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que baseada em “estereótipos corporais” de extrema sofisticação, como sugerem Brumana e
Martínez
89
, ganha amplitude ainda maior, pois sua significância dilata e acrescenta novos
sentidos às definições simbólicas contidas nos limites de um referencial de estereótipos.
Dentro dessas corporeidades, como se viu, a gestualidade também ocupa lugar
privilegiado. Ela é portadora de tradições mágico-religiosas. E assim como em outras
religiões do segmento afro-brasileiro, a gestualidade umbandista se apresenta de um modo
que, “quanto mais expressa, no sentido de arranjos e posturas gestuais marcadas, mais
veracidade, mais fundamento, mais axé”
90
. Quando falo em gestualidade, refiro-me tanto a
gestos pontuais bem demarcados, presentes na interação entre homens e espíritos
incorporados, como também a uma gama de outros pequenos gestos presente nesse mundo
performativo. Quase todos, como o cruzar e descruzar os braços ao adentrar o terreiro, bater a
cabeça no congá antes de sair
91
, girar sobre si quando a entidade ordenar, entre outros
incontáveis, requerem conhecer qual o fundamento, o significado. Donde se vê a necessidade
de se ter um saber-fazer performativo. Não tê-lo, ou melhor, ou não sabê-lo, é perder em
energia e proteção das entidades. Abordei esse assunto em minhas conversas nos terreiros, a
começar por Pai Salviano:
− Mas por que eu não posso ficar com as pernas cruzadas na gira?
− Porque isso prende muito aquela entidade que veio. Ou não desembaraça, se você
vier atrás de um… de uma limpeza, de um passe de força e de uma limpeza, aquele símbolo, o
cinto, chave, você cruzado, escora muito a entidade para querer trabalhar.
− E se recostar na parede?
− É danado para chamar o egum, aquela entidade ir embora e no lugar de voltar outra
entidade vir o egum, um espírito atrasado.
− Mas por quê?
− Mania deles, que conhecem os segredos que a religião trás, né.
− E estalar os dedos assim? (fiz o gesto)
− Uma maneira também de saudar, de chamar, entendeu? Tudo é manha, até mesmo o
próprio caboclo, às vezes faz, são manias mesmo, porque eles movimentam a gente, eles não
ficam parados. De uma forma ou de outra eles movimentam a gente. (…) Quando está
incorporado, eles não ficam parados, porque a função deles é girar, é trabalhar, é andar, é se
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Brumana e Martínez, 1991.
90
Pólvora, 1995, p.129. A citação se refere a uma outra religião do segmento afro-brasileiro, o Batuque gaúcho,
mas com certeza é válida também para a umbanda estudada aqui.
91
Ato de respeito e proteção, pois, como bem nota Rodolpho (1995, p.156), a cabeça é o espaço do orixá.