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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
INTERUNIDADES EM ESTÉTICA E HISTÓRIA DA
ARTE
O museu local
o museu em pequenas cidades paulistas
Elísio Francisco Zanotti
SÃO PAULO
2009
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2
Elísio Francisco Zanotti
O MUSEU LOCAL
o museu em pequenas cidades paulistas
Dissertação de Mestrado apresentada
ao Programa de Pós-graduação
Interunidades em Estética e História
da Arte sob a orientação do Prof. Dr.
José Eduardo de Assis Lefèvre
São Paulo
2009
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3
4
FOLHA DE APROVAÇÃO
Elísio Francisco Zanotti
O museu local
o museu em pequenas cidades paulistas
Dissertação de mestrado
apresentada ao Programa
Interunidades em Estética e
História da Arte
Data da aprovação:
Prof. Dr.________________________________________
Instituição:______________________________________
Assinatura:______________________________________
Profª. Drª._______________________________________
Instituição:______________________________________
Assinatura:______________________________________
Profª. Drª._______________________________________
Instituição:______________________________________
Assinatura:______________________________________
5
Agradecimentos
Esse trabalho deve sua concretização a inúmeras pessoas que ao longo do período de pesquisas e redação
contribuíram com ações positivas somando, substituindo, questionando, respondendo, subtraindo,
opinando, ouvindo, alterando, corrigindo, estimulando... enfim, ajudando a dar forma ao que era só uma
intenção.
Agradeço ao orientador José Eduardo de Assis Lefèvre pela sabedoria na condução das diretrizes
lançadas que foram ao seu tempo acatadas.
À Valéria Ruiz pelo acompanhamento próximo: sóbrio nos momentos de euforia e decisivo nos
momentos sem ânimo.
À Neusa Brandão pela assistência profissional e carinhosa.
Aos colegas e professores do Programa de Pós Graduação Interunidades em Estética e História da Arte
pela convivência enriquecedora.
Aos colegas professores da Oficina Pedagógica da Diretoria de Ensino de Carapicuíba pelas inúmeras
experiências trocadas.
Às professoras Carmem Aranha e Kátia Canton pelas contribuições substantivas por ocasião do exame de
qualificação.
À Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico da Secretaria de Estado da Cultura nas pessoas de
Diná Jobst, Rosa dos Santos e Beatriz Cruz pela oportunidade de apreciação dos documentos relativos aos
Museus Históricos e Pedagógicos.
À Simona Mizan pelo estímulo inicial
Aos diretores e funcionário dos museus pesquisados, por suas contribuições fundamentais: Alessandra
Rodrigues, professora; Rosana Zanelatto, funcionária do setor de Cultura e Helena de Lima, diretora do
Setor de Educação e Cultura de Rubinéia (SP): Belmiro Baio, diretor municipal de Cultura, Carla e
Gustavo, estagiários do Museu Alexandre de Gusmão de Itápolis (SP); Célia Stangherlin, pertencente ao
grupo de criação do museu e Janaína Cescatto, diretora do Museu Histórico Municipal Luis Saffi de Barra
Bonita (SP); Regina Fosati, diretora Administrativa do Setor de Cultura da Prefeitura de Mirassol (SP);
Nazaré Cruz, diretora do Setor de Educação e Cultura e Waldenice Sevalho diretora de Cultura da
Prefeitura Municipal de Bariri (SP).
A Ênio Brito Cunha pelas longas conversas e observações incisivas.
À Val Barcellos pelas observações de pontos de vista inéditos.
À Christiane Botosso pela revisão paciente dos textos.
À Adriana Talhari pela tradução esmerada do resumo.
À Márcia Talhari pelo apoio crítico e arguto.
A José Talhari pelo excelente dicionário.
Aos meus filhos, esposa e familiares pela compreensão e os fins de semana sem passeio.
6
RESUMO
O objeto de estudo desse trabalho são os museus em pequenas cidades do Estado de São
Paulo.
Os museus são aqui considerados como parte do processo de universalização do
ensino púb
lico e instrumentos de afirmação histórica, disseminando a linguagem
museológica
como parte de um processo de interiorização encampado pelo governo
estadual. O termo “museu local” foi aqui adotado para designar o espaço imediato de
seu entorno e que o situ
a em uma das extremidades do conjunto de tipologias de museus
que operam diferentes áreas de influência. Assim sendo o museu local se diferencia do
museu regional ou do museu nacional por ocupar-
se de um território físico e
psicossocial compatíveis com as
dimensões do corpo humano, suas percepções diretas e
vivências cotidianas. Ao apresentar os museus de Mirassol, Itápolis, Barra Bonita,
Bariri, Rubinéia e a casa museu de São José do Rio Pardo, a Casa Euclidiana, esta
dissertação procurou demonstrar as esp
impulsionaram as iniciativas ou as fizeram esmorecer
não como modelos
configurados, paradigmáticos, mas como possibilidades, dentro desse grande campo, de
como a linguagem dos museus foi sendo apropriada nessas diferentes localidades.
Palavras chave: museu local, linguagem museológica,
7
ABSTRACT
This dissertation examines museums in small cities (up to 50,000 inhabitants) in the State of
o Paulo, Brazil. The museums are regard
ed as an integral part of the process of
universalization in public education , as well as instruments of historical assurance,
spreading the museological language as part of a process of internalization embraced by the
State government. The term “local mu
seum” was used in this work to designate the
immediate space and its surroundings. This term also places the local museum at one end of
the museum typologies that include different areas of influence. In this manner, the local
museum distinguishes itself f
rom the regional museum or the national museum, since it
occupies a territory that is both physical and psychosocial, and that is compatible with the
dimensions of the human body and its direct perceptions and daily experiences. By
introducing the museums
of Mirassol, Ipolis, Barra Bonita, Bariri, Rubinéia and the house
museum of o Jo do Rio Pardo, this dissertation seeks to demonstrate specific
characteristics of the sociocultural dynamics that either leveraged those initiatives, or rather
made them vanish
not as set up, paradigmatic models, but as possibilities within the vast
field in which the language of the museums was seized in each of these locations.
Keywords: local museum, museological language.
8
SUMÁRIO
1.
Introdução.
.........................................................................................................
9
2.
Capítulo I
Uma breve história do colecionismo
...........................................
21
2.1. Curiosidades reais – predomínio da individualidade............................... 23
2.2.
Modelo burguês – patrimônio sócio-cultural........................................... 31
2.3. Chegada ao Brasil – busca de civilidade................................................. 40
2.3.1 Museu Nacional........................................................................... 47
2.3.2 Museu Nacional de Belas Artes...................................................
51
2.3.3 Museu Paulista.............................................................................
56
2.3.4 Escola Nova e o conceito de museu pedagógico......................... 66
3.
Capítulo II – Os Museu Histórico e Pedagógicos do Estado de São Paulo..
72
3.1.
A Casa Euclidiana.................................................................................... 73
3.2. O modelo dos Museus Históricos e Pedagógicos.................................... 80
3.3. A municipalização dos Museus Históricos e Pedagógicos...................... 92
4.
Capítulo III
Os museus em pe
quenas cidades paulistas
............................. 101
4.1. Museus históricos e/ou museus de arte.................................................... 102
4.2. Objetos e utensílios.................................................................................. 104
4.3. Contextualização...................................................................................... 105
4.4. Fotografia como documento histórico..................................................... 106
4.5. O museu como espaço de reconhecimento.............................................. 108
4.6. A memória como objeto da aprendizagem - ........................................... 115
4.7. O museu e o espaço urbano..................................................................... 121
4.8. O museu e a comunidade......................................................................... 130
5.
Considerações finais
.......................................................................................... 147
6.
Bibl
iografia
........................................................................................................ 159
9
INTRODUÇÃO
Durante as pesquisas e levantamentos de dados para a monografia “Bariri: o café e a
República”,
1
que aborda o período de formação da cidade, foram disponibilizadas para
esse fim várias coleções de fotos, jornais, plantas de edifícios públicos e privados,
discos e filmes pertencentes aos baririenses residentes e não residentes no município.
Outros documentos, pertencentes ao poder público local, estavam dispersos em
diferentes repartições, como bibliotecas, arquivos diversos e escolas. Encontravam-se
sem nenhuma organização que facilitasse o trabalho da pesquisa. Também não havia
nenhum critério de arquivamento que visasse à preservação daqueles documentos.
Algumas coleções pertenciam aos seus realizadores bastante idosos; um maior
número delas, porém, estavam em mãos de herdeiros diretos, preocupados com a
continuidade e a conservação, os custos de manutenção e a falta de interesse do poder
público. Seria preciso o surgimento de uma entidade, preferencialmente pública, que,
por meio de um trabalho constante, conquistasse a confiança dos herdeiros e recebesse
esse material.
Diante de um quadro de constante falta de recursos financeiros disponibilizados à área
cultural, pela ineficácia das poucas iniciativas no âmbito da pesquisa histórica e da falta
de continuidade dos projetos que se iniciam, não se pode esperar das prefeituras das
pequenas cidades e de suas secretarias de cultura as condições mínimas que satisfaçam
as exigências desse trabalho.
A organização do material existente e a ser levantado, os métodos de exploração e
divulgação, os projetos específicos que tornem essas informações fluentes e disponíveis,
são alguns dos trabalhos que requerem diretrizes e conhecimentos específicos. Dessa
constatação, nasce o projeto de criação de um Arquivo Iconográfico com a missão de
reunir cópias desses registros, contextualizá-las, e divulgá-las; disponibilizando-as para
pesquisa de estudantes de vários veis escolares, artistas, historiadores e outros
1
Trabalho de Graduação Interdisciplinar (TGI) apresentado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo, sob orientação da Professora Doutora Ana Maria de Moraes Belluzzo.
Publicação por iniciativa da Prefeitura Municipal de Bariri em 1988
10
interessados na memória da cidade; gerar produtos culturais como exposições,
seminários, debates; promover discussões e intervenções no espaço urbano como a
preservação de patrimônio cultural, espaços, obras, eventos e manifestações artísticas de
toda a sorte.
Em 2004, passei a integrar o corpo de professores da Rede Estadual de Ensino da
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo como professor de Educação Artística.
Desde então, tenho participado de inúmeros cursos e capacitações em que me é
solicitada a visitação de museus acompanhando os alunos da escola em que leciono e
que me colocaram frente a frente com suas dificuldade em perceber o museu como
espaço de fruição e aprendizagem. Essa mesma dificuldade é compartilhada com outros
professores de diferentes disciplinas que notam, também, que nossos alunos percebem a
“linguagem” do museu permeada de códigos incompreensíveis, roupagem vetusta e
estética elitista. O museu afugenta o estudante da periferia. “O museu é chic”. O museu
fala a língua da elite.
As duas experiências e o projeto não concretizado do arquivo iconográfico me fizeram
refletir sobre quais possibilidades poderíamos desenvolver como pesquisa na área da
preservação de patrimônio, que respondesse às necessidades de guarda, produção de
sentido e exposição de acervos em vias de desaparecer, mas que adequasse a linguagem
do museu como proposta contemporânea de educação.
Museus são espaços de reflexão, assim como espaços de convívio, lazer, fruição
estética, lugar de experiência e rememoração afetiva, lugar de buscar conhecimento,
curiosidades, informação. Museus são espaços lúdicos no sentido de que nos recortam
do cotidiano e nos transportam a espaços atemporais, revelando uma espécie de
materialidade do próprio tempo. Ali o tempo cristaliza-se e ali estão os indícios de seu
percorrer.
O espaço do museu coaduna funções de templo e de teatro, oferecendo ao visitante a
experiência da evocação das imagens da memória e do conhecimento do passado, do
presente, das origens e das últimas descobertas e tendências em ambiente
11
adequadamente preparado para isso e onde se apresentam os personagens da cultura
material e imaterial. Essas são experiências estéticas e intelectuais, não são experiências
virtuais. Elas relacionam fatos e objetos com as vivências e saberes pessoais no campo
da memória.
A virtualidade dos meios informatizados pode substituir, em muitos casos, a “presença”
como condição necessária ao aprendizado, ao conhecimento. Será sempre, no entanto,
um conhecimento exclusivamente intermediado, filtrado, versificado. As técnicas da
linguagem museológica, por sua vez, são, para o freqüentador de museus, também
formas versificadas de se obter conhecimento, ainda que guardem a materialidade de
seus objetos de estudo como atestado e comprovação das suas teses. Os objetos estão lá,
podem ser apreciados pelo visitante, que pode atestar ou discordar das inferências da
exposição. São fontes primárias e estão submetidas ao julgamento do público
observador.
Essa relação entre o pesquisador/curador do museu e o fruidor é intermediada pelo
objeto exposto, elemento do mundo sensível, “veículo natural do inteligível” na
assertiva de São Tomás de Aquino e “portador de sentido” ou “semióforo” no dizer de
Pomian
2
quando se referia particularmente ao objeto de coleção.
Sem dúvida, não podemos perder de vista que na relação entre as exposições em museus
e o público visitante se estabelece um vetor de comunicação de sentido único e que
define para o visitante um papel eminentemente passivo e pouco reflexivo, que analisa,
repensa e sintetiza, mas que não se beneficia de uma relação de troca, interação e
reordenação do que está exposto.
Fora dos museus já se configura um mundo de interatividade que convida o observador
a participar e, por conseguinte, deixa para a instituição museu uma imagem de
distanciamento e superioridade. Contribui para isso a arquitetura monumental que se
pratica para abrigar as instalações dos museus. São projetos geralmente ancorados em
propostas de reabilitação de edifícios históricos, que conservam as expressões elitistas
2
Semióforo, segundo a definição de Krzstof Pomian é o objeto que, retirado do contexto das atividades
econômicas e passando a integrar uma coleção, esvazia-se de sua função original e ganha um novo
sentido estabelecido pelo contexto cultural em que se inseriu.
12
do passado, em projetos próprios que inauguram linguagens novas e refinamentos
estéticos ou na busca do “espetacular” que prefere investir numa abordagem supra local
para um público qualificado que já detém o vocabulário dessa linguagem.
O Prof. Dr. Ulpiano T. Bezerra de Meneses, em ensaio de 1994
3
, aborda a questão que
ainda se faz corrente, denunciando um momento de crise sobre a eficácia dos museus
como agentes produtores de conhecimento e que poderia ser resumida na seguinte
formulação: existe, ainda, um papel a ser exercido, na atualidade, por museus com seus
acervos? E podemos acrescentar: levando-se em conta sua origem burguesa, portanto
patrimonialista, elitista e excludente e os novos ventos da contemporaneidade trazendo
as tendências globalizantes, a maior velocidade de obsolescência dos objetos, a
desmaterialização das informações, a virtualização dos estímulos estéticos, poderíamos
dizer que estariam obsoletos a linguagem dos museus e seus códigos?
As respostas são favoráveis à sobrevivência da instituição museu, se forem acatadas as
afirmações de Edwina Taborsky
4
de que o museu se interessa pelo objeto devido ao
sentido. Essa afirmação é suficientemente abrangente para permitir a compreensão dos
limites de certos conceitos aplicados aos acervos dos museus. Conceitos como
patrimônio, elitismo, exclusão são extrínsecos aos objetos e inerentes ao uso que se faz
deles, portanto, pertencem ao campo de atuação dos museus e seus curadores. Aqui
cabe, então, mencionar outra definição de Krzstof Pomian (1978), desta vez acerca das
coleções:
“qualquer conjunto de objetos natural ou artificial, mantidos temporariamente ou definitivamente,
fora do circuito das atividades econômicas, sujeito a uma proteção especial num local fechado
preparado para esse fim e exposto ao público”
5
.
Considerando ainda que cada vez mais nos cercamos de objetos que nos auxiliam nas
diferentes tarefas cotidianas, estendendo o alcance e os limites das nossas
3
Ensaio publicado nos Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material sob o título “Do Teatro da
Memória ao Laboratório da História: a Exposição Museológica e o Conhecimento Histórico”, dentro da
seção Debates, em que também são publicados comentários do texto por Profissionais Especialistas em
áreas correlatas.
4
TABORSKY, Edwina. The discursive object. In: PEARCE, Susan, ed. Objects of knowledge.
London: Athlone, 1990. p.50-77.
5
POMIAN, Krzstof. Coleção. In: Enciclopédia Einaudi, v. 1 (Memória – História). Lisboa:
Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1984. p.51-86. (traduzido do original: Entre le visible et l’invisible: la
collection. Libre, n.3: p.3-54,1978).Grifo nosso.
13
potencialidades, é justo acreditar que a chamada cultura material está longe de se tornar
desimportante.
Outras questões contemporâneas envolvendo as relações dos museus com a sociedade,
que poderíamos classificar como conjunturais, se dissolvem na vigência de novas
conjunturas, propondo novos desafios, mas nunca a inviabilidade. O uso
propagandístico das mega-exposições, comprometidas em demasia com a
espetacularização do evento é um exemplo dessas questões.
A contemporaneidade e seus vetores apontam para um futuro que torna mais complexo
o sentido de pertencimento do homem a qualquer território. Qual será a relação do
cidadão planetário com sua circunvizinhança mais próxima? Não se pode acreditar que
seus valores afetivos e primordiais perderão as raízes fincadas no seu local de origem e
que seu cotidiano se fará de intercâmbios exógenos com realidades distantes sem
profunda interação material. Valores como a memória afetiva vinculada ao tempo e
espaço de vivência e crescimento estabelecem referências espaciais e temporais com os
objetos, a arquitetura, o ambiente urbano e os demais cidadãos que aí vivem.
O objetivo deste trabalho é levantar as questões diferenciais para a compreensão da realidade
ou realidades atuais das iniciativas no campo da museografia em pequenos núcleos urbanos
no Estado deo Paulo. Que papel o museu desempenha, nessas pequenas povoões, como
agente de promão do conhecimento e da apreeno da dinâmica social? O Museu que se
utiliza do estudo da cultura material e imaterial – com ênfase na visualidade pode, por isso
mesmo, ser um agente eficaz a favor da disseminão de formas de participão social? o
queses que, pelo menos no universo pesquisado, ainda o formuladas de maneira muito
incipiente, mas que se fazem sentir.
A cultura material é exteriorização e concretização dos desejos do ser humano. Os
objetos que produzimos são extensões do corpo humano, são produzidos para atender
necessidades projetadas e concebidas a partir do universo imaterial da cultura: o
conhecimento. Os museus operam em sentido inverso, coletam as manifestações
sensíveis das culturas para chegar o mais próximo possível de sua compreensão. Os
objetos de estudo, materiais e imateriais (os saberes), desafiam as teses, orientam o
raciocínio em certa direção para promover cruzamentos com outras linhas de raciocínio
14
e tornar possível uma trama, uma forma intelectual, uma complexidade, uma hipótese.
O museu trabalha criando e transformando hipóteses para produzir conhecimento.
Coleções adquiridas pelos museus m valor incalcuvel, considerando as possibilidades
infinitas de contribuões que cada peça pode oferecer ao longo do tempo e do
desenvolvimento das pesquisas históricas. Coleções que se perdem sem ao menos chegar aos
museus o inestiveis. São sincios eloqüentes. Fotografias, jornais, filmes, deos etc.
estão se perdendo e com eles se perde a chance da produção de sentido.
Quais o os procedimentos museológicos que tem norteado o trabalho do pessoal desses
museus? Que produtos culturais têm sido resultado da utilizão desses acervos e como esses
produtos culturais o apropriados pelo visitante/usrio, habitante ou o da localidade
onde o museu es inserido? Como as escolas do entorno se utilizam dos recursos do museu
como meio pedagógico? Há interação entre os produtos de pesquisas internos do museu e o
trabalho de estudantes dos diversos níveis escolares?
Talvez o maior trunfo diferencial do museu local seja a proximidade que se estabelece, ou se
faz crer existente, com o público visitante. Esse é um museu em que a primeira visita o é
completamente isenta de referências pvias. Ou o edicio já era conhecido, ou o entorno era
familiar, ou os funcionários o vizinhos ou se tinha ouvido falar do museu em casa, na
rua ou na escola.
Este é o campo de trabalho do museu local. O museu que se ocupa de um território
físico e psicossocial compatíveis com as dimensões do corpo humano. Um território não
maior que a distância de uma caminhada, que consegue manter a noção de vizinhança,
que está ao alcance da visada da janela das nossas casas. Um território que abriga um
número menor de segmentações sociais e que por isso mesmo se tornam mais palpáveis
e cotidianas. Um território que se aproxima da definição de “pedaço” utilizada por José
Guilherme Magnani para designar o espaço intermediário entre o privado (a casa) e o
público, onde se desenvolve uma sociabilidade básica, mais ampla que a fundada nos
laços familiares, porém mais densa, significativa e estável que as relações formais
individualizadas impostas pela sociedade” (MAGNANI, 2000: 138)
Esse museu é lugar de incursão no espaço/tempo da vivência e da formação cultural da
sociedade de seu entorno. É lugar de busca identitária, de promoção do conhecimento e
15
de compreensão da realidade mais imediata e próxima. O museu é o teatro em cujo
palco se expõem as representações da memória que nos une aos nossos irmãos, que nos
fazem pertencer aos nossos grupos: familiares, amigos, companheiros e concidadãos..
A questão básica que se coloca é se o museu, que tem suas raízes fincadas nos estratos
sociais mais elevados e historicamente ligados ao absolutismo na Europa dos séculos
XVII e XVIII, pode servir de instrumento de promoção e transformação sociais em
parcerias com escolas e outras formas de associação dos cidadãos. O colecionismo, a
exposição e a preservação são expressões diretamente ligadas à noção de posse,
ostentação (poder) e conservação desse status e que, portanto, servem muito claramente
ao discurso, mesmo que subliminar, da natureza e da manutenção das hierarquias
sociais. Poderia o museu que trabalha com esses conceitos possuir discurso diferente?
A resposta afirmativa talvez esteja na transformação da linguagem e do discurso
unidirecional dos museus. Algumas iniciativas importantes são testadas primeiramente
na Europa, a partir da década de 70, os ecomuseus, os museus comunitários, os
neighbourhood museums americanos e, nessa linha, poderíamos colocar os pequenos
museus de bairro e os de pequenas cidades que são o objeto deste estudo.
No caso dos museus das pequenas localidades mais uma questão de base. Ainda
existirá espaço para o que é local na sociedade planetária de que fala Edgar Morin?
6
O
global não esvazia o significado do que é local?
7
. Global e local são dimensões
complementares e de maneira nenhuma excludentes, no mais, intercaladas com
inúmeras outras instâncias que se articulam: o regional, o nacional etc. “O mundialismo
não se identifica, pois, à uniformidade”, declara Ortiz encerrando a questão. (ORTIZ,
1994: 29)
8
.
6
MORIN,Edgar. Os sete saberes necessários para a educação do futuro. São Paulo: Cortez. 1996)
7
Um exemplo citado por Renato Ortiz (1994: 28) sobre o caráter transnacional da língua inglesa é
bastante elucidativo da complementariedade entre o local e o global. O uso do inglês em atividades
específicas como informática, colóquio científico, comunicação entre empresas multinacionais, teria um
caráter de um “espaço transglóssico” que “engloba todos os usos de caráter extranacional, mas apenas
esses usos. O desenvolvimento de um espaço transglóssico não abole a função veicular das línguas locais,
ele a setoriza” (TRUCHOT, C. L’anglais dans le monde contemporain, Paris, Le Robert, 1990).
8
O autor faz distinção entre globalização, expressão aplicada às trocas mercantis e mundialização usada
para a dinâmica cultural.
16
Os espaços museais podem se constituir em espaços diferenciais para a reflexão sobre a
evolão urbana e das relações sociais. Certas parcerias, como Museu/Escola, Museu/Igrejas
e outras associações sociais, seriam de suma importância e obteriam resultados relevantes no
sentido da participão do cidao na apreeno de seu ambiente. Cabe aqui mencionar o
conceito de Laborario de História que o Prof. Dr. Ulpiano Bezerra de Meneses introduz em
sua reflexão sobre o papel dos museus e sua condão de espaço privilegiado para produzir
inferências sobre a dinâmica da sociedade. Diz o texto:
o sendo a História um conjunto a priori de noções, afirmações e informações mas uma leitura em
que ela mesma institui, em última instância, aquilo que pretende tornar inteligível ensinar História
pode ser, obrigatoriamente, ensinar a fazer História (e aprender História, aprender a fazer História). Por
isso, a diretriz (obviamente o exclusiva, mas necessariamente presente) de um museu histórico seria
transformar-se num recurso para fazer História com objetos e ensinar como se faz História com os
objetos”. (Meneses 1994: 40)
Os Museus, principalmente aqueles que os pequenos núcleos urbanos m ao redor, o
campo fecundo para o exercio de uma cidadania mais plena e participativa, apropriando-se
de instrumentos tradicionais, convencionais e não convencionais para o debate e a crítica de
suas realidades. Esse é o conceito de sociedade civil que participa ativamente das decies
que lhes são diretamente associadas
.
A pesquisa partiu de algumas fontes bibliográficas fundamentais apresentadas durante o
Curso de Especialização em Estudos de Museus de Arte, realizado durante todo o ano de
2005. Esse curso foi fundamental para a inseão no universo da museologia e na elaborão
de critérios que foram direcionando e recortando o campo de atuação da ppria pesquisa.
Os dados e impressões iniciais obtidas atras da visitação de alguns desses museus, foram
sendo acrescentadas às informões obtidas através de sites oficiais das prefeituras
municipais que as disponibilizam. Assim sendo, foi se formando um arquivo com a ficha de
cada um dos 120 museus focados pela pesquisa.
Outros organismos governamentais foram consultados, como o Serviço de Museus e
Arquivos do Estado deo Paulo – DEMA
9
- e a Fundação Sistema Estadual de Análise de
Dados SEADE - ligadas ao governo do Estado de o Paulo.
9
A Partir de 2007 passa a ser designado UPPM – Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico
17
Os dados obtidos por meio da Fundão SEADE foram de grande valia para a localizão
dos museus em estudo, levantamento de dados estatísticos referentes aos acervos, capacidade
e mero de visitantes anualmente computados, condições de preservação e suporte
financeiro.
o Arquivo Vinício Stein Campos, pertencente ao DEMA, teve grande importância para a
obteão de informações preciosas sobre a instalão dos Museus Históricos e Pedagicos
levado a cabo por Vicio Stein no intervalo entre os anos de 1956 e 1973, período em que
ele foi diretor do Departamento de Museus da Secretaria da Educão do Estado de o
Paulo. Informações adicionais e preciosas foram encontradas na colão organizada por
Stein
10
, em que se menciona os Cursos de Museologia patrocinados pela Secretaria da
Educação destinado à professores da Rede blica Estadual. Desde 1962, quando foi
realizado o primeiro curso na capital, até 1973, foram realizados 134 cursos de Museologia
em 93 munipios do interior, atendendo a 52.296 professores.
Também sobre esse tema, ressaltamos a tese de doutoramento de Simona Mizan,
apresentada à Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH USP) e que
aborda os aspectos hisricos da constituão dos Museu Históricos e Pedagicos no Estado
de o Paulo e de sua permanência até a cada de 90 quando, sistematicamente, foram
sendo municipalizados.
11
Outra importante fonte de levantamento de dados foi o envio de questionário aos diretores
dos museus pesquisados com perguntas que envolviam abordagem histórica e de aspectos da
administração dos recursos museológicos disponíveis. Parcerias, atividades educacionais,
exposições e servos prestados à comunidade foram outros temas explorados.
Os dados levantados foram sistematizados com o intuito de se trar um quadro sobre as
atividades desses museus, as iniciativas que produziram maior interação entre museu e
blico, os servos oferecidos, as pesquisas realizadas etc. Esse quadro deve ser
confrontado com experncias semelhantes no campo da museografia, com o intuito de se
estabelecer cririos de avalião e apontar prováveis focos de dispero e ineficácia das
ações. Uma importante iniciativa com a que se poderá confrontar é o caso do Ecomuseu do
10
STEIN CAMPOS, Vinício. Elementos de museologia do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Secretaria de
Cultura, Esporte e Turismo do Estado de São Paulo, 1973. vol. III
11
MISAN, Simona. A implantação dos museus históricos e pedagógicos do Estado de São Paulo (1956-
1973), 2005. 274 p. Tese (Doutorado em História Social) FFLCH-USP. São Paulo.
18
Quarteirão Cultural do Matadouro, no munipio de Santa Cruz (RJ) que apresenta proposta
inovadora de participação dos membros do bairro onde foi instalado.
12
Dentre os museus pesquisados seis deles foram selecionados e analisados mais a fundo por
suas particularidades, para ilustrar o contdo da pesquisa. Posicionados em momentos
históricos distintos retratam a diversidade de abordagens, deficiências e cancias locais,
assim como a sua contribuão à compreensão do tema da presente dissertão e representam
soluções e/ou fracassos no campo da museologia que ajudam a compreender as dinâmicas
sociais e históricas e suas representações nesses museus.
A Casa Euclidiana, criada em 1946 no munipio de o Jo do Rio Pardo - 51.023
habitantes
13
- é analisada sob a ótica de sua íntima relação com os movimentos culturais e
cio-poticos dos primeiros anos da República observados na pequena cidade. Ali se
construiu um plano de culto, positivo e emblemático à figura de Euclides da Cunha. Sua obra
renovadora e civilizatória e as relações afetivas dos rio-pardenses com o grande escritor
compõem o campo de cultura onde se assenta a criação do museu. Essa iniciativa pioneira
será de grande importância para a interiorização da linguagem museológica e servirá de
modelo e inspiração para a rede de museus Históricos e Pedagógicos implantados pelo
governo paulista a partir de 1956.
No caso de outro museu pioneiro, este criado em 1953, o Museu de Mirassol 51.660
habitantes
14
- a iniciativa deve-se ao seu criador Jezualdo d’Oliveira, mas foi sendo abrada
pelo conjunto da sociedade local com a crescente participão de suas lideraas. A
implantação do museu de Mirassol é um exemplo de como a ão individual do
colecionador, que vislumbra o caráter evocativo e ditico de sua coleção soma-se à
conseqüente adão do museu por um grupo crescente de concidaos organizados para
atender às necessidades advindas do crescimento e manuteão do acervo, espos de
guarda e exposições de seu museu.
O Museu Histórico e Pedagico Alexandre de Gusmão, em Ipolis – 38.633 habitantes
15
-
é um museu criado nos moldes dos Museus Históricos e Pedagicos em 1967. O governo
12
PRIOSTI, Odalice Miranda. Ecomuseu do Quarteirão Cultural do Matadouro: território de memória e
instrumento da comunidade. 2000. Dissertação de mestrado – Unirio/Memória Social e Documento. Rio
de Janeiro, 2000.
13
Fonte IBGE: Contagem populacional 2007. Página acessada em 14.02.2009 às 11:26 hs:
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1
14
Idem.
15
Idem.
19
local empenhou-se em organizar para o município um museu da rede vinculada à Secretaria
Estadual da Educão. A rede de museus iniciada com a implantação dos primeiros quatro
museus em 1956 trazia algumas inovações, pomicas, a começar pela adão do próprio
conceito de rede de museus. Os museus eram integrados ao conjunto das escolas da rede
blica estadual e eram dirigidos por professores e ex-professores subordinados ao servo
blico da Secretaria de Estado da Educão. Outra inovação importante foi a participão
das populões locais para a formação dos acervos desses museus através de campanhas de
doão envolvendo cidaos, falias, instituições públicas e privadas e o poder público.
O Museu Histórico Ls Saffi de Barra Bonita 35.090 habitantes
16
- foi criado em 1986,
muito tempo depois da implantação do último museu da rede de Museus Históricos e
Pedagógicos em 1973. Foi uma iniciativa independente da Prefeitura Municipal que
arregimentou um grupo de barra-bonitenses, filhos de imigrantes italianos, empenhados com
a hisria da cidade, mas sem nenhum conhecimento em museologia. Para tanto o grupo
partiu de um levantamento histórico utilizando-se de textos publicados em antigos jornais da
cidade, documentos oficiais, fotos, objetos e relatos orais de antigos moradores. Para a
formalização do museu, algumas diretrizes fundamentais foram adotadas depois das muitas
visitas que fizeram aos Museus Hisricos e Pedagógicos de Jaú e de o Manuel. Hoje, o
Museu de Barra Bonita que leva o nome de um de seus fundadores, desenvolve importante
trabalho de pesquisa e levantamento histórico e arstico na cidade. Precariamente sustenta o
trabalho abnegado de seus poucos funcionários associado ao de muitos colaboradores que de
forma esponnea contribuem para sua permancia.
Rubiia, com pouco mais de 2.546
17
habitantes possui o Museu Histórico Cultural
Nazareth Reis. Na sua singeleza o museu revela a dificuldade técnica e conceitual que o leva
a deixar de abordar a rica história do munipio de apenas 43 anos de emancipação político-
administrativa. Criado pelo professor que lhe cede o nome, seu acervo foi reunido por seus
alunos em desdobramento de um trabalho escolar para a disciplina de História que
investigava uma Rubiia que não mais existia, haja vista que a cidade precisou ser
transladada por causa do represamento das águas do rio Para com a constrão da Usina
Hidretrica de Ilha Solteira. Com a formação do extenso lago artificial praticamente todo o
tio urbano foi submerso. O drama de seus habitantes vivido durante a vigência do Regime
16
Idem.
17
Idem.
20
Militar, a diversidade de tipos humanos personagens no rico panorama histórico e social não
se encontram adequadamente representados no museu da nova Rubiia.
Por fim, esse trabalho apresenta o Museu de Bariri 30.995 habitantes
18
- uma iniciativa
abortada nos primeiros meses de funcionamento, deixando uma grande lacuna para uma
cidade que conta com
extensa cobertura historiográfica. rias publicações de livros e
trabalhos acamicos abordando a hisria local servem de grande embasamento para uma
proposta de musealizão. Muitos arquivos particulares, amadores e profissionais, am de
outros tantos arquivos públicos poderiam ser reunidos no acervo do museu que não vigorou
devido às deficiências e carências do projeto que chegou a ser implantado.
O estudo desses seis exemplos de implantação de casas museológicas procurou estabelecer
algumas das diversas motivações norteadoras do empenho e dos anseios que conjugam essa
tarefa. Tarefa, als, cercada de sutis indifereas, descreas e desinteresse por parte de um
grande número de pessoas entre os conterrâneos. O Museu na pequena cidade o vem à luz
sem grande batalha contra o denimo e o vinga sem a persistência de quem ante seus
préstimos à cultura local, educão histórica e formão da visualidade de seus espaços.
Espo social, espaços físicos, dos afetos, e das merias, lugares cívicos que formam esse
ambiente onde nasce, am do homem, o cidao.
18
Idem.
21
Capítulo I
UMA BREVE HISTÓRIA DO COLECIONISMO
Na Grécia, o mouseion, ou a casa das musas, era o local de encontro dos cidadãos que
buscavam o saber filosófico. Era um lugar de culto e pesquisa, um templo onde se podia
apartar-se das atividades comezinhas e dedicar-se à elevação espiritual, ao
conhecimento transcendente, ao saber e ao deleite estético. O impulso fecundo da busca
do conhecimento do mundo rememora a ação criadora do deus supremo, Zeus, e cultiva
no campo da memória, seara da deusa Mnemósine, os nove estados de alma que
podemos usufruir na morada das musas, suas filhas: Clio, a musa da história que nos
inspira as sínteses históricas, nosso interesse pela glória dos feitos heróicos e imortais e
que nos impulsiona na busca do poder; Euterpe, aquela que inspira o prazer da
intelecção e da decifração; Tália, que inspira o humor demolidor e recria a forma pré-
existente; Mepômene, que inspira a reflexão e a problematização formadora do ato
projetivo; Terpsícore, que inspira o prazer estético e nos educa na percepção mais
profunda da realidade; Erato, que promove a concórdia pela busca da verdade onde
repousam os ânimos; Polímnia, que inspira as interpretações possíveis; Urânia, que
estimula a percepção das fórmulas abstratas que desenham o universo e Calíope, a musa
da comunicação, do bem dizer, da harmonia entre as musas. Esse espaço mítico
descreve as possibilidades de exploração do ambiente do museu, essa espécie de templo
e lugar privilegiado para a pesquisa e a busca do conhecimento.
Em Alexandria, durante a dinastia dos Ptolomeus, no Egito do segundo século antes de
Cristo, pôde-se formar o grande mouseion da Antigüidade. Ali estavam dispostos
biblioteca, anfiteatro, observatório astronômico, refeitórios e jardins zoológico e
botânico. Lograva-se reunir ali todo o conhecimento de então nos diversos campos do
saber humano: religião, mitologia, astronomia, filosofia, medicina, zoologia, geografia
etc. Discutiam-se e apresentavam-se idéias, visões de mundo. Coleções de ferramentas,
animais, pedras e outros objetos vindos dos mais distantes recantos podiam ser
avaliados. (SUANO,1986: 11).
22
O museu, como instituição pública como o conhecemos hoje, nasceu no século XVIII,
ainda como expressão afirmativa de uma superioridade intelectual da nobreza. Durante
o século XIX, depois da Revolução Francesa, foi adotado pelos revolucionários
burgueses e, como conseqüência, por todas as elites burguesas ocidentais, devido ao seu
caráter aurático e normativo da cultura iluminista. Na segunda metade do século XIX,
os museus passam a preocupar-se mais efetivamente com seu caráter educativo, seu
papel de promotor de conhecimentos, imbuídos na difusão instrucional da cultura
burguesa, que tinha no saber escolástico laico o paradigma e o substrato da nova
hierarquização da sociedade.
As vanguardas modernas ainda viam no museu um instrumento culturalmente opressor,
portador de um discurso arcaico. Havia, porém, o respeito às suas potencialidades e a
inabalável no caráter científico e doutrinário que os museus podiam oferecer à
sociedade moderna. A linguagem do museu, e não o museu instituído, era o inimigo a se
vencer. A modernidade fez os museus prosperarem largamente, atingindo uma categoria
de templo laico, ocupando espaços centrais no mapa das grandes cidades. O museu
tornou-se o espaço privilegiado como difusor do pensamento científico e de suas
conquistas e, no campo das artes, a sua voz oficial.
A contemporaneidade trouxe os questionamentos à linguagem dos museus, ao seu papel
mediador de ideologias e estéticas dominantes e à sua condição de avalista de uma
política do espetáculo calcada essencialmente no trato da cultura material de viés
patrimonialista. Busca-se a reformulação das relações do museu com o público, ou
melhor, com os públicos que podem e devem dele se beneficiar como instrumento de
pedagógico. Busca-se uma relação não unidirecional entre museu e usuário. As novas
propostas da arte e da pedagogia contemporâneas exigem do museu inovações na sua
ação.
Políticas inclusivas orientam as novas aquisições, exposições e acessibilidades bem
como a reestruturação de seus quadros de pessoal e a interação entre seus diferentes
departamentos.
Aos curadores, pesquisadores e arquitetos das exposições se junta um novo grupo de
profissionais que farão o trabalho pedagógico de promoção da acessibilidade efetiva, da
crítica e da avaliação do objeto exposto e de sua representação.
23
Os museus se disseminaram pelos núcleos urbanos de menor expressão econômica,
seguindo a tendência de expandir seu campo de atuação. Surgem museus menores, de
áreas de interesse restritas, menor abrangência histórico-geográfica ou temática
exclusiva, como as casas museus que focam a biografia de personagens históricos e sua
produção. Novas propostas de museus vingaram com o intuito de incluir ou restaurar as
relações de setores das sociedade historicamente desatendidos.
2.1. CURIOSIDADES REAIS – O predomínio da individualidade
A história do colecionismo confunde-se com a história das elites culturais, que através
das coleções manipulam e elegem as expressões culturais e artísticas e as transformam
em normas da cultura. A norma, portanto, cria um objeto para o sujeito bem como um
sujeito para o objeto.
Uma elite da cultura estabelece a norma e o consumo. Indica a uma elite econômica
quais objetos devem ser consumidos e esta por sua vez se entrega ao prazer de consumir
aqueles bens que somente ela pode adquirir. Sacerdotes egípcios, cônsules romanos,
Igreja medieval, nobreza renascentista, monarquias absolutistas ou burguesias
ascendentes têm orientado a expressão midiática na história da cultura.
19
O colecionismo firma-se como um fenômeno social dentro da elite militar romana. É a
partir dessa civilização pragmática, onde a visualidade tornou-se um fator essencial de
seu poderio, que colecionar se torna sinônimo de poder político, social e militar. Foi
entre os romanos que colecionar atingiu a mais alta significação como atividade e
patrimônio. A grandeza e a força do Império Romano se impuseram, sobretudo pela
eloqüência de seus símbolos e pelo convencimento através da exibição de seu poderio.
Nunca antes a organização do estado se ocupou tanto com sua própria imagem. O
aparato estatal atesta seu poderio através da visualidade. Propaganda, informações,
ilustração e notícia, tudo era imagem. (LEON, 1995: 17). O colecionismo, entre os
19
Leon, Aurora. El museo: teoria, práxis y utopia. Madrid: Ediciones Cátedra S.A., 1995, p.15.
24
romanos, se firma principalmente como apropriação de algo valoroso. A coleção é
essencialmente a materialização do sentido de ter, da propriedade e do poder sobre o
objeto e seu significado. As campanhas militares nutriam a expansão do Império, os
saques de bens valiosos e objetos de arte incrementavam em número e preciosidade os
acervos dos líderes militares. Tornava-se signo de poder e de conhecimento colecionar o
que havia de mais engenhoso e caro dentre os objetos, supremas criações da cultura
material dos povos subjugados.
O colecionismo surge então impregnado de valores individuais de aspiração de
ascendência social, prestígio cultural e reconhecimento. A exposição privada das obras,
clara exibição de força político-social, além da criação de certo gosto influenciava
criando modas.
20
Um grande passo para a história da museologia foi dado a partir da decisão de Marco
Agripa (? 63 -? 12 a.C.), general romano que compreendeu a necessidade de se
agruparem as coleções num mesmo lugar e permitir acesso a todos. Talvez tenha sido a
primeira declaração explícita de que uma coleção se constituía em patrimônio cultural
de toda sociedade.
A força moral do cristianismo nascente veio disciplinar a utilização da arte figurativa,
que deveria seguir critérios pedagógicos claros dedicados à educação moral. Somente
com Constantino (c.270 – 337) sobrevive um colecionismo por esmero e afã cultural de
alguns.
Na Idade Média, a Igreja chegou a ser a expressão mais próxima do que seja um museu
público. Relíquias e objetos valiosos ligados à liturgia e aos ritos religiosos, presentes
de reis e populares constituem os tesouros eclesiásticos e eram inventariados
minuciosamente por monges letrados. Por outro lado, crescem os acervos particulares
alimentados pelos saques e roubos, que já possuíam grande valor econômico pela
excelência artística ou riqueza dos materiais e faziam dinheiro em tempos de carestia.
Para ambos os casos, muito contribuíram as Cruzadas.
20
Terminologias da museologia remontam aos romanos que estabeleceram grande atividade de
colecionadores diretamente ligada ao seu poderio militar expansionista. De origem helenista, o termo
museu advém de “mouseion”: edifício fundado em Alexandria por Ptolomeu Filadelfo (c.309-246 a.C.)
dedicado às Musas e o termo pinacoteca já aparecia em Vitrúvio em seu VI Livro de Arquitetura.
25
No entanto, em nada favoreceram ao colecionismo as normas da Igreja Medieval que
visavam controlar a idolatria e coibir o uso de imagens pagãs. A despeito disso, Carlos
Magno (742 – 814), assim como Teodorico, o grande (c.454 – 526) e Frederico II (1194
– 1250), estimularam em suas cortes programas culturais que procuravam resgatar
valores da antiguidade romana. Das oficinas dos artesãos, saíram então obras
executadas segundo normas clássicas renovadas e que resgatavam certo dinamismo
humano, laico, mais próximo da representação fiel das figuras e que veio preparar o
terreno para a amplitude do Renascimento.
21
A crescente urbanização das povoações medievais traz consigo novas relações sociais e
a polarização das cidades. Ali prosperava juntamente com o comércio um aglomerado
de oficinas de artesãos responsáveis pela gradativa especialização, resultado da divisão
do trabalho. As cidades cresciam na interdependência e na troca de serviços. Três
segmentos sociais estavam mais ligados ao colecionismo: o clerical, a aristocracia
cortesã e a burguesia ascendente. Nasce o gosto pelo profano, a necessidade do conforto
e do ornamento como função presente no cotidiano da vida urbana. A arte torna-se
ornamento no espaço urbano, uma necessidade vital.
Sensível a essa demanda, a Igreja de Roma, “que não escapara ao colecionismo”
praticado no período, abre suas coleções ao público em 1471, expondo o antiquarium
do papa Pio VI (SUANO, 1986: 22)
O humanismo promove uma ampla renovação no colecionismo. Em busca das
experiências culturais do passado, o Renascimento acrescentou um valor formativo e
científico para o homem de sua época, que deveria ser educado no contato com as obras
clássicas. Esse valor pedagógico surgido no seio da cultura renascentista pelo estudo das
obras do passado amplia e qualifica a apreciação cultural do objeto da coleção
enriquecido de estima, agora, por qualidades estéticas e também históricas. Assim
sendo, o colecionismo de caráter hedonista e econômico ganha valores formativos como
coleção de modelos e fonte de saber e excelência. O Renascimento é um dos grandes
21
Tese defendida por Erwin Panofsky in Renascimento e renascimentos na arte ocidental na qual expõe o
fenômeno da renovação carolíngia como um dos renascimentos da cultura ocidental, calcados nos
modelos greco-romanos.
26
ciclos históricos que mais contribuiu para essa consciência de unidade cultural que se
tornou típica da cultura ocidental (LEON,1995: 23).
Depois da fase erudita do humanismo, baseada nas leis clássicas da beleza, segue uma
segunda fase hedonista que corresponde ao desenvolvimento da senhoria, uma elite
requintada e citadina. É o retorno a um colecionismo mais arraigado às suas forças
como distintivo social e símbolo de poder e de status cultural. Quem adquire e conhece
essas obras valorizadas são as cortes principescas e uma burguesia urbana cujos
objetivos políticos indicam a mesma direção, sendo que o “bom gosto” dos nobres
influencia os burgueses ascendentes. Nasceu duma forma de compromisso do qual
vão se beneficiar mutuamente e o qual trará implícito o desencadeamento que gerou, no
campo da política, as monarquias absolutistas, e no da arte, a estética barroca.
Cosimo I dei Médici (1519-1574), depois de estender seu poder por quase toda Região
da Toscana, procura dar visibilidade ao centro do poder com uma importante
intervenção urbanística em Florença. Ordena a construção de um importante edifício a
ser erguido entre a Piazza della Signoria, o tradicional centro político florentino, e as
margens do rio Arno. Tal edifício deveria abrigar as principais atividades do aparato
estatal e recebeu, portanto, o nome de Palazzo degli Uffizi – Palácio dos Ofícios.
Os planos do edifício couberam ao arquiteto e pintor favorito de Cosimo I, Giorgio
Vasari, que iniciou a construção em 1560. Foi seu filho e sucessor Francisco I quem
decidiu utilizar o último pavimento do edifício como galeria para abrigar a coleção de
estátuas da Antigüidade clássica, retratos da família Médici e retratos de personalidades
ilustres. Nascia assim a Galleria degli Uffizi, que a partir de 1580 foi aos poucos
ocupando a totalidade do edifício em constantes adaptações.
22
Depois da morte de Francisco, assume o poder em 1587 seu irmão Ferdinando, que
seqüência aos trabalhos da instalação da Galeria, enriquecendo-a com suas coleções de
caráter científico e em sintonia com as tendências culturais daquele fim de século.
Acrescentou a sala “das cartas geográficas” representando nas paredes a expansão dos
domínios de Florença. A sala abrigava um mapa mundi e uma esfera armilar, exemplos
22
É no período maneirista, com o projeto de Vasari para o Palácio Uffizi, que se concebe o primeiro
edifício projetado e construído para abrigar um museu (LEON, 1995: 28).
27
das conquistas tecno-científicas da época. Também foi instalada a “sala da Matemática”
que abrigava instrumentos científicos entre afrescos que continham alegorias da
matemática e figuras identificadas com as invenções de Arquimedes.
23
Como se pode perceber, a Galeria tinha como principal objetivo a guarda e conservação
das coleções, patrimônio da família do grã-duque, a personificação do estado florentino.
Os objetos ali reunidos representavam mais que objetos de arte ou ciência, compunham
um tesouro símbolo da opulência material e cultural que lastreava a soberania e o poder
dos Medicis.
Um restrito número de famílias no topo das categorias sociais monopolizava a
produção, o saber, o comércio e a coleção das obras de arte. É nesse contexto que
surgem os conhecedores, os tratadistas e os críticos de arte incumbidos das funções de
especialistas a orientar a formação das coleções e a cada vez mais influenciar o mercado
da arte.
Com os tratadistas e críticos de arte, inaugura-se no maneirismo uma visão mais
intelectualizada sobre as artes (juízos de valor, ideologias etc.), balizada cultural e
socialmente pelo conhecimento dos tratadistas. Acentua-se a noção de gosto (o bom
gosto) nem sempre diretamente associada às qualidades das obras. Havia uma crença da
decadência da arte depois do nível de excelência dos trabalhos de mestres como
Michelangelo, Leonardo da Vinci ou Rafael (LEON: 29)
Sendo assim, os tratadistas ampliaram seu campo de pesquisa e já não se limitavam à
arquitetura ou às artes plásticas, passando a se interessar também pelo “raro, o
maravilhoso, o supérfluo ou o precioso”. Invadem as novas áreas do conhecimento que
se abriam às ciências naturais, às curiosidades zoológicas e vegetais que o contato
crescente com as terras novas punha em presença mais constante. Cimelioteca, raroteca,
dactilioteca, thesaurus fossilium, arca rerum fossilium são termos da época que
23
Dados obtidos através do site oficial da Soprintendenza Speciale per il Pólo Museale Fiorentino, órgão
do Ministero per i Beni e le Attività Culturali do governo italiano.
www.polomuseale.firenze.it/uffizi/storia.asp em 06.02.2007 às 6:52 hs.
28
designam o conteúdo das coleções que apontavam o interesse pelo raro, pelo exótico e
pelo valioso.
24
O caráter pedagógico das coleções foi fator importante considerado pelo Collegio
Romano, sede da Companhia de Jesus em Roma. Estava na essência da Contra Reforma
a ação educativa como fator de restauração da doutrina oficial da Igreja, e os jesuítas
souberam se utilizar de todos os meios disponíveis para suas tarefas restauradoras da fé
católica. Sendo assim, no final do século XVII e início do XVIII, o Collegio Romano
disponibilizava de um acervo de peças clássicas às quais foram se juntando objetos
provenientes das missões jesuíticas espalhadas por todos os continentes. Esses objetos
serviam para atestar os benefícios do trabalho evangelizador das missões jesuíticas na
representação dos homens dos confins do mundo conhecido e suas ânsias pela salvação
cristã.
Coube ao padre Athanasius Kircher organizar a coleção de “maravilhas” fiel à
concepção museológica da época. Alemão de nascimento, era professor de matemática
no Collegio Romano. Foi escritor de fama européia, compôs obras abordando várias
áreas do conhecimento, como filologia, física, liturgia sacra, astronomia, história
natural, matemática, música, egiptologia, geografia e civilização chinesa, além de
colecionar “maravilhas” clássicas, cristãs, orientais e da sul-americanas. Dessas
coleções surge o museu que recebeu seu nome.
25
O Museu Kircheriano, como ficou conhecido, reunia coleções heterogêneas que
abordavam da etnologia à física, da zoologia ao esoterismo, da mineralogia à botânica, e
rapidamente se transformou em ponto de atração e curiosidade de eruditos de toda a
Europa.
26
24
Termos com cimelioteca ou raroteca referem-se às coleções de expoentes de valor econômico (pedras
preciosas, ouro), bem como raridades e singularidades (livros, documentos, relíquias, achados
arqueológicos e zoo-botânicos); dactilioteca refere-se à coleções de anéis e jóias; thesaurus fossilium e
arca rerum fossilium designavam coleções de animais fósseis, bem como de conchas, crânios e esqueletos
de animais exóticos.
25
Fonte:
http://www.pigorini.arti.beniculturali.it/Museo/Storia/I_personaggi_K/i_personaggi_k.html#Kircher
Acessado em 02.06.2007 às 13h20min. O acervo do Museu Kirckeriano foi dividido, gerando três novos
museus romanos, entre eles o Museu Preistórico Etnográfico Luigi Pigorini, inaugurado em 1876.
26
Fonte: http://www.liceoeqvisconti.it/museo/il-museo-dia-kircher/116 Acessado em 01.06.2007 às
16h23min. O museu do Liceo Ennio Quirino Visconti que ocupa, hoje, o mesmo edifício do Collegio
Romano é um dos quatro museus descendentes do Museu Kicheriano. Os outros três são o Museo
29
Depois da morte de Kircher e de um período de abandono, o museu passou a ser
dirigido pelo padre Filippo Bonanni, que reestruturou a coleção e o espaço do museu,
dando a ele a conformação pedagógica, largamente utilizada pela Companhia de Jesus.
Constituiu-se num dos primeiros museus a reunir e expor objetos com a função social
de documentar o passado, celebrar as ciências e a historiografia oficiais com fins
doutrinários. (SUANO, 1986: 23).
Embora não houvesse ainda o rigor enciclopédico que viria com o século XVIII, as
coleções do século XVII possuíam valor científico e exposição sistematizada.
Aparecem os museus de ciências naturais com um critério moderno de exposição,
que cada objeto é mais interessante pelo que ensina (o sentido) do que pela sua beleza
ou valor reconhecido (LEON: 30).
O termo museum era uma novidade na Inglaterra do início do século XVIII. O famoso
dicionário The New World of Words, em sua edição renovada de 1706, trazia o verbete
museum como sendo “um estúdio, biblioteca, escola ou lugar público onde se
concentram estudiosos e eruditos”. Exemplo disso é o Ashmolean Museum de Oxford,
de 1683, originado a partir da coleção de John Tradescant doada a Elias Ashmole. A
coleção particular, uma miscelânea de curiosidades, produto de 50 anos de trabalho do
pai e depois do filho, ambos chamados John Tradescant, desde 1638 era aberta ao
público mediante o pagamento de ingresso. A coleção acomodada em sua residência era
composta de objetos manufaturados e de espécimes vegetais, minerais e animais vindos
de todas as partes do mundo. Ao longo desses anos, cresceu tanto em número e
abrangência que a coleção foi doada por Ashmole à Universidade de Oxford como
grande recurso para a pesquisa científica.
27
Além da coleção propriamente dita o museu era constituído também por um laboratório
de química destinado à pesquisa e ensino e pela biblioteca. O museu abria, em dias
específicos, à visitação do público em geral. Essa medida, no entanto, não era
Nazionale Etrusco di Villa Giulia (antigüidade etrusca), o Museo Nazionale Preistorico Etnografico Luigi
Pigorini (coleção de etnografia) e o Museo Nazionale Romano (antigüidade romana).
27
Fonte: http://www.ashmolean.org/about/historyandfuture/ acessado em 23.04.2007 às 18h27min. Site
Oficial do Ashmolean Museum de Oxford.
30
universalmente bem aceita. Criticava-se a curadoria pelo excesso de liberalidade com a
presença das “pessoas do povo”. Temia-se que com suas gritarias, correrias e o
manuseio das peças, a coleção não sobrevivesse.
28
No campo das artes plásticas, o colecionismo na Europa do século XVIII dividia-se sob
a influência das duas grandes correntes político-religiosas com as quais se alinhavam os
governos europeus de então.
Em países protestantes como a Holanda, o mercado de arte era animado por uma
burguesia atuante que se via representada nos temas das obras associados ao indivíduo,
ao burguês notável ou às corporações e associações de classe. Preconizavam a liberdade
de ação religiosa e cultural. A pintura, por exemplo, sofria mais abertamente as
influências e interferências do mercado de arte. Havia ali uma categorização mais ampla
dos consumidores de arte, desde as grandes corporações que encomendavam telas de
grandes dimensões para enaltecer seu papel social, até pequenos burgueses que
compravam o ornato para suas residências. Uma produção de cópias e pinturas de
qualidade se fez presente para atender a essa demanda crescente.
Em países católicos como a Bélgica, o domínio da Igreja é bastante claro e o Estado
poderia proibir até a comercialização de obras originárias dos países protestantes. A
França, porém, oferece um exemplo de como o colecionismo tornou-se expressão da
autoridade do rei e da corte. É da França que nos vem o exemplo mais bem acabado
dessa nova relação da coleção com as esferas mais altas do poder: os personalismos, a
representação alegórica do Estado na pessoa do rei e sua corte, o “bom gosto” cultivado
como benesse de um grupo social. A presença marcante do cardeal Richelieu e de seus
comandados como Colbert, diretor da Academia Real de Pintura e Escultura, impunha o
estilo da corte, adotado pela burguesia ascendente. O governo absolutista mantinha total
controle sobre o ensino das artes por meio das academias e dos salões onde as obras
eram comercializadas. Esse aparato associado ao glamour da corte fazia da produção
cultural oficial e do colecionismo instrumentos de controle das forças sociais em torno
da figura do rei. A monarquia exerce o controle sobre todo o universo das artes, impõe o
estilo da corte que é assumido pela burguesia, mantém o monopólio da educação
28
Idem.
31
artística manipulando a arte como instrumento do Estado e fazendo da produção
artística uma organização estatal (LEON: 33).
Na Espanha do século XVII, a corte era a única classe laica que podia ter acesso ao
comércio de objetos de coleção devido à depressão econômica que amargava. A Igreja,
porém, incumbida de comover visualmente o fiel armazenou nos conventos, igrejas e
hospitais o maior tesouro artístico do país, base primordial dos atuais museus nacionais.
Era principalmente para as irmandades religiosas que trabalhavam artistas e artesãos.
O fenômeno mais característico do período é a internacionalização e a intensificação do
mercado de arte que acompanham uma especulação econômica provocada pela inserção
e crescente participação dos países germânicos e da Rússia, que passam a importar as
novidades ditadas pelas modas. Versalhes era então o centro irradiador de estilos a
orientar coleções de toda a Europa.
A Itália, porém, estava no centro de outro fenômeno cultural. Colecionadores viajantes
mais endinheirados se mostravam mais preocupados em adquirir obras de “valor
eterno” e, em suas viagens pela península, procuravam pelas obras dos mestres
renascentistas e barrocos. Em conseqüência, pinturas representando ruínas de
arquiteturas clássicas, objetos e móveis em pátina, verdadeiramente antigos ou não,
passam a interessar colecionadores menos abastados.
A descoberta de Pompéia e Herculano em escavações arqueológicas no século XVIII
também contribuiu para incrementar o interesse dos colecionadores por objetos e
artefatos antigos e, desse modo, ressurge o interesse pela Antigüidade greco-romana.
2.2 - O MODELO BURGUÊS – Patrimônio sócio-cultural
Os indivíduos da classe dominante, entre outros fatores também dominam como
pensadores que regulam a produção e a distribuição das idéias de seu tempo
29
. O
29
Marx, K. e Engels, F., La ideologia alemana. Barcelona: Grijalbo, 1970
32
colecionismo, portanto, é um fenômeno revelador dessa condição minoritária, elitista e
ideológica desse grupo dominante: suas origens, preferências, status social, sua ação e
pensamento. Afirma-se ideologicamente como defensor da posse única não
compartilhada. Esse traço comum dos colecionadores baliza análises que podem ser
feitas sobre a evolução e as variações do conceito de propriedade ao longo do suceder
de momentos históricos. Em segundo lugar, o colecionismo atua como sujeito na função
ideológica da cultura. Elege e prioriza o que é representativo dentro de um universo de
objetos que compõem uma determinada realidade cultural, seguindo critérios próprios,
interesses e objetivos. Além disso, o colecionismo tem um valor formativo e
consolidante sobre a cultura, sobre o que vai ser aceito e valorizado. Impõem seus
critérios.
Até o século XVIII, as coleções tinham unicamente a expressão particular de seus
criadores e mantenedores. Algum acontecimento solene era o único motivo para que
seus donos abrissem as portas ao público. Por exemplo, os Museus Vaticanos abriam
suas portas à visitação pública em um dia específico e único no ano, na sexta feira santa
(LEON, 1995: 51). Não havia nisso nenhuma preocupação pedagógica senão o puro
deleite estético, visual e comemorativo para as celebrações mais importantes do
catolicismo e seu conseqüente significado político: o poder que a posse de tal tesouro
expressava.
Às coleções particulares, príncipes, nobres e burgueses permitiam a visitação a grupos
seletos de convidados, sem dúvida grupos de elite: outros colecionadores, intelectuais,
eruditos, estudiosos, artistas e conhecedores de arte. Eram tesouros e como tal eram
tratados. A posse dos objetos ali reunidos, a singularidade e seu significado político-
social eram os valores mais deliberadamente expressos. A coleção remete diretamente
ao trabalho e ao afinco do colecionador e seu méritos: conhecimento, gosto e cultura
refinada. A ilustração se remete a uma herança renascentista que estendeu ao homem da
cidade a busca do conhecimento e da erudição até então restrita ao clero e a nobreza. Os
gabinetes de curiosidades e as galerias de arte respondiam ao pendor para essa distinção
intelectual como forma de dar estofo e lastro à sua posição social.
Na França, no final do século XVIII, o colecionismo foi afetado pela luta de interesses
de classes. A ascensão definitiva da burguesia mercantil ao poder associada à ruinosa
33
decadência da aristocracia deixa clara a supremacia burguesa, agora dominando
completamente os meios da cultura. Círculos fechados de burgueses ricos e ilustrados
não amparam, mas agora se apropriam da produção cultural, “a burguesia produzia a
cultura, a vendia, a comprava, a degustava” (LEON, 1995: 40). Com a Revolução
Francesa, o colecionismo altera fundamentalmente sua perspectiva devido a novas
condições históricas e a um crescente dinamismo social, porém suas bases ainda serão
ancoradas na diferenciação social, nos privilégios das novas classes dominantes e na
marginalização da cultura popular. Ainda que esse último efeito venha sofrendo lentas
transformações e validações, os novos fundamentos decorrentes desse período
permanecem vigentes até os dias de hoje.
Com a revolução, uma nova concepção de Estado é instaurada. Ao nacionalizar as
propriedades da coroa francesa, uma nova categoria se constituía no corpo jurídico dos
bens públicos. A partir de 1793, os bens da coroa passam legalmente a se constituir bens
do Estado Francês. É quando emblematicamente a Grande e a Pequena galerias do
Louvre surgem como Museu da República, disponibilizando-se o acesso a toda
população. Era uma ação contundente e eficaz sob o ponto de vista político e
ideológico, porém totalmente inócua como ação pedagógica. Para todos os efeitos,
aquelas obras e objetos que ali se encontravam não podiam ser compreendidos pela
população iletrada senão como a manifestação mais concreta das excentricidades e da
exploração que o monarca e sua corte impunham ao seu povo. Sendo assim, ao cabo de
alguns anos o público visitante do Museu do Louvre se reduziu ao público habitual de
antes da nova ordem, constituído por representantes de uma elite burguesa e de seus
protegidos.
Uma enorme faixa da população não podia vislumbrar as idéias iluministas, porém, o
conhecimento, o saber científico e racional alcançava camadas mais amplas, menos
elitistas, ocupadas pela burguesia ascendente suficientemente numerosa para modificar
completamente o quadro político-social na França, Alemanha e Inglaterra,
principalmente. O iluminismo, mais que uma corrente filosófica, atingia uma dimensão
política, literária e artística. Defendia os direitos dos cidadãos frente aos regimes
políticos excludentes, autoritários e de poderes absolutos. Surgia um discurso que
reclamava direitos universais e livre acesso ao saber e ao conhecimento como fator
34
promotor da liberdade individual a que todos teriam direito. É nesse contexto que
nascem os museus cujas características ainda perduram.
Em 1753, Sir Hans Sloane oferece ao Rei George II da Inglaterra sua vasta coleção de
71.000 itens, entre objetos, biblioteca e herbarium. Sua intenção era, além da
manutenção da integridade da coleção, disponibilizá-la aos estudiosos e pesquisadores,
cumprindo assim a função mais valiosa do pensamento iluminista, a produção do
conhecimento através da observação direta e do método científico. Um ato do
Parlamento britânico instituiu em 7 de junho de 1753 a criação do Museu Britânico.
Desde o início, o Museu tinha a obrigatoriedade de abrir suas portas ao público em
perfeita consonância com o espírito iluminista. Entretanto, na prática, era bastante
seletivo e restringia o acesso aos mais persistentes, que esperavam até alguns meses
para obter a licença para a entrada
30
. A visita, por sua vez, consistia na observação dos
objetos caoticamente dispostos e precariamente identificados, o que limitava o
aprendizado a pouco mais que o mero contato visual com eles. (SUANO, 1986:30)
É fruto desse período tão fecundo a redação da extensa obra literária e ilustrada, a
Enciclopédia, com verbetes escritos por estudiosos de cada área e que se propunha
abarcar todo conhecimento da época
31
. Estavam imbuídos pela crença corrente de que
a educação e a busca do conhecimento, apoiados na razão, seriam as grandes armas das
nações mais justas e avançadas contra as crenças e os dogmas religiosos que
dominavam os povos e os condenavam às trevas da ignorância e à submissão.
Era um discurso perfeito a calçar ideologicamente as pretensões das classes burguesas a
alçar-se ao poder central. Combatia frontalmente a antiga associação entre a religião e
as monarquias absolutistas, propondo a universalidade dos direitos dos cidadãos. E os
museus prestavam-se perfeitamente às necessidades da burguesia em se estabelecer
como classe dirigente em uma nova era de liberdade e direitos constituídos.
30
Fonte: http://www.thebritishmuseum.ac.uk/the_museum/history/general_history.aspx
Página acessada em 15.06.2007 às 9h09min. Site official do Museu Britânico.
31
Enciclopédia (na definição de Diderot): palavra composta pelos vocábulos gregos en (preposição) e
pelos substantivos kyklos (círculo) e paideia (conhecimento). Obra coletiva dos enciclopedistas, fundada
e organizada por Denis Diderot e por d’Alembert e editada em Paris de 1751 a 1766. (JUPIASSU, 1996:
81)
35
Em 1792, a Convenção Nacional dos revolucionários franceses aprovou a criação de
quatro museus com o claro objetivo de associar a nova ordem política aos ideais
iluministas. Isso incluía promover o conhecimento dos grandes autores do passado. Em
1793, é aberto o Museu Central das Artes, expondo o grande tesouro artístico reunido
pelos monarcas no antigo palácio do Louvre, acrescido dos objetos dos saques às igrejas
feitos pelos revolucionários e mais tarde pelos botins das campanhas napoleônicas por
toda a Europa e Egito. O intuito era de educar o povo francês com os valores estéticos
clássicos greco-romanos. Abria suas portas preferencialmente aos artistas e estudiosos e,
aos fins de semana, era franqueado ao público em geral
32
. Os outros três museus foram
o Museu dos Monumentos, que visava a “construir” o passado glorioso da França
diretamente ligado às heranças das civilizações grega e romana; o Museu de História
Natural e o Museu de Artes e Ofícios. Esses últimos, ligados à expansão da cultura
científica e à promoção do desenvolvimento técnico (SUANO, 1986: 28).
Foi por influência dessas movimentações sociais revolucionárias que, ao final do século
XVIII e meados do século XIX, o ideário iluminista chega ao poder central das mais
avançadas nações européias. Economias lastreadas pela revolução da produção
industrial e pelos incrementos comerciais e financeiros complementam os fatores sócio-
econômicos que permitiram a criação de alguns dos museus mais importantes da
Europa.
O Palácio do Belvedere de Viena abrigou desde sua construção as coleções do Príncipe
Eugene e, desde 1781, boa parte dessas coleções já podia ser visitada pelo público
33
.
Em 1798, o primeiro-ministro das Finanças da Holanda da era Napoleônica, o
revolucionário Jan Alexander Gogel, implanta uma série de iniciativas para
modernização do país. Entre elas, a criação de um sistema nacional de educação e a
implantação de um museu aos moldes franceses. Depois de abrir as portas ao público
em 1800, a Nationale Konst-Gallerij, inicialmente um museu de arte, rapidamente teve
32
Depois da Revolução, sob o nome de Museu Central das Artes, o museu do Louvre abria suas portas a
10 de Agosto de 1793, conforme o site oficial
http://www.louvre.fr/llv/musee/detail acessado em
03.02.2007 às 16h55min. (ver Referências: páginas visitadas)
33
Fonte:
http://www.belvedere.at/jart/prj3/belvedere/main.jart?rel=en&content-id=1169655776875&reserve-
mode=active Página acessada em 08.06.2007 às 19h30min.
36
seu acervo acrescido e transferido para Amsterdam em 1808. Willian I, rei dos
holandeses, deu ao Museu seu nome atual “Rijks Museum” em 1817
34
.
O Museu do Prado, de Madri, foi inaugurado em 19 de novembro de 1819 como museu
de Pintura e Escultura. A idéia remonta o final do século XVIII a partir da criação do
Museu do Louvre. Chegou a ser idealizado oficialmente pelo Rei José Bonaparte I de
Espanha, durante a vigência do Império Napoleônico, como Museu Josefino, em 1808,
mas o projeto não saiu do papel. Finalmente é levado a cabo durante o reinado de
Fernando VII, por interferência de sua esposa Isabel de Bragança. Nesses novos tempos,
o museu reuniu obras de arte espalhadas por palácios e conventos com a finalidade de,
reunidas, servir à instrução pública
35
.
Entre 1823 e 1830, foi construído em Berlim o museu que ficou conhecido por Altes
Museum (antigo museu). Foi o primeiro museu público da Prússia e destinava-se a
reunir todas as coleções de arte de Berlim. O projeto do arquiteto Karl Friedrich
Schinkel, com formas neoclássicas, deixa clara a intenção de compor o museu como
uma instituição educacional aberta ao uso público
36
.
O Palácio de Hermitage, residência de inverno de Catarina II em São Petersburgo
abrigava uma esplêndida coleção de obras de arte. Quando seu neto Alexandre I
ascendeu ao trono russo (1801-1825), decretou o Hermitage como Palácio Museu e o
abriu à visitação pública. Além disso, foi um grande connaisseur e ampliou com
excelentes aquisições o acervo do Museu
37
.
Os museus, como agentes de ensino, não encontraram terreno mais fértil, nesse período,
do que entre os norte-americanos. Nos Estados Unidos da América, a grande maioria
dos museus, ao contrário de seus similares europeus, já nasceu como instituições
34
Fonte: http://www.rijksmuseum.nl/hetnieuwerijksmuseum/geschiedenis?lang=en gina acessada em
08.06.207 as 17h35min. Site oficial do Rijksmuseum.
35
Fonte: http://museoprado.mcu.es/historia_cont.html. Página acessado em 08.06.2007 às 18h10min..
Site oficial do Museu do Prado.
36
Fonte: http://www.smb.spk-berlin.de/smb/standorte/index.php?lang=en&p=2&objID=24&n=1&r=1
Pagina acessada em 08.06.2007 às 18h58min. Site Oficial do Serviço de Museus de Berlim.
37
Fonte: http://www.hermitagemuseum.org/html_En/05/hm5_4_2_2_1.html Página acessada em
08.06.2007 às 19h16min. Site oficial do Museu Hermitage.
37
voltadas para a instrução pública. Em 1782, se abria ao público a coleção Peale, da
Filadélfia, estranha coleção de aberrações e curiosidades zoológicas. Esse museu
oficialmente instituído em 1786, trouxe uma das inovações das quais os museus
americanos serão pródigos nos séculos XIX e XX. Dentre suas peças expostas,
encontravam-se animais empalhados ambientados em cenários artificiais representando
seu habitat natural, os dioramas, amplamente utilizados até hoje, por museus do mundo
inteiro (SUANO, 1986: 31).
Fig.1 Diorama com primatas em floresta
tropical - American Museum of Natural
History
Fig.2 Diorama com abutres em savana
africana American Museum of Natural
History
O mais antigo museu americano que se tem notícia é o de Charleston, na Carolina do
Sul, criado em 1773. A Sociedade da Biblioteca de Charleston, promotora do museu,
solicitava através dos jornais que os cidadãos lhe enviassem espécimes de animais,
plantas, raridades e curiosidades naturais para compor seu acervo. Em pouco tempo, o
acervo se destacava. Associou-se à Universidade de Charleston e em 1857 a revista
Harper´s o considerava como um dos melhores museus americanos (SUANO, 1986:
32).
As associações promotoras, sociedade de amigos e parcerias entre instituições públicas
e privadas são uma constante na criação de entidades sócio-culturais nos Estados
Unidos e uma eficiente solução para a administração e crescimento dessas instituições.
Escolas, hospitais, museus etc. são beneficiados por uma forte ligação com a sociedade
em diferentes níveis. Desde a criação de uma escola rural até as grandes Universidades,
38
são iniciativas que envolvem largos setores da sociedade representados por suas
associações. São laços importantes que aumentam a representatividade dessas
iniciativas, garantem maior participação das populações e são incorporadas mais
facilmente como elementos de fomento cultural e promoção social. Um bom exemplo
dessa integração é o Peabody Essex Museum. Compõem-lhe o acervo, as coleções do
Instituto Essex e as bicentenárias coleções do Museu de Salem. Esse último foi criado
em 1799 no importante porto comercial de Salem, Massachusetts, pela East Índia
Marine Society , uma associação cultural e de mútuo socorro formada por capitães de
navio e mercadores. Seus fundadores estavam entre os primeiros empreendedores
americanos que viajavam pelo mundo em busca de trocas comerciais. Seu acervo,
composto de objetos e curiosidades dos lugares mais remotos, hoje está incorporado aos
mais de 2,4 milhões de itens da coleção do Peabody Essex Museum da Universidade de
Harvard
38
.
O grande capital americano foi responsável pelo surgimento de alguns dos maiores
museus do mundo. Na segunda metade do século XIX, americanos enriquecidos e
magnatas de todas as áreas de sua próspera economia buscavam no velho continente o
estofo e distinção cultural das elites européias. Antiquários, ateliers e marchands de
Paris, principalmente, se animaram. A partir de 1900, os norte-americanos abastados
são os principais responsáveis pelo aquecimento do mercado de arte, respondendo
quantitativa e qualitativamente pelo êxodo de grande parte das obras e objetos de
antiquários dos mercados europeus (LEON, 1995: 42).
Um grande pioneiro do colecionismo de arte americano foi Charles Eliot Norton,
homem de letras e professor da cadeira de história da arte criada para ele na
Universidade de Harvard em 1875. Norton foi mestre de Bernard Berenson, autor de
importantes teorias estilísticas sobre o Renascimento Italiano. Essa associação entre
colecionismo e pesquisa acadêmica foi de suma importância para a função pedagógica
típica dos museus americanos contemporâneos (LEON, 1995: 44).
38
Fonte: http://www.pem.org/museum/new_museum.php Acessado em 22/06/2007 às 7h07min. e
http://www.nps.gov/archive/sama/indepth/exhibits/object/cert/harbor.htm. .Acessado em 22.06.2007
às 5h41min. Site oficial do Peabody Essex Museum e Salem City Guide respectivamente.
39
A coleção de Andrew W. Mellon doada para a constituição da National Gallery de
Washington é um outro exemplo de como o grande capital americano deixou enorme
contribuição para a publicação de objetos de arte. Mellon também contribuiu com
fundos para a construção do edifício e seu papel fundamental para a pesquisa e o ensino
de arte entre os americanos. Outros nomes como Henry Walters, Pierpont Morgan,
Altman e Rockefeller, típicos expoentes do grande capital americano, estão intimamente
ligados ao colecionismo cujas obras, cedo ou tarde, são oferecidas aos olhos do público
através das fundações e seus museus. Esses homens tinham consciência de seus papéis
de “construtores da nação” e a clara intenção de associar a imagem do novo capital à da
tradição cultural européia (LEON, 1995: 44). Também fica evidente a ação pedagógica
dessas fundações e a maneira como assumiram a dianteira no campo das pesquisas e do
desenvolvimento dos trabalhos educativos em museus.
Contribui como modelo de museu destinado à promoção e difusão do conhecimento o
Metropolitan Museum of Art de Nova York. Aberto ao público em 1872, o museu foi
criado dois anos antes numa associação entre grandes empresários, tendo a frente os
grandes executivos do ramo de ferrovias e colecionadores de obras de arte John Taylor
Johnston e George Palmer Putnam, seus primeiros diretores. Inicialmente uma coleção
de 174 telas de pintores europeus e antigüidades romanas, o acervo do museu cresceu
rapidamente e abrange hoje 2 milhões de obras representando um período de 5 mil anos
de História da arte de todo o mundo. O caráter associativo de sua constituição reflete-se
na necessidade da prestação de contas aos associados, doadores e benfeitores. Desde sua
fundação em 1870, o Metropolitan publica catálogos de exposições, guias para sua
coleção permanente e o Bulletin, divulgador trimestral das aquisições do museu e
aplicação de recursos. Um vasto e diversificado público tem sido atendido desde então
com as publicações do anuário Metropolitan Museum Journal que publica pesquisas
originais e trabalhos, tendo como suporte as coleções de museus e as áreas de
investigação que eles representam. Contribuições de membros de seu corpo de
profissionais e outros especialistas de áreas correlatas também são freqüentes. Estudos
aprofundados ou breves notas que explicam a riqueza e as potencialidades do acervo
fazem do Journal veículo de grande valor para estudantes e amantes das artes
39
.
39
Fonte: http://www.jstor.org/journals/mma.htmlgina acessada em 29.06.2007 às 15h34min. Site
norte americano que disponibiliza coleções de jornais daquele e de outros países.
40
Todas essas foram iniciativas que ampliaram o campo de atividades oferecidas e
expandiu o campo de interesse a um público menos aproximado do universo dos
museus. A preocupação com a pedagogia da arte, não se restringe a sua divulgação, mas
também a uma tentativa de desmistificação, de “aproximação do homem e sua obra”
retirando-se da produção artística seu caráter de excepcionalidade que a distanciava do
mundo real e tornando-a objeto de conhecimento e fruição estética. Essa proposta
inovadora do Metropolitan lançou as bases para alguns futuros museus norte-
americanos, como o Guggenheim e o Museu de Arte Moderna, que por sua vez foi
centro de irradiação da proposta museológica a muitos museus latino-americanos, entre
eles, segundo demonstra Aracy Amaral, os Museus de Arte Moderna de São Paulo e do
Rio de Janeiro (AMARAL, 1988: 14 e ss).
2.3 - CHEGADA AO BRASIL – Busca de civilidade
Os grandes descobrimentos dos séculos XV e XVI inundaram a Europa, além das
especiarias e de produtos buscados nas terras distantes, de curiosidades que alimentaram
a imaginação dos europeus sobre como seriam aquelas novas terras. As coleções de
príncipes e mercadores receberam através dos navegadores espécimes vegetais, animais
e minerais dos pontos mais distantes do mundo recém conhecido. Não é improvável que
tais colecionadores pudessem “encomendar” curiosidades de locais específicos e que
tais encomendas pudessem gerar uma verdadeira rede de coletores e entrepostos para
sua comercialização.
A curiosidade que as terras novas despertavam nos europeus pode ser constatada pelas
inúmeras expedições exploratórias patrocinadas por nobres e monarcas e, com o passar
do tempo, também por burgueses comerciantes, navegadores e industriais. Maurício de
Nassau, no século XVII administrador da Nova Holanda no nordeste brasileiro, traz
consigo inúmeros estudiosos e artistas incumbidos do relato e da descrição visual desses
novos domínios. Frans Post, mas principalmente Albert Eckhout, retrataram a paisagem
41
e as gentes da América Holandesa em imagens ricamente adornadas por “coleções” de
vegetais e animais nativos.
Em 1784, foi criada no Rio de Janeiro pelo Vice-Rei D. Luís de Vasconcellos e Souza a
Casa de História Natural. Localizava-se na Rua do Sacramento, atual Avenida Passos e
ficou mais conhecida como a Casa dos Pássaros devido à grande quantidade de aves
empalhadas. Tinha a função de preparar e colecionar produtos naturais, adornos e
objetos indígenas para serem enviados a Lisboa. Exerceu essa função até a vinda da
família real portuguesa e sua corte, quando foi extinta.
Alguns relatos de viajantes chegam até nós, testemunhando a existência de coleções de
curiosidades entre os brasileiros. Num desses relatos, Augusto Emílio Zaluar, em seu
Peregrinações pela Província de São Paulo, descreve, em 1865, em sua passagem por
Piracicaba a coleção de curiosidades que Miguel Arcanjo Benício Dutra mantinha em
sua casa. Descrito por Zaluar como “...arquiteto, pintor , entalhador, músico,
conhecedor, enfim, de todas as artes”, Miguel Arcanjo exercia uma espécie de liderança
obscura capitaneando as energias locais para a construção de benfeitorias que as
comunidades não deveriam prescindir, como: capela, cemitério e obras assistenciais.
Zaluar faz a seguinte descrição da coleção piracicabana de Benício Dutra:
“Na casa de morada deste ilustre cidadão há uma sala onde seu dono tem reunido, em uma espécie
de museu, grande cópia de objetos raros e curiosos. Ao lado de magníficas cristalizações e grande
número de amostras mineralógicas, encontram-se pinturas, desenhos, armas e utensis (A palavra é
essa mesmo?) dos indígenas, preciosidades numismáticas, peles de serpentes, ossadas animais, e
finalmente os elementos desordenados de um mundo em miniatura!” (ZALUAR, 1943: 170)
Miguel Arcanjo, vindo de Itu, estabeleceu-se em Piracicaba a partir de 1844 e segundo
Zaluar tratava-se de um homem pobre e que não tinha ...outro distintivo que o
recomende aos seus concidadãos mais do que a sua fisionomia franca e olhar
desassombrado”. E continuava seu relato lamentando os descasos do poder público
com tais iniciativas: “As honras e condecorações, reparte-as o governo pelos que
prestam serviços eleitorais, e são bem aquinhoados pelos cofres públicos: este de
morrer obscuro.” (ZALUAR, 1943: 170). Vaticínio cumprido à risca. Miguel Arcanjo
morreu pobre e seu tesouro foi dissipado.
42
O museu chega oficialmente ao Brasil como um emblema de um processo civilizatório.
É criado o Museu Real, hoje Museu Nacional, em 1818 por D. João VI. Fazia parte de
uma série de medidas da coroa portuguesa no sentido de levar adiante, a partir da capital
Rio de Janeiro, o projeto de diminuir as distâncias sócio-culturais entre a metrópole e a
colônia agora politicamente em de igualdade a partir da elevação do Brasil a Reino
Unido de Portugal e Algarves.
Não é descabido afirmar que D. João VI, ao transferir o governo real para o Brasil, tinha
a intenção fomentada de aqui instalar bases mais sólidas para a continuidade da
dinastia de Bragança na América. Ao aportar em Salvador, primeira escala da trajetória
do monarca até o trono que viera instalar, D. João começa uma série de iniciativas que
paulatinamente vão preparando o aparelho de estado e viabilizando um projeto de país.
A assinatura do ato régio abrindo os portos brasileiros encerra a condição econômica
estritamente colonial do Brasil. Seguiram-se outras medidas, postas em prática
rapidamente tão logo o príncipe regente aportou definitivamente na nova capital do
Reino, o Rio de Janeiro, em março de 1808. A presença da corte trazia um ânimo nunca
visto e encontra um Brasil disposto a abraçar todas as oportunidades. Em maio, o Conde
de Linhares, ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra cria uma Escola de
Marinha com todos os livros e instrumentos que trouxera de Portugal. Em 1809 cria um
observatório astronômico e uma fábrica de pólvora enquanto reorganizava os arsenais
militares. Em 1811, criou a Academia Militar ancorada em bases científicas e
organização promissora que deu origem à futura Escola Politécnica. Na Bahia é criada a
Escola de Cirurgia – futura faculdade de medicina. Logo começam a funcionar a
imprensa trazida por Antônio de Araújo, a Biblioteca Real, o Jardim Botânico e ainda
em outubro daquele mesmo ano o primeiro Banco do Brasil
40
. (BARRETO, 2001: 143)
Com a presença da Corte portuguesa no Brasil, concretizam-se várias iniciativas que
abrirão novos horizontes à vida do país no que toca principalmente à história da cultura
científica e das artes. Inaugura-se a partir daí um verdadeiro ciclo de viagens e
40
Fonte: BARRETO,lia de Barros, et al. O Brasil Monárquico: o processo de emancipação. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2001. 410 p. tomo II. Coleção Hisria Geral da Civilizão Brasileirao. 9ª ed. Obra dirigida por
Sérgio Buarque de Hollanda, com a participação, neste volume, dos historiadores: Célia de Barros Barreto,Pedro
Moacyr Campos,Jo Cruz Costa, Pedro Ocvio Carneiro da Cunha, rgio Buarque de Hollanda, Carlos
Oberacker, Olga Pantalo, Eurípedes Simões de Paula, Amaro Quintas, Arthur Cezar Ferreira Reis, J. A. Soares
de Souza e Dorival Teixeira Vieira
43
expedições científicas das mais importantes a explorar a natureza e as gentes do país.
Desde 1810, cientistas que tinham sido contratados pelo governo português, como o
Barão Eschwege, Frederico Varnhagen e Guilherme Feldner, foram atraídos ao estudo
das terras brasileiras. O ensino superior das ciências e das artes é cogitado seriamente
pela primeira vez quando o próprio governo faz vir, em 1816, uma missão de artistas
franceses; assim como ocorre com o estudo da flora com a criação do Horto Real que,
mais tarde, em 1819, passou a ser denominado Real Jardim Botânico. (BARRETO,
2001: 120)
Em 1813 e 1814 respectivamente, chegam ao país os naturalistas Georg Wilhelm
Freyreiss e Frederick Sellow convidados pelo Cônsul Geral da Rússia, o Barão Von
Langsdorff. O Barão também trouxe o botânico alemão Heinrich Karl Beyrich que
remeteu mais de 400 espécies de plantas vivas para o Jardim Botânico de Berlim.
Freyreiss logo foi contratado pelo cônsul sueco, Lorenz Westin, para “organizar
coleções zoológicas, ornitológicas e botânicas destinadas ao museu de Estocolmo”.
Viajou pela província de Minas Gerais na região do rio Mucuri, onde pesquisou a vida
dos índios daquela área enviando valioso material para museus de Berlim, Leide e
Moscou. (BARRETO, 2001: 121).
Friedrich Sellow, um colecionador apaixonado, explorou várias províncias brasileiras da
Bahia ao Rio Grande do Sul, coletando materiais de diversos ramos das ciências
naturais: fauna, flora e mineralogia. Colecionou mais de 12.500 espécies de plantas,
descreveu mais de 2.000 variedades minerológicas Suas anotações e desenhos que
abarcam a meteorologia, astronomia e etnologia encontram-se preservados nos Museu
de História Natural e no Museu Etnográfico de Berlim. (BARRETO, 2001: 122).
Olivério Pinto, no prefácio da edição brasileira de Viagem ao Brasil do príncipe alemão
Maximilian von Wied-Neuwied, informa que exemplares de animais de sua rica coleção
de bichos, plantas e exemplares entológicos coletados por ele no período de 1815 a
1817 encontram-se ainda hoje no American Museum of Natural History de Nova York,
tendo sido adquiridos em 1870
41
. O príncipe Maximilian foi talvez o primeiro grande
41
Essa coleção compôs o núcleo primordial do departamento de herpetologia do American Museum of
Natural History. Ver: http://research.amnh.org/herpetology/about.html página acessada em 28.01.2008
às 15h23min.
44
cientista a estudar a fauna e a flora brasileiras não se restringindo a colecionar material,
mas também sistematizando e publicando-o. Especialmente importantes foram suas
descrições dos povos indígenas como os Botocudos do Rio Doce, Coroados, Patachó, e
muitos outros, uma contribuição fundamental à etnologia brasileira. (BARRETO, 2001:
123)
A presença do Príncipe Regente no Rio de Janeiro contribuía diretamente para a
divulgação e assimilação dos modos e interesses civilizados da Corte. A população
havia assistido aos funerais de uma rainha, à aclamação do Rei e ao casamento do
príncipe herdeiro. Palácios eram erguidos nos moldes europeus. O tacanho cenário da
cidade se transformava rapidamente. Fundaram-se escolas de medicina, da Marinha de
Guerra, de comércio; uma Imprensa Régia nunca antes permitida; a livraria que mais
tarde seria base para a Biblioteca Nacional; o Jardim Botânico e o Museu, além de todos
os outros melhoramentos urbanos e os subseqüentes costumes, hábitos e consumos da
nova elite.
Muito significativa para esse sentido de elevação civilizatória que as artes e as ciências
podiam patrocinar foi a vinda do séquito que a arquiduquesa D Leopoldina de
Habsburgo fez-se acompanhar ao desposar o Príncipe D. Pedro, futuro imperador do
Brasil. Filha do Imperador da Áustria, a princesa sempre demonstrou interesse pelas
ciências naturais e pelas artes. Pôde aqui demonstrá-lo, ao transformar-se em
colecionadora, ajudando inclusive a remeter coleções de minerais, plantas e animais de
toda a espécie para museus europeus, preferencialmente ao Museu de História Natural
de Viena, o qual teve seu acervo sextuplicado graças aos envios da comitiva da futura
Imperatriz.
A equipe de cientistas e artistas que acompanharam D. Leopoldina era dirigida pelo
prof. Johann Christian Mikan, botânico e entomólogo. Um fato importante associado a
Mikan e a sua equipe refere-se à riqueza e grande quantidade das coleções enviadas
desde 1818, o que fez com que o Imperador austríaco mandasse instalar em Viena um
Museu com treze salas e uma biblioteca dedicada às novas pesquisas. O Museu recebeu
o nome de Brasilianisches Naturalienkabinett e foi, infelizmente, incendiado durante a
revolução de 1848. Exposições desse tipo, organizadas posteriormente em cidades como
Berlim, Munique, São Petersburgo, Estocolmo, Bruxelas, Londres etc. contribuíram
45
para divulgar o Brasil entre os europeus, reforçando, por outro lado, seus aspectos mais
exóticos, mas contribuindo entre os brasileiros para firmar-se como precioso
intercâmbio. (BARRETO, 2001: 125).
Também fizeram parte da comitiva de D. Leopoldina, o médico e botânico Carl
Friedrich Philip von Martius e o zoólogo Johann Baptist von Spix que, durante três
anos viajando pelo Brasil, recolheram material que propiciou estudos e publicações
monumentais. Spix faleceu poucos anos após seu retorno à Europa. Coube a Martius a
tarefa de organizar e sistematizar todo o material que juntos levantaram durante suas
estadas no país. Homem de grande cultura geral foi de grande relevância sua
contribuição no campo da etnografia, etnologia e lingüística, que, mesmo com todas as
falhas inevitáveis em obra de tamanha envergadura, e ineditismo, foi considerado o
fundador da etnografia brasileira
42
. Todavia, a culminância da obra de Martius foi, sem
dúvida, sua contribuição à botânica. Sua obra monumental intitulada Flora Brasiliensis
abrange 40 volumes e foi por ele iniciada em 1840 e continuada até sua morte em 1868.
Em verdade, tamanho trabalho somente foi concluído em 1906, depois de contar com a
dedicação de 65 botânicos alemães e também de outras nacionalidades, inclusive
brasileiros. A Flora Brasiliensis, com suas 20.753 páginas e 3.811 gravuras que
abrangem 2.253 espécies e 22.767 variedades de plantas quase exclusivamente
brasileiras, ainda é considerada obra fundamental de sistemática da nossa botânica.
(BARRETO, 2001: 127).
A comitiva da princesa contava ainda com o zoólogo Johann Natterer, o médico e
naturalista Johann Emmanuel Pohl e o paisagista Thomas Ender que retornou à Europa
depois de dez meses apenas, mas suficientes para a produção de mais de mil esboços,
desenhos e aquarelas que realizou ao acompanhar as viagens de Pohl, Spix e Martius
pelas províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo. Ainda inéditas o as imagens
produzidas durante as viagens à província de São Paulo. Seus trabalhos retratam tipos
humanos, paisagens, conjuntos arquitetônicos, cenas de rua, interiores de palacetes, casa
e ranchos, costumes e hábitos populares em ricas descrições e incontestável valor
documental. (Ver FERREZ: 1957)
42
Outras obras de Martius foram: O Glossaria Linguarum Brasiliensium (Erlangen, 1863), Von
Rechszustand unter den Ureinwohnern Brasiliens (Munique, 1832) e Das Naturell, die Krankheiten, das
Arzithum und die Heilhmittel der Uberwohner Brasiliens (Munique, 1844), este último traduzido para o
português: Natureza, doenças, medicina e remédios dos índios brasileiros.” (BARRETO, 2001: 127)
46
Em 1825, iniciava-se no Rio de Janeiro a expedição organizada pelo Barão Georg
Heinrich von Langsdorff, que conseguiu do czar russo Alexandre I os meios necessários
para essa empreitada. Fizeram parte dela cientistas e artistas de grande importância
como o astrônomo russo Rubzoff, o pintor alemão Johann Moritz Rugendas logo de
início substituído pelo francês Aimé-Adrien Taunay –, o desenhista Hèrcule Florence, o
zoólogo alemão Christian Hasse e o botânico alemão Ludwig Riedel. Este último
estivera no Brasil em 1820, em missão do governo russo para envio de espécies da flora
brasileira ao jardim botânico de São Petersburgo. Anos mais tarde, a partir de 1842,
Riedel fez parte do quadro de cientistas do Museu Imperial e Nacional como Diretor da
Seção de Botânica, Agricultura e Artes Mecânicas.
A expedição de Langsdorff foi talvez a mais ambiciosa e bem montada, mas padeceu
inúmeros reveses, entre eles, logo no início, o desentendimento com Rugendas que,
separando-se da expedição, faz suas próprias incursões pelo país e retornou à Baviera
com um acervo de 3.339 esboços, desenhos e aquarelas. Depois, ocorreu a morte por
afogamento de Taunay, no rio Guaporé, culminando com a demência do próprio
Langsdorff após ter-se contamindado por malária. Foi a primeira expedição européia a
penetrar o interior do país, passando pelo Mato Grosso, a atingir a região amazônica.
(BARRETO, 2001: 128)
Malograda a expedição antes mesmo do prazo previsto, os resultados podem ser
avaliados anos mais tarde pelos relatos de Hèrcule Florence
43
. As primeiras remessas de
coleções e desenhos partiram de Cuiabá a São Petersburgo em 1827 e lá se encontram
até hoje. Cabe salientar, no entanto, que Langsdorff, desde 1813, na condição de
Cônsul-geral da Rússia na corte de D. João, já enviava àquele país, com regularidade, os
objetos de suas pesquisas. Das remessas posteriores que foram frutos da expedição,
muito se extraviou e, segundo Cecília Prada, esses materiais se perderam ainda
encaixotados em suas embalagens originais nos porões da Academia de Ciências de São
43
Diário de campo escrito pelo pintor entre 1825 e 1829 e publicado em 1977 com o título de Viagem
Fluvial do Tietê ao Amazonas pelas Províncias Brasileiras de o Paulo, Mato Grosso e Grão-Pará
(1825-1829).
47
Petersburgo (Leningrado) onde enfrentaram enchentes e o cerco à cidade durante a
Segunda Guerra Mundial
44
.
2.3.1 – MUSEU NACIONAL
45
Desde 1784, criada pelo Vice-rei D. Luiz de Vasconcellos e Souza, a Casa de História
Natural colecionou, armazenou e preparou por mais de vinte anos produtos naturais e
adornos indígenas para serem enviados para Lisboa. Era conhecida como “Casa dos
Pássaros” devido à grande quantidade de aves empalhadas
. O principal responsável pela
Casa dos Pássaros foi Francisco Xavier Cardoso Caldeira, conhecido como Francisco
Xavier dos Pássaros. O prédio da Casa de História Natural localizava-se na antiga Rua
do Sacramento, atual Avenida Passos. Em 1810 Francisco Xavier Cardoso Caldeira
faleceu e foi
substituído por Luis Antonio da Costa Barradas, o último diretor da Casa.
Logo após a vinda de Príncipe-Regente D. João, o edifício da Casa dos Pássaros ainda
existia, abrigando por volta de 1811 os encarregados dos serviços de lapidação de
diamantes com suas famílias. Em 1813, o Príncipe-Regente D. João mandou extinguir
todos os cargos daquela instituição e seus móveis e produtos de mineralogia e de
história natural foram para a Academia Real Militar, no Largo de São Francisco de
Paula. O Decreto nº 20 de 22 de junho daquele ano considera
“a pouca utilidade que se tira da despeza feita com os empregados do denominado Museu; foi o
mesmo Senhor servido ordenar, que hajam por extinctos os differentes empregos de semelhante
repartição, cessando os ordenados e vencimentos das pessoas a ella addidas, e sendo-lhes pago o
que se lhes estiver devendo. Outrossim foi o mesmo Senhor servido ordenar, que sejam entregues
44
Texto publicado no site:
http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=92&breadcrumb=1&Artigo_ID=98
3&IDCategoria=1138&reftype=1 página acessada em 16.03.2008 às 11horas.
45
As mudanças das denominações do Museu obedeceram rigorosamente às trocas de regime de governo
do país e foram elas: Museu Real (1818) desde sua criação no reinado de D. João VI até que em 1824
tornou-se Museu Imperial e Nacional depois da independência e sob o império de D. Pedro I. Museu
Nacional vigora desde 1890, logo após a instalação do regime republicano.
48
à Academia Real Militar, todos os productos naturaes que alli se acharem e tudo quanto pertencer
à Real Fazenda, expedindo-se as ordens a esse fim necessárias.”
Somente cinco anos mais tarde o Príncipe-Regente criaria o Museu Real do Rio de
Janeiro, que incorporou parte daquele acervo. È necessário notar que a terminologia
Museu era empregada para designar a Casa dos Pássaros e que à sua função de
entreposto de coleta e preparo de objetos e coleções a serem expedidas a Lisboa podia
se somar a eventual função de exibição, mesmo que não oficial, dessas coleções.
Devemos lembrar também que o conceito de museu como coleção que se guarda, se
mantém e se expõe não era desconhecido dos brasileiros devido à existência de algumas
dessas coleções organizadas por homens comuns e descritas por viajantes como Zaluar
(Zaluar: 1943) e aos métodos escolásticos trazidos pelos jesuítas desde 1549.
Com a corte portuguesa no Brasil e o movimento intenso de naturalistas que aqui
chegaram, houve por todo o país, mais acentuadamente na cidade do Rio de Janeiro,
uma valorização dos estudos de história natural enfatizando o seu caráter prático. Nesse
ambiente, foi criada a primeira instituição brasileira dedicada exclusivamente ao estudo
das ciências naturais.
O Museu Real foi fundado pelo decreto de 06/06/1818, com a função de "propagar os
conhecimentos e estudos das ciências naturais no Reino do Brasil, que encerra em si
milhares de objetos dignos de observação e exame e que podem ser empregados em
benefício do comércio, da indústria e das artes" (BRASIL, 1818). Foi nomeado como
seu primeiro diretor Frei José Batista da Costa Azevedo, franciscano e professor de
botânica e zoologia da Academia Real Militar.
Para sua instalação, foi adquirida a residência de João Rodrigues Pereira de Almeida,
futuro Barão de Ubá, localizada entre as antigas ruas Nova do Conde e dos Ciganos,
atuais Visconde do Rio Branco e da Constituição, na região conhecida como Campo de
Santana. Efetuadas as modificações necessárias, a instituição permaneceu nesse prédio
até 1892, sofrendo algumas ampliações ao longo dos anos.
Com a proclamação da República, a Quinta da Boa Vista, a então residência do
Imperador, foi adaptada para abrigar e expandir o acervo do Museu Nacional que para
49
ali foi transferido
46
. Politicamente foi um ato bastante acertado, pois adaptava os
aposentos do Imperador, figura carismática, para uma finalidade ainda mais nobre:
abrigar uma instituição destinada à instrução pública. Eram ecos da Revolução Francesa
e o Museu Nacional repetia os mesmos passos que o Museu do Louvre: transferia,
mesmo que somente no discurso, um dos símbolos máximos da monarquia para atender
aos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade.
O acervo inicial do Museu Real foi adquirido do Barão Tabst von Oheim pelo governo
de D. João VI. A coleção tinha sido organizada pelo mineralogista alemão Abraham
Gottlob Werner (1749-1817). À “Coleção Werner” foram acrescentados objetos de arte,
artefatos indígenas e outras coleções menores, além dos diamantes remetidos da região
diamantina à Academia Real Militar.
O caráter de instituição científica oficial foi muitas vezes ratificado pelo próprio
governo pelas inúmeras consultas e realizações de análises de materiais enviados de
diversos pontos do Brasil a fim de se verificar a utilidade prática de tais produtos. Desde
o início, o Museu tratou de normatizar essas funções através da adoção das “Instruções
para os Viajantes e Empregados nas Colônias sobre a maneira de Colher, Conservar e
Remeter os Objetos de História Natural”, traduzindo o original francês de 1818 e que
vigorou norteando as ações do museu por vinte e cinco anos (LOPES: 1997, p. 44).
Além do mais, o museu deveria identificar e catalogar os produtos naturais da colônia
para desenvolvimento das ciências e das artes e intercambiá-los com demais museus
europeus na busca de integrar-se ao mundo civilizado e completar seu acervo, dando-lhe
também caráter universal.
Esse período inicial de formação de acervo e constituição do estatuto e definição das
funções a serem desempenhadas pelo Museu está intimamente ligado ao interesse
estrangeiro pelo estudo dos recursos naturais fauna, flora e mineralogia e pelo
trânsito de importantes cientistas contratados pelos governantes europeus para esse
levantamento em terras brasileiras. Em 1820, o naturalista alemão Frederic Sellow, que
46
O Paço de São Cristóvão foi residência da Família real de 1808 a 1821, pertenceu à família imperial de
1822 a 1889, abrigou a primeira Assembléia Constituinte Republicana de 1889 a 1891 e é sede do Museu
desde 1892.
50
integrou a expedição do Barão Von Langsdorff, foi contratado em troca de uma pensão
vitalícia instituída por D. João VI para realizar viagens de explorações por diversas
partes do Brasil e repartir com o Museu as coleções que seriam organizadas no
desempenho desse encargo.
Entre 1822 e 1823, José Bonifácio de Andrada e Silva conseguiu que naturalistas
estrangeiros contribuíssem doando parte do material colhido em explorações em solo
brasileiro em troca de apoio governamental. Ele ocupava o cargo de Secretário do
Estado dos Negócios do Reino e Estrangeiros de D. Pedro I e percebeu o grande
interesse que as instituições científicas européias dispensavam às inexploradas riquezas
naturais do país. Entre naturalistas estrangeiros, estavam o próprio Barão de Langsdorf,
Johann Natterer e Auguste François César Provençal de Saint-Hilaire. Além disso,
importante foi o estímulo dado pela Imperatriz Leopoldina aos estudos de história
natural e sua atuação como patrocinadora do Museu, possibilitando a ampliação das
coleções
47
.
No entanto, mesmo com a intervenção de José Bonifácio, a discrepância entre a
quantidade do material exportado pelos viajantes naturalistas aos seus museus-sede e
aquela destinada à permanência no país foi muito grande, embora muitos viajantes
mencionassem o trabalho do Museu em seus relatos de viagem, como Johann Emanuel
Pohl e Maria Graham entre outros. O intercâmbio com vários museus internacionais que
se seguiu já era previsto na “Instrução de 1819”. Visava ao caráter universal das
coleções e, portanto, o Museu não deveria dedicar-se somente ao estudo da realidade
local. Exemplos dessa diversidade eurocêntrica adotada pelo Museu são as peças
recebidas em doação. Das Ilhas Sandwich vieram peças etnográficas que foram doadas
pelo Imperador Pedro I em 1824. Uma coleção de objetos mineralógicos doada pelo
Príncipe da Dinamarca e outra, proveniente de Gênova com fragmentos minerais e
geognósticos do vulcão Vesúvio, também foram acrescentadas ao acervo. Em 1827, o
Museu de Berlim, por intermédio de Frederic Sellow, enviou uma coleção ornitológica,
pretendendo assim "estabelecer uma correspondência regular com o Museu desta Corte,
47
Informações obtidas através do
site
http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/P/verbetes/musnac.htm#historico. Acessado em
11.09.2007 às 18h32min.
51
o que sem dúvida é de reconhecida vantagem às luzes de uma e outra nação" (LOPES:
1997, 60).
Novas doações foram ocorrendo e contribuindo para o encorpamento do acervo. Dentre
elas, “há registros da doação, em 1823, feita por Antônio Luis Patrício da Silva Manso,
cirurgião-mor e inspetor do Hospital Militar da Província de Mato Grosso, de cerca de
270 espécies de plantas em 2.300 exemplares aproximadamente”.
2.3.2 – MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES
Segundo Afonso de Escragnolle Taunay, Antonio de Araújo e Azevedo, o Conde da
Barca, sucessor do Conde de Linhares na condução dos negócios públicos do reinado de
D. João VI no Brasil, levou avante uma idéia de seu ministério para a criação de uma
academia ou escola de ciências e artes. Vislumbrava a necessidade de se amparar
intelectualmente o plano da promoção do Rio de Janeiro à capital de um novo império e
certamente deveria capitanear a formação de mestres engenheiros, artistas, arquitetos e
outros profissionais capacitados para dar forma e feição civilizadas a essas terras novas.
Corria o ano de 1815 e a viabilidade de tal projeto recaía evidentemente à Paris das
luzes e seu modelo de Academia. O Conde da Barca encomendara ao Marquês de
Marialva, o embaixador extraordinário de Portugal na corte de Luís XVIII, a
contratação de artistas e artífices naquele país. O Marquês, de boas relações, consultou
Alexandre Humboldt que conhecia a América portuguesa. Através dele se chegou a
Joachim Le Breton, recém demitido secretário da Academia de Belas-Artes do Instituto
de França. Sendo assim, Le Breton teria sido contratado para liderar um grupo de
homens de sua confiança para compor a equipe que aqui viria organizar uma academia
nos moldes franceses. (TAUNAY, 1983)
Desse modo, em 22 de janeiro de 1816, partiu do porto de Havre de Grace, no pequeno
barco fretado por Le Breton, a sua equipe composta além dele por: Jean Baptiste Debret
– pintor histórico; Nicolas-Antoine Taunay – pintor de paisagens e de batalhas; Auguste
Henri Victor Grandjean de Montigny arquiteto; Charles de Lavavasseur arquiteto;
Louis Ueier arquiteto; Auguste Marie Taunay escultor; François Bonrepos
52
escultor; Charles-Simon Pradier gravador; François Ovide mecânico; Jean Baptiste
Leve ferreiro; Nicolas Magliori Enout serralheiro; Pelite peleteiro; Fabre –
peleteiro; Louis Jean Roy carpinteiro e Hypolite Roy carpinteiro. Seis meses mais
tarde, juntam-se ao grupo já no Rio de Janeiro: Marc Ferrez escultor, tio do fotógrafo
Marc Ferrez e Zephyrin Ferrez – gravador de medalhas
48
.
Desembarcam no porto do Rio de Janeiro em 26 de março, mas somente em 12 de
agosto de 1816 D. João VI assina o decreto que “concede pensões a diversos artistas
que vieram estabelecer-se no paiz”.
O decreto não menciona em nenhum momento o termo missão artística ou equivalente
que faça entender que os franceses capitaneados por Le Breton tivessem vindo em
missão oficial reconhecida pelo monarca. Mário Pedrosa, em seu ensaio Da missão
francesa seus obstáculos políticos”, faz um minucioso relato das condições adversas
que enfrentaram os franceses da “Missão” muito antes de desembarcar em terras
brasileiras.
Os principais membros da Missão eram notórias figuras das artes na França
napoleônica, agora perseguidos por essas mesmas vinculações políticas depois da
restauração da monarquia com Luís XVIII. A França vivia um tempo de muitas
inquietações e animosidades envolvendo perseguições de ambos os lados. Os contatos
com o Marquês de Marialva, e principalmente com seu encarregado de negócios
Francisco Maria de Brito, poderiam viabilizar um acordo favorável para ambas as
partes. O notório saber e reputação da equipe de Le Breton e uma saída honrosa e
promissora para eles eram focos de interesses que se completavam. No entanto, muitas
eram as barreiras a serem contornadas até que os planos da nova escola pudessem ser
concretizados.
No texto do decreto de agosto de 1816 não é exatamente de uma escola de belas artes
que conforma o interesse do monarca para aquele momento, mas tais profissionais
conhecidos e respeitados em várias cortes européias não poderiam ser dispensados.
Cauteloso, D. João, ao mesmo tempo em que os queria pelo que poderiam contribuir
48
Informações obtidas através do site:
http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Miss%C3%A3o_Art%C3%ADstica_Francesa&action=edit&se
ction=4 Página acessada em 22.07.2008 as 18h46min.
53
com o país, não viabilizava de pronto o projeto da academia, pois várias arestas políticas
teriam de ser aparadas. Dentre elas, havia uma questão diplomática, que Le Breton
representava um revolucionário inimigo de Luís XVIII, um bonapartista ferrenho,
banido secretário perpétuo da quarta Classe Instituto Nacional de França
implementando uma academia similar na corte de D. João VI. Outras questões menos
importantes, mas talvez mais decisivas fossem a falta de interesse dos outros membros
do governo, ministros e homens fortes da Corte, que não viam justificativa para se
implantar no Rio de Janeiro qualquer instituição que não tivesse correspondente em
Lisboa, além da ciumeira criada pela possibilidade de uma academia de belas artes
criada e dirigida por estrangeiros. (PEDROSA, 2004).
Os esforços e a visão do Conde da Barca, no entanto, não deixavam de ter forte
influência sobre os atos do Rei, como não se pode deixar de notar no texto do decreto
real que concede as pensões a Le Breton e seus companheiros. O decreto justifica a
concessão das pensões pelo interesse maior em:
“(...)se estabelecer no Brazil uma Escola Real de Sciencias, Artes de Offícios em que promova e
diffunda a instrucção e conhecimentos indispensáveis aos homens destinados não aos empregos
públicos da administração do Estado, mas também ao progresso da agricultura, mineralogia,
industria e commercio de que resulta a subsistência, commodidades e civilisação dos povos,
maiormente neste Continente, cuja extensão, não tendo ainda o devido e correspondente numero
de braços indispensáveis ao tamanho e aproveitamento do terreno, precisa dos grandes soccorros
da estatística, para aproveitar os productos, cujo valor e preciosidade podem vir a formar do Brasil
o mais rico e opulento dos Reinos conhecidos; fazendo-se portanto necessário aos habitantes o
estudo das Bellas Artes com applicação e referencia aos officios mecânicos, cuja pratica, perfeição
e utilidade depende dos conhecimentos theoricos daquellas artes e diffusivas luzes das sciencias
naturaes, physicas e exactas; e querendo para tão úteis fins aproveitar desde já a capacidade,
habilidade e sciencia de alguns dos estrangeiros beneméritos, que tem buscado a minha real e
graciosa protecção para serem empregados no ensino e instrucção pública daquellas artes (...)
Pelo exposto nas últimas linhas acima, a condição improvável de uma missão artística
oficial fica bastante patente e ficamos obrigados em acordar com a tese de Mário
Pedrosa, crítico das posições consagradas de Taunay. Segundo Pedrosa “esses artistas
não chegaram aqui ‘convidados’ formalmente pelo governo de Sua Majestade” o que
descaracterizaria a denominação missão artística. “Vieram por conta própria,
precipitados pelos acontecimentos políticos que os envolveram”. (PEDROSA, 2004:
104). De qualquer forma, também não eram intrusos, uma vez que passaram a receber
pensão graças à generosidade de D. João e devido a seu interesse em mantê-los no
Brasil para terem condições bastante razoáveis de subsistência e poderem exercer
54
profissionalmente suas funções, como de fato o fizeram, até que pudessem ser
aproveitados na escola que seria criada.
Muitos percalços ainda os franceses da “Missão” enfrentariam no Brasil. O principal
articulador da idéia da academia e protetor do grupo, o Conde da Barca, veio a falecer
em junho de 1817 deixando os artistas desamparados. O próprio Le Breton morreu sem
ver seus planos concretizados em junho de 1819.
Depois da morte de Le Breton e diante de todos os impedimentos à concretização dos
planos iniciais da academia, Nicolas-Antoine Taunay retorna à França no início de
1821, inconformado com a decisão de D. João expressa no decreto de 12 de outubro de
1820, dando forma à Academia e Escola Real e a direção do novo estabelecimento a um
reinol vindo de Lisboa. Finalmente a escola ganhava corpo, mas bastante diferente do
que o pretendido pelo grupo inicial. Segundo Debret, o Barão de São Lourenço,
ministro das finanças de D. João, que era nessa hora o único protetor dos franceses na
Corte, concedeu ao pintor português Henrique José da Silva, um protegido seu, a
direção da instituição para descontentamento dos demais.
Do primeiro grupo dos pensionados pelo monarca em 1816, finalmente são
aproveitados como lentes da Academia: Debret, Auguste Taunay, Grandjean de
Montigny, François Ovide, Marc Ferrez e Zephyrin Ferrez. O nome de Nicolas-Antoine
Taunay constava na relação de pessoas empregadas na Academia e Escola Real em
adendo ao decreto de outubro de 1820, mas, preterido para a direção do instituto e
descontente com os rumos tomados, decidiu retornar à França no início do ano seguinte.
Deixou, no entanto, obras importantes ao acervo da Academia. Simon Pradier foi o
primeiro a duvidar da concretização dos planos iniciais e, como pensionista, retornou à
Paris em 1819, autorizado a gravar com a boa cnica e recursos ainda inexistentes no
Rio de Janeiro as mais conhecidas imagens da iconografia joanina no Brasil. Os demais
trataram de exercer suas atividades por conta própria e “se empregaram na indústria
particular, contribuindo, de maneira eficaz, para o progresso da mesma. Ainda existem
55
no Rio de Janeiro muitos Fabre, Pilité e Level que são seus descendentes.” (RIOS
FILHO, Adolfo Morales de Los, 1942 apud PEDROSA, 2004: 54)
49
Um novo estatuto foi dado pelo decreto de 30 de dezembro de 1831, no período da
Regência, estipulando formas mais nítidas à escola que passou a denominar-se
Academia das Bellas-Artes. Baseava-se nos planos apresentados por Debret em 1824 e
finalmente aclarava os objetivos imprecisos indicados desde o decreto de 1816 que
pretendia, na verdade, um liceu de ofícios e artes industriais. Esse era o plano do Conde
da Barca, que priorizava o ensino desses ofícios para o país que recebia a Corte e
deveria se modernizar rapidamente, ainda que não pudessem dispensar artistas tão
renomados. (PEDROSA, 2004: 74). O Decreto de 30 de dezembro de 1831 estatutos
à Academia das Belas Artes considerando-se o interesse do Império brasileiro para que
possa:
“(...) aproveitar-se a mocidade brazileira no estudo das bellas-artes, para o qual a natureza parece
haver-lhe dado um gênio e gosto particular; e achando-se a Academia das Belas Artes estabelecida
nesta Corte, quasi em uma perfeita nullidade, sem conseguir os fins para que fora creada, pois que
nella não se encontra nem applicação, nem regimen, talvez pela absoluta falta de estatutos
próprios, que regulem um e outro objecto (...)”
Finalmente a vocação artística é definida como prioridade para o funcionamento da
Academia e assim sendo, superados os percalços iniciais, prestará inegável influência
nas artes no Brasil durante todo o século XIX, formando artistas e divulgando a estética
neoclássica proposta pelos franceses que aqui aportaram. A Academia Imperial de
Bellas Artes foi responsável pela formação dos grandes artistas do período, iniciando a
maior coleção de obras de arte brasileiras. Esse acervo se inicia com as 54 obras trazidas
por Le Breton como chefe da Missão em 1816. São pinturas italianas, flamengas,
holandesas e francesas criadas ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII. A essas foram
acrescentadas as peças da coleção pessoal de D. João VI trazidas com a mudança da
Corte em 1808 e os trabalhos dos professores e artistas franceses, suas produções de
antes e depois da constituição da Academia, como as pinturas e desenhos de Nicolas
Taunay, Debret, Ferrez e Grandjean de Montigny
50
. De grande importância para a
49
RIOS FILHO, Adolfo Morales de Los. O ensino artístico no Brasil. In: Congresso da História
Nacional, 3, 1942. Rio de Janeiro, Anais. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, v. 8,
1942.
50
Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural:
http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=marcos_texto&cd_v
erbete=342 Página acessada em 02.08.2008 às 11h05min.
56
formação artística dos brasileiros é o acervo que foi sendo enriquecido pelas obras
adquiridas ao longo do século XIX em salões e exposições de alunos e por doações de
artistas que deveram sua formação à Academia e aos artistas professores que ali
atuaram. Entre eles: Vitor Meireles, Agostinho da Mota, Pedro Américo, Almeida
Júnior, Belmiro de Almeida, Rodolfo Amoedo, Eliseu Visconti e tantos outros
51
.
Desde 1826 a Academia Imperial de Belas Artes ocupava o edifício em estilo
neoclássico projetado por Grandjean de Montigny para esse fim. Em 1908, passou a
ocupar o novo edifício construído em estilo eclético como parte das ações de
reformulação do centro histórico do Rio de Janeiro.
Com o advento da república, a Academia teve seu nome alterado para Escola Nacional
de Belas Artes e seu acervo se manteve com a instituição até a criação do Museu
Nacional de Belas Artes em 1937 por Gustavo Capanema, ministro de Getúlio Vargas
na vigência do Estado Novo.
2.3.3 – MUSEU PAULISTA
Passados alguns meses do 7 de setembro de 1822, se cogitava a construção de um
monumento comemorativo na colina do Ipiranga, situada a poucos quilômetros da Vila
de São Paulo. A idéia persistiu dormente e a concretização só foi tenazmente perseguida
durante a década de 1880, quando foi construído a partir do plano do arquiteto italiano
Tomaz Gaudêncio Bezzi para aquilo que ficou conhecido como o Monumento do
Ipiranga. Tratava-se do mesmo edifício que hoje abriga o Museu Paulista, que foi
erguido a uma distância de aproximadamente 200 metros do local onde D. Pedro I
bradou a Independência do Brasil e que ficou sem destinação de uso até 1893.
51
Fonte: Museu Nacional de Belas Artes através do site: http://www.mnba.gov.br/2_colecoes/a9_pe.htm
acessado em 02.07.2007 às 11h30min.
57
O edifício marcava a paisagem ainda mais do que hoje. Construído no descampado do
alto da colina, podia ser visto de longe por todos os lados. O ecletismo de suas formas
inspiradas nos palácios renascentistas e a monumentalidade o distinguiam das demais
construções da acanhada São Paulo do final do século XIX.
Foi somente por meio da lei 192 de 1893 que o Governo do Estado definiu o uso que se
faria daquele edifício. Diz a Lei:
Artigo - O próprio do Estado denominado Monumento do Ipiranga situado da colina do mesmo
nome, será utilizado nos termos da presente lei.
Artigo - Nesse edifício será instalado o Museu Paulista com a organização legal que lhe for
determinada.
Artigo - Para ele serão transportadas desde logo as coleções e objetos ora existentes sob a
guarda da Comissão Geográfica e Geológica do Estado.
Artigo 4º - As dependências não ocupadas pelo museu serão utilizadas:
§ - Pelo quadro de Pedro Américo comemorativo da Independência, e outros de assuntos da
História Pátria, adquiridos ou oferecidos ao Estado.
§ - Por estátuas, bustos ou retratos a óleo de cidadãos brasileiros que em qualquer ramo de
atividade tenham prestado incontestáveis serviços à Pátria e mereçam do Estado a consagração de
suas obras ou feitos e a perpetuação de sua memória. (...)
52
.
As coleções mencionadas na lei no seu artigo como estando sob a guarda da
Comissão Geológica e Geográfica pertenceram ao Museu Sertório e provavelmente ao
Museu Provincial de propriedade da Sociedade Auxiliadora do Progresso da Província
de São Paulo.
O Museu Provincial foi inaugurado em 11 de junho de 1877, com grande repercussão na
imprensa da época, estando presentes pessoas ilustres da paulicéia e convidados como o
Conde d´Eu. Essa instituição era formada por paulistas bem posicionados que queriam
52
Conforme nota de rodapé à página 107 do volume 3 dos Elementos de Museologia, Vinício Stein
Campos comenta que os acervos que estavam sob a guarda da Comissão Geográfica e Geológica do
Estado de São Paulo compreendiam as coleções adquiridas do Coronel Joaquim Sertório e do
colecionador Peçanha (provavelmente o acervo do extinto Museu Província). Por sua vez, o quadro de
Pedro Américo, Independência ou Morte, fora contratado por escritura pública datada de 14 de janeiro de
1886 por trinta contos de réis, tendo sido executado na Europa. Assinam a lei o Governador Bernardino
de Campos e o Secretário do Interior Cesário Motta Júnior.
58
para São Paulo um museu dedicado ao campo das ciências. Pouco se sabe de seu
acervo, pois o museu caiu no esquecimento nos anos que se seguiram
53
.
O Museu Sertório era um museu particular que funcionava na casa do Coronel Joaquim
Sertório, um rico comerciante. Henrique Raffard, filho do Cônsul da Suíça no Rio de
Janeiro e membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em viagem pela
Província de São Paulo em março de 1890, deixou-nos um importante relato sobre esse
museu particular que Sertório mantinha num prédio localizado onde hoje é a Praça João
Mendes. Raffard viera como correspondente de um jornal carioca para uma série de
artigos sobre o rápido desenvolvimento que estava ocorrendo em São Paulo. Em um
desses artigos, mais tarde reunidos em um folheto intitulado Alguns dias na Paulicéia, o
repórter relata sua visita ao Museu Sertório, guiado por Laurindo, empregado do Museu,
e descreve algumas peças de seu acervo.
“(...) muitas armas dos nossos indígenas, vestimentas e enfeites das tribos amazônicas, urnas
funerárias (caçabas), crânios de carijós e outros, sambaquis, conchas e mais coisas do mar, coleção
de madeiras do país, matérias têxteis, inúmeras amostras mineralógicas, borboletas, insetos,
répteis, bichos e aves empalhadas, algumas mandadas vir da Europa, outras obtidas do Jardim
Público de São Paulo, além das que pouco a pouco preparou o Laurindo.”
54
O museu como uma instituição de caráter científico não era uma excentricidade na
capital da província. À exemplo da Corte, onde funcionava com grande êxito o
Museu Imperial e Nacional, a elite paulistana amparada pela riqueza gerada pelo
crescimento da economia cafeeira queria também usufruir desse contato com a
produção científica e outros símbolos de civilidade. As coleções particulares deixaram
de ser ação diletante para ganhar a oficialidade de instrumento voltado à instrução
pública. Esse fato pôde ser constatado pela euforia derramada pelas páginas dos jornais
ao noticiar a doação do acervo do Museu Sertório para a administração do Governo do
Estado. Era o caso, por exemplo, do Diário Popular que, em novembro de 1890,
noticiava o fato:
“Dádiva fidalga, verdadeiramente principesca foi a que fez o eminente financeiro F. de Paula
Mairinque ao Estado de São Paulo. O ilustre cidadão, representante hoje de nosso mundo
53
Fonte: Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930) Casa de Oswaldo
Cruz / Fiocruz no site:
http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/P/verbetes/muspaul.htm#historico
Página acessada em 09.08.2008 às 20horas.
54
RAFFARD, Henrique. Alguns dias na Paulicéia, 1890 appud CAMPOS, Vinício Stein. Elementos de
museologia, São Paulo: Secretaria da Cultura, Esportes e Turismo, S/D, p. 103 -105.
59
financeiro e representante acatado por todos, não pelos seus serviços perduráveis à Nação,
como pelo alto patriotismo que o guia em todos os seus atos, adquiriu a propriedade do Museu
Sertório e transferiu-a para o nosso Estado.” (Apud CAMPOS, 1973 vol.3: 105)
Sobre a venda da coleção do Coronel Joaquim Sertório, diz a escritura lavrada no
Cartório Liberato da Capital em 29 de outubro de 1890:
“(...) E, perante as mesmas testemunhas pelo outorgante Coronel Sertório me foi dito que é o único
senhor e possuidor de todos os objetos de zoologia, mineralogia, arqueologia, que fazem parte da
coleção conhecida pelo nome de ‘Museu Sertório’, localizado no prédio sob número 27 do Largo
Municipal, que por escritura pública de hoje, sem reserva alguma, faz venda como de fato vendido
tem ao outorgado comprador Conselheiro Francisco de Paula Mairinque de toda a mencionada
coleção pelo preço certo e ajustado de cento e cinqüenta contos de réis (...)”(CAMPOS, 1973 v. 3:
106)
No mesmo ano o Conselheiro Francisco de Paula Mairinque doou-o ao Estado de São
Paulo. O acervo do museu Sertório foi incorporado, então, ao acervo da Comissão
Geográfica e Geológica durante o governo de Américo Brasiliense em 1891.
(CAMPOS, 1973 v.3: 106).
O Museu Paulista foi inaugurado oficialmente em 1895, tendo sido seu primeiro
presidente o naturalista o Dr. Hermann von Lhering, que permaneceu no cargo até 1916.
Como cientista, Lhering priorizou as secções de ciências naturais que tiveram grande
desenvolvimento nesse período (CAMPOS, 1973 vol. 3: 105)
A proximidade do centenário da Independência do Brasil apontava para uma
inadmissível inconsistência do grande memorial construído no local do “grito”. A Seção
histórica do Museu Paulista não fazia jus à importância da efeméride. O próprio von
Lhering em mais de uma oportunidade havia propalado que, a despeito de seus esforços,
a representação histórica no museu criado às margens do Ipiranga deveria dar maior
relevo a essa etapa fundamental da formação do país.
Na capital federal, em 1917, o Rio de Janeiro se preparava para abrigar a grande
exposição universal comemorativa dos cem anos da nossa emancipação política. Além
das obras na grande área dos pavilhões das nações que se fizeram representar na
exposição, a cidade tinha enfrentado bravamente seus problemas sociais mais graves,
como os focos de epidemias, áreas insalubres e controle de endemias. Além do mais, a
60
cidade havia passado por grandes transformações urbanísticas, construído novos
edifícios públicos em recém abertas avenidas que davam aspecto parisiense à ensolarada
cidade.
Os paulistas investiram naquilo que sem dúvida era um trunfo: tinham um belo
monumento construído no local exato do cenário histórico. Além do mais, cabia aos
paulistas enaltecerem em forma e conteúdo os feitos bravios, as glórias, fortunas e
infortúnios dos conterrâneos, antepassados que estiveram presentes em tantos episódios
da História do país.
São Paulo, já se dizia, era o motor ou a própria locomotiva do Brasil. Desde os
primeiros anos do descobrimento, havia tido papel de destaque na condução da
ocupação do território da América portuguesa e da expansão de seus limites. Quase
quatro séculos haviam se passado e em tempo nenhum os paulistas deixaram de ser
protagonistas em importantes conquistas para a construção de um país que agora estava
pronto a comemorar 100 anos de independência.
Havia mesmo uma luta por justiça histórica que recobrasse a tantos esforços os méritos
devidos. O pano de fundo histórico-social estava estendido. Sobre ele era bordada a
bandeira da legitimidade do poder político de São Paulo a se sustentar no plano
nacional.
Em decorrência do desenvolvimento econômico alcançado com a cultura cafeeira em
terras paulistas e também por conta da forte presea de personagens paulistas no
movimento em favor da instituição do novo regime político a República, é que a elite
paulista desejava afirmar sua importância não econômica, mas sobretudo política no
contexto nacional. Aspirava a uma projeção de maior significância para se legitimar no
poder. Os festejos do Centenário da Independência ocorridos em São Paulo seriam,
nesse sentido, utilizados como um gesto de afirmação política.
Em 1917, Afonso d’Escragnolle Taunay toma posse da diretoria do Museu Paulista.
Engenheiro civil formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro em 1900, professor
catedrático da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo em 1910, biógrafo de
várias figuras da história do Brasil, historiador, ensaísta, foi convidado para organizar o
61
Museu tendo em vista o Centenário da Independência que se aproximava. Filho do
Visconde de Taunay que era membro do Partido Conservador e deixou a política após a
Proclamação da República, neto materno do Barão de Vassouras, bisneto do Barão de
Itambé e sobrinho-neto do Barão d’Escragnolle, era, portanto, legítimo membro da elite
formada pela aristocracia rural que detinha o poder político, econômico e social nos
períodos imperial e da primeira república
55
.
Durante os trabalhos preparatórios para a grande celebração, governaram o Estado de
São Paulo Altino Arantes (1916 a 1920) e Washington Luís. (1920 a 1924). A aspiração
à presidência da República era o degrau subseqüente dos ocupantes do poder estadual.
Fortalecer as posições políticas dos paulistas era aplainar os caminhos que levariam a
presidência da República.
Taunay era o homem certo no lugar certo. Homem culto e historiador habilidoso, ele era
porta-voz de uma crescente força política, cada vez mais fortalecida pela dinâmica
economia paulista. A partir de 1919, Taunay passa a desenvolver seu programa para a
remodelação do Museu Paulista, com a clara incumbência de torná-lo verdadeiramente
um museu histórico. Esse programa era compartilhado com seus pares, intelectuais do
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo IHGSP e manteve interlocução direta
com os governadores Altino Arantes (1916-1920) e Washington Luís (1920-1924)
durante os preparativos. Todos compartilhavam das mesmas idéias, de um mesmo modo
de se pensar a história, baseada nos feitos heróicos e primordiais, no protagonismo da
cultura européia e na linha evolutiva que concede ao homem branco europeu a liderança
do processo civilizatório.
Um museu histórico constitui-se em instrumento para construção de uma memória que
produz legitimações e exclusões. O Museu Paulista deveria ser, portanto, o palco onde
seria encenada a história do Brasil narrada pelas gentes de São Paulo, seus mais audazes
personagens. Taunay vai produzir eficientemente a história de uma nação fundada por
paulistas
56
. Vai “capitalizar os benefícios simbólicos da Independência em harmonia
55
Fonte: Academia Brasileira de Letras através da página: http://www.academia.org.br/ acessada em
04/08/2008 às 17horas.
56
no primeiro volume da Revista do IHGSP vem impressa a síntese propositiva adotada pelo Instituto:
“A história de São Paulo é a própria história do Brasil”.
62
com o projeto hegemônico de São Paulo na República Velha (já então assediado por
contestações).” (MENESES, 1992: 5)
A afirmação de São Paulo como berço da nação independente traz consigo um modo de
narrar a história do Brasil que muito credita aos paulistas e que, portanto, legitima a
centralidade do poder em suas mãos. Uma nação brasileira fundada a partir de São
Paulo e por paulistas é a mensagem que deverá ser transmitida por meio da iconografia
criada por Taunay para compor o seu altar da pátria” que culmina com o grito de
Independência grandiosamente representado pela tela de Pedro Américo.
Tudo estava posto para capitalizar cada fato histórico em concordância com a tese de
Taunay, como aponta Brefe:
“A invenção do passado nacional, com uma origem determinada, marcos históricos precisos,
heróis e símbolos memoráveis se apresenta como poderoso instrumento pedagógico capaz de
forjar uma identidade nacional intrinsecamente comprometida com os interesses das elites
políticas e intelectuais paulistas. Deste modo, as camadas dirigentes de São Paulo vislumbram, no
universo cultural a ser representado no Monumento do Ipiranga, a possibilidade de se auto-
afirmarem através da construção de um campo simbólico. (BREFE,1999:102)
O museu foi dedicado a narrar a história nacional do ponto de vista de São Paulo,
colecionando e expondo documentos direta ou indiretamente a ela ligados. O momento
de comemoração do Centenário da Independência é privilegiado para a legitimação do
regime republicano e São Paulo se serve então do fato de ter sido o palco da
Proclamação da Independência brasileira para unir 1922 a 1822 e ambos ao
memorável passado paulista, onde a luta pela instauração do regime republicano
também teve lugar de destaque.” (BREFE, 1999, p.127),
É no Museu Paulista que estará explícita a construção de mitos que contribuem para a
legitimação da história da nação vinculada à história de São Paulo. Fica estabelecido
o paralelo entre o desbravador bandeirante, unificador do território da nação e a
empreendedora oligarquia rural paulista, que leva o desenvolvimento e o progresso ao
país desbravando as terras incultas.
63
Taunay, grande historiador do bandeirantismo paulista, vai se aproveitar sobremaneira
da arquitetura monumental do museu para explicar a história da independência numa
viagem que começa no hall do edifício e acompanhará o visitante nesse movimento
ascendente pelas escadarias do museu. se apresentada, através de metáforas
visuais, uma espécie de altar da pátria onde estão expostos à contemplação os ícones
personificados da saga paulista. O mito do bandeirante é reforçado não como um
dado histórico amplamente explorado, mas como um símbolo paulista atemporal
distintivo de sua ação empreendedora. Segundo Brefe, “(...) o mito do bandeirante
integra uma memória erigida para nobilizar as realizações de uma coletividade que
não mais avança sobre o continente, mas que se impõe política e economicamente aos
demais estados da federação.” (BREFE, 1999, p.213)
A narrativa se inicia ainda no peristilo, larga planura dominada por duas gigantescas
esculturas de Raposo Tavares e Fernão Dias Paes que, segundo Taunay, foram a
expressão máxima do impulso do bandeirantismo responsável pelas conquistas e
construção do solo pátrio. As figuras esculpidas em mármore branco pelo artista italiano
Luiz Brizzolara, estão voltadas para a direção geográfica de seus domínios: Fernão Dias
a examinar um mineral e Raposo Tavares com as mãos em pala a observar o horizonte
estendido das novas terras desbravadas.
Quatro painéis pintados por Wasth Rodrigues encimando as portas de entrada
completam o perímetro deste chão primordial e foram instalados em 1930. estão
representados D. João III, o rei desbravador das terras brasileiras com a concessão das
capitanias hereditárias; Martim Afonso de Souza, governante da capitania de São
Vicente fundador da primeira vila em solo brasileiro, São Vicente e a Vila de
Piratininga; João Ramalho português desposado com a índia Bartira, fundador da
miscigenada linhagem paulista e o cacique Tibiriçá, líder indígena, pai de Bartira e
patriarca americano da ”raça paulista”.
A viagem ascendente pelas escadarias que levam ao pavimento superior se inicia por
entre ânforas adornadas com motivos da fauna e da flora e contêm a água dos rios que
representam. As principais vias utilizadas pelos bandeirantes são aqui simbolicamente
apresentadas como elementos estruturantes da unidade territorial da nação. As ânforas
64
trazem para o trajeto das escadas os percursos históricos dos bandeirantes, mas a
simbologia maior dessas ânforas, entretanto,
“(...)estava em duas delas, que misturavam águas do Oiapoque e Chuí, e Javari e Capibaribe,
expressando respectivamente, a unidade do território pela junção das águas de seus rios mais
extremos: os do Norte-Sul e Leste-Oeste. Esses dois vasos alocados no centro da escadaria
expressam por si mesmos a simbologia metonímica criada por Taunay através do monumento aos
rios”.
(OLIVEIRA, 2007:116)
Ocupando o nicho em posição destacada no centro da escadaria, encontra-se a estátua de
D. Pedro I, principal personagem da Independência. Seis estátuas menores de
bandeirantes foram colocadas ladeando o nicho ocupado por D. Pedro I, cada uma
simbolizando um estado brasileiro que foi território da província de São Paulo: Borba
Gato, representando Minas Gerais; Paschoal Moreira Cabral, Mato Grosso;
Bartholomeu Bueno da Silva o Anhangüera, representando Goiás; Manoel Preto, o
Paraná; Francisco Domingos Velho, Santa Catarina e Francisco de Brito Peixoto,
representando o Rio Grande do Sul.
Nove brasões encomendados por Taunay ao pintor Wasth Rodrigues, inaugurados em
1926, acrescentam nesse percurso as principais vilas de São Paulo, que foram pontos de
partida das bandeiras: Paranaíba, Sorocaba, Porto Feliz, Itu, Itanhaém, Taubaté,
Guaratinguetá, Mogi das Cruzes e Jundiaí. No mesmo nível dos bandeirantes estão as
imagens alegóricas representando as conquistas do território nacional pela ação dos
paulistas: Ciclo da caça ao índio, pintado por Henrique Bernardelli; Creadores de gado,
por José Baptista da Costa; Ciclo do ouro, por Rodolfo Amoêdo e Tomada e posse da
Amazônia, pintada por Fernandes Machado.
Acima das estátuas foram colocados os “Mártires da liberdade brasileira”, sempre sob a
orientação historiográfica de Taunay: Tiradentes, personificando a Inconfidência
mineira e Domingos José Martins, a Revolução Pernambucana. Pelo teto da escadaria,
ao redor da clarabóia e sancas são posicionadas 22 figuras de personalidades que
contribuíram de alguma forma com o ideário da independência do Brasil.
Nos cantos da sanca são gravadas quatro datas que rememoram os principais
movimentos pela liberdade do país: A Rebelião de Vila Rica (1720), a Inconfidência
65
mineira (1789), a Revolução Pernambucana (1817) e a própria Proclamação da
independência (1822).
Finalmente chega-se ao andar superior, que conduz ao ápice dessa construção
museográfica. A disposição ascendente não é fortuita, ela se completa para o fato maior
representado no Salão Nobre. Esse espaço é dominado pela grande tela de Pedro
Américo, Independência ou morte, executada em 1888 quando o edifício ainda estava
em construção.
Com essa construção habilmente trabalhada, Taunay ressalta e legitima o papel de São Paulo
como lugar material e simbólico da Indepenncia Nacional, e por decorrência legitima seu
papel na liderança ecomica, potica e social.
Nesse sentido podemos focar como o Museu Paulista, espaço privilegiado da constrão
visual da meria, pode ser um instrumento eficaz na confirmação de uma corrente
historiográfica. Como salienta Brefe,
“(...) a memória é um dos ingredientes básicos para a construção da identidade nacional e é
justamente em torno de sua construção que pontos de vista divergentes se constituíram, sobretudo
em São Paulo e Rio de Janeiro. Para a intelectualidade paulista, especialmente representada no
IHGSP e na Revista do Brasil, era necessário buscar um novo locus produtor da identidade
nacional. O Rio de Janeiro, palco privilegiado do Brasil imperial e de toda a história a ele ligada,
é então desqualificado em proveito da cidade bandeirante, tomada com matriz privilegiada para a
construção da imagem daquilo que é ou deve ser a nação no início dos anos vinte”.
(BREFE,1999: 126)
Taunay exerceu a direção do Museu Paulista de 1917 a 1947. Firmou-se a partir daí
como grande historiador e museólogo. Foi diretor do Serviço de Museus do Estado de
São Paulo desde 1923; reorganizou para o Governo Federal a Biblioteca e o Arquivo do
Ministério das Relações Exteriores (1930); foi professor na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras, da Universidade de São Paulo (1934-1937). Foi aposentado, em
1945, por decreto especial, em que recebeu o título de Servidor Emérito do Estado de
São Paulo. Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do Instituto
Histórico de São Paulo e sócio correspondente de Institutos Históricos estaduais. Foi
membro da Academia Paulista de Letras, da Academia Portuguesa de História e da
Academia Brasileira de Letras.
66
Afonso Taunay especializou-se como o grande mestre do bandeirismo paulista, do
período colonial brasileiro e da literatura, da ciência e da arte no Brasil, tendo também
escrito uma monumental “História do Café”
57
.
A obra de Taunay exerceu grande influência na museografia de diversos museus no
Brasil, sobretudo no Estado de São Paulo. Em 1921, durante sua gestão na direção do
Museu Paulista, foi encarregado por Washington Luís, então governador do Estado,
para a implantação do Museu Republicano Convenção de Itu, para o qual havia sido
comprado o Solar dos Almeida Prado naquela cidade. Sua ação também foi
determinante para a criação dos estatutos de criação da Casa Euclidiana em São José do
Rio Pardo que servirá de modelo para os Museus Históricos e Pedagógicos que viriam a
se disseminar pelo interior do Estado durante as décadas de 50 e 60, atingindo até as
pequenas cidades.
2.3.4 - A ESCOLA NOVA E O CONCEITO DE MUSEU PEDAGÓGICO
A educação formal e todo o universo que envolve a formalização do saber, e aqui
podemos incluir os museus, ganharam novo ânimo no Brasil no período
imediatamente anterior à Proclamação da República. Lastreados pelo discurso
positivista, indicavam a primeira tentativa de universalização da educação como
condição civilizatória
58
. A reforma do ensino primário, assim como as celebrações de
datas históricas e a proliferação do uso de símbolos ligados ao ideário republicano
foram amplamente utilizadas pelos primeiros governos republicanos como instrumento
de legitimação do novo regime
59
.
Os republicanos alcançam o poder central e caracterizam seu discurso com um fervor
ideológico pela disseminação da democracia, da federação e da educação como
categorias a apontar a redenção do país. Proposições herdadas das profundas discussões
57
Fonte: Academia Brasileira de Letras através do site http://www.academia.org.br/ . Biografia dos
membros da ABL. Página acessada em 14.08.2008 às 18h30 min.
58
SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de Civilização: A implantação da Escola Primária Graduada no
Estado de São Paulo (1890-1910). São Paulo: Editora Unesp, 1998.
59
CARVALHO, José Murilo de. A formação das Almas – O imaginário da República no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998.
67
havidas ainda no final do Segundo Império sobre assuntos educacionais e que agora
reforçam o ideário republicano para fomentar a construção de um país íntegro e bem
posicionado para enfrentar o novo século.
A educação universalizada passa a ser uma bandeira desfraldada pelos republicanos em
primeira hora, mas arrefece o fervor na década seguinte para ressurgir, a partir de 1915,
como proposta de “republicanização da República” pelos descontentes com a mesmice
que ainda vigorava na governança do país. Volta-se a pensar na educação como
redenção da Pátria e organizam-se por todo o país grupos de lideranças intelectuais para
“repensar o Brazil” e “repensar em brazileiro”. Esse novo impulso inicia-se com as
conferências de Olavo Bilac e com a conseqüente formação da Liga de Defesa Nacional
(1916). Buscava-se remediar as cobiças externas com o exercício patriótico e o serviço
militar obrigatório e rebater o depauperamento moral e o separatismo através da
promoção da língua pátria e a “desmistificação da História e Geografia do Brasil”
(NAGLE, 1997: 262).
É desse período, que vai do final do II Império até a segunda década do século XX, que
se verificam as primeiras incursões das idéias da Escola Nova entre os intelectuais e
pensadores da educação no Brasil. Naquele momento ainda não se apresenta sua
formulação sistemática, nem se organiza unidade escolar de acordo com seus princípios,
mas algumas de suas idéias e noções vão pontuando os discursos, aqui e ali, e
preparando o terreno para penetração futura desse ideário.
O museu pedagógico foi um modelo adotado pelos pensadores do movimento da Escola
Nova que, a partir da década de 30 com o suporte político de Getúlio Vargas, teve
grande influência sobre a administração pública para a área de educação. Desde 1880,
porém, com a iniciativa do educador Pedro de Alcântara Lisboa, que idealizou o Museu
da Instrução, a idéia de associar museu e escola foi sendo implementada no País. Em
1883, foi instalado no Rio de Janeiro o Museu Escolar Nacional, que reunia objetos,
projetos e novas concepções de material didático, apresentados por ocasião da Primeira
Exposição Pedagógica realizada naquela cidade entre 29 de julho e 30 de setembro. A
iniciativa revela o interesse pelo tema da renovação e da atualização no campo da
instrução pública por parte dos intelectuais brasileiros no final do período do segundo
Império. (MIZAN, 2005: 97).
68
Em 1890, com a República ainda em fase de consolidação, uma importante iniciativa é
posta em prática tendo em vista o desenvolvimento da educação. Trata-se da criação e
regulamentação do Pedagogium pelo decreto federal 980 cujo texto estava
embebido com o ideário escolanovista. O Pedagogium foi pensado como um “centro
impulsor das reformas e melhoramentos de que carece a educação nacional” e para isso
contava com um museu pedagógico, laboratórios, escola primária modelo, classes tipos
de desenho, de oficinas de trabalhos manuais e a publicação da Revista Pedagógica.
Como centro irradiador da nova educação, o Pedagogium promovia cursos e
conferências, concursos para livros e exposições escolares. Espelhava-se no National
Bureau of Education norte-americano e ali foi implantado o primeiro laboratório de
psicologia experimental do Brasil, em 1897. (NAGLE, 1997: 283).
Segundo Simona Mizan, o Museu Pedagógico contava com uma biblioteca pedagógica
com uma secção circulante e uma biblioteca escolar. Expunha em caráter permanente
coleção de documentos nacionais e estrangeiros sobre a educação básica, trabalhos
notáveis de professores e alunos, material de desenho, geografia, ciências físicas e
história natural. Apresentava exemplos de museus escolares, modelos de organização
interna e de edificações escolares, material didático de uso em sala de aula, aparelhos de
ginástica adaptados às escolas brasileiras e coleção de animais e plantas que “interessam
às artes e às indústrias do país”. O Museu contava ainda com uma seção de exposição
anual de trabalhos de professores, como planos de aula, estratégias didáticas e de
organização pedagógica e de trabalhos escolares de alunos divididos nas alas feminina e
masculina. Eram expostos cadernos de escrita e ditado, exercícios de caligrafia, redação,
análises e problemas, planos e cartas geográficas, desenhos, volumes geométricos de
papelão, arame ou argila produzidos por alunos de ambos os sexos e mais trabalhos
exclusivos da ala feminina como bordados, moldes, costuras, tricô, crochê e pinturas a
aquarela, a óleo etc. (MIZAN, 2005: 100)
Com a reforma do Ensino do Distrito Federal empreendida por Fernando Azevedo, foi
criado o Museu Pedagógico Central em 1928. Trazia uma grande inovação em relação
aos museus pedagógicos anteriores: a participação do magistério na organização e na
constituição de acervo. O avanço dessa medida se apoiava no cerne das idéias
promovidas pelo Movimento da Escola Nova cujos princípios já começavam a se
69
apresentar com mais clareza no final da década de 1920. O museu deveria desenvolver
um trabalho comunitário que permitisse a reunião de esforços para se atingir um ideal
comum. A escola deveria, portanto, ser a extensão cultural dos museus, a interface
pedagógica dinâmica que não conduziria as ações do museu fazendo um trabalho ao
alcance do aluno, mas também, como uma via de mão dupla, traria professor e aluno
para a ação e organização do trabalho do museu.
Uma boa leitura desse momento é feita pelo estudo de Edgard Süssekind de Mendonça
quando era técnico de educação da Secção de Extensão Cultural no Museu Nacional do
Rio de Janeiro em 1946. O autor argumenta, coerentemente com o pensamento
predominante à época do Estado Novo, que o exercício da cultura está diretamente
ligado à condição de sua função educativa na sociedade. Museu e escola seriam, dessa
forma, agentes diretos nos campos da cultura e deveriam entendê-la a partir de seu
aspecto educativo. E o autor vai ainda mais longe quando sugere que a participação de
alunos na organização e no recolhimento de material de museu seria condição de grande
valor pedagógico:
“A criação de museus escolares, a que o museu empresta ou cede material de exposição, ou o
que é mais aconselhável, do ponto de vista pedagógico a que assiste tecnicamente, ensinando a
colecionar e exibir o material colhido pelo aluno; a colaboração com as atividades extra-escolares,
sobretudo proporcionando campo de atividade organizado para excursões; o estímulo para
formação de associações escolares, que não promoverão visitas ao museu, como realizarão
reuniões a que o museu forneça temas e material consentâneo com a sua especialidade; todas essas
são modalidades sobejamente conhecidas da influência dos museus sobre as escolas”
(MENDONÇA, 1946: 20
)
De acordo com Mendonça, que lamentava a extinção do Museu Pedagógico Central, os
museus agora deveriam “priorizar a comunicabilidade com a escola” e essa seria uma
espécie de herança deixada pela breve experiência dirigida por Fernando Azevedo
naquela instituição. a participação do magistério se estendia à formação e
organização do acervo, o que corresponderia a um atendimento de um preceito
fundamental da “Escola-Nova”: a escola comunidade. Por associação, outro preceito
fundamental bastante difundido dos escolanovistas se destacava: o estímulo ao
aprendizado com base na observação direta dos fenômenos, na valorização da presença
70
e no uso de objetos e mostruários, que muito provavelmente são heranças da taxonomia,
método classificatório que dominou o espírito científico do século XIX
60
.
È ainda no vigor desse ideário que serão implantados pelo governo do Estado de São
Paulo os Museus Históricos e Pedagógicos na década de 1950. Desde a efêmera
implantação do Museu Pedagógico Central em 1928, passaram-se quase 30 anos até a
implantação dos primeiros Museus no interior de São Paulo. Mas a confirmar a
continuidade do vigor das idéias escolanovistas, ressaltamos a retomada do debate sobre
o papel da educação formal na sociedade pelos representantes do pensamento da Escola
Nova no Brasil que publicam, em 1959, o segundo manifesto do movimento, intitulado
“Manifesto dos Educadores mais uma vez convocados” (MIZAN, 2005: 105)
Simona Mizan apresenta, em seu trabalho de 2005, as declarações de Sólon Borges dos
Reis, em entrevista, em que ele afirma a “influência direta das proposições dos
intelectuais escolanovistas nos objetivos que levaram à concepção do Decreto que deu
origem à criação dos primeiros Museus”. Era o ano de 1956, quando Sólon Borges,
então Diretor Geral do Departamento de Educação do Estado de São Paulo, redige o
decreto sancionado pelo Govenador do Estado Jânio Quadros, criando os quatro
primeiros Museus Históricos e Pedagógicos nos municípios de Campinas,
Guaratinguetá, Batatais e Piracicaba. Acrescenta Sólon Borges dos Reis:
“Propícia à participação dos museus com responsabilidade pedagógica, casava-se com a proposta
de Educação, no final dos anos 50. Dentre as personalidades que mais se destacaram na época,
meados do século XX, na área da Educação, incluem-se: Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira,
Lourenço Filho, Almeida Júnior, Sampaio ria, Afrânio Peixoto, Roldão Lopes de Barros, Júlio
de Mesquita Filho, Mário Casasanta”
61·.
Essa aproximação com o ideário da Escola Nova se fez no decorrer de sua trajetória
como educador e político da educação. Diplomado pela Escola Normal de Campinas em
1935 e em Pedagogia pela Universidade de São Paulo em 1945, acompanhou de perto o
Movimento da Escola Nova a partir do manifesto de 1932 e posteriormente o Manifesto
60
Segundo Fernando Azevedo, o ideário escolanovista vislumbrava três aspectos fundamentais a serem
perseguidos pela nova concepção social da escola: a escola única, a escola para o trabalho e a escola
comunidade. A escola única refere-se à obrigatoriedade e à gratuidade do ensino com a união do
programa pedagógico. A escola para o trabalho refere-se ao fato contemporâneo da sociedade apoiar-se
da organização do trabalho tendo a escola como vetor de inserção social do indivíduo. A escola
comunidade expressa a ação disciplinadora de esforços individuais coordenados entre si e subordinados
ao alcance de um objetivo determinado. (AZEVEDO, 1929: 117)
61
Depoimento concedido em entrevista. (apud MIZAN, 2005: 115)
71
de 1959. Sólon Borges foi deputado estadual a partir de 1958 e autor de grande número
de projetos voltados à Educação que se transformaram em leis, mas antes mesmo disso,
havia militado em diversos organismos representativos de classe, tendo sido, em
1945, um dos fundadores da Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de
São Paulo e, em 1947, da União Paulista de Educação. Foi depois por quarenta anos o
Presidente do Centro do Professorado Paulista.
A implantação dos Museus Históricos e Pedagógicos esteve ancorada em dois esteios
fundamentais e complementares. O mais evidente pressupõe o avanço que se quis
imprimir à iniciativa com o ineditismo de uma rede de museus afinada com as mais
influentes correntes pedagógicas de então e, em segundo lugar, havia o peso político
com que tal iniciativa viria a contribuir para o discurso ufanista adotado pela elite
paulista. São Paulo, a capital, enfim firmava-se como centro irradiador de influências e
concretizava seu papel de metrópole nacional. Com o interior, base da riqueza estadual,
reivindicava o papel de locomotiva do Brasil.
72
Capítulo II
OS MUSEUS HISTÓRICOS E PEDAGÓGICOS DO
ESTADO DE SÃO PAULO (1956 A 1973)
Durante o Estado Novo, instaurado a partir de 1937, o governo de Getúlio Vargas
empenhou-se na criação de mecanismos diversos que promovessem a dimensão
nacional na cultura do povo brasileiro como forma de controlar regionalismos que
pudessem desarticular seus planos de integração nacional. Para tanto, elegeu a bandeira
política da modernidade desenvolvimentista, da industrialização e da autonomia
nacionais como forma de encobrir proeminências regionais. Para tanto, se cercou de
intelectuais, artistas e políticos que pudessem criar um panorama favorável a uma idéia
de um Brasil unido mais avançado e maior. É nesse contexto que chega a florescer o
terceiro momento do modernismo brasileiro, onde são apresentados nossos avanços na
área da cultura, das artes, literatura, música e principalmente da arquitetura, como
identidade cultural e quando nossos valores começam a ser enaltecidos como expressão
nacional.
Com o apoio de Getúlio Vargas, o ministro Gustavo Capanema arregimentou ao
Ministério da Educação e Saúde educadores, arquitetos e urbanistas, poetas, artistas,
músicos que direta ou indiretamente ligavam-se às atividades de promoção cultural
empreendidas pelo governo federal. Grande ênfase era dada na superação do modelo
agrário e regionalista que até então vigorava, na modernização e na unificação da
expressão cultural. Nesse contexto, foram criados quatro museus históricos nacionais
em diferentes estados brasileiros que notabilizassem os quatro grandes períodos da
História do Brasil: o Museu das Missões, em 1937, em Santo Ângelo no Rio Grande do
Sul; o Museu da Inconfidência, em 1938, em Ouro Preto, em Minas Gerais; o Museu
Imperial, em 1939, em Petrópolis, no Rio de Janeiro e, em 1945, o Museu do Ouro em
Sabará, Minas Gerais.
A elite paulista responde com a criação do Museu de Arte de São Paulo em 1947 e o
Museu de Arte Moderna em 1948. Antes, porém, em 1946, o governo estadual, com a
supervisão de Affonso d’Escragnolle Taunay, então Presidente do Conselho Estadual de
73
Bibliotecas e Museus, cria a Casa Euclidiana, uma casa histórica biográfica a
reverenciar a memória de Euclides da Cunha na cidade paulista de São José do Rio
Pardo.
3.1 - CASA EUCLIDIANA – Museu pioneiro (1946)
Euclides da Cunha morreu em 1909 consagrado como um dos grandes escritores
brasileiros e, mesmo considerando a comoção nacional provocada por sua morte trágica,
é curioso como sua obra foi sendo intensamente estudada. Outros escritores como Artur
Azevedo e Machado de Assis, falecidos menos de um ano antes, também mereceram o
empenho dos intelectuais da época, porém foi com Euclides da Cunha que se inicia o
verdadeiro culto de um escritor no Brasil.
Regina Abreu
62
, em conferência apresentada por ocasião da Semana Euclidiana de 1998
63
, ressalta que os funerais de Euclides da Cunha marcam no Brasil o culto do escritor
“não apenas como grande homem, mas como um ‘herói nacional’”.
Esse interessante trabalho aponta para a construção da memória euclidiana alimentada
pelas elites intelectuais que visavam à efetivação política da República recém
implantada no país. Nos anos que se seguiram à morte do autor de Os sertões, pode-se
constatar através dos jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro uma apropriação
ideologicamente comprometida de sua figura de republicano “exemplar”. Estavam em
voga as biografias de vultos exemplares, construções de modelos em biografias
divulgadas como paradigmas para o desenvolvimento sócio-cultural. A Igreja Católica
lançava mão das histórias de vida dos santos como bastiões doutrinários. Por sua vez, o
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro encarregava-se de produzir as biografias dos
vultos históricos, figuras emblemáticas a pontuar e/ou personificar os processos
históricos. Ao ingressar no IHGB, o próprio Euclides foi incumbido da produção de
62
Regina Maria de Rego Monteiro Abreu, é doutora em Antropologia Social e professora Adjunta da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
63
Fonte: http://www.euclidesdacunha.org/conferenciaoficial98.htm . Página acessada em 05/04/2007 às
18h45min. A Conferência Oficial faz parte das atividades da Semana Euclidiana anualmente promovida
pela Casa Euclidiana em São José do Rio Pardo (SP)
74
uma biografia de Duque de Caxias. A revista do Instituto tinha uma seção dedicada aos
relatos biográficos e a Academia Brasileira de Letras também incentivava a produção do
gênero, solicitando dos novos membros a produção de textos sobre os antigos patronos
das cadeiras que acabavam de ocupar.
A vida de Euclides da Cunha muito favorecia ao biógrafo à cata de fatos trágicos,
desafios, lutas e obstáculos. A orfandade desde a infância e a falta de família que o
acolhesse contribuíram para torná-lo um sujeito ensimesmado. Colhia brilhos e
respeitos com sua inteligência vivaz e cortante, ao mesmo tempo em que lhe sobravam
incompreensões. Cadete da Escola Militar, em 1888, ficou famoso o episódio de
insubordinação do qual foi protagonista. Diante do Ministro da Guerra, lançou-lhe aos
pés sua espada de cadete. Por tal gesto foi julgado e excluído do Exército. Era ferrenho
republicano em plena vigência do segundo Império. Comungava do pensamento
científico e das posições políticas mais avançadas da época, colocando-se a serviço dos
ideais de grandeza para a construção da nação em dedicação tão arrebatada e integral
que não poderia encontrar compreensão nas suas relações familiares
64
.
Regina Abreu aponta mesmo para uma construção paulatina da memória euclidiana, que
envolvia políticos e intelectuais. A autora identifica o que chamou de “sete passos para
a construção da memória”. No primeiro passo, ao noticiar a morte do escritor, os
principais jornais, como O Estado de São Paulo, Jornal do Commércio, Gazeta de
Notícias, Jornal do Brasil, Correio da Manhã publicam os primeiros esboços de sua
biografia. Na ocasião foi comum ser comparado ao guerreiro grego Ulisses, mesmo
sendo um homem de letras laureado, refinado e culto, por aceitar a missão confiada
pelo Barão do Rio Branco. Embrenhou-se em expedição pela Amazônia, como
engenheiro que era, a fim de solucionar a delicada questão dos limites das fronteiras
entre Brasil, Bolívia e Peru. Ao patriota juntaram-se os atributos de herói. Ao homem
inteligente, de origem humilde, foram acrescentadas as condições de visionário
incompreendido e mártir da civilidade. E todo brasileiro, portanto, deveria a ele um
tributo. Morto, coube-lhe, ao menos, o culto da memória.
64
Fonte: Biografia dos Membros da Academia Brasileira de Letras através do site:
http://www.academia.org.br/ Página acessada em 22.08.2008 às 10horas.
75
Nas exéquias, segundo passo na construção da memória euclidiana, o escritor Coelho
Neto, seu amigo, o compara ao naturalista Alexander Von Humboldt, ao volver seu
olhar a um Brasil interior e mostrar não os tesouros naturais, mas principalmente as
riquezas agrestes das nossas gentes, sertanejos, brasileiros esquecidos.
O episódio da morte do escritor, envolvido em um duelo com o lugar-tenente
Dilermando de Assis, amante de sua esposa, ficou conhecido como a “tragédia da
Piedade”. Os jornais acompanharam a formação do processo de Dilermando até seu
julgamento, em 1911. Sua absolvição foi seguida de protestos e juramentos. No
aniversário da morte do escritor, amigos e admiradores decidiram iniciar um movimento
de “protesto” à decisão do júri e de “adoração” à memória do escritor. Estava dado o
terceiro passo, com a fundação do Grêmio Euclides da Cunha. Nascia, assim, o
movimento euclidiano.
Edgar de Mendonça lançou, em 1917, o que chamou de “Plano de Campanha” a ser
referendado pelo movimento. Os membros do Grêmio incumbiram-se de divulgar as
palavras do escritor inicialmente realizando conferências sobre sua obra. Participaram
dessa iniciativa Roquette-Pinto, Basílio de Magalhães, Pacheco Leão, Escragnolle-
Dória, Juliano Moreira, Coelho Neto e Ignácio Amaral. As conferências seriam reunidas
em livro a ser levado a todo Brasil. O Grêmio deveria ainda redigir a biografia de seu
patrono e a obra de Euclides seria estudada e analisada criticamente a fim de
dimensionar sua importância e alcance. Uma estátua do escritor seria posta em frente da
Escola Militar, marco inicial da sua trajetória patriótica. Este quarto passo em prol do
culto euclidiano também incluiu o meticuloso trabalho de levantamento de fontes,
documentos e objetos do escritor, relíquias reunidas pelos incansáveis euclidianos,
transformados em verdadeiros sacerdotes a divulgar as palavras do mestre.
A criação da Sala Euclides da Cunha, em 1917, no Museu Nacional, ao lado da Sala
Humboldt, é considerada por Regina Abreu o quinto passo. Para os euclidianos, era a
póstuma “consagração científica” do escritor. Alçado à condição de proeminente
naturalista, ao lado de Humboldt, seus escritos serviram ao combate das teorias racistas
que ainda vigoravam entre os intelectuais brasileiros.
76
Em 1918, o movimento promove a conferência “Euclides da Cunha naturalista” de
Roquette-Pinto no Conservatório Dramático de São Paulo, motivando importantes
intelectuais paulistas para a difusão da obra euclidiana. O sexto e sétimo passos
referem-se à adesão dos paulistas ao movimento, terminando por transformar a cidade
de São José do Rio Pardo na Meca do euclidianismo.
Francisco Venâncio Filho, em artigo de 1918, elogiava a rara devoção manifestada
pelos rio-pardenses que, desde 1912, anualmente, promoviam uma romaria cívica em
memória do escritor. O ponto alto das homenagens era a visitação à cabana de zinco,
erguida ao lado da ponte metálica sobre o rio Pardo, onde o engenheiro Euclides se
abrigava do sol e da chuva durante suas visitas de inspeção às obras de reconstrução da
ponte. Nos três anos que duraram as obras, Euclides pôde dedicar-se a escrever aquela
que seria sua mais consagrada obra literária: Os Sertões.
Em 1896, Euclides da Cunha ingressa como engenheiro-ajudante na Superintendência
de Obras Públicas do Estado de São Paulo e passa a viajar pelo interior do Estado para
construção de pontes, de edifícios públicos, reconstrução de obras e demarcações de
limites.
Desde 1988, vinha escrevendo sobre questões políticas e sociais para o jornal A
Província de São Paulo (hoje O Estado de São Paulo). Em 1897, escreve um artigo
sobre os revoltosos de Canudos, intitulado “A Nossa Vendéia” referindo-se à luta, na
França, de republicanos e camponeses defensores da monarquia. Naquele mesmo ano, a
convite de Júlio de Mesquita, dono do jornal, segue como correspondente de guerra para
a região dos conflitos. Com o massacre dos seguidores de Antônio Conselheiro e o
conseqüente final dos conflitos, retorna a São Paulo e publica o último artigo da rie
“Diário de uma Expedição”. Em janeiro de 1898, publica no mesmo jornal o artigo
“Excerto de um livro inédito” com algumas idéias que serão desenvolvidas em Os
Sertões (1902)
65
.
65
Cronologia de Euclides da Cunha obtida no site do portal da Academia Brasileira de Letras:
http://www.euclidesdacunha.org.br/cronologia.htm?var_topo=empresa&var_imagem=empresa&var_url1
=cronologia.htm Acessada em 18.07.2007 às 14h38min.
77
Retoma suas atividades como engenheiro e transfere-se para São José do Rio Pardo
onde fixa residência com a família - a esposa Ana Ribeiro e dois filhos - no sobrado da
esquina das ruas Treze de Maio e Marechal Floriano, onde hoje se encontra instalada a
Casa de Cultura Euclides da Cunha, a Casa Euclidiana.
Na cabana de zinco, às margens do rio Pardo e construída a poucos metros das obras de
reconstrução da ponte, Euclides redigiu as primeiras páginas de Os Sertões. Foi
estimulado pelo amigo Francisco Escobar, intendente municipal e homem de grande
cultura, que lhe emprestou livros e reuniu um grupo de intelectuais para a leitura dos
primeiros capítulos. Em maio de 1900, termina a redação e Escobar contrata o sargento
de polícia José Augusto Pereira Pimenta para transcrever os originais em boa
caligrafia
66
.
Desde 1912, os euclidianos de São José do Rio Pardo, celebram a memória do amigo
fazendo a romaria cívica até a cabana de zinco anualmente no dia de sua morte: 15 de
agosto. Os rio-pardenses participam cada vez em maior número dessas romarias e as
celebrações fazem crescer ao longo dos anos. Em 1918 foi inaugurada a efígie do
escritor em placa de bronze sobre um bloco de granito. Em 1925 foi instituído no dia 15
de agosto o Feriado Municipal Dia de Euclides. Em novembro do mesmo ano, foi
criado o Grêmio Euclides da Cunha com 22 membros entre os quais sete que estavam
presentes na primeira romaria. Em 1936 as comemorações passaram a ser organizadas
pela Comissão de Festejos Euclidianos criada pelo prefeito Dr. Luis Gonçalves Jr. Em
1938, atendendo ao pedido do Prof. Francisco Venâncio Filho, o presidente Getúlio
Vargas, através do decreto 25, incorpora a Cabana ao Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional
67
.
66
Os Sertões foi publicado pela Editora Laemmert no Rio de Janeiro em 1902. Fonte:
http://www.euclidesdacunha.org.br/cronologia.htm?var_topo=empresa&var_imagem=empresa&var_url1
=cronologia.htm Portal da Academia Brasileira de Letras. Página acessada em 18.07.2007 às 14h38min.
67
Fonte: TREVISAN, Amélia Fanzolin. Casa de Cultura Euclides da Cunha.
http://www.casaeuclidiana.org.br/historia.asp Página acessada em 17/07/2007 às 11h14min.
78
Fig. 3 Uma das primeiras romarias à cabana de
Euclides, provavelmente em 1915. Acervo da
Casa Euclidiana.
Fig. 4 Redoma de vidro construída para proteger
a cabana tornbada como Monumento Nacional
pelo Iphan em 1938. Ao fundo a ponte metálica.
As manifestações cresciam ano a ano em importância e número e o Dr. Oswaldo
Galotti, médico e euclidianista de Rio Pardo propõe, então, a criação da Semana
Euclidiana. Sempre realizada entre 9 e 15 de cada mês de agosto, a Semana veio atender
às inúmeras manifestações culturais, esportivas e homenagens festivas, não sem certo
constrangimento, realizadas no aniversário de morte do escritor. Coube ao Dr. Galotti a
primeira conferência oficial que passou a ser um dos pontos altos das atividades
programadas da Semana. No ano seguinte, o Prof. Hersílio Ângelo, procurando atrair os
mais jovens ao movimento, criou a Maratona Intelectual Euclidiana, ainda hoje o grande
fator de concentração de estudantes locais e vindos de outros municípios dentro da
programação anual da Semana
68
.
Seis importantes oradores fizeram conferências nessa primeira Semana, entre eles o
Prof. Francisco Venâncio Filho, que foi elo de ligação entre os euclidianos de São José
de Rio Pardo e os intelectuais do Movimento no Rio de Janeiro. A presença do
conceituado professor atraiu caravanas de estudantes de São Paulo, Campinas, Mococa,
São João da Boa Vista, além de centenas de romeiros. O sucesso das primeiras Semanas
Euclidianas demonstrou a necessidade da Comissão de Festejos ter seu próprio espaço
para a organização dos eventos. Venâncio Filho, em sua conferência, evidenciou a
necessidade da criação do espaço apropriado para abrigar todas as atividades que se
concentravam durante a Semana. Já era grande a quantidade de livros, documentos e
objetos relacionados à vida e obra de Euclides recebidos em doação que ficavam
68
TREVISAN, Amélia Fanzolin, opus cit.
79
dispersos em vários locais. Um museu se fazia necessário. Além do mais, um museu
poderia abrigar atividades de pesquisa, consulta e exposição durante o ano todo
69
.
O projeto para criação da Casa Euclidiana existia desde 1938. Por iniciativa do Dr.
Honório de Silos e possivelmente contando com a contribuição do Dr. Galotti, a
proposta foi apresentada para o então secretário de educação, Álvaro Guião. A morte do
secretário interrompeu o empenho administrativo e o projeto caiu no esquecimento
durante o governo dos dois interventores sucessores.
como diretor geral do Departamento Estadual de Informações, em 1946, Honório de
Silos contando com a participação do Presidente do Conselho Estadual de Bibliotecas e
Museus, Affonso d’Escragnolle Taunay
70
, apresentam o projeto para o novo interventor
federal José Carlos de Macedo Soares, que assina o decreto-lei 15.1961 em 14 de agosto
de 1946, instituindo a Casa de Cultura Euclides da Cunha em São José do Rio Pardo.
Fig. 5 Casa Euclidiana em São Jo do Rio
Pardo, antiga residência de Euclides da Cunha e
família . Foto do autor
Fig. 6 Sala de Exposição da Casa Euclidiana.
Foto do autor.
O culto à memória de Euclides não impediu que o interventor federal no governo de um
Estado, ainda durante a vigência do Estado Novo, decretasse a criação de uma casa de
cultura atendendo a uma reivindicação local. De acordo com o Decreto-lei Federal
1202 de 8 de abril de 1939, estabelece que as atribuições dos interventores era proibido
aos Estados e aos Municípios, segundo seu artigo 33, “erguer monumento ou realizar
69
Idem, ibidem.
70
Ambos eram também membros do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo
80
qualquer obra (...) sem autorização expressa do Presidente da República”. A medida
visava ao controle sobre Estados e Municípios que pudessem vir a cultuar outros
“símbolos de caráter local” que não fossem os símbolos nacionais, expressos claramente
no artigo 53 do mesmo decreto: “A bandeira, o hino, o escudo e as armas nacionais”.
O caráter nacional que impregnava a figura de Euclides da Cunha avalizava a iniciativa
e conquistava a anuência da política imposta pelo Estado Novo. Culto, nascido e
formado no Rio de Janeiro e notabilizado por seu republicanismo e pelo serviço à Pátria
nos mais longínquos rincões brasileiros, da Amazônia ao Sertão da Bahia ou ao interior
de São Paulo, Euclides da Cunha era um patrono que servia aos interesses nacionalistas
do Governo de Getúlio Vargas. Seu culto deveria mesmo ser incentivado.
3.2 - O MODELO DOS MUSEUS HISTÓRICOS E PEDAGÓGICOS (1956)
Em 1956, dez anos depois da implantação da Casa Euclidiana em São José do Rio
Pardo, Sólon Borges dos Reis, na época Diretor Geral do Departamento de Educação do
Estado de São Paulo durante o governo de Jânio Quadros, criou os quatro primeiros
Museus Históricos e Pedagógicos. O fato de os museus criados estarem sob a direção do
Departamento de Educação não é fortuito, assim como não o são os moldes em que se
basearam suas estruturas e organização. Uma apreciação nos decretos de criação dos
quatros museus e do decreto de criação da Casa Euclidiana mostra que possuíam muitos
pontos em comum. A começar pela dedicação à construção da memória de um patrono,
os Museus Históricos e Pedagógicos devem muito de sua formatação à implantação da
Casa rio-pardense dez anos antes. O patrono da Casa histórica, Euclides da Cunha,
permaneceu morando com a família durante dois anos em São José do Rio Pardo.
Estava ali dirigindo os trabalhos de reconstrução da ponte metálica sobre o Rio Pardo,
que havia sido destruída após uma enchente. Ali ele escreveu sua obra literária mais
respeitada, Os Sertões, e ali construiu muitas amizades e respeito entre os rio-pardenses.
A Casa Euclidiana veio atender, porém, a um movimento de culto vigoroso desde 1912.
81
O Decreto estadual 26.218, de 3 de agosto de 1956 do governo de Jânio Quadros,
instituía os quatro primeiros Museus Históricos e Pedagógicos nos municípios de
Campinas, Batatais, Guaratinguetá e Piracicaba. Esses quatro municípios foram
escolhidos por serem as bases eleitorais dos quatro presidentes da república oriundos da
força política de São Paulo que tiveram papel destacado na condução do Governo
Federal em seus mandatos. Foram eles: Campos Salles, Prudente de Moraes,
Washington Luís e Rodrigues Alves. A instituição dos museus teria uma dupla
atribuição: a criação de um centro de pesquisa histórica do município somada à pesquisa
histórico-biográfica de seu patrono. Os quatro municípios escolhidos eram as bases
políticas dos seus quatro patronos presidentes e, assim associados, os Museus criados
deveriam constituir-se numa espécie de panteão do republicanismo paulista, juntamente
com o Museu Convenção de Itu criado em 1923. Esse grupo de museus seria, portanto,
o repositório do patrimônio político conquistado desde a Proclamação da República e
que legitimava a liderança de São Paulo frente aos outros estados da Federação.
No texto do Decreto Estadual que oficializa a instalação dos quatro museus, podem-se
observar as ponderações que justificavam suas criações:
“(...)
CONSIDERANDO que incumbe ao poder público cultuar as tradições que possam constituir
patrimônio de honra e de glória para a coletividade;
CONSIDERANDO o papel relevante que tiveram nos destinos da nacionalidade homens que
saídos de São Paulo, governaram a Nação em quadriênios que se tornaram memoráveis;
CONSIDERANDO que os governos de Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves e
Washington Luís, constituem fecundas páginas da História do Brasil e que outra personalidade, a
vida e a obra desses preclaros homens públicos podem e devem ser apontados como exemplos de
dignidade , civismo e capacidade de ação às novas gerações;
CONSIDERANDO que é apreciável o valor dos museus como instrumentos de cultura e educação
do povo e também como elemento de recreação popular e atração turística, podendo constituir
ainda, a serviço da escola, recurso pedagógico de extraordinário alcance;
CONSIDERANDO a conveniência de estudar e divulgar, por meio de Museus Histórico-
Pedagógicos, sediados nas cidades em que nasceram ou projetaram sua vida pública, a obra dos
grandes homens de São Paulo que ocuparam a presidência da República, (...)
71
Como a Casa Euclidiana, os quatro museus criados teriam a incumbência de cultuar a
figura de seus patronos, cujas biografias estavam intimamente ligadas às localidades que
71
Trecho do Decreto estadual nº 26.218 de 3 de agosto de 1956 do governo de Jânio Quadros.
82
os sediavam. Com efeito, era uma estratégia cuja pretensão seria a de estimular nesses
núcleos urbanos a mesma vibração que se verificava em São José do Rio Pardo com
relação à memória de Euclides da Cunha. O culto aos patronos Presidentes da República
teria o papel de despertar o sentimento cívico e o interesse histórico dos cidadãos
conterrâneos do museu e, com isso, despertar o interesse próprio para com a história
local. Porém, é no seu artigo 2 que o Decreto de agosto de 1956 traz uma grande
novidade: a participação de professores e alunos das escolas para a formação dos
acervos dos museus. As organizações desses museus sempre estiveram subordinadas à
orientação da Secretaria de Estado dos Negócios da Educação, por meio do
Departamento de Educação e de seu Serviço de Museus Históricos. Diz o artigo:
Artigo 2º - Os Museus Histórico-Pedagógicos a que se refere este decreto serão instalados
mediante entendimento do departamento de educação com as municipalidades e instituições
culturais das cidades em que forem sediados, competindo às escolas públicas e particulares a
incumbência da coleta e preparação do material destinado aos Museus
.
A organização dos novos museus criados estava submetida a uma Comissão Central,
criada com indicações do Diretor do Departamento de Educação e designada pelo
Secretário de Estado dos Negócios da Educação. Essa Comissão Central teria como
incumbência “emprestar unidade” e coordenar os trabalhos das Comissões Municipais -,
que, por sua vez, estariam envolvidas com as tarefas locais, as instalações e
manutenções dos Museus Históricos e Pedagógicos no âmbito do município,
desempenhando suas funções sob a Chefia de Serviço de Instituições Auxiliares da
Escola do Departamento de Educação. Tal estrutura deixa clara a reprodutibilidade da
organização e evidentemente a possibilidade de expansão para a formação de uma rede
de museus municipais sob a coordenação e chefia da Secretaria de Governo do Estado.
Sólon Borges dos Reis deixou a Diretoria de Educação em 1957, época em que era um
departamento da Secretaria dos Negócios da Educação. Os Museus Históricos e
Pedagógicos ficaram sob a Direção de Vinício Stein Campos, que levou a cabo aquilo
que parecia ser a proposta inicial desse projeto, ou seja, a criação de uma rede de
museus implantados pelo Governo do Estado em parceria com os municípios. Nesse
período, foram criados 79 Museus Históricos e Pedagógicos em todas as regiões do
Estado de São Paulo.
83
Em 1962, Sólon Borges dos Reis retorna à Secretaria a convite do Governador
Carvalho Pinto, agora para ocupar o cargo de Secretário. Vinício Stein esteve, portanto,
sob a chefia de Sólon Borges, de 1962 a 1965, enquanto este ocupou o cargo de
Secretário e não lhe impôs nenhuma restrição quanto à continuidade da rede. Ao invés
disso, em 1958, logo depois de sua saída, solicitou a Vinício Stein a criação do Museu
de Casa Branca, sua terra natal. O Museu Histórico e Pedagógico Visconde de Taunay e
Afonso Taunay foi criado pelo Decreto Estadual 32.203 de 10 de maio de 1958 em
Casa Branca, tendo como um de seus patronos Afonso d’Escragnolle Taunay, falecido
em março daquele ano.
A respeito dos objetivos da criação de tais museus pelo governo de São Paulo, Sólon
Borges procura esclarecer:
O Museu Pedagógico foi uma inovação na estrutura cultural de São Paulo com seu caráter
eminentemente pedagógico. Ali fundiram-se nossa criatividade, espírito de iniciativa e de
empreendimento. A receptividade no Estado foi a melhor possível.(...) Os motivos que levaram a
criação dos primeiros quatro Museus Históricos e Pedagógicos no Estado foram:
1) a necessidade de dotar todo o território paulista, dividido hoje em 645 municípios de centros de
maior desenvolvimento cultural;
2) o Museu é um espaço na área cultural de estímulo à conservação e ao estudo da história
municipal;
3) o Museu, quando devidamente cultivado, pode contribuir para a pesquisa da História do
município a que deve servir. A fim de que não se percam o conhecimento e a interpretação do
passado a História da região municipal, estadual ou nacional;
4) se é pacífico o mérito dos objetivos do Museu, em si mesmo, de modo geral e, em especial, do
estudo, do conhecimento, do que já passamos. É pacífica a convicção de que recorrer à História, é
imprescindível.
Nosso esforço lançando, preliminarmente, os quatro Museus Históricos e Pedagógicos, teve êxito.
Mas, a finalidade pedagógica Museu dinâmico como a Pedagogia é ainda receita para
empenhar a grande rede que seguiu os rastros das quatro primeiras unidades. Pedagogia (na
acepção grega do termo, que descende de Atenas, da cultura helênica) que se manter, a fim de
que o educando tanto quanto o educador, participem da nossa proposta que pressupõe o
envolvimento, não só do estudo como também do pedagógico”
72
O ideário escolanovista empresta o lastro em que se baseia o conceito criador dos
Museus Históricos e Pedagógicos. A aproximação entre museu e escola parece ser um
grande achado que vai ao encontro dessa pedagogia da experiência concreta. Ali no
museu, a escola encontraria o espaço adequado para o estímulo sensorial dos estudantes,
ali os objetos estariam prontos a relatar os fatos e valores sociais, das ciências naturais e
das teses históricas. Deveria ser um contraponto complementar para o espaço do
72
Entrevista concedida à Simona Mizan em março de 2003. (apud MIZAN, 2005: 116)
84
pensamento e da abstração da sala de aula. Além do mais, o museu é um espaço cívico
aberto a todas as faixas etárias e um lugar em que esses valores ganham o sentido mais
amplo da representação social.
A subordinação das ações desses museus à administração estadual é, pelo menos
inicialmente, uma condição incontestável. Somente com a direção do governo estadual,
poderiam esses museus resultar em empreendimentos confiáveis. Eles teriam a função
de perseguir a “verdade histórica”, avalizada pela oficialidade do Governo Estadual,
instância superior a coordená-los. Cria-se, portanto, um discurso e um espaço de
legitimação a reger as histórias oficiais desses municípios.
Em 1957, Sólon Borges deixa o Departamento de Educação de São Paulo e no mesmo
ano passa a presidir o Centro do Professorado Paulista (CPP). No ano seguinte, disputa
uma vaga para deputado na Assembléia Legislativa de São Paulo, onde permanece por
cinco legislaturas. Seu trabalho à frente dos museus paulistas foi abraçado por Vinício
Stein Campos. Natural de Capivari, Vinício Stein estudou em Campinas e em Santa
Bárbara D´Oeste, onde formou-se em Pedagogia, Psicologia e Didática. Era o ano de
1932, justamente quando foi publicado o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”
e seu ideário percorria as discussões dos estudiosos da educação em todo o país. Em
1952, Stein ingressou como sócio no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo,
onde foi primeiro secretário e membro do Conselho Editorial da Revista do Instituto.
Foi diretor da Divisão de Museus, da Coodenadoria do Patrimônio Cultural, da
Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo do Estado de São Paulo. Foi membro de
várias entidades culturais e sociais, bem como colaborador da imprensa paulista.
(MIZAN, 2005: 57)
Ao assumir a Direção do Serviço de Museus Históricos, Vinício Stein Campos redige o
Regulamento dos Museus Históricos e Pedagógicos, publicado como o Ato 19 de 30
de abril de 1957 e assinado pelo Secretário da Educação Vicente de Paula Lima. A
própria existência desse regulamento publicado apenas sete meses depois da criação dos
quatro primeiros Museus Históricos e Pedagógicos deixa evidente a intenção de
reproduzir seu formato. Em seu artigo 1º, o Regulamento define os Museus Históricos e
Pedagógicos como “instituições de caráter educacional e cívico”, onde se exercita o
aprendizado, matendo-se vivo o passado da nação, e em cujos espaços se apresentam os
85
valores desejáveis aos cidadãos e a difusão do “conhecimento da História, Arte e
Literatura da época dos respectivos patronos.”
O mesmo Artigo, em seu parágrafo 3º, estipula a formação e o enriquecimento dos
acervos “mediante doações, aquisições e, sobretudo através de campanhas
desenvolvidas pelos Institutos de Educação e estabelecimentos de ensino
secundário e normal do Estado, de conformidade com planos de trabalho elaborado
pela Comissão Central e os estabelecimentos de ensino”
73
No parágrafo seguinte, o Regulamento deixa clara a estreita ligação entre a pesquisa nos
museus e a produção escolar, quando determina que os “trabalhos de pesquisa, coleta e
preparação do material de interesse histórico realizados pelas escolas oficiais deverão
ser feitos de preferência por intermédio das cadeiras de História Geral e do Brasil,
História da Civilização Brasileira e Educação Social e Cívica”
A figura do patrono ganha especial atenção na organização dos Museus Históricos e
Pedagógicos. Nota-se mesmo pela redação do Regulamento que eles deveriam ter
vínculos muito fortes com a sede do museu a ele dedicado. Especial atenção deveria ser
dedicada à representação da “vida política e social ao tempo dos respectivos patronos” e
para isso o museu deveria empenhar-se nas tarefas de pesquisa e coleta de objetos que
pudessem “compor o ambiente social respectivo”, reconstituindo-o em todos os setores:
“econômicos, agrícolas, industriais, comerciais, políticos, jurídicos, morais, religiosos,
educacionais, lingüísticos, estéticos, administrativos etc.”.
É preciso salientar que, na época em que foi redigido o Regulamento dos Museus
Históricos e Pedagógicos, somente os quatro primeiros museus haviam sido
implantados em Guaratinguetá, Campinas, Batatais e Piracicaba. Dedicados aos
patronos Presidentes da República oriundos de São Paulo, esses primeiros museus
deveriam coletar objetos, documentos, depoimentos e imagens arrecadados entre seus
moradores e instituições. Nesses moldes, tendo sido esgotadas as representações
republicanas pelas cidades do interior, foram criados outros museus cujos patronos eram
totalmente indiferentes ao contexto local. Foi o caso, por exemplo, de São José do Rio
73
Grifo do autor
86
Preto. Ali, em 1958, foi criado o Museu Histórico e Pedagógico D. João VI, onde
certamente seria infrutífera qualquer campanha de captação de objetos que servisse ao
estudo do personagem patrono e sua época.
A idéia de composição de uma rede de museus subordinados ao governo estadual está
presente na organização hierárquica criada pelo Regulamento, mas que vinha exposta
desde o Decreto nº 26.218 que havia criado os quatro primeiros. A idéia de rede já vinha
desenhada pela organização das comissões que deveriam estruturar a futura rede. Em
seu Artigo 3º, define-se a competência da Comissão Central, que “emprestará unidade e
coordenará os trabalhos e a Comissões municipais que se incumbirão das tarefas locais,
as instalações e manutenção dos Museus Histórico-Pedagógicos, sob chefia e jurisdição
da Chefia de Serviço de Instituições Auxiliares da Escola, do Departamento de
Educação”. As Comissões a que se refere esse artigo seriam designadas pelo Secretário
da Educação por proposta do Diretor do Departamento de Educação. O Artigo do
Regulamento vem especificar a composição dos Conselhos Municipais em 7 membros,
“dos quais 1 indicado pela Câmara Municipal, 1 pela Prefeitura Municipal e 5 cinco-
pela Secretaria da Educação.”
Mesmo a estrutura organizacional dos museus estava bem definida pelo Artigo 11º do
Regulamento. Ali vinha mencionada até mesmo a configuração futura dos museus,
prevendo-se o seu crescimento. O modelo estipulado pelo Regulamento reproduzia,
grosso modo e guardadas as devidas proporções, a organização do Museu Paulista.
“Os Museus à medida que se desenvolvem, deverão compor-se de a) Secção de Documentação
Histórica, que compreenderá – 1 – Biblioteca, Filatelia, Mapoteca e Estampas; 2 – Arquivo,
Documentação Fotográfica, Publicações e Intercâmbio Cultural; b) - Secção de Objetos, que
compreenderá: 1 Porcelanas, Cristais, Móveis e Viaturas; 2 Jóias, Miniaturas, Prataria,
Condecorações, Medalhística e Numismática; c) Secção de Serviços Auxiliares, que
compreenderá: 1 Administração, 2 Portaria, 3 Vigilância, 4 Oficina de restauração, 5
Depósito, 6 – Gabinete Fotográfico e 7 – Cadastro”
74
O Decreto 30.324, de 10 de dezembro de 1957, o primeiro depois da publicação do
Regulamento dos Museus Históricos e Pedagógicos, criava os museus dedicados a
Cesário Mota, em Capivari; dos Andradas, em Santos; de D. Pedro I e D. Leopoldina,
74
Artigo 1do Regulamento dos Museus Históricos e Pedagógicos publicado em anexo o Ato 19 de
30 de abril de 1957.
87
em Pindamonhangaba; Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, em Sorocaba e Monções,
em Porto Feliz. Por ele, podemos verificar o esgotamento dos patronos republicanos e a
inclusão de personagens de outros momentos da História do Estado e do Brasil. Porém,
mantinha-se ainda a rigorosa vinculação histórica do patrono com a cidade sede do
museu a ele dedicado.
Em 1958, pela primeira vez, se utiliza a terminologia “rede de museus” no Decreto
33.980 de 19 de novembro de 1958. Com ele também é criada uma classificação que
agrupava os museus por vinculação de seus patronos aos três grandes períodos da
História do Brasil pela ótica do protagonismo paulista. Assim sendo, os museus criados
a partir desse decreto e os outros instalados se distribuiriam em três categorias:
Museus do Período Colonial, do Período Imperial e do Período Republicano. Sendo
assim divididos:
“Artigo 2º - Os Museus do Período Colonial serão os seguintes, com os patronos e as sedes
respectivas: de Martim Afonso de Souza, em São Vicente; de Anchieta, em Itanhaém; de Fernão
Dias, em Penápolis; das Monções, em Porto Feliz; do Morgado de Mateus, em Bauru; de D, João
VI, em São João do Rio Preto.
Artigo
- Os Museus do Período Monárquico serão os seguintes, com as respectivas sedes e
patronos: dos Andradas, em Santos; de D. Pedro I e D. Leopoldina, em Pindamonhangaba; do
Senador Vergueiro, em Presidente Prudente; do Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, em Sorocaba;
dos Voluntários da Pátria, em Araraquara; do Visconde de Mauá, em Mogi das Cruzes; de Afonso
e Alfredo de Taunay, em Casa Branca; de D. Pedro II, em Franca.
Artigo
- Os Museus do Período Republicano serão os seguintes, com as respectivas sedes e
patronos: de Prudente de Morais, em Piracicaba; de Rodrigues Alves, em Guaratinguetá; de
Campos Sales, em Campinas; de Cerqueira sar, em São Carlos; de Bernardino de Campos, em
Amparo; de Cesário Mota, em Capivari; de Jorge Tibiriçá, em Jaú; de Altino Arantes, em Ribeirão
Preto; de Washington Luís, em Batatais; de Fernando e Júlio Prestes, em Itapetininga; de Fernando
Costa , em Pirassununga.”
Foram criados pelo Decreto 33.980 mais 15 museus, sendo 5 dedicados a personagens
históricos do período colonial, quatro, do período Monárquico e seis, do período
Republicano. Além desses, também foram criados os Museus Históricos e Pedagógicos
Cornélio Pires, em Tietê, e Monteiro Lobato, em Taubaté. Esses dois, criados pelo
Decreto 33.909 de 4 de novembro de 1958, foram destinados à “evocação histórica dos
respectivos municípios e ao estudo, preservação e difusão do folclore regional e
nacional (...)”. Portanto, fugiram à classificação baseada nos períodos históricos que
acabara de ser criada para benefício da abertura de novos temas e do estudo de dois
grandes pesquisadores da cultura tradicional paulista tão vinculados às suas cidades de
origem.
88
Ao final do ano de 1958, a rede de Museus Históricos e Pedagógicos contava com 28
museus. Até 1973, outros 51 museus seriam criados, distribuídos eqüanimemente pelo
território estadual, totalizando 79 museus quando da saída de Vinício Stein Campos da
Diretoria do Serviço de Museus Históricos do Estado de São Paulo. (MIZAN, 2005:
168).
A bem da verdade, dos 79 museus criados por decreto, 4 deles nunca foram instalados,
27 foram extintos por diversas motivações e em diferentes datas, 42 foram
municipalizados e 6 permanecem sob administração da Secretaria da Cultura do Estado.
Há que se ressaltar, no entanto, que a despeito de serem iniciativas promovidas por uma
potica governamental, tais museus somente puderam existir graças à ampla participão das
populações locais doando as peças que vieram a constituir seus acervos e à participação dos
professores da rede blica estadual de ensino, de onde saíram os gestores desses museus.
Professores de Hisria eram deslocados de suas atribuições em sala de aula para dirigi-los.
Fig. 7 – Localização dos Museus Históricos e Pedagógicos no Estado de São Paulo
89
Para fomentar e divulgar a cultura dos museus, Vinício Stein cria os cursos itinerantes
dirigidos aos professores da rede pública e particular do Estado de São Paulo. Os
“Cursos de Museologia” eram, na verdade, uma maratona de palestras oferecidas aos
professores reunidos em teatros ou cinemas. Esses Cursos eram ministrados pelo
próprio Vinício Stein Campos e colaboradores. Contavam com o apoio da estrutura da
Rede Estadual de Ensino, que liberava os professores interessados, bem como premiava
com pontuações extras os que obtinham bom aproveitamento. Mediante a apresentação
do certificado de participação no curso, os professores poderiam ascender no quadro de
carreira.
75
Desde 1962, quando foi realizado o primeiro curso na capital, a 1973, foram realizados 134
cursos de Museologia em 93 munipios do interior e foram atendidos 52.296 professores
interessados. (CAMPOS, 1973: 125 vol. II). Vicio Stein fazia verdadeira peregrinação pelo
interior do Estado disseminando seu projeto, encampado pelo Instituto Histórico e
Geográfico de o Paulo, do qual era membro. Vislumbravam a criação de um curso de
museologia em vel cnico a ser oferecido pela rede blica de ensino.
Fig. 8 – Curso de Museologia em Andradina (1970).
Arquivo Vicio Stein Campos - UPPM
Secretaria de Estado da Cultura de SP..
Fig. 9 Vinício Stein entrega certificado de
participação do Curso de Museus a professor de
Porto Feliz Arquivo VSC - UPPM
75
Conforme correspondência de Vinício Stein ao Diretor do Museu de Itápolis, acertando os detalhes
para a realização do curso de Museologia naquela cidade. (Pasta de Itápolis do Arquivo Vinício Stein
Campos sob guarda da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico – UPPM da Secretaria de
Estado da Cultura de São Paulo)
90
Os planos de Vicio Stein também contemplavam a publicão de uma extensa obra de 11
volumes, intitulada “Elementos de Museologia” que deveria tornar-se obra de refencia aos
futuros “muslogos”. Somente os três primeiros desses volumes foram publicados pela
Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo em 1972. Todos os onze volumes, no entanto,
abarcariam os temas fundamentais para o conhecimento do funcionamento dos museus,
como era concebido pelo autor, e estavam assim planejados:
Volume IHistória dos Museus (Europa, Ásia e África)
Volume II – Hisria dos Museus (Arica, Austlia e Suplemento)
Volume III História dos Museus (Brasil)
Volume IV – Técnica de Museus
Volume V Numismática Brasileira
Volume VI – Heráldica e Condecorões
Volume VII Iconografia (Pintura, Escultura e Gravura)
Volume VIII Arquitetura e mobilrio
Volume IX - Arqueologia
Volume X Cerâmica e Cristais
Volume XI – Gliptologia e Index
76
Até 1968, os Museus Históricos e Pedagógicos foram criados e geridos no âmbito da
então Secretaria de Estado dos Negócios da Educação pelo Serviço de Museus
Paulistas, passando para a alçada da cultura, a partir daquele ano, com a criação da
Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo. Durante a década de 90, os museus passam a
ser geridos pelo Departamento de Museus e Arquivos da Secretaria da Cultura, quando
se inicia o processo de municipalização que transferirá para as administrações
municipais 43 desses museus. Outros 27 deles foram extintos, 4 nunca foram instalados
e 6 ainda pertencem à administração estadual.
76
Plano Geral da Obra publicado nas terceiras páginas dos três primeiros volumes impressos.
91
Simona Mizan, em sua tese, descreve a situação atual dos Museus Históricos e
Pedagógicos por meio da análise das ações de diferentes agentes que lideraram a
formação e direção desses museus. A estreita ligação com a rede escolar se dava através
da participação de alunos e professores na identificação e coleta de objetos para compor
os acervos, na definição de conduta sobre temas como memória, história e identidade
dos museus, bem como de sua função pedagógica. A comunidade engajada nas ações, as
esferas de poder estadual e local articulados e a influência do Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo são alguns desses agentes. (MIZAN, 2005: 132)
O museu passa a compor o cenário cultural da comunidade como um teatro por onde se
exibe o desfile da História e da vida locais. São destinados a destacar, com a exposição
da cultura material, os vultos de seus patronos e o processo de criação e
desenvolvimento histórico do município onde está instalado. O que se observa, no
entanto, são acervos homogêneos entre si, não somente quanto à categoria das coleções,
mas quanto às características dos objetos presentes. A forma de aquisição dos objetos
que integram as coleções e o sucesso da empreita da constituição dos acervos estavam
diretamente ligados ao grau de engajamento dos escolares que participaram desse
processo. E esta era uma idéia cara aos educadores da Escola Nova, que viam a
condição da participação de professores e alunos como primordial na organização social
e formadora da sociedade.
Mais que fruto da pesquisa e do levantamento promovido pelas escolas, o modo de
aquisição se deu preponderantemente por meio de doações espontâneas dos habitantes
adultos da comunidade. Esse dado é relevante, uma vez que revela que as doações
obedecem a motivações aquém do interesse histórico/científico, e que passa por
motivações que enaltecem exclusivamente o valor simbólico desses objetos como
atestado do status sócio cultural do doador. Nesse sentido, o museu concebido como um
espaço de exposição das representações históricas acaba por se conformar a um espaço
de reificação, e a seleção de objetos expostos procura demonstrar um grau de
urbanização da comunidade e as conquistas tecnológicas e materiais de uma parte
menor da população.(MIZAN, 2005: 134)
92
A crítica mais contundente aos Museus Históricos e Pedagógicos foi proferida por
Mário Neme, quando era diretor do Museu Paulista entre os anos de 1960 e 1973,
período em que foi contemporâneo do grande avanço que esses museus tiveram pelo
interior do Estado. Mergulhado nas dificuldades de administrar, com orçamento muito
limitado, um museu histórico da importância do Museu Paulista, Mário Neme questiona
a validade de se criar uma série de museus de âmbito municipal, mas com administração
gerida pelo Estado. Para ele, tal política inibiria o surgimento de verdadeiros museus
municipais, contrariando os propósitos da iniciativa. Mais eficiente, segundo Neme,
seria a redução do número de museus geridos pelo Governo Estadual para cinco ou seis
museus regionais. Seus acervos poderiam abarcar aspectos históricos e geográficos,
economia, costumes, artes e técnicas populares da região onde fossem instalados,
desempenhando concomitantemente o serviço de propagador da cultura museológica e
prestando assistência cnico-científica aos “verdadeiros” museus municipais que
viessem a ser criados. (NEME, 1964: 13)
Essas observações de Mário Neme, criticando aspectos fundamentais da constituição
desses museus, acabaram por ser reproduzidas nos decretos do Governo do Estado, a
partir da década de 90, que transferiram para a alçada municipal a gestão e criação de
seus próprios museus, permanecendo sob a administração estadual não mais que seis
museus situados em municípios distribuídos geograficamente descentralizados.
3.3. - A MUNICIPALIZAÇÃO DOS MUSEUS HISTÓRICOS E
PEDAGÓGICOS
Dessa forma, dos setenta e nove museus criados até 1973, durante a gestão de Vinício
Stein Campos, somente seis permanecem sob a administração direta da Secretaria de
Estado da Cultura do Estado de São Paulo. São os Museus Históricos e Pedagógicos:
Conselheiro Rodrigues Alves, de Guaratinguetá; Bernardino de Campos, de Amparo;
Prudente de Moraes, de Piracicaba; Monteiro Lobato, de Taubaté e Índia Vanuíre, de
Tupã. Além desses, o Museu Casa de Portinari, da cidade de Brodósqui, criado nesse
período na casa onde nasceu e cresceu o artista, permanece administrado pelo Estado.
93
Em 1973, foi criado o último Museu nesses moldes, na cidade de Itapira. Foi o Museu
Histórico e Pedagógico Comendador Virgolino de Oliveira, que deve seu nome ao
homenageado industrial itapirense. Vinício Stein Campos permaneceu na direção do
Serviço de Museus Históricos (SMH) da Secretaria da Cultura, Esportes e Turismo até
1976. Desde essa data até 1986, ele dirigiu informalmente a rede de Museus Históricos
e Pedagógicos (MIZAN, 2005: 257). Nesse ano, o governo paulista inverte a orientação
de sua política cultural em relação a esses museus. Com a publicação do Decreto 24.634
de 13.01.1986, criou-se o Sistema de Museus do Estado de São Paulo. Trata-se de um
órgão colegiado, subordinado diretamente ao Secretário de Estado da Cultura e que teria
por finalidade a gestão, coordenação e fomento da cultura museológica no Estado.
Entretanto, entre uma de suas atribuições, tratadas em seu Artigo e especificada no
inciso IV, estava a idéia de promover a adoção de medidas visando à gradual
municipalização de museus estaduais localizados no interior do Estado”.
O Sistema Estadual de Museus deveria ser constituído por um Grupo de Conselheiros
com larga representação e um Grupo cnico de Coordenação do Sistema. Além dos
museus de propriedade do Governo Estadual, o Sistema abria-se para a participação de
entidades municipais e privadas, situadas no Estado, que desejassem participar de uma
política integrada. Visava a um trabalho conjunto para o aprimoramento e
desenvolvimento das atividades no campo da museologia, trabalhos coordenados e
fomento da cultura dos museus. O Artigo 11º, porém, reduzia o passo para a
implantação da medida, deixando claro que a implantação do Sistema ficava
condicionada às disponibilidades orçamentárias e financeiras; dessa forma, a ação
perdeu calor nas sucessivas administrações do governo estadual.
Passados mais de vinte anos depois da criação e implantação do último Museu Histórico
e Pedagógico em 1973, o Governo de São Paulo publica em 1994 o decreto 38.947
que transfere para a alçada dos municípios a administração dos bens e acervos desses
museus. Tal providência se verifica após findarem os trabalhos do Projeto de
Revitalização dos Museus do Interior vinculados ao Departamento de Museus e
Arquivos da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo
77
.
77
Projeto levado a cabo pelo DEMA-SEC, em 1988, composto de dois volumes: vol. 1- Análise do
Diagnóstico e vol. 2 – Propostas. (MIZAN, 2005: 144)
94
A última reorganização da Secretaria de Estado da Cultura do Estado de São Paulo é
recente. É regida pelo Decreto 50.941 de 05.07.2006 que redefine a estrutura funcional
da Secretaria e seus agentes nos diversos setores. Em seu Artigo 13, define a Unidade
de Preservação do Patrimônio Museológico UPPM. Essa Unidade herdou os encargos
do antigo Departamento de Museus e Arquivos da Secretaria da Cultura (DEMA-SEC),
e é a Unidade encarregada de gerir o Sistema de Museus do Estado.
Foi estruturada em três grupos de apoio. Além do Núcleo Administrativo, é constituída
pelo Grupo de Preservação do Patrimônio Museológico e pelo Grupo Técnico de
Coordenação do Sistema de Museus do Estado de São Paulo. Esse mesmo Decreto
define as atribuições do Grupo de Preservação do Patrimônio Museológico. Conforme
explicitado pelo Artigo 51, Iniciso VIII, dentre outras atribuições regulamenta seu papel
disciplinador e gestor dos Museus do Estado em processo de municipalização. Está
entre suas atribuições, em casos de municipalização, estabelecimento de parcerias com
os municípios, extinção ou desativação dos museus estaduais:
“a) equacionar os procedimentos técnico-administrativos relacionados à transferência do acervo,
nos casos citados;
b) determinar as responsabilidades sobre a gestão que serão transferidas, em caso de parcerias com
municípios;
c) determinar o agente municipal, público ou privado, ao qual caberá a gestão local do museu, nos
dois primeiros casos;”
78
O mesmo Artigo, em seu parágrafo único, define a constituição dos museus que
estariam na abrangência do Decreto:
“Para os fins deste decreto, consideram-se entidades museológicas os equipamentos culturais
caracterizados como instituições permanentes, com acervos abertos ao público para finalidades de
estudo, pesquisa, educação, fruição e deleite, e que possuam um quadro de pessoal adequado ao
seu funcionamento.”
79
O Grupo Técnico de Coordenação do Sistema de Museus, por sua vez, é definido pelo
Artigo do Decreto 24.634 de 13.01.1986, que cria o próprio Sistema de Museus. O
mesmo formato do Grupo Técnico foi mantido na atual reformulação da Secretaria,
78
Fonte: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo através do site:
http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/integra_ddilei/decreto/2006/decreto%20n.50.941,%20de%2005.07.200
6.htm Página acessada em 03.10.2008 às 11horas
79
Fonte: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo através do site:
http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/integra_ddilei/decreto/2006/decreto%20n.50.941,%20de%2005.07.200
6.htm Página acessada em 03.10.2008 às 11horas.
95
mantendo-se suas atribuições. Cabe ao Grupo Técnico de Coordenação do Sistema de
Museus do Estado de São Paulo, segundo aquele Decreto:
I providenciar a celebração de convênios entre o Governo do Estado, por sua Secretaria da
Cultura, e entidades, públicas e privadas, municipais, estaduais, nacionais ou internacionais,
visando atingir os objetivos do Sistema;
II administrar os convênios de que trata o inciso anterior e acompanhar o cumprimento de seus
objetivos;
III equacionar, em cada caso de museu estadual a ser municipalizado, os procedimentos técnico-
administrativos dessa transferência, o nível em que tal transferência ocorrerá, bem como o agente
Municipal, público ou privado, ao qual caberá a gestão local do museu;
IV manifestar-se, previamente, sobre a concessão de recursos da Pasta aos museus existentes no
território do Estado;
V – manter cadastro geral atualizado dos museus do Estado;
VI – elaborar programas de divulgação das atividades do Sistema;
VII elaborar e divulgar padrões e procedimentos cnicos que sirvam de orientação aos
responsáveis pelos museus;
VIII – produzir textos e publicações de interesse da área museológica;
IX – promover a realização de cursos de capacitação e aperfeiçoamento técnico de recursos
humanos na área museológica;
X – promover a organização de eventos culturais e educativos pertinentes aos museus;
XI colaborar com o Conselho de Orientação do Sistema de Museus do Estado de São Paulo no
desempenho de suas atribuições, especialmente nos aspectos relacionados à política de aplicação
de recursos para a área museológica.
Este último inciso torna-se sem efeito com a vigência da nova reestruturação da
Secretaria da Cultura, pois extingue o Conselho de Orientação do Sistema de Museus.
Após a publicação do Decreto 50.941 de 5 de julho de 2006, somente o Grupo Técnico
foi mantido.
Com a criação do Sistema Estadual de Museus em 1986, está presente pela primeira vez
a indicação de uma política de descentralização da administração dos Museus Históricos
e Pedagógicos. Presente na redação do texto que decretava a criação do Sistema pelo
governo de Franco Montoro, a idéia vem no bojo das políticas de redemocratização do
país, no fim da ditadura militar em 1985, com o trabalho dos primeiros mandatos dos
governadores eleitos pelo voto direto. O tema havia sido abordado pelas críticas de
96
Mário Neme, no início da década de 60, à rede de Museus Históricos e Pedagógicos que
estava sendo implantada pelo Governo do Estado. Defendia Mário Neme que
verdadeiros museus municipais poderiam ser criados e geridos no âmbito do
município e que empreendimentos como aqueles fariam retardar o surgimento de
verdadeiros museus locais.
Waldisa Rússio
80
também defendia a idéia da municipalização desses Museus e,
concordante com as posições de Mário Neme, sugeria a estruturação de uma política de
cultura para os museus, embasada na municipalização dos Históricos e Pedagógricos, e
a manutenção nas mãos do governo estadual de outros museus estrategicamente
distribuídos pelo território paulista. Estes teriam por sua vez a incumbência de
assessorar os museus municipais de sua região.
Em seminário realizado em maio de 1974, dentro do programa de Seminários
Permanentes do Museu da Casa Brasileira, Waldisa publicou seu texto “Algumas
Considerações sobre uma Política Cultural para o Estado de São Paulo” em que tece
algumas propostas. Entre elas, propõe: “a revisão do conjunto de museus do Estado; a
criação ou transformação de alguns museus municipais em museus regionais, sob a
tutela e manutenção do estado; a entrega dos Museus Históricos e Pedagógicos aos
municípios que possam sustentá-los e dinamizá-los, para que possam ‘realmente se
tornar museus municipais’, aos quais o Estado deverá prestar efetiva assistência técnica
permanente; a devolução à rede escolar, e, portanto, à Secretaria da Educação dos
museus chamados históricos e pedagógicos que se verifique constituírem museus
escolares, ou seja, de mera complementação pedagógica ao ensino formal: a
sistematização da chamada rede de museus do Estado; a manutenção de programa
intersetoriais com a Secretaria de Educação e com as universidades, com vistas à
formação profissional de técnico de nível médio e universitário para os museus”
(RÚSSIO, 1974: 27)
Efetivamente, com a criação do Sistema de Museus do Estado de São Paulo em 1986,
inicia-se uma inflexão na política estadual para os Museus Históricos e Pedagógicos.
80
Waldisa Rússio (1935-1990) integrou o Grupo Técnico do Departamento de Museus e Arquivos da
Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo entre os anos de 1976 e 1978 e participou de um
levantamento técnico sobre a situação dos museus do Estado (Mizan, 2005: 134)
97
Será gestada no âmbito da Secretaria de Cultura do Estado a série de decretos do
executivo estadual que, ainda em curso, procura promover a total transferência para o
âmbito municipal da responsabilidade da gestão e da promoção de políticas culturais
para esses museus.
O Estado promoveu um processo de “patrimonialização” dos acervos dos Museus
Históricos e Pedagógicos ancorado no levantamento iniciado a partir de 1982 e que
transferiu para a Fazenda estadual o patrimônio de seus acervos, estimado em 100.000
itens. O Projeto de Revitalização dos Museus do Interior vinculados ao Departamento
de Museus e Arquivos da Secretaria de estado da Cultura de São Paulo, em 1988, serviu
como base para a elaboração do texto do Decreto 38.947 de 1994, que propõe pela
primeira vez a transferência para os municípios dos acervos desses Museus (MIZAN,
2005: 144)
Reza o preâmbulo do decreto assinado pelo então Governador de Estado Luís Antônio
Fleury Filho, que justifica a ação de transferência:
Considerando a atual política descentralizadora do Estado visando a efetiva co-participação
técnico-administrativa das instituições culturais;
Considerando a relevância da interiorização da cultura e a valorização das manifestações populares
que se consolidam, originando verdadeiras tradições locais;
Considerando que a natureza dos acervos dos Museus Históricos e Pedagógicos pertencentes à
Secretaria da Cultura traduzem, em sua maior parte, características das culturas religiosas e locais;
Considerando que as comunidades locais, em razão da proximidade e facilidade de acesso, detêm
maior interesse em zelar, conservar e ampliar os acervos já existentes nos Museus Históricos e
Pedagógicos localizados no interior do Estado;
Considerando que apesar de criados, muitos Museus Históricos e Pedagógicos ainda não foram
instalados;
Considerando que os municípios onde se acham situados os museus que ora se pretende
municipalizar foram consultados e anuíram expressamente às indagações formuladas;
Considerando os princípios norteadores do Decreto 24.634, de 13 de janeiro de 1986, e
especialmente as conclusões emanadas pelo Grupo Técnico de Coordenação do Sistema de
Museus do Estado de São Paulo, no sentido de uma gradual municipalização dos museus estaduais
localizados no interior do Estado,
O decreto, acompanhado de três anexos, estabelece o modelo de convênio entre Estado
e Prefeituras no que tange às futuras responsabilidades de cada um na gestão desses
museus. Os museus municipalizados permaneceriam no Sistema de Museus e obteriam
98
do Departamento de Museus e Arquivos do Estado orientação cnica, promoção de
intercâmbios, consultoria em projetos museológicos, formação continuada de pessoal
técnico e demais assessorias que visassem ao perfeito funcionamento dessas casas. Ao
município, caberiam as despesas e as responsabilidades com as instalações e
manutenção do edifício, contratação do pessoal a serviço no museu “preferivelmente de:
um museólogo, um historiador, um pesquisador, um orientador pedagógico, um
escriturário e um monitor”. Os anexos ao decreto traziam a relação de museus com os
quais a Secretaria da Cultura do Estado poderia firmar convênios visando à
transferência patrimonial (anexo II), relação de museus a ser extintos (anexo III) e o
modelo de contrato a ser firmado em Estado e municípios para efetivação da
transferência (anexo I).
O Decreto 39.395 de 19 de outubro de 1994 apenas corrige as listas de museus
apresentadas pelos anexos II e III do Decreto nº 38.947.
Seis anos depois, em 03/03/2000, o governador Mário Covas publica o Decreto nº
44735, que autoriza a doação, a municípios paulistas, dos acervos dos museus
pertencentes à Secretaria da Cultura localizados no interior do Estado. Justifica as
medidas expressas pelo decreto destacando a identidade histórica e artística dos acervos,
a necessidade de maior integração dos equipamentos museológicos com as
comunidades, a integração desses acervos ao patrimônio público municipal para que ali
permaneçam definitivamente e o interesse manifestado pelos municípios. Também
considera os aspectos técnicos e funcionais aferidos pela área museológica da Secretaria
da Cultura e a permanência dos museus municipalizados no Sistema Estadual de
Museus, recebendo orientação técnica necessária do Grupo Técnico.
O decreto não especifica nenhuma contrapartida orçamentária de ajuda para que os
municípios pudessem gerir e, menos ainda, investir na melhoria dos museus. Mesmo
assim, enumera, em Anexo, 41 museus a terem seus acervos doados e municipalizados.
Vinte e um a mais que o decreto de 1994. Com efeito, o Decreto de 2000 procura
contornar os entraves que vinham arrastando o processo de transferência da gestão dos
museus para os municípios, procedimento que se verificou ineficaz, oferecendo os
acervos em doação.
99
Novos entraves legais se interpuseram, obrigando o Governo Estadual em 18 de março
de 2008 a enviar à Assembléia Legislativa o Projeto de Lei 172 que estabelece novos
medidas para atender aos ditames do artigo 272 da Constituição do Estado e da Lei nº
9.475, de 30 de dezembro de 1996, que regem os procedimentos de
transferência de bens públicos estaduais. O Projeto de Lei permanece
tramitando na Assembléia Legislativa, alimentando debates e suscitando
emendas como a do deputado Roberto Felício, que propõe o acréscimo de artigo
obrigando a Secretaria da Cultura a repassar a verba prevista no Plano
Plurianual 2008/2011 aos municípios, verba esta destinada à manutenção dos
museus sob a tutela daquela Secretaria.
Na Mensagem do Governador nº 12/08, que apresenta o Projeto de Lei 172,
estão expressas brevemente as razões que explicam o fato desse processo de
municipalização dos museus se arrastar desde 1994, quando saiu o primeiro
decreto com esse intuito. Diz a Mensagem assinada pelo Vice Governador em
Exercício Alberto Goldman:
(...)o Decreto nº 38.947, de 26 de julho de 1994, autorizou a celebração de convênios
para a transferência, aos municípios, da administração dessas instituições. Todavia,
como a mera gestão desses equipamentos culturais não se mostrou bastante, e em
reconhecimento aos esforços já empreendidos com vistas à sua composição, manutenção
e disponibilização ao público, sobreveio o Decreto nº 44.735, de 3 de março de 2000,
que dispõe sobre a doação dos acervos e bens móveis dos museus estaduais, na forma e
nas condições especificadas.
Trata-se, agora, de consolidar a política de municipalização
dos museus paulistas, mediante adoção de providência que permita a integração ao
patrimônio dos municípios, em caráter definitivo, dos bens culturais que compõem o
acervo das unidades museológicas do Estado instaladas em seus territórios.
81
Pelo conteúdo e pelo suceder dos decretos estaduais, podemos perceber que a
matéria não é bem quista nem pela burocracia estadual e nem pelos governos
municipais, despreparados para dar continuidade condizente à gestão dos
Museus Históricos e Pedagógicos. Promover seu desenvolvimento no âmbito
municipal passaria obrigatoriamente por amparar financeiramente e
81
Fonte: Site da Assembléia Legislativa do estado de São Paulo
http://www.al.sp.gov.br/portal/site/Internet/BuscaSPL?vgnextoid=edf5230a03a67110VgnVCM10000059
0014acRCRD&method=searchExt&UTFEncoded=true&texto=projeto+de+lei+172+2008 Página
acessada em 27.10.2008 às 16h30 min.
100
tecnicamente as prefeituras, numa proposta de gestão compartilhada, o que não
parece ser a iniciativa dos governos estaduais que se sucederam.
101
Catulo IV
OS MUSEUS EM PEQUENAS CIDADES PAULISTAS
O Estado de São Paulo tem 646 Municípios
82
, dentre o quais 524 têm menos de 50 mil
habitantes. Somadas, atingem o número de 6.909.100 habitantes o que representa 17,5%
da população total do Estado. Esses pequenos municípios estão bem distribuídos por
todas as regiões do interior, litoral e mesmo presentes na grande região metropolitana
centralizada pela capital, caso dos municípios de Vargem Grande Paulista, Rio Grande
da Serra, Pirapora do Bom Jesus e outros.
Dentre os 524 municípios com menos de 50 mil habitantes, somente uma pequena
parcela deles (19%) têm um ou mais museus, ou seja, 100 municípios possuem120
museus. Estes municípios estão distribuídos pelas regiões do Estado de São Paulo da
seguinte maneira: 21 municípios na região de Ribeirão Preto, 17 municípios da região
de Bauru, 14 municípios da região de Campinas, 9 municípios em cada região de
Sorocaba, São José do Rio Preto e Presidente Prudente, 8 municípios na região de São
José dos Campos, 7 municípios na região de Registro, 3 municípios na região de
Araçatuba, 2 municípios da Grande São Paulo e um município localizado no litoral.
Uma primeira categorização que se pode depreender, por meio da apreciação mais
imediata de seus acervos, é a distinção entre os museus, cujos acervos foram sendo
reunidos não por um programa pré-determinado, mas senão pela intenção de promover
um espaço de culto da memória, em contraposição aos museus que desde o projeto
inicial visavam à abordagem de um tema específico. Aqui chamaremos os primeiros de
museus históricos, para distingui-los dos museus temáticos.
Dentre os 120 museus pesquisados, 85 deles encaixam-se na categoria de museus
históricos e 35 deles na de museus temáticos. Vale ressalvar que, a rigor, todo museu é
fruto de uma intenção de cultura da memória e, nesse contexto, todo museu é histórico.
Porém, para efeito de análise e compreensão das iniciativas que em pequenos núcleos
urbanos se propõem a construir esses locais de rememoração, designamos museus
82
Fonte: Fundação Sistema de Análise de Dados - SEADE. Levantamento de 2005.
102
históricos aqueles espaços destinados ao estímulo sensorial dos objetos do passado a
fim de se apreender aspectos do conhecimento histórico de seu meio social. De
temáticos, chamamos as propostas museológicas cuja especificidade determina o
alcance de seu acervo e até certo ponto restringe seu universo de atuação.
4.1. - MUSEUS HISTÓRICOS E/OU MUSEUS DE ARTE
A moderna configuração de museu histórico e principalmente das formas de exposição
remontam à França do final do século XVIII e início do século XIX, quando surgiram
inovações expositivas, como o ordenamento cronológico dos objetos obedecendo à sua
evolução, coerente com um projeto de museografia. A galleria progressiva organizada
por Alexandre Lenoir é responsável por trazer a cronologia como elemento de
significação à exposição museológica, com a criação do Musée des Monuments
Français em 1795. A outra inovação na exposição museológica, ocorrida 20 anos
depois, surge na época da montagem da sala Chambre de Françoir I no Musée de
Cluny por Alexandre du Sommerard, que fez a ambientação de um antigo aposento do
rei, com todo o mobiliário e todo o luxo dos panejamentos, armas e objetos pessoais,
fazendo parte da exposição sobre um período histórico da França do início do século
XVI . (MENESES, 1994: 15)
O modelo de museu histórico no Brasil descende mais do modelo americano do que do
europeu. Nos Estados Unidos, sob influência dos iluministas europeus, os museus são
parte de uma série de ações que busca a efetivação de um projeto de nação. Para nossos
museus, a existência dos museus de História Natural, onde a Antropologia entra por
estreita afinidade e a História ganha seu papel contribuindo com seu caráter “evocativo
e celebrativo”
83
, serviu de ponto de partida.
83
O professor Ulpiano aponta a similaridade evolutiva entre os museus brasileiros e os norte-americanos.
Estes, descendendo do iluminismo europeu, acrescentam aspectos muito próprios da terra nova em busca
da formação de seus cidadãos ao conhecimento e à valorização de seus ideais republicanos. Educação
popular, profissionalismo nascente nas ciências e nos museus, a existência de sociedades históricas e
arquivos, bem como a tecnologia como um bem em crescente valorização fazem a distinção do modelo
americano que almejávamos.
103
Somente na década de 20 é que passa a existir mais claramente a distinção do museu
histórico como uma “categoria” de museu e é certo que o acervo desses museus colhido
empiricamente dentro do espaço social a que pertencem é elemento decisivo para essa
categorização. É o objeto colecionado, o semióforo da expressão criada por Krzstof
Pomian (1978: 3-54) que dará o caráter histórico ao museu e não o contrário. Por outro
lado, ressalta-se que essa afirmação não nega a atribuição essencial dos museus em
geral, que é de validar e dar sentido aos objetos.
De qualquer maneira, o conceito ainda vigente é de que museus históricos se ocupam de
“objetos históricos”. E essa determinação, no caso dos museus locais, deve-se em
grande medida aos critérios do colecionador desses objetos e seus conhecimentos,
socialmente reconhecidos, que dão sentido e importância para cada peça. Isso também
contribui para que esses museus sejam museus de objetos (cultura material) menos que
museus de tecnologias, métodos e idéias. Métodos e tecnologias vêm subentendidos e
trabalhados num segundo plano. A visualidade e, mais que isso, a materialidade dos
objetos é que fazem a ancoragem de sua importância histórica e de seu valor como
documento.
O caráter histórico, porém, não pode ficar exclusivamente dependente dos mesmos
critérios e conhecimentos que geraram as coleções. Outros cruzamentos devem fazer
parte da montagem e do desenvolvimento de acervos dos museus históricos. O
cruzamento das informações advindas de diferentes abordagens sobre uma mesma
quantidade de objetos ou, por outro lado, diferentes objetos que confirmem a tese de
uma abordagem, deve fazer parte da dinâmica de constituição do acervo e
principalmente da elaboração de exposições históricas.
Dentre os museus históricos levantados (85), um grande número deles (49) agrega em
seus acervos obras de arte (pintura e escultura) par a par com “objetos históricos”. Essa
licença está mais relacionada a uma cultura da visualidade que à valorização do fazer
artístico e da arte e suas técnicas como conhecimento histórico. Mesmo porque grande
parte das obras de arte integradas a esses museus são reproduções de fotografias
ampliadas na tela e coloridas em diferentes técnicas, segundo critérios quase
exclusivamente subjetivos. São contribuições à visualidade dos fatos e lugares
104
históricos, destinados a atrair o interesse do visitante e a sensibilizá-lo, com inegável
perda do rigor para uma abordagem histórica.
Cabe aqui ilustrar a difícil convivência entre objetos históricos e obras de arte no âmbito
de um museu histórico. Num museu de arte, uma obra de arte está inserida num
contexto de história dos temas (iconografia), das técnicas, das formas e das idéias que
nutriram os movimentos artísticos e estéticos sem sejam explorados sistematicamente
esses elementos que denotam o modus vivendi da sociedade onde tais obras foram
criadas. Já num museu histórico, telas e esculturas tendem a ser valorizados como
documentos iconográficos de eventos ou processos históricos, sem a sua valorização
como produto artístico. Foi para preservar sua importância artística que 14 telas de
importantes artistas que integravam o acervo do Museu Paulista foram transferidas para
a então nascente Pinacoteca do Estado (um museu de arte), no início do século XX.
As obras de arte cumprem outras funções que podem ser muito bem exploradas no
museu histórico. Cada obra é um veículo, um documento posto à nossa disposição, que
carrega indícios de como se pensava nos moldes da época em que tais obras foram
produzidas. Exemplo reluzente é a tela “Fundação de São Vicente” de Benedito Calixto,
produzida em 1900, exposta no Museu Paulista, e que nos é muito útil, não pela
composição histórica e visual daquele momento em 1532, mas como “veículo do
imaginário da virada do século XIX, relevante para o conhecimento de conceitos
oitocentistas e representações que se reportam à cidade, território, instituições,
colonização, relações inter-éticas etc”. (MENESES, 1992: 22-25)
4.2. - OBJETOS E UTENSÍLIOS
Utensílios domésticos, armas e instrumentos de trabalho e lazer são outras categorias de
objetos muito presentes nos museus levantados e que merecem apreciação detalhada.
Um amplo espectro de significados pode ser a eles associado e que
, no entanto, na
grande maioria dos casos, são expostos pura e simplesmente por serem objetos antigos,
desvinculados de um contexto sócio cultural de uso.
105
Primeiramente, cabe destacar a necessidade das diferentes abordagens a que o museu
deve se propor. É demasiado limitante que tais objetos sejam submetidos a uma única
linha de exploração que lhes atribua um significado oficial em detrimento da riqueza de
interrelações que possam vir a ter com outros objetos. Um aparelho de rádio, produzido
na década de 40 é um “semióforo” da tecnologia empregada, mas também uma proposta
de design, um ícone da cultura de massa ou um símbolo de status para seus possuidores
na época etc. Esse rádio, portanto, pode muito bem ser aproveitado e integrar diferentes
exposições em que cumpra papéis variados.
A exposição, dessa forma, é o campo fecundo a permitir essa variação de significados
que podem ser atribuídos aos objetos. Um dilema, porém, pode se fazer presente: o
objeto seria auto-suficiente para dizer tudo de si, dentro de uma exposição? Mesmo que
esteja ricamente relacionado com os demais objetos, é questionável que prescinda de
suportes complementares como textos, fotos ou gráficos estatísticos que o auxiliem na
compreensão de seu papel naquele instante e lugar. Do contrário, se poderia cair na
mera fetichização do objeto, estruturado em si mesmo e desarticulado da riqueza de
conhecimento de suas potencialidades. Deve-se tomar cuidado para que os objetos não
sejam “ilustrações” das legendas, ou personagens de longos textos, sendo estes os
verdadeiros protagonistas das exposições. A contemplação reflexiva deveria ser a razão
da existência das exposições e o acervo, a sua base de apoio.
4.3. - CONTEXTUALIZAÇÃO
A contextualização muitas vezes é confundida com reconstituição de época no ambiente
do museu. Tal reconstituição de época pode ser aceita como uma das muitas
possibilidades de fazê-lo. Desse modo, tornam-se inócuos certos procedimentos
museológicos que visam ao cenário original ou, pior ainda, torna-se falso como conceito
de realidade original. Ao se fazer uma exposição, também se estará fazendo história. O
mundo do museu é necessariamente o mundo do historiador, que “assim como o mundo
do cientista não é uma cópia fotográfica do mundo real, mas antes um modelo funcional
106
que lhe possibilita mais ou menos eficazmente compreendê-lo e dominá-lo” (CARR,
1961: 87).
Os frutos das pesquisas não podem representar toda a complexidade da realidade de
qualquer época.. Por isso, trabalhos de restauro, museografia ou a mais bem
contextualizada das exposições jamais conseguirão abolir a distância entre a realidade e
a representação. Como afirma Nestor Canclini, toda e qualquer exposição que se valha
de objetos, será sempre uma exposição que “fala sobre” eles. Não devemos ter a
pretensão de querer que “falem por si”, ou que resguardem toda a complexidade da
realidade em que primordialmente foram inseridos. O museu e qualquer política
patrimonial devem tratar os objetos, os edifícios e os costumes de tal modo que, mais
que exibi-los, torne as relações entre eles inteligíveis, propondo hipóteses sobre o que
significam para aqueles que, hoje, os observam. (CANCLINI, 1989: 189).
4.4. - FOTOGRAFIA COMO DOCUMENTO HISTÓRICO
O culo XX foi pródigo em produzir imagens. Tudo se tornou acesvel aos nossos olhos,
a o que antes era somente imaginável. Foi o momento em que a vio tornou-se o nosso
principal canal de comunicação com a realidade da cultura, nosso sentido mais explorado.
Ver tornou-se nossa mais importante arma de defesa para a sobrevivência na metrópole,
violenta, mergulhada no caos sonoro, pida e grande demais para as propoões do corpo
humano. A vio nos permitiu sobreviver nas cidades inchadas doculo XX por que ante
com precio e maior distância o nosso espaço de estar em segurança. Garantiu a
possibilidade de atravessarmos uma avenida na faixa de pedestre ou de dirigir um automóvel
à velocidade de 100 Km/h monitorando os obstáculos que estão até 30 metros a nossa frente.
A vio permitiu que, num deslocamento corriqueiro ao longo de uma grande avenida,
pussemos ser bombardeados por uma quantidade o grande de informações que um
homem na Idadedia o receberia durante toda a sua vida.
Meios de expressão visual mecanizados como a fotografia e o cinema, surgidos no culo
XIX, chegaram às os do cidao comum, urbano, no culo XX. Os inventos foram
ganhando derivões e aperfeiçoamentos cnicos inimagináveis para seus inventores. Novas
107
tecnologias se juntaram de maneira que hoje podemos ver, por meio da tradão em luz
vivel, os raios de luz invisíveis provenientes de pontos remotos do universo aonde nunca
chegaremos. Técnicas avançadas na produção de imagens permitiram que pussemos
enxergar o invivel. Além disso, podemos ver o feto em gestão, manipular aslulas para
sua conceão, podemos ver a imagem derus, das moléculas e dos átomos e suas
partículas. Conforme os meios de prodão de imagens, sons e informação foram sendo
popularizados, ao longo da primeira metade do século XX, ampliou-se enormemente a nossa
capacidade de registro de imagens, idéias e planos tanto por profissionais de diversas áreas
no exercio de seu trabalho, como por indivíduos interessados no registro de um evento,
lugar, pessoa ou obra.
Durante os trabalhos de pesquisa e levantamento, pudemos constatar a existência de uma
quantia enorme de documentos e registros de manifestações arsticas, de interesse histórico
e cultural, em pelo menos 45 museus. Coleções de fotos, filmes, jornais e revistas que
documentaram, profissionalmente ou o, a vida das cidades.
Tanto essas coleções existentes nos museus pesquisados, como os acervos em os de
colecionadores particulares podem ser reunidos e acolhidos, receber tratamento voltado ao
interesse social e ser divulgados como produto cultural de um povo. Esse patrimônio ainda
o plenamente levantado ou avaliado pode tornar-se produtiva fonte de pesquisa e
documentão.
O trabalho dos museus deverá criar a interface entre os diversos acervos e coleções de meios
visuais com os públicos interessados, estabelecendo uma relação propícia e incentivadora
para a divulgão do conceito de Meria e sua importância na vida, formação e
transformão de nossas cidades.
A fotografia, como todo registro documental visual, é uma possibilidade de veículo de
sentido. Ao discutir a interpretação iconogica das fotografias, tendo como orientação a
metodologia para análise de imagens desenvolvida por Panofsky
84
, o Prof. Boris Kossoy
alerta para os perigos de se buscar uma “reconstituão da realidade passada” na medida em
que:
A fotografia ou conjunto de fotografias não reconstituem os fatos passados. A fotografia ou um
conjunto de fotografias apenas congelam, nos limites do plano da imagem, fragmentos desconectados de
um instante de vida das pessoas, coisas, natureza, paisagens urbana e rural. Cabe ao intérprete
84
PANOFSKY, Erwin. Significado nas Artes Visuais. São Paulo: Perspectiva, 1979
108
compreender a imagem fotográfica enquanto informão desconnua da vida passada, na qual se
pretende mergulhar.” (Kossoy, 2001: 114)
Aos museus cabe a promoção da utilização do material por professores, alunos,
pesquisadores, artistas e outros profissionais interessados em trabalhar com a história do
cleo urbano em que estão inseridos.
4.5. - O MUSEU COMO ESPAÇO DE RECONHECIMENTO
Dos Museus Históricos e Pedagógicos instalados em cidades paulistas com menos de 50 mil
habitantes
85
conta-se 21 do total de 79 criados. Para efeito de estudo desses museus foi
destacado o Museu Hisrico e Pedagico Alexandre de Gusmão do munipio de Itápolis
(38.633 hab.).
A situação atual do Museu de Itápolis parece dar razão às críticas de Mário Neme à
forma como foram implantados os Museus Históricos e Pedagógicos no Estado de São
Paulo
86
. Municipalizado em 2001, o museu de Itápolis sofre com a falta de direção e
seu rico acervo estimado em 5.000 peças encontra-se a espera de um trabalho
museológico que lhes dê sentido. O museu não dispõe de quadro de pessoal permanente.
Conta com o trabalho temporário de 4 estagiários, estudantes universitários, que
auxiliam na visitação de estudantes oferecendo um muito limitado serviço de
monitoria.
87
Mas, contrariando a argumentação de Mário Neme, o Museu de Itápolis nasceu a partir
de uma solicitação do Prefeito Municipal, como atesta o ofício datado de 19 de junho de
1965 dirigido ao Secretário de Estado dos Negócios da Educão. Nele o prefeito
solicita “a especial gentileza de determinar ao órgão competente dessa Secretaria,
estudos que se fazem necessários para instalação, nesse município, de um Museu
Histórico e Pedagógico, para que a população itapolitana possa receber, em
85
Fonte IBGE. Contagem da população 2007 através do site:
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 Página visitada em 07.11.2008 às 13:00 hs.
86
Ver NEME, 1964: 13.
87
Visita técnica em 03.05.2007
109
conhecimentos, os benefícios que advirão da medida”
88
. Fica claro que a Prefeitura
local não se punha em condições de, sozinha, desenvolver o projeto para implantação do
museu e que o consórcio com o governo do estado se revelava necessário.
Nota-se, portanto, que a expansão da Rede de Museus Históricos e Pedagógicos, em
meados da década de 60, não era unicamente o prosseguimento de uma estratégia
unilateral do governo estadual. No mesmo ofício, o prefeito solicitante esclarece que
“para facilidade dos estudos, que esta municipalidade se dispõe a fornecer, sem ônus
para essa Secretaria, as acomodações necessárias para os fins em vista.”
89
Um aspecto bastante pitoresco do trabalho dos Museus Históricos e Pedagógicos estava
na obrigatoriedade do culto ao papel histórico de seus patronos e mesmo na criação de
acervo referente a esses patronos. O patrono, portanto, deveria ter estreita relação com o
município sede do museu, de onde poderia advir objetos em doação, documentos e
outros objetos de cultura material que pudessem testemunhar sua vida e obra. No caso
do Museu de Itápolis chegou-se à escolha de Alexandre de Gusmão por um caminho
bastante tortuoso. O perímetro do município é cortado pela imaginária barreira do
meridiano de Tordesilhas, limite entre as terras americanas de Portugal e Espanha. Essa
fronteira política vigorou até a metade do século XVIII, e foi tão emblemática para os
historiadores da saga dos bandeirantes por terem sido os responsáveis por sua
transposição e anexação da grande extensão que integrava a América espanhola ao
território brasileiro. Coube a Alexandre de Gusmão, nascido em Santos em 1695, o
importante trabalho diplomático prestado à coroa portuguesa que culminou com a
assinatura do Tratado de Madri, em 1750. Nesse tratado se reconheciam portuguesas as
terras exploradas e habitadas pelos descendentes daqueles desbravadores.
Obviamente distante de qualquer traço material que remetesse à figura histórica de
Alexandre de Gusmão, o Museu de Itápolis teve de contornar essa lacuna com a criação
de um acervo de reproduções da iconografia disponível, retratos e fac-símiles
publicados em fascículos, medalhas comemorativas, cópia de documentos e de trabalhos
historiográficos sobre o patrono. Essa era mesmo uma exigência do Serviço de Museus
88
Ofício do Prefeito Municipal Emílio Mucari ao Secretário Estadual dos Negócios da Educação Ataliba
Nogueira.
89
Idem, Ibidem.
110
Históricos constantemente cobrada aos dirigentes dos museus. Vigorava ainda uma
orientação de uma historiografia que cultivava o personagem, o vulto heróico, como
protagonista do processo histórico.
90
A direção exercida pelo Serviço de Museus Históricos sobre os Museus Históricos e
Pedagógicos ia além do trabalho restrito do cotidiano do museu. Bastante ilustrativa é a
resposta do museu a uma solicitação do CONDEPHAAT. Dirigido à diretora do
Condephaat Lucia Pisa F. M. Falkenberg e ao membro do Conselho, Vinício Stein. O
ofício 22/1969, datado de 10 de setembro, enumera os bens do município
considerados patrimônio histórico e artístico levantados a critério do próprio diretor do
Museu de Itápolis a pedido daquele Conselho. Fazem parte dessa lista de bens históricos
e artísticos a praça Pedro Alves de Oliveira que recebeu o nome do fundador da cidade,
e onde se encontra o obelisco, o belvedere e o marco do meridiano de Tordesilhas
erguido quatro anos antes. Consta ainda a antiga casa paroquial, o confessionário e o
altar-mor da igreja matriz e o Palácio da Cultura, antigo prédio do Fórum e cadeia,
cedido pelo governo estadual para a acomodação do próprio museu.
Fig.10 Museu Histórico e Pedagógico
Alexandre de Gusmão em Itápolis. Antigo prédio
do Fórum e Cadeia. Foto do autor.
Fig. 11 Belvedere, obelisco e marco do
meridiano de Tordesilhas com o prédio do museu
ao fundo. Foto do autor.
90
Em resposta ao ofício 57/73-SMH, datado de 26.02.73, do Serviço de Museus Históricos, José Toledo
de Mendonça apresenta um relatório do levantamento de todo o acervo constituído pelo Museu de Itápolis
relacionado com o patrono Alexandre de Gusmão. Entre os itens enumerados constam, recortes da revista
“Personagens da Nossa História” emoldurados, selo comemorativo, biografia e a medalha Alexandre de
Gusmão oferecida ao acervo do Museu pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Arquivo
Vinício Stein Campos, volume Itápolis, página 61. Ofício 53/73, datado de 03.03.1973 e assinado.
111
Os Museus Históricos e Pedagógicos eram dirigidos por professores da rede estadual
designados para o cargo. O vínculo que o Museu de Itápolis mantinha com o Serviço de
Museus Históricos da Secretaria Estadual da Educação
91
era de inteira subordinação
embora o professor aposentado José Toledo de Mendonça não pertencesse mais aos
quadros daquela Secretaria e todos os recursos humanos e materiais que o Museu viesse
necessitar deveriam ser supridos no âmbito municipal.
Havia, entretanto, a auxiliá-lo
nos rumos e decisões mais importates, o Conselho Municipal do Museu, formado,
segundo o artigo do Regulamento dos Museus Históricos e Pedagógicos do Estado,
por 7 membros, iminentes cidadãos locais
92
.
O primeiro Conselho do Museu Alexandre de Gusmão foi constituído por Caetano
Gentile, um funcionário público estadual; Roque Lapenta, agente de seguros; Francisco
José Santarelli, professor, dentista e vereador; Tarquínio Belentani, proprietário rural e
vereador; Expedito de Luca, proprietário rural e vereador; Luiz Mário Gentile,
jornalista, historiador e professor aposentado; e José Manoel da Rocha que segundo o
relato de José Toledo de Mendonça “era proprietário de largo círculo de amizades no
município.”
93
Em 1967 em prestação de contas anual ao Diretor do Serviço Vinício Stein, José Toledo
de Mendonça salienta que o Museu durante todo aquele ano não havia recebido
qualquer tipo de verba municipal ou estadual.
94
Em outro relatório, dessa vez de 1973, seu diretor, estando à frente do Museu desde sua
fundação, procura sensibilizá-lo solicitando-lhe uma ajuda de custos. Diz o relatório:
91
A partir de 1968 os Museus Históricos e Pedagógicos passaram a se subordinar à Secretaria da Cultura
criada naquele ano.
92
Conforme o Ato 19 da Secretaria de Estado dos Negócios da Educação , de 30 de Abril de 1957
determina que os Museus em sua organização e administração deveriam ser auxiliados pelos Conselhos
Administrativos locais compostos de sete membros dos quais 1 indicado pela Câmara Municipal, 1 pela
Prefeitura Municipal e cinco pela Secretaria da Educação.
93
Fonte: Relatório anual para o exercício de 1967 do Diretor do Museu José Toledo de Mendonça
dirigida ao diretor do Serviço de Museus Históricos do Estado de São Paulo Vinício Stein Campos.
Arquivo Vinício Stein Campos da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico – UPPM - da
Secretaria de Estado da Cultura.
.
94
Idem.
112
Em 21 (vinte e um) de janeiro de 1974, o nosso Museu completará 7 anos de existência. Tenho
me dedicado a ele, como sempre, com real satisfação, sem nenhum auxílio do Governo do Estado,
o qual poderia dar-me uma ajuda pró-labore, pois continuo dando do que é meu para mantê-lo em
atividade progressista”
95
O trabalho de José Toledo de Mendonça certamente mereceria mais reconhecimento e
melhor paga. O Museu Histórico e Pedagógico Alexandre de Gusmão de Itápolis foi
criado pelo Decreto Estadual 46.795 de 22 de setembro de 1966 e instalado
provisoriamente em uma das salas da Prefeitura Municipal em 21 de janeiro de 1967.
Em 17 de novembro de 1966, conforme ato da Secretaria da Educação o professor José
Toledo foi designado para instalá-lo sem ônus para o Estado. Desempenhou a função
com grande proveito e crescimento para aquela Instituição.
O Museu, durante sua gestão chegou a receber em doação mais de 5.000 peças que
foram sendo cuidadosamente organizadas. em seu primeiro ano de existência seu
acervo contava com 1.817 objetos distribuídos nas seções “de peças religiosas,
numismática, música, fotografias, documentos, mapas, plantas, jornais, cerâmica,
armas, filatelia, medalhas, objetos de montaria e viaturas, iluminação, objetos de uso
pessoal, discoteca, biblioteca, folclore, utensílios domésticos, instrumentos de trabalho,
materiais de construção, pinacoteca, revolução paulista, pedras e minérios” e outros.
Para sua instalação contou com mobiliário de segunda mão cedido por particulares e por
repartições púbicas estaduais, reformados pelos funcionários da Prefeitura.
Fig.12 Peças etnográficas em exposição no
Museu Alexandre de Gusmão. Foto do autor.
Fig. 13 Sala dos objetos sacros provenientes
da igreja matriz de Itápolis. Foto do autor.
95
Ofício nº 55/73 datado de 18 de agosto de 1973. Volume Itápolis. Arquivo Vinício Stein Campos.
Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.
113
José Toledo também escrevia para o jornal local “O Progresso” e através dele
comandava as campanhas de doação e promoção do trabalho do Museu. Os visitantes
respondiam prontamente. Segundo relato do próprio José Toledo, atestado pelo livro de
visitas, a frequência anual ao pequeno Museu atingiu 8.162 visitas em 1973. Somados
ao número de vistantes dos anos anteriores totalizava 45.181 visitas. Seu horário de
funcionamento era das 8 às 12 horas e das 14 às 16 aos domingos e feriados, quando era
aberto ao público em geral. Durante a semana, abria das 14 às 16 para atendimento aos
estudantes.
Ano Número de objetos doados Número de visitantes
1966 140 (fase preparatória)
1967 1.224 3.645
1968 595 5.406
1969 1210 7.415
1970 911 6.353
1971 427 7.269
1972 139 6.931
1973 395 8.162
TOTAIS
em 7 anos
5.041 45.181
Fonte: Arquivo Vinício Stein Campos – UPPM – Séc. da Cultura (SP)
Em 1972 o Museu iniciou o levantamento da História de Itápolis com cópias de
documentos extraídas dos arquivos do Cartório de Registro Civil, da Prefeitura e da
Igreja Matriz, bem como, com biografias de vultos da terra e de fatos sociais,
datilografados e distribuídos e nove volumes encadernados e destinados ao atendimento
público.
Os vários relatórios emitidos pelo Museu sob a direção de José Toledo de Mendonça e
que se encontram arquivados na Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico
revelam o rigor com que os fatos administrativos eram tratados. Prestações de contas
sobre verbas, gastos, doações, visitações e trabalhos realizados sob a responsabilidade
do museu estão ali minuciosamente documentados. Vê-se através de recortes de jornais
114
locais, ilustrando os relatórios, que o Museu gozava de grande prestígio junto à
comunidade e o trabalho de José Toledo era muito respeitado.
Fig.14 Sala de exposição de mineirais e
espécimes zoológicos. Foto do autor.
Fig. 15 Biblioteca e hemeroteca da sala do
patrono. Foto do autor.
Dentre as atividades que o museu propunha, a participação das escolas locais era de
importância fundamental. O Museu funcionava como um agente municipal de estímulo
à participação dos estudantes na pesquisa histórica na cidade. Concursos de trabalhos
escolares, celebrativos das datas nacionais e municipais, e principalmente oferecendo o
espaço interno e do entorno do Museu como palco privilegiado para as concentrações
cívicas. O Museu recebia da prefeitura municipal, além das verbas vinculadas ao
orçamento uma distinção como símbolo da ação cultural. Ao declarar, em 1971, que o
Museu era o “salão de visitas de Itápolis”, o prefeito da época não só enaltecia o
trabalho do museu bem como garantia a ele papel importante na liturgia do poder e o
reconhecia como um espaço cívico de culto
96
. Instituição depositária dos bens de valor
histórico, responsável pela guarda e divulgação desses valores e preparação das
gerações futuras pelo conhecimento de tal patrimônio ganha incontestável aura de altar
96
Relatório das atividades do Museu Alexandre de Gusmão datado de 19.11.1971. Fonte: Arquivo
Vinício Stein Campos da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico – UPPM - da Secretaria de
Estado da Cultura.
115
cívico onde os atos simbólicos do poder eram firmados. O Museu e o poder público
nutriam-se mutuamente com essa relação próxima.
José Toledo de Mendonça permaneceu longo tempo ativo a frente do Museu de Itápolis.
Afastando-se devido a grave enfermidade que o levou a morte em 6 de julho de 1984.
Gradativamente o museu foi perdendo esse papel de destaque que as sucessivas
administrações não conseguiram restabelecer.
4.6. - A MERIA COMO OBJETO DA APRENDIZAGEM
Em seu trabalho de 1994, o Professor Ulpiano Bezerra de Menezes situa o trabalho e
essência dos museus entre as funçôes de teatro e de laborario. Diz em seu texto que se o
teatro da meria é um espaço de espetáculo que evoca, celebra e encultura, o laboratório da
Hisria é o espaço de trabalho sobre a meria em que ela é tratada o como objetivo, mas
como objeto de conhecimento” (MENEZES, 1994: 41)
É com esse conceito da função de laborario que aqui se apresenta o caso emblemático do
museu de Rubiia. Não pelos servos que tem prestado, mas pelo potencial imenso que se
acha ao seu redor e vai se perdendo pela falta de trato dessa cultura imaterial. Celeiro repleto
e intocado de histórias, protagonismos, versões e dimensões diversas dos fatos ainda
candentes pela vivacidade das merias ainda frescas. Debates surdos e mudos pois não se
encontram a campo, ganhando corpo e trocando as energias contidas.
Rubiia é uma pequena cidade de 2.546 habitantes
97
situada às margens do rio Para
represado pela barragem de Ilha Solteira. Uma cidade tranila que tem uma particularidade
muito curiosa: todas as suas ruas o homenagens a grandes escritores brasileiros. Uma
cidade civilizadíssma pois preferiu, dentre outros valores, adotar os mais abstratos e nomeou
suas ruas com nomes como Machado de Assis, rio de Andrade, Graciliano Ramos,
Carlos Drumond de Andrade, Humberto de Campos e muitos outros imortalizados ou
97
Estimativa para 2007 pela contagem da população feita pelo IBGE.
116
quando ainda eram vivos. A atual Rubinéia manteve os nomes dos logradouros da antiga
Rubiia de final melancólico tragada lentamente pelas águas represadas do lago artificial de
Ilha Solteira. Foi essa Rubinéia que sensibilizou Carlos Drumond de Andrade que se
importou com tal homenagem e escreveu duas crônicas sobre a cidade. Uma delas em 28 de
outubro de1971, no Jornal do Brasil intitulada Aconteceu em Rubiia. Drumond comenta a
triste sina da cidade desapropriada para submergir levando consigo os logradouros e as
homenagens cobertos pela elevão das águas da represa. Todos os passos, suas pedras,
constrões e lugares foram aplanados pelas águas tensas da hidretrica. Noutra crônica-
dencia, esta de 1973, intitulada Os Submersos, o poeta fala da sina dos poetas afogados
num país sem poesia. O Brasil vivia os tempos mais diceis do regime militar.
Rubiia tem seu museu. Em 1983 o professor de hisria da Escola Estadual Rubens de
Oliveira Camargo, organizou uma gincana reunindo seus alunos para pesquisar a história da
cidade. Seus alunos levantaram os fatos ocorridos com a “Velha Rubiia”, ouviram relatos
dos moradores que fizeram a mudaa e deixaram no tempo e sob as águas a materialidade
de suas próprias histórias. O material recolhido pelos alunos foi sendo catalogado e deu
origem ao acervo do museu. o objetos carregados de significados por trazerem consigo
uma carga simbólica e afetiva relacionada à vida do antigo lugar, à Velha Rubiia.
A nova Rubinéia es localizada a aproximadamente 1 km de seu antigo sítio. Seus
moradores, muitos deles, estão entre aqueles que sofreram essa etapa crucial da história da
cidade. Ainda eso vivos e o testemunhas fundamentais dos fatos ocorridos, guardam
muitas histórias peculiares misturadas às saudades e expectativas. Guardam o conhecimento
de um processo social que teve importantes repercussões e é riqssimo de lões e conflitos.
Exemplificam pela diversidade de protagonistas uma pequena mostra daquele todo
complexo que chamamos cultura e que inclui “o conhecimento, as creas, a arte, a moral, o
direito, os costumes e quaisquer outrosbitos e capacidades adquiridos pelo homem
enquanto membro da sociedade
98
Entretanto, essa imaterialidade bruta e densa es fora,
infelizmente, da representação que o museu de Rubinéia faz de sua cidade e sua gente.
O material recolhido durante as pesquisas foi organizado e deu origem ao Museu que,
além dos qualitativos histórico e cultural recebeu o nome de seu idealizador: Museu
98
Tylor, Edward B., apud KAHN, J. A., El concepto de cultura: textos fundamentales. Barcelona:
Anagrama, 1975.
117
Histórico e Cultural Prof. Nazareth Reis. Segundo o depoimento de Neuza Garcia
Ribeiro Lodete o museu foi montado em uma das salas da própria escola.
Posteriormente, o museu foi retirado da Escola, e seus objetos, fotos e registros foram
"depositados" em outra sala cedida pela Prefeitura Municipal. Era um Museu sem vida,
sem objetivo. Em 1998, um grupo de pessoas se interessou por ele, limpou e reformou
seus objetos, conseguiu mais fotos e uma nova sala. Sua reativação emocionou o
professor Nazareth dos Reis - o Museu voltou a receber visitas dos alunos e turistas que
por ali passavam. Porém, logo foi transferido para um outro espaço, ao lado da
Biblioteca Municipal Vinicius de Moraes. E mais uma vez o Museu passou a ser um
"depósito". Não recebe visitas, e não está sendo preservado como patrimônio cultural e
histórico do município. Permanece fechado e muitas pessoas desconhecem a sua
existência.
99
Em 1967 começaram as desapropriações da grande área que seria ocupada pelo
reservatório da usina hidrelétrica. São 21 bilhões de metros cúbicos de água e Rubinéia
estava quase totalmente abaixo da cota 329, limite do nível futuro da linha d’água.
Somente duas construções do antigo sítio urbano escaparam dessa linha. Já em 1969
têm início as demolições de casas, bares, hotéis, cinema, a máquina de beneficiamento
de grãos... O preço pago pela CESP Centrais Elétricas de São Paulo, na época era
muito bom para as propriedades particulares o que fez com que rapidamente os
proprietários fossem convencidos do negócio e a cidade ficasse pontilhada de
escombros. Para os terrenos e edifícios da municipalidade a situação era bem outra.
Segundo Nelsi Calazans havia por parte da Companhia elétrica um plano oculto que era
o remanejamento da população de Rubinéia para a cidade operária de Ilha Solteira.
Planejada para 25 mil habitantes, com o término da construção, as instalações em ótimo
estado sofreriam um inevitável abandono. Na conta dos planejadores, seria um lugar
perfeito para os desalojados de Rubinéia e a companhia não teria que arcar com mais
custos de desapropriação. (CALAZANS, 1986: 15)
99
Depoimento colhido através do site:
http://www.tesourosdobrasil.com.br/index.guia.php?option=detalhe&id=53&nome_img=0450museu.jpg
Acessado em 20.09.2006 às 14:30 hs. Confirma os depoimentos obtidos por entrevista de Helena Maria
Pelaio de Lima (Diretora do Setor de Educação e Cultura da Prefeitura de Rubinéia), Rosana Aparecida
Zanelatto (funcionária do Setor de Cultura) e Alessandra Augusto Rodrigues, professora de Educação
Artística e colaboradora nas atividades de recuperação do acervo do Museu.
(Dezembro de 2006)
118
A água foi subindo lentamente, no velho plano da cidade restava em pé o prédio da
Prefeitura mantido pela teimosia apaixonada do prefeito e pela força de ações judiciais
que obrigavam a CESP a negociar as benfeitorias construídas com o erário público dos
rubineienses. Três homens da prefeitura perceberam que a complexidade que nutre a
vida de uma cidade não podia ser desfeita de maneira tão completa. Com ações judiciais
impetradas contra a Companhia elétrica, foram protelando o finamento da cidade. Por
conta própria e risco tomaram empréstimos pessoais no banco Bandeirantes de Santa
do Sul e compraram 5 alqueires de terras situadas 2 km acima da antiga localização e
propuseram ali o novo loteamento. (CALAZANS, 1986: 22)
A nova Rubinéia nasceu “contra e apesar da CESPe por insistência do Prefeito Osmar
Antônio Novaes e do advogado da prefeitura Alcides Silva. O novo loteamento
distribuía gratuitamente os novos lotes com condição contratual que obrigava o
beneficiário a construir sua residência no prazo máximo de 6 meses, caso contrário o
lote retornaria à posse da Prefeitura. Deste modo, passados 3 anos, a nova Rubinéia
contava “com 7 empórios, um açougue, serviço de correios e telégrafos, um centro de
saúde, um centro comunitário, um grupo escolar, 6 escolas isoladas, um Ginásio
Estadual (que funcionou em prédio da Prefeitura até que o Estado construísse outro)
(...)” (CALAZANS, 1986: 23).
Evidentemente os lotes remanescentes que não foram distribuídos e que completam os 5
alqueires fracionados em lotes urbanos tiveram grande valorização e a represa de Ilha
Solteira causa da transformação radical da cidade agora surge como um fator de
valorização do lugar. Rubinéia, hoje se desenvolve como cidade turística, atraindo
veranistas ocasionais e fixos, proprietários de ranchos, pescadores e mergulhadores que
explorar am o antigo sítio urbano submerso.
100
100
Ver site http://www.brasilmergulho.com/port/artigos/2003/021.shtml onde se publica os projetos de
exploração das construções e escombros e ruas da Rubinéia submersa
Página visitada em 15.07.2008 às 19:30 hs.
119
Fig.16 Entrada do Museu Histórico Nazareth
reis em Rubinéia. Foto do autor.
Fig. 17 Placa de nomenclatura do arruamento
da antiga Rubinéia entre máquinas expostas no
Museu. Foto do autor.
Um dos mais ricos episódios dessa etapa crucial da vida de Rubinéia foi protagonizado
por Aparecido Galdino Jacintho, o Aparecidão. Líder messiânico, místico curador
Aparecido Galdino tem uma história pautada por profundas preocupações sociais e
assistenciais. O humilde boiadeiro, nascido em Maracaí (SP), tinha personalidade
incomum. Homem trabalhador e de moral rígida vagou de fazenda em fazenda do norte
do Paraná e oeste de São Paulo até chegar a Rubinéia em 1951, casado e com 4 filhos.
Ali viveu seu apogeu de misticismo e cura arrebanhando uma multidão de seguidores.
Fez fama em toda região praticando um curandeirismo carismático e devotado,
veemente e radical.
Para Nelsi Calazans o “movimento messiânico” liderado por Galdino não representava
mais que um “fenômeno social” em resposta a uma situação limite por que passava a
população em conflito com os interesses e imposições enormes. Galdino tinha a figura
estereotipada dos profetas milenaristas. Segundo a descrição de Nelsi, era uma espécie
de
“(...)messias rústico: cabelos longos, lisos, já nevados, que escorriam ombro abaixo
desalinhadamente; os minúsculos olhos, sem brilho, que davam-se misticamente parados no
espaço, fitando o vazio sobranceiramente; a barba grisalha, o vasto bigode russo, a voz grave e
soturna; trajava uma túnica branca, ornada ao peito com enorme crucifixo. Seu “templo” era um
pequeno salão, quadrado, paredes baixas, com estampas de São Jorge guerreiro, de ex-votos e
velas. O sermão era longo, sem lógica: religião esdrúxula, sincrética, onde se misturavam
rudimentos de um catolicismo doméstico e sugestões de um espiritismo revelado. Aparecidão
dizia: “a terra não é propriedade de ninguém, pois foi deixada por Deus”. Não concordava com as
demolições das casas de Rubinéia e principalmente com a Igreja, para ser inundada, por que isso
não era direito, era contra Deus; a construção da barragem de Ilha Solteira, impedindo todo o
percurso do rio, não é certo, sendo também contra Deus; porque o homem não pode descer e subir
120
livremente o rio, como os peixes; entendia não dever pagar impostos porque o terreno é
propriedade comum, segundo constou o seu interrogatório policial, lavrado sete dias após a sua
prisão. (CALAZANS, 1986: 20)
A força moral de Galdino e sua liderança advinham de seu trabalho e disposição voltada
ao atendimento dos mais necessitados. Seus modos estranhos e rigidez de costumes
ajudavam a alicerçar a imagem de místico curador. Pobres e doentes eram seus
protegidos. Sua fama transcendia as fronteiras do município e ele recebia muitos
visitantes de lugares distantes, às vezes gente rica, que procuravam a cura para seus
males. Muitos foram os satisfeitos em suas buscas.
101
Aparecido Galdino, suas curas milagrosas, seus seguidores e o grande movimento que
se criou em torno de sua stica e da ação contrária ao projeto da CESP são as grandes
ausências, sem representação no pequeno museu de Rubinéia.
102
Fig.18 Pequena sala de exposição dos objetos
doados pelos rubineenses ao Museu.
Fig. 19 Vista aérea da velha Rubinéia. Foto do
acervo do Museu Nazareth Reis.
Aquele episódio vivido pelo povo de Rubinéia ganhou o Brasil nas ginas dos grandes
jornais e revistas. Aparecido Galdino incomodou os aparatos de proteção da “segurança
nacional” e aquele grupo de crentes foi violentamente reprimido pelas forças policiais
incumbidas de resolver o caso. Galdino foi levado para interrogatórios em várias
101
D
epoimentos de pessoas curadas por Galdino foram registrados pelo documentário O profeta das
águas de Leopoldo Nunes, produção de 2005, que enfoca o conflito dos interesses nacionais e locais
durante a construção da usina e o alagamento de Rubinéia no início dos anos 70.
102
Reportagem Especial da Revista Veja em seu número de 4 de dezembro de 1974.
121
instâncias do aparelho repressor, ficou preso na Casa de Detenção de São Paulo até ser
levado para o Manicômio Judiciário do Estado de São Paulo onde permaneceu de 27 de
dezembro de 1972 e ser liberado em 6 de junho de 1979.
O Brasil vivia os momentos eufóricos do “milagre econômico” e o regime militar
recrudecia. Havia a necessidade urgente de superar as carências de infra-estrutura que
pudessem refrear o embalo produtivo da indústria nacional. O complexo hidrelétrico de
Urubupungá com as usinas de Jupiá e Ilha Solteira era uma resposta do planejamento
oficial aos reclames do setor produtivo paulista. Os interesses nacionais se impunham
com a truculência que o regime militar disseminou. Do outro lado estava a pequena
cidade de Rubinéia e sua população que deveria pagar um alto preço em nome dos
interesses maiores da nação. Esse embate entre interesses nacionais e locais é a questão
de fundo de todas as ações de que a região foi palco. A CESP, operadora do engenho
técnico e planejamento estratégico do governo do Estado de São Paulo, tencionava
riscar Rubinéia do mapa, transferindo sua população para a planejada cidade de Ilha
Solteira. Do outro lado estava o prefeito inconformado com o desaparecimento da
cidade que ajudara a se emancipar e da qual tinha sido o primeiro prefeito. Ao seu lado,
lutando com outras armas, estava Aparecido Galdino e sua gente.
È um capítulo importante da história onde são caracterizadas as relações conflituosas de
uma época. Com atores de diversas procedências, estratos sociais, e entendimentos da
realidade se posicionando e influenciando seu desfecho. È sem dúvidas um rico material
de estudo e de onde se pode tirar muitos conhecimentos sobre a sociedade que o
produziu. É o grande laboratório da história de Rubinéia que o museu não se pôs apto a
explorar.
4.7. - O MUSEU E O ESPO URBANO
O museu local es intimamente ligado ao conceito de patrimônio hisrico e, em muitos
lugares, apresentam-se como solão de ocupão de edifícios que, de alguma forma,
estejam relacionados ao processo de evolução da malha urbana, quer seja pela identificão
às “famílias pioneiras”, “negócios pioneiros”, quer seja pela tipologia arquitetônica ou pela
122
função identificada com peodos importantes da formão do cleo urbano onde está
localizado.
Bariri, munipio situado a 320 km de São Paulo, com população de 30.995 habitantes
103
teve um museu com curtíssima duração, ainda que o local escolhido para sua implantão
tenha sido bastante acertado.
O início dos trabalhos do museu deu-se no último ano do mandato do Prefeito José Cudio
dos Santos e sua apressada inaugurão permitiu que tivesse parcos seis meses de existência.
Com a vitória, na eleição seguinte, do candidato da oposão a proposta de museu o teve
continuidade e perdeu-se todo o trabalho realizado.
Am dos problemas poticos, barreiras administrativas emperram o andamento do trabalho
minucioso da organização dos museus. A transitoriedade dos governos locais e a alterncia
de propostas político-partidárias impossibilitam a continuidade dos longos trabalhos que
demandam os estudos, implantação e o exercício de suas funções.
Am disso, outras particularidades picas das prefeituras de pequenas cidades dificultam o
trabalho dos museus. Segundo Naza da Cruz, diretora de Educação e Cultura do município
entre 1997 e 2000, a estrutura das prefeituras não comporta a divio orçamenria em
secretarias nas cidades desse porte. Isso limita muito a ão dos administradores para a
alocação de recursos. Praticamente todo o trabalho da Diretoria de Educação e Cultura, com
seus poucos funciorios, teve como objetivo, naquele momento, a adaptão da rede escolar
às novas determinações federais trazidas pela Lei de Diretrizes sicas da Educação (LDB)
e pela municipalização das escolas estaduais que ofereciam as primeiras ries do ensino
fundamental. O museu, portanto, era uma tentativa heica, de promão de um agente
aglutinador na área da cultura.
104
Waldenice Sevalho
105
chefiava o pequeno grupo de trabalho encarregado da implantão do
museu. Esse grupo fora completado com as duas únicas funciorias da Diretoria de
Educação e Cultura e mais 3 funciorias emprestadas temporariamente de outros setores.
103
Conforme contagem populacional de 2007 feita pelo IBGE. Fonte:
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 Página acessada em 22.01.2009 às 11:00 hs.
104
Depoimento colhido em 21.01.2009.
105
Depoimento colhido em 22.01.2009.
123
Waldenice participou das aulas oferecidades nas Oficina Cultural Regional Glauco Pinto de
Moraes de Bauru, entidade ligada à Secretaria de Estado da Cultura. Ali obteve orientações
sicas para a implantação do museu e da constituição de acervo, para o qual foram
arregimentados os alunos das escolas do munipio para o servo de coleta de doões de
suas próprias falias e vizinhos. Somando-se os objetos vindos de repartões públicas e de
instituições locais o museu abriu as portas expondo velhos aparelhos de TV e rádio, objetos
antigos de uso dostico, artesanato e utenlios indígenas, documentos e fardamentos dos
pracinhas da Guerra Mundial, antigas ferramentas de trabalho rural e utensílios do
cotidiano das antigas fazendas de café. A Exposão contava ainda com coleções de jornais
cedidas pela Biblioteca e a sala de retratos dos Prefeitos Municipais.
O edifício para a instalação do Museu foi adaptado a partir do pdio constrdo para abrigar
a mara Municipal em 1933, e ai funcionou até 1967. Com a constrão do Paço
Municipal e a transferência para da mara, passou a abrigar a Biblioteca Municipal até
1999 quando também foi transferida para endereço próprio. Com a liberação do edifício
houve uma pequena reforma para adaptação dos espaços internos para a qual a Prefeitura
arcou com ao de obra e o grupo de trabalho conseguiu com o corcio local os materiais
e acessórios.
Vigorava eno a idéia de se organizar um Museu incumbido da preservação dos objetos de
cultura material que retratassem os primórdios da formação da cidade. A escolha recaiu
sobre o prédio da Biblioteca de importância histórica inconteste. O Museu, desta forma teria
ao seu lado, compondo o conjunto arquitenico musealizado, importantes exemplos de
cultura material que atestam esse período inicial da hisria da cidade. Conjunto este,
formado pelos edifícios, equipamentos urbanos, relões espaciais e particularidades
urbasticas, que pode ser visto pelas janelas das salas de exposição. Além de seu significado
específico o prédio faz parte de um conjunto de edificações situado no decorrer da Rua 7 de
Setembro que atestam uma tipologia de edificação e espaçoblico remanescente da era do
café”. Bariri ainda preserva muitos indícios desse “universo cafeeirode que fala Pierre
Monbeig (MONBEIG, 1984),
O deslocamento dos cafezais para a região era uma realidade a partir de 1857. Esse
avanço dos cafezais rumo ao oeste do Estado provocava desmembramentos de
algumas vilas devido ao rápido crescimento populacional e econômico. O café como
124
fonte de riquezas valorizava as terras e criavam-se povoados que iam crescendo com a
própria marcha dos cafezais. Com a aproximação dos plantadores de café,
incrementavam-se as atividades urbanas e rurais desses povoados que começaram a
partir daí, a reclamar maior autonomia. À medida que essas pequenas povoações eram
promovidas a uma nova categoria, automaticamente iniciava-se um processo de
valorização das terras circunvizinhas e logicamente despertava nos povoados próximos
o mesmo anseio.
Em 1857, vindo de Descalvado, João Leme da Rosa adquire as terras da viúva de José
Antônio de Lima, pioneiro morador, desde 1833, dessas terras que então pertenciam à
grande região capitaneada pela Vila de Araraquara. Um ano depois o mesmo João Leme
e sua esposa assinam a escritura de doação de 30 alqueires dessas terras para a
constituição do patrimônio necessário para a construção de uma capela.
Diz o texto da escritura lavrada em Jaú em 1858:
“Dizemos nós abaixo-assinado, João leme da Rosa e sua mulher Maria Luiza de Jesus, que entre
os bens que possuímos livres e desembaraçados de toda e qualquer dívida, e bem assim huma parte
de terras de cultura na fazenda denominada “Sapé”, vertente do rio Tietê, distrito deste curato de
nossa Senhora do Patrocínio de Jaú, onde estamos residindo, desta damos de nossas livres
vontades, um terreno de trinta alqueires à Nossa Senhora das Dores, para patrimônio de sua igreja,
que deverá erigir com a invocação de “Nossa Senhora das Dores do Sapé”. Suas divisas são de
maneira seguinte: principia em frente a cerca de Manuel Pires, segue dividindo com os doadores
pelo meio de água até a ponte de cerca de varão e por esta cerca até onde for canto e de aqui
quebra o rumo direito da casa de Quintiliano Bueno de Almeida a sahir na estrada que sai para a
vila de Araraquara, de ahi do Curralinho e segue pelo veio de água onde der quinhentas braças
desde o mencionado canto da cerca e do lado direito onde principia o rumo que é do ribeirão Sapé
de frente à cerca de Manuel Pires sobe o rumo, atravessa a estrada velha, onde tem três pedras
grandes, atravessa também a nova e procura a cerca de madeira no novo cemitério e segue em
rumo onde der quinhentas braças e quebra à esquerda e feixa o córrigo do Corguinho, onde passar
outro rumo das outras quinhentas braças do lado esquerdo, cujo terreno assim divisando é
Patrimônio e fica no direito do Procurador vender as datas em benefício da mesma igreja, por
preço úteis e razoáveis, contanto que a nenhum proprietário poderá conceder mais de uma data,
contendo essas datas, quando muito oito braças de frente com vinte de fundo. Com tempo
declaramos que ninguém poderá fazer roças plantar no Patrimônio e nem tirar madeira de lei sem
que primeiro se faça à igreja ou se tire a madeira de lei necessária para a igreja e para uma casa
que os povos deverão fazer para a residência do padre capelão, ninguém igualmente poderá feixar
ou impedir as águas que estiverem na circunferência da dita Capela ou Patrimônio a benefício da
servidão pública”
106
106
Escritura de doação de terras. Apud. MARTINS, Nelson Silveira (1940). Bariri (um pedaço do céu
destacado do arco-íris). São Paulo: Mario Ponzini & Cia.pp 79 e 80
125
A intenção de restringir o uso exclusivamente urbano do empreendimento torna-se
flagrante quando o doador estipula as dimensões do lote em 8 braças de frente por 20
braças de fundo (aproximadamente 17,00 m x 44 m), o que permitiria a construção
de uma habitação e um quintal amplo. Muitas casas podem ser vistas ainda hoje
guardando tais dimensões.
Os trechos do texto da escritura, transcritos a seguir, deixam claro o que o doador
pretendia: “...ninguém poderá fazer roças, plantar no Patrimônio...” e “...a nenhum
proprietário poderá conceder mais de uma data” com área aproximada de 748 m². Com
essas exigências visava a alta concentração das edificações na área do Patrimônio e as
atividades não agrícolas de seus moradores. Ali, portanto, ficavam admitidos os
edifícios residenciais e comerciais, além da capela, o que vale dizer que nos planos de
João Leme os futuros moradores poderiam ser comerciantes, profissionais liberais ou
artesãos, quando muito, proprietários que possuissem terras fora do Patrimônio. Sem
dúvidas, gente da cidade, moradores de zona urbana.
É importante frisar que João Leme doou apenas parte de usas propriedades no Bairro.
Certamente, além da demonstração de devoção à Nossa Senhora das Dores o doador
esperava obter algum lucro com a doação. Já se fazia sentir a crescente procura pelas
terras ainda não cultivadas e bem o sabia, João Leme, morador que era em Belém de
Descalvado, cidade da região de São Carlos, onde o valor da terra havia crescido
enormemente. As terras que ele comprou da viúva de José Antonio de Lima por 400 mil
réis, excetuados os 30 alqueires doados, foram loteados e vendidos, alcançando um
montante 50 vezes superior ao preço da compra. Isso tudo em poucos anos, pois em
1864, João Leme faz o seu último negócio de venda de suas terras para o mineiro
Antônio José de Carvalho que naquele ano transferiu-se para o Bairro com a família e
um grande número de escravos.
A formação das cidades paulistas nesse período obedecem, grosso modo, trajetórias
semelhantes, pois as condições climáticas, topográficas e principalmente econômicas
são bastante parecidas. Podem ser citados como casos semelhantes ao de Bariri, cidades
como Itápolis, onde, em 1862 houve a doação de 112 alqueires para constituição do
patrimônio do Divino Espírito Santo; Arealva, cidade em que, em 1870 a família Prestes
doou 10 alqueires ao bispado de Botucatu; Itapuí, onde, em 1859, houve a doação para
126
construção de uma capela; e mesmo no município constituído de Bariri, onde, em
1898 os dois proprietários doaram terras da conhecida Fazenda dos Buenos para
constituição do Patrimônio que deu origem ao município de Itaju desmembrado de
Bariri em 1953. Não menos semelhantes foram os casos de Jau, Ibitinga, Iacanga e
Pederneiras, todas cidades cujo ponto de partida foi a doação de terras.
Esse procedimento além de bom negócio era um importante instrumento, a agilizar a
formação do povoado. Cabe, no entanto, lembrar que todas essa cidades estão
diretamente ligadas ao processo de crescimento da cultura do café como principal
atividade de uma agricultura voltada à exportação, que gerava recursos e criava em
torno de si um mundo próprio, povoado por fazendeiros, pequenos e grandes
comerciantes, especuladores de terras, comerciantes de café, colonos, imigrantes vindos
de todos os continentes e profissionais letrados que vinham montar seus consultórios e
escritórios ou tomar posse de seus cargos na administração dos incipientes municípios.
O século XX veio encontrar a cidade com as ruas descalças, as casas ainda muito
humildes e mal equipadas para abrigar o aparato burocrático de uma sede de município.
Os prédios estavam provisoriamente instalados e na vila começavam a surgir os
primeiros melhoramentos urbanos. Bastante acanhada é a impressão daquela Bariri que
chega ao nosso conhecimento através dos livros, jornais e algumas fotografias. As
avenidas XV de Novembro e Claudionor Barbieri que ladeiam a praça da matriz, são
importantes vias de acesso à cidade e além de estruturar o sistema viário é por elas que
se estendem os edifícios de uso comercial e de serviços (uso misto com residência) a
partir da Praça da Matriz. Porém, é a Rua 7 de Setembro que vai concentrar o maior
número de casas comerciais e bancárias, um grande número delas ainda em bom estado
de conservação. É essa rua que na primeira metade do século XX vai se tornar o
principal corredor a concentrar as atividades comerciais e de serviços do núcleo urbano.
É partindo da rua Sete que várias estradas municipais faziam a ligação da vila às
fazendas que compõem a maior parte do território do município, onde residia grande
parte da população rural e de onde saia a maior parte da produção agrícola que se dirigia
ao comércio da cidade ou à estação da estrada de ferro.
Nos primeiros anos desse século já se poderia ver na cidade muitas casas feitas de
tijolos. Aliás, as construções de então eram totalmente resolvidas com esse material, dos
127
alicerces que chegavam a ter mais de um metro de largura nos prédios maiores, até os
arremates da fachada, passando pelos casos em que o arco de tijolos substituía as vigas
de madeira para vencer grandes vãos, sustentar escadas, etc. Foi o tijolo e o saibro
misturado à cal que estruturaram as construções mais significativas desse período: a
Igreja Matriz, O Grupo Escolar, O Teatro Carlos Gomes, a Santa Casa, além das
luxuosas residências dos grandes comerciantes sírios localizadas na rua Sete de
Setembro, as quais ainda podem ser vistas sem grandes alterações, exibindo suas
janelas de vidros decorados, seus vitrais e fachadas imponentes.
Ângelo Marini foi o arquiteto que criou as formas predominantes no espaço urbano da
Bariri das primeiras décadas do século XX. Nascido em Bevilácqua, na Itália, em 1879,
ele não tinha nenhuma formação acadêmica. Era um mestre do seu ofício, como tantos
outros imigrantes que trouxeram para o Brasil seus conhecimentos e que foram
responsáveis pela disseminação de um tipo de arquitetura muito peculiar, característica
desse período no Brasil, notadamente no Estado de São Paulo. Foi licenciado como
arquiteto somente em 16 de outubro de 1934 pelo Conselho Regional de Engenharia,
Arquitetura e Agronomia do Estado de São Paulo, um ano depois de ter sido decretada a
obrigatoriedade da licença. Até então já havia construído todas as suas grandes obras em
Bariri. São projetos de Marini: o edifício do Theatro Carlos Gomes (1916), da Santa
Casa de Misericórdia (1924), o palacete de Abrahão Sabbag (1929) e o palacete dos
irmãos Elias Fauze e Alfredo Sabbag (1927).
Fig.20 Edifício ocupado pela curta duração do
Museu de Bariri. Antigo edifício da Prefeitura.
Foto do autor.
Fig. 21 Grande edifício comercial e residencial
projetado por Ângelo Marini na Rua Sete de
Setembro. Foto do autor.
128
Outro exemplo grandiloqüente da arquitetura desse período foi a construção do Theatro
Carlos Gomes. Inaugurado em 1917 foi uma iniciativa de um grupo de baririenses e
imigrantes italianos entusiasmados em prover a cidade de lazer refinado e culto.
O Theatro era um espaço eclético e destinado a espetáculos musicais, teatrais, líricos,
cinema e auditório. No espaço interno os camarotes, as frisas e a platéia estavam
dispostos sobre um soalho em suave declive, colocados em forma de lira. Suas
instalações comportavam mais de 700 pessoas que ali podiam se acomodar
confortavelmente. A boca de cena e demais decorações foram executados pelos pintores
Domingos & Carvalho da vizinha cidade de Bocaina.
107
O “Theatro” sofreu algumas alterações em seu interior no decorrer das cadas de 20 e
início de 30. Foi acrescentado mais uma ordem de camarotes intercalados e um amplo
“foyer”, o salão de danças previsto no projeto inicial transformou-se em vastas galerias
aumentando sua capacidade para 1.000 pessoas, as cadeiras foram substituídas por
poltronas, a iluminação foi reformada e principalmente foram acrescidos aparelhos
modernos de projeção. Com o passar dos anos e com o desenvolvimento das técnicas
cinematográficas, o Theatro foi perdendo cada vez mais suas características de sala de
espetáculos para tornar-se apenas sala de projeção cinematográfica, apesar de nunca ter
perdido totalmente aquela característica. Durante os anos 50 sofreu a última reforma,
sendo totalmente remodelado para abrigar a tela gigante do cinema scope. Perdeu as
frisas e os camarotes, ganhou poderosos projetores e passou a chamar-se Cine Carlos
Gomes. Fechou no início da década de 80. Abriga, hoje, uma loja e uma boate.
Destacar a Rua Sete de Setembro e o “Theatro” Carlos Gomes dentre as demais
construções remanescentes em Bariri é fazer uma proposição de identificação do
conjunto de edificações mais representativo do período de formação do Município. Esse
conjunto revela a importância central do núcleo urbano e da arquitetura produzida no
bojo do movimento de interiorização da cultura do café. Esses edifícios expressam a
vivacidade, cultura e força realizadora que animaram esse universo complexo, povoado
de tipos humanos tão diversos, de culturas advindas de lugares remotos do Brasil e do
mundo e que orientados pela animação econômica se puseram a construir nossas
cidades.
107
Jornal “A Cidade de Bariri” de 28.09.1934. p. 8.
129
Fig.22 Rua Sete de Setembro com o edfício do
Museu à direita. Foto do autor.
Fig. 23 Rua Sete de Setembro em 1935. Os
edifícios preservados podiam ser vistos da janela
do Museu. Foto Nello.
É nessa rua com pouco mais de um quilômetro que podemos avaliar, como se fosse uma
espécie de exposição museológica a céu aberto, os indícios e a organização de uma
etapa do processo de formação e consolidação do núcleo urbano. Edifícios, espaços,
proporções, formas e cores sobrevivem como testemunhos. Não é por acaso que os
maiores remanescentes arquitetônicos encontram-se localizados na Rua Sete de
Setembro. Ali se concentrava a vida cotidiana da população urbana e ocasionalmente,
mas não menos intensamente era para ali que afluía a população rural a buscar o
abastecimento de víveres, insumos, o crédito e até mesmo o lazer.
Era caminho natural dos comboios de mulas carregando toda a produção de grãos das
lavouras situadas na porção norte do território municipal destinada ao embarque na
Estação do Trem. Ali funcionava o primeiro posto de gasolina onde se abasteciam os
primeiros automóveis, caminhões e maquinário das fazendas. Situava-se ali a Casa da
Lavoura, órgão da Secretaria da Agricultura destinada a dar orientações técnicas aos
agricultores. Ali ficavam também as casa comerciais que vendiam mudas, sementes e
implementos agrícolas. Os hotéis, armazéns de secos e molhados e as lojas que vendiam
de tudo, de agulha à automóveis.
Outra das constrões mais imponentes da rua, o Palacete de Abrahão Sabbag, foi erguida às
margens dos ribeirões do Mineiro e dos Godinhos, necessitando de alicerces especiais para
suportar a ação das águas. Mais que apuro cnico o fato demonstra que cada espaço da rua
130
estava valorizado e tomado pelas casas comerciais. Por ali estavam estabelecidos muitos
personagens do universo cafeeiro: os capitalistas com suas casas bancárias locais, os
imigrantes sírios, espanhóis e italianos em seus corcios e por onde transitavam os
fazendeiros, os caixeiros e mascates, os lavradores com seus produtos, o ca no lombo das
mulas conduzidas pelos empregados das fazendas.
Ali também estava localizada, na esquina
da Rua Sete com a Avenida XV de Novembro, a mara de Vereadores e Prefeitura,
ocupando o prédio que depois abrigou a Biblioteca Municipal. Com a mudaa da
Biblioteca o antigo edicio da Prefeitura foi preparado para receber o museu. O Museu de
Bariri, desta forma teria ao seu lado, compondo o conjunto arquitenico musealizado,
importantes exemplos de cultura material que atestam esse peodo inicial da hisria da
cidade. Conjunto este que poderia ser visto pelas janelas das salas de exposição.
Estão ali preservadas boas construções em alvenaria de tijolos, construídas
principalmente pelas equipes dos mestres-de-obras italianos com a boa técnica que a
cultura do café trouxe para o Brasil. Ali ficou estampada nas belas e imponentes
fachadas, nos vitrais e na nobreza de materiais utilizados, a riqueza acumulada, o
trabalho dos mais diversos agentes sociais, registros de uma época de grande dinamismo
social e econômico. Material farto para orientar a constituição de acervo do museu que
poderia focar a grande diversidade de personagens que fizeram parte desse universo
primordial.
4.8. - MUSEU E COMUNIDADE Mirassol e Barra Bonita
Assis Chateaubriand já era o grande empresário das comunicões e agitador cultural que
havia fundado o Museu de Arte deo Paulo em 1947. Foi também na condão de senador
da Reblica acompanhando o Governador do Estado de o Paulo Lucas Nogueira Garcez
que estava em Mirassol para a inauguração do museu em 8 de setembro de 1953.
Em Dura Ática”, editorial do Diário de São Paulo de 10 de novembro daquele ano,
Chateaubriand comenta o ineditismo do feito alcaado pelos mirassolenses publicando seu
discurso proferido na ocaso:
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“As pequenas cidades devem ser como Mirassol, imperialistas, isto é, pensando em inúmeras coisas,
realizando algumas delas, com uma crença cada vez mais enfática na estirpe dos seus homens, talhados
para impô-las aorculo dos outros burgos. Mirassol é um modelo.”
(...) A quadros, manchas de pintura local e da zona tivestes o dom de reunir para aumentar, na
limpidez deste sol de setembro, a atmosfera de doçura ática, que respiramos em Mirassol.
Todos os louvores são merecidos ao sr. Jesualdo D’Oliveira, autor desta empresa, o qual demonstrou
como um amador da história e da arte pode educar o povo, para preservar, a tempo, as peças e os
documentos que os representam.” (apud CORREA, 1960: 158-159)
A colão de objetos que gerou o museu vinha sendo organizada desde 1945. Jesualdo
DOliveira recebera, como outros, com grande entusiasmo os pracinhas mirassolenses que
tinham servido à FEB nos campos da Itália, depois do rmino da Segunda Grande Guerra
Mundial. Percebeu o grande interesse que dispertavam as armas, objetos e apetrechos de
guerra trazidos pelos soldados e imaginou a importância de reuni-los para juntos pudessem
testemunhar esse feito histórico. Nascia a idéia do museu.
A 22 de agosto de 1945, data que se convencionou consagrar ao expedicionário de Mirassol
ele fundou o Museu, inicialmente guardando seu acervo em sua própria casa. Partiu depois a
cata de objetos entre seus concidadãos que pudessem ter interesse na incipiente coleção. O
acervo foi crescendo rapidamente tanto que em 1948 conseguiu do rem empossado
prefeito Antônio Novaes Romeu a conceso de salas especiais no segundo pavimento do
edifício da Prefeitura para expor a coleção. Na gestão seguinte, o museu foi oficializado
atras do decreto municipal 22 de 8 de setembro de 1953, data de sua inauguração
festiva. (CORREA, 1960: 158)
O Governador Jânio Quadros, 1958 visitou as instalões do Museu de Mirassol. Estava em
plena campanha pela disseminação dos Museus Históricos e Pedagicos pelo Estado de
o Paulo. A visita de certa forma procurava avalizar e dar respaldo aos planos do Governo
do Estado, afeito a contestões, juntando a iniciativa dos mirassolenses como parte das
justificativas para tal empenho. Em seu discurso durante a visita, nio Quadros enaltece os
magníficos servos que (o museu) pode prestar à cultura do interior”. E continua mais
adiante:A simples presença deste museu, nesta cidade, recomenda a gente de Mirassol. Só
os centros desenvolvidos, os centros voltados para os problemas do espírito, é que se
permitem agasalhar instituões como a que visitamos neste instante.”
108
108
Trechos do discurso pronunciado no Museu Municipal de Mirassol em 12 de janeiro de 1958. (apud
CORREA, 1960: 160)
132
A partir de 1968 o Museu Municipal de Mirassol abriu as portas de sua sede nova,
especialmente construída para tal fim. A empreita foi fruto de uma parceria entre o poder
blico municipal e a Sociedade Cultural Mirassolense. No pavimento rreo encontra-se o
sao de exposões com área de 360 , salas de apoio e administração e no pavimento
superior o sao do arquivo. Seu acervo abrange rias áreas do conhecimento, cerca de 20
mil fotografias e uma grande coleção de jornais impressos na cidade desde 1920. Faz parte
também da estrutura do Museu, a sala anexa de seu auditório de 230 m² com capacidade para
150 cadeiras, palco e camarins. Esse espo complementa as atividades do Museu recebendo
apresentações artísticas de daa, teatro, sica, e atuando como espaço privilegiado e
representativo em atos oficiais que atendam aos interesses culturais da sociedade local. O
espaço do auditório é reversível e freqüentemente utilizado para abrigar exposições
temporárias, solenidades oficiais, comemorativas e outras de interesse para as atividades do
museu. (CORREA, 1983: 166).
Para se compreender essas e outras iniciativas no campo da cultura e dos serviços sociais em
Mirassol é preciso considerar o trabalho das diversas agremiações sócio-culturais em que de
alguma forma percebe-se a presea ou a influência de ndido Brasil Estrela e
posteriormente a Fundação de mesmo nome criada por ele. Para isso é importante
instrumento a breve biografia publicada em 3 de outubro de 1967 por Jezualdo D’Oliveira
quando era diretor do Museu. Utilizou para tanto os arquivos dos jornais locais e os arquivos
existentes no próprio Museu.
ndido Brasil Estrela nasceu em 1893 em Santa Maria Madalena, região montanhosa
fluminense, filho do fazendeiro Manoel Pereira da Estrela de origem portuguesa e de Isabel
Freixo Estrela. Aos 14 anos de idade, trazido por seu tio o engenheiro Jo Teixeira Portugal
Freixo veio morar em Araraquara onde o tio estava estabelecido com um escritório de
agrimensura e tinha grande volume de trabalho com a abertura das terras novas e as divisões
judiciais das terras. Teve uma formão ectica e privilegiada, estudava humanidades no
Cogio Marchetti complementada com lições de matetica e agrimensura por seu tio.
109
109
Breve biografia publicada pela Fundação Brasil Estrela em folheto comemorativo de seu Jubileu de
Prata em 1977. Autoria de Jezualdo d’Oliveira fundador e diretor do Museu Municipal de Mirassol, em
1967, e de cujo acervo foram retirados os registros e as informações.
133
Depois de um breve retorno à sua terra natal, em 1910, mudou-se para Paris, ficando
hospedado durante quatro anos na casa que seu tio mantinha na capital francesa. Lá estudou
no Liceu o Luiz, entrou em contato com a Filosofia Positiva de Auguste Comte e a
Literatura Universal, comando pela grega. Tinha 22 anos quando se mostrava evidente a
conflagração da I Grande Guerra Mundial e o chamado de seu tio -lo voltar ao Brasil.
Estabeleceu-se no Rio de Janeiro e iniciou uma intensa atividade literia quando compôs as
primeiras de suas poesias e, apesar da pouca idade, fez amizades com grandes literatos da
época principalmente Olavo Bilac e Coelho Neto.
Mais uma vez seus planos são alterados pelo chamamento de seu tio, agora lhe oferecendo o
encargo de dirigir vastos e numerosos servos e questões de agrimensura na zona da Alta
Araraquarense, especialmente na comarca de Rio Preto, serviços esses relativos a queses
judiciais sobre terras, subdivisões e loteamento de grandes glebas, venda e povoamento das
mesmas”. Para esse fim retornou à rego de Mirassol, município que tivera sua elevação
decretada em 1910. Esse trabalho permitiu-lhe enriquecer participando de transações de
compra e venda de milhares de alqueires de terras, abrindo inúmeras fazendas e povoões.
Na região subdividiu e negociou grandes glebas como a Fazenda Pitangueiras onde ajudou a
incrementar o crescimento da vila que deu origem ao munipio de Nova Granada, e do
mesmo modo ajudou a implantar, em 1920, a cidade de lsamo na fazenda de mesmo
nome e teve participão na implantação de núcleos urbanos que geraram cidades como
Mira-Estrela e Cosmorama. Seu espírito irrequieto estava atento a todas as boas
oportunidades e modernizações que ampliavam e melhoravam seus negócios.
Casou-se em 1917 com Maria da Glória Medina e teve quatro filhos, ainda em São Paulo, e
foi residir com a falia na extensa Fazenda Pentateuco Colombo que fundou em parceria
com seu irmão Basileu. Dedicou-se à agrimensura, pecria, instria, corcio e atividades
bancárias. Ali formou um cafezal de mais de 200.000 s, am dos outros 100.000 da
Fazenda Brasil e 50.000 s de eucalipto da Fazenda Laranjal. Cultivavam extensos
canaviais, montaram serraria, quina de beneficiamento de cereais e moderna fábrica de
açúcar e aguardente. Sua moradia na fazenda dispunha de exclusiva linha telefônica que
ligava diretamente com o Jo do Rio Preto, verdadeira raridade no meio rural.
Em 1918 transferiu-se para o José do Rio Preto onde, sempre em sociedade com seu
iro Basileu, montou uma casa de secos e molhados e de compra e venda de cereais em
134
larga escala perto da estação ferroviária, sem, contudo deixar suas atividades como produtor
rural
A partir de 1924 passou a residir definitivamente em Mirassol, , no mesmo ano, adquiriu
do Sr. Abrao Heikel o Cine o Pedro. No ano seguinte iniciou a construção do atual
Cine-Teatro São Pedro voltado diretamente para a pra central da cidade. O projeto foi
encomendado ao conceituado escritório de Ramos de Azevedo da capital e foi inaugurado
em 1929, aclamado como um dos mais bonitos do interior, quando a situação econômica
mundial vivia momento muito difícil. ndido Estrela, eno, se referia ao Cine-Teatro que
acabara de inaugurar, como o “Palácio da Arte e da Alegria”. Gastou ali centenas de contos
de is, uma grande fortuna para a época. Levou adiante seu projeto sustentando o
funcionamento do Cine-Teatro apesar da crise geral, para combater a atmosfera de intenso
denimo que assolava a todos e estagnava o progresso geral. O Curioso projeto instalava
nos pavimentos superiores do mesmo edifício o Hotel Municipal que era considerado de
excelente vel.
Fig.24 Cine Theatro São Pedro. Reunia no mesmo
edifício as funções de cine-teatro e hotel. Acervo
da Prefeitura de Mirassol.
Fig. 25 – Platéia do Cine Theatro São Pedro.
Foto do autor.
Ajudou a fundar, em 1930, a Associação Comercial, Industrial e Agcola de Mirassol
integrando a primeira comissão diretora e a partir do ano seguinte foi sucessivamente reeleito
por 33 anos consecutivos através de voto secreto. Como diretor construiu a sede própria da
entidade e ao lado dela o “Nicho Sagrado”, gesto simbólico de respeito à meria da
fundão da cidade, onde es guardado o cruzeiro de aroeira que foi fincado em solo
mirassolense pelos fundadores logo após a abertura da primeira clareira na mata original.
135
Entre 1931 e 1946 foi provedor da Santa Casa de Miserirdia de Mirassol a que ajudou a
fundar, construir e instalar. Em 1932 tomou parte ativa na Revolução Constitucionalista
organizando a micia MMDC em Mirassol e mais ainda se juntando ao último grupo de
voluntários responveis pela posão de defesa no porto de Tabuado na divisa com Mato
Grosso, sendo designado comandante intendente da Foa. Em 1933 liderou a luta vitoriosa
pela alteração do projeto de extensão dos trilhos da Estrada de Ferro Araraquarense que
desviava de Mirassol. Em 1945 liderou a caravana que em visita ao Intendente do Estado de
o Paulo, Fernando Costa, convenceu-o a oficializar a Escola Normal de Mirassol que ele
ajudara a fundar e estava em funcionamento desde 1928.
Em 3 de outubro de 1952, dia de seu 59º aniversário, cria a Fundãondido Brasil Estrela
provendo-a com metade de seus bens. À sua falia coube a outra metade. Essa resolução,
feita em vida não foi ratificada oficialmente de imediato. Depois de sua morte em 1964, seus
familiares decidiram ratificar sua decio. Para constituão do patrimônio da Fundão
foram doadas 2 propriedades rurais no munipio de Mira-Estrela somando 220 alqueires
com um grande mero de cabeças de gado e na zona urbana vários edifícios entregues em
comodato à Prefeitura Municipal para serem usados sem custos ao erário: Edifício da
Prefeitura, mara de vereadores, Biblioteca, Centro de Sde, Delegacia de Polícia, Cadeia,
Correio, três escolas primárias e clube recreativo. Em Mirassol deixou para o patrimônio da
Fundação 11 prédios de aluguel para obteão de renda para a manutenção do Lar dos
Velhinhos, o próprio Lar dos Velhinhos e a antiga moradia do doador para servir de sede à
Fundação.
Essas iniciativas o esclarecedoras o para traçar o perfil da personalidade de ndido
Brasil Estrela, mas também para ressaltar que suas empreitadas deixaram grandes marcas na
forma de organização dos grupos sociais locais. Sua lideraa em diferentes movimentos,
mas principalmente suas vitórias como homem de necios, o respaldo inconteste para
suas iniciativas no campo da educação e cultura e o apoio fiel dos governos municipais que
se sucederam. Seu poder potico extravasava os segmentos partidários e esse poder ele
soube capitalizar nos mais variados intentos e é novel que o tenha feito em campos o
desprestigiados pelos administradores públicos como saúde blica, educação e fomentos
culturais. ndido Estrela abriu caminhos em terrenos pedregosos e por isso o se
muitos seguidores entre seus iguais. Foi um capitalista romântico que soube enriquecer se
aproveitando de sua grande visão e oportunismo, mas que não perdeu seu inconformismo
136
juvenil de retocar o espaço em que vive. Ganhou muitos admiradores e colocou o servo às
causas sociais e culturais na pauta dos exemplos a serem seguidos. Sua participão em
inúmeras associações contribuiu para que ganhassem eficia e valorização por parte de uma
sociedade sem tradão na organização associativa.
O Museu Municipal de Mirassol passou a ser administrado pela Sociedade Cultural
Mirassolense a partir de 1954 quando foi criada para manter o Museu e a Corporão
Musical Juvenal Noronha em regime de parceria com o poder blico municipal através de
repasses de verbas. Entre suas atribuões está tamm organizar e vivificar iniciativas no
campo das artes e no fomento à educão, produzir exposições temporárias e eventos
comemorativos. Entre os fundadores da associão em 26 de dezembro de 1954 estava o
próprio ndido Brasil Estrela dirigindo a assembia realizada na Prefeitura Municipal,
secretariado por Jezualdo D’Oliveira. (CORREA, 1983: 266)
Fig.26 Museu Municipal Jezualdo d’Oliveira
antes da reforma em 2007. Foto do autor.
Fig. 27 Museu depois da reforma em 2008. Foto
de divulgação da Prefeitura de Mirassol.
Segundo Regina Helena Fosati
110
, chefe administrativo do Departamento de Cultura da
Prefeitura de Mirassol e Vice-presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Cultural
Mirassolense, o custeio da manuteão do museu é feita através de verba determinada pelo
Secrerio da Cultura. O quadro de funciorios está incompleto, havendo sobreposões de
funções. o existe profissional habilitado em museologia e os serviços espeficos de
manuteão do acervo o feitos por cnicos e profissionais liberais de Mirassol e de o
Jo do Rio Preto.
110
Entrevista concedida ao autor em 13 de julho de 2007 nas dependências do Cine-Teatro São Pedro em
Mirassol (SP).
137
Fig.28 Sala de exposição do Museu Municipal
Jezualdo d’Oliveira. Foto divulgação da Prefeitura
de Mirassol.
Fig. 29 Diorama com fauna da região de
Mirassol. Foto divulgação da Prefeitura de
Mirassol.
O Museu passou por ampla reforma de suas instalações que perdurou de junho de 2007 a
abril de 2008. A Prefeitura local em parceria com a
Associão de Moradores do Recanto de
A, um condomínio residencial de Mirassol, arcaram com os custos da reforma. Seu acervo
encontra-se novamente exposto à visitação. Compõe-se de rias secções teticas
envolvendo a história da fundação e desenvolvimento do munipio, arquivos de
documentos antigos da Prefeitura; arquivo de fotografias com mais de 20.000 itens; filmes
de eventos e festas populares; outras seões rnem objetos da vida cotidiana dos
mirassolenses como instrumentos de trabalho derias épocas, máquinas e utenlios,
objetos de uso religioso e de caracterização etnográfica como utenlios ingenas e de povos
imigrantes. Também se encontram animais empalhados, embalsamados, achados sseis,
exemplares mineralógicos, etc. Outras secções são dedicadas aos objetos de uso dos soldados
da Foa Expedicioria Brasileira – FEB, dos soldados constitucionalistas da Revolução de
1932, peças de tortura do peodo escravocrata, e outros.
* * *
Barra Bonita foi elevada à condição de esncia turística pela lei estadual 2109 de 14 de
setembro de 1979. Grande produtora de tijolos e telhas cemicas explorando a argila farta
das margens do rio Tietê, a cidade nasceu e cresceu, no entanto, dentro do grande
138
movimento que a exploração da cultura do ca propiciou em todo o oeste paulista no início
doculo XX. Para sua emancipação política e administrativa recebeu a ajuda eficaz atras
da interveão direta do então ex-presidente da República Campos Salles, que possuía uma
fazenda de café naquele que então era um distrito do município de Jau.
A partir da segunda metade da cada de 50 com a constrão das usinas hidretricas de
Barra Bonita e Bariri que represaram as águas do Tte, a cidade teve sua relação com o rio
intensificada. Durante os anos 70 de desenvolver uma outra atividade econômica o
turismo – explorando os potenciais de lazer esportivo e contemplativo oferecidos pelas belas
paisagens, o transporte fluvial, as praias artificiais, gastronomia, clubes recreativos e uma
estrutura de hotelaria e campismo montada para receber os turistas.
Essas foram iniciativas do poder público municipal que arcou com as maiores benfeitorias.
Feiras, festas e eventos promocionais da instria local foram sendo acrescentados ao
calenrio tustico da cidade. O museu de Barra Bonita teve sua implantão associada ao
conjunto de incrementos municipais visando o aprimoramento turístico.
Diz a Portaria 491 de 29 de agosto de 1985 que institui o grupo de trabalho visando a
criação do Museu Hisrico e a elaboração da história de Barra Bonita:
(...)
Considerando que outras cidades tusticas possuem seus museus históricos como ponto de atrão;
Considerando que a criação do Museu de Barra Bonita e a elaborão de um livro ilustrando a história da
cidade teo influência direta no desenvolvimento cultural da nossa gente;
Considerando que toda a rede escolar tetambém, uma grande fonte de pesquisa e consultas com a
existência do Museu; e
Considerando que este será o principal meio de preservar um considerável acervo histórico que existe em
poder de particulares e órgãos blicos que aos poucos vai se deteriorando,
Resolve:
Artigo - Instituir um Grupo de Trabalho composto pelos elementos abaixo citados para, numa primeira
fase, apresentar um relatório sobre as reais condições da criação de um Museu Hisrico e a elaboração de
um documento versando sobre a Hisria de Barra Bonita e, em seguida, numa fase executiva, tomar as
providências que se fizerem necessárias para a concretização dos mesmos:
1- Luiz Saffi Presidente;
2- Célia Stangherlin;
3- Renato Adamo Bolla;
4- Irio Color Bombonatti
(...)’’
139
O museu e o livro deveriam servir ao propósito de reunir fatos e objetos que servissem
como fonte de pesquisa aos estudantes e munícipes, além de oferecer um incremento
turístico. Das quatro pessoas que compunham a comissão, Saffi era um colecionador de
jornais e documentos históricos, Bombonatti e Bolla escreviam sobre a história local
nos jornais da cidade e Célia era notória conhecedora da história oral que animava as
muitas conversas em família. Nenhum deles, porém, tinha a mínima idéia de como se
compunha um museu.
Fig.30 Museu Histórico Municipal Luis Saffi
de Barra Bonita. Foto do autor.
Fig. 31 Sala de exposição de máquinas e
ferramentas de indústrias locais. Foto do autor.
O museu era idéia antiga de Wadih Mucare. Desde sua primeira gestão como prefeito na
década de 70 enxergava essa necessidade. A convocação oficial do grupo de trabalho
veio em 1985 na sua segunda gestão.
Célia Stanghelin, relata as dificuldades, expectativas e soluções encontradas para levar a
cabo a missão que receberam do prefeito da época Wadih Mucare. Célia conta que todo
começo de ano letivo, por volta de 19 de março, era convidada a dar palestras nas
escolas de Barra Bonita falando sobre a história da cidade. Com o tempo mais alunos
afluíam para a prefeitura em busca de subsídios para seus trabalhos. Era uma
140
confirmação da necessidade da criação do museu e da produção de um levantamento
histórico que propiciasse o acesso dos estudantes ao estudo da história local.
111
Filhos e netos de imigrantes italianos, perteciam às famílias pioneiras trazidas para o
trabalho nas lavouras de café. Os quatro cresceram ouvindo as histórias desses tempos
de muitos sonhos e muito trabalho. Desde os esforços para a mútua proteção e
assistência à saúde, até as agremiações de preservação cultural, dessas famílias sairam
vários políticos e prefeitos para o município. Eram quatro amadores, presididos por Luis
Saffi, ex-prefeito e ex-vereador, colecionador de jornais e objetos antigos pertencentes à
história da cidade. Em comum tinham grande apreço ao fato de pertencerem à família
de imigrantes italianos pioneiros na região. Com o suporte financeiro da Prefeitura que
arcava com as despesas de material e das viagens de pesquisa, essa comissão pôde
durante um período de 3 anos levantar dados e visitar museus da região: os Museus
Históricos e Pedagógicos Jorge Tibiriçá do município de Jaú e Padre Manoel da
Nóbrega do município de São Manoel. Foi através das orientações e modelos visitados
desses museus e da assessoria da museóloga do museu de Jau que o grupo pode
orientar-se para a definição do modelo que pretendiam. Todo seu acervo foi formado
com doações que vieram em resposta às campanhas veiculadas por rádio e jornais do
município para esse fim. Visitavam também as famílias de potenciais doadores
oferecendo a segurança da guarda e o benefício que tal doação poderia trazer para o
museu e seus visitantes.
Procuravam demonstrar, segundo Célia, que a função do museu era o registro histórico,
o resgate, a memória, o empenho das pessoas na construção da história da cidade. O
museu é um panteão da memória da cidade. É dinâmico e permanece como registro da
vida, da cultura local.
O Museu de Barra Bonita, não se configura pessoa jurídica, mas, apesar de seu quadro
de pessoal incompleto, desenvolve importante trabalho de pesquisa e produz exposições
temporárias com peças de seu acervo, peças emprestadas de colecionadores e de outros
museus. É intensamente visitado por escolares de todos os níveis de ensino, inclusive
desenvolve pesquisa em nível de pós-graduação, auxiliando pesquisadores das
111
Depoimento de Célia Stangherlin colhido em 24.01.2007
141
universidades da região. Conta com extensa lista de parceiros entre instituições e
simpatizantes individuais que informalmente contribuem para o desenvolvimento dos
trabalhos do museu.
O Museu não possui reserva técnica, todo o acervo se encontra exposto no edifício que
abrigava a Estação Ferroviária desativada e que hoje ocupa lugar de destaque em meio
aos equipamentos urbanos que compõem o pólo turístico da cidade. Janaína, a
responsável pelo museu, formada em jornalismo e única funcionária fixa, conta com a
ajuda de dois estagiários para desenvolver todas as atividades do museu.
112
Apesar
dessa limitação de pessoal e sem provisão orçamentária, Janaína desenvolveu uma rede
de colaboradores do museu de aproximadamente 40 pessoas que a auxilia nas mais
diversas necessidades, desde pequenos reparos no edifício até equipamentos utilizados
em exposições temporárias ou atividades culturais promovidas pelo museu.
O Museu Histórico Luís Saffi, sob a direção informal de Janaína, disponibiliza
freqüentemente material (jornais impressos da hemeroteca, fotografias arquivadas
antigas e atuais, filmes, documentos, etc) para execução dos trabalhos da mídia
impressa, radiofônica e televisiva local e regional; Faz coleta, identificação,
catalogação, descrição, manutenção e preservação do material histórico documental
(fotografias, jornais, revistas, filmes, entre muitos outros objetos expostos e abrigados
no acervo); realiza entrevistas com barra-bonitenses, dos mais variados segmentos
sociais, que se destacaram e se destacam na história da cidade e moradores antigos os
quais são contribuições das mais importantes para compor a memória oral do
município; realiza levantamentos fotográficos de pontos históricos e/ou turísticos,
monumentos, prédios públicos, praças, casas e personalidades de Barra Bonita para
suprir necessidades atuais e futuras como fonte de pesquisa para atender principalmente
estudantes de arquitetura, história, turismo, engenharia civil e jornalismo; presta
monitoria às visitas escolares e excursões turísticas com discurso voltado para cada
público específico de acordo com faixa etária e grau de escolaridade; mantêm contato
freqüente com museólogos, jornalistas, arquitetos, pedagogos, professores de história e
profissionais de áreas afins, para tirar dúvidas e discutir idéias sobre museologia,
museografia, patrimônio, educação, etc;
112
Depoimentos colhidos em 3 visitas técnicas em 23 e 24 de janeiro de 2007 e 15 de maio de 2007.
142
Existe parceria entre o museu e as escolas da Cidade e os alunos elaboram trabalhos de
pesquisa, com frequência utilizando-se do acervo. também excepcionalmente,
funcionamento do museu durante a noite para atender as possibilidades de algumas
faculdades; o museu conta com a colaboração de voluntários do curso de turismo e
história que se prontificam a ajudar na organização e divulgação das atividades. Vale
lembrar que muitos desses alunos são ou foram estagiários do museu e elaboraram suas
monografias com o material do acervo.
Janaína ainda está escrevendo um livro sobre os poderes Legislativo e Executivo de
Barra Bonita encomendado pelo advogado e presidente da Câmara Municipal, Antonio
Marcos Gava Junior. No livro devem constar as biografias de todos os prefeitos e
vereadores que fizeram parte da nossa história política e dos atuais também - período
que compreende de 1913, ano da primeira composição da câmara, até 2008.
A informatização colabora para dinamizar as pesquisas, agilizar a coleta de dados,
minimizar o desgaste dos documentos e jornais originais, armazenar o acervo
fotográfico e impresso com maior seguraa, além de reorganizar os acervos
documentais nos suportes textual, gráfico e fotográfico, promovendo atividades de
restauro ou recuperação física, produzindo inventários e outros instrumentos capazes de
garantir o acesso público aos seus registros. foram copiadas, restauradas,
identificadas e classificadas mais de 600 fotografias do acervo do museu.
Recentemente um sistema de segurança foi implantado. Com o alarme o acervo está
menos vulnerável a atos de vandalismo e depredação, proporcionando à comunidade
barra-bonitense um estímulo a doações, aumentando o acervo e resgatando a confiança
dos cidadãos - que se encontrava abalada devido aos roubos, falta de segurança e
comprometimento da integridade física dos objetos. Outro beneficio é a credibilidade
que a instituição adquiriu para que sejam promovidos eventos, mostras, exposições com
objetos emprestados de outros museus, assim os intercâmbios serão facilitados e cada
vez mais
freqüentes.
O Museu ainda presta importante serviço de assessoria nas pesquisas de muitos
universitários, mestrandos e doutorandos atendidos pelo Museu “Luiz Saffi”
143
recentemente: Roberto Massei, professor de história e doutorando que desenvolve
pesquisa sobre as implicações e impactos sociais, ambientais do ciclo oleiro de Barra
Bonita utilizando materiais como: fotos de parques ceramistas, jornais, documentos,
entrevistas, biografias, filmes; Simão Podolsky, engenheiro civil e responsável pelo
Museu Campos Salles - Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas, que utiliza
documentos da Fazenda Banharão e fotos e textos do presidente Campos Salles
existentes no acervo; Flávia Tiemi Suguimoto, mestranda do curso de turismo na USP
com a tese “Paisagens do Médio Tietê: formas de uso e apropriação de suas águas para
lazer” onde utiliza fotografias antigas e recentes da orla do rio Tietê, textos, jornais,
livros de escritores de Barra Bonita sobre o tema pesquisado. Outros pesquisadores,
acadêmicos, políticos, professores, artistas, profissionais da imprensa, entre outros
segmentos profissionais realizam pesquisas também.
Para Janaína, os profissionais da educação precisam ser conscientizados da importância
da monitoria como instrumento para agregar conhecimento aos alunos em qualquer
área.
“A maioria dos educadores não possuem experiência de como trabalhar com os recursos do museu.
Não receberam preparo na sua formação acadêmica, no sentido de utilizar-se dos mesmos como
meios educativos e acabam fazendo uso do museu apenas como ilustração e lazer. O museu pode
ensinar um pouco de tudo: de história, de física, de biologia, geografia até matemática”.
Em geral, os museus apresentam objetos, fotografias, textos, vídeos, desenhos, figuras,
formando um discurso. O monitor atua através das linguagens verbal e gestual mais
familiares aos visitantes e, dessa forma, estabelece uma mediação entre a exposição e o
público, facilitando a compreensão das mensagens propostas pela museografia e
possibilitando que o visitante construa suas significações. Janaína conclui:
“A partir dessa ‘ponte’ construída pelo monitor é que podemos falar no potencial educativo de um
museu, pois o discurso museográfico permite materializar mensagens, pensamentos e abstrações,
mas necessita de alguém para traduzir, junto com o professor, essa linguagem”.
As instituições museológicas podem contribuir muito para o trabalho do professor.
Janaina destaca alguns itens importantes que devem ser levados em conta pelos
professores ao planejarem sua prática didática e sua metodologia antes de visitarem um
museu: definir os objetivos da visita; conhecer a instituição antecipadamente para fazer
144
um levantamento do acervo e espaço a ser trabalhado; preparar os alunos para a visita
com exercícios de observação, estudo de conteúdos e conceitos; elaborar maneiras de
dar continuidade na sala de aula aos trabalhos relacionados à visita; avaliar o processo
educativo que envolveu a atividade, a fim de aperfeiçoar o planejamento das novas
visitas.
Os projetos de exposição desenvolvidos no Museu de Barra Bonita têm um interesse
especial pelas abordagens dos diversos valores e elementos sociais. Outros personagens
passam a merecer a atenção do museu como representação de uma sociedade mais
complexa e culturalmente mais rica. O universo do bóia fria, as manifestações artísticas
de rua, as raízes caipiras e culturas populares tradicionais são outros enfoques e leituras
nas exposições temporárias e movimentam outros públicos em direção ao museu. Abre-
se, portanto, novas portas para um museu que nasceu bastante focado numa
historiografia que privilegiava o elemento pioneiro, as famílias e os negócios
precursores, enfim, a cultura branca do homem europeu.
Fig.32 Grupo de estudantes recebem visita
monitorada. Foto acervo do Museu.
Fig. 33 - Índios Terena representam o ritual da
dança do bate pau para estudantes de Barra Bonita
no páteo do Museu. Foto do acervo do Museu.
Um exemplo dessas exposições abordava a cultura indígena dos remanescentes dos
índios terenas da reserva de Avaí, cidade da região de Bauru, próxima de Barra Bonita.
145
O projeto estabeleceu parcerias com as escolas locais que puderam contar com o
agendamento de monitoria e auxílio para a elaboração dos trabalhos escolares dos
estudantes. Ponto central da exposição, um número grande de terenas apresentaram seus
rituais, língua e costumes aos estudantes reunidos na praça defronte ao museu. Lá
dentro, objetos de arte plumária, utilitários, ornamentos, cerâmica, estavam expostos
graças a uma parceria entre o Museu Luís Saffi de Barra Bonita e o Museu Histórico e
Pedagógico Índia Vanuíre da cidade de Tupã.
113
. Além das peças indígenas de seu
acervo o museu de Tupã também cedeu uma coleção de 20 trabalhos em aquarela do
artista José Lanzelotti produzidos em 1949 e que retratam diversos povos indígenas.
Fotografias atuais dos terenas de Avaí, expostas na sala principal do museu foram outro
atrativo para o visitante.
Os índios apresentaram a dança típica do bate-pau realizada pelos homens da tribo em
dois momentos: as nove horas da manhã e as três horas da tarde, para que os alunos das
escolas dos dois períodos pudessem assisti-los. Artesanatos produzidos pelas mulheres e
crianças da aldeia ficaram expostos para venda durante toda a semana do dia 16 ao dia
22 de abril. Na ocasião, Edenilson Sebastião, o Chicão - chefe da aldeia Kopenoty e
representante da Funai de Bauru e Cláudio da Silva Felix vice-diretor da escola da
aldeia em Avaí, fizeram palestras sobre a condição do índio e os meios de preservação
de seu cultura na atualidade.
Janaína explica que o principal objetivo da exposição foi oferecer aos estudantes e
usuários do Museu uma imagem mais próxima do índio como alternativa àquela figura
distante, intocada. O elemento indígena está tão presente no povo brasileiro como o
branco ou o negro. E salienta:
“É importante que uma atividade dessas aconteça no museu porque os museus de um modo
geral seguem um estilo europeizado, etnocêntrico. Acham relevante só o que diz respeito aos
brancos, imigrantes da Europa, e se esquecem de que para nós brasileiros, que somos
multiétnicos, o negro e o índio são tão importantes quanto o europeu.”
O museu de Barra Bonita, no entanto, prossegue com suas atividades quase sem
recursos financeiros. Para supri-los, arregimenta-se um pequeno batalhão de
113
O Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre foi criado em 1966 e é um dos seis museus da rede que
permanecem sob a administração do Estado, através da Secretaria da Cultura.
146
simpatizantes que, sob a orientação de Janaína, vão mantendo vivo um trabalho que aos
poucos vai conquistando o reconhecimento dos barra-bonitenses.
147
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O museu como conceito popularmente construído, remete à idéia de coleção de objetos e
documentos históricos, cristalizações e estratificações dos modos de vida, das heranças e
dos passos percorridos pelos homens do poder. Há ai a mensagem de um distanciamento,
de uma inevitável separação de mundos: do lado de dentro o poder representado nos
objetos do museu enfurnados em redomas e circuitos de segurança e do lado de fora o
observador. Uma expressão mais complexa dessa dualidade simplista é a matéria de
trabalho das propostas contemporâneas dos profissionais de museus. De que objetos e de
que representações a exposição museológica deve se incumbir? Quem é o observador,
esse ente genérico que encerra uma infindável quantidade de interesses e desinteresses?
que se lembrar que museu e seus objetos não vivem sem seu complemento
obrigatório: o olhar do visitante, esse elemento fundamental e indefinível por sua
natureza sempre singular e exclusiva. Aqui vale citar o dizer de Hugues de Varine,
honorável ex-diretor do Conselho Internacional de Museus – ICOM/UNESCO para
quem l’exposition et chacan des objects, documents, ensembles, étiquettes qui la
composent n’existent que dans l’ intelligence du public
(VARINE, 1994: 52). Esse
conceito presente que assegura à participação do público uma importância maior está
longe de ser totalizante, ou mesmo conferir frações igualitárias dentro de uma
diversificação menos abrangente.
Mais adiante, Varine especifica o papel do visitante da exposição museológica, cujo
olhar necessariamente a ela uma multiplicidade de sentidos, interpretações, efeitos
ativadores de lembranças pessoais e mesmo afetividades ativadas pela memória trazendo
a questão dos significados das exposições para uma dimensão individual. Complementa
Varine:
Je prefere d’ailleurs parler ici du visiteur, être unique dans sa connaissance et dans son
expérience, dans son affectivité et dans sa capacité de réaction et de traitement de l’information,
plutôt que de public, ou même dês publics, expressions qui supposent une uniformité ou dês
classifications d’ordre statistique: le visiteur ‘moyen’ n’existe pas. (VARINE, 1994: 52)
A diversidade deve ser o foco a reger as ações dos museus tanto no que diz respeito aos
diferentes componentes sociais representados em seus acervos, como diversas
148
expectativas quanto à recepção dos conteúdos das exposições museológicas por parte do
público. Aqui utilizado o termo “público” na forma singular para enfatizar, na verdade, a
impropriedade do seu plural públicos e mais ainda público de museu como idéia de
agrupamentos identitários.
O museu é o espaço de diálogo entre o acervo possível e o observador em busca de
conhecimento, mediados pelo modo como é exposto. O papel dos museus é dar vida a
essa equação essencial. Nela se aplicam as variáveis que vão dar a forma identitária ao
próprio museu e carregam subjacentes, algumas questões. Que interesses estiveram ou
estão envolvidos? Que objetos estão ali e porque não outros? Que conhecimentos podem
ser inferidos ou fomentados por eles? Como e com que meios podem ser expostos?
O conceito de coleção vem sofrendo transformações desde a Antigüidade, momento em
que era nitidamente uma expressão de destaque da individualidade do colecionador
dentro de um grupo. Com o renascimento das culturas grega e romana passam a ser
tesouros que descrevem fenômenos. Como os gabinetes de curiosidades, coleções
patrocinadas pelos nobres europeus do período das monarquias absolutistas que já
associam os objetos com uma intenção científica de conhecimento do mundo e das
artes. As novas classes ascendentes, os burgueses, tomaram emprestada tal expressão de
poder e deram a ela uma dimensão pedagógica reproduzível e disseminadora. No século
XIX, o avanço das sociedades capitalistas e o necessário desenvolvimento dos mercados
fizeram com que o grande capital privado reconhecesse seu papel de agente de fomento
da universalização da educação e dentro desse fenômeno social estava inserido também
o trabalho educativo dos museus.
No Brasil o Museu foi implantado como parte das medidas civilizatórias da coroa
portuguesa a fim de preparar o país como campo de avanço da nação lusitana. As
iniciativas do Príncipe Regente e depois Rei D. João VI procuravam elevar
culturalmente as lideranças das terras de além mar como forma de diminuir as distâncias
que separavam a colônia da corte de Lisboa.. Para tanto lançava mão de incrementos de
toda sorte para criar condições favoráveis à perpetuação da coroa em mãos bragantinas.
O Museu e outras iniciativas no âmbito da produção científica e artística injetaram os
primeiros ares de “civilidade européia” na antiga colônia e certamente teriam papel
149
impulsionador da construção de uma mentalidade nacional a ser capitalizada pelo
monarca ou seus descendentes. A Academia Militar, o Museu, o Horto Botânico, a
Escola Real de Belas Artes, as Faculdades de Direito e de Medicina são evidências do
quanto
(...) as iniciativas de D. João , visando a “transformar a grande aldeia do Rio de Janeiro na nova
capital do império português”, foram a mola propulsora de um movimento científico e artístico,
que, trazendo para dentro da órbita da nossa pátria viajantes, cientistas e artistas estrangeiros sem
número, sem precedentes e organizados em missões com objetivos definidos, lançou as bases do
desenvolvimento de vários setores da atividade científica no Brasil” (BARRETO: 2001, 131)
O museu, portanto, foi introduzido oficialmente no país dentro de uma perspectiva de
agente divulgador dos valores europeus, para transformar a terra brasileira numa espécie
de extensão avançada da metrópole. O Museu Nacional e a Academia Imperial de Belas
Artes herdaram esse propósito. Seguindo nessa linha é implantado em Belém o Museu
Paraense Emílio Goeldi que inaugura na Amazônia esse importante centro de estudos
das ciências naturais no país e o primeiro grande centro de pesquisa fora da capital Rio
de Janeiro. O Museu Paulista, monumento que comemora a proclamação da
independência, procura transferir para São Paulo parte da simbologia do poder é o nosso
quarto museu do século XIX sendo inaugurado somente em 1895, no período
republicano. Essa vocação de museu histórico veio ser consolidada para as
comemorações do primeiro centenário da independência em 1922, com pretensões de
rivalizar com os museus da capital federal.
Foi a partir de um conjunto de idéias fomentadas no bojo do republicanismo que vai
alterando significativamente o papel dos museus e sua abrangência no Brasil. A idéia de
uma construção de nação, de uma pátria cívica; poder decisório emanante do povo,
universalização do conhecimento através da instrução pública são novos conceitos que
vão ganhando força e transformando não somente a ação dos museus, mas de toda a
política educacional. A tão propalada universalização do ensino entrou na pauta dos
discursos políticos das novas correntes ideológicas, do positivismo às novas teorias
pedagógicas. Dentre elas o movimento da Escola Nova que exerceu a mais significativa
influência. Foram as propostas escolanovistas que indicaram a aproximação mais
objetiva entre educação pública e museu, fazendo com que os grandes museus se
preocupassem em desenvolver seus departamentos pedagógicos, seguindo uma
tendência originada principalmente nas políticas educacionais dos museus norte
150
americanos, sobretudo os museus de arte e dentre eles o Metropolitan Museum de Nova
York.
Com a modernidade veio o projeto de uma sociedade industrial e científica calcadas nas
utopias de socialização do conhecimento e da organização racional dos espaços urbanos.
Este modelo traz intrinsecamente a idéia de universalização da educação pública como
fator de desenvolvimento social. É o momento em que a linguagem dos museus começa
a ser disseminada pelos quatro cantos do mundo associada às instituições de ensino. No
Brasil começa a ser renovada com a criação do Museu Histórico Nacional, a
remodelação da Escola Nacional de Belas Artes e a redefinição do Museu Paulista como
museu histórico e a criação do Museu Republicano Convenção de Itu a ele subordinado.
Antes, em 1905 em São Paulo, tivemos a implantação da Pinacoteca do Estado
associada ao Liceu de Artes e Ofícios. Nas décadas seguintes tivemos uma profusão de
museus sendo implantados: o Museu de Arte de São Paulo, os Museus de Arte Moderna
de São Paulo e Rio de Janeiro, estes pela iniciativa de colecionadores privados. No
âmbito federal, o governo de Getúlio Vargas intensifica sua política de cultivo aos
valores nacionais com a criação de quatro museus históricos originados com o intuito de
propagar os grandes ciclos históricos a serem reverenciados por todos os brasileiros,
acima dos regionalismos: o Museu das Missões, em 1940, em Santo Ângelo (RS)
114
que
cria uma visualidade do período colonial brasileiro retratando o projeto jesuíta e a
aculturação do elemento indígena; o Museu do Ouro em Sabará, em 1945 que enfoca o
ciclo do ouro e a condição de um Brasil colônia; o Museu Imperial de Petrópolis que
representa e divulga a simbologia do Brasil Monárquico; e o Museu da Inconfidência,
em Ouro Preto a reunir a cultura material do projeto de independência gestado em Vila
Rica e cujo papel é a representação da nascente idéia de um Brasil republicano.
(MIZAN, 2005: 88)
O euclidianismo nasceu mergulhado nesse espírito. O culto ao patriota desprendido,
intelectual republicano cuja ação profissional teve palco em distantes regiões brasileiras
reunia intelectuais ligados à educação como foi o caso exemplar de Francisco Venâncio
Filho, um de seus líderes. A Casa Euclidiana de São José do Rio Pardo é uma
construção em que se associam as lideranças intelectuais do movimento euclidiano e os
114
Hoje o museu está circunscrito no município de São Miguel das Missões, desmembrado de Santo
Ângelo.
151
amigos e admiradores de Euclides, rio-pardenses que foram se juntando desde a
primeira romaria cívica de 1912. A concretização da Casa Museu e todas as
manifestações de culto à personalidade do escritor; seus engajamentos e lutas; e a
condução das atividades culturais que a cercavam, estavam em pleno acordo com a
política do Estado Novo que propunha uma identidade nacional mais forte. O estado
nacional deveria se sobrepor aos regionais, como forma de desestimular os
regionalismos desagregadores.
A Casa Euclidiana, criada em 1946, centro de uma perfeita integração entre a
intelectualidade, o respaldo político e participação popular passa a ser vista como um
modelo a ser reproduzido pelos administradores do Estado. É nessa esteira que nascem
os quatro primeiros Museus Históricos e Pedagógicos do Estado de São Paulo, em
Campinas, Batatais, Piracicaba e Guaratinguetá. Quatro museus a reverenciar a
personalidade dos quatro primeiros presidentes da república civis saídos de São Paulo.
Era, portanto, uma ação em sentido contrário, a afirmar o protagonismo do Estado frente
às demais unidades da Federação. Dois deles, o museu de Piracicaba e de
Guaratinguetá, foram residências respectivamente de Prudente de Moraes e de
Rodrigues Alves.
Expandir o número deles a ponto de formar uma rede de museus estaduais abrangendo
todo o Estado era uma medida natural. O baixo custo de implantação e manutenção
desses museus era fator estimulante, uma vez que os recursos para tanto deveriam sair
do âmbito municipal. A direção a cargo da Secretaria de Estado da Educação assegurava
o respaldo técnico. Os administradores municipais poderiam então deixar uma marca
positiva no campo da cultura em suas gestões.
Paralelamente, a iniciativa da criação do Museu de Mirassol em 1945, demonstra que a
instituição museu era um dado cultural bastante incomum nos pequenos municípios.
Nesse contexto ganha relevo a figura de Jezualdo de Oliveira que requisitava os
pertences usados pelos soldados retornados da campanha na Itália, consciente da
importância do momento histórico que vivia, mas sobretudo, das potencialidades
museológicas da coleção desses objetos. A confirmar a conjectura está o fato de que
Jezualdo, três anos depois, tinha conseguido fazer as primeiras exposições nas salas
adaptadas no prédio da prefeitura. A personalidade cosmopolita de Cândido Brasil
152
Estrela somou-se ao pioneirismo de Jezualdo de maneira que o museu ganhou
amplificadora parceria. Em 1953 tem sua inauguração oficial com a presença do
governador do Estado, três anos antes da implantação dos quatro primeiros Museus
Históricos e Pedagógicos. Em 1954 ganha amparo estatutário com a formação da
Sociedade Cultural Mirassolense para custeio e administração do Museu e de outros
bens culturais. Mais recentemente, com término em abril de 2008, o Museu passou por
ampla reforma que o tirou do estado de abandono. Não deixa de ser ainda notável a
parceria que custeou tal reforma: a Prefeitura de Mirassol com a Associação de Amigos
do Recanto de Alá, um condomínio residencial. O fato demonstra que perdura em
Mirassol a capacidade de organização associativa não governamental intervindo nos
projetos culturais da cidade.
O Museu Histórico e Pedagógico Alexandre de Gusmão em Itápolis foi criado a partir
do empenho do prefeito municipal da época, Emílio Mucare que se antecipou a firmar a
parceria de sua administração com o Governo Estadual. Beneficiou-se o museu com a
direção consistente de José Toledo de Mendonça. O fim da expansão da rede de Museus
Históricos e Pedagógicos foi seguido de uma inversão na orientação centralizadora e
hierarquizada da direção da rede para um modelo descentralizado e autônomo sugerido
pela municipalização. A falta de acompanhamento e preparo para que esses museus
pudessem ser geridos independentemente do governo estadual ao invés de promover a
autonomia desses museus pelos municípios relegou-os ao descaso.
Belmiro Baio, diretor de Cultura da Prefeitura Municipal reclama do estado de
abandono do Museu por mais de 12 anos em administrações anteriores
115
. Com o
afastamento de José Toledo de Mendonça na década de 80 e a falta de interesse na
verdadeira municipalização do museu fizeram com que gradativamente fosse perdendo
o papel relevante que tivera. Goteiras, infiltrações, rachaduras, infestação por cupins e
até o sumiço de vários objetos do acervo foram denunciados. Mas foi principalmente a
inoperância do museu o que mais prejudicou a relação com o usuário. Numa tentativa
recente de reaproximação, a Prefeitura através de seu Setor de Cultura firmou parceria
com uma agência bancária que cedeu espaço para exposições temporárias explorando o
115
Depoimento colhido em 03.05.2007
153
acervo do Museu, enquanto aguarda medidas mais eficazes para resgatar junto da
população sua antiga importância.
Como proposições para a reativação dos trabalhos após uma reforma, Belmiro entende
que o Museu possui um acervo muito rico e que permitira muitas abordagens a serem
exploradas em exposições temporárias. Para isso seria necessária a reordenação do
acervo e a criação de um acervo cnico. Parcerias com as escolas com participações
dos alunos em trabalhos conjuntos e projetos especiais de resgate de memória com a
população em geral são as estratégias principais com que se espera reaproximar o
Museu da comunidade.
Alguns aspectos positivos demonstram o grande potencial de exploração para um
trabalho sistematizado do patrimônio do museu. Além do rico e diversificado acervo de
objetos que atestam a cultura material desde os tempos de formação do núcleo urbano, o
museu preserva o antigo edifício do Fórum e Cadeia localizado na região central da
cidade.
As pessoas têm interesse em doar peças e contribuir com o acervo, pois implícita
nessa atitude, um sentimento que dignifica e enobrece. Todo seu acervo foi constituído
por doações dos munícipes, o que contribui, ainda hoje, para uma cultura do museu
como espaço cívico, de preservação da memória local através da contribuição coletiva.
É ainda uma referência importante como fonte de informações históricas. O acervo
conta com importante coleção de jornais e outras publicações locais que oferece
subsídios às pesquisas, além de expor objetos de interesses variados como nas salas de
objetos sacros, sala de etnografia, arqueologia e história natural, sala de objetos
domésticos e profissionais, armas e condecorações, etc. Além dessas, 3 salas se
destacam por abrigar coleções doadas pelos herdeiros dos colecionadores: a Sala José
Fortuna, compositor, ator, cantor e dramaturgo nascido em Itápolis; a sala Valentim
Gentil, político paulista de renome que teve seu escritório e pertences doados ao acervo;
e a sala com as coleções de José Toledo de Mendonça, o grande idealizador e curador
do Museu Histórico e Pedagógico Alexandre de Gusmão.
O Museu da cidade de Rubinéia, de dramática história e simbólico ressurgimento,
merece tratamento museológico que explore o grande potencial emblemático de uma
154
grande vitória da resistência daquele povo, que faz a Rubinéia antiga ressurgir acima
das águas graças à teimosia heróica de seus cidadãos
.
A pequena sala ao lado da Biblioteca Municipal está repleta de referências a essa
primeira Rubinéia. O acervo do pequeno museu é constituído de objetos de uso
doméstico, máquinas e utensílios; fotografias de edifícios e vistas aéreas do antigo
traçado urbano, bem como das primeiras obras e do traçado da nova Rubinéia; placas de
logradouros públicos; máquinas e utensílios de uso profissional, máquinas de escrever, e
ferramentas agrícolas; mapas e documentos da Prefeitura; pinturas e esculturas
retratando a paisagem urbana e alguns tipos humanos; objetos de cerâmica, cestaria
indígena, etc.
Esse acervo foi levantado na década de 80 pelas doações recolhidas pelos alunos do
Professor de História Nazareth Reis quando lecionava na Escola Estadual Rubens de
Oliveira Camargo. Também contou com a participação da comunidade e respaldo da
Prefeitura Municipal. Naquela época Nazareth Reis desenvolvia uma pesquisa sobre o
movimento de trabalhadores rurais, naquela região, que resultou na dissertação de
mestrado "Tensões Sociais no campo - Rubinéia e Santa Clara D'Oeste" - PUC/SP.
Tinha alguma experiência no ramo por ter sido co-fundador do Museu Histórico de
Santa Fé do Sul ao lado do Professor Honório S. Carneiro. Segundo o próprio Professor
Nazareth a preocupação do grupo “era guardar toda documentação possível, de cunho
histórico, para que se preservasse a memória de uma cidade que "ressurgiu das águas"
em virtude da formação do lago de Ilha Solteira..
116
Entretanto nenhuma foto, objeto,
farda ou utensílio que remeta à lembrança de Aparecido Galdino e do povo que o seguia
podem ser encontrados no museu. Este é um exemplo de que os museus no seu ofício de
preservar a memória, servem também ao esquecimento.
No caso baririense, importantes coleções particulares deixaram de ter seu potencial
museológico explorado e posto a serviço do conhecimento da história local. Um
exemplo é a coleção da família Borin, herdeiros do fotógrafo e cineasta José Borin.
Composta por milhares de discos, revista, jornais e equipamentos utilizados por Borin, a
coleção incluia o acervo de seus negativos e fotogramas profissionais de interesse
incalculável aos baririenses, além de seus filmes documentários e até um longa
116
Depoimento do professor Nazareth Reis colhido através de e-mail em 03/01/2007 às 10:54 hs.
155
metragem de ficção totalmente rodado em Bariri na década de 20 (ZANOTTI, 1986:
151). Somente a um museu organizado poderia ser confiada a coleção que levou
décadas de trabalho cuidadoso e dedicação apaixonada. Lamentavelmente a
instabilidade das ações nesse campo é de fato desastrosa por minar a confiança de
possíveis doadores e dificultar planos futuros de implantação de um novo museu.
Outra coleção de inestimável valor é a do acervo profissional do fotógrafo Anelo Zenni
que registrou durante várias cadas, os costumes, expressões artísticas, eventos
culturais, religiosos e paisagens da cidade. Os modernos equipamentos de reprodução
permitiriam um rápido e barato meio de exposição dessa coleção.
Todo o trabalho do museu poderia utilizar como referência a produção dos bons
historiadores que, desde os primeiros anos da instalação do município, publicavam o
resultado de suas pesquisas nos jornais locais ou, quando os recursos permitiam, em
livros.
Não foram poucos os escritores que se ocuparam da história da cidade. Nos
tempos remotos: Himelino Martins e Antonio de Queiroz, depois Nelson Silveira
Martins, Eugênio Gatto e João Baptista de Mello; mais recentemente José Omar
Giacone, Dirceu Mazzotti e outros mais que poderiam, com suas contribuições, fornecer
diretrizes para condução histórica, aquisições do acervo e organização de exposições.
Em Bariri o projeto de implantação de um museu não estava devidamente amadurecido
como instituição de interesse público no âmbito da cultura. Instalá-lo e mais ainda,
abandoná-lo como projeto cultural não teve impacto relevante junto aos baririenses. É
inegável, porém, o papel construtivo que ainda pode ter como agente produtor de
conhecimento, da compreensão dos agentes sociais e as forças que regem as instituições
que animam a cidade.
O Museu Histórico Municipal Luís Saffi de Barra Bonita, em outubro de 2005, reabriu
as portas depois de 7 meses fechado para reformas. Problemas como os de esgoto,
cupim, infiltrações, iluminação, forro e escada apodrecidos, que colocavam em risco a
integridade do acervo e a segurança física dos visitantes foram sanados. Do acréscimo
de 32% na visitação após a reabertura do museu, 75% são alunos das escolas públicas e
privadas do ensino fundamental, médio e superior de Barra Bonita.
117
Em conseqüência
da grande procura do público estudantil as visitas monitoradas oferecidas pela
117
Pesquisa realizada pelo Museu Histórico Municipal Luís Saffi durante o ano de 2006.
156
instituição também foram mais requisitadas. Não há dúvidas, portanto, que o museu e a
escola sejam parceiros fundamentais.
no início do século XX a Lei Municipal 19 de 2 de julho de 1917 que regulava as
atribuições do poder legislativo já mencionava o museu como agente de instrução
pública. No capítulo I que trata do regimento interno da Câmara Municipal em seu
artigo 4º, o inciso 11 incumbe-lhe a responsabilidade de:
“Criar escolas de ensino primário e profissional, cursos práticos de agricultura, horticultura e
pomologia, hortos botânicos, postos e estações agronômicas, museus e bibliotecas, com métodos e
programas que parecem mais convenientes, mandando nomear ou contratar professores e fixando-
lhes os vencimentos ou vantagens”
118
Pelo contexto da lei, supõe-se que o museu deveria servir ao desenvolvimento da
produção agrícola e que, portanto deveria ter seu acervo dedicado ao estudo da botânica
e das ciências naturais. De qualquer forma deveria, assim como as escolas e bibliotecas
servir à instrução pública.
Na década de 70 o prefeito Wady Mucare investe, sem efeito, na formação do primeiro
grupo de trabalho que tinha como missão a implantação de um museu. Voltou a carga,
na década de 80, durante sua segunda gestão, quando instituiu o grupo de trabalho que
finalmente levou a cabo esse intento.
O efetivo reconhecimento do papel do museu percorre inevitavelmente um árduo
caminho. Sem a perseverança e uma política de continuidade e avanço o museu não
alcança uma estabilidade sustentável Hoje, o museu de Barra Bonita atravessa um
momento de intenso trabalho graças ao talento e capacidade de ação de uma jovem
universitária, contratada como escriturária, seus amigos e um pequeno grupo de amigos
do museu que vai se formando. Evidentemente é uma situação instável, pois ainda não
recebe da prefeitura, no suceder das gestões municipais o firme compromisso com sua
continuidade.
* * *
118
Transcrição da nota sobre a história do museu local publicada no Jornal da Barra da semana de 16 a 21
de dezembro de 1988. (Museu Histórico Municipal Luís Saffi.)
157
Passados Presentes,
119
trabalho de Andreas Huyssen, trata da presença cotidiana do
passado nas sociedades contemporâneas. O autor identifica as muitas manifestações de
resgate da memória ressurgindo na cultura globalizada desde as últimas décadas do
século XX. Segundo Huyssen existiria mesmo uma avalanche de abordagens do
passado tão freqüentes nos nossos dias que se poderia falar de uma musealização do
cotidiano e da mercadorização da memória. Dentre os indícios dessa onipresença do
passado apontada pelo autor estão a criação em número cada vez maior de museus nas
cidades contemporâneas, a obsolescência muito perceptível dos objetos que utilizamos,
a restauração historicizante dos centros históricos das nossas cidades, a instituição dos
patrimônios da humanidade, a comercialização da nostalgia, o revisionismo de antigos
traumas sociais e tantos outros.
Esse refúgio do homem contemporâneo nos fatos do passado poderia denunciar, no
entender de Huyssen, uma decorrência de nossa falta de confiança nesse futuro global
por diversos motivos que vão desde os problemas ambientais e de escassez de recursos
naturais até o temor de catástrofes de ordem político-social. Por outro lado, as nossas
práticas de memória nacionais e locais, nossas pesquisas e resgates de memória podem
ser entendidos como uma contestação dos mitos dessa globalização que nega espaço,
tempo e lugar para criar uma sociedade planetária homogeneizante. (HUYSSEN, 2000:
36).
A busca do conhecimento do passado, não pode simplesmente ser creditada ao medo do
futuro, revelado nesse modismo exaustivamente explorado pela indústria cultural. Deve,
entretanto, ser instrumento para o desenvolvimento das relações que nos identifica como
grupo. Mais adiante complementa o autor:
“A memória vivida é ativa, viva, incorporada no social isto é, em indivíduos, famílias, grupos,
nações e regiões. Estas são as memórias para construir futuros locais diferenciados num mundo
global.” (HUYSSEN, 2000: 37)
Quando um indivíduo, dentro do museu local, se depara com um objeto e o reconhece
dentro do campo nebuloso da própria memória, se estabelece a partir daí um elo efetivo
e afetivo entre sua experiência vivida e o seu contexto social. Um exemplo comum
119
In: HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro:
Aeroplano, 2000. 116 p.
158
acontece nas feiras de antiguidades em que o visitante em situação semelhante diz
satisfeito, às vezes emocionado: “minha avó tinha um desses”. No museu local esse
estado emocional pode e deve ser incluído no campo da investigação e da produção de
conhecimento. Aquele objeto reconhecido faz parte do contexto da produção social que
o propiciou, dos usos e costumes, da cultura. É um eficiente testemunho material da
história.
O mesmo ocorre quando, no museu, o visitante observa uma antiga foto que destaca
aquele edifício com o qual se depara diariamente em seu trajeto para o trabalho. Um
velho cinema, por exemplo. Aquele edifício faz parte do seu pedaço e ali no museu,
destacado pela foto exposta faz emergir uma reflexão: o cinema, agora fechado, outrora
freqüentado semanalmente já aparecia numa foto de 1917. A legenda diz que o edifício
foi erguido para abrigar encenações teatrais, onde também eram exibidos filmes mudos
de curta duração, apresentações de canto lírico, conferências e palestras. Para aquele
visitante o edifício é testemunha de pelo menos dois momentos muito distintos da
história do lugar. Estabelece um convite à reflexão sobre a mutabilidade da cultura e da
própria sociedade onde vive. Evidencia o pertencimento daquele indivíduo como parte
de algo vivo, que se transforma e que continuará a transformar-se.
159
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