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Ao contrário do que ocorre entre os Katukina, não há qualquer pressa em se atribuir
publicamente os nomes de infância (vake ane) aos recém-nascidos. Via de regra, as crianças
só os recebem quando aprendem a andar, sendo chamadas até então de chenke (“bebê”).
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Alguns Marubo explicam que, até que comece a andar e falar, a criança é uma pessoa
incompleta. Outros parecem traduzir essa incompletude sob o signo da fragilidade, da
vulnerabilidade à morte. Em qualquer dos casos, os nomes precisariam ser preservados da
exposição pública até que lhes seja assegurada uma existência social, senão efetiva, ao menos
potencialmente alentadora.
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Crianças portadoras de deficiências físicas e, portanto, incapazes
de relações sociais plenas não recebem nomes, e caso o tenham recebido antes da deficiência
se manifestar, ele será abandonado e substituído pelo designativo de “aleijado” (txantô). Por
conseguinte, a escolha e a manutenção do nome de infância parecem estar subordinadas à
possibilidade real do portador reproduzir as relações por ele acionadas.
Com raríssimas exceções, o uso do nome “estrangeiro” restringe-se ao contexto
interétnico. Os nomes de infância ou tecnonímicos não são usados como vocativos para as
pessoas das gerações ascendentes (pais, tios e avós), que são chamados por termos de
parentesco. Os mais velhos, por sua vez, raramente o fazem deste modo: chamam os mais
novos por seus nomes próprios ou tecnonímicos. Entre as pessoas do mesmo nível geracional,
o uso dos nomes pessoais ou termos de parentesco é facultativo.
Os nomes de infância são proferidos sem qualquer restrição até a iniciação sexual dos
seus portadores masculinos e a primeira gestação de suas portadoras femininas. Depois disto,
eles são evitados, e os jovens passam a ser tratados por um tecnônimo.
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A atribuição do
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Isto não significa, no entanto, que o nome já não tenha sido escolhido, sendo comum que a mãe seja chamada
pelo tecnonímico de um filho, enquanto ele ainda é chamado de chenke.
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De acordo com Cofacci, os Katukina expressam uma ideia oposta: os nomes (hane) ajudam a viver mais, a
serem mais saudáveis. Em contrapartida, não ter nome algum deixa o corpo frágil, vulnerável às doenças, à
feitiçaria e, conseqüentemente, à morte. Conforme a autora, no contexto contemporâneo no qual o infanticídio já
não é praticado, a não atribuição de um nome configuraria uma forma de expô-los indiretamente à morte. Isto
explicaria por que algumas crianças recém-nascidas são rapidamente nomeadas, enquanto outras permanecem
até dois anos de idade sem que qualquer nome lhes seja atribuído: estas últimas são filhos “indesejáveis”
(Cofacci, 1997: 10-11). Entre os Matis, depois que a criança recebe um nome, se encerra a possibilidade de
infanticídio (Erikson, 1996). Entre os Marubo, o infanticídio (somente em recém-nascidos) é justificado no
nascimento de gêmeos (rave vake) e de crianças com deformações ou deficiências perceptíveis.
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A morte de uma pessoa dá início à evitação de seu nome, que será substituído por termos de parentesco ou por
expressões tecnonímicas (irmão de fulano, sobrinho de ciclano). No caso do morto ser um homem, os Marubo
também podem referir-se a ele utilizando um termo de parentesco ou o nome de um de seus filhos, prefixado à
expressão meraya (“encontrado”) que, neste caso, aparece traduzida como “pai morto”, por exemplo: en papa
meraya = “pai morto de meu pai”, Memãpa meraya = “pai morto de Memãpa”. De acordo com Mario
Kaninpapa, cacique da aldeia Rio Novo, meraya significava “pai” na “língua dos antigos”. A evitação dos nomes
de pessoas mortas é mais rigorosa entre os parentes mais próximos do falecido. No entanto, alguns antepassados
são referidos por seus nomes de infância acrescidos de sheni (“velho”), por exemplo: Tae sheni, Tama sheni,
Kemo sheni, Mispa sheni. A explicação, entre os Marubo, para o zelo com os nomes dos mortos é em parte