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LEMME
PASCHOAL
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Ministério da Educação | Fundação Joaquim Nabuco
Coordenação executiva
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari
Comissão técnica
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)
Antonio Carlos Caruso Ronca, Ataíde Alves, Carmen Lúcia Bueno Valle,
Célio da Cunha, Jane Cristina da Silva, José Carlos Wanderley Dias de Freitas,
Justina Iva de Araújo Silva, Lúcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero
Revisão de conteúdo
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, Célio da Cunha, Jáder de Medeiros Britto,
José Eustachio Romão, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia
Secretaria executiva
Ana Elizabete Negreiros Barroso
Conceição Silva
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Zaia Brandão
LEMME
PASCHOAL
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Fundação Joaquim Nabuco. Biblioteca)
Brandão, Zaia.
Paschoal Lemme / Zaia Brandão. – Recife:
Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
172 p.: il. – (Coleção Educadores)
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7019-512-8
1. Lemme, Paschoal, 1904-1997. 2. Educação – Brasil - História. I. Título.
CDU 37(81)
ISBN 978-85-7019-512-8
© 2010 Coleção Educadores
MEC | Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana
Esta publicação tem a cooperação da UNESCO no âmbito
do Acordo de Cooperação Técnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a
contribuição para a formulação e implementação de políticas integradas de melhoria
da equidade e qualidade da educação em todos os níveis de ensino formal e não
formal. Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos
neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as
da UNESCO, nem comprometem a Organização.
As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo desta publicação
não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO
a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região
ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites.
A reprodução deste volume, em qualquer meio, sem autorização prévia,
estará sujeita às penalidades da Lei nº 9.610 de 19/02/98.
Editora Massangana
Avenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540
www.fundaj.gov.br
Coleção Educadores
Edição-geral
Sidney Rocha
Coordenação editorial
Selma Corrêa
Assessoria editorial
Antonio Laurentino
Patrícia Lima
Revisão
Sygma Comunicação
Ilustrações
Miguel Falcão
Foi feito depósito legal
Impresso no Brasil
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Apresentação, por Fernando Haddad, 7
Ensaio, por Zaia Brandão, 11
Uma parceria (à guisa de introdução), 11
A construção da identidade de servidor público, 17
Um pensamento silenciado?, 24
Marcando as diferenças:
um cotejo dos manifestos de 1932 e 1934, 28
Educação e sociedade: um debate, 38
A escola comum para Anísio Teixeira
e Fernando de Azevedo, 39
Paschoal Lemme e a escola pública, 42
O “velho” e o “novo” em educação, 42
Educação e mudança social, 46
Entre a educação e a política, 58
As bases da política educacional, 59
Na inspetoria do ensino do Estado do Rio de Janeiro, 65
Pioneiro e marxista, 70
Paschoal Lemme e o “Manifesto de 59”, 79
A intelligentsia educacional, 81
O campo educacional e a gênese de uma intelligentsia
brasileira: retomando Martins, Miceli e Pécaut, 84
SUMÁRIO
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Textos selecionados, 101
Manifesto dos inspetores de ensino do Estado do Rio de
Janeiro ao magistério e à sociedade fluminense (1934), 101
O que diz a história, 103
A educação do Brasil império, 105
O que fez a República, 106
Tentativas, 108
Iniciativas particulares, 110
O manifesto dos pioneiros da educação nova, 112
O ambiente do Estado do Rio de Janeiro, 113
O plano de reconstrução educacional
do Estado do Rio, 116
O desenvolvimento do plano, 117
A ação da inspetoria, 118
Educação supletiva/educação de adultos, 121
Compreensão e delimitação do problema, 121
Fundamentos sociais
e evolução da educação de adultos, 124
Fundamentos psicológicos da educação de adultos, 130
A educação de adultos no Brasil, 133
Uma experiência de cursos de continuação, aperfeiçoamento
e oportunidade realizada no Distrito Federal, 139
Primeira etapa (1934), 141
Segunda etapa (1935), 146
Terceira etapa (1936), 149
Cronologia, 151
Bibliografia, 155
Obras de Paschoal Lemme, 155
Obras sobre Paschoal Lemme, 163
Outras referências bibliográficas, 164
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7
O propósito de organizar uma coleção de livros sobre educa-
dores e pensadores da educação surgiu da necessidade de se colo-
car à disposição dos professores e dirigentes da educação de todo
o país obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram
alguns dos principais expoentes da história educacional, nos pla-
nos nacional e internacional. A disseminação de conhecimentos
nessa área, seguida de debates públicos, constitui passo importante
para o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas ao
objetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e da
prática pedagógica em nosso país.
Para concretizar esse propósito, o Ministério da Educação insti-
tuiu Comissão Técnica em 2006, composta por representantes do
MEC, de instituições educacionais, de universidades e da Unesco
que, após longas reuniões, chegou a uma lista de trinta brasileiros e
trinta estrangeiros, cuja escolha teve por critérios o reconhecimento
histórico e o alcance de suas reflexões e contribuições para o avanço
da educação. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-
leção Penseurs de l´éducation, organizada pelo International Bureau of
Education (IBE) da Unesco em Genebra, que reúne alguns dos mai-
ores pensadores da educação de todos os tempos e culturas.
Para garantir o êxito e a qualidade deste ambicioso projeto
editorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto Paulo
Freire e de diversas universidades, em condições de cumprir os
objetivos previstos pelo projeto.
APRESENTAÇÃO
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8
Ao se iniciar a publicação da Coleção Educadores
*
, o MEC,
em parceria com a Unesco e a Fundação Joaquim Nabuco, favo-
rece o aprofundamento das políticas educacionais no Brasil, como
também contribui para a união indissociável entre a teoria e a prá-
tica, que é o de que mais necessitamos nestes tempos de transição
para cenários mais promissores.
É importante sublinhar que o lançamento desta Coleção coinci-
de com o 80º aniversário de criação do Ministério da Educação e
sugere reflexões oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, em
novembro de 1930, a educação brasileira vivia um clima de espe-
ranças e expectativas alentadoras em decorrência das mudanças que
se operavam nos campos político, econômico e cultural. A divulga-
ção do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundação, em 1934, da Uni-
versidade de São Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em
1935, são alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tão
bem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros.
Todavia, a imposição ao país da Constituição de 1937 e do
Estado Novo, haveria de interromper por vários anos a luta auspiciosa
do movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do século passa-
do, que só seria retomada com a redemocratização do país, em
1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-
bilitaram alguns avanços definitivos como as várias campanhas edu-
cacionais nos anos 1950, a criação da Capes e do CNPq e a aprova-
ção, após muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases no
começo da década de 1960. No entanto, as grandes esperanças e
aspirações retrabalhadas e reavivadas nessa fase e tão bem sintetiza-
das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, também redigido por
Fernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidas
em 1964 por uma nova ditadura de quase dois decênios.
*
A relação completa dos educadores que integram a coleção encontra-se no início deste
volume.
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Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estágio da
educação brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-
festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com o
tempo presente. Estou certo de que o lançamento, em 2007, do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como mecanis-
mo de estado para a implementação do Plano Nacional da Edu-
cação começou a resgatar muitos dos objetivos da política educa-
cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que não será
demais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cuja
reedição consta da presente Coleção, juntamente com o Manifesto
de 1959, é de impressionante atualidade: “Na hierarquia dos pro-
blemas de uma nação, nenhum sobreleva em importância, ao da
educação”. Esse lema inspira e dá forças ao movimento de ideias
e de ações a que hoje assistimos em todo o país para fazer da
educação uma prioridade de estado.
Fernando Haddad
Ministro de Estado da Educação
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11
PASCHOAL LEMME
(1904 - 1997)
Zaia Brandão
Uma parceria (à guisa de introdução)
Conheci Paschoal Lemme ao fim da década de 1980. Em
nosso primeiro encontro recebeu-me com gentileza, mas com uma
certa desconfiança. Posteriormente explicou-me: nos últimos tem-
pos vinha sendo procurado por estudantes e pesquisadores da
área da educação para dar depoimentos sobre a sua atuação entre
os “pioneiros da Escola Nova” no Brasil, na condição de o “último
dos pioneiros vivo”.
O Movimento da Escola Nova no Brasil tornara-se alvo de
grande interesse no campo da educação, em virtude da hegemonia
adquirida pelas análises marxistas que criticavam as raízes do movi-
mento no pensamento liberal
1
, supostamente dominante entre os
signatários do famoso “Manifesto de 32”. Como Paschoal Lemme
era um dos poucos quadros de esquerda do grupo, o interesse des-
pertado pelas polêmicas a respeito do significado político da Escola
Nova passou a mobilizar as novas gerações de educadores à procu-
ra do seu depoimento. Comentou em nosso primeiro contato, ten-
tando esquivar-se ao meu intento de estudar sua atuação entre os
pioneiros, que andava cansado de ser procurado ora como referen-
do para as “novas interpretações”, ora como o “último dos pionei-
ros”. Ser “alvo de curiosidade” por ser “o sobrevivente” do grupo,
desagradava vivamente Paschoal Lemme, como pude deduzir pelos
1
Muitas dessas análises foram desenvolvidas pelos primeiros mestres e doutores forma-
dos nos cursos de pós-graduação no Brasil.
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12
seus comentários. Por outro lado a expectativa de que ele se
posicionasse como um jurado – absolvendo ou condenando o “pen-
samento liberal-conservador” dos educadores com os quais havia
trabalhado, parecia-lhe ainda pior. Paschoal Lemme não se sentia à
vontade em nenhuma das situações.
A interferência de Isabel Lelis, minha colega na PUC-Rio, junto
a Antônio Lemme – filho mais novo de Paschoal – viabilizara o
nosso primeiro encontro. Sua resistência inicial à minha proposta foi
sendo quebrada, já neste primeiro encontro, a medida que eu mani-
festava o meu espanto sobre as radicais mudanças de interpretação,
sobre o caráter progressista do Movimento da Escola Nova no
Brasil – anteriormente amplamente reverenciado pela história da
educação. Parece ter encontrado, em minha inquietação, a oportuni-
dade de veicular nos meios acadêmicos um balanço mais matizado
sobre os limites e as possibilidades das reformas educacionais, dos
anos 1920 e 1930. Ele que havia trabalhado diretamente, inicialmente
com Fernando de Azevedo, e depois com Anísio Teixeira nas refe-
ridas reformas, reagia fortemente àquelas interpretações.
A figura esguia, pálida, tímida, ao mesmo tempo que altiva, de
semblante triste
2
, e muito modesta, impactou-me pelo contraste
em relação à minha expectativa de estar diante de um “pioneiro”
entre os pioneiros da educação nova, que apenas recentemente
fora “redescoberto” pelos intelectuais do campo da educação. Vi-
víamos, nos meios acadêmicos, um momento de forte hegemonia
das teorias marxistas, e Paschoal Lemme fora “redescoberto” e
homenageado em Belo Horizonte na II Conferência Brasileira da
Educação em 1982, por ocasião do 50º aniversário do Manifesto
dos pioneiros da Escola Nova de 1932. Este tipo de homenagem o
constrangia de certa forma, pois manifestou-me o sentimento de
ser valorizado por ser “o último dos pioneiros vivo”, uma vez que
2
Posteriormente, ao falar-me do vazio que lhe deixara a morte de dona Carolina, sua
companheira por tantos anos, compreendi a expressão de tristeza de meu solitário educador.
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poucos dos educadores que frequentavam as CBEs conheciam,
de fato, a sua obra.
Entender o significado da ação de Paschoal Lemme entre os
“cardeais da educação”
3
foi o objeto de minha pesquisa. De 1987
a 1992, ano em que defendi minha tese de doutorado, inúmeras
foram as ocasiões em que fui à sua casa na Travessa de Santa
Teresinha (Tijuca), ao início para entrevistá-lo, e, depois, para dia-
logar com ele sobre o desenvolvimento da pesquisa, momentos
em que as nossas conversas se estendiam sobre os mais variados
assuntos. Ele era um leitor atento de jornais, diariamente, demons-
trando que as mais de oito décadas de vida não o apartavam do
forte interesse sobre as questões do mundo contemporâneas. Eis
como ele relata sua reação ao nosso primeiro encontro:
Confesso que fiquei, senão alarmado, seriamente preocupado, pois até
então nunca imaginara que em minha carreira profissional pudesse ter
realizado qualquer coisa de tanta importância que pudesse servir de
assinto para uma tese de doutorado...
Ponderei à Zaia que nunca me considerei mais do que um “servidor
público” na área que escolhera, livremente, para exercer minhas ativi-
dades profissionais (...) Respondeu-me ela que eu estava me esquecen-
do de um aspecto importante de minha carreira, que lhe conferia uma
originalidade (...) Examinando minha trajetória profissional, verificara
que, em dado momento, eu assumira um caminho próprio que me
distinguia ou separava daquela corrente de pensamento reformista, ou
mais precisamente, liberal democrática em matéria de educação...
(Paschoal Lemme, introdução, Memórias 4, p. 24)
Durante todo o tempo em que estive desenvolvendo a pes-
quisa, a disponibilidade de Lemme foi completa, eu diria mesmo
que ele tornou-se um verdadeiro parceiro na investigação.
Vencido mas não inteiramente convencido, passei então a fornecer-
-lhe todo o material de que dispunha, e em alguns outros encontros,
3
A expressão, posteriormente muito empregada, foi criada por Afrânio Peixoto, ele mes-
mo um dos signatários do Manifesto de 1932, para designar Anísio Teixeira, Carneiro
Leão, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho. Consultar a esse respeito: Lemme, Memórias
3, p. 199.
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aprofundei a narrativa de minhas atividades profissionais e políticas
durante os sessenta anos (1924-1984) a que me dedicara aos problemas
de educação e ensino. (Lemme, ibid, p. 26)
Em nosso segundo encontro, ficou claro para mim que havia
conquistado a sua confiança: na pequena sala em que passou a me
receber em sua residência, junto com o suco de frutas e biscoitos,
trazia um texto manuscrito com uma síntese de sua vida; além dos
aspectos estritamente pessoais (casamento e nascimento dos fi-
lhos) destacava os momentos principais de sua trajetória político-
profissional. Este foi o primeiro de vários outros documentos que
me ofereceu (inclusive fotos e cartas) com os quais pude construir
o corpus de minha pesquisa. Seu interesse e sua generosidade foram
fundamentais para que eu pudesse elaborar a minha versão sobre
a sua participação no “movimento de renovação educacional”
(como preferia nomear) liderado pelos “cardeais”.
Quando o procurei pela primeira vez, ele já havia concluído
dois volumes de suas memórias, que foram publicados pelo Insti-
tuto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep) em 1988. Outros três volumes seguiram-se, sendo o último
deles publicado após a sua morte em 1997, graças ao empenho e
cuidadoso trabalho de Jader de Medeiros Britto. Convidou-me
para fazer a apresentação do terceiro volume, o que deixou-me
muito honrada, e dedicou o quarto volume a Antônio Houaiss,
Vanilda Paiva e a mim. No decorrer do período em que eu prepa-
rava a minha tese nos encontramos regularmente, e pude então
perceber o seu crescente envolvimento e entusiasmo em recons-
truir comigo, e para mim, a sua trajetória. Guardo uma viva lem-
brança da alegria de Lemme, quando voltei de São Paulo com
cópias das cartas que ele escrevera para Azevedo. Eu fora consul-
tar os arquivos de Fernando de Azevedo, no Instituto de Estudos
Avançados da USP, com o objetivo, entre outros, de reconstituir o
diálogo desenvolvido, durante várias décadas entre os dois
educadores, através de correspondência. Tornamo-nos parceiros
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15
na reconstituição das memórias do Movimento da Escola Nova
no Brasil, e penso que esses encontros serviram de estímulo à con-
tinuidade do trabalho que ele vinha desenvolvendo, e que resultou
nos cinco volumes de Memórias publicado pelo Inep/MEC
4
.
Apesar de sua timidez, Paschoal Lemme era profundamente
afetivo, e dele guardo uma lembrança terna, inclusive da última
visita que lhe fiz, quando encontrava-se descansando no seu sítio
em Paty de Alferes – o Remanso. Lá recebeu-nos, a mim e meu
marido, com muita alegria. E entre conversas e reminiscências so-
bre as mudanças de costumes que ele, como longevo, teve o privi-
légio de presenciar, levou-nos a visitar o “apartamento” que constru-
íra, com entrada independente e uma pequena cozinha, para que as
netas pudessem livremente levar os seus namorados para passar o
fim de semana. Este era Paschoal Lemme, um homem que olhava
com naturalidade os movimentos da juventude na tentativa de su-
perar os velhos tabus, que por tanto tempo geraram as culpas e
preconceitos sofridos pelas gerações anteriores.
Construir a minha versão, por entre as diferentes memórias e
as histórias da Escola Nova no Brasil, foi uma das experiências
mais ricas de minha vida de pesquisadora. Além do investimento
no campo específico da história, a minha pesquisa de doutoramento
provocou o convívio com esta admirável figura de servidor pú-
blico que foi Paschoal Lemme. Trabalhou diretamente com
Fernando de Azevedo (1927-1930) e Anísio Teixeira (1931-1935)
no que qualificou de A Grande Reforma do Ensino no Distrito
Federal, iniciada por Azevedo e “continuada e ampliada” por
Teixeira. Em 1932, foi um dos signatários do Manifesto dos pioneiros
da Educação Nova e um dos principais responsáveis pela coleta das
assinaturas, por solicitação de Fernando de Azevedo.
4
No 4º volume das Memórias, ele registra, na introdução, referindo-se ao 3º volume: “ficou
resolvido que esse 3º volume, já contratado, seria o que já estava em mãos da editora, em
composição, por recomendação de Zaia Brandão.” (Lemme, P. Memórias 3, Brasília; Inep/
MEC, p. 27)
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16
Os inúmeros encontros que tive com Paschoal Lemme, durante
o processo de elaboração da pesquisa, foram muito mais do que
momentos de entrevistas e levantamento de material historiográfico;
foram possibilidades de exercitar a capacidade de ouvir, de recons-
truir hipóteses sobre o sentido histórico do trabalho empreendido
pelos “educadores pioneiros”, e sobretudo exercitar, com o mestre
Paschoal, a riqueza de um verdadeiro diálogo: aquele em que as
partes se dispõem a rever percepções e convicções no fluxo das
argumentações. Em meio aos debates, por vezes tensos, as “ver-
sões” que eu ia construindo – sobre os significados da Escola Nova
no Brasil e o sentido da participação de um “educador marxista”
entre os “liberais” – eram frequentemente complementadas e, algu-
mas vezes problematizadas, pelo meu “jovem professor de 84 anos”,
como eu passei a me referir a ele. Encantava-me o brilho dos seus
olhos e o entusiasmo com que me esperava a cada novo encontro
em que cotejávamos nossas interpretações sobre o significado polí-
tico-pedagógico do “movimento renovador” e, sobretudo, da sua
inserção no grupo, em que pese as diferenças de pontos de vista
sobre o papel da educação nas mudanças sociais. E, se nem sempre
nossas versões coincidiram, pudemos expor sem censuras as nossas
divergências, inclusive por correspondência
5
.
Paschoal Lemme transformou-se assim, de testemunho de uma
época em companheiro da aventura, na reconstituição das memó-
rias da educação brasileira sobre um período rico e controverso,
em que as tentativas de organizar um sistema de ensino público,
aberto a setores anteriormente excluídos da educação escolar, foi
alvo tanto de grandes aplausos, como de duras críticas.
As repercussões da minha pesquisa no campo da historiografia
da educação brasileira – problematizando tanto memória/monumento
construída por Fernando de Azevedo, quanto a história/julgamento
5
Toda a correspondência que trocamos durante o período, além das cartas de Fernando
de Azevedo dirigidas a Lemme, que trouxera dos arquivos de Azevedo na USP, foram
doadas ao Proped da UFRJ.
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3116
17
que questionava o caráter progressista do “movimento renovador”–
são credoras do empenho e generosidade deste educador pioneiro
em me ajudar a enxergar e compreender as contradições que atraves-
saram o trabalho daquela geração de educadores responsável pelo
primeiro e vigoroso esforço de construção de um sistema público de
ensino que tivesse como norte um plano nacional de educação.
Nos capítulos que se seguem, procuro oferecer aos leitores a
minha versão sobre a presença de Lemme entre os educadores de
sua geração: a geração pioneira no compromisso de trabalhar na
construção de uma administração pública da educação, e que tinha
como objetivo central proporcionar a todos os brasileiros, inde-
pendentemente da origem social, a possibilidade de usufruir de
uma escola pública de qualidade.
A construção da identidade de servidor público
Nos dois primeiros volumes das Memórias de Paschoal Lemme
encontramos preciosas pistas sobre as bases familiares e sociais
que cunharam os sentimentos de solidariedade social e responsa-
bilidade pública, que marcaram a sua atuação profissional no cam-
po da educação, assim como as opções que o mobilizaram no
campo político ideológico. Essas posições foram responsáveis por
uma trajetória singular, quer entre os educadores, quer entre os
quadros do Partido Comunista a partir da década de 1930. Tor-
nou-se importante colaborador do partido nas questões referen-
tes à educação, preparando discursos, pautas de debates, e como
indicado para apresentar diagnósticos da educação brasileira em
congressos internacionais promovidos pelo bloco socialista; sem
nunca ter se filiado ao PCB participava intensamente das ativida-
des culturais, sempre responsável pelas que discutiam o papel da
educação como instrumento de preparação para uma sociedade
mais justa. Sua formação intelectual, fortemente influenciada pelo
pensamento marxista da primeira metade do século, levou-o a
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3117
18
desenvolver uma série de textos que focalizavam o impacto da
estrutura de classes nas desigualdades sociais e educacionais.
De uma família simples de camada média moradora do Méier,
em suas memórias relembra a presença da mãe, Maria do Nasci-
mento Lemme, sempre envolvida num circuito diário que percor-
ria “desde a limpeza da casa, até a pesada lida da cozinha e da
lavagem da roupa de toda a família”. Mais tarde, Deolinda, em-
pregada doméstica vinda do interior, passou a auxiliá-la. Sua nar-
rativa evidencia a valorização do trabalho e dos trabalhadores de
todos os tipos (do doméstico ao trabalho remunerado) como um
dos traços marcantes do seu pensamento social.
Do pai, Antonio Lemme, “chefe incontestável” da família, se-
gundo sua própria expressão, registra a formatura tardia como den-
tista, graças a enormes sacrifícios, entre os quais o de ter cursado o
nível secundário e a faculdade, sempre trabalhando como “prático
dentista”. Ele precisava sustentar a família e já tinha quatro filhos,
quando se formou. Mais oito filhos vieram totalizando quatro mu-
lheres e oito homens, mas graças ao esforço empreendido em busca
da ascensão profissional, o “doutor Antonio Lemme”, após a ob-
tenção do diploma universitário, pode acomodar a família em uma
casa melhor, que comprou no mesmo bairro do Méier.
O pai era italiano da Calábria, e imigrou para o Brasil pelos 14
anos. Paschoal Lemme assinala algumas das características paternas
que impactaram sua vida:
Seu exemplo, seu trabalho, sua energia, seu interesse pela coisa pú-
blica e pelos destinos da pátria de adoção, seu espírito progressista e
liberal, seu anticlericalismo, seu sentido de não admitir qualquer
manifestação de obscurantismo – tudo isso foi um legado que nos
transmitiu, que nos marcou, sem dúvida de maneira positiva.
(Lemme, Memórias 1. p.55)
O “pensamento social avançado”, que marcou a atuação de
Lemme no campo da educação, tem portanto as suas origens,
segundo o seu próprio testemunho, nas raízes familiares.
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19
Meu pai (...) em sua pátria adotiva, acostumou-se e nos acostumou
a acompanhar os mais importantes acontecimentos políticos e so-
ciais, com todo o interesse, mas sempre com um agudo espírito
crítico.
Minha mãe, (...) acompanhava também, com grande interesse, o
desenrolar dos acontecimentos que se sucediam à sua volta, comen-
tando-os, frequentemente, com expressões que nada tinham de con-
formistas, como acontece geralmente com as mulheres. (Lemme,
Memórias 2, pp. 207-208)
Essa experiência de socialização familiar em que os fatos políti-
cos faziam parte dos debates e interesses cotidianos, certamente foi
um dos pilares de sua visão crítica sobre a atuação do estado e seus
representantes. Desde muito cedo, ele acompanhava com interesse
os comentários do pai sobre os acontecimentos sociais e políticos.
O exemplo paterno, com a sua dedicação ao trabalho, com a ener-
gia e a persistência em se formar em odontologia, apesar das pe-
sadas jornadas ainda como técnico para sustentar a família, seu inte-
resse pelos assuntos públicos e pelos destinos da pátria de adoção,
seu espírito progressista e liberal, seu anticlericalismo – tudo isso,
segundo Paschoal, marcou definitivamente a sua visão sobre a coisa
pública e, sua atuação profissional desde quando, através de con-
curso, tornou-se um servidor público.
Dois de seus irmãos seguiram a carreira do pai. Paschoal
escolheu ser professor, apesar da resistência da família. Nesta
escolha, uma influência importante – o professor Teófilo – é
lembrado como o “mestre incomparável que me fez profes-
sor”. O professor Tfilo, um precursor dos métodos novos na
educação pública, demonstrava grande sensibilidade social. A
descrição de Paschoal da “Escola Profissional Visconde de
Cairú”, onde fez seus estudos primários com o professor Tfilo,
é um eloquente depoimento da importância desse mestre não
apenas na definição da sua trajetória profissional, mas na cons-
trução de sua identidade de funcionário público: “Sua dedicação
não tinha limites, dando mesmo impressão que nunca se afastava
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20
da escola, que parecia constituir toda sua vida”
6
. Um dos exem-
plos dessa dedicação sem limites daquele seu mestre à educação
é também relatado por Lemme:
...era tal a dedicação do professor Teófilo ao seu trabalho que, aos que
considerava seus melhores discípulos, sem qualquer remuneração e numa
enorme sobrecarga de esforço, depois das horas normais do expediente
escolar, dispunha-se ainda a preparar para prestar os “exames prepara-
tórios”, que eram realizados no Colégio Pedro II. (ibid p. 107)
Paschoal Lemme começou a vida profissional, em 1924, como
professor primário na zona rural; transferido para a Visconde de
Cairú (a primeira escola técnico-profissional do Rio de Janeiro),
onde ensinou complementos de matemática para a 7ª série.
Em 1928 foi chamado para trabalhar compor o quadro técnico
responsável pela Reforma Fernando de Azevedo. Essa experiência
na administração pública completa e aprofunda a representação
positiva que desenvolveu sobre o sentido e significado do trabalho
no serviço público. O trabalho junto aos reformadores foi portanto
vivido como uma experiência impar de luta contra os processos de
transgressão das fronteiras entre o público e o privado. O “sistema
de mérito”, implantado pela reforma com a instauração de concur-
so público – para o preenchimento das novas vagas criadas pela
organização do sistema escolar – provocou violentas reações dos
que estavam acostumados a tratar o patrimônio público como uma
questão privada. Para Paschoal, o firme propósito de Fernando em
romper com essas práticas, e a irrepreensível conduta com que le-
vou a termo seu compromisso de respeitar os resultados dos con-
cursos, não importa a quem afetasse, é um dos traços mais
importantes do sentido progressista do processo de modernização
da administração pública empreendido por aqueles pioneiros.
No Distrito Federal, cargos do mais alto nível – como o de
inspetores escolares, médicos escolares, diretores de escolas de todas
as modalidades – até os cargos mais simples, como o de servente
6
Memórias 1, p. 100.
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21
de escola primária, eram preenchidos por concurso, e significaram
uma ruptura inédita com a cultura do pistolão, já bastante arraigada
no Brasil dos anos 1920.
A Revolução de 1930 afasta Fernando de Azevedo da gestão
pública da educação no Distrito Federal. Entretanto já em 1931
Paschoal é convocado a trabalhar com Anísio Teixeira, que assu-
mira o cargo do qual Azevedo fora afastado. Segundo seu pró-
prio depoimento, ao trabalhar com Anísio já adquirira a segurança
que só a experiência profissional confere, e acabou sendo solici-
tado a assumir posições de maior responsabilidade na diretoria de
instrução pública do Distrito Federal.
Foi durante a administração Anísio Teixeira no Distrito Fede-
ral que ele experimentou os primeiros grandes desafios em sua
carreira profissional. Foi também, com Anísio, que experimentou
os resultados contraditórios das inevitáveis alianças políticas no tra-
balho na administração pública. Anísio, diferentemente de Fernando,
recebia os políticos, cedia a certas pressões; mas, desta forma,
ampliava as possibilidades de aprofundar a reforma iniciada por
Fernando. Paschoal reconhece em suas Memórias que, apesar da
clara preferência pelo estilo de Fernando, percebeu que seria im-
possível conseguir levar adiante as propostas da reforma de ensi-
no, sem a negociação política. De alguma forma seria necessário
negociar e ceder às pressões políticas que não inviabilizassem a
continuidade do processo de organização do sistema público de
ensino. A habilidade de Anísio Teixeira em se relacionar e negociar,
com o universo político partidário, pareceu-lhe fundamental para
consolidar a reforma iniciada por Fernando de Azevedo.
Apesar das diferenças ideológicas de Lemme, em relação à
visão de Anísio Teixeira e de Fernando Azevedo, sobre o papel
da educação na mudança social, nos inúmeros encontros em que
ele discutiu comigo as razões que o levaram a colaborar direta-
mente com esses dois “cardeais da educação”, afirmava que “dada
a sua condição de funcionário público”, ele via o trabalho desen-
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volvido por aqueles educadores na gestão da educação pública,
como um avanço possível e necessário na direção do direito à
educação de qualidade para as populações mais pobres. Não
seria ético, segundo ele, em função das suas convicções políticas
cruzar os braços à espera de uma “revolução social” que criasse
as condições de um sociedade igualitária para que se pudesse
realmente democratizar a educação.
Em 30 de agosto de 1988 Paschoal Lemme entregou-me um
texto, escrito especialmente para mim, no objetivo de esclarecer-
me sobre as aparentes contradições de continuar considerando os
educadores liberais como parceiros legítimos de sua luta pela de-
mocratização social. Dizia-me então que, o fato de reconhecer os
limites da educação para uma transformação mais profunda em
relação as desigualdades sociais não significava deveria,
...ficar esperando as transformações sociais para que, automaticamen-
te, as condições da educação e do ensino se transformem.. Lutar por
melhores condições de educação e ensino é uma das formas de levar
educadores, professores, estudantes e o povo em geral a compreen-
derem justamente que, para conquistarem vitórias significativas nesse
setor, é preciso que a luta se torne tão ampla que redunde em transfor-
mações da sociedade como um todo... Foi esse o caminho que tentei
seguir, a partir do momento em que comecei a compreender “ver-
dades fundamentais”
7
. (Lemme: Memórias 3, pp. 11-12)
As “verdades fundamentais” indicadas por Lemme,
possibilitaram o conhecimento das interferências das condições de
vida material no processo de escolarização; a perspectiva marxista
sobre os limites impostos à igualdade entre os homens pela divi-
são de trabalho em uma sociedade de classes não era muito difun-
dida época. Em que pese que na visão de Lemme a impossibilida-
de de aprofundar as condições de verdadeira igualdade entre os
homens, sem uma radical transformação da sociedade por uma
7
As “verdades fundamentais” referiam-se à sua formação de cunho socialista com forte
ênfase na literatura marxista corrente no início do século XX no Brasil.
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23
revolução socialista, o trabalho na gestão pública da educação de
Anísio Teixeira, assim como a de Fernando de Azevedo permiti-
ria, como explicitado acima, que nas escolas públicas do Distrito
Federal se começasse um processo de transformação educacional
que caminhava na direção da construção de uma escolaridade de
qualidade para todos o brasileiros, e não apenas para uma elite,
como ocorrera até então.
Anísio Teixeira, por exemplo, apesar de ser um “liberal” perce-
bia claramente a influência das condições de vida, determinadas pela
infraestrutura econômica, sobre o desempenho escolar. Sua avalia-
ção desenvolve-se por um ângulo, que somente ao final da década
de 70 será aprofundado por Pierre Bourdieu, com a noção de ca-
pital cultural. Eis o texto de Anísio, escrito na década de 1930:
Crianças, filhas de intelectuais ou de homens educados e ricos, com
um ambiente doméstico e social avançado, rodeadas de livros, de
revistas, de sugestões de toda a ordem para lerem, aprenderem por si
e assim se educarem, a elas não será de admirar que baste a escola
suplementar à ação do lar, tomando a si apenas a tarefa de inicia-los
nos segredos da leitura, da escrita e dos cálculos simples. O mais fará
a própria educação de casa.
Outro é o caso do brasileiro, entretanto. As crianças de elevado padrão de
vida são as crianças exceção, privilégio de uma pequena minoria. A criança
do povo só tem a escola, nem livros, nem, o que e pior, a necessidade da
leitura. (Anísio Teixeira, apud Brandão: 1999, pp. 87-88)
Não cabe pois estranhar a inserção de Paschoal Lemme no tra-
balho junto a homens como Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira,
que embora não se alinhassem a uma perspectiva socialista, como
ele o fizera, tinham uma clara ideia a respeito das implicações das
diferenças culturais e econômicas a enfrentar, para caminhar-se na
direção de uma educação de qualidade no serviço público. A cons-
ciência de que “a criança brasileira só tem a escola” implicava em
construir uma “Escola Nova” que superasse os padrões até então
vigentes em um sistema escolar fortemente excludente, porque aces-
sível a poucos e de baixa qualidade.
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24
Um pensamento silenciado?
Depois de uma leitura inicial do material que Paschoal Lemme
ia me oferecendo – sobretudo textos e livros que ele produzira
8
– e do cotejo desse material com as obras de Anísio Teixeira,
Fernando de Azevedo e Lourenço Filho, e muitos outros educa-
dores do grupo dos pioneiros, divulgadas pelas poderosas Com-
panhia da Editora Nacional e Melhoramentos, convenci-me de
que o pensamento de Lemme havia sido marginalizado pelos
educadores que tinham esses importantes órgãos de divulgação
à sua disposição.
Paschoal Lemme demonstrou profunda discordância em re-
lação ao primeiro esboço do texto que eu desenvolvera sobre a
sua trajetória entre os “cardeais da educação”, e que eu intitulara
de “Paschoal Lemme, o pensamento pioneiro silenciado”. Para
ele, a sua produção escrita ter sido pouco divulgada, no campo da
educação, era um “fato absolutamente natural” que jamais afetou
a admiração e o empenho em trabalhar com aqueles educadores
que se esforçaram por comprometer o estado com a democra-
tização das oportunidades escolares, até aquela época basicamente
restrita às camadas médias e às elites.
Lá pelos idos de 1933 ou 1934 ... entrando em contato com as correntes
de pensamento marxista, comecei a compreender que numa socie-
dade dividida em classes de interesses opostos e em situação nitida-
mente diferente não era suficiente que se preparasse uma educação
gratuita, obrigatória, leiga, sem discriminação de qualquer espécie,
para que as crianças, adolescentes e adultos, nas idades próprias, pu-
dessem chegar às respectivas escolas e nelas permanecerem pelo tem-
po suficiente para tirar do ensino o melhor proveito em igualdade de
condições. As desigualdades de situações econômicas, ou seja as di-
ferenças de classe, impediam que a educação se processasse dentro do
princípio básico do gozo desse direito, a igualdade de oportunidades
para todos. E, além disso, a escola não era o veículo promotor das
8
Livros que foram divulgados restritamente pelas pequenas editoras e gráfica ligadas ao
Partido Comunista, como a Editorial Vitória (Rio de Janeiro), Editora Obelisco e Editorial
Pluma (São Paulo), Gráfica LUX (Rio de Janeiro)
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25
transformações sociais que viessem a proporcionar essa igualdade de
oportunidades. (Lemme: 2004)
Hoje, vinte anos depois, retomando a minha tese
9
, e sintonizada
com as reações de Paschoal àquela época, relembro-me algumas
das suas observações a respeito do mal estar que sentia sempre que
o procuravam para falar do seu trabalho, na Secretaria de Instrução
Pública do Distrito Federal dos anos 1920 e 1930. Para ele o fato de
o classificarem como “o educador marxista” vinha muitas das vezes
acompanhado de uma forte crítica ao caráter conservador que atri-
buíam aos “educadores liberais”, o que o desagradava fortemente:
“eles não estão mais entre nós, para se defenderem das acusações
que pesam sobre eles”, dizia-me Lemme. Homem profundamente
íntegro e sem nenhuma vaidade, ele se recusava a fornecer “muni-
ção” – seja através de depoimentos, seja por outras fontes – para os
ataques ao pensamento liberal em educação. Recusava-se a aceitar
que a valorização do caráter pioneiro de sua visão (marxista), no
campo da educação, fosse destacada às custas da revisão da memória-
monumento
10
construída por Fernando de Azevedo a respeito de si
mesmo, e do grupo dos Pioneiros da Educação Nova. Não queria
que a divulgação de sua obra, entre as novas gerações acadêmicas,
servisse para desmerecer a luta empreendida por aquele grupo em
prol da construção de uma escola pública de qualidade, e aberta a
todos, na primeira metade do século passado.
A ampla divulgação das obras dos “cardeais da educação” e o
quase desconhecimento da obra de Paschoal Lemme no campo
da educação, até recentemente, é um claro indício do custo que ele
arcou, ao preservar a sua autonomia no plano político. Neste sen-
tido, retomo hoje a minha interpretação inicial sobre porque o seu
9
BRANDÃO, Zaia (1999). A intelligentsia educacional: um percurso com Paschoal Lemme
por entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil. Bragança Paulista: IFAN/
CDAPH. Editora da Universidade de São Paulo/EDUSF.
10
Memória-monumento foi a expressão que cunhei – inspirada no verbete clássico de Le Goff
(1984) documento-monumento – para melhor retratar a estratégia narrativa de Azevedo ao
coloca-se no epicentro do movimento renovador,
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26
pensamento não teria sido acolhido pelas melhores e mais impor-
tantes editoras da época, apesar de ter sido colaborador próximo
dos educadores que tinham enorme poder sobre a linha editorial
das mesmas, como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e, Lou-
renço Filho. Os escritos de Lemme não se coadunavam com a
perspectiva dominante na área, que apostava todas as fichas no
desenvolvimento da educação escolar, como condição para a cons-
trução de uma sociedade igualitária. Seu refrão predileto – não há
uma educação democrática, a não ser em uma sociedade verda-
deiramente democráticainvertia completamente o suposto libe-
ral de que a democratização da educação (escolar) seria a condição
para a igualdade social baseada exclusivamente no mérito e capa-
cidades individuais. Neste sentido sim, o seu pensamento teria sido
silenciado, pois apenas divulgado em publicações de baixa tiragem
de pequenas editoras ligadas direta ou indiretamente ao PCB, e
algumas vezes financiadas pelo próprio autor. A produção de
Paschoal Lemme ficou confinada a um público restrito, e à mar-
gem do campo da educação, que na época contava com amplo
acesso a importantes e poderosos instrumentos de divulgação no
campo editorial, como a Companhia Editora Nacional e a Me-
lhoramentos, pelas quais as obras de Fernando de Azevedo, Anísio
Teixeira, Lourenço Filho, e de muitos outros signatários do “Ma-
nifesto de 32” foram publicadas e reeditadas inúmeras vezes.
Na realidade, foi bem mais recentemente, já ao final da dé-
cada de 1980 que – graças ao apoio do Inep e o empenho de
alguns educadores, entre os quais cabe destacar Jader Medeiros
de Britto – sua obra mereceu atenção e começou a ser divulgada
no campo da educação. Recordo-me da simplicidade com que
Paschoal Lemme relatava, em nossos primeiros encontros, a cons-
trução de sua carreira no serviço público e da modéstia com que
me ofereceu três exemplares dos seus livros – Problemas brasileiros
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27
de educação, A educação na URSS – 1953 (ambos publicados pelas
Editorial Vitória Limitada) e Educação democrática e progressista (pela
Editorial Pluma) – e uma separata A situação do ensino no Brasil (À
margem da Conferência Mundial de Educadores) editada por ele mesmo.
Ao fazê-lo, assinalava que aqueles exemplares representavam uma
obra militante, que procurava chamar a atenção para aspectos nor-
malmente pouco destacados pelos seus interlocutores no campo
da educação.
Algum tempo depois pude testemunhar, no entanto, que a
publicação dos primeiros volumes de suas Memórias pelo Inep,
ainda que tardiamente, representou para ele o reconhecimento
material e simbólico da sua presença singular no campo da edu-
cação, porque precursora da consciência dos limites que as raízes
estruturais do fenômeno educacional impunham ao processo de
escolarização.
Um dos mais importantes sociólogos da educação brasileira,
Luiz Pereira, que no mestrado esteve sob a orientação de Florestan
Fernandes, o qual, por sua vez, fora aluno de Fernando de Azevedo,
em uma comunicação apresentada no II Congresso Brasileiro de
Sociologia, em março de 1962, fazia a seguinte observação sobre o
pensamento dos educadores:
... (os educadores) têm falhado no plano interpretativo do seu conhe-
cimento, por não atentarem adequadamente à natureza das conexões
estruturais e funcionais do sistema escolar com os demais integrantes
do sistema social global. (Pereira, L. 1976, p. 158)
Ora, como no próximos capítulos procuramos exemplificar, a
“obra militante” de Lemme objetivava exatamente divulgar entre os
educadores a percepção dos condicionantes estruturais da educação
escolar. Paschoal Lemme tinha no entanto clareza dos limites da
divulgação de sua obra, em contraste com a dos demais educa-
dores, como explicita em carta para Fernando de Azevedo
11
.
11
Lemme de 09/01/1952. In: Memórias 5, pp. 225-226
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28
Marcando as diferenças: um cotejo dos manifestos de 1932 e 1934
O Manifesto dos inspetores do Estado do Rio de Janeiro (1934) é o traba-
lho que assinala a o primeira expressão pública de uma clara diferen-
ça entre a percepção de Paschoal Lemme sobre as relações entre a
educação (escolar) e as mudanças sociais, e a visão dessas mesmas
relações no pensamento liberal dominante entre os educadores da
geração de Lemme. Enquanto os liberais viam na educação escolar
o instrumento por excelência para superar as desigualdades sociais,
Paschoal Lemme reafirmava constantemente que não poderia ha-
ver uma educação democrática a não ser em uma sociedade verda-
deiramente democrática, ou seja, em uma sociedade em que a igual-
dade entre os homens estivesse garantida. Essa visão o levou a se
associar aos movimentos políticos liderados pelas forças da esquer-
da que, na época, se concentravam no Partido Comunista. Dizia ele
em texto publicado em 1959:
Os educadores, em geral, assumem a atitude de portadores de uma “panaceia”
que, aplicada à sociedade, com a necessária técnica pedagógica, seria o fator
fundamental da transformação social. Isolam-se assim das outras forças pro-
gressistas que atuam na sociedade, especialmente as mais organizadas, ou seja,
os partidos políticos, as organizações sindicais e estudantis...
(Lemme: 1988, Memórias 3, p. 174).
Esse trecho escrito mais de duas década depois do trabalho nas
reformas educacionais do Distrito Federal junto a dois dos “carde-
ais da educação” reafirma sua convicção sobre os limites da edu-
cação. Foi para enfatizar estes limites que ele, muitos anos antes, no
Manifesto dos inspetores do Estado do Rio de Janeiro (1934), propunha uma
inflexão na forma de perceber o papel da educação, em diálogo
com o Manifesto dos pioneiros da Educação Nova de 1932.
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29
O cotejo entre os dois manifestos
12
tem por objetivo por em
relevo o gradativo distanciamento ideológico de Lemme em re-
lação ao pensamento educacional hegemônico entre os educadores
de sua geração . A estrutura dos dois manifestos, transcrita abaixo,
já indicava aspectos da continuidade e descontinuidade entre os
dois documentos e as premissas do debate que tentou desenca-
dear no campo da educação.
Os títulos dos manifestos são elucidativos sobre a importân-
cia atribuída à “reconstrução educacional” iniciada pelas refor-
mas educacionais em 1920, pois, apesar das diferenças de visão
sobre as condições em que elas deveriam ser realizadas, ambos
os documentos se intitulam de “A reconstrução educacional”.
12
O Manifesto dos Inspetores do Estado do Rio de Janeiro (1934) encontra-se publicado
ao final deste volume, e pode ser consultado pelo leitor. Os dois manifestos, foram
publicados na íntegra no Memórias 4 o de 1932 (pp. 295-325) e o de 1934 (pp. 353-390).
Na continuidade deste capítulo, em virtude do número de referências aos dois manifestos
não me remeterei às páginas das citações.
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30
Pioneiros e inspetores afirmam a necessidade de as reformas se
apoiarem nos conhecimentos tributários do desenvolvimento cientí-
fico, sobretudo no campo da psicologia e da sociologia, como refe-
rências para o processo de renovação da escola. A fé na ciência, era
um valor incontestável ao inicio do seculo XX, assim como a ideia de
modernização da sociedade e do aparelho escolar. O conjunto dos co-
nhecimentos científicos sobre o desenvolvimento psicológico e
cognitivo e o progresso tecnológico abriam novas perspectivas para a
formação do magistério e para a construção de uma “Escola Nova”.
Há no entanto, a explicitação de diferenças importantes, – por
parte do manifesto redigido por Lemme (o dos inspetores), em
diálogo com o “Manifesto de 32” – que merecem uma análise mais
detalhada, pois representam as inflexões propostas por Paschoal ao
“pensamento pioneiro”.
Enquanto os pioneiros se dirigem “ao povo e ao governo”, os
inspetores falam “ao magistério e à sociedade fluminenses”. Especular
sobre os significados dessas diferenças ajuda a elucidar algumas das
descontinuidades entre as duas propostas de “reconstrução educaci-
onal”. No contexto do Manifesto dos inspetores pode-se supor que ao
dirigirem-se “ao magistério e à sociedade fluminenses” visavam de-
sencadear um movimento que procurava incorporar a “sociedade
civil” à tarefa de reconstrução educacional/social; essa incorporação
da sociedade fluminense e dos professores (responsáveis diretos pela
educação escolar) na luta pela reconstrução educacional, possibilita-
ria a ampliação da reflexão sobre o sentido político de garantir uma
escola de qualidade para todos os cidadãos. A incorporação da po-
pulação na pressão sobre o estado permitiria a tomada de consciên-
cia do poder que adquiriam com a mobilização social. A exclusão
do governo, da condição de interlocutor explícito, indicava a des-
confiança em relação às “classes dominantes” que contaminam com
os seus interesses a governo no estado capitalista. Essa mudança de
interlocutores evidenciava claramente o desejo de questionar o ca-
ráter meramente técnico da ação dos educadores, conclamando-os
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3130
31
a se associarem aos movimentos políticos mais amplos emergentes
na sociedade civil, desde a década de 1910.
A substituição do termo “povo” por “sociedade fluminense”
pode também significar a intenção de reiterar o status da cidadania
ao “povo”, em seu direito de participar da definição do projeto de
reconstrução nacional, através da educação.
Nos subtítulos dos manifestos encontramos outras indicações
de diferenças fundamentais: enquanto o "Manifesto de 32" coloca-
se dominantemente no plano das afirmações de caráter doutrinário
que deverão fundamentar a política educacional pelo grupo de inte-
lectuais da educação, o dos Inspetores (34) demonstra uma grande
preocupação em contextualizar historicamente a educação brasileira
(reconhecendo a ignorância por parte da maioria da população das
raízes históricas da exclusão social responsável pelos problemas da
sociedade, entre eles os da educação); registram ainda o trabalho já
desenvolvido no Estado do Rio pelos inspetores signatários. Ao
descrever as linhas de atuação dos inspetores, o Manifesto estaria assi-
nalando a competência para o trabalho de reconstrução educacional
que se propunham desenvolver.
As introduções dos manifestos assinalam das características dos
dois grupos, como por exemplo – a que vieram, de onde falam e
para quem.
O Manifesto dos pioneiros vem para,
imprimir uma direção cada vez mais firme a esse movimento já agora
nacional, e que arrastou consigo os educadores de mais destaque, e
levá-lo a seu ponto culminante com uma ação clara e definida de suas
aspirações e suas responsabilidades.
Os pioneiros falam da condição de “educadores de mais des-
taque” ... “que tomaram posição de vanguarda na campanha de
renovação e educacional (...)”.
E, dirigem-se “(...) em documento público ... definindo, perante o
público (povo) e o governo, a posição que conquistaram e vem man-
tendo desde o início das hostilidades contra a escola tradicional”.
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32
Os pioneiros propõem-se a dar sequência a um movimento
“que os arrastou”; ser “arrastado” estaria aí para enfatizar a im-
possibilidade desses educadores resistirem ao apelo do “novo”,
do que é “científico”, do que caminha no sentido da “civilização”.
Falar em “documento público” é ter uma dupla convicção: da
legitimidade de sua autoridade na matéria (educação), e de que o
que propõem é do “interesse público”, viável e decorrente de uma
posição “conquistada” e “mantida” na luta contra o caráter
excludente e ultrapassado da “escola tradicional”.
O Manifesto dos inspetores vem a público dar um balanço da sua
atuação durante um ano no serviço público,
ao iniciar-se o período escolar de 1934, julgamos de oportunidade o
nosso pronunciamento de público, em face dos fatos concretos que
exprimem o ambiente educacional fluminense. (...) nossa palavra aqui
deve ser considerada como uma resposta às críticas que no âmbito das
ideias, suscitamos...
Falam na condição de “Inspetores de ensino do Estado do
Rio de Janeiro, para a qual ingressamos através de concurso, na
administração Celso Kelly (...)” e, dirigem-se,
(...) ao Magistério do estado e a todos que de alguma forma, procura-
ram interessar-se pelo nosso trabalho (...)
(...) dirigido, pois a aliados e contrários, nesses últimos se compre-
endendo a ponderável massa amorfa dos que ainda se conservam
indiferentes (...)
São bastante claras as diferenças de perspectivas dos dois mani-
festos. Embora ambos os grupos venham em nome dos “novos
ideais”, nem esses ideais são inteiramente iguais, nem os caminhos
de sua realização se definem pelas mesmas questões.
Os inspetores se qualificam a falar ao público, como profis-
sionais “concursados” e, na condição de “servidores públicos”,
sentem-se no dever de prestar contas aos cidadãos, sobre as im-
procedência das críticas que estariam circulando a respeito da
sua atuação.
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3132
33
Falam a todos os que se interessaram pelo trabalho desen-
volvido – “aliados e contrários”. O desconhecimento dos edu-
cadores, sobre a necessidade de uma nova abordagem das ques-
tões educacionais levando em conta os impactos da estrutura
econômica sobre as condições de vida, e por consequência da
própria escolarização, se tornou um dos principais alvos do tra-
balho posterior de Paschoal Lemme.
À afirmação inicial do Manifesto dos pioneiros de que,
Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em im-
portância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter
econômico lhe podem disputar a primazia nos anos e reconstrução
nacional.
O Manifesto dos inspetores retruca que,
(...) mais um grito enérgico “ao povo e ao governo” sobre os destinos
que os aguardam se obstinam-se em não querer olhar de frente para este
problema de importância tal que “nem os de caráter econômico” lhe
podem disputar a primazia nos planos de “reconstrução nacional’. (...)
E o povo, coitado, o povo, que só sente a preponderância dos proble-
mas econômicos na hierarquia de todos os que o atormentam, não
chegou sequer a perceber que lhes atiravam essa tábua de salvação (...)
No item em que fala da ação já desenvolvida pelos novos
inspetores, no primeiro ano de atuação, estão caracterizadas as es-
tratégias de gestão do sistema de ensino com a distribuição territorial
das escolas, com a articulação com as famílias (círculos de pais e
professores), com regras atingindo o mercado de trabalho (cria-
ção de creches nas fábricas), com a exigência do estado garantir
cuidados mínimos de saúde, com infraestrutura básica para a de-
mocratização escolar:
Estudava-se um plano mais equitativo e razoável de distribuição das
escolas. Fundavam-se e reorganizavam-se caixas escolares. Estimulava-
se a criação de círculos de pais e professores. Instituía-se o quadro do
magistério pré-escolar, obrigando-se as instituições fabris à mantença de
creches para filhos de operários. Abria-se concurso para provimento dos
cargos de diretora de duas “escolas de saúde”. (...) visou-se o magistério
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3133
34
atual, em plena atividade de funções, através de uma propaganda de
ideias novas, dando-se oportunidade, tanto quanto possível, a todos,
para que delas tivessem conhecimento e delas participassem.
.
Há, ainda uma clara preocupação com a formação do magis-
tério através da propaganda de ideias novas para que se conseguis-
se uma adesão consciente ao processo de renovação da educação.
Tem-se neste aspecto um indício de continuidade ao projeto dos
pioneiros. Aliás, como já assinalado, Paschoal Lemme nunca cri-
ticou a renovação pedagógica, embora tenha trabalhado no sen-
tido de caracterizar os limites dessas transformações.
Não seria possível integrar segmentos mais amplos da popu-
lação ao projeto de reconstrução educacional, sem as condições
“materiais” para essa participação (creches, caixas escolares, plano
mais equitativo de distribuição de escolas...); e, nesse sentido os
inspetores diferenciavam-se dos pioneiros conforme a crítica abaixo
subentende:
... dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era
indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido,
todos os nossos esforços, (...) não lograram ainda criar um sistema
de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das
necessidades do país.
... Tudo confirmando a impossibilidade de reformas educacionais sem
base numa sólida estrutura econômica, o que vale dizer, na organiza-
ção do trabalho livre, que faça da educação uma verdadeira necessidade
social, sentida e baixo para cima.
O texto dos inspetores confirma a impossibilidade de modifi-
cações duradouras no campo da educação, sem que ocorram mo-
dificações na estrutura econômica. A “organização do trabalho li-
vre” proporcionará alterações na estrutura econômica que levarão a
educação a ser sentida como uma verdadeira necessidade. As refor-
mas educacionais, quando não articuladas a mudanças sociais mais
profundas, acabam por se impor de cima para baixo, o que em
parte explicaria o seu fracasso, uma vez que na ausência de condi-
ções materiais e sociais básicas a urgência da sobrevivência não dei-
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xaria espaço para os investimentos em tempo, físico ou psicológico,
para a dedicação aos estudos. A democratização da escola depende-
ria, no entender dos inspetores, por mudanças no plano da distri-
buição da riqueza garantindo uma sociedade mais igualitária.
Os pioneiros, diferentemente, não têm dúvidas a respeito da prio-
ridade educacional nas mudanças sociais. É por isso que declaravam
(...) a serena confiança na vitória definitiva de nossos ideais de educa-
ção. Em lugar dessas reformas parciais, que se sucederam, na sua
quase totalidade, na estreiteza crônica de tentativas empíricas, o nosso
programa concretiza uma nova política educacional, que nos prepa-
rará, por etapas à grande reforma (a social/ZB), em que palpitará
com o ritmo acelerado dos organismos novos, o músculo central da
estrutura política e social da nação.
A educação é o “coração” da estrutura da sociedade. Esta
imagem articulada à frase inicial e às inúmeras alusões ao longo
do “Manifesto de 32”, sobre o papel dinamizador da educação,
indicam a certeza do êxito do programa de reconstrução educa-
cional no projeto de reconstrução social.
Ao final do manifesto, reiteram que
... as únicas revoluções fecundas são as que se fazem ou se consolidam
pela educação, e é só pela educação que a doutrina democrática, utiliza-
da como um princípio de desagregação moral e de indisciplina, poderá
transformar-se numa fonte de esforço moral, de energia criadora, de
solidariedade social e de espírito de colaboração.
Os pioneiros estão querendo convencer os interlocutores de
que, para consolidar o processo “revolucionário” dentro de uma
ordem democrática, precisariam de uma “nova” política educacional.
Só ela garantiria as virtudes necessárias ao cidadão para enfrentar os
riscos da liberdade. O liberalismo atravessava, desde o início da re-
pública, uma fase em que era alvo de críticas bastantes contundentes,
sobre o papel desagregador que vinha tendo na organização social.
O pensamento integralista, bastante influente entre os católicos, vi-
nha por sua vez apontando os sérios riscos da proposta de Escola
Nova, dos liberais.
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3135
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Bem diferente é a perspectiva do Manifesto dos inspetores a respeito
do lugar da educação na esfera social. Nas conclusões afirma,
... a nossa pregação teve, conscientemente, de alargar-se para além do
âmbito estreito de uma pura renovação escolar e ir até o ambiente
social onde a escola se contém. Porque a expressão da verdade é a
seguinte: a renovação escolar não pode ser realizada “integral-
mente” sem a revisão da estrutura econômica da sociedade atual,
capitalista, a qual corresponde uma consciência social incompatível
com a escola científica.
(...) é por isso mesmo que nós, dentro de nossa propaganda, não nos
limitamos a uma revisão de métodos de ensino, nem ficamos na
pregação das ideias doutrinárias que geraram esses métodos.
Tivemos coragem de dizer claro à sociedade fluminense que a reno-
vação que propúnhamos estava muito mais fora da escola do
que dentro da escola; dependia muito menos da compreensão que
sobre o assunto pudesse ter o mestre do que a consciência social que
possuísse a massa laboriosa do Estado do Rio.
Esse texto define claramente onde está o cerne da descontinui-
dade proposta em relação ao "Manifesto de 32". A reforma integral
da educação pressupõe mudanças na estrutura social. A estrutura
capitalista estaria gerando uma consciência social incompatível com
os novos ideais. Embora não fique muito claro no texto o que que-
rem significar com a expressão “escola científica”, é possível supor
– com base no item que denominam de “matéria de pregação”, e
que trata dos “fundamentos sociais da transformação escolar” –
que se refiram ao futuro da escola em uma sociedade “sem classes”
... Assim é que, ao explicar a evolução social, naquela parte, afirma,
Um homem novo surge, portanto, dentro de uma nova sociedade
que se afirma, dia a dia, em marcha para uma sociedade futura, carac-
terizada pela divisão racional do trabalho e em consequência pela
mais estrita independência entre os homens.
Isso redunda necessariamente em maior coesão, maior solidariedade
entre esses homens, dando margem a que todos, extintas as castas e
classes que hoje os dividem e se combatem entre si, tenham oportu-
nidade igual para se afirmarem como valores sociais.
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Em que pesem as diferenças destacadas – pelo cotejo dos
dois manifestos entre o pensamento de Lemme e dos outros educa-
dores pioneiros – sobre o papel da educação nas transformações
sociais, é possível perceber nos extratos de textos do próximo
capítulo, que as questões da educação em uma sociedade de classes
era tema de reflexão de todos eles.
A geração dos pioneiros era quase toda constituída de autodi-
datas. Poucos, dentre eles, tiveram uma formação escolar básica
voltada para a carreira do magistério. A experiência de Paschoal
Lemme estava entre essas exceções: fez o curso normal, foi pro-
fessor primário e secundário e tinha portanto uma experiência di-
reta com o cotidiano escolar. Conhecera diretamente as condições
de trabalho dos professores, as dificuldades do alunado, as exi-
gências sociais para o bom andamento da aprendizagem, as difi-
culdades de todos os tipos para se garantir uma escolaridade de
qualidade para todo o povo.:
O ambiente (da escola) era desprovido de qualquer conforto, inclusi-
ve com falta de água potável de qualidade razoável e de aparelho
sanitário decente (...) O meio era muito pobre, e a crianças iam quase
todas descalças, levando pouca alimentação e bebendo água de um
poço de qualidade duvidosa.
Na escola primária em que trabalhou, na zona rural, ele conhe-
ceu o inspetor Deodato de Morais que o convidou para coordenar
o trabalho de ensino agrícola nas escolas rurais, num ambicioso
projeto que deveria ter desdobramentos sobre a alimentação dos
alunos. A falta de apoio governamental inviabilizou em pouco tempo
o projeto.
Algum tempo, depois de ter quase abandonado o magistério,
Lemme foi convidado pelo seu mestre Teófilo Moreira para voltar
à escola Vinconde de Cairu, agora como professor de complemen-
tos de matemática na 7ª série. Jonatas Serrano – que era o responsá-
vel pela Subdiretoria Técnica da Diretoria Geral de Instrução Públi-
ca, na administração de Fernando de Azevedo – e que conhecera a
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3137
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seriedade e compromisso do trabalho desenvolvido por Lemme
na escola rural, o levou para o trabalho na administração pública.
Pouco depois, e em função dos novos encargos, passou a fre-
quentar a ABE (Associação Brasileira da Educação), debatendo jun-
to como os outros educadores as questões da educação. Participan-
do da administração pública e pensando alternativas em termos de
políticas educacionais, formaram-se os primeiros “profissionais da
educação”. A trajetória de Paschoal Lemme – no magistério, no
ensino rural e técnico e, posteriormente, atuando junto aos princi-
pais responsáveis pela organização do sistema escolar público – per-
mitiu que sentisse diretamente os limites das ações no plano educaci-
onal. Experimentou cotidianamente os limites estruturais e políticos
enfrentados pelas reformas e projetos educacionais. O contato com
a literatura marxista, seguramente foi decisivo para o aprofunda-
mento de sua reflexão, sobre as raízes sociais e econômicas das questões
educacionais, que viria a conferir um caráter singular à sua posição
entre os pioneiros da Escola Nova no Brasil.
Educação e sociedade: um debate
Trabalhando nas reformas de ensino, Paschoal Lemme,
Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira viam-se permanentemen-
te refletindo sobre as condições de educação da população. Neste
capítulo utilizamos textos dos três pioneiros como recurso para
simular um debate, entre eles, sobre as relações entre educação e
sociedade, e assim apresentar as convergências e distanciamentos
destes educadores na compreensão dessas relações.
Eles não tinham dúvidas sobre a responsabilidade do estado
em matéria da educação. O trabalho desenvolvido junto às admi-
nistrações de Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira foram vitais
para que Paschoal Lemme por um lado, valorizasse o trabalho na
administração pública, mas por outro, percebesse os limites de
ações político-pedagógicas em sociedades profundamente desi-
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guais, como a brasileira. Mesmo depois de se distanciar da crença,
no poder de transformação das desigualdades sociais pela educa-
ção, da maioria dos educadores de sua geração, ele manteve a
convicção no valor do trabalho por eles desenvolvido na adminis-
tração pública, pois como afirmavam no “Manifesto de 32”,
... cabe evidentemente ao estado a organização dos meios (...) que
torne a escola acessível, em todos os seus graus, aos cidadãos a quem
a estrutura social do país mantém em condições de inferioridade
econômica para obter o máximo de desenvolvimento de acordo
com suas aptidões vitais. Chega-se, por esta forma, ao princípio da
escola para todos, “escola comum ou única” (...) (o estado) está no
dever indeclinável de não admitir, dentro do sistema escolar do esta-
do, quaisquer classes ou escolas, a que só tenha acesso uma minoria,
por um privilégio exclusivamente econômico. (Manifesto dos Pioneiros
da Escola Nova: 1932)
A escola comum para Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo
A proposta de escola “comum ou única” foi objeto de muita
debate entre esta geração de educadores. Anísio, por exemplo, rea-
giu inicialmente a uma proposta de Carneiro Leão sobre a escola
única, mas foi gradativamente reformulando o seu pensamento até
formular o conceito de escola comum, continuada e progressiva.
Para Anísio, um dos maiores obstáculos à criação de uma es-
cola comum e pública era o do sistema de ensino, que mantinha
em seu interior dois subsistemas: uma escola pública a que só tinha
acesso uma minoria, e uma escola para os pobres, tal qual a primeira
escola em que Paschoal Lemme lecionou. As classes dominantes,
que realmente influíam nos rumos das sociedades, não precisava
da escola comum;
A escola era para a chamada elite. O seu programa, o seu currículo,
mesmo na escola pública, era um programa e currículo para privi-
legiados. Toda a democracia da escola pública consistiu em permitir
ao “pobre” uma educação pela qual ele pudesse participar da elite.
(Teixeira: 1968, p. 29, grifos meus)
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A ideia de educação comum inverteria essa relação: propunha
“dar ao rico a educação conveniente ao pobre”. Para Anísio, a
dualidade do sistema escolar era reforçada por dois equívocos
simultâneos que alimentavam a política educacional brasileira:
a concepção mística, ou mágica da escola, pela qual toda e
qualquer educação tem valor absoluto e, por conseguinte, é
útil e deve ser encorajada por todos os modos;
a concepção de educação escolar como um processo de
passar ao nível da classe média e ao exercício de ocupações
leves ou de serviço, e não e produção.
A educação comum para Anísio Teixeira igualaria todos os
cidadãos sem distinguir “os que precisavam dos que não preci-
savam trabalhar”, mas educaria a todos para o trabalho, em “uma
sociedade hierarquizada nas ocupações, mas desierarquizada social-
mente” (op. cit. p. 29).
Essa mesma ideia é cara a Fernando que, como Anísio, vê a
escola comum (pública) como uma instituição que deveria tomar
como principal referência o cidadão comum, afastando-se cada
vez mais do modelo da educação “tradicional” que só se ocupava
das elites. Nas suas palavras:
Era preciso, pois, examinar os problemas de educação do ponto de
vista, não de uma estática social (que não existe senão por abstração),
mas de uma sociedade em movimento:
Não dos interesses da classe dirigente, mais dos interesses gerais (de
todos), para poder abraçar, pela escola que é uma instituição social, um
horizonte cada vez mais largo, e atender, nos sistemas escolares, a
variedade das necessidades dos grupos sociais. (Azevedo: 1958, p. 51 )
Esta é a tônica que justificava o projeto de educação comum e
continuada dos pioneiros: uma base comum para todos os cida-
dãos e a possibilidade de continuação escolar a todos, segundo as
suas aptidões e interesses articulados às necessidades da própria so-
ciedade. Fernando de Azevedo esclarece o sentido dessa educação:
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Instituição que reflete a cultura média de um povo e em que se
assenta toda a educação superior, ela contribui para atenuar senão
apagar a antinomia entre a cidade e o campo, a reduzir as barreiras
entre as classes, a fornecer e alargar a base comum as diversidades
regionais (...) (Azevedo: 1956, p. 56)
Entre as muitas definições de Anísio sobre educação comum
há urna que me parece a que melhor condensa a ideia de urna
instituição formadora de urna hierarquia de capacidades:
(...) a criação da nova escola comum para todos, em que a criança de
todas as posições sociais iria formar a sua inteligência, vontade e
caráter, hábitos de pensar, de agir e de conviver socialmente. Esta
escola formava a inteligência, mas não formava o intelectual. O inte-
lectual seria uma das especialidades de que a formação posterior iria
cuidar, mas que não constitui objeto essa escola e formação comum
(...) (Teixeira: 1968, p. 12)
Embora avaliasse os EEUU como uma experiência “única no
mundo” em termos de regime capitalista, pois graças à ética pro-
testante desenvolvera riqueza que pode proporcionar um “nível
de vida invejável” para os cidadãos, ele reconhecia, mesmo para
aquele país que tanto admirava, a iniquidade do seu regime
distributivo. Para ele, só a escola pública teria as condições de cor-
rigir essas distorções;
A escola pública universal e gratuita não é doutrina especificamente
socialista, como não é socialista a doutrina dos sindicatos e do direito
dos trabalhadores; antes são estes os pontos fundamentais por que se
afirma a viabilidade do capitalismo ou o remédio e o freio para os
desvios que o tornariam intolerável. (Ibid, p. 12)
O debate sobre as características da educação democrática
sempre passou por um modelo de escola que fornecesse uma
base comum de formação, fosse a common school inglesa ou a école
unique francesa. Anísio, dos três pioneiros, foi o que mais escreveu
sobre o tema.
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Paschoal Lemme e a escola pública
Para Paschoal Lemme a defesa da escola pública era uma das
muitas reivindicações da sociedade brasileira na direção da sua
emancipação. Diferentemente da crença arraigada no poder da
educação, ele não acreditava na equalização das oportunidades
sociais pela democratização do acesso à escola. Aliás, como fica
claro no texto abaixo, ele condiciona o próprio acesso à educação
às transformações sociais;
A verdadeira igualdade de oportunidade para todos, em matéria de
acesso à educação e à cultura, continua sendo o grande sonho da “demo-
cracia” americana, uma vez que a desigualdade econômica traz, necessa-
riamente, como consequência, a desigualdade de acesso à educação e a
cultura. (...) Essa é a grande ilusão de muitos educadores que é preciso
desde logo esclarecer: somente uma sociedade verdadeiramente demo-
crática pode proporcionar educação completamente democrática, ou
melhor, não há educação democrática sem sociedade democrática. O
caráter da educação resulta do caráter da sociedade que a ministra e não o
contrário, como ainda hoje pensam muitos educadores e pessoas mais
ou menos desprevenidas. (Lemme: 1961, p. 21)
Paschoal Lemme era pois bem mais cético do que a maioria
dos educadores da sua geração, a respeito do efeito corretor de
uma escola renovada sobre as iniquidades sociais e a miséria produ-
zidas pelas relações sociais na ordem capitalista. As reformas de
ensino eram necessárias sim, mas insuficientes do ponto de vista do
projeto de uma sociedade verdadeiramente igualitária. Sem as trans-
formações da própria estrutura social capitalista, responsável pela
divisão social do trabalho – trabalho manual sobre responsabilidade
dos pobres, e trabalho intelectual privilégio dos ricos – a própria
escolarização ficaria prejudicada em virtude das condições distintas
de socialização familiar.
O “velho” e o “novo” em educação
Criar uma “educação nova”, mais adequada às exigências da
sociedade industrial que vinha se impondo como uma exigência
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inescapável – e para a qual escola funcionaria como uma preparação
do solo para que ela florescesse – é um desafio que esses educado-
res experimentaram dentro do sistema público. O esforço de “mo-
dernização do ensino”, como Paschoal Lemme gostava de qualifi-
car o movimento autodenominado de renovador, era uma tarefa
necessária, que em sua perspectiva não precisava esperar por uma
“revolução social” para se fazer. E é neste aspecto que Lemme an-
corou sua ação no campo profissional, assumindo como servidor
público um lugar, entre os educadores, no movimento de renovação
escolar capitaneado pela reformas de ensino.
Circulavam entre os educadores muitas representações so-
bre o sentido da construção de uma nova ordem social que acer-
tasse o passo com as nações civilizadas. Havia entre eles uma
preocupação comum com a superação da velha e injusta organi-
zação social, onde imperava a dominação oligárquica. Reformar
a educação que se desenvolvera para uma outra realidade, um
outro mundo e uma outra sociedade – a Velha República – pa-
rece ter sido o que levou todos eles, inclusive Paschoal Lemme, a
opor o novo ao velho.
Para Fernando,
A cada época, na marcha da civilização, correspondem processos novos
de educação para uma adaptação constante às novas condições da vida
social e à satisfação de suas tendências e de suas necessidades. (...) Ora,
não podia permanecer inalterável um aparelho educacional, a cuja base
residia uma velha concepção da vida, na sua rigidez clássica, numa
época em que a indústria mecânica, aumentando a intensidade, trans-
formou as maneiras de produção e as condições de trabalho, e, criando
esse fenômeno novo da urbanização precipitada da sociedade, ace-
lerou a modificação nas condições e nas normas da vida social a que
correspondem variações nas maneiras de pensar e de sentir e nos sis-
temas de ideias e de conceitos (...) (Azevedo: p. 44)
Para Anísio, a renovação escolar prepararia o povo para a de-
mocracia e garantiria assim as condições para a superação do atraso
social e econômico em relação ao mundo desenvolvido;
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Devemos esperar que a mentalidade da nação, sob o impacto das
mudanças sociais e da extrema difusão de conhecimentos da vida
moderna, venha, gradualmente, a substituir seus conceitos educacio-
nais, ainda difusos e místicos, pelos novos conceitos técnicos e cien-
tíficos, e a apoiar uma reconstrução escolar, por meio da qual se
estabeleça para os brasileiros a oportunidade de uma educação contí-
nua e flexível, visando prepará-los para a participação na democracia,
ideal político herdado do século XIX, e também para a participação
nas formas novas de trabalho de uma sociedade economicamente
estruturada, industrializada e progressiva. (Teixeira: 1954, pp. 26-27)
O processo de superação do “velho” pelo “novo” sob a ação
da educação tem, para Anísio Teixeira, raízes históricas bem pro-
fundas, como evidencia o autor no texto abaixo, ao se referir a
ação (educativa) dos jesuítas (Companhia de Jesus):
O Brasil amanheceu para a história ainda em pleno Renascimento, e
em coincidência com a eclosão do surto humanista, mas, sob a influ-
ência intelectual e espiritual da jovem Companhia de Jesus, organizada
como a força da vanguarda da contrarreforma religiosa.
Por isso mesmo, não haveria de ser o Brasil um campo para a afirma-
ção do individualismo europeu, que se vinha afirmando, decorrente
da Reforma e do livre-exame, por ele deflagrado e que se ampliou
além do que ela pretendeu. Pelo contrário teve como destino ser um
novo mundo de compensação ao que do Velho se perdera. (Teixeira:
1954, p. 7)
No caso de Paschoal Lemme a questão do novo x velho pas-
saria pela ação das “forças progressistas” no campo da educação,
sempre entravada na sua “marcha” pelo “obscurantismo” das
“forças reacionárias”, que teria na Igreja Católica o seu centro. En-
quanto Anísio Teixeira louvava o trabalho educativo dos jesuítas –
que foram seus educadores – Lemme durante a “campanha” pela
formulação da Lei de Diretrizes e Bases, na década de 1950, criti-
cava fortemente os interesses da Igreja Católica, em vários jornais:
Não é pois de estranhar que, no momento em que o país se lança,
pelas suas forças mais progressistas, na procura de novos padrões de
educação, que correspondam ao estágio de desenvolvimento para o
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qual vamos penosamente nos encaminhando, encontre pela frente
todo o peso da tradição da Igreja Romana e seus aliados a impedir
essa limpeza do caminho, o que só pode ser feito, evidentemente,
em detrimento de seu predomínio secular obscurantista.
O esforço desses elementos mais reacionários, que passaram a uma
ofensiva violenta, (...) explica-se perfeitamente dentro deste quadro
da luta do novo contra o velho. (Lemme: 1959, pp. 25-26)
Paschoal Lemme, ao analisar historicamente a educação a des-
creve como um fenômeno social que não teria a autonomia que os
educadores da sua geração lhe atribui:
... a educação, o ensino, são fenômenos de caráter histórico, que variam
de acordo com a época, com o tipo de sociedade e até com o ambiente
particular em que o indivíduo vive. A educação escolar propriamente
dita é um fato tardio na história, e a educação pública, então, é relativa-
mente recente, produto de condições determinadas de um período
histórico. (...) a educação escolar, o ensino, em suas características fun-
damentais dependem do estágio de desenvolvimento de cada comu-
nidade, e não o contrário. Em resumo: escola por si só, não cria
desenvolvimento; escola profissional não cria indústria; univer-
sidade não promove por si mesma as condições para a pesquisa e
para a criação científica em nível superior. (Lemme, 1959, p. 22,
grifos meus)
Lemme sublinha ainda o caráter artificial da escola no ambien-
te rural, onde ela demonstra-se “incapaz de trazer qualquer ajuda
significativa para as camadas mais necessitadas da população”. As
tentativas de adaptar a educação ao meio rural podem ser equí-
vocas, pois
(...) em alguns lugares criaram escolas típicas rurais, talvez com a conde-
nação ao artificialismo das outras, as escolas comuns. Mas os homens
do interior as recebem com desconfiança, pois dizem lá com eles que
os filhos vão para a escola para aprender, e não para trabalhar de enxada
(...) desejam a escola como um instrumento de mudança de condição
para os filhos, de abandono da vida dura que levam (...) (ibid, p. 40)
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Educação e mudança social
A questão da função da escola sempre foi objeto de reflexão
dos educadores. A geração dos pioneiros defendia enfaticamente,
a necessidade da implantação de um sistema público de ensino,
em todos os graus, como o único capaz de proporcionar as con-
dições de mudança social. Quanto à importancia de uma educa-
ção pública como um direito de todos os cidadãos, sem nenhum
tipo de descriminação, não havia pontos de divergência. As dife-
renças começam a aparecer quando o tema da função social da
educação é articulado ao das classes sociais.
Na escola pública, como sucede no exército, desaparecerão as
diferenças de classe e nela todos os brasileiros se encontrarão, para
a formação comum, igualitária e unificadora, a despeito das sepa-
rações que vão depois ocorrer. Exatamente porque a sociedade é de
classe é que se faz ainda mais necessário que as mesmas se encontrem
em algum lugar comum, onde os preconceitos e as diferenças não
sejam levados em conta e onde se crie a camaradagem e até a amizade
entre elementos de uma e outra. (Teixeira 1954, p. 30, grifos meus)
Percebe-se neste texto de Anísio Teixeira a perspectiva de que
escola é uma instituição capaz de “neutralizar” os efeitos da estru-
tura social. A ideia de formação comum, igualitária e unificadora é coe-
rente com o ideário liberal de que dada as igualdades de condições
escolares, as diferenças que emergiriam durante o processo de
escolarização, seriam decorrentes das diferenças individuais.
O exército é, para Anísio, o modelo de organização adequada
à formação unificadora indispensável à manutenção da ordem
social. A nova escola pública garantiria as condições para preparar
uma sociedade democrática, uma vez que a sociedade viveria a
experiência de um convívio “igualitário” entre as classes, prepa-
rando para o desenvolvimento das diferenças socialmente justas,
porque fundamentadas nos “dons e aptidões naturais”. As escolas
públicas preparariam assim as crianças e jovens para a vida demo-
crática. É o modelo da educação para a democracia do educador
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americano John Dewey, com quem Anísio Teixeira estudou, e do
qual tornou-se um dos principais divulgadores no Brasil.
O tema das classes sociais está bastante presente nas reflexões
desses pioneiros; para eles a educação teria um importante papel
na qualificação dos membros da sociedade à mobilidade social; as
classes sociais nas sociedades capitalistas modernas são abertas,
diferentemente das estruturas hierárquicas que, como as castas, se-
riam impermeáveis ao convívio, necessário para proporcionar
condições de camaradagem e até a amizade entre elementos de uma e outra,
conforme propunha Anísio Teixeira, no texto citado acima.
Eis como Fernando de Azevedo avalia as classes sociais, em
seu famoso livro Sociologia educacional:
... se não temos mais castas, temos classes em quase todas as sociedades modernas.
O primeiro regime, o de castas, é determinado pela presença, e o segundo, o de
classes, pela ausência de estratificação hierarquizada das classes e, portanto do
princípio de transmissão hereditária. Uma aristocracia associa-se quase sempre a
uma situação privilegiada de fortuna e é, antes de mais nada, hereditária. Uma
classe (...) é aberta; ela tem “parvenus” (homo novus) e desclassificados (...) (é)
esse fenômeno de mobilidade social vertical que consiste num constante desloca-
mento de pessoas, ideias e práticas de conduta, de uma classe para outra, é essa
capilaridade social que falta aos regimes de casta e graças à qual se universalizam
as necessidades e se intensifica a produção...
(Azevedo: 1964, p. 193)
Classes abertas à mobilidade ascendente e descendente expres-
savam um tipo de formação social que poderia abrigar a tão dese-
jada igualdade de oportunidades sociais. Esses educadores estão
vivendo uma época em que essas possibilidades não são só teó-
ricas; alguns deles, como o próprio Azevedo, experimentaram o
valor da educação para a reconversão da posição social: foi graças
à escola que ele pode evitar que a decadência material da família
repercutisse em mobilidade vertical descendente.
A tematização das relações entre a educação e a sociedade
aparece subjacente a praticamente todas as questões trabalhadas,
por esses autores. As interferências do mundo econômico nas con-
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dições de escolaridade das diferentes classes sociais é um tema de
reflexão comum.
Anísio Teixeira percebia claramente o papel das condições de
vida, como variável interveniente, no desempenho escolar. Sua ava-
liação desenvolve-se por um ângulo que, somente ao final da dé-
cada de 70 será aprofundado a partir do conceito de capital cultural
formulado por Pierre Bourdieu, como o texto de Anísio, na década
de 1930 pode exemplificar:
Crianças, filhas de intelectuais ou de homens educados e ricos, com
um ambiente doméstico e social avançado, rodeadas de livros, de re-
vistas, de sugestões de toda a ordem para lerem, aprenderem por si e
assim se educarem, a elas não será de admirar que baste a escola suple-
mentar à ação do lar, tomando a si apenas a tarefa de iniciá-los nos
segredos da leitura, da escrita e dos cálculos simples. O mais fará a
própria educação de casa. (...) Outro é o caso do brasileiro, entretanto.
As crianças de elevado padrão de vida são as crianças exceção, privilégio
de uma pequena minoria. A criança do povo só tem a escola, nem
livros, nem, o que e pior, a necessidade da leitura. (Teixeira: 1953, p. 63)
Essa consciência das interferências das condições de vida ma-
terial no processo de escolarização, era uma das tônicas da argu-
mentação de Lemme fortemente ancora na perspectiva marxista
da divisão de classes.. No entanto na percepção de Anísio Teixeira
a ênfase recai sobre o lado intelectual e cultural de famílias “com
ambiente doméstico e social avançado”.
Em contraste com a visão marxista de Lemme, que identifica
a estratificação social como resultado da divisão social do traba-
lho, Anísio Teixeira influenciado pela matriz liberal-funcionalista
acredita na distribuição harmoniosa dos homens na sociedade,
preenchendo funções e ocupações de acordo os “dons e aptidões
naturais”, desde que tenham acesso a uma educação escolar de
qualidade que permitam o desenvolvimento de suas potencialidades.
Só posso compreender a educação como o processo de preparação e
distribuição de homens pelas diversas ocupações que caracterizam a
vida humana na atualidade. (Ibid, p.62)
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49
A visão de Anísio identifica-se com a perspectiva de Durkheim
de divisão do trabalho social, que teria sido decorrente da necessidade
de otimização do tempo e dos recursos, para atender a necessi-
dades básicas da vida de todos, em sociedades crescentemente
urbanizadas. A perspectiva funcionalista supõe que a sociedade, à
semelhança todos organismos, precisaria da colaboração harmô-
nica de indivíduos (equivalentes aos órgãos, dos seres vivos) que,
sendo dotados de talentos diferentes preencheriam as funções ne-
cessárias ao bom funcionamento da vida social. A pobreza mate-
rial transmuta-se em pobreza cultural, a qual, só a escola de quali-
dade poderá corrigir. E é a deficiência cultural que inviabiliza a
própria melhoria das condições de vida das populações pobres.
A escola deve ensinar a todos a viver melhor; a ter a casa mais cuidada
e mais higiênica; a dar às tarefas mais atenção, mais meticulosidade,
mais esforço e mais eficiência; a manter padrões mais razoáveis de
vida familiar e social; a promover o progresso individual, através dos
cuidados de higiene e os hábitos de leitura e estudo, indagação e
crítica, meditação e conhecimento. (Ibid. idem)
Neste texto aparece o preconceito – muito comum, sobretudo
entre as camadas médias da sociedade – em relação à pobreza. Os
pobres não “vivem melhor” porque não valorizam determinados
hábitos, ou porque lhes falta “cultura”. Anísio Teixeira nesta formu-
lação parece subestimar as condições materiais necessárias à pro-
dução do bem estar. Aí está presente o estigma da sujeira, falta de
higiene, desvalorização da ordem e da saúde, o comodismo, apatia
etc. Para ele, a educação escolar renovada corrigiria esses maus há-
bitos culturais e promoveria o “progresso individual”.
Bastante diferente é a visão de Lemme, sobre a mesma questão:
Não basta ensinar a ler e a escrever, nem somente os preceitos de
higiene, ou plantar melhor, pois esses não são os instrumentos bá-
sicos para a mudança da situação existente, por mais que isso possa
escandalizar os educadores. (Lemme: 1959, p. 41)
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50
Os artigos que Paschoal Lemme escreve, para os periódicos
populares, têm uma linguagem simples e, frequentemente assumem
o estilo de parábolas, com indiscutível apelo didático.
Na Tribuna Popular em 1946, falando da escola rural sublinha o
caráter limitado da educação escolar face as precárias condições
materiais de vida. A longa citação abaixo evidencia a distância do
pensamento de Paschoal Lemme em relação aos dos educadores
com os quais trabalhou:
Se um educador procura a influência da escolinha local nesse panora-
ma, custa até a encontrá-la fisicamente. Como serviço público, muito
mais importante é a agência de correios. (...) O povo, é certo, tem
uma crença mística na escola. Mas, realmente, ela muito pouco
influi neste quadro. Nada pode contra esse processo de decadência.
Pouco acessível pela escassez, pela localização e pelas exigências (...)
incapaz de trazer qualquer ajuda significativa para as camadas
mais necessitadas da população. (...) Não bastaria ensinar a ler e
escrever, nem somente preceitos de higiene, ou a plantar melhor,
pois esses não são os instrumentos básicos para a mudança da
situação existente, por mais que isso possa escandalizar os edu-
cadores. (Lemme: 1959, pp. 40-41)
Ele questiona, no mesmo artigo, a visão superficial e estigmatiza-
dora sobre o homem do campo:
Sem assistência, sem crédito, sem garantias, vive essa gente em per-
manente instabilidade, podendo ser enxotada a qualquer momento
da terra em que vegetam. Não plantam porque não têm recursos para
matar a formiga, o grande flagelo, não têm os enxertos ou não sa-
bem como obtê-los nas repartições oficiais de agricultura, ou ainda
porque, sem segurança de permanecer onde estão, nada fazem além
do imediato, sempre provisório. Não criam galinhas, porque a ração
é cara. Para os porcos não há sobras de comida. (ibid p. 39)
Fernando de Azevedo, como Lemme, questiona que escola
rural, à época muito valorizada em virtude do movimento do
“ruralismo pedagógico”, possa provocar grandes melhorias à vida
social dos trabalhadores rurais.
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51
Sendo tão grandes as diferenças dos grupos rurais entre si e entre estes
e os grupos urbanos, uma escola rural (primária) de tipo especial só
concorreria para acentuá-las transformando-se em sistema fechado e
em “escola de casta”, de separação entre os habitantes do campo e da
cidade, em vez de trabalhar por ministrar a todos – (...) – uma edu-
cação de base comum para divergências técnicas, indiferenciada, por-
tanto, e indispensável à coesão social. (Azevedo: 1964, p. 262)
Ao tratar da escola comum, Fernando de Azevedo está preo-
cupado com a coesão social, tal como Durkheim. Daí resulta uma
visão que, da mesma forma que Anísio Teixeira e, em contraste
com Lemme, minimiza os efeitos das diferenças de classe no de-
senvolvimento da sociedade, e acreditava em uma educação de
base comum para todas as classes capaz de contribuir para con-
ciliar harmonicamente conflitos porventura existentes.
Mas, se todas as classes, superiores, médias e inferiores, constituem,
com seus órgãos diversificados, um todo coerente e orgânico, que é o
povo e a nação, as grandes reformas suscetíveis de durar serão somente
aquelas em que os problemas de educação e cultura tiverem sido resol-
vidos não com um “espírito de classe”, mas com um espírito coletivo
(...). (ibid p. 200)
Paschoal Lemme, como vimos, desde o Manifesto dos inspetores,
questiona a visão da educação como “motor” das transformações
sociais. A educação para ele é um fenômeno de superestrutura que
não teria, na perspectiva da teoria marxista, a autonomia que pareciam
supor os signatários do manifesto de 1932. Embora reconhecesse a
importância de um trabalho de “renovação da educação” ele passa a
ver, cada vez mais, a questão da educação como uma questão política
e até mesmo partidária, dependendo da organização dos setores pro-
gressistas da sociedade civil como força política. Para ele, os movi-
mentos sociais seriam a ponta de lança para a transformação da socie-
dade, e só com a mobilização de todos os cidadãos neste sentido se
alcançaria as condições de uma efetiva renovação educacional.
Comentando as condições de êxito das reformas educacionais,
escreve:
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3151
52
(...) não se dará mais um passo realmente positivo em matéria de
reforma de ensino se os educadores não se decidirem a tomarem os
problemas em suas próprias mãos, estreitamente unidos em suas
entidades de classe, associações profissionais e de estudos de educação,
sem qualquer discriminação de caráter político, ideológico ou religioso
para lutar por uma legislação mais adequada para a educação e o ensino
no país (...). (Lemme: 1959, p. 26)
Assinala ainda, a necessidade de incorporar “pais, professores
e alunos”, quase sempre ausentes das discussões que afetam direta-
mente os seus interesses:
Essa congregação dos próprios interessados nos problemas especí-
ficos de educação e de ensino para debatê-los e encontrar os melhores
caminhos corrigiria a tendência, que se vai generalizando, de tirar aos
professores e aos educadores a iniciativa de tratar os problemas que
lhes cabe, para entregar a corpos reduzidos de técnicos, que desligados
da escola, do trabalho diuturno, do tratamento com os alunos reais e
com as condições do meio em que agem, arvoram-se em árbitros
absolutos das melhores soluções, que lhes são impostas de cima, com
os piores resultados possíveis. (ibid p. 28)
Aqui Paschoal Lemme está se opondo à “transformação pelo
alto” que, no entanto, parece ser adotada como a fórmula natural
de organização de uma sociedade fundamentada na hierarquia das
capacidades como propunham os “intelectuais da educação” que
lideravam as reformas.
Subjacente à análise do texto acima, estaria a crítica de alguém
que, tornara-se “técnico” por concurso público, mas que desen-
volvia suas atividades profissionais fundamentado na experiência
do “trabalho diuturno, do tratamento com os alunos reais e com
(o conhecimento) das condições do meio em que agem”.
Fernando de Azevedo, por sua vez convicto da pertinência de
uma sociedade hierarquizada em função das capacidades, manifesta
a preocupação com a formação das elites. Após o ostracismo a que
ficam relegados alguns dos Pioneiros, em função do “endurecimen-
to” do governo Vargas, a partir de meados da década de 30, Paschoal
Lemme em sua Memórias assinala que nunca teve tempo, nem condi-
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3152
53
ções materiais para desenvolver uma obra sistemática. Seus traba-
lhos acabaram tendo um sentido militante e pontual, relacionado a
problemas muitas vezes conjunturais. Dedicou-se à produção de
inúmeras obras no campo da sociologia e da educação que, como
assinalei anteriormente foram publicadas e divulgadas, inclusive com
inúmeras reedições, pela Edições Melhoramentos
13
. Além disso, a
distância ideológica que separava Fernando de Azevedo de Paschoal
Lemme impediu que ele se empenhasse em ajudar a divulgar um
ponto de vista discordante sobre o impacto das diferenças de classe
sobre a educação escolar. As diferenças entre os pensamentos dos
dois educadores são evidentes, no texto abaixo extraído do capítulo
sobre educação e classes sociais do seu Sociologia educacional.
... como a política geral, em quase todos os países, tende a estabelecer
uma harmonia e colaboração de classes, são repelidos os dois tipos
diversos de opressão (burguesa ou proletária; escola reacionária
ou revolucionária), para cederem o lugar a uma política de educação,
mais larga e humana, que proporcione, por um conjunto sistemático
de medidas, igualdade de oportunidades a todos os indivíduos.
Em vez das lutas e conflitos de classes, harmonia e colaboração de
classes. (Azevedo: 1964, p.195, grifos meus)
Ao formular as estratégias de constituição das elites ele contrapõe
às “novas” elites, as “outras” elites – as elites “tradicionais”, “diri-
gentes”. Para a constituição da USP, ele convida inúmeros profes-
sores/cientistas visando garantir que, aqui no Brasil, se fundasse uma
universidade capaz de formar a “nova elite” que, tendo chegado lá
através do mérito educacional, ajudaria a construir um país dentro
de padrões do “mundo civilizado”.
Paschoal Lemme tem clareza dos limites impostos à divulgação
de seus textos:
13
Na 6ª edição (1964) do seu livro Sociologia educacional estão indicados os 18 volumes
que compunham até então a coleção Obras completas de Fernando de Azevedo pela
Melhoramentos.
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3153
54
Quase tudo o que tenho escrito sobre educação (...) tem caráter polêmico
e militante. Por isso mesmo, não nos tem sobrado tempo par produzir
obra sistemática, o que seria pessoalmente mais envaidecedor, mas, sem
dúvida, muito menos útil para os objetivos que sempre perseguimos.
(...) Neste sentido, foram os aspectos políticos dos problemas de edu-
cação e ensino que estiveram sempre na mira das minhas preocupações
principais (...) o de procurar demonstrar que reformas de educação e
ensino não transformam a sociedade, mas, ao contrário, são as transfor-
mações sociais que, na medida em que se processam, impulsionadas por
fatores internos à própria sociedade, é que passam a exigir mudanças na
orientação e na organização da educação e do ensino para atender às
novas condições criadas. (Lemme: Memórias 3, pp. 73-74)
Fernando de Azevedo, diferentemente de Paschoal Lemme
defende a prioridade da “vida pura, alta e livre do espírito” do
ambiente da universidade como trincheira defendendo o espaço
escolar das “lutas políticas”:
O advento das universidades no Brasil coincidiu, de fato, com a maior
crise de espírito que registra a história do pensamento humano, (...) e
com a formação dos estados totalitários e o desenvolvimento dos
nacionalismos, de formas agressivas, as lutas políticas travadas no
mundo ocidental em torno das universidades, disputadas por grupos
antagônicos, se esforçavam por transformá-las em trincheiras de com-
bate ou instrumentos de poder político tendiam a suprimir a vida
pura, alta e livre, do espírito e da prioridade conferida à livre pesquisa
(...) (Azevedo: 1964, p. 262)
Fernando de Azevedo tenderá a conferir preferencialmente essa
conotação apolítica às elites intelectuais acadêmicas. Ele acredita
firmemente na possibilidade de uma seleção escolar com base ex-
clusiva nas capacidades individuais, própria da perspectiva liberal
sobre o papel equalizador da educação:
Se o afastamento crescente das classes é o aspecto natural do progresso
da civilização, o seu aspecto intelectual e moral é a aproximação dos
homens pela elevação das classes inferiores. E, aí é que está a importân-
cia do papel da educação que, estendendo-se ao maior número de
indivíduos, tende a selecionar, por uma larga sondagem, os elementos
capazes, para favorecer esse movimento ascendente e estimular a cir-
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55
culação e as renovação dos quadros da classes mais elevadas e, em
consequência, das elites culturais e dirigentes. (Azevedo, op. cit. p. 196)
O tema da mudança social e educação, como procuramos
explicitar neste capítulo, está permanentemente na pauta dos edu-
cadores pioneiros. Eles são o pano de fundo da reflexão sobre as
condições de construção de uma nova escola pública expandida e
eficiente, que incorporasse a maioria da população que, até então,
não tinha acesso ao restrito e ineficiente sistema escolar existente
no Brasil. Reformar a sociedade brasileira pela educação era a es-
tratégia que levou-os a formular, com o “Manifesto de 32”, um
novo programa para o governo que se instalara em 1930.
A Escola Nova seria o instrumento adequado para o ajusta-
mento da sociedade brasileira ao tempo e ao espaço na perspectiva
daquele manifesto.
Paschoal Lemme, logo depois, entre 1933 e 1934, segundo o
seu próprio depoimento nas Memórias, procurou por diversas ma-
neiras e a pretexto de várias questões, alertar seus pares para o
caráter subordinado da educação em relação à estrutura social:
As transformações sociais impõem transformações no caráter da educa-
ção. Esse reflexo da infraestrutura sobre a superestrutura, não é porém
mecânico, imediato. A superestrutura depois de constituída, erige-se
numa força própria, com os seus mantenedores especializados, cria uma
ideologia que é racionalizada, tornando-se uma força conservadora, que
resiste por todas as formas às modificações ocasionadas pelo impacto
das transformações que vão se verificando na infraestrutura da socie-
dade. Assim, há sempre uma decalagem entre o que a sociedade está
exigindo da educação institucionalizada ministrada nas escolas, por exem-
plo, e aquilo que se cristalizou, para atender a. necessidades anteriores,
como qualidade e quantidade de conhecimentos, como método e como
organização, no aparelhamento escolar. (Lemme: 1959, p. 21)
Anísio Teixeira, por sua vez, tem questões e preocupações di-
ferentes, ao falar das dificuldades de construção da escola “co-
mum/continuada” entre nós. Para ele é sobretudo o contraste entre
os “valores proclamados” e os “valores reais” na história da edu-
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3155
56
cação brasileira que precisa ser superado, quando analisa as con-
dições de sucesso do projeto de uma Escola Nova.
Tudo poderíamos metamorfosear por atos do governo! Não havendo
correspondência entre o “oficial” e o “real”, podíamos transformar toda
a vida por atos oficiais. Como já acentuei, tudo isto era possível, graças,
primeiro, ao dualismo de colônia e metrópole e, depois, ao dualismo de
“elite” e povo, aquela diminuta e aristocrática, este numeroso analfabeto
e mudo. (...) A nova escola popular visa, tão somente, e nunca é demais
repetir, a dar a todos aquele treino mínimo, considerado indispensável
para a vida comum do novo cidadão no estado democrático e industrial.
(...) Ao seu lado, continuava a existir a outra educação, a de “classe”, com
os seus alunos selecionados, não em virtude de seus talentos, mas de
sua posição social e de seus recursos econômicos, ministradas em escolas
que, de modo geral, se achavam, sob o controle particular ou autônomo.
(Anísio Teixeira: 1976, pp. 226-229)
Após o seu afastamento do campo da educação, por uma dé-
cada, em virtude das acusações e perseguições de que foi alvo em
1935, Anísio Teixeira continua a escrever, como Fernando, sobre
questões relacionadas às exigências no plano da educação necessá-
rias à superação do “atraso” brasileiro, em relação ao “mundo de-
senvolvido”. No entanto, já ao final da década de 50, ele – que se
demonstrou um entusiasta da educação “progressiva” como a ex-
pansão vertical, da educação comum – começa a dar sinais de desâ-
nimo em virtude dos retrocessos do período do Estado Novo, e
das dificuldades de recriar a renovação escolar, no período de
redemocratização, pós 45. É desta época o clássico texto de Anísio
sobre a “duplicidade dos valores na educação brasileira” do qual foi
extraído o texto acima. Os valores proclamados e os valores reais
representam uma “tradição” brasileira que interfere, negativamente,
na construção de um sistema escolar, verdadeiramente democrático.
A realidade, porém, é que nos acostumamos a viver em dois planos,
o “real”, com suas particularidades e originalidades, e o “oficial” com
os seus reconhecimentos convencionais e padrões inexistentes.
(Teixeira: 1976, p. 226)
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57
O autor assinalou as consequências desastrosas dessa duplici-
dade, especialmente com o reconhecimento de “equivalência legal”
às escolas que foram se expandindo, sobretudo no setor privado,
sem equivalência “real” às boas escolas públicas, como o Pedro II e
a escola normal do Rio de Janeiro. Este dualismo foi uma forma de
perpetuar as distâncias entre as classes.
Ao iniciar-se, com efeito a nossa expansão escolar, e a fim de obstar
a que tal expansão gerasse perturbadores deslocamentos sociais, não
faltou o cuidado de se desenvolver, como na Europa, dois sistemas
educacionais: um pequeno, reduzido, acadêmico, destinado à classe
dominante; e outro, primário, seguido de escolas normais e profissi-
onais, destinado ao povo com a amplitude que fosse possível. Os
dois sistemas paralelos e independentes, ainda mais afastados ficari-
am, se o primeiro fosse dominantemente particular. E assim se fez,
evitando-se, desse como o, que qualquer perigo e ascensão social
mais acelerada. (Ibid p. 266)
O desânimo e a desilusão, com os limites enfrentados pelo
projeto de reconstrução educacional, aparecem com mais
frequência em Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo. Paschoal
Lemme, desde a sua “conversão” ao marxismo, não guardava
ilusões sobre o poder transformador da educação, e mantinha
com a sua inserção do campo da luta político a esperança de
uma sociedade mais igualitária.
Essa geração de educadores liberais progressistas, como sempre
enfatizou Lemme, foi fundadora do campo da educação como
um campo de conhecimento especializado. São membros de uma
vanguarda que se autoatribuiu a missão de “organizar as deman-
das do povo”, como tão bem analisou Luciano Martins em seu
estudo sobre a “gênese de uma intelligentsia, no Brasil”. Procura-
vam, em meio às contradições e ambiguidades de seu tempo de
educadores, elucidar qual o projeto educacional que lhes parecia o
mais adequado à democratização das oportunidades naquela con-
juntura escolar da vida da sociedade brasileira.
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3157
58
Em um “momento de compromisso” os Pioneiros da Edu-
cação Nova assinaram um manifesto que traçava diretrizes educacio-
nais para a construção de uma nova sociedade. As diferenças inter-
nas, que emergem das leituras de textos destes três pioneiros, permi-
tem entrever a riqueza de significados e formulações que, por si só,
invalidam a pretensão de qualquer juízo definitivo sobre o chamado
movimento renovador. Do meu ponto de vista, a atuação de Paschoal
Lemme nas reformas educacionais lideradas por Fernando de Aze-
vedo e Anísio Teixeira é testemunho da lucidez do mestre Paschoal
quando optou por construir a sua trajetória num traçado, aparente-
mente contraditório, por entre a política e a educação.
Entre a educação e a política
Paschoal Lemme, ao juntar alguns de seus artigos no terceiro
volume de suas Memórias ajudou-me a perceber melhor a posição
peculiar que assumia, decorrente de suas convicções político-ideo-
lógicas, entre os Pioneiros da educação Nova. Entre a educação e
política, ele construiu sua trajetória, tentando demonstrar a necessi-
dade de uma nova visão de educação e política. Para ele além do
nível setorial (educação) e técnico (especialistas), os educadores pre-
cisariam participar de um movimento de transformação social,
que ao atingir as raizes das desigualdades viabilizaria mudanças
duradouras em todas as áreas da sociedade. Ao relatar o que foi o
movimento renovador, representado pelas reformas de ensino
iniciadas nas primeiras décadas do seculo XX, ele, em seus textos,
retomava o pensamento e ação do grupo pioneiro, apontando os
avanços e limites do que havia de mais progressista à sua época.
Retomei, no capítulo precedente, os textos dos Pioneiros pro-
curando entendê-los em seus próprios termos, evitando os en-
quadramentos prévios de uma “história tribunal”, sepaarando con-
servadores e progressistas. O objetivo foi entender as diferenças e
as semelhanças nas perspectivas daqueles educadores. As reformas
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3158
59
de ensino capitaneadas por Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira
tinham como horizonte aspectos que, para Lemme, eram funda-
mentais na direção de uma sociedade mais justa:
a) responsabilizar o estado pela organização de um sistema de
ensino público aberto a todos;
b) regulamentar os processos de seleção, por concurso, dos
servidores públicos;
c) qualificar professores e escolas para uma processo de reno-
vação escolar, superando práticas tradicionais e elitistas;
d) formulação de documentos que garantissem uma direção
mais democrática à educação escolar;
Em que pese as diferenças que o separavam das perspectivas
dos demais educadores, Paschoal Lemme não tinha dúvidas
sobre a pertinência de, como servidor público, trabalhar com
os reformadores pela criação de uma escola pública mais
democrática.
As bases da política educacional
... (A) educação nova, alargando a sua finalidade para além dos limi-
tes das classes, assume, com uma feição mais humana, a sua verda-
deira função social, preparando-se para formar “a hierarquia
democrática” pela “hierarquia das capacidades”, recrutadas em todos
os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades de
educação. (Azevedo: 1958, p. 80)
Ainda que Paschoal Lemme não acreditasse na possibilidade
de uma seleção escolar com base exclusivamente na “hierarquia
das capacidades”, uma política da educação que se propunha à
abertura de oportunidades de educação para todos os grupos so-
ciais era uma meta que o unia aos líderes das reformas.
No seu livro, Introdução ao estudo da Escola Nova, editado pela
Melhoramentos, Lourenço Filho chama a atenção para os múltiplos
sentidos atribuídos à expressão Escola Nova. Alerta que esta pode
significar tanto posições doutrinárias no âmbito da revisão das insti-
tuições de ensino, como referir-se mais especificamente a estratégias
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3159
60
metodológicas ou alternativas de organização do trabalho educativo.
Destaca o débito do movimento de renovação pedagógica aos
“progressos das ciências biológicas e, em particular, ao da psicolo-
gia”, e distingue a Escola Nova da escola ativa, explicitando que a
última é apenas um dos aspectos da primeira. Destaca a especificidade
social e política da Escola Nova:
(...) Escola Nova, (...) inclui uma concepção geral de educação, e do
papel da educação intencional, realizada pelas instituições escolares,
diretamente mantidas pelo estado ou, por este assistidas ou contro-
ladas. Não é apenas um conceito didático, mas um conceito social.
(Lourenço Filho: 1948, p. 62)
A ideia de civilização, articulada a inúmeros qualificativos – indus-
trial, moderna, brasileira – aparece, nos textos dos “cardeais”, como
um ator histórico de suma importância para a compreensão do ima-
ginário que está mobilizando os esforços de renovação escolar.
A “civilização industrial” frequentemente entra em cena na con-
dição de “personagem histórico”, com exigências próprias e mo-
vimentos autônomos caracterizando a inevitabilidade da entrada
no país na era do progresso e da técnica. O grande problema da
sociedade brasileira, estaria na incompreensão, ou na falta de adap-
tação às necessidades da nova era. Há um trecho da introdução ao
manifesto, cuja autoria é atribuída a Azevedo, que é especialmente
elucidativo a esse respeito:
As transformações já se precipitaram demais para usarmos somente
os freios; não há freios, por mais poderosos que sejam, nem vonta-
de humana, por mais predestinada ao comando, capazes de deter na
sua marcha a torrente invencível das transformações. Se não está no
poder dos homens resistir-lhe, está na. sua sabedoria canalizá-la, na
direção que lhe compete descobrir. (Azevedo: 1958, p. 53)
Esta seria a tarefa dos intelectuais, na representação dessa gera-
ção: compreender a direção específica a imprimir à marcha
civilizatória. Os caminhos a seguir tinham, dentro do idioma geral
da época, o sentido sintetizado em 1903 por Euclides da Cunha em
Os Sertões de “progredir ou desaparecer”. Progredir implicava em
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3160
61
investir na ciência e apostar no desenvolvimento autossustentado da
“nação”. Exigia a preparação dos quadros nacionais capazes de ex-
plorar os recursos naturais, com os métodos e processos da ciência,
em compasso compatível com o que já se acha instalado no mundo
civilizado moderno. Essa preparação, entretanto, não se reduziria às
elites científicas e universitárias; ela deveria se entender a “um exérci-
to de trabalhadores” e “comerciantes”, segundo Euclides da Cunha.
Aos educadores caberia porém um papel importante que o movi-
mento de renovação assumiu como tarefa imprescindível do estado
na organização do ensino público, laico, universal e gratuito.
Na mesma perspectiva de Azevedo, das exigências da “tor-
rente de transformações, o texto abaixo, parte do relatório de um
ano da gestão Anísio Teixeira à frente da Diretoria de Instrução
Pública do Distrito Federal, pode ser interpretado como a
explicitação da política educacional como o locus privilegiado dasa
transformações:
O que caracteriza a civilização moderna é o esforço pertinaz da ciência na
transformação dos meios naturais da vida. (...) Tornou-se, portanto,
necessidade imprescindível de cada país, a formação de capitães da
ciência, capazes de o habilitarem à exploração dos próprios recursos, de
modo tão perfeito que o seu lugar no páreo internacional não venha a
ser prejudicado. Além desses capitães, que operam nos laboratórios e
universidades, impôs-se também a formação generalizada de um exér-
cito de trabalhadores profissionais e comerciantes habilitados no uso
dos métodos e processos da ciência para a transformação da matéria
prima, sua mobilização e sua utilização. A sociedade econômica e in-
dustrial dos nossos tempos é, assim, sem contestação, uma sociedade
de competição científica. O que distingue um povo civilizado e forte de
um povo bárbaro e fraco é tão somente a maior capacidade de seus
técnicos e dos seus homens de ciência.Não só a força, mas a própria
independência dos povos se tornou função da ciência que, por ven-
tura, possuam. (Teixeira, A.: 1932, pp. 359-360)
A “sociedade econômica e industrial”, para Anísio, tem por
modelo a sociedade americana de onde viera, após a convivência
com Dewey e Kilpatrick na Universidade de Columbia, convertido
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3161
62
ao projeto da “educação para uma civilização em mudança”. Essa
fé no progresso, na ciência e no valor da civilização para a superação
da “barbárie” é antiga, entre nós. O tema da educação como “força
civilizadora” já aparecera no Império que – segundo pesquisa de
Mattos sobre o “Tempo Saquarema” – insistentemente preconizara
o “derramar a instrução por todas as classes”, na suposição de que,
(...) a instrução cumpria – ou deveria cumprir – um papel fundamen-
tal, que permitia – ou deveria permitir – que o Império se colocasse
ao lado das “Nações Civilizadas”. Instruir “todas as classes” era,
pois, o ato de difusão das Luzes que permitiam romper as trevas que
caracterizavam o passado colonial: a possibilidade de estabelecer o
primado da Razão, superando a “barbárie” dos “Sertões” e a “desor-
dem” das “Ruas”; o meio de levar a efeito o espírito de Associação,
ultrapassando as tendências localistas representadas pela Casa; além
da oportunidade de usufruir os benefícios do Progresso, e assim
romper com as concepções mágicas a respeito do mundo e a natureza.
(Mattos: 1987, p. 259)
O grupo “renovador” começou a se constituir, segundo
Fernando de Azevedo no seu A Cultura Brasileira , com as reformas·
educacionais da década de 20 e com a fundação da Associação
Brasileira de Educação em 1924, no Rio de Janeiro. O objetivo era
trabalhar para substituir a “escola antiga” (restrita a uns poucos) por
uma “escola moderna” aparelhada de todos os recursos para entender e
fecundar a sua ação na solidariedade com o meio social.
Se no Império, o “primado da razão” exigia que se derramasse
“a instrução sobre todas as classes”, no início da década de 30, após
o impacto da 1ª Guerra e da crise de 29, uma “outra face” do
progresso e da civilização aparecia, revelando o potencial destrutivo
da tecnologia e os conflitos entre valores diferentes das sociedades.
A ênfase continuava entretanto, sobre os desdobramentos positivos
do processo “civilizatório”.
não (cabe) ... condenar nem a ciência, nem a máquina pelas suas
aplicações na obra de destruição e pelos abusos a que ela têm servido.
Apesar das limitações de ambas, estará aí a salvação do homem, na
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63
adaptação de sua vida às descobertas e invenções mecânicas, “que
governam as forças naturais e determinam a marcha dos aconteci-
mentos” (J. Dewey), e ao ritmo da verdade progressiva que o fará
passar do místico ao positivo, pela educação científica do espírito.
(Azevedo: 1959, p. 43)
Havia, portanto uma clara missão para a educação – preparar o
aparelho escolar para responder às exigências da “marcha da civili-
zação” – como é explicitada no item do “Manifesto 32”, sobre os
fins da educação,
não podia permanecer inalterável um aparelho educacional, a cuja
base residia uma velha concepção da vida, na sua rigidez clássica,
numa época em que a indústria mecânica, aumentando a intensida-
de, transformou as maneiras de produção e as condições de trabalho,
e, criando esse fenômeno novo da urbanização precipitada da socie-
dade, acelerou as modificações nas condições e nas normas da vida
social a que correspondem variações na maneira de pensar e de sentir
e nos sistemas de ideias e de conceitos. Era preciso, pois, examinar os
problemas de educação do ponto de vista, não de uma estática social
(...) mas, de uma sociedade em movimento; não dos interesses da
classe dirigente, mas dos interesses gerais (de todos) para poder abra-
çar, pela escola que é uma instituição social, um horizonte cada vez
mais largo, e atender, nos sistemas escolares, à variedade das neces-
sidades dos grupos sociais. (idem, p. 51)
Essa longa citação ilustra muito bem uma das estratégias do
relato de Fernando de Azevedo, assinalada por Chagas de Car-
valho (1989) privilegiando a polaridade novo x velho no seu fa-
moso livro A cultura brasileira. A autora argumenta que ele teria
construído uma memória do movimento renovador como
unificada na “marcha nacional pelo novo” e depurada das suas
implicações políticas.
Também Anísio Teixeira, enfatizava o caráter técnico da sua
atuação à frente da Administração Pública, como se pode ver no
teor de sua carta de demissão do cargo de Diretor no âmbito da
administração publica:
Exmo, Sr. Prefeito;
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64
Pela conversa que tive ontem, com vossa excelência, pude perceber
que a minha permanência na Secretaria de educação e Cultura do
Distrito Federal constituía um embaraço político para o governo de
vossa excelência. Reiterei, imediatamente, o meu pedido de demis-
são, que sempre esteve formulado, porque nunca ocupei incondicio-
nalmente esse cargo, nem nenhum outro, mas o exerci, como os
demais, em caráter rigorosamente técnico, subordinando a minha
permanência neles à possibilidade de realizar os programas que a
minha consciência profissional houvesse traçado.
14
Foi, no entanto, durante a administração de Anísio que Paschoal
Lemme teve a oportunidade de desenvolver a primeira experi-
ência de educação de adultos no setor público. Esses Cursos de
Educação de Adultos seriam o pretexto para a sua prisão política,
em fevereiro de 1936.
Tratava-se de um ensino eminentemente popular, sem exigências
burocráticas, visando diretamente os interessados, desde os mais
humildes; e isso constituía para mim uma espécie de resgate de uma
dívida que contraíra com meu povo, tão desassistido e com tão pou-
cas oportunidades para se elevar cultural e profissionalmente (...)
(Memórias 2, p. 155)
A ideia era proporcionar àqueles que não tiveram as oportuni-
dades escolares no tempo próprio, o ensino de que necessitavam
para terem melhores oportunidades de emprego; visavam ainda o
aperfeiçoamento dos que estivessem no mercado de trabalho e ofe-
reciam cursos práticos de artes e ofícios para os que quisessem apren-
der um novo ofício e trabalhar por conta própria; para o melhor
atendimento da clientela adulta, Paschoal Lemme procurou sondar
as necessidades dos alunos potenciais desses cursos. Para isto valeu-
-se da experiência de trabalho no ensino técnico-profissional.
O sucesso dos cinco primeiros cursos (1934) foi registrado no
relatório anual de Anísio Teixeira à frente da Diretoria de Instituição
Pública:
14
Anísio Teixeira, carta de 1º de dezembro de 1935 ao prefeito Pedro Ernesto. Publicada
no livro Educação para a democracia: introducção à administração de um systema esco-
lar. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1936.
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65
Poucas iniciativas do Departamento de Educação lograram aceitação
tão imediata e entusiástica quanto esta. (...) o êxito de que foram coroa-
dos foi de tal natureza que a administração, não só os quer conservar,
como incrementar, na medida do possível, nos próximos exercícios.
(idem, p. 160)
No ano seguinte, com a verba de manutenção bastante au-
mentada, foram criados mais quatro centros de educação de adul-
tos que se somaram aos cinco do ano anterior. O crescimento
das matrículas – de 1366 alunos em 1934, para 5174 em 1935 –
foi um indicador do sucesso da iniciativa, sob responsabilidade
de Lemme.
Na inspetoria do ensino do Estado do Rio de Janeiro
Nessa época Paschoal Lemme foi admitido por concurso
público no cargo de inspetor de ensino no Estado do Rio de
Janeiro, onde segundo o seu relato conviveu e trabalhou com outros
inspetores que, como ele, eram considerados de esquerda. Esse
fato lhes obrigou a redobrar o cuidado com que encaminhavam
as transformações da prática de inspeção escolar. O trabalho na
Inspetoria exercido concomitantemente ao trabalho na Diretoria
de Instrução Pública do Distrito Federal, tinha portanto as marcas
de suas opções de esquerda, no plano político-ideológico.
Na Inspetoria de Ensino do Estado do Rio de Janeiro, ele
investiu firmemente na mobilização dos professores/educadores
como segmentos organizados da sociedade civil. Ao invés da prá-
tica rotineira de vigilância do cumprimento das normas e regula-
mentos escolares Paschoal organizou, com o grupo dos inspe-
tores concursados, encontros, debates e cursos de especialização
para os professores visando o aperfeiçoamento e a melhoria dos
serviços de educação pública.
(...) pondo em segundo plano aquelas visitas rotineiras e burocráti-
cas às escolas (refere-se às visitas de inspeção) passamos à realização
de cursos de aperfeiçoamento de professores, realizados em locais
onde pudéssemos reunir o maior número possível deles, sem pre-
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66
juízo dos trabalhos escolares. Esses cursos constavam de uma parte
de cultura geral e outra de aperfeiçoamento de técnicas de ensino, no
qual se incluía especialmente a metodologia das várias matérias que
compunham o currículo da escola primária.
Nosso trabalho também não se realizava isoladamente (...) Íamos em
verdadeiras caravanas, passando o tempo necessário nos locais escolhi-
dos para a realização dos cursos. (...) Essa iniciativa foi recebida com
grande interesse e entusiasmo pelo magistério fluminense, que se via,
pela primeira vez, alvo das preocupações da administração do ensino em
atender às suas necessidades e aperfeiçoamento. (idem pp. 181-182)
Este período tornou-se decisivo para Paschoal, pois a partir dessa
época ele começou a experimentar o potencial de mobilização de um
corpo docente melhor qualificado e coeso em torno de determinadas
reivindicações, para realizar os projetos de transformação na área; o
trabalho desenvolvido junto aos professores favorecia o movimento
renovador no campo educacional. A experiência foi o seu primeiro
“laboratório” da articulação da educação à política.
Reorganizar e ampliar o sistema de ensino na região de Campos
foi um grande desafio de articulação das ações no plano educacio-
nal com ações no plano político. Os inspetores tiveram que enfren-
tar as maiores resistências, uma vez que Campos, era um reduto
tradicional de setores bastante conservadores da sociedade fluminense;
... nosso cuidado tinha que ser meticuloso até na forma de nos expres-
sarmos, pois durante esses anos de 1933, 1934 e 1935, como se sabe,
lavrava violenta luta política e ideológica entre posições de “direita” e
“esquerda”. E Campos era, sabidamente, um dos grandes centros de
irradiação da doutrina integralista, e nós, os inspetores, éramos de
modo geral, considerados elementos de “esquerda”. (idem, p. 190)
Há um aspecto deste trabalho, o reagrupamento das escolas
“sala de visitas”
em Grupos Escolares que evidencia o cuidado e o
respeito profissional com que Paschoal encaminhava o trabalho de
modernização do sistema escolar naquela região.
(...) com a extinção das “escolinhas de sala de visitas” e a concentração
dos alunos em classes dos novos grupos escolares, as professoras
daquelas escolas isoladas perderiam a moradia (...) tratava-se na maio-
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ria dos casos, de professoras idosas, com muitos anos de serviço e
muitas com saúde precária e que não poderiam se deslocar para a sede
dos novos grupos escolares a serem criados. (...) A solução mais
humana e equitativa encontrada foi a de solicitar ao Interventor a
expedição de um decreto que concedesse aposentadoria especial às
professoras atingidas pelas medidas em questão, mesmo que ainda
não tivessem completado o tempo de serviço necessário para uma
aposentadoria normal. (idem, p. 192)
Em fevereiro de 1936, essa experiência é interrompida como
fora o trabalho com Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira.
Paschoal Lemme que havia solicitado a sua demissão, em solidari-
edade a Anísio Teixeira, sendo servidor público foi chamado por
Roquete Pinto (substituto de Anísio) para dar sequência à experi-
ência de trabalho com a educação de adultos, que obtivera enorme
sucesso, como assinalamos. O programa do curso, entretanto, foi
encontrado num arquivo do Partido Comunista pela polícia polí-
tica, com referências elogiosas do secretário nacional do PCB, o
que serviu de pretexto para a acusação de estar fazendo propa-
ganda comunista através desses cursos.
Preso, Paschoal aproxima-se dos principais líderes da esquerda,
entre eles membros da cúpula do Partido. Ao sair, quase dois anos
depois, Paschoal já se encontra engajado definitiva e explicitamente
na luta política liderada pelo Partido Comunista.
Após sua saída da prisão, de 1939 em diante, segundo seu de-
poimento, desenvolveu atividades políticas, especialmente no com-
bate contra o Estado Novo, mas sempre na área da educação e do ensino.
Foi a partir desse período que ele começa a produzir a maior parte
dos artigos que fizeram dele um publicista da área da educação.
No seu primeiro livro, Estudos de educação (1953), ele prometia,
no futuro, uma obra mais sistemática onde pretendia aprofundar
determinadas questões que, em virtude do caráter específico dos
trabalhos daquele volume (coletânea de artigos escritos para atender
solicitações mais imediatas), não teriam sofrido um tratamento mais
aprofundado.
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68
O segundo livro ainda responde a objetivos pragmáticos: a di-
vulgação (propaganda) das características do sistema educacional
soviético. Publicado em 1956, A educação na UR.S.S., relata as im-
pressões da viagem que fez à União Soviética após a Conferência
Mundial de Educadores convocada pela Federação Internacional
Sindical do Ensino. O livro esgota-se rapidamente e tem uma reedição
no ano seguinte.
O terceiro, Problemas brasileiros de educação (1959), é novamente
uma coletânea, contendo uma amostra de artigos publicados na
imprensa de esquerda, e muito especialmente nos jornais do par-
tido Comunista, com os quais passou a colaborar ativamente a
partir de 1945. Nele incluiu ainda os textos que apresentou em
duas das Conferências Mundiais de Educação convocadas pela
Federação Internacional dos Sindicatos de Ensino.
O quarto e último livro publicado antes das Memórias, intitula-se
Educação democrática e progressista (1961). Neste volume, reeditou tra-
balhos anteriormente publicados em folhetos, assim como artigos
elaborados durante a campanha de defesa da escola pública ameaçada
pela mobilização de setores reacionários ligados à Igreja Católica,
em tomo do projeto de lei de Diretrizes e Bases da Educação. Des-
ta vez, ele parece ter desistido do projeto de uma obra mais sistemá-
tica. No prefácio, afirma:
Mais uma vez, reúno em volume trabalhos redigidos em várias
épocas, para atender a objetivos muito diferentes. Não tem sido
propriamente a falta de tempo que me tem impedido de produzir
trabalho sistemático, como desejaria: minha tendência foi sempre
corresponder a finalidades imediatas e quase sempre em posição de
luta por algum ponto de vista ou posição. (Lemme: 1961, p. 9)
A trajetória de Paschoal foi sendo construída na interseção da
educação com a política, em momento em que os educadores que-
riam se afirmar como especialistas em uma área em que políticos e
intelectuais se achavam legitimados para opinar. O “Manifesto de 32”
respondera a uma demanda por uma projeto para a área da edu-
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69
cação, cujos signatários se afirmavam como um grupo que demons-
trava conhecimento de causa (à frente das reformas de ensino) que os
distinguia da tradição do uso político da máquina pública. Firma-
vam–se como especialistas e preferiam declararem-se “técnicos”.
Paschoal Lemme fazia um contraponto a esse discurso tentan-
do articular os setores progressistas em dois campos distintos – o
profissional e o político – na luta pela democratização da sociedade.
Na ABE tomou-se uma voz dissonante depois de 1937; as teses de
esquerda incomodam os ouvidos acostumados à valorização da
educação como instrumento privilegiado das transformações so-
ciais. Ele é um dos pioneiros, mas vê-se cada vez mais solitário,
“estrangeiro” mesmo, entre os do grupo. Em carta a Fernando de
Azevedo em 1945 comenta a respeito do “Programa Mínimo de
União Nacional” que elaborara a pedido de Luís Carlos Prestes:
As dificuldades que tive em articular um grupo de educadores que
pudessem trabalha em harmonia e com conhecimento dos proble-
mas cuja orientação se pedia, a visão, do meu ponto de vista, defor-
mada de que muitos dos nossos amigos e colegas têm dessa questão
(a educação), assumindo uma posição excessivamente “idealista” ou
mesmo ingênua diante de certas questões fundamentais (...) mais a
premência de tempo fizeram com que me abalançasse a elaborar o
trabalho sozinho (...) Quero dizer-lhe agora, ou melhor repetir-lhe,
aqui, que nunca pertenci ao Partido Comunista nem mesmo agora
que ele está na legalidade. (Lemme: 2004, Memórias 3, pp. 140-150)
Segundo Vanilda Paiva, nem os educadores, empenhados no
movimento renovador, acreditariam que Paschoal Lemme não era
filiado ao Partido Comunista cumprindo “ordens superiores”, nem
os militantes comunistas teriam confiança “naquele professor que
insistia em manter a sua independência”. A autora no prefácio ao
volume 4 das Memórias, reafirma a marginalização do pensamento
e o “apagamento” da figura de Paschoal Lemme nos dois cená-
rios – o político e o educacional – em virtude de sua independência
com que se manteve militando nos dois campos:
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70
Entre os profissionais da educação, ele foi o primeiro a assumir uma
posição intelectual nitidamente de esquerda e a trabalhar diretamente
com as forças políticas correspondentes.(...) Paschoal Lemme afir-
mava que os problemas do país eram de natureza sócioeconômica e
não escolar e que a transformação social resultava da aatividade e das
lutas políticas e não das reformas educacionais. (...) (Paiva: 2004,
Memórias 4, p. 12)
A opção político-ideológica de Paschoal levou-o a pensar as
questões da educação com referência a classes sociais e sociedade,
diferenciando-se dos liberais que o faziam, normalmente, com
referência a indivíduo e nação. Estes últimos pensavam a demo-
cratização da sociedade e da educação como um amplo processo
de mobilidade social baseado nas características individuais e
favorecido por uma escola pública aberta a todos. Paschoal Lemme,
fundamentado no marxismo, operava com o conceito de luta de
classes para pensar essas mesmas transformações:
As contradições que se estabelecem entre os homens nas sociedades
divididas em classes fazem com que uns lutem pela permanência da
situação que lhes é favorável, enquanto que outros procuram transfor-
mar a ordem reinante, mudar a organização da sociedade que os oprime
e prejudica. A luta de classes toma-se assim o outro fator decisivo na
evolução da história da humanidade. (Lemme: 1988, Memórias 3, p. 130)
Pioneiro e marxista
Um dos dados interessantes da trajetória de Paschoal é que,
apesar de falar cada vez mais a “linguagem do Partido”, ele nunca
deixou de se sentir um dos Pioneiros da Educação Nova. Aí certa-
mente está uma das características mais marcantes desse educador
da geração do início do século: a independência político-ideológica.
Apesar de colaborador e simpatizante do PCB, ele rejeitou subme-
ter-se à rígida disciplina partidária que limitava a autonomia de pen-
samento dos seus quadros.
Ele teve uma trajetória marcada pelas contradições e
ambiguidades de quem trabalhou em dois fronts: o dos educadores
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reformadores, e o das esquerdas coordenadas, e de certa forma
jamais inteiramente reconhecido como “um dos seus”, pelos dois
grupos. A alternativa que encontrada, a de desenvolver duas li-
nhas de ação paralelas, a profissional e a política teve o preço da
marginalização e do esquecimento, por ambos os campos.
O ethos dominante entre os educadores levava-os a frisar o cará-
ter técnico e, até mesmo apolítico, que deveria marcar a atuação de
um “profissional da educação”. Paschoal, apesar de não ver como
viabilizar a democratização escolar, senão pelas mudanças sociais
mais profundas, assinala o que o mantém como um dos Pioneiros
tentando constituir uma intelligentsia de esquerda entre os educadores
de sua geração. A situação de intelectual da esquerda, fora dos qua-
dros do partido Comunista, e de educador renovador “conver-
tido” ao marxismo, deixou, como vimos, Lemme relativamente só
em sua posição, o que dificultou não só a divulgação de sua obra,
como o aprofundamento da reflexão marxista entre os educadores
de sua geração. Eis, novamente, as observações de Paiva:
O crescimento do número de intelectuais diretamente filiados, mui-
tos dos quais passaram a atuar em movimentos denominados de
educação popular e com capacitação suficiente para representar o Par-
tido em eventos nacionais e internacionais, deslocaram os convites
para os intelectuais diretamente envolvidos com os programas vin-
culados ao PCB. Por outro lado, a diferença de posições em relação
aos renovadores também não favorecia a difusão de seus trabalhos
pelos representantes mais destacados de tal movimento. (...) de tudo
isso podemos concluir que o “esquecimento” foi o preço pago pela
independência no período de maior efervescência política. (Paiva:
2004, Memórias 4, p. 18)
Sobre o reflexo do isolamento, sobre a obra de Lemme,
haveria muito o que explorar. Escolhi como referência para a
questão um ensaio do autor, escrito especificamente para a X
a
Conferência Nacional de Educação (1950), a estratégia de Paschoal
Lemme em se utilizar amplamente citações, falando aos educa-
dores através de “falas autorizadas” de forma a se fazer ouvir.
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72
Lemme significativamente intitulou-o de A educação no Brasil atual.
(À margem da X Conferência Nacional de Educação 1950).
O ensaio é um exemplo interessante do recurso às citações
para o convencer os educadores, sobre a imbricação da educação
na estrutura econômico-social. Valeu-se de textos de autores de
várias extrações ideológicas – encíclicas, escritores, políticos, asso-
ciações religiosas etc. Tinha por objetivo “provar” que as suas te-
ses não eram resultado de um “esquerdismo” ou comunismo, com
que procuravam rotulá-lo muitos dos educadores congregados na
ABE. Falar através de falas “insuspeitas” tomou-se, gradativamente,
a estratégia de Lemme, numa tentativa de romper o bloqueio do
campo do pensamento pedagógico hegemônico.
Após criticar as limitações à sua participação nos debates,
afirma:
Todos esses antecedentes decidiram o autor a elaborar, e, agora, a
publicar o presente trabalho. Verdadeiramente, ele tem pouca coisa de
original, e essa orientação foi propositada. A ignorância, a má fé e a
reação organizada, entre nós, criam tremendas dificuldades ao debate
livre e à expressão honesta dos pontos de vista não concordantes com
os interesses da ordem dominante. Por isso mesmo, tínhamos que
orientar a nossa argumentação no sentido de mostrar, com opi-
niões e depoimentos insuspeitos, que as soluções propostas para
os problemas fundamentais do Brasil não são invenções nossas,
nem muito menos resultantes de um corpo de doutrina de caráter
sectário. (Lemme: 2004, Memórias 3, p. 26)
O tema de referência – obter sugestões para o projeto da lei
de diretrizes e bases da educação nacional – serve de base para
assinalar o equívoco dos educadores, que ele afirma
que se me afiguraram excessivamente confiantes nas virtudes de al-
guns remendos no anteprojeto (...) E, pior do que isso, a insistência
em inverter os dados do problema, pretendendo fazer da educação
escolar, do ensino uma espécie de panaceia para a solução de todas as
questões fundamentais, econômicas políticas e sociais (...) (Ibid, p.
27 na versão de 1988)
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O autor recorre a Manuel Bonfim para ressaltar, a um tempo,
a importância da educação para a elevação “mental e social” do povo,
e os limites dessa mesma educação, visto que terá esse valor quando
o povo for senhor os seus destinos. Cita Alberto Torres:
Não é nas escolas ou academias que se cria este povo: é na educação
pelos costumes, pela política, pela circulação das ideias práticas, pela
legislação econômica e fiscal, pelo estímulo ao trabalho, pela segurança
e remuneração, pela supressão dos incentivos à ociosidade e ao ganho
fácil e ilegítimo de empregos e fortunas (...) (Ibid, p. 29)
Rui Barbosa é lembrado porque ao defender no Império a
libertação dos escravos afirmara: primeiro a abolição ... depois a edu-
cação; isto significava apontar para a prevalência das estruturas so-
ciais (aí incluída a organização social do trabalho) sobre os projetos
educacionais.
Para enfatizar a prioridade do econômico usa a argumenta-
ção de Euclides da Cunha sobre o “progredir ou desaparecer”.
Dados da Unesco, de congressos latino-americanos, o depoi-
mento do Padre Lebret sobre os contrastes brasileiros sociais e
econômicos que o levaram a se estarrecer ao constatar “não tive
a impressão de que as elites tivessem a preocupação bastante
viva esses problemas”.
Lemme vai procurar suporte também em reportagens dos
principais jornais do país, de onde extrai os mais diferentes dados
sobre a situação do trabalhador, das zonas rurais e do país como
um todo. Depoimentos, situações do cotidiano e cifras são utiliza-
dos amplamente no desenho do quadro econômico político e social
dentro do qual quer propor a reflexão sobre a situação da educa-
ção no Brasil, tema estrategicamente deixado para as partes finais
do texto juntamente com “as condições sociais e sanitárias” da
maioria da população brasileira. Os dados educacionais são extraí-
dos de documentos oficiais e os comentários fundamentados nas
análises do Inep, órgão oficial do MEC.
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74
Termina o ensaio com as palavras do líder revolucionário
Juarez, do México, citadas na Revista do Clube Militar: “Elimine-se a
pobreza ... e a educação seguirá em forma natural”.
Eu custei muito a entender a importância que Paschoal Lemme
conferia a este texto que ele apresentou na X Conferência Na-
cional da Educação. Só quando compreendi o significado polí-
tico-pedagógico que o autor atribuiu à construção deste ensaio,
pude perceber o valor que ele atribuiu à esta tentativa de explicitar
publicamente que “suas teses” no campo da educação encontra-
riam apoio nos mais legítimos representantes da intelectualidade
brasileira.
A ausência de um grupo de referência permanente, na formu-
lação da reflexão sobre as questões da educação e da sociedade
dentro do paradigma marxista se, por um lado dificultava o tra-
balho de Lemme, por outro, parece ter permitido que ele desen-
volvesse, em alguns textos, uma capacidade pouco usual, entre os
marxistas daquela geração, para trabalhar com as contradições,
como o fez em sua tese sobre a educação de adultos apresentada
em 1938, pelo autor, como requisito para o 1
º
concurso de técnico
da educação, realizado pelo MEC.
Instalada no poder, a burguesia transformou, de acordo com os
seus interesses, a organização escolar, e aos poucos, de novo, a edu-
cação volta a assumir o papel de força conservadora, dos períodos
estáveis (...) Com a burguesia nascera o proletariado, contingência da
própria organização da economia capitalista. A bandeira do 3° estado
– liberdade, igualdade e fraternidade – era em breve rasgada pelas
primeiras dissensões entre aquelas duas forças, antes reunidas na
mesma denominação de – povo – no combate dos privilégios aris-
tocráticos. Os conflitos se agravam, cada vez mais e com eles vai se
aprofundando a consciência da oposição de interesses. Nessa fase
vamos encontrar a educação de adultos com um duplo aspecto: de
um lado, satisfazendo os interesses das classes dirigentes e por elas
estimulada; de outro, incluída entre as reivindicações das classes po-
pulares, cada vez mais ávidas de aperfeiçoarem suas condições cul-
turais e técnicas. (Lemme: 1953, p. 27)
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3174
75
O autor assinala os significados contraditórios da educação
de adultos que serviria, ao mesmo tempo, aos interesses da bur-
guesia instalada no poder e aos dos próprios trabalhadores. Es-
tes – além de se tornarem aptos a acompanhar as modificações
e aperfeiçoamentos decorrentes das transformações tecnológicas
necessárias ao incremento da produção (de interesse do capital)
– estariam em vivendo condições de encaminhar os seus próprios
interesses pois,
(...) à proporção que o proletariado se organiza e se agremia nos sindi-
catos e nas associações de classe e vai se processando a sua “ascensão”
dentro da sociedade, seus líderes, dentro ou fora dos parlamentos, ao
lado das reivindicações de ordem econômica, pugnam também pela
melhoria de suas condições culturais e técnicas. (idem, idem)
O Estado Novo levou dois dos “cardeais da educação” –
Anísio e Fernando – a um longo ostracismo. Paschoal Lemme
porém, recém concursado, é designado para chefiar a Seção de
Documentação e Intercâmbio do Inep. Depois de uma bolsa de
estudos nos EEUU, durante um semestre, voltou ao mesmo car-
go de onde pediu demissão, em 1942, em virtude das acentuadas
divergências com Lourenço Filho (diretor do Inep), que se ajus-
tava gradativamente ao Estado Novo.
De 1942 a 1947 trabalhou na chefia da Seção de Extensão
Cultural do Museu Nacional, onde foi responsável por “divulgar
conhecimentos de ciências naturais e antropológicas e dar assis-
tências aos professores no ensino dessas ciências”. Ajudou a criar a
revista do Museu Nacional, na qual criou uma seção dedicada es-
pecialmente aos professores de ciências, com sugestões de expe-
riências e alternativas para o ensino da matéria.
De 1946 a 1961, trabalhou com Roquette Pinto, no Instituto
de Cinema Educativo ao MEC, onde foi responsável por vários
roteiros e assistente de direção de Humberto Mauro; durante esse
período participou da criação de cerca de 1000 filmes educativos,
segundo o seu depoimento.
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76
Os educadores de maior prestígio da sua geração (entre eles
Fernando e Anísio) não debateram publicamente as questões levan-
tadas por Lemme sobre os limites da educação na transformação
social. Fernando, apesar de elogiar frequentemente em cartas (que
compõem a ampla correspondência publicada no último volume
das Memórias) os textos que Paschoal lhe enviava, esquivou-se, pelo
menos duas vezes, de expressar publicamente a sua opinião positiva
sobre o autor das obras
15
.
Lemme insistia em ampliar o debate educacional na direção
do debate político. A ABE, depois da repercussão do "Manifesto
de 32" e da campanha dos católicos contra o grupo dos pioneiros,
tendeu a defender uma posição de retração em relação a pronun-
ciamentos públicos/políticos, sendo por isso alvo de acirradas crí-
ticas de Paschoal.
Na Associação Brasileira de Educação, por exemplo, onde fui eleito
por várias vezes membro do conselho diretor, em muitas oportu-
nidades fiquei praticamente sozinho contra a quase totalidade dos
companheiros, em discussões dos assuntos em pauta. (Lemme,
Memórias 2, p. 209)
As limitações encontradas no campo da educação, para o ex-
plícito engajamento na luta política, e o estreitamento das relações
com as lideranças do Partido Comunista e das esquerdas, abriram
as portas para que Paschoal, que era filiado à Aliança Nacional
Libertadora, se tornasse um ativo colaborador dos quadros da
esquerda em assuntos de educação desde 1936.
Na prisão estive em contato com os principais líderes das correntes
de esquerda, inclusive os do Partido Comunista do Brasil. Posterior-
mente, no período em que essas agremiações de esquerda ganharam
legalidade, recebi delas pedidos de colaboração em suas atividades,
na parte relativa a problemas de educação e ensino, tais como artigos
15
A primeira por ocasião do envio da tese Educação de adultos, na expectativa de que
Fernando de Azevedo encaminhasse para a Companhia Editora Nacional, e a segunda
quando Lemme pediu autorização para transcrever os comentários que lhe enviara por
carta sobre o livro Educação na URSS, como prefácio à 2ª edição.
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77
para jornais e revistas, pareceres e relatórios em conferências e con-
gressos, sugestões e opiniões sobre leis e decretos submetidos às
Comissões de Educação e Cultura da Câmara de Deputados e da
Assembleia Legislativa Municipal do Rio de Janeiro, das quais faziam
parte elementos dos partidos de esquerda.
16
A obra de Paschoal desenvolveu-se assim, intimamente ligada
ao projeto político de transformação da sociedade e à tentativa de
organização das “forças progressistas” no campo da educação
em torno desse projeto. Foram inúmeros artigos, livros e várias
separatas, quase sempre editados com a colaboração do Partido
Comunista. Não aderiu porém à lógica do PCB de organizar-se
na externalidade do social (consequência dos longos períodos na
ilegalidade) e manteve-se ativo na tentativa de transformar por
dentro as instituições. A preservação do serviço público, enquanto
um espaço da “linha de atuação profissional” separada da “linha
de atuação política” me parece ter exprimido a convicção de que
era necessário estar dentro das instituições, o que implicava em
acatar a ética própria do seu grupo de pares.
Sua obra imprimiu uma ruptura com a tradição do “pensa-
mento pedagógico erudito”, representada pelos educadores pro-
fissionais, analisada por Luiz Pereira, no texto denominado “Notas
críticas sobre o pensamento pedagógico brasileiro”
17
. Ao criticar
o pensamento pedagógico dos educadores, Pereira afirmava que
ele falhara
(...) no plano interpretativo do seu conhecimento, por não atentarem
adequadamente à natureza das conexões estruturais e funcionais do
sistema escolar com os demais integrantes do sistema social global.
(...) seu “estilo de pensamento” pedagógico torna-se redutível a deter-
minadas concepções sobre as relações entre escola e sociedade, que
acabam por enfatizar a potencialidade dinâmica dos influxos acarreta-
16
Texto manuscrito entregue a autora em 1989, quando redigia a sua tese de doutorado.
17
Trabalho apresentado no II Congresso Brasileiro de Sociologia, em Belo Horizonte em
1962.
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78
dos no sistema global pelas alterações provoca as no sistema escolar
(...) (Pereira: 1976, pp. 158-159)
Esse balanço de Luiz Pereira referenda o clima de indiferença e
resistência enfrentado por Paschoal Lemme para se fazer ouvir entre
seus pares. Sua produção foi “exilada” do campo erudito, pois nele
Pereira não encontra vestígios do que foi sempre “mote” de Lemme
junto aos educadores – as conexões estruturais da educação com o
sistema global da sociedade. Lemme enfatizava a ingenuidade dos
educadores em acreditar na potencialidade de transformação social
do sistema escolar. Questionando a tese de abertura do Manifesto dos
pioneiros, de que nenhum problema se sobrelevaria em importância ao
da educação, na “hierarquia dos problemas nacionais”, ele contra-
punha que, “somente uma sociedade verdadeiramente democrática
pode proporcionar educação completamente democrática, ou me-
lhor, não há educação democrática” (Lemme, 1961, p. 60)
Na conjuntura dos anos 50, o desenvolvimento econômico tor-
nou-se solo adequado para germinar a “mística” do planejamento.
No campo da educação, sob a influência da Teoria do Capital Hu-
mano, a crença no poder da educação revestiu-se de sofisticados
cálculos matemáticos para explicar o “subdesenvolvimento”, com
base no atraso educacional. Paschoal reagia:
(...) a educação escolar, o ensino, em suas características fundamen-
tais, dependem do estágio de desenvolvimento de cada comunida-
de, e não o contrário. Em resumo: escola não cria desenvolvimento;
escola profissional não cria indústria, universidade não promove por
si mesma as condições para pesquisa e criação científicas (...) é quase o
contrário o que acontece, na realidade. Uma região quando começa a
entrar em processo de desenvolvimento, o que se dá por razões de
ordem econômica, passa a exigir escola ou ensino de melhor quali-
dade e diversificado, o que por sua vez vem reforçar e consolidar o
desenvolvimento (...) num processo que podemos chamar de
dialético. (Lemme: 1959, p. 46)
Essa relativização do sistema escolar é, indiscutivelmente, o
resultado do trabalho com as referências marxistas. Paschoal, no
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79
entanto, permaneceu tentando a adesão das principais lideranças
da intelligentsia educacional às lutas políticas mais amplas.
Paschoal Lemme e o "Manifesto de 59"
Desde o início da década de 50 do século passado, Paschoal
Lemme, na correspondência com Fernando de Azevedo
18
, expressa
preocupação com o marasmo da Associação Brasileira de Educa-
ção, de técnicos e de educadores, como também com os rumos da
administração pública, no tratamento dispensado aos problemas da
educação e do ensino. Em carta de 20 de setembro de 1952, sugere
a elaboração de um manifesto que poderia receber a adesão de
educadores democratas e progressistas. Antes havia lido entrevista
de Júlio Mesquita Filho ao jornal carioca Última Hora, com severas
críticas à situação do ensino no país e propondo o lançamento de
um novo manifesto.
Em 1959, estava em tramitação na Câmara dos Deputados o
substitutivo do deputado Carlos Lacerda ao projeto de lei de dire-
trizes e bases da educação nacional, que privilegiava o ensino parti-
cular em detrimento da escola pública. Naquela ocasião, Paschoal,
em carta de 5 de abril desse ano, reitera a convocação feita a Fernando
de Azevedo, para a elaboração de um novo manifesto ao povo e ao
governo, que mobilizasse os educadores para uma campanha em
defesa da instrução pública. Fernando, em carta de 11 de abril, pou-
co depois, concorda com a ideia do manifesto, mas propõe uma
divisão de trabalho na redação do documento que não deveria ir
além de 12 páginas. Em outra carta, logo a seguir, Paschoal insiste
que somente ele, Fernando, tinha as credenciais necessárias para es-
crever o manifesto, considerando a luta ideológica que se estava tra-
vando e sua autoridade moral diante da conjuntura. Observa que o
momento era dos mais oportunos com a entrada do projeto na
ordem do dia da Câmara.
18
LEMME, Paschoal. Memórias de um educador: estudos de educação e destaques da
correspondência. 5º vol. 2ª Ed. Brasília: MEC/Inep, 2004, pp. 168 -217.
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80
Engajado na causa, Paschoal envia nova carta a Fernando de
Azevedo, em 25 de maio de 1959, na qual, com o maior empe-
nho, esboça um roteiro para a elaboração do documento. Sugere
que o manifesto constituiria uma nova etapa do “Manifesto de
32”, adaptado às novas circunstâncias. Que não seria um grito de
guerra, mas uma tomada “franca e decisiva de posição” como
ressaltara Fernando, sem assumir o caráter de luta religiosa. Trata-
va-se de defender com nitidez e energia a posição da verdadeira
educação democrática e progressista “que tem como postulado a
liberdade de pensamento e a igualdade de oportunidades”. Além
disso, propõe que o documento enfoque os problemas do desen-
volvimento, destacando o papel da educação, da instrução e da
formação técnica no processo de nossa emancipação econômica.
Lembra o nome do educador Nóbrega da Cunha para coordenar
a campanha no Rio de Janeiro.
Em carta de 9 de julho daquele ano, distingue no lançamento do
manifesto o início de um grande movimento de reconstrução edu-
cacional do país. Em outra de 6 de agosto do mesmo ano, dá notí-
cias da campanha, informando sobre palestras que vinha proferin-
do para estudantes e sindicatos operários sobre o projeto de lei de
Diretrizes e Bases da Educação, o substitutivo Lacerda e o Manifesto
dos educadores, além das articulações com a Frente Parlamentar Nacio-
nalista, com a ABE, com Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro.
A convite do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb)
foi a Porto Alegre apresentar suas ideias ao Círculo Militar sobre
“Problemas Brasileiros de Educação e a LDB”, com a presença
de cerca de 600 pessoas, incluindo oficiais, professores e estudan-
tes, quando foram debatidos vários aspectos do Manifesto que
recebeu aproximadamente duzentas assinaturas de adesão. (Carta
a Fernando de Azevedo, de 13 de outubro de 1959). Comenta a
versão do subprojeto aprovada pela Comissão de Educação e
Cultura da Câmara dos Deputados, qualificando-a de “medíocre,
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3180
81
decepcionante”, beneficiando a interpretação a favor da escola
particular e do ensino comercializado.
Afinal, havia entrado em cena o deputado Santiago Dantas para
articular uma solução salomônica, que resultou em perda para a escola
pública, como lembra Paschoal no 5º volume de suas memórias.
A
intelligentsia
educacional
Intelligentsia é o nome dado uma classe de pessoas engajadas em
trabalho mental complexo e criativo direcionado ao desenvolvimento
e disseminação da cultura, abrangendo grupos sociais e intelectuais
próximos dela (por exemplo, artistas e professores). Inicialmente, o
termo foi aplicado principalmente no contexto da Rússia, e poste-
riormente, da União Soviética, e tinha um sentido estrito, baseado
numa autodefinição de uma certa categoria de intelectuais.
Paschoal gradativamente foi se libertando da posição de “dis-
cípulo” para a de um interlocutor independente, de esquerda, de
Fernando. As avaliações de Fernando sobre a produção de Lemme
mudam de tom e conteúdo, desde os comentários, na década de
30, sobre passagens a modificar ou suprimir, em A educação de adultos, até
os insistentes pedidos de Fernando para que Paschoal fornecesse
informações de várias ordens, que vão de avaliações conjunturais,
dos movimentos da esquerda, até subsídios para a elaboração do
"Manifesto de 59", Mais uma vez convocados.
A longa correspondência, editadas nas Memórias 5, testemu-
nha uma interlocução que evidencia o prolongamento de uma
sólida amizade, que sobreviveu às diferenças ideológicas e de
personalidades. Ambos parecem fazer uso do potencial de seu
par, para os seus objetivos específicos: Azevedo mantendo-se in-
formado dos movimentos e das ideias dos quadros da esquerda,
enquanto Lemme, prestigiando o líder dos educadores da sua ge-
ração, e cultivando a sua vaidade procurava mobilizá-lo a apoiar
as lutas políticas da esquerda:
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82
Agora é tempo de agir e é nesse sentido que lhe escrevo. O senhor
precisa vir ao Rio imediatamente para assumir a liderança das forças
educacionais na manifestação que elas têm que fazer e na ação que
devem desenvolver sob pena e traição às aspirações mais caras do
povo. (Carta de Paschoal em 3 de março de 1945)
Os recuos de Fernando, em várias ocasiões, evidenciam as
restrições que guardava em relação às ideias que Lemme vinha
defendendo com relação a educação e a sociedade.
(...) Agora, o que tenho a dizer em relação ao “programa mínimo”, de
que me enviou uma cópia. Já o conhecia. Não sabia porém, que você se
referia a esse plano de ação (...) E em linhas gerais um programa admi-
rável (...) tratando-se de um programa de política geral, seria difícil
obter, a última hora, a adesão de outros educadores (...) Acresce ainda
que uma “declaração pública” em apoio de um programa de partido
(...) podia ser naturalmente interpretada às vésperas das eleições, como
apoio a esse partido e aos seus candidatos. De minha parte, espero a
oportunidade para tomar posição, franca e decidida, no partido a que
“possa dar minha colaboração leal, eficaz e sem reservas”. (Carta de
Fernando em 23 de novembro de 1945)
Da parte de Lemme há interesse em fornecer permanente-
mente a Fernando avaliações de conjuntura e referências biblio-
gráficas, motivado pelas manifestações de interesse de Fernando
por recebê-las;
(...) o meu agradecimento (...) pela remessa da “Tribuna Popular”, em
que li, com o maior interesse, os diversos artigos apontando a minha
atenção. Sou-lhe muito grato por tudo e, particularmente pelo seu
cuidado vigilante em por-me a par do que está passando e fornecer-me
ou indicar-me elementos que me permitam um juízo mais claro dos
acontecimentos. (Carta de Fernando em 24 de dezembro de 1945)
Neste longo diálogo fica evidente a diferença de posturas face às
lutas políticas. Fernando frequentemente retrai-se, reclama da conjun-
tura adversa e da apatia dos educadores, mostrando-se desiludido e
desanimado, após o “exílio” involuntário da administração pública;
Retraído por temperamento, carregado de desilusões, ainda me tor-
nei mais solitário com a morte de Venâncio e com tudo o que se vê e
se ouve, à volta de nós (...) Encontrei em meus livros, nas minhas
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83
leituras e meditações, um refúgio moral em que, pensando e escre-
vendo, continuo a lutar por um mundo melhor (...) (Carta de
Fernando 22 de fevereiro de 1949)
Paschoal procura novos espaços de trabalho, quando o Estado
Novo estreita as possibilidades de trabalho do grupo dos pioneiros,
monta estratégias, corre o risco de mobilizar-se permanentemente,
inconformado com as injustiças da ordem social capitalista.
Fernando, para romper com a apatia da qual várias vezes recla-
ma, volta-se para a estruturação da USP e formação das “novas
elites”, aguardando uma conjuntura mais favorável ao trabalho de
ampliação das oportunidades educacionais a todos. Paschoal per-
manece no serviço público como técnico de educação, mas engaja-
-se na luta política junto a outros setores organizados da sociedade
civil para a democratização da sociedade e da educação.
Um cotejo da obra dos dois educadores deixa evidente as
marcas imprimidas, dos caminhos e das vocações diferentes, des-
tes Pioneiros: Fernando, candidato em todos os governos a minis-
tro da Educação, privilegia falar a seus pares (intelectuais e acadê-
micos) e às classes dirigentes (governo), preocupado com o futuro
da educação e da nação. Paschoal, sem abrir mão da utopia socia-
lista, prioriza as condições presentes de privação e marginalização
da maioria da população. Dirige-se ao cidadão comum, ao magis-
tério e aos educadores profissionais, preocupado em articular,
dentro das suas limitações, as solicitações pulverizadas das forças
progressistas da sociedade.
O campo educacional e a gênese de uma intelligentsia brasileira:
retomando Martins, Miceli e Pécaut
Luciano Martins (1987), em um ensaio sobre a gênese de uma
intelligentsia brasileira
19
, apresenta um bom roteiro para reflexão sobre
as relações entre educação e política. As indicações de Martins e os
19
Cf. A gênese de uma intelligentsia: os intelectuais e a política no Brasil de 1920 a 1040.
In: Revista Brasileira de Ciências Sociais (4) vol. 2, junho de 1987, pp. 65-87.
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84
exercícios historiográficos da segunda parte desta tese permitiram-
me avaliar o lugar central do campo educacional no âmbito social
e político no momento de constituição daquela geração de educa-
dores enquanto “profissionais da educação”.
O autor ao desenvolver sua argumentação sobre o surgimento
de uma intelligentsia, na década de 20, recorre amplamente a perso-
nagens, associações e exemplos de dentro do campo educacional.
Esse artigo de Martins, o já clássico livro de Miceli
20
, assim
como o bem mais recente trabalho de Pécaut (1990) sobre o tema
das relações dos intelectuais com a política, compõem a tríade de
pesquisas que referendam a interpretação sobre as relações contra-
ditórias entre os educadores da geração dos pioneiros e a política.
O campo cultural se expandia rapidamente e gradativamente se
autonomizava. Os grupos de intelectuais foram se especializando e
passaram a substituir a figura do intelectual-diletante do início do
século, que discorria sobre os mais variados temas e campos do
conhecimento, ancorado exclusivamente na autoridade conferida pela
erudição haurida da cultura geral.
A profissionalização dos “quadros”, facilitada pela política de
ampliação da burocracia do setor público, provocou mudanças nas
relações entre a política e o campo intelectual. Gradativamente, as
elites dirigentes passaram a se valer dos pareceres de especialistas
para referendarem publicamente suas decisões.
Para Martins, a Revolução de 30 não se explicaria a partir de
um conflito que oporia as camadas urbanas e industriais às clas-
ses dominantes agrárias expressando as contradições ao nível da
produção, entre os setores agro-exportadores e os urbanos in-
dustriais. Para ele, a oligarquia agrária teria sabido “modernizar-
-se”, e foi em virtude da solidez de seus padrões tradicionais de
dominação no plano estadual, que esta elite desenvolveu um
20
MICELI, Sergio (1979). Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo:
Difel.
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85
“comportamento moderno” no plano político federal. O autor,
por não analisar o setor econômico (nem com o estado) como
um bloco monolítico, pode assinalar a relativa independência entre
a esfera estadual e federal que teria tornado possível a limitação
da modernização política exclusivamente ao plano federal. Esta
característica facilitou, segundo Martins, as mudanças de cima
para baixo, ou a “modernização pelo alto, que foi uma caracte-
rística do processo da administração pública, no período da cons-
tituição dos “primeiros profissionais da educação” – a geração
dos pioneiros.
Essa conjuntura explica, do meu ponto de vista, os limites em
que se desenvolveram as ações daquele grupo. Ao ocupar posições
na administração da educação, muitos deles enfrentaram as contra-
dições entre as convicções político-liberais e a opção por estratégias
de transformação pelo alto.
Paschoal Lemme frequentemente questionou a prática da trans-
formação pelo alto:
(...) julgamos que nenhum grupo social particular, nenhuma agremiação
constituída exclusivamente de técnicos, nenhum administrador por si
só, pode ou tem o direito de traçar planos ou programas ou se empe-
nhar em realizações sem a consulta, o apoio, e portanto a compreensão
das populações em benefício das quais se pretende desenvolver tais
ações. (Lemme: 1953, p. 89)
Esta crítica de Paschoal era bastante singular entre os educa-
dores de sua geração. A desqualificação das “elites dirigentes”, que
fazia parte do diagnóstico desses educadores sobre a sociedade po-
lítica, justificava e legitimava a formação dos quadros profissionais
especializados. Isso levou a que muitos deles valorizassem a decisão
técnica como substituta da política, o que em última análise afastou-
-os do trabalho de organização da sociedade civil que, no caso de
Paschoal Lemme, era um dos seus projetos prioritários.
Apesar de defenderem explicitamente uma educação para a
construção de uma sociedade democrática, ao assumirem uma
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posição de distanciamento da política, algumas vezes encaminharam
propostas que significavam a diluição da política na organização:
(...) é esse desencanto pela política, na qual a elite intelectual não
encontra o seu lugar, que tende a conduzi-la a subordinar a política
ao princípio abstrato de organização, antecipando de certa forma a
visão tecnocrática de mudança social. (Martins: 1979, p. 78)
Ao evitarem o engajamento político-partidário os educadores
liberais acabaram tendo o seu trabalho no campo educacional
subsumido pela orientação política hegemônica e foram rapidamente
dispersos enquanto grupo, por ocasião do Estado Novo. A inde-
pendência política que cultivaram, contraditoriamente, tornou-os su-
bordinados às correlações de forças político-partidárias das quais
pretendiam se manter distantes. Pécaut, como Martins, assinala os
problemas da representação do político como organização:
(...) a “organização” é a negação da democracia política: recusa tudo
que seja divisão política (...) recusa a própria política na medida em
que, transformando-se em um fim em si mesma, ela se desliga da
realidade, consagrando-se às falsas aparências. (Pécault: 1990, p. 56)
Esta questão das representações dos intelectuais sobre a política
é um tema que merece uma reflexão mais cuidadosa. A interpre-
tação a posteriori (com base no conhecimento dos resultados), do
caráter tecnocrático das ações dos educadores, pode ter o efeito de
uma simplificação do significado das transformações da ação polí-
tica encaminhada pelos pioneiros.
As “novas elites”, que esses educadores pretendiam compor,
enfatizaram a técnica como fundamento da definição política. Miceli,
analisando as relações dos intelectuais com a política, defende a
tese – muito retomada em estudos sobre a questão – de que eles
teriam sido cooptados pelo estado, durante o governo Vargas.
Para o autor, os intelectuais foram coadjuvantes da elite governante
no processo de estruturação de um novo tipo de dominação. Com
o apoio dos intelectuais, que foram ocupando cargos no interior
da burocracia estatal, o governo teria tentado recuperar a face
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pública do poder político desgastada pelo período da alternância
oligárquica.
A tese de Miceli – apesar de muito marcada por uma teoria de
estado-ator-social central no palco histórico – é uma fonte impor-
tante de informações e análise das relações no campo cultural com
o político. O mercado de trabalho dos intelectuais ampliou-se sig-
nificativamente, no período de 1920 a 1945.
A expansão do setor
público e a política cultural de Capanema abriram perspectivas de
ocupações, até então inéditas, para os quadros intelectuais
especializados que iam se ampliando no Brasil. Ao atrair intelectu-
ais de diferentes extrações ideológicas Vargas procurou neutralizar
as possíveis oposições ao regime inaugurado em 30 e redirecionado
com o golpe de 1937.
O setor editorial também se expande provocando um verda-
deiro boom no mercado do livro. A prática interior, de
autofinanciamento das obras pelos autores, diminuiu sensivelmen-
te, ao mesmo tempo em que cresceu o poder de determinados
editores/editoras sobre o mercado consumidor. Segundo Miceli,
(...) a farta distribuição de obras pedagógicas acompanhou de perto
os lances de enfrentamento entre as diversas correntes de educadores
profissionais que buscavam firmar suas posições diante das refor-
mas empreendidas pelo estado. (Miceli: 1979, p. 88)
É interessante assinalar que aparentemente na mesma lógica
do governo Vargas, uma das grandes editoras da época, a Civiliza-
ção Brasileira, acolhia católicos e pioneiros. Embora a tese de Miceli
e a correspondência de Fernando de Azevedo e Paschoal Lemme
forneçam inequívocas indicações da simpatia de Octalles Marcondes
Ferreira para com Azevedo, o editor não poderia desprezar a im-
portância política da Igreja, e abriu um espaço em sua editora para
veicular as ideias dos educadores católicos.
Havia à época, como assinala amplamente a literatura especi-
alizada, um processo de enfrentamento ideológico e material que
colocava os “pioneiros da Escola Nova” como alvo de acusações
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88
dos católicos e de outros setores conservadores. A defesa que fazi-
am do ensino público significava uma séria ameaça, tanto a certos
interesses materiais (perda do mercado no campo da educação),
como à hegemonia ideológica da Igreja Católica. O grupo que fun-
dou a ABE, começava a se dividir. As fraturas aprofundaram-se no
campo da educação, e aqueles que haviam alcançado posições de
prestígio, no interior do aparelho do estado, algumas vezes procura-
vam neutralizar as posições que poderiam por em risco os cargos e
o apoio dos setores com poder político e econômico.
Essa seria uma outra razão porque a reflexão marxista sobre
as relações educação e sociedade encaminhada por Lemme não
encontrou eco no âmbito do pensamento pedagógico erudito.
Miceli, ao debruçar-se demoradamente sobre o chamado
“mercado de bens simbólicos” em que se formou a geração dos
“educadores profissionais”, reforça, a suposição sobre os limites
enfrentados por Paschoal Lemme, na divulgação da reflexão mar-
xista sobre a educação;
(...) as editoras especializadas (em educação) se veem instadas a nego-
ciar a aceitação das obras que publicam junto às diversas categorias de
corpo docente e aos demais especialistas que passam a operar como
intermediários na difusão de obras destinadas ao trabalho pedagó-
gico. Neste ângulo, a produção e o consumo dessas obras destinadas
aos diversos segmentos do público escolar, são reguladas, em medida
significativa, pelos critérios de legitimação invocados por grupos de
agentes cujos interesses em preservar as posições de que desfrutam
exigem a manutenção de uma reserva de mercado, para as obras que
produzem, e a comercialização da autoridade intelectual de que se
revestem os juízos que externam.
(Miceli,op. cit, p. 39)
Entre os critérios de legitimidade estava a capacidade de colo-
carem as questões de educação em termos técnico-científicos, o
que significava também para os “profissionais da educação” com
isenção política.
O mercado de diplomas vinha sofrendo modificações impor-
tantes, segundo Miceli, como a da diminuição do valor relativo dos
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3188
89
títulos que, sendo condição necessária, não eram mais suficientes,
como até então pareciam ser, para que se atingisse posições de des-
taque no campo intelectual. A posse de título de nível superior se
mostrava entretanto, cada vez mais necessária à competição no campo
cultural. A ausência de créditos acadêmicos e a opção pela esquerda,
seguramente dificultaram a divulgação da produção de Paschoal
Lemme nos jornais e editoras de maior prestígio.
A tentativa de Lemme de divulgar o enfoque marxista entre
os educadores encontrou o seu principal obstáculo, na ausência de
diálogo público. Os cardeais da educação, entre eles Fernando de
Azevedo e Anísio Teixeira, não se manifestavam senão muito mar-
ginalmente, a respeito das possibilidades de uma análise marxista
dos fenômenos ligados à educação.
Há um esboço de artigo que Anísio não publicou, onde apa-
recem as ambiguidades do autor em relação às esquerdas,
(...) A nação olha a esquerda com simpatia, porque sente que deve ser
governada com espírito de esquerda, isto é, com uma profunda incli-
nação pela parte mais pobre e mais deserdada do país. (...) Queremos
ser politicamente uma democracia liberal, como a Inglaterra ou como
a Suiça, e isto não impede que desejemos, simultaneamente, que essa
democracia esteja sob um vigilante pensamento de esquerda, para não
se fazer conservadora nem reacionária e sim avançada e progressista no
sentido de uma gradual emancipação da classe pobre e espoliada.
21
O texto citado, escrito em 1945, desenvolve uma vigorosa crí-
tica à ação das esquerdas em 1935 que, com a Aliança Nacional
Libertadora à frente, organizara o movimento que desaguou no
golpe frusto que criou as condições para o advento do golpe fascista
vitorioso. Interessante é a previsão de Anísio sobre as esquerdas:
Não tenho dúvidas em admitir que, pouco a pouco, os partidos de
esquerda irão crescendo de prestígio no país, até algum dia conquis-
tarem o Poder e introduzir, então, reformas mais radicais na estru-
21
Documento do arquivo Anísio Teixeira, “1935-1945”, CPDOC/FGV, AT Teixeira, A pi
5.04.17., três páginas.
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:3189
90
tura econômica da nação. Mas isto só se dará se eles souberem con-
servar-se, no princípio, como partidos de esclarecimento e vigilância,
devotando-se a um lento trabalho de pesquisa dos problemas brasi-
leiros e de educação da consciência nacional, para o que estão parti-
cularmente aparelhados por não estarem presos nem a preconceitos
nem a interesses. (idem, p. 2)
As memórias de Lemme deixam transparecer essa mesma
avaliação; ele passou a participar dessa estratégia de lento trabalho
de esclarecimento e pesquisa sob a influência do paradigma mar-
xista, convicto de que a ausência de preconceitos e interesses dos
quadros de esquerda conquistariam gradativamente a confiança da
população brasileira e abririam os caminhos para a construção de
uma sociedade verdadeiramente democrática.
Entretanto, como vimos, ele encontrou enormes dificuldades
para difundir o novo paradigma entre os educadores profissionais.
A luta pela hegemonia, em matéria de doutrina pedagógica à época,
parece ter sido responsável pela marginalização das perspectivas de
análise do fenômeno da educação abertas pelo marxismo.
Os educadores profissionais recrutados pelo estado para orga-
nizar os sistemas públicos no Distrito Federal e nas principais capi-
tais do país (Anísio, Lourenço, Fernando e outros), vinham tentando
conquistar a hegemonia no campo do pensamento pedagógico, em
competição acirrada com os católicos. Como ocupavam postos de
chefia na administração pública, e precisavam dos cargos para levar
adiante os seus propósitos de reforma social pela “renovação edu-
cacional”, ficaram, limitados ideologicamente, entre o descrédito nos
princípios da democracia liberal e as acusações dos católicos de es-
tarem subvertendo os valores da “cultura brasileira”.
Em muitos desses postos os intelectuais prestam serviços estrita-
mente burocráticos que não guardam, por vezes, qualquer relação
com o trabalho intelectual propriamente dito que continuam a de-
senvolver paralelamente às suas atividades funcionais. Em outros
casos, os laços entre uma e outra atividade permeiam a própria defi-
nição do trabalho intelectual. De qualquer maneira, instaura-se uma
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situação de dependência material e institucional que passa a determi-
nar as relações que as clientelas intelectuais mantém como poder
público (...). (Miceli, op.cit, p. 158)
A colaboração com o poder público era inevitável para que os
educadores profissionais realizassem seus desígnios de influir nos
rumos da educação pública. Os desafios postos pela ampliação da
pressão sobre o sistema escolar foi exigindo a profissionalização do
campo da educação, até então dominado por intelectuais das mais
diferentes procedências: médicos, engenheiros, bacharéis e políticos.
Eis a avaliação de Miceli:
(...) a profissionalização de um grupo de especialistas em problemas
educacionais correu por conta de exigências postas pelo próprio sis-
tema de poder oligárquico que por uns tempos passou a enxergar na
extensão das oportunidades de escolarização uma estratégia que po-
deria proporcionar dividendos políticos consideráveis. (ibid, p. 168)
As posições que esses novos quadros técnicos foram ocupan-
do no aparelho estatal acabou criando uma relação de dependên-
cia material e/ou institucional com as classes dirigentes. O menos-
prezo, por essas últimas entretanto fica evidente em Fernando de
Azevedo:
Parece-me fora de dúvida que a cultura da classe dirigente é atual-
mente mais próxima da cultura da classe dirigida, mas não porque
a desta tenha se elevado e difundido muito, mas porque baixou
sensivelmente o nível de cultura das camadas dirigentes.
(...) Se se esforçassem por elevar o nível de cultura das massas, por
certo se arriscariam a perder sobre elas a influência que conseguem
exercer, atuando sobre essa matéria política tão maleável como é a
massa instintiva e afetiva. (Azevedo: 1955, p. 23)
Contraditoriamente esses educadores têm que se aproximar dessas
tão desprezadas elites dirigentes, o que repercute em um sentimento
e representação ambíguos em relação à política. Miceli, como Martins,
constata a centralidade do campo cultural nesta época, o que os
situava cada vez mais no foco dessas mesmas elites dirigentes como
quadros assessores para políticas específicas;
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As iniciativas de “construção institucional” dos grupos dirigentes
tornaram o campo regional da produção cultural num dos eixos
dominantes da vida intelectual do país, tendo-se firmado uma rede
de instâncias de produção, difusão e consagração, cujos padrões de
legitimidade perduram até hoje. No entanto, os parâmetros que pas-
saram a nortear o trabalho intelectual parecem indissociáveis do pro-
jeto de hegemonia política então formulado pelos grupos dirigentes
locais. (Miceli, op.cit, p. 189)
Uma complexa rede de compromissos e alianças político-ideo-
lógicas atravessam o campo educacional. Católicos e integralistas
situavam-se, a essa época, preferentemente à periferia do estado,
atuando como forças “antiliberais”; os educadores liberais já vi-
nham aceitando cargos de responsabilidade na administração pú-
blica. Enquanto isso os católicos – muitos deles também integralistas
– de fora do aparelho do estado criavam o clima anticomunista
que alijaria alguns dos principais Pioneiros dos postos de adminis-
tração pública, na metade da década de 1930.
No contexto da hierarquia burocrática, os renovadores de-
sempenham um papel claramente contraditório. Ao mesmo tem-
po que empreendem uma luta pela ampliação e melhoria da rede
pública de ensino, na tentativa de democratizar as oportunidades
educacionais, e criar assim uma sociedade que supere definitiva-
mente os privilégios da era oligárquica, acabam colaborando para
a concentração de poder nas mãos do estado.
Durante o regime Vargas, as proporções consideráveis a que chegou a
cooptação dos intelectuais facultou-lhes o acesso aos postos e carreiras
burocráticas em praticamente todas as áreas do serviço público (educa-
ção, cultura, justiça, serviço de segurança etc.). Mas, no que diz respeito
às relações entre os intelectuais e o estado, o regime Vargas se diferencia
sobretudo porque define e constitui o domínio da cultura como um
“negócio oficial” implicando um orçamento próprio, a criação de uma
“intelligentsia” e a intervenção em todos os setores da produção, di-
fusão e conservação do trabalho intelectual e artístico. (idem, p. 131)
Essa nova elite (burocrática e técnica) toma-se uma força social
e política capaz de manter uma relativa autonomia, pois parece ter
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o poder de neutralizar a força do poder econômico e político
regional do período oligárquico, contribuindo assim, para o forta-
lecimento do poder central.
Embora seja inegável que o recrutamento dos intelectuais ao longo do
período de Vargas continuou, como antes, a depender amplamente
do capital de relações sociais dos postulantes aos cargos (...) cumpre
admitir que o novo estágio de divisão do trabalho administrativo
acabou impondo mudanças de peso nas relações entre os intelectuais
e a classe dominante. (ibidem)
Congregar no estado intelectuais de diferentes extrações ideo-
lógicas foi a estratégia de ampliação do consenso político, aciona-
da pelo governo Vargas, que procurou prolongar a indefinição
ideológica necessária para viabilizar a construção de um novo es-
tado (Estado Novo). Essa ausência de nitidez ideológica dos no-
vos dirigentes, certamente influiu na insistência dos educadores na
administração pública em enfatizarem o caráter técnico dos pos-
tos que ocupavam. Era, aparentemente, a forma que encontraram
para guardar uma posição de distanciamento no plano ideológico-
-político que o governo, que os convocara, viesse a assumir.
Pécaut destacou as consequências contraditória da estratégia
de neutralidade daquela intelligentsia. Ao se representarem como os
principais responsáveis pela construção da nação, esses intelectuais
acabaram por impor uma representação do político em que a
“transformação pelo alto” apareceu como a alternativa natural.
Desiludidos com a República, que havia permitido a “oligarquização
das instituições”, os intelectuais quando procuraram articular o cam-
po cultural ao político, em um trabalho de recriação institucional
acabou por conferir nova legitimidade ao estado e às demais ins-
tituições sociais degradadas pela política de privilégios.
Parece-me bem adequada a afirmação de Pécaut de que a ge-
ração dos anos 20/40 proclamou em alto e bom som, a sua vocação
para elite dirigente. A política vinha sendo alvo de críticas acirradas
por parte de intelectuais do porte de um Lima Barreto, que a defi-
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nia como paraíso das mediocridades, ou um Euclides da Cunha, para
quem aí se localizavam as imbecilidades triunfantes. Essa geração se
imaginou capaz de recriar a política de forma a colocá-la a serviço
do bem comum.
A representação do técnico, ligada à valorização da ciência,
como o instrumento privilegiado na construção de novo mundo e
de entrada para a modernidade, viabilizaria essa politização em
novos termos. A ciência ao arbitrar com maior neutralidade, as
alternativas em jogo no campo social, fundamentaria a escolha de
caminhos mais adequados para a ação (técnica) dos homens res-
ponsáveis pela ordenação da sociedade e da educação.
O fortalecimento dos grupos técnicos teria contribuído, assim,
para conferir maior credibilidade ao projeto de organização de um
novo estado, mais centralizado e forte. São frequentes as críticas de
que o estado liberal democrático teria características inadequadas à
construção da nova nação, que esta precisaria, para se constituir
moderna e rica, do modelo de um estado forte que respondesse,
pronta e adequadamente, às necessidades de intervenção estatal pró-
prias às economias modernas.
Contrastando com a representação do liberalismo vitorioso, que
foi, até a década de 1990, o pano de fundo da historiografia sobre o
movimento da Escola Nova no Brasil, a literatura gerada pelas ciên-
cias sociais assinalou o consenso, nos meios intelectuais da época, a
respeito do fracasso da democracia representativa. Referindo-se às
críticas de Oliveira Vianna à democracia, Pécaut assinala que,
Nem todos os intelectuais romperam de maneira tão gritante com a
vertente liberal da história política brasileira. Raros, entretanto, foram
os que não constataram sua degenerescência sob a República (...) (Pécault:
1990, p. 28)
Esse consenso explicaria a cautela da elite intelectual em relação
à Revolução de 30 encaminhada pela Aliança Liberal e as próprias
ambiguidades que teriam assinalado as relações dos intelectuais com
a política. Ao início, teriam suposto que ela representasse apenas uma nova
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expressão do liberalismo. Os próprios liberais, segundo Pécaut, julgaram
ter a República se demonstrado incapaz de formar os quadros ne-
cessários à modernização da sociedade. Essa constatação motivou a
criação da USP em 34 que, com a derrota paulista diante o novo
regime, passou a se dedicar, com grande empenho, a um programa
de transformação política, a médio e longo prazo, pela via da for-
mação das “novas elites”.
Uma das características da cultura política engendrada por essa
intelligentsia era a de firmar a concepção de se constituírem um
grupo “socialmente sem vínculos”, o que, para Pécaut, significava a
intenção de anular a dimensão do político. Essa interpretação, entretanto,
não me parece contemplar adequadamente o projeto desses intelec-
tuais de transformação da política em uma prática qualificada pela
competência técnica – dos novos quadros de formação universi-
tária – que vinham representariam as “novas elites”.
Os educadores debatiam na ABE os caminhos da educação
na construção da nova nação. Por mais que gostassem de se abri-
gar sob o rótulo de técnicos, não havia como se desembaraçar
da feição política inerente a agremiações como a ABE, nem às
funções que desempenhavam na administração pública, sobre-
tudo em uma conjuntura de reorganização do poder político e
de fortalecimento do estado.
A representação relativamente apolítica da intelligentsia educa-
cional – que se propunha organizar a educação da futura nação
sem vínculos político-partidários – irá explicar a sua própria
marginalização das decisões maiores a respeito da sociedade, que
o novo governo procurou manter submissa, disciplinada e con-
trolada, no típico modelo da “modernização pelo alto”. Em meio
à multiplicidade de motivações sociais individuais, técnicas e po-
líticas (no sentido mais amplo de orientação e direção da socie-
dade) toma-se difícil traçar o perfil dos educadores para além
do reconhecimento da ambiguidade que marca as suas relações
com a política.
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Paschoal Lemme, como vimos, apesar das críticas a respeito da
valorização da técnica em detrimento da política entre os seus pares,
reafirmou o caráter progressista da atuação dos pioneiros. Luciano
Martins, no artigo citado, parece referendar essa avaliação:
Essa intelligentsia brasileira, que parece finalmente constituída, queixa-
-se das estruturas atrasadas e rígidas do país, mas de modo algum o
rejeita para sentir-se “civilizada”; é isolada, mas enraizada. Está pro-
fundamente convencida da importância da sua contribuição à trans-
formação das estruturas sociais (...) Em suma, a intelligentsia procura
atravessar o espelho (europeizado) para “ver” o país – e advogar a
mudança. Pois a procura da identidade social passa igualmente pela
busca angustiada de uma ponte entre a renovação cultural e a reforma
da sociedade: a ponte entre a modernidade e a modernização do país.
(Martins: op cit, p. 79, grifos do autor)
Essa inflexão na visão europeizada ocorre com o suporte mo-
dernista (Semana de Arte Moderna) que marca a descoberta da
feição nacional da sociedade brasileira. A organização do sistema
de ensino é um a reivindicação dessa intelligentsia não só pela urgên-
cia de incorporar a população brasileira ao processo de construção
da nação (como novos cidadãos) mas também como uma forma
de ir criando condições de alargamento do mercado cultural.
Mas justamente porque se acredita poder reformar a sociedade pela
via da reforma do ensino, diferentes setores da intelligentsia, assim
como outros interesses, mobilizam-se para controlar a mudança e/
ou garantir suas posições nesse espaço cultural que se quer estruturar
ou organizar. (idem p. 80)
A bandeira de uma escola pública para todos, no espírito da
laicidade, coeducação e gratuidade, vai encontrar intensa reação no
âmbito da Igreja que organizava sua ofensiva contra o grupo, a par-
tir do Centro Dom Vital e da revista A ordem. A partir daí foram
detonadas clivagens ideológicas profundas que já existiam, em po-
tencial, no interior dessa intelligentsia.
O debate sobre as questões do ensino permite assim que se
acirrem as posições político-ideológicas que já vinham agitando a
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sociedade. O campo cultural politiza-se intensamente e, antes mes-
mo de se estruturar, passa a sofrer a intervenção do estado, com a
criação do Ministério de Educação em 1930 e a Reforma Campos
do ensino superior (1931). O teor dessa reforma amplia o poder do
governo no controle da educação; a universidade nasceria sob a
tutela do estado.
Martins assinala as contradições e ambiguidades da represen-
tação que têm do estado e de seu papel na vida social os educadores
renovadores:
É evidente a ambiguidade dos reformadores com relação ao estado ...
negam que o monopólio do estado sobre a escola (por eles preconi-
zado) possa ser considerado como sinônimo de um monopólio so-
bre a educação (de que são acusados). (...) esse estado não deve ser um
“instrumento dos partidos”, mas um estado capaz de representar o
“interesse geral”. Em suma, tudo se passa como se existisse uma
sociedade civil forte e organizada (...) (idem, p. 81)
É uma visão de estado responsável, atuante e neutro, que de-
veria manter sua orientação no sentido do interesse geral (de to-
dos) como se os conflitos entre os interesses no interior da socie-
dade não existissem, ou fossem neutralizados pela possibilidade
de se manter imparcialidade. Os argumentos dos educadores em
favor da ampliação do estado – que já haviam demonstrado po-
der atuar no sentido do interesse público, no campo da educação
– contribuiu para o seu fortalecimento, o que iria servir de base
para a construção do Estado Novo, autoritário e ditatorial.
A Universidade de São Paulo (1934) e a Universidade do Dis-
trito Federal (1935) expressam as dificuldades dessa intelligentsia
em se mover no campo cultural, por motivos diferentes:
a) São Paulo usa seu potencial econômico e a autonomia que a cons-
tituição de 1934 garantia aos estados da federação, em matéria de
ensino, para montar o seu projeto de universidade. A contribuição
estrangeira, considerada indispensável para garantir o padrão inter-
nacional de produção científica, acaba tendo um significado parado-
xal, segundo Pécaut: por um lado, ajudou a “manter a autonomia
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universitária contra os ventos e as marés políticas”, mas por outro,
acabou afastando a intelligentsia do “único campo cultural que con-
seguia estruturar-se e ganhar autonomia frente ao estado”.
b) Já a UDF, apesar de ter absorvido a nata da intelligentsia à época –
que une-se na luta contra à cultura ornamental e à favor da inovação,
no projeto de pensar o país presente e formar os quadros necessários
à construção da nação datada e enraizada – pela proximidade do
poder central não consegue firmar a sua autonomia e acaba sendo
fechada em 1938, em consequência da repressão generalizada que se
instala a pretexto do golpe de 1935, tentado pelo Partido Comunista.
(...) a autonomia no campo cultural torna-se letra morta: ele é invadido
pelo autoritarismo e, depois, será marcado pelo paternalismo do esta-
do. (...) apagam-se as fronteiras entre o campo cultural e o estado. Isso
não ocorre sem conflitos, dúvidas e dilacerações entre os membros da
intelligentsia; eles sabem que não são mais mestres de suas relações
com a política, e que essa identidade social tão procurada depende
então, de algum modo, de seu reconhecimento pelo estado.
(Ibid, p. 85)
Assim como Miceli, Martins vê a tutela do estado como uma
força capaz de neutralizar a própria ação dessa intelligentsia, e so-
lapar a autonomia conquistada pelo setor cultural. Até o final do
Estado Novo, parcela significativa desta intelligentsia estava sub-
metida ao estado, como parte de seus quadros, e teve assim o seu
sopro renovador absorvido pelo estado.
Essa Intelligentsia mostrou-se incapaz de manter a sua auto-
nomia em relação ao estado. A sua cooptação (Miceli) e absor-
ção (Martins) pelo estado, a partir de 1930, intensificou-se com o
Estado Novo, que acaba por abortar o movimento de consti-
tuição da sociedade civil.
Segundo Martins, uma das consequencias dessa interrupção foi
além do isolamento dessa intelligentsia em relação ao corpo social – a
situação de se ver sozinha diante do estado, na medida em que seu
discurso e ação não se respaldaram na densidade conferida por uma
vontade social (sociedade civil).
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Martins conclui que essa intelligentsia, apesar de ter nascido no
contexto de profunda mobilização em tomo de um projeto para a
construção da nova sociedade brasileira, mostrou-se incapaz de li-
derar o movimento de estruturação do estado e do poder público
no sentido dessa construção.
Se a questão da “missão social” preocupa mais o intelectual latino-
americano do que a função crítica da inteligência – (...) – é porque,
através desta missão, que ele se atribui, ele busca sua própria identi-
dade, numa situação em que sua própria condição de intelectual o
aliena da sociedade. (...) o que é interessante no caso dessa intelligentsia
brasileira é que ela é dotada do sentido de missão e, ao mesmo tempo,
desprovida de utopia. (idem, p. 86)
A avaliação de Martins é apenas parcialmente procedente; os
educadores tinham um projeto – o de reformar a sociedade pela
educação. De fato, tal projeto carecia, para muitos deles, de con-
tornos mais específicos a respeito da sociedade que pretendiam
construir; delineavam entretanto, mesmo que de modo idealizado,
uma sociedade moderna, rica, de bem estar social, com liberdade
política, com oportunidades sociais de educação e saúde para to-
dos, e que se organizasse enquanto uma hierarquia de capacidades
que contemplasse, ao mesmo tempo, as diferenças individuais e a
hierarquia de ocupações necessárias à “divisão do trabalho social”
(Durkheim) das sociedades complexas.
Como a educação era vista como a chave da mudança social,
pareciam supor que os cidadãos educados liderados pelas novas
elites construiriam a nova sociedade brasileira, que, entrando em
compasso com a modernidade não perderia a marca da
“brasilidade”. Como o próprio Martins afirma, essa intelligentsia
pode ter-se isolado do conjunto da sociedade, mas continuou
enraizada na sociedade brasileira.
Cabe destacar por fim que, as versões da historiografia da
educação que enfatizaram a tecnificação do campo da educação, a
despolitização e, até mesmo, politização em novos termos, apesar
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de válidas para a interpretação de alguns dos significados políticos
do movimento renovador, na maioria dos casos, não conseguem
contemplar as ambiguidades e diferenças que caracterizaram a ação
dos Pioneiros. Além disso, apesar de trabalharem com referências
do marxismo, à exceção de Paiva, ignoraram o dos projeto de
sociedade e educação, que operava no elenco de possibilidades
históricas abertas pelo Movimento da Escola Nova – aquele que
foi levado à frente por Paschoal Lemme.
Zaia Brandão é mestra e doutora em educação pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro. Tem especialização em sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas
do Rio de Janeiro e criou o Grupo de Pesquisas em Sociologia da Educação (Soced).
Pesquisadora da escola básica e, mais recentemente, investigadora das escolas bem
posicionadas nas avaliações oficiais.
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TEXTOS SELECIONADOS
1. Manifesto dos inspetores de ensino do Estado do Rio de Janeiro ao
magistério e à sociedade fluminense (1934)
Decorrido que é o primeiro ano de nossa atividade como
Inspetores de Ensino do Estado do Rio de Janeiro, para a qual
Ingressamos através de concurso, na administração Celso Kelly, e
ao iniciar-se o período escolar de 1934, julgamos de oportunidade
o nosso pronunciamento de público, em face dos fatos concretos
que exprimem o ambiente educacional fluminense.
Se assim fazemos, obedecemos também a um fim educativo:
o que vai escrito se oferece ao magistério do estado e a todos que,
de alguma forma, procuraram interessar-se pelo nosso trabalho,
como um documento afirmativo dos conceitos esparsos que nos
foi dado defender durante esse ano, ao sabor do próprio desen-
volvimento de nossa atividade.
Sob muitos aspectos, nossa palavra aqui deve ser considerada
como uma resposta às criticas que no âmbito das ideias, suscita-
mos, porque naturalmente deveríamos suscitar. A ninguém escapa
que em uma campanha da natureza da que encetamos, pregando
uma reforma de ideais, deva haver, necessariamente, do outro lado,
todo um mundo de reacionários, que são por si mesmos a mais
evidente justificativa da própria pregação. O que se contém nesse
nosso gesto é dirigido, pois, a aliados e contrários, nesses últimos
se compreendendo a ponderável massa amorfa dos que ainda se
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conservam indiferentes, por ser, além de tudo o mais, uma defini-
ção consciente de convicções frente à hora social em que vivemos.
A compreensão exata dos fatos de matéria educacional que
visamos objetiva no Estado do Rio e daquilo que os antecede no
tempo e, logicamente, deles participa, não pode ser desligada da
história da educação no Brasil. Para nos situarmos, portanto, em
relação ao caso particular, façamos a resenha histórica do caso
geral onde ele se contém. Não, porém, história literária, mas, tal
como deve ser, história feita à luz da realidade social, isto é, a
fórmula e as contingências em que se exprime a vida econômica
de um povo, base indisfarçável sobre a qual se funda o arcabouço
político e jurídico da sociedade. Dentro, pois desse fundamento, a
análise histórica do panorama educacional fluminense será tão con-
cludente quanto a do ambiente nacional brasileiro, que se define
pela frase de Afrânio Peixoto, referindo-se à educação no Brasil
nesses últimos tempos:
“Há um século discute-se, não se decide.”
No seu ensaio sobre o “ensino primário no Brasil em cem anos”,
depois de passar em revista o que tem sido preocupação do poder
público pela educação, conclui Afrânio Peixoto, desoladoramente
em 1926, no centenário da instituição do poder legislativo da nação,
que num século de regime constitucional, efetivamente, apenas se
discutiu muito, nada porém se decidiu. Em sua história da Educa-
ção, recentemente publicada, nenhuma retificação tem que fazer àquele
dobre de finados da democracia liberal: “nada ... nada se fez pela
educação popular”, reafirmando “estes cento e tantos anos de inde-
pendência, sobre o problema vital da democracia e da nacionalidade
no Brasil, em três regimes – colonial, monárquico, republicano –
fecha-se com uma realidade incontestável: um zero ... “nada, nada se
fez, efetivamente”.
Infelizmente, o grande publicista, usando sempre o estilo nar-
rativo, deixa-nos suspensos em sua palavra brilhante, à flor dos
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problemas fechados no circulo vicioso de que – somos assim por
falta de educação ... há falta de educação porque somos assim ...
Porém é esta mesma esterilidade de ação que se infere da con-
templação da nossa história que irá ditar nossas conclusões finais
frente à verdadeira origem de toda essa situação, apontando-nos
dedutivamente o caminho a seguir dentro de nossa atividade educativa.
O que diz a história
Nossa história educacional começa, afirmam os mestres, com
a pregação dos Jesuítas, cuja obra tem sua máxima expressão em
José de Anchieta e seu trabalho de catequese cristã do íncola.
Silenciam, porém, os mesmos mestres, no elogio à missão dos
discípulos de Loyola, sobre as causas verdadeiras da pregação
jesuítica na América, que não poderiam ser senão a luta pelo alar-
gamento do domínio terreno da Igreja, em que pesasse a pureza e
a abnegação de alguns dos seus apóstolos.
A Igreja Romana, que já então se vira na contingência de esque-
cer o cristianismo na sua pureza original e se voltara à conquista do
poder temporal, de braço dado ou em luta com o absolutismo dos
governos reinantes da época, encontrara na Península Ibérica campo
próprio para os seus ideais de expansão. Aí se instala a Companhia
de Jesus; ai se instala o Santo Ofício e daí partem as grandes figuras
da cristianização dos povos coloniais que as necessidades econômicas
europeias iam submetendo pouco a pouco.
A descoberta do continente americano e, logo após, a do Brasil
trouxeram novas perspectivas a esses anseios, principalmente depois
que se criaram dificuldades à dominação do Oriente e o Eldorado
peruano e o diamante, o ouro e a lenda da prata no Brasil aguçaram a
cobiça dos conquistadores. Um zelo inesperado pela colonização da
nova terra agita então os monarcas portugueses ... e começa o mar-
tírio nefando do silvícola: “Martirizavam com inaudita crueldade às
raças autóctones, destruídas a ferro e fogo com a colaboração do
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fanatismo religioso; trouxeram-nos os europeus o alcoolismo, a va-
ríola, a sífilis, a tuberculose, a febre amarela ...” (Afrânio Peixoto).
A Companhia de Jesus teria que colaborar na obra, porém em
seu próprio benefício e, por isso, a luta entre os interesses do reino
e do Jesuíta em breve se desencadeava violenta, pois o governo
português, já inteiramente escravizado pelo capitalismo tentacular
da Inglaterra, tinha como única preocupação forçar a maior cana-
lização possível do ouro brasileiro para a sua poderosa “aliada”.
E nesse choque de interesses violentos, agravado pela
agressividade natural da terra, apesar do otimismo de Caminha, e
que constitui toda a história do Brasil colônia, não é de admirar
que só medrassem, corno planta exótica, os “colégios” jesuitas
dos quais Luiz Vilhena dos Santos informa:
No tempo em que existiam os extintos jesuítas, incumbidos então
de todas as escolas menores, tanto em Portugal como por todos os
seus domínios, havia nos gerais do colégio desta cidade (Bahia) sete
classes em que se instruía a mocidade não só da capital, mas de todas
as vilas da capitania e seus distritos, e dela tiravam aqueles religiosos a
escolha para a sua religião, meio de que se serviam para introduzir-se
na direção das famílias e governos das casas, fossem as suas vistas
quais fossem. Na primeira das sete mencionadas classes se ensinava a
gramática portuguesa, desta passavam os meninos a aprender. Na
segunda, os primeiros rudimentos da língua latina, estudava-se sintaxe
e silaba na terceira classe, da qual passavam para a quarta, onde apren-
diam construção da mesma língua e retórica, tal qual se ensinava. Na
quinta matemática, na sexta filosofia e na sétima teologia moral.
Gramática, latim, retórica, matemática, filosofia, teologia e
moral, evidente programa de formação de instrumentos de elite
para perpetuação do poderio da Igreja Romana.
Nesse ambiente, a reação de Pombal teria que resultar inútil.
E nada se decidiu pela educação popular da colônia... porque
não havia necessidade de decidir, porque havia o interesse supremo
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de mantê-la na mais absoluta ignorância para que sua exploração se
fizesse com todo êxito e tranquilidade.
A educação do Brasil império
O paradoxo da independência do Brasil feita por um príncipe
português assediado por um grupo de intelectuais formados em
Coimbra, pouco poderia melhorar as condições da educação do
povo, visto como as causas profundas persistiram apesar da mu-
dança de rótulos.
Foi, portanto inteiramente inútil o lirismo de alguns campeões
do “pão do espírito” para o povo, de um liberalismo impossível,
com base na escravidão e na desorganização econômica que nos
caracteriza ainda hoje como país colonial que não deixamos de ser.
As lamúrias se sucedem sem comover ninguém: “um povo bem
educado é quase sinônimo de povo livre, bem governado e rico; e o
mal educado é igualmente sinônimo de povo desgraçado, pobre,
sujeito ao jugo do despotismo. O Brasil não pode ser feliz enquanto
não for educada a mocidade brasileira”. As diatribes parlamentares
não impressionam porque a massa Ignorante não as compreende: –
o ensino oficial oferece ainda esse triste espetáculo de anomalia e
desordem que assusta os espiritos mais intrépidos, porque nele con-
templam o descalabro e a ruína moral do país. – É com verdadeira
mágoa que me vejo obrigado a confessar que em poucos países a
instrução pública se acha em circunstâncias tão pouco lisonjeiras como
no Brasil. – O estado não tem o direito de ser indiferente ao cultivo
da inteligência popular. Não se empenham no amanho intensivo e
extensivo desse patrimônio comum unicamente os interesses locais.
As mais altas conveniências, as mais imperiosas necessidades e os
mais sagrados direitos nacionais estão envolvidos nessa questão.
E Rui Barbosa, no seu tão celebrado parecer de 1882, procura
galvanizar a questão com aquela retórica que lhe caracterizou sem-
pre a ação pública: O ensino público está à orla do limite possível a
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uma nação que se presume livre e civilizada; é que há decadência em
vez de progresso; é que somos um povo de analfabetos e que a
massa deles, se decresce, é numa proporção desesperadoramente
lenta; é que a instrução acadêmica secundária oferece ao ensino su-
perior uma mocidade cada vez menos preparada para o receber; é
que a instrução popular, na corte como na província, não passa de
um desideratum; é que há matéria sobeja para nos enchermos de vergo-
nha e empregarmos heroicos esforços para uma reabilitação, em
bem da qual, se não quisermos deixar em dúvida a nossa capaci-
dade mental ou os nossos brios, cumpre não recuar ante sacrifício
nenhum; não só porque de todos os sacrifícios possíveis não haveria
um que não significasse uma despesa e proximamente reprodutiva,
como trata-se aqui do nome nacional num sentido mais rigoroso,
mais sério, mais absoluto do que o que se defende nas guerras à
custa de dezenas de milhares de vidas humanas roubadas ao traba-
lho e centenas de milhões arrancadas, em compensação aos mais
esterilizadores de todos os impostos.
Literatura, literatura da mais alta linhagem que impressionaria
o filho da terra .. , se soubesse ler...
E por sobre tudo isso, a atitude contemplativa do imperador
D. Pedro 11, a reclamar, sistematicamente, em todas as falas do
trono, o pão do espírito para o seu “povo muito amado”. E foi
nessa beatitude que o problema da escravidão negra veio surpreendê-
-lo e os imperativos econômicos que lhe deram causa derribaram-
-lhe da cabeça a coroa semissecular, com uma sem cerimônia e “in-
justiça” que ele nunca pôde compreender...
E o caudilhismo, vício continental que aqui aparecia como “ques-
tão militar”, aliado ao positivismo de importação, fizeram a Repú-
blica, que não chegou a realizar ainda os sonhos de seus promotores.
O que fez a República
Desorganizada inteiramente a produção nacional pela liber-
tação do braço escravo, recebeu o novo regime essa herança, de
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par com a absoluta incultura da massa e sobre esses escombros
sonhou erguer uma democracia que teve como única expressão a
Constituição de 1891, padrão de glória de um grupo de estadistas
tocados do fogo sagrado de um idealismo inoperante.
O reajustamento econômico do país ao novo estado de coisas
foi tentado pela cúpula. Com o regime dos empréstimos escorchantes
que em breve nos atirava à dura realidade de satélite dos capitalis-
mos das grandes potências e a reorganização da produção se apoiou
na imprevidência da monocultura sem esforço, agravada por uma
valorização artificial que só podia conduzir aos desastres sucessivos
da borracha e do café.
E em educação popular a cegueira, correlativa a essa situação.
Continuou...
A criação do primeiro Ministério da Instrução Pública foi
também o primeiro ludibrio da República, que o fez e o extin-
guiu. Atendendo a razões de uma política de interesses pessoais.
Daí em diante, nada fez o governo central de orgânico e con-
sistente, pelo que todos os seus responsáveis não se cansavam de
repetir em discursos, plataformas, relatórios, mensagens. Ser a pe-
dra fundamental de uma democracia – a educação popular – e
em breve, preocupados apenas com a perpetuação de uma casta
dirigente, evitavam cuidadosamente tomar conhecimento de como
estava sendo tratada a massa – o povo – nos seus anseios de com-
preender um regime que lhe repetiam, a cada passo, ser o regime
do povo e para o povo.
Pelo instinto natural de autoconservação, essa situação só ten-
dia a se agravar cada vez mais, pois essa elite, dentro em pouco,
empregava todos os meios para ser a única a usufruir as delícias
enganosas dos recursos de uma finança sem base, roída pela de-
sorganização do trabalho e à mercê, inevitavelmente, da ganância
do capitalismo internacional.
Interpretações cerebrinas, daquela mesma Constituição que viera
trazer a alforria do povo, puseram, bem depressa, o governo cen-
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tral a salvo dos grandes incômodos que lhe daria o empenho sin-
cero de estimular um plano sério de educação fundamental.
Tentativas
Dentro desses quadros de desorganização e inconsciência,
alguma coisa apreciável feita em matéria de educação pública
deve-se apenas a circunstâncias de ordem meramente pessoal.
Coincidências, acasos, têm colocado, nesse quase meio século
de regime republicano, à frente de algumas repartições de educação,
homens que, conscientes do problema, têm feito esforço imenso
para deixarem alguma coisa de consistente.
Nenhum tem, porém, conseguido seguir linhas retas de exe-
cução: acima deles, a elite dirigente se entredevora, obrigando-os
a sinuosidades, a vai-e-vens que, se não inutilizam totalmente o
esforço, equipara a obra tentada aos lugares comuns de uma má-
quina administrativa especializada em servir àquela luta pelas po-
sições de mando, o que dissolve tudo o que é essencial, tirando a
organicidade que é o característico primordial de qualquer plano,
máxima de um plano de educação.
E assim, olhados de cima, na execução, cada plano desses se
assemelha a uma cidade flagelada pelo enxurro de uma inunda-
ção que deixa perceber apenas, aqui e ali, as cúpulas de audácias
arquitetônicas impossíveis...
Afrânio Peixoto e Medeiros de Albuquerque com dificuldade
conseguiram deixar assinalada sua passagem pela Diretoria de Ins-
trução do Distrito Federal.
Azevedo Sodré, também no Distrito Federal, elaborou, entre
outras coisas, uma reforma completa de ensino profissional fadada
a nunca se cumprir.
Sampaio Dória, em São Paulo, tinha necessidade de sair a
público a refutar aleivosias contra medidas elementares que pôs
em prática.
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Lourenço Filho, chamado ao Ceará, percebe claro o problema
da região e deixa, como o marco mais notável de sua passagem por
lá, o Juazeiro do Padre Cícero.
Lisímaco Costa, no Paraná, não pôde levar avante os planos
que traçara.
Anísio Teixeira, na Bahia, obrigado por honestidade pessoal a
se tornar um técnico de educação, tem que aguardar alguns anos
para conseguir. Fora de sua terra, ambiente sofrível para por em
ação sua capacidade.
Carneiro Leão, no Distrito Federal, luta com o próprio exe-
cutivo para fazê-lo entender, em vão, alguns planos de reformas
inadiáveis, e acaba desistindo e tentando apenas a renovação de
alguns métodos.
E na mais profunda de todas essas tentativas, a reforma
Fernando de Azevedo, em 1927/1930, no Distrito Federal, 80%
do esforço despendido o foi em reprimir injunções e intromissões
de elementos que não se conformavam e não se conformam em
ver o aparelho de educação subtraído à possibilidade de servir a
manejos inconfessáveis.
Prestigiado como nenhum outro pelas autoridades supremas,
municipal e federal, teve, não obstante, que arrancar, a golpes de
habilidade e de energia, dos legislativos municipal e federal, a lei que
deu ao Distrito a liderança incontestável do movimento educacional
do país.
E apesar da rara capacidade e honestidade pessoal do autor e
executor do grande plano, ficou exposto às retaliações violentas
de elementos que, reprimidos em suas pretensões ou colocados
em seus verdadeiros lugares, não obstante os títulos de que
indevidamente se muniram, por um paradoxo, aliás, bastante ex-
plicável em movimentos político-militares, como os de 1930,
sobrenadaram, arvorando-se em censores onde não podiam ser
senão réus.
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Iniciador de uma verdadeira consciência educacional que se
irradiou em breve por todo o país, propulsionando reformas em
quase todos os estados, sofreu todo esse movimento um verda-
deiro colapso em 1930, entregue que ficou a nação às lutas das
várias facções que, perplexas diante da vitória imprevista, não con-
seguiram e não conseguem se entender sobre os rumos a imprimir
ao que denominaram a República Nova.
E novamente o fenômeno secular se repetiu...
Lourenço Filho, em São Paulo, traça novos planos que não
pôde executar.
Anísio Teixeira, no Distrito Federal, atenua a rigidez da técnica
com todo uni trabalho administrativo no sentido de desvencilhar-
-se dos obstáculos que a cada passo a entravam.
Fernando de Azevedo, em São Paulo, decreta um código de edu-
cação fadado a ser incompreendido na prática por seus sucessores.
E por aí a fora, se Minas consegue relativa continuidade em
iniciativas interessantes, e Pernambuco, por acaso, vai realizando qual-
quer coisa de aproveitável, tudo o mais continua no mesmo, senão
recuando.
Tudo confirmando à sociedade a impossibilidade de reformas
educacionais sem base numa sólida estrutura econômica, o que vale
dizer, mia organização do trabalho livre, que faça da educação uma
verdadeira necessidade social, sentida de baixo para cima.
Iniciativas particulares
Paralelamente aos últimos anos desse descalabro, se deve as-
sinalar o aparecimento de uma entidade que tem tido uma atua-
ção destacada no panorama educacional do país – a Associação
Brasileira de Educação. Nasceu do idealismo apostolar de uma
alma pura – Heitor Lira da Silva. Assim traçava ele os objetivos
da obra: quando há pouco mais de ano (1924) fundamos em
grupo mais reduzido a Associação Brasileira de Educação, mo-
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veu-nos principalmente a certeza a que todos tínhamos chegado
de que, por maior que seja a sua boa vontade, nunca conseguirão
os nossos governos, como não o conseguem em parte alguma
do mundo sem o concurso da iniciativa particular, resolver quer
em quantidade, quer em qualidade, esse grande problema nacio-
nal. Pareceu-nos, então. Como nos parece hoje. Que não é pos-
sível continuar a adiar indefinidamente tantas questões de tão grave
importância que estreitamente se relacionam com a solução de
semelhante problema.
Em síntese, pois: a Associação aspira constituir-se em órgão
legitimo da opinião das classes cultas, pronta a colaborar em perfei-
ta harmonia com os governos e aplaudir-lhes os acertos, mas capaz
também de falar-lhes de frente, de apontar-lhes, quando necessário,
os erros e as lacunas de suas leis de educação e de ensino e de defen-
der vigorosamente nesse terreno os grandes interesses do Brasil.
Dez anos de vida foram suficientes para reduzir esse belo sonho
às proporções possíveis dentro das nossas implacáveis realidades.
As conferências nacionais da educação, uma das iniciativas es-
senciais da Associação, têm sido excelentes ocasiões para que se
estreitem relações entre pessoas que se desesperam na mesma obra,
ficando as teses, sempre de assuntos graves e inadiáveis, como
pretextos inócuos.
Na penúltima dessas conferências falou a Associação mais uma
vez “de frente” ao governo, dizendo-lhe, em resposta à sua solicita-
ção expressa, o que pensavam os mais destacados técnicos nacionais
sobre o “magno problema da educação”. O governo ouviu... e
respondeu-lhe com o “notável” capítulo do anteprojeto da nova
Constituição: “Da família e da educação” ...
E hoje a Associação Brasileira de Educação serve apenas de
refúgio a todos os técnicos legítimos que possuímos e que se vêm
na contingência comovedora de trocar, entre si, os frutos de suas
elucubrações e experiências, por falta de ambiente onde exercê-las.
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O manifesto dos pioneiros da educação nova
Como iniciativa particular ainda é preciso assinalar o apareci-
mento do manifesto dos pioneiros da educação nova sobre a re-
construção educacional no Brasil – mais um grito enérgico “ao povo
e ao governo” sobre os destinos que os aguardam se se obstinam
em não querer olhar de frente para este problema de importância tal
que “nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a
primazia nos planos de reconstrução nacional”.
Escola leiga, obrigatória, única, ativa e progressista... complexo
demais para ser entendido pelos governos (...)
E o povo, coitado, o povo, que só sente a predominância dos
problemas econômicos na hierarquia de todos os que o atormen-
tam, não chegou sequer a perceber que lhe atiravam essa tábua de
salvação, talvez porque aquela mesma primazia dos problemas eco-
nômicos não lhe permitiu ainda sair de uma situação que a estatís-
tica oficial (1931) informa com simplicidade:
Em mil brasileiros de idade escolar (7 a 14 anos):
513 não vão à escola;
110 matriculam-se, mas não vão à escola;
178 frequentam só o primeiro ano;
85 vão até o segundo ano;
84 vão além sem concluir o curso;
30, apenas, terminam o curso.
Este, em resumo, o histórico do problema educacional do
Brasil, traçado em pinceladas largas, que dizem no entanto das
cores reais em que ele é visto por todos os que verdadeiramente o
querem ver. E é aqui, dentro dessas circunstâncias, que se desen-
volve a educação no Estado do Rio e onde ainda se conta a tenta-
tiva de reconstrução que nele se processa à custa do esforço inicial
de um homem, desconhecido da família dos pioneiros da educa-
ção – Celso Kelly – isolado primeiramente, logo depois unido a
nós, que para ai fomos chamados a formar a seu lado, através de
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um concurso que, além de ser a afirmação de uma diretriz, repre-
sentou uma grande oportunidade para quantos se dispusessem a
auxiliá-lo eficientemente no seu plano de ação.
Mais uma tentativa, uma grande tentativa que nos dá hoje tam-
bém o direito ou nos impõe o dever de nos dirigirmos “ao povo
e ao governo” para dizermos o que pensamos do problema, do
“magno problema”.
O ambiente do Estado do Rio de Janeiro
O ambiente onde labutamos já há cerca de um ano, inicial-
mente, se fossemos querer deduzir das primeiras impressões, seria
quase hostil: alguma agitação em torno da forma e essência do
concurso que nos tornara inspetores de ensino do estado e mais a
discussão interpretativa dos textos legais existentes sobre a maté-
ria, feita publicamente, nos teriam dado, no momento de iniciar-
mos a nossa nova atividade, a ideia falsa de estarmos trabalhando
em terreno infenso a qualquer ação que partisse de nós. Cedo,
porém, estimulados pela autonomia que nos era garantida pela
clarividência da direção geral do ensino, caminhamos, no exame
objetivo dos fatos, para a conclusão de que iríamos agir em urna
atmosfera fundamentalmente de indiferentismo e descrença. Com-
preendemos mesmo ter sido essa a razão primordial que teria in-
duzido o então diretor geral do ensino a renovar o aparelhamento
e sistema de inspeção escolar, o que seria a base natural sobre a
qual iria repousar toda a reforma que o doutor Celso Kelly inten-
tava realizar no panorama educacional do estado.
Indiferença e descrença. Isto porque de há muito se ressentia a
Diretoria de Instrução de uma organização técnica capaz de resol-
ver problemas de ordem educacional.
Bem verdade é que o que se passava aqui não era senão a repeti-
ção fiel de uma prática tradicional nos fatos administrativos de toda a
nação, como vimos. No domínio da técnica, as realizações no Brasil
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sempre se contaram isoladas, brotando de indivíduos, pois que, den-
tro de um ambiente liberal e democrático por definição, não se pode
de boa fé excluir as injunções políticas como as naturais ditadoras das
diretrizes administrativas. Políticas, no sentido de jogo desordenado
de ambições, de entrechoque de interesses, aparentemente desligados
da própria vida da sociedade, mas realmente expressão de luta da
livre concorrência mantida entre si pelas classes dominantes.
Se essa era e é ainda a situação brasileira, a situação fluminense se
lhe avantaja, dada a particularidade de ter sido o Estado do Rio a
unidade federativa que mais sofreu, em 88, com a abolição do tra-
balho escravo.
A província fluminense foi a província dos grandes dias do im-
pério; o negro dócil que lavrava a terra das grandes propriedades
assegurava a solidez de fortuna dos que ditavam leis ao Brasil, ga-
rantindo a estabilidade do trono imperial.
Com a abolição, que teve como consequência a República, toda
a estrutura econômica e financeira do país e, mais particularmente, a
do Estado do Rio, onde havia maior número de negros nos traba-
lhos agrícolas, entra numa fase de completo desmantelo sem que a
República Liberal Democrática tentasse a sua reconstrução.
E a história republicana fluminense é consequentemente a histó-
ria de uma crescente desorganização administrativa, brotando dos
interesses em luta das classes dominantes falidas.
Se urna vez por outra se percebe o esforço isolado de um
homem na conquista da ordem, sua obra é sempre tão durável
quanto sua trajetória política.
Se essa foi a vida republicana fluminense, também foi em linhas
gerais a da República Liberal Democrática Brasileira: a política dos
grandes proprietários em insolvência, imprimindo orientação aos
destinos administrativos da comunidade.
Dentro, pois da repartição técnica feita desse modo, para servir
a uma sociedade que assim a faz, só uma coisa é uniforme: a atrofia
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do espírito técnico, a ausência de iniciativas que não obedeçam às
necessidades dos que podem impor no momento a sua vontade,
dando como consequência o predomínio da burocracia.
Porque em uma repartição técnica, só a continuidade de ação que
obedeça a um plano prévio de trabalho é capaz de ser fecunda em
realizações. Quando ela é criatura de uma sociedade individualista,
feita de homens que se combatem, ela só pode ser um amontoado de
desconchavos, de avanços e recuos, sem outra finalidade e utilidade
senão a que se explica pela sua própria existência tão somente.
E a Diretoria de Instrução do Estado do Rio não poderia
escapar à fatalidade dessa situação de fato. Vivendo de si mesma e
para entretenimento de sua própria vida, era uma repartição buro-
crática como outra qualquer.
Uma ou outra iniciativa, que se pudesse contar, deveria natural-
mente morrer no lugar comum dos interesses pessoais, quer com
preferências no que dizia respeito ao corpo do magistério, quer na
adoção de livros didáticos ou material escolar, quer na localização,
compra e locação de prédios para estabelecimentos de ensino.
Tudo porque feito sem medida, sem ordem, sem plano: feito
para ser desfeito.
E a existência de uma direção para uma repartição que assim
se mantivera só pode ser compreendida como fazendo coro com
essa anarquia administrativa. As atitudes de um diretor deveriam
ter ficado naturalmente restritas ao campo das simples transferên-
cias de pessoal, pelo simples prazer de um emprego de atividade,
à criação e extinção graciosas de escolas, reduzindo tudo ao domí-
nio passageiro de sua vontade, na consagração dos interesses do-
minantes da política municipal, estadual ou central.
Não havia, pois de que nos admirarmos ante a indiferença e
descrença que nos traduzia o ambiente onde íamos trabalhar.
Mais ainda: essa indiferença e descrença seriam então as resul-
tantes lógicas das dificuldades morais e materiais em que labutava o
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próprio pessoal do ensino, criadas pela evidente ausência de diretriz
afirmativa dos maiores responsáveis pela vida educacional no esta-
do. E absolutamente evidente que onde não há garantias de direitos
para o magistério, onde não há uma norma inflexível de seleção dos
valores reais na carreira do professor, há falta de iniciativa, ha desâ-
nimo, há descaso, há indolência entre os que se fizeram educadores
de profissão. Acrescente-se ainda o fato dos parcos vencimentos
que percebe esse professorado para se sentir em toda a sua plenitude
a justificação da sua indiferença e da sua descrença em face de tudo
o que partisse da administração do ensino.
E essa anarquia administrativa ainda se havia feito fortemente
sentir no abandono progressivo do problema da formação do
magistério pelos estabelecimentos oficiais e equiparados. Esse o seu
aspecto mais grave e que maiores danos deverá ainda oferecer à
solução do problema educacional no estado.
O plano de reconstrução educacional do Estado do Rio
Em suas linhas gerais o plano de ação idealizado pela então
Diretoria de Instrução, inspirado nas conclusões indubitavelmente
autorizadas da V Conferência Nacional de Educação e referendado
de uma forma expressiva pelo Conselho de Educação Fluminense,
pode ser sintetizado nos segu intes itens:
1. A educação não se limitará às escolas primárias comuns para
crianças, porquanto, além de ser necessária nos diversos graus,
precisa estender-se a adultos que não mereceram até hoje nem o
ensino elementar de letras nem qualquer preparação técnica para
o trabalho. O item primeiro do plano estabelece as quatro gran-
des esferas de ação:
a) Educação comum sistemática para gerações novas;
b) Educação especializada para débeis e defeituosos;
c) Educação intensiva destinada aos adultos analfabetos;
d) Educação emendativa dos delinquentes.
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2. A progressão em três graus: o elementar, com a iniciação
profissional; o secundário, com a preparação profissional; o
universitário com a especialização profissional, para corres-
pondente formação do aprendiz, do obreiro e do mestre, no
campo normal do mecânico e no domínio da atividade pro-
fissional em geral.
3. A educação integral do indivíduo em respeito às suas apti-
dões e de conformidade com as necessidades regionais, assen-
tando a estrutura da educação na organização do trabalho.
4. A transformação de todas as escolas em centros permanen-
tes de atividade e a ampliação da ação educacional, a partir das
instituições pré-escolares.
5. A socialização absoluta da escola, com as organizações com-
plementares e a prática do trabalho.
6. O livro, a imprensa, o cinema e o rádio como fatores de
divulgação.
7. A localização racional das escolas, atendendo-se à distribuição
de população, às condições de climas, ao acesso em geral, à rede
de transportes e à situação econômica da região.
8. A formação do professorado e a segurança da carreira do
professor.
O desenvolvimento do plano
Se outras vozes mais autorizadas já se pronunciaram com simpa-
tia em relação a esse programa, não pretendemos nós aqui discuti-lo,
de vez que a nossa colaboração na sua execução demonstra evidente
concordância com os objetivos visados pela Diretoria do Ensino.
O que se deve acentuar é o fato da existência de um plano
educacional onde antes nada havia de sistemático. Completo ou
incompleto, bom ou mau, representou o papel de uma iniciativa
deliberada para ordenar aquilo que se apresentava esparsamente
em confusão.
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Por isso mesmo não assiste o direito de crítica àqueles que
sempre viveram identificados com a situação anterior e com os
processos que a caracterizavam.
As ideias gerais que se contêm nesses oito itens, representa-
tivos do plano de reconstrução educacional não podem ser postas
de lado, sem que se conclua a sua inexequibilidade na prática. A
confirmação de seu acerto demanda necessariamente tempo.
A injúria, o ataque pessoal, a calúnia e as medidas de engodo,
disfarçadamente dissolventes, não poderão agir em sentido contrá-
rio à realização progressiva desse plano de construção. Se os reacio-
nários agora se levantam num desejo afanoso de derrubada do que
se fez nesse início de ação, onde o material que apresentariam para
substituir o que já está? Quais as garantias morais e científicas dessa
substituição intempestiva? Em que sentido novo ela iria caminhar
para justificação de um abandono da diretriz traçada, depois de um
esforço de execução ponderavelmente eficiente?
Não se compreenderia nunca um retorno ao regime caótico
do passado sem que se tivesse levado ao fracasso integral o cum-
primento dessa experiência, inegavelmente fundamentada no co-
nhecimento científico da matéria educacional.
A apreciação de seus resultados será para mais tarde, pois a
experiência apenas começa.
A ação da inspetoria
Essa a nossa função, essa a nova função da Inspetoria do Ensino.
Para isso nos dispusemos à tarefa árdua, contornando o obstácu-
lo natural que se nos deparava e que era e é a grande, a maior justifica-
tiva dessa campanha: o conflito das Ideias novas com a descrença do
professorado frente a qualquer iniciativa oficial em assuntos de ensino,
dada a deficiência administrativa e técnica da Diretoria de Instrução.
Partindo-se do princípio, evidente por si mesmo, de que não
há reforma educacional sem reforma do magistério, a própria
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orientação prática do ensino dentro desses novos desiderata teria
necessariamente que ser retardada, como o foi, para que se des-
pertasse e se criasse, nesse magistério heterogêneo pela diversidade
de suas fontes de origem e preparo uma consciência educacional
primária, capaz de auxiliar-nos numa orientação especializada.
E o nosso trabalho passou a ser o da propaganda intensa dos
conhecimentos teóricos e práticos necessários à compreensão dos
novos ideais em que se fundamenta a pedagogia científica.
Enquanto isto, elaborava-se pacientemente a reforma do ensi-
no normal, já terminada, aliás, assentando-o em bases mais
consentâneas com a sua finalidade, pois que o que existia e existe
ainda é uma trama desalinhavada de ‘matérias” seriadas, sem in-
tenção nem expressão. Estudava-se um plano mais equitativo e
razoável de distribuição de escolas. Fundavam-se e reorganizavam-
se caixas escolares. Estimulava-se a criação de “Círculos de Pais e
Professores”. Institua-se o quadro do magistério pré-escolar. obri-
gando-se as instituições fabris à manutenção de creches para filhos
de operários. Abria-se concurso para provimento dos cargos de
diretora de duas “escolas de saúde”, de montanha e de praia. Es-
tudava-se a reforma do ensino profissional. E, além de tudo, con-
cluía-se o trabalho do que iria representar para o magistério a ga-
rantia de sua estabilidade, de seu esforço, de seu valor, de seu pro-
gresso na profissão: o projeto que instituiria oficialmente a carreira
do professor em normas seletivas mais lógicas, mais honestas,
menos sujeita a intromissões políticas.
De uma parte, portanto, procurou-se atacar o mal pelo cerne,
com a transformação radical que se pretendia levar a efeito, no
que diz respeito ao ensino normal, fonte donde provirão as mes-
tras do futuro; de outra parte, visou-se o magistério atual, em ple-
na atividade de funções, através de uma propaganda de ideias
novas, dando-se oportunidade, tanto quanto possível, a todos, para
que delas tivessem conhecimento e delas participassem.
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O que foi essa propaganda é do conhecimento de todos.
Iniciando-se por uma fase puramente de agitação, de onde
pudesse brotar uma curiosidade de interessados nos problemas
educacionais, teve os seus prolegômenos na própria V Conferên-
cia Nacional de Educação, reunida em Niterói, e no longo curso
que selecionou os atuais inspetores de ensino.
A conferência regional de Barra do Piraí, que contou com a
presença do secretário de estado doutor Stanley Gomes, e a confe-
rência regional de Campos, à qual compareceram, ativamente solidá-
rios com os novos rumos que se pretendia traçar à educação do
Estado do Rio, Anísio Teixeira, Lourenço Filho. Francisco Venâncio
Filho, Edgard Süssekind de Mendonça, Armanda Alvaro Alberto e
outros, deram ensejo a que se processasse urna modificação inicial
na atitude do magistério fluminense, em torno das iniciativas oficiais
que diziam respeito ao ensino.
O fato mesmo de, nessas conferências regionais, os assuntos
mais diversos terem sido tratados sem qualquer preocupação sis-
temática, foi fator determinante para que o próprio professorado
solicitasse, espontaneamente, a satisfação de sua curiosidade
aguçada, pela ministração de cursos mais metodizados. E assim
teve começo a segunda fase dessa pregação: a fase de generalização.
Obedecendo-se ao princípio de que se deveria iniciar pela ex-
posição de generalidades, a maioria dos inspetores teve ocasião de
fazer em localidades de sua região um apanhado sintético do as-
sunto, encarando os fundamentos biológicos, psicológicos, sociais
e históricos da transformação escolar.
A unidade de vistas que presidiu a programatização desses
cursos diz bem da obra em comum que estávamos realizando,
apesar da absoluta autonomia de ação que nos era garantida pela
direção geral do ensino.
Evidentemente que os três grandes centros populosos do
estado – Niterói, Campos e Barra do Piraí – possuindo vida
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própria, agrícola ou industrial, deveriam merecer esforço mais
intensivo de propaganda. Assim realmente se fez em relação à
capital, onde a Inspetoria Geral, aliada à Inspetoria Regional, nunca
deixou de se manter ativa, e em relação a Campos, para onde
foram destacados vários inspetores, para se atender às partes
distintas de um curso de mais de mês e meio de duração. Infe-
lizmente, no que diz respeito a Barra do Piraí, contingências fortuitas
obrigaram-nos a adiar a realização de um curso geral para o
presente ano letivo.
Ao lado, porém, dessas séries de cursos, versando sobre gene-
ralidades, cuidou-se de objetivar progressivamente os assuntos edu-
cacionais, nos meios onde se havia conseguido relativamente o
suficiente para se passar a aplicação.
2. Educação supletiva/educação de adultos
Introdução
Compreensão e delimitação do problema
Educação, no sentido mais lato, compreende todas as formas
de modificação do comportamento humano, considerado quer
do ponto de vista individual, quer do ponto de vista coletivo.
O homem, individualmente, educa-se permanentemente, e,
através dos tempos, no desenvolvimento da espécie, veio se edu-
cando e continua a se educar ininterruptamente.
Os primeiros contatos do recém-nascido com o meio ambiente,
as ações e as reações recíprocas, constituem o início do processo
educativo individual.
As mais longínquas notícias sobre a espécie humana já nos infor-
mam sobre comportamento de caráter grupal, primeiras formas de
vida social, que foram se modificando, também, com características
próprias de tempo e de lugar, até os nossos dias.
É nesse sentido amplo que se pode identificar o processo
educativo com o próprio progresso da espécie e a educação com
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122
o próprio processo de vida; as ideias de vida e de progresso en-
volvem necessariamente o conceito de educação.
Por que assim compreendemos o fenômeno educação, é que
se torna necessário explicar o sentido da expressão que usamos
para título do presente trabalho – educação de adultos.
Num dado estádio da evolução da humanidade, apareceram
instituições que se propunham a agir deliberadamente no processo
educativo, dirigindo nesse ou naquele sentido, a conduta humana.
Aí, já é possível falar-se de uma educação sistemática para de-
terminados fins.
Nesse momento, nasceram as “filosofias” da educação e tam-
bém as controvérsias sobre os alvos a atingir na vida humana, uma
vez que a face do imediatismo da luta pela conservação biológica
elementar tinha sido ultrapassada.
Essas instituições se especializaram também pelos vários tipos
de educação, conforme as idades ou os períodos de vida dos
educandos.
Mais recentemente, a psicologia, definindo a existência de deter-
minadas espécies de “interesses”, correspondentes às várias idades,
precisou melhor a ação educativa sistemática e as características que
essas instituições deveriam apresentar para se desincumbirem, com
sucesso, da tarefa de educar os indivíduos nas várias fases em que,
essa forma, se dividiu a vida humana.
E assim, de uma primitiva iniciação intencional aos deveres do
indivíduo adulto para com seu grupo social, nas sociedades primi-
tivas, dividindo a vida do homem em dois períodos, chegou-se à
complexa rede de instituições que se propõe a conduzir o indi-
víduo, nas várias fases do seu desenvolvimento, para as mais di-
versas formas de condutas e atividades, segundo os critérios de
formação adotados.
Educação pré-escolar, educação elementar, educação secundária,
e finalmente, os cursos chamados de ensino superior proporciona-
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123
dos aos indivíduos que atingiram a maturidade, eis o esquema geral
das organizações escolares, universalmente aceito.
Esse, o esquema considerado “normal”, e que tem procurado
adaptar-se, cada vez melhor, ao duplo aspecto dos interesses e
necessidades individuais e sociais utilizando, para isso, os subsídios
fornecidos pela psicologia e pela sociologia e determinando as
reformas de educação a que vimos assistindo ultimamente, em
todo o mundo.
É evidente, porém, que ainda está longe de ser logrado o limi-
te ideal de se obter, para essa organização escolar, uma eficiência
tão alta que, atingindo todos os indivíduos, proporcione a cada
um a formação exatamente adequada às suas condições pessoais,
tendo em vista sua vida futura e as próprias transformações que se
estão processando, continuamente, na sociedade.
Apesar de todos os esforços realizados, tem que se reconhe-
cer que, no conjunto das influências educativas a que os indivíduos
estão submetidos, a parte que cabe às organizações escolares siste-
máticas não é preponderante, podendo considerar-se mesmo bem
pouco significativa em meios como o nosso, em face das enormes
deficiências quantitativas e qualitativas que apresentam.
Surgiu então a necessidade da organização de uma rede de
instituições que, de certa forma, viesse corrigir as deficiências do
aparelhamento de educação considerado normal, sistemático, vi-
sando, preferencialmente, aos indivíduos adultos, desenvolvendo
uma ação considerada, geralmente, supletiva.
Chegamos, assim, à compreensão do problema que nos preo-
cupa. A expressão – educação de adultos – pode apresentar, então,
o tríplice conteúdo:
a) educação sistemática, escolar, para os indivíduos que atin-
giram a maturidade, no sentido de lhes dar os instrumentos
considerados necessários para o desempenho de sua atividade
social, no mais amplo sentido;
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:31123
124
b) educação sistemática complementar que corrige essa ação
escolar e fornece os elementos que a escola não pode proporcio-
nar, no sentido de uma melhor adaptação a condições sociais
do indivíduo, não consideradas antes e também a novas formas
de atividade;
c) educação supletiva para os indivíduos que, por qualquer cir-
cunstância, não puderam sofrer a ação das instituições conside-
radas normais e fundamentais e que necessitam adquirir técnicas
elementares, continuar seu aprendizado ou se aperfeiçoar em
qualquer forma de atividade.
Deixando de lado a primeira categoria, que podemos conside-
rar mesmo fora do âmbito do assunto escolhido, pois vem incluída
em outro tema, vamos delimitar o problema que escolhemos para
assunto do nosso trabalho e que está compreendido nas duas úl-
timas categorias.
Não insistiremos nesta introdução sobre a importância que hoje
se dá, em todo o mundo, a esses aspectos da questão da educação
de adultos. Para termos uma impressão sumária do problema, basta
compulsar um dos handbooks da American Association for Adult
Education.
Fundamentos sociais e evolução da educação de adultos
O fato de encontrarmos na Inglaterra, em 1730, uma das pri-
meiras referências a escolas dominicais frequentadas tanto por crian-
ças “como por adultos” e, daí em diante, estender-se esse movi-
mento nesse país, na Europa continental e na América do Norte,
dá-nos uma indicação suficiente para tentarmos pesquisar os fun-
damentos sociais da organização de uma educação de adultos, tal
como hoje se compreende.
Por essa época, processava-se o grande acontecimento que
deveria mudar totalmente o panorama do mundo, as relações
sociais, a própria concepção dos valores morais até então aceitos.
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125
A extensão, a profundidade e a forma do desenrolar desse evento
histórico e suas consequências determinaram uma completa una-
nimidade dos historiadores, ainda os mais conservadores, em
denominá-lo, englobadamente, de “revolução industrial”.
Dela surgiu a nova classe social que deveria, depois de lutas
cruentas, assumir o poder político e a direção ideológica da socie-
dade – a burguesia. O marco vitorioso da nova ordem de coisas é,
historicamente considerado, a Revolução Francesa, quando o Ter-
ceiro estado, a princípio o povo indistinto, mas realmente a burgue-
sia nascente, se afirmou definitivamente, postergando os privilégios
aristocráticos e trazendo para o primeiro plano o homem empreen-
dedor, o homem de negócios, o industrial, o capitalista.
A igualdade e a liberdade reclamadas estenderam-se também ao
campo cultural. Instrução para todos, educação liberal que dignificas-
se o trabalho, as atividades práticas, antes menosprezadas, e desses
elementos para o homem novo compreender e dominar o mundo
novo que crescia e se complicava rapidamente, à sua volta, impulsio-
nado pela ciência e pela técnica, tais eram as exigências que a burguesia
inscrevia nos seus programas de combate à velha ordem das coisas.
Rousseau é a figura máxima dessa época, o grande intérprete
dessas aspirações, que vinham em elaboração subterrânea desde o
Renascimento e que deveriam se impor fragorosamente em 1789.
A educação deixava de ser assim um meio de perpetuação das
instituições, de conformismo social, para assumir o papel de pro-
pulsora das transformações que se vinham processando.
Modificam-se os currículos pela introdução de novos conheci-
mentos e pela colocação em plano secundário das matérias literárias
que antes o constituíam exclusivamente.
Um inventário das inúmeras coisas que era necessário apren-
der agora para vencer na concorrência econômica e social, a pedra
de toque, o padrão de aferição para o valor do homem da era da
máquina que despontava.
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:31125
126
É na necessidade de preparar rapidamente os indivíduos para
atuarem com eficiência nessas novas condições de vida social, que
se complicava progressivamente, que vamos encontrar a origem
dos cursos e instituições especialmente destinadas à educação de
indivíduos adultos.
Instalada no poder, a burguesia transformou, de acordo com
os seus interesses, a organização escolar, e aos poucos, de novo, a
educação volta a assumir o papel de força conservadora dos perí-
odos sociais estáveis, de formadora de homens que devem man-
ter as instituições vigentes.
As classes dirigentes dispõem agora dos cursos regulares em
que fazem sua formação sistemática, de acordo com suas neces-
sidades. A educação de adultos ganha então uma significação
totalmente diversa.
Com a burguesia nascera o proletariado, contingência da própria
organização da economia capitalista.
A bandeira do terceiro estado – liberdade, igualdade e fraterni-
dade – era em breve rasgada pelas primeiras dissensões entre aquelas
duas forças, antes reunidas na mesma denominação de povo no
combate aos privilégios aristocráticos.
Os conflitos se agravam cada vez mais e com eles se vai apro-
fundando a consciência da oposição de interesses.
Nessa fase, vamos encontrar a educação de adultos com um
duplo aspecto: de um lado, satisfazendo às necessidades das clas-
ses dirigentes e por elas estimulada; de outro, incluída entre as rei-
vindicações das classes populares, cada vez mais ávidas de aperfei-
çoarem suas condições culturais e técnicas.
Ambos os aspectos têm fundamentos na impossibilidade de
essas classes populares galgarem níveis altos de cultura, dentro das
organizações escolares sistemáticas, em vista de suas próprias con-
dições de trabalho e de recursos econômicos.
No primeiro caso, é preciso fazer com que os trabalhadores
fiquem aptos a acompanhar as modificações e os aperfeiçoamen-
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127
tos constantes das técnicas do trabalho industrial, agrícola ou co-
mercial, no sentido de produzirem mais e melhor.
É preciso obter do povo um certo adestramento no uso das
instituições sociais que se vão complicando gradativamente, pois é
inevitável sua participação na constituição dos governos democrá-
ticos. É preciso dar noções sobre a defesa da saúde, cada vez mais
ameaçada pela intensidade e complexidade da vida social. É útil
descobrir as tendências e vocações para se conseguir um melhor
rendimento possível das capacidades individuais.
Como tal ação educativa não pode ser exercida pela escola
elementar, mesmo nos países onde ela ganhou maior extensão,
impôs-se a organização de uma educação extraescolar que atingis-
se os indivíduos adultos, onde estivessem atuando, quer como
cidadãos, quer como profissionais.
São os cursos de alfabetização, de extensão cultural, de aperfei-
çoamento, ministrados fora das horas normais de trabalho e manti-
dos na maioria dos casos pelas próprias empresas interessadas.
De outro lado, à proporção que o proletariado se organiza e
se agremia nos sindicatos e nas associações de classe e vai se
processando sua “ascensão”
22
dentro da sociedade, seus líderes,
dentro ou fora dos parlamentos, ao lado das reivindicações de
ordem econômica, pugnam também pela melhoria de suas con-
dições culturais e técnicas, ora influindo na elaboração da legis-
lação do ensino, ora fundando instituições de caráter cultural e
22
A ascensão do proletariado é o segundo fenômeno capital da preparação à “Idade
Nova”. Formado pela burguesia, nascido e crescido à sua sombra, o proletariado é filho
e vítima de todos os erros da classe que o gerou. Pela instrução generalizada, que baixou
o nível intelectual da burguesia, mas elevou o do proletariado; pelo pauperismo oriundo
das injustiças sociais e provocador das revoltas criadoras; pelo índice numérico, em
virtude da prolificidade clássica das classes mais simples e menos egoístas; pela ten-
dência natural à capilaridade de todas as sociedades humanas; pelos erros e pecados
tremendos das classes superiores e responsáveis pelo governo das nações; pela inter-
venção da Guerra, da Revolução, da Crise e da Reação, de todos os fenômenos aciden-
tais que já estudamos, assiste o mundo moderno a esse fenômeno essencial para a
“Idade Nova” – a ascensão de uma nova camada social. (Lima, 1935a, p. 24).
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:31127
128
de aperfeiçoamento profissional, que funcionam como parte de
suas atividades sindicais.
As universidades populares francesas são típicas nesse sentido,
como produtos dessa luta das classes trabalhadoras pela conquista
da cultura. É, aliás, explicável que justamente na França surgisse tão
nitidamente tal instrumento, dadas as condições especiais da evo-
lução política desse país que inclui em sua história os momentos
decisivos da evolução da humanidade nos tempos modernos.
Até aqui procuramos esquematizar as origens e a evolução da
educação de adultos no período de relativa estabilidade social
correspondente à plena expansão do liberalismo.
Para completar o quadro, devemos acrescentar que, à ação
individual de certos espíritos imbuídos de um sentimento filantró-
pico, sem dependência imediata de qualquer das duas forças refe-
ridas, devem-se, em todo o mundo, iniciativas interessantes no cam-
po da educação popular onde se incluem, quase sempre, aspectos
da educação de adultos.
Entre nós, mesmo onde a educação de adultos está inteiramen-
te por organizar, como mostraremos depois, pode-se citar uma
interessante instituição dessa natureza: o Liceu de Artes e Ofícios,
fundado em 1856, por Bethencourt da Silva.
Também no espírito do proselitismo religioso tem se originado
a organização de instituições para o mesmo fim, dirigidas e mantidas
pelas igrejas de vários credos.
Procurando pesquisar os fundamentos da educação de adultos
durante esse período que vai desde o aparecimento das primeiras
instituições, no princípio do século 18, até o primeiro decênio do
século XX, estamos sentindo a pouca consistência do movimento, a
falta de sistematização que o mesmo apresenta. A imprecisão e a
fragilidade são realmente as características dessa primeira fase da
educação de adultos.
Todas as atenções estavam voltadas, no campo da educação,
para as organizações sistemáticas: a escola elementar, a secundária,
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:31128
129
o ensino superior. As reformas reclamadas não saíam geralmente
desses quadros da instrução considerada regular.
Educação popular era sinônimo de escola elementar para to-
dos. Os sistemas de educação pública que se iam constituindo não
davam ênfase especial a essa forma de educação extraescolar.
Os cursos noturnos de alfabetização refletem, em sua inefici-
ência e reduzida extensão, a pouca atenção que lhes é dispensada.
O ensino de continuação e aperfeiçoamento para operários é
organizado, em geral, pelos próprios estabelecimentos industriais,
no exclusivo interesse do maior rendimento do trabalho.
Na França, por exemplo, onde já em 1887 aparece legislação
sobre cursos para adultos, eles se arrastaram em grandes vicissitudes,
ao sabor da maior ou menor boa vontade das autoridades de ensino.
Salvo na Dinamarca, onde se assinala um interessantíssimo mo-
vimento de escolas populares para adultos, que se reveste de ca-
racterísticas peculiares, relacionado com a própria formação da
nacionalidade e inspirado pela ação verdadeiramente profética de
Grundtvig, não se percebe, compulsando a história das institui-
ções de educação, vigor notável, preocupação absorvente com o
problema, a não ser em casos isolados.
Foi preciso que a humanidade sofresse o grande abalo da ca-
tástrofe de 1914, em que se destruíram as mais sólidas convicções
sobre a própria organização social, mergulhando o mundo na tre-
menda crise de que ainda não se refez, para que o movimento pela
educação popular ganhasse organicidade, consistência, projetan-
do-se até ao plano internacional.
Os profundos desajustamentos, que atingiram todas as classes
sociais após a guerra, produziram um movimento generalizado
em direção à escola, à educação.
Pedem-se, de todos os lados, à educação e à escola, os remé-
dios para os efeitos desastrosos desse acontecimento doloroso,
que para muitos encerrou definitivamente uma época.
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130
Em todo o mundo, para atender a esse chamamento angustioso,
abre-se o ciclo das grandes reformas escolares.
Capítulo II
Fundamentos psicológicos da educação de adultos
A confirmação do que deixamos assentado anteriormente, de
que o problema da educação de adultos só recentemente assumiu
uma forma orgânica e uma orientação segura, pode-se ter também
através do estudo da evolução da Psicologia da Aprendizagem.
A princípio, quando a Psicologia não saíra ainda dos domínios
da Filosofia e só por filósofos era tratada, todas as indagações
referentes ao psiquismo humano ficavam dentro dos quadros do
“adulto, branco e civilizado”.
Correlativamente, nesse período em que se inclui também a
fase da psicofisiologia, no tocante aos fins visados pela educação, a
criança era considerada como “um adulto em miniatura”, e o
melhor método educativo era o que conseguia moldá-la com maior
sucesso e rapidez às formas de pensar e de agir do adulto.
Realizada a “revolução copernicana” de que fala Dewey
23
, con-
siderada, agora, a criança como centro do processo educativo ou
melhor, verificada a existência de “interesses” relativos a cada fase
da vida humana que era preciso respeitar para que a ação educativa
se desenvolvesse nas melhores condições possíveis, as indagações
referentes à aprendizagem se dirigiram, quase todas, para a “idade
escolar”, cujo estudo passou a constituir a preocupação primor-
dial da psicologia educacional.
E essa “idade escolar” referia-se quase exclusivamente à esco-
laridade elementar. Por isso mesmo, o próprio estudo das carac-
23
Em 1889, em School and society, escrevia Dewey: “A transformação que ora se opera
no nosso sistema educativo não é outra coisa senão o desvio do centro de gravidade. É
uma mudança, uma revolução, com algo de semelhança à transformação introduzida por
Copérnico, com a transferência do centro astronômico da Terra para o Sol. Neste caso da
educação, a criança é o sol ao redor do qual giram os aparelhamentos da educação, o
centro em relação ao qual eles se organizam”.
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:31130
131
terísticas da aprendizagem do adolescente não apresenta ainda de-
senvolvimento acentuado.
Quanto à aprendizagem dos indivíduos adultos ficou sendo
um campo quase desconhecido ou, mais justamente, um campo
que se julgava conhecer perfeitamente, pois se fazia uma tácita
extrapolação das conquistas que iam sendo obtidas nesse terreno
relativamente à idade infantil.
Esse fato era consequência do conceito ainda hoje muito
generalizado de que a idade própria para aprender é a infância, daí
decorrendo logicamente o outro, de que a aprendizagem do adulto
é excepcional e não leva, geralmente, nenhuma garantia de êxito.
Deve-se, sem dúvida, a Thorndike a mudança completa que se
operou nesse sentido, em consequência de seus notáveis trabalhos
sobre a aprendizagem dos indivíduos adultos, especialmente de 25 a
45 anos, com os quais enriqueceu extraordinariamente o acervo ines-
timável de contribuições trazidas à psicologia educacional.
O meticuloso trabalho de pesquisa que vem relatado na obra
intitulada Adult learning, marca, nesse sentido, uma etapa decisiva.
Antes era o desconhecimento completo, a incerteza, a ação
empírica, o tateamento, o que, se em alguns casos resultava em
sucesso, grandes sucessos mesmo, “they have not produced a general
theory or technique”.
Coube ao verdadeiro fundador da psicologia educacional, e
maior dos discípulos do próprio James, demonstrar os erros gros-
seiros que se cometiam com esse julgamento tão sumário sobre a
capacidade de aprender dos indivíduos adultos, abrindo assim
perspectivas inteiramente novas para o encaminhamento mais seguro
do problema.
É ele mesmo quem, com a simplicidade característica dos ver-
dadeiros homens da ciência, assinala o fato de que, antes de suas
pesquisas e de seus colaboradores, nada de sistemático, nada que
apresentasse a garantia das conclusões obtidas por um tratamento
experimental dos fatos, tinha sido conquistado nesse terreno.
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132
A influência que essas pesquisas exerceram sobre o movimento
da educação de adultos foi enorme, como se poderia prever.
Tal como no campo da Psicologia da Aprendizagem, elas
marcaram verdadeiramente uma nova fase na evolução desse
movimento, a partir de 1928, quando apareceu a primeira edição
do Adult learning.
Poder-se-ia dizer talvez, com mais justeza, que foi exatamente
a ânsia generalizada de dar ao problema da educação de adultos
soluções mais seguras, no período de pós-guerra, pelas razões que
assinalamos anteriormente, que concorreu de modo decisivo para
a consecução do trabalho de Thorndike, pois ela motivou a deli-
beração da Carnegie Corporation em combinação com a American
Association for Adult Education, de entregar ao diretor do Institute
for Educational Research, do Teachers College da Universidade
de Columbia, a tarefa de realizar tais estudos.
Mas os resultados obtidos tiveram tal significação, como
dizíamos, para o desenvolvimento da questão, que levou Cartwright,
um dos líderes do movimento, a se pronunciar desta forma:
Without doubt the most potent factor in the spread of the adult education in
the last decade was that contributed by professor E. L. Thorndike of Teachers
College, Columbia University.
De todas essas considerações pode-se desde logo concluir que
não é possível tratar dos fundamentos psicológicos da educação
de adultos, sem uma larga referência à obra de Thorndike e seus
colaboradores, ou melhor, só se pode falar, propriamente, da exis-
tência desses fundamentos, pela consideração, em primeiro plano,
desse trabalho, pois nenhuma outra contribuição de vulto apare-
ceu até agora que viesse modificar ou ampliar, significativamente,
suas conclusões.
Essa parte do nosso trabalho não pode, pois, ir além de um
comentário, infelizmente muito sumário, dos resultados das investi-
gações a que nos vimos referindo, os quais tivemos a oportunidade
de ver confirmados, no decorrer da experiência adiante relatada.
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133
Deixaremos de lado os capítulos da obra em que o autor,
sucessivamente, analisa os “Facts of adult learning reported in the general
literature of psychology and education”; realiza “Comparison of adult and
youthful learning”; estuda “Learning by adults of superior intellect”; “Learning
by adults of inferior intelect”; “The learning of high school subjects by adults in
public evening high schools”; “Learning by adults in secretarial schools”; faz
“Corroborative experiments” utilizando alunos graduados da Escola
de Professores da Universidade de Columbia; estuda Age differences
in sheer modifiality”, chegando a conclusões interessantíssimas dá-nos
as conclusões da análise das respostas a um questionário a que
submete 39 indivíduos de 40 e mais anos, 43 de 30 a 39 anos e 17
de 20 a 29 anos e que
(…) parecem mostrar que os adultos aprendem muito menos do
que eles podem aprender, em parte porque subestimam sua capaci-
dade de aprender e em parte porque lhes desagrada chamar sobre si a
atenção dos comentários;
debate minuciosamente a curva aproximada, representativa da
habilidade de aprender em relação à idade dos cinco aos 45 anos,
que obteve como resultado das conclusões anteriores; e finalmente
relata fatos “concerning qualitative differences between the learning of children
and young adolescent, and between the learning of adults 25 to 45 and that of
adults 20 to 25”.
Capítulo III
A educação de adultos no Brasil
O problema da educação de adultos, nas condições em que
ficou definido, está ainda quase inteiramente para ser atacado
entre nós.
Mais grave, porém, do que isso é a verificação de que estamos
ainda grandemente distanciados de uma compreensão mais justa
da questão.
Mesmo entre as pessoas que têm certo trato com os problemas
de educação e de ensino é comum verificar-se um completo desco-
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134
nhecimento da importância e da significação hoje emprestadas ao
problema da educação de adultos.
Por isso mesmo, pouca coisa é possível alinhar como verda-
deiras realizações neste terreno, quer no plano da ação oficial, quer
no que se refere à iniciativa particular.
Os próprios cursos noturnos de alfabetização que constituem
a forma mais elementar na solução da questão, onde existem com
razoável extensão, funcionam com incipiência verdadeiramente las-
timável, à míngua de recursos, de assistência técnica e mesmo de
atenção esclarecida dos responsáveis pela sua manutenção.
Não é de admirar, pois, que nesse campo da simples alfabetiza-
ção ainda não tenhamos ultrapassado a fase primitiva das “cruzadas”.
Essas afirmações, que poderiam ser atribuídas a um pessi-
mismo mais ou menos apressado, estão hoje dolorosamente do-
cumentadas no trabalho O que dizem os números sobre o en-
sino primário, de Teixeira de Freitas (1937) que é, sem dúvida,
nossa maior autoridade em estatística educacional.
Este livrinho que “deveria levantar, pelas suas afirmações do-
cumentadas, um forte clamor nacional”, como diz Lourenço Fi-
lho (1937) ao prefaciá-lo, é a mais séria contribuição ultimamente
trazida para o esclarecimento da grave questão da educação po-
pular no Brasil, justamente pelo caráter de objetividade que apre-
senta, uma vez que todas as conclusões e observações decorrem
da consideração das nossas mais recentes e melhores estatísticas
educacionais, elaboradas e interpretadas pelo autor.
Com ele, saímos do terreno das impressões mais ou menos
vagas para uma realidade, infelizmente quase desalentadora, que,
por mais de uma vez, leva o autor a abandonar a posição de sim-
ples intérprete da “palavra” fria dos números para profligar com
veemência nossa lamentável incúria:
Disseram-nos os números até aqui a flagrante insuficiência quantita-
tiva do aparelho escolar brasileiro de educação primária. Mas uma
outra pergunta lhes deve ser feita: aos pequenos brasileiros, aos in-
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135
fantes que a nossa escola primária consegue atrair, vem, ao menos,
sendo dada uma educação que, embora ainda não apropriada na
qualidade e na profundidade, esteja de acordo com a finalidade legal
do sistema? (Freitas, 1937, p. 77).
É mais uma “dolorosa interrogação”. E eu quase diria que os
números “choram” quando respondem… E em relação mais dire-
ta com o problema que no interessa aqui, porque a nação estava e
está na suposição de que a “sua” escola primária (de ensino geral,
comum e supletivo), nos seus vários tipos, abrigando nominalmente
2.071.437 educandos, estava preparando para a vida, ainda que ru-
dimentarmente, outros tantos indivíduos. Não se lhe dizia que, des-
sas unidades, recebiam o restritíssimo ensino preliminar ou pré-pri-
mário, apenas 20.338; o precário, inexpressivo e limitadíssimo ensi-
no complementar, 22.887, e o deficiente e desigual ensino supletivo,
em grande parte para adultos, 49.132. Nem se lhe dizia, tampouco,
que o efetivo dos discentes restantes, em número de 1.979.080, es-
tava tendo apenas um ligeiro contato com a escola, de tão precário
quase inoperante, e só continha 94.652 alunos que já haviam realiza-
do um tirocínio escolar mais ou menos satisfatório (conclusões nos
3º, 4º e 5º anos), ou seja a ínfima proporção de 4,78%. E com bem
pouca franqueza se lhe dava a conhecer que esse mesmo tirocínio
regular, de três, quatro ou cinco anos, era de significação muitíssimo
desigual e raramente tinha o alcance de preparar “de fato” para a
vida os seus beneficiários.
Eis aí a rude, mas leal, linguagem dos números, no que toca à
“finalidade legal” da escola primária brasileira. Mas as suas revelações
vão além. E se sairmos desses dados que exprimem a situação do
Brasil em conjunto, para considerarmos, especialmente, a imensa
maioria da população brasileira, aquela que se distribui pelas zonas
rurais, o panorama se agrava de maneira impressionante.
A esse quadro de tintas tão vivas, pouca coisa é possível acres-
centar. Sem conhecer ainda tais dados, postos agora à disposição
de homens públicos e educadores, pela autoridade do diretor da
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136
Estatística do Ministério da Educação, assim concluíamos, utili-
zando impressões pessoais e as informações até então existentes,
em relação ao problema da educação de adultos no Brasil:
(...) Enorme, pois, é a massa adulta que jaz na mais completa ignorân-
cia, sem dispor das técnicas fundamentais da leitura, escrita e cálculo,
usando processos inteiramente primitivos de trabalho, incapaz de de-
fender a saúde, vivendo nas condições da maior miséria, sujeita a todas
as explorações, totalmente abastardada e afastada das grandes con-
quistas que a ciência e a técnica vêm proporcionando ao homem nos
últimos tempos e sem poder gozar dos prazeres que a cultura pode
proporcionar à criatura humana.
24
E adiante:
O problema da educação do adulto, da incorporação desse imenso
capital humano à civilização assume, entre nós, sob todos os aspec-
tos, tais proporções que não será exagerado afirmar-se que ultrapassa
em premência e importância a própria obra de extensão do ensino
elementar para os indivíduos na idade escolar.
25
São essas condições de incultura alarmante da massa adulta que
pesam de maneira nefasta em todos os aspectos da vida nacional,
ocasionando a desordem que campeia em todos os setores das ati-
vidades do país e agravando a desorientação ideológica que caracte-
riza os tempos agitados que estamos atravessando.
Toda essa obra de educação popular assistemática, isto é, fora
da rigidez dos quadros escolares, especialmente dirigida ao adulto
que não teve nenhuma oportunidade escolar ou a teve insuficiente,
está inteiramente por fazer, entre nós, a desafiar a ação do estado,
num programa que, a ser levado a efeito, redundaria em benefícios
de tal monta que todos os recursos empregados teriam uma pro-
dutividade verdadeiramente maravilhosa, uma compensação ex-
traordinária de todos os sacrifícios realizados. Tal obra glorificaria,
24
Citação do próprio autor, destacada na versão da tese solicitada pela Editora Nacional,
que não a publicou. Saiu, mais tarde, no livro Estudos de educação (São Paulo: Lis
Gráfica e Editora, 1952).
25
LOURENÇO Filho, M. B. Estudos de educação. São Paulo: Lis Gráfica e Editora, 1952.
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137
por si só, o governo que se dispusesse a empreendê-la, arrostando
todos os óbices que por certo a entravariam.
Porque, nesse particular, tudo o que existe é ridículo em rela-
ção às nossas necessidades e isso mesmo funcionando com la-
mentável incipiência: os cursos noturnos e elementares e de conti-
nuação, aperfeiçoamento e oportunidade, os cursos de extensão
de todos os graus, onde os há, têm uma vida precaríssima, à mín-
gua de recursos, de orientação segura e de entusiasmo; as bibliote-
cas públicas, fixas ou circulantes, o cinema, o rádio e o jornal,
ainda não cumprem, no Brasil, a função que lhes é primordial-
mente destinada de promoverem a cultura popular.
Algumas iniciativas tentadas não têm obtido a continuidade de
propósitos que as inspiraram e ficam expostas aos azares do maior
ou do menor interesse das administrações que se sucedem.
Foi justamente essa convicção que adquirimos no trato concreto
com o problema, de que a organização da educação de adultos no
Brasil deve ser considerada uma obra, sob muitos aspectos, mais
urgente do que a própria extensão do aparelhamento escolar ele-
mentar para receber as crianças nas idades próprias, que nos levou,
quando oficialmente convidados pelo Departamento de Educação
do Estado do Rio de Janeiro a apresentar sugestões para o Plano
Nacional de Educação, a ficar tão somente dentro dessa questão.
Dizíamos então:
(...) Preconizamos, assim, como necessidade inadiável, a existência
de uma organização assistemática, paralela à de educação sistemática,
para atingir todas essas espécies de situações pessoais e atender a
todas essas solicitações e que tem que se iniciar com a escola primária
para adultos e terminar com as extensões universitárias
26
.
Referíamo-nos, é evidente, especialmente, às necessidades das
populações urbanas, pois, quanto àquela massa de 30 milhões de
brasileiros que ainda vive nas condições de incultura denunciadas
26
LOURENÇO Filho, M. B. Estudos de educação. São Paulo: Lis Gráfica e Editora, 1952.
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138
por Teixeira de Freitas, a solução para sua deplorável situação está
dependente de causas fundamentais tão complexas que seria verda-
deira ingenuidade pretender encontrá-la somente com os recursos
da ação escolar. Pois, como diz Fernando de Azevedo (1937), “a
educação rural é um problema substantivamente econômico e
adjetivamente educacional”, por outras palavras, “ruralizar” é “civi-
lizar”, e ainda, “a questão da educação rural é de uma grande com-
plexidade e toca os interesses essenciais do país”.
Não queremos de forma alguma, com isso, negar o papel
importante que a ação educativa desempenhará na solução do pro-
blema, desde que seja iniciada, de fato, a remoção dos fatores
fundamentais determinantes dessa situação, aliás já bastante deba-
tidos pelos nossos sociólogos.
Seria desconhecer totalmente o que nesse terreno realizou o
México, por exemplo, para citar apenas um país que apresenta con-
dições sob vários aspectos semelhantes às nossas. Esses trechos de
relatórios são índices expressivos da ação do Departamento de
Escuelas Rurales e das interessantíssimas Missiones Culturales:
Al llegar a los pequeños poblados los Misioneros iniciaron sus labo-
res, haciendo la limpia del pueblo y de los barrios, quemando las
basuras, excitando a los vecinos a blanquear sus casas, organizando
festivales de cultura, impartiendo la vacuna antivariolosa a niños e
adultos; en algunos poblados introdujeron el agua potable,
precedieron a la creación y organización de los anexos de la Escuela
Rural, orientaron a los maestros, mediante demonstraciones práticas
en la técnica de la enseñanza; establecieron clubes desportivos, clubes
pro-infancia, comités prolimpieza, sustentaron conferencias sobre
civismo, hicieron demonstraciones sobre mejores métodos de cultivo
ante los campesinos.
Durante los dias de mí permanencia, despues de la inauguración del
Instituto, estuve asistiendo a todas las clases, y pude darme cuenta
que los professores misioneros han comenzado a desarollar sus pro-
gramas respectivos com bastante eficiencia, atendiendo no solamente
a los maestros, sino las señoritas, señoras, jóvenes y señores del
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pueblo, asi como a los ejidatarios, algrado que las señoritas, em nú-
mero de setenta, hasta el momiento em que yo salí del pueblo, estaban
concorriendo a las clases de la Trabajadora Social, de Cultura Física, de
Pequeñas Industrias, Artes Populares y Cantos y Orfeones; los
agraristas, en número de cien, más o menos, estuvieron recibiendo
pláticas de parte del Jefe de la Misión, así como del suscrito, en espe-
rando la llegada del ingeniero, quien tan pronto como llegó, se puso
en contacto con ellos, y empezó a delinearles su programa de trabajo
para beneficio de aquella organización. En quanto a los señores y
jóvenes, han estado también recibiendo classes de cantos, orfeones,
pequeñas industrias y desportes.
Capítulo IV
Uma experiência de cursos de continuação, aperfeiçoamento e
oportunidade realizada no Distrito Federal
Antecedentes
A história do ensino de adultos no Distrito Federal, mantido
pelo município, pode se considerar dividida em duas fases, sendo
o marco divisório entre elas a Reforma Fernando Azevedo. O que
existia antes eram os cursos elementares noturnos – funcionando
com a mesma incipiência que já tivemos ocasião de assinalar – , e
que foram transformados pela reforma em cursos populares no-
turnos, melhor adaptados às necessidades locais. Ficaram assim
definidas suas finalidades (Decreto nº 2.940, de 22 de novembro
de 1928):
Art. 405. As escolas noturnas, reorganizadas sob a denomi-
nação de cursos populares noturnos, agrícolas, comerciais e
industriais, têm por fim ministrar:
1) ensino primário elementar de dois anos a adultos analfabetos;
2) ensino técnico elementar;
3) instrução prática de economia doméstica (para mulheres) e
instrução elementar, comercial, industrial e agrícola conforme
a zona (para homens);
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140
4) cultura geral, sobretudo higiênica; profilaxia, higiene alimentar
e puericultura por meio de projeções, demonstrações práticas e
palestras populares.
Parágrafo único – Esses cursos, ministrados em três anos, se rea-
lizarão à noite durante três horas diárias, exceto aos sábados, de 1º
de março a 15 de junho e de 1º de julho a 15 de dezembro.
Art. 406. O ensino nos dois primeiros anos dos cursos popu-
lares noturnos constará de rudimentos das seguintes disciplinas:
a) português; b) aritmética, inclusive sistema métrico; c) geo-
metria; e) história do Brasil; f) desenho.
Art. 407. O ensino no 3º ano dos cursos populares compre-
enderá:
a) português (leitura e exercícios escritos de acordo com a
orientação particular de cada curso); b) desenho e modela-
gem; c) tecnologia das profissões elementares; d) datilografia e
noções de contabilidade ou noções de história natural, quími-
ca agrícola, agricultura e zootécnica ou trabalhos de agulha e
noções de economia doméstica, conforme a feição especial
das classes, organizadas dentro do duplo critério das necessi-
dades do meio e das preferências dos alunos.
Art. 408. Paralelamente ao ensino primário do 1º e 2º anos e no
ensino técnico do 3º ano, serão organizadas projeções, demons-
trações práticas e palestras populares, com o fim de ministrar
conhecimentos de higiene e puericultura e noções básicas de
economia social, direito civil, e constitucional, aos alunos, escla-
recendo-os e orientando-os no desempenho de suas funções,
como elementos sociais e políticos.
Art. 409. A localização dos cursos populares noturnos será em
centros onde a população proletária seja densa, divididos em
masculinos e femininos, regidos aqueles de preferência por
professores e estes por professoras.
Art. 410. O mínimo de idade para a matrícula nos cursos po-
pulares noturnos será de treze anos.
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141
Além disso, procurou melhorar a qualidade do professorado,
permitindo a designação dos elementos dos quadros do magistério
primário diurno para servir nos cursos populares noturnos.
Por outro lado, remodelando totalmente a antiga Escola de
Aperfeiçoamento que se transformou na atual Escola de Comércio
Amaro Cavalcanti, criava cursos livres para o preparo necessário às
atividades ligadas às profissões comerciais.
Esses cursos apresentavam, porém, pouca flexibilidade nos
planos respectivos.
Em 1930, quando no exercício dos cargos de professor e vice-
diretor dessa Escola, dirigíamos o curso noturno, propusemos uma
regulamentação para os cursos livres de modo a melhor adaptá-
los às necessidades dos que o procuravam.
Esses cursos foram, posteriormente, extintos por ocasião da
oficialização da Escola, de acordo com a lei federal que passou a
regular o ensino comercial.
Só em 1932, já na administração do professor Anísio Teixeira,
é que se criaram, com maior amplitude, os cursos de continuação
para adultos, pelo Decreto nº 3.763, de 1º de fevereiro desse ano.
Primeira etapa (1934)
Inicialmente, procuramos, de acordo com o superintendente, es-
tabelecer com maior precisão a esfera de ação do ensino de extensão
a cargo da Superintendência.
Eis o que ficou assentado:
Ensino de Extensão
a) Fins – Ministrar ensino de instrumentos essenciais a adolescentes e
a adultos que não tiveram nenhuma oportunidade escolar no tempo
próprio ou a tiveram incompleta. Ministrar variados cursos práticos de
artes e ofícios a quantos desejem neles ingressar. Organizar cursos de
aperfeiçoamento para os que já abraçaram determinadas profissões e
desejem progredir nas mesmas, pela sua eficiência. Oferecer cursos de
oportunidade, segundo os interesses de grupos de alunos e as opor-
tunidades de empregos e atividades existentes no momento.
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142
b) Organização e condições – Cursos de preferência noturnos, sem
limite de idade, sem formalidades especiais de matrícula, sem seriação
especial de matérias. Cursos de duração variável, segundo as condições
dos alunos. Cursos criados segundo as solicitações e os interesses dos
candidatos.
Deveríamos, em seguida, procurar verificar quais as necessi-
dades mais urgentes da população do Distrito Federal, em relação
a esses cursos, no sentido de aproveitar da melhor maneira possível
a pequena verba de que dispúnhamos, nesse ano, para organizar o
ensino de extensão.
Na impossibilidade de procedermos a um inquérito direto,
procuramos obter do Ministério do Trabalho dados relativos à
distribuição das principais atividades profissionais da capital da
República.
Infelizmente, nada pudemos conseguir, pois, nesse momento
justamente é que o Ministério iniciava estudos preliminares para
esse fim.
Tivemos que nos socorrer, então, dos índices gerais forne-
cidos pela nossa experiência pessoal no trato com os problemas
do ensino técnico profissional que nos vinham preocupando, desde
1923, quando nos iniciamos no magistério oficial, na Escola Pro-
fissional Visconde de Cairu.
Por outro lado, era preciso considerar com muita atenção, o
problema do professor, sabido que a frequência a essa espécie de
cursos tem por móvel principal um interesse real de indivíduos
adultos em lograr progresso rápido nas suas condições culturais
ou técnicas, no sentido de obter geralmente uma melhoria imedi-
ata de ordem econômica, e para isso sacrificam, quase sempre,
suas já reduzidas horas de repouso ou recreação. O professor tem,
pois, que preencher, além dos requisitos normais de um domínio
completo da técnica, condições especiais que lhe deem uma atitu-
de adequada para enfrentar, com sucesso, todas essas variedades
de situações dos alunos a seu cargo, desde as que são provenientes
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143
das condições apontadas, até as relativas à diversidade de formação
e de conhecimento que os mesmos apresentam.
Nesse terreno estávamos e estamos com tudo totalmente por
fazer: o professor de que pudemos dispor, apesar do cuidado que
pusemos na escolha, não tinha, nem podia ter, qualquer formação
especializada para enfrentar a delicada tarefa que lhe era confiada.
Outro tanto poderemos dizer da direção imediata que tínhamos
que dar aos cursos.
Por todas essas considerações é que deliberamos dar aos pri-
meiros cursos instalados uma grande simplicidade de organização,
compreendendo duas peças principais: apenas o diretor, que funci-
onava, especialmente, como coordenador de todas as atividades e o
professor, diretamente responsável perante os alunos e a adminis-
tração, pelo seu trabalho. Essas duas peças se ligavam diretamente
com a Superintendência, que agia junto de uma e outra, esclarecen-
do, estimulando, fiscalizando e resolvendo todas as dúvidas gerais
que iam surgindo no decorrer de uma obra inteiramente nova para
quase todos os que nela estavam empenhados.
Assentadas essas medidas preliminares, passamos à etapa da
propaganda, parte importante para o êxito do empreendimento.
Era preciso utilizar, para isso, processos adequados, de forma a
atingir os indivíduos para quem os cursos especialmente se destina-
vam: pessoas de condições econômicas e culturais reduzidas, operá-
rios e comerciários, principalmente, uma vez que o ponto de vista da
Administração era de que deveria empregar as verbas de que podia
dispor, em benefício dessas classes menos favorecidas.
Chamar a atenção desses grupos, vencer neles a natural descon-
fiança em relação a tais iniciativas, o esgotamento quase total em que
vivem em consequência das próprias atividades, a que se dedicam, as
preocupações provenientes dos encargos de família que não lhes per-
mite dar uma atenção continuada ao aperfeiçoamento pessoal deli-
berado, aquele acanhamento resultante do temor do ridículo, de que
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:31143
144
fala Thorndike, tal era a tarefa a realizar com o emprego de uma
propaganda hábil e sugestiva.
Utilizamos para isso os meios principais: a imprensa diária e o
apelo às associações de classe, a quem nos dirigimos através de cartas
e circulares.
Tínhamos agora tudo preparado para iniciar a experiência.
E assim, de 15 de maio a princípios de junho de 1934, foram
sendo abertos os cinco primeiros cursos de continuação e aperfeiçoa-
mento, instalados nas escolas técnicas secundárias, oferecendo os se-
guintes cursos: 1. Escola Amaro Cavalcanti (mista) – português, fran-
cês, inglês, matemática, contabilidade, datilografia, estenografia; 2. Es-
cola Souza Aguiar (masculina) – português, francês, inglês, matemáti-
ca, ciências, desenho, mecânica e eletricidade; 3. Escola João Alfredo
(masculina) – português, francês, inglês, matemática, ciências, geogra-
fia, desenho, mecânica e eletricidade; 4. Escola Visconde de Cairu (mas-
culina) – português, francês, matemática, história, geografia, ciência,
desenho, tecnologia (madeira); 5. Escola Orsina da Fonseca (feminina)
– português, francês, inglês, matemática, desenho, puericultura, chapéus,
costura, malharia, flores, bordados, rendas e estenografia.
A procura de matrículas excedeu, desde logo, qualquer expectati-
va. Em alguns dos cursos, na Escola Amaro Cavalcanti, por exemplo,
foi necessário limitar, imediatamente, a matrícula para ficar dentro das
possibilidades do prédio e do aparelhamento escolar disponíveis, con-
forme se verifica pelo relatório do respectivo diretor.
Essa afluência que pode ser atribuída à propaganda, à gratuidade
dos cursos e à absoluta facilidade do processo de matrícula, realiza-
da por simples declaração verbal, foi para nós também um indício
seguro de que a iniciativa veio corresponder a uma necessidade
inadiável da população do Distrito Federal.
A qualidade dos alunos nos conduziu também a uma série de
observações interessantes e que nos deram elementos para melhor
adaptar a organização dos cursos às suas verdadeiras finalidades,
no segundo ano de seu funcionamento.
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145
As espécies de alunos se distribuíam desde os estudantes de
ensino secundário, interessados em corrigirem as deficiências dos
cursos que estavam fazendo, até os vendedores ambulantes, os
mais humildes, que tiveram sua atenção despertada, com a passa-
gem ocasional pelas imediações dos locais onde se aglomeravam
os candidatos à matrícula.
Constatamos, porém, desde logo, uma porcentagem relativa-
mente pequena de candidatos provenientes das classes operárias,
em relação principalmente aos que provinham das profissões ligadas
às atividades comerciais.
Esse fato tem uma dupla explicação: em primeiro lugar, a maior
procura dessas últimas atividades, consideradas de nível superior e
mais favoráveis à obtenção de uma colocação que proporcione
rendimento econômico imediato; em segundo lugar, as dificulda-
des que encontram os elementos das classes operárias e industriais,
que residem, geralmente, em subúrbios longínquos, de frequenta-
rem regularmente os cursos.
Essas observações, sugeriram-nos medidas tendentes a levar
os benefícios da cultura até essas classes, sem dúvida as mais
necessitadas dela, tais como a localização dos cursos nos bairros
de moradia operária, aproveitamento das sedes das associações
de classe onde já está assegurada uma certa frequência, e ainda a
instalação de cursos nos próprios locais de trabalho.
Infelizmente, só em escala muito reduzida puderam essas me-
didas ser postas em prática.
Diversas outras observações, decorrentes do próprio funcio-
namento das aulas, tais como a grande mobilidade da frequência,
a enorme diversidade do preparo e de interesses demonstrados
pelos candidatos e também das próprias condições já bastante
debatidas, referentes ao horário, programas, preparo e atitude dos
professores etc., nos deram elementos para introduzir, no ano se-
guinte, algumas modificações para o melhor ajustamento dos cur-
sos às suas verdadeiras finalidades.
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:31145
146
Ao chegar ao fim desse primeiro ano letivo, quisemos ouvir
com mais cuidado as impressões dos próprios alunos sobre a ini-
ciativa e para isso distribuímos um questionário que foi respondi-
do por mais de mil. Deles, destacamos alguns, contendo observa-
ções interessantes, e que anexamos ao presente trabalho.
27
E assim, apesar de todos os defeitos, aliás explicáveis, dessa
primeira etapa da experiência, fortaleceu-se nossa convicção de
que seu sucesso estava plenamente assegurado, e que competia,
agora, ao governo Municipal proporcionar cada vez maiores re-
cursos para que pudesse prosseguir, melhorando sempre e ga-
nhando cada vez maior extensão.
Segunda etapa (1935)
De posse dessas observações, e continuando em 1935 com a
responsabilidade de prosseguir no trabalho, projetamos com mais
tempo uma organização que viesse corrigir os defeitos verificados
anteriormente
.
Tratava-se, além disso, de ampliar o raio de ação dos cursos,
quer na qualidade das oportunidades oferecidas, quer na extensão
propriamente dita.
Já agora, dispúnhamos de um grupo de diretores e professores
tocados pelo entusiasmo proveniente dos resultados obtidos e com
um lastro de experiência capaz de permitir voos mais amplos.
Infelizmente, a verba para a manutenção do serviço, se bem que
bastante aumentada, só nos foi concedida relativamente tarde. Por
isso, antes dos fins do mês de abril não pudemos reabrir os cursos.
Esse pequeno contratempo foi, porém, compensado pela
possibilidade que tivemos de proporcionar à população carioca
mais quatro centros de ensino e cultura, com as mesmas facilidades
já referidas e sem despesa de qualquer espécie.
27
Tais questionários foram anexados apenas a um dos exemplares datilografados do
presente trabalho, dentre os exigidos pelo regulamento do concurso, não tendo sido
possível reproduzi-los posteriormente.
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147
Foram os seguintes esses novos cursos, já agora localizados se-
gundo um critério de melhor atenderem às necessidades das classes
trabalhadoras do Distrito Federal: Escola Bento Ribeiro (feminina),
situada na Estação do Meyer; Escola Gonçalves Dias (mista), em
São Cristóvão; Escola Júlio de Castilhos (mista), na Gávea; e Escola
João Barbalho (mista), em Ramos.
Instruções mais precisas foram baixadas tendo em vista o maior
rendimento do ensino.
Os cursos ficaram divididos em “básicos”, de “informação”
e “especializados”; as condições de matrícula foram estabelecidas
para cada uma dessas espécies, de maneira a assegurar o melhor
ajustamento às condições individuais dos alunos.
O plano de cursos foi grandemente ampliado com uma nova
série de oportunidades de aquisição de conhecimentos para a for-
mação cultural, social e profissional.
Medidas visando a uma melhor homogeneidade das turmas
foram estabelecidas, pois é esta uma das condições essenciais da
melhoria do rendimento do ensino. Os candidatos eram agora sub-
metidos, inicialmente, a uma prova de verificação de conhecimentos
e, periodicamente, a provas de apuração do aproveitamento, para
permitir a reorganização das turmas.
Os diretores, com a experiência já adquirida, puderam iniciar
um trabalho de orientação vocacional, feito através de indagações e
conselhos aos alunos, no sentido de melhor poderem resolver seus
problemas pessoais, relacionados com as necessidades de aperfei-
çoamento cultural e profissional.
Atividades extraclasse foram introduzidas pela própria iniciativa
dos alunos, que se agremiavam fundando clubes e associações, onde
faziam realizar palestras e conferências de cultura geral, sessões de
cinema educativo e tentando também o teatro de amadores.
E dessa forma, num ambiente verdadeiramente empolgante de
vida e entusiasmo, as matrículas em quase todos os cursos passaram
a ser disputadas, subindo de 1.366, em 1934, para 5.174, em 1935.
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148
Não é de estranhar, pois, que se levantasse grande celeuma
por parte dos beneficiários dessa obra, quando em fins do ano de
1935, foi anunciado que as verbas para a manutenção dela seriam
reduzidas no ano seguinte e, consequentemente, os cursos ficariam
limitados em seus planos e sua extensão. Os registros da imprensa
diária dão uma impressão bem nítida do vulto dos protestos, os
quais, sem dúvida alguma, constituem uma eloquente demonstração
da utilidade real da obra que vinha sendo realizada.
A administração negou, firmemente, qualquer intenção de
entravar o desenvolvimento dos cursos, declarando, ao contrá-
rio, peremptoriamente, ser desejo seu ampliá-la cada vez mais,
desde que estava perfeitamente comprovado que a sua criação
correspondeu plenamente às necessidades da população traba-
lhadora da capital da República.
E se não foi possível proporcionar-lhes verbas maiores do
que as asseguradas para o ano de 1935, a palavra empenhada foi
cumprida, pois com a remodelação dos serviços da Prefeitura,
efetivadas pelo Decreto n° 7, de 2 de setembro de 1935, já citado,
ficou, conforme referimos, explícita a intenção de, por parte do
governo do Distrito Federal, organizar em moldes modernos e
eficientes a educação de adultos e a difusão da cultura em geral.
Esses serviços foram reunidos num mesmo organismo, a Direto-
ria de Educação de Adultos e Difusão Cultural, compreendendo
a Superintendência dos Cursos de Continuação e Aperfeiçoamento
e de Ensino Elementar para Adultos, as Divisões de Bibliotecas,
Museus, Cinemas, Teatros e Radiodifusão.
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149
Infelizmente, e é sempre o mesmo doloroso estribilho, toda
essa obra sofreu uma profunda descontinuidade, com a mudança
brusca da administração municipal, ocorrida de dezembro de 1935
a abril de 1936.
28
Poderíamos terminar aqui. É preciso, porém, ficar patenteado
que não desertamos do posto que nos foi confiado e que chegamos
mesmo a iniciar uma terceira etapa.
Terceira etapa (1936)
Convidado, em 1936, pelo novo responsável pela recém-criada
Diretoria de Educação de Adultos e Difusão Cultural – o doutor
Roquette Pinto – para reassumir a direção da Superintendência dos
Cursos de Continuação e Aperfeiçoamento e Ensino Elementar para
Adultos, não pudemos desatender a esse chamado, partido de quem
o Brasil tanto deve no campo da divulgação da cultura popular.
E assim, em janeiro desse ano, reiniciávamos os trabalhos.
Nossa tarefa estava agora grandemente ampliada e dificultada com
a necessidade de remodelar inteiramente a organização e a orientação
dos cursos elementares para adultos, no sentido de bem se articularem
com os de continuação e aperfeiçoamento e ganharem o mesmo ritmo
de trabalho desses últimos.
Pusemo-nos imediatamente a agir, estudando as condições da-
queles cursos em relação ao pessoal docente e à localização.
Entramos em entendimento com a associação de classe dos pro-
fessores dos cursos noturnos, solicitando sua colaboração.
Organizamos novas instruções, não só para os cursos elementares,
como para os de continuação e aperfeiçoamento.
28
Em 2 de dezembro de 1935, Anísio Teixeira demitia-se do cargo de secretário-geral da
Educação e Cultura do Distrito Federal, sendo acompanhado por todos os seus colabo-
radores, em face da reação desencadeada, em consequência do movimento revolucioná-
rio de novembro. Em abril de 1936, deixava a prefeitura o prefeito Pedro Ernesto, sendo
preso e processado perante o Tribunal de Segurança Nacional.
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150
Projetamos, em vista de não termos ainda conseguido do Ministé-
rio do Trabalho as necessárias informações, um largo inquérito, cujos
dados seriam colhidos através de uma ficha a ser preenchida pelos
candidatos à matrícula, em todos os cursos.
Estávamos assim com tudo preparado para reabrir os cursos em
princípios de março, quando o nosso trabalho foi de novo e definiti-
vamente interrompido.
29
Conclusões
Será preciso concluir? Parece-me que as conclusões estão todas
explícitas no próprio corpo do que ficou sucintamente relatado: nos
defeitos, nos fracassos, nas observações colhidas, nos resultados que
ficaram patentes.
Resta-nos, nesta oportunidade, fazer ardentes votos para que,
em relação ao Distrito Federal, pelo menos, na apuração dos índices
de nossa cultura popular, em 1940, os números já tenham “enxugado
as lágrimas” com que, em 1934, se apresentaram envergonhados à
análise, patrioticamente emocionada, de Teixeira de Freitas.
Rio de Janeiro, maio de 1938.
29
O autor, em 14 de fevereiro de 1936, era detido em seu gabinete de trabalho, permane-
cendo preso durante ano e meio, e respondendo a processo perante o Tribunal de
Segurança Nacional sob a acusação de ter organizado cursos para operários na União
Trabalhista, associação fundada pelo prefeito Pedro Ernesto.
*
Algumas referências constam com dados incompletos, pois foram retiradas de recortes
de periódicos colecionado pelo educador, sem outras informações.
Paschoal Lemme.pmd 21/10/2010, 08:31150
151
CRONOLOGIA
1904 - Nasce na cidade do Rio de Janeiro, em 12 de novembro, filho de Antônio
Lemme e de Maria do Nascimento Lemme.
1911-1917 - Cursa o primário, de 7 anos, em escolas públicas do Distrito Federal.
1918-1924 - Faz o curso secundário no Colégio Pedro II, sob o regime de exames
parcelados, obtendo certificado de aprovação em todas as matérias, em
1924.
1919-1922 - Faz o curso normal na antiga Escola Normal do Distrito Federal.
1923 - É designado professor-substituto da Escola Profissional Visconde de
Cairu.
1924 - É nomeado professor-adjunto de 3ª classe na rede pública do Distrito
Federal.
1925 - Organiza o ensino de iniciação agrícola nas escolas do 19º Distrito Escolar
e dirige a primeira escola masculina federal desse Distrito. Faz o vestibular
e ingressa na Escola Politécnica da Universidade do Rio de Janeiro, tran-
cando a matrícula e interrompendo os estudos na 3ª série.
1926 - Exerce o magistério na Escola Profissional Visconde de Cairu. É promo-
vido, por merecimento, a professor-adjunto de 2ª classe. Ingressa na Asso-
ciação Brasileira de Educação (ABE).
1927 - Casa-se com a professora Carolina de Barros e Vasconcelos, na igrejinha
de Santo Antonio dos Pobres.
1927 - Inicia o curso de engenharia, na Escola Politécnica da Universidade do
Rio de Janeiro, interrompendo os estudos na 3ª série.
1928 - Nasce seu primeiro filho, Luís Carlos Lemme, em 29 de setembro. Exerce o
magistério no curso complementar anexo à Escola Profissional Visconde
de Cairu. É nomeado Assistente do subdiretor técnico da diretoria geral de
Instrução Pública do Distrito Federal, na gestão do professor Fernando de
Azevedo, cargo que exerce até 1930, colaborando na reforma da instrução
pública do Distrito Federal. É designado para a Secretaria da Comissão
Organizadora dos Programas das Escolas Profissionais da prefeitura do
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Distrito Federal e para a Comissão Organizadora da Primeira Exposição
Cinematográfica Educativa.
1929 - Nasce seu segundo filho, Paulo Cid Lemme, em 3 de dezembro. Assume o
cargo de oficial de gabinete do diretor da Instrução Pública do Distrito
Federal, sem prejuízo de suas funções e de assistente da subdiretoria técnica.
Integra o conselho escolar da Escola Profissional Visconde de Cairu.
1930 - É nomeado professor de matemática aplicada ao comércio, na escola
Amaro Cavalcanti, na qual exerceu também a função de vice-diretor.
1931 - Nasce seu terceiro filho, Emilio Cláudio Lemme, em 11 de maio. Participa
da equipe de Anísio Teixeira de 1931 a 1935, na diretoria de Instrução
Pública do Distrito Federal, de início como chefe de gabinete, desempe-
nhando posteriormente várias funções. Cria o Instituto Brasileiro de
Educação, em articulação com a professora Julieta Arruda, mantendo
colégio particular inspirado nos princípios da Escola Nova.
1932 - Nasce sua filha, Maria Lúcia Lemme, em 21 de maio. Integra a comissão
encarregada de estudar a reorganização dos serviços da diretoria geral da
Instrução Pública do Distrito Federal. Subscreve o “Manifesto dos Pio-
neiros da Educação Nova”, sendo um dos articuladores e o signatário
mais jovem. É nomeado professor do ensino profissional com exercício
na escola Amaro Cavalcanti, após concurso de títulos.
1933 - Assume como professor a cadeira de estatística da Escola Técnica Secun-
dária. Estagia na seção de matérias de ensino da Escola de Professores do
Instituto de Educação. É aprovado em concurso para a cadeira de
metodologia da matemática. É nomeado inspetor de ensino primário e
profissional do antigo Estado do Rio de Janeiro, após concurso de títulos
e provas. Participa da Conferência Regional de Campos, realizando pa-
lestra sobre “As organizações pré-escolares e a assistência social”. Auxilia
o serviço de “renovação escolar”, ficando sob sua superintendência os
jardins de infância do estado. Promove cursos de renovação escolar nos
municípios sob sua inspeção. Organiza curso de especialização de profes-
sores para as instituições pré-escolares dessa unidade da federação. Ins-
titui, com Ernesto Faria, a Fundação da Sociedade de Pedagogia do Rio
de Janeiro, incorporando o Instituto Brasileiro de Educação, de curta
existência por falta de recursos financeiros.
1934 - Nasce Fernando Celso Lemme, seu quinto filho, em 5 de julho. Redige com
Valério Konder e publica o “Manifesto dos Inspetores do Ensino do Estado
do Rio de Janeiro sobre a Reconstrução Educacional desse Estado”, defen-
dendo uma “escola ativa, progressiva, socializadora, única, pública, obriga-
tória, gratuita, mista e leiga”. Desde então já havia feito opção pelas teses
fundamentais da filosofia marxista, sobretudo em sua dimensão humanística.
É nomeado assistente do superintendente da Educação Secundária e Téc-
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nica e do Ensino de Extensão da Prefeitura do Distrito Federal. Integra a
comissão encarregada de organizar a proposta orçamentária do Departa-
mento de Educação do Distrito Federal para 1935.
1935 - Assume a superintendência dos cursos de continuação e aperfeiçoamento,
promovendo os cursos supletivos da União Trabalhista. Inspeciona as
escolas dos municípios de Niterói, São Gonçalo e Nova Iguaçu.
1936 - Assume novamente o cargo de superintendente dos Cursos de Continuação
e Aperfeiçoamento do Ensino Elementar para Adultos, da Secretaria Geral
de Educação e Cultura do Distrito Federal, na gestão do secretário Francisco
Campos, e é preso, logo em seguida, em fevereiro desse ano, pela polícia de
Felinto Müller, permanecendo no Dops durante um ano e quatro meses.
1937 - Retorna à superintendência de Educação Secundária Geral e Técnica, após
a prisão. Estuda a reorganização dos programas das escolas primárias do
Estado do Rio de Janeiro. Opta pelo cargo de professor da prefeitura do
Distrito Federal, em 31 de dezembro, em virtude da lei de desacumulação.
1938 - É aprovado em concurso público para técnico de educação do Ministério
de Educação e Saúde (MES).
1939 - Integra a comissão encarregada de estudar o ensino de trabalhos manuais
nas escolas elementares, para o currículo da 6ª série complementar, em
organização. Toma posse no cargo de técnico de educação do Ministério de
Educação e Saúde, para o qual foi nomeado por ter sido classificado em
concurso de título e provas, com a defesa de tese sobre educação de adul-
tos. Faz o curso Critical problems in education, promovido no Rio de Janeiro
pela Summer School of the College of the University of Pennsylvania
Brazilian Field Course. Assume a chefia da seção de documentação e inter-
câmbio e, posteriormente, a de inquéritos e pesquisas, do Instituto Nacio-
nal de Estudos Pedagógicos (lnep), dirigido pelo professor Lourenço Filho.
Secretaria a Comissão Nacional de Ensino Primário. Viaja aos Estados
Unidos para fazer os cursos Public School Administration e Schoollnterpretation,
da University of Michigan.
1940 - Nasce Antonio César Lemme, seu sexto filho, em 5 de janeiro.
1942 - Passa a trabalhar no Museu Nacional, a convite da diretora, professora
Heloísa Alberto Torres, chefiando a seção de extensão cultural.
1943 - Morre seu filho Fernando Celso Lemme, em 6 de janeiro.
1947 - É transferido para o Instituto Nacional de Cinema Educativo (Ince), a
convite do diretor, assumindo a chefia da seção de orientação educacional.
1949 - É agraciado pelo presidente da República, em 5 de novembro, com a
Medalha Rui Barbosa, pelos serviços prestados às comemorações do cen-
tenário de nascimento desse jurista (autor do texto do filme sobre Rui
Barbosa, editado pelo Instituto Nacional do Cinema Educativo).
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1952 - Leciona história e filosofia da educação no curso normal do Instituto de
Educação de Niterói, aposentando-se nesse cargo em 19 de março de 1955.
1953 -Viaja à Europa, a fim de participar da I Conferência Mundial de Educa-
dores, convocada pela Federação Internacional de Ensino (FISE), efetuada
em Viena, de 21 a 26 de julho. Visita a União Soviética, a convite da
delegação desse país à citada conferência, para observar seu sistema educa-
cional. Visita a China, a convite da delegação de professores desse país na
referida conferência, a fim de observar suas realizações pedagógicas.
1955 - Faz o curso do Instituto Brasileiro de Estudos Superiores (lseb).
1957 -Realiza a segunda viagem à Europa, participando, na qualidade de co-relator
do tema Situação da Educação na América latina. Como melhora-Ia?, da 1ª
Conferência Mundial de Educadores, convocada pela Fise, em Varsóvia, no
mês de agosto. Participa do IX Congresso Internacional de Cinema Cientí-
fico, representando o Instituto Nacional de Cinema Educativo, realizado
em Amsterdã, em setembro. Representa o Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais no 1º Congresso Internacional de Pesquisas Pedagógicas de
nível universitário, em Florença, no mês de setembro.
1959 - Atua como um dos principais articuladores do manifesto Mais uma vez
convocados: manifesto ao povo e ao governo.
1961 - É aposentado no cargo de técnico de educação do Ministério da Educação
e Cultura, em 17 de agosto. Dedica-se a escrever suas memórias.
1982 -Dirige mensagem aos educadores reunidos na 1ª Conferência Brasileira de
Educação, realizada na UFMG, Belo Horizonte/MG, de 10 a 13 de junho.
1982 -Participa, na qualidade de homenageado, da III Conferência Brasileira de
Educação, realizada na UFF, Niterói/RJ, de 12 a 15 de outubro, fazendo
pronunciamento.
1985 -Falece dona Carolina de Barros Lemme, sua esposa, em 9 de abril.
1986 - Morre seu filho Paulo Cid Lemme.
1988 - Inicia a publicação de suas Memórias, editadas pelo Inep e pela Editora
Cortez.
1993 - É agraciado pelo presidente da República, Itamar Franco, com o grau de
Comendador da Ordem Nacional do Mérito Educativo, mediante Decreto
de 19 de outubro, publicado no Diário Oficial no dia 20 desse mês.
1995 - Recebe o título de doutor Honoris Causa pela Universidade Federal
Fluminense.
1996 - Recebe o título de doutor Honoris Causa pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Morre seu filho mais velho, Luís Carlos Lemme, em 9 de
agosto.
1997 - Falece Paschoal Lemme, na cidade do Rio de Janeiro, em14 de janeiro, aos
92 anos de idade.
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BIBLIOGRAFIA
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Este volume faz parte da Coleção Educadores,
do Ministério da Educação do Brasil, e foi composto nas fontes
Garamond e BellGothic, pela Sygma Comunicação,
para a Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco
e impresso no Brasil em 2010.
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