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Universidade de São Paulo - USP
Museu de Arqueologia e Etnologia - MAE
Programa de Pós-Graduação em Arqueologia
PARAFERNÁLIA DAS MÃES-ANCESTRAIS
As máscaras gueledé, os edan ogboni e a construção do
imaginário sobre as “sociedades secretas” africanas no
Recôncavo Baiano
Ademir Ribeiro Junior
São Paulo
2008
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Universidade de São Paulo - USP
Museu de Arqueologia e Etnologia - MAE
Programa de Pós-Graduação em Arqueologia
PARAFERNÁLIA DAS MÃES-ANCESTRAIS:
as máscaras gueledé, os edan ogboni e a construção do imaginário
sobre as “sociedades secretas” africanas no Recôncavo Baiano
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Arqueologia, do Museu de
Arqueologia e Etnologia da Universidade de São
Paulo, para obtenção do título de Mestre em
Arqueologia.
Ademir Ribeiro Junior
(bolsista CNPq no período de maio de 2005 a abril de 2007)
Orientadora: Profa. Dra. Marta Heloísa Leuba Salum (Lisy)
Nível: Mestrado
Área de concentração: Arqueologia
Linha de pesquisa: O Artefato: significado e possibilidades
São Paulo
Maio de 2008
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Para Dora, Lydia e Izaura (in memoriam)
iii
AGRADECIMENTOS
A conclusão desta dissertação foi possível porque, desde a elaboração do
projeto, fui auxiliado por um a infinidade de pessoas.
Quero agradecer primeiramente aos meus familiares, que além de agüentarem
pacientemente minha ausência nesses últimos dez anos, desde que saí do Mato Grosso
para estudar em São Paulo, me ajudaram material e espiritualmente em tudo o que
precisei. Devo agradecer principalmente aos meus pais, Dona Dora e Seu Chico; minhas
irmãs, Telma, Thaís e Thaiane; minha avó Dona Lydia; e a tia Dirce e o tio Sérgio, que
acompanharam todo esse processo mais de perto.
Quero agradecer a minha orientadora, Profa. Dra. Marta Heloísa Leuba Salum
(Lisy), por ter me apresentado à Arte Africana, e por ter acompanhado e estimulado
minhas pesquisas e inquietações desde a graduação.
Agradeço os meus amigos de São Paulo, com os quais aprendi muito com as
conversas e com a convivência. Quero agradecer especialmente a Corina, Juliana,
Liliana, Luciana, Márcia, Mônica, Tatiane, Mário, Alê, Ney Robson, Gel, Renatinho e
Elexander. E na fase final deste trabalho, contei com a hospitalidade e gentileza do
Mário, Márcio e Michele.
Agradeço às professoras da banca de qualificação, Profa. Dra. Fabíola Andréa
Silva e Profa. Dra. Cristina Wissenbach, que apontaram os problemas do projeto e
deram sugestões que tornaram o trabalho melhor.
Também devo agradecer ao Programa de Pós-Graduação em Arqueologia e aos
funcionários do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, que foram sempre muito
solícitos. Agradeço especialmente à Vanusa, Geraldo, Luís, Sílvia, Sandra, Hélio,
Eleusa e Wagner.
Agora eu gostaria de agradecer ao povo de Salvador.
Meus sinceros agradecimentos a Maria Paula Adinolfi, primeiramente pelo
acolhimento e amizade com que me recebeu em sua casa, mas também pelas sugestões e
críticas que fez ao projeto, além das nossas estimulantes conversas sobre etnografia, que
iv
só fizeram enriquecer este trabalho. Ainda devo agradecê-la pela revisão crítica do texto
e pela tradução do resumo.
Tenho muito a agradecer ao Sr. Antonio Luiz Santos Figueiredo, Mobá de
Xangô da Casa Branca e Gerente do Acervo Claudio Masella, pois tive o privilégio de
compartilhar de sua amizade, sabedoria e luz. Agradeço também ao Pai Reinaldo de
Xangô, a Tonho Ode Oxum da Casa Branca e a José Félix dos Santos, Otun Alagbá
do Ilê Asipá. Quero agradecer ao povo-de-santo de Salvador, Cachoeira e Itaparica, pela
hospitalidade com que me receberam nas muitas festas que freqüentei.
Agradeço aos meus colegas de trabalho do IPAC, especialmente a Ainê,
Andréa, Carla, Flávia, Marcos, Maricato, Paulo, Priscila, Roque e Wianey. E também
aos colegas da Casa do Benim: Admilson, Edivaldo, Diego, Paulo, Rosa, e
especialmente a Iray Galrão.
Agradeço a Profa. Dra. Suely Ceravolo, pelas sugestões bibliográficas. Ao Prof.
Dr. Jeferson Bacelar, por suas observações a minha pesquisa. Ao Prof. Dr. Renato da
Silveira, que prontamente cedeu textos e artigos. Ao Prof. Ms. Ilber Ascis, por ter me
introduzido junto ao povo-de-santo da Casa Branca e pelas inúmeras sugestões à prática
da pesquisa em Salvador. Ao Prof. Júlio Braga, por sua generosidade em compartilhar
seu conhecimento e experiência. Ao Prof. João José Reis, pelos esclarecimentos sobre a
documentação das revoltas malês. À Profa. Dra. Consuelo Pondé de Sena, do Instituto
Geográfico e Histórico da Bahia; À Maria Emilia Valente Neves e o Prof. Dr. Marcelo
Bernardo da Cunha, do Museu Afro-Brasileiro; Dra. Ângela Lühning, Eliane, Rafael,
Dione, e especialmente a Dona Ceci da Fundação Pierre Verger.
Quero registrar também meus agradecimentos aos amigos que fiz nesse período
que morei em Salvador, especialmente à Adriana, Ketyenne, Marijara, Larissa, Luzia,
Viviane e Garimpeiro.
Do Ceará, agradeço aos funcionários da Casa de José de Alencar e Museu
Arthur Ramos, em Fortaleza.
E, finalmente, agradeço ao CNPq pela concessão da bolsa de mestrado e da
bolsa PIBIC durante minha iniciação científica, bem como à COSEAS-USP pela bolsa-
trabalho com que ingressei como estagiário no MAE-USP e permitiu o
desencadeamento de minha pesquisa, sem as quais não seria possível desenvolver esta
dissertação.
v
SIGLAS
CCM Coleção Claudio Masella - IPAC
FFLCH Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP
FUNARTE Fundação Nacional de Artes
IBF Instituto Brasileiro do Folclore
IFAN Instituto Française de l’Afrique Noire (Dakar, Senegal)
IGHBA Instituto Geográfico e Histórico da Bahia
IPAC Instituto do Patrimônio Artístico de Cultural da Bahia
MAE Museu de Arqueologia e Etnologia da USP
MNBA Museu Nacional de Belas Artes (Rio de Janeiro)
UFC Universidade Federal do Ceará
USP Universidade de São Paulo
vi
RESUMO
Esta dissertação constitui-se de um estudo da cultura material de origem
africana em que se investiga a produção, circulação, utilização e descarte de objetos
africanos e afro-inspirados, aos quais eventualmente no Brasil agregam-se novos
significados. Tratamos particularmente de duas produções características dos iorubás: as
máscaras gueledé e os edan ogboni. Alguns desses objetos constam em coleções no
Brasil, e seu uso em cultos religiosos afro-brasileiros do Recôncavo Baiano, no passado,
é mencionado na literatura especializada.
Na Nigéria e no Benim as máscaras de madeira denominadas gueledé e as
estatuetas de liga de cobre edan são insígnias de duas importantes instituições
tradicionais dos iorubás: a associação Gueledé e a associação Ogboni, respectivamente.
Esses objetos estão associados a entidades espirituais (Iyami e Onilé) que segundo a
cosmogonia desse povo são as grandes mães ancestrais da humanidade.
Alguns pesquisadores se valem da presença desses artefatos no Brasil para
fundamentar a hipótese da reestruturação dessas instituições iorubás no Recôncavo
Baiano, no final do período colonial. Outros autores, indo além, associam a suposta
“sociedade Ogboni brasileira” com episódios das revoltas dos malês.
Tomando-se a análise do ciclo de vida desses artefatos como instrumental
metodológico, verificamos, no entanto, que o aparecimento dessas peças aqui no Brasil
pode ter se dado não por causa da transplantação dessas instituições tradicionais
africanas, mas por questões ligadas à permanência dos aspectos mais profundos da
cosmologia iorubá dentro dos próprios terreiros de candomblé, e também pela disputa
por reconhecimento e poder entre os mais antigos deles, evidenciando a potencialidade
que esses artefatos têm de transmissão e preservação da memória coletiva de um
terreiro.
Neste estudo, além do ciclo de vida das peças, levam-se em consideração
aspectos morfológico e tecnológicos da produção desses artefatos, em que se incluem os
espaços que lhes são associados, bem como aspectos do universo simbólico que deu
sentido a essas peças e animou seu ciclo de vida.
vii
PALAVRAS-CHAVE
Cultura Material, Arte Africana, Estudos de coleção, Candomblé, Iorubá
ABSTRACT
This dissertation results from a study of the material culture of African origin, in
which the manufacture, circulation, use and discard of African and African-inspired
objects are investigated. Two kinds of characteristic yoruba production are focused: the
geledé masks and the edan ogboni statuettes. Some of these objects are found in
Brazilian collections, and their use in Afro-Brazilian religious cults in Recôncavo
Baiano in the past is mentioned in the experts’ writings.
In Nigeria and Benin the wooden masks called geledé and the cooper alloy
statuettes edan are insignia of important traditional yoruba institutions: the Geledé
Association and the Ogboni Association, respectively. These objects are associated to
spiritual entities (Iyami and Onile) who, according to the cosmology of this people, are
the great ancestor mothers of the humankind.
Some researchers allege the presence of these artefacts in Brazil in order to
prove the hypothesis of reestructuring of those yoruba institutions in Recôncavo Baiano
at the end of the colonial period. Other authors go even further, associating this
supposed Brazilian Ogboni Association to the Malê rebellion (1809).
Using the analisys of the life cycle of those artefacts as a methodological tool,
we found that the apparition of those objects here in Brazil may be due not to the
transplantation of those traditional African institutions, but to issues linked to the
permanence of the most profound aspects of yoruba cosmology inside the own terreiros
de candomblé, and also to the dispute for recognizement and power among the oldest of
them, so showing the potential these artefacts have to transmit and preserve the
collective memory of a terreiro.
viii
In this study, in addition to the life cycle of those pieces, morphological and
technological aspects of their production are considered, including also the spaces
which are associated to them, as well as aspects of the symbolic universe which provide
meaning to these objects and animated their life cycles.
KEY WORDS
Material Culture, African Art, Collection Study, Candomblé, Yoruba
ix
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS....................................................................................................III
SIGLAS ........................................................................................................................ V
RESUMO ..................................................................................................................... VI
PALAVRAS-CHAVE................................................................................................... VII
ABSTRACT ................................................................................................................. VII
KEY WORDS.............................................................................................................. VIII
SUMÁRIO ................................................................................................................... IX
INTRODUÇÃO ..............................................................................................................1
Histórico desta dissertação ....................................................................................... 1
Tema do estudo.......................................................................................................... 6
Justificativa ................................................................................................................ 10
Objetivos .................................................................................................................... 12
Objetivo geral........................................................................................................ 12
Objetivos específicos............................................................................................ 12
Orientação teórica .................................................................................................. 13
Procedimentos metodológicos .............................................................................. 16
CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE OS IORUBÁS.................................19
1. A associação Ogboni.......................................................................................... 20
2. A associação Gueledé........................................................................................ 26
CAPÍTULO II – ESTUDO DOS EDAN OGBONI E DAS MÁSCARAS GUELEDÉ EM
COLEÇÕES NO BRASIL ..............................................................................................31
1. As peças e coleções africanas estudadas ...................................................... 31
1.1 Coleção africana do MAE-USP, São Paulo ................................................. 32
1.2 Coleção africana do Museu Afro-Brasileiro (MAFRO), Salvador ............. 34
1.3 Coleção africana de Claudio Masella – IPAC, Salvador.......................... 34
x
1.4 Coleção africana do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), Rio de
Janeiro .................................................................................................................... 35
1.5 Coleção africana de Pierre Verger, Salvador............................................ 35
1.6 Coleção africana de Carybé, Salvador ..................................................... 36
2. Reflexão sobre a variabilidade artefatual dos edan ogboni e das máscaras
gueledé...................................................................................................................... 38
2.1. A variabilidade formal dos edan ogboni e das máscaras gueledé...... 42
2.2 Reflexão sobre a tipologia das máscaras gueledé................................... 46
2.3 Tipologia dos edan ogboni............................................................................ 60
CAPÍTULO III – CONSIDERAÇÕES SOBRE O CICLO DE VIDA DOS EDAN OGBONI E
DAS MÁSCARAS GUELEDÉ USADOS NO RECÔNCAVO BAIANO............................69
1. As peças e coleções afro-brasileiras estudadas ............................................. 71
1.1 Coleção afro-brasileira de Nina Rodrigues, Salvador ............................... 71
1.2 Coleção afro-brasileira de Arthur Ramos, Casa de José de Alencar,
Fortaleza ................................................................................................................. 76
1.3 Coleção afro-brasileira do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia,
Salvador.................................................................................................................. 80
1.4 Coleção afro-brasileira do Museu Estácio de Lima, Salvador ................. 86
1.5 Coleção afro-brasileira de Mestre Didi e Juana Elbein dos Santos,
Salvador.................................................................................................................. 88
2. Ciclo de vida dos edan ogboni e das máscaras gueledé............................ 92
2.1 Manufatura ...................................................................................................... 92
2.2 Uso ................................................................................................................... 106
2.3 Circulação ..................................................................................................... 120
2.4 Descarte ......................................................................................................... 132
CAPÍTULO IV - A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO SOBRE AS SOCIEDADES
SECRETAS’ AFRICANAS NO RECÔNCAVO BAIANO: A ‘SOCIEDADE OGBONI’ E AS
REVOLTAS MALÊS ....................................................................................................141
CONCLUSÃO...........................................................................................................150
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................................152
xi
A - Parte esculpida da máscara gueledé,
madeira, 30 cm. Foto Arquivo MAE-USP, s/d.
Acervo MAE-USP.
B - Uma máscara completa, no contexto do festival
anual de máscaras. Foto Frank Willett, s/d.
Publicada em Willett 2003: 67.
C - Edan ogboni liga de cobre, espetos de
ferro 25,5 cm. Foto Wagner Souza e Silva,
2002. Acervo MAE-USP.
D - O edan sendo usado por um membro da
associação Ogboni. Foto de William Fagg, 1949-
1950. Publicada em Blier 1997: 97.
Fig. 1 - Os artefatos em alguns contextos possíveis, entre os iorubás da África.
xii
Golfo do Benim, África Ocidental
(Adaptado de Verger 1995 por Diego Santos Costa)
Recôncavo Baiano, Brasil
Fig.2 - Mapas
1
INTRODUÇÃO
Histórico desta dissertação
As leituras que contribuíram para a formulação do projeto desta dissertação
foram feitas a partir de 2000, logo após meu ingresso no curso de História da FFLCH-
USP. No primeiro semestre daquele ano, fiz dois trabalhos para a avaliação final de
disciplinas que exerceriam forte influência na escolha do tema desta pesquisa. Para a
disciplina “História do Brasil Colonial I”, propus-me a escrever sobre as religiões de
origem africana durante o período colonial brasileiro, que tinha interesse em
conhecer melhor esse aspecto da vida da população escravizada, que era, para mim,
muito obscuro. Foi assim que conheci um pouco das obras de Manuel Querino, Nina
Rodrigues, Arthur Ramos e Édison Carneiro. Já para a disciplina “História Ibérica I”,
que exigiu como aproveitamento um trabalho de análise documental, propus-me a fazer
uma comparação entre as leis relativas aos feiticeiros nas Ordenações Afonsinas (1448)
e Manuelinas (1521), tentando explicar o incremento da perseguição a essas práticas.
Nesse estudo tive um contato apaixonante com a História das Mentalidades,
principalmente a partir de obras como Imaginário da Magia, de Francisco Bethencourt,
historiador português da Inquisição e da feitiçaria na Península Ibérica.
No segundo semestre de 2000, iniciei estágio no Museu de Arqueologia e
Etnologia, para trabalhar no projeto de pesquisa Tratamento de acervos africanos em
museus do Brasil face aos estudos africanistas no país e aos sistemas de catalogação
internacional: o caso do MAE, coordenado pela Profa. Marta Heloísa Leuba Salum
(Lisy), que havia sido recentemente contratada pelo museu, dando continuidade ao
estudo da coleção africana e afro-brasileira do MAE – trabalho pioneiro dos professores
Marianno Carneiro da Cunha e Kabengele Munanga. A maior parte das peças do
acervo ainda não havia sido estudada desde que chegaram da África, no final da década
de 1970. Uma primeira visita ao setor África culturas e sociedades, da exposição de
longa duração do Museu, despertou em mim o interesse pelo estudo da metalurgia
africana. Isso ocorreu, em parte, por causa da preferência que havia desenvolvido pela
Química Inorgânica, mais especificamente por cristalografia de metais e minerais,
quando, entre 1998 e 1999, cursei quatro semestres da graduação em Química no IQ-
USP e fiz estágio junto ao Departamento de Mineralogia do Instituto de Geociências.
2
A requintada técnica de fundição pela “cera perdida” fez ancorar meu estudo da
metalurgia africana a partir da coleção de estatuetas metálicas relacionadas à associação
Ogboni dos povos iorubás.
1
Essa coleção é uma das mais importantes de todo o acervo
africano do MAE. Foi obtida com o empenho pessoal do Prof. Marianno e de sua
esposa, a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, quando ele foi leitor da
Universidade de Ilê-Ifé, Nigéria, entre 1974 e 1976.
A diversidade morfológica da coleção ogboni do MAE fez nossa atenção se
voltar para o aspecto simbólico de suas peças constituintes. Pensava, naquela época,
que as estatuetas, por serem muito diversas na forma e tamanho, poderiam até estar
ligadas a orixás diferentes. Assim, no ano seguinte, em 2002, passei a investigar a
existência de elementos que permitissem identificar divindades simbolizadas pelas
estatuetas, e classificá-las pelo uso, morfologia e iconografia, com base na literatura
etnológica.
2
A pesquisa da coleção ogboni mostrou que todas as peças metálicas estavam
relacionadas a uma mesma entidade: Onilé, a poderosa e misteriosa “mãe-terra” dos
iorubás. Mas um tipo delas as que possuem espetos (cf. Fig. 18) –, se destaca por
englobar as únicas peças metálicas que podem sair do santuário dos Ogboni. Em
conseqüência, essas peças com espeto são as únicas que são vistas por o iniciados e
são, também por isso, as mais conhecidas, havendo na bibliografia consultada menção
de seu uso em contexto etnográfico. Isso fez do edan “de espeto” um ícone da
associação Ogboni.
Tratando especificamente deste tipo de edan, escrevemos um artigo para a
Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, intitulado Estudo estilístico e
iconográfico das esculturas edan do acervo do MAE-USP (Ribeiro Jr. e Salum 2003).
Data dessa época nossa constatação de que havia peças edan e partes de máscara
gueledé em coleções de museus nacionais, de caráter etnológico e histórico também,
compostas por objetos rituais afro-brasileiros. Essa descoberta foi tão impactante em
1
O plano de pesquisa chamado A metalurgia africana: uma abordagem através da escultura da
Sociedade Ogboni foi apresentado à comissão científica do MAE em 09/2000 e apoiado com bolsa-
trabalho da COSEAS entre 05/2001 e 04/2002.
2
Trata-se do projeto de iniciação científica, Escultura Ogboni: identificação e classificação da coleção
do MAE-USP, apoiado com bolsa de iniciação científica do CNPq entre 05/2002 e 04/2004.
3
nossos estudos que, para o XI Simpósio Internacional de Iniciação Científica da USP-
SIICUSP (04/11/2003), elaboramos uma comunicação que extravasava o núcleo central
de nossa pesquisa: Edan emblema da associação Ogboni na África: investigação
sobre seu uso no Brasil.
Na continuidade do programa de iniciação científica, voltamo-nos para as
outras estatuetas. Estas são tidas como interditadas aos não iniciados
3
, sendo usadas
dentro do Iledi, o santuário/palácio dos mestres Ogboni (esse santuário é, geralmente,
contíguo ao palácio do obá, o “rei”). Sobre essas peças, as informações são ainda mais
escassas. A obrigação do segredo, imposta a todos os membros Ogboni, limita
demasiadamente a possibilidade de ampliação de nossos conhecimentos sobre elas. Isso
alimenta polêmicas que só recentemente começam a ser diluídas. Uma delas, que
merece ser observada, refere-se ao gênero de Onilé, feminino, e o significado da figura
masculina no par do edan.
Para alguns autores, a figura masculina do edan simboliza Olodumaré, ou
Olorun (o senhor do orun, o além) que seria interpretado como contraparte masculina
de Onilé (a senhora da Terra, do mundo concreto). Para outros simboliza o céu, espaço
divinizado, supostamente contraparte masculina da terra. Mas essas interpretações
causavam estranheza. Era conhecida a afirmação que dizia que Olodumaré ou Olorun, o
deus supremo dos iorubás, não possuía representação material. Além disso, por que o
principal símbolo de uma entidade o poderosa como Onilé haveria de fazer uma
menção tão generosa a outra divindade, ainda que fosse ao deus supremo?
A dificuldade de explicar a figura masculina do edan, em vista do gênero
feminino de Onilé, fez com que alguns autores negassem a existência de uma deidade
da terra entre os iorubás (Drewal 1989: 136; Witte 1988:13). Só em 1995, Babatunde
Lawal, iorubá nigeriano radicado nos Estados Unidos, baseando-se nos contos do
oráculo de Ifá, demonstrou que Onilé é uma poderosa “deusa” e que tanto a parte
feminina quanto a parte masculina do edan estão associadas a ela, por ser uma entidade
que encerra em si a essência da humanidade por completo (o lado feminino e o lado
3
O relatório final de nossa iniciação científica apresentou um esboço de tipologia das peças da coleção.
Essa tipologia foi apresentada numa comunicação no XII SIICUSP, pela qual fomos contemplados com
menção honrosa e um convite para apresentá-la em forma de painel na 12ª Jornada Nacional de Iniciação
Científica, realizada durante a 57ª Reunião Anual da SBPC (17 a 22 de julho de 2005) em Fortaleza
CE.
4
masculino também). Fizemos então a ligação dessas informações com a pesquisa do
Prof. Marianno, que mostra essa androginia como característica das entidades
“arcaicas”, ou pouco socializadas, como a deusa Ishtar, da Mesopotâmia, ou como as
Iyami Oxorongá iorubanas:
“(...) Iami (...) é o poder em si, ela tem tudo dentro de seu ser. Ela pode tudo. Ela
é um ser auto-suficiente, ela não precisa de ninguém, é um ser redondo,
primordial, esférico, contendo todas as oposições dentro de si. Elas são
andróginas, elas têm em si o bem e o mal (...), elas têm a feitiçaria, anti-
feitiçaria, elas têm absolutamente tudo, elas são perfeitas.” (Carneiro da Cunha
1984:9) 4
Assim, observamos a íntima ligação de Onilé e Iyami. Considerando-se
também a relação entre Iyami e as máscaras gueledé (cf. Salum 1999:185-187), e o fato
de que essas máscaras foram usadas por terreiros (cf. Carneiro 1967 :63-64),
vislumbramos a contribuição que o estudo dos edan ogboni e dos elementos de máscara
gueledé conservados em coleção poderiam trazer para o entendimento do processo
histórico de formação e desenvolvimento da cultura afro-brasileira.
Nessa perspectiva, escrevemos o pré-projeto de mestrado que foi apresentado
ao programa de pós-graduação do MAE em abril de 2004. Inicialmente intitulado
Onílè e Ìyàmi, as grandes mães ancestrais iorubás: estudo de seu imaginário no
Brasil pela abordagem da cultura material e da tradição oral”, esse projeto sofreu
alterações quando, durante os meses de maio a setembro de 2006, foi realizada pesquisa
de campo em terreiros de Salvador.
Em primeiro lugar, pretendia estudar os objetos em conjunto com a tradição
oral relativa às entidades correspondentes, legada particularmente às sacerdotisas dos
terreiros onde se diz que, no passado, tais objetos foram usados. Essa
complementaridade entre a documentação material e a tradição oral de origem africana
é preconizada por alguns pesquisadores das Artes da África como Jan Vansina (1968),
Amadou Hampâté (1976), Fernando Mourão (1995-1996), Marta Heloísa Leuba
Salum (1999) e Carlos Serrano (1983; 1993).
Entretanto, o conhecimento oral relativo às entidades em questão mostrou-se
inacessível, pois está restrito a poucas pessoas dos mais antigos candomblés ainda em
4
Palestra proferida na Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 13/10/1979, poucos meses antes do seu
súbito falecimento. O texto apresentado na palestra foi publicado na Revista Dédalo, 23:1-16, 1984.
5
funcionamento no Recôncavo, entre eles, os “terreiros de orixá” e os “terreiros de
egum (os que praticam o culto aos ancestrais). O candomblé possui suas próprias
formas de cognição, que, em grande medida, não são compatíveis com as da pesquisa
acadêmica. O conhecimento no candomblé é adquirido aos poucos, de forma vivencial,
com o passar dos anos, através da participação nos ritos, nas festas e nas ocasiões
importantes da vida do terreiro. E alguns tipos de conhecimento, como é o caso da
tradição oral relativa à Iyami e Onilé, por serem considerados de grande “fundamento”,
podem ser ensinados a uma pessoa que atenda a determinadas prerrogativas, entre as
quais a de ser um iniciado no candomblé com mais de sete anos (ebômim).
A essa dificuldade imposta à pesquisa, acrescentamos o fato de que as
entidades e peças aqui estudadas são ligadas às forças da “feitiçaria”
5
. Isso desencoraja
os detentores desse legado a falarem, pois um dos tabus (“euó” ou “quizila”) dessas
entidades em particular, de acordo com a literatura consultada, é justamente não
extravasar qualquer conhecimento envolvido nesses ritos para pessoas não iniciadas,
sendo interditado até mesmo lembrar ou pronunciar seus nomes. É comum vermos os
filhos de santo dos antigos candomblés de Salvador, como faz o sábio Ogã da Casa
Branca, Antonio Luis Santos Figueiredo, nosso principal colaborador, riscar
simbolicamente um xis no chão antes de falar a palavra “Iyami”, como um pedido de
licença a essa respeitável mãe ancestral e garantia de que nada de mal venha a
acontecer pela pronúncia de seu nome.
A dificuldade de obtenção da tradição oral relativa às peças e às entidades do
nosso estudo conduziu a uma reaproximação com os artefatos e com outras fontes
documentais, como jornais e fotografias, na expectativa de suprir a falta dos dados
etnográficos sobre esse assunto.
A maioria das peças selecionadas possui um histórico complexo. Algumas
mostram indícios de que foram feitas localmente. Outras, muito provavelmente, foram
feitas na África. entra a questão da circulação dos objetos. Como vieram parar na
Bahia? Questionamos, então, o uso que tiveram aqui. O que essas peças representariam
nesse novo contexto? Além disso, peças como essas foram descartadas, ou mais
5 A utilização da palavra feitiçaria, neste trabalho, refere-se às práticas de caráter anti-social ou maléfico,
e distingue-se da manipulação de forças do “outro mundo” com finalidades propiciatórias, terapêuticas
ou profiláxicas (cf. Parés 2006: 112).
6
propriamente “despachadas”, na linguagem do candomblé, entre o final do século XIX
e início do século XX, nas praias de Salvador, sendo depois recolhidas (cf. Rodrigues
1904).
Isso nos fez pensar nos motivos e formas do descarte desse tipo de peça, além
da “re-utilização” que elas tiveram em delegacias, institutos de medicina legal e
museus. Assim, voltamo-nos para a história desses artefatos, tentando reconstruir seu
ciclo de vida.
Tema do estudo
O edan ogboni é um conjunto de duas estatuetas metálicas representando um
casal humano, por vezes assentadas sobre espetos curtos de ferro e ligadas na parte
superior por uma corrente. Entre os vários usos e sentidos que lhe são atribuídos entre
os iorubás, o edan pode ser um amuleto e um identificador pessoal dos membros que
congregam a associação Ogboni uma instituição tradicional que detém poderes
religiosos, judiciais, políticos e administrativos. Essa espécie de senado de anciãos
existente em cada cidade ou vilarejo iorubá funciona como um contraponto ao poder do
rei ou obá. Além disso, são os mestres ogboni que realizam uma importante cerimônia
estruturada a partir da cosmogonia desses povos: o culto a Onilé, entidade que
personifica a terra ou o território e que, às vezes, é tida como mais poderosa do que os
orixás, ou até e de todas as deidades iorubanas (cf. Lawal 1995: 41-43; Morton-
Williams 1960:634; Ribeiro Jr e Salum 2003: 232).
As máscaras gueledé são compostas por uma parte em madeira esculpida na
forma de uma cabeça humana ou de animal. A essa parte de madeira, que geralmente
cobre a cabeça e parte do rosto, fixa-se um prolongamento feito com fibras vegetais,
tecidos ou roupas. São vestidas por homens adornados com jóias e outros adereços,
como seios e ventre protuberantes de madeira. Essas máscaras são usadas para aplacar a
ira da geniosa Iyami a ambivalente mãe antropofágica dos iorubás, que inspira medo
e temor.
Na África, o culto à Iyami tem caráter aplacatório. Ele é realizado com a
intenção de pacificá-las, pois são entidades ditas “arcaicas”, de difícil trato. A
cerimônia mais conhecia é a dança anual das máscaras, que é realizada pela associação
Gueledé. Nessa cerimônia, ao som de atabaques e cânticos, esses homens
7
paramentados, e executando movimentos femininos com o quadril, saem em procissão
pelas ruas da cidade. Desse modo, eles abstêm-se, simbolicamente, de exercer sua
masculinidade para divertir, mimar e prestar homenagem às Iyami e, assim, garantir
que essa deidade não fique encolerizada e traga tragédias para a comunidade (cf. Lawal
1995; Verger 1992; Drewal e Drewal 1990; Carneiro da Cunha 1983 e 1984).
No decorrer de nossa pesquisa de iniciação científica, desenvolvida a partir do
acervo africano do MAE, verificamos a existência de edan ogboni e esculturas
integrantes de máscaras gueledé em catálogos de museus de arte e cultura afro-
brasileira, mas até então esses objetos não haviam sido estudados de forma
aprofundada.
Mesmo assim, essas peças têm sido usadas por alguns autores para atestar o
estabelecimento de “sociedades secretas” africanas no Recôncavo Baiano. Clóvis
Moura (1983: 98) utiliza-se da fotografia de um edan publicada no livro de Nina
Rodrigues para inferir a existência da associação Ogboni na Bahia. Raul Lody (1985:
11-12; 1987: 13) afirma a existência das associações Ogboni e Gueledé em Salvador,
quando descreve as máscaras gueledé e os edan ogboni conservados pelo Instituto
Histórico e Geográfico da Bahia e pelo Museu Arthur Ramos.
Ainda outros autores relacionam a suposta “Sociedade Ogboni Brasileira” às
revoltas malês, ocorridas no Recôncavo Baiano no começo do século XIX. rápidas
menções na literatura a essas revoltas, atribuindo à associação Ogboni a liderança do
levante de 1809 na Bahia (Arthur Ramos 1956: 48; Bastide 1971: 148 e 149; Moura
2004: 293, 1981: 138-139). Por outro lado, João José Reis (2003: 79) acha essa
interpretação “altamente improvável”.
A despeito dessa polêmica hipótese do estabelecimento de associações
“secretas” africanas na Bahia, autores que atentam para outros aspectos que esses
objetos suscitam. Marianno Carneiro da Cunha (1983: 1014), referindo-se às máscaras
gueledé como “parafernália das feiticeiras”, menciona duas peças conhecidas do
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia:
“Trata-se de duas peças importantes em vários sentidos (...). Atestam uma
tradição brasileira de escultura de máscaras ignorada até agora, exceto de certos
fiéis dos cultos afro-brasileiros e de Pierre Verger, que fotografou uma dessas
peças há vinte anos atrás”.
8
Em pesquisa nos arquivos da Fundação Pierre Verger, verificamos que ele
fotografou as duas peças, sendo que há duas fotos de uma delas (veja a Prancha 2).
Além dessas, permanecem conhecidas até hoje apenas mais três destas
máscaras (cf. Fig. 3) que fazem parte da coleção particular do Mestre Didi, filho de
Mãe Senhora do I Axé Opô Afonjá, que foram publicadas em Drewal e Drewal
(1990: 244-245) e em Thompson (1993: 304).
9
Foto: Pierre Verger
(fotografia 27144: caixa 19a
- Arte afro-brasileira,
Salvador, Brasil - anos 50 -
Arquivos da Fundação
Pierre Verger)
Foto: Pierre Verger
(fotografia 27145: caixa 19a
- Arte afro-brasileira,
Salvador, Brasil - anos 50 -
Arquivos da Fundação
Pierre Verger)
Foto: Pierre Verger
(A mesma máscara da foto
27145. Fotografia 27104:
caixa 19a - Arte afro-
brasileira, Salvador, Brasil -
anos 50 - Arquivos da
Fundação Pierre Verger)
Fig. 3 – Duas máscaras gueledé do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
10
Os dois tipos de objetos que estudamos possuem aproximações: são ícones de
duas associações político-religiosas dos iorubás; são representações materiais de duas
importantes e poderosas divindades ligadas ao poder ancestral feminino; e são peças
temidas, tanto pelos iorubás da África como pela comunidade do candomblé de
Salvador (Rego 1980: 270-272), porque são tidas como mediadoras de entidades
ligadas à “feitiçaria” no mundo concreto e visível.
Onilé é uma entidade pouco conhecida no Brasil, mas, segundo Prandi (2001:
554), recebe homenagens em candomblés tradicionais da Bahia e em candomblés
africanizados (cujos sacerdotes ou membros proeminentes buscaram aprofundar seus
conhecimentos religiosos através de iniciação ou “obrigações” na África). Segundo o
autor, suas atribuições foram redistribuídas entre outros orixás relacionados à terra
(2001: 21). Como Onilé, a “mãe-feiticeira” Iyami revela-se nas tradições dos terreiros
mais antigos, embora sua vinculação à idéia de feitiço pareça ter contribuído para o
enfraquecimento de seu culto entre nós (cf. Prandi 2001: 550).
Diante dos dados disponíveis, vemos que entre os iorubás, na África, essas duas
associações, a Ogboni e a Gueledé, formam-se para, oficialmente, lidar com forças
potencialmente perigosas que, se não corretamente pacificadas, podem comprometer
toda a sociedade, pois as entidades arcaicas comportam um aspecto anti-social.
De qualquer maneira, não se pode esquecer que Iyami é uma entidade
considerada arcaica em relação às “socializadas” (Carneiro da Cunha 1984: 4) as que
se manifestam em seus fiéis nos cultos –, de modo que seus atributos podem ter sido
transferidos a outras entidades femininas, as Iabás, como Oxum, Iansã ou Obá, como
teria acontecido com Onilé.
É dessa perspectiva que partimos para estudar esses objetos, primeiramente
pela morfologia e tecnologia e depois pela reconstrução do ciclo de vida dos objetos em
coleção que inventariamos ao longo da pesquisa.
Justificativa
Omotoso Eluyemi (1994: 209), arqueólogo nigeriano, apontando para as novas
possibilidades do estudo arqueológico de altares em templos de deuses africanos,
afirma que sem o entendimento dos princípios da associação Ogboni, nenhum
11
pesquisador poderia compreender a história sociocultural dos povos iorubás. O mesmo
poderia ser dito a respeito da associação Gueledé.
Intimamente associados a essas instituições africanas são os edan e as máscaras
gueledé, mesmo que provavelmente tenham-lhe sido agregados novos significados em
seu uso nos terreiros da Bahia, como veremos posteriormente.
Esses terreiros e suas ideologias têm uma grande importância na formação das
religiões afro-brasileiras, pois a estrutura do ritual e a mitologia iorubá serviram de
inspiração a todas elas. O prestígio e reconhecimento das casas “nagôs” de Salvador
entre o povo-de-santo e entre os estudiosos do candomblé acabou por conformar uma
espécie de ortodoxia, identificada com a “mais pura tradição africana” por autores
como Carneiro (1967), Bastide (1974) e Verger (1981). Inspirados nisso, podemos
dizer que os edan ogboni e as partes esculpidas de máscaras gueledé podem se
constituir, em conjunto com fontes auxiliares (tradição oral, documentos escritos e
imagéticos), como documentos privilegiados, capazes de revelar, pelo estudo de seu
ciclo de vida, novos dados sobre a fundação e evolução histórica dos terreiros, e
também da sociedade soteropolitana que os envolvia quiçá da sociedade brasileira na
qual esses cultos se expandiram.
A análise das fontes orais a respeito dessa problemática exercitada junto à
observação de aspectos materiais e espaciais do culto parece corresponder aos
problemas apontados por Mourão (1995-1996: 17) com relação à presença africana em
várias instâncias da cultura e do conhecimento. Esse autor considera que “a partir do
momento em que se passe a relacionar melhor as diversas artes entre si e as técnicas,
problemas essenciais das culturas africanas serão melhor desvelados e aprofundados.”
A presença desses objetos não foi ainda estudada em campo sociocultural no
Brasil, ainda que as entidades simbolizadas neles constem até hoje no imaginário
brasileiro, representadas no panteão das entidades afro-brasileiras, particularmente
naquele da nação Keto
6
. Além disso, o problema não foi explorado exaustivamente,
6
Nação, no contexto do candomblé, significa modalidade ritual, originada da diferenciação étnica entre
os povos africanos na diáspora, mas progressivamente circunscrita a significados estritamente religiosos,
independentemente da ascendência dos membros do grupo de culto. Keto, reino iorubá hoje localizado
no Benim, foi a localidade de origem de muitos dos escravizados aportados à Bahia. O terreiro
frequentemente apontado na bibliografia como “o mais antigo do Brasil”, a Casa Branca, auto-identifica-
12
principalmente no que se refere à continuidade e descontinuidade dessa produção
escultórica. Não se sabe, por exemplo, se tais peças foram feitas na África ou se foram
feitas localmente. Tampouco se sabe em quais circunstâncias chegaram aqui, o que
representavam e porque foram abandonadas ou esquecidas, como pode parecer à
primeira vista.
Objetivos
Objetivo geral
Contribuir para o estudo da cultura material africana e afro-brasileira.
Objetivos específicos
Realizar um levantamento sistemático dos edan ogboni e das máscaras gueledé
em coleções etnológicas afro-brasileiras, analisando os objetos levantados em sua
dimensão formal e simbólica, e, interpretando-os comparativamente entre si e com
peças africanas semelhantes.
Reconstruir, por meio de fontes documentais diversas, o ciclo de vida desses
artefatos, desde sua produção, passando pela circulação, uso, reuso, até seu descarte ou
abandono.
Reunir relatos sobre a tradição de Onilé e Iyami dos antigos terreiros de orixá e
dos antigos terreiros de egum, interpretando-os comparativamente com os dados
concernentes na literatura sobre o Negro no Brasil e sobre a África, e discutindo os
dados históricos difundidos sobre associações iorubanas Ogboni e Gueledé no Brasil.
se como de “nação keto”. Como veremos adiante, este terreiro tornou-se modelo para diversas casas a ela
afiliadas ou não.
13
Orientação teórica
Este estudo focaliza a cultura material de terreiros que são templos de religiões
afro-brasileiras, onde cerimônias e cultos em torno de entidades de origem africana
foram perpetuados no Brasil. Englobando também problemas de arte, os objetos e
símbolos dos quais partimos têm sido tratados na etnologia africana e afro-brasileira do
ponto de vista funcional-estruturalista. Mas, diante do problema das mudanças sociais
na África e do processo de chegada desses objetos ao Brasil no contexto da escravidão
e do pós-escravidão, devemos adotar uma perspectiva dinâmica de abordagem e uma
metodologia interdisciplinar no estudo do problema.
Partimos do fato de que as peças aqui estudadas, algumas das práticas religiosas
a elas relacionadas e a própria tecnologia da produção escultórica envolvida são
consideradas como extintas no Brasil. Mas, além do estudo formal-estilístico desses
artefatos isolados e descontextualizados, outras abordagens possíveis. Na visão do
arqueólogo italiano Carandini (Carandini e Settis 1979) os artefatos arqueológicos de
coleção,
“esses membros esparsos, agora guardados, às vezes amontoados nos depósitos
dos museus – de qualquer maneira irreversivelmente arrancados de seus contextos
originais – aguardam a inteligência atributiva do arqueólogo (...) que está em condições
de tornar-lhes a dar um sentido social e um respiro histórico, através de seus
conhecimentos interdisciplinares (...).Trata-se de reinventar, por assim dizer, um
contexto, um significado geral, para muros desabados e bugigangas empoeiradas (...).
Protagonistas desta obra fundamental de resgate científico – a maior parte dos materiais
de que dispomos é, como se disse, “fora de contexto” são os arqueólogos que
escavam entre as coisas mal escavadas e que tornam a tecer a trama original que outrora
as ligava diretamente.”
Assim, pelo caminho da Arqueologia, nos vimos inicialmente atraídos pelos
fundamentos da escola que se convencionou chamar de Arqueologia Pós-processual,
surgida na década de 1980. Os fundamentos dessa escola se opuseram aos da Nova
Arqueologia da década de 1960, determinando uma aproximação disciplinar maior com
a História, mais especificamente com os Annales. Essa linha do pensamento histórico,
por sua vez, defendeu a importância dos documentos materiais enquanto fonte primária
14
e abriu campo para o fomento da história social enquanto disciplina, até então ofuscada
no conjunto das ciências humanas pela abordagem político-econômica.
Além disso, pela Arqueologia Pós-processual o contexto histórico dos artefatos
e questões relativas à ideologia, à individualidade e atuação (agência) das pessoas que
fizeram e utilizaram os objetos ganham relevância, e o acaso, a dúvida e a subjetividade
do próprio pesquisador são considerados influentes na interpretação dos restos
materiais.
Na década de 1990, surge um desmembramento temático chamado Arqueologia
cognitiva, definido por Renfrew e Bahn (1993: 355), como “o estudo das formas de
pensamento do passado a partir dos restos materiais”. A Arqueologia cognitiva aborda,
segundo Flannery e Marcus (1996: 351), questões relativas
“a todos os aspectos da cultura antiga que são produtos da mente humana: a
percepção, descrição e classificação do universo (cosmologia); a natureza do
sobrenatural (religião); os princípios, filosofias, éticas e valores pelos quais as
sociedades humanas são governadas (ideologia); os meios pelos quais os
aspectos do mundo, o sobrenatural ou valores humanos são inseridos na arte
(iconografia); e todos as outras formas do intelecto humano e comportamento
simbólico que sobrevive no registro arqueológico”.
Mas não podemos entender como arqueológico o “registro” de que dispomos
pois as amostragens dos objetos aqui estudados foram formadas na perspectiva
etnológica: formam coleções em museu e não há conhecimento explícito sobre seu uso
em contexto originário nem no passado, nem no presente. Ainda que haja registros
históricos do uso dessas peças, e, ainda, considerando o terreiro de candomblé um “sítio
vivo”, onde foram usadas, buscávamos um problema arqueológico na nossa pesquisa
para além do fato de ser ela uma contribuição aos estudos de cultura material,
comportando aspectos simbólicos e tecnológicos atinentes à Arqueologia.
Usando de uma expressão correlata à denominação de outras ramificações
dessa disciplina surgidas nos EUA a partir do estudo de tios majoritariamente
relacionados com os problemas da diáspora africana e escravidão, não temos ainda uma
“Arqueologia Afro-Brasileira”, apesar da especificidade do nosso objeto de estudo.
Mas um debate arqueológico específico entre nós que advém do estudo de áreas
remanescentes de quilombos, e que poderia estender-se aos candomblés enquanto
espaço não apenas instituído, mas construído.
15
Entretanto, a pesquisa inicia-se pelo estudo de coleções em museus, com base
na etnologia realizada na Nigéria, Benim e no Brasil desde o fim do século XIX até os
dias atuais, tendo em vista, de um lado, que nesse período encontram-se as referências
do imaginário que perpassa o tema. De outro lado, nosso conjunto artefatual levanta
questões relacionadas à diacronia ou ao desenvolvimento histórico das sociedades
iorubás na África e a recriação dessa identidade no Brasil por meio da fundação e
manutenção dos terreiros de candomblé. Sendo assim, pensamos ser mais conveniente e
frutífera a abordagem pela ótica de uma teoria arqueológica que dialogue com a teoria
histórica.
Assim, finalmente, encontramos em Schiffer (1972; 1976) uma maneira de, ao
menos, situar nosso objeto de estudo a partir de uma terminologia específica do campo
arqueológico, pela qual vemos o edan e a máscara gueledé como elementos de história
e de cultura material.
Segundo Schiffer (1976: 27), o registro ou a evidência do passado pode ser de
dois tipos. Um deles é o registro arqueológico, que se compõe dos itens que saíram de
um sistema cultural e que são encontrados comumente pelos arqueólogos no contexto
arqueológico (contexto culturalmente estático). O segundo tipo é o registro histórico,
em que seus componentes (documentos, artefatos, obras de arte etc), pelo fato de
poderem ser observados e manipulados, pertencem a um sistema cultural contínuo
(dinâmico), ou contexto sistêmico.
Diante disso, os artefatos que estudamos nesta dissertação devem ser
considerados registros históricos. Entretanto, ainda segundo Schiffer (1976: 29), o
conhecimento do contexto sistêmico é importante para interpretar corretamente o
registro arqueológico, permitindo apontar aspectos relevantes do sistema sócio-cultural
passado.
Assim, no Brasil, embora tenham caído em desuso nos cultos e rituais,
consideramos que os edan e as máscaras gueledé continuaram em circulação porque
foram recolhidos em delegacias de polícia e depois integrados a acervos etnológicos de
museu.
Isso nos leva a considerar, usando o modelo de Schiffer (1976: 34-40), a
interação do contexto sistêmico com o contexto arqueológico de acordo com os quatro
16
tipos principais de processos culturais de formação, resultando em quatro modalidades
de interação, sendo que duas delas dizem respeito a nossa pesquisa.
Na chamada interação S–A, os artefatos saem do contexto sistêmico e entram
no contexto arqueológico. É o que acontece, por exemplo, quando os artefatos são
abandonados ou descartados, como os encontrados comumente nas escavações. Talvez
pudéssemos situar as peças do candomblé descartadas no mar, como a peça
encontrada nas areias de praia de Salvador (cf. Rodrigues 1904), ou o depósito em
investigação pela UFPe e UFCe em torno da Cruz do Patrão, em Recife.
a interação S–S resulta na transformação de um material de um estado em
outro dentro do próprio contexto sistêmico. Esse processo pode ser exemplificado
conforme dito acima pelas atividades de “reciclagem”, “uso secundário”, e “circulação
lateral”.
Os terreiros que utilizaram os objetos enfocados na pesquisa são dirigidos por
comunidades organizadas de modo particular e específico em relação à sociedade
envolvente desde o período colonial. Sejam produzidos no Brasil ou na África, os edan
ogboni e as esculturas integrantes de máscaras gueledé são os únicos tipos de artefatos
que têm alimentado o imaginário sobre a presença das chamadas “sociedades secretas”
africanas no Brasil, muito embora só sejam conhecidos através de museus.
Procedimentos metodológicos
Nosso material de estudo foi analisado no interior desse contexto denominado
sistêmico. As peçcas mais importantes estão perfiladas nas Figs. 20 a 30.
Para entendermos um artefato dentro de uma sociedade, torna-se necessário
recuperar suas diversas trajetórias, “dando à produção e à circulação a mesma atenção
que se dá ao produto” (cf. Meneses 1983:110). Deve-se, pois, considerar o ciclo de vida
do artefato (cf. Rathje e Schiffer 1982: 84-103). A análise do contexto histórico nas
distintas etapas de vida de um objeto (busca pela matéria-prima, produção, circulação,
armazenagem, uso, manutenção, reuso e descarte) pode revelar os valores e
significados que ele possui dentro de um grupo social (Appadurai e Kopytoff 1986;
Lubar e Kingery 1993).
17
Entretanto, a maioria desses artefatos se encontra, hoje, em museus e em
coleções particulares. Muitos deles foram “saqueados” pela polícia do início do século
XX, tendo sido retirados dos candomblés e levados para institutos de medicina legal
antes de chegarem onde hoje são conservados. Tirados de seu contexto original, foram
imbuídos de nova significação, além daquela atribuída pelos fiéis. Antes objetos de
culto, eles passaram, então, a servir de “provas” de práticas ilegais de medicina, a
pretexto da acusação de politeísmo e idolatria de seus usuários, sendo assim também
considerados pela cultura envolvente (cf. Braga 1995: 125). Isso fez com que alguns
deles, preservados ou recuperados pelas comunidades de procedência, sejam ícones do
“povo-de-santo” pelo Brasil afora.
A descontextualização desses artefatos do terreiro é o grande entrave nos
estudos de coleção. O problema se torna ainda maior quando estão envolvidas
inspirações, formas de pensamento, ideologias, que nem sempre vão expressas na
cultura material (cf. Renfrew e Bahn 1993: 375). Amadou Hampâté (1976: 17),
referindo-se às artes plásticas da África, já afirmava que “cada objeto do passado é
como uma palavra muda”.
Tendo em vista essas dificuldades na análise dos artefatos, vemos como
necessária a busca de evidências adicionais — próprias do grupo social a que nos
reportamos para exercitarmos sua interpretação. A compreensão dos objetos rituais
do candomblé depende principalmente do conhecimento das tradições orais,
transmitidas de geração em geração nos terreiros.
Com efeito, Renfrew e Bahn (1993: 396), tendo em vista os obstáculos para se
compreender, somente a partir da cultura material, as relações simbólicas de populações
extintas ou em épocas históricas anteriores, alertam: “o pensamento mítico possui sua
própria gica. (...) Desse modo, devemos examinar as tradições orais e documentos
escritos”. Isso vem ao encontro das idéias do africanista Jan Vansina sobre tradição
oral. Segundo ele, “a Arqueologia proporciona fontes históricas diretas, mas geralmente
é incapaz de situá-las em um contexto histórico. Proporciona dados datáveis e dados
que remontam muito mais tempo no passado que os de qualquer outra ciência humana.
Todas essas qualidades fazem dela a ciência auxiliar mais necessária e útil para o
historiador das tradições orais” (Vansina 1968: 185).
18
Entretanto, o conhecimento das tradições orais do candomblé, especialmente
àquelas relacionadas ao nosso tema, são, em grande maioria, vetadas aos não iniciados
nessa religião, como já mencionamos anteriormente.
Desse modo, quando impossibilitados de empreender uma coleta direta da
tradição oral legada aos membros dos antigos candomblés de Salvador, fomos levados a
tentar entendê-la de forma indireta: pelas histórias de vida e tradições orais que
foram publicadas; por conversas com membros do povo-de-santo e com artesãos; pelo
estudo de cantigas, orações, observando cerimônias públicas dos candomblés
enfocados; e, ainda, pela análise da documentação escrita e imagética disponível que se
relaciona com o tema da pesquisa. Esses diversos tipos de fontes documentais foram de
grande importância para o exercício de reconstrução do ciclo de vida desses artefatos.
Outros aspectos metodológicos serão especificados na análise de dados
constante sobretudo nos capítulos II e III, incluindo-se a apresentação de alguns
dados particulares do corpus da pesquisa.
Esta dissertação apresenta-se dividida em quatro capítulos. No primeiro,
faremos uma breve contextualização das associações Ogboni e Gueledé entre os iorubás
da África. No segundo, abordaremos o estudo da variabilidade formal dos artefatos
enfocados, refletindo sobre sua tipologia. No terceiro capítulo apresentaremos um
exercício de reconstrução do ciclo de vida dos edan ogboni e das máscara gueledé que
foram usadas no Recôncavo Baiano. E finalmente, no quarto capítulo tratamos da
questão da presença no Brasil das ditas “sociedades secretas africanas”, onde fazemos
algumas considerações que remetem às revoltas malês.
19
CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE OS
IORUBÁS
Este capítulo inicial reporta-se à história dos povos iorubás que têm sido
estudados desde o final do século XIX. Não foi nossa intenção fazer uma síntese de
todos esses trabalhos, mas sim de apresentá-los a partir das duas associações político-
religiosas que estão ligadas aos artefatos enfocados, pois a postura de alguns
pesquisadores frente às peças edan e gueledé no Brasil está fortemente fundada em uma
idéia distorcida e romântica das associações iorubás.
O termo yoruba foi difundido a partir do século XIX para designar os povos
que, além da mesma língua, tinham as tradições e a cultura originárias da cidade de Ilê-
Ifé, onde, segundo os mitos, o primeiro rei iorubá, Odudua, estabeleceu-se, vindo do
leste. Apesar disso, suas cidades mantinham independência política e esses povos não
se chamavam entre si por um único nome. Muitas vezes um iorubá se identificava mais
com o reino onde havia nascido (Ijebu, Ijexá ou Keto, por exemplo), do que com essa
designação mais genérica (cf. Verger 1981: 11-16).
Após a partilha colonial da África (Congresso de Berlim de 1884-85), os
iorubás ficaram divididos pela fronteira do Benim com a Nigéria. ainda outros
grupos iorubás dispersos no Togo, Gana e Serra Leoa, sendo que alguns deles são
comunidades de retornados das Américas. Aqui no Brasil, os africanos de origem
iorubá foram mais conhecidos por nagôs, e passaram a ser trazidos em massa para a
Bahia no contexto de crise e declínio do Império de O(cf. Verger 1981; Costa e
Silva 2003; Law e Mann 1999)
Na metade do século XVIII, o Império de Oyó, com o auxílio de uma numerosa
cavalaria, tornava-se um dos estados centralizados mais poderosos do golfo,
submetendo outras cidades iorubás e estendendo sua autoridade até outros reinos, como
os de Keto e do Benim. Em 1837, ocorre a tomada da cidade de Oyó, originada pelas
disputas internas pelo poder e pelas guerras travadas com os reinos do Daomé e dos
Fulanis. Assim, a capital Oyó-ilê é destruída e as cidades vassalas do reino são
invadidas, provocando a fuga da população autóctone para outras cidades iorubás (cf.
Adekoya 1999: 40-50).
20
Nesse contexto, muitos africanos da região iorubá são escravizados e trazidos
ao Brasil. Dentre eles estavam muitos sacerdotes que perpetuaram aqui o culto às
principais entidades desse panteão, fundando na Bahia importantes comunidades
religiosas que deram origem aos atuais terreiros de candomblé.
As tradições orais contam que a Casa Branca do Engenho Velho da Federação,
um dos terreiros mais antigos ainda em atividade em Salvador, teria sido fundada nos
fundos da Igreja da Barroquinha, possivelmente no começo do século XIX, pelas
negras iorubás Iya Adetá, Iya Kalá e Iya Nassô. Desse terreiro, desmembrou-se o
Gantois e o depois o Ilê Axé Opô Afonjá (cf. Silveira 2006; Carneiro 1967).
Deve-se observar que além desses “terreiros de orixá” (lésè-òrìsà), na Bahia
também os “terreiros de egum” (lésè-égún), que cultuam os antepassados masculinos
de uma linhagem ou família. Um dos mais antigos e respeitado é o Omo Ilê Aboulá,
que fica na lha de Itaparica (Cf. Elbein dos Santos 1993: 103; Braga 1992).
1. A associação Ogboni
Não devemos confundir a associação Ogboni, “tradicional” entre os iorubás
conhecida na literatura inglesa como Aboriginal Ogboni Fraternity – A.O.F.” –, com a
“Reformed Ogboni Fraternity R.O.F.”, que foi criada em 1914 por um padre
anglicano, o Reverendo Thomas Adésínà Jacobson Ògúnbíyí, que revisou os rituais e o
simbolismo “tradicional” para ser aceitável aos cristãos, muçulmanos e demais pessoas
(Lawal 1995: 39).
Tratamos aqui da associação Ogboni existente na África, relatada pela
etnografia desde Baudin (1980) e Ellis (1980) até Lawal (1980), passando por
Frobenius (1910) e Morton-Williams (1960). É a essa associação na África que é
atribuída a produção material correspondente aqui estudada: os edan.
A associação Ogboni é uma instituição dos iorubás incumbida de funções
religiosas, administrativas, políticas e judiciais. Ela é uma espécie de assembléia de
anciãos que, unidos ritualmente, regem um importante culto estruturado a partir da
cosmogonia dos iorubás: o culto a Ilè ou Onílè, a “mãe-terra” iorubá) entidade que,
às vezes, é tida como mais poderosa do que os orixás, e até mãe de todas as divindades
iorubanas (cf. Morton-Williams 1960: 364 e Lawal 1995: 41-43).
21
O conhecimento acadêmico acumulado sobre a associação Ogboni até o
momento é muito lacunoso e fragmentado. Isto se deve em parte ao desprezo e muitas
vezes à repulsa com que as religiões africanas em geral foram tratadas pelo Ocidente,
apesar da farta literatura sobre os povos iorubás, pelos quais ela foi instituída. Outra
grande contribuição para que essa instituição ficasse obscurecida foi seu caráter
reservado sendo assim tida, pejorativamente e impropriamente, como “sociedade
secreta”, – denominação comum com que é mencionada na literatura etnológica.
Essa denominação mais obscurece do que explica. Apesar de ter sido criticada
por William Bascom (1944), ela permanece ainda hoje, tanto no meio acadêmico,
quanto no religioso. Essa denominação exagera algumas características da Ogboni com
a intenção de fazê-la parecer uma organização despótica e “anti-democrática” por
natureza, como se várias instituições ocidentais consideradas legítimas não tivessem
características semelhantes, tais quais a realização de reuniões fechadas, a prática de
conchavos e represálias, e o estabelecimento de leis próprias e não-reveladas o que
bastaria para classificá-las, também, como “organizações secretas”.
Criada para designar determinados tipos de organizações africanas que se
estruturavam de modo diferente dos ideais ocidentais, a expressão “sociedade secreta”
se associada a instituições africanas que, assim como a Ogboni, mantêm segredo
acerca dos seus conhecimentos, crenças e rituais; que proíbem a revelação por parte de
seus membros sobre o que ocorre nas assembléias, restritas aos iniciados titulados; e,
que não permitem a quebra dos acordos firmados (Morton-Williams, 1960: 362,
366).
Não se sabe ao certo o momento histórico em que essa associação foi criada. A
cultura material mais antiga a ela associada compõe-se de esculturas de altar do século
XVIII do antigo reino iorubá de Oyó (Williams 1964: 141). Mas, para alguns autores, a
associação Ogboni é uma “ressonância” de uma religião anterior às mudanças políticas
que se fizeram por causa da chegada, pelo leste, do primeiro rei iorubá (Odùduwà) e
seus descendentes aqueles que instituíram o culto dos orixás (Ulli Beier apud Costa e
Silva 1996: 569). Os sacerdotes Ogboni teriam conseguiram conservar o poder e o
prestígio dentro do novo sistema porque sabiam pacificar Onilé e mantê-la fértil.
Assim, teriam continuado a praticar sua religião, cuidar da ordem e estabilidade social e
da manutenção dos velhos costumes.
22
Notamos a afinidade da interpretação de Costa e Silva com dados publicados
muito anteriormente por Peter Morton-Williams (1960: 364), antropólogo britânico que
entrevistou membros ogboni em Oyó, Nigéria, em 1948, tendo publicado o seguinte
registro:
“a Terra (...) existiu antes das divindades e o culto Ogboni antes da realeza. A
Terra é a mãe a quem os mortos retornam. A Terra e os ancestrais, não as
divindades (orixás), são as fontes da lei moral”.
Esse trecho poético da tradição oral pode ser a simbolização mitológica de um
importante processo de ruptura que separa dois momentos históricos nessa região da
África: um, quando havia sociedades com pequena estratificação social, vivendo da
agricultura, e que faziam o culto à terra; e um outro momento em que o culto à terra
persistiu de alguma forma, mas coligado a uma religião estrangeira (o culto aos orixás),
provavelmente adotado e cultivado depois de migrações na região e da intensificação
do comércio e formação de reinos.
Esta é apenas uma hipótese, que se sustenta ainda por outras evidências.
Temos, primeiramente, a lingüística: é que os sacerdotes Ogboni aprendem um dialeto
ritual que parece não ter relações com o iorubá. Uma segunda evidência é de natureza
estética: enquanto os orixás têm suas representações materiais geralmente de madeira
ou barro, o edan ícone de Onilé é feito com ligas de cobre. E, além da questão do
material, Dennis Williams (1964: 139 e 161), aponta várias diferenças estilísticas entre
esses dois grandes tipos de estatuária iorubá que podem indicar tradições culturais
distintas que passaram a coabitar no mesmo território.
Do trecho da tradição oral transcrito acima, podemos ressaltar uma observação
importante da cosmologia iorubá: trata-se da oposição entre as coisas ligadas ao homem
e as coisas ligadas aos deuses.
Como diz Russel-Wood (2001:19)
“A maioria das religiões africanas apresenta duas formas de divindades: um
deus criador universal, removido, e uma multidão de deuses de menor
importância, espíritos e ‘remédios’, cuja presença é invocada em relação ao
todos os aspectos da vida quotidiana”.
Assim, entre os iorubas, enquanto Olodumaré, deus supremo, e os orixás estão
associados ao Orun, mundo transcendental, o homem está associado ao Aiyê, mundo
23
físico composto pelo céu, pelo mar, pela terra e, mais especificamente ainda, ligado a
ilê (terra, casa, território).
Mas, apesar dessa divisão, esses dois mundos são dinâmicos e se interpenetram:
tudo o que existe no mundo físico possui um duplo abstrato no mundo transcendental;
e, como diz Elbein dos Santos (1993: 54), tudo o que existe no Orun (mundo
transcendental) possui sua representação no mundo físico (isto é, no Aiyê).
Ora, se Onilé é a “dona do Ilê”, e, por extensão “dona” do planeta Terra, (como
aliás se vê essa divindade concebida em Prandi, 2005: 112), vemos que Onilé, então,
apartando-se do grupo dos orixás (que estão associados a Olodumaré), relaciona-se
intimamente com o homem e com entes “ancestrais”, como os mortos eguns, as
feiticeiras ajés, os espíritos oros (veja o Quadro 1 – Cosmologia Iorubá).
O edan ogboni, ícone dessa associação, é uma escultura de liga de cobre (veja
as Prancha 1). Esse objeto compõe-se de um casal humano ligado por uma corrente.
Este par masculino-feminino, mais do que simbolizar os ancestrais fundadores da
cultura, vem apresentar a idéia de que Onilé (a divindade a que se reporta) é uma
entidade completa, no sentido de possuir tanto as qualidades do homem quanto da
mulher, ou seja, que detém a “ancestralidade” por completo (Lawal 1995: 45-46). Mas,
apesar de benevolente, Onilé é uma entidade que se encoleriza facilmente. Com esse
arquétipo, somado ao fato de que se considera Onilé “mãe mítica”, fonte feminina de
poder das ajés (entidades femininas que controlam a fertilidade das terras e das
mulheres, a virilidade dos homens e a mortalidade infantil, consideradas como
“feiticeiras” que potencialmente utilizam seus poderes de forma anti-social), seu culto
envolve, conforme se diz na literatura etnológica, ritos com vistas a aplacar ou
apaziguar sua cólera. O privilégio de estar em contato com este objeto coloca os
sacerdotes Ogboni em uma posição hierárquica elevada na sociedade iorubá.
Cronologia dos estudos sobre a associação Ogboni
O texto mais antigo que encontramos com referência à associação Ogboni é do
Padre R. P. Baudin, que data de 1884. Já nesta obra ela é chamada de “sociedade
secreta”, sendo comparada com a Maçonaria (Baudin 1884: 66-67). Esse autor ressalta
que a “loja” (ou seja, um ilédì, palácio, ou santuário ogboni) é interditada aos não
24
iniciados; que seus membros se reconhecem por sinais especiais; e, que a quebra de
sigilo com relação às questões da organização é punida com a morte. Ademais, o autor
aponta que a Ogboni possui, além da função religiosa do culto a Onilé, também
função de tribunal de justiça, muito embora dê descrições que nos parecem fantasiosas,
como a do ritual de execução dos condenados que infringem as regras estabelecidas.
O livro do padre Baudin foi usado como modelo para o The Yoruba Speaking
People, do Tenente-Coronel britânico A. B. Ellis, de 1894. Em Morton-Williams
(1960: 362), lê-se que Leo Frobenius que, lembremos, se trata do explorador e
viajante alemão que percorreu várias localidades da África Ocidental e Central durante
a virada do século XIX para o XX —, tendo sido “iniciado por representante” (do
original, “iniciation by proxy”) da Ogboni de Ibadan, via a associação como uma
instituição tirânica, da mesma forma que os autores anteriores, e que, em seu livro
Voices of Africa (1913), Frobenius caracterizou-a como “uma Companhia de
Decapitação Ltda”, alusão irônica à execução de condenados atribuída à associação
Ogboni. O próprio Baudin, notando que a Ogboni era um grande empecilho no
processo de evangelização, pois ela era responsável pela manutenção de costumes que a
Igreja Católica queria extinguir, concluindo seu trecho citado acima: “ela será, mais
tarde, uma terrível barreira frente à civilização”.
Esses autores, como muitos de seu tempo, reproduzem as ideologias
evolucionistas e racistas do século XIX, acreditando que as culturas ocidentais estavam
num estágio “superior” de “civilização”. A partir desse pensamento, todas as práticas
culturais e instituições sociais que se afastavam do padrão europeu eram prontamente
consideradas como prova da inferioridade e “selvageria”, ou primitivismo desses
povos, principalmente quando o assunto era concernente à religião.
Inevitavelmente alguns africanos influenciados pelos colonizadores
assimilaram este discurso, como o primeiro reverendo negro da Nigéria, Samuel
Johnson, pastor de Oyó. Na sua grande síntese sobre a história dos povos iorubás,
concluída em 1887, cita a Ogboni poucas vezes e o faz no capítulo sobre o governo
iorubá, e não no capítulo que trata da religião.
Assim mesmo, este autor mostra diferenças de poder dessa associação em
cidades iorubás e relaciona seus mais importantes títulos: Aro, Oluwo, Apena, Ntowa,
Bàla, Basálà, Baki, Asipa, Asalu, Lajila, Apesi, Esinkin Ola, Bayimbo e Odofin. Esta
25
relação, apenas dos títulos mais elevados, nos dá uma idéia de como essa instituição
poderia ser complexa nos reinos iorubás mais poderosos, como Oyó. Este poder
político resulta da capacidade de manipulação das forças do “outro mundo”, e
especialmente das perigosas forças de Onilé. Como se percebe, na cosmovisão iorubá
não distinção clara entre a esfera secular e a esfera religiosa, dado que a primeira é
respaldada e legitimada pela última.
Em 1948, Peter Morton-Williams fez pesquisas etnográficas junto aos Ogboni
da cidade de Oyó, Nigéria, publicando os dados doze anos depois. Por ter sido o
primeiro texto que descreve a instituição com maiores detalhes, seu trabalho tornou-se
um “clássico” sobre esse tema. Os rituais descritos correspondem, em maioria, àqueles
feitos no interior do santuário, longe dos olhos dos leigos. Além desses, lemos em sua
obra a descrição do importante ritual público de apaziguamento de Onilé. Nesse caso,
refere-se às providências tomadas quando dois indivíduos brigam e se ferem. Na cultura
iorubá, quando sangue humano é vertido no chão em decorrência de uma briga, mesmo
que a ferida seja leve, ocorre sacrilégio Onilé é profanada. Neste caso, mestres
Ogboni são chamados para restabelecer a harmonia da sociedade. O edan “de espeto” é
fincado na poça de sangue e oferendas são oferecidas à entidade. Os transgressores
pagam as despesas do ritual, além de multas pesadas (Morton-Williams, 1960: 366).
Outro importante ritual descrito é a visita anual do obá (rei) aos mestres
ogboni, feita no festival Oro. Nesta ocasião, o obá, que é o sacerdote máximo de
Xangô, o orixá patrono da cidade, vai ao santuário Ogboni para consultar, por meio do
oráculo de Ifá, “se o seu duplo espiritual ainda suporta sua estadia na Terra”. Se o jogo
apontar que o rei está inapto para governar, ele é impelido a cometer suicídio,
envenenando-se (idem: 364).
Ainda segundo as informações obtidas em Morton-Williams (1960), a Ogboni
de Oyó, naquela época, possuía dois graus de participação: o “júnior”, ou We-we-we, e
o “sênior”, Ologboni ou Alowo. Um membro que entrava no grau We-we-we não fazia
parte dos rituais secretos até ser um graduado quando, então, recebia o título de
Ologboni. Um Ologboni era especialmente nomeado como Apena, sendo ele o
responsável pelas funções judiciais do culto (idem: 365).
Outra grande contribuição do autor foi a interpretação dos principais símbolos
dos Ogboni. Entre eles está o símbolo relativo ao lado esquerdo (òsì), o lado feminino
26
para os iorubás, e, também, o do número três (eéta) que está associado nesta cultura ao
crescimento e à multiplicação (idem: 372-3).
Esse trabalho de interpretação simbólica foi complementado pelo pesquisador
nigeriano Babatunde Lawal, após sua investigação do problema, entre 1966 a 1991, em
diversas outras cidades iorubanas da Nigéria. Ele utilizou a tradição oral para resolver
questões polêmicas, como a interpretação iconográfica do edan e o controvertido
gênero de Onilé, como já foi reportado anteriormente.
Destaca-se, aqui, que Lawal (1995: 37) apresenta a associação Ogboni como
aquela que cultua o “espírito da Terra”, Onilé, para assegurar a sobrevivência humana,
a paz, a felicidade, a estabilidade social da comunidade, a prosperidade e a longevidade.
Isso dissolve, definitivamente, a impressão pejorativa com que essa instituição foi
descrita pela antiga etnografia.
Após essa síntese a respeito da etnografia da associação Ogboni na África,
passamos a refletir sobre a dificuldade da transposição, para este lado do Atlântico, de
tal instituição tradicional, visto que o negro vinha para as terras americanas na condição
de escravizado e não podia, evidentemente, reproduzir aqui as estruturas sociais e
políticas africanas.
Como veremos, funda-se no trabalho de Nina Rodrigues a exploração dessa
hipótese. Mas, certamente, se a associação Ogboni se estruturou na Bahia do século
XVIII ou XIX, ela teve de abdicar de suas funções administrativas e judiciais que
detinha na região dos iorubás. Nas terras brasileiras, poderia restar, sobretudo, o
componente religioso da instituição africana: o culto à misteriosa e poderosa mãe-terra,
Onilé, que na verdade é o cerne e o grande sentido da existência dessa importante
instituição iorubá, pois a função religiosa dessa organização legitima o exercício do
poder secular (Morton-Williams 1960).
2. A associação Gueledé
Nossos dados sobre a associação Gueledé dos iorubás partem de três
pesquisadores, que após anos de trabalho de campo, publicaram os resultados em forma
de livro. Em 1983, após vinte anos de pesquisas de campo, que consistiram em
observação participante dos espetáculos, análise da arte visual, da dança, da literatura
27
oral e entrevistas com os integrantes, Henry John Drewal e Margaret Thompson Drewal
publicaram o livro Gelede: Art e Female Power among the Yoruba, Nesse livro são
delineadas as bases cosmológicas gerais que sustentam a existência da associação e do
espetáculo das máscaras.
O terceiro pesquisador é o Nigeriano Babatunde Lawal. Ele nasceu em um
distrito de Lagos (Isale-Eko) que possui uma forte tradição de máscaras gueledé, e
participou de muitos espetáculos antes de se tornar pesquisador, o que o colocou em
uma posição privilegiada para estudar o assunto. Ele iniciou suas pesquisas em 1971 e
as publicou em 1996 no livro The Gelede Spetacle: Art, Gender e Social Harmony in
an African Culture. Nessa obra ele situa a associação Gueledé dentro de um vasto
domínio da dialética da existência iorubá, em que a arte funciona como uma metáfora
para estimular o desenvolvimento e para promover o bem estar social e a harmonia
dentro de uma dada comunidade (Lawal 1996). Nesta obra, faz um aprofundamento
sobre a análise dos símbolos e rituais já bem desenvolvida por Drewal e Drewal.
De acordo com os membros mais velhos da associação Gueledé de Igbóbi-
Sabeé entrevistados por Lawal (1996: 43), o espetáculo gueledé originou-se em Keto,
onde Iya Nlá praticava uma dança com uma escultura na cabeça, a qual atraía a atenção
de muitas mulheres e crianças. Quando Iyá Nlá morreu, a obrigação de continuidade da
dança ficou a cargo de seu marido, Babá Aborè. De forma fantástica, logo depois que
Babá Aborè fez a apresentação, a prosperidade de sua comunidade mudou
drasticamente para melhor: mulheres inférteis tornaram-se mães; os campos deram
colheitas fartas; os caçadores e pescadores abatem muitos animais; as doenças deram
lugar à saúde e houve uma redução significativa da mortalidade infantil. Então, os
anciãos dedicaram um templo a Iya Nlá e imploraram a Babá Aborè para que fizesse a
apresentação anualmente. Depois que Aborè morreu, uma imagem sua foi colocada ao
lado da de Iya Nlá, no mesmo altar. Assim, tornou-se uma tradição que as máscaras
dancem em pares masculino-feminino, remetendo a esse casal mítico. Entretanto, as
raízes históricas desse espetáculo ainda não foram determinadas com precisão, sendo
que as três maiores possibilidades são Oyó antiga, Keto ou Ilobi.
28
Diferentemente da associação Ogboni, que admite a entrada de descendentes
de determinadas linhagens, a filiação à associação Gueledé é aberta a toda comunidade.
Como Iyá Nlá é a “Mãe de Todos”, é comum que até os sacerdotes dos orixás
participem ativamente nas cerimônias gueledé (Lawal 1996: 81).
As obrigações da associação consistem basicamente em duas: construir um
templo em homenagem à Iya Nlá e executar as performances anuais que entretém,
educam e ao mesmo tempo dissolvem as energias antisociais da comunidade.
Para desempenhar esse papel, essa instituição se estrutura de modo a possuir
cargos, títulos e profissionais que exercem tarefas específicas. O mais alto título é
privilégio de uma mulher, a Iyalaxé, que coordena todos os demais membros, tendo
como assistente o Babalaxé. Este é o responsável por informar os outros membros
sobre o dia exato do espetáculo e também é a pessoa que se responsabiliza pelas roupas
e máscaras.
O Aborè é o sacerdote que assiste às pessoas que procuram os favores da
“Grande Mãe”, levando as oferendas que são feita a ela para o mercado, cruzamentos
ou rios. Em muitas comunidades esse cargo é hereditário, e só é dado a uma pessoa que
domine a liturgia iorubá.
O Eléfè ou Òrò Èfè é o humorista da associação. É ele quem carrega a principal
máscara que sai durante a parte noturna do espetáculo. Durante sua performance, ele
invoca o bem-estar da sociedade e satiriza as práticas antisociais. Esse cargo é muito
importante porque ele representa “a voz do povo”, podendo ridicularizar até mesmo o
rei durante sua performance sem ter medo de sofrer represálias.
Os Agbégi são os escultores. Eles não precisam necessariamente fazer parte da
associação, que pode inclusive encomendar a feitura das máscaras para artistas
distantes, se não houver ninguém capacitado para fazer esse trabalho na própria
comunidade. Os pintores são chamados de Akunbè. São supervisionados pelos
escultores mais experientes. Eles pintam as peças novas e re-pintam as antigas, usando
pigmentos a base de minerais, plantas e animais.
Os homens que vestem as máscaras são chamados de Arugi. Eles precisam não
apenas ser bons dançarinos, mas também possuír muita familiaridade com os
provérbios e slogans da sua cultura iorubá, de modo que consigam interpretá-los
através da linguagem corporal, ao som dos atabaques. Em geral, esse aprendizado é
29
iniciado logo cedo, fazendo com que as crianças imitem os gestos e coreografias dos
adultos mais experientes. A identidade do mascarado não é um segredo, e por isso ele
pode eventualmente retirar a máscara da cabeça, diferentemente do culto de egum, onde
principalmente as mulheres e crianças são privadas de conhecerem sua identidade.
Os músicos são chamados de Onílù, e em geral descendem de famílias que se
especializaram nas músicas das gueledé. O arranjo orquestral mais comum consiste em
quatro tambores de madeira, que são auxiliados pelo coro, Agberin. O coro é formado
por homens e mulheres, que acompanham as máscaras, respondendo e cantando ao
longo da apresentação.
Com relação ao santuário da associação Gueledé, chamado de Asè, Lawal
(1996: 90-1) informa que geralmente fica localizado em alguma gruta, próxima à arena
da performance. Freqüentemente possui uma ante-câmara para dispor as máscaras, e
uma câmara interna, que é interditada aos não iniciados, onde os símbolos de Iyá Nlá
ficam enterrados ou cobertos com um pote invertido. Em alguns santuários, uma grande
escultura de madeira, representando uma mulher é colocada sobre esse pote.
Concluindo, pode-se dizer que a associação Gueledé tem um papel conciliatório
na sociedade iorubá, responsabilizando-se pela manutenção das boas relações entre os
gêneros, ao exigir respeito à “Grande Mãe” e também às mulheres dentro de um
sistema patrilinear, em que os homens dominam a instituição da realeza (Lawal 1996:
xiv).
30
Fig. 4 - Cosmologia Ioruba Fonte: Morton-Williams 1960.
31
CAPÍTULO II ESTUDO DOS EDAN OGBONI E DAS
MÁSCARAS GUELEDÉ EM COLEÇÕES NO BRASIL
1. As peças e coleções africanas estudadas
O projeto inicial desta dissertação partiu do estudo de peças do acervo africano
do MAE, trabalho realizado entre 2000-2004, durante a iniciação científica. Portanto,
esta pesquisa de mestrado pode ser vista como um aprofundamento das questões
levantadas anteriormente, mas que agora se fundamenta na existência de alguns edan e
máscaras gueledé afro-brasileiros já identificados e localizados em coleções,
principalmente os publicados pela Funarte (cf. Lody 1985, 1987). Quando usamos o
adjetivo afro-brasileiro queremos designar os objetos que tiveram uso nos terreiros da
Bahia, mesmo que alguns possam ter sido feitos na África.
Afora as peças identificadas e apontadas na bibliografia, tivemos de efetuar
um levantamento em museus, institutos de pesquisa e coleções particulares, em busca
de exemplares similares que pudessem aumentar nosso corpus, expandindo assim a
amostragem documental.
Centramos nossa atenção prioritariamente nas peças feitas ou usadas no
Recôncavo Baiano que pudessem estar relacionadas às associações Ogboni e Gueledé
dos iorubás da África. As peças mais significativas nesse caso, como vimos
anteriormente, são os edan ogboni e as máscaras gueledé, sendo que não se pode
esquecer que existem outros artefatos que também precisam ser considerados, mesmo
que eles estejam relacionados a outras entidades além de Onilé e Iyami.
O primeiro passo da pesquisa foi estudar os catálogos de coleções africanas e
afro-brasileiras que estavam disponíveis. Também pesquisamos os trabalhos que
versavam sobre as coleções etnológicas afro-brasileiras ou sobre a cultura material dos
candomblés.
O exame dessa bibliografia especializada nos permitiu descartar os acervos
cujas peças se distanciavam do tema e da localização geográfica das obras abordadas
neste estudo e elencar alguns acervos museológicos e também algumas coleções
particulares que deveríamos olhar de perto. Infelizmente alguns dos acervos apontados
por essa pesquisa não puderam ser vistos por motivos diversos. Nesses casos, tivemos
32
que nos contentar com os dados que tinham sido publicados anteriormente,
analisando as fotografias e as informações divulgadas.
Por outro lado, também continuamos estudando outros acervos africanos, além
do MAE, que estavam disponíveis aos pesquisadores, mesmo que compostos apenas
por exemplares africanos. O estudo desses artefatos, desde o início do projeto, nos
ajudou a entender as peças similares da Bahia.
A seguir, descrevemos aspectos gerais sobre as coleções estudadas, atendo-nos,
quando possível, aos critérios que orientaram suas formações. Essas coleções podem
ser divididas entre acervos africanos e acervos afro-brasileiros. Quando escrevemos
acervos africanos, queremos designar aquelas coleções compostas por peças feitas e
obtidas na África. Quando escrevemos acervos afro-brasileiros, queremos designar
aquelas coleções formadas por peças que foram usadas nos terreiros brasileiros, sendo
que alguns de seus exemplares constituintes podem ter sido feitos na África. O número
de edan e máscaras gueledé em cada um desses acervos conta na tabela x que se segue
mais adiante.
A análise dos artefatos africanos, juntamente com o estudo da bibliografia
específica, nos conduziu a algumas reflexões acerca da variabilidade formal que eles
manifestam. Isso será tratado ainda neste capítulo.
1.1 Coleção africana do MAE-USP, São Paulo
A história de constituição do acervo africano e afro-brasileiro do MAE foi
discutida em profundidade por Salum e Ceravolo (1993). Lá, vemos que a formação
desse acervo foi incentivada no início de 1969, quando o então diretor do museu, Prof.
Dr. Ulpiano Bezerra de Menezes, escreveu um anteprojeto de constituição de uma
Coleção Africana para o MAE, que o museu tencionava tomar como eixo o homem
brasileiro. Ainda na sua gestão, entra em contato com museus, galerias e órgãos
governamentais africanos, portugueses e estadunidenses tentando permutar peças
etnológicas brasileiras por exemplares africanos e tenta conseguir patrocínio de
empresas para constituir o acervo (cf. cartas das pastas “Compras” e “Permutas” no
Serviço Técnico de Documentação do MAE). O início da formação da coleção africana
se em 1971, ainda em sua gestão. Mas só em 1976 o Professor Mariano Carneiro da
33
Cunha foi contratado pelo museu para coordenar o Setor Africano que estavam em
formação.
Apesar da coleção africana e afro-brasileira do MAE ter sido formada através
de doações de diversas pessoas e entidades, foi com a chegada das peças compradas
pelo Professor Mariano na África, que o acervo passou a ostentar cerca de mil peças de
significativo valor etnográfico e artístico.
Quase todas as peças ogboni e gueledé do MAE estudadas aqui fizeram parte
dos lotes de peças que chegaram após sua estadia na África, como leitor da
Universidade de Ifé, Nigéria. O período da viagem foi de fins de 1974 até fins de 1976.
A maioria das peças iorubás foram compradas no Benim, incluindo as da associação
Ogboni e Gueledé. Elas não puderam ser obtidas na Nigéria porque esse país possuía
uma legislação que não permitia a saída do patrimônio cultural tradicional.
As peças não foram obtidas em campo, mas sim compradas de outras pessoas
que as estavam revendendo. A exceção são as peças didáticas, como as fases
intermediárias da escultura pela técnica da cera perdida (Fig. 34) e das etapas de
fabricação da máscara gueledé (Fig. 38), que foram encomendadas direto com os
artesãos.
O Prof. Marianno interessou-se particularmente pela metalurgia iorubá. Isso é
visível pelo grande número de peças metálicas feitas em ligas de cobre que ele adquiriu.
Como no caso dos iorubás a fundição do bronze está associada à Associação Ogboni, a
aquisição das jóias, estatuetas e os outros artefatos metálicos que são feitos para essa
instituição foram priorizados. Esses detalhes e outros são contados na entrevista
concedida pela Profa. Dra. Maria Manuela Carneiro da Cunha - esposa do Prof.
Mariano -, a Suely Moraes Ceravolo e Patrícia Raffani em 08/02/1990, registrada em
fita cassete e transcrita em 08/1995 por Luiz Carlos Pimenta, estagiário da Seção de
Documentação.
A coleção de peças metálicas dos ogboni, com cerca de 70 pares de estatuetas,
é a maior do Brasil. É bastante diversificada, representando diversas categorias de
objeto. Sua aquisição parece ter sido feita com muito cuidado, pois a maioria dos
exemplares possui boa feitura.
Isso denota que Mariano procurava as peças já tendo em mente a função
museológica e didática que elas desempenhariam quando fossem expostas no MAE.
34
Assim, uma das prováveis exigências para a escolha das peças era que fossem objetos
representativos das sociedades de onde provinham, exibindo o estilo mais
característico, ou seja, mais extensa e homogeneamente reconhecido como
representativo da arte do respectivo grupo étnico, evitando assim, peças com inovações
ou mesclas de estilos.
1.2 Coleção africana do Museu Afro-Brasileiro (MAFRO), Salvador
O MAFRO está vinculado ao Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO) da
Universidade Federal da Bahia. Teve seu projeto de implantação iniciado na década de
1970. Foi inaugurado em 1982 e re-inaugurado em 1999.
O núcleo do acervo foi formado durante um programa de cooperação
internacional entre o Brasil e os países da África, quando muitas instituições africanas
doaram peças ao museu. A esse núcleo inicial acrescentaram-se peças advindas de
pesquisas na África, como a que fez Pierre Verger quando foi ao Benim, ocasião em
que muitas obras dos iorubás foram incorporadas. As peças afro-brasileiras representam
sobretudo os cultos locais, sendo que algumas delas vieram da doação de lideranças
religiosas (cf. Museu Afro-brasileiro 2004).
As peças desse acervo, em sua maioria, possuem a autoria do escultor
identificada pelo pesquisador que as adquiriu. Essa característica distingue a coleção
africana do MAFRO dentre as demais do país, uma vez que demonstra a preocupação
em tirar do anonimato o artista africano.
1.3 Coleção africana de Claudio Masella – IPAC, Salvador
O Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia IPAC, possui um
acervo de arte africana com mais de 1000 peças, composto por estatuetas, máscaras e
outros objetos, esculpidos em madeira, metal, argila e marfim.
Segundo informações verbais, esse acervo foi formado ao longo de 35 anos
pelo colecionador italiano Claudio Masella. As peças foram compradas no Senegal e no
Benim países onde Masella morou. Nesses lugares entrepostos de venda de arte
africana, onde é possível encontrar peças de etnias de localidades muito distantes. Por
isso, esse acervo reflete a diversidade da cultura material de origem africana, tanto do
35
ponto de vista do tipo de material e técnica, quanto da procedência étnica e regional,
pois representa a arte tradicional de mais de vinte sociedades.
Em 2004, esse acervo foi doado ao Governo do Estado da Bahia pelo próprio
colecionador. Hoje ele está instalado no Solar do Ferrão, Pelourinho, sendo
administrado pela Diretoria de Museus do IPAC.
O inventário das peças desse acervo ainda não foi concluído. Fizemos a
identificação e o estudo formal de 96 máscaras gueledé, sendo que restou cerca de 30
delas que não puderam ser vistas na época da pesquisa, pois ainda não tinham sido
desembaladas das caixas que as transportaram da Itália. Isso faz da coleção de máscaras
gueledé do Acervo Claudio Masella a maior do Brasil.
1.4 Coleção africana do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), Rio de Janeiro
O MNBA possui uma pequena coleção africana, cuja formação foi iniciada em
janeiro de 1964, quando adquiriu 89 peças de Gasparino da Mata e Silva. Em julho do
mesmo ano, o museu comprou mais 4 peças do mesmo colecionador. Essas peças foram
conseguidas nas missões diplomáticas do Brasil que Gasparino empreendeu em
diversos países africanos. A esse núcleo inicial, somaram-se algumas peças doadas pelo
Instituto Française de l’Afrique Noire (IFAN) de Dacar, Senegal; uma peça comprada
de Clarival do Prado Valladares, e duas peças da coleção particular de Carmem
Tinguely, totalizando 103 peças. Observa-se que, tendo como fonte de dados apenas o
catálogo publicado em (cf. Lody 1983), não temos conhecimento de aquisições
posteriores incorporadas neste acervo.
1.5 Coleção africana de Pierre Verger, Salvador
Pierre Verger formou uma pequena, porém seleta coleção particular de peças
africanas em madeira, e uma pequena coleção de peças em metal em que se misturam
peças africanas com as usadas pelos terreiros brasileiros. Esses objetos estão hoje
guardados na Fundação Pierre Verger de Salvador. Eles ainda não foram estudados e
nem catalogados. Não encontramos documentação escrita sobre essas peças.
Provavelmente foram compradas na África, durante as suas várias idas àquele
continente.
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A maioria das peças africanas são provenientes dos iorubás, grupo étnico que
Verger estudou por muitos anos. São peças de boa feitura, sendo provavelmente
esculpidas por artistas bastante habilidosos. Entre elas encontramos algumas peças
relativas à associação Ogboni mas nenhuma máscara gueledé.
1.6 Coleção africana de Carybé, Salvador
Carybé artista plástico argentino radicado em Salvador formou durante sua
vida uma pequena, mas notável coleção de peças de arte africana. Entre elas figuram
muitas peças dos iorubás.
Essas peças foram vistas e fotografadas quando estiveram expostas no Museu
Afro-Brasil, em São Paulo, compondo a exposição O universo mítico de Hector Julio
Paride Bernabó o baiano Carybé, ocorrida entre 28/04/06 a 30/07/06. Nessa ocasião,
como veremos posteriormente, identificamos uma de suas peças um edan ogboni
como a mesma que fez parte da coleção de Nina Rodrigues e que desde 1905 tinha sido
dado como perdido.
Não há documentação conhecida sobre a formação da coleção de Carybé.
Entretanto é possível inferir que parte das obras tenha sido adquirida quando ele esteve
na África. Outras peças, muito provavelmente foram obtidas por intermédio de Pierre
Verger, pois vemos que uma imagem masculina de um de seus edan parece fazer par
com uma imagem feminina isolada da coleção de Verger. Outro indício é que as duas
coleções possuem peças provavelmente do mesmo ateliêr. O mesmo pode ser dito com
relação às peças do MAFRO, pois três máscaras gueledé de Carybé possuem a mesma
cena que está esculpida nas máscaras daquele museu. Isso mostra como a formação
desses três acervos o de Pierre Verger, o de Carybé e o do MAFRO estão
interconectados, do mesmo modo que existe importante conexão entre a formação do
MAFRO e do MAE-USP apontada em Salum (1997 entre outros).
37
Número de peças estudadas
Acervo pesquisado
Número
de peças
do
acervo
Ogboni Gueledé Total
1 – Coleção africana do MAE-USP, São
Paulo
~1000 72
11
83
2 – Coleção africana do Museu Afro-
Brasileiro, Salvador
~ 800 3
14
17
3 – Coleção africana de Claudio Masella –
IPAC, Salvador
~1000 3
100
103
4 – Coleção africana do Museu Nacional, Rio
de Janeiro
103 5
5
10
5 - Coleção africana de Pierre Verger,
Salvador
? 7
0
7
6 – Coleção africana de Carybé, Salvador ? 4
6
10
Total 94
136
230
Fig. 5
– Peças e acervos africanos estudados
38
2. Reflexão sobre a variabilidade artefatual dos edan ogboni e das
máscaras gueledé
De forma absoluta, um objeto nunca é igual a outro, por mais idêntico que seja
no contorno, aparência e matéria-prima, pois em última instância, será composto por
átomos e ligações químicas diferentes que o tornam único. No entanto, as sociedades
humanas agrupam objetos que, apesar de serem “diferentes”, são tomados como
“iguais”; ou separam e classificam objetos muito “semelhantes” entre si em categorias
“distintas”. Assim, vemos que a variabilidade dos objetos está relacionada à cultura e
ao “olhar”, além da forma física do objeto em si.
Isso pode ser observado nos artefatos estudados nesta dissertação, pois, a
diversidade formal das máscaras gueledé e dos edan ogboni, visto da ótica de quem não
pertence à cultura iorubá, sugere pensar muitas vezes que tais peças estejam ligadas a
sociedades, ou pelo menos a entidades cosmogônicas diferentes.
Um artefato possui, em potencial, infinitos atributos, como a cor, a textura, a
forma, e o peso, mas apenas alguns são selecionados em uma cultura. A seleção,
nomeação e hierarquização dos atributos de um artefato são feitos contextualmente.
reside a diferença entre as categorias êmicas para os objetos classificações
engendradas no mesmo contexto cultural que produziu/utilizou os artefatos –, e as
categorias éticas – classificações feitas fora daquele contexto cultural.
A Arqueologia, ramo das ciências humanas que historicamente se estabeleceu
estudando as sociedades extintas a partir de seus restos materiais, teve que criar
instrumentos de análise (tipologias, cronologias, seriações) para seus conjuntos
artefatuais a partir de classificações éticas, pois muitas vezes o pesquisador não
encontra população remanescente daquela cultura que estuda e também muitas vezes
não é possível deduzir as categorias êmicas apenas levando em conta o aspecto material
da cultura.
O fato dos arqueólogos costumeiramente não se importarem com as categorias
êmicas se deve em grande parte pela impossibilidade de se chegar até elas, mais do que
pela sua aparente irrelevância para a Arqueologia. As categorias êmicas são dados
muitos importantes para o entendimento do objeto dentro cultura que o produziu. É por
39
isso que elas serão levadas em consideração quando abordarmos a tipologia dos edan
ogboni e das máscaras gueledé, visto que estamos tratando do contexto sistêmico.
A variabilidade artefatual está relacionada com a capacidade que os objetos
possuem de serem submetidos a diversas transformações ou mudanças. Essas mudanças
podem se expressar de modo a produzir objetos diferentes num mesmo contexto
histórico ou se expressar de modo a produzir objetos diferentes ao longo do tempo.
Assim, podemos dizer que um objeto pode sofrer variação ao longo do tempo (aspecto
diacrônico), e pode apresentar variabilidade num mesmo local e época (aspecto
sincrônico) (cf. Schiffer e Skibo 1997: 28).
Em relação aos artefatos aqui tratados, não dispomos de dados que permitam
estudá-los do ponto de vista diacrônico. As peças africanas mais antigas são muito
escassas. Elas estão conservadas em museus europeus criados no período colonial e
também nos museus americanos. Em geral, foram obtidas no final do século XIX.
Desse modo, torna-se difícil estudar a variação de um tipo de artefato em apenas um
século, dispondo de uma amostragem muito pequena.
Entretanto, a literatura aponta que, em relação aos edan ogboni, os exemplares
mais antigos possuem pingentes denominados “crotal” em inglês, os quais não
aparecem nas peças mais recentes.
Em relação às máscaras gueledé, podemos inferir que ao longo do tempo o grau
de complexidade da cena esculpida na parte superior da máscara foi aumentando. É
possível que as máscaras mais antigas representassem apenas o rosto humano, como o
exemplar do Museu Etnológico de Berlim datado do início do século XX (veja a Fig.
6). Depois, muito provavelmente o grau de complexidade dispensado à representação
do cabelo fez emergir a superestrutura da máscara, que hoje em dia é muito freqüente.
As peças em geral são feitas em um único bloco de madeira, mas hoje se algumas
que são confeccionadas em várias partes que são depois agregadas ao bloco incial da
escultura. Isso ocorreu talvez, pensamos nós, porque a complexidade e o tamanho das
cenas retratadas tenham chegado a um limite, o que tornava muito trabalhoso e difícil o
processo da escultura e inadequado para sua animação na saída da máscara. Algumas
das peças bem recentes possuem partes articuladas que são movimentadas por um
mecanismo que se utiliza de cabos ou fios.
40
que não dispomos de maiores dados para dissertar sobre a variação do nosso
conjunto artefatual, atemo-nos a variabilidade.
A variabilidade artefatual pode ser estudada sob quatro pontos de vista
diferentes: o aspecto formal, o quantitativo, o espacial e o relacional (Rathje e Schiffer
1982: 64-65; Schiffer 1987: 13-23 apud Schiffer e Skibo 1997: 28).
A variabilidade quantitativa dos artefatos se refere à freqüência com que os
mesmos aparecem no registro arqueológico. A quantidade de um artefato num sítio
arqueológico está ligada à sua demanda produtiva, ciclo de vida e pelos processos de
armazenagem, uso e reuso. A variabilidade espacial se refere à localização dos
artefatos e é condicionada pelos processos de produção, uso, reuso, armazenagem e
descarte dos artefatos. A variabilidade relacional refere-se às associações entre
artefatos e está intimamente ligada à variabilidade espacial (cf. Silva 2000:
181;192;210).
41
Início século XX. Museu Etnológico de
Berlim.
Fonte: Junge 2004: 72
Acervo MAE-USP Acervo Claudio Masella
Acervo família Carybé.
Foto Lisy Salum 2006.
Fig. 6 – Variabilidade da super-estrutura das máscaras gueledé
42
Embora o modelo de investigação da variabilidade artefatual de Rathje e
Schiffer tenha sido pensado para o estudo do contexto arqueológico, não é todo inviável
usá-lo como inspiração para analisar a variabilidade que nosso conjunto artefatual
apresenta no contexto sistêmico. Neste trabalho, nos deteremos na questão da
variabilidade formal dos artefatos estudados.
2.1. A variabilidade formal dos edan ogboni e das máscaras gueledé
A variabilidade formal é um aspecto da variabilidade artefatual que é muito caro
à Arqueologia. Esta dimensão da variabilidade refere-se aos atributos físicos do objeto,
como por exemplo, a matéria-prima, a textura, a cor, o contorno, o peso.
Os atributos físicos de um objeto podem ser afetados por múltiplos fatores e
processos diversos. Esses processos podem ser divididos em dois grandes grupos: os
processos naturais e os processos culturais. Os processos naturais dizem respeito a toda
ação do meio ambiente que afeta o artefato ou o sítio arqueológico. Entre eles estão os
processos químicos, físicos, biológicos e geológicos. Os processos culturais dizem
respeito a toda interferência resultado de atividade humana nos processos de fabricação,
uso e descarte dos artefatos. Embora os processos naturais também condicionarem a
variabilidade formal dos artefatos, não serão aqui objeto de estudo.
Fizemos uma divisão formal preliminar das máscaras gueledé e dos edan
ogboni. Essa classificação preliminar está sintetizada nas Figs. 7 e 8. Vemos nessas
tabelas que nosso conjunto artefatual apresenta muita variabilidade formal. Então, para
começarmos a explicar essa variabilidade, faremos algumas considerações sobre a
tipologia dessas peças.
43
Grupos Subgrupos Exemplo
Só a cabeça
(10)
Chapéu/Coroa
(12)
Laço
(4)
Pássaro
(4)
Animal
(5)
Lagarto
(1)
Portando
algo
(37)
Outros objetos
(16)
Monóxilas
(86)
Exibindo uma cena
(39)
Fixas
(1)
Cabeça
antropomorfa
(119)
Em partes
(33)
Articuladas
(32)
Cabeça zôo-antropomorfa
(4)
Pássaro
(2)
Leopardo, canídeo (cachorro, lobo, raposa)
ou hiena
(10)
Cabeça zoomorfa
(13)
Elefante
(1)
Fig. 7 – Classificação preliminar das máscaras gueledé
44
Categori
a de
objeto
Grupos Subgrupos Exemplo
Casal
(7)
Em pé
(14)
Unitária
(7)
Casal
(4)
De joelhos
(6)
Unitária
(2)
Casal
(2)
Antropomorfas
(23)
Sentada
(3)
Unitária
(1)
1 figura
(1)
2 figuras
(6)
3 figuras
(9)
4 figuras
(2)
Figuras humanas
com traços animais
(24)
Figura(s) com
animal(is)
(6)
com base
(49)
Zôo-
antropomorfas
(26)
Figuras animais com
características
humanas
(2)
Em pares
(4)
Só a cabeça
(8)
Unitário
(4)
Casal
(9)
Estatueta
(69)
Com espeto
(20)
Corpo inteiro
(11)
Unitário
(3)
Jóia
(13)
Anel
(5)
45
Pulseira
(6)
Braçadeira
(2)
Encimado por figura masculina
(1)
Encimado por figura feminina
(1)
Bastão
comprido
(cajado ou
cetro)
(3)
Encimado por figura de sexo indeterminado
(1)
Bastão
(4)
Bastão curto
(1)
Recipiente
(4)
Fornilho de cachimbo
(1)
Outros
objetos
(6)
Sineta
(1)
Fig. 8
– Classificação preliminar das peças ogboni
46
2.2 Reflexão sobre a tipologia das máscaras gueledé
As tipologias artefatuais são antigos instrumentos dos etnólogos e arqueólogos,
que são usadas para representar a variabilidade de seus conjuntos artefatuais. Elas são
usadas para descrever um conjunto de dados, sendo importantes para comunicação entre
os pesquisadores e também se prestam para fins interpretativos. Mas para que esse
instrumento tenha validade metodológica, precisa ter consistência, ou seja, o
estabelecimento dos tipos ou categorias de objeto, bem como o próprio processo de
classificação deve ser bem explicitado para evitar ambigüidades e incoerências entre os
pesquisadores (cf. Whittaker, Caulkins, e Kamp 1998).
Como estamos tratando do contexto sistêmico, faremos a divisão das máscaras
gueledé e dos edan ogboni levando-se em conta os vários usos e sentidos que as peças
podem ter entre os iorubás da África. Assim, tentaremos relacionar o uso ou significado
da peça com a forma que ela apresenta. Essa reflexão sobre a tipologia será útil para
pensarmos o uso dos artefatos baianos.
Comecemos com as máscaras gueledé, com dados da etnografia feita na África,
a maioria de Drewal e Drewal (1990) e Lawal (1996). Elas podem ser divididas segundo
Drewal e Drewal (1990) em dois grandes grupos: aquelas que são usadas durante a
apresentação noturna (Efe) e as que são animadas na tarde do dia seguinte (Gelede).
Máscaras do espetáculo noturno (Igi Èfé)
O festival começa com uma noite inteira de espetáculo, chamada noite de
divertimento, pois a grande atração será a performance da máscara Oro Èfé, que
representa um humorista masculino, que diverte e entretém Iya Nlá, (a “Grande Mãe”),
e também o público em geral com canções, poesias e sátiras (cf. Lawal 1996: 101). A
programação do festival pode ser simples, comportando a saída das máscaras principais,
ou ser detalhada, com o aparecimento de diversos tipos delas. O nome das máscaras e
também a seqüência de aparição pode ser diferente dependendo da cidade iorubá.
47
Máscaras de abertura
Em algumas comunidades iorubás, o festival de máscaras é anunciado uma
semana antes com o aparecimento da máscara Amùkòkò, que representa um guerreiro
daomeano fumando um cachimbo. Essa máscara está associada a Exu, o mensageiro
divino de todos os orixás.
A abertura do espetáculo noturno, em algumas cidade como Keto, é feita pela
máscara Ògbàgbá, que também representa Exu. Essa máscara se apresenta sob duas
formas: a primeira aparição como um jovem menino com um boné branco e camiseta de
ráfia; e uma aparição posterior onde figura como adulto, vestindo folhas de bananeira e
tornozeleiras de ferro.
Após a máscara que representa Exu, aparece a máscara Àràbí Ajígbálè, que está
associada a Ogum, o deus do ferro dos iorubás, aquele que abre os caminhos para as
outras máscaras passarem. Essa máscara geralmente tem a face branca, com um ponto
preto na testa, usando roupas feitas com as fibras do mariwo fibra de palmeira muito
conhecida na Bahia (veja a Fig. 9).
Depois da máscara que representa Ogum, aparecem dois tipos de máscara em
rápida sucessão: a primeira, chamada Agbéná (“carregador de fogo”), que traz um pote
em chamas sobre a escultura da máscara; e a segunda chamada Apaná (“Extintor de
fogo”), que ordena o desligamento de todas as luzes, anunciando a proximidade da
chegada da principal máscara da noite, que representa o “pássaro das ajés”. As
máscaras Agbéná e Apaná estão associadas respectivamente à Xangô o orixá do
trovão –, e Oya ou Iansã – a dona dos ventos e tempestades.
Em nosso corpus não identificamos nenhuma peça que pudesse integrar a
categoria de máscaras de abertura, em nenhum de seus sub-tipos.
Máscaras das mães noturnas
A passagem da máscara Apaná, comunica que as luzes da arena onde ocorre o
espetáculo precisam ser apagadas para a aparição das máscaras mais sagradas da
associação Gueledé. Essas máscaras se apresentam sob duas formas principais. Elas
simbolizam as ancestrais da sociedade em seus dois aspectos: uma de anciã barbada,
freqüentemente chamada de “Grande e” (Iya Nlá), e uma representando o “Espírito
48
do Pássaro” (Eye Oro). Segundo Lawal (1996: 106), esses dois sub-tipos de máscaras
são equivalentes. Elas têm uma aparição rápida, vestidas de roupas brancas, em meio ao
black out das luzes.
A máscara da Grande Mãe (Iya Nlá) pode ser dividida em duas partes. A porção
superior é composta por uma cabeça humana feminina, esférica, maciça, com
fisionomia pronunciada e com simplicidade de motivos decorativos. A parte inferior é
composta por uma fina placa de madeira que se projeta por baixo do queixo,
representando de forma estilizada a barba da máscara, e tendo, às vezes, a superfície
pintada com três ou sete linhas verticais azuis (cf Drewal e Drewal 1990: 65 e Lawal
1996: 199-201). Exemplos dessa máscara podem ser vistos na Fig. 10, onde também
incluímos a foto da única peça de nosso corpus que pode ser classificada nessa
categoria.
As máscaras que representam o “Espírito do Pássaro” (Eye Oro), ressaltam a
liminaridade entre a imagem da Grande Mãe e a imagem do pássaro mítico das ajés,
sintetizando as feições humanas com as animais. Esse tipo de máscara materializa os
atributos místicos de Iya Nlá, pois ela é conhecida como “aquela que possui dois
corpos” (“abaara meji”) ou “aquela que possui duas faces” (“olójú méjì”) (cf. Drewal e
Drewal 1990: 73). Na Fig. 11, reproduzimos fotos dessa máscara e mostramos algumas
peças do Acervo Claudio Masella que provavelmente se encaixam nessa subcategoria.
As máscaras assistentes
Assim como as máscaras de abertura preparam a entrada para as Grandes
Mães, as máscaras assistentes cantam e dançam para anunciar o começo da principal
performance da noite: a dança da máscara Oro Èfé.
A máscara assistente mais conhecida é chamada em Keto de Tètèdé, “aquela
que vem antes”. Esse tipo de máscara é similar às máscaras do espetáculo vespertino
que trataremos adiante, representando uma cabeça feminina que geralmente suporta
uma bandeja, tijela ou outro recipiente. Elas distinguem-se das máscaras vespertinas por
serem da cor branca ou amarela (cf. Drewal e Drewal 1990: 82).
No Egbado, na cidade de Ilaro, Drewal e Drewal (1990: 85) observaram que a
máscara O
ro Èfé é precedida por um mascarado masculino chamado Ajákùenà. Essa
máscara é composta por uma cabeça humana posicionada no centro de num disco
49
circular que se forma pela expansão da borda da máscara (veja fotografia na Fig. 12).
Em nosso corpus essa figuração de máscaras não aparece.
A máscara Oro Èfé
A principal atração do espetáculo noturno é o aparecimento de diversas
máscaras masculinas que cantam e dançam em homenagem à Iya Nlá, a “Grande Mãe”
ou “Mãe Natureza”. Segundo Lawal (1996: 201), esse tipo de máscara ocorre em três
principais formatos.
A forma mais comum consiste em uma cabeça humana muito simples que
suporta uma superestrutura bem elaborada. A parte superior é formada por uma
complexa composição de massas, vazios e curvas, em várias camadas. Os temas
freqüentemente esculpidos ali são cobras, luas crescentes, leões, mangustos, e mais
freqüentemente pássaros pousados no topo. Em geral a superestrutura da máscara Oro
Èfé é uma composição que combina vários desses símbolos. Alguns exemplos podem
ser vistos na Fig. 13, onde também incluímos algumas peças do nosso corpus que se
encaixam nesse tipo.
A segunda forma da máscara Èfé é chamada de Àkàtà, Àtè ou Òrìjí e é
encontrada principalmente em Awori e no Egbado. Compõe-se de uma cabeça humana
que suporta um disco circular (veja a fotografia da Fig. 12). Em nosso conjunto
artefatual não encontramos nenhuma peça que tenha essas características.
O terceiro tipo de máscara Èfé é chamado de Àgàsa e é encontrado em Ahori.
Essas máscaras estilizam uma figura humana com barba, e possuem duas lâminas
projetadas verticalmente, que são pintadas com tiras horizontais e verticais. É possível
que uma máscara do MAE-USP exibida na Fig. 14 pertença a esse sub-tipo, pois as
características são muito semelhantes.
Máscaras de encerramento
Em Keto, Anago e no nordeste do Egbado, a conclusão do espetáculo noturno é
marcado pelo aparecimento de uma máscara que se apresenta em pernas-de-pau, com
volumosa quantidade de ráfia, e exibindo uma escultura em forma de cabeça de hiena.
Essa máscara é chamada de Kòrikò, Ikoko ou Ayoko (cf. Drewal e Drewal 1990: 103).
50
Sua função é divertir e chamar a atenção da multidão enquanto a máscara Oro Èfé
desaparece. Ela marca o final do espetáculo noturno, pois sua aparição se quando o
dia está para amanhecer.Veja Fig. 15.
Máscaras do espetáculo vespertino (Igi Gèlèdé)
Depois do espetáculo noturno a cidade fica calma até o começo da tarde do
próximo dia, quando começa a segunda parte do festival. As máscaras que saem nesse
momento é que são chamadas propriamente de gueledé.
A aparição das máscaras gueledé se dá em série, respeitando a ordem de idade,
sendo que os dançarinos mais novos se apresentam primeiro. As crianças são as
primeiras a aparecer. Algumas delas vestem máscaras e vestimentas velhas e
descartadas (Lawal 1996: 144). Elas são acompanhadas por mentores que ensinam os
passos e coreografias das danças.
Quando os mascarados adultos começam a performance, mudam-se as batidas
dos tambores. Os ritmos ficam mais rápidos e os espectadores ficam mais críticos. Em
geral as máscaras dançam em pares masculino-feminino, e possuem temas esculpidos
similares ou que se complementam.
Os motivos grafados nas máscaras gueledé diferem daqueles das máscaras
noturnas: são mais coloridos e têm uma maior diversidade de formas e temas, podendo,
em potencial, materializar qualquer objeto ou cena da vida. Isso se deve ao fato de que a
cerimônia diurna é especializada na comunicação visual, enquanto que as máscaras
noturnas, que cantam, especializam-se na oralidade (cf. Lawal 1996: 159).
As máscaras gueledé podem ser divididas pela tipo de representação e
complexidade de suas cenas em três categorias, aquelas que apresentam a cabeça
humana (Orí Ènìyàn), as que apresentam cabeça animal (Orí Eye), e as que apresentam
uma superestrutura. As máscaras que apresentam a cabeça podem ser divididas entre
aquelas com cabelo elaborado, que geralmente são penteados usados pelas mulheres
iorubás; aquelas que estão com toca ou chapéu; e as que carregam pequenos objetos ou
figuras. As máscaras zoomorfas (Orí Eye) geralmente apresentam cabeças de pássaros,
hiena, búfalo, porco e carneiro.
51
A superestrutura da máscara (Elérù) pode ser projetada diretamente do topo da
cabeça humana ou animal, ou pode permanecer em uma plataforma circular, quadrada
ou retangular. As máscaras mais antigas eram feitas em apenas um bloco de madeira,
mas hoje são comuns as superestrutras feitas em separado, que depois são pregadas.
Também hoje é comum as peças articuladas, aquelas que possuem mecanismos retráteis
compostos por fios e cabos. Essas máscaras são as que possuem maior variabilidade e
por isso são classificadas pelo motivo esculpido na cena. As categorias de cenas mais
comuns para essas máscaras são as seguintes: 1 – recipientes de comida ou potes rituais;
2 Ocupações tradicionais e modernas, como a forja, a caça, a carpintaria; 3
Personagens religiosos, como sacerdotes de orixás, babalaôs etc.; 4 Retratos
comemorativos da história local; 5 Cenas satíricas, mostrando as partes íntimas do
corpo, ou cenas de sexo; e 6 as máscaras com cabeças animais. Como vemos na Fig.
16, quase todas esses sub-tipos podem ser encontrados no nosso conjunto artefatual.
Essa divisão foi feita apenas pela forma e não reflete necessariamente uma
função distinta para cada um desses tipos. Apesar de que as máscaras com
superestrutura, por serem mais pesadas e por conterem cenas que remetem aos
provérbios e tradições orais dos iorubás, devem ser usadas pelos membros mais velhos e
mais experientes.
Ainda segundo Lawal (1996: 143-4), em grandes cidades, como em Ibara,
Abeokutá, há máscaras especiais como a Efòn (búfalo) e a Ògèdè (gorila feminino), que
dançam nas ruas, parando em frente à casa de personalidades importantes da cidade para
receber presentes.
Com essa análise, pretendemos mostrar que as categorias das máscaras nem
sempre se atêm apenas à forma estrutural da parte esculpida, mas de outros
componentes da máscara, como a indumentária do mascarado e os gestos determinados
pela coreografia, dança e música. E isso deve ser levado em consideração ao classificar
uma máscara em coleção, para o que é necessário apoiar-se em dados contextuais
documentados criteriosamente.
52
Amùkòkò, a máscara de abertura que representa um guerreiro daomeano fumando um
cachimbo, mas que também possui ligação com Exu. Lagos, 1978. Fonte: Drewal e
Drewal 1990: 63.
Vestida com o mariwo – as folhas de palmeira associadas a Ogum –, a máscara Àràbí
Ajígbálè comunica que as vias do mercado devem estar livres para as outras máscaras
passarem. Lagos, 1978. Fonte: Drewal e Drewal 1990: 21.
Fig. 9 – Algumas máscaras de abertura do espetáculo noturno.
53
Grande Mãe com
três linhas
verticais na barba.
Fonte: Drewal e
Drewal 1990: 69.
Essa máscara de
Grande Mãe é decorada
com três linhas verticais
e cinco barras
horizontais. Vemos
pintado a palavra
“yeye”, um termo para
as mães na língua
iorubá. Fonte: Drewal e
Drewal 1990: 70.
A saída da máscara Grande Mãe.
Fotografada por Edna Bay em Cove, Benim,
1972. Fonte: Drewal e Drewal 1190:23.
Máscara nº 737 do Acervo Claudio Masella. A única
máscara do nosso corpus que pode integrar essa
categoria.
Fig. 10 – Máscaras da Grande Mãe, Iya Nlá
54
Nessa máscara figura uma cabeça de pássaro com um peteado
feminino, exemplificando o poder de transformação das mães
ancestrais em pássaro. Fonte: Drewal e Drewal 1990: 24.
Saída da máscara Eye Oro. Ilaro,
1978. Fonte: Drewal eDrewal 1990:
23.
Na peça acima e nas três peças abaixo a transformação das ajés em
pássaro se torna bastante sugestiva. Acervo Claudio Masella –
IPAC.
A peça acima e a peça abaixo
possuem uma articulação no bico,
que é movimentado com a ajuda do
cordão. Acervo Claudio Masella –
IPAC.
Fig. 11 – As máscara Eye Oro
55
Máscara Tètèdé fotografada em
Sawonjo, 1978. Fonte: Drewal e
Drewal (1990: 26)
Exemplos de máscaras Tètèdé. Fonte: Drewal e Drewal
(1990: 83-4).
Coleção
MAE-USP
Coleção
MAFRO
Coleção MAFRO Coleção MAFRO
As quatro máscaras acima possuem a figuração semelhante à Tètèdé, mas diferem na cor estabelecida por
Drewal e Drewal, que é branca ou amarela. Seriam então máscaras gueledé?
Máscara Ajákùenà fotografada
em Ilaro, 1978. Fonte: Drewal
e Drewal 1990: 86.
A borda larga da máscara Ajákùenà possui vários furos onde são
pendurados espelhos, nozes de cola e cauris. Fonte: Lawal (1996: 207)
Fig. 12 – As máscaras assistentes
56
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
1 – Oro Èfé do Museu
Nigeriano (Drewal e Drewal
1990: 88)
3 – Coleção Carybé. Foto:
Lisy Salum 2006.
4, 5 – MAFRO
6 – Oro Èfé de Keto (Drewal
e Drewal 1990: 87)
7 – Oro Èfé com pássaro
(Lawal 1996: 204)
8 – Acervo do MNBA
11 – Oro Èfé com leopardo
(Lawal 1996: 202)
2, 9, 10, 12:15 – Acervo
Claudio Masella – IPAC
Fig. 13 – Máscaras Oro Èfé.
57
A máscara Àgàsa é caracterizada
pelas placas verticais e pela barba.
Fonte: Drewal e Drewal (1990: 96)
Outra exemplar de máscara
Àgàsa. Fonte: Drewal e
Drewal (1990: 96)
Máscara de Porto Novo, Benim, do
Acervo MAE-USP que
provavelmente é do tipo Àgàsa.
Máscara do MNBA que
provavelmente é do subtipo Àgàsa.
Fonte: Lody (1983: 15)
As lâminas verticais em
forma de orelhas e a barba
suportam as facas que se
cruzam em frente a face
branca da máscara Àgàsa
Fonte: Drewal e Drewal
(1990: 97)
Máscara de Egungum que possui
semelhança estilística com a Àgàsa.
Acervo MAE-USP (77/ d. 4. 349)
Máscara Àkà fotografada em
Isale-Eko, Lagos, em 1993. Fonte:
Lawal (1996: 1320
Essas duas máscaras do Acervo Claudio Masella possuem o disco
circular que representa a barba da máscara Àgàsa, mas a forma da
superestrutrua se aproxima mais dos motivos figurados na máscara
Oro Efe.
Fig. 14 – As máscaras
Àgàsa
e
Àkàtà e
algumas possíveis representações nos acervos estudados
58
Aspecto da máscara Kòrikò de Keto, que sai em pernas-de-pau. A parte superior foi
ampliada ao lado. Fonte: Lawal (1996: 144).
Máscara do Acervo Claudio Masella que
parece muito com a Kòrikò de Keto.
Máscara Kòrikò de Kesan Orile, 1971.
Fonte: Drewal e Drewal (1990: 29)
Essa máscara do MNBA também possui
as formas gerais da Kòrikò.
As três máscaras acima e as quatro de baixo fazem parte do Acervo Claudio Masella. Elas possuem figurações de canídeo
mostrando os dentes, comum às máscaras Kòrikò, no entanto, também podem ser máscaras gueledé zoomorfas, aquelas usadas
na parte vespertina do festival.
Fig. 15 – Exemplos de máscara rikò e discussão desse tipo a partir dos exemplares pesquisados
59
Cabeça Cabeleira Coroa Objeto/animal
Comida Recipiente Cena do cotidiano
(sacrifício ritual)
Figuras religiosas
Cena satírica Satírica Cabeça animal
Fig. 16 – Sub-tipos de máscaras gueledé
60
2.3 Tipologia dos edan ogboni
Em um trabalho anterior abordamos o tipo de edan ogboni que possui espetos
(cf. Ribeiro Jr e Salum 2003). Agora abordaremos também as demais estatuetas ogboni.
De acordo com a bibliografia consultada, todas peças da associação Ogboni,
apesar de possuírem formas e empregos diversos, estão associados a Onilé – a mãe-terra
iorubana –, sendo genericamente chamados de edan, embora algumas tenham nomes
específicos, de acordo com o significado da peça.
As principais características comuns entre os diversos tipos de edan ogboni são:
O material preferencial é uma liga de cobre;
A fabricação dessas peças utiliza a técnica da cera perdida;
As peças são duplas, representando um casal e formando
simbolicamente um único objeto;
A figuração humana aparece até nos objetos menores como anéis e
pulseiras; e também nas peças com caráter utilitário mais pronunciado,
como os recepientes;
Quando a figura humana se apresenta com o corpo todo, geralmente
estão nuas, com a genitália enfatizada, além de portarem objetos
simbólicos, segurarem os seios (no caso das figuras femininas), ou
exibirem o gesto típico Ogboni (mão esquerda sobre a direita).
A seguir, passaremos a observar as características individuais de cada tipo de
edan, a partir do uso ou significado que lhe é atribuído na África.
Edan com espeto
Segundo Morton-Williams (1960: 369) o edan é um bastão ritual de bronze.
Esse nome é imediatamente associado pelos iorubás com à Ogboni e é conhecido na
cidade de Oyo também como ololo. Consiste basicamente em duas imagens de bronze:
uma de um homem nu e a outra de uma mulher nua, unidas por uma corrente. Cada
61
imagem está montada sobre um pequeno pino de ferro (que raramente é de bronze
também).
Segundo as informações que ele obteve as imagens representam um ologboni e
uma erelu servindo ao seu mistério, awo. Cada iledi, ou santuáirio, tem pelo menos dois
edan que ficam sob responsabilidade do Apena um dos lideres dessa associação
responsáveis pelas questões judiciais. Um par dessas imagens é maior que os outros e
mais bem detalhado na execução. Ele nunca sai do iledi. Os outros, que podem ser
simplificados a um par de cabeças ligadas por uma corrente e montadas diretamente sob
seus pinos de ferro, ficam na casa do Apena e são eles que seus mensageiros carregam.
Os edan que os mensageiros carregam são as únicas peças sagradas que são vistas pelos
não iniciados (com exceção dos agba, tambores Ogboni que podem ser vistos
vagamente à noite).
O mesmo autor descreve em seu trabalho (Mortom-Willians 1960: 366-8) sete
ocasiões onde o edan é utilizado:
1. rito de entrada ao grau sênior: ao novato são requeridos animais para o sacrifício
quando ele é chamado para iniciação. Ele toca o edan antes dos animais que ele
trouxe (um bode, uma ovelha e um pombo) serem mortos e o sangue ser vertido
sobre ele. Então, ele se enclina e toca o edan com a testa e os lábios. Os reunidos
iniciam a saudação da Terra: "Mãe! Poderosa! Antiga!". O Oluwo o instrui a não
brigar por coisas insignificantes e conclui o rito com uma oração para a cidade,
como sempre deve ser feito quando um sacrifício é vertido sobre o edan. Uma corda
com três cauris enfileirados é amarrada ao redor do pulso esquerdo e deve ficar
até o terceiro dia, quando é tirada do iledi. Ela é apertada tão forte que deixa um
cicatriz escura no pulso esquerdo, o sinal da iniciação. Nessa ocasição é ensinado ao
noviço os tabus (ele só pode dançar para a esquerda, atar a roupa pelo lado esquerdo
e nunca antecipar o amanhecer).
2. rito de promoção para os ofícios titulares sacerdotais: quando um Ogboni é eleito
para uma função titular sacerdotal, o edan é posto em suas mãos pelo Apena na
presença dos iniciados reunidos. Enquanto ele segura o edan, é dito que apesar dele
agora possuir o título, nunca poderá contar o que acontece naquela instalação.
3. brigas entre cidadãos com derramamento de sangue: na cultura iorubá o
derramamento de sangue humano no chão é sacrílego quando não é feito em
sacrifícios. Quando duas pessoas brigam e alguém é ferido derramando sangue no
chão, mesmo que a ferida não seja grave, ocorre a profanação da Terra. Essa
62
informação chega ao conhecimento do Apena através do Alafin ou até diretamente.
Imediatamente ele manda um mensageiro levar um edan o qual é colocado ao lado
do sangue derramado. Isso faz com que as partes em litígio fiquem sob proibição
religiosa completa e tenham que ir até o local da luta pelo menos uma vez e se
apresentar ao mensageiro. O Apena convoca outros oficiais Ogboni e ancições para
se reunirem no iledi, onde os lutadores são trazidos pelo mensageiro. O Apena ouve
a disputa e faz um julgamento tentando reconciliar as partes. Ambos pagam uma
multa e providenciam animais para o sacrifício. O sangue é vertido sobre o edan. Se
for óbvio que uma das partes estiver mentindo e a disputa não puder ser
satisfatoriamente reparada, uma provação é imposta: o edan é posto em uma tigela
de água. Em algumas outras localidades é adicionado também um punhado de terra.
Os disputantes são obrigados a beber. É esperado confiantemente que o que mentiu
morra dentro de dois dias. Ele ainda menciona que as disputas iorubás têm menos
probabilidade de requerer derramamento de sangue do que em muitas partes da
África, como por exemplo em comparação com seus vizinhos os Binis.
4. Ofensas entre cidadãos: Alguém que tenha sido seriamente ofendido por outra
pessoa e que não queira estar envolvido numa disputa longa, cansativa e que
envolva outras pessoas e até feitiçaria, pode apelar para a sociedae Ogboni. Se o
assunto é trivial o Apena manda os disputantes procurarem seus chefes
comunitários ou os chefes de linhagem. Se o problema é realmente sério ele envia
seu edan, convocando ambas as partes ao iledi. O malfeitor precisa fazer um pesado
pagamento em dinheiro e animais para o sacrifício. O edan é trazido para fora e os
animais são sacrificados sobre o edan.
5. Disputas entre ologboni: um ologboni pode acusar outro de roubo ou de perseguir
sua esposa. Em Oyo, na reunião Ogboni seguinte o edan é trazido para fora e posto
no chão. O acusado é questionado sobre a acusação. Se le concordar que é
verdadeira, o Apena tentará restaurar as boas relações. Se ele negar a acusação,
precisa declarar na frente do edan: "Se eu for inocente, eu não sofrerei nenhum
dano. Se eu fiz o que eles estão dizendo, morrerei em dois dias". O Apena balança
um sino de bronze sagrado e todos os presentes gritam "Axé". No Egbado as partes
são postas a beber a água em que o edan é imerso.
6. Contra abusos de pessoas poderosas: nas pequenas cidades do Egbado, a Ogboni
assumiu algumas funções que em Oyo era atribuição do Oyo Misi e se tornou a
entronizadora do rei. Nessas cidades, a Ogboni pode compelir o Apena a mandar o
edan para o Oba quando ele estiver fazendo algo que eles desaprovem. Junto com o
63
edan pode ir a mensagem: "Assim como as duas partes do edan estão acorrentadas
juntas, os homens e mulheres da cidade estão unidos contra você". Essa é uma
advertência muito grave, pois eles têm o poder de mandar o rei cometer suicídio. A
Ogboni também pode mandar o edan para o patrimônio de outros homens nobres da
cidade, a quem eles julguem que es ultrapassando os limites de seus direitos e
privilégios. Isso previne que alguém cruze o limiar da entrada da portão principal,
sendo vergonhoso e incoveniente para seus habitantes. O edan pode ser
removido quando o culpado reconhecer sua falta com a Ogboni e fizer o pagamento
de um pesada multa a eles e providenciar muitos animais para serem sacrificados
sobre o edan.
7. Casamento de ologboni: um membro ogboni idoso que teme que um rival possa
tentar subornar uma de suas esposas para envenená-lo, pode casar-se com uma
jovem menina, mandando suas outras mulheres para viverem em outro lugar. A
nova esposa deve cozinhar sozinha e cuidar dele. Ele leva sua noiva ao iledi e
racha uma noz de cola e com a ponta do edan ele apanha um pedaço e para ela
comer; então apanha o outro pedaço para si mesmo. Então os dois são unidos
ritualmente como o edan é ligado e é dito a ela que se ela o trair de qualquer forma
certamente morrerá ou ficará louca.
Denis Williams (1964: 146) relata o uso de edab como amuleto. Segundo o
autor, esse tipo de edan é semelhante aos outros, apesar de ser mais rústico, ter tamanho
menor (entre 5 e 8 cm) e pode ser confeccionado também de chumbo, marfim ou
eventualmente madeira. Esse tipo de edan é levado com o sacerdote, especialmente
durante as viagens para ser reconhecido como membro ogboni em outras casas de culto.
Roache (1971: 53) também encontrou edan sendo usado como amuleto, devido
aos seus poderes apotropaicos. Ele observa que esse tipo de edan, via-de-regra, é uma
miniatura , que tem cerca de 3 cm de altura, constituído apenas pela cabeça.
A partir da descrição desses tipos, e considerando nosso material empírico,
deduzimos que existam pelo menos três sub-categorias para as esculturas edan com
pinos.
Na primeira, figurariam as peças maiores e mais detalhadas, mostrando o corpo
todo do casal de figuras, que permanecem e são usadas em cultos dentro do santuário
ogboni. Esse parece ser o caso do edan que ilustra o processo da cera perdida (Fig. 34)
64
A segunda sub-categoria é composta pelas esculturas pessoais, aquelas que
monstram o corpo inteiro das figuras, mas são de tamanho menor e não tão detalhadas.
São usadas como amuleto e identificador pessoal do associado.
A terceira sub-categoria é composta pelas peças que são carregadas pelos
mensageiros do Apena para fora do santuário. São mais simples, podendo apresentar
somente as duas cabeças.
Edan de altar
O edan com espeto mantém uma forma de bastão, não passando muito de uma
“projeção não escultural de um desendo em cera” (Williams 1964: 139). Porque se trata
de figuras humanas aparentemente tridimensionais, pelo volume, mas detalhadas, via-
de-regra, apenas de frente. Já o edan de altar, são detalhados na parte posterior.
Williams (1964: 153) acredita que a tradição de construir a estatueta com
espeto, que é mais simples, precedeu à tradição de construi-la com uma base que a
mantenha em sozinha. O resultado teria sido que o edan, agora concebido para ficar
no seu próprio pedestal, tenha verdadeiramente incorporado as implicações
tridimensionais da escultura.
poucos edan desse tipo publicados na bibliografia. Encontramos esse tipo
descrito no artigo de Denis Williams (1964: 151-155 Prancha I-d) e também alguns
exemplares no catálogo da coleção do MNBA.
Ajagbo ou Onilé
As peças de altar (com base) são muito mais raras e desconhecidas em
comparação às que possuem espeto. Temos poucas informações sobre seus nomes
particulares, usos, crenças e rituais associados. O número de fografias publicadas dessas
peças não nos permite traçar um perfil que a singularize de forma segura em relação às
outras. Williams (1964: 141) chega a afirmar que “Onilé nunca é antropomorfizada e
cultura em algum tipo particular de formato, mas simplesmente concebida como
ocupando um lugar fixo do santuário”.
65
O exemplar mais famoso dessa categoria encontra-se no Musue Nigeriano de
Lagos (veja Fig. 40). Trata-se de uma figura feminina de cerca de 70 cm de altura feita
em bronze, que o autor denomina de Ajagbo. Não se sabe se existiu o parceiro
masculino dessa peça. Pode ser que ele tenha sido saqueado de Owu antes de sua
destruição perto do ano de 1830 (cf. Williams 1964: 161).
Morton-Williams (1960: 370) menciona que alguns informantes de O lhe
disseram que a imagem deles é masculina. Esse autor ainda afirma que é possível que a
figura feminina tenha sido roubada antes de 1848, depois do fechamento da Ogboni de
Oyó, pois a figuração masculino/feminino das estatuetas é muito recorrente.
Pelo fato de imagens tão grandes e importantes como os dois casos relatados
acima estarem sozinhas e não em dupla fez com que se pensasse por muito tempo que
as imagens chamadas por Mortom-Williams de Ajagbo e por outros de Onilé fossem
unitárias (cf. Morton-Williams 196: 370 e Roache 1971: 49).
Esse tipo de edan, segundo nos relata Morton-Williams 1960: 370), era uma
imagem muito temida, ficando em uma sala especial do Iledi, santuário ogboni. Ela
era vista quando as regras da associação ou os acordos firmados eram quebrados.
Nessa ocasião, a imagem era trazida para a sala de reuniões e lavada com ervas e frutas.
Alguns caracóis da floresta eram cortados e seus fluidos vertidos sobre a imagem. O
líquido que desliza pela estatueta era recolhido em uma cabaça e ofertado para todos os
membros tomarem. Uma ovelha e uma pomba eram sacrificadas e oferecidas a ela. Eles
acreditavam que o culpado ficaria com o corpo inchado e morreria em poucos dias (cf.
Morton-Williams 1960: 369-370).
Entretanto, o nome Ajagbo foi dado por Denis Williams a uma imagem
diferente, bifacial ou do tipo janus, de cerca de 25 cm, da coleção da Universidade de
Ifé, Nigéria. Elá é masculina e está com a mão esquerda sobre a direita e também possui
coroa e globo ocular para fora.
Numa publicação mais recente, Babatunde Lawal (1995: 39-41) apresenta duas
fotos de Onilé, em bronze do Museu do Instituto de Estudos Africanos da Universidade
de Ibadan, Nigéria. Uma das esculturas é um par de imagens masculino-feminino,
ajoelhadas e segurando objetos rituais. Elas também possuem os olhos com o globo
ocular para fora, o nariz tripartido e uma coroa na cabeça. Já a outra escultura
66
apresentada é unitária e não possui o gênero definido. Ela está fazendo o gesto típico
ogboni, e está em posição sentada.
A partir das informações apresentadas, podemos supor que as esculturas do tipo
Onilé sejam mesmo estatuetas duplas como todos os outros tipos de edan. As peças que
se apresentam sozinhas provavelmente perderam seus pares, como ocorre
freqüentemente com os edan com espetos e correntes.
Quanto à forma, a mais recorrente é a figuração sentada ou de joelhos,
diferentemente dos edan de altar, que ficam em pé. As figuras portam objetos ou fazem
o gesto típico ogboni.
67
Fig. 17 - “Cerimonial de iniciação dentro da liga Ogboni”.
Desenho de Carl Arriens em Frobenius (1913: 65)
68
Edan com espeto – corpo todo Edan com espeto – só a cabeça
Provavelmente são do tipo Onilé Provavelmente são do tipo Onilé
Edan de altar Edan de altar, vendo-se a parte posterior da
peça
Anel Recipiente
Detalhe de cajados compridos, um masculino
e outro feminino
Bastão curto
Fig. 18 – Tipos das peças ogboni
69
CAPÍTULO III CONSIDERAÇÕES SOBRE O CICLO DE
VIDA DOS EDAN OGBONI E DAS MÁSCARAS GUELEDÉ
USADOS NO RECÔNCAVO BAIANO
Neste capítulo, faremos um exercício de reconstrução do ciclo de vida das
máscaras gueledé e das esculturas ogboni tidas como de uso ritual nos antigos terreiros
do Recôncavo Baiano. Adotaremos o modelo de Schiffer (1972) desenvolvido para a
análise de um artefato durável dentro de um contexto sistêmico. Nesse modelo, são
analisados os cinco processos principais envolvidos na história de um objeto, ou seja, a
procura pela matéria-prima, a manufatura, o uso, a manutenção e o descarte.
Devido à complexidade do nosso problema, que envolve a saída de esculturas
da África, também devemos levar em conta os processos de transporte, estocagem e
comércio dos artefatos, visto que essas atividades promovem o deslocamento geográfico
ou temporal de um objeto.
Por esse modelo, sintetizado na Fig. 19, vemos que um artefato pode transitar
pelo diagrama de fluxo de forma multilinear, pois ele pode voltar a percorrer processos
ou estágios pelos quais havia passado. Esse fenômeno é comumente chamado entre
os arqueólogos de reuso, e nesse modelo pode ser desmembrado em duas variantes. A
primeira é a reciclagem, que designa a ida de um objeto em uso para o processo de
manufatura, o qual, por sua vez, pode gerar o mesmo objeto ou outro. A segunda
variante, chamada de “lateral cycling”, que nós traduzimos como circulação lateral,
descreve o término do uso de um artefato em um conjunto de atividades e o
ressurgimento do seu uso em outro.
Ao fim da vida, se um artefato não for reutilizado, tem-se o processo de
descarte. O objeto ou o material recebe o nome de refugo depois que é descartado. Isso
às vezes, envolve uma mudança espacial, pois em geral os objetos são abandonados em
lugares diferentes de onde são usados. Nesse estado, o refugo não participa mais de um
sistema cultural. Aí se a liminaridade entre o contexto sistêmico e o contexto
arqueológico. Portanto, pensamos nós, a reconstrução do ciclo de vida dos edan ogboni
e das máscaras gueledé interessa à Arqueologia, na medida em que pode dar pistas aos
pesquisadores sobre como o registro arqueológico relativo às populações de origem
africana é formado, visto que esse registro é condicionado por processos que lhe são
70
peculiares e que atuam no contexto sistêmico. Não temos aqui a intenção de esgotar
esse assunto, pois o mesmo só recentemente tem preocupado os arqueólogos brasileiros,
devido, em grande parte, aos achados ligados aos quilombos. Mas, vez por outra, são
descobertos também registros arqueológicos ligados aos orixás, como os artefatos de
origem africana encontrados nas escavações da Praça da Sé e estudados por Tavares
2006. Em relação aos terreiros de candomblé esse assunto é um campo aberto, e nele
pretendemos nos aprofundar durante os estudos do doutorado.
Fig. 19 – Tipos das peças ogboni – Modelo de fluxo do ciclo de vida de um artefato durável
segundo Schiffer (1972: 158)
Transpondo as definições do modelo de Schiffer para a resolução do nosso
problema, vemos que nosso conjunto artefatual percorreu etapas de pelo menos três
sistemas culturais diferentes: o ciclo de vida que os artefatos possuem entre os iorubás
da África; o ciclo de vida que os artefatos possuem nos terreiros baianos; e o ciclo de
vida dos objetos da sociedade brasileira envolvente. Esses três sistemas se interligam
por alguns mecanismos: dádiva, comércio e saque, por exemplo. Não pretendemos aqui
dar conta dos três sistemas citados. Daremos ênfase às etapas que ocorreram no Brasil,
sobre as quais temos maior documentação. Voltaremos a esse assunto depois. O que
queremos expor agora é que se torna necessário estudar também, através da bibliografia
71
específica, o ciclo de vida desses objetos na África, tentando entre outras coisas
recuperar em que fase de sua trajetória os objetos atravessaram o Atlântico e passaram a
fazer parte dos terreiros.
Como esses artefatos deixaram poucos registros que permitam delinear sua
história de vida, teremos que utilizar todos os recursos acessíveis ao pesquisador: a
literatura especializada, o estudo formal dos objetos, a documentação escrita, as
tradições orais publicadas e algumas fotos de jornal e de arquivo de museus. Porém,
antes de começarmos a abordar o ciclo de vida cabe uma breve apresentação das
coleções e peças estudadas.
1. As peças e coleções afro-brasileiras estudadas
1.1 Coleção afro-brasileira de Nina Rodrigues, Salvador
O conhecimento de muitas peças antigas do candomblé chegou até nós por meio
da formação das coleções de arte afro-brasileira. A primeira coleção que se tem
conhecimento foi formada no Brasil entre 1890 e 1904 pelo médico maranhense
radicado em Salvador, Raymundo Nina Rodrigues um dos pioneiros no estudo das
religiões afro-brasileiras. Em agosto de 1904 foi publicado na Revista Kósmos o artigo
As Bellas-Artes dos Colonos Pretos do Brazil - A esculptura (cf. Rodrigues 1904).
Nesse artigo, foram exibidas fotografias de objetos que estavam em uso nos terreiros de
candomblé do Recôncavo Baiano por ele pesquisados.
A primeira fotografia desse artigo consta dos arquivos do IGHBA sob o número
de registro 2718, e vai reproduzida aqui, na Fig. 20, exibe “peças diversas do culto
gêge-yorubano dos orichás ou vôduns, tomadas ás praticas d’essa religião,
sobreviventes nos nossos negros” (Rodrigues 1904). Trata-se, então, de peças que
estavam sendo usadas nesse período por candomblés nagô, ou seja, de origem
predominantemente iorubá, e por candomblés jêje, originário das culturas da área
lingüística Gbe, como os fons (cf. Parés 2006: 47-52), ainda que as duas nações de
candomblé possuam muitos conceitos e práticas em comum.
Um dos aspectos mais importantes da coleção de Nina Rodrigues é o fato das
peças constituintes representarem uma fase da cultura material dos candomblés que
72
hoje, vista a distância, parece ser um período de transição entre a estatuária pica dos
iorubás e as peças que hoje encontramos em campo nos terreiros. A estatueta nº 3 ilustra
bem a questão. Trata-se de um bastão cerimonial dedicado a Exu. Nessa peça vemos
que a figuração dessa entidade, nessa época, ainda é bem próxima à representação
característica entre os iorubás: uma figura humana segurando duas cabaças ao lado do
corpo, e tendo a cabeleira comprida em forma fálica, esticada para trás. Essa figuração
sofreu uma variação ao longo do tempo e hoje a forma comumente encontrada para Exu
é bastante parecida com a do Diabo cristão.
Nina Rodrigues formou sua coleção num contexto em que os africanos e seus
descendentes eram vistos como integrantes de raças inferiores, como se fossem fósseis
vivos da infância da humanidade. Entretanto notamos que ele concede algum mérito à
arte que praticavam, pois escreveu que é “na escultura (...) que com mais segurança e
apuro se revela a capacidade artística dos negros” (Rodrigues 1932: 161).
Mas essa arte, para Nina, ainda refletia os supostos estágios inferiores da
“evolução” dos negros. Isso para ele era visível, por exemplo, na desproporção do
tamanho da cabeça com relação ao tamanho do corpo das estatuetas. Interpretava esse
fato como uma incapacidade dos africanos em conseguir representar o real. Ainda não
sabia que essa era uma das características mais difundidas da Arte Africana, que reside
no fato da cabeça ter um significado religioso e filosófico especial em relação aos
outros órgãos. Assim, a formação de sua coleção deve ter sido orientada a “obter” as
peças que mais se aproximavam do modelo africano.
De sua coleção, a peça que desperta maior interesse para nosso estudo é o edan
exibido na Fig. 21. A legenda com que as imagens desse edan foram apresentadas no
livro de Nina Rodrigues, publicado bem depois de sua a morte, em 1932, por Homero
Pires, gerou polêmica entre os pesquisadores. Numa carta de Édison Carneiro, datada de
27/01/1936, a seguinte pergunta para Artur Ramos: “Você prestou atenção na figura
8 dos Africanos? Veja o que o velho Nina diz às págs. 343-344 e veja si o mero pires
[sic] não é um monstro em dar aquilo como “bastão de régulo africano”
7
(Carneiro apud
Lima 1987: 90). Essa crítica é publicada com outras palavras no livro Negros Bantus
(Carneiro 1937: 46): nesse trecho, Carneiro concorda que a peça representa Exu, por
7
As cartas de Arthur Ramos respondendo à Édison Carneiro não são conhecidas.
73
causa dos “atributos fálicos”, mas critica Homero Pires por designá-las como “bastão de
régulo africano”. As cartas de Arthur Ramos respondendo à Édison Carneiro não são
conhecidas.
Vivaldo da Costa Lima aponta que a atribuição da peça a Exu e a suposição de
que elas fizessem parte de um bastão de um “régulo” africano parte do próprio Nina
Rodrigues (Oliveira e Lima 1987: 90).
Clóvis Moura (1983: 98), anteriormente, criticou a atribuição da peça a Exu,
mostrando que se trata de um edan:
“(...) Vamos nos referir a uma das ilustrações reproduzidas por Nina e que tem
por legenda: “Bastão de régulo africano”. Para o tempo em que o livro foi
escrito isto era o máximo que se podia exigir. No entanto, sabe-se , agora, que
aquela fotografia reproduzia os edan, usados na parte religiosa do ritual Ogboni.
A Ogboni, como se sabe, era uma sociedade iniciática africana poderosíssima
da qual muitos escravos baianos participavam. Se acrescentarmos que essa
sociedade iniciática africana, transplantada para a Bahia, participou das
insurreições escravas do século XIX, podemos ver como a elucidação do
significado dessa peça mostra, até que ponto a Ogboni influiu nos planos
organizacional e ideológico desses movimentos contra os brancos, pois possuía,
na África, uma bem estratificada hierarquia político-religiosa. A peça
demonstra, pois, como essa associação se mantinha ainda na Bahia e até que
ponto a parte ritualística se conservava em funcionamento”.
Clóvis Moura parece ter sido aquele que identificou essa peça, embora isso
nunca tenha sido mencionado entre os autores que falam desse assunto, pelo menos na
literatura consultada até então. Devemos concordar com ele quando afirma que as
imagens representam um edan. A essa mesma constatação chega Vivaldo da Costa
Lima, analisando a simbologia geral da peça (Oliveira e Lima 1987: 90). Entretanto,
vemos como questionável a inferência, feita por Moura, sobre a existência da suposta
“sociedade ogboni brasileira”, a partir da existência de um edan. Seria o mesmo
absurdo, por exemplo, que inferir a existência do Vaticano a partir da descoberta de um
crucifix.! A essa questão voltaremos no último capítulo da dissertação.
74
Legenda em Rodrigues (1904): “Grupo de oito figuras do culto jeje-iorubano - na enumeração adotada no texto
as figuras ou peças são contadas da esquerda para a direita”.
estatueta da foto ao lado. Peça em “bronze”
vinda da África, segundo Nina Rodrigues.
Fig. 20 - Peças rituais antigas dos candomblés da Bahia
75
Fig. 21- Primeiro edan ogboni relatado na etnologia afro-brasileira
Publicado em Rodrigues (1932: fig. 8) como “bastão de régulo africano”.
76
1.2 Coleção afro-brasileira de Arthur Ramos, Casa de José de Alencar, Fortaleza
Outra importante coleção afro-brasileira é a que foi formada pelo médico
alagoano Arthur Ramos, que foi professor da Faculdade de Medicina da Bahia. Sua
coleção não apenas documenta parte da antiga cultura material dos terreiros da Bahia,
mas também de outros estados, como o Rio de Janeiro e Alagoas. Essas peças foram
coletadas entre 1925 e 1939, e os dados de sua pesquisa foram publicados dez anos
depois.
Arthur Ramos faleceu prematuramente em 1949. Em 1959 sua coleção foi
comprada pela Universidade Federal do Ceará - UFC, para integrar o acervo do hoje
extinto Instituto de Antropologia. Atualmente suas peças estão no museu que leva seu
nome, dentro da Casa de José de Alencar (Messejana - Fortaleza, CE), sob direção da
Universidade Federal do Ceará – UFC.
A primeira pesquisadora dessa coleção foi a Professora Valdelice Girão, que
publicou seus dados em um artigo (Girão 1971) e no primeiro catálogo da coleção
(Girão 1983). Ela afirma ter classificado as peças seguindo as categorias do próprio
Arthur Ramos (Séria A - macumbas e candomblés; Série B - Plantas, banhos,
defumadores; Série C - garrafadas; Serie D - objetos etnográficos não negros; Série E -
instrumentos de música; e Série F - Objetos africanos). Dessa coleção quatro peças nos
interessam em particular, pois podem estar relacionadas com os artefatos da associação
Ogboni.
A peça da Fig. 22 foi classificada pela Professora Valdelice na Série A
(macumbas e candomblés), até porque o próprio Arthur Ramos (1949), como veremos
adiante, escreveu que a conseguiu nos terreiros da Bahia. as três peças da Fig. 23,
foram agrupadas na Série F (Objetos Africanos). Esses objetos não são relatados no
artigo de Ramos. Nem fica claro se eles foram utilizados nos terreiros. O texto do
catálogo dá a entender que sim: “A Coleção Arthur Ramos (...) inclui peças africanas de
grande valor etnográfico” (Girão 1983: 8), mas parece certo que a distinção entre o que
era africano e o que era afro-brasileiro não foi feita por Arthur Ramos, pois Valdelice
escreve que “o museu (...) também arcou com o ônus de classificar o material adquirido,
tarefa por demais laboriosa, dada a falta de informações precisas” (Girão 1971: 95).
Raul Lody refez esse primeiro catálogo e identificou essas quatro peças como
edan (Lody 1987:13-34). As séries propostas por Arthur Ramos são mencionadas nesse
77
novo catálogo, mas o acervo não é dividido em grupos. Mais um indício de que nem
Ramos tivesse feito tal empreitada, apesar de provavelmente ter esboçado um esquema
classificatório inicial.
Isso remete ao problema dos artefatos dos quais nem os próprios usuários sabem
ao certo se foram feitos aqui, ou se vieram da África, como é o caso dos objetos
sagrados de um terreiro de egum da Ilha de Itaparica, “varejado” pela polícia em 1940, o
qual voltará a ser referido adiante. Pela antiguidade desses terreiros, que remontam ao
começo do século XIX, muitas peças sempre fizeram parte do ambiente de algumas
gerações de fiéis. Desse modo, os integrantes dessas comunidades cresceram vendo
aqueles objetos, sem saber, ao certo, como ali chegaram.
Em uma viagem de estudo a Fortaleza, em julho de 2004, não foi possível
pesquisar em alguns arquivos do Museu Arthur Ramos, visto que algumas caixas de
documentos ainda não haviam sido abertas pela museóloga responsável, naquela época
recentemente contratada para administrar o acervo.
Estudos posteriores podem dissolver as interrogações que cercam a formação
dessa coleção, pois é possível que haja documentos que indiquem, por exemplo, de qual
terreiro de Salvador as peças de nosso interesse foram obtidas.
78
Fonte: Lody (1987: 44)
Foto: ARJ 2004
assentos de latão e adjá (campânula), segundo Ramos (1949: 205)
Foto: ARJ 2004
Acervo MAE-USP - Fotos Wagner Souza e Silva
Fig. 22 - Edan da coleção de Arthur Ramos (acervo Museu Arthur Ramos) e dois edan da coleção ogboni do MAE-USP
79
Fotos: ARJ 2004
Fig.23 - Peças metálicas da coleção Arthur Ramos (acervo do Museu Arthur Ramos, Casa
de José de Alencar - Fortaleza, CE)
80
1.3 Coleção afro-brasileira do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador
A Funarte e o Instituto Brasileiro do Folclore fizeram um extenso trabalho de
identificação, classificação e catalogação de importantes coleções de objetos afro-
brasileiros, dentre as quais a coleção de mais de 170 peças afro-brasileiras, que estavam
abrigadas no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Esse trabalho foi publicado em
catálogo (Lody 1985).
De forma até agora não esclarecida, essas mais de 170 peças desapareceram da
instituição. A atual presidente, Profa. Dra. Consuelo Pondé de Sena, disse-nos que
possivelmente essas peças foram roubadas juntamente com algumas obras de arte que
sumiram do museu em 1993, quando ele foi desativado. Já um antigo funcionário contou
que “muita coisa, como uns atabaques, foi jogada no lixo”. Até hoje nada foi feito pelas
autoridades competentes para tentar recuperar as peças, ou pelo menos apurar os fatos
sobre esse crime contra o patrimônio público. Esse descaso com a cultura material de
origem africana demonstra como um certo ranço da antiga etnografia racista, que via com
desdém os ditos “fetiches” africanos, ainda persiste em nosso meio.
Junto às peças desaparecidas do IGHBA estavam cinco edan (veja Fig. 24, onde
reproduzimos as fotos publicadas, e a Fig. 25, onde reproduzimos fotos inéditas
encontradas nos arquivos da instituição). Devemos notar que dois dos edan que aparecem
na fotografia Fig. 25 também não constaram no catálogo de 1985. O mesmo pode ser dito
das duas estatuetas centrais, ampliadas na mesma prancha. Essa constatação sugere, tendo-
se em mente o caso do sumiço do agere ifá de que trataremos adiante, e das duas estatuetas
em madeira da foto, que a depredação do acervo afro do IGHBA começou antes de 1985,
pois essas peças nem constaram nesse primeiro catálogo.
Esses objetos são tidos como fruto das batidas policiais por que passavam grande
parte dos candomblés de Salvador entre as primeiras décadas do século XX (Lody 1985:
11). De fato, a análise das fotografias, que mostra indícios de terem sido apreendidas
quando ainda estavam em uso, corrobora essa interpretação. Entretanto, não tinha sido
publicado nenhum documento que comprovasse essa a proveniência
Encontramos um inventário que mencionava a origem de alguns objetos do acervo,
que está na Revista 85 do IGHBA (1972-1975). Esse inventário divide as peças,
relacionando-as em três categorias: cerâmicas e louças; móveis; e pinturas. Ao fim desse
documento, temos a informação que as demais peças seriam posteriormente inventariadas.
O que provavelmente não foi feito.
81
Notamos, pelo exame desse inventário, que era comum os sócios do instituto
doarem algum objeto de arte para o museu. Assim, pensamos a possibilidade de que isso
tivesse ocorrido também com as esculturas de origem africana. Por isso, pesquisamos a
seção “Ofertas” das revistas do instituto.
Sobre as máscaras gueledé desse acervo (Fig. 26 e 27) ou sobre os edan ogboni
nada é mencionado. No entanto, encontramos alguns dados que nos ajudam a pensar essa
questão. Por exemplo, em 1926, na seção de ofertas do Volume 52, página 415,
encontramos a seguinte doação:
“Dr. Bernardino Madureira de Pinho vários objetos pertencentes a um
candomblé africano apprehendidos pela policia, entre os quaes 3 atabaques, 4
santos (“Oxalá”, “Oxum”, “Oledê”, 4 capacetes de contas, 13 objetos de metal,
pulseiras, guizos, etc.”.
Assim, confirma-se a informação, que antes não tinha base documental, de que
alguns objetos são provenientes das “batidas” policiais aos terreiros. Outros dois excertos
encontrados também comprovam essa informação.
No volume 60, página 577, de 1934, vemos a doação do Dr. Frederico Ferreira
Bandeira: “Idolos (sete) encontrados num candomblé pertencente a Severiano de Tal, na
fazenda “Engenho Madruga” Termo da Villa de S. Francisco, de propriedade do
offertante”. E nas ofertas de 1935 a 1936, p. 540, vemos a doação do “Cap. Hannequim
Dantas”:
“Ganzá, dois tamborins de pelle de cobra, um pé de bota de velludo vermelho, uma
saieta de pennas e couro de onça e um calção de setim azul, um gorro vermelho,
dois capacetes apprehendidos pela policia no candomblé da Matta Escura.”
Dessa forma, podemos inferir que talvez os próprios delegados ou membros da
polícia entregassem as peças ao museu do instituto, como parece ser o caso desse
“Capitão”.
Mas doações que parecem não provir apenas das “batidas”. No Volume 58, de
1932, p. 456, vemos que a D. Elisa Bergemann doou uma “collecção de zios e contas” e
que as peças estavam “sendo classificadas” pelos funcionários do museu. parece ser o
caso de um coleção particular formada pelo amor aos objetos. Assim, esses dados nos
ajudam a matizar melhor a formação da coleção.
82
Fonte das fotografias: Lody (1985: 39-40)
Fig. 24 - Os edan da coleção do Instituto Histórico Geográfico da Bahia - IGHB
83
Fig. 25 - Duas fotografias dos arquivos do IGHB (os objetos que aparecem acima das máscaras são ampliados ao lado)
84
Fonte: Lody (1985: 55)
Fotos: ARJ 2006
Fonte: Lody (1985: 56)
Foto: Lisy Salum 1998
Fig. 26 - Escultura em madeira de máscara gueledé (IGHBA)
85
Foto: ARJ 2006
Fonte: Lody (1985: 57)
Foto: Lisy Salum 2000
Foto: Lisy Salum 2000
Foto: Lisy Salum 2000
Foto: ARJ 2006
Fig. 27 - Escultura em madeira de máscara gueledé (acervo IGHBA, Salvador)
86
1.4 Coleção afro-brasileira do Museu Estácio de Lima, Salvador
O museu que estava vinculado ao Instituto Médico Legal “Nina Rodrigues” de
Salvador passou, em 1958, a ser chamado “Estácio de Lima”, em memória do professor de
medicina que lutou pela sua reativação e que reuniu, entre as décadas de 1920 a 1940, a
maior parte das peças que compõem suas variadas coleções, divididas entre peças
classificadas nas seções científicas, indígenas, africanas e afro-brasileiras, cangaço e
criminalística.
Esse museu fechou para reforma em 2005, e desde 2007 está desativado. Algumas
de suas peças ficaram por alguns anos abrigadas no Museu da Cidade, para onde foram
levadas após um amplo movimento de reivindicação pelos movimentos sociais da Bahia
para que fossem retiradas do Museu do IML, onde constavam em meio a objetos como
fetos deformados, amostras de substâncias entorpecentes e até mesmo a cabeça de
Lampião, todos eles classificados como “aberrações” ligadas ao universo do crime e à
dismorfia, biológica e social. Esses agentes ligados a terreiros de candomblé e a
movimentos de valorização das culturas negras e populares na Bahia argumentavam que
tais peças eram objetos sacros afro-brasileiros e que jamais poderiam estar naquele
contexto, assim como procuraram valorizar a figura de Lampião como herói popular,
exigindo assim que também sua cabeça fosse dali retirada e recebesse sepultura, o que foi
conseguido, assim como a realocação das peças afro-brasileiras em um museu com uma
conotação totalmente diversa, o Museu da Cidade, onde deixam de ser categorizadas como
provas de crime e passam a figurar como objetos de arte. Em 2006, contudo, com o pleito
ao seu redor já arrefecido, elas voltaram para o Estácio de Lima, onde ainda não foram
colocadas novamente em exposição.
Segundo informações verbais dadas pela museóloga Cláudia Garrido, que era a
responsável pelo acervo em 2006, a coleção afro foi composta por peças adquiridas na
África e também por peças doadas por alguns sacerdotes dos candomblés de Salvador, pois
o Prof. Estácio de Lima era muito conhecido entre o povo-de-santo e foi Ogã de Oxalá do
terreiro do Gantois (Lima 1980: 7).
Não foi possível estudar esse acervo detalhadamente, por causa da reforma do
museu. Em algumas visitas feitas antes dele ser desativado, localizamos algumas peças de
interesse através do catálogo e pudemos manipular alguns poucos objetos que estavam
armazenados em lugares mais acessíveis. Trata-se de um casal de esculturas em madeira
87
ligada por uma corrente do mesmo material que se assemelha muito a figuração de um
edan ogboni, apesar de ser feito em madeira. Essa peça foi tombada pelo o nº 281 (: 8,3 x
5,5 x 23 cm; : 8,4 x 5,5 x 24,5 cm) e não possuímos fotografia. Há também uma máscara
gueledé pequena, tombada pelo 280 (11,5 x 18,5 x 11,5 cm) que foi fotografada pela
Profa. Lisy há alguns anos atrás (cf. Fig. 28).
pesquisas posteriores poderão explicar melhor o processo de constituição desse
acervo, que está hoje totalmente inacessível aos pesquisadores.
Fig. 28 – Pequena máscara gueledé do Museu Estácio de Lima. Foto: Lisy Salum c.1998.
88
1.5 Coleção afro-brasileira de Mestre Didi e Juana Elbein dos Santos, Salvador
Mestre Didi Deoscóredes Maximiliano dos Santos é um dos mais famosos e
reconhecidos sacerdotes do Brasil. É filho de uma das mais famosas iyalorixás da Bahia,
que foi Mãe Senhora do Axé Opô Afonjá. Tem cargos tanto nos terreiros de orixá quanto
nos terreiros de egum. Hoje, com mais de 90 anos, é Alapini sumo sacerdote do terreiro
de Egum IAsipá, que foi fundado por ele em Salvador. A sua carreira de artista plástico
foi iniciada quando produzia as “ferramentas” e insígnias dos orixás dos terreiros que tinha
ligação. Depois se tornou artista plástico de renome mundial.
Mestre Didi e Juana Elbein dos Santos, sua esposa e antropóloga que publicou um
conhecido estudo sobre a cosmovisão da morte entre os nagô (Elbein dos Santos 1993),
formaram uma coleção de objetos de arte africana e também de peças antigas dos terreiros
da Bahia. Dentre as peças que possuem, é preciso dar atenção especial a três máscaras
gueledé que estão associadas aos terreiros baianos, as quais, infelizmente, não observamos
ao vivo. Estudamos as fotografias e informações já publicadas (ver mais adiante, tratando-
se do ciclo de vida dos objetos, Drewal e Drewal 1990) e outras não publicadas, como
notas de uma entrevista realizada com Juana Elbein, na presença de Mestre Didi, em 1999.
Tal entrevista foi feita pelo Prof. Dr. Kabengele Munanga e pela Profa. Dra. Lisy Salum
como atividade de pesquisa para a curadoria do módulo “Arte afro-brasileira” da Mostra
do Redescobrimento, uma grande exposição comemorativa dos “500 anos” de Brasil,
realizada nos complexo de espaços expositivos do parque Ibirapuera, em São Paulo, em
2000.
Pelas anotações da Profa. Salum, temos que a Casa Branca teria possuído máscaras
gueledé que saíam em procissão no dia oito de dezembro, dia de N. Sra. da Conceição da
Praia, pela avenida dos Dendezeiros até a praia de Boa Viagem. Tais máscaras teriam sido
descartadas em cerimônia regida pelo famoso babalaô Martiniano Eliseu do Bonfim,
contemporâneo de Mãe Aninha do Opô Afonjá, que as teria mandado “jogar na água”. Os
ojés (cargo do culto de Baba Egun nos terreiros que reverenciam estes espíritos ancestrais)
do terreiro de Babá da ilha de Itaparica (Omo Ilê Agboula) teriam resgatado as máscaras e
as levado ao Axé Opô Afonjá. as teriam colocado em uma casa de palha, onde teriam
permanecido até que Mestre Didi as levou consigo (cf. Fig. 29 e 30). Na época da
entrevista, as peças estavam na área social da sua residência.
89
Máscara gueledé da coleção particular de Mestre Didi e Juana Elbein
dos Santos. Fonte: Drewal e Drewal (1990: 244)
A mesma máscara ao lado. Foto de Robert Farris Thompson, 1985.
Fonte: Thompson, 1993: 304.
Fig. 29 – Peças da coleção Mestre Didi e Juana Elbein dos Santos
90
Fonte: Drewal e Drewal (1990: 244-5)
Fig. 30 - Parte em madeira de duas máscaras gueledé (coleção Mestre Didi e Juana Elbein dos Santos)
91
Número de peças estudadas
Acervo pesquisado
Número
de peças
do acervo
Ogboni Gueledé Total
1 – Coleção afro-brasileira de Nina Rodrigues,
Salvador
~ 15
3
0
3
2 – Coleção afro-brasileira de Arthur Ramos,
Museu José de Alencar, Fortaleza
~150
4
0
4
3 – Coleção afro-brasileira do Instituto
Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador
~ 180
5
2
7
4 – Coleção afro-brasileira do Museu Estácio
de Lima, Salvador
Não consta 1
1
2
5 – Coleção afro-brasileira de Mestre Didi e
Juana Elbein dos Santos, Salvador
Não consta
0
3
3
Total
13
6
19
Fig. 31 – Peças e acervos afro-brasileiros estudados
92
2. Ciclo de vida dos edan ogboni e das máscaras gueledé
A seguir, analisaremos as etapas por que passaram os edan ogboni associados
aos terreiros do Recôncavo Baiano. Não temos dados para escrever sobre o processo de
busca da matéria-prima. Começaremos então pelo processo de produção.
2.1 Manufatura
Para pensarmos a manufatura dos edan ogboni que foram encontrados na Bahia,
devemos entender primeiro como ela é feita na África. A produção de um edan na
África é relatada com detalhes por Denis Williams (1964: 143-145). Essas informações
provêm dos relatos de um escultor pertencente à associação Ogboni de Ogbomosho.
Segundo esse informante, somente um ancião pode se tornar um Akedanwaiye
título dado ao escultor membro da associação Ogboni “que traz o edan ao mundo”. Isso
ocorre porque se acredita que as palavras e orações que são pronunciadas durante o
processo da feitura podem tornar um homem jovem impotente. Além disso, eles
acreditam que um jovem escultor poderia ousar alterar a imagem sagrada do edan,
suprimindo ou alterando os símbolos que o tornam um ícone e um veículo de
comunição com Onilé.
A sucessão desse título e, conseqüentemente dessa arte, é geralmente feita de
pai para filho, pois os títulos da associação Ogboni são hereditários, mas é o Apena
um dos dirigentes máximos da Ogboni que em último caso define quem será um
Akedanwaiye.
Encontramos fotografias de Pierre Verger dos anos 1950 que mostram um
Akedanwaye em sua oficina, como podemos ver na Fig. 32. É interessante compará-las
com o desenho feito em 1910 pela expedição de Frobenius à África e com a foto
publicada em 1995 por Babatunde Lawal que reproduzimos na Fig. 33. Nessas imagens,
vemos que o local da forja é freqüentado por homens de diversas idades. Desde cedo os
meninos começam a se inteirar desse conhecimento, mas a tarefa principal é
executada por um ancião.
Voltando à manufatura do edan, trata-se de um ritual que dura sete dias, durante
os quais o artista precisa propiciar o seu local de trabalho e fazer diversas oferendas à
Terra. As etapas do processo podem ser ilustradas pela fotografia da Fig. 34.
93
O primeiro estágio é a inserção de uma haste que geralmente é de ferro em um
núcleo de argila. Essa haste funciona estruturalmente como eixo axial da peça.
O núcleo de argila é modelado de modo a lembrar o semblante da figuração
humana. Após isso, o escultor mantém uma vigília de três dias e três noites, esperando a
peça secar ao fogo. Depois, faz libações com fluidos de diversos animais que aparecem
frequentemente nos motivos do edan, como caramujos, pombos e tartarugas.
Em seguida, o núcleo de argila é revestido de uma camada de cera. Os detalhes
da escultura, como os traços fisionômicos, os membros do corpo e os objetos
simbólicos, são esculpidos também em cera. Nesse estágio são feitas oferendas
adicionais.
Em todo o processo da manufatura o artista faz invocações às divindades do
mundo espiritual para ajudá-lo na tarefa que executa. Nos intervalos de cada etapa são
feitos jogos divinatórios simples para saber se o processo está prosseguindo como deve:
são quebrados nozes de cola (obi) vermelha e branca, que indicam para o escultor, pela
posição em que caem no chão, se o mundo espiritual está aprovando seu trabalho.
Depois, uma nova camada de argila é adicionada ao molde esculpido
superficialmente com cera. O passo seguinte é a fundição. O molde é colocado no fogo
e o calor derrete a cera que está entre as duas camadas de argila. A cera é então vertida
pela parte superior da peça, deixando um vazio que posteriormente é preenchido com a
liga metálica fundida. Daí, o edan é embrulhado em um pano branco limpo e é colocado
para secar em um lugar seguro. Isso é feito no alvorecer do sexto dia.
Na manhã do sétimo, mais perto do meio-dia, quando as sombras projetadas
pelo sol são menores, o molde é removido e a imagem é revelada. Isso deve ser feito de
forma muito cuidadosa e sem força. A imagem é então lavada e polida com um trapo
branco.
Uma massa de grãos (ikuru) é amassada em cima do novo edan. Os obis são
lançados novamente pelo artesão para se certificar que a escultura está pronta para sair
de sua oficina. Se a resposta é favorável, outra oferenda é feita: o sangue de uma ovelha
e de um pato são vertidos sobre a imagem junto com pimentas da guiné. Acredita-se que
a pimenta afasta as entidades malfazejas. Um pouco mais tarde essas pimentas são
mastigadas pelo Akedanwaiye, que se comunica com o edan por intermédio dos obis.
94
No pôr-do-sol, o edan com o seu molde é embrulhado num pano branco para ser levado
ao santuário ogboni.
Lá, a escultura é lavada pelo Apena um dos líderes da Ogboni. É também o
Apena que rejeita ou certifica que as imagens estão dentro dos padrões aceitáveis para o
culto. Então o Olowo outro líder ogboni declara que o edan está pronto para ser
entregue ao novo integrante da associação (cf. Williams 1964: 143-145).
vemos um momento do ciclo de vida do edan africano que merece
comentário. O autor não especifica o que acontece com as peças recém fundidas que
não são aceitas, tanto pelas inovações ou omissões dos símbolos, ou por terem sofrido
algum problema durante o processo de feitura, como rachaduras ou mal acabamento da
fundição o que deve ser mais freqüente. Nesses casos, inferimos nós, provavelmente
a liga metálica da peça deve ser reciclada, voltando ao processo produtivo de um novo
edan, visto que o cobre naquela região da África não é abundante, sendo muitas vezes
importado de lugares distantes.
Ou talvez esse momento em que a peça é rejeitada seja uma hora propícia para
ser envidada para outra sociedade, visto que muitos edan ogboni que observamos nas
coleções museológicas e particulares são peças com rachaduras, com partes faltantes e
com distorções muito flagrantes dos mbolos e elementos grafados. Aqui, ou no
exterior, esse é um ponto delicado e bastante negligenciado nos históricos das coleções
museológicas africanas.
Leo Frobenius, um dos primeiros antropólogos a estudar o edan ogboni em
contexto, e que também foi um dos primeiros a levar alguns exemplares para a Europa,
nos dá um relato interessante sobre a forma de aquisição de algumas de suas peças:
“We once visited an old gentleman of splendid presence, who could boast of
possessing one of the finest dwellings in old Ibadan. He was ascaricious as the
rest of the yorubans, but by no means anxious to give good value for money
received. In this respect there was not a pin to choose between them. I came
upon a hoard of small antique and valuable yellow metal castings at this place,
of the kind which it is now usual to call “bronzes” since the “discovery” of the
treasures in Benin. In order to get out of earshot, the possibilities in a stable!
We haggled and bargained for a long time until at last we agreed to do a deal at
ten guineas. The money was to be forwarded that evening; but before that was
done we were to put a few specimens in our pockets and take them with us.
When Bida Took him the cash as arranged, he was handed a parcel which
proved to be ‘minus’ exactly seven pieces, one or two of which were
subsequently offered us for sale by one of the noble owner’s female relations.
95
All possibility of there having been any mistake was excluded by the fact that,
in one of the pieces so offered, there was a fracture which exactly fitted a
breakage in one of the figures already delivered; the veteran had kept a few
things back with a view to re-selling them at a better price and so making a
double profit” (Frobenius 1913: 59)
vemos, no início do século XX, a figura do intermediário, aquela pessoa
que possui contato privilegiado com os escultores e que poderia conseguir um lucro
elevado revendendo as esculturas para fora do grupo, inclusive as peças defeituosas, que
talvez não interessassem mais aos artesãos e à associação Ogboni.
Esse relato também é importante para mostrar que nem todas as peças africanas
foram obtidas através de saque, como os bronzes do Palácio do Reino do Benim, que
são mencionados no texto de Frobenius, os quais foram levados pela Inglaterra em 1897
e depois leiloados em Londres.
Um dado adicional que ajuda a compreender essa questão se refere a uma nota
de Denis Williams (1964: 144) informando que na época de sua pesquisa na África,
esculturas dos ogboni estavam sendo vendidas nos mercados livres de Ibadan, e que os
escultores de Ijebu-Ode e de Ilobu trabalhavam por comissão para terceiros.
Essas informações, somadas ao fato de que todas as coleções africanas que
estudamos no capítulo anterior possuem edan ogboni do atelier de Iyemi Bisiri um
famoso escultor ogboni da cidade de Ilobu dão-nos subsídios para melhor
compreender o processo de aquisição dessas peças. Mas essa discussão escapa aos
objetivos deste trabalho.
Voltemos, então, nossa atenção aos edan que estão associados aos terreiros do
Recôncavo Baiano, tentando responder se eles foram manufaturados na África ou se
foram feitos no Brasil. Lembramos que a primeira peça digna de nota é o edan
apresentado no livro de Nina Rodrigues (cf. Fig. 21).
No artigo de 1904 (p. 164), Nina Rodrigues, referindo-se à procedência das
peças de sua coleção, afirma que as “de madeira, vindas da África ou no Brasil
fabricadas, (...) são grosseiras e pouco significativas, como as de nºs 1 e 7.”
Nessa transcrição obtemos o dado que mostra que nem Nina Rodrigues sabia ao
certo se as peças de madeira de sua coleção tinham sido feitas na Bahia ou na África.
De fato, essas peças evocam alguns dos objetos mais característicos e conhecidos do
culto aos orixás dos iorubás, como os oxês de Xangô e os ibejis.
96
Com relação às peças de bronze, Nina informa que “são todas vindas da Africa,
e nem sempre tão imperfeitas como a deste grupo”. A estatueta referida é ampliada na
Fig. 20. Devemos registrar que ela possui alguns atributos passíveis de serem
associados a Onilé, como a qualidade do material e a representação de uma mulher com
seios proeminentes, quadris largos e características de feitura que se assemelham aos
edan do IGHBA, sobre os quais falaremos abaixo. Entretanto, temos a informação
de que as peças feitas com a mesma liga empregada para os edan ogboni, ou seja, o
bronze, vinham da África na época em que Nina estudou os terreiros (1890-1905). É
possível pensarmos que antes dessa época também não fosse diferente.
Além disso, temos a informação de que algumas peças, mesmo vindo da África,
como a peça 4, são “imperfeitas” ou “rústicas”. Assim, não podemos aceitar que
apenas a simplicidade ou rusticidade de uma peça possa caracterizá-la como de
fabricação brasileira. Nina Rodrigues atribui essas características à arte afro-brasileira
como uma conseqüência da falta de infra-estrutura de que dispõe o escultor negro:
“mandam as boas regras de uma bôa critica desprezarmos as imperfeições, o
tosco da execução, dando o devido desconto à falta de escolas organisadas, da
correcção de mestres habeis e experimentados, de instrumentos adequados, em
resumo, da segurança e destreza manuaes” (Rodrigues 1932: 244).
Mas se até as peças que vieram da África podem ser “rústicas” ou “imperfeitas”,
poderíamos pensar que o processo que desestruturou a transmissão dessa arte tradicional
pode ter se dado ainda na África, e não só com a diáspora.
Mas agora analisando a peça “perfeita” de bronze que ele apresenta como
relacionada a Exu (Fig. 21), vemos que se trata de um edan ogboni que possui todas as
características da feitura de uma peça africana:
- o material é uma liga de cobre a matéria-prima preferencial para se produzir
um edan;
- as imagens são representações antropomórficas de um casal humano montados
em espetos curtos de ferro, com diversas inscrições de símbolos dos ogboni, como por
exemplo o sinal da lua crescente (osu); o número três, figurado por um triângulo; e os
círculos concêntricos da cabeça das imagens;
- as argolas indicam que as peças eram atadas por uma corrente, que muito
provavelmente foi perdida. Essa característica o assemelha aos edan de santuário, ou até
mesmo os edan pessoais dos membros ogboni;
97
- a estrutura das peças denota que elas foram feitas pela técnica da cera perdida
e que provavelmente possuem no seu interior um núcleo de argila, característica
essencial nesse tipo de produção, pois é um atributo que possui significado mítico e
religioso.
Isso confirma a procedência como africana. Agora, comparando essa peça com
as de Arthur Ramos e com as do IGHBA podemos notar, pelo exame das fotografias
(veja as Figs. 35 e 36), que algumas são bem mais simples do que a peça publicada por
Nina Rodrigues. As peças constantes nessas Figs. 35 foram fundidas, mas
provavelmente por um processo mais simples que o da cera perdida, pois as figuras
parecem compactas, sem o núcleo de argila, e feitas num molde que não permitia a
reprodução de detalhes mais delicados, como é o casa da cera perdida. Outras peças
como duas constantes na Fig. 36, podem não ser produtos de fundição, mas feitas a
partir do martelamento de placas ou barras de latão .
Pode-se traçar um movimento de simplificação da figuração humana e de
simplificação da técnica produtiva, que faz com que as imagens sejam estilizadas ao
máximo, materializando o casal humano por meio da haste metálica, apenas. Isso pode
sugerir uma cronologia: algumas peças provavelmente vieram da África, como a
mencionada em Os Africanos no Brasil, e, depois, talvez pelas dificuldades de
comunicação e transporte, passaram a ser confeccionadas no Recôncavo Baiano, pois as
peças da coleção de Arthur Ramos foram obtidas cerca de 20 anos depois.
Sabe-se que os edan ogboni entre os iorubás são confeccionados pela técnica da
“cera perdida” (Morton-Williams 1960, Williams 1964: 196), e que essa técnica não foi
praticada no Brasil (Ramos 1949: 199; Carneiro da Cunha 1983). Portanto as peças
produzidas com a técnica acima, como o edan publicado por Nina, é, com muita
probabilidade, de fabricação africana. outras peças, possivelmente afro-brasileiras,
não foram construídas por esse método e não apresentam alguns atributos simbólicos
pouco visíveis (como o bastão de ferro, ou o cerne de argila que fica, costumeiramente,
dentro de cada imagem).
Assim, os objetos foram reproduzidos apenas com os atributos visíveis, o que
pode significar que o escultor talvez não possuísse o conhecimento que na África fica
legado aos Akedanaiye, artesãos especializados nesse ofício. Ou pode significar
também uma limitação tecnológica, pois mesmo de posse do conhecimento
98
especializado, um escultor não poderia facilmente recriar sua arte nas terras americanas
sem os aparatos de que dispunha em sua sociedade originária.
99
Foto 10516
Foto 10517
Foto 10518
Foto 10515
Foto 10520
Foto 10521
Fig. 32 - Fotografias de Pierre Verger. Caixa 08 A – Título: “Edam Ibadan, Nigéria”, Anos 50.
100
“Metalurgia do bronze em Ibadan”. Desenho de Carl Arriens em Frobenius (1913: 173).
Legenda da foto segundo Lawal (1995: 49): “Gbetu Asúde, ferreiro iorubá, trabalhando
em um edan em sua oficina, Okiti Compound, Quadra Okerewe, Ilê-Ifé, 1971. Ele estava
com mais de 80 anos quando o intrevistei. Ao seu lado está seu filho, Làmídì Òké, que
passou a dirigir a oficina depois da morte de seu pai em 1973”.
Fig. 33 – Mestres escultores Ogboni
101
Acervo MAE-USP. Fotografias: Wagner Souza e Silva, 2000.
Fig. 34 - Ilustração das etapas de produção dos edan ogboni
102
O detalhe dessa fotografia do IGHBA mostra que essa
peça era do tipo de edan com espeto, que só representava
a cabeça.
Dois edan diferentes que um dia estiveram no IGHBA
(observe a corrente, o tamanho e as formas dos membros ou
seios), mas a aparência das peças é a mesma, indicando que
provavelmente foram feitos pela mesma pessoa.
Essa estatueta de Nina Rodrigues, pelo
material e modo de feitura, se assemelha
aos dois edan do IGHBA mostrados ao
centro.
Fig. 35 – Peças do IGHBA e da Coleção de Nina Rodrigues
103
Essa peça da coleção de Arthur Ramos
pode ter sido feita por um processo de
fundição mais simples, mas também pode
ter sido feita por martelamento de uma
barra de latão em altas temperaturas.
Essas duas fotografias do acervo do IGHBA parecem mostrar
a mesma peça. Aqui também não é possível saber se foram
feitas por fundição ou por martelamento.
Essa peça do IGHBA parece ter sido feita pelo corte de
uma placa de latão, pois suas extremidades são muito
retilíneas.
Fig. 36 – Comparação das peças do IGHBA e de Arthur Ramos
104
Agora vamos nos ater ao processo de feitura das máscaras gueledé. Primeiramente
é bom saber como esses objetos são feitos na África. Drewal e Drewal (1990: 260-269)
publicaram informações pormenorizadas sobre esse procedimento.
A seleção da madeira para a feitura de uma máscara gueledé envolve aspectos
simbólicos e pragmáticos. As árvores para os iorubás, e também para muitos outros povos
africanos, são as moradas dos ancestrais.
O processo de feitura da máscara gueledé envolve, assim como o do edan, rituais
propiciatórios. Primeiramente ocorre a escolha da árvore. A árvore Cordelia millenii e a
Ricinodendron africanum, ou a árvore do óleo de palma, são as matérias-primas
preferenciais, porque fornecem madeiras leves e macias. A leveza é uma característica
importante para a dança. A maciez da madeira é importante para facilitar o processo de
feitura, até porque a encomenda, às vezes, é solicitada com urgência, visto que as máscaras
também podem ser animadas em comemorações fúnebres. A durabilidade é uma
característica secundária, pois as máscaras geralmente são confeccionadas anualmente ou
bianualmente. Isso não vale para as máscaras do tipo Iya Nlá ou do Eye Oro, que são feitas
com o Iroko (Chlorophora excelsa) (cf. Drewal e Drewal 1990: 261).
Depois que uma árvore preferencial é localizada, o escultor, ao jogar os obis
partidos sobre suas raízes, se comunica com o outro mundo para saber se os “espíritos” que
a habitam permitem a derrubada. Ainda segundo o mesmo autor, por questões simbólicas e
técnicas, a madeira deve ser verde. Ela é mergulhada na água para parecer ainda mais que
foi recém cortada. Isso cria uma lubrificação na peça que demanda menos afiações da
lámina do enxó. As fases da desbastagem da peça podem ser observadas na Fig. 38.
Agora vamos nos ater ás máscaras do IGHBA. Interpretando a morfologia das
peças, Marianno Carneiro da Cunha argumenta que podem ser de fabricação afro-
brasileira:
“Embora esses dois exemplares apresentem bastante segurança formal e técnica,
além de grande precisão iconográfica, certos detalhes estilísticos indicam, todavia,
uma feitura brasileira e não africana. Com efeito, nada as liga estilisticamente a
nenhuma escultura anteriormente analisada por nós neste trabalho e são, contudo,
autênticas máscaras Geledé (Gelede). Estas no Daomé e na Nigéria são prognatas,
triangulares, braquicéfalas, enquanto nas brasileiras toda a ênfase é posta na
verticalidade; igualmente diferentes são as convenções que lhes dão aspecto
naturalista.” (idem).
Saber se a escultura foi feita na África ou se foi feita no Brasil por um artista
africano é difícil quando analisado apenas pela forma, pois a variabilidade das máscaras
105
gueledé é muito grande. A mesma consideração pode ser feita em relação às máscaras de
Mestre Didi e Juana Elbein dos Santos que Drewal e Drewal associam a lugares diferentes
da região iorubá: duas são associadas à Awori, e outra à Ijebu (Drewal e Drewal 1990:
244)
Essa questão poderá ser esclarecida no futuro, caso se proceda à análise
microscópica do tecido vegetal dessas peças. Se for detectado que se trata de madeira da
flora africana, seria um forte indício de que a peça não foi feita no Brasil, visto que, como
vimos, a madeira usada no processo de escultura deve ser recém cortada.
106
2.2 Uso
Quando tratamos da tipologia dos edan ogboni nos referimos aos vários usos que
essa peça pode ter entre os membros da Associação Ogboni da África. Vamos agora pensar
sobre o uso e significado dessas peças aqui no Brasil, começando pelo edan obtido por
Nina Rodrigues. Essa peça é assim apresentada no artigo de 1904:
“os attributos phallicos do orichá Echú não permittem darmos aqui a photographia
de duas peças de bronze que se acham em meu poder e pertenceram ao bastão ou
sceptro de um regulo ou potentado africano”.
Parte de Vivaldo da Costa Lima (Oliveira e Lima 1987: 90) a suposição de que
Nina provavelmente pensou que elas fossem partes de um cetro ou bastão por causa dos
espetos, acreditando que eles deveriam ser utilizados para fixarem as imagens na parte
superior, característica muito comum dos bastões africanos.
Em julho de 2006, quando mostrei essa fotografia a um jovem Ogã da Casa
Branca, ele, da mesma forma que Nina Rodrigues mais de cem anos atrás, associou as
imagens a Exu, provavelmente pela semelhança de também serem figuradas por um casal
que exibe ostensivamente os sexos.
É importante salientar, a partir do trecho transcrito, que a fotografia não foi
publicada naquela ocasião por causa da possível reprovação dos leitores em relação aos
“atributos fálicos da peça. Isso mostra como essas estatuetas tendiam a ser mal
interpretadas pela população externa aos candomblés. Porém, felizmente, essa fotografia
foi publicada em 1932, no livro Os africanos no Brasil, cujos originais datam de 1905
pouco antes de sua morte. Aí, Nina Rodrigues retoma o que tinha escrito antes sobre elas
(Rodrigues 1932: 163), retornando ao assunto depois, quando se refere aos povos jejes ou
ewes, deixando algumas pistas de onde as conseguiu:
“(...) temos verificado que nagôs não conhecem bem idolos ou fetiches gêges que
eles adoram sob os nomes de divindades suas. Um pae-de-santo nagô cedeu-me
para photographar dois idolos ou figuras gêges de Êlêgba, que elle não sabia bem o
que representavam. Eram todavia, dois idolos perfeitos em bronze, um de cada
sexo. Corpo comprido, pernas muito curtas, bôcca rasgada até ás orelhas,
volumosos orgãos sexuaes, longos peitos pendentes na mulher” (Idem pg. 231).
Essa passagem soa enigmática. Um homem, chefe de um terreiro nagô, teria cedido
dois ídolos jêjes (ou seja, originários dos povos da área lingüística gbe), que supostamente
seriam de Légba, mas que estariam associados nesse lugar a Exu (a entidade
correspondente ao Légba dos gbe falantes). Exu, entre os iorubás da África, possui uma
figuração semelhante ao edan, na medida em que as peças representam um casal com
107
grande genitália evidente. Por outro lado, Légba, entre os fon do ex-Daomé, por exemplo,
é representado por um montículo de terra “que são guarnecidos com um falo de madeira ou
ferro, fincado em sua parte anterior” (Carneiro da Cunha 1983: 1005). Curiosamente,
Onilé, a entidade simbolizada pelo Edan, possui na Bahia uma outra representação material
que se assemelha à de Légba: “Onilé é assentada num montículo de terra vermelha”
(Prandi 2005: 117). Veja as imagens de assentamentos semelhantes abaixo, na Fig. 37.
Resta a dúvida em saber por que Nina Rodrigues afirma serem as peças “gêges”.
Pode ser uma suposição sua, pois os fons, (que compõem os povos denominados de jejes
no Brasil, porteriormente identificados como uma “nação” de candomblé) assim como os
iorubás, possuem uma rica e conhecida produção de peças em ligas de cobre, as quais,
inclusive, são citadas em seu artigo e em seu livro. Mas é difícil saber quem fez a
identificação da peça: ele próprio ou o pai-de-santo? Estariam elas ocupando um
“assentamento” de Légba nesse terreiro nagô? Ou Nina pensou que fossem peças de Légba
por estarem fincadas próximas a um montículo de terra, sem entender que esse montículo
simbolizaria Onilé?
Outra dúvida advém da alusão de que o pai-de-santo não sabia direito o que as
imagens representavam. Pode ser que isso seja verdade, pois o conhecimento sobre as
peças ogboni é extremamente reservado, restrito aos membros dessa associação. Mas
também pode ser que o pai-de-santo não quisesse dizer o que simbolizavam por causa da
obrigação do segredo. Uma vez supondo que ele realmente soubesse o significado que as
peças possuíam na África, poderíamos questionar se ele ainda assim as deixaria sair do
terreiro.
108
“Legba, guardião das casas em Abomey”. Fonte: Verger, 1981, p. 37.
“Altar para Onilé”, Candomblé de Aildes Batista Lopes, Jacarepaguá, Brasil. Foto de
Robert Farris Thompson, 1985. Fonte: Thompson, 1993: 202.
Fig. 37 – Assentamentos de Légba e Onilé
109
Temos uma pista sobre o terreiro onde Nina obteve a peça, a partir do trecho
transcrito acima, pela referencia ao gênero do sacerdote. Fica claro que se trata de um
homem (“pae de santo”) e de um terreiro de origem iorubá (“nagô”). Isso pode revelar que
peças como essa poderiam não estar nos lugares esperados nos antigos terreiros Keto de
Salvador, como a Casa Branca, o Alaketo, e o Gantois –, pois nessas casas vigora, desde
suas origens, o exercício do mando pelas mulheres.
Essa suposição é interessante, e se contrapõe a tradição oral conhecida, que associa
ao Candomblé da Barroquinha, como veremos no último capítulo, o local de onde saíram
os quadros para formar a suposta “sociedade ogboni brasileira”. Desse modo, pode ser que
uma peça como essa pudesse ir parar em um terreiro mais “modesto”, para integrar o
assentamento até de outra entidade, mesmo originária de outra cultura. Assim, temos
alguns indícios de como uma peça africana podia ser re-significada nos terreiros daqui.
Mas temos que observar também que os terreiros Keto mais antigos de Salvador,
mesmo sendo liderados por mulheres, possuíam e possuem até hoje, em sua estrutura
organizacional, algumas funções e atribuições que são dos homens. Algumas dessas
funções são tão importantes que os coloca em pé de igualdade com as mães-de-santo, o que
justificaria Nina tê-los chamado de pai-de-santo. Não podemos esquecer a contribuição que
os homens deram ao candomblé Keto de Salvador, principalmente sacerdotes como
Martiniano Eliseu do Bonfim (um dos últimos babalaôs da Bahia), Tio Joaquim Vieira
(Oba Saniá ou EsOburô) e Rodolpho Martins de Andrade (Bamboxê Obitikô). Dizem
que este último tinha o tulo de Olowo (cf. Silveira 2006: 404), que na África é dado a um
dos líderes da associação Ogboni. Assim, pode até ter sido com algum desses sacerdotes
que Nina obteve aquele edan.
Agora passemos a analisar o edan de Arthur Ramos, que foi obtido na Bahia em
1927, conforme a documentação museológica (veja a Fig. 22). Ele identificou esse objeto
como “assentos de latão” (1949: 208). Esse dado, em conjunto com o formato de prego das
hastes, e o padrão decorativo da peça, cuja seqüência de símbolos grafados não chega até
as pontas, sugere que ela era usada fincada no chão, pois o “assento” ou “assentamento” de
uma entidade do candomblé, que é uma espécie de altar ao nível do chão, não é movido
freqüentemente de lugar. Essa também é uma das formas do edan com espeto ser
empregado na África.
Aqui fica a dúvida em saber por que Arthur Ramos não mencionou o nome da
entidade a que esses “assentos” estavam consagrados, visto que no decorrer de seu artigo
110
ele discrimina e associa os nomes de outras peças com seus respectivos “donos”. O padrão
decorativo da peça pode fornecer algumas pistas.
Nas hastes metálicas a repetição de três tipos de símbolo: pequenos círculos,
conjuntos de pequenos traços indicando um ponto de dispersão e pequenos pontos que
descrevem uma trajetória ondulatória, semelhante a uma espiral retificada. Esses símbolos
são coerentes com a iconografia dos edan da África: podem significar o nascimento
(pontos de dispersão); o crescimento (espiral); e a manutenção, estabilidade, continuidade,
ou longevidade (círculo) os três momentos da vida humana que, na cosmologia iorubá,
são controlados por Onilé .
O interessante é notar que esse padrão decorativo aparece enfeitando a capa do
artigo de Arthur Ramos e também grafado em outra peça de sua coleção. Ele está inscrito
em um facão de latão em forma de cobra. A liga metálica dessa peça é visualmente muito
parecida com a do edan, indicando que as peças foram feitas na mesma oficina, e
provavelmente usadas no mesmo terreiro.
A figuração da cobra nos remete a Dan, a serpente sagrada dos povos gbe falantes,
entidade muito cultuada nos terreiros jejes do Recôncavo. Assim, é possível que essa peça
tenha sido de um terreiro da nação jeje, visto que entre eles também é cultuada uma
entidade da terra cujo arquétipo é muito semelhante à Onilé e à Iyami dos iorubás, pois
segundo pesquisas etnográficas de Raul Lody (1975: 79):
“nos rituais Gege, Iyami Oxorongá é conhecida como Aizã ou René Izã e é a dona
da terra, ou melhor, é a própria terra. (...) As saudações de Aizã são cantadas com
grande respeito e cerimônia.
Transcrevo duas saudações que foram recolhidas em Savador, (ritual Gege).
‘Auané Aizã, emé indakô
Emé indakô umbé iperã
Auané Aizã, emé indakô
Emé indakô dabára re
Aizã a ê, Aizã bereô
Aizã a ê, Aizã bereô
Aizã manojeku né rumbono é runoroso
Aizã a ê
O Vodun Aizã bereô’ ”
Assim, relacionada a Onilé ou Aizã, tanto num terreiro nagô, quanto num terreiro
jeje, poderíamos explicar porque que Arthur Ramos não conseguiu precisar o nome da
111
divindade que era dona do “assento”, visto que o conhecimento sobre essas entidades é
ainda mais cercado de mistério.
Resta-nos pensar sobre o uso que tiveram aquelas três peças metálicas da coleção
Arthur Ramos que foram identificadas como edan por Raul Lody (1987: 34), que, no
entanto, não explicou por que o fez.
Analisamos os atributos simbólicos dessas estatuetas na Fig. 39 e notamos que eles
são coerentes com as características gerais das peças ogboni, apesar de serem de fabricação
mais rústica. Comparando essas peças com algumas do acervo do MAE-USP (cf. Fig. 40),
podemos inferir que elas provavelmente ficavam em algum altar do terreiro, pois a
morfologia dessas peças as relaciona aos edan de altar e às estatuetas de Onilé, as peças
mais sagradas, que ficam guardadas no santuário Ogboni.
Então, mais que um simples altar, elas poderiam compor até a parafernália de um
“quarto” ou “Casa” de Onilé. Quarto ou casa é um cômodo da parte construída de um
terreiro que, nos terreiros maiores, pode ser integralmente dedicado a um orixá. O quarto
se diferencia da casa principalmente pela contigüidade: enquanto o quarto está na parte
construída contigüa ao barracão e aos outros quartos, a casa é construída isolada na parte
externa de um terreiro. Dentro do quarto ou da casa geralmente há o assentamento
principal da entidade e outros objetos variados. Nem todos os orixás possuem um quarto
ou uma casa, os que possuem maior relevância para o terreiro. Isso indica a hierarquia
entre as divindades no terreiro em questão..
Pensamos nisso porque Mestre Didi recorda que “em 1936, (...) levantaram a
primeira pedra para a construção do atual barracão [do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá] (...).
Construiu-se logo em seguida, uma casa para Ossaãin, o dono das ervas, e outra para
Onilé, o dono
8
da terra” (Santos 1988: 13). Assim pensamos que um espaço semelhante
pudesse também ser dedicado a essa divindade na Casa Branca e no Gantois, visto que são
terreiros aparentados.
8
Babatunde Lawal (1995) demonstra que a transformação do gênero feminino de Onilé para masculino
ocorreu já na África, principalmente pelo contato com o Cristianismo e Islamismo.
112
Agora consideremos o uso que as máscaras gueledé afro-baianas tiveram nos
terreiros. A tradição oral perpetuada nos terreiros mais antigos atribui as máscaras da Bahia
à Casa Branca.
Édison Carneiro, que teve uma inserção profunda nos terreiros, nos traz alguns
dados para melhor argumentação do problema. Narra, a partir das tradições orais, as
sucessões dinásticas no terreiro da Casa Branca do Engenho Velho da Federação, o que é
tido como o mais antigo, sendo matriz dos demais:
“Fundaram o atual Engenho Velho três negras da Costa, de quem se conhece
apenas o nome africano Adetá (talvez Iyá Dêtá), Iyá Kalá e Iyá Nassô. (...) Por
muito tempo estas três mulheres emprestaram grande brilho à casa, não se tendo
certeza, entretanto, quanto a se repartiam entre si o poder ou se sucederam nele.
(...) Sucedeu-lhes Marcelina, que talvez nunca imaginasse a querela que, após a sua
morte, iria dividir as filhas e continuar por muitos anos – até hoje. Duas filhas, duas
Maria Júlia – uma Conceição, outra Figueiredo, disputavam a chefia do candomblé.
Venceu Maria Júlia Figueiredo, que era, aliás, a substituta legal de Marcelina,
como mãe-pequena (iyá kêkêrê). Esta Maria Júlia gozava de grande prestígio entre
os negros e merecia, na festa dos ghéléles (máscaras), que antigamente se
realizava, a 8 de dezembro, na Boa Viagem, exatamente no local em que eshoje
a Vila Militar, o título honroso de Iyalôdê Êrêlu” (Carneiro 1967:63-64).
Carneiro, fazendo cálculos a partir dessas sucessões “dinásticas” narradas, estimou
a fundação da Casa Branca em torno de 1830
(Carneiro 1967:63-64)
. Duas considerações se
impõem de nossa parte sobre o fragmento de texto acima transcrito.
A primeira consideração é sobre a menção de que houve cisão no grupo de culto
daquela casa. Maria Júlia de Figueiredo, vencedora do litígio que se estabeleceu após a
morte de Marcelina, era a detentora de um título (Erelu), que na África está ligado à
associação Gueledé, o que confere também ao seu detentor o direito de assistir a algumas
reuniões dos Ogboni, conforme reportado por Morton-Williams (1960: 370). A essa
menção se junta a afirmação da existência das máscaras, na época.
Diante disso, parece que ninguém se deu conta de que elas pudessem ter tido um
importante papel nesse contexto de divisão e desmembramento por que passava o
candomblé da Casa Branca. Afinal, na África, quando a comunidade passa por situações
anormais, como graves crises políticas, é comum verem-se animadas as associações de
máscaras, que saem a público como instrumento de trazer equilíbrio social, sendo, no caso
dos iorubás, as situações de calamidade, ou desordem, interpretadas como resultado da
cólera das Iyamis, e isto é assunto para as gueledé.
113
A outra consideração é sobre a datação da época do uso de máscaras gueledé no
Brasil. Édison Carneiro limita-se, no entanto, a comentar o prestígio gozado por Maria
Júlia Figueiredo em festas em que essas máscaras eram animadas. Hoje, sabemos da data
em que faleceu sua antecessora no poder, a africana liberta Marcelina da Silva, 27 de junho
de 1885, através de seu testamento, publicado por Verger (1992b: 138). Aqui temos, então,
pistas para o estabelecimento da época em que as máscaras gueledé foram usadas entre
nós.
Outro pesquisador que trabalhou intensamente com a tradição oral é Waldeloir
Rego, antropólogo iniciado no candomblé, autor da primeira etnografia da capoeira e com
amplo trânsito entre o povo-de-santo dos antigos terreiros de Salvador.
Ele relata que o culto a Iya Mapo, uma qualidade de Iyami, chegou à Bahia, onde é
tida como a patrona da vagina órgão sagrado –, pois todo ser humano passa através dela
para chegar ao mundo (Rego 1980: 270). Também mostra que Iyami Oxorongá está
intimamente ligada aos odus (“contos”) do oráculo de Ifá, que são a base do conhecimento
oral transmitido pelos iorubás e, portanto, dos candomblés Keto. Talvez esteja aí a razão da
persistência da memória de uma mãe antropofágica como Iyami no Brasil, a despeito das
contradições que isso impõe a seus fiéis.
Sobre esse assunto, é pertinente transcrever grande parte do texto de Waldeloir,
pois ele revela informações da tradição oral conhecida nos terreiros que ressaltam a
ambivalência de algumas entidades do panteão iorubá, como Exu, Iansã e Iyami:
“As ruas, os caminhos, as encruzilhadas pertencem a Esu. Nesses lugares arreiam-
se oferendas e se lhe fazem pedidos para o bem o para o mal, sobretudo nas horas
mais perigosas que são ao meio dia e à meia noite, principalmente essa hora,
porque a noite é governada pelo perigosíssimo Odu Oyeku Meji.
A meia-noite ninguém deve estar na rua, principalmente em encruzilhada, mas se
isso acontecer deve-se entrar em algum lugar e esperar passar os primeiros
minutos. Também o vento (afefe) de que Oya ou Iansan é a dona, pode ser bom ou
mau, através dele se enviam as coisas boas e ruins, sobretudo o vento ruim, que
provoca a doença que o povo chama de “ar do vento”. Ofurufu, o firmamento, o ar
também desempenha o seu papel importante, sobretudo à noite, quando todo seu
espaço pertence a Eleiye, que são as Aje, transformadas em pássaros do mal, como
Agbibgó, Elùlú, Atioro, Osoronga, dentre outros, nos quais se transforma a Aje
mãe, mais conhecida por Iyami Osoronga. Trazidas ao mundo pelo Odu Osa Meji,
as Aje, juntamente com o Odu Oyeku Meji, formam o grande perigo da noite.
Eleye voa espalmada de um lado para o outro da cidade, emitindo um eco que
rasga o silêncio da noite e enche de pavor os que a ouvem ou vêem. Todas as
precaucões o tomadas. Se não se sabe como aplacar sua fúria ou conduzi-la
dentro do que se quer, a única coisa a se fazer é afugentá-la ou esconjurá-la, ao
114
ouvir o seu eco, dizendo Oya obe l’ori (que a faca de Iansã corte seu pescoco), ou
então Fo, fo, fo (voe, voe, voe). Em caso contrário, tem-se que agradá-la, porque
sua fúria é fatal. Se é num momento em que está voando, totalmente espalmada, ou
após seu eco aterrorizador, dizemos respeitosamente A fo fagun wo’lu ([saúdo] a
que voa espalmada dentro da cidade), ou se após gritar resolver pousar em qualquer
ponto alto ou numa de suas árvores prediletas, dizemos, para agradá-la Atioro bale
sege sege ([ saúdo”] Atioro que pousa elegantemente) e assim uma série de
procedimentos diante de um dos donos do firmamento à noite. Mesmo agradando-a
não se pode descuidar, porque ela é fatal, mesmo em se lhe felicitando temos que
nos precaver. Se nos referimos a ela ou falamos em seu nome durante o dia, até
antes do sol se pôr, fazemos um x no chão com o dedo indicador, atitude tomada
diante de tudo que representa perigo. Se durante à noite corremos a mão
espalmada, à altura da cabeça, de um lado para o outro, a fim de evitar que ela
pouse, o que significará a morte. Enfim, há uma infinidade de maneiras de proceder
em tais circunstâncias. Rego (1980: 270-272)
Porém, atentemos para o que ele relata sobre o ritual das máscaras gueledés na
Bahia:
“Na cidade baixa havia uma área sagrada destinada ao culto de Gelede (máscara),
no local conhecido até hoje como Dezendeiros do Bonfim, bem onde está
localizada a Vila Militar. Aí se fazia a maior concentração desse ritual. Toda
cidade se movimentava. Os mais altos dignatários do culto compareciam e tinham
nomes e títulos no culto, de Gelede, estando entre os mais famosos Maria Julia
Figueiredo sacerdotisa do terreiro Ile Ase Iya Naso [Casa Branca], a qual além do
título de Iyalode, tinha o nome de Erelu, no ritual de Gelede. Muito me falou da
cerimônia o falecido Miguel Santana, Ogan de Obaluaiye do Ile Ase Iya Naso e
Oba Are do Ase Opo Afonja, que muito sabia desse preceito. Esse ritual também se
processava na cidade alta, no local até hoje chamado Rua do Tijolo. quando
menina, a famosa Iyalorisa Menininha (Maria Escolástica da Conceição Nazaré)
assistiu a esses rituais. Morando nas proximidades, freqüentou e aprendeu muita
coisa. Ao voltar da Nigéria e lhe contar ter assistido a esses rituais, Menininha
emocionou-se com a recordação, cantou muitas músicas de Gelede, ao tempo em
que falou várias coisas que aprendeu”. (Rego 1980: 271)
Vemos que Waldeloir confirma e expande as informações dadas por Édison
Carneiro. Mas prestemos atenção aos locais das reuniões religiosas citados. Um deles é a
avenida dos Dendezeiros, que fica afastada 6 km do centro histórico de Salvador.
Como vemos na Fig. 48, essa avenida era um lugar ermo em 1860 e, muito
provavelmente, se manteve assim até o final do século, época posterior à morte de
Marcelina, quando então Maria Júlia Figueiredo assume a Casa Branca e promove os ritos
gueledé na Cidade Baixa de Salvador. Não sabemos se essa cerimônia se integrava à
115
procissão de Nossa Senhora da Imaculada Conceição da Praia, ou se era um rito particular
e secreto, como pode sugerir a calma e a exuberância da vegetação do local em dias
normais.
As informações publicadas não descrevem detalhes da cerimônia gueledé na
Bahia. Lemos em Drewal e Drewal (1990: 243) que Martiniano Eliseu do Bonfim usou
essas máscaras quando elas estiveram no Ilê Axé Opô Afonjá. Esse dado pode dar sentido
a informação que me deu a Ekede Dona Ceci. Na sua versão, a cerimônia gueledé era feita
no bairro Cabula, que fica relativamente próximo ao Ilê Axé Opô Afonjá.
Tanto na avenida dos Dendezeiros, quanto na mata do Cabula, lugares repletos de
árvores, pode ser que, além da encenação das máscaras, fosse um local propício para um
assentamento de Iyami, como aquele do terreiro do Alaketo, que foi pintado por Carybé
(veja Fig. 47).
Vemos que esse assentamento está sobre as raízes de uma árvore frondosa (um
Iroko?) e que consiste de duas quartinhas (recipientes para líquido) e dois alguidares. Um
dos alguidares está emborcado na terra, funcionando de base ao outro. Este último contém
um líquido vermelho, possivelmente o sangue de um animal posto em oferecimento, e um
sólido branco. Quando falei sobre esse assentamento com um ebômim (iniciado com mais
de sete anos) em Salvador, ele disse-me que, ao se “assentar” uma entidade, à aparente
simplicidade material correspondem complicadas operações ritualísticas (rezas, cânticos,
gestos).
Lembrando que a outra obrigação da associação Gueledé, além da encenação das
máscaras, é a manutenção de um santuário dedicado a Iya Nlá, podemos inferir que mesmo
depois que as encenações foram extintas na Bahia, os assentamentos de Iyami porventura
existentes, como aquele do Alaketo, devem ter sido perpetuados. Falamos isso inspirados
pelo vigor com que a cantiga dedicada às mães ancestrais é cantada pela Ebômim Cidália
Soledade Barbosa, “Cidália de Iroko”, no filme Cidade das Mulheres, dirigido por Cléo
Martins. Vemos nas palavras e expressões de Cidália o quão vivo estão os “fundamentos”
relativos a essa venerável mãe ancestral aqui no Brasil.
Conforme o depoimento gravado nesse filme, Cidália aprendeu “a cantar e a
dançar candomblé” com Mãe Meninina do terreiro do Gantois. Esse terreiro, conforme o
vemos no calendário litúrgico distribuído, faz uma obrigação” ou, dedica oferendas
anualmente às Iyami, antes do presente de Oxum. Esses dados nos fazem compreender
melhor porque Marianno Carneiro da Cunha afirmou as máscaras gueledé do IGBA
116
“pertenceram ao candomblé de Pulquéria” (1983: 1014), isto é, ao terreiro do Gantois,
embora não saibamos onde conseguiu essa informação.
Concluindo esse item, vemos que os indícios de uso que os edan ogboni afro-
brasileiros tiveram na Bahia estão mais ligados aos altares e aos assentamentos de um
terreiro, os quais poderiam se encontrar nos quartos ou casas dos orixás. Não nos parece
que possuíram aquele uso de identificador pessoal e de amuleto que era comum a cada
membro da associação Ogboni entre os iorubás. Isso denota que a presença dessas peças
aqui na Bahia pode significar não o restabelecimento da associação Ogboni no Brasil,
como inferem alguns autores que analisaram essas peças anteriormente, mas sim a
preservação dos “fundamentos” mais íntimos da religião iorubá dentro dos próprios
terreiros de candomblé.
Quanto às máscaras gueledé, há indícios de que foram de alguma forma encenadas,
mas essa encenação provavelmente deve ter sido muito mais simples do que o complexo
espetáculo realizado pelos integrantes da associação Gueledé dos iorubás. O que parece
que ocorreu na Bahia foi o estabelecimento de um calendário, de cargos sacerdotais e de
um rito dedicado a Iyami. Mas essa instituição baiana não nos parece que se desenvolveu
fora dos terreiros, como entidade autônoma, como é na África.
117
Acervo MAE-USP. Fotografias: Wagner Souza e Silva, 2000.
Fig. 38 – Ilustração das etapas de feitura da máscara gueledé
118
Fig. 39 – Identificação de elementos estilísticos da estatuária dos ogboni nas peças de Arthur Ramos
Formato dos olhos
semelhantes aos edan ogboni
africanos estudados
O símbolo da lua crescente (Osu),
que é muito recorrente na arte
ogboni, aqui está grafado na tanga e
na posição dos braço.
A posição sentada ou de joelhos, aqui sugeridas
nessas peças, é a mais comum para as estatuetas
ogboni chamadas Onilé.
Ofertar os seios ou algum
objeto como uma tijela são
as duas figurações mais
recorrentes para a imagem
feminina do edan ogboni.
Jóias e adereços de
cabeça são também
bastante freqüentes
nas peças ogboni.
Não é possível saber
se isso é a
representação de
chifres, ou parte de
uma argola
quebrada. Um par
de chifres é comum
nas estatuetas de
Onilé. A argola
aparece
principalmente nos
edan com espetos
119
1 2
1-5, 7 e 8 – Edan ogboni de altar. MAE-USP
6 – Onilé, Museu Nigéria de Lagos. Fonte: Morton-
Williams 1960: 370)
3
4
5
6
7
8
Fig. 40 – Comparação das peças de Arthur Ramos com as do MAE-USP e a Onilé do Museu Nigeriano de Lagos
120
2.3 Circulação
Nesse item abordaremos a questão da circulação dos edan ogboni e das
máscaras gueledé associadas aos terreiros da Bahia. Analisaremos três momentos
diversos em que esses objetos passaram de um contexto para outro. No primeiro, as
peças de feitura africana que foram encontradas na Bahia saíram do sistema cultural dos
iorubás para integrar o ciclo de vida dos objetos dos terreiros baianos. O segundo
momento refere-se à transferência de objetos de um terreiro para outro, fenômeno que
parece ter ocorrido quando, por exemplo, dissidentes da Casa Branca fundaram o Axé
Opô Afonjá e o Gantois. Isso pode ser chamado de circulação lateral. O terceiro
momento ocorre quando as peças saem do sistema cultural dos terreiros e passam a
integrar o da sociedade baiana mais abrangente. E dentro desse sistema cultural os
artefatos também circularam: das delegacias de polícia ou do Instituto de Medicina
Legal para os museus (fenômeno que também pode ser chamado de circulação lateral);
e dos museus para o lixo, que parece ter sido o descarte trágico de várias peças.
Da África para os terreiros
A circulação das esculturas africanas para os terreiros da Bahia pode ter
ocorrido de diversas maneiras. Abordaremos apenas três delas, sobre as quais temos
bases documentais para argumentar.
Em primeiro lugar, é possível que os edan ogboni e máscaras gueledé africanas
tenham chegado aqui com seus respectivos sacerdotes guardiães. Explicando melhor, é
possível que muitos sacerdotes da cultura iorubá tivessem vindo na condição de
escravos para a Bahia. Alguns deles, depois de conseguirem resgatar a liberdade,
poderiam ter voltado à África e de trazido os objetos para promoverem esses rituais
também aqui no Brasil.
Esse parece ser o caso de uma das mais importantes mães-de-santo da Casa
Branca, Marcelina Obatossi, que formou espiritualmente toda a geração que viria a se
desmembrar no Gantois e no Ilê Axé Opô Afonjá, depois de sua morte:
“Quando libertada, a futura segunda mãe-de-santo da Casa Branca, Marcelina
Obatossi, voltou para a África, permanecendo durante sete anos em
companhia de Iyanasso. (...) Marcelina se fez também acompanhar nessa
viagem por sua filha Maria Magdalena.
121
Após sete anos de permanência em Kêto, o pequeno grupo voltou acrescido de
duas crianças que Maria Magdalena tivera na África. Esta estava então grávida
de uma terceira filha, Claudina, que viria a ser, por sua vez, a mãe de Maria
Bibiana do Espírito Santo [Mãe Senhora do Ilê Axé Opô Afonjá].
Iyanasso e Obatossi trouxeram de Kêto, além dessas filhas, um africano
chamado Bangboxe [Bamboxê Obitiko], que recebeu o nome de Rodolfo
Martins de Andrade. Ele participou com competência das cerimônias da nação
queto na Bahia” (Verger: 1992: 89)
Nessa viagem, na qual provavelmente Marcelina deve ter aprofundado seus
conhecimentos, é provável que tenha trazido alguns objetos rituais. E pela companhia
de Bamboxê Obitiko, que segundo a tradição oral era um Olowo um dos cargos de
alto escalão da associação Ogboni – é bem possível que ele trouxesse, pelo menos, o seu
edan pessoal, categoria de objeto que, aliás, possui espeto, como aquele da coleção de
Nina Rodrigues.
O segundo processo de transferência de peças africanas para a Bahia pode ter se
dado pelo comércio. No século XIX e até o começo do século XX a comunicação entre
a Bahia de Todos os Santos e a Baia do Benim era muito mais ativa. Nina Rodrigues
(1977: 105) dá algumas informações pertinentes (o sublinhado é nosso):
“É com os nagôs que se mantêm as nossas relações comerciais diretas com a
Costa d’África. Navios de vela faziam ainda pouco tempo viagens, 3 a 4 por
ano, para Lagos. Neles quase sempre vinham nagôs negociantes, falando
iorubano e inglês, e trazendo noz de cola, cauris, objetos do culto jeje-iorubano,
sabão, pano da costa, etc. Hoje a comunicação se faz pelos paquetes ingleses,
tomando-se em Dacar vapores direto para Lagos.”
vemos que os intermediários vendedores de produtos africanos
aportavam com regularidade na Bahia, trazendo inclusive material litúrgico do culto aos
orixás. Assim é possível que trouxessem também algumas das peças analisadas neste
trabalho. Sem dúvida, uma máscara gueledé ou um edan ogboni não deveria ser um
“produto” de fácil comercialização. Mas, como vimos anteriormente, algumas dessas
peças, principalmente as com defeitos, eram vendidas para fora do grupo, o que pode
explicar o aparecimento de algumas delas aqui. Essas peças poderiam então ser
adquiridas, ou encomendadas com esses vendedores.
Pelo comércio, é possível que esculturas tão distintas e sagradas como são as
máscaras gueledé e os edan ogboni – pudessem chegar até em um terreiro que não fosse
detentor dos “fundamentos” a elas implicados. A disputa pela “pureza” e pelos
122
“fundamentos”, que é por sinal muito acirrada entre os terreiros de Salvador, pode levar
muitos sacerdotes a acrescentar objetos recentes em assentamentos antigos, ou a chamar
de antigos alguns objetos que passaram a integrar o terreiro em uma época recente.
A terceira forma que pode explicar a vinda de objetos sagrados africanos para a
Bahia se refere à troca de presentes entre sacerdotes. Falaremos de dois casos que
ocorreram recentemente, mas que nos ajudam a pensar sobre processos semelhantes que
podem ter ocorrido no passado. O primeiro deles é a famosa troca de presentes entre o
Alafin (rei) de Oe Mãe Senhora do Axé Opô Afonjá, descrita por seu filho, Mestre
Didi:
“Em agosto de 1952, chegou da África Pierre Verger, trazendo um xére e um
Edun Ará Xangô, que lhe foram confiados na Nigéria por Onã Mogbá, por
ordem do Obá Adeniran Adeyemi, Alafin de Oyó, para serem entregues a Maria
Bibiana do Espírito Santo, Senhora, acompanhados de uma carta dando a ela o
título de Iyanassô, confirmado no barracão do Opô Afonjá, em 9 de agosto de
1953.” (Santos 1988: 18)
A importância da troca de presentes entre sacerdotes nas culturas africanas
tradicionais, que se revela também nos cultos afro-brasileiros, foi destacada no
premiado e renomado filme “Atlântico Negro na rota dos orixás” de Renato Barbieri
(Brasil, 1998). O filme tem como protagonistas um sacerdote fon do antigo Daomé,
atual Benim, de nome Avimanjenon, e Pai Euclides da Casa das Minas, que pertence à
modalidade de culto denominada Tambor de mina no Maranhão, vinculada ao culto dos
voduns fon. Uma sequência traz a equipe entregando a Euclides um cajado ritual em
nome do chefe africano.
Deve-se levar em conta a possibilidade da rápida incorporação de objetos
recebidos como presente, ou assim interpretados, ao conjunto de objetos sacralizados do
terreiro, passando a integrar suas tradições sobretudo por serem instrumentos de
consolidação de prestígio. O prestígio que eles conferem a seus possuidores e o
testemunho que oferecem enquanto índice de “pureza” do culto praticado na casa
(entendida enquanto conformidade aos padrões africanos) pode ter feito com que alguns
sacerdotes que tenham recebido insígnias como presente em períodos bastante recentes
reelaborem a tradição oral acerca da genealogia do terreiro de maneira a fazer com que
tais objetos figurem como antigas relíquias. Desse modo, quando for possível, temos de
levar em consideração essas questões na análise do material de origem africana aqui
encontrado.
123
Circulação de artefatos de terreiro para terreiro
Dentro do sistema cultural dos terreiros é possível que alguns artefatos sejam
transferidos de um terreiro para outro. Esse é assunto complexo e merece pesquisas
aprofundadas. Aqui é o caso de mencionar que temos verificado em nossas pesquisas de
campo nos terreiros de Cachoeira
9
que a mudança de endereço é um fato compartilhado
por grande maioria das casas, ao longo da história de um terreiro. Essa mudança
envolve a transferência de vários materiais, principalmente os assentamentos das
entidades cultuadas. Mas a análise desse processo escapa ao objetivo desta dissertação.
Outra observação diz respeito à transferência de objetos de um terreiro para
outro motivada por cisões e disputas entre os integrantes, como a que parece que
ocorreu na Casa Branca:
“Dizem as filhas deste candomblé que a Conceição, tendo sido espoliada nos
seus direitos, trouxe para o Gantois os axés do Engenho Velho, transfomando,
portanto, o novo candomblé no legítimo continuador do antigo, o de Iya Nassô”
(Carneiro 1967:48)
Mas os artefatos podem circular entre os terreiros caso o fiel ou o iniciado
troque de pai ou mãe-de-santo, ou seja, torne-se adepto de outra casa. , costuma-se
retirar os seus assentamentos pessoais e levá-los para o novo terreiro.
A saída das peças dos terreiros
Abordaremos nesse sub-item as duas vias de saída principais das peças dos seus
respectivos terreiros. A primeira delas é a pesquisa etnográfica. A segunda é a pilhagem
dos terreiros pela polícia, atividade muito comum em Salvador, principalmente até as
três primeiras décadas do século XX (cf. Braga 1995).
O processo de retirada dessas peças dos terreiros por pesquisadores como Nina
Rodrigues é muito obscuro, mas o uso que ele fez do verbo “tomar” ao se referir ao
processo de obtenção das peças é bastante sugestivo. Não sabemos ao certo como isso
9
Essa atividade faz parte do Mapeamento dos Terreiros de Cachoeira e São Félix, que faz parte
do projeto Rotas da alforria: trajetória da população afro-descendente de Cachoeira, dirigido
peldo IPHAN
124
se processava. Atualmente, é praticamente impossível “conseguir” uma peça ainda em
uso nos terreiros mais antigos de Salvador. Mas a realidade de Nina era outra. Naquela
época, os integrantes de um terreiro deveriam se espantar por ver um branco de classe
econômica diferente da deles tão interessado pelas coisas do candomblé. Essas pessoas
deveriam se sentir lisonjeadas pelo seu interesse, e com a convivência ao longo dos
anos, muito provavelmente algumas mães e pais-de-santo se tornaram amigos de Nina.
Se ele não fosse benquisto no meio do candomblé, provavelmente não teria recebido o
cargo de ogã no terreiro do Gantois, que é um dos mais antigos e conceituados de
Salvador. Assim, pensamos, talvez algumas peças tenham sido dadas a ele pelos
dirigentes dos terreiros como forma de agradá-lo ou como retribuição a uma dádiva. O
mesmo pode ser dito de Arthur Ramos, que segundo Mestre Didi, era amigo de Mãe
Aninha do Axé Opô Afonjá (cf. Santos 1988: 14).
O mais provável é que essas peças tenham sido compradas por um preço
simbólico. O suficiente para custear as despesas dos ritos de substituição por uma nova
escultura e de dessacralização da peça antiga, como ainda hoje o povo-de-santo faz com
relação à sua cultura material. Temos que observar que os povos africanos de forma
geral, e muito provavelmente o povo-de-santo de Salvador, não tivessem o mesmo
apego que nós pelos objetos antigos. Valorizavam sobretudo o conhecimento, ou usando
a linguagem dos terreiros, “os fundamentos”, que são orações, cantigas, palavras, gestos
necessários à manipulação das forças da natureza de modo a sacralizar e dessacralizar
um objeto. De posse desses conhecimentos, os sacerdotes poderiam recriar os
emblemas, altares e assentamentos dedicados aos orixás. Por isso, talvez, a retirada das
peças dos terreiros por esses pesquisadores tenha se dado de forma menos traumática do
que a primeira vista somos levados a imaginar.
Outro processo de retira das peças de seu contexto etnográfico no Brasil se dava
com as batidas policiais aos terreiros de candomblé de Salvador, que eram muito
constantes no início do século XX. Esse assunto é discutido com detalhes por Braga
(1995). O que nos interessa aqui é pontuarmos o que ocorria com as peças que eram
apreendidas.
Esse parece ser um caso de transferência de artefatos de um sistema cultural
para outro, pois antes, eram objetos de culto, que passaram, então, a servir de “provas”
de práticas ilegais de medicina, a pretexto da acusação de politeísmo e idolatria. Isso
merece um estudo a parte, que não cabe neste espaço.
125
Transcrevemos alguns registros jornalísticos que forncem alguns dados. Pelo
estudo desses jornais é possível conhecermos, apesar da visão etnocêntrica e
hegemônica, a sistemática de repressão aos terreiros de candomblé pela polícia, que
levou à apreensão de objetos e esvaziou-os de seus contextos rituais. Esse assunto é uma
lacuna nos trabalhos acadêmicos, e não será possível nos aprofundarmos aqui..
Uma batida aos candomblés: (A Tarde 13/08/1931 p. 10):
O delegado Tancredo Teixeira expediu hontem, na sua delegacia ordens
severas, no sentido de ser feita na sua circumscripção, pela madrugada, uma
batida contra os condomblezeiros, ou botadores de “despachos” nas
encruzilhadas, por haver augmentado consideravelmente o numero dos
“bozóes” apanhados pelos carroceiros. hontem, pela manhã, no largo das
Sete Portas o caminhão da Limpeza Pública apanhou três latas de “despachos”.
“Conforme hontem noticiamos a Polícia em importante diligência em
Amoreiras, na cidade de Itaparica, apprehendeu diversos utensílios de
candomblé permettidos juntamente com os apetrechos para esta capital. Os
referidos apetrechos, ao que declarou o sacerdote negro datam da época da
escravidão, vindo alguns da África. O cliché acima mostra os objetos que se
encontram na delegacia” (Jornal A Tarde 22/06/1940 p. 3)
“Em pleno século do cinema fallado a velha Thomé de Souza ostenta
candomblés nos quatro cantos da cidade” (Jornal A Tarde, 30/04/1931 p. 10):
(...) Organizada a caravana policial, foi a casa do “pae de santo” varejada sendo
elle preso juntamente com as raparigas (...) e apprehendido todos os utensílios
encontrados. Dentre estes foram encontradas varias figuras exhoticas,
representando os deuses da Mythologia. Vimos mesmo uma figura de Baddha e
outra de Venus.”
Torna-se particularmente necessário comentarmos a última reportagem listada
na Fig. 50. Trata-se da matéria que divulgou a prisão de um sacerdote do culto aos
eguns (ancestrais) na Ilha de Itaparica, que é reproduzida na Fig. 49 (A Tarde,
21/6/1940, p. 8).
Esse incidente foi analisado por Júlio Braga (1992 e 1995). Entretanto, nos
chama atenção uma máscara de madeira que figura na fotografia dos objetos
apreendidos, no chão, do lado esquerdo. Talvez essa mesma máscara seja a que aparece
na Fig. 50.
126
Na Fig. 51, comparamos as imagens dessas fotos entre si, e também com uma
das máscaras do acervo do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia-IGHB, Salvador.
Pensamos ser possível que as peças em destaque nessa prancha sejam também
esculturas em madeira de máscara gueledé.
Circulação dos artefatos na sociedade envolvente
A circulação das peças etnográficas afro-brasileiras dentro da nossa sociedade
vai ser ilustrada a partir do caso das peças de Nina Rodrigues.
Empreendemos uma busca pelo paradeiro das peças que compunham sua
coleção. Pensávamos, no começo, que seriam encontradas, pelo menos em parte, no
museu anexo ao Instituto Médico Legal “Nina Rodrigues”, em Salvador. Entretanto,
como vimos anteriormente, esse acervo foi formado posteriormente.
As informações encontradas para o paradeiro das peças da coleção de Nina
dividem-se entre as que afirmam que elas foram danificadas por ataques de insetos,
sendo depois jogadas no lixo, ou as que alegam a destruição pelo incêndio ocorrido na
Faculdade de Medicina, em 1905 (acidente relatado em Britto 2002), o qual pode ter
destruído parte do gabinete onde ficavam as peças, no atual Terreiro de Jesus.
No entanto, localizamos uma de suas peças. Encontramos o edan de Nina
Rodrigues numa coleção de arte africana particular. Não sabemos onde ele permaneceu
depois que Nina morreu. É quase certo que nunca tenha voltado para o terreiro de onde
saiu.
Em maio de 2006, às vésperas da viagem para Salvador, ao visitarmos a
exposição O universo mítico de Hector Julio Paride Bernabó - o baiano Carybé,
ocorrida entre 28/04/06 a 30/07/06 no Museu Afro-Brasil, São Paulo, suspeitamos, de
imediato, que um edan exibido pudesse ser a peça de Nina Rodrigues. Os desenhos
feitos da peça nessa ocasião, contrastados depois com a fotografia, indicavam que a
suspeita poderia ter fundamento. Assim, no início de agosto de 2006, quando a
exposição estava sendo desmontada, as peças foram gentilmente fotografadas, a meu
pedido, pela Profa. Lisy e pelo fotógrafo do MAE, Wagner Souza e Silva, aos quais
muito agradeço, pois se esforçaram em obter uma imagem das peças por um ângulo
127
semelhante ao tirado na foto do livro. Como as peças apresentavam-se com uma
corrente e ainda fincadas numa base de madeira, teve-se de tirar duas tomadas, as quais,
recortadas e justapostas, são apresentadas para comparação na Figs. 41 e 42. Na
Prancha Fig. 44, vemos os detalhes das estatuetas.
O exame minucioso da fotografia dos objetos expostos, contrastado com a
fotografia do livro de Nina, mostra que as peças são iguais. Poderíamos objetar serem
peças diferentes, porém feitas pela mesma mão. Isso não se sustenta, pois detalhes tão
pequenos e sutis como a rugosidade da superfície,
10
não podem ser reproduzidos de
forma idêntica em outra peça, no contexto de uma produção artesanal, pois esses
atributos do artefato não podem ser facilmente controlados pelo artesão, mesmo que ele
se preocupasse com isso.
Entramos em contato com a família do artista. Sua filha, Solange, não possui
informações sobre como Carybé obteve essa peça. uma ficha catalográfica dessa
obra, reproduzida aqui na Fig. 43, que foi escrita pelo próprio Carybé. Ali lemos que a
peça veio da Nigéria e que “fica no assento de Oxum Apará que anda junto com Exu”.
Assim, não temos como determinar se esse uso apontado por Carybe era o uso
dado à peça na África ou, sendo a peça utilizada no Brasil, o atribuído em terreiros na
Bahia. É mais provável que se trate do uso aqui no Brasil, pois como vimos, o uso de
um edan ogboni na África está relacionado à associação Ogboni.
Assim, pode ser que tanto esse edan ogboni quanto às máscaras gueledé que
saiam na Cidade Baixa estivessem associados a Oxum, pois como vimos as máscaras
saiam dia 8 de dezembro, quando, que segundo Drewal e Drewal (1990: 243), são
cultuadas Iyami e Onilé.
10
Notar, principalmente, a sombra produzida pela irregularidade da superfície no tórax e vagina da figura
feminina e na superfície do mamilo direito da figura masculina.
128
Fonte: Rodrigues [1905]
Foto-edição: ARJ, a partir das duas fotos de Silva, abaixo
Parte da expoisção da mostra ??
Foto: Lisy Salum 2006
Fotos: Wagner Souza e Silva 2006
Fig. 41 - Comparação entre o edan de Nina e o da família Carybé
129
Fotos: Wagner Souza e Silva 2006
Fig. 42 - Detalhes da superfície do edan de Nina e o da família Carybé
130
Fig. 43 – Fotografia da ficha catalográfica da peça de Carybé
131
Fotos: Wagner Souza e Silva (MAE - 2006)
Fig. 44 - Detalhes do edan da família Carybé
132
2.4 Descarte
O descarte ritual de artefatos e materiais é chamado na linguagem dos terreiros
de “despacho”. Aqui temos um assunto muito complexo e ainda pouco explorado do
ponto de vista arqueológico, e sobre o qual temos interesse em aprofundar nossos
estudos.
Agora é possível mencionar algumas generelidades sobre esse processo. Ao
que parece, há alguns artefatos do terreiro que são despachados e outros que não.
Denis Williams (1964: 146) descreve que, África, o edan ogboni pessoal, aquele
que possui espeto, desempenha um papel importante no ritual de morte do seu dono, mas
que nunca é enterrado junto com o corpo, pois retorna ao santuário ogboni. Isso sugere
que o edan é um tipo de peça que, em vias normais, nunca seria descartado.
Mas temos um caso de descarte de peças dos terreiros que foi documentado.
Trata-se de mais uma peça de Nina Rodrigues um recipiente feito em um único bloco
de madeira (exceto a tampa), que foi encontrado envolto numa toalha de linho branco
nas praias de banho da “Calçada do Bonfim”, na Cidade Baixa de Salvador, antes de
1905. Nina (Rodrigues 1904) chamou esse artefato de “cofre de Iyemanjá” e atribuiu
esse achado ao fato de que,
“tendo fallecido o pai ou mãe de terreiro, sacerdote ou diretor de Candomblé, a
quem pertencia, foi ella lançada ao mar com os outros objetos do seu Pegui
[pegi, “altar”], por não haver quem o quizesse substituir na direção de culto. É
ella destinada pelo Sr. J. Messeder ao Instituto Histórico da Bahia”
Esse objeto foi identificado por Robert Farris Thompson (1984: 40-42) como
sendo um agere ifá, recipiente sagrado, onde os sacerdotes iorubás (babalaôs)
responsáveis pela consulta ao oráculo de Ifá guardam as sementes ou cauris, usadas
nessa cerimônia como indicadoras do resultado do jogo. Porém, essa peça pode adquirir
um significado histórico novo, se atentarmos para o fato de que os mestres ogboni são
também os sacerdotes de Ifá (“olhadores de jogo”) mais capacitados dos iorubás, sendo
inclusive eles que “abrem o jogo” para o rei (obá), o qual, dependendo do resultado,
pode ser destituído e levado ao envenenamento (Morton-Williams 1960: 364).
A leitura do ipelo opelê uma espécie de rosário, que une sementes com um
cordão –, acondicionado dentro do agere ifá quando não está sendo usado, é privativa de
homens (babalaôs). Foi esse sistema que deu origem ao atual jogo de búzios dos
133
candomblés baianos. Acrescentamos que essa peça tem flagrante semelhança com a
estatuária em madeira feita para a associação Ogboni, como a que foi publicada por
Christopher Slogar (2002), em Carved Ogboni from Abeokutá (cf. Fig. 46). Pois ali
vemos os símbolos típicos ogboni, como os motivos gráficos que enfatizam o número
três e o lado esquerdo do corpo.
Sobre o tema da escultura, Nina acha de difícil entendimento:
“Mas não é facil descobrir a allegoria que nesta peça quiz celebrar o esculptor
negro. Dois pontos tornam embaraçosa a interpretação. Em primeiro logar, o
crocodilo é um animal sagrado para muitos povos africanos, chegando mesmo a
ser adorado em alguns pontos da Africa. Não se percebe bem como, nestas
condições, possa servir ao culto uma peça em que se celebra a morte ou caça ao
réptil.
Depois, nos desenhos e representações dos Negros, os Brancos têm sempre o
papel do leão da fabula. Cabe-lhes invariavelmente a figura. O sceptro de
Behazin representa um crocodilo partindo um homem branco ao meio nas
vigorosas mandibulas. Compreende-se mal, portanto, uma esculptura africana
destinada a celebrar qualquer façanha de um homem branco.” (Rodrigues 1904).
Contrastando com as peças ogboni publicadas por Slogar, vemos que a figura do
homem branco na peça baiana, a julgar por seu papel central na cena, pelo seu tamanho,
e pelo formato do seu chapéu, poderia ser a representação de um mestre ogboni.A cor
branca está associada entre os iorubás e entre o povo-de-santo da Bahia às entidades
antigas e poderosas, chamadas de entidades funfun.
Atentemos, finalmente, à referência dada por Nina sobre o envio desse objeto ao
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. , não encontramos nenhum documento que
registre a entrada, permanência ou saída dessa peça.
134
Fonte: Rodrigues (1904)
Fig. 45 - Agerê Ifá encontrado envolto em um pano branco na “Calçada do Bonfim”, praia da cidade baixa de Salvador
(legeda em Rodrigues (1904): “Cofre de Iemanjá”)
135
Mestres Ogboni
Fig. 46 – Comparação da peça de Nina Rodrigues com as esculturas em madeira da associação Ogboni. Fonte: Slogar 2002.
136
Fig. 47 - “Assento de Iyami Oxorongá - Olga de Alaketu”. Aquarela de Carybé (1980: 79)
137
Fig. 48- Alameda dos Dendezeiros, Calçada do Bonfim, Salvador.
Fotografia de Benjamin R. Mulock, 1860. Publicada em Ferrez (1988: 37)
138
Fig. 49 - Reportagem do Jornal A Tarde de 21/06/1940, p. 8.
139
Reportagem do Estado da Bahia de 21/06/1940, p. 2.
Fig. 50 - Reportagem do Jornal A Tarde de 22/06/1940, p. 3.
140
Parte em madeira de máscara gueledé.
Fonte: Lody (1985: 57)
Fig. 51 - Comparação entre as fotografias das máscaras apreendidas pela polícia e a do IGHBA
141
CAPÍTULO IV - A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO SOBRE AS
SOCIEDADES SECRETAS’ AFRICANAS NO RECÔNCAVO
BAIANO: A ‘SOCIEDADE OGBONI’ E AS REVOLTAS MALÊS
Neste capítulo analisaremos as menções encontradas na bibliografia que afirmam ou
presumem que a Associação Ogboni dos iorubás tenha se estabelecido em Salvador no final
do período colonial brasileiro.
Nos excertos transcritos, destacamos as fontes em que se embasam essas afirmações
ou suposições, sendo necessário, às vezes, a transcrição de longa parte do texto original para
não quebrar a unidade de pensamento dos autores (as formatações em sublinhado são nossas;
os destaques em itálico são dos próprios autores).
Uma das publicações que nos chamou a atenção para esse tema foi o Dicionário da
Escravidão Negra do Brasil (Moura, 2004: 293), que possui o verbete ogboni:
“OGBONI. Poderosíssima sociedade iniciática africana da qual muitos escravos
baianos participavam e que desempenhou importante papel nas insurreições do século
XIX. Na África, possuía uma hierarquia político-religiosa bem estratificada. Nada se
sabe, porém, de sua organização no Brasil. Sua existência foi revelada, através de uma
sindicância secreta, instaurada após a insurreição de escravos hauçás e nagôs, na
Bahia, em 1809.”
Não conseguimos localizar nenhum documento dessa sindicância citada por Moura,
que teria sido feita após a insurreição de 1809. Em uma obra anterior (Moura 1981: 138-139),
ao discorrer sobre as “Primeiras Insurreições Baianas (1807-1813)”, escreve mais detalhes
dessa revolta:
“Em 26 de dezembro de 1808 – antes de completar um ano que se haviam levantado –
os aussás e nagôs dos engenhos do Recôncavo embrenham-se nas matas, fugindo dos
seus senhores. Ali ficarão aguardando os escravos da Capital que cedo a eles irão se
unir; no dia 28 de dezembro, fogem os de Salvador e fazem junção com os que se
encontravam nas matas. Oito dias depois 4 de janeiro de 1809 iniciam juntos a
ação com grande violência, atacando indistintamente a todos, destruindo, incendiando
propriedades e matando.
Seguem imedatamente forças da Capital para combatê-los, indo alcançá-los a nove
léguas da cidade, entrincheirados junto a um riacho, sendo cercados e atacados.
Iniciou-se o combate com grande violência, tendo morrido grande número de escravos
e sido aprisionados oitenta. Sufocada com certa facilidade, ficou-se sabendo da
142
organização dos escravos: pretendiam estender a luta por todo o Recôncavo baiano,
especialmente nos distritos de Jaguaribe e Nazaré onde a Polícia foi prender 23
implicados na insurreição. Para êxito do movimento, haviam estruturado uma
associação secreta que tinha por objetivo aliciar os escravos e dirigi-los na luta contra
o cativeiro – a OGBONI – de poderosíssima influência e que desempenhou importante
papel nessa luta, o que explica o relativo sigilo com que se processou sua preparação.
Não sabemos das punições a que foram condenados os principais implicados: nada
encontramos nos arquivos ou nos livros que se referem ao assunto.”
Em princípio, parece que esse autor utilizou-se de documentação do inquérito feito
após a revolta de 1809 para afirmar que a associação Ogboni se estruturou aqui, no nosso
país. Contudo, reafirmamos, nenhum documento foi encontrado por nós.
Pode ser que Clóvis Moura tenha se espelhado no texto de Roger Bastide (1971: 148 e
149), pois num trecho do capítulo sobre o “elemento religioso da luta racial”, a suposta
“sindicância” é também mencionada:
“Em 1809, uma segunda sublevação. Desta vez os haussas aliam-se aos nagôs; os
escravos urbanos e rurais procuraram refúgio na mata, de onde saíam para roubar,
incendiar, assassinar. Não puderam resistir às Fôrças Militares contra êles enviadas.
Mas a sindicância que se seguiu devia revelar a existência de uma sociedade secreta
dêsses escravos, Obgoni ou Ahogbo. Ora, as Ogboni e as Oro, cujos chefes são
precisamente sociedades secretas africanas que, como se vê por êsse testemunho,
foram reconstituídas no Brasil pelos descendentes dos africanos. Por certo, os
africanistas insistiram sobretudo no caráter político dessas sociedades, que estariam
encarregadas de perseguir e punir os criminosos; contudo, Bascom nota com justa
razão que esta atividade política é secundária (e a prova está em que as Ogboni não
têm a mesma natureza das confrarias dos deuses, continuam com o culto da Terra-Mãe
(culto mais antigo que o dos orixás e por êste encoberto). Assim, ainda aqui, é em
tôrno da religião que se articula a revolta dos negros contra os brancos.”
Entretanto, João José Reis (1987:68-69), que estudou minuciosamente os documentos
referentes às revoltas escravas do início do século XIX na Bahia, não menciona nenhuma
documentação de sindicância sobre a revolta de 1809. Porém, ele atribui ao texto de Nina
Rodrigues a informação de que a associação Ogboni fôra a responsável pela revolta de 1809:
“A rebelião de 1809 foi em muitos aspectos um perigoso precedente para a ordem
escravista baiana. Apesar do grande número de participantes, não houve traição ou
vazamento de informações. O ambiente rural dificultava a ão de espiões e
informantes, sempre mais eficazes na cidade. Outro aspecto inquietador foi que desta
vez se verificou uma aliança entre vários grupos étnicos haussás, jejes, nagôs –,
exemplo de que as diferenças étnicas não representavam um obstáculo intransponível
143
à mobilização escrava conjunta. Os iorubás-nagôs, no entanto, parecem ter assumido a
direção do movimento, caso seja correta a informação de Nina Rodrigues de que a
sociedade ogboni se responsabilizara pelo plano de revolta. A Ogboni era originária
do estado iorubá de Oyo, onde se didicava ao culto da terra e tinha importante função
de controle do poder do alãfin (rei de Oyo). Outros estados iorubás tinham
organizações similares com outros nomes. Se a ogboni possuía ramificações na Bahia,
suas funções eram evidentemente diferentes. Talvez a de manter viva, mesmo deste
lado do Atlântico, a identidade iorubá e a hegemonia política dos nagôs de Oyo. Com
a presença ou não desta venerável entidade, a rebelião de 1809 era sobretudo
preocupante porque acontecia no Recôncavo, o coração econômico da província, onde
a maioria dos escravos baianos estava concentrada.”
Essa obra foi reescrita em 2003, porém o documento de base dessas informações
continua sendo o texto de Nina Rodrigues, ainda que o autor deixe explícito que não concorda
com essa interpretação:
“(...) acho improvável que os rebeldes contassem com alianças importantes fora do seu
grupo étnico. Entretanto, Nina Rodrigues sugeriu que os nagôs, por intermédio da
sociedade secreta Ogboni, teriam comandado esse movimento. Esta é uma
interpretação altamente improvável. A Ogboni era originária do reino iorubá de Òyó
onde se dedicava ao culto da terra (...).(...) Mas o que estaria fazendo esta organização
iorubana num movimento predominantemene haussá?” (Reis 2003: 79)
Consultando o texto indicado de Raymundo Nina Rodrigues (1932: 72-73) podemos
verificar que muitas informações utilizadas pelos autores citados anteriormente podem ter
sido obtidas aqui:
Insurreição dos Haussás e Nagôs a 6 de Janeiro de 1809 Na segunda insurreição
dos Haussás figuravam elles associados aos Nagôs, o que, dadas as rivalidades e
luctas em que as duas nacionalidades viviam a esse tempo em Africa, já por si
denuncia o accordo na fé, creado por obra do Islamismo.
A 26 de dezembro de 1808 desertaram os escravos Haussás e Nagôs de alguns
engenhos do Reconcavo.
A 4 de Janeiro de 1809, oito dias depois, desertaram os desta cidade que a elles se
foram reunir. Por onde passaram, a contar de tres leguas desta cidade, commetteram
toda a sorte de attentados, assassinatos, roubos, incendios e depredações. Alcançados
pelas forças expedidas em seu encalço, a nove leguas desta cidade e cercados em uma
matta onde se fizeram fortes, junto ao riacho da Prata não foi possivel induzil-os a
renderem-se, dizem as partes officiaes, bem suspeitas neste particular. Investiram
contra as tropas que os bateram, matando grande numero e ainda aprisionando 80,
entre os quaes muitos feridos. O movimento do Reconcavo tinha sido importante
principalmente no districto de Nazareth e Jaguaribe, villas e roças vizinhas, de onde
144
remetteram 23 presos para esta cidade. Coube ainda ao Conde da Ponte reprimir esta
insurreição e della deu contas ao governo da Metropole nas cartas de 12 e 16 de
Janeiro de 1809
11
.
Causou então surpreza geral o admirável sigillo em que se urdiu e levou a effeito o
exodo dos insurgidos. Mais natural seria considerado o facto, se naquelle tempo
tivessem os interessados melhor conhecimento do povo escravisado. Então haviam de
saber que uma poderosa sociedade secreta Obgoni ou Ohogbo, verdadeira instituição
maçônica, governava os povos yorubanos, com acção muito superior mesmo á
vontade dos regulos. E em todos os actos desta associação dominava o mais absoluto
sigillo.
Contudo, não é fato que Nina Rodrigues, nesse texto, esteja afirmando que a
associação Ogboni tivesse se estruturado na Bahia, tampouco que tivesse liderado a revolta.
Na nossa interpretação, nesta e noutra passagem em que Nina Rodrigues se refere aos Ogboni,
apenas chama a atenção para o sigilo com que essa revolta foi planejada.
Sobre o espanto que tomou conta da cidade de Salvador, pois esse levante foi armado
sem o vazamento de informações, Nina Rodrigues, numa tentativa de explicar como os negros
escravizados conseguiram planejar essa “fuga em massa” sem levantar suspeitas das
autoridades, coloca na discussão a familiaridade com o sigilo que esses negros tinham quando
moravam na África, pois lá eram súditos da associação Ogboni. Assim, Nina Rodrigues
sutilmente ri das autoridades metropolitanas daquela época porque eles não conheciam o
passado dos africanos escravizados no Brasil tão bem quanto ele.
Desse modo, a nossa interpretação é que Nina Rodrigues esteja apenas explicando,
com sua erudição, um fato que causou surpresa entre os dominadores, totalmente leigos sobre
o passado dos povos que oprimiam. Ou seja, Nina Rodrigues usa dados históricos das
sociedades africanas para interpretar um comportamento dos negros escravizados no Brasil.
Esta interpretação fica mais amparada quando lemos, na mesma obra (Rodrigues
1932: 348-349), o que ele escreve sobre o sacerdócio e a liturgia africana na Bahia:
“Entre os Nagôs, a sociedade secreta, Oshogb ou Ogboni, - espécie de maçonaria
africana, - é que assume a direção suprema do culto. Muito ampla é de facto, a alçada
da jurisdição desta associação secreta que funcciona sob a protecção ou invocação de
Odudua, contando lojas ou confrarias filiaes em todas as cidades e villas, possuindo
11
Estas cartas ainda não foram analisadas, visto que é necessária a ajuda de um paleógrafo.
145
signaes, passes e senhas proprias e exercendo grande influencia na direcção ou
governo dos estados nagôs. O sigillo é guardado sob pena de morte que se executa
com requintada crueldade. O Alafin de Yorubá é o chefe de todos os Ogboni que nos
differentes paizes são dirigidos pelos Ekejis-Orichás, ou chefes dos sacerdotes.
No Brasil, o culto gêge-yorubano não conserva, não possue esta organisação superior
do sacerdocio; os terreiros ou igrejas não guardam uma subordinação hierárquica,
trabalhando por conta própria e em completa independência. Nos terreiros principaes,
como na capital da Bahia e nas suas cidades mais importantes, Cachoeira,
Sant’Amaro, S. Gonçalo, Feira de Sant’Anna etc., os terreiros se conhecem, se
respeitam reciprocamente, se visitam em commissões por occasião das grandes festas
annuaes. Alguns chefes ou diretores de candomblés chegam mesmo a fallar na
existencia de certa subordinação e interdependencia dos differentes terreiros. Mas
tudo isso não passa de um apparentar da organisação africana: elles são, de facto, de
todo livres e independentes. Quando se interroga aos chefes sobre qual o terreiro
supremo a que se devem sujeitar todos os outros, elles indicam ora um, ora outro,
conforme as suas sympathias ou preferencias pessoaes.”
Esta segunda passagem de Nina Rodrigues sobre a associação Ogboni reafirma nossa
suposição de que o autor apenas evoca dados culturais sobre os povos iorubás publicados na
sua época
12
ou obtidos a partir de conversas com negros nascidos na África, para explicar ou
argumentar o comportamento das populações de origem africana no Brasil.
De fato, o parágrafo escrito por Nina Rodrigues que relaciona a rebelião de 1809, na
Bahia, com a associação Ogboni, na África, é ambíguo, pois ora se refere à África, ora ao
Brasil, o que torna obscura a compreensão de seu conteúdo, que, lido de forma apressada,
pode ser distorcido.
Mas tendemos a pensar que o povo-de-santo não lhe disse nada objetivamente sobre a
associação Ogboni, pois ele segurou em suas mãos um autêntico edan ogboni. Ressaltamos:
Nina Rodrigues escreveu mencionando a associação Ogboni na África e não fez nenhuma
ligação desses dois fatos com o candomblé. Ademais, não ele não cita Iyami (ou geledé) e
nem de Onilé (ou edan) em seus trabalhos. Entretanto, indícios de que alguns negros
escravizados lhe teriam dito algo relacionado.
12
provavelmente do livro do Padre Baudin (1884: 67), pois este autor descreve o modo de execução dos
condenados à morte, e Nina Rodrigues em seu texto comenta que este método é de “requintada crueldade”.
146
Ao inquerir os africanos sobre “as idéias que fazem da outra vida”, Nina Rodrigues
comenta:
“A maior parte dos africanos não sabe para onde vão as almas do outro mundo, mas
quando se insiste com elles declaram que ellas vão para o céu ou para o inferno.
Apenas em alguns negros que estiveram por muito tempo na África se encontram
idéias da celebre instituição dos Mumban-Jumban destinada a castigar e corrigir as
mulheres. Um delles me dizia que de almas do outro mundo havia de especial na
África uma maçonaria em que as mulheres não podiam tomar parte e em que a alma
apparecia e passeiava pela cidade muito a sua vontade. Mas que não podia dizer os
segredos da maçonaria porque os homens que os revelassem seriam severamente
punidos por processos magicos, estivessem onde estivessem”. (Rodrigues, 1935: 156-
157).
Vemos que essa descrição da instituição poderia ser também uma referência da
associação Ogboni, por meio de suas instituições subordinadas, pois entre os iorubás havia o
combate à bruxaria (prática geralmente associada às mulheres) por meio da instituição Oro,
regida também por homens (Witte 1988: 39-40). Mas o que mais chama atenção é o fato do
entrevistado não querer falar nada a respeito dessa instituição, mesmo tendo sido escravizado
e estar muito longe de sua pátria. Afinal, seria justo pensarmos que imaginário semelhante
devia haver entre os nagôs escravizados que conheceram a associação Ogboni.
Arthur Ramos, que estudou os terreiros da Bahia mais de vinte anos depois do que
Nina, também não cita nenhuma tradição oral que, para nossa pesquisa, pareça importante.
Ele relaciona a suposta “sociedade secreta” com as revoltas malês. Lembremos que ele
também teve em suas mãos um edan não tão “belo” como o de Nina, mas parecido - cf.
Fig. 21 -, e que ele não fez a ligação desse objeto (designado com o nome genérico de
“assento”) com a sua “teoria religiosa” para explicar as revoltas malês, em que essa suposta
“sociedade secreta” baiana estaria associada com a direção da revolta de 1809.
Esse assunto foi, assim, com base em Nina Rodrigues, re-introduzido por outros
autores da literatura afro-brasileira. Segundo a pesquisa bibliográfica encontrada, é Arthur
Ramos (1956: 48) o primeiro a retomar o tema no breve trecho transcrito abaixo:
“(...) em 1809, explode a insurreição dos haussás associados aos nagôs, que fogem
dos engenhos do Recôncavo e se reunem aos negros da cidade. A 4 de janeiro de
1809, começou a marcha insurrecional, incendiando e depredando tudo por onde
147
passaram. Perseguidos pelas tropas do govêrno, entrincheiraram-se nas matas do
Recôncavo baiano (a zona marginal da baía) e ofereceram séria resistência. Foram
afinal batidos, sendo aprisionados 80 e a maior parte mortos em combate.
Convém destacar que, na preparação do movimento negro, muito contribui uma
sociedade secreta dos nagôs, denominada Obgoni ou Ohogbo, poderosa organização à
semelhança de congêneres na África Ocidental, e que zombou da vigilância dos
senhores e das autoridades. Era uma necessidade de organização de defesa dos Negros
espoliados no Novo Mundo.”
Notamos grande semelhança entre os dados deste e de todos os demais excertos
transcritos com o texto de Nina Rodrigues sobre a revolta de 1809. O texto de Nina é,
possivelmente, a fonte da maioria dessas informações. Alguns dados apresentados pelos
autores citados intrigam-nos. Por exemplo, não conseguimos saber de onde Clóvis Moura e
Roger Bastide teriam tirado a idéia de que uma sindicância evidenciou a participação da
Ogboni. E também, nos inquieta em descobrir a fonte que Arthur Ramos usou para afirmar
que a suposta Ogboni baiana teria “zombado da vigilância dos senhores e das autoridades”.
É
interessante também notar que há outros estudos sobre a documentação das revoltas
malês que foram publicados antes do texto de Nina Rodrigues. Neles não referência à
associação Ogboni.
Em As insurreições dos africanos, escrito em 1890 (Ferreira 1903: 95-107), a revolta
de 1809 não é citada. Entretanto, lemos ali alguns dados interessantes sobre o comportamento
dos escravos fugitivos:
“ajuntavam-se quando e onde queriam e em maior liberdade possivel; dansavam e
tocavam dissonoros e estrondosos batuques por toda a cidade, e á toda hora.
Nos arraiaes e festas eram elles sós os que se assenhoreavam do terreno,
interrompendo quaesquer outros toques ou cantos.
Este desenframento, com certeza, não tardou a ter funestas consequencias. Das praças,
dos batuques passaram a ter conferências em logares occultos, onde era vedada a
presença de qualquer que não fosse membro destas associações mysteriosas.
Para estas reuniões eram convidados escravos de diversos engenhos, e ahi armavam-se
coroneis e tenentes-coroneis, com festejos, cantorias e uniformes extravagantes”
Assim, devemos considerar o papel que as reuniões religiosas desempenhavam para
os movimentos de libertação dos negros escravizados, mas não devemos supervalorizá-las.
148
Outro trabalho sobre as revoltas malês foi publicado antes que o de Nina. Trata-se do
artigo Levantes de pretos na Bahia, extraído do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro de
26/05/1903 e publicado em Britto (1903: 69-94). Nesse artigo a revolta de 1809 é descrita,
mas nada é mencionado com relação à associação Ogboni.
A ausência, em todos esses trechos, de referências precisas da documentação
(inquéritos, relatório de sindicância etc.), nos leva a pensar que esses autores se apoiaram
apenas em uma passagem ambígua do livro de Nina Rodrigues para argumentarem sobre a
revolta de 1809, cuja direção ainda permanece não comprovada, para não dizer, desconhecida.
Estas informações, difundidas precipitadamente em várias obras, contribuíram para
que alguns dicionários especializados, além do citado Dicionário da escravidão negra,
também registrassem o vocábulo “Ogboni” associado às revoltas dos malês.
O Glossário do livro sobre a Casa das Minas (Ferreti 1996: 302) cita:
“Ogbôni. Sociedade secreta iorubana, que parece ter também existido no Brasil em
inícios do século XIX, à época das revoltas de escravos na Bahia”.
Já no Dicionário de Cultos Afro-Brasileiros (Caccitarore 1977: 196), lemos:
“Sociedade secreta iorubá (outrora com grande poder na vida civil, religiosa e política
da Nigéria) que tem por finalidade realizar cultos propiciatórios das colheitas e da
reprodução, funerais etc. Seu titular é sempre uma mulher. Também existiu no Brasil,
onde teve muito poder dentro dos candomblés, sendo seu símbolo um casal humano de
bronze, unido por uma corrente. F. ior: “Ogboni”- nome dessa sociedade secreta
.”
Aqui vemos mistura de informações da associação Ogboni e das revoltas negras da
Bahia com a cerimônia dança das gueledé, que parece ter sido encenada na Bahia (Carneiro
1967: 64).
Possivelmente todos esses dados sobre a associação Ogboni na Bahia influenciaram a
interpretação da cultura material associada a Onilé dos antigos candomblés nagô de Salvador,
como a que faz o antropólogo Renato da Silveira, autor do livro O Candomblé da
Barroquinha: processo de constituição do primeiro terreiro baiano de Keto, publicado em
dezembro de 2006
Nesse livro, o autor admite a possibilidade da recomposição de organizações africanas
tradicionais no Brasil, reavivando o uso da expressão “sociedades secretas”, designando ao
tema todo o seu capítulo 10, “As Sociedades Secretas Ogboni, Gueledé, os cultos de Babá
149
Egum e da Senhora da Boa Morte na Afro-Bahia” (cf. Silveira 2006:414-456). Devemos
dizer, primeiramente, que não se trata da única publicação desse autor sobre o assunto (cf.
também Silveira 2000).
Como escrevemos anteriormente, não concordamos com a designação de
“sociedades secretas para certas associações tradicionais africanas, como a Gueledé e a
Ogboni, cabendo aqui questionar também os fundamentos que permitiriam considerar como
possível transplantar instituições africanas de um continente a outro, considerando sobretudo
a adversidade do contexto imposta pela sociedade envolvente.
150
CONCLUSÃO
Ao término da redação deste trabalho, sintetizamos, capítulo por capítulo, algumas
considerações que nos parecem pertinentes sobre o tema pesquisado e os procedimentos
adotados.
Vimos no Capítulo I como a associação Ogboni e Gueledé dos iorubas são
instituições político-religiosas tradicionais muito complexas, que se vinculam não apenas ao
aspecto religioso, mas também à esfera política e administrativa dos reinos iorubás.
Essa complexidade pode ser evidenciada pela quantidade de tipos de objetos
utilizados. Essa variabilidade nos foi dada pelo estudo formal e tipológico desenvolvido no
Capítulo II, apesar da limitação de nosso corpus de pesquisa, constituído por coleções que não
representam a totalidade de tipos conhecidos e, às vezes, com apenas uma peça do tipo
existente.
No capítulo III, tentamos demonstrar que, ao contrário da literatura desenvolvida no
Brasil sobre os edan e as máscaras gueledé, a existência de uma produção material como essa
não é testemunho da transplantação das associações correspondentes na África. A essa cultura
material podem ter sido agregados novos usos e significações, que, no entanto, não alteram as
características fundamentais de origem, sobretudo as simbólicas. Isso nos parece revelar a
permanência dos aspectos mais profundos da cosmovisão iorubana, no Brasil, dentro dos
próprios terreiros de candomblé.
Chegamos a isso com o exercício de reconstrução do ciclo de vida das máscaras
gueledé e dos edan ogboni, que comporta aspectos de natureza não apenas simbólica, mas
também material, técnica e formal. Não chegamos a resultados conclusivos sobre o real uso
ou significado desses objetos no Brasil, pela insuficiência de documentação museológica além
da escrita. Mas esse exercício demonstrou a necessidade de também melhor investigar o
processo de constituição dos acervos e a circulação das peças. A abordagem dos objetos pelo
seu ciclo de vida nos permitiu também discernir e destacar as diversas possibilidades de
informação que podem ser extraídas dos objetos.
151
No capítulo IV chegamos finalmente à discussão das interpretações sobre a presença
da associação Ogboni no Recôncavo Baiano e a relação que se estabeleceu entre ela e a
Revolta dos Malês. Nesse último capítulo nos restringimos à análise dos documentos escritos
e da bibliografia, que não poderia, no entanto, ter sido levada a cabo sem o conhecimento
construído a partir dos objetos.
Finalmente procuramos inventariar e analisar o material a que tivemos acesso
produzido sobre o assunto durante mais de um século, por autores estrangeiros e brasileiros,
de modo a articular fontes e escritas e materiais esperando com isso poder contribuir para
melhor conhecimento dos laços históricos e culturais Brasil-África. E para o florescimento
dos estudos de cultura material africana entre nós, ainda incipientes.
152
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