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A outra consideração é sobre a datação da época do uso de máscaras gueledé no
Brasil. Édison Carneiro limita-se, no entanto, a comentar o prestígio gozado por Maria
Júlia Figueiredo em festas em que essas máscaras eram animadas. Hoje, sabemos da data
em que faleceu sua antecessora no poder, a africana liberta Marcelina da Silva, 27 de junho
de 1885, através de seu testamento, publicado por Verger (1992b: 138). Aqui temos, então,
pistas para o estabelecimento da época em que as máscaras gueledé foram usadas entre
nós.
Outro pesquisador que trabalhou intensamente com a tradição oral é Waldeloir
Rego, antropólogo iniciado no candomblé, autor da primeira etnografia da capoeira e com
amplo trânsito entre o povo-de-santo dos antigos terreiros de Salvador.
Ele relata que o culto a Iya Mapo, uma qualidade de Iyami, chegou à Bahia, onde é
tida como a patrona da vagina – órgão sagrado –, pois todo ser humano passa através dela
para chegar ao mundo (Rego 1980: 270). Também mostra que Iyami Oxorongá está
intimamente ligada aos odus (“contos”) do oráculo de Ifá, que são a base do conhecimento
oral transmitido pelos iorubás e, portanto, dos candomblés Keto. Talvez esteja aí a razão da
persistência da memória de uma mãe antropofágica como Iyami no Brasil, a despeito das
contradições que isso impõe a seus fiéis.
Sobre esse assunto, é pertinente transcrever grande parte do texto de Waldeloir,
pois ele revela informações da tradição oral conhecida nos terreiros que ressaltam a
ambivalência de algumas entidades do panteão iorubá, como Exu, Iansã e Iyami:
“As ruas, os caminhos, as encruzilhadas pertencem a Esu. Nesses lugares arreiam-
se oferendas e se lhe fazem pedidos para o bem o para o mal, sobretudo nas horas
mais perigosas que são ao meio dia e à meia noite, principalmente essa hora,
porque a noite é governada pelo perigosíssimo Odu Oyeku Meji.
A meia-noite ninguém deve estar na rua, principalmente em encruzilhada, mas se
isso acontecer deve-se entrar em algum lugar e esperar passar os primeiros
minutos. Também o vento (afefe) de que Oya ou Iansan é a dona, pode ser bom ou
mau, através dele se enviam as coisas boas e ruins, sobretudo o vento ruim, que
provoca a doença que o povo chama de “ar do vento”. Ofurufu, o firmamento, o ar
também desempenha o seu papel importante, sobretudo à noite, quando todo seu
espaço pertence a Eleiye, que são as Aje, transformadas em pássaros do mal, como
Agbibgó, Elùlú, Atioro, Osoronga, dentre outros, nos quais se transforma a Aje –
mãe, mais conhecida por Iyami Osoronga. Trazidas ao mundo pelo Odu Osa Meji,
as Aje, juntamente com o Odu Oyeku Meji, formam o grande perigo da noite.
Eleye voa espalmada de um lado para o outro da cidade, emitindo um eco que
rasga o silêncio da noite e enche de pavor os que a ouvem ou vêem. Todas as
precaucões são tomadas. Se não se sabe como aplacar sua fúria ou conduzi-la
dentro do que se quer, a única coisa a se fazer é afugentá-la ou esconjurá-la, ao