizou as cartas e fotografias para criar uma imagem de si não
identificada com o lugar de leproso, ou mesmo de doente. Mostrava-se ativo, trabalhando,
inserido nas redes sociais do leprosário, sempre descrevendo como era admirado e
respeitado. No entanto, nas últimas trocas de cartas com os filhos adultos, ao dar conselhos
sobre a vida profissional deles escreveu que ele mesmo teria sido vitorioso, se não tivesse
sido necessária a sua internação. Traduzia nessas palavras a vida que não pode viver em
função de estar internado num leprosário no interior de São Paulo.
Na análise da vida asilar, serão utilizados, como referência, outros relatos de vida
registrados nos seguintes documentários: “Lepra: O Espetáculo do Medo” (sobre o Asilo-
Colônia Pirapitingui), dirigido por Ítalo Tronca, produzido pelo Centro de Comunicação da
UNICAMP, em 1987; e “Os Melhores Anos de Nossas Vidas” (sobre o Asilo-Colônia
Santo Ângelo), dirigido por Andréa Pasquini, realizado em 2002, ambos foram consultados
no Arquivo de Imagem em Movimento da Casa de Oswaldo Cruz.
Para Cláudio Bertolli Filho, em seu livro “História Social da Tuberculose e do
Tuberculoso: 1900-1950”, diz que colocar o doente no centro da vida cotidiana é enfrentar,
também, o isolamento e a estigmatização gerados pela relação da sociedade médica e geral,
com a doença
18
.
Ivone Marques Dias definiu a sociedade contemporânea como hedonista, a qual a
degenerescência incomoda e por isso sua escolha em estudar o tema da lepra provocava um
estranhamento em seu círculo profissional. Seu artigo analisa a doença no período
medieval e a forma como a lepra era adjetivada de horrenda e desagradável de ser
contemplada por suas mutilações, deformidades e a facies leonino
19
. Sua estética agredia
17
PORTO, A., “A vida inteira que podia ter sido e que não foi”: trajetória de um poeta tísico. Tese de
doutorado. Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do IMS/UERJ. Rio de Janeiro, 1997, p.
120.
18
BERTOLLI FILHO, Cláudio. História Social da Tuberculose e do Tuberculoso: 1900-1950. Rio de
Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001, p. 25.
19
“Por volta de 1948, com o auxílio da moderna radiologia, Moller-Christensen, paleopatologista
dinamarquês, conseguiu determinar as lesões patognômicas da lepra. Por volta de 1952, ele e seus
aos olhos e à sensibilidade, que favoreceu uma gama de usos metafóricos e incandesceu
o imaginário coletivo de todas as gentes na Idade Média
20
.
“O que tem de ser tem força”: narrativa sobre a doença e a internação de Pedro
Baptista, leproso, meu avô (1933-1955) propõe dar voz ao doente que era pra mim
desconhecido, pois, no momento inicial da pesquisa sabia apenas da existência das cartas
para a família, de que havia tido lepra e morrido em São Paulo. Não possuía nenhum
conhecimento sobre o isolamento compulsório naquele estado ou da elaboração de Pedro
sobre sua doença por meio da religião, de sua vaidade, de sua força nas redes políticas que
criou na instituição asilar e das conseqüências de seu afastamento da família.
Para a recuperação do Acervo Pessoal Pedro Baptista foram realizadas três viagens
a Minas Gerais. O acervo foi digitalizado e tratado para a reprodução nesta dissertação.
As fotografias, por integrarem a narrativa da doença de Pedro Baptista, serão
reproduzidas no corpo da dissertação e, em apêndice, serão disponibilizadas tabelas que
organizam informações relevantes, indicadas no corpo do texto e tendo o número arábico
de referência. Na inviabilidade de anexar o prontuário com suas 48 páginas, foi organizada
uma tabela de demonstração dos documentos que o compõe, o que não exclui de serem
reproduzidos alguns documentos no corpo do texto da dissertação.
colaboradores descreviam a fácies leprosa (síndrome de Bergen), que compreende a atrofia do septo
nasal, a reabsorção do bloco inferior da chanfradura nasal, a atrofia dos processos alveolares do
maxilar superior acompanhada muitas vezes da perda dos incisivos, modificações do palato ósseo.”
DIAS, I. M., op. cit., p. 98.
20
Ibid, pp.104-105.
CAPÍTULO I. LEPRA: “A FILHA MAIS VELHA DA MORTE”- CONCEITUAÇÃO DA
DOENÇA
Este capítulo apresentará os temas fundamentais para a análise da trajetória de vida
de Pedro Baptista: a doença, a narrativa da doença e a valorização dos arquivos pessoais
como fonte documental. Apresentará, também, o acervo pessoal de Pedro Baptista.
O título deste capítulo foi inspirado em um artigo de Oswaldo Cruz intitulado:
“Uma questão de hygiene social”
21
. Segundo Arthur Neiva
22
, tal artigo inaugurou a
discussão sobre a forma de isolamento, pois dividiu os higienistas da época entre a
proposta de isolar os doentes em ilhas ou em leprosários no continente. Oswaldo Cruz
iniciou o artigo chamando a atenção, entre tantos problemas sanitários, para a prioridade de
se combater a tuberculose, a sífilis, o alcoolismo e a lepra
23
, apresentando-a como: “a filha
mais velha da morte”.
1.1- Lepra: doença infecto-contagiosa.
A conceituação da lepra como doença infecto-contagiosa foi elaborada a partir da
descoberta de seu agente etiológico, Mycobacterium leprae
24
, identificado por Gerhard H.
Armauer Hansen, em 1872; a divulgação desta descoberta foi feita no ano seguinte e
ratificada em publicação de 1874.
21
O Imparcial, n.º 211, 3 de julho de 1913. Apud SOUZA-ARAÚJO, H. C., op. cit., p. 117.
22
NEIVA, Arthur. Considerações sobre o problema da Lepra. A lição de São Paulo Suas iniciativas e
grande exemplo. Discurso do representante do Estado da Bahia, pronunciado na Câmara dos Deputados
na sessão de 28 de outubro de 1937. Rio de Janeiro, 1940, p. 21.
23
De modo geral, esta era a agenda dos sanitaristas da década de 1910 no Brasil, da qual Oswaldo
Cruz fazia parte.
24
Também é denominado bacilo de Hansen.
Em 1895, dr. Wolf Havelburg escreveu artigo sobre a anatomia, a patologia e o
diagnóstico diferencial da lepra nervosa, apresentado no relatório à Irmandade de S. S.
Candelária
25
, em julho daquele mesmo ano. Dois anos antes, em 1893, Dr. Havelburg foi
nomeado chefe do laboratório do Hospital doszaros, em São Cristóvão, Rio de Janeiro,
que à época, foi um dos primeiros centros de referência sobre a doença no país. Segundo o
autor, a lepra era uma doença com inúmeras classificações
26
, no entanto, a principal foi a
que a dividiu em maculosa e tuberculosa, conforme os sintomas que predominavam; a
maculosa podia se subdividir em maculosa alba, m. nigra, anesthesica, atrophica,
mutilans, etc
27
. Dr. Havelburg explicava que essas classificações para a identificação da
doença não se faziam mais necessárias, pois era diagnosticada como lepra toda doença
onde era encontrado o bacilo específico e a análise bacteriológica das ulcerações da pele
apresentassem os bacilos (bacilo de Hansen ou Mycobacterium leprae). Considerava os
poros das glândulas sudoríferas o ponto de entrada da infecção.
Entretanto, o primeiro diagnóstico da doença é sempre clínico e a partir do
reconhecimento da mancha característica da lepra, seguia-se para a investigação
laboratorial. As classificações clínicas da doença continuaram tendo sua importância e
passaram a ser elaboradas com a complexificação do saber médico sobre ela. No artigo
publicado pela Revista Brasileira de Leprologia, em 1939, foi apresentada a seguinte
proposta para a classificação da lepra:
“A classificação primária das formas de lepra obedecerá,
fundamentalmente, ao critério clínico das lesões, a que corresponde
sempre uma particular estrutura anatomo-patológica, e
subsidiariamente à imuno-biologia e à bacteriologia. Dest’arte
estabelecer-se-ão três formas fundamentais, que representam a
observação morfológica dos 3 tipos estruturais encontrados na lepra:
duas dela são formas polares, segundo a feliz denominação de
RABELO FILHO, e uma pode constituir verdadeiro tipo de transição
entre elas.”
28
As três formas propostas pela Revista Brasileira de Leprologia eram a lepromatosa,
a inflamatória simples e a forma tuberculóide. Contudo, as formas clínicas da lepra,
25
Instituição responsável pelo Hospital dos Lázaros, no Rio de Janeiro.
26
O autor referiu-se a longa elaboração sobre a doença, no período anterior à descoberta do bacilo.
27
HAVELBURG, Wolf. “Estudos sobre a anatomia pathologia e o diagnostico diferencial da lepra nervosa”
Apud SOUZA-ARAÚJO, H. C., op. cit., p. 40.
28
“Classificação de Lepra”. Revista Brasileira de Leprologia. São Paulo, 1939, pp.215-217. Apud DINIZ,
Orestes. Profilaxia da Lepra. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Medicina Militar, 1960, p. 46.
conhecidas até os dias de hoje, foram definidas pelo Congresso de Madri, em 1953:
indeterminada ocorrem máculas hipocrônicas, caracterizando-se mais por formigamento,
mas podendo evoluir para a anestesia, e comprometer as glândulas sudoríparas e as
sebáceas e causar perda de cabelo - apresenta um conjunto de características, mas não
houve a definição por uma das formas clínicas da doença; tuberculóide causa lesões,
perda de pelos, é a forma não bacilífera da doença; lepromatosa é a forma mais grave e
invasiva da doença caso não tratada, podendo chegar à face leonina, auto-amputação, perda
de visão e comprometimento de outros órgãos, altamente contagiante pela eliminação de
bacilos (atualmente é conhecida como virchoviana); e dimorfa considerada instável,
desenvolve características das duas últimas modalidades citadas.
Atualmente, a Organização Mundial de Saúde classifica a doença para fins de
tratamento como os tipos paubacilar (indeterminada e tuberculóide, com poucos bacilos) e
multibacilar (virchoviana e dimorfa, com muitos bacilos, forma mais agressiva e
contagiosa da doença).
Apesar da imunologia contemporânea reconhecer que a transmissão da doença
ocorre pelas vias áreas superiores de um paciente multibacilar que não está em tratamento
para uma pessoa suscetível à doença, muitas questões epidemiológicas não se encontram
completamente esclarecidas. Sabe-se que a lepra é uma doença crônica, o hereditária,
não transmissível sexualmente, cujo período de incubação é de dois a cinco anos e que a
única medida preventiva é o tratamento
29
, pois ainda não foi possível o desenvolvimento de
uma vacina.
O dr. Orestes Diniz analisou que a introdução do tratamento com sulfonas foi um
dos maiores eventos na terapêutica da lepra
30
ao transformar o status de incurabilidade da
doença. A sulfonoterapia
31
foi desenvolvida pelo dr. Guy Henry Faget, no leprosário de
Carville, nos Estados Unidos e utilizada a partir de 1941. Foi trazida experimentalmente
para o Brasil em 1944, tornando-se rotineira nos anos 50 e 60. A terapêutica da lepra
anterior à descoberta das sulfonas era baseada no óleo de chalmoogra que agia nos
sintomas da doença, fazendo-os eventualmente regredir, mas não atuava em seu agente
29
Segundo a dr.ª Tadiana Alves Moreira, de 20 a 30% dos pacientes abandonam o tratamento PQT e
“isso dificulta a cura. A única medida para prevenir a doença é o tratamento.” O paciente, em
tratamento, não transmite mais o bacilo a partir da primeira etapa da medicação. Uma das grandes
dificuldades encontradas é garantir ao doente o acesso ao serviço de saúde. O paciente em tratamento
não transmite o bacilo a partir da primeira etapa da medicação. ALVES MOREIRA, Tadiana.
“Panorama sobre a hanseníase: quadro atual e perspectivas”. História, Ciências, Saúde Manguinhos,
Rio de Janeiro, vol. 10, suplemento 1, pp. 291-307, 2003.
30
DINIZ, O., op. cit., p. 56.
31
As medicações tinham o nome de promin, diasone ou promizole.
etiológico. A planta era originária da Índia e no tratado ayurveda Susruth Samhita, de 600
a.C., citação sobre a utilização do óleo de chalmoogra, sinais, sintomas e formas da
lepra.
A partir da década 70, a Organização Mundial de Saúde recomendou o tratamento
com poliquimioterapia
32
, mas somente em 1991 foi adotada oficialmente pelo Ministério da
Saúde em todo o país.
1.1.1– Lepra: conceituações sobre a doença e sua profilaxia
A identificação do agente etiológico da lepra inaugurou novo debate sobre sua
conceituação e profilaxia. As Conferências Internacionais de Lepra passaram a ser
noticiadas na literatura médica e tornaram-se referência para a adoção de tratamentos e no
desenvolvimento de políticas públicas no enfrentamento da doença.
A 1.ª Conferência Internacional de Lepra foi realizada em Berlin, em 1897, e foi
seu presidente, o dr. Rudolf Virchow. Foi reconhecida a incurabilidade da doença e a
ausência de tratamento impunha o isolamento do doente, como forma de impedir a
propagação da doença. A partir da descoberta do Mycobacterium leprae, Hansen
demonstrou que a doença era contagiosa. Dr. Virchow declarou não conhecer nenhum
caso concludente que provasse o contágio
33
, pois era partidário da compreensão
hereditária da doença. A comunidade científica se dividia entre os que defendiam o
contágio e os que aceitavam a hereditariedade
34
.
Assim como o dr. Virchow, Daniel C. Danielssen e Carl W. Boeck considerados
por ele os primeiros a realizarem um trabalho verdadeiramente científico sobre a doença
em 1847, também acreditavam na hereditariedade da lepra. Danielssen e Boeck
distinguiram duas formas clínicas da doença, em vigor até os dias de hoje: lepromatosa e
tuberculóide
35
.
32
“Poliquimioterapia (PQT) é composto por dois ou três medicamentos: paubacilar PB
(dapsona+rifampicina) e multibacilar MB (clofazimina+rifampicina+dapsona). Estas drogas são
apresentadas em formas de cartelas MB ou PB. Para evitar que o bacilo fique resistente às drogas, é
usado mais de um medicamento.” SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE DO RIO DE JANEIRO.
Respostas para as principais dúvidas sobre hanseníase. 2.ª edição. Rio de Janeiro, 2003, p. 9.
33
Apud MONTEIRO, Yara Nogueira. Da Maldição Divina a exclusão social: um estudo da hanseníase
em São Paulo. Vol. I. Tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, 1995.
34
É considerada hereditária uma doença que passa de uma geração para outra através de material
genético. SARNO, Euzenir Nunes. Entrevista. “A Hanseníase no laboratório”. História, Ciência,
Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, vol 10, suplemento 1, pp. 297-290, 2003.
35
Sobre esse tema ver também: MACIEL, L., op. cit., p.110. DINIZ, O., op. cit., p. 20.
Na 2.ª Conferência, realizada em Bergen, Noruega, em 1909, foi confirmada a
contagiosidade de indivíduo para indivíduo e determinou-se como deliberação a internação
compulsória, que incluía o isolamento dos doentes, a separação dos filhos dos leprosos, os
exames periódicos das pessoas que estiveram em contato íntimo e prolongado com o
doente, assim como a importância do desenvolvimento de pesquisa.
Na Conferência seguinte (ver Apêndice n.º 2), foram ratificadas as decisões dos
encontros anteriores, propondo o desenvolvimento de campanhas sanitárias para informar à
população sobre a contagiosidade da doença e que fossem destruídas as noções vindas do
passado, por força das quais se acreditava na hereditariedade
36
.
No Brasil, entre 1900 e 1920, duas medidas marcaram as ações profiláticas em
relação à lepra. A primeira delas foi um novo regulamento sanitário organizado, em 1904,
por Oswaldo Cruz, então Diretor Geral de Saúde Pública. Tal regulamento estabelecia a
notificação compulsória das seguintes doenças: lepra, peste, febre amarela, cólera, varíola,
difteria, infecção puerperal nas maternidades, oftalmia dos recém-nascidos nas
maternidades, creches e estabelecimentos análogos, tifo, febre tifóide, tuberculose,
impaludismo, escarlatina e beribéri
37
. E a outra, em 1920, com a criação da Inspetoria de
Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas
38
.
Segundo Gilberto Hochman, os debates e as legislações na área da saúde que
ocorriam no Brasil nesse período se davam ao mesmo tempo que no âmbito internacional.
As mudanças na geopolítica mundial, ocasionadas pela Primeira Guerra, colocaram a
saúde na agenda das relações nacionais e internacionais, devido à imigração, ao controle
sanitário das importações e exportações, higiene, entre outros. As características invasivas
e indiscriminadas das epidemias e endemias ampliaram as esferas das ações na área da
saúde. As políticas de combate e profilaxia das doenças deixaram de ser locais para
atuarem nacional e internacionalmente mediadas pela organização competente para tanto: o
Estado. O autor compreende Estado como um lócus de poder autônomo, diferenciado e
não-redutível a um simples resultado e/ou instrumento das condições, preferências e
36
DINIZ, O., op. cit., p. 28.
37
CUNHA, Vivian da Silva. O isolamento compulsório em questão. Políticas de combate à lepra no
Brasil (1920-1941). Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História das Ciências
da Saúde, da Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: 2005, p. 3.
38
“A década de 1920 foi marcada pela maior atuação do governo federal na causa da lepra, por meio
da criação do Departamento Nacional de Saúde Pública e da inclusão da doença, pelos regulamentos
sanitários entre as enfermidades de notificação compulsória. O departamento criou a Inspetoria de
Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas, que tinha como atividade principal a divulgação sobre a
situação real da lepra no país.” SANTOS, Vicente S. M. dos. “Pesquisa Documental sobre a História da
Hanseníase no Brasil”. História, Ciência, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, vol 10, suplemento 1, pp.
415-426, 2003, p. 421.
demandas sociais, ou a uma neutralidade social
39
. No Brasil, a epidemia de gripe
espanhola, em 1918, foi decisiva para a reflexão sobre a intervenção do governo federal na
profilaxia e combate das doenças.
O livro “A História da Lepra” de Heraclídes-Cesar de Souza Araújo, em três
volumes, tornou-se obra de referência ao trazer discursos proferidos em congressos,
relatórios, artigos para jornais, entre tantos outros documentos sobre a doença no país
desde o período colonial até os anos 40 e 50. Esses documentos nos permitem analisar as
representações sobre o isolamento de leprosos dos membros atuantes na elite médica
brasileira, nas primeiras cadas do século XX, comprometidos com a produção de
conhecimento científico sobre a doença. Esse período é relevante por ter sido o momento
do debate sobre a idéia do tipo de isolamento, a definição da população alvo (doentes e
seus descendentes), o lugar mais adequado, as estratégias de controle, entre outras que
precederam a implementação do isolamento compulsório no país.
Os pesquisadores brasileiros se dividiam entre o isolamento radical e o tratamento
que não interferisse no cotidiano do doente. Em 1916, Dr. Emílio Ribas
40
, no 1.º Congresso
Médico Paulista, apresentou o artigo: Lepra, sua freqüência no Estado de São Paulo
Meios prophylacticos aconselháveis”. Estas propostas foram discutidas pelo Congresso e
transformadas em normas a serem seguidas. Defendia, por exemplo, o isolamento
domiciliar para quem tivesse meios econômicos, sociais e intelectuais para se submeter à
vigilância médica; e a internação para doentes sem recursos. O 1.º Congresso Médico
Paulista foi notícia do Jornal do Comércio, em 8 de dezembro de 1916, onde se o
seguinte:
“Ontem, a higiene apaixonou os ânimos. Na secção respectiva, veio à
baila a lepra. Não mister informar aos leitores, por obvio, que o
entusiasmo atingiu ao auge na discussão das memórias. uma
porção de médicos que deseja salvar o Estado ou a Pátria com a
indicação da profilaxia do mal de S. Lazaro. Si o Governo quisesse
executar as medidas profiláticas lembradas em cada uma das
memórias, chegaria talvez a conclusão de que os alvitres, inteiramente
iguais em alguns pontos, divergem em outros extraordinariamente.
Os leprosários hão de ser instalados em ilhas ou no continente? O Sr.
Emilio Ribas, com uma grande convicção, não se mostra muito
39
HOCHMAN, Gilberto. “Regulando os efeitos da interdependência: sobre as relações entre a saúde
pública e a construção do Estado (Brasil 1910-1930)”. Estudos Históricos. Os Anos 20. Rio de Janeiro, n.º 11,
pp.40-61, 1993.
40
Esteve à frente da Saúde Pública do Estado de São Paulo por mais de vinte anos.
favorável à hospitalização insular, condenado-a in limie’
41
no caso
particular de São Paulo, para o qual se lembrou da Ilha dos Porcos.”
42
Na sessão de encerramento do Congresso, em 10 de dezembro de 1916, na leitura
das moções aprovadas constou o seguinte relato:
“Posta a votos a moção dos Drs. Eduardo Rabello, Rodrigues Doria e
outros, sobre a profilaxia da lepra, pediu a palavra o Dr. H. C. de
Souza-Araújo, para declarar que subscrevia a moção, apesar das
conclusões do trabalho do Dr. Emilio Ribas serem contrarias às do
orador na memória apresentada sobre o mesmo assunto. Explicou que
a discordância entende apenas com a localização das leproserias. Na
forma de suas conclusões, a profilaxia mais eficiente da lepra no nosso
país será a que fizer em colônias agrícolas.”
43
Esse debate registrado nos anais do 1.º Congresso Paulista de Medicina deixou
claro o empenho dos médicos ali reunidos sobre o combate à lepra estar associado ao
isolamento, de acordo com o que foi recomendado pelos primeiros congressos
internacionais. A proposta do leprosário era defendida também pelo longo período de
evolução da doença, às vezes décadas, gerando seqüelas incapacitantes e afetando a
integridade física do doente. Era necessário criar um espaço que comportasse uma longa
permanência do leproso e não somente locais para a assistência médica.
Carlos Chagas, primeiro diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública
(DNSP), criado em 1920
44
, acreditava que optar pelo isolamento compulsório seria uma
atitude imprudente, pois considerava problema maior gerar uma prática onde as pessoas
contaminadas mais se escondessem do que fossem notificadas. Belisário Penna, como
diretor do Serviço de Profilaxia Rural
45
, entre 1920 e 1922, reconheceu a dimensão da
doença para o país e propunha a criação de um município ao norte e outro ao sul para o
isolamento dos doentes. Arthur Neiva e Heraclídes-Cesar de Souza Araújo defendiam o
isolamento insular, assim como Oswaldo Cruz.
Dr. Eduardo Rabello, em 1920, foi designado para elaborar o regulamento da
Inspetoria da Profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas do Departamento de Saúde Pública e
exerceu a chefia deste órgão até 1926. Na primeira metade da década de 20, esteve à frente
41
No início.
42
“PRIMEIRO Congresso Médico Paulista”. Jornal do Comércio, São Paulo, 8 de dezembro de 1916.
Apud SOUZA-ARAÚJO, H. C., op. cit., p. 209.
43
Ibid, p. 209 .
44
BRASIL, Coleção de Leis, 1920, vol. 1, p. 1, Decreto n.º 3.987, de 02 de janeiro de 1920.
45
Belisário Penna implementou o Serviço de Profilaxia Rural em 15 estados brasileiros.
da cátedra de dermatologia e sifilografia, da direção nacional da luta contra a lepra e
doenças venéreas e atuou para a criação da Sociedade Brasileira de Dermatologia. Era
personalidade de destaque tanto pelo lugar que ocupava na medicina quanto no governo
federal.
O editorial da Revista Brasil Medico, de 24 de julho de 1920, criticou o
regulamento ao publicar que para a tuberculose era absurdo considerar-se o isolamento
obrigatório, pois sua profilaxia não se objetivava individual, mas social, pois visava o
incremento da resistência da raça
46
; e segundo o editorial, a higiene moderna proferia
quanto aos leprosos que seria necessário a internação de todos em colônias.
Eduardo Rabello reconheceu a importância do que foi publicado na revista
considerada por ele, como a mais importante do país e, em 12 de agosto de 1920,
respondeu ao editorial, na sessão da Academia Nacional de Medicina
47
. Explicou que sua
decisão frente ao isolamento que propunha era recomendado pela 1.ª Conferência
Internacional de Lepra, cujos pressupostos determinavam a notificação compulsória, a
vigilância e o isolamento, como os praticados na Noruega”, para todas as nações cujos
municípios possuíssem médicos em número suficiente. Assinalou que a vigilância e o
isolamento como praticados na Noruega incluíam o isolamento domiciliar para os doentes
que tinham condição de fazê-lo, devidamente submetidos às normas ditadas pela
autoridade sanitária competente. Seriam hospitalizados os doentes sem recursos ou em
estágio muito avançado da doença. Observou que o orçamento da Inspetoria não possuía
verba para a criação de uma infra-estrutura voltada para o isolamento obrigatório. Eduardo
Rabello justificou também que não chegou a essa conclusão sozinho, primeiro foi resultado
de longa discussão com a Comissão Brasileira de Profilaxia da Lepra
48
e segundo, que
foram consideradas as medidas profiláticas adotadas pelo Conselho de Higiene Pública da
França, em 1914, assim como a Société de Policie Sanitaire e pela Conferência Sul
Americana de Higiene e Microbiologia, reunida em Buenos Aires, em 1917.
46
Brasil Médico, Ano 34, 1920, Editorial de 24 de julho de 1920, p. 481 Apud SOUZA-ARAÚJO, H.C.,
op. cit., p. 264.
47
“Sessão da Academia Nacional de Medicina de 12-8-1920”. Boletim, 1920, pp, 428 a 439. Apud
SOUZA-ARAÚJO, H.C., op. cit., pp. 265-271.
48
Atuou entre os anos 1915 a 1919 e foram seus membros: Emílio Gomes, Alfredo Porto e Henrique
Autran, pela Academia Nacional de Medicina; Eduardo Rabello, Werneck Machado e Guedes Mello,
pela Sociedade de Medicina e Cirurgia; Fernando Terra, Juliano Moreira e Adolpho Lutz pela
Sociedade Brasileira de Dermatologia; Sampaio Vianna, Oscar da Silva Araújo e Oscar D’Utra e Silva,
pela Sociedade Médica dos Hospitais e Paulo Silva Araújo, Henrique de Baurepaire Rouan Aragão e
Belmiro Valverde pela Associação Médico-Cirúrgica. O presidente da Comissão foi Carlos Pinto Seidl.
Ver: CUNHA, V., op. cit., pp. 39-40 e SOUZA-ARAÚJO, H. C., op. cit., pp.124-158.
Essas discussões chegavam aos jornais da época e mobilizavam a sociedade para as
questões do isolamento de doentes e das crenças sobre a doença: se era ou não hereditária,
se era transmissível por um vetor, se o funcionamento de um leprosário contaminaria a
região através de seus esgotos, entre tantas outras.
Com o objetivo de assistir ao doente e apoiar a campanha de defender a sociedade
contra a lepra, Alice Tibiriçá fundou em São Paulo, em 1926, a Sociedade de Assistência
aos Lázaros e Defesa contra a Lepra. Atuava na melhoria de vida do doente internado e
tinha por objetivo interferir e combater as políticas públicas do estado de São Paulo; Alice
acreditava na educação sanitária e no tratamento ambulatorial. Várias sociedades foram
fundadas em outras cidades do Estado de São Paulo, assim como em outros estados. A
ascensão do dr. Francisco Salles Gomes Junior à direção do Departamento de Profilaxia da
Lepra de São Paulo representou um desafio político para Alice, que enfrentou reportagens
caluniosas publicadas no “Correio de São Paulo”, jornal utilizado pelo Departamento de
Profilaxia da Lepra para a publicação de suas diretrizes políticas.
Com o objetivo de ampliar a assistência aos doentes e organizar a ação das diversas
sociedades que atuavam na defesa contra a lepra, Alice Tibiriçá propôs a fundação da
Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra, realizada
em 24 de fevereiro de 1932. No mandato de Alice Tibiriçá como presidente da Federação,
a sede desta funcionou em São Paulo.
Em 1933, Alice Tibiriçá organizou no Rio de Janeiro um evento que ficou
conhecido como a Conferência para a uniformização da Campanha Contra a Lepra
(entre 24 de setembro e 2 de outubro). Nesta conferência foi formada uma comissão que
levaria ao governo federal as resoluções tomadas que eram as seguintes: construção de
leprosários com infra-estrutura voltada para o bem estar dos doentes e que se configurasse
num padrão, a publicação de revista nacional de leprologia, a realização de um censo dos
doentes e, por último, a parceria com outros serviços essenciais para o bom funcionamento
dos leprosários como a engenharia sanitária, por exemplo.
Em 1935, Alice Tibirçá saiu da presidência da Federação, a sede desta foi
transferida para o Rio de Janeiro, iniciando o período da gestão de Eunice Weaver. A
transferência da sede para o Rio de Janeiro, então capital federal, representou uma
proximidade com o poder extremamente articulado pelas redes de sociabilidade de Eunice
Weaver. Como presidente da Federação, Weaver tornou-se um nome de destaque na
campanha contra a lepra. Com subvenção federal dedicou-se a cuidar dos filhos sãos dos
doentes internados construindo creches e preventórios em todo o país. Este período foi
marcado pela forte colaboração entre a Federação e o governo federal, participando
intensamente do plano executado pelo Ministério da Educação e Saúde para o combate da
doença.
O “Plano Nacional de Combate a Lepra” foi realizado entre 1935 a 1938 e priorizou
a edificação de leprosários através do seu “plano de construções”, que visava a criação
dessas instituições em todos os estados da União, a realização do censo dos doentes e a
reforma administrativa dos serviços de lepra. Projetava-se a construção de 38 leprosários e
a criação de 22.486 leitos para o isolamento das formas contagiantes da doença, assim
como leprosos indigentes, mendicantes e mutilados
49
. Por dificuldades de verbas a maioria
das instituições foram inauguradas no início da década de 40. O nome à frente deste
processo foi o de Gustavo Capanema
50
. A partir de 1937, o regime implementado pelo
Estado Novo permitiu a centralização das decisões pelo governo federal e reestruturou o
Departamento Nacional de Saúde, com o objetivo de ampliar sua infra-estrutura de
atendimento, tais como: centros e postos de saúde, hospitais gerais, sanatórios, leprosários
etc.
A 4.ª Conferência Internacional de Lepra, realizada no Cairo, em 1938, foi
organizada pela International Leprosy Association
51
. Os temas oficiais debatidos foram: a
classificação clínica da lepra, os métodos de tratamento e métodos de profilaxia em vários
países. Todas as formas de isolamento, inclusive de crianças infectadas, foram mantidas.
Apesar de valorizar a participação das organizações voluntárias para o cuidado dos filhos
dos doentes e para a reabilitação de doentes com alta hospitalar, a 4.ª Conferência
recomendou que a campanha contra a lepra fosse de competência dos governos federais.
“sin desconocer el Congreso el interés de los organismos voluntarios,
emite el concepto terminante de que la lucha contra la Lepra es
esencialmente de la responsabilidad de los gobiernos; por lo tanto, la
lucha antileprosa debe integrar los programas de higiene pública de
49
BARRETO, João de barros. “Problemas Nacionais: I Lepra”. Arquivos de Higiene, 1935:5 (1) 119-
130. Apud CUNHA, V., op. cit., p. 92.
50
Foi Ministro da Educação e Saúde entre 1934 e 1945. “Seu ministério tinha, entre outras atribuições,
a de formular um projeto cívico-pedagógico para engendrar um ‘novo homem brasileiro’. A reforma
do Estado, da sociedade e do homem eram projetos que deveriam caminhar juntos. Educação, saúde e
cultura eram pilares para a execução deste ideário.” CYTRYNOWICZ, Roney. “Imagens, políticas e
leituras do Arquivo Capanema’. História, Ciências e Saúde Manguinhos. Rio de Janeiro, vol. VIII,
pp. 472-475, jul-ago. 2001.
51
Fundada em 1931, no Congresso Internacional de Manila, organizado por Leonard Rogers. Folha da
Manhã, 17 de julho de 1937, Núcleo de Memória da Saúde do Instituto de Saúde, São Paulo.
los países afectados. Excita, asimismo, a dicho gobiernos para que
vigoricem los trabajos de experimentación tendientes a mejorar los
métodos de dominio de la lepra.”
52
Um dos objetivos dessa recomendação era enfraquecer a participação das
sociedades beneméritas e religiosas que, para os membros da Conferência, contribuíram
para a divulgação da lepra como única e terrível e que perpetuavam o estigma sobre a
doença.
Desde de 1937, a lei n.º 378, de 13 de janeiro de 1937, organizou a ação federal em
educação e saúde em todo país e determinou que caberia ao governo ações próprias e ações
supletivas em educação e saúde
53
. Ação própria era aquela que respondia à necessidade de
ação nacional sobre assuntos da educação e da saúde e ação supletiva quando o governo
federal intervinha diretamente no estado suprindo deficiências estratégicas e logísticas da
esfera estadual. Esta lei determinou também a realização de Conferências Nacionais para
viabilizar as ações federais em todo país.
A I Conferência Nacional de Saúde
54
foi realizada em 1941 e uma de suas diretrizes
foram os planos e as metas do Serviço Nacional de Lepra criado no mesmo ano, pelo
Decreto-lei nº 3.171, de 02 de abril de 1941. O item c, do 1.º artigo determinava o seguinte:
“estabelecer a coordenação das repartições estaduais e municipais e
das instituições de iniciativa particular, que se destinem à realização
de quaisquer atividades concernentes ao problema da saúde, animá-
las, fiscalizá-las, orientá-las e assisti-las tecnicamente, e ainda estudar
os critérios a serem adotados para a concessão de auxílios e
subvenções federais para a realização dessas atividades, e controlar a
aplicação dos recursos concedidos.”
55
As políticas públicas de profilaxia e combate à lepra contribuíram para a construção
da saúde como um bem público e para a justificativa da intervenção federal que se
consolidaria na rede de leprosários existente em 1942. Ao todo foram construídas 41
instituições (ver Apêndice n.º 3).
52
OBREGÓN TORRES, Diana. Batallas contra la Lepra: Estado, Medicina y Ciencia en Colombia.
Medellin: EAFIT, 2002, p. 280.
53
Lei 378, de 13 de janeiro de 1937. nova, organização ao Ministério da Educação e Saúde
Publica. D.O.U. - Diário Oficial da União; Poder Executivo, de 15 de janeiro de 1937.
54
Realizada entre 10 a 15 de novembro de 1941, no Rio de Janeiro.
55
Decreto-lei 3171, de 02 de abril de 1941. Reorganiza o Departamento Nacional de Saúde, do
Ministério Educação e Saúde, e da outras providências. D.O.U. - Diário Oficial da União; Poder
Executivo, de 31 de dezembro de 1941. Artigo c, Parágrafo 1.
Entre a 4.ª Conferência e a 5.ª, realizada em Havana em 1948, foi desenvolvido o
tratamento com sulfona que negativava clinicamente a doença. A profilaxia deixava de ter
como única opção o isolamento para dar ênfase ao tratamento. A Revista Brasileira de
Leprologia, no artigo Conclusões do 5.º Congresso Internacional de Lepra, Reunido em
Cuba, Abril de 1948”, registrou a declaração de Ernest Muir sobre o isolamento
compulsório ter sido um dos maiores erros da medicina moderna
56
. Deliberaram sobre o
fim do isolamento e para a atuação de retirar do doente o estigma de maldito, pois o
ocultamento da lepra e o não acesso ao tratamento médico aumentariam a possibilidade de
contágio da doença.
Na Conferência seguinte, em 1953, o tratamento ambulatorial foi adotado como
prática profilática e recomendou-se o controle dos comunicantes e ações de educação
sanitária. Determinou-se, inclusive, que os casos clínicos tuberculóide e indeterminado
fossem tratados somente em ambulatórios. Os leprosários deveriam atuar para a
reintegração da saúde física e moral em sua mais ampla acepção
57
. E os preventórios
seriam desativados, pois os filhos dos doentes, separados ao nascer, caso não pudessem ser
recolocados no meio familiar, deveriam ser encaminhados para órgão competente de
proteção à infância.
O dr. Orestes Diniz participou da Comissão de Epidemiologia e Profilaxia, da 7.ª
Conferência realizada em Tóquio, em 1958. Essa comissão determinou que o tratamento se
realizaria fora dos leprosários e que a lepra seria reintegrada aos serviços gerais de saúde
pública, sendo tratada como qualquer outra doença infecto-contagiosa. Como plano
fundamental para seu combate era necessária a educação de estudantes de medicina,
médicos, enfermagem, pessoal técnico, pacientes, ex-pacientes e suas famílias, assim
como, o público em geral. Além das providências educativas, seriam tomadas também
providências médicas, o tratamento seria administrado pelos dispensários, centros de
saúde, instituições aptas a fazê-lo, os leprosários seriam reservados para os pacientes que
requisitassem cuidados especiais ou internados voluntariamente. Social e legalmente, a
segregação não deveria mais ser imposta ao doente, pleiteava-se que esse “anacronismo
fosse abolido”
58
.
56
“Conclusões do 5.º Congresso Internacional de Lepra, Reunido em Cuba, Abril de 1948”. Revista
Brasileira de Leprologia, vol. XVI, Set. 1948, n.º 3.
57
DINIZ, O., op. cit., p. 35.
58
Ibid, p. 39.
Em 7 de maio de 1962, com o Decreto n.º 968, o isolamento deixou ser
compulsório e prática profilática no Brasil, com exceção de São Paulo. Somente a partir de
1967, com a publicação de uma norma interna assinada pelo novo diretor do Departamento
de Profilaxia da Lepra de São Paulo, Dr. Abrahão Rotberg, o estado passou a adotar o
tratamento ambulatorial, em vigência até os dias de hoje; a internação é apenas hospitalar e
episódica, se restringindo às medidas clínicas para casos mais graves nos estágios
avançados da doença. Os leprosários foram sendo desativados e transformados em
hospitais gerais, o Asilo-Colônia de Aimorés, em Bauru, transformou-se no Instituto Lauro
de Souza Lima, referência internacional no estudo da doença.
1.2- Lepra e leproso: estigma e imagem deteriorada
“Das previsões de Moysés, decretando leis severas contra o ‘zarath’
do Povo de Israel, a as medidas adoptadas pelo parlamento da
Noruega, com o regime da hospitalização obrigatória dos leprosos, 20
séculos contemplam extáticos a disseminação da lepra. dois
milênios que o flagelo deformante da humanidade vem produzindo a
sua obra mutilante e cegadora, tecendo armas triunfantes com os
recursos postos em prática para combatê-lo. As populações pré-
históricas do Egito, da Palestina e das Índias foram as primeiras que
pagaram tributo à morféia. A Itália, no regresso das tropas de
Pompéia, recebeu leprosos oriundos da Síria e do Egito. Celso, no
século I; Empiricus, no IV; Egyno, no VII século, fazem estudos sobre
a lepra. No decorrer do 1.º século da era cristã, a lepra invade a
Lombardia, Gallicia, Espanha e a Inglaterra.”
59
Campos Seabra, “A Prophylaxia da Lepra”
.
O artigo do dr. Campos Seabra, “A Prophylaxia da Lepra”, apresentado no 1.º
Congresso Paulista de Medicina, atribui à doença extensa ancestralidade. E compara as
doenças bíblicas e a do Egito “pré-histórico” com a que levou o Parlamento da Noruega a
pensar políticas públicas, no final do século XIX.
A projeção da doença com passado, presente e futuro foi exercício próprio da
revolução microbiana no processo de elaboração das novas identidades das doenças
60
.
59
SEABRA, Campos. “Annaes do 1.º Congresso Medico Paulista”, Dezembro de 1916, Vol. III, p. 45-
55. Apud SOUZA-ARAÚJO, H. C., op. cit., p. 183.
60
Entre 1880 e 1910, foram identificados mais de 20 micróbios e as doenças causadas por eles, trazendo
questões sobre transmissão, prevenção e tratamento. Esse processo de identificação intensa, conhecido
como revolução microbiana, transformou a identidade de muitas doenças, assim como, influenciou as
práticas da medicina e da saúde pública As doenças eram definidas de acordo com seu agente
Voltava-se ao passado para contrapô-lo às descobertas do presente e para afirmar a
construção de um futuro certo: a identificação do agente etiológico de cada doença e a
vitória dos remédios elaborados nos laboratórios.
Segundo Diana Obregón, é comum considerar a lepra como corte permanente na
cultura ocidental desde tempos imemoriais
61
. Na Colômbia, atualmente, assim como em
ouros países, as palavras lepra e leproso ainda são utilizadas como sinônimos para o pior
de uma situação ou de uma pessoa.
A palavra lepra tem uma história igualmente longa. Segundo Abraão Rotberg, no
III século a.C., 72 sábios hebreus se reuniram para a tradução dos Neviim e Ketuvim
(Números e Levítico, livros sagrados judaicos integrantes do Pentateuco) do hebraico para
o grego, onde a palavra hebraica tsara’ath foi traduzida para o grego como lepra, cujo
significado é descamação, esfoliação, sendo indicada como sinônimo para “impureza” e
“desonra”
62
. No processo de tradução da blia para o latim, o termo lepra foi mantido e o
imaginário cristão foi associando à lepra a herança estigmatizante do antigo termo
hebraico. A lepra bíblica além de ser utilizada para diversas doenças que se manifestavam
na pele, era identificada também em roupas, paredes da casa, entre outros e para cada um
desses eventos eram estipulados longos ritos de purificação, presididos pela autoridade do
sacerdote.
Na discussão sobre essa imagem ancestral da lepra e do leproso, Diana Obregón
dialoga com Saul N. Brody, Zachary Gussow e George S. Tracy. Brody afirma que a
identificação do leproso como símbolo de depravação e pecado é contínua desde a
Antiguidade até nossos dias. Para Gussow e Tracy, não. Analisam o estigma como
produção do colonialismo do século XIX, pois, sendo a enfermidade endêmica na maioria
dos continentes colonizados, associou-se os doentes a tudo que é “inferior” ou
“incivilizado”. Essa condição inferior, essa identificação do leproso como aquele que deve
etiológico específico. Valorizava-se a profissão do médico e a utilização de novas tecnologias no
tratamento de doenças. Surgiam e consolidam-se instituições de estudo e pesquisa, como o Instituto
Pasteur e o, então, Instituto Oswaldo Cruz. Os laboratórios alemães afirmavam-se como parte da
formação médica. Ver: BRANDT, Allan M. E GARDNER, Martha. “The Golden Age of Medicine?”
In: COOTER, Roger and PICKSTONE, John. Companion To Medicine In the 20
th
. London and NY:
ROUTLEDGE, 1993, pag. 21-38. ROSEN, George.. “A Era Bacteriológica e suas conseqüências”. In:
Uma História da Saúde Pública. 2.ª Edição. São Paulo: UNESP-HUCITEC/ABRASCO, 1994, pp. 219-
252. CUNNIGHAM, Andrew e PERRY,Willians. “Transforming Plague: the Laboratory and the
identity of infextious disease”. In: The Laboratory Revolution. Cambridge: Medicine Cambridge Press,
1992, pp. 209-244.
61
OBREGÓN TORRES, D., op. cit., pp. 23-25.
62
ROTBERG, A. “O pejorativo "lepra" e a grande vítima de grave erro dico-social-histórico: a
indefesa América Latina”. Revista de História, jan-mar, 1975, pp. 293-305.
ser cuidado, pois sua doença o incapacita para fazê-lo, seria herança também da
redescoberta da lepra no século XIX; nesse sentido, instituições de caridade tornaram-se
fortes aliadas no enfrentamento da doença. Na Inglaterra, com o objetivo de cuidar dos
leprosos, foram fundadas a Missão Britânica para Leprosos (1874) e o Fundo Nacional da
Lepra (1889), para os missionários a salvação da alma dos “leprosos indigentes” era
prioridade máxima
63
.
Para George Joseph, apesar da fundação da Missão ter sido posterior a identificação
do Mycobacterium leprae por Hansen, os missionários fundamentaram sua atuação nas
definições bíblicas e medievais da doença, associando a lepra à contaminação moral,
degradação do corpo e ambientes insalubres
64
. A orientação espiritual vinha dos atos de
Jesus ao falar da Missão dos Apóstolos, em Evangelho Segundo São Mateus (10:1,8):
Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, limpai os leprosos, expeli os demônios
65
.
Joseph não desassocia a evangelização dos objetivos sociais e políticos do imperialismo,
pois aprender a ler em inglês para encontrar apoio espiritual na Bíblia Sagrada, inseria o
doente na civilização ocidental, e, socialmente, instaurava a separação entre o doente
integrado à Missão e o outro, não evangelizado, que negava sua salvação através do
cristianismo.
“Esse trecho [Mateus 10, 1 8] nos permite verificar que a ‘lepra’
merece menção especial, não sendo inserida juntamente com as
demais doenças; os ‘enfermos’ eram para ser ‘curados’, porém os
‘leprosos’ deveriam ser ‘limpos’.”
66
Lenita Claro cita o trabalho de Ilse Volinn para entender a origem do estigma da
lepra
67
. Volinn pesquisa a epidemia no século XIX no Havaí e questiona porque a varíola,
também com evidência milenar, não se tornou objeto de estigma como a lepra, essa
diferença estaria na natureza das doenças. Explica, então, que a varíola, apesar de marcar a
pele, era de natureza aguda e fulminante, os que sobreviviam saíam com uma imagem de
vitoriosos; enquanto, que a lepra era progressiva, crônica e deformante. Com as palavras de
63
Ver: http://www.leprosyhistory.org/portuguese/help.htm. Acessado em 9/3/2006.
64
JOSEPH, D. George. "Essentially Christian, eminently philanthropic": The Mission to Lepers in
British India. História, Ciência, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, vol 10, suplemento 1, pp. 247-295,
2003.
65
Ibid, p.267.
66
MONTEIRO, Y., op. cit., p. 17
67
CLARO, Lenita Barreto Lorena. Hanseníase: representações sobre a doença. Rio de Janeiro:
FIOCRUZ, 1995, p.23.
Sérgio Carrara, podemos dizer que a lepra é uma doença com alta visibilidade social e
intensa evocação simbólica
68
. Para o autor, a lepra estava inserida no campo da
dermatologia, assim como a sífilis, mas o estudo da doença desenvolveu, igualmente, uma
trajetória própria, constituindo a disciplina da leprologia.
Essa evocação simbólica é um processo inerente às doenças cujos tratamentos e
causas ainda não levam ou levavam –, à cura ou a seu entendimento. Num primeiro
momento, a doença é identificada com o que de obscuro na sociedade (medos,
corrupção, decadência), a chegar no processo que a própria “doença passa a adjetivar”,
transformando-se em metáfora e através da metáfora construída, o “horror” é atribuído a
outras coisas: Os sentimentos relacionados com o mal são projetados numa doença. E a
doença (assim enriquecida de significado) é projetada no mundo
69
. Susan Sontag afirma
que o indivíduo acometido de um doença terrível entra em outro mundo, o mundo da
doença, e a partir daí vive uma espécie de exílio; cita Schopenhauer para dizer que a a
vontade se exibe com um corpo organizado e que a presença da enfermidade significa que
a própria vontade está enferma
70
.
Diana Obregón ao analisar “A Doença como Metáfora”, de Susan Sontag, observa a
distinção elaborada por esta autora entre a linguagem científica e a metafórica: Sontag se
detienne donde comienza la ciencia: para ella, el lenguaje científico no es metafórico, y la
ciencia es verdad pura e simple
71
. Para Sontag, a linguagem científica não é metafórica,
quer “acalmar” a imaginação para centrar-se na dimensão biológica para “desadjetivar”.
Obregón encerra a discussão apresentando a perspectiva da construção social da doença,
ou seja, a aprendizagem sobre uma doença e o contexto social em que ela se constitui são
inseparáveis, tanto em sua produção, como em seu conteúdo.
Esse lugar desprivilegiado ocupado pelo leproso e toda a adjetivação atribuída à
lepra pode ser analisado pela clássica proposta de Erving Goffman
72
, em seu estudo sobre
estigma e a deterioração da identidade social do estigmatizado.
O termo estigma tem sua origem entre os gregos - para os quais o autor faz a
ressalva de possuírem profundo conhecimento do imagético-, era a designação das marcas
68
CARRARA,rgio. Tributo à Vênus: a luta contra a sífilis no Brasil, da passagem do século aos anos
40. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1996, p.14.
69
SONTAG, Susan. A doença como metáfora. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984, p. 76.
70
Ibid, p. 58.
71
OBREGÓN TORRES, D., op. cit., p.27.
72
GOFFMAN, 1988, op. cit., p. 11.
feitas nos corpos para identificar escravos, criminosos ou traidores e determinar a exclusão
dessas pessoas dos lugares públicos.
Goffman conceitua identidade social como o processo pelo qual o indivíduo é
reconhecido em seu aspecto e seus atributos. Sendo a sociedade uma composição de
categorias, são atitudes comuns e reconhecidas que constroem a identificação imediata de
um grupo sobre si. Cada vez que um estranho chega a um novo grupo é perscrutado para
nele achar-se os signos e símbolos (“expectativa normativa”) que poderão identificá-lo
para inserção ou rejeição no grupo. Goffman elabora a identidade social mediante duas
perspectivas: a identidade social virtual, aquilo que é visto pelo outro, o que é identificado
no indivíduo e, a identidade social real, o que o indivíduo prova possuir, seus atributos e
categorias efetivos.
Na construção do conceito contemporâneo de estigma é preciso entender que este
não se constitui por uma linguagem de atributos, mas sim, uma linguagem de relações,
pois, o valor social dos atributos podem mudar de uma sociedade para outra. Goffman
considera três tipos de estigmas: as deformidades físicas, as culpas de caráter individual
(vício, alcoolismo, homossexualismo, desemprego, tentativas de suicídio etc.) e tribais, de
raça ou religião (podem ser transferidos através de gerações). Esses conceitos que o autor
apresenta no capítulo “Estigma e Identidade Social” trazem mais uma definição
importante: em contraponto ao indivíduo estigmatizado ele define os “normais” - aqueles
que não possuem marcas negativas ou que não se afastam das expectativas “normatizantes”
do grupo. A partir dessa conceituação utiliza correntemente a expressão “nós, os normais”
para diferenciar o lugar social discriminado pelos “normais” frente ao estigmatizado
73
.
“Por definição, é claro, acreditamos que alguém com um estigma não
seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de
discriminações, através das quais efetivamente, e muitas vezes sem
pensar, reduzimos suas chances de vida. Construímos uma teoria do
estigma, uma ideologia pra explicar a sua inferioridade e dar conta do
perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes uma
animosidade baseada em outras diferenças, tais como as de classe
social.”
74
73
“A noção de ‘ser humano normal’ pode ter sua origem na abordagem médica da humanidade, ou nas
tendências das organizações burocráticas em grande escala, como a Nação-Estado, de tratar todos os
seus membros como iguais em alguns aspectos.” Ibid, p. 16 et seq.
74
Ibid, p.15.
Entretanto, o indivíduo estigmatizado tem a mesma perspectiva de vida que os
normais, deseja um destino agradável e uma oportunidade legítima”, mas a pressão dos
normais pode extrapolar o limite suportável pelo estigmatizado em seu processo de
inserção na vida social, no grupo. Goffman afirma que o estigmatizado nunca é aceito e
que o grupo não está disposto a recebê-lo em bases iguais, a não ser em condições
especiais tais como, familiares que conviveram com o estigma a vida inteira e também
tiveram que lutar por uma aceitação, ou nas associações para o enfrentamento do estigma,
pessoas que comungam da mesma crença política mesmo não sendo portadoras da mesma
necessidade especial e com uma grande capacidade de escuta. Porque a vergonha sempre
surge quando um indivíduo percebe que possui um atributo que o faz rejeitado pelo grupo.
Então, torna-se tema central para o estigmatizado a aceitação.
Para tanto, o estigmatizado se esforça em dominar áreas de atividades restritas à sua
deficiência, como, por exemplo, as práticas esportivas. Pode também romper com a
realidade e tentar obstinadamente empregar uma interpretação não convencional do
caráter de sua identidade social
75
. Ou, resignar-se compreendendo o sofrimento como
caminho para aprender sobre a vida e sobre as outras pessoas. Porque para o estigmatizado
é muito complexo o processo da auto-estima e, socialmente, está a mercê da fantasia sobre
aquilo “que os outros estão pensando dele”, pois, o cego, o doente, o surdo, o aleijado
nunca podem estar seguros sobre qual será a atitude de um novo conhecido, se ele será
receptivo ou não, até que se estabeleça contato
76
. Pois, em público, é pouco provável que
o estigmatizado não sinta que está em exibição, pois estando entre os normais as
situações mistas–, é “compreensível que nem todas as coisas caminhem suavemente”.
As tensões inerentes às situações mistas levam os estigmatizados a estar entre
iguais a si e nesse contexto, acabam por viver num mundo incompleto. As pessoas com
estigma que possuem maiores recursos para ter acesso a diferentes oportunidades, podem
se transformar emderes de seus infortúnios e pleitear melhores condições de vida para si
e para o grupo no qual se insere. Goffman faz a diferença entre a história de uma categoria
de pessoas com um estigma e a história do próprio estigma, sua origem, sua difusão e
declínio como atributo, pois se está sempre sob as representações de uma sociedade em
particular. Teremos a oportunidade de observar a atuação de Pedro Baptista nos leprosários
em que viveu.
75
Ibid. p.20.
76
Ibid. p. 23.
Outra questão imposta ao estigmatizado é a experiência do isolamento ou da falta
de uma habilidade que o faça viver em sociedade, ou quando passa por um grande processo
de hospitalização, encarado como um período para “adaptação”, mas que considerada
retrospectivamente na vida do indivíduo estigmatizado pode revelar um momento de crise
e não de aprendizado sobre sua nova condição de vida.
A dinâmica do estigma o ocorre pela existência dos indivíduos estigmatizados e
normais, o “normal e o “estigmatizado o o “pessoas”, são perspectivas inerentes às
situações sociais, e enquanto processo social os indiduos podem participar de ambos os
pais – normal ou estigmatizado – em “algumas conexões ou fases da vida”. Há sempre uma
manipulação de informação por parte do estigmatizado para o “encobrimento do que
visualmente o expõe em situações sociais.
Podemos identificar, a exemplo do que nos diz Goffman, em algumas fotografias de
Pedro Baptista, essa atitude de ocultar características que o identificam com o que o
estigmatiza, no caso da lepra, as mãos em garra (Figura n.º 3).
Esta foto foi tirada em 1949, no Asilo-Colônia
Santo Ângelo, em São Paulo.
Podemos observar que Pedro se apoiou na
cadeira, de forma a dar uma “posição normal” às
mãos já comprometidas neurologicamente pela
doença.
Figura n.º 3
No documentário
77
, “Os Melhores Anos de Nossas Vidas”, Anda Pasquini registrou
depoimentos de residentes remanescentes do que foi o Asilo-Colônia Santo Ângelo. A história
de uma jovem que ainda reside no antigo leprosário é o exemplo do estigma que não está em
um traço sico, mas que foi “herdado” pelas relações sociais, familiares ou culturais. Daniela,
com idade entre 20 e 30 anos, filha de um ex-paciente internado, relatou que era discriminada
tanto na escola, onde não era convidada para participar de atividades em grupo, como na busca
de emprego, pois foi recusada em alguns trabalhos, quando revelava seu lugar de residência.
Uma moça que nunca desenvolveu a doença e que vive numa conjuntura de cura da lepra e de
larga difuo pelos meios de comunicação de massa do tratamento da doença.
o é tema da presente dissertação analisar a relão de ex-doentes e seus familiares
em sua reinserção social ou o período de abertura dos leprosários, entre os anos 60 e 80, e a
volta para a sociedade dos ex-internos, processo para o qual a leitura de Erving Goffman muito
contribuiria; e sim, utilizar as categorias organizadas por ele para entender as dinâmicas sociais
do internado como indivíduo estigmatizado.
No período da internação compulria entre os anos 1929 e 1967, o doente ao ser
internado nos asilos-colônia, perdia a caderneta de saúde obrigatória para o trabalho e passava
a viver segregado da sociedade. Essa segregação era uma marca, um estigma, como a
imputada pelos gregos para demarcar aqueles que estariam aptos ao convívio social ou não. A
maior contribuição de Goffman para pensar este trabalho es nas dimensões que o
estigmatizado atravessa para elaborar-se como pessoa íntegra. O autor analisa os diversos
processos vividos pelos estigmatizados na construção de uma identidade socialmente aceita.
Uma característica é a necessidade do doente o perder o vínculo com o que é estabelecido
como “normal” pela sociedade; ou na linguagem dos internados: os que eram “de sde”.
Na correspondência do paciente Pedro Baptista encontramos esse processo de
constrão da auto-imagem, com negão da doença, a busca de identificão com atividades
realizadas pelas pessoas “normais”, valorização de si mesmo como der e representante
daquela categoria junto às autoridades. Nos discursos da escrita de si elaborada em seu peodo
de internação e, a conseente ausência da convincia familiar. Em poucos momentos Pedro
se assume como doente, fala em cura (nos anos 1930), fala em futuro próximo, até que as
cartas silenciam.
77
Para Michel Pollak, o documentário, ou como chama filme-testemunho, transformou-se em elemento
essencial como lugar de expressão para memórias anteriormente excluídas e que sua proibição ou
veiculação redefinem e negociam com a memória coletiva e nacional. POLLAK, M., op. cit., p. 11.
“Continuo revestido de alta confiança em que Deus me curará. Sim,
quando eu não mereça, por amor a ti, dos meus filhos e dos muitos
crentes que oram por mim. Ele me curará. Não me demorarei aqui, se
Deus quiser. Eu sairei para o trabalho do Senhor Permaneças aos pés
de Jesus e ensines nossos filhos a rogar a Deus por mim.”
78
O entendimento do estigma da lepra objetiva a compreensão da relação do doente
com o mundo que o cercava, suas estratégias, suas situações limítrofes, os campos sociais
nos quais era possível sua atuação, como por exemplo, o envio de cartas aos jornais, a
compreensão da doença pelo doente, a recuperação da dinâmica asilar.
A identificação da lepra como uma doença milenar não é privilegiada na elaboração
deste trabalho. No entanto, a análise trazida por Diana Obregón da lepra e do leproso que
se inserem nas políticas imperialistas do final do século XIX, e na ascensão da classe
médica como autoridade política e cultural no século XX. São pontos de vista que vem ao
encontro da forma como pretendo conceituar a doença nesta dissertação.
Para Jacques Revel e Jean-Pierre Peter, a experiência da doença é lugar privilegiado
para o entendimento da dimensão das dinâmicas sociais administrativas, religiosas,
políticas e a própria imagem da sociedade em si. Em função do impacto (desestruturante
ou reestruturante) da doença as articulações essenciais de grupo, as linhas de força e as
tensões que o transpassam ficam mais claras
79
. É que o homem doente provoca sempre a
clínica médica, pois esta quer vê-lo apenas enquanto doença. Discutem três formas de
discurso: o religioso que considera a morte o início e o sofrimento do caminho para Deus;
o discurso médico que ao objetivar o corpo não considera a morte um fim, pois a própria
morte fala sobre o doente e sua doença; e o discurso histórico, o homem sujeito
identificado pela teoria científica, tornou-se objeto de estudo.
Nas representações sobre a lepra na sociedade paulista dos anos 1920 e 1930, a
doença e o doente são vistos como ameaça social e a idéia da segregação está plenamente
difundida na sociedade, como podemos identificar nestes trechos dos jornais da cidade de
São Paulo:
“São dignos de toda a piedade, não resta dúvida, mas devemos nos
defender de toda forma de seu contato, pois é sabido que nesses
78
Carta de Pedro para Maricas. Pirapitingui, 22 de janeiro de 1935. Acervo Pessoal Pedro Baptista,
sob custódia de Cláudio José de Souza.
79
REVEL, J. e PETER, J. “O Corpo: o homem doente e sua história”. In: Le Goff, J. e Nora, P.
História Novos Objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editores, 1976, pp.141-159.
desgraçados prevalece a crença que contaminando sete pessoas ficarão
limpos da lepra!...”
80
“Um fato gravíssimo. Revoltados os morféticos do Bairro de Bom
Sucesso invadem a cidade de Pindamonhangaba. Os estudantes
reagem e a polícia intervêm, sendo os lázaros escorraçados. Numa
estrada um dos desgraçados mordeu uma criança.”
81
1.3- Narrativa da doença: discussão bibliográfica e teórica
Em Entre médicos y curanderos”, Diego Armus observa a valorização da história
cultural como instrumento de análise na produção e reprodução da experiência histórica e
como modo de organizar a discussão sobre o passado. Afirma que a doença é objeto de
pesquisa relativamente novo para a história cultural, enumerando diversos profissionais da
área da história e das ciências sociais que passaram a trabalhar nessa perspectiva e definir a
doença como conceito além da “bactéria ou do vírus”. Cita Charles Rosemberg - “Framing
Disease: Illness, Society e History” -, como um dos primeiros a propor a discussão sobre a
construção da doença como acordo e consenso entre grupos sociais e políticos envolvidos
em seu evento (biológico e social).
A doença, com tais estudos históricos citados, deixou de ser elaborada somente pelo
saber médico para tornar-se um conjunto de construções e práticas discursivas, envolvendo
desde a histórica intelectual e institucional da medicina até os processos de reconstrução da
identidade do indivíduo doente. Essa renovação historiográfica se contrapôs à tradicional
história da medicina que valorizava a biografia de médicos famosos e suas descobertas
maravilhosas, assim como a celebração vitoriosa da medicina e da profissão médica.
Na Introdução do livro “Doença, Sofrimento, Perturbação: perspectivas
etnográficas”, Luiz Fernando Dias Duarte propõe o recorte “pessoa, corpo e doença” para
discutir o fenômeno do adoecimento. Tem por objetivo divulgar os métodos da análise
antropológica, desenvolvendo trabalhos através da metodologia qualitativa que valoriza o
discurso, a significação, os valores e as qualidades dos fenômenos observados, a atitude do
pesquisador de aprender com o objeto estudado. Essa “estratégia antropológica” se
80
A LEPRA – Os perigos a que está exposta a população. O Combate. São Paulo, 15 de abril de 1930.
81
Folha da Manhã. São Paulo, 6 de julho de 1927.
pretende mais “holística” e esse pressuposto metodológico envolve: o “entranhamento”
82
simbólico radical de todas as experiências humanas, o desafio da inseparabilidade da
cultura, a convivência com os “relativismos” e a desconstrução da idéia de “naturalidade”
fundada pelo saber biomédico.
Duarte analisa a produção antropológica em dois períodos. Dos anos 1960 a 1980,
os temas centravam-se em torno de elucidar e denunciar a oposição “natureza versus
cultura”, questionando a objetividade/realismo imposto pela Biomedicina. É o momento da
afirmação progressiva da posição “construtivista” ou “nominalista”. O segundo período,
iniciado na década de 80, investiu na superação das dicotomias razão/emoção,
corpo/espírito –, e trouxe para o centro da discussão a “cultura versus a experiência
individual”: Curiosamente, o corpo volta ao primeiro plano não mais apenas como o
organismo natural determinante: é agora o ente do controvertido estatuto que serve de
palco ativo da experiência ou vivência dos sujeitos.”
83
.
A representação maior desse processo é a “pessoa” e todos os seus efeitos
concomitantes”: a racionalização e o afastamento do sensível; a fragmentação dos
domínios e a universalização dos saberes, a interiorização e psicologização” dos sujeitos;
a “autonomização” da esfera pública e a institucionalização do liberalismo em sentido lato;
a “intimização” da família; a “autonominação” dos sentidos; e a elaboração de uma estética
e uma sexualidade
84
.
As produções que focam na experiência direcionam-se para uma “antropologia das
emoções”, configurada, às vezes, como etnopsicologia ou antropologia da dor, fortemente
vinculada às problemáticas da saúde/doença. Essas tendências das representações da
cultura ocidental moderna sobre saúde/doença evidenciam o grau de complexidade das
análises e Duarte propõe, então, as seguintes distinções metodológicas: 1- existem
testemunhos que não trazem como tema central o indivíduo, é o caso das sociedades
tribais, onde o todo é mais valorizado do que a trajetória de vida; 2- testemunhos de
sociedades com intervenções mais profundas, como o islamismo e as sociedades orientais,
82
Sobre a idéia do “entranhamento”, o autor continua com a seguinte explicação: “Avulta, nessa
reflexão, a ênfase no fato de que o horizonte simbólico da ‘cultura ocidental moderna’ subjaz a
qualquer esforço de conhecimento ou compreensão antropológica e que a percepção controlada desse
fundamento é a via-régia do trabalho de nossa disciplina. O nosso ‘relativismo’ possível é, assim,
‘relativo’ ele próprio, situacional.” DUARTE, Luiz Fernando Dias. “Investigação Antropológica sobre
Doença, sofrimento e Perturbação: uma introdução”. In: _____________________ e LEAL, Ondina
(organizadores). Doença, Sofrimento, Perturbação: perspectivas etnográficas. Rio de Janeiro:
FIOCRUZ, 1998, p. 9-27.
83
Ibid, p. 17 et seq.
84
Ibid, p. 19.
pois reproduzem sua cultura sobre outras formas culturais organizadas; 3- culturas onde a
valorização do individualismo chegou ao máximo, mas de forma fragmentada, como no
caso das culturas industrializadas ocidentais; e 4- as sociedades latino-americanas com a
cultura do individualismo extremamente heterogênea.
A compreensão da proposta de Duarte do adoecimento por meio das relações entre
“pessoa, corpo e doença” configurou uma metodologia para possibilidade de recortes
biográficos no estudo da doença. Contribui para pensarmos a valorização da experiência
individual na construção da história social da lepra, pois, para o autor, o sujeito é uma
expressão das tensões existentes na sociedade e o corpo o “palco ativo dessa experiência”.
Segundo Claudine Herzlich, a valorização do tema saúde/doença no campo da
pesquisa da Sociologia ocorreu algumas cadas após a Segunda Guerra Mundial, sendo
predominante o modelo biomédico. Cita Talcott Parsons por ter definido o estudo da
doença não considerando o público e o privado, mas analisando os fenômenos sociais da
doença como “profissionais” e organizados pelos médicos e pela medicina. Nos anos 1970,
Herzlich analisa o aparecimento de postura crítica frente ao controle do corpo e à
medicalização deste, denunciado o Estado por trás da medicina, sendo seu principal crítico
Michel Foucault
85
. Esse “sufocamento” por parte do Estado impedia a escuta da voz do
paciente e seus temas correlatos: corpo, gênero e emoção.
A autora traz para a reflexão a importante contribuição de Norbert Elias e François
Dubet
86
. Sobre Elias observa que foi pioneiro em valorizar o uso do privado, do cotidiano e
do pessoal nas ciências sociais e que evidenciou um novo horizonte teórico, abandonando,
por exemplo, o marxismo, grande paradigma sobre o social e o futuro da sociedade. Dubet
tornou legítimo para a sociologia o tema da “experiência pessoal”, rompendo com a
compreensão da sociedade enquanto uma ordem e valorizando o sujeito/autor e sua
produção. No campo da História, Herzlich valoriza a obra “A História da Vida Privada”
85
“Segundo Foucault, com o advento do capitalismo a medicina ganha novo estatuto, na medida em
que o corpo passa a ser visto como força de produção. Tal ascensão, entretanto, foi paulatina,
começando como uma medicina do Estado (início do século XVIII), principalmente na Alemanha, onde
o Estado se configura como objeto de conhecimento e lugar onde se produz conhecimento; a seguir,
passa por uma “medicina das condições de vida, do meio de existência” que lhe confere um estatuto de
ciência, até chegar, finalmente, a uma medicina da força de trabalho, que realiza um controle mais
completo dos indivíduos, pela assistência e intervenção médicas.” HERZOG, Regina. “A percepção de
Si como Sujeito-da-Doença”. Physis - Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, vol. 1, n.º 2, 1991, pp.
143-155.
86
Claudine Herzlich para sustentar seu argumento cita as seguintes obras: ELIAS, N. Zum begriff des
alltagas. Koiner Zeitschrift für Soxiologie und Sozialpsychologie, v. 20, 1978 e DUBET, F. Sociologie de
l”experience. Paris: Seuil, 1994. Ver: HERZLICH, Claudine. “A Problemática da Representação Social
e sua Utilidade no Campo da Doença”. Physis - Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, vol. 1, n.º 2,
1991, p. 23-36.
(1987), de Philipe Ariès e Georges Duby, por legitimar o tema enquanto objeto de
pesquisa.
Os cientistas sociais que se dedicaram à pesquisa das doenças crônicas foram, por
muitas vezes, as vozes desses doentes e discerniam quanto à gama de emoções por eles
vividas, tais como, a vergonha que as marcas no corpo ocasionam, o estigma, a perda do
lugar que ocupava na sociedade e de sua identidade.
Herlizch finaliza seu artigo falando sobre o novo tema na historiografia dos anos
90: a narrativa da doença e a valorização de diários, cartas, depoimentos pessoais,
entrevistas, romances relacionados à experiência da doença.
“A História da Vida Privada” é também obra citada por Ângela de Castro Gomes na
apresentação do livro “Escrita de Si, Escrita da História”, assim como, a “História da Vida
Privada no Brasil” (1997/1998). Para a autora, tanto na França como no Brasil, os
profissionais de história e das ciências sociais construíam um novo espaço historiográfico:
o privado. Valorizavam-se novos objetos, metodologias e fontes voltados para pesquisar a
mulher, o excluído, o operário, o homem comum, um espaço privado, que de forma
alguma elimina o público, que avultam em importância as práticas de uma escrita de si”.
87
A escrita de si, ou a escrita auto-referencial, compõe-se de um conjunto de
produções que se relacionam com o “indivíduo moderno e seus documentos”, biografias e
autobiografias, diários, memórias e correspondências, conjuntos ou coleções de objetos
pessoais, fotografias e cartões-postais.
“Assim, os tempos modernos são de consagração do lugar do
indivíduo na sociedade, quer como uma unidade coerente que postula
uma identidade para si, quer como uma multiplicidade que se
fragmenta socialmente, exprimindo identidades parciais e nem sempre
harmônicas. Essa tensão constitutiva do individualismo moderno tem
implicações fundamentais para o estabelecimento das modalidades de
produção de si anteriormente referidas. Isso porque, com essa nova
categoria de indivíduo, transformam-se, entre outras, as noções de
memória, documento, verdade, tempo e história.”
88
Sobre a memória, a autora observa a passagem da perspectiva coletiva e de grupos
para a memória individual do homem comum, além das tradicionais memórias individuais
87
GOMES, Ângela de Castro. “Escrita de si, escrita da história: A título de prólogo”. In:
______________ (org.). Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: FGV, 2004, pp. 7-24.
88
Ibid, p. 12.
sobre políticos ou intelectuais, pois em sua radical singularidade, todo indivíduo é social. O
tempo não é compreendido mais como cronológico ou serial, existe partilhado,
fragmentado, delimitado aos lugares do cotidiano: o tempo do trabalho, do estudo, da
família, do lazer etc. Os registros dos arquivos privados acompanham essa fragmentação,
pois, as vezes, é impossível a recuperação de um arquivo pessoal em sua íntegra, mas o
que se constitui fundamental é a vontade da verdade que ali se encontra. É inerente à
subjetividade do arquivo pessoal sua legitimidade, autenticidade e autoridade enquanto
documento.
Diante da especificidade do arquivo pessoal o foco não está em investigar se o que
está dito é ou não verdade. Para o pesquisador importa o quê foi registrado e como seu
autor se expressou, viveu, sentiu ou experimentou os eventos que relata. Nesse exercício, o
pesquisador precisa estar atento tanto à “ilusão biográfica”
89
, entendimento ingênuo de que
o período de vida de uma pessoa é uma sucessão coerente de eventos na linha do tempo,
como a relação texto/autor. Esta relação traz duas questões essenciais: uma, que o texto é
construído por representações de seu autor, outra, que o autor é produzido pelo texto,
inventado a partir dele. A partir dessa dicotomia assume-se a perspectiva de que nem
anterior, nem posterior: “Defende-se que a escrita de si é, ao mesmo tempo, constitutiva de
identidade de seu autor e do texto, que se criam, simultaneamente, através dessa
modalidade de ‘produção do eu’
90
. Dos textos da “produção do eu” surgem autor e
narrativa, tendo como objeto de escrita o prazer, o auto-conhecimento, a catarse, um meio
de comunicação e sociabilidade.
Ângela de Castro Gomes, em “Nas malhas do feitiço: o historiador e os encantos
dos arquivos privados”
91
, cita Christophe Prochasson
92
ao alertar o pesquisador para a
ingenuidade de se considerar os arquivos pessoais como um desnudar do humano e para
não confundir qualidade/originalidade da fonte com a qualidade/densidade do texto
93
.
Os arquivos pessoais tornaram-se importantes por representarem as ações e as práticas
culturais do indivíduo e do privado, privilegiados pela história cultural. Possibilitam, então,
89
Ver: BOURDIEU, Pierre. “A ilusão biográfica”. In: FERREIRA, M. e AMADO, J. (orgs.) Usos e
abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996.
90
GOMES, A., 2004, op. cit., p. 16.
91
Idem. “Nas malhas do feitiço: o historiador e os encantos dos arquivos privados”. Revista Estudos
Históricos. Arquivos Pessoais. Rio de Janeiro, n.º 21, pp. 121-127, 1998/1.
92
PROCHASSON, Christophe. "’Atenção: verdade!’ Arquivos privados e renovação das práticas
historiográficas”. Revista Estudos Históricos. Arquivos Pessoais. Rio de Janeiro, n 21, pp. 105-119,
1998/1.
93
GOMES, A., 1988, op. cit., p. 126.
a proximidade com os sujeitos da história, essa história produzida por homens e mulheres,
quaisquer que seja seu lugar social, econômico, ideológico, político ou cultural.
Sheila Rothman, autora de Living in the Shadow of the Death: tuberculosis and
the Social Experience of Illness in American History”, realizou sua pesquisa o em
tradicionais arquivos institucionais, mas em arquivos privados, coleções familiares de
cartas, diários, memórias, nos quais buscava “narrativas da doença”. Para definir a
narrativa da doença, cita Arthur Kleinman, definindo-a como resposta/reação oral ou
escrita do doente ou de sua família sobre a doença ou invalidez. Esta se caracteriza por ser
íntima, emotiva e profundamente pessoal.
Elegeu a tuberculose para seu estudo por ter sido esta a doença que mais causou
óbitos nos Estados Unidos da América entre o final do século XIX e início do século XX
(entre 1800 e 1870 era uma em cada cinco mortes). Por ser uma doença crônica, os
indivíduos conviviam com a tuberculose por anos, assim como as famílias, às vezes, por
duas ou três gerações; cada geração produzindo sua forma de definição, de etiologia, de
transmissão e de tratamento da doença, tanto no saber médico, como nas crenças religiosas,
obrigações de gênero e responsabilidades com a comunidade.
As primeiras histórias de vida que a autora analisa são de jovens, homens e
mulheres da Nova Inglaterra. A autora relata a trajetória de vida de um homem, estudante,
que peregrina em busca da cura e de uma mulher que, não sendo internada em um
sanatório e permanecendo em casa, a doença organizou sua vida. Através das cartas e
diários investiga também como as famílias e as comunidades compreendiam a morte de
parentes, às vezes, crianças, e cumpriam seus últimos desejos.
Sheila Rothman finaliza seu livro com a análise da influência da descoberta do
Bacilo de Koch, por Robert Koch, pois a certeza da transmissão da doença, transformou-a
em questão de Estado, pelo programas nacionais de saúde pública, tornando obrigatórios
testes diagnósticos, exames de Raio X e a internação para tratamento em sanatórios. As
estratégias de prevenção e controle das doenças adotadas pelos órgãos públicos eram
experimentadas pelos pacientes como estigmatização e confinamento. Quadro semelhante
se configurou para o enfrentamento da lepra, ao ser definida como doença infecto-
contagiosa e mal a ser combatido. A opção pelo isolamento como medida profilática
determinou que mais de uma geração de doentes de lepra, primeiro em São Paulo,
posteriormente, em todo o território nacional, sofresse com processo de “confinamento e
estigmatização”.
A autora analisa os muitos temas que atravessam e encontram com a doença e são
de especial importância para o entendimento da experiência do adoecer. Em primeiro
lugar, a incerteza que a doença trazia para o enfermo, os familiares e os médicos, pois não
havia estimativa do tempo em que a cura da doença ocorreria, semanas, meses ou anos. Em
segundo lugar, as relações de gênero que determinavam caminhos distintos no
enfrentamento da doença, pois, muitas mulheres permaneciam em casa, colocando seus
deveres acima das prescrições médicas. Em terceiro, o equilíbrio da autoridade entre
paciente e médico foi se alterando ao longo dos tempos. As pessoas com “tuberculose”
foram muito mais invadidas em sua vida pessoal do que quando a doença era conhecida
como “consumação”
94
. Em quarto lugar, as diferentes estratégias de suporte social e
psicológico que o doente recebe de seus iguais e da comunidade reflete as crenças, as
igualdades e diferenças de seu tempo. Rothman justifica, então, que escreve para produzir
uma história da tuberculose pela perspectiva do paciente e não do hospital ou do sanatório,
não tem a pretensão, ou o objetivo, de realizar uma história institucional ou de todos os
americanos que sofreram com a doença.
Para Lars-Christen Hydén, o interesse dos pesquisadores na perspectiva do paciente
ou na narrativa da doença, focou-se em como as pessoas falavam sobre o processo do
adoecimento e da doença e não somente sobre o quê elas diziam, pois a organização da
narrativa também dizia sobre a auto-imagem do narrador e sua relação com a doença.
“The stories people tell are important not only because they offer an
unmatched window into subjective experience, but also because they
are part of the image people have of themselves. These narrative self-
representations exert enormous power. They shape how we conduct
our lives, how we come to terms with pain, what we are able to
appropriate of own experience, and what we disown at the familiar
price of neurosis (Ochburg 1988).”
95
94
Sheila Rothman observa que o desenvolvimento da tecnologia médica, que submetia o paciente à
exames de sangue, radiografias, intervenções cirúrgicas, expôs mais o corpo do paciente à perda de
privacidade e da autonomia quanto a decisão ao o quê expor seu corpo ou não.
95
“A história que as pessoas contam são importantes não apenas porque elas oferecem uma inigualável
janela para as experiências subjetivas, mas, sobretudo porque elas são parte da imagem que as pessoas
tem de si mesmas. Estas narrativas de auto-representatividade exercem um enorme poder. Elas
retratam como conduzimos nossas vidas, como vencemos o tempo com sofrimento, o que nos é
possibilitado apropriar através das nossas próprias experiências e o que repudiamos - baseado no tão
conhecido preço da neurose (Ochburg 1988).” Apud HYDÉN. Lars-Christen. “Illenss and Narrative”.
Sociology of Health and Illnes. Oxford: Blackwell Publishers, Volume 19, Número 1, pp. 48-64,1997.
O autor, a partir do lugar considerado por ele incontestável da narrativa para a
sociologia, a medicina e antropologia nos anos 1990, observou três grandes mudanças: a
temática, a teórica e a metodológica.
Tematicamente, o interesse passou da clínica dica estudos de caso -, para a
experiência do sofrimento do doente. Este era considerado “um texto a ser lido”, a
evolução da doença em um doente poderia dizer sobre ela, mas o doente era ainda objeto
desse aprendizado e não autor dele. Essa valorização do pacientes pelos médicos implicava
sua inserção social, mas não trazia ainda a voz do paciente. A narrativa não somente
articulava o sofrimento como também dava lugar ao sofredor para organizar a experiência
da doença de forma distinta do lugar destinado ao doente pela biomedicina.
Teoricamente, a narrativa possibilitou o estudo da experiência e do contexto social
da doença diferenciando-o da definição biológica formulada pelos médicos e pela medicina
tradicional. O sofrimento passou a ser a ênfase dos estudos sociais científicos da doença,
sendo subordinado ao conceito da narrativa e da experiência da doença, o da identidade.
Metodologicamente, as primeiras visões da narrativa da doença centravam-se na
compreensão de trajetória de vida, de forma singular e uniforme; à essa concepção foi-se
agregando o lugar dos papéis situacionais como fundamentais nas construções de
narrativas e quanto mais contextos maior a diversidade de produções. Então, o foco não
seria a narrativa, mas a possibilidade de diferentes narrativas produzidas por diversos
fatores situacionais e, principalmente, a interação entre narrador e interlocutor,
influenciando a experiência do adoecimento.
Hydén apresenta o trabalho de Anne Hunsaker Hawkins para analisar como as
convenções culturais do narrador e do ouvinte interagem na construção da narrativa. O
narrador significado à narrativa por meio da organização do enredo e o ato de ouvir
participa da construção desse significado. O narrador cria o enredo e o ouvinte experimenta
as várias formas de ouvir e entender a “história desconhecida”. A autora divide a narrativa
em três momentos: primeiramente, o tempo antes do evento da doença, que muitas vezes já
traz um histórico de transgressões e a culpa de uma vida não saudável; em segundo, o
evento da doença e a crise que insere o narrador na questão de vida e morte e, por fim, a
regeneração, uma nova vida e uma nova apreciação do mundo.
Para o Hydén, as narrativas, enquanto construções sociais e culturais, levam a
público a experiência privada da doença, privilegiam a voz do doente frente à medicina e
organizam a experiência da doença no contexto da vida individual.
Para Cláudio Bertolli Filho o homem enfermo é ainda uma personagem que precisa
ser contemplada e colocada no centro da vida cotidiana, mas essa perspectiva traz também
o isolamento e a estigmatização gerados pela sociedade com a doença
96
.
A história cultural foi sendo privilegiada como instrumento de análise da produção
e reprodução histórica, renovando temas historiográficos como, por exemplo, as produções
centradas nas experiências individuais. Nos estudos sobre saúde/doença, as perspectivas se
deslocaram do médico e das instituições da medicina para a valorização da experiência do
adoecimento e para a reconstrução da identidade do indivíduo doente. Tais perspectivas
não objetivam elucidar a tensão entre elementos opostos como o quantitativo ou
qualitativo, individual versus coletivo, mas constituíram um novo quadro teórico
respectivo à análise do que é individual, da constituição do sujeito histórico e seus
documentos como tempo e lugar para o entendimento de processos sociais. Esse quadro
permitiu o deslocamento da pesquisa documental dos arquivos institucionais para a
valorização de acervos pessoais, como diários, cartas, fotografias de doentes e suas
famílias. A narrativa da doença são as leituras e releituras da doença pela perspectiva dos
pacientes e daqueles que acompanharam sua experiência de adoecer.
1.3.1- A escrita epistolar
Para que alguém relate seus sofrimentos é necessário que haja um interlocutor. Em
sua análise sobre “Memória, Esquecimento e Silêncio”
97
, Michel Pollak discute os
conceitos de memória coletiva elaborados por Maurice Halbwachs os pontos de
referência da tradição histórico-cultural e sua negociação sempre estruturantes da
coletividade a que pertencemos–, e a tradição durkheimiana onde os fatos sociais são
coisas, hierarquizadas, datadas, institucionalizadas. Em contraponto a essas perspectivas
definiu seu interesse pelos atores e processos que constituem e formalizam as memórias.
Observa como a história oral privilegiou a análise “dos excluídos, dos marginalizados e das
minorias”, trazendo “memórias subterrâneas” em oposição à “memória oficial” (a nacional,
por exemplo), fazendo da empatia por esses grupos regra metodológica, reabilitou a
periferia e a marginalidade.
96
BERTOLLI, C., op. cit., p. 25.
97
POLLAK, Michael. “Memória, Esquecimento e Silêncio”. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro,
Memória, n.º 3, pp. 3-15, 1989.
Pollak apresenta três momentos históricos distintos: o processo de desestalinização
momento vivido nos anos 1950 com a divulgação e desconstrução do que foram as
décadas governadas por Josef Stalin (1879-1953), na, então, União Soviética; a reinserção
de sobreviventes dos campos de concentração nazistas que optaram por permanecer na
Alemanha ou na Áustria; e a vida dos alsacianos que foram obrigados a servir ao exército
alemão, na Segunda Guerra Mundial, totalizando quase 130.000 pessoas.
“Mas esses exemplos têm em comum o fato de testemunharem a
vivacidade das lembranças individuais e de grupos durante dezenas de
anos, e até mesmo séculos. Opondo-se à mais legítima das memórias
coletivas, a memória nacional, essas lembranças são transmitidas no
quadro familiar, em associações, em redes de sociabilidade afetiva
e/ou política. Essas lembranças proibidas (caso dos crimes
estalinistas), indizíveis (caso dos deportados) ou vergonhosas (caso
dos recrutados à força) são zelosamente guardadas em estruturas de
comunicação informais e passam despercebidas pela sociedade
englobante.”
98
O autor observa que mesmo o nazismo tendo sido um dos períodos históricos mais
estudados, a valorização das histórias individuais ainda é um tabu e que esse silêncio é
compreensível ao se analisar a história dos simpatizantes do nazismo, mas se torna
evidência no caso das vítimas. A essas razões políticas do silêncio acrescentam-se
aquelas, pessoais, que constituem em querer poupar os filhos de crescer na lembrança da
ferida dos pais
99
. As vítimas desse período histórico tornam-se vítimas também dos que
reconstruíram a memória oficial da Alemanha, ao terem imposto silêncio sobre sua história
de vida. Essa falta de escuta gera silêncios, alusões, metáforas e o medo de se expor a mal-
entendidos e esse processo onde são categorizadas as memórias como favoráveis ou
desfavoráveis Pollak define como o “ponto onde o presente colore o passado
100
.
A partir dos anos 90, a história de vida, se tornou o instrumento fundamental na
pesquisa realizada pela história oral, mesmo tendo como característica a complexidade e a
diversidade, encontrou-se um núcleo resistente, um fio condutor e que se constituíram
não apenas relatos individuais, mas estratégias de reconstrução da identidade. O exercício
do relato da história de vida não é dissociado do processo de definição de um lugar social e
98
Ibid, p. 8.
99
Ibid, p. 6.
100
POLLAK, op. cit., p 8.
da relação de si com os outros, a memória individual, define Pollak, é uma gestão de
equilíbrio precário, de um sem-número de contradições e tensões.
Segundo Dilene Nascimento, sendo o indivíduo uma apropriação singular do
universo social e histórico que o circunda
101
, os relatos individuais configuram-se como
fonte histórica privilegiada para as relações entre história, memória e identidade, dando a
conhecer as representações sociais do período estudado; pois, a elaboração da doença pelo
doente se pela linguagem, definida pela autora como instrumento produzido num
tempo histórico e por isso passível de interpretação
102
.
Além das entrevistas e das histórias de vida realizadas pela história oral, outra fonte
que registra a memória individual o as cartas, diários, conjunto ou coleções de objetos
pessoais e fotografias, autobiografias, memórias (escrita de si). Para Ângela de Castro
Gomes, a escrita epistolar é uma prática cultural privilegiada na expressão da intimidade
no processo de valorização do espaço privado e individual na sociedade ocidental. Sua
especificidade se organiza por ser produzida para um destinatário e por constituir ao
mesmo tempo sujeito e texto. A carta é em si uma interlocução, são sujeitos que se
revezam numa troca de dar-se a ver”, destinatário e remetente se encontram no espaço da
correspondência, de sociabilidade, permitindo uma participação um na vida do outro,
assim, os vínculos entre os sujeitos da correspondência podem estreitar ou romper.
A escrita epistolar possui regras claras em seu exercício, são localizadas e datadas,
o suporte utilizado sempre traz referências (qualidade e estado dos papéis, tinta, lápis,
datilografada etc.), é uma forma de organizar o eventual e o descontínuo da escrita. Por
mais que a escrita de si tenha em sua relevância a apropriação do tempo, como prática de
organização e coerência do sujeito moderno fragmentado, existem determinadas
circunstâncias que propiciam as “produções do eu”, tais como: viagens de lazer, estudo ou
trabalho, prestação de serviços militares, prisão, internação, entre outras, caracterizando
por “um período percebido como excepcional”
103
.
A escrita epistolar flexibiliza o tempo do encontro entre os sujeitos. Seus projetos
existem no passado, no momento em que ocorre a escrita ou em projeções futuras; é fruto
de distâncias físicas ou emocionais, distâncias percorridas pela própria correspondência
para se fazer recebida; distâncias dos eventos narrados em espaço e tempo. As cartas são
101
NASCIMENTO, Dilene Raimundo do. “Um Caminho Positivo: enfrentando o estigma da AIDS”.
In: _______________ e CARVALHO, Diana Maul (orgs.). Uma História Brasileira das Doenças.
Brasília: Paralelo 15, 2004, pp. 323-333.
102
Ibid, p. 324.
103
GOMES, A. C., 2004, op. cit., p. 18.
estratégias de “aproximação de experiências de vida”, contém as práticas e relações sociais
do período histórico em que foram produzidas.
Para a análise de uma correspondência torna-se relevante observar seu caráter
fragmentado, sem hierarquização e, às vezes, não finalizado, em função de ter sobrevivido
apenas cartas de uma fase do período estudado. Dessa forma, o eixo condutor é sempre a
dinâmica que a constitui. As características a observar nessa dinâmica são as relações
estabelecidas, sejam sociais, profissionais, familiares ou afetivas. Ângela de Castro Gomes
propõe a seguinte reflexão para o trabalho com correspondências ou acervos pessoais:
“Quem escreve/lê as cartas? Em que condições e locais elas foram
escritas? Onde foram encontradas e como estão guardadas? Qual ou
quais o(s) seu(s) objetivo(s)? Qual o seu ritmo e volume? Quais as
suas características como objeto material? Que assuntos/temas
envolvem? Como são explorados em termos de vocabulário e
linguagem? Essas questões podem se multiplicar, chamando a atenção
do analista para as importantes relações estabelecidas entre quem
escreve, o que escreve, como escreve e o suporte material usado na
escrita.”
104
No artigo Fight for survival: the life of a Hansen's disease sufferer through his
correspondence with Adolpho Lutz, Jaime Benchimol, Magali e Mônica Andrade
105
apresentam a correspondência entre a família Caldas de Oliveira, que residia no Maranhão
e Adolpho Lutz, na época, pesquisador no Instituto Oswaldo Cruz. Para tanto, os autores
analisaram o período de produção das cartas (1909-1929) e a relação estabelecida com o
renomado cientista. Estavam explícitas as dificuldades inerentes da família estar distante
dos grandes centros de informação (Rio de Janeiro e São Paulo) e como a correspondência
foi utilizada como meio de sociabilidade para a discussão de práticas médicas e culturais
sobre a doença. Foram relevantes as informações sobre as datas e os locais de envio, quem
subscrevia as cartas, acontecimentos marcantes durante o longo tempo de correspondência.
As cartas registraram o drama social da lepra, “que infligia marcas infamantes tão
dolorosas quanto as lesões sicas e os efeitos colaterais dos remédios usados para tratá-
las.”
106
104
GOMES, A. C., 2004, op. cit., p. 21.
105
BENCHIMOL, Jaime Larry, SA, Magali Romero, CRUZ, Mônica de Souza Alves da et alli. “Fight
for survival: the life of a Hansen's disease sufferer through his correspondence with Adolpho Lutz”.
História, Ciência, Saúde-Manguinhos, vol 10, suplemento 1, pp. 361-396, 2003.
106
Ibid, p. 362.
A partir dessas considerações, apresento a seguir o acervo pessoal de Pedro
Baptista.
1.3.2- O acervo pessoal Pedro Baptista
A correspondência analisada nesta dissertação é delimitada pelos anos de 1933 a
1955. Estas datas se referem, respectivamente, a da partida de Pedro Baptista da cidade
onde residia com a família, em Minas Gerais, e a de sua morte no Asilo-Colônia Santo
Ângelo, em São Paulo. Ao todo, são 95 cartas, 3 telegramas, 2 cartões-postais e um vasto
conjunto de fotografias. As fotografias que muito contribuíram para o trabalho são as que
trazem em seu verso o texto explicativo da imagem e os comentários sobre pessoas,
eventos sociais, atividades profissionais no leprosário, dentre outros. O acervo foi
constituído por um neto interessado pelo estudo da genealogia.
Das 95 cartas, 80 são destinadas a sua mulher, Maria Paiva Baptista, apelidada de
“Maricas”, oito para seu filho Cláudio, uma para sua filha Jovaura, a mais velha, e uma
para sua filha Maria Lygia; 5 são cartas trocadas por Cláudio Nery Baptista com sua mãe e
irmãos que falam sobre Pedro Baptista. Dos três telegramas, um era para Maricas e dois
para o seu filho Cláudio. Os cartões-postais foram enviados para os filhos, quando estes
ainda eram pequenos.
Das cartas de Pedro para Maricas uma grande afluência entre 1933 a 1936,
nenhuma de 1937 e 1938, três em 1939, uma em 1953. Começam com a saída de Pedro
Baptista da cidade de Mutum e a ida à capital do Estado, Belo Horizonte, para a busca de
diagnóstico e tratamento. Nas primeiras cartas, em 1933, a descrição de dormência,
falta de sensibilidade e uma ferida no direito, características da lepra. Concomitante ao
tratamento, a busca por um trabalho que possa sustentar o tratamento e a família e, para
isso, encontra-se com o Reverendo Guerra da Igreja Metodista e buscando uma colocação,
inscreveu-se na Escola Dominical. Os relatos que trazem informações sobre a piora do
estado de saúde são marcados por arrependimento da vida desperdiçada na boemia e na
política ou a afirmação do infortúnio da mulher por ter um marido doente.
“Maricas, dói-me ao coração, quando lembras que roubei-te da paz, do
conforto, da felicidade que tua mocidade, teus haveres e tua
inteligência te proporcionavam para seres a esposa de um reles Pedro
Baptista, sem nome, sem fortuna, sem valor e... quem sabe, sem
saúde!
Triste destino o teu... mulher de Pedro Baptista, quando outros
homens de fortuna, nome e valor te estendiam seu coração.”
107
Em 4 de dezembro, a carta enviada da cidade de São Paulo, Pedro informa a
Maricas que estava indo para um sanatório: Estou na Capital em caminho para um
sanatório onde possa permanecer em observação e si for preciso cura.”; mas não nomeou
a doença. O volume de fotografias enviadas no ano de 1935 e 1936 mostram o leprosário
em seu projeto arquitetônico, a construção de pavilhões, festas, personalidades, enterros. A
necessidade de construir a imagem da vida asilar como uma rotina social corriqueira estava
explícita.
Em 1936, pelo recebimento de alta hospitalar registrada no prontuário com a data de 22
de julho de 1936, visitou a família em Mutum, gerando a filha caçula do casal, a qual não
conheceu.
“Dentro da última, 20 de junho, seguiram duas fotografias de minha
careta. Receoso de que não cheguem, seguem outras duas, cópias das
mesmas. Por elas e em confronto com as anteriores, verás quão grande
foi a minha melhora. Todos aqui muito se admiram. Qual a tua
opinião? Será que não te causarei receio e aos teus?...
Sobre a minha alta, tenho a te dizer que no dia 9 do corrente [julho]
virá a comissão examinadora. Sou o número um da lista. Mesmo
depois de obter a minha alta, não sairei tão depressa. formalidades
rigorosas a se observarem. Por isso, não te posso dizer quando serei
livre. Tenham paciência. Ninguém mais aflito do que eu.”
108
Entre 27 de julho e 23 de agosto de 1936 visitou a família em Mutum. Voltou para São
Paulo, para continuar seu tratamento no Posto do Braz. A alta hospitalar era condicional ao
comparecimento ao Posto, caso o doente o aparecesse, este seria procurado pelo
Departamento de Profilaxia da Lepra.
Sobre o período do retorno para o Paulo existem apenas duas cartas: a de 28 de
agosto e a de 19 de setembro de 1936. Nesta última, relatou o pedido da permissão para voltar
à Mutum, mas foi proibido pelo médico. Ao investigar sobre a possibilidade da mulher vir
morar com ele, dentro do leprorio, foi informado que ela poderia vir, mas os filhos não, ao
107
Carta de Pedro para Maricas. Belo Horizonte, 25 de setembro de 1933. Acervo Pessoal Pedro
Baptista, sob custódia de Cláudio José de Souza.
108
Carta de Pedro para Maricas. Sem local, 6 de julho de 1936. Acervo Pessoal Pedro Baptista, sob
custódia de Cláudio José de Souza.
que Pedro respondeu, então, que o imporia isso à esposa e como a viagem era longa e cara
o saberia o tempo em que se veriam novamente. Nunca mais se encontraram. A alta foi
suprimida em 7 de novembro de 1936, e por isso, foi internado novamente em Pirapitingui.
Desse segundo momento de sua internão foram conservadas apenas cinco
correspondências de Pedro Baptista para a esposa: três cartas e dois cares-postais. Os cartões
pediam que Maricas transmitisse aos filhos beijos de seu pai por motivo de ano novo e de
aniversário. A carta de 2 de dezembro de 1936 trazia informações sobre o retorno violento da
doença, que o levou à internação no Pavilhão de Observões. As restanteso fundamentais
para o processo de reconstrução de sua vida asilar. A de 5 de agosto de 1939 é a única em que
se auto-refere como leproso e expressa a frustração na relação conjugal e a ausência de
resposta as cartas enviadas, no cabalho da carta escreveu: “Asilo-Conia (Leprosário) Santo
Ângelo”:
“Nada mais temos em comum entre nós dois, senhora, senão o ser a
senhora mãe de meus filhos. O seu procedimento para comigo é de
embasbacar as próprias pedras! Mesmo que eu lhe tivesse dado
motivos os mais fortes, os mais reprováveis, em ser um leproso e
me ver na dura contingência de me asilar, de fugir dos meus filhos
queridos, bastava para demover os seus rancores e, digamos mesmo,
ressentimentos.
A senhora se diz cristã; que freqüenta os cultos; balbucia orações;
ofertas, enfim pratica a sua religião com método e... Bem. O mundo é
assim mesmo. Exterioridade, exterioridade. Sepulturas caídas
guardando podridão. Pois bem. A despeito de minha perversidade, de
mau esposo e mesmo mau pai se quiser, o procedimento da ‘piedosa’
Dona Maricas deveria ser outro, muito outro.”
109
Viveu asilado em Santo Ângelo desde 17 de agosto de 1938 até a sua morte em 17 de
julho de 1955. A última carta de Pedro Baptista para Maricas é de 7 de maio de 1953, ele
escreveu sobre as limitões causadas pela doença e agradecia pela visita dos filhos adultos,
bem criados e educados; esta foi enviada de Cocais, pois ficou internado no hospital desse
leprosário por quatro meses.
Outro acervo pessoal pesquisado para esta dissertação foi o de Cláudio Nery Baptista,
filho de Pedro. o cartas entre 1949 e 1955 e fundamentais para recuperar a imagem
constrda por Pedro para seus filhos durante o longo período de internação. Foram
109
Carta de Pedro para Maricas. Santo Ângelo, 5 de agosto de 1939. Acervo Pessoal Pedro Baptista,
sob custódia de Cláudio José de Souza.
organizados dois conjuntos de correspondências. O primeiro, com oito cartas e dois telegramas
de Pedro para Cláudio. E o segundo, com quinze, o cartas de Cláudio trocadas com mãe e
irmãos, na seguinte divisão: duas da e para Cláudio, sete da irmã mais velha Jovaura, duas
do irmão João Bennio e quatro da ir caçula Maria Lygia. Com a exceção das escritas por
João Bennio que residia em Pedra Azul, Espírito Santo, todas foram produzidas em Minas
Gerais, estado de residência da família.
Hebe Maria Mattos e Keila Grinberg, no livro organizado por Ângela de Castro
Gomes, escrevem um capítulo sobre Antonio Pereira Rebouças
110
, o título do trabalho é
“Lapirio de si: Antonio Pereira Rebouças e a escrita de si”. Antonio Rebouças deixou para a
posteridade, além de sua correspondência, dois textos autobiográficos, assim como a
compilação dos textos que produziu em quase toda a sua vida política. As autoras o definiram
como um homem lapidário de si mesmo. Filho de um português com uma liberta, nasceu em
1798, na Bahia, e se tornou um dos maiores especialistas em direito civil no Brasil do
século XIX. Rebouças conquistou espaço social, profissional e político pelas relações que
estabelecia e pela imagem que criara de si mesmo.
O acervo pessoal de Pedro Baptista também nos traz a informação de um homem,
que, no limite de uma experiência, usou dos meios de comunicação que dispunha, para
reinventar-se para sua família. Me aproprio do termo para dizer que Pedro Baptista
também foi um homem “lapidário de si”, pois elaborou uma imagem de si próprio, não
identificado nem com o estigma nem com o lugar de leproso (Figura n.º 4 e 5).
As redes de sociabilidade estabelecidas com a família por meio de cartas e
fotografias “lapidavam” um homem que se reconstruía frente ao impacto da doença e
queria deixar para a posteridade a afirmação do que desejou ser e construir para sua vida.
Entre 1934 e 1955, Pedro Baptista viveu em leprosários da rede asilar paulista, esse
período de vida, marcado como ele dizia pela “contingência de se asilar”, foi determinado
pelas políticas públicas de combate à lepra no Estado de São Paulo.
110
MATTOS, Hebe Maria e GRINBERG, Keila. “Lapidário de si: Antonio Pereira Rebouças e a
escrita de si”. In: GOMES, A., 2004, op. cit., pp. 28-50.
“Apesar do infortúnio que nos
pesa aos ombros... ainda
sorrimos da vida, pois, podia
ser pior. Silvio, Pedro e Nelson.
16 de junho de 1935.”
Fotografia tirada em Pirapitingui.
A inscrição no verso e a pose na
fotografia nos mostram o empenho de
Pedro Baptista em construir para a
família a imagem de homem íntegro e
não de doente segregado pela
sociedade.
Figura n.º 4
Figura n.º 5
CAPÍTULO II- “AS MÃOS NÃO SE ALCANÇAVAM”: A REDE ASILAR DO
ESTADO DE SÃO PAULO
Este capítulo apresentará a constituição da rede asilar paulista com o objetivo de
compreender as dinâmicas sociais e culturais do leprosário. Apresentará a discussão sobre
isolamento de doentes e a construção do que foi considerado o asilo-colônia modelo: Santo
Ângelo. Documentos do acervo pessoal de Pedro Baptista serão utilizados como fonte de
informação para a análise dos asilos-colônia de Pirapitingui, Padre Bento, assim como para
a última parte do capítulo, intitulada, “a vida asilar”. A ordem de apresentação dos asilos-
colônia obedece à sua data de criação. Apesar de Pedro Baptista ter estado em todos os
asilos de São Paulo, os asilos-colônia de Santo Ângelo e Pirapitingui, foram os mais
significativos em sua trajetória asilar.
O título deste capítulo foi extraído do depoimento de “Seu” Luiz, registrado no
documentário “Os melhores anos de nossas vidas”. Seu” Luiz internado aos 11 anos de
idade, recebia, eventualmente a visita dos pais. A organização do parlatório, local onde os
internos recebiam as visitas dentro do asilo, impunha uma distância onde “as os não se
alcançavam”.
Na elaboração deste capítulo os trabalhos de Heraclídes-Cesar de Souza Araújo,
“História da Lepra no Brasil”, Arthur Neiva, “Considerações sobre o problema da Lepra. A
lição de São Paulo Suas iniciativas e grande exemplo” e a tese de doutorado de Yara
Monteiro, “Da Maldição Divina à Exclusão Social: um estudo da hanseníase em São
Paulo”, foram norteadores.
2.1- A profilaxia da lepra e o Estado de São Paulo: “exemplo a ser imitado”
111
Entre 1898 a 1917, o dr. Emílio Ribas, exerceu o cargo de Diretor Geral do Serviço
Sanitário de São Paulo. Consagrou seu empenho na profilaxia da lepra e apresentou suas
principais proposições, metas e crenças sobre a doença, na conferência que realizou no
VIII Congresso Brasileiro de Medicina e 1.º Congresso Sul-americano de Dermatologia e
Syphilografia.
Para conceituar a lepra, partiu da premissa que estava diante de uma platéia que
compreendia a doença em sua transmissão pelo bacilo de Hansen e que acompanhava as
discussões propostas pelos congressos nacionais e internacionais: Limitar-me-hei a
acompanhar os que acreditam no contágio como elemento de disseminação desta
moléstia
112
. Afirmou que a melhor forma de combater o contágio seria o isolamento dos
doentes. Para tanto, essa ação teria que ter uma asserção e uma infra-estrutura que se
convergissem para o projeto de um leprosário modelo.
Na perspectiva do dr. Ribas, o leprosário modelo deveria estar atento às questões
do conforto necessário ao doente em seu processo de exclusão da sociedade, pois tal
espaço físico seria construído para a internação e tratamento dos doentes e também para a
pesquisa científica. Os leprosários deveriam estar localizados próximos aos centros
urbanos para viabilizar o controle da saúde pública, o fácil acesso aos centros de pesquisas
e a adesão dos doentes. A maior parte dos doentes o gostaria de ser levada para locais
longe de suas famílias e amigos.
“Tudo o que der idéia de degredo ou de prisão deverá ser contra-
indicado a bem da profilaxia, principalmente o fetichismo da ilha, pois
o isolamento insular resultados contraproducentes na prática,
aumentando os focos de lepra ao invés de concorrer para a sua
extinção em conseqüência da justificável e imediata reação contra as
medidas de inútil rigor, para garantia da saúde pública, e a inevitável
ocultação dos doentes, por todos os processos imaginados pelos seus
parentes e amigos.”
113
111
Frase do dr. Emílio Ribas, no artigo “Freqüência da lepra em São Paulo Prophylaxia da Lepra
contagem dos atacados pela Lepra”. VIII Congresso Brasileiro de Medicina e 1.º Congresso Sul-
americano de Dermatologia e Syphilografia, Rio de Janeiro, 13-20, out. 1918, 2.º Boletim, Imprensa
Nacional, 1921, pp. 116-130 Apud SOUZA-ARAÚJO, H. C., op. cit., p. 238.
112
Ibid, p. 234.
113
Ibid, p. 235.
Desde sua apresentação no 1.º Congresso Paulista de Medicina, em 1916, o dr.
Ribas defendia o que intitulou de isolamento humanitário”, combatia a idéia de desterro
por acreditar que a medicina e a higiene possuíam recursos para o enfrentamento à doença.
Para ele, o simples isolamento obrigatório dos doentes, escondendo-os de suas famílias
sem tratamento propiciaria focos ocultos da doença. Observou que as práticas de higiene
de um leprosário atenderiam também àqueles que acreditavam que a lepra fosse inoculada
por um agente transmissor, pois o lixo seria tratado de maneira a não atrair ratos, baratas e
moscas e a não empossar água, como precaução em eliminar qualquer foco de mosquitos
114
.
Sobre a internação do doente com filhos, o dr. Ribas propunha sua separação das
crianças sãs, principalmente das recém-nascidas, num primeiro momento em creche,
dentro do leprosário, e, posteriormente, em instituições próprias para estas crianças. Para
ele, tal estrutura seria dispensável no momento em que for permitido assexuar
115
os
leprosos pelos processos mais modernos e humanos
116
.
Dr. Ribas refutava a transmissão hereditária da doença, justificando essa proposta
de esterilização pela falta de recursos financeiros e saúde dos doentes para criar seus filhos.
Exemplificou o que Yara Monteiro definiu como o predomínio biológico em detrimento
do social
117
, no pensamento médico das primeiras décadas do século XX.
Ainda no VIII Congresso Brasileiro de Medicina, dr. Ribas parabenizou o acordo
realizado entre o governo do Estado e a Santa Casa de Misericórdia para a profilaxia da
lepra. Estabelecido pela lei n.º 1.582, de 20 de dezembro de 1917, tal acordo determinou
que a Santa Casa de Misericórdia organizaria um plano de construções para internação de
leprosos, ficando sob sua responsabilidade a manutenção e a direção dos estabelecimentos.
O governo deveria aprovar o plano de acordo com as premissas do Serviço Sanitário, a
114 Adolpho Lutz foi uma das maiores autoridades brasileiras no estudo sobre a lepra. Contemporâneo das discussões científicas que buscavam definir a etiologia, a transmissão
e a profilaxia da doença, Lutz acreditou firmemente na hipótese de sua transmissibilidade através dos mosquitos, sobretudo a partir de 1885 e 1886, quando escreveu os “Estudos
sobre Lepra”. Morreu em 1940 convencido que a doença se transmitia pelos culicídeos. Trabalhou em São Paulo e esteve à frente do Instituto Bacteriológico, ao lado de Emílio
Ribas, na experiência que confirmou a transmissão da febre amarela por vetor, em 1903.
115 A esterilização era um
a
das medidas defendidas pelos eugenistas para promover o melhoramento racial.
A Sociedade Eugênica de São Paulo foi
fundada em 1918, reunindo médicos, políticos, juristas, jornalistas, enfim, homens da elite profissional,
política e intelectual da sociedade paulista. Apesar do conhecimento de que a lepra não era uma
doença hereditária, os leprosos integravam a lista dos indicados para sofrer esterilização. Ver:
MONTEIRO,
Y., op. cit., pp.155, 156, 233; STEPAN, Nancy.
Eugenia no Brasil, 1917-1940
.
In: HOCHMAN, G. e ARMUS, D. (orgs.). Cuidar,
Controlar e Curar: ensaios históricos sobre saúde e doença. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2004, pp.331-
391. SOUZA, Wanderley. A Política Biológica como Projeto: A “Eugenia Negativa” e a Construção da
Nacionalidade na Trajetória de Renato Kehl (1917-1932). Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História das Ciências da Saúde, da Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo
Cruz. Rio de Janeiro: 2006.
116 RIBAS, Emílio. “Freqüência da lepra em São Paulo Prophylaxia da Lepra contagem dos atacados pela Lepra”. VIII Congresso Brasileiro de Medicina e 1.º Congresso
Sul-americano de Dermatologia e Syphilografia, Rio de Janeiro, 13-20, out. 1918, 2.º
Boletim, Imprensa Nacional, 1921, pp. 116-130 Apud SOUZA-ARAÚJO,
H. C., op.
cit.,
p. 237.
117 MONTEIRO, Y., op. cit., p. 150.
organização técnica em consonância com a Secretaria dos Negócios do Interior
118
, o
investimento de mil contos de réis e a doação de terrenos.
Apesar da parceria inicial entre a Santa Casa de Misericórdia e o governo do Estado
para a construção do Asilo-Colônia Santo Ângelo, as articulações para a rede asilar
paulista foram constituídas pelo Serviço de Profilaxia da Lepra, criado em 1924, sob a
gestão do dr. Geraldo de Paula Souza
119
na Diretoria do Serviço Sanitário.
A organização deste Serviço representou o início da centralização das ações de
saúde pública pelo governo do Estado e o investimento na criação da infra-estrutura que
permitisse o isolamento dos doentes. Esse processo de centralização das ações na área da
saúde pública também ocorria na instância federal.
No período republicano, em 1897, foi criado um órgão responsável pela saúde
pública, a Diretoria Geral de Saúde Pública, subordinada ao Ministério da Justiça e
Negócios Interiores. Eram suas funções fiscalizar o exercício da medicina e da farmácia, a
direção dos serviços sanitários dos portos marítimos e fluviais, promover o estudo das
doenças infecto-contagiosas, realizar censos demográficos e sanitários. A Constituição de
1891, autorizava sua intervenção nos Estados mediante a solicitação e a permissão de seus
governos, pois o regime federativo tinha por norma a independência das unidades da
federação.
Em 1920, o primeiro regulamento da recém-criada Inspectoria de Profilaxia da
Lepra e das Doenças Venéreas foi a primeira legislação nacional sobre a doença e suscitou
debates sobre a questão da profilaxia
120
.
Para Gilberto Hochman, uma endemia ou a ameaça de contágio de uma doença,
reconhecida como um “mal público”, é onipresente na sociedade não existindo meios ou
possibilidades de evitar o contato com o mal, ou com as conseqüências inerentes a sua
existência. Nesse sentido, o Estado seria o depositário das elites como solução para
administrar os efeitos negativos da interdependência social e solucionar os problemas da
ação coletiva
121
.
118 Em 1917, as políticas de saúde pública, em São Paulo, eram implementadas pela Direção Geral do Serviço Sanitário, era então seu diretor dr. Arthur Neiva, subordinada à
Secretaria dos Negócios do Interior.
119
O dr. Geraldo Horácio de Paula Souza foi diretor do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo,
entre 1922 a 1927. Após sua saída do Serviço Sanitário continuou diretor do Instituto de Higiene, cargo
que assumiu também em 1922 e permaneceu até 1951. O instituto foi criado em 1918.
120
MONTEIRO, Y., op. cit., p. 161.
121
HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento: as bases da política de saúde pública no Brasil. São Paulo:
HUCITEC/ANPOCS, 1998, p. 162.
Para que a ação federal ocorresse nos Estados, foram assinados acordos, forma
jurídica de preservar a autonomia federativa e viabilizar o cumprimento da atuação federal
na esfera estadual. O Regulamento da Inspectoria de Profilaxia da Lepra foi aprovado em
1920, reformado em 1923, mas, apenas em 1925, São Paulo passou a adotar o regulamento
federal
122
.
Ainda em 1925, o Serviço de Profilaxia da Lepra do Estado de São Paulo foi
transformado em Inspetoria de Profilaxia da Lepra, sendo esta subordinada à Divisão de
Moléstias Infecciosas, do Serviço Sanitário, da Secretaria de Negócios de Interior.
O primeiro diretor da Inspetoria foi o dr. José Maria Gomes, partidário do
tratamento ambulatorial para os doentes de lepra não contagiosos. Pondo em prática essa
política criou dispensários para o tratamento destes doentes.
Foi substituído pelo dr. Aguiar Pupo, em 1927, que defendia o isolamento de todos
os doentes. Sua ação à frente da Inspetoria de Profilaxia da Lepra consolidou as bases da
infra-estrutura da rede asilar, ao inaugurar o Asilo-Colônia Santo Ângelo e iniciar as obras
de mais três leprosários: Cocais, Aimorés e Pirapitingui, através da “Comissão das
Municipalidades”. Durante a gestão do dr. Aguiar Pupo, foi sancionada, pelo governador
do Estado de São Paulo, Júlio Prestes, a lei n.º 2.416, de 31 de dezembro de 1929.
Esta lei organizou a Inspetoria de Profilaxia da Lepra e em sua primeira parte, “Da
profilaxia da lepra”, legislou sobre a vida do doente internado, do diagnóstico até sua
morte, se referindo também aos “comunicantes”. Na segunda parte da lei, “Da organização
e pessoal de serviço”, dispunha sobre a estruturação da Inspetoria de Profilaxia da Lepra,
quadro de funções, atribuições e competências
123
. A promulgação desta lei anulou o
regulamento aprovado em 1925, baseado no regulamento federal, determinou o isolamento
compulsório e foi o suporte para a especificidade da profilaxia da lepra no Estado de São
Paulo.
A lei de 1929 organizou o modelo conhecido como “tripé”: asilo, dispensário e
preventório. O asilo destinava-se ao isolamento dos doentes; o dispensário ao controle
(atendimento e exames) dos comunicantes e identificação de doentes; e o preventório,
cuidaria dos filhos de doentes internados e nascidos nos asilos. Esta organização retirou do
122
Segundo Souza Araújo, o primeiro “Regulamento Sanitário de São Paulo”, foi organizado em 14 de
novembro de 1911, pelo decreto n.º 2.141, “incluiu a lepra ulcerada entre as doenças de notificação
compulsória (art. 508) e proibiu o comércio ambulante pelos leprosos, sob pena de multa de 10 a
50$000 e cassação de licença (art. 510).” SOUZA ARAÚJO, H. C., op. cit., p. 332.
123
PUPO, J. de A. Organização actual dos serviços de prophylaxia da lepra. São Paulo, 1931, pp. 65-71.
Apud MONTEIRO, Y., op. cit., p. 164.
dispensário o foco principal de tratamento do doente, este apenas poderia receber
tratamento nos asilos.
“Em pelo menos um caso, o do Estado de São Paulo, no período de
1889-1930, prevaleceu uma solução individual para os problemas de
ação coletiva. Esta alternativa foi implementada ao longo da Primeira
República, quando São Paulo desenvolveu largamente seus serviços
sanitários, procurando internalizar os custos externos e preservar a
autonomia estadual em face da ingerência do poder central. O Estado
de São Paulo foi praticamente o único capaz de formular uma
estratégia sanitária e implementar permanentemente políticas de saúde
pública.”
124
Com a Revolução de 30 foi nomeado o cel João Alberto Lins de Barros, como
interventor federal no Estado de São Paulo. Apesar das questões políticas que
caracterizaram esse período no país e no Estado, Lins de Barros assumiu o compromisso
com a resolução do problema da lepra. Destituiu o dr. Aguiar Pupo da Inspetoria de
Profilaxia da Lepra e nomeou, num primeiro momento, o dr. Heraclídes-Cesar de Souza
Araújo, que se encontrava na Europa, mas voltou para assumir o cargo. No entanto, foi
substituído trinta e três dias depois pelo dr. Francisco Salles Gomes Junior.
O dr. Salles Gomes permaneceu no cargo até 1945, tornando-se a personagem
fundamental na estruturação da rede asilar paulista. Entre 1930 a 1945, Salles Gomes se
afastou duas vezes de seu cargo para assumir a Secretaria de Educação e Saúde. A rede
asilar, que constituiu para o Estado de São Paulo, abrigou em 1942, 8.697 doentes (ver
Apêndice n.º 3). A estrutura que Salles Gomes consolidou, subsistiu até meados dos anos
60, defendendo o isolamento como prática profilática da lepra.
Um dos mecanismos de controle estabelecido pelo dr. Salles Gomes foi a criação
do Serviço Médico Oficial
125
. Ficou estabelecido pela Inspetoria de Profilaxia da Lepra que
apenas os médicos a ela vinculados poderiam atender e tratar os doentes de lepra. A partir
do momento que um diagnóstico fosse realizado, o médico tinha obrigação de notificar o
doente e encaminhá-lo para o Serviço Médico Oficial. Ficou sob a responsabilidade deste
serviço, igualmente, o processo de internação e os cuidados com os doentes internados, e
nenhuma instituição particular poderia construir asilos, hospitais ou atender doentes de
lepra.
124
HOCHMAN, G., op. cit., p. 168.
125
MONTEIRO, Y., op. cit., p. 170.
A formação dos quadros médicos garantia a construção ideológica da proposta
isolacionista. Os profissionais recém-formados eram convidados a participar da Inspetoria
de Profilaxia da Lepra, para nessa instituição realizar a formação em leprologia.
Realizavam reciclagem de conhecimento, reuniões e congressos construindo uma postura
teórica coerente na defesa do isolamento compulsório como medida profilática.
“Nossas cabeças eram feitas pelo princípio isolacionista, não
raciocinávamos; apenas seguíamos o que o chefe mandava [referindo-
se a Salles Gomes] e achávamos todo o resto heresia. José Maria
Gomes, Alice Tibiriçá e outros, eram inimigos do nosso governo, da
nossa orientação... Só depois é que fomos amadurecendo...”
126
O decreto n.º 19.402, de 14 de novembro de 1930, criou Ministério da Educação e
da Saúde Pública, reunindo os dois departamentos que pertenciam ao Ministério da Justiça
e Negócios Interiores. O antigo Departamento Nacional de Saúde Pública foi incorporado
ao Ministério como Departamento Nacional de Saúde e Assistência Médico-Social. Em 1.º
de dezembro do mesmo ano, o decreto n.º 19.444, determinou os serviços que ficariam sob
a responsabilidade do Ministério e dispôs sobre sua composição: um gabinete, uma
diretoria e quatro departamentos – Departamento Nacional de Ensino, de Saúde Pública, de
Medicina Experimental e de Assistência Pública. Nos Estados foram criadas as Secretarias
de Educação e Saúde, e, em 1935, em São Paulo, a Inspetoria de Profilaxia da Lepra
passou a ser designada como Departamento de Profilaxia da Lepra, em nada alterando as
diretrizes na execução de seu modelo profilático. Entretanto, passou a ser diretamente
subordinada à Secretaria do Estado. Esta Secretaria possuía dois departamentos, o da lepra
e o das demais doenças.
“Aos poucos o D.P.L. foi aumentando de tal forma a sua órbita de
poder que, na prática, nem mesmo o Secretário opinava nas questões
relativas á ‘lepra’. Em tese, o Diretor do D.P.L. era nomeado pelo
Secretário, mas o que se viu foi que, após Salles Gomes ter chegado à
direção do Serviço, mudavam os secretários e interventores, mas o
Diretor do serviço de ‘lepra’ permanecia. A centralização das decisões
e o crescimento de seu poder eram tais que todas as resoluções
passavam por suas mãos.”
127
126
Depoimento concedido pelo dr. Abraão Rotberg em 20 de junho de 1992. Apud MONTEIRO, Y., op.
cit., p. 173.
127
MONTEIRO, Y., op. cit., p. 168.
Segundo Yara Monteiro, o Departamento de Profilaxia da Lepra de São Paulo foi
único dentro da estrutura burocrática brasileira”, seu orçamento contava, além dos
recursos estaduais, com investimentos do governo federal, dos municípios e da própria
sociedade.
Na reportagem de 7 de janeiro de 1937, do jornal Correio de São Paulo, podemos
entender o lugar ocupado pelo dr. Salles Gomes e como conseguia espaço para divulgação
de sua vida profissional, suas conquistas com apoio político e suporte na imprensa:
“pois, o seu ilustre diretor, dr. Salles Gomes, que fez da medicina um
verdadeiro sacerdócio, pode encontrar a boa vontade capaz de lhe
facultar os necessários poderes e as verbas indispensáveis para agir. A
organização desse serviço é a melhor do mundo. (...) Do ponto de
vista social, o problema parece estar praticamente resolvido, evitando
os poderes públicos que os doentes perambulem pelos menos nas
imediações das grandes cidades”.
128
A lepra foi um tema relevante na imprensa paulista entre os anos 20 a 50. O assunto
era abordado de diversas perspectivas.
Alguns jornais apoiavam o Departamento de Profilaxia da Lepra e enalteciam a
direção, baseada na autoridade do dr. Francisco Salles Gomes Junior. O doente internado
era visto como digno de todo apoio e atenção (através de doações financeiras para as
benfeitorias nos asilos), ao contrário do doente livre, ameaça social, disseminador do mal,
perambulando pelas ruas das cidades e estradas do Estado. As críticas que eram publicadas
não se referiam à política isolacionista, mas às denúncias das más condições dos asilos ou a
necessidade de ampliação da rede asilar.
Os congressos internacionais de lepra eram acompanhados diariamente, na época
em que eram realizados, assim como eram noticiadas as inscrições e seus participantes
nacionais e estrangeiros. Todo pronunciamento que favorecia o isolamento era destacado,
mas qualquer determinação expressa nos congressos que fosse favorável ao tratamento
ambulatorial, era censurada pelos jornais de grande circulação que apoiavam o
Departamento de Profilaxia da Lepra.
A principal instituição que se opunha ao Departamento de Profilaxia da Lepra e
que, ao longo do período isolacionista, propôs práticas profiláticas mais de acordo com os
congressos internacionais foi a Faculdade de Saúde Pública, órgão da Universidade de São
128
CONTINUARÁ sendo o melhor do mundo. Correio de São Paulo. São Paulo, 7 de janeiro de 1937.
Núcleo de Memória da Saúde do Instituto de Saúde, São Paulo.
Paulo
129
. Os hansenólogos desta instituição não eram consultados pelo governo para as
questões relacionadas à lepra, nem eram convidados a trabalhar nos serviços do
Departamento de Profilaxia da Lepra.
Em 1917, o dr. Emílio Ribas, no VIII Congresso Brasileiro de Medicina e 1.º
Congresso Sul-americano de Dermatologia e Syphilografia apresentou o projeto do
leprosário modelo de Santo Ângelo. Ao dizer que São Paulo era um “exemplo a ser
imitado” referia-se ao empenho do governo, em aprovar e subsidiar a construção de um
leprosário e de uma população generosa que, representada na Associação Protectora dos
Morphéticos, havia doado o terreno para sua construção.
O isolamento compulsório, em São Paulo, por perdurar até 1967, quando
congressos internacionais e legislações nacionais o havia abolido, tornou-se modelo a
ser combatido. A análise epidemiológica dos anos do isolamento compulsório não indicou
índices satisfatórios de diminuição na incidência da lepra. Os novos parâmetros defendidos
nos congressos internacionais de lepra quanto ao tratamento quimioterápico e ambulatorial
passaram a integrar as políticas públicas de enfrentamento da doença no Brasil e no Estado
de São Paulo.
2.2- A rede asilar paulista
“A palavra isolamento, aplicada as doenças transmissíveis significa o
afastamento dos enfermos das pessoas sãs. Ela provém da palavra
latina INSULA que significa Ilha.”
130
James A. Doull, Valor do Isolamento na Profilaxia da Lepra
As primeiras unidades asilares em São Paulo foram construídas no século XIX, por
iniciativa e responsabilidade da Santa Casa de Misericórdia. Ao longo do século XIX e
início do século XX, a Santa Casa construiu três hospitais para o tratamento de leprosos: o
Hospital da Luz, o Hospital de Guapira e o Asilo-Colônia Santo Ângelo. A proposta dessas
construções não comportava reformas ou ampliações: quando o hospital ficava pequeno ou
a região onde havia sido construído se urbanizava, construíam novo hospital e demoliam o
antigo
131
. Assim aconteceu com as instituições até a construção de Santo Ângelo. A Santa
129
MONTEIRO, Y., op. cit., p. 406.
130
DOULL, James. “Valor do isolamento na Profilaxia da Lepra”. 1958. Apud ORESTES, D., op. cit.,
p. 25.
131
MONTEIRO, Y., op. cit., p. 84.
Casa de Misericórdia participou da administração deste asilo até o início dos anos 30,
quando passou a ser tutelado somente pelo governo do Estado.
Em 1802, a Santa Casa de Misericórdia iniciou a construção de um hospital na
localidade hoje conhecida como bairro da Luz, na cidade de São Paulo. Na medida em que
essa região da cidade se tornava mais demograficamente ocupada, a presença do hospital
para atendimento de leprosos era alvo de críticas, tanto por sua localização como pela
precária infra-estrutura. O terreno havia sido doado pelo governo, este retirou a doação
levando a Santa Casa de Misericórdia a construir novo hospital para abrigar os doentes.
Em 1904, o Hospital de Guapira recebeu os antigos internados do Hospital da Luz e passou
a atender os demais doentes de lepra da capital. O novo hospital foi construído no bairro,
atualmente designado, de Jaçanã.
O primeiro diretor do Hospital de Guapira foi o dr. Emílio Ribas e em 1904 haviam
82 doentes internados. Os registros de internação sistematizados, entre 1915 e 1925,
permitiram a organização do seguinte censo dos doentes: em 1915, 170; em 1920, 236; e
em 1925, 362
132
. O hospital de Guapira possuía infra-estrutura para abrigar 130 doentes. O
relatório do ano de 1925, assinado pelo então diretor do hospital, Dr. Ribeiro de Almeida,
relatou que o hospital funcionava com quatro médicos e cinco freiras; havia apenas uma
sala para farmácia e o farmacêutico era leproso, assim como os seus dois ajudantes. Muitos
doentes acampavam em barracas no terreno do hospital, a falta de água era constante e
havia somente quatro banheiros. Sabia-se também que os doentes não tinham para onde
voltar se retornassem do hospital, que após serem retirados de seus lares, suas antigas
moradias eram queimadas.
No interior do Estado, os asilos eram construídos por iniciativas filantrópicas,
particulares ou municipais
133
. As más condições destes abrigos levavam os doentes a
esmolar e a instituição se tornava alvo de críticas e de discriminação dos demais moradores
da região. Não havia uma proposta de tratamento, eram apenas um recolhimento
temporário para impedir que os doentes ficassem se locomovendo pelas estradas, cidades
ou regiões limítrofes, onde muitas vezes acampavam. Com a superlotação do hospital da
capital e a pouca eficácia dos pequenos asilos no interior do Estado, a circulação dos
doentes era fato observado e criticado pela imprensa paulista.
Em julho de 1927, o jornal Folha da Manhã noticiou uma revolta de leprosos, estes
invadiram a cidade de Pindamonhangaba, perto da qual residiam e circularam pela cidade.
132
MONTEIRO, Y., op. cit., p.88.
133
No final do século XIX, havia asilos em Itú, Campinas, Piracicaba e Jundiaí.
Temerosos que a doença se espalhasse pela cidade, os estudantes se revoltaram e iniciaram
um enfrentamento para a expulsão dos doentes, houve necessidade de intervenção policial.
Os leprosos revoltosos habitavam nas proximidades da cidade, no bairro do Bom Sucesso,
mas foram expulsos e passaram a viver nas estradas. Foi relatado que um doente egresso
dessa invasão mordeu uma criança em Taubaté, forçando o delegado a tomar providências
para que os doentes não mais entrassem na cidade.
“A repercussão da revolta dos leprosos do Norte não logrou, assim,
despertar entre nós esse desejo mais forte de resolver o problema de
assistência aos enfermos e preservação dos não contaminados, diante
do qual continuaram cruzados os braços que devem agir para a
realização dessas obras.
Vêm essas considerações a propósito de uma notícia que nos chega da
chamada zona Norte do Estado, onde nos últimos dias da semana
passada ao que nos afirmam, ocorreu um fato semelhante que a pouco
tanto deu a que falar. É um caso gravíssimo, o que aqui se passou, e dá
bem uma idéia de como é necessário pôr-se de lado a preocupação de
saber se o antigo diretor do Serviço Sanitário [dr. Geraldo Horácio de
Paula Souza] era a favor ou contra Santo Ângelo, para cuidar-se a
sério de asilar convenientemente esse aluvião de infelizes que
percorrem as ruas das cidades e as estradas que as ligam entre si,
ameaçando com a podridão de seus corpos e com o fel de sua alma
sofredora, as populações indefesas. Sirva, ao menos, a publicidade
dessas informações, de estimulo para o inicio de uma campanha
indispensável e urgente que tem sido sempre protelada.
O fato de que hora nos dão notícia passou-se sexta-feira última em
Pindamonhangaba. Viviam ali até a pouco, mais ou menos isolados da
população reunidos em colônia de bairro denominado do Bom
Sucesso, rias dezenas de morféticos. Famílias inteiras atacadas do
terrível mal curtiam o seu triste fadário, tendo para cobrir-lhes as
chagas e para mitigar-lhes a fome os farrapos e o pão escasso que lhes
vinham da caridade pública.
Não se sabe porque, o que é certo que de uma hora para outra a
colônia agitou-se e pôs-se em marcha para o centro da cidade, que era
logo depois invadida, em todos os seus pontos, pelos leprosos que ali
apareciam pela primeira vez, e que, em atitude agressiva, penetravam
nos cafés, restaurantes, hotéis e casas de diversões, procurando
contato com a população, forçando por todos os meios e modos
facilitar os meios de propagar a moléstia. Tais proporções assumiram
essa invasão, que os estudantes dos estabelecimentos de ensino,
revoltados e apreensivos, como de resto o público em geral, tomaram
o alvitre de uma reação, chefiando o movimento de represália, que
tornou necessária a intervenção da polícia. Escorraçados os
morféticos, tiveram eles de debandar, tomando rumos diversos e
dirigindo-se para as cidades vizinhas. Andam agora a percorrer as
estradas de rodagem, principalmente, que liga o Rio a esta capital. Uns
a cavalo, outros a , para aqui e ali, ora para repousar da fadiga da
caminhada, ora para solicitar a caridade de um pouco de alimento.
Trazem todos, entretanto, mais forte o espírito de revolta que os levara
a abandonar a colônia de Bom Sucesso.
A estas informações acrescentam de que, no dia seguinte, dos sucessos
de Pindamonhangaba nas imediações de Tremembé um dos leprosos
agarrou uma pobre criança que encontrara a brincar à porta de sua
casa, mordeu-a nervosamente e depois friccionou nas feridas uma das
chagas, socorrida pelos pais, essa pobre vítima da insânia do leproso
foi levada a farmácia daquela localidade e mais tarde apresentada ao
delegado de polícia de Taubaté. E nada mais pode fazer então senão
proceder algumas investigações referentes ao paradeiro do criminoso.
Divulgado o boato da ocorrência que foi, veladamente registrada pela
imprensa local, o delegado de polícia daquela cidade adotou varias
providências para evitar a entrada e permanência, ali, dos morféticos
expulsos de Pindamonhangaba.”
134
Esta reportagem registrou também a discussão sobre a implementação da rede asilar
em São Paulo, difundindo a urgência de uma instituição que fosse competente no
isolamento dos doentes, em crítica direta à posição política do antigo diretor do Serviço
Sanitário quanto à construção de Santo Ângelo.
Na sociedade paulista do início do século XX, os leprosos também sofriam
inúmeras adjetivações e agrediam o meio social pela podridão de seus corpos e com o fel
de sua alma sofredora
135
. A imprensa atuou de forma privilegiada nos debates entre os
diversos segmentos da sociedade que discutiam sobre a implementação da rede asilar
paulista: a população, a classe médica, as instituições filantrópicas e o governo do Estado.
A lepra tornava-se endêmica no Estado de São Paulo e apesar de indivíduos de
todas as camadas sociais se contaminarem, a incidência maior era nas mais desfavorecidas
sócioeconomicamente. Nas primeiras décadas do século XX, os órgãos governamentais
atribuíam o crescimento da doença a três situações distintas. A primeira, devido ao
aumento não controlado da população do Estado, sempre crescente desde o período
colonial. O segundo, ao processo da imigração, pois se acreditava que os estrangeiros não
possuíam a imunidade natural à doença e sua circulação pelo interior do Estado contribuía
para sua disseminação. Por fim, à gripe espanhola (epidemia ocorrida em 1918), que teria
134
Um FATO gravíssimo. Revoltados morféticos do bairro de Bom Sucesso invadem a cidade de
Pindamonhangaba – os estudantes reagem e a polícia intervém, sendo os lázaros escorraçados Numa
estrada um dos desgraçados morde uma criança. Folha da Manhã. São Paulo, 6 de julho de 1927.
Núcleo de Memória da Saúde do Instituto de Saúde, São Paulo.
135
Ibid.
diminuído a imunidade da população como um todo
136
. No entanto, o aumento da doença
estava diretamente relacionado às condições socioeconômicas, que influenciavam na infra-
estrutura de sobrevivência e no acesso à informação sobre higiene e saúde.
Em 1928, a Santa Casa de Misericórdia inaugurou o Asilo-Colônia Santo Ângelo,
denominado leprosário modelo. Após a transferência de todos os seus doentes para Santo
Ângelo, o Hospital Guapira foi fechado.
Em 1931, a Folha da Noite, apresentou o “quadro do mal hanseniano em São
Paulo” (ver Apêndice n.º 4), baseados nos doentes fichados no Estado e nas notificações
existentes, fizeram uma apresentação pelas divisões do Estado, chamadas circunscrições,
número de doente em cada município e o leprosário responsável por sua internação. Foi
observado, inclusive, que o número de doentes fichados não dava a real dimensão dos
leprosos em São Paulo, pois apenas os doentes encontrados e apresentados estavam
registrados, muitos ainda perambulavam pelo Estado. A reportagem trazia, ainda, a foto da
Inspectoria de Profilaxia da Lepra, local onde o dr. Francisco Salles Gomes Junior
trabalhava. Em 2 de setembro de 1931, encontravam-se fichados 4.185 doentes no Estado
de São Paulo.
2.2.1 - O modelo conhecido como “tripé”: asilo, dispensário e preventório.
A rede asilar paulista se estruturou com cinco asilos, dois preventórios e oito
dispensários
137
. Segundo Salles Gomes, a campanha de profilaxia da lepra não poderia
acontecer sem o apoio dos preventórios. Ele os considerava organizações fundamentais,
pois recebiam os filhos sãos dos doentes internados e as crianças que nasciam nos asilos.
Em carta encaminhada à Arthur Neiva em maio de 1937, Salles Gomes assinalou que cada
Estado do Brasil deveria ter uma instituição como a Associação Santa Teresinha do
Menino Jesus e uma mulher à sua frente como Margarida Galvão que, naquele ano, era
quem cuidava das 205 crianças na instituição, sem qualquer publicidade sobre sua obra
benemérita
138
.
136
CAMPOS, Nelson de S. “O Estado atual da campanha contra a lepra em São Paulo”. Revista de
Leprologia de São Paulo, vol. 1, n.º 2, 1934. Apud MONTEIRO, Y., op. cit., p. 98.
137
Dados levantados a partir da documentação do Arquivo Gustavo Capanema, CPDoc/FGV. Apud
SANTOS, V., op. cit., p. 423.
138
Carta enviada por Francisco Salles Gomes Junior a Arthur Neiva, em 15 de maio de 1937. Apud
NEIVA, A., op. cit., p. 56.
A Associação Santa Teresinha do Menino Jesus foi fundada em 1915 por
Margarida Galvão com o objetivo de amparar a família de doentes de lepra e seus filhos e
para evitar que adoecessem. A verba para a construção do preventório foi conseguida por
subscrição
139
realizada pelo jornal “O Estado de São Paulo”. O projeto do asilo foi
elaborado por Adelardo Soares Cauby, o mesmo arquiteto idealizador de Santo Ângelo.
Em 24 de maio de 1926, foi colocada a pedra fundamental no terreno de 145.000
m
2
, situado em Carapicuíba, distante 26 quilômetros da capital do Estado. Ao todo, foram
levantados mais de 2.000 contos de réis: 1.100 pela subscrição e o restante por doações
particulares. A obra com quatro pavilhões, foi concluída em 8 de setembro de 1927 e em
1930, amparava 150 crianças
140
. O Departamento de Profilaxia da Lepra subsidiava a
instituição com 200 contos de is anuais, além do imposto sobre veículos nos ts dias
de carnaval. Mais tarde, a Associação construiu um berçário na cidade de São Paulo
para receber crianças recém-nascidas e até os três anos, para atenuar possíveis
dificuldades existentes pela longa distância entre os leprorios e a Associação em
Carapicuíba.
O segundo preventório da rede asilar paulista foi construído pelo governo do
Estado e coordenado diretamente pelo Departamento de Profilaxia da Lepra. Comou
a funcionar em 1932, no antigo ginásio Nogueira da Gama, que foi adaptado para
abrigar o prevenrio e era localizado na cidade de Jacareí. Em 1936, abrigava 198
crianças
141
.
A partir do funcionamento destes dois preventórios, ocorreu uma divisão nos
critérios de acolhimento das crianças. O Santa Teresinha abrigava das crianças recém-
nascidas até a idade de 12 anos e no Preventório de Jacareí eram internadas criaas
que ultrapassassem esta faixa etária
142
. Em geral, o Asilo Santa Teresinha enviava os
meninos quando entrevam na adolesncia; as meninas tinham a opção de lá
permanecer após os 12 anos. Jacareí recebia, ainda, as criaas com alta que eram
enviadas pelos asilos-colônia
143
.
139
Campanha para levantamento de fundos; , o jornal recebia as doações e as repassava para a
Associação Santa Teresinha.
140
O PROBLEMA da Lepra em São Paulo. Diário Nacional, São Paulo, 7 de março de 1930. Núcleo de
Memória da Saúde do Instituto de Saúde, São Paulo.
141
NEIVA, A., op. cit., p.45.
142
“Fui de opinião que o Asilo, que colaborava com a Santa Casa, com o Santo Ângelo e a Inspectoria
de Profilaxia da Lepra, tivesse a função exclusiva de creche e asilo infantil e transferisse todo internado
maior de 12 anos, tendo comprido os 6 de observação, para institutos profissionais mantidos pelo
Estado ou por instituições privadas.” SOUZA ARAÚJO, H. C., op. cit., p. 586.
143
MONTEIRO, Y., op. cit., p. 351.
Podemos enumerar algumas dinâmicas sociais características da instituição
asilar dos preventórios como, por exemplo, o desamparo gerado pela separação da
criança de seu núcleo familiar e pela segregação imposta pelo estigma da doença, e,
ainda, pelo cotidiano em uma instituição asilar que impunha dificuldades de acesso aos
pais internados, tendo, inclusive, censura da correspondência, dentre tantos outros
aspectos. Havia, ainda, a dificuldade do retorno da criaa à sociedade, a partir dos 15
anos, no caso dos meninos e aos 18 anos para as meninas.
A partir de 1953, com a 6.ª Conferência Internacional de Lepra, determinou-se
que os filhos dos doentes o mais seriam internados em preventório, podendo ser
atendidos em instituições de atenção à inncia. Segundo Laurinda Maciel:
(...) os prevenrios teriam como missão educar e instruir os filhos dos internados
até a maioridade. Não havia preocupação com a dissolução dos laços familiares e as
possíveis seqüelas psicológicas com o ato, pois evitar a propagação do grande mal
era o objetivo maior
144
.
Segundo Salles Gomes, dois critérios eram importantes na escolha do local para
a construção de asilos. Primeiro, deveria ser próximo às estradas de ferro e de rodagem
para facilitar o transporte dos doentes à instituição. E o segundo, a zona deve ser de
vida barata
145
. O leprosário o poderia comprometer o desenvolvimento sócio-
ecomico de uma rego, a “zona barata referia-se a uma área não valorizada para a
construção ou desenvolvimento urbano da cidade. Apesar da proximidade aos meios de
transporte ser uma exigência, as distâncias entre o poro de entrada do asilo e o centro
urbano mais próximo nunca eram inferiores a quatro ou cinco quilômetros e atendiam a
diversos municípios de uma mesma rego.
Ts asilos-colônia da rede paulista foram constrdos a partir da Comissão das
Municipalidades, que atuou entre 1927 e 1932. Como já dissemos, os municípios de
uma rego do Estado se reuniam e um percentual de sua arrecadão era destinado à
construção de um leprosário. Desta forma foram construídos Pirapitingui, Aimorés e
Cocais e cada um deles atendia a uma região específica do Estado de São Paulo: a
primeira incluía a capital e os municípios do norte do Estado (Asilo-Colônia Santo
Ângelo e Sanario Padre Bento); a segunda os munipios da região do centro a da
baixa sorocabana (Asilo-Colônia Pirapitingui); a terceira, a rego da alta mogiana
144
MACIEL, L., op. cit., p. 120.
145
NEIVA, A., op. cit., p.45.
(Asilo-Conia Cocais) e a quarta, a região noroeste e da alta sorocabana (Asilo-
Colônia Aimorés)
146
.
Os dispensários eram ambulatórios que tinham por função controlar
comunicantes e pacientes com alta hospitalar e eventualmente realizavam novos
diagnósticos e encaminhavam para o Departamento de Profilaxia da Lepra
147
. A alta
hospitalar era sempre condicional. O doente tinha a obrigatoriedade de comparecer ao
posto todo s, por três anos, para a realizão de exames dermatogicos e
bacteriológicos; caso a doença se manifestasse novamente, voltava a ser internado.
Eram em todo o Estado oito dispenrios: quatro na cidade de São Paulo (Braz, Bom
Retiro, Lapa e Janã) e os demais eram os dispensários de Santo Ângelo, Campinas,
Presidente Prudente e Rancharia
148
.
O quadro administrativo do Departamento de Profilaxia da Lepra compreendia a
coordenação geral dos asilos-colônia, do Preventório do Jacareí, dos dispensários e das
inspetorias regionais. Coordenava, ainda, a parceria com as iniciativas privadas como,
por exemplo, a existente com a Associação Santa Teresinha. Considerava o dispensário
a primeira insncia da ão de vigincia do Departamento, por controlar os doentes
com alta e os comunicantes. A organizão do asilo compreendia a parte clínica e a de
pesquisa científica, com atuação nos campos da sorologia e microbiologia, anatomia
patológica, o laboratório de pesquisas cnico-farmacêuticas. O Departamento
orgulhava-se da biblioteca que havia formado sobre a lepra, tratamento e profilaxia.
No quadro administrativo (Quadro n.º 1, reproduzido a seguir) é extremamente
significativa a representação da Inspectoria/Departamento de Profilaxia da Lepra em
um rculo em torno do qual as diversas instituões gravitavam. E os leprorios,
inspetorias (dispensários), o preventório Santa Teresinha e a Sociedade de Assistência
aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra foram representados eqüidistantes entre si, com
setas que indicam um ir e vir entre as instituições. Na parte reservada aos leprosários,
o nome do Asilo-Colônia Santo Ângelo aparece em destaque.
A estrutura do Departamento de Profilaxia da Lepra estava em pleno
funcionamento em 1937, encontravam-se internados 5.697 doentes
149
. Salles Gomes, em
146
MONTEIRO, Y., op. cit., p. 189.
147
“[dispensário] órgão vivo e móvel, antena e mão do complexo organismo que rastreia, descobre e
seleciona os casos de lepra, enviando aos estabelecimentos hospitalares aqueles que devem ser isolados,
trata dos que não oferecem perigo de contágio, examina periodicamente os indivíduos que, pela
convivência ou relação com os doentes, estão mais sujeitos a contrair o mal. Finalmente, sempre em
contato com os focos da doença e com as massas populares, instrui, educa, previne.” CAMPOS, Mario
Álvares da Silva. “O Problema de lepra, sua situação atual em Minas Gerais” Arquivo de Saúde
Pública, 1937, vol. V, n.º 7, p. 8. Apud DINIZ, O., op. cit., p. 30.
148
SANTOS, V., op. cit., p. 423.
149
NEIVA, A., op. cit., p. 45.
nota enviada a Arthur Neiva, informou: Amigo Neiva, o Serviço em o Paulo vai
muito bem e espero que dentro de 10 anos a situação será de Vicria completa
150
.
150
NEIVA, A., op. cit., p. 43.
Organizado entre 1930/1931.
Fonte: SOUZA-ARAÚJO, H. C., Op. cit., p. 6.
Quadro n.º 1
2.2.2- Asilo-Colônia Santo Ângelo: “aqui renasce a esperança”
151
O projeto de Santo Ângelo foi iniciativa da “Associação Protectora dos
Morphéticos”, criada em 1917, com o apoio do arcebispo d. Duarte Leopoldo e a Liga das
Senhoras Católicas, cuja presidente a sr.ª Mathilde Fonseca de Macedo Soares, objetivava
criar uma nova instituição para abrigar doentes, devido a superlotação do Hospital de
Guapira, e por achar-se sem condições de ampliar e melhorar seu atendimento.
A Ordem Carmelitana de Mogi das Cruzes doou o terreno que se localizava nos
montes de Santo Ângelo, em Jundiapeba, próximo a Mogi. A escrita de doação foi passada
em 13 de junho de 1918, registrada com destinação específica para que no terreno fosse
construído um hospital modelo sob a responsabilidade da Santa Casa de Misericórdia. Este
terreno compreendia 194 alqueires, após a compra de alguns outros, teve sua área total
ampliada para 348 alqueires. A “Protectora”, designação dada pelo dr. Emílio Ribas para a
Associação, convidou o arquiteto Adelardo Soares Cauby que foi assessorado pelo próprio
Ribas, então diretor do Serviço Sanitário e pelo dr. Arthur Neiva, sucessor de Ribas na
direção do Serviço Sanitário em São Paulo, entre 1917 a 1920
152
.
Adelardo não cobrou pelo projeto que se tornaria o modelo de construção da rede
asilar paulista. O dr. Emílio Ribas apresentou o projeto do Asilo-Colônia Santo Ângelo no
VIII Congresso Brasileiro de Medicina e 1.º Congresso Sul-americano de Dermatologia e
Syphilografia.
“E o projeto, do qual sou portador, tem como aspecto principal o de
uma pequena cidade onde se notam os hospitais que devem receber os
doentes na fase aguda da lepra, em determinados períodos do mal, nas
manifestações intercorrentes da moléstia, e quando atacados de outras
doenças infecto-contagiosas.
A não ser nessas condições, os leprosos residirão em suas casas,
gozando de uma vida livre, e os que possuírem ainda resistência
orgânica hão de ter a confortante idéia de sua utilidade social,
151
Essa expressão teve origem na visita de D. Pedro II, ao Hospital dos Lázaros, no Rio de Janeiro, em
1881. “A inscrição, no pórtico do hospital, da sentença da Porta do Inferno de Dante (Divina comédia,
Canto III, 9): ‘Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate!’ (‘Abandonai toda esperança, vós que entrais!’), é
desaprovada pelo imperador. Ele registra, no livro de visitas, a sugestão de substituí-la por ‘Aqui
renasce a esperança’, que consta no vitral do átrio do hospital, inaugurado em 1920.” PORTO, Ângela
e OLIVEIRA, Benedito Tadeu de O., “Edifício colônia construído pelos jesuítas é lazareto desde 1752
no Rio de Janeiro.” História, Ciência, Saúde- Maguinhos, Rio de Janeiro, Pág. 171-180, nov.1995-
fev.1996.
152
Segundo Souza Araújo, em 1919 o governo do Estado construiu a casa da administração e reverteu
a obra para a Santa Casa de Misericórdia. Em 1920, o presidente Washington Luis subsidiou com 200
contos de réis anuais a construção do leprosário e concedeu um crédito de 1.000 contos para os serviços
de água e esgotos. “A1930 custou o Leprosário Santo Ângelo 6:868:677$843.” SOUZA ARAÚJO, H.
C., op. cit., p. 581.
trabalhando de preferência nas profissões que exerciam quando
sãos.”
153
Adelardo Soares Cauby dividiu o leprosário em zonas, distribuindo as construções
destinadas aos “doentes” e aos “sãos”, assim como uma área intermediária entre elas.
Havia também a separação por sexo e de acordo com o desenvolvimento clínico da doença.
A Igreja projetada para Santo Ângelo seria dividida em três naves: uma para mulheres,
outra para homens e a terceira para os funcionários e administradores sãos residentes no
leprosário; as naves eram independentes e preservadas, inclusive, de contato visual entre
elas. Foram organizados onze setores no plano de construção (ver Apêndice n.º 5).
O projeto aprovado pelo Serviço Sanitário foi realizado em parceria com a Santa
Casa de Misericórdia para a construção do leprosário. A “Associação Protectora dos
Morphéticos”, que viabilizou o projeto arquitetônico do Asilo-Colônia Santo Ângelo e que
conseguira o terreno para sua construção, acabou por dissolver-se em 15 de abril de 1919,
passando seu capital para a Santa Casa de Misericórdia.
Em 1920, Washington Luiz, assumiu a presidência do Estado de São Paulo e
nomeou, em 1922, para a Diretoria Geral do Serviço Sanitário, o dr. Paula Souza. Recém-
chegado de formação que realizou no primeiro curso em Higiene e Saúde Pública da
recém-inaugurada School of Hygiene and Public Health, da Universidade Johns Hopkins,
como bolsista da Fundação Rockefeller, Paula Souza defendia a educação e vigilância
sanitária e o era partidário da construção de grandes leprosários para a internação de
doentes. Recebeu críticas de vários segmentos da sociedade, tais como: o congresso do
Estado, a imprensa, o serviço dico e a sociedade em geral. Sobre a questão do
isolamento e da construção de leprosários elaborou um relatório pedindo a opinião de
quatro eminentes médicos sobre o assunto: Cláudio Pritz, leprólogo argentino convidado a
conhecer o Serviço Sanitário Brasileiro; Etienne Marchoux, da Universidade de Paris; e
aos brasileiros Carlos Chagas e Eduardo Rabello.
Dr. Prix acreditava que o tratamento dos doentes de lepra se baseava na educação
sanitária, evitando tirar o doente do convívio de sua família ou do trabalho. Acreditava na
construção de pequenos asilos de atendimento aos doentes e o prosseguimento das obras de
Santo Ângelo seria um erro sanitário. Dr. Marchoux opinou que, havendo recursos, Santo
Ângelo deveria ser finalizado para abrigar os doentes do Hospital de Guapira que se
153
Freqüência da lepra em São Paulo Prophylaxia da Lepra contagem dos atacados pela Lepra”.
VIII Congresso Brasileiro de Medicina e 1.º Congresso Sul-americano de Dermatologia e
Syphilografia, Rio de Janeiro, 13-20, out. 1918, 2.º Boletim, Imprensa Nacional, 1921, pp. 116-130
Apud SOUZA ARAÚJO, H. C., op. cit., p. 235.
achava em ssimas condições, mas era contra a construção de grandes asilos. Chagas e
Rabello apresentaram um relatório conjunto e este foi enviado para os jornais paulistas.
Apoiavam a construção de leprosários que não afastassem os doentes dos seus núcleos
familiar e social e a ão de construir esses pequenos asilos antes da conclusão de Santo
Ângelo. O plano de construções deveria atender às regiões do Estado com maior
endemicidade; para evitar a concentração de todos os doentes em um único leprosário, pois
acabaria acarretando problemas sociais para as cidades próximas.
O Estado de São Paulo publicou que o diretor geral do Serviço Sanitário era o real
obstáculo
154
à conclusão das obras de Santo Ângelo. É necessário observar novamente o
lugar da imprensa na divulgação seletiva dos temas em debate entre os profissionais da
saúde pública e a firme posição dos jornais em prol do isolamento de doentes no Estado de
São Paulo no final dos anos 20. A matéria citada também trazia a informação de que era
obrigação do jornal informar aos leitores as diretrizes do Serviço Sanitário. Esse jornal
apoiou a campanha de arrecadação de verbas para a criação de um fundo de construção
para Santo Ângelo, publicava os eventos ligados à arrecadação, a relação de doadores,
entre outros, apoiando firmemente tais ações.
O dr. Paula Souza foi substituído por Aguiar Pupo que apoiou a construção de
Santo Ângelo e o inaugurou em 3 de maio de 1928. Foi uma inauguração sem doentes,
estes começaram a chegar apenas em 2 de agosto, que ficou marcada como data de
inauguração. Todos os doentes internados no Hospital de Guapira foram levados para
Santo Ângelo e sua transferência levou mais de um mês, sendo realizado em jardineiras
155
cobertas com cortinas para que o interior do veículo não fosse visto. Mais de um mês
depois, em 11 de setembro de 1928 foram transferidos os últimos doentes, determinando o
fechamento do Hospital de Guapira.
A defesa da construção de Santo Ângelo e sua inauguração consagraram as palavras
de Arthur Neiva, na conferência realizada no 8.º Congresso Brasileiro de Medicina,
realizado no Rio de Janeiro, em 1918:
“O repúdio que tanto os torturava e horrorizava, vai cessar. Os seus
corações se abrirão para todas as esperanças e novamente poderão
154
Estado de São Paulo, 2 de julho de 1927. Núcleo de Memória da Saúde do Instituto de Saúde, São
Paulo.
155
“As primeiras Jardineiras chegaram ao Brasil em 1919, com lugar para oito pessoas. Eram ônibus
montados sobre caminhões onde a única parte original externa mantida no veículo era a frente, com o
capô do motor, faróis e pára-choque. A parte traseira era uma enorme caixa de madeira com vidros e
bancos.” http://www.3m.com/intl/br/industria/onibus_carrocerias Acessado em 5/5/2005.
sentir, no amparo para onde foram, toda a glória de viver, da qual tão
afastados se achavam. Oh! Como nos eleva o bem que se sente pelo
conforto moral que se vem trazer aos infelizes e quanto nos
engrandece a felicidade de termos sido, em algum momento de nossa
curta existência, útil aos nossos semelhantes!”
156
2.2.2.1- Asilo-Colônia Santo Ângelo após sua inauguração
Independente da grandiosidade de Santo Ângelo
157
e do lugar de destaque que seu
projeto e construção conquistaram na mídia paulista dos anos 20, sua inauguração não
promoveu o impacto esperado na internação de doentes da capital. As peregrinações e
caravanas de doentes ainda eram encontradas e vistas, continuando a ser objeto de crítica
nos jornais. As manchetes em 1929 eram, por exemplo: Até em bondes os morféticos
viajam
158
; Caravanas de leprosos esmolando pela cidade, agora é a vila Pompéia que
reclama
159
, “Como isolar os leprosos
160
etc.
O Diário Nacional publicou, em 3 de julho de 1929, que os doentes de Santo
Ângelo não obedeciam regras rígidas de confinamento, na medida em que lhes era
permitido sair do asilo durante o dia, somente regressando para dormir, alguns, inclusive,
nem voltavam. A reportagem criticava, igualmente, a inexistência de um tratamento
médico adequado aos internados, o que ocasionava um alto índice de mortalidade. Foram
publicados, também, o nome de todos os doentes que faleceram entre 14 de setembro de
1928 e 23 de maio de 1929. Entre 1928 e 1933, Santo Ângelo foi administrado pela Santa
Casa de Misericórdia
161
.
156
“Annaes do 8.º Congresso Brasileiro de Medicina (Rio, 1918)”. Tomo I, 1925, pp. 379-391 e folheto
impresso no “Estabelecimento Graphico E. Riedel”, S. Paulo, 1918 Apud SOUZA ARAÚJO, H. C., op.
cit., pp. 245-254.
157
As informações levantadas para a análise de Santo Ângelo após sua inauguração foram pesquisadas
em artigos e reportagens nos principais jornais de São Paulo, entre 1927 e 1937. Esta seleção foi feita
pela Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra, os álbuns de recortes encontram-se
no Núcleo de Memória da Saúde do Instituto de Saúde, São Paulo.
158
Diário Nacional, São Paulo, 3 de abril de 1929.
159
Diário da Noite, São Paulo, 17 de maio de 1929.
160
Diário Nacional, São Paulo, 14 de novembro de 1929.
161
Foi assinado em 7 de julho de 1933, o “Termo de Acordo que fazem o Governo do Estado e a Santa
Casa de Misericórdia de São Paulo para a administração do Leprosário Santo Ângelo”, assinaram o
secretário da Educação e Saúde Pública e o provedor da Santa Casa de Misericórdia. O governo era
obrigado a manter o nome Santo Ângelo, a não suprimir o culto católico nem a residência do sacerdote
e manter os demais funcionários enquanto cumprissem bem as suas funções. Estado de São Paulo. São
Paulo, 4-10-1933.
As representações sobre a profilaxia da lepra na cidade de São Paulo evidenciavam
a atribuição de horror ao doente, do medo do contágio e o desconforto e incômodo que a
visão deles acarretava; era primordial a eliminação da doença e, nesse processo, o seu
agente, que era o doente (Figura n.º 6). A visão dos leprosos exercitando o direito de ir e
vir pelos espaços urbanos simbolizava a circulação do mal e da iminência da
contaminação. A expectativa quanto à ação governamental era que a população leprosa
nunca mais fosse vista perambulando pelas ruas e que de forma alguma houvesse contato
com leprosos. Era uma visão do horrendo, a possibilidade de um doente se encontrar
trabalhando, atender ao público, se alimentar em restaurantes e lanchonetes públicas, o que
poderia levar aos sãos a utilizar os mesmos utensílios dos doentes, entre outros. Estas
questões encontram-se exemplificadas no artigo reproduzido na próxima página.
Em 1931, o dr. Ribeiro de Almeida, ex-diretor clínico do Hospital de Guapira,
concedeu entrevistas a diversos jornais analisando a importância de Santo Ângelo e a
eficácia do leprosário na profilaxia da lepra. Durante seus 12 anos de vida profissional no
Hospital de Guapira, trabalhou com o dr. Emílio Ribas, José Maria Gomes, Francisco
Salles Gomes Junior. Nas entrevistas concedidas, o dr. Ribeiro de Almeida evidenciara
certa surpresa por não participar dos novos quadros técnicos de Santo Ângelo.
Na entrevista concedida ao jornal Folha da Noite, em 24 de janeiro de 1931,
avaliou que o leprosário não correspondia às suas expectativas, pois foi planejado para
abrigar 10.000 doentes, mas foi inaugurado com capacidade para 1.000 e se encontrava
abrigando apenas 600 doentes. O funcionamento da parte clínica e social do leprosário
também, segundo ele, deixava a desejar e criticou duramente a gestão do dr. Aguiar Pupo,
na Inspectoria de Profilaxia da Lepra, atribuindo a ele a situação insatisfatória no quadro
de internação de doentes no Estado.
.
]
Fonte: Núcleo de Memória da Saúde do Instituto de Saúde, São Paulo.
Figura n.º 6
A construção de novos pavilhões no Asilo-Colônia Santo Ângelo eram noticiados,
assim como seus visitantes ilustres, como médicos e políticos, que emitiam considerações
sobre o leprosário modelo de São Paulo. As doações recebidas pelos asilos também eram
notícia, que financiavam novas construções e melhorias na área de lazer e esportes. Os
órgãos da imprensa, que apoiavam o Departamento de Profilaxia da Lepra, o enalteciam e
ao governo de São Paulo pelo combate à doença, com manchetes como: Continuará a ser
o melhor do mundo
162
. As críticas publicadas eram proporcionalmente menores em
quantidade do que os elogios, o reconhecimento de hansenólogos internacionais que
visitavam e atestavam a qualidade do leprosário.
Em 1937, Santo Ângelo abrigava 1.388 doentes
163
e sua estrutura física e
organizativa foi publicada no jornal Folha da Manhã”
164
. O asilo estava recebendo
jornalistas de São Paulo e do Rio de Janeiro e, dentre os presentes, estava o diretor do
Asilo-Colônia Pirapitingui, dr. Marcello Gonçalves Leite, e sua esposa, por ocasião de uma
partida de futebol entre os times dos asilos. No mesmo dia, foi realizado um baile para os
internados às 20h, e o presidente da Caixa Beneficente
165
pediu a presença dos jornalistas
para discursar sobre a necessidade da população participar com doações, apelando para que
a sociedade paulistana continuasse dando o auxílio que nunca negaram. O dr. Manoel de
Abreu, diretor clínico de Santo Ângelo, acrescentou que a sociedade tinha um dever para
com os internados: Eles se segregam, eles se afastam, para o bem dessa mesma
sociedade. Nessas condições, ela não pode deixar de contribuir para que tenha eles um
relativo conforto no asilo que voluntariamente procuram para dela se distanciar.”
166
.
Mais do que acreditar que a sociedade paulista se sentisse culpada frente à
internação de todos os doentes ou de que estes se apresentassem voluntariamente, o
importante é perceber a presença dessa discussão na imprensa paulista. Sem dúvida, vários
segmentos da sociedade, na década de 30, foram mobilizados para a assistência aos
162
O Correio de São Paulo, São Paulo, 7 de janeiro de 1937.
163
NEIVA, A., op. cit., p. 45.
164
São três artigos, um de 17 de maio, outros dois de 18 de maio de 1937, o primeiro do Folha da Noite,
os outros são iguais um do Folha da Manhã e o outro, igual, reproduzido no Folha da Noite,
atualmente, Folha de São Paulo.
165
A Caixa Beneficente era um órgão assistencial na estrutura do asilo. Foi criada pelo Departamento
de Profilaxia da Lepra com o decreto n.º 5.965, de 30 de junho de 1933. Sua função era o recebimento
de verbas da iniciativa privada e da sociedade em geral. Era um órgão gerido pelos doentes internados,
seu quadro administrativo era composto por presidente, diretoria e secretariado. Este quadro era
eleito pelos internos entre os nomes indicados pela diretoria do asilo para a concorrência aos cargos.
Tinha por responsabilidade decidir o uso das verbas, gerenciar trabalhos e serviços dos doentes
internados, remunerar e controlar este trabalho, cuidar das plantações e das criações de animais, entre
outros.
166
Folha da Manhã, São Paulo, 18 de maio de 1937.
leprosos e a defesa contra a lepra. Essa idéia de participação e união em prol de um bem
comum justificou metade das ações do Departamento de Profilaxia da Lepra: era premente
a defesa da sociedade contra o avanço do mal. Em nome dessa defesa os doentes foram
internados e submetidos não apenas à instituição asilar, mas foram objeto também de
pesquisas científicas e médicas.
“Todos os corantes minerais estão em experimentação, assim como a
excisão cirúrgica das pequenas máculas, galvano-cauterização, neve
carbônica, eletro-coagulação, ionização, etc. São trabalhos
experimentais demorados pela evolução crônica da doença, havendo
necessidade de uma observação metódica e muito longa.”
167
O Asilo-Colônia Santo Ângelo foi grandiosamente descrito nas reportagens de
maio de 1937, do jornal “Folha da Manhã”. A distância de 45 quilômetros da capital era
considerada excelente, as fotos publicadas retratavam o salão de festas e a praça de
esportes. Utilizaram para a descrição do asilo, a distribuição por zonas, denominando
apenas a zona da gente de saúde
168
, onde situavam-se: a portaria, a residência do
administrador, a residência e o refeitório dos médicos, a farmácia e o laboratório.
O que consistia na “zona doente” foi descrita como o “asilo propriamente dito”,
com as seguintes construções: correio e estufa
169
, consultório médico
170
, o pavilhão Nossa
Senhora da Aparecida, de quatro andares, destinado ao dormitório das mulheres com 500
leitos; e, por último, do lado oposto, localizava-se o pavilhão dos homens, com 700 leitos.
O refeitório, com a cozinha ao lado, situava-se entre os pavilhões. Foram construídas
também 110 casas e, próximo à elas, a torrefação de café, a padaria, a lavanderia, as
oficinas de ferraria, marcenaria, serralharia e pintura, a fábrica de sabão para consumo do
hospital e o escritório da Caixa Beneficente. Havia, no centro do asilo, um pavilhão
luxuoso, chamado de “Catete”
171
, para os internados que podiam pagar. Destacaram a
167
Carta enviada por Francisco Salles Gomes Junior a Arthur Neiva, em 28 de junho de 1937. Apud
NEIVA, A., op. cit., p. 56. Somente com o Tratado de Nuremberg, em 1946, foram estabelecidos os
procedimentos éticos em pesquisas experimentais com seres humanos.
168
VISITANDO o Asilo Santo Ângelo. Folha da Manhã, em 18 de maio de 1937.
169
No documentário “Lepra: Espetáculo do Medo”, foi mostrado ao lado do correio a sala conhecida
como desinfetório. As cartas enviadas do asilo eram higienizadas na fumaça de pastilhas de cloro.
“Lepra: O Espetáculo do Medo”, Ítalo Tronca, Centro de Comunicação da UNICAMP, 1987. Arquivo
de Imagem em Movimento, Casa de Oswaldo Cruz.
170
Observou-se na reportagem do jornal Folha da Manhã, em 18 de maio de 1937, que este consultório
também era utilizado para os exames dos parentes e amigos que visitavam os doentes, levando conforto
material e moral.
171
Provavelmente, uma referência à moradia do presidente da república no Palácio do Catete, no Rio
de Janeiro.
escola, o cinema, o salão de festas e a biblioteca. Existiam também quiosques, bares,
armazém etc. Entre o asilo e a zona de saúde, ficava o hospital e a Igreja.
O texto inicial da reportagem sobre Santo Ângelo em maio de 1937, utilizou as
seguintes palavras: Quanto à assistência social, sem dúvida alguma, São Paulo está na
vanguarda de todos os Estados do Brasil.”
2.2.3 – Asilo-Colônia Pirapitingui
Para a construção de Pirapitingui, 48 municípios contribuíram com 5% de sua
arrecadação no período de sua construção. A reunião da Comissão para a construção deste
asilo foi presidida pelo dr. Aguiar Pupo, em 10 de abril de 1929. Pirapitingui foi o maior
asilo do Estado, ocupando uma área de 600 alqueires
172
(ver Apêndice n.º 1). Situava-se
entre as cidades de Sorocaba, Itú e Campinas, na rodovia Sorocaba-Itú, próxima à estrada
de ferro sorocabana, cuja estação distava cinco quilômetros do asilo.
Pirapitingui começou a receber doentes antes de sua construção estar concluída.
Foram construídas 60 casas de madeiras para abrigar 240 doentes (Figura n.º 7 e 8) e o
plano de construção foi baseado no de Santo Ângelo, sendo organizado igualmente com a
zona para as pessoas com saúde, a intermediária e o asilo ou zona dos doentes
173
.
As dimensões em Pirapitingui impressionavam (Figuras n.º 14 e 15) . Possuía
penitenciária, para onde o sistema judiciário mandava prisioneiros doentes cumprirem
pena; foi construído também um prédio destinado para funcionar o “hospício”. O salão de
baile era para 600 pessoas (Figura n.º 16). O plano geral da construção era o de uma
pequena cidade, com oficinas, torrefação de café, fábrica de sabão, armazéns, todos os
serviços do setor agro-pastoril. A denominação de colônia tinha por objetivo a
independência do asilo quanto à sua subsistência, que os asilos-colônia eram planejados
para a auto-suficiência.
No projeto elaborado por Adelardo Cauby para Santo Ângelo, que influenciou na
construção dos demais leprosários, foi considerada a sobrevida dos doentes de lepra. Em
função das variações de tempo de evolução da doença para quadros de comprometimentos
neurológicos incapacitantes, o paciente pode preservar sua capacidade física por longos
anos. Como o isolamento dos doentes tinha um caráter permanente, “para sempre”, a
172
A medida de um alqueire paulista é 2,42 ha, que é equivalente a 24.200m
2
.
173
MONTEIRO, Y., op. cit., p. 202.
proposta era de que os próprios doentes trabalhassem na manutenção dos leprosários. Esse
trabalho foi chamado de laborterapia e cada doente ganharia por trabalhar até seis horas
por dia. O trabalho era remunerado ou pela Caixa Beneficente ou pela prefeitura do asilo-
colônia, que também dispunha de verbas para este fim. Em outubro de 1931, Pirapitingui
possuía 456 doentes internados; em 1933, 877; em 1934, 1.243
174
; em 1942, 2.997 (ver
Apêndice n.º 3). Das instituições que compunham a rede asilar paulista, Pirapitingui foi a
que sempre abrigou o maior número de doentes.
174
MONTEIRO, Y., op. cit., p. 202.
As fotos são do ano de 1936 e mostram a precariedade das construções em madeira e como elas subsistiram mesmo
com o asilo em pleno funcionamento.
Figura n.º 8
Figura n.º 7
O documentário “O Espetáculo do Medo”, de Ítalo Tronca, realizado em 1987,
registrou a arquitetura de Pirapitingui, entrevistou funcionários que trabalhavam no
hospital e alguns ex-pacientes ainda residentes no asilo. As falas de ex-pacientes
privilegiadas por Ítalo Tronca deram a dimensão do enclausuramento, da angústia e do
caráter permanente e coercitivo que caracterizavam o isolamento compulsório:
“Chegou aqui morreu, não tem mais pai, não tem marido, não tem
ninguém.”
“Tudo foi feito em cima do medo.”
“A gente viveu na restrição, não tem psicológico (sic.) que tira isso da
gente.”
“A família depois que se internava, nunca mais aparecia aqui.”
175
Pirapitingui foi o primeiro local de internação de Pedro Baptista, em 1934. As
cartas e fotografias enviadas do asilo demonstraram a grandiosidade arquitetônica do
leprosário, sua rigorosa rotina de tratamento, o universo heterogêneo dos doentes
internados. Pedro destacou a vida religiosa dentro do asilo, a importância da igreja católica
como centralizadora de eventos, tanto pela realização de missas nas diversas cerimônias,
como a sua arquitetura era utilizada como cenário em fotografias.
“Por aqui podes ver que foi soleníssima a minha posse. Não faltaram
palmas e vivas entremeadas de discursos. Quando eu fui para a tribuna
ao lado da mesa que presidia a sessão, fui entre ruidosa aclamação.
Em todas as festas não falta a missa. O povo na maioria é católico e
faz questão de missa. Eu estive presente a todos os atos com respeito
devido e consideração.”
176
Ao ser indicado para a presidência da Caixa Beneficente, Pedro Baptista construiu
um pavilhão protestante (Figuras n.º 9 a 13), para a internação de doentes e para o
funcionamento do templo, com verbas arrecadadas pela Igreja Metodista de Campinas.
Atualmente, o Asilo-Colônia Pirapitingui transformou-se no Hospital dr. Francisco Ribeiro
Arantes.
175
“Lepra: o espetáculo do medo”, Ítalo Tronca, Centro de Comunicação da UNICAMP, 1987.
Arquivo de Imagem em Movimento, Casa de Oswaldo Cruz.
176
Carta de posse da presidência da Caixa Beneficente, enviada por Pedro Baptista a Maricas.
Pirapitingui, 28 de novembro de 1935. Acervo Pessoal Pedro Baptista, sob a custódia de Cláudio José
de Souza.
“Início do pavimento superior
do Asilo Pavilhão Protestante.
1/1/1936. Pedro Baptista”
“Uma vista do local onde se edifica o templo evangélico.
15/8/35. Pedro Baptista.”
“Ao lado do construtor
Thiago e do pregador
Adolfo, o Presidente
PBaptista (sic.) examina a
planta da construção do
templo evangélico.”
Figura n.º 9
Figura n.º 10
Figura n.º 11
Figura n.º 12
Figura n.º 13
Vista de Pirapitingui, em janeiro de 1936.
Salão de baile para 600 pessoas. Carnaval de 1936.
Figura n.º 14
Figura n.º 15
Figura n.º 16
2.2.4 – Sanatório Padre Bento
O local onde se instalou o Sanatório Padre Bento foi comprado em 1931, no curto
período da gestão de Heraclídes-Cesar de Souza Araújo na Inspectoria de Profilaxia da
Lepra. Era um antigo hospital psiquiátrico e localizava-se cerca de 20 km da capital do
Estado, no bairro de Gopouva na cidade de Guarulhos
177
. Ocupava uma área com 83
alqueires e no início possuía apenas duas construções: o hospital e outra utilizada para
administração. Foram internados 84 doentes oriundos do Hospital de Guapira e aos poucos
foram sendo construídos consultório dentário, pavilhão para médicos, cassino, teatro,
ginásio de esportes com arquibancada e um pequeno zoológico.
Este leprosário foi ameaçado de ter seus prédios queimados pela população local,
que não desejava sua instalação. Protestos foram enviados ao interventor do Estado para
que impedissem sua instalação; a transferência e acomodação dos doentes foi feita com
proteção policial. Por volta de 1934, nas obras de ampliação do leprosário, novos protestos
ocorreram: Não se justifica a localização dum Sanatório para hansenianos a 300 metros
da estação de Gopouva, (...) e que fica a 15 quilômetros do centro da cidade, muito menos
sua ampliação.”
178
Poucas semanas após ter sido internado no Padre Bento, Pedro Baptista pediu
transferência para Santo Ângelo, alegando não ter condições financeiras para permanecer
naquele leprosário, que era considerado um leprosário para a elite. As acomodações
mais confortáveis eram destinadas aos que podiam pagar. Em geral, eram internados os
doentes na fase inicial da doença e de preferência crianças. A partir do momento em que
começavam a desenvolver quadros mais graves, eram encaminhados para outros
leprosários da rede asilar paulista. Os doentes transferidos de outros asilos para o Padre
Bento deveriam apresentar 12 exames bacteriológicos negativos
179
. Outra forma de ingresso
no Sanatório ocorria pela solicitação de políticos ao Departamento de Profilaxia da Lepra.
Uma característica daquele leprosário foi a permanência de uma mesma equipe por
mais de 20 anos: na direção, dr. Lauro de Souza Lima, médico clínico, dr. Hugo Guida,
dermatologistas, drs. Flávio Maurano e Abraão Rotberg, na oftamologia, dr. Mendonça de
Barros e na odontologia, Toledo Salles
180
. Dr. Lauro de Souza Lima era um estudioso da
177
MONEIRO, Y., op. cit., p. 207.
178
Diário de São Paulo. São Paulo, 7 de julho de 1934. Apud MONTEIRO, Y., op. cit., p. 188.
179
NEIVA, A., op. cit., p. 60.
180
MONTEIRO, Y., op. cit., p. 209.
lepra na infância (Figura n.º 17), mas mesmo para a internação de crianças, dependia de
que estágio se encontrava a doença. Em 1936, eram 280 doentes internados e destes, 60
eram crianças. O Padre Bento era reconhecido como um dos maiores centros de
investigação científica, não apenas do Brasil, mas do mundo
181
. Os jornais da imprensa
paulista que apoiavam Salles Gomes, não economizavam superlativos para falar da rede
asilar paulista.
O Sanatório Padre Bento possuía um grupo escolar criado por Ademar de Barros
182
,
para atender às crianças internadas e, a partir de 1941, foram realizados cursos
profissionalizantes de mecânica, sapataria, eletricidade e marcenaria para os meninos e
181
O SANATÓRIO Padre Bento foi visitado pelo presidente e secretário do Rotary Club. Diário da
Noite, São Paulo, 24/03/41. Núcleo de Memória da Saúde do Instituto de Saúde, São Paulo.
182
Getúlio Vargas o nomeou interventor do Estado de São Paulo, entre 1938 a 1941.
Inscrição no verso da fotografia:
Ao Ilmo. Sr. Pedro Baptista
Pirapitingui
Com este postal fica sanado nosso
compromisso.
‘Recuerdos’ aos bons camaradas
dessa e aceita um abraço do Xirú.
Padre Bento, 7/7/35.
Da esquerda para a direita:
Avelina, Esther e Chiquinha. As
mãos de Esther parecem estar com
lesão neurológica, conhecida como
“mãos em garra” e aparenta idade
entre três e cinco anos. Estão bem
cuidadas, mas a seriedade das
crianças, por mais que seja uma
pose fotográfica, não deixa de
transparecer uma certa melancolia.
Figura n.º 17
bordado e costura, para as meninas. Esse lugar privilegiado era bastante difundido pela
imprensa:
“Não ha tristezas no Sanatório Padre Bento”
183
; “O Sanatório Padre
Bento, em Gopouva, foi na manhã de ontem visitado pela Imprensa
Paulista - A grande cordialidade reinante entre os doentes - O
significativo respeito às ordens médicas e o trabalho metódico de cada
um dos internados fazem dessa grande casa de saúde um pequeno
mundo aprazível”
184
; “Asilo de Hansenianos que é em padrão de
eficiência e conforto.- Uma visita ao Hospital Padre Bento, onde os
internados constituem como que uma grande família, unida e coesa -
Devido ao proveitoso tratamento que receberam, dezenove doentes
obterão alta condicional no mês próximo”
185
.
Atualmente, foi transformado em Hospital de Clínicas e Emergências da cidade de
Guarulhos.
2.2.5 – Asilo-Colônia Cocais
O Convênio das Municipalidades”, da região da alta mogiana, assinou o acordo
para a construção de um leprosário em 15 de outubro de 1927. Cada município assumiu
contribuir com 10% de sua arrecadação. Este acordo foi firmado na presença do Secretário
do Interior, à época, Fábio de Sá Barreto e a comissão da construção foi composta pelos
prefeitos de Casa Branca, Mococa e São José do Rio Pardo
186
.
Cocais foi construído em uma área de 230 alqueires. Na data de sua inauguração,
16 de abril de 1932, foram internados apenas 10 doentes, mas no final deste mesmo ano,
eram 325 doentes. Em 1937, possuía 1.385
187
, das quais 42 eram crianças; em 1942, já tinha
1.888 (ver Apêndice n.º 3). Sua primeira direção constou de: diretor clínico, o dr. Marcello
Guimarães Leite, o médico clínico, dr. Manoel Antonio Gonçalves, escriturário, Sebastião
Ferreira Vianna, administrador, sr. José Maria da Silva, almoxarife, Raul Resende Villares
e apontador Adherbal Leite. O diretor de Cocais, dr. Marcello Guimarães Leite, foi
transferido para Pirapitingui em agosto de 1933, sendo substituído pelo dr. José Ferreira
Gomes que legalizou a Caixa Beneficente do asilo e aumentou o corpo clínico e de funcionários.
183
Diário Popular. São Paulo, 17-5-1933.
184
Correio de São Paulo. São Paulo, 17-5-1933.
185
Diário da Noite. S. Paulo, 17-5-1933.
186
MONTEIRO, Y., op. cit., p. 203.
187
NEIVA, A., op. cit., p. 45.
Cocais também era dividido em zona sã, zona intermediária e zona doente: “Os funcionários da
sessão doente compreendem: prefeito, presidente da Caixa, seus respectivos auxiliares,
enfermeiro chefe e ajudantes, barbeiros, lavadeiras, copeiros etc etc.
188
.
A reportagem publicada pelo jornal “Folha da Noite, de 14 de maio de 1937, registrou o
movimento ambulatorial mensal, baseado nos dados do mês anterior: foram realizadas 560
consultas dermatológicas, 892 consultas clínicas, 91 consultas cirgicas, 189 oftalmológicas.
Foram aplicadas 163.082 injeções intrarmicas, 87 hipodérmicas, 8.205 intramusculares, 2.346
endovenosas e 8 de auto-hemoterapia
189
. Esses dados nos mostram o volume de trabalho
cotidiano no asilo, tanto da equipe médica, como do staff administrativo necessário para que esses
registros e o material necessário para este montante fossem organizados (ver Apêndice n.º 6). No
entanto, não sabemos se esse quantitativo atendia a todos os doentes internados em Cocais, em
geral, esta era considerada a pior instituição da rede asilar paulista.
“The Cocais leper colony was considered to be the worst place to be
interned. This was due to a series of factors, such as the distance from
the capital, the large number of interns and the small number of
medical staff. The Official Service medical staff came to refer to the
colony as ‘Siberia’, because it operated almost like a place of exile,
where patients and staff alike were sent to be punished. Of all the
states colonies, Cocais was the one with the highest rate of escape
attempts.”
190
2.2.6 Asilo-Colônia Aimorés
A reunião do Convênio das Municipalidades para a construção do Asilo-Colônia Aimorés
ocorreu no dia 25 de setembro de 1927, criando, tamm, a Comissão Pró-leprosos de Bauru
191
. O
leprosário foi inaugurado em 13 de abril de 1933 e neste ano foram internados 317 doentes. Em
1937, o número de internos era de 675
192
, em 1942, 1.205 (ver Apêndice n.º 3). Aimorés havia sido
188
O DESENVOLVIMENTO do Asilo-Colônia Cocais. Folha da Noite, São Paulo, 14 de maio de 1937.
189
Ibid.
190
“O asilo-colônia de Cocais destacou-se por ser considerado como o pior local de internamento. Isto deveu-
se a uma série de fatores, tais como a distância da capital, o grande número de internos e seu pequeno quadro
clínico. Entre os médicos do Serviço Oficial, esse asilo era conhecido como ‘Sibéria”, por funcionar como
uma espécie de local de exílio para onde eram enviados todos aqueles que deveriam ser punidos, inclusive
médicos e demais funcionários que incorressem no desagrado do diretor do IPL/DPL. Dentre os asilos-
colônia Cocais era o que apresentava o maior número de tentativas de fuga.” MONTEIRO, Yara Nogueira.
“Prophylaxis and exclusion: compulsory isolation of Hansen's disease patients in São Paulo”. História,
Ciência, Saúde-Manguinhos, vol.10, supl.1, p.95-121, 2003.
191
MONTEIRO, Y., op. cit., p. 205.
192
NEIVA, A., op. cit., p. 45.
planejado para abrigar 1.000 doentes, mas mesmo com obras de ampliação, sempre funcionou com
superlotação, assim como os demais leprosários.
Em 1944, o Departamento de Profilaxia da Lepra produziu um filme sobre Aimos, que
foi exibido em todo território nacional para divulgar a excelência da profilaxia da lepra em São
Paulo. Nesse mesmo ano, a sulfona comou a ser utili1zada pelo dr. Lauro de Souza Lima, diretor
do Sanatório Padre Bento e esta forma de tratamento da lepra abriu a possibilidade de novas
práticas profiticas.
“Em 1949 - Lei 520 de 10/12/49 o Asilo-Colônia Aymores foi
transformado em SANATÓRIO AIMORÉS. Com a reorganização da
Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo , em 1969, passou a se
chamar HOSPITAL AIMORÉS DE BAURU - HD1. Em 1974,
homenageando um dos grandes hansenologistas do Brasil o hospital
passa a se chamar HOSPITAL ‘LAURO DE SOUZA LIMA’. A partir
de 1989, com o decreto nº 30.521 de 02/10/89 o hospital transforma-se
num Instituto de Pesquisa, subordinado à Coordenadoria dos Institutos
de Pesquisa da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo passando a
ser denominado Instituto Lauro de Souza Lima."
193
2.3 A vida asilar
A estratégia isolacionista adotada em São Paulo foi a de instituições totais, instituições
com tendência ao fechamento
194
. Segundo Erving Goffman, as instituões totais caracterizam-se
pelo isolamento de indiduos, criando um mundo separado da sociedade. Essas instituições
subvertem as práticas culturais de dormir, comer, recrear, trabalhar em locais diferentes, realizando
estas atividades sob regras gerais e uma mesma autoridade (no caso paulista, o Departamento de
Profilaxia da Lepra). Goffman divide em cinco grupamentos essas instituições.
O primeiro tipo o instituições para cuidar de pessoas incapazes ou inofensivas, como
casas para deficientes visuais, idosos, óros e pessoas que se encontram morando nas ruas. O
segundo, são instituições para pessoas, também incapazes de cuidarem de si, mas que representam
uma ameaça social como os lugares que internam “tuberculosos, doentes mentais e leprosos (sic.).
O terceiro tipo de instituição total refere-se a cadeias, campos de prisioneiros e de concentração,
onde o indivíduo é isolado por ser capaz de atos perigosos intencionais contra a sociedade. O
quarto, o as instituições voltados para formação ou trabalho, quartéis, navios, escolas internas,
193
http://www.ilsl.br/. Acessado em 5/5/2005.
194
GOFFMAN, E., 2005, op. cit., p. 16.
campos de trabalho, colônia e grande manes na parte da residência dos empregados. E o último
tipo, são as instituições religiosas que tanto serve para a formação de religiosos quanto para
isolamento voluntário do mundo.
Goffman insere o leprosário na segunda categoria das instituições totais. No entanto, relatos
de pacientes internados revelaram uma outra característica que o autor não atribuiu a este tipo de
instituição, mas que acabara também por caracteri-la: a não relevância do bem estar do doente
internado.
“Naquele tempo era tanta gente (ano de 1945), que o que eu pensava
aconteceu. Fui mora (sic.) numa saleta. Justamente não tinha lugar,
tava (sic.) tudo cheio. As enfermaria(sic.), tinha assim, o corredor tudo
cheio de cama, de e de cá, pra passá(sic.) tinha que passá(sic.) de
banda. Pra guardar as coisas era uma malinha umas peça de roupa e
só. Ali todo o dia você tinha de levantar cedo, pegar a mala botar em
cima, porque se as faxineiras achasse ela debaixo da cama jogava
água, molhava tudo. Meu irmão morava num quarto, fazia tempo
que estava lá, trabalhava na faxina, era um quarto bom com 4
pessoas.”
195
Podemos observar no depoimento de Marciano diversas práticas sociais, culturais e
poticas do leprorio. Primeiro, ao descrever a ocupação excessiva dos locais disponíveis,
evidenciou a superlotação resultado da ação agressiva do isolamento implementado em São Paulo.
Marciano descreve, também, duas condições diferenciadas de relação com a instituão. Ao relatar
sobre a saleta onde dormia e o pouco espaço que possuía para seus objetos pessoais, demonstrou
que a qualidade de vida dentro do leprorio era uma conquista, principalmente, ao comparar-se
com o irmão, que internado há mais tempo, trabalhava e dividia um quarto com apenas ts
pessoas.
A habitão no leprorio obedecia não à ordem de chegada, mas às condições
econômicas, de gênero e esgio da doença. Havia casas para casais ocupadas mediante pagamento
de aluguel ou cedidas conforme determinação da direção do asilo. Também era dado aos doentes
com recursos pprios o direito de construir a própria moradia, mas em caso de sua morte, esta
constrão seria de propriedade do asilo e não da família do internado. As ocupações coletivas,
carvillesou paviles, eram organizadas predominantemente por sexo e idade, a dos homens,
das mulheres e das criaas. Os doentes em Estado grave ficavam no hospital e, como observado
no relato, as enfermarias eram utilizadas para alojamento dos rem-chegados até a melhor
195
Sr. Marciano T. A. Souza, depoimento gravado em 23/02/1992 Apud MONTEIRO, op. cit., 265.
distribuição dos doentes. Vários pavilhões foram construídos por doações de sociedades e ligas
em defesa dos zaros ou beneméritos enviados para a Caixa Beneficente (Figura n.º 18).
Esses eventos, geralmente, eram noticiados pela imprensa e se tornavam meio de divulgação da
grandiosidade, enquanto arquitetura e proposta profilática da instituição asilar.
Fonte: Núcleo de Memória da
Saúde do Instituto de Saúde,
São Paulo.
Em 1930, ano da reportagem, Santo Ângelo ainda era
administrado pela Santa Casa de Misericórdia. A
reportagem fala de dois eventos no leprosário: a
inauguração de um pavilhão e do salão nobre.
Somente nesta reportagem, entre as consultadas na
pesquisa desta dissertação, foi citado o nome do
doente como personalidade a discursar: Ângelo
Furezatti.
Figura n.º 18
Para Goffman, o momento da entrada na instituição total é uma despedida e um
começo, sendo a intercessão entre os dois marcada pela nudez e pela desapropriação da
privacidade do corpo. Segundo este autor, todo indivíduo tem o seu “estojo de identidade”,
um conjunto de bens próprios que constituem o “eu” a ser visto em sociedade. Nas
instituições totais o indivíduo é forçado a se desfazer desse “estojo” que garante a
apresentação da identidade, tornando-se vulnerável e exposto. Além disso, precisa estar
sempre numa posição para ser visto, que é objeto de controle do Departamento de
Profilaxia da Lepra, na instância superior, e da Guarda Sanitária, constituídas para vigiar o
doente internado. Caso um doente internado no leprosário não comparecesse ao
tratamento, ele seria procurado e teria que explicar a falta. No Santo Ângelo, por exemplo,
os doentes eram convocados pelo sistema de auto-falante da instituição. O sistema de
privilégios e os processos de mortificação, discutidos, constituem as condições a que o
internado precisa adaptar-se.”
196
.
Segundo Yara Monteiro, o decreto n.º 10.570, de 1939, regulamentou as visitas nos
asilos e instituiu que apenas parentes maiores de 21 anos poderiam visitar os internados, as
visitas ocorreriam apenas uma vez por mês, entrariam 50 pessoas de cada vez, uma
quantidade relativamente pequena para instituições com quase 2.000 pessoas. Os horários
da alimentação não seriam alterados em razão do horário das visitas, que era das 9 às 11h e
das 13 às 15h e eram realizadas em lugar próprio do asilo chamado de parlatório. O
parlatório era constituído de uma grande varanda com bancos dispostos um em frente ao
outro, entre os bancos, no meio da varanda, havia um rolo de arame farpado desenrolado,
impedindo o contato físico entre as visitas e os doentes. Segundo “seu” Luiz, internado aos
11 anos em Santo Ângelo, quando seus pais o visitavam: “as mãos não se alcançavam”
197
.
”O fato de haver visitas era extremamente salutar para o D.P.L., pois
por um lado deixava claro aos olhos da sociedade que ao doente era
permitido o contato familiar, e que este contato era supervisionado
pela instituição, sempre preocupada com a saúde da coletividade, por
outro lado, servia como importante instrumento disciplinador, posto
que as visitas poderiam ser utilizadas como um prêmio aos que se
submetessem voluntariamente às normas impostas, e sua suspensão
seria uma punição aos infratores da norma.”
198
196
GOFFMAN, E., 2005, op. cit., p.59.
197
Depoimento de “seu” Luiz, 2002, documentário “Os melhores anos de nossas vidas”, de Andréa
Pasquini.
198
MONTEIRO, Y., op. cit., 253.
O controle era estratégia de funcionamento do leprosário. O tempo diário do
internado era regulado em função dos horários a serem cumpridos para acordar, tomar
banho, comer, trabalhar e submeter-se ao tratamento. As recreações poderiam ser coletivas
e gratuitas, como esportes e bailes Para os que eram dotados de recursos financeiros, uma
vez que o trabalho era remunerado, podiam freqüentar os estabelecimentos comerciais
dentro do asilo, no horário determinado para o seu funcionamento.
“Porque batia o silêncio às 9 hora (sic.), depois das 10h30, 11 hora
(sic.) passava o guarda de saúde, de quarto em quarto e olhava pela
janela nos quartos, tudo tinha que estar quietinho, a luz apagada. Se
visse uma luz acesa ela ia direto ver. Tinha que tá (sic.) tudo quieto,
sem luz, sem rádio. Tinha que (sic.) tudo quieto, era um carracismo
(sic.) mesmo. Tremendo!”
199
Para Goffman, o indivíduo internado perde inúmeros confortos materiais, sendo o
maior deles o de sempre “apresentar renúncia à sua vontade
200
.
Os doentes casados tinham a possibilidade de morar em casas, caso possuíssem
recursos ou trabalhassem nos cargos da prefeitura ou da Caixa Beneficente. Podiam
ocorrer casamentos dentro dos leprosários somente com a aprovação do diretor clínico e a
autorização do diretor do Departamento de Profilaxia da Lepra. Os filhos nascidos nos
asilos eram imediatamente separados das mães e enviados para os preventórios. A criança
poderia ser entregue para a guarda de parentes dos internados ou para adoção.
Pedro Baptista viveu duas situações distintas relativas à questão de matrimônio e
filhos. Na primeira, perguntou para Salles Gomes como poderia continuar a sua vida
conjugal com Maricas e na segunda, foi a realização de outro casamento dentro do asilo e o
nascimento de mais duas filhas.
“Maricas, eu estava com o no estribo para voltar. Fui me entender
com o Dr. Salles e ele me proibiu terminantemente. Disse-me que eu
poderia viver contigo e termos mesmo comunhão em tudo, mas que
com as crianças não. Para vivermos juntos precisamos nos separar das
crianças. Que visitar-te e a elas passando uns dias periodicamente
juntos poderia fazê-lo. Imagina minha situação! Para viver contigo
sem as crianças! Ainda mais os nossos!”
201
199
Sr. Marciano T. A. Souza, depoimento gravado em 23/02/1992 Apud MONTEIRO, op. cit., 257.
200
GOFFMAN, E., 2005, op. cit., p. 46.
O segundo casamento de Pedro ocorreu em 1939, no Asilo-Colônia Aymorés, e as
duas filhas fruto dessa união foram encaminhadas para a Associação Sana Teresinha
(Figura n.º 19).
Submetidos à direção do leprorio, dois óros administrativos eram responsáveis pelos
diversos serviços de manutenção e organização do asilo-colônia: a Prefeitura e a Caixa
Beneficente. Suas lideranças eram indicadas pelo diretor da instituição e nem sempre eram
acolhidos pelos internados de um modo geral. Por executarem as ordens para o bom
funcionamento da instituição asilar, esses órgãos sofriam duras críticas dos internados. À Prefeitura
cabia a conservão dos prédios e dos veículos; a administração da delegacia, das oficinas
(construções, carpintaria, sapataria, barbearia, alfaiataria, lavanderia e serralharia), da cozinha, do
almoxarifado e do cemirio. Sob a ordem da delegacia estavam a cadeia, o correio, o manimio,
a higiene e os guardas. A Caixa Beneficente era dividida em sete departamentos. O departamento
de rendas era obrigado a elaborar o relatório financeiro, prestando contas dos ganhos recebidos e
201
Nesse período Pedro se encontrava em alta hospitalar, em tratamento no Posto do Braz, em São
Paulo e trabalhava na Procuradoria do Departamento de Profilaxia da Lepra. Carta de Pedro Baptista
para Maricas. São Paulo, 19 de setembro de 1936. Acervo Pessoal Pedro Baptista, sob custódia de
Cláudio José de Souza.
Fonte: Arquivo Estadual de Hanseníase, Núcleo de Memória da Saúde do Instituto de Saúde, São
Paulo.
Figura n.º 19
seus usos, esse relatório era apresentado para a direção do abrigo e do Departamento de Profilaxia
da Lepra. O departamento recreativo constituía-se pela biblioteca, pelo cinema e pela praça de
esportes. O departamento comercial e industrial era responsável pela fábrica de sabão, torrefação
de café, bazares e restaurantes; e o de ensino pela alfabetização de crianças e adultos, atividades
arsticas e profissionais. O departamento esportivo organizava a gistica e os esportes. O
departamento agro-pecuário coordenava as plantações e criações do asilo. Um departamento que
também era muito importante era o religioso, am da igreja católica, templos de outras religiões
também foram construídos nos asilos. O padre tinha direito a residência ppria
202
.
Um órgão já lembrado e característico dos leprorios era o desinfetório, local onde a
correspondência dos doentes era passada na fumaça de pastilhas de cloro, carimbadas com a
palavra desinfectado e liberadas para envio. Da correspondência de Pedro Baptista, por
coincincia ou não, nenhum envelope foi guardado, apenas as cartas. O carimbo do Departamento
de Profilaxia da Lepra era uma marca do local de postagem da carta. Num mundo onde seus
habitantes não tinham meios de reivindicar seus direitos, ainda que os mais elementares, a
violação e censura de correspondência passaram a ser uma norma dentro da instituição, sabidas
por todos e assumidas pela direção.
203
Segundo Goffman, um dos papéis da direção de uma instituição total é apresentar seu plano
de objetivos e convencer ao internado que ele está no lugar adequando, sendo sua internação a
prova dessa adequação. Para o internado, a instituição é um depósito e ele se sente como parte de
coisas a serem cuidadas, mas a instituição se apresenta como órgão racional, máquina eficaz para
executar o plano político para o qual foi criada.
“Nas prisões, encontramos um conflito atual entre a teoria psiquiátrica
e a teoria da fraqueza moral do crime. Nos conventos, encontramos
teorias a respeito das formas pelas quais um espírito pode ser forte e
fraco, bem como sobre as formas pelas quais seus defeitos podem ser
combatidos. Os hospitais para doentes mentais se salientam neste caso
porque a equipe dirigente se considera como especialista no
conhecimento da natureza humana, e por isso pode diagnosticar e
receitar a partir desse conhecimento.”
Nas dinâmicas das instituições totais, os momentos de confraternização entre a
equipe dirigente e os internados eram privilegiados para romper as distâncias impostas pela
202
Esses dados foram retirados do modelo utilizado no Asilo-Colônia Pirapitingui, mas que com
pequenas variações era a regra geral para toda a rede asilar. “Asylo Colônia Pirapitingui”. Revista
Brasileira de Leprologia. São Paulo, vol. IV, n.º 3, set. 1936. Apud MONTEIRO, Y., op. cit, pp.291-296.
203
MONTEIRO, Y., op. cit, p. 310.
burocracia e promover espaços de representação da potência dos doentes. A prática de
esportes (Figura n.º 22), torneio e campeonatos entre asilos ou o retorno à normalidade nas
comemorações de datas anuais, como Natal, ou, na especificidade brasileira, o carnaval
(Figuras n.º 20 e 21), eram as ocasiões onde esse encontro se dava.
Figura n.º 21
Figura n.º 20
A foto abaixo trazia a seguinte inscrição:
A vesperal dançante infantil da 3.ª feira de Carnaval
de 1936 do A.C. P.. Pedro Baptista
A foto ao lado também foi tirada no
Carnaval e mostra Pedro e um grupo de
doentes fantasiados com os jalecos
característicos da equipe médica.
Inscrição no verso da foto: “Time de cestoból do asilo”, sem data.
No acervo pessoal Pedro Baptista são inúmeras fotos de práticas esportivas, assim como os
diferentes times: o das mulheres, dos homens e das crianças.
Figura n.º 22
Esses eventos serviam para demonstrar que na instituição, a vida acontece de uma
forma normal como em qualquer outro lugar, principalmente, nas práticas esportivas,
quando a visita de times de outras instituições: testemunhas e co-autores dessa
normalidade.
No entanto, com a sempre crescente superlotação, a qualidade de vida nos
leprosários ficava cada vez mais comprometida. Os doentes encontraram em Conceição
das Neves
204
uma interlocutora para lutar por melhores condições de internação e
tratamento. Ela trabalhava para a Cruz Vermelha, em São Paulo e foi convidada para
substituir o deputado Manuel da Nóbrega, em um programa de rádio que era
acompanhado pelos doentes de lepra. Este programa tornou-se tão popular entre os
internados que a direção dos asilos chegou a desligar a luz, no horário do programa. A
direção procurava interferir na relação que se construía entre os internados e Conceição das
Neves, como representante na luta por melhores condições de vida nos leprosários.
Entre 1945 e 1946, os pacientes se rebelaram, o movimento começou em
Pirapitingui e outros asilos também se rebelaram, reivindicando melhores condições de
vida para os internados: É duro falar. (...) Não chegamos a ferir ninguém, nossos algozes
ficaram de longe
205
. Salles Gomes foi afastado da direção do Departamento de Profilaxia
da Lepra, mas foi sucedido por integrantes da equipe médica que constituíra, adepta da
política isolacionista e que manteria o isolamento compulsório por mais quinze anos nas
políticas públicas do Estado de São Paulo.
Entre 1924 e 1970, foram fichados pelo Departamento de Profilaxia da Lepra 69.
854 doentes
206
, em São Paulo. Muitos desses doentes, com o término do isolamento, não
conseguiram ser reintegrados na sociedade por diversas razões. Muitos foram mantidos nos
asilos em função de seqüelas incapacitantes deixadas pela doença, outros não conseguiram
obter recursos próprios para sobreviver, muitos não tinham mais família ou para onde
voltar. Atualmente, quase todos os antigos leprosários da rede asilar paulista mantêm ex-
pacientes, por exemplo, o antigo Santo Ângelo comporta ainda quase 200 pessoas. Todas
as construções foram utilizadas para unidades da área da saúde ou como no caso do antigo
Aimorés, além do hospital, foi criado o Instituto de Pesquisa Lauro Souza de Lima.
204
Conceição das Neves ganhou projeção nacional e foi eleita deputada estadual em 1947, ganhando
eleições consecutivamente até o golpe militar de 1964.
205
Depoimento de “Seu” Mário, 2002, documentário “Os melhores anos de nossas vidas”, de Andréa
Pasquini. Mário relatou, também, que o busto de Salles Gomes foi arrancado de seu pedestal e
destruído. No documentário, Andréa Pasquini, mostra a foto do busto e o pedestal vazio.
206
MONTEIRO, Y., op. cit., P. 386.
“Seu” Luiz, foi internado em 28 de julho de 1937, 11 anos, em 2002, participou do
documentário “Os Melhores Anos de Nossas Vidas”, de Andréa Pasquini. Aos 76 anos,
falou sobre a sensação de ser internado sem perspectiva de saída, considerava que aquela
vida teria fim com a morte e que isto causava abalos emocionais irreversíveis, muitos
não agüentavam ou fugiam ou se matavam. Era uma vida fechada, relatou melancólico que
as mães morriam e não viam os filhos, os filhos morriam e não reviam suas mães. Para ele,
a doença tinha uma causa divina, um jovem com este destino é algo a ser resgatado,
senão Deus não seria justo”. Sobre o tempo de sua internação e a vida asilar respondeu:
“Se torna uma vida dentro do possível. A lepra, a hanseníase pode não
ser fatal, mas ela é um sofrimento constante, perene. Porque quem tem
deficiência nas mãos, nos pés, na vista que nem eu, então aquilo é
todo dia, todo dia aquele sofrimento. Todo dia aquela dificuldade...
fora isso, a gente vive.”
207
No final dos anos 20, São Paulo constituiu as bases de uma rede asilar com o
objetivo de retirar o leproso da sociedade e eliminar a doença, endêmica no estado desde o
século XIX, em uma geração. Emílio Ribas, nome indissociável do sanitarismo em São
Paulo, promoveu a discussão sobre a forma de isolamento dos leprosos e, no VIII
Congresso Brasileira de Medicina, apresentou o plano de construção do Asilo-Colônia
Santo Ângelo que ficaria para sempre conhecido como leprosário modelo. No entanto,
somente com as estratégias políticas centralizadoras de Salles Gomes a rede asilar paulista
foi consolidada e organizada conforme o modelo conhecido como “tripé” instituído pela lei
n.º 2.416, de 31 de dezembro de 1929.
A instituição total do leprosário foi construída para dar ao doente uma nova vida,
um lugar para existir sem espalhar o mal e estar sob tratamento e a tutela do Estado. Os
constantes índices de internação acima do que os asilos foram construídos para receber,
comprometiam a qualidade de vida do internado. Viver em um asilo-colônia significava ter
toda a rotina submetida às regras e ao objetivo da instituição, que era dirigida pelo
Departamento de Profilaxia da Lepra. Os diversos regulamentos que norteavam os asilos e
preventórios acabaram por produzir enormes dificuldades para o contato entre o internado
e o núcleo familiar e social existente fora da instituição. Pedro Baptista viveu por 22 anos
sob o controle e a vigilância da rede asilar do Estado de São Paulo, como veremos a seguir.
207
Depoimento de “Seu” Luiz, 2002, documentário “Os melhores anos de nossas vidas”, de Andréa
Pasquini.
CAPÍTULO III - “O QUE TEM DE SER TEM FORÇA”: A INTERNAÇÂO E A
NARRATIVA DA DOENÇA DE PEDRO BAPTISTA
A determinação do isolamento de doentes de lepra como combate à doença, nos
congressos internacionais, influenciou as discussões médicas no Brasil e as políticas
públicas no Estado de São Paulo. A poderosa rede asilar instituída pelo dr. Francisco Salles
Gomes Junior, nos anos 30, tinha por proposta eliminar a doença do Estado em uma
geração. Além da internação dos doentes, controlava-se os comunicantes e internava-se
filhos de leprosos em preventórios, com a justificativa de protegê-los do contágio da
doença.
Entre 1934 e 1955, Pedro Baptista viveu em leprosários nesse Estado. A
correspondência com a família gerou um rico acervo utilizado como fonte para a análise
das dinâmicas sociais e culturais dos asilos em que viveu. Neste terceiro e último capítulo
analisaremos o impacto da internação na vida de Pedro Baptista e como utilizou a escrita
de si para tornar-se sujeito da sua experiência do adoecimento.
O título deste capítulo, e desta dissertação, foi retirado de uma carta que Pedro
Baptista enviou para sua esposa Maricas, no primeiro período de sua internação. Apesar de
todo o investimento que realizava na eficácia da instituição da qual passara a fazer parte,
começava a refletir que era um processo sem volta e que tinha que cair na realidade e
esperar pacientemente o porvir.
3.1. Apresentação Biográfica
“A doença é um lado sombrio da vida, uma espécie de cidadania mais
onerosa. Todas as pessoas vivas têm dupla cidadania, uma no reino da
saúde e outra no reino da doença.”
208
Susan Sontag, A Doença como Metáfora.
A leitura preliminar das cartas enviadas por Pedro para sua esposa e filhos nos
mostram grande riqueza em representações sobre a doença e como esta influenciou o
relacionamento familiar. Entretanto, havia períodos sem correspondências e que deixavam
algumas questões em aberto. As cartas não nos davam informações acerca dos asilos em
que viveu, aos tipos de tratamento os quais foi submetido, a forma clínica da lepra que
sofria, o tempo de permanência nas instituições, além das formas de organização de seu
cotidiano, se trabalhava ou não, entre outras questões inerentes à compreensão do que
constituiu o período de sua vida nos leprosários.
Poucas informações foram levantadas sobre sua vida antes do aparecimento da
doença, pois meus objetivos consistem em analisar o impacto da internação compulsória na
vida de Pedro Baptista e compreender como e qual imagem elaborou para a família e para
si, apesar da ausência imposta pela distância.
Ao pensar a primeira organização do material levantado optei por uma perspectiva
cronológica, pois precisava traçar um primeiro fio condutor. Utilizei as datas limites de
nascimento e morte por considerá-los elementos inexoráveis da existência.
Para Pierre Bourdieu, a construção de uma história de vida como seqüência de
acontecimentos dotados de significados e sentidos é uma ilusão retórica ou biográfica
209
. A
apresentação de uma vida por meio da identidade, estado civil, trajetória profissional,
cronológica e filosofia de vida se aproxima dos interrogatórios oficiais (mesmo judicial ou
policial) e se afasta das trocas íntimas (familiar e confidencial). O autor define
acontecimentos biográficos como os diversos processos da estrutura de distribuição de
208
SONTAG, Susan. A Doença como Metáfora. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984, p. 8.
209
BOURDIEU, Pierre. “A Ilusão Biográfica”. FEREIRA, M. e AMADO, J. (org.) Usos e Abusos da
História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1996, p. 190.
diferentes espécies de capital
210
relevantes no campo
211
sob investigação, são
posicionamentos e deslocamentos. No processo de nascer e de envelhecer social e
biologicamente faz-se necessário a compreensão dos estados sucessivos no campo onde o
indivíduo se formou. Descrever uma personalidade é entender o conjunto dos lugares
ocupados por um agente, assim como a relação deste com vários outros agentes
participantes e seus conjuntos de atributos e atribuições.
Esta apresentação biográfica não é uma “cronologia ordenada, uma personalidade
coerente e estável, ações sem inércia e decisões sem incertezas”
212
, mas uma proposta de
sistematização dos conteúdos levantados para dar a conhecer a personagem central desta
dissertação, pois encontrei fragmentos e não linearidade, diferentes intensidades e atores.
Pedro Baptista nasceu em Atibaia, estado de São Paulo, em 29 de junho de 1898.
Casou-se com Maria de Paiva Baptista, em 1924, fixando residência em Mutum, Minas
Gerais. Entre 1925 e 1927, ele e sua esposa trabalharam como professores no recém-criado
Colégio Evangélico de Jequitibá, Minas Gerais. De volta a Mutum, Pedro dedicou-se ao
cartório recebido por presente de casamento e envolveu-se com a política local, se
tornando o orador do político de maior poder na região à época, Cel Osório. Fundou a loja
maçônica de Mutum, cujo nome foi em homenagem ao seu casamento com Maricas, “Loja
Maçônica União Mutuense 17 de Maio”. Em 1932, começou a apresentar sintomas de uma
doença que o levaria a sair da cidade em busca de diagnóstico.
Pedro Baptista partiu de Mutum em 6 de setembro de 1933. Na cidade ficaram sua
esposa, conhecida como Maricas, e os quatro filhos do casal. A primeira notícia que
chegou para a família foi por um telegrama de Manhumirim, cidade próxima a Mutum,
cuja rodoviária possuía linha de ônibus para a capital do estado, comunicava que fez boa
viagem, mas não chegara a tempo de tomar a condução para Belo Horizonte. Pedro
pernoitou em Manhumirim, assistindo às comemorações de 7 de setembro e, no dia
210
“(...) entendendo por tal as relações de forças entre as posições sociais que garantem aos seus
ocupantes um quantum suficiente de força social ou capital de modo a que estes tenham a
possibilidade de entrar nas lutas pelo monopólio do poder.” BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico.
4.ª Edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p.28-29.
211
“A noção de campo é, em certo sentido uma estenografia conceitual de um modo de construção do
objeto que vai comandar ou orientar todas as opções práticas da pesquisa. Ela funciona como um
sinal que lembra o que que fazer, a saber, verificar que o objeto em questão não está isolado de um
conjunto de relações de que retira o essencial das suas propriedades. Por meio dela, torna-se presente o
primeiro preceito do método, que impõe que se lute por todos os meios contra a inclinação primária
para pensar o mundo social de maneira realista ou, para dizer como Cassirer, substancialista: é
preciso pensar relacionalmente.” Ibid , p. 27.
212
LEVI, Giovanni. “Usos da Biografia”. In: FERREIRA, M. e AMADO, J. (orgs.) Usos e Abusos da
História Oral. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996, p. 167-191.
seguinte, partiu para a capital. Esse evento inaugurou para a família um longo período de
relacionamento através de cartas e fotografias.
Inicialmente, sua doença foi identificada como sífilis terciária, em determinados
casos a sífilis poderia ser um diagnóstico diferencial
213
para lepra ao considerarmos o
conhecimento científico sobre a doença em 1933
214
. A sífilis terciária é a manifestação da
doença após três a 12 anos da infecção, sua forma clínica pode apresentar lesões na pele
(nódulos elevados ou ulcerações), alterações neurológicas e cardiovasculares, assim como
dores nas articulações. Na carta que expõe o diagnóstico para sua esposa, datada de 11 de
setembro de 1933, explicou que o seu corpo debilitado e atrofiado por nascimento facilitou
o estado avançado da doença e afirmou que a dormência e a insensibilidade eram oriundas
da sífilis aguda que sofria.
Descreveu o tratamento como caro e doloroso, constituído de remédios e injeções.
O dinheiro que o sustentava logo acabou e o que obrigou a dar aulas de latim para sua
sobrevivência, inviabilizando a possibilidade de enviar dinheiro para família. O sustento da
família era garantido pelo cartório que o pai de sua esposa dera na ocasião do casamento e
do salário de professora de Maricas, garantindo, inclusive, que esta enviasse eventualmente
dinheiro para Pedro.
Entre setembro de 1933 e janeiro de 1934, as cartas foram enviadas de Belo
Horizonte, falavam do tratamento, da saudade, de dificuldades financeiras e aos poucos, o
discurso religioso assumia cada vez mais a narrativa, construída com expressões de culpa e
angústia. Apesar do relato da melhora física, Pedro Baptista afirmava não haver
possibilidade de retornar para casa. Além da doença e do tratamento, estava preocupado
com o rumo que a sua vida tinha tomado em Mutum. Como orador oficial do coronel de
maior poder da região se expôs politicamente e desenvolveu inimizades que acabaram por
comprometer seu desejo de permanecer na cidade.
É possível inferir a partir das cartas analisadas que uma das alternativas que se
configurava a respeito da vida de Pedro Baptista foi a aproximação com a religiosidade.
Para se constituir sujeito nesse novo papel que a vida lhe impusera de doente utilizou-
se da religião, dedicando-se a formação para pastor metodista, em Belo Horizonte.
Descrevia cada vez mais os cultos que freqüentava e os convites que surgiam para falar em
213
Prática médica onde, além da sintomotalogia da doença, utiliza-se a análise de aspectos
epidemiológicos e laboratoriais, partindo do princípio de que várias doenças apresentam sintomas
semelhantes.
214
Sobre a questão de a lepra ter sido confundida com outras doenças ver também: MONTEIRO, Y.,
op. cit., p. 226 e MACIEL, L., op. cit., p. 124.
igrejas e praças públicas. Partiu de Belo Horizonte para trabalhar em missão evangélica,
como expressou na carta de 12 de março de 1934, enviada da cidade do Carmo do
Paranaíba, em Minas Gerais:
“Eis-me em atividade evangelística. me encontro na casa do
Reverendo Jolm. Tanto ele como sua esposa, Miss Teresa, são muito
amáveis. (...) O meu ideal é ver-te ao meu lado, colaborando comigo.
Deus de nos facilitar tudo, não é, meu bem! Promovas desde a
tua remoção daí, orando e orando muito. Maricas, Mutum vai
atravessar transições políticas, as mais agitadas. Sai em tempo. Nunca
eu seria bem sucedido. Amanhã iniciarei a minha excursão pelos
sertões. Estou ansioso por começar. Abandonei todo o tratamento
médico. Vou me curar pela fé. O meu remédio será a contínua
comunhão com Deus. Ele me curará.”
215
Dentre as cartas preservadas, o maior volume foi desse período de conversão e
dedicação ao Evangelho. Em junho de 1934, retornou à Belo Horizonte para se apresentar
ao Concílio da Igreja Metodista para o exame da prova didática para se tornar pastor. Foi
aprovado e indicado para trabalhar como pastor-ajudante do Reverendo Kennedy,
responsável pelas cidades de Taubaté, Pindamonhangaba, Guaratinguetá, Lorena e Piquete,
todas no interior de São Paulo. O trabalho era intenso e a dedicação também, às vezes,
pregava em duas cidades no mesmo dia.
O empenho de Pedro Baptista em sua peregrinação missionária determinaria a sua
indicação pelo Concílio Regional da Igreja Metodista como pastor principal de um campo
ou regional, como era chamado um conjunto de cidades sob a responsabilidade de um
pastor.
A doença voltou a ser tema nas cartas, era o medo de ser descoberto doente e de
perder algo que se tornara a missão de sua vida e sua forma de redenção. Reclamava que
estava novamente com duas grandes ulcerações na pele, uma na coxa esquerda e outra na
nádega direita, o que muito o incomodava devido a freqüência que viajava entre as cidades.
Após seu provisionamento
216
em Belo Horizonte, relatou à esposa que as manchas também
voltaram e temia ter que fazer um exame de saúde. Sofreu, ainda, um episódio de febre e
dores violentas pelo corpo.
215
Carta de Pedro Baptista para Maricas. Carmo do Paranaíba, 12 de março de 1934. Acervo Pessoal
Pedro Baptista, sob a custódia de Cláudio José de Souza.
216
Ato que o instituiu pastor-ajudante.
“Maricas, eu tenho medo de ser preciso fazer um exame de saúde, pois
as manchas continuam, a despeito de outros sintomas estarem
desaparecendo. Tenho orado muito e continuarei a orar para que eu
tenha tanta saúde quanto preciso para o trabalho do Mestre Jesus, Ele
está conosco e ouvi as minhas e tuas preces para que eu me
restabeleça e as manchas desapareçam. A oração do justo pode muito
e hoje eu sou justo por Jesus que derramou seu sangue para me lavar
de todas as impurezas do passado.”
217
Em novembro de 1934, viajou para a cidade de São Paulo para apresentar o
relatório semestral das atividades evangélicas ao Concílio Regional da Igreja Metodista. O
Concílio solicitou que realizasse um exame clínico, segundo Pedro, isso aconteceu por que
seu estado de saúde denunciava já sinais da doença.
A identificação de sua doença foi feita pelo Serviço Sanitário do Estado de São
Paulo. A Seção de Elucidação e Confirmação de Diagnóstico ao identificar doentes que
não haviam nascido no Estado de São Paulo, ou não residiam no estado por mais de cinco
anos, iniciava o processo de “devolução” desses pacientes para os seus estados de origem.
O Serviço Médico justificava tal medida na ausência de verbas para arcar com as
conseqüências do fluxo migratório, pois o combate da endemia pautava-se no isolamento
de todos os doentes do Estado e limitar o apelo da “impressionante” rede asilar do Estado
que poderia atrair doentes de todo o território nacional para São Paulo. O processo de
“devolução” era realizado pelo Departamento de Profilaxia da Lepra, o doente era entregue
para uma autoridade sanitária de órgão correspondente no Estado do doente, com hora e
local marcados na fronteira do Estado de São Paulo. Essa prática determinou a internação
compulsória de Pedro Baptista, pois era natural daquele estado.
No dia 8 de dezembro de 1934, Pedro Baptista foi internado no primeiro leprosário
que se tornou sua residência: o Asilo-Colônia Pirapitingui, próximo a Itú. Seus 22 anos de
internação se caracterizam por dois momentos distintos: o primeiro deles se iniciou
naquela data e terminou em 22 de julho de 1936, quando recebeu alta hospitalar e
finalmente, voltou a Mutum para rever a família. Esse período de internação foi todo
transcorrido em Pirapitingui. A primeira carta enviada do leprosário foi no dia 13 de
dezembro de 1934 e comentava:
217
Carta de Pedro Baptista para Maricas. Belo Horizonte, 20 de junho de 1934. Acervo Pessoal Pedro
Baptista, sob a custódia de Cláudio José de Souza.
“O hospital é otimamente instalado e dotado de todos os requisitos
profiláticos. Higiene absoluta. Eu me arrependo porque não me
internei a mais tempo. estaria curado e tranqüilo, ao lado dos meus
queridos. O meu médico está muito animando com o meu estado,
somente achando que eu devia estar aqui mais tempo Agora é
resignar, orar e esperar de Deus. Ele é misericordioso para nos
salvar.”
218
Como doente, Pedro não se desqualificava como sujeito da sua experiência de vida.
Diante da doença, ele se posicionava de duas maneiras: ou esperando a cura ou como
objeto de um plano divino e seus desígnios, apenas em uma carta se referiu como vítima.
Baseado nessas perspectivas de si enviava fotografias para a família que traduziam as
relações sociais e políticas que desenvolvia em Pirapitingui.
Pedro Baptista utilizou-se do registro fotográfico para demonstrar à sua família seu
cotidiano asilar. Não deixando de observar a dor causada pela separação dos que amava ou
mesmo do tratamento que nem todos conseguiam suportar, as imagens traduziam a
notoriedade e o poder que conquistara dentro de Pirapitingui. Enviou para a família
fotografias que serão analisadas na terceira parte deste capítulo de cerimônias, do
carnaval de 1936, de dois enterros de amigos, das festividades escolares, das crianças
internadas, da banda, dos times de futebol, de seus encontros com personalidades e
políticos. De acordo com o depoimento de seu filho, Mardro Baptista
219
, pode-se saber que
a volta de Pedro à Mutum foi triunfal, foi recebido com banda de música e fogos de
artifício.
Pedro Baptista permaneceu na cidade, entre 27 de julho a 23 de agosto de 1936,
havia a obrigatoriedade de voltar a São Paulo e continuar o tratamento. Durante os meses
de setembro e outubro de 1936, ficou sob a responsabilidade do dr. Oliveira Ribeiro,
médico diretor do Posto do Braz, na cidade de São Paulo e trabalhou na Procuradoria do
Departamento de Profilaxia da Lepra. O aparecimento de novo quadro sintomático da
doença o levou a ser novamente internado em Pirapitingui, em 8 de novembro de 1936.
O segundo período de internação, entre os anos de 1936 e 1954, é caracterizado
pela quase ausência de cartas para a esposa e a entrada dos filhos adultos na troca de
correspondência. Foram preservadas pela família fotografias, mas não na quantidade e na
218
Carta de Pedro Baptista para Maricas. Itú, 13 de dezembro de 1934. Acervo Pessoal Pedro Baptista,
sob a custódia de Cláudio José de Souza.
219
Relato de Mardro Baptista, em 17 de julho de 2004.
diversidade das enviadas do Asilo de Pirapitingui. A fonte principal para a compreensão
desse período foi o prontuário, que será apresentado no próximo item deste capítulo.
No mesmo dia de sua alta definitiva, em 28 de abril de 1954, Pedro Baptista foi
reinternado no Asilo-Colônia Santo Ângelo. O ofício de internação justificava este ato por
“condições sociais”
220
. Residiu, em Santo Ângelo, até sua morte em 17 de julho de 1955.
Para concluir esta apresentação biográfica, reproduzo a seguir a fotografia onde
Pedro Baptista está retratado jovem (Figura n.º23) e a última preservada pela família
(Figura n.º 24). Transcrevo nas legendas o texto da inscrição no verso. Aos 23 anos, era
chamado de “sinhô Baptista” e foi retratado com elegância e altivez; na foto de 1951,
Pedro Baptista se mostrou escondendo as os. Este recurso era freqüentemente
encontrado em fotografias de doentes para ocultar o comprometimento neurológico
ocasionado pela lepra. A legenda desta foto registrou igualmente, o que lhe era mais
precioso em sua vida como interno num leprosário: as práticas sociais que conferiam
normalidade e intimidade àquele mundo separado da sociedade: um casamento, os amigos
e vínculos afetivos a ponto de considerar uma moça como “uma filha”.
A doença produziu uma intervenção radical na estrutura de vida de Pedro Baptista,
comprometendo as relações familiares e a imagem que construía para si como pastor
protestante. Sob este impacto, a sobrevivência ao diagnóstico implicava uma reconstrução
de sua identidade rompida pela doença. Impunha um diálogo permanente do doente de si
para consigo e com o mundo circundante
221
, para que não sucumbisse à imagem de
leproso associada e imposta pela segregação. A narrativa da doença de Pedro Baptista
revelou um homem que dispôs dos recursos intelectuais e religiosos que possuía para
reinventar-se e manter-se num lugar social diferente do que lhe era apresentado pela
doença e pelo Departamento de Profilaxia da Lepra.
220
Muitos ex-pacientes, após longo período de internação, as vezes de 30 anos, não tinham para onde
voltar ou para quem. A longa evolução da lepra e suas seqüelas incapacitantes também contribuíam
para a permanência do ex-internado no asilo.
221
PORTO, A., op. cit., p. 524.
No verso desta foto encontra-se a
seguinte legenda: “Sinhô Baptista,
aos 23 anos de idade”.
“Última foto do papai. Casamento de dois amiguinhos (Gumercindo e Maria Helena) – os de branco; ao
meu lado direito uma garota (Deolinda) que estimo como filha; ao lado da noiva o casal na casa de
quem se realizou o casamento. 15-3-51.Pedro Baptista”
Figura n.º 23
Figura n.º 24
3.2 – O Prontuário
“A partir do diagnóstico, tinha início um processo que transformaria
inteiramente a vida da pessoa, tornando-a membro de uma categoria
específica e portadora de uma nova identidade. Desta forma, o doente
se transformava em ‘leproso’ e seus familiares em ‘comunicantes’. A
partir do ato do diagnóstico, a liberdade do doente era retirada em
nome do bem estar da coletividade, e seus direitos, de fato, deixavam
de existir, em nome da ordem e da Saúde Pública.”
222
Yara Monteiro, Da maldição divina à exclusão social.
Cláudio Bertolli analisa a importância do prontuário como fonte para a construção
da história cultural da doença por inserir o pesquisador na rotina institucional e no papel
desempenhado por médicos e pacientes. No entanto, apesar da prática do prontuário ter
sido introduzida no Brasil no início do século XIX, o acesso a esse tipo de documentação é
difícil, que geralmente não são preservadas, ou se acham inacessíveis nas suas
instituições aos pesquisadores não médicos, em função do sigilo sobre o paciente. Em
conseqüência da legislação que determina o armazenamento dos prontuários por no
máximo dez anos, torna-se raro encontrar tal documentação. Outro dado limitador é a
prática de registro diferenciada de uma instituição médica para outra que dificulta a
compreensão do pesquisador caso não tenha a chave dos códigos e abreviaturas
utilizadas
223
. Na história social da lepra, o prontuário integrou a estratégia de controle
realizada pelo Departamento de Profilaxia da Lepra, do Estado de São Paulo, e sua guarda
era feita pelo Arquivo Central, criado em 1924. Essa especificidade contribuiu para a
existência de um acervo único, que permitiu recuperar o prontuário n.º 8.537, de Pedro
Baptista, e conseqüentemente, a trajetória de sua vida asilar nos leprosários de São Paulo.
A partir de 31 de dezembro de 1929, em São Paulo, a lei n.º 2.416 determinou que
era obrigatoriedade dos médicos informar qualquer diagnóstico de lepra ao Departamento
de Profilaxia da Lepra daquele Estado. Esse doente não seria mais atendido pelo médico
que realizou o primeiro diagnóstico; ele percorreria as práticas institucionais que levariam
ao processo de internação compulsória. Havia casos também de denúncias de doentes
realizadas pela população e a partir destas denúncias, iniciava-se o processo de
“Verificação”
224
até o momento da busca e apreensão do leproso. Havia casos de alguns
222
MONTEIRO, Y., op. cit, p. 217.
223
BERTOLLI FILHO, C., op. cit., pp. 18-19.
224
Na lei n.º 2.416, o artigo 3.º determinava: “Notificado lepra, a autoridade sanitária fará a verificação na
residência do doente e, si o o encontrar, providenciará a aplicação necessária.” Apud MONTEIRO, op.
doentes se apresentarem voluntariamente. Independente do caminho percorrido pelo
doente, a partir do momento da notificação da doença, era aberto um prontuário e o
paciente identificado por um número.
O Arquivo Central funcionou entre os anos de 1924 e 1980, e reuniu em seu acervo
mais de 100.000 prontuários. Atualmente, integra o Arquivo Estadual de Hanseníase do
Núcleo de Memória da Saúde, do Instituto de Saúde. Para Yara Monteiro, a constituição
deste acervo foi um dos instrumentos de controle do Departamento de Profilaxia da Lepra,
pois nele continham todas as informações sobre os doentes, assim como seus familiares e
amigos próximos, designados comunicantes
225
.
Uma das estratégias das políticas públicas implementadas pelo Departamento de
Profilaxia da Lepra, foi a criação de mecanismos de controle da circulação de pessoas
acometidas pela doença. O objetivo maior era o isolamento de todos os doentes do Estado
e a identificação de possíveis novos casos através da vigilância dos que tiveram contato
íntimo e prolongado com o doente. As medidas de controle se justificavam pela criação de
uma sociedade livre da ameaça do contágio da lepra e de uma vida melhor para o leproso,
pois este estaria vivendo num local onde sua existência não comprometeria o bem estar
público.
O prontuário de Pedro Baptista, aberto na notificação de doente de lepra, foi o de
número 8.537. Essa numeração passou a identificar todos os documentos arquivados a
partir do momento de sua internação e, além deste número do prontuário, outra informação
de referência recorrente, era a data do diagnóstico da lepra, tanto dos primeiros sintomas,
quanto do dia do fichamento.
Na pasta do prontuário de Pedro Baptista encontramos 48 documentos, estando 33
com suas páginas numeradas e os 15 restantes, emginas não numeradas soltas dentro da
pasta. Os documentos foram ordenados cronologicamente e os organizei com numeração
romana para a identificação da nova ordem criada (ver Apêndice n.º 7). A partir desta
organização, analisei os documentos referentes ao controle e tratamento da doença, os que
demonstravam a interferência do Estado na vida do doente internado e os que contribuíram
para as relações pessoais de Pedro Baptista.
Foram considerados documentos sobre o controle e o tratamento da doença, a ficha
de observação, de notificação e de histórico ocorrencial, assim como os laudos e atestados
médicos que determinavam a permanência ou a alta do doente nos leprosários. A cerca da
cit., p. 219.
225
MONTEIRO, Y., op. cit., p. XVIII.
questão da interferência do Estado na vida do doente foram analisados os documentos que
traziam decisões dos dirigentes das instituições mantenedoras do doente sobre questões
médicas e interferências nas relações sociais dentro dos asilos. Sobre ordem pessoal, foram
considerados os documentos que relatavam eventos diretamente ligados às decisões de
Pedro Baptista sobre sua vida particular ou sobre suas relações sociais dentro do leprosário,
assim como documentos que emitiam juízo de valor sobre ele, como a carta de
recomendação enviada pelo pastor de sua igreja para o diretor do Departamento de
Profilaxia da Lepra.
Os documentos o seguiam um padrão em sua apresentação. Alguns são cópias
carbonos de primeiras vias, encaminhadas para os órgãos de competência, tendo escrito a
mão ou carimbado: “Arquive-se”. Outros documentos foram arquivados após receber os
carimbos de aprovação de várias seções com o objetivo de fiscalizar e inventariar a vida
asilar dos doentes, demonstrando que essa rede de controle era centralizada na chefia do
Departamento de Profilaxia da Lepra. Os papéis foram carimbados com datas de entrada e
vistos de arquivos, além de resoluções manuscritas nos próprios documentos enviados.
Toda a movimentação do paciente física e social ficava submetida à aprovação do
diretor do Departamento. A internação no leprosário revogava tanto os direitos de ir e vir,
assim como retirava do doente sua autonomia nas decisões pessoais sobre casamento,
nascimento de filhos, direito à visitas, entre outras.
O documento XVI (ver Apêndice n.º 7) do prontuário 8.537 é um memorando
enviado pelo dr. Oliveira Ribeiro, médico responsável pelo posto de tratamento do
Departamento de Profilaxia da Lepra no Braz. Informava ao dr. Salles Gomes, que havia
sido notificado sobre a nova internação de Pedro Baptista e que este não estaria mais sob a
vigilância e o tratamento do posto, que havia sido reinternado no Asilo-Colônia
Pirapitingui.
O documento reproduzido a seguir (Figura n.º 25) exemplifica os diversos trâmites
que os memorandos, cartas, laudos, informativos, atestados, entre outros, percorriam na
malha institucional para o controle do doente e da doença.
Memorando enviado por Oliveira Ribeiro, informando ao dr. Francisco Salles Gomes Junior que estava ciente
da reinternação de Pedro Baptista em Pirapitingui.Podemos observar os diversos carimbos no documento
representando as seções que guardavam a documentação, como a Seção dos Doentes, por exemplo.
Fonte: Prontuário n.º 8.357, Pedro Baptista, Arquivo Estadual de Hanseníase, Núcleo de Memória da Saúde do Instituto de Saúde,
São Paulo.
Figura n.º 25
3.2.1- Número 8. 537: documentos sobre controle e tratamento da doea
A página de abertura do prontuário foi designada como “Ficha de Observação
226
(Figura
n.º 26) e era nela que se escrevia o número do prontrio pela primeira vez. A Ficha de
Observão apresentava um resumo sobre a vida do paciente. Em sua primeira folha registrava
residência, familiares, profissão, a data de manifestação da doença e onde se encontrava por
ocasião da notificação da lepra. Realizava uma anamnese familiar, para investigar se demais
membros da mesma família poderiam portar a doença. Em seguida registrava a “história mórbida
do doente (doeas desenvolvidas anteriormente am da lepra), exame de saúde, observações
sobre lesões atuais e localizações, a forma clínica da lepra e exames laboratoriais. Pedro Baptista
foi classificado como portador de “nervosa mácula-anestésica. A Ficha conm ainda um espaço
para fotografia e Observões, onde estão anotadas as datas de entrada, saída e transferências do
doente.
O leprosário, enquanto instituição total, cerceava a liberdade de ir e vir dos doentes. As
saídas só eram permitidas em caso de transferência entre os leprosários, licenças para eventos
sociais entre os asilos ou altas hospitalares. Am desses processos legais, as fugas eram comuns e
punidas com prisão domiciliar ou na Cadeia do asilo. Essa movimentão física encontrava-se
registrada no item Observações”.
Na análise do item “Observões” do prontrio de Pedro Baptista foi possível identificar
em quais asilos ele residiu e por quanto tempo neles permaneceu, seus locais de maior
permanência: foram o Pirapitingui e Santo Ângelo. Am da definição sobre sua residência, a
organização das datas também foi importante para, por exemplo, a confirmão de seu segundo
casamento no asilo (ver Apêndice n.º 8).
As a “Ficha de Observãoencontrava-se a cópia da notificação de doente de lepra e
destacava-se escrito: Confidencial. Era uma ficha impressa, com a identificão de Pedro Baptista
por nome, idade, sexo, cor, estado civil, nacionalidade, profissão e residência; com a forma clínica
da doença; tempo de moléstia e data. No local de assinatura do médico, encontrava-se escrito
Notificante” e nas observações da notificação foi escrito: “Deseja internar-se em leprosário”. Nas
cartas enviadas por Pedro à sua esposa informando sobre sua internação o foram encontrados
registros de aversão à idéia desse primeiro momento de internação.
226
Entre os documentos do prontuário, existem folhas impressas para o preenchimento de informações
com os seguintes títulos: “Ficha de Observação”, “Ficha de Histórico Ocorrencial” ou “Laudo para
Alta Hospitalar”, entre outros.
“Ficha de Observação”, primeira folha do prontuário n.º 8.537, de Pedro Baptista.
Fonte: Arquivo Estadual de Hanseníase, Núcleo de Memória da Saúde do Instituto de Saúde, São Paulo.
Figura n.º 26
Muito pelo contrário, o primeiro período de sua internação representou a reconstrão
de si a partir do lugar social privilegiado que conquistou no leprosário, como presidente da
Caixa Beneficente e der religioso. Se sua aquiesncia foi genuína ou fruto da falta de
alternativa à situação que se encontrava não foi possível averiguar.
A data e a causa de sua morte foram informadas na “Ficha de Histórico Ocorrencial
que correspondia à quarta folha do prontuário. Essas primeiras folhas forneciam dados sobre a
localização do paciente, tempo de aparecimento da doença, tipo clínico apresentado, cleo
familiar, notificação e causa da morte ou saída do leprosário. Em ntese registraram os
elementos essenciais para a vigilância do doente.
Uma seqüência importante de documentoso os laudos para a alta hospitalar. O laudo
se organizava primeiramente informações biográficas: nome, cor, sexo, nacionalidade,
naturalidade, filiação, profissão anterior e ocupação atual; e, secundariamente por dados
institucionais, como: n.º de ficha, matrícula e prontuário, data de internação e de início do
tratamento e o número da cnica dermatogica.
As informações clínicas (Figura n.º 27) compreendiam:
“(I) Forma clínica da moléstia; resumo do exame dermato-neurológico
e condições bacteriológicas por ocasião do exame inicial neste asilo-
colônia; (II) Resumo das revisões dermatológicas; (III) Resultados dos
exames bacteriológicos muco nasal lesão cutânea; (IV)
Tratamento anti-leprótico realizado; (V) Condições econômicas e
sociais.”
227
No primeiro Laudo para Alta Hospitalar”, na parte referente à forma cnica da
moléstia (I), encontrava-se descrito a data do fichamento inicial e um resumo da doença:
“máculas eritemo-pigmentadas, de contornos geogficos, bordos levemente infiltrados
tomando o tronco, membros superiores e inferiores onde se perdem. Dois males perfurantes
plantares. Anestesia térmica nos membros superiores e inferiores”. A parte n.º II, realizava um
histórico das revisões dermatogicas, com a progressão da doea e do tratamento, como a
cicatrização do mal perfurante plantar e a redução das manchas. A parte n.º III, apresenta os
resultados dos exames bacteriológicos, ao todo foram 13 exames de muco nasal e 16 de lesão
cutânea. No tratamento anti-leprótico consta a quantidade de medicação administrada ao
longo do ano. A parte n.º V, encontra-se reproduzida a seguir.
227
Documento n.º VII do Apêndice n.º 7, p. 5, Prontuário n.º 8.357, Arquivo Estadual de Hanseníase,
Núcleo de Memória do Instituto de Saúde, São Paulo.
No documento reproduzido acima, encontra-se sublinhado no texto “fixar resincia em
S. Paulo”. Apesar de Pedro Baptista considerar morar em o Paulo, buscando melhores
condições de trabalho, a pergunta “onde?” poderia interferir na decio sobre sua saída, pois a
mudança de estado representaria sair da vigilância do Departamento de Profilaxia da Lepra.
Pedro recebeu alta hospitalar e visitou a família em Mutum.
Em carta de 28 de agosto de 1936, Pedro relatou a esposa que na volta para São Paulo
não encontrou Dalila, pois havia ido para o Rio de Janeiro, considerado por ele melhor pois,
aqui ela o tinha vida. Agora lá ela poderá se tratar melhor, com sossego e liberdade. Deus a
proteja”. Dalila era uma ma conhecida da família da ir de Pedro, mas o maiores
informões na carta, mas o contexto nos leva a concluir que Dalila tinha lepra e foi tratar-se em
outro estado
228
.
228
“Apesar da realidade demonstrada pelos dados epidemiológicos colhidos pelo próprio D.P.L., de que
a endemia não estava sob controle, este órgão não modificou seu discurso nem sua prática, enquanto
que outros Estados da Federação adotavam procedimentos diferentes. Desta forma, se o doente de São
Paulo conseguisse cruzar a fronteira do Estado, em direção ao Rio de Janeiro, por exemplo, poderia
Parte IV, do “Laudo para Alta Hospitalar”, de 1/6/1936, do prontuário n.º 8.537, de Pedro Baptista.
Fonte: Arquivo Estadual de Hanseníase, Núcleo de Memória do Instituto de Saúde, São Paulo.
Figura n.º 27
A partir dos diversos itens que constituem os laudos, podemos observar o rigoroso
controle da evolução da doença em cada paciente. Eram realizados exames bacteriogicos
mensais de muco nasal e leo cunea. Esses procedimentos nos levam a inferir a dimensão da
estrutura ambulatorial e laboratorial necesria para o atendimento da rede asilar. Consideravam,
por exemplo, que em Pirapitingui, no primeiro trimestre de 1942, encontravam-se 2.997 doentes
internados e toda rede asilar paulista abrigara, no mesmo peodo, 8.697 doentes (ver Apêndice
n 3 e n6).
Após a indicação de um paciente pela comissão de alta hospitalar, seu laudo era enviado
para a diretoria do Departamento de Profilaxia da Lepra para decisão final.
Pedro Baptista recebeu alta hospitalar em 1.º de junho de 1936 e autorização para ficar
sob tratamento no Posto do Braz, em São Paulo. Retornou a Mutum, permanecendo apenas 20
dias, pois precisava se apresentar no posto, caso não o fizesse, estaria cometendo uma infração e
passaria a viver na ilegalidade. Foi reinternado em 8 de novembro de 1936, passando por mais
duas comissões de alta em 1938. Recebeu alta hospitalar em 29 de junho de 1938 pela comissão
dica do Asilo-Conia Pirapitingui. Esta foi negada pelo diretor do Departamento de
Profilaxia da Lepra por apresentar uma lesão leptica
229
.
A alta definitiva, quase 15 anos depois desse evento, foi registrada no documento “Laudo
de Transferência para Dispenrio”, mas Pedro Baptista continuou residindo em Santo Ângelo.
Sua permanência no asilo, após a conquista da alta definitiva que significou o resgate da sua
liberdade de ir e vir, foi justificada em oficio por “Condições sociais”. O último laudo médico
datado de 13 de setembro de 1954, resumia seu estado cnico geral:Falta completa da vio D.
Lesões cicatriciais residuais nas nádegas. Madarose quase total dos superlios. Amiotrofia
dos interosseos das mãos. Mãos em garra. Perna D. amputada no terço inferior
230
.
3.2.2- Memorando: a vigincia do Estado na vida do doente internado
ser tratado em liberdade. A noção de periculosidade do indivíduo passava a ser, então, uma questão de
geografia.” MONTEIRO, Y., op. cit., p. 424.
229
O conhecimento médico sobre a lepra nos anos 30 já possuía a informação de que a baciloscopia
negativa significava a inatividade da doença, mesmo que por um tempo indeterminado. Por isso, eram
exigidos os 12 exames negativos para que o paciente fosse encaminhado para a comissão de alta
hospitalar, que era sempre condicional ao comparecimento mensal por três anos ao dispensário ou
posto designado para o acompanhamento da evolução ou estabilização do quadro clínico. Atualmente,
a OMS considera o aparecimento de apenas cinco manchas ou menos como paubacilar, ou seja,
manifestação clínica que produz pouco bacilos ou forma não contagiosa da lepra.
230
Documento n.º XLVIII do Apêndice n.º 7, p. 33, Prontuário n.º 8.357, Arquivo Estadual de
Hanseníase, Núcleo de Memória da Saúde do Instituto de Saúde, São Paulo.
As instâncias administrativas dos asilos-conia e do Departamento de Profilaxia da
Lepra se comunicavam por meio de memorandos. Estes documentos registravam as decisões do
diretor do Departamento sobre os atributos e atribuões que cabiam a cada doente internado,
referentes tanto às queses cnicas como sociais.
Os assuntos mais freentes nos memorandos referiam-se aos trâmites legais para
transferência entre leprosários e sobre os processos de alta e internão hospitalar, solicitação de
exames especiais, permissão para visitas. Exemplificavam a eficiência da máquina buroctica na
centralização das informações e dos processos decisórios. Entretanto, foram encontrados
memorandos que versavam sobre assuntos pertinentes à vida social e íntima de Pedro Baptista,
como os relatados a seguir.
Em 11 de dezembro de 1934, dr. Francisco Salles Gomes Junior comunicou ao
Reverendo A. Romano Filho que Pedro Baptista, após procedimentos e exames especializados
que levaram ao resultado positivo para o mal de Hansen, foi internado no Asilo-Colônia
Pirapitingui. O Reverendo Romano era o pastor responsável pela Igreja Metodista Central de São
Paulo e enviou uma carta de recomendação das qualidades e competências de Pedro Baptista
(ver Anexo n 1).
O memorando de 21 de maio de 1937 trazia a resposta negativa de Salles Gomes à solicitão
de Pedro Baptista de sair do asilo para trabalhar em um novo posto de tratamento, que soube
que seria aberto pelo Departamento de Profilaxia da Lepra em Sorocaba. Salles Gomes
justificou a resposta negativa informando que tudo dependeria da comiso de alta, mas mesmo
quando esta o liberou para sair do leprosário e estar sob observação no dispensário, Salles
Gomes o concedeu alta. Essa resposta significou um longo processo de espera, pois seria
necesrio completar doze exames bacteriológicos negativos
231
e uma nova avalião da
comiso cnica, para obter o parecer de alta hospitalar e residir novamente fora do leprosário.
Após este episódio, Pedro foi encaminhado para residir no Sanatório Padre Bento.
Em 26 de agosto de 1939, o dr. Itagyba Villaça encaminhou memorando ao dr. Francisco
Salles Gomes Junior, em resposta à carta de Pedro Baptista para a direção do Santo Ângelo
solicitando permissão para se casar. Neste memorando, Dr. Itagyba informou ainda a forma
clínica da doença dos cônjuges e afirmou que o estado geral dos dois era bom. Naquele mesmo
s, agosto de 1939, os exames bacteriológicos de Pedro Baptista continuavam negativos, os de
231
Os exames eram mensais, portanto, significava mais um ano de espera. Segundo Euzenir Nunes
Sarno: “Até a época das sulfonas, o conceito que se tinha era o da tuberculose: você tinha que
negativar a baciloscopia para considerar o cara curado. Na tuberculose, aliás, nem se faz mais isso.
Hoje se suspende o tratamento com seis meses, independente da baciloscopia. Mas é uma coisa
tradicional da infecção: você trata até se tornar negativo. Então os pacientes não negativavam a
baciloscopia. Quando veio a PQT, a idéia se modificou e a OMS passou a recomendar que os pacientes
fossem tratados durante dois anos. Atualmente, o tratamento dura um ano. Mas isso demorou a
chegar ao Brasil. Somente em 1991 a PQT foi adotada oficialmente aqui.”. SARNO, op. cit., p. 284.
sua nova esposa encontravam-se positivos. A autorizão para o casamento ocorreu em 4 de
setembro de 1939, com a observão de que fosse realizada cerinia religiosa.
Os memorandos de pedidos de visitas (Figura n.º 28) constitam-se em documentos
detalhados nos quais constavam os nomes dos visitantes, o dia e a hora que seria realizada a
visita, e no caso do visitante ser doente, o mero de seu prontuário.
Memorando n.º
2.012, de
19/7/1940,
prontuário n.º
8.537, de Pedro
Baptista.
Fonte: Núcleo de
Memória da Saúde
do Instituto de
Saúde, São Paulo.
Figura n.º 28
O texto dos memorandos era extremamente formal, mas podemos observar
algumas características especiais como o uso dos termos e a forma como eram construídas
as referências sobre os doentes e as de saudação entre os diretores dos asilos com os do
Departamento de Profilaxia da Lepra. Os doentes eram sempre referidos por seu nome e
mero de prontuário. Toda a transferência de doentes entre os asilos deveria ser autorizada
pelo Departamento de Profilaxia da Lepra. E, por último, pode se perceber que entre os anos
de 1930 e 1950 a forma de se referir ao leprorio mudou de Asilo-Colônia para Sanatório,
pela lei n 520, de 10 de dezembro de 1949.
Em 22 de outubro de 1948, o atestado emitido pelo Departamento de Profilaxia da
Lepra relatava o histórico da doença de Pedro Baptista e solicitava benefício por invalidez.
Os últimos memorandos referentes à alta definitiva de Pedro Baptista em 1954,
relatavam seu processo de transferência para dispensário. Mas, acabou sendo reinternado
em Santo Ângelo por “motivos sociais” (sic.). No memorando de 27 de abril de 1954, ao
trocar informações que organizavam a saída de Pedro Baptista de Santo Ângelo em alta
definitiva, o diretor clínico daquele leprosário, dr. Renato Pacheco Braga escreveu:
“Com este, para os devidos fins, apresento a V. S. o Sr. PEDRO
BAPTISTA Pront. 8537, aqui internado, que, de acordo com o
ofício n.º 1277/A, obteve a sua transferência para tratamento em
Dispensário e vai residir em Suzano, à Travessa da Piedade s/n,
ficando sob vigilância dessa Inspetoria Regional.”
Pedro Baptista foi considerado, oficialmente, em inatividade clínica da doença e,
no entanto, permaneceria sob a vigilância do Estado.
3.2.3 - Documentos que relatavam eventos diretamente ligados à vida pessoal ou social de
Pedro Baptista
No prontuário, o primeiro documento com conteúdos referentes à vida pessoal de
Pedro Baptista, foi a carta de apresentação do Reverendo A. Romano Filho, da Igreja
Metodista Central
232
, situada à rua Liberdade, 119, em São Paulo, dirigida ao dr. Salles
Gomes :
232
Existe atualmente, situada na mesma rua, com o n.º 659, no bairro da Liberdade, em São Paulo.
http://www.catedralmetodistasp.org.br. Acessado em 2/4/2006.
“O portador desta, sr. Pedro Baptista, meu amigo é membro da Igreja
Metodista do Brasil, e estava, até há pouco, trabalhando e exercendo o
ministério sagrado, em uma de nossas paróquias, quando o Conselho
Distrital recomendou-o a um exame médico, visto haver desconfiança
em relação a sua saúde. Moço distinto, consagrado, vinha realizando
um bom ministério, com aprovação da Igreja e de quantos o
conhecem. Tem o curso ginasial e conhecimentos de Teologia o que
continua a estudar, de acordo com nossas leis. É pratico de farmácia,
mister em que se ocupou por muito tempo, porem, ultimamente
trabalhou, uns dez anos em tabelionato de onde veio para o ministério
sagrado.”
233
Esta carta de apresentação descreveu a formação e a vida profissional de Pedro
Baptista, confirmando o período em que atuou no ministério como membro da Igreja
Metodista. O dr. Francisco Salles Gomes Junior respondeu ao Reverendo Romano
informando sobre o diagnóstico da doença e o local de sua internação. Em muitas cartas
Pedro Baptista escreveu sobre sua angústia quanto a questão do trabalho. Ele tinha orgulho
da sua cultura e educação, e se considerava uma “pessoa de bem”.
A carta do Reverendo Romano confirmou essa curta trajetória como pastor-
ajudante da Igreja Metodista. O Reverendo se referiu a Pedro Baptista como moço
distinto, consagrado”, mas não deixou de observar também sobre uma “desconfiança em
relação a sua saúde”. Essa desconfiança não foi infundada, por que ao longo do período de
sua pregação Pedro Baptista esteve acamado com febres e fortes dores pelo corpo,
descrevendo também em suas cartas para a esposa que as manchas começavam a voltar e
ele temia fazer novo exame de saúde. A “desconfiança nos leva também a pensar na
eficácia da propaganda que os órgãos de saúde pública paulista começavam a utilizar como
estratégia de controle da lepra e que começava a formar no cidadão comum o olhar que
controlava a doença no outro.
“As atividades educativas refletiam a corrente vigente em São Paulo,
que via no isolamento a única forma de profilaxia. Para tanto,
diferentes métodos eram utilizados para a mobilização da população:
‘Utilizar a imprensa, rádio, cinema, gravura palavra de ordem na
luta conta a lepra. A propaganda terá por tema, vulgarizar a educação
sanitária: defender a raça, assistir o leproso e erradicar a lepra do
Brasil’”.
234
233
Documento n.º V do Apêndice n.º 7, folha n.º 4, Prontuário n.º 8.357, Arquivo Estadual de
Hanseníase, Núcleo de Memória da Saúde do Instituto de Saúde, São Paulo.
234
XAVIER, M. et alii. “Da propaganda contra a lepra e dos meios eficientes de realizá-la” In
Conferencia nacional de Assistência aos Lázaros. Vol.1. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1941, pp.
Um outro documento relevante, foi a carta que Pedro Baptista enviou para dr.
Francisco Salles Gomes Junior (ver Anexo n.º 2) para informar que se encontrava
refeito do “surto eruptivo” que o levara a ser novamente internado. A carta foi escrita em
14 de maio de 1937. No Asilo-Colônia Pirapitingui e em sua narrativa, Pedro Baptista
estabeleceu vínculos pessoais entre ele e o diretor do Departamento de Profilaxia da Lepra,
ao solicitar ser novamente colocado sob a sua “generosa proteção”. Essa proteção consistia
na retirada do hospital e a indicação para emprego no posto de tratamento que seria aberto
em Sorocaba.
O documento n.º XXXVI (ver Apêndice n.º 7) registrou a participação de Pedro
Baptista como testemunha na separação de dois internos em Santo Ângelo. Trata-se de
uma cópia, pois continha a seguinte observação: o original encontra-se arquivado no
pront. 34743. Esse documento evidenciou como um evento corriqueiro, o de servir como
testemunha num processo de separação, também era registrado no prontuário.
Uma informação interessante do acervo pessoal de Pedro Baptista foi recuperada
através do prontuário, pelo reconhecimento da assinatura do dr. Renato Pacheco Braga. Ele
era o diretor clínico do Asilo-Colônia Santo Ângelo no ano em que a carta foi redigida,
1953. E comunicava a Pedro que mesmo, “todos em Santo Ângelo sentindo sua falta” (sic),
ele permaneceria em Cocais, pois seria mais satisfatório para todos que ele lá
permanecesse. Pedro Baptista ficou internado no Asilo-Colônia de Cocais entre 26 de
janeiro a 22 de maio de 1953. A carta falava também de algo que havia acontecido em
Santo Ângelo e que provocara o afastamento de Pedro Baptista daquele leprosário e que
ainda não era possível garantir seu retorno, por isso, sugeria sua permanência em Cocais.
No entanto, o caso do afastamento não estava explícito no texto.
“É o caso da sua transferência em caráter definitivo para Cocais, até
que o tempo aplaine as circunstâncias que determinaram seu
afastamento de Sto Ângelo numa época em que mais necessária se
tornara a sua presença aqui para assim podermos contar com sua
esclarecida inteligência, em desinteressada oportunidade, para a
conscientização do nosso programa em prol de Sto Ângelo.
Infelizmente, os fatos se precipitaram de tal modo que, sob todos os
pontos de vista, principalmente do ponto de vista da sua pessoa que
seria objeto das maiores críticas e também até eles chegarem a uma
solução, nos parece melhor, a mim e a todos os amigos de “Sto
389-391. Apud MONTEIRO, Y, op. cit., p. 218.
Ângelo”, que seu afastamento do nosso sanatório, embora, e estes são
nossos sinceros votos, o tempo possa trabalhar no sentido de que mais
cedo v. possa, reabilitado e merecendo o mesmo conceito de todos,
voltar ao nosso ‘Sto Ângelo’.”
235
Os documentos n.º XL e XLI (ver Apêndice n.º 7) elucidaram essa história. Pedro
Baptista ajudara na fuga de duas internas do Santo Ângelo e o marido de uma delas queria
que fossem tomadas providências quanto à “ultrajante” situação.
O documento n.º XL era uma cópia do original registrado no prontuário de
Benedito Domingues, de n.º 19.819, transcrito a seguir:
“Sanatório Santo Ângelo, 9-2-53. Prezada DD. Conceição Peço
desculpas em vir diretamente traser (sic.) a seu conhecimento, no fato
em que se passa aqui neste Sanatório de 15 de janeiro para cá.
Reconheço, que não devia escrever diretamente ao seu programa.
Mais em outro lugar até agora não fui atendido, primeiro o Dr. Braga
não fez conta da minha queixa. Depois mandei cartas ao Dr. Lauro e
para a senhora e não tive resposta e o tempo esta se passando e não sei
o que faço. Trago a casa mobiliada como ela deixou, no dia
mencionado nesta, minha esposa, JUVENTINA DOMINGUES e uma
sua colega IZABEL SANTOS. Fugiram do Sanatório, e foram para
um outro hospital, dei queixa ao Dr. Braga, mais ele sendo
encabeçado pelo ex-orador sr. PEDRO BAPTISTA, cúmplice, da fuga
das mulheres não tomou providências, devidas. Dia 22 do mesmo, ele
mandou chamar o Dr. Braga, e contou todo o passado que ele fizera.
Primeiro fez umas viagens para Pira, preparou o terreno para que as
fugitivas não fossem presas e garantido-as que nada aconteceria para
elas e nem eram obrigadas a voltar. Segundo, pediu para darem para
ele remoção para Cocais e daí a uns 20 dias, ou logo que seçasse (sic.)
o movimento, mandaria buscá-las em Pira a Izabel Santos. Terceiro,
minha esposa ela arrumou para que ficasse com um tal JOÃO LEITE
DE OLIVEIRA, que ele mandara fugir a dois meses daqui. Este
andava de namoro com ela e isto é o que desencaminhou dois lar
(sic.),e até o momento oportuno tudo correu as mil maravilhas para
eles. O Dr. Braga, sabendo de tudo mandou o carro na mesma noite
levá-lo para Cocais como ele pedira. Para que ele ficasse livre de
alguma ameaça, mais essa não ouve(sic.), até o momento porque
ninguém suspeitara dos homens de lei deste Sanatório. Mais tudo foi
assim posso prová-lo onde for preciso. Meu primo, seu afilhado Plínio
está a par de tudo, e até mandou uma carta para a senhora. Ele
quase que sabe mais do que sobre as sugeiras (sic.) que fazem aqui.
Pedi licença pra ir a senhora diretamente mais o Dr, Braga proibiu-me,
não me concedendo esta. Meu pedido é isso quero que a senhora
235
Carta de dr. Renato Pacheco Braga para Pedro Baptista. São Paulo, entre janeiro e maio de 1953.
Acervo Pessoal Pedro Baptista, sob a custódia de Cláudio José de Souza.
resolva o que devo fazer com a casa e os moveis. E sobre ela quero
que ela volte para este Sanatório e receba sua alta, depois proibindo a
permanência dela em qualquer hospital. Porque ela é de alta, e não
precisa de hospital. E não permitindo que ela fassa (sic.) vida com
esse homem, dentro dos Sanatórios de S. Paulo.Ele é fugitivo daqui
e com bastante quichas (sic.) na delegacia. DIAMANTINO SANTOS
estando aqui presente também faz o seu pedido, igual ao meu. Peço a
senhora se for possível atender-me antes do Carnaval. Sem amis (sic.)
nada vos agradeço pedindo as mais sincera desCulpas. Deste que
acha-se muito agradecido. Atenciosamente (a) BENEDITO
DOMINGUES.
236
Esta carta nos permite diversas leituras sobre as relações sociais dentro do Asilo.
Sem dúvida, Pedro Baptista desfrutava de certo prestígio por ter sido transferido e
conseguido escapar da “ameaça que não ouve” (sic.). A insinuação da intimidade de Pedro
com a mulher de Benedito fica clara, mas não foi confirmada por outras fontes. Benedito
não tem o mesmo acesso às autoridades do Asilo como Pedro, pois reclamou de caminhos
que lhe foram negados e privilégios recebidos pelo outro. Acusou sua mulher de “ser de
alta”, evento que deveria ser comum nos anos 50 nos asilos, em função de novo tratamento
implementado no final dos anos 40 que curava a doença. A carta de Benedito contém erros
de português e datilográficos, fato raro nas escritas por Pedro Baptista, que se orgulhava de
sua educação e fazia desta um traço de distinção frente a outras pessoas internadas.
Em seqüência, o documento XLI (ver Apêndice n.º 7) deu-se a conhecer a
resolução da questão. Em carta enviada ao Dr. Lauro de Souza Lima
237
, diretor do
Departamento de Profilaxia da Lepra, dr. Pacheco Braga solicitou a transferência de
Benedito Domingues e Diamantino dos Santos para o Sanatório Padre Bento, alegando que
o sr. Diamantino dos Santos não toleraria um encontro com Pedro Baptista. Este voltou
para Santo Ângelo em 22 de maio de 1953.
Esse evento levantou algumas questões, tais como, a não punição de Pedro Baptista
pela ajuda conferida às mulheres que fugiram e a participação do diretor do asilo, dr.
Pacheco Braga, na retirada de Pedro Baptista de Santo Ângelo para que não sofresse
conseqüências retaliatórias dos maridos que foram abandonados por suas esposas. Dr.
236
Folha n.º 25. Prontuário 8.537. Arquivo Estadual de Hanseníase, Núcleo de Memória do Instituto de
Saúde, São Paulo. Os erros de português e datilografia não foram atualizados em função de serem
relevantes para análise.
237
Dr. Lauro de Souza Lima, que foi diretor do Sanatório Padre Bento por mais de 20 anos, no ano de
1953, encontrava-se na direção do Departamento de Profilaxia da Lepra.
Pacheco Braga resolveu a “ameaça” transferindo os doentes e permitindo a volta de Pedro
Baptista para Santo Ângelo.
Segundo Yara Monteiro, alguns médicos, mesmo pertencentes às redes
institucionais do modelo paulista e trabalharem acreditando na internação compulsória
como profilaxia da lepra, ficavam sensibilizados com os dramas pessoais do doente
internado, agindo no sentido de resolver pequenas histórias individuais.
A profilaxia da lepra no Estado de São Paulo, em seu objetivo de internar o maior
número possível de doentes de lepra, senão “todos”, construiu uma poderosa rede de
informações que pormenorizava o cotidiano asilar e, conseqüentemente, a vida do doente
internado.
O prontuário ora analisado, nos permite inferir algumas estratégias da intervenção
do público na vida privada daqueles que viviam nos leprosários, extremamente
característica das instituições totais.
A primeira ação explícita é o controle sobre a liberdade de ir e vir. O item
“Observações” demonstrou que havia algumas condições onde o doente podia, com razões
específicas, sair e transitar entre os leprosários, tais como: jogos entre as instituições, a
participação dos funcionários da Caixa Beneficente em atividades onde a instituição seria
representada por eles e situações similares. Eram registradas, também, as transferências, as
altas hospitalares e as prisões, fossem na cadeia ou domiciliares. Neste item, era registrado,
no caso das mulheres, o nascimento dos filhos e qual encaminhamento foi dado à criança.
Os documentos referentes ao histórico da doença permitem a análise dos tipos de
exames e seus resultados, a incidência da forma clínica da lepra, os processos e os critérios
de alta. E a intensa comunicação entre as instâncias administrativas, através do
memorando, evidencia os nomes que se destacaram e os trâmites institucionais
constitutivos das tramas do poder do Departamento de Profilaxia da Lepra.
No registro das cartas enviadas por Pedro Baptista, para a direção da instituição ou
do Departamento, podemos identificar o homem culto, cônscio de sua posição social e seu
capital cultural que, mesmo submetido à instituição, buscava agenciamentos para melhorar
sua condição de vida e escapar da condição de estar doente e segregado da sociedade.
3.3- Retratos da vida asilar
3.3.1- Intensidades fotográficas
“Desejo ter uma lembrança de todos os seres que me são caros no
mundo. Não é apenas a semelhança que é preciosa, nesses casos – mas
a associação e a sensação de proximidade implicada na coisa [...] o
fato de a própria sombra da pessoa que está ali ter sido fixada para
sempre! É a própria santificação dos retratos, eu creio e não é de
modo algum monstruoso da minha parte dizer, por mais que meus
irmãos protestem de forma tão veemente, que eu preferiria ter um tal
monumento de uma pessoa que amei afetuosamente a ter a mais nobre
obra de um artista jamais produzida.”
238
Elizabeth Barret, Carta a Mary Russel Mitford, 1843.
Para Boris Kossoy a fotografia é um signo à espera de sua desmontagem
239
, pois
como objeto, constitui-se pelo que lhe é atribuído, pelo que pode ser interpretado a partir
da apreensão do real registrado como imagem fotográfica. A análise iconográfica parte de
um primeiro processo descritivo para tornar-se um processo de construções sobre o tema
estudado através da fotografia.
No final do século XIX, a cultura visual se fazia presente nos jornais e revistas,
contribuindo para que a maioria da população não alfabetizada participasse desse novo
saber. A compreensão do mundo através da imagem inseria a população iletrada nos
eventos que ocorriam no cotidiano e no mundo. Ser fotografado ensejou novas práticas
culturais e possibilitou a auto-representação de grupos sociais que não tinham acesso a
serem retratados como queriam, pois a pintura, naquela época enquanto registro da
fisionomia, era de custo muito superior ao da fotografia e a tornava prerrogativa da elite.
“A pose é o ponto alto do mise-en-scéne fotográfico oitocentista, pois
nela combinam-se a competência do fotógrafo em controlar a
tecnologia fotográfica, a idéia de performance, ligada ao fato de o
cliente assumir uma máscara social e a possibilidade de uma forma de
expressão adequada aos tempos do telégrafo e do trem a vapor.”
240
Para Susan Sontag, a proposta fotográfica inovou as experiências do sujeito na
sociedade. A construção de sua imagem permitiu sua inserção e permanência no status quo
238
BARRET, Elizabeth. Carta a Mary Russel Mitford, 1843. Apud SONTAG, Susan. Sobre a
Fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, [1977], p. 199.
239
KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê Cultural, 2001, p. 143.
240
MAUAD, Ana Maria. “Imagem e auto-imagem do 2.º Reinado”. In: NOVAES, Fernando A. (coord.)
e ALENCASTRO, Luiz Felipe (org.). História da Vida Privada no Brasil Império: a corte e a
modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, pp. 181-232.
representado na fotografia, dando a pessoa uma posse imaginária de um passado irreal
241
. A fotografia possibilitou não apenas dar a posse de um passado, mas também contribuiu
para a posse de um novo espaço a ser ocupado ou onquistado, como em viagens,
mudanças, guerras. A autora cita Ansel Adams
242
para dizer que a fotografia não é um
acidente, é um conceito. A relevância de uma fotografia se constituiu pelas séries de
informações que apresenta, justificando sua existência pelo inventário que realiza
243
.
Segundo Susan Sontag, as fotos tornam-se testemunhos e ferramenta de controle vigilância
utilizada pelos Estados Modernos. Como exemplo, na questão da vigilância, podemos citar
o espaço reservado para fotografia na “Ficha de Observação” dos prontuários dos doentes
de lepra registrados pelo Departamento de Profilaxia da Lepra
A análise da coleção de fotos de Pedro Baptista nos permite compreender a imagem
que elaborou para si e para a família, ao longo de mais de duas décadas que passou
internado.
Nessas séries fotográficas estão retratados amigos, realizações, cerimônias, atuação
profissional. As dedicatórias e as inscrições no verso das imagens sinalizam os usos e os
caminhos percorridos pela fotografia e o enfoque que o seu autor dava àquela imagem,
permitindo analisar as representações sobre si, sobre o asilo, sobre a estrutura hospitalar,
sobre o fato de estar internado. O tempo surge como elemento lento e cotidiano,
preenchido por atividades lúdicas, intelectuais e profissionais, uma vida possível mesmo
“marcada pelo infortúnio”.
Serão apresentados dois conjuntos de fotografias. O primeiro, retratando a
permanência de Pedro no Asilo-Colônia Pirapitingui, onde viveu o seu primeiro momento
de internação e o segundo conjunto, composto pelas fotografias enviadas do Asilo-Colônia
Santo Ângelo, onde residiu por mais tempo.
As fotos o extremamente performáticas, inspiradas ainda na pose oitocentista, na
intenção de significar a realidade do asilo com representações que negassem a instituição
do leprosário e a condição social que o período em que Pedro Baptista viveu lhe impôs: a
de leproso. O acervo se compõe por mais de 200 fotografias. As fotografias foram
selecionadas de acordo com os temas abordados na dissertação, como por exemplo,
arquitetura, eventos comemorativos, inaugurações, relações pessoais. Chamaram atenção a
quantidade de fotos de crianças, de atividades esportivas e retratos de Pedro Baptista.
241
SONTAG, S., op. cit., p.19.
242
Fotógrafo norte-americano, morreu com 82 anos em 1984, foi precursor em fotos panorâmicas do
oeste dos Estados Unidos e na transformação da fotografia numa expressão artística, ganhou diversos
prêmios ao longo de sua vida profissional.
243
“As imagens que mobilizam a consciência estão sempre ligadas a determinada situação histórica.
Quanto mais genéricas forem, menor a probabilidade de serem eficazes.” SONTAG, S., op. cit., p. 27.
Para a contextualização das fotografias, foram utilizadas as cartas e as inscrições
nos versos. Nem sempre é possível saber em qual carta a foto foi enviada, mas os eventos
narrados na correspondência muito contribuíram para identificar o contexto de diversas
imagens.
Pedro Baptista tanto enviava quanto solicitava fotos de sua esposa e filhos, os
“retratinhos” como chamava (Figuras n.º 29 a 34). Algumas retornaram para o acervo da
família após a sua morte e as dedicatórias no verso mostraram como o pai internado
acompanhou o crescimento dos filhos por meio da fotografia.
Figura n.º 30
Figura n.º 31
“Ao bom papaizinho
mais uma recordação
da Marly com 3 anos e
9 meses. Mutum,
11 de Março de 1941.”
Pedro Baptista conheceu esta
filha somente por fotografia.
“Para o Papai um recordar da filha
que o quer muito, Jovaura.”
A filha mais velha, Jovaura,
aproximadamente, aos 20 anos.
“Ao querido papai, uma
recordação. Jovaura, João Bennio,
Claudinho e Mardrinho. Mutum,
16/12/1934.”
Os filhos, na época da internação de Pedro Baptista, da esquerda para a
direita: Mardro, 4 anos, Cláudio, 5, João Bennio, 7, Jovaura, 10. Na carta de
22 de janeiro de 1935, enviada por Pedro Baptista à sua esposa, falou do
recebimento desta fotografia.
Figura n.º 29
Figura n.º 32
Figura n.º 33
Figura n.º 34
3.3.2 – Asilo-Colônia Pirapitingui
Pedro Baptista viveu seu primeiro período de internação no Asilo-Colônia Pirapitingui,
por volta de um ano e meio. Nesse período, as autoridades ximas no asilo eram o diretor
clínico, dr. Marcello Guimarães Leite, e o médico dermatologista, dr. Argemiro R. de Souza.
Acima do asilo a autoridade máxima era dr. Francisco Salles Gomes Junior. Esta tríade regia a
vida do internado, procurando controlá-lo dentro e fora da na instância asilar.
Em 1934, ano da internação de Pedro Baptista, o censo realizado no mês de maio
contabilizou: 1.234 internos, sendo 754 homens, 427 mulheres, 32 meninos e 30 meninas
244
.
Na primeira carta enviada por Pedro de Pirapitingui, cinco dias após sua internação,
além de informões sobre seu estado de saúde e exames realizados, ele informava que os
crentes exultaram com a minha vinda. Se Deus quiser, continuarei aqui a grande obra da
pregão do Evangelho.” E essa idéia da continuidade da vida evangélica permaneceu nesse
primeiro momento de internação. Pedro Baptista continuou construindo sua imagem de orador,
como se auto-refere e, posteriormente, em seu prontuário no documento n.º XL (ver Andice
n.º 7), em documento datado de uma data posterior, foi denominado como o “ex-orador Pedro
Baptista”.
Diversas personagens e relações foram sendo apresentadas através das cartas e das
fotos. Essa prática da apresentação permitiu identificar nomes, lugares, datas, posições sociais
e políticas, atividades culturais e institucionais, construção de pavilhões, enfim, o cotidiano da
vida asilar de Pedro Baptista.
A primeira relação que Pedro destacou nas cartas foi a estabelecida com o diretor do
asilo, dr. Marcello Guimarães Leite (Figura n.º 35). Descreveu-o como atencioso e educado,
dico criterioso e culto. A expectativa de Pedro era a de arranjar uma ocupação dentro do
asilo e o dr. Marcello poderia possibilitar um emprego, uma vez que cabia ao diretor a
indicação para diversos cargos e ocupações que eram realizadas pelos doentes internados em
boas condições de saúde, como por exemplo, trabalhar na enfermagem do asilo. Podemos
observar que Pedro não se identificou com o estigma imposto ao leproso segregado.
Reconstruiu o evento da doença pela sua inserção nas redes de poder do asilo, destacando
como tanto doentes, médicos, visitantes e membros religiosos de creas diferentes da sua
sempre o prezavam e admiravam.
244
MONTEIRO, Y., op. cit., p.202.
“A dedicação e os carinhos do Dr. Marcello e seus companheiros
clínicos são um meio tratamento. Ademais, estou sendo alvo de
especial atenção do diretor, Dr. Marcello, que espera me aproveitar.
Sou querido de todos os asilados. Tenho falado várias vezes e em
geral agrado. Quando assumo a tribuna para fazer um discurso é sob
salvas de palmas que se sucedem ao terminar. Dominei o espírito
público. Tudo isto são bênçãos de Deus. Glória a Jesus!”
245
Outra relação privilegiada por Pedro na instituição asilar foi com o presidente da Caixa
Beneficente, rio Azevedo (Figura n.º 36 e 37). Os candidatos à presincia da Caixa eram
indicados pelo diretor do asilo, mas a escolha era realizada pelos doentes, por meio de eleição.
Pedro Baptista foi indicado para secretário da Caixa Beneficente, ele e Mario tornaram-se
amigos e várias fotos foram enviadas demonstrando essa amizade. O falecimento de Mario em
28 de julho de 1935 (Figuras n38 e 39), teve grande significado para Pedro, que enviou fotos
deste fato para a família e, além disso, por ter sido indicado seu substituto na presidência da
Caixa, até as novas eleições serem realizadas em 19 de outubro do mesmo ano. Serão
reproduzidas a seguir fotos da inaugurão da torrefão de ca e dos funerais de Mario. A
foto da prociso em direção ao cemitério é absolutamente panorâmica nos possibilitando
245
Carta de Pedro Baptista para Maricas. Pirapitingui, 15 de janeiro de 1935. Acervo Pessoal Pedro
Baptista, sob a custódia de Cláudio José de Souza.
Inscrição no verso
da foto:
“Grupo de
pessoas de saúde.
O Dr. Marcelo,
diretor do asilo
(de branco, gorro
e luto) [faixa
preta na lapela] ao
lado de visitantes
de Itú e que muito
me prezam,
apesar de
católicos
romanos. 1/11/35.
Pedro Baptista”
Figura n.º 35
entender não só a imensa extensão geográfica do asilo, como tamm as grandes disncias a
serem percorridas no cotidiano e a solenidade do evento.
A inscrição no verso da foto
registrou os diversos cargos
ocupados pelos doentes.
A data da inauguração
não foi enviada, mas ocorreu
entre janeiro e julho de 1935.
“Funerais do Mário. O
enterro saindo da casa
onde ele morava.”
“Funerais do Mário 28/7/35.
Em caminho do cemitério. Eu
estou na cabeceira do caixão.”
A foto da procissão fúnebre nos revela a imensidão de Pirapitingui. Ao fundo a igreja e logo a seguir os pavilhões
chamados “Carville”, de habitação coletiva separado para homens, mulheres e crianças. Em seguida, um conjunto
de casas. A rua por onde a procissão caminha divide o asilo: de um lado, nitidamente a zona doente, do outro a
zona hospitalar e administrativa.
Figura n.º 36
Figura n.º 37
Figura n.º 38
Figura n.º 39
Um evento peculiar registrado foi a cirurgia de apêndice a qual Pedro Baptista foi
submetido em 9 de outubro de 1935 (Figuras n.º 40 e 41). Pedro descreveu
minuciosamente o procedimento. Na véspera da cirurgia fez jejum e “tomou purgante”
(sic.) e na noite de 8 de outubro se dirigiu para o pavilhão do hospital. Foi operado pelo dr.
Marcelo e o médico assistente, dr. Camargo, sendo acompanhado por mais três
enfermeiros, que realizaram um corte de cinco centímetros do lado direito e o paciente
voltou dormindo para o quarto. Pedro relatou que havia uma ansiedade para que
acordasse, pois as visitas sucediam-se, até o padre, doente e acamado, mandava saber de
mim.”. Pedro observou o uso de bolsa de gelo sobre a cicatriz, talvez uma medida
profilática para infecção, pois nesse período o antibiótico ainda não havia sido sintetizado.
Obteve alta no dia 17 de outubro e informou que estava voltando para sua casa, o que
indica que não morava nos pavilhões coletivos, ou morava e não queria assumir. Enviou
uma foto dele na véspera da cirurgia e outra sendo operado.
“Fotografia tirada na véspera
da minha cirurgia. 8/X/35.”
Podemos observar as grandes janelas da sala de
cirurgia utilizadas para a iluminação, para onde a
maca esta voltada. As luvas de borracha utilizadas
pelos médicos prendem as mangas do jaleco,
entretanto a enfermeira não as utiliza. A máscara do
médico cirurgião não está cobrindo o nariz, o que o
faz respirar diretamente sobre a incisão.
Este retrato de Pedro Baptista foi realizado diante de um
cenário. Está assinado pelo fotógrafo – A.Jamsom, a
cabeça está ligeiramente erguida e os sapatos de tão
lustrosos, refletem luz na fotografia. Ana Mauad
analisou características semelhantes na construção
da auto-imagem oitocentista. O cenário mostra
uma varanda por onde se contempla uma ampla enseada.
A imagem é uma amarga ironia confrontada com o
cotidiano numa instituição total da qual não se
tem a menor perspectiva de saída.
Nos retratos do período que viveu em Pirapitingui, há sempre uma pose, construindo uma imagem de potência e
destaque nas novas redes sociais em que havia sido inserido.
Figura n.º 40 e 41
No dia 19 de outubro de 1935, dois dias após a cirurgia, dr. Marcelo indicou dois
nomes para concorrerem à eleição da presidência da Caixa Beneficente. Na carta de 20 de
novembro, Pedro Baptista informou sua vitória por 482 votos a 118. Nesta carta relata
minuciosamente a posse da presidência no dia 15 de novembro e expõe o conflito de
sentir-se bem e vitorioso com a condição da doença e de internado. Comenta que as festas,
relatadas como contínuas e realizadas para amenizar o sofrimento”, traziam a ele tristezas
por não destruir a saudade. Informa que estava mandando mais fotos de Pirapitingui e
pedia a descrição das atividades diárias de seus filhos. Anexa à carta, seguiam as
fotografias e duas folhas datilografadas com o programa da festa da posse solene do
Presidente Pedro Baptista – 15 de Novembro”.
Este programa da festa da posse foi apresentado de acordo com os horários e
cerimônias. As festividades se iniciaram às oito horas da manhã com missa cantada e, às
nove, no cassino, a esposa do dr. Marcelo, Áurea Guimarães Leite, entregou a bandeira do
Grêmio Esportivo da Caixa Beneficente do qual dr. Marcelo era paraninfo, ao novo
presidente. D. Áurea foi saudada pela representante das internadas do sexo feminino, srta.
Milena Pandovani. O Grêmio Esportivo era um grande promotor de eventos no asilo. São
inúmeras as fotos de times masculinos, femininos ou infantis de futebol, cestobol, vôlei,
entre outros jogos. Os campeonatos ocorriam entre os times dos cinco leprosários, que
compunham a rede asilar paulista. A cerimônia da entrega das bandeiras terminou com um
desfile dos esportistas acompanhados pela banda musical. A participação na cerimônia da
representante das internadas conferiu lugar de destaque à participação dos doentes no
evento. Os times internos levavam os nomes de seus treinadores, por exemplo, seguindo as
comemorações da posse, às 17 horas ocorreu o jogo de cestoból.
A posse ocorreu no cassino, às 20 horas, com a participação intensa da banda de
música, toda composta por doentes internados, que a cada etapa da posse tocava repiques
longos e curtos, além de executar o hino nacional duas vezes: no início da comemoração e
no seu encerramento. A cerimônia de posse foi presidida pelo dr. Marcelo, sendo orador o
sr. Nelson Lagatta, delegado do departamento de ensino do Asilo-Colônia Pirapitingui. Ao
terminar de apresentar o programa, Pedro Baptista fez o seguinte comentário: Por aqui
podes ver que foi soleníssima minha posse. Não faltaram palmas e vivas entremeando os
discursos. Quando eu fui para a tribuna do lado da mesa que presidia a sessão, fui entre
ruidosa aclamação.”
3.3.2.1. A presença das crianças
várias séries de fotos com crianças. Comemorações do encerramento das aulas,
times esportivos, baile infantil, crianças em salas de aula, as crianças que eram as suas
prediletas, crianças em desfile por ocasião das visitas das senhoras de Sorocaba, crianças
brincando no açude, datas comemorativas como, por exemplo, o Natal. No censo de maio
de 1934 foram registradas 62 crianças internadas em Pirapitingui.
Para Boris Kossoy, os temas registrados nas fotos atravessam os tempos e são
descobertos por olhares desconhecidos em terras distantes: objetos materiais e sombras,
raios de luz, expressões humanas, por vezes crianças, hoje mais que centenárias, que se
mantiveram crianças.”
246
. nas fotos certa melancolia. As inscrições no verso são um
tanto trágicas, ou com palavras que denotam alguma displicência sobre o evento, mas que
denunciam uma marca de estranhamento sobre o fato de viverem crianças naquele
ambiente. Uma divisão sempre presente nas fotografias das crianças é a de gênero (Figuras
n.º 42 e 43). Poucas são as fotos que mesclam meninas e meninos, em geral são grupos de
um ou de outro sexo. Para o mesmo evento, como uma tarde no açude, tem-se duas fotos,
uma de cada grupo.
Não foi encontrado, durante a pesquisa, um regulamento específico para o
tratamento das crianças internadas, apenas para as que ali nasciam e dos locais que
cuidavam das crianças sadias filhas de leprosos. Em geral, as crianças doentes internadas
nos leprosários estavam submetidas as mesmas regras e tratamento dos doentes adultos.
Nos livros com fotografias de doentes do Núcleo de Memória da Saúde, do Instituto de
246
KOSSOY, op. cit., p. 137.
Figura n.º 42
Figura n.º 43
Saúde, existem fotos mostrando lesões em crianças, assim como a foto de uma criança com
poucos meses de vida, ainda no colo, com uma mancha no couro cabeludo, o rosto da
pessoa que a segurava não foi mostrado.
Das fotos enviadas por Pedro Baptista mostrando as crianças internadas destaco
duas. A primeira delas, a de Ditinho, em cuja inscrição Pedro o chamou de a criança que
não ri(Figura n.º 44); e a segunda, a que retrata um grupo de meninas, segurando letras
que formam a palavra “Brasil” (Figura n.º 45). Esta foto é “talismânica”
247
, nas palavras de
Susan Sontag, por representar a complexidade do que foi o período da internação
compulsória no Estado de São Paulo, no cumprimento de seu ideal cívico de internar todos
os contaminados, para eliminar a lepra do estado e continuar sendo exemplo para o resto
do país.
Talvez pela saudade que sentisse dos filhos, ou o apelo emocional que crianças
doentes internadas sozinhas no leprosário poderiam lhe suscitar, as fotografias são, de fato,
impressionantes. Segundo Yara Monteiro, para a maioria das crianças internadas nos
leprosários, a vida ocorria sob as mesmas regras e rotinas determinadas pela instituição a
qualquer doente internado, para fins do tratamento não havia as tradicionais divisões de
sexo ou idade. Algumas crianças eram “adotadas” nos asilos por famílias que também
haviam sido separadas de seus filhos, o que poderia ser reconfortante para ambas as
situações, mas não resolvia o drama da criança internada. Pedro Baptista exemplificou esse
processo com a história de “Ditinho, o menino que não ri.”.
“...algumas famílias acabavam adotando crianças do próprio bloco,
então eles passavam a assumir essas crianças, eram famílias da
colônia. Então algumas crianças não eram escolhidas por ninguém,
então a gente percebia que elas ficavam complexadas por que elas não
eram escolhidas por ninguém.”
248
247
“A foto do amante escondida na carteira de uma mulher casada, o cartaz de um astro do rock
pregado acima da cama de um adolescente, o broche de campanha, com o rosto do político, pregado ao
paletó de um eleitor, as fotos dos filhos de um motorista de táxi coladas no painel de um carro todos
esses usos talismânicos das fotos exprimem uma emoção sentimental e um sentimento implicitamente
mágico: são tentativas de contatar ou de pleitear outra realidade.” SONTAG, S., op. cit., p. 27.
248
Depoimento gravado com Wallace Pereira, em 28 de novembro de 1994. Apud MONTEIRO, Y., op.
cit., P. 248.
No verso da foto havia duas inscrições:
’Ditinho’, a criança que não ri, entre as menores garotinhas internadas em Pirapitingui.
Mesmo entre ‘elas’ ele é sisudo!” 4/2/36.
Ditinho – mascote do esporte e da banda musical. Admirado pela permanente cara fechada.
Ainda não houve quem o visse rir. O mais que tem feito é esboçar um leve sorriso e
resmungar.”
Figura n.º 44
Meninas internadas em Pirapitingui, ano de 1936.
Figura n.º 45
3.3.2.2 – Pedro Baptista, presidente.
A permanência de Pedro Baptista na presidência da Caixa Beneficente foi
extremamente valorizada através da fotografia. Uma série importante foi a documentação
da construção do pavilhão evangélico, desde o estudo da planta, ainda em junho de 1935,
até a sua conclusão, no ano de 1936; as obras foram fiscalizadas pelo Reverendo Borchers,
da Igreja de Campinas. Enquanto Pedro foi presidente, as inscrições nas fotos, vinha com
sua assinatura e a indicação do cargo ocupado.
Pedro enviava as fotos que mostravam sua capacidade profissional e a posição
social ocupada. Em uma foto sem data, mostrou-se montado a cavalo acompanhado do
secretário da Caixa Beneficente, partindo para vistoriar os trabalhos agrícolas. Diversas
fotografias o mostravam discursando. Enviou, também, a foto da comemoração do seu
próprio aniversário do ano de 1936, comentando na carta que a diretoria da Caixa lhe
ofereceu um banquete de 50 talheres”.
“Em 5 de janeiro de 1936, os internados do A. C. Pirapitingui,
prestaram significativas homenagens ao Padre Telesphoro,
doente e pároco do Asilo, pelo seu aniversário natalício. Após
a missa solene o povo se reuniu em frente à Igreja e nessa
hora o Presidente Baptista saudou-o em improviso pelos
internados. Este retrato mostra esse ato no momento em que o
orador falava. Ao lado está a menina Risoleta, de branco,
empunhando um presente que a caixa fez ao aniversariante e
lhe foi entregue depois da saudação.”
Este texto foi datilografado e de forma manuscrita foi
acrescentado: “Havia presente nesse ato umas 500 pessoas e
inúmeras visitas”.
“A recepção da noite de 29-6-936.
Discursos, flores e um lindo terno
de casimira.” Pedro.
Pedro se encontra em pé, à direita
da foto. A banda está preparada
para tocar e as pessoas estão
muito bem vestidas.
Figura n.º 46
Figura n.º 47
3.3.2.3 A arquitetura da igreja
A igreja era o elemento arquitenico dominante no cenário de Pirapitingui (Figuras n.º 48
a 53). Imponente e magistral podia ser vista de qualquer ponto do asilo, sendo facilmente
reconhecida em qualquer foto panomica da colônia. Foram enviadas muitas fotografias da igreja,
tanto da fachada quanto de seu interior, assim como diversos eventos que ocorriam em torno dela,
como os desfiles ou das fotos dos times esportivos. Pedro Baptista relatou que o padre, nesse
peodo, também era doente. Nas cerimônias importantes a missa das oito horas, sempre abria o
evento. Em diversas cartas, Pedro explicava sua consideração pelos calicos romanos, pela
importância social em participar desses eventos, mesmo ele sendo metodista.
Segundo Ivone Marques Dias, a lepra é uma doença que gerou atitudes antagônicas por
parte da igreja
249
. Por um lado, o doente é o objeto perfeito da caridade, necessita ser cuidado e
encaminhado para a retidão para participar da gra divina perdida com a doea. Por outro lado,
as instituões dos rituais de exclusão construíram o lugar do leproso como pária na cultura
ocidental, provocando medo e horror na relação com o doente. O leproso era um ser amaldiçoado e
condenado pelo divino. A autora relata algumas histórias de doentes da nobreza medieval, mas
termina afirmando que: O leproso que nos interessa é aquele que ameaça porque, se não fosse
isolado, viveria simbioticamente na altíssima densidade demográfica das cidades de então
(intramuros), portanto contagiando, aterrorizando...
250
.
Corroborando essa idéia, Yara Monteiro e Orestes Diniz afirmam que a profilaxia da lepra
no Estado de São Paulo, nas pticas sociais do isolamento compulsório, apesar de ocorrer após o
advento da bacteriologia e do extenso desenvolvimento de pesquisa médica sobre a doença,
lembravam elementos do imaginário medieval, pois além da segregação, como nos rituais fúnebres
medievais, o leproso era simbolicamente considerado morto social.
“São tocantes os dados que nos chegaram sobre os cruéis
procedimentos de denúncias, de diagnósticos, de sepultamentos
simulados, para em certas partes da Europa formalizar o ato de
exclusão social, enfim, do reenquadramento dos doentes em novas
realidades, quer seja de leprosários, quer seja de itinerantes esmoleiros
preanunciados por matracas barulhentas. Essa lepra horrenda, como
horrendas foram as representações iconográficas da morte no “outono
da Idade Média”, faz parte das crônicas medievais com uma
freqüência incalculavelmente grande. (...) tão chocante aos olhos e a
sensibilidade, que favoreceu uma gama de usos metafóricos e
249
DIAS, I., op. cit., p. 106.
250
Ibid, p. 107.
incandesceu o imaginário coletivo de todas as gentes da Idade
Média.”
251
Apesar de relevante, a análise da posição antanica da igreja cristã ocidental frente ao
leprosoo será desenvolvida nesta dissertão, pois por si seria tema para uma pesquisa, mas a
sua complexidade não poderia deixar de ser observada e nem de ser proposta a sua discussão de
maneira breve.
251
Ibid, p. 104-105.
A igreja era uma referência visual no terreno e lugar social privilegiado para a concentração da
comunidade doente. As solenidades sempre começavam com missa. Era também cenário para
fotografia.
Desfile da banda de música, todos
doentes internados.
Time de futebol infanto-juvenil.
Podemos observar na porta da igreja um grupo de médicos,
cercados pela multidão. O carro estacionado indica também
uma visita ilustre.
Figura n.º 48 Figura n.º 49
Figura n.º 50
Figura n.º 51
Figura n.º 53
Figura n.º 52
3.3.3- Asilo-Colônia Santo Ângelo
Poucas cartas e fotografias para sua esposa foram preservadas do período de
internação de Pedro Baptista em Santo Ângelo: apenas três cartas e dois cartões postais
enviados para os filhos, pela passagem do ano novo e o aniversário dos mais novos.
uma série de fotografias do dia 19 de junho de 1949 e uma foto em 1953, dedicada a ele.
Sobre a arquitetura de Santo Ângelo foi preservada uma foto, sem data ou inscrição no
verso. Além dessas fotos, foram enviados também alguns retratos de Pedro desse período.
A única foto da arquitetura de Santo Ângelo foi identificada a partir do
documentário “Os Melhores Anos de Nossas Vidas”, de Andréa Pasquini, realizado em
2002. Um de seus depoentes, sr. Deodorando, internado quando jovem, relatou que o início
da sua vida asilar foi marcada por muita insubordinação, quando fugia ou desacatava as
autoridades do asilo, ia sempre para a cadeia. Até que um dia, o diretor do asilo o levou
pela mão e apontou a escultura de um leão (Figura n.º 54), dizendo-lhe que este só sairia de
Santo Ângelo no dia que aquele leão rugisse.
Essa história concentra todo o repertório da internação compulsória em São Paulo.
O fechamento da instituição total, a ação policial sobre os fugitivos, as medidas
disciplinares, o poder concentrado nas mãos do diretor do asilo, o doente que não se
submete à intervenção pública proposta na profilaxia de sua doença, a ausência de
esperança na saída da vida asilar. O sr. Deodorando é ex-paciente de lepra e, no momento
da entrevista em 2002, vivia na comunidade remanescente do Asilo-Colônia Santo Ângelo,
no atual Hospital Dr. Arnaldo P. Cavalcanti, em Jundiapeba, Mogi das Cruzes, São Paulo.
Grupo de doentes. Asilo-Colônia Santo Ângelo, aproximadamente, década de 40.
Podemos
observar a
semelhança entre
a fisionomia do
leão e das
doentes que
desenvolveram o
facies leonino,
característico
da doença.
Figura n.º 54
A rie de fotografias do dia 19 de junho de 1949 retrata o encontro de amigos num dia de
domingo, reunindo pessoas de saúde” e doentes e apresentou os animais de estimação de Pedro
Baptista para seus filhos. Essa rie de fotografias se une a uma única foto de 1953 e compõe
informões sobre a convero de Pedro Baptista ao espiritismo, a partir de seu relacionamento
com o médium Chico Xavier. Segundo o depoimento de Cláudio Néri
252
, filho de Pedro Baptista,
seu pai teria participado da fundão da primeira igreja espírita no leprorio. Desconhecendo a
ritualística e a instituição espírita não saberia dizer como são organizados seus cleos de
encontros ou como eram denominados, se o termo igreja seria correto. Também não foi possível
averiguar a hisria dessa “fundação nos registros hisricos sobre Santo Ângelo consultados para
esta pesquisa. Dessa afirmação posso entender a busca emocional, intelectual e espiritual de Pedro.
Na inscrição da fotografia de 1953, Chico Xavier chamou Pedro de irmão querido,
denotando intimidade e afeto, a dedicatória foi assinada por ele e por Júlia, também retratada na
foto (Figura n.º 58 e 59). Na série de fotografias de 1949, Júlia estava presente e foi chamada de
mensageira do bempor Pedro (Figuras n 55 a 57) , que se denominou seu irmão em Cristo. A
posição que Julia ocupava nestas fotografias denotou distião, mostrou-a como uma visita a qual
todos cercavam, tiravam fotos, faziam-se refencias. O cerio da foto foi a frente de uma casa
com várias pessoas presentes. Pedro Baptista se encontrava com 51 anos de idade e a doea já
havia deixado algumas marcas, como por exemplo, as mãos em garra. O terno não estava
impecável, como nas fotos de seu primeiro período de internação, parecia estar desajustado ao seu
tamanho.
O processo de aceitação por Pedro Baptista de estar doente de lepra foi longo, quase dois
anos de diagnósticos errados ou não, o fizeram abandonar o tratamento para dedicar-se à vida
religiosa. A religião exerceu o papel de fio condutor de sua saúde emocional e mental, pois
diversas vezes mencionou que se não fosse sua fé teria colocado fim à vida. Era fiel ao hábito da
leitura, comentando que parava quando sabia ter que “poupar as vistas, era extremamente
míope e, posteriormente, a doea afetou um de seus olhos. A religião metodista reuniu elementos
que lhe eram essenciais, cultura, convivência com o público, lugar de destaque na comunidade e o
discurso sobre sua doença, explicando-a como parte de algum plano divino traçado para ele. No
próximo item deste capítulo, será discutida a experncia da doença de Pedro Baptista e as
252
Entrevista gravada em 27 de agosto de 2005, em Belo Horizonte.
estratégias que ele utilizou para sobreviver emocional, intelectual e fisicamente ao se descobrir
leproso.
“Papai, Artur, Julinha, d. Záira, Hermínio (doente)
e d. Augusta, posando a meu pedido.”
“Chaninho, o gatinho na expectativa
de um bom bocado... 19/6/49.”
“Julinha, mensageira do bem entre seus
irmão em cristo. Pedro e Artur.19/6/49.”
As mãos em garras são visíveis nessas
fotografias. Além da foto do gatinho,
mandou a de um pastor alemão
chamando “Jockei”.
A dedicatória de Chico
Xavier para Pedro é
carinhosa. Entretanto,
não foi possível
confirmar a opção
religiosa de Pedro neste
período. Na única carta
do ano de 1953 para sua
esposa, o discurso
religioso cristão estava
presente, inclusive com
citações de um trecho da
bíblia sobre amor filial.
Figura n.º 55
Figura n.º 56
Figura n.º 57
Figura n.º 58 Figura n.º 59
3.4 – Narrativa da doença de Pedro Baptista
Próspero.- Meu projeto vai, agora, chegando ao ponto final. Meus
encantos não perdem o poder; meus espíritos obedecem e o tempo
carrega seu fardo com a cabeça erguida. Em que hora estamos?
Ariel.- Na hora sexta, senhor, aquela em que segundo me disseste,
terminariam nossos trabalhos.
Próspero.- Realmente, assim disse, quando desencadeei a tempestade.
Dize-me, meu gênio, como estão passando o rei e seus companheiros?
Ariel.- Estão guardados juntos, como me ordenaste e no mesmo estado
em que os deixaste: todos, prisioneiros, senhor, no bosquete de tílias
que protege tua gruta das intempéries. Não lhes é possível libertarem-
se a não ser que lhes dês a liberdade. O rei, seu irmão e o teu estão os
três enlouquecidos e os outros, desolados por causa deles,
transbordam de consternação dolorosa; mas, principalmente aquele
que chamaste o bom velho Senhor Gonçalo, suas lágrimas correm
pelas barbas como a chuva de inverno goteja de cornijas de colmos.
Numa palavra: teus feitiços agiram de tal modo sobre eles que, se
agora os contemplares, sentirás pena deles.
Próspero.- Pensas assim, espírito?
Ariel.- Se fosse humano, teria pena deles.”
253
William Shakespeare, A Tempestade.
Para Paulo César B. Alves e Mirian M. Rabelo, o primeiro elemento afetado na
experiência da enfermidade é o corpo; e o indivíduo doente precisa entender e transformar
sua percepção de mal estar individual num conceito socialmente aceito
254
. A partir dessa
representação, a doença se constitui pelas relações entre o doente e os indivíduos, os
grupos e as instituições que o cercam, afirmando-se como realidade social construída.
Inserido nestas relações, o doente constrói narrativas que elaboram, significam a
experiência da enfermidade para si e para outros. Os autores afirmam que uma tarefa
importante da antropologia da saúde é estudar a experiência subjetiva do adoecimento
entendendo-a como realidade social legitimada e reconhecida. Eles utilizam a metáfora
como instrumento de análise para compreender uma forma de significação não intelectual
da experiência da doença, “um engajamento do sujeito-corpo”.
253
SHAKESPEARE, William. “A Tempestade”. Obras Completas. Rio de Janeiro: Ed. Nova Aguilar,
1988 [1969], pp. 911-963.
254
RABELO, Mirian Cristina M. e ALVES, Paulo César B.. “Significação e Metáfora na Experiência
da Enfermidade” In: __________, __________ e SOUZA, Iara Maria A. (orgs.). Experiência da Doença
e Narrativa. Rio de Janeiro: FGV, 1999, P. 171-185.
“Evocadas na análise de d. Firmina encontram-se as imagens que
expressam o envolvimento de um sujeito/corpo na situação de aflição.
Entretanto, essas imagens o consistem apenas em recursos
lingüísticos utilizados para adicionar uma forma ou significação dos
recursos vividos: antes de fazer parte de um texto elaborado após a
conclusão do drama real, as imagens (ou talvez outro conjunto delas)
fizeram parte do própria drama, ou melhor, do processo de
significação que se desenrola no curso mesmo da experiência.(...) a
metáfora revela e traduz um modo de significação ou compreensão
não intelectual, que é antes de um engajamento do sujeito-corpo na
narrativa de cura constitutiva do projeto pentecostal, do que uma
reflexão a posteriori sobre tal processo.”
255
Uma metáfora utilizada por Pedro Baptista ao longo das cartas enviadas a sua
esposa foi associar seu adoecimento á idéia de tempestade. Nos textos onde não utilizava a
imagem da tempestade, afirmava que a bonança viria e que sempre “Deus proverá”.
Os elementos presentes na imagem da tempestade como evento meteorológico, são
chuvas torrenciais, raios, ventos que geram uma alteração violenta da atmosfera, seja em
ambientes urbanos ou rurais. De maneira figurada é utilizada para agitação moral ou
grande perturbação. No entanto, o importante a observar nesta metáfora é a clara
intervenção externa que alterou por completo a “atmosfera” da vida de Pedro Baptista.
“Não fora minha em Deus, eu não resistiria. Deus porém, tem me
abençoado e n’Ele deponho minhas esperanças. Depois da tempestade
virá a bonança.”
256
“Sem mais, continuando a esperar cartas tuas, o único lenitivo que
podes oferecer... aqui estou encarando impávido e destemorosamente
esta tempestade que se desencadeia sobre minha vida.”
257
Entre a primeira e a segunda citação acima o espaço de menos de um ano. Se na
primeira Pedro esperava a bonança, na segunda, afirmou ainda enfrentar a “tempestade que
se desencadeia” sobre a sua vida.
Nas narrativas sobre sua vida profissional, por exemplo, enaltecia sua competência
enquanto trabalhador de diferentes formas. A primeira delas, como pastor, cujo
255
Ibid, p. 182.
256
Carta de Pedro Baptista para Maricas. Pirapitingui, 12 de fevereiro de 1935. Acervo Pessoal Pedro
Baptista, sob custódia de Cláudio José de Souza.
257
Carta de Pedro Baptista para Maricas. Pirapitingui, 10 de janeiro de 1936. Acervo Pessoal Pedro
Baptista, sob custódia de Cláudio José de Souza.
provisionamento definitivo não conseguiu pela descoberta da doença
258
, a segunda, como a
expressão de perseverança e enfrentamento das dificuldades para estudar e trabalhar que
aconselhou ao seu filho Cláudio
259
ou, ainda, na orientação dada à filha caçula para ser
prática de farmácia, como seu avô e seu pai tinham sido
260
. Ao falar de algo que não
conseguia realizar, afirmava que não foi em decorrência da sua falta de empenho ou
competência, mas das circunstâncias que lhe foram impostas.
“Meu filho. Deste-me imenso prazer, dizendo-me que está estudando.
Coragem e perseverança. Eu também conquistei o meu diploma com
suor e lágrimas. Não fora a moléstia que me constrange eu teria
triunfado na vida. Não importa, que Deus abençoe meus filhos
aplainando-lhes os seus caminhos e meus espinhos se transformarão
em flores.”
261
A narrativa da doença de Pedro Baptista é dividida em três momentos distintos. O
primeiro é delimitado pela saída de casa em busca de diagnóstico até a internação no
Asilo-Colônia Pirapitingui. O segundo diz respeito à fase inicial da vida asilar e o terceiro,
e último, se refere a segunda e definitiva internação.
O seu primeiro diagnóstico, como vimos, foi de sífilis e mesmo sendo uma
tentativa de esconder a sua condição de leproso, pois sentia a dormência e a
insensibilidade motivadas por essa doença, não conseguiu esconder sua tristeza. Emcarta
de 27 de novembro de 1933, escreveu: “Tenho o coração amargurado pelo que não me
matando fisicamente, destrói minha felicidade. Vivo imerso na mais profunda dor. Tem
momentos que chego a crer na incurabilidade da moléstia que me atacou”. Finalizava
dizendo que para viver longe da mulher e dos filhos preferia a morte e afirmava que: “hoje
estive no médico, achando-me sempre melhor. Eu não sei por que essas melhoras não se
manifestam no desaparecimento das manchas, das dormências e da ferida do pé”. Pouco
tempo depois, informava que a ferida no tinha cicatrizado e que protegia a pele com
algodão, as manchas não estavam insensíveis, o que o deixava feliz e concluía ser sua
doença causada por uma disfunção do fígado.
258
Em carta enviada de São Paulo, após a visita à família entre a primeira e segunda internação, em
julho de 1936, Pedro fala de voltar ao ministério e ir trabalhar no Rio Grande do Sul.
259
Carta de Pedro Baptista para Cláudio Nery Baptista. Santo Ângelo, 7 de abril de 1951. Acervo
Pessoal Pedro Baptista, sob custódia de Cláudio Nery Baptista.
260
Carta de Pedro Baptista para Maria Lygia. Santo Ângelo, 11 de abril de 1954. Acervo Pessoal Pedro
Baptista, sob custódia de Andréa Baptista Braga.
261
Carta de Pedro Baptista para Cláudio Nery Baptista. Santo Ângelo, 7 de abril de 1951. Acervo
Pessoal Pedro Baptista, sob custódia de Cláudio Nery Baptista.
Relatou a esposa que encontrou com um amigo em Belo Horizonte, o Dr. Adalto,
que este ficou surpreso ao vê-lo bem disposto e com a “pele lisa”, disse que Pedro Baptista
havia sido caluniado pelos inimigos quanto aos seus problemas de saúde.
O período da busca do diagnóstico até sua primeira internação foi passado entre
Belo Horizonte e Carmo do Paranaíba, em Minas Gerais, e as cidades do interior paulista
para as quais foi designado como pastor-ajudante. Além de cuidar da saúde, Pedro iniciou
a formação para pastor metodista e o tema dos relatos se alternava entre a doença e a busca
religiosa, esta era mais valorizada por Pedro, assim como os eventos que o conduziam ao
caminho da pregação do evangelho:“dia a dia mais descreio dos homens para crer em
Deus”.
A partir de sua ida para Carmo do Paranaíba, abandonou completamente o
tratamento. Voltou sua crença para a busca no milagre da e da cura espiritual: “Em 15
dias, preguei 20 vezes. (...) Era um homem morto moral, física e espiritualmente. Deus
teve de mim e me levantou. Pois bem, sou d’Ele e viverei para Ele. O passado eu
sepultei no esquecimento e faço questão de não lembrar.”
262
O conteúdo das cartas se tornou extremamente repetitivo, descrevia os diversos
sermões, a sua eficiência em lidar com as comunidades evangélicas, a dedicação à causa
cristã e o ritmo frenético que se impunha na dedicação ao evangelho. A religião foi a
primeira resposta que Pedro Baptista conseguiu encontrar para elaborar a informação de se
descobrir doente. A intensa atividade evangélica respondeu ao impacto do diagnóstico que
alterou sua rotina de vida. Estava em outra cidade, longe da família, vivendo para a rotina
de consultas médicas e medicamentos.
“A doença é aquilo que veio de fora com a força de uma entidade
exterminadora. Destruindo os cálculos, solapando as bases, assentadas
na infância, da felicidade pessoal, ela é também o destino individual,
isto é, a falha de caráter intransferível, mais dolorosa por se mostrar
capaz de desmentir, ao nível do indivíduo, o esforço familiar e social
de perfeita adequação à coletividade saudável, do ponto de vista físico
e moral.”
263
Pela recusa de se identificar com a doença, Pedro Baptista interrompeu o
tratamento e buscou a identidade de pastor metodista. O silêncio foi o caminho encontrado
262
Carta de Pedro Baptista para Maricas. Rio Paranaíba, 17 de abril de 1934. Acervo Pessoal Pedro
Baptista, sob custódia de Cláudio José de Souza.
263
PORTO, A., op. cit., 121.
frente ao diagnóstico e ao estigma da doença. Segundo Michael Pollak, o silêncio sobre
algum fato da vida pode ser uma condição necessária para que o indivíduo não rompa com
o meio social em que está inserido. O autor citou, como exemplo, uma sobrevivente judia
que ocultava sua etnia por ter escolhido permanecer na Alemanha após o término da
Segunda Guerra Mundial, pois o trabalho com a memória, mesmo a individual, não pode
ser dissociado da “organização social da vida
264
.
Podemos perceber na opção de Pedro pela vida religiosa uma estratégia de
reconstrução de si para o enfrentamento da realidade imposta pela doença. Mas, foi nessa
vida de dedicação ao evangelho e no processo que buscou para o se identificar com a
condição de doente que surgiu a exigência do exame e do atestado de saúde.
“Foi na ocasião do Concílio em São Paulo que descobriram a minha
moléstia. Ainda não sei como, exigiram-me exame de sangue e
atestado de saúde. Examinado por especialistas disseram-me doente.
A minha cura é rápida, devido ao meu estado geral ser ótimo. Si Deus
quiser, eu resistindo ao tratamento que é rigoroso, estou salvo, Deus
proverá.”
265
As cartas iniciais que explicavam a internação para a esposa falavam sempre de
cura. Embora a lepra passasse à condição de doença curável somente uma década depois
com a utilização da terapia com as sulfonas. No momento em que foi internado, a doença
era incurável.
Iniciava-se o segundo momento de sua narrativa sobre a doença. Os relatos do
início de sua internação registraram tanto a esperança na cura como o desespero de ter sido
internado; a imagem da morte começava a se tornar mais presente nas cartas, o medo e o
desejo dela.
“Meus sofrimentos são superiores as minhas faltas. Vejo tantos
miseráveis, bandidos mesmo, e que, entretanto, gozam a felicidade do
lar! Mundo ingrato! Que culpa têm meus filhinhos para sofrerem as
saudades do papai, que tanto os ama e é por eles amado?! Qual,
Maricas, estou mergulhado na mais profunda desilusão. Permita Deus
que nesta avalanche não também a minha fé. Chega de tanto
264
POLLAK, M., op. cit., p. 14.
265
Carta de Pedro Baptista para Maricas. Pirapitingui, 20 de fevereiro de 1935. Acervo Pessoal Pedro
Baptista, sob custódia de Cláudio José de Souza.
sofrer... que me importam o conforto, o tratamento, a posição, o
conceito, tudo enfim, se os meus queridos sofrem?
266
A indicação e eleição para a presidência da Caixa Beneficente trouxeram para sua
vida a realização profissional. Junto com as cartas, dezenas de fotografias foram enviadas
para mostrar a capacidade produtiva e a reverência como era tratado no asilo, como
compensando seu exílio da sociedade.
Sobre a doença, ele pedia para que a esposa não comentasse com ninguém e que
continuasse dizendo que estava a serviço do evangelho, baseado na Igreja Metodista de
Campinas
267
. Ao pedir a discrição da esposa, observou que não era necessário mentir, pois
estava representando a igreja dentro do asilo, mas que não era um serviço remunerado.
Relatou que uma irmã sabia o lugar aonde se encontrava, e embora ela eventualmente o
visitasse, não havia informado aos outros membros da família. Era uma tentativa de
controle das relações sociais na cidade onde a esposa e os filhos viviam. À solicitação da
esposa que escrevesse ao sogro, gerou o comentário de que receava que “sua carta fizesse
medo àquela gente”.
“As principais características da experiência da doença são o segredo
e o silêncio, e na medida do possível a manutenção de uma
continuidade da vida: tudo muda na visão que o doente tem de si
mesmo, mas nada deve mudar na imagem que os outros têm dele.”
268
Para preservar sua identidade no leprosário, Pedro Baptista utilizou-se da escrita de
si para concluir uma imagem altiva frente ao estigma da lepra e a segregação da sociedade.
Para tanto, privilegiou os recursos que lhe eram possíveis: o único bem que possuía era a si
mesmo, seu conhecimento, sua educação, sua fé. Serviu-se de suas qualidades intelectuais
para estabelecer relações com as instâncias de poder no asilo e no Departamento de
Profilaxia da Lepra de São Paulo para a manutenção de um status quo para si, sua família e
o papel que desempenhava na nova rede social que estava inserido, como pode ser
exemplificado nos trechos de suas cartas reproduzidos a seguir:
266
Carta de Pedro Baptista para Maricas. Pirapitingui, 5 de agosto de 1935. Acervo Pessoal Pedro
Baptista, sob a custódia de Cláudio José de Souza.
267
O Asilo-Colônia Pirapitingui era próximo à cidade de Itú e Campinas.
268
POLLAK, Michael. Os Homossexuais e a AIDS Sociologia de uma Epidemia. São Paulo: Estação
Liberdade, 1990, p.99.
“Os médicos são dedicados e o Diretor é muito camarada. Ele se
interessa por mim e procura me dar o conforto que a minha educação
exige.”
269
“A despeito de minha boa vontade e do grande dom que o Espírito
Santo me dotou a simpatia, não posso agradar a todos,
principalmente aos que andam fora da disciplina e aos lobos com pele
de ovelha..”
270
A primeira fase de sua internação caracterizou-se por um pacto bem sucedido com
as autoridades acompanhado por um certa rejeição por aqueles que não compartilhavam da
mesma confiança que Pedro Baptista depositava na eficácia do sistema asilar e na
submissão à ordem. A posição de destaque que conseguira em Pirapitingui foi outro
elemento valorizado na escrita de si, dentro do leprosário foi reconhecido pela sua
competência tanto pelo diretor que o indicou como presidente da Caixa Beneficente, como
pelos internos que o elegeram.
Ao falar de sua relação com um novo internado, um menino de seis anos, também
doente, abordou o tema do contágio, descrevendo que bastava o menino vê-lo que logo
pulava em seus braços, lembrando muito seu filho Cláudio. A preocupação de Pedro foi
informar que ele não se contaminava pelo contato com o menino, quando este lhe abraçava
ou beijava, afirmou para a esposa que estar perto não tinha importância. Informou ainda
que havia uma separaçãonatural” entre os doentes do asilo, inclusive recomendada pelos
médicos e que os remédios que tomavam “imunizava-os”, o ambiente era de muita higiene,
não havendo comunhão nem de vasilhas, nem de banheiras, já que os banhos eram em
chuveiros. Não havia, como ainda não há, nenhuma imunização para a lepra, essa
informação respondia ao desejo de Pedro frente a não dizer-se doente.
Em apenas uma carta Pedro se auto-intitulou de leproso e disse ter lepra (ver Anexo
n.º 3). A doença da qual ele sempre falava, tinha a possibilidade de cura, a sua internação
era para tratamento, não mencionava a obrigatoriedade desta internação, dizia usar uma
medicação que imunizava e que a relação com os médicos era cordata e gentil.
A única informação que não mascarava era o quanto era dolorido o tratamento,
pedindo forças para suportá-lo. A categoria do sofrimento no imaginário cristão do qual
269
Carta de Pedro Baptista para Maricas. Pirapitingui, 13 de fevereiro de 1935. Acervo Pessoal Pedro
Baptista, sob a custódia de Cláudio José de Souza.
270
Carta de Pedro Baptista para Maricas. Pirapitingui, 7 de novembro de 1935. Acervo Pessoal Pedro
Baptista, sob a custódia de Cláudio José de Souza.
compartilhava, não atribuía à dor vergonha ou culpa, pois, ao definir que vivia uma “via
crucis” se identificava com Jesus Cristo, redentor do mundo através da sua dor. As
representações elaboradas na experiência da doença organizaram simbolicamente o duro
enfrentamento do estigma da lepra e do leproso.
A análise tanto da correspondência quanto do prontuário de Pedro Baptista
confirmaram sua articulação com os diversos profissionais que exerceram os cargos de
direção dos leprosários e do Departamento de Profilaxia da Lepra, ao longo de todo o seu
período de internação.
No primeiro ano em Pirapitingui, foi indicado pelo diretor do leprosário para ser
presidente da Caixa Beneficente; nos meses de alta que viveu no ano de 1936, excetuando
o período em que viajou para rever a família em Minas Gerais, trabalhou no Departamento
de Profilaxia da Lepra. Em seu prontuário estavam registradas cartas que trocou com a
diretoria do Departamento e privilégios de acesso a informações e transporte entre asilos.
Também trabalhou na Caixa Beneficente do Asilo-Colônia Santo Ângelo, como diretor do
departamento jurídico e era o orador oficial dessa instituição. Após a sua morte, sua
esposa recebeu uma carta de pêsames em nome da Caixa Beneficente, com o seguinte
relato:
“A vida do nosso estimado e saudoso Pedro Baptista no interior deste
sanatório foi toda ela partilhada entre a saudades dos entes queridos,
distante do olhar mas sempre perto de seu boníssimo coração, e em
atenção ao bem estar de seus companheiros de segregação, aos quais
com as luzes de seus vastos conhecimentos e a dedicação de uma
verdadeira alma de samaritano, tanto procurou confortar e tanto
orientou no decorrer dos anos de sua internação, tornando sua
brilhante vida a mais útil possível em beneficio de seus semelhantes.
Senhor de uma eloqüência invulgar, possuía o supremo dom da
palavra. Sabia manejar com suprema ciência o nosso vernáculo. A
todos encantava e comovia com sua oratória por longos anos
conservou o cargo de orador oficial dessa Caixa Beneficente tendo
ainda sido o diretor de departamento jurídico desta instituição
havendo prestado a mesma e concomitantemente à coletividade
hanseniana os mais relevantes serviços, por assim dizer, com o
magnífico serviço de proteção aos portadores do mal de hansen do
estado de São Paulo, de uma maneira verdadeiramente fecunda. Seu
desaparecimento deixou uma grande lacuna no seio desta coletividade,
à qual como nos expressamos, dedicou os melhores anos de
realizadora existência tantos e tais foram as provas de amor ao
próximo e tanto bem aspergiu neste recanto onde a esperança renasce
que seu nome permanecerá indelevelmente gravado nos corações
daqueles que tiveram a ventura de com ele conviver. Realmente,
muito ficamos devendo ao nosso inesquecível e pranteado amigo.”
O terceiro e último período ocorreu entre o cancelamento de sua alta e as últimas
cartas trocadas com a família antes de seu falecimento. Pouco material foi preservado entre
os anos 1936 a 1955.
As primeiras cartas do segundo momento de internação em Pirapitingui, após
novembro de 1936 trouxeram relatos de dor física, ocasionado por um grave quadro
inflamatório e de angústia, por ver-se privado da possibilidade de voltar para a família. Em
maio do ano seguinte, escreveu ao dr. Francisco Salles Gomes Junior, informando que se
encontrava bem de saúde e colocando-se à disposição para trabalhar fora do leprosário. A
resposta de Salles Gomes, como já foi visto, foi negativa.
A partir desse evento, poucos documentos forma encontrados no acervo pessoal de
Pedro Baptista; as duas cartas e os dois cartões postais preservados expressavam a angústia
e a opressão de estar internado e a dor causada pelo afastamento dos que amava.
O cartão-postal enviado por ocasião do ano novo de 1939, exemplificou esse
terceiro momento da internação, marcado pela falta de perspectiva, esperança de cura ou
reencontro com a família.
“1938-1939. Aos meus inesquecíveis filhinhos Jovaura, João
Bennio, Cláudio Néri, Mardro e Maria Lygia, em nome de Deus,
embora esquecido, desprezado e desgraçado para este mundo de
vilezas e hipocrisias, aos meus queridos filhos eu lanço a minha
benção paterna e suplico ao Todo Poderoso um futuro feliz e risonho
para eles. Do papai, Pedro.”
Pedro mostrou-se amargurado e solitário. Descrente do mundo dos homens e
submetido ao mundo de Deus do qual por muito tempo considerou-se mensageiro. As
palavras que utilizou para definir o mundo, “Vilezas e hipocrisias”, nos remetem a pensar
quais seriam essas hipocrisias? Seria uma decepção frente à expectativa gerada em obter
sua segunda alta? Durante muito tempo investira na articulação com o poder. Essa
articulação sempre lhe rendeu benefícios e conseguiu atenuar sua condição de internado
com as conquistas sociais e políticas no asilo. O investimento numa segunda alta e numa
colocação que lhe rendesse recursos financeiros se reverteu na frustração de permanecer
internado e culminou em sua transferência de Pirapitingui para o Sanatório Padre Bento.
Podemos entender essa transferência como um “prêmio de consolação”, pelo local
privilegiado que Padre Bento ocupava no modelo asilar paulista, até pela exigência de que
para iam transferidos, os que estivessem com a baciloscopia negativa 12 meses.
Mas, Pedro pediu quinze dias de licença para passar em Santo Ângelo, para onde terminou
sendo transferido definitivamente.
Na carta de 5 de agosto de 1939, Pedro assumiu viver a “dura contingência de se
asilar”. Rompeu relações com a esposa e pediu que não proibisse seus filhos de lhe
escreverem livremente.
No mesmo ano, casou-se em segundas núpcias em Santo Ângelo e a comunicação
com a família foi resgatada a partir de 1949, pela correspondência trocada entre Pedro e
seus filhos, após esse período, foi guardada apenas uma carta para Maricas.
É possível inferir, a partir da correspondência citada, que Pedro Baptista nesse
momento da sua vida asilar, rompeu com o mundo externo, voltando-se para a construção
de novas relações no leprosário. Essas evidências apontam para o deslocamento dos meios
que utilizava na construção de sua experiência da doença. O recurso da escrita de si deixou
de ser um espaço de sociabilidade, não mais preservando ou controlando suas relações
sociais fora do mundo asilar, para ser lugar de ruptura com o mundo externo.
A participação de Pedro na fuga de duas internas no ano de 1953, informação
recuperada por meio de prontuário, demonstrou que sua confiança no sistema asilar como
lugar de cura e permanência de doentes não era a mesma. No entanto, suas relações
pessoais com o diretor de Santo Ângelo indicaram a permanência de alguns privilégios
como possuir acesso à informação da instância administrativa, ao uso do carro de
transporte de Santo Ângelo para levá-lo para Cocais, a transferência dos maridos
abandonados para o Sanatório Padre Bento, a carta do dr. Renato Braga para ele, pedindo
paciência e indicando o que poderia ser feito sobre o evento.
A última carta de Pedro para Maricas foi em 7 de maio de 1953. A emoção desta
carta transpareceu um sentimento de redenção. A visita de dois de seus filhos muito o
emocionou. Reconheceu o empenho da mãe ao criá-los e agradeceu por ter recebido deles
diversas expressões de amor filial que, se existia, foi por que ela o havia mantido e
acalentado. Regozijou-se em ser avô e desejou a Maricas um porvir feliz ao lado dos filhos
e netos. Observou o 30
o
. aniversário de casamento deles e admitiu sentir saudades, pedindo
para que ela acreditasse que esse sentimento era verdadeiro.
Iniciou a carta dizendo que estava internado em Cocais e que ali se encontrava para
se recuperar de um esgotamento nervoso e tratando de sua diabete. Sobre a lepra, disse
desejar que a morte encerrasse rapidamente toda sua longa trajetória vivida, internado num
leprosário sem poder voltar para casa.
“Eu vivo, ora melhor, ora pior de minha saúde. Tenho sofrido alguns
reveses no meu estado físico, mas nem por isso perdi a no Todo
Poderoso, que tem me dado forças para suportar tão longa provação.
dias que desejo morrer para terminar minha odisséia, no entanto,
esses momentos de fraqueza espiritual são substituídos por uma
conformação e assim os dias, os meses, os anos vão correndo e vou
palmilhando a via crucis.”
Essa narrativa trouxe outra imagem presente nos três momentos da experiência da
doença de Pedro Baptista: a presença da morte.
O entendimento da morte no primeiro momento da narrativa de sua doença,
marcada pela conversão religiosa, era de benção pelo privilégio de antecipar a graça de
encontrar-se com Jesus, mas no mesmo parágrafo, associou a doença a um mal que minava
o seu corpo. Sabia que estava sendo poupado porque Deus havia revelado a ele o plano de
sua existência, que era servi-lo.
Internado em Pirapitingui, no segundo momento da narrativa, clama pelo olhar de
Deus, pois caso este não recaia sobre ele, não saberá se terá forças para resistir.
Ao longo de todo o período de internação, Pedro Baptista “negociou” com a
presença da morte, tanto física quanto social, imputada pela segregação.
Com a morte desejada para pôr fim ao suplício da doença, o agenciamento com o
divino dava suporte para o enfrentamento da realidade da doença, entendê-la como um
fardo a carregar e não romper com essa imposição divina até que Ele decidisse. Quanto à
morte social, criou uma estratégia de construção da imagem de si, enviando para o mundo
externo cartas e fotografias que agregavam valores de potência e de produtividade, e
rompiam com o lugar de doente e da doença que definiram a sua existência entre 1933 e
1955.
Quando sua expectativa de alta se frustrou, no segundo momento da sua narrativa
sobre a doença enfrentou sua ansiedade com resignação, frente ao que ainda poderia passar
na experiência de sua enfermidade ou sonhar com o mundo, fora dos muros do leprosário.
“Eu continuo em tratamento e aguardando o momento em que tenha a
alegria de sair ou a desilusão de ficar. O que tem de ser tem força. Não
me desespero com a enormidade do meu infortúnio. Não fugimos ao
destino. O resto é quimera. Não atribuas isto a falta de fé. É resultado
de tanto sofrimento. Caí na realidade. Na vida só devemos fazer o bem
e esperar o desenrolar dos fatos que nos estão traçados.”
271
A frase “o que tem de ser tem força” foi emblemática na vida de Pedro Baptista.
Talvez força seja a expressão adequada para dizer do investimento em tornar-se sujeito de
sua experiência de vida e da doença. Sua narrativa se constituiu com elementos
antagônicos de valorização e autopunição, de criação e morte, de enfrentamento e
desistência.
Pedro Baptista, enquanto doente, viveu um momento extremamente radical da
intervenção da esfera pública na existência privada da doença. Como Próspero, que
desencadeou uma tempestade para aplacar a dor da traição e conseguir a redenção de sua
vida, o Departamento de Profilaxia da Lepra era muito bem fundamentado no exercício de
seu poder. O isolamento dos doentes da sociedade e a proposta de eliminar a doença em
uma geração elaboraram estratégias que interferiram não apenas no direito de ir e vir dos
doentes, mas também construíram práticas que reconfiguraram as vidas daqueles que
estiveram sob seu controle: o doente, os comunicantes e sua descendência.
O desejo de vingança de Próspero foi indiscriminado, ele prendeu seu irmão, o rei,
o irmão do rei e até mesmo quem o ajudou a fugir de Nápoles, o “bom velho Senhor
Gonçalo”. Assim que Próspero extenuasse sua ira, o espírito Ariel seria libertando, ao se
aproximar à conclusão dos trabalhos, foi o ser inumano e submetido que levou o mestre a
recuperar sua identidade com o humano.
Entre 1929 e 1967, São Paulo internou todas as formas clínicas da lepra, não
levando em conta os diferentes critérios de contagiosidade. Pedro Baptista sobreviveu à
tempestade desencadeada em sua vida pela reconstrução de sua identidade deteriorada pelo
estigma da doença. Designava-se presidente, foi orador e diretor, buscou novos laços na
vida asilar para recriar a normalidade da vida humana em sociedade.
Pedro Baptista, ao receber alta definitiva, havia passado mais de um terço de sua
vida internado. As debilitadas condições físicas em que se encontrava e as novas redes
sociais que construíra para si, o mantiveram residindo no Asilo-Colônia Santo Ângelo. O
mesmo Estado que lhe cerceara a liberdade, subvencionou o conforto do último ano de sua
vida.
271
Carta de Pedro Baptista para Maricas. Pirapitingui, 5 de agosto de 1935. Acervo Pessoal Pedro
Baptista, sob a custódia de Cláudio José de Souza.
Faleceu em 17 de julho de 1955 e foi enterrado no cemitério do leprosário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A descoberta do Mycobacterium leprae, em 1872, por Gerhard Hansen, inseriu a
lepra nas discussões científicas do final do século XIX e início do XX. Nas primeiras
conferências internacionais chegou-se a uma determinação comum para sua profilaxia: o
isolamento dos doentes, e o exame periódico dos comunicantes, ou seja, o controle dos
familiares ou pessoas de convivência íntima com o doente para identificar novos casos da
doença. Além das determinações quanto à profilaxia, ocorriam debates sobre as formas de
contágio da doença e sua conceituação clínica. Somente na Conferência realizada em 1923,
na França, ou seja, mais de 50 anos após a identificação do bacilo, foi determinado que a
doença não era hereditária.
A elite médica brasileira acompanhava e participava de discussões nas conferências
internacionais e isto gerava um vigoroso debate nos principais órgãos e publicações
científicos brasileiros. Na Primeira República, a questão sanitária transformou a saúde
pública em questão nacional, a necessidade de combater epidemias, como a gripe
espanhola, ou as diversas endemias rurais, desencadearam a criação nos estados e pelo
Governo Federal, de legislações e regulamentos para a luta do saneamento do país.
A criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1920, consolidou o
processo de acordos dos estados com o Governo Federal para ações na área da saúde. A
lepra ganharia destaque com a criação da Inspetoria da Lepra e Doenças Venéreas e daria à
doença o caráter de urgência necessário para criar e implementar possíveis ações para sua
profilaxia. Médicos como Eduardo Rabello e Emílio Ribas defendiam um isolamento
intitulado de “humanitário”, onde o doente não seria levado para lugares distantes de suas
redes de sociabilidade, com o intuito de não acarretar um grande número de fugas ou
boicote à prática de isolamento.
A partir dos relatos de doentes podemos observar que os princípios norteadores do
isolamento compulsório: a proteção da sociedade da doença e uma opção de vida para os
leprosos, foram cumpridos apenas em parte. Primeiro, porque os índices não demonstraram
a eficácia do isolamento no controle da incidência da doença. Em segundo, a “vida
melhor” tanto anunciada para os leprosos, também não aconteceu: a superlotação constante
dos asilos comprometeu a qualidade de vida dos internados; as redes de privilégios criava
diferenças sociais claras na conquista de benefícios; os diversos regulamentos afetavam as
relações familiares, conjugais, afetivas, profissionais, criando uma ruptura entre o
internado e sua história de via pregressa à sua entrada no leprosário. As estratégias de
controle elaboradas pelo Departamento de Profilaxia da Lepra deixavam marcas nos
doentes e seus filhos, constituindo uma geração sob o estigma da doença. O isolamento
proposto como humanitário” propõe reflexões sobre a compreensão do que era
“humanitário” e “humano” nos anos 30.
O Estado de São Paulo aprovou a lei 2.416, de 31 de dezembro de 1929, que
determinou a forma de profilaxia para a doença: a implantação do modelo conhecido como
tripé, o isolamento e a notificação compulsória dos doentes de lepra.
Na década de 30, São Paulo possuía uma forte rede asilar. Salles Gomes,
administrador dessa rede por um longo período, afirmou, em carta enviada a Arthur Neiva,
na qual elogiava a rede asilar paulista, que o problema da lepra estaria resolvido no Estado
em dez anos. No entanto, a análise da evolução e da incidência da lepra pelo número de
internações entre 1924 e 1970 não indicou a resolução esperada (ver Apêndice n.º 9).
Também nos anos 30 do século passado, Pedro Baptista saiu de Mutum, Minas
Gerais, para Belo Horizonte em busca de diagnóstico para a doença que sofria. Este evento
inaugurou um longo período de correspondência com a família, onde são relatadas a busca
de um diagnóstico, o início de um tratamento, a conversão religiosa e a dedicação à
pregação do evangelho. O medo da doença levou Pedro a abandonar os cuidados médicos e
a se entregar a busca da cura espiritual. Pedro Baptista, notificado como leproso, foi
internado em todas as unidades da rede asilar paulista.
A partir do ingresso de Pedro numa instituição total ficou claro, na correspondência
com a família, sua crescente preocupação em construir uma imagem de si que não
estivesse identificada com a doença e com o leprosário onde estava internado. Utilizou os
recursos que lhe eram disponíveis: sua fé, sua religião, seu capital cultural. As cartas e
fotografias enviadas da primeira internação em Pirapitingui são ricas em representações
sobre a reconstrução da identidade a partir da dramática intervenção da doença.
Sua vida de internado foi profusamente documentada por meio da fotografia. Esse
recurso nos inseriu nas práticas culturais da vida asilar e na estratégia política da
construção da imagem do leprosário como uma cidade, onde a vida do leproso aconteceria
“normalmente”.
Nos utilizamos das categorias de estigma e normalidade a partir da conceituação de
Erving Goffman. Para o autor, o estigmatizado busca comportamentos “considerados
normais” para que sua existência o se marcada pela identificação imediata do
estigma, para que não seja alijado dos rituais de “aceitação social”. A escrita de si
elaborada por Pedro Baptista no período foi marcada por sua necessidade de identificar-se
com os representantes do poder da rede asilar paulista.
As séries de informações apresentadas nas correspondências e fotografias nos
remeteram a contextualização das políticas públicas do Estado de São Paulo, entre os anos
30 e 60, e a necessidade de analisar as estratégias políticas, sociais e culturais da instituição
do leprosário. Tais informações foram relevantes para trazer respostas a algumas lacunas
existentes na correspondência e para recuperar a trajetória asilar de Pedro Baptista, tanto
nas evidências por ele levantadas como naquilo que silenciou.
Três temas foram os mais presentes nas séries fotográficas enviadas por Pedro
Baptista para a família: crianças, esportes e, como ele gostava de dizer, “sua careta” (ver
Apêndice n.º 10).
Várias inscrições no verso das fotografias traziam os nomes e as histórias de
internados, crianças e adultos, com os quais Pedro buscava construir novos laços dentro do
leprosário.
Ao analisar as instituições totais, Erving Goffman insere a promoção de festas em
datas comemorativas ou atividades esportivas em grupo como forma da instituição conferir
“normalidade” à pesada rotina imposta pelos objetivos institucionais. No caso específico
do leprosário, a segregação dos leprosos da sociedade e a rotina do tratamento médico.
As práticas sociais e institucionais dos leprosários eram pormenorizadas e
registradas minuciosamente nos prontuários. A estratégia do armazenamento dos
prontuários e do controle dos comunicantes iniciou em 1924 e perdurou até 1980, seu
acervo encontra-se atualmente no Arquivo Estadual de Hanseníase do Núcleo de Memória
da Saúde do Instituto de Saúde, em São Paulo.
O prontuário nº 8.537, de Pedro Baptista, foi uma importante fonte documental para
a recuperação de sua trajetória de vida. Em primeiro lugar, definiu a forma da doença, os
leprosários onde esteve internado e o tempo em cada um deles, os processos de alta, um
segundo casamento no asilo e o nascimento de duas filhas, os momentos em que trabalhou,
cartas pleiteando melhores condições de vida, eventos corriqueiros como servir de
testemunha ou a reclamação de sua ajuda na fuga de duas mulheres por parte de seus
maridos abandonados. O recorte dado ao prontuário quanto às categorias de documentos,
sobre controle e tratamento da doença, sobre a vigilância do Estado e sobre a vida pessoal
de Pedro Baptista, foi uma proposta de análise das diversas leituras possíveis desses
documentos e das várias séries de informações que podem ser ainda inferidas.
A partir do prontuário e do acervo pessoal podemos observar o impacto das
políticas públicas do Estado de São Paulo em sua trajetória de vida.
A estrutura rígida criada pelo dr. Francisco Salles Gomes Junior na direção do
Departamento de Profilaxia da Lepra e a rigorosa política de internação, não permitiram a
vida de Pedro Baptista fora do asilo, mesmo quando sua baciloscopia indicava 12 meses
consecutivos de exames negativos. Esta segunda alta concedida pela comissão clínica e
negada por Salles Gomes, marcou a segunda fase de internação de Pedro Baptista e a sua
descrença no isolamento como a solução para a sua doença; somente neste episódio foi
possível o entendimento de que sua internação no leprosário era definitiva.
O decreto 10.570, de 1939, impôs a idade mínima de 21 anos para os filhos
visitarem seus pais internados. Esta norma determinou que Pedro conhecesse sua filha
caçula com Maricas apenas por meio da fotografia; os filhos homens mais velhos do casal,
visitaram o pai depois de adultos.
No período de internação em Cocais, recebeu a visita de seu filho João Bennio que
apresentou no teatro de asilo a peça com a qual excursionava, “As Mãos de Eurídice”.
Pedro Baptista estava, então, 20 anos fora de casa e 19 internado. Nessa visita foi
possível Pedro resgatar os vínculos familiares e levá-los para dentro do asilo, uma situação
atípica nas dinâmicas da vida asilar, pois o longo período de internação, a dificuldade de
acesso aos leprosários tanto geográfica quanto politicamente, levava ao afastamento dos
familiares e ao abandono do doente internado.
Pedro Baptista também desabafava sobre o que ele “teria prometido ser”, era um
homem que buscava uma realização profissional mesmo internado e a religião foi a
interlocução constante na construção da imagem de si. Nessa perspectiva, podemos dizer
que ele não desempenhou o papel tradicional imposto ao leproso internado, pois conseguiu
melhores condições de habitação e sobrevivência no asilo. Sua articulação com as
instâncias do poder rendeu-lhe trabalho, acesso privilegiado a informação, pequenos
confortos. Se por um lado ficou claro em sua trajetória que conseguiu benefícios, por outro
lado, nos permite ler nas entrelinhas os necessários e “custosos” agenciamentos com o
poder e a rígida estratificação social da instituição asilar.
A análise das políticas públicas do Estado de São Paulo no combate à lepra no
período de internação de Pedro Baptista abrangeu tanto a prática do isolamento
compulsório quanto a terapia com sulfonas que negativava a doença clinicamente. E nesse
momento, quando ele se tornou um ex-paciente, em alta designada como definitiva,
encontrava-se ainda “sob a vigilância” do Estado. A terapia com sulfonas iniciada na
década de 40, no Sanatório Padre Bento, e, posteriormente, inserida no tratamento geral
nos leprosários, não produziu mudanças imediatas na profilaxia da doença, no Estado de
São Paulo, que continuou internando doentes até 1967, quando finalmente foi abolida a
internação compulsória.
A narrativa da doença de Pedro Baptista nos mostrou o que Ângela de Castro
Gomes analisou como “escrita de si e como o narrador e o texto se fundem criando ao
outro simultaneamente, pois a correspondência é um espaço constitutivo com regras
próprias para a catarse, o prazer, a sociabilidade, comunicação e auto-conhecimento.
Na dissertação “O que tem de ser tem força”: narrativa sobre a doença e a
internação de Pedro Baptista, leproso, meu avô (1933-1955) privilegiei a voz do doente,
inserindo-a no seu contexto social, político e cultural, levando ao público a experiência
individual da doença. Um homem comum, mas não anônimo. Ao entrevistar Mardro
Baptista perguntei se havia faltado alguma coisa diante da situação de sua mãe tê-los
criado sozinha, mais especificamente, na parte material, na infra-estrutura básica à vida e
ele me respondeu: “Faltou o mais importante, faltou o meu pai”.
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(COC/FIOCRUZ)
DEPARTAMENTO DE ARQUIVO E DOCUMENTAÇÃO
SUB-SETOR DE IMAGEM EM MOVIMENTO
ÍTALO TRONCA, LEPRA: O ESPETÁCULO DO MEDO”, CENTRO DE COMUNICAÇÃO DA UNICAMP,
1987, VÍDEO/DOCUMENTÁRIO.
ANDRÉA PASQUINI, “OS MELHORES ANOS DE NOSSAS VIDAS”, FUNDAÇÃO NOVARTIS, 2002,
VÍDEO/DOCUMENTÁRIO.
IARERÊ: HANSENÍASE E MENTALIDADE NO RIO DE JANEIRO. DAC/COC/FIOCRUZ. 1988,
VÍDEO/MATERIAL BRUTO ENTREVISTAS.
NÚCLEO DE MEMÓRIA DA SAÚDE DO INSTITUTO DE SAÚDE, SÃO PAULO.
PRONTUÁRIOS
N.º 8.537, PEDRO BAPTISTA.
PERIÓDICOS
UM FATO GRAVÍSSIMO. REVOLTADOS MORFÉTICOS DO BAIRRO DE BOM SUCESSO INVADEM A CIDADE DE
PINDAMONHANGABA OS ESTUDANTES REAGEM E A POLÍCIA INTERVÉM, SENDO OS LÁZAROS
ESCORRAÇADOS NUMA ESTRADA UM DOS DESGRAÇADOS MORDE UMA CRIANÇA. FOLHA DA MANHÃ. SÃO
PAULO, 6 DE JULHO DE 1927.
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ATÉ NOS BONDES OS MORPHÉTICOS VIAJAM. DIÁRIO NACIONAL. SÃO PAULO, 3 DE ABRIL DE 1929.
CARAVANAS DE LEPROSOS ESMOLANDO EM PLENA CIDADE. DIÁRIO DA NOITE. SÃO PAULO, 17 DE
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A PROPÓSITO DA VISITA AO ASILO SANTO ÂNGELO. DIÁRIO DE SÃO PAULO. SÃO PAULO, 22 DE
MAIO DE 1929.
O PROBLEMA DA LEPRA. O ASILO-COLÔNIA DE SANTO ÂNGELO E A MORTALIDADE, ENTRE OS
LEPROSOS. DIÁRIO NACIONAL. SÃO PAULO, 3 DE JULHO DE 1929.
COMO ISOLAR OS LEPROSOS? DIÁRIO NACIONAL. SÃO PAULO, 14 DE NOVEMBRO DE 1929.
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A LEPRA. OS PERIGOS A QUE ESTÁ EXPOSTA A POPULAÇÃO. O COMBATE. SÃO PAULO, 15 DE ABRIL DE
1930.
INAUGUROU-SE HONTEM, NO HOSPITAL SANTO ÂNGELO, UM PAVILHÃO DESTINADO AS DOENTES DE
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EM TORNO DO PROBLEMA DA LEPRA. CORREIO DA TARDE. SÃO PAULO, 13 DE JANEIRO DE 1931.
A LEPRA NO BRASIL E ESPECIALMENTE EM SÃO PAULO. FOLHA DA NOITE. SÃO PAULO, 26 DE
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A LEPRA, PROBLEMA MÉDICO-SOCIAL. FOLHA DA NOITE. SÃO PAULO, 2 DE SETEMBRO DE 1951.
O DR. BERNARDO NOCHT VISITOU O ASILO DE SANTA THEREZINHA DO MENINO JESUS E O
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O PROBLEMA DA LEPRA EM SÃO PAULO. DIÁRIO NACIONAL. SÃO PAULO, 7 DE MARÇO DE 1930.
CONTINUARÁ SENDO O MELHOR DO MUNDO. CORREIO DE SÃO PAULO. SÃO PAULO, 7 DE JANEIRO DE
1937.
PARA OS LÁZAROS DE SANTO ÂNGELO. CORREIO PAULISTANO. SÃO PAULO, 8 DE JANEIRO DE 1937.
EXISTEM 30.309 LEPROSOS NO BRASIL. DIÁRIO DA NOITE. SÃO PAULO, 14 DE JANEIRO DE 1937.
A LEPRA. FOLHA DA MANHÃ. SÃO PAULO, 8 DE MARÇO DE 1937.
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O QUE TEM O POVO DE MOCOCA EM FAVOR DO ASILO-COLÔNIA DE COCAIS. FOLHA DA MANHÃ. SÃO
PAULO, 13 DE JANEIRO DE 1937.
O DESENVOLVIMENTO DO ASILO-COLÔNIA COCAIS. FOLHA DA NOITE, SÃO PAULO, 14 DE MAIO
DE 1937.
ARQUIVO DO CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA
CONTEMPORÂNEA DO BRASIL/FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (CPDOC/FGV)
ARQUIVO GUSTAVO CAPANEMA
SÉRIE MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE (REF. GCH 1935.09.02 ROLO 62)
ACERVO PESSOAL PEDRO BAPTISTA
CARTAS MANUSCRITAS E DATILOGRAFADAS, CARTÕES-POSTAIS E FOTOGRAFIAS.
FONTES ORAIS
ARQUIVO DA CASA DE OSWALDO CRUZ/FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
(COC/FIOCRUZ)
Arquivo Sonoro
Memória e história da hanseníase no Brasil através de seus depoentes (1960-2000).
DEPOIMENTOS
ANTÔNIO BORGES.
CRISTIANO CLÁUDIO TORRES
JOÃO BATISTA DUMONT
MARCOS VIRMOND.
ARNALDO SOBRINHO DE MORAES
FUAD ABÍLIO ABDALA
LUIS TRANQUILINO DE LIMA
ACERVO PESSOAL PEDRO BAPTISTA
DEPOIMENTOS
MARDRO BAPTISTA, EM 17 DE JULHO DE 2004.
CLÁUDIO NERY BATISTA, EM 28 DE AGOSTO DE 2005
FONTES IMPRESSAS
LEGISLAÇÃO
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BRASIL, DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. LEI 378, DE 13 DE JANEIRO DE 1937, PUBLICADA EM 15 DE
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BRASIL, COLEÇÃO DE LEIS, 1920, VOL. 1, P. 1, DECRETO N.º 3.987, DE 02 DE JANEIRO DE 1920.
PERIÓDICOS
JORNAL DO COMMERCIO FOLHA DA MANHÃ
FOLHA DA NOITE CORREIO DE SÃO PAULO
DIÁRIO NACIONAL O COMBATE
DIÁRIO DA NOITE O ESTADO DE SÃO PAULO
A GAZETA DIÁRIO DE SÃO PAULO
CORREIO DA MANHÃ A PLATÉIA
A NOITE O RADICAL
CORREIO PAULISTANO
ARTIGOS E LIVROS
“Conclusões do 5.º Congresso Internacional de Lepra, Reunido em Cuba, Abril de
1948”. REVISTA BRASILEIRA DE LEPROLOGIA, VOL. XVI, N.º 3, SET. 1948.
DINIZ, ORESTES. PROFILAXIA DA LEPRA. RIO DE JANEIRO: ACADEMIA BRASILEIRA DE MEDICINA
MILITAR, 1960.
NEIVA, ARTHUR. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROBLEMA DA LEPRA. A LIÇÃO DE SÃO PAULO SUAS
INICIATIVAS E GRANDE EXEMPLO. DISCURSO DO REPRESENTANTE DO ESTADO DA BAHIA,
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SOUZA-ARAÚJO, HERÁCLIDES-CÉSAR. HISTÓRIA DA LEPRA NO BRASIL. RIO DE JANEIRO:
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Experiência da Enfermidade”. In: ___________, __________, e SOUZA, Iara Maria.
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Apêndice n.º 1 – Dimensão espacial dos leprosários, com localização e
ano de início das construções e inauguração
Fonte: Quando n.º 3 Rede Asilar Paulista Apud MONTEIRO, Y., op.
cit., p.200 e Tratado de Leprologia. Serviço Nacional de Lepra.
Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1950, p. 138.
Leprosário Localidade
Área
(alqueire)
Início
construção
Inauguração Funcionamento
Asilo-Colônia Santo Ângelo
Asilo-Colônia Santo Ângelo
Mogi das Cruzes
Mogi das Cruzes
348
348
24- 4-19
24- 4-19
3- 5-28
3- 5-28
2- 8-28
2- 8-28
Sanatório Padre Bento
Sanatório Padre Bento
Guarulhos
Guarulhos
83
83
?
?
5- 6-31
5- 6-31
5- 6-31
5- 6-31
Asilo-Colônia Pirapitinguy
Asilo-Colônia Pirapitinguy
Itú
Itú
600
600
?
?
7-10-31
7-10-31
7-10-31
7-10-31
Asilo-Colônia Cocaes
Asilo-Colônia Cocaes
Casa Branca
Casa Branca
300
300
29-11-29
29-11-29
16- 4-32
16- 4-32
16- 4-32
16- 4-32
Asilo-Colônia de Aymores
Asilo-Colônia de Aymores
Bauru
Bauru
400
400
1928
1928
13- 4-33
13- 4-33
13- 4-33
13- 4-33
Apêndice n.º 2– Relação das Conferências Internacionais de Lepra, com local, data, presidência, profilaxia e clínica.
Conferência Internacional de Lepra (1897 a 1958)
Local
Data
Data Presidente Profilaxia Clínica
BERLIM
1897
1897 Rudolf Virchow Isolamento Incurabilidade
BERGEN
1909
1909 Gerard A. Hansen Isolamento
Exame periódico dos comunicantes
Afirmação da contagiosidade
Estudos clínicos considerando
a curabilidade.
STRASBURG
1923
1923 Édouard Jeanselme Isolamento
Educação Sanitária
Descartada a hereditariedade
CAIRO
1938
1938 Victor Heiser Isolamento controlado pelo estado; Vigilância e tratamento dos
não internados; educação e propaganda sanitária; cooperação de
entidades particulares; Isolamento de crianças infectadas.
Definição das formas clínicas
da doença, estudos sobre
lepra tuberculóide.
HAVANA
1948
1948 Oteiza y Setian Isolamento para os casos contagiantes Classificação imunológica
dos comunicantes. Leprosário, dispensário e preventórios
voltados para a educação sanitária. Cursos de Lepra.
Curabilidade freqüente.
Negatividade clínica devido
ao tratamento com sulfonas.
MADRI
1953
1953 José A. Palanca Internamento seletivo. Proteção e controle dos comunicantes.
Extinção dos preventórios, os filhos de doentes seriam tratados
por instituições de proteção à infância.
Sulfonas
Definição das formas clínicas
da lepra: indeterminada;
tuberculóide; lepromatosa e
dimorfa
TÓQUIO
1958
1958 Honorária de K.
Mitsuda e efetiva do
Professor K.
Kitamura.
Tratamento ambulatorial. Lepra integraria os demais serviços de
doenças contagiosas. Educação de estudantes da área da saúde;
Campanha informativa para público em geral.Isolamento
considerado anacrônico.
Sulfonas
Fonte: DINI\Z, Orestes. Profilaxia da Lepra. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Medicina Militar, 1960
LEPROSÁRIOS DO BRASIL
N.º de internados no último semestre de 1942
Estad
o
Nome Tipo de
Instituição
Localização
Interna
dos
AC Souza Araújo Asilo-Colônia 16 km de Rio Branco 59
Cruzeiro do Sul Asilo-Colônia Próximo.à cidade 29
AM Belizário Penna Hospital 16 km de Manaus 536
Aleixo Asilo-Colônia Próximo.à Manaus --
PA Lazarópolis do Prata Hospital 21 km do município 979
Frei Gil Vilanova Asilo 30 km do cone do
Araguaia
20
Marituba -- 20 km de Belém --
MA Bonfim Asilo-Colônia 2, 6 km de São Luís 184
PI Carpina Asilo-Colônia 4 km de Parnaíba 97
CE Antonio Diogo Hospital Município de Redenção 414
Antônio Justa Asilo-Colônia 20 km de Fortaleza --
RN São Francisco de Assis Asilo-Colônia Natal 155
PB Getúlio Vargas -- João Pessoa 52
PE Mirueira Asilo-Colônia 14 km de Recife 215
AL Eduardo Rabello Asilo-Colônia Taboleiro João Martins 27
SE Jardim Asilo-Colônia Aracaju --
BA Rodrigo de Meneses Hospital Salvador 83
ES Itanhenga Asilo-Colônia 14 km de Vitória 358
RJ Tavares de Macedo Asilo-Colônia 45 km da capital 247
DF Curupaiti Hospital Jacarepaguá 524
Frei Antônio Asilo-Colônia São Cristóvão 117
SP Santo Ângelo Asilo-Colônia 46 km da Capital 1.740
Aimorés Asilo-Colônia 12 km de Bauru 1.205
Cocais Asilo-Colônia 9 km de Casa Branca 1.888
Pirapitinguy Asilo-Colônia 110 km da Capital 2.997
Padre Bento Sanatório 17 km da capital 867
PR São Roque Asilo-Colônia 25 km da capital 630
SC Santa Tereza Asilo-Colônia 25 km da capital 341
RS Itapoan Asilo-Colônia Viamão 466
MG Sabará Hospital 1km de Sabará 81
Santa Isabel Asilo-Colônia 48 km de Belo
Horizonte
2.119
Roça Grande Sanatório 20 km de Belo
Horizonte
--
Santa Fé Asilo-Colônia 5 km de Três Corações --
Padre Damião Asilo-Colônia 12 km de Ubá --
Apêndice n.º 3 – Leprosários, localização, classificação e n.º de doentes internados em
São Francisco de Assis Asilo-Colônia 6 km de Bambuí --
GO Helena Bernard Asilo 1 km de Catalão 76
Bananal Asilo Ilha do Bananal 37
Anápolis Asilo Próximo a Anápolis 37
Santa Marta Asilo-Colônia 9 km de Goiânia 41
MT S. J. dos Lázaros -- 3 km de Cuiabá 7
São Julião Asilo-Colônia 12 km de Campo
Grande
199
Fonte: Revista Brasileira de Leprologia, vol. X, junho, 1942 Apud
MONTEIRO, Yara., op. cit., 214-215
Apêndice n.º 4 – “ Quadro do Mal Hanseniano em São Paulo”
Fonte: LEPRA, Problema Médico-Social.Folha da Noite, São Paulo, 2 de setembro de 1931.
Núcleo de Memória da Saúde do Instituto de Saúde, São Paulo.
*
Na reportagem a 4.ª Circunscrição aparece o ponto de interrogação ao lado
do nome do leprosário. Não encontrei referência que o Leprosário Regional
da Paulista tenha sido planejado ou construído.
“Quadro do mal hanseniano em São Paulo”
Circunscrição Leprosário Localidade Situação N.º de
doentes
1.ª Asilo-Colônia Santo
Ângelo
Sanatório Padre Bento
Mogi das
Cruzes
Guarulhos
Em funcionamento 2.209
2.ª Asilo-Colônia
Pirapitinguy
Itú Em construção 792
3.ª Asilo-Colônia Cocaes Casa Branca Em construção
*
276
4.ª Leprosário Regional da
Paulista
Araraquara (?) 442
5.ª Asilo-Colônia de
Aymores
Bauru Em conclusão 466
Apêndice n.º 5 Plano do leprosário modelo Santo Ângelo apresentado no VIII
Congresso Brasileiro de Medicina pelo Dr. Emílio Ribas
DIVISÃO DA COLÔNIA EM ZONAS
ZONAS FUNÇÕES
ZONA DISTINTA DAS MULHERES Era composta por um amplo parque, rodeando os seguintes edifícios: um pavilhão
central de habitação; uma enfermaria; um pavilhão de observação; outro de isolamento
e outro para o cinema e diversões.
ZONA DE SOLTEIROS
Situava-se do lado oposto a zona das mulheres e era uma verdadeira cidade jardim.
Constava de um aglomerado de cerca de 60 casas, todas elas situadas no centro de um
pequeno parque gramado e com fácil acesso para uma infinidade de pequenas ruas que
seguiam para todas as direções.
ZONA DE ADMINISTRAÇÃO
Localizava-se entre a zona de mulheres e a zona de solteiros. Era composta por 6
edifícios: O refeitório, a Igreja, a Farmácia, um pavilhão para o pessoal da
administração, um edifício para a instalação de máquinas de força e luz e um edifício
para os empregados de serviço.
ZONAS DE MENINOS e MENINAS DE 7
A 15 ANOS
Situavam-se de lados opostos ao refeitório. As duas zonas eram compostas por um
parque que circundava um edifício. Este edifício servia ao mesmo tempo de habitação e
de escola. Separavam a zona dos casados das zonas dos solteiros e das mulheres.
ZONA DE CASADOS
Situava-se no eixo da colônia, dispondo também de um grande parque. Projetada em
estilo clássico, contém cerca de vinte casas duplas. Cada casa podia habitar duas
famílias diferentes com relativa independência. Quando alguém desta zona adoecia
gravemente era tratado ou na zona das mulheres ou na dos solteiros, sem quebra do
rigor de separação.
ZONA DE DIVERSÕES
Situava-se entre a zona dos casados e a dos solteiros. Era composta de: um grande
edifício para o tratamento hidroginástico dos homens; em anexo, um centro para
diversões intelectuais como leitura, jogos, biblioteca etc; um cinema; um grande
pavilhão para oficinas, consideradas também como distração para os leprosos; e
finalmente um campo para ginástica, jogos ao ar livre e recreios diversos. Um parque
pitoresco envolvia todas as edificações.
ZONA DE CONTRIBUINTES
Era como chamavam a vila dos leprosos ricos. Situava-se no ponto mais alto da
colônia. Era composta apenas por casas para habitação, cercadas de parques. Assim
como os casados, os indivíduos que precisassem de tratamento iriam para as zonas de
mulheres ou de solteiros, em separado.
ZONA DE PESQUISAS CIENTÍFICAS
Agrupava os seguintes edifícios: Desinfectório Geral, Necrotério, Incinerador,
Isolamento, Alienados e Pavilhão de Pesquisas Científicas. A escolha da localização
desta zona foi baseada em duas ordens de considerações: a primeira, de ordem
utilitária, envolvia facilitar, pela proximidade, o acesso tanto dos médicos quanto dos
doentes, que vinham na sua maioria da zona dos solteiros; a segunda ordem foi de
ordem térmica, tirando vantagem do relevo do solo para abrigá-la das correntes fortes
de ventos.
LAVANDERIA
Embora formada por um único edifício, em virtude da sua função indispensável no
mecanismo administrativo da colônia e dos perigos sempre existentes num
estabelecimento como este, a lavanderia também constituía uma zona. Situava-se entre
a Zona das mulheres, das meninas e dos casados, para que ficasse perto o bastante para
receber o grande volume de roupas de todos os pontos da colônia e para facilitar a
fiscalização a dependência de vapor.
ZONA DE EMPREGADOS
Abrigava os empregados que trabalhavam no leprosário e suas famílias. Consistia em
uma zona bem afastada da colônia, por razões óbvias, mas próxima a zona neutra. Pra
facilitar a fiscalização, situava-se estrategicamente em uma posição intermediária entre
a casa do administrador e a zona de administração, pouco acima da estrada geral que
vem de Santo Ângelo. Era composta de 8 casas duplas cercadas por um parque
circular.
ZONA NEUTRA DE RESIDÊNCIA E
RETIRO DE IRMÃS
Localizava-se em uma área afastada do leprosário, subindo pela estrada saindo da
cidade jardim (Zona dos solteiros). Era uma área rodeada por dois capões de mato, com
um parque central . Neste ficavam Edifícios rodeados de varandas, no estilo
“Bungalow”: o primeiro edifício era a residência dos internos, estudantes de medicina
em serviço no hospital; depois vinha a residência do administrador; por último a
residência do dico, além d um gabinete de leitura ou um ponto de recreio literário
do pessoal superior. Mais acima ficava a creche, o isolamento de crianças, uma casa de
empregados e o retiro das irmãs que vinham, de quando em quando, repousar da
assistência evangélica aos doentes.
Fonte: Souza-Araújo, H. C., op. cit., pg. 248 e 249.
OUTROS EDIFÍCIOS
EDIFÍCIO FUNÇÕES
CADEIA
A cadeia, sendo um mecanismo indispensável ao mecanismo das sociedades constituídas, era guardada por soldados
sadios e servia para os doentes que se mostrassem merecedores de tal pena. Ela não podia, ao mesmo tempo, nem ficar
dentro do leprosário e nem afastada demais.
CAPELÃO
Para que ficasse perto da Igreja e dos leprosos, aos quais deveria prestar o auxílio consolador, mas sem sofrer o
contágio, ficou situado perto da cadeia. Juntando um lugar que serve para corrigir e outro que servia para consolar,
acreditaram na época estar agindo de forma correta.
PORTEIRO
Como não podia de ser, pela própria natureza de seu cargo, foi instalado junto à porta, a beira da estrada, dando
informações a todos aqueles que passavam por lá, entravam ou saiam.
ESTÁBULOS
Pela importância na vida econômica da época, não podia deixar de entrar no projeto de forma conveniente.
CEMITÉRIO
Ficou localizado em um local fora do leprosário e distante o bastante para não ser visto pelos internos.
Fonte: Souza-Araújo, H. C., op. cit., pg. 248 e 249.
OUTROS LOCAIS E DETALHES DO LEPROSÁRIO
DETALHE FUNÇÕES
CERCAS
A natureza do local determinava que este fosse, em função do seu
isolamento, rodeado por tapumes. Por questões estéticas foram utilizadas
cercas vivas contornando as zonas, marginando as estradas e em todo e
qualquer lugar que precisasse ser isolado. Além do aspecto mais estético, as
cercas eram compostas de um misto de arame e vime, material mais
economicamente viável dada a extensa quilometragem da colônia.
ABRIGOS
Em todos os pontos de permanência ou de recreio dos leprosos foram colocados abrigos cobertos, em função da
sensibilidade exagerada conseqüente da própria doença. E a distribuição destes abrigos ou bancos cobertos ao longo dos
caminhos que levavam ao refeitório foi a única forma de resolver o problema de alimentação dos leprosos nos dias
chuvosos ou muito quentes.
ESTRADAS
Como o leprosário de Santo Ângelo foi localizado entre os rios Jundiaí e Taissupeva, todas as estradas foram
macadamizadas com pedregulhos e areia extraídos destes rios.Além disso tomou-se o cuidado de escolher uma
arborização adequada não só pela estética, mas para fornecer sombra para os leprosos.
ILUMINAÇÃO
No projeto da colônia Santo Ângelo foi feito um estudo para a construção de um edifício chamado Centro de Força e
Luz, que ficaria na zona neutra do leprosário, provido de máquinas para transformação de energia em corrente elétrica.
Mais tarde houve a possibilidade de fazer uma derivação da luz elétrica de Mogi das Cruzes para Santo Ângelo.
ÁGUA
Estudos preliminares feitos por iniciativa da Associação Protetora dos Morféticos demonstraram a existência de diversos
córregos cujas cabeceiras se achavam em altitude facilmente alcançáveis, sendo necessárias linhas adutoras de apenas 3
quilômetros para alcança-las e fornecerem um volume de 500.000 litros de água potável por dia.
ESGOTOS
O estudo das redes de esgoto da colônia não foram muito definidos, mas ficou definido que o esgoto deveria convergir
para um ou mais centros de depuração, onde os resíduos seriam devidamente tratados por processos modernos de
esterilização.
Fonte: Souza-Araújo, H. C., op. cit., pg. 248 e 249.
Apêndice n.º 6 – “Comparação do custo per capita mensal – Diretor
geral, dr. Francisco Salles Gomes Junior, Contador
chefe, Nicolau Morlati. Ano de 1936”
Fonte: NEIVA, Arthur. Considerações sobre o problema da Lepra. A lição de
São Paulo Suas iniciativas e grande exemplo. Discurso do representante do
Estado da Bahia, pronunciado na Câmara dos Deputados na sessão de 28 de
outubro de 1937. Rio de Janeiro, 1940, p. 21.
Asilos Média de
internados
Custo real Custo ideal
Asilo-Colônia Pirapitinguy 1.673,7 99$312 93$456
Asilo-Colônia Santo Ângelo 1.325,3 102$522 98$736
Asilo-Colônia Cocais 1.326,8 89$775 98$736
Asilo-Colônia de Aimorés 626,4 116$865 122$496
Sanatório Padre Bento 482,3 157$391 128$852
Preventório de Jacareí 153,7 119$213 142$560
Apêndice n.º 7 - Relação de documentos apresentados no Prontuário n.º 8.537 de
Apêndice n.º 7 - Relação de documentos apresentados no Prontuário n.º 8.537 de
Pedro Baptista
Pedro Baptista
PRONTUÁRIO – ÍNDICE DE DOCUMENTOS
Documento Pág.
Conteúdo
Ficha de Observação. São Paulo, 28-11-1934. N.º 8537. Dados pessoais.
Anamnese familiar. Exame Clínico.
Verso Ficha de Observação. São Paulo, 28-11-1934. Lesões autuais e
localizações. Forma clínica. Exames de laboratório. Observações (histórico
de residência e transferência durante o período de internação).
S/n.º
Notificação de doente de lepra. Confidencial. São Paulo, 27-11-1934.
Ficha de Histórico Ocorrencial. Anexo da Ficha Epidemiológica e Clinica.
Nome. N.º do Prontuário. Assunto: Atestado de óbito. 17-7-1955.
Carta do Reverendo A. Romano Filho, pároco da Igreja Metodista Central
ao Dr. Salles Gomes dando recomendações sobre Pedro Baptista e
solicitando-lhe um emprego. São Paulo, 7-7-1934.
S/n.º
Carta do dr. Francisco Salles Gomes Junior para Reverendo Romano,
comunicando a internação de Pedro Baptista, “pelo resultado positivo para
o mal de Hansen”. 11-12-1934.
Laudo para alta hospitalar. Pirapitinguy, 4-1-1938.
Data de início do tratamento: 14/12/1934
(I)Forma Clinica da Moléstia; resumo do exame dermato-neurológico e
condições bacteriológicas. (II) Resumo das revisões dermatológicas.
Apresentado a comissão obteve alta em 22/7/1936. Reinternado em
8/11/1936 por sofrer um ataque de reação leprótica, tipo eritema nodoso
acompanhada de dores intensas. Todavia seus exames resultaram negativos.
(III) resultados de exames bacteriológicos
Laudo para alta hospitalar. Pirapitinguy, 4-1-1938.
(IV) Tratamento anti-leprótico realizado.(V) condições econômicas e sociais.
Trabalhava na Procuradoria do D.P.L., quando foi reinternado. Deseja
trabalhar num posto de tratamento. Director-Clinico dr. Marcello
Guimarães Leite. Médico-Dermatologista dr. Argemiro Rodrigues de
Souza.
Laudo para alta hospitalar. Pirapitinguy, 1.º-6-1936.
(I) Forma clínica da moléstia. (II) Resuma da Revisão dermatológica. Em
15/5/1935: regressão de maior parte das maculas do tronco. Persistência de
algumas no thorax e membros inferiores. Em 24/1/1936: o único elemento
suspeito é uma ligeira infiltração da fronte. Em 6/3/1936: instalação do mal
perfurante plantar direito. Em 5/5/1936: mal perfurante em vias de
cicatrização completa devido a uma raspagem. Em 15/5/1936: cicatrização
do mal perfurante.
Laudo para alta hospitalar. Pirapitinguy, 1.º-6-1936.
Alta em 9/7/1936, assinatura de 5 médicos.
S/n.º
Memorando da Secretaria da Educação e da Saúde Pública. 16-10-1936.
Autorizando Pedro Baptista a receber tratamento no Posto do Braz, por
motivo de alta hospitalar. Do sub-diretor do DPL dr. Nelson Souza Campos
para o dr. Oliveira Ribeiro.
S/n.º
Memorando da Secretaria da Educação e da Saúde Pública. 7-11-1936.
Do sub-diretor do DPL dr. Nelson Souza Campos para Dr. Marcello
Guimarães Leite, Diretor clinico de Pirapitinguy, encaminhando Pedro
Baptista para internação por apresentar reação leprótica.
Memorando da Secretaria da Educação e da Saúde Pública. 7/11/1936.
Dr. Nestor Solano Pereira informa ao Dr. Oliveira Ribeiro, médico do posto
do Braz, a internação de Pedro Baptista em Pirapitinguy.
S/n.º
Memorando da Secretaria da Educação e da Saúde Pública. 9/11/1936
Dr. Oliveira Ribeiro acusa recebimento do memorando do Dr. Nestor
Solano Pereira informa sobre a internação de Pedro Baptista.
Carta de Pedro Baptista para Dr. Salles Gomes Junior. 14-5-1937.
Informa que já se encontra bem e se oferece para trabalho num Posto, já
que sabe que está pra ser aberto um em Sorocaba. “Venho, mui
humildemente, solicitar-lhe, mais uma vez a sua generosa protecção,
ordenando a minha retirada do hospital e me concedendo um emprego para
a garantia de minha subsistência.”
Resposta que tudo depende da alta hospitalar.
Folha n.º 2 da carta
Memorando da Secretaria da Educação e da Saúde Pública. SP, 21/5/1937.
Para Pedro Baptista do dr. Salles Gomes Junior, “Em resposta à sua carta
de 14 corrente, comunico a V. S. que sua saída está novamente na
dependência da Comissão de Alta.”
Laudo para alta hospitalar. Pirapitinguy, 29-6-1938.
Data de início do tratamento: 14/12/1934
(I)Forma Clinica da Moléstia; resumo do exame dermato-neurológico e
condições bacteriológicas. MIXTA C1 N2
(II) Resumo das revisões dermatológicas
(III) resultados de exames bacteriológicos
Laudo para alta hospitalar. Pirapitinguy, 29-6-1938.
(IV) Tratamento anti-leprótico realizado
(V) condições econômicas e sociais
Parecer de alta em 29 de junho de 1938. Recusado.
Director-Clinico Dr. Marcello Guimarães Leite
Medico-Dermatologista dr. Argermiro Rodrigues de Souza
S/n.º
Memorando do Dr. Argemiro Rodrigues de Souza para dr. Dr. Francisco
Salles Gomes Junior sobre a proposta de alta de Pedro Baptista. Resposta
em 6/7/1938 (manuscrita no documento). A alta é recusada por apresentar
lesão positiva.
Secção de Doentes. 6-7-1938. De dr. Francisco Salles Gomes Junior para Dr.
Marcelo Guimarães Leite. Informe da transferência para Padre Bento pela
negativa de alta hospitalar.
S/n.º
Memorando da Secretaria da Educação e da Saúde Pública
São Paulo, 6/7/1938
Para dr. Lauro de Sousa Lima do dr. Salles Gomes Junior informando a
internação de Pedro Baptista no Sanatório Padre Bendo
Santo Ângelo, 30/8/1938.Carta de Pedro Baptista para dr. Francisco Salles
Gomes Junior. Reconhece licença concedida para ir do Padre Bento para
Santo Ângelo e pedi a transferência para Santo Ângelo. Afirmando estar de
melhor condições de suas posse e por estar trabalhando na Caixa
Beneficente já está tendo pequeno recurso para suas despesas
indispensáveis. Tem o de acordo.
São Paulo, 12/9/1938. Seção de Doentes Memorando da Secretaria da
Educação e da Saúde Pública. Dr. Francisco Salles Gomes Junior para o Dr.
Lauro de Souza Lima diretor do Padre Bento informando a transferência
de Pedro Baptista.
S/n.º
São Paulo, 12/9/1938.Seção de Doentes Memorando da Secretaria da
Educação e da Saúde Pública. Dr. Francisco Salles Gomes Junior para o Dr.
Manoel de Abreu diretor de Santo Ângelo informando a transferência de
Pedro Baptista para Santo Ângelo.
Santo Ângelo, 26/8/1939. Carta do Dr. Itagyba Martins Villaça, diretor
clínico do Santo Ângelo, para dr. Francisco Salles Gomes Junior
solicitando permissão para o casamento de Pedro Baptista e Marina
Ribeiro. Encontra-se descrita a forma da doença de cada um.
Resposta em 4-9-1939, de dr. Francisco Salles Gomes Junior aprovando o
casamento.
S/n.º
9-11-1939. Seção de Doentes Memorando da Secretaria da Educação e da
Saúde Pública. Dr. Nelson de Souza Campos autoriza ao Dr. Itagiba Vilaça
a saída de Pedro Baptista de Santo Ângelo para Aimorés.
S/n.º
9-11-1939. Seção de Doentes Memorando da Secretaria da Educação e da
Saúde Pública. Dr. Nelson de Souza Campos para o Dr. Murilo Augusto de
Oliveira, Diretor-clínico do Asilo colônia Aimorés, autorizando-o a receber
Pedro Baptista.
S/n.º
São Paulo, 19-7-1940. Seção de Doentes Memorando da Secretaria da
Educação e da Saúde Pública. Dr. Nelson de Souza Campos autoriza a visita
de Verônica Mais, aos doentes José Pons e Pedro Baptista. Informa ao dr.
José Ferreira Gomes, diretor clinico de Santo Ângelo.
Santo Ângelo, 19/10/1948. Memorando assinado pelo dr. Renato Pacheco
Braga, solicitando o todo o histórico do doente Pedro Baptista desde a
primitiva internação, ao Dr. J. Alcântara Madeira, Diretor do DPL.
S/n.º
Santo Ângelo, 22/10/1948. Memorando do dr. J. Alcântara Madeira para o
dr. Renato Pacheco Braga, encaminhando o histórico do doente Pedro
Baptista.
São Paulo, 22/10/1948. Secretaria de Saúde Pública do Estado de São Paulo.
Departamento de Profilaxia da Lepra. ATESTADO. Informa incapacitado
para o trabalho e solicita previdência.
S/n.º
São Paulo, 26/6/1950. Autorização de visita Moacyr Urioste, doente,
prontuário 6847, para Pedro Baptista. Dr. Nelson de Souza Campos para
dr. Renato Pacheco Braga, diretor clinico Santo Ângelo.
São Paulo, 10/11/1950.Secretaria de Saúde Pública do Estado de São Paulo.
Departamento de Profilaxia da Lepra. ATESTADO.
Em Santo Ângelo, 17/4/1952. Pedro Baptista foi testemunha na declaração
prestada por Francisco G. da Silva e Durvalina Maria de Jesus, de que
estavam se separando e que os três filhos do casal ficavam com Francisco.
S/n.º
São Paulo, 29/4/1952.Memorando da seção de doentes da Secretaria de
Estado dos Negócios de Saúde Pública e da Assistência Social, sub diretor
dr. Nestor Solano Pereira para Dr. Wilson Brotto, seção de neurologia do
hospital das clínicas, encaminha Pedro Baptista por necessitar cuidados
desse setor.
S/n.º
São Paulo, 23/8/1952. Autorização de visita do doente Jose Ferreira vitral,
prontuário 19.003 para Pedro Baptista.
Atestado de incapacidade para o trabalho. Não está assinado, mas no nome
do Dr. Lauro de Souza Lima, diretor do DPL, da Secretaria de Saúde
Pública e da Assistência Social de São Paulo.São Paulo, 11/11/1952.
Santo Ângelo, 9-2-1953. Carta para o programa de d. Conceição, relatando
fato de fuga do asilo auxiliada por Pedro Baptista. Já havia enviado carta
para ela e para Dr. Lauro sem obter resposta. Assinada por Diamantino dos
Santos e Benedito Domingues. Arquivado no prontuário 19.819.
Carta do diretor clínico de Santo Ângelo Dr. Renato Pacheco Braga para o
Dr. Lauro de Souza Lima pedindo a transferência de Diamantino dos
Santos e Benedito Domingues para o Padre Bento. E fosse negada a
transferência de Izabel Rovaroti para Cocais onde se encontrava internado
Pedro Baptista, pois se isso acontecesse o sr. Diamantino tomaria
providências. Em 25/2/1953.
Atestado de incapacidade para o trabalho. Não está assinado, mas está no
nome do Dr. Raul David do Vale, sub-diretor do DPL, da Secretaria de
Saúde Pública e da Assistência Social de São Paulo. 15-8-1953.
Memorando do dr. Renato Pacheco Braga, informando a transferência para
tratamento em Dispensário de Pedro Baptista.
Santo Ângelo. 27-4-1954.
Memorando do dr. Raul David do Valle, autorizando a internação de Pedro
Baptista no Hospital por questões sociais. São Paulo, 28-4-1954.
Informe ao dr. Augusto B. da Silva e Oliveira, do Posto do Jacareí, da alta
de Pedro Baptista. Em 5-5-1954.
Laudo de Transferência para Dispensário. Resumo da Ficha epidemiológica
e clínica inicial. Resumo da ficha por ocasião do isolamento. Período de
Isolamento. Tratamento com Promim.
Laudo de Transferência para Dispensário. Estado clínico atual. Flata
completa da visão direita. Lesões cicatriciais residuais nas nádegas.
Madarose quase total dos supercílios. Amiotrofia dos interosseos das mãos.
Mãos em garra. Perna direita amputada no terço inferior. Condições
sociais. Tem recursos próprios. 9/4/1954.
13-4-1954. Laudo médico da Unidade Sanitária de Santo Ângelo.
Conclusão: incapacitado para o trabalho.
Fonte: Prontuário n.º 8.537. Pedro Baptista (I). Arquivo Estadual de Hanseníase. Núcleo de
Memória da Saúde do Instituto de Saúde, São Paulo.
Apêndice n.º 9 – N.º de fichamento de doentes por ano e incidência da doença
ANODOENTESINCIDÊNCIA3810,07
2340,042820,053410,067920,141.2830,221.068
0,189870,168730,149860,151.2470,191.8000,27
1.6120,231.7390,241.6240,211.5220,201.520
0,271.5260,181.4130,171.5250,181.5150,17
1.2910,141.2920,131.4660,15
ANODOENTESINCIDÊNCIA1.5730,15
1.7590,171.7850,171.7900,171.8070,171.8490,17
1.8140,161.8110,151.8660,152.0650,171.9200,15
2.0900,162.1110,142.1420,141.8600,121.8830,11
1.7800,111.7510,101.5460,071.5250,081.7540,09
1.5190,071.4990,08
Fonte: BELDA, Walter. A endemia de Hanseníase no Estado de São Paulo. Tese de
Doutorado. Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP, 1974.
Apud MONTEIRO, op. cit., P. 385.
Apêndice n.º 10 – Pedro Baptista por Pedro Baptista
“Este sorriso é para os meus
queridos de Mutum. Pedro”
Pirapitingui, no 1.º período de internação.
“’Jockei’, o companheirinho de papai.
Policial legítimo, com 3 meses de idade.
Ventava essa hora, vejam a cabeleira.”
Santo Ângelo, por volta de 1948/1950.
“Uma equitação e aproveitando o ensejo, fiscalizando os trabalhos agrícolas da
Caixa Beneficente. Nelson, secretário e Pedro, presidente.”
Pirapitingui, 1.º período de internação.
Apêndice n.º 11 – Relação das cartas enviadas por Pedro Baptista para Maria
Baptista de Paiva (1933-1953)
1 9 3 3
1 9 3 3
N.º
D
D
ATA
ATA
L
L
OCALIDADE
OCALIDADE
N.
N.
º
º
DE
DE
P
P
ÁG
ÁG
C
C
OMPLETA
OMPLETA
1.
1. 08 de setembro de 1933 Manhumirim (telegrama) 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
2. 11 de setembro de 1933 Belo Horizonte 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
3. 25 de setembro de 1933 Belo Horizonte 02
SIM
SIM
NÃO
NÃO
4. 26 de setembro de 1933 Belo Horizonte 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
5. 02 de outubro de 1933 Belo Horizonte 02
SIM
SIM
NÃO
NÃO
6. 04 de outubro de 1933 Belo Horizonte 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
7. 08 de outubro de 1933 Belo Horizonte 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
8. 31 de outubro de 1933 Belo Horizonte 02
SIM
SIM
NÃO
NÃO
9. 07 de novembro de 1933 Belo Horizonte 06
SIM
SIM
NÃO
NÃO
10. 21 de novembro de 1933 Belo Horizonte 06
SIM
SIM
NÃO
NÃO
11. 27 de novembro de 1933 Belo Horizonte 04
SIM
SIM
NÃO
NÃO
12. 10 de dezembro de 1933 Sem local 04
SIM
SIM
NÃO
NÃO
1 9 3 4
1 9 3 4
N.º
D
D
ATA
ATA
L
L
OCALIDADE
OCALIDADE
N.
N.
º
º
DE
DE
P
P
ÁG
ÁG
C
C
OMPLETA
OMPLETA
13.
13. 01 de janeiro de 1934 Belo Horizonte 04
SIM
SIM
NÃO
NÃO
14. 15 de janeiro de 1934 Belo Horizonte 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
15. 12 de março de 1934 Carmo do Paranaíba 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
16. 31 de março de 1934 Rio Paranaíba 04
SIM
SIM
NÃO
NÃO
17. 17 de abril de 1934 Rio Paranaíba 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
18. 18 de abril de 1934 Rio Paranaíba 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
19. 22 de abril de 1934 Rio Paranaíba 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
20. 11 de junho de 1934 Belo Horizonte 04
SIM
SIM
NÃO
NÃO
21. 20 de junho de 1934 Belo Horizonte 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
22. 26 de junho de 1934 Pindamonhangaba 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
23. 03 de julho de 1934 Taubaté 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
24. 06 de julho de 1934 Taubaté 04
SIM
SIM
NÃO
NÃO
25. 10 de julho de 1934 Pindamonhangaba 03
SIM
SIM
NÃO
NÃO
26. 14 de julho de 1934 Piquete 04
SIM
SIM
NÃO
NÃO
27. 19 de julho de 1934 Pindamonhangaba 04
SIM
SIM
NÃO
NÃO
28. 25 de julho de 1934 Pindamonhangaba 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
29. 27 de julho de 1934 Pindamonhangaba 04
SIM
SIM
NÃO
NÃO
30. 07 de agosto de 1934 Taubaté 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
31. 09 de agosto de 1934 Pindamonhangaba 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
32. 13 de agosto de 1934 Piquete 06
SIM
SIM
NÃO
NÃO
33. 03 de setembro de 1934 Taubaté 02
SIM
SIM
NÃO
NÃO
34. 06 de setembro de 1934 Taubaté 04
SIM
SIM
NÃO
NÃO
35. 12 de setembro de 1934 Pindamonhangaba 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
36. 08 de outubro de 1934 Taubaté 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
37. 23 de outubro de 1934 Taubaté 02
SIM
SIM
NÃO
NÃO
38. 29 de outubro de 1934 Taubaté 04
SIM
SIM
NÃO
NÃO
39. 13 de novembro de 1934 Pindamonhangaba 04
SIM
SIM
NÃO
NÃO
40. 19 de novembro de 1934 Sem local 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
NOTIFICAÇÃO DA DOENÇA
NOTIFICAÇÃO DA DOENÇA
41. 30 de novembro de 1934 Sem local 04
SIM
SIM
NÃO
NÃO
42. 04 de dezembro de 1934 São Paulo 02
SIM
SIM
NÃO
NÃO
43. 13 de dezembro de 1934 Itú 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
1 9 3 5
1 9 3 5
N.º
D
D
ATA
ATA
L
L
OCALIDADE
OCALIDADE
N.
N.
º
º
DE
DE
P
P
ÁG
ÁG
C
C
OMPLETA
OMPLETA
44.
44. 15 de janeiro de 1935 Itu 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
45. 22 de janeiro de 1935 Pirapitingui 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
46. 13 de fevereiro de 1935 Pirapitingui 03
SIM
SIM
NÃO
NÃO
47. 20 de fevereiro de 1935 Pirapitingui 10
SIM
SIM
NÃO
NÃO
48. 12 de março de 1935 Sem local 04
SIM
SIM
NÃO
NÃO
49. 11 de abril de 1935 Cartão de Aniversário para João Bennio
SIM
SIM
NÃO
NÃO
50. 29 de abril de 1935 Sem local 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
51. 05 de maio de 1935 Sem local 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
52. 17 de maio de 1935 Sem local 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
53. 05 de agosto de 1935 Pirapitingui 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
54. 19 de setembro de 1935 Sem local 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
55. 11 de novembro de 1935 Pirapitingui 09
SIM
SIM
NÃO
NÃO
56. 20 de novembro de 1935 Sem local 02
SIM
SIM
NÃO
NÃO
57. 26 de novembro de 1935 Pirapitingui 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
58. 28 de novembro de 1935 Sem local 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
1 9 3 6
1 9 3 6
N.º
D
D
ATA
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L
L
OCALIDADE
OCALIDADE
N.
N.
º
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DE
DE
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ÁG
ÁG
C
C
OMPLETA
OMPLETA
59.
59. 10 de janeiro de 1936 Sem local 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
60. 10 de fevereiro de 1936 Pirapitingui 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
61. 05 de maio de 1936 Sem local 02
SIM
SIM
NÃO
NÃO
62. 17 de maio de 1936 Sem local 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
63. 06 de julho de 1936 Sem local 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
64. 05 de setembro de 1936 São Paulo 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
65. 19 de setembro de 1936 São Paulo 06
SIM
SIM
NÃO
NÃO
66. 28 de agosto de 1931 São Paulo 02
SIM
SIM
NÃO
NÃO
67. 03 de dezembro de 1936 Itú 02
SIM
SIM
NÃO
NÃO
1 9 3 9
1 9 3 9
N.º
D
D
ATA
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OCALIDADE
OCALIDADE
N.
N.
º
º
DE
DE
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ÁG
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OMPLETA
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68.
68. ? Cartão de ano novo Sem local 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
69. 05 de maio de 1939 Sem local (cartão de an.) 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
70. 05 de agosto de 1939 Santo Ângelo 01
SIM
SIM
NÃO
NÃO
1 9 5 3
N.º
D
D
ATA
ATA
L
L
OCALIDADE
OCALIDADE
N.
N.
º
º
DE
DE
P
P
ÁG
ÁG
C
C
OMPLETA
OMPLETA
71.
71. 07 de julho de 1953 Cocais 03
SIM
SIM
NÃO
NÃO
Anexo n.º 1 – Carta do Pároco da Igreja Metodista Central para o Diretor do Departamento
de Profilaxia da Lepra
Fonte: Prontuário n.º 8.537. Pedro Baptista (I). Arquivo Estadual de Memória da Hanseníase, Instituto de Saúde,
São Paulo.
Anexo n.º 2 – Carta de Pedro Baptista para dr. Francisco Salles Gomes Junior sobre alta
hospitalar.
Fonte: Prontuário n.º 8.537. Pedro Baptista. Arquivo Estadual de Memória da Hanseníase, Instituto de Saúde, São Paulo.
Anexo n.º 3 - Carta de Pedro Baptista para Maria Paiva Baptista, “Maricas”.
Asilo Colônia (Leprosário) de Santo Ângelo, 05/08/39.
Senhora,
Recebi uma carta de minha filha que, infelizmente, fora redigida pela senhora, não sendo,
portanto, a expressão viva e sincera de minha adorada Jovaura. Lamento profundamente a
sua interferência entre a minha pessoa e a de minha filha.
Nada mais temos de comum entre nós dois, senhora, senão o ser a senhora mãe de meus
filhos. O seu procedimento para comigo é de embasbacar as próprias pedras! Mesmo que
eu lhe tivesse dado motivos os mais fortes, os mais reprováveis, só em ser um leproso e me
ver na dura contingência de me asilar, de fugir dos meus filhos queridos, bastava para
demover os seus rancores e, digamos mesmo, ressentimentos.
A senhora que se diz cristã, que freqüenta os cultos, balbucia orações; dá ofertas, enfim
pratica sua religião com método e... Bem. O mundo é assim mesmo. Exterioridade, só
exterioridade. Sepulturas caiadas guardando podridão. Pois bem. A despeito de minha
perversidade, de mau esposo e mesmo mau pai se quiser, o procedimento da “piedosa”
Dona Maricas deveria ser outro, muito outro.
Ainda não contente de me desprezar, de nem uma carta de comiseração me mandar, proíbe
os meus filhos de me escreverem, e, quando, por um desencargo de consciência (se é que
tem) os manda me escrever, tem a audácia de ditar-lhes as cartas, não lhes permitindo
abrirem os seus coraçõeszinhos para o seu desgraçado pai.
Para evitar que além das dores físicas, das dores morais que esta situação m’as produz;
para evitar ainda que além das saudades cruciantes que tenho de meus filhos (porque suas
não as tenho nenhumas) eu lhe peço, como último favor, deixar que meus filhos me
escrevam livremente, sem envenenar-lhes os seus espíritos, porque, ao contrário, me verei
na contingência de não receber mais correspondências daí. E quando as crianças forem
homens e souberem da sua perversidade, afastando-as de seu infeliz e sofredor pai,
certamente lançarão em seu rosto toda essa maldade.
Continue o seu silêncio. Favoreça-me com o seu desprezo, que só me fará benefício. Deus
que tudo vê fará justiça.
Pedro.
Fonte: Acervo Pessoal Pedro Baptista, sob a custódia de Cláudio José de Souza.
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